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1. Introdução
Dessa forma, a primeira legislação no Brasil que trata das drogas data de 1890, em
seu artigo 159 que versa sobre a conduta de “expor à venda, ou ministrar, substâncias
venenosas”, sem autorização ou sem as formalidades devidas, a qual seria penalizada com o
pagamento de multa (BRANDÃO, 2017). Assim, mesmo diante desse dado, ainda não é
possível considerar essa uma política proibicionista sistematizada. Entretanto, a ascensão do
proibicionismo se dá através de iniciativas dos Estados Unidos, as quais reverberam em
muitos eventos decisivos para a implementação das políticas de criminalização das drogas.
Entre esses eventos está a Convenção Internacional sobre o Ópio, realizada em Haia no ano
de 1912 pelos membros da Liga das Nações. O texto desse evento constitui em 1919 o
Tratado de Versalhes que legitimava a responsabilidade do Estado em velar o uso de algumas
drogas, marcando assim, segundo Brandão (2017) o início propriamente dito da
sistematização do proibicionismo a nível internacional. Diante disso, ainda no contexto
estadunidense, foi elaborada a Lei Seca no ano de 1920 a qual estabelecia multa e
encarceramento para quem utilizasse as drogas, no entanto, por ter resultado em um aumento
exacerbado de aprisionados e de envenenados, foi revogada em 1933 (BRANDÃO, 2017).
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KARAM, M. L. (2009) Proibições, riscos, danos e enganos. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
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ESCOHOTADO, Antonio. (2004) História elementar das drogas. Tradução de José Colaço Barreiros. Lisboa:
Antígona.
substância proporciona. Porém, em 1966 a LSD foi considerada ilegal, após a aprovação da
Convenção Única de Entorpecentes de Nova York, e a guerra contra as drogas se estabeleceu
de maneira ainda mais incisiva. Paralelamente às consequências desses eventos nos Estados
Unidos, o Brasil adentrava em 1964 na ditadura militar e, tendo em vista esse contexto,
Brandão (2017) vai listar a influência de dois modelos ideológicos para as ações
proibicionistas especificamente no Brasil: O Movimento de Defesa Social (MDS), que atuava
na ideias legislativas e suas aplicações judiciais, e a Doutrina da Segurança Nacional (DSN)
que determinava as políticas de Segurança Pública sob o viés militar.
Assim, diante das aprovações de 2019, a nova Lei que rege sobre o Sistema Nacional
de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) institui, entre outras legitimações, que a pena
mínima para o tráfico de drogas passa de 5 para 8 anos, e a pena máxima permanece 15 anos
de reclusão. Permite a alienação de bens utilizados no tráfico de drogas, bem como determina
a preferência por internações dos usuários em ambulatórios, podendo ser realizadas de
maneira involuntária por até três meses, quando solicitado pela família ou responsável legal.
Além disso, as comunidades terapêuticas e acolhedoras, cujas internações acontecem somente
de maneira voluntária, foram incorporadas ao SISNAD. Nesse sentido, é exigido que em cada
intervenção seja elaborado juntamente com os familiares um Plano Individual de
Atendimento (PIA). Portanto, no que se refere ao processo de reabilitação, implementou-se
que 3% das vagas em obras licitadas pelo setor público seriam destinadas aos usuários do
Sistema, bem como 30% das doações do Imposto de Renda seriam viabilizadas para
programas dos Conselhos Estaduais de Políticas sobre Drogas. Por fim, a quarta semana do
mês de junho foi estabelecida enquanto a Semana Nacional da Política de Drogas. E assim,
foi delimitado o campo de ação de cada uma das instâncias governamentais, definindo-se
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CARVALHO, Salo de. (2010) A política criminal de drogas no Brasil (estudo criminológico e dogmático da
Lei 11.343/06). 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juiris.
como deve ser a atuação dos Conselhos sobre Políticas sobre Drogas em cada ente federado
(AGÊNCIA SENADO, 2019).
Portugal
Portugal é um exemplo do que pode ser feito quando as políticas de drogas priorizam
a saúde no lugar da criminalização. Uma das medidas que fizeram parte dessa Estratégia
Nacional foi a descriminalização do consumo de todas as substâncias psicoativas através da
aprovação da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro que define o regime jurídico aplicável ao
consumo de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, bem como a proteção sanitária e social
das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica e, posteriormente, no
Decreto-Lei n.º 130-A/2001, de 23 de abril houve a permissão de deixar de se considerar
crime o consumo, a aquisição e a posse para consumo próprio das drogas (PORTUGAL,
2001).
De acordo com o The European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction
(EMCDDA, 2015) a posse de drogas para uso pessoal é, em vez disso, tratada como uma
infração administrativa, o que significa que não é mais punível com prisão e não resulta em
registro criminal e estigma associado.
O recorte histórico sobre o início do uso de drogas em Portugal direciona o olhar para
o processo e fomento do pensamento em relação à descriminalização no país
A sociedade portuguesa era conservadora até o final da década de 60 e início da
década de 1970, pouco aberta às sociedades modernas ocidentais, governada por
uma ditadura militar e com grande influência da Igreja Católica. Por estes motivos,
o fenômeno do uso de drogas iniciou-se mais tarde e com menor impacto do que em
outros países europeus (MENDES et al., 2019, p. 3396).
Uruguai
De acordo com Hypolito (2018) a falta de orientações diretas onde há a distinção entre
o consumo e o tráfico deixaram o usuário a mercê de um território de indefinição, visto que
as leis penais têm tendência de recair sobre uma parcela específica da população.
Passado um tempo após a adoção dessa política, o Uruguai se tornou o primeiro país a
legalizar, em 2013, a produção e a comercialização de produtos derivados da Cannabis. Esse
passo significou não apenas um distanciamento em relação à estratégia nacional de política
de drogas vigente há muitos anos, mas também um distanciamento frente às diretrizes para a
política de combate às drogas, definida em tratados internacionais
Dentre as inovações políticas mais notáveis dos últimos anos na América Latina
está certamente a legalização da Cannabis no Uruguai em dezembro de 2013, que
fez com que o país se tornasse pioneiro na política de drogas e também viesse a ser
um caso experimental importante para a comunidade internacional. A experiência
levaria o Uruguai a ser o primeiro país no mundo a incluir todas as etapas do
mercado da Cannabis, desde a produção até a distribuição, em seu quadro legal. O
governo de centro-esquerda de José Mujica justificou esse passo com o argumento
de que, sob o risco de perder a guerra contra as drogas, seria necessário levar
adiante novas abordagens na política de drogas (KESTLER, 2021, p. 276).
Mas não se pode fechar os ouvidos para críticos da rigidez do sistema. Vozes já se
levantam para apontar que, por ser muito restritiva, a proposta do país tem baixa capacidade
para reduzir o mercado ilícito tal como desejado, já que a demanda pode ser maior do que
o discriminado na lei (PARDO, 2014, p.734). Pode-se concluir que a implantação da
política de drogas no Uruguai provocou mudanças, mas apenas em relação à Cannabis. O
paradigma proibicionista em relação às outras drogas não foi alterado. Uma mudança nesse
paradigma dependerá do êxito da política uruguaia em relação às outras drogas e essa
concretização ainda não é possível.
2. Argumentos Favoráveis e Contrários à Legalização
Por fim, o uso das drogas ilícitas com fins medicinais – humanos ou veterinários - ,
também é usado como argumento para legalizar, em especial a Cannabis Sativa, conhecida
como a maconha, pois já existem evidências sobre a sua eficácia em alguns tratamentos de
doenças degenerativas e cerebrais. Nessa perspectiva, constam as possíveis soluções:
Por fim, para além do simples “contra e a favor” têm os não usuários favoráveis a
legalizar o ilícito, e usuários que condenam o próprio comportamento. De acordo com a
teoria construtivista do desenvolvimento moral de (KOHLBERG5, 1981 apud VENTURI,
2017), a partir das pesquisas seminais de (PIAGET6, 1977 apud VENTURI, 2017) esses
posicionamentos decorrem de perspectivas sócio morais distintas, como por exemplo, o fato
de haver não usuários antiproibicionistas, pode encaixá-los no estágio pós-convencional do
desenvolvimento moral, visto que julgam criticamente a lei com base em um ponto de vista
moral autônomo. Já os usuários que condenam a legalização se colocam na expressão da
perspectiva convencional, típicos comportamentos de quem tende a tomar o legal sempre
como o correto, ou o pré-convencional, no qual admitem agir contra a regra, mas acreditam
na punição dos que a transgridem (VENTURI, 2017).
5
KOHLBERG, Lawrence. (1981), Essays on moral development. Vol. 1: The philosophy of moral
development. São Francisco, Harper & Row.
6
PIAGET, Jean. ([1932] 1977), O julgamento moral na criança. São Paulo, Mestre Jou.
Referências
AGÊNCIA SENADO. Senado aprova projeto que altera política nacional sobre drogas.
Brasília, 15 maio. 2019. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/15/senado-aprova-projeto-que-altera-
politica-nacional-sobre-drogas. Acesso em: 13 set. de 2021.