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THE (IN) CONSTITUTIONALITY OF THE DRUG LAW (Nº 11.343/06) AND ITS
IMPACTS ON PUBLIC HEALTH AND SAFETY
Resumo: As drogas sempre foram presentes na história da humanidade, e esta é uma realidade
imutável. Em face delas, várias foram as proibições e repressões legais criadas. Atualmente, a
Lei nº 11.343/06 criminaliza a produção, porte para consumo e comercialização de drogas
ilícitas no Brasil. Nessa seara, o estudo em questão teve por escopo principal analisar os
argumentos doutrinários acerca da (in) constitucionalidade da referida Lei e os impactos da
política criminal proibicionista na área da saúde e da segurança pública. Em paralelo, foi feita
uma breve análise histórica da criminalização das drogas ilícitas no Brasil e o tratamento que é
dado ao tema em outros países, como Estados Unidos, Uruguai e Portugal. Seguidamente,
também foi feita uma descrição da evolução histórica das Leis antidrogas no Brasil e das
Políticas Públicas de combate ao uso e tráfico. O estudo enquadrou-se como de caráter
bibliográfico, utilizando-se do método qualitativo exploratório para análise e tratamento dos
dados. Ao fim, percebe-se os esforços na sociedade civil para que haja uma reforma na atual
legislação, e o caminho aponta para uma solução que não está no campo do Direito Penal, e sim
na reorganização das políticas de educação, saúde e segurança pública.
Abstract: Drugs have always been present in human history, and this is an immutable reality.
In the face of them, several were the legal prohibitions and repressions created. Currently, Law
No. 11,343/06 criminalizes the production, possession for consumption and sale of illicit drugs
in Brazil. In this area, the study in question by main scope studies the doctrinal teachings about
(in) constitutional security referred to as the impacts of prohibited criminal policy in the health
and public areas. In parallel, a brief historical analysis of the criminalization of illicit drugs in
Brazil and the treatment given to the subject in other countries, such as the United States,
Uruguay and Portugal, was made. Then, a description was also made of the historical evolution
of anti-drug laws in Brazil and of Public Policies to combat drug use and trafficking. The study
was framed as a bibliographic study, using the exploratory qualitative method for data analysis
and treatment. In the end, we can see the work in civil society so that there is a reform in the
current legislation, and the path points to a solution that is not in the field of Criminal Law, but
in the reorganization of education, health and public security policies.
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Acadêmicos do curso de graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina da rede Ânima
Educação. E-mails: richardferreirarodrigues@gmail.com e vinibvb001@gmail.com. Artigo apresentado como
requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina da
rede Ânima Educação. 2022. Orientador: Prof. Luciano Zanetti, Me.
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1. INTRODUÇÃO
da intimidade e vida privada não é absoluto (art. 5º, inc. X da CF/88), negando-se também a
violação ao princípio da dignidade humana diante da proteção à segurança da coletividade.
Por outro lado, há argumentos doutrinários de que a Lei de Drogas (nº 11.343/06) com
aplicabilidade do critério subjetivo na distinção entre usuário e traficantes de entorpecentes
ilícitos influenciou no encarceramento em massa. Em 2005, a taxa apontava 196,00 presos por
100 mil habitantes, houve um crescimento desde então, chegando a 323,04 presos por 100 mil
habitantes no ano de 2020. A falta de clareza na referida Lei e o poder conferido as instituições
jurídicas e policiais para a distinção dos delitos são apontados como causa desse aumento
expressivo nas prisões (SOARES; BARBOSA, 2021). Destarte, essa “corrente” defende que a
criminalização do usuário fere, dentre os princípios constitucionais, o da proporcionalidade
(pela falta de critérios objetivos na norma) e lesividade (não se pode falar em lesão a um bem
jurídico, e sim, na autolesão do usuário) (CARNEIRO, 2016).
Em justificativa, entendendo a importância do tema, o presente estudo configura-se
como de cunho transdisciplinar, se insere entre as ciências jurídicas e as sociais, unindo a prática
dos operadores jurídicos que aplicam a Lei aos casos concretos e a reflexão teórica à realidade
social. Portanto, dar a relevância social do assunto é apontar a necessidade da conjugação de
ações entre saúde e segurança pública e ater-se para além dos aspectos formais da legislação
atualmente em vigor. Cientificamente, espera-se evidenciar a urgência de pesquisas que
apresentem não apenas a realidade da política criminal antidrogas aplicadas no Brasil, mas a
discussão de novas políticas públicas que tragam soluções mais progressistas no enfrentamento
às drogas.
O objetivo principal desse estudo consiste em analisar os argumentos doutrinários
acerca da (in) constitucionalidade da Lei de Drogas (nº 11.343/06) e os impactos da política
criminal proibicionista na área da saúde e da segurança pública. Especificamente: apresentar,
ainda que brevemente, as questões históricas que justificaram a criminalização dos
entorpecentes ilícitos no Brasil e o tratamento que é dado ao tema em outros países, como
Estados Unidos, Uruguai e Portugal; descrever a evolução histórica das Leis antidrogas no país,
bem como de suas Políticas Públicas de combate ao uso e tráfico.
Esse estudo se enquadrou como de caráter bibliográfico. O método adotado foi o
qualitativo exploratório para análise de relevantes pontos da Lei de Drogas (nº 11.343/06) e da
CF/88 de grande influência sobre a problemática adotada. A amostra compôs-se de livros e
materiais científicos publicados em sites que abarcam conteúdos de confiabilidade. Foi
delimitado uma linha do tempo para observância e análise do que se tem de mais recente na
literatura sobre o tema aqui em debate. Todas as obras foram destrinchadas em um “Roteiro de
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estudo”. Optou-se por realizar um corte metodológico e restringir apenas a análise de obras que
respondessem os questionamentos traçados nos objetivos (geral e específicos). Desde já, é
importante esclarecer que não houve pretensão de esgotar a matéria com todas as suas
complexas questões éticas, históricas e sociais.
2. DESENVOLVIMENTO
Em um primeiro momento, mister se faz traçar, ainda que brevemente, a história que
justifica a criminalização dos entorpecentes ilícitos no Brasil, e como outros países – Estados
Unidos da América (EUA), Uruguai e Portugal, lidam atualmente com essa questão. No tópico
seguinte, será feita uma contextualização das legislações anteriores a nova Lei de Drogas (nº
11.343/06), as principais alterações referentes ao uso e comércio de entorpecentes ilícitos, as
justificativas dos legisladores para que houvesse uma mudança nas políticas antidrogas (tendo
em vista o cenário de saúde e segurança pública do país na época) e, posteriormente, examina-
se como se sucedeu a formação da nova Lei. A partir das considerações dos teóricos, é possível
uma visão mais ampla do debate acerca da (in) constitucionalidade da nova Lei e de seus
reflexos na saúde e na segurança pública, permitindo, ao fim, elaborar conclusões.
Cumpre evidenciar que são denominadas drogas as substâncias que não são produzidas
pelo organismo e causam alteração no seu funcionamento, e como substâncias psicotrópicas as
que agem diretamente no Sistema Nervoso Central (SNC), modificando o estado de
consciência. Do ponto de vista legal, as drogas são ponderadas de formas distintas, sendo lícitas
as comercializadas de forma legal e ilícitas as que a produção, posse ou venda sejam proibidas
por Lei no país. As drogas, de acordo com a atuação no SNC, são classificadas em: depressoras
(diminuem a atividade cerebral); estimulantes (aumentam a atividade de determinados sistemas
neuronais) e perturbadoras (alteram a qualidade do pensamento, sensações e percepção). Nos
anos 70, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a considerar a dependência de drogas
ilícitas como um problema social e de saúde pública (COFFI, 2018).
Os EUA, através de uma política externa de ameaças de sanções econômicas e
intervenções, foi um grande influenciador e percursor da política antidrogas, em especial, nos
países da América Latina. Desde o início de 1970, os EUA, visando se destacar como potência
mundial, utilizaram-se de diretrizes repressoras de produção e comércio de entorpecentes
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ilícitos. A partir de 1980, foi criada a chamada Guerra às Drogas (War on Drugs) em nome da
defesa do Estado. No plano interno desta política, tinha-se o endurecimento de penas para
usuários e traficantes. Já, no externo, visando obrigar os países a se alinharem às tais diretrizes,
adotaram o controle no território através de intervenções militares repressoras, especialmente
em países da América Latina, tidos como fabricantes das substâncias (SILVA, 2014).
Mesmo diante das fortes pressões para um maior comprometimento dos países com a
repressão ao tráfico nos moldes pretendidos por Washington, Sanchez (2015) explica que os
países de trânsito (países voltados para a atividade do narcotráfico – produção, exportação),
enquadrando o Brasil, permaneceram com uma maior autonomia quanto à formulação de suas
políticas. Atualmente, a política do proibicionismo às drogas nos EUA vem sendo questionada
e revisada. Apesar disso, do total dos 50 estados existentes, 27 já descriminalizaram o uso da
maconha para fins recreativos e medicinais, e quatro deles como Alaska, Colorado, Washington
e Oregon já legalizaram a comercialização desta substância. Os benefícios vistos pelos estados
americanos com a descriminalização vão desde um descongestionamento das prisões a uma
arrecadação de impostos com a venda regulamentada dos entorpecentes.
Nessa perspectiva, em face a ênfase dada a política externa norte-americana, a década
de 70 foi marcada pela deflagração da guerra às drogas em todo o planeta, com a América latina
no centro deste processo e, naturalmente, não foi diferente com o Uruguai. Em conformidade
com as diretrizes da Asep, a Lei nº 14.294/74, cuja grande parte está em vigor até os dias atuais,
havia um estrito proibicionismo às drogas no país. O referido dispositivo jurídico previa a
possibilidade da internação compulsória para tratamento por determinações de juízes e policiais
envolvidos, porém não criminalizava o usuário. Na esteira desse processo, visando uma política
mais progressista no que refere às liberdades individuais, o parlamento uruguaio aprovou em
1998 a Lei nº 17.016, alterando a política do estrito proibicionismo com a retirada do porte para
consumo da esfera penal e endurecendo as penas por tráficos (HYPOLITO, 2018).
Nesse ínterim, Garat (2015) esclarece que a ausência de critérios objetivos na distinção
clara do porte para consumo e para o tráfico persistiu no Uruguai. Assim, por meio da JND
(Junta Nacional de Drogas), o parlamento uruguaio buscou formular políticas públicas de
caráter mais liberal, dando enfoque a redução de danos, enfrentamento ao narcotráfico,
desestigmatização do usuário, controle e orientação ao consumo de drogas. O processo, por vez,
culminou na edição da Lei 19.172/13 e o Uruguai se tornou o primeiro Estado a legalizar a
posse da droga para uso pessoal. Foi criado um ente estatal específico para a regulação adequada
de todo o ciclo produtivo/cultivo, distribuição e comercialização da maconha para maiores de
18 anos.
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Tabela 2 – Critérios judiciais utilizados na interpretação da Lei de Drogas em alguns Tribunais do Brasil
Em 1964, através do dispositivo da Lei nº 4.451, qualquer pessoa que estivesse na posse
ou comercialização de substâncias psicoativas respondia pelo crime de tráfico com pena
idêntica, reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos. Em 1968, o Decreto-Lei nº 385 alterou o art. 281
do Código Penal e incluiu em novo parágrafo a punição para qualquer pessoa que propagasse o
uso destas substâncias, aumentando a pena em 1/3 (um terço) se a ação ocorresse com menores
de 16 anos (PEREIRA, 2021). Posteriormente, em 1971, diante às orientações internacionais
consolidadas por políticas proibicionistas, o Brasil editou a Lei nº 5.726 em substituição ao
Decreto-Lei mencionado, desconsiderou o dependente químico como criminoso, aumentou o
teto da pena de reclusão de 5 (cinco) para 6 (seis) anos (inciso III, § 1º do art. 281) e manteve a
equiparação entre usuário e traficante (BRAGA, 2017).
Cinco anos depois, em 1976, Reis (2010) relata que por meio do Decreto nº 78.992, de
tratados internacionais e do projeto externo norte-americano, a Lei nº 6.368 entrou em vigor.
Integrando 47 artigos divididos em cinco capítulos, a citada Lei substituiu de maneira quase
total a Lei de tóxicos anterior – nº 5.726/71, embora tenha mantido o mesmo entendimento legal
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determinação legal (MASSON; MARÇAL, 2019). Foi retirado o princípio da liberdade dos
delegados de polícia pela nova Lei, assim, o usuário é levado imediatamente a presença do juiz
competente. Conforme inciso XLII, art. 5º da CF/88, o tráfico de drogas manteve-se equiparado
a crime hediondo, inafiançável, sem possibilidade de concessão de anistia, graça ou indulto. No
art. 33 da citada Lei, a pena mínima permaneceu de 5 (cinco) anos e multa, com progressão de
regime diferenciado na fração de 2/3 (dois terços) para primários ou 3/5 (três quintos) para
reincidentes (artigo 2º, §2º, da Lei 8072/90), entendendo que a severidade da pena das Leis
anteriores feria a individualização da pena (COTRIM, 2020).
Gomes et al. (2015) explanam que os mesmos núcleos verbais são iguais tanto para o
crime de uso quanto para o crime de tráfico de drogas, a distinção está no elemento volitivo, ou
seja, se será para uso pessoal ou não. Assim, conforme aponta o art. 28 da Lei nº 11.343/06, as
condutas que são compatíveis ao consumo de entorpecentes ilícitos não podem ser confundidas
com as da comercialização e receberem o mesmo tratamento penal, sob pena de violação da
legalidade e proporcionalidade. No §2º do art. 28 da citada Lei, cabe ao legislador distinguir o
usuário do traficante, e nessa análise judicial, é indispensável dois critérios objetivos e cinco
critérios subjetivos (Tabela 3) para saber se a droga se destina ou não para consumo pessoal,
sendo eles:
Tabela 03 – Critérios para a distinção entre posse para uso e posse para tráfico de entorpecentes ilícitos
REQUISITOS 1) Natureza
OBJETIVOS 2) Quantidade
1) Local
REQUISITOS 2) Condições de ação
SUBJETIVOS 3) Circunstâncias sociais
4) Circunstâncias pessoais
5) Conduta e antecedentes do agente
Fonte: GOMES et al. (2015, p. 11) / Adaptação realizada pelos autores (2022).
Na fixação das penas, o juiz, em acordo com o artigo 42 da Lei nº 11.343/06, irá
considerar o previsto no art. 59 do Código Penal, e novamente são considerados 2 critérios
objetivos e 2 critérios subjetivos (Tabela 04) nessa análise, sendo eles:
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REQUISITOS 1) Natureza
OBJETIVOS 2) Quantidade
REQUISITOS 1) Personalidade
SUBJETIVOS 2) Conduta Social
Fonte: GOMES et al. (2015, p. 11) / Adaptação realizada pelos autores (2022).
REQUISITOS 1) Natureza
OBJETIVOS 2) Quantidade
1) Circunstâncias do fato
2) Razões que levaram à classificação
REQUISITOS 3) Local
SUBJETIVOS 4) Condições em que se desenvolveu a ação criminosa
5) Circunstâncias da prisão
6) Conduta
7) Qualificação e antecedentes do agente
Fonte: GOMES et al. (2015, p. 12) / Adaptação realizada pelos autores (2022).
Gomes et al. (2015) afirmam que a presunção da conduta não é definida apenas pelos
critérios objetivos, embora seja um elemento importante a ser aferido pela autoridade policial
ou judiciária na apreensão ou custódia do agente, os requisitos subjetivos também são
ponderados na análise do caso concreto. Um fato importante é que, mesmo diante da diferença
de tratamento estabelecido pela nova Lei nº 11.343/06, inexistem indicativos objetivos na
caracterização do usuário e traficantes de drogas. Em reflexo, duas estratégias diferenciadas são
adotadas pelo Direito comparado a política criminal sobre drogas. A primeira, refere-se a não
criminalizar uma conduta diante uma pequena quantidade de drogas apreendida, considerando
o princípio da bagatela. A segunda (atual legislação se insere), mesmo o agente apreendido com
pequena quantidade, comprovando a presença de outros elementos de prova lícitas, isso deve
sopesar na aplicação da Lei Penal e servir como referência de presunção do tráfico.
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procurador-geral da República, afirmou que o ponto da discussão não é o uso, mas o porte para
consumo que traz a possibilidade da propagação e do vício no meio social (CANÁRIO, 2015).
Por outro prisma, tem-se os posicionamentos favoráveis a inconstitucionalidade da Lei
nº 11.343/06. Através do Relatório do Ministério da Saúde, Araújo (2012) contrapõe os
discursos de proteção à saúde pública com a criminalização. De um total gasto com drogas
(ilícitas e lícitas) pelo SUS, 87,90% decorrem do consumo abusivo de álcool, e menos de 1%
com internações para usuários de maconha. Se a tese sustentada é a saúde pública e estudos
científicos revelam que a maconha é mais nociva ao organismo do que o álcool e o tabaco, por
que a cachaça é permitida e a maconha proibida? Nesse cenário, o princípio violado pela Lei,
segundo o autor, é o da isonomia, já que, ao ser surpreendido com maconha para uso próprio, o
agente é submetido a persecução criminal, enquanto um alcoolista bebe desmedidamente até
cair todos os dias no mesmo local em que foi flagrado o usuário da maconha.
A CF/88 instituiu o princípio da igualdade e da isonomia (art. 5º, “caput”) como direitos
e objetivos fundamentais do Brasil, protegidos como cláusulas pétreas (art. 3º, inciso III e IV).
Destarte, a norma que cria desigualdade e discriminação de forma arbitrária e injustificada,
deve ser considerada inconstitucional. Compreendendo que tanto a droga ilícita quanto a lícita
podem acarretar a dependência química, estabelecer a diferença de tratamento penal para os
usuários fere o princípio da igualdade. De um lado, os usuários de tabaco e álcool são protegidos
pelo Direito do Consumidor, por outro, o legislador criminaliza e estigmatiza o porte de outras
drogas. Tal distinção, sem aparo na CF/88, estaria sustentada apenas na reprovação moral do
indivíduo que não segue o padrão imposto pelo Estado. Contudo, salienta-se que o Direito e
moral não devem ser confundidos (SILVA, 2014).
Para Cotrim (2020), a problemática concerne na falta de definição precisa do art. 28 da
Lei nº 11.343/06 sobre o que é uso e o que é tráfico, gerando uma seletividade penal reforçada
pela falta de investigação. Para o usuário com emprego formal não é complexo provar não ser
um traficante, diferente do usuário negro, desempregado e morador de comunidades, sendo
comum este último ser processado e condenado como se traficante fosse. Coffi (2018) enfatiza
que fixo estão os critérios subjetivos (vide Tabela 03) na atual Lei, exigindo grande esforço
interpretativo do magistrado para indicar qual crime foi praticado. Em face de cada magistrado
interpretar a norma a sua maneira, incorre-se uma violação ao princípio da legalidade. O agente
pode praticar o delito de posse de drogas para uso na concepção de um magistrado e, o mesmo
fato, ser considerado tráfico na concepção de outro magistrado.
Existem várias falhas de técnica legislativo-penal-processual na atual Lei antidrogas. A
primeira crítica concerne ao art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 11.343/06, sendo chamado de
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norma penal em branco devido ao fato de ter sido atribuído ao Poder Executivo da União a
responsabilidade de listar as substâncias que seriam consideradas drogas e sobre as quais a
repressão estatal recairá (CERQUEIRA, 2021). Um ente não-legislativo legislar em matéria
penal não só infringe a reserva de Lei, como também o princípio constitucional da legalidade
penal. A outra crítica refere-se as “medidas educativas de comparecimento a programa ou curso
educativo” (art. 28, inciso III) que, por estarem inseridas no Capítulo III que trata “Dos crimes
e das penas”, passaram a ser consideradas como tal (BIZZOTTO; RODRIGUES; QUEIROZ,
2010).
Na concepção de Moreira (2019), a punição pelo porte de entorpecentes ilícitos para uso
através da aplicação de medidas socioeducativas (art. 28, Lei nº 11.343/06) trata-se de uma
violação ao princípio da liberdade (art. 5º, CF/88), um direito fundamental também preceituado
na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tal ação é inconstitucional, não incumbe ao
Estado interferir na vida privada de uma pessoa. Não existe nenhum fundamento legal para
impedir/proibir que um indivíduo adulto exerça seu direito de liberdade individual, tendo em
vista que o uso ou não de entorpecentes diz respeito apenas ao usuário, e não ao Estado. Por
outra forma, a conduta de uso trata-se de decisão privada. A intervenção do Estado na vida
privada de uma pessoa só pode ocorrer em caso da conduta individual causar lesão a um bem
jurídico de terceiro e, nesse caso, tem-se apenas a autolesão do usuário.
A partir dos discursos apresentados em defesa da inconstitucionalidade da Lei nº
11.343/06, Binati (2017) diz ser injustificável a continuidade da criminalização, dado que, os
danos sociais são maiores do que o consumo que tais substâncias proibidas poderiam causar.
Na prática, mesmo após mais de dez anos da promulgação da Lei de Drogas, fica comprovado
os fracassos que a política proibicionista tem acumulado em qualquer um de seus objetivos
declarados. Dentre tais fracassos, o autor menciona a violação de direitos fundamentais por um
sistema estruturado para a repressão, em especial, às populações menos favorecidas, a explosão
da população carcerária, a ausência de incentivos para uma reintegração social efetiva, a não
erradicação da produção/consumo dos entorpecentes ilícitos e o fracasso da política nacional
de segurança e saúde pública.
Os resultados alcançados neste estudo suscitam algumas conclusões e abrem novas
perspectivas ao estudo da presente temática. É destas conclusões e perspectivas que se falará
na próxima seção.
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3. CONCLUSÃO
tribunais superiores. Destarte, o final deste trabalho representa uma abertura para a continuidade
da pesquisa, já que a temática é extremamente abrangente e merece o devido aprofundamento
em qualquer um de seus aspectos.
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