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Barueri
2023
Rodrigo Fernandes Lima Britto
Barueri
2023
RESUMO
1
LEI Nº 15.556, DE 29 DE AGOSTO DE 2014
(Projeto de lei nº 50/14, do Deputado Campos Machado - PTB e outros)
Restringe o uso de máscaras ou qualquer paramento que oculte o rosto da pessoa em manifestações e reuniões,
na forma que especifica, e dá providências correlatas
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO:
Faço saber que a Assembleia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei:
Artigo 1º - O Estado garantirá, nos termos dos incisos IV e XVI do artigo 5º da Constituição Federal, a
qualquer pessoa o direito à manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, e a reunir-se
pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não
frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à
autoridade competente, na forma desta lei.
Artigo 2º - Na manifestação e reunião a que se refere o artigo 1º, com o objetivo de assegurar que ninguém a
faça no anonimato, fica proibido o uso de máscara ou qualquer outro paramento que possa ocultar o rosto da
pessoa, ou que dificulte ou impeça a sua identificação.
Parágrafo único - A proibição a que se refere o “caput” deste artigo não se aplica às manifestações e
reuniões culturais incluídas no Calendário Oficial do Estado.
Artigo 3º - À proibição constitucional de portar armas nas manifestações e reuniões públicas, incluem-se as
de fogo, as armas brancas, objetos pontiagudos, tacos, bastões, pedras, armamentos que contenham artefatos
explosivos e outros que possam lesionar pessoas e danificar patrimônio público ou particular.
Artigo 4º - As manifestações e reuniões em locais e vias públicas, inclusive organizadas através das redes
sociais, na Internet, conforme previsão constitucional, deverão ser previamente comunicadas às Polícias Civil
e Militar, na forma de regulamento expedido pela Secretaria da Segurança Pública.
Artigo 5º - Para a preservação da ordem pública e social, da integridade física e moral do cidadão, do
patrimônio público e particular, bem como para a fiel observância do cumprimento desta lei, as Polícias Civil
e Militar efetuarão as devidas intervenções legais.
Artigo 6º - Esta lei deverá ser regulamentada até 180 (cento e oitenta) dias após a sua publicação.
Artigo 7º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
2
https://www.al.sp.gov.br/propositura. Acesso em 01/09/2023.
Considerando a dificuldade em conceituar-se os direitos fundamentais, não
sendo por certo este o objetivo do presente estudo, teceremos breves comentários a
respeito do tema, que de forma alguma pretendem esgotá-lo, mas tão somente,
fornecer uma compreensão mínima do que está sendo abordado.
Dentre os vários critérios utilizados para classificação dos direitos
fundamentais, nos apropriaremos daquele que, em que pese a divergência
doutrinária existente, é o mais utilizado, qual seja a divisão em gerações ou
dimensões.
No presente estudo, dedicaremos comentários apenas à 1ª dimensão, que
diz respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos (direitos civis e políticos),
uma vez que conforme se verá, os direitos sobre os quais o presente Projeto de Lei
atua (liberdade de reunião e a liberdade de manifestação do pensamento)
enquadram-se nos direitos de 1ª geração.
O objetivo do presente trabalho é estudar, sob o caso o concreto, a limitação
imposta ao poder legislativo no tocante a elaboração de normas restritivas de
direitos fundamentais, analisando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da
norma aprovada.
I – INTRODUÇÂO A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.
Por sua vez, Marcos Augusto Maliska, em seu livro O Direito à Educação e a
Constituição, afirma:
3
PINTO, Alexandre Guimarães Gavião, Direitos Fundamentais – Legítimas Prerrogativas de Liberdade,
Igualdade e Dignidade. Revista de Direito nº 79-2009 - Disponibilizado no Banco do Conhecimento em
13/09/2010. Disponível em http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=ae67daf5-7ca9-408c-
93b6- Acesso em 10/10/2014. b58186a81197&groupId=10136 – Acesso em 10/10/2014.
4
DA SILVA, José Afonso, Curso de direito Constitucional positivo, São Paulo: Malheiros, 1992, pg.
163/164 apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.313.
5
MALISKA, Marcos Augusto, O Direito à Educação e a Constituição, Porto Alegre, 1ª ed, Sérgio
Antônio Fabris Editor, p. 42.
Não há que se falar aqui em substituição gradativa dos direitos, motivo pelo
qual, para evitar tal entendimento, alguns autores optam por se referir a dimensões
no lugar de gerações.
Neste sentido, André Ramos Tavares fala em dimensão ao invés de
geração:
7
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.309.
8
BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 25ª edição, pg.563/564.
9
Segunda a teoria dos quatro status de Jellinek a relação indivíduo com o Estado pode se dar de quatro
diferentes maneiras: o passivo (status subjectionis), o ativo (Status activus civitates), o negativo (Status
libertatis) e o positivo (Status civitates).
No passivo o indivíduo encontra-se em posição de subordinação com relação aos poderes públicos,
possuindo o Estado, dessa forma, poderes para para vincular o indivíduo, através de mandamentos e proibições.
No ativo, por sua vez, é o indivíduo quem possui o poder de interferir na formação da vontade do
Estado, representando clara manifestação dos direitos políticos, o qual é concretizado principalmente através do
voto.
No status negativo encontra-se o espaço que o indivíduo tem para agir livre da atuação do Estado,
podendo autodeterminar-se sem ingerência estatal, uma vez que, conforme afirmado por Jellinek “a autoridade
do Estado é exercida sobre homens livres”
Por fim, o positivo consiste na possibilidade do indivíduo exigir atuações positivas do Estado em seu favor.
Os direitos de defesa possuem como principal característica impor ao
Estado um dever de não interferir no espaço de autodeterminação do indivíduo,
assemelhando-se ao Status libertatis, descrito na teoria de Jellinek.
Segundo Gilmar Mendes “Esses direitos objetivam a limitação da ação do
Estado. Destinam-se a evitar a ingerência do Estado sobre os bens protegidos
(liberdade, propriedade...) e fundamentam pretensão de reparo pelas agressões
eventualmente consumadas10”
Segundo o autor, grande parte dos direitos de defesa estão descritos no
artigo 5º da Constituição Federal, dentre os quais incluem-se, expressamente, a
liberdade de manifestação do pensamento e o direito de reunião.
Desta forma, no caso concreto, estamos diante da possibilidade ou não de
restrição de direitos fundamentais de defesa, pertencentes à primeira geração ou
dimensão dos direitos fundamentais.
10
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.332/334.
11
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.309.
Nesse sentido manifestação do STF no RMS 23.452/RJ12:
13
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.381/382.
14
PONTES, Bruno Cézar da Luz, A AGU, A “LEI DA MORDAÇA” E A SOCIEDADE, disponível em
http://unafe.org.br/wp-content/plugins/downloads-manager/upload/CE%2015-07-2011%20A%20AGU
%20%20a%20lei%20da%20morda%C3%A7a%20e%20a%20sociedade.pdf , acesso em 21/05/2014.
A reserva legal, por sua vez, divide-se ainda em duas situações distintas,
quais sejam, a reserva legal simples e a reserva legal qualificada.
Por outro lado, tem-se uma reserva legal qualificada quando a Constituição
não apenas limita a exigência de determinada restrição seja prevista em lei, como,
ela mesma, fornece as condições especiais, os fins a serem perseguidos e a
limitação aos meios utilizados.
Como exemplo mais citado da norma constitucional da reserva legal
qualificada, cita-se o artigo 5º, XIII, da Constituição Federal de 1998:
16
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 5ª edição. 2010 – pg.388/389.
17
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
III – DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS RESTRINGIDOS NO CASO CONCRETO:
18
DA SILVA, Edimar Carmo, A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: A restrição de direitos
como tutela penal e o devido processo legal, Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7512, acesso em 22/05/2014.
Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República
e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar
ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem
pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade
institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na
natureza.
§ 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua
duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e
limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
I - restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
Assim, embora paire dúvida sobre o tema, é possível admitir-se que em tese
a Lei Estadual não visa outro objetivo que não dar aplicação a vedação do
anonimato, condição já atribuída pela própria Constituição Federal para o exercício
do direito de livre manifestação do pensamento.
Entretanto, não estamos diante de mera vedação, por exemplo, de
publicação de periódico ou de denúncia apócrifa, mas sim da regulamentação de um
direito não só individual como também coletivo, uma vez que em uma manifestação
popular, não cabe, em regra, restringir as insatisfações e reivindicações proferidas a
uma só voz.
Nesse aspecto a norma apresenta-se como Inconstitucional, uma vez que o
legislador infraconstitucional pretende impor restrição a direito fundamental em
desacordo com os limites e objetivos que lhe foram concedidos pela própria
Constituição.
Conforme demonstrado anteriormente, o direito a liberdade de reunião é
justamente um direito de defesa, com intuito de proteger o cidadão e a coletividade
do Estado.
Some-se a isso o fato de ser considerado um direito de reserva legal
qualificada, onde o próprio Constituinte já editou os limites máximos de restrição a
serem aplicados, e estamos diante de uma violação ao limite de relativização desta
garantia individual.
Nesse sentido destaque-se o Informativo nº 631/2011 do Supremo Tribunal
Federal:
ARTIGO 13
Liberdade de Pensamento e de Expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão.
Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir
informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras,
20
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 35ª edição, revista e atualizada. Editora
Malheiros, página 265.)
21
Pode-se o cidadão reunir-se, independente de autorização, desde que pacificamente, sem armas, e com
aviso prévio as autoridades.
verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por
qualquer outro processo de sua escolha.
O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a
censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar:
a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da
moral pública.
(...)
ARTIGO 15
Direito de Reunião
É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício de tal
direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei e que sejam
necessárias, uma sociedade democrática, no interesse da segurança
nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou
a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas.
22
Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4819708. Acesso em 25/09/2023.
determinado marco fronteiriço, acabando por esvaziar o próprio escopo com o qual o
direito foi instituído.
Existem inúmeras teorias a respeito do que seria o núcleo essencial da
norma, não tendo nossa Constituição Federal F previsto expressamente qualquer
norma que se permita aferir este ou aquele posicionamento.
O Ministro Gilmar Mendes, no voto proferido no curso do HC nº
82.959/200623, expôs, resumidamente, estas teorias:
23
STF, HC 82.959, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ 1/09/2006.
clara de elementos centrais ou essenciais e elementos acidentais, o que
não deixa de preparar significativos embaraços teóricos e práticos[18].
Por seu turno, uma opção pela teoria relativa pode conferir uma flexibilidade
exagerada ao estatuto dos direitos fundamentais, o que acaba por
descaracterizá-los como princípios centrais do sistema constitucional[19].
Por essa razão, propõe Hesse uma fórmula conciliadora, que reconhece no
princípio da proporcionalidade uma proteção contra as limitações arbitrárias
ou desarrazoadas (teoria relativa), mas também contra a lesão ao núcleo
essencial dos direitos fundamentais[20]. É que, observa Hesse, a
proporcionalidade não há de ser interpretada em sentido meramente
econômico, de adequação da medida limitadora ao fim perseguido, devendo
também cuidar da harmonização dessa finalidade com o direito afetado pela
medida[21].
(…)
Desta forma, seria preciso delimitar o núcleo essencial dos direitos que se
pretendem restringir, para analisar o impacto da proibição pretendida.
Inegavelmente, esta tarefa é altamente complexa e subjetiva, não sendo
possível delimitar com clareza e sem dúvidas o núcleo essencial deste ou daquele
direito fora do caso concreto.
Conforme visto, os direitos aqui abordados constituem-se em direitos de 1ª
geração, e em direitos de defesa, possuindo, portanto, como primazia a fixação de
uma esfera de autonomia pessoal refratária às expansões do Poder Estatal que
objetivam, justamente, a limitação da ação do Estado. Buscam evitar a ingerência do
Estado sobre os bens protegidos (liberdade, propriedade...) um dever de não
interferir no espaço de autodeterminação do indivíduo.
As manifestações populares possuem, portanto, um condão de garantir aos
indivíduos a possibilidade de demonstrar sua insatisfação contra o Estado e de exigir
as melhorias e mudanças que julgar necessárias.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS