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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS


CURSO DE DIREITO

A LIBERDADE PROVISÓRIA E O ARTIGO 21 DA LEI


10.826/2003

MARCELO MACHADO REBELO

DECLARAÇÃO

“DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA


PUBLICA EXAMINADORA”.

ITAJAÍ (SC), 08 de novembro de 2010.

___________________________________________
Professora Orientadora: MSc. Pollyanna Maria da Silva

UNIVALI – Campus Itajaí-SC


2

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO

A LIBERDADE PROVISÓRIA E O ARTIGO 21 DA LEI


10.826/2003

MARCELO MACHADO REBELO

Monografia submetida à Universidade do


Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito
parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito.

Orientador: Professora MSc. Pollyanna Maria da Silva

Itajaí (SC), Novembro de 2010


AGRADECIMENTOS

A Jeová, nosso Deus, por nos ter criado com tanto


amor, e sem o qual certamente não seria possível
estarmos aqui.

Aos meus pais, Benício e Catarina, por terem me


demonstrado o que é o amor e o respeito, e por ter
me apoiado em minhas decisões, por mais
inconseqüentes que possam ter sido.

A minha esposa, Ane Laila, por ser meu porto


seguro nos momentos de tormenta, e por ser meu
céu estrelado quando necessitei de orientação.

Ao meu filho, Marcelo Eduardo, que me traz


alegrias desde o dia em que nasceu.

Aos meus irmãos, Eduardo e Thaís, por serem mais


que irmãos, amigos de toda hora.

A minha orientadora, Pollyanna, por sempre me


incentivar durante o curso, resultando na elaboração
deste trabalho.

Aos meus familiares e amigos, que direta ou


indiretamente me ajudaram nesta árdua caminhada.
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, Benício e


Catarina, por serem fundamentais na minha criação,
e por estarem do meu lado nos momentos bons e
ruins, sem nunca me abandonar.
Teu dever é lutar pelo Direito,
mas se um dia encontrares o Direito em conflito
com a Justiça, luta pela Justiça.
Eduardo Juan Couture

Aprendi que um homem só tem o direito de olhar


um outro de cima para baixo para ajudá-lo a
levantar-se.
Gabriel Garcia Marquez

Não são as armas que matam,


mas sim os homens.
Mikhail Kalashnikov
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), Novembro de 2010

Marcelo Machado Rebelo


Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do


Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Marcelo Machado Rebelo, sob o título A
LIBERDADE PROVISÓRIA E O ARTIGO 21 DA LEI 10.826/2003, foi submetida em
26 de novembro de 2010 à banca examinadora composta pelos seguintes
professores: Pollyanna Maria da Silva, (Orientador e Presidente da Banca) e
Eduardo Erivelton Campos, (Avaliador) e aprovada com a nota ________
(________________).

Itajaí (SC), Novembro de 2010

Professora MSc. Pollyanna Maria da Silva


Orientadora e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa


Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CP Código Penal de 1940

CPP Código de Processo Penal de 1941

CF Constituição Federal de 1988

SINARM Sistema Nacional de Armas

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade


ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à


compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Ação Direta de Inconstitucionalidade

Ação Direta de Inconstitucionalidade é um instrumento legal, pelo qual há o controle


direto da constitucionalidade das leis e atos normativos, exercido perante o Supremo
Tribunal Federal brasileiro.

Arma de Fogo

Arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados
pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente,
está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do
propelente, além de direção e estabilidade ao projétil1.

Liberdade Provisória

È a liberdade concedida, em caráter provisório, ao indiciado ou réu, preso em


decorrência de determinadas espécies de prisão cautelar, que, por não necessitar
fiar segregado, deve ser liberado, sob determinadas condições2.

Prisão

É a privação da liberdade, diretamente no direito de ir e vir, com o recolhimento do


indivíduo, podendo ser ao cárcere ou residência.

1
Decreto 3.665/00. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/D3665.htm.
2
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6ª ed. ver., ampl. e
atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 572 e 573.
SUMÁRIO

RESUMO ..............................................................................................XI
INTRODUÇÃO.....................................................................................13
CAPÍTULO 1........................................................................................17
ARMAS DE FOGO: ASPECTOS HISTÓRICOS, PARTICULARIDADES
E LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA .............................................17
1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ............................................................................ 17
1.1.1 O HOMEM E AS ARMAS DE FOGO ...................................................................... 17
1.1.2 EVOLUÇÃO DAS ARMAS DE FOGO .................................................................... 18
1.1.3 CLASSIFICAÇÃO DAS ARMAS DE FOGO ............................................................. 19
1.2 HISTÓRICO DAS LEIS DE ARMAS DE FOGO NO BRASIL........................ 24
1.2.1 DECRETO-LEI Nº. 3.688, DE 03 DE OUTUBRO 1941........................................... 25
1.2.2 LEI Nº. 9.437, DE 20 DE FEVEREIRO DE 1997 ................................................... 27
1.2.3 LEI Nº. 10.826, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2003.................................................. 32
CAPÍTULO 2........................................................................................37
OS TIPOS DE PRISÃO E O INSTITUTO DA LIBERDADE
PROVISÓRIA.......................................................................................37
2.1 OS TIPOS DE PRISÃO.................................................................................. 37
2.1.1 PRISÃO EM FLAGRANTE ................................................................................. 40
2.1.2 PRISÃO PREVENTIVA ...................................................................................... 43
2.1.3 PRISÃO TEMPORÁRIA ..................................................................................... 46
2.2 O INSTITUTO DA LIBERDADE PROVISÓRIA ............................................. 47
2.2.1 LIBERDADE PROVISÓRIA OBRIGATÓRIA OU DESVINCULADA .............................. 48
2.2.2 LIBERDADE PROVISÓRIA PERMITIDA OU VINCULADA ......................................... 49
2.2.2.1 Liberdade Provisória Permitida sem fiança .................................................... 49
2.2.2.2 Liberdade Provisória Permitida com fiança .................................................... 50
2.2.3 LIBERDADE PROVISÓRIA VEDADA OU PROIBIDA ............................................... 54
CAPÍTULO 3........................................................................................55
A LIBERDADE PROVISÓRIA E A LEI 10.826/2006..........................55
3.1 OS CRIMES DA NA LEI 10.826/2003............................................................ 55
3.1.1 CRIMES AFIANÇÁVEIS ..................................................................................... 55
3.1.2 CRIMES INAFIANÇÁVEIS COM POSSIBILIDADE DE LIBERDADE PROVISÓRIA............ 57
3.1.3 CRIMES COM VEDAÇÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA .......................................... 59
3.2 O ARTIGO 21 DA LEI 10.826/2003 ............................................................... 62
3.2.1 A CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 21.......................................................... 64
3.3 A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.112 ........................... 65
3.3.1 PRINCÍPIOS INSERIDOS NA ADI 3.112.............................................................. 66
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................71
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ............................................74
RESUMO

O presente trabalho monográfico tem por objeto3 o estudo da concessão da


liberdade provisória nas leis especiais, mais precisamente artigo 21 da Lei
10.826/2003, chamado Estatuto do Desarmamento, o qual vedou este benefício para
determinados crimes, também elencados na mesma lei. Foram também objetos de
estudo do presente trabalho monográfico o histórico e evolução das armas de fogo,
suas características e classificação, leis penais relacionadas às armas de fogo, os
tipos de prisão admitidos no Direito brasileiro, o instituto da liberdade provisória, a
Lei 10.826/2003, seus crimes e a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.112. O
estudo foi dividido em três capítulos e o método adotado, tanto para o tratamento
dos dados como para o relato da pesquisa, foi o dedutivo.

3
Neste Resumo cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias
e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 170-181.
INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem por objeto4 o estudo do artigo 21 da


Lei 10.826/2003, o qual vedou a concessão de liberdade provisória a quem
infringisse os crimes tipificados nos artigos 16, 17 e 18 da mesma lei, e a (in)
constitucionalidade deste mesmo artigo, visto que a liberdade provisória está
inserida nas garantias constitucionais individuais.

Ressalte-se que, além de ser requisito imprescindível para a


conclusão do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – Univali, a presente
monografia tem por objetivo contribuir com o aprendizado do assunto, tendo como
principal foco a análise da concessão da liberdade provisória face aos dispositivos
legais que a vedam, contidos em leis especiais, bem como a constitucionalidade
desta vedação.

A Lei 10.826/2003 veio substituir outra lei relacionada a armas


de fogo, que vigorava desde 1997, e que não cumpria mais com o objetivo a que foi
promulgada. O tema é atual, visto que abrange assuntos relacionados ao dia a dia
da população em geral, e por ser de interesse pessoal de quem subscreve o
presente trabalho, analisando as características das armas de fogo, as leis penais
que as regulamentam e, por fim, a concessão de liberdade provisória nos crimes do
Estatuto do Desarmamento, mesmo que a própria lei a vede, e sua validade perante
a Constituição da República Federativa do Brasil.

O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do


título de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências
Sociais e Jurídicas, campus de Itajaí/SC.

O objetivo geral da pesquisa consiste em analisar o instituto da


liberdade provisória e o artigo 21 da Lei 10.826, em face da Constituição Federal de
1988, com suas garantias individuais, e o propósito do legislador ao instituir tal
vedação.

4
Nesta Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias
e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 170-181.
14

Para isto, foram fixados os seguintes objetivos específicos:

1 – Analisar a lei vigente específica que trata das armas de


fogo no ordenamento jurídico brasileiro.

2 – Verificar quais os requisitos para a concessão da liberdade


provisória, sua previsão legal e tipos.

3 – Analisar a Constituição Federal, as garantias individuais


nelas contida e a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.112.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de


Investigação, foi utilizado o Método Dedutivo, sendo que nas diversas fases da
Pesquisa foram acionadas as Técnicas5 do Referente6, da Categoria7, do Conceito
Operacional8 e da Pesquisa Bibliográfica em conjunto com as técnicas propostas por
Colzani 9, dividindo-se o relatório final em três capítulos.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram


formulados os seguintes questionamentos:

1 – A liberdade provisória é garantia constitucional, que assiste


ao indivíduo que cumpre os requisitos para sua concessão ou é somente convenção
existente no direito penal?

2 – A liberdade provisória deve ser concedida mediante o


pagamento de fiança?

5
“Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental
para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas
investigatórias”. [Pasold, 2001, p. 88].
6
Referente “é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o seu alcance
temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especial-mente para uma pesquisa”.
[Pasold, 2001, p. 63].
7
Categoria “é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”.
[Pasold, 2001, p. 37].
8
Conceito Operacional é a “definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal
definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. [Pasold, 2001, p. 51].
9
COLZANI, Valdir Francisco. Guia para elaboração do trabalho científico.
15

3 – O artigo 21 da lei 10.826/03 veda expressamente a


liberdade provisória nos casos elencados nos artigos 16, 17 e 18 da mesma lei. Esta
vedação fere a Constituição Federal, posto que a liberdade provisória esteja
garantida pelo artigo 5º, inciso LXVI da lei suprema?

Com o intuito de responder os questionamentos em epígrafe,


foram suscitadas as seguintes hipóteses:

1 – A liberdade provisória é direito subjetivo do acusado,


quando se verifica a ocorrência das hipóteses legais que a autorizam, quando não
estão presentes os requisitos para a prisão preventiva. Desta forma, deve ser
cumprida independente de artigo em lei especial que a vede.

2 – Em geral, certo seria que a liberdade provisória fosse tão


somente concedida independentemente de fiança, levando-se em consideração o
respaldo do devido processo legal e a garantia constitucional da presunção de
inocência.

3 - A Constituição Federal admite que a regra, num Estado


Social e Democrático de Direito, é a liberdade; e a restrição à liberdade é a exceção.
O artigo 21 da lei 10.826/03 mostra-se, então, inconstitucional, uma vez que veda
expressamente a liberdade provisória.

Para melhor abordagem dos questionamentos que precedem a


pesquisa, o trabalho foi dividido em três capítulos.

No Capítulo 1, será feita uma abordagem histórica da evolução


das armas de fogo, desde os tempos da invenção da pólvora até a criação das
armas leves, suas características e classificação, imprescindíveis para determinar o
tipo penal e a conduta do agente. Posteriormente, serão apresentadas as leis penais
que trataram do assunto relacionado às armas de fogo, desde as contravenções
penais até o advento da Lei 10.826/2003, objeto do presente trabalho.

No Capítulo 2, serão apresentados os tipos de prisão admitidos


no ordenamento jurídico brasileiro, sua classificação e requisitos para que ocorram.
Posteriormente, faz-se necessário a abordagem do instituto da liberdade provisória,
com suas peculiaridades e requisitos para concessão.
16

No Capítulo 3, serão abordados os crimes da Lei 10.826/2003,


o artigo 21 da mesma lei, o qual veda a concessão da liberdade provisória nos
crimes elencados nos artigos 16, 17 e 18. Finalizando, será apresentada a Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 3.112, relativa ao tema.

Os acordos semânticos que procuram resguardar a linha lógica


do relatório da pesquisa e respectivas categorias, por opção metodológica, serão
apresentados no corpo da pesquisa.

A estrutura metodológica e as técnicas aplicadas nesta


monografia estão em conformidade com o padrão normativo da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e com as regras apresentadas no Caderno
de Ensino: formação continuada, ano 2, número 4; assim como nas obras de Cezar
Luiz Pasold, Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador
do Direito e Valdir Francisco Colzani, guia para redação do trabalho científico.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as


Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a
constitucionalidade da vedação da liberdade provisória em leis especiais, com
ênfase no artigo 21 da Lei 10.826/2003.
Capítulo 1

ARMAS DE FOGO: ASPECTOS HISTÓRICOS, PARTICULARIDADES


E LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA

Para iniciar o presente trabalho científico, é necessário que se


faça uma abordagem histórica do uso de armas pelo homem, mais precisamente
das armas de fogo, para ataque e defesa, bem como caça e manutenção de sua
sobrevivência. Além disso, trata-se das leis penais brasileiras que regulamentam o
seu uso, definem o que constitui crime e estabelecem as penas, em cada momento
histórico.

1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS

1.1.1 O homem e as armas de fogo

O homem, desde sempre, se utilizou de objetos para proteger-


se, bem como a sua família e suas propriedades. É assim desde os tempos em que
vivia em cavernas, quando passou a improvisar objetos à sua mão como arma,
sendo utilizados para caçar, pescar, defender-se, atacar, dentre muitas outras
ações.

Muitas vezes, o homem pré-histórico se deparava com animais


selvagens. Porém, certamente a maior ameaça para sua existência eram os grupos
rivais de homens que o cercavam, querendo tomar para si tudo que o homem
possuía como o alimento, as fêmeas para procriarem, a caverna mais próxima das
provisões de água e de caça. Enfim, sempre se fez necessário ao homem algum tipo
de arma para sua autodefesa10.

Desde o início, essa arma poderia ser um galho como


prolongamento de suas mãos, braços e dentes, e para melhorar a eficácia e a
potência de uma pedra arremessada com a mão, perceberam que se a pedra fosse
10
TEIXEIRA, João Luis. Armas de fogo: são elas as culpadas? .São Paulo: LTr, 2001. p. 15
18

lapidada em formas pontudas, cortantes e perfurantes, ela mataria, aleijaria ou


paralisaria, mais rapidamente. Paralelamente, notaram que se conseguissem lançar
um projétil com precisão, eles poderiam atacar a presa ou inimigo sem se aproximar.

Com o advento da fundição do ferro, surgiram novas armas,


mais elaboradas, como arcos, com flechas com pontas metálicas, espadas, dentre
muitas que podem ser citadas11.

Com a invenção da pólvora pelos chineses, no início do século


IX d. C., foi possível construir aparelhos que arremessavam objetos a distâncias
maiores que os aparelhos de energia mecânica, como as catapultas. As armas,
então, tiveram uma evolução jamais vista, pois o que no início servia apenas para
fins pirotécnicos, passou a ser usados com fins militares, já na China do século X,
sendo transportada para o Japão e para a Europa em seguida. 12

1.1.2 Evolução das armas de fogo

Como dito anteriormente, por volta do século X, a pólvora


começou a ser usada com propósitos militares, na China, na forma de foguetes e
bombas explosivas lançadas de catapultas. A primeira referência a um canhão surge
em 1126 quando foram utilizados tubos feitos de bambu para se lançarem mísseis
contra o inimigo. Eventualmente os tubos de bambu foram substituídos por tubos de
metal, e o mais antigo canhão na China data de 1290. Da China, o uso militar da
pólvora parece ter se espalhado para o Japão e a Europa.13

Por volta de meados do século XIV, os primeiros canhões são


mencionados extensivamente tanto na Europa quanto na China. A pólvora foi usada
pela primeira vez para lançar projéteis de uma arma portátil de tamanho semelhante
ao dos rifles atuais na Arábia, por volta de 1304.

11
TEIXEIRA, João Luis. Armas de fogo: são elas as culpadas? p. 15
12
Discovery Channel Brasil. Disponível em:
http://www.discoverybrasil.com/china_antiga/invencoes_tecnologias/polvora/index.shtml. Acesso em
05 de maio de 2010.
13
DÁROZ, Carlos. Armas: A Pólvora. Disponível em
http://darozhistoriamilitar.blogspot.com/2009/11/armas-polvora.html. Acesso em 05 de maio de
2010.
19

Do século XV até o Século XVII ocorreu um desenvolvimento


generalizado na tecnologia da pólvora tanto na Europa quanto no extremo Oriente.
Com os avanços na metalurgia conduziram ao desenvolvimento de armas leves e os
mosquetes. Assim, as armas foram se tornando cada vez menores, visando a
facilitar seu transporte e para que pudessem ser manuseadas por poucas pessoas.
Foram criados então pequenos canhões que eram apoiados no peito dos soldados,
dando origem a armas de fogo portáteis e individuais, capazes de serem disparadas
e operadas por apenas uma pessoa. 14

Desta forma, se deu o surgimento das consideradas armas


curtas, como as pistolas a pederneira, as pistolas iniciadas por espoletas, chegando
ao invento do cartucho metálico, assim desenvolvido para conter a carga de pólvora
e a espoleta, dando origem ao revólver, desenvolvido pelo Norte Americano Samuel
Colt, no século XVIII.15

A partir daí, as armas sofreram mudanças para as que são


apresentadas hoje, dando-se ênfase para as pistolas, fuzis e metralhadores, que
estão entre as armas de fogo mais produzidas na história.

1.1.3 Classificação das armas de fogo

Ao abordar o tema armas de fogo, iniciaremos definindo o que


é arma e arma de fogo, para que haja uma melhor compreensão, segundo o artigo
3º, incisos IX e XIII do decreto 3.665/200016:

IX - arma: artefato que tem por objetivo causar dano, permanente ou


não, a seres vivos e coisas;

XIII - arma de fogo: arma que arremessa projéteis empregando a


força expansiva dos gases gerados pela combustão de um
propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está
solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à
combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil;

14
DÁROZ, Carlos. Armas: A Pólvora. Disponível em
http://darozhistoriamilitar.blogspot.com/2009/11/armas-polvora.html. Acesso em 05 de maio de
2010.
15
TEIXEIRA, João Luis. Armas de fogo: são elas as culpadas? p. 16
16
Decreto 3.665/00. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/D3665.htm. Acesso em
11 de junho de 2010.
20

Após esclarecer em termos técnicos o que vem a ser a arma de


fogo, passa-se a demonstrar suas características e diferenciações, geralmente
ignoradas pela população em geral, por meio de “achismos”, geralmente fomentados
pelo assim chamado “quarto poder”, qual seja a imprensa e os meios de
comunicação.

Voltando a classificação das armas de fogo, armas pesadas


são as que necessariamente tem que ser operadas por duas ou mais pessoas,
geralmente de emprego militar. Citando Alexandre Garcia17, “arma pesada é a que
um homem não consegue carregar.” Como exemplos de arma pesada, têm-se os
canhões, obuseiros, lança rojões, dentre muitos outras.

Partindo-se da premissa de que armas pesadas são


carregadas e operadas por duas ou mais pessoas, logo armas leves são as que um
só homem pode carregar e operar, sem a necessidade de mais pessoas. As armas
leves são as de conhecimento geral, tais como fuzis, espingardas, pistolas e a mais
conhecida, o revólver.

Dentro do universo das armas leves, há mais uma


diferenciação, sendo entre armas longas e armas curtas. As armas longas se
caracterizam por exigir, para uma eficaz utilização, o uso das duas mãos do atirador
em seu emprego18, sendo esta diferença quanto às armas curtas, podendo estas ser
operadas pelo atirador com apenas uma mão.

Frize-se que em ambos os casos a eficaz utilização da arma é


otimizada quando o atirador se utiliza das duas mãos para efetuar o disparo.

Quanto ao funcionamento, o Decreto-Lei 3.665/00 em seu


artigo 3º, incisos X, XVI e XXIII classificou as armas de fogo em três tipos19, a saber:

Repetição: arma em que o atirador, após a realização de cada


disparo, decorrente da sua ação sobre o gatilho, necessita empregar

17
GARCIA, Alexandre. A segurança dos bandidos. Disponível em
http://www.odiario.com/opiniao/noticia/33255/a-seguranca-dos-bandidos.html. Acesso em 11 de
junho de 2010.
18
ABREU, Abel Fernando Marques. Armas de Fogo. São Paulo: Iglu, 1999. p. 32
19
Decreto 3.665/00, artigo 3º, incisos X, XVI e XXIII, respectivamente. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/D3665.htm. Acesso em 11 de junho de 2010.
21

sua força física sobre um componente do mecanismo desta para


concretizar as operações prévias e necessárias ao disparo seguinte,
tornando-a pronta para realizá-lo.

Semi-automática: arma que realiza, automaticamente, todas as


operações de funcionamento com exceção do disparo, o qual, para
ocorrer, requer, a cada disparo, um novo acionamento do gatilho.

Automática: arma em que o carregamento, o disparo e todas as


operações de funcionamento ocorrem continuamente enquanto o
gatilho estiver sendo acionado (é aquela que dá rajadas).

Não é possível falar de armas de fogo sem seu acessório


principal: a munição. Sem esta, a arma de fogo se torna somente um objeto, sem
eficácia alguma. Então, munição define-se como sendo “o conjunto de cartuchos
necessários ou disponíveis para uma arma ou uma ação qualquer em que serão
20
usadas armas de fogo” . Ainda segundo o artigo 3ª, inciso LXIV do Decreto
3.665/00, munição é o “artefato completo, pronto para carregamento e disparo de
uma arma, cujo efeito desejado pode ser destruição, iluminação ou ocultamento do
21
alvo; efeito moral sobre pessoal; exercício; manejo; outros efeitos especiais”.

Já o cartucho nada mais é que “o conjunto do projétil e os


22
componentes necessários para lançá-lo, no disparo” , sendo quatro os
componentes: projétil, estojo, material propelente e espoleta. Das partes do
cartucho, o projétil é o único a passar pelo cano e atingir o alvo. Estojo, como o
próprio nome indica, é o compartimento que abriga a espoleta, o material propelente
e o projétil na ponta. A espoleta é a parte que tem contado com o percursor da arma,
e que dá início ao material propelente, empurrando o projétil pelo cano.

O Decreto 3.665/00 classificou as armas de fogo nas


categorias de uso permitido e uso restrito, conforme preceitua o artigo 15 e seus
incisos23:

20
Clube de Tiro Barra Bonita. Munição – conceitos básicos.
http://www.clubedetirobarrabonita.com.br/form/municao.htm. Acesso em 14 de junho de 2010.
21
Decreto 3.665/00. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/D3665.htm. Acesso
em 15 de junho de 2010.
22
Clube de Tiro Barra Bonita. Munição – conceitos básicos.
http://www.clubedetirobarrabonita.com.br/form/municao.htm. Acesso em 14 de junho de 2010.
23
Decreto 3.665/00. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/D3665.htm. Acesso em
15 de junho de 2010.
22

Art. 15. As armas, munições, acessórios e equipamentos são


classificados, quanto ao uso, em:

I - de uso restrito; e

II - de uso permitido.

O artigo 3º, nos incisos XVII e XVIII do mesmo decreto,


conceitua estas duas categorias24:

XVII - arma de uso permitido: arma cuja utilização é permitida a


pessoas físicas em geral, bem como a pessoas jurídicas, de acordo
com a legislação normativa do Exército;

XVIII - arma de uso restrito: arma que só pode ser utilizada pelas
Forças Armadas, por algumas instituições de segurança, e por
pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo
Exército, de acordo com legislação específica;

Ângelo Fernando Facciolli25 explica a origem do termo uso


restrito para as armas classificadas como tal:

As armas classificadas como de uso restrito tem sua gênese nas


armas militares, que possuem características para emprego em
operações de combate – longo alcance, maior poder de destruição e
precisão. Muitas dessas características, hoje, estão incorporadas às
armas de uso restrito, com o funcionamento automático, elevada
autonomia para executar disparos, eficácia da munição etc.

Uma das principais características para se definir uma arma de


fogo é o calibre, que nada mais é que o diâmetro interior de um tubo. Afirma Danilo
Ferreira26 que “como todas as armas de fogo possuem um cano (tubo), uns mais
longos outros mais curtos, para direcionar a trajetória do projétil, usa-se o termo para
denominar a “grossura” do cano da arma”. Encontra-se, porém, definição legal no
artigo XXXV do Decreto 3.655/0027:

XXXV - calibre: medida do diâmetro interno do cano de uma arma,


medido entre os fundos do raiamento; medida do diâmetro externo

24
Decreto 3.665/00. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/D3665.htm. Acesso em
15 de junho de 2010.
25
FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Lei das Armas de Fogo. Curitiba: Juruá, 2009. p. 223
26
FERREIRA, Danilo. Especial Armas de Fogo – O Calibre. Disponível em:
http://abordagempolicial.com/2010/03/especial-armas-de-fogo-o-calibre/. Acesso em 25 de junho de
2010.
27
Decreto 3.665/00. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/D3665.htm. Acesso em
25 de junho de 2010.
23

de um projétil sem cinta; dimensão usada para definir ou caracterizar


um tipo de munição ou de arma;

Através do cano é que o projétil é expelido, separando-se do


estojo para atingir o alvo desejado.

Pode-se medir o calibre da arma de duas formas28:

Calibre Real - É a medida exata do interior do cano de uma arma.


Geralmente, apesar de sua fidelidade métrica, não dá nome a armas
e munições. O calibre real costuma ser expresso em milímetros ou
em frações de polegadas;

Calibre Nominal - É o calibre que serve para designar as munições e


armas, e geralmente não correspondem ao calibre real delas.

O interior do cano de uma arma de fogo pode possuir duas


formas: alma raiada e alma lisa. No cano de alma raiada, este possui sulcos na parte
interna, geralmente de forma helicoidal, que têm a finalidade de propiciar o
movimento de rotação dos projéteis, quando expelidos, ocasionando a rotação no
próprio eixo, promovendo uma maior precisão do tiro. Já o cano de alma lisa, como
o próprio nome indica, não possui qualquer tipo de estria, sendo totalmente liso. Este
tipo de cano é mais comum em armas do tipo espingarda, e sua munição pode
possuir um único projétil, bem como pode ter mais de oitocentos bagos de
chumbo29.

Uma outra forma de classificar as armas de fogo na legislação


brasileira é a energia que o projétil libera na boca do cano, no momento do disparo.
Esta energia é medida em Joules, na saída da boca do cano, e segundo o Decreto
3665/00, nos artigos 16, incisos III e IV e 17, incisos I e II30, assim são descritas:

Art. 16. São de uso restrito:

III - armas de fogo curtas, cuja munição comum tenha, na saída do


cano, energia superior a (trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete

28
FERREIRA, Danilo. Especial Armas de Fogo – O Calibre. Disponível em:
http://abordagempolicial.com/2010/03/especial-armas-de-fogo-o-calibre/. Acesso em 25 de junho de
2010.
29
CBC – Companhia Brasileira de Cartuchos. Disponível em
http://www.cbc.com.br/municoes/muni_caca/index.php?acao3_cod0=678642f959a7456dec738054d
184a66b. Acesso em 31 de Agosto de 2010.
30
Decreto 3.665/00. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/D3665.htm. Acesso em
31 de agosto de 2010.
24

Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .357


Magnum, 9 Luger, .38 Super Auto, .40 S&W, .44 SPL, .44 Magnum,
.45 Colt e .45 Auto;

IV - armas de fogo longas raiadas, cuja munição comum tenha, na


saída do cano, energia superior a mil libras-pé ou mil trezentos e
cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, .22-
250, .223 Remington, .243 Winchester, .270 Winchester, 7 Mauser,
.30-06, .308 Winchester, 7,62 x 39, .357 Magnum, .375 Winchester e
.44 Magnum;

Art. 17. São de uso permitido:

I – armas de fogo curtas, de repetição ou semi-automáticas, cuja


munição comum tenha, na saída do cano, energia de até trezentas
libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por
exemplo, os calibres .22 LR, .25 Auto, .32 Auto, .32 S&W, .38 SPL e
.380 Auto;

II – armas de fogo longas raiadas, de repetição ou semi-automáticas,


cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até mil
libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas
munições, como por exemplo, os calibres .22 LR, .32-20, .38-40 e
.44-40;

Assim, as armas de fogo são geralmente classificadas por seu


calibre, pelo diâmetro da alma do tubo ou cano, porém não é este o único meio de
classificá-las, pois como visto, várias são as características que as compõe, e
diversas são suas peculiaridades a serem levadas em conta.

1.2 HISTÓRICO DAS LEIS DE ARMAS DE FOGO NO BRASIL

A legislação penal brasileira pertinente aos crimes relacionados


às armas de fogo passou por alguns momentos, com seu início na Lei das
Contravenções Penais, de 1941, passando diretamente a Lei 9.437, de 1997, o qual
definiu o Sistema Nacional de Armas – Sinarm31, que possui a finalidade de
cadastrar e controlar as armas de fogo no âmbito civil, dentre outras atribuições. A
Lei 9.437 ainda veio a definir o crime de posse e porte específico de arma de fogo,
pois a Lei das Contravenções Penais somente punia o ato de trazer consigo fora de
casa arma. Definiu ainda a nova lei de 1997 uma pena maior para o crime
relacionado às armas. Após, a famosa Lei 10.826, de 2003, popularmente conhecida

31
Lei 9.437/97, de 20 de fevereiro de 1997. Disponível em.
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20i/conlei9437.htm. Acesso
em 06 de setembro de 2010.
25

por Estatuto do Desarmamento, o qual veio separar as condutas de porte e posse de


arma de fogo, imputando uma pena diferenciada para cada crime, inovando ainda
quanto à restrição dos calibres para definição da conduta.

1.2.1 Decreto-Lei nº. 3.688, de 03 de outubro 1941

O Decreto-lei número 3.688/1941 é conhecido como Lei das


Contravenções Penais. Para Contravenção Penal têm-se a seguinte definição,
conforme o artigo 1º do Decreto-Lei 3.914, de 09 de dezembro de 194132:

Art. 1º. Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de
reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração
penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou
de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.

Há, portanto, nas contravenções penais uma infração de menor


gravidade à determinada norma legal, sendo na maioria das oportunidades, de
ordem social. Continua configurando conduta ilícita, uma vez que é contrária à lei,
porém recebendo uma sanção menos intensa, devido ao fato de ser justamente de
menor natureza.

No tocante as armas de fogo, a Lei das Contravenções penais


previa três delitos, contidos nos artigos 1833, 1934 e 2835, com penas que variavam
de 15 dias a um ano, ou multa, como vemos:

Art. 18. Fabricar, importar, exportar, ter em depósito ou vender, sem


permissão da autoridade, arma ou munição:

Pena – prisão simples, de três meses a um ano, ou multa, de um a


cinco contos de réis, ou ambas cumulativamente, se o fato não
constitue crime contra a ordem política ou social.

Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta,


sem licença da autoridade:

Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de


duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.

32
Decreto Lei 3.914, de 09 de dezembro de 1941. Disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3914.htm. Acesso em 06 de setembro de 2010.
33
Decreto Lei 3.688, de 03 de outubro de 1941. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del3688.htm. Acesso em 06 de setembro de 2010.
34
Idem
35
Idem
26

§1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi


condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa.

§2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses,


ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo
arma ou munição:

a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei


o determina;

b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no


manejo de arma a tenha consigo;

c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere


facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em
manejá-la.

Art. 28. Disparar arma de fogo em lugar habitado ou em suas


adjacências, em via pública ou em direção a ela:

Na contravenção mais comum, qual seja o de porte sem


autorização fora de casa, não previa a lei qualquer sanção caso este possuísse a
arma de fogo no interior da mesma.

Não avaliou o legislador a gravidade da conduta. Como aponta


Renato Marcão36, na maioria das vezes seria aplicada somente a sanção de multa,
sem haver uma efetiva condenação, dada a pena contida no tipo penal.

Com o advento da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que


37
com seu artigo 61 transformou os crimes de pena até um ano38 em crimes de
menor potencial ofensivo, as contravenções relacionadas às armas de fogo
passaram a ser suscetíveis de serem julgadas pelos Juizados Especiais Criminais,
tendo em vista suas penas serem menores ou iguais a um ano, como prevê:

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo,


para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que
a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os
casos em que a lei preveja procedimento especial.

36
MARCÃO, Renato. O porte de arma de fogo e seu tratamento penal Disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4603. Acesso em 19 de setembro de 2010.
37
Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9099.htm. Acesso em 19 de setembro de 2010.
38
A lei 10.529, de 12 de julho de 2001, ampliou o conceito de crime de menor potencial ofensivo,
delimitando o tempo máximo em dois anos.
27

Assevera Marcelo Xavier de Freitas Crespo39 sobre a


incidência da lei 9.099/95 sobre o crime de porte de arma:

O porte de arma é mais grave do que se costuma imaginar, vez que


grande parte daqueles cometem aludido delito não têm em mente
"apenas se defender" ou "apenas ter consigo uma arma", mas, no
mais das vezes, são indivíduos que estão na iminência da prática de
algum crime mais grave, como roubo, seqüestro etc. Data vênia,
apesar da intenção de resguardar a tranqüilidade pública, não se
pode admitir tal argumentação, ainda mais porque, como dito,
defender tal posicionamento massacraria a isonomia, pilar do nosso
Estado de Direito.

A pena imposta ao cidadão que era flagrado portando uma


arma de fogo podia ser aplicada na modalidade de multa, ou mesmo na prisão
simples, o qual possuía pena menor que o crime de calúnia, descrito no Código
Penal, no artigo 138, que prevê pena de detenção de seis meses a dois anos, e
multa. A proporção da pena era muito desigual perante a gravidade da situação, pois
certamente a calúnia dificilmente ameaçaria a vida de outras pessoas. Clamava a
sociedade uma diminuição nos índices de violência, tendo o Governo instituído a lei
9.437/97 com tal propósito.

1.2.2 Lei nº. 9.437, de 20 de fevereiro de 1997

A Lei 9.437 inovou em vários aspectos, principalmente os


relacionados ao uso ilegal de armas de fogo, pois transformou o crime de menor
potencial ofensivo, assim definido após a Lei 9.099/95, em crime, com pena de um a
dois anos de detenção, e multa40, para armas de uso permitido, e de dois a quatro
anos e multa caso a arma seja de uso restrito ou proibido, como prevê o artigo 10 e
seus parágrafos:

Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor
à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder,
ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob
guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e
em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

39
FREITAS CRESPO, Marcelo Xavier de. Conceito de crime de menor potencial ofensivo e as Leis nº
9.099/95, 10.259/01 e a novel 11.313/06. O fim da celeuma. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8810. Acesso em 22 de maio de 2008.
40
Lei 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. Disponível em
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20i/conlei9437.htm. Acesso
em 19 de setembro de 2010.
28

Pena - detenção de um a dois anos e multa.

§ 1° Nas mesmas penas incorre quem:

I - omitir as cautelas necessárias para impedir que menor de dezoito


anos ou deficiente mental se apodere de arma de fogo que esteja
sob sua posse ou que seja de sua propriedade, exceto para a prática
do desporto quando o menor estiver acompanhado do responsável
ou instrutor;

II - utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de


atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes;

III - disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou


em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que
o fato não constitua crime mais grave.

§ 2° A pena é de reclusão de dois anos a quatro anos e multa, na


hipótese deste artigo, sem prejuízo da pena por eventual crime de
contrabando ou descaminho, se a arma de fogo ou acessórios forem
de uso proibido ou restrito.

§ 3° Nas mesmas penas do parágrafo anterior incorre quem:

I - suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de


identificação de arma de fogo ou artefato;

II - modificar as características da arma de fogo, de forma a torná-la


equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito;

III - possuir, deter, fabricar ou empregar artefato explosivo e/ou


incendiário sem autorização;

IV - possuir condenação anterior por crime contra a pessoa, contra o


patrimônio e por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

§ 4° A pena é aumentada da metade se o crime é praticado por


servidor público.

A Autoridade Policial passava agora a ter que autuar em


flagrante delito o indivíduo que fosse flagrado incurso no artigo 10 da lei, arbitrando
ou não fiança, posto que a lei garanta à Autoridade Policial o arbitramento neste
caso, conforme o artigo 322 do Código de Processo Penal – CPP41:

Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos


casos de infração punida com detenção ou prisão simples.

Diante da lei, qualquer cidadão que se se encontra com uma


arma de fogo no interior de sua residência sem o devido registro em obediência as

41
Decreto Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em 20 de setembro de 2010.
29

linhas legais, independente de a arma ser de uso restrito ou uso proibido, se


encontraria cometendo uma infração penal. Certo é que o flagrante seria iminente,
pois como determina o artigo 302 do CPP42:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por


qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da
infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou


papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Ainda sobre o flagrante delito, descreveu Abel Fernandes43 em


sua obra Armas de Fogo sobre a prisão em flagrante:

[...] se o proprietário de arma de fogo a mantiver em sua residência,


sem o devido e necessário registro, poderá ter a sai casa
inspecionada a qualquer dia e a qualquer hora, e se a busca lograr
êxito, proceder-se-á a apreensão do instrumento e a autuação em
flagrante do dono da arma.

Como visto a lei criminalizou algumas condutas que não eram


tidas como infração penal ou então incorriam como contravenções penais. A lei
ainda veio a restringir de forma severa o registro e o porte de arma, como meio de
controlar e diminuir a violência, fato este que se tornava um clamor público.

A lei criou também o Sinarm44, órgão estabelecido junto a


Polícia Federal, e consequentemente ao Ministério da Justiça, para que ficassem
centralizadas as informações relativas às armas de fogo existentes no país, em um
cadastro único. Para tal, deveriam ser cadastradas as armas já existentes e as que
fossem produzidas ou introduzidas em território nacional, como demonstra o artigo
2º 45:

42
Decreto Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em 20 de setembro de 2010.
43
ABREU, Abel Fernando Marques. Armas de Fogo. São Paulo: Iglu, 1999. p. 59.
44
Sinarm – Sistema Nacional de Armas.
45
Lei 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. Disponível em
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20i/conlei9437.htm. Acesso
30

Artigo 2º - Ao SINARM compete:

I - identificar as características e a propriedade de armas de fogo,


mediante cadastro;

II - cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no


País;

III - cadastrar as transferências de propriedade, o extravio, o furto, o


roubo e outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados
cadastrais;

IV - identificar as modificações que alterem as características ou o


funcionamento de arma de fogo;

V - integrar no cadastro os acervos policiais já existentes;

VI - cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as


vinculadas a procedimentos policiais e judiciais.

Parágrafo único - As disposições deste artigo não alcançam as


armas de fogo das Forças Armadas e Auxiliares, bem como as
demais que constem dos seus registros próprios.

O Sinarm possui o seguinte conceito, conforme Ângelo


Fernando Facciolli46:

Trata-se de um sistema informatizado de grande porte, localizado


nas instalações do Departamento da Polícia Federal no Setor Policial
Sul, em Brasília/DF. Disponibiliza informações cadastrais, expede
porte e registros de armas para todas as delegacias e postos de
serviço da Polícia Federal, bem como atende às delegacias
especializadas em armas, no âmbito das secretarias de segurança
pública dos Estados e Distrito Federal.

Á época da lei cresciam os crimes e a violência, eis que a


sociedade praticamente exigia alguma medida por parte do Governo. Após a entrada
em vigor da lei, vários foram os elogios por parte dos doutrinadores, como Abel
Fernando Marques47:

[...] a nova legislação avançou nas penalidades a serem impostas


aos transgressores do ordenamento, tornando-o moderno e próximo
das legislações francesa e inglesa que tratam da matéria, sendo que
a punição ao crime da falta de registro foi copiada da legislação
americana e a anistia para registro está nos moldes da legislação
argentina [...]

em 20 de setembro de 2010.
46
FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Lei das Armas de Fogo. p 26
47
ABREU, Abel Fernando Marques. Armas de Fogo. São Paulo: Iglu, 1999. p. 45.
31

Damásio de Jesus48 também elogiava a iniciativa do Governo:

[...] no sentido de reduzir a delinqüência urbana, a chamada


"criminalidade de massa", o Governo Federal merece aplausos pela
entrada em vigor, no terreno da incriminação, da Lei n. 9.437, de 20
de fevereiro 1997, criando o Sistema Nacional de Armas de Fogo,
transformando a contravenção de porte ilegal de arma de fogo em
crime, regulando sua aquisição e posse e dando outras providências
[...]

No tocante a conduta criminal envolvendo armas de fogo, a


nova lei, além de modificar, também ampliou o rol de ações que passaram a
configurar crime. Com esta ação, pretendia-se evitar que as pessoas tivessem em
seu poder armas sem o devido controle estatal, pois poderiam usá-las para a prática
da violência ou ainda pudessem usar de forma inadequada que não a proteção
pessoal.

A lei também inovou ao separar as armas de fogo em de uso


permitido e de uso restrito ou proibido, cominando pena maior a estas últimas, por
entender o legislador serem mais danosas à sociedade.

Logo, as armas de fogo, pela primeira vez na história de nosso


país, deveriam ser objetos rigorosamente controlados pelo Estado, de forma a tentar
conter a escalada de violência que parecia assolar a nação.

A Lei 10.529, de 12 de julho de 2001, modificou os Juizados


Especiais Criminais e Cíveis, criando-os na esfera da Justiça Federal e, ampliando o
conceito de crime de menor potencial ofensivo, delimitou o tempo máximo em dois
anos, atingindo diretamente o artigo 10 da lei 9.437/97, bem como o parágrafo 1ª e
seus incisos, pois nenhum prevê penas superiores a dois anos.

Novamente, o porte de arma de fogo tornava-se crime de


menor potencial ofensivo, com suas implicações daí decorrentes, como a confecção
de Termo Circunstanciado para os que infringissem a lei.

48
JESUS, Damásio Evangelista de. Porte de arma de Fogo: seu controle pelas Nações Unidas e
Brasil. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1035. Acesso em 22 de setembro
de 2010.
32

1.2.3 Lei nº. 10.826, de 22 de dezembro de 2003

A lei 10.826/03 foi instituída com o mesmo propósito da lei


9.437/97, qual seja o de “diminuir a quantidade de crimes violentos em que há
emprego de arma de fogo, principalmente os homicídios e roubos, além de
possibilitar a prisão de assaltantes e outros marginais antes da prática do crime.”49
Damásio de Jesus, sobre o Estatuto do Desarmamento, assim define o objetivo da
lei: “É necessário tornar rígida a fabricação, o comércio, a aquisição, a posse e o
porte de armas de fogo, finalidade da Lei nº. 10.826/03.” 50

Em 22 de dezembro de 2003, o Congresso Nacional aprovou a


Lei 10.826/03, o qual ficou conhecida por Estatuto do Desarmamento, pois foi a lei
que regulamentou o referendo sobre a comercialização de armas de fogo e
munições, prevendo em seu artigo 35 o fim da venda de armas de fogo no Brasil, a
ser validado dependendo de referendo popular, realizado no dia 23 de outubro de
2005, e ainda revogou expressamente em seu artigo 36 a lei 9.437/97.

A questão a população era se a venda de armas de fogo e


munição deveria ser proibida no território nacional, o qual resultou na continuação da
venda, com um resultado de 36,06% para a resposta sim e 63,94% para a resposta
não51.

Após o referendo, restou ao Estatuto do Desarmamento


regularizar os assuntos relativos a armas e munições, pois o comércio não foi
proibido. Diante disto, o Sinarm ficou responsável por toda e qualquer transação
envolvendo armas de fogo, desde uma simples doação a qualquer tipo de venda,
seja com origem de fábrica, lojas de armas e particulares.

49
SILVA, César Dário Mariano da. Estatuto do Desarmamento. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
p. 01
50
JESUS, Damásio Evangelista de. A Questão do Desarmamento.
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5209. Acesso em 28 de setembro de 2010.
51
Disponível em
http://aovivo.folha.uol.com.br/folha/especial/2005/referendododesarmamento/apuracao.html. Acesso
em 28 de setembro de 2010.
33

Apesar da continuação da venda, o porte de armas de fogo foi


proibido, tendo a lei o concedido a apenas algumas categorias, como bem
demonstra o artigo 6º 52:

Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território


nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

I – os integrantes das Forças Armadas;

II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art.


144 da Constituição Federal;

III – os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados


e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes,
nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;

IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais


de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil)
habitantes, quando em serviço;

V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e


os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência da República;

VI – os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no


art. 52, XIII, da Constituição Federal;

VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas


prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas
portuárias;

VIII – as empresas de segurança privada e de transporte de valores


constituídas, nos termos desta Lei;

IX – para os integrantes das entidades de desporto legalmente


constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas
de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que
couber, a legislação ambiental.

X - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do


Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e
Analista Tributário.

Com relação aos crimes, a lei 10.826 separou o crime do artigo


10 da lei 9.437/97 em dois tipos penais, o de posse de arma de fogo e porte de arma
de fogo, descritos inclusive em artigos distintos. A lei manteve a classificação em
armas de uso permitido e restrito, e nos crimes de posse de arma de fogo de uso
permitido a pena foi aumentada, porém continuou sendo de detenção, enquanto nos
52
Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2010. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.826.htm. Acesso em 28 de setembro de 2010.
34

crimes de posse e porte de arma de fogo de uso restrito e porte de arma de fogo de
uso permitido a pena foi aumentada, continuando sendo de reclusão.

Criou ainda a lei novos crimes, além da posse e do porte, tais


como a omissão de cautela e disparo de arma de fogo, porém como objeto de
estudo deste trabalho, serão destacados os artigos 1653, 1754 e 1855 da lei:

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em


depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar,
remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo,
acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e
em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de


identificação de arma de fogo ou artefato;

II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la


equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de
dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial,
perito ou juiz;

III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou


incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar;

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo


com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado;

V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de


fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e

VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou


adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter


em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor
à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio,
no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo,
acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:

53
Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2010 (Estatuto do Desarmamento). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.826.htm. Acesso em 28 de setembro de 2010.
54
Idem
55
Idem
35

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para


efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços,
fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido
em residência.

Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território


nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição,
sem autorização da autoridade competente:

Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Estes artigos eram insuscetíveis de liberdade provisória, uma


vez que a própria lei vedava benefício, conforme o artigo 2156:

Art. 21. Os crimes previstos nos artigos 16, 17 e 18 são insuscetíveis


de liberdade provisória.

O artigo 21 é o principal objeto de estudo do presente trabalho,


e sua validade perante a constituição já foi inclusive tema de Ação Direta de
Inconstitucionalidade – ADI, tema este que será discutido oportunamente no capítulo
III.

Acerca da natureza jurídica dos crimes de arma de fogo, César


Dário Mariano da Silva57 manifesta-se:

Trata-se de crime de perigo abstrato e coletivo. Como crimes de


perigo abstrato, não necessitam da demonstração de que
efetivamente alguém foi exposto a perigo de dano, que é
presumidamente pela lei de forma absoluta, não admitindo prova em
contrário. São, também, crimes de perigo coletivo (ou comum), uma
vez que um número indeterminado de pessoas é exposto a perigo de
dano.

A lei equiparou as armas de fogo os acessórios e munições,


sendo que estas devem estar com seu conjunto na totalidade, compostas de
material propelente, estojo, pólvora, espoleta e projétil, e tenha pleno funcionamento.

A lei 10.826 foi regulamentada pelo Decreto 5.123/2004, visto


que havia a necessidade de corrigir alguns pontos, como a repartição de

56
Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2010. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.826.htm. Acesso em 28 de setembro de 2010.
57
SILVA, César Dário Mariano da. Estatuto do Desarmamento. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
p. 31
36

competência do Sistema de Armas, criando o Sistema Militar de Armas – Sigma,


bem como detalhou a concessão do porte e registro de armas de fogo, dentre
outros.

O Decreto foi de suma importância, como visto nas palavras de


Ângelo Fernando Faccioli58, “sem o Decreto 5.123/04 a Lei não passaria de mera
ficção; com ele conseguiu um mínimo de razoabilidade jurídica!”.

Certo é que a lei 10.826/03 foi instituída com o objetivo de


novamente conter a violência envolvendo as armas de fogo, apontadas como a
principal causa da onda crescente de crimes violentos, sem se levar em conta o
contexto da criminalidade no Brasil.

Esclarecidas as particularidades e características das armas de


fogo e suas respectivas leis penais, analisar-se-á as possíveis modalidades de
prisão, os quais envolvem todos os crimes elencados no Código Penal e leis
especiais, bem como as possibilidades de concessão de liberdade provisória e suas
variantes.

58
FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Lei das Armas de Fogo. p 21
Capítulo 2

OS TIPOS DE PRISÃO E O INSTITUTO DA LIBERDADE


PROVISÓRIA

2.1 OS TIPOS DE PRISÃO

O direito brasileiro, quanto à prisão, se posiciona como sendo


esta medida de exceção, pois a regra em si é a liberdade. Tal afirmativa encontra
base no princípio constitucional da presunção de inocência, uma vez que a
Constituição Federal, em seu Título II – Dos Direitos e das Garantias Fundamentais,
no artigo 5º, inciso LVII, prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória”, assim garante ao acusado que sua
liberdade somente será cerceada em caso de condenação irrecorrível.

Por prisão, entende-se como a retirada do bem jurídico, neste


caso, a liberdade. Ensina Julio Fabbrini Mirabete59 que a prisão, em sentido jurídico,
é a privação da liberdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e vir, por motivo
ilícito ou por ordem legal.

A Constituição Federal prevê no mesmo artigo 5º, inciso LVI


que o indivíduo não pode ser preso, a não ser que esteja em situação de flagrante
delito ou por ordem emanada da autoridade judiciária competente. Nestes termos, a
simples detenção para averiguação por parte de algum agente do Estado caracteriza
infração direta a uma norma constitucional, além do abuso de autoridade, delito este
previsto já há bastante tempo no ordenamento jurídico brasileiro, conforme a lei
4.898/1965.

Para que a prisão seja considerada legítima, é necessário que


haja reserva legal e reserva da jurisdição. Nas palavras de Fabio Ramazzini
Bechara60, “a reserva legal implica a necessidade de previsão legal da prisão. A

59
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. ver. atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 361.
60
BECHARA, Fábio Ramazzini. Breves notas acerca da prisão. Disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5712. Acesso em 01 de outubro de 2010.
38

reserva da jurisdição, por sua vez, significa a necessidade de controle jurisdicional


sobre a medida restritiva do direito de liberdade”.

A prisão se subdivide em cinco, sendo a prisão pena, prisão


administrativa, prisão civil ou por dívida, prisão militar e prisão processual. Passa-se
a analisá-las individualmente, segundo entendimento doutrinário:

a) Prisão pena: imposta em virtude de sentença condenatória


transitada em julgado. Em suma, “trata-se da privação da liberdade determinada
com a finalidade de executar decisão judicial, após o devido processo legal, na qual
61
se determinou o cumprimento de pena privativa de liberdade” . A prisão pena não
tem finalidade acautelatória, tampouco natureza processual, tratando-se apenas de
medida penal destinada a satisfazer a pretensão executória do Estado.

De acordo com o artigo 3362, caput do Código Penal, a prisão


pena possui duas formas:

Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado,


semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou
aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

A infração penal define o tipo de prisão, devendo a pena de


reclusão ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto de acordo com a
pena imposta. A pena de detenção deve ser cumprida inicialmente em regime semi-
aberto, qualquer que seja a quantidade de pena. Há uma ressalva, caso o indivíduo
seja reincidente ou se houver a necessidade fundamentada de ser cumprida no
regime fechado. Pode ainda ser cumprida em regime aberto quando a pena for igual
ou inferior a quatro anos.

61
BONFIM, Edson Mougenot. Espécies de prisão. Disponível em
http://programadeapoioaoestudantededireito.blogspot.com/2009/05/especies-de-prisao.html.
Acesso em 01 de outubro de 2010.
62
Decreto Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal). Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 01 de outubro
de 2010
39

b) Prisão administrativa: é a decretada por órgão não


pertencente à estrutura do Poder Judiciário, não possuindo a função jurisdicional
stricto sensu. É considerada inconstitucional por não observar a cláusula da reserva
da jurisdição. Segundo Fernando Capez63 “é aquela decretada por autoridade
administrativa para compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação”.

c) Prisão civil ou por dívida: é admitida somente nos casos de


inadimplência de prestação de alimentos e de depositário infiel. O Brasil é signatário
do Pacto de San José da Costa Rica, o qual veda a prisão para o depositário infiel,
admitindo a prisão somente na primeira hipótese. Esta medida provocou a edição da
Súmula Vinculante nº. 2564, editada pelo Supremo Tribunal Federal.

d) Prisão militar: é a que decorre de transgressão militar ou


cometimento de crime militar, podendo ser decretada por integrantes das Forças
Armadas, Polícias Militares e Bombeiros Militares dos Estados ou autoridades
judiciárias, respectivamente.

e) Prisão processual: de natureza cautelar, não constitui pena


no sentido técnico jurídico, pois não decorre de sentença condenatória transitada em
julgado. Tem como objetivo assegurar o bom desempenho das investigações
criminais, do processo penal ou da execução da pensa, ou ainda a impedir que o
indivíduo continue a praticar delitos. Depende ainda do preenchimento dos
pressupostos do periculum in mora65 e do fumus boni iuris66.

63
CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.
228.
64
Súmula Vinculante 25: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade
do depósito.
65
Periculum in mora: “É expressão latina que quer significar perigo na demora (na prestação da tutela
jurisdicional)”. CAMPOS, Cyntia Amaral. Que se entende por periculum in mora inverso? Disponível
em http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20081211174513359. Acesso em 02 de
outubro de 2010.
66
Fumus bonis iuris: “Fumaça do bom direito, ou seja, a probabilidade de exercício presente ou futuro
do direito de ação, pela ocorrência da plausividade, verossimilhança, do direito posto em jogo.”
CARPENA, Márcio Louzada. Aspectos fundamentais das medidas liminares no processo cautelar.
Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=865. Acesso em 02 de outubro de 2010.
40

A prisão processual caracteriza-se pela provisoriedade67.


Nesse entendimento José Frederico Marques68 dispõe que:

[...] Prisão processual é a que o juiz impõe, como providência


compulsória, ao síndico, ao inadimplente em obrigação alimentar, ao
depositário infiel, à testemunha faltosa, ao falido relapso; e prisão
processual é ainda a prisão que o juiz impõe, em sentença
condenatória ao criminoso.

A prisão processual possui cinco subdivisões, sendo prisão em


flagrante, prisão preventiva, prisão temporária, prisão resultante de pronúncia e
prisão decorrente de sentença condenatória não transitada em julgado. Por
interesse do presente trabalho, serão objeto de estudo prisão em flagrante, a prisão
preventiva e a prisão temporária.

2.1.1 Prisão em Flagrante

A palavra flagrante, segundo Guilherme de Souza Nucci69,


“significa tanto o que é manifesto ou evidente, quanto o ato que se pode observar no
exato momento em que ocorre”. Neste sentido, a prisão em flagrante é realizada no
momento em que o indivíduo comete a infração penal ou acabou de cometê-la.

O auto de prisão em flagrante deve ser presidido por


Autoridade Policial, compreendida nesta os Delegados de Polícia das Polícias Civis
dos Estados e do Distrito Federal e da Polícia Federal, não podendo nenhuma outra
autoridade pública substituí-lo.

Segundo Ricardo Lemos Thomé70, sobre Autoridade Policial:

No ordenamento jurídico brasileiro, “autoridade policial” é o Delegado


de Polícia e o Órgão que congrega estas autoridades e seus agentes
é a Polícia Judiciária. O primeiro, exerce autoridade e possui poder; a

67
BECHARA, Fábio Ramazzini. Breves notas acerca da prisão. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5712. Acesso em 02 de outubro de 2010.
68
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. v. IV. Campina/SP: Bookseller,
1997. p. 40.
69
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6ª ed. ver., ampl. e
atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 584
70
THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à Prática de Polícia Judiciária. Florianópolis: Ed.do
Autor,1997. p. 25
41

segunda, possibilita o exercício pleno e legal dos objetivos do Estado


em relação à segurança pública.

Já sobre a prisão em flagrante, conceitua Guilherme de Souza


71
Nucci :

[...] é a modalidade de prisão cautelar, de natureza administrativa,


realizada no instante em que se desenvolve ou termina de se
concluir a infração penal.

Julio Fabbrini Mirabete72 assim define o conceito de prisão em


flagrante:

[...] flagrante é uma qualidade do delito, é o delito que está sendo


cometido, praticado, é o ilícito patente, irrecusável, insofismável, que
permite a prisão do seu autor, sem mandado, por ser considerado a
certeza visual do crime. Assim, a possibilidade de se prender alguém
em flagrante delito é um sistema de autodefesa da sociedade,
derivada da necessidade social de fazer cessar a prática criminosa e
a perturbação da prova da materialidade do fato e da respectiva
autoria.

A prisão em flagrante “é medida cautelar de segregação


73
provisória do autor da infração penal” , e independente de ordem judicial, desde
que o indivíduo esteja cometendo, tenha acabado de cometer uma infração penal ou
tenha acabado de cometê-la. A base legal da prisão em flagrante está inserida nos
artigos 301 a 310 do Código de Processo Penal brasileiro.

Em seu artigo 301, o Código de Processo Penal faculta a


qualquer pessoa do povo efetuar a prisão em flagrante e obriga às autoridades
policiais e seus agentes a efetuar a prisão em flagrante de quem se insira nas
situações de flagrante elencadas no artigo 30274 do mesmo dispositivo legal:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

71
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 3. ed. rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 544
72
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. p. 366
73
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 544
74
Decreto Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em 02 de outubro de 2010.
42

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por


qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da
infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou


papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

No entendimento doutrinário, os incisos I e II constituem


flagrante próprio ou perfeito; o inciso III constitui flagrante impróprio ou imperfeito e o
inciso IV flagrante presumido ou ficto. A seguir, a abordagem individual de cada tipo
de flagrante:

Flagrante próprio ou perfeito: o agente é surpreendido em


pleno desenvolvimento dos atos de execução da infração penal.

Flagrante impróprio ou imperfeito: o agente já concluiu a


infração penal, ou foi impedido por circunstâncias alheias, porém não é detido no
local da infração, conseguindo empreender fuga. Neste caso, há de haver
perseguição pela autoridade e seus agentes, da vítima ou por qualquer pessoa do
povo, e a presunção de que foi o agente o autor do crime.

A expressão logo após, na concepção de Nucci75, deve concluir


“que a perseguição deve iniciar-se em ato contínuo à execução do delito, sem
intervalos longos, demonstrativos da falta de pistas”.

Flagrante presumido ou ficto: é a situação em que o agente,


logo após cometer o crime, e embora não tenha sido perseguido, é surpreendido na
posse de instrumentos, armas ou objetos que indiquem, presumidamente, ser ele o
autor da infração penal.

A doutrina também enumera algumas classificações que não


estão elencadas nas hipóteses do artigo 302 do Código de Processo Penal:

Flagrante preparado ou provocado: ocorre quando um agente


provocador induz ou instiga o indivíduo a cometer uma infração penal, ensejando
assim motivo para a prisão. A Súmula nº. 145 do Superior Tribunal Federal já

75
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 546
43

disciplina o tema: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia


torna impossível sua consumação”.

Flagrante forjado: nas palavras de Nucci76, “é um flagrante


totalmente artificial, pois integralmente composto por terceiros”. Ocorre quando um
policial ou mesmo um particular insere prova falsa de um crime inexistente. A
infração penal é, portanto inexistente, uma vez que o fato é atípico.

Flagrante esperado: hipótese viável, que autoriza a prisão em


flagrante, posto que não haja provocação por parte de terceiros, mas sim a notícia
de um cometimento de crime futuro. Diante disto, a polícia age à espreita, esperando
a consumação ou tentativa do fato, não o provocando, mas somente o esperando.

Flagrante diferido ou retardado: é a possibilidade de atrasar a


lavratura do flagrante, com o objetivo de obter maiores dados e informações sobre o
funcionamento, componentes e atuação de uma organização criminosa.

Vê-se que são várias as situações em que o flagrante pode


ocorrer. Aponta Vicente Greco Filho77, porém, que o flagrante se vale de duas
justificativas para sua existência, qual seja “a reação social imediata à prática da
infração e a captação, também imediata, da prova”. Por se tratar de medida cautelar
que ocorre durante ou após o cometimento da infração penal, não necessita de
autorização judicial, sendo facultado à autoridade policial a sua lavratura ou não.

2.1.2 Prisão Preventiva

A prisão preventiva é exceção à regra da liberdade, pois deve


ser decretada somente quando for absolutamente necessária, e segundo o Código
de Processo Penal Brasileiro, nos artigos 311 a 316, que a regulamentam, pode ser
decretada em qualquer fase do inquérito policial ou instrução criminal. É medida
cautelar, e por esse motivo não viola a garantia constitucional de presunção de
inocência se a decisão for devidamente motivada e a prisão estritamente necessária.

76
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 550
77
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, 8ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 254
44

Guilherme de Souza Nucci78 assim conceitua a prisão


preventiva:

É uma medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou réu,


por razões de necessidade, respeitados os requisitos estabelecidos
em lei.

Ainda sobre o conceito de prisão preventiva, Fernando


Capez79:

Prisão cautelar de natureza processual decretada pelo juiz durante o


inquérito policial ou processo criminal, antes do trânsito em julgado,
sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais e ocorrerem
os motivos autorizadores.

A prisão preventiva possui quatro pressupostos80, a saber: a)


natureza da infração, b) probabilidade de condenação (fumus boni iuris), c) perigo na
demora (periculum in mora) e d) controle jurisdicional prévio.

O fumus boni iuris prevê a existência de prova incontestável do


crime e indícios suficientes de autoria. O periculum in mora é a necessária custódia
cautelar do acusado ou indiciado, para que haja garantia dos pressupostos
específicos elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal, a saber:

I – Garantia da ordem pública

A periculosidade do agente e a gravidade do delito agem


diretamente na prisão preventiva baseada neste pressuposto, posto que há a
necessidade de se manter a ordem na sociedade, quando esta é abalada pelo
cometimento de um delito. Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci81:

[...] A garantia da ordem pública deve ser visualizada pelo binômio


gravidade da infração + repercussão social. Um furto simples não
justifica histeria, nem abalo à ordem, mas um latrocínio repercute,
negativamente, no seio social, demonstrando que as pessoas
honestas podem ser atingidas, a qualquer tempo, pela perda da vida,
diante de um agente interessado no seu patrimônio, o que gera, por
certo, intranqüilidade.

78
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 562
79
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 241
80
NUCCI, apud MARQUES, Frederico. Elementos de direito processual penal, v. IV. p. 58
81
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 565
45

O indivíduo deve apresentar risco, oferecendo ameaça a


sociedade para que sua prisão preventiva seja decretada baseada neste
pressuposto.

II – Garantia da ordem econômica

Este motivo foi inserido pela lei 8.884, de 11 de junho de 1994,


o qual trata dos crimes contra a ordem econômica, e visa impedir que o agente
permaneça em liberdade após cometer crime contra instituição financeira ou mesmo
órgão do Estado.

III – Conveniência da instrução criminal

É o motivo resultante da garantia do devido processo legal, em


seu aspecto procedimental.

Afirma Delmanto Junior82 que a prisão preventiva expedida


neste fundamento não deve ser decretada baseada em meras suposições, mas em
evidências concretas de que o acusado possa prejudicar a instrução criminal:

No que toca a conveniência da instrução criminal, o Supremo


Tribunal Federal, por exemplo, decidiu no sentido de não poder
decreto de prisão preventiva se basear em meras suposições,
cumprindo apontar fatos concretos, vinculados à atuação do
acusado, que comprovem atitudes contrárias aos interesses da
instrução.

Portanto, o agente que, visando perturbar o andamento da


ação penal, promove condutas inaceitáveis, tais como ameaças as testemunhas e
aos componentes da acusação, a destruição de provas, fuga, dentre outros motivos,
pode ter sua prisão preventiva expedida pela autoridade judicial baseada neste
pressuposto.

IV – Garantia da aplicação da lei penal

Este pressuposto tem por finalidade restringir a liberdade do


indiciado ou acusado para garantir a finalidade do processo penal, qual seja a de

82
DELMANTO, Roberto Junior. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 172/173.
46

proporcionar ao Estado a punição que lhe é de direito, sendo para tal aplicada a
sanção devida.

Guilherme de Souza Nucci83 em relação a este pressuposto:

[...] Não tem sentido o ajuizamento da ação penal, buscando


respeitar o devido processo legal para a aplicação da lei penal ao
caso concreto, se o réu age contra esse propósito, tendo,
nitidamente, a intenção de frustrar o respeito ao ordenamento
jurídico.

Assim como os demais pressupostos para a decretação da


prisão preventiva, este que visa a garantia da aplicação da lei penal deve ser
fundamentado de forma a não deixar dúvidas quanto à sua necessidade, pois como
visto, a prisão é a exceção, sendo a liberdade a regra.

2.1.3 Prisão Temporária

É uma modalidade de prisão cautelar, que se encontra inserida


no artigo 1º, incisos I a III da lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989. Tem como
finalidade assegurar investigação policial eficaz, possuindo prazo determinado para
acabar, sendo de cinco dias prorrogáveis por mais cinco. Caso o crime esteja
inserido na lei 8.072, de 25 de julho de 1990, conhecida por lei dos crimes
hediondos, a prisão temporária será de trinta dias, prorrogáveis por mais trinta.

A da prisão temporária não pode ser decretada de ofício pela


autoridade judicial, devendo ser representada devidamente fundamentada pela
autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público.

Possui ainda requisitos menos rigorosos que a prisão


preventiva, tendo sido idealizada após a Constituição Federal de 1988, para
substituir legalmente a antiga prisão para averiguação,

83
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 562
47

2.2 O INSTITUTO DA LIBERDADE PROVISÓRIA

A liberdade provisória está inserida na Constituição Federal,


em seu Título II – Dos Direitos e das Garantias Fundamentais, no artigo 5º, inciso
LXVI, in verbis:

Artigo 5º, inciso LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela


mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem
fiança.

Encontra-se a liberdade provisória também no Código de


Processo Penal, no artigo 310:

Artigo 310 – Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante


que o agente praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, do
Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder
ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a
todos os atos do processo, sob pena de revogação.

Parágrafo único – Igual procedimento será adotado quando o juiz


verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer
das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (artigos. 311 e 312).

O doutrinador Hidejalma Muccio84 conceituou Liberdade


Provisória da seguinte maneira:

Instituto Processual que é, podendo simplesmente impedir a prisão


(em face de determinadas situações), como garantir ao autor da
infração o direito de ser mantido solto ou, no caso de estar preso, de
ser posto em liberdade, para responder livre ao processo, nas
prisões que decorrem do flagrante, da pronúncia e da sentença penal
condenatória recorrível.

Ainda complementando, Guilherme de Souza Nucci85 ensina:

[...] é a liberdade concedida ao indiciado ou réu, preso em flagrante


ou em decorrência de pronúncia ou sentença condenatória recorrível,
que, por não necessitar ficar segregado, provisoriamente, em
homenagem ao princípio da presunção de inocência, deve ser
liberado, sob determinadas condições. O fundamento constitucional é
encontrado no art. 5º, LXVI.

Logo, a liberdade provisória visa à substituição da custódia


provisória do indivíduo pelo Estado, desconsiderando sua manutenção na prisão,
84
MUCCIO, Hidejalma. Prisão e Liberdade Provisória: teoria e prática. Jaú-SP: HM Editora, 2003. p.
196
85
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 577
48

vinculada ou não a certas condições, assegurando sua presença nos atos


processuais sem que seja necessária sua prisão. Pode decorrer da prisão do
individuo ou mesmo para que não ocorra a prisão.
Discorre ainda Nucci86 sobre o cabimento da liberdade
provisória:

[...] a liberdade provisória, com ou sem fiança, é um instituto


compatível com a prisão em flagrante, com a prisão decorrente da
pronúncia (art. 408, § 3º) e com a resultante sentença condenatória
irrecorrível (art. 594), mas não com a prisão preventiva ou
temporária. Nessas duas últimas hipóteses, vislumbrando não mais
estarem presentes os requisitos que as determinaram, o melhor a
fazer é revogar a custódia cautelar, mas não colocar o réu em
liberdade provisória, que implica sempre o respeito a determinadas
condições.

São três as espécies de liberdade provisória, a saber: liberdade


provisória obrigatória ou desvinculada, a liberdade provisória permitida ou vinculada
e a liberdade provisória proibida ou vedada.

2.2.1 Liberdade Provisória Obrigatória ou Desvinculada

A liberdade provisória é considerada um direito subjetivo do


indivíduo, a partir do momento em que este se livra solto, sem o pagamento de
fiança ou imposições de condições. O artigo 321 do Código de Processo Penal
demonstra esta espécie, in verbis:

Art. 321. Ressalvado o disposto no art. 323, III e IV, o réu livrar-se-á
solto, independentemente de fiança:

I – no caso de infração, a que não for, isolada, cumulativa ou


alternativamente, cominada pena privativa de liberdade;

II – quando o máximo da pena privativa de liberdade, isolada,


cumulativa ou alternativamente cominada, não exceder a 3 (três)
meses.

O primeiro inciso se fundamenta no fato de que o réu, mesmo


condenado, não ficaria encarcerado, possibilitando assim a concessão de liberdade
provisória. Já no segundo inciso, a fundamentação decorre de a condenação possuir

86
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 577
49

pena abaixo de três meses, o que incorreria após o advento da lei 9.099/95 em
crime de menor potencial ofensivo.
O caput do artigo 321 do referido código faz uma ressalva que
remete aos incisos III e IV do artigo 323 do mesmo diploma legal, alegando que caso
o réu seja reincidente em crime doloso ou haja provas de que o mesmo seja vadio,
não fará jus ao benefício da liberdade provisória.

2.2.2 Liberdade Provisória Permitida ou Vinculada

A liberdade provisória permitida ou vinculada imputa ao réu o


cumprimento de determinadas condições. É cabível quando não se apresentarem os
requisitos presentes no artigo 312 do Código de Processo Penal, que autorizem a
decretação da prisão preventiva, quando o réu possuir o direito de permanecer em
liberdade até o júri e quando possuir o direito de apelar em liberdade.

Esta hipótese de liberdade provisória subdivide-se em


Liberdade Provisória Permitida sem Fiança e Liberdade Provisória Permitida com
Fiança.

2.2.2.1 Liberdade Provisória Permitida sem fiança

A hipótese de liberdade provisória sem fiança e com vinculação


encontra-se no artigo 310 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 310. Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que
o agente praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, do
Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder
ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a
todos os atos do processo, sob pena de revogação.

Verifica-se que a lei determina que seja concedido ao réu


liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do
processo, sob pena de revogação do benefício.

Ainda é encontrada outra hipótese para concessão de


liberdade provisória sem fiança, encontrada no artigo 350 do Código de Processo
Penal, in verbis:

Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando ser
impossível ao réu prestá-la, por motivo de pobreza, poderá conceder-
50

lhe a liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos


arts. 327 e 328. Se o réu infringir, sem motivo justo, qualquer dessas
obrigações ou praticar outra infração penal, será revogado o
benefício.

Esta hipótese prevê que talvez o réu não tenha condições de


arcar com o valor da fiança, por ser pobre e prever prejuízo ao seu sustento ou de
sua família, e desta maneira o magistrado está autorizado conceder a liberdade
provisória, desde que o réu fique sujeito ás condições previstas nos artigos 327 e
328 do Código de Processo Penal. Estes artigos impõem ao réu as condições para
que compareça a todos os atos e termos do processo ou inquérito e não mude de
endereço sem comunicação. Justificando este preceito, Guilherme de Souza
Nucci87, opinando neste sentido, já declara que não “seria mesmo justo o rico ser
beneficiado pela liberdade provisória e o pobre ficasse preso, unicamente por não
dispor de recursos para custear a fiança”.

Ainda segundo Nucci88, a vantagem desta modalidade de


liberdade provisória sem fiança é sobre o descrito no artigo 310, parágrafo único,
pois ”ela pode abranger a prisão em decorrência de pronúncia e de sentença
condenatória recorrível, enquanto aquela somente envolve os casos de prisão em
flagrante”.

2.2.2.2 Liberdade Provisória Permitida com fiança

A fiança é a possibilidade do réu de permanecer em liberdade


mediante pagamento de determinada quantia monetária, para servir de garantia ou
caução, e que valerá como garantia enquanto não houver o trânsito em julgado da
sentença condenatória. É direito subjetivo do réu, pois caso estejam presentes os
requisitos exigidos em lei, não lhe pode ser negado o direito à fiança.
De maneira simples, Guilherme de Souza Nucci89 assim
conceitua a fiança:

[...] trata-se de uma garantia real, consistente no pagamento em


dinheiro ou na entrega de valores ao Estado, para assegurar o direito
de permanecer em liberdade, no transcurso de um processo criminal.

87
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 577
88
Idem.
89
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 578
51

Considera-se a fiança uma espécie do gênero caução, que significa


garantia ou segurança.

O doutrinador Julio Fabbrini Mirabete90 complementa o


conceito:

A fiança é um direito subjetivo constitucional do acusado, que lhe


permite, mediante caução e cumprimento de certas obrigações,
conservar sua liberdade até a sentença condenatória irrecorrível. É
um meio utilizado para obter a liberdade provisória: se o acusado
está preso, é solto; se está em liberdade, mas ameaçado de
custódia, a prisão não se efetua.

Os casos de aplicação da fiança estão descritos no artigo 322


do Código de Processo Penal, o qual confere à autoridade policial a possibilidade de
conceder a fiança caso a infração seja punida com detenção ou prisão simples. Nos
demais casos previstos nos artigos 323 e 324 do Código de Processo Penal, ao juiz
é que deverá ser requerida a fiança, o qual decidirá em um prazo de quarenta e oito
horas91.
O valor da fiança será fixado conforme o tempo de
condenação, como descreve o artigo 325 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a


conceder nos seguintes limites:

a) de 1 (um) a 5 (cinco) salários mínimos de referência, quando se


tratar de infração punida, no grau máximo, com pena privativa da
liberdade, até 2 (dois) anos;

b) de 5 (cinco) a 20 (vinte) salários mínimos de referência, quando se


tratar de infração punida com pena privativa da liberdade, no grau
máximo, até 4 (quatro) anos;

c) de 20 (vinte) a 100 (cem) salários mínimos de referência, quando o


máximo da pena cominada for superior a 4 (quatro) anos.

§ 1o Se assim o recomendar a situação econômica do réu, a fiança


poderá ser:

I - reduzida até o máximo de dois terços;

II - aumentada, pelo juiz, até o décuplo.

90
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, 2002, p. 408.
91
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 6. ed. ver., atual. e aum. São
Paulo: Saraiva, 2004. p.614 e 615
52

Na determinação do valor serão levados em consideração


alguns requisitos que dizem respeito à infração penal, ao réu e as custas do
processo, como determina o artigo 326 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 326. Para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em


consideração a natureza da infração, as condições pessoais de
fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de
sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do
processo, até final julgamento.

Não estão claros no Código de Processo Penal quais os crimes


afiançáveis, havendo somente referência aos crimes que não são suscetíveis deste
benefício neste diploma legal, bem como na Constituição Federal e em leis
específicas.

Os crimes que não são suscetíveis de fiança estão descritos no


artigo 323 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 323. Não será concedida fiança:

I - nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima


cominada for superior a 2 (dois) anos;

II - nas contravenções tipificadas nos arts. 59 e 60 da Lei das


Contravenções Penais;

III - nos crimes dolosos punidos com pena privativa da liberdade, se


o réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença
transitada em julgado;

IV - em qualquer caso, se houver no processo prova de ser o réu


vadio;

V - nos crimes punidos com reclusão, que provoquem clamor público


ou que tenham sido cometidos com violência contra a pessoa ou
grave ameaça.

Ficam evidentes então os crimes que não admitem a


concessão da fiança. Subentende-se que em todos os crimes que não estão
elencados neste artigo admite-se a concessão de fiança.

No inciso I, há conformidade com a Súmula 81 do Superior


Tribunal de Justiça: “Não se concede fiança quando, em concurso material, a soma
das penas mínimas cominadas for superior a dois anos de reclusão”.
53

As circunstâncias em que não será concedida fiança estão


descritas no artigo 324 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:

I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança


anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer
das obrigações a que se refere o art. 350;

II - em caso de prisão por mandado do juiz do cível, de prisão


disciplinar, administrativa ou militar;

III - ao que estiver no gozo de suspensão condicional da pena ou de


livramento condicional, salvo se processado por crime culposo ou
contravenção que admita fiança;

IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da


prisão preventiva (art. 312).

Ficam determinadas as circunstâncias em que não será


concedida a fiança, caso o indiciado ou acusado tenha se encaixado em alguma
ação descrita nos incisos.

Os crimes inafiançáveis também estão previstos na


Constituição Federal, no artigo 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV, in verbis:

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e


imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça


ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por
eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo
evitá-los, se omitirem;

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos


armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático;

Por racismo, entende-se que o legislador relacionou os crimes


de preconceito geral como insuscetíveis de concessão de fiança.

Os crimes elencados no inciso XLIII são tratados como


insuscetíveis de fiança, uma vez que são tratados como mais gravosos, tendo em
vista sua maior lesividade perante a sociedade. A doutrina e a jurisprudência são
conflitantes quanto à concessão da liberdade provisória nestes casos, posto que
entendam alguns que pelo motivo da Constituição vedar a fiança nos casos em tela,
54

também vedaria a liberdade provisória. Esta afirmação, porém, não prospera, visto
que a fiança e a liberdade provisória são institutos diferentes. A liberdade pode ser
concedida, não sendo a proibição do benefício da fiança motivo de seu
impedimento.

A já citada lei 10.826/2003, em seus artigos 14 e 15, elenca


crimes insuscetíveis de concessão de fiança, exceto no caso de a arma estar
registrada no nome do agente, no crime previsto no artigo 14. Estes crimes, porém,
são suscetíveis de concessão de liberdade provisória, nos moldes do artigo 310 do
Código de Processo Penal.

A lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, conhecida como nova


lei de tóxicos, foi instituída para combater o narcotráfico. Esta atividade, como é de
conhecimento geral, provoca diversos males na sociedade e, talvez por este motivo,
instituiu o legislador no artigo 44 da referida lei vedação á concessão de fiança e
liberdade provisória nos crimes relacionados à narcotraficância.

2.2.3 Liberdade Provisória Vedada ou Proibida

A lei veda a liberdade provisória em algumas hipóteses, como


nos casos em que a prisão preventiva está autorizada, nos moldes do artigo 312 do
Código de Processo Penal, como já apresentado no início deste capítulo, ou quando
houver menção expressa nas leis esparsas, como o artigo 21 da lei 10.826/2003,
motivo do presente trabalho.

Após restarem explicados os tipos de prisão e suas


particularidades, bem como as diversas características e modalidades da liberdade
provisória, passa-se a abordar o principal foco do presente trabalho, qual seja a
análise da constitucionalidade do artigo 21 da lei 10.826/2003, que veda a liberdade
provisória em três crimes capitulados na referida lei, bem como a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 3.112-1.
Capítulo 3

A LIBERDADE PROVISÓRIA E A LEI 10.826/2006

3.1 OS CRIMES DA NA LEI 10.826/2003

A lei 10.826/2003 prevê os crimes relacionados às armas de


fogo em seu capítulo IV – Dos Crimes e das Penas, do artigo 12 ao 18. O Estatuto
do Desarmamento inovou a lei 9.437/97 ao criar mais condutas criminosas, como o
tráfico internacional e o comércio ilegal de armas, porém também inovou ao vetar a
liberdade provisória e tornar inafiançáveis alguns crimes.

Acerca da natureza jurídica dos crimes de arma de fogo, César


Dário Mariano da Silva92 manifesta-se neste sentido:

Trata-se de crime de perigo abstrato e coletivo. Como crimes de


perigo abstrato, não necessitam da demonstração de que
efetivamente alguém foi exposto a perigo de dano, que é
presumidamente pela lei de forma absoluta, não admitindo prova em
contrário. São, também, crimes de perigo coletivo (ou comum), uma
vez que um número indeterminado de pessoas é exposto a perigo de
dano.

Basta, portanto, que o indivíduo esteja com a arma sob sua


guarda ou em transporte, para que incorra nos crimes de posse e porte ilegal de
arma de fogo, respectivamente.

3.1.1 Crimes afiançáveis

Conforme a lei 10.826/2003 são afiançáveis as infrações


capituladas nos artigos 12, 13 e 14, in verbis:

Posse irregular de arma de fogo de uso permitido

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório
ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal
ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta,
92
SILVA, César Dário Mariano da. Estatuto do Desarmamento. p. 31
56

ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o


responsável legal do estabelecimento ou empresa:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Omissão de cautela

Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que


menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência
mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que
seja de sua propriedade:

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou


diretor responsável de empresa de segurança e transporte de valores
que deixarem de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia
Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de
fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas
primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato.

Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,


transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter,
empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou
munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo


quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.

As infrações descritas nos artigos 12 e 13 são afiançáveis haja


vista serem punidas com detenção. A fiança pode, portanto, ser fixada pela própria
autoridade policial no momento da lavratura do flagrante

Já no artigo 14 a infração é punida com reclusão e pena


mínima de 02 anos, o que por si só excluiria o benefício da fiança. Permitiu a lei,
porém, que, caso a arma esteja registrada no nome do agente, lhe seja arbitrada
fiança, desta vez pelo magistrado. A concessão do benefício dependerá ainda do
preenchimento dos requisitos dos artigos 321 a 324 do Código de Processo Penal e
de ser ouvido o Ministério Público.

Após análise do artigo 310 do Código de Processo Penal,


ocorrida no capítulo anterior, resta apontada uma incoerência no direito pátrio,
relacionada aos crimes mais gravosos e inafiançáveis, onde se permite que o
57

indivíduo se veja livre sem prestação de fiança caso não haja nenhum requisito
preenchido da prisão preventiva, o que não ocorre no caso dos delitos supracitados,
onde o indivíduo terá que incorrer em algum ônus para se ver livre.

Neste sentido, já discorreu Marcelo Colombelli Mezzomo 93:

Hoje, diante da redação do artigo 310, parágrafo único, do CPP,


gera-se [...] uma grave incongruência na qual no delito inafiançável, e
presumivelmente mais grave, o acusado se livra solto, sem ônus
algum, se não estiverem presentes os requisitos da prisão
preventiva, ao passo que nos delitos afiançáveis, deverá, não
obstante a ausência dos requisitos da preventiva, pagar fiança ou
prestar compromisso em caso de dispensa desta.

Note-se que os artigos 12 e 14 falam de arma de fogo,


acessório ou munição de uso permitido, ficando clara a importância da distinção das
características dos objetos apreendidos, visto que estes vão determinar a infração
penal e o tipo de reprimenda.

3.1.2 Crimes inafiançáveis com possibilidade de liberdade provisória

Há na lei 10.826/2003 dois crimes que são inafiançáveis,


porém suscetíveis do benefício da liberdade provisória. Estão descritos nos artigos
14 e 15, in verbis:

Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,


transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter,
empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou
munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo


quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.

Disparo de arma de fogo

Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado


ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde
que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro
crime:

93
MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A lei de armas e a liberdade provisória Disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7632. Acesso em 10 de outubro de 2010.
58

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável.

Como já descrito, o artigo 14 prevê a inafiançabilidade do crime


de porte de arma de fogo de uso permitido. Há, porém, uma ressalva, pois caso a
arma esteja registrada no nome do agente, o crime passar a ser afiançável.

Há que se diferenciar os crimes descritos no artigo 12, de


posse de arma de fogo, do crime do artigo 14, de porte de arma de fogo, ambos com
referências a arma de fogo de uso permitido. Damásio de Jesus94 assim diferencia
os crimes:

[...] O registro assegura o direito à posse da arma de fogo pelo


interessado nos locais indicados pela lei. A ausência do registro torna
a posse irregular, caracterizando a figura criminosa do art. 12 (arma
de fogo de uso permitido) ou art. 16 (arma de fogo de uso restrito). A
concessão do porte de arma de fogo, por sua vez, permite que o
sujeito traga a arma de fogo consigo, transportando-a de um lugar
para outro. O porte ilegal de arma configura os crimes previstos nos
arts. 14 (arma de fogo de uso permitido) ou 16 (arma de fogo de uso
restrito).

Verifica-se que para ocorrer o crime de posse, o indivíduo deve


necessariamente estar com a arma em sua residência ou local de trabalho sem o
devido registro. Caso este existisse, automaticamente estaria autorizado a
permanência da arma no local.

Para definir a diferença, Ângelo Fernando Facciolli95 ensina


que “a posse da arma de fogo de uso permitido fora da residência, local de domicilio,
estabelecimento ou empresa configura porte ilegal de arma de fogo,
consubstanciado no art. 14”. A diferença básica dos crimes então é o local em que o
indivíduo é surpreendido com a arma, pois é o que vai determinar se o crime é de
posse ou de porte ilegal de arma de fogo.

O artigo 310 do Código de Processo Penal é aplicado


exatamente nestes artigos, posto que remete aos artigos 311 e 312 do mesmo
dispositivo legal, pois se não estiverem presentes nenhum dos motivos que

94
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Legislação Penal Especial. Volume 4. São Paulo:
Saraiva, 2007 p. 342 – 343
95
FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Lei das armas de fogo. p. 203
59

autorizem a decretação da prisão preventiva, restará o agente solto, sem qualquer


tipo de ônus.

3.1.3 Crimes com vedação de liberdade provisória

A lei 10.826/2003 previu que três dos crimes relacionados a


armas de fogo seriam insuscetíveis de concessão do benefício da liberdade
provisória. Eles estão descritos nos artigos 16, 17 e 18 da respectiva lei,in verbis:

Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em


depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar,
remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo,
acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e
em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de


identificação de arma de fogo ou artefato;

II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la


equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de
dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial,
perito ou juiz;

III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou


incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar;

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo


com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado;

V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de


fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e

VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou


adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

Comércio ilegal de arma de fogo

Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em


depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à
venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio,
no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo,
acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:
60

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para


efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços,
fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido
em residência.

Tráfico internacional de arma de fogo

Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território


nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição,
sem autorização da autoridade competente:

Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Note-se que no artigo 16 foi incluído o verbo possuir, pois o


dispositivo prevê a posse e o porte no mesmo artigo, ressalvando-se, porém que se
trata de arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, que é a de uso somente
das Forças Armadas e polícias dos Estados e Distrito Federal. É, portanto, crime
mais danoso, pois entendeu o legislador que por se tratar de arma exclusiva de uso
policial ou das forças armadas, ocasionam maiores danos quando utilizada.

Neste sentido, opina Ângelo Fernando Facciolli96:

Considerando a questão do uso indiscriminado de armas de uso


restrito pela criminalidade organizada, o que infelizmente tornou-se
num problema nacional, e a necessidade de combater de forma mais
eficaz a receptação descontrolada desses produtos, conduziram o
legislador a prever penas mais severas, agravar e individualizar o
tipo.

Previu ainda o legislador, no mesmo artigo da lei, algumas


condutas comparáveis ao crime de posse e porte de arma de uso restrito. Destaca-
se dentre elas o inciso I do artigo, que pune o agente que suprimir ou alterar sinal
identificador da arma de fogo, e o inciso IV, que igualmente pune o agente que
portar e possuir, dentre outras condutas, arma de fogo com numeração, marca ou
sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado. Note-se que independe de a
arma de fogo ser de uso permitido ou restrito, restando qualquer arma nestas
condições para configurar o crime. A pena é a mesma que é aplicada ao caput do
artigo.

96
FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Lei das armas de fogo. p. 222
61

O artigo 17 visa combater o comércio ilegal de arma de fogo,


Excetuando-se as atribuições do SINARM, somente o Comando do Exército tem o
poder de autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de armas de fogo e demais
produtos controlados, conforme determina o artigo 24 da lei 10.826/2003, in verbis:

Art. 24. Excetuadas as atribuições a que se refere o art. 2º desta Lei,


compete ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção,
exportação, importação, desembaraço alfandegário e o comércio de
armas de fogo e demais produtos controlados, inclusive o registro e o
porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, atiradores e
caçadores.

Logo, qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, para


estabelecer qualquer atividade relacionada às armas de fogo, necessitam de
autorização do Exército. Ângelo Fernando Facciolli97 comenta sobre esta
autorização:

O exercício de atividade comercial ou industrial com armas,


munições ou qualquer outro tipo de produto controlado pelo Exército,
exige autorização expressa consoante previsto em legislações que
regem o assunto: Dec. 3.655/00, Dec. 5.123/04 e Portarias
específicas do Min/Cmt ex.

A transação comercial ou industrial por pessoas sem a devida


autorização, ou de forma que não a regulamentada, incorre no crime estabelecido no
artigo 17.

O crime previsto no artigo 18 atinge o agente que, não


possuindo a devida autorização do Comando do Exército para realizar importação
ou exportação de arma de fogo, munição ou acessório, assim o faz. Assemelha-se
aos crimes descritos nos artigos 318 e 334 do Código Penal, pois estes tratam da
facilitação da prática de contrabando e descaminho, com infração de dever
funcional, e o crime propriamente dito de contrabando e descaminho,
respectivamente. O conflito aparente de normas se resolve pelo princípio da
especialidade, o qual é explicado da seguinte maneira98:

97
FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Lei das armas de fogo. p. 237
98
SCHIAPPACASSA, Luciano Vieiralves. O que se entende por princípio da especialidade?
Disponível em http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2009031110010357. Acesso em
20 de outubro de 2010.
62

O princípio da especialidade, na verdade, evita o bis in idem, pois


determina que haverá a prevalência da norma especial sobre a geral,
sendo certo que a comparação entre as normas será estabelecida in
abstracto.

O princípio da especialidade está expressamente previsto no


artigo 12 do Código Penal, como se pode ler:

Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos


incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

Logo, uma lei que trate de tema específico, como a lei


10.826/2003, terá aplicabilidade ao caso real, em detrimento do Código Penal, caso
haja crime parecido, como o exemplo do contrabando e descaminho e a redação do
artigo 18, que criminaliza a conduta de introduzir no território nacional arma de fogo,
acessório ou munição, sem autorização legal.

3.2 O ARTIGO 21 DA LEI 10.826/2003

Os crimes elencados nos artigos 16, 17 e 18 foram declarados


como insuscetíveis de concessão da liberdade provisória, conforme redação do
artigo 21 da mesma lei, in verbis:

Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis


de liberdade provisória.

Quis o legislador que tais crimes ocasionassem uma


reprimenda penal maior, negando a liberdade provisória aos que os infringissem.

Estes delitos são insuscetíveis de arbitramento de fiança, posto


que são punidos com penas mínimas superiores a dois anos, ocasionando a
aplicação do artigo 323 do Código de Processo Penal, o qual veda tal benefício.

O artigo 21, à época, foi de encontro com o descrito na Lei


8.072/90, o qual em seu artigo 2º vedava a concessão de qualquer benefício para
quem infringisse os crimes conhecidos por hediondos e equiparados, podendo-se
citar o estupro, o latrocínio, o genocídio, dentre outros.
63

O mestre João José Leal99 assim define crime hediondo:

O conceito de crime hediondo repousa na idéia de que existem


condutas que se revelam como a antítese extrema dos padrões
éticos de comportamento social e de que seus autores são
portadores de extremo grau de perversidade, de perniciosidade ou
de periculosidade.

Logo, quis o legislador que os artigos 16, 17 e 18 fossem


passíveis de mesma reprimenda que os crimes hediondos e equiparados. Ocorre
que a lei 11.464, de 28 de março de 2007, deu nova redação ao artigo 2º da lei
8.072/1990, retirando a vedação expressa da concessão de liberdade provisória aos
crimes hediondos e equiparados. Como lembra Renato Marcão100, a partir de
referida lei, mesmo que o crime seja hediondo ou assemelhado, não há que se
sustentar qualquer vedação a liberdade provisória, cuja viabilidade deverá ser
analisada a cada caso concreto.

Neste sentido, Geder Luiz Rocha Gomes101 já descreve sobre


a lei 11.464/2007:

Com a nova redação, também procura o legislador infraconstitucional


corrigir a distorção criada pela redação anterior, que se atritava com
o teor das disposições do art. 5º, XLIII da Constituição Federal, uma
vez que este só menciona a vedação para a concessão da fiança,
nada dispondo quanto à liberdade provisória sem fiança, proibida
somente pela Lei de Crimes Hediondos, o que permitia ampla
discussão sobre sua inconstitucionalidade, neste ponto. Portanto,
devolve-se, acertadamente, o trato da matéria ao seu esteio próprio,
qual seja, o Código de Processo Penal em seus artigos 310 e 312,
entre outros, permitindo que o juiz analise, em cada caso, da
necessidade da custódia prévia, como de resto acontece nos demais
crimes. Afinal, não se pode conceber segurança social à revelia do
valor liberdade. Agir assim será sempre esbarrar em fórmula inócua
e simbólica de solucionar os conflitos sociais e, em um Estado que
se intitula democrático de direito, não se define justiça penal em
contraposição a direitos e garantias fundamentais, ainda mais em um
Estado que alicerça seu fundamento e tem como fim: a dignidade da
pessoa humana.

99
LEAL, João José. Crimes Hediondos. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2005, p. 37.
100
MARCÃO, Renato. Estatuto do Desarmamento: anotações e interpretação jurisprudencial da parte
criminal da Lei n. 10.826, de 22-12-2003. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 192
101
GOMES, Geder Luiz Rocha. Liberdade, ainda que provisória. Disponível em:
http://www.juspodivm.com.br/artigos/artigos_1626.html. Acesso em 21 de outubro de 2010.
64

O artigo 21 baseou-se também na lei 9.034, de 11 de maio de


1995, que veda em seu artigo 7º a concessão de liberdade provisória, com ou sem
fiança, para quem tenha intensa e efetiva participação em organização criminosa.
Sobre esta questão, Ângelo Fernando Facciolli102 afirma que os crimes relacionados
às armas de fogo de uso restrito, o tráfico internacional e o comércio ilegal, bem
como “a gama de atividades criminosas tipificadas nos incisos I a IV do artigo 16 são
condutas de pessoas que se envolvem, direta ou indiretamente, com o crime
organizado”.

A lei 10.217, de 11 de abril de 2001, modificou os artigos 1º e


2º da lei 9.034/1995, ampliando o conceito de organização criminosa, pois antes a lei
falava somente em quadrilha ou bando. A partir da lei 10.217/2001, foram incluídos
os termos organizações ou associações criminosas de qualquer tipo, porém sem
constar sua definição. Como afirma Luis Flávio Gomes103, o legislador não
imaginaria que com a mudança dos artigos 1º e 2º “estaria eliminando a eficácia de
inúmeros dispositivos legais contidos na Lei 9.034/95”. Dentre estes artigos que
perderam a eficácia, inclui-se o já citado artigo 7º, que proíbe a concessão da
liberdade provisória.

3.2.1 A constitucionalidade do artigo 21

A revogação dos artigos que proibiam a concessão da


liberdade provisória nas leis 8.072/1990 e 9.034/1995 em nada se referiu ao artigo
21 da lei 10.826/2003, porém a revogação deste dispositivo é irrecusável, como
ensina Renato Marcão104:

Seguindo a melhor doutrina e abalizada orientação jurisprudencial,


ficou clara a intenção do legislador, a voluntas legis, no sentido de
não mais estabelecer vedação antecipada e genérica de liberdade
provisória, tanto que assim o fez em relação aos crimes mais graves,
como é o caso dos crimes hediondos e assemelhados.

102
FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Leis das Armas de Fogo. p. 248
103
GOMES, Luis Flávio. Crime organizado: que se entende por isso depois da Lei n. 10.217/2001?
Disponível em http://jus.uol.com.br/revista/texto/2919/crime-organizado-que-se-entende-por-isso-
depois-da-lei-no-10-217-01. Acesso em 21 de outubro de 2010.
104
MARCÃO, Renato. Estatuto do Desarmamento: anotações e interpretação jurisprudencial da parte
criminal da Lei n. 10.826, de 22-12-2003. p. 192
65

Se os crimes mais graves, como os hediondos, foram


declarados como suscetíveis de concessão de liberdade provisória, devendo ser
analisados caso a caso, resta uma contrariedade ao bom senso imaginar que os
crimes elencados nos artigos 16, 17 e 18 da lei 10.826/2003 deveriam continuar com
tal vedação105.

Guilherme de Souza Nucci106 já tratou a vedação da concessão


da liberdade provisória como uma incoerência legal:

Ao proibir a liberdade provisória permaneceu a contradição ainda não


sanada no direito penal brasileiro: quem for preso em flagrante, por
crime hediondo ou equiparado, não pode obter do magistrado o
benefício da liberdade provisória; porém, quem estiver em liberdade,
quando indiciado ou processado por delito hediondo ou equiparado,
pode permanecer nessa situação, não sendo obrigatória a
decretação da prisão preventiva. Parece o resumo da boa ou má
sorte; da esperteza ou da tolice.

Ademais, a própria Constituição Federal já assegurou a


concessão da liberdade provisória, nos moldes do artigo 5º, inciso LXVI, remetendo
ao artigo 310 do Código de Processo Penal. Ao se manifestar sobre os crimes
hediondos, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLIII apenas proibiu a
concessão de fiança, não vedando a liberdade provisória.

Após esta análise, passa-se a abordar a Ação Direta de


Inconstitucionalidade 3.112, o qual declarou inconstitucional a proibição de
concessão de fiança, no caso dos artigos 14 e 15, e da liberdade provisória, no caso
do artigo 21, todos da Lei 10.826/2003.

3.3 A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.112

A ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade é um instrumento


legal, pelo qual há o controle direto da constitucionalidade das leis e atos
normativos, exercido perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro. É
regulamentado pela lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, e pelo artigo 102, inciso
I, alínea “a” da Constituição Federal.

105
Idem
106
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 1. ed., 2. tir. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 801.
66

Cuidando da matéria referente ao artigo 21 da lei 10.826/2003,


o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a vedação à
liberdade provisória, conforme ementa transcrita em parte, como segue:

[...] relativamente aos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 da Lei


10.868/2003, que proíbem o estabelecimento de fiança,
respectivamente, para os crimes de porte ilegal de arma de fogo de
uso permitido e de disparo de arma de fogo, considerou-se
desarrazoada a vedação, ao fundamento de que tais delitos não
poderiam ser equiparados a terrorismo, prática de tortura, tráfico
ilícito de entorpecentes ou crimes hediondos (CF, art. 5º, XLIII).
Asseverou-se, ademais, cuidar-se, na verdade, de crimes de mera
conduta que, embora impliquem redução no nível de segurança
coletiva, não podem ser igualados aos crimes que acarretam lesão
ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade. Quanto ao art. 21 da lei
impugnada, que prevê serem insuscetíveis de liberdade provisória os
delitos capitulados nos artigos 16 (posse ou porte ilegal de arma de
fogo de uso restrito), 17 (comércio ilegal de arma de fogo) e 18
(tráfico internacional de arma de fogo), entendeu-se haver afronta
aos princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido
processo legal (CF, art. 5º, LVII e LXI). Ressaltou-se, no ponto, que,
não obstante a interdição à liberdade provisória tenha sido
estabelecida para crimes de suma gravidade, liberando-se a franquia
para os demais delitos, a Constituição não permite a prisão ex lege,
sem motivação, a qual viola, ainda, os princípios da ampla defesa e
do contraditório (CF, art. 5º, LV). Vencidos, parcialmente, os
Ministros Carlos Britto, Gilmar Mendes e Sepúlveda Pertence, que
julgavam improcedente o pedido formulado quanto aos parágrafos
únicos dos artigos 14 e 15, e o Min. Marco Aurélio, que o julgava
improcedente quanto ao parágrafo único do art. 15 e, em relação ao
art. 21, apenas quanto à referência ao art. 16. O Tribunal, por
unanimidade, julgou, ainda, improcedente o pedido quanto aos
artigos 2º, X; 5º, §§ 1º, 2º e 3º; 10; 11, II; 12; 23, §§ 1º, 2º e 3º; 25,
parágrafo único; 28; 29 e ao parágrafo único do art. 32, e declarou o
prejuízo da ação em relação ao art. 35, todos da Lei 10.826/2003107.

Certo é que a vedação da liberdade provisória contida no artigo


21 ia contra alguns princípios constitucionais básicos ao direito processual penal
brasileiro, citados na decisão.

3.3.1 Princípios inseridos na ADI 3.112

Como citado na ADI 3.112, restaram apontados quatro


princípios que regem o Processo Penal, sendo os seguintes: princípio da presunção

107
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Min. Ricardo Lewandowski. Informativo STF n. 465, de 9-5-
2007. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo465.htm.
Acesso em 25 de outubro de 2010.
67

de inocência, princípio da ampla defesa, princípio do contraditório e princípio do


devido processo legal.

O princípio da presunção da inocência está descrito na


Constituição Federal, no capítulo 5º, inciso LVII, onde se lê que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Logo, o acusado é presumidamente inocente até que sua sentença transite em
julgado, ou seja, que não haja mais possibilidade de recorrer da decisão.

A garantia da presunção da inocência, nas palavras de Fauzi


108
Hassan Choukr , “é vetor cultural do processo, e atua no status do acusado e
como indicativo do sistema probatório, exigindo, igualmente uma defesa substancial
e não apenas formal”. Desta maneira, o acusado será visto como um sujeito com
direitos dentro da relação processual, e não como mais um objeto do processo.

Fernando da Costa Tourinho Filho109 explica a essência do


princípio da presunção da inocência:

Sendo o homem presumidamente inocente, sua prisão antes do


trânsito em julgado da sentença condenatória implicaria antecipação
da pena, e ninguém pode ser punido antecipadamente, antes de ser
definitivamente condenado, a menos que a prisão seja indispensável
a título de cautela.

Ressalte-se que a expressão presunção de inocência não


significa que o acusado não possa ser preso. No capítulo anterior foram expostos os
tipos de prisão, demonstrando que a liberdade é a exceção, porém até para a
exceção existe exceção. O acusado pode ter sua prisão preventiva decretada,
decorrente dos preenchimentos dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo
Penal. A prisão temporária não é possível ao acusado, uma vez que ocorre na fase
policial, quando há a figura do indiciado.

O princípio da ampla defesa está contido no artigo 5º, inciso


LV, onde se pode ler que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes”. Por este artigo é garantido ao réu o direito de se

108
CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal á luz da Constituição. Bauru: EDIPRO, 1999. p. 27
109
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. p. 29
68

valer de todos os métodos admitidos no direito, para que se defenda da imputação


que lhe é feita pela acusação. O Supremo Tribunal Federal110 editou a Súmula 523,
tratando da deficiência de defesa no processo penal.

Guilherme de Souza Nucci111 esclarece, de forma brilhante, a


motivação do princípio:

Considerado, no processo, parte hipossuficiente por natureza, uma


vez que o Estado é sempre mais forte, agindo por órgãos
constituídos e preparados, valendo-se de informações e dados de
todas as fontes às quais tem acesso, merece o réu um tratamento
diferenciado e justo, razão pela qual a ampla possibilidade de defesa
se lhe afigura a compensação devida pela força estatal.

O acusado poder contar com todas as possibilidades para


contraditar a acusação, valendo-se da previsão legal dos termos processuais que
possibilitem uma defesa eficiente. Não pode, porém, alegar o desconhecimento da
lei em sua defesa.

Sobre a ampla defesa, Vicente Greco Filho112 assim discorre:

Dentro do que a prática processual ensina, a lei estabelece os


termos, os prazos e os recursos suficientes, de forma que a eficácia,
ou não, da defesa dependa de atividade do réu, e não das limitações
legais. O réu é também obrigado a cumprir os prazos da lei, nada
podendo argüir se os deixou transcorrer sem justo motivo.

A ampla defesa nada mais é que o uso de soluções técnicas


dentro do processo que tornam efetiva a garantia de todas as possibilidades de o
réu se defender da acusação.

O princípio do contraditório é concernente à relação


processual, e está intrinsecamente ligado ao princípio da ampla defesa,
compartilhando com ela inclusive o fundamento constitucional, qual seja o artigo 5º,
inciso LV, já citado.

Fernando da Costa Tourinho Filho113 assim apresenta a


definição deste princípio:
110
Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua
deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
111
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 82
112
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. p. 55
69

[...] em todo processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora esse


princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa em relação à
qual se propõe a ação penal, goza do direito “primário e absoluto” da
defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para
poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser
ouvido.

Complementando o assunto, Vicente Greco Filho114:

[...] é princípio do processo penal, que interfere na garantia da ampla


defesa, a aferição, pelo juiz, da verdade real, e não apenas da que
formalmente é apresentada pelas partes no processo. O poder
inquisitivo do juiz na produção das provas permite-lhe ultrapassar a
descrição dos fatos como aparecem nos processos, para determinar
a realização ex officio de provas que tendam à verificação da
verdade real, do que ocorreu, efetivamente, no mundo da natureza.

O réu terá sempre o direito de refutar a acusação que lhe é


imputada, bem como a acusação terá a chance de contraditar o que o réu
apresentar em sua defesa. É, portanto, direito que assiste a ambos os lados do
processo, de modo que a parte contrária possa participar, com atos privativos para
cada parte.

Tido como o mais importantes dos princípios constitucionais, o


princípio do devido processo legal, oriundo do termo inglês due process of law, tem
como fundamento constitucional o artigo 5º, inciso LIV, que dispões que “ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

No ensinamento de Fernando da Costa Tourinho Filho115, o


princípio do devido processo legal está relacionado com uma série de direitos e
garantias constitucionais, podendo-se citar a presunção de inocências, o duplo grau
de jurisdição, a ampla defesa, a publicidade, o Juiz natural, dentre vários outros.

Não há uma definição do termo devido processo legal, porém


subentende-se que por ele devem ser seguidos todos os ritos processuais previstos
em lei, sendo indispensável a aplicação de qualquer pena. Nas palavras de Vicente

113
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. p. 21
114
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. p. 58
115
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. p. 27
70

Greco Filho116, “o devido processo legal significa o adequado processo, ou seja, o


processo que assegure a igualdade das partes, o contraditório e a ampla defesa”.

Após análise dos princípios que ocasionaram o julgamento da


Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.112, conclui-se que não havia outra medida a
não ser a tomada pelo Superior Tribunal Federal em declarar a inconstitucionalidade
do artigo 21 da lei 10.826/2003, pois tal artigo viola declaradamente a lei maior
brasileira, qual seja a Constituição Federal.

O legislador, certamente dotado de boa intenção, inseriu


vedação a liberdade provisória quanto aos crimes mais graves da aludida lei, com o
objetivo de coibir a prática e a reincidência. Não levou em conta, porém, que este
dispositivo contraria uma garantia individual que se encontra inserida na Carta
Magna do Brasil, não podendo tal garantia ser declinada em absoluto.

Ainda analisando a letra constitucional, o artigo 93, inciso IX da


Constituição Federal assevera que todas as decisões do Poder Judiciário devem ser
públicas e fundamentadas, sob pena de nulidade, não havendo a possibilidade de
basear somente na citação da vedação imposta. Há, portanto, normatização
constitucional que garante ao acusado ter sua liberdade cerceada de maneira
fundamentada, e não somente por dispositivo de lei.

Aos ministros do Supremo Tribunal Federal não restava


alternativa a não ser declarar inconstitucional, pois as jurisprudências e a doutrina
incorrem neste sentido. Ademais, os piores crimes descritos no ordenamento
jurídico, chamados de hediondos e equiparados, bem como os descritos na própria
Constituição Federal como insuscetíveis de concessão de certo benefícios, não são
mais passíveis de vedação da liberdade provisória.

Acertadamente, o Supremo Tribunal Federal declarou


inconstitucional o artigo 21 da lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, através da
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.112.

116
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. p. 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa ora desenvolvida objetivou analisar o artigo 21 da


Lei 10.826, de 23 de dezembro de 2003, o qual em sua redação veda a liberdade
provisória nos crimes previstos nos artigos 16, 17 e 18 da mesma lei, e sua validade
perante a Constituição Federal de 1988.

Antes mesmo de se discutir a constitucionalidade ou não do


artigo 21, abordou-se no primeiro capítulo o conceito de arma de fogo, pois este
objeto é o motivo da referida lei. Buscou-se esclarecer a evolução histórica,
conceitos, características e classificações das armas de fogo. Após, foi realizada
uma abordagem das leis penais, especiais ou não, relacionadas com as armas,
começando pela Lei das Contravenções Penais até a primeira lei específica de
armas de fogo, a Lei n. 9.437/1997. O capítulo finaliza com a Lei 10.826/2003,
conhecida por Estatuto do Desarmamento.

No segundo capítulo, restaram demonstrados os tipos de


prisão, suas características e requisitos, visto que cada tipo de prisão incorre em
uma situação específica. Após, são demonstrados as peculiaridades da liberdade
provisória, pois como a prisão, também possui classificação e requisitos para sua
concessão.

No terceiro capítulo, apresentou-se a Lei 10.826/2003, os


crimes nela contidos e o objeto de estudo do presente trabalho, o artigo 21 da
referida lei, que veda a concessão da liberdade provisória em três crimes elencados
no Estatuto do Desarmamento. Por derradeiro, é feita uma análise da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 3.112, que versa sobre o artigo 21, declarando sua
inconstitucionalidade perante o ordenamento jurídico pátrio, vez que lei alguma pode
contrariar a Constituição Federal. Entre as garantias individuais constitucionais está
a de que ninguém será preso quando a lei admitir a concessão de liberdade
provisória.

Como bem restou demonstrado, a liberdade provisória, quando


admitidos os requisitos para sua concessão, não pode ser negada, mesmo que sua
72

vedação esteja explícita em dispositivo de lei penal especial, como o descrito no


artigo 21 da Lei 10.826/2003. Até mesmo na lei dos crimes hediondos tal vedação foi
derrubada, visto que é inconstitucional.

Passando-se a análise das hipóteses suscitadas, resta a


primeira hipótese confirmada, pois a Constituição Federal é a Carta Magna do
ordenamento jurídico no Brasil, não podendo ser afrontada por nenhuma lei, mesmo
que especial, como é o caso da Lei 10.826/2003, que em seu artigo 21 veda a
concessão da liberdade provisória nos crimes dos artigos 16, 17 e 18. Deve-se,
portanto, cumprir o que determina a Constituição Federal, independente de qualquer
lei especial ou ordinária legislar o contrário.

A segunda hipótese resta parcialmente confirmada, pois a


concessão da liberdade provisória ocorre das duas maneiras, com e sem fiança,
cada qual com seus requisitos. Nada impede, porém, que quando a lei determine o
arbitramento de fiança, o magistrado conceda a liberdade provisória sem o
recolhimento da mesma, como é o caso descrito no artigo 350 do Código de
Processo Penal. Os princípios do devido processo legal e da presunção da
inocência não são deixados de lado quando há o arbitramento de fiança.

A terceira e última hipótese também restou confirmada, pois a


Constituição Federal admite a liberdade provisória como regra, devendo a prisão ser
utilizada como exceção. O artigo 21 da Lei 10.826/2003 veda expressamente a
concessão da liberdade provisória em alguns dos crimes descritos na mesma lei, o
que se demonstra totalmente inconstitucional. Até mesmo a lei dos crimes
hediondos, que continha um artigo que incorria no mesmo sentido, foi alterada por
lei posterior, anulando este artigo e possibilitando a concessão de liberdade
provisória no caso dos crimes hediondos, que são descritos como os mais perversos
perante a sociedade.

Para tanto, foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal a Ação


Direta de Inconstitucionalidade n. 3.112, que em seu conteúdo contempla os
princípios da presunção de inocências, da ampla defesa, do contraditório e do
devido processo legal para declarar o artigo 21 inconstitucional, pois ferira tais
73

princípios ao vedar a liberdade provisória, direito individual garantido na Carta


Magna do Brasil.

Não existe atualmente lei penal que traga em seus artigos


vedação à liberdade provisória, ou que continuasse com tal dispositivo em vigor. Até
se pode compreender a vontade do legislador em coibir a prática do ilícito penal,
porém há que se respeitar a Constituição Federal, posto que seja a lei que rege
todas as outras que se submetem a ela.

Não há, portanto, qualquer excusa para que o artigo 21 da Lei


10.826/2003 não seja declarado inconstitucional.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

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BECHARA, Fábio Ramazzini. Breves notas acerca da prisão. Disponível em


http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5712. Acesso em 01 de outubro de 2010.

BONFIM, Edson Mougenot. Espécies de prisão. Disponível em


http://programadeapoioaoestudantededireito.blogspot.com/2009/05/especies-de-
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http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/D3665.htm. Acesso em 11 de junho de
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http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20i/conlei943
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setembro de 2010.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9099.htm. Acesso em 19 de setembro de 2010.

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BRASIL. Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2010. Disponível em


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BRASIL. Decreto Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal). Disponível


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75

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CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
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CARPENA, Márcio Louzada. Aspectos fundamentais das medidas liminares no


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