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UNIMAIS – Faculdade Educamais

Programa de Pós-Graduação lato sensu em Ciências Jurídicas Aplicadas à


Advocacia Pública -.

Rodrigo Fernandes Lima Britto

A Lei do Estado de São Paulo nº 15.556, de 29 de agosto de 2014 e a limitação do poder


legislativo à restrição de direitos fundamentais.

Barueri
2023
Rodrigo Fernandes Lima Britto

A Lei do Estado de São Paulo nº 15.556, de 29 de agosto de 2014 e a limitação do poder


legislativo à restrição de direitos fundamentais.

Artigo apresentado ao Programa de Pós-


Graduação lato sensu em Ciências Jurídicas
Aplicadas à Advocacia Pública -, da UNIMAIS
– Faculdade Educamais.

Barueri
2023
RESUMO

O presente trabalho tem como objeto a análise das limitações impostas ao


poder legislativo na restrição de direitos fundamentais, utilizando-se como enfoque o
estudo da constitucionalidade da Lei Estadual nº 15.556, de 29 de agosto de 2014
que visa restringir o uso de máscaras ou qualquer paramento que oculte o rosto da
pessoa em manifestações e reuniões.
.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais. Limitabilidade. Reserva Legal Simples


e Reserva Legal Qualificada. Restrições ao direito de livre manifestação do
pensamento e liberdade de reunião. Teoria do núcleo essencial. Princípio da
proporcionalidade.
INTRODUÇÃO

A Lei Estadual nº 15.556, de 29 de agosto de 20141, teve como origem o


Projeto de Lei n 50/2014 que apresentava como justificativa vedar o anonimato, que
é um ato antijurídico e ofensivo à nossa Constituição, além de ser também ato
preparatório para a prática de crimes, pontuando que as manifestações tornaram-se
palco quase que exclusivos de grupos autodenominados que costumam utilizar-se
de máscaras ou outros paramentos que dificultam a identificação individual, sendo
certo que referido comportamento tem esvaziado as legítimas manifestações e
prejudicado o direito dos demais cidadãos de bem de se manifestarem. 2”.
Antes de adentrar, propriamente, no questionamento sobre a
constitucionalidade da presente norma, teceremos alguns comentários sobre a
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, sem os quais não seria possível entender
seu âmbito de aplicação e os limites constitucionalmente impostos a eventuais
restrições.

1
LEI Nº 15.556, DE 29 DE AGOSTO DE 2014
(Projeto de lei nº 50/14, do Deputado Campos Machado - PTB e outros)
Restringe o uso de máscaras ou qualquer paramento que oculte o rosto da pessoa em manifestações e reuniões,
na forma que especifica, e dá providências correlatas
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO:
Faço saber que a Assembleia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei:
Artigo 1º - O Estado garantirá, nos termos dos incisos IV e XVI do artigo 5º da Constituição Federal, a
qualquer pessoa o direito à manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, e a reunir-se
pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não
frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à
autoridade competente, na forma desta lei.
Artigo 2º - Na manifestação e reunião a que se refere o artigo 1º, com o objetivo de assegurar que ninguém a
faça no anonimato, fica proibido o uso de máscara ou qualquer outro paramento que possa ocultar o rosto da
pessoa, ou que dificulte ou impeça a sua identificação.
Parágrafo único - A proibição a que se refere o “caput” deste artigo não se aplica às manifestações e
reuniões culturais incluídas no Calendário Oficial do Estado.
Artigo 3º - À proibição constitucional de portar armas nas manifestações e reuniões públicas, incluem-se as
de fogo, as armas brancas, objetos pontiagudos, tacos, bastões, pedras, armamentos que contenham artefatos
explosivos e outros que possam lesionar pessoas e danificar patrimônio público ou particular.
Artigo 4º - As manifestações e reuniões em locais e vias públicas, inclusive organizadas através das redes
sociais, na Internet, conforme previsão constitucional, deverão ser previamente comunicadas às Polícias Civil
e Militar, na forma de regulamento expedido pela Secretaria da Segurança Pública.
Artigo 5º - Para a preservação da ordem pública e social, da integridade física e moral do cidadão, do
patrimônio público e particular, bem como para a fiel observância do cumprimento desta lei, as Polícias Civil
e Militar efetuarão as devidas intervenções legais.
Artigo 6º - Esta lei deverá ser regulamentada até 180 (cento e oitenta) dias após a sua publicação.
Artigo 7º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
2
https://www.al.sp.gov.br/propositura. Acesso em 01/09/2023.
Considerando a dificuldade em conceituar-se os direitos fundamentais, não
sendo por certo este o objetivo do presente estudo, teceremos breves comentários a
respeito do tema, que de forma alguma pretendem esgotá-lo, mas tão somente,
fornecer uma compreensão mínima do que está sendo abordado.
Dentre os vários critérios utilizados para classificação dos direitos
fundamentais, nos apropriaremos daquele que, em que pese a divergência
doutrinária existente, é o mais utilizado, qual seja a divisão em gerações ou
dimensões.
No presente estudo, dedicaremos comentários apenas à 1ª dimensão, que
diz respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos (direitos civis e políticos),
uma vez que conforme se verá, os direitos sobre os quais o presente Projeto de Lei
atua (liberdade de reunião e a liberdade de manifestação do pensamento)
enquadram-se nos direitos de 1ª geração.
O objetivo do presente trabalho é estudar, sob o caso o concreto, a limitação
imposta ao poder legislativo no tocante a elaboração de normas restritivas de
direitos fundamentais, analisando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da
norma aprovada.
I – INTRODUÇÂO A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Os Direitos Fundamentais, sob uma perspectiva clássica, consistem em


direitos representativos das liberdades, sendo verdadeiros instrumentos de proteção
do indivíduo frente à atuação do Estado.
Constituem legítimas prerrogativas que, em um dado momento histórico,
concretizam as exigências de liberdade, igualdade e dignidade dos seres humanos,
assegurando ao homem uma digna convivência, livre e isonômica3.
No que tange a delimitação dos direitos fundamentais nos utilizaremos,
principalmente, do conceito de José Afonso da Silva, que os designa como:

“no nível positivo, aquelas prerrogativas e instituições que o [ordenamento


jurídico] concretiza em garantia de uma convivência digna, livre e igual de
todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que
se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se
realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive.4”

Por sua vez, Marcos Augusto Maliska, em seu livro O Direito à Educação e a
Constituição, afirma:

“Os direitos fundamentais, portanto, possuem assento especial nos textos


constitucionais, sendo elementos caracterizadores da noção de
Constituição. Inicialmente assumem o caráter de direitos negativos, que
importam uma restrição à ação do Estado para posteriormente, assumirem
uma postura ativa, exigindo ações positivas do Estado5”

De posse das presentes definições, que delineiam a essencialidade dos


direitos fundamentais avançaremos para a classificação clássica a respeito dos
direitos fundamentais:
Inicialmente, é preciso destacar que a expressão geração, deve ser
entendida no sentido de uma evolução histórica dos direitos fundamentais, uma vez
que eles foram construídos em diferentes momentos históricos.

3
PINTO, Alexandre Guimarães Gavião, Direitos Fundamentais – Legítimas Prerrogativas de Liberdade,
Igualdade e Dignidade. Revista de Direito nº 79-2009 - Disponibilizado no Banco do Conhecimento em
13/09/2010. Disponível em http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=ae67daf5-7ca9-408c-
93b6- Acesso em 10/10/2014. b58186a81197&groupId=10136 – Acesso em 10/10/2014.
4
DA SILVA, José Afonso, Curso de direito Constitucional positivo, São Paulo: Malheiros, 1992, pg.
163/164 apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.313.
5
MALISKA, Marcos Augusto, O Direito à Educação e a Constituição, Porto Alegre, 1ª ed, Sérgio
Antônio Fabris Editor, p. 42.
Não há que se falar aqui em substituição gradativa dos direitos, motivo pelo
qual, para evitar tal entendimento, alguns autores optam por se referir a dimensões
no lugar de gerações.
Neste sentido, André Ramos Tavares fala em dimensão ao invés de
geração:

“é preciso anotar que os autores têm preferido falar em gerações, querendo


significar gerações sucessivas de direitos humanos. A ideia de “gerações”
contudo, é equívoca, na medida em que dela se deduz que uma geração
substitui, naturalmente, à outra, e assim sucessivamente, o que não ocorre,
contudo, com as “gerações” ou “dimensões” dos direitos humanos. Daí a
razão da preferência pelo termo “dimensão6”.

Em que pese à clareza de exposição do posicionamento, como já delineado


a opção pelo termo dimensão/ geração é indiferente no presente estudo, bastando
para a devida compreensão que esteja claro que as dimensões ou gerações
realmente não se sucedem de maneira linear ou mecanicista.
Passemos agora a uma breve exposição das três primeiras gerações dos
direitos fundamentais, lembrando que o foco deste trabalho, como já outrora
afirmado, está alicerçado sobre a primeira geração dos direitos fundamentais.
Os direitos de primeira geração ou dimensão referem-se às liberdades
negativas clássicas, oriundos do período pós revolucionário do século XVIII,
marcado principalmente pelas ideologias políticas francesas e por seu teor
individualista (direitos de defesa, direitos do indivíduo frente ao Estado).
Por sua vez, os direitos fundamentais de segunda geração ou dimensão são
os chamados direitos sociais, que possuem origem na revolução industrial.
Baseiam-se na noção de igualdade material (redução de desigualdades),
impondo ao Estado obrigações de fazer, de prestar (direitos positivos, como saúde,
educação, moradia, segurança pública, alimentação).
Por fim, quanto aos chamados direitos de terceira geração ou dimensão,
originam-se nos princípios da solidariedade e da fraternidade, possuindo como
escopo a proteção de interesses cuja titularidade é coletiva, não se destinando
especificamente à proteção dos interesses individuais, são só chamados direitos
transindividuais.
Considerando que o estudo em questão, tem por enfoque principal as
restrições aplicadas aos direitos fundamentais de primeira geração, colha-se
6
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p.358.
ensinamento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, ao
caracterizar a primeira geração de direitos fundamentais:

“... A primeira delas abrange os direitos referidos nas Revoluções americana


e francesa. São os primeiros a ser positivados, daí serem ditos primeira
geração. Pretendia-se, sobretudo, fixar uma esfera de autonomia pessoal
refratária às expansões do Poder. Daí esses direitos traduzirem-se em
postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer,
de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo... Referem-
se a liberdades individuais, como a de consciência, de culto, à
inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião...7”

No mesmo sentido leciona Paulo Bonavides:

“os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o


indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou
atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais
característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o
Estado8”

Os direitos fundamentais, indiscutivelmente, possuem múltiplas funções


perante a sociedade e a ordem jurídica, sendo igualmente múltiplas as teorias que
buscam delimitá-las.
Apesar de desenvolvida no final do século XIX, ainda hoje, a Teoria
desenvolvida pelo jurista e filósofo alemão, Georg Jellinek9, é o ponto de partida para
outros desenvolvimentos doutrinários.
Destacamos a presente teoria, uma vez que a partir dela foi desenvolvida a
teoria que permitiu delimitar três espécies de direitos fundamentais – direitos de
defesa (ou direitos de liberdade), os direitos a prestações (ou direitos cívicos) e os
direitos de participação.

7
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.309.
8
BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 25ª edição, pg.563/564.
9
Segunda a teoria dos quatro status de Jellinek a relação indivíduo com o Estado pode se dar de quatro
diferentes maneiras: o passivo (status subjectionis), o ativo (Status activus civitates), o negativo (Status
libertatis) e o positivo (Status civitates).
No passivo o indivíduo encontra-se em posição de subordinação com relação aos poderes públicos,
possuindo o Estado, dessa forma, poderes para para vincular o indivíduo, através de mandamentos e proibições.
No ativo, por sua vez, é o indivíduo quem possui o poder de interferir na formação da vontade do
Estado, representando clara manifestação dos direitos políticos, o qual é concretizado principalmente através do
voto.
No status negativo encontra-se o espaço que o indivíduo tem para agir livre da atuação do Estado,
podendo autodeterminar-se sem ingerência estatal, uma vez que, conforme afirmado por Jellinek “a autoridade
do Estado é exercida sobre homens livres”
Por fim, o positivo consiste na possibilidade do indivíduo exigir atuações positivas do Estado em seu favor.
Os direitos de defesa possuem como principal característica impor ao
Estado um dever de não interferir no espaço de autodeterminação do indivíduo,
assemelhando-se ao Status libertatis, descrito na teoria de Jellinek.
Segundo Gilmar Mendes “Esses direitos objetivam a limitação da ação do
Estado. Destinam-se a evitar a ingerência do Estado sobre os bens protegidos
(liberdade, propriedade...) e fundamentam pretensão de reparo pelas agressões
eventualmente consumadas10”
Segundo o autor, grande parte dos direitos de defesa estão descritos no
artigo 5º da Constituição Federal, dentre os quais incluem-se, expressamente, a
liberdade de manifestação do pensamento e o direito de reunião.
Desta forma, no caso concreto, estamos diante da possibilidade ou não de
restrição de direitos fundamentais de defesa, pertencentes à primeira geração ou
dimensão dos direitos fundamentais.

II - A LIMITABILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 Da relativização dos direitos fundamentais:

A limitabilidade ou relatividade dos direitos fundamentais é aspecto essencial


na análise da constitucionalidade do presente Projeto de Lei, uma vez que trata
justamente disto, acrescentar uma restrição não prevista pela Constituição ao pleno
exercício do direito fundamental de reunião.
É consenso doutrinário e jurisprudencial que nenhum direito constitucional,
nem mesmo os previstos pelo artigo 5º, são absolutos. Os direitos fundamentais
podem ser relativizados, seja porque podem entrar em conflito entre si, seja porque
nenhum direito fundamental pode ser usado como justificativa para a prática de
ilícitos.
Nos dizeres de Paulo Gustavo Gonet Branco:

“(...)Até o elementar direito á vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a,


do art. 5º, em que se contempla a pena de morte em caso de guerra
formalmente declarada11”

10
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.332/334.
11
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.309.
Nesse sentido manifestação do STF no RMS 23.452/RJ12:

“(...)OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER


ABSOLUTO.
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se
revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse
público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades
legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos
estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas,
desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O
estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico
a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa -
permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de
um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a
assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou
garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com
desrespeito aos direitos e garantias de terceiros (...)”.

Desta forma, em regra, não há proibição absoluta para a restrição ou


mitigação de um direito fundamental, havendo casos, inclusive, de aplicação de um
direito em detrimento de outro.
Os direitos fundamentais encontram-se limitados, basicamente, em três
situações distintas: concorrência de direitos, liberdade de conformação e a reserva
legal.
A concorrência de direitos (conflito entre dois direitos fundamentais,
resolvido segundo STF de acordo com o caso concreto) e a liberdade de
conformação (rol de direitos fundamentais que precisam ser concretizados pelo
legislador).
A concorrência de direitos e a liberdade de conformação (enquanto liberdade
de definição) não serão abordadas no presente momento, uma vez que a norma que
se pretende aprovar está diretamente relacionada à limitação referente à reserva
legal.

2.2 Da imitação pela reserva legal

A liberdade de conformação, também pode ser verificada em aspecto


diverso daquele conferido pela liberdade de definição, quando ao legislador é
autorizado especificar e regulamentar o âmbito de incidência de um direito
fundamental.
Nestes casos, configura-se a chamada limitação pela reserva legal.
12
(MS 23452, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999, DJ 12-05-
2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086) p.20
Segundo ensinamentos do Ministro Gilmar Mendes:

“Os direitos individuais enquanto direitos de hierarquia constitucional


somente podem ser limitados por expressa disposição constitucional
(restrição imediata) ou mediante lei ordinário promulgada com fundamento
imediato na própria Constituição (restrição mediata)
(…)
Consideram-se restrições legais aquelas limitações que o legislador impõe a
determinados direitos individuais respaldado em expressa autorização
constitucional. Os diversos sistemas constitucionais preveem diferentes
modalidades de limitação ou restrição dos direitos individuais, levando em
conta a experiência histórica e tendo em vista considerações de índole
sociológica ou cultural”13.

A Constituição Federal Brasileira de 1988, não definiu os parâmetros gerais


para a regulamentação das modalidades de limitação ou restrição de direitos. A
título exemplificativo colha-se dispositivos presentes nas Constituições de Portugal e
da Alemanha14:

Art. 18 – Constituição de Portugal


1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e
garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e
privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos
expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se
ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir
carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a
extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Art. 19. - Constituição da Alemanha


1. Quando, segundo esta Lei Fundamental, um direito fundamental for
restringido por lei ou em virtude de lei, essa lei será aplicada de maneira
geral e não apenas para um caso particular. Além disso, a lei deverá
especificar o direito fundamental afetado e o artigo que o prevê.
2. Em hipótese nenhuma um direito fundamental poderá ser afetado em sua
essência.
3. Os direitos fundamentais se aplicarão igualmente às pessoas jurídicas
nacionais, na medida em que a natureza desses direitos o permitir.
4. Quem tiver seus direitos lesados pelo Poder Público poderá recorrer à via
judicial. Não havendo foro especial, o recurso deverá ser encaminhado à
Justiça comum. Este parágrafo não interferirá no disposto na segunda frase
do § 2 do artigo 10.

Embora não prevista expressamente na Constituição, a limitação através da


reserva legal não encontra maiores restrições na doutrina e jurisprudência pátria.

13
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.381/382.
14
PONTES, Bruno Cézar da Luz, A AGU, A “LEI DA MORDAÇA” E A SOCIEDADE, disponível em
http://unafe.org.br/wp-content/plugins/downloads-manager/upload/CE%2015-07-2011%20A%20AGU
%20%20a%20lei%20da%20morda%C3%A7a%20e%20a%20sociedade.pdf , acesso em 21/05/2014.
A reserva legal, por sua vez, divide-se ainda em duas situações distintas,
quais sejam, a reserva legal simples e a reserva legal qualificada.

2.2.1 Reserva legal simples

A reserva legal simples é aquela em que a constituição autoriza a


intervenção do legislador no âmbito de proteção dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, Canotilho leciona15:

“Quando nos preceitos constitucionais se prevê expressamente a


possibilidade
de limitação dos direitos, liberdades e garantias, fala-se em direitos sujeitos
a reserva de lei restritiva. Isso significa que a norma constitucional é
simultaneamente: (1) uma norma de garantia, porque reconhece e garante
um determinado âmbito de proteção ao direito fundamental; (2) uma norma
de autorização de restrições, porque autoriza o legislador a estabelecer
limites ao âmbito de proteção constitucionalmente garantido”.

Em seu livro, Curso de Direito Constitucional, Gilmar Mendes, fornece um rol


exemplificativo de normas sujeitas a reserva legal na Constituição Brasileira:

“Tal como referido, a leitura de alguns incisos do art. 5º do texto


constitucional explicita outros exemplos de reserva legal simples:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o


livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva;
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e
prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
Constituição;
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que
trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de
débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os
meios de financiar o seu desenvolvimento;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução
da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que
criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às
respectivas representações sindicais e associativas;
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio
temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à
15
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 788.
Coimbra: Almedina, 2007.
propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos
distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento
tecnológico e econômico do País;
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas
no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
(Regulamento) (Vide Lei nº 12.527, de 2011)
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a
obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos
termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o
limite do valor do patrimônio transferido;
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as
seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
XLVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal,
salvo nas hipóteses previstas em lei”;

2.2.2 Reserva Legal Qualificada

Por outro lado, tem-se uma reserva legal qualificada quando a Constituição
não apenas limita a exigência de determinada restrição seja prevista em lei, como,
ela mesma, fornece as condições especiais, os fins a serem perseguidos e a
limitação aos meios utilizados.
Como exemplo mais citado da norma constitucional da reserva legal
qualificada, cita-se o artigo 5º, XIII, da Constituição Federal de 1998:

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas


as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

No dispositivo em questão, observa-se que as restrições legais a liberdade


de exercício profissional estão diretamente limitadas aos aspectos referentes as
qualificações profissionais, tendo, o Constituinte delimitado no próprio mandato
constitucional os limites de atuação16.
Mais restritiva, ainda, é a previsão a limitação constante no inciso XII 17,
referente a quebra de sigilo das comunicações telefônicas, onde a própria
constituição já prevê as possibilidades de quebra.

16
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.388/389.
17
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
III – DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS RESTRINGIDOS NO CASO CONCRETO:

3.1 Do direito fundamental à liberdade de reunião

No tocante ao direito de Reunião, embora, não se encontre, salvo melhor


juízo, posicionamento pacificamente consolidado, afigura-se como espécie de norma
constitucional com reserva legal qualificada, sendo, inclusive, sua limitação imposta
pelo próprio texto constitucional.
Nesse sentido:

Em simetria ao direito alemão (artigo 8, 1, da Lei Fundamental da RFA)


indicado por Alexy, há no modelo brasileiro, como exemplo de restrição
diretamente constitucional, o direito de reunião (sem armas e sem frustrar
outra reunião antes convocada para o mesmo local) previsto no inciso XVI
do artigo 5. da atual Constituição Federal brasileira, eis que nesse caso a
própria constituição estabelece o limite de intervenção no direito
fundamental de reunião.
De outro ponto, as restrições indiretamente constitucionais ficam reservadas
ao legislador (representante do povo) a possibilidade de, nos termos de lei
específica, estabelecer os limites da intervenção no direito fundamental.
Percebe-se que entre essas modalidades de restrição de direito
fundamental há clara distinção. Na verdade, no plano constitucional dar-se-á
a restrição constitucional de direito fundamental apenas na hipótese feita
diretamente pela própria constituição, vez que na via indireta o que ocorre é
a fixação de uma norma de competência autorizativa da restrição, não a
restrição propriamente dita. No dizer de Alexy, a norma de competência
apenas serve de fundamento para a possibilidade jurídica da restrição nela
referida.
A hipótese de restrição diretamente constitucional não deixa maiores
questionamentos, vez que o âmbito de proteção ou o alcance da restrição é
expressamente definido pela constituição, servindo de exemplo o já citado
direito de reunião18.
(Artigo de Edimar Carmo da Silva - Promotor de Justiça do MPDFT.
Especialista em Sistema de Justiça Criminal (UFSC). Mestre em Ciências
Criminais (PUCRS) -).

Desta forma, a Própria Constituição teria delimitado as restrições aplicáveis


ao direito de reunião, quais sejam: (1) reunião pacífica; (2) sem armas; (3) locais
abertos ao público; (4) sendo apenas exigido prévio aviso a autoridade competente.

Previu ainda, excepcionalmente, a mitigação do direito de reunião nos casos


de decretação de estado de sítio ou de defesa.

18
DA SILVA, Edimar Carmo, A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: A restrição de direitos
como tutela penal e o devido processo legal, Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7512, acesso em 22/05/2014.
Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República
e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar
ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem
pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade
institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na
natureza.
§ 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua
duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e
limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
I - restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;

Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art.


137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I - obrigação de permanência em localidade determinada;
II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por
crimes comuns;
III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das
comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa,
radiodifusão e televisão, na forma da lei;
IV - suspensão da liberdade de reunião;
V - busca e apreensão em domicílio;
VI - intervenção nas empresas de serviços públicos;
VII - requisição de bens.

3.2 Da liberdade de manifestação do pensamento

Já no que diz respeito a liberdade de manifestação do pensamento, também


enquadra-se no rol de normas restringidas pela própria Constituição, que veda, em
seu próprio texto, o anonimato.
O capítulo V da Constituição, que trata da Comunicação Social, é mais
explicito, ainda, ao destacar em seu artigo 220:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a


informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer
restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à
plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística.

Nesse sentido, na própria norma constitucional estão previstos limites a


serem aplicados no exercício do direito fundamental previsto.
Não foi outro o posicionamento adotado Pelo Supremo Tribunal Federal:
ACÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE
“INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO” DO § 2º DO ART. 33
DA LEI Nº 11.343/2006, CRIMINALIZADOR DAS CONDUTAS DE
“INDUZIR, INSTIGAR OU AUXILIAR ALGUÉM AO USO INDEVIDO DE
DROGA”. 1. Cabível o pedido de “interpretação conforme à Constituição” de
preceito legal portador de mais de um sentido, dando-se que ao menos um
deles é contrário à Constituição Federal. 2. A utilização do § 3º do art. 33 da
Lei 11.343/2006 como fundamento para a proibição judicial de eventos
públicos de defesa da legalização ou da descriminalização do uso de
entorpecentes ofende o direito fundamental de reunião, expressamente
outorgado pelo inciso XVI do art. 5º da Carta Magna. Regular exercício das
liberdades constitucionais de manifestação de pensamento e expressão, em
sentido lato, além do direito de acesso à informação (incisos IV, IX e XIV do
art. 5º da Constituição Republicana, respectivamente). 3. Nenhuma lei, seja
ela civil ou penal, pode blindar-se contra a discussão do seu próprio
conteúdo. Nem mesmo a Constituição está a salvo da ampla, livre e aberta
discussão dos seus defeitos e das suas virtudes, desde que sejam
obedecidas as condicionantes ao direito constitucional de reunião, tal como
a prévia comunicação às autoridades competentes. 4. Impossibilidade de
restrição ao direito fundamental de reunião que não se contenha nas duas
situações excepcionais que a própria Constituição prevê: o estado de
defesa e o estado de sítio (art. 136, § 1º, inciso I, alínea “a”, e art. 139,
inciso IV). 5. Ação direta julgada procedente para dar ao § 2º do art. 33 da
Lei 11.343/2006 “interpretação conforme à Constituição” e dele excluir
qualquer significado que enseje a proibição de manifestações e debates
públicos acerca da descriminalização ou legalização do uso de drogas ou de
qualquer substância que leve o ser humano ao entorpecimento episódico,
ou então viciado, das suas faculdades psicofísicas.

(STF - ADI: 4274 DF , Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento:


23/11/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-084 DIVULG 30-04-2012 PUBLIC 02-05-2012)

Embora, diga respeito às comunicações sociais em específico, não se pode


deixar de abordar, que a proteção a está liberdade, nada mais é do que espécie, da
qual a liberdade de manifestação de pensamento é o gênero.
Nesse sentido:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL


(ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME
CONSTITUCIONAL DA "LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA",
EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A "PLENA"
LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA
DE QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA
LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS
LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE
INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA,
INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO
CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO
SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA EMANAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO
CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO
PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO
PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA,
CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA
FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO
PROLONGADOR.
(…)
3. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO
SEGMENTO PROLONGADOR DE SUPERIORES BENS DE
PERSONALIDADE QUE SÃO A MAIS DIRETA EMANAÇÃO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A LIVRE MANIFESTAÇÃO DO
PENSAMENTO E O DIREITO À INFORMAÇÃO E À EXPRESSÃO
ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL.
TRANSPASSE DA NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS
PROLONGADOS AO CAPÍTULO CONSTITUCIONAL SOBRE A
COMUNICAÇÃO SOCIAL.
(...)
(STF - ADPF: 130 DF , Relator: Min. CARLOS BRITTO, Data de
Julgamento: 30/04/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-208
DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-
00001)

Superada a limitação formal dos limites a relativização dos direitos


fundamentais, ainda é preciso, conforme se verá adiante, que a limitação
apresentada não represente em comprometimento da núcleo essencial do direito
restringido ou regulado.

IV – A análise de Constitucionalidade da norma

Restrições ao direito de livre manifestação do pensamento e liberdade de


reunião

Sob a ótica do direito de livre manifestação do pensamento, não parece


haver qualquer restrição evidente quanto à proibição de ocultação da identidade,
uma vez que a própria Constituição veda o anonimato.
Ressalte-se, contudo, que o STF na ADI 3741/DF 19, declarou com todas as
letras, que “a garantia da liberdade de expressão e do direito à informação é livre e
plural, indissociável da ideia de democracia”:
Colha-se trecho do voto do Ministro Relator:

“(...)Cumpre notar que as restrições admissíveis ao direito à informação são


estabelecidas na própria Carta Magna, e dizem respeito à proibição do
anonimato, ao direito de resposta e à indenização por dano material ou
moral, à proteção da intimidade, privacidade, honra e imagem da pessoa, ao
livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e, finalmente, ao
resguardo do sigilo da fonte, quando necessário. O que a Constituição
protege, nesse aspecto, é exatamente, na precisa lição de José Afonso da
Silva, ´a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou
idéias por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo
cada qual pelos abusos que cometer´. A liberdade de expressão do
pensamento, portanto, completa-se no direito à informação, livre e plural,
19
STF, ADI 3741/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJ 23.02.2007, p. 16
que constitui um valor indissociável da idéia de democracia no mundo
contemporâneo.
Trata-se de um direito tão importante para a cidadania que somente pode
ser suspenso na vigência do estado de sítio, a teor do art. 139, III, da Carta
Magna, decretado nos casos de ´comoção grave de repercussão nacional”
ou, ainda, de ´declaração de guerra ou resposta à agressão armada´ (art.
137, I e II).

Assim, embora paire dúvida sobre o tema, é possível admitir-se que em tese
a Lei Estadual não visa outro objetivo que não dar aplicação a vedação do
anonimato, condição já atribuída pela própria Constituição Federal para o exercício
do direito de livre manifestação do pensamento.
Entretanto, não estamos diante de mera vedação, por exemplo, de
publicação de periódico ou de denúncia apócrifa, mas sim da regulamentação de um
direito não só individual como também coletivo, uma vez que em uma manifestação
popular, não cabe, em regra, restringir as insatisfações e reivindicações proferidas a
uma só voz.
Nesse aspecto a norma apresenta-se como Inconstitucional, uma vez que o
legislador infraconstitucional pretende impor restrição a direito fundamental em
desacordo com os limites e objetivos que lhe foram concedidos pela própria
Constituição.
Conforme demonstrado anteriormente, o direito a liberdade de reunião é
justamente um direito de defesa, com intuito de proteger o cidadão e a coletividade
do Estado.
Some-se a isso o fato de ser considerado um direito de reserva legal
qualificada, onde o próprio Constituinte já editou os limites máximos de restrição a
serem aplicados, e estamos diante de uma violação ao limite de relativização desta
garantia individual.
Nesse sentido destaque-se o Informativo nº 631/2011 do Supremo Tribunal
Federal:

Informativo 631/2011 do STF


Liberdades fundamentais e “Marcha da Maconha” - 5
(...)
Concluiu-se que a defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas
ou de proposta abolicionista a outro tipo penal, não significaria ilícito penal,
mas, ao contrário, representaria o exercício legítimo do direito à livre
manifestação do pensamento, propiciada pelo exercício do direito de
reunião. O Min. Luiz Fux ressalvou que deveriam ser considerados os
seguintes parâmetros: 1) que se trate de reunião pacífica, sem armas,
previamente noticiada às autoridades públicas quanto à data, ao horário, ao
local e ao objetivo, e sem incitação à violência; 2) que não exista incitação,
incentivo ou estímulo ao consumo de entorpecentes na sua realização; 3)
que não ocorra o consumo de entorpecentes na ocasião da manifestação ou
evento público e 4) que não haja a participação ativa de crianças e
adolescentes na sua realização.
ADPF 187/DF, rel. Min. Celso de Mello, 15.6.2011. (ADPF-187)

Não é outro o posicionamento do Constitucionalista José Afonso da Silva20:

“a liberdade de reunião é daquelas que podemos denominar de liberdade-


condição, porque, sendo um direito em si, constitui também condição para o
exercício de outras liberdades: de manifestação do pensamento, de
expressão de convicção filosófica, religiosa, científica e política, e de
locomoção” -

A Lei Estadual em comento, em um primeiro prisma pode se considerar para


além dos limites traçados pela Constituição Federal no tocante ao exercício do
direito de reunião21.
Acrescente-se, aos argumentos apresentados, o fato de o Brasil ser
signatário de vários tratados internacionais, que como se sabe, em regra, quando
versarem sobre direitos humanos, possuem valor de normas supralegais, salvo se
aprovados nos termos do artigo 5º, §3º da CF.
Nesse sentido, por exemplo, o Decreto Nº 592, de 6 de julho de 1992. -
Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos e o Decreto n° 678, de 6 de
novembro de 1992 - Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica).

Decreto Nº 592, de 6 de julho de 1992. - Pacto Internacional Sobre os


Direitos Civis e Políticos
ARTIGO 21
O direito de reunião pacifica será reconhecido. O exercício desse direito
estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam
necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança
nacional, da segurança ou da ordem pública, ou para proteger a saúde ou a
moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da


Costa Rica) - DECRETO N° 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992

ARTIGO 13
Liberdade de Pensamento e de Expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão.
Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir
informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras,

20
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 35ª edição, revista e atualizada. Editora
Malheiros, página 265.)
21
Pode-se o cidadão reunir-se, independente de autorização, desde que pacificamente, sem armas, e com
aviso prévio as autoridades.
verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por
qualquer outro processo de sua escolha.
O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a
censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar:
a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da
moral pública.
(...)
ARTIGO 15
Direito de Reunião
É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício de tal
direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei e que sejam
necessárias, uma sociedade democrática, no interesse da segurança
nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou
a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas.

Portanto, sob a ótica da competência restritiva atribuída ao legislador


infraconstitucional para a limitação do direito posto, registra-se que a norma
tangencial os aspectos de inconstitucionalidade formal da norma.
O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, mesmo vislumbrando a
importância do tema, em especial ao reconhecer a repercussão geral no Recurso
Extraordinário com Agravo 905.149 que trata da Lei nº 6.528/2013, do Rio de
Janeiro, que proíbe o uso de máscaras em protestos ao determinar regras para atos
públicos, não julgou definitivamente o tema, que permanece em aberto22.

V - LIMITAÇÃO MATERIAL AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

5.1 Núcleo essencial dos direitos fundamentais

Entretanto, levando-se em conta a seriedade do tema tratado, é preciso


avançar na análise enfrentando, ainda, a constitucionalidade material do Projeto de
Lei apresentado.
Além do instituto da reserva legal, a relativização dos direitos fundamentais
está relacionada ainda a manutenção de seu núcleo essencial, que permite a
garantia de manutenção dos elementos constituintes do âmbito de proteção da
norma constitucional.
A teoria do núcleo essencial, resumidamente, determina que o legislador ao
optar pela restrição de determinado direito fundamental, não pode ultrapassar

22
Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4819708. Acesso em 25/09/2023.
determinado marco fronteiriço, acabando por esvaziar o próprio escopo com o qual o
direito foi instituído.
Existem inúmeras teorias a respeito do que seria o núcleo essencial da
norma, não tendo nossa Constituição Federal F previsto expressamente qualquer
norma que se permita aferir este ou aquele posicionamento.
O Ministro Gilmar Mendes, no voto proferido no curso do HC nº
82.959/200623, expôs, resumidamente, estas teorias:

“(...)O significado de semelhante cláusula e da própria idéia de proteção do


núcleo essencial não é unívoco na doutrina e na jurisprudência.
No âmbito da controvérsia sobre o núcleo essencial suscitam-se indagações
expressas em dois modelos básicos:
(1) Os adeptos da chamada teoria absoluta ("absolute Theorie") entendem o
núcleo essencial dos direitos fundamentais (Wesensgehalt) como unidade
substancial autônoma (substantieller Wesenskern) que, independentemente
de qualquer situação concreta, estaria a salvo de eventual decisão
legislativa[9]. Essa concepção adota uma interpretação material, segundo a
qual existe um espaço interior livre de qualquer intervenção estatal[10]. Em
outras palavras, haveria um espaço que seria suscetível de limitação por
parte do legislador; outro seria insuscetível de limitação. Nesse caso, além
da exigência de justificação, imprescindível em qualquer hipótese, ter-se-ia
um “limite do limite” para a própria ação legislativa, consistente na
identificação de um espaço insuscetível de regulação.
(2) Os sectários da chamada teoria relativa ("relative Theorie") entendem
que o núcleo essencial há de ser definido para cada caso, tendo em vista o
objetivo perseguido pela norma de caráter restritivo. O núcleo essencial
seria aferido mediante a utilização de um processo de ponderação entre
meios e fins (Zweck-Mittel-Prüfung), com base no princípio da
proporcionalidade[11]. O núcleo essencial seria aquele mínimo insuscetível
de restrição ou redução com base nesse processo de ponderação[12].
Segundo essa concepção, a proteção do núcleo essencial teria significado
marcadamente declaratório.
Gavara de Cara observa, a propósito, que, para a teoria relativa, “o
conteúdo essencial não é uma medida pré-estabelecida e fixa, uma vez que
não se trata de um elemento autônomo ou parte dos direitos
fundamentais”[13]. Por isso, segundo Alexy, a garantia do art. 19, II, da Lei
Fundamental alemã, não apresenta, em face do princípio da
proporcionalidade, qualquer limite adicional à restrição dos direitos
fundamentais[14].
Tanto a teoria absoluta quanto a teoria relativa pretendem assegurar uma
maior proteção dos direitos fundamentais, na medida em que buscam
preservar os direitos fundamentais contra uma ação legislativa
desarrazoada[15].
Todavia, todas elas apresentam insuficiências.
É verdade que a teoria absoluta, ao acolher uma noção material do núcleo
essencial[16], insuscetível de redução por parte do legislador, pode
converter-se, em muitos casos, numa fórmula vazia, dada a dificuldade ou
até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto
a existência desse mínimo essencial. É certo, outrossim, que a idéia de uma
proteção ao núcleo essencial do direito fundamental, de difícil identificação,
pode ensejar o sacrifício do objeto que se pretende proteger[17]. Não é
preciso dizer também que a idéia de núcleo essencial sugere a existência

23
STF, HC 82.959, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ 1/09/2006.
clara de elementos centrais ou essenciais e elementos acidentais, o que
não deixa de preparar significativos embaraços teóricos e práticos[18].
Por seu turno, uma opção pela teoria relativa pode conferir uma flexibilidade
exagerada ao estatuto dos direitos fundamentais, o que acaba por
descaracterizá-los como princípios centrais do sistema constitucional[19].
Por essa razão, propõe Hesse uma fórmula conciliadora, que reconhece no
princípio da proporcionalidade uma proteção contra as limitações arbitrárias
ou desarrazoadas (teoria relativa), mas também contra a lesão ao núcleo
essencial dos direitos fundamentais[20]. É que, observa Hesse, a
proporcionalidade não há de ser interpretada em sentido meramente
econômico, de adequação da medida limitadora ao fim perseguido, devendo
também cuidar da harmonização dessa finalidade com o direito afetado pela
medida[21].
(…)

Por sua vez, de maneira que resumidamente define o que se busca na


proteção do núcleo essencial, tendo em vista a insuficiência das teorias fomentadas,
Daniel Sarmento leciona que:

“Um limite que a doutrina impõe à ponderação de interesses é o respeito ao


núcleo essencial dos direitos fundamentais. Considera-se que existe um
conteúdo mínimo destes direitos, que não pode ser amputado, seja pelo
legislador, seja pelo aplicador do Direito. Assim, o núcleo essencial traduz o
“limite dos limites”, ao demarcar um reduto inexpugnável, protegido de
qualquer espécie de restrição”.
(SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal.
3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 111.)

Desta forma, seria preciso delimitar o núcleo essencial dos direitos que se
pretendem restringir, para analisar o impacto da proibição pretendida.
Inegavelmente, esta tarefa é altamente complexa e subjetiva, não sendo
possível delimitar com clareza e sem dúvidas o núcleo essencial deste ou daquele
direito fora do caso concreto.
Conforme visto, os direitos aqui abordados constituem-se em direitos de 1ª
geração, e em direitos de defesa, possuindo, portanto, como primazia a fixação de
uma esfera de autonomia pessoal refratária às expansões do Poder Estatal que
objetivam, justamente, a limitação da ação do Estado. Buscam evitar a ingerência do
Estado sobre os bens protegidos (liberdade, propriedade...) um dever de não
interferir no espaço de autodeterminação do indivíduo.
As manifestações populares possuem, portanto, um condão de garantir aos
indivíduos a possibilidade de demonstrar sua insatisfação contra o Estado e de exigir
as melhorias e mudanças que julgar necessárias.

VI – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE


O processo legislativo, obviamente, não se furta a observância de todas as
regras e princípios Constitucionais, dentre os quais se encontra o princípio da
proporcionalidade.
Referido princípio, segundo a doutrina mais tradicional subdividisse nos
subprincípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido
estrito.
Por meio da aplicação desses subprincípios, é possível determinar a
legitimidade dos atos praticados, com vistas a verificar se respeitam a justa medida,
a proporção entre causa e efeito, entre meio e fim.
De acordo com o doutrinador alemão, Konrad Hesse24:

“A limitação de direitos fundamentais deve, por conseguinte, ser adequada


para
produzir a proteção do bem jurídico, por cujo motivo ela é efetuada. Ela
deve ser necessária para isso, o que não é o caso, quando um meio mais
ameno bastaria. Ela deve, finalmente, ser proporcional em sentido restrito,
isto é, guardar relação adequada com o peso e o significado do direito
fundamental.”.

Em concepção um pouco diversa, vem sendo admitidos, como elementos da


proporcionalidade, no âmbito do STF, sem entrar no mérito das divergências
doutrinárias e etimológicas, tendo por base doutrina originária do direito alemão: a
adequação, a necessidade (exigibilidade) e a proporcionalidade em sentido estrito.
Os dois primeiros correspondem à idoneidade do meio para atingir o fim
(adequação) e à imprescindibilidade de sua utilização (necessidade).
No tocante a proporcionalidade em sentido estrito, esta tem por base
investigar se o ato não utilizou o meio de forma exagerada ou insuficiente,
realizando uma análise quantitativa entre causa e efeito, meio e fim, ato e
conseqüência jurídica.
Nesse sentido:

“Cuida-se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente


previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade
(Verhältnismässigkeitsprinzip), isto é, de se proceder à censura sobre a
adequação (Geeignetheit) e a necessidade (Erforderlichkeit) do ato
legislativo.
(...) A violação ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso
(Verhältnismässigkeitsprinzip; Übermassverbot), que se revela mediante
24
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, p. 256.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, apud João Trindade Carvalho Filho,
www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/
joao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf.
contraditoriedade, incongruência, e irrazoabilidade ou inadequação entre
meios e fins”
(CANOTILHO, Direito Constitucional, 6a. edição, Coimbra, 1993, p. 617-
618; SCHNEIDER, Hans. Zur Verhältnismässigkeits-Kontrolle insbesondere
bei Gesetzen, in: Starck, Christian (org.), Bundesverfassungsgericht und
Grundgesetz, Tübingen, 1976, vol. 2, p. 392., apud Ferreira Mendes, Gilmar,
O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal: novas leituras, p. 1-2.. )

Desta forma, levando-se em conta o caso específico, não é possível


vislumbrar uma desproporcionalidade da medida que se pretende adotar.
Vejamos, a proibição de ocultação ou dificultação da identificação dos
manifestantes tem por objetivo, em linhas gerais, segundo a própria justificativa do
poder legislativo, impedir que pessoas “camufladas” utilizem-se do anonimato para
praticar atos de desordem e destruição do patrimônio público e particular, impedindo
os verdadeiros cidadãos de exercer o seu direito de manifestação.
Inicialmente, cumpre destacar que a medida proposta, não parece se
demonstrar adequada para garantir sob qualquer aspecto uma maior efetividade a
proteção da incolumidade dos locais públicos durante a manifestação, nem
tampouco a ampliação da participação e garantia do direito de manifestação dos
demais cidadãos.
Da mesma forma, a restrição que se pretende impor a direitos fundamentais,
explicitamente, previstos na Constituição, não é, sobremaneira, imprescindível,
afigurando-se desnecessária e podendo ser alcançada por outros meios.
Não são estes, contudo, os aspectos que se afiguram mais desproporcionais
em razão da proteção que, supostamente, se pretende alcançar.
Os vândalos, desordeiros e destruidores somente podem ser
responsabilizados por atos que de fato cometerem e não pelo potencialidade de sua
conduta.
O próprio Senado Federal reconheceu a desproporcionalidade da medida
preventiva, apontando como medida proporcional ao fato o agravamento da conduta
delituosa quando praticado mediante a dissimulação ou ocultação da identidade.
Nesse sentido decisão proferida na ADI nº 1969:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO 20.098/99, DO


DISTRITO FEDERAL. LIBERDADE DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO
PÚBLICA. LIMITAÇÕES. OFENSA AO ART. 5º, XVI, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. I. A liberdade de reunião e de associação para fins lícitos
constitui uma das mais importantes conquistas da civilização, enquanto
fundamento das modernas democracias políticas. II. A restrição ao direito de
reunião estabelecida pelo Decreto distrital 20.098/99, a toda evidência,
mostra-se inadequada, desnecessária e desproporcional quando
confrontada com a vontade da Constituição (Wille zur Verfassung). III. Ação
direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do Decreto
distrital 20.098/99.
(STF - ADI: 1969 DF , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de
Julgamento: 28/06/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-092
DIVULG 30-08-2007 PUBLIC 31-08-2007 DJ 31-08-2007 PP-00029 EMENT
VOL-02287-02 PP-00362 RTJ VOL-00204-03 PP-01012 LEXSTF v. 29, n.
345, 2007, p. 63-88)

CONCLUSÃO

Embora, possa-se pensar, em um primeiro momento, que a proibição de


utilização de qualquer artifício que impossibilite a identificação durante
manifestações, não interfira no direito de livre manifestação do pensamento e no
direito de reunião, não é está a conclusão que se chega, uma vez que a limitação
inibe, por exemplo, a participação daqueles que de algum modo temem qualquer
tipo de represália proveniente de sua identificação, seja ela no trabalho, na família
ou em próprias situações futuras perante o Estado.
Evidente que não há legitimidade para retaliação por parte do Estado, pelo
simples motivo de indivíduo manifestar-se contrariamente a sua política, entretanto,
nem sempre o que é legal e moral é o que compõe a realidade fática.
Nesse sentido, a proibição de utilização de mascaras, pinturas, bandagens
que cobrem os rostos, podem sim tornar impraticável a participação de
determinados segmentos da população em certas manifestações.
Não é possível fechar os olhos, contudo, para o fato de que abusos podem
ser verificados e escondidos sob o manto do anonimato, como por exemplo o caso
ocorrido na sede do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal em
08/01/2023, quando os prédio públicos foram invadidos e depredados.
Não bastasse isso, é preciso levar em conta, que em muitos casos, a
proteção utilizada na face, nada mais é do que precaução contra os eventuais
efeitos causados pelos artefatos utilizados na repressão policial (independente da
discussão de sua legitimidade ou não).
Definitivamente na busca da resposta ao questionamento pretendido é
preciso levar em conta a desproporcionalidade da norma aprovada.
Todo e qualquer conflito dentre direitos fundamentais, envolve,
necessariamente o enfrentamento de um juízo de ponderação entre a
proporcionalidade do que se pretende mitigar em detrimento de eventual objetivo de
proteção a ser alcançado.
O legislador, na realidade, pretende criar uma conduta de “ilicitude” por
presunção, ao considerar que manifestante com máscara, com rosto pintado, com
camisa no rosto, entre outros, é manifestante com dolo de “balburdia”, vandalismo,
desordem e destruição do patrimônio público.
Embora a Lei do Estado de São Paulo seja datada de 2014 e o Supremo
Tribunal Federal não tenha se manifestado, conclusivamente, sobre o tema, é
inegável que o tema pode voltar a pauta de discussões com o recente caso de
invasão do Congresso e do STF.
As condutas de violência descritas, essas sim, verdadeiros ilícitos, devem
ser combatidas com rigor, contudo, não podem ser presumidas, ainda mais em
supressão a direito fundamental ao qual o Constituinte garantiu a reserva legal
qualificada.

REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 25ª edição.


BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3741/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
Tribunal Pleno, DJ 23.02.2007.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 82.959, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno,
DJ 1/09/2006.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 23452, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,
Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999, DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01
PP-00086).
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com Agravo 905.149.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 788.
Coimbra: Almedina, 2007.
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