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A busca pela verdade real no

processo civil
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Publicado por Simone Figueiredo

há 7 anos

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É cediço que o direito processual civil é norteado pelo princípio


do dispositivo, segundo o qual o juiz deve decidir levando em
consideração exclusivamente as alegações das partes. Para que
possa o magistrado sentenciar, é preciso que se convença da
existência ou inexistência dos fatos alegados pelas partes e, os
meios utilizados que contribuem para a formação do
convencimento do juiz a respeito da existência de fatos
controvertidos que tenham relevância para o processo são as
provas. Pela prova se busca investigar a verdade dos fatos
ocorridos, sobre os quais a regra jurídica abstrata será
aplicada.

A descoberta da verdade sempre foi indispensável para o


processo, sendo um dos seus objetivos. É certo que não se pode
imaginar que, com o processo, atinja-se a verdade real sobre
determinado acontecimento. Trata-se de utopia. Mas que, a
verdade buscada no processo, seja a verdade mais próxima
possível da real.

Através do processo, notadamente o de conhecimento, o juiz


descobre a verdade sobre os fatos, aplicando, então, a estes
fatos a norma apropriada. O chamado “juízo de subsunção”
representa exatamente tomar o fato ocorrido e, a ele, aplicar a
regra abstrata e hipotética prevista no ordenamento jurídico.
Assim, podemos facilmente concluir que a verdade substancial
é elementar da atividade jurisdicional.

Se é certo que o objetivo fundamental da Jurisdição é a justa


composição da lide, ou a atuação da vontade concreta do
direito, não é menos correto que qualquer um destes objetivos
apenas se atinge através da descoberta da verdade sobre os
fatos versados na demanda. Aí está a razão da importância,
para a doutrina processual, da verdade substancial.

A função da prova no âmbito processual é de extrema


relevância, pois se para o perfeito cumprimento dos escopos da
Jurisdição é necessária a correta incidência do direito aos fatos
ocorridos e, se para a aplicação do direito material é imperioso
o conhecimento dos fatos, resta lógica a atenção que merece a
análise da matéria fática no processo. Assim, não é por outra
razão que um dos princípios fundamentais do processo civil é o
da verdade substancial.

Em matéria de prova, a regra geral é a da iniciativa das partes


para oferecê-las, uma vez que delas é o maior interesse na
solução da causa. Por essa razão, durante muito tempo, a
doutrina processual procurou distinguir a forma pela qual o
processo penal e o processo civil lidavam com o tema da
verdade. Defendia-se que o processo penal trabalha com a
verdade real, ao passo que o processo civil conformava-se com
a verdade formal. Diversamente da noção de verdade
substancial, na verdade formal, o juiz deve julgar segundo o
provado pelas partes, encontrando-se limitado às provas por
elas carreadas aos autos. Assim, o magistrado não poderia
levar em consideração as provas que as partes não foram
capazes de apresentar, no curso do processo, tendo que
considerar o resultado obtido como verdade para que pudesse
sentenciar, ainda que não possuísse elementos suficientes para
formar a sua convicção ou, pior, mesmo que soubesse que tal
resultado está longe de representar a verdade sobre o caso em
exame.
Atualmente, ainda há corrente doutrinária que defende a ideia
da verdade formal. Partem da premissa de que o processo civil,
por lidar com bens menos relevantes que o processo penal,
pode contentar-se com menor grau de segurança e certeza.

Entretanto, a distinção entre verdade formal e substancial


perdeu seu brilho. Atualmente, a doutrina moderna do direito
processual vem rechaçando esta diferenciação, uma vez que os
interesses objeto da relação jurídica processual penal não têm
particularidade nenhuma que autorize a conclusão de que se
deve aplicar a estes um método de reconstrução e análise dos
fatos diferente daquele adotado pelo processo civil.
Efetivamente, o processo civil também lida com interesses
fundamentais da pessoa humana, como a família, os direitos da
personalidade e os interesses metaindividuais.

A tendência da doutrina atual é de permitir ao juiz uma posição


ativa na colheita da prova, ampliando seus poderes na
instrução da causa, autorizando ao magistrado a iniciativa de
escolher e determinar as provas que entende relevantes, que
passa a não mais caber, exclusivamente, às partes.
Nosso CPC acolhe tal tendência, no art. 130:
“Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte,
determinar as provas necessárias à instrução do processo,
indeferindo as diligencias inúteis ou meramente
protelatórias”.

O reconhecimento de amplos poderes instrutórios ao juiz,


qualquer que seja a natureza da relação jurídica discutida no
processo, não ofende o princípio do dispositivo, pois a natureza
da relação jurídica material não interfere nos poderes
concedidos ao juiz, que se dá numa outra relação jurídica – a
processual, ou seja, o princípio dispositivo não tem qualquer
ligação com a instrução da causa, matéria eminentemente
processual, mas apenas com as limitações impostas ao juiz em
razão da disponibilidade do direito material. Conforme observa
José Roberto dos Santos Bedaque (Poderes Instrutórios do
Juiz):
“se o pedido da tutela e os limites da prestação são privados,
o modo como ela é prestada não o é”.

Conferir ao magistrado amplos poderes instrutórios não lhe


retira a imparcialidade, apenas proporciona uma apuração
mais profunda e detalhada dos fatos que lhe são levados para
análise, não implicando em favorecimento a qualquer das
partes.

A mitigação do princípio dispositivo baseia-se no fato de que o


processo é instrumento público de exercício de uma função
pública – a jurisdição. A publicização do processo civil
demonstra que embora a relação de direito material seja
privada, a relação de direito processual é pública. Além disso, o
tradicional brocardo jurídico – da mihi factum, dabo tibi ius –
ganha novo alcance, na medida em que, no litígio, fato e direito
se interligam reciprocamente, tornando-se inconsistente sua
distinção. Ao se autorizar que o juiz possa determinar, de
ofício, a produção de provas, deixando o processo de ser
instrumento a serviço dos interesses exclusivos das partes,
pretende-se dar ênfase à busca da verdade substancial, trazida
como verdadeiro dogma para o direito processual.
Assim, a ideia de verdade formal, atualmente, é mero
argumento retórico para autorizar uma posição inerte do juiz
na reconstrução dos fatos, permitindo a dissonância do
resultado obtido no processo com a realidade fática. No
processo moderno o juiz deixa de ser mero expectador do duelo
entre as partes, assumindo poderes (poder-dever) de iniciativa
para pesquisar a verdade real e bem instruir a causa. Falar-se
em verdade formal, implica reconhecer que a decisão judicial
não é alicerçada na verdade.

Simone Figueiredo
http://prepara.saraiva.com.br/

Advogada, parecerista e consultora jurídica; Mestre em direitos difusos e coletivos pela


Unimes; Especialista em direito processual civil pela PUC/SP; Vasta experiência como
professora dos maiores cursos preparatórios para o exame de ordem, no Brasil; É autora e
coordenadora de obras jurídicas em coleções preparatórias para o exame de ordem e
concursos públicos, todas pela Editora Saraiva.
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