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1 Introdução
A Lei de Drogas – 11.343/2006 – tem sido alvo de muitos debates sobre sua
efetividade e constitucionalidade. Com este paradigma, as atuações das forças de segurança e
judiciais acabam promovendo o cerceamento de direitos processuais e violando as garantias
dos direitos essenciais, tudo em nome do combate ao tráfico de drogas.
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Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Especialização em Gestão da
Segurança Pública e Investigação Criminal Aplicada da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina –
ACADEPOL-IES.
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Graduada em Pedagogia e Metodologia pela UNISUL de Tubarão e em Letras: Português e Inglês e respectivas
literaturas pela UNIDAVI de Rio do Sul. Escrivã de Polícia Civil de Santa Catarina, com ingresso no ano de
2004. Atualmente à disposição do Ministério Público de Santa Catarina, em exercício de atividade no Grupo
de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) de Lages.
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Doutora e Mestra em Ciências da Linguagem, Docente do curso de Especialização em Gestão da Segurança
Pública e Investigação Criminal Aplicada da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina – ACADEPOL-
IES. Orientadora da pesquisa. Email: <nunes.marcia.cristiane@gmail.com>.
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Abordagem de pessoas a serem averiguadas, baseia-se na figura do chamado indivíduo “suspeito” ou que se
encontra em “atitude suspeita”. Termo utilizado corriqueiramente no meio policial.
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2 Desenvolvimento
legal ou regulamentar”. Igualmente, recaí no crime de tráfico de drogas quem infringe o Art.
34 da mesma Lei, ou seja, quem “fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender,
distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente,
maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação,
produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar”. Já para a associação ao tráfico, pode ser definido pelo Art. 35, da
seguinte maneira: “Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente
ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei” (BRASIL,
2006).
Tendo em vista as inúmeras pesquisas e estatísticas levantadas no Brasil, sobre a
lei de droga, tais como o relatório elaborado pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da
Universidade de São Paulo (2011), onde se constou que de 2006 a 2010, o Brasil registrou um
aumento de 124% de presos por tráfico de drogas, supõe-se que com a atual legislação de
criminalização de drogas a tendência será apenas de aumentar a população carcerária e não
exatamente diminuir a criminalidade. É como “enxugar gelo”. Ademais, mesmo que os
traficantes se mantenham encarcerados, o tráfico de drogas é recorrente no interior das
prisões.
No entanto, diante da impotência de se resolver o problema, o sistema de justiça
criminal e a sociedade como um todo encaram a questão de drogas como se fosse uma guerra
a ser combatida, muito embora, mata-se mais em nome de acabar com tráfico de drogas, do
que pelo consumo delas.
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É atribuição da Academia de Polícia Civil (ACADEPOL), promover formação continuada dos policiais civis
buscando a excelência na prestação dos serviços educacionais, de maneira contínua, formando profissionais
qualificados, capazes de construir uma sociedade mais humanizada e promover de forma efetiva a persecução
criminal. A ACADEPOL recentemente promove cursos de capacitação direcionadas à investigação policial,
tais como: interceptação telefônica, investigação por meios eletrônicos, crimes de lavagem de dinheiro,
dentre outras, disponibilizando vagas a todas as regionais do Estado.
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http://adepolsc.org.br/noticias/deic-de-sc-atinge-resultados-mais-expressivos-dos-ultimos-anos. Acesso em
10/11/2018
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Os policiais militares que trabalham nas Agências de Inteligências trabalham à paisana, ou seja, não usam
farda, com objetivo de não serem identificados por criminosos, e assim, continuarem trabalhando com
disfarces.
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As Centrais de Plantão Policiais existem apenas em cidades com maior número de habitantes no Estado, onde
ficam centralizados os procedimentos, cujos conduzidos foram autuados em algum tipo de flagrante delito.
Na cidade de Lages, os flagrantes são lavrados somente na CPP, mesmo em horário de expediente, pois, em
algumas cidades, os conduzidos em flagrantes são apresentados às CPPs somente no período noturno.
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A Polícia Civil de Santa Catarina adotou, em meados de 2016, em algumas Centrais de Plantão Policial do
Estado, uma nova ferramenta tecnológica, o sistema audiovisual nos Autos de Prisão em Flagrante. Tal
ferramenta visa garantir mais agilidade e transparência nos procedimentos policiais. A instituição é a primeira polícia do
país a usar o flagrante audiovisual, um programa de software para captação de som e imagem de depoimentos coletados
nas delegacias.
10 A prisão em flagrante delito inicia-se com a captura do autor do delito, logo em seguida com sua condução
coletar o nome dos conduzidos e número dos procedimentos, os dois últimos com o propósito
de posteriormente localizá-los no Poder Judiciário.
O segundo momento da pesquisa, consistiu-se de coleta dos dados dos
procedimentos, encaminhados ao Fórum na Comarca de Lages, via sistema do Portal de
Serviços - e-SAJ do Poder Judiciário de Santa Catarina, onde foi possível ter acesso a todas as
tramitações judiciais até o momento da escritura desta pesquisa (setembro de 2018). Nessa
etapa, foi possível identificar, logo após o recebimento do APF no Poder Judiciário, a decisão
do juiz, se optou pela liberdade provisória ou prisão preventiva dos conduzidos e suas
justificativas, as denúncias e, por fim, as sentenças.
Instituição Quantidade %
Polícia Militar 32 90
Polícia Civil 2 5
Outras 2 5
Total 36 100%
Fonte: Elaboração da Autora, 2018.
pessoa por ele/ela indicada. A prisão em flagrante converte-se em ato judicial a partir do momento em que a
autoridade judiciária é comunicada (LIMA, 2013, p. 864)
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Destaca-se que na lavratura do auto de prisão em flagrante, a pessoa responsável pela prisão-captura recebe o
nome de “condutor”, mas, vale dizer, nem sempre o condutor será a mesma pessoa responsável pela prisão-
captura. Nos casos em que a própria vítima é responsável pela detenção do criminoso, sendo a polícia
posteriormente acionada apenas para realizar a sua condução até a Delegacia de Polícia.
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Tendo em vista que a Polícia Militar é a instituição com maior número de policiais e estão diariamente nas
ruas, em contato frequente com a sociedade em geral.
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Entendidos como aqueles com quem foi apreendida pequena quantidade de drogas. Muitos deles são réus
primários, têm bons antecedentes e não se dedicam a atividades criminosas nem à organização criminosa, bem como
não obtém lucros significativos da traficância.
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Local Ocorrências %
Residência 28 82
Veículo 4 12
Estabelecimento Comercial 1 3
Via Pública 1 3
Total 34 100
Fonte: Elaboração da Autora, 2018
Essas práticas, porém, não foram observadas nas buscas domiciliares sem
mandados judiciais, realizadas na cidade de Lages, salvo em dois procedimentos, da Polícia
Militar, que fazem referência a campanas realizadas por policiais da Agência de Inteligência;
porém, não constam nos autos, qualquer relatório de investigação sobre as situações
investigadas.
Dessa maneira, pode-se concluir que as buscas sem mandados judiciais, que
geraram prisões por tráfico de drogas em Lages, poderiam ser consideradas ilegais, conforme
bem explanada por Alexandre Moraes da Rosa (2014), quando sugere que a violação do
domicílio pelo agente público é inconstitucional, quando movido pela suposição que no local
está havendo um crime, mesmo que confirmado posteriormente.
Os dados coletados apontaram que houve 27 prisões com buscas domiciliares
realizadas pela Polícia Militar e nenhuma delas teve ordem judicial, enquanto que a Polícia
Civil realizou uma busca residencial, em decorrência de autorização judicial.
No que tange às motivações que ensejaram as abordagens que culminaram nos
flagrantes, percebe-se que também apresentam fragilidade para o processo criminal, pois
muitos dos procedimentos foram motivados por “atitude suspeita”, nem sempre especificando
do que se tratava essa atitude suspeita e a “denúncia anônima”decorrente. Entre as denúncias
anônimas estão as manifestações dos policiais que dizem ter tomado conhecimento do
comércio de drogas por intermédio de populares, terceiros ou pela central policial, conhecida
como o “190”, vez que o denunciante geralmente não é cogitado.
O Ministro Arnaldo Esteves Lima, em julgado de Habbeas Corpus 64.096 do
Estado doParaná, em 27/05/2008, definiu que: “a delação apócrifa não constitui elemento de
prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária; é mera notícia vinda de pessoa sem
nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a
falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de
denunciação caluniosa”. Apesar desse julgado, as denúncias anônimas e as abordagens por
“atitude suspeita” motivaram a entrada em residências sem prévia investigação criminal.
Diante dessa obsessão de se tentar resolver as questões criminais a qualquer custo,
David Queiroz (2017, p. 65) aduz que: “a ambição de trazer à tona a suposta verdade dos
fatos, somada à deletéria e fantasiosa ilusão de que incumbe à polícia resolver os problemas
da criminalidade, são fatores que estimulam práticas ilícitas em nome de um suposto nobre
ideal: a solução de um crime”.).
Para Luís Carlos Valois (2017, p. 389), essa persistência é motiva pela guerra às
drogas, a qual traz um perfil peculiar para as polícias. Como as drogas estão na sociedade e
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sempre estarão, o combate a elas é e será sempre permanente, dando à polícia a sensação de
que se tem constantemente um crime a coibir.
Abaixo, segue a tabela sobre o que motivou os policiais de Lages a realizarem as
abordagens dos suspeitos:
Motivação Quantidade %
Atitude suspeita 15 44
Denúncia anônima 11 32
Investigação PM (campana) 4 12
Investigação PC 2 2
Averiguação outro crime 2 2
Total 34 100
Fonte: Elaboração da Autora, 2018
Testemunhas Quantidade %
Apenas Policiais 18 53
Familiares ou usuários 16 47
Total 34 100
Fonte: Elaboração da Autora, 2018
Outros dados que a coleta oportunizou identificar foi o sexo de quem fora preso:
91% eram homens, de um total de quarenta e três, e 9% de mulheres, ou seja, quatro mulheres
desse total; três mulheres foram presas com seus companheiros e somente uma foi presa
cometendo o delito sozinha. Esses dados encontram respaldo na pesquisa realizada por
Adriana Silveira, em 2010, quando a pesquisadora abordou o fato de que quando as mulheres
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comentem crimes de tráfico de drogas, geralmente estão influenciadas por seus parceiros, em
um estado de subordinação, devido aos seus vínculos afetivos (SILVEIRA, 2010).
Importante ressaltar que dos 36 APFs lavrados, foram presas 47 pessoas, visto que
em muitos dos procedimentos, mais de uma pessoa foi presas, como se verá na tabela
subsequente.
Sexo Quantidade %
Masculino 43 91
Feminino 4 9
Total 47 100%
Fonte: Elaboração da Autora, 2018.
Observou-se que em 71% das prisões havia apenas um conduzido, enquanto que
em 29% dos casos, havia duas ou mais pessoas, conforme tabela a seguir:
Outro dado a ser explorado são as medidas cautelares deferidas pelo juiz após a
prisão em flagrante. Conforme Tabela 8, abaixo, pode-se constatar que nenhum flagrante fora
“relaxado”14 e 76% das prisões em flagrante foram convertidas em prisão preventiva, em sua
maioria, sob justificativa de manter a ordem pública, ou fazem referência, de forma genérica,
que estão presentes os fundamentos dos Art. 312 e 313 do CPP, os quais dizem respeito à
admissibilidade da prisão preventiva. O Art. 312, refere-se à garantia da ordem pública e aos
indícios de crime e autoria e o Art. 313 faz menção à pena máxima e à reincidência do
investigado.
Tais dados justificam a realidade nacional, anunciada com o último Levantamento
Nacional de Informações Penitenciárias do INFOPEN, de junho de 2016, em que se divulgou
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Quando na prisão há alguma ilegalidade, o preso é posto em liberdade.
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que 40% da população carcerária no Brasil é composta de presos preventivos, ou seja, quase
metade da população carcerária brasileira está presa sem condenação.
De acordo com Nereu José Giacomelli (2013, p. 23):
o alto índice (em torno de 40%) de encarceramento sem condenação permite
constatar a crença na prisão, na punição através da pena privativa de liberdade e na
punição como solução à criminalidade, bem como a manutenção das bases arcaicas
do sistema criminal.
Por outro lado, para conceder a liberdade provisória, de modo antagônico aos
argumentos anteriores, os juízes se baseiam no princípio constitucional da presunção da
inocência, caracterizando assim a antecipação da pena, caso sejam mantidos presos.
é reduzido (ver Tabela 09), prevalecendo os primários, num total de 70% das detenções.
Logo, um dos argumentos dos juízos para mantê-los presos preventivamente, não seria o fato
de serem reincidentes.
Antecedentes Quantidade %
Reincidente 14 30
Primário 33 70
Total 47 100
Fonte: Elaboração da Autora, 2018
No que tange aos dados identificados nas sentenças, é notável que houve um
número razoável de julgados, devido ao pouco tempo transcorrido, incomum à justiça
brasileira, já que, grande parte dos processos, arrolam-se por anos até que tenham um
julgamento. Todavia, há uma justificativa plausível, grande parte dos processos que foram
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Tabela 10 - Sentença
É relevante, ainda, tecer algumas considerações gerais dos fatos até o momento
explanados. A partir desse inquietamento pessoal sobre a repercussão das metodologias
aplicadas pela Polícia Civil e Polícia Militar nas prisões em flagrante por tráfico de drogas é
que surgiu a iniciativa desta pesquisa.O estudo evidenciou que, apesar de alguns métodos
sugerirem certas ilegalidades, em especial, a prática recorrente de fazer buscas domiciliares
sem mandados judiciais, tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário não considerou
as metodologias empregadas, mas sim, ao resultado: apreensão de drogas e prisão do suposto
traficante. Assim, por consequência da aceitação das metodologias empregadas para a
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realização das prisões, constatou-se que a maioria dos investigados foram mantidos presos
provisoriamente e, quando sentenciados, foram condenados.
3 Considerações finais
preventivas em 26 casos, contra 8, que optaram pela liberdade provisória, até que o processo
tramitasse. A justificativa para manter a prisão provisória, foi para garantia da ordem pública
e/ou por constar no rol de antecedentes que o réu era reincidente. Nos casos, dos réus
primários, os argumentos se davam normalmente para manter a ordem pública.
Observou-se que como grande parte dos investigados permaneceram presos
durante a tramitação do processo, em pouco tempo, houve sentença condenatória em 14 dos
20 processos. Dos processos que ainda não foram julgados, os réus aguardam a sentença em
liberdade.
Interessante retomar que as dúvidas iniciais com relação às metodologias
empregadas para as prisões de tráfico de drogas pelas polícias de Lages eram decorrentes da
ausência de elementos suficientes para que o titular da ação penal pudesse se manifestar,
especialmente pela falta de produção de provas. Havia ainda a suspeita de que quando
houvesse denúncia, seria recorrente o julgador optar pela absolvição do réu, por constatar que
o conjunto probatório seria insuficiente para alicerçar a condenação.
Todavia, ficou perceptível que os meios empregados pelas polícias (especialmente
a Polícia Militar) nas prisões por tráfico de drogas não são os mais adequados, em especial, no
que se refere às buscas domiciliares sem mandados judiciais, tão discutidos pelas doutrinas.
Porém, diferentemente da expectativa desta pesquisadora, houve um número considerável de
condenações, levando-se à conclusão de que a Justiça Criminal está comprometida no
enfrentamento ao tráfico de drogas em Lages coadunando como o restante do Brasil,
independentemente dos meios empregados para as prisões, possivelmente, em função do
grave quadro endêmico instalado no que diz respeito ao consumo e tráfico de drogas instalado
no país.
Referências
DE JESUS, Maria Gorte Marques et al. Prisão Provisória e Lei de Drogas – Um estudo
sobre os flagrantes de tráfico de drogas na cidade de São Paulo, Núcleo de Estudos da
Violência, São Paulo, 2011.
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013.
ROSA, Alexandre Morais da. Mandra do Crime Permanente entoado para legitimar
ilegalidades nos flagrantes. Consultor Jurídico. Agosto 2014. Disponível em
https://www.conjur.com.br/2014-ago-01/limite-penal-mantra-crime-permanente-entoado-
legitimar-ilegalidades-flagrantes. Acesso em 09/10/2018.
VALOIS, Luís Carlos, O direito Penal da guerra às drogas, 2ª ed. Belo Horizonte: Editora
D`Plácido, 2017.
Abstract: The present work is a result of documental and bibliographical research that
aimed to analyze the methodologies applied in the arrests in flagrante for drug trafficking of
the Police Station of Lages of 2016 and the influence of these methods in the criminal
prosecution. A total of 34 prison sentences were analyzed in Flagrantee. The results of the
analysis showed that 32 APFs were drafted as a result of arrests by the Military Police and
only two by the Civil Police, both of which were the result of an investigation. In the
procedural part, no blatant was pointed out illegally, of which, 26 were flagrantly converted
into custody. Of those who remained in prison, they were sentenced, 14 convicted, 2 were
acquitted and 4 were disqualified from drug trafficking to the user. Still, 14 cases await trial,
however, the defendants are at large. The present research aims to indicate if the means used
by the police are effective and adequate, in cases of arrest for drug trafficking.
Keywords: drug trafficking in Lages, arrest in flagrante, military police and civil police.