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METODOLOGIAS APLICADAS PELA POLÍCIA CIVIL E POLÍCIA MILITAR NAS

INVESTIGAÇÕES DE TRÁFICO DE DROGAS:


REPERCURSSÕES NO PODER JUDICIÁRIO1

Iviane Muniz Ozol2


Márcia Cristiane Nunes-Scardueli3

Resumo: O presente trabalho é resultado de pesquisa documental e bibliográfica que visou


analisar as metodologias aplicadas nas prisões em flagrante por tráfico de drogas da Central
de Plantão Policial de Lages de 2016 e a influência desses métodos na persecução penal.
Foram analisados 34 Autos de Prisão em Flagrantee os resultados da análise permitiram
observar que 32 APFs foram lavrados em decorrência de prisões efetuadas pela Polícia Militar
e somente dois pela Polícia Civil, sendo estes dois, resultado de investigação. Na parte
processual, nenhum flagrante foi apontado com ilegalidade, dos quais, 26 flagrantes foram
convertidos em prisão preventiva. Dos que permaneceram presos, já tiveram sentença, sendo
14 condenados, 2 foram absolvidos e 4 foram desclassificados do tráfico de drogas para
usuário. Ainda, 14 processos aguardam julgamento, no entanto, os réus estão em liberdade. A
presente pesquisa visa apontar se os meios utilizados pela polícia são eficazes e adequados,
nos casos de prisão por tráfico de drogas.

Palavras-chave: tráfico de drogas em Lages, prisão em flagrante, polícia militar e polícia


civil

1 Introdução

A Lei de Drogas – 11.343/2006 – tem sido alvo de muitos debates sobre sua
efetividade e constitucionalidade. Com este paradigma, as atuações das forças de segurança e
judiciais acabam promovendo o cerceamento de direitos processuais e violando as garantias
dos direitos essenciais, tudo em nome do combate ao tráfico de drogas.

1
Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Especialização em Gestão da
Segurança Pública e Investigação Criminal Aplicada da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina –
ACADEPOL-IES.
2
Graduada em Pedagogia e Metodologia pela UNISUL de Tubarão e em Letras: Português e Inglês e respectivas
literaturas pela UNIDAVI de Rio do Sul. Escrivã de Polícia Civil de Santa Catarina, com ingresso no ano de
2004. Atualmente à disposição do Ministério Público de Santa Catarina, em exercício de atividade no Grupo
de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) de Lages.
3
Doutora e Mestra em Ciências da Linguagem, Docente do curso de Especialização em Gestão da Segurança
Pública e Investigação Criminal Aplicada da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina – ACADEPOL-
IES. Orientadora da pesquisa. Email: <nunes.marcia.cristiane@gmail.com>.
2

Diante desse contexto apresentado, elaborou-se uma pesquisa quanti-qualitativa,


na cidade de Lages/SC, sobre as metodologias aplicadas pelas Polícia Civil e Militar na
investigação de tráfico de drogas que resultaram em prisões em flagrantes e suas
consequências na justiça criminal.
O interesse por esta temática é decorrente da participação desta pesquisadora na
lavratura de inúmeros autos de prisão em flagrante realizados na Central de Polícia de Lages,
em especial, os de tráfico de drogas que, por vezes, causam certo desconforto a quem
participa da lavratura dos procedimentos, por deixarem dúvidas quanto à legalidade, bem
como pela falta de clareza da investigação que resultou na prisão. Em muitos casos,
percebem-se evidências de incoerência nos depoimentos prestados pelos policiais, como por
exemplo, quando questionados sobre local onde fora encontrada a droga, indicam lugares
diferentes entre os participantes da operação; além disso, percebe-se ausência de um roteiro
previamente montado sobre a denúncia anônima recebida que levou á prisão ou, ainda,
inconsistência quanto à abordagem por “atitude suspeita4”, sugerindo, de imediato, que não
seria aquele o modo pela qual se chegou à autoria e materialidade do delito.
Nesse norte, há de se questionar se os métodos utilizados pelos policiais civis e
militares na atuação em investigações de tráfico de drogas que resultam em prisões em
flagrante são adequados, assim como se as ações aplicadas atualmente pelas duas instituições
policiais atendem às expectativas do Ministério Público e do Poder Judiciário para que haja
uma condenação justa.
Pretende-se com esta pesquisa demonstrar ao meio acadêmico e aos operadores de
segurança pública, a relevância de adoção de metodologias adequadas para a prisão por
tráfico de drogas, para asconsequências judiciais, em função da escassez de estudos sobre esse
tema. Pretende-se, ainda, estimular o debate sobre a criação de planejamentos e metodologias
adequadas à investigação de tráfico de drogas que satisfaçam à persecução penal e que sejam
adotadas pelas instituições de segurança pública, oferecendo maior credibilidade a esse tipo
de serviço.
Para tanto, as metodologias aplicadas pela Polícia Civil e Polícia Militar na
investigação de tráfico de drogas em Lages que resultaram em prisões em flagrantes, no ano
de 2016, foram analisadas, bem como verificadas as suas consequências na justiça criminal,
visando identificar quais métodos foram utilizados pelas duas instituições para se chegar ao

4
Abordagem de pessoas a serem averiguadas, baseia-se na figura do chamado indivíduo “suspeito” ou que se
encontra em “atitude suspeita”. Termo utilizado corriqueiramente no meio policial.
3

flagrante desse tipo de delito e a eficácia dessas metodologias no que concerne às


condenações aplicadas às pessoas envolvidas nos crimes de tráfico de drogas investigados.

2 Desenvolvimento

2.1 Tráfico de drogas

A comercialização de substâncias ilícitas foi adotada como um problema mundial


há décadas, atingindo desde países pobres (produtores) até os mais desenvolvidos (maiores
consumidores). O narcotráfico está diretamente associado às questões sociais como a saúde
pública, os crimes contra a vida e os financeiros, tratando-se de atividade muito lucrativa, com
faturamentos anuais em bilhões de dólares.
Fabricação, distribuição e consumo de drogas ilícitas sempre estiveram
conectadas ao crime e os maiores esforços da Justiça para tentar eliminar a oferta, ao invés
de penalizar a prática do crime, parece, de fato, estar estimulando o desenvolvimento de
táticas cada vez mais sofisticadas de comercialização, por parte dos traficantes.
O Brasil é considerado um dos países com maior traficância no mundo. Possui um
extenso território de fronteira seca, com dois países vizinhos que são considerados os maiores
produtores da cocaína do planeta, fatores que desfavorecem o controle de entrada de drogas
no país. Além disso, o Brasil possui sérios problemas relacionados à desigualdade social.
Não obstante, apesar de possuir legislação própria para o enfrentamento do tráfico
de drogas, infelizmente, o caráter coercitivo da lei não foi, nem será capaz de mudar a
realidade social. Ao que parece, a comercialização de drogas está cada vez maior, e nos
últimos tempos, diretamente ligadas às organizações criminosas com características violentas.
Assim, a conotação que se tem é que a criminalização das drogas e as medidas de “combate”
não vêm resolvendo o problema, pelo contrário, só fazem aumentar a violência.
Em 23 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei nº 11.343. O objetivo dessa lei foi
regular os meios de enfrentamento às drogas, definindo os crimes de tráfico, associação para
tráfico e seu financiamento, dentre outros delitos, além dos meios de prevenção e tratamentos
dos dependentes químicos e o procedimento para apuração e julgamento dos crimes de
drogas. Consoante o artigo 33 da lei em questão, pratica o crime de tráfico de drogas quem
“importa, exporta, remete, prepara, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece,
tem em depósito, transporta, traz consigo, guarda, prescreve, ministra, entrega a consumo ou
fornece drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação
4

legal ou regulamentar”. Igualmente, recaí no crime de tráfico de drogas quem infringe o Art.
34 da mesma Lei, ou seja, quem “fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender,
distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente,
maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação,
produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar”. Já para a associação ao tráfico, pode ser definido pelo Art. 35, da
seguinte maneira: “Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente
ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei” (BRASIL,
2006).
Tendo em vista as inúmeras pesquisas e estatísticas levantadas no Brasil, sobre a
lei de droga, tais como o relatório elaborado pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da
Universidade de São Paulo (2011), onde se constou que de 2006 a 2010, o Brasil registrou um
aumento de 124% de presos por tráfico de drogas, supõe-se que com a atual legislação de
criminalização de drogas a tendência será apenas de aumentar a população carcerária e não
exatamente diminuir a criminalidade. É como “enxugar gelo”. Ademais, mesmo que os
traficantes se mantenham encarcerados, o tráfico de drogas é recorrente no interior das
prisões.
No entanto, diante da impotência de se resolver o problema, o sistema de justiça
criminal e a sociedade como um todo encaram a questão de drogas como se fosse uma guerra
a ser combatida, muito embora, mata-se mais em nome de acabar com tráfico de drogas, do
que pelo consumo delas.

2.2 Enfrentamento ao tráfico de drogas pelas Polícias Civis e Militares

Com a pretensão de auxiliar a Polícia Judiciária brasileira no enfrentamento às


drogas ilegais, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) criou, em 2014, um
Caderno Temático de Referência para disseminação de políticas públicas integradas da Polícia
Judiciária, apresentando programas e projetos de enfrentamento às drogas ilegais
desenvolvidas e implementadas pelas Polícias Judiciárias nos diferentes estados da
federação.Nessa toada, cabe à Polícia Civil criar núcleos de inteligência e delegacias
especializadas para o enfrentamento aos crimes associados com o tráfico de drogas, com o
propósito de analisar e disseminar informações estratégicas para as investigações em
andamento, para então, estabelecer prioridades e realizar operações.Em Santa Catarina, a
Polícia Civil conta com a Diretoria Estadual de Investigações Criminais (DEIC) e as Divisões
5

de Investigação Criminais (DICs) como delegacias especializadas na missão de investigar o


tráfico de drogas. A Polícia Civil catarinense tem se tornado cada vez mais especializada
oferecendo aos policiais formação continuada5 para que possam adotar metodologias e
estratégias adequadas às investigações de tráfico de drogas e crimes correlatos, tais como
lavagem de dinheiro ligado ao narcotráfico que visam afetar os traficantes que tenham alto
poder aquisitivo e sejam ligados a organizações criminosas. Além da constante atuação das
DICs no interior do Estado de Santa Catarina, a Polícia Civil conta com a Divisão
Especializada de Combate ao Narcotráfico (DENARC), que também atua em todo o Estado.
De acordo com dados extraídos do site da Associação de Delegados da Polícia Civil de Santa
Catarina (ADEPOL)6, no que se refere ao enfrentamento de tráfico de drogas em Santa
Catarina, no ano de 2017, foram realizadas as maiores apreensões de drogas já registradas no
Estado, com um aumento de 266%, comparado ao ano de 2016, correspondendo à ordem de
25 milhões de reais em drogas apreendidas, o que contribui no enfraquecimento das
organizações criminosas. As Delegacias Especializadas da Polícia Civil, normalmente, diante
da informação da prática do crime de tráfico de drogas, instauram Inquérito Policial, com
objetivo de investigar os fatos, utilizando de levantamento de local, campanas, além de
interceptação telefônica. Tão logo, têm-se informações suficientes de autoria e materialidade,
a Autoridade Policial representa por buscas e apreensão e/ou prisões preventivas ou
temporárias, com o propósito de subsidiar nas investigações. Durante as buscas, caso sejam
encontradas drogas, comumente, é lavrado também Auto de Prisão em Flagrante, além de
instruir o inquérito policial.As investigações de tráfico de drogas realizadas pela Polícia
Militar são executadas através das Agências de Inteligência (AI). Essa divisão apura
denúncias e contribui para o trabalho de investigação de tráfico de drogas da PM. São os
policias da AI que angariam informações, detectam áreas críticas para uma atuação mais
qualificada de policiamento. Porém, em casos de prisões em flagrante delito, é comum que os
policiais das agências não participem formalmente; eles atuam apenas nas preliminares:
repassando informações sobre o que está ocorrendo e dando coordenadas para operação, com

5
É atribuição da Academia de Polícia Civil (ACADEPOL), promover formação continuada dos policiais civis
buscando a excelência na prestação dos serviços educacionais, de maneira contínua, formando profissionais
qualificados, capazes de construir uma sociedade mais humanizada e promover de forma efetiva a persecução
criminal. A ACADEPOL recentemente promove cursos de capacitação direcionadas à investigação policial,
tais como: interceptação telefônica, investigação por meios eletrônicos, crimes de lavagem de dinheiro,
dentre outras, disponibilizando vagas a todas as regionais do Estado.
6
http://adepolsc.org.br/noticias/deic-de-sc-atinge-resultados-mais-expressivos-dos-ultimos-anos. Acesso em
10/11/2018
6

objetivo de não serem revelados/descobertos7. Por vezes, os policiais militares da agência,


quando identificam uma ocorrência, ligam para a Central de Atendimento da Polícia Militar -
no nº 190 –, sem se identificar, e fazem a denúncia para que uma viatura policial se dirija ao
local. Salienta-se que informações privilegiadas de tráfico ou de pontos de venda de drogas
obtidas por policiais militares não são compartilhadas com a Polícia Civil e sim com a agência
de inteligência que averigua e investiga o caso, verificando a possibilidade de realizar um
flagrante.
A atuação da Polícia Militar em investigações gera, muitas vezes, conflito com a
Polícia Civil, visto que essa entende que há invasão de competência por parte da Polícia
Militar com relação à atividade de investigação, que cabe legalmente à Polícia Civil, já que
nos termos do artigo 144, da Constituição Federal, compete à Polícia Militar o policiamento
ostensivo e a preservação da ordem pública e à Polícia Civil desempenhar as funções de
polícia judiciária e apurar as infrações penais.
No entanto, a Polícia Militar justifica sua atuação em investigações de crime de
tráfico de drogas com objetivo de restabelecer a ordem pública, pois se configuram crimes
permanentes e sua consumação não cessa enquanto perdurar a permanência.
Assim, asseveram Luiz Fernando Marchi e Vinícius Valdir de Sá (2015, p. 220):

A Polícia Militar, ao combater crimes plurinucleares e permanentes, como ocorre


com o tráfico de drogas, cujas ações são eminentemente repressivas, visto a
consumação do delito se prolongar no tempo e causar consequências reflexas devido
a sua organização criminosa e cadeia de delitos secundários para o seu
fortalecimento, atua sim produzindo atos investigatórios capazes de legitimar a
persecução criminal, ultrapassando suas funções de polícia administrativa, fundados
na busca da preservação da ordem pública.

Os autores ainda justificam que a comercialização de drogas provoca danos em


todos os campos da ordem pública, prejudicando a tranquilidade da sociedade. Assim sendo, a
missão da Polícia Militar também é combater o tráfico de entorpecentes, usando ferramentas
tanto preventivas quanto repressivas, com o propósito de restaurar a integridade social
(MARCHI; DE SÁ, 2015).

2.3 Autos de Prisão em Flagrante atuados na Central de Plantão de Lages

7
Os policiais militares que trabalham nas Agências de Inteligências trabalham à paisana, ou seja, não usam
farda, com objetivo de não serem identificados por criminosos, e assim, continuarem trabalhando com
disfarces.
7

Ato contínuo à breve explanação da fundamentação teórica a respeito da Lei de


Drogas e o enfrentamento ao tráfico de drogas pelas instituições de segurança pública e
judiciária, faz-se necessário trazer os dados colhidos em campo, sobre os Autos de Prisão em
Flagrante de tráfico de drogas lavrados na Central de Plantão Policial de Lages8, ocorridos
durante o primeiro semestre de 2016.
Nessa perspectiva, priorizou-se pelo método hipotético-dedutivo, em razão da
intenção de se confirmar ou não a hipótese inicial deste estudo, a saber: se as metodologias
empregadas para a realização das prisões referentes a tráficos de drogas por parte da Polícia
Civil e da Polícia Militar eram significativas para as deflagrações das ações penais e
alicerçariam condenações exemplares aos acusados. Para tanto, na coleta de dados fez-se uso
de pesquisa documental, referente às prisões decorrentes de Autos de Prisão em Flagrante do
primeiro semestre do ano de 2016 realizados na Central de Polícia de Lages, com abordagem
pontual dos procedimentos apresentados pelas polícias Civil e Militar. Optou-se pelo ano de
2016, por ser o último período de oitivas digitadas, antes da implementação do sistema
audiovisual9 e também por já ter transcorrido tempo suficiente para que fosse possível se
encontrar, nos autos do Poder Judiciário, sentenças criminais referentes aos casos em estudo.
Para Lakatos e Marconi (2003) por pesquisa documental, entende-se a fonte de
coleta de dados que está restrita a documentos escritos ou não, constituindo o que se
denomina de fontes primárias. Essas podem ser feitas no momento em que o fato ou
fenômeno ocorre, ou depois.
Inicialmente a pesquisa foi realizada junto ao Sistema Integrado de Segurança
Pública (SISP) – na unidade da CPP de Lages, visto que atualmente nesse sistema constam
todos os dados necessários referentes aos procedimentos policiais, dispensando-se, assim, a
coleta de dados nos arquivos físicos daquela unidade policial. Nessa etapa, buscou-se
quantificar o número de APFs10 lavrados no período, identificar os condutores11, além de

8
As Centrais de Plantão Policiais existem apenas em cidades com maior número de habitantes no Estado, onde
ficam centralizados os procedimentos, cujos conduzidos foram autuados em algum tipo de flagrante delito.
Na cidade de Lages, os flagrantes são lavrados somente na CPP, mesmo em horário de expediente, pois, em
algumas cidades, os conduzidos em flagrantes são apresentados às CPPs somente no período noturno.
9
A Polícia Civil de Santa Catarina adotou, em meados de 2016, em algumas Centrais de Plantão Policial do
Estado, uma nova ferramenta tecnológica, o sistema audiovisual nos Autos de Prisão em Flagrante. Tal
ferramenta visa garantir mais agilidade e transparência nos procedimentos policiais. A instituição é a primeira polícia do
país a usar o flagrante audiovisual, um programa de software para captação de som e imagem de depoimentos coletados
nas delegacias.
10 A prisão em flagrante delito inicia-se com a captura do autor do delito, logo em seguida com sua condução

coercitiva à presença da autoridade e posterior comunicação ao Juiz, Ministério Público e à família, ou


8

coletar o nome dos conduzidos e número dos procedimentos, os dois últimos com o propósito
de posteriormente localizá-los no Poder Judiciário.
O segundo momento da pesquisa, consistiu-se de coleta dos dados dos
procedimentos, encaminhados ao Fórum na Comarca de Lages, via sistema do Portal de
Serviços - e-SAJ do Poder Judiciário de Santa Catarina, onde foi possível ter acesso a todas as
tramitações judiciais até o momento da escritura desta pesquisa (setembro de 2018). Nessa
etapa, foi possível identificar, logo após o recebimento do APF no Poder Judiciário, a decisão
do juiz, se optou pela liberdade provisória ou prisão preventiva dos conduzidos e suas
justificativas, as denúncias e, por fim, as sentenças.

2.3.1 Resultados da Pesquisa das prisões por tráfico de drogas em Lages

A coleta das informações sobre os Autos de Prisão em Flagrante efetuados na


Central de Polícia de Lages apontou a existência de 36 procedimentos policiais dessa
natureza, lavrados no primeiro semestre de 2016. Como já era de se esperar12, constatou-se
que, majoritariamente, as prisões por tráfico de drogas foram efetuadas pela Polícia Militar,
conforme se vê na tabela a seguir:
Tabela 01 – Quantidade de APFs lavrados na CPP Lages em 2016

Instituição Quantidade %
Polícia Militar 32 90
Polícia Civil 2 5
Outras 2 5
Total 36 100%
Fonte: Elaboração da Autora, 2018.

Ainda que a atribuição investigativa seja destinada à Polícia Judiciária – aqui em


específico a Polícia Civil – conforme preceitua a Constituição Federal em seu §4º do artigo
144, no período delineado para esta pesquisa, essa atribuição representou apenas 5% das
prisões. Percebe-se, que a atividade típica da Polícia Militar de prevenção e repressão foi o

pessoa por ele/ela indicada. A prisão em flagrante converte-se em ato judicial a partir do momento em que a
autoridade judiciária é comunicada (LIMA, 2013, p. 864)
11
Destaca-se que na lavratura do auto de prisão em flagrante, a pessoa responsável pela prisão-captura recebe o
nome de “condutor”, mas, vale dizer, nem sempre o condutor será a mesma pessoa responsável pela prisão-
captura. Nos casos em que a própria vítima é responsável pela detenção do criminoso, sendo a polícia
posteriormente acionada apenas para realizar a sua condução até a Delegacia de Polícia.
12
Tendo em vista que a Polícia Militar é a instituição com maior número de policiais e estão diariamente nas
ruas, em contato frequente com a sociedade em geral.
9

que prevaleceu, representando 90% das prisões, em relação à atividade investigativa da


Polícia Civil. Diante desse cenário, pode-se observar que as prisões por tráfico de drogas se
deram sem investigação, que o perfil das pessoas presas por esse tipo de crime era de
“pequenos traficantes”13e que a atividade investigativa, com o propósito de desarticular
estruturas de organizações que operam em um nível mais elevado, parece ser deixada de lado.
Além das prisões efetuadas pela Polícia Civil e Polícia Militar, objeto deste
trabalho, a coleta de dados apontou, ainda, outros dois APFs, sendo um apresentado pela
Polícia Rodoviária Federal, durante abordagem veicular e outro apresentado por agentes
penitenciários, em decorrência de tráfico de drogas ocorrido no interior do Presídio Regional
de Lages. Por se tratarem de prisões realizadas por instituições diversas das que são objeto
deste estudo, esses procedimentos não serão aqui explorados.
Com relação ao tipo de substância apreendida, a maconha e o crack lideram o
“ranking”. Em um mesmo procedimento, foram apreendidos mais de um tipo de droga,
conforme se vê a seguir, no entanto, na maioria dos procedimentos a apreensão foi de apenas
um tipo de entorpecente.

Tabela 02: Tipos de drogas apreendidas

Tipo de drogas Quantidade %


Maconha 19 46
Crack 15 37
Cocaína 4 10
Outras 3 7
Total 100
Fonte: Elaboração da Autora, 2018.

Como o objeto principal desta pesquisa são as metodologias utilizadas pelas


polícias nas prisões em flagrante, ou seja, os procedimentos que antecederam o Auto de
Prisão em Flagrante, um dos primeiros aspectos analisados nesse sentido, foram os locais
onde ocorreram as abordagens descritas pelas polícias. Desperta a atenção o fato de que a
maioria das prisões ocorreu nas residências (82%). Das 28 abordagens em residências, apenas
uma delas foi efetuada pela Polícia Civil e as demais foram todas realizadas pela Polícia
Militar.

13
Entendidos como aqueles com quem foi apreendida pequena quantidade de drogas. Muitos deles são réus
primários, têm bons antecedentes e não se dedicam a atividades criminosas nem à organização criminosa, bem como
não obtém lucros significativos da traficância.
10

Tabela 03: Local das abordagens

Local Ocorrências %
Residência 28 82
Veículo 4 12
Estabelecimento Comercial 1 3
Via Pública 1 3
Total 34 100
Fonte: Elaboração da Autora, 2018

No que se refere à busca domiciliar, procedida pela Polícia Civil, importante


esclarecer que foi em decorrência de uma investigação de tráfico de drogas e homicídio, com
inquérito policial instaurado, no qual a Autoridade Policial representou por busca e apreensão
nas residências dos conduzidos, sendo lavrado APF por terem sido encontradas armas e
drogas nos locais, por ocasião do cumprimento do mandado de buscas e apreensão.
Imprescindível ressaltar que a totalidade das buscas domiciliares realizadas pela
Polícia Militar, seguidas de prisão, foi efetuada sem Mandado de Busca e Apreensão. Nos
autos dos procedimentos policiais, constava que o traficante teria sido abordado em via
pública, com insignificante quantidade de substância entorpecente e conduzido até a
residência dele/dela para que os policiais militares procedessem à busca de mais droga.
Outro método utilizado nos dados coletados foi a abordagem de usuários de
drogas que, ao serem indagados pelos policiais, a respeito de com quem haviam adquirido a
substância entorpecente, indicavam o nome e o local da residência do suposto traficante.
Nessas situações esses usuários acompanhavam os policiais até as residências indicadas e
permaneciam no interior da viatura, enquanto os policiais faziam as inclusões nas residências.
Esse tipo de abordagem é polêmico e discutível. Por certo que as pessoas
indicadas pelos usuários praticam a traficância de drogas, visto que com muitos deles foram
apreendidas drogas fragmentadas e balanças de precisão, o que são indicativos de
comercialização. No entanto, é evidente que direitos fundamentais estão sendo violados em
detrimento de uma questão maior, o combate ao tráfico de drogas.
Percebe-se que não só as forças de segurança pública estão nessa “guerra contra as
drogas”, que admite a violação de direitos garantidos constitucionalmente em detrimento de
um propósito, mas também o Ministério Público e o Poder Judiciário, os quais coadunam com
as ações das forças policiais, mesmo ferindo direitos constitucionais, por meio da
inobservância de ilegalidades nas prisões.
11

No caso de Lages, chama a atenção que em todas as buscas domiciliares


realizadas pela Polícia Militar sem mandado judicial, não houve qualquer menção a isso. Uma
das razões, talvez, seria porque os presos por tráfico de drogas residam nas periferias, são
pobres, de pouca escolarização e sem condições de constituir um defensor; o que pode indicar
a posição de juízes de entendem que não existe ilicitude no ingresso forçado em domicílios
em casos de tráfico de drogas, sob argumento de que se refere a crime permanente. Logo, o
ingresso dos policiais no interior do imóvel sem autorização judicial estaria juridicamente
justificado, quando caracterizado o estado de flagrância.
Por outro lado, não se ouve notícias de policiais entrando na residência de pessoas
de classe social elevada, com alto poder aquisitivo e maior escolarizaçãosem mandado
judicial para cumprir buscas; posivelmente para esse público, haja mais rigor sobre os
garantismos regidos pelas leis.
O art. 33 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) nos 18 verbos que definem o tráfico
de drogas, alguns têm significados de condutas instantâneas (como adquirir, vender etc) e
outros de condutas permanentes (como ter em depósito, guardar, trazer consigo etc.). Assim,
mesmo que o tráfico de drogas tenha caráter permanente manifestado em alguns dos verbos,
alguns juízes que atuaram nos processos aqui analisados banalizam o inciso XI do artigo 5º da
Constituição Federal que dispõe sobre a casa ser “asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” (BRASIL,
1988), em face de ações policiais na tentativa de encontrar drogas em residências.
Nos dados analisados, não se levou em consideração que, em situações de
flagrante delito, deveria se fazer referência à prévia investigação policial, que constatasse a
possível veracidade de traficância no local. Dessa maneira, cabe destacar o julgado relatado
pelo desembargador GeraldoPrado, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
O ingresso não pode decorrer de um estado de ânimo do agente estatal no exercício
do poder de polícia. Ao revés, é necessário que fique demonstrada a fundada – e não
simplesmente íntima – suspeita de que um crime esteja sendo praticado no interior
da casa em que se pretende ingressar e que o ingresso tenha justamente o propósito
de evitar que esse crime se consume. Se assim não fosse, seria permitido ingressar
nas casas alheias, de forma aleatória, até encontrar substrato fático, consistente em
flagrante delito, capaz de ensejar a formal instauração de procedimento
investigatório criminal. Mais que isso, seria incentivar que a autoridade policial
assim fizesse e, com a intenção de se livrar de uma eventual imputação de abuso de
autoridade, encontrasse à força o estado de flagrância no domicílio indevidamente
violado (RIO DE JANEIRO, 2009).
12

Essas práticas, porém, não foram observadas nas buscas domiciliares sem
mandados judiciais, realizadas na cidade de Lages, salvo em dois procedimentos, da Polícia
Militar, que fazem referência a campanas realizadas por policiais da Agência de Inteligência;
porém, não constam nos autos, qualquer relatório de investigação sobre as situações
investigadas.
Dessa maneira, pode-se concluir que as buscas sem mandados judiciais, que
geraram prisões por tráfico de drogas em Lages, poderiam ser consideradas ilegais, conforme
bem explanada por Alexandre Moraes da Rosa (2014), quando sugere que a violação do
domicílio pelo agente público é inconstitucional, quando movido pela suposição que no local
está havendo um crime, mesmo que confirmado posteriormente.
Os dados coletados apontaram que houve 27 prisões com buscas domiciliares
realizadas pela Polícia Militar e nenhuma delas teve ordem judicial, enquanto que a Polícia
Civil realizou uma busca residencial, em decorrência de autorização judicial.
No que tange às motivações que ensejaram as abordagens que culminaram nos
flagrantes, percebe-se que também apresentam fragilidade para o processo criminal, pois
muitos dos procedimentos foram motivados por “atitude suspeita”, nem sempre especificando
do que se tratava essa atitude suspeita e a “denúncia anônima”decorrente. Entre as denúncias
anônimas estão as manifestações dos policiais que dizem ter tomado conhecimento do
comércio de drogas por intermédio de populares, terceiros ou pela central policial, conhecida
como o “190”, vez que o denunciante geralmente não é cogitado.
O Ministro Arnaldo Esteves Lima, em julgado de Habbeas Corpus 64.096 do
Estado doParaná, em 27/05/2008, definiu que: “a delação apócrifa não constitui elemento de
prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária; é mera notícia vinda de pessoa sem
nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a
falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de
denunciação caluniosa”. Apesar desse julgado, as denúncias anônimas e as abordagens por
“atitude suspeita” motivaram a entrada em residências sem prévia investigação criminal.
Diante dessa obsessão de se tentar resolver as questões criminais a qualquer custo,
David Queiroz (2017, p. 65) aduz que: “a ambição de trazer à tona a suposta verdade dos
fatos, somada à deletéria e fantasiosa ilusão de que incumbe à polícia resolver os problemas
da criminalidade, são fatores que estimulam práticas ilícitas em nome de um suposto nobre
ideal: a solução de um crime”.).
Para Luís Carlos Valois (2017, p. 389), essa persistência é motiva pela guerra às
drogas, a qual traz um perfil peculiar para as polícias. Como as drogas estão na sociedade e
13

sempre estarão, o combate a elas é e será sempre permanente, dando à polícia a sensação de
que se tem constantemente um crime a coibir.
Abaixo, segue a tabela sobre o que motivou os policiais de Lages a realizarem as
abordagens dos suspeitos:

Tabela 04 – Motivação da Abordagem

Motivação Quantidade %
Atitude suspeita 15 44
Denúncia anônima 11 32
Investigação PM (campana) 4 12
Investigação PC 2 2
Averiguação outro crime 2 2
Total 34 100
Fonte: Elaboração da Autora, 2018

Além de todos os fatores abordados anteriormente, frisa-se que na lavratura dos


APFs, mais da metade dos procedimentos, teve como testemunhas apenas policiais que
participaram da ocorrência. Segundo Luís Carlos Valois (2017, p. 490), “mais um fato, em
que o judiciário se posiciona a favor, pois se não aceitar testemunhas exclusivamente policial,
não conseguirá outras testemunhas e não haverá condenação”.Outra observação a ser feita
aqui é que em nenhum dos procedimentos houve testemunha que não tivesse envolvimento
com o conduzido: ou eram usuários, ou familiares; tratando-se, portanto, de testemunhas sem
imparcialidade ou meros informantes, no caso de familiares.

Tabela 05: Testemunhas da Ocorrência

Testemunhas Quantidade %
Apenas Policiais 18 53
Familiares ou usuários 16 47
Total 34 100
Fonte: Elaboração da Autora, 2018

Outros dados que a coleta oportunizou identificar foi o sexo de quem fora preso:
91% eram homens, de um total de quarenta e três, e 9% de mulheres, ou seja, quatro mulheres
desse total; três mulheres foram presas com seus companheiros e somente uma foi presa
cometendo o delito sozinha. Esses dados encontram respaldo na pesquisa realizada por
Adriana Silveira, em 2010, quando a pesquisadora abordou o fato de que quando as mulheres
14

comentem crimes de tráfico de drogas, geralmente estão influenciadas por seus parceiros, em
um estado de subordinação, devido aos seus vínculos afetivos (SILVEIRA, 2010).
Importante ressaltar que dos 36 APFs lavrados, foram presas 47 pessoas, visto que
em muitos dos procedimentos, mais de uma pessoa foi presas, como se verá na tabela
subsequente.

Tabela 06 – Distribuição por sexo

Sexo Quantidade %
Masculino 43 91
Feminino 4 9
Total 47 100%
Fonte: Elaboração da Autora, 2018.

Observou-se que em 71% das prisões havia apenas um conduzido, enquanto que
em 29% dos casos, havia duas ou mais pessoas, conforme tabela a seguir:

Tabela 07 – Distribuição por número de pessoas detidas por APF

Número de Pessoas Presas por APF Quantidade %


Uma pessoa 24 71
Mais pessoas 10 29
Total 34 100%
Fonte: Elaboração da Autora, 2018.

Outro dado a ser explorado são as medidas cautelares deferidas pelo juiz após a
prisão em flagrante. Conforme Tabela 8, abaixo, pode-se constatar que nenhum flagrante fora
“relaxado”14 e 76% das prisões em flagrante foram convertidas em prisão preventiva, em sua
maioria, sob justificativa de manter a ordem pública, ou fazem referência, de forma genérica,
que estão presentes os fundamentos dos Art. 312 e 313 do CPP, os quais dizem respeito à
admissibilidade da prisão preventiva. O Art. 312, refere-se à garantia da ordem pública e aos
indícios de crime e autoria e o Art. 313 faz menção à pena máxima e à reincidência do
investigado.
Tais dados justificam a realidade nacional, anunciada com o último Levantamento
Nacional de Informações Penitenciárias do INFOPEN, de junho de 2016, em que se divulgou

14
Quando na prisão há alguma ilegalidade, o preso é posto em liberdade.
15

que 40% da população carcerária no Brasil é composta de presos preventivos, ou seja, quase
metade da população carcerária brasileira está presa sem condenação.
De acordo com Nereu José Giacomelli (2013, p. 23):
o alto índice (em torno de 40%) de encarceramento sem condenação permite
constatar a crença na prisão, na punição através da pena privativa de liberdade e na
punição como solução à criminalidade, bem como a manutenção das bases arcaicas
do sistema criminal.

Por outro lado, para conceder a liberdade provisória, de modo antagônico aos
argumentos anteriores, os juízes se baseiam no princípio constitucional da presunção da
inocência, caracterizando assim a antecipação da pena, caso sejam mantidos presos.

Tabela 08 – Medidas Cautelares

Medida Cautelar Quantidade %


Conversão Prisão Preventiva 26 76
Liberdade Provisória 8 24
Total 34 100
Fonte: Elaboração da Autora, 2018

Na análise dos dados levantados, percebe-se que o número de presos reincidentes

é reduzido (ver Tabela 09), prevalecendo os primários, num total de 70% das detenções.

Logo, um dos argumentos dos juízos para mantê-los presos preventivamente, não seria o fato

de serem reincidentes.

Tabela 09- Antecedentes Criminais

Antecedentes Quantidade %
Reincidente 14 30
Primário 33 70
Total 47 100
Fonte: Elaboração da Autora, 2018

No que tange aos dados identificados nas sentenças, é notável que houve um
número razoável de julgados, devido ao pouco tempo transcorrido, incomum à justiça
brasileira, já que, grande parte dos processos, arrolam-se por anos até que tenham um
julgamento. Todavia, há uma justificativa plausível, grande parte dos processos que foram
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julgados tratavam de presos provisórios, sendo, portanto, urgente que houvesse um


julgamento.
Por outro lado, os processos que ainda aguardam julgamento são de investigados
que foram beneficiados com a liberdade provisória, no ato da entrega do APF ao Poder
Judiciário, por requerimento do defensor (raramente concedido) ou por Habbeas Corpus.
Nos processos que já tiveram julgamento (20 deles), é visível que prevaleceram as
condenações (14 casos). Quatro processos foram desclassificados do artigo 33, definido por
tráfico de drogas (penas severas), para o Art. 28 da Lei 11.343/06, o qual é de menor potencial
ofensivo, ou seja, a pena máxima aplicada não possa ser superior a dois anos de prisão, logo,
não é motivo de prisão, mas de lavratura de Termo Circunstanciado (Lei 9.099/95), pois
apesar de os autores estarem portando drogas, não havia nos autos qualquer elemento de
prova eficaz que permitisse afirmar que estavam comercializando drogas naquele momento,
nem era possível afirmar que a droga apreendida seria utilizada para comercialização.
Pode-se perceber que dos julgados, quatorze tiveram condenação dos conduzidos
e apenas duas absolvições. Estes dados corroboram com a pesquisa do INFOPEN, a qual
indica que é grande o número de pessoas condenadas por tráfico de drogas, ou seja, 28% de
todos os presos no Brasil são decorrentes desse crime.

Tabela 10 - Sentença

Situação Judicial Quantidade %


Condenação 14 41
Sem sentença 14 41
Desclassificação 4 12
Absolvição 2 6
Total 34 100
Fonte: Elaboração da Autora, 2018

É relevante, ainda, tecer algumas considerações gerais dos fatos até o momento
explanados. A partir desse inquietamento pessoal sobre a repercussão das metodologias
aplicadas pela Polícia Civil e Polícia Militar nas prisões em flagrante por tráfico de drogas é
que surgiu a iniciativa desta pesquisa.O estudo evidenciou que, apesar de alguns métodos
sugerirem certas ilegalidades, em especial, a prática recorrente de fazer buscas domiciliares
sem mandados judiciais, tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário não considerou
as metodologias empregadas, mas sim, ao resultado: apreensão de drogas e prisão do suposto
traficante. Assim, por consequência da aceitação das metodologias empregadas para a
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realização das prisões, constatou-se que a maioria dos investigados foram mantidos presos
provisoriamente e, quando sentenciados, foram condenados.

3 Considerações finais

A presente pesquisa objetivou explorar os resultados dos Autos de Prisão em


Flagrante, tipificados pelo crime de tráfico de drogas, apresentados na Central de Plantão
Policial (CPP) de Lages, durante o primeiro semestre de 2016, a fim de analisar se as
metodologias aplicadas para se obter a prisão poderiam ser consideradas eficazes para uma
futura condenação.
Durante o período que esta pesquisadora atuou como plantonista na CPP, por
vezes se indagava quanto aosmétodos utilizados pelas polícias quando apresentavam presos
por tráfico de drogas, tanto no que se referia às abordagens realizadas, quanto aos
depoimentos dos policiais, que muitas vezes, apresentavacerta incoerência.
Dos 36 APFs lavrados durante o período analisado (2016), apenas dois foram
apresentados pela Polícia Civil. Mesmo sendo a polícia judiciária, a instituição legalmente
imbuída de atividade investigativa, a Polícia Militar detém a maioria das prisões.
Dessa forma, ficou evidenciado que a Polícia Militar também usa de investigação
para conseguir atuar nas prisões de tráfico de drogas, porém, ao invés de contar com as
guarnições regulares da corporação, utiliza-se das Agências de Inteligência para investigar.
Por conta disso, mas prisões realizadas não são mencionados os policiais que atuaram na
investigação com o propósito de resguardar suas identidades, assim, como também não foram
apresentados relatórios de investigação para instruir os autos. Isso explica o porquê de alguns
policiais militares prestarem depoimentos divergentes ou incoerentes durante a lavratura dos
APFs; possivelmente por não terem atuado na investigação ou nem mesmo na prisão.
Em função do reduzido número de APFs envolvendo a Polícia Civil, por meio da
DIC, percebeu-se que a instituição atua em investigações de tráfico de drogas, mas com
instauração de inquérito policial, e em geral, lavra o APF, quando em deflagração de
operações para cumprimento de buscas e apreensões e/ou prisõe são localizadas drogas,
conforme, identificado nos dois APFs apresentados pela DIC no período analisado. Talvez
uma nova pesquisa, com enfoque exclusivo nas metodologias empregadas pela Polícia Civil,
nos inquéritos policiais instaurados, possa enriquecer os dados aqui obtidos.
Na fase processual, após análise da legalidade da prisão, os juízes, convencidos da
possível autoria e materialidade do delito cometido, converteram os flagrantes em prisões
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preventivas em 26 casos, contra 8, que optaram pela liberdade provisória, até que o processo
tramitasse. A justificativa para manter a prisão provisória, foi para garantia da ordem pública
e/ou por constar no rol de antecedentes que o réu era reincidente. Nos casos, dos réus
primários, os argumentos se davam normalmente para manter a ordem pública.
Observou-se que como grande parte dos investigados permaneceram presos
durante a tramitação do processo, em pouco tempo, houve sentença condenatória em 14 dos
20 processos. Dos processos que ainda não foram julgados, os réus aguardam a sentença em
liberdade.
Interessante retomar que as dúvidas iniciais com relação às metodologias
empregadas para as prisões de tráfico de drogas pelas polícias de Lages eram decorrentes da
ausência de elementos suficientes para que o titular da ação penal pudesse se manifestar,
especialmente pela falta de produção de provas. Havia ainda a suspeita de que quando
houvesse denúncia, seria recorrente o julgador optar pela absolvição do réu, por constatar que
o conjunto probatório seria insuficiente para alicerçar a condenação.
Todavia, ficou perceptível que os meios empregados pelas polícias (especialmente
a Polícia Militar) nas prisões por tráfico de drogas não são os mais adequados, em especial, no
que se refere às buscas domiciliares sem mandados judiciais, tão discutidos pelas doutrinas.
Porém, diferentemente da expectativa desta pesquisadora, houve um número considerável de
condenações, levando-se à conclusão de que a Justiça Criminal está comprometida no
enfrentamento ao tráfico de drogas em Lages coadunando como o restante do Brasil,
independentemente dos meios empregados para as prisões, possivelmente, em função do
grave quadro endêmico instalado no que diz respeito ao consumo e tráfico de drogas instalado
no país.

Referências

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 05
mar. 2018.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado, 1988. Disponível em:
19

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 06


nov. 2018.

BRASIL. A polícia judiciária no enfrentamento às drogas ilegais. Brasília: Secretaria


Nacional de Segurança Pública (SENASP), 2014.

DE JESUS, Maria Gorte Marques et al. Prisão Provisória e Lei de Drogas – Um estudo
sobre os flagrantes de tráfico de drogas na cidade de São Paulo, Núcleo de Estudos da
Violência, São Paulo, 2011.

DE SÁ, Vinícius Valdir e DE MARCHI, Luiz Fernando Oliveira. A investigação realizada


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preservação da ordem pública. Revista Ordem Pública, v.8, nº1, jan/jul, p. 215-237, 2015.
GIACOMELLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São
Paulo: Marcial Pons, 2013.

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013.

QUEIROZ, David. A Permeabilidade do Processo Penal, Florianópolis: Empório do


Direito, 2017.

RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça, Apelação Criminal nº 2009.050.07372, Relator:


Desembargador Geraldo Prado, Quinta Câmara Criminal. Capital, RJ, julgado em 17/12/2009.

ROSA, Alexandre Morais da. Mandra do Crime Permanente entoado para legitimar
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https://www.conjur.com.br/2014-ago-01/limite-penal-mantra-crime-permanente-entoado-
legitimar-ilegalidades-flagrantes. Acesso em 09/10/2018.

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Departamento Penitenciário Nacional, 2017.

SILVEIRA, Adriana. A ressocialização da mulher presa no Presídio Regional de


Araranguá, 2009. Monografia - pós-graduação lato sensu em Polícia Comunitária, da
Universidade do Sul de Santa Catarina, UNISUL, Palhoça, 2009.

VALOIS, Luís Carlos, O direito Penal da guerra às drogas, 2ª ed. Belo Horizonte: Editora
D`Plácido, 2017.

METHODOLOGIES APLLIED BY CIVIL POLICE AND MILITARY POLICE ON


DRUG TRAFFICK INVESTIGATIOS: REPERCUSSIONS ON JUDICIARY
20

Abstract: The present work is a result of documental and bibliographical research that
aimed to analyze the methodologies applied in the arrests in flagrante for drug trafficking of
the Police Station of Lages of 2016 and the influence of these methods in the criminal
prosecution. A total of 34 prison sentences were analyzed in Flagrantee. The results of the
analysis showed that 32 APFs were drafted as a result of arrests by the Military Police and
only two by the Civil Police, both of which were the result of an investigation. In the
procedural part, no blatant was pointed out illegally, of which, 26 were flagrantly converted
into custody. Of those who remained in prison, they were sentenced, 14 convicted, 2 were
acquitted and 4 were disqualified from drug trafficking to the user. Still, 14 cases await trial,
however, the defendants are at large. The present research aims to indicate if the means used
by the police are effective and adequate, in cases of arrest for drug trafficking.

Keywords: drug trafficking in Lages, arrest in flagrante, military police and civil police.

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