Resumo
O presente trabalho discute a análise criminal como um instrumento de produção de
conhecimento, observando-se as condições de contumácia criminal, prevenção da
ocorrência, evolução, inércia ou diminuição da criminalidade, compreendendo o
desenvolvimento da análise criminal além de nossas fronteiras, através de teorias
sociológicas sobre o crime e relacionando com o trabalho desenvolvido no Brasil, com ênfase
no mapeamento criminal. O tratamento da informação auxilia a interpretação e
racionalização dos dados que passam pela detecção de padrões subjacentes, que ao serem
estudados pelo especialista podem criar modelos de previsão com políticas de prevenção e
controle, servindo de base para futuros desenvolvimentos no combate ao crime. Salienta que
embora o trabalho de análise criminal possa ser realizado por quem tenha interesse em fazê-
lo e com o devido preparo, pode-se concluir que a carreira de analista criminal deve ser
provida através de concurso público para áreas específicas, valorizando outros cursos, além
da formação em Direito, no setor de segurança pública.
Palavras-Chave: Análise criminal. Pontos Quentes. Mapeamento criminal. Inteligência.
Policiamento. Prevenção. Crime. Carreira.
1. Introdução
Crime é um fenômeno social e para que um fato delinquente ocorra, devem existir os
elementos, criminoso (sujeito ativo) e vítima ou objeto (passível de sofrer o sinistro)
envolvidos em espaço, tempo e oportunidade. Quando se fala em crime, a referência
normalmente é uma transgressão à lei, englobando uma infinidade de situações positivadas e
favorecidas por determinadas condições. Diversos são os motivos que podem levar a alguém a
cometer um crime, contudo, é o estudo detalhado destas praticas delituosas que contribuem
com a prevenção eficaz.
No entanto, a ação da polícia é principalmente reativa, tentando oferecer uma resposta aos
acontecimentos perturbadores da ordem pública. As ações repressivas ocorrem principalmente
nos locais periféricos e afastados, compreendidos como bairros sociais, focadas contra os
crimes patrimoniais e crimes contra a vida da pessoa. Essa investigação costuma ser feita de
forma precária, o que usualmente causa elevados números de processos pendentes ou
arquivados por falta de provas ou ainda por se ter esgotado o prazo legal de instauração
processual.
A análise criminal tem suas raízes na inteligência policial e prisional, esta última com relatos
da Bíblia (José, 1.512 AC). GOTTLIEB (1998), diz que o uso de certas técnicas usadas pela
polícia podia ser percebido ainda no período feudal na Inglaterra, pois naquele tempo, as
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pequenas populações das cidades e vilas permitiam que as pessoas se conhecessem umas as
outras, incluindo seus hábitos.
Poucos eram os momentos em que o policial local, em decorrência do nível de relação que se
estabelecia entre os moradores já não tinha opiniões formadas sobre o delito cometido e sobre
o provável criminoso.
Os primeiros traços do uso estruturado de rudimentos da análise criminal talvez devam ser
creditados a Henry Fielding (1707-1754), magistrado inglês que, conhecido por estimular o
público a denunciar crimes e prover descrições de criminosos, que após sistematizar tais
informações as utilizava para consultas e análises posteriores (SOUZA e DANTAS, 2004),
nas ruas da Londres.
O amplo exame de materiais nos dias atuais permite aos policiais colocar os criminosos na
cena do crime, que juntamente com as descobertas da psicologia sobre a natureza humana
permite o estabelecimento de padrões e hábitos determinando a natureza da atividade
criminal, predizendo futuras ocorrências e identificando os criminosos (GOTTLIEB, 1998).
Vollmer foi um dos primeiros a propor o uso de tais técnicas e introduzir um modo diferente
de gestão da atividade policial fazendo uso da análise criminal no suporte às operações
policiais, levando os grandes departamentos de polícia americanos a programar novos
esforços para a coleta e análise de informações sobre diversos tipos de ameaça ao país
promovendo a ascensão da análise criminal.
A consolidação da análise criminal nos Estados Unidos da América ocorre por volta dos anos
60, quando grandes departamentos de polícia começaram a implantar unidades de análise
criminal, primariamente, responsáveis pela identificação de modus operandi, descoberta de
padrões criminais em uma área geográfica e determinação da existência de relação entre
criminosos conhecidos e crimes ocorridos na área (GOTTLIEB, 1998) tornando-se
rapidamente uma referência, assim como o policiamento comunitário veio a ser nos anos 90.
Por volta de 1967, o Departamento de Justiça da Califórnia, seguido pelo Departamento
Estadual de Polícia de New Jersey, começou a desenvolver e usar algumas técnicas analíticas.
Um dos objetivos almejados pelo novo sistema é o de, exatamente, alterar o modo de
categorização dos registros, levando-os de uma categorização de natureza eminentemente
processual e jurídica a uma que atenda a objetivos de gestão e de políticas públicas.
Como em qualquer outro campo em crescimento, todavia, o progresso da análise criminal tem
ocorrido de forma tímida, embora em alguns Estados, a exemplo do Estado de Goiás, através
da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária, existam avanços como o
Observatório Criminal, que filtra dados, fomenta o trabalho policial e capacita servidores.
A análise criminal tem por objetivo apoiar as decisões estratégicas dos órgãos de polícia nas
áreas operacional e táctica, aprimorando os recursos humanos e materiais das forças de
segurança e simultaneamente prevenindo e reduzindo a criminalidade. Utiliza os sistemas de
informação geográfica para visualizar os dados de forma individualizada ou agrupada,
associando estes dados com outros fatores de tendência demográfica e socioeconômica que de
algum modo possam estar correlacionados com a criminalidade.
Algumas divisões da análise criminal são responsáveis pelo exame sistemático de boletins
diários de ocorrência de determinados tipos penais, de modo a determinar hora, local,
características específicas, semelhanças com outras ocorrências e vários outros fatores
significativos que podem contribuir para a identificação de um criminoso ou de um padrão de
atividade criminal.
Fundamentalmente, busca obter respostas para questões que possam interferir positivamente
na sociedade na resolução de problemas relativos ao crime. Incluem a realização de estudos
probabilísticos, de correlação e regressão, amostragem e utilização geral de aplicativos.
Possibilita definir a correlação como uma relação quantitativa entre duas variáveis: a
regressão como um método estatístico de prever uma variável a partir de outra e a
amostragem como a escolha ou seleção de uma amostra de dados que será o objeto de análise.
Existem fatores que afetam a intensidade e os tipos de crimes que ocorrem em certas
localidades, compreendidos como fatores condicionantes do crime e da criminalidade, tais
como a densidade populacional e o grau de urbanização local, o tamanho da comunidade e
suas áreas circunvizinhas. Outras relações importantes para se analisar o desenvolvimento da
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O analista criminal não resolve crimes em primeira pessoa nem tem o poder de decisão. Seu
trabalho consiste em fornecer alternativas de combate ao crime, fornecer dados estatísticos
sobre a dinâmica das ocorrências de roubos, homicídios, etc., confeccionando mapas de áreas
que necessitam de uma maior atenção, seja ela sazonal ou perene. É o responsável pelos fatos
e deverá comunicá-los aos seus superiores com agilidade, apontando soluções realizáveis e
eficientes frente aos recursos disponíveis.
Essas informações contribuem para um trabalho proativo para a eficácia da ação policial,
tanto na manutenção da ordem pública, como na resposta à prática criminal. Assim, a
inteligência policial alimentada pelas informações fornecidas pelo analista criminal
proporciona celeridade à justiça e reforça o dever do cumprimento da lei.
4. Teorias do Crime
Algumas teorias descrevem o crime como fenômenos e fazem classificações em grupos, com
divisões com foco na patologia do indivíduo, base econômica, sociedades, e ambientes, entre
outros fatores. Durkheim, em 1897 elaborou a teoria da anomia ou ausência de normas para
explicar o comportamento delinquente na sociedade, associando o desvio do indivíduo à falta
de bom senso ou desconhecimento das regras. Disso exposto, existe uma falta de harmonia
entre as metas da cultura local e as possibilidades de alcança-las, fazendo com que aquele que
se desvio do caminho estaria se rebelando diante dos padrões impostos. Como exemplo, pode-
se dizer que nas sociedades capitalistas seus integrantes aspiram por acumulo de bens, posição
social e riquezas em geral, contudo, não há a hipótese de que todos alcancem a meta ou
obtenham sucesso nessa busca ocasionando ações criminosas por aqueles que não aceitarem
essa discrepância social.
Outra teoria, como a de Sellin, em 1969, que diz respeito ao conflito cultural, defende que a
existência de muitas subculturas relacionadas à etnia, religiosidade e classes, entre outras, que
torna o consenso complicado de ser alcançado. Daí, se alguém se encontra inserido em uma
subcultura não dominante é considerado um apartado, recebendo retaliações do grupo
dominante. Essa teoria faz a distinção especial entre dois tipos de conflitos que ocorrem na
sociedade, o de cultura que causa um conflito interior e o de normas. Assim poderia ser
explicada a delinquência de classes excluídas socialmente pelo dinheiro e educação, porém
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não explicaria o mesmo comportamento daqueles que se encontram incluídos nas classes
médias altas e altas.
A teoria da estigmatização ou rotulação social, que considera existir crime somente por
haverem normas ou leis, defende que os desvios de conduta atenderiam aos que estão no
poder, de forma que a conduta faltosa não é por infringir a norma, mas porque foi etiquetada
pela autoridade constituída. Nesse caso, a polícia serviria apenas para agravar a quantidade de
pessoas em desacordo com a lei, iniciando o processo de rotulação do indivíduo preso, antes
mesmo de ser apenado. Desta forma, qualquer um que tenha cumprido pena torna-se um
errante sem direito ao perdão e não conseguirá as mesmas oportunidades na sociedade se
comparado com outro, em condições iguais, que não tenha uma ficha policial ou um
prontuário no sistema penitenciário.
Por fim, não menos importante, das teorias que não podem faltar neste trabalho, tem a teoria
do controle social, defendida por muitos, e entre eles, Mannheim, 1971, que a define como o
conjunto de métodos pelos quais a sociedade influencia o comportamento humano, com o
intuito de manter a ordem, com controles internos e externos. Logo, essa teoria busca dar uma
explicação ao motivo pelo qual algumas pessoas não comentem crimes, onde controle externo
significaria recompensa por conformidade ou castigo por desvios cominando com a certeza de
que quanto maior for à inserção social menor será a delinquência.
5. Estudando a Criminalidade
Para se compreender a criminalidade e apontar uma linha de ação policial é preciso realizar o
mapeamento criminal, pois será através dele que serão digitalizados em forma de mapa os
locais com maior incidência com as ocorrências procuradas, como roubo e homicídio, por
exemplo. Com isso, o analista criminal poderá identificar tendências, padrões da
criminalidade e o modus operandi dos perpetradores, visto que a análise criminal precisa
produzir conhecimentos relativos ao reconhecimento de parâmetros geográficos e temporais
do crime, revelando a atividade e identidade da delinquência criminal correspondente.
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Devemos repensar um novo modelo de polícia, não em outra polícia, e compreender que uma
melhor eficácia de combate ao crime ocorrerá quando o policial for capaz de realizar, em
qualquer situação, e em conformidade com a legislação, o ofício preventivo, ostensivo,
investigativo e de custódia da pessoa presa.
Não é difícil ouvir dizer nas emissoras de TV que muitos dos crimes são comandados de
dentro de nossas penitenciárias, que a polícia civil realiza investigações para apurar as
suspeitas, etc. Mas o que se pode verificar é uma total falta de entrosamento entre as forças de
segurança pública.
Nesse contexto, as atividades de inteligência são fundamentais, visto ser uma atividade típica
de Estado e compreende a busca de conhecimento mediante um conjunto de procedimentos e
rotinas específicas visando auxiliar o processo decisório voltado à defesa externa e interna e à
manutenção da ordem, utilizando-se de meios legais e materiais de dominação e controle e,
por consequência, os atributos do legítimo uso progressivo da força.
O surgimento de novas tecnologias foram grandes aliados das atividades de inteligência, tais
como: as câmeras espiãs em miniatura, máquinas fotográficas de altíssima resolução, aviões
em miniatura (drones), a comunicação criptografada, a biometria e o reconhecimento de
retina, entre outros.
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A atividade de inteligência voltada para o campo da segurança pública, com o uso das novas
tecnologias de gestão da informação e do conhecimento vem sendo incorporada e utilizada,
no que diz respeito à prevenção e ao enfrentamento à violência e à criminalidade e é essencial
para a análise criminal que por sua vez responde pela produção do conhecimento.
A inteligência com sua metodologia comprometida com a verdade tem como produto a
produção do conhecimento com conteúdo lógico e significativo, elencando algumas
ferramentas de análise, como por exemplo:
Compreende-se para efeito deste trabalho como Certeza, o acatamento integral, pela mente, da
imagem por ela formada, vez que não há dúvida alguma a respeito de determinado fato ou
situação; Opinião, como a possibilidade de um equívoco, contudo, bem próximo da realidade;
Dúvida, como um estado em que a verdade não está clara; e Ignorância, como sendo o estado
em que a mente encontra-se privada de qualquer imagem sobre a realidade específica, não
sendo possível produzir conhecimentos.
Se a mente se encontrar em estado metódico, situação de equilíbrio, com razões para aceitar e
negar que a imagem por ela mesma formada esteja em conformidade com determinado objeto,
estaremos na fase da dúvida.
Estando a mente, a partir de dois ou mais juízos conhecidos, caminhando ao encontro de outra
formulação que deles decorre logicamente, a situação será um raciocínio lógico.
Quando os resultados de muitos raciocínios formulam uma opinião frente à verdade, sobre
fatos ou situações passadas ou presentes, nos encontraremos no estágio de apreciação.
metropolitanos e agentes de segurança prisional, sobre o que se deve dizer ou não falar, de
que forma agir ou não participar de uma operação ou como proceder diante das ocorrências.
Muitos dos trabalhos policiais são obstruídos pela mídia, com repórteres que se comportam
como verdadeiros agentes de inteligência policial, descobrindo e divulgando informações
secretas que acabam por produzir o fracasso da ação policial.
8. Conclusão
combate ao crime. É importante notar que os dados captados para a segurança pública devem
ter um referencial com dois caminhos, que são a disponibilidade e a usabilidade social.
Assim, a partir dos resultados encontrados poderemos fomentar uma política de segurança
pública rigorosa no enfrentamento da impunidade, sem deixar de ser respeitadora dos direitos
humanos e com a participação da comunidade.
No entanto, não podemos esperar combater as causas da criminalidade do nosso tempo apenas
com a análise criminal, mas sua relevância atingiu um nível que requer uma carreira
consolidada que se efetivaria através de concurso público específico com foco nas áreas de
matemática, computação, lógica e outras disciplinas correlatas, valorizando outras áreas do
conhecimento acadêmico na segurança pública, pois os profissionais policiais em sua grande
maioria possuem formações na área de Direito e outras disciplinas de humanas.
Essa diversidade curricular traria benefícios para a realização do trabalho do analista e serviria
de incentivo para que outros cursos de graduação reduzissem a evasão escolar, favorecendo
mais uma vez, com uma ação simples, a diminuição da criminalidade através da “igualdade”
de oportunidades.
Caberá também às polícias aumentarem sua capacidade analítica com um trabalho orientado
para a solução de problemas com estratégias e inteligência para que se possa trabalhar uma
metodologia ampliando as unidades de estatísticas e análise criminal ou observatórios como o
observatório criminal da secretaria de segurança pública e administração penitenciária no
Estado de Goiás, pois a troca de conhecimentos entre profissionais das polícias militar e civil
e agentes de segurança prisional culminaria em um trabalho com a maior eficácia no combate
ao crime e à criminalidade com justiça social.
Contudo, para que isso ocorra deverão ser disponibilizados mais recursos, inclusive do
Governo Federal, para a implementação de novos projetos e concretização daqueles que já
demonstraram ser eficazes na orientação do trabalho policial.
O analista criminal deve ter a consciência de que atividades de policiamento não são capazes
de solucionar definitivamente a criminalidade, visto que desde o início da humanidade os
homens cometem crimes por diversos motivos, mas é inegável que sua atuação reduzirá
significativamente as ocorrências nos locais beneficiados pelo seu labor.
Entretanto, sabemos que essa redução, por mais significativa que seja não é fiel, pois o que
ocorre é o deslocamento do crime para outros setores com menor vigia ou com “risco-
benefício” aceitável para “labuta” do criminoso.
Com isso, caberá ao analista criminal mudar também suas estratégias na condição de
enfrentamento do crime, compreendendo as mudanças e prevendo as novas migrações,
reduzindo-se assim a criminalidade, promovendo uma sociedade mais justa, equilibrada e
confiante no trabalho policial.
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9. Referências Bibliográficas
ANTUNES, Priscila Carlos Brandão. SNI & ABIN: uma leitura da atuação dos serviços
secretos brasileiros ao longo do século XX. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.
BARIN, Eliana C. Nogueira; LAGO, Decio. Mineração de Textos. Revista das Ciências
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Violência: Segurança Pública. Almanaque Abril 2004. São Paulo, S.P: Editora Abril, 2004,
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WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1999.