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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE ANGOLA

FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS

MANUAL DE CIÊNCIA POLÍTICA


E DIREITO CONSTITUCIONAL

Luanda, Fevereiro de 2020


CONSTANTINO CAMPOS FERREIRA MUIMBO

AURIO CRISTÓVÃO MIGUEL

FAUSTINO MARTINHO

ALEXANDRE KAIONGOLO SACALENDE MUATA

Com a Coordenação de:


ASSUNÇÃO BERNARDO
(Professor de Ciência Política e Direito Constitucional do Curso de Direito da
Universidade Técnica de Angola)

MANUAL DE CIÊNCIA POLÍTICA


E DIREITO CONSTITUCIONAL

Luanda, 2020
Reprodução interdita
Qualquer reprodução deste manual, total ou parcial, que não tenha sido previamente autori-
zado, pode constituir crime ou infração, puníveis nos termos das legislações aplicáveis.

Os infractores ficarão sujeitos a um processo criminal e a penalidades civis.


No dizer de Augusto Cury, existe dois tipos de sabedoria:
a sabedoria inferior e a sabedoria superior. A sabedoria in-
ferior é dada pelo quanto uma pessoa sabe e a superior é
dada pelo quanto ela tem consciência de que não sabe. Por
isso dedicamos este manual a todas as pessoas que reco-
nhecem que nada sabem e por causa disso são eternos
aprendizes na escola da vida.
ESTRUTURA DO MANUAL

Nota Prévia

Preliminares

1. Conceitos
2. Critérios de Distinção entre o Direito Público e o Direito Privado
3. O Método da Ciência Política e do Direito Constitucional
4. Tendências Actuais do Direito Constitucional
5. O Ensino do Direito Constitucional em Angola

Parte I

Capítulo I – Direito Constitucional


1. O Direito Constitucional como Direito Público
2. Teoria e Doutrina do Direito Constitucional
3. O Direito Constitucional como Direito Político
4. Características do Direito Constitucional
Capítulo II – Direito Constitucional e a Constitucional
1. Constitucionalismo
2. A Constituição
Capítulo III – Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governos
1. Nota Preliminar
2. Regimes Políticos
3. Sistema de Governo
Capítulo IV – Teoria Geral do Estado
1. Os Elementos do Estado
2. Formas de Estado
3. Classificação Jurídico-Internacional de Estados
4. Fins e Funções do Estado

Parte II
Capítulo V – Poder Constituinte
1. O Que é o Poder Constituinte?
2. A Origem da Teoria do Poder Constituinte
3. Titularidade do Poder Constituinte
4. Quem é o Titular do Poder Constituinte
5. Formas e Exercício do Poder Constituinte
6. Poder Constituinte Originário e Derivado
7. Limites do Poder Constituinte
Capítulo VI – Revisão Constitucional
1. Modalidades de revisão Constitucional
2. Limites de revisão Constitucional
3. Limites de revisão na Constituição de Angola
4. A História Constitucional de Angola e as Revisões Constitucionais
5. A Constituição da República de Angola de 2010
6. A Constituição da República de Angola de 2010: IIª ou IIIª República?
Capítulo VII – Controlo e Garantia da Constituição
1. Inconstitucionalidade das Leis
2. Fiscalização da Constituição e da Legalidade
3. Recurso de Inconstitucionalidade

Parte III
Capítulo VIII – Direito Humanos e Liberdades Fundamentais
1. Alguns exemplos de Direito Fundamentais
2. Dimensões dos Direitos Humanos
3. Evolução e Constitucionalidade dos Direitos Fundamentais
4. As várias Gerações dos Direitos Fundamentais
5. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)
6. Direitos e Liberdades fundamentais na Constituição Angolana
7. Meios de Proteção dos Direitos Fundamentais
Capítulo IX – Democracia e Direito Eleitoral
1. O Sufrágio, da democracia directa à democracia representativa
2. Os Sistemas Eleitorais
3. Sistema Eleitoral
4. Partidos Políticos
NOTA PRÉVIA

É, sem dúvida, com um prazer renomado que elaboramos este manual,


isto é, com a coordenação do ilustríssimo professor Assunção Bernardo (actual
regente da cadeira de Ciência Política e Direito Constitucional na Faculdade de
Direito da UTANGA). É também com bastante humildade que dispomos à comu-
nidade académica e aos amigos do saber e da ciência, este material, que resulta
de um árduo trabalho realizado nos últimos meses. Assim estes apontamentos
têm um objectivo meramente didáctico. Na verdade, a motivação para elabora-
ção do presente material, surgiu na necessidade de actualizar as matérias que
fazem parte do anterior material utilizado na cadeira de CPDC.
O presente material, por si só, procura expor de forma clara e simples os
conceitos fundamentais sumariados com a devida fundamentação teórico-dou-
trinária, expondo o pensamento de grandes autores e doutrinadores constitucio-
nalistas e politólogos, que actuam, quer no grupo de ciências jurídicas quer no
das ciências Políticas.
Este manual é composto por vários capítulos e tem como principal propó-
sito, facilitar a compreensão dos alunos durante os estudos exaustivos desta ca-
deira extraordinária.
Sem esquecer, queremos exprimir um profundo reconhecimento e grati-
dão a todas as pessoas, singulares e colectivas, que, directa e indirectamente,
tomaram possível a feitura desta obra.
Primeiramente, agradecemos a Deus, pois sem ele não teríamos o folego
da vida. Agradecemos também aos nossos pais, pelo apoio que nos têm dado
todos os dias e principalmente o contributo prestado para nossa formação. A
nossa gratidão vai também a Universidade Técnica de Angola (UTANGA).
Um agradecimento especial dirigimos ao nosso Prof. Doutor Assunção
Bernardo, pelo conhecimento que nos transmitiu sobre está estupenda cadeira
e também pela sua disposição e colaboração para a formação deste manual.
Aos nossos colegas e amigo pela disposição e ajuda prestada que nos
foram muito úteis.
A Todos Muito Obrigado.
Como nunca há trabalhos perfeitos e acabados (e este é um deles), o
aperfeiçoamento de alguns conteúdos deste manual será um trabalho contínuo.

Luanda, Fevereiro de 2020

Constantino Campos Ferreira Muimbo


Aurio Cristóvão Miguel
Faustino Martinho
Alexandre Kaiongolo Sacalende Muata
PRELIMINARES

Antes de debruçarmos, propriamente, sobre as matérias que vislumbram


a Ciência Política e o Direito Constitucional, achamos melhor, dar alguns subsí-
dios no que toca a alguns conceitos e métodos de estudo dos mesmos, no sen-
tido de os leitores compreenderem melhor esta estupenda cadeira.

1. Conceitos

 Ciência: o termo ciência vem do Latim scientia que significa co-


nhecimento. Pode ser definida como “a sistematização de conhe-
cimentos, ou seja, um conjunto de proposições lógicas correlacio-
nadas sobre um comportamento de certos fenômenos que se de-
seja estudar”1.
 Política: o termo política vem do grego polis, que significa Cidade-
Estado. Entende-se por Política, como “toda actividade humana do
tipo competitivo, que tem como objecto a conquista e o exercício
do poder”2.

1
LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade, Fundamentos de metodologia científica, 2003,
pág. 80
2
AMARAL, Diogo Freitas do, História das Ideias Políticas, 2010, pág. 21

7
k PRELIMINARES

Tendo dito isto, podemos definir Ciência politica como o estudo cientifico
da politica, ou seja, enquanto que a politica é uma actividade de competição, a
ciência politica é o estudo desta actividade competitiva.

 Direito: Segundo Diogo Freitas do Amaral3:

Direito é o sistema de regra de conduta social, obrigatórias para todo


os membros de uma certa comunidade, a fim de garantir no seu seio,
a justiça, a segurança e os Direitos Humanos, sob a ameaça das san-
ções estabelecidas para quem violar tais regras.

Cabe ainda ressalvar, que existem dois ramos do Direito, que são: o Di-
reito Público e o Direito Privado.

 O Direito Público: é o conjunto de normas jurídicas que estabele-


cem a organização e estrutura do Estado e as relações entre o Es-
tado e o cidadão, e que por sua vez, o Estado intervém nessas re-
lações com o seu poder de autoridade (ius imperii).
 Direito Privado: é o conjunto de normas jurídicas que regula as
relações jurídicas dos cidadãos entre si, ou entre os cidadãos e o
Estado, e que por sua vez, o Estado actua sem o seu poder de au-
toridade (ius imperii), ou seja, actua em pé de igualdade com os
cidadãos.

2. Critérios de Distinção entre o Direito Publico e o Direito


Privado

Existem vários critérios para distinguir o Direito Público do Direito Privado,


dentro os quais, os mais predominantes são:

a) Critério da natureza dos interesses: segundo este critério inte-


gram ao direito público as normas que asseguram a realização dos
interesses próprios da sociedade, ou seja, interesses colectivos ou

3
AMARAL, Diogo Freitas do, Manual de Introdução ao Direito, 2004, pág. 148

8
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

públicos. Ao direito privado pertencem as normas dirigidas à satis-


fação de interesses que tão-só dizem respeito aos indivíduos, ou
seja, aos interesses privados.

Este critério é susceptível de critica, pois as normas jurídica, quer públicas


ou privadas prosseguem simultaneamente aos interesses público e privados4.

Por exemplo: as normas do Direito penal, fazem parte do Direito Público,


pois protegem o interesse da coletividade (interesse público), mas, ao mesmo
tempo, protegem o interesse pessoal (interesse privado) que cada um de nós
tem na conservação da sua vida ou do seu bem. Quando os agentes da segu-
rança pública, predem um meliante, eles protegem simultaneamente a vida de
cada cidadão (interesse privado) e previnem que a paz e a ordem pública não
sejam perturbadas (interesse público).

b) Critério da qualidade dos sujeitos: neste critério, o direito público


disciplina as relações jurídicas entre o Estado e os demais entes
públicos, já o direito privado regula as relações entre os particulares,
ou seja, um cidadão comum com outro cidadão comum5.

Este critério também é susceptível de critica, pois, o Estado e as demais


entidades públicas também participam em relações jurídicas de âmbito privado.

Por exemplo: suponhamos que o Estado construiu uma escola, e neces-


sita de materiais escolares, como: carteiras, quadros, marcadores, etc., neste
caso, o Estado terá que comprar estes materiais a uma empresa privada, e nes-
tes termos o Estado, por sua vez, deverá contrair um contrato de compra e
venda, actuando em pé de igualdade com os particulares, deixando de parte o
seu poder de autoridade, e quando isto acontecer, estaremos perante ao Direito
privado. Logo, podemos concluir que as normas do direito privado não regulam
só as relações entre os privados, pois, o Estado ou qualquer ente público pode
muito bem relacionar-se com qualquer ente privado.

4
JUSTO, António dos Santos, Introdução ao Direito, 2012, pág. 235 e 236.
5
Ibidem, pág. 237.

9
k PRELIMINARES

c) Critério da posição dos sujeitos: para este critério, pertencem ao


direito público as normas jurídicas que disciplinam as relações de
subordinação, isto é, aquelas que se ocupam da constituição e da
organização do Estado e dos demais entes públicos e regulam as
relações em que Estado intervêm numa posição de superioridade
(como aplicações de multa, coima, cobranças de imposto, etc.), ou
seja, ao Direito público, compreende as normas que regulam a ac-
tividade ou as relações em que participam sujeitos dotados de prer-
rogativas de autoridade6. Ao direito privado cumpre disciplinar as
relações jurídicas em que os sujeitos (que também pode ser o Es-
tado ou os demais entes público) se encontram numa posição de
igualdade7, ou seja, é o conjunto de normas jurídicas que regulam
as relações entre os cidadãos ou entre os cidadãos e o Estado,
onde o Estado esteja despido do seu poder de autoridade (ius im-
perii).

Dentre todos, este critério é o mais aceitável, pois oferece um enquadra-


mento mais concreto sobre os dois ramos.

No nosso entender, todos estes critérios, apesar de alguns serem susptí-


veis de criticas, servem para compreender a distinção entre o direito público e o
direito privado e para evidenciar o carácter relativo e meramente tendencial dos
mesmos.
 Constituição: é entendida como um documento escrito ou não,
que contém as normas jurídicas que disciplinam todo um Estado.

Juridicamente ainda podemos defini-la, como a lei fundamental e suprema


de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à for-
mação dos poderes públicos, a forma de governo e aquisição do poder, distribui-
ções de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos.

6
MACHADO, Jónatas E.M; COSTA, Paulo Nogueira & HILÁRIO, Esteves Carlos, Direito Constitucional An-
golano. 2.ª ed. 2013, pág. 12.
7
JUSTO, António dos Santos, op. cit., 2012, pág, pág. 238 e 239.

10
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Além disso, é a própria Constituição que individualiza os órgãos compe-


tentes para edição de normas jurídicas, legislativas ou ate mesmo administrati-
vas.

 Direito Constitucional: é o ramo do Direito Público que se traduz


na ordem jurídica que disciplina a Constituição de um determinado
Estado, isto é, o conjunto de normas jurídica que regulam a estru-
tura do Estado, designando e definindo suas funções, atribuições e
limites de actuação dos órgãos do poder público8.

3. O Método da Ciência Política e do Direito Constitucional

A Ciência Politica, por estudar meros factos políticos utiliza um método


próprio, pois a Ciência Politica estuda o Estado nas vertentes de poder, gover-
nação e da luta pelo poder, das instituições dos Estados, pelos diferentes actores
político, fá-lo numa perspectiva metódica descritiva e analítica9, ou seja, a Ciên-
cia Politica analisa e depois descreve os factos políticos que se emergem medi-
ante uma determinada realidade.

No campo estritamente jurídico, o Direito Constitucional vai noutra ver-


tente, utilizando o método da ciência jurídica que é o método dogmático (inter-
pretação e construção, análise e síntese, ou seja, o método dogmático consiste
em induzir para depois deduzir mais tarde, andar do particular para o geral) 10.

Dito de outro modo, o Direito Constitucional orienta-se a partir de uma


perspectiva normativa, ele anda da norma ou do preceito para unidade do sis-
tema, conferindo um sentido normativo aos fenómenos sociais, determinado
como estes devem ser.

Para o prof. Fernando Macedo:

O método da Ciência do Direito Constitucional tem como escopo retirar


o sentido dos princípios ou normas constitucionais, tendo em vista a
sua aplicação a actos e/ou factos para se saber se os mesmos estão

8
CAETANO, Marcelo, Ciência Politica e Direito Constitucional, 1983, pág. 41
9
CAPOCO, Zeferino, Manual de Ciência Politica e Direito Constitucional, 2015, pág. 23
10
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 1.ª ed. 2003, pág. 42

11
k PRELIMINARES

em harmonia com aquilo que o Direito Constitucional prescreve. Isto é,


saber se o acto e/ou facto praticado ou não praticado é Constitucional
(está de acordo com a Constituição) ou inconstitucional (está em desa-
cordo com a Constituição/viola a Constituição). 11

Ainda é importante realçar que, o Direito Constitucional tem como objecto


de estudo as Leis Constitucionais, o ordenamento Jurídico Constitucional e a
própria Constituição, e tem como objectivo, dar resposta aos problemas de na-
tureza constitucional dentro de uma determinada sociedade.

Já a Ciência Politica tem como objecto de estudo o próprio politico e


como objectivo, estudar as actividades, os factos e os problemas políticos.

4. Tendências Actuais do Direito Constitucional

Entendemos por tendências actuais do Direito Constitucional, como toda


disposição de uso corrente que auxilia e orienta o modo e a realização das
normas Constitucionais. Dito de outro modo, as tendências actuais são vá-
rios artifícios que o próprio Direito Constitucional utiliza para salvaguardar
os princípios e as normas constitucionais.

As tendências actuais do Direito Constitucional são: A Jurisprudência


Constitucional, o Direito Constitucional Comparado, Acompanhar as novas
leituras dos problemas político-constitucionais e seguir a evolução das no-
vas técnicas de informação e os riscos que as mesmas envolvem para os
cidadãos.

4.1. Jurisprudência Constitucional

Como Aristóteles afirmava, a lei não prevê tudo, portanto, haverá sempre
casos ou situações que não estarão previstos em qualquer legislação. Quando
isto acontece, estaremos perante as famosas Lacunas da Lei (situações que lei
não se pronuncio).

Segundo o Código Civil vigente, isto é, nos termos do art.º 10, n.1 à n.º 3,
quando o julgador estiver perante aos casos que a lei não preveja ou regula, ele

11
MACEDO, Fernando, Guia da Aula Teórica/Direito Constitucional, 2013, pág. 20

12
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

deverá resolve-lo, segundo a norma aplicável aos casos análogos (casos seme-
lhantes). Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que
o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema,
ou seja, na falta de uma lei e de um caso análogo (caso semelhante), o juiz tem
a legitimidade de criar uma norma jurídica, para dar solução a um determinado
conflito. Nestes termos é que surge a jurisprudência.

A Jurisprudência corresponde “à orientação que se retira das decisões


judiciais, emanadas dos tribunais da mais alta hierarquia para resolução
de casos semelhantes, submetidos a outros tribunais de igual ou menor
hierarquia”12, ou seja, a jurisprudência consiste no conjunto das orientações que
resulta das decisões uniformes tomadas pelos tribunais na aplicação das normas
jurídicas, isto é, aos casos semelhantes.

Por exemplo: se os tribunais superiores entenderem que situações idênti-


cas que não estão previstas na lei, devem ser decididas da mesma maneira,
tendo em vista que um grande número de situações semelhantes já foi solucio-
nado da mesma forma, o tribunal superior atestará solenemente á todos tribunais
de hierarquia igual ou inferior, que resolvam as demais situações ou casos, de
forma uniforme.

Na linha doutrinária de Paulo Nader13, a jurisprudência pode ser:

a) Secundum legis (segundo a Lei): aquela que se limita a interpretar de-


terminadas regras definidas na ordem jurídica, ou seja, são aquelas
decisões que refletem o verdadeiro sentido das normas vigentes.
b) Praeter legis (além da lei): é a que se desenvolve na falta de regras
específicas, ou seja, quando a lei for omissa, os juízes deverão tomam
as decisões com base na analogia ou princípios gerais do Direito.
c) Contra legis (contra lei): são aquelas decisões, tomadas pelos juízes
que contraria o Direito e o espírito da lei. Normalmente estes tipos de
jurisprudências são considerados decisões injustas.

12
QUIXITO, Tereza, Apontamento de Sociologia do Direito, 2015, pág. 34
13
NADER, Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, 36.ª, 2014, pág. 173

13
k PRELIMINARES

No caso em concreto, a jurisprudência Constitucional, refere-se ao modo


como os tribunais têm resolvido os casos que dizem respeito as matérias
constitucionais. Neste âmbito ganham relevo os Tribunais Constitucionais, aos
quais está associada esta tendência.

A Jurisprudência Constitucional é considerada uma tendência actual do


Direito Constitucional, porque como salienta o prof. Gomes Canotilho “as deci-
sões dos Tribunais Constitucionais passaram a considerar-se como um novo
modo de praticar o Direito Constitucional”14 e para que se conheça a Constituição
é necessário conhecer as decisões emanadas nos mesmos.

4.2. Direito Constitucional Comparado

O Direito Constitucional Comparado, consiste em relacionar os direitos


constitucionais nacionais com um direito constitucional internacional.

Embora que o Direito Constitucional varia no tempo e no espaço, este,


mesmo assim, apresenta validades universais, cujo conhecimento pode contri-
buir para o avanço da legislação de outras sociedades.

Esta tendência tem como objectivo, comparar normas e princípios Cons-


titucionais de diferentes Estados, no propósito de revelar as novas conquistas
alcançadas nos mesmos Estados. Contudo, o Direito Constitucional Comparado,
aproveita o estudo e a experiencia jurídica de um Estado para ser implementado
em um outro Estado.

4.3. Acompanhar as Novas Leituras dos Problemas Polí-


tico-Constitucionais

No novo contexto mundial tem se visto vários problemas quer do ponto de


vista político, económicos e social. No nosso país, por exemplo, temos consta-
tados diversos problemas de caracter económico (como a corrupção, desvios
ilícitos do erário público, etc.) e também político (como conflitos dentro dos par-
tidos políticos e alegações de fraude nas eleições presidenciais).

14
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed, 2000, pág. 26

14
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Nestes casos, o Direito Constitucional deve acompanhar estes problemas,


no sentido de garantir que a paz e a ordem pública não sejam perturbadas e
assegurando que tais problemas não voltem a acontecer.

4.4. O Direito Constitucional e as Novas Técnicas de Infor-


mação

Como é sabido, o mundo não é estático, mas sim dinâmico, ou seja, o


mundo evoluir a cada dia que passa e com isso, também vão surgindo novas
técnicas de informação, como por exemplo, a cibernética, a ciência robótica e as
redes socias. Nestes termos, o Direito Constitucional deve acompanhar estas
novas técnicas de informação e saber se as mesmas constituem um risco para
os cidadãos.

O prof. Adérito Correia15, dá exemplos como a inseminação artificial e a


clonagem, novas técnicas de informação que se tem emergidos nos últimos tem-
pos e que constituir um risco, no que tange, ao bem vida de cada cidadão. Por-
tanto, o Direito Constitucional deve acompanhar estás técnica, no sentido de dar
resposta do ponto de vista legal, salvaguardando o bem vida e o interesse de
cada cidadão.

Outro exemplo, refere-se a febre da juventude “as redes sociais”. Muitas


vezes nas redes sociais temos constatado, várias ilicitudes como, difamação e
violação das comunicações privadas (invasão da conta de alguém sem o seu
consentimento). Nestes termos, o Direto Constitucional deve dar resposta, cri-
ando normas que regulam estás situações, para prevenir que não se viole o bom-
nome e a privacidade de cada cidadão. Contudo, esta tendência consiste em
acompanhar a dinâmica e a evolução das técnicas de informação, para que se
possa dar resposta no âmbito das normas e princípios constitucionais.

Ver o esquema para melhor compreensão sobre as tendências actuais.

15
CORREIA, Adérito, Lições de Direito Constitucional, 2011, pág. 15

15
k PRELIMINARES

Esquematização das Tendências Actuais do Direito Constitucionais

Refere-se as decisões dos


Jurisprudência Tribunais Constitucionais,
Constitucional que ajudam a conhecer e a
interpretar as Constituições.

Consiste em relacionar o Di-


Direito Constituci- reito Constitucional Nacional
onal Comparado com o Direito Constitucional
Internacional, (de um Estado
para outro Estado).

Tendências actuais do
Direito Constitucional

Consiste no acompanhamento
Acompanhar as novas dos diversos problemas de
leituras dos problemas âmbito político, social e eco-
Políticos-Constitucionais nómico, de forma a evitar con-
flitos socias.

Consiste em acompanhar as
O Direito Constitucio-
novas técnicas de informação
nal e as Novas Técni-
para assegurar o bem-estar e
cas de informação
a tranquilidade da população.

16
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

5. O Ensino do Direito Constitucional em Angola

O Direito Constitucional em Angola começou a ser ensinado em 1980, sob


influência do modelo alemão, da Alemanha do Leste e do modelo soviético, ape-
sar de certas influências do modelo francês e português.

Assim, foi ensinado durante uma década na única Faculdade de Direito


existente em Angola (a faculdade de Direito Agostinho Neto), criada apenas em
1979, onde a disciplina era designada por Direito Estatal, o professor Adérito
Correia foi o único regente desta disciplina desde 1980 ao ano de 2000.

A transição de Angola para o regime pluripartidário e para o Estado de


Direito democrático trouxe alterações no estudo e no ensino do Direito Constitu-
cional. O Ensino do Direito Constitucional foi feito conjuntamente com a Teoria
da Constituição16. Ainda é importante realçar, que actualmente os programas
das disciplinas não são uniformes, por exemplo, na UCAN o Direito Constitucio-
nal não é ensinado conjuntamente com a Ciência Politica enquanto que na UAN
e na UTANGA é.

6. Estudo do Direito Constitucional nalguns países euro-


peus e nos E.U.A

6.1. Alemanha

Na Alemanha, o Direito Constitucional (verfassungrecht) é designado


como Direito do Estado ou Direito Estatal (Staatsrecht). A utilização da designa-
ção Direito Estatal está ligada à afinidade entre o Direito Constitucional e o Di-
reito Administrativo, ou seja, na Alemanha estuda-se em conjunto o Direito Cons-
titucional e o Direito Administrativo, não só na Alemanha mais também noutros
países do mundo jurídico de língua alemã, tais como a Suíça e a Áustria 17.

É importante também realçar que o Staatsrecht se divide em dois: o Sta-


atsrecht Tradicional ou Clássico e o Staatsrecht actual.

16
Ibidem, pág. 23
17
Ibidem, pág. 16

17
k PRELIMINARES

O Staatsrecht Clássico tinha um âmbito mais vasto que o Direito Consti-


tucional e que o próprio Staatsrecht actual, pois além das matérias pertencentes
a estas disciplinas, abrangia também assuntos tratados por outros ramos de Di-
reito, nomeadamente o Direito Administrativo e o Direito Eclesiástico, tratando
igualmente da organização judiciária18.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem uma grande importância


no ensino do Direito Constitucional na Alemanha, daí que o “Direito Constitucio-
nal seja um Direito com fortes acentuações judicialistas”, tal como se passa nos
E.U.A19.

6.2. França

Actualmente em França, os Constitucionalistas elaboram o estudo con-


junto do Direito Constitucional com o estudo das Instituições Políticas. Em
França o Direito Constitucional não se mantém nos paramentos normativos, ela
estuda historicidade e os aspectos sociopolíticos do Direito Constitucional.

Os Juristas franceses afirmam que o Direito Constitucional não deveria


manter-se somente nos paramentos normativos, pois, se assim o for, será inca-
paz de fornecer um conhecimento crítico-prático da realidade social.

6.3. Portugal

Em Portugal, o ensino do Direito Constitucional, começou a ter referência


a partir da década 70 do século XX, graças a obra de Marcello Caetano intitulada
“Ciência Política e Direito Constitucional”, cuja estrutura se aproxima dos manu-
ais franceses, nela o autor abarca as matérias relacionadas a Teoria do Estado,
da Ciência Política (instituições política), da teoria da Constituição, além do es-
tudo normativo da Constituição Portuguesa20.

As obras de Direito Constitucional com mais influência em Portugal são,


a de J.J. Gomes Canotilho “Direito Constitucional e Teoria da Constitucional”,

18
Ibidem, pág. 16
19
Ibidem, pág. 17
20
Ibidem, pág. 22

18
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

nela o autor faz uma perspectiva normativa e teórica do estudo da Constituição


Portuguesa, a obra de Jorge de Miranda, “Direito Constitucional”, em seis volu-
mes, também o mesmo, publicou uma nova obra subordinada ao tema “Teoria
do Estado e da Constituição”, também é importante realçar a obra de Marcello
Rebelo de Sousa e do prof. Jorge Bacelar Gouveia “Manual de Direito Constitu-
cional”21.

Em todas estas obras estuda-se a experiência constitucional portuguesa,


a organização do poder, os direitos fundamentais, as fontes do Direito, além da
justiça constitucional.

6.4. Grã-Bretanha

O Direito Constitucional inglês é um direito constitucional pioneiro, que,


apesar disso ou por isso mesmo, nunca pôs de parte a sua tendência historicista,
ou seja, estudar Direito Constitucional na Ingraterra é estudar a história do Reino
Unido. A sua própria Constituição é a sua história22.

Autores como S. A. De Smith (professor na Universidade de Cambridge),


fazem o estudo conjunto do Direito Constitucional e do Direito Administrativo, isto
resulta, de uma interpretação e sistematização das normas jurídicas fundamen-
tais da ordem jurídica estatal, está interpretação baseia-se num pensar dogmá-
tico. Assim, Smith, na sua obra “Constitutional and Administrative Law” apre-
senta um estudo das normas acerca do governo, do parlamento e das câmaras,
da administração, da justiça, a polícia e finalmente, os direitos e deveres funda-
mentais dos cidadãos. Numa segunda parte, ele aborda o Direito Administrativo
e numa terceira parte a Commonwealth23.

21
Ibidem, pág. 22
22
Ibidem, pág. 21
23
SMITH, S. A, Constitutional and Administrative Law, 3.ª ed. Peguim Books, 1913, apud CORREIRA, Adé-
rito, op. cit., 2011, pág. 20

19
k PRELIMINARES

6.5. E.U.A

Nos E.U.A, nas faculdades de Direito é ensinado o “Constitutional Law”


numa perspectiva semelhante à que acabamos de frisar em relação à Grã-Bre-
tanha. O Direito Constitucional nos E.U.A é, sobretudo, o estudo das decisões
do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, na interpretação da Constituição Fe-
deral Americana24.

O Direito Constitucional nos E.U.A é mais um direito constitucional juris-


prudencial que dedica grande importância à interpretação e a aplicação da lei
pelos tribunais e à função de fiscalização da constitucionalidade das leis por eles
exercida25.

Depois deste estupendo prelúdio, já nos sentimos capaz de debruçar,


contundentemente, sobre os conteúdos que compõem a Ciência Politica e o Di-
reito Constitucional.

24
E. Allem Farnsworth, Introdução ao sistema Jurídico dos Estados Unidos, pág. 182, apud CORREIRA,
Adérito, op. cit., 2011, pág. 21
25
CORREIRA, Adérito, op.cit., 2011, pág. 21

20
CAPÍTULO I

DIREITO CONSTITUCIONAL
Como anteriormente já se referiu, Direito Constitucional “consiste no con-
junto de princípios e de normas que regulam a organização, o funcionamento e
os limites do poder do Estado, assim como estabelecem os direitos das pessoas
à respectiva comunidade política”26

1. O Direito Constitucional como Direito Público

Tradicionalmente diz-se que o Direito Constitucional pertence, junta-


mente, com os outros ramos de Direito Público nomeadamente: Direito Interna-
cional, Direito Administrativo, Direito Penal ou Criminal, Direito Fiscal, Direito
Processual, Direito de mera Ordenação Social, etc.

Para além do Direito Constitucional ser um ramo do Direito público é tam-


bém um Direito Interno por oposição ao Direito Internacional, quer isso dizer que
o Direito constitucional estabelece e dá unidade à ordem jurídica interna, no caso
presente a ordem jurídica angolana.

Como o Direito Público, o Direito Constitucional é:

26
GOVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, 2005, pág.29.
21
Direito Constitucional

a) Direito coactivo, isto é, o Direito Constitucional é obrigatório, actua


contra a vontade do cidadão, este Direito não admoesta, ele impõe
e proíbe.
b) Determina a competência dos poderes públicos, isto é, ele dita
quais são os poderes e os deveres dos órgãos do poder politico;
c) Estabelece os princípios constitucionais que limitam as actividades
dos poderes públicos;
d) Estabelece os mecanismos de controlo jurisdicional, ou seja, ele
ditar quais serão os órgãos que vão fiscalizar a Constituição, como
por exemplo: o Tribunal Constitucional.

Apesar do Direito Constitucional ser um ramo do Direito Público, é neces-


sário também ter em conta, que a Constituição, contém na verdade, uma “força
geradora de direito privado”27, ou seja, as normas constitucionais se aplicam à
actividade privada e por sua vez, são criadoras de Direito Privado, como por
exemplo: o Direito do Trabalhado (art.º 76.º da CRA), Direitos Autorais (art.º 42.º,
n.º 2 da CRA) e o Direito da Família (art.º 35.º da CRA).

OBS: enquanto que o Direito Público é coactivo o Direito Privado é flexível,


porque, no Direito Privado predomina a vontade dos particulares e no Direito
Público predomina a vontade do Estado.

2. Teoria e Doutrina do Direito Constitucional

Na visão do prof. Adérito Correia, Teoria do Direito Constitucional re-


fere-se aos conceitos de Direito Constitucional, que são coletados a partir de
determinadas teorias, sem referência a uma ordem constitucional concreta28.

Dito do outro modo, a teoria do direito constitucional consiste no estudo


de diversos conceitos constitucionais a partir de ideias ou estudos já realizados,
sem se comprovar se os mesmos condizem com a realidade constitucional.

Quanto a Doutrina do Direito Constitucional, é o estudo de uma reali-


dade constitucional concreta (por exemplo a realidade angolana)29, ou seja, são

27
PINTO, Carlos Motta, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed. 1999, pág.72
28
CORREIA, Adérito, op. cit., 2011, pág. 32
29
Ibidem, pág. 32

22
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

aqueles estudos que resultam e condizem com uma determinada realidade cons-
titucional

Por exemplo: se um individuo criar conceitos sobre o Direito Constitucional a


partir de manuais ou teorias de Direito Constitucional, estaremos perante a uma
Teoria do Direito Constitucional, pois, não podemos comprovar se estes con-
ceitos criados pelo individuo condizem com a realidade.

E se por ventura, o individuo criar conceitos de Direito Constitucional a


partir de estudos, que não se basearam em manuais ou teorias de alguns auto-
res, mas sim que resultaram da vivência e realidade Constitucional de um deter-
minado país, estaremos perante a uma Doutrina do Direito Constitucional,
pois os seus conceitos resultaram da realidade Constitucional.

3. O Direito Constitucional como Direito Político

O Direito Político é o conjunto de normas que se reportam directa e ime-


diatamente ao Estado, constituindo o estatuto jurídico do Estado exprimindo um
particular enlace da instância política e da instância jurídica das relações entre
os homens30, ou seja, o Direito Político, é constituído por normas, que regulam
á organização do Estado e a limitação jurídica do poder político.

A relação entre o Direito Constitucional e o Direito Político deriva do facto


de que o Estado enquanto poder político é objecto do Direito Constitucional, ou
seja, o Estado é composto por órgãos políticos, estes é que governam e o admi-
nistram em nome do povo, logo será objecto do Direito Constitucional, porque o
Direito Constitucional é que vai traçar a estrutura e os limites destes mesmos
órgãos.

O Poder Politico enquanto objecto do Direito Constitucional, traça31:

1. Os princípios fundamentais e estruturante do Estado, como por exem-


plo, o princípio democrático (art.º 2.º da CRA), princípio republicano
(art.º 1.º da CRA), princípio da separação dos poderes (art.º 105.º nº 4
da CRA), princípio da laicidade (art.º 11.º da CRA), etc.;

30
MIRANDA, Jorge, op. cit., 2003, pág. 12
31
Ibidem, pág. 33

23
Direito Constitucional

2. A forma e a estrutura do Estado, como por exemplo, Estado unitário


(art.º 8.º da CRA) e a forma e estrutura do governo (regime político
parlamentar, semiparlamentar e presidencial), etc.;
3. A competência e as atribuições constitucionais dos órgãos de direcção
política (Presidente da República, art.º 119.º e 120.º, da Assembleia
Nacional, art.º 160.º e ss, CRA, etc.)

Cabe ainda dizer, que a Constituição é o estatuto jurídico do Estado e do


politico, porque dita as diretrizes do Estado e o comportamento que o politico
deve adoptar em determinadas circunstâncias.

4. Características do Direito Constitucional

De acordo com o prof. Bornito de Sousa o Direito Constitucional tem como


características32:

1- Posição hierárquico normativa superior: o Direito Constitucional


goza de uma posição hierárquico normativa superior, pelo simples
facto de estar acima de todas as Leis de um determinado Estado “Lex
Superior”. Esta posição caracteriza-se em três perspectivas:

a) Autoprimazia normativa: enquanto que os demais ramos de direito


buscam fundamento de validade na Constituição, as normas do Direito
Constitucional encontram fundamento de validade em si próprias.

Por exemplo: para criação das normas do Direito Penal, deve-se olhar
para o que a Constituição diz, ou seja, a Constituição nos termos do art.º 59º diz
claramente que é proibido a pena de morte, e consequentemente as normas do
Direito Penal não podem legalizar a pena de morte, sob pena destas normas
serem inválida, porque toda e qualquer norma abaixo da Constituição só é válida
se estiver de acordo com a Constituição.

32
SOUSA, Bornito de, Apontamentos de Ciência Política e Direito Constitucional, 2008, pág. 11.

24
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Já Constituição, não precisa estar de acordo com nenhuma outra lei


abaixo dela, porque só pelo facto de ser a lei suprema, ela encontra validade em
si mesma.

b) Fonte Primária de todo o direito positivo e normas de normas


(normae normarum): as normas do Direito Constitucional são as fon-
tes de produção jurídica das outras normas a baixo da Constituição
(normas Infraconstitucionais), pelo facto dela dar origem a todas nor-
mas infraconstitucionais. O Direito Constitucional também é normas de
normas, porque dela surgem outras normas. Por exemplo: as normas
do Direito Penal, do Direito do Trabalho, do Direito da Família, etc.

c) - Princípio da Conformidade: todas as normas infraconstitucionais e


actos do poder político devem estar em conformidade com a Consti-
tuição (art.º 226.º da CRA, sob pena de serem considerados inexisten-
tes, nulas, anulas, ineficaz ou até mesmo inconstitucionais.

2- Supra ordenamento: O Direito Constitucional é um supra ordena-


mento que confere unidade a todo o ordenamento jurídico (todas as
leis de um determinado Estado) e estabelece a hierarquia entre as de-
mais normas;
3- Procedimento específico de criação das normas de Direito Cons-
titucional: o Direito Constitucional distingue-se também dos demais
ramos do Direito pela forma e procedimento de criação das suas nor-
mas. As normas constitucionais emanam de um Poder Constituinte
originário ou derivado, de acordo com um processo específico de
criação. Só se pode falar em Direito Constitucional Formal se as
normas tiverem sido criadas por um Poder Constituinte originário ou
derivado;
4- Controlo Jurisdicional: as normas do Direito Constitucional estão su-
jeitas a controlo jurisdicional, isto é, são controladas por todos os tri-
bunais, quer nos Tribunais Comuns, no Tribunal Constitucional, nos
Tribunais ou Secções Administrativas, no Tribunal de Conta, etc.

25
Direito Constitucional

Cabe ainda salientar que o Direito Constitucional, no novo contexto mun-


dial, tem apresentado novas características, a saber33:

1.ª Supremacia: caracteriza o Direito Constitucional pela posição su-


prema que ocupa na ordem jurídica. Esta posição afigura-se de topo, colocando-
se num lugar hierarquicamente superior aos demais ramos de direitos;

2.ª Transversalidade: o Direito Constitucional considera-se transversal


numa perspectiva material, mediante o carácter transversal das matérias que o
atravessam. É do âmbito do Direito Constitucional definir as grandes linhas do
Estado enquanto comunidade, abrangendo assim diversos temas relevantes da
vida colectiva;

3.ª Politicidade: é característica do Direito Constitucional por este ser um


Direito Político, tendo como objecto de estudo e a ordem o poder politico, ou
seja, Direito Constitucional estuda o poder político, nomeadamente o politico em
si.

4.ª Estadualidade: o Direito Constitucional é um Direito Estatual por ex-


celência. Ele dita todos os modos procedimentais do Estado-poder na sua rela-
ção com o Estado-comunidade dos cidadãos, estabelecendo limites na actuação
daquele e garantido defesa dos direitos desta última face àquele poder;

5.ª Legalismo: caracteriza o Direito Constitucional por o assentar “numa


visão de cunho legalista”34, pelo seu caracter de constituir quer como fonte de
normas, quer como disciplinador do poder politico, ou seja, o Direito Constituci-
onal tem como finalidade, regular o poder politico, os direitos, liberdades e ga-
rantias do cidadão por via da lei.

6.ª Fragmentarismo: o Direito Constitucional é fragmentário, ou seja, não


regula todas as matérias jurídicas e se o fizer não o fará por completo.

7.ª Juventude: o Direito Constitucional actual é um ramo do Direito novo,


nascido graças a Revolução Americana e Francesa do século XVIII.

33
Gouveia, Jorge Bacelar, Manual, op. cit., 2005, pág. 39 a 45.
34
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 40.

26
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

8.ª Abertura: o Direito Constitucional “é aberto aos influxos de outros ra-


mos normativos, estado muito longe de ser um sistema normativo fechado”35.

5. As Ciências afins e auxiliares do Direito Constitucional

A titulo de introito cabe salientar que o Direito não caminha só, com isto
queremos dizer, que o Direito não é independente, necessita de outras ciências
para que elas o possam dar suporte e auxilio.

Ciências afins, são todas aquelas que tratam ou estudam o mesmo ob-
jecto que o Direito Constitucional, e as Ciências auxiliares, são as que tendo
um objecto de estudo diverso, fornecem, no entanto, subsídios indispensáveis
à tarefa de uma terceira, no caso ao Direito Constitucional.36

Entre as ciências afins, destacam-se:

Ciência Política: é aquela que estuda o fenómeno político como um mero


facto, estudo os comportamentos das instituições e os respectivos titulares, o
sistema dos partidos, o sistema eleitoral, o sistema de governo e o regime polí-
tico;

Teoria Geral do Estado: estuda os elementos e as características do Es-


tado enquanto realidade conceptual;

Sociologia Política: estuda as relações de poder entre o Estado e a so-


ciedade;

História das Ideias Políticas: estuda o pensamento de vários pensado-


res sobre o poder político;

Histórias Política: estuda as causas e consequências de acontecimentos


político;

Filosofia Político: estuda os limites dos direitos das pessoas e os limites


do Poder Público.

35
MACEDO, Fernando, op. cit., 2013, pág. 40
36
GOUVEIA, Jorge Bacelar, op. cit., 2005, pág. 64-71

27
Direito Constitucional

Entre as ciências auxiliares, destacam-se:

Estatística e a Matemática: estas ciências contribuem no campo dos sis-


temas eleitorais.

Sociologia: ela oferece elementos auxiliares preciosos quanto à adequa-


ção social e os motivos pelas quais surgem certos comportamentos indecorosos.

Economia: esta disciplina dá as bases para as opções económicas que


os textos constitucionais deveram seguir para a organização do sistema econó-
mico do Estado.

História: esta disciplina ajuda a justificar os acontecimentos constitucio-


nais, baseados na explicação do percurso dos povos, nas suas múltiplas formas
de organização, os acontecimentos económicos, sociais, religiosos e também
elementos directamente políticos.

Geografia e a Astrofísica: relativamente estas ciências contribuem para


o direito constitucional, delimitando os espaços estaduais, bem como o aprovei-
tamento que tais espaços proporcionam.

Sem o contributo destas ciências dificilmente seria possível conhecer cer-


tos conceitos jurídico-constitucionais, que só fazem sentido recorrendo à sua
ajuda.

Como vislumbra Adérito Correia, o Jurista não pode ser indiferente ou


neutral ao conhecimento37, ou seja, o jurista deve ser aberto e não se limitar
apenas a Ciência do Direito, deve conhecer e intender, ainda que não for de
forma absoluta, outras áreas do conhecimento. O Jurista não é obrigado a sa-
ber tudo, mas é obrigado a saber o necessário.

37
CORREIA, Adérito, op. cit., 2011, pág. 37.

28
CAPÍTULO II

DIREITO CONSTITUCIONAL E A
CONSTITUIÇÂO

1. Constitucionalismo
1.1. Conceito

Para Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:

Constitucionalismo, é o movimento político, jurídico e ideológico


que concebeu ou aperfeiçoou a ideia de estruturação racional do
Estado e de limitação do exercício de seu poder, concretizada pela
elaboração de um documento escrito destinado a representar sua
lei fundamental e suprema38.

Dito de outro modo, chama-se Constitucionalismo a várias manifestações


políticas, sociais e culturais que tinham como fundamento partilhar e limitar o
poder, bem como estatuir as garantias e os direitos de cada cidadão.

Do ponto de vista histórico, o Constitucionalismo esta dividido em duais


partes, que são: constitucionalismo antigo e constitucionalismo moderno.

38
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo, Direito Constitucional Descomplicado, 14ª. ed, 2015, pág. 1

29
Direito Constitucional e a Constituição

1.2. Constitucionalismo Antigo

Desde a Antiguidade a Constituição teve como objecto o ordenamento


geral das relações sociais e políticas. Neste âmbito as doutrinas constitucionais
mais importantes são as hebraicas e as gregas.

Analisando a Antiguidade clássica, Karl Loewenstein 39 identificou, entre


os hebreus, timidamente, o surgimento do Constitucionalismo, estabelecendo-
se no Estado teocrático limitações ao poder político, isto é, ao assegurar aos
profetas a legitimidade para fiscalizar os actos governamentais que extrapolas-
sem os limites bíblicos.

Outras ideias que encontraram expressão institucional no Estado mo-


derno remontam à Grécia e a Roma, tratando-se mesmo de axiomas da moderna
ideia ocidental de Estado. Um desses axiomas é a das diversas classes sociais,
institucionais (órgão) de que emana o poder político, de modo a poderem parti-
cipar globalmente no exercício do mesmo.

É neste axioma que se insere, ou é dele que deriva, a teoria da Constitui-


ção mista, que tem por base a ideia de equilíbrio de forças diversas, ou seja, é
aquela Constituição que salvaguarda tanto os interesses dos ricos quanto os in-
teresses dos pobres. O conceito de Constituição mista remonta o Platão, tendo
sido desenvolvido pelo seu discípulo Aristóteles, a propósito das formas de go-
verno, enquanto “modos do poder supremo do Estado”.

Para Aristóteles a Constituição mista é a melhor constituição porque só


ela tem em conta, ao mesmo tempo, os ricos e os pobres. Para ele, os ricos e
os pobres deveriam ter acesso partidário ao exercício do poder político 40.

Deferente de Aristóteles, o filosofo grego Políbio, afirma que a questão


fundamental não é a de dar poderes a todas as classes, mas sim o equilíbrio do
poder, devendo existir uma contraposição de poderes41.

Dito de outro modo, para Políbio, o importante não é distribuir o poder em


todas as classes, mas sim equilibrar o poder, existindo separação de poderes,

39
LOEWENSTEIN, Karl, Teoria de la Constitución, 2. ed, 1970, pág. 154
40
CORREIA, Adérito, op. cit., 2011, pág. 50
41
Ibidem, pág. 51

30
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

evitando a concentração de poderes e mais importante seria a transposição do


poder, ou seja, a alternação do poder de uma mão para outra.

Pouco tempo depois Aristóteles desenvolve outra teoria, enquadrando o


conceito de Constituição média, advogando que o meio termo é bom em tudo, e,
assim a melhor sociedade é a que for composta pelo maior número possível de
membros semelhantes ou iguais. Assim, a Constituição média ou governo mé-
dio, tal como o conceito de Constituição mista abarcam a mesma realidade: a de
equilíbrio entre as classes sociais42.

Só nos resta concluir afirmando que a Constituição mista atende mais às


desigualdades, a Constituição média atende sobretudo ao equilíbrio entre clas-
ses como um processo de integração numa grande classe média.

A Constituição média, encara o equilíbrio como um processo de atenua-


ção das diferenças sociais entre as classes, com vista ao equilíbrio global do
sistema.

Cabe também sublinhar, que os antigos, contudo, não tinham ideia da


Constituição como norma chamada a separar os poderes e a garantir os direitos.
A Constituição era um ideal ético e político a perseguir. Na era antiga, a Consti-
tuição foi mais um projecto de reconciliação social e política, sobretudo em épo-
cas de crise.

1.3. Constitucionalismo Moderno

O constitucionalismo moderno desenvolveu-se com a superação do mo-


delo político e institucional da Cristandade medieval, assente nos valores de au-
toridade, hierarquia e estratificação social, e do Estado Absoluto, edificado em
torno da personalidade centralizadora do Monarca e sobre o direito divino. A

42
Cfr. Ibidem, 51

31
Direito Constitucional e a Constituição

Magna Carta de 1215 representa o grande marco do constitucionalismo medie-


val, estabelecendo, mesmo que formalmente, a proteção a importantes direitos
individuais43.

O Constitucionalismo moderno é um fenómeno complexo, com refrações


políticas, filosóficas, culturais e ético-religiosas, cuja compreensão escapa a
qualquer reducionismo. Ele subentende uma luta ideológica de afirmação de
concepção liberal de poder político que procura novas bases de legitimação44.

Cabe também sublinhar que o Estado constitucional é concebido pelo li-


beralismo político como instrumento de separação das concepções medievais e
absolutistas do poder, mediante a afirmação da soberania popular, da igualdade
originária de todos os indivíduos, dos direitos naturais e inalienáveis e da limita-
ção e separação dos poderes estaduais45.

O constitucionalismo moderno tem como elemento caracterizador a luta


pela limitação do poder político, graças a diversos acordos celebrados na Idade
Moderna, como: o Petition of Rights, de 1628; o Habeas Corpus Act, de 1679; o
Bill of Rights, de 1689; e o Act of Settlement, de 1701.

Todavia, a luta pela limitação do poder político teve que ser travada com
persistência teorética e político-institucional. Isto, porque as ideias que aponta-
vam para a centralização e o reforço do poder político tinham uma longa tradição.
Além disso, a experiência das guerras civis religiosas constituía, para muitos, um
forte argumento no sentido do fortalecimento da autoridade do Monarca.

O reforço do poder do Monarca foi conseguido, nos sécs. XVI a XVIII, com
bases em argumentos desenvolvidos a partir das ideias de soberania absoluta,
direito divino, razão de Estado, Estado patrimonial e concepção personalista do
Estado.

43
A Magna carta de 1215 e a Petition of Rigts de 1628 são pactos firmados durante a história constitucio-
nal inglesa, ou seja, são convenções entre o monarca e os súditos concernentes ao modo de governo e às
garantias dos direitos individuais.
44
Udo Di Fabio, da Recht offener Staaten, Tubingen, 1998, 27 ss. apud, M ACHADO Jónatas; COSTA, Paulo
e HILÁRIO, Esteves, op. cit., 2013, pág 17.
45
Di Fabio, Das Recht offener Staaten…, cit. 16 ss. E 38 ss apud MACHADO Jónatas; COSTA, Paulo e HILÁ-
RIO, Esteves, op. cit., 2013, pág. 18

32
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

O conceito de “soberania absoluta” foi desenvolvido por Jean Bodin, nos


seus Seis livros da República, 1576, e por Thomas Hobbes, na sua obra Levi-
athan, 1651. Ambos sofriam daquilo que George Haverkate designa por “sín-
drome da guerra civil”, na medida em que, tendo vivido no meio de guerras civis
religiosas, um e outro surgem em boa medida como defensores do reforço da
autoridade do Estado46.

É neste contexto que que surge a noção de soberania absoluta, proposta


por Jean Bodin, definida como “summa in cives ac subtidos legibusque soluta
potestas”47. Todavia para Bodin, o reforço da autoridade do Monarca passava
pela consideração das forças sociais intermédias, essencial para o reforço do
poder48.

Para Thomas Hobbes, o poder político era legitimado através do contrato


social e já não do direito divino. O Estado surgia como um antídoto a uma inicial
de estado de natureza, caracterizada pela guerra de todos contra todos (bellum
omninum contra omnes). A força estadual, quer se esteja diante de um monarca
ou de um parlamento, reside no facto de que o mesmo é o único depositário dos
direitos que os indivíduos para ele transferem através do contrato social.

Note-se, todavia, que para Thomas Hobbes, o reforço do poder político


não passava necessariamente pelo Monarca, na medida em que, em seu enten-
der, os direitos individuais poderiam ser transferidos para uma assembleia.

Uma outra linha de reforço do poder absoluto dos monarcas encontra-se


na ideia de “Razão de Estado”, de que ainda hoje se encontram ressonâncias.
Quer se tenha em vista a conquista e a manutenção do poder, a proteção dos
interesses superiores da segurança e da independência do Estado, a promoção
de uma concepção divina do poder político, ou mesmo, como se sustentou mais
recentemente, a nocção de que o Estado é uma manifestação objectiva do Es-
pirito absoluto, a verdade é que a ideia de razão de Estado pode facilmente con-
duzir à ideia de que os fins justificam os meios.

46
Haverkate 1993, pp 48 apud MACHADO Jónatas; COSTA, Paulo e HILÁRIO, Esteves, op. cit., 2013, pág. 19
47
Bodin 1609, pág. 123 apud MACHADO Jónatas; COSTA, Paulo e HILÁRIO, Esteves, op. cit., 2013, pág. 19
48
Holmes, Passions and Constraint…, cit., 100 ss., 109 ss. e 120 ss., apud, MACHADO Jónatas; COSTA, Paulo
e HILÁRIO, Esteves, op. cit., 2013, pág. 19

33
Direito Constitucional e a Constituição

1.3.1. Limitação do Poder Político

A limitação do poder político advém do movimento constitucional e con-


comitantemente está na génese da Constituição, localizado no tempo e em es-
paços geográficos e culturais diferenciados. Em verdade não há um constitucio-
nalismo, mas vários constitucionalismos. Quando falamos em constituciona-
lismo: a ideia de que os governos devem ser limitados, o poder deve ser limitado,
com vista ás garantias dos direitos dos cidadãos.

Para o constitucionalismo, o Estado só é um Estado constitucional, desde


que o poder esteja distribuído por vários órgãos e os direitos fundamentais. É o
que expressamente traduz o art.º 16.º da declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão: “Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos
direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não têm Constituição”.

Trata-se de uma teoria, ou mesmo, de uma ideologia, que se funda no


princípio do governo limitado. O constitucionalismo implica, assim, um juízo de
valor, uma valoração das actividades dos governos. O constitucionalismo vai,
assim, fazer uma teoria normativa do poder, e uma teoria normativa da demo-
cracia49.

Este é o constitucionalismo moderno, distinto do constitucionalismo an-


tigo, que foi prática até ao século XVIII, antes do surgimento das constituições
escritas.

O constitucionalismo moderno deu origem à Constituição moderna. Várias


doutrinas asserção que as constituições escritas como instrumentos para conter
qualquer arbítrio decorrente do poder advieram de dois marcos históricos e for-
mais do constitucionalismo moderno: a Constituição norte-americana de 1787 e
a francesa de 1791 (que teve como preâmbulo a Declaração Universal dos Di-
reitos do Homem e do Cidadão de 1789), movimento este deflagrado durante o
Iluminismo e concretizado como uma contraposição ao absolutismo reinante, por
meio do qual se elegeu o povo como o titular legítimo do poder.

49
CANOTILHO, J.J. Gomes, op. cit., 2000, Pág. 51

34
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

A Constituição visa a salvaguarda da liberdade e dos direitos dos cida-


dãos. Mas a Constituição é igualmente o exercício mais elevado da soberania,
seja ela do povo ou da Nação, o acto pelo qual os cidadãos escolhem o tipo de
organização que os vai governar e que se vinculam, mas que igualmente vincula
os governantes50.

2. A Constituição

Podemos definir Estado, de forma genérica e simplificada, como organi-


zação de um povo sobre um território determinado, dotada de soberania e que
se rege no paramento de uma Constituição.

Todo Estado, conforme acima conceituado, tem uma Constituição, em


sentido amplo. Nessa acepção ampla, ou sociológica, a Constituição é simples-
mente a forma de organização do Estado. Trata-se de um conceito fático, que
depende da existência de um texto escrito, ou mesmo normas, escritas ou não,
referentes a essa organização; usualmente é emprega para descrevê-lo, a ex-
pressão "Constituição material do Estado".

A Constituição, objeto de estudo do Direito Constitucional, deve ser en-


tendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que rege a sua orga-
nização político-jurídica51.

As normas de uma Constituição devem dispor acerca da forma do Estado,


dos órgãos que integram a sua estrutura, ·das competências desses órgãos, da
aquisição do poder e de seu exercício. Além disso, devem estabelecer as limita-
ções ao poder do Estado, especialmente mediante a separação dos poderes
(sistema de freios e contrapesos) e a enumeração de direitos e garantias funda-
mentais52.

50
CANOTILHO, J.J. Gomes., ob. cit., 5ª ed., pag. 52
51
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo, op. cit., 2015, pág. 4
52
Ibidem, pág. 5

35
Direito Constitucional e a Constituição

O constitucionalista J. J. Gomes Canotilho, cunhou a expressão "Consti-


tuição ideal", reiteradamente citada pelos autores pátrios. Os elementos carac-
terizadores desse conceito de ''Constituição ideal", de inspiração liberal, são os
seguintes53:

a) a Constituição deve ser escrita;

b) deve conter uma enumeração de direitos fundamentais individuais (di-


reitos de liberdade);

c) deve adotar um sistema democrático formal (participação do "povo" na


elaboração dos atos legislativos, pelos parlamentos);

d) deve assegurar a limitação do poder do Estado mediante o princípio da


divisão de poderes.

Conforme antes referido, as normas de uma Constituição, no Estado libe-


ral, devem restringir-se a determinar a estrutura do Estado, o modo de exercício
e transmissão do poder e a reconhecer direitos fundamentais de liberdade aos
indivíduos.

2.1. Sentido do Termo Constituição

Existem várias tipologias para definir o termo “Constituição”, a saber:


Constituição em sentido sociológico, Constituição em sentido político e Consti-
tuição em sentido jurídico.

2.1.1. Constituição em Sentido Sociológico

Na visão sociológica, a Constituição é concebida como fato social, e não


propriamente como norma. O texto positivo da Constituição seria resultado da
realidade social do País, das forças sociais que imperam na sociedade, em de-
terminada conjuntura histórica. Caberia à Constituição escrita, tão somente, re-
unir e sistematizar esses valores sociais num documento formal, documento este
que só teria eficácia se correspondesse aos valores presentes na sociedade54.

53
Cfr. Ibidem, pág. 5
54
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo, op. cit., 2015, pág. 6

36
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Ferdinand Lassalle, em seu livro Qué es una Constitucíon? defendeu que


uma Constituição só seria legitima se representasse o efetivo poder social, refle-
tindo as forças sociais que constituem o poder, ou seja, as Constituições devem
estar de acordo com a realidade social. Caso isso não acorresse, ela seria ilegí-
tima, caracterizando-se como uma simples folha de papel.55

2.1.2. Constituição em Sentido Político

A concepção política de Constituição foi desenvolvida por Carl Schmitt,


para o qual a Constituição é uma decisão política fundamental, ou seja, a decisão
política do titular do poder constituinte56.

A Constituição surge, portanto, a partir de um ato constituinte, fruto de


uma vontade política fundamental de produzir uma decisão eficaz sobre modo e
forma de existência política de um Estado.

Nessa concepção política, Schmitt estabeleceu uma distinção entre Cons-


tituição e leis constitucionais: a Constituição disporia somente sobre as matérias
de grande relevância jurídica, sobre as decisões políticas fundamentais (organi-
zação do Estado, princípio democrático e direitos fundamentais, entre outras);
as demais normas integrantes do texto da Constituição seriam, tão somente, leis
constitucionais57.

2.1.3. Constituição em Sentido Jurídico

Em sentido jurídico, a Constituição é compreendida de uma perspectiva


estritamente formal, apresentando-se como pura norma jurídica, como norma
fundamental do Estado e da vida jurídica de um país, paradigma de validade de
todo o ordenamento jurídico e instituidora da estrutura primacial desse Estado.
Ou seja, a Constituição consiste, pois, num sistema de normas jurídicas58.

55
LENZA, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado, 23ª ed, 2019, pág. 142
56
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo, op. cit., 2015, pág. 6
57
Ibidem, pág. 7
58
Ibidem, pág. 7

37
Direito Constitucional e a Constituição

O pensador mais associado à visão jurídica de Constituição é o austríaco


Hans Kelsen, que desenvolveu a denominada Teoria Pura do Direito. Para Kel-
sen, a Constituição é considerada como norma, e norma pura, como puro dever-
ser, sem qualquer consideração de cunho sociológico, político ou filosófico59.

Embora reconheça a relevância dos fatores sociais numa dada sociedade,


Kelsen sempre defendeu que seu estudo não compete ao jurista como tal, mas
ao sociólogo e ao filósofo. Segundo a visão de Hans Kelsen, a validade de uma
norma jurídica positivada é completamente independente de sua aceitação pelo
sistema de valores sociais vigentes em uma comunidade, tampouco guarda re-
lação com a ordem moral, pelo que não existiria a obrigatoriedade de o Direito
coadunar-se aos ditames desta (moral)60.

A ciência do Direito não tem a função de promover a legitimação do or-


denamento jurídico com base nos valores sociais existentes, devendo unica-
mente conhecê-lo e descrevê-lo de forma genérica, hipotética e abstrata. Esta
era a essência de sua teoria pura do direito: desvincular a ciência jurídica de
valores morais, políticos, sociais ou filosóficos. Kelsen desenvolveu dois sentidos
para a palavra Constituição61:

a) sentido lógico-jurídico, situa-se em nível do suposto ou do hipo-


tético;
b) sentido jurídico-positivo, trata-se de uma norma posta ou criada.

Em sentido lógico-jurídico, Constituição significa a norma fundamental


hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade
da Constituição em sentido jurídico-positivo62.

Essa norma fundamental hipotética, fundamento da Constituição positiva,


não possui um enunciado explícito; o seu conteúdo pode traduzir-se, em linhas
gerais, no seguinte comando, a todos dirigidos: "conduzam-se conforme deter-

59
LENZA, Pedro, op. cit., pág. 144
60
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo, op. cit., 2015, pág. 7
61
Ibidem, pág. 7
62
Cfr. Ibidem, pág. 7

38
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

minado pelo autor da Constituição positiva"; ou, de forma mais simples, "obede-
çam à Constituição positiva". Para Kelsen, a norma jurídica não deriva da reali-
dade social, política ou filosófica, mas sim de uma norma suposta.

O fundamento de validade das normas não está na realidade social do


Estado, mas sim na relação de hierarquia existente entre elas. Uma norma infe-
rior tem fundamento na norma superior, e esta tem fundamento na Constituição
positiva. Esta, por sua vez, se apoia na norma fundamental hipotética, que não
é uma norma positiva (posta), mas uma norma imaginada, pressuposta, pen-
sada.

Em sentido jurídico-positivo, Constituição corresponde à norma positiva


suprema, conjunto de normas que regulam a criação de outras normas, lei naci-
onal no seu mais alto grau. Ou, ainda, corresponde a certo documento solene
que contém um conjunto de normas jurídicas que somente podem ser alteradas
observando-se certas prescrições especiais.63

Destas duas concepções de Constituição criadas por Kelsen, a relevân-


cia para o Direito moderno é a jurídico-positiva, a partir da qual a Constituição é
vista como norma fundamental, criadora da estrutura básica do Estado e parâ-
metro de validade de todas as demais normas.

2.1.4. Constituição em Sentido Material, Formal e Instrumental

2.1.4.1. Constituição em Sentido Material

Constituição em sentido material (ou substancial) é o conjunto de nor-


mas, escritas ou não escritas, cujo conteúdo seja considerado propriamente
constitucional, isto é, essencial à estruturação do Estado, à regulação do exercí-
cio do poder e ao reconhecimento de direitos fundamentais aos indivíduos 64.

Segundo este sentido, as normas constitucionais são aquelas que tratam


das regras estruturais da sociedade, de seus alicerces fundamentais como: for-
mas de Estado, governo, seus órgãos, etc.

63
Ibidem, pág. 8
64
Ibidem, pág. 9

39
Direito Constitucional e a Constituição

Do ponto de vista material, o que vai importar para definirmos se uma


norma tem caráter constitucional ou não será o seu conteúdo, pouco importando
a forma pela qual foi essa norma introduzida no ordenamento jurídico65.

Segundo esse conceito, há matérias que são constitucionais em razão de


seu conteúdo, e as normas que delas tratam - é indiferente se são escritas ou
consuetudinárias, se integram um único documento redigido de forma unitária ou
textos esparsos surgidos em momentos diversos.

2.1.4.2. Constituição em Sentido Formal

O conceito formal de Constituição diz respeito à existência, em um de-


terminado Estado, de um documento único, escrito por um órgão soberano ins-
tituído com essa específica finalidade, que contém, entre outras, as normas de
organização política da comunidade e, sobretudo, que só pode ser alterado me-
diante um procedimento legislativo mais árduo, e com muito maiores restrições,
do que o necessário à aprovação das normas não constitucionais pelos órgãos
legislativos constituídos66.

Na acepção formal, portanto, as normas constitucionais serão aquelas in-


troduzidas pelo poder soberano, por meio de um processo legislativo mais difi-
cultoso, diferenciado e mais solene que o processo legislativo de formação das
demais normas do ordenamento67.

Este sentido, centra-se na forma como foi introduzida a norma no orde-


namento jurídico e não o seu conteúdo.

2.1.4.3. Constituição em Sentido Instrumental

A Constituição em sentido instrumental refere-se ao instrumento pelo


qual contém as normas Constitucionais, ou seja, é o documento ou o material
pelo qual estão inseridas as normas Constitucionais.

65
LENZA, Pedro, op. cit., 2019, pág. 143
66
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo, op. cit., 2015, pág. 9
67
LENZA, Pedro, op. cit., 2019, pág. 143

40
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Finalizando este tema, resta-nos elaborar um conceito básico de Consti-


tuição, reunindo todos os elementos acima destacados.

Deste modo, podemos definir Constituição, como o conjunto de normas,


reunidas ou não em um documento escrito, que tem como principal função, es-
tabelecer a estrutura básica do poder político, regulando o exercício e a trans-
missão desse poder, enumera também os direitos fundamentais, os fins do Es-
tado e a forma de criação e extinção das suas normas.

Para melhor compreensão, ver o esquema a seguir:

41
Direito Constitucional e a Constituição

Esquematização dos Sentidos do Termo Constituição

A Constituição é o conjunto dos facto-


res reais do poder que regem uma
nação, ou seja, a Constituição deve
SENTIDO SOCIOLOGICO ser construída em conformidade com
os factores reais da sociedade, caso
contrário será simplesmente uma fo-
lha de papel.

A Constituição é uma decisão política


fundamental que tem como objecto
SENTIDO POLÍTICO principal a forma de governo, a forma
de Estado e a matriz ideológica da
nação.

A Constituição é compreendida como


o conjunto de normas fundamentais
de um Estado; a Constituição é consi-
SENTIDO JURÍDICO derada como norma pura, como puro
dever-ser sem qualquer consideração
de cunho sociológico ou político.

A Constituição é o conjunto das nor-


SENTIDOS DO mas escritas ou não, cujo o conteúdo
TERMO CONSTI- só será considerado Constitucional,
TUIÇÃO se versar sobre à estruturação do Es-
tado, à regulamentação do exercício
SENTIDO MATERIAL do poder e ao reconhecimento de di-
reitos fundamentais aos indivíduos,
neste sentido o que importa é o con-
teúdo não a forma pela qual tenha
sida inserida este conteúdo na Cons-
tituição.

Neste sentido a Constituição é um do-


cumento único e escrito por um órgão
soberano, com a finalidade de regular
SENTIDO FORMAL a organização política da comuni-
dade, aqui o que importa é a forma
pela qual as normas foram introduzi-
das na Constituição e não o seu con-
teúdo.

Consiste no instrumento pelo que


SENTIDO INSTRU- contém as normas Constitucionais, ou
MENTAL seja, o material pelo qual estarão in-
seridas as normas jurídicas

ESQUEMATIZAÇÃO DOS SENTIDOS DO TERMO CONSTITUIÇÃO


42
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

2.2. Classificação da Constituições

Para classificar qualquer Constituição depende de diversos critérios, cria-


dos para realçar como ela se apresenta, isto é, do ponto de vista da sua origem,
forma, modo de elaboração, conteúdo, estabilidade, extensão finalidade, etc.

2.2.1. Quanto à Origem

Quanto à origem, as Constituições podem ser outorgadas, democrática


(populares votadas ou promulgadas), cesaristas (ou bonapartistas) e pac-
tuadas (ou dualistas).

As Constituições outorgadas são aquelas que são impostas, de ma-


neira unilateral, pelo agente revolucionário (grupo ou governante). Que não re-
cebeu do povo legitimidade para em nome dele actuar68, ou seja, são aquelas
Constituições que são elaboradas e impostas sem a participação do povo.

As Constituições outorgadas são designadas por alguns doutrinadores


como "Cartas Constitucionais".

As Constituições democráticas (populares ou promulgadas): são


aquelas Constituições que resultam do trabalho de uma Assembleia Nacional
Constituinte, eleita diretamente pelo povo, para, em nome deles, a Assembleia
elabore a Constituição69.

As Constituições cesaristas (bonapartistas) são aquelas que inicial-


mente são elaboradas unilateralmente pelo detentor do poder, mas dependem
de ratificação ou aprovação do povo por meio de um referendo70.

Essa participação popular não é democrática, pois cabe ao povo somente


referendar a vontade do agente revolucionário, detentor do poder. Por isso, não
são, propriamente, nem outorgadas, nem democráticas, pois, não se concede a
liberdade para uma efectiva discussão ou uma eventual rejeição das propostas.

68
LENZA, Pedro, op. cit., 2019, pág. 167
69
Ibidem, pág. 168
70
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo, op. cit., 2015, pág. 11

43
Direito Constitucional e a Constituição

2.2.2. Quanto à Forma

Quanto à forma, as Constituições podem ser escritas ou não escritas.

Constituição escrita é aquela formada por um conjunto de regras siste-


matizadas e formalizadas por um órgão constituinte, em documentos escritos
solenes, estabelecendo as normas fundamentais de um dado Estado 71.

Nas Constituições não escritas (costumeiras ou consuetudinárias): são


aquelas constituídas por um conjunto de normas constitucionais esparsas em
vários textos, baseado em costumes na jurisprudência e em convenções72, nor-
malmente estas normas constitucionais não são solenemente elaboradas por um
órgão especialmente encarregado dessa tarefa, tampouco estão codificadas em
documentos formais, solenemente elaborados.

Tais normas se sedimentam a partir dos usos e costumes, das leis espar-
sas comuns, das convenções e da jurisprudência. Um exemplo claro é a Consti-
tuição inglesa. Neste país parte das normas sobre organização do Estado são
consuetudinária73.

No entender de Jorge Miranda, “a Constituição inglesa é uma Constitui-


ção não escrita, só no sentido de que grande parte das regras sobe organização
do poder político é consuetudinária; e, sobretudo, no sentido de que a unidade
fundamental da Constituição não repousa em nenhum texto ou documento, mas
em princípios não escritos assentes na organização social e política dos Britâni-
cos”74

A distinção essencial é que, nos países de Constituição escrita, as normas


constitucionais são elaboradas por um órgão especificamente encarregado
desse mister, que as formalizam em texto constitucional solene. Diversamente,
nos Estados de Constituição não escrita, as normas constitucionais, quando es-
critas, estão cristalizadas em leis e outras espécies normativas esparsas, que

71
Ibidem, pág. 11
72
MORAIS, Alexandre de, Direito Constitucional, 13 ed., 2003, pág. 30
73
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo, op. cit., 2015, pág. 12
74
MIRANDA, Jorge, op. cit., t. 1, 2003, pág. 126

44
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

surgiram ao longo do tempo e, dada a sua dignidade, adquiriram status constitu-


cional.

2.2.3. Quanto ao Modo de Elaboração

Quanto ao modo de elaboração, as Constituições podem ser dogmáticas


ou históricas.

As Constituições dogmáticas, sempre escritas, se apresenta como pro-


duto escrito e sistematizado por um órgão constituinte, a partir de princípio e
ideias fundamentais da teoria política e do direito dominante75.

Poderão ser ortodoxas ou simples (fundadas em uma só ideologia) ou


ecléticas ou compromissórias (formadas pela síntese de diferentes ideologias,
que se conciliam no texto constitucional).

As Constituições históricas (ou costumeiras), resultam da lenta forma-


ção histórica, do lento evoluir das tradições, dos fatos sociopolíticos, represen-
tando uma síntese histórica dos valores consolidados pela própria sociedade,
como é o caso da Constituição inglesa76.

As Constituições dogmáticas são necessariamente escritas, elabora-


das por um órgão constituinte, ao passo que as históricas são do tipo não es-
critas, aquelas que a prática ou o costume sancionaram ou impuseram.

As Constituições dogmáticas tendem a ser menos estáveis, porque es-


pelham as ideias da sociedade em momento específico e o com o passar do
tempo e a consequente evolução do pensamento da sociedade, surge a neces-
sidade de constantes atualizações, por meio da alteração do seu texto. As Cons-
tituições históricas tendem a apresentar maior estabilidade, pois resultam do
lento amadurecimento e da consolidação de valores da própria sociedade.

75
MORAIS, Alexandre de, Direito Constitucional, 13 ed., 2003, pág. 30
76
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo, op. cit., 2015, pág. 13

45
Direito Constitucional e a Constituição

2.2.4. Quanto ao Conteúdo

Quanto ao conteúdo, temos Constituição material (ou substancial) e


Constituição formal.

Na concepção material de Constituição, consideram-se constitucionais


somente as normas que cuidam de assuntos essenciais à organização e ao fun-
cionamento do Estado e estabelecem os direitos fundamentais (matérias subs-
tancialmente constitucionais)77.

Neste caso, para a identificação de uma norma constitucional, o impor-


tante é o seu conteúdo e não importa o processo de elaboração ou a natureza
do documento que a contém; ela pode, ou não, estar em uma Constituição es-
crita.

Na concepção formal de Constituição, são constitucionais todas as nor-


mas que integram uma Constituição escrita, elaborada por um processo especial
(rígida), independentemente do seu conteúdo78.

Aqui, leva-se em conta, o processo de elaboração da norma: todas as


normas integrantes de uma Constituição escrita, solenemente elaborada, serão
constitucionais. Não importa, o conteúdo da norma.

2.2.5. Quanto à Estabilidade

A classificação das Constituições quanto ao grau de estabilidade (altera-


bilidade, mutabilidade ou consistência), as constituições dividem-se em imu-
táveis, rígidas, flexíveis ou semirrígidas ou semiflexíveis.

A Constituição imutável é aquela que não admite modificação do seu


texto.

Essa espécie de Constituição está em pleno desuso, em razão da impos-


sibilidade de sua atualização diante da evolução política e social do Estado.

77
Ibidem, pág. 13
78
Ibidem, pág. 14

46
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

A Constituição é rígida quando exige um processo legislativo especial


para modificação do seu texto, mais difícil do que o processo legislativo de ela-
boração das demais leis do ordenamento jurídico.

A Constituição flexível é aquela que permite sua modificação pelo


mesmo processo legislativo de elaboração e alteração das demais leis do orde-
namento jurídico, como ocorre na Inglaterra, em que as partes escritas de sua
Constituição podem ser juridicamente alteradas pelo Parlamento com a mesma
facilidade com que se altera a lei ordinária79.

A Constituição semirrígida ou semiflexível é aquela que contém uma


parte rígida e outra parte flexível, ou seja, é aquela que exige um processo legis-
lativo mais difícil para alteração de certa normas constitucionais (rígida) e ao
mesmo tempo, permite a mudança de outras normas constitucionais por um pro-
cedimento simples, semelhante àquele de elaboração das demais leis infracons-
titucionais (flexível).

2.2.6. Quanto à Correspondência com a Realidade (Critério


Ontológico – essência)

O constitucionalista alemão Karl Loewenstein desenvolveu uma classifi-


cação para as Constituições que leva em conta a correspondência existente en-
tre o texto constitucional e a realidade política do respectivo Estado.

Segundo Loewenstein, as Constituições de alguns Estados conseguem,


verdadeiramente, regular o processo político no Estado. Outras Constituições,
apesar de elaboradas com esse mesmo intuito, não conseguem, de facto, nor-
malizar a realidade política do Estado. Existem, ainda, Constituições que nem
têm esse intuito, pois visam, somente, à manutenção da estrutura de poder vi-
gente. Desta feita, podem as Constituições ser classificadas em três grupos:
Constituições normativas, Constituições nominativas e Constituições se-
mânticas.

79
Ibidem, pág. 17

47
Direito Constitucional e a Constituição

As Constituições normativas são as que efetivamente conseguem, por


estarem em plena consonância com a realidade social, regular a vida política do
Estado80.

Constituição normativa, conseguem, de facto, fazer com que os agentes


do poder e as relações políticas obedecem ao conteúdo, às diretrizes e às limi-
tações impostas pelo texto constitucional.

As Constituições nominativas (nominalistas ou nominais) são aque-


las que, embora tenham sido elaboradas com o intuito de regular a vida política
do Estado, ainda não conseguem efetivamente cumprir esse papel, por estarem
em descompasso com o processo real de poder e com insuficiente concretização
constitucional81.

“São prospectivas, isto é, voltadas para um dia serem realizadas na prá-


tica, como uma roupa guardada no armário que será vestida futuramente,
quando o corpo nacional tiver crescido”, afirmam, os professores Paulo Vicente
e Marcelo Alexandrino82.

As Constituições semânticas, são aquelas que desde a sua elaboração,


não têm o fim de regular a vida política do Estado, de orientar e limitar o exercício
do poder, mas sim, de beneficiar os detentores do poder.

Em suma, as constituições normativas limitam efetivamente o poder e as-


seguram de facto os direitos dos cidadãos, e as nominativas, embora não o fa-
çam hoje, ainda têm esse propósito, para concretização futura.

Já as constituições ditas semânticas são submetidas ao poder político


prevalecente, servindo apenas para estabilizar e eternizar dos detentores do po-
der vigente.

2.2.7. Quanto à Extensão

No tocante à sua extensão, as Constituições podem ser analíticas e sin-


téticas.

80
Ibidem, pág. 20
81
Ibidem, pág. 20
82
Ibidem, pág. 20

48
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Constituição analítica (longa, larga, prolixa, extensa, ampla ou desen-


volvida) é aquela de conteúdo extenso, que versa sobre matérias tanto constitu-
cionais ou não, ou seja, este tipo de Constituição, regula também assuntos
alheios ao Direito Constitucional, isto é, cuida também de regras ou preceitos
pertencentes ao campo da legislação ordinária e não somente do Direito Cons-
titucional.

Constituição sintética (básica, concisa, tópica, breve, sumária ou su-


cinta) é aquela que possui texto curto, tratando apenas de regras básicas de
organização do sistema político jurídico do Estado, deixando para a legislação
infraconstitucional as demais matérias. É o caso, por exemplo, da Constituição
dos Estados Unidos da América, composta de apenas sete artigos e vinte e sete
emendas.

2.2.8. Quanto à Finalidade

Quanto à finalidade as Constituições podem ser: Constituição-garantia,


Constituição-balanço e Constituição-dirigente.

Constituição-garantia é aquela que garante a liberdade, direitos pesso-


ais e delimita o Poder Politico.

Este tipo de Constituição tem como maior preocupação a limitação dos


poderes estatais, isto é, a imposição de limites à ingerência do Estado na esfera
individual. Daí a denominação "garantia", indicando que o texto constitucional se
preocupa em garantir a liberdade, limitando o poder.

Constituição-balanço é aquela que se limita a demonstrar a ordem exis-


tente, ou seja, nesse tipo de Constituição, o texto é elaborado com vistas a es-
pelhar certa realidade social, caso a realidade se altere uma nova Constituição
deve ser promulgada83. É a Constituição “do ser”

Constituição dirigente, ou (analítica), é aquela que define fins, progra-


mas, planos e diretrizes para a atuação futura dos órgãos estatais. É a Consti-
tuição que estabelece um programa para dirigir a evolução política do Estado. O

83
Ibidem, pág. 22

49
Direito Constitucional e a Constituição

termo "dirigente" significa que o legislador constituinte "dirige" a atuação futura


dos órgãos governamentais, por meio de programas e metas a serem realizadas
por estes84.

“O elemento que caracteriza uma Constituição como dirigente é a existên-


cia, no seu texto, das denominadas normas programáticas". Como o próprio
termo indica, tais normas estabelecem um programa, um rumo inicialmente tra-
çado pela Constituição, que deve ser perseguido pelos órgãos estatais. São nor-
mas que têm como destinatários não os indivíduos, mas os órgãos estatais, re-
querendo destes a atuação numa determinada direção, apontada pelo legislador
constituinte85.

84
Ibidem, pág. 22
85
Ibidem, pág. 22

50
Esquematização sobre as Classificações das Constituições

São aquelas sistematiza-


São elaboradas sem a Escritas das em um só texto
Outorgadas participação do povo
2- Forma São aquelas que não estão
1-Origem São elaboras com a codificadas em um texto
Democráticas participação do povo Não Escritas solene
Nestas Constituições o que importa
São elaboradas sem a par- é o conteúdo da norma e não o
ticipação do povo, mas de- Material processo para sua elaboração
Cesaristas
pendem da aprovação do 4- Conteúdo
povo, para estar em vigor
Nestas Constituições o que im-
porta é o processo de elaboração
Forma da norma e não o seu conteúdo

É aquela que não


Imutáveis admite modificação
do seu texto

Rígida Exigem um processo le-


5- Estabilidade
gislativo complexo para
São aquelas que resultam dos modificação do seu texto
dogmas ou ideias fundamentais
Dogmáticas da teoria política e do Direito Quadro Geral das
Exigem um processo legis-
Flexível lativo mais fácil para modi-
3- Modo de Classificações das ficação do seu texto

Elaboração Constituições
Semiflexível É aquela que contém
São aquelas que resultam uma parte rígida e outra
Históricas da lenta formação histórica flexível

É aquela que pos-


sui um texto ex- É aquela quem tem como
Analítica tenso preocupação, limitar os po-
Conseguem regular e limi- deres do Estado e garantir
Normativas tar o poder do Estado 7- Extensão Garantia os direitos fundamentais
É aquela que pos-
São criadas com objectivo de
Sintética sui um texto curto
6- Correspondência É aquela que se limita em
regular e limitar o poder, mas demonstrar a realidade so-
Nominativas
Com a Realidade não conseguem faze-lo Balanço cial existente
Não regulam e nem limitam o 8- Finalidade
É aquela que define fins, pro-
poder do Estado, mas sim, be-
gramas, planos e diretrizes
Semântica neficiam os detentores do poder.
para a atuação futura dos ór-
Dirigente gãos estatais
Pág. 51
Direito Constitucional e a Constituição

2.3. A Constituição Económica

Como frisava Adérito Correia, “a Constituição Económica é o conjunto de


normas e princípios constitucionais relativos à economia”.86 Dito de outro modo,
a Constituição Económica é o conjunto de normais constitucionais que frisam
sobre a actividade económica do Estado, isto é, do art.º 89.º à 104.º da Consti-
tuição de Angola.

Do ponto de vista formal, vislumbra Carlos Teixeira, que “a Constituição


económica é a parte económica da Constituição do Estado, em que estão conti-
dos os dispositivos essenciais ao ordenamento da actividade económica desen-
volvida pelos actores económicos (indivíduos e pessoas colectivas, incluindo o
Estado)”.87

É neste conjunto de dispositivos que se encontram estatuídos os direitos,


deveres, liberdades e responsabilidades destes mesmos actores no exercício da
actividade económica88.

No entender de Bacelar Gouveia, o sistema económico Angolano está or-


ganizado e dividido da seguinte maneira89:

- O regime económico: é a parte que define os princípios e as regras que


ordenam a actividade económica, em resultado da aplicação dos pontos axiais
da caracterização dos sistemas económicos;

- O regime financeiro: é a parte que define os princípios e as regras que


estabelecem a actividade pública de arrecadação de receitas e de decretação
de despeças, tendo como foco central o orçamento do Estado como instrumento
fundamental da actividade financeira pública;

- O regime fiscal: é a parte que estabelece os princípios e as regras que


regulam, especialmente dentro das receitas públicas a arrecadação das receitas
fiscais e a fiscalização das despesas do erário público, tal como explicar por via

86
CORREIA, Adérito, op. cit., 2011, pág. 56
87
TEIXEIRA, Carlos, A Nova Constituição Económica de Angola e as Oportunidades de Negocio e Investi-
mentos, 2011, pág. 4
88
Ibidem, pág. 4
89
Gouveia, Jorge Bacelar, op. cit., 2005, pág.

52
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

da sua fulcral relação com os cidadãos, de onde provêm essas receitas e como
são aplicadas.

2.3.1. Formação e Transformação da constituição económica


A Lei Constitucional de 1975 (LC 75) não incluía nenhuma divisão espe-
cialmente dedicada à economia. A constituição económica constava do Título I
(Princípios Fundamentais), do art.º 8º ao art.º 12º, portanto, basicamente, cinco
artigos. Aí se consagrava uma economia nacional planificada. Consagrava-se o
sector público da produção, as formas cooperativas e a propriedade pri-
vada quer dos nacionais quer dos estrageiros. Os recursos naturais eram
considerados propriedade do Estado. O sistema fiscal era norteado pelo princí-
pio da tributação progressiva.

Com a revisão da LC 75, lavada a cabo em 1978, exprime-se, claramente,


a orientação socialista da economia, já que, como afirmava o art.º 9º do texto
constitucional, a base do desenvolvimento económico e social passava a ser a
propriedade socialista consubstanciada na propriedade estatal e na propriedade
cooperativa, bem como consagrava o mesmo artigo como objecto estratégico as
constantes alargamento e consolidação das relações de produção socialista”.

A grande mudança na Constituição económica verifica-se em 1991, com


a aprovação da nova Lei Constitucional, através da Lei nº 12/91. A constituição
económica continua inserida no Titulo I (Princípio Fundamentais). Porém, a
constituição económica já não é aquela do socialismo, mas uma constituição
económica de uma economia não planificada (o Estado oriente o desenvolvi-
mento da economia nacional art.º 9º).

“O sistema económico assenta na coexistência de diversos tipos de pro-


priedade, pública, privada, mista, cooperativa e familiar, gozando todas de igual
proteção, art.º 10º”. Institui-se uma reserva do Estado art.º 12º. Como novidade
o art.º 13º consagra irreversibilidade dos confiscos e nacionalizações praticados
ao abrigo da lei, “sem prejuízo do disposto em lei específica sobre privatizações”

A revisão constitucional de 1992 (Lei nº 23/92) não alterou a constituição


económica consagrada em 1991.

53
Direito Constitucional e a Constituição

2.3.2. Na Constituição de 2010

A Constituição de 2010 não introduziu alterações de realce à Constituição


Económica. A grande novidade traduz-se no facto da Constituição Económica
ter ganho autonomia sistemática no sistema constitucional. Com efeito consagra
no Titulo III Organização Económica, Financeira e Fiscal que se subdivide no
Capítulo I- Princípios Gerais e o Capítulo II- Sistema Financeiro e Fiscal.

2.3.3. Economia planificada e economia de mercado

2.3.3.1. Economia Planificada

A economia planificada, também chamada de economia centralizada ou


economia centralmente planificada é um sistema económico cujo o Estado é que
controla o planeamento e as metas da economia do país.

Este modelo nasceu do Socialismo, que teve como o seu maior percursor
Karl Marx, que entendia que o socialismo é o melhor sistema tanto político e
económico porque ela tem como principal essência o princípio da igualdade. O
socialismo defende o sistema de economia planificada, porque entende que o
poder económico deve ser centralizado na mão do Estado, assim a população
trabalharia normalmente, porém em empresas estatais, regulamentadas e fisca-
lizadas pelo Estado.

Desta forma, o salário de todas as pessoas seria praticamente o mesmo,


todos receberiam a mesma quantidade que seus vizinhos, parentes, amigos e
outros. Outro ponto a destacar, é que não haveria diferenças socias entre as
comunidades. Os serviços de educação, saúde e transporte também seriam pú-
blicos. Actualmente, os países considerados socialistas e que concomitante-
mente têm uma economia planificada são: Cuba, China, Correia do Norte, Vietnã
e Laos.

O sistema de economia planificada ficou conhecido através das Repúbli-


cas Socialistas Soviéticas (URSS), que o adoptou em 1928. A URSS, devido a

54
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

influência que detinha naquela altura conseguiu influenciar outros países a im-
plementar o mesmo sistema de economia, dentre destes países, estiveram en-
volvidos muitos países africanos, incluindo Angola.

Em Angola este sistema económico esteve vigente com Lei Constitucional


de 1975, que como salienta Carlos Teixeira, este Lei consagrava uma Constitui-
ção económica directiva, assentados nos princípios de acentuados dirigismo e
intervenção directa ou indirecta do Estado na economia.90

Dito de outro modo, a economia angolana comportava princípios do soci-


alismo e do centralismo, onde a economia estava toda centralizada na mão do
Estado, que por sua vez, produzia e distribuía tudo.

Naquele período, o Estado angolano encabeçado pelo partido do MPLA,


era quem dirigia todo o país, isto é, não só em termos económicos, maís também
em termo jurídicos e políticos. Esta época ficou conhecida como o período do
“Partido Único”.

Este período teve o seu colapso, com a transição Constitucional de


199191, onde a Lei Constitucional consagrou, do ponto de vista politico, o surgir
de novos partidos políticos, deixando o Estado angolano o um unipartidário pas-
sando a ser pluripartidarista e do ponto de vista económico a Lei Constitucional
consagra um sistema económico de mercado ou uma economia não planifi-
cada92.

2.3.3.2. Economia de mercado

A economia de mercado é um sistema económico, pelo qual os agentes


económicos privados é quem controlam a economia e neste caso há pouca in-
tervenção do Estado.

90
TEIXEIRA, Carlos, op. cit., 2011, pág. 7 e 8
91
Vide a pág. 159.
92
Videm, ibidem, pág. 8

55
Direito Constitucional e a Constituição

A economia de mercado nasceu do capitalismo, que teve como seu maior


percursor Adam Smith, que entendia que o Estado não deveria intervir na eco-
nomia porque qualquer interferência do Estado na economia, teria efeitos malé-
ficos, produzindo desequilíbrios e desperdícios. A função do Estado deveria limi-
tar-se à defesa das agressões externas e ao exercício da actividade de policia-
mento e de aplicação da justiça.93

Neste tipo de economia não se prevê nem se deseja a intervenção do


Estado na actividade económica, pois tal levaria à alteração das regras de mer-
cados. Ao Estado na economia, caberia apenas a função de observador e árbi-
tro, limitando-se a intervir apenas para garantir a satisfação das necessidades
colectivas.94

Como já foi frisado, o Sistema económico de mercado em Angola foi im-


plementado com transição Constitucional de 1991. Posteriormente houve tam-
bém a revisão Constitucional de 1992, onde na verdade não houve mudanças,
só houve digamos que, uma organização sistemática das matérias que já faziam
parte da Lei Constitucional de 1991.

Na Lei Constitucional de 1991 e concomitantemente a revisão constituci-


onal de 1992, trouxeram grandes mudanças do ponto de vista, daquilo que é o
sistema económico de Angola.

A Lei Constitucional, consagrou no seu artigo 10º, a coexistência de diver-


sos tipos e propriedade pública, privada, mista, cooperativa e familiar, gozando
todos de igual proteção. Consagrou também a livre acesso a reserva pública
bem como a liberdade económica (livre iniciativa) e entre outros princípios plas-
mados na Constituição Económica.

Alguns especialistas entendem que estas mudanças só foram possíveis


graças ao primeiro programa tentativo de recuperação económica e financeira,
conhecida em Angola como SEF (Saneamento Económico Financeiro) criada no
ano de 1988.95

93
HERIQUES, Lucinda Sobral & LEANDRO, Manuela, Introdução à Economia, 2014, pág. 12
94
Ibidem, pág. 13.
95
Ibidem, pág. 8

56
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Este programa tinha como objectivo a restruturação do sector empresarial


público, a reforma económica do mercado, reavaliação do processo de privati-
zação, reforma do sistema monetário, bancário, cambial e fiscal, passos estes
tendentes a abertura ao comércio esterno e ao investimento privado estrangeiro.

Este programa económico proporcionou a abertura para criação de em-


presas privadas, mistas e familiares, prevalecendo o princípio das zonas econó-
micas públicas (absolutas e relativas).
2.3.4. A Constituição Económica e a Economia Social de
Mercado

Como foi salientado anteriormente, o sistema de economia de mercado


defende a não intervenção do Estado na Economia, afirmando que, se o Estado
intervir na economia pode este, causar um desequilíbrio no mercado financeiro.

Mas, contudo, é impossível que um Estado não intervenha no mínimo pos-


sível, na economia do seu país, porque a intervenção deste, cria diversas activi-
dades comerciais, industriais e sociais transformadas em serviços públicos e
consequentemente gera mais emprego para a população.

A economia de Angola não foge disto, ou seja, sistema económico de An-


gola não é uma economia pura de mercado, pois há inúmeras intervenções do
Estado na economia angolana, portanto Bacelar Gouveia dá-lhe o epiteto de
economia social de mercado ou economia mista96, pois, há inúmeras inter-
venção do Estado na economia.

2.3.5. O Sistema Económico Constitucional

2.3.5.1. Um Sistema Económico Pluriforme

O Sistema económico angolano é pluriforme pelo simples facto de que


nela, coexistirem várias formas, com estrutura e lógica diversas de sector eco-
nómicos (art.º 92º, nº 1 da CRA). Com efeito, a Constituição consagra vários
sectores económicos, de acordo com a propriedade de meios de produção:

96
GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional,

57
Direito Constitucional e a Constituição

a) Sector Público, constituído pelas empresas do Estado e de outras


entidades públicas. Os recursos naturais como terra (art.º 15.º e 16.º),
enquadra-se igualmente no sector público considerado propriedade
originaria do Estado.
b) Sector Privado, constituída pelas empresas privadas e os demais en-
tes privados e todos os bens que não estejam inseridas no domínio
público (art.º 96º, da CRA).
c) Sector cooperativo: compreende os bens de produção titulados e ge-
ridos pelas cooperativas97, este sector é composto pelos ramos Agrá-
rio (agrícola, pecuário, florestais), Artesanato, Comercialização, Con-
sumo, Construção, Crédito, Cultura, Ensino e Educação, Habitação,
Mineração artesanal e semi-industrial, Pescas e derivados, Saúde, So-
lidariedade social, Transportes, Ambientes e outros previstos na Lei.

Este sector abrange o domínio privado e é regulada pela Lei 23/15 de 31


de agosto, Lei das Cooperativas.

2.3.6. Os Sectores de Propriedades e a Iniciativa Econó-


mica

O sistema económico Constitucional assenta na garantia dos três secto-


res de propriedade. Assim a primeira consequência é que nenhum deles pode
ser abolido ou essencialmente lesado.

Trata-se de uma garantia institucional do pluralismo de sectores de pro-


priedades. Conjugando com a garantia constitucional de propriedade privada
(art.º 14º, CRA) e a iniciativa privada (art.º 14.º da CRA), a Constituição econó-
mica assegura a existência de um sector económico privado (propriedade pri-
vada e empresa privada).

97
A Lei 23/15 de 31 de agosto (Lei das Cooperativas), no seu artigo 3.º alínea a) define como Cooperativas,
as pessoas colectiva autónomas de livres constituição, de capital e composição variáveis e de controlo de-
mocrático, em que os seus membros se obrigam a contribuir com os recursos financeiros, bens e serviços,
para o exercício de uma actividade empresarial, de proveito comum e com riscos partilhados, que visa a
promoção dos interesses sociais e económicos dos seus membros, com um retorno patrimonial predomi-
nantemente realizado na proporção das suas operações com a cooperativa.

58
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

2.3.6.1. Direito de Propriedade, a livre iniciativa e os tipos


de propriedade como princípios fundamentais do Estado

Antes de mais, o Direito de propriedade e livre iniciativa são princípios


fundamentais do Estado e assim devem ser entendidos, tirando-se da afirmação
deste princípio fundamental todas as consequências.

No artigo 37.º, nº 1, da CRA afirma que é garantido a todos o direito a


propriedade privada e à sua transmissão, nos termos da Constituição e da Lei.

Já no art.º 38.º, nº 2, da CRA, diz que a todos é reconhecida a livre inici-


ativa empresarial e cooperativa, e exercer nos termos da lei.

Quantos aos tipos de propriedades, temos a propriedade pública e a pro-


priedade privada. Em relação à terra, considerada propriedade originária do Es-
tado (art.º 15.º, nº 1, da CRA), desde que não seja objecto de direitos legítimos
e legalmente constituídos, e em relação aos recursos naturais, enquanto propri-
edade do Estado (art.º 16.º da CRA).

2.3.6.1. A Iniciativa Económica

Como já foi esmiuçado, a Constituição económica consagra a garantia


institucional das três formas de iniciativa económica que são a iniciativa pública,
privada e a iniciativa cooperativa, correspondentes aos três sectores de proprie-
dade.

Quanto a iniciativa pública, cabe enfatizar a existência de actividades eco-


nómicas reservadas aos Estado, designadas por “reservas públicas. Aí se dis-
tingui a reserva absoluta do Estado – Banco Central Emissor, portos e aeropor-
tos, industrias bélica da reserva relativa do Estado.

Quanto a iniciativa privada, esta tem como limite específico a proibição de


empresas privadas nas reservas pública, atras referidas e quanto a reserva re-
lativa do Estado, ainda por definir. Fora disso, a empresa privada tem acesso a
todas as áreas económicas, mesmo em relação a exploração de recurso natu-
rais, apesar de serem considerados propriedades do Estado, através do regime
de conceição.

59
Direito Constitucional e a Constituição

Em relação a iniciativa cooperativa, não tem nenhum limite específico, não


estando vedado a acesso das cooperativas a certas áreas económicas a não ser
as reservadas ao Estado.

2.3.6.1.1. Mercado e o planeamento público

O Planeamento deve traduzir-se na definição de “objectivo e medidas de


curto e médio prazos e dos programas sectórias e regionais”, por tanto na ela-
boração de planos desenvolvimento económico e social como instituição Cons-
titucionalmente necessário à coordenação e orientação da actividade económica
(art.º 91.º da CRA).

Com tudo, o planeamento é apenas obrigatório para o sistema empresa-


rial do Estado e autárquico. Para o sector privado o planeamento tem uma natu-
reza indicativa.

Queremos com isto dizer, que os planos não substituem o mercando. Os


planos não são mais do que a coordenação e racionalização das medidas de
político-económica pública, ficando a sua eficácia dependente de instrumento
não compulsórios (incentivos, politica monetária, politica de crédito, politica fis-
cal, politica orçamental, etc.). Assim o mercado desempenha um papel essencial
na coordenação económica.

A Constituição admite e, em certos casos impõem, a intervenção do Es-


tado na regulamentação económica, deste a racionalização dos circuitos de dis-
tribuição, a proteção e defesa do consumidor, até as actividades especulativas
e outras práticas comercias antieconómica.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, a Constituição impõe o esta-


belecimento do salário mínimo nacional. O Estado pode intervir por diversas for-
mas, regulando, fomentando, fiscalizando e orientando o desenvolvimento eco-
nómico.

É claro que apesar de se reconhecer o papel do mercado, os planos de


desenvolvimento constituem um papel importante na orientação económica na-
cional. Isto só é possível na medida em que o Estado possa influenciar a activi-
dade económica em geral, não apenas pelo efeito que o sector público possa

60
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

influenciar a actividade económica em geral, mas também pela coordenação de


todos os instrumentos de intervenção pública, directa ou indirecta, no mercado
(sistema fiscal, fixação de preços, subvenções, etc.).

2.3.7. Expropriação, Nacionalização e Privatização

O art.º 37.º da Constituição vigente consagra a expropriação por utilidade


pública, mediante justa e pronta indemnização [...]. Já a nacionalização vem in-
serida no art.º 97.º da CRA. Quanto à privatização, a Constituição dedica-lhe o
art.º 96.º, que estabelece que os bens que não estejam expressamente previstos
na Constituição e na Lei como fazendo parte do domínio público do Estado e
demais pessoas colectivas de direito público integram o domínio privado do Es-
tado [...].

Desta feita, é necessário explicitar os conceitos com que estamos a lidar.


Entende-se por expropriação, “a transferência forçada, por acto de autoridade,
de um bem da esfera privada para a esfera pública do Estado, por motivo de
interesse ou utilidade pública, com pronta e justa indeminização”.

A Nacionalização é “a transferência de uma empresa ou bem particular,


serviço ou actividade sob gestão privada para propriedade ou controlo do Es-
tado”.
Não obstante do que já foi frisado, as nacionalizações podem também
traduzir-se na transferência de um bem da esfera estrangeira para esfera nacio-
nal.
Um exemplo claro, verifica-se no período da descolonização em Angola.
Neste período, ou seja, depois do colono português abandonar o território ango-
lano, havia várias propriedades que faziam parte da esfera económica do
mesmo, portanto, o Estado Angolano teve que nacionalizar, ou seja, passar os
bens que fazia parte da esfera do colono (estrangeira) para a esfera nacional
Angola, para que este posteriormente não o reivindicasse.
Cabe ainda salientar que, as Nacionalizações são irreversíveis, ou seja,
quando o Estado nacionalizar o bem, este já não pode voltar para a esfera do
seu titular, isto é, a luz do art.º 97.º da CRA.

61
Direito Constitucional e a Constituição

Por exemplo, se por ventura o Estado nacionalizar por engano, algum bem
que fazia parte da esfera privada de qualquer cidadão, este já não pode revindi-
car, pois a lei já não permite, mas o Estado, ficará obrigado a indemnizar o cida-
dão, que viu seu bem a ser nacionalizado.

A nacionalização distingue-se da expropriação propriamente dita tanto


pelo objectivo, quanto pelo seu fim. A expropriação consiste na desapropriação
de qualquer bem imóvel privado (terreno ou edifício) em benefício da população,
por vários motivos de utilidade pública (construção de estradas, urbanização,
etc.).

Já a nacionalização tem sempre por objectivo unidades económicas (ex-


ploração ou empresas agrícolas, comerciais, industriais, etc.),

Por fim, entende-se por privatização, “a transferência total ou parcial de


uma empresa da esfera pública, para esfera privada”. A privatização, na verdade
é, uma técnica pelo qual o Estado reduz ou modifica a sua intervenção na eco-
nomia em favor do sector privado.

Angola, entrou recentemente em processo de privatizar cerca de 115 em-


presas públicas.

Este processo ajuda o Estado Angolano a diminuir alguma subcarga do


ponto de vista económico, pois, muitas destas empresas na mão do Estado não
geravam lucros, pelo contrário, só geravam mais despesas para o OGE.

É importante ainda esquadrinhar, que a privatização defere da nacionali-


zação, pois, a privatização centra-se na transferência de um bem da esfera pú-
blica para esfera privada, enquanto que a nacionalização se centra em transferir
um bem da esfera privada para esfera pública.

62
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

2.3.8. A Constituição Financeira

2.3.8.1. As Finanças Públicas e a Constituição Económica

Entendemos por Constituição Financeira, o conjunto de normas e prin-


cípios constitucionais que regulam os sistemas monetário, financeiro, fis-
cal e orçamental, bem como as respectivas políticas. A Constituição finan-
ceira integra e está subordinada organicamente e funcionalmente à Constituição
económica. Do ponto de vista sistemático, a Constituição financeira, integra o
Título III no Capítulo II.

A Constituição consagra dois objectivos da constituição financeira, a sa-


ber: em primeiro lugar, a Constituição Financeira é organizada de forma a garan-
tir a formação, a captação, a capitalização e a segurança das poupanças, assim
como mobiliação a aplicação dos recursos financeiros necessários ao desenvol-
vimento económico e social [...], isto é, de acordo com o art.º 99.º da CRA.

Em segundo Lugar, é o da obrigação, para o Estado, de promover "uma


justa repartição dos rendimentos e da riqueza" (art.º 101.º da CRA), com vista
alcançar a "justiça social" (art.º 90.º da CRA), seguindo a ideia de que a igual-
dade económica e social é a base necessária de efectiva igualdade dos cidadãos
(é o princípio da igualdade, art.º 23.º da CRA e concomitantemente o art.º 90).

2.3.8.2. A Constituição Monetária

No que concerne a Constituição monetária, faz parte da Constituição


financeira. A Constituição Financeira, estabelece os princípios de reserva de lei
para a estruturação do sistema financeiro, bem como os objectivos da captação
de poupanças e de aplicação dos meio financeiros disponíveis.

É de realçar que este papel é atribuído ao Banco Emissor (Banco Nacional


de Angola), como banco central, que assegura a preservação do valor da moeda
nacional e das políticas monetárias, financeira e cambial (art.º 100.º da CRA).

2.3.8.3. A Constituição Fiscal

63
Direito Constitucional e a Constituição

A Constituição Fiscal é o conjunto de normas que regem o sistema fiscal


de um determinado Estado, é um elemento essencial da Constituição financeira.
Abrange os art.º 101.º, 102.º e 103.º da Constituição da República de Angola.

O mais importante na Constituição fiscal são, porém, as garantias dos


contribuintes, consubstanciadas tanto no princípio geral da legalidade do im-
posto (art.º 102.º, nº 1 da CRA) como direito de não pagar impostos que não
tenham sido criados nos termos da Constituição vigente.

2.3.8.4. Constituição Orçamental

A Constituição Orçamental, está integrado de igual modo, na Constituição


Financeira. A Constituição Orçamental diz respeito ao Orçamento Geral do Es-
tado (OGE), que com base ao art.º 104.º, nº 1 da CRA, constitui o plano finan-
ceiro anual ou plurianual consolidado do Estado e deve refletir os objectivos, as
metas e as acções contidos nos instrumentos de planeamento nacional.

O OGE, tem como objectivo estabelecer as receitas e as despesas que


serão efectuadas em cada ano fiscal, fixando os limites de despesas autoriza-
das, isto é para todos os serviços, institutos públicos, fundos autónomos e segu-
rança social, bem como para as autarquias locais [...] art.º 104 nº 2, da CRA.

2.4. Funções da Constituição

As primeiras constituições escritas inseriram-se num quadro de limitação


e fragmentação do poder absoluto das monarquias europeias é na Revolução
americana pela conquista da independência da Ingraterra.

As Constituições a prelúdio, têm como função limitar o poder político e


defender os direitos fundamentais dos cidadãos, mas com base a algumas dou-
trinas achamos melhor dividir as funções das constituições em:

a) Função das garantias e de direitos das liberdades fundamentais


(art.º 30.º à 75.º da CRA): está função consiste em determinar os di-
reitos fundamentais e proporcionar meios com que garantam com que
estes direitos sejam cumpridos;

64
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

b) Função propriamente constitutiva: a Constituição deve ser consti-


tutiva e não constituída, ou seja, a Constituição deve acompanhar as
mudanças sociais de um determinado Estado, para que esteja sempre
em conformidade com qualquer realidade social;

c) Função da estabilização e racionalização de um determinado sis-


tema de poder: a Constituição é uma base coerente e racional para
os titulares do poder político, que visam, mediante ela, dar estabilidade
e continuidade à sua concepção de sociedade. A Constituição é, assim
uma ordem garantidora de estabilidade, numa relação de continuidade
e mudança. A Constituição é assim uma ordem aberta e um quadro
capaz de abarcar os pluralismos existentes na sociedade, sejam eles
políticos, económicos, socias ou culturais;
d) Função constitutiva legitimadora: a Constituição deve limitar a legi-
timidade do poder, ou seja, esta função consiste na alternância de go-
vernantes, porém a própria constituição também deve limitar o período
do exercício do poder, isto é através de mandatos (art.º 113.º da CRA);

e) Função de base normativa de consenso fundamental em determi-


nada sociedade (designada por outros autores como Função de inte-
gração ou de unidade): diz que cabe à Constituição “[a] revelação nor-
mativa do consenso fundamental de uma comunidade relativamente a
princípios, valores, ideias e directrizes que servem de padrões de con-
duta política e jurídica numa comunidade”98. Dito de outro modo, a
Constituição deve resultar do consenso entre o povo e a Assembleia
constituinte;

f) Função de estabelecimento dos princípios estruturais da organi-


zação do poder político: para além da Constituição criar os órgãos
do poder político, estabelece ainda as suas competências e atribui-
ções, valendo aqui o princípio da tipicidade de competências dos ór-
gãos de soberania, quer isso dizer, que os órgãos de soberania são

98
ALEXANDRINO, José Melo, Novo Constitucionalismo Angolano, 2013, pág. 55

65
Direito Constitucional e a Constituição

apenas aqueles que forem identificadas pela própria Constituição (ar-


tigos 105.º da CRA);

g) Função de controlo e limitação do poder: não basta que a Constitui-


ção legitime os órgãos do poder político, cabe também a ela, criar nor-
mas que permitam o controlo e o limite desses órgãos (artigos 105.º à
197.º da CRA).

66
CAPITULO III

REGIMES POLÍTICOS E SISTEMAS


POLÍTICOS DE GOVERNOS

1. Nota Preliminar

Regime Político são “concepções fundamentais das relações entre o indi-


víduo e a sociedade política cuja ideologia do poder político tem por missão ver-
ter na ordem jurídica”99. Com tudo os regimes políticos refere-se a monarquia, a
república, a democracia e a diversas formas de ditadura100.

Um sistema político de governo, diferencia-se do regime político, pois, sis-


tema de governo é a forma como o poder político de um país é dividido e
exercido, nomeadamente o Poder executivo e o Legislativo, mas não obs-
tantes disso, devemos ter em conta o sistema que é estabelecido na lei
fundamental ou Constituição de um Estado, isto é, o conjunto de órgãos
que estruturam o Estado em termos de exercício do poder.

99
CARVALHO, Manual Proença de, Manual de Ciência Política e Sistemas Políticos e Constitucionais,
2008, pág. 71.
100
Ibidem.

67
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

Geralmente os sistemas de governos variam de acordo com a relação e


a distribuição de funções entre os poderes Executivo e Legislativo.

Os sistemas de governos mais predominantes são: o Parlamentarismo,


onde existe uma dependência entre o poder Legislativo e o poder Executivo, o
Presidencialismo, onde existe uma separação e independência entre o poder
Legislativo e o poder Executivo e o Semipresidencialismo ou Semiparlamen-
tarismo ou também muitas vezes chamados de Sistema hibrido, é aquele onde
existe uma interdependência entre o poder legislativo e o Governo, mas por sua
vez, também existe uma separação e independência entre o poder Legislativo e
o Presidente da República.

Ainda temos os sistemas Sui Generis, que são considerados sistemas


próprios, ou seja, aquele sistema que determinado país cria com o objectivo de
assegura os seus próprios interesses.

Também é importante sublinhar que no novo contexto mundial tem se


emergido um novo Sistema de governo, que é o Sistema de Governo Directo-
rial, pelo qual o órgão do poder executivo é um órgão colegial restrito, o Direc-
tório. O Directório é formado por dois ou mais elementos, eleitos pelas duas câ-
maras do Parlamento, por um período determinado por Lei101.

Este sistema está vigente na Suíça e San Marino, também esteve vigente
em França, entre 1795 a 1799.

2. Regimes Políticos

De maneira simples, podemos conceituar o Regime de Governo, como a


forma pelo qual o Estado se organiza para dar origem ao exercício do poder. Dito
de outro modo, as relações entre governantes e governados, o modo pelo qual
os primeiros exercem sua autoridade sobre os segundos, tudo isto constitui o
conjunto de regras que preside ao exercício do poder, e esse conjunto de regras
é o regime político.

101
Ibidem, pág. 86.

68
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Aristóteles que analisou mais de centena de constituições do seu tempo pro-


curou classificar com base no número dos que exerciam o poder: todos, alguns,
ou só um102.

Chamou monarquia ao regime em que só um exerce o poder indepen-


dentemente da vontade do povo.

Chamou aristocracia ao regime que o poder é exercido por alguns;

Chamou democracia ao regime em que o poder é compartilhado por to-


dos cidadãos, que alternadamente governam e são governados, ou seja, é o
regime pelo qual os governantes governam em favor da maioria.

Abraham Lincoln (foi o 16º presidente do Estados Unidos, o primeiro pre-


sidente do Partido Republicano e o primeiro Presidente americano a ser assas-
sinado) no seu discurso de Gettysburg, entende que a democracia é “gover-
nment of the people, for the people and for the people”, tradução, a democracia
é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Quer isto dizer, que no regime
democrático, o governo deve administrar o Estado sempre no interesse do povo,
ou seja, tudo que o governo fizer deve sempre ser com o objectivo de beneficiar
ou favorecer o povo.

Quanto aos tipos de democracia, destacam-se as seguintes:

- Democracia Directa: é o regime político pelo qual todo cidadão tem o


direito de expor sua opinião e exercer seu papel nas principais decisões de um
país.

A Grécia foi o berço da democracia directa, nomeadamente Atenas sob


governação de Péricles. Em Atenas todos tinham direito de prestar as suas opi-
niões sobre o governo, quando estivessem reunidos na ágora (praça pública).

Actualmente o Butão e alguns cantões suíços mais pequenos, ainda exer-


cem a democracia directa.

- Democracia Indirecta ou Representativa: é o regime político pelo qual,


o povo detentor do poder soberano, devido a densidade territorial e populacional

102
FERNANDES, António José, Introdução à Ciência Política, teorias métodos e temáticas, 2010, pág 144.

69
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

do Estado, elege representantes, que terão como objectivo principal administrar,


criar e emanar normas jurídicas proporcionando ainda meios para que estas se-
jam acatadas, mas tudo isso em nome do povo.

A democracia Indirecta estabelece que a população utilize do voto para a


escolha dos representantes políticos mais adequados aos seus interesses.
Desse modo, os cidadãos teriam os seus direitos assegurados, pelos seus go-
vernadores que se comprometeriam a atender os anseios de seus eleitores.

Os E.U.A, a Ingraterra, Rússia, Argentina, Itália, Cabo verde, Nigéria, Mo-


çambique, etc., são países que utilizam a Democracia Representativa.

No caso de Angola, está também utiliza o regime democrático represen-


tativo, porém, o art.º 2.º, n.º 1 da CRA, consagra uma democracia representativa
e participativa, antes de explicar o porque, vejamos o que é uma democracia
participativa.

- Democracia Participativa: também chamada de democracia delibera-


tiva ou ativista, é um modelo de exercício de poder onde a população par-
ticipa activamente na tomada das principais decisões políticas, através de
associações, sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais e organizações
não governamentais.

De igual modo, as participações políticas incluem a participação em ma-


nifestações, marchas, protestos, a difusão de informações, além da própria dis-
cussão e debates sobre os acontecimentos políticos. Esta forma de Democracia
veio enfatizar a participação do povo nas decisões políticas, pois, nos últimos
tempos, os nossos representantes, têm-se desviados daquilo que é o enfoque
da Democracia representativa (satisfação dos interesses do povo).

No caso de Angola, isto é, com base ao artigo 2.º, n.º 1 da CRA, a Demo-
cracia angolana e do tipo representativa e participativa. Representativa, porque,
devido a nossa densidade populacional e territorial, elegemos representantes,
no sentido deles governarem e administrarem o Estado, segundo os nossos in-
teresses.

70
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

É participativa, porque, os Cidadãos podem intervir de forma directa na


tomada de decisões políticas, através de reuniões e manifestações (art.º 47.º da
CRA), associações (art.º 48.º da CRA), associações sindicais (art.º 49.º da CRA)
e participação na vida pública (art.º 52.º da CRA).

- Democracia semidirecta: é aquela que além da existência de represen-


tantes eleitos que tomam a maior parte de decisões em nome dos cidadãos,
estes também têm a oportunidade de influencia-las, através de iniciativas po-
pulares¸ plebiscitos103 e referendos104 (ratificação de decisões de represen-
tantes). Este tipo de democracia até ao momento, é mais visível na Suíça.

Segundo Aristóteles, estes regimes puros só existiriam se os detentores


e executores do poder se manifestem fiéis ao interesse geral. Caso contrário,
degeneram em regimes corrompidos.

Assim, a monarquia degenera em tirania ou ditadura, sempre que o ho-


mem que governa só o faz em interesse próprio; a aristocracia degenera em
oligarquia, quando se verifica o mesmo fenómeno; a democracia degenera em
demagogia, quando todos procuram satisfazer os seus próprios interesses, des-
curando o interesse geral.

3. Sistema de Governo

Como acima já se conceituou, sistema de governo, está ligado ao modo


como se relacionam os Poder Legislativo e Executivo no exercício das suas
funções governamentais105, mas não obstante disso, devemos ter em conta o
sistema de governo que a Constituição e as demais leis consagram.

3.1. Surgimento do Parlamentarismo

Sistema parlamentares são regimes de governo que assentam num maior


predomínio parlamentar, isto é das Assembleias legislativas ou parlamentos106.

103
Entende-se por plesbicito, como uma manifestação popular expressa através de voto, que ocorre quando
o Estado toma uma decisão contra os interesses do cidadão.
104
Referendo, é um instrumento, pelo qual os cidadãos são chamados a pronunciar-se através de sufrágio
directo e secreto, sobre um determinado assunto que tem relevância para toda nação.
105
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo, op. cit., 2015, pág.295.
106
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 242

71
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

O Parlamentarismo resultou de um procedimento histórico, não tendo sido


previsto por qualquer teórico, nem se tendo constituído através de um movimento
político.

O berço do Parlamentarismo é a Ingraterra, sendo lá em que as caracte-


rísticas do parlamentarismo foram se definindo paulatinamente.

O parlamentarismo trouxe definitivamente na história das instituições po-


líticas como expressão da luta de dois poderes ou forças antagônicas: a Coroa
dos reis e o Parlamento do povo. Ambos se defrontam numa disputa de prerro-
gativas, donde resultará o domínio sobre a organização política e sua máquina
de governo.

Com o parlamento surge, por consequência, visível dualidade de poderes:


a autoridade do monarca, que declina, quando a monarquia absoluta se faz limi-
tada e representativa; e o poder parlamentar e o poder democrático, oriundo da
representação nacional, que emana das fontes populares do consentimento e se
acha em plena ascensão, tanto no alargamento das suas origens democráticas
como no peso da influência que exercerá, caminhando resolutamente para o
predomínio e subsequente apogeu.

Como exemplos de sistemas de governos parlamentares, podemos citar:


o Reino Unido, a Alemanha, a Itália, a Espanha, a Grécia, a Holanda Japão,
Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Suécia, Dinamarca, Noruega, Botsuana, Su-
riname, Africa do Sul, etc.

O sistema parlamentar pode apresentar-se em Estados Monárquicos


Constitucionais e em Repúblicas Constitucionais.

Nos Estados monárquicos Constitucionais, o chefe de Estados é o mo-


narca, geralmente este cargo é hereditário.

Enquanto que em Repúblicas Constitucionais, o chefe de Estados é o Pre-


sidente da República, que pode ser eleito directa ou indirectamente.

As características do Parlamentarismo são:

a) Distinção entre Chefe de Estado e Chefe de Governo

72
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

O Poder do Estado se apresenta internamente em três: Poder Executivo,


exercido pelo 1º Ministro, auxiliado pelo gabinete; Poder Legislativo, repre-
sentado pela Câmara dos Comuns e pela Câmara dos Lordes; e o Poder Ju-
diciário, representado pelos Lordes Chanceleres - apesar da separação, é visível
uma interdependência entre o Poder Executivo e o Legislativo.

O Chefe de Estado é representado pelo Monarca ou Presidente da Re-


pública e o Chefe do Governo é representado pelo 1º Ministro.

Neste sistema o Monarca ou Presidente de República tem um papel pas-


sivo na governação e o 1.º Ministro tem um papel activo na governação.

Quando se trata de sistemas de governo em Estados repúblicanos, o


chefe de Estado (Presidente da República) é sempre eleito por sufrágio indi-
recto107.

b) Possibilidade de dissolução do Parlamento.

O Monarca ou Presidente da República, que tem função de presidir a na-


ção, indicar o 1º Ministro que deverá ser líder do partido que ocupar o maior
número de cadeiras do parlamento (Câmara dos Comuns), e poderá avaliando
o momento acatar e dissolver o parlamento convocando imediata eleição a pe-
dido do 1º Ministro; e o outro Chefe de Governo, encarnado na figura do 1º Mi-
nistro que exercerá o Poder Executivo conjuntamente com o gabinete sendo to-
dos Chefe de Governo e os ministros, que compuserem o gabinete, responsá-
veis solidariamente por seus atos, portanto se cair um ministro cai todo o gabi-
nete e o 1º Ministro.

c) Chefia de Governo com responsabilidade política

Ao contrário do presidente da República, o 1º Ministro exerce sua função


com responsabilidade política tendo que prestar contas de suas ações diante do

107
CARVALHO, Manuel Proença, Manual de Ciência Política e Sistemas Políticos e Constitucionais, 2008,
pág. 92

73
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

Parlamento, podendo se causar desconfiança ou vier a ser acusado por algum


crime poderá perder o cargo.

Dito de outro modo, o Primeiro Ministro, detém uma responsabilidade po-


lítica para com o Parlamento, visto que, o Governo pode cair no Parlamento, com
resultado da não aprovação de uma moção de confiança apresentada pelo par-
tido ou coligação que sustentam o Governo, ou pela aprovação de moção de
censura apresentada pela oposição.108

3.1.1. Igualdade entre o Poder Executivo e o Poder Legis-


lativo

Quanto à igualdade entre o executivo e o legislativo, faz-se ressaltar a


necessidade para o executivo de uma chefia distinta. Desfrutará essa chefia
maior ou menor prestígio também, consoante o modo de designação do chefe
do Estado, que participa na direção executiva e que no sistema parlamentar
republicano pode ser um Presidente da República, elevado a esse posto por
eleição direta ou indireta.

Quando esse chefe, com alguma parcela de responsabilidade executiva


no sistema parlamentar, com o direito “ser parte activa e real do governo” como
pessoa moralmente livre e responsável, embora constitucionalmente irresponsá-
vel se elege mediante sufrágio directo, seu prestígio aumenta, sua autoridade se
reforça e os termos do equilíbrio e igualdade entre os dois poderes ficam melhor
resguardados.

Chefe de Estado, o rei ou Presidente da República é politicamente irres-


ponsável. Chefe de governo, sua responsabilidade se exerce através do gabi-
nete, que se torna politicamente responsável perante o Parlamento e cobre as-
sim a responsabilidade do Chefe de Estado, fazendo-o, por consequência, poli-
ticamente irresponsável.

108
Ibidem, pág. 94

74
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Na monarquia limitada ou representativa, a decisão era do Chefe de Es-


tado com a referenda dos ministros; na monarquia parlamentar, decide o minis-
tério, com a assinatura do Chefe de Estado. De modo que, o Chefe de Estado,
no parlamentarismo clássico, aparece, de forma permanente.

Pertence ainda à natureza do sistema parlamentar, para a conservação


da igualdade do executivo e do legislativo, a dualidade do poder executivo. Ma-
nifesta-se essa dualidade pela presença de um Chefe de Estado, que representa
todo o País, bem como a independência do executivo, e pelo gabinete, que actua
em conexão com o legislativo, trazendo ao observador a reminiscência do fun-
damento democrático do governo.

3.1.2. Tipos de Parlamentos

No actual contexto mundial existe dois tipos de parlamentos, que passa-


mos a destacar109:

a) Parlamentos unicamerais: são aquelas que estão compostos


apenas por uma única câmara, constituindo esta a única assem-
bleia representativa;
b) Parlamentos bicamerais: são aquelas que se encontram consti-
tuídos por duais assembleias que participam na elaboração das
leis.

Como já foi possível constatar mais acima, o bicameralismo tem origem


britânica, sendo adoptado nos E.U.A já desde o séc. XVIII, ao passo que em
França o modelo não vincou inicialmente. No parlamento britânico, o modelo
consolidou-se com a câmara baixa, câmara dos comuns (The Commons) e a
câmara alta câmara dos Lordes (The House of Lords)110.

Luís Sá, apresenta algumas razões que têm justificado o bicamera-


lismo111:

109
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 244
110
Cf. Ibidem, pág. 245
111
SÁ, Luís, O Lugar da Assembleia da República no Sistema Político, 1994, pág. 334

75
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

a) A segunda câmara é uma garantia contra a precipitação ou


irreflexão na feitura das leis pela primeira, permitindo remediar
e ponderar o que esta tiver decidido;
b) A existência de duais câmaras divide a autoridade das assem-
bleias, impedindo que uma só assuma a plenitude do poder e
resvale no despotismo e na tirania;
c) Uma segunda câmara constituída por modo diverso da pri-
meira pode formar um centro de resistência ao predomínio
momentâneo de um partido ou da demagogia.

Ainda é importante realçar, que o Sistema do Governo Parlamentar, pode


assumir as modalidades de sistemas de governo de Gabinete ou de Assem-
bleias.

O sistema de governo parlamentar de gabinete, verifica-se quando,


quando o partido do Governo consegue a maioria absoluta no parlamento

Em contrapartida, o sistema de governo parlamentar de Assembleias, ve-


rifica-se quando o partido do Governo, não detém a maioria no parlamento, as-
sim, o Governo não encontra apoio no parlamento e tem sempre que negociar
com a oposição, para que o programa do governo siga em frente.

3.2. Surgimento do Sistema Presidencial

O presidencialismo surgiu da criação da Constituição dos E.U.A em 1787,


tendo resultado da aplicação das ideias democráticas, concentradas na liber-
dade e na igualdade dos indivíduos e na soberania popular, conjugadas com o
espírito pragmático dos criadores do Estado norte-americano.

Esta criação deu-se através da experiência constitucional britânica.


Quando os juristas da Convenção de Filadélfia tratavam de assentar as bases
de uma existência nacional independente, as lições do quadro político da Ingra-
terra, cujas instituições medravam á sombra da liberdade, estiveram presentes
no espírito dos Pais da Constituição, indo estes buscar naqueles ensinamentos
inspiração com que levar a cabo sua obra legislativa fundamental.

76
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Este Sistema assenta no princípio da separação dos poderes entre o


poder legislativo, executivo e judicial, onde cada um não só desempenha a sua
função, mas também não interferem em actos de outros órgãos. É o que se
chama, o mecanismo de checks and balances (Freios e contrapesos).112

Cabe ressaltar que o presidencialismo e a República andam de mão da-


das, na República, não há monarca, pois é um regime que não se pauta na ideia
de que o poder emana de um direito divino destinado a uma pessoa ou família
específica113.

O poder emana da vontade popular, segundo o princípio republicano. As


República geralmente possuem democracias que tem a clássica separação de
poderes, isto não quer dizer que em toda república terá como principal líder um
Presidente, porque, não obstante disso, existem Repúblicas que adotam o Par-
lamentarismo como por exemplo a Alemanha.

O Presidencialismo possui as seguintes características:

Em Sistemas Presidencialistas, a distinção entre chefe de Estado e


chefe de governo não existe claramente. Tanto as funções de chefe de Estado,
quanto de chefe de Governo ficam acumuladas para uma pessoa (o Presidente)
e que por sua vez, o Presidente da República tem um papel activo na governação
do País.114

Essa pessoa, como se pode imaginar, é a peça central do Presidencia-


lismo. Ele é responsável por coordenar a execução das políticas públicas, a
escolha dos ministros que trabalharão com ele, o Presidente tem ainda o Poder
de veto, vindos do Legislativo, entre outras mais. Ele não tem um papel deco-
rativo, como acontece em muitas Repúblicas Parlamentaristas.

Como o poder emana do povo, faz sentido que no presidencialismo o prin-


cipal líder do sistema seja escolhido pelo voto popular. E é isso que acontece

112
MACHADO, Jónatas E. M; COSTA, Paulo Nogueira & HILÁRIO, Esteves Carlos, op. cit., 2013, pág. 229
113
POLITIZE, Sistemas e Formas de Governos: O Que São? 2017, pág. 20, Acesso em:
28.jan.2020 Disponível em: https://www.politize.com.br/trilhas/sistemas-de-governo/
114
Ibidem, pág. 20

77
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

na maior parte das Repúblicas Presidencialistas. Essa é outra grande diferença


do Presidencialismo em relação ao Parlamentarismo115.

No parlamentarismo, o chefe de governo (nomeadamente chamado de


Primeiro-Ministro), é escolhido pelo parlamento, na maior parte dos casos. No
caso do Presidencialismo, o Presidente não precisa ter qualquer relação com o
Poder Legislativo para ser eleito.

Ele pode ser eleito para o cargo máximo do Poder Executivo sem nunca
ter exercido o cargo de deputado. Portanto, podemos considerar que o Presiden-
cialismo cria uma distinção mais clara entre os poderes Executivo e Legislativo.

3.3. Surgimento do Semipresidencialismo

O semipresidencialismo é um termo criado pelo cientista político francês


Maurice Duverger, pode ser entendido como uma mistura dos dois outros
Sistemas que já debruçamos: presidencialismo e o parlamentarismo. Alguns al-
tores como Manuel Proença de Carvalho asserção que, antes da França ter
adoptado o Semipresidencialismo, este sistema de governo já tinha vigorado em
1919 na Finlândia e na Alemanha de Weimar116.

Primeiramente o semipresidencialismo, surge em Repúblicas, assim


como Presidencialismo. O Presidente também é eleito pelo povo, exatamente
como acontece no presidencialismo. Por outro lado, o semipresidencialismo di-
ferencia as figuras de chefe de Estado e Chefe de Governo, o que é uma
característica do Parlamentarismo117.

O grande diferencial do semipresidencialismo é que o chefe de Estado


(Presidente), não tem papel passivo, meramente decorativa ou simbólica,
como ocorre em muitos Sistemas Parlamentaristas e em especial os monárqui-
cos. O Presidente no Sistema Semipresidencial possui poderes que vão muito
além de formalidades.

115
Ibidem, pág. 21
116
CARVALHO, Manuel Proença, op. cit., 2008, pág. 87
117
POLITIZE, op. cit., 2017, pág. 26

78
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Existe, nesse Sistema, uma coexistência entre o Presidente e o Primeiro-


Ministro. Ambos possuem funções muito importantes e complementares. O Pre-
sidente cuida de várias funções práticas, como cuidar da política externa do país,
chefiar as forças armadas, nomear funcionários, vetar leis, entre outros. Ele tam-
bém nomeia o Primeiro-Ministro e em alguns casos pode demiti-lo118.

Além de tudo isso, existe uma diferença crucial entre o Semipresidencia-


lismo e o Parlamentarismo: no Parlamentarismo o parlamento pode derrubar o
Primeiro-Ministro, já no Semipresidencialismo isto também pode acontecer, mas
em contrapartida, o Presidente tem o poder de dissolver o parlamento, poder
inexistente em sistemas Presidencialistas ou Parlamentaristas.

3.4. Sistema de Governo de Alguns Países da Europa e das


Américas

3.4.1. Sistema de Governo Britânico


O Reino Unido é constituído pela maior ilha continental da Europa, a Grã-
Bretanha (formada pela Escócia, Inglaterra e País de Gales) e pela Irlanda do
Norte, cujo o sistema de governo é o Parlamentarismo.

A Constituição britânica é uma Constituição não escrita, já que os seus


preceitos não se encontram reunidos num texto único, não assumindo no con-
junto a forma de uma lei escrita119.

A Constituição britânica é uma Constituição consuetudinária. Com efeito,


grande parte das regras sobre organização do poder político tem origem no cos-
tume, o que constitui na actualidade um caso único.

A Constituição britânica é também uma Constituição flexível podendo a


qualquer altura ser alterada pelo Parlamento nos mesmos termos de uma lei
ordinária.

Quanto à forma do Estado, o Reino Único é um Estado Unitário, já que há


uma unidade de poderes políticos.

118
Ibidem, pág. 26
119
CARVALHO, Manuel Proença de, op.cit., 2008, pág. 147.

79
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

3.4.1.1. Os órgãos constitucionais britânicos

Como órgãos constitucionais no sistema britânico encontram-se previstos


os seguintes120: o Monarca, o Parlamento, o Gabinete, os Tribunais e o Con-
selho Privado.

3.4.1.1.1. O Monarca

O Monarca é o Rei ou Rainha do Reino Unido que exerce o cargo a titulo


vitalício, cuja sucessão é por hereditariedade, de acordo com o direito de suces-
são do tronco. O Monarca é o titular da coroa, instituição monárquica que na
termologia jurídica inglesa é uma expressão de interesse colectivo, que tem sen-
tido de Estado121.

Sendo um titulo honorífico, o Monarca não exerce qualquer poder político


real, ficando com um papel passivo ou meramente simbólico na governação, mas
a sua posição constitucional é aparentemente forte, considerando que tudo é
feito em seu nome, quer no parlamento, quer no Gabinete, funcionando a sua
invocação como sendo o próprio Estado Britânico em acção, sob a designação
o Reino de Sua Majestade122.

O Monarca não possui qualquer responsabilidade nem politica, nem jurí-


dica, isto é, de acordo com o princípio da referenda ministerial the King do no
wrong123. Dito de outro modo, o rei “reina, mas não governa” ou o “monarca não
pode oficialmente decidir sozinho”, assim como “o soberano não pode agir
mal”124.

Desta feita, na ordem jurídica britânica, o Rei tem dois direitos que são:
ser informado sobre todos os factos importantes da vida política do Reino e o
direito de aconselhar o Governo.

120
GOUVEIA, Jorge Bacelar, op. cit., 2005 pág. 268 e ss
121
CAETANO, Marcelo, Manual de Ciência Política, I, p. 52 apud CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 83
122
GOUVEIA, Jorge Bacelar, op. cit., pág. 269
123
CAETANO, Marcelo, op. cit., p. 53 apud CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 84.
124
CARVALHO, Manuel Proença, op. cit. 2008, pág. 154.

80
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

No âmbito da prerrogativa real, o monarca é norteado pelos seguintes po-


deres125:

a) O comando das Forças Armadas, assim como a nomeação dos mais altos
postos das Forças Armadas;
b) Proclamar a guerra e fazer a paz;
c) Nomear o Primeiro-Ministro;
d) Dissolver o Parlamento;
e) A rejeição e promulgação das leis;
f) O direito de concluir tratados;
g) O direito de nomear embaixadores e juízes;
h) O direito de reconhecer os governos;
i) O direito de Indulto;
j) A criação de Pares;
k) A distribuição de títulos e condecorações;
l) A possibilidade de autorizar a apelação para a Comissão Judiciária do
Conselho Privado;
m) A faculdade de participar nas reuniões do Conselho Privado, aquando da
tramitação da legislação mais importantes deste órgão.

3.4.1.1.2. O Parlamento Britânico

O Parlamento Britânico é um órgão político de maior importância no Or-


denamento Jurídico Britânico, exercendo todos os actos políticos e jurídicos da
Função governativa.

O Parlamento Britânico é bicamaral, existindo duas câmaras: a Câmara


Lordes (House of Lords), câmara alta, representando a Rainha ou Rei, e uma
câmara baixa – Câmara dos Comuns (House of Commons), representando o
Reino Unido.

A Câmara do Lordes é encabeçada pelo monarca, ela é formada por


pessoas escolhidas dentro da nobreza. Essa Câmara não interfere na política e

125
DUVERGER, Maurice, Os Grandes Sistemas Políticos, 1988, pág. 231.

81
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

tem como função cuidar das coisas referentes a Dinastia Inglesa como por exem-
plos os casamentos reais ou a concessão de honrarias e revisar os projectos da
Câmara dos Comuns.

Detinha no passado os mesmos poderes que a Câmara dos Comuns, mas


a partir nomeadamente das conhecidas “Leis sobre o Parlamento de 1991, 1949
e 1999”, que consagram uma limitação expressa aos seus poderes, as suas atri-
buições encontram-se hoje muito reduzidas, pelo que na actualidade os “lordes”
pouca influência têm na vida política Britânica126.

Em matérias legislativas, possui unicamente um voto meramente suspen-


sivo face à Câmara dos Comuns, cuja eficácia se resume a um mero efeito re-
tardador.

Hoje em dia a Câmara dos Lordes funciona fundamentalmente como um


fórum de debates de elevada qualidade, continuando a ser válida a afirmação de
George Burdeau127 de que, como alguns dos seus elementos são escolhidos de
entre as personalidade mais importantes do país, aos debates é proporcionado
o aperfeiçoamento do seu conteúdo.

Quanto a Câmara dos Comuns, está é eleita por sufrágio universal, di-
recto e secreto nas eleições legislativas. Tem 659 deputados, exercendo um
mandato de 5 anos. O acto eleitoral obedece a regra do sistema de círculos elei-
torais uninominais e o vencedor decide-se pela maioria, numa só votação,
mesmo que essa maioria seja relativa.

Os parlamentares da Câmara dos Comuns são responsáveis por eleger o


Primeiro-Ministro, por meio do bloco político que obtiver a maioria dos assentos
da Casa.

Quanto às suas atribuições, compete à Câmara dos Comuns o exercício


das funções política e legislativa, sendo as respectivas deliberações decisivas
tanto para sustentar politicamente o Governo, como provar as Leis. A Câmara é

126
CARVALHO, Manuel Proença de, op. cit. 2008, 157.
127
BURDEAU, George, Manuel Droit Constitutionnel, 1998, pp. 225 apud CARVALHO, op. cit., 2008, pág.
158

82
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

presidida por um Speaker (o presidente do Parlamento), escolhido entre os De-


putados da maioria.

3.4.1.1.3. O Gabinete

O Gabinete (representa o Governo) é encabeçado pelo Primeiro ministro


e constituída pelos demais ministros que o Primeiro Ministro designar128. O Pri-
meiro-Ministro é eleito de forma indirecta, pelo Parlamento, sendo apontado pelo
partido que obteve a maioria dos assentos na casa dos comuns, a principal casa
legislativa do parlamento britânico.

Desta forma, a governabilidade é um ponto-chave no parlamento britânico.


A obtenção de maioria congressual é crucial para eleger o primeiro-ministro.
Quando não há governabilidade, o Primeiro ministro pode entregar o cargo e
convocar as eleições.

O Primeiro-Ministro também pode entregar o cargo quando haver voto


desconfiança, também chamado de moção de censura, é um instrumento po-
lítico à disposição do Parlamento.

Dito de outro modo, quando as forças de oposição entendem que o Pri-


meiro-Ministro está em uma posição de fragilidade e não tem condições de go-
vernar, coloca-se a pauta de votação uma moção (voto de desconfiança), para
expressar a desconfiança do Parlamento no Chefe de Governo.

Apesar de o voto de desconfiança não implicar a perda do cargo de Chefe


de Governo, pode ser uma forma de constranger o Primeiro-Ministro a renunciar,
e entregar o cargo.

O gabinete é um órgão que tecnicamente responde pela politica geral do


Governo perante o Parlamento, perante a Coroa e perante a Nação129.

O Governo apresenta duas categorias de ministros: Ministros seniores


(os senior ministers) e os Ministros juniores (os junior ministers). Os senior
Ministers são os mais importantes e politicamente experientes, ocupando as

128
CARVALHO, Manuel de Proença, op.cit. 2008, pág. 158
129
CAETANO, Marcelo, op.cit., I, pág. 60 apud CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 85-86.

83
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

pastas ministeriais mais relevantes da governação. Os junior Ministers incluem


os Secretários Parlamentares que actuam em praticamente todos ministérios130.

Cabe ao Gabinete as seguintes características, isto é, vislumbradas por


Marques Guedes131:

a) É o Gabinete que prepara o discurso da Coroa, lido na abertura so-


lene de cada sessão do Parlamento (na Câmara dos Lordes), no qual
se anunciam as linhas gerais do programa legislativo e de governo;
b) É o Gabinete que propõe à Câmara dos Comuns as principais medi-
das legislativas;
c) É o Gabinete que elabora as Orders in Council, formalmente aprova-
das e publicadas pelo Conselho Privado, e exerce outras atribuições
de natureza regulamentária;
d) É o Gabinete que colectivamente assume, perante o Parlamento, a
responsabilidade pela política governamental;
e) É ainda o Gabinete que em caso desacordo sobre matéria grave, se-
gundando o Primeiro Ministro, aconselha ao Soberano a dissolução
da Câmara dos Comuns e a realização de novas eleições, se não
preferir apresentar a sua própria demissão.

3.4.1.1.4. Os Tribunais Britânicos

A tipologia dos tribunais é outra grande especifidade do poder judicial bri-


tânico. A estrutura obedece uma cúpula que tem no topo a House of Lords; o
suprime court cuja composição é formada por um Court of Appeal, Court of Jus-
tice e Crown Court132.

No plano inferior da cúpula encontram-se os County Courts e Magistrate


Courts, que administram a justiça em questões civis e criminais gerais133.

130
CAPOCO, Zeferino, op. cit. 2015, pág. 85.
131
QUEDES, Marques, Ideologias e Sistemas Políticos, 1978, p. 93.
132
CAPOCO, Zeferino, op. cit. 2015, pág. 87.
133
Ibidem.

84
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

3.4.1.1.5. O Conselho Privado

O Privy Council (o Conselho Privado) conta com mais de trezentos mem-


bros que exercem altos cargos políticos e judiciais segundos seus méritos e ser-
viços.

É presidido por um membro do Gabinete e só raras vezes reúnem, como


por exemplos, em que um novo Rei cinge a Coroa ou quando o monarca anuncia
o seu casamento134. Funciona como um Conselho de Estado, sendo um órgão
de consulta do Chefe de Estado135.

3.4.1.2. O Sistema de Partidos no Reino Unido: O Biparti-


darismo Perfeito

Os Whigs que deram origem ao Partido Liberal e os Tories ao Partido


Conservador, alternaram entre si no poder desde o final do século XVII até ao
início do século XX.

Na actualidade, o sistema de partidos no Reino Unido, por força sobretudo


do sistema eleitoral, gira em torno de dois grandes partidos: o Partido Traba-
lhista pertencendo à família social-democrata, portanto, de esquerda democrá-
tica, desde os meados dos anos noventa quase centrista com o chamado New
Labour, e o Partido Conservador integrando-se na direita democrática136.

Estes dois partidos polarizam a vida pública do país, alternando entre si


no poder.

Como características dos partidos britânicos, salientem-se a sua forte or-


ganização, a disciplina partidária, consubstanciada numa disciplina e voto rigo-
roso segundo as ordens do líder, e a autoridade do líder sobre o partido. No
respeitante à eleição do líder do Partido Conservador, o processo obedece na
actualidade às seguintes regras: há uma série de votações cujos eleitores são

134
CAETANO, Marcello, op. cit., I, 1978 apud CAPOCO, Zeferino, op. cit. 2015 pág. 87.
135
GOVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional I e II, 2005, pág. 273.
136
CARVALHO, Manuel Proença de, op. cit. 2008, pág. 166.

85
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

os deputados conservadores na Câmara dos Comuns, sendo em cada escrutínio


o candidato menos votado eliminado137.

Quando só restarem dois candidatos, haverá então uma votação a nível


nacional aberta às “bases”, em que participam todos os membros do Partido
Conservador.

Uma vez eleito, o líder reina no seu partido. Por seu turno, no concernente
à liderança do Partido Trabalhista, os sindicatos representam 1/3 do colégio elei-
toral, os deputados 1/3 e os militantes do partido, igualmente 1/3.

Apesar do líder deter uma grande autoridade sobre o seu partido, esta
não é, no entanto, tão forte como no Partido Conservador, já que terá que contar
com os sindicatos que têm grande influência no seio do partido, e com as várias
tendências internas, nomeadamente da sua ala esquerda.

Quer o Partido Conservador, quer o Partido Trabalhista realizam os seus


Congressos anuais, onde se debate, mas não de decide. Refira-se, aliás, que os
seus líderes partidários não assistem aos Congressos, para não comprometer o
seu prestígio, vindo apenas a pronunciar o discurso final, que define a orientação
do Partido138.

As duas grandes forças políticas alcançam, assim, no total entre 75% e


80% dos votos expressos e entre 90% a 95% da representação da Câmara dos
Comuns, obtendo cada uma de per si a almejada maioria parlamentar.

Por sua vez, em termos eleitorais, a terceira força partidária, o Partido


Liberal Democrata (situado politicamente entre o Partido Conservador e o Par-
tido Trabalhista), herdeiro do Partido Liberal que, entre 1935 e 1983, se afirmava
como o terceiro partido mais votado, e resultado da função do Partido Liberal
com o Partido Social-Democrata criado nos 80, tem também representação na
Câmara dos Comuns.

Todavia, este terceiro partido não tem qualquer influência na formação


das maiorias governamentais, porquanto e como já foi observado anteriormente,

137
Ibidem, pág. 167
138
Ibidem, pág. 167

86
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

há uma grande disfunção entre o voto popular obtido pela “3.ª força” e o respec-
tivo número de deputados. Face ao antecedente, podemos classificar o sistema
de partidos do Reino Unido de bipartidarismo perfeito139.

3.4.2. Sistema de Governo dos E.U.A

Observa-se, antes de mais, que “os Estados Unidos da América entram a


História Constitucional Universal por terem sido os primeiros a efectiva uma re-
volução liberal, para além de possuírem a mais antiga e também primeira Cons-
tituição escrita feita até hoje”140.

Além Constituição dos Estados Unidos da América há que ter em conta


as Constituições dos Estados Federados, aplicáveis com grande importância no
domínio da política interna de cada Estados Federados. Mas é a Constituição
Federal que funda os Estados Unidos. Assim se afirma que “o Direito Constitu-
cional dos Estados Unidos brota do sistema jurídico inglês e do pensamento po-
lítico do séc. XVIII, posto perante as condições peculiares de América do
Norte”141.

Os E.U.A tem como sistema de governo o famoso presidencialismo puro,


devido a separação rígida dos Poderes, que é quase absoluta, deste modo, há
pouca iniciativa legislativa para o Executivo, dito de outro modo, eles defendem
a separação absoluta dos Poderes, isto é, eles são contra a concentração de
poderes. Logo é importante dividir estes poderes, onde cada poder tem a capa-
cidade de controle.

3.4.2.1. A Constituição dos Estados Unidos

A Constituição dos Estados Unidos da América foi criada na data de 17


de setembro de 1787 e entrou em vigor em 1790. Contém 7 extensos artigos e
27 emendas.

139
Ibidem, pág 167.
140
GOUVEIA, Jorge Bacelar, op. cit., I, 2005, pp. 276
141
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, I, 1996, pág. 143.

87
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

Ana Guerra Martins sustenta que142, na necessidade de conciliar os vá-


rios Estados dominou os debates, tendo acabado mesmo por dar lugar a duas
alianças que salvaram a Convenção, a saber: os estados pequenos contra os
grandes, num segundo momento, o Norte contra Sul, sendo, nessa medida, a
Constituição Norte-americana o resultado de vários compromissos.

Na realidade, e de um lado, os Estados cuja economia assentava funda-


mentalmente no comércio; do outro, os estados cuja base económica era agrí-
cola.

De uma banda, os Estados que possuíam escravos; de outra banda, os


Estados não esclavagistas. Finalmente, sabendo-se que era necessário um po-
der forte, como resultava do fracasso da Confederação, também os estados não
estavam dispostos abdicar totalmente da sua autonomia. Assim nasceu o Fede-
ralismo143.

O Federalismo visava articular o poder soberano de uma entidade central,


a União, com o dos Estados sem esvaziar os poderes destes últimos. Neste con-
texto a Constituição elencou logo no primeiro artigo quais os poderes que com-
petiam à Federação, deixando os restantes para a esfera da competência dos
Estados.

De outra sorte, instituiu um sistema de freios e contrapesos de forma a


limitar os poderes dos governantes no âmbito da Federação. Pelo artigo VII, da
Constituição, a ratificação de nove estados era suficiente para que a Lei funda-
mental entrasse em vigor. Mas entre dezembro de 1787 e junho de 1788, os
restantes Estados-membros ratificaram o texto constitucional.

A importância da Constituição Norte-Americana é indesmentível, seja em


termos históricos, seja contributos para a Ciência Política e o Direito Constituci-
onal.

Segundo Freitas do Amaral a relevância da Constituição Norte-Americana


resulta dos seguintes aspectos144:

142
MARTINS, Ana Guerra, Origem da Constituição Norte-Americana, 1994, pág. 116 e 117
143
CARVALHO, Manuel Proença, op. cit., 2008, pág. 184.
144
AMARAL, Diogo Freitas, História das Ideias Políticas, Volume II, 1997, pág. 76.

88
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

a) É a Primeira grande Constituição escrita em sentido moderno;

b) É a Primeira Constituição republicana da era moderna;

c) É a Primeira Constituição a consagrar um Estado Federal;

d) É a Primeira Constituição a estabelecer um Sistema de Governo Presi-


dencialista, por influência do sistema de separação de poderes;

e) É a Primeira Constituição que institui um sistema de garantia judiciária


da constitucionalidade das leis;

f) É a primeira Constituição que comporta uma Declaração de Direito;

g) É a Primeira Constituição a decretar a separação das confissões religi-


osas;

3.4.2.2. O Federalismo Norte-Americano

Na actualidade, os Estados Unidos formam uma Federação constituída


por 50 estados federados: aos 13 estados iniciais, foram-se adicionando com o
tempo outros, uns por compra, outros por conquista e outros ainda pela expan-
são colonizadora, sendo os Estados mais recentes o Alasca (1958) e o Hawai
(1959).

Tratando-se um Estado Federal, coexiste assim a Constituição do Estado


Federal com as Constituições dos 50 estados federados.145

145
Os 50 estados dos E.U.A, são: Alabama (capital Montgomery); Alasca (capital Juneau); Arizona (capital
Phoenix); Arkansas (capital Little Rock); Califórnia (capital Sacramento); Carolina do Norte (capital Ra-
leigh); Carolina do Sul (capital Columbia); Colorado (capital Denver); Connecticut (capital Harftord); Da-
kota do Norte (capital Bismark); Dakota do sul ( capital Pierre); Delaware (capital Dover); Florida (capital
Tallahassee); Geórgia (capital Atlanta); Havai (capital Honolulu); Idaho (capital Boise); Illinois (capital
Springfield); Indiana (capital Indianápolis); Iowa (capital Des Moines); Kansas (capital Topeka); Kentucki
( capital Frankfurt); Louisiana ( capital Baton Rouge); Maine (capital Augusta); Maryland (capital Annapo-
lis); Massachussets (capital Boston); Michigan (capital Lansing); Minnesota (capital Saint Paul); Mississipi
(capial Jackson); Missouri (capital Jefferson City); Montana (capital Helena); Nebraska (capital Lincoln);
Nevada (capital Carson City); New Hampshire (capital Concord); New Jersey (capital Trenton); Nova Iorke
(capital Albany); Novo México (capital Santa Fé); Ohio (capital Columbus); Oklahoma (capital Oklahoma
City); Oregon (capital Salem); Persilvânia (capital Harrisburg); Rhode Island (capital Providence); Ten-
nesse (capital Nashville); Texas (capital Austin); Utah (capital Salt Lake City); Vermont (capital Montpe-
lier); Virgínia (capital Richmond); Washington (capital Olympia); West Virgínia (capital Charleston); Wis-
consin (capital Madison); Wyoming (capital Cheyenne) e um distrito federal, o District of Columbia, onde
se sinta a capital federal Washington D.C. e um estado Associado, Porto Rico com capital em San Juan.

89
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

A estrutura política de cada estado federal apresenta algumas caracterís-


ticas análogas ao desenho constitucional do Estado Federal. Com efeito, cada
estado federal existe um governador (eleito por dois ou quatro anos), que à ima-
gem do Presidente norte-americano, detém o poder executivo.

Na maioria dos estados, o governador é assistido por vice-governador,


que corresponde ao Vice-presidente da União.

3.4.2.3. Os órgãos constitucionais norte-americanos

Os órgãos de soberania na Constituição dos Estados Unidos da América


são: o Congresso da Federação, o Presidente Federal (dos Estados Unidos)
e os Tribunais (Federal). Tais órgãos encontram-se constitucionalmente defini-
dos consoante os poderes que por eles são exercidos. Assim, o Congresso
exerce o poder legislativo; o Presidente, o poder executivo; e os Tribunais, o
poder judicial.

3.4.2.3.1. O Congresso Federal

O Congresso Federal com sede em Washington, é o Parlamento dos


E.U.A, contendo duas Câmaras (bicamaral): a Câmara alta, o Senado (Senate)
e a Câmara baixa, Câmara dos Representantes (House of Representatives). O
Senado representa os Estados, enquanto que a Câmara dos Representantes
representa todo o povo norte-americano.

3.4.2.3.1.1. Câmara dos Representantes

O número de representantes na Câmara dos Representantes dos Es-


tados Unidos da América (U. S. House of Representatives) é fixado por lei e
não pode exceder quatrocentos e trinta e cinco (435) membros, proporcional-
mente representando a população de cinquenta Estados da Federação norte
americana, por distritos. Os deputados da Câmara são eleitos por sufrágio
universal e directo em um sistema eleitoral de representação maioritária e
exercem um mandato de 2 anos.146

146
CARVALHO, Manuel Proença de, op. cit., 2008, pág. 225

90
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Como consequência do sistema adotado nos Estados Unidos da Amé-


rica, há Estados que elegem apenas um Deputado. Na elaboração de leis, o
membro da Câmara apresenta projeto de lei que é encaminhado a uma comis-
são com competência para estudá-lo.

Se aprovado em Comissão, o projeto é levado a plenário, sendo apro-


vado por 218 dos 435 votos (maioria simples) e, então, encaminhado ao Se-
nado, e, se é aprovado por comissão, vai ao plenário, podendo ser aprovado
por 51 dos 100 Senadores (maioria simples).

Por fim, uma comissão formada por membros de ambas as Casas (Comitê
de Conferência) faz a versão final do projeto, que é votada pelas duas Casas,
separadamente. Aprovado o projeto no Congresso, o Presidente tem dez dias
para aprová-lo ou vetá-lo. A Câmara é presidida por um Speaker, que uma vez
eleito por maioria, torna-se também o chefe dessa maioria.

3.4.2.3.1.2. O Senado

O Senado, como já dissemos, é o órgão representativo de todos os Esta-


dos da União, composto por dois senadores de cada Estado o que da um total
de 100 Senadores, independentemente da densidade populacional, extensão
geográfica ou outras condições de natureza económica e financeira.

O mandato de senador tem a duração de seis anos, mas “cada vez que
é eleita uma Câmara de Representantes renova-se um terço do Senado”, pelo
que, “cada senador tem a sua data de início e do fim do mandato, mas existe
uma continuidade garantida para o conjunto, que nunca é totalmente renovado”.

O Senado é presidido pelo vice-Presidente dos E.U.A e nas suas ausên-


cias, pode ser pode ser substituído pelo presidente pro tempore, eleito pelas pró-
pria Câmara no início da legislatura.

91
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

3.4.2.3.1.3. Presidente Federal

O Presidente Federal (PF) o titular do poder Executivo que exerce com


um colégio formado por um Vice-Presidente, secretário de Estado e por um con-
junto de ministro que formam o Executivo Office147. O Presidente exerce ainda
as funções de chefe de Estado e de governo Federal, O PF é eleito por um co-
légio eleitoral (eleito pelo povo), segundo a Constituição, o candidato à Presidên-
cia deve ter pelo menos 35 anos, ser cidadão nato e ter vivido nos E.U.A por
pelo menos 14 anos, o mandato é de 3 anos, podendo o Presidente exercer
apenas 2 mandatos.

O Vice-Presidente dos Estados Unidos substitui o presidente nas suas


ausências, pode assumir a presidência e a chefia de Federação vacatura exer-
cendo o mandato até o fim da legislatura, com todos os poderes inerentes ao
cargo.

3.4.2.3.1.3.1. Os Poderes do Presidente

O Presidente da União possuindo imensos poderes é simultaneamente,


Chefe de Estados e de Governo e comandante supremo das forças armadas, ou
seja, o Presidente da União perfila-se como o centro da cena política norte-ame-
ricana e o símbolo da unidade nacional.

Na verdade, o Presidente dirige o Gabinete e o Executive Office, identifi-


cando-se com o Poder Executivo, pois não há Governo em sentido próprio nos
Estados Unidos, mais sim uma Administração submetida ao Presidente148.

Nestes termos, é ao Presidente que compete definir as linhas gerais do


programa governamental, exercer o poder regulamentar, chefiar a Administração
Federal, nomeando e demitindo os funcionários federais, carecendo, contudo, a
nomeação dos altos funcionários federais do acordo maioritário do Senado, entre
os quais se contam o director da C.I.A. e o Presidente da Reserva Federal (co-
nhecida por FED), que funciona como Banco Central do país.

147
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 91
148
MIRANDA, Jorge. op. cit., Tomo I, 1997, p. 154

92
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

O Presidente dispõe ainda da faculdade de nomear livremente os chama-


dos “cargos de execução pública”, os seus agentes pessoais, que actuam com
seus enviados especiais e a sua staff da Casa Branca.

O Presidente tem ainda a competência de nomear os Juízes do Supremo


Tribunal Federal, o que também carece da confirmação maioritária do Senado.
O Presidente tem o direito de veto face à legislação do Congresso, isto é, se o
Presidente não concordar com um determinado projecto devolvê-lo-á ao Con-
gresso no prazo de dez dias, excluídos os domingos.

O veto só pode ser ultrapassado por uma maioria de dois terços dos mem-
bros presentes em cada Câmara, prerrogativa esta iniciada a partir dos finais do
século XIX, que faz com que o Presidente atrase a produção legislativa do Con-
gresso, convertendo-se muitas vezes esta sua actuação em veto absoluto.

O Presidente dispõe igualmente o direito de indulto. Compete também ao


Presidente preservar e defender a Constituição, sendo assim o garante da uni-
dade da Federação.

Em matérias de política externa, e com o acordo maioritário do Senado


nomeia os cônsules e embaixadores, reconhece os estados e negoceia e conclui
os tratados, sendo depois estes ratificados por maioria de dois terços dos sena-
dores presentes.

3.4.2.3.1.4. Os Tribunais

Como órgãos jurisdicionais os tribunais Norte Americanos estruturam-se de


acordo com os seguintes critério: Tribunais Federais e Tribunais de Estados149.

Os Tribunais Federais exercem a justiça Federal e os Tribunais Estaduais,


que exercem o poder judicial nesse Estado, dispondo de um tribunal supremo e
tribunais de segunda e primeira instancia, julgando estas questões civis e crimi-
nais dos seus cidadãos.

Os tribunais Federais classificam-se entre os tribunais Federais de distrito,


que formam a primeira instancia, tribunais de apelação de circuito, de segunda

149
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 91

93
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

instancia e o Supremo Tribunal. Assim, cabe ao supremo tribunal dos Estados


garantir o equilíbrio político entre a Federação e os Estados, entre o poder fede-
ral e os órgãos dos Estados Federados, sendo este também o guardião da Cons-
tituição Federal.

3.4.2.4. A Eleição do Presidente dos Estados Unidos

Como já foi salientado o Presidente dos Estados Unidos é eleito por su-
frágio universal e indirecto. O sufrágio é indirecto porque o povo vota para um
colégio eleitoral e o colégio esse constituído por eleitores (designados por elei-
tores presidenciais), que, por sua vez, irão escolher o Presidente dos Estados
Unidos.

O processo de candidatura à Presidência começa muito antes do acto


eleitoral propriamente dito, sendo de facto a nomeação dos candidatos dentro
de cada partido o primeiro passo.

Assim, a nomeação dos candidatos pelos dois grandes partidos (Partido


Republicano e o Partido Democrata) é feita, na sua maioria, após disputa in-
terna de entre os vários “candidatos à candidatura”, através das chamadas elei-
ções primárias que se desenrolam durante vários meses, métodos este que
também é adoptado nas nomeações para senadores, representantes, governa-
dores, mayores (presidentes de câmara) e para membros das assembleias es-
taduais dos Estados federados. Este processo surgiu em 1901 na Flórida150.

Nestas eleições, o povo é chamado a pronunciar-se sobre a eleição dos


delegados que na Convenção do partido irão escolher o candidato, número de
delegados que difere de partido para partido em cada estado. Os delegados à
Convenção do Partido são designados de forma diferente nos diversos Estados
federados.

Nestes termos, as eleições primárias podem ser abertas, fechadas e não


partidárias151.

150
CARVALHO, Manuel de Proença, op. cit. 2008, pág. 199.
151
DUVERGER, Maurice, op. cit., 1985, pág. 306

94
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Nas eleições primárias abertas, não é conhecida qualquer filiação pública


dos eleitores. Deste modo, cada eleitor pode votar para os delegados, asseme-
lhando-se, pois a eleições normais, ou seja, cada eleitor recebe dois boletins, um
democrata, outro republicano, utilizando apenas um deles.

Já nas eleições primárias fechadas, só podem votar os membros do par-


tido que vai escolher os seus delegados, isto é, os eleitores devem declarar ofi-
cialmente se são democratas ou repúblicanos, sendo a sua filiação no partido
registada pública.

Finalmente, nas eleições primárias não partidárias, um só boletim contém


os nomes de todos os candidatos à nomeação, sem indicar a filiação partidária.

Quanto ao acto eleitoral propriamente dito, verifica-se em duais fases, a


primeira fase os cidadãos votam normalmente no presidente que pretendem es-
colher, mas estes votos não têm nenhuma relevância para a escolha do Presi-
dente, visto que na história dos E.U.A, por quatro vezes ocorreu que o candidato
eleito presidente não foi o mais votado pela população.

A na segunda fase, cada cidadão, votará nos membros que constituirão o


Colégio Eleitoral. Cada Estado dispõe de um número de eleitores que corres-
ponde ao número total dos membros do Colégio Eleitoral (também designados
por eleitores presidenciais).

O colégio eleitoral, é constituída por 538 membros (designados de elei-


tores presidenciais) que têm como função eleger o Presidente dos E.U.A.

Cada Estado membros disponibiliza um número de membros para formar


o colégio eleitoral, mas também é importante salientar que este numero vária
segundo a densidade populacional de cada Estado membro.

Por exemplo, a Califórnia, o Estado mais populoso dos Estados Unidos,


indica 55 eleitores presidenciais, visto que é este numero corresponde a 2 sena-
dores e 53 deputados da câmara dos representantes; o Texas, que é o segundo

95
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

Estado mais populoso, indica 31 (2 senadores mais 29 deputados da câmara


dos representantes).152

Por outro lado, os Estados menos populosos como Alasca, Delaware, Ver-
mont, Dakota do Norte, Dakota do Sul Montana e Wyoming indicam 3 eleitores
presidenciais (1 senador e 2 deputados da câmara dos representantes). Os res-
tantes estados oscilam entre os 4 e os 17 eleitos.153

Depois deste todo processo, teremos um total de 435 deputados da câ-


mara dos representantes e 100 senadores, mais 3 eleitores presidenciais eleitos
distrito de Columbia, somando-as dará um total de 538 (numero total dos mem-
bros do colégio eleitoral).

Os eleitores presidenciais, escolhidos como acabámos de descrever, re-


únem-se na Segunda-feira a seguir à segunda Quarta-feira de dezembro nas
capitais dos seus estados para elegerem separadamente o Presidente e o Vice-
presidente. Vence o candidato que obtiver os votos dos 270 eleitores presiden-
ciais (metade mais um dos 538 eleitores) e desta feita é eleito Presidente dos
Estados Unidos.

O.B.S: as eleições nos E.U.A, são tão complicadas que nem os próprios
americanos percebem como eles votam.

3.4.2.5. Os Partidos Políticos Norte-Americano – o biparti-


darismo

Nos Estado Unidos existem dois grandes partidos com possibilidade de


assumirem os poderes executivos e legislativos: o Partido Republicano e o Par-
tido Democrático.

Desta feita, os Presidentes Norte-Americano são oriundos do Partido De-


mocrático ou Republicano, o mesmo acontece com os Vice-presidentes. De igual

152
CARVALHO, Manuel de Proença, op. cit. 2008, pág. 203
153
Ibidem, pág. 245

96
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

modo, o Congresso está dividido entre o Partido Republicano e o Partido Demo-


crático, sendo raro aparecer um ou outro independente com representação par-
lamentar, ou seja, sem filhação partidária154.

O mesmo sucede com os governadores e vice-governadores do Estados


federados, ainda que também já tenha havido governadores independentes, e
com o poder legislativo nas câmaras dos Estados federados

A origem histórica do sistema bipartidário remonta às origens Estados


Unidos.

3.4.3. Sistema de Governo Francês

A França adopta o sistema semipresidencialista de governo, sistema de


governo que tem como origem em dois factos históricos: a Revolução Francesa
(iniciada em 1789) estabeleceu uma forte tradição parlamentar no país, com um
papel central atribuído à Assembleia Nacional; o outro, a importante figura do
general Charles De Gaulle (figura importante na resistência francesa na Se-
gunda Guerra Mundial), isso, levou os franceses a refletirem sobre o papel que
lhe caberia dentro de seu sistema político no pós-Guerra (anos de 1950).155

Estava claro que De Gaulle tinha que desempenhar um papel importante


no sistema político francês. Visto que a França tinha em vigor o sistema parla-
mentarista, ele não poderia ser um chefe de governo (um primeiro-ministro) por-
que estaria assim exposto à disputa política cotidiana o que provavelmente cau-
saria muito desgaste à sua figura. Ele deveria ser, então, um chefe de Estado,
mas seria mero símbolo, sem poder de controlar os rumos políticos do país.156

Desta forma, em 1958 foi promulgada uma nova Constituição, consa-


grando também a V República Francesa, cria assim um sistema político desti-
nado a dar destaque para De Gaulle. As atribuições do general, como chefe de
Estado, extrapolavam a dimensão simbólica.

154
Ibidem, pág. 245
155
POLITIZE, op. cit., 2017, pág. 29
156
Ibidem, pág. 27

97
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

Ele coordenava directamente a política externa do país, comandava as


forças armadas francesas e ainda tinha à sua disposição meios para intervir em
caso de crises políticas. Um desses meios de intervenção é o poder de dissolver
a Assembleia Nacional, poder que não existe em nenhum sistema presidencia-
lista ou parlamentarista.157

Todos esses poderes tornaram o sistema de governo francês um híbrido


entre parlamentarismo e presidencialismo. Nestes termos, nasceu o Semipresi-
dencialismo na França.

De toda história constitucional francesa, está conta até hoje com 14 cons-
tituições. Constituições de 1791; 1793; 1795; 1799; 1802; 1804; 1804; 1814;
1830; 1848; 1852; 1870; 1875; 1946 e 1958.

3.4.3.1. Os órgãos constitucionais da 5ª República Fran-


cesa

A Constituição estabelece os seguintes órgãos do Estado da 5ª República


Francesa: o Presidente da República, o Governo, o Parlamento (bicameral),
formado pela Assembleia e o Senado, o Conselho Constitucional e o Alto Tri-
bunal de Justiça ou Alta Corte de Justiça.

3.4.3.1.1. O Presidente da República

O Presidente da República é chefe de Estado e Comandante em chefe


das Forças Armadas Francesas. Exerce também determinadas funções execu-
tivas atribuídas por força da Constituição. É eleito por 5 anos renováveis sem
limite, isto é, através de sufrágio universal e directo, pelos cidadãos franceses.

A eleição para o cargo de Presidente da República não tem limitação de


mandatos. Em concretos, o Presidente da República desempenha amplos pode-
res constitucionais que fazem dele uma figura preponderante na política fran-
cesa.158

157
Ibidem, pág. 27
158
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 95

98
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Quantos a estes poderes atente-se, nomeadamente, os seguintes159:

a) Garantir a independência nacional;


b) Vigia o cumprimento da Constituição, pelo que tem igualmente o
poder de a interpretar;
c) Assegurar o funcionamento dos poderes públicos e do Estado;
d) Nomeia o Primeiro-Ministro, não sendo para o feito obrigado a con-
sultar os partidos com assento parlamentar;
e) Põe termo às funções do Primeiro-Ministro, depois deste lhe apre-
sentar voluntariamente a sua demissão, não podendo, no entanto,
teoricamente demitir livremente o Primeiro-Ministro, apesar desta
regra se encontrar subvertida como veremos de seguida;
f) Preside ao Conselho de Ministro;
g) Assina os decretos-leis e os decretos aprovados em Conselho de
Ministros, pelo que a sua recusa em os assinar se configura como
um verdadeiro direito de veto, faculdade esta que a Constituição
não prevê expressamente;
h) Tem poder real de dissolver a Assembleia Nacional, precedendo
consulta do Primeiro-Ministro e dos Presidentes da Assembleia
Nacional e do Senado, ainda que não possa recorrer ao direito de
dissolução duas vezes no mesmo ano, nem dissolver a Assem-
bleia durante a vigência do exercício de poderes excepcionais,
consagrados no artigo 16.º da Constituição.
i) É o comandante das Forças Armadas, presidindo nessa qualidade
aos conselhos e comissões de defesa nacional;
j) Sob proposta do Governo ou sob proposta conjunto das duas câ-
maras, pode submeter a referendo a qualquer projecto-lei relativo
à organização dos poderes públicos ou destinado a autorizar a ra-
tificação de um tratado que, sem ser contrário à Constituição, te-
nha incidência no funcionamento das instituições;
k) Se o refendo tiver como resultado a aprovação de um projecto, o
Chefe de Estado promulgá-lo-á no prazo de 15 dias;

159
CARVALHO, Manuel Proença de, op. cit., 2008, pág. 277

99
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

l) É chefe da diplomacia, tendo o poder de negociação e de ratifica-


ção dos Tratados, sendo o garante do respeito deste, bem como
o direito de ser informado no respeitante às negociações destina-
das à celebração de qualquer acordo internacional não sujeito a
ratificação;
m) Dispõe do direito de mensagem fase às duas Câmaras do Parla-
mento, mensagens essas que não podem ser objecto de debate;
n) Nomeia funcionários civis e militares do Estado, nomeadamente,
Conselheiros do Estado; O Grande Chanceler da Legião de Honra;
Embaixadores e Enviados Extraordinários; Conselheiros do Tribu-
nal de Contas; Prefeitos; Oficiais-Generais; Reitores da Academia;
Directores das Administrações Central, etc.;
o) Nomeia três membros do Conselho Constitucional, entre os quais
o seu presidente;
p) Dispõe de iniciativa de revisão constitucional, em concorrência
com o Parlamento, sob proposta do Primeiro-Ministro;
q) Preside ao Conselho Superior da Magistratura, órgão que assiste
no exercício das suas funções de garante da independência do
poder judicial;
r) Pode indultar e comutar penas, entre outros.

3.4.3.1.2. O Governo

O Governo tem responsabilidade politica perante o Parlamento pela de-


terminação e execução das políticas e pelos serviços administrativos.

O Primeiro-Ministro é o Chefe do Governo, sendo responsável pela con-


dução e determinação da política da nação160. O Governo é formado também
pelos Ministros e pelos Secretários de Estados.

No tocante a responsabilidade política, o Governo é responsável politica-


mente perante a Assembleia Nacional, ou seja, o Governo pode ser derrubado

160
Veja: o artigo 10.º da Constituição Portuguesa

100
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

mediante a aprovação de uma moção de censura na Assembleia Nacional ou a


rejeição de uma moção de confiança nesta última Câmara.

No que toca ao papel do Primeiro-Ministro, Jean Gicquel161, sistematiza-


as em dois: como empreendedor político e como empreendedor jurídico.

Como “empreendedor político”, incluir-se-iam as suas funções de anima-


dor do governo, chefe da administração, chefe da maioria parlamentar (em nome
do Presidente ou da sua própria, consoante o Presidente seja afim ou não da
maioria governativa) e colaborador do Presidente.162

Na qualidade de “empreendedor jurídicos”, enquadram-se o poder de ini-


ciativa de lei, o poder de iniciativa de lei, o poder de iniciativa regulamentar e o
poder de nomeação dos funcionários civis e militares, salvos a excepção dos
mencionados no artigo 13.º da Constituição Francesa.163

No âmbito das competências do Governo, vislumbram-se ainda164:

a) Propor ao Presidente da República – numa iniciativa concorrente


com o Parlamento – a submissão a referendo de qualquer projecto
de lei relativo à organização dos poderes públicos ou destinado a
autorizar a ratificação de um tratado que, sem ser contrário à Cons-
tituição, tenha incidência no funcionamento das instituições;

b) Na circunstância das duas câmaras não chegarem a acordo relati-


vamente a um projecto ou proposta de lei e ao cabo de duais deli-
berações em cada uma delas ou quando ou quando governo decla-
rara sua urgência, o Primeiro-Ministro terá a faculdade de formar
uma comissão paritária, composta por membros designados pelas
duas Assembleia;

c) Compete também ao Primeiro-Ministro e aos ministros relativa-


mente a determinados actos, referendar certos actos do Presidente;

161
GICQUEL, Jean, Droit Constituionel et Institutions Politiques, 1999, pág. 596 apud C ARVALHO, Manuel
Proença de, op. cit., 2008, pág. 283 e 284.
162
CARVALHO, Manuel Proença de, op. cit., 2008, pág. 284
163
Ibidem, pág. 284 e 285
164
Ibidem, pág. 285

101
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

d) O Governo detém ainda os seguintes poderes excepcionais: decre-


tar o estado de sítio e o estado de emergência, sendo o respectivo
decreto assinado pelo Chefe de Estado, assim como recorrer ao ar-
tigo 38.º da Constituição. Neste último caso, o Governo pode solici-
tar ao Parlamento autorização para, mediante decretos-leis, e du-
rante um prazo limitado, tomar medidas que pertencem ao domínio
da lei (delegação do poder legislativo), sendo estes decretos-leis
aprovados em Conselho de Ministros, precedendo parecer do Con-
selho de Estado, mecanismo constitucional que já foi utilizado algu-
mas dezenas de vezes;

No caso particular, os Ministros gozam dos seguintes poderes165:

- Dirigem a Administração subordinada à sua autoridade;

- Fixam as regras de organização e de funcionamento dos seus serviços:

- Precedendo delegação do Primeiro-Ministro, nomeiam os funcionários


dos seus serviços com a excepção das nomeações que pertencem à área con-
junta do Presidente da República e do Primeiro-Ministro;

- Como já referimos, exercem a referenda ministerial relativamente às de-


cisões do Presidente da República e do Primeiro-Ministro respeitantes às suas
competências;

- Fixam as despesas de pessoal de cada Ministério.

3.4.3.1.3. O Parlamento Francês

O Parlamento, detentor do poder legislativo, é bicameral composto pela


Assembleia Nacional e o Senado.

A Assembleia Nacional é a câmara baixa, o órgão com maiores poderes,


é composta por 577 Deputados eleitos por um mandato de 5 anos, eleitos por
sufrágio directo e universal em sistema de representação maioritária de duas

165
Ibidem, pág. 286

102
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

voltas, estado fixada nos 23 anos a idade mínima para se pode ser eleito depu-
tado.166

A Assembleia Nacional representa os cidadãos franceses e dispõe de


competências legislativa, de controlo e de fiscalização167.

Já o Senado, órgão representativo das colectividade territoriais, que inte-


gra 346 senadores, designados por colégio eleitoral de deputados, conselheiros
regionais e os delegados dos conselheiros municipais, por 6 anos168.

O Senado tem legitimidade democrática indirecta, funcionando como um


órgão localista e de controlo169.

3.4.3.1.4. Conselho Constitucional

O Conselho Constitucional te como atribuições, entre outras, julgar a


constitucionalidade dos diplomas e dos tratados170.

Segundo o artigo 56.º da Constituição Francesa, o Conselho Constitucio-


nal compreende nove membros, cujo mandato dura 9 anos e não é renovável. O
conselho Constitucional se renova por terços a cada três anos, três dos membros
são nomeados pelo Presidente da República, três pelo Presidente da Assem-
bleia Nacional e três pelo Presidente do Senado.

Além dos nove membros previstos acima, fazem legalmente parte do Con-
selho Constitucional os ex-presidentes da República em caráter vitalício. O Pre-
sidente do Conselho Constitucional é nomeado pelo Presidente da República.

O Conselho Constitucional funciona ainda como Tribunal Eleitoral, vigi-


ando a regularidade das eleições do Presidente da República, deputados e se-
nadores em caso de controvérsia. Aprecia também as reclamações e proclama
os resultados dos escrutínios e a regularidade dos referendos.

166
Ibidem, pág 287
167
MACHADO, Jónatas E. M; COSTA, Paulo Nogueira & HILÁRIO, Esteves Carlos, op. cit., 2013, pág 232
168
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 96
169
MACHADO, Jónatas E. M; COSTA, Paulo Nogueira & HILÁRIO, Esteves Carlos, op. cit., 2013, pág 232
170
CARVALHO, Manuel Proença de, op. cit., 2008, pág. 307

103
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

Por outro lado, pronuncia-se sobre os impedimentos temporário ou defini-


tivos do Chefe de Estado, sendo neste caso as funções do Presidente da repú-
blica, com algumas excepções (convocação de referendo e dissolução da As-
sembleia das República Nacional), exercidas provisoriamente pelo Presidente
do Senado, assim como sobre as incompatibilidades dos parlamentares171.

3.4.3.1.5. O Alto Tribunal

Salienta Manuel Proença de Carvalho que, até à revisão constitucional de


2007, este órgão era composto por vinte e quatro juízes titulares e doze suplen-
tes, após 2007, devido a destituição do Presidente do Alto Tribunal por violação
dos seus deveres, o Alto Tribunal, é presidido pelo Presidente da Assembleia
Nacional.

O Alto Tribunal de Justiça tem como função julgar o Presidente da Repú-


blica e os ministros por acusação de violação da Constituição ou alta traição.

3.4.4. Sistema de Governo Português

A história política e constitucional portuguesa experimentou, desde o iní-


cio do séc. XIX, e ao longo dos templos, dois regimes de governo a começar pelo
absolutismo monárquico, com variações até 1910, e a instauração do Republi-
canismo nesse ano, tendo registado a vigência de 6 Constituições (1822, 1826,
1838, 1911, 1933 e 1976)172.

3.4.4.1. A Constituição de 1976

Foi graças ao golpe militar desencadeado pelo Revolução dos Cravos em


25 de Abril de 1974, que Portugal conduziu a vigência da Constituição de 1976,
aprovada a 2 de Abril desse ano, pondo fim ao império do Regime do Estado
Novo173.

A Revolução de Abril propôs-se implementar três objectivos que passa-


vam por: democratização do país, através da realização de eleições livres com

171
Ibidem, pág. 307
172
Para melhor compreensão leia o manual de Ciência Política e Sistema de Políticos e Constitucionais
do professor Manuel Proença de Carvalho da pág. 309 a 325.
173
GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual…, I, pág 482 apud CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 99

104
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

a participação de partidos políticos e com exercício de todos os direitos políticos,


num clima de pluralismo político e social; descolonizar os territórios africanos
de Portugal, pondo termino à soberania portuguesa que neles se exercia; e de-
senvolver a economia, possibilitando a sua recuperação do atraso que a ca-
racterizava e aproximando-a do contexto europeu de sofisticado Estado so-
cial.174

Com a democratização da política portuguesa decorrente da revolução


dos Cravos, a Constituição de 1976 é a Constituição vigente actualmente. Desde
a sua aprovação e entrada em vigor, o texto constitucional foi sujeito a várias
revisões (até ao momento registam-se 7 revisões da Constituição)175.

3.4.4.2. Órgãos de Soberania Portuguesa

A Constituição Portuguesa estabelece quatro Órgãos de Soberania, a sa-


ber: o Presidente da República, a Assembleia Nacional, o Governo e os Tribu-
nais, definindo-se um sistema de governo misto parlamentar-presidencial ou se-
mipresidencialista com pendor parlamentar, tendo características que o distingue
do sistema parlamentar, presidencial e semipresidencial puro.

Dito de outro modo, não podemos considerar o sistema de governo de


Portugal parlamentarista, porque o Chefe de Estado português afasta-se de
qualquer papel passivo ou meramente simbólico na governação de Portugal.

Não é presidencialista, pelo simples facto, do Poder Executivo português


ser dualista, ou seja, ser partilhado entre o Presidente da República e o Primeiro-
Ministro, situação esta que não acontece em nenhum país com um sistema de
governo presidencialista.

Também não é semipresidencial puro, porque o Presidente da República


português não tem poderes executivos como no semipresidencialismo francês.

174
Ibidem, pág. 100
175
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág 100

105
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

Sendo assim determinados autores epilogaram o sistema de governo por-


tuguês como, um sistema de governo misto parlamentar-presidencial ou semi-
presidencialista com pendor parlamentar.

3.4.4.2.1. Presidente da República

Segundo a Constituição República Portuguesa (CRP), o Presidente da


República é o chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas
Portuguesas, garantido a independência nacional, a unidade do Estado e o re-
gular funcionamento das instituições de democráticas (art.º 120.º). É eleito por
sufrágio universal directo para um mandato de 5 anos, podendo ser reeleito uma
vez.

O Presidente da República ainda tem amplos poderes constitucionais, po-


dendo demitir o Governo, exonerar o Primeiro-Ministro e dissolver o Parlamento,
convocando eleições antecipadas nos termos das als. e) e g) do art.º 133.º da
CRP.

3.4.4.2.1.1. O Presidente da República e o seu Papel na


Governação de Portugal

Os poderes do Presidente da República portuguesa estão inequivoca-


mente mais próximos aos poderes de um Presidente no sistema parlamentar,
pois, o Presidente Português não governa, mas representa um equilíbrio político
das instituições, isto é, a luz do artigo 120.º da CRP176.

O Presidente da República também não tem poderes executivos ou pro-


grama partidário a que irá submeter ao Governo, não podendo também dar or-
dens ou instruções a este órgão de soberania, seja o Primeiro-Ministro, seja aos
ministros individualmente considerados ainda que não esteja impedido de dar
sugestões. Nessa medida, não preside ao Conselho de Ministros [apenas pre-
side ao Conselho de Ministros, quando o Primeiro-Ministro lho solicitar e o PR
aceder ao convite, nos termos da alínea i) do art.º 133.º da CRP, o que na prática
nunca acontece]. Daí, uma grande diferença face ao Presidente Francês177.

176
Constituição da República Portuguesa
177
CARVALHO, Manuel Proença de, op. cit., 2008, pág. 353

106
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Entretanto, não podemos atribuir-lhe também um papel passivo, pois o


Chefe de Estado português afasta-se de qualquer papel meramente simbólico
ou forma atribuído aos chefes de Estado dos Sistemas de Governo parlamenta-
res, ou mesmo de alguns dos Presidentes dos sistemas de governos semipresi-
dencialistas com poderes pouco relevantes.

Na verdade, o Presidente português desempenha funções políticas de


grande relevância, sendo os seus poderes reais, revestidos a forma de decretos
dos muitos actos políticos do PR, ainda que a CRP só lhes faça referência na
alínea d) do n.º 1 do artigo 119.º e no n.º 2 do artigo 172.º da CRP.

O Presidente português goza ainda de dois poderes muito importantes, a


saber, o poder de dissolução da Assembleia da República e o poder de demissão
do Governo.

O poder de dissolução da Assembleia da República, é um poder autó-


nomo e não condicionado (a opinião dos partidos políticos representados na AR
e do Conselho de Estado sobre o acto de dissolução não é vinculativa), não
estando dependente de proposta ou de concordância do Governo, nem sujeito a
referenda ministerial, apenas estando condicionado a limites de ordem temporal
ou de limitação decorrente de uma situação de emergência constitucional, isto é
a Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores
à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou
durante a vigência do estado de sítio ou de emergência [alínea e) do artigo 133.º
e n.º 1 do artigo 172.º da CRP]178.

Em consequência, o Presidente da República é livre de dissolver uma As-


sembleia e convocar eleições para uma nova Assembleia da República (logo, é
tão importante para ele o poder de dissolver como de não dissolver), seja para
resolver uma crise política, seja para procurar no seu entender uma melhor so-
lução, ou não maioria absoluta de um partido ou bloco partidário179.

Relativamente ao poder de demissão do Governo, o Governo é respon-


sável perante o Presidente da República [al. g) do art.º 133.º; 190.º; n.º 1 do art.º

178
Ibidem, pág. 353
179
Ibidem, pág. 354

107
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

191.º e n.º 2 do art.º 195.º da CRP], anotando-se aqui que não se trata de uma
responsabilidade política stricto sensu, visto que o Chefe de Estado não pode
invocar razões políticas para demitir o Governo, mas apenas o pode fazer
quando tal se torne necessário para assegurar o regulamento e o funcionamento
das instituições democráticas, ouvindo o Conselho de Estado (parecer não vin-
culativo)180.

Face a tudo que foi exposto, chegamos a ilação, que o Presidente portu-
guês não tem um papel activo e muito menos passivo na governação de Portu-
gal, isto é, por razões que já expusemos acima.

Desta forma, podemos atribui-lhe um papel meramente equilibrado, no


que toca a governação de Portugal.

3.4.4.2.2. Assembleia da República

A Assembleia da República é o órgão representativo de todos os cidadãos


portugueses, isto é, à luz do artigo 147.º da CRP. Exerce o poder legislativo e
serve de suporte ao Governo a quem pode votar uma moção de confiança, ou
derrubá-lo por uma moção de censura, nos termos da al. e) do art.º 163.º da
CRP.

A Assembleia da república é composto por 230 Deputados de acordo com


o art.º 148.º, só podendo candidatar aqueles, inscritos ou não em partidos, inte-
grem listas partidárias (n.º 1 do artigo 151.º da CRP).

Os Deputados são eleitos através do sistema de representação proporci-


onal e o método da média mais alta mais alta de Hondt (n.º 1 do art.º 149.º da
CRP), a legislatura tem duração de quatro anos (n.º 1 do art.º 174.º da CRP).

O Presidente da A.R. é eleito por maioria absoluta dos Deputados em


efectividade de funções [alínea b) do art.º 175.º da CRP], competindo-lhe,
nomeadamente, assegurar a substituição interina do Presidente da Repú-
blica durante os impedimentos temporário deste, bem como durante a va-
catura do cargo até tomar posse o novo Presidente eleito (artigo 132.º da

180
Ibidem, pág. 354

108
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

CRP) e exercer (a par de outras entidades) a iniciativa de fiscalização su-


cessiva de constitucionalidade e de legalidade de normas jurídicas [alínea
b) do n.º 2 do artigo 281.º da CRP].

Para além de o Parlamento representar todos os cidadãos, os Deputados


representam todo o país e não os círculos por que são eleitos (n.º 2 do artigo
152.º da CRP), o que configura a existência de um mandato representativo ou
livre, em que os Deputados podem tomar livremente decisões em nome da Na-
ção, não podendo receber instruções dos seus eleitores (como acontece com o
mandato imperativo em que o Deputado é um simples mandatário181

Assembleias da República tem também poder constituinte derivado [alí-


nea a) do artigo 161.º e artigos 284.º a 289.º], na medida em que aprova altera-
ções à Constituição, competências políticas [alíneas j), m) e n) do artigo 161.º e
alíneas a), b), c), f) e i) do artigo 163.º da CRP], competências legislativas [alí-
neas b), c), d), g) e o) do artigo 161.º e artigos 164.º e artigo 165.º, da CRP,
respetivamente, competência absoluta quando as não pode delegar e relativas,
quando as pode delegar no Governo], entre outras competências182.

3.4.4.2.3. O Governo

O Governo é o órgão competente do exercício do poder executivo. Define-


se como o órgão superior do Estado soberano que tem por missão definir e exe-
cutar as políticas públicas nacionais, sendo também o órgão superior da Admi-
nistração (art.º 182.º da CRP).

O Governo é composto pelo Primeiro-Ministro, pelos Ministros e pelos Se-


cretários e Subsecretários de Estado (n.º 1 do artigo 183.º da CRP). O Primeiro-
Ministro sendo chefe de governo é o elemento máximo dentro do Governo, a ele
compete escolher os Ministros e dirigir a política geral do Governo [n.º 2 do artigo
187.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da CRP]183. Politicamente o Governo é

181
Ibidem, pág 363.
182
Vide os artigos 162.º, 163.º e 161.º da CRP
183
Ibidem, pág. 366

109
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da República


(art.º 190.º da CRP).

3.4.4.2.4. Os Tribunais

Os tribunais exercem o poder judicial, é a eles competem administrar a


justiça em nome do povo (n.º 1 do artigo 202.º da CRP).

Cabe também, assegurar a defesa dos direitos, reprimir a violação da le-


galidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (n.º
2 do artigo 202.º da CRP). Os tribunais são independentes (art.º 203.º da CRP),
estando somente subordinados à lei (artigo 203.º da CRP). Os juízes são irres-
ponsáveis pelas suas decisões jurídicas e a inamovibilidade (n. os 2 e 1 do artigo
216.º da CRP).

No topo da pirâmide está o Tribunal Constitucional, que fiscaliza a Cons-


titucionalidade das leis – podendo declarar qualquer lei ou parte dela inconstitu-
cional.

Outros categorias de tribunais dispõem-se do seguinte modo184:

- O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais de primeira e de segunda


instância;

- O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos


e fiscais;

- O Tribunal de Contas.

3.4.5. Sistema Constitucional Brasileiro

Esmiuçaremos de uma forma sucinta sobre Sistema Constitucional Brasi-


leiro.

A actual Constituição do Brasil a de 1988, consagra três órgãos dos po-


deres do Estado, a saber: o Congresso Nacional, órgão bicamaral com uma
Câmara dos Deputados e o Senado Federal, exercendo o poder legislativo; o

184
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág 103

110
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Presidente, o Vice-Presidente e o Governo Federal, exercendo o poder exe-


cutivo; e o Supremo Tribunais, que obedecem uma estrutura hierárquica.

No que concerne ao exercício do poder legislativo, como vimos é exercida


pelo Congresso Nacional, composta pela Câmara dos Deputados eleita para
uma legislatura com a duração de 4 anos (art.º 44.º), com um número de depu-
tados não superior a 513 Deputados. De modo Semelhante o Senado Federal,
com 81 senadores cumpre um mandato de 8 anos, nos termos do artigo acima
referido185.

No tocante ao Poder Executivo, o art.º 76.º da CB define: o Poder Execu-


tivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelo Vice-Presidente e
pelos Ministros de Estados, quanto à eleição, o art.º 77.º da CB refere que a
eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á simulta-
neamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno e, no último do-
mingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao término do
mandato presidencial vigente186.

O sistema de governo designa-se como presidencialismo, visível nas se-


guintes características: junção na mesma pessoa dos cargos de Chefe de Es-
tado e Chefe de Governo; eleição por sufrágio universal e directo do Chefe de
Estado; subsistência independente dos poderes legislativo e executivo, não obs-
tante os múltiplos pontos de contacto e de colaboração187.

O Poder Judicial, o art.º 92.º da Constituição Brasileira define como seus


órgãos os seguintes:

- o Supremo Tribunal Federal;

- o Conselho Nacional de Justiça;

- Supremo Tribunal de Justiça;

- os Tribunais e Juízes Eleitorais;

185
Ibidem, pág. 104
186
Ibidem, pág 105
187
Gouveia, Jorge Bacelar. As Constituições dos Estados de Línguas Portuguesas, Almedina, Coimbra,
2006, pág. 14 apud CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág 105.

111
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

- os Tribunais e Juízes Militares;

- os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territorial.

3.5. Sistema de Governo de Angola

O Estado Angolano é uma República unitária (art.º 1.º e 8.º da CRA) com
um sistema de governação de presidencialismo-parlamentar ou presidencia-
lismo atípico. Angola é uma República porque o poder Soberano é exercido pelo
povo (art.º 3, nº 1 da CRA), pelo qual, devido a sua densidade demográfica e
extensão territorial, delega representantes, através de um sufrágio Universal
(art.º 4.º, nº 1 da CRA).

É unitária, porque é caracterizado pela unicidade de poder, ou seja, há


apenas um centro de decisões e funções políticas que é representado pela figura
do Governo central (o Presidente da República). Dito de outro modo, todo país
está sujeito a uma autoridade única, sem limitações impostas por outra fonte de
poder (perspetiva politica).

O Estado unitário, é regido por uma única lei que provem dos órgãos de
soberania com competências para tal (Presidente da Republica e a Assembleia
Nacional), isto pressupõe a dizer, que nenhuma província tem autonomia e muito
menos tem autoridade para criar as suas próprias leis (perspetiva territorial).

E é presidencialista-parlamentar, pelos pontos a destacar:

a) O Presidente da República tem legitimidade democrática (é eleito por


sufrágio universal directo, secreto, igual, periódico, nas listas de Parti-
dos e Coligações de Partidos concorrentes às eleições gerais, nos ter-
mos do artigo 109.º da CRA;
b) A Assembleia Nacional (Parlamento) tem, igualmente, legitimidade de-
mocrática (art.º 141.º da CRA);
c) Há um controlo recíproco e interferência recíproco entre o Presidente
da República e o Parlamento (mecanismo conhecido como cheks and
balaces, também designado de freios e contrapesos, nos termos do
art.º 105.º n.º 3 da CRA);

112
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

d) Pelo relacionamento exacerbado entre o Parlamento e o Presidente


da República, no que toca, o OGE, o dever de audição da Assembleia
Nacional, no exercício de determinados poderes pelo Presidente da
República e a obrigação de submissão à Assembleia Nacional dos de-
cretos legislativos presidenciais provisórias;

Com base aos requisitos supracitados, podemos concluir que o Estado


Angolano tem um sistema de governo próprio que muitos doutrinadores denomi-
nam de presidencialista-parlamentar ou ainda presidencialismo atípico, pelo sim-
ples facto de haver uma colaboração dependência exacerbada entre o Poder
Legislativo e o Poder Executivo.

3.5.1. Órgãos de Soberania

Com base na CRA nos termos do art.º 105.º, nº 1, os órgãos de soberania


são: o Presidente da República, a Assembleia Nacional e os Tribunais, mas
apenas os dois primeiros integram o sistema de governo.

3.5.1.1. O Presidente da República

O Presidente da República tem o papel activo na governação, sendo


Chefe de Estado, representado institucionalmente a República de Angola e
ainda, o titular do Poder Executivo e o Comandante-em-chefe das Forças Arma-
das Angolanas (art.º 108.º, n.º 1, da CRA).

O PR é o garante da unidade nacional. Da independência e da integridade


territorial do País e representa a Nação no plano interno e internacional, sendo
por inerência, Comandante Supremo das Forcas Armadas188 (art.º 108.º, n.º 4,
da CRA).

O Presidente da República é designado por sufrágio universal e directo (art.º


106.º e 143.º, n.º 1, da CRA), sendo eleito como tal o cabeça de lista do partido
político (ou coligação de partidos políticos) mais votado no quadro das eleições
gerais (art.º 109.º, n.º 1, da CRA); o número dois da lista mais votada é eleito
Vice-Presidente da República (art.º 131.º, n.º 2, da CRA); o mandato é de cinco

188 MACHADO, Jónatas, e outros, Direito Constitucional Angolano, 2013, pp. 245.

113
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

anos (art.º 113.º, n.º 1, da CRA) podendo cada cidadão exercer até dois manda-
tos (art.º 113.º, n.º 2, da CRA).

O Presidente da República não é responsável pelos actos praticados no


exercício das suas funções (art.º 127.º da CRA), salvo no caso de traição à pátria
e outros crimes definidos na Constituição como imprescritíveis e insusceptíveis
de amnistia.

Em caso de crise grave, o Presidente da República pode auto-demitir-se,


o que acarreta a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições
gerais antecipadas (art.º 128.º da CRA) em caso de vacatura do cargo, as fun-
ções são assumidas pelo Vice-Presidente, o qual cumpre o mandato até ao fim,
com a plenitude dos poderes (art.º 132.º, n.º 1, da CRA)

3.4.1.1.1. Competências como Chefe de Estado

O Presidente da República dispõe de competências na qualidade de chefe


de Estado, que abrangem, designadamente poderes para convocar eleições e
referendos; dirigir mensagens à Assembleia Nacional; promover processos de
fiscalização abstrata da Constituição; nomear e exonerar os titulares de certos
cargos; promulgar e mandar publicar a Constituição, as Leis de revisão constitu-
cional e as leis da Assembleia Nacional; indultar e comutar penas; conferir con-
decorações e títulos honoríficos; presidir ao Conselho da República; declarar o
estado de guerra e fazer a paz, bem como declarar o estado de sítio e o estado
de emergência, com prévia audição da Assembleia Nacional (art.º 119.º da
CRA).

O Presidente da República tem ainda o poder de veto político e de veto


jurídico.

O poder de veto político tem inerente numa dimensão de direção política


[art.º 120.º, al. a), da CRA], na medida em que permite ao Presidente da Repú-
blica remeter à Assembleia Nacional o diploma que lhe tiver sido submetido para
promulgação, com base numa apreciação pessoal e política do mérito, da con-
veniência e da oportunidade do diploma (art.º 124.º, n.º 2, da CRA).

114
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Trata-se, como tal, de um veto subjectivo de natureza facultativa, que não


tem carácter definitivo. Isto significa que a Assembleia Nacional pode superar o
veto do Presidente da República, mediante uma aprovação do diploma por mai-
oria de 2/3 dos Deputados (art.º 124, n.º 3, da CRA).

Deferente do veto jurídico que se consubstancia no veto por inconstituci-


onalidade (art.º 229, n.º 2, da CRA), que manifesta a autoridade das decisões do
Tribunal Constitucional que se pronunciem no sentido da inconstitucionalidade
de uma norma em sede de fiscalização abstrata preventiva da constitucionali-
dade. Por esse motivo é um veto objectivo, obrigatório e definitivo (art.º 229.º, n.º
3, da CRA).

3.4.1.1.2. Competência como Titular do Poder Executivo

Nas vestes de titular do Poder Executivo, compete, em geral ao Presi-


dente da República definir a orientação do País e a política geral de governação
[art.º 120.º, als. a) e b), da CRA]. Nesta qualidade, cabe-lhe, também, dirimir os
serviços e actividade da Administração directa do Estado, civil e militar, superin-
tender a Administração e exercer a tutela sobre a Administração autónoma [art.
120.º, al. d), da CRA).

Compete igualmente ao Presidente da República definir a orgânica e a


composição do Poder Executivo, bem como definir a orgânica dos diverso Minis-
tros e estabelecer a números e designação dos Ministros [art. 120.º, als. e), f) e
g), da CRA]. Cabe ao Presidente da República convocar o Conselho de Ministros
e presidir às suas reuniões, tal como fixar a respetiva agenda de trabalhos [art.º
120.º al. j), da CRA].

É também da competência do Presidente da República dirigir e orientar a


ação do Vice-Presidente, dos Ministros de Estado e dos Governadores de Pro-
víncias. O Presidente da República dispõe, ainda, de competências no domínio
normativo, designadamente a de submissão à Assembleia Nacional da proposta
de lei do Orçamento Geral do Estado, as de solicitação à Assembleia Nacional
de autorização legislativa e respetivo exercício e, finalmente, a de elaboração de

115
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

regulamentos indispensáveis à boa execução das leis [art.º 120.º, als. c), h), i) e
l), da CRA].

3.4.1.1.3. Órgãos Auxiliares do Presidente da República

No exercício das funções, o Presidente da República dispõe do auxílio de


três órgãos constitucionais: o Conselho de Ministros, o Conselho da Repú-
blica e o Conselho de Segurança Nacional.

O Conselho de Ministros é o órgão auxiliar do Presidente da República do


domínio da formação e execução da política geral do País e da Administração
Pública (art.º 134.º, n.º 1, da CRA).

O Conselho da República, por seu lado, é o órgão colegial de natureza


consultiva do Chefe de Estado (art.º 135.º, n.º 1, da CRA).

Finalmente o Conselho de Segurança Nacional é o o órgão consultivo do


Presidente da República em matéria de condução da política e estratégia de se-
gurança nacional, bem como de organização, funcionamento e de disciplina das
Forças Armadas, da Polícia Nacional e demais organismos de garantia da ordem
constitucional e dos órgãos de inteligência e de segurança de Estado em parti-
cular (art.º 136.º da CRA).

3.5.1.2. A Assembleia Nacional

A Assembleia Nacional é um órgão unicameral, representativo de todos


os angolanos, que exprime a vontade soberana do povo e exerce o poder legis-
lativo do Estado (art.º 141.º, n.º 2 da CRA).

Assembleia Nacional (parlamento unicameral) é composta por 220 Depu-


tados [130 eleitos pelo círculo nacional e 90 eleitos pelos 18 círculos eleitorais
provinciais (art.º 144.º, n.º 2, da CRA)], eleitos segundo o sistema de represen-
tação proporcional para um mandato de cinco anos (art.º 143.º, n.º 2, da CRA).

No dizer de Jonatas Machados e outros “A Assembleia Nacional é um


órgão de soberania autónomo, colegial, permanente e unicameral, com poderes
de representação nacional”. A autonomia deste órgão traduz-se no direito de

116
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

autoreunião que lhe é reconhecido. A colegialidade significa que se trata de um


órgão onde as decisões são tomadas por maioria189.

A Assembleia Nacional tem caráter permanente, traduzindo-se numa


continuidade institucional. Esta permanência como órgão constitucional de so-
berania não fica prejudicada pelos elementos de descontinuidade material
(descontinuidade legislativa) e de descontinuidade pessoal (concretizada na re-
novação periódica dos Deputados em resultado do sufrágio)190.

A unicameralidade implica a rejeição de câmaras de pares, de senadores


e de interesses corporativos. E por fim a representação nacional significa que
os Deputados não representam especificamente os interesses dos círculos elei-
tores em que são eleitos, mas sim toda a nação angolana (art.º 147.º da CRA)191.

Os Deputados podem abandonar o partido político a que pertencem sem


perder o mandato de Deputado, embora não possam mudar de partidos durante
o exercício do mandato.

Um importante órgão da Assembleia Nacional é a Comissão Perma-


nente. Esta Comissão funciona fora do período de funcionamento efectivo da
Assembleia nacional; entre o termino de uma legislatura e o inicio de outra; nos
demais casos previstos na Constituição e na Lei (art.º 156.º da CRA).

Nos termos do art.º 156.º, n.º 2, da CRA, a Comissão Permanente é pre-


sidida pelo Presidente da Assembleia Nacional, integrado ainda: os Vice-Presi-
dentes da Assembleia Nacional; os Secretários de Mesa; os Presidentes dos
Grupos Parlamentares; os Presidentes das Comissões Permanentes de Traba-
lha; o Presidente do Conselho de Administração; a Presidente do Grupo das Mu-
lheres Parlamentares; doze Deputados na proporção dos assentos parlamenta-
res.

Ainda nos termos do art.º 156.º, n.º 3, da CRA, são competências da co-
missão Permanente: exercer os poderes da Assembleia Nacional relativamente

189
MACHADO, Jónatas E. M; COSTA, Paulo Nogueira de; HILÁRIO, Esteves Carlos, op. cit., 2013, pág. 253
190
Ibidem, pág, 254
191
Ibidem, pág. 254

117
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

ao mandato dos Deputados; preparar a abertura das sessões legislativas; con-


vocar extraordinariamente a Assembleia Nacional, quando haja a necessidade
de analisar assuntos específicos de carácter urgente; acompanhar as reuniões
das Comissões de Trabalho. Especializadas, eventuais e Parlamentares de In-
quérito fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia Nacional (art.º
156.º, n.º 3, da CRA). A Comissão Permanente mantém-se em funções até à
abertura da reunião constitutiva da nova Assembleia eleita (art.º 156.º, n.º 4, da
CRA).

3.4.1.2.1. Competências e Funções da Assembleia Nacio-


nal

A Assembleia Nacional, órgão democrático representativo por excelência,


apresenta-se como órgão complexo e multifuncional192.

Em primeiro lugar, assinala-se-lhe uma Função eletiva (art.º 163.º da


CRA).

A mesma desempenha, para além disso, uma função de revisão cons-


titucional [art.º 161.º, al. a), da CRA], operando como poder constituinte deri-
vado.

Compete-lhe ainda o exercício da Função legislativa [art.º 161.º, al. b),


da CRA], havendo matérias que lhe são reservadas, em termos absolutos ou
relativos (arts.º 164.º e 165.º da CRA).

A Assembleia Nacional pode aprovar leis, leis de revisão constitucional,


leis orgânicas, leis de bases e leis de autorização legislativa. Refira-se que a
Assembleia Nacional pode ainda aprovar actos normativos sem valor de leis,
designados por resoluções (art.º 166.º, n.º 1, da CRA).

A Assembleia Nacional exerce, também, funções de controlo e fiscali-


zação político [art.º 162.º a), b), c) e e), da CRA].

Cabe-lhe, igualmente, o exercício de uma função autorizante [arts.º


161.º, al. c), e 162.º, al. d), da CRA].

192
Ibidem, pág. 255

118
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Finalmente, a importante função de representação de todos os cidadãos


angolanos (art.º 141.º, n.º 2, da CRA).

3.4.1.2.2. Estatutos dos Deputados

Como já se referiu, os Deputados representam toda a nação e não os


círculos eleitorais pelo qual foram eleitos. Os mesmos exercem um mandato li-
vre, embora estejam sujeitos à disciplina partidária.

A Constituição estabelece um estatuto jurídico para os Deputados, con-


substanciados em diversos direitos e deveres.

3.4.1.2.3. Incompatibilidade

O estatuto dos Deputados contempla um conjunto de incompatibilidades.


Devido ao princípio da separação de poderes, a Constituição consagrou diversas
incompatibilidades parlamentares, visando assegurar a coerência do sistema po-
lítico de governo e a distinção entre controladores e controlados, tal como evitar
a confusão e o conflito de interesses193.

Segundo a CRA os Deputados não podem, designadamente, exercer fun-


ções noutros órgãos constitucionais, não podem ser titulares de órgãos das au-
tarquias locais e não podem integrar os órgãos de direção, administração e fis-
calização de empresas públicas, institutos públicos e associações públicas (art.º
149.º, n.º 1, da CRA).

Configuram ainda situações de incompatibilidade com a condição de De-


putado, entre outras, o exercício de funções públicas remuneradas em órgãos
da administração directa ou Indirecta no Estado, exercício de funções de admi-
nistração, gerência ou de qualquer cargo social em sociedades comerciais e de-
mais instituições que prossigam fins lucrativos, o exercício de funções laborais
subordinadas em empresas estrangeiras ou em organizações internacionais,
bem como a verificação de situações de inelegibilidade supervenientes à eleição
(art.º 149.º, n.º 2, da CRA).

193
Ibidem pág. 257.

119
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

Cabe ainda realçar que a CRA tipifica, ainda, as situações de impedimen-


tos dos Deputados. Os impedimentos distinguem-se das incompatibilidades,
pois, os impedimentos não vedam aos Deputados o exercício de certas funções
ou actividades, mas sim a prática de determinados actos194.

Nos termos do art.º 154.º os Deputados em exercício de funções estão


impedidos de:

- Advogar ou ser parte em processos judiciais ou extrajudiciais contra o


Estado, salvo para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos;

- Servir de árbitros, conciliadores e mediadores ou peritos remunerados


em processos contra o Estado ou outras pessoas colectivas de direito público,
salvo se for autorizado pela Assembleia Nacional;

- Participar em concursos públicos de fornecimento de bens e serviços,


bem como em contratos com o Estado e outras pessoas coletivas de direito pú-
blico, salvo os direitos definidos por lei;

- Participar em actos de publicidade comercial.

3.5.1.3. Os Tribunais

Os tribunais são órgão de soberania com competência de administrar a


justiça em nome do povo (art.º 174.º, n.º 1, CRA).

Os tribunais são, pois, órgão constitucionais de soberania, embora não


integrem o sistema de Governo propriamente dito. O n.º 2 do mesmo artigo es-
tabelece que «no exercício da função jurisdicional, compete aos tribunais dirimir
conflitos de interesses legalmente protegidos, bem como os princípios do acu-
satório e do contraditório e reprimir as violações da legalidade democrática».

194
URBANO, Maria Benedita, Representação Política e Parlamento, 2009, pág. 421-454 apud MACHADO,
Jonatas E.M.…. Op. cit., 2013, pág. 257.

120
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Interpretando esta norma no cotexto mais vasto dos princípios constituci-


onalmente estruturantes pode dizer-se que os tribunais desempenham uma im-
portantíssima função democrática, de Estado de Direito e de direito fundamen-
tais195.

Em primeiro lugar, os mesmos garantem a primazia das decisões do po-


der constituinte, expressão máxima da soberania popular, sobre todos os pode-
res constituídos.

Em segundo lugar, os mesmos asseguram a primazia da lei democrática


sobre todos os actos dos poderes públicos e bem assim nas relações entre par-
ticulares, resolvendo os conflitos delas emergentes com base em critérios de
legalidade.

Em terceiro lugar, os tribunais garantem princípios fundamentais no âm-


bito do due process of law.

Em quarto lugar, os tribunais desempenham uma importante função de


implementação e aplicação dos direitos fundamentais de igual dignidade e liber-
dade, bem como dos próprios direitos sociais. São estas, no essencial, as prin-
cipais dimensões da função jurisdicional.

3.5.1.3.1. Independência e imparcialidade dos Tribunais

Os tribunais são órgãos independentes e imparciais, que, no exercício da função


jurisdicional, devem apenas obediência à Constituição e à Lei (art.º 175.º da
CRA). A garantia da justiça passa pela impermeabilização dos órgãos que a ad-
ministram a pressões de natureza política ou outra.

A garantia do Estado de Direito postula a igualdade de todos perante a lei,


pelo que se afigura crucial garantir a independência e a imparcialidade dos ór-
gãos que têm a missão constitucional específica de a aplicar196.

195
Ibidem, pp. 260 e ss.
196
VENTURA, António José, Da Independência do Poder na Constituição da República de Angola – Subsí-
dios para a Compreensão, 2010, apud MACHADO e outros…, 2013, pág. 261.

121
Regimes Políticos e Sistemas Políticos de Governo

Com base o art.º 176.º da CRA, os Tribunais superiores da República de


Angola são o Tribunais Constitucional, o Tribunais Supremo, o Tribunal de
Contas e o Supremo Tribunal Militar.

3.1.2.2.2. Imunidade

Pode se entender de imunidade, no caso em concreto parlamentar, como


as prerrogativas ou até mesmo um privilégio que os Deputados gozam de não
responderem civilmente, disciplinarmente e muito menos criminalmente, pelos
votos ou opiniões que emitam em reuniões, comissões ou grupo de trabalho da
Assembleia Nacional, isto é, no exercício das suas funções (art.º 150.º, n.º 1,
CRA).

A imunidade é uma das características definitórias das democracias par-


lamentares, tendo como objectivo evitar os riscos de auto-censura provocada
pelo medo de ser acusado por injúria, difamação ou calúnia nos debates trava-
dos no âmbito do certo de decisão democrático-representativo por excelência,
que é a Assembleia Nacional197.

Caberá sempre aos tribunais controlar se os votos e opiniões proferidos


pelos Deputados o foram no exercício das respectivas funções, tendo em vista
garantir a adequação da imunidade ao fim pretendido, de forma a não onerar
excessivamente os direitos à honra, ao bom nome e à reputação quando os mes-
mos tenham sido postos em causa por um Deputados, nomeadamente numa
querela pessoal.

197
MACHADO, Jonatas E.M…, op. cit., 2013, pág. 258.

122
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

CAPÍTULO IV

TEORIA GERAL DO ESTADO

O Estado “é uma comunidade humana fixada num território e que,


dentro das suas fronteiras, institui uma forma de organização do poder po-
lítico soberano com o fim de garantir a segurança, a justiça e o bem-estar
económico e social”198.

Neste caso, para a existência do Estado pressupõe, portanto, a organiza-


ção política de um povo que controla soberanamente um território com o principal
objectivo de assegurar o bem-estar social da colectividade. Por isso se diz que
os elementos do Estado são a povo, o território e o poder político.

1. Os Elementos do Estado

1.1. O Povo

O povo é um conjunto de indivíduos residentes ou não em um determi-


nado território e que estão ligados ao Estado pelo vinculo jurídico da nacionali-
dade (cidadania). O povo é fundamental para a formação do poder político que

198
HERIQUES, Lucinda Sobral & LEANDRO, Manuela, op. cit., 2014, pág 10.

123
Teoria Geral do Estado

não deve ser constituído por indivíduos cuja origem seja estranha ao respectivo
objectivo político.

O povo distingue-se do termo população e nação.

A população distingue do termo povo, porque o termo população tem sig-


nificado económico e meramente demográfico ou estatísticos, que se traduz no
conjunto de nacionais, estrangeiros199, polipátrida200 e apátridas201 que se en-
contram no território de um Estado.

Já a nação distingue do termo povo, pelo simples facto de que ela, é um


conjunto de indivíduos ligados por laços culturais, raiz histórica ou tradicionais.

Dito de outro modo, a nação é o agrupamento humano cujos membros,


fixados num território, são ligados por laços históricos, culturais, econômicos e
linguísticos; o facto de possuírem as mesmas tradições e costumes.

Embora todas as nações tendem a ser uma Estado, existe, pois, uma
grande diferença entre um Estado e uma nação, porque há nações que ainda
não são Estados.

1.1.1. A Nacionalidade

Nacionalidade “é o vínculo jurídico-político de direito público interno que


faz da pessoa um dos elementos componentes da dimensão do Estado”202.

Apenas o Cidadão nacional, enquanto indivíduo que pertence ao Estado,


pelo vínculo da nacionalidade tem acesso ao poder político e pode exercer o seu
direito de sufrágio.

A Nacionalidade pode ser: originária e adquirida.

199
Estrangeiros: são todos aqueles que não são tidos por nacionais, em relação a um determinado Estado,
isto é, as pessoas a que o Direito do Estado não atribuiu a qualidade de nacionais
200
Polipátrida: é aquele que possui mais de uma nacionalidade, em razão de o seu nascimento o enquadrar
em distintas regras de aquisição de nacionalidade.
201
Apátrida (“sem pátria” ou heimatlos): é aquele que, dada a circunstância de seu nascimento, não adquire
nacionalidade, por não se enquadrar em nenhum critério estatal que lhe atribua nacionalidade.
202
PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo, op. cit., 2015, pág. 266

124
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

A nacionalidade originária é aquela que o indivíduo toma pelo nasci-


mento, podendo obter-se segundo critério de ius sanguinis (o indivíduo recebe
a nacionalidade dos seus pais independentemente do local onde nasceu) e pelo
critério ius soli, (quando o local do nascimento determina a nacionalidade).

A nacionalidade adquirida, resulta de facto posterior ao nascimento, e


pode obter-se mediante critérios determinados por lei, ou seja, mediantes requi-
sitos estabelecidos para a sua aquisição.

No contexto Angolano a nacionalidade está prevista no art.º 9.º da CRA e


Define-se como originária e adquirida.

Segundo a Lei que regula a aquisição da nacionalidade, a aquisição da


nacionalidade pode atribuir-se mediante motivos de filiação, mediante adopção,
mediante casamento, mediante naturalização e mediante solicitação.

1.2. Território

Toda a colectividade que se constitui em Estado está fixada num determi-


nado território. O território é o espaço geográfico, delimitado por linhas
limítrofes ou fronteiriças, no interior do qual o povo habita e os órgãos do
Estado têm o poder de impor a sua autoridade203.

O território, divide-se em:

a) domínio terrestre, compreende o solo e subsolo (o território terres-


tre é delimitado pelas fronteiras terrestres naturais e convencionais
do Estado englobando também todo o subsolo que lhe corres-
ponde);
b) domínio aéreo, corresponde ao espaço aéreo nacional (o território
aéreo abrange todo espaço aéreo compreendido entre as verticais
traçadas a partir das fronteiras e, nos Estados ribeirinhos, inclui
ainda o espaço aéreo do mar);

203
CAPOCO, Zeferino. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, 2015, pp. 185.

125
Teoria Geral do Estado

c) domínio marítimo, corresponde o mar territorial (o território marí-


timo abrange entre 12 a 200 milhas, contadas a partir da costa. Nes-
tas milhas o Estado exerce também a sua jurisdição).

Em todas estas partes, o Estado exerce jurisdição efectiva e plena. Cabe


também relembrar que existem numerosos Estados que não possuem território
marítimo (os chamados países encravados), ficando privados do direito de
acesso directo ao mar, salvo se for por convenção com o Estado costeiros.

Por outro lado, fazem igualmente parte do território de um Estado: os na-


vios, e veículos sob bandeira nacional, mesmo que estejam em território estran-
geiro.

Quanto ao nosso país, é historicamente definido pelos limites geográficos


de Angola tais como existentes a 11 de novembro de 1975, data da Independên-
cia Nacional (art.º 5.º, n.º 1 da CRA); definindo-se como “indivisível, inviolável e
inalienável”, sendo energicamente combatida qualquer acção de desmembra-
mento ou de separação de suas parcelas, não podendo ser alienada parte al-
guma do território nacional ou dos direitos de soberania que sobre ele o Estado
exerce (art.º 5.º, n.º 6 da CRA).

Vale ainda dizer, que todos os recursos naturais existentes no território an-
golano são propriedade do Estado. É o que prevê o art.º 16.º da CRA.

1.3. O Poder Político

A existência de um povo e o território não bastam para dar origem à ideia


do Estado. É preciso que a estes dois elementos se acrescente um Poder polí-
tico, quer dizer, um Poder capaz de impor ao grupo as regras de conduta social,
e dotado de autoridade para fazer-se obedecer204.

O Poder Político é o órgão ou o conjunto de órgãos que tem como


objectivo administrar o Estado, criar e executar normas jurídica, utilizando
todos os meios de coacção necessários para garantir essa execução, tudo

204
FERNANDES, António José, Introdução à Ciência Política, teorias métodos e temáticas, 2010, pág. 87.

126
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

isso, resultando da manifestação da vontade da maioria, isto é, através do


preito eleitoral (eleição).

O Poder Político está divido em três: o Poder Executivo (poder de admi-


nistrar o Estado); Poder Legislativo (poder de criar leis) e Poder Jurisdicional
(poder de aplicar as leis).

Em Angola os Poderes Políticos estão organizados da seguinte forma:

a) Poder Executivo, pertencente ao Presidente da República (art.º


108.º da CRA) que tem como principal tarefa administrar, promo-
ver e assegurar a unidade nacional, a independência e a integri-
dade territorial do País;
b) Poder Legislativo, pertencente a Assembleia Nacional (art.º 141.º
da CRA), que tem como principal tarefa a elaboração de leis, com
o objectivo de regular a conduta do cidadão dentro de território
nacional;
c) Poder Jurisdicional, pertencente aos tribunais (art.º 174), que
tem a competência de administrar e dirimir os conflitos em nome
do povo.

2. Formas de Estado

Assim, tendo falado dos elementos do Estado, cabe agora compreender


as formas que revestem os Estados face à ordem jurídica internacional. Mas
antes disso, vejamos o conceito de forma de Estado.

O conceito de forma de Estado está relacionado com, “o modo de exer-


cício do poder político em função do território de um Estado”205.

Devido a estrutura desse poder os Estados classificam-se quanto à forma


em: Estado Unitário (ou simples) e Estado Compostos (ou Complexo).

Os Estados compostos subdividem-se em: Estados Federados (ou Estado


Federal), Estados Confederados (ou Confederação de Estados), União Real e
União Pessoal.

205
PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo, op. cit., 2015, pág. 291.

127
Teoria Geral do Estado

2.1. Estado Simples ou Unitário

O Estado Unitário é um Estado onde o poder político é um só para todo


território206, ou seja, é aquele em que existe uma única Constituição e um único
centro de poder, que se estende a todo o território e que todos os cidadãos estão
submetidos207. O Estado unitário organiza-se, em termos de divisão administra-
tiva, para que as províncias ou regiões administrativas exerçam apenas poderes
delegados pelo poder central, não podendo aqueles actuar a margens deste208.

No entanto, neste tipo de Estado o poder político pode estar concentrado


e centralizado nos órgãos centrais, ou encontra-se repartido pelos órgãos das
colectividades territoriais, aquém são atribuídos poderes e competências relati-
vamente autónomos209.

Desta forma, o Estado unitário pode ser: puro ou centralizado, concen-


trado, desconcentrado, descentralizado administrativamente e descentra-
lizado administrativamente e politicamente.

2.1.1. Estados Unitário Puro ou Centralizado

No dizer o prof. Raul Araújo, Estado unitário centralizado “é aquele em


que o poder político e administrativo é exercício exclusivamente pelo poder cen-
tral e em que as diversas colectividades que o compõem não possuem qualquer
autonomia própria”210.

Dito de outro modo, em um Estado unitário centralizado, as competências


estatais são exercidas de maneira centralizada pela unidade que concentra o
poder político.

206
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 196.
207
ARAÚJO, Raul, Introdução ao Direito Constitucional Angolano, 2018, pág 88.
208
Ibidem, pág. 197.
209
FERNANDES, António José, op. cit., 2008, pág 100.
210
ARAÚJO, Raul, op. cit., 2018, pág. 88

128
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

2.1.2 Estado Unitário Concentrado

Estamos perante a um Estado unitário concentrado, quando as ordens


emanadas de cima, do centro de decisão política, circulam para baixo, através
dos canais administrativos, até as colectividades inferiores, onde os agentes do
poder actuam como meros instrumentos de execução e controle, em obediência
estrita às ordens recebidas.

Dito de outro modo, neste tipo de Estado, os órgãos hierarquicamente


superiores, têm a competência de emanar determinadas ordens, sendo que, os
órgãos hierarquicamente inferiores têm a obrigação de cumprir estas ordens, ou
seja, os órgãos hierarquicamente inferiores funcionam como um instrumento de
execução das ordens dos órgãos hierarquicamente superiores.

Urge, todavia, realçar que nestes tipos de Estado onde o poder político é
concentrado existe muita lentidão no solucionar de diversos problemas, pós, de-
vido essa modalidade, existe muita burocracia hierarquicamente organizada.

2.1.3. Estado Unitário Desconcentrado

Estado unitário desconcentrado é aquele em que há um reconheci-


mento de uma parcela de competência aos órgãos hierarquicamente infe-
riores, ou seja, neste tipo de Estado, os órgãos hierarquicamente inferiores go-
zam de certos poderes de decisão, isto é, no desenrolar de certas situações.

Todavia este poder é parcial, pois, estes continuam ainda dependentes


aos órgãos hierarquicamente superiores.

Mas, com efeito, quando medidas de interesse local da colectividade se


impõem, as autoridades superiores, facultam as autoridades inferiores, o poder
de tomar decisões e fazendo executá-las.

129
Teoria Geral do Estado

2.1.4. Estado Unitário Descentralizado Administrativa-


mente

Na linha doutrinária do prof. Paulo Bonavides, Estado unitário descentra-


lizado administrativamente, “é aquele que admite órgãos locais de decisão sujei-
tos a autoridades que a própria comuna, departamento, circunscrição ou provín-
cia, venham a instituir, com o propósito de resolver os seus respectivos interes-
ses”211.

Dito de outro modo, devido a extensão territorial e a complexidades dos


problemas do Estado, este, estabelece órgãos locais para cada circunscrição
(que pode ser comuna, municípios, províncias, etc.), elegidos pela própria popu-
lação, no sentido de estes resolverem os seus problemas e satisfazerem as suas
necessidades.

Normalmente estes órgãos fazem parte do poder do local do Estado.

2.1.5. Estado Unitário Descentralizado Administrativa-


mente e Politicamente

Nestes tipos de Estados não ocorre só a descentralização administrativa,


mas também ocorre a descentralização política, sendo esta ultima caracterizada
pela transferência de poderes legislativos e governativos para entidades locais.

Aqui, os órgãos do poder local possuem politicamente poderes próprios,


ou seja, pode aprovar leis e tem uma ampla autonomia institucional com entida-
des políticas e administrativas próprias. Em Portugal, França e África do Sul,
verifica-se este tipo de descentralização.

2.2. Estado Composto ou Complexos

211
BONAVIDES, Paulo, Ciência Política, 10.ª ed., São Paulo: Malheiro Editores, 2000, pág. 196

130
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

O Estado composto ou complexo “é aquele onde existe a integração de


vários ordenamentos jurídico-constitucionais, vários conjuntos de autoridades e
uma multiplicidade de centros de decisão política212.

Dito de um outro modo, neste tipo de Estado, existem várias Constituições


e uma pluralidade de poderes políticos que se estendem aos vários territórios
que o compõem.

Este tipo de Estado pode apresentar-se nas vestes de um Estado Federal,


Estado Confederado, União Real e União Pessoal.

2.2.1. Estado Federal

Estado Federal é aquele no qual existe vários poderes inferiores diante


um só poder soberano e várias Constituições que deve está em concordância
com a Constituição Federal.

Este tipo de Estado resulta da união de vários Estados não soberano, for-
mando assim um só Estado que normalmente é dominado como Estado Federal,
como por exemplo, o E.U.A, Brasil, India, Nigéria, Canadá, Alemanha, Argentina,
Suíça etc.

Os Circunscrição que formam o Estado Federal podem ser chamados de:


Estados federados ou Estados membros (como no Brasil e E.U.A e India), Pro-
víncias (como em Canadá e Argentina) Landers (como na Alemanha) e Cantões
(como na Suíça).

O Estado Federal é o detentor da soberania e os Estados federados, ape-


sar de terem os elementos típicos de um Estado (povo, território e poder político),
não têm soberania, porque a transferiram para o poder federal. Apesar dos Es-
tados federados possuírem Constituição, Parlamento, Governo e Tribunal, estão
sujeitos ao poder central da Federação. Só o Governo Federal possui represen-
tação internacional e competência exclusiva das forças armadas213.

212
NOVAIS, Jorge Reis, Tópicos de Ciência Política e Direito Constitucional. Apontamentos policopiados,
Porto, 1990, pág. 77, apud ARAÚJO, Raul, op. cit., 2018, pág. 91
213
ARAÚJO, Raul, op. cit., 2018, pág. 91

131
Teoria Geral do Estado

Como já se realçou, cada Estado federado possui a sua Constituição, mas


estas Constituições estão subordinadas a Constituição Federal e todos o devem
respeitar.

Em suma, o Estado Federal é composto por outros Estados que não per-
dem a própria identidade e que possuem dois âmbitos jurídicos (o federal e o
federado). O Direito Federal prevalece sobre os direitos dos Estados federados,
sendo que, à autoridade central, é reconhecido o poder de uniformizar as Cons-
tituições do Estados federados aos princípios da Constituição Federal, aos su-
premos poderes de direcção política ao poder de intervir, coativamente, para
obter o respeito pelas decisões tomadas pelas autoridades federais ou cen-
trais214.

2.2.2. União Real

União Real é uma forma de Estado composto ou complexo. Surge quando


dois ou mais Estados adoptam uma Constituição comum, prevendo a existência
de um ou mais órgãos também comuns. a par dos órgãos particulares de cada
Estado. O Chefe de Estado., normalmente é o órgão comum por excelência215.

Os Estados apenas conservam a sua autonomia, mas não são soberanos,


estando subordinados a uma Constituição comum ou órgãos comuns aos Esta-
dos da união216.

Como exemplo temos, a Inglaterra, Escócia e País de Gales desde o séc.


XVII; como foi o caso da Áustria e Hungria, de 1867 a 1918, Portugal e o Brasil
entre 1815 e 1822, a Dinamarca e Islândia entre 1918 e 1944.

2.2.3. União Pessoal

A União Pessoal compreende um conjunto de Estados independentes, que têm


apenas em comum titular de um órgão (o Rei), ou seja, não se regista ali a exis-
tência de Constituição comum ou órgãos comuns aos Estados da União, pelo

214
Ibidem, pág. 92
215
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 199
216
Ibidem, pág. 199

132
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

que os Estados apenas se constituem assim mantendo fidelidade à mesma co-


roa, mantendo cada país da união a sua soberania. Esta união é pessoal e não
orgânica.

Como exemplo de União Pessoal temos o caso da Grã-Bretanha e os pa-


íses da Commonwealth que mantêm fidelidade à Coroa, Portugal e Espanha en-
tre 1580 e 1640 e Holanda e Luxemburgo entre 1816 e 1890.

Em África, também tivemos uma organização de reinos constituídos em


união pessoal, até à chegada dos europeus, em finais do séc. XV. O exemplo
mais historicamente é o Reino do Congo, quando o monarca era a figura de
união dos vários reinos unidos de Angola, do Congo e do Zaire, organizados
como províncias, com poderes próprios, mas subordinados à Coroa do Rei com
a capital em M’banza-Congo, norte de Angola217.

2.2.4. Confederação

É uma associação de Estados que, através de um tratado ou acordo in-


ternacional, decidem exercer, através de um conjunto de órgãos comuns, com-
petências políticas no domínio da defesa e relações externas. Cada um dos Es-
tados da Confederação exerce a sua soberania, na sua plenitude. Há apenas
uma “aliança” entre os Estados da Confederação218.

Como exemplos temos, a Organização Tratado do Atlântico Norte


(OTAN), ou ainda o Trada que criou a Comunidade Europeia da Carvão e do Aço
(CECA), em 1951, a Comunidade Económica Europeia (Tratado de Roma de
1957), a Confederação dos Países Baixos (1579), a Confederação Suíça (1815-
1848), a Confederação do Reino (1806-1813) e a Confederação Alemã (1815-
1866).

217
Assim como pode interpretar Zeferino Capoco, op. cit., 2015 pág. 200, da descrição de Joseph Ki-
ZERBO, História da África Negra, Edições Europa-América, vol. I, pág 232 e ss.
218
ARAÚJO, Raul, op. cit., 2018, pág. 92

133
Teoria Geral do Estado

2.3. A Forma do Estado Angolano

Nos termos do artigo 8.º da CRA, Angola é um Estado Unitário descon-


centrado e decentralizado administrativamente.

É unitário, porque existe uma só Constituição e um único centro de deci-


são politica.

É desconcentrado, porque existe uma parcela de competência atribuída


aos órgãos do hierarquicamente inferiores (como por exemplos, os Administra-
dores e Governadores) para que estes tomem certas decisões, que não têm ne-
cessidade de chegar aos órgãos superiores (como por exemplo, os Ministros e
o Presidente da República).

É também descentralizado administrativamente, porque nos termos do


art.º 213.º da CRA, dispõe que as formas organizativas do poder local compre-
endem as autarquias locais, as instituições do poder tradicional e outras modali-
dades específicas de participação dos cidadãos, em a serem definidos por lei.

Ou seja, o Estado angolano, admite órgãos locais eleitos pela própria cir-
cunscrição (que neste caso são os municípios), para assegurarem a prossecu-
ção de interesses específicos resultantes.

3. Classificação jurídico-internacional de Estados

Do ponto de vista jurídico-internacional, os Estados são pessoas jurídicas


dotadas de personalidade jurídicas, ou seja, possuem direitos e deveres á nível
internacional.

Tendo como critério o princípio da soberania, os Estados classificam-se


em:

1- Estados soberanos: são os Estados que gozam de personalidade ju-


rídica internacional, tendo plena capacidade para exercer os direitos
de soberania219.

219
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 194

134
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

2- Estados semi-soberanos: são Estados que registam limitações no


exercício da soberania e de outros direitos inerentes àquela220.

3- Estados não-soberanos: aqueles que não têm personalidade jurídica


internacional, isto é, não são independentes. São todos os Estados
incorporados numa federação (Estados federados), tomemos o exem-
plo dos Estados Unidos; ou numa união real (Uniões Reais) de que é
exemplo o Reino da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (Reino Unido)221.

4- Estados protegidos: são aqueles que, por força de uma convenção


internacional são objecto de proteção por outro Estado que lhes con-
cede a orientação total ou parcial das suas relações internacionais e,
em certos casos, da própria política interna, ou seja, são aqueles Es-
tados que depende de outro Estado, o Estado que protege chama-se
Estado protector e a relação entre os dois chama-se Protectorado. Foi
o caso de Marrocos ou o protetorado francês sobre a Tunísia222.

5- Estados vassalos: são os Estados dotados da plenitude dos direitos


internacionais, mas que só podem exercer alguns precedendo a auto-
rização prévia de um Estado soberano, que deles recebe um tributo da
vassalagem223, ou seja, são aqueles Estados que estão subordinado
a um outro. Foi o caso do Egipto em relação à Turquia, sec. XIX.
6- Estados exíguos: são Estados que atendendo à sua pequena exten-
são territorial e reduzida população, não possuem a plenitude da ca-
pacidade internacional (carecem de jus belli), se encontram numa si-
tuação especial relativamente aos Estados limítrofes, além de que não
preenchem requisitos mínimos para poderem participar em organiza-
ções internacionais como a ONU. É o caso, Principado do Liechtens-
tein e o Principado de Mónaco224.

220
Ibidem, pág. 195
221
Ibidem, pág. 195
222
Ibidem, pág. 195
223
Ibidem, pág. 195
224
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Constitucional (Introdução à Teoria da Constituição), pág. 132
apud CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 195.

135
Teoria Geral do Estado

4. Fins e Funções do Estado

Pode-se definir, Fins e Funções do Estado como o exercício de tarefas


que executam a favor dos seus cidadãos protegendo-os dos perigos e ameaças
quer internas, quer externas. Do mesmo modo, o Estado procura servir os inte-
resses dessa coletividade garantindo certas funções públicas e assegurando,
desse modo, também o domínio privado.

Assim, os Fins são os objectivos a alcançar para sobrevivência do Estado


e de toda a sua coletividade. As Funções são conjunto de prestações que o
Estado exerce para o bem e realização da coletividade.

4.1. A distinção entre fins e funções do Estado

Como premissa, cumpre-nos indicar, de acordo com a teoria, que o Es-


tado existe para desenvolver certos fins importantes para a sua constituição po-
lítica e desempenhar certas funções jurídicas e políticas. Porém, não se deve
confundir os “fins” do Estado e as “funções” do Estado.

A função viabiliza o alcance do fim, entendido este como objectivo a atin-


gir. Assim, a função está para o fim e este é sempre o resultado cujo alcance
nunca está e nem pode ser perfeitamente realizado. Assim, função define-se
como «uma actividade específica, complementar de outras actividades também
específicas cujo exercício coordenado é indispensável à produção de certo re-
sultado»225. É o que Marcelo Rebelo De Sousa entende serem «as actividades
desenvolvidas por esses mesmos órgãos, tendo em vista a realização dos ob-
jectivos que lhes encontram constitucionalmente cometidos».226

4.2. Fins do Estado

O conceito de Estado não se restringe apenas a ideias que o definem


enquanto ente político em termos substantivos. Na verdade, há mais modos de

225
CAETANO, Marcelo, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, pág. 148 apud CAPOCO, Zefe-
rino, op. cit., 2015, pág. 202
226
SOUSA, Marcelo de, Direito Constitucional, pág. 148 apud CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 202.

136
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

ver explicar o Estado, no que concerne a questões que explicam a sua razão de
existir.

Trata-se de identificar o problema fundamental sobre quais os objectivos


do Estado, ou seja, o que é que o Estado se propões cumprir. O Estado tem que
ter fins e objectivos que constituem a sua razão de ser, juntos dos seus cidadãos
e num determinado território. Para compreender isto, comecemos por avançar
uma definição de fins de Estado: Para Zeferino Capoco entende que os fins do
Estado “é o objetivo ou ideal humano que constitui o horizonte das aspirações
presentes em relação ao futuro de determinada comunidade política para com
elas perseguir o seu alcance e efectivação para o bem da coletividade”227.

Os fins constituem os objectivos fundamentais do Estado para toda a sua


colectividade. Tais fins ou objectivos são três, que passamos a descrever: A se-
gurança, a Justiça, e o Bem-estar material e social.

Toda a formação do Estado, entre outros objectivos, tem por finalidade


garantir estas linhas fundamentais para a sua auto-sustentação, sobrevivência e
autodeterminação. Somente o Estado que reúne e garante estabilidade destes
objectivos consolida-se, juridicamente e politicamente.

4.2.1. A Segurança

Quanto à segurança como fim do Estado, distinguem-se dois aspectos


que cumprem as mesmas prestações de defesa: a segurança individual que
se traduz na execução das normas jurídicas pelos órgãos do Estado, garantindo
os direitos e deveres reconhecidos a cada cidadão; e a segurança colectiva,
garantindo a defesa do Estado perante os inimigos internos e externos.

Neste sentido, «a segurança é só a organização da força posta ao serviço


de interesses vitais: é também, por um lado, a garantia da estabilidade dos bens
e, por outro, a da duração das normas e da irrevogabilidade das decisões do
poder importem justos interesses a respeitar»228, e que resultam no bem de cada
um individualmente.

227
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 203.
228
CAETANO, Marcelo. Op. cit., pág. 15.

137
Teoria Geral do Estado

4.2.2. A Justiça

Além da segurança, que constitui o fim primordial do Estado, importante


é também a Justiça na comunidade estadual. Como todos fins, a Justiça constitui
um fim público do interesse de todos os indivíduos e das sub-colectividades que
formam a unidade do Estado.

A Garantia da Justiça pelo Estado processa-se em dois fóruns: O fórum


judicial, em que através das instâncias judiciais se dirimem os conflitos entre os
particulares e entre estes e as entidades públicas, aplicando-se aí o Direito229.

Em segundo, o fórum executivo administrativo, em que se atende a uma


justiça em duas perspetivas: a justiça comutativa e a justiça distributiva. A
cada perspetiva corresponde o procedimento adequado das instituições do Es-
tado, orientando-se para defesa e a garantia do bem-estar individual e colectivo,
no seio da comunidade política230.

Quanto a justiça comutativa, resulta no dever do Estado de garantir a equi-


valência dos bens permutados nas relações de reciprocidade entre cidadãos.
Cada um deve receber equivalente à sua prestação. Na justiça distributiva, cada
cidadão tem o direito (e o Estado tem o dever) de receber o justo valor corres-
pondente ao que produz, ou seja, cada um deve receber o salário justo ao tipo
de trabalho que se desenvolve a favor da colectividade. Ou ainda, mediante sua
condição social, o cidadão deve receber do Estado proventos que sejam ade-
quados a sustentabilidade da sua carência231.

Assim por exemplo «o designo da justiça distributiva projecta-se na polí-


ticas económicas e sociais de correção das assimetrias pessoas e funcionais de
rendimentos e de apoio a sectores sociais mesmo não produtivos»232.

229
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 204.
230
Ibidem, pág. 204.
231
Ibidem, pág. 204.
232
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Constitucional, 1979, pág. 230 apud CAPOCO, Zeferino, op. cit.,
2015, pág. 205

138
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Enquanto na justiça comutativa a regra é a igualdade das partes interve-


nientes na permuta, na justiça distributiva há desigualdade das partes, porque
se considera o mérito de um na atribuição da recompensa.

4.2.3. Bem-estar social e material

Como terceiro fim do Estado aparece o bem-estar assente nos valores da


dignidade da pessoa humana, nos seus direitos quer individuais, quer sociais e
noutras prerrogativas inerentes ao ser humano na sua dimensão naturalizante.

O bem-estar traduz-se na «promoção [pelo Estado] das condições de vida


dos cidadãos em termos de garantir o acesso, em condições sucessivamente
aperfeiçoadas, a bens e serviços considerados fundamentais pela colectividade,
tais como bens económicos que permitam a elevação do nível de vida de estra-
tos sociais cada vez mais amplos e serviços essenciais, sobretudo os que com-
templem a educação, a saúde e a segurança social»233 dos mesmos cidadãos.

Os bens materiais públicos que o Estado se propõe realizar e garantir aos


cidadãos representam o que de mais sublime se situa na concretização da sua
tarefa enquanto procura responder a um objectivo fundamental só articulável
com o dever dos próprios cidadãos dentro dos princípios estabelecidos pela pró-
pria autoridade pública, para que destes cada um possa realizar-se satisfazendo
necessidades que resultem na sua contribuição para o bem público.

4.2.4. Fins do Estado na Constituição Angolana

O art.º 1.º da CRA consagra como objectivo fundamental a construção de


uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso
social.

O Estado define, assim, como um dos seus fins contribuir pelo bem-estar,
numa sociedade de liberdade e justiça, propondo-se a desenvolver o progresso

233
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito…, 1979, pág 230 apud CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 205

139
Teoria Geral do Estado

social, no que respeita ao desenvolvimento e distribuição da riqueza pelos cida-


dãos, o que de certa forma se depreende dos artigos 14.º, 15.º e 16.º da Consti-
tuição da República de Angola vigente.

Como fim de segurança, enquanto um objecto fundamental a perseguir


pelo Estado, a Constituição atribui-lhe extrema relevância. Já na preservação da
integridade e segurança nacional, no art.º 5.º n.º 6 afirma-se o combate a qual-
quer acção de separação do território nacional, pelo que representa para o es-
tado um fim maior a garantir no plano de desenvolvimento, o mesmo objectivo
encontrando-se prescrito no art.º 11.º, n.º 2 e 3, traduzindo-se numa segurança
jurídica e política.

4.3. Funções do Estado

A ideia de função conduz à nocção do desempenho, da prestação de cer-


tos serviços a outrem, pelo que do conceito de funções do Estado sobressai a
nocção de certa actividade que é realizada de forma permanente a um conjunto
de cidadãos234.

As funções do Estado são:

4.3.1. Função Executiva ou Governativa:

A função executiva ou governativa concretiza-se com o poder executivo.


Tem como objectivo definir a actividade de direcção superior da colectividade
política.

É a função exercida pelos dirigentes de um Estado investidos da autoridade


de determinar a orientação política geral do país, de assegurar as suas relações
diplomáticas, de elaborar os regulamentos necessários à aplicação das leis, e
de assegurar a execução dessas leis, graças à disposição de força material de
coerção e de serviços administrativos apropriados.

234
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 208.

140
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

4.3.2. Função Legislativa:

Traduz-se a na expressão formal da posição que o Estado adopta a respeito


dos diversos problemas inerentes à sociedade política. É, pois, a função pelo
qual o Estado cria e produz normas jurídicas (regra de Direitos) de caracter geral
e abstrata, concomitantemente organizando as instituições destinadas a asse-
gurar a sua aplicação.

4.3.3. Função Administrativa:

A função administrativa engloba o conjunto de actividades e serviços que


o Estado desenvolve para proporcionar aos indivíduos os benefícios concretos
que determinaram a constituição da sociedade política.

Todo o Estado deve assegurar aos seus cidadãos um certo número de


serviços destinados à satisfação de necessidade colectivas de caracter material
e cultural. Tem, por isso, necessidade de se dotar de vários organismos que
prestam serviços públicos e constituem a Administração Pública do Estado.

4.3.4. Função Jurisdicional

A função jurisdicional tem como objectivo dirimir os conflitos de interesses


através de órgãos independentes (elemento orgânico), imparciais (elemento For-
mal) e passivos, numa actividade intelectual (elemento material), sendo tais ac-
tos passíveis de recurso contencioso235.

Na visão de António José Fernandes, a função jurisdicional realiza-se através


de três ordens jurídicas236:

a) a justiça civil, cujos magistrados têm por função resolver os conflitos en-
tre particulares;
b) a justiça penal, cujos magistrados são encarregados de julgar os autores
das diversas infrações à lei quando não beneficiam de prescrições extin-
tivas (a justiça militar é um ramo da justiça penal);

235
SILVA, Maria Manuela Magalhães & ALVES, Dora Resende, Noções de Ciência Política e Direito Cons-
titucional, 2000, pág. 141 apud CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág, 209 e 210.
236
FERNANDES, António José, Introdução à Ciência Política, teorias métodos e temáticas, 2010, pág. 118.

141
Teoria Geral do Estado

c) a justiça administrativa, cujos magistrados devem controlar a legalidade


dos actos administrativos e, eventualmente, estabelecer a indemnização
devida às pessoas lesadas por um acto administrativo irregular.

Em cada uma destas ordens judiciários, a realização da justiça processa-se


por diversas jurisdições e instanciais, normalmente hierarquizadas em diferentes
graus.

142
CAPÍTULO V

O PODER CONSTITUINTE

O poder constituinte é um tema muito vasto e um dos temas centrais do


constitucionalismo moderno que, por si só, levanta diversas questões complexas
e controvertidas.

Assim, ao falarmos do poder constituinte estaremos a responder quatro ques-


tões primordiais, nomeadamente237:

1- O que é o poder constituinte?


2- Quem é o titular do poder constituinte?
3- Quais são as formas e exercícios do poder constituinte?
4- Existem ou não limites no exercício deste poder?

1. O Que é o Poder Constituinte?

Entendemos por poder constituinte, como a faculdade de criar ou modifi-


car normas constitucionais. Desta feita no âmbito legislativo existem dois tipos

237
CORREIA, Adérito, Lições de Direito Constitucional, 2011, pág. 86.

143
O Poder Constituinte

de poder: poder ordinário, para elaborar as leis em geral (normas infraconstitu-


cionais) e o poder constituinte, para elaborar as normas constitucionais.

2. A Origem da Teoria do Poder Constituinte

A teoria do poder constituinte surgiu na França, no fim do século XVIII, e


teve por preocupação desenvolver uma nova ideia sobre a legitimidade do po-
der. Sua elaboração deveu-se, sobretudo, ao pensador e abade francês Emma-
nuel Joseph Sieyès (1748 – 1836), na sua obra O que é o Terceiro Estado.

Naquele momento, reinavam na Europa as monarquias absolutistas, que


atribuíam a legitimidade (fundamentação) do exercício do seu poder absoluto a
Deus. Por ser divina a fonte de sua legitimação, os monarcas podiam exercer o
seu poder sem estar sujeitos a quaisquer limitações.

Foi nesse cenário que surgiu a teoria do poder constituinte, trazendo os


conceitos de soberania nacional e soberania popular para substituir a ideia de
poder absoluto das monarquias, legitimado por Deus. A teoria do poder consti-
tuinte propõe, portanto, a troca da velha ideia de poder absoluto recebido por
Deus põe uma nova forma de poder, fundada na razão humana na qual Deus é
substituído pela nação como titular da soberania.238

3. Titularidade do Poder Constituinte

3.1. A Teoria da Soberania Nacional

Para os teóricos da democracia liberal, o povo é uma entidade abstracta,


distinta dos indivíduos que o compõem. O Povo é a Nação na qual reside a so-
berania. O povo, isto é, os eleitores têm por função designar os seus represen-
tantes. Assim, os eleitores não exercem um direito, mas uma função, exprimindo
a vontade nacional. É a teoria do eleitorado-função.

A teoria da soberania nacional é ainda a teoria do mandato representa-


tivo cabendo a soberania à Nação e sendo esta uma entidade abstrata, o poder

238
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo & DIAS, Frederico, Aulas de Direito Constitucional para con-
cursos, 2013, pág. 103 e 104.

144
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

deve ser exercido através de representantes, porém estes representarão a Na-


ção e não estes que os elegeram. Assim, o mandato é imperativo, os eleitores
não têm um mandato preciso e nunca podem controlar ou destituir aqueles que
elegeram. O mandato é, portanto, irrevogável.239

3.2. A Teoria da Soberania Popular

Contrapondo-se a teoria de soberania nacional é criada no Estado liberal


a teoria da soberania popular. O seu teorizador foi Rousseau na sua obra Con-
trato Social. Para ele, a soberania reside no povo e é inalienável, não se vende.

Todos os cidadãos são iguais – noção de igualdade cada um aliena os


seus direitos a favor da sociedade, participando igualmente na formação da von-
tade geral. Mesmo os que não participam devem submeter-se a vontade geral.
A democracia tem, assim, como fundamento no “contrato social”. É a teoria da
soberania popular segundo a qual o poder cabe ao povo, cabendo a cada cida-
dão uma parcela de soberania.

As consequências dessa teoria são:

1ª Democracia directa: sempre que for possível o povo deve exercer a


democracia de forma directa. Quando tal não foi possível o poder deve ser exer-
cido por representantes do povo através do sufrágio universal. Esses represen-
tantes são responsáveis perante o povo que representam e podem ser destituído
do cargo que ocupam – mandato imperativo.

2ª A eleição como um direito: sendo cada eleitor titular de uma fração


de soberania, deve eleger os seus representantes. O voto é um direito, que
conduz ao sufrágio universal já que todos os cidadãos gozam do direito de voto.

3ª Ausência de limitações ao poder político: radicando o poder político


no povo e sendo exercido por ele directamente através dos seus representantes
não há necessidade de limitações, porque ele nunca será despótico. Assim, se

239
CORREIA, Adérito, op. cit. 2011, pág. 88 e 89.

145
O Poder Constituinte

as leis são criadas pelo povo, por maioria de razão, a lei suprema, a Constituição
só pode ser criada pelo povo.240

Esta teoria do poder constituinte foi fundamental para o direito constituci-


onal moderno, sobretudo para a despersonalização do poder, haja vista que
este deixou de estar corporificado em uma pessoa física (o monarca, fundamen-
tado em uma divindade, pessoa sobrenatural), sendo transferido para uma pes-
soa jurídica (o Estado, legitimado pela soberania popular/nação). Essa mesma
teoria – ao fixar a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos – foi
fundamental, também, para o advento das Constituições rígidas.

3.3. A Teoria da Soberania do Estado

Própria do positivo normativo do séc. XIX é a teoria da soberania do Es-


tado, que não foi consagrada até hoje em nenhum Constituição. Para esta teoria,
o Estado é uma entidade autónoma, não dependendo da vontade dos homens.
O povo é um elemento do Estado. Sendo assim o Estado é o titular do poder
soberano e não o povo241.

Entretanto, não podemos confundir poder constituinte e a sua teoria.

A teoria do poder constituinte – a ideia, a divisão entre poder constitu-


inte e poderes constituídos – é contemporânea do surgimento das Constitui-
ções escritas, remontado ao final do século XVIII.

Por outro lado, o poder constituinte, propriamente dito, sempre existia,


na medida em que toda a sociedade tende a estabelecer as bases, os funda-
mentos da sua própria organização. Enfim, mesmo antes da concepção da teoria
(francesa) do poder constituinte, este já existia de facto, pois deu vida à organi-
zação dos diferente Estados. 242

240
Ibidem, pág. 89.
241
Ibidem, pág. 89
242
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo & DIAS, Frederico, op. Cit. 2013, pág.104.

146
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

4. Quem é o Titular do Poder Constituinte

Inicialmente entendia-se que a titularidade do poder constituinte residia na


nação (teoria da soberania da nacional), pois, a vontade soberana da nação era
a única legítima para reger e governar a vontade dos povos.

Posteriormente ou modernamente, entendeu-se que a titularidade do po-


der constituinte reside no povo (teoria da soberania popular) e não mais na na-
ção. Sendo assim o povo é o titular do poder constituinte.

5. Formas e Exercício do Poder Constituinte

Vimos no tema anterior que o titular do poder constituinte é o povo. Já


aprendemos, também, que o poder constituinte tem por incumbência elaborar
normas constitucionais, seja na criação da Constituição, seja na modificação ou
reforma desta.

Ora bem, agora nos interessa abordar como se dá o exercício desse po-
der.

São três as tradicionais formas do exercício do poder constituinte aponta-


das243:

1.ª Ditatorial ou Autocrática: nesta forma de exercício, o poder constitu-


inte é exercido por um indivíduo ou mesmo um conjunto de indivíduo que ela-
bora/elaboram a Constituição de acordo com os seus interesses. Está subdivi-
dida em: monocrática e autocrática.

- Monocrática: quando o monarca outorga uma Constituição (monár-


quica) ou mesmo quando é um ditador e elabora a Constituição em nome do
povo (bonapartista).

- Autocrática: quando o poder constituinte é exercido por conjunto de in-


divíduos e a Constituição é elaborada a título próprio ou em nome do povo.

2.ª Mista ou Pactuada: e finalmente nesta forma de exercício, o poder


constituinte é exercido pelo povo. A elaboração da Constituição resulta de um

243
CORREIA, Adérito, op. Cit. 2011, p. 90.

147
O Poder Constituinte

acordo ou mesmo pacto entre o povo e os seus representantes. Esta pode ser
dar através de:

- Plebiscito: a Constituição é elaborada por um indivíduo e submetida a


aprovação popular.

- Constituições pactuadas: a Constituição resulta de um acordo entre a


Assembleia representativa e o monarca. O acordo também pode ser entre o povo
e uma autoridade não monárquica.

3.ª A Democrática: nesta forma de exercício, quem exerce o poder cons-


tituinte é o povo, intervindo de uma forma directa ou Indirecta na elaboração da
Constituição. Ela está subdividida em: representativa ou Indirecta, directa e
semidirecta ou referendária

- Representativa ou Indirecta: cabe ao povo que exerce o poder consti-


tuinte eleger os seus representantes e estes por sua vez reunidos em Assem-
bleia ou em Assembleia Constituinte vão elaborar a Constituição em nome do
povo.

- Directa: nesta, a Constituição é elaborada por todos os cidadãos eleito-


res, isto é, pelo povo, porém sem a mediação de quaisquer representantes.

- Semidirecta ou referendária: aqui, o texto constitucional é elaborado


por um órgão eleito e, posteriormente, é submetido à aprovação do povo.244

6. Poder Constituinte Originário e Derivado

6.1. Poder Constituinte Originário

Poder Constituinte Originário (também conhecido como poder constituinte


genuíno, principal, primário ou de primeiro grau) é o poder de criar uma nova
Constituição para um Estado que nunca a teve. É aquele que elabora o texto
originário da Constituição, dando forma a um novo Estado.

244
Ibidem, pág. 90.

148
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Esse poder manifesta-se em dois momentos: na criação de um novo Es-


tado (poder constituinte originário histórico) ou no curso de um Estado já exis-
tente, quando há uma ruptura de ordenamento jurídico (poder constituinte origi-
nário revolucionário).

Enfim, aquele que elabora a primeira Constituição do Estado é chamado


de histórico; já aquele que elabora uma nova Constituição em substituição a
outra, já existente, é denominado revolucionário. 245

O poder constituinte originário apresenta as seguintes características246:

1.ª poder inicial: porque representa a base da ordem jurídica que se ini-
cia, ou seja, porque antes dele não existiu nenhum poder que lhe serviu de fun-
damento. Com efeito, promulgada uma nova Constituição, toda a ordem jurídica
que se inicia terá como base, como fundamento de validade, o novo texto cons-
titucional, elaborado pelo poder constituinte originário. Esse texto passa a cons-
tituir o fundamento de validade de todas as demais normas que se vão inte-
grando no ordenamento jurídico.

2.ª Poder autónomo (ilimitado): porque não se sujeita a nenhum limite


estabelecido pela ordem jurídica anterior; porque é um poder que não depende
de nenhum outro poder independente, pois, cabe simplesmente, a ele decidir
quando e como criar a Constituição. De facto, o poder constituinte originário é
juridicamente ilimitado, não se sujeitando a nenhuma restrição imposta pelo di-
reito pretérito.

3ª Poder omnipotente: porque não está subordinado a nenhum poder ou


lei formal, ou seja, este poder não está e nem pode ser limitado por qualquer
outro poder ou mesmo lei formal. É um poder acima do qual não pode ser pen-
sado outro poder.

245
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo & DIAS, Frederico, op. cit. 2013. pág. 108.
246
Ibidem, pág 108.

149
O Poder Constituinte

6.1. Poder Constituinte Derivado

Poder constituinte derivado (também conhecido como poder constituinte


secundário, de segundo grau, constituído ou instituído) é aquele poder compe-
tente para rever, modificar ou alterar a Constituição existente para adoptar à evo-
lução da sociedade.

O poder constituinte derivado serve para introduzir correções, para acres-


centar ou suprir certas normas constitucionais que não se adequam mais com a
realidade social de um determinado Estado e introduzir as que se adequam. 247

7. Limites do Poder Constituinte

A doutrina consagra alguns limites quer do poder constituinte originário,


quer do poder constituinte derivado.

Os limites do poder constituinte originário, aduzem-se nas formas de cri-


ação de uma Constituição formal e, neste sentido, podemos observar:

- As instituições pré-constitucionais responsáveis pela governação;

- As regras de procedimentos que regem a discussão e votação das nor-


mas constitucionais e que definem o momento da entrada em vigor destas últi-
mas, e, eventualmente;

- As normas substantivas e procedimentais que vão disciplinar juridica-


mente os procedimentos de eleição de uma assembleia constituinte;

- As normas que regulam o exercício de um referendo de aprovação ou


confirmação de uma Constituição.

No âmbito dos limites do poder constituinte derivado, refere-se ao con-


ceito de revisão constitucional, para designar todo um conjunto de concepções,
valores ou condicionantes de natureza política, jurídica, social e económica que
a própria constituição impõe para sua modificação.

247
Ibidem, pág. 108.

150
CAPÍTILO – VI

REVISÃO CONSTITUCIONAL
Revisão constitucional são modificações que de certas normas cons-
titucionais. A natureza da revisão constitucional é de “assegurar a continuidade
da Constituição para que esta possa cumprir a sua tarefa”248. A modificação de
uma norma constitucional pode ser249:

- Por via de substituição por outra norma;

- Pode traduzir-se na eliminação de uma norma constitucional, por via


da supressão dessa norma retirando-a da Constituição;

- E finalmente, a revisão pode introduzir um novo preceito constituci-


onal através do aditamento.

É importante sublinhar que, a revisão constitucional se diferencia da tran-


sição constitucional e ruptura constitucional250.

A transição de constitucional: é uma reforma constitucional que se tra-


duz na passagem de uma Constituição para uma outra. Com tudo pode se alterar

248
MIRANDA, JORGE., Manual de Direito Constitucional., (2002, pp. 157 apud C APOCO, Zeferino,…..
2015, pp. 157.
249
SILVA, Maria Manuela Magalhães e ALVES, Dora Resende., Noções de Direito Constitucional e Ciência
Política., (2000, pp. 100 apud CAPOCO, Zeferino,…. 2015, pp. 158).
250
CORREIRA, Adérito, Lições de Direito Constitucional., 2011, pp. 91.

151
Revisão Constitucional

a Constituição material, mas pode permanecer a Constituição instrumental e for-


mal.

A ruptura constitucional: são situações extraordinárias que resultam na


mudança súbita da Constituição de um determinado Estado. As ruptura consti-
tucional resultam de: golpes de Estados, Revoluções…

1. Modalidades de revisão da Constituição

A revisão constitucional adopta duas modalidades, que passamos a des-


crever:

1.ª Revisão ordinária: é a forma usualmente adoptada para a garantia e


sobrevivência da Constituição, pela concretização quer da estabilidade constitu-
cional, quer da sua atualização e conformidade com a realidade social no de-
curso dos tempos251. Por isso, a revisão ordinária é sempre estabelecida por um
período de tempo que se entende que seja suficiente para a sua estabilidade e
adequação com as dinâmicas socioculturais e políticas da ordem social em que
se insere.

É o que se denomina limites temporais que separam uma revisão consti-


tucional da revisão seguinte. Esse tempo é fixado por um dispositivo normativo-
constitucional. Assim, a revisão ordinária deve entender-se como um procedi-
mento que visa garantir a sustentabilidade da Constituição, dentro do tempo pre-
visto252.

2.ª Revisão extraordinária: verifica-se quando o contexto político do país


exige uma conformação dos actos e/ou certos desenvolvimentos sociopolíticos
que vinculam as instituições do poder público “a todo o tempo”253, ou seja, a
revisão extraordinária dá-se atendendo a gravidade ou urgência da situação so-
ciopolítica do país. No caso de Angola, para se efeituar uma revisão extraordi-
nário é necessário uma maioria parlamentar agravada “de dois terços” dos De-
putados em efectividade de funções (art.º 235, n.º 2 da CRA).

251
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 159
252
Ibidem, pág. 159.
253
Ibidem, pág. 160.

152
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

2. Limites de revisão constitucional

Os limites que se opõem ao processo da revisão constitucional são meios


que se asseguram a que qualquer revisão se processe dentro dos parâmetros
estabelecidos pela Constituição e não fora destes. Quer isto dizer que a «a revi-
são não poderá violar os limites definidores da identidade substancial imposta
pelo tipo de democracia constitucional que caracteriza o ordenamento sem
causa». 254

Entretanto, os limites são: Limites formais (são todas as formalidades


prevista na Constituição que ditam a quem compete a iniciativa de revisão e,
consequentemente, a aprovação e promulgação da Constituição, ou seja, ditam
o órgão específico titular do poder de revisão), limites materiais (são aqueles
que visam garantir a permanência do núcleo essencial da Constituição, isto é,
os princípios constitucionais considerados inalteráveis, que não estão sujeitos a
revisão, art.º 236.º da CRA), limites temporais (são aqueles limites que se re-
ferem ao tempo em que é realizada uma revisão na Constituição, art.º 235.º da
CRA) e limites circunstanciais (são aqueles que prescrevem as circunstâncias
específicas em que não podem ser realizadas qualquer tipo de revisão constitu-
cional, isto é, em estado de guerra, de sítio ou de emergência e não só. Nestes
casos não se pode realizar nenhuma alteração na Constituição art.º 237 da
CRA).

3. Limites de revisão na Constituição de Angola

Sendo a Constituição Angolana uma Constituição rígida, está prevê de


forma expressa, o mecanismo da sua revisão cujos preceitos constitucionais de-
finem os limites posto ao órgão revestido de poderes de efectuação da revisão.

Limites formais

Como antes já foi salientado, os limites formais são aqueles que ditam o
órgão ou os órgãos titulares do poder de revisão e que consequentemente, terão

254
CANOTILHO, J. J. Gomes, 1997 apud CAPOCO, Zeferino, Manual de Ciência Política e Direito Constituci-
onal. 2015, p. 160.

153
Revisão Constitucional

a legitimidade de aprovar e promulgar as revisões que serão inseridas na Cons-


tituição.

Assim, nos termos do processo de revisão da Constituição angolana, o


poder de revisão é da competência da Assembleia Nacional, sendo este o órgão
titular do poder de revisão que aprova as alterações à Constituição nos termos
dos artigos 161.º, al. a) e 234.º, n.º 1).

Mas, para iniciativa de revisão, a Constituição consagra dois órgãos: o


Presidente da República e Assembleia Nacional, por maioria de 1/3 dos Deputa-
dos, como se pode acompanhar no art.º 233.º da CRA.

3.1. Limites Temporais

Os limites temporais, é o período que a Constituição estabelece para que


se possa revisá-la. Os limites temporais disposto no n.º 1 do art.º 235.º da Lei
Fundamental, afirmando-se aí que a Assembleia Nacional pode rever a Consti-
tuição, decorrido cinco anos da sua entrada em vigor ou da última revisão ordi-
nária.

A norma constitucional que impõe limites de tempo ao poder de revisão


afigura-se como uma norma programática, evitando que haja sucessivas revi-
sões Constitucionais que possam prejudicar a estabilidade social, económica e
politica do Estado.

3.2. Limites Materiais

Os limites materiais são aqueles que estabelecem certas balizas ou bar-


reiras ao legislador durante a revisão constitucional. Os limites materiais enume-
ram um conjunto de conteúdos a que o legislador constituinte se vê impedido de
alterar na efectivação do poder de revisão da Lei255.

A luz do art.º 236.º da nossa Constituição, são limites materiais:

a) A dignidade da pessoa humana;


b) A independência, integridade territorial e unidade nacional;

255
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 163.

154
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

c) A forma republicana de Governo;


d) A natureza unitária do Estado;
e) O núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias;
f) O Estado de direito e a democracia pluralista;
g) A laicidade do Estado e o princípio da separação entre o Estado e as
igrejas;
h) O sufrágio universal, directo, secreto e periódico para a designação
dos titulares electivos dos órgãos de soberania e das autarquias locais;
i) A independência dos Tribunais;
j) A separação e interdependência dos órgãos de soberania;
k) A autonomia local.

3.3. Limites Circunstanciais

A CRA consagra ainda os limites circunstanciais com o objectivo de impe-


dir ao poder de revisão constitucional em situações de perturbação grave da vida
político-social nacional, o acto de revisão na Constituição.

Tais limites estão estatuídos no art.º 237.º, vislumbrando que “durante a


vigência do estado de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência,
não pode ser realizada qualquer alteração da Constituição”. Qualquer destas si-
tuações constitui uma perturbação nacional, e não se pode proceder a uma re-
visão constitucional.

O estado de guerra, entender-se como acto de agressão declarada con-


tra o Estado, por uma força armada de origem externa ou interna, que se mani-
festa contra a autoridade ou entidade estatal legalmente instituída, implicando
assim a acção defensiva das Forças Armadas nacionais através de uma inter-
venção e acção bélicas256.

O estado de emergência, verifica-se quando há uma situação que per-


turba parte da população ou toda ela. O estado de emergência dá-se por: catás-
trofes naturais como: terramotos, secas chuvas intensas, tsunamis, erupções,

256
Ibidem, pág. 165.

155
Revisão Constitucional

etc.; doenças graves como: ébola, coronavírus ou covid-19, etc.; e por vezes
quando há crise políticas.

O estado de sítio, muitas vezes aparece com o estado de emergência.


Mas pode entender-se o estado de sítio como uma situação de ameaça grave
contra a unidade nacional, que afecte uma parte da população ou uma porção
do território nacional insolando-a do conjunto e impondo ali a não efectivação
dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos afectados. O estado de sítio
também pode ser originado por catástrofes naturais ou acidentes ou doenças
graves à tranquilidade pública.

4. A História Constitucional de Angola e as Revisões


Constitucionais

Do ponto de vista histórico-constitucional, o nosso país, isto é, dos anos


1975 á 2009 era regulado por leis constitucionais, leis estas, que ao nosso en-
tender, foram elaboradas para regular de forma temporária o sistema jurídico-
constitucional do país.

Na verdade, estás leis constitucionais foram criadas de forma urgente, no


sentido de regular os conflitos e os problemas que o Estado angolano enfrentava
naquele momento (como o processo de descolonização e posteriormente as
guerras civis internas). Por outro lado, estas leis também ajudaram a garantir a
estabilidade e o progresso do país coadjuvando ainda a regular os problemas do
âmbito político, social económico e até mesmo legislativo.

4.1. A Iª República (Lei Constitucional de 1975)

A Lei Constitucional de 1975, consagrou o inicio da Iª República257 Ango-


lana. A Lei Constitucional de 1975, definia-se o princípio republicano de Estado
soberano, independente e democrático para o exercício do poder constituinte
formal (art.º 3.º), sendo que já o art.º 2.º definia o povo angolano como o titular
da soberania, ou seja, o povo angolano estava revestido de poder supremo e

257
Consagra-se uma nova república quando surge uma nova Constituição que introduz mudanças profun-
das à anterior Constituição.

156
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

omnipotente para decidir sobre os seus destinos através do MPLA, a quem cabia
a orientação política (art.3.º), no âmbito da revolução.

Lei Constitucional de 1975, denominada por Zeferino Capoco, como uma


Constituição pioneira de um Estado jovem, tem os seus princípios estruturantes
baseados no discurso no discurso da proclamação da independência, proferido
pelo Presidente Agostinho Neto. A Constituição mostra clara preocupação pela
defesa da defesa da soberania nacional, pela consolidação de acções de liber-
tação total do País das sequelas do colonialismo, da dominação e agressão das
forças invasoras do território nacional258.

Na Lei Constitucional de 1975, não incluía preocupações, de forma ex-


pressa, pelas questões sociais, de uma ideia do Estado social de democrático,
mas afirma-se um Estado dirigente de todos os meios de desenvolvimento eco-
nómico que procura implantar o sistema socialista de produção259.

Posteriormente, foram alcançadas algumas conquistas no campo político


e jurídico, sendo dadas em virtude das linhas traçadas pelo Partido dirigente que
se socorre do uso pleno dos seus direitos de soberania: o reforço das alianças
externas de cooperação igualitária com os Estados socialistas, nomeadamente,
Cuba e União Soviética, no plano da defesa e de assistência técnica a quadros
angolanos, dentro das políticas da construção do Estado e das instituições polí-
ticas nacionais260.

4.1.1. As revisões á Lei constitucional de 1975

Com a consagração do Estado Soberano cuja a direcção política cabia ao


MPLA, seu legítimo representante, tendo este o domínio de todos os órgãos do
Estado, era também revestido de poder e legitimidade para proceder à revisão
constitucional, isto é, através do Comité Central do Partido261. A Lei Constitucio-
nal não gozava de limites temporais, caso verificável devido a rapidez com que

258
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 126.
259
Ibidem, pág. 127.
260
Ibidem, pág. 127.
261
CORREIRA, Adérito & SOUSA, Bornito de, Angola: História Constitucional, pág. 23 apud C APOCO, Zefe-
rino, op. cit., 2015, pág. 127.

157
Revisão Constitucional

as alterações eram feitas, obedecendo às circunstâncias do país. Foram feitas,


nomeadamente, 7 revisões à Lei Constitucional de 1975.

A primeira revisão à Lei Constitucional de 1975 acontece ao abrigo da


Lei de Revisão n.º 71/76 de 11 de Novembro. Esta alteração incidiu sobre dois
aspectos fundamentais: o reforço dos poderes do Presidente da República e o
reforço do papel dirigente do MPLA262.

A segunda revisão acontece em menos de um ano. A Lei n.º 13/77, de 7


de agosto, mais uma vez, introduziu novo reforço dos poderes do Presidente da
República. Segundo o art.º 32.º, o Presidente da República tinha competência
para nomear, dar posse e exonerar o Primeiro-Ministro e demais membros do
Governo263.

Quer isto dizer, no entender do ilustre Zeferino Capoco, que ao “Presi-


dente da República era reconhecido um papel interventivo maior no aparelho
governativo que, como acontece em sistemas semi-presidenciais, aquele não
era simples moderador”264.

A terceira revisão constitucional acontece em fevereiro de 1978. Esta


revisão de carácter mais profunda, consagrou princípios importantes do ponto
de vista da estrutura governativa e partidária265.

A quarta revisão dá-se ao abrigo da Lei n.º 1/79. Destacando-se, nesta


nova revisão, a extinção dos cargos de Primeiro-Ministro e Vice Primeiro-Minis-
tro, porém, sem supressão dos artigos relativos a esses cargos266.

4.1.2. Revisão Constitucional de 1980

Trata-se da quinta revisão da Lei Constitucional, introduzida de mais pro-


funda em relação a todas revisões feitas desde 1975. Esta alteração feita e Se-
tembro de 1980, por uma Revolução do Comité Central do MPLA, resultou na

262
Cfr. Ibidem, pág. 128.
263
Ibidem, pág. 128.
264
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 128.
265
Cfr. CORREIRA, Adérito e SOUSA, Bornito de, Angola: História Constitucional, pág. 26 apud C APOCO,
Zeferino, op. cit., 2015, pág. 128.
266
Cfr. Ibidem, pág. 128.

158
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

alteração do Titulo III da LC, cujo objectivo foi aa criação dos órgãos do “Poder
Popular”, da Assembleia do Povo e das Assembleias Populares locais267.

A partir de 1980 o titular do poder de revisão passa ser a Assembleia do


povo. A lei constitucional, contudo, continua a não estabelecer quaisquer limites
de revisão. Isto significa que durante os cinco anos de independência o poder
constituinte foi exercido pelo MPLA.

Decorreram seis anos até se proceder a sexta e a sétima revisão consti-


tucional que teve lugar em fevereiro de 1986 (Lei nº 1/86, de 1 de fevereiro)
constitucionalizando o cargo de Ministro de Estado. No Ano seguinte procedeu-
se a nova revisão (Lei nº 2/87, de 31 de Janeiro), que se traduziu na alteração
da comissão permanente da Assembleia do Povo.

4.2. A IIª República (a Transição Constitucional e a Lei


Constitucional de 1991)

Já vimos que estamos perante a uma Transição constitucional quando


se verifica uma mudança profunda da constituição material podendo permanecer
a constituição instrumental e formal.

Ora, foi o que aconteceu na Lei Constitucional de 1991, deste modo, a Lei
Constitucional de 1991 não foi uma revisão à Lei Constitucional de 1975 como
diz no preâmbulo da Lei de revisão. Com a transição Constitucional, consagrou-
se a IIª República Angolana.

Em rigor, as alterações feitas à Lei Constitucional de 1991 tiveram, como


plano de fundo a mudança do regime e ideologia política do Governo que o Es-
tado vinha seguindo desde a independência.

Com efeito, do ponto de vista político, o texto constitucional de 1991 con-


sagra o pluripartidarismo, constitucionalizando os partidos políticos. O Presi-
dente da República passa a ser eleito por sufrágio universal, directo e secreto.
Além disso, as Forças Armadas são despartidarizadas. Do ponto de vista eco-
nómico, a constituição consagra um sistema assente na economia de mercado.

267
Ibidem, pág. 129.

159
Revisão Constitucional

Como se constata estamos perante uma nova constituição, cujos funda-


mentos políticos e económico já não os da lei constitucional de 1975.

Com a constituição de 1991 nasce um novo Estado, um Estado democrá-


tico de Direito. Mantém-se, contudo, a da constituição instrumental e formal de
1975. Aliás, foi a Assembleia do Povo, eleita na vigência da lei constitucional de
1975, que exerceu o poder constituinte, alterando os fundamentos do Estado,
que ela havia jurado defender268.

Esta transição constitucional tem de ser entendida à luz do processo po-


lítico então decorrente em Angola. As negociações com vista assinatura dos
acordos de paz para Angola e os pré-acordos a que havia chegado entre o MPLA
e a UNITA implicavam uma transição constitucional. A nova lei constitucional foi
publicada à 6 de Maio de 1991, e os acordos de paz foram rubricados a 31 de
Maio do mesmo ano. Podemos afirmar que aprovação da lei constitucional de
Maio de 1991 foi uma pré condição constitucional à assinatura dos acordos de
Bicesse269.

4.2.1. A revisão constitucional de 1992 (Lei nº 23/92, de 16


de Setembro)

A transição constitucional de 1991, procurou consagrar constitucional-


mente em primeiro lugar, as transformações económicas e socias que se viam
verificando no país, sobre tudo com as medidas que se pretendeu, tomar no âm-
bito do S.E.F (Saneamento Económico Financeiro). Em segundo lugar, do ponto
de vista político, o grande objectivo foi a constitucionalização do pluripartidarismo
e a despartidarização das forças armadas, com vista à abertura democrática que
pretendia ampliar a participação dos cidadãos na vida política dos cidadãos na-
cional270.

Após à assinatura dos acordos de Bicesse ficou clara que se iria realizar
as eleições multipartidárias em Setembro de 1992, para a eleição dos deputados

268
CORREIA, Adérito, op. cit., 2011, pág. 92
269
Ibidem, pág 92 e 93.
270
Ibidem, pág. 93.

160
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

ao futuro parlamento e a escolha do Presidente da República, através do sufrágio


universal directo e secreto.

Deste modo tornava-se assim, imprescindível a revisão da Lei constituci-


onal de 1991, tal como havia ficado acordado, não sou com vista a estabelecer
as competências da Assembleia Nacional a ser eleito (incluindo o exercício do
poder constituinte), mas sobre tudo com vista a alterar a designação do Estado,
(deixando de ser República Popular de Angola, passando a ser República de
Angola).

Esta revisão, serviu também para estabelecer o numero de deputados


que fariam parte do órgão legislativo, introduzir também novos artigos no título II
sobre os Direitos e Deveres fundamentais, ampliando substancialmente estes
direitos e correspondentes garantias. Introduzir alterações de fundo as normas
sobre a organização e o funcionamento do Estado e finalmente, estabelecer nor-
mas sobre a fiscalização da constitucionalidade271.

No tocante ao poder de revisão, introduzem-se, pela primeira vez na his-


tória constitucional de Angola, normas sobre o procedimento e forma da revisão
constitucional. Prevendo-se a realização de eleições presidências e legislativas,
como já foi salientado, a lei de revisão ditou também as normas transitórias rela-
tivas aos Órgãos de Soberania e outros órgãos previstos constitucionalmente,
mas ainda não criados272.

No âmbito do sistema eleitoral, urge ainda sublinhar, que os partidos po-


líticos […] concorrem para a organização e para a expressão da vontade dos
cidadãos, participando na vida política e na expressão do sufrágio universal, por
meios democráticos e pacíficos (art.º 4.º, n.º 1)273.

Desta feita, acontecia, pela primeira vez em Angola, as eleições presiden-


ciais e legislativas realizadas nos dias 29 e 30 de Setembro do mesmo ano, o
primeiro exercício da soberania do povo (videm ao art.º 3.º da LC de 1992), com

271
Ibidem, pág. 93
272
Ibidem, pág. 93.
273
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 132

161
Revisão Constitucional

expressão da vontade para a designação dos titulares do poder político. Nas


eleições presidenciais de 1992, os resultados foram as seguintes274:

Nome do candidato Percentagem de votos Resultados finais


José Eduardo dos San- 49% 2.ª Volta
tos (nunca realizada)
Jónas Malheiro Savimbi 41%
Outros candidatos 10% Não eleitos

No tocante as eleições legislativas, registou-se a vitória por maioria abso-


luta do MPLA (54% dos votos), enquanto que o maior partido da oposição aa
UNITA, obteve 34% dos votos. A UNITA não aceitou os resultados tanto das
eleições presidenciais como das eleições legislativa, sendo assim houve o re-
torno do conflito armado, que consequentemente, causou um grande retrocesso
ao processo de democratização e do ponto de vista constitucional houve uma
estagnação275.

Esta situação levou ao prolongamento das funções da Assembleia e do


Governo eleitos em 1992 até à normalização da situação política que tornou pos-
sível as novas eleições gerais de Setembro de 2008.

5. A Constituição da República de Angola de 2010

A Constituição de Angolana de 2010 tem uma estrutura que contém uma


unidade textual que é suporte da sua unidade normativa, sendo assim uma cons-
tituição unitextual276.

5.1. Procedimento Constituinte

Primeiramente, passemos a um breve estudo da feitura da actual Consti-


tuição e posteriormente, veremos a sua estrutura sistemática.

274
Ibidem, pág. 132
275
Cfr. Ibidem, pág. 132.
276
Ibidem, pág. 136.

162
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

O processo para elaboração da Constituição de Angola de 2010 demons-


trou ser um procedimento diferente e mais solene do que qualquer outro proce-
dimento, normalmente, usada para os actos legislativos ordinários. Só isto é sinal
de que se tratou de uma Lei superior de carácter programático de toda actividade
político-jurídica do Estado, como é a natureza da Constituição escrita277.

Para elaboração da Constituição de 2010 foi necessário a apresentação


de propostas de anteprojecto à Assembleia Nacional pelos partidos políticos com
assento parlamentar. Os anteprojectos foram entregues a uma Comissão Cons-
titucional, composta por 45 Deputados selecionados de todos os partidos repre-
sentados na Assembleia Nacional, encarregues de elaborar a Constituição atra-
vés da fusão das propostas dos partidos. Dessa fusão, resultaram três projectos
(A, B e C). Cada um destes projectos constitucionais consagrava um sistema
político de governo278.

A proposta A - consagrava o sistema de governo presidencialista; a pro-


posta B – consagrava o Semipresidencialismo e a proposta C – consagrava o
Presidencialismo Parlamentar ou Presidencialismo atípico279.

A Comissão Constitucional, aprovou a anteprojecto ou a proposta C,


sendo assim a Constituição da República de Angola de 2010 resultou da adop-
ção do projecto C, consagrando o sistema de governo presidencialista –parla-
mentar, com amplos poderes concentrado na figura do Presidente da Repú-
blica280.

5.2. Estrutura sistemática da Constituição de 2010

Do ponto de vista sistemático, a actual Constituição angolana apresenta


a seguinte estrutura:

1.º) O preâmbulo, indica as linhas gerais, objectivos e intenções que mo-


tivaram a feitura ou aprovação da Constituição, bem como a identidade do titular

277
Cfr. Ibidem, pág. 136.
278
Ibidem, pág. 136.
279
POULSON, Lazarino, Pensar Direito, vol. III, 2009, pág. 49.
280
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 137.

163
Revisão Constitucional

do poder constituinte que, doutrinalmente, é a Nação ou o povo (We, the People)


através do seu representante (Assembleia Constituinte)281.

2.º) O texto da Constituição, compreende o conjunto de artigos da Cons-


tituição, ou seja, o Conjunto de artigos encontrados em Títulos, Capítulos e sec-
ções, agrupados segundo a matéria que regulam, bem como os anexos que são
disposições de carácter técnico que, pela sua importância política, figuram na
Constituição (Bandeira Nacional, Insígnia e o Hino Nacional).

De forma sistemática a Constituição de 5 de Fevereiro de 2010 apresenta


a seguinte estrutura:

Preâmbulo
Titulo I – Princípio Fundamentais (art.º 1.º - 21.º)
Titulo II – Direitos e Deveres Fundamentais (art.º 22.º - 88.º)
Capítulo I – Princípios Gerais (art.º 22.º - 29.º)
Capítulo II – Direito, Liberdades e Garantis Fundamentais (art.º 30.º -
75.º)
Secção I – Direitos e Liberdades individuais e colectivas (art.º 30.º - 55.º)
Secção II – Garantia dos direitos e liberdades fundamentais (art.º 56.º -
75.º)
Capítulo III – Direitos e Deveres económicos., sociais e culturais (art.º
76.º - 88. º)

Titulo III – Organização económica, financeira e fiscal (art.º 89.º - 104.º)


Capítulo I – Princípios gerais (art.º 89.º - 98.º)
Capítulo II – Sistema financeiro e fiscal (art.º 99.º - 104.º)

Título IV – Organização do poder do Estado (art.º 105.º - 197.º)


Capítulo I – Princípios gerais (art.º 105.º - 107.º)
Capítulo II – Poder executivo (art.º 108.º - 140.º)

281
Ibidem, pág. 138.

164
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Secção I – Presidente da República (art.º 108.º - 112.º)


Secção II – Mandato, posse e substituição (art.º 113.º - 116.º)
Secção III – Competência (art.º 117.º - 126.º)
Secção IV – Responsabilidade, auto-demissão e vacatura do Presidente
da República (art.º 127.º - 133.º)

Secção V – Órgãos auxiliares do Presidente da República (art.º 134.º -


136.º)

Secção VI – Actos, incompatibilidade e responsabilidade dos Ministros de


Estados, Ministros Secretários de Estados e Vice-Ministros (art.º 137.º -136.º)

Capítulo III – Poder Legislativo (art.º 141.º 173.º)


Secção I – Definição, estrutura, composição e eleição (art.º 141.º 146.º)
Secção II – Estatuto dos Deputados (art.º 147.º - 154.º)
Secção III – Organização e funcionamento (art.º 155.º - 159)
Secção IV – Competência (art.º 160.º - 165.º)
Secção V – Processo Legislativo (art.º 166.º - 173.º)
Capítulo IV – Poder judicial (art.º 174.º - 179.º)
Secção I – Princípios gerais (art.º 174.º - 179.º)
Secção II – Tribunais (art.º 180.º - 184.º)
Secção III – Ministério Público (art.º 185.º - 191.º)
Secção IV – Instituições essenciais à justiça (art.º 192.º - 197.º)

Titulo V – Administração Pública (art.º 198.º - 212.º)


Capítulo I – Princípios gerais (art.º 198.º - 201.º)
Capitulo II – Segurança nacional (art.º 202.º - 205.º)
Capítulo III – Defesa Nacional e Forças Armadas (art.º 206.º - 208.º)
Capítulo IV – Garantia da Ordem e Polícia Nacional (art.º 209.º - 210.º)
Capítulo V – Preservação da segurança do Estado (art.º 211.º - 212.º)
Titulo VI – Poder Local (art.º 213.º - 225.º)
Capítulo I – Princípios gerais (art.º 213.º - 216.º)

165
Revisão Constitucional

Capítulo II – Autarquias Locais (217.º - 222.º)


Capítulo III – Instituições do poder tradicional (art.º 223.º - 225.º)

Titulo VII – Garantias da Constituição e controlo da Constitucionalidade


(art.º 226.º - 237.º)
Capítulo I – Fiscalização da Constitucionalidade (art.º 226.º - 232.º)
Secção I – Princípios gerais (art.º 226.º - 227.º)
Secção II – Fiscalização abstrata preventiva (art.º 228.º - 229.º)
Secção III – Fiscalização abstrata sucessiva (art.º 230.º - 232.º)

Titulo VIII – Disposição finais transitórias (art.º 238.º - 244.º)

6. A Constituição da República de Angola de 2010: IIª ou


IIIª República?

Com a criação e a entrada em vigor da Constituição de 2010, tem emer-


gido vários debates concernente em que República estamos. A doutrina ango-
lana tem maioritariamente advogado que com a entrada em vigor da Constituição
de 2010, Angola encontra-se na IIIª República, em contrapartida poucos autores,
inclusive, Bacelar Gouveia, advogam que mesmo com a entrada em vigor da
Constituição de 2010, Angola continua na IIª República.

Antes de frisamos sobre o assunto e consequentemente dizer qual das


posições defendemos, vejamos antes quando é que se consagra uma nova Re-
pública.

Ora bem, consagra-se uma nova República, quando surge uma nova
Constituição que possui mudanças profundas a da anterior Constituição.

Todas as Constituições, como vimos, possuem limites de revisão Consti-


tucional, tais limites defendem o sene ou a estrutura fundamental do país e caso
elas sejam alteradas, mudariam os parâmetros fundamentais do Estado, como:
o Regime de Governo, forma de Estado, o princípio de relação dos órgãos de

166
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

soberania, etc. Quando isto, acontecer, estaremos perante a uma transição ou


ruptura constitucional e consequentemente diante de uma nova República.

Agora a questão que se coloca é: será que com a entrada em vigor da


Constituição de 2010, o Estado angolano passou para a IIIª República ou conti-
nua na IIª República?

O celebre constitucionalista Raul Araújo, advoga que com a entrada em


vigor da Constituição de 2010, o Estado angola passou para IIIª República, ou
seja, no entender do emblemático constitucionalista a Constituição de 2010,
trouxe várias mudanças no eu texto constitucional do ponto de vista do sistema
social, no regime político e no sistema económico, mudanças estas, que não se
verificavam no texto constitucional de 1992. Sendo assim, nota-se a passagem
de uma República para outra.

Ao contrário deste, o prof. Bacelar Gouveia não crê que o aparecimento


da CRA tenha determinado a mudança para uma III República, mais o autor não
apouca a importância do novo texto constitucional282.

Para Bacelar Gouveia, o texto constitucional de 2010 segue as linhas ori-


ginalmente traçadas pela Lei Constitucional de 1992, ou seja, a Constituição de
2010 manteve a identidade constitucional ou as características inauguradas em
1992, apenas esta, sofreu um aprofundamento jurídico-constitucional.

Quanto a nós, corroboramos com a posição tomada pelo prof. Bacelar


Gouveia.

Para nós a Constituição de 2010, trouxe sim novas mudanças que não se
verificavam no texto constitucional de 1992, mas há que se ter em conta, que o
texto constitucional de 2010 não extrapolou nenhum dos limites revisão consti-
tucional consagrados na Lei constitucional de 1992 e como frisamos acima, não
se pode falar de transição ou ruptura constitucional, quando não se viola os limi-
tes de revisão constitucional.

282
GOUVEIA, Jorge Bacelar, op. cit., 2012, pág. 124 e ss.

167
Revisão Constitucional

Mesmo com a mudança do sistema de governo, que antes era semipresi-


dencialista passando a ser presidencialista-parlamentar, não houve transição
nem uma ruptura constitucional, porque esta matéria nunca esteve protegida ao
nível dos limites materiais de revisão constitucional de 1992.

Sendo assim, para nós o Estado angolano continua na IIª República, a


Constituição de 2010 apenas trouxe um aprofundamento das matérias jurídico-
constitucional de 1992. Mas não obstante disso, é necessário aqui salientar que
todos são livres de escolher a sua posição, basta saber como fundamenta-la.

168
CAPITULO VII

CONTROLO E GARANTIA DA CONTITU-


CIONALIDADE
Chegamos a um tema bastante pertinente e mais cobrados aos estudan-
tes de Direito. Nomeadamente este capitulo concentrar-se-á na questão das in-
constitucionalidades e a fiscalização da constitucionalidade, temas estes
que constituem uma problemática a nível mundial.

Vale ainda ressalvar, que os temas em destaques contêm vários concei-


tos próprios, peculiares, que fogem totalmente ao nosso dia a dia, por isso, no
estudo desse capítulo, mais do que nunca a nossa missão será de aproximar as
matérias de controlo e garantia da constitucionalidade ao nosso cotidiano, utili-
zando exemplos práticos, pois só assim tais conceitos serão, de facto entendidos
(e não meramente decorados!).

Tendo dito isso, vamos então partir neste estupendo e maravilhoso tema.

169
Controlo e Garantia da Constitucionalidade

1. Inconstitucionalidade das Leis

De uma forma simples, entende-se por Inconstitucionalidade “como um


desrespeito à Constituição”283, ou seja, quando uma norma ou um acto desres-
peita a Constituição.

Este desrespeito à Constituição, porém, poderá advir de diferentes com-


portamentos, por parte dos órgãos públicos.

1.1. Tipos de Inconstitucionalidade

O desrespeito à Constituição poder manifestar-se de vários modos e gerar


por isso diversos tipos de inconstitucionalidade, neste caso destacam-se as se-
guintes:

1.1.1. Inconstitucionalidade por Acção e por Omissão

A inconstitucionalidade por acção resulta quando se dá a desconformi-


dade resultante da actuação de um órgão do poder, ou seja, quando um acto
viola um preceito ou princípios constitucionais.

Por exemplo: o Presidente da República nomeia 10 deputados à Assem-


bleia Nacional.

A inconstitucionalidade por acção pode ser:

a) Material: resulta da contrariedade do conteúdo de uma lei com a


constituição. Por exemplo: Elaboração de uma lei prevendo a pena de
morte, esta lei violaria o conteúdo constitucional nomeadamente o ar-
tigo 59 da CRA;

b) Formal: ocorre quando a um desrespeito ao processo legislativo da


elaboração da norma, seja no tocante a competência para legislar,
seja no tocante no procedimento legislativo em si. Por exemplo: A en-
trada em vigor de uma Lei, sem antes ser promulgada pelo Presidente
da República;

283
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo & DIAS, Frederico, op. cit., 2013, pp.

170
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

c) Orgânica: ocorre quando um acto normativo provém de um órgão


constitucionalmente incompetente para o efeito284, ou seja, ocorre do
descumprimento de uma regra de competência para legislar, por
exemplo, um decreto versando sobre os impostos, matéria de compe-
tência não para o conselho de ministro, mas sim na Assembleia Naci-
onal).

A Inconstitucionalidade por omissão resulta de uma lacuna do legisla-


dor na regulamentação de um direito previsto na Constituição ou um acto insufi-
ciente de um órgão do Estado.

Por exemplo: no modelo de Governo em que a figura de Primeiro-Ministro


coexiste com a de Presidente da República, se este não nomear aquele há in-
constitucionalidade por omissão.

1.1.2. Inconstitucionalidade Total e Parcial

A inconstitucionalidade total é aquela que abrange toda lei (por exemplo,


quando todas as normas ou artigos de uma determinada lei são declaradas in-
constitucionais).

A inconstitucionalidade parcial é aquela que somente atinge uma parte


da lei (por exemplo, somente o art.º 10 de uma determinada lei é declarado in-
constitucional).

1.1.3. Inconstitucionalidade Directa e Indirecta

A inconstitucionalidade directa, resulta quando uma norma inferior viola


directamente a Constituição ou os princípios Constitucionais285. Dito de outro
modo, ocorre quando actos primários (nomeadamente as Lei da Assembleia Na-
cional), desrespeitam a Constituição. Por exemplo, a elaboração de uma Lei da
Assembleia Nacional que viola ou desrespeita a Constituição).

284
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 150
285
Cfr. Ibidem, pág. 149.

171
Controlo e Garantia da Constitucionalidade

A inconstitucionalidade indirecta ocorre quando à Constituição não é vio-


lada directamente, isto é, quando a norma infraconstitucional viola outra norma
a que a Constituição confere um valor superior (ilegalidade).

Por exemplo, se um decreto “X” contrariar directamente uma Lei “y” estará
a contrariar concomitantemente a Lei e a Constituição. Diante do caso dar-se-á
uma mera inconstitucionalidade indirecta (ou reflexa), pois a violação que o de-
creto atingiu não foi directa à Constituição.

1.1.3. Inconstitucionalidade Imediata e Derivada

A inconstitucionalidade imediata é quando a declaração da inconstitu-


cionalidade de uma Lei regulamentada não leva a invalidade de outras Leis re-
gulamentadoras. Por exemplo se existir duas leis que versam sobre a mesma
matéria e posteriormente declara-se a inconstitucionalidade de uma delas, a lei
que será revogada será a lei que se decretou a sua inconstitucionalidade.

Por sua vez a inconstitucionalidade derivada, ocorre quando a declaração


da inconstitucionalidade de uma Lei regulamentada leva a invalidade ou revoga-
ção das Leis regulamentadores. Por exemplo, se existir duas leis que tratam so-
bre a mesma matéria e posteriormente declara-se a inconstitucionalidade de
uma delas e se verificar que a outra também pode vir a estar em desconformi-
dade com a Constituição, está deixa automaticamente de produzir efeitos, a de-
claração da inconstitucionalidade desta atinge, por derivação.

1.1.4. Inconstitucionalidade Originária e Superveniente

A inconstitucionalidade originária é aquela que se verifica no momento


da nascença da norma, isto é, uma norma infraconstitucional contraria a norma
de uma Constituição que lhe é anterior.

A inconstitucionalidade superveniente resulta de incompatibilidade en-


tre a lei e o texto constitucional futuro (futura Constituição ou futura emenda à
Constituição), ou seja, quando uma norma ordinária, inicialmente constitucional,
se torna inconstitucional por entra em vigor uma constitucional que a contraria.
Só releva se for material.

172
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

O esquema abaixo organiza os tipos de inconstitucionalidade

Por acção Quanto um acto ou a elaboração de uma lei contrariar a Constituição

Resulta quando se dá a desconformidade resultante da actuação de um órgão do


poder ou quando um órgão do poder público deve praticar um acto e não o pra-
Por omissão tica.

Material Ocorre quando o conteúdo da lei desrespeita a Constituição

Formal Ocorre quando há desrespeito ao processo legislativo de elaboração da norma

Ocorre na pratica de um acto por parte de um órgão do poder público quando a


Orgânica Constituição não o confere poder para tal

Total Alcança toda lei

Parcial Atinge parte da lei

Tipos de Incons- Directa Ocorre quando uma norma inferior viola a Constituição
titucionalidade
Ocorre quando a Constituição é violada por actos infra
Indirecta legais

Ocorre quando a declaração da inconstitucionalidade


da norma regulamentada (primária) não leva a invali-
Imediata dade das normas regulamentadoras (secundárias)

Ocorre quando a declaração da inconstitucionalidade da


norma regulamentada (primário) leva ao automático e inevitá-
vel reconhecimento da invalidade das normas regulamentado-
Derivada ras (secundárias) que haviam sido expedidas em razão dela

Originária Resulta do confronto da lei com a Constituição vigente

Resulta do confronto da lei com a Constituição futura


Superveniente

173
Controlo e Garantia da Constitucionalidade

2. Fiscalização da Constitucionalidade e legalidade

Antes de mais, é necessário reconhecer que uma fiscalização visa sempre


apurar a conformidade das leis ou dos actos dos órgãos do poder Público com a
Constituição, ou seja, a fiscalização visa, mormente, contrariar a pratica de actos
desconformes ou irregulares, como pressiona a que as diferentes estruturas, su-
jeitos passivos de uma relação de controlo, atuem de acordo com o constitucio-
nal ou legalmente estabelecido e tendo com vista o interesse público definido
pelo poder político. No plano dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade,
advoga-se a chamada ressalva dos casos julgados:

O princípio assim enunciado significa que a declaração de inconstitucio-


nalidade com força obrigatória geral não de per se a nulidade das sentenças nela
fundadas e não constituir fundamento autónomo da sua revisão.

Podem reter-se dois aspectos:

Em primeiro lugar, que a inconstitucionalidade da lei aplicada não impede


que a respectiva sentença transite em julgado. E, se isto é assim mesmo quando
a inconstitucionalidade e reconhecida por decisão com eficácia erga omnes, a
mesma conclusão impõem-se por maioria da razão, nos de mais casos. Por isso,
embora esteja pensada para os efeitos da declaração da inconstitucionalidade
com força obrigatória geral referência aos números 1 e 2 dos artigos 231.º sobre
os casos julgados que têm força obrigatória geral.

Noutros aspectos, a ressalva dos casos julgados revela em segundo lu-


gar, que a declaração de inconstitucionalidade com força geral não constitui qual-
quer fundamento autónomo de revisão das sentenças firmes 286.

Sobre a questão da ressalva dos casos julgados, há que evocar também


o n.º 3 do art.º 231.º da CRA, estatuindo que “ficam ressalvados os casos julgado
s, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respei-
tar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de
conteúdo menos favorável ao arguido”.

286
MEDEIROS, Rui, A Decisão de Inconstitucionalidade, 1999, pág. 49 apud C APOCO, Zeferino, op. cit.,
2015, pág. 151.

174
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

No tocante a estas matéria leva-se sempre em consideração a norma que


seja mais favorável ao arguido.

2.1. Os Órgãos de Fiscalização da Constitucionalidade

Para o controlo da Fiscalidade a doutrina debruça vários órgãos de con-


trolo da fiscalização da constitucionalidade consagrados em vários ordenamen-
tos jurídico-constitucionais. Tais são:

I. Controlo político, para os teóricos e os revolucionários do século


XVIII o povo deve ser o principal fiscal da observância da constituição e a san-
são contra o não cumprimento dessa lei é a revolta ou insurreição contra os ór-
gãos de soberania287. Desta forma estamos perante a um modo de controlo po-
litico, se bem que este não estivesse entregue a nenhum órgão. A Criação
deste é proposto por Sieyés, que defende a ideia de confiar a um órgão político
a salvaguarda da Constituição. Para Sieyés o controlo da constitucionalidade
deve ser confiado a um corpo de representantes, a um “jurie constitutiomaire”.
Com base nesta proposta é criada na França o Senado ao qual, lhe incumbe a
missão de “conservar a Constituição. Sendo assim, no Século XIX, predomi-
nantemente na Europa, o controlo político, passou a ser feito por órgãos políti-
cos, assembleias legislativas ou outros órgãos

II. Controlo Jurisdicional ou difuso, neste sistema de controlo a fiscali-


zação é levada a cabo por todos os juízes, como nos E.U.A. Nos E.U.A todo e
qualquer juiz, qualquer tribunal pode recusar-se a aplicar uma norma que consi-
dere inconstitucional num litígio que tenha de dirimir. É necessário realçar, que
além de um controlo difuso, trata-se de um controlo incidental e um controlo con-
creto.288 O controlo jurisdicional pode ainda ser levado a cabo por um único órgão
jurisdicional, que pode ser o Tribunal Supremo, como na Áustria (sistema con-
centrado ou austríaco), a partir de 1920 ou Tribunal Constitucional especial-
mente criado para esse efeito, como na Alemanha Federal, a partir de 1949 ou
na Itália, a partir de 1947.

287
CORREIA, Adérito, op. cit., 2011, pág. 108
288
Ibidem, pág. 108

175
Controlo e Garantia da Constitucionalidade

III. Controlo misto, neste sistema de controlo a fiscalização é exercida


pelos órgãos políticos e pelos órgãos judiciais. Os órgãos políticos fiscalização
certas matérias e os órgãos jurisdicional fiscaliza as outras matérias289.

Em Angola, o ordenamento jurídico angolano, estabelece um sistema de


fiscalização do tipo misto, abstracto e concreto da constitucionalidade das nor-
mas jurídicas, mediante o papel activo e de arbitragem pelo Tribunal Constituci-
onal (art.º 180.º, n.º 2 da CRA). Fundamentaremos isso mais adiante.

2.2. Fiscalização da Constitucionalidade quanto ao modo


de impugnação

Trata-se aqui de técnicas de controlo jurisdicional da constitucionalidade


depois da lei entrar em vigor e ser aplicada em um determinado litígio, este tipo
de fiscalização pode ser por via de acção ou principal, por via de excepção ou
incidental, por via abstracta e por via concreta290.

1ª Fiscalização por via de acção ou por via principal

Nesta modalidade os cidadãos ou certas entidades podem contestar um


acto normativo inconstitucional independentemente da existência de qualquer li-
tígio. O controlo por via de acção opera, portanto, no quadro de um processo
intentado directamente contra lei que se entende ser inconstitucional, com vista
a obter a sua anulação291.

Esta técnica não é empregada muito frequentemente e tem como objec-


tivo obter a anulação de uma lei lesada de inconstitucionalidade.

2ª Fiscalização por via de excepção ou incidental

A inconstitucionalidade por via excepcional ou incidental é invocada no


decurso de uma acção submetida à apreciação dos tribunais. Diferente da fisca-
lização por via de acção ou principal, a fiscalização por via excepcional ou inci-

289
CAPOCO, Zeferino, op. cit., 2015, pág. 153.
290
CORREIA, Adérito, op. cit., 2011, pág. 111.
291
Ibidem, pág. 111.

176
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

dental, só é invocada quando há existência de qualquer litígio. Ou seja, o meca-


nismo é o seguinte: um processo opõe duas partes. Uma delas invoca um texto
legalmente favorável à sua causa; a parte contrária requer ao juiz a não aplica-
ção das normas constantes desse documento legal, por serem contrárias à
Constituição.

Em termos técnicos diz-se que o segundo litigante levanta a excepção da


inconstitucionalidade. A questão da inconstitucionalidade é, portanto, levantada
incidentalmente.

Diz-se fiscalização por via incidental, na medida em que a inconstitucio-


nalidade surge a título de incidente processual, ou seja, há um desvio da trami-
tação normal do processo.

Nestes termos, o juiz deve antes de julgar o fundo do litígio, decidir sobre
a inconstitucionalidade da lei contestada. Pronuncia, assim, uma primeira deci-
são sobre a constitucionalidade da lei e depois, com base nesta primeira decisão,
julga a questão de fundo do processo. A outra parte pode recorrer, podendo a lei
ser definitivamente julgada quanto à sua constitucionalidade. Assim, o juiz não
anula a lei, limita-se a declarar que a mesma ´inconstitucional e que, portanto,
não se aplica ao processo em causa e às partes em litígio nesse processo. Por-
tanto, a lei continua em vigor até ser anulada pelo órgão competente, apesar de
reconhecida como inconstitucional. O juiz limita-se a não aplicar ao caso con-
creto. A decisão tem, portanto, eficácia inter partes292.

3ª Fiscalização por via abstracta

Na fiscalização ou controlo abstrato a impugnação da constitucionalidade


de uma lei é feita independentemente de qualquer litígio concreto. Não estamos,
portanto, perante a um processo contraditório de partes, trata-se de um processo
que visa a defesa da constituição através da eliminação de actos normativos
contrários à mesma. É, assim, um processo objectivo, daí que a legitimidade
para solicitar esta fiscalização ou controlo é geralmente reservada a um número
restrito.

292
Ibidem, pág. 111.

177
Controlo e Garantia da Constitucionalidade

4ª Fiscalização por via concreta

Este modo de fiscalização está relacionado ao controlo jurisdicional di-


fuso. O controlo concreto é a concretização da ideia americana da juricial review:
qualquer tribunal que tem de decidir um caso concreto está obrigado, em virtude
da sua vinculação pela constituição, a fiscalizar se as normas aplicadas ao caso
são ou não válidas293.

2.3. Fiscalização da Constitucionalidade quanto ao mo-


mento em que é feita

A Constitucionalidade pode ser feita antes de entrar em vigor (fiscalização


preventiva) ou depois de estar em vigor (fiscalização sucessiva).

1ª Fiscalização Preventiva

É a fiscalização levada a cabo antes de as normas serem publicados no


Diário da República e concomitantemente estarem em vigor. As normas em
causa ainda não existem como tais. O Tribunal Constitucional, conforme o caso,
é chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade das normas antes da
promulgação das mesmas, com vista a impedir que sejam promulgados diplo-
mas com normas inconstitucionais.

2ª Fiscalização Sucessiva

A fiscalização sucessiva tem por objecto examinar normas já pertencentes


à ordem jurídica, normas já publicadas no Diário da República de modo a evitar
que normas inconstitucionais permaneçam em vigor.

2.4. Natureza e Efeitos do Juízo de Inconstitucionalidade

- Efeitos gerais e efeitos particulares

Estamos perante a um efeito geral ou com força obrigatória geral de in-


constitucionalidade, quando o acto ou norma é eliminado do ordenamento jurí-
dico e deixa de produzir efeitos para todos os casos e para todas as pessoas.

293
Ibidem, pág. 112.

178
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Em contrapartida estamos perante aos efeitos particulares de inconstitu-


cionalidade, quando os tribunais se limitam a desaplicar no caso em juízo as
normas que tenham por inconstitucionais, sem que essa decisão tenha qualquer
influência sobre a vigência da norma, continuando esta em vigor e podendo a vir
a ser aplicada noutro processo.

- Efeitos retroactivos e efeitos prospectivos

Verifica-se o efeito retroactivos de inconstitucionalidade, quando a norma


declarada inconstitucional deixa de produzir efeitos ex tunc, e ao mesmo tempo
que determina efeitos repristinatórios de qualquer norma eventualmente revo-
gada pelo acto normativos ora declarado inconstitucional294.

Dito de outro modo, os efeitos repristinatórios terão como função pescar


ou resgatar todos os actos normativos anteriormente revogados por causa de
uma outra lei que posteriormente tornou-se inconstitucional, ou seja, este efeito
tem como objectivo devolver o valor normativo de todas as leis que foram revo-
gadas por causa de uma outra lei que depois tornou-se inconstitucional.

Já os efeitos prospectivos, verifica-se quando a declaração da inconstitu-


cionalidade faz com que a norma ou lei inconstitucional deixe de produzir efeitos
ex nunc295, ou seja, a partir do momento da sua declaração. Ou seja, os efeitos
prospectivos não resgatam as normas que anteriormente forma revogas por
causa de uma outra norma que posteriormente tornou-se inconstitucional.

- Efeitos na inconstitucionalidade por acção e por omissão

A declaração da inconstitucionalidade por acção elimina a inconstitucio-


nalidade a norma ou acto inconstitucional, repondo a legalidade constitucional.

Já a declaração de inconstitucionalidade por omissão te eficácia mera-


mente declarativa e não condenatória, limitando-se o Tribunal Constitucional a
verificar o não cumprimento da Constitucionalidade por falta de adopção de me-
didas legislativas.

294
Ibidem, pág. 113.
295
Ibidem, pág. 113.

179
Controlo e Garantia da Constitucionalidade

- Efeitos na fiscalização preventiva e sucessiva

Na fiscalização preventiva as normas em causa não existem enquanto


tais. A apreciação do Tribunal Constitucional diz respeito ao processo de forma-
ção das mesmas. A sua função é impedir que o Presidente da República promul-
gue diplomas com normas inconstitucionais296.

Na fiscalização sucessiva estamos perante normas já pertencentes à or-


dem jurídica e a sua função é eliminá-las. Aqui o Tribunal Constitucional declara
a inconstitucionalidade com força obrigatória geral ou, juntamente com os de-
mais tribunais, julga as normas inconstitucionais, com que elas não podem ser
aplicadas297.

- Efeitos de fiscalização abstrata e concreta

Na fiscalização abstrata a declaração de inconstitucionalidade tem efeitos


gerais, com a consequente invalidação dessa norma e a impossibilidade de ela
continuar a ser aplicada por qualquer tribunal ou autoridade298.

Na fiscalização concreta, os tribunais limitam-se a desaplicar no caso em


juízo as normas que tenham por inconstitucionais, sem que essa decisão tenha
qualquer influência sobre a vigência abstrata da norma, continuando esta em
vigor e podendo a vir a ser aplicada noutro processo, se for o entendimento do
tribunal competente299.

3. Fiscalização da Constitucionalidade na CRA de 2010

Entende-se que, no ordenamento jurídico angolano, estabelece-se um


controlo de fiscalização do tipo misto, abstrato e concreto, assim como já foi sa-
lientado anteriormente.

Segundo a Lei Fundamental angolana, “a validade das leis e dos demais


actos doestado, da administração pública e do poder local depende da sua con-
formidade com a Constituição” (art.º 226.º, n.º 1). Assim “são inconstitucionais

296
Ibidem, pág. 113.
297
Ibidem, pág. 114.
298
Ibidem, pág. 114.
299

180
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

as leis e os demais actos (do poder) que violem os princípios e normas consa-
grados na Constituição” (art.º 226.º, n.º 2).

A competência apreciativa e declarativa é reservada ao Tribunal Consti-


tucional, nos termos do art.º 230.º, n.º 1, estatuído que o Tribunal Constitucional
aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade1 de qual-
quer norma.

Mas a pronúncia de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional não


significa que este órgão sane a inconstitucionalidade detectada na norma assim
declarada, senão que o Tribunal devolva a referida norma ao órgão de proveni-
ência desta para expurgar o vício, conformando-a deste modo, à norma superior.

A Constituição consagra no Título VII dois institutos de fiscalização assim


dispostos: na Secção II, dispondo a fiscalização abstracta preventiva, e, na Sec-
ção III, a fiscalização abstracta sucessiva.

- A fiscalização abstracta preventiva da constitucionalidade: o art.º


228.º indica dois órgãos com poderes para solicitar a fiscalização preventiva das
normas jurídicas. Tais competências reservam-se:

Primeiramente, ao Presidente da República, que pode usa-las sempre


que estiver perante “uma dúvida” ou para melhor se certificar da constitucionali-
dade dos diplomas que lhe sejam submetidos par promulgar, ratificar ou assinar.

Em segundo, o n.º 2 do mesmo artigo atribui poder de requer a apreciação


preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de diploma legal
submetido à promulgação aos Deputados NA, indicando-se a respectiva maioria
definida em “um décimo dos Deputados em efectividade de funções”.

Devemos concluir das disposições em análise que a fiscalização da cons-


titucionalidade é preventiva quando é feita antes de a norma ser promulgada,
ratificada e assinada pelo Presidente da República, devendo ser requerida tal
apreciação no prazo de vinte dias a contar da data da recepção do diploma legal
(nos termos do n.º 3 do art.º 228.º).

Quanto aos seus efeitos, a fiscalização preventiva tem um carácter sus-


pensivo da norma declarada inconstitucional, isto é, impeditivo por acto do veto

181
Controlo e Garantia da Constitucionalidade

pelo Presidente da República, sendo devolvida ao órgão que a aprovou, de


acordo com o art.º 229.º. Neste caso, o n.º 2 do mesmo artigo sugere o “efeito
correctivo” da norma declarada inconstitucional, que depois de devolvida ao ór-
gão que a emitiu deve este expugnar a norma julgada inconstitucional (n.º 3).

- A fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade: a fiscali-


zação sucessiva é um procedimento posterior à entrada em vigor de diplomas
legais e pode incidir sobre aqueles que tenham sido fiscalizados preventiva-
mente ou sobre os que não passaram pelo acto de fiscalização prévia. Visa, por
isso, detectar eventuais desconformidades ou violações contra a Constituição
que tenham passado despercebidas quer ao legislador, quer ao Presidente da
República no acto da promulgação.

Devemos notar que a entrada em vigor de diploma legais promulgados,


ratificados ou assinados pelo Presidente da República não é, por si só, a garantia
total da pureza constitucional das normas contantes em tais diplomas legais.

Os órgãos com legitimidade para requer a fiscalização sucessiva, assim


designados conformes o n.º 2 do artigo 230.º da CRA em apreço:

a) O Presidente da República;
b) Um décimo dos Deputados à Assembleia Nacional em efectividade de
funções (desempenhado, desta forma, um aspecto da função fiscali-
zadora e legislativa do órgão que represento);
c) Os Grupos Parlamentais (como órgão da NA competência para apre-
sentar propostas de leis, traduzindo o requerimento num aspecto de
alteração de diplomas);
d) O Provedor-Geral da República (na qualidade de órgão do Estado de-
sempenhado a função de representar o Estado nos termos do n.º 1 do
art.º 189.º);
e) O Provedor de Justiça (exercendo, como entidade pública indepen-
dente, uma função de defesa dos direitos, liberdades e garantias, nos
termos dos n.os 1 e 4 do art.º 192.º);
f) A Ordem dos Advogados de Angola (como instituição essencial à ad-
ministração da justiça como estatui o n.º 1 do art.º 193.º).

182
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

4. Recurso de inconstitucionalidade

Recurso é o meio para submeter uma decisão judicial a uma nova apreci-
ação por um tribunal superior (no caso em concreto, o Tribunal Constitucional).
Urge ainda realçar que só pode haver recurso, se a questão de inconstituciona-
lidade foi suscitada durante o processo, tendo o juiz a possibilidade de sobre ela
decidir, caso contrário não é admitido o recurso para o Tribunal Constitucional.

O recurso de inconstitucionalidade pode ser: ordinário ou extraordiná-


rio.

a) Recurso ordinário de inconstitucionalidade: estes recursos têm na-


tureza incidental e apenas podem ser apreciados pelo Tribunal Cons-
titucional após sentença final proferida pelo Tribunal da causa300. Po-
dem ser objecto de recurso ordinário de inconstitucionalidade as sen-
tenças dos que:

- Se recusem à aplicação de qualquer norma com fundamento em incons-


titucionalidade;

- Apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante


o processo;

- Apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal


Constitucional;

- Se recusem à aplicação de norma com fundamento na violação pela


mesma de uma convenção internacional de que Angola seja parte;

- Apliquem norma constante de convenção internacional em desconformi-


dade com acórdão anteriormente proferido pelo Tribunal Constitucional.

Para interpor este tipo de recurso, a Lei atribui legitimidade ao Ministério


Público e as pessoas envolvidas no processo em causa, desde que como antes
frisamos, tenham suscitado a inconstitucionalidade perante o tribunal que profe-
riu a decisão recorrida e em termos de este estar obrigado a dela conhecer.

300
ARAÚJO, Raul, Introdução ao Direito Constitucional Angolano, 2018, pág. 253

183
Controlo e Garantia da Constitucionalidade

b) Recurso extraordinário de inconstitucionalidade: são objecto


deste tipo de recurso as sentenças dos demais tribunais que conte-
nham fundamento de direito e decisões que contrariem princípio, direi-
tos, liberdades e garantias previstos na CRA, assim como actos admi-
nistrativos definitivos e executórios que contrariam princípios, direitos,
liberdades e garantias previstos na Constituição301.

Os recursos extraordinários de inconstitucionalidade apenas podem ser


interpostos depois de esgotamento da cadeira rescisória dos tribunais de jurisdi-
ção comum (art.º 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho).

Têm legitimidade para interpor este tipo de recurso:

- No caso de sentença, o Ministério Público e as pessoas que, de acordo


com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legi-
timidade para dela interpor recurso ordinário;

- No caso dos actos administrativos, podem interpor recurso extraordinário


de inconstitucionalidade as pessoas que tenham legitimidade para os impugnar
contenciosamente (art.º 50.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho).

4.1. Distinção entre o Recurso ordinário e extraordinário de


inconstitucionalidade

O recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem uma natureza bem


diversa do recurso ordinário de inconstitucionalidade a que se referem as alí-
neas d) e e) do n.º 2 do art.º 180.º da Constituição.

Enquanto que o recurso ordinário tem sempre como objecto a aprecia-


ção da constitucionalidade de uma norma aplicada ou desaplicada cuja consti-
tucionalidade seja controvertida num qualquer processo judicial, o recurso ex-
traordinário tem como objecto um acto, seja ele judicial ou administrativo cujo
conteúdo (seus fundamentos ou decisão) contrariem princípios, direitos, liber-
dades e garantias previstos na Constituição (art.º 49.º da Lei do Processo
Constitucional).

301
Ibidem, pág. 254

184
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Outra distinção entre dois recursos é que o recurso ordinário pode ser in-
terposto para o Tribunal Constitucional, directamente do tribunal da causa, en-
quanto o recurso extraordinário requer que antes da sua apreciação pelo Tribu-
nal Constitucional tenham sido previamente esgotados todos os recursos legal-
mente previstos.

Pelo efeito das suas decisões, o recurso extraordinário de inconstitucio-


nalidade a decisão anula o acto administrativo, no recurso ordinário a decisão
que dê provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, obriga a que os liti-
gantes baixem ao Tribunal de onde provieram, a fim de que este reforme a de-
cisão em conformidade com o julgamento sobre a questão inconstitucionali-
dade (n.º 2 do art.º 47.º da LPC).

Convém ainda relembrar que ambos os recursos só podem ser interpos-


tos com decisões finais com valor equivalente a sentença.

185
CAPÍTULO VIII

DIREITOS HUMANOS E LIBERTADES


FUNDAMENTAIS

Ekova liyetimba, olondunge k’utima

(A pele cobre o corpo humano, mas o juízo – ou a responsabilidade moral –

cobre o coração humano).

Provérbio Umbundu

Como diz a famosa máxima latina “ubi Societas ibi jus”, “ibi jus, ubi Soci-
etas” (onde há sociedade há Direito, onde há Direito há sociedade), ou seja, para
que exista sociedade é necessário que existam normas jurídicas que preservam
a ordem e a paz entre os homens. Mas mesmo com certas normas jurídicas tem-
se sempre constatado a violação de certos direitos inatos aos homens, por isso,
houve a necessidade de se criar uma Declaração que defendesse os direitos dos
homens, não só a nível nacional, mas também a nível internacional, desta feita
surge a Declaração dos Direitos Humanos.

Tendo dito isso, vejamos agora o que são Direitos Humanos?


186
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Os Direitos Humanos (DH) são aqueles direitos que todos nós gozamos
pelo simples facto de sermos seres humanos, ou ainda, podem ser entendidas
como “garantias jurídicas universais que protegem os indivíduos e os grupos de
indivíduos contra acções e omissões que interferem com as liberdades e os di-
reitos fundamentais ou com a dignidade humana”302.

Os DH e liberdades fundamentais aparecem enunciados na Declaração


Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e em diversos tratados (também cha-
mados de “pacos” e “convenções”), declarações, directrizes e conjuntos de prin-
cípios elaborados pelas Nações Unidas e organizações regionais303.

Dentro desta definição podem ser extraídas 4 características fundamen-


tais dos DH304:

1.ª. Inalienáveis: não os podemos perder, estão ligados à existência hu-


mana, mas alguns (não todos) podem ser restringidos ou suspensos. Exemplo:
uma pessoa que está preso, tem restringido o seu direito à liberdade.

2.ª. Indivisível: não podem separar-se. Isto é, um Estado não pode reco-
nhecer uns e negar os outros. Exemplo: aceitar o art.º 3.º e 7.º; e negar os outros
artigos da DUHU.

3.ª. Interdependentes: cada direito só se pode perceber no conjunto de


todos os direitos fundamentais.

4.ª. Inter-relacionados: Todos os DH estão directamente ligados entre si.

1. Alguns exemplos de Direitos Humanos

- O direito à vida;

- A proibição da tortura e das pernas ou tratamentos cruéis, desumanos ou de-


gradantes;

- A proibição da prisão ou detenção arbitrária;

302
PÉREZ, Suzana, Manual de Formação Básica em Direitos Humanos (Conhece e Defende os teus Direi-
tos), 2012, pág. 13.
303
Ibidem, pág. 13-14.
304
Ibidem, pág. 13.

187
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais

- O direito a um julgamento justo;

- A proibição da discriminação;

- O direito a igual proteção da lei;

- A proibição de intromissões arbitrárias na vida privada, família domicílio ou


correspondência;

- As liberdades de associação, expressão, reunião e manifestação;

- O direito de procurar e de beneficio de asilo;

- O direito a uma nacionalidade;

- As liberdades de pensamento, de consciência e de religião;

- O direito de voto e de tomar parte na direção dos negócios públicos do país;

- O direito a condições de trabalho justas e favoráveis;

- O direito a condições adequadas de alimentação, abrigo, vestuário e segu-


rança social;

- O direito à saúde;

- O direito à educação;

- O direito à propriedade;

- O direito de participar na vida cultural;

- O direito ao desenvolvimento.

2. Dimensões dos Direitos Humanos

Os direitos humanos apresentam as seguintes dimensões:

 Dimensões Clássicas:

- Direitos Civis e Políticos: os Direitos Civis garantem a liberdade de pen-


samento, de consciência e de religião; de opinião e de expressão e outras e nos
protegem contra todas as formas de discriminação, incluindo a igualdade total
entre mulheres e homens. Já os Direitos Políticos são relativos à participação na

188
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

vida pública do Estado, por exemplo: direito a eleger e ser eleito, direito de as-
sociação e outros.

- Direitos Económicos, Sociais e Culturais: os Direitos económicos velam


pela subsistência, por exemplo: Direito ao Trabalho, Direito à Segurança Alimen-
tar, etc. Direitos Sociais velam pela proteção da família e privacidade dos cida-
dãos, por exemplo: Direito à Segurança Social, Direito à Educação, Direito à Sa-
úde, etc. e por fim, os Direitos Culturais estão ligados à cultura dos povos, por
exemplo: Direito a participar na vida cultural da comunidade e outros.

 Dimensões Tradicionais:

- Direitos Difusos: são todos aqueles direitos que não podem ser atribuí-
dos a um grupo específico de pessoas, pois dizem respeito a toda a sociedade.
São por exemplo, os direitos referentes às parcelas do meio ambiente, que atri-
buem a todos o direito de viver num ambiente sadio e não poluindo, bem como
o dever de o defender e preservar, nos termos do n.º do art.º 39.º da CRA 305.

 Outras dimensões:

- Direitos de Solidariedade: nos anos 80, foi adicionado aos Direitos Hu-
manos uma nova dimensão, estamos a falar de Direito à Paz e à Segurança;
Direito ao Desenvolvimento; e o Direito a um Ambiente Saudável, mas para isso
implicam cooperações internacionais e aspiram à construção da comunidade.

3. Evolução e Constitucionalização dos Direitos Fundamentais

Encontramos história acontecimentos dos mais quadrantes da vida hu-


mana referente à condição da pessoa como ser capaz de viver racionalmente
em sociedade (como se entende da formulação de Aristóteles)306.

Como enumera Jorge Miranda citado por Zeferino Capoco, há que registar
os seguintes factores como estando na origem dos Direitos Fundamentais307:

305
Ibidem, pág. 17
306
CAPOCO, Zeferino, op. Cit., 2015, pág. 267.
307
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, págs. 15-18 apud CAPOCO, Zeferino,
op. cit., 2015, pág. 268.

189
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais

1º) A prevalência do factor pessoal sobre o factor territorial, como ele-


mento definidor da comunidade política na Grécia e em Roma (apesar de não se
reconhecer ao homem, só por ser homem, necessariamente personalidade jurí-
dica);

2º) A reflexão e a criação cultural da Grécia clássica, quando questionam


o poder estabelecido, afirmam a existência de lei que lhes são superiores e rei-
vindicam um direito de desobediência individual, de fica sendo emblemática a
atitude de Antígona;

3º) A formação em Roma do ius Gentium como complexo de normas re-


guladoras de relações jurídicas em que interviessem estrangeiros (peregrini) e a
atribuição progressiva aos habitantes do Império de direitos e até da cidadania;

4º) O reconhecimento com o cristianismo da dignidade de cada homem


ou melhor como filho de Deus, do destino e da responsabilidade individual, da
unidade do género humano e da autonomia do espiritual perante o temporal;

5º) A doutrina da Lei injusta e do direito de resistência formulada pela Es-


colástica medieval;

6º) A conquista de algumas garantias básicas de liberdade e segurança


pessoal, na Inglaterra, a partir da Magna Carta de 1215;

7º) O contributo do cristianismo elevou a pessoa humana à dignidade de


criatura de Deus, feita à Sua imagem e semelhança308. O cristianismo trouxe o
preceito segundo o qual a pessoa humana prevalece sobre quaisquer leis, e que
estas estão para o homem. Sendo assim, o próprio conceito de “como acto livre
de Deus, pelo que o homem deve ser livre e liberto de quaisquer opressões e
assuas relações devem basear-se no princípio da “fraternidade”, ou seja, «vós
todos sois irmãos, porque um só é o vosso Pai».

308
OTERO, Paulo, Instituições e Constitucionais, Volume I, Almeidina, Coimbra, 2007, págs. 94-121 apud
CAPOCO, Zeferino, op. Cit., 2015, pág. 268.

190
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

O homem ao nascer traz consigo certos direitos inalienáveis que não de-
vem ser postos em causa por quaisquer acções dos homens, pelo que devem
ser salvaguardados.

4. As Várias Gerações dos Direitos Fundamentais

Como escreve Paulo F. Da Cunha, citado outra vez por Zeferino Capoco,
podem considerar-se quatro gerações dos direitos fundamentais assim defini-
dos309:

a) Uma geração que consagrou certas liberdades e direitos de primeira


respiração individual, ao espaço vital da dignidade, como são precisa-
mente a liberdade de consciência, de culto e de expressão;

b) Uma segunda geração que tentou recuperar num contexto novo e de-
senvolvido, a ideia de participação política dos Antigos. E aí surge a
representação, o sufrágio, a soberania nacional e popular, que são
elementos essenciais do conceito do constitucionalismo moderno;

c) Terceiro, o advento da democracia e da democratização incorpora ele-


mentos sociais, e nascem os direitos económicos, sociais e culturais;

d) Finalmente, num tempo de signo pós-social passam a preocupar direi-


tos de coisas novas, como as informáticas, a par de coisas muito ve-
lhas, mas negligenciadas como o ambiente, fazendo nascer um novo
ramo de Direito do homem a viver em meios naturais dignos e que
qualificam os seus deveres e obrigações para a natureza e as ques-
tões ambientais.

5. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)

Ela foi redigida na sequência das mais graves violações da dignidade hu-
mana, em particular, a experiência do Holocausto durante a Segunda Guerra
Mundial. O ponto central é a pessoa humana. Hoje já são 193os países das Na-
ções Unidas signatários da DUDH. Angola aderiu em 1976.

309
CUNHA, Paulo Ferreira da, Teoria da Constituição: Direitos Humanos, Direitos Fundamentais, pág. 94.
Apud CAPOCO, Zeeferino, op. Cit., 2015, pág. 270.

191
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais

5.1. Processo de Elaboração da DUDH

O Conselho Económico e Social das Nações Unidas criou a Comissão de


Direitos Humanos, formada por 18 representantes dos Estados membros das
Nações Unidas com o objectivo de elaborar uma serie de instrumentos para a
defesa dos Direitos Humanos.

O projecto foi apresentado á Assembleia Geral das Nações Unidas a 10


de Dezembro de 1948 e foi aprovada pelos 58 Estados membros da Assembleia
Geral, com 48 votos a favor, 8 abstenções (União Soviética, os países da Europa
do Este, Arábia Saudita e África do Sul).

A DUDH resultou de um compromisso entre as opiniões do grupo ociden-


tal e as do grupo socialista.

Os representantes das democracias ocidentais propunham a proclama-


ção apenas dos Direitos Civis e Políticos.

Os representantes dos Estados da área socialista queriam o reconheci-


mento universal só dos Direitos Económicos e Sociais.

Os debates acerca de certos direitos prioritários e o universalismo versus


o relativismo cultural fizeram parte das agendas das duas conferências mundiais
sobre Direitos Humanos, em Teerão e em Viena, respetivamente. A conferência
de Teerão, em 1968, clarificou que todos os direitos humanos são indivisíveis e
interdependentes, e a Conferência de Viena, de 1993, acordou, por consenso,
que compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas políticos eco-
nómicos e culturais, promover e proteger todos os Direitos Humanos e liberda-
des fundamentais.

Considera-se a DUDH como a lista dos Direitos civis, políticos, económi-


cos, sociais e culturais básicos que deve desfrutar todo ser humano. Tem sido
aceite de forma generalizada como um instrumento que contém as normas fun-
damentais de Direitos Humanos que devem ser respeitadas, protegidas e reali-
zadas.

192
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Ainda que o conceito moderno de Direitos Humanos tenha emanado so-


bre tudo da Europa, deve ser sublinhado que as noções de liberdade e de justiça
social, que são fundamentais para os Direitos Humanos, são parte de todas as
culturas.

5.2. Estrutura da DUDH

A DUDH compõe-se de um Preâmbulo e de 30 artigos que recolhem Di-


reitos Civis, Políticos e Direitos de carácter Económico, Social e Cultural.

Artigos 1º e 2º: recolhem os princípios básicos que se assentam na


DUDH: liberdade, igualdade, fraternidade e não discriminação.

 Artigos 3º a 11º: Direitos de carácter pessoal;


 Artigos 12º-17º Direitos do individuo com relação á comunidade;
 Artigos 18º-21º: Direitos de pensamento, consciência, de religião e li-
berdades políticas;
 Artigos 22º-27º: Direitos económicos, sociais e culturais;
 Artigos 28º-30º: recolhem as condições e os limites com que estes di-
reitos se devem exercer.

6. Direitos e Liberdades Fundamentais na Constituição Ango-


lana
A CRA acolhe e integra um extenso catálogo de direitos, liberdades e ga-
rantias fundamentais. Os principais são:

O princípio da universalidade, enquanto princípio geral encontra-se dis-


posto no art.º 22.º, 26.º n.º 1 e 2 da CRA. Já o art.º 22.º n.º 2 destaca que os
cidadãos angolanos que residam ou se encontrem nos estrangeiros gozam dos
deveres consagrados na Constituição e na lei.

O princípio da igualdade: está consagrado no art.º 23.º, esta também aco-


lhe o princípio da igualdade social, o que implica, em certos casos de um trata-
mento diferenciador, positivamente discriminatório, em benefício de certos gru-
pos ou situações.

193
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais

Direitos fundamentais exclusivos: são direitos vedados aos cidadãos es-


trageiros e reservados pela Constituição no n.º 2, al. h) do art.º 25.º

7. Meios de Proteção dos Direitos Fundamentais

Qualquer que seja o redime, dos Direitos Fundamentais no Direito Cons-


titucional, visam sempre a defender a liberdade e a autonomia da sociedade, não
defender segmentos do poder contra outros segmentos de poder, ainda que pon-
tualmente se possam admitir excepções310.

Os meios de defesa e proteção dos direitos fundamentais estão consa-


grados na Secção II da CRA como Meios de garantias pelo Estado (art.º 56.º
CRA).

Restrição dos direitos, liberdades e garantias (art.º 57.º)

Limitação ou suspensão dos direitos, liberdades e garantias (art.º 58.º).

7.1. Meios de Proteção Jurisdicional

A proteção dos direitos fundamentais não se pode bastar nem por si pró-
prios (pelo simples facto de existirem), nem pelo seu elenco constitucional311.
Desta forma o Direito Constitucional conta com duais instâncias do poder público
que podem desempenhar um papel indiscutível, numa dicotomia entre duas es-
pécies de tutela dos direitos fundamentais: a tutela não contenciosa e a tutela
contenciosa.

A tutela não contenciosa, reúne mecanismo que definem a defesa dos


direitos fundamentais sem recurso aos tribunais. Neste sentido, a sua defesa
muitas vezes passa pela consciencialização do poder público para o respectivo
cumprimento, com a activação do poder público para o respectivo cumprimento,
com a activação de instrumentos que interferem junto dos próprios titulares do
poder que ofende esses direitos.

Está aqui em causa em primeiro lugar, a própria Administração Pública


cabendo-lhe boa parte da responsabilidade nas violações que são cometidas.

310
GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, Vol II, pág. 1075.
311
Ibidem, pág. 1092.

194
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Ora, há meios destinados a fazer ver à actuação administrativa a necessidade


de rever os actos praticados, com isso se restabelecendo a juridicidade no que
respeita aos órgãos administrativos312.

Os órgãos que não fazem parte dos tribunais podem exercer um controlo
no tocante à defesa dos direitos fundamentais, com a sua actuação indepen-
dente, como é o caso do Provedor de Justiça, classificado constitucionalmente
no elenco da “Instituições Essenciais à Justiça” (n.º 1 do art.º 192.º da CRA).

A tutela contenciosa, consiste nos mecanismos que levam aos “órgãos de


natureza jurisdicional” de defesa dos direitos fundamentais. A Constituição An-
golana consagra o art.º 29.º para o “acesso à tutela jurisdicional efectiva”. Tal
preceito resulta na garantia de que «a todos é assegurado o acesso ao direito
aos Tribunas para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos,
não podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios económicos»
(art.º 29,º n.º 1.). Continua o mesmo artigo: «para defesa dos direitos, liberdades
e garantias pessoas, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais carac-
terizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em
tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos» (n.º 5).

Assim, como salienta Gomes Canotilho, “a proteção jurídica através dos


tribunais implica a garantia de uma proteção eficaz temporalmente adequada.
Neste sentido, ela engloba a exigência duma apreciação, pelo juiz, da matéria
de facto e de direito, objecto de litígio ou da pretensão do particular, e a respec-
tiva resposta plasmada numa decisão judicial vinculativa (em termos a regular
leis de processo”313.

7.2. Habeas Corpus

A CRA coloca ao dispor e todas as pessoas o instrumento de habeas cor-


pus como meio de reação contra prisão ou detenção ilegal. A providência de
habeas corpus pode ser interposta, nos termos da lei, perante o tribunal compe-
tente, pelo próprio ou por qualquer pessoa no gozo dos seus direitos políticos

312
Cf. Idem, op. Cit., pág. 1092
313
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2000, pág. 499.

195
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais

(art.º 68 da CRA). Habeas corpus, aplicáveis as disposições do Código de Pro-


cesso Penal (art.º 312.º e seguinte).

Nos termos do disposto na CRA, o habeas corpus tem natureza jurídica


de acção constitucional, e não de mero recurso, podendo ser intentada por qual-
quer pessoa, no gozo dos seus direitos políticos, perante o tribunal competente,
em qualquer altura, mesmo não havendo uma acção principal em curso, de cuja
decisão se deva recorrer314.

7.3. Habeas Data

Nos termos do art.º 69.º da CRA, todos têm direito à providência de ha-
beas data. Este instrumento destina-se a permitir a qualquer pessoa “assegurar
o conhecimento das informações sobre si constantes de ficheiros, arquivos ou
registos informáticos, de ser informados sobre o fim a que se destinam, bem
como de exigir a rectificação ou actualização dos mesmos, nos termos da lei e sal-
vaguardados o segredo de Estado e o segredo de justiça” (art.º 69.º, n.º 1 da CRA).

314
MACHADO, Jónatas E. M.; COSTA, Paulo Nogueira & HILÁRIO, Esteves Carlos, Direito Constitucional
Angolano 2013, pág. 215.

196
CAPÍTULO IX

DEMOCRACIA E DIREITO ELEITORAL

O direito eleitoral (ou direito sufrágio) só tem o seu cumprimento nos sis-
temas eleitorais de governos representativos próprios dos regimes democráti-
cos. O direito ao sufrágio é materializado pela capacidade de votar e de ser vo-
tado, representando, pois, a essência dos direitos políticos.

O direito ao sufrágio deve ser visto sob dois aspectos: capacidade elei-
toral ativa e capacidade eleitoral passiva.

A capacidade eleitoral ativa representa o direito de votar, o direito de


alistar-se como eleitor (alistabilidade). A capacidade eleitoral passiva consiste
no direito de ser votado, de eleger-se para um cargo político (elegibilidade)315.

O direito ao sufrágio poderá ainda ser: universal ou restrito.

315
VICENTE, Paulo & ALEXANDRINO, Marcelo, Direito Constitucional Descomplicado, 14.ª Ed., 2015, pág.
275.

197
Democracia e Direito Eleitoral

O sufrágio é universal quando assegurado o direito de votar a todos os


nacionais, independentemente da exigência de quaisquer requisitos, tais como
condições culturais documentais, capacidade física ou metal, etc.

O sufrágio será restrito quando o direito de votar for concedido tão so-
mente àqueles que cumprirem determinadas condições fixadas pelas leis do Es-
tado. O sufrágio restrito, por sua vez, poderá ser censitário ou capacitário316.

O sufrágio censitário é aquele que somente outorga o direito de voto


àqueles que preencherem certas qualificações econômicas. Seria o caso, por
exemplo, de não se permitir o direito de voto àqueles que auferissem renda men-
sal inferior a um salário mínimo.

O sufrágio capacitário é aquele que só outorga o direito de voto aos


indivíduos dotados de certas características especiais, notadamente de natureza
intelectual. Seria o caso, por exemplo, de se exigir para o direito ao voto a apre-
sentação de diploma de conclusão do curso fundamental, ou médio ou superior.

O sufrágio ainda pode ser direito ou indireto

O sufrágio é direto quando os eleitores, sem intermediários fazem, de


modo pessoal e imediato, a designação de representantes ou governantes. Por
exemplo: Angola, França, Portugal, Nigéria, RDC, Moçambique, etc. 317

É indireto quando recai a escolha sobre delegados ou intermediários, in-


cumbidos de proceder à eleição definitiva.

Esses delegados recebem também a denominação de “compromissá-


rios”, eleitores de segundo grau, eleitores secundários, eleitores presidenciais,
senatoriais, etc., conforme, neste último caso o nome dos magistrados a serem
providos no exercício da função pública318. Por exemplo: E.U.A, Alemanha, etc.

316
Ibidem, pág. 275.
317
BONAVIDES, Paulo, Ciência Política, 10.ª Ed., 2000, pág. 310
318
Ibidem, pág. 310.

198
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

1. O Sufrágio, da democracia directa à democracia representa-


tiva
Em Atenas, a Assembleia Geral do Povo reunia-se diariamente para to-
mar decisões, o que implicava a participação de todos os cidadãos nas decisões
governamentais. Era o correspondente à forma perfeita do exercício da sobera-
nia popular para Rousseau, o sistema de governo democrático directo, que ele
próprio considerava impraticável ao dizer no contrato social que “... não se pode
conceber o povo incessantemente reunido para despachar os negócios públi-
cos”319.

Os Estados Modernos não se baseiam num tal sistema. Os governantes


são eleitos pelos governados. A eleição consiste na escolha dos governantes,
feita através da expressão dos votos dos cidadãos. Cada uma dessas pessoas
chamam-se eleitor e esta classificação depende da posse de certos requisitos
legais da capacidade eleitoral. O conjunto dos eleitores costuma designar-se por
colégio eleitoral. Só podem ser eleitos pessoas que reúnam, os requisitos de
elegibilidade e, assim, sejam elegíveis. O acto de escolher mediante o voto
chama-se sufrágio320.

Os governos governam em nome dos eleitores, ou seja, estes dão àque-


les o direito de agirem em seu nome, o direito de os representarem. Esta forma
de seleção dos governantes opõem-se à transmissão hereditária de funções e à
cooptação, em que os membros ou titulares de um determinado órgão escolhem
outros membros e à nomeação, caso em que o titular de um órgão é designado
pelo titular de outro órgão321.

Contudo até ser aplicado nos Estados modernos o sufrágio universal, o


direito eleitoral, sofreu uma grande evolução, indissociável das concepções so-
bre a soberania, por um lado, e da luta dos trabalhadores pela conquista de di-
reitos democráticos por outro lado.

319
ROUSSEAU, Contrato Social, Livro IV, Cap. II e III Ed. Prença apud CORREIRA, Adérito, op. cit., 2011,
pág. 157.
320
CORREIA, Adérito, Lições de Direito Constitucional, 2011, pág. 157.
321
Ibidem, pág. 157.

199
Democracia e Direito Eleitoral

2. Os Sistemas eleitorais

Tal como o direito ao sufrágio ou direito de voto, os modos como se vota


ou modos der escrutínio são meios de expressão da soberania dos governados.
Os modos de escrutínio são igualmente designados regimes eleitorais ou siste-
mas eleitorais, termos sinónimos. Estes sistemas são indispensáveis para desig-
nar os eleitos, porque as eleições supõem regras que permitem calcular como é
que os sufrágios favoráveis aos candidatos determinam aqueles que de entre
eles serão eleitos322.

Com efeito, diferentes métodos opõem-se este respeito: sistema maiori-


tário de uma ou duas voltas, sistema de representação proporcional, siste-
mas mistos e sistema de Hare.

2.1. Sistema Eleitoral Maioritário

O escrutínio maioritário é mais simples e o mais antigo. Ele pode ser de


uma ou de duas voltas.

No sistema maioritário de uma volta, o candidato que tiver mais votos,


mesmo que seja a maioria simples, é o vencedor. Não importa qual a percenta-
gem obtida nem o número de eleitores. Aqueles que contabilizar todos votos,
alcançou o maior número de votos, validamente expressos, é o vencedor. O sis-
tema eleitoral maioritário de duas voltas funciona da seguinte forma: é realizada
a eleição e se um dos candidatos conseguir alcançar a maioria absoluta dos
votos validamente expressos (50% +1), vence as eleições logo na primeira
volta323.

Se nenhum dos candidatos vencer na primeira volta com a maioria abso-


luta dos votos, realiza-se uma segunda volta, em que concorrem apenas os dois
candidatos mais votados na primeira volta, e vence o candidato que alcançar o
maior número de votos (seja maioria simples, absoluta ou relativa). A qualidade

322
Ibidem, pág. 157.
323
ARAÚJO, Raul, Introdução ao Direito Constitucional Angolano, 2018, pág. 154.

200
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

da maioria obtida é indiferente. Basta que um candidato obtenha mais votos do


que o outro para vencer as eleições324.

Este sistema eleitoral é utilizado quer em eleições presidenciais, quer em


eleições para o Parlamento e autárquicas.

O sistema eleitoral maioritário de duas voltas era o adoptado para a elei-


ção do Presidente da República na Lei Constitucional de 1992 (artigo 57.º), que
foi utilizado apenas uma vez, nas eleições gerais realizadas neste ano.

Como nenhum dos candidatos às eleições presidenciais obteve maioria


absoluta dos votos na 1.ª volta, os dois candidatos mais votados (José Eduardo
dos Santos e Jonas Malheiro Savimbi) foram habilitados a concorrer à 2.ª volta,
que não se realizou porque o candidato do Partido UNITA (Jonas Savimbi, se-
gundo candidato mais votado) não aceitou os resultados das eleições.

2.1.2. Escrutínio uninominal e escrutínio de lista

O escrutínio pode ser uninominal ou de lista. É uninominal quando cada


circunscrição eleitoral pode eleger um deputado; é de lista (plurinominal), quando
cada circunscrição elege vários candidatos que, geralmente, se agrupam por lis-
tas325.

2.2. Sistema de Representação Proporcional

O sistema de eleição proporcional é aquele em que os lugares a preen-


cher são repartidos proporcionalmente segundo o número de votos obtidos pelos
deputados dos partidos que concorreram.

Nos últimos anos do séc. XIX desenvolveu-se nos países europeus um


movimento em favor da representação proporcional como modo de escrutínio
para a eleição legislativas, este sistema tem como epicentro possibilitar que os
partidos políticos mais pequenos pudessem eleger os seus candidatos nas elei-
ções parlamentares e locais, concorrendo com os partidos políticos mais fortes.

324
Ibidem, pág. 154.
325
CORREIA, Adérito, op. cit., 2011, pág. 167.

201
Democracia e Direito Eleitoral

O princípio que está na base deste modo de escrutínio é o de garantir uma


representação das maiorias em cada circunscrição eleitoral, na proporção exata
do número de votos obtidos.

Este sistema funciona da seguinte forma: define-se o número de deputa-


dos (em eleições parlamentares) a eleger em cada circunscrição eleitoral. Os
diversos partidos apresentam-se às eleições, a concorrerem nas distintas cir-
cunscrições eleitorais, com listas que contêm o número de candidatos a serem
eleitos e alguns suplentes (a determinar a lei)326.

Os sistemas eleitorais de representação proporcional podem apresentar-


se de formas diferentes quando se pretende fazer a operação de apuramento
dos resultados do escrutínio e o número de mandatos obtidos por cada concor-
rente. Os modelos mais utilizados são o de representação proporcional integral
e o modelo de Hondt.

O primeiro, representação proporcional integral, é simples. Após a elei-


ção, determina-se, em primeiro lugar, o quociente eleitoral, que é o resultado da
divisão do número dos sufrágios validamente expressos pelos números de luga-
res a eleger. De seguida, divide-se o número de votos que cada partido obteve
nessa circunscrição eleitoral pelo quociente eleitoral e obtém-se o resultado final,
ou seja, o número de deputados que cada um dos partidos conseguiu eleger
nesse apuramento dos resultados no circulo eleitoral. Esse modo de escrutínio
é usado, em Angola, para o apuramento dos resultados no círculo eleitoral naci-
onal, para a eleição dos deputados à Assembleia Nacional327.

O outro modelo é o sistema de Hondt, (criado pelo matemático belga Vic-


tor d’ Hondt), consiste em dividir o número de votos obtidos por cada lista suces-
sivamente por 1, 2, 3, etc. (conforme o número de lugares a serem preenchidos)
e em classificar os quocientes assim encontrados por ordem decrescentes, até
à concorrência do número de deputados a serem eleitos. O último quociente
obtido é designado de divisor comum ou número repartidor. Cada lista tem tantos

326
ARAÚJO, Raul, op. cit., 2018, pág. 155.
327
Ibidem, 155.

202
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

eleitos quantas vezes o número de sufrágio por ela obtido contenha o divisor
comum328.

Analisaremos melhor estes métodos quando estudaremos a forma de


eleição dos deputados à Assembleia Nacional pelos círculos eleitorais provinci-
ais.

Uma das questões mais complexas neste sistema eleitoral é a determina-


ção dos restos, ou seja, quando sobrar votos no momento da sua distribuição.

Para a repartição dos restos, isto é, no cado se representação proporcio-


nal integral, pode-se seguir três formas:

a) Sistema de resto mais fortes: quando os lugares a preencher são


atribuídos aos partidos com o resto mais forte, isto é, aos partidos
que tenham o maior número de votos que não tenham sido repre-
sentados;
b) Sistema do resto mais fraco: quando os lugares a preencher forem
atribuídos aos partidos políticos que tenham o menor número de
votos não transformados em assentos
c) Sistema de maior votação global: neste sistema, será contemplado
com a sobra o partido político que obtiver a maior votação global
na eleição.

2.3. Sistemas Eleitorais Mistos

Este sistema foi preconizada em 1846 pelo teórico socialista Victor Con-
siderant, e que posteriormente implantou-se progressivamente na Europa no de-
curso dos anos 1900 a 1945 (com excepção para os países anglo-saxónicos)329.

Actualmente o sistema eleitoral misto é utilizado na Alemanha. Cada elei-


tor vota duas vezes. O primeiro voto serve para eleger metade (328) dos depu-
tados do Bundestag (Parlamento alemão que representa o povo da federação),
através da utilização do sistema eleitoral maioritário de uma volta.

328
Ibidem 155-156.
329
CORREIA, Adérito, op. cit., 2011, pág. 169.

203
Democracia e Direito Eleitoral

O segundo voto é para eleger a outra metade dos deputados do Bundes-


tag (328), através do sistema eleitoral de representação proporcional.

Depois destas duas operações, calcula-se proporcionalmente (sistema de


Hondt) o número total de lugares que obteve cada partido no conjunto dos mem-
bros do Bunderstag, por aplicação da representação proporcional, acrescen-
tando-se eventualmente lugares para assegurar uma repartição exatamente pro-
porcional330.

2.4. Sistema de Hare

Este sistema eleitoral é conhecido por sistema de voto único transferível


(single tranferable vote). Este sistema é muito complicado quanto às regras de
contagem. É utilizado no Eire, Ulster, em vários estados da federação australiano
e na Áustria.

Na linha doutrinal de Adérito Correia, cada eleitor dispõe de um único voto


que ele dá a um candidato no quadro de circunscrições eleitorais com três luga-
res, no mínimo (quer dizer que pode eleger três deputados no mínimo), mas o
eleitor indica também várias preferências por ordem decrescente para outros
candidatos sendo o seu voto atribuído apenas a um deles. São eleitos os candi-
datos que assim obtenham um número de voto igual ou superior ao quociente
necessário para ser eleito (quociente resultante da divisão dos sufrágios expri-
midos pelo número de lugares a preencher mais um)331.

Segundo o mesmo autor, quando assim se dá, estamos perante ao sis-


tema da representação proporcional sem listas, pois cada candidato apresenta-
se individualmente332.

3. Sistema Eleitoral Angolano

Em Angola, as eleições do Presidente da República e dos deputados à


Assembleia Nacional são realizadas num acto único, denominado de Eleições

330
Ibidem, pág. 170.
331
Ibidem
332
Idem, op. cit., 2011, pág. 170.

204
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Gerais. A sua regulamentação vem expressa na Lei n.º 36/11, de 21 de Dezem-


bro, Lei Orgânica das Eleições Gerais.

Conforme o estabelecido na Constituição da República, no seu art.º 107.º,


os processos eleitorais são organizados por órgão de administração eleitoral in-
dependentes, no caso, a Comissão Nacional Eleitoral. A organização e o funci-
onamento deste órgão vêm regulados na Lei n.º 12/12, de 13 de Abril, Lei Orgâ-
nica sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral.

Como frisa Raul Araújo, as eleições gerais são um processo complexo,


em que intervêm várias entidades do Estado, nomeadamente o Presidente da
República que, na qualidade de Chefe de Estado, convoca as eleições (art.º
112.º da CRA); a Administração Pública, que faz o registo eleitoral (Lei n.º 8/15,
de 15 de Junho – Lei do Registo Eleitoral Oficioso); o Tribunal Constitucional,
que aprecia as candidaturas (art.º 36.º e seguintes da Lei n.º 36/11, de 21 de
Dezembro), este também tem a função de dirime os conflitos relativos ao registo
eleitoral e os representantes ao contencioso eleitoral, assim como decide, defi-
nitivamente, sobre os resultantes finais das eleições (art.º 155.º e 16.º da Lei
Orgânica das Eleições Gerais); e a Comissão Nacional Eleitoral, que organiza e
dirige todo o processo eleitoral propriamente dito333.

Segundo estipulado na Constituição e na Lei, o direito de votar constitui


um dever cívico, pessoal e inalienável. Do não exercício desse direito não advém
quaisquer sanções jurídicas ou administrativas.

Nestes termos são eleitores os cidadãos angolanos maiores de 18 anos de


idade, residentes no território nacional, registados como eleitores, que não este-
jam abrangidos por quaisquer incapacidades previstas na lei. Possuem, igual-
mente, capacidade eleitoral activa os cidadãos angolanos que se encontrem no
estrageiro por razões de serviço, estudo, doença e similares, bem como os cida-
dãos acompanhados ou dependentes destes.

Estão impedidos de votar (incapacidade eleitoral activa): os interditos por


sentença transitada em julgado; os notoriamente reconhecidos como dementes,

333
ARAÚJO, Raul, op. cit., 2018, pág 166

205
Democracia e Direito Eleitoral

ainda que não estejam interditos por sentença, quando internados em estabele-
cimento hospitalar, ou como tais declarados por atestado médico, e os definiti-
vamente condenados em pena de prisão, enquanto não hajam cumprido a res-
pectiva pena, excepto os liberados condicionalmente, nos termos da lei (art.º 9.º
da Lei n.º 36/11, de 21 de Dezembro).

3.1. Distribuição dos mandatos dentro das Listas

Os deputados à Assembleia Nacional são eleitos segundo o sistema de repre-


sentação proporcional, obedecendo-se, para a conversão dos votos em manda-
tos, aos seguintes critérios (art.º 27.º da LOEG)334:

3.1.2. Círculo eleitoral nacional

Para o circulo eleitoral nacional utiliza-se o sistema de representação in-


tegral, e que funciona da seguinte forma:

a) Apura-se o total de votos validamente expressos em todo o país e divide-


se pelo número de deputados a eleger (centro e trinta), apurando-se, as-
sim, o quociente eleitoral nacional;
b) Divide-se, em seguida, o número de votos que cada partido obteve em
todo o país pelo quociente eleitoral nacional. O resultado obtido corres-
ponde ao número de mandatos que cada partido elege para o Parlamento;
c) No caso de restarem algumas vagas ou mandatos, os deputados são dis-
tribuídos em ordem do resto mais forte de cada partido político.

3.1.3. Círculo provinciais

A conversão dos votos em mandatos relativos a cada círculo provincial


(eleição de 5 deputados em cada província) é feita de acordo com o método de
Hondt, que obedece aos seguintes termos335:

a) Apura-se, em separado, o número de votos validamente expressos e re-


cebidos por cada lista no respectivo círculo eleitoral provincial;

334
Ibidem, pág. 172
335
Ibidem, pág 173.

206
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

b) O número de votos apurados por cada lista é dividido, sucessivamente,


por 1, 2, 3, 4 e 5, sendo os quocientes alinhados pela ordem crescente da
sua grandeza, nunca série de cinco termos, correspondentes ao número
de mandatos de cada círculo eleitoral;
c) Os mandatos pertencem às listas a que correspondem os termos de série
estabelecida pela regra anterior, recebendo cada uma listas tantas man-
datos quando os seus termos na série;
d) No caso de restar um só mandato para distribuir e de os termos seguintes
serem iguais aos das listas diferentes, o mandato cabe à lista que tiver
obtido o menor número de votos não transformados em assentos.

Tomamos agora, um exemplo: suponha-se que no mesmo período de elei-


ções, em uma determinada província, que para este caso concreto é considerado
um círculo eleitoral, apurou-se 200.000 sufrágio validamente expressos, e os
partidos participantes obtiveram os seguintes votos:

Partido A – 38.000 votos;

Partido B – 56.000 votos;

Partido C – 86.000 votos;

Partido D – 20.000 votos.

Resolução:

A princípio, divide-se o número de votos obtidos por cada partido, suces-


sivamente, por 1,2,3, 4 e 5, correspondentes ao número de deputados a eleger,
obtendo-se o seguinte quadro:

Partidos 1 2 3 4

A 38.000 19.000 12.666 9.500

B 56.000 28.000 18.666 14.000

C 86.000 42.000 28.666 21.000

D 20.000 10.000 6.666 5.000

207
Democracia e Direito Eleitoral

Em seguida, obtém-se os maiores números também chamados de Loga-


ritmos, desta feita temos: 28.66666, 38.000, 42.000, 56.000 e 86.000. Depois
coloca-se estes números por ordem decrescente até 5.º lugar, temos: 86.000,
56.000, 43.000, 38.000 e 28.666. Este último número (28.666) chama-se repar-
tidor diferente do quociente eleitoral.

E por último, divide-se o número de votos obtidos por cada partido pelo
repartidor diferente do quociente eleitoral (28.666) e obtém-se o número de as-
sentos de cada um destes partidos:

Partido A 38.000 : 28.666 = 1 Deputados

Partido B 56.000 : 28.666 = 1 Deputados

Partido C 86.000 : 28.666 = 3 Deputados

Partido D 20.000 : 28.666 = 0 Deputados

Desta feita estão eleitos os deputados desta província. É importante sub-


linhar, que este processo continua, isto para todas as províncias até se obtiver
os 90 deputados pelos círculos provinciais.

3.2. A Eleição Presidencial

Nos termos da CRA, o Presidente da República é eleito por sufrágio uni-


versal, directo, secreto e periódico pelos cidadãos residentes no território nacio-
nal.

O sistema utilizado para sua eleição é o como já sabemos, o sistema mai-


oritário de 1 volta, em caso de empate realizar-se as 2.º voltas entre os dois
candidatos mais votados (vence quem obter a maioria dos votos). O mandato do
Presidente da República tem duração de 5 anos e termina com a tomada de
posse do novo Presidente da República eleito (art.º 113.º).

As candidaturas para o cargo podem ser apresentadas pelos partidos po-


líticos ou coligações de partidos ou por mínimo de cinco mil e um máximo de dez

208
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

mil cidadãos eleitores. As candidaturas são apresentadas ao Presidente do Tri-


bunal Supremo, até 60 dias antes da data prevista para eleição336.

A eleição do Presidente da República realiza-se até 30 dias antes do


termo do mandato do Presidente em exercício. O Presidente da República toma
posse perante o Presidente do Tribunal Supremo (art.º 114.º, n.º 1, da CRA).

3.3. Financiamento Eleitoral

A campanha eleitoral dos candidatos pode ser financiada por entidades


públicas e privadas, pelos eleitores, pelos próprios candidatos e por partidos ho-
mólogos. A Lei proíbe o financiamento por parte de governos e organizações
governamentais estrangeiras. Cabe ao C.N.E. aprovar os critérios de distribuição
dos fundos de financiamento público referentes às eleições presidências e legis-
lativas, devendo, no segundo caso, ter em canta a proporção dos candidatos
apresentados.

A Lei estabelece um regime de fiscalização e prestação de contas relati-


vamente a tais verbas.

3.4. Contencioso eleitoral

A Lei Eleitoral consagra normas relativas ao contencioso da votação. As


irregularidades verificadas durante o apuramento eleitoral são feitas, em primeiro
lugar, nos actos onde tenham sido detetadas, mormente nas mesas de votos,
Comissões Municipais Eleitorais, Comissões Provinciais Eleitorais ou Comis-
sões Nacional Eleitoral (art.º 153.º e seguintes da Lei n.º 36/11, de 21 de Dezem-
bro).

Estas irregularidades devem ser acompanhadas dos elementos de prova,


devendo ser incluída a acta da mesa de voto em que a irregularidade, objecto da
impugnação, ocorreu337.

Os recursos contenciosos são apresentados ao Tribunal Constitucional,


podendo ser objecto de recurso:

336
CORREIA, Adérito, op. cit., 2011, pág. 175.
337
ARAÚJO, Raul, op. cit., 2018, pág. 175

209
Democracia e Direito Eleitoral

a) As decisões proferidas pela Comissão Nacional Eleitoral sobre as re-


clamações referidas no art.º 154.º da LOEG;
b) As decisões proferidas pela Comissão Nacional Eleitoral sobre as re-
clamações referentes ao apuramento nacional do escrutínio.

O prazo de interposição do recurso é de 48 horas a contar da notificação


da decisão da CNE. A interposição do recurso suspende os eleitos da decisão
de que se recorre.

Recebido o recurso, o Tribunal Constitucional notifica os contrainteressa-


dos no prazo de 48 horas, para, querendo, apresentarem as suas contra-alega-
ções. O Plenário do Tribunal Constitucional decide, definitivamente, no prazo de
72 horas a contar do termo do prazo da apresentação das contra-alegações. A
CNE e as partes interessadas são notificadas da decisão Tribunal338.

3.5. Nulidades das eleições e infracções eleitorais

A votação realizada numa mesa de voto é julgada nula se forem verifica-


das irregularidades que possam influenciar substancialmente o resultado geral
da eleição.

A Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, Lei n.º 36/11, de 21 de Dezem-


bro, determina quais infracções eleitorais e as penas e sanções a ser aplicadas
(art.º 162.º e seguintes), nomeadamente as relativas à apresentação de candi-
daturas, à campanha eleitoral, e as respeitantes às eleições propriamente di-
tas339.

3.6. Proclamação e validação dos resultados das eleições

O Presidente da CNE, deve fazer o anúncio dos resultados definitivos das


eleições gerais até 15 dias contados a partir da data do encerramento da vota-
ção. Ao Tribunal Constitucional compete fazer apreciação e a validação das elei-
ções gerais, nos termos estabelecidos no art.º 6.º da LOEG, conjugado como o

338
Ibidem, pág 175.
339
Ibidem, pág. 176

210
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica o Tribunal Constitucional, Lei n.º 2/08, de 17
de Junho340.

4. Partidos Políticos

4.1. Natureza e funções dos partidos políticos

Os partidos políticos caracterizam-se pelos seus objectivos de organiza-


ção interna e externa, com especial relevo para o facto de proporem um pro-
grama de atuação política visando não apenas o exercício de influência política,
mas acima de tudo a apresentação de candidaturas aos cargos políticos.

4.2. Os partidos na Constitucional e na Lei

Em Angola, os partidos desempenham uma importante função constituci-


onal no processo de formação e representação da vontade política democrática
(art.º 17.º, n.º 1, da CRA), o que permite que se fale da existência de um Estados
de partido.

Os elementos fundamentais do estatuto jurídico dos partidos políticos en-


contram-se consagrados na CRA.

O n.º 2 do art.º 17.º da CRA vincula os partidos políticos aos seguintes


princípios fundamentais: carácter e âmbito nacionais; livre constituição; prosse-
cução pública dos fins; liberdades de filiação e filhação única; utilização exclusiva
de meios pacíficos na prossecução dos seus fins e interdição da criação ou utili-
zação de organização militar, paramilitar ou militarizada; organização e funcio-
namento democráticos; representatividade mínima fixada por lei; proibição de
recebimento de contribuições de valor pecuniário e económico provenientes de
governos ou de instituições governamentais estrangeiros; prestação de contas
do uso de fundo público.

São ainda deveres dos partidos, no que tange aos seus objectivos, pro-
grama e prática: a consolidação da nação angolana e da independência nacio-
nal; a salvaguarda da integridade territorial; o reforço da unidade nacional; de-

340
Idem, op. cit., 2018, pág. 176.

211
Democracia e Direito Eleitoral

fesa da soberania nacional e da democracia; a proteção das liberdades funda-


mentais e dos direitos da pessoa humana; a defesa da forma republicana de
governo e do carácter laico do Estado (art.º 17.º, n.º 3, da CRA).

Por outro lado, a Constituição reconhece como direitos fundamentais dos


partidos políticos: o direito à igualdade de tratamento imparcial da imprensa pú-
blica; o direito de oposição democrática (art.º 17.º, n.º 4, da CRA).

Aos partidos políticos representados na Assembleia Nacional é também


reconhecido o direito de resposta e de réplica às declarações do executivo (art.º
45.º, n.º 2, da CRA).

Os Presidentes dos partidos políticos e das coligações de partidos políti-


cos representados na Assembleia Nacional integram o Conselho da República
[art.º 135.º, n.º 2, al. f), da CRA]

Os partidos políticos são regulados pela Lei n.º 02/2005, de 1 de julho, Lei
dos Partidos Políticos.

4.3. O financiamento dos partidos políticos

De um modo geral, o financiamento dos partidos pode ser interno (quotas


dos membros, património, publicações, etc.) ou externo. Neste caso, o mesmo
pode ser público ou privado.

No casso de entidades privadas, nacionais e estrangeiras, as mesmas


podem ser indivíduos, associações, sociedades comerciais, partidos políticos,
empresas públicas, etc.

No que diz respeito ao financiamento dos partidos políticos por parte do


Estado, o mesmo pode ser direto (subsídios) ou indireto (tempo de antenas; be-
nefícios fiscais; dedução fiscal de donativos, etc.)

Tem havido múltiplos casos de financiamento de partido políticos por Es-


tado estrangeiros (E.U.A, ex-URSS, RFA, França), diretamente ou mediante os
serviços secretos, fundações públicas ou empresas públicas (ELF), geralmente
em violação da legislação nacional do Estado dos partidos recipientes. A CRA

212
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

proíbe expressamente o recebimento de contribuições de valor pecuniário eco-


nómico, provenientes de governos ou de instituições governamentais estrangei-
ros [art.º 17.º, n.º 2, al h), da CRA].

213
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

BIBLIOGRAFIA

ALEXADRINO, José Melo. O Novo Constitucionalismo Angolano. Lisboa: Ins-


tituto de Ciências Jurídico e Politicas, 2013.

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216
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Prova Simulada 1

I Grupo
1 – Com base a tudo que vimos estabeleça um conceito sobre Direito Constitucional.

a) Diga de qual ramo do Direito pertence o Direito Constitucional e porquê?

2 – Diga por tuas palavras, qual é a diferença entre o Direito Público e o Direito Privado
e exemplifique.

3- Porque é que a Constituição é considerada o estatuto jurídico do Estado e do Político?

5 - Porque é que o Direito Constitucional goza de uma posição hierárquica normativa


superior?

6 - Quando a Classificação das Constituições diga:

a) Quanto a estabilidade como podemos se classifica a Constituição Angolana. Fun-


damenta com base legal.
b) Porque é que a Constituição Norte Americana é considerada uma Constituição
sumária?

7 - Com bases doutrinárias diga qual é o sistema económico vigente em Angola e porquê?

8 – Esmiúce sobre a função constitutiva legitimadora da Constituição.

II Grupo
1 - Caso prático:

Aurio Miguel, também conhecido como o “Rei delas”, é proprietário de um ter-


reno localizado no Benfica propriamente na zona verde. O bairro onde este terreno está
localizado encontra-se em situações precárias e necessita urgentemente de um Hospital,
por isso a Administração local, expropriou o terreno do Rei delas para a construção do
mesmo hospital, mas sem a observância da indemnização devida ao legítimo proprietário.
Nestes termos o Rei delas quer saber se este procedimento da administração do Estado
está de acordo com a Constituição. Quid ius?

217
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Prova Simulada 2

Grupo I

1 - Quais formaram os antecedentes do Constitucionalismo?

2 – Segundo o critério da posição dos sujeitos qual é a distinção entre o Direito Público e

o Direito Privado.

3 – Comente a seguinte afirmação:

“Apesar do Direito Constitucional ser um ramo do Direito Publico, é necessário


ter em conta que a Constituição contém na verdade uma força geradora de di-
reito privado”.

4 – Diferencie Teoria da Doutrina Constitucional?

5 – Porque é que o Direito Constitucional é aberto?

6 – Qual é o antagonismo existente entre ciências afins e ciências auxiliares do Direito

Constitucional. Exemplifique.

7 – Explique o processo de transição constitucional de 1992.

8 - Explique os dois sentidos da Constituição desenvolvidos por Hans Kelsen.

Grupo II

1 – Desenvolva os seguintes tópicos.

a) O Direito Constitucional como Direito Politico

b) Tendências actuais do Direito Constitucional

218
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Prova Simulada 3

1 – Comente a seguinte afirmação:

“Enquanto que os demais ramos do Direito buscam fundamento de validade na Consti-


tuição, as normas do Direito Constitucional encontram fundamento de validade em si
próprias”.

2 – Que importância teve o surgimento do Constitucionalismo moderno para a formação


e constituição das actuais Constituições.

3 – Quanto a estabilidade quais são os tipos de Constituições que estudaste e qual delas
admite um processo árduo para sua modificação.

4 –Será que podemos considerar a Constituição Angolana como uma Constituição ideal?
Justifique a tua resposta.

5 – Quantos aos sentidos do termo Constituição, dica como podemos classificar a Cons-
tituição Angolana?

6 – Porque é que podemos considerar a economia angolana, uma economia social de mer-
cado?

7 – Diferencie Nacionalização de Privatização. Exemplifique.

8 – Qual é a relevância que o território tem para a formação de um Estado?

9 – De forma sucinta e clara debruce sobre os fins e funções do Estado.

10 - Distinga nacionalidade de cidadania. Exemplifique.

219
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Prova Simulada 4
Grupo I

1 – Segundo a teoria da soberania do Estado, quem é o titular do poder soberano e porque?

2 - Destrinça poder constituinte originário histórico do poder constituinte originário re-


volucionário.

a) Segundo o conteúdo supracitado, qual destes poderes foi usado para a formação
da Constituição de Angola de 2010 e porque?

3 – De forma clara e sucinta, debruce sobre as condições sine qua non para revisão da
Constituição Angolana.

4 – Segundo a sua opinião diga em que República nos encontramos e porque?

5 - O desrespeito à Constituição poder manifestar-se de vários modos e gerar por isso


diversos tipos de inconstitucionalidade.

a) Debruce sobre os modos de Fiscalização para evitar a violabilidade das normas


Constitucionais.
b) De há exemplos de Inconstitucionalidade por omissão.
c) O que acontece quando há um incidente processual ou um desvio normal do pro-
cesso?

Grupo II

Analise solucionando o caso sub judice.

Faustino Martinho, mais conhecido por Pretinho Que Cuia, é um deputado independe
na Assembleia Nacional. Devido aos problemas que se têm emergido em Angola nos
últimos tempos, mormente no que concerne a criminalidade, o deputado entende que a
Constituição Angolana em vigor já não consegue acompanhar a nova realidade social,
portanto, necessita urgentemente de ser revisada. Pretinho Que Cuia, conseguiu conven-
cer um Grupo Parlamentar formado por 14 deputados. O presente grupo parlamentar já
solicitou uma revisão constitucional e pretende alterar a Constituição o mais breve possí-
vel. Quid Juris!

220
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Provas Simuladas 5
Grupo I

Escolha as opções falsas:


1 – O termo Povo distingue-se do termo população, porque:

a) O termo população tem significado económico e meramente demográfico


ou estatísticos;.
b) O termo população se traduz no conjunto de estrangeiro, apátridas e po-
lipátrida que se encontram no território de um Estado;
c) O termo população se traduz no conjunto de cidadãos, estrangeiros, apá-
tridas e polipátrida que se encontram no território;
d) Todas as afirmações são verdadeiras..
Escolha a opção falsa:
2 – É nacional de origem:
a) Quem o toma pelo nascimento;
b) O indivíduo que recebe a nacionalidade dos seus pais independente-
mente do local onde nasceu;
c) Quando o local do nascimento determina a nacionalidade;
d) Todas são falsas..
Escolha a opção verdadeira:
3 – Os limites formais são aqueles:

a) Que visam garantir a permanência do núcleo essencial da Constituição;


b) Que se referem ao tempo em que é realizada uma revisão na Constitui-
ção;
c) São aqueles que prescrevem os momentos específicos em que não po-
dem ser realizadas qualquer tipo de revisão constitucional;
d) São todas falsas..

Grupo II

Em não mais de 25 linhas debruce sobre o Sistema de Governo de Angola

221
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Provas Simuladas 6

Grupo I

1 – Diga o que entendes por coabitação e de que sistema é característico.


2 – Diga o que entendes por moção de confiança e de que sistema faz parte.
3 – Diferencie impeachment de responsabilidade política.
4 - Diga qual é a discrepância entre um Estado Federal e um Estado Federado.

5 – Quando é que estamos perante a uma bicefalia politica no sistema de governo presi-
dencialista
6 - Porquê é que os doutrinadores consideram o sistema de governo angolano um sis-
tema presidencial atípico?
7 - Que papel é atribuído ao Presidente Português na governação de Portugal e porque?

Grupo II

Resolva o caso em apresso, isto é, segundo o Direito.

Deu-se a entrada na Assembleia Nacional a uma proposta de lei que vem da parte dos
deputados, sobre o aumento da maioridade penal, a mesma foi discutida na generalidade
e aprovada para sua entrada em vigor e não havendo estipulado o dia da mesma. A pre-
sente Lei que foi recentemente aprovada não diz qual das leis penais venho revogar e por
isso tem emergido bastaste babilónia para os homens do Direito. Por isso, advogados,
juristas, professores e estudantes de Direito, afirmam que a presente lei possui vários ví-
cios e apelam que o Tribunal Constitucional declare a sua inconstitucionalidade. Quid
Juris!

222
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Provas Simuladas 7

Resolva os casos práticos, que se seguem:

I. A Assembleia Nacional aprovou uma lei ordinária por maioria simples, que, no en-
tanto, é contestada por um grupo de parlamentares que entende que essa mesma lei padece
do vício de inconstitucionalidade. Por exemplo, uma lei que proíbe a entrada das mulheres
no ensino superior. Constantino Campos e Alexandre Muata, deputados da oposição,
afirmam que apresente Lei é inconstitucional porque viola alguns princípios constitucio-
nais e o Tribunal Constitucional deve imediatamente declarar a sua inconstitucionalidade.

a) No teu entender a presente Lei é inconstitucional ou não?


b) Se for, diga que tipos de inconstitucionalidades se verificam?
c) Diga quem têm legitimidade para interpor a inconstitucionalidade para TC, no
caso em concreto?
d) Como o TC deve sanar ou lidar com este caso?

II. Suponhamos que no ano de 2018, foram realizadas eleições gerais em todo território
nacional, pelo qual concorreram 4 partidos políticos. A Nível Nacional contabilizou-se
um total de 28.561.361 votos validamente expressos pelo qual o partido A obteve
8.450.180 votos, o partido B obteve 7.800.280 votos, o partido C obteve 3.860.720 votos
e o partido D obteve 8.450.181 votos. Suponha-se que no mesmo período de eleições, em
uma determinada província, que para este caso concreto é considerado um círculo eleito-
ral provincial, apurou-se 245.000 sufrágio validamente expressos, e os partidos partici-
pantes obtiveram os seguintes votos: Partido A – 48.000 votos; Partido B – 66.000 votos;
Partido C – 94.000 votos; Partido D – 15.000 votos.

À LUZ DO SISTEMA ELEITORAL ANGOLANO, QUID IUS!

223
Manual de Ciência Política e Direito Constitucional

Provas Simuladas 8

1 – Caso prático:

Lucinda Fernandes era filha do já falecido Leonel Afonso, também conhecido por muitos
de o “come todas e o prova todas”, (alcunha atribuída pelo facto de ele enquanto vivo
ser muito mulherengo). O falecido deixou como herança várias propriedades para sua
filha amada “Lucinda Fernandes”. Mas posteriormente, surgiu uma jovem chamada Yara
Coelho que alega ser filha de um relacionamento que o malogrado teve com a sua mãe já
há algum tempo.

Yara Coelho, afirma que também tem direito à herança deixada pelo dê cujo, pois ela já
comprovou através de um teste de DNA, que de facto é filha do falecido. Lucinda Fer-
nandes não aceitou partilhar a herança com a Yara Coelho, alegando que no testamento
do seu falecido pai dizia categoricamente que 100% da herança caberia somente a ela.
Devido a esta controversa, as duas decidiram levar o litigio a um Tribunal competente.
Postos lá, o Tribunal decide a favor da Lucinda Fernandes, afirmando que a Lei estabelece
que são herdeiros, somente aqueles que são citados no testamento deixado pelo dê cujo.

Yara Coelho muito constrangida com a decisão tomada pelo Tribunal, afirma que durante
a resolução do litigio houve um incidente processual, pois a parte contrária invocou uma
Lei que não a favorece, e que também é inconstitucional, porque atenta contra o principio
da igualdade estabelecido no art.º 23 da Constituição da República, e por este motivo ela
merece um tratamento igual no que concerne a repartição da herança. Yara Coelho, pensa
interpor recurso a um Tribunal Superior o mais breve possível para reapreciação da deci-
são tomada pelo Tribunal em causa.
a) Diga se houve inconstitucionalidade na decisão domada pelo Tribunal em causa
e porque?
b) Identifica o tipo de inconstitucionalidade em causa?
c) Quanto ao modo de impugnação, identifica e debruce sobre o tipo de fiscalização
que se deve levar a cabo para se identificar o tipo de inconstitucionalidade?
d) Se o Tribunal Superior declarar inconstitucionalidade da decisão tomada pelo an-
terior Tribunal, que tipo de efeito de inconstitucionalidade se verificará e porque?
e) Identifica o tipo de recurso que a Yara Coelho deve interpor?
f) Nas vestes de um Tribunal Superior, resolva o caso em apresso.

224
Índice

PRELIMINARES

1. Conceitos ............................................................................................................ 7

2. Critérios de Distinção entre o Direito Publico e o Direito Privado ......................... 8

3. O Método da Ciência Política e do Direito Constitucional .................................. 11

4. Tendências Actuais do Direito Constitucional .................................................... 12

4.1. Jurisprudência Constitucional.................................................................... 12

4.2. Direito Constitucional Comparado ............................................................. 14

4.3. Acompanhar as Novas Leituras dos Problemas Político-Constitucionais .. 14

4.4. O Direito Constitucional e as Novas Técnicas de Informação ................... 15

5. O Ensino do Direito Constitucional em Angola .................................................. 17

6. Estudo do Direito Constitucional nalguns países europeus e nos E.U.A............ 17

6.1. Alemanha ..................................................................................................... 17

6.2. França .......................................................................................................... 18

6.3. Portugal ........................................................................................................ 18

6.4. Grã-Bretanha ................................................................................................ 19

6.5. E.U.A ............................................................................................................ 20

CAPÍTULO I - DIREITO CONSTITUCIONAL

1. O Direito Constitucional como Direito Público .................................................. 21

2. Teoria e Doutrina do Direito Constitucional ...................................................... 22

225
3. O Direito Constitucional como Direito Político .................................................. 23

4. Características do Direito Constitucional.......................................................... 24

5. As Ciências afins e auxiliares do Direito Constitucional ................................... 27

CAPÍTULO II - DIREITO CONSTITUCIONAL E A CONSTITUCIONAL

1. Constitucionalismo .............................................................................................. 29

1.1. Conceito ....................................................................................................... 29

1.2. Constitucionalismo Antigo ............................................................................. 30

1.3. Constitucionalismo Moderno ......................................................................... 31

2. A Constituição ..................................................................................................... 35

2.1. Sentido do Termo Constituição ..................................................................... 36

2.2. Classificação da Constituições...................................................................... 43

2.3. A Constituição Económica ............................................................................ 52

2.3.4. A Constituição Económica e a Economia Social de Mercado..................... 57

2.3.5. O Sistema Económico Constitucional ........................................................ 57

2.3.6. Os Sectores de Propriedades e a Iniciativa Económica ............................. 58

2.3.7. Expropriação, Nacionalização e Privatização ............................................. 61

2.3.8. A Constituição Financeira .......................................................................... 63

2.4. Funções da Constituição .............................................................................. 64

CAPÍTULO III - REGIMES POLÍTICOS E SISTEMAS POLÍTICOS DE GOVER-


NOS

1. Nota Preliminar .................................................................................................. 67

2. Regimes Políticos .............................................................................................. 68

3. Sistema de Governo .......................................................................................... 71

3.1. Surgimento do Parlamentarismo ................................................................... 71

3.2. Surgimento do Sistema Presidencial............................................................. 76

3.3. Surgimento do Semipresidencialismo ........................................................... 78

3.4. Sistema de Governo de Alguns Países da Europa e das Américas .............. 79

3.4.1. Sistema de Governo Britânico ................................................................ 79

226
3.4.2. Sistema de Governo dos E.U.A ............................................................. 87

3.4.3. Sistema de Governo Francês ................................................................. 97

3.4.4. Sistema de Governo Português ........................................................... 104

3.4.5. Sistema Constitucional Brasileiro ......................................................... 110

3.5. Sistema de Governo de Angola ................................................................. 112

3.5.1. Órgãos de Soberania ........................................................................... 113

CAPÍTULO IV - TEORIA GERAL DO ESTADO

1. Os Elementos do Estado ............................................................................... 123

2. Formas de Estado ......................................................................................... 127

3. Classificação jurídico-internacional de Estados ............................................. 134

4. Fins e Funções do Estado ............................................................................. 136

CAPÍTULO V - O PODER CONSTITUINTE

1. O Que é o Poder Constituinte? ...................................................................... 143

2. A Origem da Teoria do Poder Constituinte ..................................................... 144

3. Titularidade do Poder Constituinte ................................................................. 144

4. Quem é o Titular do Poder Constituinte ......................................................... 147

5. Formas e Exercício do Poder Constituinte ..................................................... 147

6. Poder Constituinte Originário e Derivado ....................................................... 148

7. Limites do Poder Constituinte ........................................................................ 150

CAPÍTULO VI - REVISÂO CONSTITUCIONAL

1. Modalidades de revisão da Constituição ........................................................ 152

2. Limites de revisão constitucional.................................................................... 153

3. Limites de revisão na Constituição de Angola ................................................ 153

4. A História Constitucional de Angola e as Revisões Constitucionais ............... 156

5. A Constituição da República de Angola de 2010 ........................................... 162

6. A Constituição da República de Angola de 2010: IIª ou IIIª República? ......... 166

227
CAPÍTULO VII - CONTROLO E GARANTIA DA CONSTITUCIONALIDADE

1. Inconstitucionalidade das Leis ....................................................................... 170

2. Fiscalização da Constitucionalidade e legalidade .......................................... 174

3. Fiscalização da Constitucionalidade na CRA de 2010 ................................... 180

4. Recurso de inconstitucionalidade................................................................... 183

CAPÍTULO VIII - DIREITOS HUMANOD E LIBERDADES FUNDAMENTAIS

1. Alguns exemplos de Direitos Humanos.......................................................... 187

2. Dimensões dos Direitos Humanos ................................................................ 188

3. Evolução e Constitucionalização dos Direitos Fundamentais ......................... 189

4. As Várias Gerações dos Direitos Fundamentais ............................................ 191

5. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) ................................ 191

6. Direitos e Liberdades Fundamentais na Constituição Angolana .................... 193

7. Meios de Proteção dos Direitos Fundamentais .............................................. 194

CAPÍTULO IX - DEMOCRACIA E DIREITOS ELEITORAL

1. O Sufrágio, da democracia directa à democracia representativa ................... 199

2. Os Sistemas eleitorais ................................................................................... 200

3. Sistema Eleitoral Angolano ............................................................................ 204

4. Partidos Políticos ........................................................................................... 211

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 214

PROVAS SIMULADAS

228

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