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número

12
ISSN: 2177-0247

Publicação do Instituto de Segurança Pública • Ano 12 • Nº 12 • setembro de 2020

Neste número:

A inteligência estratégica como atividade essencial para as instituições de segurança pública


[Hélio Hiroshi Hamada e Renato Pires Moreira]

Histórico, implementação e uso do Sistema Guardião® de interceptação de dados de informática e


telemática nas garantias do cidadão
[Miguel Ângelo Duarte Ticom, Wanderson de Freitas Pereira Neto, Silde Monteiro de
Albuquerque, Israel Carbone de Carvalho e Arnaldo Rosa da Silva Jr.]

Interação entre atividade de inteligência e policiamento ostensivo: a experiência da Operação


Segurança Presente
[Fernanda Fonseca]

Emprego da análise criminal na atividade de inteligência de segurança pública


[Katia Machado Fernandez ]

Análise de tiroteio e letalidade por facções criminosas a partir dos dados do Disque Denúncia
[Afonso Borges e Jonas Pacheco]

Inteligência criminal para redução de delitos: o caso dos roubos de carga no estado do Rio de Janeiro
[Marcos Roberto Ribeiro da Costa, William Fonseca Pamplona Figueiredo, Isaque Regis
Ouverney e Leonardo Tavares Ribeiro]

Busca exploratória: ação de inteligência policial ou cautelar de colheita de prova?


[ João Carlos Girotto]
Editorial
Vanessa Campagnac
Editora da Revista Cadernos de Segurança Pública

E sta 12ª edição da Revista Cadernos de Segurança Pública traz como tema
Atividades de Inteligência e Segurança Pública. E para tal, uma inovação: nossa
edição feita em parceria com a Escola de Inteligência de Segurança Pública do
Estado do Rio de Janeiro (ESISPERJ), vinculada à Subsecretaria de Inteligência
(SSINTE) da Secretaria de Estado de Polícia Civil, algo inédito nos mais de dez
anos da Cadernos.
Para esta edição registramos recorde do número de trabalhos inscritos,
o que fez o trabalho de escolha dos artigos, por parte dos pareceristas e do
conselho editorial, ainda mais árduo. Além disso, as inscrições vieram de todos
as regiões do Brasil, o que comprovou que a parceria realizada para esta ocasião
rendeu ótimos frutos e ampliou nosso alcance. Após análise cuidadosa de cada
proposta, chegamos, juntos, a esta edição, onde pudemos encartar os sete artigos
mais relevantes.
Assim, trazemos nesta edição artigos explorando diferentes aspectos das
atividades de inteligência, com discussões sobre seus limites e possibilidades
na segurança pública, passando por exemplos de experiências conduzidas pelas
polícias Civil e Militar nesta temática, além de outros discutindo a interface
entre tais atividades e aquelas relativas à análise criminal.
No primeiro artigo desta edição, Hélio Hiroshi Hamada e Renato Pires
Moreira, ambos da Polícia Militar de Minas Gerais, trazem sua contribuição
discutindo como a inteligência estratégica deve ser aplicada na alta gestão das
instituições de segurança pública. Enfatizam que tais atividades devem ser
realizadas com precisão, pois perpassam por dimensões gerenciais e impactam
sobremaneira os resultados finalísticos das organizações.
O segundo artigo compartilha a experiência da Secretaria de Estado de
Polícia Civil na implementação do Sistema Guardião® no estado do Rio de
Janeiro, que tem como premissas o planejamento estratégico e a inteligência
policial. Os autores Miguel Ângelo Duarte Ticom, Wanderson de Freitas Pereira
Neto, Silde Monteiro de Albuquerque, Israel Carbone de Carvalho e Arnaldo
Rosa da Silva Jr., todos da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado
de Polícia Civil, demonstram a relevância e o caráter técnico desse sistema de
interceptação telefônica como meio de obtenção de prova no processo penal,
constituindo exceção à tutela constitucional de inviolabilidade ao sigilo das
comunicações.
O artigo seguinte expõe uma experiência ocorrida no âmbito da Secretaria
de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro. A autora, major Fernanda
Cunha, apresenta as atividades de inteligência de segurança pública no âmbito
operacional da SEPM no que se refere ao programa Segurança Presente,
focando na interação entre os agentes empregados na atividade de inteligência e
os agentes atuantes no policiamento ostensivo das ruas.
Katia Machado Fernandez assina o quarto artigo desta edição e discute
a inserção da análise criminal como ferramenta assessória à produção de
conhecimentos de inteligência de segurança pública. Seu texto enfatiza a
atividade de análise criminal como meio de auxiliar na compreensão de crimes
de forma ampliada, fornecendo ao gestor cenários criminais significativos e
coerentes, possibilitando melhorias substanciais nos processos de gestão da
segurança pública.
As possibilidades de análise criminal no escopo das atividades de inteligência
é o tema do quinto artigo desta edição. Afonso Borges (analista do Centro de
Pesquisas do Ministério Público do Rio de Janeiro) e Jonas Pacheco (analista do
Instituto de Segurança Pública) analisam dados sobre tiroteio e letalidade a partir
de comunicações ao Disque Denúncia, identificando as facções criminosas que
mais aparecem envolvidas nas denúncias feitas pela população no Rio de Janeiro.
Da mesma forma, o sexto artigo, escrito por Marcos Roberto Ribeiro
da Costa, William Fonseca Pamplona Figueiredo, Isaque Regis Ouverney e
Leonardo Tavares Ribeiro, da Federação das Indústrias do Estado do Rio de
Janeiro (Firjan), fornece mais exemplos de como é possível reduzir determinados
delitos a partir de ações de inteligência e atuação integrada de forças de
segurança. Partindo da perspectiva organizacional, focam nas atividades de
inteligência criminal e nas ações para redução de roubos de carga no estado do
Rio de Janeiro em 2018, destacando que tal modelo integrado pode ser replicado
para outras regiões.
Encerrando esta edição, João Carlos Girotto, Delegado de Polícia Federal,
discute limites e possibilidades das ações de busca exploratória, verificando sua
faceta de medida de inteligência policial em relação à possibilidade de obtenção
de prova judicial.
Com esta edição, em parceria com a ESISPERJ, esperamos contribuir
para a compreensão de temas relacionados às atividades de inteligência e sua
indissociável interface com a segurança pública, com base em trabalhos técnicos
e metodologias específicas, prezando pelo cientificismo para embasar tomadas
de decisão dos atores estratégicos da segurança pública nacional. Esperamos que
valha sua leitura!
A inteligência estratégica como
atividade essencial para as instituições
de segurança pública

Hélio Hiroshi Hamada


Doutor em Educação pela UFMG, Tenente-Coronel da Polícia Militar de Minas Gerais, Subcomandante da Academia de Polícia Militar, Especialista
em Estudos de Violência e Criminalidade, Diplomado pela Escola Superior de Guerra no Curso Superior de Inteligência Estratégica

Renato Pires Moreira


Especialista em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública, 2º Sargento da Polícia Militar de Minas Gerais. Analista de Inteligência.
Bacharel e licenciado em Geografia

Resumo
A atividade de inteligência tem por objetivo o assessoramento aos níveis decisórios e perpassa por dimensões gerenciais
que impactam nos resultados finalísticos de cada organização. Por sua vez, a inteligência estratégica trabalha com
o nível de alta gestão com vistas ao futuro das instituições, sendo foco do presente artigo aquelas que cuidam da
segurança pública. As argumentações foram construídas a partir de referencial bibliográfico e trazem como resultados a
apresentação de modelos, ferramentas de trabalho e produtos da Inteligência Estratégica na segurança pública.

Palavras-chave
Inteligência, estratégia, segurança pública, cenários, assessoramento.

As opiniões e análises contidas nos artigos publicados pela revista Cadernos de Segurança Pública são de inteira
responsabilidadeCadernos
de seus autores, não representando,
de Segurança Pública necessariamente,
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Número de Segurança
● Janeiro de 2010Pública.
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[Hélio Hiroshi Hamada e R enato Pires Moreira]

Introdução

A segurança pública no Brasil impõe uma série de desafios para os


governantes no sentido de construção de políticas públicas eficazes. Atuações
de organizações criminosas direcionadas para o narcotráfico e o comércio
clandestino de armas, altos índices de homicídios colocando o país no topo
do ranking de letalidade no mundo, violência generalizada contra cidadãos,
principalmente nos grandes centros urbanos, visível nos roubos a transeunte
e a estabelecimentos comerciais, são alguns exemplos de problemas com os
quais as instituições de segurança pública têm de lidar no seu cotidiano.
A estruturação de políticas eficazes de combate à criminalidade passa por
muitos fatores que devem ser minuciosamente detalhados e organizados de
forma a obter os melhores resultados. Bayley e Skolnick (2001) afirmam que
aumentar o número de policiais ou a participação da polícia no orçamento
não reduz necessariamente os índices de criminalidade, o mesmo dizendo
sobre o serviço de patrulhamento motorizado aleatório. De acordo com os
mesmos autores, o patrulhamento intensivo de fato reduz o crime em uma
localidade qualquer, mas apenas temporariamente, em grande parte porque
o desloca para outras áreas. Assim, verifica-se que há necessidade de que a
polícia invista em ideias inovadoras, menos burocráticas e mais seguras, com
um sistema inteligente e com interação com a comunidade.
Conforme Tony e Morris (2003), no século XX a organização policial
evoluiu em resposta às mudanças de tecnologia, na organização social e no
controle político em todos os níveis da sociedade, cujos maiores progressos
se deram nas áreas de estruturação de comando, mobilização de patrulheiros
e no acesso e uso de sistemas de informação. Assim, emergiram estratégias
que se voltaram para o modelo de Polícia Comunitária e o de Policiamento
Orientado para a Solução de Problemas.
Mesmo com novas estratégias de policiamento, há necessidade de
especialização em determinados setores das organizações policiais. Nesse
contexto, a atividade de inteligência insere-se como importante ferramenta
para auxiliar na tomada de decisões e na formulação de estratégias de
enfrentamento à criminalidade. De acordo com Cepik (2003b), a origem e a
evolução da atividade de inteligência acompanham a evolução das instituições
de Estado e seguem em conformidade com as demandas da sociedade. No
Brasil, Gonçalves (2016) desenha a atividade de inteligência em categorias
derivadas da denominada “Inteligência Clássica”, sendo a vertente de
inteligência de segurança pública aquela voltada para os problemas de 1 - Para Cepik (2003a), serviços de inteligên-
criminalidade e violência. cia são órgãos do poder executivo que trabalham
prioritariamente para os chefes de Estado e de
Nessa perspectiva, infere-se que os serviços de inteligência1 atuais, governo e, dependendo de cada ordenamento
conforme entendimento de Fernandes (2011) e Lowenthal (2012), constitucional, para outras autoridades da ad-
existem, entre outras razões, para evitar surpresa estratégica; proporcionar ministração pública e mesmo do parlamento,
especializados na coleta e na análise de infor-
conhecimentos em médio e longo prazos; apoiar o processo político; propor
mações sobre temas, indivíduos e organizações
políticas, estratégias, planos e ações que visem a preparar estes serviços
relevantes para os processos decisórios nas áreas
para enfrentar os desafios futuros; e para manter o sigilo de informações, de política externa, política de defesa nacional e
necessidades e métodos. manutenção de ordem pública.

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[Hélio Hiroshi Hamada e R enato Pires Moreira]

Assim, de forma sistêmica, as instituições responsáveis pela manutenção


da ordem previstas na Constituição Federal se organizam e exercem seu papel
de assessoramento aos seus respectivos níveis decisórios. Porém, mesmo
com uma boa bagagem doutrinária2 , há um problema que estas instituições
ainda enfrentam, que é o domínio e o uso da inteligência estratégica para
o assessoramento em níveis mais elevados de decisão e de formulação de
políticas de médio e longo prazos. Esse é o ponto que se pretende discutir no
presente artigo, além de oferecer proposições para o melhor funcionamento
desta prática pelas instituições de segurança pública.

2. O pensamento estratégico nas organizações

O pensamento estratégico faz parte das atividades do nível de direção


das organizações e as prepara para os eventos futuros, sempre com base
nos objetivos traçados em planos estratégicos. Em termos de segurança
pública, os estudos dos eventos futuros conduzem as instituições a traçar
metas e objetivos para evitar surpresas, como, por exemplo, nas atividades
envolvendo a articulação de crimes transnacionais ou nos delitos cibernéticos,
ou naquelas que envolvam tecnologias de uso dual3, como armas biológicas,
químicas ou nucleares que potencializam a desordem social.
De acordo com Schwartz (2003), o mundo vive hoje um cenário de
surpresas, algumas positivas e outras negativas. Todavia, ainda existem fatos
e fatores com os quais pode-se contar, ou até mesmo ignorar, por saber que
deixarão de existir. Segundo o autor, pode-se contar com muitas coisas,
mas especialmente três delas devem merecer atenção em qualquer contexto
turbulento: 1º) sempre haverá surpresas; 2º) será possível lidar com elas;
3º) muitas podem ser previstas, ou no mínimo fazer boas suposições sobre
como a maioria se dará. Um exemplo dado pelo autor nesse sentido foi o de
que anteriormente ao ataque às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2011,
talvez o evento mais comentado da história, formaram-se, nas duas décadas
anteriores, meia dúzia de comissões altamente respeitadas que haviam
sinalizado que algo muito semelhante poderia ocorrer, inclusive muitas
previsões citando especificamente o World Trade Center como alvo. 2 - Em relação ao aspecto doutrinário da inte-
Outras variáveis são consideradas no pensamento estratégico, como ligência de segurança pública no Brasil, o Sub-
sistema de Inteligência de Segurança Pública
tendências da legislação criminal que levem ao endurecimento ou
(SISP) dissemina aos entes que fazem parte des-
relaxamento de penas, o comportamento da economia macro, os movimentos te sistema a Doutrina Nacional de Inteligência
sóciopolíticos que demonstrem inquietações populares, as novas tecnologias de Segurança Pública (DNISP) que, até a data
e os cenários prospectivos da geopolítica moderna. De acordo com Toffler de encerramento desta produção acadêmica, está
e Toffler (1998), há algumas décadas, a “guerra da informação” é uma em sua quarta versão. Publicada inicialmente
realidade para as organizações militares e grupos privados de estudos, no ano de 2009 (mas tendo uma versão não
oficial difundida no ano de 2007), a DNISP
com parte das discussões girando em torno da guerra eletrônica, defesa
vem sendo a base doutrinária para os serviços de
contra ataques cibernéticos e uso de equipamentos para enganar centros inteligência que atuam no âmbito da segurança
de comando, enviando sinais falsos, fazendo com que o desenvolvimento pública nacional.
e o uso de tecnologias de informação e seus respectivos programas sejam 3 - Bens de dupla utilização: produtos e tecno-
componentes vitais para a estratégia do conhecimento que vise a antecipar logias normalmente usadas para fins civis, mas
as guerras do amanhã. que também podem ter aplicações militares.

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[Hélio Hiroshi Hamada e R enato Pires Moreira]

Entender o fluxo informacional da inteligência estratégica e transformá-


lo em conhecimentos para o futuro é algo que demanda uma capacidade
analítica do profissional de inteligência. Marcial e Grumbach (2008, p. 57)
mencionam as “sementes do futuro”, que seriam definidas como os desafios
que os profissionais têm em relação ao estudo do futuro. Segundo os
referidos autores, “a identificação e análise dessas sementes, na ótica da visão
prospectiva, é que poderá levar à identificação de possibilidades de futuros
com maior consistência”.

Quadro 1 – Definições das “sementes do futuro”


Sementes do futuro Conceitos e características
[...] são os indivíduos, grupos, decisores ou organizações que influenciam ou
recebem influência significativa do sistema e/ou do contexto considerado
no cenário. Configuram-se como as sementes mais importantes, pois são os
Atores
verdadeiros agentes de mudança. São os atores que podem mudar o curso
dos acontecimentos, mesmo em eventos em que não podem impedir sua
ocorrência [...].
[...] referem-se àqueles eventos cuja perspectiva de direção é suficientemente
consolidada e visível para se admitir sua permanência no período
considerado. São movimentos muito prováveis de um ator ou variável dentro
Tendências de peso do horizonte do cenário [...]. ão determinam a lógica dos cenários mas podem
ser vistas como aquelas variáveis que irão dar o “tom” nos enredos e não
podem deixar de ser contempladas ou mesmo analisadas em qualquer estudo
prospectivo.
[...] referem-se àqueles eventos já conhecidos e certos, cuja solução ou
Fatos ou elementos controle pelo sistema ainda não se efetivou [...]. Não são determinantes para a
predeterminados definição da lógica dos cenários, mas devem ser considerados na composição
do enredo dos cenários.
[...] sinais ínfimos, por sua dimensão presente, existentes no ambiente, que
podem sinalizar a existência de incertezas críticas, de surpresas inevitáveis
ou coringas (wildcards) [...]. São sementes importantes a serem identificadas
Fatos portadores de futuro
durante os estudos de futuro, principalmente nos processos de construção
de cenários, pois determinam sua lógica e sinalizam a existência de outras
sementes.
[...] constituem-se naquelas variáveis incertas que são de grande importância
para a questão principal. Pode-se dizer que se constituem naqueles fatos
portadores de futuro considerados mais importantes e com grau de incerteza
Incertezas críticas
maior para a questão principal, ou seja, aqueles que determinam a construção
dos cenários [...]. A identificação e o monitoramento de seu comportamento
também são importantes para o atingimento das estratégias empresariais.

[...] forças previsíveis, pois têm suas raízes em forças que já estão em
operação neste momento, mas não se sabe quando irão se configurar, nem
Surpresas inevitáveis
podemos conhecer previamente suas consequências e como nos afetarão.
Geralmente são classificadas erroneamente como tendências.
[...] referem-se às grandes surpresas, difíceis de serem antecipadas ou
entendidas; possuem pequena probabilidade de ocorrência, são de
Coringas ou wildcards grande impacto, e geralmente surpreendem a todos, em parte porque se
materializam muito rapidamente, tão rapidamente que sistemas sociais não
podem efetivamente respondê-los.

Fonte: Adaptado de Marcial e Grumbach (2008, p. 58-61).

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[Hélio Hiroshi Hamada e R enato Pires Moreira]

Ainda, conforme bem menciona Marcial e Grumbach (2008, p. 61), “a


identificação e análise das sementes do futuro servirão tanto para a construção
do futuro como para que as organizações e as pessoas possam estar melhor
preparadas para o futuro, que é múltiplo e incerto”. Assim, configuram-se
como elementos essenciais ao estudo de cenários prospectivos, levando as
instituições a se prepararem para as surpresas e, caso ocorram, saberão lidar
com elas.

3. Papel da inteligência estratégica nas instituições de segurança


pública

Na era da internet, a atividade humana tende a se concentrar cada vez


mais em ambientes virtuais, espaços nos quais surgem novos conceitos
de processos, tecnologias e gestão vinculados à atividade de inteligência.
Marcial e Grumbach (2008, p. 33) afirmam que o processo de globalização
e a concorrência acirrada entre as empresas em um ambiente de turbulência
são decorrentes do desenvolvimento da telemática. E, ainda, “o acesso e a
manipulação de grande volume de informações, que podem ser obtidas de
formas cada vez mais fáceis, rápidas e baratas, geram maiores impactos tanto
no macroambiente quanto no ambiente negocial das organizações”.
Tal complexidade passa também pela segurança pública, seja no ambiente
interno ou no ambiente externo, e pela “necessidade crescente de absorverem
conhecimento. Dessa forma, as organizações cujas estruturas, processos,
pessoas e tecnologias não estiverem alinhados com os negócios não terão
como sobreviver por muito tempo” (CARDOSO JÚNIOR, 2005, p. 22).
Na doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG), a inteligência
estratégica apresenta-se como “exercício permanente de ações direcionadas
à obtenção de dados e à avaliação de situações relativas a óbices que venham
impedir ou dificultar a conquista ou a manutenção dos Objetivos Nacionais”
(BRASIL, 2010, p. 94).
Já especificamente no campo da segurança pública, Fernandes (2011, p.
85) afirma que a primeira parte do conceito da inteligência de segurança
pública, prevista na Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública
(DNISP), “refere-se à inteligência estratégica de segurança pública ou
inteligência policial estratégica quando trata da prospecção das ameaças
que estão ocorrendo (reais) e daquelas que podem ocorrer (potenciais)”.
Ainda, quando se verifica a primeira finalidade da inteligência de segurança
pública, também se percebe o viés estratégico, qual seja, o de “proporcionar
diagnósticos e prognósticos sobre a evolução de situações do interesse
da segurança pública, subsidiando seus usuários no processo decisório”
(BRASIL, 2015, p. 15).
A aplicabilidade de um trabalho desenvolvido pela inteligência estratégica
no âmbito da segurança pública perpassa pelo desenvolvimento de um
planejamento específico, no qual os profissionais de inteligência necessitam
de questionamentos a serem respondidos. Tais questionamentos, tratando-

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se da inteligência estratégica, são os seguintes: a quem interessa? qual a


necessidade? o que já se sabe a respeito? quem possui o dado? por que precisa
saber? quanto custa? qual a necessidade de conhecer? Destaca-se que, além
da necessidade de obtenção de respostas para o atingimento dos objetivos,
também há a viabilidade de respostas ao contido na fase de planejamento,
previsto na Metodologia de Produção do Conhecimento4, disciplinada para
a segurança pública na DNISP.
Acrescenta Fernandes (2011, p. 144) que “as próprias organizações foram
moldando suas estruturas, adaptando-se às novas exigências e inserindo
novas formas de gestão que lhes trouxesse maior segurança ao processo
decisório, principalmente por intermédio da antecipação das grandes
mudanças”. Agrega-se a essa conjuntura a afirmação de Telemberg (2015)
de que em todos os segmentos a atividade de inteligência é intelectualizada,
técnica e abrangente, o que leva o profissional à necessidade de aprimorar-se
sempre, não dependendo unicamente do estímulo da instituição, devendo
estar sempre motivado e atento às constantes mudanças de cenários,
buscando atualizar-se e multiplicar seu conhecimento.
Dessa forma, antecipar as tendências torna-se a chave para o sucesso
ou até mesmo para a sobrevivência das organizações. Em relação à
criminalidade, Ratcliffe (2009) aponta que o entendimento dos padrões
criminais é essencial para a operacionalização de ações preventivas por parte
da polícia. Mas o padrão criminal e as ações preventivas são as extremidades
de um processo que envolve diretamente as agências de inteligência.
De acordo com Ratcliffe (2009), as prioridades são determinadas
pela base de conhecimento que irão mitigar os riscos da organização ou
comunidade. Assim, a prevenção de riscos requer que haja proatividade para
sua realização, que por sua vez requer a habilidade de identificar e antecipar
os eventos, e, por conseguinte, a observação e identificação de padrões. A
Figura 1 esquematiza esse relacionamento entre a prevenção e o padrão
criminal.

Figura 1 – Relacionamento entre prevenção e padrão do criminal

Fonte: Adaptado de Ratcliffe (2009).

Assim, Ratcliffe (2009) explica que a indicação de padrões é essencial


para que haja uma intervenção que impacte o ambiente criminal, decorrente
4 - Metodologia específica utilizada na ativida-
da habilidade da inteligência em processar e influenciar o pensamento de de inteligência que visa à transformação do
estratégico dos tomadores de decisão. Esse processo é denominado por dado em conhecimento por meio do tratamento
Ratcliffe (2008) como Intelligence-led policing, cujo conceito mostra que há três das informações coletadas, que são avaliadas e
pontos que devem estar interligados: a análise de inteligência criminal, o interpretadas. Segundo a DNISP, possui as
seguintes fases: planejamento, reunião, processa-
tomador de decisão e o ambiente criminal (Figura 2).
mento e difusão.

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[Hélio Hiroshi Hamada e R enato Pires Moreira]

Figura 2 – The 3i model (interpret, influence, impact)

Fonte: Adaptado de Ratcliffe (2008, p. 110).

Nesse sentido, no entendimento de Eck e Clarke (2013), a análise de


inteligência tem uma orientação futura, que tenta determinar qual atividade
criminosa provavelmente acontecerá se a polícia não fizer nada para evitá-
la. Em suma, na inteligência a análise é proativa. Consequentemente, usos
reativos de informações, como resolver crimes que já ocorreram, geralmente
não são incluídos na análise de inteligência. A resolução de crimes ajuda a
corrigir eventos passados e, embora vital, isso não é planejado para evitar
incidentes futuros. A informação investigativa pode ser convertida em
inteligência quando é analisada com o objetivo de prevenir futuros crimes.
Desta feita, infere-se que os gestores dos níveis estratégicos das
instituições de segurança pública necessitam conhecer exatamente suas
necessidades e quais temáticas e processos devem ser executados pela
inteligência estratégica.

4. Produtos e ferramentas de inteligência estratégica

Fernandes (2014) propõe uma taxonomia em relação aos produtos de


inteligência, os quais variam de acordo com as necessidades dos tomadores
de decisão. A partir do momento em que se analisa ponto a ponto,
percebe-se que essa taxonomia se encaixa perfeitamente ao que se pretende
estabelecer sobre a inteligência estratégica no âmbito da inteligência de
segurança pública. Segundo o autor, “a classificação das várias categorias
de inteligência tem mantido alguma estabilidade ao longo do tempo [...]”,
sendo que algumas das classificações possíveis são: inteligência corrente ou
atual; inteligência prospectiva (estimativa); inteligência de alerta; inteligência
de base; inteligência de investigação; e inteligência científica e tecnológica.

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Quadro 2 – Taxonomia dos produtos de inteligência


Classificação Característica

Atividade relativa a eventos diários e com interesse imediato para a missão


de uma instituição. Visa a assessorar os decisores sobre assuntos correntes da
evolução de determinada situação ou fenômeno, avaliar o significado da sua
evolução relativamente ao contexto e suas consequências em curto prazo, bem
Inteligência corrente (ou atual)
como identificar potenciais situações de risco futuro. Possui como base dados
e informações com elevada volatilidade, e que, por vezes, são difundidos de
forma incompleta (sem processamento e análise completos). Possui ainda
diferentes periodicidades e pode ser difundida na forma de relatórios e briefings.

Atividade produzida a partir de informações incompletas e baseada em


avaliações de natureza prospectiva. Visa a estimar as potenciais consequências
da alteração de determinado status quo. Possui parte dos fatos disponíveis e
explora os potenciais cursos de desenvolvimento de determinado evento
Inteligência prospectiva
ou fenômeno e estima as consequências de tais desenvolvimentos para uma
(estimativa)
organização ou Estado. É adequada à decisão político-estratégica, pois fornece
orientação estratégica para o desenvolvimento de políticas públicas (de três a
cinco anos), tendo por base as avaliações das ameaças e dos riscos, das suas
consequências e dos possíveis resultados de cenários alternativos.

Atividade sobre as intenções de um adversário potencial adaptar ou rejeitar


determinado curso de ação. É uma avaliação de probabilidades que a distingue
das outras categorias de inteligência, e que identifica ameaças e riscos que
Inteligência de alerta exigem uma resposta imediata. O tipo de resposta pode ser político, em um
primeiro momento, ou mesmo militar e das forças e serviços de segurança.
Produz cenários (do tipo baixa probabilidade/elevado impacto) relativos a
ameaças e riscos que impendem sobre a segurança interna.

Apresentada na forma de monografias relativas a dados geográficos,


Inteligência de base demográficos, econômicos, sociais, políticos, militares e biográficos. Trata-se
de inteligência que apresenta uma certa estabilidade quanto à sua atualidade.

Inteligência constituída por monografias e estudos aprofundados. Esta


Inteligência de investigação Inteligência sustenta tanto a inteligência corrente com a inteligência
prospectiva.

Inteligência que aborda os desenvolvimentos técnicos e as características, as


Inteligência científica e capacidades e do esempenho das tecnologias usadas e/ou desenvolvidas por
tecnológica adversários. Esta inteligência é difundida aos consumidores sob a forma de
estudos aprofundados, manuais, sumários executivos e briefings.

Fonte: Adaptado de Fernandes (2014).

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A inteligência estratégica como atividade essencial para as

12 instituições de segurança pública


[Hélio Hiroshi Hamada e R enato Pires Moreira]

Cabe citar outros produtos da inteligência estratégica que são elaborados


com base nos objetivos estratégicos, como visão, missão, negócio e riscos
das instituições, como a Estimativa de Inteligência5; Análise de Riscos;
Conjuntura e Prospecção de Cenários; Análises de Ambientes e Análises
Estratégicas.
Os produtos da inteligência estratégica devem estar voltados para
a antecipação e a adaptação a cenários futuros. Trata-se de um elemento
estratégico e básico para que as instituições possam responder às
oportunidades e ameaças e, algumas vezes, a decisões que podem ser
errôneas e equivocadas, além de diminuir incertezas, gerenciar e avaliar
riscos, acompanhar conjunturas e minimizar surpresas.
Nesse sentido, independentemente de categorias, funções, taxonomias ou
outros sinônimos afetos a uma categorização de inteligência, especificamente
a inteligência estratégica, conforme descreve Fernandes (2014), seu objetivo,
como regramento geral, é a necessidade de contribuir para a produção de
documentos e/ou conhecimentos sobre o ambiente decisório e o espaço
físico e social nos quais, e sobre os quais, o usuário em nível estratégico
tem de decidir. Ainda, conforme o autor, especificamente em relação às
instituições policiais, estas sobrevivem na medida em que necessitam ter
conhecimento do que aconteceu, como aconteceu, do que está acontecendo
e, principalmente, o que poderá vir a acontecer, tanto no ambiente interno
como no externo.
Para que os produtos da inteligência estratégica possam ser difundidos
de forma simples, objetiva, oportuna e com qualidade para assessoramento
do processo decisório organizacional, deverão ser sustentados em técnicas
acessórias (ou analíticas) e metodologias específicas, capazes de auxiliar o
profissional de inteligência durante a avaliação, a análise, a interpretação
e a integração dos dados e/ou informações que se transformarão em 5 - Conforme Gonçalves (2016), a Estimativa,
como conhecimento de inteligência, vem ganhan-
conhecimentos de inteligência.
do espaço no Brasil, na medida em que os servi-
Destaca-se a existência de algumas técnicas importantes e úteis para ços de inteligência, consequentemente as agências
a prospecção de cenários, objeto principal da inteligência estratégica. de inteligência, voltam-se para análises de cará-
ter mais estratégico. Cita-se, por exemplo, a Po-
Dentre as técnicas (ou instrumentos acessórios), destacam-se: Brainstorming;
lícia Militar de Minas Gerais (PMMG) que,
Brainwriting; Técnica Delphi; Painel de Especialistas; Técnica de Simulação; no período de 2010 a 2016, além da Agência
Analogia Histórica; Análise Morfológica; Valores Contextuais; Lacunas Central, também tinha uma Agência de Inte-
Estratégicas; Elaboração de Cenários; Extrapolação de Tendências em Séries ligência Estratégica no âmbito do Sistema de
Temporais; Modelagem Dinâmica; Matriz de Impacto Cruzado; Matriz de Inteligência da Polícia Militar (SIPOM). Em
Análise Estrutural (motricidade versus dependência); Matriz GUT; Matriz de 2017 esta é extinta e, consequentemente, suas
funções passam a ser exercidas, infimamente,
Incerteza Crítica; Sinéctica; Questionários e Entrevistas; Teoria dos Jogos; e
pela Agência Central. Entretanto, no mês de
Matriz de Favorabilidade e Probabilidade. julho de 2019, após um rearranjo na estrutura
Já em relação às metodologias de construção de cenários apropriadas organizacional da citada instituição, cria-se no-
vamente a Agência de Inteligência Estratégica
para o exercício da atividade especializada de inteligência estratégica,
(AIE), com um viés estritamente estratégico e
importante referenciar Fernandes (2016), o qual selecionou as principais com a possibilidade de assessoramento do Alto-
metodologias de prospecção de cenários utilizadas por grandes organizações Comando gerencial da PMMG (Comandante-
e, ainda, sugeriu uma metodologia específica para instituições de segurança Geral, Chefe do Estado-Maior, Subcomandan-
pública. Vale destacar que existem inúmeras metodologias disponíveis, mas te-Geral entre outros) nos assuntos de natureza
para o presente objeto delimitam-se: Metodologia Godet; Metodologia da política/estratégica.

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A inteligência estratégica como atividade essencial para as

13 instituições de segurança pública


[Hélio Hiroshi Hamada e R enato Pires Moreira]

Global Business Network (GBN); Metodologia Grumbach; Metodologia Porte;


Metodologia Prospec; Metodologia Sagres; Metodologia General Electric
(GE); Metodologia ESG; Metodologia de Vanston, Frisbie, Lopreato e
Poston; Metodologia de Rattner; Metodologia de Robbins; Metodologia
de Schoemaker; e Metodologia Policial Militar de Construção de Cenários.
Esta última, proposta por Fernandes (2016, p. 343), conforme menciona
o autor, “trata-se de uma metodologia de prospecção de cenários viável e
exequível, compatível com as necessidades institucionais e as características
organizacionais da Polícia Militar”.
Fernandes (2011, p .118-119), analisando a inteligência estratégica, afirma
que esta categoria de inteligência “possui o seu olhar sempre voltado para
o futuro”, e, para tal, necessita ser sustentada para a idealização de futuros
possíveis. Afirma o autor, ainda, que as técnicas específicas e metodologias
apropriadas, inclusive, “podem ser empregadas por outros segmentos do
conhecimento humano”.
Para que a inteligência estratégica possa atingir o ápice de sua
funcionalidade no campo da segurança pública, ela deve amparar-se de um
trabalho permanente e sistemático baseado em fontes abertas6, de técnicas
acessórias e ferramentas analíticas de inteligência com capacidade de
prospecção e construção de cenários. Assim, colabora com a temática da
segurança pública no que tange à identificação de tendências correntes e
emergenciais da criminalidade e dos fenômenos a elas associados, às ameaças
e às vulnerabilidades, possibilitando o desenvolvimento e a aplicabilidade da
inteligência de segurança pública nas organizações policiais.

5. Considerações finais

A alta direção das instituições de segurança pública, nos níveis


estratégicos, é constantemente demandada a tomar decisões em momentos
de adversidade e com base em um grande fluxo informacional. Para tal,
é necessária uma assessoria capaz de interpretar variados ambientes e,
consequentemente, entender o futuro que se apresenta, em médio e longo
prazos.
6 - Conforme Cepik (2003), quando se fala
A inteligência estratégica é uma atividade essencial para o assessoramento em reunião de fontes abertas, trata-se do acrô-
nimo OSINT que, originariamente, de acordo
das instituições de segurança pública, na medida em que sua natureza
com a doutrina norte-americana, identificamos
é prospectiva. A inteligência estratégica, para conduzir positivamente o
com Open Source. Trata-se da obtenção le-
referido assessoramento, deve abordar os fenômenos da criminalidade de gal de dados, informações e/ou conhecimentos
acordo com a prossecução dos objetivos das citadas instituições, identificando sem restrições de segurança, direta e não-clan-
possibilidades, tendências, ameaças e vulnerabilidades, de modo a estimar destina, disponíveis nas mais variadas fontes
alterações nos ambientes interno e externo e, ainda, identificar os impactos disponíveis e abertas, cujo acesso é permitido
sem quaisquer restrições de segurança. Acres-
que tais alterações terão nas organizações.
centa Gonçalves (2016, p. 122) que “antes de
Para tanto, o profissional de inteligência, ao desenvolver as suas funções começar a produzir qualquer conhecimento, o
na inteligência estratégica no campo da segurança pública, deve utilizar-se analista deve reunir o maior número possível
dos instrumentos acessórios, das ferramentas analíticas de inteligência e de de informações sobre o tema, informações essas
que se encontram, em grande parte, disponíveis
metodologias de construção de prospecção de cenários, além de possuir
para a coleta”.

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A inteligência estratégica como atividade essencial para as

14 instituições de segurança pública


[Hélio Hiroshi Hamada e R enato Pires Moreira]

conhecimento dos requisitos necessários para elaborar os delineamentos


de cenários prospectivos dos eventos monitorados. Além disso, deve ser
capaz de perceber a importância do fluxo e da produção de documentos e de
conhecimentos de inteligência, com visão prospectiva, a partir da construção
de cenários.
Por fim, espera-se que as instituições de segurança pública, ao
apropriarem-se da assessoria da inteligência estratégica, estejam aptas a
serem assessoradas em assuntos de interesse estratégico com a finalidade
de propor políticas e ações para enfrentar os desafios do futuro. Ainda, que
a inteligência estratégica possa dedicar-se estritamente à identificação das
“sementes do futuro”, especificamente em relação aos fatos portadores de
futuro, criando significados e realizando a conversão do conhecimento,
além de ofertar continuamente a oportunidade de monitoramento no
macroambiente, identificar e antecipar as oportunidades e as ameaças,
as forças e as fraquezas, e contribuir para a evolução das instituições em
ambientes de incertezas.

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A inteligência estratégica como atividade essencial para as

15 instituições de segurança pública


[Hélio Hiroshi Hamada e R enato Pires Moreira]

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Histórico, implementação e uso do
Sistema Guardião® de interceptação
de dados de informática e telemática
nas garantias do cidadão

Miguel Ângelo Duarte Ticom


Comissário de Polícia, Diretor-Geral da Busca Eletrônica da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado de Polícia Civil

Wanderson de Freitas Pereira Neto


Perito Criminal Oficial, Doutor em Física de Reatores Nucleares, Coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento de Software da Diretoria-Geral de Busca
Eletrônica da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado de Polícia Civil

Silde Monteiro de Albuquerque


Oficial de Cartório, Estatístico e Bacharel em Direito, Coordenador da Inteligência de Interceptação de Telefonia e Telemática da Diretoria-Geral de busca
Eletrônica da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado de Polícia Civil

Israel Carbone de Carvalho


Inspetor de Polícia, Economista, Coordenador da Inteligência Cibernética da Diretoria-Geral de Busca Eletrônica da Subsecretaria de Inteligência da
Secretaria de Estado de Polícia Civil

Arnaldo Rosa da Silva Jr.


Inspetor de Polícia, Analista de Redes, Coordenador da Inteligência de Fontes Abertas da Diretoria-Geral de Busca Eletrônica da Subsecretaria de
Inteligência da Secretaria de Estado de Polícia Civil

Resumo
Este estudo tem como finalidade demonstrar a relevância da interceptação telefônica como meio de obtenção de prova
no processo penal, constituindo exceção à tutela constitucional de inviolabilidade ao sigilo das comunicações. Com a
elaboração deste trabalho é possível verificar os pontos de maior relevância acerca da interceptação telefônica e a sua
operacionalização pela polícia judiciária do estado do Rio de Janeiro, que, atualmente, atravessa uma nova fase, baseada
em planejamento estratégico e inteligência policial. Ainda, podemos verificar que por meio das auditorias realizadas
no sistema de interceptação telefônica e de dados Guardião®, da empresa nacional Dígitro, ficam garantidos o direito
do cidadão ao sigilo das comunicações telefônicas previsto na Constituição Federal, no art. 5°, inciso XII, e quaisquer
outras violações, além de excepcional, previstos na Lei n° 9.296/1996.

Palavras-chave
Interceptação telefônica, Sistema Guardião®, sigilo telefônico.

As opiniões e análises contidas nos artigos publicados pela revista Cadernos de Segurança Pública são de inteira
responsabilidadeCadernos
de seus autores, não representando,
de Segurança Pública necessariamente,
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Número de Segurança
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Histórico, implementação e uso do Sistema Guardião® de

18 interceptação de dados de informática e telemática nas garantias do


cidadão
[Miguel Ângelo Duarte Ticom, Wanderson de Freitas Pereira
Neto, Silde Monteiro de Albuquerque, Israel Carbone de Carvalho
e Arnaldo Rosa da Silva Jr.]

Introdução

Interceptação telefônica é o desvio e o acesso a todos os dados gerados


por voz oriundos de um terminal telefônico, podendo ser de rádio, linha
fixa e/ou móvel. Apesar de a interceptação telefônica ser, de forma usual,
denominada como “escuta telefônica”, a seguir verificaremos que são
conceitos distintos. A interceptação telefônica pode ser realizada com
o conhecimento ou não de um ou de ambos interlocutores, e é hoje um
instrumento de acesso a informações que vão protagonizar, em muitas ações
jurídicas, o meio principal de prova de fatos ilícitos e delituosos.
A Justiça, que detém a competência exclusiva para o deferimento das
interceptações telefônicas, acata a representação da autoridade policial ou
do membro do Ministério Público responsável pela investigação quando
verificados os requisitos da lei, uma vez que a interceptação telefônica
somente é autorizada para a investigação de determinados crimes e em
circunstâncias especiais.
Em 2007, por conta dos Jogos Pan-Americanos, a extinta Secretaria de
Estado de Segurança do Rio de Janeiro adquiriu o sistema de interceptação
telefônica Guardião®. A partir daquele momento o Rio de Janeiro passou a
utilizar um sistema técnico e especializado, que inaugurou uma nova era na
área da inteligência policial e no combate à criminalidade.
O trabalho com essa nova ferramenta consistiu em um grande desafio para
a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, uma vez que as interceptações
telefônicas eram antes realizadas diretamente pelas unidades de polícia
judiciária – delegacias distritais e especializadas – e que naquele momento
passaram a ser concentradas na Subsecretaria de Inteligência (SSINTE), que
integrava a estrutura da extinta Secretaria de Estado de Segurança do Rio
de Janeiro (SESEG). Atualmente, a SSINTE integra a Secretaria de Estado
de Polícia Civil1.
Essa centralização permitiu não somente uma abordagem técnica das
interceptações telefônicas, mas também o controle de todas as operações
e sua adequação aos limites legais impostos pela Lei nº 9.296/19962 , a qual
regula o tema.
A interceptação telefônica é tratada na Lei nº 9.296/1996, que veio
regulamentar a parte final do inciso XII, do art. 5º da Constituição Federal
de 1988, que cuida da quebra do sigilo telefônico e cuja uniformização foi 1 - Com o Decreto n° 46.544/2019, de 1° ja-
concretizada por meio das resoluções nº 59 e nº 84 editadas pelo Conselho neiro de 2019, o então governador do estado do
Nacional de Justiça, em 2008 e 2009, respectivamente. Rio de Janeiro, Wilson Witzel, recém empos-
sado, extinguiu a Secretaria de Estado de Se-
É importante destacar que a interceptação telefônica entrou em uma gurança do Rio de Janeiro, criando assim duas
nova fase com o advento da expansão dos sistemas de telefonia. Na década outras secretarias de estado, uma sendo a Secre-
de 1960 os sistemas de telefonia evoluíram e, mais tarde, com o advento do taria de Estado de Polícia Civil (SEPOL) e a
celular, os meios de comunicação alcançaram um desenvolvimento jamais outra sendo a Secretaria de Estado de Polícia
visto. Militar (SEPM).
2 - Disponível em: <http://www.planalto.gov.
Neste mesmo sentido, o crime também evoluiu e, aproveitando toda br/ccivil_03/leis/l9296.htm>. Último acesso
a tecnologia, os criminosos passaram a utilizar os meios de comunicação em fevereiro de 2020.

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[Miguel Ângelo Duarte Ticom, Wanderson de Freitas Pereira
Neto, Silde Monteiro de Albuquerque, Israel Carbone de Carvalho
e Arnaldo Rosa da Silva Jr.]

em favor da criminalidade. Atualmente, verifica-se que nenhum crime é


cometido sem que haja comunicação, mínima que seja, entre os envolvidos.
Não bastasse isso, o crime organizado se utiliza dos meios de comunicação,
principalmente os de telefonia, para controlar e comandar ações, mesmo de
dentro de presídios.
Assim, por via de consequência, a investigação passou a demandar uma
forma mais efetiva de combate às novas modalidades criminosas praticadas
com o auxílio dos meios de comunicação, criando a necessidade de
regulamentação legal para as ações investigativas nesta seara. Surgiu, então,
a necessidade de determinação das hipóteses de incidência que ensejariam
a quebra do sigilo constitucionalmente tutelado e as limitações da atuação
do poder público, a fim de garantir tanto a efetividade da persecução penal
como o respeito aos direitos e garantias dos indivíduos.
Antes da aquisição do Sistema Guardião® pela Polícia Civil do Estado
do Rio de Janeiro, poucas unidades policiais distritais ou especializadas
realizavam suas interceptações por meio do uso de computadores que ficavam
sob o controle direto da autoridade policial. O trabalho de interceptação de
comunicações telefônicas da forma como era realizado pela polícia judiciária
não permitia nenhum tipo de controle interno ou externo, bem como não
produzia informações para a instituição, pois não havia armazenamento em
banco de dados, nem havia a produção de estatísticas que demonstrassem
a quantidade de operações realizadas, os alvos sob investigação, ou os
resultados obtidos por meio dos desvios.
Assim, o amadorismo e a falta de processos e técnicas na realização
das interceptações telefônicas traziam prejuízos para a instituição policial
não só no âmbito da investigação criminal em si, mas também em âmbito
administrativo, uma vez que a ausência de auditoria e de formação de banco
de dados sobre as operações e procedimentos investigativos que envolviam
interceptações telefônicas prejudicavam o planejamento e o controle das
ações policiais no estado. Sem controle, não havia uma resposta exata, e
muito menos rápida, quando dados acerca das interceptações telefônicas
eram necessários para pautar qualquer ação institucional de inteligência.
Estas foram, portanto, as principais demandas que exigiram que a
Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro desse novo tratamento à questão
da interceptação telefônica, iniciando uma busca por excelência, para
transformar o trabalho empírico e quase artesanal produzido até então em um
processo técnico, composto por diversas etapas, com controle institucional
e jurisdicional, com formação de banco de dados, com acesso restrito por
senha, com análise de dados e de vínculos e com registros estatísticos,
demandando qualificação profissional dos servidores da segurança pública
vinculados aos setores de inteligência policial.
Assim, em março de 2007, a SESEG adquiriu o Sistema Guardião®,
que, no âmbito da Polícia Civil, naquele momento, era operado pela
Coordenadoria de Inteligência (CINPOL, agora extinta), inaugurando um
novo modelo de trabalho para a realização das interceptações telefônicas no
estado, que passaram a ser operadas por meio da utilização desta ferramenta,

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que não só otimiza o trabalho policial, mas permite a produção legal de


meios de prova para garantir a efetividade da persecução penal pelo poder
judiciário.
Cabe ressaltar que, no panorama atual da Secretaria de Estado de Polícia
Civil do Rio de Janeiro, a CINPOL foi extinta e os servidores que eram
lotados nesta coordenadoria foram transferidos para a Subsecretaria de
Inteligência (SSINTE) da atual secretaria.

O direito constitucional à inviolabilidade das comunicações e a


Lei n° 9.296/1996

Abaixo o trecho da Constituição da República Federativa do Brasil de


1988 sobre os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviola-
bilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie-
dade, nos termos seguintes: (…)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegrá-
ficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por
ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de
1996)3.

Da leitura do texto constitucional acima transcrito, verifica-se que a


garantia à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações não é absoluta,
mas relativa, sendo admitidas exceções legítimas no próprio plano do
ordenamento legal.
Tanto quanto a tutela à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações
telefônicas, o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa, previsto
no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal, tem pertinência no estudo e
na consecução das interceptações telefônicas.

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados


em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes4.

Ainda que se trate de diligência possível como exceção constitucional e


regulamentação legal, a interceptação telefônica, por sua natureza, corre em 3 - Disponível em: <http://www.planalto.gov.
sigilo com o total desconhecimento dos alvos investigados, os quais não têm, br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >.
Último acesso em julho de 2019.
em princípio, a oportunidade sequer de exercer o contraditório e a ampla
defesa durante a sua execução. 4 - Idem.

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Certo é que o magistrado não pode levar a cabo uma condenação penal
baseando seu convencimento nas provas colhidas exclusivamente na fase do
inquérito policial. De fato, pelo princípio do livre convencimento motivado,
o juiz é livre para apreciar a prova, mas, ao decidir, deve fundamentar sua
decisão com base nas provas produzidas nos autos, conforme previsão no
art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.

Art. 93 - Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, dis-


porá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
(...)
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limi-
tar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados,
ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade
do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)5.

Por sua vez, sendo a prova o meio pelo qual se demonstra a verdade
de algo, é intuitivo que a sua produção carece do contraditório e de ampla
defesa, sem os quais há franca violação ao Estado Democrático de Direito e
ao consagrado no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.
Em que pese ser a inquisitoriedade uma das principais características
do inquérito, o que afasta a ampla defesa do acusado, é evidente que isso
não significa total ausência de direitos e a consideração do acusado como
“objeto” da investigação, sendo ele pessoa e, portanto, titular de todos os
direitos e garantias assegurados pela Constituição e pelas leis. Entre eles,
o de ser considerado, e consequentemente tratado, como inocente até a
condenação penal definitiva.
Neste sentido, o fundamento da condenação necessita de demonstração
cabal de autoria e materialidade, o que só é alcançável, no Estado Democrático
de Direito, mediante o contraditório e a ampla defesa.
Embora a Lei n° 9.296/1996 regulamente a interceptação telefônica, seu
art. 1°, parágrafo único, diz que “o disposto nesta Lei aplica-se à interceptação
do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”. Ou seja,
fica claro que esta lei contempla a interceptação de qualquer tipo de dado,
seja ele telefônico ou oriundo de qualquer fonte ou sistema eletrônico, desde
que devidamente autorizado, conforme normatizado no trecho transcrito
abaixo.

LEI Nº 9.296, DE 24 DE JULHO DE 1996


Regulamenta o inciso XII, parte final, do artigo 5º da Constituição Federal.
Art. 1º - A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza,
para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, obser-
vará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do Juiz competente da ação
5 - Idem.
principal, sob segredo de justiça.

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Parágrafo único - O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de


comunicações em sistemas de informática e telemática.
Art. 2º - Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas
quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração pe-
nal; II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com
pena de detenção. Parágrafo único - Em qualquer hipótese deve ser descrita
com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e
qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente
justificada.
Art. 3º - A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determi-
nada pelo Juiz, de ofício ou a requerimento:
I - da autoridade policial, na investigação criminal;
II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na
instrução processual penal.
Art. 4º - O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a
demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração
penal, com indicação dos meios a serem empregados (...)6.

Interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação clandestina

As interceptações telefônicas legalmente disciplinadas e efetuadas com


obediência aos requisitos impostos no ordenamento jurídico são aceitas
como provas lícitas, sendo admissível seu resultado como fonte de prova
no processo penal. Surge, então, a necessidade de diferenciação entre os
institutos da interceptação telefônica, da escuta telefônica e da gravação
clandestina, que são frequentemente tratadas com enorme imprecisão, com
consequências relevantes, uma vez que desafiam disciplinas legais distintas.
Qualquer interceptação pressupõe, necessariamente, três protagonistas:
dois interlocutores e um interceptador, que capta a conversação sem o
consentimento daqueles ou com o consentimento de um deles. Quando a
captação é feita pelo terceiro por meio de um gravador e entre presentes,
estamos diante da interceptação ambiental. Já a escuta telefônica consiste na
captação da conversa pelo interceptador quando um dos interlocutores tem
conhecimento da interceptação.
Na gravação clandestina ou ilícita há só dois comunicadores, sendo que
um deles grava a própria conversa com o outro, telefônica ou não, sem o
conhecimento de seu interlocutor. Trata-se de gravação de conversa própria,
que, embora não se enquadre na tutela do sigilo das comunicações (art. 5º,
inciso XII, da CF), relaciona-se com a proteção à intimidade (art. 5º, inciso
X, da CF).
Vale ressaltar que inexiste tipo penal que incrimine a gravação clandestina
ou ambiental com base na premissa de que, em um processo de comunicação,
tanto o emissor como o receptor são titulares da mensagem, de modo que
o sigilo só existe em relação a terceiros, os quais estão liberados para gravar 6 - Idem.

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Neto, Silde Monteiro de Albuquerque, Israel Carbone de Carvalho
e Arnaldo Rosa da Silva Jr.]

o conteúdo da mensagem. Entretanto, a divulgação desta mensagem, sem


justa causa, poderá ser considerada ilícita, subsumindo-se a conduta ao tipo
previsto no art. 153 do Código Penal, que trata da Divulgação de Segredo.

O Sistema Guardião®

O Sistema Guardião® é um conjunto de software e hardware fabricado pela


empresa Dígitro, sediada em Florianópolis, Santa Catarina, que desenvolveu
tecnologia própria. É um sistema capaz de realizar interceptação de voz e
dados, disponibilizar acessos simultâneos e gravar ao mesmo tempo centenas
de ligações, além de oferecer recursos avançados de análise de áudio.
O Guardião® é adquirido pelas polícias estaduais e federal e o Ministério
Público de acordo com suas demandas. Cada sistema é dimensionado
de acordo com a necessidade de cada cliente, sendo, portanto, flexível e
modular, com interface 100% web, permitindo ao analista acessar o sistema
de qualquer lugar de forma segura, transformando-se hoje na ferramenta de
maior utilização no combate ao crime organizado no Brasil.
O Guardião® é um sistema que possibilita o acompanhamento em
tempo real de todos os áudios, permitindo a marcação de sua relevância,
sendo o acesso às informações condicionado a uma senha. Esta senha é
a garantia da auditoria do sistema e permite que todos os profissionais da
Subsecretaria de Inteligência (SSINTE) que estiverem diretamente ligados
à operação como administradores do sistema tenham acesso aos áudios e
dados desviados. Esta senha também é gerada para as autoridades policiais,
membros do Ministério Público, juízes, bem como para policiais por eles
indicados.
O acesso ao sistema é feito por meio de teclado virtual com utilização de
token (primeira versão) e as senhas são assinaturas eletrônicas, que garantem
a restrição e o controle de acesso. Na versão atual não é feito o uso do token
para o acesso ao sistema.
Após a autorização judicial, que é a materializada por meio de ofícios
dirigidos às operadoras de telefonia, inicia-se a operação, que é o efetivo
trabalho de interceptação de alvos, com o cadastramento das linhas
telefônicas que serão interceptadas no sistema e seus respectivos desvios.
Os desvios – Discagem Direta Ramal (DDR) – são os números
telefônicos que são encaminhados às operadoras de telefonia para que sejam
cadastrados junto aos alvos. Para cada alvo existe um desvio, funcionando o
Sistema Guardião® como um grande gravador com ferramentas de busca.
Portanto, é possível concluir que o Guardião® não intercepta, por si só,
as linhas autorizadas judicialmente, tendo em vista a necessidade de efetiva
participação das operadoras para que os dados de voz sejam desviados para
o sistema e gravados.
Toda a difusão do conhecimento pode ser feita de forma criptografada,
sem riscos de ser decifrada, garantindo o acesso somente às pessoas

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Histórico, implementação e uso do Sistema Guardião® de

24 interceptação de dados de informática e telemática nas garantias do


cidadão
[Miguel Ângelo Duarte Ticom, Wanderson de Freitas Pereira
Neto, Silde Monteiro de Albuquerque, Israel Carbone de Carvalho
e Arnaldo Rosa da Silva Jr.]

autorizadas. Assim, o Guardião® favorece a segurança das informações,


com recursos para a realização de auditorias, permitindo que verificações
periódicas sejam feitas, com o controle simultâneo de todas as operações
efetivadas. Os dados e a voz referentes ao alvo (telefone monitorado) são
desviados para o Guardião®, que procede à gravação e ao armazenamento.
Ainda, o sistema gerencia todos os prazos previamente cadastrados no
sistema, os alvarás de interceptação emitidos pelos juízes e as DDRs, que
significam canais onde os áudios dos alvos são gravados.
O Guardião® permite auditar todos os acessos e consultas ao sistema.
O cadastramento da operação no sistema é seguido de um processo que
funciona da seguinte forma: obedece a um processo vinculado à SSINTE,
que administra e cria acesso para os servidores autorizados pelas autoridades
policiais ou pelos membros do Ministério Público. Desta forma, somente o
agente cadastrado consegue visualizar a sua operação.
O Guardião® também registra os logs de acesso, que podem ser solicitados
a qualquer momento pela autoridade responsável pela investigação/
interceptação. Por fim, é por meio dos logs de acesso que a auditoria pode
ser realizada.

O Sistema Guardião® no estado do Rio de Janeiro

As unidades policiais – delegacias distritais e especializadas – faziam as


interceptações telefônicas em suas próprias sedes e em equipamentos que,
muitas vezes, sequer eram fornecidos pela administração pública para esta
finalidade. Entretanto, com a implementação do Sistema Guardião® a partir
de 2007, tornou-se possível a operacionalização técnica das interceptações
telefônicas realizadas no âmbito da polícia judiciária do estado, com registro
de acesso aos áudios e identificação dos responsáveis pelas gravações, além
do controle das operações por meio de senhas, as quais são exigidas para a
obtenção do conteúdo dos áudios gravados, que são criptografados e ficam
restritos aos servidores responsáveis pelo procedimento de interceptação e
pelo judiciário.
A adoção desse sistema pela instituição policial também demandou
capacitação dos profissionais lotados na SSINTE, naquela época vinculada
à extinta SESEG, assim como daqueles lotados no setor de inteligência da
Polícia Civil, uma vez que a nova tecnologia, além de exigir conhecimento da
ferramenta, requer constante atualização acerca das modificações periódicas
do software. Além disso, passou-se a exigir total conhecimento dos limites
legais de atuação e das determinações procedimentais para a realização da
diligência, de modo a garantir sua finalidade como prova instrutória de
investigações criminais, dando subsídios para o oferecimento da denúncia
pelo Ministério Público e para a entrega da prestação jurisdicional pelo
poder judiciário.
Atualmente, a utilização do Sistema Guardião® garante o respeito aos
direitos individuais, isto porque, como já visto, o sigilo das comunicações

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25 interceptação de dados de informática e telemática nas garantias do


cidadão
[Miguel Ângelo Duarte Ticom, Wanderson de Freitas Pereira
Neto, Silde Monteiro de Albuquerque, Israel Carbone de Carvalho
e Arnaldo Rosa da Silva Jr.]

telefônicas tem proteção na Constituição Federal, no art. 5º, inciso XII, e


qualquer violação, além de excepcional, sofre limitação legal, neste caso pela
Lei n° 9.296/1996.
Portanto, são inibidas todas as formas de acesso e divulgação de áudios,
mesmo quando autorizados pela justiça, eis que o vazamento é condenável
e passível de punição, tanto na esfera administrativa como na esfera penal.
A tutela aos direitos e garantias individuais também é reforçada pelo rígido
controle exercido atualmente pelas corregedorias internas e pelo controle
externo exercido pelo poder judiciário e pelo Conselho Nacional de Justiça.
A instituição policial, pautada nos princípios que norteiam a administração
pública, em especial a legalidade, a moralidade e a eficiência, mantém
estreita observância às limitações constitucionais e às determinações legais,
principalmente por conta da possibilidade de auditar todos os processos.
O Sistema Guardião® sofre, ainda, dupla conferência, por parte da
SSINTE e das operadoras de telefonia, no tocante ao desvio de áudios,
uma vez que a interceptação telefônica somente é levada a efeito depois da
confirmação das linhas objeto de autorização judicial junto aos responsáveis
pelas operações em cada instituição, diminuindo a margem de erro. Isto é feito
a fim de evitar a violação da intimidade de um alvo equivocadamente, o que,
como já visto, constitui violação de grande gravidade e com consequências
institucionais e pessoais.

Considerações finais

Atualmente vivemos um momento em que os setores de inteligência das


forças de segurança do estado do Rio de Janeiro vêm norteando as ações
estratégicas, por meio da integração de bases e bancos de dados, criando um
novo conceito em análise de informações e de atuação policial.
Essa nova visão vem respaldar o processo de substituição gradativa
da polícia repressiva pela polícia preventiva, norteada por um conceito de
inteligência policial voltado para o estudo da criminalidade, baseada em
fontes de dados concretos extraídos da realidade, além de planejamento,
estratégias, ações e análise de resultados.
Essa noção vem sendo cada vez mais disseminada entre os órgãos
responsáveis pela segurança pública, os quais, mesmo quando diretamente
ligados a atividades de repressão e enfrentamento direto do crime, têm sua
atuação pautada pela legalidade que funda e mantém o Estado Democrático
de Direito.
Uma gestão de segurança pública inspirada na inteligência e na
utilização de informações como principal ferramenta de trabalho resulta
na prevenção e na antecipação de prováveis ações criminosas, diminuindo
índices de criminalidade e os impactos negativos originados pelas políticas
de enfrentamento direto. Neste sentido, a modernização tecnológica é
imprescindível para o acompanhamento do fenômeno criminal e para o

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26 interceptação de dados de informática e telemática nas garantias do


cidadão
[Miguel Ângelo Duarte Ticom, Wanderson de Freitas Pereira
Neto, Silde Monteiro de Albuquerque, Israel Carbone de Carvalho
e Arnaldo Rosa da Silva Jr.]

aparelhamento da sociedade para enfrentar a criminalidade.


A aquisição e a efetiva implantação do Sistema Guardião® para a
operacionalização das interceptações telefônicas realizadas no estado do Rio
de Janeiro, por meio da Secretaria de Estado de Polícia Civil, demonstra
que o trabalho de investigação pode estar aliado integralmente à legalidade
e à transparência, os quais são imprescindíveis para o desempenho positivo
da atividade, para o alcance de resultados concretos e para a promoção da
tranquilidade e da paz social.

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cidadão
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Neto, Silde Monteiro de Albuquerque, Israel Carbone de Carvalho
e Arnaldo Rosa da Silva Jr.]

Referências bibliográficas

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Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Goiás, Goiás, 115 f. 2005.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016].
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Último acesso em julho de
2019.

BRASIL. Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm>. Último acesso em julho de 2019.

BRASIL. Lei n° 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, 77 do art. 5o da Constituição
Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9296.htm>. Último acesso em julho de 2019.

GRECO FILHO, V. Interceptações Telefônicas – considerações sobre a Lei nº 9.296 de 24 de julho de 1996. 1ª ed.,
São Paulo: Saraiva, 1996.

LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

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Interação entre atividade de
inteligência e policiamento ostensivo:
a experiência da Operação Segurança
Presente

Fernanda Fonseca
Major da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, Especialista em Sociologia Urbana pela UERJ, Especialista em Polícia e Cidadania pelo CESeC
– Universidade Cândido Mendes, Analista de Inteligência pela ESISPERJ

Resumo
A sociedade reivindica maior emprego da área de inteligência de segurança pública no âmbito operacional da Polícia
Militar, tanto para a produção de conhecimento como para a prevenção de crimes, propiciando o emprego adequado do
uso da força e assegurando a garantia da vida e da integridade física dos próprios policiais de polícia ostensiva. Assim,
por meio da experiência da Operação Segurança Presente, é apresentada a interação entre os agentes empregados na
atividade de inteligência e os agentes atuantes no policiamento ostensivo das ruas. O contato é prático e permanente, e
os resultados refletem a consolidação de boas práticas na interação com o público, ponto nevrálgico do serviço policial
como importante mantenedor da paz social.

Palavras-chave
Inteligência, segurança pública, policiamento preventivo, Operação Segurança Presente.

As opiniões e análises contidas nos artigos publicados pela revista Cadernos de Segurança Pública são de inteira
responsabilidade de seus autores, não representando,
Cadernos necessariamente,
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1 ● Número 1 ● deJaneiro
Segurança Pública.
de 2010 | www.isp.rj.gov.br
29
Interação entre atividade de inteligência e policiamento ostensivo: a
experiência da Operação Segurança Presente
[Fernanda Fonseca]

Introdução

Há algum tempo estudiosos de segurança pública reivindicam maior em-


prego da inteligência no âmbito operacional da Polícia Militar. O conheci-
mento produzido pode prevenir a prática de crimes e propiciar o emprego
adequado do uso da força, além de assegurar a garantia da vida e a integrida-
de física dos próprios policiais de polícia ostensiva.
Aqueles que se dedicam ao estudo da atividade estão certos de sua ampli-
tude e flexibilidade previstas em doutrinas e legislações, já comprovadas na
resolução de crimes, mas ainda pouco explorada pela polícia preventiva para
a manutenção do ordenamento social.
Este artigo apresenta a experiência da Operação Segurança Presente im-
plementada no estado do Rio de Janeiro no que se refere à interação entre
os agentes empregados na atividade de inteligência e os agentes atuantes no
policiamento ostensivo das ruas. O contato é diário, prático e permanente.
Os resultados são expressivos e estimulantes, e se traduzem tanto em altos
números de cumprimentos de mandado de prisão como na consolidação de
boas práticas na interação com o público, ponto nevrálgico do serviço poli-
cial como importante mantenedor da paz social.
A Operação Segurança Presente retorna aos bairros fluminenses o em-
prego do policiamento a pé, caracteristicamente mais acessível e facilmente
reconhecido pela população local, tornando-se rapidamente uma referência
de segurança e ordenamento local. Até então, está no rol dos programas e
projetos apresentados por gestões públicas que utilizam como inspiração as
práticas de policiamento de proximidade. O diferencial está nos encontros
com o público e no emprego de agentes civis treinados atuando em duplas
ou trios de policiais.
De forma prática e na contramão das ideias futurísticas ou demasiada-
mente caras, são oferecidos aos agentes atuantes no terreno ferramentas
tecnológicas para abordagens seguras e conduções pontuais às delegacias,
restringindo tais práticas aos indivíduos com pendências judiciais ou em si-
tuações de flagrante delito.
Com menos riscos, são reduzidos os momentos de tensão e estresse ocor-
ridos quando em encontro com o público, sendo esta a parte mais sensível
do trabalho policial. Os agentes mantêm suas abordagens aos indivíduos
suspeitos, ratificando sua identificação e dados fornecidos de forma rápida,
sem retirá-los de suas rotinas.
O estudo foi produzido levando em consideração o método dedutivo, fa-
zendo pesquisa bibliográfica com objetivos de caráter exploratório, seguido
de uma abordagem de modo a tornar mais explícita a relevância do projeto.

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Interação entre atividade de inteligência e policiamento ostensivo: a
experiência da Operação Segurança Presente
[Fernanda Fonseca]

1. A Operação Segurança Presente e suas práticas de policiamento


ostensivo

A Operação Segurança Presente foi criada no final do ano de 2014


(Decreto n° 46.261/2018 que altera o Decreto n° 45.475/2015), tendo o
bairro da Lapa como local precursor. Como premissa, o policiamento é
empregado diariamente, independentemente de feriados, e atua de forma
complementar ao policiamento ordinário. As abordagens são filmadas e as
ações possuem caráter social, mantendo a integração com diversos órgãos,
tais como Ministério Público, Tribunal de Justiça, Polícia Civil, Corpo de
Bombeiros, Conselho Tutelar e Disque Denúncia. Tal integração é um dos
pontos fortes da Operação.
Um diferencial do trabalho está na composição mista do efetivo,
composto por policiais militares e agentes civis. Em épocas de escassez de
profissionais em várias esferas de atividade do poder público, a Operação
inova mesclando a experiência de policiais inativos (reconvocados
voluntariamente ao serviço ativo), policiais contratados em seus horários
de folga (convênio com o CPROEIS1/PMERJ) e aqueles à disposição da
Secretaria de Estado de Governo (SEGOV), órgão onde o projeto está
sediado. Estes são os responsáveis pela manutenção dos valores e ativos do
projeto junto aos recém-chegados. Entre os agentes civis, estão assistentes
sociais, egressos das forças armadas – que atuam oferecendo suporte às
abordagens, como filmagens e controles administrativos – e policiais civis –
também contratados em seus horários de folga em apoio às delegacias para
agilizar o registro das ocorrências.
Atualmente, o programa contém 25 bases: Centro, Méier, Lapa, Aterro do
Flamengo, Lagoa, Ipanema, Leblon, Tijuca, Méier, Nova Iguaçu, Laranjeiras,
Bangu, Botafogo, Niterói, Austin (Nova Iguaçu), Duque de Caxias, Barra da
Tijuca, Recreio, Grajaú/Vila Isabel, Copacabana, Bonsucesso, São Gonçalo,
Madureira, Jacarepaguá e Irajá. Ainda, há planos de expansão para outros
bairros.
O projeto tem como alicerce a Teoria das Janelas Quebradas, publicada
em março de 1982 pela revista norte-americana The Atlantic Monthly e
implantada na cidade de Nova Iorque na década de 1990.
Naturalmente, o medo urbano traz a tendência de afastar as pessoas
do convívio social e, sem a interação dos membros da comunidade, os
mecanismos de controle social passam a estar mitigados ou mesmo ausentes.
Para Kelling e Wilson (1982), o sentimento crescente de distanciamento
interpessoal provocado pelo medo enfraqueceria os controles sociais, o que,
juntamente com a falta de efetividade do sistema de segurança pública e
a presença de “agentes motivados” para a delinquência, estabeleceria um
clima propício para a proliferação da desordem e do crime. Isso leva a crer
que a cidadania é, de alguma forma, afetada pelo ambiente de descaso com a
ordem pública, independentemente do nível socioeconômico da comunidade
considerada, de forma que “incivilidade” pode resultar do descompromisso 1 - Coordenadoria do Programa Estadual de
da comunidade em cuidar das suas próprias coisas. Integração na Segurança.

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Interação entre atividade de inteligência e policiamento ostensivo: a
experiência da Operação Segurança Presente
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Seria este o caso da permissividade em relação a comportamentos


socialmente reprováveis de crianças e adolescentes; negligência com a
limpeza, estética e integridade estrutural das unidades residenciais de um
bairro; relaxamento policial em relação a estranhos; descaso com o paisagismo
público; falta de manutenção das edificações públicas; etc. Segundo os
autores, também seria importante para a “saúde da vida comunitária” a
presença local de famílias inteiras e não apenas de moradores solitários.
Em contrapartida, De Miranda e Carvalho (2015) ressaltam que a política
de Tolerância Zero, símbolo maior da Teoria das Janelas Quebradas, é marcada
pelo excesso do soberano e desumanidade das penas; um funcionalismo
bipolar, um tudo ou nada; culpado ou inocente; um sistema binário, muito ao
gosto de uma pós-modernidade reducionista e maniqueísta. Para os autores,
a Teoria das Janelas Quebradas não prega a reforma do “desordeiro”, mas tão
somente sua punição, sua exclusão. Para os autores, julga-se o “desordeiro”
não somente por lhe dar um antecedente criminal, tampouco por condená-
lo, mas por transformar o indivíduo em alguém que precisa ser controlado,
removido e observado. A desordem do Estado, enfim, garante a ordem. A
violência policial é necessária; um meio para um fim maior.
A cidade de Edmonton, no Canadá, é um exemplo de implantação
do serviço de policiamento comunitário associado à Teoria das Janelas
Quebradas. O programa aborda a redução da criminalidade e a prevenção
tanto de uma perspectiva de policiamento como de uma perspectiva de
trabalho social/desenvolvimento comunitário. Por meio do site do EPS2
(Edmonton Police Service – Serviço de Polícia de Edmonton), é possível
conhecer e participar de programas de apoio à vítima, detecção de desordens
e prevenção de ilícitos – como mapeamento de crimes, identificação de
suspeitos ou criminosos e vigilância voluntária dos bairros. Ademais, é
possível constatar os números positivos do programa através de relatórios
anuais dos anos de 2014 a 2018, além de reportagens, relatos e prêmios
recebidos pelas iniciativas de interação social entre polícia e comunidade.
Para Dantas (2007), a premissa básica da utilização do patrulhamento a
pé estaria fundamentada na ideia de que o policial que realiza este tipo de
atividade, pela proximidade adquirida com a comunidade, exerceria o papel
de relações públicas do Estado em atendimento aos seus administrados,
prestando serviços e resolvendo conflitos, principalmente os relativos à
desordem. A comunidade local sentiria assim a presença do Estado de forma
direta, o que resultaria em uma sensação correspondente de proteção. É a
presença física de um representante do Estado que sinaliza a possibilidade,
ou até mesmo a certeza, da resolução de certos problemas afetos às relações
entre Estado e comunidade, bem como entre seus próprios membros.
Com os policiais circulando a pé, é possível conhecer as peculiaridades
da sua área de atuação. E atingir um ponto tal que qualquer movimento
considerado “fora dos limites estabelecidos”, e, portanto, estranho à
normalidade local, pode ser imediatamente verificado e controlado, evitando
situações potencialmente criminosas. E é tal premissa de verificação e
2 - Disponível em: <https://www.edmontonpo-
controle que tem sido realizada com o aparato direto da inteligência e suas
lice.ca/>. Acesso em março de 2020.
técnicas de assessoramento contínuo aos agentes na rua.

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Interação entre atividade de inteligência e policiamento ostensivo: a
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2. Atividade de inteligência de segurança pública e o


policiamento preventivo

A atividade de inteligência de segurança pública, conforme prevista


na Doutrina de Inteligência de Segurança Pública (DISPERJ), tem seus
fundamentos intimamente ligados às ações de prevenir, neutralizar e
reprimir atos criminosos de qualquer natureza que atentem à ordem pública
e à incolumidade das pessoas. Os verbos que definem o objetivo principal da
atividade estão citados em ordem prioritária de ação, logo, entendemos como
a inteligência pode ser útil para a prevenção e a neutralização de indivíduos
ou em situações que ofereçam risco ao meio social.
No arcabouço teórico da DISPERJ estão os fundamentos da atividade
de inteligência, dentro de suas finalidades: assessorar com informações
relevantes as operações de prevenção e repressão de interesse da segurança
pública; subsidiar o planejamento em todos os níveis de decisão, inclusive
no operacional; e contribuir para que o processo interativo entre usuários
e profissionais de inteligência produza efeitos cumulativos, aumentando o
nível de eficiência desses usuários e de suas respectivas organizações.
Com o emprego de novas tecnologias e sob bases conceituais teórico-
empíricas, o sistema de inteligência pode apontar para atuações inovadoras
que possam ampliar o espaço de construção da cidadania e aumentar a
efetividade das estratégias e ações em segurança pública, conforme descrito
por De Paula (2012). Esta é uma perspectiva democrática e contemporânea,
que diferencia o espaço de atuação da atividade de inteligência. Este é um
trajeto evolutivo, e um dos caminhos mais viáveis que se apresentam na
busca de respostas sistêmicas em defesa dos cidadãos e dos interesses locais.
Para Silva e Rolim (2017), o conhecimento produzido pela inteligência de
segurança pública tem papel significativo na prevenção criminal por servir
de subsídio, de caráter estratégico, ao tomador de decisão na elaboração de
políticas públicas vinculadas à análise de cenários e prospecção, assim como
pela sua capacidade de reduzir o emprego da força pela polícia nos encontros
com o público.
Desta forma, sem que seja perdida a essência das operações sistemáticas
e exploratórias, as agências de inteligência que assessoram o policiamento
ostensivo podem contribuir para o processo de produção de conhecimento
voltado para a coleta e a confecção de relatórios técnicos que subsidiem
as ações de prevenção, propiciando, inclusive, planejamentos operacionais
voltados para neutralização e repressão, garantindo economia de meios e
eficácia do emprego do efetivo no terreno.
Por conseguinte, e não menos importante, como dito, no âmbito
operacional da Polícia Militar, o conhecimento produzido pode prevenir a
prática de crimes, propiciar o emprego adequado do uso da força, além de
assegurar a garantia da vida e a integridade física dos próprios policiais de
polícia ostensiva.

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Interação entre atividade de inteligência e policiamento ostensivo: a
experiência da Operação Segurança Presente
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Conforme disposto no art. 2o, § 3o da legislação que cria o Subsistema de


Inteligência (Decreto n° 3.695, de 21 de dezembro de 2000):

cabe aos integrantes do Subsistema, no âmbito de suas competências, identi-


ficar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais de segurança pública
e produzir conhecimentos e informações que subsidiem ações para neutrali-
zar, coibir e reprimir atos criminosos de qualquer natureza (BRASIL, 2000,
p. 1).

Siedschlag e Cruz (2014) definem, de forma imediata, a associação das


orientações correspondentes à Doutrina Nacional de Inteligência com a
competência da Polícia Militar como inafastável, haja vista que as principais
finalidades dessas ações especializadas de inteligência são as de prever,
prevenir e neutralizar atos que atentem contra a ordem pública. Ou seja,
vão perfeitamente ao encontro da missão policial militar de preservação do
estado de harmonia ao benefício comum.
Em sua rotina de trabalho, o policial na prática de polícia ostensiva tem
maior probabilidade de se deparar com situações de alto risco, o que aumenta
o uso potencial da força. Por esse motivo, Pinc (2006) descreve que tanto
as instituições policiais como pesquisadores procuram novas tecnologias e
aprimoram procedimentos táticos e técnicos que reduzam o potencial de
violência nos encontros entre a polícia e o público. As inovações técnicas
e táticas atualmente desenvolvidas pelos órgãos de segurança pública têm
como objetivo principal a busca por uma melhor atuação do policial diante
do contexto de alta complexidade que se apresenta.
O conhecimento produzido por intermédio da inteligência pode, portanto,
melhorar o desempenho do trabalho policial, reduzindo o emprego abusivo
da força na sua relação com o público, aumentando o nível de proteção
e reduzindo riscos. Nesse contexto, sua importância não é apenas para a
prevenção de atividades criminosas, mas, igualmente, para o fornecimento
de dados úteis para o estabelecimento de cenários e de estratégias de atuação
da segurança pública (FILHO; HOFFMANN, 2012).
Por meio de informações qualificadas é possível ampliar a segurança dos
policiais e dos cidadãos durante as abordagens, minimizar o emprego da
força e evitar ações abusivas por parte dos agentes públicos. Silva e Rolim
(2017) apontam que as ações dos policiais não são vistas nem avaliadas
pela sociedade como individuais. Pelo contrário, geralmente são julgadas
como comportamento institucional. Por este motivo, as ações individuais
de excesso e de abuso são ilegais, podendo apresentar efeito devastador na
imagem de toda a instituição.
Segundo Pinc (2006), a atualização e o aperfeiçoamento dos processos
de produção de conhecimentos referentes à prática policial definem novos
padrões de respostas às manifestações criminosas por parte dos policiais nas
atividades de policiamento, garantindo uma resposta hábil e apropriada do
Estado.

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Interação entre atividade de inteligência e policiamento ostensivo: a
experiência da Operação Segurança Presente
[Fernanda Fonseca]

Em consonância com a contemporaneidade, várias instituições


públicas disponibilizam em fontes abertas, por meio de sites e aplicativos,
informações confiáveis para a identificação de indivíduos, além de algumas
versões mobile de sites de fontes fechadas protegidas. São incontestáveis a
celeridade e a segurança no controle de acesso de forma individualizada no
ato da abordagem policial. No rol de vantagens da atividade de inteligência
enumeradas pela DISPERJ estão a garantia de capilaridade, o fluxo de
conhecimentos da ponta à cúpula e vice-versa, bem como a produção de
conhecimento para os órgãos policiais, proporcionando economia de meios.
Ferro (2006) ressalta a importância da integração e do compartilhamento
de dados e informações entre as instituições policiais nos níveis estadual
e federal como fatores determinantes para o sucesso de ações pertinentes
ao combate sistemático à criminalidade. Nesta seara, cita a iniciativa do
Ministério da Justiça, de 1995, de implantação do programa conhecido
como Infoseg, que, conforme previsto no Decreto nº 9.662, de 01 de janeiro
de 2019, passou a ser denominado Sistema Nacional de Informações de
Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de
Material Genético, de Digitais e de Drogas.
Instituições policiais de países desenvolvidos são também mencionadas
pela autora citada como mantenedores de sistemas que integram dados e
informações oriundos dos diversos órgãos da segurança pública, poder
judiciário e sistema prisional. É o caso do National Crime Information Center
(NCIC – Centro Nacional de Informação Criminal) gerenciado pelo Federal
Bureau of Investigation (FBI) dos EUA. E é esse também o caso do National
Criminal Intelligence Service (NCIS – Serviço Nacional de Inteligência Criminal)
do Reino Unido.

3. A eficiência da atividade de inteligência com o policiamento


ostensivo

Os sistemas integrados de inteligência associados à prática e à expertise


dos agentes na coleta dos dados e na utilização das ferramentas disponíveis
nas fontes abertas e fechadas garantem ações planejadas, que evitam as
situações de riscos e promovem uma intervenção qualificada. As ações
ostensivas são pautadas em subsídios amplos, efetivos e eficazes por parte
dos policiais, que cumprem suas tarefas de maneira legítima, ao mesmo
tempo em que ampliam a relação de confiança com a sociedade.
A abordagem policial e a identificação idônea do indivíduo são pontos
cruciais para a interação entre os agentes que estão no campo e a equipe
da agência de inteligência, já que tomar conhecimento da identificação do
indivíduo de forma segura e confiável é fundamental à proatividade do
agente. A busca pessoal e a confirmação dos dados fornecidos pelo abordado
são feitas de forma humanizada, evitando possíveis constrangimentos.
Este procedimento pertence a uma fase da reunião de dados denominada

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coleta, que diz respeito à obtenção de informações por meio de fontes


abertas (disponíveis na grande rede) e fechadas (sistemas protegidos por
meio de senhas ou códigos), ou seja, dados que estejam disponíveis ao agente
de inteligência. Já a busca é o termo empregado para a obtenção de qualquer
dado negado ou não disponibilizado, quando, portanto, se faz necessário
o emprego de técnicas operacionais para sua consecução (GONÇALVES,
2018). Por meio de informações relevantes é possível aprimorar uma revista
pessoal, aprofundar buscas a veículos e objetos, e, assim, reduzir riscos. Ao
serem identificadas possíveis pendências judiciais do indivíduo, é garantida
uma condução segura e orientada à delegacia policial, resguardando ambos
os envolvidos.
Para Gonçalves (2018), a inteligência é classificada em três aspectos:
organização, processo e produto.

– Inteligência como organização: diz respeito às estruturas funcionais que


têm como função primordial a obtenção de informações e produção de co-
nhecimento de inteligência. Em outras palavras, são as organizações que
atuam na busca do dado negado, na produção de inteligência e na salvaguar-
da dessas informações, os serviços secretos.

– Inteligência como atividade ou processo: refere-se aos meios pelos quais


certos tipos de informação são requeridos, coletados/buscados, analisados
e difundidos, e, ainda, os procedimentos para a obtenção de determinados
dados, em especial, aqueles protegidos. Esse processo segue metodologia
própria.

– Inteligência como produto, conhecimento produzido: trata-se do resultado


do processo de produção de conhecimento e que tem como cliente o toma-
dor de decisão em diferentes níveis. Assim, relatório/documento produzido
com base em um processo que usa metodologia de inteligência também é
chamado de inteligência. Inteligência é, portanto, conhecimento produzido
(GONCALVES, 2018, p. 133-134).

No processo de identificação do indivíduo abordado são preservadas as


características da atividade: o dinamismo – que proporciona flexibilidade
às ideias, permitindo adaptações e inovações, novas tecnologias, conceitos
e processos; e a inquestionável economia de meios – que permite utilizar
os recursos disponíveis para a produção de conhecimentos úteis. Esses
aspectos são cruciais para a prática do policiamento em perímetros menores,
onde policiais atuam em bairros ou quadrantes delimitados, evitando que
deixem as ruas para sucessivas conduções às unidades de polícia judiciária
para realizar consultas de antecedentes criminais. Ainda, poupam repetidos
deslocamentos de viaturas e emprego do efetivo policial para sarques
desnecessários às delegacias, quando podem ser supridos no próprio terreno.
A precisão de um conhecimento significativo e útil auxilia o processo
de tomada de decisão, embasando uma condução à delegacia ou ainda
atestando a veracidade das informações fornecidas pelo indivíduo do

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qual, precipuamente, era sustentada uma suspeição. A simplicidade e a


clareza das informações difundidas minimizam custos e riscos, garantindo
conhecimentos eficazes. A objetividade na difusão da informação é
aprendida com a prática diária e a experiência adquirida na interação com os
agentes que solicitam as informações, estando diretamente ligada à rapidez,
à clareza e à simplicidade. É fundamental ter a certeza do que se busca para
ser assertivo na reposta fornecida.
Nos tempos atuais, quando os smartphones são potentes computadores
e sistemas de inteligência estão disponibilizados em formas simplificadas
por meio de aplicativos, seria natural pensar na identificação do indivíduo
sendo feita in loco pelo autor da abordagem. No entanto, a experiência obtida
pela interação entre inteligência e policiamento a pé tem demonstrado que
há alguns caminhos a serem percorridos antes que tal prática seja realizada
de forma segura e confiável.
Nas operações, o policiamento a pé é feito com o apoio de motos ou
bicicletas, mas na maioria das vezes sem viaturas. Desta forma, a atenção
das duplas ou trios deve ser redobrada pela grande circulação de pessoas,
como em saídas de metrô, pontos de ônibus e calçadas de centros comerciais.
Observa-se que a praticidade de repassar dados e receber informações de
forma eficaz oferece suporte ao agente no encontro com o público, a parte
mais sensível da sua atividade, e garante a segurança da coleta realizada por
agentes especializados e distanciados daquele foco operacional.
Ademais, algumas opções de ferramentas de busca em versão mobile
apresentam conteúdo reduzido, dificultando a identificação de homônimos
ou a descrição de antecedentes criminais. Ainda, há as situações que
necessitam de um aprofundamento da consulta a fim de evitar equívocos
ou fundamentar suspeitas que subsidiem uma busca pessoal, material ou
veicular, como a situação de indivíduos sem porte de documentos ou que
propositalmente omitem tais dados na intenção de confundir o agente
policial.
Estar distante do calor dos fatos permite ao agente de inteligência de
segurança pública que assessora o policial nas ruas identificar essas possíveis
ameaças, como, por exemplo, pessoas que utilizam dados falsos ou de
terceiros para ocultar sua verdadeira identidade. Para tal, muitas vezes é
necessário cruzar dados de vários bancos (fontes protegidas ou fontes
abertas), comparar fotos ou buscar outros documentos em fontes abertas.
Algo complicado de ser feito por meio de um celular em um ambiente
externo, durante uma abordagem policial. A experiência demonstra pessoas
que declaram dados de irmãos ou de pessoas mortas, ou utilizam-se de
identidades falsas com múltiplas finalidades, desde ocultar um mandado
de prisão em aberto até falsificar uma Carteira Nacional de Habilitação de
categoria diferente daquela que deveria possuir ao conduzir um veículo para
exercer uma atividade profissional.

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3.1. Experiências, desafios e possibilidades de expansão da


Operação

O ganho de credibilidade do serviço fornecido pela agência de


inteligência de segurança pública aos agentes nas ruas está diretamente
ligado à qualidade da informação fornecida e o tempo de resposta, sendo um
motivador da iniciativa da abordagem e um intermediário de ocorrências. No
caso da Operação Presente, as ocorrências são um ativo de reconhecimento
entre os pares e os superiores, além de estímulo entre as equipes de cada
bairro, que buscam alcançar metas para redução dos índices criminais e, para
isso, acompanham as ocorrências de roubo de rua e crimes violentos letais
intencionais3 em sua área de atuação.
Nesta bem sucedida interação entre as áreas de atividade policial, a
demanda por consultas tem crescido exponencialmente e, em virtude disso,
identifica-se a necessidade de ampliação de espaço físico e de indicação de
um agente dedicado para cada operação. Há de se levar em consideração
que cada bairro tem sua peculiaridade: os finais de semana de sol na zona
sul carioca trazem grande movimentação nas regiões próximas às praias,
enquanto na região do Grande Méier o maior número de abordagens ocorre
durante a semana nas regiões comerciais.
Uma iniciativa que abarcou novas experiências e boas práticas para a
agência foi a criação de um subnúcleo no Centro Integrado de Segurança
Pública da cidade de Niterói, cuja característica das ações do projeto Niterói
Presente exigia tempo de resposta mais curto, pelo alto número de efetivo
envolvido. Atualmente, os agentes estão em três bases, cobrindo ruas de
sete bairros daquele município (Icaraí, Centro, Santa Rosa, Fonseca, São
Francisco, Charitas e Jurujuba).
Outra experiência que trouxe bons frutos foi o emprego de policiais
de outras agências em seus horários de folga. A prática foi uma solução
para a questão do emprego de efetivo e, associada ao emprego de soluções
tecnológicas, é uma garantidora de expansão dos serviços fornecidos.
Mediante inscrição voluntária, agentes de inteligência que preenchem os pré-
requisitos de ter especialização na área, ser membro ativo de uma agência
congênere, além de ter acesso aos bancos protegidos nacionais e estaduais,
são direcionados a uma capacitação oferecida pela própria agência. Com
isso, policiais são habilitados a se inscrever, conforme sua disponibilidade,
nos turnos de serviço diário disponibilizados. A prática tem trazido trocas
de conhecimento entre os agentes e propiciado aos profissionais da área a
possibilidade de ampliação de suas experiências em uma atividade rentável
e que preserva a característica reservada de seu emprego em sua unidade de
origem.
3 - O indicador roubo de rua é a soma dos
Da mesma forma, atuando voluntariamente em seu período de folga, a delitos roubo a transeunte, roubo de aparelho
agência conta como apoio de um policial civil nos dias de semana e horários celular e roubo em interior de coletivo, enquanto
de maior movimento. Esta é uma importante conquista que conjuga os crimes violentos letais intencionais é o somatório
aprendizados e varia o tipo de conhecimento produzido, ampliando o acesso de homicídio doloso, lesão corporal seguida de
morte e latrocínio.

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às ferramentas de busca e às redes de contato da agência.


Entre alguns projetos em desenvolvimento está a montagem de um
centro de monitoramento, conjugando as imagens das abordagens dos
agentes em tempo real e as imagens de monitoramento dos bairros por
meio de câmeras públicas e oferecidas voluntariamente pelos comerciantes
e moradores. Ainda, está em plena discussão a participação dos municípios
em iniciativas atuantes na esfera de segurança pública, além da expansão de
subnúcleos de inteligência para assessoramento à identificação de pessoas
e veículos como forma de apoio aos policiais militares atuantes nas ruas, o
que pode ser uma ferramenta de sucesso imprescindível para a orientação de
ações seguras, assertivas e pontuais.

4. Resultados

Os resultados obtidos são fruto dos relatórios preenchidos diariamente


e por meio das consultas realizadas durante as abordagens policiais. São
registradas as informações referentes aos indivíduos, aos policiais solicitantes
e à base do projeto envolvido. Caso seja detectada alguma pendência judicial
que motive a condução à delegacia policial, é consignado o respectivo
número do registro de ocorrência.
Necessário lembrar que em 2018 havia oito operações, enquanto em 2019
este número era de 20. No ano de 2020, o projeto segue em expansão, e até
o mês de março foram inauguradas outras cinco bases.
Coelho (2017) destaca os resultados expressivos obtidos por meio
da extinta Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro. Desde a
inauguração do Programa Lapa Presente, em janeiro de 2014, até janeiro
de 2016, quando já haviam sido inauguradas bases nos bairros da Lagoa,
do Aterro do Flamengo e do Méier (dezembro de 2015), cerca de 4,4 mil
pessoas foram presas e 459 mandados de prisão foram cumpridos, dos quais
48 por tráfico de drogas e 22 por homicídio. Ainda, houve 20 mil ações de
acolhimento de moradores de rua, assim como 72 ações de apreensão de
drogas e 175 veículos em situação de trânsito irregular rebocados.
No entanto, a mesma autora ressalta que os dados referentes à atuação
dos agentes da Operação são divulgados, em sua grande maioria, em
canais oficiais do Governo, mas sem a atribuição de fontes, dificultando
a identificação da procedência das informações. Nesse sentido, foram
buscados dados publicados na conta do programa Segurança Presente de
uma rede social, canal oficial utilizado pelas operações para divulgação
de suas atividades, além de meio de interação com os públicos interno e
externo4. Conforme publicação, no ano de 2019 foram realizados 2.897
prisões, 1.519 mandados de prisão e 37.190 pessoas foram atendidas no
serviço social disponibilizado pelas bases nos bairros. 4 - Disponível em: <https://www.instagram.
com/segurancapresente/?hl=pt-br>. Último
O número de solicitações de consultas está em acelerado crescimento, e
acesso em março de 2020,

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alguns fatores podem ser associados a essa elevação: entre janeiro e dezembro
de 2019 foram inauguradas sete novas operações – Tijuca, Ipanema, Barra,
Recreio, Grajaú, Nova Iguaçu e Austin. Também houve o aumento de
efetivo empenhado diariamente na agência. Nesse mesmo ano, o setor
recebeu reforço de efetivo: foram acrescidos três agentes por dia, dedicados
às coletas, aos processos de controle, ao arquivo e ao preenchimento dos
relatórios.
O aumento de agentes dedicados às coletas, associado à expansão das
operações, está relacionado ao crescimento das consultas de um ano para
o outro. A intenção precípua foi a de reduzir o tempo de espera, em dias e
horários de maior incidência, como nos dias de semana no centro da capital
ou nos finais de semana de sol nas operações que cobrem as praias, para as
quais é estipulado um tempo máximo de dez minutos de espera. A partir de
então, os policiais são orientados a efetuar o sarqueamento de indivíduos sob
suspeição na delegacia mais próxima de sua base.
Com o crescimento do efetivo, foram feitas mudanças nos turnos dos
agentes, com maior concentração de pessoal em horários de pico, além
do incremento do efetivo de apoio nos processos de controle, registro e
consolidação dos relatórios. A conduta representou diminuição das perdas
de registros, possibilitou a correção de informações incompletas e diminuiu
o número de falhas no preenchimento dos relatórios.
Em 06 de setembro de 2019, em homenagem ao dia do profissional
de inteligência, a Operação divulgou que, desde janeiro, seu núcleo de
inteligência havia registrado 73.017 consultas aos bancos de dados protegidos,
com o cumprimento de 425 mandados de prisão, 118 evadidos da justiça e 58
desaparecidos localizados, números estes obtidos por meio das coletas dos
agentes de inteligência oriundas das abordagens policiais.
Os mandados de prisão em aberto, evadidos ou desaparecidos são
contabilizados a partir do número do registro de ocorrência e apresentam
crescimento, possivelmente motivados pelo aumento do número de operações,
aumento de agentes disponíveis para as coletas e melhoria dos processos de
interação, frutos de sucessivos eventos de capacitação continuada, quando se
faz oportuno aproximar os agentes de inteligência dos agentes da atividade-
fim. O aprendizado é contínuo, e envolve a conscientização e a educação dos
agentes, levando a um constante aperfeiçoamento de resultados.
Deve ser considerado, ainda, que a área de abrangência de cada operação
não representa toda a área da uma Área Integrada de Segurança Pública5. E
isto se reflete na dificuldade de obtenção de dados oficiais sobre a Operação 5 - Delimitação utilizada pelas forças de segu-
Segurança Presente. No site do Instituto de Segurança Pública, autarquia rança do estado do Rio de Janeiro. Na práti-
estadual que coordena e divulga oficialmente os dados de criminalidade ca, corresponde à área de abrangência de um
do estado, as informações sobre cumprimentos de mandados de prisão são batalhão da Secretaria de Estado de Polícia
Militar.
delimitadas pelas divisões territoriais utilizadas no estado do Rio de Janeiro:
RISP, AISP e CISP6. 6 - RISP equivale à Região Integrada de Segu-
rança Pública e CISP à Circunscrição Integra-
Por meio de publicações obtidas nas redes sociais, é possível realizar uma da de Segurança Pública (área de abrangência
comparação ilustrativa entre os números de mandados conduzidos pelos de delegacias distritais da Secretaria de Estado
agentes do programa e os números de mandados de prisão contabilizados de Polícia Civil).

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nas delegacias da área de cada base disponível, de acordo com o Instituto


de Segurança Pública. Foram considerados também os números da central
de flagrantes, pois muitos dos mandados são registrados como tal, sendo
conduzidos para a delegacia distrital responsável por cada região.
Como exemplo, citamos uma publicação da Operação Nova Iguaçu
Presente onde foram comemorados, após um mês de operação, 45 prisões,
21 mandados de prisão e 165 pessoas atendidas pelo serviço social. Neste
mesmo período, a CISP 52 (delegacia da área) registrou o cumprimento de
52 mandados. Fenômeno semelhante foi encontrado em outra publicação
relativa à Operação Leblon Presente, celebrando o cumprimento do
centésimo mandado de prisão, entre os meses de janeiro e junho de 2019.
Neste mesmo período, somando-se os números da CISP 14 (delegacia da
área) com os números da CISP 12 (central de flagrantes) foram contabilizados
217 registros.

Considerações finais

Os policiais da Operação Segurança Presente atuam em duplas ou em


trios, preferencialmente a pé, ou também em bicicletas ou motos. Circulando
a pé, eles podem conhecer as peculiaridades da sua área de atuação. E, dessa
forma, qualquer movimento considerado “fora dos limites estabelecidos”,
portanto, estranho à normalidade local, seria imediatamente verificado e
controlado.
Nesse processo de controle e verificação está o aparato da inteligência,
resguardando o agente ostensivo, garantindo a precisão e a objetividade de
sua conduta, reduzindo riscos e ameaças do encontro com o desconhecido.
Cada identificação fornecida no ato da abordagem evita frequentes
conduções à delegacia e garante a permanência continuada dos agentes nas
ruas. A característica da iniciativa da atividade de inteligência de segurança
pública, que garante às agências a produção de conhecimentos antecipados
e uma atitude proativa, está referenciada pelo princípio da oportunidade,
com a garantia de aproveitamento útil e adequado para agir, com eficácia no
momento certo, em ações que tendem a evitar que crimes venham a ocorrer.
Esta é uma importante diferenciação da atividade de inteligência ligada ao
policiamento ostensivo em relação à atividade de investigação policial.
O conhecimento produzido pela inteligência de segurança pública tem
papel significativo na prevenção criminal, por servir de subsídio, de caráter
estratégico, ao tomador de decisão tanto na elaboração de políticas públicas
vinculadas à análise de cenários e prospecção como pela sua capacidade de
reduzir o emprego da força pela polícia nos encontros com o público.
Os bons resultados alcançados pela Operação Segurança Presente
são estimulantes e comprovam a assertividade da convergência de áreas
de conhecimento com eficácia e reconhecimento científico na esfera de

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segurança pública, além de nos propor uma reflexão: se a solução está na


busca constante e ininterrupta por mais recursos humanos e financeiros,
ou se é possível, com menos preconceitos e mais ousadia, oferecer respostas
rápidas e simples para questões que nos parecem tão complexas e conflituosas.

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Emprego da análise criminal na
atividade de inteligência de segurança
pública

Katia Machado Fernandez


Psicóloga e Especialista em Segurança Pública, Cultura e Cidadania pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo
A violência urbana é hoje um dos maiores desafios para os governantes de nosso país. Com cenários criminosos cada
vez mais complexos e interrelacionados, a elaboração de políticas públicas de enfrentamento à criminalidade exige
assessoramentos eficientes e precisos, e cabe à Atividade de Inteligência de Segurança Pública (AISP) promover esta
assessoria.
Para melhor desempenhar o seu papel, a AISP, invariavelmente, necessita de avanços na sua metodologia de produção
de conhecimento, adaptando ferramentas e incorporando novas tecnologias. A inserção da análise criminal como
ferramenta assessória à produção de conhecimentos de inteligência de segurança pública, a partir de 2014, veio a auxiliar
na compreensão do crime de forma ampliada, fornecendo ao gestor visões de cenários criminais mais significativos e
coerentes, possibilitando melhorias substanciais nos processos de gestão da segurança pública brasileira.

Palavras-chave
Análise criminal, inteligência de segurança pública, atividade de inteligência, assessoria.

Com bons cálculos, se pode vencer; com poucos, não; quem não os fizer, não tem a mínima chance. Quem faz corretamen-
te as avaliações verá o resultado surgir com clareza.
Sun Tzu, A Arte da Guerra, 2006.

As opiniões e análises contidas nos artigos publicados pela revista Cadernos de Segurança Pública são de inteira
responsabilidadeCadernos
de seus autores, não representando,
de Segurança Pública necessariamente,
| Ano 1 ●a posição do 1Instituto
Número de Segurança
● Janeiro de 2010Pública.
| www.isp.rj.gov.br
Emprego da análise criminal na atividade de inteligência de

45 segurança pública
[Katia Machado Fernandez ]

1. Introdução

A violência urbana, como vem sendo chamada, desponta atualmente


como um dos principais desafios para os governantes em nosso país, e,
há algum tempo, seu enfrentamento se mostra como um problema que
transcende a esfera dos métodos tradicionais utilizados na segurança pública.
Não é de agora que se estudam os custos e impactos, econômicos e sociais,
da violência nas sociedades. O caráter da segurança pública como agente
promotor da paz, capacitado para atividades que se voltem preventivamente,
utilizando-se de uma abordagem proativa e antecipando-se para que a
atividade criminosa não venha a ocorrer, é um mister do qual nenhum poder
público deve se furtar.
A atividade de inteligência constitui-se como um instrumento de que
se valem os gestores no planejamento, execução e acompanhamento de
suas decisões. O analista de inteligência de segurança pública deve fornecer
diagnósticos e prognósticos sobre a evolução de situações de interesse para a
tomada de decisão na esfera da segurança pública.
Porém, uma vez que o crime é um fato social e como tal é construído e
determinado socialmente, o entendimento do mesmo passa pela compreensão
da própria constituição de cada sociedade e dos elementos que a estruturam,
de sua constituição, das construções simbólicas e subjetivas do poder e do
controle, dos elementos afirmativos da história política, dos mecanismos de
distribuição, domínio e manutenção dos territórios, das regras explícitas e
implícitas de cada região, observando as organizações macro e microssociais.
É preciso entender, sobretudo, quais processos de criminalização são
legitimados e exercem, nestes espaços, o poder de segregar ou agregar.
O conhecimento que o analista de inteligência de segurança pública
deve produzir, conforme ressaltou Sherman Kent, muitas vezes “podem ser
adquiridos através de meios clandestinos, mas o grosso deles deve ser obtido
pela pesquisa e observação de dados ostensivos” (KENT, 1967). Sendo 1 - Definido na DNISP/2014 como: “uma
assim, a inserção das bases teóricas do campo psicológico, antropológico e técnica especializada de importação, depura-
ção, organização, interpretação e diagramação
social muito tem a contribuir para o processo de produção de conhecimento
de dados, que permite ao usuário detectar pa-
de Inteligência de Segurança Pública (ISP) para o sucesso na construção drões e relacionamentos existentes entre os ele-
de uma segurança pública cada vez mais pautada por critérios técnicos e mentos constitutivos do universo da análise”.
científicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/
Foi com base neste entendimento que, no Brasil, a Doutrina de D8793.htm>. Último acesso em fevereiro de
Inteligência de Segurança Pública (DNISP), em meados de 2013, inseriu 2020.
o item técnicas acessórias para a Análise de Inteligência, onde, sem caráter 2 - Definido na DNISP/2014 como: “um
taxativo, citou três novas ferramentas: Análise de Vínculos1 (ANAVIN), Análise conjunto de procedimentos que identificam, qua-
de Riscos 2 (ANARIS) e Análise Criminal (ANACRIM). Nesse sentido, este lificam e analisam ameaças e vulnerabilidades
artigo abordará a análise criminal no âmbito da inteligência de segurança aos ativos da Segurança Pública e da Defesa
pública, apontando os aspectos que a diferencia das demais formas de análise Social, elaborada com a finalidade de apontar
alternativas para mitigar e controlar os riscos”.
criminal já conhecidas.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/
D8793.htm>. Último acesso em fevereiro de
2020.

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Emprego da análise criminal na atividade de inteligência de

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[Katia Machado Fernandez ]

2. Especificidades da análise criminal de inteligência de


segurança pública

Diversos estudos acadêmicos acerca das construções sociais do


crime, do criminoso, do fato criminal e da vitimologia dedicam-se a uma
análise criminal que podemos chamar de acadêmica. Dito isto, uma das
especificidades da ANACRIM é que ela se realiza dentro da esfera de agências
de inteligência, onde há circulação de informações classificadas. Estando
seus analistas implicados no dever de sigilo funcional, isto possibilita tanto
o acesso a dados negados e a conhecimentos sigilosos como a garantia
de que os conhecimentos produzidos tenham, na medida da necessidade,
sua preservação garantida. Isto porque a preservação dos conhecimentos
necessários à tomada de decisão, muitas vezes, pode significar questões de
defesa nacional ou de garantia da ordem social.
Outra distinção necessária de se fazer, neste momento, é a diferença entre a
ANACRIM e a análise estatística e espacial. Sem desconsiderar a importância
dos números ou da visualização dos dados criminais, fundamentais para a
compreensão do crime, o emprego da ANACRIM busca uma compreensão
mais ampla do que a mera descrição de percentuais, demonstração de locais
ou acompanhamento de indicadores: ela pretende explicar o real significado
destes fenômenos, de suas alterações e da razão de sua distribuição espacial,
dando ao gestor uma base ampla para o enfrentamento qualificado ao crime.
Tendo em vista que a análise criminal é um campo ainda em construção
no cenário nacional da segurança pública, desenvolvida há aproximadamente
duas décadas, e dentro da atividade de inteligência de segurança pública há
menos de uma década (formalizada na DNISP em 2014), encontramos a
oportunidade para fundamentar, a partir da prática, uma organização de
procedimentos, além da elaboração e do detalhamento escrito de uma
metodologia que se aplique desde o início das atividades.
Salienta-se que a descrição metodológica não significa dizer que esta
teoria já se encontre definida de forma imutável. Muito pelo contrário,
este estudo permite e prevê a constante abertura para ajustes e adequações
que no decorrer da prática de cada analista se mostrem pertinentes. Nunca
poderemos encará-la como uma “receita de bolo”, à medida que o crime
encontra diferenças em cada localidade, além da percepção e explicação
dessas peculiaridades serem exatamente o resultado que deve buscar o
analista criminal que atua na inteligência de segurança pública.
Datam do século XIX os primeiros esforços no sentido de compreender
o crime para melhor combatê-lo. O inglês Robert Peel revolucionou a Polícia
Metropolitana de Londres, hoje New Scotland Yard, ao identificar padrões de
crimes, elaborando o conceito de modus operandi e a classificação de crimes
e criminosos, utilizando suas conclusões na investigação e na prevenção
criminal (BRANDÃO, 2013).
Desde então, muitos avanços ocorreram no modo de quantificar e
classificar as ocorrências delituosas. Os recursos estatísticos e de gestão

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[Katia Machado Fernandez ]

da informação possibilitaram aos gestores de segurança pública um


acompanhamento dos números quase em tempo real. Alie-se a isso o
importante desenvolvimento das ciências humanas na esfera da criminologia,
o que tem contribuído ainda mais para a melhor compreensão dos números
que representam os fenômenos da violência.
Recentemente, alguns poucos teóricos, espalhados em diversos países,
debruçaram-se sobre a junção da análise criminal com a atividade de
inteligência, e se certificaram que, no mundo moderno, estas duas ciências
não poderiam atuar separadamente, contando-se atualmente com um setor
específico de análise criminal de inteligência na The International Criminal Police
Organization (Organização Internacional de Polícia Criminal – INTERPOL)3.

2.1. Conceito de análise criminal de inteligência de segurança


pública

O conceito adotado no Brasil na Doutrina Nacional de Inteligência de


Segurança Pública (DNISP) para a análise criminal foi:

um conjunto de processos sistemáticos que objetiva identificar padrões do


crime e correlações de tendências da violência e da criminalidade; a fim de
assessorar o planejamento para a distribuição eficaz de meios e recursos de
Segurança Pública que se destinam à prevenção, ao controle e à repressão do
ato delituoso (DNISP, 2014).

Como conjunto de processos sistemáticos, a ANACRIM é uma metodologia


complexa e sofisticada, a qual depende, decisivamente, de um alto nível de
capacidade analítica da agência de inteligência de segurança pública que se
utiliza da experiência do analista tanto para a produção de conhecimento
como para o entendimento de fatos criminosos. De preferência, com uma
equipe que detenha qualificação e experiência voltadas a diversas áreas do
conhecimento humano. Quanto maior a diversidade de saberes envolvidos
nos processos da ANACRIM melhor tende a ser a qualidade de seu produto
final.
Alia-se à conceituação de padrões de crime, no tocante à análise criminal,
conforme a definição de Dantas (2004):

padrões de crime correspondem a uma característica da ocorrência de um


determinado delito, em que uma ou mais das suas variáveis se repete em
outras ocorrências ao longo do tempo. As variáveis repetidas podem ser
espaciais (local do fato), temporais (dia da semana e faixa horária), circuns-
tanciais (modus operandi, perfil de vítima, descrição do autor), etc.

Já as tendências a serem relacionadas, ainda de acordo com Dantas (2004),


avaliam as alterações de propensões quantitativas gerais da ocorrência
delituosa analisada (aumento, estabilização ou diminuição). Devem, portanto,
ser verificadas por meio de um espaço geográfico definido, ou de séries 3 - Disponível em: <https://www.interpol.
históricas das tipologias criminais. Aconselha-se observar a confiabilidade int/>. Último acesso em março de 2020.

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dos dados comparados, já que estes, preferencialmente, devem pertencer a


uma mesma base de dados, faixa e tipologia, a fim de não se correr o risco de
comparação entre elementos distintos e se chegar a conclusões equivocadas.
Também é preciso diferenciar os conceitos de violência e criminalidade, que
muitas vezes são compreendidos como sinônimos. Ambos são fenômenos
sociais, e, portanto, sua forma, seu nível de aceitação e sua natureza de
convivência são construídos e reforçados socialmente por meio de acordos
formais ou tácitos.
Porém, enquanto violência é um comportamento que causa dano à
outra pessoa, ser vivo ou objeto, e insere-se na forma de convivência do
local, estabelecendo regras, em sua maioria implícita, costumes e relações
humanas, a criminalidade é o conjunto ou o grau dos crimes num determinado
meio. Entende-se como crime toda conduta típica, antijurídica e culpável,
praticada por um ser humano, as quais são definidas, geralmente por lei. As
estatísticas de segurança pública, periodicamente publicadas, mensuram o
nível e as variações da criminalidade.
Os dois conceitos não são indissociáveis, podendo haver comportamentos
violentos que não são necessariamente crimes (como lutas de boxe e caratê
ou esportes com golpes violentos) e, noutro polo, pode haver crimes que são
cometidos sem violência (como crimes fiscais, também conhecidos como
de “colarinho branco” e estelionatos). O que nos interessa nestes conceitos
é o entendimento de que o nível e as tendências de violência socialmente
admitidos em cada região precisam ser compreendidos, pois são capazes
de exercer grande influência nos índices da criminalidade, e/ou alterar seus
padrões. Em outras palavras, é necessário estabelecer as suas correlações para
atingir a compreensão das causas e dos fatores capazes de interferir nos
cenários criminais.
A ANACRIM é uma ferramenta que consiste no aprimoramento da
atividade de inteligência de segurança pública, por meio da qual se busca
avançar em suas vertentes de amplitude e contexto. Para melhor visualizar
esse avanço, adaptou-se o gráfico de Gene (2004), onde podemos observar
três etapas de análise criminal, sendo a última, que representa a ANACRIM,
aquela que foi proposta com a inserção da ferramenta na inteligência de
segurança pública.

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Figura 1 – Etapas da análise criminal

Fonte: Elaboração própria. Adaptada de Gene (2004)4.

Na primeira etapa temos uma gama de informações ainda incipientes,


mais voltadas a responder questões sobre o quê ocorre, quando ocorrem e onde
ocorrem os crimes. Há tempos estas perguntas vêm sido respondidas pelos
departamentos de estatística e de geoprocessamento, bastante eficientes
em demonstrar pontos quentes de incidência criminal e horários de picos
de ocorrências, além de detectarem padrões e apontarem suas respectivas
tendências. Esta etapa, na segurança pública, utiliza muito os dados coletados
pelo policiamento ostensivo e de atendimentos de emergência.
Em uma segunda etapa, informações e conhecimentos mostram como se
deu o fato criminoso, determinam o modus operandi e contribuem também
para a detecção de padrões. Muitas vezes, esta etapa encontra-se detalhada
nos procedimentos de policiamento judiciário, por meio da confecção dos
registros de ocorrência.
A terceira etapa é, efetivamente, onde se encontra o trabalho do analista
criminal de inteligência, visando a responder a questão sobre o porquê do
crime. Dessa forma, a ANACRIM busca entender e dar respostas acerca do
verdadeiro motivo pelo qual um (tipo de) crime ocorre em determinada área
com maior incidência e com menos frequência em outras. No geral, trata-se
de entender quais aspectos propiciam maior facilidade na aceitação de um
padrão criminoso em determinada localidade, como o criminoso é visto pela
população e quais são os aspectos facilitadores do crime em certos horários,
locais e contra tipos específicos de vítimas.
Assim, tendo em vista que a principal finalidade da atividade de
inteligência é assessorar o tomador de decisão, seus conhecimentos devem ser
oportunos, amplos e precisos. Torna-se impossível, diante da complexidade
deste cenário, produzir estes conhecimentos sem lançar mão de técnicas
sofisticadas que permitam detectar padrões do crime e entender as correlações 4 - Extraído do site: <https://homepages.dcc.
deste padrão com as tendências da violência e da criminalidade de cada região ufmg.br/~amendes/SistemasInformacaoTP/
em meio a uma imensa quantidade de dados que diariamente circulam. TextosBasicos/Data-Information-Knowledge.
pdf >. Último acesso em fevereiro de 2020.

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3. Tipos de análise criminal de inteligência

A ANACRIM subdivide-se em dois tipos, de acordo com sua finalidade


de assessoramento e espécies de detalhamento, finalidade e extensão do
conhecimento produzido: operacional e estratégica. Cabe salientar que, em
ambas as definições, exige-se avançada capacidade e experiência do analista,
que podem ser consumidas por um mesmo gestor, independentemente de
seu cargo, dependendo apenas da exigida necessidade de conhecimento para
a decisão a ser tomada.

3.1. Análise criminal de inteligência operacional

Em geral, a análise criminal de inteligência operacional está voltada para


o assessoramento dos gestores intermediários, cujo nível de decisão é mais
focado, de âmbito mais reduzido, portanto. Abrange a área de um batalhão ou
delegacia, na forma de agências de inteligência desses níveis administrativos.
Os conhecimentos produzidos pela ANACRIM em nível operacional
buscam assessorar no alcance de objetivos específicos, como a resolução de
um crime, a prisão de um autor, o impedimento de um assalto ou de um
estupro, o resgate de uma vítima de sequestro de seu cativeiro, etc.

3.2. Análise criminal de inteligência estratégica

Destina-se ao assessoramento dos gestores superiores, visando ao auxílio


na compreensão tanto de conjunturas criminosas regionais, nacionais
ou mesmo mundiais como das possíveis consequências e antecipação de
mudanças de cenários em geral, sobretudo de alterações que possam ser
provocadas diante do enfrentamento a determinado grupo ou modalidade
criminosa. Ademais, tratam da identificação das forças, fraquezas,
oportunidades e ameaças de interesse da segurança pública.
Assim, os conhecimentos produzidos pela ANACRIM em nível
estratégico buscam assessorar os gestores na formulação de políticas,
estratégias, planos e objetivos nacionais, regionais ou até mesmo locais
de órgãos ou entidades. Buscam, também, identificar riscos; modos de
funcionamento de modalidades criminosas; ligações de maior amplitude e
de mais complexidade entre grupos criminosos distintos; necessidade de
treinamentos em determinadas técnicas ou para determinados grupos; ações
preventivas diversas; e padrões e tendências de criminalidade.
4. Metodologia IARA
A inteligência de segurança pública possui uma metodologia própria,
segundo a qual utiliza diversas ciências e novos conceitos a fim de acelerar
e enriquecer seu produto. O acréscimo das três técnicas acessórias vem
corroborando com este constante aperfeiçoamento da ISP e permanente
evolução de seus métodos.
Para a ANACRIM utiliza-se um método desenvolvido por Herman
Goldstein na cidade de Newport News, Virgínia, EUA, na década de 1970,
que se destina ao modelo de gestão orientado para solução de problemas.

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Este método, utilizado para lidar com problemas de crime e desordem, busca
estudar o crime e suas causas, priorizando os problemas mais relevantes de
cada região. Batizado originalmente como SARA (Scanning/Analysis/Response/
Assessment), foi traduzido para a língua portuguesa como IARA (Identificar/
Analisar/Responder/Avaliar) (ECK; SPELMAN, 1987).
Na atividade de ISP, a compreensão das peculiaridades do cenário
é fundamental para a realização de um bom assessoramento. Os órgãos
de inteligência possuem os dados e conhecimentos sensíveis na esfera
da segurança pública, sendo, dessa forma, os mais capacitados para um
entendimento amplo dos fatores influenciadores deste contexto. O método
IARA é hoje um dos mais completos e eficazes na ANACRIM.

4.1. Fases do IARA

4.1.1. Identificar
Trata-se do exame cuidadoso dos dados para identificar padrões das
incidências delituosas com as quais a polícia rotineiramente lida, verificando
suas similaridades e tendências, além das zonas quentes das ocorrências,
o perfil de vítimas, as principais características dos autores, as quadrilhas
identificadas por região de atuação, suas lideranças, seus vínculos, etc. O
objetivo da identificação é estabelecer o mais fidedignamente possível os
cenários afetos à segurança pública.
4.1.2. Analisar
Análise profunda das causas dos padrões (ou problemas) identificados na
fase anterior, verificando quais fatores influenciam direta ou indiretamente
as tendências de cada modalidade.
Nesta fase o analista deve certificar-se de utilizar o triângulo do crime
identificando a vítima, o autor e o local (COHEN; FELSON, 1979), de
acordo com a teoria da criminologia ambiental, que afirma que o crime
ocorre quando um provável infrator e um alvo adequado convergem no
mesmo tempo e lugar, sem a presença de um guardião qualificado. É preciso
observar como cada um dos elementos se dispõe no cenário analisado e onde
estão as vulnerabilidades e as possibilidades de atuação destes elementos.

Figura 1 - Triângulo para Análise de Problema (TAP)

Fonte: Elaboração própria. Adaptada de Cohen e Felson (1979).

4.1.3. Responder

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Na esfera da ISP, as respostas deverão ser sugeridas como possibilidades


de intervenção prévia na cadeia causal, com a finalidade de que o ato
delituoso não ocorra no futuro. Como atividade de assessoria, não cabe à
ISP nesta fase da ANACRIM executar as respostas, mas, sim, tentar esgotar
todas as estratégias potencialmente efetivas de resposta e os possíveis
desdobramentos no emprego de cada uma. É, portanto, salutar que o analista
esgote todas as possibilidades existentes, mesmo as mais improváveis, desde
que sejam desdobramentos lógicos da análise.
4.1.4. Avaliar

Nesta etapa busca-se aferir, preferencialmente de forma qualitativa


e quantitativa, os impactos das intervenções realizadas, mensurando seus
resultados. Quando nesta fase avalia-se que a intervenção adotada não teve
o resultado pretendido, ou que o mesmo foi aquém do esperado, inicia-se
novamente o processo.
Da mesma forma, as soluções que surtiram efeitos positivos também
precisam ser estudadas com atenção, já que as mesmas podem vir a ser
apontadas como boas possibilidades para soluções de problemas similares, e
é preciso ter conhecimento para adequá-las ou até mesmo ampliá-las

5. Principais técnicas

A ANACRIM, como um ramo recente, principalmente em sua vertente


de aplicação à ISP, não possui uma única técnica ou ferramentas próprias e
exclusivas para sua prática. Faz uso de variadas ferramentas, abordagens e
técnicas, sejam das ciências exatas ou das ciências humanas, e, como dito
inicialmente, ela será mais eficiente quanto mais diversificados forem os
saberes empregados em sua realização.
Sendo assim, torna-se impossível, e até mesmo indesejável, esgotar, neste
tópico, as técnicas e enfoques científicos utilizáveis na ANACRIM. Por conta
disso, elegemos algumas das principais variações de emprego, estabelecendo
um rol meramente ilustrativo, já que diante de cada problema encontrado
novas abordagens podem ser necessárias.

5.1. Mineração de dados

Na página eletrônica da empresa Microsoft encontra-se a definição para


mineração de dados como sendo “o processo de descoberta de informações
acionáveis em grandes conjuntos de dados. Usa análise matemática para
derivar padrões e tendências que existem nos dados. Normalmente, esses
padrões não podem ser descobertos com a exploração tradicional pelo fato
das relações serem muito complexas ou o volume dos dados muito elevado”5
Ainda, conforme Camilo e Silva (2009), a mineração de dados é o modelo
5 - Disponível em: <https://docs.microsoft.
tradicional para a transformação de dados em informação (conhecimento).
com/pt-br/analysis-services/data-mining/data-
A ISP seleciona e organiza dados e informações, por meio de processos de mining-concepts>. Último acesso em fevereiro
raciocínio, para facilitar a compreensão da realidade. Entretanto, diante de 2020.

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de uma quantidade excessiva de dados, como é peculiar à uma realidade


complexa como a nossa, esta tarefa torna-se humanamente impossível sem o
auxílio de tecnologias. Desta forma, a mineração de dados é hoje a principal
ferramenta para lidar com grande volume de dados.
Embora o conceito leve a crer que a mineração de dados seja algo
passível de ser realizado apenas de forma automática, isto não é verdade:
as ferramentas auxiliam sobremaneira na execução dos algoritmos de
mineração, mas para a produção do significado a atuação humana, por meio
do raciocínio, é imprescindível.
A mineração de dados subdivide-se em seis fases: (i) reunião ou
levantamento; (ii) seleção; (iii) processamento; (iv) transformação; (v)
identificação de dados; e (vi) interpretação e avaliação.

5.2. Princípio de Pareto

Em 1906, o economista italiano Vilfredo Pareto observou que 80% da


riqueza da Itália pertencia a 20% da população. Muitos pensam que foi neste
momento que nasceu a regra 80/20, mas o princípio de Pareto foi estabelecido
mais tarde por Joseph M. Juran, e recebeu o nome em homenagem ao
economista que primeiro o identificou.
O princípio de Pareto afirma que, para muitos fenômenos, 80% das
consequências advêm de 20% das causas. Na prática, esta proporção é
raramente exata, mas, em geral, uma pequena porcentagem de algo é
responsável por grande porcentagem de algum resultado. Este conceito nos
auxilia na busca de foco para a atuação em segurança pública, uma vez que
nem sempre é possível, com a escassez de recursos, atuar em todos os casos
simultaneamente. Precisa-se fazer mais com menos.
Utilizando o princípio de Pareto, é possível identificar os focos
espaciais e temporais das modalidades identificadas, que muitos chamam
de zonas quentes ou hotspots. É recomendável que seja aplicado o máximo de
elementos possíveis, como tipificação dos crimes, cidade, bairro, horário de
ocorrências, dia da semana, idade das vítimas, sexo das vítimas, idade dos
autores, etc. Isto é particularmente importante para possibilitar uma melhor
identificação do problema.

5.3. Georreferenciamento

O uso de mapas e representações cartográficas já se consagrou como


uma das técnicas essenciais na ANACRIM, e este é um campo que muito
tem se desenvolvido em virtude dos avanços no campo da informática.
Hoje, encontra-se com facilidade mapas eletrônicos e sistemas geográficos
de informação disponíveis eletronicamente.
Não é primordial o domínio total de softwares de georreferenciamento por
parte do analista, e, sim, que este esteja apto a utilizar tais mapas criminais
na elaboração de seus relatórios, agregando a informação espacial para a
compreensão e a explicação de fenômenos.

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5.4. Análise qualitativa

Por fim, uma das ferramentas mais importantes da ANACRIM é a análise


criminal qualitativa, segundo a qual são abordados os aspectos subjetivos
que influenciam na ocorrência de uma modalidade delituosa. Trata-se de
uma ferramenta que exige capacitação técnica, preferencialmente formação
na área das ciências humanas aplicadas, além de experiência do analista.
É efetivamente na análise criminal qualitativa que o analista encontrará o
verdadeiro significado atrelado ao fenômeno estudado, e é dela também que
partirão as melhores e mais eficientes possibilidades de respostas ao crime.
Podem-se realizar encontros ou reuniões com especialistas do meio
acadêmico que estudem o assunto como um dos elementos de coleta para
a compreensão do cenário sempre que o tempo permitir, de acordo com o
princípio da oportunidade.

6. Conclusão

A ANACRIM é indispensável no assessoramento à tomada de decisão nos


níveis político e estratégico, uma vez que municia a inteligência de segurança
pública com uma maior amplitude e precisão, conformando análises
complexas, especialmente voltadas para a compreensão e a prospecção de
cenários e a produção de estimativas.
A utilização da informação no planejamento das atividades de ISP é uma
das principais questões no debate sobre os paradigmas contemporâneos da
segurança pública, sendo a estatística criminal um dos principais destaques,
como instrumento neste importante processo.
Gestores de segurança pública bem assessorados, com informações que
lhes possibilitem entender o fenômeno do crime de forma ampla, terão
maior possibilidade de acerto nas decisões de elaboração e implementação
de políticas públicas eficientes no enfrentamento e na prevenção de crimes.
Cabe ao analista de inteligência, no âmbito da segurança pública,
interpretar e combinar os diversos dados obtidos para produzir informações
úteis. Dar significado a estas estatísticas é primordial no assessoramento à
tomada de decisões, visando a uma maior eficiência dos órgãos de justiça
criminal, além de representar elemento central para o alcance da prevenção
à criminalidade e para a proatividade destes órgãos.

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Análise de tiroteio e letalidade por
facções criminosas a partir dos dados
do Disque Denúncia

Afonso Borges
Estatístico, Mestre em Estatística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Analista do Centro de Pesquisas do Ministério Público

Jonas Pacheco
Cientista Social, Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Pesquisador do Instituto de Segurança Pública

Resumo
O presente trabalho tem como finalidade a análise dos dados de tiroteio e letalidade a partir do Disque Denúncia1,
identificando as facções criminosas que mais aparecem envolvidas em denúncias de tiroteios e nos eventos com resultado
morte, analisando as especificidades de cada bairro do Rio de Janeiro como forma de contribuir com as ações de
inteligência que visem ao combate a tais eventos.

Palavras-chave
Inteligência, análise criminal, Disque Denúncia, grupos criminosos.

1 - ONG criada em 1995 que atua como um canal de denúncias no qual a sociedade civil pode contribuir com informações de forma anônima com as forças
de segurança.

As opiniões e análises contidas nos artigos publicados pela revista Cadernos de Segurança Pública são de inteira
responsabilidade de seus autores,Cadernos
não representando,
de Segurançanecessariamente,
Pública | Ano 1a posição do 1Instituto
● Número dedeSegurança
● Janeiro 2010 | Pública.
www.isp.rj.gov.br
57
Análise de tiroteio e letalidade por facções criminosas a partir dos
dados do Disque Denúncia
[Afonso Borges e Jonas Pacheco]

Introdução

A presença de grupos armados praticando atividades econômicas


ilícitas em determinados territórios é um problema frequente no cotidiano
fluminense. Decorre disso uma disputa territorial com o emprego da violência
ocasionando eventos de tiroteio entre facções e com resultado morte. Embora
os tiroteios se apresentem como um dos grandes problemas da segurança
pública do estado, uma análise mais aprofundada do tema esbarra em alguns
obstáculos, como a dificuldade de mensuração desses acontecimentos a
partir de dados oficiais e a falta de informações sistematizadas.
Uma das alternativas para contabilizar essas ocorrências são as atividades
de inteligência que têm como objetivo a obtenção e a análise de dados e
a geração de conhecimentos que possam vir a contribuir para a segurança
pública.
A utilização das denúncias feitas ao Disque Denúncia – DD, que
é um canal pelo qual qualquer cidadão, anonimamente, pode reportar
acontecimentos na área de segurança que serão repassadas às autoridades
competentes, pode contribuir para se ter uma melhor compreensão do
objeto de estudo aqui proposto e funcionar como um meio de aplicação real
das informações obtidas. Deve-se ter em mente que as denúncias podem não
corresponder fielmente à incidência dos eventos e, portanto, não podem ser
consideradas como fonte de números oficiais de segurança pública, pois uma
série de fatores pode enviesar a coleta desses dados. Entretanto, tal fato não
inviabiliza que análises sejam feitas.
Utilizando como fonte de informação essas comunicações feitas ao
Disque Denúncia, o presente trabalho tem como objetivo a identificação de
padrões e informações referentes às denúncias relacionadas com tiroteio e
letalidade envolvendo grupos criminosos na Região Metropolitana do Rio
de Janeiro.

Metodologia

Para os objetivos aqui descritos, será tomado o ano de 2018 como recorte
temporal, enquanto que a extensão territorial analisada diz respeito à Região
Metropolitana do Rio de Janeiro.
A fonte de dados utilizada para este trabalho se refere às denúncias
recebidas pelo Disque Denúncia relativas aos eventos com presença de
armas de fogo (que inclui tiroteio, por exemplo) e aos eventos de letalidade.
As denúncias do DD são classificadas por assuntos pré-definidos. Os
assuntos selecionados para este trabalho foram: homicídio consumado,
tentativa de homicídio, bomba/granada/morteiro, guarda e comércio de
munição, guarda/comércio ilícito de armas de fogo, posse ilícita de armas
de fogo, tiroteio entre quadrilhas e uso ilícito de armas de fogo. Ressalta-

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Análise de tiroteio e letalidade por facções criminosas a partir dos
dados do Disque Denúncia
[Afonso Borges e Jonas Pacheco]

se o tratamento feito por dias das semana e horário das denúncias com a
finalidade de evitar a contabilização de denúncias correlatas/repetidas
Para facilitar as análises aqui propostas, optou-se pela criação de dois
grupos temáticos agregando os assuntos correlatos: o grupo Presença de
armas de fogo é composto pelos assuntos tiroteio entre quadrilhas, bomba/
granada/morteiro, guarda e comércio de munição, guarda/comércio ilícito
de armas de fogo, posse ilícita de armas de fogo e uso ilícito de armas de
fogo. Enquanto o grupo Crimes contra a vida é formado pelos assuntos
homicídio consumado e tentativa de homicídio, como pode ser visto no
Quadro 1.

Quadro 1 – Descrição dos assuntos e grupos temáticos analisados de acordo com o Disque Denúncia
Assunto Grupo temático
Homicídio consumado Crime contra a vida
Tentativa de homicídio Crime contra a vida
Bomba / granada / morteiro Presença de armas de fogo
Guarda e comércio de munição Presença de armas de fogo
Guarda / comércio ilícito de armas de fogo Presença de armas de fogo
Posse ilícita de armas de fogo Presença de armas de fogo
Tiroteio entre quadrilhas Presença de armas de fogo
Uso ilícito de armas de fogo Presença de armas de fogo

Fonte: Elaborado pelo ISP com base em informações do Disque Denúncia.

Vale ressaltar que, embora os dados do Disque Denúncia possam servir


como fomentador de uma análise preliminar acerca dos eventos de tiroteio
na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, essas informações devem
ser colocadas em perspectiva para que não ocorra uma precipitação nas
inferências que elas possam suscitar. Tomando como exemplo as ocupações
ocorridas em comunidades de Santa Cruz em outubro de 20182 , episódios
pontuais podem suscitar um maior número de denúncias, visto que tais
eventos fogem à rotina da localidade. Por outro lado, em regiões onde
tiroteios fazem parte do cotidiano pode-se ter uma maior condescendência
por parte dos moradores.
De um total de 114.717 denúncias sobre todos os assuntos em 2018,
foram selecionadas as 36.107 denúncias que se referiam aos assuntos de
interesse (ver Quadro 1), com destaque para posse ilícita de armas de fogo,
que representou 81,1% desse total. Em relação ao total de 114.474 denúncias,
esse assunto representou 25,5%, ou seja, uma a cada quatro ligações para o
DD se refere à posse ilícita de armas de fogo. Na Tabela 1 são listados os
assuntos selecionados com o número de denúncias em que são citados e os
respectivos percentuais por assunto. 2 - Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/
rio-de-janeiro/noticia/2018/10/08/intenso-
tiroteio-assusta-moradores-de-comunidades-da-
zona-oeste-do-rio.ghtml>. Último acesso em
julho de 2019.

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Análise de tiroteio e letalidade por facções criminosas a partir dos
dados do Disque Denúncia
[Afonso Borges e Jonas Pacheco]

Tabela 1 – Denúncias por assunto – Região Metropolitana do Rio de Janeiro – 2018


% no total de denúncias
Assunto Denúncias % no total de denúncias
selecionadas
Posse ilícita de armas de fogo 29.282 81,1% 25,5%
Homicídio consumado 2.892 8,0% 2,5%
Guarda / comércio ilícito de armas de fogo 1.239 3,4% 1,1%
Uso ilícito de armas de fogo 1.071 3,0% 0,9%
Tiroteio entre quadrilhas 464 1,3% 0,4%
Guarda e comércio de munição 394 1,1% 0,3%
Bomba / granada / morteiro 388 1,1% 0,3%
Tentativa de homicídio 377 1,0% 0,3%
Total de denúncias selecionadas 36.107 100,0% 31,5%
Total de denúncias 114.717

Fonte: Elaborado pelo ISP com base em informações do Disque Denúncia.

Análise temporal

Nesta seção será analisada a série histórica das denúncias, a partir de


2002, buscando compreender a dinâmica de atuação dos grupos criminosos
na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, seguido de um recorte específico
para o ano de 2018, como forma de comparar o número de denúncias com
citação aos grupos criminosos.
Ao se observar a série histórica de denúncias com assunto específico
tiroteio por facção criminosa, no Gráfico 1, nota-se o Comando Vermelho
(CV), o Terceiro Comando Puro (TCP) e os Amigos dos Amigos (ADA)
como os principais grupos denunciados até o ano de 2005. Enquanto o
TCP recebeu 251 denúncias em 2003, o CV alcançou 263 denúncias no ano
seguinte. Entretanto, há uma forte queda desses números até o ano de 2007,
sobretudo do número de denúncias que mencionam o TCP. Este movimento
coincide com o surgimento de denúncias que citam milícias, a partir de 2006.
De 2007 a 2009, observa-se um aumento de denúncias de todas as facções, e
a ADA atinge o seu pico, com 97 denúncias. A partir de 2010, ADA e TCP
passam a ser menos citadas, e terminam o ano de 2018 com 25 e 59 menções,
respectivamente. Já as milícias passam a compor uma maior proporção das
denúncias, atingindo 111 citações em denúncias em 2018 – quase o mesmo
número de denúncias do CV, 115.

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Análise de tiroteio e letalidade por facções criminosas a partir dos
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Gráfico 1 – Denúncias de tiroteio por grupo criminoso – Região Metropolitana do Rio de Janeiro – 2002 a 2018
300
263
251
250

200
Número de denúncias

150

106 108 107 115

100 97 85 111
72 67
86 61 57
41 59
50
30
1 25
7 25 9
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Milícia CV TCP ADA

Fonte: Elaborado pelo ISP com base em informações do Disque Denúncia.


Contudo, apesar do recorde na série histórica de denúncias de tiroteio,
o número mensal de denúncias referentes às milícias com assunto crimes
contra a vida variou bastante ao longo de 2018, passando de 37 denúncias
em fevereiro para 79 denúncias em abril, de acordo com o Gráfico 2. Nos
três meses seguintes, houve reduções, e julho registrou 33 denúncias. Já as
denúncias relacionadas ao CV e ao TCP apresentam relativa estabilidade ao
longo dos meses de 2018, com destaque para os baixíssimos índices no mês
de dezembro, com duas e uma denúncias, respectivamente.

Gráfico 2 – Denúncias de crimes contra a vida que citam grupos criminosos por mês – Região Metropolitana do
Rio de Janeiro – 2018
90

79
80
71
70

58
60
Número de denúncias

50 45 45

40 37
33

30

20
12 12 12
9 9 7
10
2 4 2
1 7 1
0
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

MILICIA CV TCP

Fonte: Elaborado pelo ISP com base em informações do Disque Denúncia.

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Ao observar as denúncias que apontam a presença de armas de fogo por


facções ao longo de 2018, que é o assunto com o maior número absoluto
de denúncias, é possível notar relativa estabilidade do número de denúncias
relativas ao TCP e fortes oscilações relacionadas a milícias e ao CV, conforme
aponta o Gráfico 3. No que diz respeito às milícias, o pico de denúncias
aparece no mês de agosto, e o patamar mais baixo foi encontrado em junho,
com 340 e 201 denúncias, respectivamente.
As denúncias referentes ao CV também apresentam relativo aumento
no começo do ano, atingindo 301 denúncias no mês de março. Em seguida,
o período de abril a agosto não traz muitas alterações, porém, há queda no
último quadrimestre, saindo do patamar de 210 denúncias em setembro para
134 em dezembro.
Interessante notar que as milícias iniciam 2018 com 243 denúncias e
o encerram com 235 em dezembro, apresentando pouca variação no ano,
com picos em abril3 e setembro. Todavia, o CV apresentou queda de 284
denúncias em janeiro para 134 em dezembro, menos da metade do patamar
inicial.

Gráfico 3 – Denúncias de presença de armas de fogo com menção a grupos criminosos por mês – Região
Metropolitana do Rio de Janeiro – 2018
400

350
340
318
300 301 306
284 261
Número de denúncias

250
243
235
210
200
201

150
134

100
67
50 57
42 48
50

33 40
0
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Milícia CV TCP

Fonte: Elaborado pelo ISP com base em informações do Disque Denúncia.

Análise textual

A Figura 1 apresenta uma nuvem de palavras contendo as informações das


denúncias analisadas neste estudo. Nuvem de palavras é um recurso gráfico
3 - Disponível em: <hhttps://g1.globo.com/rj/
segundo o qual cada palavra tem seu tamanho definido a partir da frequência rio-de-janeiro/noticia/vereadora-do-psol-ma-
da mesma em determinado texto. Sendo assim, quanto mais a palavra é citada rielle-franco-e-morta-a-tiros-no-centro-do-rio.
nas denúncias, maior é sua representação na nuvem. A análise da Figura 1 ghtml>. Último acesso em abril de 2020.

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Análise de tiroteio e letalidade por facções criminosas a partir dos
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indica que o principal teor das denúncias se refere a “traficantes armados”,


que são as duas palavras com maior destaque. Também é possível analisar
a ação praticada por esses envolvidos, por meio da presença destacada de
algumas palavras como “comercializando” e “vendendo”, assim como o
objeto desta prática, que são as “drogas” e “entorpecentes”.

Figura 1 – Denúncias de presença de armas de fogo e de crime contra a vida – Região Metropolitana do Rio de
Janeiro – 2018

Fonte: Elaborado pelo ISP com base em informações do Disque Denúncia.

Nas Figuras 2 e 3 são apresentadas as nuvens de palavras das denúncias


que fazem menção às milícias e ao Comando Vermelho, respectivamente.
Quando se compara as palavras em destaque nessas duas imagens, é possível
perceber a diferença entre os modos de atuação desses grupos. As palavras
“drogas” e “entorpecentes” estão destacadas na nuvem de palavras que se
refere ao Comando Vermelho, mas não aparecem com destaque na que se
refere às milícias. Por outro lado, “bingo” e “segurança” se destacam na
nuvem de palavras que se refere às milícias, o que não acontece naquela que
se refere ao Comando Vermelho.

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Análise de tiroteio e letalidade por facções criminosas a partir dos
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Figuras 2 e 3 – Denúncias de presença de armas de fogo e de crime contra a vida com menção a milícias e a
grupos criminosos – Região Metropolitana do Rio de Janeiro – 2018

Fonte: Elaborado pelo ISP com base em informações do Disque Denúncia.

A presença de palavras como “segurança”, “comerciante”, “cobrando”,


“taxas” e “gás” enfatizam a característica de atuação das milícias no Rio de
Janeiro, fortemente marcada pela cobrança de taxas dos comerciantes locais
com o intuito de fornecer o serviço de segurança privada, mediante o uso
ostensivo de armas de fogo e o emprego da violência.
Há de se ter em mente que as milícias não atuam uniformemente em
toda a capital. Ainda que haja características em comum, como a extorsão
de comerciantes e moradores com o “retorno” de um serviço de segurança,
vale indicar que, diferentemente do Comando Vermelho, existem diversas
milícias na cidade e cada uma age conforme suas especificidades, com
destaque para a exploração de transporte alternativo e a comercialização de
botijões de gás, serviços de TV a cabo e cestas básicas (CANO & DUARTE,
20124). A presença do vocábulo “bingo”, por exemplo, tem maior destaque
nas denúncias do bairro de Cascadura, na zona norte da capital.
A presença das palavras “armado”, “traficante” e “entorpecentes”
demarca com clareza a atuação do CV no comércio de drogas do Rio de
Janeiro. Vale destacar, ainda, a presença das palavras “carga” e “roubadas”
com aproximadamente a mesma frequência de citação, indicando a atuação
do CV no roubo de cargas em território fluminense.

Análise por bairro


4 - CANO, Ignácio; DUARTE, Thais. No
sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Ja-
Em 2018, nota-se um predomínio de denúncias que mencionam as neiro (2008-2011). Rio de Janeiro: Fundação
Heinrich Böll, 2012

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milícias e o CV, com 3.696 e 2.921 denúncias, respectivamente. Já o TCP


totalizou 619 denúncias, como mostra a Tabela 2. Proporcionalmente, as
milícias possuem 16,2% de suas denúncias relacionadas a crimes contra a vida.
Enquanto que o CV e o TCP aparecem com 4,0% e 7,1%, respectivamente.
No que diz respeito às denúncias de presença de armas de fogo, as milícias
aparecem com 83,8% das denúncias, seguida de 96,0% do CV e 92,9% do
TCP.

Tabela 2 – Denúncias por eixo temático e por grupo criminoso mencionado na descrição da denúncia – Região
Metropolitana do Rio de Janeiro – 2018
Número de denúncias Percentual de denúncias
Grupo Crime contra Presença de Crimes contra a vida Presença de armas
Total Total
a vida armas de fogo sobre o total de fogo sobre o total
Milícias 599 3.097 3.696 16,2% 83,8% 100,0%
CV 118 2.803 2.921 4,0% 96,0% 100,0%
TCP 44 575 619 7,1% 92,9% 100,0%

Fonte: Elaborado pelo ISP com base em informações do Disque Denúncia.

Interessante observar que, ao se debruçar sobre os percentuais dessas


denúncias, no que se refere à separação pelos grupos temáticos selecionados,
a proporção de crimes contra a vida em denúncias que citam milícias é bem
superior àquela relativa às denúncias que mencionam os demais grupos,
podendo indicar que em áreas controladas por esses grupos criminosos atos
violentos sejam mais presentes. Já o número absoluto de denúncias pode
indicar a existência de condições mais favoráveis para os denunciantes em
determinadas localidades e um medo maior em outras regiões.
Ainda, no que diz respeito às milícias, na Tabela 3 são listados os bairros
da capital do estado que tiveram os maiores números de denúncias. De
antemão, temos que os dez bairros com maior número de citação às milícias
somam mais de 70% das denúncias contra esses grupos e estão localizados
na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, mostrando a forte presença desses
grupos criminosos nessa região.
O bairro de Cascadura lidera o ranking de denúncias com menção às
milícias com 414 ligações, seguido por Santa Cruz (347), Campo Grande
(202), Jacarepaguá (192) e Taquara (156). O alto número de denúncias em
Cascadura e sua baixa proporção de denúncias de crimes contra a vida estão
relacionados com o fato de que as informações sobre essa localidade estão
vinculadas ao controle de bingos pela milícia na região.

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Tabela 3 – Denúncias com menção a milícias por grupo temático e por bairros selecionados – município do Rio
de Janeiro – 2018
Denúncias de Denúncias de % Denúncias de
% Denúncias de crimes
Bairro crime contra a presença de armas presença de armas Total
contra a vida no bairro
vida de fogo de fogo
Jacarepaguá (zona oeste) 37 155 19,3% 80,7% 192
Taquara (zona oeste) 26 130 16,7% 83,3% 156
Campo Grande (zona oeste) 33 169 16,3% 83,7% 202
Guaratiba (zona oeste) 9 52 14,8% 85,2% 61
Santa Cruz (zona oeste) 47 300 13,5% 86,5% 347
Bangu (zona oeste) 15 97 13,4% 86,6% 112
Paciência (zona oeste) 5 49 9,3% 90,7% 54
Sepetiba (zona oeste) 5 70 6,7% 93,3% 75
Praça Seca (zona oeste) 6 100 5,7% 94,3% 106
Cascadura (zona norte) 8 406 1,9% 98,1% 414
TOTAL 322 2.159 13,0% 87,0% 2.481

Fonte: Elaborado pelo ISP com base em informações do Disque Denúncia.

A presença de Santa Cruz como o bairro com o segundo maior número


de denúncias citando milícias, e com proporção de crimes contra a vida bem
superior àquela apresentada por Cascadura, pode estar relacionada com as
invasões e guerras entre milicianos e traficantes ocorridas nas comunidades
da região, especificamente Rola, Antares, Cesarão e Aço5. Cabe, ainda,
destacar Jacarepaguá e Taquara como os dois bairros com a maior proporção
de denúncias de crimes contra a vida, com 19,3% e 16,7%, respectivamente.
Quanto às localidades com maior número de denúncias citando o CV, há
predominância de bairros da Zona Norte e da Zona Oeste, conforme pode
ser observado na Tabela 4.

5 - Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/


rio-de-janeiro/noticia/2018/10/08/invasao-
de-milicianos-provoca-panico-em-moradores-
de-santa-cruz-zona-oeste-do-rio-veja-imagens.
ghtml>. Último acesso em fevereiro de 2020.

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Tabela 4 – Denúncias com menção ao Comando Vermelho por grupo temático e por bairros selecionados –
município do Rio de Janeiro – 2018
Denúncias de Denúncias de % Denúncias de
% Denúncias de crimes
Bairro crime contra a presença de armas presença de armas Total
contra a vida no bairro
vida de fogo de fogo
Brás de Pina (zona norte) 3 17 15,0% 85,0% 20
São Cristóvão (zona norte) 2 22 8,3% 91,7% 24
Cidade de Deus (zona oeste) 3 35 7,9% 92,1% 38
Anchieta (zona norte) 2 32 5,9% 94,1% 34
Penha (zona norte) 1 28 3,4% 96,6% 29
Jacarepaguá (zona oeste) 1 29 3,3% 96,7% 30
Bangu (zona oeste) 1 71 1,4% 98,6% 72
Andaraí (zona norte) 0 42 0,0% 100,0% 42
Ramos (zona norte) 0 29 0,0% 100,0% 29
Taquara (zona oeste) 0 22 0,0% 100,0% 22
TOTAL 42 746 5,3% 94,7% 788

Fonte: Elaborado pelo ISP com base em informações do Disque Denúncia.

Observando a lista dos bairros aqui referidos, percebe-se a presença de


três bairros que também estão na relação das localidades mais citadas nas
denúncias que envolvem milícias, sendo eles: Bangu, Jacarepaguá e Taquara.
Junto a eles, Cidade de Deus também integra os locais da zona oeste que
mais citam o CV.

Considerações finais

Diante do exposto, infere-se que os eventos de tiroteio entre quadrilhas


denunciados pela população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
possuem um predomínio de envolvimento das milícias e do Comando
Vermelho.
Esses grupos têm como característica o forte aparato bélico e o controle
de determinadas regiões com a finalidade de assegurar suas atividades
econômicas. Nota-se que os bairros da zona oeste e da zona norte da capital
sofrem em maior proporção com tais eventos, dadas as disputas territoriais
por pontos de venda de entorpecentes por parte do Comando Vermelho, e
também por atividades relacionadas ao transporte alternativo e à extorsão
de comerciantes e moradores em troca de segurança e serviços clandestinos
de TV a cabo.
Destaca-se, ainda, o predomínio de denúncias que indicam a presença
de milícias na zona oeste, principalmente nos bairros de Santa Cruz, Campo
Grande, Praça Seca, Taquara, Jacarepaguá e também Cascadura, na zona
norte. Já as regiões mais denunciadas pela presença do Comando Vermelho
se apresentam de forma mais dispersa, com destaque para os bairros de
Bangu (zona oeste) e Andaraí (zona norte).

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Análise de tiroteio e letalidade por facções criminosas a partir dos
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Assim, qualquer ação de repressão a tais grupos criminosos deve levar


em consideração que suas atividades econômicas e seu acesso a armamentos
podem desencadear a expansão de seus negócios de forma violenta, coagindo
moradores e comerciantes, como visto na análise dos textos das denúncias.
Dessa forma, operações com ênfase nas informações produzidas pelos
órgãos de inteligência são de suma importância para a desarticulação desses
grupos criminosos.

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Inteligência criminal para redução de
delitos: o caso dos roubos de carga
no estado do Rio de Janeiro

Marcos Roberto Ribeiro da Costa


Mestrando em Políticas Públicas e Estratégias de Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Analista de Estudos Econômicos
da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan)

William Fonseca Pamplona Figueiredo


Graduado em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF)

Isaque Regis Ouverney


Mestre em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Gerente de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Rio
de Janeiro (Firjan)

Leonardo Tavares Ribeiro


Mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Analista de Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado do Rio
de Janeiro (Firjan)

Resumo
Segurança pública é essencial para o desenvolvimento socioeconômico, determinando a atração de investimentos e
geração de empregos. Uma pesquisa da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) revelou que 74%
das indústrias fluminenses tiveram suas decisões de localização afetadas pela insegurança em 2017. Ademais, entre 1996
e 2015, os gastos com segurança privada no país cresceram 300%. Nesse contexto, destaca-se a inteligência criminal para
constituir um ambiente mais seguro. Este artigo traz o caso do estado do Rio de Janeiro, que em 2018 pôde reduzir os
roubos de carga com a atuação integrada de forças de segurança. O modelo pode ser replicado para outras localidades.

Palavras-chave
Segurança pública, inteligência criminal, roubos de carga, estado do Rio de Janeiro, localização industrial.

As opiniões e análises contidas nos artigos publicados pela revista Cadernos de Segurança Pública são de inteira
responsabilidade de seus autores, não representando,
Cadernos necessariamente,
de Segurança Pública | Ano a posição do Instituto
1 ● Número 1 ● deJaneiro
Segurança Pública.
de 2010 | www.isp.rj.gov.br
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Inteligência criminal para redução de delitos: o caso dos roubos de
carga no estado do Rio de Janeiro
[Marcos Roberto Ribeiro da Costa, William Fonseca Pamplona
Figueiredo, Isaque Regis Ouverney e Leonardo Tavares Ribeiro]

Introdução

Um ambiente seguro é essencial para a realização de investimentos em


uma localidade, com desdobramentos positivos ao seu desenvolvimento. O
sentimento de insegurança pode afetar o espírito empreendedor dos agentes
locais, ao transmitir o sentimento de que esforços produtivos não necessa-
riamente serão recompensados. Além disso, a ameaça de violação ao patri-
mônio sinaliza eventuais prejuízos que podem impossibilitar os negócios
(NASCIMENTO e TEIXEIRA, 2016). A segurança pública, logo, é fator
necessário para a atividade econômica.
Carvalho (2006) apud Neto e Silva (2012) enuncia que o crescimento da
criminalidade em certo local diminui sua atratividade. A insegurança faz
com que investidores hesitem em colocar ativos e funcionários em uma re-
gião tida como de risco, procurando outros locais para produzir. Isso acaba
prejudicando a geração de empregos, perpetuando a marginalização da loca-
lidade e sua população, retroalimentando o processo em um círculo vicioso.
Nesse contexto, uma pesquisa da Federação das Indústrias do Estado do
Rio de Janeiro (Firjan), em conjunto com a Confederação Nacional da In-
dústria (CNI), revelou que 60% dos industriais do Sudeste do Brasil tiveram
suas decisões de localização afetadas pela insegurança em 2017. No caso do
estado do Rio de Janeiro, esse percentual foi maior, 74%, evidenciando que
os investidores fluminenses estão ainda mais sensíveis ao risco (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Sensibilidade das decisões de localização à insegurança


RJ Sudeste

80% 74%
70%
60%
60%
50%
40%
31%
30%
22%
20%
10%
0%
Afeta Não afeta

Nota: Não respondentes – estado do Rio de Janeiro: 4%, Sudeste: 9%


Fonte: Firjan, 2018.

Além de afetar as decisões de localização de empreendimentos, a inse-


gurança também impacta a alocação de recursos. Primeiramente, no caso do
setor privado, visando à precaução a crimes como furtos e roubos, muitas
empresas precisam investir na segurança privada. Assim, passam a ter des-
pesas com seguros, agentes de segurança e serviços de escolta, por exemplo,

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Inteligência criminal para redução de delitos: o caso dos roubos de
carga no estado do Rio de Janeiro
[Marcos Roberto Ribeiro da Costa, William Fonseca Pamplona
Figueiredo, Isaque Regis Ouverney e Leonardo Tavares Ribeiro]

utilizando recursos que poderiam ser destinados a outras finalidades, como


pesquisa e desenvolvimento, capacitação profissional, iniciativas sociais e
iniciativas ambientais.
Nesse sentido, o estudo “Custos econômicos da criminalidade no Brasil”,
elaborado pela Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência
da República (SAE), estimou que foram gastos R$ 60 bilhões com segurança
privada no país em 2015, o equivalente a 0,94% do PIB. Houve aumento
real de 300% desse valor frente a 1996, quando os gastos corresponderam a
0,67% do PIB (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Composição dos gastos com segurança privada (UFs brasileiras, em bilhões de reais)

Fonte: SAE, 2018.

O raciocínio também se aplica ao setor público, que, ao precisar dire-


cionar mais investimentos à segurança, passa a ter menor disponibilidade
de recursos para outras áreas, como saúde e educação. Isso pode criar uma
tendência de relação de causa e efeito entre insegurança pública e desenvol-
vimento socioeconômico: como será aprofundado na próxima seção deste
artigo, a insegurança pode surgir, em muitos casos, como consequência de
debilidades em áreas vitais para o bem-estar social (NASCIMENTO e TEI-
XEIRA, 2016).
Desse modo, é notório que um ambiente seguro é chave para que uma
região atraia investimentos, atividades econômicas e se desenvolva. Assim,
torna-se necessário discutir que medidas têm o potencial de, caso adotadas,
contribuir para a promoção da segurança pública. Este será o foco da pró-
xima seção, que abordará, entre outros aspectos, a inteligência criminal1. A
seção seguinte, por sua vez, trará o caso do estado do Rio de Janeiro, que a 1 - Segundo Mingardi (2007, p. 52), “apesar
de a expressão mais comum no Brasil ser Inteli-
partir da atuação integrada de forças de segurança pôde, em 2018, reverter a
gência Policial, é preferível chamar a atividade
tendência de crescimento de roubos de carga. Finalmente, à luz dos resulta- de Inteligência Criminal. Um motivo é que não
dos fluminenses, o artigo ressalta a importância desse tipo de iniciativa para apenas as polícias trabalham nessa ativida-
a promoção da segurança pública. de, mas também outras instituições, como
o Ministério Público, o Exército, as Guardas
Municipais etc.”

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Inteligência criminal para redução de delitos: o caso dos roubos de
carga no estado do Rio de Janeiro
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Figueiredo, Isaque Regis Ouverney e Leonardo Tavares Ribeiro]

O conceito de segurança pública e a importância da inteligência cri-


minal
A Constituição Federal de 1988 definiu segurança pública como a pre-
servação da ordem pública, da integridade das pessoas e do patrimônio. É
um direito individual fundamental (art. 5º) e um direito social (art. 6º). A
consulta bibliográfica, por sua vez, revela relativo consenso em se definir
“ordem pública” como situação de convivência social pacífica, com isenção
de violência ou práticas criminosas. Diversos autores adotam essa aborda-
gem, como Bengochea et al. (2004), Rocha (2011) e Neto e Silva (2012).
Nesse sentido, a construção de um ambiente seguro passa por um conjun-
to de ações que visam à proteção individual e coletiva, asseguradas a justiça
nas punições e a recuperação daqueles que violam as leis (BENGOCHEA,
2004). Em outras palavras, o processo transcende atividades meramente fis-
calizatórias e repressivas: a manutenção da ordem pública passa não apenas
por medidas que combatam crimes após eles ocorrerem, mas, sobretudo, por
iniciativas capazes de evitar que estes aconteçam.
Assim, diferentes obras relacionam a promoção da segurança pública a
questões variadas, como sociais, econômicas e culturais. Rodrigues (2006),
por exemplo, aponta que a violência2 pode aparecer como consequência da
falta de aspectos essenciais para uma qualidade de vida adequada. Para o au-
tor, a título de ilustração, a falta de uma educação que ensine ao jovem, desde
cedo, a distinguir o moral do imoral e a ter discernimento do que pode ou
não ser feito legalmente, o torna mais passível a cometer delitos, no futuro.
Leal e Piedade Junior (2003), por sua vez, afirmam que lacunas viven-
ciadas pelos cidadãos podem torná-los vulneráveis a práticas ilegais como
meio para supri-las. Em tal cenário, os crimes acabam sendo, muitas vezes,
alternativa para atividades básicas do cotidiano. Nesse contexto, Nascimento
e Teixeira (2016) defendem que uma população com oportunidades para seu
autodesenvolvimento tende a ser menos suscetível a imposições de grupos
criminosos, além de dispor de meios para acessar serviços públicos para ob-
ter uma qualidade de vida adequada. Notadamente, o cidadão sem acesso a
emprego, renda, educação, saúde, esporte e cultura se torna mais vulnerável
à criminalidade.
Bengochea (2004) ressalta, ainda, a importância do sistema de punição
e recuperação de infratores. Em sua visão, políticas de segurança que não
priorizem a reintegração social estão fadadas ao fracasso. De fato, medidas
de caráter essencialmente punitivo, que não proporcionem oportunidades
para a reinserção de delituosos na sociedade ao fim do cumprimento das
penas, terminam por agravar sua marginalização, perpetuando o problema.
Desse modo, é evidente que o caminho para se formar uma sociedade se-
gura passa por políticas de diversos âmbitos. Na seara das próprias atividades
investigativas e de combate ao crime, há aspectos que transcendem fiscali- 2 - Uso intencional de força física ou poder con-
zação e repressão. É o caso da inteligência criminal: conjunto de iniciativas tra si mesmo, outra pessoa ou grupo de pesso-
para obtenção, análise e produção de informações de interesse da segurança as, que possam resultar em lesão, morte, dano
pública, sobre fatos de influência da criminalidade, controle de delitos e atu- psicológico, mau desenvolvimento ou privação
(KRUG et al., 2002).

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Figueiredo, Isaque Regis Ouverney e Leonardo Tavares Ribeiro]

ação de organizações criminosas. A difusão desses conhecimentos subsidia


atividades como patrulhamento, investigação e prevenção de delitos (FER-
RO JÚNIOR, 2007).
Mingardi (2007) faz um paralelo entre inteligência criminal e inteligência
de Estado. Segundo o autor, a finalidade de ambas é obter conhecimento
para influir em processos decisórios, em prol da sociedade. As diferenças
residem nos meios empregados e na abrangência desses conceitos: enquanto
o primeiro tem foco na segurança pública – visando à prevenção e à repres-
são criminal, o segundo trabalha com várias áreas do conhecimento (como
político, tecnológico e militar), visando à soberania e à segurança do Estado,
tanto em âmbito nacional como internacional.
Quanto à inteligência criminal, cerne deste artigo, Mingardi (2007) des-
taca aplicações para as informações geradas pelo setor. É possível citar a pre-
visão de tendências (identificando-se desdobramentos futuros de atividades
criminais, como novos locais de concentração); o apontamento de lideranças
de grupos criminosos; a identificação de potenciais informantes; o moni-
toramento de atividades cotidianas de criminosos, conhecendo sua rotina.
Segundo o autor, a obtenção e o tratamento de dados para viabilizar tais
aplicações podem ser realizadas por diversas instituições, como Ministério
Público, Forças Armadas e as próprias polícias.
Porém, no Brasil, os esforços em inteligência muitas vezes não são devi-
damente realizados. No âmbito policial, Beato Filho (1999) já alertava para
o fato de as estratégias serem essencialmente reativas e repressivas – ou seja,
pautadas no combate depois de os crimes já terem acontecido. Outros auto-
res como Costa (2004) e Sales et al. (2009) seguem a mesma linha de raciocí-
nio, ressaltando que a política de segurança pública do Brasil deve priorizar
medidas capazes de reduzir a reincidência dos crimes, tendo como um de
seus focos as iniciativas de prevenção.
A análise de dados fiscais reforça a visão desses autores. A execução or-
çamentária das unidades da federação brasileiras (UFs) entre 2004 e 2017,
por exemplo, evidencia que as despesas realizadas com Informação e Inteli-
gência, uma das subfunções3 da segurança pública, são pouco significativas
quando comparadas ao total de gastos da pasta: em média, menos de 1% do
total empenhado pelas UFs em segurança foi para subfunção Informação e
Inteligência (Gráfico 3).

3 - No âmbito do Plano Plurianual (PPA)


dos estados, uma subfunção representa um de-
talhamento das despesas do orçamento público
de uma área programática.

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Gráfico 3 – Composição dos gastos com segurança pública (UFs brasileiras)


70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Defesa Civil Demais Subfunções Informação e Inteligência Policiamento

Nota: Demais subfunções incluem gastos com academias de polícia e material de expediente, entre outros.
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da STN (2018) e do FBSP (2018).

Percebe-se, ainda, que pouco se evoluiu nesse sentido ao longo do tempo.


A participação dos aportes voltados à inteligência por parte dos governos es-
taduais passou de 0,2%, em 2004, para apenas 0,7%, em 2017. Tal participa-
ção, inclusive, apresenta quatro anos seguidos de queda, desde 2013, quando
foi registrada a maior participação na série (1,4%).
Assim, a Tabela 1 mostra que não houve mudanças consideráveis na dis-
tribuição dos recursos destinados à segurança pública no período, trazendo
dados em três anos específicos da série: 2004 (início), 2017 (último dado
disponível durante a elaboração deste trabalho) e 2010 (ano intermediário).

Tabela 1 – Composição dos gastos com segurança pública (UFs) – 2004, 2010 e 2017
Subfunções 2004 2010 2017
Defesa Civil 2% 3% 2%
Demais subfunções 68% 63% 66%
Informação e Inteligência 0,2% 1,0% 0,7%
Policiamento 30% 34% 31%
Total 100% 100% 100%
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da da STN (2018) e do FBSP (2018).

Nesse cenário, cabe ressaltar as iniciativas que utilizam a inteligência cri-


minal para reduzir as ocorrências de delitos. Há, inclusive, ações que seguem
essa linha sem grandes necessidades de aportes financeiros, por se basearem
em estratégias e arranjos que não demandam, necessariamente, grandes de-
senvolvimentos tecnológicos ou compras de equipamentos. É o caso, por
exemplo, da integração de diferentes forças de segurança realizada no estado
do Rio de Janeiro, a partir de 2018, visando à redução dos roubos de carga, a
ser estudada na próxima seção.

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carga no estado do Rio de Janeiro
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Inteligência como ferramenta para prevenção criminal: o caso dos


roubos de carga no estado do Rio de Janeiro
O roubo de carga é um delito de alto impacto econômico. Conforme
destacado pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro
(ISP, 2016), esse tipo de crime afeta o setor produtivo não apenas nos pre-
juízos diretos com o valor da carga roubada, mas na elevação dos custos de
frete, seguros e segurança privada. O resultado é o potencial aumento do
preço final das mercadorias aos consumidores, além do fechamento e deslo-
camento de empresas de determinadas localidades.
Nos últimos anos, o Brasil sofreu com a escalada dos roubos de carga,
particularmente concentrado na região Sudeste, com substancial aumento
dos casos no estado do Rio de Janeiro. Análise elaborada pela Firjan (2017)
ressalta o descolamento da trajetória do roubo de carga no estado em relação
ao Sudeste e ao país a partir de 2014. Enquanto o país e a região Sudeste
registraram, respectivamente, aumentos de 48% e 52% do número de delitos
entre 2011 e 2015, o estado do Rio de Janeiro teve aumento de 135% no
mesmo período.
Essa trajetória ascendente se manteve até 2017, quando o Rio de Janeiro
registrou, em média, um roubo de carga a cada 50 minutos4, maior patamar
da história. Assim, o Rio de Janeiro se tornou a unidade da federação com
o maior número de casos no Brasil, apesar de ser a segunda economia em
termos de Produto Interno Bruto, apenas a 24ª de 27 em extensão territorial
e da subnotificação dos casos no primeiro trimestre de 2017, em função de
paralisação da Polícia Civil. O Gráfico 4 apresenta a evolução do delito no
estado do Rio.

Gráfico 4 – Evolução do roubo de cargas no estado do Rio de Janeiro

10.599
9.874

7.225

5.890

4.714 4.622 4.566 4.472


4.275 4.073
3.391 3.323 3.656 3.534
3.003 3.063 3.172 3.073
2.505 2.650 2.619
1.936 1.701
1.386 1.198
1.021 1.071

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do Instituto de Segurança Pública.

4 - Total de ocorrências em 2017: 10.599.

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Segundo estimativas da Firjan (2018), as ocorrências geraram perdas de


R$ 607,1 milhões em 2017, levando-se em conta somente o valor médio das
cargas. Além das perdas, tal conjuntura levou ao aumento do custo do frete,
a partir da implementação, em março de 2017, de taxa extra para transportes
com origem ou destino na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ)5:
a Taxa Emergencial Excepcional (Emex), onerando o preço de cada produto
carregado em cerca de 1,5%6. Segundo a Associação Nacional do Transporte
de Cargas e Logística (NTC&Logística, 2017), a taxa deve ser cobrada para
“regiões que se encontram em estado de beligerância e enquanto a situação
não se normalizar”.
Nesse contexto, foram implementadas ações de combate ao roubo de
cargas, com especial atenção à maior integração das forças de segurança.
Destacam-se: o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)7, em julho de
2017, e a criação do Grupo Integrado de Enfrentamento ao Roubo de Cargas
(GIERC)8, em outubro de 2017, congregando órgãos da extinta Secretaria
de Estado de Segurança, a Secretaria de Estado de Polícia Civil, a Secretaria
de Estado de Polícia Militar, o Instituto de Segurança Pública, a Secretaria
Nacional de Segurança Pública (Senasp), a Polícia Federal, a Polícia Rodovi-
ária Federal, a Secretaria de Estado da Casa Civil do Governo do Estado e
entidades do setor produtivo, como a Firjan e o Sindicato das Empresas de
Transporte do Estado do Rio de Janeiro. Na mesma esteira, cabe ressaltar
ainda a decretação da intervenção federal na segurança pública do estado do
Rio de Janeiro, em fevereiro de 20189.
A análise detalhada das ocorrências, a partir de dados do ISP, evidencia
certas características do roubo de cargas no estado. A principal delas é sua
concentração na RMRJ, sobretudo nas Circunscrições Integradas de Segu-
rança Pública (CISP) cortadas pelas principais rodovias do estado (Avenida
Brasil, Rodovia BR-040, Rodovia BR-101-Norte e Rodovia BR-116). Como
apresentado na Figura 1, apesar da migração da concentração ao longo do
tempo, tal característica se mantém.

5 - Formada pelos seguintes municípios: Belford


Roxo, Cachoeiras de Macacu, Duque de Ca-
xias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Japeri,
Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói,
Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, Queima-
dos, Rio Bonito, Rio de Janeiro, São Gonçalo,
São João de Meriti, Seropédica e Tanguá.
6 - Disponível em: <https://g1.globo.com/
rio-de-janeiro/noticia/aumento-de-roubo-de-
cargas-leva-transportadoras-a-cobrarem-taxa-
de-emergencia-no-rio.ghtml>. Último acesso
em agosto de 2019.
7 - Decreto nº 14.485 de 2017.
8 - Disponível em: <https://www.jusbrasil.
com.br/diarios/164544221/doerj-poder-exe-
cutivo-17-10-2017-pg-5>. Último acesso em
agosto de 2019.
9 - Decreto n° 9.288 de 2018.

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Figura 1 – Concentração dos roubos de carga no estado do Rio de Janeiro – 2015-2018

Fonte: Firjan (2019).

Há ainda outra característica particular dos delitos praticados em territó-


rio fluminense. Diferentemente de outros estados, em que o roubo de cargas
é praticado por quadrilhas especializadas, no Rio de Janeiro há predomi-
nância de ação por parte de grupos ligados ao tráfico de drogas. Conforme
destacado por Araújo et al. (2019), embora esses grupos atuassem em diversas
áreas, foi constatado que as cargas roubadas eram levadas para localidades
específicas para armazenamento e distribuição. A partir disso, houve a con-
centração das ações das forças de segurança nessas localidades, denominadas
de “pontos quentes de transbordo”.
Adicionalmente, foram realizadas operações conjuntas das forças de se-
gurança com foco na repressão ao roubo de cargas, com destaque para a
Operação Asfixia, em setembro de 2017, a Operação Dínamo Cargas, em
setembro de 2018, e a Operação Égide, fruto de convênio entre os governos
federal e estadual, trazendo reforços para os quadros da Polícia Rodoviária
Federal no estado para combate ao roubo de cargas entre julho de 2017 até

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o fim de 2018. Essas operações contaram com a cooperação das Forças Ar-
madas e foram subsidiadas por análises criminais elaboradas no ISPGeo,
portal gerido pelo Instituto de Segurança Pública que contém informações
de crimes ocorridos no estado do Rio de Janeiro.
Os resultados dessas ações apontam para a reversão da tendência de au-
mentos sucessivos das ocorrências (31,6% ao ano entre 2013 e 2017). Ao
contrário, o ano de 2018 registrou queda de 13,4% dos casos frente a 2017,
redução que poderia ser ainda maior, não fosse a já mencionada subnotifica-
ção ocorrida no primeiro trimestre de 2017.

Considerações finais

A inteligência criminal é primordial para a identificação de lideranças de


grupos criminosos, de potenciais informantes e para o monitoramento de
atividades cotidianas de criminosos. Assim, é possível reconhecer o modus
operandi da atividade criminosa e realizar operações efetivas, desarticulando
os grupos criminosos. Além disso, o trabalho de inteligência criminal sub-
sidia a Polícia Judiciária a revelar evidências sobre a autoria de crimes e a
produzir provas.
Apesar de sua relevância para as atividades de segurança pública como
um todo, a subfunção Informação e Inteligência é a que menos tem espaço
dentro do orçamento de segurança pública nos estados. A participação dos
aportes voltados à inteligência por parte dos governos estaduais foi de apenas
0,7%, em 2017. Tal participação, inclusive, apresenta quatro anos seguidos
de queda, desde 2013, quando foi registrado o maior valor da série (1,4%).
Contudo, o estado do Rio de Janeiro, estudo de caso deste artigo, obteve
resultados positivos na redução das ocorrências de roubo de carga, por meio
de atividades de inteligência criminal. Com a escassez de recursos, um méto-
do de menor custo foi utilizado no estado: a atuação integrada das forças de
segurança. Dentre as ações integradas, destacam-se a implementação e a atu-
ação do Grupo Integrado de Enfrentamento ao Roubo de Cargas (GIERC).
Nos trabalhos do grupo, houve uma maior interação entre as forças de se-
gurança e foi possível compreender o funcionamento do roubo de cargas no
estado, estabelecendo estratégias para a redução das ocorrências.
As ações de inteligência resultaram em reversão da tendência de aumen-
tos sucessivos no número de registros (31,6% ao ano entre 2013 e 2017). Em
2018, houve queda de 13,4% no número de ocorrências frente a 2017, redu-
ção que poderia ser ainda maior, não fosse a atípica subnotificação ocorrida
no primeiro trimestre de 2017.

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Cadernos de Segurança Pública | Ano 12 ● Número 12 ● setembro de 2020 | www.isprevista.rj.gov.br


Busca exploratória: ação de
inteligência policial ou cautelar de
colheita de prova?

João Carlos Girotto


Delegado de Polícia Federal. Mestrando em Comunicação e Media pelo Instituto Politécnico de Leiria, Portugal. Pós-graduado em Direito Ambiental
pela Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas). Pós-graduado em Gestão de Emergências e Desastres pela Universidade Gama Filho (UGF). Pós-
graduado em Altos Estudos de Política e Estratégia, curso da Escola Superior de Guerra (ESG)

Resumo
Este artigo versa sobre ação de busca exploratória, meio investigativo operacional recente, destinado à colheita de
dados e provas, utilizado precipuamente em investigações que apuram infrações praticadas por grupos delinquenciais
do tipo organização criminosa, tão presentes e atuantes em nosso território. Tal instituto já era previsto, com base em
interpretação sistêmica, na lei de primeira geração que cuidava da delinquência organizada, Lei nº 9.034/1995, na parte
referente aos procedimentos de investigação e formação de provas. A mais recente, Lei nº 12.850/2013, que define
organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal e os meios de obtenção da prova, reproduziu o dispositivo
existente naquela. A utilização de meios eficazes e aprimorados à sua repressão, como sói acontecer com a exploração
de local, faz-se necessária e primordial. Aqui, a par de uma análise conceitual de inteligência e do instituto da busca e
apreensão previsto em nosso ordenamento processual penal pátrio, pretende-se esquadrinhar a busca exploratória, de
sorte a verificar se esta emoldura a medida de inteligência policial ou o meio de obtenção de prova judicial.

Palavras-chave
Organização criminosa, busca exploratória, exploração de local, inteligência de Estado, inteligência policial.

Não é preciso ter olhos abertos para ver o sol, nem é preciso ter ouvidos afiados para ouvir o trovão. Para ser vitorioso
você precisa ver o que não está visível. Sun Tzu, A Arte da Guerra, 2006.

As opiniões e análises contidas nos artigos publicados pela revista Cadernos de Segurança Pública são de inteira
responsabilidadeCadernos
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Número de Segurança
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Busca exploratória: ação de inteligência policial ou cautelar de

81 colheita de prova?
[João Carlos Girotto]

Introdução

O instituto da busca exploratória é relativamente recente em nosso


ordenamento jurídico pátrio. Ações desta natureza foram utilizadas no curso
de operação deflagrada pela Polícia Federal − Operação Hurricane1, que
desarticulou organização criminosa volvida a delitos de corrupção e de jogo
do bicho, na qual estavam involucrados altos integrantes do poder judiciário.
Dada a natureza da medida – operação encoberta, não se pode analisá-
la sem um exame conjunto com a atividade de inteligência, suas diversas
ramificações e a tão falada e propagada inteligência policial.
A atividade de inteligência surgiu com o fito de assessorar decisões
estratégicas, muitas vezes tornando-se crucial em conflitos que ditaram os
rumos da humanidade, como, por exemplo, no Dia D, batizado oficialmente
de Operação Overlord 2 , nome dado à Batalha da Normandia, para a qual os
elementos trazidos pela inteligência militar foram determinantes. Essa ação
de produzir informação relevante transpassou-se, ao longo dos tempos,
para diversas áreas, inclusive para aquelas desvinculadas de atividades
beligerantes.
A inteligência policial também se apresenta como suporte robusto no
combate à criminalidade, notadamente aquela realizada por grupos de
delinquência organizada que contam com um sofisticado aparato tecnológico,
compartimentação férrea de funções, planejamento empresarial, simbiose
com o poder público, alto poder de intimidação e elevado poder econômico,
entre outros aspectos, face ao vultuoso lucro que determinadas atividades
ilícitas geram, despontando hodiernamente o tráfico de seres humanos, para
fim de prostituição, e o trabalho escravo.
O tema específico deste trabalho se refere, portanto, à busca exploratória
ou exploração de local, medida judicial realizada de forma não ostensiva
que poderá se revestir também de ação de inteligência, visto que elementos
(dados) colhidos por ocasião da mesma podem assessorar gerentes de
investigações policiais. Assim, este escrito busca fazer tal apanhado, para ao 1 - A Polícia Federal deflagrou, na manhã do
dia 13 de abril, a Operação Hurricane, nos
final inferir, com base em argumentos contextualizados diante da legislação
estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia,
nacional, a natureza da medida de busca exploratória, se é uma ação de e no Distrito Federal. O objetivo era desarticu-
inteligência policial, colheita de prova ou medida mista. lar uma organização criminosa que atuava na
exploração do jogo ilegal e cometia crimes contra
a administração pública. Foram cumpridos 70
2. Conceito de inteligência e suas variantes mandados de busca e apreensão e 25 mandados
de prisão contra chefes de grupos ligados a jogos
ilegais, como empresários, advogados, policiais
A palavra inteligência origina-se do latim intelligentia, tendo por base civis e federais, magistrados e um membro do
o termo intelligere, decorrente da união do prefixo inter (entre) com legere Ministério Público Federal (AGÊNCIA PF,
(escolher), com sua conceituação originária vertida ao campo da psicologia, 2012).
referindo-se à capacidade de cognição intelectiva de determinada pessoa. Já o 2 - O desembarque na praia da Normandia,
na França, no verão de 1944, marca o início da
dicionário Aurélio Buarque de Holanda define inteligência como “faculdade
Operação Overlord, onde forças americanas,
de conhecer, de compreender, intelecto: a inteligência distingue o homem do
inglesas e canadenses tomaram a costa francesa,
animal” (HOLANDA, 2010). dando início à libertação da Europa do domí-
Aqui não se pretende tratar deste tipo de inteligência, mas, sim, de uma nio nazista (HASTINGS, 2012).

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classe de conhecimento, de atividade envolta em determinada estratégia de


análise para traçar linhas de ação com vistas a subsidiar decisões com base
em informações previamente coletadas, por meio espontâneo ou não. É um
processo específico que guarda semelhança, em sua forma de abordagem
inicial, com outras atividades de trabalho existentes no meio cotidiano,
conforme se refere Bonilla (2004, p. 53).

A inteligência apresenta uma forte semelhança com outras áreas baseadas na


informação tal como grandes meios de imprensa ou centros de investigação
da comunidade acadêmica. A inteligência é, talvez, a principal atividade ba-
seada em informação ou em conhecimento, contudo todas compartilham as
mesmas atividades primordiais (tradução nossa).

Nos tempos primórdios, no escopo de atividades beligerantes e de disputa


de poder e território, essa inteligência de conhecer a outra parte e aspectos
atinentes ao inimigo era nominada pelo termo “captura de informação”,
cabendo tal tarefa a espiões ou pessoas arregimentadas por uma das partes
envoltas na situação. Conforme referido anteriormente, trata-se de atividade
avita, havendo registros na bíblia de que Moisés teria enviado espiões à
Terra de Canaã antes de cruzar o rio Jordão, e esses trouxeram informações
preciosas sobre os habitantes do território que iriam ocupar (FEITO, 2018).
Trata-se, então, de ação intelectiva inerente ao ser humano, essencial
e ínsita ao seu próprio instinto de sobrevivência – traçar linhas de ação
com base em elementos pretéritos capturados mentalmente. Dessa forma,
podemos afirmar que existem inúmeras variantes de inteligência: inteligência
de Estado, inteligência policial, inteligência militar, inteligência estratégica,
inteligência fiscal, inteligência financeira, inteligência artificial, inteligência
digital, entre outras, adquirindo o termo, ao longo do tempo, diversos
semblantes.
Contudo, há nessas vertentes elementos que se interligam, mantendo seu
conceito central. Neste sentido, assinala Lima (2012, p. 35):

de acordo com Michael Warner, embora a inteligência tenha passado por


mudanças ao longo da história e tenha assumido diferentes aspectos, o con-
ceito central de inteligência não mudou muito desde 1600. Segundo a maior
parte das definições propostas desde então, a palavra inteligência significa
(entre outras coisas) um conselho para o poder soberano; um tipo privile-
giado de informação; e atividade de aquisição, produção e possivelmente de
ação desta informação. Há nestas definições mencionadas três componentes
que caracterizariam, portanto, a inteligência: 1) auxílio na tomada de deci-
sões; 2) informação privilegiada; 3) processo de coleta e processamento desta
informação privilegiada.
De acordo com as três definições apontadas, primeiramente, a inteligência
(ou a informação) atua como subsidiária na tomada de decisões, ou seja, tem
um caráter específico e existência condicionada. Em segundo lugar, para

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que seja considerada inteligência, a informação deve ser privilegiada, ou seja,


poucos devem ter acesso a ela. A terceira definição de inteligência trata do
processo de coleta e processamento da informação privilegiada. Esse aspec-
to diz respeito às técnicas da atividade de inteligência.

Neste aspecto, quer em tempos de guerra, quer em atividades de defesa


nacional, atividades policiais ou de proteção e busca de conhecimento
empresarial por meio de atividade analítica, resta incontrastável a importância
estratégica da inteligência na tomada de decisões.

3. Inteligência de Estado e inteligência policial

A inteligência de Estado volvida à obtenção de informação e produção de


conhecimento possui carga de assessoramento a autoridades governamentais
para a tomada de decisões de segurança interna e externa, traduzindo-se
na máxima de que informação significa conhecimento. Também, possui função de
proteção do conhecimento, impedindo que forças adversas tomem posse de
informações, dados e conhecimento (contrainteligência).
Acerca da inteligência de Estado, Gonçalves (2008, p. 16) discorre:

a inteligência de Estado, portanto, reúne a produção de conhecimento de


diferentes matizes, também podendo ser fruto da integração de inteligência
produzida por diversos órgãos, e tem como objetivo assessorar o processo
decisório de mais alto escalão, de maneira a dotar o tomador de decisão
com informações na sua maioria de caráter estratégico na defesa do Estado
e da sociedade contra ameaças reais ou potenciais. A inteligência de Estado
contribui, ainda, com informações relacionadas à conjuntura nacional e in-
ternacional, estimativas e outros insumos que possam ser úteis para as deci-
sões do Chefe de Estado ou de Governo. Divide-se em duas subcategorias:
Inteligência Externa ou Inteligência Interna ou Doméstica.

A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN, 2001) define inteligência


de Estado como “o exercício de ações especializadas para obtenção e
análise de dados, produção de conhecimentos e proteção de conhecimentos
para o país”. Assim, o Decreto nº 8.793/20163 (BRASIL, 2016) define os
parâmetros e a atuação da atividade de inteligência no Brasil, estabelecendo
pressupostos, instrumentos e identificando ameaças, tudo isso no âmbito do
Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN (BRASIL, 1999).
Por seu turno, a inteligência policial, dentro da vertente de inteligência 3 - Art. 1º - A Política Nacional de Inteligên-
de segurança pública, é aquela que tem por objetivo a captura, a análise e a cia - PNI, fixada na forma do Anexo, visa
produção de conhecimentos de interesse de órgão policial, ou seja, de sorte a definir os parâmetros e os limites de atuação
a subsidiar a polícia investigativa ou a polícia ostensiva. A normativa que da atividade de inteligência e de seus executores
no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência,
regulamenta o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (BRASIL,
nos termos estabelecidos pela Lei nº 9.883, de 7
2009) assim conceitua inteligência policial: de dezembro de 1999.

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[...] é o conjunto de ações que empregam técnicas especiais de investigação,


visando a confirmar evidências, indícios e a obter conhecimentos sobre a
atuação criminosa dissimulada e complexa, bem como a identificação de
redes e organizações que atuem no crime, de forma a proporcionar um per-
feito entendimento sobre a maneira de agir e operar ramificações, tendências
e alcance de condutas criminosas.

Releva notar que a inteligência de Estado garimpa diversas áreas de


conhecimento, como geopolítica, psicossocial, tecnológica, militar, etc.,
enquanto a inteligência policial atua, particularmente, na área de segurança
pública, buscando conhecimento para a tomada de decisões de conteúdo de
prevenção e repressão criminal. Ainda, a inteligência de Estado não sofre
limitações legais, em que pese isso ser pregado em documentos oficiais
– alcança o roubo de informações de outros países, sabotagens, ações
encobertas, medidas de propaganda, guerra psicológica para desestabilização
de governos, etc. Já a inteligência policial caminha lastreada por limitações
legais, pois a atividade policial é submetida a controle interno (corregedorias)
e controle externo (Ministério Público).
Todos os países contam com seus órgãos de inteligência próprios, cabendo
referir à CIA (Agência Central de Inteligência), nos Estados Unidos; à DST
(Direção de Vigilância Territorial), na França; ao MI6 (Serviço Secreto de
Inteligência), no Reino Unido; ao SVR (Serviço de Inteligência Estrangeiro)
e ao GRU (Serviço de Inteligência Militar), ambos na Rússia; ao Mossad
(Instituto para Inteligência e Operações Especiais), em Israel, entre outros.
Tais atividades de inteligência estatal, conforme se refere Cepik (2001),
fundamentam-se em três eixos principais: velocidade, pois os processos de
coleta, análise e disseminação de informações devem operar em ciclos curtos
a fim de atender às mudanças bruscas de atenção e prioridade do solicitante;
capacidade para coleta e análise de informações, especialmente face ao
crescente aumento da tecnologia para coleta e produção de dados brutos; e
flexibilidade, caracterizada pela mutação de crises e temas de política externa
e necessidade de interação com outras agências.

4. Busca e apreensão

A busca e apreensão não é instituto afeto exclusivamente ao campo da


jurisdição criminal, mas, também, presente na esfera do direito processual
civil, tratando-se de medida prevista em nosso ordenamento jurídico, sempre
precedendo de mandamento judicial específico, visto que interfere na esfera
dos direitos individuais assegurados pela Constituição Federal de 1988,
devendo, portanto, obedecer ao devido processo legal (BRASIL, 1988).
No campo do processo penal se insere também a fase investigativa,
regida pelos dispositivos presentes no Código de Processo Penal (BRASIL,
1941), segundo o qual a busca e apreensão é considerada como medida
cautelar, servindo para assegurar o resultado do processo principal. Ou seja,

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visa a formar a convicção do magistrado, servindo como elemento de prova,


e se realiza durante o curso do inquérito policial ou, no caso de flagrante
delito, sem necessidade de mandamento judicial. Assim, considera-se a busca
e apreensão como meio de obtenção de prova, em que pese a sua natureza
cautelar. Segundo o magistério de Capez (2012, p. 401):

para a lei, é meio de prova, de natureza acautelatória e coercitiva; para a dou-


trina, é medida acautelatória, destinada a impedir o perecimento de coisas
e pessoas.

No estágio judicial, poderá ocorrer durante a instrução do processo ou na


fase de execução da sentença, como o Código de Processo Penal (BRASIL,
1941, art. 240) prescreve:

art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.


§ 1° Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autoriza-
rem, para:
a) prender criminosos;
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsifi-
cados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime
ou destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder,
quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil
à elucidação do fato;
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
h) colher qualquer elemento de convicção.

Esta é a busca e apreensão clássica, prevista no estatuto processual penal


pátrio diante de formatação constitucional4, em que, afora desastre, prestação
de socorro e flagrante delito, permite-se o ingresso em casa por força de ordem
judicial (BRASIL, 1988). Ademais, o legislador constitucional faz referência a
“durante o dia”, tendo o entendimento doutrinário e jurisprudencial firmado 4 - XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo,
que compreende o interregno temporal que vai da aurora ao crepúsculo, ou ninguém nela podendo penetrar sem consenti-
seja, segue o critério físico-astronômico, inobstante alguns defenderem um mento do morador, salvo em caso de flagran-
marco temporal fixo – das seis às dezoito horas (STF, 2015). te delito ou desastre, ou para prestar socorro,
ou, durante o dia, por determinação judicial
Igualmente, a conceituação de casa é ampla, compreendendo qualquer (BR ASIL, 1988, art. 5o, XI).
compartimento habitado – apartamento, trailer, barraca, aposento ocupado 5 - Art. 246 - Aplicar-se-á também o dispos-
de habitação coletiva, hotel, apart-hotel e pensão (STF, 2015). Neste aspecto, to no artigo anterior, quando se tiver de pro-
registre-se que o termo domicílio envolve, igualmente, o local de exercício ceder a busca em compartimento habitado ou
em aposento ocupado de habitação coletiva ou
profissional, mesmo que informal, para fim de tal medida, em face ao
em compartimento não aberto ao público, onde
disposto no art. 246 do Código de Processo Penal5 (BRASIL, 1941, art. 246).
alguém exercer profissão ou atividade (BR A-
Assim, efetiva-se a busca e apreensão por meio de ação ostensiva, SIL, 1941, art. 246).

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podendo redundar na constrição física de elementos de interesse à prova em


futuro processo judicial, servindo, portanto, para a formação da convicção
da autoridade policial, do Ministério Público e do próprio julgador.

5. Busca exploratória

Não há muitos escritos sobre a nominada busca exploratória, tratando-se


de instituto relativamente recente. Importante leading case foi a apreciação
pelo STF, no bojo do Inquérito n° 2.424/STF, de ação deste jaez levada a
efeito pela Polícia Federal na nomeada Operação Hurricane, deflagrada
em 2007, no Rio de Janeiro. Feito esse com curso originário no Supremo
Tribunal Federal, porquanto figurava como investigado o ministro do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), entre outros, em delitos volvidos a
quadrilha, corrupção e outros crimes conexos (STF, 2011).
Naquela ocasião, amparados por ordem judicial, policiais adentraram no
período noturno em escritório de advocacia para efetuar colheita de provas,
sem constrição física de material, ou seja, procedendo ao registro digital de
informações úteis probatórias e, também, à instalação de equipamentos para
captação de sinais ambientais.
A ação, em razão de sua natureza não ostensiva, ocorreu conforme
referido, em período noturno, mantendo-se a configuração original do
material existente no local, de forma que, em momento posterior, quando
da entrada e ocupação do cômodo pelo investigado, este não percebesse a
intromissão em seu espaço físico.
Não há, na doutrina pátria, conceito formulado quanto à busca
exploratória (exploração de local). Diante desta situação e dos elementos
legais que amparam tal medida, podemos defini-la como: ação policial não
ostensiva, realizada por equipe qualificada, devidamente autorizada por
juízo competente, consistente no ingresso em domicílio de investigado
sem que o mesmo tenha conhecimento, para registro de informações e
elementos de prova, com vistas a subsidiar a investigação e futuro processo
penal, mantendo-se a configuração original do local. A busca exploratória
será devidamente registrada de forma pormenorizada, por meio de Auto
Circunstanciado de Busca.
A exploração de local não necessariamente ocorrerá à noite, podendo ser
efetivada, por exemplo, em finais de semana ou feriados. Contudo, conforme
alhures referido, não obedece ao período de execução atinente à busca e
apreensão comum.
Os elementos constringidos digitalmente na ação podem se tratar de:
(i) dado que, devidamente avaliado, interpretado e tido como de interesse,
transforme-se em inteligência e destine-se ao tomador de decisão; ou (ii)
elemento probatório de interesse ao futuro processo penal.
Como exemplo, em um primeiro caso, imagine-se que a exploração de
local revelou que o investigado suspeite de determinada ação policial (que

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esteja sendo seguido, que a equipe policial alugou imóvel próximo a uma
de suas empresas, que há um informante entre os integrantes do grupo).
Isso, indiscutivelmente, demandará adequação operacional investigativa. Ou
seja, o dado, devidamente processado por meio de metodologia adequada,
transforma-se em informação relevante para o nível operacional.
Em um segundo caso, teríamos uma situação hipotética na qual, durante
os registros, identificou-se agenda em que constavam datas pretéritas de
reuniões de integrantes do grupo, contas bancárias, valores de propina,
etc., constituindo-se, tal elemento, prova para o inquérito e futuro processo
penal. Esses dois matizes – informação de inteligência e prova – podem
advir da busca exploratória.

6. Fundamentação legal para exploração de local

A medida encontra amparo na Lei de Organização Criminosa, Lei nº


12.850, de 2 de agosto de 2013 (BRASIL, 2013), que define organização
criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção
da prova, as infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser
aplicado. Em seu artigo 3º, a precitada lei dispõe:

art. 3º - Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem pre-


juízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
(...)
II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (...).

Saliente-se que o diploma legal vigente quando da ação de exploração


de local efetivada no curso da Operação Hurricane era a Lei n° 9.034/1995
(BRASIL, 1995) que, em seu artigo 2º, IV, trazia:

[...] em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo


dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e for-
mação de provas: (...) IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais
eletromagnéticos, óticos ou acústicos e o seu registro e análise, mediante
circunstanciada autorização judicial.

Portanto, a novatio legis que conceituou organização criminosa trouxe


tipos penais específicos e ampliou o leque de ferramentas investigativas de
obtenção de prova, repetindo a disposição trazida pela Lei nº 9.034/1995
neste peculiar aspecto (BRASIL, 1995). A Corte Constitucional Brasileira,
quando do julgamento do Inquérito nº 2.424/RJ, DF, 2011 (STF, 2011),
debruçou-se sobre tal ponto, o de exploração de local. Em voto, o ministro
Peluso:

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com efeito, autorizei expressamente, com fundamento no art. 2º, inc. IV, da
Lei nº 9.034/95 [BRASIL, 1995], o ingresso sigiloso da autoridade policial
na sala do acusado, para instalação de equipamentos de captação de sinais
acústicos. [...]
Depois, atendendo a pedido formulado pelo procurador-geral, autorizei a
instalação de equipamento e início de captação na sala de reuniões do escri-
tório do acusado. [...]
Por fim, determinei a realização de exploração de local. [...]
Ante tão graves razões, autorizei a entrada de policiais, para registro e aná-
lise de sinais óticos, sem apreensão de qualquer objeto. A defesa, mais uma
vez, arguiu a ilicitude da prova, em razão do horário de realização das dili-
gências [...]
Parece-me evidentíssimo que tais medidas – instalação de equipamentos de
captação ambiental e exploração de local – não podem jamais ser realizadas
com publicidade alguma, sob pena intuitiva de frustração, o que ocorreria se
fossem praticadas durante o dia, mediante apresentação do mandado judi-
cial, como deve suceder, v.g, no procedimento de busca.

Em que pese a coerência do voto do ministro Peluso, em que fundamenta


a necessidade de medida deste mote, em vista de elevado poder delinquencial
do grupo investigado, que envolvia ministros integrantes de alta cúpula do
judiciário e barões do jogo do bicho, outros ministros do STF posicionaram-
se contra o ingresso em horário noturno, aduzindo que tal medida vem de
encontro à norma de envergadura constitucional6 (proteção domiciliar, em
que o legislador constituinte permitiu o ingresso com ordem judicial somente
no período diurno). Foram votos vencidos no julgamento os ministros
Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau.

7. Conclusão

É um fato evidente que a inteligência policial cada vez mais ocupa uma
posição de destaque e importância no sistema de segurança pública, com
um tratamento adequado da informação, a qual, devidamente processada,
transforma-se em conhecimento, inteligência e ação. O combate às
organizações criminosas demanda a utilização de ferramentas investigativas
aprimoradas, postas à disposição pelo nosso ordenamento jurídico pátrio,
notadamente a lei que trata da investigação criminal de organizações
criminosas.
No caso da busca exploratória, conforme referido anteriormente, dados
(fontes primárias de informação) registrados quando do ingresso de equipe
policial qualificada em determinado compartimento podem, muitas vezes,
subsidiar decisões de gerentes operacionais, reposicionando certas ações no 6 - XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo,
tabuleiro investigativo. ninguém nela podendo penetrar sem consenti-
mento do morador, salvo em caso de flagrante
Não se pode perder de vista que este meio operacional de inteligência delito ou desastre, ou para prestar socorro,
policial coexiste perfeitamente com o outro objeto da exploração de local, qual ou, durante o dia, por determinação judicial
seja a colheita de elementos de prova destinados à futura ação persecutória (BR ASIL, 1988, art. 5o, XI).

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do Estado, por meio de registro de elementos considerados pertinentes,


particularizado pela ausência de publicidade e sigilo, preservando-se as
características originais do local.
Pode-se afirmar que a busca exploratória se trata de medida mista –
ação de inteligência policial combinada com colheita de elementos ópticos
de prova, porquanto poderá trazer como resultado informação policial
relevante, que venha a determinar alterações importantes de ações no nível
operacional, bem como elementos necessários ao destinatário imediato da
prova (Ministério Público) e mediato (juiz do feito). Assim, esta percepção
é importante para os operadores do direito, de forma que o instituto em tela
possa ser utilizado com mais frequência, maximizando as ações dos órgãos
de segurança pública.

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Busca exploratória: ação de inteligência policial ou cautelar de

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