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ANÁLISE DO EXERCÍCIO DO DIREITO A RESISTÊNCIA FACE AO MODUS

OPERANDI DAS AUTORIDADES POLICIAIS

Diler Cleide Da Lídia António José Paúa1

dilerpaua@gmail.com

RESUMO

Trata-se de uma figura prevista no art.º 80 da Constituição da República de


Moçambique reconduzida ao domínio dos direitos, liberdades e garantias, sendo esse direito
imediatamente aplicável, sem necessidade de mediação da lei ordinária, atento ao disposto no
n.º 1 do art.º 56.º da CRM. No entanto, o direito de resistência é oponível tanto perante
poderes públicos como perante sujeitos privados. Por outro lado, pode envolver quer uma
atitude de abstenção (incumprir passivamente uma ordem), quer uma conduta activa
(resistência a uma agressão física ilegítima ou a uma violação de domicílio). O Direito a
resistência é o direito que o cidadão tem de não acatar ordens ilegais ou que ofendem os seus
direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos do art.º 80 da CRM. Nesse sentido,
o direito de resistência é o direito que todas as pessoas têm de incumprir ou de resistir contra
factores que ameacem a sobrevivência ou que representem violência a valores físicos, éticos
ou morais e de direito.

Palavras-chave: Direito á Resistência, Autoridades Policiais, Violência Policial.

1
Estudante de Direito do 3º Ano da Universidade Católica de Moçambique - Faculdade de Direito - Nampula
1
ANALYSIS OF THE EXERCISE OF THE RIGHT TO RESISTANCE IN THE FACE
OF POLICE AUTHORITIES' OPERATING MODES

Diler Cleide Da Lídia António José Paúa2

dilerpaua@gmail.com

ABSTRACT

This is a figure provided for in article 80 of the Constitution of the Republic of


Mozambique, which is brought back to the domain of rights, freedoms and guarantees, and
this right is immediately applicable, without the need for mediation of the ordinary law, in
view of the provisions of paragraph 1. of article 56 of the CRM. However, the right of
resistance is enforceable against both public authorities and private individuals. On the other
hand, it can involve either an attitude of abstention (passively failing to comply with an order)
or active behavior (resisting an illegitimate physical aggression or a domestic violation). The
Right to Resistance is the citizen's right not to comply with illegal orders or orders that offend
their fundamental rights, freedoms and guarantees, under the terms of article 80 of the CRM.
In this sense, the right of resistance is the right that all people have to comply or resist against
factors that threaten survival or that represent violence to physical, ethical or moral values and
rights.

Keywords: Right to Resistance, Police Authorities, Police Violence.

SUMÁRIO: Introdução I.
Contextualização II; Figuras Afins do
Direito a Resistência; Exercício do
Direito á Resistência, Importância do
Direito a Resistência; Situações em que
se pode exercer o direito de resistência;
A fé Publica e Soluções efectivas;
Necessidade de regulamentação;
Considerações Finais; Sugestões;
Referências Bibliográficas.

2
3rd Year Law Student at the Catholic University of Mozambique - Faculty of Law - Nampula
2
INTRODUÇÃO
O presente trabalho inspira-se na realidade quotidiana do povo Moçambicano,
principalmente para aquela camada que de alguma forma desconhece dos seus direitos
constitucionalmente estabelecidos, e em virtude disso as autoridades policiais nas suas
incursões e no exercício das suas funções dia pós dia, tem violado os direitos fundamentais
dos cidadãos, tendo estes que acatar ordens ilegais e que ofendem os seus direitos, até a se
submeterem a corrupção para se verem livre dessas situações, por não saberem da existência
deste direito a resistência, pelo pouco difundimento legislativo, social e até doutrinal da
existência do direito á resistência e os seus modos de exercício e efectivação.

No entanto, trata-se de um direito defensivo, em que o ordenamento legitima


juridicamente que um cidadão possa incumprir uma ordem que ofenda os seus direitos,
liberdades e garantias ou repelir pela força, num contexto defensivo, um acto de agressão
sempre que não possa recorrer à autoridade pública. Neste contexto, olhando para o modus
operandi das autoridades policiais, e sabendo que o art.º 80 da CRM estabelece que todo o
cidadão tem o direito de não acatar ordens ilegais ou que ofendam os seus direitos, liberdades
e garantias fundamentais, urge responder a seguinte questão de partida:

 Será Possível o Exercício do Direito à Resistência diante das Autoridades Policiais?

CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA
O direito de resistência é pouco estudado, sobretudo em seus aspectos
jurídicos. Todavia, as reflexões sobre o tema são tão antigas quanto aquelas feitas sobre o
poder, o Estado e a liberdade do indivíduo frente à autoridade estatal. O direito de resistência
pode ser visto como um mecanismo fundamental para o indivíduo, bem como para os mais
diversos grupos sociais, de protecção contra os abusos do poder. Ele é um direito que deve ser
reconhecido em decorrência da sua importância para a realização de outros direitos que o
ordenamento jurídico reconhece como fundamentais do cidadão.3

O centro das discussões em torno do direito de resistir à opressão encontra-se


dentro da filosofia política. É necessário encontrar uma justificativa para este direito de o
cidadão opor-se às ordens das autoridades públicas eivadas do vício da ilegalidade ou
desprovidas de legitimidade. Faz- se necessário, também, traçar os limites para o exercício da

3
ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência na Constituição Federal
de 1988, Brasília DF, 2001. pp.17
3
resistência. Assim, apenas dentro de um modelo de Estado, onde exista uma democracia
representativa, ele pode, de facto, ser admitido na actualidade.

METODOLOGIA DE PESQUISA
Posto o problema da pesquisa, o trabalho acolheu o método documental, de
forma a permitir a busca, identificação, selecção, classificação e melhor colecta de
informações, que serviram de base para esse trabalho. Aliado a isso, a Constituição da
República de Moçambique e a doutrina foram o nosso maior recurso, de forma a conhecer a
realidade do tema. Importa frisar que usamos também os métodos interactivos humanos, de
forma a perceber do próprio cidadão como esse modus operandi das autoridades policiais
impacta nas suas vidas, os seus direitos fundamentais e humanos, e dos profissionais de
direito, alternando entre a dedução e indução.

Como meio de recolha de dados, nos servimos do levantamento bibliográfico e


a entrevista, de forma a permitir e possibilitar os melhores resultados possíveis em torno da
análise do tema e das questões levantadas. Para uma maior compreensão e acesso, na
apresentação e análise dos dados foi aplicado o processo de categorização. Que é no entanto,
o processo pelo qual se organiza os dados em grupos ou categorias com um propósito
específico. De forma a organizar e compreender os resultados colectados na pesquisa, e bem
como, para responder a questão feita no inicio do trabalho, preferiu-se, á análise qualitativa,
através da análise do conteúdo, consistindo assim, na leitura e interpretação dos conteúdos e
dos resultados obtidos.

APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS/DADOS


1. DIREITO A RESISTÊNCIA

O Direito a resistência é o direito que o cidadão tem de não acatar ordens


ilegais ou que ofendem os seus direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos do
art.º 80 da CRM.4 Portanto, o direito de resistência decorre da relação de poder que existe
entre o indivíduo e o Estado. De um lado encontra-se este último, actuando na sociedade
através do exercício da autoridade soberana que possui, do outro, o primeiro, que lhe deve
obediência. Assim, ao mesmo tempo que é um dever obedecer às ordens estatais justas, é
também, um direito, resistir àquelas que forem contrárias aos interesses do povo, em

4
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
4
decorrência do princípio da soberania popular, que é um dos pilares do Estado Democrático
de Direito. Sendo este, o ponto central dos debates sobre o direito de resistência.5

1.1. FIGURAS AFINS DO DIREITO A RESISTÊNCIA


1.2. A Legitima Defesa

A legítima defesa tem sido reconhecida em todos os tempos e por todos os


povos como acção conforme o Direito penal e não é punível. A legítima defesa tem como
sede legal a alínea b) do n.º 1 do artigo 51 do Código penal6, com desenvolvimento autónomo
no artigo 53 do mesmo Código, com epígrafe legítima defesa. 7 Entende-se por legitima
defesa, quem usando moderadamente dos meios necessários,8 Repele injusta agressão, actual
ou iminente, a direito seu ou de outrem. Fundamentam-se na existência de um direito primário
do homem de defender-se, na retomada pelo homem da faculdade de defesa que cedeu ao
Estado, na delegação de defesa pelo Estado, na colisão de bens em que o mais valioso deve
sobreviver, na autorização para ressalvar o interesse do agredido, no respeito á ordem jurídica,
indispensável á convivência ou na ausência de ilicitude da acção agressiva. É necessário que
haja por parte do agente, reacção contra aquele que esta praticando uma agressão. 9

A legítima defesa tem como fundamento o reconhecimento de que o Direito


nunca pode recuar ou ceder perante o ilícito, já que a agressão, sendo ilegal, não lesa apenas
um interesse particular, mas viola o próprio ordenamento jurídico globalmente considerado.10
Neste contexto, a legitima defesa funda-se na necessidade de defesa da ordem jurídica que
não tolera actos ilícitos e na necessidade de protecção dos bens jurídicos pessoais do
individuo ou de terceiro ameaçado de lesão pela agressão actual e ilegal. Esta visa a protecção
individual e a prevalência do Direito sobre actos ilícitos.11

1.2.1. Âmbito da Legítima Defesa

A legítima defesa compreende a exercida nos termos do art.º 185 do código


penal, para: Repelir, de noite, o escalamento ou arrombamento de uma casa habitada ou de
5
ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência na Constituição Federal
de 1988, Brasília DF, 2001. pp.7-8
6
Cfr. Alínea b) do n.°1 Artigo n.º 51 da Lei no 24/2019 de 24 de Dezembro: Aprova o Código penal, in Boletim
da República. I Série, Nº248
7
Cfr. Artigo n.º 53 da Lei no 24/2019 de 24 de Dezembro: Aprova o Código penal, in Boletim da República. I
Série, Nº248
8
MIRABETE, Júlio Fabbrini; e FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, 27ª Edição, Editora Atlas S.A,
São Paulo, 2011. p.168
9
QUEIROZ, Paulo, Direito penal, 4ᵃ Edição, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2008, pp. 265-266
10
MACIE, Albano, Direito Penal I-Textos de Apoio, Topografica editora, 2018. P.207
11
MACIE, Albano, Direito Penal I-Textos de Apoio, Topografica editora, 2018. P.208.
5
suas dependências, que podem dar acesso à entrada na mesma casa; e Defender-se contra os
autores de roubo ou destruição executadas com violências.12 Mas isso não quer dizer que a
legitima defesa não possa ser utilizada para outros casos. Assim, podemos concluir que a
legítima defesa é admissível para a defesa de todos os direitos, incluído de terceiros.13

1.2.2. Regime Jurídico da Legítima Defesa

O regime jurídico é constituído pelos requisitos ou pressupostos da agressão e


os requisitos ou pressupostos da defesa, e esta estabelecida no art.º 53 do Código Penal.14 Só
pode verificar-se a justificação do facto, nos termos da aliena b), do numero 1 do art.º 51 do
Código Penal15, quando concorrerem os seguintes requisitos.

 Agressão ilegal em execução ou iminente, que não seja movida por provocação,
ofensa ou qualquer crime actual praticado pelo que defende;
 Impossibilidade de recorrer à força pública;
 Necessidade racional do meio empregado para prevenir ou suspender a agressão.

Não é punível o excesso de legítima defesa devido a perturbação ou modo


desculpável do agente.16

1.3. Legitima Defesa e o Direito á Resistência

O direito á resistência e a legítima defesa são de âmbitos totalmente diferentes.


Porque o direito a resistência é um direito fundamental e muitas das vezes quando falamos do
direito a resistência ele aparece aliado a repúdio de actuação dos órgãos de administração
pública e não só, e é diferente da legítima defesa porque esta, se encontra mais no fórum
privado, é um mecanismo de defesa a nossa integridade física diante de uma iminente
violação às nossas liberdades, e se actua naquele mesmo momento com vista a evitar que
alguns danos sejam causados a nossa integridade ou a esfera jurídica. A resistência tem um
âmbito diferente, porque resiste-se diante de ordens, directrizes, politicas ou actos que são

12
MACIE, Albano, Direito Penal I-Textos de Apoio, Topografica editora, 2018. p.210.
13
MACIE, Albano, Direito Penal I-Textos de Apoio, Topografica editora, 2018. p.210.
14
Cfr. Artigo n.º 53 da Lei no 24/2019 de 24 de Dezembro: Aprova o Código penal, in Boletim da República.
15
Cfr. Aliena b) do n.º 1 do Artigo 51 da Lei no 24/2019 de 24 de Dezembro: Aprova o Código penal, in Boletim
da República.
16
MIRABETE, Júlio Fabbrini; e FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, ob. cit. p.171
6
emanados pelos órgãos da administração pública, e o cidadão se recusa a obedecer a ordem
por ser ilegal ou por ofender os seus direitos.17

Neste contexto, o direito de resistência assemelha-se a legitima defesa, mas é


diferente. Porque na legítima defesa estamos a falar de uma agressão efectiva ou iminente,
enquanto no direito a resistência estamos a falar de uma situação de cumprimento de uma
ordem ilegal ou que ofende os nossos direitos. Sendo o ponto comum, a ilegalidade dos
actos.18

No direito a resistência não se verifica como tal, uma agressão, pode se dar o
caso de o cidadão querendo exercer o seu direito a resistência haver violência, agora aqui já
são duas coisa, por conta do exercício do direito a resistência, é obrigado o cidadão a recorrer
a legítima defesa para repelir aquele mal, mas tem que se ver a questão da proporcionalidade,
porque aquele agente que esta ali, ao ter o cidadão que empreender a legitima defesa, ele ou
esta com a arma ou esta com a farda, dai que estaria agir em legitima defesa contra o Estado,
ainda que o agente esteja agir na margem da lei, mas esta agir representando o Estado, tanto é
que os actos de repercussão civil, será demandado o Estado e não aquele individuo, agora é
preciso medir, pois o principio da proporcionalidade deve ser bem observado aqui. 19

Entretanto, se for o polícia a agredir o cidadão ilegalmente, passa


automaticamente para a legitima defesa. Se o polícia agride um cidadão e o cidadão retalia
para evitar aquela agressão ai já não é resistência, cai logo para a legitima defesa, porque o
polícia antes de ser polícia, é cidadão também. Tanto é que vai ser instaurado um processo-
crime de ofensas corporais voluntárias simples, e o cidadão vai dizer que se defendeu a uma
agressão ilegal. No entanto, no direito a resistência pode existir um processo contra o policial,
disciplinar ou criminal, porque ele esta actuar fora das normas que lhe orientam.20 Portanto,
uma coisa é o direito a resistência, que querendo exercer o direito a resistência o cidadão foi
obrigado a recorrer a legitima defesa. Entretanto, a legitima defesa pressupõe que naquele
momento em que a agressão esta prestes a acontecer, o cidadão não tem autoridades públicas

17
PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi das autoridade policias,
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
18
MUTINIUA, Olvanio. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi das autoridade policias
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
19
MUTINIUA, Olvanio. O Exercício do Direito a resistência… ob. cit.
20
PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência… ob. cit.
7
ou policiais, mas esta a falar naquele momento com uma autoridade pública, quer dizer esta
ali a pessoa que deveria garantir a ordem e tranquilidade naquele momento.21

Portanto, é uma questão discutível, pode, pode, mas depois pode pesar
negativamente para o cidadão. Ou seja, a questão da legítima defesa aplica-se, mas aplica-se
em situações extremas, como se diz, as vezes pode-se aplicar mecanismos, métodos
desproporcionais que depois podem pender na balança negativamente para o cidadão. Por isso
a legítima defesa seria uma figura afim do direito a resistência, porque assemelha-se. Mas
tendo por base que numa situação estamos a falar de uma ordem ilegal ou ofensa aos direitos,
e na outra de uma agressão efectiva ou iminente ilegal.22

1.4. A Liberdade do Indivíduo e a Autoridade do Estado

Têm-se indagado que a resistência oposta à execução de ordens ilegais, uma


vez que não se excedam os meios necessários para impedi-la, é um direito ou uma simples
permissão. Entretanto, o direito de resistência, é o corolário do dever de obediência, isto é, da
obediência que não supõe extrema ignorância daquele que obedece, mas não prescinde de
certas restrições.

Portanto, existe em toda sociedade organizada, máxime no Estado, dois


princípios antinómicos que não se concebem um sem o outro e que coexistem como
corolários da vida em comum, sem jamais se harmonizarem: a autoridade, que envolve a ideia
de obediência, e a liberdade, que é a faculdade natural de agir. A autoridade e a obediência
não são somente ideias necessárias, mas coisas eminentemente úteis.23 O direito de resistência
é um direito fundamental do cidadão e é reconhecido em diversas Constituições. Portanto, têm
de se condenar, sobretudo, a obediência cega às leis e as autoridades policiais, porque, não se
pode afirmar que é necessário obedecer à lei, independentemente de sua legitimidade, ou de
sua constitucionalidade. Se o fizermos, condenaremos a obediência aos decretos mais atrozes
e às autoridades mais despóticas, ou ilegais.24

O direito de resistência não abrange o crime, a morte das instituições, o


assassínio, o massacre, o roubo, a insurreição contra a autoridade e o poder constituídos e em
21
MUTINIUA, Olvanio. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi das autoridade policias,
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
22
Idem.
23
MELLO, Baptista de. O Direito de Resistência. Archivo Judiciario (Publicação Quinzenal do Jornal do
Commercio. Volume XXXVII, 1936, p. 95.
24
MELLO, Baptista de. O Direito de Resistência… Op. cit. p. 97.
8
função legal, o que o direito de resistência impõe é a restauração da lei para consecução das
garantias individuais, para a liberdade necessária à vida em comum, para o império do
direito.25 Assim, o delito de rebelião, o desforço pelas armas, a resistência violenta à ordem
legal não é um direito, mas um crime. A liberdade, que é o espírito da nação, deve ser vivida
dentro dos limites legais, ou seja, no exercício normal da soberania dentro dos poderes legais.
O direito de resistência deve ser exercido observando a moral e o equilíbrio do direito, para
restaurar a ordem jurídica violada e a liberdade que esta assegura.26

A questão do direito de resistir às ordens ou actos ilegais das autoridades


policiais, esta associada à ideia e aos princípios que autorizam a legítima defesa, nos termos
do art.º 51, n.º 1 alínea b) conjugado com o 53 do CP.27 Discute-se, sobretudo, a dificuldade
de encontrar uma interpretação razoável para, ao mesmo tempo, salvaguardar a ordem pública
sem negar o direito de resistência do cidadão contra a truculência das autoridades policiais.28
O que vai justificar a resistência imposta pelos cidadãos é a falta de legitimidade das leis ou
actos de outras autoridades públicas, diferente dos legisladores. Assim, têm de ser resistência
pacífica, em decorrência do reconhecimento dos direitos constitucionais de liberdade de
expressão e manifestação.29

Neste contexto, a resistência não nega o direito nem a ele se contrapõe. Por
isso, não há inconveniente de ser aceita, desde que se condicione a determinados
pressupostos. Convém reconhecê-la, mesmo havendo o perigo do abuso, porque certamente,
os abusos da tirania, o abuso das autoridades policiais e de quaisquer ordens ilegais são iguais
ou piores que os abusos da resistência.30 Ela parte das ideias de liberdade e racionalidade que
norteiam o Estado contemporâneo. 31

25
ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência. ob. cit. pp.7-8
26
MELLO, Baptista de. O Direito de Resistência… Op. cit. p. 100
27
REPÚBLICA DE MOCAMBIQUE, Lei n.º24/2019, da Revisão de 24 de Dezembro, Código Penal. In
Boletim da República. I Série, Nº248
28
ABREU, Valdir de. O Crime e o Direito de Resistência. Revista Forense. Volume 157, 1955, p. 535-537.
29
RODRÍGUEZ-CABELLO, Enrique Laraña. Un derecho no reconocido en la Constituición: el derecho a la
resistencia. Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad Complutense (Los Derechos Humanos y la
Constitución de 1978).Madrid, 1979, p. 201-203.
30
PAUPÉRIO, A. Machado. O Direito Político de Resistência. Editora Forense, Rio de Janeiro:, 1978, p. 23.
31
ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência na Constituição Federal
de 1988, Brasília DF, 2001. pp.14-15
9
2. O EXERCÍCIO DO DIREITO A RESISTÊNCIA

Todo o cidadão tendo em conta o comando constitucional sobre o direito de


resistência e sendo o direito de resistência aplicável as ordens ilegais exclusivamente, ao que
todo o servidor público até privado, que esteja a impor uma atitude que seja ilegal, o cidadão
todo ele tem a prerrogativa de recusar-se ao cumprimento desta ordem ou deste comando,
enquanto ele enfermar de vício de ilegalidade. Ao que desde os superiores hierárquicos para
os seus subalternos, a PRM para com os cidadãos pacatos, o cidadão civil ou outros cidadão
qualquer, sempre que o agente da polícia, por mais que acoberte do poder de força que tem,
em representação do Estado, ele não pode em momento algum, obrigar o cidadão a cumprir
uma ordem enquanto ela for ilegal, dai que o cidadão tem a prerrogativa de resistir a esta
ordem enquanto ela for ilegal.32

Trata-se de uma figura prevista no art.º 80 da Constituição da República de


Moçambique reconduzida ao domínio dos direitos, liberdades e garantias, sendo esse direito
imediatamente aplicável, sem necessidade de mediação da lei ordinária, atento ao disposto no
n.º 1 do art.º 56.º da CRM.33 No entanto, o direito de resistência é oponível tanto perante
poderes públicos como perante sujeitos privados. Por outro lado, pode envolver quer uma
atitude de abstenção (incumprir passivamente uma ordem), quer uma conduta activa
(resistência a uma agressão física ilegítima ou a uma violação de domicílio).

O direito de resistência é o direito que todas as pessoas têm de resistir ou de se


insurgir contra factores que ameacem a sobrevivência ou que representem violência a valores
éticos ou morais. O direito de resistência pode ser visto como um mecanismo fundamental
para o individuo, bem como para os mais diversos grupos sociais, de protecção contra os
abusos do poder. Ele é um direito que deve ser reconhecido em decorrência da sua
importância para a realização de outros direitos que o ordenamento jurídico reconhece como
fundamentais.34

Portanto, é possível exercer o direito de resistência diante das autoridades


policiais, mas é difícil, e isso vai necessariamente variar de agente para agente, porque dentro
da corporação da polícia, existem agentes conscientes e que tem algum domínio, pode não ser
32
LANGA, Alberto. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi das autoridade policias,
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
33
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
34
ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência. ob. cit. pp.17
10
um domínio consolidado, mas tem um domínio sobre a legislação. Então eles já sabem até
onde vai a actuação de um cidadão e já sabem diferenciar uma detenção ilegal de uma legal,
por isso que é possível, mas é difícil. Muito por conta que eles, os agentes da policia, quando
estão fardados, estão imbuídos do poder de Estado, o tal dito ius imperius, isso faz com que
eles de certa forma não queiram ser desrespeitados, embora que estejam a praticar actos
ilegais. Porque há casos em que eles mesmo sabendo que estão a praticar actos ilegais, não se
rebaixam ao ponto de ceder a uma resistência de um cidadão, tendo por base que são situações
que acontecem na rua, então ele ao ter que ceder a uma resistência, entende que a sua farda
estará a ser colocada em risco, em baixo, a sua autoridade, e que os outros cidadãos poderão
não respeita-lo, não só a ele, mas também a própria policia.35 Então em linhas gerais, é
possível, mas é difícil.

Todavia, é fundamental, nos estudos sobre o exercício do chamado direito de


resistência, que se tenha sempre no centro a ideia de que a resistência imposta não é contra o
Direito. Muito pelo contrário, deve-se resistir para preservar e restaurar a ordem jurídica
violada. O direito de resistência, portanto, fundamenta-se num respeito profundo ao Direito.36

Quando falamos no Direito a resistência, enquadramo-lo naquilo que são as


prerrogativa constitucionais concedidas aos cidadão para fazer valer aquilo que são os seus
direitos, também plasmados na constituição. Agora este direito a resistência é muito discutível
a sua materialização, porque, pese embora o cidadão tenha esta prerrogativa constitucional de
resistir a certas ordens ilegais e que ofende os direitos, este direito pode ser entendido numa
outra dimensão, que é a dimensão de resistir não só ao poder do Estado, mas qualquer um,
que numa determinada situação tem um tipo de poder de fazer cumprir certa ordem, que é o
caso dos Policias.37

Assim, quando se fala no direito de resistência não se está a falar numa reacção
contrária à ordem jurídica, nem mesmo à autoridade estatal; ao contrário, o objectivo da
resistência não é violar a ordem jurídica e sim restabelecer aquela violada pelo governo tirano
e da violência das autoridades policiais. A resistência não é contra a autoridade estatal em si,
mas contra a tirania do soberano e mau uso do poder. Assim, aqueles que resistem em nome
do direito e do bem comum não podem ser chamados de sediciosos, porque o regime tirânico
não é justo por se ordenar, não para o bem comum, mas para o bem particular de quem

35
MUTINIUA , Olvanio. O Exercício do Direito a resistência face ao modus. ob. cit.
36
ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência. ob. cit. pp.18
37
PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência face ao modus. ob. cit.
11
governa. Assim, o sedicioso é antes de tudo o tirano que nutre no povo discórdias e sedições
para poder governar para o próprio bem. O objectivo do direito de resistência é proteger a
ordem social conforme as exigências da natureza humana.38

Num outro momento, é possível reconhecer o direito de resistência como um


dentre muitos outros direitos fundamentais do indivíduo. Assim, o povo é soberano, uma vez
que não abdicou de todos os direitos que lhe são inerentes em favor de nenhuma pessoa ou
assembleia, ele apenas o delegou. Dessa forma, pode, a qualquer momento, revogar esta
delegação, bastando, para tal, que os governantes e os seus agentes passem a violar os direitos
para cuja protecção se constituiu o Estado. Os governantes, por isso, perdem a legitimidade
violando as leis fundamentais que ficaram obrigados a defender, quando investidos do poder.

Ao entender que o povo não abdica do seu poder, ocorrendo apenas uma
delegação deste aos governantes, que perderão a sua legitimidade caso desrespeitem as leis
fundamentais, a cuja defesa ficaram obrigados em decorrência de sua investidura no poder,
reconhece-se a possibilidade dos cidadãos se oporem aos actos injustos e ilegais de seus
governantes, bem como dos seus agentes, o que inclui claro, as autoridades policiais.39 Assim,
o direito de resistência passa a ter uma importância crucial nas lutas por reformas dentro do
Estado e da sociedade, na busca do exercício pleno dos direitos de cidadania, vistos de forma
ampla e não apenas formal.

No contexto actual, dentro do Estado constitucionalizado, não é suficiente


reconhecer o direito de resistência como o direito natural de o cidadão opor-se contra as
ordens injustas do Estado, daí a necessidade de encontrar-se um reconhecimento
constitucional, ainda que implícito, para o exercício do chamado direito de resistência. 40 Na
análise do direito de resistência, é fundamental partir sempre da ideia de que a resistência tem
como objectivo preservar a ordem jurídica e não destruí-la, mesmo que a reacção contra
ordens injustas ou ilegais venha a ocasionar mudanças na ordem estabelecida. O bem maior
que se deseja preservar é a ideia de justiça, que resulta de um consenso da sociedade reflectida
nas suas instituições.

38
ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência na Constituição Federal
de 1988, Brasília DF, 2001. pp.25
39
CHEVALIER, Jean-Jacques. História do Pensamento Político, Editora Guanabara Koogan S.A, Tomo 2. Rio
de Janeiro: 1983. P. 50
40
CARVALHO, Pedro Armando Egídio de. Algumas Linhas sobre o Direito à Resistência. Revista Brasileira
de Ciências Criminais. 1995, p. 156-157
12
Assim, faz-se necessário, na actualidade, examinar os meios utilizados na
resistência. Enquanto no pensamento político medieval defendia- se até o tiranicídio, como
uma forma de reacção contra a tirania, e no pensamento liberal, a sublevação, como sanção ao
mau governante, na actualidade não é abatendo o Estado tirano e as suas autoridades, ou
fazendo uma revolução armada e violenta, que se vai resolver o problema da opressão. Porque
não convém, dentro do modelo de Estado democrático, a opção por formas violentas de
resistência, ao contrário, a tendência é dar uma ênfase na resistência passiva. A opção por
meios não violentos tem-se mostrado mais eficiente para atingir o objectivo do direito a
resistência.

Ainda diante do aumento da violência institucionalizada e organizada, bem


como de sua enorme capacidade destruidora, a melhor forma de pressão para modificar as
relações de poder das autoridades policiais e o cidadão é a não-violência. Portanto, o
reconhecimento, através de experiências práticas, da eficiência dos meios de resistência não-
violentos como mais eficazes que o uso da violência fez com que os estudos sobre o direito de
resistência, na actualidade, se voltassem em suas modalidades não violentas, a
desobediência civil, bem como para a objecção por motivo de consciência.41

2.1. Qual é a Razoabilidade do Direito a Resistência? Como é que o Exercício do


Direito a Resistência vai ser encarado pelo próprio agente da PRM?

É outra página, pelo que tem que se saber que tipo de formação, os nossos
agentes da PRM recebem em Matalane, e o que eles recebem do ponto de vista de
cumprimento e observância de direitos fundamentais, pelo que numa opinião muito vaga,
presume-se que se deia o Direito Constitucional. E o que lhes vai interessar no direito
constitucional, é saber justamente, o respeito ao conjunto de direitos fundamentais que
assistem ao Cidadão, e um deles é o direito de resistência a ordens ilegais, pelo que o Policia,
não devia se escandalizar, quando um cidadão recuse de acatar uma ordem ilegal, pois devia
ser o interesse da polícia, perceber até que ponto a sua ordem é ilegal, para se lembrar desta
prerrogativa que o legislador ao nível da constituição dá ao cidadão de resistir, nos termos do
art.º 80 da CRM.42

41
ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência na Constituição Federal
de 1988, Brasília DF, 2001. pp.50-51
42
LANGA, Alberto. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi das autoridade policias,
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
13
E fora isso, há outro aspecto, é que o polícia tem uma disciplina militar, tudo
responde na base da força, não na base da consciência, não generalizando mas grosso número
deles. Tanto é que a posição deles tem sido esta, de autodefesa. Pelo que tem que se saber
quais são os conteúdos que se ministram lá em matalene, no centro de formação dos policiais
como se disse anteriormente, mas entende-se que tem que se dar mais de direitos humanos,
mais de constitucional porque esta na base do nosso Estado e do nosso direito.43

2.1.1. Até que Ponto e em que Circunstâncias se Pode Resistir?

O raciocínio do legislador quando fala de resistência, fala mesmo relativamente


á ordens das autoridades públicas que de certa forma, violem aquilo que são os seus direitos
fundamentais, e o cidadão tem esta prerrogativa de resistir, resistir é praticamente escusar-se
ao cumprimento ou a obediência destas ordens. Mas o problema que existe é relativamente a
materialização deste direito, porque tem que se saber até que ponto, como, em que medidas e
em que âmbito podemos usar este direito.44

Esta atitude ou comportamento, tem que ser seguido, precedido, de uma


espécie duma jornada, do próprio ministério do interior e do comando geral, no sentido de
sensibilizar e lembrar aos agentes que enquanto as ordens forem ilegal, não são de
cumprimento obrigatório, porque se isto não acontecer o que podemos assistir são
boleamentos, são maus tratos, entre outras coisas que tem caracterizado a nossa polícia, dai
que a abordagem poderá ser nesse sentido.45

2.2. SITUAÇÕES EM QUE SE PODE EXERCER O DIREITO DE RESISTÊNCIA


2.2.1. Direito á Vida e Direito à Integridade Física

O direito à integridade física é aquele inerente a salvaguarda do corpo da


pessoa, em oposição à sua esfera moral e psíquica.46 Ninguém poderá ser vítima de agressão
física injustificada por parte de agentes do poder público. Portanto, quando se fala da
Integridade Física é ter em conta a conservação do corpo e da saúde do Ser Humano, que

43
LANGA, Alberto. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi das autoridade policias,
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
44
PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi das autoridade policias,
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
45
LANGA, Alberto. O Exercício do Direito a resistência face ao modus. ob. cit.
46
CABETTE, Eduardo Luiz Santos, Direito penal parte especial, Colecção saberes do direito São Paulo,
Saraiva, 2012, P.55
14
podem ser atingidos de forma directa, quando a conduta lesiva for direccionada à pessoa
enquanto ser vivo, ou indirecta, através de comportamentos que afectem colectivamente a
saúde e o bem-estar.

Tutela-se com os dispositivos em estudo, o direito a vida e á integridade física


ou psíquica do ser humano, bem individual e social. Que é um direito protegido em primeira
instancia pela CRM, no se art.º 40º, n.1, onde se estabelece que, todo o cidadão tem direito á
vida e á integridade física e moral e não pode ser sujeito á tortura ou tratamentos cruéis ou
desumanos.47 E sendo punido nos termos do art.º 159 e ss e 171 e ss, ambos do Código
Penal48 ficando claro desde já, que o bem tutelado é a Vida e a integridade física e moral.
Portanto, entende-se que estes direitos são oponíveis contra terceiro, seja qual for a sua função
ou autoridade, por isso, que se um agente da policia, ou qualquer outra autoridade policial,
violar ou emitir ordens que atentem contra estes direitos e os ofendam, a constituição legitima
o descumprimento destas ordens ou a resistência contra esta violação, nos termos do art.º 80
da CRM, onde se estabelece que o cidadão têm o direito de não acatar ordens ilegais ou que
ofendam os seus direitos, liberdades e garantias

2.2.2. Direito à Dignidade

O princípio da dignidade da pessoa humana, se refere à garantia das


necessidades vitais de cada indivíduo, ou seja, um valor intrínseco como um todo. Um dos
valores fundamentais está o da dignidade da pessoa humana, que tem como foco a garantia da
vida digna. No entanto, o respeito à dignidade humana constitui princípio fundamental.49 A
dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais da humanidade devendo ser
preservada em toda e qualquer tipo de situação, seja ela prisão ou outras formas de confronto.
Qualquer cidadão tem direito a vida e à sua dignidade.50 Assim, nos termos do art.º 41 da
CRM51 se dispõe que todo o cidadão tem direito a honra, ao bom nome, á reputação, a defesa

47
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
48
REPÚBLICA DE MOCAMBIQUE, Lei n.º24/2019, da Revisão de 24 de Dezembro, Código Penal. In
Boletim da República. I Série, Nº248
49
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 1999, p. 1.090.
50
DHNET, Cartilhas de Defesa dos Direitos Humanos contra a Violência Policial. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/br/rj/cart_violpol.htm acesso: 4/10/2022
51
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
15
da sua imagem pública e a reserva da sua vida privada, sendo a violação deste preceito punido
nos termos do art.º 233 e ss do Código Penal.52

A dignidade humana é um valor inviolável, faz parte da nossa existência. É


considerada um valor essencial do ser humano, que representa o respeito que todos devem ter
uns pelos outros. Portanto, todo indivíduo é dotado desse direito, e deve ser tratado
com respeito,53 Entendendo-se por isso, que caso as autoridades policiais emitam ordens
ilegais que ferem a dignidade do individuo, este tem o direito de incumprir estas ordens que
ofendam este direito constitucionalmente estabelecido, nos termos do art.º 80 da CRM.54 O
princípio da dignidade da pessoa humana é a origem dos direitos humanos consagrados na
CRM. Desse modo, ele se reflete em todos os ramos do direito, mas pode-se dizer que de um
modo especial está atrelado ao direito penal.55

2.2.3. Direito á Liberdade e à Segurança

A Constituição consagra o direito à liberdade e à segurança, nos termos do art.º


59 da CRM.56 Portanto, estes dois direitos, embora distintos, estão intimamente ligados:
o direito à liberdade significa direito à liberdade física, à liberdade de movimentos ou
circulação, ou seja, direito de não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente
confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar»; o direito à
segurança significa essencialmente garantia de exercício seguro e tranquilo dos direitos,
liberto de ameaças ou agressões. 57
Assim, se interpretado o disposto, nos termos do art.º 35 e 36 da CRM,
percebe-se que, todos têm direito à liberdade e à segurança. Sendo que ninguém pode ser total
ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial
condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial

52
REPÚBLICA DE MOCAMBIQUE, Lei n.º24/2019, da Revisão de 24 de Dezembro, Código Penal. In
Boletim da República. I Série, Nº248
53
IBCCOACHING, O que é Dignidade e qual sua importância em nossas vidas?
https://www.ibccoaching.com.br/portal/comportamento/o-que-e-dignidade-e-qual-sua-importancia-em-nossas-
vidas/ 2020 acesso: 01/10/2022
54
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
55
BEGALLI, Ana Sílvia Marcatto. Dignidade da pessoa humana e Direito Penal, 2010, disponível em:
https://jus.com.br/artigos/14624/dignidade-da-pessoa-humana-e-direito-penal, acesso: 05/04/2021
56
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
57
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA DE PORTUGAL Parecer do Conselho
Consultivo da PGR. Disponível em:
http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/f1cdb56ced3fdd9f802568c0004061b6/b1848cc3ea6dbd7b80256f800038ec8a?Open
Document&ExpandSection=-1#_Section1 acesso: 01/10/2022
16
de medida de segurança, como se vê no art.º 59, n.º 1 da CRM. 58 Sendo por isso, que os
cidadãos têm o direito de resistir contra a privação destes direitos, por parte das autoridades
policiais e de qualquer pessoa que ouse violar tais direitos, nos termos do art.º 80 da CRM.59

2.2.4. Exigência do Bilhete de Identidade Pela Policia sem fundamento e o Direito a


Resistência

Primeiro, é importante dizer que andar com BI é obrigatório, mas andar sem BI
não é crime. A norma que nos obriga a andar com BI não trás consigo a sanção, é uma norma
que tem apenas a previsão e na estatuição não encontramos a sanção. Significa isso, que
ninguém poderá ser constrangido ou privado da sua liberdade ou ser exigido valores
monetários, para além que isso consubstancia no crime de corrupção, ninguém pode ser
exigido, constrangido, ou qualquer que seja a coisa, ou privado da sua liberdade e para que lhe
seja restituída, tenha que disponibilizar valores monetários ou outras vantagens que nós as
conhecemos que são tantas, isto é totalmente ilegal.60

Porque na sequência da consagração do direito à vida e do direito à integridade


física, nos termos do art.º 40 da CRM, a Constituição consagra outros direitos pessoais, com
realce para o direito à reserva da intimidade da vida privada. Assim, a identidade é uma das
matérias protegidas pela reserva da intimidade da vida privada. Defende-se, a este propósito,
que, não sendo constitucionalmente admissível a consagração de um dever geral de
identificação dos cidadãos, a previsão de hipóteses de controlo de identidade há-de respeitar
os princípios a que obedece a restrição de direitos fundamentais, não se justificando por isso,
que os agentes da polícia privem os cidadãos de circular, por não portarem o Bilhete de
Identidade, e que cobrem valores como forma de colmatar a falta do Bilhete de Identidade,
por isso, entende-se que nestas situações o cidadão tem o direito de resistir a tais actos, nos
termos do art.º 80 da CRM, porque são de todo inconstitucionais.61

Neste contexto, tem que se ter cultura jurídica, porque ao folhear o Código
penal, não se vê aqui que não portar o BI é Crime. No entanto, é uma pratica que reduziu nos
últimos tempos, mais ainda existem policias que fazem isso e aproveitam se disso, e olham a

58
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
59
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
60
LANGA, Alberto. O Exercício do Direito a resistência face ao modus. ob. cit.
61
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
17
cara da pessoa, sabem que este aqui esta a vir do campo, esta aqui em termos de escolaridade
tem um nível um bocado baixo, e aproveitam se desse tipo de pessoas. Mas se o agente da
policia faz uma abordagem e pergunta o BI e a pessoa não tem, ele não tem nenhuma
legitimidade, nenhuma norma, nenhum suporte legal que lhe possa permitir, primeiro deter o
cidadão, segundo obrigar a lhe acompanhar ou exigir valores monetários, se isto acontecer,
podemos exercer o direito a resistência, embora tendo que ver a questão da
proporcionalidade.62

Entretanto, se tentamos exercer o direito a resistência ele é policia, esta com a


arma, ainda que não tenha razão, vai querer fazer valer a sua autoridade, decisão naquele
momento, pelo que até podemos acompanhar o agente, mas depois ele dificilmente vai levar o
cidadão á esquadra, porque sabe que aquilo não é crime, já lhes informaram, ainda que não
tenham estudado, em algum momento vai liberar o cidadão, e é nesse momento onde o
cidadão vai ter que meter um processo-crime contra ele, porque obrigou-o a cumprir uma
decisão ilegal no uso do seu poder, logo o tal poder foi usado de forma abusiva, então abuso
de autoridade.63

Mas o que falta muito nos cidadãos Moçambicanos, é essa questão de falta da
cultura jurídica, e é essa questão que faz com que os agentes da PRM continuem a fazer o que
fazem. Porque entende-se que se o cidadão começar a disciplinar os agentes da polícia que
abusam do poder, e outros agentes e funcionários públicos e não só, começariam a respeitar o
cidadão e os seus direitos fundamentais.64 Se o polícia pede documento e o cidadão não trás
consigo naquele momento e em virtude disso pede valores monetários, ai é crime de
corrupção, pelo que deve se denunciar. E se o policia pede documentos e o cidadão não tem, e
por conseguinte o policia quer lhe levar, o cidadão pode resistir, dizendo que não é obrigado
andar com documentos, e se anda com documentos é para a sua segurança, e hoje não tenho
documentos.65

Entretanto, o problema do direito a resistência, principalmente na questão dos


polícias é preciso saber a quem nós estamos a resistir, ter em conta que será que ele sabe que

62
MUTINIUA, Olvanio. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi das autoridade policias
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
63
MUTINIUA, Olvanio. O Exercício do Direito a resistência face ao modus. ob. cit.
64
Idem.
65
PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi das autoridade policias,
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
18
existe este direito, por isso, se o policial não saber que existe este direito, ele não vai encarar
aquilo como um direito, vai encarar como desacato ou desobediência as autoridades, e isso vai
criar graves problemas. Portanto, algumas pessoas que tem consciência jurídica, e que sabem
da existência deste direito, evitam exercer o direito a resistência, porque numa situação em
que temos policiais ignorantes e o cidadão ao dizer que não porta o bilhete, pode gerar
agressões, porque a resistência em si, faz com que o seu poder seja diminuído, porque se ele
sente que o seu poder esta a ser diminuído parte para a violência, sem saber que esta a
cometer um crime, e consequentemente pode o policia ser processado.66

2.2.5. Inviolabilidade do Domicilio

A casa é o asilo inviolável do indivíduo, nos ternos do art.º 68, n.º 1 da CRM,
ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante
delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial.67
Portanto, o art.º 68, n.º 2 e 3, estabelece que, a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua
vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competentes, nos casos justificados pela
lei, assim, ninguém deve entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu
consentimento. Ficando claro assim, que caso as autoridades policiais violem este direito, o
cidadão pode resistir a acatar estas ordens ilegais e que ofendem os seus direitos, nos termos
do art.º 80 da CRM.68

2.2.6. Prisão sem Comunicação e Prisão Arbitrária

A prisão de qualquer pessoa deve ser imediatamente comunicada ao juiz


competente, à família do preso ou a outra pessoa indicada por ele,69 nos termos do art.º 64 n.º
3 da CRM. A Constituição, no seu artigo 59 nº1, determina que ninguém será preso a não ser
que tenha sido pego em flagrante delito ou exista uma ordem escrita e fundamentada emitida
pelo Juiz competente determinando a prisão daquela pessoa, ou seja, excepto nos casos de
flagrante (estar cometendo um delito, ter acabado de cometê-lo ou ser pego com o objecto do
crime, dando a entender ser o seu autor) deverá ser exibido um mandado de prisão assinado

66
PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência face ao modus. ob. cit.
67
DHNET, Cartilhas de Defesa dos Direitos Humanos contra a Violência Policial. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/br/rj/cart_violpol.htm acesso: 4/10/2022
68
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
69
DHNET, Cartilhas de Defesa dos Direitos Humanos contra a Violência Policial. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/br/rj/cart_violpol.htm acesso: 4/10/2022
19
pelo Juiz, em que conste a identificação da pessoa que está prestes a ser detida, e o motivo da
prisão.70

Se a prisão ocorrer fora dessas circunstâncias, estará havendo ilegalidade, e


nestes casos o cidadão tem o direito de resistir, entenda-se pacificamente, nos termos do art.º
80 da CRM. Juridicamente contra a ameaça ou atentado à liberdade de locomoção devemos
utilizar o habeas corpus, nos termos do art.º 66 da CRM.71 A prisão de qualquer pessoa e o
local onde se encontre devem ser comunicadas imediatamente ao juiz competente e à família
do preso, ou ainda a qualquer pessoa indicada por ele (advogado, vizinho, amigo, etc.), nos
termos do artigo 64º, n. 4 da CRM.72

2.2.7. Abuso de Autoridade

O abuso de autoridade policial (ou de poder) cometidos por agentes públicos.


Autoridade será qualquer pessoa que exerça cargo, emprego ou função pública, de natureza
civil ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração. Enquanto abuso será qualquer
atentado aos direitos e garantias individuais realizado sem estar de acordo com a legislação,
seja pelo excesso praticado em uma acção, ou pelos meios empregados. Assim, a condução de
um preso em flagrante algemado não configurará, em princípio, o abuso. Ocorrerá, entretanto,
se o preso vier amarrado pelo pescoço, ou atado a outros pela cintura com o objectivo de
reduzi-los a condição semelhante à de animais. Ainda a revista procedida por policiais, se
realizadas com toque em partes íntimas ou com objectivo de constranger a vítima, são
abusivas. Também o espancamento, a humilhação e a prisão sem justa causa configuram
abusos, carecendo da aplicação dos meios jurídicos adequados.73

2.3. A IMPORTÂNCIA DO DIREITO DE RESISTÊNCIA PARA A EFETIVAÇÃO


DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No contexto actual, o estudo do direito de resistir à opressão, como um direito


fundamental, adquire, mais uma vez na história, importância crucial, mesmo tendo sido
reconhecido pela Constituição um imenso rol de direitos e garantias fundamentais. O
objectivo final do exercício do direito de resistência é a preservação da ordem constitucional

70
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
71
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
72
DHNET, Cartilhas de Defesa dos Direitos Humanos contra a Violência Policial. ob. cit.
73
DHNET, Cartilhas de Defesa dos Direitos Humanos contra a Violência Policial. ob. cit.
20
violada pelo uso arbitrário do poder. Reage-se não contra o poder estatal ou contra a
autoridade policial, mas contra o mau uso destes. Deseja-se, ao final, o respeito à
Constituição, bem como aos princípios da justiça (liberdades iguais) aceitos pela sociedade e
reflectidos na lei fundamental.74

Assim, a retomada dos estudos sobre o direito de resistência, sobretudo sobre


os meios de exercê-lo, pode conduzir à descoberta de mecanismos eficazes no desafio
contemporâneo da plena realização dos direitos fundamentais do homem. Ele assumiria,
então, a condição de um direito fundamental para a realização de outros da mesma natureza.75
Ou seja, o direito de resistência, um direito decorrente do regime democrático, da valorização
da dignidade da pessoa humana, da cidadania, tem um papel fundamental para a realização e
efetivação de outros direitos da mesma natureza na sociedade.76

Portanto, a importância seria tamanha, seria de grande importância e grande


valia, no sentido de que poderia nortear a observância dos outros direitos. Porque a
inobservância deste pode gerar a inobservância dos outros direitos, então se nós observamos
este, embora não ser o principal, mas é um chamariz, é um direito que tem como
consequência a observância ou a inobservância dos outros direitos. Então é de grande
importância que se respeite, que se valorize e que se estabeleçam mecanismos para o
exercício, para a verificação deste direito.77

O direito de resistência é o direito que toda a pessoa tem para reivindicar


direitos básicos e fundamentais do ser humano. Portando, o cidadão, mesmo encontrando-se
detido, em decorrência da aplicação de uma sanção penal, não deixa de ser uma pessoa,
identificando-se neste caso as linhas fundamentais que definem a relação entre o cidadão e o
Estado. Assim, tem que se analisar o contexto histórico e filosófico em que o direito de
resistência foi reconhecido como um direito fundamental do homem, o que ocorreu após a
Revolução Francesa de 1789. Acentuando-se que, antes desta revolução, a relação de poder
existente entre o cidadão e o Estado era vista de cima para baixo, ou seja, dos reis para os

74
NORBERTO, Bobbio. Sobre os Fundamentos dos Direitos do Homem, in A Era dos Direitos. Editora
Campus, Rio de Janeiro: 1992. P. 24.
75
ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência na Constituição Federal
de 1988, Brasília DF, 2001. p.77-80
76
Idem. p.65
77
MUTINIUA, Olvanio. O Exercício do Direito a resistência face ao modos operandi das autoridade policias
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
21
indivíduos. Ao contrário, no Estado actual, findos os privilégios aristocráticos, olha-se dos
cidadãos para o Estado.78

Por isso, é bom que este direito seja efectivado, pois a sua efectivação seria um
marco importante, abi nitio no conhecimento do cidadão dos seus outros direitos.79 Porque o
direito a resistência, é um direito de empoderamento do próprio cidadão, e se chegarmos a
uma fase onde temos a prerrogativa diante de uma autoridade pública, dizer que eu não vou
fazer isto porque é ilegal, ofende os meus direitos e a lei não diz isso, e o polícia encarar isso,
naturalmente, é um ganho importante na emancipação, no empoderamento do próprio
cidadão.

E isso vai ajudar a perceber como é que ele vai ajudar a perceber como é que
ele vai exigir o respeito dos outros direitos, se nós não conseguimos exigir o respeito imediato
que nos temos, é difícil exigir o respeito dos outros direitos que até nem são imediatos, porque
obrigam que o Estado faça alguma coisa, mas este não. Então seria um avanço importante,
seria uma forma de emancipação do próprio cidadão, seria uma forma de empoderamento do
cidadão para perceber as virtudes dos direitos que tem e quais são os mecanismos que tem
para puder exigir o respeito desses mesmos direitos.80 Assim, o direito de resistência exerceria
um papel fundamental na realização de outros direitos reconhecidos e positivados como
fundamentais do ser humano, não podendo, portanto, de forma alguma ser negado ao
cidadão.81

2.4. A Violência das Autoridades Policiais e o Exercício do Direito de Resistência

A violência policial é um dos temas mais discutidos nas últimas décadas, uma
vez que é perceptível o quanto a sociedade tem sido vítima de todo tipo de agressão e actos
violentos por parte das autoridades polícias ou de outros integrantes da Segurança Pública
Moçambicana. A média tem mostrado diariamente casos envolvendo violência policial, e as
estatísticas mostram um crescimento no número desses casos a cada ano. A violência policial

78
CARVALHO, Pedro Armando Egídio de. Algumas Linhas sobre o Direito à Resistência. Revista Brasileira
de Ciências Criminais, 1995, p. 156-157.
79
PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência face ao modos operandi das autoridade policias,
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
80
PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência face ao modus. ob. cit.
81
ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência na Constituição Federal
de 1988, Brasília DF, 2001. pp.16
22
é uma realidade fática em Moçambique, passando a ser usada, sobretudo, como instrumento
de controle social e mais especificamente como instrumento de controle da criminalidade.

Esse fato acaba por gerar efeitos negativos, tanto para a estrutura policial como
para a sociedade e para o Direito, e consequentemente para o exercício do direito a
resistência.82

Portanto, segundo as normas constitucionais, a PRM tem o dever de garantir a


lei e a ordem, salvaguardar pessoas e bens, a tranquilidade pública, o respeito pelo Estado de
Direito Democrático e garantir a observância estrita dos direitos e liberdades fundamentais
dos cidadãos. À margem dos ditames constitucionais e legislação ordinária aplicável à sua
organização e funções, tem havido casos de excesso de zelo praticados pela polícia, que se
traduzem em violência contra os cidadãos. Tais situações colocam em causa os direitos e
liberdades fundamentais dos cidadãos e violam a missão da polícia.83

Os casos de violência policial acabam por gerar uma ideia de descontrole e


insegurança resultando numa ampliação nas formas de violência. A violência policial,
principalmente quando os responsáveis não são identificados e punidos, é percebida como um
sintoma de problemas graves de organização e funcionamento das polícias. Importante citar
que há uma diferenciação entre os policiais e os outros cidadãos. Nesse caso, o primeiro está
legitimado para fazer uso da força física contra outra pessoa no cumprimento do dever legal,
enquanto o cidadão não possui essa prerrogativa, excepto nos casos de legítima defesa,
regulado nos termos do art.º 51, n.º 1 alínea b) conjugado com o 53 do CP.84

A PRM tem de ser uma corporação que prima pela idoneidade, integridade e
valores patrióticos na execução das suas tarefas. Assim, a idoneidade, a integridade e os
valores patrióticos que devem nortear as actividades da PRM, incluem a observância da lei, o
respeito e a salvaguarda dos direitos fundamentais do cidadão, evitando-se atropelos, tais
como acções de violência que se distanciam dos elementos que definem um Estado de Direito
Democrático, e colocam em causa o exercício dos direitos fundamentais e consequentemente

82
CARNEIRO, Sara Bruna Silveira.. A Violação dos Direitos Humanos na Abordagem Policial. 2021
Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/direitos-humanos-na-abordagem-policial/
acesso: 4/10/2022
83
ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE (OAM). Relatório Sobre Direitos Humanos em
Moçambique 2020 / 2021, Layout & impressão Ciedima, Lda, Maputo, 2022. p.32
84
REPÚBLICA DE MOCAMBIQUE, Lei n.º24/2019, da Revisão de 24 de Dezembro, Código Penal. In
Boletim da República. I Série, Nº248
23
do direito a resistência.85 Entretanto, a questão da violência das autoridades policiais continua
sendo um dos principais temas que despertam medo e pavor entre a população das grandes
cidades em Moçambique, sobretudo em Nampula. Portanto, a actuação arbitrária das forças
policiais, como vem sendo constantemente relatado pelos jornais e pelas redes sociais,
demonstra como estamos ainda engatinhando na luta pela Cidadania e pelo respeito aos
Direitos Humanos. Neste contexto, violência é qualquer acto de desrespeito à pessoa, ao meio
ambiente, tanto as formas de corrupção quanto qualquer tipo de discriminação.86

Hoje, a Segurança Pública é entendida apenas como a presença do policial nas


ruas. Os resultados todos sabem: agressões contra pobres, crianças, adolescentes, e pessoas
pouco alfabetizadas etc. Entretanto, reivindicamos uma autoridade policial preventiva e um
policiamento comunitário, que vise realmente defender e proteger o cidadão, e não ame-
dronta-lo e bani-lo das ruas pelo medo e repressão policial. Vivemos num país com leis
consideradas avançadas do ponto de vista político e jurídico, o que pode ser usado por nós
como uma grande estratégia para se alcançar a Cidadania, através do Exercício do direito a
resistência face aos modus operandi das autoridades policiais, nos termos do art.º 80 da CRM,
e de outros direitos e garantias constitucionalmente estabelecidos.87 No entanto, estamos mais
do que nunca convencidos de que as leis só cumprirão o seu papel fundamental à medida que
forem verdadeiramente utilizadas como meio de garantia dos direitos. 88

De acordo com a legislação pertinente, a abordagem policial à um indivíduo


exige, a princípio, um mandado judicial, e caso não haja poderá se exercer o direito a
resistência, nos termos do art.º 80 da CRM.89 Todavia, a abordagem será absolutamente legal
quando basear-se em fundada suspeita de estar a pessoa em posse de um elemento apto a
comprovar a concretude de um crime ou contravenção.90 Ocorre que essa acção
frequentemente utilizada pelas equipes policiais é muito questionada, pois remete a relação
Estado/cidadão a uma fronteira delicada, onde direitos são tolhidos em nome da colectividade
e da paz social. Dentro desse espectro, é plenamente possível flagrar acções extremamente

85
ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE (OAM). Relatório Sobre Direitos Humanos em
Moçambique 2020 / 2021, Layout & impressão Ciedima, Lda, Maputo, 2022. p.33
86
DHNET, Cartilhas de Defesa dos Direitos Humanos contra a Violência Policial. ob. cit.
87
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
88
DHNET, Cartilhas de Defesa dos Direitos Humanos contra a Violência Policial. ob. cit.
89
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
90
CARNEIRO, Sara Bruna Silveira.. A Violação dos Direitos Humanos na Abordagem Policial. 2021
Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/direitos-humanos-na-abordagem-policial/
acesso: 4/10/2022
24
violentas de policiais nas abordagens: tortura, agressões físicas, verbais e morais, desrespeito,
ameaças, extorsão e tratamento diferenciado em função de classe ou status social. Todas essas
acções são praticadas em grande escala por policiais em suas abordagens, emergindo
nitidamente um abuso de poder. Muitos desses profissionais aproveitam de sua função para
praticar acções que fogem do intuito inicial da abordagem, o que configura nitidamente um
desrespeito aos Direitos Humanos.91

Na relação entre o individuo e o Estado deve haver sempre uma presunção a


favor do ser humano e de sua personalidade, uma vez que o Estado existe para o homem e não
o homem para o Estado. Tal pensamento vai de encontro ao raciocínio de que o indivíduo
deve ser respeitado em sua integridade física e moral por parte do Estado, a qual cabe à
protecção dos cidadãos, e garantia dos direitos, liberdades e garantias constitucionais. A
pessoa torna-se cada vez mais importante e devera observar limites para as acções por parte
dos agentes estatais, em especial os agentes da polícia.

Apesar de, infelizmente, não existirem dados concretos sobre o número de


abordagens policiais inconstitucionais que ocorrem em Moçambique, em particular na cidade
de Nampula todos os dias, tendo em vista o medo de represália das vítimas, é sabido que estas
ocorrem com grande frequência, na maioria das vezes dentro de periferias, onde a impunidade
pelos actos abusivos se torna muito maior. Portanto, apesar da ausência de números concretos
sobre este assunto, não é difícil verificar que tais actos são extremamente regulares na
sociedade Moçambicana, em particular na cidade de Nampula.

Os casos diários que chegam aos ouvidos da sociedade de abordagens policiais


abusivas são assustadores e apesar das diversas previsões legais em proibição destes actos,
verifica-se que tais actos continuam recorrentes devido à falta de fiscalização e punição de
agentes que realizam tais actos em descumprimento da lei.92

2.4.1. Praticas Recorrentes da Violência Policial como Entrave ao Direito de


Resistência

Entre várias práticas que se enquadram na violência praticada pela polícia, tem
sido comum a agressão física, a detenção arbitrária e, algumas vezes, assassinatos. Embora

91
CARNEIRO, Sara Bruna Silveira.. A Violação dos Direitos Humanos na Abordagem Policial. ob. cit.
92
CARNEIRO, Sara Bruna Silveira.. A Violação dos Direitos Humanos na Abordagem Policial. 2021
Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/direitos-humanos-na-abordagem-policial/
acesso: 4/10/2022
25
não se tenha podido apurar a dimensão do problema incluindo dados estatísticos sobre esta
temática, vale a pena registar alguns factos relativos aos anos 2020 e 2021. Algumas OSCs
que trabalham pela promoção do Estado de Direito Democrático manifestaram inquietação
pelo facto de, em 2020, terem persistido muitas denúncias de detenções arbitrárias, incluindo
detenções de pessoas por mais de 48 horas nas celas da PRM, condução de detidos aos EPs
sem terem sido ouvidos por um juiz de Instrução Criminal, entre outros aspectos. 93 Do
exposto, é de questionar a formação dos agentes da PRM em matérias sobre os direitos
humanos e as medidas tomadas perante essas atrocidades.

Neste contexto, os actos praticados pelos policiais em abordagens quando se


excedem na sua finalidade traz de imediato uma flagrante de violação aos Direitos Humanos.
Nesse sentido, algumas acções que os polícias fazem durante uma abordagem vai à contramão
dos preceitos trazidos pelos Direitos Humanos e muito particularmente pela Constituição da
República de Moçambique. Pelo que há um liame que diferencia a abordagem legal, da
abordagem ilegal, quando ocorre utilização indevida, por despreparo de alguns policiais, ou
quando, dolosamente, marginais vestidos de Estado se utilizam desse recurso legitimado pela
sociedade para exercer condutas criminosas, depreciando a dignidade e os direitos individuais
do homem e marginalizando um instrumento de disseminação da segurança, com o intuito de
satisfazer seus sadismos, ou propagar a violência gratuita, através de agressões, abusos e
humilhações físicas e morais, extorsão ou corrupção, além de outras condutas inaceitáveis.

Com isso, nos poucos dados existentes sobre esse tema em Moçambique, em
todos eles apontam-se as questões económicas e de escolaridade como razões para que a
abordagem policial seja imediata e truculenta. Perfis de indivíduos considerados pobres e de
baixa escolaridade, são mais vulneráveis a sofrerem uma abordagem policial do que em
outros perfis.94 Portanto, é obrigação de todo o policial, nos termos do art.º 253 da CRM,
respeitar a dignidade da pessoa humana; respeitar a integridade física, moral e psíquica da
pessoa; agir com isenção, equidade e absoluto respeito pelo ser humano, não usando sua
autoridade pública para a prática de arbitrariedades.95

93
ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE (OAM). ob. cit. p.34
94
CARNEIRO, Sara Bruna Silveira.. A Violação dos Direitos Humanos na Abordagem Policial. ob. cit.
95
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
26
2.4.2. O Que Acontece do Ponto de Vista Legal e Prático?

Para que não aconteça do jeito que poderá acontecer hoje, se nós estimularmos
as pessoas a resistir a essas ordens, é que enquanto não tiver havido, sensibilização e
disseminação desta prerrogativa que assiste aos cidadãos, teremos sérios problemas sociais
resultantes disso, sem se esquecer do facto, que esses maus comportamentos resultantes
nesses maus tratos perpetrados pelos agentes da policia aos cidadãos, também são passíveis de
responsabilização, desde a responsabilidade criminal, disciplinar e até a responsabilidade civil
do Estado, por conta desse mau comportamento, que é a responsabilidade civil extracontratual
do Estado.96

Quer dizer se o Policia, sai a rua e começa a balear as pessoas porque


resistiram a uma ordem, e se provar que a ordem era ilegal, não há ilicitude nenhuma no
comportamento do cidadão, e por conseguinte todas as consequências, que possam advir desta
atitude do policia, poderão-lhe conduzir há uma situação de responsabilização, ele como
individuo responsabilidade criminal, ele como funcionário responsabilidade disciplinar, e
ainda o Estado que é representado por ele naquele comportamento responsabilidade civil
extracontratual do próprio Estado. Isto é, podemos ter aqui, três processos autónomos, um
criminal, outro administrativo disciplinar e outro administrativo de responsabilidade civil
extracontratual do Estado.

Isto poderá ter fóruns diferentes, primeiro vai correr nos tribunais comuns,
começando da Procuradoria como detentora da acção penal e terminar no tribunal com
julgamento e uma sentença, o outro, poderá correr lá junto ao comando geral no departamento
dos recursos humanos entre outros vai surgir um processo disciplinar e por fim poderemos ter
a responsabilidade civil do Estado, que vai correr um processo próprio no tribunal
Administrativo.97

3. A FÉ PÚBLICA POLICIAL E O DIREITO A RESISTÊNCIA

É ter que ver a eficácia desta fé pública, porque a fé pública esta entre eles,
naquele momento, porque se nós vamos a legalização da acusação, em caso de prisão ilegal,
temos a presença de um juiz, procurador e até de um defensor, o polícia tem que provar que a

96
LANGA, Alberto. O Exercício do Direito a resistência face ao modos. ob. cit.
97
LANGA, Alberto. O Exercício do Direito a resistência face ao modos operandi das autoridade policias,
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
27
sua alegação, acusação realmente se verificou para que aquela detenção seja legalizada em
prisão.98

O único empecilho que se pode ter nesse momento é de ficar sob detenção da
polícia. Na legalização ao não existirem provas, o cidadão vai ser restituído a liberdade e é
neste momento onde o cidadão consciente juridicamente poderá intentar uma acção contra
aquele agente, um processo-crime, abuso de autoridade, porque se mostrou claro evidente que
não existiam elementos para uma detenção, ainda que seja polícia da PRM, que goza desta fé
pública, esta fé pública tem que ser provada a posterior. Porque naquele momento para o
polícia, em termos de segurança, era conveniente que se realizasse a detenção. Porém, nos
momentos posteriores, será que se deve manter aquela detenção? É ai que a fé pública coloca-
se em causa nas fases posteriores da tramitação processual, primeiro a legal, apresentação do
detido, arguido ao juiz, ai a fé pública é abalada, porque se não for acompanhada de provas,
não procede.99

Portanto, se o cidadão é interpelado por um policial e o cidadão resiste porque


acha que a interpelação é ilegal, e diz não, eu não posso, porque tenho o direito de resistência,
e chegado a esquadra o agente diz, eu mandei parar este cidadão e não parou tendo resistido,
invocando a questão da Desobediência. A questão que se coloca é como provar, que na
situação em concreto o cidadão estava a resistir diante duma ordem ilegal, ou como provar
que o agente diz a verdade. Até porque temos a presunção de legalidade que se concede aos
agentes públicos.100

Por isso, na nossa realidade temos grandes dificuldades de exercer o direito a


resistência, tanto é que nos apoiamos nos outros direito que são similares ao direito de
resistência, para fazer valer aquilo que são os nossos direitos, por causa desta difícil forma de
configuração deste direito, fica difícil provar que estamos a resistir diante de uma ordem
ilegal. Por isso, é bom estudar o direito de resistência, porque é preciso saber, se o direito esta
na constituição como é que materializamos este direito.101

98
MUTINIUA, Olvanio. O Exercício do Direito a resistência face ao modos operandi das autoridade policias
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
99
Idem.
100
PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência face ao modos operandi das autoridade policias,
(Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito da Universidade Católica de Moçambique,
Nampula, 2022
101
Idem.
28
4. Soluções Efectivas para o Exercício do Direito a Resistência face as Autoridades
Policiais

Quando uma pessoa ou comunidade carente pensa em reagir contra acções


violentas praticadas por policiais, um dos seus objectivos seria manifestar sua revolta ou
sensibilizar a opinião pública para sua realidade local de desrespeito, privações e
humilhação, mas nem sempre alguns tipos de manifestações conseguem atingir o resultado
esperado. Temos de nos preocupar em quais tipos de acções podemos promover para que
possamos ser ouvidos e atendidos em nossas reivindicações, sem que sejamos acusados de
desordeiros.102

Portanto, uma comunidade que discute as questões, busca apoios e faz


parcerias com Ongs e grupos que trabalham contra a violência, pode mais facilmente
reconhecer caminhos eficazes na luta pela defesa dos seus direitos. As dificuldades com que
nos deparamos no combate contra a violência policial são reais. Mas, se estamos em busca
de vitórias, somente em conjunto poderemos alcançá-las.103

Portanto, estes actos só serão úteis se estivermos dispostos a enfrentar a


opressão que sofremos dos maus policiais. Não usando as mesmas armas que nossos
agressores, a brutalidade. E sim, usando o conhecimento, reivindicando, denunciando e nos
organizando, e sobretudo, resistindo, não acatando ordens ilegais ou que ofendam os nossos
direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos do art.º 80 da CRM.104 Nesse
sentido, o nosso trabalho objectiva lutar contra os maus policiais, contra aqueles que
acreditam estar acima da lei e cometem as mais brutais acções contra os cidadãos. E que
abusam da autoridade para praticar a corrupção, extorquir, torturar, chantagear, humilhar e
até matar. E acreditam que a classe social, o nível de escolaridade, a cor da pele ou local de
moradia caracterizam um infractor.

Entretanto, não pretendemos em nenhum momento desmerecer a importância


do trabalho das autoridades polícias. O nosso objectivo, é incentivar e fortalecer nas
comunidades o combate à impunidade dos agentes policiais corruptos que põem entraves aos
direitos fundamentais, embora saibamos que esse artigo não impedirá a violência e a

102
DHNET, Cartilhas de Defesa dos Direitos Humanos contra a Violência Policial. ob. cit.
103
Idem.
104
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
29
corrupção praticada pelos agentes da policia (numa clara violação dos direitos fundamentais,
o que obsta ao exercício do direito a resistência), nos diversos cantos da cidade e nem abolirá
as desigualdades na nossa sociedade, mas servirá sim como um instrumento do qual se
poderá utilizar para fazer melhor uso da Cidadania, e consequentemente do exercício do
direito a resistência, que se consubstancia na efectivação dos demais direitos fundamentais e
humanos.
4.1. Necessidade de Regulamentar o Direito a Resistência pelos Entraves ao
Exercício deste Direito

Para a boa parte dos autores, a exemplo de Machado Paupério, o direito


de resistência, apesar de positivado em alguns ordenamentos jurídicos, está mais próximo de
um autêntico direito natural da sociedade do que de um direito positivo. Ele seria um direito
natural político e, por isso, não impõe ao jurista nenhum preceito, a não ser negativamente,
no sentido de não estabelecer norma alguma contrária a tal direito. Todavia, um direito
natural político impõe-no positivamente, no sentido de que se regule tudo, tendo em vista o
bem público possível e realizável.105
No caso do direito de resistência, objectiva-se a restauração, cujo objectivo final da resistência
é a restauração da ordem constitucional e jurídica violada pelas autoridades policiais e
qualquer tipo de governo, o que lhe confere característica de um autêntico direito natural
político, a título de exemplo a nossa Constituição, consagra este direito, no capítulo dos
direitos, liberdades e garantias de participação política, no seu art.º 80.106

Neste contexto, se existir uma norma a regulamentar este direito, estaria a


limita-lo automaticamente, muito mais, por causa da categorização deste direito, porque é um
direito de liberdade, se é um direito de liberdade, logo provem, por via disso a característica
da aplicabilidade directa, que tem uma eficácia plena. Por isso, não há necessidade de uma
norma que venha a regulamentar, mas também há dificuldades, não é só o direito a
resistência, pois nós estudamos a objecção de consciência e a desobediência civil, que são

105
COSTA, Nelson Nery. Teoria e Realidade da Desobediência Civil.: Editora Forense, Rio de Janeiro 2000.
P.59.
106
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho, Constituição da República de
Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115 de 12 de Junho.
30
modalidades do exercício do direito a resistência.107 Por isso tem que se estudar este direito e
sugerir formar para o exercício deste direito a resistência, porque existem dificuldades.108

Entretanto, há quem entenda que seria necessário sim, porque se verificar a


legitima defesa, ver-se-á que esta tem pressupostos, não é atoa que se exerce, e os requisitos
são cumulativos. Por isso, a não ter que existir um acto normativo, seria impréscindível que
existissem um rol de requisitos, pressupostos que fizessem com que se accionasse e se
exercesse o direito a resistência. E pelo menos assim, conseguiríamos provar perante as
autoridades policiais, publicas e de administração da justiça, que no momento em que isto
aconteceu preencheu-se os riquitos e não houve empecilho nenhum ao outro requisito, razão
pela qual que único método, era exercer o direito a resistência.109

Nesse sentido, embora este direito seja absoluto e não carece de


regulamentação, pela aplicabilidade directa que tem, mas entende-se que estes são direitos
sensíveis, porque nos colocamos numa posição como se quiséssemos contrastar aqueles que
são os princípios do direito, sendo que a ideia não é essa, a ideia é olhar para o tipo de direito
e olhar também para a sensibilidade desta questão de termos de exercer este direito contra
uma autoridade pública, por isso, a regulamentação deste direito serviria pelo menos para
entender que há passos a seguir, pressupostos e requisitos, por isso, a ter que existir seria bom
e facilitaria, tanto ao cidadão, quanto ao próprio agente, a policia e aos órgãos de
administração da justiça.110 Também, facilitaria os tribunais, no momento em que teriam
evidencia que os requisitos foram preenchidos, pois sem requisitos coloca dúvidas se
realmente era necessário exercer aquele direito.

5. O Dever de Resistência à Opressão na Declaração Universal dos Direitos


do Homem

Ao examinar o tratamento legal dado ao direito de resistência, cumpre


lembrar que, na actualidade, a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, tratou-o como um
dever e não apenas como um direito. Quando a Declaração Universal dos Direitos do
Homem foi proclamada pela ONU, após a Segunda Guerra Mundial, ela arrolou a

107
PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência face ao modus… ob. cit.
108
PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência face ao modus. ob. cit.
109
MUTINIUA, Olvanio. O Exercício do Direito a resistência face ao modus. ob. cit.
110
MUTINIUA, Olvanio. O Exercício do Direito a resistência face ao modus. ob. cit.
31
resistência à opressão não mais como um direito e sim como um dever. Assim, o fez
não para diluir a sua importância, ao contrário, para lhe conferir maior força, uma vez
que o direito de resistência é fundamental para a efetivação de outros direitos
inerentes à natureza humana ali arrolados.111

Desta feita, o direito de resistência não perdeu o seu status de um direito


fundamental do indivíduo. Ao contrário, foi alçado a uma condição superior com
relação aos demais direitos arrolados na Declaração Universal dos Direitos do
Homem, uma vez que ele é fundamental para a defesa e efetivação dos demais
direitos humanos e fundamentais. Entretanto, a consagração da resistência à opressão
em um texto legislativo perde consistência porque dificilmente um governo, as
autoridades policiais ou os seus agentes admitem ser opressivos, não apoiando de
modo algum a resistência que se possa oferecer à sua atitude. A Declaração Universal
dos Direitos do Homem e do Cidadão objectivou fundamentar o novo regime em princípios
de alcance universal.112
Portanto, a realização dos direitos fundamentais do homem, resolvido o
problema de seu fundamento com a proclamação pela ONU, em 1948, da Declaração dos
Direitos do Homem, passou a ocupar o ponto central dos estudos e reflexões sobre o tema. O
reconhecimento, por quase todas as Constituições do mundo, de um rol de direitos
fundamentais não é suficiente para a sua realização. Assim, identifica-se aí um processo
histórico e dinâmico. Uma vez reconhecido o carácter universal dos direitos fundamentais do
homem, resta o desafio, para toda a humanidade, de sua plena realização.113

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É fundamental deixar claro que em relação ao exercício do direito a resistência
face ao modus operandi das autoridades policiais, esta sempre no centro, a ideia de que a
resistência imposta não é contra o Direito, muito pelo contrário, deve-se resistir para preservar
e restaurar a ordem jurídica violada. O direito de resistência, fundamenta-se num respeito
profundo ao Direito. Nesta senda, o direito a resistência exerce um papel fundamental na

111
ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência na Constituição
Federal de 1988, Brasília DF, 2001. p.65
112
COSTA, Nelson Nery. Teoria e Realidade da Desobediência Civil.: Editora Forense, Rio de Janeiro 2000.
P.59.
113
NORBERTO, Bobbio. Sobre os Fundamentos dos Direitos do Homem, in A Era dos Direitos. Editora
Campus, Rio de Janeiro: 1992. P. 24.
32
realização de outros direitos reconhecidos e positivados como fundamentais do ser humano,
não podendo, portanto, de forma alguma ser negado ao cidadão.

O direito á resistência não abrange o crime, a morte das instituições, o


assassinato, o massacre, o roubo, a insurreição contra a autoridade e o poder constituídos e em
função legal. O que o direito de resistência impõe é a restauração da lei para a consecução das
garantias individuais, para a liberdade necessária á vida comum, e para o império do direito da
Constituição, bem assim, do Estado de Direito Democrático.

SUGESTÕES OU RECOMENDAÇÕES

De modo a frear esses abusos das autoridades policiais, sugere-se uma maior
difusão deste direito importantíssimo, no seio da comunidade, legislativo e doutrinal de
modo a possibilitar meios e conhecimentos eficazes para o exercício do direito a resistência
face aos modus operandi das autoridades policiais;

Fornecimento e divulgação para o conhecimento público, da informação sobre


o Direito a Resistência, incluindo a possibilidade do Exercício do Direito à Resistência
diante das Autoridades Policiais.

Por ser um exercício de mão dupla, sugere-se que nas formações policiais
devem proporcionar a estes agentes, as noções básicas dos direitos, liberdades e garantias
fundamentais dos cidadãos, para que respeitem o exercício desses direitos constitucionais, no
exercício das suas funções. O que vai consubstanciar na introdução ou incremento nas
temáticas em matalane, de matérias relativas aos direitos humanos e fundamentos, direito
constitucional e de direito penal, para saber quais são os tipos legais de crime.

É preciso que o Estado trabalhe seriamente na divulgação do direito a


resistência, da divulgação da constituição, da consciencialização dos agentes da administração
pública para saberem quais são os direitos que assistem os cidadãos, e explicar que os
cidadãos podem resistir a ordens e comandos ilegais, ai sim, pode se exercer o direito a
resistência. Isto é, o Estado tem que fazer um trabalho de sensibilização, para que este direito
seja exercitável da melhor forma possível.

Responsabilização disciplinar, administrativa e penal, exemplar dos agentes


que pratiquem actos de violência contra o cidadão.

33
Refinamento dos requisitos de admissão de candidatos a agentes da PRM,
garantindo que sejam admitidas apenas pessoas, que mostrem estar comprometidas com a
causa da defesa da lei, ordem e segurança pública, respeitando a dignidade do ser humano na
sua actuação.

Melhoria das condições materiais e financeiras dos agentes da lei e ordem.

Por fim, tem que se ter cultura jurídica tanto pra o cidadão, saber que tem
direito, saber como, quando e onde exercer estes direitos. E cultura jurídica tanto para o
próprio agente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Legislação
 REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei n.º 12/2018 de 2018 de 12 de Junho,
Constituição da República de Moçambique, in Boletim da República, I série n.º 115
de 12 de Junho.
 REPÚBLICA DE MOCAMBIQUE, Lei n.º24/2019, da Revisão de 24 de Dezembro,
Código Penal. In Boletim da República. I Série, Nº248.

Doutrina:
 ABREU, Valdir de. O Crime e o Direito de Resistência. Revista Forense. Volume
157, 1955.
 ARAÚJO, Cláudia de Rezende Machado de. O Direito Fundamental de Resistência
na Constituição Federal de 1988, Brasília DF, 2001.
 CABETTE, Eduardo Luiz Santos, Direito penal parte especial, Colecção saberes do
direito São Paulo, Saraiva, 2012.
 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 1999.
 CARVALHO, Pedro Armando Egídio de. Algumas Linhas sobre o Direito à
Resistência. Revista Brasileira de Ciências Criminais. 1995.
 CHEVALIER, Jean-Jacques. História do Pensamento Político, Editora Guanabara
Koogan S.A, Tomo 2. Rio de Janeiro: 1983.
 COSTA, Nelson Nery. Teoria e Realidade da Desobediência Civil.: Editora Forense,
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 MACIE, Albano, Direito Penal I-Textos de Apoio, Topografica editora, 2018. P.207

34
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Quinzenal do Jornal do Commercio. Volume XXXVII, 1936.
 MIRABETE, Júlio Fabbrini; e FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, 27ª
Edição, Editora Atlas S.A, São Paulo, 2011.
 NORBERTO, Bobbio. Sobre os Fundamentos dos Direitos do Homem, in A Era dos
Direitos. Editora Campus, Rio de Janeiro: 1992.
 ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE (OAM). Relatório Sobre
Direitos Humanos em Moçambique 2020 / 2021, Layout & impressão Ciedima, Lda,
Maputo, 2022.
 PAUPÉRIO, A. Machado. O Direito Político de Resistência. Editora Forense, Rio de
Janeiro, 1978.
 QUEIROZ, Paulo, Direito penal, 4ᵃ Edição, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro,
2008.
 RODRÍGUEZ-CABELLO, Enrique Laraña. Un derecho no reconocido en la
Constituición: el derecho a la resistencia. Revista de la Facultad de Derecho de la
Universidad Complutense (Los Derechos Humanos y la Constitución de
1978).Madrid, 1979.

Entrevistas:
 LANGA, Alberto. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi das
autoridade policias, (Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito
da Universidade Católica de Mocambique, Nampula, 2022
 MUTINIUA, Olvanio. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi
das autoridade policias (Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de
Direito da Universidade Católica de Moçambique, Nampula, 2022
 PEREIRA, Farci. O Exercício do Direito a resistência face ao modus operandi das
autoridade policias, (Entrevista) in VIII Jornadas Científicas – Faculdade de Direito
da Universidade Católica de Moçambique, Nampula, 2022.

Internet:
 BEGALLI, Ana Sílvia Marcatto. Dignidade da pessoa humana e Direito Penal,
2010, disponível em: https://jus.com.br/artigos/14624/dignidade-da-pessoa-humana-e-
direito-penal, acesso: 05/010/2022

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 CARNEIRO, Sara Bruna Silveira. A Violação dos Direitos Humanos na Abordagem
Policial. 2021 Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-
penal/direitos-humanos-na-abordagem-policial/ acesso: 4/10/2022
 DHNET, Cartilhas de Defesa dos Direitos Humanos contra a Violência Policial.
Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/br/rj/cart_violpol.htm
acesso: 4/10/2022
 IBCCOACHING, O que é Dignidade e qual sua importância em nossas vidas?
https://www.ibccoaching.com.br/portal/comportamento/o-que-e-dignidade-e-qual-sua-
importancia-em-nossas-vidas/ 2020 acesso: 01/10/2022
 PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA DE PORTUGAL, Parecer do
Conselho Consultivo da PGR
http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/f1cdb56ced3fdd9f802568c0004061b6/b1848cc3ea6dbd7b
80256f800038ec8a?OpenDocument&ExpandSection=-1#_Section1 acesso:
03/10/2022

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