Você está na página 1de 288

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/355097024

LIVRO SEGURANÇA E INTELIGÊNCIA: debates e perspectivas

Book · October 2021

CITATIONS READS

0 618

3 authors, including:

Roberto Magno Reis Netto Wando Dias Miranda


Federal University of Pará Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará + SEGUP
73 PUBLICATIONS   51 CITATIONS    30 PUBLICATIONS   7 CITATIONS   

SEE PROFILE SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

CROM - Ciência a serviço da gestão pública View project

Observatório da Violência: metrópole, criminalidade e vulnerabilidade socioeconômica View project

All content following this page was uploaded by Roberto Magno Reis Netto on 06 October 2021.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


1
SEGURANÇA PÚBLICA E ATIVIDADE DE
INTELIGÊNCIA: debates e perspectivas
Organizadores:
Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda
João Francisco Garcia Reis

A presente obra foi desenvolvida de forma inteiramente gratuita. A confecção da mesma se


deu por iniciativa dos organizadores. Os textos representam contribuição voluntária dos
pesquisadores (que se responsabilizam totalmente por seu conteúdo). A participação no
Conselho editorial foi gratuita e em prol do desenvolvimento científico. O livro é iniciativa
do Érgane – Instituto Científico da Amazônia e do CROM – Ciência a Serviço da Gestão
Pública, bem como, detém fins totalmente científicos e não econômicos, relativos à difusão
democrática e aberta de conhecimentos. A veiculação da obra, portanto, é gratuita, sendo
vedada a cobrança de qualquer valor pelo mesmo, exceto em caso de veiculação de vias
impressas e somente para fins de compensação do necessário à impressão.

BELÉM – PARÁ - 2021


2
PREFÁCIO

Pensar e propor novas formas de enfrentamento à criminalidade é o


desafio que se impõe aos profissionais de segurança pública, orientados
pela Atividade de Inteligência, não apenas no assessoramento do processo
decisório quanto à identificação de oportunidades e ameaças ao Estado e
à sociedade, mas, sobretudo, em subsidiar investigações e operações
policiais que permitam elucidar o crime e impedir a sua ocorrência.
Obviamente que esse modelo de segurança pública, tendo a Atividade de
Inteligência como instrumento de gestão, destina-se a produzir
conhecimento em estrita observância ao princípio da legalidade, ou seja,
em consonância com o ordenamento jurídico do Estado Democrático de
Direito. Esse conhecimento – Inteligência, apresentado como produto,
apontará as oportunidades à consecução das políticas e dos interesses do
Estado e as ameaças à segurança da sociedade e do Estado.
A Atividade de Inteligência na segurança pública não é apenas relatar fatos
ou situações passados ou presentes, mas, principalmente, antecipar a fatos
ou situações de imediata ou potencial influência sobre o Estado e a
sociedade, ou depois de ocorrido o delito, subsidiar a investigação policial.
O mundo mudou, as polícias mudaram e a criminalidade encontrou novas
formas para se adequar à nova realidade. A tecnologia conectou as pessoas
e trouxe inúmeros benefícios a todos. Porém, criminosos também
surfaram na onda tecnológica, exigindo atenção das polícias do mundo
inteiro contra os crimes cibernéticos. Tudo isso passou a exigir novas forma
de enfrentamento à criminalidade.
A importância dos artigos constantes nesta obra está em mostrar à
sociedade o quanto é necessário o pensamento crítico para o
planejamento de políticas e ações de segurança pública. O quanto é
enriquecedor inovar e apresentar um novo olhar para os assuntos que
envolvam o tema segurança pública. E mais, o quanto é necessário estar
um passo à frente dos criminosos. Não se faz o enfrentamento à
3
criminalidade à base de empirismo ou de ações individuais com nítido
interesse de obter elogios ou reconhecimento da sociedade. O trabalho de
segurança pública precisa ser coletivamente planejado e executado, salvo
nas ações em que o sigilo seja necessário.
Esta obra, portanto, reforça a necessidade do pensar coletivo. Mostra que
a metodologia ganha relevo quando se fala em planejar políticas e ações
de segurança pública. E é nesse particular que a Atividade de Inteligência
surge como uma metodologia de gestão necessária para assessorar os
dirigentes à tomada de decisão e subsidiar investigações e operações
policiais.
São ricos artigos em assuntos variados, como Inteligência policial,
operações de reintegração de posse planejadas, o sigilo em relatórios, a
Inteligência como ferramenta de gestão, operação Skyfall, operações de
Inteligência policial, considerações sobre estatística da violência contra
mulher, racismo institucional, educação e segurança pública, geografia do
tráfico de drogas, atuação da Policia Militar do Amapá no combate aos
crimes de violência doméstica, audiência de custódia como mecanismo de
controle externo da atividade policial, projetos sociais na prevenção de
vulnerabilidades de crianças e adolescentes, extinção de carreiras estatais,
crimes tecnológicos e legítima defesa, módulo boletim de atendimento
policial militar, enfrentamento ao tráfico de pessoas, ethos militar e gênero
e justiça e território.
O conjunto de assuntos tratados permitirão ao leitor ter conhecimento do
compromisso dos autores dos artigos na construção de políticas de
segurança pública, com a utilização da Atividade de Inteligência como
modelo de gestão, no claro benefício ao Estado e à sociedade.
Observa-se que a pesquisa e o aprofundamento dos assuntos só foram
possíveis devido à dedicação e ao entusiasmo com que os temas foram
abordados. Temas estes de grande importância para o cotidiano da
segurança pública e em condições de assessorar o processo decisório nas
respectivas áreas de decisão.

4
Parabenizo os autores dos artigos e seus orientadores, assim como a
coordenação dos trabalhos, desejando que todos os envolvidos não
deixem de pensar sobre o tema segurança pública, diante do enorme
desafio de redução dos índices de criminalidade e da busca incessante de
Paz Social.

Prof. Antônio Claudio Fernandes Farias


Oficial de Inteligência e professor

5
APRESENTAÇÃO

Século XXI. Um século de contradições assentes.


Ainda se constata a ocorrência de crimes famélicos (os populares roubos
de galinha e afins), que eram punidos de maneira incisiva até o último
quartil do século passado (embora, ainda haja quem os persiga com
rigor, nos dias atuais). De maneira paralela, esses crimes decorrentes da
pobreza coexistem com novas modalidades, como os furtos de centavos
em contas de pessoas comuns ou empresas, que, ao fim, somam
milhares ou milhões, gerando danos individuais imperceptíveis que,
coletivamente, representam um mal gravíssimo à coletividade.
As armas brancas, transmutadas em armas de fogo (cada vez mais
presentes nas vidas comuns), hoje, concorrem com mouses, tablets e
smartphones, igualmente utilizados como instrumentos criminosos, nas
mãos de especialistas.
As fronteiras, anteriormente defendidas a ferro e fogo por uma ideia de
legalidade e um espírito de nacionalidade (ainda, utilizado em muitos
discursos políticos), se encontram, cada vez mais, fragilizadas pela
capacidade de interconexão, que promove trocas de saberes e práticas
que, certamente, revolucionam o crime local e, dessa forma, minam a
capacidade de controle e combate por parte dos órgãos de segurança
pública ainda presos em seus limites territoriais.
A sociedade mudou. O crime também.
Por essa simples razão, os órgãos de segurança e cientistas da área
também devem mudar. Novas pesquisas não são somente necessárias,
mas, fundamentais à reconstrução da capacidade do Estado em reagir às
novas ameaças.
Compreender a segurança de maneira mais ampla e abrangente, bem
como, observá-la diante de inúmeros fenômenos para além do crime, é
essencial a esse movimento.
6
Nesse sentido, a presente obra engloba um conjunto de estudos,
desenvolvidos por pesquisadores brasileiros, voltados à construir breves
contribuições à (re)construção da ideia de segurança pública no Brasil.
Espera-se que a mesma seja uma semente.
Que frutifique, pois!
Que seja uma instigação a (novos ou não) pesquisadores, no sentido de
multiplicar pesquisas, sempre, na busca pela compreensão de problemas
e construção de um mundo melhor.

Os autores.

7
Sumário
I. ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ...................................................................................................... 12

INTELIGÊNCIA POLICIAL E ATIVIDADE CRIMINOSA: ........................................................................... 13


Emerson Lopes da Silva
Suzana Moura Lima

OPERAÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE PLANEJADAS E EXECUTADAS PELA POLÍCIA MILITAR DO


PARÁ COM UTILIZAÇÃO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA. ............................................................... 24
Jorge Fabricio dos Santos
Wando Dias MIranda
Roberto Magno Reis Netto

O SIGILO DO RELATÓRIO PRODUZIDO NA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA POLICIAL E O CONTROLE


EXTERNO DO MINISTÉRIO PÚBLICO................................................................................................... 34
Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda
Herick Wendell Antônio José Gomes
Clarina de Cássia da Silva Cavalcante

A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA COMO FERRAMENTA DE


ASSESSORAMENTO PARA O PROCESSO DECISÓRIO DO GESTOR PÚBLICO ....................................... 48
Herick Wendell Antônio José Gomes
Clay Anderson Nunes Chagas
Wando Dias Miranda

007 - OPERAÇÃO SKYFALL .................................................................................................................. 58


Wando Dias Miranda
Roberto Magno Reis Netto
Brenda Thayna Trindade Lopes
Evelyn Munarini Gualberto

OPERAÇÕES DE INTELIGENCIA POLICIAL............................................................................................ 68


Roberto Sergio Da Silva Castro
Wando Dias Miranda
Roberto Magno Reis Netto

A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO ENFRENTAMENTO AO ROUBO A BANCO: ................................. 77


Francisco Licinio de Souza Ferreira Junior
Wando Dias Miranda
João Francisco Garcia Reis

II. SEGURANÇA PÚBLICA ................................................................................................................. 99

8
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PANORAMA ESTATÍSTICO DA VIOLENCIA CONTRA A MULHER
NO ESTADO DO PARÁ (2014-2016) .................................................................................................. 100
Sandra Regina Alves Teixeira

RACISMO INSTITUCIONAL E SEU REFLEXO NA SEGURANÇA PÚBLICA BRASILEIRA ......................... 108


Renata Almeida Danin
José Gracildo de Carvalho Júnior

EDUCAÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA ................................................................................................ 115


Tayna Silva Cavalcante
Roberto Magno Reis Netto
Sandra Leticia Magalhães Gaudêncio

POR UMA GEOGRAFIA DO TRÁFICO DE DROGAS ............................................................................ 123


Roberto Magno Reis Netto
Clay Anderson Nunes Chagas

REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR DO AMAPÁ NO COMBATE AOS CRIMES DE


VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO MUNICÍPIO DE MACAPÁ ..................................................................... 138
Manoel Fernando Alves Silva
Antonio Sabino da Silva Neto

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO MECANISMO DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE


POLICIAL ........................................................................................................................................... 153
Talita Isaura Baptista dos Santos
Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda

PROJETOS SOCIAIS COMO INSTRUMENTOS DE PREVENÇÃO DA VULNERABILIDADE SOCIAL DE


CRIANÇAS E ADOLESCENTES ............................................................................................................ 166
Thays Costa Pires
Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda

A QUEM INTERESSARIA A EXTINÇÃO DE CARREIRAS ESTATAIS COMO A DOS OFICIAIS DE


JUSTIÇA? ........................................................................................................................................... 185
Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda

CRIMES TECNOLÓGICOS E LEGÍTIMA DEFESA.................................................................................. 193


Marcela Glaucia Lima da Silva Fernandes
Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda
Nicolle Larissa Da Silva Abreu

O MÓDULO BOLETIM DE ATENDIMENTO POLICIAL MILITAR E A CULTURA DA INFORMAÇÃO NO


BATALHÃO DE POLÍCIA DE CHOQUE DO PARÁ ................................................................................ 207
Mayara Araujo
Wilson José Barp
9
Fernanda Valli Nummer

AÇÕES DESENVOLVIDAS PELOS NÚCLEO DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS NO


BRASIL .............................................................................................................................................. 221
Lucas Moura Figueiredo
Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda

“ETHOS MILITAR E GÊNERO” ........................................................................................................... 239


Sandra Letícia Magalhães Gaudêncio

JUSTIÇA E TERRITÓRIO ..................................................................................................................... 254


Roberta Braga Simões
Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda

III. AUTORES, ORGANIZADORES E COLABORADORES.................................................................... 272

10
(Imagem: A vigilante. Autor: Gabriel Prestes Magno Reis)
“A tecnologia de vigilância hoje se desenvolve em duas frentes que servem a dois objetivos estratégicos
opostos: numa das frentes, o confinamento (ou “cercar o lado de dentro”), na outra, a exclusão (ou “cercar o
lado de fora”).

(BAUMAN, Zigmunt. A vigilância líquida como pós-pan-ótico. In: BAUMAN, Zigmunt; LYON, David. Vigilância Líquida. Rio
de Janeiro: Zahar, 2013. P.65).
11
I. ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

12
INTELIGÊNCIA POLICIAL E ATIVIDADE CRIMINOSA:
Novos Paradigmas no combate à macrocriminalidade

Emerson Lopes da Silva


Suzana Moura Lima
1

1 INTRODUÇÃO

Diante do avanço significativo da macrocriminalidade é de fundamental importância a


evolução, adaptação e atualização da doutrina de investigação criminal que busque de forma
estratégica obter mais rapidamente informações, significado e conhecimento sobre essa
especialidade delitiva.
Ferro (2007) ressalta que nas últimas décadas as ações criminosas adquiriram novas
características de organização, planejamento, diversificação de atividades, atuação sem limites
territoriais, facilidade de comunicação e acesso à informação e também afirma que essas ações
estão cada vez mais organizadas por parte dos agentes.
Essas atividades criminosas, em sua maioria, são praticadas por detentores de poder, de
elevada posição social, econômica ou profissional, pois demandam conhecimentos específicos
(domínio de temas empresariais, financeiros, fiscais, entre outros), além de muitas vezes exigir um
ambiente favorável dentro das esferas estatais.
Gomes (2011) aponta para uma questão importante a ser levantada sobre o conceito da
macrocriminalidade. Pois, ainda não há no Brasil nenhuma lei que define o que é essa especialização
delitiva; quantas pessoas são necessárias; qual é a finalidade da organização criminosa; duração e
estabilidade. Dificultando desta forma, como identificar e combater a evolução dessa modalidade
criminosa.
Na ausência de um conceito jurídico oficial sobre o crime organizado no Brasil, existe a
tentativa de aproveitar para dentro do direito brasileiro o escopo do Tratado Internacional de
Palermo que define a organização criminosa transnacional:

Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando


concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas
na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico
ou outro benefício material (GOMES, 2009 p. 5).

Gomes (2011) destaca que não é possível acolher a tese de que o Tratado Internacional de
Palermo definiu crime organizado no plano interno do Brasil, pois, por força da Constituição Federal
Brasileira crime e pena só existem por meio de Lei específica aprovada de acordo com o processo
legislativo previsto na constituição federal.
Nessa toada, o avanço significativo e a forma sofisticada de atuação da macrocriminalidade
sustentam haver necessidade cada vez maior de técnicas modernas na Atividade de Inteligência
Policial para combater as ramificações destas “empresas do crime”.
Para Celso Ferro (2007, p. 30), a inteligência policial é:

1
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
SILVA, Emerson Lopes; LIMA, Suzana Moura. Inteligência policial e atividade criminosa: Novos Paradigmas no
combate à macrocriminalidade. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS, João Francisco
Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM, 2021.
13
Atividade que objetiva a obtenção, análise e produção de conhecimentos de interesse da
segurança pública no território nacional, sobre fatos e situações de imediata ou potencial
influência da criminalidade, atuação de organizações criminosas, controle de delitos sociais,
assessorando as ações de polícia judiciária e ostensiva por intermédio da análise,
compartilhamento e difusão de informações (FERRO, 2007 p.30).

Posto isto, o artigo elaborado destaca a necessidade da mudança de paradigma na atividade


de inteligência policial no combate à macrocriminalidade. Foram realizadas pesquisas a partir de
informações de livros, sites, artigos e dissertações de mestrados, sobretudo, ressaltando a
complexidade e as implicações da diversificação da macrocriminalidade e a importância de novos
paradigmas na inteligência criminal, no que concerne à prevenção e a repressão da evolução dessa
especialidade delituosa.
Nesse enfoque o estudo de revisão bibliográfico aqui apresentado enfatiza sobre as atuais
considerações da macrocriminalidade assim como suas características e a reformulação na
inteligência policial no planejamento de estratégias de enfrentamento e investigação criminal que
subsidiem na tomada de decisões.
Nesse contexto foi utilizada na revisão bibliográfica, leitura de livros, dissertações, artigos
em periódicos e sites relacionados ao crime organizado, inteligência policial e também sobre a Lei
nº 9.034/95 que equipara a atividade criminosa ao artigo 288 do Código Penal Brasileiro,
consultados em livros e portais dos Tribunais Federais.
Subsidiando a pesquisa na perspectiva da Macrocriminalidade, destaca-se o autor Luiz Flávio
Gomes, pela abordagem teórica e prática dos conhecimentos do magistrado, esclarecendo os meios
legais sobre o Estado Democrático de Direito com enfoque criminológico, jurídico e político criminal.
Dentre os inúmeros conceitos definidos por especialistas e profissionais que atuam na
Atividade de Inteligência esta pesquisa concentrou-se no respaldo teórico do autor Celso Moreira
Ferro Junior, Especialista em Inteligência e Operação de Informações. A experiência profissional
alcançada destaca a atuação do Delegado de Polícia Civil à frente de investigações complexas e de
grande repercussão.
Após a leitura de capítulos dos livros sobre o tema do trabalho, foram identificados e
selecionados referenciais de estudos. Esses referenciais foram revisados para que então fosse
realizada uma análise descritiva dos assuntos mais pertinentes para este artigo, assim, são estes
tópicos de que agora passamos a nos ocupar.

2 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA: CONCEITO HISTÓRICO E ORIGEM

O conceito histórico da atividade de inteligência está presente nas primeiras civilizações,


onde as informações disponíveis eram poucas e de circulação vagarosa. Sua função limitada
permitia aos governos o monopólio nas informações coletadas. Com isso, Não existia a distinção
entre informação classificada ou oficial e aquela de amplo domínio público, sendo todas elas
consideradas como de propriedade do Estado.
Herman (1996) afirma que o serviço de Inteligência teve sua origem relacionada aos
primórdios da civilização humana e no surgimento do Estado. Todavia, foi com o surgimento dos
primeiros jornais e revistas ao longo dos séculos XVI e XVII, com liberdade de publicação e opinião,
que se culminou o estabelecimento de categorias de informações de domínio público, portanto,
disponíveis a toda a sociedade, ou aquelas classificadas, restritas aos governantes e seus órgãos de
controle.
A partir da criação da imprensa escrita, das primeiras universidades e do volume
considerável de dados disponíveis à sociedade, a definição de inteligência passou por uma mudança
de sentido, deslocando-se da busca de todas as informações disponíveis para a obtenção de novos
fundamentos.
14
Nessa perspectiva, surgem as primeiras democracias e as consequentes limitações que estas
provocariam ao controle central informacional dos governos, bem como a ineficácia material dos
primeiros Estados em dispor de meios, em escala suficiente para o controle sobre toda a população
residente em seu limite territorial. Assim, para Burke (2003, p 110) trata-se “na prática, os governos
coletam informações para responder a problemas ou crises específicas, como sedição, pestes e
guerra”.
É evidente que o perfil das primeiras organizações de inteligência que então surgiam foram
norteadas pela busca de informações não disponíveis em meios tradicionais tais quais livros e
jornais, concebendo uma estrutura institucional voltada para a obtenção de informações secretas
da situação que o inimigo ou adversário tentava deliberadamente esconder. Nota-se o
aprimoramento de técnicas e métodos especializados exclusivos do campo da inteligência (CLARK,
2004, p.13).
A atividade de inteligência sempre foi essencial para conhecer as intenções e ações do outro
e garantir a sobrevivência ou o desaparecimento de reinos e grupos organizados.

Se você conhece o inimigo e se conhece, você não precisa de medo dos resultados de cem
batalhas. Se você se conhece, mas não o inimigo, para toda vitória você sofrerá também
uma derrota. Se você não conhecer nem você, nem o inimigo, você é um tolo e conhecerá
derrota em toda batalha. (SUN TZU, SUN PIN ANO 2009, p. 133).

Sun Tzu (2009) pressupõe que um ponto relevante para a produção de inteligência e saber
quando a utilizar, está relacionada à capacidade de responder (como, onde, quem quando e o
porquê) em tempo real que seja capaz de compreender o ambiente onde vive o inimigo. As
informações devem ser instantâneas, a tempo de compreender o momento oportuno de intervir.
Outro registro histórico das primeiras informações sobre a atividade de inteligência que
reforça a tese da espionagem sobre eventos futuros está registrado nos textos bíblicos referentes à
jornada dos hebreus no deserto em busca de Canaã, a terra prometida, quando “E Falou o Senhor
a Moisés, dizendo: Envie homens que espiem a terra de Canaã, que eu hei de dar aos filhos de Israel,
de cada tribo de seu país enviarei um homem, sendo cada qual maioral entre eles. E vede que a
terra é, e o povo que nela habita; se é forte ou fraco; se pouco ou muito; e qual é a terra que habita
se boa ou má; e quais são as cidades em que habita, se em arraiais, se em fortalezas.” (BÍBLIA, 2011).

3 EVOLUÇÃO: CRIAÇÃO DA ABIN E SISBIN

Na concepção histórica da atividade de inteligência sua função era limitada e exclusiva para
suporte de estratégia militar, com o avanço e a complexidade das atividades criminosas houve a
necessidade de institucionalizar o serviço de inteligência para resguardar a segurança da sociedade
e do Estado.
Segundo a definição Legal da Atividade de Inteligência, descrita na Lei nº 9.883/99 entende-
se como Inteligência:

A atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e


fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre
o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da
sociedade e do Estado [e...] entende-se como contra-inteligência a atividade que objetiva
neutralizar a inteligência adversa. (BRASIL, 1999, art. 1º, §2 e §3).

Gonçalves (2003) destaca que, no Brasil, os serviços de inteligência existem desde o início do
século XX, porém, a referência mais comum é ao antigo Serviço Nacional de Informações (SNI),

15
órgão que faz associação à repressão no período da ditadura militar, o que acarretou sua extinção
no primeiro dia do governo Fernando Henrique Collor de Mello, em 15 de março de 1989.
Pela Lei nº 9.883, de 07 de dezembro de 1999, foi instituído o Sistema Brasileiro de
Inteligência (SISBIN) e criada a ABIN. No âmbito do Departamento de Polícia Federal (DPF), é a
Diretoria de Inteligência Policial (DIP) que integra o Conselho Consultivo do SISBIN, cujo órgão
central é a ABIN. (BRASIL, 1999).
A ABIN foi criada com a finalidade de ser um órgão de inteligência perfeitamente adequado
ao regime democrático, atuando, sem nenhuma motivação político-partidária, em estreita
observância das leis e em defesa do Estado e da sociedade.
A criação da ABIN institucionalizou o serviço de inteligência, entre as suas responsabilidades
cabe a missão de executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência e
contra-inteligência do País, de modo a assessorar o Presidente da República com informações de
caráter estratégico e também é encarregada de produzir no Brasil, a inteligência de Estado. (BRASIL,
1999).
A lei assevera que o principal alicerce de ética nas atividades de inteligência é a Constituição
Federal, as atividades deverão ser desenvolvidas com irrestrita observância dos direitos e garantias
individuais, sobretudo os princípios contidos nos artigos 1º e 37:

Os incisos e parágrafo único do artigo 1º dão enquadramento deontológico à atividade de


Inteligência de Estado, pois são fundamentos da República: soberania, cidadania, dignidade
da pessoa humana, valores sociais, pluralismo político e o povo como fonte do poder. O
artigo 37 impõe aos agentes públicos, no cumprimento de suas atribuições, a observância
plena dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
(BRASIL, 1999).

O Decreto 4.376, de 13 de setembro de 2002, regulamenta a lei que cria a ABIN e o SISBIN
que é responsável pelo processo de obtenção e análise de dados e informações e pela produção e
difusão de conhecimentos necessários ao processo decisório do Poder Executivo, bem como pela
salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados (BRASIL, 2002).

4 CICLOS DE INTELIGÊNCIA

Pode ser definido como uma sequência de etapas que compõem os processos da atividade
de inteligência, sendo que, modificam de acordo com a definição conceitual utilizada. Na visão
tradicional empregada pelo Federal Bureau of Investigation (FBI), uma das polícias federais norte
americana (CARTER, 2004, p.65) bem como por várias outras agências governamentais daquele país
(CLARK, 2004, p. 14) determina seis momentos dentro do ciclo de Inteligência, que seriam:

1. Requerimento: Transforma as necessidades percebidas em requerimentos


informacionais para os setores responsáveis pela coleta e análise;
2. Planejamento: Direção em que a equipe estabelece metas de coleta de informações e
análise. Nessa etapa, o destaque é a participação daqueles que tomam decisão estratégica
na instituição;
3. Coleção: Quando são identificadas e avaliadas as fontes de informações pertinentes
coletadas a partir de vários mecanismos de obtenção diferentes. O analista de informação
exerce um papel preponderante nesta etapa.
4.Processamento: Envolvendo o agrupamento e a organização da informação coletada;
5.Análise: São validadas e complementadas as informações com base mo conjunto de
informações coletadas. Esta etapa requer a participação de especialistas sobre os temas em
foco;
6. Disseminação: Consiste na disponibilização do produto informacional. Porém, o processo
só é consolidado e transformado em inteligência se seus resultados forem utilizados para a

16
tomada de decisão estratégica. Caso o processo termine na disseminação, a instituição terá
adquirido apenas o conhecimento (grifo nosso).

Ao longo do ciclo da atividade de inteligência observa-se a forma ininterrupta e inter-


relacionada que mobiliza seus meios para a produção de inteligência sobre determinado problema
ou alvo. A principal contribuição da ideia do ciclo de inteligência é a função de assessoria ao processo
decisório.
Afonso (2006, p.49) defende que o principal mérito da atividade de inteligência, aquilo que
a torna imprescindível para qualquer governo, é a competência de pôr em prática um conjunto de
métodos materializado ao longo do ciclo de inteligência, além de fazê-lo com oportunidade,
amplitude otimizada, o máximo de imparcialidade, clareza e concisão.

5 INTELIGÊNCIA POLICIAL

A Atividade de Inteligência Policial atua em duas frentes de trabalho, ao mesmo tempo em


que produz conhecimentos para assessorar o processo decisório, deve ainda que de forma
subsidiária, também atuar em investigações criminais, desde que atendidos determinados
requisitos.
Segundo Herman (1996) e Cepik (2003, p. 91) a concepção histórica das organizações de
inteligência teve sua origem marcada por três atividades:

1. A diplomacia: Como elemento de coleta de informações no exterior a partir de


embaixadas ou representações diplomáticas;
2. A guerra: Como necessidade de conhecer as ações do inimigo, suas intenções e a
localização física de suas tropas;
3. O policiamento e inteligência de segurança: Que buscava neutralizar os
conspiradores contra os governos vigentes.

Nesse enfoque é importante ressaltar que a inteligência executada pelas polícias foi
concebida por uma forte abordagem repressiva, no qual a atividade de inteligência era desenvolvida
subordinada a interesses dos segmentos sociais que estavam no poder e não a partir de interesses
do Estado.

As origens das atuais organizações de inteligência de segurança remontam ao policiamento


político desenvolvido na Europa na primeira metade do século XIX, decorrente da
percepção de ameaça representada por movimentos inspirados na Revolução Francesa e
pelo nascente movimento operário anarquista e socialista. (CEPIK, 2003, p.99)

De fato os movimentos sociais, exercem suas posições atualmente, estando sob a óptica de
uma sociedade democrática, são consideradas como distinções políticas pertinentes a uma
democracia, quando da origem da atividade de inteligência eram enquadrados no campo dos
inimigos de Estado.
Herman (1996) diz que a atividade policial passou a se utilizar de instrumentos científicos,
não mudando, entretanto, sua doutrina sobre os inimigos internos.
A profissionalização e evolução de meios técnicos aplicados à atividade de inteligência
policial e segurança interna, ao longo do século XX ainda se verificou uma grande ênfase na coleta
de informações sobre o inimigo interno, que para as operações policiais, ainda se misturam aos
inimigos do regime político vigente.

6 INTELIGÊNCIA POLICIAL NO BRASIL

17
Ferro (2007) explica que, há diversas categorias de atividade de inteligência, porém, cabe
destacar que as fontes históricas originárias mais importantes são a inteligência de Estado e a
inteligência Militar, uma vez que, todas as ramificações originam-se destas.
Ao lado destas divisões tradicionais, em razão do aumento da complexidade da atividade
estatal, surgia no Brasil às instituições de inteligência policial onde também foram criadas sobre o
recorte de polícia política, cujo objetivo de atuação seria “[...] o conhecimento, a classificação, o
controle e a repressão” (REZNIK, 2005, p.25) dos segmentos sociais considerados inimigos do regime
político.
A Inteligência Policial no Brasil surgiu em 1993, com a criação da Delegacia Especial de
Segurança Política e Social (DESPS), sob a direção do getulismo, sendo em 1944 transformada em
Divisão de Polícia Político e Social – DPS, como parte do Departamento Federal de Segurança Pública
(DFSP). De sua origem, em 1993, até 1964 o DSP atuou como órgão centralizador da inteligência
acerca dos inimigos do regime, repassando tal tarefa ao Serviço Nacional de Informações (SNI) no
início do regime militar (REZNIK, 2004, p.26), transformando-se apenas em uma delegacia dentro
do Departamento de Polícia Federal – DPF, criado em 1964 ao DFSP.
Com o fim da ditadura militar, em 1985, a Constituição da República Federal de 1988 e os
avanços democráticos desta, tais como eleições diretas, fortalecimento do Ministério Público e
regulamentação dos concursos públicos do DPF, que, enquanto instituição, passou a assumir
determinados valores democráticos que se associaram às mudanças relativas à atividade de
inteligência nos países democráticos, a exemplo dos Estados Unidos.
O processo de mudança no DPF adquiriu dimensão pública, em 2002, com o intuito de
acompanhar e combater à macrocriminalidade em algumas operações de inteligência que foram
deflagradas pelo órgão, cujo resultado foi o desencadeamento de operações por todo o Brasil,
atingindo pessoas que ocupavam elevadas posições sociais.
As ramificações da macrocriminalidade não eram afetadas, uma vez que a polícia combatia
apenas os inimigos políticos do governo vigente, porém, quando essas ações passaram a atuar
dentro de uma perspectiva republicana, a lógica se modificou, começando a atuar na inteligência
policial “[...] a serviço dos valores que uma sociedade democrática escreveu em suas leis”.
(MONJADERNET, 2002, p.294).

7 CRIME ORGANIZADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO A LEI 9.034/95

Nem tudo o que se ouve em conversas informais, na mídia e no meio policial se tipifica na
modalidade de crime organizado.
Gomes (2011) aponta que o legislador não definiu explicitamente o conceito de crime
organizado, o artigo 1º da Lei 9.034, de 03 de maio 1995, equipara a atividade criminosa organizada
ao art. 288 do Código Penal Brasileiro.

Art. 1º Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem
sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou
associações criminosas de qualquer tipo.

O dispositivo legal ao descrever “quadrilha ou bando” não conceitua de forma taxativa


“organização criminosa”. A lei foi pensada, inclusive os meios operacionais para combater o crime
organizado (criminalidade sofisticada), não a quadrilha ou bando (que integra o amplo conceito de
criminalidade massificada), uma vez que “dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a
prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas” (Título da Lei 9.034/95).

18
A ausência de previsão legal para o termo organização criminosa é visto por renomados
doutrinadores do Direito, a exemplo Luiz Flávio Gomes (2011), como um fator que dificulta a
responsabilização pelos crimes cometidos por esses especialistas do crime.
Ainda em relação ao conceito de organização criminosa, há uma corrente doutrinária que
vem tentando se valer da definição dada pela Convenção de Palermo. Gomes (2011) explica que
tratados convenções são fontes diretas do Direito Internacional Penal, porém, jamais constituem
base normativa incriminadora para o Direito Penal interno. O Tratado de Palermo que definiu o
crime organizado transnacional, não possui valor normativo suficiente para delimitar internamente
o conceito de organização criminosa.
Tal afirmação fundamenta-se no princípio da reserva legal que pressupõe uma lei aprovada
consonante aos princípios constitucionais. É importante destacar que tratado não define crime
internamente no Brasil, pois quem aprova tratados internacionais é o Presidente da república por
meio de decreto, o Congresso Nacional apenas ratifica, mas ao ratificar não pode mudar os termos
do que foi firmado pelo presidente, aqui está o célere da questão, pois, como o congresso não pode
redefinir conceitos, logo o presidente da república nem por medida provisória poderá criar crimes
e penas.

Art. 62 Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas


provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
(BRASIL, 1988, p. 68)

Gomes (2011) ressalta que se fosse possível admitir o Tratado de Palermo como válido para
o crime de organização criminosa no plano interno brasileiro, seria ineficaz porque ele definiu crime
organizado no âmbito transnacional, mas não fixou nenhuma pena. Crime definido na lei sem
sanção é um dispositivo que não tem eficácia jurídica, pois todo crime necessita da norma
secundária punitiva. Com esse argumento o Supremo Tribunal Federal não admitiu o Tratado de
Palermo como suficiente para descrever o crime de organização criminosa.
Mesmo sem um conceito legal extraído do ordenamento jurídico brasileiro para as chamadas
organizações criminosas, essa lacuna não pode ser interpretada como um aval implícito para que os
operadores do Direito conceituem a macrocriminalidade de acordo com os parâmetros dados pela
Convenção de Palermo.
Conclui Luiz Flávio Gomes (2010, p. 4) afirmando que:

Ao legislador incumbe a tarefa de definir, em lei, o que devemos entender por ela(...). A não
ser que algum magistrado venha a usurpar a tarefa do legislador e diga do que se trata. Mas
até onde vão os limites da Constituição vigente, não se vislumbra a mínima possibilidade de
qualquer juiz desempenhar esse anômalo papel. (GOMES, 2010, p. 4)

Portanto, observa-se que se a própria lei não oferece descrição mínima para esta moderna
criminalidade, portanto, não cabe aos magistrados outra conclusão, pois, sobre o conceito da
macrocriminalidade, ninguém sabe o que é, no entanto, a existência fática e a evolução de tais
organizações são inquestionáveis.

8 CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO

Gomes (2010, p. 3) enfatiza que a Ciência Criminológica aponta características marcantes


sobre as organizações criminosas: hierarquia estrutural; planejamento empresarial; claro objetivo
de lucro; uso de meios tecnológicos avançados; recrutamento de pessoas; divisão funcional de
atividades; conexão estrutural ou funcional com o poder público ou como o poder político; oferta
de prestações sociais; divisão territorial e alta capacidade para fraude.
19
Algumas características assemelham-se com as atividades empresariais modernas, foram
apenas adaptadas pela macrocriminalidade. Não existe empresa sem hierarquia, que não busque o
retorno de seus investimentos e onde o trabalho não seja estratificado e especializado.

No crime organizado, entende-se que tudo está funcionando em perfeita ordem. Grupos
criminosos pagam policiais (oficiais), resolvem tensões entre grupos e intimidam a
população em geral, de tal forma que pouca violência adicional se faz necessária. O crime
bastante organizado atua mais com “prata” (dinheiro para a corrupção) do que como o
“chumbo” (violência). (GOMES, 2011, p. 22)

Adriano Oliveira (2010) ressalta que é importante descobrir quais são as características que
podem definir um grupo de indivíduos que pratica atos ilícitos, como organização criminosa,
algumas práticas devem ser observadas: o modus operandi, as estruturas de sustentação e
ramificação do grupo, divisão de tarefas e disciplina rígida. Um fator importante são as dimensões
de atuação, ou seja, existem organizações que atuam em níveis local, nacional e internacional.
Em outras palavras, o que caracteriza como o próprio nome já diz, é a organização das
práticas criminosas, geralmente, com formação de quadrilha, com organização estratificada, ou
seja, há um líder e outros subordinados em escala menor de importância dentro do bando para
praticar delitos.
Não existe delito específico que tipifique à macrocriminalidade, pois toda prática delituosa
grave que possibilite lucro elevado, podem ser praticados por organizações criminosas.
Ferro (2007) ressalta que à macrocriminalidade exerce suas atividades sem divisas ou
fronteiras, demonstrando poder de articulação, planejamento e sofisticação. O narcotráfico,
contrabando, pirataria, crimes financeiros, corrupção, fraudes milionárias são as áreas mais
exploradas, bem como outros delitos que assumem uma condição quase imbatível, causando
prejuízo incalculável ao Estado e à sociedade em geral.

9 NOVOS PARADIGMAS PARA A INTELIGÊNCIA POLICIAL

Em um contexto de desenvolvimento das organizações criminosas e dos prejuízos que tais


organizações podem provocar para a estabilidade da sociedade, algumas questões não podem ser
desconsideradas, dentre as quais, as mudanças de paradigmas nas atividades de inteligência policial
no combate à macrocriminalidade.
Ferro (2002) argumenta que a inteligência policial é uma mentalidade que deve ser
incorporada por todos os dirigentes e investigadores da instituição e certamente as técnicas e ações
especializadas de inteligência têm um valor fundamental na condução da investigação criminal.
Analisando por esse aspecto, é fundamental que os operadores de uma organização policial
compartilhem conhecimento, visando realizar prognósticos, identificar tendências, padrões de
comportamento e possibilitando revelar as conexões difusas existentes entre atividades criminosas.
É importante ressaltar que à macrocriminalidade se utiliza dos avanços tecnológicos para
expandir seus tentáculos para uma atuação que não respeita fronteiras, revelando elevado nível de
organização com métodos modernos que contribuem para a escalada sofisticada de delitos.
Sendo assim, é necessário que a inteligência policial se adapte com os novos paradigmas de
investigação criminal que façam uso da tecnologia da informação, além de possuir visão de um todo
aliados ao conhecimento estratégico e capacidade de decisão para combater a evolução dessa
especialização delitiva.
Nesse sentido, Ferro (2002) afirma que a investigação policial empírica está ruindo,
evidenciando a necessidade de implementação de novos paradigmas, inserindo uma inteligência
distribuída por meio de procedimentos específicos que possibilitem a consolidação de informações,

20
oriundas de diversas fontes, e viabilizando o fluxo e a transmissão para o acesso e a disponibilidade
de conhecimento para todos da organização policial.
Por essa razão é importante que cada integrante de uma instituição policial seja um
processador de informações e participe do processo decisório, através de uma inteligência coletiva
e acessível a todos.
Brito (2006) destaca que outro instrumento importante para a mudança de paradigmas seria
o conhecimento como vantagem competitiva na prática daatividade de inteligência policial. A
implantação do modelo de inteligência competitiva nas instituições policiais seria um novo objeto
de atuação ao combate da macrocriminalidade, assim, a

[...] inteligência competitiva é entendida como um processo sistemático de coleta,


tratamento, análise e disseminação da informação sobre a atividade dos concorrentes,
fornecedores, clientes, tecnologias e tendências gerais de negócios, visando subsidiar a
tomada de decisão e atingir as metas estratégicas da empresa. (ROEDEL, 2005, p 77).

Pode-se dizer que a inteligência competitiva visa, sobretudo, o foco no ambiente externo e
se destaca por empregar suas técnicas com comportamento adaptativo à organização, permitindo
que essas técnicas mudem e adaptem seus objetivos. A inteligência competitiva aponta uma
mudança de mentalidade no segmento da inteligência policial que pode se valer dessa ferramenta
para analisar as tendências e os múltiplos campos de atuação do crime organizado, valendo da
capacidade de adaptação e sofisticação.
Além de a inteligência policial transformar informações brutas em conhecimentos
consolidados para a repressão e elucidação de delitos complexos é necessário que a produção de
inteligência seja gerada com integração pelos órgãos de repressão e segurança pública. Isso significa
um novo paradigma para prevenir à macrocriminalidade evitando novas ramificações e
identificando a liderança.

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O recrudescimento da macrocriminalidade representa o estágio avançado da delinquência,


o paradoxo está na Lei 9.034/95 que não definiu o que, em termos jurídicos, representa uma
organização criminosa. Essa mentalidade de grande parte dos agentes jurídicos, ainda aprisionados
às concepções de um direito penal e processo penal, que desconsidera a existência dessa
criminalidade que representa um dos maiores riscos ao Estado Democrático de Direito.
Com efeito, entende-se que à macrocriminalidadese aproveita da fraqueza, traduzida na
ausência de instrumentos adequados, tais como legislação compatível, moderna e serviços de
inteligência policial que analise a atuação dessas redes criminosas, apontando políticas criminais e
estratégias de mecanismos capazes de identificar e neutralizar, além da produção de informações
para reprimir os exatos momento e lugar da realização de atos preparatórios e de execução de
delitos.
No combate à macrocriminalidade, além de mudanças legislativas e investimentos na
inteligência policial, é de fundamental importância a integração dos órgãos públicos, dos setores de
inteligência de Estado e de Segurança Pública, especialmente o de Polícia Judiciária que atua como
linha de frente na produção de prova criminal e prevenção da criminalidade.
Nesse sentido, para aprimoramento dos sistemas de inteligência e de combate à
macrocriminalidade, o Estado necessita reconfigurar os serviços de inteligência, pois, praticamente
cada órgão da Segurança Pública tem uma divisão de inteligência, o que gera muitos órgãos,
conhecimento parcial e pouca inteligência. Os setores que gerenciam informações precisam
interagir, pois ao contrário geram uma enorme quantidade de dados perdidos e poucos trabalhados.

21
O progresso da macrocriminalidade está cada vez mais organizado e sofisticado, com
múltiplos campos de atuação, sendo raro ligar a atuação dessas organizações a somente um tipo de
delito. Portanto, mesmo diante da inadequação da legislação para o enfrentamento da moderna
criminalidade é preciso combater esse fenômeno com medidas inteligentes e instrumentos
adequados e efetivos.
Assim, o Estado deve se organizar e se estruturar, valendo-se de uma polícia criminal clara,
que faça uma exata distinção, conforme preconiza Winfried Hassemer (2010), entre a criminalidade
de massa e a criminalidade organizada, para que assim a última não venha a ser banalizada. Afinal,
à macrocriminalidade evolui para uma dimensão complexa e difusa, sendo um equívoco
permanecer num conceito retrógado que compreende essas organizações como meras quadrilhas
dos tempos do cangaço, ou como “quadrilhas moderninhas”.

REFERÊNCIAS

AFONSO, Leonardo Singer. Fontes abertas e inteligência de Estado. Revista Brasileira de


Inteligência. Brasília, v 2, abr.2006.

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Trad. de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica
do Brasil, 2011.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,
1988.

______. Agência Brasileira de Inteligência – ABIN. Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999.


Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9883.htm >.Acesso em: 29 maio de
2013.

_______. Departamento de Polícia Federal. Manual de doutrina de inteligência policial. Volume I.


Brasília, 2011.

BRITO, Wladimir de Paula. Em busca de um nono paradigma para a inteligência policial: análise
comparativa entre a inteligência de estado, policial e competitiva. Monografia de Pós-Graduação
“Latu Sensu” em Monitoramento Ambiental e Inteligência Competitiva, da Universidade Federal
do Amazonas.

BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2003.

CARTER, David l. Law enforcement intelligence: a guide for state, local, and tribal law
enforcement agencies. Michigan: Departmentof Justice, 2004.

CEPIK, Marco. Espionagem e democracia: agilidade e transparência como dilemas na


institucionalização de serviços de inteligência. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

CLARCK, Robert M. Intelligence analys: a target-centric approach. Washington: CG Press, 2004.

FERRO Junior, Celso Moreira. Inteligência organizacional, análise de vínculos e a investigação


criminal: um estudo de caso na polícia civil do Distrito Federal/ Celso Moreira Ferro Junior – 2007.

22
Dissertação de Pós Graduação “Stricto Sensu” em Gestão do Conhecimento e Tecnologia da
Informação, da Universidade Católica de Brasília.

GOMES, Luiz Flávio. Conceito de crime organizado. Disponível em:


<http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2011/01/01/jus-15-conceito-de-crime-organizado>.
Acesso em: 27 maio 2018. 2011.

_____. Crime organizado. 2. ed. São Paulo: RT, 1997.

_____. Revista magister de direito penal e processo penal, v.30 (jun./jul.2009).

HASSEMER, Winfriend. Segurança pública no estado de direito, Rio de Janeiro: FGV, 2010.

HERMAN, Michael. Intelligence Power in peace and war. Cambridge: Cambridge University, 1996.

MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia: Sociologia da Força Pública. São Paulo: Editora da
USP, 2003.

OLIVEIRA, Adriano. Crime Organizado: é possível definir? Disponível em:


<http://www.espacoacademico.com.br/034/34coliveira.htm>. Acesso em: 27 maio 2018.

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, v. 6 n.6 p. 1-298 2011.

REZNIK, Luís. Democracia e segurança nacional: a polícia político no pós-guerra. Rio de Janeiro:
FGV, 2004.

ROEDEL, Daniel. Estratégia e inteligência competitiva. In: Gestão estratégica da informação e


inteligência competitiva. São Paulo: Saraiva, 2005.

SUN TZU, Sun Pin. A arte da guerra. 2. ed. São Paulo: Editora WMF, Martins Fontes, 2009.

23
OPERAÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE PLANEJADAS E EXECUTADAS PELA POLÍCIA MILITAR
DO PARÁ COM UTILIZAÇÃO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA.

Jorge Fabricio dos Santos


Wando Dias Miranda
Roberto Magno Reis Netto
2

1 INTRODUÇÃO

O fazer policial militar requer planejamento para que as ações dos agentes públicos de
segurança sejam executadas de maneira mais eficaz e eficiente, de forma a atender aos cidadãos
em todas as suas necessidades, quanto à Ordem Pública, incolumidade física, o direito de
propriedade, dentre outros, possibilitando a efetividade da Corporação.
É necessária a utilização de informações e conhecimentos adequados, para realização do
planejamento e devida execução dessas atividades, seja no policiamento preventivo geral - aquele
que afeta a todos os cidadãos - seja nos policiamentos mais especificas da polícia militar paraense,
tais como os policiamentos ambiental, aéreo, penitenciário, de eventos ou em atividade de apoio
ao cumprimento de mandados judiciais, no que tange às ordens de reintegração de posse em
imóveis tanto rurais, quanto urbanos, tema a ser explorado nesse artigo.
Para obtenção desses conhecimentos e informações imprescindíveis ao planejamento das
operações policiais em apoio ao órgão judicial no cumprimento de mandado de reintegração de
posse, embora muitos gestores policiais não os utilizem para planejamento de ações policiais
corriqueiras, como salienta Figueira (2015), no caso deste tipo de operação especializada, lança-se
mão da atividade de inteligência policial, materializada no relatório de inteligência, onde estarão
descritas todas as informações que vão balizar o planejamento e a execução policial, de forma a
torná-la exitosa, no tocante ao cumprimento do determinado pelo Poder Judiciário e à incolumidade
física de todos os envolvidos na ação, sejam policiais, sejam ocupantes.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

Organizada nos moldes que vemos hoje, a inteligência passou a ser tratada de forma
sistêmica pela Lei nº 9.883/99, quando é criada a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e
instituído o Sistema Brasileiro de Inteligência. Nesta norma jurídica federal define-se o que seja
inteligência, bem como seus parâmetros: a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado
Democrático de Direito, bem como, reforça Gonçalves (2003), também a obrigatoriedade de se
observar os ditames constitucionais e de tratados internacionais que o país tenha se comprometido,
no que concerne aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana.
No § 2º do art.1º da Lei nº 9.883/99, define-se inteligência como,

2
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
SANTOS, Jorge Fabrício; MIRANDA, Wando Dias; REIS NETTO, Roberto Magno. Operações de reintegração de posse
planejadas e executadas pela Polícia Militar do Pará com utilização da atividade de inteligência. In: REIS NETTO,
Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de
Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM, 2021.

24
[...] a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro
e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência
sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da
sociedade e do Estado. (BRASIL, 1999)

Desse conceito legal infere-se que a inteligência é instrumento que vem a auxiliar a
autoridade pública na tomada de decisão de iminentes situações que possam comprometer a
segurança da sociedade e do Estado, entendendo-se Estado, todos os entes federativos. Sendo que
a matéria prima dessa atividade é o conhecimento, o qual deve ser obtido, analisado e disseminado
a quem deva tomar a decisão.
Inicialmente, o Sistema Brasileiro de Inteligência teve por objetivo subsidiar as tomadas de
decisão do Presidente da República, art.1º da Lei nº 9.883/99, no entanto observa-se que hoje a
inteligência aplica-se em outros âmbitos que não federal.
Isso ficou evidente com a instituição da Política Nacional de Inteligência por meio do Decreto
nº 8.793/16, que estabeleceu a atividade de inteligência como,

[...] exercício permanente de ações especializadas, voltadas para a produção e difusão de


conhecimentos, com vistas ao assessoramento das autoridades governamentais nos
respectivos níveis e áreas de atribuição, para o planejamento, a execução, o
acompanhamento e a avaliação das políticas de Estado. A atividade de Inteligência divide-
se, fundamentalmente, em dois grandes ramos: [...] (BRASIL, 2016)

A atividade de inteligência utiliza informações de caráter sigiloso, pois, conforme o art. 4º II


da Lei nº 12.527/2011, possibilita que a sociedade acesse as informações como, “informação
sigilosa: aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua
imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado;”
Classifica-se como sigilosa por que de acordo com sua natureza, precisa ser resguardada ao
acesso de poucas pessoas, já que são utilizadas para gerar conhecimento que venha a ser
empregado em ações públicas para manter ou restabelecer a segurança da sociedade e do Estado,
além de que podem também comprometer a própria atividade de inteligência (art. 23).

2.2 A INTELIGÊNCIA E A ATIVIDADE POLICIAL MILITAR

A previsão de inteligência policial no ordenamento jurídico brasileiro deu-se no Decreto nº


3.695/2000 que criou o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP), objetivando integrar
as atividades dos órgãos de segurança pública e possibilitar a tomada de decisão nessa área pública
(art.1º). Segundo Patrício (2006) o que difere o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública do
Sistema de Inteligência são os objetivos, pois enquanto o primeiro está focado na proteção cidadão,
o segundo, direciona-se a atender interesses do Estado contra ameaças internas e externas à sua
estabilidade.
No estado do Pará, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (SEGUP) ficou
responsável por meio do Inciso VIII do Art. 22 da Lei nº 7.684/11 de ser a espinha dorsal da atividade
de inteligência no Estado do Pará quanto a Segurança Pública. Esta norma ainda criou a Secretaria
Adjunta de Inteligência e Análise Criminal - SIAC da SEGUP (art.39), com objetivo de gerenciar a
inteligência estadual, de forma que fora criado o Subsistema de Inteligência de Segurança do Estado
do Pará - SISEP/PA (parágrafo único do art.40), passando a ter o mesmo caráter sistêmico aos
moldes da estrutura federal, com prioridade as ações integradas e preventivas dos órgãos do
subsistema (art.22, XIII).
No sistema federal, a SEGUP poderá ocupar assento como integrante do Conselho Consultivo
do Sistema Brasileiro de Inteligência, Secretaria de Governo da Presidência da República, conforme

25
previsão no art. 4º, parágrafo único, se realizado ajuste formal (convênio), se a comissão de
avaliação externa ao referido sistema for consultada.
Na Polícia Militar do Pará (PMPA), a atividade de inteligência está prevista como
competência institucional no art. 4º, X da Lei Complementar nº 053/2006 - a qual estabeleceu a
organização básica da Instituição - sendo que esta atividade tem como objetivo, dentre vários, a
preservação da ordem pública, sob a égide dos direitos humanos e garantias individuais, estas
previstas tanto na Constituição Federal (art.144,§5º) e como na Constituição do Estado do Pará
(art.198, II), ambas como função da Polícia Militar do Pará.
A corporação militar paraense aplica a atividade de inteligência como suporte para suas
ações tanto preventivas, quanto repressivas, sendo esta uma das diretrizes operacionais adotadas
a partir do ano de 2014, quando da adoção da Diretriz Geral de Emprego Operacional da Polícia
Militar do Pará. Nº 001/2014 DGOp/PMPA, que vislumbrou que todos os órgãos operacionais, desde
o mais elementar aos de maior estrutura, deve realizar a coleta e busca de dados para efetivar o
planejamento e emprego científico do seu efetivo.
Esta diretriz estabelece ainda que a atividade de inteligência busca dados de forma
qualitativa, a fim de fazer várias identificações necessárias ao emprego do policial militar em ações
e operações, podendo ser prospectiva, aquela que realizada antes do problema ou fato delituoso,
ou retrospectiva, ocorre após o fato controverso, que deve ser analisado para se enfrentado, a fim
de mitigar ou extinguir as suas futuras causas (Tonry e Morris, 2003). No caso, das reintegrações de
posse utiliza-se tanto a prospectiva no planejamento da ação, quanto a retrospectiva, para avaliação
posterior da ação policial.
Os dados coletados variam, segundo a Diretriz Geral de Emprego Operacional da Polícia
Militar do Pará. Nº 001/2014 DGOp/PMPA, de acordo com a natureza das operações, as quais
devem estar balizadas em conhecimentos adquiridos do processamento das informações colhidas
pelos agentes de inteligência, que essencialmente propiciam a instituição,

[...] planejar o emprego de seu efetivo e meios com cientificidade, realizando ações e
operações com vistas a prever, prevenir e reprimir o delito, alcançando maiores níveis de
eficiência e eficácia. (PARÁ, 2014).

Em suma, o trabalho realizado no setor de inteligência estabelece parâmetros para que a


Polícia Militar do Pará tenha êxito em quaisquer de suas atividades operacionais, congregando
qualidade do uso de recursos e alcance de metas e objetivos propostos, sempre com foco no
cidadão (Santos, 2011).

2.3 OPERAÇÃO DE APOIO AOS MANDADOS DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE

Importante destacar que a Polícia Militar do Pará ou qualquer um dos órgãos do Sistema
Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (SIEDS) não executam a reintegração de posse, porém
realizam apoio às autoridades que dão o devido cumprimento a esta ordem judicial.
Em regra, as ordens judiciais de reintegração de posse não carecem da atuação policial, já
que a ordem é executada pela apresentação do mandado judicial escrito e assinado pela autoridade
judicial competente pelo Oficial de Justiça designado para tal, entretanto pelo contexto atual da
busca pela terra ou imóveis por pessoas ou grupos, com interesses tanto lícitos, quanto ilícitos, a
regra está tornando-se exceção, pois é constante a convocação da força policial para acompanhar
o cumprimento da ordem judicial.
Seguindo esta premissa e frente aos problemas fundiários no tocante a violência no campo
e ações contundentes das polícias no apoio ao cumprimento da ordem judicial, o Ministério do
Desenvolvimento Agrário, por meio do Departamento de Ouvidoria Agrária e Mediação de Conflitos

26
(DOAMC), no ano de 2008, estabeleceu o Manual de diretrizes nacionais para execução de
mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse coletiva, definindo, dentre várias
situações, quem é a autoridade competente para executar as medidas, cabendo às Polícias Militares
e ao Departamento de Polícia Federal, em suas esferas de competência, o devido apoio, haja vista
a sua função pública e treinamentos específicos.
Este manual também limita a ação policial ao que for expressamente definido na ordem
judicial, não permitindo a destruição ou remoção de benfeitorias, devendo a força policial ater-se
somente à segurança das autoridades e demais envolvidos na operação, que, para isso, o
Comandante da ação pode acessar ao mandato para saber desses limites.
No que se refere a estas ações voltadas à reintegração de posses, o manual determina que
a corporação que fornece apoio a quem der cumprimento deve realizar o planejamento prévio, com
verificação in loco, para obter informações acerca de pessoas atingidas pela ação, individualizando
aquelas consideradas vulneráveis, bem como repassando informações aos demais órgãos
envolvidos na operação e ao magistrado responsável pela ação judicial, neste último caso, quando
houver fatos novos e adversos.
Percebe-se assim, que o Poder Judiciário, na observância da delicada ação de reintegração
de posse, prevê que o uso da atividade inteligência deve ser relevante na execução desta ordem
judicial.
Esta aplicação da atividade de inteligência encontra-se perfeitamente adequada à sua
natureza conceitual, conforme preceitua o Manual de Inteligência Policial do Departamento de
Polícia Federal - Volume I (2011), quando se prevê que esta pode subsidiar “quando for necessário
o emprego de suas técnicas e metodologias próprias, atuando, neste caso, no nível operacional”.
Com o mesmo entendimento, a Força Nacional de Segurança Pública – FNSP, subordinada à
Secretaria Nacional de Segurança Pública – SeNaSP do Ministério da Justiça – MJ, nas capacitações
de seus agentes em Controle de Distúrbios Civis, por meio do Curso de Especialização em Operações
de Choque – Nível Multiplicador, previu em suas disciplinas Planejamento e Gestão de Operações
CDC, com o fito de construir a cultura do planejamento em grandes eventos com a utilização de
técnicas adequadas e observância dos Direitos Humanos e na disciplina Inteligência Policial em
Operações de CDC, que visa estabelecer a aplicação em conjunto da atividade de inteligência com
ações da tropa de CDC.

2.4 APLICABILIDADE DO RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA

O Relatório de Inteligência (Relint) é ferramenta essencial na atividade policial nas operações


de reintegração de posse, seja em área urbana ou rural, pois a importância deste documento de
informações torna-se maior, na medida em que desde o planejamento as informações acerca do
fato é crucial para utilizando de todos os recursos, sejam humanos, logísticos, e financeiros, e
obviamente a própria informação enquanto ativo estratégico.
O Comando de Missões Especiais da PMPA3, setor responsável pelo apoio à execução de
ordens de reintegração de posse, possui uma cartilha de orientação das atividades de planejamento
e execução de reintegrações de posse, idealizado no ano de 2015 pelo CEL PM Emmanuel Queiroz
Leão Braga e coordenado pelo CEL PM Simão Salim Junior, respectivamente, atuais Chefe do Estado

3
“5.3 Comando de Missões Especiais (CME - Recobrimento). É o COINT responsável pela coordenação, controle e
emprego das UEOp de recobrimento especial em todo o Estado do Pará, bem como pela seleção de militares que servirão
nas Unidades de Missões Especiais com base no perfil necessário para o profissional da área; acompanhamento e
treinamentos específicos em operações especiais, negociação, gerenciamento de crise, controle de distúrbios civis. É ainda
responsável pelas Unidades especializadas com sede na capital.” PARÁ. Policia Militar do Estado do Pará. Diretriz Geral
de Emprego Operacional da Polícia Militar do Pará. Nº 001/2014 DGOp/PMPA, op cit.

27
Maior Geral da PMPA e Chefe do Centro de Inteligência da PMPA, sendo aplicado desde esse ano,
com previsão da atividade de inteligência, esta materializada pelo Relint.
No relatório de inteligência, realizado pelo órgão de inteligência do Comando de Missões
Especiais da PMPA ou dos Comandos Intermediários (CoInt´s) no interior do Estado do Pará, são
buscadas as seguintes informações para o planejamento das operações: histórico da ocupação;
localização da ocupação; construções e benfeitorias; quantidade de pessoas /ou famílias no local
ocupado; tipo de edificações (madeira, alvenaria, lonas de plásticos, etc.); levantamento geográfico
(vias de acesso); nome da liderança, caso haja; situação política; existência de movimentos sociais,
há hipótese de existência, saber quais; ânimo de resistência dos ocupantes; nível de agressividade
dos ocupantes; outras circunstâncias que identifiquem o nível e conflito.
Percebe-que então que o relatório de inteligência voltado para as operações de reintegração
de posse detém natureza diferenciada daqueles emitidos para as unidades policiais militares de
policiamento ostensivo ordinário, pois nestas unidades o foco é voltado mais às situações que
venham a configurar-se como delitos penais e a perturbação da ordem social, porém nas atividades
de reintegração de posse, por ser em essência ação de natureza civil, o objeto direto é, além de
realizar o cumprimento de um direito civilista, a manutenção da ordem, com obediência estrita às
técnicas policiais e normas jurídicas que viabilizem a proteção da dignidade humana dos envolvidos,
em especial os ocupantes do imóvel em litígio.
Essa forma de emprego voltada à Segurança Pública encontra em Barroso (2011) a
explicação de que a inteligência policial deve buscar informações que permitam um planejamento
de operações e utilização do aparato policial de maneira eficaz.

2.4 EFICIÊNCIA, EFICÁCIA E EFETIVIDADE DAS REINTEGRAÇÕES DE POSSE COM APOIO DA


INTELIGÊNCIA

A qualidade de ações policiais passa pelos conceitos de eficiência, eficácia efetividade 4, os


mesmos pelos quais os órgãos e entidades que prestam serviços públicos também são avaliados,
conforme um dos princípios constitucionais previstos no art.37 da Constituição Federal: o Princípio
da Eficiência.
No tocante às ações de apoio ao cumprimento de mandado de reintegração de posse, a
Polícia Militar do Pará mede a sua eficiência através da verificação da execução das operações desta
natureza conforme o planejamento, ou seja, se todas as que foram planejadas foram executadas,
no entanto quando se mede a eficácia destas operações, o objeto não é a mera relação de operações
planejadas/cumpridas, e sim verificar se destas ações executadas, todas alcançaram os objetivos
utilizando menos recursos ou fazendo mais com os recursos disponíveis.
Entretanto, o conceito mais discutível neste tipo de ação policial é a efetividade, que se
assenta sobre a premissa de que o serviço prestado, deve ser além de eficiente e eficaz, trazer
impactos positivos para aquelas pessoas que receberam a ação estatal, que seriam os frutos não
meramente quantitativos de uso de recursos pela polícia, nem a fiel execução do que foi planejado,
mas a satisfação de que o serviço prestado, embora restringindo interesses dos ocupantes, não fora
além do que a lei permite, com danos a saúde, a moral e dignidade humana.
Segundo os relatórios das operações de apoio à reintegração de posse, produzidos pelo
Comando de Missões Especiais, desde o ano de 2015 foram realizados 31 operações de reintegração
de posse, sendo que todas as operações foram planejadas com fundamento nas informações
recebidas nos relatórios de inteligência. O mesmo ocorreu no ano de 2016, com a realização de 41

4
“Efetividade − Impactos gerados pelos produtos/serviços, processos ou projetos; . Eficiência – Relação entre os produtos
gerados e os insumos empregados; . Eficácia − Quantidade e qualidades dos benefícios entregues ao usuário.”
FUNDAÇÃO NACIONAL DA QUALIDADE. Indicadores de Desempenho - estruturação do Sistema de Indicadores
Organizacionais. 3ª ed. São Paulo: FNQ, 2012, p.116.
28
operações dessa natureza, também realizados previamente 41 relatórios de inteligência, sendo que
até o mês de junho de 2017, foram realizadas 14 operações de reintegrações de posse, baseadas
também em relatórios de inteligência para cada operação.
Assim, de 2015 até este o mês de junho de 2017 foram realizados 86 relatórios de
inteligência que fundamentaram a ação da Polícia Militar do Pará nas 86 operações de reintegração
de posse, sendo que em nenhuma destas operações realizadas houve registro de óbitos dos
envolvidos (ocupantes, oficiais de justiça e outros), sendo que dois policiais militares da tropa
especializada foram lesionados pelo uso de materiais encontrados no local ocupado (pedras,
madeiras, etc), entretanto nenhum ocupante teve lesões na ação policial, bem como as áreas foram
reintegradas.

3 MÉTODOS E TÉCNICAS

O presente artigo foi produzido a partir de pesquisa metodológica qualitativa e exploratória


por meio de levantamento bibliográfico/documental, o qual possibilitou descrever vários conceitos
legais, técnicas e normas referentes à atividade de inteligência, a fim de relacioná-la às operações
de reintegração de posse.
O emprego da pesquisa qualitativa, segundo Creswell (2010), consubstancia-se em “uma
pesquisa interpretativa, com o investigador tipicamente envolvido em uma experiência sustentada
e intensiva com os participantes”. Pesquisa esta, que este autor, inserido no contexto de segurança
pública, pôde vislumbrar o tema de estudo, as condicionantes e consequências, além de possíveis
soluções para o problema estudado.
Ainda foi aplicada a pesquisa bibliográfica, que, conforme entendimento de Gil (2002), tem
como fonte todas as publicações, como artigos científicos, revistas, livros, além de relatórios oficiais,
já que o estudo deu-se de forma documental “basicamente realizada em fontes mais diversificadas
e dispersas, que ainda não receberam um tratamento analítico, podendo ser reelaborados de
acordo com os objetos da pesquisa”, sendo portanto coletados dados e informações publicados em
revistas, livros, manuais de instrução sobre a temática em estudo, bem como nas legislações
vigentes (leis, decretos, diretrizes, etc), livros doutrinários, manuais técnicos, o que possibilitou a
identificação de conceitos relacionados a atividade de inteligência e a atividade policial militar em
operações de reintegração de posse.
Por fim, foram coletados dados sobre os relatórios de inteligência e de operações de
reintegração de posse junto ao CME, a fim de relacionar dados e informações acerca dos Relints e
os resultados das ações da Polícia Militar do Pará em reintegração de posse, para fundamentar os
resultados obtidos neste trabalho científico.

4 RESULTADOS

Na apresentação da pesquisa bibliográfica e dos dados colhidos nos relatórios de operação


de reintegração de posse do Comando de Missões Especiais da PMPA foram observados vários
temas.
Inicialmente foi identificado que a ação de reintegração de posse não é realizada pela Polícia
Militar do Pará, mas pelo Oficial de Justiça que detém o mandado, cabendo à corporação policial
militar o devido apoio a este agente público no cumprimento de sua atribuição.
Esta ação, conforme afirma Rocha (2010), é apenas de auxílio ao Oficial de Justiça designado
pelo Poder Judiciário, que deixa a carga da Polícia Militar ponderar sobre os meios mais adequados
a sua consecução. De modo que, como se realiza na Brigada Militar do Rio Grande do Sul (2007),
com emprego da atividade de inteligência, a fim de buscar informações acerca de área ocupada,

29
bem como seu cumprimento somente com a ordem judicial específica com a presença do Oficial de
Justiça designado pela autoridade judiciária competente.
Também verificou-se que mesmo autorizado o uso de força policial, com objetivo de manter
a Ordem Pública, a Polícia Militar do Pará deve atuar de maneira a respeitar os direitos
fundamentais dos ocupantes, eximindo-se de qualquer ato abusivo e respeitando a dignidade
humana destes cidadãos, como explicita Rocha (2010).
Constatou-se ainda que a atividade de inteligência permeia toda a ação preventiva da polícia
militar, desde a atuação mais genérica até aquela mais especializada, de modo que as informações
coletadas e os conhecimentos produzidos são empregados como meio essencial para o
planejamento das ações policiais. Moraes (2009), afirma que a atividade de inteligência é
instrumento para a tomada de decisão dos gestores policiais que estejam a frente de operações de
reintegração de posse, as quais possibilitam identificar fatores de riscos inerentes, possibilitando a
minimização desses e o sucesso da missão.
Pode ser verificado que a atividade de inteligência, por meio do relatório de inteligência,
quando das operações de apoio ao cumprimento de mandado de reintegração de posse são
elementos primordiais para a eficiência, eficácia e eficiência da Polícia Militar do Pará quanto ao
êxito das operações e da proteção do direito à vida e à incolumidade física dos ocupantes, Oficiais
de Justiça e policiais militares envolvidos na ação. Estabelece um diferencial para a efetividade e
eficácia das ações policiais, como destaca Oliveira (2014) e conforme a Doutrina Nacional de
Inteligência de Segurança Pública (2009), o relatório de inteligência deve ser consubstanciado de
informações, informes, dentre outros.
Assim, verifica-se que mesmo com a utilização de relatório de inteligência desde o ano de
2015, ainda houve casos de lesões de policiais militares nas ações, sem relatos de vítimas entre os
ocupantes e Oficiais de Justiça, no entanto não se pode considerar que tal dado tira a credibilidade
da atividade de inteligência, pois provavelmente sem a mesma a probabilidades de pessoas
lesionados ou mortas nestes tipo de ação seriam maiores, na medida em que a polícia militar
entraria em ação desconhecendo tanto os ânimos dos ocupantes, quanto a forma de resistência dos
mesmos.
O relatório de inteligência aplicado ao planejamento de reintegração de posse quebra com
o modelo tradicional de Relint estruturado pela SeNaSP, de modo a não apenas descrever em texto
corrido a informação, mas estabelecer campos obrigatórios para colocação de dados, entretanto
esta forma de produção de conhecimento ainda não está normatizado de fato na PMPA.
Sugere-se, após a análise das práticas de inteligência na Polícia Militar do Pará, que a
instituição poderia estabelecer mais eficiência aos dados obtidos pela atividade de inteligência se
instituído o sistema de inteligência da PMPA, o que no momento ainda não existe, para facilitar o
fluxo de conhecimentos gerados, bem como o compartilhamento de informações, que fariam com
que, não somente nas operações de reintegração de posse, mas em quaisquer outras manifestações
sociais contra a ordem pública, o emprego operacional seja mais adequado e efetivo.
Além de que este autor considera mais viável a adequação do Relint ao suporte
informacional, por meio de um Sistema Gerenciador de Banco de Dados, ideia defendida por
Carvalho (2015), para que os dados necessários a sua elaboração e a execução da operação sejam
criados por meio de um ambiente tecnológicos, resultando em maior celeridade na construção do
Relint, o que, de forma alguma, não tira o mérito da atual forma de obtenção de dados e
processamento das informações no sucesso da PMPA nas operações de reintegração de posse.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

30
Ações especializadas de polícia militar requerem alto grau de planejamento, pois a atuação
policial torna-se mais eficaz quando cercada por um trabalho anterior à execução dessas atividades
de segurança pública, sendo necessárias para tal planejamento informações adequadas.
A atividade de inteligência policial propicia ao gestor policial as condições mínimas para
realizar o planejamento e posterior execução, como nas operações de apoio de reintegração de
posse, por intermédio do relatório de informações produzido pelos setores de inteligência da Polícia
Militar do Pará.
Com a realização de reintegração de posse com apoio da Polícia Militar do Pará, pautada no
planejamento adequado, foi possível obter êxito nestas operações desde o ano de 2015, quando o
relatório de inteligência foi adotado como instrumento essencial à estruturação do planejamento
das operações, vindo a evitar que agentes públicos e ocupantes fossem lesionados ou levados a
óbitos.
Portanto, a inteligência policial é atividade primordial para a corporação policial possa
auxiliar adequadamente o Poder Judiciário no tocante a realização e atendimento das reintegrações
de posse, pautadas não somente pelo cumprimento das normas jurídicas vigentes, mas viabilizando
que todos os ocupantes tenham sua dignidade humana preservada.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Ráyel G.C. UPP –Soft power nascido na favela. Rio de Janeiro: Smashwords, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 05
jun. 2017.

_____. Decreto nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000. Cria o Subsistema de Inteligência de


Segurança Pública, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3695.htm>. Acesso em: 10 jul. 2017.

_____. Decreto nº 8.793, de 29 de junho de 2016. Fixa a Política Nacional de Inteligência.


Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/decreto/D8793.htm>. Acesso em: 30 jun. 2017.

_____. Departamento de Polícia Federal (DPF). Manual de Inteligência Policial. Vol.1. Brasília:
DPF, 2011.

_____. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Coordenação-geral de


Inteligência. Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública. Brasília: Senasp, 2009.

_____. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Departamento de ouvidoria Agrária e Mediação de


Conflitos – DOAMC. Manual de diretrizes nacionais para execução de mandados judiciais de
manutenção e reintegração de posse coletiva. Brasília: MDA, 2008. Disponível em:<
http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/user_arquivos_64/Manual_Dir_Nac.pdf>.
Acesso em: 02 jul. 2017.

_____. Ministério da Justiça. Projeto Pedagógico de Curso de Operações de Choque do DFNSP


(Multiplicador). Disponível em:<
http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/dados/Lists/Pedido/Attachments/412936/RESPOSTA_
PEDIDO_RESPOSTA%20SIC%20-%2008850002328201556.pdf> Acesso em: 02 jul. 2017.
31
_____. Lei nº 9.883, de 7 de setembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a
Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e dá outras providências. Disponível:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9883.htm>. Acesso em: 30 jun. 2017.

_____. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no


inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal;
altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e
dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 30
jun. 2017.

CARVALHO, Herbson de. Um modelo de dados voltados ao serviço de inteligência policial. Artigo
publicado nos Anais do I Seminário de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação –SPPI 2015 da UFSC. p.
86-93. Disponível em:< http://publicacoes.rexlab.ufsc.br/index.php/sppi/article/view/35> Acesso
em: 23 jul. 2017.

CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: método qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre:
Artmed, 2010.

FIGUEIRA, Marcelle Gomes. Proposta de uma matriz de indicadores para as ações de gestão de
informação da SENASP. In: Revista brasileira de segurança pública. São Paulo v. 9, n. 2, 110-128,
Ago/Set 2015.

FUNDAÇÃO NACIONAL DA QUALIDADE. Indicadores de Desempenho - estruturação do Sistema de


Indicadores Organizacionais. 3ª ed. São Paulo: FNQ, 2012.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 17.

GONÇALVES, Joanisval Brito. A Atividade de Inteligência no Combate ao Crime Organizado: o


Caso do Brasil. Artigo publicado em 2003. Brasília: Senado Federal, Consultoria Legislativa. 19 p.
Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/103>. Acesso em: 15 jul. 2017.

MORAES, Reinaldo Magalhães de. Atuação da inteligência da polícia militar frente às invasões de
imóveis rurais: uma concepção estratégica. In: RHM- Homens do Mato - Revista Científica de
Pesquisa em Segurança Pública – v. 01, n. 4 (2009). Mato Grosso: PMMT, 2009.

OLIVEIRA, Paulo Roberto Batista de. A atividade d inteligência na Polícia Militar do Distrito
Federal como orientadora do emprego do policiamento ostensivo para a Copa do Mundo de
2014. Monografia apresentada à Escola Superior de Guerra. Disponível em:<
http://www.esg.br/images/Monografias/2011/OLIVEIRAP.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2017.

PARÁ. Constituição do Estado do Pará de 1989. Disponível em:<


http://pa.gov.br/downloads/ConstituicaodoParaateaEC48.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2017.

_____. Lei nº 7.584, de 28 de dezembro de 2011. Dispõe sobre a reorganização do Sistema


Estadual de Segurança Pública e Defesa Social - SIEDS, e da reestruturação organizacional da
Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social - SEGUP, e dá outras providências.
Disponível em:<http://www.segup.pa.gov.br/sites/default/files/lei-no-7.584-rest.segup_1.pdf>.
Acesso em: 30 jun. 2017.
32
_____. Lei Complementar nº 053, de 7 de fevereiro de 2006. Dispõe sobre a organização básica e
fixa o efetivo da Polícia Militar do Pará - PMPA, e dá outras providências. Disponível
em:<http://www.pm.pa.gov.br/sites/default/files/files/nova%20nova.pdf>. Acesso em: 10 jun.
2017.

_____. Policia Militar do Estado do Pará. Diretriz Geral de Emprego Operacional da Polícia Militar
do Pará. Nº 001/2014 DGOp/PMPA. Disponível
em:<http://www.pm.pa.gov.br/sites/default/files/files/diretriz_geral_para_emprego_operacional.
pdf>. Acesso em: 30 jun. 2017.

PATRÍCIO, Josemaria da Silva. Inteligência de segurança pública. In: Revista Brasileira de


Inteligência. Brasília: Abin, v. 2, n. 3, set. 2006, p.23-58.

RIO GRANDE DO SUL. Brigada Militar. Nota de Instrução Operacional n.º 006-I/EMBM/2007 (IO-
6). Regular os procedimentos administrativos e operacionais da Brigada Militar referentes à
atuação nas seguintes situações: a. Ações de grupos, organizados ou não, que venham a
desencadear ocupação ou invasão em massa de áreas públicas e/ou privadas, com consequentes
determinações judiciais de reintegração ou de manutenção de posse e outras situações. SANTOS,
Célio Jacinto dos. Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação? In: Revista Brasileira de
Ciências Policiais. Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun, 2011.

ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Intervenção policial militar nos conflitos agrários. In: Revista de
Estudos e Informações do Tribunal de justiça Militar de Minas Gerais, n. 29, nov. 2010. p.14-24.
Disponível
em:<http://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/32088845/intervencao_policial_militar
_em_conflitos_agrarios.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAIWOWYYGZ2Y53UL3A&Expires=1500817097&S
ignature=2413v60tQAmrpJC7jPt5tJshOCc%3D&response-content-
disposition=inline%3B%20filename%3DIntervencao_policial_militar_em_conflito.pdf>. Acesso em:
23 jul. 2017.

TONRY, Michael e MORRIS, Norval (orgs.). Policiamento moderno. Série Polícia e Sociedade; n.7.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.

33
O SIGILO DO RELATÓRIO PRODUZIDO NA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA POLICIAL E O CONTROLE
EXTERNO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Roberto Magno Reis Netto


Wando Dias Miranda
Herick Wendell Antônio José Gomes
Clarina de Cássia da Silva Cavalcante
5

1 INTRODUÇÃO

Em uma democracia, nada mais justo que a regra seja a liberdade da informação.
Esta regra, aliás, foi erigida ao status de norma fundamental pela república federativa do
Brasil, que, no art. 5º, garantiu ser “assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo
da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (inciso XIV), bem como, que “todos têm
direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade [...]” (inciso
XXXIII), instituindo o remédio do habeas data para plena garantia deste direito de cidadania (inciso
LXXII) (BRASIL, 1988).
A razão de ser desta norma é a garantia da possibilidade de o cidadão formalizar seu
convencimento sobre a realidade política, jurídica, econômica, histórica, etc., que o cerca, de modo
a opinar de maneira consciente e esclarecida. Saber é fundamental para o exercício da cidadania.
Contudo, é de se lembrar que toda regra admite coerentes exceções.
O próprio art. 5º, inciso XIV, excepciona: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular [...]ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado”, o que, desde logo deixa substancialmente claro que a defesa
nacional e a segurança pública, se colocam como nítidos limites ao caráter aberto das informações
no país.
Numa perspectiva mais aprofundada, tem-se como uma das nuanças do exercício das
atividades de defesa nacional e a segurança pública a denominada atividade de inteligência, que,
como será debatido nos tópicos a seguir, consiste na atividade de assessoria a uma autoridade
superior, que levanta dados (inclusive, quanto negados pelo titular dos mesmos) para a produção
de conhecimento essenciais ao processo decisório à construção de mecanismos de defesa, à
identificação de ameaças, ao combate de crimes, dentre outros.
Trata-se, nessa perspectiva, de uma atividade bastante invasiva à vida das pessoas
(obviamente, utilizada em situações permitidas por lei), que, justamente por esta razão, e,
sobretudo, por colocar agentes públicos em situações de risco iminente em face de organizações
criminosas, por exemplo, depende de essencial e imprescindível sigilo.
Contudo, nada obsta que falhas ou abusos ocorram ao longo desta atividade, invocando,
com isso, os vários mecanismos de controle interno e externo que se sobrepõem à mesma. E, neste
contexto, considerando a possibilidade de exercício da atividade de inteligência no contexto da
segurança pública, com destaque especial à inteligência desenvolvida pelas polícias, há que se falar,
igualmente, num controle externo exercido pelo Ministério Público sobre estas últimas, cujos
limites, de outro lado, não se encontram bem estabelecidos.

5
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; GOMES, Herick Wendell Antônio José; CAVALCANTE,
Clarina de Cássia da Silva. O sigilo do relatório produzido na atividade de inteligência policial e o controle externo do
ministério público. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia.
Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM, 2021.
34
Neste contexto, o presente trabalho teve como objetivo analisar se o controle externo
exercido pelo Ministério Público sobre a atividade policial é capaz de excepcionar o sigilo legalmente
atribuível ao produto da atividade de inteligência, que é o relatório de inteligência – relint. Para
tanto, a análise se baseou num estudo de caso, voltado a um precedente exarado pelo Superior
Tribunal de Justiça – STJ (2016), concernente ao RESP 1439193/RJ.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Primeiramente, é prudente que se destaque o conceito de atividade de inteligência


enquanto ação pública “que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro
e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o
processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do
Estado” (BRASIL, 1999, n. p.), ao passo que, internamente, representa sua faceta relativa à atividade
de inteligência em Segurança Pública, assim compreendida como “exercício permanente e
sistemático de ações especializadas para a identificação, acompanhamento e avaliação de ameaças
reais ou potenciais na esfera de Segurança Pública” (BRASIL, 2014, p. 13). Dentre as várias
possibilidades estratégicas inerentes à segurança pública, surge também a inteligência policial,
como ramo da inteligência voltado ao assessoramento de órgãos das polícias, assim especificadas
na esteira do art. 144, da Constituição (BRASIL, 1988).
Em termos práticos, a atividade de inteligência se utiliza de um conjunto de órgãos e agentes
públicos (ou privados em colaboração com o poder público) para a produção (e salvaguarda) de
conhecimento (dados sujeitos à análise em sede de um ciclo de inteligência) relevante ao processo
decisório pelo poder público (defesa, controle fiscal, segurança pública etc.).
Nesse sentido, trata-se de atividade voltada à fatos relevantes ao processo decisório e que,
dessa forma, se utiliza de meios de menor ou maior invasividade para a obtenção de dados (abertos
ou negados), proporcionalmente à menor ou maior afetação ao interesse público envolvido.
Contudo, ao analisar os referidos fatos relevantes ao processo decisório, que serão
sistematicamente sujeitos a um ciclo para sua efetiva transformação em conhecimento, é invariável
que o conjunto de órgãos e agentes envolvidos com a atividade entrarão em contato com diversos
dados relevantes à vida das pessoas físicas e jurídicas que atravessam as relações tidas como
estratégicas ao estado ou, de outro lado, compreendidas como efetivas ameaças.
Assim, sabendo-se que aqueles que agem em ilicitude, comumente, buscam ao máximo a
manutenção de suas ações impróprias sob o mais absoluto sigilo, é natural que se espere que a
atividade de inteligência, para levantamento de informações que guiarão a posterior atividade
policial (esta sim, voltada ao levantamento de provas concretas para persecução penal), acabe por
ingressar em esferas protegidas pelos direitos de privacidade constitucionalmente garantidos.
Nesse contexto, surge o fenômeno jurídico compreendido como choque de normas jurídicas,
notadamente, um conflito entre direitos fundamentais (FERNANDES, 2014): de um lado, o direito à
privacidade e, de outro, uma dupla formada pelo direito constitucional à segurança pública
(pertencente a todos) e princípio administrativo da eficiência, neste ponto, especificamente
destinado aos órgãos de segurança pública e defesa do Estado Democrático de Direito Brasileiro.
Sensível a esta questão, o legislador brasileiro buscou uma proteção à intimidade das
pessoas sujeitas ao levantamento de informações em sede de atividade de inteligência, no mesmo
passo em que, em contrapartida, garantiu o pleno exercício desta atividade, haja vista seu caráter
crucial aos propósitos públicos, por intermédio das disposições da lei 12.527/2011 (BRASIL, 2011),
ex vi.

Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental


de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos
da administração pública e com as seguintes diretrizes:
35
I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;
II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações;
III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;
IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública;
V - desenvolvimento do controle social da administração pública (BRASIL, 2011, n. p.). [...]

Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e,


portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito
possam:
I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;
II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do
País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos
internacionais;
III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;
V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;
VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou
tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico
nacional;
VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou
estrangeiras e seus familiares; ou
VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em
andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações (BRASIL, 2011, n. p.).

Dos dispositivos acima, notadamente, o incido VIII, do Art. 23, nota-se que a Lei de Acesso à
Informação (BRASIL, 2011), é peremptória em prever a possibilidade de sigilo inerente à atividade
de inteligência (fazendo uso, aliás, do termo atividades de inteligência, no sentido de conglobar
todos os atos administrativos inerentes à hipótese). Com isso, o legislador, de um lado, garante a
possibilidade do exercício dessa função pública essencial à soberania estatal e ordem interna, e, de
outro, protege a privacidade dos cidadãos atingidos por sua atuação.
Cabe, portanto, às autoridades envolvidas no processo de coleta, análise, produção e
disseminação de conhecimento, e, inclusive, ao próprio assessorado neste processo (autoridades
de cúpula) zelar pelo devido sigilo às informações dos envolvidos na atividade, justamente, por
intermédio dos processos de classificação e salvaguarda das informações, previstos pela Lei
12.527/2011 (BRASIL, 2011), como forma de garantir a legitimidade das ações desenvolvidas e o
direito fundamental à preservação da intimidade dos envolvidos nos levantamentos.
E mais, conforme o art. 31, I, do referido diploma, se por ventura a atividade de inteligência
recair sobre a análise de informação pessoal, assim compreendida como “aquela relacionada à
pessoa natural identificada ou identificável” (art. 4º, IV), impõe-se o “acesso restrito,
independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da
sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se
referirem”. É claro, deve-se advertir, que a atividade de inteligência recai sobre fatos e não sobre
pessoas, ainda assim, tem-se que estas últimas atravessam os fatos e, dessa forma, devem ter sua
identidade e fatos correlacionados devidamente restritos, sem que se possibilite qualquer
prejulgamento social.
Se qualquer culpa for atribuível à pessoa, caberá ao gestor, uma vez informado pelos órgãos
de Inteligência, direcionar o aparato legal de levantamento de provas, conforme preceitos de
legalidade processual e material penal, para apuração de ilícitos e persecução criminal. Esta
atividade, nem de longe, pertence à inteligência, que, das sombras, apenas aponta o caminho para
onde os gestores devem olhar, contribuindo com o processo decisório, tão somente, não
concorrendo para qualquer incriminação (exceto em situações excepcionalíssimas, adiante
destacadas).

36
De igual maneira, o que é conhecido pelos agentes de inteligência, permanece com os
mesmos sob absoluto silêncio e sob pena de responsabilização penal e administrativa, uma vez que,
analisado um fato que atinja a privacidade de uma pessoa, de qualquer forma que seja, o mesmo
se torna objeto de proteção constitucional e não deve ser revelado de maneira alguma.
Justamente por isso, é que a atividade de inteligência deve se sujeitar a um sistema de
controles especificamente delimitados e indicados pela própria legislação.

Art. 5o A execução da Política Nacional de Inteligência, fixada pelo Presidente da República,


será levada a efeito pela ABIN, sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e Defesa
Nacional do Conselho de Governo (BRASIL, 1999, n.p.).

Art. 6o O controle e fiscalização externos da atividade de inteligência serão exercidos pelo


Poder Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacional (BRASIL, 1999,
n.p.).

Como se vê dos dispositivos em questão, sendo a atividade de inteligência


predominantemente atribuída ao Poder Executivo (por meio dos órgãos componentes do Sistema
Brasileiro de Inteligência – SISBIN), é o mesmo que se incumbirá do exercício do controle interno
desta atividade, cabendo ao Poder Legislativo, por meio de comissões próprias (a Comissão Mista
de Controle das Atividades de Inteligência – CCAI – e a Câmara de Relações Exteriores e Defesa
Nacional – CREDN) o exercício da atividade de controle externo, neste caso, em muito vinculado à
legitimidade política da atuação soberana no âmbito interno e externo da federação brasileira
(MIRANDA, 2018).
Contudo, para além dessa discussão, uma peculiaridade deve ser destacada e analisada com
o pertinente cuidado: o exercício da chamada atividade de inteligência em Segurança Pública,
desenvolvida, dentre outros, por órgãos policiais componentes do sistema constitucional de
segurança pública (Art. 144, da Constituição) (BRASIL, 1988), embora não voltada à produção de
provas (atividade a qual, ressalte-se, a inteligência, a rigor, não se destina), auxilia em muito a
tomada de processos decisórios dos gestores quanto à tomada de políticas de segurança, medidas
concretas de atuação policial e, direcionamento de esforços (ou olhares) para determinados pontos
do território sob competência das polícias. Assim, o sistema legal admite que órgãos cuja atividade
não é essencialmente voltada à inteligência (as polícias, destaque-se), também tenha núcleos,
diretorias, ou seja, órgãos internos, incumbidos do exercício da atividade de inteligência, sob
coordenação integrada (atualmente) do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
república – GSI, numa rede denominada Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN, conforme o
decreto n. 4.376/2002 (BRASIL, 2002), após alterações legais supervenientes.
E, é nesse contexto que surge uma discussão muito importante, pertinente ao controle desta
atividade, delineada a seguir. Se, de um lado, a lei n. 9.883/1999 (BRASIL, 1999) estabelece as formas
de controle dos órgãos subordinados ao SISBIN, nos moldes já comentada acima, de outro, constata-
se que a lei complementar n. 75/1993 – que dispõe sobre o Ministério Público da União, e, inspira
as demais leis orgânicas dos ministérios públicos estaduais – assim estabelece:

Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por
meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo:
I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais;
II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;
III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão
indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;
IV - requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a
omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;
V - promover a ação penal por abuso de poder (BRASIL, 1993, n. p.).

37
Diante disso, é de se questionar: o controle externo da atividade policial, desempenhado
pelo parquet para prevenção de ilegalidades, infrações em geral, e, sobretudo, o abuso de poder,
inclusive, como se vê acima, com a possibilidade de livre acesso à documentos relativos à atividade-
fim das polícias, possibilita amplo acesso aos documentos produzidos em sede de atividade de
inteligência em segurança pública?
O questionamento é bastante sério e se justifica, sobretudo, pelos seguintes motivos: a) O
acesso do Ministério Público à documentos produzidos na atividade de inteligência, notadamente,
relatórios de inteligência, impõe questionamento sobre limites legais da atuação deste órgão e da
legitimidade de ações policiais; b) A atividade de inteligência necessita de classificação enquanto
atividade-fim ou atividade-meio, no âmbito policial, ao contrário do que ocorre, por exemplo, na
Agência Brasileira de Inteligência – ABIN; c) A acessibilidade do parquet a relatórios de inteligência,
decerto, impõe questionamentos sobre a eventual mácula da imparcialidade do órgão em sua
função de persecutio criminis no âmbito processual.
Diante disso, o presente estudo, analisando importante precedente judicial do Superior
Tribunal de Justiça e, à luz da doutrina especializada sobre o tema, buscou o estabelecimento de
uma teoria a respeito do hard case ora delineado, justamente, no sentido de fornecer parâmetro
de atuação aos órgãos constitucionais envolvidos no problema.

3 METODOLOGIA

Em termos práticos, o estudo parte do método zetético, que, em conformidade com a


doutrina de Bittar (2016), leva em conta aspectos normativos em consonância com axiomas sociais,
históricos, políticos, econômicos vigentes, dentre outros, para estabelecimento dos processos
interpretativos das normas jurídicas.
Por sua vez, adotou-se a técnica de pesquisa documental (MARCONI; LAKATOS, 2003),
consistente na utilização de informações constantes de suporte material ou imaterial já
anteriormente produzido, in casu, notadamente, documento público correspondente a julgado
proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, qual seja, o Acórdão Recurso Especial n. 1439193/RJ,
julgado em: 14/06/2016 (BRASIL, 2016), publicamente disponível no sítio de pesquisas do tribunal.
As informações documentais foram sujeitas a uma abordagem qualitativa (MARCONI;
LAKATOS, 2003), debruçada, portanto, em aspectos relativos ao conteúdo do julgado, permitindo
sua interpretação à luz da teoria discutida no tópico anterior.
Após interpretação do julgado, à luz dos doutrinados já destacados e outros mencionados
adiante, buscou-se a resolução do problema de pesquisa levantado, conforme os resultados
constantes da seção a seguir.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 PRIMEIRAS VISTAS SOBRE O PRECEDENTE EM ANÁLISE

Primeiramente, cumpre destacar a norma jurídica individualizada, em relação ao caso


concreto, ou seja, o conteúdo da ementa final do julgado a ser analisado.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973.


ARGUIÇÃO GENÉRICA. OFENSA A RESOLUÇÕES. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. CONTROLE EXTERNO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. RELATÓRIOS AVULSOS DE INTELIGÊNCIA POLICIAL. ACESSO IRRESTRITO.
DIREITO. INEXISTÊNCIA.
1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a
decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na
forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2).
38
2. Aplica-se o óbice da Súmula 284 do STF quando a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC se faz de
forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão se fez omisso,
contraditório ou obscuro. Precedentes.
3. É inviável o manejo do recurso especial para analisar eventual afronta a resoluções, portarias,
instruções normativas, visto que tais atos normativos não estão compreendidos no conceito de lei
federal.
4. Entre as funções institucionais atribuídas ao Ministério Público pela Constituição Federal está o
controle externo da atividade policial (CF, art. 129, VII), o que abrange o acesso a quaisquer
documentos relativos àquela atividade-fim (art. 9º da LC n. 75/1993).
5. A atividade de inteligência, disciplinada pela Lei n. 9.883/1999, que instituiu o Sistema Brasileiro de
Inteligência (SISBIN) e criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), consiste na "obtenção, análise
e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de
imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a
salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado".
6. "O controle e fiscalização externos da atividade de inteligência serão exercidos pelo Poder
Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacional" (art. 6º daquele diploma legal).
7. A inclusão do Departamento de Polícia Federal entre os órgãos integrantes do SISBIN (art. 4º do
Decreto n. 4.376/2002) permitiu àquela unidade a elaboração de relatório de inteligência (RELINT),
que, de acordo com a União, "pode transcender o âmbito policial".
8. O controle externo da atividade policial exercido pelo Parquet deve circunscrever-se à atividade de
polícia judiciária, conforme a dicção do art. 9º, da LC n. 75/1993, cabendo-lhe, por essa razão, o acesso
aos relatórios de inteligência policial de natureza persecutório-penal, ou seja, relacionados com a
atividade de investigação criminal.
9. O poder fiscalizador atribuído ao Ministério Público não lhe confere o acesso irrestrito a "todos os
relatórios de inteligência" produzidos pelo Departamento de Polícia Federal, incluindo aqueles não
destinados a aparelhar procedimentos investigatórios criminais formalizados.
10. O exercício de atividade de inteligência estranha às atribuições conferidas pela Constituição
Federal à Polícia Federal (polícia judiciária) demanda exame de eventual contrariedade a preceitos
constitucionais, o que não é possível na via do recurso especial.
11. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido para denegar a segurança.
(REsp 1439193/RJ, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/06/2016, DJe
09/08/2016) (BRASIL, 2016).

Como se vê, o recurso é oriundo de ação onde o Ministério Público buscava amplo e irrestrito
acesso ao conteúdo de documentos produzidos pela Polícia Federal (componente do Sistema
Brasileiro de Inteligência – SISBIN), como medida inerente ao seu poder de controle externo da
atividade exercida por esta mesma polícia.
Ainda à luz do precedente, tem-se que a pretensão do nobre parquet foi negada pelo
Colendo Superior Tribunal de Justiça, especificamente, à luz dos argumentos elencados nos itens 6
a 9 do venerando Acórdão em análise (BRASIL, 2016).
Contudo, cumpre ao presente estudo realizar uma análise mais aprofundada do julgado em
questão, no sentido de se destacar os argumentos implícitos utilizados pela Colenda Corte na
construção do mesmo (como verdadeira norma jurídica regente do tipo de relação entre Ministério
Público e órgãos policiais de inteligência), especialmente, para permitir críticas construtivas de um
verdadeiro parâmetro de limitação ao acesso às informações sigilosas componentes dos produtos
firmados no exercício da atividade de inteligência.

4.2 A INACESSIBILIDADE DE RELATÓRIOS DE INTELIGÊNCIA VINCULADOS À ATIVIDADE-FIM DAS


POLÍCIAS

Em primeiro lugar, analisando-se o item “8” do julgado (BRASIL, 2016, n. p.), tem-se que o
primeiro argumento utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça para negativa de pleno acesso do
Ministério Público a documentos produzidos em sede de atividade de inteligência, justificou-se pela
compreensão de que o “controle externo da atividade policial exercido pelo Parquet deve
circunscrever-se à atividade de polícia judiciária, conforme a dicção do art. 9º, da LC n. 75/1993
[...]”, imputando a noção de atividade-fim como limite de atuação ao parquet, “[...] cabendo-lhe,

39
por essa razão, o acesso aos relatórios de inteligência policial de natureza persecutório-penal, ou
seja, relacionados com a atividade de investigação criminal”.
Em outras palavras, não sendo a atividade de inteligência a atividade-fim das polícias (que,
conforme o caso, exercem funções ostensivas ou judiciárias), não cabe ao Ministério Público rogar
acesso à documentos que não estejam diretamente voltados à estas atividades, cuja natureza
primária, como anteriormente mencionado, é de assessoria ao gestor.
É coerente, em tempo, que se destaque o teor do voto proferido pelo Exmo. Ministro
Relator Gurgel Farias, no seguinte sentido:

De acordo com o Delegado Chefe do Setor de Inteligência Policial (SIP), por ocasião das
informações prestadas na origem, o exercício da atividade de inteligência executado no
âmbito do SISBIN "tem como finalidade subsidiar o Presidente da República nos assuntos
de interesse nacional" e comporta "conhecimentos que afetem diretamente a salvaguarda
da sociedade e do estado", além de permitir "a produção de conhecimentos para subsidiar
o processo decisório, em especial no tocante a ameaças à sociedade e ao Estado
Democrático de Direito" (e-STJ fls. 266, 269 e 272).
Já a União afirma que o RELINT pode não acarretar, "necessariamente, a deflagração de
inquérito policial ou mesmo de investigação policial lato sensu, já que a atividade de
inteligência é uma atividade que pode transcender o âmbito policial", de modo que "nem
sempre o Ministério Público deve ter acesso ao RELINT, mas apenas quando este diga
respeito às funções ministeriais" (e-STJ fl. 712).
Quanto ao controle das atividades de inteligência, o art. 6º da Lei n. 9.883/1999 dispõe que
"o controle e fiscalização externos da atividade de inteligência serão exercidos pelo Poder
Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacional".
Como se observa, se o controle externo da atividade policial exercido pelo Parquet deve
circunscrever-se à atividade de polícia judiciária, conforme a dicção do art. 9º da LC
75/1993, somente cabe ao órgão ministerial acesso aos relatórios de inteligência emitidos
pela Polícia Federal de natureza persecutório-penal, ou seja, que guardem relação com a
atividade de investigação criminal.
Desse modo, o pleito ministerial voltado ao acesso a "todos os relatórios de inteligência"
produzidos pelo Departamento de Polícia Federal no Rio de Janeiro, de modo irrestrito e
incluindo aqueles não destinados a aparelhar procedimentos investigatórios criminais
formalizados, escapa, no meu modesto sentir, do poder fiscalizador atribuído ao Ministério
Público. (BRASIL, 2016, n. p.).

Assim, o Colendo STJ firmou um primeiro entendimento essencial em torno da problemática


discutida no teor do presente artigo: a acessibilidade do órgão ministerial a relatórios de inteligência
só se dará em relação a documentos que digam respeito à atividade de investigação criminal, que,
por sua vez, sob as advertências de Garcez (2017, pp. 1-2) pode assim ser compreendida:

Portanto, do ponto de vista normativo, não há conceito taxativo de investigação criminal.


Da leitura dos dispositivos legais referidos é possível inferir-se, unicamente, que a
investigação criminal tem como objetivo a apuração das infrações penais e que essa
incumbência é atribuição da polícia judiciária.
[...]
A investigação criminal é o ponto de partida da persecução penal. É o início da atividade de
verificação de determinado fato, supostamente criminoso.
Veja-se que, mesmo fora do processo-crime, a investigação, em si, enquanto origem do
saber e do conhecimento, é o ponto de partida de todas as coisas que o homem pretende
ter conhecimento. Ou seja, tudo se origina do saber e o homem está sempre atrás do
conhecimento. A investigação, assim, é a pesquisa, a atividade de busca do saber, seja por
curiosidade ou satisfação do intelecto.
No direito criminal, entretanto, muito além da investigação que visa o aprendizado de algo
para fins de satisfação pessoal, há a necessidade dessa atividade, determinada e
disciplinada por lei, visando a satisfação do interesse público. A investigação surge, assim,
como mandamento imprescindível do sistema de justiça criminal, pois espelha a
40
necessidade de pesquisa da verdade real e dos meios de poder prová-la em juízo,
viabilizando a correta aplicação da lei penal.
[...]
Sob o aspecto prático, conceituamos a investigação criminal como o conjunto de diligências
preliminares devidamente formalizadas que, nos limites da lei, se destinam a apurar a
existência, materialidade, circunstâncias e autoria de uma infração penal, coletando provas
e elementos de informações que poderão ser utilizadas na persecução penal.
Do ponto de vista jurídico, a investigação criminal é por nós definida como a atividade
estatal destinada a elucidação de fatos supostamente criminosos, apresentando tríplice
funcionalidade, i. e., na apuração desses fatos, a investigação criminal possui três funções:
evitar imputações infundadas (função garantidora); preservar a prova e os meios de sua
obtenção (função preservadora); propiciar justa causa para a ação penal ou impedir sua
inauguração (função preparatória ou inibidora do processo criminal).

Portanto, cabe a compreensão de que somente atos de inteligência realizados com o intuito
de levantar provas e convicções para efetiva formação de instrumento a servir de meio de
embasamento de acusação judicial, na imputação de um crime, seriam potencialmente acessíveis
ao Ministério Público, para fins de controle externo, uma vez que somente esta atividade
caracterizaria a noção de atividade-fim das polícias judiciárias. No entanto, algumas críticas
profundas cabem ao próprio julgado, no sentido de esclarecer ainda mais a temática.
Em primeiro lugar, deve-se lembrar que, em relação às polícias judiciárias (Polícia Civil dos
Estados e Polícia Federal), que a constituição imputa-lhes duas atividades-fim, conforme se observa
da dicção do art. 144, §§ 1º e 4º (BRASIL, 1988), que cabe às polícias civil dos estados e federal a
atividade de apuração de infrações e exercício da polícia judiciária, que, respectivamente, no dizer
de Sannini Neto (2017), correspondem ao levantamento de provas necessário à persecução criminal
e a atividade de cumprimento de ordens exaradas pelo Poder Judiciário no exercício da jurisdição,
embora admita que, em muito, as atividades se confundem.
Portanto, pela noção expressa pelo Colendo STJ, relatórios de inteligência eventualmente
elaborados quando do cumprimento de ordens judiciais, por exemplo, também estariam acessíveis
ao órgão ministerial, considerando a confusão conceitual manifestada no teor do julgado.
Além disso, considerando-se o caso específico da polícia federal, tem-se que a constituição
inclui ainda entre suas competências fundantes “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de
outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência” (art. 144, II) e “exercer as funções de
polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” (art. 144, III), as quais, de igual maneira, poderiam
ser consideradas como atividades-fim desta polícias e, portanto, estariam inclusas na observação
do parágrafo anterior.
Para além disso, é de se pensar no caso específico das polícias militares que detêm a função
de “polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”, dos corpos de bombeiros militares, a quem
“além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil” (BRASIL,
1988, n. p.), das polícias ferroviária e rodoviária federais, a quem cabe a função de polícia ostensiva
em seus respectivos âmbitos. Todas estas, teriam suas atividades-fim extremamente amplas
enquadradas na hipótese geral de abertura de relatórios de inteligência, em tese.
Portanto, sob uma análise mais profunda, e, sobretudo, a partir de uma interpretação
teleológica dos dispositivos legais analisados no voto do Exmo. Ministro Relator, o que se conclui, é
pela ocorrência de uma verdadeira confusão conceitual entre a própria atividade-fim e qual seria o
papel da atividade de inteligência em relação à mesma.
Nesse momento, é importante se destacar o entendimento de Gonçalves (2009, p. 28) a
respeito da temática, ao afirmar que a atividade de inteligência policial (portanto, afeta às polícias)
“tem como escopo questões táticas de repressão e investigação de ilícitos e grupos infratores” e
prossegue afirmando que “é por meio desse tipo de atividade que se podem levantar indícios e
41
tipologias que auxiliam o trabalho da polícia judiciária e do Ministério Público (2009, p. 28, destaque
dos autores). É de se frisar o já destacado verbo auxiliar, utilizado na dicção do autor, ao invés de
verbos como conduzir ou protagonizar.
Portanto, a atividade de inteligência, é de se frisar mantém sua atuação em caráter
assessório, para produção (e salvaguarda) de conhecimentos sensíveis que permitam às polícias a
tomada de medidas investigativas, o cumprimento de ordens judiciais, realizem atividades
ostensivas, cada uma, conforme sua competência específica, de modo que a mesma se mostra mais
como uma atividade-meio que guiará da melhor (e mais segura) forma o exercício da atividade fim.
Sob este entendimento, as atividades assessórias realizadas pelos órgãos de inteligência
vinculados às polícias não estariam sujeitas ao controle externo pelo órgão ministerial, porque, a
rigor, só fornecem conhecimentos privilegiados a respeito de atividades ilícitas, conforme bem se
espera de policiais preparadas e democraticamente comprometidas com o combate ao crime,
cabendo aos demais órgãos policiais competentes sua repressão, investigação etc., sem uso do relint
que forneceu aqueles primeiros conhecimentos, valendo-se somente de informações adquiridas
após a deflagração de investigação oficial ou operação.
Além disso, Gonçalves (2009) informa que a inteligência policial detém um outro aspecto
mais consultivo, conforme o qual se alinhará aos demais órgãos de inteligência estratégica,
fornecendo importantes subsídios para processos decisórios na prestação de políticas de segurança
pública e outras áreas correlatas.
Até este ponto específico, observa-se total consonância da teoria das atividades-fim e
atividade-meio, tratadas pelo julgado em análise, com os pertinentes elementos doutrinários, legais
e constitucionais sobre a matéria, conforme preconiza a própria Doutrina Nacional de Inteligência
em Segurança Pública (BRASIL, 2014, p. 17-18) ao tratar das espécies de inteligência em segurança
pública, ponto digno de destaque direto:

1.9 ESPÉCIES DE ISP


Em face dos diversos campos de atuação da Segurança Pública e das peculiaridades de cada
Instituição, podem-se citar algumas espécies de ISP: Inteligência Policial Judiciária,
Inteligência Policial Militar, Inteligência Bombeiro Militar e Inteligência Policial Rodoviária,
sem prejuízo da autonomia doutrinária das Instituições de Segurança Pública.

1.9.1 Inteligência Bombeiro Militar


A atividade de Inteligência Bombeiro Militar é o exercício permanente e sistemático de
ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na
esfera de Segurança Pública, orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos
necessários para subsidiar o processo decisório; para o planejamento, execução e
acompanhamento de uma política de Segurança Pública e das ações para prever, prevenir
e neutralizar riscos referentes a desastres naturais e de causa humana, calamidades, a
ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio; assuntos de interesse
institucional e a proteção dos seus ativos corporativo, sendo exercida pelas AIs dos Corpos
de Bombeiros Militares.

1.9.2 Inteligência Policial Militar


A atividade de Inteligência Policial Militar é o exercício permanente e sistemático de ações
especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera
de Segurança Pública, orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos
necessários para assessorar o processo decisório; para o planejamento, execução e
acompanhamento de assuntos de Segurança Pública e da Polícia Ostensiva, subsidiando
ações para prever, prevenir e neutralizar ilícitos e ameaças de qualquer natureza, que
possam afetar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, sendo
exercida pelas AIs das Polícias Militares.

1.9.3 Inteligência Policial Judiciária

42
A atividade de Inteligência Policial Judiciária é o exercício permanente e sistemático de
ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na
esfera de Segurança Pública, orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos
necessários para assessorar o processo decisório no planejamento, execução e
acompanhamento de uma política de Segurança Pública; nas investigações policiais; e nas
ações para prever, prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza
que atentem à ordem pública e à incolumidade das pessoas e do patrimônio, sendo exercida
pelas AIs no âmbito das Polícias Federal e Civis [...]

1.9.4 Inteligência Policial Rodoviária


A Atividade de Inteligência Policial Rodoviária Federal é o exercício permanente e
sistemático de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou
potenciais na esfera da Segurança Pública e da Segurança Nacional, no âmbito das rodovias
e estradas federais. Orientadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos
necessários para assessorar o processo decisório, para o planejamento, a execução e o
acompanhamento de assuntos pertinentes à segurança da sociedade e do Estado, essas
ações visam prevenir e neutralizar ilícitos e ameaças de qualquer natureza, buscando se
antecipar aos fatos que possam afetar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do
patrimônio, e são exercidas pelas AIs da Polícia Rodoviária Federal.

O grande ponto de discussão diz respeito, novamente, à polícia judiciária, conforme trecho
omitido da sequência acima, para melhor destaque específico em separado:

A atividade de Inteligência Policial Judiciária e a Investigação Policial lidam, invariavelmente,


com os mesmos objetos: crime, criminosos, criminalidade e questões conexas.
Um dos aspectos diferenciadores e relevantes é que enquanto a Investigação Policial está
orientada pelo modelo de persecução penal previsto e regulamentado na norma processual
própria - tendo como objetivo a produção de provas (autoria e materialidade delitiva) - a
Inteligência Policial Judiciária está orientada para a produção de conhecimento e apenas,
excepcionalmente, à produção de provas.
Neste sentido, o sigilo, como princípio da atividade de ISP, fica em caráter excepcional
mitigado (BRASIL, 2014, p. 18).

Neste ponto específico, observa-se uma clara convergência entre a atividade-fim da polícia
judiciária (Polícia Civil dos Estados e Polícia Federal) e a atividade de inteligência, de modo que,
excepcionalmente, um relatório de inteligência, em tese, poderia ser obtido pelo Ministério Público
para fins de controle externo, mitigando-se o sigilo inerente à atividade. Nesse sentido,
concordando com a hipótese de produção de provas pelos órgãos de inteligência, Gonçalves (2009,
p. 30) encarta uma afirmação polêmica:

Portanto, a inteligência policial tem por escopo, basicamente, a produção de provas de


materialidade e autoria de crimes, ou seja por meio da análise sistemática de informações
disponíveis, busca-se a identificação de criminosos e os aspectos essenciais da consumação
do delito.

Certamente, chega-se a um ponto de superação da primeira premissa jurídica em torno da


(in)acessibilidade de relatórios de inteligência pelo Ministério Público, para fins de controle externo,
baseada na regra de atividades-fim/atividades-meio, colocando-se a necessidade de discussão deste
segundo ponto específico de debate, o qual, foi objeto de discussão em tópico subsequente.

4.3 A INTELIGÊNCIA DE POLICIAL E A POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE PRODUÇÃO DE PROVAS

No item 8, do julgado prolatado pelo Colendo STJ (BRASIL, 2016, não paginado), frisou-se na
segunda parte que caberia acesso ministerial “aos relatórios de inteligência policial de natureza
persecutório-penal, ou seja, relacionados com a atividade de investigação criminal”. Em outras
43
palavras, sempre que a atividade de inteligência, como frisado no tópico anterior, estiver voltada à
produção de provas, surgirá a ampla possibilidade de acesso ministerial ao produto que será
posteriormente utilizado como meio acusatório, como forma de controle de legalidade da ação
policial, sobretudo, para coibir eventual abuso de poder.
Contudo, novamente cabe uma maior reflexão em torno dos conceitos abarcados no
julgado, para que melhor se esclareça a eventual extensão da permissão legal de quebra do sigilo
tipicamente imposto à atividade de inteligência.
Não obstante a DNISP (2014, p.18) aceite a possibilidade de que órgãos de inteligência das
polícias judiciárias perfaçam o uso da inteligência para a produção de provas, há claros limites que
se impõe e regras específicas a seguir:

Um dos aspectos diferenciadores e relevantes é que enquanto a Investigação Policial está


orientada pelo modelo de persecução penal previsto e regulamentado na norma processual
própria - tendo como objetivo a produção de provas (autoria e materialidade delitiva) - a
Inteligência Policial Judiciária está orientada para a produção de conhecimento e apenas,
excepcionalmente, à produção de provas.
Neste sentido, o sigilo, como princípio da atividade de ISP, fica em caráter excepcional
mitigado. Havendo necessidade de emprestar aos procedimentos policiais e judiciais
elementos de provas, deverão estar materializados em documento destinado ao público
externo, denominado Relatório Técnico (RT).

Como se vê, em primeiro lugar, o uso dos órgãos de inteligência para fins probatórios é
excepcional, em razão de seu próprio caráter e metodologias de atuação, regidos por normas
próprias (embora, é de se advertir, ainda haja muita carência normativa neste ponto) (REIS NETTO
et al, 2018a, 2018b), enquanto que, de outro lado, a atividade de investigação criminal é dirigida
por critérios típicos das normas processuais penais brasileiras.
Em segundo lugar, como bem adverte Moreira (2013):

A missão da inteligência policial é de assessoramento, visando a produção de conhecimento


e sua salvaguarda, enquanto a missão da investigação criminal é de execução, visando a
produção de provas (p. 97).

Em investigações de organizações criminosas, não raramente são utilizadas técnicas e ações


de inteligência para subsidiar a investigação criminal que podem ou não ser utilizadas no
conjunto probatório, mas são necessárias para direcionar seus próximos passos (p. 98).

Em linhas mais claras, a autora defende a utilização como meio de prova, documentos que
são produzidos pelos órgãos de inteligência, por meio de técnicas típicas da inteligência (como a
análise de vínculos, as investigações digitais e demais formas de levantamento de dados abertos ou
negados, porém, neste caso, já conhecidos pela autoridade policial por meio de ordem judicial) para
conformação de informações, dados brutos, em conhecimentos sensíveis, que, por não ofenderem
a privacidade ou a ideia de prova material lícita, podem ser acostados ao processo (MOREIRA, 2013).
Contudo, ao contrário do que o julgado em análise leva a entender (BRASIL, 2016), os
conhecimentos produzidos por órgãos de inteligência policial militar não serão consubstanciados
em um relatório de inteligência, propriamente dito, senão, em um Relatório Técnico (MOREIRA,
2013), que é a forma legal apropriada, conforme a DNIPS, para composição de produto processual:

Havendo necessidade de emprestar aos procedimentos policiais e judiciais elementos de


provas, deverão estar materializados em documento destinado ao público externo,
denominado Relatório Técnico (RT) (BRASIL, 2014, p. 18).

Relatório técnico é o documento externo padronizado, passível de classificação, que


transmite, de forma excepcional, análises técnicas e de dados, destinados a subsidiar seu
destinatário, inclusive, na produção de provas (BRASIL, 2014, p. 31).
44
Como se observa, o Relatório Técnico se trata de suporte contendo conhecimentos
produzidos por órgãos de inteligência e destinados ao âmbito externo ao do órgão assessorado e
sistema de inteligência, que pode albergar, inclusive, a produção de provas para fins de persecução
penal.
Nestes termos, em correção aos termos do julgado, caberá (até mesmo, porque os mesmos
devem estar acostados ao inquérito e/ou ação penal) ao Ministério Público amplo acesso à
Relatórios Técnicos produzidos pelos órgãos de inteligência processual de natureza persecutório-
penal, e não, conforme dicção do julgado “relatórios de inteligência”, cuja finalidade é a
disseminação de conhecimentos entre órgãos de inteligência ou ao usuário do órgão (ou seja, a
autoridade legalmente assessorada pelo mesmo). Nesse sentido:

É o documento externo, padronizado, no qual o profissional de Inteligência transmite


conhecimentos para usuários ou outras AI, dentro ou fora do sistema de ISP. O tipo de
conhecimento transmitido deverá estar explícito na forma da redação - Informes,
Informações, Apreciações e Estimativas (BRASIL, 2014, p. 31).

Ademais, não se pode olvidar a possibilidade, implicitamente declarada pelo julgado, de


eventuais desvirtuações legais dos institutos e conceitos ora analisados. Não são raros os casos em
que relatórios de inteligência foram indevidamente remetidos à pessoas estranhas (em quebra de
seu sigilo) ou, acostados em processos judiciais. Mais ainda, não se descarta a possibilidade de
ocorrência de abuso de poder em sede de atividade de inteligência.
Decerto, cabe primeiramente ao controle interno e, em seguida, ao controle legislativo do
âmbito federativo competente, a análise de eventuais obscenidades ou abusos quanto aos direitos
fundamentais, o que, de outro lado, não justifica a nobilíssima intervenção do Ministério Público
em atividade que, a rigor não lhe compete (a exceção dos níveis que envolvam seus próprios órgãos
internos, atualmente admitidos por suas modernas estruturas).
De igual maneira, deve-se recordar a advertência de Gonçalves (2009), reverberada por Reis
Netto et al (2018a, 2018b), de que é necessário que a atividade de inteligência seja reaproximada
da sociedade nestes tempos de democracia, para, assim, permitir o advento das tão necessárias
legislações regentes sobre o tema. Porém, como bem se sabe, o controle externo da legalidade das
ações dos órgãos de inteligência ainda deve pertencer a um âmbito mais restrito, justamente, como
salvaguarda da informações essenciais à sobrevivência do Estado e, mais ainda, preservação da
privacidade das vidas atravessadas pelos conhecimentos estratégicos produzidos, o que, reafirma-
se, exclui, a rigor, o controle as vezes pretendido pelo Ministério Público.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste trabalho, atingiu-se o objetivo pretendido de demonstrar as hipóteses em que


se admitiria o acesso do Ministério Público a conhecimentos produzidos em sede de atividade de
inteligência, nos termos do posicionamento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça,
analisado de maneira crítica, à luz da doutrina e legislação existente.
Assim, conclui-se que: a) não cabe ao Ministério Público acesso a relatórios de inteligência,
uma vez que estes são produtos relativos a uma atividade-meio, de assessoria a gestores, voltada a
auxiliar a execução das atividades-fim de cada polícia; b) Como assegurado no precedente, cabe
acesso do ministério público à produtos da atividade de inteligência policial, relativos à produção
de provas na atividade de investigação criminal, o que, no entanto, não é albergado por Relatórios
de Inteligência, senão, por Relatórios Técnicos (em correção aos termos do julgado); c) questões
relativas à ilegalidades ou abusos de poder, decerto, cabem aos órgãos de controle externo da

45
atividade de inteligência e não propriamente ao ministério público, excetuada a hipótese do item
b.
Ressalta-se, ao fim, a sempre necessária discussão e evolução técnica da atividade, de modo
a prevenir eventuais abusos inerentes as suas ações e garantir o advento de normas jurídicas
regentes de suas metodologias e ações concretas, bem como, a necessidade de vigilância e
seriedade do exercício desta atividade, justamente, para que os órgãos de inteligência sempre
trabalhem, inclusive, conjuntamente ao próprio ministério público, na preservação da ordem e
supremos interesses públicos elencados pela Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática da monografia
para os Cursos de Direito. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988.

BRASIL. Decreto n. 4.376 de 13 de setembro de 2002. 2002.

BRASIL. Doutrina Nacional de Inteligência em Segurança Pública de 2009. 2014.

BRASIL. Lei Complementar n. 75 de 12 de fevereiro de 1993. 1993.

BRASIL. Lei n. 9.883 de 7 de dezembro de 1999. 1999.

BRASIL. Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011. 2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão do REsp n. 1439193/RJ. Relator: Ministro Gurgel De
Faria, Primeira Turma. Julgado em: 14/06/2016, Publicado em: 09/08/2016. 2016.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 6. ed. Salvador: Jus Podivm,
2014.

GARCEZ, William. Investigação criminal constitucional: conceito, classificação e sua tríplice função.
Revista Jus Navigandi, v. 22, n. 5136, p. 1-10. 2017.

GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de Inteligência e Legislação Correlata. Niterói: Impetus,


2009.

MARCONI, Marina De Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 5.


Ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MIRANDA, Wando Dias. O controle parlamentar da atividade de inteligência no Brasil: um estudo


sobre a produção legislativa da CCAI e da CREDN entre os anos de 2003 a 2010 (tese). Belém:
PPGDTU/UFPA, 2018.

MOREIRA, Jussara Carla Bastos. Inteligência policial como meio de prova: considerações sobre sua
utilização. Revista Segurança Pública e Cidadania, V. 6, n. 1, p. 85-115. 2013.

46
REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; GOMES, Herick Wendell Antônio José;
CHAGAS, Clay Anderson Nunes. A legalidade do ato praticado na atividade de inteligência:
perspectivas de validade perante o ordenamento jurídico atual. In: MIRANDA, Wando Dias; REIS
NETTO, Roberto Magno; SANTOS, Luis Roberto Lobato; SANTOS, Ilton Ribeiro Dos. Atividade de
inteligência e segurança pública: O Brasil e as trincheiras do século XXI Ananindeua/PA: Edições
dos Autores, 2018a.

REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; NASCIMENTO, Durbens Martins. Controle
de legalidade do ato jurídico-administrativo praticado na atividade de inteligência: o caso do
Estado Democrático de Direito brasileiro. Pensar – Revista de Ciências Jurídicas, v. 23, n. 04, p. 1-
17. 2018b.

SANNINI NETO, Francisco. A diferença entre polícia investigativa e polícia judiciária. Jus Brasil.
Disponível em: < https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/433215843/entenda-a-
diferenca-entre-policia-investigativa-e-policia-judiciaria>. Acesso em 10.01.2019. 2017.

47
A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA COMO FERRAMENTA DE
ASSESSORAMENTO PARA O PROCESSO DECISÓRIO DO GESTOR PÚBLICO

Herick Wendell Antônio José Gomes


Clay Anderson Nunes Chagas
Wando Dias Miranda
6

1 INTRODUÇÃO

Nos dias de hoje, a atividade de inteligência se tornou uma ferramenta de gestão para o
assessoramento do poder decisório (GONÇALVES, 2009; CEPIK, 2003). Porém, para atingir este
patamar, esta teve que passar por mudanças ao longo dos tempos, profissionalizando-se, adotando
metodologias próprias e racionais de atuação, dotando seus operadores de conhecimentos
especializados sobre suas áreas e atuação e, principalmente, definindo aspectos legais e
doutrinários de funcionamento.
Nestes termos, para compreender a atividade de inteligência e sua função, seria necessário,
primeiramente, conhecer e entender seus antecedentes históricos. Afinal, em uma perspectiva
histórica, é possível observar a existência de ações de busca por informações sensíveis, que
auxiliassem os chefes de Estado a tomar decisões ofensivas ou defensivas em relação a interesses
econômicos e políticos, e, sobretudo, em relação à segurança de seu território.
Para Cepik (2001), a atividade de inteligência, como parte burocrática do Estado, originou-
se de quatro matrizes institucionais e históricas: guerra, economia, diplomacia e polícia. Desta
forma, seria possível dizer que a função estratégica da Atividade de Inteligência perpassaria pela
obtenção de dados negados (ou seja, informações que, em sua maioria, não estariam disponíveis
aos interessados, ou, estariam protegidas por quem as detém [FERRO JÚNIOR, 2008]).
Assim, a inteligência trabalharia na produção de informações confiáveis, oportunas e
seguras, relativas a alvos específicos, previamente estabelecidos, que possibilitassem ao gestor
(cliente e destinatário da informação) elaborar planos e obter vantagens em relação a ações alheias,
colocando-se em vanguarda ou não, ficando em desvantagem, em prol da manutenção da ordem
interna e o sigilo de suas informações.
Nessa esteira, as ações realizadas em tempos pretéritos, com o intuito de obter, produzir e
salvaguardar informações sensíveis de interesse da nação poderiam, equivocadamente, ser
classificadas como ações de inteligência. Mas, atualmente, a atividade de inteligência se encontra
inserida “na estrutura burocrática do Estado e constitui instrumento de assessoria aos sucessivos
governos” (BRASIL, 2016, p.09), sendo uma ação legítima do ponto de vista governamental.
Assim, conforme Cepik (2003), os atuais sistemas governamentais de inteligência seriam
organizações especializadas na coleta, análise e disseminação de informações sobre problemas e
alvos relevantes para a política externa, defesa nacional e garantia da ordem pública de um país.
Concretamente, a Inteligência se constituiria de órgãos que destinados ao assessoramento do Poder
Executivo, que trabalhariam prioritariamente junto aos chefes de Estado e de governo e,
dependendo de cada ordenamento jurídico, para outras autoridades da administração pública
(CEPIK, 2003).

6
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
GOMES, Herick Wendell Antônio José; MIRANDA, Wando Dias; CHAGAS, Clay Anderson. A atividade de inteligência
de segurança pública como ferramenta de assessoramento para o processo decisório do gestor público. In: REIS NETTO,
Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de
Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM, 2021.
48
Para Brito (2007) e Cepik (2011), portanto, os serviços de inteligência constituiriam
organizações responsáveis por atividades ofensivas e defensivas na área de informações e que,
desta forma, comporiam o núcleo coercitivo do Estado, conjuntamente às Forças Armadas e Polícias
Federal, Civil e Militar, sem destoar de suas finalidades democráticas.
Diante desta complexidade assumida, atualmente, pela função, o presente trabalho
objetivou descrever como a evolução histórica da atividade de inteligência condicionou sua forma
de atuação, especialmente, em relação a conflitos territoriais.
Para tanto, preliminarmente, foi necessária a explicação dos referenciais metodológicos
desta pesquisa, conforme se tratou na seção seguinte.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Adotou-se como base o método comparativo Weberiano (WEBER, 1992; RINGER, 2004,
SCHNEIDER; SCHIMITT, 1998). Para o autor, o estudo das estruturas burocráticas do Estado seria um
elemento de fundamental importância para a atribuição de legitimidade à ação política das
instituições oficiais, o que, aliás, é muito conveniente à discussão sobre a legitimidade dos órgãos
de inteligência.
Conforme este método, que compara estruturas dentro de um contexto temporal, o estudo
propôs uma comparação histórica da atividade de obtenção de informações no mundo (em menor
escala) e no Brasil (especialmente), para compreender os modelos que, sob transformações e
evoluções, originaram os atuais contornos da Atividade de Inteligência no país.
Por sua vez, a pesquisa teve um caráter qualitativo, visto que enfocou em questões relativas
ao conteúdo histórico apreendido de um conjunto de dados, levantados por meio de duas técnicas:
pesquisa bibliográfica e pesquisa documental, conforme se passa a expor.
Inicialmente, fez-se uma pesquisa bibliográfica (CHIZZOTTI, 2006) voltada a obtenção de
livros que detivessem informações sobre a história da Atividade de Inteligência: Foram selecionados
livros nacionais e estrangeiros sobre o assunto sem recorte temporal, em razão da carência de
literatura produzida sobre o tema – em especial, pelo secretismo que sempre a circundou,
sobretudo, levando em conta obras mencionadas nos cursos e manuais inerentes à atividade.
Em segundo lugar, realizou-se uma pesquisa documental, voltada à obtenção de manuais,
instruções, doutrinas produzidas pelos órgãos de Inteligência de Estado e órgãos de segurança
pública, desde que não restritas por qualquer forma de classificação legal impeditiva à sua
divulgação (cuidado ético do estudo). Além disso, como fontes naturalmente públicas, foram
utilizadas leis relativas ao fenômeno estudado.
Por sua vez, as informações colhidas foram sintetizadas e classificadas, conforme o que seria
necessário ao objetivo acima eleito, sendo trianguladas, ou seja, comparadas entre si e, obviamente,
com a experiência dos autores no exercício da pesquisa e prática da atividade de inteligência.
Os resultados, finalmente, foram organizados na seção seguinte.

3 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

3.1 EMBRIÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO MUNDO E NO BRASIL.

Ao longo dos séculos pode-se perceber que a necessidade de obtenção de informações e


conhecimentos sensíveis sobre a situação e as ações de outros povos encontram registros desde os
textos bíblicos judaico-cristãos, à documentos do império romano, dentre outras fontes destacadas
na Doutrina Brasileira de Atividade de Inteligência (BRASIL, 2016).
Em especial, destacou-se a importância da atividade de espionagem para o planejamento
estratégico-militar do Império Chinês, na obra de Tzu e Pin (2015), intitulada Arte da Guerra
49
(CLAVELL, 1983). Igualmente, apontou-se como registro importante o sistema de tráfico de
informações descrito por Kautilya (1994), na obra intitulada Arthashastra, escrita quatro séculos
antes de Cristo. Mas, foi no século XV, com o modelo de obtenção de informações por filtragem de
correspondências, construído por Cardeal Richelieu, primeiro-ministro do rei francês Luís XIII (1628
a 1642), e Sir Francis Walsingham, secretário de estado da rainha Elisabeth I, que a ideia de
espionagem, dentro de instituições de um Estado ou de órgãos estatais, registrou suas primeiras
aparições (KEEGAN, 2006).
E assim, historicamente a espionagem permaneceu como uma realidade oculta, porém,
sempre presente, em Impérios e, mais adiante, em Estados-Nação, como forma de lidar com
situações importantes à expansão territorial de fronteiras, defesa interna e controle populacional
(KEEGAN, 2006). A dinâmica de ação dos órgãos de coleta e análise de informações, dos países que
detinham estas estruturas, somente ganhou um novo valor estratégico, além da simples ideia de
espionagem, durante a Segunda Guerra Mundial, que, conforme informou Platt (1974), propiciou
novas formas de consolidação de dados, somada, como novidade, a uma preocupação com sua
análise e verificação. Essa dinâmica se intensificou, em seguida, ao longo do contexto da Guerra Fria
(PLATT, 1974).
Paralelamente àquele processo mundial, constatou-se que, no Brasil, os primeiros vestígios
de utilização de órgãos de coleta, análise e processamento de informações surgiu em 1927 com a
criação do Conselho de Defesa Nacional – CDN, por meio do Decreto n. 17.999/1927, do presidente
Washington Luís (ANTUNES, 2002, p.45), que tinha por missão “coordenar a reunião de informações
relativas à defesa da Pátria” (BUZANELLI, 2004, p.01).
No entanto, o surgimento de um órgão exclusivamente voltado à questão das informações
só se deu em 1946 por meio do Decreto n. 9775-A, de lavra do Presidente Eurico Gaspar Dutra, ex-
ministro da Guerra, o responsável pela organização da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que
instituiu o Serviço Federal de Informações e Contra-informações (Sfici) (FIGUEIREDO, 2005;
BUZANELLI, 2004), o qual, entretanto, tinha uma atuação muito restrita à capital, na época Rio de
Janeiro, e focada nas imagens de um inimigo interno (opositores do governo).
Somente após a deposição do Presidente João Goulart, por sua vez, é que houve a ampliação
estrutural dos órgãos de informações, a ponto de permitir uma captação de dados a nível nacional
com o Surgimento do Serviço Nacional de Informações (SNI) no ano de 1964 (FIGUEIREDO, 2005).
Contudo, o serviço teria adquirido questionáveis contornos executivos a partir do Ato
Institucional n. 01 – AI1 (BRASIL, 1964), quando o SNI assumiu a função de braço direito
(FIGUEIREDO, 2005) na chamada Operação Limpeza, voltada à neutralização de corruptos e
subversivos ao novo sistema.
O SNI teve seu poder ampliado, mais adiante, com a criação do Sistema Nacional de
Informações (Sisni), no ano de 1975, sob a finalidade de integrar a atuação das agências de Estado
em uma rede de extensão nacional e internacional, que agregaria informações de todos os órgãos
que eventualmente a detivessem, funcionando o SNI, nesta rede, como uma espécie de órgão
central, responsável por sua gestão e utilização conforme interesses reputados à defesa da nação.
Contudo, o grande poder atribuído à estrutura teria permitido que ela assumisse um
controle político de diversos níveis das estruturas estatais (sobretudo na segurança pública),
desembocando em crimes, desmandos e irregularidades (FIGUEIREDO, 2005), que, mais adiante,
desacreditaram e macularam a imagem dos serviços de inteligência no país (GONÇALVES, 2009).
Com o fim do Governo Militar e a reabertura democrática, o órgão assumiu uma postura tímida,
que culminou com sua extinção, em 1990, durante a presidência de Fernando Collor de Melo.
Criou-se um Departamento de Inteligência (DI), subordinado à Secretaria de Assuntos
Estratégicos (SAE). Foi um período de fortes mudanças na atividade de inteligência nacional que
impactou na sua reestruturação em tempos democráticos.

50
A partir da criação do DI/SAE, até mesmo para dissociar o novo órgão do extinto SNI,
abandonou-se o termo informações, passando-se a empregar o vocábulo inteligência para
designar a atividade. Não se tratava apenas de mais um neologismo em moda, mas da
utilização de um termo de largo emprego, inclusive internacional e exclusivo para a
atividade única de inteligência; informações, por sua vez, tem natureza ambivalente, não se
empregando unicamente para definir o trabalho de coleta e busca de dados necessários à
produção de conhecimentos de importância para as decisões governamentais ou de chefias
em qualquer escalão de direção (BUZANELLI, 2004, p.06).

Nos anos seguintes muitas foram as modificações e denominações para o serviço de


inteligência, em razão da desconfiança e antipatia que grande parte da população passou a ter com
a atividade. Foi na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1995/2003, que o sistema
assumiu sua forma atual, com a criação da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN).

3.2 DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA EM TEMPOS DE DEMOCRACIA

No Brasil, a Atividade de Inteligência é regulamentada pela Lei nº 9.883/1999 que criou a


Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN).
De acordo com a Lei, a atividade de inteligência seria aquela que objetiva a obtenção e
análise dados, bem como, a disseminação de conhecimentos (dados processados), colhidos por
meio de órgãos com essa atribuição, dentro e fora do território nacional (GONÇALVES, 2009), sobre
oportunidades e ameaças importantes ao processo decisório, aqui compreendido como ação
política de um líder burocrático (WEBER, 2014; DREIFUSS, 1993) e sobre a salvaguarda e a segurança
da sociedade e do Estado.
A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) atua como órgão central do sistema e lhe é
atribuída à missão de planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as Atividades de
Inteligência e Contra Inteligência do País (BRASIL, 1999).
Comparativamente, a estrutura atual dos serviços de inteligência trabalha sob imperativos
éticos e, garantindo um respeito à democracia, por meio de sujeição a mecanismos de controle
interno e externo, tanto por parte do Poder Executivo (que é seu assessorado), quanto por parte do
Poder Executivo (como legítimo representante da população, na verificação de sua ação) (CEPIK,
2003). Além disso, a Atividade de Inteligência busca fatos e situações e não mais pessoas enquanto
ameaças em potencial (BRASIL, 2016). Desta forma, a mudança estrutural principal foi a adequação
da Atividade de Inteligência a um contexto democrático. No entanto, ainda sobrevive o ranço e o
temor da atuação que lhe caracterizou em tempos de Governo Militar (GONÇALVES, 2009).

3.3 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA E SEUS CARACTERES ATUAIS

Para Cepik (2001), a atividade de inteligência é uma componente atual e significativa do


poder de Estado, enquadrando-se no núcleo coercitivo que provê a prestação de serviços públicos
de defesa externa e manutenção da ordem, as duas funções constituindo os atributos do monopólio
legítimo do uso da força na acepção weberiana do Estado (WEBER, 2014; DREIFUSS, 1993).
Doutrinariamente, a atividade encontra-se dividida em: a Atividade de Inteligência ligada aos
Serviços Reservados de Defesa próprio às Forças Armadas; A Atividade de Inteligência relacionada
aos Serviços Reservados de Diplomacia, atuante nas Relações e Política Internacional; e os Serviços
Reservados ligados a Segurança ou Inteligência Interna com foco na segurança pública (CEPIK,
2001).
Para Cepik (2003), Antunes (2002) e Gonçalves (2009), os sistemas governamentais de
inteligência consistem em organizações permanentes devido à natureza constante dos Estados na

51
obtenção de informações. Já para Fregapani (2012), os serviços de inteligência são órgãos que
servem para assessoramento do Poder Executivo em suas várias esferas de poder.
Assim, serviços de inteligência poderiam ser compreendidos como organizações que
desempenham atividades ofensivas e defensivas na área de obtenção de informações, em contextos
antagônicos em que um ator tenta compelir o outro a aceitação de sua vontade (WEBER, 2014;
DREIFUSS, 1993), pelo que, conforme Miranda (2008), estes serviços de inteligência não podem ser
entendidos como meros instrumentos passivos da política de um governante, tendo seu papel de
extrema importância à antecipação e enfrentamento de instabilidades.
A doutrina de inteligência da ABIN (BRASIL, 2016), por sua vez, divide a função da atividade
em dois ramos de competências distintas, cuja atuação é comum a todos os órgãos: O Ramo da
Inteligência e o Ramo da Contra Inteligência.
Os dois ramos fazem “parte de um todo e não possuem limites precisos de abrangência”
(FARIAS, 2017, p.32). Por isso são inseparáveis, embora diferentes.
Para Cepik (2003), a Inteligência é o exercício sistemático de ações especializadas, voltadas
para a obtenção e produção de conhecimentos, visando o assessoramento dos gestores públicos,
atuando no planejamento estratégico de ações, acompanhamento e execução de políticas e atos
decisórios.
Já a Atividade de Inteligência em Segurança Pública foi compreendida por Ferro Júnior (2008,
p 36), como aquela “[...] voltada à produção de informações, conhecimentos e assessoramentos no
processo decisório de Segurança Pública”.
Por sua vez, a Lei 9.883/99, no artigo 3º que dispõe que o ramo da Contra Inteligência
consiste na “atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa” (BRASIL, 1999). ´
O real conceito, entretanto, é inferido do Decreto n. 4.376/2002, que diz a define como
atividade de prevenção, detecção, obstrução e neutralização de inteligência ou qualquer ameaça
adversa à salvaguarda dos conhecimentos da Sociedade e do Estado (BRASIL, 2002). O conceito
também é aplicável à Atividade de Inteligência em Segurança Pública, conforme a Resolução Nº
1/2009 da Secretaria Nacional de Segurança Pública (BRASIL, 2009).
Para Medeiros (2008), a manutenção dos sistemas de segurança interna em uma
organização vai além de investimento em tecnologias e treinamento para os agentes de segurança
pública, uma vez que o conhecimento produzido pelos órgãos de segurança devem ser guardados,
classificados e divulgados para os tomadores de decisões autorizados para ter o acesso a informação
que possa auxiliar nas decisões.
Dessa forma, observou-se que a contra-inteligência funciona como a protetora de
conhecimentos sensíveis, sigilosos e em muitos casos estratégicos para os tomadores de decisões.
Mas deve-se entende que a contra-inteligência desenvolve ações especializadas na busca de dados
negados, tal qual o ramo da Inteligência. O diferencial é que o objetivo da busca realizada pelo ramo
está focado na defesa do conhecimento (FARIAS, 2017).
Por sua vez, no que diz respeito às Operações de Inteligência, constatou-se que estas seriam
ações realizadas por um setor especifico, em apoio aos referidos Ramos da Atividade de Inteligência,
desempenhando “ações especializadas para a obtenção de dados negados e a contraposição
(detecção, obstrução e neutralização) a ações adversas” (BRASIL, 2016, p.45).
Segundo a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP), Operações de
Inteligência de Segurança Pública corresponderiam à execução de ações especializadas com a
utilização de técnicas operacionais, voltadas à obtenção de dados negados de difícil acesso e/ou
para neutralizar ações adversas (BRASIL, 2009).
O setor de operações se utilizaria de técnicas operacionais especificas para ter acesso aos
dados negados. As operações podem ser classificadas quanto à natureza, onde podem utilizar fontes
humanas e fontes tecnológicas, e quanto à abrangência, onde podem ser exploratórias ou
sistemáticas (BRASIL, 2016).
52
A principal diferença do setor de Operações para os ramos da Inteligência é que as
Operações desempenham ações em campo, ou seja, é a “forma de a Atividade de Inteligencia agir
no mundo” (BRASIL, 2016, p.46). Uma operação de inteligência não pode ser confundida com uma
operação policial, o agente de inteligência apenas busca os dados negados a fim de subsidiar, no
caso da segurança pública, uma posterior ação dos órgãos competentes (FARIAS, 2017).
Corroborando com esse entendimento, Ferro Júnior (2008) acrescenta que a AISP não faz
investigação, sendo essa uma atividade das polícias judiciárias, mas sim o levantamento de
informações e análise de cenários de risco potencial para o Estado.
A Atividade de Inteligência de Estado e a Atividade de Inteligência de Segurança Institucional
(AISP) estão fortemente ligadas a três aspectos do trabalho: Previsão, Antecipação e o
Assessoramento. Entende-se por previsão o exercício diário de análise de informações na tentativa
de identificar padrões de ações criminosas que possam ajudar num processo de previsão de ações
do crime, levando assim a segunda característica, que é a antecipação por meio de ações
preventivas por conta dos órgãos de Segurança Pública. Já o processo de assessoramento está
relacionado ao abastecimento de informações atuais e confiáveis sobre as atividades criminosas
que possam auxiliar os tomadores de decisões nas fases de elaboração e acompanhamento das
políticas de segurança pública.
Para Rocha (1998) e Ferro Júnior (2008), a AISP se desenvolve em três níveis distintos:
Estratégico, Tático e Operacional. A nível estratégico tem-se as ações que são definidas as diretrizes
gerais de ações do organismo de Segurança Pública, estão relacionadas à construção das políticas
de Estados e de Governo. A nível tático identifica-se as orientações específicas de atuação, as ações
preventivas, repressivas e de análises. E, a nível operacional, se tem as ações especializadas voltadas
a busca e obtenção de dados e informações, voltados a assessorar a investigação criminal, o
policiamento ostensivo e a distribuição de recursos administrativos e operacionais.
A AISP possui papel estratégico no acompanhamento de ações criminosas com potencial
para desestabilizar a ordem pública, servindo como órgão consultivo e de assessoramento para os
tomadores de decisão, onde, por intermédio de técnicas específicas realizaria o levantamento de
informações estratégicas e a disseminação dessas aos responsáveis.
No âmbito das Policias Militares, a Doutrina Nacional de Inteligencia de Segurança Pública
(DNISP), vislumbra diversas formas de operacionalização da Atividade de Inteligência Policial Militar
(AIPM), em apoio ou assessoramento de seu usuário, conceituando que à AIPM cabe “o
planejamento, execução e acompanhamento de assuntos de segurança pública e da Polícia
Ostensiva, subsidiando ações para prever, prevenir e neutralizar ilícitos e ameaças de qualquer
natureza” (BRASIL, 2009, p.17), desta forma enquadrando-se, nos níveis de assessoramento Tático
e Operacional.
A Atividade de Inteligência e o Sigilo da Informação estão diretamente relacionados ao
cotidiano da vida na caserna, “uma operação militar - dentro do seu aspecto tático - não pode ser
realizada sem o levantamento de todas as circunstâncias sobre o alvo e o ambiente operacional”
(FERRO JÚNIOR, 2008, p 82). As informações relevantes e o planejamento da operação devem ser
guardados de forma eficiente e seu manuseio classificado por diferentes níveis de acesso.
Em apoio ao gerenciamento de crises, a AIPM tem fundamental importância em todo o
processo, pois ela pode ser considerada como o elemento essencial para o diagnóstico da situação,
atuando na identificação, obtenção, orientação e aplicação dos recursos necessários para a
implementação de medidas de apoio operacional e auxílio na solução de uma crise (FERRO JÚNIOR,
2008).
A quantidade e qualidade das informações obtidas têm força decisiva na definição de
objetivos e solução de problemas, por isso todas as informações possíveis sobre um problema
devem ser obtidas, analisadas, processadas e depois encaminhadas para os tomadores de decisão,
com o cuidado da proteção de suas fontes.
53
Neste entendimento e em consonância ao Policiamento Comunitário, apesar da comunidade
não fazer parte do sistema de inteligência institucional policial, ela pode participar de forma ativa
do processo de auxiliar na coleta de dados e informações sobre o crime, denunciando de forma
anônima. Mas, esse meio só se torna eficaz se a comunidade tiver a certeza da garantia do sigilo da
identidade ao realizar a denúncia e colaborar com a instituição. Desta maneira, a população pode
se apresentar como um trunfo de poder da inteligência (RAFFESTIN, 1993).
Nesta esteira de ideias, a AISP está voltada para a detecção, identificação e análise de
situações potenciais de criminalidade. Nesse sentindo, Ferro Júnior (2008) observa que a percepção
do problema geralmente se revela pela identificação de manchas de criminalidade, o que ocorre
pela obtenção de dados e informações oriundos do território, inclusive das chamadas fontes
humanas de informação (colaboradores, informantes, cidadão, etc.), que devem ter suas
identidades protegidas de qualquer pessoa que não tenha acesso àquela informação.
No Brasil, muitos são os conflitos territoriais noticiados diariamente. As disputas territoriais
são fontes de tensão desde o início da colonização. Essas contendas territoriais, diferente do que se
possa imaginar, não se limitariam, simplesmente, aos conflitos no campo ou, ainda, às batalhas por
delimitações fronteiriças de uma nação. Atualmente, essas contendas iriam além destes destaques,
enveredando nos domínios do crime organizado e do tráfico de entorpecentes.
Neste entendimento, Haesbaert (2014) enfatiza o crescimento dos debates e das ações
governamentais, em torno das territorialidades de insegurança, onde os principais responsáveis por
esta realidade seriam o narcotráfico e as milícias (p. 230). Ao citar a realidade carioca Haesbaert
alerta que “em nome da segurança, toda uma gestão do espaço social é produzida, num complexo
processo de vigilância e imobilização da vida urbana” (2014, p. 231-232), utilizando-se de modernos
aparatos tecnológicos e informacionais e do uso do monopólio legítimo da violência estatal, com a
finalidade de retomar de território das mãos dos poderes paralelos imbricados nos poderes legais.
Destarte, a atividade de inteligência se enquadraria nos diversos cenários que justificariam
sua utilização para o assessoramento em Segurança Pública, provendo conhecimentos oportunos e
confiáveis, possibilitando decisões mais seguras e justificadas e, principalmente, adaptando-se às
mudanças sociopolíticas e culturais demandas pela história.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pôde observar ao longo deste artigo, o emprego da Atividade de Inteligência ou de


técnicas hoje apropriadas e universalizadas pela mesma sempre se fizeram presentes no contexto
histórico nacional e internacional nas mais remotas épocas da humanidade. A análise comparativa
dos modelos apresentados consente a avaliação das regularidades, transformações, semelhanças,
diferenças, enfim, permite romper com a singularidade e construir um conhecimento atual acerca
do evento em análise (SCHNEIDER; SCHIMITT, 1998). Inicialmente, a obtenção e uso de informações
realizadas sem uma metodologia específica, serviam seus líderes, fundamentalmente, para a
segurança da comunidade e para a defesa do território, enfim, para a defesa e para a guerra. Com
o passar do tempo as ações de utilização de informações foram incorporadas a máquina estatal em
razão de seu valor estratégico para as decisões de seus governantes.
Nos períodos analisados, e comparados, esta atividade singular sempre foi utilizada como
ferramenta de assessoria para a tomada de decisões. Mesmo quando utilizada de maneira incorreta
ou para benefício de governos específicos, e não de sucessivos governos, ela demonstrou sua
competência, força e objetividade.
Atualmente, a atividade de inteligência se apresenta em diversos níveis da estrutura estatal.
Sua aplicação como instrumento de gestão voltado para a obtenção de dados e produção de
conhecimentos (FARIAS, 2017) é de interesse daqueles que necessitam de informações confiáveis
para que possam tomar decisões rápidas e acertadas.
54
A Atividade de Inteligência esteve em um passado recente voltada à chamada segurança
interna do regime militar e voltada à identificação dos considerados subversivos ao sistema, após
este período a sociedade brasileira, como um todo, sofreu profundas mudanças com o processo de
redemocratização, levando a própria reformulação das Polícias Militares enquanto órgãos
encarregados de defesa e da ordem social em um estado democrático de direito.
Nesta nova fase do País, esforços foram envidados com o objetivo de adequar a atividade de
inteligência a esta nova realidade. Mas, para que a sociedade perceba essas mudanças há a
necessidade de mais informações acerca do assunto a fim de desmistificar seu uso, criar uma cultura
de inteligência e mostrar seus benefícios estratégicos ao Estado, enfim, demonstrar que a nova
atividade de inteligência está pautada em metodologias específicas, lastreada pela ética e
legalidade, e que produzir conhecimento, hoje, é garantia da manutenção de um Estado
Democrático de Direito.

REFERENCIAS

ANTUNES, Priscila. SNI e ABIN: Uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros no século
XX. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas. 2002.

BRITO. Valteir Marcos de. O Papel da Inteligência no Combate ao Crime Organizado


Transnacional. Rio de Janeiro, 2007

BUZANELLI, Márcio Paulo. Evolução histórica da atividade de inteligência no Brasil. In: IX


Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública. 2004.

BRASIL. Ato Institucional nº 1, de 09 de abril de 1964. Dispõe sobre a manutenção da Constituição


Federal de 1946 e as Constituições Estaduais e respectivas Emendas, com as modificações
introduzidas pelo Poder Constituinte originária da revolução Vitoriosa. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-01-64.htm >Acesso em: 06 Jan. 2018.

________. Decreto nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000. Cria o Subsistema de Inteligência de


Segurança Pública, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3695.htm>Acesso em: 07 Set.
2013.

________. Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002. Dispõe sobre a organização e o


funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído pela Lei no 9.883, de 7 de
dezembro de 1999, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4376.htm> Acesso em: 15 Set. 2017.

________. Decreto-Lei nº 9.775, de 6 de Setembro de 1946. Dispõe sobre as atribuições do


Conselho de Segurança Nacional e de seus órgãos complementares e dá outras providências.
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-9775-6-
setembro-1946-417547-publicacaooriginal-1-pe.html > Acesso em: 15 Set. 2017.

________. Doutrina Nacional de Inteligência: fundamentos doutrinários. Brasília: ABIN, 2016.

________. Doutrina Nacional de Inteligência em Segurança Pública. Brasília: Secretaria Nacional


de Segurança Pública, 2009.

55
________. Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência,
cria a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN – e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.abin.gov. br/>. Acesso em: 07 set. 2017.

________.Resolução nº 1, de 15 de julho de 2009. Regulamenta o Subsistema de Inteligência de


Segurança Pública - SISP, e dá outras providências. Disponível em:
http://sintse.tse.jus.br/documentos/2009/Ago/14/000077395

CEPIK, Marco A. C. Serviços de inteligência: agilidade e transparência como dilemas de


institucionalização. Rio de Janeiro, IUPERJ (2001).

________. Serviço Governamental: Contextos nacionais e desafios contemporâneos. Niterói/RJ:


Impetus, 2011.

________. Espionagem e Democracia. Rio de Janeiro, FGV. 2003

________. Sistemas Nacionais de Inteligência: Origens, lógica de expansão e configuração atual.


In: Revista DADOS - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 46, n. 1, p. 75-127, 2003.

CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 6. ed. – São Paulo: Cortez, 2006.

CLAVELL, James. A arte da guerra–Sun Tzu. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 1983.

DREIFUSS, René Armand. Política, Poder, Estado e Força – Uma leitura de Weber. Petrópolis. Ed.
Vozes. 1993

FARIAS, Antônio Cláudio Fernandes. Atividade de Inteligência: O Ciclo da Produção do


Conhecimento. Belém/PA: Edições do autor, 2017.

FERRO JÚNIOR, Celso Moreira. A inteligência e a gestão da informação policial. Ed. Fortium.
Brasília/DF, 2008.

FREGAPANI, Gelio. Segredos da Espionagem. 2. ed. Brasília: Thesaurus, 2012.

FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do Silêncio – a história do serviço secreto brasileiro de Washington


Luís a Lula – 1927 – 2005. Rio de Janeiro. Ed Record. 2005.

GONÇALVES, J. Brito. Atividade de Inteligência e Legislação Correlata. Niterói, RJ: Ed. Impetus,
2009.

HAESBAERT, Rogério. Viver no Limite: Território e Multi/Transterritorialidade em tempos de in-


segurança e contenção. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

KEEGAN, John. Inteligência na Guerra – Conhecimentos do inimigo, de Napoleão à Al-qaeda. São


Paulo: Companhia das letras. 2006.

KAUTILYA. Arthashastra. Brasilia: Ed. UNB. 1994.

56
MIRANDA. W. D. A consolidação do sistema de inteligência e o estado democrático de direito:
Estudos Introdutórios sobre a Evolução da Inteligência e sua Relação com o Estado Democrático
de Direito. TCC do Curso de Ciências Sociais da UFPA. 2008

MEDEIROS. F. J. F de. A Atividade de Inteligência no mundo atual (2008). Disponível em:


<https://www2.mp.pa.gov.br/sistemas/gcsubsites/upload/60/a%20ativid
ade%20de%20intelig%C3%83%C2%AAncia%20no%20mundo%20atual.pdf>. Acesso em:
12.09.2017.

PLATT. Washington. A Produção de informações estratégicas. Rio de Janeiro. Biblioteca do


Exército. 1974.

TZU, Sun; PIN, Sun. A Arte da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

TZU, Sun. A Arte da Guerra – edição completa. São Paulo: Martins Fontes. 2004

RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Editora Ática, 1993. Série Temas.

RINGER, Fritz K. A Metodologia de Max Weber: Unificação das Ciências Culturais e Sociais. São
Paulo: Edusp, 2004.

ROCHA, Luiz Carlos. Investigação policial: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 1998.

SCHNEIDER, Sérgio; SCHIMITT, Cláudia Job. O uso do método comparativo nas Ciências Sociais.
Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 9, n. 9. P. 49-87, 1998.

WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. v. 1, 4. ed.


Brasília: UnB, 2014.

WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. São Paulo: Cortez / Editora da Universidade
Estadual de Campinas, 1992.

57
007 - OPERAÇÃO SKYFALL
Uma análise sobre a atividade de inteligência na era da informação

Wando Dias Miranda


Roberto Magno Reis Netto
Brenda Thayna Trindade Lopes
Evelyn Munarini Gualberto
7

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em 1954 o escritor britânico Ian Lancaster Fleming publicava seu primeiro romance baseado
em sua experiência como correspondente internacional em Portugal e Agente Secreto do MI – 6
(Military Intelligence, Section 6) da Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a
obra ganhou rapidamente o gosto popular por apresentar um mundo, que até então, pairava na
obscuridade e segredismo8 de suas ações e lhe deu fama internacional e o colocou como arquiteto
de uma das principais franquias literárias e do cinema como 14 livros e 9 contos, além de diversas
obras literárias e cinematográficas inspiradas em seu trabalho e na figura do seu maior personagem,
o agente secreto 007, que mesmo após sua morte em 1964, seu legado pode ser sentindo com mais
de 40 livros lançados por diversos autores e 24 filmes, que dão continuidade ao seu mundo criado.
A essência do mundo retratado por Ian Fleming para o agente secreto James Bond foi
fortemente inspirado pelos acontecimentos históricos da Segunda Guerra Mundial e as
consequências do final desse conflito com o início da Guerra Fria, e o surgimento de uma nova
ameaça de conflito mundial entre as duas maiores potências vitoriosas da guerra, os Estados Unidos
da América – EUA e a União das Republicas Socialistas Soviéticas – URSS.
Era o início da Guerra Fria9, período conhecido como “a era de ouro dos espiões” (BEARDEN;
RISEN. 2005) marcada pela ação de agências especializadas de Estado, como CIA – (Central
Intelligence Agency – Agência Central de Inteligência dos EUA), a KGB - (Komitet Gossoudarstvenno
Bezopasnosti – Comitê para Segurança do Estado da URSS), o MI-6, o Mossad, entre outras, cujo seu
objetivo principal era a busca de informações que pudessem dar vantagens estratégicas na mesa de
negociação internacionais e ao mesmo tempo espionar as linhas do inimigo e saber seus planos,
assim a Atividade de Inteligência – AI era encarregada de buscar de informações consideradas vitais
para o Estado, tendo a Contra Inteligência – CI a função de neutralização e identificação de
“vazamentos” de informações, atuação de agentes infiltrados e atuação da inteligência do inimigo
dentro de suas fronteiras dentro de uma concepção do realismo político das relações internacionais.
Para Fukuyama (1992) com o final da Guerra Fria em 1989, o mundo passa por um período
em que se acreditava numa nova fase superior do Sistema Capitalista Norte Americano, onde essa
nação, vitoriosa ocuparia o papel como única superpotência do mundo a partir da crise do

7
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
MIRANDA, Wando Dias; REIS NETTO, Roberto Magno; LOPES, Brenda Thayna Trindade; GUALBERTO, Evelyn
Munarini. 007 – Operação Skyfall: Uma análise sobre a atividade de inteligência na era da informação. In: REIS NETTO,
Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de
Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM, 2021.
8
Para Dreifuss (1993) o segredismo pode ser compreendido como uma condição indispensável a toda atividade política
coerente e efetiva. Para Cepik (2001) e Farias (2018) são atividades de caráter reservado voltadas a defesa nacional e ao
levantamento de informações estratégica e sua guarda por agências especializadas pelo Estado.
9
Para Hobsbawn (2002) A Guerra Fria pode ser compreendida como o período histórico de disputas estratégicas e
conflitos indiretos entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS),
tendo seu início logo após o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e o seu fim com a queda do Muro de Berlin
em 1989 e o desmontagem do império Soviético a partir de 1990 e seu fim em 1991 com a criação da Comunidade dos
Estado Independentes (CEI)
58
socialismo, fase está onde a tensão internacional passa a dar espaço cada vez maior as tensões
regionais deixadas pelo vácuo de poder deixado pelo fim do estado de tensão da Guerra Fria.
Segundo Hobsbawn (2007) a década de 1990 foi marcada por incertezas no campo político
e econômico impulsionada pelo processo da globalização e o fortalecimento dos conflitos regionais,
nesse novo cenários, as agências de inteligência perderam parte de sua importância pois de certa
forma, não existia mais um inimigo a ser enfrentado e era compreendidas como relíquias de um
passado de guerra, como retratado na reunião da diretoria do MI-6 com uma comissão parlamentar
do governo inglês no filme.
Foi nessa fase de descredito e perda de identidade por parte das grandes agências de
Inteligência mundial (a CIA passando por um processo de readequação de seus alvos, a KGB
passando por um processo de reestruturação e dando origem a FSB 10 – Serviço de Segurança da
Federação Russa), nessa fase também ocorre segundo Miranda (2018) a mudança no nome da
maioria dos serviços secretos do ocidente, que passaram pela mudança de objeto, deixando de
serem serviços de informação11 para inteligência12, que na prática os deixou muito mais próximos
de uma realidade global, destinada ao processo decisório a ao abastecimento de conhecimentos
estratégico sobre a realidade geopolítica das nações.
Mas foi somente com o 11 de setembro de 2001 nos EUA e o início da guerra contra o terror
que as agência passam pela sua mais profunda transformação em tempos recentes, assumindo um
papel central nesse novo front nos conflitos assimétricos de caráter mundial, inaugurando a fase do
neoterrorismo13, que segundo Silva (2009) é caracterizado pelo uso generalizado da violência contra
qualquer alvo considerado de relevância estratégica em qualquer parte do mundo, seja militar ou
civil, e principalmente o caráter midiático assumindo pelo atos.
Partindo dessa reflexão do cenário geopolítico internacional reflexo das transformações do
mundo pós-Guerra Fria, o filme Operação Skyfall baseia sua trama numa reflexão sobre as mudanças
desses paradigmas, onde apresenta um “inimigo sem rosto” que pode atuar em qualquer parte do
mundo com uso da guerra assimétrica, um inimigo sem Estado, no sentindo mais puro da Ciência
Política de sua definição, mas que ao mesmo tempo possui um poder de desestabilizar regiões do
mundo com suas ações.
A análise do filme e sua reflexão baseada no papel da evolução da atividade de inteligência
e seu processo de transformação num mundo Pós Guerra Fria segue as técnicas de observação
direita dos conteúdos e sua contextualização (MEZZAROBA; MONTEIROS, 2014) e se serve da
técnica de síntese de conteúdo. Buscando aprofundar essa análise, foi realizada uma revisão da
literatura sobre as transformações geopolíticas e sobre a atividade de inteligência entre os anos de
1990 a 2010, que segundo Farias Filho e Arruda Filho (2013) tem por objetivo “expressar o raciocínio
analítico contido na proposta da investigação cientifica” (FARIAS FILHO e ARRUDA FILHO – 2013, p
31). Assim, Conforme apresentado por Marconi e Lakatos (2016), tratar-se de um trabalho voltado
à conformação de conteúdos acadêmicos voltados aos eixos político, histórico e sociológico,
vinculado as atividades continuas de pesquisa desenvolvidas pelo Instituto Cientifico Amazônico –

10
FSB – Sucessora da KGB, criada em 12 de abril de 1995
11
Vaistsman (2001) define informação como fenômeno conhecido, fato dado ou acontecimento, algo que está estritamente
ligado ao passado e não ao futuro. Na verdade, o que se espera da informação é um quadro de conhecimentos coerente.
12
Miranda (2018) A produção da Inteligência é feita a partir das informações já processadas, onde seu valor estratégico
é analisado para servir de base de apoio de planejamento decisório futuro, assim uma boa Inteligência deve ser capaz de
antecipar e até mesmo prever ações futuras baseadas em valores lógicos colhidos com boas redes de informações sobre o
que se quer
13
Miranda e Nascimento (2011) O Neoterrorismo pode ser compreendido como uma nova fase do terrorismo
internacional, que teve início logo após aos ataques terroristas aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, é
caracterizado pela emergência de organizações, grupos e redes não-estatais que por meio de ações violentas, premeditadas
e direcionadas contra alvos não combatentes, apoiados na disseminação de seus atos pelas diversas mídia (em especial a
internet) como um meio para potencializar a sensação de terror na população.
59
Érgane, em parceria com o Observatório de Estudos de Defesa da Amazônia – OBED/UFPA e o Lab-
Geovcrim da UEPA.
Dito isto, no tópico seguinte, perfez-se a análise da obra.

2 IDEIAS CENTRAIS ABORDADOS NO FILME

Operação Skyfall (2012) tem seu início na cidade turca de Istambul, quando os agentes do
MI-6 James Bond (Daniel Craig) e Eve Moneypenny (Naomie Harris) perseguem um homem que
havia conseguindo invadir os computadores do Serviço Secreto Britânico e extrair informações
sobre diversas operações encobertas e os nomes dos agentes britânicos infiltrados em diversas
organizações criminosas e grupos terroristas pelo mundo. Após uma perseguição pelo centro
histórico e o mercado de Istambul, acompanhando em tempo real na sede do MI-6 em Londres.
O Mercenário conseguem fugir para um trem, seguindo pelo agente 007 que durante a
perseguição no tento de um dos vages é alvejado por um tiro acidental por sua parceira de campo
que recebera ordem da chefe do MI-6, “M” (Judi Dench), para atira no mercenário a longa distância,
o que acaba por derrubar James Bond do trem sobre um rio e permitindo que o mercenário escape.
Bond é dado como morto
Após uma avaliação interna do MI-6 sobre a operação e seu desfecho, a perda das
informações sensíveis para um grupo terrorista, “M” é pressionada politicamente por Gareth
Mallory (Ralph Fiennes), chefe do Comitê de Inteligência e Segurança, a se aposentar. Ao voltar da
reunião, a sede do MI-6 é invadida eletronicamente e após “M” recebe uma misteriosa mensagem
eletrônica através do computador pessoal a sede do MI-6 sofre um atentado terrorista.
Após o atentado, a sede do MI-6 é transferida emergencialmente para o subterrâneo de
Londres e após a divulgação do atentado terrorista, Bond, que usando de sua suposta morte como
uma aposentadoria volta do autoexílio para buscar a autoria do ataque a sede do Serviço Secreto,
apresentando-se a “M” que o aprova para atividades de campo para buscar a identidade dos
atacantes e recupera as informações perdidas.
Após diversas ações encobertas em solo estrangeiro, passando por Xangai e Macau, Bond
acompanhado por uma das agentes recrutadas do grupo terrorista, com a promessa de matar seu
empregador e devolver a liberdade para Sévérine (Bénénice Marlohe) eles viajam até uma ilha
abandonada, onde descobre que o autor do ataque terrorista a sede do MI-6 é Raoul Silva (Javier
Bardem), ex-agente do MI-6 que trabalhou com “M”, mas que após ter sido descartado depois de
capturado em campo, se rebelou contra o MI-6 e se converteu em um ciberterrorista.
A trama tipicamente de um filme de espionagem com revira voltas inesperadas, explosões,
perseguições por terra, mar e ar e mulheres lindas como em todos os filmes da franquia 007 traz
algo a mais nesse novo episódio, um cenário de Cyber Guerra que diferem das definições
tradicionais do poder de Estado, expressados pela capacidade bélica ou econômico do Hard
Power14, como apresentado por Joseph S. Nye Jr (2009).
Nye Jr (2010) na obra Cyber Power, apresenta a definição do Cyber Poder como um poder
baseado em recursos de obtenção e controle de informações e a capacidade de intervir no
ciberespaço em seus diferentes contextos, assim, “o poder cibernético afeta muitos outros
domínios, da guerra ao comércio.” (NYE JR. 2010, p 05) sendo essa a maior ameaça levada ao cinema
pelo ciberterrorista Raoul Silva, que ameaça desestabilizar todos os mercados internacionais e os
sistemas de defesa nacionais e comunicação.

14
Nye Jr. (2009) Hard Power (do inglês poder duro) é um conceito que é principalmente usado no realismo das relações
internacionais e se refere ao poder nacional que vem de meios militares e econômicos.
60
No diálogo entre James Bond e Raoul Silva o ciberterrorista fala que Bond vive no passado
de uma guerra que não existe mais (o modelo clássico de espionagem da Segunda Guerra Mundial
e da Guerra Fria) segundo Raoul “desestabilizar uma multinacional manipulando ações? Fácil.
Interromper as transmissões de um satélite espião sobre Cabul? Feito. Controla uma eleição em
Uganda? Tudo pra quem pagar mais, é só apontar e clicar” esse seria o Cyber Poder apresentador
por Nye Jr. e retratado em 007.
A conceituação de Nye Jr. para o conceito do Cyber Poder está com consonância com a obra
Unrestricted Warfere (1999) de Qiao Liang e Wang Xiangsui, onde temos o conceito da “Guerra sem
limites” com a utilização de todos os recursos disponíveis (tecnológicos, bélicos, econômicos,
políticos, sociais, etc.) para se ter controle efetivo sobre um território ou tomadores de decisões,
influenciado decisões políticas dos Estados e mobilizando a opinião pública pelo medo ou
manipulação de informações.
Unrestricted Warfere destaca o papel do Cyber Ataque num contexto da Guerra Cibernética
como uma das principais estratégias para desestabilizar as defesas do inimigo e expor suas
vulnerabilidades, com a utilização de tecnologias e equipes altamente treinadas no processo de
infiltração de base de dados para extração de informações sensíveis e o uso da desinformação, além
dos ataques cibernéticos a sites e programas específicos do Estado e instituições financeiras,
gerando mais instabilidade e insegurança nos diversos estratos sociais.
Em “Wars in the Shadows” de Todd e Bloch (2004), chamam a atenção para um conflito que
ocorre nas camadas mais profundas do Internet, mas com poder de influenciar todo um contexto
político, essas ações geralmente seguem o rastro de ataques terroristas, como os atentados
ocorridos durante as eleições presidenciais na Espanha em março de 2004 que influenciaram as
eleições parlamentares levando a derrota do partido Popular – PP Espanhol, liderado por José Maria
Aznar, que na ocasião tentou manipular a responsabilidade do ataque terrorista.
Assim, podemos analisar que o Cyber Power possui uma grande relevância na montagem de
qualquer estratégia de defesa de qualquer nação, conforme demostrado por Nye Jr (2009, 2010),
Todd e Bloch (2004) e Qiao Liang e Wang Xiangsui (1999) a Guerra Tecnológica é uma realidade que
ameaça não apenas as nações envolvidas em conflitos, mas qualquer Estado que possa ser detentor
de conhecimento sensível de interesse estratégico, como tecnológico, industrial, econômico,
político, etc.
Diante desse cenário de uma guerra sem limites, cabe a órgãos e agencias especializadas na
obtenção do conhecimentos e salva guarda dos mesmo, como o MI-6 no filme, ou a Agência
Brasileira de Inteligência – ABIN e das Forças Armadas, no caso do Brasil, a missão de mapear e
proteger esses conhecimentos sensíveis e a criação de sistema de defesa capazes de fazer frente a
escalada dessa nova modalidade de guerra que não tem dia nem hora pra atacar.

3 O REALISMO POLÍTICO EM SKYFALL

Para Morgenthau (1960) e para Gareth Mallory (Ralph Fiennes), chefe do Comitê de
Inteligência e Segurança do MI-6 do filme, a segurança é certamente um dos maiores valores
reconhecidos pelas Relações Internacionais, sendo esse valor fortemente discutido pela teoria do
Realismo Político, que segundo Sorensen e Jackson (2007) quatro valores fundamentais: a
Segurança. A Liberdade, A Soberania e a Defesa, Assim:

O primeiro valor mais importante para o Estado é a segurança, o seu segundo valor é a
liberdade de ação, tanto em nível pessoal, quanto nacional... os movimentos bélicos são
entendidos como desestabilizadores dessa ordem, uma vez que “a guerra ameaça, destrói
a liberdade”. O terceiro valor é a responsabilidade do Estado em garantir a ordem e a justiça
em seu território, o quarto valor... é a sua capacidade de “defender suas riquezas e o bem-
estar socioeconômico de sua população”. (MIRANDA. 2012. p.42 com adaptações)

61
Esses quatro valores fundamentais estão diluídos em vários momentos do filme, mas
podemos destacar a apresentação de “M” em uma sessão do parlamento onde será tratado o tema
do futuro da segurança nacional da Inglaterra, onde duas pautas são levantas, a primeira diz respeito
à segurança das ações encobertas de espionagem desenvolvidas pelo MI-6 no mundo e a segunda
na preservação do sigilo e a segurança do conhecimento produzido pela agencia.
Cepik (2003, 2001) chama a atenção cada vez mais para o papel das agências de inteligência
num cenário político pós Guerra Fria, mas principalmente, pós 11 de setembro, onde os conflitos
abertos vem perdendo cada vez mais espaço e apoio popular, a própria justificativa para guerras se
esvair diante a pressão internacional para investimento em outras prioridades de interesse da
população, conforme dados do Conflict Barometer 2018, publicação do Heidelberg Institute for
International Conflict Research - HIIK, assim o abastecimento de informações levantadas por essas
agências e consequentemente seu direcionamento para os tomadores de decisões possibilitam
ações mais precisas e evitando efeitos colaterais.
A metodologia de estudo do Heidelberg Institute baseia-se na classificação dos conflitos em
05 (cinco) categorias de hostilidades, sendo: disputas; crises não violentas; crises violentas; limites
de guerra e guerras, assim o Conflict Barometer 2019 apresenta uma redução do número de
conflitos de 371 em 2017 para 363 no ano de 2018. Desse número temos que, 59%, ou 213, foram
classificados como situações de violência, que englobam desde disputas territoriais com grupos
criminosos, como no caso do México e situações de guerra como o caso da Síria, e 41%, ou 150 são
conflitos não violento, como as questões das ilhas das Malvinas ou ilhas Falklands, entre Inglaterra
e Argentina.
O HIIK constatou que em comparação com o ano de 2017, o número total de guerras abertas
diminuiu de 20 para 16 conflitos, já o número de limites de guerras aumentou de 16 para 24. Outros
onze conflitos que são atualmente observados como atualmente inativos não são contabilizados
nesses números como a questão das Coreias.
Para Fregapani (2012) é justamente nos períodos de “paz” que a atuação dos serviços
secretos se tornam mais intensa, pois a necessidade de saber as intensões das outras nações se
torna mais evidente, sendo essa uma atividade de Estado de alto valor estratégico a esse, conforme
Cepik (2001) e Keegan (2006) já observaram em seus estudos.
Essas premissas sobre o poder do conhecimento e sua relação com o poder de Estado já
foram abordadas em duas obras clássicas do campo da estratégia militar, a arte da Guerra de Sun
Tzu (2004) e Arthashastra de Kautilya (1994) que destacaram a necessidade do soberano em ter
conhecimento sobre o seu território e as motivações dos seis inimigos (internos e externos). Assim
Reis Netto (2018, p51) chama atenção para o fato que o “Estado-nação seria mais um agente
territorial, o de maior peso aliás, nos tabuleiros construídos a partir da conformação ou contradições
de diversos poderes menores...” nesse sentindo, fica claro a competição por vantagens entre os
diferentes atores políticos e sociais no cenário internacional.
Figura 01: Estatística dos Conflitos Globais - 2019

62
Fonte: Heidelberg Institute for International Conflict Research - 2018
O valor dos serviços de inteligência como provedores de conhecimento estratégico para os
tomadores de decisões do Estado é retratado no filme na comissão de assuntos de defesa e
segurança e é apresentada como uma “razões de Estado” devido sua relevância, tanto no campo
político quanto econômico, essa reflexão já foi abordada em pensadores como Maquiavel (2004) e
Hobbes (2004), e ampliadas em Morgenthau (1960) e Waltz (2004), é pode ser compreendida como
a necessidade de segurança, um dos principais pelares do Realismo Político e uma das missões do
MI-6 e da própria franquia 007.

5 O NEOTERRORISMO E A REPRESENTAÇÃO DO MI-6

O Neoterrorismo pode ser compreendido como uma evolução do terrorismo clássico, se


diferenciando da versão clássica por sua amplitude de ação, deixando de ser algo regional e assumir
uma postura internacional, pelo ampliação dos meios de ação, mas principalmente pela divulgação
na internet de seus atos com a finalidade de atingir o maior número de pessoas possível com sua
mensagem, e amo mesmo tempo aumentando a o raio de influência de suas ações, com o propósito
de modificar o ritmo de vida de uma região.
Para Silva e Zhebit (2009) o Neoterrorismo é uma nova fase do terrorismo internacional, pós
os ataques terroristas aos EUA em 11 de setembro, sendo caracterizado pela sua ação transnacional
e a emergência de atores e redes não-estatais, que atuam na obscuridade, operando
movimentações financeiras fragmentadas pelo mundo, dificultando assim seu rastreio e o processo
de recrutamento ideológico (religião ou político), sendo considerado um inimigo invisível aos
radares oficiais do Estado.
Essa definição fica bastante evidente na fala da “M” na Comissão de Defesa e Segurança,
onde apresenta sua defesa:

Presidente, ministros. Hoje, ouvi repetidamente que o meu departamento se tornou


irrelevante. Pra que precisamos de agentes? Da seção 00? Não é curioso? Parece que vejo
um mundo diferente do que vocês veem. E a verdade é que o eu vejo me assusta, me
assusta pois não conhecemos mais os nossos inimigos, eles não existem no mapa. Não são
nações, São indivíduos. Olhem em volta, do quem vocês tem medo? Podem ver um rosto?
Um uniforme? Uma bandeira... Não, nosso mundo não é mais transparente, é mais opaco,
ele está nas sombras, é lá que teremos a batalha (Discurso de “M” a Comissão de Defesa e
Segurança – 007. Operação Skyfall)

Essa definição pode ser melhor compreendida como Guerras Assimétricas, uma forma de
luta entre forças militares regulares contra atores ou grupos não estatais, como guerrilheiros,
63
insurgentes, ou pessoas comuns que podem a qualquer momento desfechar atos de terror contra
a população civil de um país, sem que esse país esteja com disputas territoriais ou conflitos em seu
território, fazendo desse meio o caminho para atingir seus objetivos políticos.
Essa modalidade de conflito ganhou força com o final da Guerra Fria, como Visacro (2009)
chama atenção, com a desmobilização de parte dos Exércitos nacionais, pois a ameaça vermelha
tinha sido vencida, criou-se um vácuo de poder que logo foi preenchido por grupos armados que se
utilizavam da guerra sem fronteiras para expandir sua influência e poder, buscando desestabilizar
regiões e impor o poder de suas ideologias.
Essa concepção de evolução foi apresentado inicialmente por Lind; Schmitt e Wilson (1989),
ao apresentar quarto gerações de guerra ao longo da história, os conflitos de primeira geração
podem ser compreendido pela disposição das tropas de forma simétricas no campo de batalha, com
o emprego de um grande número de homens e recursos, com organização precisa de seus
movimentos, tendo como exemplos as guerras gregas, romanas, medievais e as guerras
napoleônicas; a segunda geração temos a introdução da artilharia no campo de batalha como base
para o avanço da infantaria, bases da Primeira Guerra Mundial; a terceira geração marcada pela
utilização de bombardeiros táticos e estratégicos com a utilização de forças conjuntas, tendo como
exemplo a Blitzkrieg (guerra relâmpago) alemã durante a Segunda Guerra Mundial.
As guerras de quarta geração, também conhecidas como conflitos assimétricos ou guerra
irregular são caracterizadas pela quebra do monopólio da condução da guerra pelo Estado e a
introdução de outros atores que não mais outras nações, a assimetria econômica e bélica, e a
dificuldade de emprego dos meios convencionais de guerra, devido muitos grupos estarem atuando
dentro da sociedade.
Em um cenários tão complexos, tropas convencionais pouco podem influenciar com
números e poder de fogo, devido as dificuldades de ações, já que esse inimigo pode ser facilmente
camuflado com a população civil, sendo esses cenários muito mais propício para grupos de
operações especiais, abastecidos de informações precisas sobre a realidade do inimigo, como a
identificação de suas lideranças e modo de operação, movimentações financeiras, processo de
recrutamento, bases utilizadas e seu sistema de comunicação.
Assim, os conflitos de quarta geração são acabam sendo o objeto de análise dos serviços de
inteligência, como o MI-6 (na vida real e na ficção), a CIA, FSB e a ABIN, auxiliando na identificação
de vulnerabilidades e na produção de conhecimento sensível, conforme Farias (2017. p. 50) chama
a atenção para o fato que “a Atividade de Inteligência tem como fundamento a teoria do
conhecimento e a realidade, nas suas dimensões nacionais e internacional”, assim, os serviços de
inteligência são peças estratégicas fundamentais nos conflitos assimétricos.
O discurso de “M” apresenta todos os elementos destacados por Nye Jr (2009, 2010), Silva
e Zhebit (2009), Visacro (2009), Todd e Bloch (2004) e Qiao Liang e Wang Xiangsui (1999) sobre esse
novo tipo de guerra travada das sombras, longe dos olhares da opinião pública e com a utilização
de tecnologia avançada de processamento e análise de dados, mobilização e ações conjuntas
subsidiadas de conhecimento estratégico produzido por órgãos e agências de inteligência,
apontando pare necessidade de modernização de seus protocolos de ação e ao mesmo tempo
compreendendo a relevância do fato humano, o agente (de campo, analista, estrategista) para a
produção desse saber que auxiliar na redução das incertezas do processo decisório.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Operação Skyfall é um produto da ficção que ao mesmo tempo de nós deletei-a com as
aventuras do agente secreto 007, que não é tão secreto assim, também oferece uma reflexão atual
sobre os conflitos de quarta geração, o neoterrorismo e o cyber terrorismo e o papel das agências
de inteligência no mundo contemporâneo, onde a presença de um inimigo se pátria, rosto,
64
bandeiras levam a uma necessidade de obtenção de informações mais acuradas possíveis sobre o
que existe além do véu.
Esse evolução dos conflitos assimétricos aponta para a necessidade da atualização do papel
da Inteligência de Estado e suas agências, na tentativa da redução do grau de incertezas e na
identificação de vulnerabilidades, num cenários onde o inimigo não tem nome, sua identificação é
realizada pelos detalhes colhidos nas sobras.

REFERÊNCIAS

CEPIK. Marco. Sistemas Nacionais de Inteligência: Origens, Lógica de Expansão e Configuração


atual. Rio de Janeiro: DADOS – Revista de Ciências Sociais, Vol. 46, nº 1, 2003, p 75-127

_____________. Serviço de Inteligência: Agilidade e Transparência como


Dilemas de Instituições. Tese de Doutorado. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
– IUPERJ. 2001. Disponível em:
<https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/upload/60/Servi%C3%83%C2%A7os%20de%20I
ntelig%C3%83%C2%AAncia.pdf. Acesso em: 02 mar. 2019.

DREIFUSS, René. Política, Poder, Estado e Força – Uma leitura de Weber. Petrópolis. Ed. Vozes.
1993

FARIAS. Antônio Cláudio Fernandes. A atividade de inteligência: o ciclo da produção do


conhecimento. Belém/PA: Sagrada Família. 2017

FARIAS FILHO, Milton Cordeiro. ARRUDA FILHO, Emilio J. M. Planejamento de Pesquisa Cientifica.
São Paulo: Atlas, 2013.

FREGAPANI, Gelio. Segredos da Espionagem: A influência dos serviços secretos nas decisões
estratégias. 2ª Ed. Brasília: Thesaurus. 2012

FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX. São Paulo: Companhia das letras, 2002.

________________. Globalização, Democracia e Terrorismo. São Paulo: Companhia das letras,


2007

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Ed Nova Cultural, 2004

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 7.


Ed. São Paulo: Atlas, 2016.

LIND, William S. SCHMITT John F. & WILSON Gary I. The Changing Face of War: Into the Fourth
Generation. In Research" Academy of Management Review nº. 2. 1989. p.567-575

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2004.

MIRANDA, Wando Dias. O Controle Parlamentar na Atividade de Inteligência no Brasil: Um


estudo sobre a produção parlamentar da CCAI e da CREDN entre os anos de 2003 a 2010. Tese de
65
Doutorado. Orientador. Dr. Durbens Martins Nascimento. Núcleo de Altos Estudos Amazônicos –
NAEA, Universidade Federal do Pará, Belém/PA. 2018

MIRANDA, Wando Dias. Defesa e Exército na Amazônia Brasileira: Um estudo sobre a


constituição dos Pelotões Especiais de Fronteira. Dissertação de Mestrado. Orientador. Dr.
Durbens Martins Nascimento. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política, Universidade Federal do Pará. Belém/PA, 2012.

MIRANDA, Wando Dias; NASCIMENTO, Durbens Martins. Conflitos assimétricos e o estado: o


neoterrorismo e os novos paradigmas para formulação de políticas de defesa nacional. 2011.
Disponível em:
http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000122011000300057&script=sci_artt
ext. Acesso em 04 mar.2019

MEZZAROBA, Orides; MONTEIROS, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no


Direito. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MORGENTHAU, H. J. Politics among Nations: The struggle for power and Peace, 3ª ed. New York:
Knopf. 1960.

NYE JR. Joseph S. O futuro do Poder. São Paulo: Benvirá. 2012

_______________. Cyber Power. 2010. Disponível em:


https://www.belfercenter.org/sites/default/files/files/publication/cyber-power.pdf. Acesso em 04
mar. 2019

_______________. Cooperação e Conflitos nas Relações Internacionais. São Paulo: Gente. 2009

QIAO LIANG; WANG XIANGSUI. Unrestricted Warfare. Beijing: PLA Literature and Arts Publishing
House, February. 1999

REIS NETTO. Roberto Magno. Além das Grades: A Integração dos presídios às redes territoriais do
tráfico de drogas. Dissertação de Mestrado. Orientador. Dr. Clay Anderson Nunes Chagas. Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Segurança Pública, Universidade
Federal do Pará. Belém/PA, 2018.

RELATÓRIO CONFLICT BAROMETER 2018. Heidelberg Institute on International


Conflict Research at the Department of Political Science, University of Heidelberg.
Disponível em:
https://hiik.de/conflict-barometer/current-version/?lang=en, acesso em 05 mar. 2019

SILVA. Francisco Carlos Teixeira da. Os Estados Unidos e a Guerra contra o terrorismo, 2001-2008.
In Neoterrorismo: Reflexões e Glossário. Alexander Zhebit e Francisco Carlos Teixeira da Silva
(org.). Rio de Janeiro: Gramma, 2009. p. 09 – 40.

SUN TZU, SUN PIN. A Arte da Guerra – edição completa. São Paulo: Martins Fontes. 2004.

TODD, Paul; BLOCH, Jonathan. Global Inteligence: The world’s secret services today. NY, USA:
BFC, 2004
66
VAITSMAN, Hélio S. Inteligência Empresarial: atacando e defendendo. Rio de Janeiro. Ed
Interciência, 2001.
VISACRO. Alessandro. Guerra Irregular: Terrorismo. Guerrilha e Movimentos de resistência ao
longo da história. São Paulo: Contexto. 2009
WALTZ. Kenneth N. O homem, o Estado e a Guerra: Uma análise teórica. São Paulo: Martins
Fontes. 2004.

67
OPERAÇÕES DE INTELIGENCIA POLICIAL

Roberto Sergio da Silva Castro


Wando Dias Miranda
Roberto Magno Reis Netto
15

1 INTRODUÇÃO

Diante dos altos indicadores de violência criminal, esta pesquisa intenciona explicitar
sucintamente a utilização da Inteligência Policial Militar como um instrumento no combate à
criminalidade. Relevante é a oportunidade para trabalhar a atuação da Polícia Militar,
demonstrando-se haver o compromisso legal de utilizar a Inteligência Policial para cumprir a sua
missão constitucional.
O esclarecimento será no sentido de justificar a utilização desse mecanismo prático para
enfrentar a criminalidade e, dessa forma, reduzir seus índices. Opera para a identificação de redes
e organizações criminosas, de forma a proporcionar um perfeito entendimento sobre seu modus
operandi, ramificações, tendências e alcance de suas atividades.

[...] é o conjunto de técnicas, processos e métodos, geralmente


desenvolvido com o emprego de ações especializadas, executada de forma
planejada e em caráter sigiloso. Visa à busca e coleta de dados e
informações não disponíveis ou desconhecidos sobre determinados
assuntos. Tem como objetivo principal, obter elementos necessários à
produção de conhecimentos específicos, de interesse de Estado, governo,
organizações, empresas e nas investigações criminais (FERRO JÚNIOR,
2018).

As operações de Inteligência Policial empregam técnicas e meios especiais de prospecção de


dados, visando sempre confirmar evidências, indícios e obter conhecimentos sobre uma
atividade criminosa (Ferro Júnior, 2018). É uma atividade em ascendência nos organismos policiais,
tendo em vista que o trabalho interage e integra com todos as fases da ação policial, (investigação,
operacional, pericial e administrativa) promovendo um processo cumulativo de assimilação de
novas técnicas, principalmente devido o emprego de tecnologias e recursos especiais.

[...] enxergar alguns passos à frente não significa que você precisa de uma
bola de cristal, você somente precisa se preparar para as possibilidades
incertas. O que faz um processo de alerta antecipado válido é a habilidade
da organização para ajudar a evitar conduzir-se no alcance somente de
resultados específicos, em detrimento da identificação de sinais do todo do
ambiente (FULD, 2007).

Para um melhor entendimento desta pesquisa, se fez necessário fazer um breve conceito do
significado da palavra ‘inteligência’.
Etimologicamente, a palavra "inteligência" se originou a partir do latim intelligentia, oriundo
de intelligere, em que o prefixo inter significa "entre", e legere quer dizer "escolha". Assim sendo, o
significado original deste termo faz referência a capacidade de escolha de um indivíduo entre as
várias possibilidades ou opções que lhe são apresentadas. […] uma capacidade que desenvolvemos

15
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
CASTRO, Roberto Sérgio da Silva; MIRANDA, Wando Dias; REIS NETTO, Roberto Magno. Operações de inteligência
policial. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública
e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM, 2021.
68
na medida que pensamos, raciocinamos, agimos, interpretamos e entendemos as pessoas, coisas e
fatos do nosso dia a dia (SILVA,2012).
Inteligência é um conjunto que forma todas as características intelectuais de um indivíduo,
ou seja, a faculdade de conhecer, compreender, raciocinar, pensar e interpretar. A inteligência é
uma das principais distinções entre o ser humano e os outros animais (KENT, 1951). “Inteligência
significa conhecimento. Se não pode ser alongada para significar todo o conhecimento, ao menos,
representa uma enorme variedade de conhecimentos (KENT, 1951).
Inteligência é uma instituição, é uma organização de pessoas que tem na busca de um tipo
especial de conhecimento sua tarefa (KENT, 1951). A inteligência policial é a atividade que objetiva
a obtenção, análise e produção de conhecimentos de interesse da segurança pública no território
nacional, sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência da criminalidade, atuação de
organizações criminosas, controle de delitos sociais, assessorando as ações de polícia judiciária e
ostensiva por intermédio da análise, compartilhamento e difusão de informações (GONÇALVES,
2010. p. 232).
A obtenção das informações pode ser realizada de duas formas: exploratória e sistemática.
As operações exploratórias são normalmente utilizadas para obtenção de dados e informações em
curto prazo. A busca se desenvolve geralmente de forma rigorosa e por meio da execução de ações
especializadas. É desenvolvida em apoio às investigações complexas, no reconhecimento de áreas
e ambientes de operações, diagnósticos de problemas organizacionais, identificação de pessoas,
situações de crise, bem como para a obtenção de informações não disponíveis ou que estejam sob
proteção (GONÇALVES, 2010. p. 232).
Deseja responder de forma urgente o alcance de informações fundamentais à produção do
conhecimento específico; ou seja, visa atender uma necessidade de informações momentâneas e
imediatas, sobre fatos e situações não completamente conhecidas (GONÇALVES, 2010. p. 232).
A sistemática é caracterizada por ser contínua e proporcionar um fluxo constante de dados
sobre um assunto de interesse. São normalmente utilizadas para acompanhar metodicamente as
atividades de pessoas, organizações, entidades, assuntos de interesse político, econômico,
governamental ou empresarial.
Já no campo policial as operações são desenvolvidas para o acompanhamento de atividades
ilícitas, organizações criminosas e monitoração de empresas que atuam nas diferentes áreas da
administração pública, identificando vínculos de autoridades dos poderes com o crime.
(GONÇALVES, 2010. p. 232).
A obtenção de informações, não disponíveis ou desconhecidos sobre um determinado
assunto, envolve habilidades especiais e técnicas operacionais sofisticadas, apropriadas para cada
caso. Desenvolve-se na maioria das vezes com emprego de tecnologia e aplicação de
procedimentos que ensejam alta perícia do profissional e elevado grau de sigilo. Na esfera da
investigação criminal, que visa a produção de provas, uma autorização judicial é vital.
É uma atividade exclusivamente de assistência às investigações criminais, principalmente
nas operações de infiltração em organizações ilícitas, quando o agente precisa estar disfarçado
durante a execução. Empregando o uso de tecnologia pode ser feito o monitoramento da
dinâmica de um fenômeno social, com a obtenção e análise em tempo real de
informações, identificar a origem, causas e as consequências devido uma projeção feita no tempo
e espaço. Igual procedimento é usado também para a elaboração de análises do crime em áreas,
bem como na avaliação de ocorrências políticas, sociais e econômicas.

2 METODOLOGIA

Esse estudo é de caráter exploratório, utilizando o levantamento bibliográfico e análises, se


busca ofertar conhecimento sobre esse assunto. A abordagem do problema dá-se através de
69
pesquisa qualitativa, pautada pela fonte de dados diretamente de livros, revistas, sites na internet.
Já quanto aos procedimentos técnicos, classifica-se esta pesquisa como bibliográfica. Por fim, o
método adotado é o indutivo, pois a lógica da pesquisa baseia-se na quase parca doutrina sobre o
tema para desenvolver a produção de conhecimento no sentido de estruturar a atuação da Polícia
Militar no combate à criminalidade.

3 RESULTADOS

Em operações de Inteligência policial, o estudo da situação é etapa preliminar para a


elaboração de um plano de operações, que após a aprovação, é desencadeada a operação. Os dados
obtidos de diversas fontes possuem grau de sigilo e são transmitidos ao analista de inteligência sob
a forma de Relatório de Informação, que é a expressão escrita do que foi observado e coletado.

[...] é o conjunto de técnicas, processos e métodos, geralmente


desenvolvido com o emprego de ações especializadas, executada de forma
planejada e em caráter sigiloso. Visa à busca e coleta de dados e
informações não disponíveis ou desconhecidos sobre determinados
assuntos. Tem como objetivo principal, obter elementos necessários à
produção de conhecimentos específicos, de interesse de Estado, governo,
organizações, empresas e nas investigações criminais (FERRO JUNIOR,
2007).

O Relatório de Informação é um documento que materializa os fatos, acertado e registrados


por meio de filmagens, fotografias, documentos, gravações, vigilâncias, enfim, por tudo o que foi
obtido nas operações de inteligência. Finalmente, o material deve ser analisado e selecionado o
conteúdo valido, visando a composição final do conhecimento.
O sigilo proporciona segurança ao operador – especialmente – e a sua organização e cria
facilidades na obtenção do que se deseja. Imagine se um agente de polícia, ao investigar
narcotraficantes, pode revelar sua verdadeira identidade? Isso poderia ocasionar danos irreversíveis
à sua segurança.
Todo o trabalho visa aprofundar minuciosamente conhecimentos por meio de um processo
contínuo de atualização de informações. São particularmente aptas para a antecipação de fatos,
bem como para a detecção de potenciais atos insidiosos que ameaçam uma instituição.
A inteligência policial, na área de segurança pública, como dito, deve estar voltada,
especialmente, para a produção de prova criminal, a ser utilizada em ação penal cujo caráter é
público contra organizações criminosas. é preciso, para que não se distancie desse norte,
reconfigurar o papel da inteligência policial quanto ao seu desempenho, sua ação, em um contexto
democrático, suas possibilidades e limites, bem como as formas de sistematização e
armazenamento dos dados respectivos.
A atividade de inteligência policial é regulada. Segundo os termos da Lei federal 9883/1999,
criadora do sistema brasileiro de inteligência, as ações de planejamento e de execução de atividades
de inteligência têm a finalidade de suprir ao Presidente da República de conhecimentos de interesse
nacional (Brasil, 2009). Conceitua-se, segundo a mesma lei:

“§ 2o. Para os efeitos de aplicação desta Lei, entende-se como inteligência


a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de
conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações
de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação
governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do
Estado.” (BRASIL, 2009).

70
“O Sistema Brasileiro de Inteligência é responsável pelo processo de obtenção, análise e
disseminação da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo, bem como pela
salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados” (BRASIL, 2009).
Deve-se ater ao fato que, no mundo civil, fora das instituições militares, especificamente na vida
policial, é claro que toda e qualquer atividade de inteligência será destinada a suprir ao chefe do
Poder Executivo Federal (Presidente da República) ou estadual (Governador do Estado) do cabedal
necessário para tomada de decisões.
Existem diversos conceitos para a atividade de inteligência. Para exemplificar, citar-se-á
alguns. A Lei 9.883, de 07 de dezembro de 1999, que criou o Sistema Brasileiro de Inteligência
(SISBIN), define, em seu artigo 1°, § 2°, inteligência como:

(...) a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos


dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial
influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda
e a segurança da sociedade e do Estado (BRASIL, 2009).

Já conforme o Manual de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal - Volume


I, inteligência policial é:

(...) é a atividade de produção e proteção de conhecimentos, exercida por órgão


policial, por meio do uso de metodologia própria e de técnicas acessórias, com a
finalidade de apoiar o processo decisório deste órgão, quando atuando no nível de
assessoramento, ou ainda, de subsidiar a produção de provas penais, quando for
necessário o emprego de suas técnicas e metodologias próprias, atuando, neste
caso, no nível operacional. (BRASIL 2011, p. 8).

Segundo (Ferro Junior, 2007): Inteligência e Investigação são conceitos que, apesar de terem
muitas vezes similaridades, não se confundem. Inteligência seria uma atividade pro-ativa,
caracterizada pela busca incessante de informações, para fins de possibilitar ao gestor público um
supedâneo mínimo para seu poder decisório. Com base em informações contextualizadas, o
destinatário final da atividade de inteligência poderá propor e comandar ações concretas em termos
de segurança pública.
O conhecimento teria o potencial para “equacionar o poder”, sendo necessário possuir a
informação mais atualizada possível, para conseguir posição de vantagem sobre o adversário (no
caso, a criminalidade em geral e organizada) (FERRO JUNIOR, 2007). Inteligência é a produção do
conhecimento para auxiliar na decisão. Ela não é uma instância executora. Levantando dados,
informes, produz conhecimento e estanca. Alguém, em nível mais elevado de hierarquia, tomará,
ou não, determinada decisão ou ação. Ela possui um ciclo próprio: demanda-planejamento-reunião-
coleta-busca-análise-avaliação-produção-difusão-feedback (FERRO JUNIOR, 2007).
Que pode ser entendido, de grosso modo, como: demanda – o decisor quer saber algo; busca
– Inteligência vai atrás da informação; produção – a Inteligência transforma a informação em
conhecimento; e feedback – o decisor diz se o conhecimento é suficiente para sua decisão ou se
necessita de um maior aprofundamento ou mesmo de redirecionamento. Investigação é o
levantamento de indícios e provas que levem ao esclarecimento de um fato delituoso. Tem a sua
atuação restrita a um único evento criminal (ou a mais de um evento se houverem crimes
relacionados!). Independe da vontade do administrador, pois está voltada para o fato consumado
sobre o qual é (o administrador) totalmente impotente (FERRO JUNIOR, 2007).
Poderíamos propor um ciclo para a Investigação: delito – a Autoridade sabe de algo;
levantamento – os investigadores buscam indícios, provas, testemunhas, etc.; análise- a autoridade
avalia quais os levantamentos são pertinentes ao caso; captura-os investigadores prendem os
suspeitos ou infratores; e produção – a autoridade produz a peça acusatória (FERRO JUNIOR, 2007).
71
Enquanto o ciclo da Inteligência é linear, o da Investigação pode sofrer variações de etapas,
podendo, por exemplo, a captura ocorrer em qualquer das fases. Da análise dos dois conceitos
acima expostos, ressalta-se dois pontos principais, e que diferenciam esta categoria específica da
atividade de inteligência das demais: a primeira, como observa Celso Ferro, a inteligência policial
tem como fim assessorar às atividades de polícia judiciária e de polícia ostensiva; e a segunda, como
verificamos na definição do DPF, é que deve ser exercida por órgão policial.
Assim, a inteligência policial tem seu objeto, qual seja, a produção de conhecimentos de
interesse da atividade policial e os órgãos que a executam, os órgãos de inteligência das polícias,
muito bem delimitados.
A extensão da aplicação da atividade de inteligência alcança hoje também a seara da
segurança pública, existindo inclusive uma “Doutrina Nacional de Inteligência” (DNISP), lançada pela
Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça ao final de 2006 e depois
formalmente constituída ao final de 2009 (WENDT, 2010). Isso como se já não bastasse, para
testemunhar a importância dela, sua presença no Sistema de Inteligência de Segurança Pública
(SISP) estabelecido normativamente pelo Decreto 3.695 de 21 de dezembro de 2000, o Sistema
Brasileiro de Inteligência (SISBIN) foi instituído pela Lei 9.883, de 7 de dezembro 1999, com o
objetivo de integrar as ações de planejamento e execução das atividades de Inteligência do Brasil.
É um espaço que reúne 39 órgãos federais para a troca de informações e conhecimentos de
Inteligência (BRASIL, 1999).
Sob a coordenação da ABIN, estabelecida por lei como seu órgão central, o SISBIN é
responsável pelo processo de obtenção e análise de informações e produção de conhecimentos de
Inteligência necessários ao processo decisório do Poder Executivo. Também atua na proteção das
informações sensíveis e estratégicas do Estado brasileiro (BRASIL, 1999).
Dentre as categorias acima referidas, este trabalho concentrar-se-á na Inteligência Criminal
ou de Segurança Pública. A área de Segurança Pública é uma daquelas em que o uso sistemático da
atividade de inteligência tem possibilidade de aumentar exponencialmente os resultados obtidos.
Isto é tanto verdade, que o decreto 3.695, de 21 de dezembro de 2000, criou o Subsistema de
Inteligência de Segurança Pública (SSISP), que foi regulamentado pela Resolução nº 01, de 15 de
julho de 2009. O referido decreto afirma, em seu art. 1°, que a finalidade do SSISP é “coordenar e
integrar as atividades de inteligência de segurança pública em todo o País, bem como suprir os
governos federal e estaduais de informações que subsidiem a tomada de decisões neste campo.”
(CHIROLI, 2009).
Com a finalidade de dar respaldo teórico às ações do SSISP, a Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP), órgão central do subsistema, publicou, através da Portaria do Ministro
da Justiça nº 22, de 22 de julho de 2009, a Doutrina Nacional de Segurança Pública (DNISP),
elaborada por policiais, agentes de inteligência e acadêmicos da área (WENDT, 2010).

“(...) a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do


território nacional sobre os fatos e situações de imediata ou potencial
influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a
salvaguarda”, e a segurança social e nacional (BRASIL, 1999).

A atividade de Inteligência é o exercício de ações especializadas para obtenção e análise de


dados, produção de conhecimentos e proteção de conhecimentos para o país. Inteligência e Contra
inteligência são os dois ramos da atividade. A finalidade da atividade de Inteligência resulta das
prioridades que cada país elabora como fruto das suas características e interesses políticos e sociais
(THOLT, 2006).
A relação de assuntos e temas dos quais a atividade de Inteligência trata no Brasil resulta das
orientações da Presidência da República e são fiscalizadas pela Comissão Mista de Controle das
Atividades de Inteligência (CCAI), do Congresso Nacional (THOLT, 2006).
72
A atividade de inteligência, de fato, diferenciou-se no âmbito da segurança pública. Ela
passou a ter um alcance, em objetos e análise, que englobam categorias como‫׃‬

a) terrorismo e crime organizado em geral (análise de inteligência propriamente


dita);
b) “problema do crime”, incluindo as diversas expressões da criminalidade
violenta contra a pessoa e patrimônio (análise de inteligência investigativa) e;
c) as operações dos órgãos da segurança pública (demanda e oferta de serviços)
nas atividades de controle do crime e da violência (análise de inteligência de
operações).

Já no tocante aos seus destinatários, produz e difunde produtos para gestores de nível
estratégico (análise de inteligência estratégica):

a) operadores da atividade-fim (análise de inteligência tática) e;


b) atores cujo protagonismo na segurança pública (legisladores, gestores de áreas
correlatas e executivos locais) demanda conhecimento específico (análise de
inteligência com fulcro administrativo).

No que concerne à atividade de inteligência, a exemplo dos principais organismos policiais


do mundo, as instituições conceberam de maneira autônoma seus órgãos de inteligência, com o
propósito de fazer frente ao recrudescimento da criminalidade e disseminar uma nova metodologia
de trabalho, proporcionando otimização de recursos humanos e sofisticação tecnológica (THOLT,
2006).
Sem dúvida, a segurança pública brasileira, tal qual a de outros países do mundo, vive novos
tempos em termos de filosofias e valores da gestão. Isso engloba novas visões do que ela deva
produzir modernamente, caso do policiamento preditivo, policiamento baseado em evidências e
policiamento guiado pela inteligência.
Correspondentemente, novos atributos da parte de seus operadores passaram a ser
fundamentos instrumentais, caso da integração e da interoperabilidade. Isso é aplicável a todos e
cada um deles, quer sejam civis, militares, federais ou estaduais e distritais.
A criação de uma “Escola de Inteligência de Segurança Pública”, no âmbito do Distrito
Federal, pela própria natureza geográfica peculiar a essa unidade federativa suis generis, poderia
proporcionar uma ambiência física e cultural capaz de acomodar diferenças (tanto locais quanto
nacionais e regionais), integrando parceiros hoje ainda insuficientemente identificados entre si
(FERRO JUNIOR, 2007).

"A criação de uma Escola de Inteligência de Segurança Pública poderia vir a


proporcionar uma maior integração das Instituições Policiais quanto ao
exercício da atividade de inteligência de segurança pública por meio da
formação, capacitação e especialização conjunta dos seus integrantes.
Promoveria, ainda, por meio de sua atuação técnico-pedagógica, a
conscientização e uma delimitação mais precisa do campo de atuação dos
órgãos de inteligência das Polícias Civil e Militar."(FERRO JUNIOR, 2007)

73
Segundo a Doutrina de atividade de Inteligência Policial, a Polícia Federal conceitua a
Inteligência Policial como “atividade interativa exercida pelo órgão policial, fundamentada em
preceitos legais e padrões éticos, que consiste na produção e proteção de conhecimento, por meio
do uso de metodologia própria e de técnicas acessórias, que permitem afastar a prática de ações
meramente intuitivas e a adoção de procedimentos sem uma orientação racional”. (FERRO JUNIOR,
2007)

5 CONCLUSÃO

A Inteligência Policial é uma ferramenta apta a potenciar os esforços realizados pela Polícia
Militar no combate à criminalidade. Certamente se esta atividade está impregnada na missão a ser
desempenhada, somente resta seu desenvolvimento no sentido de melhor concretizá-la.
É importante destacar a atuação da Polícia Militar, e jamais poderá se desligar da eficiência
imposta a essa força, pilar básico de um Estado Democrático e Constitucional de Direito. Dessa
forma, cabe a essa instituição escolher as melhores ferramentas para satisfazer o seu encargo.
A atividade criminosa passou a ser informada e organizada de modo a requerer em
contrapartida equivalente da polícia, sob pena de esta restar inoperante.
Então, enquadrar a atividade da Polícia Militar conforme preceitua a Doutrina de Inteligência
Policial mostra-se uma medida fortemente apta a enfrentar a criminalidade, sobretudo se estiver
diluída em todo o espectro da atuação policial. Cabe, portanto, à gestão administrativa saber
assessorar-se com esse potente setor, desenvolver e implementar sua aplicação e, assim, honrar a
missão a qual lhe incumbe.
Na verdade, a atividade de inteligência vem sendo paulatinamente estendida de sua origem
de aplicação tradicional, primordialmente na relação entre as nações (pelas suas respectivas
instituições diplomáticas e militares), expandida para outros campos da atividade humana. É esse o
caso, por exemplo, na área da iniciativa privada, no que se convencionou chamar modernamente
de inteligência empresarial ou inteligência corporativa ou ainda inteligência competitiva.
A difusão da inteligência enquanto método de produção de conhecimento para diferentes
áreas não ocorre de maneira pacífica. Ela possui diversas variações conceituais específicas,
enquanto não parece poder ser definida de maneira universal. Em tal contexto, a inteligência passou
a estar associada como um instrumento necessário para a consecução de objetivos estratégicos e
táticos da moderna gestão da segurança pública, apoio essencial do moderno binômio “prevenção
e repressão qualificada”.
Vale ressaltar que muitas vezes em decorrência da atuação das polícias militares estaduais
por meio da inteligência policial várias informações importantes são levantadas previamente e
repassadas à polícia judiciária que inicia as investigações criminais que culminam em prisões e
apreensões de grande importância para o combate ao crime organizado. Percebe-se que em
nenhum momento a inteligência policial busca usurpar as funções constitucionais da polícia
judiciária, pelo contrário, ela é mais uma ferramenta que se utilizada de forma correta fornece
muitos subsídios para uma investigação por parte da polícia judiciária muito mais direcionada e
eficaz.
No entanto, ponto que merece destaque, como bem lembrado no conceito do
Departamento de Polícia Federal, é o caráter duplo da atividade de inteligência policial, entendido
como a necessidade de um órgão de inteligência policial, ao mesmo tempo em que produz
conhecimentos para assessorar o processo decisório, deve, ainda que de forma subsidiária, também
atuar em investigações criminais, desde que atendidos determinados requisitos.
É esta característica que torna a atividade de inteligência policial, especialmente aquela
executada por Polícias Judiciárias tão peculiar, quando comparada às diversas categorias acima
referidas.
74
REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado,


1988.

BRASIL, Lei nº 9.883, de 07 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria
a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN. Brasília: Senado, 1999.

BRASIL. Presidência da República. Código de Processo Penal. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 20 jan.
2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 2009. Disponível em:


<http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/>. Acesso em: 27 maio 2010.

_____. Lei 9.883/1999. Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a Agência Brasileira de
Inteligência - ABIN, e dá outras providências. Brasília, 1999. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9883.htm>. Acesso em: 24 maio 2010.

CHIROLI, Caroline Bianca de Almeida Vieira; ARAÚJO, Jonas Duarte. Inteligência no Brasil. In:
CASTRO, Clarindo Alves; RONDON FILHO, Edson Benedito (org.). Inteligência de segurança
pública: um xeque-mate na criminalidade. Curitiba: Juruá, 2009.

BRASIL. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Doutrina Nacional de Inteligência de


segurança Pública. Brasília, 2009.

_______. Departamento de Polícia Federal. Manual de Doutrina de Inteligência Policial – Volume


I. Brasília, 2011.

FERRO JÚNIOR, Celso Moreira. Operações de Inteligência. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 00 0000.
Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=70_&ver=959>. Acesso
em: 07 dez. 2018.

FERRO JUNIOR, Celso Moreira. Inteligência organizacional, análise de vínculos e investigação


criminal: um estudo de caso na polícia civil do distrito federal. Distrito Federal: 2007.

FULD, L. M. Inteligência Competitiva: Como se manter à frente dos movimentos da concorrência e


do mercado. Editora Campus/Elsevier. Rio de Janeiro. 2007.

GONÇALVES, Joanisval B. Atividade de Inteligência e legislação correlata. Série Inteligência,


Segurança e Direito. Nirerói/RJ: Ed. Impetus, 2010. 232 p.

WENDT, Emerson. Inteligência de Segurança Pública e DNISP – Aspectos iniciais. Disponível


em http://www.inteligenciapolicial.com.br/2010/03/inteligencia-de-seguranca-publica-e.html.
Acesso em 16/11/2010, 14:00:00h.
https://gestaopolicial.blogspot.com/2011/05/operacoes-de-inteligencia.html

75
KENT, Sherman. Strategic Intelligence for American World Policy. Princeton:Princeton University
Press, 1951.

THOLT, Carlos. Decida com Inteligência. Capítulo 10. Predisposições na Avaliação de Evidências.
Editora Thesaurus. Abraic. 2006.

SILVA, Wellington Clay Porcino. O Conceito da Atividade de Inteligência Policial. Conteudo


Juridico, Brasilia-DF: 09 nov. 2012. Disponivel em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.40442&seo=1>. Acesso em: 07 dez. 2018.

76
A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO ENFRENTAMENTO AO ROUBO A BANCO:
O novo cangaço no Pará (2011-2016)

Francisco Licinio de Souza Ferreira Junior


Wando Dias Miranda
João Francisco Garcia Reis
16

1 INTRODUÇÃO

De diversas origens histórias, desde o mundo medieval com as histórias de Robin Hood ao
cangaço brasileiro de Lampião, o banditismo nas áreas interioranas apresenta características
específicas, desde um caráter de distribuição de riquezas, no caso inglês de Robin Hood (DUMAS,
2015). Para Costa (2016) à violência sem limites desenvolvida nas áreas do interior do Estado do
Pará e outras regiões do Brasil. Assim, como demostra Hobsbawm (2000, p. 87), o banditismo é
considerado uma das formas mais primitivas de protesto social organizado, numa linguagem mais
primal, está voltado a um modelo o qual “faz dos bandidos homens poderosos atraídos para o
universo do poder” Assim, iniciaremos nossa discussão com esta pergunta central: como a busca
pelo poder econômico pode levar a estruturação de ações criminosas de grande escala, onde a
violência desmensurada e fortemente armada vem a ser cada vez mais noticiada pelos meios de
comunicação como o “novo cangaço brasileiro”?
Assim, nos últimos anos esse tipo de notícia vem apresentando um número maior de
reportagens sobre roubo a bancos, desde explosões de caixas eletrônicos até sequestros de
gerentes de bancos nas áreas do interior do Brasil, fatos estes que trazem cada vez mais insegurança
para a população, prejuízos diversos aos profissionais do ramo bancário e às instituições financeiras
e consequências diretas e indiretas à sociedade. A violência sem limites desses grupos está em sua
forma de ação e no rastro de destruição que deixam para trás.
Para Costa (2016) nos crimes de assaltos a bancos da modalidade “Novo Cangaço”,
perpetrados no Pará e demais Estados do Brasil, a violência empregada é uma conduta que gera
muita preocupação em todos os aspectos, porém, a sensação de pânico que assola a população
local e a descontinuidade dos serviços bancários atinge indiscriminadamente todas as classes sociais
do município vitimado, trazendo o fortalecimento de Organizações Criminosas com a capitalização
por meio do dinheiro roubado, investimento em bens lícitos e ilícitos e criação de um novo
parâmetro criminoso.
A partir desse recorte, nossa problemática central está relacionada ao aumento das
ocorrências de roubo a bancos no interior do Estado do Pará e à existência de uma nova
padronização dessas ocorrências, levando à sua classificação como “Novo Cangaço”, que atua com
ações supressas e de alto poder ofensivo, induzindo o Estado a uma nova definição de estratégias
para o enfretamento dessa nova modalidade criminosa. Assim, nossa pergunta motivadora é: como
a atividade de inteligência de segurança pública pode contribuir para a detecção das áreas de maior
ocorrência e o modo de atuação dessas quadrilhas?
Nossa hipótese central está relacionada à ausência de uma rede de proteção e produção do
conhecimento voltado à segurança pública no interior do Estado do Pará, que acaba por facilitar a
atuação de grupos criminosos organizados que se utilizam de assalto a banco na modalidade

16
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
FERREIRA JÚNIOR, Francisco Licinio de Souza; MIRANDA, Wando Dias; REIS NETTO, REIS, João Francisco
Garcia. A atividade de inteligência no enfrentamento ao roubo a banco: O novo cangaço no Pará (2011-2016). In: REIS
NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de
Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM, 2021.

77
“vapor” para levantar recursos econômicos que são empregados em outras atividades criminosas
fora do Estado.
Com essa delimitação do tema, nosso objetivo geral foi analisar de que forma a atividade de
inteligência pode ser utilizada como ferramenta auxiliadora do processo de construção de uma
estratégia de Segurança Pública para o planejamento de ações da Polícia Militar no interior do
Estado do Pará, analisando como se deu a modalidade “novo cangaço” entre os anos de 2011 e
2016.
Para isso, nossos objetivos específicos foram delimitados em três tópicos, sendo: a) analisar
os princípios doutrinários da atividade de inteligência de segurança pública como uma ferramenta
auxiliadora do processo decisório do planejamento do Estado para o enfretamento de assaltos a
bancos na modalidade “novo cangaço” no interior do Estado do Pará; b) analisar o modus operand
das organizações criminosas no interior do Pará que praticam assaltos a bancos na modalidade
“novo cangaço” entre os anos de 2011 e 2016; c) analisar os números de roubo a bancos na
modalidade “novo cangaço”, ocorridos no Pará no período de 2011 a 2016.

2 METODOLOGIA

Para que esses objetivos fossem alcançados, o recorte metodológico da pesquisa foi
realizado a partir do levantamento bibliográfico com um debate teórico concernente à temática dos
assaltos a bancos, na modalidade “vapor”, ocorridos no interior do Estado do Pará entre os anos de
2011 e 2016, analisando sua dinâmica de atuação e modus de operação. Assim, a pesquisa teve
início a partir de um levantamento bibliográfico em fontes primárias e secundárias, conforme
evidenciado em Chizzotti (2006) e Teixeira (2003), que definem a pesquisa bibliográfica por critérios
de seleção de autores que tenham relevância para o trabalho e de fontes verídicas. Nesse sentido,
a execução da pesquisa bibliográfica referente a esta temática foi realizada a partir de livros, artigos,
dissertações, teses e afins de autores com trabalhos reconhecidos sobre o tema, além do
levantamento de dados quantitativos junto à Secretaria Adjunta de Inteligência e Analise Criminal
(SIAC), vinculada à Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Pará (SEGUP/PA),
onde foi delimitado o período de coleta de dados de janeiro de 2011 a dezembro de 2016 para uma
pesquisa de cunho quantitativo analítico, voltado para descrever os fatos e organizá-los de forma
lógica para um melhor entendimento de suas dimensões.
A pesquisa quantitativa é descrita por Teixeira (2003) como o tipo de pesquisa em que se
utilizam dados numéricos para descrever a ocorrência de um fato e sua periodicidade, servindo de
parâmetro para mesurar as ocorrências de assalto a bancos no período de tempo descrito na
pesquisa e sua localização territorial no Estado do Pará. Assim, a autora destaca a importância da
pesquisa quantitativa devido seu valor científico, uma vez que se baseia em métodos matemáticos
que possam facilitar a descrição e comprovação de um fato, fazendo, assim, “uma foto dos fatos e,
com base nos princípios do positivismo.”
A produção de conhecimento se faz a partir do levantamento de informações e outros
saberes que possam servir de matéria-prima para um novo saber. Assim, Santos (2001) observa que
a produção de um novo saber tem seu momento inicial no levantamento bibliográfico de autores
referendados sobre a temática na qual se deseja aprofundar. Com a utilização da pesquisa chega-se
a um novo conhecimento, contribuindo para a formação de um novo saber sobre algo que até então
era ignorado.
Para tal, a metodologia adotada para este trabalho é de cunho exploratório, que segundo Gil
(2002, p. 41):

[...] têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a
torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm
como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições. Seu
78
planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos
mais variados aspectos relativos ao fato estudado.

Ainda em Gil (2002), compreende-se que pesquisa exploratória necessita do emprego da


pesquisa bibliográfica para seu fortalecimento teórico e a utilização das técnicas de entrevistas com
agentes envolvidos no caso a ser investigado, uma vez que a vivência desses atores pode contribuir
para melhor entendimento dos fatos, buscando levar a uma estrutura de padrões organizados que
poderão ser analisados cientificamente pelo pesquisador.
Ainda sobre a pesquisa exploratória Dosxey e Riz (2003, p. 27) argumentam que seu uso
busca maior aproximação com uma realidade até então desconhecida, ou parcialmente conhecida,
sendo essa uma forma de pesquisa que leva o pesquisador a desvendar a lógica que existe no
fenômeno analisado, assim:

As pesquisas exploratórias: também “buscam uma aproximação com o fenômeno, pelo


levantamento de informações que poderão levar o pesquisador a conhecer mais a seu
respeito” Também utilizou-se a estratégia descritiva, uma vez que estudos deste tipo são
“realizadas com o intuito, de descrever as características do fenômeno”.

A partir desse entendimento, realizaram-se entrevistas estruturadas com diferentes atores


envolvidos no enfretamento e na repressão ao “novo cangaço” no interior paraense. Para Gil (2002)
essa abordagem de pesquisa leva o pesquisador/investigador a se apresentar frente ao
objeto/investigado, formulando perguntas com o objetivo de obtenção dos dados que interessam
à investigação. Essas informações deverão ser filtradas para a criação de juízo de valor e opiniões
pré formadas, buscando rigor acadêmico e compromisso com a construção desse novo saber.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 A HISTÓRIA DO CANGAÇO NO BRASIL

Para Almeida (1996) a origem da palavra cangaço surgiu em meados de 1834 com o termo
cangaceiro. Já foi usado para se referir aos bandos de camponeses pobres que habitavam os
desertos (sertão) no nordeste do Brasil e vestiam roupas de couro e chapéu, carregando carabinas,
revólveres, espingardas e facas longas conhecidas como peixeiras.
O Cangaço foi conhecido como uma luta revolucionária em que os homens em grupo
vagavam pelas cidades em busca de justiça e vingança pela falta de emprego, alimento e cidadania,
causando o desordenamento da rotina dos camponeses. Nesta altura, na região de Pernambuco
existiam dois tipos de bandos armados: os jagunços e os cangaceiros.
O cangaço configura-se na história do nordeste brasileiro como um movimento relevante,
deixando marcas na memória, na cultura e na imagética popular. Esse movimento não foi algo
repentino, mas abrangeu um longo período, tendo enraizamento no século XVIII, passando pelo
século XIX e florescendo com maior notoriedade na primeira metade do século XX (DUTRA, 2011).
Segundo Queiroz (1997), há, na literatura sobre o cangaço, um consenso representacional
que entende a etimologia do termo vinculada à imagem dos cangaceiros conduzindo armas de fogo
cruzadas ou atravessadas sobre o peito e costas de uma forma que fazia lembrar as cangas colocadas
nos bovinos.
O termo é antigo, pois nessa região, já em 1934, se falava em certos indivíduos que andavam
debaixo do cangaço, designando particularmente os que ostensivamente se apresentavam muito
armados, de chapéus de couro, clavinotes, cartucheiras de couro de onça-pintada e longas facas
enterçadas batendo na coxa (BARROSO, 1997).

79
Os cangaceiros eram bandidos sociais que tinham algum nível de apoio da população mais
pobre, existência do assistencialismo: comportamento benéfico, como atos de caridade, bailes e
outros, enquanto a população, por sua vez, ajudava o bando a escapar das forças policiais (na época
chamadas de volante) enviadas pelo governo.
Na história do cangaço inúmeros sujeitos surgiram como líderes importantes de bandos. Um,
em especial, marca o imaginário social e a história da região: o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva,
vulgo Lampião. Durante vinte anos ele varreu o sertão de sete estados nordestinos, tornando-se um
poder paralelo ao oficial. A impressa, tentando passar imagens pejorativas sobre o cangaceiro,
acabou atribuindo a lampião o lugar de “Rei do Cangaço”, devido à sua ousadia, coragem e
constantes fugas diante das estratégias das forças volantes (DUTRA, 2011).
Segundo Almeida (1996), seu livro intitulado “Lampião: a sua história” não se trata de
literatura, mas de um relato minucioso, colhido in loco, sobre o que Lampião representou de “rei de
latrocínio”. Para o autor, lampião era o maior bandido de todos os tempos, por suas inauditas
crueldades e torpezas.
Podemos perceber que Lampião, durante o período do cangaço, ganhou fama e prestígio,
dominando várias cidades do sertão, sempre impondo medo na população daquela região. Passou
a ser apresentado pelos jornais como um problema a ser resolvido por meio do extermínio, seja em
notícias jornalísticas ou através de denúncias de autoridades, Lampião sai do anonimato. Já naquele
período seus assaltos chamavam atenção pela ousadia de suas ações.
Desta forma, nota-se que Lampião foi uma dessas figuras da história que teve sua vida e
imagem cercadas por constantes contradições, ora era visto com heroi, ora como uma ameaça a ser
combatida. Realizou vários ataques juntamente com seu bando em várias pequenas cidades do
nordeste, saqueando e assaltando com muita violência, Lampião passou longos vinte anos sendo
bandoleiro (1918-1938), moldando o cangaço de tal forma que se tornou um meio de vida lucrativo,
dando-lhe prestígio no meio social vivido.

3.2 O SURGIMENTO DO NOVO CANGAÇO

Os roubos a bancos começaram no Brasil nos anos 60, aumentando nos anos 70, pelas ações
de criminosos comuns e organizações de guerrilha urbana, e apresentando um crescimento
dramático nas décadas de 80 e 90 por conta da formação e consolidação de organizações
criminosas.
A Expressão “Novo Cangaço” vem sendo usada no meio policial, pela imprensa e pela própria
sociedade para denominar os crimes praticados por quadrilhas que fazem assalto a bancos no
interior. A expressão e a própria ação dos criminosos são inspiradas no movimento liderado por
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que atuava na década de 1920/30 no agreste nordestino,
saqueando pequenas cidades, utilizando violência e enfrentando as forças policiais.
Nesse sentido, salienta Gonçalez e Bonagura (2004, p. 3):

No Brasil, a associação criminosa derivou do movimento conhecido como cangaço, cuja


atuação deu-se no sertão do Nordeste, durante o século XIX, como uma maneira de lutar
contra as atitudes de jagunços e capangas dos grandes fazendeiros, além de contestar o
coronelismo. Personificados na figura de Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião” (1897-
1938), os cangaceiros tinham organização hierárquica e com o tempo passaram a atuar em
várias frentes ao mesmo tempo, dedicando-se a saquear vilas, fazendas e pequenas
cidades, extorquir dinheiro mediante ameaça de ataque e pilhagem ou sequestrar pessoas
importantes e influentes para depois exigir resgates. Para tanto, relacionavam-se com
fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam com a colaboração de policiais
corruptos, que lhes forneciam armas e munições.

80
Apesar da semelhança entre os bandos chefiados por lampião e a modalidade de roubo a
bancos novo cangaço, onde lampião com grupo de 15 a 20 cangaceiros fortemente armados
atacavam pequenas cidades do nordeste, existem diferenças, pois a atuação tinha um cunho
sociológico. O objetivo era invadir as cidades e enfrentar o poder estatal e se restringia à região
nordeste do Brasil.
Já o Novo Cangaço também nasceu no sertão, mais precisamente em Pernambuco. Essa ação
sucedeu-se de uma briga que correu entre a família Benvindo e a Aracuan, eles disputavam entre si
a venda de droga na região.

Novos Cangaceiros agindo no sertão surgiram em Pernambuco em Belém do São de


Francisco. Esses novos cangaceiros eram ‘Chico Benvindo’,contra ele lutava ‘Cleiton
Aracuan’. Esses desencadearam uma guerra entre as duas famílias. Durante 15 anos
aterrorizou a região com assaltos, homicídios e violência extrema (VIANNA, 2009).

Esses conflitos deixaram muitos mortos e perduraram por quase quinze anos. A polícia se
estruturou, capacitou seus efetivos e, aliada ao planejamento baseado em informações precisas,
passou a utilizar de inteligência, fazendo uso de interceptação telefônica, conseguindo, assim,
desarticular os bandos. Esses “novos cangaceiros” começaram matando por questões banais e, em
outro momento, começaram a roubar os bancos com ações ousadas e desafiando as forças de
segurança. O novo Cangaço nasceu no Nordeste Brasileiro e posteriormente migrou para outras
regiões do Brasil, como o Centro-Oeste e Norte.
Podemos notar que esse novo cangaço já faz parte de outra conotação, na qual bandos
formados por no mínimo 10 assaltantes, roubam os bancos, sejam privados ou públicos, em ações
cinematográficas, deixando a população em pânico. A intenção é capitalizar recurso financeiro para
alimentar as organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando
Vermelho (CV) para a prática de outras ações ilícitas (tráfico de entorpecentes e de armas de fogo).
Desta forma e devido aos números crescentes dos eventos de roubo a bancos no “Novo
Cangaço” no Norte do Brasil, especialmente no Pará, e sua relação com crime organizado do tráfico
de drogas e de armas, torna-se indispensável a implementação de políticas de segurança públicas
de prevenção e repressão aos crimes praticados.

3.3 CONHECENDO A OCORRÊNCIA DO NOVO CANGAÇO

Dentro do universo do crime de roubo a bancos, ganha destaque a modalidade conhecida


como novo cangaço que é praticada por bandos de aproximadamente 15 pessoas que se detêm do
uso da força e armamentos pesados para perpetrar os estabelecimentos bancários, sendo muitos
desses bandos formados por membros de vários municípios do Brasil que agem dentro dos seus
estados de origem e estados vizinhos.
Essas ocorrências têm apresentado expressivo crescimento estatístico no Estado do Pará,
conforme aponta o relatório de Assaltos a Instituições bancárias do Pará do ano de 2016 da
Secretaria Adjunta de Inteligência e Analise Criminal (SIAC), vinculada à Secretaria de Segurança
Pública do Estado do Pará, de 2011 a 2016 ocorreram 48 assaltos em 29 municípios.
Para Costa (2016) a modalidade de assalto a banco denominada “Vapor” ou “Novo Cangaço”
é caracterizada pelo emprego da violência e instalação de pânico e terror na cidade vitimada, onde
criminosos encapuzados, fazendo uso de armamento de guerra, rendem as forças de segurança
pública do município (polícias civis e militares) e privada (vigilantes das instituições financeiras),
roubam o dinheiro da agência bancária e utilizam clientes, funcionários e transeuntes como “escudo
humano”, mantendo-os reféns durante a fuga.
81
As grandes quadrilhas, oriundas do nordeste, tomam cidades do interior do Pará, munidas
de armamento pesado, rendem as forças policiais e subtraem o dinheiro do banco. O Novo
Cangaço especificamente é originário do nordeste do país, da área do sertão, das famílias
que viviam do plantio da maconha que em devido a repressão policial passaram a migrar
para o ‘crime contra o patrimônio’, especificamente ao assalto a banco em cidades do
sertão nordestino, e para isso passaram a usar os armamentos que utilizavam para a
segurança do plantio da maconha, isso associado à cooptação de agentes públicos
especialmente policiais militares, que usando armamento pesado facilitou que se criasse
uma estrutura criminosa, que passou a praticar inicialmente no nordeste e que hoje se
espalhou para todo o Brasil (COSTA, 2016, p. 41).

Segundo Sousa, Souza e Silva (2013) o novo cangaço é uma das modalidades de assalto a
banco que vem causando terror nos interiores do Pará. Este nome é oriundo das antigas quadrilhas
ou bandos que agiam no Nordeste onde na época reinavam um dos mais lendários líderes e
bandidos do cangaço, o “lampião”, que muitos têm como herói.
Vale ressaltar que esses tipos de ações criminosas adquirem destaque dentre as ocorrências
policiais, uma vez que, quando os planos de intervenção são bem-sucedidos, conferem credibilidade
às forças policiais; em contrapartida, quando conduzidos de maneira equivocada, implicam severo
desgaste da imagem das corporações e até mesmo mortes ou graves danos à vida dos envolvidos.
Ademais, as falhas na gestão destas situações geram descrédito na política de Segurança Pública,
pela comoção social que são capazes de suscitar, uma vez que tais operações vêm ganhando ampla
cobertura da mídia.
Sobre a ação das quadrilhas, o Capitão da COE/PMPA 17 reporta que:

A ação dos bandidos é planejada com semanas de antecedência. Caminhos de fuga, efetivo
policial, dia e hora de abastecimento nas agencias também são estudados. Essa ação
criminosa recorrente no Pará, é conhecida como ‘Novo Cangaço’, remetendo os tempos do
cangaço de Lampião, no início do século 19. Essa nova modalidade de crime vem causando
pânico nos pequenos municípios paraenses. O modus operandi dos “novos cangaceiros”
tem certa semelhança com o velho cangaço, vez que este, também fazia as pessoas como
reféns; o bando também era grande, e preferia atacar pequenas cidades.

Observa-se que essa categoria de roubo a bancos causa terror nas cidades interioranas
brasileiras. O modus operandi dos “novos cangaceiros” tem semelhança com o velho cangaço, no
qual o bando também era grande e preferia atacar pequenas cidades. Mas, independentemente do
velho ou novo, percebe-se que o “Cangaço” passou a ser sinônimo de medo e insegurança. Assim,
em:

[...] sete décadas depois da morte de Lampião, moradores de pequenas cidades nordestinas
experimentam o terror típico dos tempos do cangaço. Como naquela época, bandos
armados invadem os lugarejos, saqueiam e desaparecem tão rápido quanto surgiram. A
diferença é que agora os bandidos usam modernas armas de guerra e não saem a galope
em cavalos. O alvo do roubo também mudou: agora são milhões de reais guardados nos
cofres das agências bancárias (ALVES FILHO; ALMEIDA, 2012, p. 46).

A citação de Alves Filho e Almeida (2012) mostra que, apesar da semelhança do banco de
assaltantes com o movimento do velho cangaço, hoje o “novo cangaço” faz parte de outra
conotação, em que grupos criminosos cujos integrantes são de vários estados do Brasil, portando
armamentos de grosso calibre e até explosivos, tomam a cidade como refém, invadindo delegacias,

17
Entrevista concedida por Capitão da COE/PMPA. Entrevista II. [ago. 2017]. Entrevistador: Francisco L. Souza F. Jr.
Belém, 2017. 1 arquivo .mp3 (20 min.).
82
quartéis, dentre outros; invadem as agências bancárias detonando suas fachadas (vapor), utilizando
bancários, clientes e usuários como reféns durante toda a ação.
Quanto à organização desses bandos de assalto às instituições bancárias, Aquino (2008, p.
4) aponta que:

Além da organização e planejamento, uma outra característica proeminente destas


operações é a infraestrutura, que mobiliza instrumentos arrojados, tais como veículos
potentes, armamentos de grosso calibre e dispositivos de comunicação modernos. A
própria atuação dos assaltantes tornou-se mais calculada e cuidadosa. Com base em uma
acentuada divisão de tarefas entre os participantes dos roubos, habilidades como pontaria
e manuseio de diferentes modelos de armas, passaram a se exercer a partir treinamento
contínuo.

Aquino (2008) chama a atenção para a atuação dos novos cangaceiros que é altamente
planejada e com emprego de uma violência assustadora, tendo ocorrido sempre da mesma forma,
onde um grupo procura conter e intimidar o policiamento local desferindo vários tiros contra as
paredes do quartel e nas viaturas. Enquanto isso, outra parte da quadrilha explode a agência
bancária. Toda ação leva aproximadamente 30 minutos, apenas o tempo suficiente para estourar
(geralmente com dinamite) os caixas eletrônicos e cofres do banco.
No tocante à fuga dos assaltantes, em relato do Capitão da COE/PMPA (2017) explica que:

Os criminosos utilizam 4 métodos de fuga depois que cometem os assaltos a banco, um


deles é o denominado de acampamento, onde os assaltantes estudam previamente um
local no interior da mata, onde deixam alguns matérias como redes, lonas, mantimentos
etc. , para permanecer de 6 a 8 dias, com o objetivo de fazer com que a equipe de policiais
pensem que eles não estão mais na localidade e acabem desmobilizando as operações de
buscas, em seguida são resgatados por outros elementos depois de tantos dias no horário
e local acordados entre eles.18

Na fuga interditam as vias de acesso ao município, seja com veículos de grande porte ou
com carros incendiados, demonstrando, assim, um alto poder de organização com as tarefas de
cada um bem definida durante a ação criminosa.
De acordo com o Capitão da COE/PMPA (2017) as pequenas cidades do interior do Pará são
os principais alvos de ataques, pois apresentam características que favorecem a prática desse tipo
de ação por parte das quadrilhas que operam nesta modalidade, ou seja, os criminosos, ao agirem
nestas cidades, são conhecedores de minúcias no que se refere ao efetivo das forças policiais,
ausência da Policia Rodoviária Federal (PRF) ao longo das rodovias, facilidade de rotas de fuga, entre
outros fatores.
Diante do exposto, nota-se que se trata de uma ocorrência policial diferenciada (crise
policial) e que exige uma resposta mais especializada das forças policiais, sendo que é um problema
de certa gravidade e urgência cujos órgãos componentes do Sistema de Defesa Social devem
identificar, entender e, juntos, buscarem soluções aceitáveis objetivando sempre preservar vidas
humanas e aplicar a Lei (LIMA FILHO, 2008).
Lima Filho (2008, p. 9) aponta, ainda, exemplos de crises em que os órgãos que compõem o
Sistema de Defesa Social do Estado terão que dar uma resposta especial:

a) Assalto com tomada de reféns.


b) Sequestro de pessoas.

18
Informação oral

83
c) Rebelião em Estabelecimentos Prisionais.
d) Assalto a bancos com reféns.
e) Atos de terrorismo. - Ameaça de bombas.
f) Tentativas de suicídio.
g) Invasão de terras.
h) Capturas de fugitivos.

Nesse sentido, o Capitão da COE/PMPA, reforça que:

Dentro do enquadramento técnico da polícia as ocorrências de roubo a banco na


modalidade vapor ou novo cangaço, e encaixa perfeitamente dentro do conceito de crise
policial (são intervenções denominadas de alta complexidade), ou seja, é uma ação que
supera a capacidade de resposta do policiamento ordinário, exigindo assim uma
intervenção mais estruturada com uma tropa mais especializada e equipada.19

Desta forma, observa-se que essa modalidade criminosa conhecida como “novo cangaço”
ou “vapor” tem acontecido com frequência no interior Estado do Pará, são ocorrências
desgastantes, conflituosas e de elevado risco que causam perturbação da ordem pública e danos à
população, além de gerar uma mudança brusca no desenvolvimento das ações, necessitando de
aparato policial mais equipado e especializado que atue de forma célere e eficiente a fim de buscar
uma solução mais aceitável para a crise. A expectativa é que o Estado se fortaleça e trace novas
estratégias para prevenir e reprimir as ações criminosas.

3.4 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA EM SEGURANÇA PÚBLICA

Para Ferro Júnior (2008) a criminalidade vem sofisticando seus modus de operação a cada
dia mais e mais, usando recursos tecnológicos na ação delituosa e diversas formas de comunicação,
mostrando-se uma prevalência sobre o sistema e tornando-se desafio para os órgãos incumbidos
da prevenção ao crime. Um dos principais exemplos dessas novas modalidades foi o renascimento
da modalidade de crime do novo cangaço pelo interior do Brasil, com ações planejadas e altamente
violentas nas localidades do interior, em especial no caso do Estado do Pará, que nos últimos anos
vem passando por um aumento dos casos de Novo Cangaço.
Ferro Júnior (2008) e Brito (2006) chamam atenção para uma consonância com o
desenvolvimento tecnológico, a Inteligência tem fundamental relevância no processo porque
interage com investigação criminal e potencializa a ação pelo uso de técnicas e ações especializadas.
Métodos de análise de informações proporcionam mecanismos mais eficazes para a realização de
diagnósticos e prognósticos sobre a criminalidade. A detecção, identificação e antecipação de ações
delitivas passam a ser trabalho constante e permitem uma visão contextual e global da
criminalidade.
Assim, segundo Cepik (2011), tem-se a Atividade de Inteligência como um componente da
ação organizacional que objetiva a obtenção de informações para apoiar a ação dos órgãos de
segurança pública na busca para neutralizar essas ameaças à ordem social. Com uso de recursos
humanos e tecnológicos, buscando meios para identificar grupos organizados que usam de suas
próprias metodologias criminosas para expandir seu raio de ação pelo Brasil e pelo Estado do Pará.
Para isso, o Decreto nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000 (BRASIL, 2000), que criou o
subsistema de inteligência de segurança pública, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência
(SISBIN), define a atividade de inteligência de Segurança pública como o exercício sistemático de
ações especializadas para a identificação, acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou

19
Informação oral.

84
potenciais na esfera da Segurança Pública, bem como para a obtenção, produção e salvaguarda de
conhecimentos, informações e dados que subsidiem ações para neutralizar, coibir e reprimir atos
criminosos de qualquer natureza.
Com esse entendimento, podemos dividir de forma didática a Atividade de Inteligência de
Segurança Pública em dois ramos distintos, que são:

a) Inteligência de Segurança Pública: focada na produção de informações,


conhecimento e assessoramento no processo decisório de Segurança Pública;
b) Contra-Inteligência de Segurança Pública: relacionada a identificação,
obstrução e neutralização de ações adversas à Segurança Pública e a Salvaguarda
de dados, documentos e informações de interesse dos órgãos de Segurança e do
Estado.

Essa subdivisão estabelece os elementos centrais da atividade de inteligência de segurança


pública com sendo uma atividade ostensiva na obtenção das informações e defensiva na segurança
do conhecimento produzido e analisado. Segundo a doutrina da Agência Brasileira de Inteligência
(ABIN) os seguintes princípios básicos regem a atividade de inteligência (BRASIL, 1999) são:
objetividade, que consiste em planejar e executar as ações em consonância com os objetivos a
alcançar e em perfeita sintonia com as finalidades da Atividade; segurança, que pressupõe a adoção
das medidas de salvaguarda convenientes a cada caso. Atividade de Inteligência deve ser
desenvolvida num quadro de segurança, ausência de perigo, que possibilite ao homem de
inteligência trabalhar de forma eficiente e eficaz. O princípio da segurança é importantíssimo, pois
os demais princípios dependem dele, e o seu cumprimento garante não só a segurança das ações e
assuntos sigilosos, mas a segurança dos recursos humanos, fator primordial na Atividade de
Inteligência; oportunidade, que consiste em desenvolver ações e apresentar resultados em prazo
apropriado à sua utilização. O valor de uma informação tem um prazo para ser aproveitado, após o
qual, mesmo sendo de credibilidade máxima, não é mais útil. Os dados e informações devem ser
transmitidos numa velocidade tal que permita à autoridade competente tomar medidas oportunas
para reduzir prejuízos e atingir seus objetivos. Neste princípio está embutido, também, o da
eficiência, que determina a busca constante de resultados almejados pelo órgão de inteligência,
com uso de técnicas, processos e métodos que minimizem os esforços e riscos na Atividade de
Inteligência. O homem de Inteligência deve atuar promovendo a busca dos resultados
organizacionais, fazendo a coisa certa, possibilitando e motivando seus pares a também fazer suas
atividades da melhor forma possível. É inerente, também, ao art. da Constituição Federal, que exige
eficiência de toda a administração pública; controle, que requer a supervisão e o acompanhamento
adequados das ações de Inteligência; imparcialidade, que significa precaver-se contra fatores que
possam causar distorções nos resultados dos trabalhos. O princípio da imparcialidade determina
que as ações na Atividade de Inteligência sejam desencadeadas de forma a atingir os objetivos
predeterminados, não devendo sofrer interferências pessoais, que provocam desvio de finalidade;
ferindo o arcabouço ético, técnico e moral que norteia a Atividade; simplicidade, que implica
executar as ações de modo a evitar custos e riscos desnecessários; amplitude, que consiste em
obter os mais completos resultados nos trabalhos desenvolvidos; legalidade, na qual a atividade de
Inteligência deve ser exercida dentro dos ditames da lei. No Estado democrático de direito, as
organizações públicas primam pelo cumprimento da lei maior – a Constituição Federal (BRASIL,
1988).
A Atividade de Inteligência de Segurança Pública também opera em três níveis distintos, que
são:

85
a) Nível Estratégico: onde são definidas as diretrizes gerais de ação do
organismo de segurança pública, em atendimento as políticas para o
setor;
b) Nível Tático: é aquele onde são definidas as orientações específicas de
atuação, em planos específicos da ação de Inteligência, que contemplem
as ações preventivas, repressivas, de análise de conjunturas do crime e
de situação de tensão ou risco potencial e/ou iminente;
c) Nível Operacional: aquele desenvolvido em ações especializadas de busca
e obtenção de dados e informações, quando são empregados meios
especializados e procedimentos técnicos que propiciem assessorar a
investigação criminal, o policiamento ostensivo e a distribuição de
recursos administrativos e operacionais.

Compreender essa dinâmica dos órgãos de produção do conhecimento em segurança


pública é de relevante importância para um entendimento de suas ações ostensivas e preventivas
às diversas modalidade de crimes emergentes20 que vêm surgindo com maior intensidade no Brasil
e no mundo, o que leva à necessidade de aprimoramento dos métodos de enfretamento à
criminalidade. Nesse novo cenário, podemos destacar a modalidade no Novo Cangaço, que vem
crescendo nos últimos anos devido aos problemas estruturantes do próprio Estado, o que contribui
para o aumento da percepção de insegurança no interior do Pará.

3.5 A INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA COMO RECURSO PARA O ENFRETAMENTO AO NOVO


CANGAÇO

A atividade de Inteligência em Segurança Pública é compreendida por Brandão (2013) como


o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a identificação,
acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou potenciais na esfera de Segurança Pública,
orientadas, basicamente, para produção e salvaguarda de conhecimentos necessários à decisão, ao
planejamento e à execução de uma política de Segurança Pública e das ações para prever, prevenir
e reprimir atos criminosos de qualquer natureza ou atentatórios à ordem pública (BRASIL, 2016)
Ferro Júnior (2008) observa que a Inteligência de Segurança Publica coleta dados e produz
conhecimentos necessários para embasar um planejamento ou subsidiar o tomador de decisão em
uma operação policial. Com base nesse entendimento, podemos compreender que a Atividade de
Inteligência de Segurança Publica é responsável por manejar o Ciclo de Produção de Conhecimento
e disponibilizar as conclusões como ferramentas de auxílio ao tomador de decisão do Estado, que
decidirá qual medida de repressão deverá ser operacionalizada.
Para Cepik (2003) o Ciclo de Produção de Conhecimento é essencial nesse sentido uma vez
que tem a função de transformar um dado em informação significativa e útil para a prevenção e
repreensão através da tomada de decisão correta por parte dos tomadores de decisões.
Para a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (BRASIL, 2016) a Produção de
Conhecimento é um dos elementos centrais à atividade de inteligência e pode ser compreendida:
“na medida em que coleta e busca dados e, por meio de metodologia específica, transforma-os em
conhecimento preciso, com a finalidade de assessorar os usuários no processo decisório” (BRASIL,
2016).

20
Para Greco (2015, grifo nosso), são considerados crimes emergentes aqueles que são frutos de uma sociedade
considerada pós-moderna, a exemplo dos delitos cibernéticos, tráfico de drogas, de armas e de pessoas, lavagem de
dinheiro, terrorismo e crime organizado, estão relacionados ao desenvolvimento da sociedade e ao aumento das
complexidades sociais.

86
Entende-se que o ciclo da produção de conhecimento é de alto valor estratégico para que as
Polícias obtenham uma resposta mais célere e eficiente frente as ações do bando de criminosos que
praticam o crime de Novo Cangaço, haja vista que o modus operandi é caracterizado por empregar
uma logística altamente sofisticada e um grande poder bélico, o que requer uma resposta eficaz
para prevenir e/ou reprimir a ação dos assaltantes.
A forma mais eficiente das Polícias conseguirem essa prevenção, ou até mesmo a
repreensão, é através da atividade de inteligência, uma vez que os criminosos do novo cangaço
agem de forma extremamente organizada e planejada, suas ações são articuladas com bastante
antecedência, e empregam uma logística de ponta.
Para Gasparoto (2013) as informações consolidadas obtidas pela ação da inteligência
poderão ser difundidas para o efetivo policial, nas operações de prevenção e nas de repressão
(perseguição aos assaltantes), direcionando constantemente os policiais envolvidos nas buscas
pelos criminosos durante a ocorrência de novo cangaço. Essa informação deverá ser transmitida
observando o princípio da oportunidade, ou seja, a informação deve ser repassada em tempo que
permita seu aproveitamento.
Assim, podemos compreender em Gasparoto (2013, p. 66) que:

[...] ocorre o fato criminoso inicia-se a investigação policial através da percussão criminal.
Ocorre que a Inteligência de Segurança Pública age paralelamente no mesmo fato criminoso
a fim de instrumentalizar a própria percussão criminal e orientar o emprego do
policiamento.

Com esse entendimento, podemos refletir que as ocorrências de roubo a banco “novo
cangaço” são conflituosas e de elevado risco para os policiais, haja vista que essa modalidade
criminosa opera com grande quantidade de indivíduos fortemente armados e planejamento
minucioso. Portanto, torna-se muito difícil enfrentar esses bandos de assaltantes de frente, por isso
a atividade de inteligência se torna essencial, uma vez que as informações produzidas através da
Atividade de Inteligência poderão orientar as ações operacionais da polícia, com grande
possibilidade de resposta eficiente frente às ocorrências do Novo Cangaço.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como o foco dessa nova modalidade de crime emergente, o Estado do Pará, desde o ano de
2011, vem sendo alvo de uma série de roubos em instituições financeiras, nas quais bandos de
assaltantes vêm agindo através de uma modalidade criminosa conhecida como novo cangaço que é
caracterizada pela participação de grande quantidade de indivíduos fortemente armados, que
utilizam de veículos, em sua maioria caminhonetes furtadas ou roubadas, visando agilizar a fuga.
Essas quadrilhas, após efetuarem um estudo prévio do local a ser assaltado, chegam subitamente
aos seus alvos (instituições bancárias) sempre de forma aterrorizante, utilizando a todos como
reféns e “escudos humanos” que facilitarão a fuga.
Observa-se que essa forma de atuação das quadrilhas causa prejuízos impactantes não só ao
patrimônio, mas principalmente à população, gerando medo e insegurança, afetando sobremaneira
a rotina das pessoas. O que exige uma resposta do sistema de segurança pública do Estado a fim de
prevenir ou reprimir este tipo de ação delituosa, utilizando a atividade de inteligência.
Portanto, em decorrência da necessidade de coibir esse tipo de ação delituosa, essa pesquisa
se justifica pelo aprimoramento das atividades de inteligência, em contribuição ao seu público-alvo
(policiais militares). Os ganhos com o uso da inteligência são extremamente vantajosos, uma vez
que proporciona maior eficácia na prevenção e repressão ao roubo a banco novo cangaço no Pará,
elevando, desse modo, o reconhecimento da população em relação aos órgãos de segurança
pública.
87
Figura 1 – Mapa da Amazônia Legal e Ocorrências de cangaço no Pará por RISP (2011 a 2016).

Fonte: SIAC/Autor, 2010.

Conforme observa-se na Figura 1, na qual tem-se o mapa do Estado do Pará como


participante da Amazônia legal, indicando as ocorrências do Novo Cangaço por RISP, temos uma
concentração das taxas de assalto no interior do Estado do Pará. Podemos perceber, assim, uma
padronização no modo de operação desses grupos criminosos, que vai desde a escolha do município
alvo à ação dos grupos e à logística empregada, na qual ocorre concentração nas áreas do sudeste
e nordeste paraense e na microrregião do Xingu do sudoeste paraense, normalmente nos
municípios que fazem fronteira com os Estados do Maranhão, Mato Grosso e Tocantins. Estes se
tornam rota de fuga para esses grupos, além do fato da baixa densidade do Estado Paraense nessas
áreas, com a questão do baixo efetivo dos órgãos de segurança pública e a dificuldade de
comunicação.
As RISPs que apresentam o maior número de ocorrências são: 4ª RISP que corresponde aos
municípios de Baião, Barcarena, Moju e Mocajuba; a 10ª RISP que corresponde aos municípios de
Canãa dos Carajás, Eldorado Carajás, São Geraldo do Araguaia, São Domingos do Araguaia, Bom
Jesus do Tocantins, Rondon do Pará e Marabá; a 13ª RISP que possui os municípios de Santana do
Araguaia e Redenção; a 15 RISP, que é responsável pelos municípios de Rurópolis, Placas e Trairão.

Figura 2 – Mapa do Estado do Pará com concentração de ataque do Cangaço por RISP (2011 a 2016).

88
Fonte: SIAC/Autor, 2010.

Observa-se, a partir das Figuras 1 e 2, que algumas cidades que estão sobre a área de
influência da 4ª, 10ª, 13ª e 15ª RISP, de um total de 48 (quarenta e oito) ocorrências entre os anos
de 2011 a 2016, temos um total de 67,34 % das ocorrências (conforme o Quadro 2). Este número
pode estar relacionado a uma maior vulnerabilidade, considerando que algumas cidades já tiveram
mais de uma ocorrência nos últimos anos, demostrando que existe fragilidade tanto das agências
quanto do planejamento de segurança pública para essas áreas, da mesma forma que os problemas
estruturais do Estado do Pará, principalmente os relacionados à logística e à dificuldade de
acessibilidade a algumas regiões, contribuem para essa concentração de casos.
Podemos observar na Figura 1 que, dos municípios com concentração da modalidade
criminosa em estudo, 7 (sete) estão localizados em áreas de divisão política com outros Estados da
Federação, como o Maranhão, Tocantins, Mato Grosso e Rondônia, são eles: Bom Jesus do
Tocantins, Nova Esperança do Piriá, Rondon do Pará, São Félix do Xingu, São Geraldo do Araguaia,
Santana do Araguaia e Viseu. Esses municípios apresentam dificuldades de acesso e várias rotas de
estradas ainda não identificadas ou de difícil identificação, fator que facilita a ação de grupos que,
por muitas vezes, se estabelecem nesses municípios por algum tempo para fazer um serviço de
“inteligência criminosa”, levantando rotas, efetivos policiais, pontes que poderão ser destruídas
para isolar o município e base de apoio para as fugas. Além desses problemas, temos dificuldades
de barreira de fiscalizações em parceria com outros órgãos de segurança pública e baixo
levantamento de dados contínuos para suprir as inteligências das polícias com os acontecimentos
da região.

Figura 3 – Municípios Paraenses com maiores registros de roubo a Instituições Bancárias, modalidade vapor, no
período de 2011 a 2016.

89
Fonte: Governo do Estado do Para, SIAC, 2016.

A Figura 3 demonstra que, das 48 (quarenta e oito) ocorrências do período estudado, os


municípios de Santana do Araguaia, Baião, Uruará, Canaã dos Carajás e Eldorado dos Carajás, Viseu,
São Geraldo do Araguaia, Placas e Rurópolis foram os mais atacados pelo Novo Cangaço, de maneira
que, dos 29 municípios que sofreram essa modalidade, os 9 municípios citados juntos obtiveram
concentração de 59% do total.
Para Costa (2016, p. 46) esses municípios nos quais as ocorrências de novo cangaço são
recorrentes, possuem algumas características ligadas a fatores geográficos, estruturais e
socioeconômicos que atraem as quadrilhas dessa modalidade criminosa:

Estas cidades possuem grande fluxo migratório com região nordeste do país,
especialmente quando passou a se implementar nas regiões destas cidades grandes
projetos agropecuários (Santana do Araguaia), de produção de energia hidrelétrica
(Baião próxima de Tucuruí), e produção mineral (Canaã e Eldorado), extração de
madeira e construção da hidrelétrica de Belo Monte (Uruará).

Percebe-se que os fatores socioeconômicos desses municípios são preponderantes na


escolha do alvo pelos criminosos, haja vista a grande circulação de dinheiro nessas localidades
aliada, ainda, aos fatores já mencionados que proporcionam um cenário favorável para as ações
criminosas e um grave problema para a Estado, pois o tempo de resposta entre o fato ocorrido e a
chegada da polícia militar e civil no local é o suficiente para a evasão das quadrilhas.

4.1 COLETA E ANÁLISE DE DADOS


Como podemos observar no Quadro 1, o Banco do Brasil é a instituição Bancária que tem
preferência pelos assaltantes (25 ocorrências), seguida pelo Bradesco (6 ocorrências), Banco da
Amazônia (5 ocorrências) e Banpará (3 ocorrências). Isso pode ser atribuído ao fato do Banco do
Brasil (BB) ser a instituição com o maior número de agências instaladas no interior do Pará, segundo
informações do Banco Central, e a uma padronização dessas agências no modelo BB, o que facilita
a ação tática das quadrilhas. Outro fato recorrente é a concentração dos pagamentos para um único
período do mês, o que leva a uma grande concentração de dinheiro em um único local e espaço de
tempo.

Quadro 1 – Ocorrências de assalto a bancos, modalidade “novo cangaço” no Estado do Pará entre os anos de 2011 a
2016, por representação bancária.
BANCO 2011 2012 2013 2014 2015 2016 ∑ Geral
Banco do Brasil 8 4 2 3 6 2 25
90
Banpará 0 0 1 0 0 2 3
Banpará/Banco do Brasil 0 0 0 1 0 0 1
Banpará/Basa 0 0 0 0 0 1 1
Basa 1 0 0 1 2 1 5
Basa/Banco do Brasil 0 0 0 0 1 0 1
Basa/Banpará 0 1 0 0 0 0 1
Bradesco 1 1 1 0 1 2 6
Bradesco/Banco do Brasil 1 0 0 0 0 0 1
Casa Lotérica 0 1 0 0 0 0 1
CEF 0 0 0 0 0 0 1
Prossegur 0 0 0 0 0 2 2
Santander 1 0 0 0 0 0 1
∑ Geral 12 7 4 5 10 10 48
Fonte: Governo do Estado do Para, SIAC, 2016.

Outro elemento de análise é o fato de que a maioria das prefeituras dos Municípios
Paraenses utiliza o Banco do Brasil para o pagamento do funcionalismo público, bem como órgãos
da esfera Federal sediados nas cidades polos do interior do Estado do Pará. Essa instituição
financeira está presente estrategicamente em municípios em que funcionam grandes projetos
gerenciados por grandes empresas nacionais e multinacionais.

Quadro 2 – Ocorrências de assalto a bancos, modalidade “novo cangaço” no Estado do Pará entre os anos de 2011 a
2016, por RISP/Municípios.
RISP MUNICÍPIOS 2011 2012 2013 2014 2015 2016 ∑ Geral

13ª RISP Santana do Araguaia 2 2 0 0 1 0 5


Redenção 1 1
14ª RISP São Felix do Xingu 1 1 2
Tucumã 1 1
Canãa dos Carajás 2 1 3
Eldorado Carajás 1 1 1 3
10ª RISP São Geraldo do Araguaia 1 1 2
São Domingos do Araguaia 1 1
Bom Jesus do Tocantins 1 1
Rondon do Pará 1 1
Marabá 1 1
Rurópolis 1 1 1 3
15ª RISP Placas 1 1 2
Trairão 1 1
11ª RISP Uruará 1 1 1 3
Medicilândia 1 1
Porto de Moz 1 1
Baião 2 1 1 1 0 5
Barcarena 1 1
4ª RISP Moju 1 1
Mocajuba 1 1
Concordia do Pará 1 1
São Miguel do Guamá 1 1
3ª RISP São Joao da Ponta 1 1
Curuçá 1 1
Viseu 1 1
6ª RISP Capitão Poço 1 1
91
Nova Esperança do Piriá 1 1
9ª RISP Jacundá 1 1
∑ Geral 12 07 04 05 10 10 48

Fonte: Governo do Estado do Para, SIAC, 2016.

No período de estudo abordado, a modalidade criminosa “novo cangaço” entre os anos de


2011 a 2016, no Pará registrou-se um total de 48 (quarenta e oito) ocorrências, destacando-se os
municípios de Santana do Araguaia com 5 ocorrências, Baião com 5 ocorrências e Canãa dos Carajás,
Eldorado Carajás, Rurópolis e Uruará com 3 ocorrências cada, o que totaliza 46,93% das ocorrências
nesse período.
A partir das características peculiares das RISP’s é possível inferir que essas ocorrências estão
concentradas nas seguintes origens: efetivo reduzido das Policias Civil e da Policia Militar nessas
áreas, falta de fiscalização nas Rodovias (PA e BR), densidade demográfica reduzida e dificuldade
logísticas de acesso às localidades mais distante. No entanto, alguns atrativos chamam a atenção
nas regiões, a exemplo da 10ª RISP na qual há intensa participação da empresa Vale do Rio Doce,
por conta dos Grandes Projetos Minerais, principalmente nos munícipios de Eldorado do Carajás e
Canaã dos Carajás; na 13ª existem projetos voltados para agropecuária no município de Santana do
Araguaia; na 4 RISP’s tem-se a produção de energia elétrica em Tucuruí, tendo, a cidade vizinha
Baião, já sofrido 5 (cinco) ataques; na 11ª RISP’s há intensa extração de madeira e a construção da
hidrelétrica de Belo Monte, pertence a essa região o município de Uruará que já sofreu 3 (três) do
novo cangaço, fatores que geram grandes movimentações financeiras nessas regiões. Além de todas
elas propiciarem facilidade durante a fuga dos assaltantes, por apresentarem grandes áreas de mata
fechada, cercado por rios, onde o bioma amazônico contribui para o “homiziamento” dos
assaltantes e principalmente por algumas cidades dessas regiões fazerem divisa com municípios de
outros Estados Brasileiros, como Santana do Araguaia e São Felix do Xingu.

Quadro 3 – Ocorrências de assalto a bancos, modalidade “novo cangaço” no Estado do Pará entre os anos de 2011 a
2016, por Mês do ano
MÊS FATO 2011 2012 2013 2014 2015 2016 ∑ Geral
Janeiro 0 0 0 1 0 2 3
Fevereiro 2 0 1 0 4 1 8
Março 1 0 0 0 1 2 4
Abril 0 1 0 1 0 1 4
Maio 0 1 0 0 1 0 2
Junho 2 0 0 0 1 0 3
Julho 0 1 0 1 1 0 3
Agosto 1 0 0 0 0 0 1
Setembro 1 3 1 1 0 1 7
Outubro 0 0 2 0 0 0 2
Novembro 3 1 0 1 2 2 9
Dezembro 2 0 0 0 0 1 3
∑ Geral 12 7 4 5 10 10 49
Fonte: Governo do Estado do Para, SIAC (2016)

Ao analisarmos o Quadro 3, no qual temos uma distribuição por meses das ocorrências,
percebemos maior concentração nos meses de novembro (9 ocorrências), fevereiro (8 ocorrências),
e Setembro (7 ocorrências), seguido de Março e Abril (4 ocorrências) e Janeiro, Junho, Julho e
dezembro (3 ocorrências). Isso pode estar relacionado aos períodos que antecedem grandes
eventos festivos no Estado do Pará e no Brasil, a exemplo do Carnaval, Círio de Nazaré e festas de

92
fim de ano, nos quais, consequentemente, se injeta grande quantidade de numerário nas
instituições financeiras para circulação no mercado. Outro ponto relevante é que muitos ataques
ocorreram nos meses em que vigora o inverno amazônico, nos quais as vias e vicinais encontram-se
em péssimas condições de trafegabilidade e a vegetação fica alagada, dificultando a perseguição
policial.
No Pará, esta modalidade de assalto a banco tem sido praticada, nos últimos anos,
exclusivamente nas pequenas cidades do interior do Estado em razão do reduzido efetivo policial,
quantia expressiva de dinheiro em circulação em alguns municípios e facilidade de fuga.
Apesar do Estado do Pará ter investido em efetivo policial capacitado e estruturado, os
processos de investigação, através da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (DRCO) para o
enfretamento ao Novo Cangaço, e alguns resultados têm sido satisfatórios, como prisões de alguns
integrantes das quadrilhas e apreensão de armas de grosso calibre. Ainda assim, esse tipo de crime
continua a ocorrer em algumas regiões do Estado do Pará e, em algumas cidades – Santana do
Araguaia (região sul do Estado), Baião (região nordeste) e Uruará (região oeste) – foram recorrentes
a ação dos bandos, cada uma, em pelo menos quatro vezes nos últimos cinco anos (PARÁ, 2016).
A Geografia do Pará pode ser apontada com uma das causas de incidência do novo cangaço,
pois o Estado Paraense possui a maior população da região norte e uma área territorial muito
grande, a segunda maior (Km²), além da segunda maior Densidade Demográfica (segundo Relatório
da Secretaria Adjunta de Análise Criminal com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE, 2015),
O aspecto geográfico referente à vegetação do Estado do Pará é outro ponto levado em
consideração pelos assaltantes, pois facilita ao utilizarem o acampamento em mata ou
“homiziamento”, haja vista que a vegetação é densa e tangenciada por rios, o que dificulta as ações
da polícia e favorece a fuga da quadrilha.
De acordo com o Quadro 2, foram registrados 48 (quarenta e oito) ataques dessa
modalidade criminosa em 29 cidades paraenses, distribuídos nas regiões nordeste, sudeste, sul e
oeste.

Quadro 4 – Demonstrativo da População, Área e Densidade Demográfica da Região Norte.


ESTADOS POPULAÇÃO ÁREA DENSIDADE
DEMOGRAFICA
Pará 8175113 1247954,32 6,55
Amazonas 3938336 1559148,89 2,53
Rondônia 1768204 237590,54 7,44
Tocantins 1515126 277720,57 5,46
Acre 803513 164123,74 4,90
Amapá 766679 142828,52 5,37
Roraima 505665 224303,19 2,25
Total 17472636 3853669,77 34,50
Fonte: IBGE (2016)

Quadro 5 – Demonstrativo dos municípios com reincidência de ocorrência de “Cangaço” por População, Área e
Densidade Demográfica (2011-2016).
DENSIDADE QTD EVENTO
MUNICÍPIOS POPULAÇÃO ÁREA DEMOGRAFICA 2011-2016
Santana do Araguaia 67033 11591,49 5,78 5
São Felix do Xingu 116186 84213,25 1,38 2
Canãa dos Carajás 33632 3146,41 10,69 3
Eldorado Carajás 32664 2956,69 11,05 3

93
São Geraldo do 2
24607 3168,38 7,77
Araguaia
Rurópolis 46804 7021,32 6,67 3
Placas 28533 7173,19 3,98 2
Uruará 44486 10791,41 4,12 3
Baião 43757 3758,3 11,64 5
Fonte: IBGE (29/02/2016) e SIAC (2016).

Nos Quadros 4 e 5 podemos visualizar os municípios onde ocorreram os registros de Novo


Cangaço, no mínimo 2 vezes conforme sua área em Km² e suas respectivas populações, onde a soma
das áreas dos municípios que ocorreram o citado delito correspondem a 10,72% em relação à área
do Estado, enquanto o percentual da população desses mesmos locais é de 5,35%. Percebe-se que
dos 9 municípios reincidentes de ataques no período 2011-2016, todos concentravam menos de 12
hab/Km², ou seja, nenhuma grande cidade Paraense, como Belém, Marabá, Altamira, Itaituba,
Paragominas, Bragança e Parauapebas foi alvo do Novo Cangaço.
Ainda de acordo com o Quadro 5, observa-se que as quadrilhas de roubo a banco têm como
alvo as pequenas cidades do interior, nas quais a população é pequena e, consequentemente o
efetivo das instituições de segurança também é reduzido (Policia Militar e Policia Civil). Nota-se,
ainda, que não houve ocorrências de cangaço nas grandes cidades do Estado.

5 CONCLUSÕES

Após o levantamento dos dados, podemos constatar que os números de ocorrências de


roubo a banco na modalidade novo cangaço no Estado do Pará chegaram a 48 (quarenta e oito)
eventos, em que a maioria ocorreu nas pequenas cidades do interior. Assim, infere-se que esses
números estão associados às localidades cujo efetivo policial é reduzido, há baixa densidade
demográfica e fazem fronteira com outros Estados da federação.
Diante dos indicadores supracitados, evidencia-se a necessidade do Estado traçar novas
estratégicas que visem prevenir e reprimir as ações delituosas, uma vez que esses criminosos são
extremamente articulados, organizados e detentores de um forte aparato bélico, sendo inviável
combate-los de frente. Para tal, algumas medidas poderiam reverter esse quadro, tais como:
aumento dos efetivos das unidades policiais especializadas (COE e DRCO) e dos efetivos das
unidades do interior recorrentes em ataques do novo cangaço, intensificar a fiscalização nas
rodovias de acesso ao Estado do Pará, a fim inibir o tráfego de criminosos, armas e apreender
veículos roubados.
Contudo, paralelamente a essas medidas, a atividade de inteligência se mostra como o meio
mais ativo do Estado para prevenir ou mesmo reprimir as ações do novo cangaço no Pará, sendo
um recurso essencial a ser utilizado, haja vista que através do Ciclo de Produção de Conhecimento
as informações seriam difundidas ao efetivo policial durante as operações de prevenção e após
eclodida a ocorrência na perseguição aos criminosos, havendo, assim, a orientação constante do
policiamento nas ocorrências de Novo Cangaço.
Diante do cenário de medo e terror que essas quadrilhas de assaltantes deixam na população
das pequenas cidades do interior, se faz necessária uma ação rápida e eficaz dos órgãos de
segurança pública. Para tal, compreendemos que a Atividade de inteligência é um recurso de
fundamental importância e que pode influenciar positivamente nas operações policiais que
combatem os eventos do Novo Cangaço no Pará.
Espera-se que a Atividade de Inteligência possa ser utilizada com maior frequência no
planejamento das operações de enfrentamento da criminalidade e que este estudo possa subsidiar

94
e nortear, de tal sorte, estimulando o aperfeiçoamento da interação entre a Inteligência de
Segurança Pública e as Instituições policiais.
Portanto, devido a necessidade de se enfrentar de forma eficiente essas quadrilhas que
atuam no interior do Pará, através da modalidade de roubo a bancos conhecida como novo cangaço,
esta pesquisa se justifica por meio da utilização da atividade de inteligência pelos policiais, em
contribuição para o seu público-alvo (policiais militares e civis). Os ganhos com a atividade de
inteligência são extremamente vantajosos, uma vez que as informações produzidas pela inteligência
norteariam os efetivos policiais, possibilitando resultados mais eficientes frente a esse tipo de ação
criminosa, tornando as operações bem sucedidas, elevando, desse modo, o reconhecimento da
população em relação aos órgãos de segurança pública do Estado do Pará.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Érico de. Lampião. João Pessoa: Editora Universitária, 1996.

ALVES FILHO, Francisco; ALMEIDA, Gustavo de. O ataque dos novos cangaceiros. Revista Isto É, São
Paulo, n. 2070, 2012. Disponível em: <http:// www.terra.com.br/istoe-
temp/edicoes/2070/imprime143870.htm>. Acesso em 20 ago. 2017.

AQUINO, Jania Perla Diógenes. Violência e Performance nos Assaltos contra Instituições Financeiras.
In: CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA, 6., 2008, Lisboa. Anais... Lisboa: Universidade Nova
de Lisboa, 2008. Disponível em: <http://historico.aps.pt/vicongresso/pdfs/345.pdf>. Acesso em: 2
ago. 2017.

BARROSO, Gustavo. Heróes e bandidos. São Paulo: Francisco Alves, 1997.

BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da]
União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Seção 1, p. 1. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 13 set. 2017.

BRASIL. Decreto nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000. Cria o Subsistema de Inteligência de


Segurança Pública, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, e dá outras providências. Diário
Oficial [da] União, Brasília, DF, 22 dez. 2000. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3695.htm>. Acesso em: 7 abr. 2017.

BRASIL. Doutrina Nacional da Atividade de Inteligência: Fundamentos e Doutrinas. Brasília/DF:


ABIN, 2016.

BRASIL. Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a
Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília,
DF 8 dez. 1999. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9883.htm>. Acesso em:
7 abr. 2017.

BRITO, Vladimir de Paula. Novos paradigmas para a inteligência policial: análise comparativa entre
os modelos de estado, policial e competitiva. 2006. 161 f. Dissertação (Mestrado em
Monitoramento Ambiental e Inteligência competitiva) – Pós-Graduação em Monitoramento
Ambiental e Inteligência Competitiva, Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal
do Amazonas, Manaus, 2006.

95
DUMAS. Alexandre. As aventuras de Robin Hood. São Paulo. Ed Zahar. 2015.

CEPIK, Marco A. C. Serviço Governamental: contextos nacionais e desafios contemporâneos.


Niterói, RJ: Impetus, 2011

CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

COSTA, Carlos André Viana da. Novo Cangaço no Pará: a regionalização dos assaltos e seus fatores
de incidência. 2016. 81 f. Dissertação (Mestrado em Segurança Pública) – Programa de Pós-
Graduação em Segurança Pública, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
do Pará, Belém, 2016.

DOSXEY, Jaime Roy; RIZ, Joelma de. Metodologia de Pesquisa Científica. [S.l.]: Escola Superior
Aberta do Brasil, 2003. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/
ABAAAAOesAC/metodologia-pesquisa-cientifica?part=4>. Acesso em: 20 ago. 2017.

DUTRA, Wescley Rodrigues. Nas trilhas do rei do cangaço e de suas representações (1922 - 1927).
2011. 176 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Centro
de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2011.

FERRO JÚNIOR, Celso Moreira. A Inteligência e a gestão da informação policial: conceitos, técnicas
e tecnologias definidos pela experiência profissional e acadêmica. Brasília, DF: Fortium, 2008.

GASPAROTO, Késsia Adriane Ferraz. A influência da atividade de inteligência para as ações do BOPE
da PMMT em ocorrências de roubo as instituições financeiras. 2013. Monografia (Bacharelado em
Ciências Militares) – Curso de Formação de Oficiais, 2013.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

GONÇALEZ, Alline Gonçaves et al. O crime organizado. Boletim Jurídico, Minas Gerais, v. 2, n. 83,
2004. Disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto. asp?id=305>. Acesso
em: 2 ago. 2017.

HOBSBAWM, Eric. Banditismo social. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

LIMA FILHO, Jorge Ramos de. Gerenciamento de Crises: Curso de Formação de Agente e Escrivão
de Polícia da Policia Civil da Bahia. Salvador: Academia da Polícia Civil, 2008. Disponível em:
<https://cidadaossp.files.wordpress.com/2010 /06/apostila_gerenciamento _de_crises.pdf>.
Acesso em: 24 maio 2016.

PARÁ. Secretaria Adjunta e análise criminal. Relatório de roubo a instituições bancárias. Belém:
SIAC, 2016.

QUEIROZ. Maria Isaura Pereira de. História do cangaço. 5. ed. São Paulo: Global, 1997. (História
popular; 11).

SANTOS, Antônio Raimundo dos. Metodologia científica: a construção do conhecimento. 4. ed. Rio
de Janeiro: DP&A, 2001.

96
SOUSA, Jailson Fonseca de; SOUZA, João Welber da Silva; SILVA, Márcio Bruno Silva da. A existência
do crime organizado no Brasil e o reflexo no Pará através do Novo Cangaço. 2013. 62 f. Monografia
(Técnico de Gestão em Segurança) – Curso de Tecnólogo em Gestão de Segurança Privada,
Faculdades Integradas Ipiranga, Belém, 2013.

TEIXEIRA, Elizabeth. As três metodologias: acadêmica, da ciência e da pesquisa. 6. ed. Belém:


Grapel, 2003.

VIANNA, Rodrigo. Na trilha do cangaço. Produção de Yoni Chastinet. Imagens: Ademir Salandim.
Naração do cordel: João Gomes de Sá. Pernambuco, 15 jun. 2009. (Série de reportagens exibida
pela Rede Record).

97
(Imagem: Artéria Partida. Autor: Clarina de Cássia da Silva Cavalcante)
“O sangue é um rio, fluindo obscuramente entre as raízes interligadas da alta cidade brilhante; loucas
migrações de louva-deus, fluindo coagulam o grande ventrículo do coração partido da América; tantos
paraísos esperando, tomando fôlego tateando esperançosos, todos tocam juntos em silencioso e
desesperado uníssono: Hey, hey, hey, alguém está ouvindo? Notícias da linha de frente”

(GUREWITZ, Brett; BENTLEY, Jay; SCHAYER, Bobby. News From the Front [música]. In: BAD RELIGION. Stranger than
fiction [álbum musical]. New York City: Atlantic Records, 1994.).
98
II. SEGURANÇA PÚBLICA

99
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PANORAMA ESTATÍSTICO DA VIOLENCIA CONTRA A MULHER
NO ESTADO DO PARÁ (2014-2016)
Violação de direitos fundamentais

Sandra Regina Alves Teixeira


21

1 INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher tem se manifestado em diferentes épocas, registrada em


diversos sistemas de justiças, porém, apesar de todas as políticas públicas com propostas a sua
diminuição, o quadro apresenta que não houve decréscimo em matéria de violência de gênero.
Essa ineficácia do sistema de justiça para conter o aumento da taxa de violência contra a
mulher advém de diversos fatores: desde a incompreensão da complexidade dos casos, tais como,
consequência dos padrões culturais herdados de uma sociedade patriarcal e que ainda subsiste na
sociedade latino-americana, bem como a excessiva burocratização dos procedimentos legais, as
dificuldades de investigação nas complexas modalidades desta violência, a impossibilidade de
responsabilizar os ofensores, segundo os membros do entorno familiar a que as vítimas pertencem,
entre outros.
Com a Segunda Grande Guerra, se desencadeou uma reconstrução dos costumes e
começaram assim a surgirem as primeiras ideias de empoderamento da mulher, indagações e
necessidades de investigar quem são esses indivíduos “sem identidade”, sem direitos constituídos,
a que a cultura denomina mulher, embora se acreditando apenas sujeito cognoscendi, iniciando,
assim, uma grande virada, um despertar para a luta pelos direitos e garantias da mulher, no dizer
de Beauvoir, é “no momento em que as mulheres começam a tomar parte na elaboração do mundo,
esse mundo é ainda um mundo que pertence aos homens” (BEAUVOIR, 1980, p.15.).
O tema polêmico da Pesquisa remete a refletir como o Estado e as instituições realizam suas
políticas públicas de combate à violência de gênero e como contribuir para a prevenção criminal
desses delitos, além de fortalecer dados de políticas de empoderamento da mulher.
As formas convencionais de violência contra a mulher são em sua maior parte, as que são
praticadas dentro da própria família, interligadas às relações domésticas ou afetivas. De outra parte,
também podemos assinalar outras formas de violência contra mulher no âmbito externo ao familiar,
como por exemplo, o trabalho escravo ou exploração sexual, a feminização da pobreza e o femicídio.

Al respecto, el carácter reiterativo de las violaciones sexuales y la aquiescencia de los


mandos superiores ante su perpetración, permite sostener que esta específica
modalidad de atentar contra la integridad de las personas formó parte de una
política estatal. El hecho mismo de la violación sexual se vio agravado por haber
utilizado los victimarios métodos extremadamente atroces contra mujeres de toda
condición, como niñas, madres embarazadas y ancianas. Estos métodos no tienen
siquiera parangón con aquellos que se utilizaban contra el enemigo en los combates
del enfrentamiento armado interno (INFORME DE LA COMISIÓN PARA EL
ESCLARECIMIENTO HISTÓRICO: GUATEMALA, 1999, p. 25).

As redes de mulheres, que combatem a violência de gênero da América Latina e Caribe têm
se manifestado contra as estatísticas que apontam um elevado número de crimes praticados contra
a mulher e reclamam contra a impunidade que se produz ao redor destes casos. É certo que, apesar

21
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
TEIXEIRA, Sandra Regina Alves. Breves considerações sobre o panorama estatístico da violência contra a mulher no
Estado do Pará (2014-2016): Violação de direitos fundamentais. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando
Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua:
CROM, 2021.

100
de já existirem legislações específicas para o combate à violência doméstica e familiar na América-
Latina e Caribe, essa modalidade de delito ainda persiste.
Em contraposição a esta situação generalizada de violência e diante das demandas das
organizações de mulheres que se articulam em diversos grupos de trabalhos, movimentos sociais
ou foros de caráter mundial, regional e nacional já existem políticas públicas com o objetivo de que
a sociedade e os Estados assumam seu dever ético-político de prevenção e erradicação de qualquer
tipo de ameaça aos direitos humanos das mulheres.
A nível mundial, a Assembleia General das Nações Unidas aprovou em 1979 a Convenção
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). Essa Convenção
obriga aos Estados a tomar uma série de medidas e ações com o propósito de promoverem a
igualdade entre homens e mulheres em diversos aspectos, como por exemplo, fomentar a maior
participação da mulher na vida política, social, económica e cultural, o acesso a alimentação, a
saúde, a educação, a capacitação, a oportunidades de emprego, e, em geral, a satisfação de suas
necessidades e aspirações pessoais.

2 PANORAMA ESTATÍSTICO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO ESTADO DO PARÁ

Em 2011 foram 6.139 ocorrências registradas nas Delegacias Especializadas em Atendimento


à Mulher na Região Metropolitana. Em 2012 foram 6.207 registros. O número de prisões aumentou
238 em 2011, contra 275 em 2012 (SSP PA, 2013, n.p.).
Segundo informações da Policia Militar, de janeiro a julho de 2015, foram registradas 3.842
ocorrências de violência doméstica contra a mulher, em um total de 5.502 atendimentos realizados
pela Delegacia da Mulher em Belém, sendo que houve um aumento de denúncias de 5,85% de
violência doméstica em relação aos anos de 2013 e 2014. Já no ano de 2013 foram registrados
15.193 boletins de ocorrências de violência contra a mulher em todo o Estado. Em 2014 foram
contabilizadas 16.083 ocorrências. Segundo informações relativas aos dados estatísticos da
Segurança Pública, isso significa uma maior massificação da Lei Maria da Penha, que encorajou
inúmeras mulheres a denunciar os agressores. Concernente aos procedimentos policiais tais como:
inquéritos e prisões em flagrante, em 2013 foram lavrados 5.767 procedimentos e em 2014 o
número elevou para 5.930, tais crimes são julgados nos juizados especializados de violência contra
a mulher (SSP PA, 2013, n.p.).
No que se refere à quantidade de processos judiciais por violência doméstica que tramitam
no Tribunal de Justiça do Estado do Pará, o mesmo identificou um aumento considerável em 2016,
sendo registrados 10.181 novos casos de violência, contra 9.743 em 2015. A diferença entre
processos novos e concluídos gera um déficit na justiça paraense, hodiernamente 21.842 casos de
violência doméstica estão pendentes no Poder Judiciário do Estado do Pará (SSP PA, 2013, n.p.).
O Tribunal de Justiça do Estado do Pará informou que 6.237 homens agressores no ano de
2015 foram punidos com rigorosidade e sentenciados, já em 2016 o total foi de 5.368. Apesar de
que existe uma diferença entre os novos processos e os concluídos resultando em um déficit de
21.842 processos tramitando em pendência no judiciário paraense.
O estudo do Mapa de Violência 2015, a pesquisa sobre Homicídios de Mulheres, produzido
pela Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso), analisa que a taxa de homicídios contra
as mulheres no Estado do Pará aumentou em 104% no período de 2003 a 2013. Dados do Ministério
Público do Estado do Pará (2016), afirmaram que no ano de 2016, foram registrados mais de 6 mil
casos de violência contra a mulher no Estado do Pará, sendo que na capital ocorreram 4 mil casos
de violência, que repercutiu uma sessão especial na Câmara Municipal, abordando a questão da
violência contra a mulher. O relatório do Ministério Público do Estado do Pará, afirma que houve
um aumento de 4% em relação ao ano de 2015, mas quando comparados com os dados de 2014
diminuíram 15%. Segundo a Promotora, o perfil do agressor são homens acima de 20 anos, com
uma cultura machista, e a mesma considera que houve um relativo número de aumento de

101
denúncias, pelo encorajamento das mulheres, embora ainda seja necessário avançar em dois
aspectos no endurecimento das leis e na educação.
Consoante o Mapa da Violência na comparação de taxas de homicídios de mulheres por 100
mil nas UFs e em suas respectivas capitais no Brasil em 2013, o Estado do Pará aparece com a taxa
de 5,8 e em 10ª posição (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015). Neste sentido em relação à referência
observada no Mapa de Violência 2015, que analisa o ordenamento dos 100 municípios com mais de
10 mil habitantes do sexo feminino, com as maiores taxas médias de homicídios de mulheres por
100 mil (Brasil 2009-2013).
O Estado do Pará é representado no Mapa da Violência constando as 7 cidades mais violentas
entre elas Tucumã que está na 18ª posição nacional de homicídios de mulheres; Novo Progresso
(20ª); Paragominas (24ª); Tailândia (25ª), São Geraldo do Araguaia (26ª); Ourilândia (39ª); Goainésia
do Pará (41ª); São João de Pirabas (65ª); Rondom do Pará (98ª) (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015).
Em estudo realizado anteriormente através de mapeamento da violência na Região
Metropolitana de Belém (AUGUSTO; LIMA, 2015), constatou-se que o município de Santa Barbara
apresentava um maior índice de violência, com Índice de Desenvolvimento Humano considerado
médio, Marituba com um elevado índice de violência urbana e IDH Médio e Ananindeua
apresentando um índice de violência alto com um IDH alto, sendo que três bairros são considerados
muito violentos Icuí Guajará e Paar, este considerado a maior invasão da América Latina, com
imigrantes de Pará, Amapá, Amazonas e Roraima, tal bairro faz fronteira entre duas invasões
intituladas Favelinha e Afeganistão, tendo como principais características: região de tráfico de
drogas; proteção de rede de marginais; ausência de educação, saúde policiamento e instituições de
apoio a mulheres vítimas de violência nas unidades de saúde dos bairros.
A pesquisa registrou os bairros com maio índice de violência na Região Metropolitana de
Belém: Guamá (Belém) com 6,30%, Icuí Guajará (Ananindeua) 5,60%, Coqueiro (Ananindeua) com
4,02%, Marambaia (Belém) com 3,85%, tais bairros apresentam um alto índice populacional com
redução econômica e social, ocupação desordenada em periferias, com pouca intervenção do
estado nas áreas de segurança, educação, cultura, geração de renda e emprego e saúde.
Segundo a Delegada de Polícia Janice Aguiar, titular da Divisão Especializada em
Atendimento à Mulher da Polícia Civil, cerca de 30 mulheres procuram diariamente a Delegacia
solicitando medidas protetivas para combater as agressões cometidas por homens, enfatiza que os
mais comuns são crimes de ameaça e lesão corporal, e lamentavelmente são inúmeros os processos
que não resultam em condenação, porque a vítima desiste de dar continuidade à denúncia. Segundo
a interpretação da Delegada:

É um número expressivo, mas ainda não reflete a realidade: a gente sabe que têm muitas
mulheres, que não procuram a polícia, que ainda tem medo, então está longe de ser o
número real da quantidade de violência doméstica, Não existe essa coisa de retirar a queixa,
o que ocorre é que alguns crimes como o de ameaça, dependem de representação na fase
judicial, e a ausência desta representação impede que o promotor denuncie. Se em fase
judicial a vítima não representar ou desistir o promotor fica impedido de continuar. Esse
comportamento é comum. Muitas desistem, e ficam até com raiva quando vão atrás de
perícia, documento. A dependência emocional é muito grande. Não é nem financeira. Já
que até mulheres que tem uma condição financeira boa e instrução elevada sofrem com
isso. Mesmo assim elas têm dependência emocional e é muito grande. Elas atribuem que
existe a possibilidade de o companheiro melhorar mudar o comportamento e decidem que
querem dar uma segunda chance (PROPAZ MULHER, 2016, n. p.).

Algumas inciativas têm sido realizadas pela Rede de Proteção a Mulher no Estado do Pará,
no período de 19 a 23 em setembro de 2016, o Fórum Criminal de Belém do Tribunal de Justiça do
Estado do Pará, realizou uma ação intitulada “Mutirão nos Bairros” no qual apreciou 763 processos
atinentes a Violência Doméstica e Familiar da Capital, sendo selecionados processos dos Bairros do

102
Marco e Pedreira (tais bairros são considerados de classe média, e não periféricos), objetivando
acelerar a prestação jurisdicional as mulheres vítimas de violência nestes bairros.
Ainda relacionado aos dados estatísticos da violência contra a mulher no Estado do Pará, o
disque denúncia 180, registrou em 2015 cerca de 11 relatos por dia de agressão as mulheres
totalizando 3.927 ligações, correspondendo uma taxa de 116,80 agressões a cada grupo de 100 mil
mulheres no estado constatou-se um aumento de 78% em relação a 2014 com 2.206 denúncias
registradas, Em relação ao total de denúncias, em primeiro lugar está a agressão física 1.274 (32,5%)
em seguida de agressão psicológica 625 ligações (16%) . O mais preocupante e grave é que em 63%
dos casos relatados de violência contra a mulher, 2.603 existe possibilidade concreta de feminicídio.
E do total de 3.927 ligações 75% são recorrentes em casos semanais de agressão (MAPA DA
VIOLÊNCIA, 2015)
No entanto, em março de 2017 foi publicada uma pesquisa pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública e Instituto de Pesquisa Data Folha com apoio internacional do Canadá e Instituto
Avon intitulada: “Visível e Invisível: a Vitimização da Mulher no Brasil”, com o objetivo de levantar
informações sobre a percepção da violência contra a mulher e sobre a vitimização sofrida atinente
aos tipos de agressão, o perfil da vítima e as atitudes tomadas frente à violência (FORUM BRASILEIRO
DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2017. Cotidianamente as mulheres sofrem heterogêneos tipos de
violências nas suas relações sociais de gênero, sendo importante repensar os instrumentos de
erradicação de violência contra a mulher. Alguns dados interessantes são extremamente
preocupantes, pois para 73% da população brasileira a violência contra a mulher aumentou nos
últimos 10 anos. Entre as mulheres, a representação social da violência eleva-se para 76%, e entre
as que vivenciaram algum tipo de violência nos últimos 12 meses o percentual é de 79% (FORUM
BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2017)
A pesquisa relatou que 66% da população respondeu afirmativamente ter visto alguma
mulher ter sido vítima de violência, ou seja, 2 em cada 3 brasileiros presenciou uma mulher sendo
vítima de violência no ano de 2016. Concernente ao perfil do agressor observa-se que a maioria é
conhecida da vítima e representam 61%, sendo que 19% são cônjuge/companheiro/namorado; 16%
ex cônjuge/ex companheiro/ex namorado; seguidos de familiares tais como: irmãos, pais mães e
pessoas próximas como amigos e vizinhos.
A pesquisa evidenciou que as vitimizações das mulheres de alta renda com mais de 10
salários mínimos ocorrem em casa e atinge um percentual de 52% e 23% no trabalho. Enquanto as
mulheres de baixa renda (até dois salários mínimos) a vitimização está distribuída em casa, atingindo
o percentual de 43% e 44 % na rua. Observou-se ainda maior vitimização da mulher branca em casa
(47%) do que na rua (34%), enquanto que para a mulher negra a agressão está mais distribuída nos
dois ambientes em casa corresponde a 42% e na rua 41%. Dentre este universo 52% das mulheres
vítimas de violência não fizeram nada, ou seja, não tomaram atitude frente a violência, não
procuraram a rede de proteção, sendo consideradas como “cifras negras”.
No quesito agressão física nos casos de lesão provocada por algum objeto e de ameaça com
faca e arma de fogo, 41% e 48% respectivamente, relataram ter recorrido a um órgão oficial
concernente ao sistema de segurança (Delegacia de Mulher, Delegacia Comum, Policia Militar 190,
Central de Atendimento a Mulher). No entanto, 49% das mulheres negras declararam não ter feito
nada. Sendo que, mulheres brancas correspondem a 57%, que não tomaram atitude em relação aos
casos de ameaças, perseguições e violência física contra as 30% que recorreram aos órgãos públicos
da rede de proteção.
A pesquisa sistematizou que 30% das mulheres relataram que sofreram algum tipo de
violência pessoal e direta no ano de 2016. Sendo que 66% dos entrevistados relataram que
presenciaram algum tipo de violência contra as mulheres no próprio bairro onde moram.
Segundo Ramos (2017), ao analisar sobre a violência contra a mulher:

103
O fato é que, sob a expressão violência contra a mulher, encontram-se variadíssimas
dinâmicas e formas de agressão e o próprio movimento de mulheres e os sistemas policiais
de proteção às mulheres, muitas vezes têm dificuldades de entender que a Lei Maria da
Penha foi um avanço extraordinário em termos simbólicos para toda a sociedade, mas
também foi um complicador para as mulheres que- em vez de punir, querem restaurar suas
relações. Querem que a violência cesse, mas não querem se separar de seus companheiros.
No caso da violência doméstica contra a mulher, algumas vezes o homem só olha para a
gaveta onde guarda a arma para fazer a mulher obedecer; ela sabe que ele efetivamente
pode matá-la numa cultura onde mata-se muito. No caldo de agressões e ameaças que
tantas vezes regulam as relações íntimas, não vamos nos esquecer que violências entre
casais do mesmo sexo e também de mulheres em relação a homens estão presentes em
casamentos e estruturas familiares onde a violência é uma gramática que algumas vezes
conjuga um afeto e um amor. Aliás o mesmo ocorre entre casais de adolescentes
namorando ou “ficando”.
Eu não acredito que a violência contra a mulher é maior hoje no Brasil que há dez anos atrás.
Acho que as mulheres e homens, jovens reconhecem, identificam e rejeitam mais situações
de violência de gênero do que as mulheres e homens da minha geração. Mas só pesquisas
como essas são capazes de revelar o que acontece de fato com as mulheres e homens nas
casas, nas vidas privadas e espaços públicos (RAMOS, 2017, n. p.).

Uma das justificativas mais comuns para a inércia das pessoas que presenciam a violência
contra a mulher, é justamente a representação social de que é um assunto privado, ou seja, estando
presente o estruturante machismo e patriarcalismo na hodierna sociedade.
Lamentavelmente inúmeras mulheres não encontram um amparo social após ter sido vítima
de violência, vivenciando a agressão como algo naturalizado. Segundo os pesquisadores Silva et al
(2017), a mudança só ocorrerá com maior conscientização dessas medidas protecionistas em favor
da mulher:

O quadro da violência contra a mulher só começará a se reverter quando ela for considerada
intolerável e qualquer circunstância (em espaços públicos e privados), quando agressores
sejam interpelados e constrangidos e as mulheres lesadas sejam ouvidas e acolhidas, ou
seja, quando a sociedade para tomar a si, coletivamente, a responsabilidade pelo bem-estar
de suas mulheres (SILVA et al, 2017, n. p.).

A recente pesquisa nacional intitulada: “Visível e Invisível: a vitimização de Mulheres no


Brasil”, realizada pelo Instituto Data Folha e solicitado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP), observou que cerca de 12 mil mulheres foram vítimas de agressões físicas diariamente no
território nacional.
Deste total, 39,2% foram vítimas dos namorados, cônjuges, ou ex-namorados e ex-cônjuges.
A violência inicia cada vez mais cedo e cresce de forma estarrecedora. Segundo Miklos e Evangelista
(2017), os dados indicam que 45% das adolescentes e jovens de 16 a 24 anos sofreram algum tipo
de violência no período de um ano. Praticamente metade das jovens brasileiras são vítimas de
violência precoce. Neste sentido, para erradicar a violência contra a mulher o Estado (União, Estado
e Município) tem o papel social e dever institucional de formular e implementar políticas públicas
com atendimentos especializados e não apenas por instrumentos de segurança e de justiça.
É importante salientar que a violência contra a mulher, além de incidir no campo penal é
uma questão de saúde pública, além de um problema social e político. Especialistas afirmam que a
violência psicológica é uma grave violação dos direitos humanos das mulheres ocasionando reflexos
em sua saúde mental e física.

“As agressões psicológicas também denunciam uma desigualdade na relação que pode
evoluir para a violência física ou sexual ou homicídios. Então ter um diagnóstico precoce, é
bastante importante para evitar dano, morte ou outros crimes posteriores. E a própria
violência psicológica já é crime: calúnia. Injúria e difamação e ameaça de morte estão
previstas no Código Penal” (D’OLIVEIRA, 2014).

104
Segundo Oliveira (2014) é necessário diagnosticar o problema cedo.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência contra a mulher significa uma violação aos Direitos Fundamentais e Direitos
Humanos, em decorrência de uma supremacia masculina com mentalidade cultural machista,
patriarcalista, misógina, portanto é necessário que as normas possibilitem que no âmbito privado e
público, possam ser implementadas e fiscalizadas pelo Estado para garantir com eficácia e
efetividade os direitos das mulheres agredidas e vítimas de violência de gênero, salvaguardando-as.
Neste sentido, a violência de gênero é abrangente, pois é consolidada e naturalizada pelo
simples fato da mulher ser mulher, ocorrendo em todas as classes sociais e por todos os setores,
independente de nível cultural, econômico e político, assim como na esfera pública e privada,
parafraseando Felson (2000) a violência é antinormativa, na medida em que os agressores violam
normas de proteção às mulheres, a mulher que sofre a violência de gênero e doméstica é
duplamente vítima. A violência contra a mulher tornou-se um problema de saúde pública, um
problema político religioso, cultural, educativo, formativo, compreendendo em geral um sistema
social afetando todos os homens e mulheres de uma estrutura social, laboral e familiar.
A mulher vítima de violência detém Direitos Fundamentais inalienáveis, previstos na
Constituição Federal e em documentos normativos internacionais que integram a dignidade da
pessoa humana, inserida no Estado Democrático de Direito, o poder público tem o dever de
respeitar e garantir esses direitos, além de promover e sensibilizar políticas públicas e a participação
da vítima no processo. Diante desse quadro com altos índices estatísticos de violência existe uma
necessidade de avançar na formulação de políticas públicas que contribuam para a proteção dessas
mulheres vítimas de violência e que apresentam maior vulnerabilidade concernente a dependência
econômica e psicológica. É necessário, portanto, garantir a participação das mulheres nas políticas
públicas com demandas específicas para as mulheres, pois é indispensável que a Rede de Proteção
funcione com eficácia e efetividade em toda sua potencialidade, é imprescindível uma educação
preventiva pelo fim da violência de gênero para desconstruir aspectos culturais de violência.
Nesse sentido é primordial a punição rigorosa dos agressores, assim como
acompanhamento psíquico-social no combate a violência, evitando a recidiva de novos atos. É
essencial repensar a atuação do Direito Penal e Processo Penal na solução da desigualdade de
gênero no país, pois caso contrário, se a questão não for resolvida no início, poderá se descambar
em crime de maior gravidade, como o feminicídio. Conforme ponderou Montenegro (2015, n. p.) “a
busca da sociedade pelos efeitos simbólicos do Direito Penal legitima a ‘resolver’ conflitos sociais e
isso, como foi demonstrado termina trazendo mais vitimização, em especial quando a vítima é
mulher”. E ainda, consoante Blay (2008, n. p.), “o planejamento de políticas públicas só funcionará
com a total participação da sociedade civil, que já está alerta a respeito da violência contra a
mulher”.
Por fim, ao fazer uma análise da violência contra a mulher no ente federativo Pará, com uma
perspectiva analítica do olhar jurídico-social na estatística conclui-se que o cenário feminino é de
precarização de acesso aos serviços públicos e de políticas públicas que promovam uma vida com
mais dignidade, configurando alguns municípios paraense tais como: Melgaço e região do Marajó
como o pior Índice Desenvolvimento Humano para as mulheres na Amazônia, portanto violando o
princípio da dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS

AUGUSTO, André Ozela, LIMA Vera Lúcia de Azevedo. Mapeamento dos casos de violência contra
a mulher na região metropolitana de Belém narrados pela mídia impressa do Estado do Pará. In:

105
Revista Paraense de Medicina.V29 (2) abril-junho de 2015. Disponível em:
http://files.bvs.br/upload/S/0101-5907/2015/v29n2/a4988.pdf. Acesso em 21 abr 2017.

BALLOUSSIER Ana Virginia. O Pior lugar do Brasil. A cidade de Paragominas no Pará tem a maior
taxa de homicídios femininos no país. Trip TPM. 11.jun 2013.
Disponívelem:http://revistatrip.uol.com.br/tpm/o-pior-lugar-do-brasil-para-ser-mulher, Acesso
em: 28 abr 2017.

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Trad. Sérgio Milliet.2ª Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1980.

BLAY, Eva Alterman. Assassinato de Mulheres e Direitos Humanos. Curso de Pós-Graduação em


Sociologia. São Paulo: Ed. 34, 2008. p. 223

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Disponível em:


https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/m.Belem.do.Para.htm. Acesso em: 28 abr 2017.

D’ OLIVEIRA, Ana Flávia. A importância de mensurar e punir os danos da violência invisível.


Disponível em: http://www.compromissoeatitude.org.br/a-importancia-de-mensurar-e-punir-os-
danos-da-violencia-invisivel/. Acesso em: 23 abr 2017. 2017.

FELSON, Richard B. The normative protection of women from violence. Sociological Forum, v. 15,
n. 1, p. 91-116, New Jersey, March, 2000.

FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no


Brasil. Marc 2017. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2017/03/relatorio-pesquisa-vs4.pdf. Acesso em: 22 abr 2017. 2017.

INFORME DE LA COMISIÓN PARA EL ESCLARECIMIENTO HISTÓRICO: GUATEMALA. Guatemala


Memoria del silencio. Tomo VII, pág. 25, 1999.

MAPA DA VIOLÊNCIA 2015. Homicídios de Mulheres no Brasil. Disponível em


:http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf. Acesso em 09
abr de 2017.

MIKLOS, Manoela, EVANGELISTA Ana Carolina. O que somos, o que sabemos e o que fazemos com
isso. In: Visível e Invisíveis: A Vitimização de Mulheres no Brasil. Marc 2017. Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2017/03/relatorio-pesquisa-vs4.pdf. Acesso em: 22 abr 2017.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a


Mulher. Órgãos de Proteção e Rede de Proteção. Disponível em:
https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/index.php?action=MenuOrgao.show&id=4758&o
Orgao=81. Acesso em: 28 abr 2017. 2016.

MONTENEGRO, Marília. Lei Maria da Penha: uma análise criminológico-crítica; 1ª ed. Rio de
Janeiro. Revan, 2015. p 198.

106
PRO-PRAZ MULHER.DEAM do Pará tem atendimento integrado às mulheres vítimas de violência.
18 ago 2016. Disponível em: http://www.spm.gov.br/noticias/pro-paz-mulher-deam-do-para-tem-
atendimento-integrado-as-mulheres-vitimas-de-violencia-2. Acesso em: 03 abr 2017. 2016.

RAMOS, Silvia, Violência, Violências: mais agredidas ou mais atentas? In: Visível ou Invisível: A
vitimização das mulheres no Brasil. Marc 2017. Fórum Brasileiro Segurança Pública. Disponível
em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/03/relatorio-pesquisa-vs4.pdf.
Acesso em: 22 abr 2017.

SANTOS, Maria Odara Poli. GRELIN Daniela Marques. Violências Invisíveis o não óbvio em
evidência. In: Visível e Invisíveis: A Vitimização de Mulheres no Brasil. Marc 2017. Fórum
Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2017/03/relatorio-pesquisa-vs4.pdf. Acesso em: 22 abr 2017.

SILVA, Roberta Viegas, GREGOLI Roberta, RIBEIRO Henrique Marques. Resultado de Pesquisa
expõe tolerância social à violência contra as mulheres em espaços públicos. In: Visível e Invisíveis:
A Vitimização de Mulheres no Brasil. Marc 2017. Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/03/relatorio-
pesquisa-vs4.pdf. Acesso em: 22 abr 2017.

SSP PARÁ. Dados Dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará. 2013.

107
RACISMO INSTITUCIONAL E SEU REFLEXO NA SEGURANÇA PÚBLICA BRASILEIRA
Uma abordagem sociológica

Renata Almeida Danin


José Gracildo de Carvalho Júnior
22

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa pretende explorar a relação entre negros e pobres no contexto da Segurança
Pública sob a ótica do Racismo Institucional. Segundo Waiselfisz (2016), negros e pobres, são vítimas
preferenciais de abordagem policial, perseguição e letalidade violenta, além de ser maioria na
população carcerária. O Racismo Institucional na Segurança Pública será discutido, a partir de um
enfoque sociológico importante para a compreensão desta violência seletiva a negros e pobres. Por
razões metodológicas, nossa análise sobre o racismo institucional e sua ênfase nas ações de
segurança pública se limitará ao universo e atuação da Polícia Militar como integrante do sistema
prisional e porta de entrada do cidadão comum ao sistema prisional. O trabalho será realizado a
partir de uma revisão bibliográfica, tendo como principais expoentes os trabalhos de Wieviorka
(2007), Foucault (2000), Wacquant (2003) e sua abordagem sociológica.

2 METODOLOGIA

O objetivo da pesquisa é explorar a teoria sociológica a partir de uma breve revisão


bibliográfica do tema, e num segundo momento analisar dados secundários que mostram o reflexo
do Racismo Institucional e sua influência na sociedade, porém com alguma ênfase na ação policial e
o sistema prisional. Para fins metodológicos a instituição de segurança pública aqui referida será a
Polícia Militar.

3 INSTITUIÇÕES SOCIAIS

Para compreendermos as bases do Racismo Institucional, é importante conhecer o conceito


de Instituições Sociais, que segundo Wieviorka (2007), podem ser identificadas por aquelas
organizações que alçaram a condição de estruturas relativamente permanentes por terem fincado
raízes na sociedade.
A igreja, a escola, a família e o Estado são exemplos encontrados de instituições
fornecedoras de regras de conduta aceitas e legitimadas socialmente. As instituições sociais
também recompensam indivíduos e grupos por meio da distribuição de bens e serviços. Estas
instituições determinam quem receberá apropriado treinamento e habilidades mais qualificadas
para o mercado de trabalho, cuidados médicos, influência política, habitação e remuneração
adequada para uma vida digna, status social de maior prestígio e a promessa de um futuro seguro
para si e para as suas crianças. Contudo, é possível perceber que questões de etnia, de gênero, de
classe social e, sobretudo, de raça influenciam de forma decisiva como os bens e serviços são
distribuídos pelas instituições (WIEVIORKA, 2007).
Para Foucault (2000) todas as instituições têm um dispositivo disciplinar intrínseco, que é
essencial para o capitalismo, pois coloca as pessoas em seu espaço da sociedade, transformando-as
em “cidadãos modelo”, que movem o sistema.

22
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
DANIN, Renata Almeida; CARVALHO JÚNIOR, José Gracildo. Racismo institucional e seu reflexo na segurança
pública brasileira: Uma abordagem sociológica. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS,
João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM,
2021.

108
Assim, a sociedade disciplinar transita para a sociedade de controle, pois, de um modo, as
instituições acabam tendo um controle muito grande sobre as pessoas, já que as vidas
destas são regidas por tais. As instituições totais, mais especificamente, a força policial é,
mais uma das formas de articulação de bio-poder e, em especial, uma das formas mais
utilizadas pelo Estado. É a partir dessa força policial que, se configura toda a violência e
força física do Estado. E por ela se amansa o povo da forma mais antiga conhecida, pelo
medo do terror e da violência justificada (FOUCAULT, 2000, p.51).

Outro importante pensamento dentro da Teoria Institucional é o de Max Weber que define
Instituição como uma organização com profissionais que têm uma autoridade legal racional sobre
um grupo de indivíduos ou sobre a sociedade inteira. Para Weber (1968) o Estado ou a Igreja são
Instituições. Porém, uma facção criminosa não seria uma instituição porque a legitimidade dela é
somente carismática.

4 RACISMO E RACISMO INSTITUCIONAL

Racismo pode ser definido como a qualidade de decisões e políticas, que levam em
consideração a raça, com o objetivo de subordinar um grupo racial e manter o controle sobre este
grupo (WIEVIORKA, 2007).
Enquanto o conceito de Racismo é explícito, abrangente, direto, o conceito de Racismo
Institucional, tem características peculiares, algumas especificidades e sutilezas, uma vez que se
esconde e se confunde, tendo sempre um cenário institucional como pano de fundo.
Racismo Institucional é o fracasso coletivo das instituições em promover um serviço
profissional adequado às pessoas por causa da sua raça. Ele não se expressa em atos manifestos,
explícitos ou declarados de discriminação, mas atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de
instituições e organizações, que operam de forma diferenciada, do ponto de vista racial, na
distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população
(WIEVIORKA, 2007).

O fracasso coletivo de uma organização em fornecer um serviço profissional e


adequado às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica. Podendo ser
visto ou detectado em processos, atitudes e comportamentos, resultantes de
discriminação não intencional, ignorância, falta de atenção ou de estereótipos
racistas, que colocam minorias étnicas em desvantagem (WIEVIORKA, 2007, p.68).

Wieviorka (2007) defende que o racismo institucional possui natureza discriminatória, ainda
que não intencional, de organizações de grande escala ou sociedades inteiras, e está presente no
sistema judiciário e na própria corporação policial. Mas afinal, qual a influencia do racismo
institucional em nossa sociedade? Para esta resposta, recorre-se mais uma vez ao sociólogo francês
Michel Wieviorka.

Racismo institucional é a ‘imaginação’ de uma sociedade cujos segmentos dominantes não


tenham consciência do seu racismo e, no limite, aparentemente, tenham até atitudes
antirracistas, assegurando, dessa forma, uma posição favorável em que se conviveria com
um racismo disfarçado, embora estas elites aufiram vantagens dessas situações
(WIEVIORKA, 2007, 29).

O Racismo Institucional é menos evidente, muito mais sutil, menos identificável em termos
de ações específicas praticadas por indivíduos. Decorre do funcionamento abusivo ou omisso dos
poderes estabelecidos e respeitados pela sociedade e, portanto, recebe menos condenação pública
do que o racismo em sua forma individual.

109
Enfatiza-se a importância do contexto organizacional como raiz dos preconceitos e
comportamentos discriminatórios. Ao invés de acentuar a dimensão individual, ele se volta para a
dinâmica social e a “normalidade” da discriminação, buscando compreender a persistência da
discriminação mesmo em indivíduos e instituições que rejeitam conscientemente sua prática
intencional.
O racismo é um mecanismo fundamental de poder utilizado historicamente para separar
e dominar classes, raças, povos e etnias. Seu desenvolvimento moderno se deu com a
colonização, com o genocídio colonizador. O racismo segundo Foucault (2000) é o meio de
introduzir um corte entre o que deve viver e o que deve morrer.

No contínuo biológico da espécie humana, o aparecimento das raças, a distinção das


raças, a hierarquia das raças, a qualificação das raças como boas e outras como
inferiores, tudo isso vai ser uma maneira de fragmentar esse campo do biológico de que
o poder se incumbiu; uma maneira de defasar, no interior da população, uns grupos em
relação aos outros. O racismo faz justamente funcionar, faz atuar essa relação d e tipo
guerreiro (se você quer viver, é preciso que o outro morra) de uma maneira que é
inteiramente nova e que, precisamente, é compatível com o exercício do biopoder
(FOUCAULT, 2000, p. 93).

Como representante do Estado, o policial, por lei, deveria tratar os cidadãos com equidade,
sem distinções de classe ou cor da pele. Porém na prática, a população negra é a maior vítima de
agressão por parte de policiais quando comparados a não negros. Segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística em pesquisa nacional de vitimização, 6,5% dos negros sofreram
uma agressão e tiveram como agressores policiais ou seguranças privados, contra apenas 3,7% de
brancos (IBGE, 2014). Demonstrando assim uma clara seletividade penal.
As principais características identificadas para abordar um suspeito, de modo geral, mas não
exclusiva, está diretamente associado à classe social e à raça dos cidadãos.

Usualmente, nas Ciências Sociais, o termo marginal é aplicado àquele que se encontra à
margem do sistema socioeconômico, sem acesso à saúde, educação, moradia, enfim, aos
itens básicos de sobrevivência. Para as pessoas de um modo geral e para a polícia em
particular, o marginal está situado nesse conceito, mas constitui-se também em um
indivíduo que necessariamente comete crimes ou delitos, ou seja, trata-se daquele
indivíduo que, por ser pobre, teria maior probabilidade de ser um delinqüente. O termo
marginal denomina grupos, entre os quais estão incluídos os nordestinos, os negros, os
desempregados, membros de outras subculturas e minorias étnicas e raciais (REIS, 2002,
p.182).

De acordo com Sarmento (2008) a melhor forma para aferir a violação da dimensão do
princípio de igualdade é o levantamento de dados estatísticos. Segundo o professor, se for
estatisticamente demonstrado que a polícia realiza revistas pessoais em afrodescendentes com
frequência muito superior à utilizada em relação aos outros cidadãos, isto também pode servir
de comprovação à violação ao princípio da igualdade e o pronto estabelecimento do Racismo
Institucional. Este pensamento coaduna com as ideias de Waiselfiz (2016) quando ele confirma
que a maior parte da massa carcerária brasileira é composta em sua extrema maioria por
negros, pardos, pobres e de baixa escolaridade, ou seja, os indesejáveis, carentes da ação estatal
e de suas instituições mais importantes como as de saúde, educação, habitação, emprego,
segurança e etc. Terreno fértil para a ação do Racismo Institucional.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo o IBGE (2014) de cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil, 71 são negras.
Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem

110
em situação de guerra. A tragédia que aflige a população negra não se restringe às causas
socioeconômicas. O cidadão negro possui chances 23,5% maiores de sofrer assassinato em relação
a cidadãos de outras raças/cores, já descontado o efeito da idade, sexo, escolaridade, estado civil e
bairro de residência. Cerqueira e Coelho (2017) mostraram que, do ponto de vista de quem sofre a
violência letal, as cidades brasileiras são repartidas não apenas na dimensão econômica entre
pobres e ricos, ou na dimensão geográfica, mas também pela cor da pele.
Segundo Cerqueira e Coelho (2017) juntando os dois temas, dos homicídios de negros e de
jovens, as diferenças de letalidade contra os afrodescendentes são mais dilatadas no período da
juventude (entre 15 e 29 anos). Aos 21 anos de idade, quando há o pico das chances de uma pessoa
sofrer homicídio no Brasil, pretos e pardos possuem 147% a mais de chances de serem vitimados
por homicídios em relação ao conjunto dos indivíduos brancos, amarelos e indígenas.
Para Cerqueira e Coelho (2017) ao se analisar a evolução das taxas de homicídios
considerando se o indivíduo era negro ou não, entre 2005 e 2015, verifica-se a existência de dois
cenários completamente distintos. Enquanto, neste período, houve um crescimento de 18,2% na
taxa de homicídio de negros, a mortalidade de indivíduos não negros diminuiu 12,2%. Ou seja, não
apenas temos um triste legado histórico de discriminação pela cor da pele do indivíduo, mas, do
ponto de vista da violência letal, temos uma ferida aberta que veio se agravando nos últimos anos.
Pois houve um paulatino crescimento na taxa de homicídio de afrodescendentes, ao passo que
houve uma diminuição na vitimização de indivíduos de outras raças.

Quadro 01: Probabilidade de um indivíduo sofrer homicídio no Brasil por idade e raça (2010)

Fonte: Cerqueira e Coelho (2017).

O que explica o fenômeno? A maior vitimização da juventude negra seria apenas uma
consequência de um pior posicionamento socioeconômico desse grupo populacional, ou pode
refletir direta ou indiretamente o racismo?

Os dados mais recentes da violência letal apontam para um quadro que não é novidade,
mas que merece ser enfatizado: apesar do avanço em indicadores socioeconômicos e da
melhoria das condições de vida da população na última década, continuamos uma nação
extremamente desigual, que não consegue garantir a vida para parcelas significativas da
população, em especial à população negra (CERQUEIRA e COELHO, 2017, p.5).

A associação entre racismo e letalidade violenta se dá também por meio do racismo


institucional, em que ações difusas no cotidiano de determinadas organizações do Estado terminam
por reforçar o preconceito de cor. O racismo institucional abrange a ação da polícia em todo país.
Essa organização é a porta de entrada do sistema de justiça criminal e o cidadão, logo deveriam
respeitar a isonomia de tratamento ao cidadão e a sua integridade física. No entanto, diversas

111
situações em abordagens policiais com uso excessivo da força, e maior agressividade quando se
trata de cidadãos negros.
O processo de desumanização tem implicações na maneira que o Estado lida com o negro.
Para a polícia “negro parado é suspeito, negro correndo é bandido”.
Para Cerqueira e Coelho (2017) outro mecanismo associado ao racismo e a maior letalidade
de negros se explica pela influência da mídia. Enquanto a morte de negros e pobres chama pouca
atenção e os associa a criminosos ou vagabundos, sem investigação ou condenação judicial. Já a
morte do branco de classe média é repetida e problematizada pelos jornais. Tendo em vista que o
processo de persecução criminal, que se inicia com a investigação, é fortemente influenciado pela
repercussão da mídia. A morte de brancos tem maior chance de responsabilização e punição do
autor, os inquéritos sobre a morte de um cidadão negro e pobre terminam enterrados na vala
comum, sem solução.
O elemento suspeito, potencial bandido, alvo preferencial da abordagem policial e letalidade
violenta, revela o estigma e apresenta efeitos negativos para a população pobre e negra. Inclusive
no acesso ao mercado de trabalho, condição importante para uma possível transição de classes e
melhoria social. Entretanto, mais uma vez o Racismo Institucional se apresenta, apontando o real
interesse das classes dominantes junto às classes dominadas, que é a manutenção de privilégios aos
pertencentes às classes dominantes.
Em 2014, entre os 10% mais pobres da população brasileira 73,1% eram pretos ou pardos, ao
passo que 25,8% dos mais pobres eram brancos ou amarelos. No outro extremo da distribuição a
situação se invertia, quando 73,6% dos 10% mais ricos eram brancos ou amarelos, ao passo que os
negros representavam 26,2% desse grupo.
De modo que há uma sobrerepresentação dos negros nas camadas mais pobres da população
como consequência de um legado histórico, em que as diferenças nas dotações de capital físico e
humano entre negros e brancos se perpetuaram desde a abolição da escravatura, por processos de
transferência de riqueza. Esta grande maioria de negros nas camadas mais pobres, atende a um
público que se beneficia desse cenário.
Segundo dados do Ministério da Justiça, o total de pessoas encarceradas no Brasil chegou a
726.712 em junho de 2016. Cerca de 40% são presos provisórios, ou seja, ainda não possuem
condenação judicial. Mais da metade dessa população é de jovens de 18 a 29 anos e 64% são negros.
Quanto à escolaridade, 75% da população prisional brasileira não chegaram ao ensino médio.
Menos de 1% dos presos tem graduação.
Estes dados expressam que o encarceramento em massa brasileiro é seletivo, atingindo a
população jovem, negra e de baixa escolaridade, pobres, moradores de favelas ou conjuntos
habitacionais e que tiveram pouco acesso ao Estado através de políticas de lazer, saúde, educação,
emprego e moradia e em consequência deste cenário de ausência do poder público são levados à
prática de delitos que os encarceram.
O Estado então, através da Polícia, sistema prisional e o próprio judiciário, marginaliza essa
população aplicando leis mais duras e os colocando atrás das grandes. Essa “limpeza social” os tira
das ruas e os leva diretamente ao aprisionamento. Essa estratégia também mascara vários fatores
da política nacional, entre eles a taxa de desemprego, pois uma vez que o jovem, negro e de baixa
escolaridade está preso, ele não mais fará parte das estatísticas de desempregados. E isto atende
interesses políticos e eleitorais, além de responder a uma população que vive em um estado de
completa insegurança, fomentado também pela mídia, gerando consequentemente mais mortes e
mais encarceramento. Uma vez que no Brasil, segundo dados do Mapa da Violência 2016, mais da
metade dos entrevistados concorda com a máxima de que “Bandido bom é bandido morto”.

Chama a atenção pra a insinceridade do discurso, evidenciando que a “crise” desse sistema
não é acidental, sob dois aspectos. Primeiro que a lei não modifica e não reflete a realidade,
não sendo feita para ser cumprida. Segundo o interesse na manutenção da criminalidade
que sustenta uma série de interesses e segmentos industriais, ocupacionais, comerciais,

112
intelectuais, ou seja, é um sistema lucrativo, gerando interesse, sob esse aspecto, para o
capitalismo. Evidencia-se, assim, que existem outros interesses na manutenção desse
sistema que vão além do discurso revelado, e que é mantido por aqueles que ditam as regras
do “jogo” e da sociedade (WACQUANT, 2003, p. 38).

O racismo afeta negativamente a condição socioeconômica da população afrodescendente


via políticas educacionais precárias e discriminações no mercado de trabalho, logo a diferença de
letalidade entre negros e não negros do Brasil, atribuída à questão social, é em si, uma consequência
do racismo institucional. Além da perpetuação de estereótipos sobre o papel do negro na sociedade,
que muitas vezes o associa a indivíduos perigosos ou criminosos. A repetição desses estereótipos
implica em um processo de estigmatização, onde o indivíduo pela sua cor de pele termina sendo
percebido como desprovido de sua identidade individual. Este processo de desumanização faz
aumentar a probabilidade de vitimização destes indivíduos.

[...] um jovem negro e pobre andando a pé em um bairro de classe média é visto pela polícia
como provável assaltante ou traficante, tornando-se candidato a uma abordagem violenta,
enquanto um jovem branco com aparência de classe média, em um carro, dentro ou
próximo de uma favela, é visto como possível usuário adquirindo drogas e torna-se
candidato a extorsão (RAMOS; MUSUMECI, 2005, p. 47).

Há uma seletividade penal clara e esse processo inicia-se na abordagem policial. O Estado,
representado pela Segurança Pública através da Polícia Militar, não age com equidade, e desrespeita
princípios constitucionais, criminalizando a pobreza e punindo a categoria étnica racial que mais
sofreu historicamente no país e ainda é refém do processo de marginalização. O Racismo
Institucional é presente não apenas em instituições de Segurança Pública, quanto em outras
instituições relevantes, como a Saúde Pública e a Educação, desta forma este processo é passado
adiante para outras gerações e se retroalimenta nas mais diversas instituições sociais.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante frisar que quem institui o “elemento suspeito”, digno de uma abordagem
policial violenta e racista, são aqueles que exercem o Poder em nome do Estado, diversas vezes
influenciados por outros interesses, que não o de uma justiça e paz social. Este processo sutil de
hierarquização racial e de classes, além da marginalização do negro e pobre, retroalimenta o
Racismo Institucional e gera cada vez mais desigualdade social. Afinal, este “elemento suspeito” é o
produto da ausência do Estado em prover educação, saúde, moradia e outras políticas públicas que
atendam esta parcela da sociedade. Porém mesmo omisso a esta população carente, o Estado
garante o Controle Social através da Polícia, a partir da prisão, do encarceramento em massa,
trabalhos precários, subempregos e demais cenários que traduzem o Racismo Institucional
generalizado em nossa sociedade contemporânea.
Os autores citados neste trabalho, a exemplo de Wacquant (2003) e Wieviorka (2007),
comungam da ideia de que não é possível resolver problemas sociais unicamente através do sistema
punitivo, e a abordagem policial violenta a um determinado estrato da população é um grande alerta
do início de uma grande linha de montagem que apenas entrega a sociedade mais violência e
pobreza.

REFERÊNCIAS

CERQUEIRA, D e COELHO, D. Democracia Racial e Homicídios de Jovens Negros na Cidade Partida.


TD 2267 - IPEA, Brasília, 2017.

113
FOUCAULT, M. The Subject and Power. In Michel Foucault: Power, edited by James D. Faubion. New
York: The New Press, 2000.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Mensal de Emprego - PME, 2014.

RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na


cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira/Cesec, 2005.

REIS, D. B. A Marca de Caim: as características que identificam o "suspeito", segundo relatos de


policiais militares. Caderno CRH, 36, 181-196, 2002.

SARMENTO, Daniel. O negro e a igualdade no direito constitucional brasileiro: Discriminação “de


facto”, Teoria do Impacto Desproporcional e ações afirmativas. In: PIOVESAN, Flávia; SOUZA,
Douglas Martins (Coord.). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008.

YOUNG, J. A sociedade excludente: Exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade


recente. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2002.

WACQUANT, Loïc. PUNIR OS POBRES: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2ª ed. Col.
Pensamento Criminológico. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003.

WAISELFISZ, JJ. Mapa da Violência 2016: Mortes Matadas por Armas de Fogo, Rio de Janeiro,
FLACSO/CEBELA, 2016.

WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1968.

WIEVIORKA, Michel. O Racismo, uma introdução. São Paulo: Perspectiva, 2007.

114
EDUCAÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA
Um estudo crítico-reflexivo sobre as ações desenvolvidas pelo Programa de Resistência às Drogas
– PROERD nas escolas brasileiras

Tayna Silva Cavalcante


Roberto Magno Reis Netto
Sandra Leticia Magalhães Gaudêncio
23

1 INTRODUÇÃO

Em 23 de agosto de 2018 atingiu-se a marca de 11 anos que foi promulgada a lei 11.343/06
– Nova Lei Antidrogas, que revogou expressamente as leis de n° 6.368/76 e 10.489/02. Produto do
contexto político, jurídico e socioeconômico do seu tempo trouxe várias inovações e novos
conceitos, dentre elas pode-se citar a substituição do uso do termo substancias entorpecente para
a palavra droga, o conceito, bem como o tratamento legal aplicado ao usuário.
Nesse norte, segundo afirma Moraes (2008, n. p.) o diploma legal em comento segue uma
lógica repressiva e simultaneamente preventiva, visto que prioriza a implantação de ações que
possam vir a reintegrar o usuário a um sadio convívio social, ao ponto de prevê formas de
conscientização sobre os malefícios oriundos do uso de drogas, a fim de instigar á “repulsa natural
contra estas substâncias”.
Ademais, em que pese os benefícios legais expressamente previstos, ainda há muito que ser
feito para que a luta ao combate às drogas possa tornar-se mais eficaz e principalmente
humanizada.
Partindo dessas breves considerações o debate acadêmico aqui pretendido adveio da leitura
detalhada da cartilha Caindo na Real (2013) pertencente ao currículo para crianças do 5° ano do
ensino fundamental (mesmo título adotado no 7° ano), adotada pelo PROERD nas escolas públicas
e privadas brasileiras, como meio didático e pedagógico de pôr em prática suas ações e objetivos.
Nessa senda buscou-se aqui demonstrar quais são as interações existentes entre os fenômenos
sociais Educação e Segurança Pública. E, notadamente, buscou-se responder à pergunta problema
desta pesquisa, qual seja: Como as ações desenvolvidas pelo PROERD podem, hipoteticamente, vir
à contribuir com a segurança pública no Brasil.

2 METODOLOGIA

A estrutura metodologia do presente artigo foi construída sob a ótica dos métodos:
Histórico, Dedutivo e Zetético, e no que se refere às técnicas utilizadas para a obtenção dos dados
aqui apresentados optou-se pela revisão bibliográfica e análise documental.

2.1 OS MÉTODOS ADOTADOS: HISTÓRICO, DEDUTIVO E ZETÉTICO

O método histórico foi adotado devido à imprescindibilidade em se descobrir qual é a origem


do Programa de Resistência às Drogas – PROERD, seus objetivos e principalmente quais são as suas
ações desenvolvidas nas escolas públicas e privadas brasileiras.
Marconi e Lakatos (2003) aduzem que o pesquisador ao adotar este método possibilita a
outros pesquisadores, bem como para o público alvo da pesquisa conhecer o objeto estudado com

23
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
CAVALCANTE, Tayna Silva; REIS NETTO, Roberto Magno; GAUDÊNCIO, Sandra Letícia Magalhães. Educação e
Segurança Pública: Um estudo crítico-reflexivo sobre as ações desenvolvidas pelo Programa de Resistência às Drogas –
PROERD nas escolas brasileiras. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS, João Francisco
Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM, 2021.

115
mais clareza, além disso, o encadeamento histórico e cronológico que lhe é ínsito, direta ou
indiretamente incentiva a comunidade acadêmica a holisticamente relacionar os resultados destas
pesquisas com outros fenômenos sociais, proporcionando, por conseguinte, o avanço da ciência.
Noutro giro, após consultar o sítio eletrônico da Secretaria de Estado e Segurança Pública e
Defesa Social – SEGUP, do Programa de Resistência às Drogas - PROERD Brasil, Superintendência do
Sistema Penitenciário do Estado do Pará – SUSIPE e da Polícia Militar, constatou-se que Educação e
Segurança Pública são temas que estão intimamente relacionados.
Desde modo, os autores através do método Dedutivo conjecturaram que se Educação e
Segurança Pública possuem uma notória e inconteste relação, o PROERD pode vir a ser um meio
idôneo e viável de promoção do aumento da segurança pública no Brasil.
Gil (2002, p. 9) assevera que o referido método “[...] Parte de princípios reconhecidos como
verdadeiros e indiscutíveis e possibilita chegar a conclusões de maneira puramente formal, isto é,
em virtude unicamente de sua lógica”.
O método Zetético, embasou esta pesquisa, na medida em que se buscou investigar quais
são as interações existentes entre os fenômenos sociais Educação e Segurança Pública. Ferraz Júnior
(2003) sucintamente esclarece que este método almeja interpretar o direito, partindo do diálogo
com outros ramos do conhecimento, ramos estes que podem ou não estarem diretamente
relacionados com as Ciências Humanas.
Imperioso dizer, que a Pedagogia e a História foram os campos do saber escolhidos para
responder a pergunta problema desta pesquisa qual seja: Como as ações desenvolvidas pelo
Programa de Resistência às Drogas - PROERD podem vir a reverberar no aumento da segurança
pública no Brasil.

2.2 AS TÉCNICAS DE OBTENÇÃO DE DADOS: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA E ANÁLISE DOCUMENTAL

Marconi e Lakatos (2003, p. 174) consignam que "Técnica é um conjunto de preceitos ou


processos de que se serve uma ciência ou arte [...]". Em outras palavras são formas de fazer com
que o conhecimento científico seja alcançado.
Diferenciam-se do método, uma vez que este se trata de uma forma de ver o mundo,
enquanto esta última é a forma de organizar, obter, comparar essa forma de ver o mundo, logo,
urge dizer, que uma mesma técnica pode perfeitamente ser utilizada em pesquisas que adotam
diferentes métodos científicos no mesmo estudo.
Neste diapasão, o arcabouço teórico do presente estudo foi construído por meio da
aplicação da técnica de revisão bibliográfica, através da leitura de artigos científicos, livros,
monografias, teses de doutorado e textos de lei, que versavam sobre educação, ensino-jurídico e
segurança pública.
A técnica de análise documental resplandeceu no estudo, com o documento Cartilha Caindo
na Real (PROERD, 2013), adquirida graças a colaboração de uma estudante do ensino fundamental,
que estuda em uma das escolas conveniadas com o programa no município de Ananindeua/Pa, pois
os pesquisadores tiveram a necessidade de visualizar o layout, assim como os aspectos pedagógicos
e didáticos do material utilizado nas escolas.

3 ADENDO SOBRE A ORIGEM DO COMBATE ÀS DROGAS NO BRASIL

O combate ao consumo de drogas ilícitas ou de substâncias de efeitos análogos remonta a


tempos longínquos. Todavia com o processo de fortalecimento do sistema capitalista pelo globo
terrestre nota-se que buscar novas estratégias de inibir a propagação do consumo de psicotrópicos
ilícitos, aos poucos, se tornou um dos maiores desafios a ser enfrentado pelas nações hodiernas
(REIS NETTO, 2018).

116
Seguindo este raciocínio, o (SENADO FEDERAL, 2011) assevera que o delineamento histórico
referente à origem do combate às drogas no Brasil (à época, ainda compreendidas como venenos),
remonta ao período Colonial, eis que havia uma incisiva preocupação em manter a saúde,
integridade física, psíquica e segurança dos colonos, ao ponto de algumas espécies de plantas e
substâncias oriundas do continente africano ter sua entrada proibida.
Neste contexto, abstrai-se ainda que a Constituição Federal de 1988 ao prever que o crime
de tráfico de drogas é inafiançável e ao equipará-lo a categoria de crime hediondo, bem como a
promulgação da lei 11.343/06, demonstra claramente o compromisso do governo brasileiro em
combater a circulação de substâncias psicotrópicas ilícitas pelo território nacional (SENADO
FEDERAL, 2011).
Freitas (2014) explica que, à nível internacional, o combate às drogas iniciou se com o
presidente norte americano Richard Nixon em 1962, em pleno contexto geopolítico da Guerra Fria:

[...] primeiro marco proibicionista do uso de drogas surgiu ainda no século I, em meados de
392 D.C., quando o catolicismo assumiu o status de religião oficial do Império Romano,
colocando-se oficialmente contra qualquer prática religiosa não albergada pela Igreja, o
que, nos séculos II e III, importou na edição de leis e decretos proibitivos do uso de ervas e
misturas ditas demoníacas em alinhamento à chamada era da caça às bruxas (ARAÚJO,
2012, apud REIS NETTO, 2018, p. 23).

É Importante dizer que, o referencial teórico deste estudo (REIS NETTO, 2018), apontou que,
desde o início do combate às drogas pelo mundo, as ações empreendidas apresentaram um caráter
punitivo de índole violenta, vingativa - até mesmo mortal. Logo insistir em manter esse viés
estratégico de intervenção estatal significaria ir de encontro a uma serie de fundamentos e
princípios que norteiam as relações jurídicas em âmbito internacional e nacional, a exemplo do
princípio dignidade da pessoa humana, expressamente insculpido no art. 1, inciso, III da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988.
Neste sentido, tem-se que a educação, à luz das palavras de Barboza e Alexandre (2013),
deve e pode ser adotada como meio de combate às drogas, ao ponto de exemplificar o Programa
De Resistência Às Drogas – PROERD, como sendo extremamente útil nesse intento.

3.1 UMA BREVE ANÁLISE SOBRE A ORIGEM DO PROGRAMA DE RESISTÊNCIA ÀS DROGAS – PROERD
NO BRASIL

O aumento vertiginoso do consumo de drogas por jovens nos Estados Unidos, por
volta da décadas de 1970 e início da de 1980, fez despertar a preocupação das autoridades em
descobrir novas formas de intervir no problema. Sob esta perspectiva, Daryl F. Gates, chefe do
departamento de polícia à época, juntamente com o Superintendente do Distrito Escolar Dr. Harry
Handler, lançaram, no ano de 1983, o Drug Abuse Resistance Education -D.A.R.E (MELO, 2017).
O programa emergiu da conclusão de seus idealizadores de que “os alunos perceberiam os
policiais como os mais confiáveis para aplicar as lições devido à experiência deles em lidar com as
consequências advindas do abuso de drogas” (MELO, 2017, p. 02). Destarte, “definiram como
princípio basilar que os currículos deveriam ser ministrados por policiais uniformizados,
especialmente selecionados e treinados, sendo o programa uma extensão natural das ações de
polícia comunitária (MELO, 2017, p. 02). Em poucos anos o D.A.R.E popularizou-se por diversos
estados do EUA, hoje é considerado um dos mais famosos programas de prevenção ao uso de drogas
no mundo. “Atualmente o programa é ministrado em todos os 50 estados do país de origem e em
49 outros países” (MELO, 2017, p. 02).
No Brasil o D.A.R.E ganhou o nome de Programa Educacional de Resistência às Drogas
(PROERD), iniciando suas ações a partir do ano de 1992, após membros do D.A.R.E terem vindo ao
Brasil para capacitar policiais no estado do Rio de Janeiro (MELO, 2017).

117
Barboza e Alexandre (2013, p. 81) informam que o programa “consiste em uma ação
conjunta entre um Policial Militar devidamente capacitado, chamado Policial PROERD, professores,
especialistas, estudantes, pais e comunidades (...)”, com o objetivo de fazer com que crianças e
adolescentes aprendam a resistir e sair ilesos de diferentes situações cotidianas que possam, direta
ou indiretamente, influenciá-los ou expô-los ao uso de cigarros, bebidas alcóolica, drogas, incitarem
a prática da violência ou do bullying.

Figura 1 - Capa da Cartilha Caindo na Real, disponível on line, veiculada pelo

Fonte: PROERD (2013).

Cabe salientar que, as situações que podem dar ensejo a essas condutas podem ser
vivenciadas na rua, transporte público, escola, quer seja pelo intermédio de amigos ou parentes,
quer seja por pessoas próximas ao convívio familiar.
Em termos educacionais adota um material que guarnece todas as recomendações didáticas
e metodológicas exaradas pela Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 de Diretrizes e Bases da
Educação – LDB, visto que trabalha temas interdisciplinares e adequados à faixa etária do público
alvo, além de promover o desenvolvimento cognitivo, crítico, criativo e emocional, eis que adota os
métodos pedagógicos da Teria da Aprendizagem Socioemocional (GOMES; FREITAS; FICO, 2017).
A teria da aprendizagem socioemocional, segundo Costa e Faria (2013, p. 409), tomando por
base os resultados dos estudos desenvolvidos pelo CASEL - Collaborative for Academic, Social, and
Emotional Learning (organização sem fins lucrativos estadunidense que desenvolve pesquisas com
o método socioemocional em crianças do ensino básico), é uma teoria que busca desenvolver
habilidades e competências do educando do ensino infantil, com base na “autoconsciência, o
autocontrole, a consciência social, as competências de relacionamento interpessoal e a tomada de
decisão responsável”, com o fito de propiciar uma formação além da meramente formal (ensinar a
ler e escrever).

118
Já Colagrossi e Vassimon (2017) aprofundam a explanação, pormenorizando que esta teoria
é adequada para minimizar os impactos psicológicos e emocionais sofridos por crianças e, por
analgia, jovens em situação de vulnerabilidade social, por que ratifica o papel da família em instruir
e repassar as primeiras lições de como viver em sociedade.
Os pesquisadores compulsando detidamente a cartilha Caindo na Real (PROERD, 2013),
conseguiram visualizar a aplicação da teoria supra, pois o layout chamativo com imagens coloridas
que representam situações problema, lacunas para preenchimento de respostas aos questionários,
espaços para desenhar e palavras cruzadas pedagogicamente dão subsídios para o alcance dos
objetivos traçados pelo programa.
Em relação ao conteúdo, a cartilha encontra-se organizada em 10 lições, que versam sobre
moral, estudo do corpo humano, comportamento social, relações interpessoais, ambiente escolar e
familiar, advertências sobe situações de risco, atitudes pacificas de enfrentamento, noções de
direito e prática cidadã.

4 COMO AS AÇÕES DESENVOLVIDAS PELO PROGRAMA DE RESISTÊNCIA ÀS DROGAS - PROERD


PODEM VIR A REVERBERAR NO AUMENTO DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

A Constituição Federal de 1988 respectivamente em seus artigos 205 caput, art. 206 e
incisos, art. 207 caput e art. 209, diz respeito ao compromisso estatal e da sociedade brasileira em
promover uma educação de qualidade em seus diferentes níveis. Por outro lado Cavalcante e Reis
Netto (2015) são categóricos ao afirmar que, infelizmente, esse compromisso firmado não se efetiva
em grande parte, devido haver uma espécie de despretensiosa e inocente má vontade estatal, a
começar pelos investimentos aquém do necessário nas áreas de pesquisa e tecnologia.
Santos (2011) coaduna com os autores, ao expressar que o ensino público e privado em
vários países, incluindo o Brasil, independentemente de ser de nível básico ou superior, está
perdendo o seu compromisso com o social, sinal este indicativo de uma perversa e complexa crise.
Da leitura de Demo (2001), acerca do descaso e da falta de priorização do estado brasileiro
em incentivar o desenvolvimento de pesquisas na área da educação, infere-se que esta realidade
dificulta o êxito de qualquer projeto metodológico, pedagógico ou didático, por mais viável, baixo
custo e inovador que seja.
Em termos de segurança pública mister frisar, o quadro não é nada diferente. Os reflexos da
falta de uma educação formal, é de se afirmar, implica na formação de sensos pouco críticos em
relação à segurança pública como um todo, levando crianças e jovens a incorrer em atividades sem
a devida reflexão quanto à consequências, e, obviamente, quanto aos potenciais riscos.
Além do incentivo que o tráfico de drogas perfaz ao envolvimento social com estas
substâncias, como um verdadeiro comércio (REIS NETTO, 2018), a falta de uma formação
educacional apropriada e crítica a respeito da realidade das drogas (para além da mera afirmativa
que estas matam), ocasiona o surgimento de imagens deturpadas que, de outro lado, até empurram
os jovens para o consumo destas substâncias, enquanto troféus de uma sociedade de prazeres
excessivos.
Outro aspecto perturbador dessa realidade é o ato de relegar a todo custo ao ensino superior
o papel de suprir milagrosamente os déficits educacionais oriundos desde as séries mais
propedêuticas (CAVALCANTE, 2017), ao mesmo passo que se relega às polícias, em outra ponta do
mesmo fenômeno, o enfrentamento do tráfico sob políticas repressivas que não questionam as
razões do problema.
Constitucionalmente o dispositivo legal referente à segurança pública e seus órgãos pode
ser encontrado no art. 144, abaixo, que, inclusive, coloca a responsabilidade pela segurança à cargo
de todos.

119
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (grifo
nosso), é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e
do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros
militares.

Silva (2011) defende que sem educação essa estrutura estatal dificilmente conseguirá atingir
seus fins, porque segurança pública, antes de ser vista sob uma perspectiva policial, militar,
interventiva e repressiva, deve ser vista como um instrumento estatal que visa garantir a
integridade, dignidade e cidadania das pessoas. Ou seja, deve-se priorizar a prevenção da prática de
crimes, condutas violentas e nocivas ao equilíbrio da vida social, a fim de evitar que os meios
coercivos estatais tornem-se um fim em si mesmo.
De todo o exposto, chega-se a conclusão de que a as ações desenvolvidas pelo programa de
resistência às drogas - PROERD podem vir a reverberar positivamente em relação às políticas
públicas de segurança pública no Brasil, através da aplicação da teoria da aprendizagem
socioemocional, visto que, ao tratar de temas relevantes e transdisciplinares, promove a
revalorização do respeito às instituições, a família, professores, meio ambiente, sempre no intuito
de evitar o crescimento de condutas criminosas e antissociais.
Barboza e Alexandre (2013) alertam que embora o PROERD seja,

[...] de extrema importância para a construção de uma sociedade saudável, mas por se
tratar de um assunto complexo o PROERD ou qualquer outro trabalho preventivo se não for
calcado na participação geral de todos que rodeiam o público a ser atingido, seu objetivo
não será alcançado (BARBOZA; ALEXANDRE, 2013, p. 87).

Essas ponderações remetem ao inteiro teor da redação do art. 53, parágrafo único, do
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, quando menciona que a família precisa estar presente
no processo de desenvolvimento pedagógico da criança e do adolescente, por extensão também no
biopsicossocial.
Logo, as ações do PROERD, ao ampliarem as dimensões criativas, imaginativas, críticas,
comportamentais, altruístas, cidadã, família, social e moral de crianças e jovens, ativamente
favorecem o desenvolvimento de pessoas que, no futuro, possam contribuir para um país melhor,
menos violento e mais seguro.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O consumo de drogas, antes de ser um problema que vai gerar implicações de ordem penal,
é um problema social. O governo e a sociedade brasileira não podem e não devem fechar os olhos
para essa realidade.
O retrato social como o da intervenção ocorrida na Cracolândia (São Paulo - SP), em 21 de
maio de 2018, com todo respeito às opiniões defensoras da descriminalização da venda de drogas,
desperta um sentimento de inquietude e até mesmo de impotência diante a constatação do grau
de aviltamento aos direitos mais básicos de toda e qualquer pessoa.
Neste contexto, este breve estudo crítico-reflexivo sobre as ações desenvolvidas pelo
Programa de Resistência às Drogas – PROERD nas escolas brasileiras, surgiu após uma leitura teórica
e compromissada da cartilha Caindo na Real (PROERD, 2013).
O estudo demonstrou, sob os moldes dos métodos Histórico, Zetético e Dedutivo, bem como
pelas técnicas da revisão bibliográfica e documental, que, atualmente, este programa, que existe
em todos os estados da federação, em escolas públicas e privadas que estejam conveniadas com a
Policia Militar, tem como objetivo central promover o alerta e conscientização quanto os efeitos e
consequências do uso de cigarros, bebidas alcoólicas e notadamente drogas, através de um instrutor

120
habilitado, que repassa o conteúdo do seu material em forma de aulas dialogadas e de intensa
participação das crianças e adolescentes.
O referencial teórico apontou que, com o auxílio da Teoria Da Aprendizagem
Socioemocional, suas ações envolvendo o público infanto-juvenil, podem vir a reverberar
positivamente em relação às políticas de segurança pública no Brasil.
Finaliza-se este artigo, com a convicção de que a temática aqui exposta precisa continuar
sendo investigada, pois a luta ao o combate às drogas existe há muitos anos, todavia humaniza-la
se faz preciso. Espera-se que este estudo, possa servir como inspiração para a comunidade
acadêmica e outros pesquisadores possam desenvolver novos estudos que abordem sobre
educação e segurança pública.

REFERÊNCIAS

A. L. R. COLAGROSSI; G. VASSIMON. A aprendizagem socioemocional pode transformar a


educação infantil no Brasil. Revista Constr. Psicopedagógica v. 25, n. 26, p. 17-23. 2017.

ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. 1. Ed. São Paulo: Leya, 2012.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988.

_______. Estatuto da criança e do adolescente. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. 1990.

CAVALCANTE, Tayna Silva. Educação Jurídica Contemporânea: A omissão educacional na


formação de educadores jurídicos (monografia). Madre Celeste: Ananindeua, 2017.

CAVALCANTE, T. S.; REIS NETTO, R. M. Obstáculos ao ensino jurídico brasileiro:


O distanciamento entre docentes e discentes e entre teoria e prática do direito. Revista Visão
Jurídica, n° 112, p. 68-72. 2015.

COSTA. A.; L, FARIA. Aprendizagem social e emocional: Reflexões sobre a teoria e a prática na
escola portuguesa. Revista Análise Psicológica, v. 31, n.4, p. 407-424. 2013.

DEMO, Pedro. Desafios Modernos da Educação. 11. Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

BARBOZA, E. S. dos S.; ALEXANDRE, I. J. Programa educacional de resistência às drogas e à


violência na escola: Percepções dos professores e instrutor do programa. Revista Eventos
Pedagógicos, v.4, n.1, p. 80-89. 2013.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 2003.

FREITAS, D. X. A lei antidrogas no Brasil. Disponível em:


<https://daniellixavierfreitas.jusbrasil.com.br/artigos/144714794/a-lei-antidrogas-no-brasil>.
Acesso em 26 de janeiro de 2018. 2014.

GIL, Antônio. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2002.

GOMES, E. R.; FREITAS, E. L.; FICO. M. A. PROERD: Sua Contribuição Ao Aluno Através Da Teoria
De Aprendizagem Socioemocional. Anais da 13ª Mostra De Iniciação Científica, Congrega
URCAMP, Rio Grande do Sul, 2017.

121
MARCONI, Marina De Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 5.
Ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MELO, S. T. O. de. Revisão histórica do programa educacional de resistência às drogas: uma


estratégia eficiente e de baixo custo adotada pela Polícia Militar de Minas Gerais, Belo Horizonte:
Polícia Militar de Minas Gerais, 2017. p. 01-14.

MORAES, Ricardo Ubaldo Moreira e. Nova Lei Antidrogas: Principais inovações da Lei nº.
11.343/2006. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 14 Set. 2008. Disponível em:
investidura.com. br/biblioteca-juridica/artigos/direito-penal/574-nova-lei-antidrogas-principais-
inovacoes-da-lei-no-113432006. Acesso em: 28 Mai. 2018
O distanciamento entre "docentes e discentes" e entre "teoria e prática do direito".

PROGRAMA DE RESISTÊNCIA ÀS DROGAS - PROERD. Cartilha Caindo na Real. (Tradução/Outra) de


MELO, Silas T. O. de; MATOSO, Soraya. E. R. Currículo para crianças 5º ano do ensino fundamental:
Caindo na REAL / D.A.R.E. Belo Horizonte: Polícia Militar de Minas Gerais, 2013.

REIS NETTO, Roberto Magno. Além das Grades: A Integração dos Presídios às Redes Territoriais
do Tráfico de Drogas. 2018. 254 fls. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-graduação em
Segurança Pública), PPGSP/UFPA, Belém, Pará, Brasil, 2018.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A Universidade do século XXI: para uma reforma democrática
emancipatória da universidade. 3. ed. São Paulo: Cortez,
2011.

SENADO FEDERAL. História do combate às drogas no Brasil. Revista de Audiência Púbica do


Senado Federal, v. 2, n. 8, p. 7-81. 2011.

SILVA, H. F. da. Educação: O Primeiro Passo Rumo a Segurança Pública. Conteúdo Jurídico,
BRASILIA-DF: 26 mar. 2011. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.31577>. Acesso em: 03 jun. 2018. 2011.

122
POR UMA GEOGRAFIA DO TRÁFICO DE DROGAS
Reinterpretando o tráfico de drogas a partir da teoria de Claude Raffestin

Roberto Magno Reis Netto


Clay Anderson Nunes Chagas
24

1 INTRODUÇÃO

Equiparado aos crimes hediondos no Brasil25 - aos quais se dispensa um tratamento penal
mais rigoroso, a conduta genericamente denominada como tráfico de entorpecentes (enunciada na
literatura sob o conceito tráfico de drogas), alberga em seu pano de fundo uma realidade ausente
nos discursos jurídicos oficiais relativos ao seu tratamento: o consumo de substâncias capazes de
alterar a normalidade dos sentidos é um fenômeno tão antigo quanto a própria história da
humanidade (ARAÚJO, 2012), e que, mesmo assim, tem sido alvo de severas proibições que, a
despeito da aparente justificação por um discurso sanitário, sempre estiveram historicamente
ligadas a questões políticas e econômicas (RODRIGUES, 2004; ARAÚJO, 2012; CAMPOS, 2014;
CARVALHO, 2014; CARVALHO, 2016).
Neste sentido, a declarada guerra às drogas além de ter se mostrado inútil no combate ao
consumo de entorpecentes (RODRIGUES, 2004; ARAÚJO, 2012; D’ELIA FILHO, 2014; LEMGRUBER;
RODRIGUES, 2014; SHECAIRA, 2014; RODRIGUES, 2015; CARVALHO, 2016), ainda, serviu como
justificativa para a adoção de políticas criminológicas estigmatizadoras da pobreza e da raça, bem
como, voltadas à seleção de inimigos a serem combatidos por intermédio de políticas fortemente
repressivas (ANITUA, 2015; BAUMAN, 2008).
Em verdade, este processo de retorno a políticas criminológicas clássicas, pautadas na
intolerância, representou uma mudança político-econômica comum ao período correspondente ao
final da década 1970, quando a transformação do capitalismo industrial em um capitalismo de
consumo, intensivo em serviços e totalmente alheio a dinâmica dos estados-nação e suas leis,
acabou por promover transformações sociais que ampliaram a desigualdade e resultaram no
progressivo abandono de um Estado do Bem Estar Social (BAUMAN, 2001), o que ocasionou uma
significativa segregação sócio-espacial no âmbito das cidades (VOLOCHKO, 2015), seguida de um
aumento substancial da criminalidade (GARLAND, 2008).
Por conseguinte, como resultado óbvio, diante da ação repressiva e seletiva dos órgãos de
segurança incumbidos da aplicação dos modelos criminológicos hostis (D’ÉLIA FILHO, 2014),
registrou-se um superencarceramento populacional, sobretudo, de jovens negros, de classes pobres
e de baixa escolaridade, num modelo político denominado por Wacquant (2015) de Estado Prisional,
típico dos países adeptos às práticas neoliberais do Século XXI.
O tráfico de drogas, nesta dinâmica, foi uma das principais imputações (GARLAND, 2008;
WACQUANT, 2015) responsáveis pela prisão de cidadãos residentes em zonas classificadas como
pobres e ditas perigosas (D’ÉLIA FILHO, 2014).

24
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
REIS NETTO, Roberto Magno; CHAGAS, Clay Anderson Nunes. Por uma geografia do tráfico de drogas:
reinterpretando o tráfico de drogas a partir da teoria de Claude Raffestin. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA,
Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas.
Ananindeua: CROM, 2021.
25
Conforme interpretação do art. 2º da Lei nº 8072/90; devendo-ressalvar o entendimento propugnado pelo Supremo
Tribunal Federal (2016) no julgamento do Habeas Corpus nº 125.188, onde afastou-se o caráter hediondo do crime para
o chamado tráfico privilegiado, previsto no art. 33, §4º, da lei 11.343/06 – Lei antidrogas – (relativo a réu primário – ou
seja, sem antecedentes – e que não componha organização criminosa).
123
A despeito disso, constatou-se que a política repressiva e encarceradora não conseguiu
refrear o tráfico de drogas no mundo (UNODC, 2015) e no Brasil (D’ÉLIA FILHO, 2014),
demonstrando a insuficiência do modelo jurídico-repressivo de interpretação e enfrentamento do
consumo de entorpecentes.
Especialmente no Brasil, a aplicação desta política criminológica trouxe consequências
bastante diferenciadas. O encarceramento generalizado, que, no discurso oficial, deveria promover
um rompimento das redes do tráfico de drogas, tem sido ineficiente em impedir que indivíduos,
mesmo no contexto do cárcere, tenham influência sobre o comércio de entorpecentes e suas
inúmeras atividades conexas (AMORIM, 2011, 2013).
Desde o final da década de 1970, no Rio de Janeiro – com o Comando Vermelho Rogério
Lemgruber - CVRL; ao longo da década de 1980, em São Paulo – Com o Primeiro Comando da Capital
- PCC (AMORIM, 2011); e, nos últimos anos, em diversos Estados-membros da Federação Brasileira
(AMORIM, 2013) – com organizações como a Família do Norte, a FDN, constatou-se a formação de
Coletivos (SANTOS, 2007), que, embora tenham sido criados originalmente como forma de
reinvindicação em torno das condições de sobrevivência dos encarcerados no contexto precário das
cadeias brasileiras, atualmente, representam significativas potencias comerciais de entorpecentes,
que adotam nítidas estratégias de enfrentamento direto do Poder Público.
Inclusive, neste final do ano de 2016 e início de 2017, as disputas territoriais pelo controle
das rotas e mercados das drogas assumiram uma proporção nacional, eclodindo diversos confrontos
entre filiais daquelas organizações, registrados em prisões do Norte e Nordeste (ABRANTES, 2016;
RODRIGUES, 2017), inclusive, com extensão de confrontos às ruas como registrado no Rio Grande
do Norte, ao final do mês de Janeiro de 2017. Inclusive, no Estado do Pará, já se constata a existência
de células de diversas organizações criminosas, havendo aparente hegemonia do Comando
Vermelho - CV, (LACERDA, 2017).
Fala-se, diante deste contexto, no advento de uma crise penitenciária.
Contudo, é possível observar que, antes de jurídica, a questão inerente ao tráfico de drogas
representa um problema social e, por sua dinâmica expansiva e premente de dominação, sem
dúvidas, territorial. Aliás, a insistência do Estado numa interpretação meramente jurídica de um
fenômeno sócio-territorial com nítidas consequências bélicas, certamente, representa a mais
substancial causa do insucesso em suas estratégias de enfrentamento de um problema que, ano a
ano, rende inúmeras mortes de cidadãos civis e de membros dos órgãos de segurança pública
(KARAM, 2105).
A partir de Foucault (2015), pode-se compreender que o desenvolvimento de novas políticas
e estratégias de enfrentamento de problemas decorrentes da(s) descontinuidade(s) da história dos
povos, certamente, impõe a realização de uma análise genealógica que compreenda os fenômenos
sociais como resultantes de fatores que se impõe muito além de ações estatais, envolvendo a
própria realidade dos micropoderes dos cidadãos e das instituições sociais.
Diante desse cenário, o presente trabalho se dignou a questionar: é possível uma
reinterpretação do fenômeno territorial inerente ao tráfico de drogas e da atual crise penitenciária,
a partir de uma dinâmica referente às suas relações de poder e não, simplesmente, com base numa
visão político-jurídica exclusivamente estatal?
Como objetivo, buscou-se o estabelecimento de um marco teórico que permitisse uma nova
compreensão do tráfico de drogas enquanto fenômeno/ator social, envolvido em processos
(des)contínuos de territorialidade, e, nesta senda, dotado de poderes exercidos em busca de sua
estabilização (mesmo que, através do enfrentamento direto do Estado).
Adotou-se como parâmetro interpretativo do trabalho a teorização construída pelo geógrafo
Raffestin (1993), em sua obra Por uma Geografia Do Poder, justamente, pela proposta de concepção
do fenômeno de produção sócio-territorial desvinculada da tradição clássica estatal, constatando,

124
na mesma toada dos ensinamentos de Foucault (2015), sua derivação direta de poderes que se
expressam a partir de inúmeras relações sociais (RAFFESTIN, 1993).
Ainda, na mesma esteira teórica, o trabalho adotou como método de estudo o materialismo
histórico e dialético, por compreender, na mesma esteira de ideias de Foucault (2015) e Raffestin
(1993), que a produção social (e territorial) advém de conflitos históricos que concebem relações
assimétricas de poder, ocultadas pelo discurso oficial, que, em sua descontinuidade, constroem
modelos e práticas sem revelar contradições e dominações intrínsecas àquela formação.
Como metodologia, realizou-se uma pesquisa bibliográfica (MEZAROBA e MONTEIROS,
2014), que, a partir de obras teoricamente ligadas às acepções de Raffestin (1993), permitissem
perseguir o objetivo de pesquisa acima enunciado.
Neste ponto, é importante salientar que o estudo adota um referencial histórico pautado na
ideia de pós-modernidade exposta em Bauman (2001, 2008), o que, de outro lado, não
incompatibiliza com as teorias-base ora adotada (uma vez que os conceitos deste autor também
são desenvolvidos sob uma perspectiva histórica que desvela relações de implícitas de poder).
Conforme assinala Ambrozio (2013), a transformação da economia capitalista numa
verdadeira economia cultural (onde o consumo se torna a tônica da vida), impõe territorialidades
que não questionam as dissimetrias das relações ou sua própria construção histórica. Nesta
perspectiva, o autor compreende que a teoria elaborada por Raffestin (1993) oferece uma
importante alternativa teórica para compreensão dos fenômenos ínsitos ao século XXI, justamente,
por enxergar o poder desde o micro campo das relações sociais (AMBROZIO, 2013).
Ademais, cumpre assinalar que o estudo se encontra estruturado em três seções: uma
primeira, explicativa dos principais pontos da teoria proposta por Raffestin (1993); uma segunda,
que rediscute o conceito de tráfico de drogas, enquadrando-o como um agente territorial à luz da
teoria base do estudo; e, uma terceira que propõe uma reinterpretação do fenômeno do tráfico à
luz das relações territoriais de poder, conforme o que se segue.

2 DAS RELAÇÕES TERRITORIAIS DE PODER

Na busca pela superação de uma teoria geográfica Ratzeliana clássica, meramente centrada
no Estado como única fonte de Poder, Raffestin (1993) desenvolveu uma preocupação especial em
seus estudos: a demonstração de que todas as relações desenvolvidas numa base originária (o
espaço), seriam permeadas por inúmeros poderes menores, ou seja, micropoderes,
contextualmente manifestados pelos inúmeros agentes territoriais, quando de sua interação.
Assim, o Estado-nação seria só mais um agente territorial – o de maior peso, aliás – nos
tabuleiros construídos a partir da conformação ou contradição de diversos poderes menores, menos
sensíveis e visíveis, exercidos por outros atores em movimento26.
Na mesma perspectiva científica de Foucault (2015), Raffestin (1993) dispensou em seus
estudos uma atenção especial a um fenômeno arredio à qualquer conceituação efetiva: o poder.
Segundo Foucault (1993) e Raffestin (2015), o poder se manifestaria quando de seu exercício em
relações sociais, ou seja, não poderia ser caracterizado como um bem material ou imaterial passível
de apropriação ou alienação, senão, como fenômeno inteligível a partir das interações concretas
entre atores sócio-territoriais, por intermédio das quais este se manifestaria no contexto do tempo
e do espaço.

26
Daí Raffestin (1993) falar em um Poder (com inicial maiúscula), em referência ao Poder do Estado, e, em poderes (com
inicial minúscula), em referência aos poderes dos demais atores territoriais existentes.
125
Contudo, percorrendo uma lacuna teórica admitida por Foucault (2015)27, Raffestin (1993)
destaca a importância do elemento espaço nas relações de poder entre os indivíduos, como
categoria que, ao mesmo tempo, é condicionante e condicionada pelas interações em questão.
Assim, destaca que o “poder se apoia sobre o tempo e espaço” (RAFFESTIN, 1993, p. 35), permitindo
a gênese de relações simétricas (equilibradas) ou dissimétricas (desproporcionais, desiguais) onde
um ator territorial, conforme suas finalidades político-econômicas, se impõe sobre outros atores
para realização de um plano preestabelecido (portanto, sintagmático), aliando-se a eles, alienando-
os, ou, até mesmo, destruindo-os.
Segundo Ambrozio (2013), a compreensão do geógrafo denotaria o território como um
veículo - ou um campo - que materializaria a microfísica foucaultiana: estabelecendo-se sobre o
espaço (dado originário), os poderes fluidos construiriam diversos territórios a partir da edificação
de tessituras (superfícies, dentro das quais o poder encontraria seus limites e extensão) e nós (que,
por sua vez, se interligariam em linhas, dando origem às redes).
Em sua atuação, os atores territoriais empregariam quantidades e qualidades variadas de
energia e informação, que, por sua vez, materializariam seu poder relacional, segundo uma ou várias
estratégias voltadas à realização de seus objetivos, valendo-se da comunicação (possibilitada
através da língua) e da circulação (de bens ou de pessoas) (VILAS BOAS, 2015), dentro do contexto
do tempo e do espaço (que, ao mesmo tempo, funcionariam como suportes e como recursos – ou,
simplesmente, trunfos deste poder) (RAFFESTIN, 1993).
Neste processo, o território seria construído a partir da conjugação ou contradição de
poderes, ao mesmo tempo, enquanto zona (onde o poder se estende até o limite de determinadas
tessituras) e/ou rede, esta última, ligada por nodosidades, que expressariam uma lógica territorial
de natureza reticular (RAFFESTIN, 1993).
Contudo, uma terceira dimensão territorial não deve ser olvidada: “Em estreita relação com
o espaço real, há um ‘espaço abstrato’, simbólico, ligado à ação das organizações” (RAFFESTIN,
1993). É um espaço inventado, que Haesbaert (2014, p. 121) define “enquanto prática política e
realidade efetiva no cotidiano [...] pois envolve não só as formas físico-materiais do espaço, mas
também o seu conteúdo simbólico e vivido”.
O(s) território(s), enquanto fenômeno(s) múltiplo(s), assim, é(são) uma conjugação de
lógicas zonais (zonas limitadas por tessituras), reticulares (linhas, que tecem redes diferenciadas das
zonas) e simbólicas (vinculadas à representação de cada ator a respeito de seu vínculo real ou
imaginado com um espaço) (HAESBAERT, 2014), oriundos da própria multidimensionalidade do
poder em suas interações no espaço-tempo (RAFFESTIN, 1993).
Afirma o geógrafo, nesta perspectiva, que:

O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator
sintagmático (ator que realiza um programa em qualquer nível). Ao se apropriar do espaço,
concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator territorializa o
espaço. [...]
O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e
informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a
“prisão original”, o território é a prisão que os homens constroem para si (RAFFESTIN, 1993,
pp. 143-144).

E, essa construção relacional do homem em interação com o território caracteriza o que


Raffestin (1993) denomina de territorialidade: uma relação simultânea entre atores, e, entre estes
e o espaço (como dado originário) e os territórios já construídos (a partir da anterior produção

27
Em tempo, é importante ressaltar que Foucault (2015), no capítulo “Sobre a Geografia” da obra “Microfísica do Poder”,
admite expressamente ter negligenciado a questão relativa às estratégias de poder e sua repercussão territorial, em lacuna
que resta muito bem trabalhada por Raffestin (1993).
126
humana) e em movimento contínuo, que determina formas de vinculação e desvinculação entre
aqueles.
Assim, nesta relação de territorialidade, os atores lançariam sobre o território os seus
intentos de vida (relativos, por exemplo, ao trabalho, à sobrevivência, aos sentimentos de
pertencimento a um solo etc.), sendo, ao mesmo tempo, influenciados por dinâmicas totalmente
alheias a sua vontade, e que, também, se encontram projetadas sobre o mesmo território (como
por exemplo, práticas políticas e econômicas da comunidade em que se insere) (RAFFESTIN, 1993).
Tudo isso, constrói o território. Mas, ao mesmo tempo, permite que ele também influencie
a relação de territorialidade havida com os atores, pelo que se explica sua compreensão como
elemento condicionante e condicionado (HAESBAERT, 2014).
Ao longo desta interação dinâmica, por sua vez, é natural a ocorrência de processos de
territorialização (vinculação material ou simbólica ao espaço), desterritorialização (desvinculação
material ou simbólica) (RAFFESTIN, 1993) e reterritorialização (estabelecimento de uma nova
vinculação a outros ou ao mesmo espaço) (HAESBAERT, 2014), como resultado de vitórias, derrotas,
ou, até mesmo, da eventual impotência de atores territoriais nas disputas dissimétricas
estabelecidas.
Por conseguinte, em sua busca de uma territorialização (motivada por questões como senso
de identidade e de segregação no espaço), os atores territoriais elaborariam estratégias de ação,
aqui compreendidas como o “resultado de um plano, de um projeto que contém, entre outras, as
finalidades” (RAFFESTIN, 1993, p. 42) de controle, dominação ou, inclusive, de destruição de outros
atores. São táticas de poder que se desdobram através de implantações, de distribuições de
recursos, de recortes do espaço, de controles instituídos (FOUCAULT, 2015).
Barreira (2014), por sua vez, destaca que as estratégias representariam um uso do domínio
político do espaço sob manobras de guerra e sob a produção de discursos, voltados à consecução
de objetivos específicos. Essas estratégias, por sua vez, se valeriam de “um conjunto de elementos
a serem convocados para chegar a um objetivo, [...] do recurso a uma série de meios. Os meios, ou
mediatos, são convocados para atingir um fim, isto é, para adquirir ou controlar mecanismos”
(RAFFESTIN, 1993, p. 42).
Esses mediatos, “são rebeldes a toda classificação simples, e por isso mesmo, a toda
generalização [...]”, porém, “[...] têm em comum o fato de serem todos constituídos de energia e
informação” (RAFFESTIN, 1993, pp. 42-43). Os mediatos, portanto, podem ser considerados como
os meios utilizados para escoar (ou seja, permitir a circulação) do poder do agente territorial,
quando da efetivação de suas estratégias ao longo do jogo das relações territoriais com outros
agentes.
Estratégias e mediatos, assim, se tornam elementos cruciais na disputa territorial. Sua
conjugação é que determina o sucesso ou insucesso dos atores territoriais em seu intento de
estabelecer ou preservar sua relação com um espaço. E, certamente, compreender as estratégias e
mediatos de outros atores significa a obtenção de informação (saber) que, uma vez acumulado,
permite um dispêndio menor de energia quando de sua confrontação, em relações de natureza
dissimétrica.
Por conseguinte, deve-se assinalar que todo e qualquer processo de des-re-territorialização
gera resistências por parte dos atores envolvidos (HAESBAERT, 2014), que podem ser
compreendidas como uma ruptura da comunicação entre os agentes, numa recusa de trocas,
seguida da contestação da relação estabelecida e da tentativa de retomada ou manutenção dos
poderes daqueles que se encontram em aparente desvantagem numa interação dissimétrica
(RAFFESTIN, 1993).
Ribeiro (2015) classifica as resistências como elementos naturais decorrentes dos conflitos
de estratégias entre atores territoriais, manifestas por transgressões materiais que abalam práticas

127
e pensamentos, manifestando fissuras nas relações de poder. São portanto, estratégias opostas às
que propugnam uma investida.
Esta oposição de estratégias, aliás, é muito bem delineada por Vilas Boas (2013, p. 120), ao
contrapor a lógica das organizações econômicas e a lógica do Estado em sua atuação: “as
organizações econômicas almejam a anulação dos obstáculos territoriais, buscando a isotropia dos
territórios. Já as organizações políticas aderem à anisotropia, porque procuram subdividir/recortar
o território para melhor controla-lo”.
A afirmação, inclusive, se adequa perfeitamente ao contexto do presente estudo.
Como a pós-modernidade representa um contexto de nítido enfraquecimento da clássica
lógica zonal da gestão pública, diante de uma globalização condicionada por interesses
internacionais que ignoram os limites dos Estados-nação (BAUMAN, 2001), certamente, esta
diferença de estratégias pode ser muito bem sentida diante da dificuldade dos Entes Públicos em
desenvolver estratégias locais para contrapor problemas globais (SANTOS B., 2010).
Em igual medida, a teoria em questão se mostra bastante explicativa da lógica de
apropriação dos espaços urbanos como efetivos bens de consumo (RIBEIRO, 2015), das políticas de
segregação e contenção territorial da pobreza (WACQUANT, 2015), e dos processos de
desterritorialização perversa (HAESBAERT, 2014).
Finalmente, como se verá nos tópicos seguintes, a teoria é frutífera quanto à compreensão
da territorialização do tráfico de drogas no século XXI, e, sobretudo, da adoção de resistências
históricas que, na atualidade, resultaram na reputada crise do sistema penitenciário.
Entretanto, antes do debate a respeito desta territorialidade do tráfico, propiciada a partir
dos postulados de Raffestin (1993), é necessária a realização de uma discussão conceitual a respeito
da atividade em apreço, sobretudo, buscando a superação da lógica meramente estatal a respeito
do fenômeno – conforme propiciado pelo método ora adotado, questão da qual se ocupou a seção
a seguir.

3 NOTAS CONCEITUAIS A RESPEITO DO TRÁFICO DE DROGAS

Como dito, para que se promova um correto enquadramento geopolítico do tráfico de


drogas enquanto fenômeno territorial, faz-se necessária a realização de notas a respeito de um
possível conceito atribuível aquele fenômeno. Esta empreitada, no entanto, representa um
problema teórico significativo, uma vez que a imprecisão conceitual do termo droga se denota como
um reflexo de incoerências políticas do tratamento do tráfico pelos Estados-Nação adeptos das
políticas de proibição (dentre os quais, o Brasil).
Conforme Araújo (2012), a imposição normativa do que seria droga (de maneira
contraditória, aliás, pela não consideração de outros psicotrópicos como o álcool, o tabaco e, até
mesmo, o café), revela a adesão de verdadeiros valores culturais e morais à uma terminologia de
caráter jurídico. Fato, é que, ao menos no campo do direito, droga é o que a lei diz ser droga.
Em termos oficiais, o Brasil conceitua o que seria droga a partir da Portaria nº 344/98, do
Ministério da Saúde, concernente ao Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos
sujeitos a controle especial. Este documento classifica droga como toda e qualquer substância ou
matéria-prima que tenha finalidade medicamentosa ou sanitária, diferenciando-a, para fins legais,
do conceito de entorpecente que corresponde à qualquer substância que possa determinar
dependência física ou psíquica relacionada, como tal, nas listas aprovadas pela Convenção Única
sobre Entorpecentes, fielmente reproduzidas nos anexos deste Regulamento Técnico (BRASIL,
1998).
Embora a terminologia legal mais coerente a ser adotada fosse tráfico de entorpecentes,
atribuiu-se uma maior popularidade científica e social à terminologia tráfico de drogas (ARAÙJO,
2012). Igualmente, tem-se que as drogas podem ter efeitos semelhantes aos dos entorpecentes,
128
sendo estes, assim, espécies das primeiras. Em função disso, o trabalho resguarda preferência pelas
terminologias droga e tráfico de drogas.
Por sua vez, algumas imprecisões devem ser apontadas em relação aquele conceito oficial:
primeiramente, a legislação parece ignorar consequências concretas relativas ao uso das
substancias entorpecentes, sequer diferenciando-as quanto a sua potencial natureza estimulante,
depressora ou perturbadora do sistema neural (ARAÚJO, 2012). Em segundo lugar, não há uma
metodologia clara, quantitativa ou qualitativa, a respeito dos critérios de classificação e definição
das substancias proibidas ou permitidas – mesmo que para fins de estudo científico (RODRIGUES,
2004).
E, ainda, constata-se que a escolha política das substancias proibidas, ao menos no discurso
oficial, acaba se restringindo a uma classe médica, que, juridicamente, não deteria mandato
democrático (como aquele conferido, constitucional e ideologicamente, ao Poder Legislativo) para
formalizar normas em nome do povo (RODRIGUES, 2004).
Nestes termos, a partir de uma permissão genericamente confiada por lei (norma penal em
branco), admite-se que um preceito de elaboração obrigatória pelo Poder Legislativo seja
complementado pela vontade (reputadamente científica) de agentes (médicos-sanitaristas)
vinculados a uma classe política hegemônica de um certo momento histórico (PEREIRA, 2012),
assim, indicados (política e precariamente) para ocupar as cadeiras de um órgão vinculado à
Presidência da República (Poder Executivo).
Estas imprecisões, certamente, se explicam em função do próprio interesse econômico
historicamente vinculado à gestão territorial das drogas no âmbito nacional e mundial, que utiliza a
proibição como questão política de satisfação de interesses proeminentes nas relações sociais de
poder (WEIGERT, 2010), bem como, como importante elemento de uma política de segregação
territorial e gestão da pobreza (WACQUANT, 2015).
Igualmente, a proibição estabelecida através de mecanismos legais, também se explica pelo
fato de que o direito penal é uma subciência do direito que funciona como um instrumento criativo,
fabricante, inventivo de condutas vedadas. Através dele, ações socialmente tidas como indesejadas
passariam a ser categorizadas sob uma dada tipologia e, assim, legalmente proibidas, sob um
critério muito mais político do que jurídico (QUEIROZ, 2012). “É a lei, portanto, que cria o crime, é a
lei que cria o criminoso. Numa só palavra: só é crime o que o legislador diz que é” (QUEIROZ, 2012,
p. 36).
E a definição do que é crime, num segundo momento, também perpassa pela adequação de
um fato à uma norma proibitiva por parte do sistema judiciário (D’ELIA FILHO, 2014), num processo
de dupla seletividade penal: Através de uma conduta proibida por lei (primeira seleção), vedam-se
condutas que, na prática, podem ser identificadas e reprimidas, ou não, conforme as escolhas dos
sujeitos ou interesses envolvidos (segunda seleção) na atividade de persecução penal, conforme o
julgamento pragmático dos órgãos policiais e judiciários.
Noutras palavras, embora a lei seja objetiva, a classificação de um sujeito e sua rotulação
conforme as categorias de cidadão ou de criminoso são atividades que serão realizadas sob certo
grau de subjetividade policial e judiciária.
A própria tipologia criminal, inclusive, que diferencia a atividade tráfico de drogas (voltada
especificamente a substancias proibidas) daquela nominada como contrabando (voltada à demais
espécies de produtos proibidos, em geral) (SILVA, 2013), já encerra uma diferenciação muito mais
simbólica do que técnica (como ocorre no caso do contrabando de cigarros falsificados, onde há
imprecisa fronteira diferencial entre o contrabando e o tráfico de drogas).
Deste modo, é certo que a legislação não se afigura como o melhor parâmetro para definição
conceitual do que seria o tráfico de drogas, o que torna necessária a realização de um esforço
zetético que revele as aspirações sociais, culturais e históricas que resultam da aplicação da norma
jurídica em apreço (BITTAR, 2016).
129
Considerando a lição de Lima (2014), confirma-se que a atual normatização em torno do
tema (lei nº 11.343/06) não contém um expresso conceito do que seria o crime em questão. Diante
disto, coube à jurisprudência (ou seja, a um conjunto de reiterados julgamentos das cortes pátrias)
conformá-lo às condutas típicas tratadas no teor dos artigos 33, caput e §1º, 34, 36 e 37 28, da
referida lei antidrogas (LIMA, 2014).
De uma análise dos tipos penais em menção, por sua vez, observa-se que os preceitos
primários29 constantes da lei nº 11.343/06 buscam a proibição de várias atividades (importar,
fabricar, vender etc.) voltadas a um único e genérico fim (o mercado, a comercialização),
demonstrando que o conceito jurídico de tráfico de drogas, conforme ensina Queiroz (2012, p. 214),
se materializa como um “crime de múltipla ação” que acomoda (ou tenta acomodar), sob uma
tipologia, diversas ações inerentes a uma atividade dinâmica e multifacetada. Afinal, antes de ser
um crime, o tráfico de drogas é um fenômeno histórico-social mais amplo e representativo,
merecendo, portanto, um olhar igualmente abrangente.
Segundo afirma D’elia Filho (2014), seria mais fácil compreender o tráfico de drogas como
uma ilegalidade de mercado, cuja repressão (mesmo justificada em função de uma reputada
proteção do direito à saúde) se realiza, muito mais, sob uma ótica de mercado, ou seja, como uma
estratégia de poder aplicada sob um propósito econômico e seletivo.
O tráfico pode ser conceituado, portanto, como uma atividade comercial que, em dado
momento da história, foi, por fatores políticos (determinados, a partir de interesses econômicos
estatais e supra estatais), declarada como prática criminosa, não pelo seu caráter comercial em si,
mas, pelas substancias envolvidas na comercialização.
Ainda, sob um esforço semântico, constata-se que a literatura costuma fazer referência à
terminologia tráfico de drogas não só como atividade, mas, também, um conjunto de indivíduos
que, de forma organizada ou não, promovem o comércio das substancias legalmente proibidas em
lei.
O tráfico de drogas, nesta perspectiva seria sinônimo de empresa (CHAGAS, 2014). Ou, como
definiria Raffestin (1993), o tráfico de drogas pode ser comparado a uma organização de mercado,
caracterizável pelos seres e coisas que possui, utilizando-os como trunfos nas disputas territoriais

28
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em
depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a
15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1o Nas mesmas penas incorre
quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito,
transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz
a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em
matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade,
posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar
ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação,
preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-
multa.
Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena -
reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.
Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes
previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300
(trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.
29
Preceito Primário corresponde à parte explicativa (ou seja, demonstrativa), de uma conduta penal proibida, que, se
efetivamente praticada, ensejará a aplicação da penalidade, normalmente, prevista sequencialmente à referida parte
demonstrativa (QUEIROZ, 2014)
130
econômicas. O diferencial em relação qualquer outra organização, somente, advém da ilicitude dos
produtos ligados a sua atividade.
Assim, num enquadramento à teoria adotada neste trabalho, o tráfico de drogas, como
conjunto de indivíduos de posse de bens, ou, ainda, como conjunto de empresas que, de forma
ilícita, promovem o mercado (em todas as suas fases) de substancias politicamente proibidas pelos
Estados-Nação, certamente, pode ser genericamente definido como ator territorial (RAFFESTIN,
1993).
E, como tal, este tráfico certamente se vale de estratégias e mediatos em busca de sua
territorialização como mecanismo de sobrevivência na sociedade de consumo pós-moderna, do
século XXI, adequando-se as suas peculiaridades e, sobretudo, exercendo resistências contra as
ações estatais proibitivas. A análise deste enquadramento teórico, conforme prometido nos
objetivos do estudo, será o objeto da seção a seguir.

4 O TRÁFICO DE DROGAS COMO AGENTE SINTAGMÁTICO E SUAS ESTRATÉGIAS TERRITORIAIS

Na qualidade de organização (ou empresa [CHAGAS, 2014]), tem-se que o tráfico de drogas,
na esteira do ensinamento de Vilas Boas (2015) manifesta estratégias territoriais que buscam o
rompimento de fronteiras e obstáculos (isotrópicas), de forma diversa às estratégias adotadas pelo
Estado, que se desenvolvem sob uma ótica preponderantemente zonal (anisotrópicas).
Como agente sintagmático que age sob uma lógica de mercado (afinal, depende do consumo
para sobreviver), o tráfico busca o estabelecimento de estratégias múltiplas de resistência às ações
de combate realizadas e propugnadas pelo Estado, bem como, estratégias de expansão e dominação
de novos territórios, para permitir uma maior comunicação e circulação (tanto de seus agentes,
como de seus produtos).
E, nos moldes dos empreendimentos do século XXI, pautados no consumo em massa e na
fluidez da produção e comercialização (BAUMAN, 2001), o tráfico também adota práticas ostensivas
de comércio, em oligopólios nacionais e transnacionais, bem como, por intermédio de varejistas
locais (D’ÉLIA FILHO, 2014).
Machado (2008), por exemplo, defende que a lógica geopolítica da agricultura não se aplica
ao tráfico internacional de drogas: enquanto, de fato, países pobres e em desenvolvimento se
configuram como países exportadores de drogas como cocaína e maconha (que exigem condições
climáticas e territoriais específicas de plantio de suas espécies originárias), de outro lado, há
predomínio dos países ricos no ramo da exportação de drogas sintéticas (o que se dá por conta da
participação da indústria farmacêutica e pela detenção de tecnologias por estes últimos; ao passo,
todos detém mercados consumidores apropriados às suas respectivas realidades. Noutras palavras,
a realidade do mercado molda a territorialidade do tráfico.
Por outro lado, seu comportamento territorial também é conformado por constantes
estratégias de resistência, diante da repressão legalmente praticada em função das políticas
proibicionistas adotadas pela maior parte dos Estados-Nação.
Bagley (2013), aponta que a intervenção internacional armada (sobretudo, dos Estados
Unidos) nas América Latina, sob a ideologia da Guerra às Drogas propiciou transformações
territoriais que ora representavam a ascensão de novas centralidades (efeito balão) comerciais das
drogas (como no caso do desmantelamento de cartéis colombianos, que, como consequência, gerou
o surgimento de novos mercados no Peru e Bolívia): O tráfico, como agente sintagmático
transnacional, se manteve e resistiu às investidas.
Ainda conforme o mesmo autor, as mesmas intervenções também ocasionaram estratégias
de divisão de centralidades em vários microcosmos comerciais do tráfico (efeito barata), de modo
a dificultar a ação territorial repressiva (BAGLEY, 2013).

131
No Brasil, por sua vez, desde o final do século XX constata-se a existência de estudos que
descrevem este comportamento territorial do tráfico: Souza (1996), por exemplo, apontava a lógica
reticular do tráfico, e sua forte estratificação e divisão interna de funções, nos moldes de um
verdadeiro empreendimento comercial, assim como, sua lógica zonal, estabelecida em níveis locais,
nacionais e internacionais.
Barreira (2014), de forma muito semelhante à Bagley (2013), defendeu que o único êxito do
Estado do Rio de Janeiro em sua estratégia político-militar de instalação das Unidades de Polícia
Pacificadora, teria se dado em relação ao afastamento do mercado do tráfico de certos locais
(economicamente interessantes ao turismo e serviços), sem contudo, eliminá-lo da realidade
carioca.
De outro lado, deve-se lembrar que o território - enquanto elemento que também é
condicionante das relações de territorialidade, uma vez que alberga uma série de fenômenos
políticos e econômicos – também detém forte influência sobre a territorialização do tráfico.
Zaluar afirmou que (2004), embora o tráfico seja uma realidade em zonas de qualquer nível
socioeconômico das cidades (afinal, sempre há potenciais consumidores em quaisquer delas), é nas
regiões mais pobres que a repressão territorial é mais sentida.
Como destacado por Haesbaert (2014), Volochko (2015) e Ribeiro (2015), a apropriação do
espaço como bem de consumo, a segregação social da pobreza as áreas mais precárias dos
ambientes urbanos, o fechamento territorial e o isolamento dos centros de produtos e serviços,
promoveu uma ruptura territorial que, associada à impossibilidade de captação populacional pelos
mercados de consumo pós-modernos e da criação de estigmas sobre a figura da pobreza (BAUMAN,
2008; GARLAND, 2008; WACQUANT, 2015), institui a imagem de zonas perigosas às regiões pobres
das cidades.
Em casos como o do Rio de Janeiro e São Paulo, em verdade, estas áreas precarizadas
chegaram a albergar grandes organizações do tráfico de drogas, como o Comando Vermelho - CV, o
Primeiro Comando da Capital – PCC, e, os Amigos dos Amigos – ADA (AMORIM, 2013). Contudo, na
maioria das vezes, as zonas pobres se afiguram como sede de pequenos revendedores, que
encontraram no tráfico de drogas a alternativa inviabilizada pelo marcado formal de trabalho, e que,
nessa qualidade, são extremamente vulneráveis à atuação proibicionista (D’ÉLIA FILHO, 2014).
Chagas (2014), por exemplo, aponta esta realidade de precarização, pobreza e tráfico de
drogas em relação a cidade de Belém-Pará, afirmando, também a partir da teoria de Raffestin
(1993), que a ausência do poder estatal é determinante para a instalação do tráfico de drogas em
áreas pobres da cidade, conforme os fatores de segregação urbana já apontados acima.
E, é especialmente a estes pequenos revendedores varejistas, sujeitos a um processo de
desterritorialização precária (HAESBAERT, 2014), que se dispensará atuação política conforme uma
lógica jurídico-penal do Estado, duplamente seletiva e geradora de um superencarceramento
seletivo (GARLAND, 2008; WACQUANT, 2015), o que, por sua vez, ocasiona uma segunda
desterritorialização precária da população pobre, agora, no degradante contexto do cárcere
(SANTOS, 2007).
Aliás, é importante assinalar que as prisões, desde o Século XX, podem ser compreendidas
como verdadeiros depósitos humanos despreocupados com qualquer propósito ressocializador
prático (a despeito das simbólicas declarações contrárias em lei) (FOUCAULT, 2015). Em verdade, o
ambiente carcerário apenas serviria ao propósito de segregação de camadas sociais indesejáveis,
bem como, para justificar a existência de uma classe violenta que, uma vez não ressocializada,
voltará futuramente à delinquência, tornando, assim, imprescindível a existência de instrumentos
policiais autoritários (que, em verdade, só serviriam à defesa de interesses patrimoniais específicos
de grupos socialmente favorecidos) (FOUCAULT, 2015).
É ilusória, portanto, a concepção de que o encarceramento inibirá a propensão ao delito:
diante de um contexto de exclusão social, onde os locais criam uma relação simbólica entre o
132
cidadão e o território (CLAVAL, 1999), no seio de um ambiente no qual os signos de vida e
representação de um papel social (RAFFESTIN, 1993) serão totalmente diferenciados daqueles
criados pelo Estado junto ao restante da sociedade, o aprisionamento acabará por construir
simbolismos totalmente diversos, incentivando, assim, uma falta de identidade e/ou uma repulsa
com os demais valores sociais (aqueles ditos comuns ou civilizados).
Surgirão, assim, as resistências (RAFFESTIN, 1993) e, por sua vez, a adoção de estratégias que
buscarão a retomada do poder pelos atores atingidos pelo conflito de forças havido nesta relação
naturalmente dissimétrica.
E, sendo o tráfico a mais atraente alternativa de inserção (mesmo que ilícita) no âmbito da
sociedade de consumo (onde se é de acordo com o que se tem [BAUMAN, 2001]), acaba por haver
uma adesão voluntária à atividade criminosa, que, diante da impossibilidade de resistência natural
à territorialidade imposta, se torna a mais viável das escolhas a disposição dos encarcerados (se é
que existiriam outras).
Assim, mesmo no contexto do cárcere surgem estratégias de imposição de desígnios e de
resistência que tendem a imitar a lógica capitalista do mundo livre (DIAS, 2013). A organização dos
espaços, no cárcere, é objeto de apropriação e comercialização, sujeitando internos a relações
dissimétricas e desterritorializantes (ARRUDA; SÁ, 2006). A redução dos fluxos de informação,
igualmente, ocasiona um transbordamento de violência nas relações (SANTOS, 2007) ao passo que
novas estratégias de sobrevivência vão sendo reinventadas, a cada dia.
Por sua vez, diante do descaso registrado pelo Estado em relação ao sistema penitenciário
nas últimas décadas, associado ao processo de superencarceramento e à inserção do país na nova
lógica do tráfico de drogas, a ausência do Poder Estatal propiciou o desenvolvimento de outros
níveis estratégicos entre os detentos (DIAS, 2013).
Desde a década de 1980, com a inserção do país nos circuitos do tráfico internacional de
Cocaína, interessava aos envolvidos com o tráfico de drogas estabelecer o controle, mesmo que a
partir do contexto carcerário, das rotas (redes) e áreas (zonas) de transporte e comercialização dos
produtos ilícitos, como forma de permanecer no tabuleiro das relações locais, regionais e
transnacionais do tráfico (DIAS, 2013).
Estratégias foram elaboradas e postas em prática. E foram bem sucedidas: primeiramente,
porque importaram na manutenção de redes, a despeito do encarceramento de seus respectivos
agentes (AMORIM, 2011, 2013) e, em segundo lugar, porque possibilitaram o atingimento de
condições concretas de enfrentamento estatal, a exemplo das disputas territoriais que ora se
observam, sob a genérica expressão crise carcerária.
Diante disso é inevitável concluir que: a presença de organizações criminosas no contexto
do cárcere (sobretudo com atividades vinculadas ao tráfico de drogas), tão disseminada na mídia,
nada mais é que um conjunto de estratégias de resistência adotadas pelo tráfico de drogas, para
sobrevivência no mundo político-econômico criado pelas práticas capitalistas do Século XXI, ou,
noutras palavras, um fruto do próprio sistema.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de toda a exposição realizada, pode-se inferir que o tráfico de drogas (aqui já
compreendido como empresa, nos termos da teoria de Raffestin [1993] e Chagas [2014]) é um
agente territorial sintagmático que age independentemente da (e, na maior parte das vezes,
contrariamente à) vontade Estatal, conforme objetivos próprios.
Em seu intento de dominação de um território notadamente comercial (afinal, visa a
obtenção do lucro em uma sociedade permeada pela lógica do consumo, cujas práticas reproduz
em suas ações), empreende estratégias e se utiliza de variados mediatos para consecução de seus
objetivos e neutralização de adversários.
133
No entanto, confrontado pelo desígnio proibitivo (também, fortemente motivado por
questões político-econômicas) o tráfico acaba adaptando suas estratégias para um enfrentamento
mais efetivo daqueles que se colocam à frente de seus planos, e, considerando o rigor da atuação
estatal proibitiva, acabam elaborando formas de resistência também manifestamente violentas e
(juridicamente) ilegais.
Especialmente no contexto territorial precário do cárcere, onde (sobretudo para os mais
pobres) não há mais nada a se perder, é natural que estas estratégias importem numa ruptura com
os valores do Estado (agente territorial adversário), o que, decerto, explica em muito a atual da crise
carcerária e o sucesso do tráfico de drogas, inclusive no contexto do cárcere, a despeito da proibição
imposta legalmente e da declarada guerra às drogas.
Como se vê, a teoria de Raffestin (1993) constitui uma forte base teórica para superação do
paradigma político-jurídico de compreensão do tráfico (que acaba por propugnar planos de ação
repressivos e bélicos), ao passo que, por permitir a compreensão de outras lógicas e ações externas
à dinâmica meramente estatal, proporciona uma análise mais eficiente do problema.
Ao fim, retirando-se o véu de uma visão meramente estatal da questão, e, partindo-se de
teorias que concebam o fenômeno do tráfico como ele realmente é (uma realidade de mercado
marcada por jogos de disputa de poder), certamente, será possível admitir o surgimento de análises
mais compromissadas em conferir uma nova significância à história e às dissimetria das relações
sociais, e, assim, buscar soluções realmente efetivas ao problema (além da inadvertida, seletiva e
mal sucedida repressão hoje aplicada).

REFERÊNCIAS

ABRANTES, Talita. Guerra entre CV e PCC pode chegar as ruas, diz promotor. Revista Exame.
Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/guerra-entre-pcc-e-cv-pode-chegar-as-ruas-diz-
promotor/>. Outrubro/2016. Acesso em: 31.12.2016.

AMBROZIO, Júlio. O Conceito de Território como Campo de Poder Microfísico. Revista de


Geografia, v. 3, n. 2, p. 1-10. 2013.

AMORIM, Carlos. Comando Vermelho: a história do crime organizado. Rio de Janeiro: BestBolso,
2011.

AMORIM, Carlos. CV-PCC: A Irmandade do Crime. 13. ed., Rio de Janeiro: Record, 2013.

ANITUA, Gabriel Ignacio. História dos Pensamentos Criminológicos. Rio de Janeiro: Revan, 2015.

ARAÚJO, Tarso. Almanaque das Drogas. São Paulo: Leya, 2012.

ARRUDA, Raimundo Ferreira de; SÁ, Alcindo José de. Por uma Geografia do Cárcere:
Territorialidades nos pavilhões do Presídio Professor Aníbal Bruno - Recife-PE. Dissertação
(Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco.
UFPE: Recife, 2006. Disponível em: <
http://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/6858?show=full>. Acesso em: 25.11.2016. 2006.

BAGLEY, Bruce. The Evolution of Drug Trafficking and Organized Crime in Latin America. Revista
Sociologia, Problemas e Práticas, v.1, n. 71, p. 99-123. 2013.

134
BARREIRA, Marcos. A Vitrine e a Guerra: Estratégias Territoriais de Ocupação e Integração das
Favelas. Revista Continentes (UFRRJ), v. 3, n. 5, p. 45-75. 2014.

BAUMAN, Zigmunt. Medo Líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática da Monografia
para os Cursos de Direito. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 344/1998 - Aprova o Regulamento Técnico sobre


substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Brasília: Ministério da Saúde, 1998.

CAMPOS, Rui Ribeiro de. Geografia Política das Drogas Ilegais. Leme: Editora J. H. Mizuno, 2014.

CARVALHO, Jonatas Carlos de. A Emergência da Política Mundial de Drogas: O Brasil e as Primeiras
Conferências Internacionais do Ópio. Revista Oficina do Historiador. v. 7, n. 1, p. 153-176. 2014

CARVALHO, Salo de. A política Criminal de Drogas no Brasil: Estudo Criminológico e Dogmático da
Lei 11.343/06. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

CHAGAS, Clay Anderson Nunes. Geografia, segurança pública e a cartografia dos homicídios na
região metropolitana de Belém. Boletim Amazônico de Geografia, v. 1, n. 1, p. 186-204. 2014.

CLAVAL, Paul. O território na Transição da Pós-Modernidade. Revista GEOgraphia, v. 1, n. 2, p. 7-


26. 1999.

D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone. Acionistas do nada: Quem são os traficantes de Drogas. Rio de
Janeiro: Revan, 2014.

DIAS, Camila Caldeira Nunes. PCC: Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência. São Paulo:
Saraiva, 2013.

FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2015.

G1-PARÁ. Empresário é Morto dentro da Própria Loja, em Altamira, Oeste do Pará. Março/2016.
Disponível em: <http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/03/empresario-e-morto-dentro-da-
propria-loja-em-altamira.html>. Acesso em: 26.04.2016.

GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio
de Janeiro: Revan, 2008.

HAESBAERT, Rogério. Viver no Limite: Território e Multi/Transterritorialidade em tempos de in-


segurança e contenção. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

KARAM, Maria Lucia. Violência, Militarização e ‘Guerra às Drogas’. Bala Perdida: A violência
Policial no Brasil e os Desafios para sua Superação. São Paulo: Boitempo, 2015.

LACERDA, Ricardo. Facções Criminosas do Brasil. Dossiê Superinteressante. São Paulo: Abril, 2017.
135
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Penal Especial Comentada. 2. Ed. Salvador: Editora Jus
Podivm, 2014.

MACHADO, Lia Osório. O Comércio Ilícito de Drogas e a Geografia da Integração Financeira: uma
simbiose? In: CASTRO, Ina Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORREA, Roberto Lobato. Brasil:
Questões Atuais da Reorganização do Território. 5. Ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2008.

MEZZAROBA, Orides; MONTEIROS, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no


Direito. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.

RIBEIRO, Fabiana Valdoski. Produção Contraditória do Espaço e Resistências. In: CARLOS, Ana Fani
Alessandri. Crise Urbana. São Paulo: Contexto, 2015.

RODRIGUES, Alex. Amazonas Pede Ajuda ao Governo Federal para Reforçar Segurança em Prisões.
EBC - Agência Brasil. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-
01/amazonas-pede-ajuda-ao-governo-federal-para-reforcar-seguranca-nas-prisoes>. Acesso em
05.01.2017.

PEREIRA, Jeferson Botelho. Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade Sindical Complexa e Ameaça
Transnacional. Leme: Editora J. H. Mizuno, 2012.

QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal: Parte Geral. V.1. 8. Ed. Salvador: Editora Jus Podivm,
2012.

RODRIGUES, Thiago. Política e Drogas nas Américas. São Paulo: EDUC/FAPESP, 2004.

SANTOS, Hugo Freitas dos. O “Coletivo” como Estratégia Territorial dos Cativos. GEOgraphia, v. 9,
n. 17, p. 89-116. 2007.

SILVA, Luiza Lopes da. A Questão das Drogas nas Relações Internacionais: Uma perspectiva
brasileira. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2013.

SOUZA, Marcelo Lopes de. Redes e Sistemas do Tráfico de Drogas no Rio de Janeiro: Uma
Tentativa de Modelagem. Anuário do Instituto de Geociências da UFRJ, v. 19, n. 1, p. 45-60. 1996.

UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME – UNODC/ONU. World Drug Report 2015. New
York: ONU, 2015.

VILAS BOAS, Lucas Guedes. “Por uma Geografia do Poder”, de Claude Raffestin. GeoPUC – Revista
da Pós-Graduação em Geografia da PUC-Rio de Janeiro, v.8, n. 14, p. 116-112. 2015.

VOLOCHKO, Danilo. Nova Produção das Periferias Urbanas e Reprodução do Cotidiano. In:
CARLOS, Ana Fani Alessandri. Crise Urbana. São Paulo: Contexto, 2015.

WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres: A Nova Gestão da Miséria nos Estados Unidos. A Onda
Punitiva. 3. Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2015.
136
WEIGERT, Mariana de Assis Brasil e. Uso de Drogas e o Sistema Penal: Entre o Proibicionismo e a
Redução de Danos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

ZALUAR, Alba. Integração Perversa: Pobreza e Tráfico de Drogas. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2004.

137
REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR DO AMAPÁ NO COMBATE AOS CRIMES DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO MUNICÍPIO DE MACAPÁ

Manoel Fernando Alves Silva


Antonio Sabino da Silva Neto
30

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A violência doméstica e familiar constitui um problema social brasileiro que exige, para o seu
efetivo enfrentamento, um conjunto de esforços de toda a sociedade. Partindo desse pressuposto,
se faz necessário ampliar a discussão sobre a temática, com o objetivo de propor ações concretas
baseadas no princípio da dignidade da pessoa humana e na igualdade entre homens e mulheres.
Assim, a Polícia Militar, como órgão integrante do sistema de segurança pública, tem papel
fundamental no combate a esse tipo de violência.
No contexto brasileiro houve um avanço significativo no debate sobre violência doméstica
a partir da criação de uma legislação específica, a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, também
conhecida como “Lei Maria da Penha”. Sua efetivação criou mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, ao envolver ações dos órgãos de segurança pública, como
também destaca o papel social da aplicabilidade de políticas públicas.
A pesquisa se desenvolveu a partir da hipótese inicial de que a Polícia Militar é o primeiro
órgão público a prestar atendimento à mulher em situação de violência doméstica. Assim, faz-se
necessário que o policial militar esteja preparado para oferecer a assistência necessária à vítima,
cujas ações podem ser elaboradas a partir de um roteiro preestabelecido pela instituição, sempre
observando a natureza e as peculiaridades dessa ocorrência para preservar a dignidade e resguardar
os direitos da mulher.
Para contextualizar o local da pesquisa, é importante ressaltar que o Amapá é um estado do
Brasil que está localizado no extremo norte do país, com uma população estimada em 828.494
pessoas (IBGE, 2019). Sua capital é a cidade de Macapá, cuja população estimada para 2018 foi de
493.634 pessoas (IBGE, 2019). Especificamente, a pesquisa de campo foi realizada no 1º Batalhão
da PMAP (1ºBPM), responsável pelo policiamento da Zona Sul de Macapá.
A área de atuação do 1° BPM concentra o maior contingente populacional da capital. De
acordo com dados do IBGE (2019) e da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e
Habitacional (SEMDUH, 2019), sua área abrange 03 (três) conjuntos habitacionais (São José,
Açucena e Mucajá) e 19 (dezenove) bairros, os quais são: Congós, Buritizal, Araxá, Universidade,
Jardim Marco Zero, Pedrinhas, Novo Buritizal, Beirol, Zerão, Santa Inês, Fazendinha, Muca, Jardim
Equatorial, Trem, Murici, Residencial Alfawille, Chefe Clodoaldo, Igarapé da Fortaleza e Vale Verde.
Isso significa 39% da população macapaense.
Nessa perspectiva, esta pesquisa parte do seguinte questionamento: como a Policia Militar
do Amapá atua no combate aos crimes cometidos no contexto de violência doméstica? Parte-se da
hipótese que é possível realizar dentro da corporação uma pesquisa qualitativa, com uso de
questionário misto, para investigar a forma como o policial militar atua nesse tipo de ocorrência.
Refletir sobre as violências vividas por mulheres é fator primordial nesta pesquisa. Para
Saffioti (2015), a violência pode ser entendida como qualquer comportamento que cause danos
físicos, psíquicos e sexuais à integridade de outrem. Na maioria das sociedades, as mulheres são

30
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
SILVA, Manoel Fernandes Alves; SILVA NETO, Antônio Sabino da. Reflexões sobre a atuação da Polícia Militar do
Amapá no combate aos crimes de violência doméstica no Município de Macapá In: REIS NETTO, Roberto Magno;
MIRANDA, Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e
perspectivas. Ananindeua: CROM, 2021.
138
preparadas para desempenhar papéis de socialização que as deixam em situação de desigualdade
em relação aos homens, que ocupam um local social dominante (BOURDIEU 2012). Assim, para se
entender a violência doméstica, é preciso considerar o aspecto sociocultural das relações de gênero
construído entre homens e mulheres.
Dessa forma, observa-se que as relações de gênero são construções culturais, que se
refletem também na segurança pública, uma vez que elas podem ser marcadas pelo uso da violência
dos homens contra as mulheres. Neste sentido, Teles (2002) aponta que uma das violências mais
graves, que envolve modelos de discriminação e violação de direitos humanos é a violência de
gênero.
Corroborando com Teles (2002), conforme previsto no art. 6º da Lei Maria da Penha, a
violência doméstica pode ser considerada uma violação dos direitos humanos, cuja essência está
baseada em relações desiguais de gênero. Nesse mesmo contexto, a violência contra a mulher, por
sua vez, é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero a qual resulte em dano sexual, físico ou
psicológico tanto no seio familiar como na esfera pública” (DIAS, 2012, p. 43).
Diante disso, em uma situação de violência doméstica, é necessária a consolidação de uma
rede de atendimento à mulher. Nesta perspectiva, na maioria dos casos o primeiro ente público a
prestar esse serviço é a Polícia Militar. Sendo assim, o policial militar precisa ser treinado para
oferecer um atendimento que propicie acolhimento e segurança para que a vítima busque romper
o ciclo de violência no qual se encontra.
O objetivo dessa pesquisa é analisar a atuação da Polícia Militar do Amapá (PMAP) no
combate aos crimes de violência doméstica no município de Macapá. Nesse sentido, esta pesquisa
busca discutir os aspectos jurídicos e sociais da Lei Maria da Penha, além de verificar o processo de
atuação dos policiais nas ocorrências de violência doméstica. Este artigo apresenta pesquisa de
caráter bibliográfico e descritivo, visto que analisa documentos que versam sobre a Lei Maria da
Penha, bem como apresenta caráter qualitativo, pois se aplica um questionário misto.

2 ASPECTOS JURÍDICOS E SOCIAIS DA LEI MARIA DA PENHA

A finalidade desta seção é discutir a Lei Maria da Penha nos aspectos jurídicos e sociais. Para
tanto, torna-se necessário traçar uma abordagem jurídica do tema e seus reflexos no âmbito
nacional, o conceito de violência doméstica contra a mulher, bem como fazer uma abordagem sobre
as medidas de assistência às mulheres em situação de violência doméstica e discutir as medidas
protetivas de urgência.

2.1 ASPECTOS JURÍDICOS DA LEI MARIA DA PENHA

Alinhando-se à nova realidade internacional de proteção dos direitos da mulher, o Brasil


ratificou, em 25 de setembro de 1992, a Convenção Americana de Direitos Humanos, também
conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, importante instrumento internacional de proteção
dos Direitos Humanos, criado em 22 de novembro de 1969.
Em 1994, o Brasil sediou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, ratificando-a em 27 de
novembro de 1995, com o propósito de combater a violência contra a mulher.
Nesse cenário de avanço dos direitos das mulheres, a Constituição da República Federativa
do Brasil (CRFB), de 1988, é historicamente um marco na busca pela igualdade entre homens e
mulheres no Brasil, obrigando o Estado a desenvolver instrumentos, ações e políticas públicas que
visem garantir essa igualdade, dentro do Estado Democrático de Direito, destacando-se como
alicerce o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto em seu art. 1º, inciso III.

139
Outra base constitucional relevante é o princípio da igualdade, expresso no artigo 5º, inciso
I, da CRFB de 1988, que dispõe:

Art. 5° Todossão iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos
seguintes:I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição.(BRASIL,2014)

Em que pesem os ditames constitucionais relacionados aos princípios da igualdade e da


dignidade da pessoa humana, a desigualdade de gênero e a violência doméstica contra a mulher
continuam sendo uma realidade no país. Segundo o entendimento de Souza (2013):

Em tal contexto, a existência de uma discriminação em favor da mulher tem o claro


objetivo de dotá-la de uma especial proteção, para permitir que o gênero feminino
tenha compensações que equiparem suas integrantes à situação vivida pelos
homens, no que concerne especialmente ao tema da violência doméstica, familiar
e afetiva. (SOUZA, 2013, p. 45)

Nesse sentido, a Lei Maria da Penha se coaduna ao texto constitucional ao buscar a


efetivação do princípio da igualdade nesse contexto de desigualdade de gênero que permeia nossa
sociedade.
Para uma melhor compreensão a respeito da violência doméstica, é necessário abordar
conceitos doutrinários e legais. A violência de gênero está associada às diversas condutas praticadas
contra as mulheres que lhe causam sofrimentos físicos, social e psicológico, como forma de subjugá-
las ao controle masculino (SOUZA, 2013). Dessa forma, percebe-se que esse fenômeno está
associado à construção histórico-social das desigualdades de gênero, que marcam a dinâmica das
relações sociais onde prevalece o domínio masculino.
A Convenção de Belém do Pará (1994) define, em seu art. 1º, de forma bem ampla, a
violência contra as mulheres como sendo “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause
morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no
privado”.
No Brasil, o conceito legal de violência doméstica está expresso no art. 5º, da Lei Maria da
Penha, que assim dispõe:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por
afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual. (BRASIL, 2014)

Assim, constata-se que a Lei Maria da Penha se aplica a um amplo campo de abrangência de
relações no âmbito doméstico, no âmbito da família e de relações íntimas de afeto. Convém
140
destacar que as relações pessoais definidas nesse dispositivo legal independem de orientação
sexual.
Para complementar essa definição, a referida lei elenca em seu art. 7º, e seus incisos, as
várias formas de violência doméstica. Dias (2013) a define como “qualquer das ações elencadas no
art. 7º (violência física, psicológica sexual, matrimonial ou moral) praticada contra mulher em razão
de vínculo de natureza familiar ou afetiva”. Infere-se, assim, que o legislador buscou explicar bem
esse conceito e suas formas.
Observa-se, portanto, que houve significativos avanços nos direitos das mulheres no âmbito
internacional, por meio de instrumentos jurídicos como tratados e convenções internacionais. O
Brasil não ficou inerte a essas mudanças, pois tomou medidas importantes, como tornar-se
signatário desses institutos jurídicos internacionais, dispor a temática em seu texto constitucional,
bem como criar uma legislação específica. Não obstante esses avanços, a violência doméstica
continua sendo um fenômeno social que aflige as mulheres no país.

2.2 ASPECTOS SOCIAIS DA LEI MARIA DA PENHA

Para o estudo dos aspectos sociais da Lei Maria da Penha, faz-se necessário realizar uma
abordagem sobre o contexto de criação desse diploma legal, abordar a influência da cultura
patriarcal e elencar o rol de medidas de atenção às mulheres em situação de violência doméstica,
bem como das medidas protetivas de urgência.
A Lei 11.340/2006, de 07 de agosto de 2006, foi promulgada em 22 de setembro de 2006,
conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes,
farmacêutica cearense, que sofreu por vários anos as agressões praticadas por seu marido, um
professor universitário e economista, com quem teve três filhas (DIAS, 2012).
Ele tentou matá-la por duas vezes. Na primeira vez, em 29 de maio de 1983, simulou um
assalto à própria casa utilizando-se de uma espingarda, como resultado, deixou-a paraplégica.
Poucos dias depois desse fato, Maria da Penha sofreu o segundo atentado quando ele tentou
eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela tomava banho. (DIAS, 2012)
Esse fato expõe, em sua forma violenta, o reflexo da cultura patriarcal, através da qual existe
o predomínio dos valores sociais que relegam a mulher um local subalterno no espaço social. Sobre
o patriarcado, Sabadell (2013) ensina que:

O patriarcado indica predomínio de valores masculinos, fundamentados em relação


de poder. O poder se exerce por meio de complexos mecanismos de controle social
que oprimem e marginalizam as mulheres. A dominação do gênero feminino pelo
masculino costuma ser marcada (e garantida) pela violência física e/ou psíquica em
uma situação na qual as mulheres (e as crianças) encontram-se na posição mais
fraca, sendo desprovidas de meios de reação efetivos. (SABADELL,2013, p. 216)

Essa influência da cultura patriarcal é mais presente no âmbito da esfera privada das relações
sociais, tornando-se um dos fatores que dificultam a efetividade das normas de proteção aos
direitos femininos e a atuação dos agentes públicos na prevenção e no enfrentamento dessa
questão.
Nesse contexto, a Lei Maria da Penha elenca um rol de medidas de atenção às mulheres em
situação de violência doméstica com intuito de assegurar-lhes direitos e garantias. Sendo assim, em
seu art. 9º, encontram-se as normas de assistência a essa mulher:

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será


prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na
Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único
141
de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e
emergencialmente quando for o caso. (BRASIL, 2014)

Diante dessa perspectiva, percebe-se que há uma ampla e coordenada rede de apoio à
mulher em situação de violência doméstica, envolvendo, entre outros, órgãos da assistência social,
do sistema de saúde e do sistema de segurança pública, a fim de que o poder público garanta de
forma efetiva os seus direitos.
Para resguardar a segurança das mulheres nessa condição, a Lei Maria da Penha também
expõe um rol de medidas protetivas de urgência, que cumprem um importante papel, pois
proporcionam a elas amparo legal e social. Essas medidas estão previstas na Seção I, arts. 18 a 21;
na Seção II, art. 22 - das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor; e na Seção III, arts.
23 e 24 - das medidas protetivas de urgência à ofendida. Tais medidas têm amplo alcance social,
pois buscam proteger a vida e a integridade física e psíquica dessas mulheres, considerando sua
vulnerabilidade em relação aos seus agressores. Nessa perspectiva, Guimarães; Moreira (2011)
explicam que:

Essas categorias de medidas de atenção à vítima de violência doméstica não


discrepam daquelas que encontramos em outras legislações. Em termos
esquemáticos, podemos dizer que se referem ao atendimento emergencial
destinado a quem sofre violência doméstica tanto para salvaguardarem sua
integridade física, psicológica e patrimonial, como para imporem injunções contra
o agressor visando os objetivos antes mencionados. Destinam-se, portanto, aos
primeiros cuidados que a vítima de violência doméstica necessita, aí incluindo-se
as estratégias de neutralização do agressor. (GUIMARÃES; MOREIRA 2011, p.83)

Nesse sentido, essas categorias de proteção revelam a preocupação do legislador em


garantir a efetividade da lei, com o objetivo de assegurar a cidadania feminina e sua dignidade como
pessoa humana, bem como possibilitar meios de neutralizar a ação do agressor.
Cumpre consignar que a recente Lei 13.827, de 13 de maio de 2019, alterou a Lei Maria da
Penha em dois aspectos importantes. O primeiro aspecto envolve a autorização de medida protetiva
de urgência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, relativa
ao imediato afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
Tal medida ocorre se houver risco atual ou iminente à vida e à integridade físicadela,
podendo ser aplicada não só pela autoridade judicial, como também pelo delegado de polícia
(quando o município não for sede de comarca) ou pelo policial(quando o município não for sede de
comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia).
O segundo aspecto está relacionado à determinação do registro dessa medida em banco de
dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de modo a garantir o acesso e
acompanhamento de outros órgãos e, assim, contribuir para a fiscalização, efetividade e estudo de
tal medida.
Dessa forma, nota-se a preocupação cada vez maior do legislador em envolver, de forma
mais efetiva, os órgãos de segurança pública no combate à violência doméstica, priorizando a vida
e a integridade física das mulheres nessa condição e tornando mais célere e efetiva a aplicação das
medidas protetivas.

3 O PROCESSO DE ATUAÇÃO DOS POLICIAIS MILITARES DA PMAP NO ATENDIMENTO DE


OCORRÊNCIAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Para uma melhor compreensão a respeito do processo de atuação dos policiais militares da
PMAP ao atender ocorrências de violência doméstica, é importante discutir os aspectos
142
constitucionais e legais que embasam essa atuação, elencar os órgãos pertencentes à Rede de
Atendimento á Mulher (RAM) no estado do Amapá e fazer uma análise da pesquisa documental e
da pesquisa de campo que embasam esse estudo.
O artigo 144, da CRFB de 1988, dispõe que a segurança pública é “dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos”. Esse mesmo dispositivo constitucional estabelece, em seu §5°, que
cabem às polícias militares o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública.
Pela leitura do texto constitucional, observa-se que, entre os órgãos que compõem o sistema
de segurança pública do país, as polícias militares têm o papel primordial de preservar a ordem
pública, destacando-se por sua atuação como polícia ostensiva preventiva, no sentido de coibir
ações delituosas, bem como por sua ação repressiva, quando for necessário.
O art. § 8º, da CRFB de 1988, por sua vez, determina a criação de mecanismos de proteção
da família contra a violência, estabelecendo que “o Estado assegurará à assistência a família, na
pessoa de cada um que dos que a integram, criando mecanismo para cobrir a violência no âmbito
das relações”.
Nesse sentido, considerando seu papel constitucional e sua responsabilidade perante a
sociedade, a atuação da Polícia Militar é imprescindível na prevenção e combate a situações de
violência, a fim de dar a resposta correta e necessária. Daí a importância da capacitação e do
conhecimento do policial militar que atende à ocorrência de violência doméstica e familiar, com
vistas à quebra do ciclo da violência.
Com vistas a garantir o apoio necessário e eficiente à mulher em situação de violência
doméstica, o art. 8º, da Lei Maria da Penha, estabelece um conjunto de ações governamentais
articuladas, com destaque para o inciso VII, do referido dispositivo, que prevê a capacitação do
policial militar para o referido atendimento:

Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não governamentais,
tendo por diretrizes: VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da
Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos
órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou
etnia;(BRASIL,2014)

Dessa forma, observa-se a preocupação do legislador em efetivar uma política pública


articulada para enfrentamento da violência doméstica, bem como promover a capacitação
profissional dos agentes públicos para o atendimento desse tipo de ocorrência.
No estado do Amapá, foi criada a Lei n.º 1.764, de 09 de agosto de 2013, que dispõe sobre
normas e diretrizes da Rede de Atendimento à Mulher (RAM), em situação de violência doméstica,
familiar e sexual. A referida lei, em seu art. 1º, estabelece a composição da RAM no Amapá:

Art. 1º A Rede de atendimento à Mulher - RAM, Vítima de Violência Doméstica e


Sexual, no Estado do Amapá, será composta:I - Secretaria Extraordinária de
Políticas para as Mulheres - SEPM, Secretaria de Estado de Trabalho e
Empreendedorismo - SETE, Secretaria de Estado de Educação - SEED, Secretaria de
Estado de Inclusão E Mobilização Social - SIMS, Casa Abrigo Fátima Diniz, Secretaria
de Estado da Saúde - SESA, Hospital de Emergência - Pronto Socorro, Hospital da
Mulher Mãe Luzia - HMML, Hospital das Clínicas Alberto Lima - HCAL,
Coordenadoria de DST-AIDS, Centro de Referência em tratamento Natural - CRTN,
Centro de Reabilitação do Amapá - CREAP, Secretaria de Estado da Justiça e
Segurança Pública - SEJUSP, Delegacia Geral da Polícia Civil - DGPC, Delegacia
Especializada de Crimes contra a Mulher - DECCM/MCP, Centro de Referência e
Atendimento à Mulher - CRAM, Centro de atendimento à Mulher e à Família -
143
CAMUF, Polícia Militar do Estado do Amapá - PMAP, Polícia Técnico Científica do
Estado do Amapá - POLITEC, Instituto de Administração Penitenciária - IAPEN,
Centro Integrado de Operações de Defesa Social - CIODES, Corpo de Bombeiros
Militar do Estado do Amapá - CBMAP, Agência de Desenvolvimento do Amapá -
ADAP, Centro de Referência de Assistência Social e Centro de Atenção Psicossocial
para álcool e outras Drogas - CAPSAD, Defensoria Pública Geral do Estado do
Amapá, Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para os Afrodescendentes -
SEAFRO, Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas, Secretaria Extraordinária
de Políticas para a Juventude, Promotoria de Defesa da Mulher, entidades da
sociedade civil organizada, conselhos e redes. II - A integração de outros parceiros
à RAM dar-se-á por meio de Termo de Compromisso com o Governo do Estado do
Amapá. (grifo nosso). (AMAPÁ,2019)

Também se destaca a atuaçãodo Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher,


que possui competência cível e criminal, conforme se aduz da leitura do art. 14, da Lei Maria da
Penha, que dispõe:

Art. 14 Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da


Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União,
no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento
e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar
contra a mulher. (BRASIL,2014)

Assim, esse tipo de juizado é o órgão responsável pelas ações penais que visam punir os
agressores, bem como pela adoção judicial de medidas protetivas de urgência. A centralização de
causas cíveis e criminais nesse mesmo órgão do Poder Judiciário, em decorrência da prática de
violência doméstica, contribui para a efetivação dos direitos das mulheres que sofrem essa
violência.
A Lei n.º 1.764/2013 também prevê, em seu art. 7º, a competência específica dos órgãos que
compõem a RAM, destacando-se em seu inc. XVII a competência da PMAP:

Art. 7º Os órgãos do Governo do Estado do Amapá integrantes na RAM terão


competências específicas dentro da Rede. (...) XVII - Polícia Militar do Estado do
Amapá - PMAP: prestará atendimento humanizado nas ações de prevenção à
violência contra a mulher por meio do serviço de policiamento comunitário, e
repressão à violência contra a mulher, por todas as unidades operacionais,
garantindo o acolhimento diferenciado e o acompanhamento imediato aos demais
serviços especializados da RAM de forma a garantir a não exposição da vítima. (...).
(AMAPÁ, 2019)

Percebe-se que a PMAP tem papel fundamental dentro da RAM, devendo prestar
atendimento humanizado à mulher em situação de violência doméstica, tanto em suas ações
preventivas quanto em suas ações repressivas, além de proporcionar a ela acolhimento diferenciado
e imediato encaminhamento aos demais serviços especializados.

4 MATERIAL E MÉTODOS

A metodologia deste trabalho apresenta caráter bibliográfico e descritivo, visto que


pesquisou o referencial teórico sobre o tema e analisou documentos que versam sobre a Lei Maria
da Penha, alem de dados estatísticos de violência doméstica. Também apresenta caráter qualitativo,
aplicando-se um questionário misto aos policiais do 1º Batalhão da PMAP.

144
Assim, seguimos as trilhas de Fonseca (2002) em suas observações sobre o trabalho
bibliográfico, ao apontar que “a pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de
referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos
científicos, páginas de web sites” (FONSECA, 2002, p.32).
O questionário, segundo Gil (1999, p. 128), pode ser definido “como a técnica de
investigação composta por um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por
escrito às pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos,
interesses, expectativas, situações vivenciadas etc.”
Essa pesquisa de campo foi realizada no 1º Batalhão da PMAP no mês de junho de 2019. Foi
utilizada como técnica de coleta de dados um questionário misto (pois engloba questões de
resposta aberta e de resposta fechada), aplicado a onze policiais militares do referido batalhão que
trabalham no serviço operacional.

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A pesquisa aplicada aos policiais versou sobre os seguintes eixos: a) o modo como se
desenvolve a atuação do policial no atendimento de ocorrências de violência doméstica; b) a
principal dificuldade enfrentada durante o referido atendimento; c) a preparação por ter recebido
ou não treinamento ou instrução com foco nesse tema; d) sua percepção sobre a necessidade de
um procedimento padronizado para esse tipo de ocorrência; e) causas da violência doméstica.
Para obter uma visão mais aprofundada a respeito do fenômeno, a primeira questão
elencada aos policiais versa sobre a frequência de ocorrências. Nela, pergunta-se qual o tipo de
ocorrência mais frequentemente é atendido pelo policial. Todos os entrevistados responderam que
violência doméstica é a ocorrência que eles mais atendem, seja entre marido e mulher, pais e filhos
ou outros tipos de ocorrência que envolva laços familiares e afetivos de convivência no lar.
Assim, corroborando com as respostas obtidas, cumpre ressaltar que a violência doméstica
é uma das ocorrências mais frequentes no dia a dia do serviço policial militar. Essas informações
podem ser demonstradas a partir dos dados fornecidos pelo Centro Integrado de Operações de
Defesa Social (CIODES) que comparam as solicitações de violência doméstica contra a mulher em
relação a outras ocorrências, conforme observado por meio do Quadro 1.
Quadro 1 – Comparativo das solicitações de Violência Doméstica contra a Mulher na cidade de Macapá em relação a
outras ocorrências registradas pelo CIODES – Jan a Mai 2019.
JANEIRO/2019 A MAIO/2019
ORD DESCRIÇÃO DOS SUBTIPOS TOTAL (%)
1º POLUIÇÃO SONORA 6608 21,80%
2º AVERIGUAÇÃO DE SUSPEITO 4624 15,26%
3º VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER 3143 10,37%
4º OUTROS ATENDIMENTOS DA PM 1539 5,08%
5º AMEAÇA 1371 4,52%
6º PERTURBAÇÃO DO TRABALHO OU DO SOSSEGO ALHEIO 1051 3,47%
7º ROUBO A TRANSEUNTE 998 3,29%
8º ACIDENTE AUTO/AUTO (DANOS) 789 2,60%
9º FURTO A RESIDÊNCIA 602 1,99%
DEMAIS OCORRÊNCIAS 9580 31,61%
TOTAL 30305 100,00%
Fonte: NIE/CIODES, 2019.
Observa-se que as solicitações de poluição sonora, averiguação de suspeito e violência
doméstica contra a mulher correspondem a 47,43% de todas as ocorrências registradas pelo
CIODES, no período de janeiro de 2019 a maio de 2019. As ocorrências de violência doméstica
145
contra a mulher ocupam o terceiro lugar no número de registros, no referido período, com 3.143
solicitações, que equivalem a 10,37% do total de ocorrências.
Nesse sentido, nota-se que este tipo de violência é uma realidade que aflige muitas
mulheres na cidade de Macapá, revelando uma prática comum que se volta contra a vida, a
integridade e a dignidade feminina, o que exige, pois, medidas e ações efetivas de prevenção e
combate por parte do poder público e de toda a sociedade.
Outro aspecto importante a ser analisado diz respeito à distribuição espacial da violência
doméstica contra a mulher no município de Macapá, pois revela os bairros em que ocorre com mais
freqüência o chamado para esse tipo de violência. Isso permite uma leitura mais adequada da
dinâmica de ocorrência desse fenômeno social e sua forma de distribuição no território
macapaense, o que pode ser observado a partir da análise dos dados fornecidos pelo Quadro 2.
Quadro 2 – Solicitações de Violência Doméstica contra a Mulher nos principais bairros da cidade de Macapá – Jan a
Mai 2019.
JANEIRO/2019 A MAIO/2019
ORD BAIRRO TOTAL (%)
1º CONGÓS 219 6,97%
2º NOVO BURITIZAL 182 5,79%
3º NOVO HORIZONTE 148 4,71%
4º BRASIL NOVO 130 4,14%
5º JARDIM MARCO ZERO 130 4,14%
6º PACOVAL 130 4,14%
7º CENTRAL 125 3,98%
8º RESIDENCIAL MACAPABA 123 3,91%
9º CIDADE NOVA 110 3,50%
10º PERPÉTUO SOCORRO 102 3,25%
11º JARDIM FELICICIDADE 92 2,93%
12º UNIVERSIDADE 88 2,80%
13º MUCA 87 2,77%
14º ARAXÁ 86 2,74%
15º YPÊ 84 2,67%
OUTROS BAIRROS 1307 41,58%
TOTAL 3143 100,00%
Fonte: NIE/CIODES, 2019.
Conclui-se que os dois bairros que apresentam o maior número de solicitações ao CIODES,
envolvendo violência doméstica, no período de janeiro de 2019 a maio de 2019, situam-se na zona
sul de Macapá, área de atuação do 1º Batalhão da PMAP: Congós, com 219 solicitações,
representando 6,97% do total de ocorrências, e Novo Buritizal, com 182 casos, o que equivale a
5,79% do total de ocorrências.
Infere-se, também, da leitura do Quadro 2, que, dos quinze bairros com maior índice de
violência doméstica em Macapá, no citado período, seis, ou 40% deles, estão localizados na zona
sul da capital: Congós (6,97%), Novo Buritizal (5,79%), Jardim Marco Zero (4,14%), Universidade
(2,80%), Muca (2,77%) e Araxá (2, 74%), o que representa 25,21% do total de ocorrências.
Diante desse cenário, é possível identificar os bairros onde há as mais altas incidências dessa
violência, ressaltando que os bairros da zona sul de Macapá lideram esses números em comparação
aos demais, o que pode servir de base para a definição de áreas prioritárias associadas à elaboração
de políticas públicas voltadas para essa temática.
Esse tipo de violência, se não for combatido, além de gerar dor e sofrimento à mulher nessa
situação, pode culminar em sua morte. Corroborando com estes dados, o Atlas da Violência de
2019 indica que houve um crescimento dos homicídios femininos no Brasil em 2017, com cerca de
treze assassinatos por dia. No total, 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado

146
desde 2007. Também mostra que houve um expressivo aumento de 30,7% no número de
homicídios de mulheres no país no período de 2007 a 2017. No Amapá, esse aumento é bem maior:
125%, o que demonstra a necessidade de medidas emergenciais para combater estas violências.
Considerando a taxa de homicídio por grupo de 100 mil mulheres, o referido Atlas indica
que, entre 2007 e 2017, houve aumento de 20,7% na taxa nacional dehomicídios de mulheres,
quando a mesma passou de 3,9 para 4,7 mulheres assassinadas por grupo de 100 mil. No Amapá,
esse crescimento foi de 84%, passando de 3,7 para 6,8 mulheres assassinadas por grupo de100 mil
mulheres.
Nesse contexto de aumento nos números de homicídios de mulheres, foi criada a Lei 13.104,
de 09 de março de 2015, que altera o art. 121 do Código Penal, para prever o feminicídio como
circunstância qualificadora do crime de homicídio, e também altera o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25
de julho de 1990, incluindo o feminicídio no rol dos crimes hediondos.
A Lei 13.675, de 11 de junho de 2018, que, entre outras providências, cria a Política Nacional
de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e institui o Sistema Único de Segurança Pública
(Susp), estabelece, em seu art. 5º, inc. X, que uma das diretrizes daPNSPDS é o atendimento
prioritário, qualificado e humanizado às pessoas em situação de vulnerabilidade. Também elenca,
em seu art. 6º, inc. IV, como um dos objetivos da PNSPDS, o estímulo e apoio à realização de ações
de prevenção à violência e à criminalidade, com prioridade para aquelas relacionadas à letalidade
das mulheres e outros grupos vulneráveis.
Cumpre ressaltar que o fenômeno da violência doméstica é uma questão social prioritária
prevista no art. 2º, inc. II, do Decreto Federal nº 9.630, de 26 de dezembro de 2018, que institui o
Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), dispondo que um dos objetivos do PNSP é reduzir
todas as formas de violência contra a mulher, em especial a violência doméstica e sexual.
Esses dados demonstram a necessidade de ampliar o debate público sobre o tema e de
desenvolver políticas públicas, ações integradas e intersetoriais eficientes de prevenção e combate
à violência doméstica que promovam a igualdade entre homens e mulheres e resguardem os
direitos humanos das mulheres. Nesse sentido, esses números reforçam a importância de maior
integração dos órgãos que compõem a RAM, no estado do Amapá, para o enfrentamento do
problema.
Ao abordar o segundo eixo, percebe-se que 64% dos policiais entrevistados disseram que as
principais dificuldades enfrentadas em sua atividade operacional para o atendimento desse tipo de
ocorrência são a falta de conhecimento da Lei Maria da Penha, bem como a dificuldade de
convencer a mulher de representar contra seu agressor.
Infere-se, portanto, que há necessidade de capacitação e qualificação dos policiais militares
que atuam no atendimento desse tipo de ocorrência, tanto no aspecto referente ao conhecimento
específico da Lei Maria da Penha e das normas correlatas, bem como no tratamento dispensado à
mulher em situação de violência doméstica. É recorrente nas respostas dos policiais que o modus
operandi empregado a este tipo de violência deve ser construído de maneira diferenciada, buscando
resguardar alem da integridade da vítima no momento da operação, sua segurança no momento
posterior a ação policial. Neste caso, com a recusa de realizar a denuncia contra o agressor, os
policiais, muitas vezes, não sabem o melhor modo de ação para a administração do conflito.
No eixo três, referente ao procedimento adotado pelo policial quanto à finalização desse
tipo de ocorrência, observou-se que 55% dos policiais afirmaram que o agressor não se encontra no
local e a mulher é orientada a registrar boletim de ocorrência.
Constata-se, assim, que, embora o agressor não se encontre no local da ocorrência, como
ocorre na maioria dos casos, é muito importante o trabalho de orientação que o policial militar deve
prestar à mulher que se encontre nessa condição, no sentido de orientá-la sobre a necessidade do
registro do boletim de ocorrência, bem como de informá-la sobre seus direitos e garantias previstas

147
na Lei Maria da Penha. O que muitas vezes é prejudicado, tendo em vista a formação do policial
deficitária sobre a temática.
Com relação ao eixo quatro, que pergunta se o policial teve algum treinamento ou instrução
com foco na prevenção ou combate à violência doméstica, os resultados obtidos, ao se analisar o
gráfico, mostram que 64% dos policias pesquisados não receberam treinamento ou instrução.
Gráfico 1 – Distribuição das respostas dos policiais militares quando perguntados: Você teve algum treinamento ou
instrução com foco na prevenção ou combate à violência doméstica?

Fonte: Pesquisa de campo (2019).


Dessa maneira, corroborando com os três eixos anteriores, constata-se a necessidade de
que o policial militar esteja preparado e devidamente capacitado para proporcionar as mulheres
um adequado atendimento e para garantir sua segurança, considerando a situação de
vulnerabilidade em que elas se encontram. Assim, a capacitação, aprimoramento e atualização
profissional devem ser uma constante na atividade policial.
Assim, em suas respostas, os policias acham que o treinamento ou instrução recebida não
foram suficientes para dirimir suas dúvidas quanto ao atendimento de ocorrências de violência
doméstica. Isso permite concluir que é preciso uma capacitação adequada dos policiais militares
para atuar de forma efetiva no enfrentamentodesse tipo de violência, pois, de acordo com as
respostas obtidas, o treinamento ou instrução recebida foram insuficientes.
Assim, os policiais afirmam que sua atuação no atendimento de ocorrência de violência
doméstica poderia ser mais eficiente se houvesse treinamento específico e maior esclarecimento
sobre a Lei Maria da Penha. As respostas a essa questão, aliadas às respostas anteriores, reforçam
a necessidade de capacitação do efetivo policial por meio de instruções e treinamentos específicos
relacionados ao seu modo de atuação no atendimentode ocorrências de violência doméstica e à
legislação pertinente.
Em relação ao quinto eixo, que pergunta qual o motivo causador da violência doméstica
praticada pelo agressor é mais recorrente nas ocorrências atendidas, os resultados foram os
seguintes:
Gráfico 2 – Distribuição das respostas dos policiais militares quando perguntados: Qual o motivo causador da violência
doméstica praticada pelo agressor é mais recorrente nas ocorrências atendidas?

148
Fonte: Pesquisa de campo (2019).
Observa-se que para os policiais o alcoolismo é o motivo causador da violência doméstica
praticada pelo agressor mais recorrente nas ocorrências atendidas (64%). Segundo Penteado Filho
(2016, p. 162), “entende-se o alcoolismo como o consumo compulsivo e excessivo de
bebidasalcoólicas, muitas vezes motivado por baixa autoestima, fracassos profissionaisetc.” O autor
ressalta ainda que, no aspecto criminológico, o comportamento do alcoólatra pode levá-lo a
praticarcrimescontrafamiliares e amigos mais próximos.(PENTEADO FILHO 2016).
Assim, o consumo excessivo de álcool pode ser considerado um fator psicossocial relevante
para o entendimento da violência doméstica, uma vez que ele pode deflagrar a prática desse tipo
de violência por parte do agressor. Essa constatação deveria servir de base na elaboração de
políticas públicas que incluam não apenas as questões de segurança pública associadas ao tema,
mas tambémos aspectos sociais, culturais, educacionais e de saúde pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência doméstica é um tema que exige especial atenção, em razão de seus reflexos
negativos, tanto para as relações sociais de gênero, como para a vida das mulheres que se
encontram nessa situação. A construção de uma realidade social assentada nos valores
democráticos e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade entre homens e
mulheres perpassa por questões que envolvam ações proativas e integradas da sociedade e do
poder público, especialmente dos órgãos relacionados à Rede de Atendimento à Mulher, o que
inclui a Polícia Militar do Amapá.
Com o advento da Lei Maria da Penha, foi possível estabelecer uma legislação específica
sobre o tema, constituindo-se num marco fundamental de proteção da dignidade e da cidadania
das mulheres, ao obrigar o Estado e a sociedade a atuarem no sentido de prevenir e combater
qualquer violação a esses direitos por meio de mecanismos e instrumentos próprios que
possibilitam a efetivação de seus objetivos.
Assim, a Polícia Militar, como órgão responsável pela preservação da ordem pública e
garantidor da paz social, não pode ficar alheia a essa discussão, tendo um papel importante na
transformação dessa realidade de violência doméstica cujos efeitos são tão nocivos para a família e
a sociedade brasileira.
Para uma compreensão mais aprofundada do objeto desta pesquisa, buscou-se inicialmente
traçar alguns aspectos e conceitos acerca do tema, ressaltando que o fator sociocultural, com
predomínio da cultura patriarcal e do machismo, dificulta bastante o combate a essa violência. A
metodologia e os procedimentos adotados serviram de base para o desenvolvimento desse estudo,
possibilitando alcançar os objetivos propostos.

149
Na primeira parte deste artigo, realizou-se uma pesquisa bibliográfica dos aspectos jurídicos
e sociais da Lei Maria da Penhaa fim de possibilitar uma melhor compreensão da problematização
dos direitos das mulheres no Brasil.Nasegundaparte deste trabalho, tratou-se de analisar o processo
de atuação dos policiais no atendimento de ocorrências de violência doméstica almejando
encontrar informações que subsidiassem a resposta ao problema levantado.Ainda nessa segunda
parte, aplicou-se um questionário misto com os policiais militares do 1º Batalhão da PMAP (1º BPM)
com o objetivo de analisar o processo de atuação dos policiais no atendimento de ocorrências de
violência doméstica.
Realizou-se também uma análise documental baseada em dados fornecidos pela Centro
Integrado de Operações de Defesa Social (CIODES), que comparam as solicitações de violência
doméstica contra a mulher em relação a outras ocorrências, assim como revelamos bairros em que
esse tipo de violência ocorre com mais frequência.
Dados da pesquisa mostram que a violência doméstica desponta como uma das ocorrências
mais frequentes atendidas pelo serviço policial militar, ocupando o terceiro lugar no número de
registros do CIODES, o que demonstra a necessidade de estudo e implementação de medidas
efetivas voltadas para a prevenção e combate a esse tipo de ocorrência. Verificou-se ainda que os
bairros que apresentam o maior número de ocorrências de violência doméstica, no período
analisado, situam-se na zona sul de Macapá, área de atuação do 1º Batalhão da PMAP.
Os resultados obtidos com a aplicação do questionário aplicado aos policiais militares do 1º
Batalhão da PMAP permitem inferir que as principais dificuldades que enfrentamao atender desse
tipo de ocorrência relaciona-se com a sua falta de conhecimento da Lei Maria da Penha e com a
dificuldade que eles encontram ao tentar conscientizar a mulher a representar contra seu agressor,
havendo, pois, necessidade de capacitação e qualificação do efetivo policial.
Os resultados também demonstram que a maioria dos policias pesquisados não receberam
treinamento ou instrução com foco na prevenção ou combate à violência doméstica, o que reforça
a necessidade de capacitação e preparação desses profissionais, que lidam com essa realidade em
seu serviço.
Os policiais pesquisados afirmaram que uma atuação eficiente no atendimento de
ocorrência de violência doméstica condiciona-se à necessidade de treinamento específico e de
maior esclarecimento sobre a Lei Maria da Penha, portanto, preparação adequada e conhecimento
da legislação pertinente são fundamentais.
Outro fator relevante que deve ser considerado na análise dos resultados obtidos na
pesquisa é a necessidade de adoção, por parte da PMAP, de um Procedimento Operacional Padrão
(POP) para atendimento de ocorrências envolvendo violência doméstica. A criação de um POP que
descreva um rol de procedimentos preestabelecidos pela Polícia Militar do Amapá, em
atendimentos de ocorrências de violência domésticatem por objetivo contribuir para a
padronização das ações da instituição. Como produto desta pesquisa, propõe-seum modelo de POP,
constante nos apêndices, considerando a legislação pertinente e o respeito aos direitos humanos,
como forma de contribuir com a corporação e com a sociedade no enfrentamento dessa questão.
Dessa forma, diante das discussões suscitadas e da análise das informações levantadas nesta
pesquisa, possibilitou-se apresentar as seguintes contribuições:
a) Necessidade de capacitação, formação continuada e qualificaçãodos policiais
militares para atendimento de ocorrências de violência doméstica, por meio de cursos, palestras,
treinamentos e instruções voltados a esse tema;
b) Ênfaseno estudo de violência doméstica como tema transversal, embasado nos
princípios dos Direitos Humanos e noarcabouço jurídico pertinente, devendo constar nos conteúdos
programáticos de todos os cursos de formação e capacitação oferecidos pela Polícia Militar do
Amapá, devido à importância dessa temática e suas repercussões no serviço policial militar;

150
c) Criação de uma patrulha especializada, baseada na doutrina de polícia comunitária,
para realizar visitas previamente selecionadas, às mulheres que passaram por situações de violência
doméstica, paraacompanhamento e fiscalização da aplicabilidade das medidas protetivas de
urgência previstas na Lei Maria da Penha;
Apesar dos esforços da sociedade na prevenção e combateà violência doméstica, esta
temática ainda apresenta muitos desafios a serem superados, que compreendem tanto mudanças
de hábitos socioculturais da população, pois este tema ultrapassa os aspectos legais, quanto ações
integradas e coordenadas dos órgãos e entidades estatais. Além disso,é necessário que o poder
público efetive políticas públicas e mecanismos eficientes que resguardem os direitos humanos das
mulheres.
Assim, a Polícia Militar do Amapá deve aplicar todos os esforços necessários para o
enfrentamento dessa questão, por meio da capacitação de seu efetivo, damaior integração com os
demais órgãos componentes da RAM e da adoção de ações efetivas que contribuam pra a redução
dos casos de violência doméstica no município de Macapá.

REFERÊNCIAS

AMAPÁ. Lei n.º 1.764, de 9 de agosto de 2013. Disponível em:


<http://www.al.ap.gov.br/ver_texto_lei.php?iddocumento=44418>.Acessoem:04 jul.2019.

BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Trad. Maria Helena Kühner. 11ª ed. Rio de
Janeiro:Bertrand Brasil, 2012.

BRASIL. Constituição Federal. VadeMecum. Ed. Revista dos Tribunais, 2014.


___.Decreton.º9.630, de 26 de dezembro de 2018.
Disponívelem:http://www<.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2018/decreto/D9630.htm>.A
cesso em 20jun. 2019.

______. Lei Maria da Penha. VadeMecum. Ed Revista dos Tribunais, 2014.

______. Lei n.º 13.104, de 9 de março de 2015. Disponível


em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm>. Acesso em
25jun. 2019.

______. Lei n.º 13.675, de 11 de junho de 2018. Disponível


em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13675.htm>. Acessado em
23jun. 2019.

_______. Lei n.º 13.827, de 13 de maio de 2019. Disponível


em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13827.htm>. Acessado em
25jun. 2019.

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. 1969. Disponível em:


<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>.
Acesso em: 25jun. 2019.

CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIACONTRA


AMULHER, 1994. Disponível em:<http://www.pge.sp.gov.br/
centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/belem.htm >. Acesso em: 25jun. 2019.
151
CERQUEIRA, Daniel et al. Atlas da Violência. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. IPEA. Rio de
Janeiro, 2019.

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de
combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.

FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002. Apostila.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

GUIMARÃES, Isaac Sabbá. MOREIRA, Rômulo de Andrade. A Lei Maria da Penha: aspectos
criminológicos, de político criminal e de procedimentos penal. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2011.

IBGE. Cidades. 2019. Disponível em:<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ap>.Acesso em


21/06/2019.

PENTEADO FILHO, NestorSampaio.Manual esquemático de criminologia / Nestor Sampaio


Penteado Filho.– 2. ed. – São Paulo:Saraiva, 2012.

PREFEITURA MUNICIPAL DE MACAPA. Mapa da divisão dos Territórios Urbanos do PPA 2018-
2021. Macapá: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação, ´[s.d]. Disponível
em:<http://300anos.macapa.br/publicacao/mapa-ppa-territorios-urbanos/>. Acesso em: 04 jul.
2019.

RUIZ, João Álvaro. Metodologia Científica: guia para eficiência nos estudos. 4. ed. SP: Atlas, 1996.

SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 6
ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Expressão
Popular: Fundação Perseu Abramo, 2015.

SOUZA, Sérgio Ricardo. Lei Maria da Penha comentada – sob a nova perspectiva dos direitos
humanos. 4ª ed. rev.e atual. Curitiba: Juruá, 2013.

TELES, Maria Amélia de Almeida. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2002.
(Coleção Primeiros Passos).

152
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO MECANISMO DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL

Talita Isaura Baptista dos Santos


Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda
31

1 INTRODUÇÃO
A audiência de custódia surgiu, dentre outros motivos, para garantir a integridade do preso
em flagrante e a regularidade de sua prisão. Contudo, na prática, nota-se que, mesmo em casos de
agressão explícita, nem sempre se originam procedimentos investigatórios de controle externo da
atividade policial, para a devida identificação e responsabilização dos agressores. Dessa maneira, a
audiência acabaria por manifestar uma finalidade meramente processual: a conversão de prisão em
flagrante em preventiva, ou, a concessão de liberdade provisória mediante a determinação de
medidas cautelares diversas da prisão (PAIVA, 2015).
No entanto, entende-se que as audiências, muito mais que a satisfação de ritos, deveriam
garantir um dos principais direitos fundamentais dos presos: a integridade física. Neste contexto, o
presente trabalho questionou: Os procedimentos adotados pelo Judiciário e Mistério Público, em
audiência de custódia, têm favorecido o exercício da atividade de controle externo da atuação
policial?
Partiu-se da hipótese de que a audiência de custódia não estava construindo um repertório
efetivo de combate à violência contra a pessoa do preso, em razão de uma possível desconsideração
de relatos de violência constantes dos depoimentos dos flagranteados, bem como, diante do não
encaminhamento de mídia e ata de audiência para o controle externo da atuação policial (realizado
pelo Ministério Público), consagrando uma verdadeira violação à direitos humanos fundamentais.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A palavra custódia pode ser conceituada como uma condição de quem se encontra sobre a
proteção de outra pessoa. Logo, do termo, surge a necessidade de definir a origem da Audiência de
Custódia e suas principais premissas (PAIVA, 2015). A audiência de custódia está prevista em alguns
instrumentos normativos, sendo eles, no âmbito internacional: a Convenção Americana de Direitos
Humanos - CADH (Pacto de San Jose da Costa Rica) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos (BALLESTEROS, 2016). No âmbito nacional: Resolução N. 213 do Conselho Nacional de
Justiça, de 15 de dezembro de 2015 (CNJ, 2015).
A Audiência de Custódia surgiu como uma forma de amenizar a cultura do
superencarceramento arbitrário, violações aos diretos humanos dos custodiados e como forma de
coibir irregularidades processuais (BALLESTEROS, 2016). Trata-se, portanto, de instituto que visa
garantir a integridade física do preso em flagrante, por meio da sua apresentação no prazo de 24h
à autoridade judiciária, para que se possa analisar a legalidade da prisão em flagrante, a necessidade
de sua conversão em prisão preventiva ou a aplicação de medidas cautelares alternativas da prisão.

31
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
SANTOS, Talita Isaura Baptista; REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias. Audiência de custódia como
mecanismo de controle externo da atividade policial. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS,
João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM,
2021.
153
Além disso, este instituto representa, para o Estado, um instrumento eficiente e ágil para a
obtenção e verificação de informações sobre atuação policial, evitando que maus tratos e práticas
de extorsão e corrupção continuem a ocorrer impunemente. Aliás, neste sentido, afirma-se que:

A audiência de custódia corrige de forma simples e eficiente a dicotomia gerada: o preso


em flagrante será imediatamente conduzido à presença de um juiz para ser ouvido,
momento em que o magistrado decidirá sobre as medidas previstas no artigo 310 do Código
de Processo Penal (CPP).14 Nesse sentido, estamos diante de um procedimento
indispensável quando analisamos o processo penal através de um viés constitucional, pois
estão inseridos nesse ato valorosos princípios processuais, como presunção de inocência,
ampla defesa e contraditório, os quais passaremos a analisar sucintamente (ANDRADE;
ALFLEN, 2016, p.17).

A Audiência será realizada na presença dos membros do Ministério Público e da Defensoria


Pública (ou advogado particular do preso). No decorrer do ato, o juiz fará uma entrevista com o
custodiado, passando as informações colhidas à termo na ata de audiência, onde deverá conter
aspectos relativos a captura daquele (art. 8º da Resolução N. 213/2015) 32.
Paiva (2015), conceitua audiência de custódia, como um ato de guarda ou proteção de um
preso em flagrante, para estabelecimento de um prévio contraditório junto ao Ministério Público e
Defensoria Pública (ou advogado particular, conforme o caso), na presença de magistrado
competente, para apreciação de questões relativas à legalidade de sua prisão e presença, ou não,
de elementos para conversão da prisão em flagrante em preventiva, bem como, para verificação da
ocorrência de eventuais abusos ou maus tratos ao custodiado, caracterizando-se, portanto, como
um verdadeiro ato de acesso à jurisdição penal.
Pelo ato processual, possibilita-se um contato do preso com o Poder Judiciário, além de
permitir a real e efetiva realização do contraditório em relação aos fatos da captura. Assim, um dos
principais objetivos do instituto é gerar uma racionalização das decisões. Além disso, segundo Paiva
e Lopes (2015), a Audiência de Custódia possui a finalidade de conter o Estado Polícia, limitando o
poder punitivo por meio de um controle de convencionalidade, instituído no teor do Art. 7.5, da
Convenção Americana de Direitos Humanos33.
A doutrina tem referido que este controle é inafastável, por se tratar de mecanismo de
adequação do sistema jurídico interno às normas de proteção dos direitos humanos, conforme os
limites definidos na CADH (PAIVA, 2015). E a razão é relativamente óbvia: sendo a tortura é um dos
males que assombram a sociedade contemporânea, observa-se a necessidade desta ser combatida
diariamente.
Em semelhante sentido, Martins (2016, p. 29) explica sobre a relevância da Audiência de
Custódia no combate a prática de tortura e convida a sociedade a refletir:

Conforme demonstram dados compilados pelo Conselho Nacional de Justiça, já há casos


suficientemente relevantes para serem abordados durante as audiências de custódia, em
especial no que tange à atuação dos agentes de Estado no exercício do “direito de punir”.
Como se pode depreender dos dados, uma primeira preocupação inicial dos poderes
públicos deve estar voltada não só para a grande variação na quantidade de alegações de
violência policial declarada pelos presos registrada entre os estados, como também para a
desatualização desses registros, assim como, mais preocupante ainda, para a falta de
registro em relação a essas ocorrências.

32
Art. 8º Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo:
I - Esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões a serem analisadas pela autoridade judicial;
33
Art. 7.5 Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade
autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade,
sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu
comparecimento em juízo.
154
Assim, a Audiência de Custódia se imprime como um instrumento de zelo pelas garantias
constitucionais e internacionais assumidas pela República Federativa do Brasil, transpassando as
fronteiras da mera análise da legalidade e necessidade de prisão, e, assim, apresentando-se como
ato intimamente ligado a questão social e humana. Além das características acima elencadas, a
audiência busca minimizar as prisões provisórias (desnecessárias) em todo o Brasil.

2.2 PAPEL DO JUDICIÁRIO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A Constituição Brasileira de 1988, em diversos pontos de seu art. 5º, estabeleceu um


conjunto de direitos e garantias ligadas ao due process of law, ou seja, à garantia de não privação
de bens ou liberdade, senão, por meio de um devido processo legal (LENZA, 2015). Por isso, “O
Estado procura tornar efetivo o seu direito de punir, atividade esta, jurisdicionalizada e
processualizada, indo o Estado-Administração pedir ao Estado-Juiz a aplicação da norma
incriminadora ao acusado” (POLASTRI, 2016, p. 96).
Cabe ao Estado-Juiz chefiar a audiência de custódia, colhendo informações acerca da
qualificação, condições pessoais e circunstâncias objetivas da prisão do indiciado, excetuadas,
obviamente, as questões que possam antecipar eventual instrução criminal em processo de
conhecimento. Igualmente, antes do interrogatório, caberá ao Judiciário garantir que os órgãos
policiais submetam o preso à realização de exame de corpo de delito, e, somente após, decidir a
respeito da daquele, conforme art. 8º, da Resolução de N. 213/2015, do CNJ, e arts. 310 e 319, do
CPP.
Percebe-se, deste modo, o papel humanístico do Poder Judiciário durante a Audiência de
Custódia, no sentido de assegurar ao preso a garantia de ser informado pessoalmente da acusação,
bem como, de possibilitar a autodefesa e a defesa técnica, a proibição de cerceamento de defesa e
a não autoincriminação. Isto se encontra previsto na resolução N. 213/2015, do CNJ, a qual
determina que, em sede de audiência de custódia, o magistrado deverá perguntar à pessoa presa a
respeito do “tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à
audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências
cabíveis” (art. 8º, VI, da resolução).
Entretanto, como afirma Ballesteros (2016), é assente a negligência quanto a este aspecto
nalguns órgãos judiciários, o que é preocupante, pois, se o Juiz ou o Ministério Público, como partes
primordiais na realização da Audiência, não questionarem aos presos se estes foram agredidos por
policiais, não será adotado nenhum tipo de procedimento de investigação e, muito menos, de
responsabilização dos agressores. Institucionaliza-se, assim, a violência.
A efetiva participação do Ministério Público na cerimônia judicial, por seus membros, não só
é conveniente, é obrigatória, haja vista a sua condição de destinatário final da investigação criminal
e parte legitima para propositura da ação penal. Não à toa, afirma-se na doutrina que a ausência do
Ministério Público na Audiência de Custódia vicia o ato judicial e torna nulas as decisões ali
prolatadas, visto tratar-se de órgão essencial a função jurisdicional do Estado (ARAÚJO, 2017).

2.3 CONTROLE EXTERNO DA ATUAÇÃO POLICIAL

A persecutio criminis in judicio representa a atividade exercida privativamente pelo


Ministério Público como titular das ações penais públicas (POLASTRA, 2016), especialmente, quando
cometidas por órgãos incumbidos da segurança pública e defesa social (situação normalmente
vinculada a crimes contra a administração).
Trata-se, justamente, da atividade de controle externo da atividade policial.
Embora a legislação brasileira não tenha definido exatamente o conceito do controle externo
da atividade policial, recorrer-se-á à doutrina para tentar conceituá-lo. Nesse sentido, Mazzilli
155
(2003, p. 64) ensina que o controle externo exercido pelo parquet “é um sistema de vigilância e
verificação administrativa, teleologicamente dirigido à melhor coleta de elementos de convicção
que se destinam a formar a opinio delictis do Promotor de Justiça, fim último do próprio inquérito
policial”.
Já Guimarães (2002, p. 64) o definiu, de forma mais completa, como o:

[...] conjunto de normas que regulam a fiscalização exercida pelo Ministério Público em
relação à Polícia, na prevenção, apuração e investigação de fatos definidos como infrações
penais, na preservação dos direitos e garantias constitucionais das pessoas presas, sob
custódia direta da Polícia e no cumprimento das determinações judiciais.

A atividade policial é exercida por órgãos pertencentes ao Poder Executivo, e, portanto,


possui natureza administrativa. Logo, pode-se afirmar que a natureza do controle externo da
atividade policial é também administrativa (GUIMARÃES, 2002).
O Controle Externo da Atividade Policial, segundo o artigo 3°, da Resolução N. 20/2007 34, do
Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP (2007), é exercido de duas formas: pelo controle
difuso ou pelo concentrado. O primeiro é realizado por todos os membros com atribuições criminais.
Já o segundo, será firmado por membros com atribuições específicas, por meio de promotorias
especializadas. Esta mesma resolução, ainda, ampliou o rol de atribuições para o exercício do
controle externo tentando uniformizá-lo, já que, como cada estado da Federação tem seu próprio
Ministério Público, é natural o surgimento de normas diferentes sobre o tema.
Em relação à audiência de custódia, entende-se que o controle externo serve para garantir
que a integridade física do preso seja mantida e a incolumidade das instituições policiais seja
preservada. Nesse sentido, Ballesteros (2016) menciona que a Constituição atribuiu ao Ministério
Público a função de realizar o controle externo, dentre outros, para apuração de ocorrências de
maus tratos e violência.
Nesse sentido, acaso relatada qualquer foram de agressão durante o ato, cabe ao Ministério
Público requerer a remessa dos autos à respectiva corregedoria de polícia, as quais detém a
finalidade de investigar o desvio de conduta, bem como, o cometimento de crimes por parte de
seus agentes. Assim, os desvios ou abusos cometidos por parte dos policiais no momento da
abordagem e posteriormente condução a Juízo serão investigados pelas corregedorias
competentes.
Ainda assim, caberá ao Ministério Público o acompanhamento desta apuração, e,
posteriormente, o oferecimento da competente denúncia, justamente, no sentido de evitar
omissões, dolosas ou culposas, e, sobretudo, qualquer conivência quanto a abusos exercidos
durante a atividade policial.
Portanto, para além de um sistema de freios e contrapesos ou de um melhor
desenvolvimento da persecução penal, a atribuição ministerial guarda relação direta com a defesa
dos princípios fundamentais do regime democrático e da dignidade da pessoa humana expostos na
Constituição Cidadã. Vislumbra-se que o controle externo da atividade policial é essencial à
manutenção do Estado Democrático de Direito, evitando que a democracia se desvirtue em uma
“ditadura mal disfarçada” (SANTOS, 2007, p. 90).
A estruturação desse controle se dá pela criação de Núcleos, Diretorias e Promotorias
especializadas, de acordo com as necessidades de cada região, as quais, devem se estruturar,
justamente, para permitir o acompanhamento de apurações, nos termos acima mencionados, bem
como, no sentido de permitir a propositura de ações civis públicas, inquéritos ministeriais, assim

34
Art. 3º O controle externo da atividade policial será exercido: I - na forma de controle difuso, por todos os membros do
Ministério Público com atribuição criminal, quando do exame dos procedimentos que lhes forem atribuídos; II - em sede
de controle concentrado, através de membros com atribuições específicas para o controle externo da atividade policial,
conforme disciplinado no âmbito de cada Ministério Público.
156
como, quaisquer outros meios judiciais ou administrativos necessários à apuração de
arbitrariedades.
Como se vê, a atividade de controle interno em audiência de custódia se insere na função de
guarda da ordem pública, atribuída ao Ministério Público, e, em especial, é necessária à própria
legitimidade do regime democrático constitucionalmente instituído no Brasil, o que, desde logo,
justifica a presente investigação científica, nos moldes estipulados na seção seguinte.

3 MÉTODO E TÉCNICAS DE PESQUISA

Este trabalho se afiliou à teoria Institucionalista Weberiana. Conforme Trubek (2017), a


teoria em questão assevera que, num regime legítimo, os indivíduos se submeteriam pacificamente
às instituições estatais, pela crença na validade das normas legais racionalmente estabelecidas pelo
Estado.
Embora o direito surja como um conceito polissêmico, ainda assim, o mesmo deteria como
núcleos centrais a ideia de racionalidade, normatividade, legitimidade, e, por força destas últimas,
a coação legítima, para sua fiel obediência (TRUBEK, 2017). A racionalidade, portanto, funda o
estado de direito, e, como tal, exige que todos (inclusive, os próprios representantes estatais), se
vinculem às normas legais instituídas (MALISK, 2006; TRUBEK, 2017).
Assim, o conjunto das regras de direito constituiria o mundo abstrato de prescrições
técnicas, que condicionariam comportamentos e guiariam a subsunção de normas aos mais variados
casos concretos (MALISK, 2006). Todas estas premissas, portanto, guiariam a ação social praticada
por cada indivíduo, na busca pela preservação da ordem social. A escolha desse método, portanto,
se alinhou ao referencial teórico, no sentido de exigir a adequação das instituições às normas
legitimamente constituídas, como forma de ordenação social, adaptando as atribuições funcionais
relativas à audiência de custódia à própria sistemática constitucional pertinente.
Por sua vez, adotou-se uma abordagem de natureza qualitativa, preocupada, portanto, não
com prevalências ou variâncias, senão, com o próprio conteúdo dos casos destacados para estudo
(conforme especificado adiante), para uma verificação mais cautelosa e profunda (GIL, 2002). Não
se abriu mão, no entanto, do uso de técnicas estatísticas descritivas, consubstanciadas nas
comparações dos gráficos presentes nos resultados desta pesquisa (LAKATOS; MARCONI, 2005).
O levantamento de dados, por sua vez, se utilizou da técnica de pesquisa documental, assim
compreendida como uma busca cuja:

[...] fonte de coleta de dados está restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o
que se denomina de fontes primárias. Estas podem ser feitas no momento em que o fato
ou fenômeno ocorre ou depois (LAKATOS; MARCONI, 2005, p.176).
Dessa forma, procedeu-se à captação de informações sobre o controle externo realizado
pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, por intermédio de registros documentais de
audiência de custódia realizadas no plantão do Fórum do Município de Ananindeua, e,
posteriormente, enviadas em mídia ao Ministério Público da mesma comarca. Utilizou-se, portanto,
o conteúdo das atas escritas e mídias digitais (filmes), produzidos ao longo dos atos processuais.
A escolha do Município de Ananindeua se deu em razão deste constituir a sede da pesquisa,
domicílio dos pesquisadores e sede do grupo de pesquisa composto pelos mesmos, bem como, por
constituir local de multivariada violência, conforme se descreverá no tópico atinente aos resultados.
Além disso, estudar o local está ligado ao próprio aspecto social inerente à pesquisa científica (GIL,
2002), reforçando mais ainda a escolha.
No intuito de evitar embaraços, a pesquisa se restringiu a plantões aleatoriamente colhidos
junto a uma promotoria local (não identificada em nome dos postulados éticos da pesquisa e em
resguardo à colaboração voluntária do excelentíssimo membro ministerial correspondente), que
assentiu em colaborar voluntariamente com a realização do estudo. Os dados, aleatoriamente
157
fornecidos, permitiram uma visão randômica de diferentes audiências de custódia realizadas no
interstício de 6 (seis) meses no referido município (agosto/2017 a janeiro/2018).
Assim, foi selecionada uma amostra de 12 (doze) audiências de custódia. E, embora a
amostra aparente relativamente diminuta, ainda assim, permitiu uma análise indutiva (LAKATOS;
MARCONI, 2005) da realidade local, conforme se confirmou por meio de sua comparação direta
com dados do sistema penitenciário local, constituindo um laboratório de pesquisa válido e que,
sem prejuízos, pode ser ampliado em posteriores estudos locais e regionais.
Para fins de análise, os documentos foram lidos e assistidos, extraindo-se os dados relativos
exclusivamente à atividade de controle externo de eventuais abusos cometidos na atividade policial.
Em seguida, os dados foram interpretados, agrupados em tabela, possibilitando uma análise
estatístico-descritiva da atuação dos órgãos, e triangulados com a literatura constante do
referencial teórico.

4 RESULTADOS DE PESQUISA

4.1 SOBRE O MUNICÍPIO DE ANANINDEUA E SUA RELAÇÃO COM A VIOLÊNCIA

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2018), o município


de Ananindeua compõe a região metropolitana do Estado do Pará, detendo uma população
estimada de 525.566 pessoas para o ano de 2018, detendo uma extensão territorial de 190,451km².
Conforme o atlas da violência 2017 (CERQUEIRA et al, 2017), o Pará foi o 5º colocado do país
(1º da Região Norte) em homicídios no ano de 2015 (taxa de 45,0 homicídios/100 mil habitantes),
ano em que a cidade de Ananindeua figurou como 25ª colocada, com taxa de 69,6 homicídios/100
mil habitantes. Conforme o Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal (2017),
por sua vez, a Região Metropolitana (composta pela Capital – Belém - e cidades de Ananindeua,
Marituba, Benevides, Santa Bárbara, Santa Izabel e Castanhal) foi considerada a 10ª área mais
perigosa do mundo em 2017, com taxa de 71,38 homicídios/100 mil habitantes.
A violência se tornou um dos grandes desafios a ser enfrentado pela segurança pública local,
diante dos constantes relatos de homicídios e roubos no Município de Ananindeua. Nesse sentido,
Ximendes (apud DOL, 2017), afirmou que

Ananindeua e Marituba são áreas de repressão da pobreza de Belém. As pessoas mais


pobres são empurradas para morar cada vez mais longe das áreas saneadas de Belém,
nessas áreas permanece uma situação de aumento da tensão devido à péssima qualidade
de vida.

Esse contexto de ausência estatal, por sua vez, permite o surgimento de poderes sociais
paralelos (notadamente, o crime) que passam a impor uma ordenação territorial (especialmente,
por meio da violência) (GHAGAS, 2014), gerando zonas de tensão arbitrariamente associadas à
pobreza. É justamente nessas áreas em que a atuação das polícias, não obstante seu dever de
proteção da sociedade, acaba sofrendo desvirtuações. Dados sobre violência policial de inúmeros
órgãos, pesquisas acadêmicas no assunto, e a própria preocupação manifesta de autoridades
governamentais de segurança pública tornam quase que inevitável que essas discussões vinculem
a polícia à violência e letalidade (CERQUEIRA et al, 2017).
É importante compreender, neste sentido, o lugar que ocupa a violência e, especificamente,
os homicídios nas sociedades contemporâneas como forma de resolução dos conflitos sociais.
Dentro deste quadro, os valores e ideais do processo civilizador são negados ou não totalizados,
tornando o autocontrole ténue e permeável à explosão de emoções e sentimentos agressivos
(BARREIRA, 2002). Logo, ressurge a já mencionada a necessidade de controle externo das polícias,

158
através da fiscalização do Ministério Público e Poder Judiciário, dentre outros, especialmente, em
cidades marcadas pela violência, como Ananindeua-PA.

4.2 CARACTERÍSTICAS GERAIS DA AMOSTRA COLETADA

Primeiramente, o gráfico 1 (abaixo), expõe a temporalidade da amostra analisada neste


estudo, compondo o quantitativo de casos dentro do lapso temporal já descrito no teor da
metodologia deste estudo. Em seguida, o gráfico 2 expõe os tipos penais cometidos pelos
custodiados correlatos às amostras analisadas.

GRAFICO 1- Quantitativo de Audiências de Custódia vinculadas a uma Promotoria de Ananindeua, entre agosto de 2017
e janeiro de 2018.

2 2

AGO/17 SET/17 OUT/17 NOV/17 DEZ/17 JAN/18

Fonte: dados da pesquisa.

GRÁFICO 2: Quantitativo de espécies de crimes com prisões em flagrante submetidos a Audiência de Custódia em uma
Promotoria de Ananindeua, entre agosto de 2017 e janeiro de 2018.

LATROCÍNIO (157, §3º, CP) 9%

PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO 9%

CRIMES DA LEI 11.343/06 36%

ROUBO (ART. 157, CP) COMUM OU


46%
QUALIFICADO

Fonte: dados da pesquisa.


Observa-se, da amostra, que foi assente a presença do crime de roubo (46%),
especialmente, considerando-se que o latrocínio (9%) congloba o aquela espécie como uma de
suas etapas de consumação. Em segundo lugar, encontrou-se, em 36% dos casos, as espécies de
tráfico de drogas tratadas pela lei 11.343/06. Por fim, residualmente, encontrou-se o crime de
porte ilegal de arma de fogo.

159
Como mencionado, os crimes encontrados na amostra guardam relativa relação com a
porcentagem geral de tipificação dos encarcerados do Sistema Penitenciário do Estado do Pará –
SUSIPE (2017), onde o Roubo, entre os homens (caso da amostra), figurava, em junho de 2017,
com o total de 27,26% dos casos (1º lugar, somando-se roubos simples e qualificados) e o tráfico
figura em segundo lugar, com 15,81% dos casos, apresentando as demais espécies uma paritária
residualidade, em comparação com as duas primeiras espécies. Confirma-se, assim, as
possibilidades indutivas do presente estudo em relação ao contexto local.

4.3 ANÁLISE DAS AUDIÊNCIAS QUANTO À OCORRÊNCIA DE AGRESSÕES E EXERCÍCIO DA ATIVIDADE


DE CONTROLE EXTERNO

Por sua vez, como já mencionado no tópico metodológico, após a análise e interpretação do
acervo documental, perfez-se a classificação dos casos em que houve alegação de ocorrências de
agressão por parte dos acusados, quando da realização de suas prisões. Estas, por sua vez, foram
comparadas aos casos em que haviam indícios materiais de ocorrência destas agressões, bem como,
aos casos em que houve a identificação do agressor. Por fim, os dados foram comparados com os
casos em que se originou alguma espécie de apuração de conduta (como determina a atividade de
controle externo). Os resultados foram organizados em gráficos para facilitação da atividade
comparativa, entre cada delimitação acima.
Assim sendo, o gráfico 3, a seguir, demonstra a quantidade de custodiados que alegaram
ter sofrido agressões quando de sua respectiva prisão (82% dos casos analisados). Ao passo, os
supostos agressores teriam sido identificados no teor do próprio procedimento.

GRÁFICO 3: Quantitativo de alegações de ocorrências de agressões a réus, identificadas em Audiência de Custódia


vinculadas a uma Promotoria de Ananindeua-PA, entre Agosto de 2017 e janeiro de 2018.

18%

82%

RELATARAM TER SOFRIDO AGRESSÕES NÃO RELATARAM AGRESSÕES

Fonte: dados da pesquisa.

No entanto, a despeito disso, comparando-se a mídia da audiência e os respectivos termos


de audiência, constatou-se que, em somente em 45% dos casos, houve o registro documental das
alegações de agressão formuladas pelos réus perante o Juiz e Ministério Público, conforme teor do
gráfico 4, também destacado abaixo. Em nenhum dos casos, houve menção em ata ou em mídia a
respeito de consultas ao necessário exame de corpo de delito.

GRÁFICO 4: Quantitativo de relatos de agressões que constaram nas atas de audiência de custódia vinculadas a uma
Promotoria de Ananindeua-PA, entre agosto de 2017 e janeiro de 2018.
160
45%

55%

RELATO DA AGRESSÃO CONSTOU DA ATA DE AUDIÊNCIA


RELATO DA AGRESSÃO NÃO CONSTOU DA ATA DE AUDIÊNCIA

Fonte: dados da pesquisa.

Essa constatação levou ao questionamento: que critério seria levado em conta para fins de
registro, ou não, do relato de agressão em ata (o que, em tese, é um direito inerente à ampla defesa
do acusado, independentemente da presença de sinais físicos aparentes, ou não, ou, ainda,
independentemente da pertinência da alegação em relação ao laudo do exame de corpo de delito)?
Mesmo que desprovida de verossimilhança, a ausência de consideração da alegação de agressão
pode ser utilizada como argumento de cerceamento de defesa, e, dependendo do caso, pode eivar
de nulidade todo o procedimento realizado.
Assim, após nova conferência dos dados, constatou-se que em 45% do total da amostra
haviam sinais aparentes e ostensivos de agravos físicos (observáveis das mídias analisadas),
conforme gráfico 5 (abaixo). Chegou-se, assim, à conclusão de que somente houve registro escrito,
em ata de audiência, daqueles casos em que se constatava, no vídeo gravado, as agressões relatadas
pelos presos. Talvez, a visibilidade e registro em vídeo (o que tornava cabal a constatação de uma
possível agressão), tenham constituído os fatores que levaram à formalização do relatado.

GRÁFICO 5: Quantitativo de casos em que se constataram sinais da reputada agressão, constantes das mídias eletrônicas
registradas, entre agosto de 2017 e janeiro de 2018, em Ananindeua-PA.

45%

55%

CONSTATAÇÃO DE SINAIS DE AGRESSÃO APARENTES


NÃO CONSTATAÇÃO DE SINAIS DE AGRESSÃO APARENTES

Fonte: dados da pesquisa.

161
No entanto, o que mais causa espanto é que, a despeito do quantitativo de 45% de casos em
que houve o registro (em razão, aparentemente, dos nítidos sinais de agressão), dentro de um
quantum de 82% de casos em que houve o relato formal da ocorrência de agressões quando da
prisão dos acusados, somente em 27% dos casos, houve a tomada de providências pelo Ministério
Público e Poder Judiciário no sentido de buscar a apuração dos fatos, pelo acionamento das
corregedorias de polícia respectivas e encaminhamento dos autos à promotoria de controle
externo.
E, mesmo após o revolvimento do acervo documental utilizado na pesquisa, não se
constatou qualquer fundamento no teor das decisões, que explicasse ou justificasse a escolha de
instaurar procedimentos apuratórios ou não. Na prática, constatou-se que o controle externo, que
se caracteriza como um dever (especialmente, do Ministério Público), em termos práticos, foi
aplicado de maneira discricionária em sem aparente vinculação prática com a realidade apresentada
por cada caso verificado na pesquisa.

GRÁFICO 6: Quantitativo de casos em que se gerou apuração dos relatos de agressão à presos, em audiência de custódia,
entre agosto de 2017 e janeiro de 2018, em Ananindeua-PA.

27%

73%

HOUVE A TOMADA DE PROVIDÊNCIAS DE CONTROLE EXTERNO


NÃO HOUVE A TOMADA DE PROVIDÊNCIAS DE CONTROLE EXTERNO

Fonte: dados da pesquisa.

Consolidando os resultados, em 82% dos casos, foi relatada a ocorrência de agressões aos
réus (com a identificação dos supostos agressores), porém, somente constou em ata a mesma
proporção de agressões nitidamente observáveis na mídia da audiência (45% dos casos). Por fim,
somente 27% deram origem a procedimentos apuratórios. Logo, diante dos resultados, percebeu-
se que a Audiência de Custódia no município de Ananindeua, embora funcione para verificação das
condições necessárias à manutenção ou não das prisões em flagrante, de outro lado, em nada
estaria contribuindo com a atividade de controle externo da atividade policial e, dessa forma, em
nada estaria servindo como instrumento pela busca da cessão de agressões incompatíveis com o
modelo de estado democrático vigente.
É de se questionar se o Ministério Público, para além de um papel de custos legis, estaria
efetivando o papel de controle externo da atividade policial. Do mesmo modo, a despeito de sua
imparcialidade, constata-se que a preservação da ideia de devido processo legal deveria impelir a
ação do Poder Judiciário no sentido determinar, ex offico, a instauração de procedimento de
apuração dos eventuais abusos relatados (e evidenciados na amostra) (GUIMARÃES, 2002).
Se a audiência de custódia não funcionar como um meio de controle externo, como se espera
de seu rito (dentre outras finalidades), a mesma apenas legitimará uma violência incompatível com

162
a postura das instituições em face do regime democrático e constituição, pois, ocultando ações que
podem estar ligadas a aspectos seletivos e discriminatórios (CHAGAS, 2014).
Neste sentido, Gomes (2017) salienta que não cabe ao Ministério Público avaliar a
conveniência e oportunidade de exercer ou não o controle externo da atividade policial, como se os
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes de que toma conhecimento, levados a cabo por
parte de policiais, não tocassem à sua esfera de competência. Tendo em vista que o sistema de
freios e contrapesos tem como condição sine qua non a mitigação e limitação do poder de uma
instituição por outra, onde houver atividade policial, preventiva ou repressiva, mister se faz que o
Ministério Público exerça sobre ela o efetivo controle externo (GOMES, 2017).
Crítica de igual natureza foi firmada pela Pastoral Carcerária de São Paulo, em estudo
semelhante, realizado no ano de 2016, no qual se declarou:

De um total de 51 casos em que a instituição foi notificada, em 44 (86% dos casos) deixou
de adotar medidas essenciais para a apuração dos fatos e/ou não atuou com a devida
celeridade, em seis casos (11% do total) nada foi feito ou informado e em apenas uma
situação a atuação do Ministério Público foi considerada adequada (PASTORAL
CARCERÁRIA, 2016, p. 90).

Pensar em sentido contrário, é admitir que a violência sofrida pelos acusados funcione como
um rito de passagem no circuito do sistema de justiça, não só durante as prisões, mas,
posteriormente, dentro das unidades prisionais. Ressalta-se que qualquer tratamento que negue o
caráter de dignidade da pessoa humana pode ser enquadrado sobre a perspectiva da tortura, sem
prejuízo de outras disposições amplamente ligadas à ideia de integridade física e dignidade humana.
Tão importante quanto combater a prática de delitos, certamente, é o combate a atos de
tortura e violência difusa que acompanham as prisões. Nesse sentido, os resultados propugnam um
repensar sobre o real papel do rito processual da audiência de custódia e metodologia de
participação das instituições envolvidas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final da análise dos dados colhidos nesta pesquisa, constatou-se que, embora a audiência
de custódia funcione regularmente para análise de questões relativas à manutenção da prisão em
flagrante e eventual conversão, ou não, em prisão preventiva, o mesmo não se pode dizer, ao
menos, no Município de Ananindeua-PA, quanto a sua potencial contribuição à atividade de
controle externo da atividade policial, matéria de ordem pública, que, por essa qualidade, se coloca
como encargo do Poder Judiciário e Ministério Público.
Não obstante a amostra analisada seja diminuta, a mesma, de outro lado, é compatível com
as características do sistema prisional paraense (portanto, verossímil), e, por si só, já denota um
recorte preocupante quanto ao tratamento judicial dispensado à dignidade humana e integridade
física de presos em flagrante, que, mesmo em situação de conflito com a lei, não perdem sua
qualidade de cidadãos ou seres humanos amparados pelas instituições e pelo sistema
constitucional.
Por fim, é recomendável a conscientização das autoridades do Poder Judiciário e Ministério
Público a respeito de seu papel, no tocando ao controle institucional das polícias, bem como, a
respeito da necessidade de reflexão sobre o exercício de suas atribuições funcionais. No mais, diante
da restrição quanto à obtenção de dados, enfrentada ao longo da pesquisa, deve-se registrar o
devido agradecimento ao representante ministerial (cujo anonimato se preserva) que, ciente do
mister de sua função, auxiliou na coleta dos dados ora analisados.
Se muito se critica em torno da audiência de custódia, a despeito do inchaço do sistema
penitenciário e dos históricos registros de abusos, por parte de muitos profissionais que se
163
escondem atrás de suas prerrogativas funcionais para prática de uma violência não legitimada,
decerto, é porque ainda há muito a ser refletido sobre os institutos e instituições tratados no direito
brasileiro e seu compromisso com o povo e a constituição que dele decorre.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, M. F.; ALFLEN, P. R. Audiência de Custódia: da boa intenção a boa técnica. Porto
Alegre: FMP, 2016.

ARAÚJO, B. C. X. A “audiência de custódia” na República Federativa do Brasil. Revista Jus


Navigandi. V. 22, N. 4979, Pp. 1-2. 2017.

BARREIRA, C. Massacres: monopólios difusos da violência. Revista crítica de ciências sociais.


V.57/58, Pp. 169-186. 2000.

CERQUEIRA, D.; LIMA, R. S.; BUENO, S.; VALENCIA, L. I.; HANASHIRO, O. Atlas da Violência 2017.
Rio de Janeiro: IPEA; 2017.

CHAGAS, C. A. N. Geografia, segurança pública e a cartografia dos homicídios na região


metropolitana de Belém. Boletim Amazônico de Geografia, v.1, n. 1, p. 186-204, 2014.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução N. 213/2015. Dispõe sobre a audiência de custódia.


2015.

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CNMP. Resolução N. 20/2007. Dispõe sobre o


controle externo da atividade policial, dentre outras atribuições. 2007.

CONSEJO CIUDADANO PARA LA SEGURIDAD PÚBLICA Y LA JUSTICIA PENAL. Metodología del


ranking (2017) de las 50 ciudades más violentas del mundo. México: Seguridad, Justicia e Paz,
2017.

GIL, Antônio Carlos. Como classificar as pesquisas? 4. ed. - São Paulo: Atlas, 2002.

GOMES, P. O Ministério Público em audiência de custódia: o imperativo constitucional de seu


comparecimento em juízo. São Paulo: Red. UNB, p. 374-379, 2017.

GUIMARÃES, R. R. Controle Externo da atividade policial pelo Ministério Público. Curitiba: Juruá
Editora, 2002.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. IBGE CIDADES. Disponível em:


<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/ananindeua/panorama>. Acesso em 05.01.2018. 2018.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos da Metodologia. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2005.

LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2015.

MALISK, M. Max Weber e o Estado social Moderno. Revista Cejur, V. 1, N. 1, Pp. 15-28 2006.

MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
164
PAIVA, Caio. Audiência de Custódia e o processo penal brasileiro. Florianópolis: Empório do
Direito. 2015.

PASTORAL CARCERÁRIA NACIONAL. Tortura em Tempos de Encarceramento em Massa. São


Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2016. Disponível em:
<Http://carceraria.org.br/wpcontent/uploads/2016/10/Relat%C3%B3rio_Tortura_em_Tempos_de
_Encarceramento_em_ Massa-1.pdf >. Acesso em: 09 out. 2017. 2016.

BALLESTEROS, A. P. Audiência de Custódia e prevenção à tortura: analise das praticas institucionais


e recomendações de aprimoramento. Brasília: DEPEN, 2016.

POLASTRI, M. Ministério Público e Persecução Criminal. 5.Ed. Salvador: Editora Juspodivm, ano
2016.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3. Ed. São Paulo:
Cortez, 2007.

SUSIPE. Susipe em números. 2017. Disponível


em:<https://drive.google.com/file/d/0BwnQHseA00YeQkRtLVZnMjh0b0E/view>. Acesso em: 03.
jun.2018. 2018.

TRUBEK, D. M. Max Weber sobre ascensão do capitalismo. Revista Direito GV. V. 5, Pp. 151-186.
2007.

165
PROJETOS SOCIAIS COMO INSTRUMENTOS DE PREVENÇÃO DA VULNERABILIDADE SOCIAL DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Thays Costa Pires


Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda
35

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho nasceu como resultado de pesquisa desenvolvida junto ao Projeto de


Pesquisa em Novos Paradigmas do Direito Civil e Processual Civil, vinculado ao curso de Graduação
em Direito da Escola Superior Madre Celeste, em Ananindeua – PA, cujo objetivo central consistiu
em verificar se e como Projetos Sociais poderiam auxiliar crianças e adolescentes a ter uma nova
perspectiva de vida, reposicionando-os em relação a sua realidade e, assim, afastando-os de
diferentes contextos de vulnerabilidade social.
Os projetos sociais apresentaram um aumento quantitativo desde os anos 90, dada a sua
relevância não apenas como um fator de desenvolvimento físico e psíquico, mas, principalmente,
social do indivíduo, o valorizando como pessoa (MELLO et al, 2016). Em meados do ano de 2006, foi
criada a Lei n. 11.438/2006, de Incentivo ao esporte, que teve por escopo a criação e manutenção
de instituições que trabalhassem com essa atividade.
Essa lei foi promulgada como forma de incentivo às empresas que se interessassem em
financiar projetos sociais esportivos, o que, decerto, contribuiu com o aumento numérico. Porém,
independentemente do texto legal, é fato que diversos projetos sociais passaram a ser
desenvolvidos voluntariamente por diversas instituições e grupos, tendo registrado, também, um
relevante impacto social que não é mensurado a partir das estatísticas oficiais.
Sabe-se, no entanto, que a despeito da não participação estatal direta, o caráter inclusivo
desses projetos visa estabelecer uma ponte entre a realidade e o que resta instituído por lei, em
busca da garantia de uma vida digna e humanitária. Assim, nas últimas décadas houve um ganho no
que diz respeito à recuperação e reinserção de crianças e adolescente de classes desfavorecidas da
sociedade, através de programas de esportes, especialmente, voluntários.
E, diante deste contexto, surgiu o questionamento norteador da pesquisa: Como a
participação da criança e do adolescente em projetos sociais esportivos poderia prevenir situações
de vulnerabilidade social e promover sua inclusão na sociedade?
O objetivo geral da pesquisa consistiu em analisar se e como projetos sociais poderiam
garantir os objetivos preconizados pela Constituição e legislação pertinente à criança e ao
adolescente, e, assim, prevenir situações de vulnerabilidade e promover sua inclusão social.
Para tanto, o estudo tomou por base o projeto social voluntário realizado no Centro de
Treinamento de MuayThai da Amazônia, sediado na academia AS COMBAT, no município de
Ananindeua-PA, que utiliza a arte marcial como forma de educação inclusiva, congregando lazer e
educação em prol da construção da cidadania.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

35
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
PIRES, Thays Costa; REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias. Projetos sociais como instrumentos de
prevenção da vulnerabilidade social de crianças e adolescentes. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando
Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua:
CROM, 2021.
166
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

Nem sempre as crianças e os adolescentes foram vistas como sujeitos detentores de direitos
(BARRETO, 2006). É fácil identificar fatos e exemplos históricos em que aqueles eram considerados
como objetos facilmente descartáveis (acaso nascessem com algum problema de saúde, ou, até
mesmo, pela falta de condições de criá-los), ocasionando históricos números de abandonos e
marginalização (BARRETO, 2006).
As crianças e adolescentes também já foram classificados como adultos em miniatura que
apenas reproduziriam as atitudes e o modo de viver dos mais velhos, o que, por sua vez, serviu como
desculpa para sua estigmatização, sobretudo, se pertencentes a classes menos favorecidas da
sociedade, onde se afigurava normal o trabalho infantil como veículo de contribuição ao sustento
familiar (BATISTA, 2003).
No Brasil Colônia, a expectativa de vida das crianças pobres era curta, devido à exposição a
trabalhos desumanos e desconformes com a sua idade cronológica e o seu potencial físico. A
literatura aponta que, na época, era comum a sua exploração exaustiva e submissão a condições
precárias, sem olvidar as diversas formas de exploração sexual, domésticas ou não (RAMOS, 2000).
No que diz respeito à imputabilidade penal, sua culpabilidade se iniciava aos sete anos de
idade, naquele período. Entre a faixa etária dos sete anos de idade e os dezessete anos de idade, a
pena aplicada aos infratores poderia ser semelhante à dispensada aos adultos, contudo com
relativas atenuações. Quando a faixa etária estivesse compreendida entre os dezessete e vinte e um
anos de idade, a lei os considerava como jovens adultos, ocasião em que, inclusive, poderiam vir a
sofrer a pena capital (TAVARES, 2001), além de outras punições, em muitos casos, injustas,
desproporcionais e desumanas.
Ao início do período do Brasil Império (1822 a 1899) a situação pouco mudou. Embora já se
notasse uma certa preocupação com as crianças que faziam parte da nobreza, esta se dava somente
pelo intento de manutenção de possíveis relações de hereditariedade (CUSTÓDIO, 2009), ao passo
que as demais crianças continuavam sendo vistas como marginais, sem proteção a ser garantida, e
que, por se encontrarem numa situação de poucos recursos e ou por pertencerem a classes
desfavorecidas da sociedade, constituíam um grupo social sob a responsabilidade das instituições
de controle policial (VERONESE, 1999).
Alguns primeiros sinais de mudanças paradigmáticas, por sua vez, só surgiram com o advento
do Código Penal de 1830. Nesse sentido, Ardigó menciona que:

No código criminal de 1830, a base que estruturou todo o ordenamento jurídico brasileiro,
o limite de responsabilidade penal foi legalizado a partir de quatorze anos de idade. Com o
mesmo rigorismo, puniam-se os adultos e os infanto-juvenis. Foram abolidas as severidades
punitivas elencadas nas Ordenações da Metrópole portuguesa. Foi quando os infanto-
juvenis passaram a ser recolhidos nas casas de Correção, e não mais cumpririam penas
criminais no cárcere junto aos adultos. (2009, p. 51).

Conforme essa norma legal, para que fosse aplicada qualquer pena, se faria necessário um
exame da capacidade de discernimento do jovem. Assim, embora o menor de quatorze anos não
pudesse se classificado como criminoso, acaso constatada a possibilidade de discernimento a
respeito de sua, seriam os mesmos recolhidos às chamadas casas de correção, onde ficariam à
disposição do juiz, por período de tempo não superior ao advento da idade de dezessete anos
(AMIN, 2010).
Deve-se registrar, no entanto, que embora a construção pareça um avanço diante do
tratamento específico destinado à criança e ao adolescente sem discernimento, em termos práticos,
a decisão sobre sua capacidade cognitiva em torno do ato cometido era definida conforme a
subjetividade das autoridades públicas envolvidas com a apuração e punição da infração (e toda a
carga de preconceitos eventualmente carregada consigo).
167
E, ainda assim, as crianças e os adolescentes ainda eram vistas somente como adultos em
miniatura, não detentores, assim, de qualquer grupo de direitos em especial ou preocupação
específica quanto ao seu desenvolvimento.
Somente em 1921, com o advento do Código de Menores (Lei n. 4.242/1921), elaborado
pelo então magistrado José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, se registrou um outro tímido
avanço quanto ao tratamento dispensado às crianças e adolescentes. O referido código representou
a primeira codificação da América Latina que tinha como função tutelar, de forma exclusiva e
especifica, a figura do menor (RIZZINI; RIZZINI, 2004).
Entretanto, a tutela de direitos dispensada ainda registrava substanciais incoerências quanto
à proteção prometida: a referida lei afirmava, no bojo de seu artigo 3º 36, que o Governo ficaria
autorizado a promover a proteção de crianças em situações de delinquência, através da construção
de abrigos, para houvesse o recolhimento provisório dos que fossem encontrados em situação de
abandono, ou, até mesmo, para aqueles que houvessem cometido crimes.
Em análise à norma, registrou-se que “a construção social da categoria ‘menor’ é destinada
a designar a criança objeto da Justiça e da Assistência, tornando-se o alvo das políticas de
internação, afastada do seio familiar e com privação de liberdade” (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 17).
Em outras palavras, a categoria menor foi legalmente instituída como um designativo (muito
presente até os dias de hoje, em expressões estigmatizantes, como de menor, muito presentes junto
ao senso comum) de crianças e adolescentes, subjetivamente apontadas pelos órgãos policiais e
judiciários, como inseridas num contexto de delinquência ou abandono, permitindo, assim, a
mobilização de um aparato estatal sobre sua pessoa, caracterizado pelo afastamento familiar e
institucionalização.
Não à toa, afirmou-se que:

Através deste código, o Estado é oficialmente responsável pela assistência aos menores
desassistidos, passando a intervir diretamente nas relações familiares, quando o pátrio
poder do pai, absoluto como no direito romano, passa a sofrer a intervenção estatal
(ARDIGÓ, 2009, p. 61).

Assim, apesar da evolução do Código de Menor frente ao tratamento anteriormente


dispensado à classe das crianças e adolescentes, ainda precisava-se evoluir quanto a real proteção
garantida àqueles, uma vez a lei acabou somente por valorizar as instituições e os métodos
disciplinares utilizados para uma suposta recuperação, criminalizando seus destinatários, sem
qualquer garantia prática de reinserção na família ou comunidade (VERONESE, 1999).
Outro ponto criticável é que o Código manteve a possibilidade de criminalização conforme
o critério (subjetivo) de discernimento37 (QUEIROZ, 2008). Novamente, a norma apenas serviu para
que jovens fossem genericamente apresentados perante autoridades judiciárias, sem maiores
comprovações a respeito dos fatos que lhes eram supostamente imputados e, assim, julgados
conforme critérios pouco objetivos.

36
Art. 3. Fica o Governo autorizado: I. A organizar o serviço de assistência e proteção á infância abandonada e
delinquente, observadas as bases seguintes: [...] construir um abrigo para o recolhimento provisório dos menores de ambos
os sexos que forem encontrados abandonados ou que tenham cometido qualquer crime ou contravenção; [...] (Brasil,
1921).
37
Art. 10. Também não se julgarão criminosos:
1º Os menores de quatorze anos.
Art. 13. Se provar que os menores de quatorze anos, que tiverem cometido crimes, obraram com discernimento, deverão
ser recolhidos ás casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda à idade de
dezessete anos.

168
Caso o juiz de menores decidisse deixá-los recolhidos, não lhes seria dispensada, igualmente,
qualquer garantia de defesa material por intermédio de um advogado, malferindo a garantia
material de um devido processo legal.
Nas décadas seguintes, a despeito de evoluções no debate dos direitos infanto-juvenis num
âmbito internacional, com as perturbações políticas e jurídicas advindas das constantes trocas de
governo que, na década de 1960, culminaram na deflagração da ditadura militar, não se registraram
quaisquer perspectivas de avanço no tratamento jurídico das crianças e adolescentes no Brasil.
Como bem afirmou Jesus:

A década de 50 foi marcada pelos debates que visavam à reformulação da legislação


infanto-juvenil. O desejo de normas mais democráticas cresceu com a Declaração Universal
dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a 20 de
novembro de 1959, mas foi interrompida pelo Golpe Militar de 1964. Nesse ano foi criada
a Funabem, Fundação Nacional do Bem-estar do menor. [...] A Funabem na prática
aumentou o problema que deveria remediar. A história da instituição é repleta de notícias
de desmando, castigos cruéis e motins. Ao contrário do que pretendia, a Funabem ficou
conhecida como um instrumento de ameaça e escola do crime. (2006, pp .53-54)

E, mesmo com o posterior advento do Código de Menores de 1979, a ineficácia prática e as


críticas ao modelo instituído continuaram, haja vista a reprodução de normas meramente
estigmatizantes e subjetivas em sua aplicação material (RIZZINI; RIZZINI, 2004), tornando assente o
questionamento a respeito da justiça material dispensada aos menores no país, o que, por sua vez,
inflamou o debate legislativo em torno do tema.
Com a reabertura democrática, e, em seguida, o advento da Constituição Federal de 1988 e
seu arcabouço de direitos sociais, surgiu o atual Estatuto da Criança e do Adolescente,
representativo de significativas mudanças, como tratado a seguir.

2.2 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: UM NOVO PARADIGMA.


Uma nova tentativa de rompimento com as práticas abusivas e discriminatórias anteriores,
se deu com a criação da Lei nº 8.069/90, o Estatuto da criança e do adolescente – ECA, que trouxe
uma nova perspectiva no que tange ao conjunto de direitos assegurados aos infantes e jovens.
A lei designou como criança o detentor de idade correspondente a até doze anos
incompletos, e, como adolescente, o detentor da idade de doze a dezoito anos incompletos. Esses
dois grupos são os personagens centrais do novo Estatuto, que conclamou sua proteção integral,
enquanto dever da família, da comunidade, da escola, do Estado e de todos os envolvidos direta e
indiretamente com seu tratamento (art.4º).
Cury (2006, p.15), nesse sentido, informa que:

Os direitos de todas as crianças e adolescentes devem ser universalmente reconhecidos.


São direitos especiais e específicos, pela condição de pessoas em desenvolvimento. Assim,
as leis internas e os direitos de cada sistema nacional devem garantir a satisfação de todas
as necessidades das pessoas de até 18 anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato
praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, saúde, educação, convivência,
lazer, profissionalização, liberdade e outros.

Dessa forma, o ECA representaria um rompimento com as antigas práticas discriminatórias


desenvolvidas pelo antigo sistema, que tinham por escopo, tão somente, instituir um sistema de
caráter punitivo em relação aos menores. A nova visão legal, de outro lado, informa, antes de
qualquer tratamento punitivo, um conjunto de direitos e medidas de proteção, que asseveram ser
dever de todos proteger as crianças e adolescentes, alinhando-se ao texto da Constituição Federal

169
de 1988, que determina, em seu artigo 22738, que o cuidado sobre os mais jovens é obrigação
jurídica amplamente imposta a família, a sociedade e ao Estado.
Instituiu-se, portanto, um dever legal às referidas instituições de atuar de forma conjunta,
no sentido de assegurar com absoluta prioridade uma vida digna àqueles cidadãos em
desenvolvimento, nos mais diversos setores, desde a vida, até a convivência familiar e comunitária
e, principalmente, colocando-os a salvo de toda sorte de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (conforme interpretação do Título III, do ECA).
As crianças e os adolescentes, assim, teriam se tornado sujeitos de direito, e, com isso,
abandonado a estigmatizada condição do menor, anteriormente instituída pelas políticas e
legislações que lhes eram dispensadas. Isso se constata do enunciado do Artigo 3º, do Estatuto, que
estabelece:

[...] A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa


humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por
lei ou outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e
dignidade (BRASIL, 2010).

Sendo assim, o rol de direitos fundamentais que já era assegurado pela Constituição de 1988,
foi ampliado mais ainda diante do conjunto de direitos instituído pelo novo diploma (Títulos I e II).
Especialmente, no que toca às garantias processuais, assegurou-se todo um conjunto de medidas
de proteção, quando do envolvimento de adolescentes em atos infracionais, conforme disposições
do art. 106 em diante.
Isto comprova, claramente, que o intento do diploma não foi a instituição de um sistema
punitivo. Pelo contrário: evitou-se o rigor penalista ao máximo, mesmo diante de eventuais atos
infracionais, ampliando-se, de forma mais sensível, o sistema de garantias dispensadas às crianças
e adolescentes, justamente, por se compreender que o seu envolvimento em condutas ilícitas, antes
de mais nada, constituiria uma possível falha assistencial aos seus direitos por parte dos atores
incumbidos desta tarefa.
É nesse sentido, que Maciel e Amin (2010) afirmaram que o Poder Público (especialmente,
os Ministérios Públicos Estadual e Federal) deve se preocupar em conferir atenção à criança e ao
adolescente, sobretudo, quando componentes de famílias e comunidades carentes (historicamente
mais vulneráveis ao contexto de criminalidade), proporcionando-lhes uma estrutura mínima para
que seus direitos fundamentais sejam efetivados, através da mais variada gama de políticas e
programas sociais.
A consagração de políticas públicas voltadas à realização da gama de direitos assegurados
no ECA, desta forma, poderia afastar os jovens e infantes da criminalidade (NERI, 2012), por meio
da garantia de atividades (educativas, de lazer, culturais etc.) que promovessem sua inserção nos
mais diversos campos da sociedade, oportunizando, assim, melhores alternativas no futuro
daqueles.
Desse entendimento surgiu a ideia de que a proteção da criança e do adolescente, conforme
os atuais postulados legais e doutrinários, perpassaria, essencialmente, pelo seu afastamento de
um contexto de violência e vulnerabilidade social, típico das sociedades do final do Século XX e início

38
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
³Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita
e fundamentada da autoridade judiciária competente.
Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado
acerca de seus direitos.
170
do Século XXI, o que, por sua vez, tornou necessária a compreensão de como essa violência se
relaciona a sua realidade.

2.3 VIOLÊNCIA E VULNERABILIDADE SOCIAL


Ao analisar a ideia tradicional de violência, constatou-se uma certa tendência literária em
afirmá-la como uma forma de agressão física ou verbal cometida contra alguém ou algum grupo de
pessoas. Porém, para uma correta compreensão do fenômeno, exige-se um pensamento mais
amplo sobre esta categoria que, no dizer de Chauí (1999, p.3), poderia ser definida como:

[...] 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de alguém (é desnaturar); 2)
todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir,
constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de transgressão contra o que alguém ou uma
sociedade define como justo e como direito. Consequentemente, violência é um ato de
brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações
intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror [...].

Pode-se perceber que diversos conceitos são agregados a uma única palavra (polissemia), o
que, desde logo, denota a complexidade do fenômeno em estudo.
Chauí (1999), nesse sentido, ao classificar diversos tipos de violência, como a física, a
econômica, moral ou simbólica, respectivamente, informa que há uma tendência a conferir maior
visibilidade e importância à física, já que o seu combate é o mais instrumentalizado pelo Código e
legislações Penais, em razão de sua larga incidência nos acontecimentos diários, de sua maior
visibilidade e sensibilidade aos olhares, e, também, por se constituir como ofensa ao bem jurídico
de maior importância ao direito: a vida (como um todo ou sob a ideia de integridade).
Entretanto, deve-se afirmar que, quando a distribuição e seguridade de direitos
(abstratamente previstos) dentro de uma sociedade não se mostra eficaz, pelo fato de não alcançar
igualitariamente todos os setores que a compõem, esta desigualdade material acaba por ocasionar
a gênese de diversos setores ou grupos vulneráveis, mascarando outras formas de violência.
A desigualdade, primeiramente, caracterizaria uma outra forma de violência (objetiva), cujos
perpetradores não são claramente definíveis ou delineáveis, e cujos ataques provém de relações
assimétricas de poder, em muito, até mesmo em legitimadas pelo próprio direito, que se aplica de
forma desigual ao longo das diversas camadas sociais (ZIZEK, 2014). Isso, sem considerar, em
segundo lugar, as naturais discriminações decorrentes dos estratos sociais ou localidades onde cada
sujeito vive, o que, por sua vez, pode lhe gerar rótulos de ignorância ou marginalização, muito mais
ligados a aspectos simbólicos (imaginados a partir de preconceitos) do que efetivamente concretos
ou reais, caracterizando uma espécie de violência simbólica (ŽIŽEK, 2014).
Esses tipos de violência menos visíveis ou sensíveis, por sua vez, da mesma forma que ocorre
em relação à violência física ou subjetiva, se mostram capazes de moldar sujeitos eventualmente
violentos, e, assim, potencialmente cooptáveis pelas mais diversas formas de criminalidade. Desta
forma, não surpreende que o aumento da violência, e, como consequência, da criminalidade
decorrente da privação de diversos direitos básicos (como à saúde, à educação, à moradia etc.),
tenha traduzido cada vez o cenário brasileiro do Século XXI, onde a desigualdade se encontra
enraizada há tempos.
Sob os moldes da violência invisível, portanto, o crime pode vir a se tornar um meio de
sobrevivência para aqueles que já se encontrem à margem da sociedade (SANTOS, 2009), diante de
sua ausência de vínculos com um estatuto de direitos que, na prática, não lhe foi suficientemente
assegurado.
A responsabilidade do Estado, diante deste quadro, é (no mínimo) inegável, pois, é ele
(dentre outras instituições político-sociais) que detém o dever constitucionalmente declarado de
proporcionar aos cidadãos uma forma digna de vida (mínimo existencial). E, sendo falha a sua
171
atuação, é natural esperar o surgimento de resistências sociais às violências invisíveis (ŽIŽEK, 2014),
dentre as quais, as mais variadas formas e manifestações de criminalidade.
E, neste cenário, são justamente as comunidades pobres e estigmatizadas que se tornam os
segmentos sociais mais expostos a situações de vulnerabilidade, haja vista constituírem as parcelas
que menos usufruem (quando usufruem) dos direitos e garantias, bem como políticas públicas
asseguradas pelo ordenamento jurídico.
É assim que as privações e a vulnerabilidade, que engloba a situação econômica, política e
social destas comunidades, dão margem para “o crescimento do crime e da violência que resulta
não apenas da pobreza e da desigualdade social. Resulta também da incerteza política e dos
conflitos institucionais” (MESQUITA NETO et al, 2001).
Portanto, pensar na viabilidade de um estatuto de direitos e garantias previstos pelo ECA,
impõe, também, a compreensão de que o mesmo, muito além de um texto voltado a um novo
paradigma, deve ser pensado e aplicado de maneiras diferenciadas, conforme os setores sociais a
que se dirige.
Em igual medida, é importante a compreensão de que as políticas apregoadas pelo diploma
necessitam de uma maior incidência, justamente, sobre as parcelas mais estigmatizadas e
esquecidas da sociedade, o que, por conseguinte, torna necessária a verificação do conceito e
abrangência das políticas públicas, enquanto instrumento de promoção da equidade social e sua
relação com o ECA. Pensar na consagração dos direitos fundamentais previstos em lei, portanto,
também impõe um raciocínio crítico em torno das políticas públicas e projetos sociais voltados à
criança e ao adolescente, como se viu no tópico a seguir.

2.4 POLÍTICAS PÚBLICAS E PROJETOS SOCIAIS

Da análise da Lei nº 8.069/90, constata-se sua propositada divisão em dois livros. Na parte
geral, correspondente ao primeiro livro, são tratados os direitos fundamentais que devem ser
dispensados à criança e ao adolescente. No segundo, a parte especial, o diploma se atém às políticas
de atendimento, às medidas de proteção, às questões concernentes à prática de atos infracionais,
à responsabilidade por parte dos pais ou responsáveis e do Conselho Tutelar.
A execução (ou realização prática) dos direitos hipoteticamente garantidos naquele primeiro
livro (que constituiu o principal foco deste estudo), depende, por sua vez, da realização de políticas
públicas que materializem propostas e direcionem recursos tendentes à garantia material dos
objetivos programáticos ali previstos.
Embora não haja um consenso sobre o conceito de Políticas Públicas, sabe-se, de outro lado,
que elas são a forma pela qual o Estado decide a maneira de trabalhar dentro da sociedade,
assegurando direitos e atendendo aos cidadãos de maneira igualitária, de acordo com as suas
respectivas necessidades (RUA, 1998).
Vale considerar que o Estado não é o único que pode se dedicar à questão das Políticas
Públicas, já que a ideia de responsabilidade social também compreende as instituições privadas
e/ou sociais (regularmente constituídas ou não), sendo bastante a preocupação com setor social
(MOURA, 2011). Logo, pode-se dizer que é considerado errôneo querer atrelar apenas ao Estado
esse dever.
Nesse sentido, afirma Schneider (2005), que tais políticas não são um assunto meramente
atribuído a uma hierarquia governamental e administrativa integrada, senão, um conjunto de
medidas que se desenvolve em redes, nas quais estão envolvidas organizações diversas, quer sejam
elas públicas como privadas.
As políticas públicas têm se tornado, assim, uma categoria de interesse sócio-jurídico (RUA,
1998), e, representariam um conjunto de ações constituintes de “[...] processo de escolha dos meios

172
para a realização dos objetivos do governo, com a participação dos agentes públicos e privados”
(BUCCI, 2002, P. 259).
Para a autora, essas políticas materializariam os programas de ação governamental que tem
por escopo coordenar os meios à disposição do Estado e das instituições privadas e sociais para que
se alcancem os objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados pelos
representantes públicos (BUCCI, 2002). Portanto, é importante registar que as políticas públicas não
excluem a participação social e estão diretamente vinculadas ao propósito democrático brasileiro.
Mesmo quando não englobadas por investimentos públicos, as ações desenvolvidas por
instituições privadas e sociais (institucionalizadas ou não) devem ser um fator a ser levado em conta
para implementação de políticas públicas pelos Governos, por representarem um conjunto de
medidas e atores territoriais convergentes ao mesmo propósito político democrático de integração
social (CONCEIÇÃO; PALHARES, 2014; SILVEIRA, 2013).
Ainda assim, conforme afirma Moura (2011), os projetos sociais, enquanto conjunto de ações
desenvolvidas de forma voluntária ou empresarial, com finalidades de obtenção indireta de
benefícios (como concessões tributárias, por exemplo) ou não, ainda são pouco estudados e
valorizados, a despeito de seu potencial na consagração de ações que consagrem direitos, de forma
alinhada ou paralela às políticas públicas.
Ignora-se, com isso, que ações já realizadas, além de servirem como potenciais laboratórios
de estudo para iniciativas públicas, mais ainda, podem ser aproveitadas como fortes aliadas na
consagração de direitos. Este cenário é mais evidente ainda quando se trata de políticas voltadas
aos direitos de crianças e de adolescentes, especialmente, considerando que o ECA (Art. 4º) declara
expressamente que a consagração dos direitos fundamentais nele previstos é dever da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do poder público.
Diante deste contexto, é que nasceu o foco investigativo desta pesquisa.
Conforme evidenciado em estudos anteriores (FARIAS et al, 2017), a consagração de políticas
públicas e esporte e lazer na Amazônia (especialmente em Belém-PA e região metropolitana, na
qual se insere a referência empírica deste estudo, o Município de Ananindeua-PA) ainda se denota
insuficiente e sem um efetivo acompanhamento de resultados, o que, certamente, tem repercutido
em falhas no processo de garantia de direitos de crianças e adolescentes.
Igualmente, apontou-se que a apropriação do lazer e do esporte como um bem de mercado
(um produto à venda), aliado à desassistência material a comunidades carentes por políticas
públicas, estaria diretamente ligado a um contexto de privações de oportunidades (FARIAS et al,
2017; SILVEIRA, 2013), que, possivelmente, tem contribuído para o alastramento da marginalidade
em Ananindeua e Belém (componentes de uma região metropolitana destacada como 10ª área mais
perigosa do mundo, no ano de 2017, com taxa de 71,38 homicídios por 100 mil habitantes, conforme
dados do Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal [2017]).
Os projetos sociais (especialmente, os voluntários), neste contexto de ausência estatal,
surgem como uma frente de batalha apta à preservação da dignidade humana por intermédio da
garantia de direitos sociais e da educação por intermédio das mais variadas atividades (dentre as
quais o esporte).
Estudar e (por meio destes estudos) oferecer alternativas, constituir modelos, compreender
resultados e dificuldades inerentes a estes projetos sociais, certamente, pode significar um
contraponto ao contexto social de abandono de grupos de crianças e adolescentes desassistidos, e
que, assim, podem ser afastados da vulnerabilidade social e, mais ainda, da criminalidade.
Nesse intento, o presente estudo se debruçou sobre a inciativa Luvas da Esperança (projeto
social voluntário realizado no Centro de Treinamento de MuayThai da Amazônia, sediado na
academia AS COMBAT, no município de Ananindeua-PA), no sentido de compreender se e como
este projeto poderia, dentro de um contexto de gerenciamento de complexidades (em cenários de
incertezas e turbulência) e conseguir colaboração de todos os que estão envolvidos na
173
implementação de determinadas direitos da criança e adolescentes em Ananindeua - PA
(RODRIGUES, 2011).
Para tanto, na seção seguinte, foram expostos os percursos metodológicos desenvolvidos na
investigação.

3 MÉTODOS E TÉCNICAS
Primeiramente, tem-se que este trabalho adotou o método crítico-dialético, cuja
característica marcante consiste na intenção de romper com pensamentos hegemônicos a respeito
de um dado fenômeno, buscando uma explicação que desvele as relações de poder implícitas na
realidade, deixando às claras eventuais relações de dominação ou exploração no contexto social
(MARTINS, THEÓPHILO, 2016).
Como visto acima, tem-se que as comunidades carentes, a despeito de serem as mais
necessitadas de políticas públicas relativas ao lazer e esporte, ainda assim, se encontram
significativamente desassistidas pelo poder público. Assim, valendo-se desse método, o trabalho
pretendeu demonstrar não só este contexto de abandono social escondido por trás de uma
normalidade, como, sobretudo, discutir se seria possível que ações voltadas ao enfrentamento da
desigualdade possam gerar resultados quanto à materialização de direitos das crianças e dos
adolescentes, e, especialmente, reduzindo vulnerabilidades (potencialmente condutoras a um
contexto de violência).
Por sua vez, adotou-se uma abordagem qualitativa, voltada à análise de percepções
(LAKATOS; MARCONI, 2007) de responsáveis legais de crianças e adolescentes envolvidos no já
mencionado projeto social, para verificar se e como, na visão desses sujeitos sociais, o projeto
estaria contribuindo para a concretização prática de direitos previstos no Estatuto da Criança e do
Adolescente. Nesse sentido, realizou-se um movimento comum de análise sobre as transformações
das práticas dos projetos, conforme enunciado por Mello et al (2016).
Voltou-se, portanto, à análise de valores de vida, no sentido de compreender fenômenos
nem sempre preestabelecidos por teorias, mas ligados à realidade humana e sua complexidade
(VÍCTORA et al, 2000), em superação a paradigmas que tratem de questões sociais sob postulados
fixos e incompatíveis com a realidade.
Para coleta de dados, utilizou-se a técnica de grupo focal, que, conforme Krueger (1994),
desenvolve uma experiência grupal e paralela, para percepção de opiniões de um contingente de
entrevistados em interação constante e estimulada pelo pesquisador, de modo a permitir que o
meio desvele as próprias contradições internas do discurso individual, por meio de reflexão conjunta
sobre as falas incidentes.
Para Flick (2004) e Morgan (1996), trata-se de técnica de pesquisa qualitativa que coleta
informações por meio das interações grupais, baseada na comunicação e na conexão, cujo principal
objetivo é reunir informações detalhadas sobre um tópico específico (sugerido por um pesquisador,
coordenador ou moderador do grupo) proporcionando a compreensão de percepções, crenças,
atitudes sobre um tema, produto ou serviços. O Grupo Focal, assim, difere da entrevista individual
por se basear na interação entre as pessoas na coleta de dados necessários à pesquisa (MINAYO,
2000).
Para tanto, por intermédio dos coordenadores do projeto, foi solicitada uma reunião junto
aos responsáveis dos infantes e jovens matriculados, realizada no dia 10 de julho de 2017, às 14h,
na Sede da AS Combat, em Ananindeua-PA.
Não houve menção prévia a respeito do conteúdo a ser tratado para evitar pré-juízos entre
os sujeitos das entrevistas, e, no início da programação, foi-lhes explicado a respeito da pesquisa
em desenvolvimento, bem como, foi-lhes garantido o devido sigilo quanto aos seus nomes e de seus
filhos.
174
Os sujeitos da pesquisa receberam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE,
contendo todos os detalhes da pesquisa, informações sobre os pesquisadores, natureza dos dados
a serem colhidos e, repita-se, garantia de respeito ao sigilo de identidades dos responsáveis, e,
sobretudo, das crianças e adolescentes envolvidos.
Participaram da reunião aproximadamente dezesseis responsáveis, que contribuíram de
maneira significativa para o andamento do trabalho. A instigação para o início da discussão foi feita
através da apresentação de slides em Datashow, contendo textos e imagens correlacionadas a
direitos fundamentais da criança e do adolescente, previstos no ECA, tais como: vida, saúde,
dignidade, esporte, lazer, educação, convivência familiar.
Questionou-se a respeito da garantia desses direitos na realidade dos jovens, bem como,
solicitou-se que os mesmos fossem, em seguida, relacionados à vivência no Projeto. A discussão foi
gravada com o auxílio de dois celulares, para melhor captação do diálogo, conforme consentimento
conferido no TCLE. Os pesquisadores dividiram, entre si, as funções de secretário e instigador ao
debate, contando, ainda, com auxílio dos Coordenadores do Programa, para evitar qualquer
interrupção nas falas por questões imprevistas, internas ou externas.
Os responsáveis foram, assim, convidados a debater e analisar as questões acima propostas,
ocasião em que relataram de que maneira o projeto Luvas da Esperança teria auxiliado na mudança
da realidade dos alunos. Ao fim, as falas foram transcritas, classificadas e analisadas, conforme cada
tópico constante da seção seguinte, onde se encontram expostos resultados desta pesquisa.
Ao longo dos resultados, buscou-se, na mesma toada de Stigger e Thomassim (2013), revelar
os valores úteis que o esporte poderia propiciar às crianças e adolescentes, no que toca ao seu
potencial afastamento de um contexto de vulnerabilidade social e efetivação de seus direitos
garantidos pelo ECA.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1 REFERÊNCIA EMPÍRICA: O PROJETO LUVAS DA ESPERANÇA

O Projeto Luvas da Esperança, corresponde a um projeto social voluntário, desenvolvido pela


Federação de MuayThai Tradicional do Estado do Pará, sob a presidência do Sr. Agnaldo Silva,
mestre da arte marcial. O projeto teve início no dia 14/09/2015, sofrendo ampliação em
18/04/2016.
Esse projeto não é patrocinado por entes públicos, logo, não recebia qualquer auxílio
governamental (no momento da pesquisa). Ele sobrevive, portanto, por intermédio do esforço do
dono da academia e seus treinadores, tendo em vista que nada é cobrado dos responsáveis dos
alunos que participam dele.
O seu público prioritário é caracterizado por crianças e adolescentes, de ambos sexos, com
a faixa etária entre 7 a 17 anos, oriundos de famílias de baixa renda e matriculados em instituições
públicas de ensino, exigindo-se bom desempenho e frequência escolar (conforme comprovações
periodicamente exigidas).
Os polos do projeto se encontram disseminados nas academias afiliadas à federação: AS
Combat (Cidade nova), Guerreiros Kung-Thai (Curuçambá), Escola de MuayThai Suelen Cyborg
(cidade nova II), Soldados de Deus (Capanema) e Washington Combat (Abaetetuba/Outeiro).
O projeto tem como proposta ensinar o MuayThai como esporte e filosofia de vida aos
alunos, mostrando-lhes como a arte marcial pode ser utilizada no auxílio à sociabilidade do
indivíduo, de canalizar sua energia e integrá-lo à comunidade em que vive. Nesse sentido, o
programa busca incentivar uma mudança de hábitos de saúde, sociais e familiares, pugnando pela

175
disciplina pessoal. Disponibiliza, também, a participação em eventos e competições, revelando
talentos.
Especialmente, o projeto se compromete a oportunizar aos estudantes uma nova profissão,
visto que os cursos da FMTTEPA são profissionalizantes, com diplomas nacionais e internacionais,
expedidos pela Federação Internacional de MuayThai Amador (IFMA), entidade reitora deste
esporte em nível mundial e reconhecida pelo SPORTACCORD e COI (Comitê Olímpico Internacional).
Como manifestado pelos organizadores, o projeto oportuniza aos participantes momentos
de lazer e recreação, que reforçam o princípio da vida em grupo, facilitam a convivência e a
ampliação de atitudes positivas na família, escola e na comunidade, orienta os jovens, adolescentes
e adultos para a melhor ocupação do seu tempo livre, incentivando-os a se manter longe das drogas
e ociosidade, buscando, ainda, o desenvolvimento de um espírito de liderança e criatividade.
Além dos objetivos expostos, são estabelecidas metas a serem alcançadas: a difusão do
esporte entre o corpo docente e discente do projeto, para que, no futuro, se formem atletas e
instrutores com qualificação técnica e pedagógica, aptos a disputar e participar de campeonatos e
eventos nos mais diversos níveis.
No que diz respeito a metodologia de trabalho, os grupos são atendidos conforme o
estabelecido pelo Projeto Luvas da Esperança e FMTTEPA, em aulas com duração de 45 a 60
minutos, contendo exercícios físicos de aquecimento, alongamento, destreza, agilidade,
flexibilidade, coordenação motora, equilíbrio, velocidade, força reativa, seguidos de exercícios
respiratórios, técnicas de concentração. Paralelamente, são trabalhadas técnicas (de acordo com os
objetivos pessoais dos alunos) de defesa pessoal e de competição, conjuntamente a princípios
morais e cívicos ínsitos à arte.
Há aulas teóricas sobre os objetivos, filosofia oriental e história do MuayThai no mundo e no
Brasil, bem como cursos e treinamentos sobre desenvolvimento pessoal, alimentação e hábitos
saudáveis e aulas de vídeo, encerrando-se as aulas com a realização de um lanche saudável, para os
alunos, após o treino.

4.2 ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DOS RESPOSÁVEIS LEGAIS DOS ALUNOS PERTENCENTES AO PROJETO
LUVAS DA ESPERANÇA.

4.2.1 Percepção sobre a existência de desigualdades sociais e suas consequências


Por meio da fala dos responsáveis legais, primeiramente, pode-se notar a perceptível
desigualdade social existente dentro da comunidade trabalhada, que restou atribuída a um descaso
por parte das autoridades públicas, quanto à garantia de direitos assegurados pela Constituição e
ínsitos a ideia de mínimo existencial, sobretudo, no que toca às classes menos favorecidas.
Percebeu-se que essas desigualdades agravariam a potencial vulnerabilidade de crianças e
adolescentes: A ausência de garantias de uma vida digna ou do respeito aos seus direitos, destacou-
se, levaria os jovens à procura de soluções alternativas para se estabelecer na comunidade, que, em
muitos casos, tenderiam à marginalização.
O reputado descaso pode ser sentido em generalizados apontamentos de falhas relativas à
garantia de serviços básicos como como saúde, alimentação, esporte, lazer, educação, entre outros.
Paralelamente, destacou-se que o surgimento de iniciativas voluntárias seria importante
como alternativa ao sentimento de abandono que se formaria nas crianças e adolescentes, ocasião
em que as contribuições a respeito do projeto (sem a necessidade de maior provocação) começaram
a surgir nas falas dos entrevistados.

4.2.2 O Projeto e sua relação com o direito fundamental à vida e à saúde

176
Um dos pontos mais destacados pelos entrevistados no debate disse respeito à contribuição
do projeto em relação ao direito à saúde.
Por diversas vezes os entrevistados mencionaram que, ao precisar de um atendimento em
órgãos públicos, os mesmos enfrentaram problemas como a falta de profissionais e demora no
atendimento, inclusive, em situações tidas como urgentes e relativas a remarcações de consultas.
Exemplificativamente, o entrevistado n. 13 destacou: “[...] eu levei a minha filha para ver o dente,
ela já tava com dor, e mandaram remarcar de novo porque não tinha quem atendesse, sendo que
já tinha sido remarcado por três vezes[...]”.
De igual forma, foi possível observar que os responsáveis associaram a ideia de saúde a
aspectos preventivos, compreendo que atividades de lazer e esporte trariam resultados para além
do bem-estar. Segundo a entrevistada n. 1 a saúde está aliada ao bem-estar: “[...] ela precisa ter um
caráter preventivo e não se aplicar somente a quem está doente. Precisa se discutir a saúde mental
que é tão importante quanto à física, pois se a mente não está bem, o corpo acaba
consequentemente refletindo isso”.
Nesse ponto, foi unânime a contribuição do projeto em relação às crianças e adolescentes
atendidos: tendo em vista que a maioria dos participantes levava uma vida sedentária, alguns, até
em situação de obesidade, com problemas respiratórios e outras complicações que a vida longe de
uma atividade física proporciona, o projeto proporcionou uma mudança de paradigmas entre os
matriculados.
A entrevistada nº 2, nesse sentido, relatou que a filha sofria com depressão e apresentava
dificuldade de socialização, inclusive dentro da própria casa, pelo que se sentia excluída na escola e
chegou a pedir para que a mãe a deixasse beber (álcool). Entretanto, depois que integrou o projeto,
passou a ter amigos, a passear, inclusive com o seu tio que é especial (com quem não tinha relações
de proximidade).
Já o entrevistado nº 3, acrescentou que não só o condicionamento físico do seu filho
progrediu, mas também, houve mudança eu seus hábitos alimentares, por iniciativa própria, como
forma de evoluir em seu desempenho esportivo.
Como se pode perceber, o ingresso dos alunos no Projeto ocasionou melhoras significativas
em suas condições de vida e saúde, e, em especial, ensinando-lhes a ter disciplina própria no trato
de suas boas condições físicas e mentais, com peça fundamental a ser trabalhada antes de qualquer
treino.
É cristalina, portanto, a contribuição do projeto quanto à consagração do direito fundamento
à vida e à saúde, previstos no ECA (Art. 7º39).

4.4.2 Auxílio à dignidade, liberdade e ao respeito

Conforme o ECA (Art. 1540) todas as crianças e adolescentes, independente de classe social,
são sujeitos de direito e detentores de dignidade. Entretanto, na prática, percebe-se que esse direito
não é integralmente respeitado, diante de uma série de posturas segregadoras, quanto à execução
de políticas públicas (CHAUÍ, 1999).
Essa afirmação ficou bem evidente na fala dos entrevistados, especialmente, na do de n. 15
que disse: “é uma desigualdade social escancarada e deslavada, porque todo mundo que eu saiba
tem direito ao básico, mas, devido aos nossos governantes fazerem o projeto só na cabeça deles e
acharem que já tá valendo, acaba com todo mundo”.

39
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais
públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
40
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo
de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
177
Destacou-se que o dever de propiciar escolas em tempo integral, ou, ao menos, que
garantissem estudo aliado a outras atividades (como esportes ou cursos paralelos), seria uma
responsabilidade do Estado. Contudo, o mesmo estaria falhando quanto ao seu dever, sobretudo,
em relação às famílias menos favorecias, o que, por sua vez, conduziria os jovens e crianças a
situações diversas de vulnerabilidade social.
Diante dessas omissões estatais, as famílias pobres não teriam como pagar por atividades
extracurriculares de seus filhos, que, assim, ficaria pelas ruas, tornando-se presas fáceis para
influências negativas. A afirmativa ficou clara na fala do entrevistado n. 14: “gostei desse projeto
porque ele não deixa que as crianças fiquem em casa o dia todo sem ter o que fazer, porque aí vão
pra esquina e começam a fazer o que não deve, aí já viu, filho solto acaba ficando na vadiagem e se
for mente fraca acaba marginal”.
Desse modo, resta assente que não basta afirmar somente direitos à dignidade, liberdade e
respeito na teoria. É necessário que essa vida seja materialmente valorizada, dignificada. Enquanto
existem pessoas com boas condições de sustento (e garantia de lazer e outras atividades), outras,
sequer conseguem propiciar um parâmetro educacional mínimo sem comprometer
significativamente a renda familiar. Esse contraste é latente. A desigualdade é real.
A entrevistada de n. 4 ressaltou que é justamente nesse momento que “[...] entra o papel
do projeto social [...]”, com o intuito de resgatar e dar uma nova perspectiva de vida para essas
pessoas carentes.
Já a entrevistada n. 5 disse que o papel do projeto social é “[...] não deixar que essas crianças
migrem para as ruas em busca de algo para se envolver, pois acabam encontrando as drogas como
fuga da realidade [...]”, e por consequência destroem a pouca dignidade que já possuem.
Considerando que o acompanhamento familiar num contexto em que os familiares
necessitam se aventurar num mercado voraz de trabalho (as vezes, em jornadas que compreendem
praticamente dois terços de seu dia), o projeto preenche uma importante lacuna no dia das crianças
e adolescentes, trazendo-os alternativas para construção de sua personalidade de forma digna e
respeitosa.

4.4.3 Auxílio à convivência familiar

Todas as crianças e adolescentes tem direito a uma convivência familiar saudável (Art. 19,
do ECA). Porém, na concepção dos entrevistados, existiriam pelo menos três fatores que
implicariam diretamente para que um desequilíbrio na convivência familiar: adolescentes tornando-
se pais cada vez mais cedo; as drogas, que têm afetado as famílias; e a falta de amparo, por parte
do Estado, com políticas públicas para os setores mais carentes da sociedade (por exemplo, quanto
à sexualidade e prevenção à gravidez precoce).
A título de exemplo, o entrevistado n. 3 mencionou: “olha, eu acho o seguinte, que se tiver
acompanhamento dos pais, esses meninos não se perdem não, e assim não engravidam assim, sem
engravidar, não tem como sair abandonando filho pelo mundo”.
A educação preventiva, segundo os entrevistados, também seria papel da escola. Entretanto,
como naquele momento muitas escolas no município sequer estariam garantindo aulas regulares,
certamente, menos ainda poderiam garantir palestras ou campanhas sobre o tema. Assim, com a
gravidez precoce, muitos teriam que assumir responsabilidades que ainda não tem (fala de vários
responsáveis), e assim, acabariam desamparando suas crianças, num preocupante círculo vicioso.
Com o tempo, crianças desamparadas, vivendo em meios familiares desestruturados, sem
amparo escolar ou de outros setores públicos, certamente, acabarão por buscar refúgio nas ruas,
em contextos de notada vulnerabilidade.
Esse entendimento foi marcante na fala da entrevistada n. 5, quando relatou que chegou a
“[...]se mudar de onde morava, pois como trabalhava o dia todo e lá era tido como uma área
178
perigosa para se morar e de muita influência negativa”, ocasião em que afirmou ter percebido que
seus filhos, aos poucos, “[...] começaram a imitar o comportamento negativo das outras crianças”
(Entrevistada n. 5). Então entendeu que precisava distrair a cabeça dos filhos, direcioná-los à alguma
atividade, para que eles não acabassem envolvidos com os possíveis marginais daquele lugar.
Esclarecendo quanto à importância do papel do projeto Luvas da Esperança, nesse contexto,
o entrevistado nº 14 defendeu que:

“[...] o projeto ocupa o tempo da criança. Tanto prova que hoje o meu filho tá bem
envolvido, tá bem mais educado. Isso não quer dizer que ele era mal educado, mas só que
desde quando entrou nesse projeto melhorou mais ainda o comportamento dele. Quando
venho aqui falar com o Agnaldo, pasmem que ele até elogia ele, diz que o meu filho é
dedicado, esforçado e isso me deixa feliz”.

O projeto Luvas da esperança, não só nesta fala, demonstrou um papel determinante na vida
dessas crianças e adolescentes. Na fala de vários entrevistados, constatou-se que os mesmos
procuraram o projeto como um meio de também serem ajudados em relação à criação dos filhos,
que antes não queriam obedecer, não conversavam com a família e nem participavam de festas,
manifestando comportamento e personalidade fechada àqueles. Hoje, com o auxílio do Projeto,
teriam constatado mudanças dos filhos, principalmente, quanto à postura dentro de casa em
relação aos familiares.
O entrevistado de n. 6 relatou que tinha “[...] problemas com o filho na vizinhança e que ele
não aceitava ser chamado atenção. Mas que, desde quando entrou no projeto, passou a se envolver
com as atividades de lá e que hoje é outra pessoa”.
Os responsáveis também inferiram que família não é somente a instituição que se tem
dentro de casa, formada pelos laços de sangue. Família também seria aquela escolhida, que acolhe
as pessoas. Foi assente, em relação ao tema, o relato de que os jovens teriam encontrado uma
família dentro do Projeto em análise.

4.4.4 Auxílio à educação


Embora se saiba que a educação é uma das mais importantes engrenagens, fundamental à
futura abertura de portas para muitos jovens, de outro lado, é inquestionável que a mesma constitui
um dos setores que ainda apresenta grande carência de investimentos estatais.
Nesse sentido, foi emblemática a fala da entrevistada de n. 6, que afirmou que na escola em
que a filha estuda “[...] as aulas somente iniciaram no início do ano, mas até o presente momento
não teve mais aula, devido a problemas na estrutura da escola e com o quadro de professores”. A
fala da entrevistada de n. 7, em tom igualmente preocupante, destacou: “tá difícil de confiar até
quando meu filho tá dentro da escola né, porque até assalto, vejam só, assalto tá tendo dentro
dessa escola. Quer dizer os alunos são reféns disso, dessa falta de segurança dentro do próprio
colégio, onde já se viu?”
Assim, foi assente na fala dos responsáveis legais que, fora das escolas (públicas,
desassistidas a despeito das verbas maciçamente destinadas ao serviço público), ou, até mesmo
dentro delas, as crianças e adolescentes estariam sujeitos a potenciais vulnerabilidades. A partir da
fala dos responsáveis, constatou-se que a igualdade na prestação do direito à educação ainda
constituiria um mito muito distante da realidade.
Incentivados a refletir sobre o papel do esporte no contexto da educação, surgiu, na fala dos
entrevistados, que o mesmo seria um fator muito positivo, por exigir disciplina dos praticantes de
qualquer atividade. Sem provocação específica, a fala dos responsáveis volveu automaticamente ao
Projeto em análise.

179
A entrevistada nº 8 que destacou que “[...] apesar da falta de estrutura [...]”, ensejando
consequentemente, a falta de motivação dos alunos, por intermédio do esporte “[...] eles
conseguem manter a disciplina e frequentar as aulas, estudar para continuar dentro do projeto [...]”,
tendo em vista que esse é um dos requisitos que os organizadores do Luvas da Esperança exigem
de seus integrantes.
Associar o esporte à educação, nesse sentido, surgiu sob a metáfora de aliar cabeça e corpo,
no sentido de constituir uma rede de mútuo incentivo para a construção de um indivíduo
equilibrado, conforme se denotou da fala da entrevistada n. 4 (que se autodenomino avó-mãe de
uma das adolescentes):

“[...] a minha neta melhorou as notas, porque aqui nessa academia eles têm alguma coisa
diferente. Porque quando disse que se ela não melhorasse as notas eu ia tirar ela desse
projeto... menino! E não é que a menina melhorou? Porque eu ia tirar mesmo, mas como
ela gosta daqui, se esforçou e mudou a postura na escola com as notas”.

Como se vê, por meio do esporte, o projeto constituiu um incentivo à consagração material
do direito à educação, materializando não só sua previsão genérica constante do ECA (Art. 4º, da
Lei), como, especialmente, a previsão programática constante do art. 71, da mesma legislação,
constituindo-se como forte aliado ao Estado.

4.4.5 Auxílio ao lazer


Com o passar do tempo, sociedades e costumes se transformam. Se, num momento anterior
as brincadeiras de rua e as recreações locais eram muito presentes nas comunidades do Século XX.
O advento de tecnologias e o aumento da criminalidade foram determinantes à redução dessas
práticas neste início de Século XXI.
O recrudescimento do número de assaltos, furtos, raptos, ocorrências de pedofilia, dentre
outros crimes, tem impedido muitos pais de deixar as suas crianças nas ruas, praças e casas de
vizinhos, brincando em tranquilidade. Por sua vez, o avanço da tecnologia, embora positivo no
desenvolvimento de certos aspectos cognitivos, de outro lado, promoveu um aprisionamento e
isolamento de crianças e adolescentes. Deve-se somar a tais fatores, ainda, a existência de áreas de
lazer apropriadas.
Dessa forma, há uma redução das alternativas de lazer às crianças e adolescentes,
sobretudo, considerando as comunidades mais carentes, que não possuem, em muitos casos,
condições de pagamento (e até mesmo de deslocamento) para áreas onde o lazer é prestado como
serviço ou bem privado de consumo (SILVEIRA, 2013). Nesse sentido, a fala dos entrevistados foi
assente no sentido de destacar a necessidade de praças e eventos apropriados às crianças e jovens,
de modo a permitir-lhes alternativas socioculturais num momento importante ao seu
desenvolvimento.
Quanto ao aspecto tecnológico mencionado, a entrevistada n. 9 teve uma fala destacada
entre o grupo, no sentido de dizer que “hoje as crianças estão sendo usadas pela internet e não o
contrário”. O rendimento escolar da maioria dos filhos dos entrevistados despencou
consideravelmente depois dos responsáveis terem dado aparelhos eletrônicos com acesso à
internet, conforme relatado pelos mesmos.
Igualmente, registrou-se que a filha da entrevistada n. 10, que até então registrava um bom
histórico escolar, se alterou substancialmente após a aquisição de um celular, que prejudicou sua
rotina de estudos e, até mesmo, reduziu a quantidade e qualidade de interações e contatos com
sua própria família.
Destacou-se, por sua vez, que a ausência de alternativas de lazer atingiria diretamente a
saúde das crianças e adolescentes. Muitos relataram, neste sentido, que suas famílias enfrentaram
180
problemas de obesidade e sedentarismo entre os filhos, os quais, por sua vez, ocasionaram outros
problemas de saúde.
Novamente, as falas convergiram para o destaque de mudanças positivas após ingresso no
projeto. Mostrou-se unânime entre os entrevistados que, mesmo após dificuldades iniciais para
execução dos exercícios propostos, atualmente, as crianças e adolescentes atendidos já
apresentavam melhora no rendimento físico, bem como, que já buscavam a tomada de outras
medidas (controle alimentar, por exemplo) com vistas àquela melhoria de seu desempenho
esportivo.
A entrevistada n. 11, nesse sentido, afirmou que “depois que coloquei minha filha nesse
projeto, ela deixou mais esse vício de celular de lado. Antes era difícil olha. Até pra lavar uma louça
tinha que tá usando esse maldito celular”.
Com a criação de uma autodisciplina entre as crianças e jovens, portanto, a tecnologia, aos
poucos, deixaria de constituir um problema familiar, sendo sufragada pelo respeito aos horários
destinados à cada atividade e pela maior disposição para contribuição em atividades domésticas
(que, por sua vez, preparariam para o futuro cuidado da família e casa própria).
Além disso, os responsáveis mencionaram que os organizadores do projeto também
manifestariam cuidados quanto ao comportamento familiar dos jovens, contribuindo com a
realidade interna das famílias. Sobraria, desta forma, mais tempo hábil para que as famílias ficassem
juntas.
Com mais tempo e uma melhor contribuição, surgiam novas alternativas para o lazer (afora
o próprio lazer já propiciado pelo esporte e pela convivência grupal) e para a integração familiar,
afastando-se as crianças e adolescentes de contextos de vulnerabilidade, realizando, assim, não só
direito ao lazer previsto no art. 59, do ECA, como, principalmente, a integração familiar propugnada
pelo diploma em seu Art. 4º, Art. 16, V, e, Art. 19, dentre outros.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste trabalho, e, à luz das constatações apresentadas no tópico de resultados,
pode-se afirmar que, de fato, o projeto social Luvas da Esperança, desenvolvido em Ananindeua-
PA, contribui para o afastamento das crianças e adolescentes atendidos de um contexto de
vulnerabilidade social, por intermédio de práticas esportivas e valores associados (tanto ao contexto
da arte marcial, como, por meio do incentivo ao estudo e integração familiar e social).
Nesse sentido, os resultados se assemelham a outros evidenciados por pesquisadores em
análises semelhantes (FLORA et al, 2017; SOARES et al, 2015), ressaltando os aspectos úteis
inerentes aos projetos sociais (STIGGER; THOMASSIM, 2013) a diversos grupos de sujeitos e a uma
boa parcela dos estatutos de direitos sociais.
Inicialmente, a partir das percepções dos entrevistados, constatou-se o contexto de
desigualdade social antevisto no referencial teórico do estudo, bem como, que situações de
vulnerabilidade realmente podem integrar as crianças e adolescentes a um contexto de
criminalidade, em casos mais graves.
Nesse sentido, observou-se que o projeto em questão, a despeito de sua voluntariedade e
da ausência de qualquer incentivo público, ainda assim, apresentou, na visão dos responsáveis
legais, resultados positivos quanto à saúde dos jovens envolvidos, mudança de hábitos escolares e
disciplinares, integração familiar e comunitária, assunção de responsabilidades no âmbito
doméstico e familiar, e, como alternativa de lazer num contexto em que as famílias não detém
condições de garantia privada deste direito.
Desta forma, o mesmo apresentou contribuições à garantia material de uma série de direitos
fundamentais previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo, assim, além de uma
iniciativa positiva (do ponto de vista da participação comunitária propugnada pela lei, em seu Art.
181
4º), um projeto social a ser considerado como possível paradigma para o estabelecimento de
políticas públicas, ou, ao menos, um bom aliado a ser considerado pelo Poder Público em sua futura
atuação.
Ademais, deve-se registrar, a partir da fala dos entrevistados, que o projeto ocasionou
melhorias não só em relação às crianças e adolescentes envolvidos. Foi unânime a menção da
melhoria do contexto familiar como um todo. Isso demonstra, talvez, um ponto não previsto pelo
estudo e que, doravante, pode ser tomado como base para análises futuras: A garantia dos direitos
das crianças e adolescentes, pelo projeto social, propiciou uma transformação da entidade familiar
como um todo, materializando direitos e a promoção de uma dignidade em um âmbito muito maior
que o inicialmente propugnado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Trata-se, assim, de um caminho a ser explorado e de iniciativa a ser reproduzida, que, por
óbvio, pode constituir o objeto de análises futuras sobre tema.

REFERÊNCIAS

AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução histórica do direito da criança e do adolescente. In MACIEL,


Kátia. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos 4. Ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010.

ARDIGÓ, Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. São Paulo:
Cronus, 2009

BARRETTO, Vicente de Paulo. Dicionário de filosofia do direito. Rio de Janeiro/RJ: Renovar, 2006.

BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis - Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: Revan, 2003.

BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p.
259.

BRASIL. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da criança e do adolescente
e dá outras providências. 16. Ed. São Paulo, Saraiva, 2010.

CHAUI, Marilena de Souza. Uma ideologia perversa: explicações para a violência impedem que a
violência real se torne compreensível. Folha de São Paulo. Publicado em: 14 de março de 1999. p.
3-5. 1999.

CONCEIÇÃO, Carlos Sérgio Rabelo da; PALHARES, Leandro Ribeiro. Refletindo sobre Projetos
Esportivos Sociais e a Capoeira. Revista Licere. V. 17, N. 4, P. 237-256. 2014.

CONSEJO CIUDADANO PARA LA SEGURIDAD PÚBLICA Y LA JUSTICIA PENAL. Metodología del


ranking (2017) de las 50 ciudades más violentas del mundo. México: SEGURIDAD, JUSTICIA E PAZ,
2017.

CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Comentários Jurídicos e Sociais.


São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

CUSTÓDIO, André Viana. Direito da criança e do adolescente. Criciúma: UNESC, 2009.

182
FARIAS. Kassia Suelen da S.; HAMOY, Juliana A.; MAGUIS, Thiliane Regina B.; BAHIA, Mirleide
Chaar; FIGUEIREDO, Silvio José de L. Políticas Públicas de Lazer na Amazônia (Belém, Pará). Revista
Licere. Belo Horizonte, V. 20, N. 3, P. 139-162. 2017

FLICK, Uwe. Uma introdução a pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman, 2004.

FLORA, Liliana; MANFROI, Miraíra Noal; WERLE, Verônica; MARINHO, Alciane. Percepções dos
integrantes de um projeto social de educação e esporte em Florianópolis (Sc). Revista Licere. V.
20, N. 3, P. 214-248. 2017.

JESUS, Maurício Neves. Adolescente em conflito com a lei. São Paulo: Servanda Editora, 2006.

KRUEGER, Richard A. Focus groups: a practical guide for applied research. 2. ed. Thousand Oaks:
Sage, 1994.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 6.


Ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade; AMIN, André Rodrigues. Curso de Direito da Criança
e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos, 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.

MARTINS, Gilberto de Andrade; THEÓPHILO, Carlos Renato. Metodologia da Investigação Científica


Aplicada às Ciências Sociais Aplicadas. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2016.

MESQUITA NETO, Paulo de; SAPORI, Luís Flávio; WANDERLEY, Cláudio Burian; VIEIRA, Oscar
Vilhena; FONTES DE LIMA, Flávio Augusto; TISCORNIA, Sofia. A Violência do cotidiano. Rio de
Janeiro: Konrad Adenauer Stiffung, 2001.

MELLO, André da Silva; JORGE, Renata Silva; SOUZA, Jéssica Silva; NASCIMENTO, Ana Cláudia
Silvério do. Atividades Físicas e Esportivas nos Projetos Sociais. Revista Licere. V. 19, N. 4, P. 1-33.
2016.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7.


Ed. São Paulo: Hucitec, 2000.

MORGAN, David. Focus groups. Annual Review of Sociology, v. 22, N. 1, P. 129-152. 1996.

MOURA, Carina Borgatti. Projetos sociais nos contextos da responsabilidade social e do terceiro
setor (monografia). Rio de Janeiro: UFRJ, 2011.

NERI, Aline Patrícia. A eficácia das medidas socioeducativas aplicadas ao jovem infrator.
Monografia de Graduação em Direito. Barbacena: UNIPAC, 2012.

QUEIROZ, Bruno Caldeira Marinho de. Evolução Histórico-Normativa da Proteção e


Responsabilização Penal Juvenil no Brasil. Disponível em:
<http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_6912/artigo_sobre_evolucao_historiconormativa
_da_protecao_e_responsabilizacao_penal_juvenil_no_brasil>. Acesso em 20 de ago. 2016.

183
RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do
século XVI. In: PRIORE, Mary Del. História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000.

RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e


desafios do presente. São Paulo: Loyola, 2004.

RODRIGUES, Marta Maria Assumpção. Políticas Públicas. São Paulo: Publifolha, 2011.

RUA, Maria das Graças. As políticas públicas e a juventude dos anos 90. In n: CNPD (Org.). Jovens
Acontecendo na Trilha das Políticas Públicas. Brasília: CNPD, 1998. p. 731-749.

SANTOS, Itamar Rocha. Aspectos da violência urbana. Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas
Vitória da Conquista-BA. N. 5/6, P. 237-250. 2009.

SCHNEIDER, Volker. Redes de políticas públicas e a condução de sociedades complexas. Civitas –


Revista de Ciências Sociais. V. 5, N. 1, P. 29-57. 2005.

SILVEIRA, Juliano. Considerações sobre o Esporte e o Lazer. Revista Licere. V. 16, N. 1, P. 1-22.
2013.

SOARES, João Paulo Fernandes; MOURÃO, Ludmila; ALVES JUNIOR, Edmundo de Drummond. “Se
Precisar, a Gente Mesmo dá Aula”. Revista Licere. V. 18, N. 1, P. 56-74. 2015.

STIGGER, Marco Paulo; THOMASSIM, Luis Eduardo. Entre o “Serve” e o “Significa”. Revista Licere.
V. 16, N. 2. P. 1-33. 2013.

TAVARES, José de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Editora Del Rey,
2001.

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTR, 1999.

VÍCTORA, Ceres Gomes; KNAUTH, Daniela Silva; HASSEN, Maria de Nazareth Agra. Pesquisa
qualitativa em saúde: uma introdução ao tema. Porto Alegre: Tomo editorial, 2000.

ŽIŽEK, Slavoj. Violência. São Paulo: Boitempo, 2014.

184
A QUEM INTERESSARIA A EXTINÇÃO DE CARREIRAS ESTATAIS COMO A DOS OFICIAIS DE
JUSTIÇA?
Os riscos à política judiciária e segurança do cidadão

Roberto Magno Reis Netto


Wando Dias Miranda
41

1 INTRODUÇÃO

Como fruto de linha de pesquisa conjuntamente desenvolvida entre pesquisadores do


Érgane – Instituto Científico da Amazônia e do Laboratório de pesquisa em Geografia da Violência e
do Crime da UEPA (Universidade do Estado do Pará), assim denominada justiça e território, o
presente texto objetivou, além de servir como um primeiro parâmetro teórico base para
problematização dos projetos de pesquisa em desenvolvimento na iniciativa, responder a uma
questão bem direta: a quem interessaria a extinção de carreiras como a dos oficiais de justiça? A
questão-problema surgiu diante de recente decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça que
aprovou o Parecer de Mérito sobre Anteprojeto de Lei 0002116-42.2019.2.00.0000, relatado pelo
conselheiro Arnaldo Hossepian, lei que pretende alterar a Lei Orgânica do Poder Judiciário (Lei
10/1996) e a Lei 2409/2010, sobre o Plano de Cargos e Carreiras dos Servidores do Poder Judiciário
(BRASIL, 2019).
O anteprojeto trata da extinção de oito cargos de Juiz Substituto com a subsequente criação
de oito cargos de Juiz de Direito Auxiliar de Terceira Entrância, bem como, da extinção da função de
Escrivão Judicial (que passará a ser nominada chefe de secretaria, a ser ocupada por servidores de
carreira do tribunal a título precário, mediante função comissionada com remuneração de cerca de
R$ 3.000,00) e de Oficiais de Justiça (que se dará origem a função denominada “atribuições de
diligências externas”, a ser exercida não mais por servidor de nível superior, senão, por técnico
judiciário, precariamente indicado para cargo em comissão) (ESTADO DO TOCANTINS, 2019). No
dois últimos casos, a indicação dos servidores será feita por magistrado titular ou pelo juiz diretor
de comarca (ESTADO DO TOCANTINS, 2019). Especificamente no que toca às funções de
“atribuições de diligências externas”, o referido anteprojeto prevê:

§ 2o As atribuições de diligências externas, incluindo as de avaliador, serão


Exercidas por Técnico Judiciário designado pelo juiz de direito titular da respectiva unidade
judiciária ou diretor do foro, o qual fará jus à indenização de transporte, bem como à
Gratificação pela Atividade de Risco, desde que atestada sua existência, mediante avaliação
anual a ser realizada por comissão designada pelo Presidente do Tribunal de Justiça
(ESTADO DO TOCANTINS, 2019, P.02).

De forma objetiva, o anteprojeto prevê: a) a extinção dos cargos de oficial de justiça


(atualmente ocupado por servidores de nível superior, aprovados em concurso público, que
recebem gratificação de risco de vida, bem como, demais auxílios antecipadamente pagos para
cumprimento de suas respectivas funções); b) a criação de função de “atribuições de diligências
externas”, a ser ocupada por técnicos judiciários (servidores de nível médio), mediante indenização
(que, conforme o bom direito administrativo, corresponde a verba para posteriormente a
comprovado gasto realizado pelo servidor em exercício de sua função) e gratificação por risco de

41
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias. A quem interessaria a extinção de carreiras estatais como a
dos oficiais de justiça? Os riscos à política judiciária e segurança do cidadão. In: REIS NETTO, Roberto Magno;
MIRANDA, Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e
perspectivas. Ananindeua: CROM, 2021.
185
vida (se comprovado por comissão específica), a ser ocupado por indicação precária; c) embora o
anteprojeto preveja as rubricas de indenização de transporte e gratificação pela atividade de risco,
o mesmo não especifica como as mesmas serão apuradas e pagas, deixando de prever importantes
elementos remuneratórios de servidores que trabalham diretamente na rua.
Porém, afora os argumentos relativos ao impacto destinado à redução de custos do
tribunal, o anteprojeto (assim como o parecer aprovado junto ao CNJ) deixou de apreciar
importantes elementos materiais (ou seja, impactos relativos ao mundo real) que o projeto poderia
trazer ao jurisdicionado. Sobretudo, considerando aspectos territoriais, o presente artigo buscou
problematizar um dos pontos do anteprojeto em questão: a extinção dos oficiais de justiça. Busca,
desta maneira, alinhar a análise aos movimentos de redução estatal ínsitos à pós-modernidade do
século XXI, bem como, analisar quem seriam os potenciais prejudicados pela extinção dos cargos e
modificação da dinâmica de sua remuneração e ocupação.

2 METODOLOGIA

O trabalho aderiu ao método materialista histórico e dialético, assim compreendido por


Demo (2009) como o percurso metodológico que concebe as transformações sociais enquanto fruto
de lutas de poderes e posições antagônicas na sociedade, em constante transcurso e decorrentes
de contextos históricos indissociáveis da totalidade. A adoção desta postura foi fundamental, aliás,
para demonstração de que a extinção dos cargos em questão é proposta dentro de um contexto
histórico, político e social muito mais amplo, portanto, ligado a interesses que ultrapassam o próprio
poder judiciário e sua estrutura interna. Focado no conteúdo de obras e fenômenos, o estudo detém
abordagem qualitativa (DEMO, 2009), aderindo às técnicas de pesquisa bibliográfica e documental
para desenvolvimento de raciocínio jusfilosófico (BITTAR, 2016), para resolução do problema de
pesquisa proposto, desenvolvendo-se, portanto, no sentido de desvelar as relações ocultas no teor
da decisão do CNJ, a partir das transformações sociais correspondentes – apontadas pela literatura.

3 RESULTADOS: AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E O JUDICIÁRIO – A QUEM INTERESSA A EXTINÇÃO


DO CARGO DE OFICIAL DE JUSTIÇA?

Conforme autores como Garland (2008) e Bauman (1998), o Século XXI é marcado por
transformações que se iniciaram ainda ao final dos anos de 1970, sobretudo, nos países do bloco
liberal, após a grande crise do petróleo. Com o fim da ameaça socialista e diante da necessidade de
se resgatar o lucro dos grandes mercados, surgiram movimentos mundiais pela redução do papel
do Welfare State (estado do bem-estar social) e de investimentos em assistência, previdência,
geração de emprego e renda, etc. A postura neoliberal, novamente, impunha à cada um o destino
sobre sua própria sorte (BAUMAN, 1998), pouco importando a posição social em que cada cidadão
se encontrasse ou se as condições de educação, moradia, acesso à bens e serviços desequilibrariam
de alguma forma a balança social. Neste início de século XXI, com a internacionalização de posturas
ultraconservadoras nos blocos liberais, se constatou uma flexibilização cada vez maior de garantias
trabalhistas e previdenciárias (inclusive no Brasil), cujo destino final, certamente, é a potencialização
do lucro obtido pelos empreendedores no mercado nacional e mundial.
Noutras palavras, diminui-se o valor pago aos trabalhadores, aumenta-se o lucro em
potencial obtido pelos empreendedores (que, obviamente, não integram as classes baixas e nem
sequer as classes medias da economia nacional e, em boa parte dos casos, são representados por
empresas transnacionais cujos lucros não são retidos nos estados e nem mesmo no país), sob a
alegação de que isso aumentaria a quantidade de empregos e de vagas no mercado de trabalho.
Contudo, o que se observa é que estas transformações também flexibilizaram as normas de jornada
de trabalho, permitindo que o mesmo salário pago a um trabalhador numa jornada fixa, doravante,
186
seja pago ao mesmo numa jornada muito maior, sem a efetiva contratação de outros trabalhadores.
Aumenta-se a chamada taxa de exploração do trabalho e o lucro relativo do empreendedor
(HARVEY, 2013).
Aliado a isso, propugnou-se pela redução do papel do Estado em prol de uma redução
tributária (ressalte-se, que beneficia basicamente o empresariado), sob o mesmo argumento de
redução de cargas e potencial ampliação de postos. Com isso, aumenta-se o lucro por mercadoria
produzida, sem, no entanto, um proporcional aumento da contribuição tributária pelo montante de
lucro obtido ao fim do processo, o que, de outro lado, significa uma redução da arrecadação
pecuniária estatal e consequente falência de diversos serviços públicos prestados. Fala-se, no
momento, até mesmo na extinção da justiça do trabalho no Brasil, dentro desse processo.
A precarização, certamente, é sentida pelos setores menos integrados à economia,
atingindo, especialmente, aqueles que não detém formação profissional ou condições de
permanência no mercado formal de trabalho, nem tampouco, meios (e muito menos
conhecimentos) para se inserir enquanto empreendedor neste contexto. Isso, sem se considerar os
eventuais abusos cometidos por empresas quando da prestação de seus serviços à sociedade. Essa
política de redução do estatal, bem como, de precarização das relações sociais, de trabalho e de
consumo, certamente, resulta num agravamento dos conflitos sociais e, numa perspectiva mais
extrema, na ampliação das ocorrências de crimes e ilícitos dos mais diversos.
Obviamente, foi natural que a postura clássica da política liberal seja uma reação pautada
em políticas punitivas e bastante rigorosas que, num primeiro momento, até podem conseguir
números positivos, diante da imediata quebra de redes de criminalidade e da repressão que se
impõe. Contudo, o investimento público necessário para esta finalidade (que se afigurará cada vez
maior), o excesso de encarceramento, a insatisfação popular com as posturas políticas repressivas
(destinadas sobretudo às camadas mais pobres da população, que por sinal, correspondem ao maior
número de eleitores em países periféricos como o Brasil), progressivamente, tornará estas políticas
inviáveis em termos econômicos e atingirá de igual forma os interesses públicos e privados
envolvidos.
Além disso, autores como apontam que a evolução tecnológica, associada à arbitrária
utilização de contratos por adesão em relações de consumo (o que, obviamente, se estenderá
também às relações trabalhistas), possibilitará a interdição de direitos por ações unilaterais dos
empreendedores, que poderão, por exemplo, desligar veículos à distância, ao menor sinal de
atrasos (reais ou por falha na relação de consumo) no adimplemento de parcelas, nos contratos de
financiamento; se apropriar, por meio do trabalho mediado pelas redes sociais, do tempo útil do
trabalhador, sobretudo, pela fragilidade da legislação protetiva, dentre outros exemplos pensáveis.
Em suma, o excesso de liberdade imporá pressões econômicas cada vez maiores sobre a sociedade,
atingida pela necessidade de aumento incessante das taxas de lucro do capital (HARVEY, 2013),
juridicamente imprescindível que se pense em meios para equilíbrio das relações sociais, sobretudo,
ao poder judiciário, que é a instituição pública sobre o qual desembocarão os mencionados
conflitos.
Contudo, ao mesmo tempo em que se pensam mecanismos para aceleração da
produtividade judicial (que, no presente momento, já é prejudicada pelas consequências
quantitativas dos problemas sociais acima relatados, pelo excesso de demandas), nota-se, também,
que o poder judiciário sofre ataques voltados à minar sua capacidade de refrear ações abusivas e
prejudiciais à sociedade. Especialmente, tem-se que o poder judiciário também sofre a mesma
redução de receitas (decorrentes da falta de arrecadação proporcional sobre os lucros sociais), o
que, por sua vez, gera a afetação concreta de sua estrutura funcional e orgânica. O corte de
despesas, portanto, se tornou uma realidade assente ao judiciário, que precisa ser
institucionalmente grande para acompanhar os problemas da população, e, igualmente, necessita
arcar com os custos de sua estrutura, obviamente, ampliado por gastos equitativamente
187
questionáveis, como em gratificações como o auxílio moradia pago somente aos magistrados (não
obstante seu subsídio, comparativamente elevado, já previsse as necessidades de sobrevivência do
agente público, ao passo que contrapartidas de tal natureza sequer são pensadas em relação à
outras carreiras). Como se viu acima, uma das soluções apontadas foi a extinção de cargos, dentre
eles, o de oficiais de justiça.
Conforme a dicção do art. 151, da Lei n. 13.105/15 (BRASIL, 2015) – o código de processo
civil brasileiro, subsidiariamente aplicável a todos os demais processos -, para cada juízo haverá pelo
menos um oficial de justiça, justamente, em razão desse servidor se caracterizar como o agente
público competente para execução (ou seja, materialização prática) das medidas determinadas em
decisões judiciais proferidas por magistrados em geral (juízes, desembargadores ou ministros), as
quais, variam de simples atos de comunicação (como intimações e notificações), integração
processual (citações), até, à atos mais complexos e de natureza coercitiva e constritiva (como
penhoras, arrestos, sequestros, elaboração de laudos técnicos e periciais, prisões, buscas e
apreensões, etc.).
Justamente, em razão da complexidade desta função, muitos estados passaram a exigir nos
concursos públicos que o cargo fosse provido por bacharéis em direito, exclusivamente, em razão
da gravidade das medidas necessárias ao cumprimento formal das medidas judiciais. É notório,
portanto, não só a importância deste profissional (que torna real, materializa, o direito contido no
papel), como, sobretudo, a necessidade de formação jurídica, técnica e especializada do mesmo,
evitando que as determinações desemboquem em arbitrariedades, bem como, permitindo pleno
respeito ao devido processo legal. Nesse sentido, tem-se que o futuro aponta para uma fragilidade
cada vez maior das relações de consumo. Fala-se, por exemplo, na possibilidade de restrição de
bens por comando remoto (cortes de energia à distância – que já são uma realidade em muitos
estados; no impedimento de uso de veículos em suposto atraso, como ventilado acima; na aplicação
de penalidades financeiras de forma quase que unilateral), o que, obviamente, é medida que não
vê e nem analisa os bens em atingimento, nem as necessidades reais dos atingidos. É por isso que
os atos de penhora de bens e busca e apreensão são executados por oficiais de justiça, que são
agentes que detém formação jurídica suficiente para efetiva reflexão sobre o que submeter a uma
medida de constrição e, obviamente, de como o fazer sem constrangimentos indignos e
desnecessários aos cidadãos (como apregoa o princípio da menor onerosidade) (BAUMAN, 1998).
Para além disso, os oficiais são verdadeiros representantes dos Estados nos territórios,
configurando-se como agentes sintagmáticos do poder público, uma vez que agem conforme planos
estabelecidos – as regras judiciais, legais, normas inerentes às funções e determinações judiciais –
para realização de planos de poder – obviamente, planos de materialização da justiça pelo poder
público (RAFFESTIN, 1993). O oficial de justiça, nesta perspectiva, torna o Estado Democrático de
Direito materialmente presente nos territórios, aproximando-se da população e exercendo uma
função de acesso à justiça ao chama-la para a justiça, não importa o ponto do território em que a
mesma efetivamente se encontre, levando até o cidadão as determinações judiciais, sobretudo,
quando sua carência e a distância física impedem que este se mantenha próximo das instalações
físicas do Poder Judiciário. Portanto, um projeto que analisa a extinção de uma classe e entrega de
uma função tão relevante nas mãos de agentes não especializados, certamente, também não se
preocupa com a realidade do jurisdicionado e a necessidade de atingimento territorial do mesmo,
como consequência da ideia de acesso à justiça.
Figura 1 – Comarca de Benevides, com destaque para zonas urbanas e rurais e localização do Fórum
de Benevides-PA e Juizado Especial de Santa Bárbara-PA, em 2019.

188
Fonte: Google Earth (2019), sob elaboração dos autores.
Como exemplo, tome-se a realidade da Comarca de Benevides (que compreende os
municípios de Benevides e Santa Bárbara do Pará), Estado do Pará (Figura 01). O Fórum local, como
é praxe no Estado, segue a ideia de centralidade se estabelecendo em área bem estruturada do
município de Benevides, bem distante da maior parte das áreas rurais da cidade. Igualmente, o
único juizado da comarca é instalado no centro de Santa Bárbara do Pará, impondo o mesmo
sacrifício territorial aos jurisdicionados (neste último caso, para tratamento de causas mais simples,
afetas à lei 9.099/95) (BRASIL, 1995).
Em temos práticos, considerando os dois municípios da comarca e o total de 8 (oito) oficiais
de justiça lotados no Fórum, tem-se que os mesmos detém o dever de cobrir um território de
465.980km² (o que equivale a 58.247,5km² para cada oficial de justiça) e atender um quantitativo
estimado de 83.816 habitantes (o que equivale a 10.477 habitantes para cada um), numa área onde
Benevides só detém vias urbanizadas equivalentes a 0,9% e Santa Barbara do Pará de 17,4% do
limite municipal respectivo (IBGE, 2010), denotando a dificuldade prática de prestação jurisdicional.
Assim, mesmo que se fale num futuro tecnológico, certamente, este ainda é distante do exemplo.
Além disso, o oficial de justiça é um agente não-necessariamente antagônico em relação aos
interesses dos cidadãos em geral, o que permite seu mais fácil acesso à população. Com isso, os
mesmos atingem áreas de risco mediante menor (porém, não menos perigosa) resistência por parte
de outros agentes sociais (como, por exemplo criminosos), que vêm no oficial (na maioria dos casos)
a imagem de um colaborador na prestação de justiça.
FIGURA 02 – Avisos Públicos (pichações), atribuídos à organizações locais do tráfico vinculadas à
facções criminosas, vedando o cometimento de roubos nas comunidades locais, apostos (à
esquerda) no muro de uma Escola Pública no bairro do Centro em Santa Bárbara – PA e (à direita)
no muro de residência particular no bairro do Mangueirão em Belém-PA.

189
Fonte: Reis Netto e Chagas (2018).
Nota: C.V.R.L. (Comando Vermelho Rogério Lemgruber). C.V. (Comando Vermelho). F.D.N.
(Família do Norte). P.G.N. (Primeira Guerrilha do Norte).
Não obstante, por não haver previsão (nem recursos) para trabalho em equipes e escalas
móveis, pela não concessão (suficiente, ao menos) de equipamentos de proteção pessoal ou
armamento, e, sobretudo, pela imprevisibilidade prática de seu dia a dia, os riscos dos oficiais são
em muito equiparados (quando não, superiores) ao das autoridades policiais. Ainda assim, os
mesmos, conjuntamente a estes últimos, são representativos da presença do estado, evitando
vácuos de poder comumente preenchidos por organizações criminosas como as facções (figura 2),
além de serem colaboradores diretos com a segurança pública e jurídica junto à sociedade.
Portanto, diante de todas essas reflexões, retorna-se ao questionamento inicial do artigo:
a quem interessaria, ao fim e ao cabo, a extinção dos oficiais de justiça, na forma com que seu cargo
atualmente se apresenta (sob incumbência de bacharéis em direito especializados na ação)? Como
visto, primeiramente, a extinção do cargo trará prejuízo ao efetivo controle das medidas de
constrição, o que, certamente, só interessaria (1) àqueles que objetivam retomada contratual de
bens sem controle de consequências (como empresas financiadoras, por exemplo), ou, aqueles que
estariam interessados num manejo mais frágil ou demorado de ações reivindicatórias (para
retomada de bens, como as buscas e apreensões, ações voltadas à entrega de coisa certa, dentre
outros) e de reintegração ou imissão de posse (grandes proprietários de terra, talvez).
Em segundo lugar, pela ausência de um quantitativo efetivo de oficiais bem remunerados
para cumprimento imediato de ordens, por sua vez, figurariam como beneficiários (2) quaisquer
grupos políticos, sociais, econômicos, e, até mesmo, criminosos, interessados uma demorada
implementação de decisões judiciais, sobretudo, em porções do território distantes das
centralidades. E, sobretudo, pela ausência efetiva dos oficiais como representantes legais do estado
nas comunidades, seriam beneficiados, sem sombra de dúvidas, (3) grupos contrários criminosos e
diretamente interessados em ações antagônicas à lei, que, certamente, teriam maior liberdade de
ação diante da ausência de mais um importante agente sintagmático do Estado nos espaços das
cidades e do consequente vácuo de poder gerado por sua ausência.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como reflexão final, pode-se concluir que a extinção de carreiras como a dos oficiais de
justiça, em termos práticos, apenas importará no afastamento da justiça em relação aos cidadãos,
sobretudo, os pertencentes às camadas mais fragilizadas espacialmente e economicamente das

190
cidades. Os perpetradores de violências históricas contra estas comunidades, que se configuram
como diferentes atores sociais em cada local (empresas com práticas abusivas, o poder político,
grupos criminosos, etc.) serão os maiores beneficiários pela medida ora questionada neste trabalho,
justamente, em razão do vácuo de poder que a ausência deste representantes do judiciário perfará
em cada local e os prejuízos que inevitavelmente decorrerão à segurança jurídica e ao devido
processo legal, e, especialmente, à própria segurança pública (questões não enfrentadas pela
decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e proposta do TJTO).
Com isso, os beneficiários (igualmente não pensados na proposta de extinção do cargo,
voltada à aspectos meramente financeiros) serão os agentes territoriais interessados em
antagonizar com os postulados legais e constitucionais atualmente vigentes, ao passo que,
igualmente, os maiores prejudicados, sem dúvida, serão os grupos de jurisdicionados mais
fragilizados econômica e politicamente, por sua natural dificuldade de acesso à justiça. A onda de
transformações sociais decorrentes do desenvolvimento do meio técnico e científico, a favor da
expansão desenfreada da economia, impõe uma redução cada vez maior das funções estatais,
sobretudo, relativas à prestação de justiça, facilitando abusos históricos socialmente perpetrados
em sociedades desiguais, como a brasileira.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Z. O Mal-estar da Pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

BITTAR, E. C. B. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática da Monografia para os Cursos


de Direito. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. Poder legislativo. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais e dá outras providências. 1995.

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Aprovada proposta para alterar quadro funcional do
TJTO. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 14.10.2019. 2019.

DEMO, P. Metodologia Científica em Ciências Sociais. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2009.

ESTADO DO TOCANTINS. Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins. Acórdão do processo


administrativo N. 0026948-25.2018.827.0000. Relator: Des. Marco Villas Boas. Comissão de
Regimento e Organização Judiciária. 18 de fevereiro de 2019. 2019.

GARLAND, D. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de


Janeiro: Revan, 2008.

GOOGLE EARTH (ON LINE). Comarca de Benevides-PA. 2019.

IBGE. IBGE Cidades. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br>. Acesso em 01.10.2019. 2019.

HARVEY, David. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.

191
REIS NETTO, R. M.; CHAGAS, C. A. N. A associação externa como forma de integração dos presídios
às redes externas do tráfico: a percepção dos agentes territoriais da segurança pública no Pará.
Estudos Geográficos. V. 16, N. 2, P. 157-173. 2018.

192
CRIMES TECNOLÓGICOS E LEGÍTIMA DEFESA
Um estudo sobre a possibilidade jurídica do uso de programas espiões

Marcela Glaucia Lima da Silva Fernandes


Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda
Nicolle Larissa da Silva Abreu
42

1 INTRODUÇÃO

Neste início de século XXI, tornou-se frequente a ocorrência de ilícitos penais de diversas
naturezas (estelionatos, furtos, falsidades documentais etc.) cometidos por intermédio de sistemas
de informação e/ou da rede mundial de computadores. Em verdade, o uso destes meios como
instrumentos ou métodos criminosos surgiu como uma (não inesperada) consequência da
disseminação de avanços tecnológicos nos mais diversos setores e classes sociais, que tornou
comum o uso de ferramentas, sistemas, redes e outras tecnologias para realização de atividades
pessoais e profissionais com conforto e praticidade.
Sendo o ambiente virtual um fácil propagador de informações (in)úteis e interessantes a
qualquer cidadão, bem como, de estímulos e convites das mais variadas espécies, era natural que a
facilidade, nalgum momento, se convertesse em oportunidade ao criminoso. E, assim, os crimes
tecnológicos (ou crimes cometidos mediante o uso de ferramentas tecnológicas materiais ou
virtuais) se tornaram um fato social bastante corriqueiro. Ainda assim, é assente o atraso da ciência
jurídica em refletir sobre o fenômeno. Aos novos crimes, em muito, ainda são adaptadas as mesmas
fórmulas elaboradas para tratamento de modalidades do século XX, ignorando que o corpo físico,
atualmente, compreende também uma existência virtual, na qual também se podem atingir direitos
pessoais e patrimoniais. Surge, assim, a necessidade de repensar a proteção dos bens juridicamente
tutelados pelo direito penal, bem como, a necessidade de adaptar institutos que permitam uma
maior segurança jurídica nas relações não corpóreas.
Sob este desiderato, este trabalho se propôs a refletir a respeito do instituto jurídico da
legítima defesa, relacionando-o aos crimes virtuais e, sobretudo, quanto a um tema bastante
controvertido na ciência do direito, na atividade de inteligência, e, no seio da própria sociedade civil:
o uso de programas espiões. Adotou-se como objetivo: analisar a possibilidade jurídica do uso de
programas espiões como instrumentos de legítima defesa nos crimes tecnológicos.
A importância do estudo, aliás, se revela diante da própria necessidade de busca de meios
éticos de identificação/repressão de atos criminosos, tornando mais segura a utilização de meios
virtuais, hoje, sabidamente essenciais à economia, ao Estado e à sociedade. Buscou-se,
consequentemente, uma contribuição ao avanço da ciência jurídica e da própria disseminação de
meios para proteção de informações pessoais e bens jurídicos constantemente envolvidos em ações
jurídicas permeadas pelos sistemas de informação.

2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 TEORIA DO CRIME E CRIMES TECNOLÓGICOS

42
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
FERNANDES, Marcela Glaucia Lima da Silva; REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; ABREU,
Nicolle Larissa da Silva. Crimes tecnológicos e legítima defesa: Um estudo sobre a possibilidade jurídica do uso de
programas espiões. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia.
Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM, 2021.
193
O crime é fenômeno inerente à humanidade. Considerando que o ser humano vive em
constante interação e se movimenta na busca da satisfação de suas necessidades, é natural o
surgimento de conflitos e de práticas que violem o bem estar social, a esfera patrimonial, moral ou
física dos indivíduos. E, no momento em que essas transgressões se tornam preocupantes ao
organismo social, é comum que o legislador (num processo normalmente lento) busque seu
controle por normas proibitivas, permitindo a aplicação de sanções (penas) às ações concretas
(NUCCI, 2017) então vedadas, como forma de coibir condutas nocivas à ordem pública e bens
jurídicos. Segundo Nucci (2017, p. 348) “a sociedade é criadora inaugural do crime, qualificativo que
reserva as condutas ilícitas mais gravosas e merecedoras de maior rigor punitivo”. Por sua vez,
destacam-se três concepções relativas ao conceito de crime, cada qual, com um enfoque e um
propósito bem definido. Neste sentido, Cunha (2016, p. 150) afirma que:

Sob o aspecto formal, a infração penal é aquilo que assim será rotulado em uma norma
penal incriminadora, sob ameaça de pena. Num conceito material, infração penal é o
comportamento causador de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem
jurídico tutelado, passível de sanção penal. O conceito analítico leva em considerações os
elementos estruturais que compõem infração penal, prevalecendo fato típico, ilícito e
culpável.

Portanto, o conceito formal de crime remete à legislação (direito formal). Trata-se


exatamente da especificação ou delimitação de uma conduta indesejada, descrita no teor de norma
penal incriminadora, sob pena de sanção específica (CUNHA, 2016; NUCCI, 2017; GRECO, 2017). Por
conseguinte, o conceito material de crime remete ao mundo real (mundo material), referindo-se à
própria conduta (ocorrência real) inicialmente prevista como proibida por uma norma penal, que
fere um determinado bem jurídico, e, portanto, é passível de persecução penal e punição (CUNHA,
2016; NUCCI, 2017). Por fim, o conceito analítico de crime diz respeito à construção dos dados ou
elementos necessários à caracterização de um comportamento como criminoso (LENZA, 2016), que
busca, por meio da compreensão organizada, sequenciada e interligada dos elementos, conhece-lo
e caracterizá-lo. Segundo Nucci (2017) referido conceito, cuida do entendimento da ciência do
direito a respeito do crime (enquanto fenômeno jurídico), objetivando estudá-lo de forma didática
para, assim, torná-lo bem compreensível ao operador do direito.
Nesse sentido, tem-se que a doutrina costuma controverter em torno de três elementos
essenciais à conceituação de crime: o (a) Tipicidade (Ocorrência de conduta violadora de norma
penal proibitiva), (b) Antijuridicidade (contrariedade à ideia de direito e justiça); e, (c) Culpabilidade
(potencial possibilidade de punição do agente ativo do crime). Para Lenza (2017), por exemplo, o
crime seria somente fato típico e antijurídico, constituindo a culpabilidade apenas um pressuposto
da pena, qualificada como teoria bipartida. Já Mirabete (2012), conceitua o crime como uma ação
típica, antijurídica e culpável e chamada teoria tripartida (ou finalista). Sob a mesma ótica, Nucci
(2017) e Greco (2017), entendem o crime como uma conduta típica, ilícita e culpável, por
compreenderem que a contrariedade ao direito ou justiça, em primeiro lugar, seria uma
contrariedade à lei (ordenamento jurídico).
Em razão disso, é importante manifestar que esta pesquisa, para fins conceituais, se afiliou
à teoria tripartida finalista, compreendendo que crime, sob um aspecto analítico, é fato típico,
antijurídico e culpável. Ressalta-se a adoção do conceito de antijuridicidade (ao invés de ilicitude)
por compreender este conceito mais abrangente e apto a englobar as mais diversas formas de
injustiça (GRECO, 2017), tão imprevisíveis como o mundo moderno. É nesse contexto que a ideia de
crime, como conduta injusta (antijurídica) se torna fundamental à compreensão das modalidades
virtuais de atos ilícitos e à necessidade de construção teórica de meios de proteção aos bens
jurídicos potencialmente lesáveis.

194
Afinal, com o advento do século XXI e a ostensiva disponibilidade de instrumentos,
tecnologias e sistemas de informação, surgiram novas modalidades de condutas injustas, que não
estão diretamente afetas à lei penal atual. Na mesma medida em que se fala de vida on line ou de
uma dependência tecnológica ou de acesso às redes (FURLANETO NETO; SANTOS; GIMENES, 2012),
há que se falar no advento de práticas injustas, voltadas ao ilícito aproveitamento de bens e direitos
de outros cidadãos (CRESPO, 2011). Com a ampliação das possibilidades de conexão do cidadão à
rede, propiciou-se uma grande abertura, também, da vida particular ao ambiente público, com
substancial flexibilização da ideia de privacidade (FURLANETO NETO; SANTOS; GIMENES, 2012), com
afastamento da própria intimidade e vida privada em troca de benesses de uma ilusão de
popularidade pelo consumo público (LYON, 2014). E esse contexto, novamente, se torna uma
oportunidade significativa a cidadãos mal intencionados em seus propósitos.
Com isso, surgiram criminosos especializados na utilização da tecnologia como veículos de
suas ações. Daí a atribuição do nome crimes virtuais, cibernéticos, eletrônicos ou digitais, enquanto
definidores das atividades delituosas praticadas através de um computador ou de uma rede
(MATOS, 2016). Brasil e Barreto (2016), nesse sentido, lecionam que os crimes que envolvem o uso
da tecnologia são chamados crimes tecnológicos, em razão da forma pela qual são praticados. Como
subespécies, os crimes tecnológicos se subdividiriam em crimes virtuais e cibernéticos, sendo os
primeiros, concernentes a condutas de acesso não autorizado a sistemas informáticos, mediante
ações de destruição desses sistemas, interceptam dados, incitação de ódio ou discriminação, e
disseminação de informações nocivas – como nos casos de pornografia não autorizada e a pedofilia
- etc. (BRASIL; BARRETO, 2016; ALVES, 2017).
Já os crimes cibernéticos, por sua vez, podem ser classificados em duas categorias, a dos
crimes puros (ou próprios) e dos crimes impuros (ou impróprios): Os crimes digitais próprios
correspondem aos delitos cujos bens jurídicos atingidos são os sistemas informatizados, de
telecomunicação ou dados (CRESPO, 2011) atacados por criminosos quando se verifica a
vulnerabilidade, através de programas maliciosos ou enganando as vítimas buscando obter
informações pessoais ou estratégicas (BRASIL; BARRETO, 2016). Os crimes impróprios são os
mesmos crimes já tipificados no ordenamento jurídico, sendo, no entanto, praticados com o auxílio
das tecnologias modernas (CRESPO, 2011). Nestes últimos, o meio ou sistema tecnológico é usado
como meio para a prática do delito (BRASIL; BARRETO, 2016), demostrando que os atos ilícitos
penais tradicionais também podem ser realizados por meio de novos modi operandi (CRESPO, 2011).
Ou seja, a tecnologia, ao mesmo tempo, pode ser instrumento, ambiente ou bem jurídico
passível de atingimento pelas práticas criminosas em questão, tornando assente a necessidade de
uma maior reflexão sobre os atuais contornos da criminalidade moderna. Porém, a falta de
regulamentação específica em relação aos crimes cibernéticos dificulta sua investigação, deixando
muitos bens jurídicos relevantes sem proteção adequada. Nesse cenário, é de se afirmar a
possibilidade de que o próprio cidadão, passível de atingimento por esses crimes, possa criar
medidas eficazes e, sobretudo, proporcionais de se proteger, mesmo que, até então, ainda seja
questionável o uso de meios defensivos, diante do eloquente silêncio da legislação brasileira sobre
as relações jurídicas travadas neste século.
Justamente em razão disso, mostrou-se necessário o resgate dos elementos componentes
da teoria do crime, como forma de raciocinar os limites e possibilidades da adoção de técnicas
defensivas que, corretamente utilizadas, mantenham a juridicidade da ação, sem incorrer em
injustas violações ao bom direito.

2.2 ANTIJURICIDADE, LEGÍTIMA DEFESA E SEGURANÇA VIRTUAL

Ensina Mirabete (2012) que a antijuricidade é a contrariedade da conduta do agente ao


ordenamento jurídico. A rigor, toda conduta que incorre numa proibição penal será classificada
195
como um fato típico, portanto, passível de sanção. No entanto, existem causas que excluem a
antijuricidade, convertendo a ação proibida (a priori) em um fato lícito (NUCCI, 2017). Portanto,
uma conduta inicialmente classificável como crime pode ser considerada lícita, se amparada por
alguma das espécies previstas no artigo 23, do Código Penal (BRASIL, 1940): estado de necessidade,
em legítima defesa, e, sob estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito
(MIRABETE, 2012).
Em tempo, como o estudo questiona sobre a possibilidade de um cidadão/entidade se
proteger de injustos ataques tecnológicos, deu-se uma maior foco sobre o instituto jurídico da
legítima defesa, previsto no artigo 25 do Código Penal (BRASIL, 1940). A legítima defesa pressupõe
a incapacidade do Estado se fazer presente em todas as esferas da vida humana, como legítimo
protetor do cidadão. Em razão disso, permite-se que, em situações excepcionais, este último se
defenda, por meios próprios e razoáveis, de uma injusta agressão (GRECO, 2017).
Afirma Greco (2017) que, para o ato praticado em legítima defesa seja válido, é necessário
que o agente esteja em uma situação de total impossibilidade de recorrer ao Estado, enquanto
responsável pela atividade de segurança pública, e, que se mostrem presentes os requisitos legais
de ordem objetiva e subjetiva. Assim, é necessário que a (re)ação cometida em legítima defesa, seja
praticada contra agressão injusta, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiros, usando-
se os meios necessários de forma moderada (NUCCI, 2017). No entanto, os manuais tradicionais
acabam por se omitir a respeito dos contornos e possibilidades de ação em legítima defesa dentro
de uma sociedade onde a agregação de sistemas de informação e bases de dados é uma
característica marcante (MARCIANO; MARQUES, 2006).
Araújo e Araújo (2014) dizem que o recrudescimento de ameaças através da internet e
outros sistemas, exigem uma maior atenção dos gestores de segurança, pois existem diversas ações
que podem ser realizadas objetivando evitar impactos causados por ações ilícitas, o que, por sua
vez, exige um planejamento eficaz e a adoção de políticas de detecção dos possíveis pontos fracos
dos sistemas e tecnologias (ARAÚJO; ARAÚJO, 2014), o que, perpassa por questões que envolvem
tanto a regularidade do funcionamento destes últimos, como, especialmente, a educação de
usuários para preservação de seus dados e o caráter reservado dos ambientes que acessam
(PIMENTA; QUARESMA, 2016), e, o uso de meios reativos.
Quanto a esta última possibilidade, surgiu o questionamento sobre a possibilidade de uso de
um mecanismo que agiria na detecção de potenciais invasores de sistemas ou de bancos de dados,
como meio de legítima defesa, não obstante seu uso primário e comum, represente uma conduta
claramente antiética e, sobretudo, antijurídica: o programa espião.

2.3 PROGRAMA-ESPIÃO

A acelerada transformação dos sistemas e tecnologias, permitiu a criação de instrumentos


que, como destacado acima, embora idealizadas para finalidades construtivas, podem ter seu uso
desvirtuado para propósitos ilegais (JUNIOR; ALAVARSE, 2014). É comum, na atualidade, ouvir falar
sobre novas classes de agentes executores de práticas invasivas nos meios virtuais como os hackers,
crackers, carders (CRESPO, 2011), ou, de casos em que simples analistas ou conhecedores dos meios
tecnológicos, mesmo sem a habitualidade dos primeiros, utilizaram seus conhecimentos para
finalidades iníquas (SILVA et al, 2017). Nesse sentido, a criatividade é o limite para a criação de novas
modalidades criminosas de ataque a bancos de dados e sistema.
Por hora, cumpre destacar como uma das modalidades mais representativas atualmente, o
uso de malwares, ou seja, códigos maliciosos que, em linhas simples, se inserem nos computadores
daqueles que entram em contato com um determinado gatilho, quebrando a segurança das
informações das vítimas. Um deles é o cookies, que, embora seja muito utilizado para fins
comerciais, registrando atividades e buscas realizadas pelos usuários para oferecer-lhes propostas
196
voltadas ao seus manifestados interesses, ainda assim, podem perfazer registros indevidos de
outras atividades mais sensíveis (GARBOSSA, 2012). Outro exemplo, é o dos vírus, que são instalados
mediante o contato com mídias ou e-mails maliciosos, entre outros, se espalhando com o objetivo
de causar danos a um programa ou sistema (SILVA et al, 2017)
Porém, é a modalidade de Spywares, que representa um maior perigo efeito, por constituir
uma espécie de programa que envia informações do computador do usuário para desconhecidos,
trabalhando como um verdadeiro programa espião, que registra e dissemina desde dados de
navegação à digitações e cliques firmados pelo usuário, permitindo a identificação de códigos e
senhas particulares (ZENELATTO, 2002).
É assente, que o uso dessa última espécie de programa caracteriza uma conduta voltada a
fins ilícitos e, a rigor, antijurídicos. Afinal, objetiva-se quebrar a segurança da informação de um
determinado usuário, com a nítida finalidade de obter dados sensíveis e negados em contraponto à
legalidade da forma de seu levantamento. Mesmo na atividade de inteligência, onde é comum a
quebra de sistemas para obtenção de dados negados, não há previsão jurídica específica para o uso
destes programas, o que, decerto, importa na ilegalidade primária de seu uso, conforme é de amplo
debate literário (MARTINS et al, 2018; REIS NETTO et al, 2018). Ainda assim, tomou-se por bem
questionar se as tratadas excludentes de antijuridicidade não amparariam o uso de um programa-
espião, de maneira excepcional e proporcional, em alguma hipótese? É o que se buscou desenvolver
no tópico de resultados, à frente, conforme os contornos metodológicos estabelecidos na seção a
seguir.

3 METODOLOGIA

Considerando que o trabalho tratou de questões afetas à antijuridicidade de um fenômeno


e do potencial afastamento de seu caráter ilícito diante de casos específicos, adotou-se como
caminho científico o método dogmático-jurídico, que, conforme Reale (2002), é aquele que busca a
proposição de técnicas de argumentação e resolução de conflitos a partir de regras jurídicas,
mediante um estudo sistêmico das normas e sua interpretação conforme os princípios (axiomas,
valores), vigentes num momento histórico da sociedade. Ainda segundo Reale (2002), a dogmática
jurídica é o percurso metodológico pelo qual o jurista se eleva ao plano teórico dos princípios e
concepções gerais, para interpretação, construção e sistematização das normas e institutos que se
compõem ao ordenamento jurídico.
Ademais, o método prega a necessidade de um constante pensar em torno do sistema
jurídico vigente, para aplicação de seus marcos existentes em solução a problemas, mesmo que
inéditos, da vida real (FERRAZ JUNIOR, 2003), o que, se ressalta, é bastante conveniente ao contexto
de inexistência de normas atuais sobre o universo dos crimes tecnológicos.
Por sua vez, considerando que o estudo se ateve ao conteúdo de um fenômeno real em sua
investigação (SEVERINO, 2017), preocupando-se não com expressões ou correlações numéricas,
senão, com os contornos jurídicos de uma hipótese em questão, o mesmo adotou uma abordagem
qualitativa, portanto, focada no conteúdo de um fenômeno (GODOY, 1995; CRESWEL, 2007).
Por sua vez, o estudo adotou como técnica de pesquisa a pesquisa bibliográfica e a pesquisa
documental. A primeira, enquanto levantamento de referências literárias, correspondentes a
artigos científicos, teses de doutorado, livros, entre outros (LAKATOS; MARCONI, 2017), buscou a
compreensão doutrinária-jurídica em torno de institutos argumentados no trabalho. Já a segunda,
voltada ao levantamento de dados “[...] de primeira mão, provenientes dos próprios órgãos que
realizam as observações” (LAKATOS; MARCONI, 2017, p. 32), propiciou a obtenção de julgados
formadores de um entendimento jurisprudencial sólido, apto a reforçar os entendimentos
doutrinários inicialmente verificados. Em termos práticos, buscou-se, diretamente ou pela via
analógica (esta, também considerada fonte secundária do direito), o entendimento doutrinário e
197
jurisprudencial a respeito das possibilidades de uso do programa-espião como instrumento de
legítima defesa, especialmente, no que toca as possibilidades de exclusão da antijuridicidade
subjacente ao seu objetivo natural.
Os resultados, analisados, organizados e sintetizados, se encontram na seção seguinte.

4 RESULTADOS
4.1 REGRA: ILICITUDE DO PROGRAMA SPYWARE

Como mencionado ao longo do referencial teórico, com a disseminação do acesso aos


sistemas de informação e aparelhos tecnológicos em geral, as pessoas físicas e jurídicas acabaram
por se tornar potenciais alvos de modalidades criminosas tecnológicas, dentre as quais, especial
destaque se deu aos Spywares, cujo objetivo é o rastreio e disseminação não autorizada de
informações de usuários perante terceiros não autorizados (ZENELLATO, 2002; CRESPO, 2011).
Nestes termos, sua finalidade primária é invadir a privacidade, e, com isso, permitir o acesso
indevido à dados sensíveis que, consequentemente, poderão ser utilizados para finalidades
criminosas. Em razão disso, é assente o entendimento jurisprudencial de que a utilização destes
programas caracteriza uma conduta antijurídica, como se vê a seguir:

HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO TROJAN. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM


PÚBLICA. DECISÃO FUNDAMENTADA. PRÁTICA DELITUOSA REITERADA. LIBERDADE
PROVISÓRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. [...] 3. Decreto de
prisão preventiva motivado na garantia da ordem pública, considerando a existência de
fortes indícios de que o paciente integrava quadrilha especializada em praticar furtos de
valores depositados em contas bancárias, sendo o grupo bem organizado, dispondo de
equipamentos tecnológicos e programas espiões inseridos em computadores ligados à
internet, colocando em risco o patrimônio de milhares de pessoas. 4. As investigações
demonstraram que o paciente insistia na prática costumeira e reiterada de crimes,
impondo-se o desbaratamento do grupo para a cessação da atividade delituosa,
considerando a facilidade para o cometimento das fraudes, mediante o uso de programas
capazes de capturar dados bancários e transferir valores para outras contas, pagamentos
de boleto e aquisição de créditos para telefone celular. 5. Os bons antecedentes, o
endereço certo e o desempenho de ocupação lícita não asseguram, por si só, o direito à
liberdade provisória, quando a segregação cautelar imposta ao paciente encontra amparo
legal e mostra-se plenamente justificada. Precedentes. [...] (BRASIL, 2010, não paginado,
com grifos dos pesquisadores).

Inclusive, alguns julgados têm manifestado que a conduta descuidada do usuário de


sistemas, que, de forma voluntária, se expõe a ambientes potencialmente contaminados por
programas de natureza perniciosa (como os Spywares), caracteriza negligência capaz de isentar os
operadores dos sistemas de responsabilização civil por danos havidos aos primeiros:

EMENTA – [...] (4) cabe ao próprio consumidor, usuário do sistema virtual de acesso à
conta-corrente, adotar medidas de proteção do seu computador pessoal contra
programas espiões chamados Spywares; (5) merece aplicação a regra contida no art. 14, §
3º, incisos I e II, do CDC; (6) presente se encontra a excludente da responsabilidade [...]
(ESTADO DE SÃO PAULO, 2012, não paginado, grifos dos pesquisadores).

Como se vê, o uso do programa-espião é ilegal, a rigor, uma vez que atinge frontalmente os
bens jurídicos protegidos pelo inciso X - “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação” (BRASIL, 1988) - e pelo inciso XII - “é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que

198
a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” – do Artigo 5º da
Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Em termos penais, o uso do Spyware pode caracterizar o ilícito de invasão de dispositivo
informático (previsto no artigo 154-A), caput, do Código Penal (BRASIL, 1940), não se descartando,
no entanto, a consunção (ou seja, absorção desta conduta primeira) por outro crime mais grave,
que se utilize da invasão como primeira etapa de uma ação ilícita mais grave (CRESPO, 2011).
Mesmo que não haja dolo do agente, a simples invasão, ainda que sem a alteração, cópia ou
destruição de arquivos, já caracteriza a ação como antijurídica (HERMES, 2013). Inclusive, é de se
ressaltar que embora a criminalização específica desta conduta seja um fenômeno jurídico recente,
já que o mencionado artigo 154-A, do Código Penal foi instituído por meio de Lei 12.737/2012 - Lei
Carolina Dieckmann (HERMES, 2013), em 2012 (com vigor em 2013), de outro lado, a invasão de
dispositivo informático já era repudiada pela doutrina: “deve-se mencionar que o ordenamento
brasileiro ainda não incriminou, em termos gerais, a conduta de acesso não autorizado de sistemas
informáticos. Mesmo assim, é forçoso reconhecer o caráter ilícito de se acessar sem autorização um
sistema informático” (CRESPO, 2011, p. 66). Utilizava-se, no entanto, o recurso da finalidade da
conduta (estelionato, apropriação indébita, etc.) para punição penal do uso de Spyware.
No entanto, já ingressando na objetivada análise das possíveis exceções à regra em questão,
é pertinente ressaltar o ensinamento de Masson, quanto à relação entre a tipicidade da conduta e
sua antijuridicidade (destaca-se que o autor prefere o uso do termo ilicitude, empregado como
sinônimo deste último):

Em face do acolhimento da teoria da tipicidade como indício de ilicitude, uma vez praticado
o fato típico, isto é, o comportamento humano previsto em lei como crime ou contravenção
penal, presume-se o seu caráter ilícito. A tipicidade não constitui a ilicitude, apenas a revela
indiciariamente. Essa presunção é relativa, iuris tantum, pois um fato típico pode ser lícito,
desde que o seu autor demonstre ter agido acobertado por uma causa de exclusão de
ilicitude. Presente uma exclusão de ilicitude, estará excluída a infração penal. Crime e
contravenção desistem de existir, pois o fato típico não é contrário ao direito. Ao contrário,
a ele se amolda (2014, p. 370).

Portanto, havendo exceções à regra, é pertinente pensar em possibilidades de uso lícito


(portanto, juridicamente legítimo) do Spyware como forma de proteção de sistemas de informação
e dados pessoais.

4.2 POSSÍVEIS EXCEÇÕES JURIDICAMENTE LEGÍTIMAS PARA O USO DO SPYWARE


4.2.1 A Legítima defesa por meio de Spyware

Como visto, a legítima defesa é um instituto previsto no Código Penal, correspondente a uma
excludente de antijuricidade que permite a tomada de uma conduta ilícita (a priori), em defesa
própria ou de outrem, mediante a utilização de meios moderados, para repelir uma agressão injusta,
atual e iminente, que não possa ser evitada pelo Estado (NUCCI, 2017). Por sua vez, de uma análise
da jurisprudência brasileira, tem-se que a legítima defesa é amplamente aceita, nas mais diversas
espécies de crime, desde que preservados os elementos já discutidos ao longo do referencial teórico
do estudo. Nesse sentido:

[...] Resta configurada a causa excludente da ilicitude da legítima defesa, quando


comprovada a existência de injusta agressão iminente, repelida pelo do uso moderado
dos meios necessários, consoante determina o art. 25 do CP. II - Deve ser mantida a
sentença que corretamente absolveu o réu pelo reconhecimento da legítima defesa.
(ESTADO DE MINAS GERAIS, 2013, não paginado, grifos dos pesquisadores)

199
[...] A agressão injusta foi repelida moderadamente com a utilização dos meios
necessários. O contexto probatório indica a existência de ofensas verbais racistas
praticadas contra o réu por parte da vítima, bem como testemunha presencial do fato
relatou ter o acusado somente agido para se afastar da vítima e se defender de
agressão. Mesmo tendo oportunidade de dar prosseguimento ao intento delitivo, optou
o recorrente por não concluir tal desfecho. RECURSO PROVIDO. (ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL, 2013, não paginado, grifos dos pesquisadores).

Considerando, portanto, as possibilidades de aplicação analógica instituto, pode-se


ponderar a hipótese de legítima defesa a uma tentativa de agressão à segurança da informação
de um dispositivo. Admitindo-se que potenciais vítimas possam agir preventivamente, é de se
admitir, por exemplo, a instituição de setores institucionais voltados à Segurança Orgânica da
Informação (REIS NETTO et al, 2018), que poderiam agir no sentido de repelir em tempo real,
tentativas de fraude ou invasão a sistemas. Não se trata de uma atividade inédita: Crespo (2011)
menciona a existência de investimentos, sobretudo, na iniciativa privada, na formação de setores
e profissionais especializados no combate aos crimes digitais efetuados contra grandes empresas
(como bancos e lojas), os quais, agem no sentido de tornar os sistemas e tecnologias cada vez
mais seguros, inclusive, colaborando com os órgãos de segurança.
Neste diapasão, pode-se também admitir a possibilidade de uma legítima defesa
tecnológica, assim compreendida como a proporcional resposta a uma tentativa de invasão ou
agressão a um sistema ou tecnologia em ocorrência (injusta agressão). E nesse momento seria
admissível o uso legítimo de um Spyware. Ao verificar a agressão ao sistema ou banco de dados,
seria uma justa e proporcional reação pelo setor de segurança orgânica, o uso de um spyware que
identificasse o agressor, seus protocolos e, com isso, obtivessem informações para que os órgãos
oficiais pudessem atuar em sua persecução, por exemplo. No entanto, é prudente o
estabelecimento de limites a esta ação.
Primeiramente, é necessário que haja registro, para fins de prova, da ocorrência de um
ataque injusto e iminente, o que se recomenda de pronto a qualquer um que pense sobre a
possibilidade de utilização da espécie de legítima defesa em questão. Em segundo lugar, é sempre
prudente a comunicação imediata com os órgãos de segurança pública a respeito do fato, de
modo que a resposta proporcional (e até mesmo um monitoramento continuado do agressor) não
se desvirtue num monitoramento ilícito do criminoso. Aliás, o elemento mais complicado da
hipótese em estudo, reside na questão da proporcionalidade (CRESPO, 2011). Recomenda-se o
uso do Spyware, como meio de legítima defesa, tão somente para fins de neutralização da ameaça
e identificação do agressor, e, somente em último caso, destruição dos dados relativos ao sistema
deste último, se isto se configurar como medida inevitável, justamente, para preservar dados e
informações de outras vítimas que tenham sido anteriormente atingidas. Crespo (2011, pp. 115-
116), inclusive, problematiza a questão:

Em certos casos, a recuperação de uma informação copiada sem autorização pode ser de
fundamental importância. Para exemplificar, um técnico muitas vezes consegue descobrir
a conta de e-mail utilizada pelo fraudador pra armazenar os dados obtidos ilegalmente, bem
como a senha que dá acesso a essa conta. Em termos jurídicos, [...] poderia tentar obter de
volta os dados que foram pegos pelo fraudador e minimizar os danos? [...] poderia acessar
a conta desse terceiro, sem infringir a lei? [...] Verificando-se que a defesa da vítima ou ação
de outro que venha a responder ao ataque não será passível de punição se sua atitude se
enquadrar em legítima defesa, considerando-se que a defesa está limitada ao uso restrito
dos meios reputados eficazes e suficientes para repelir a agressão. Nem menos, nem mais
do que isso. Ou seja, há um princípio da proporcionalidade que exige certa moderação. Logo
é fundamental que se verifique no caso a caso ou em um padrão de cenário específico, quais
as medidas mínimas de defesa e em que momento as ações passam a configurar infrações.

200
Compreende-se, então que, ao introjetar o programa-espião com o fim de destruir ou
adulterar informações furtadas indevidamente, que possam vir a ser extremamente danosas
estando nas mãos do invasor, se agirá com a proporcionalidade exigida para repelir o ataque sofrido,
caracterizando-se a legítima defesa. Porém, esta conduta extrema deve ser adotada sempre como
última medida cabível. E, é prudente que se tente, primeiramente, a neutralização das ações do
invasor, se possível. É claro, deve-se asseverar que a questão jurídica da proporcionalidade da ação
ainda depende de uma maior intercessão entre estudos jurídicos e de áreas como da ciência da
computação e dos sistemas de informação, porém, isso não afasta a premissa de uso do spyware
como mecanismo de legítima defesa.

4.2.2 Ofendículos virtuais: a teoria dos ofendículos e uma analogia ao mundo virtual

Por conseguinte, uma segunda possibilidade deve ser colocada sob reflexão: tanto pelo
desenvolvimento tecnológico e automação dos sistemas, quanto pela impossibilidade de
destacamento de uma equipe de vigilância por um período ininterrupto, ao menos, sem que isso
importe em custos significativos, é natural que novos meios de defesa dos sistemas e tecnologias
sejam pensados e desenvolvidos em nome da segurança da informação (KOGA, 2017), valendo-se,
por exemplo, de inteligência artificial ou sistema automatizados. E, neste contexto, surgem os meios
não-humanos de proteção dos sistemas, ou seja, o desenvolvimento de programas e tecnologias
destinados à agir em hipóteses específicas e de acordo com necessidades pontuais. Considerou-se
importante refletir, novamente, se um Spyware também poderia ser legitimamente utilizado nesta
hipótese.
Novamente, o Spyware seria utilizado como um mecanismo de defesa, que só seria acionado
quando de uma tentativa de invasão, para proporcional neutralização/identificação do agressor e,
em último caso, destruição de dados furtados. Contudo, nesse segundo momento, o mesmo agiria
de maneira involuntária, ocasionando uma (re)ação motivada pela tentativa invasiva de um terceiro.
Aproxima-se, portanto, da teoria jurídico-penal dos ofendículos (MORAIS, et al, 2016). Os
ofendículos, utilizados no mundo material, se constituem como obstáculos que têm por finalidade
impedir entrada não autorizada numa propriedade, cujo exemplo pode ser representado por cercas
elétricas ou cacos de vidro no alto de um muro, ou um fosso de água entre um muro e um
calçamento, dentre outros (MORAIS et al, 2016). Nesse sentido, afirma Mirabete (2012, p. 190) que:

São aparelhos predispostos para a defesa da propriedade (arame farpado, cacos de vidro
em muros etc.) visíveis e a que estão equiparados “os meios mecânicos” ocultos
(eletrificação de fios, de maçanetas de portas, a instalação de armas prontas para disparar
à entrada de intrusos etc.).

Entende-se, no mesmo sentido defendido por Greco (2017) e Koga (2017), que os
ofendículos são meios de defesa (portanto, de autotutela) que não se prestam à proteção somente
do patrimônio, em si, mas de tudo o que esteja sob a salvaguarda da área protegida, preservando,
por exemplo, outros bens jurídicos como a vida, a integridade física, etc. Para que sejam
considerados legais, entretanto, estes instrumentos devem ser perceptíveis, ou seja, devem ser
postos de forma visível, de maneira que, ao violar o domicílio, o invasor venha a assumir o risco
interposto pelos ofendículos (MORAIS et al, 2016). Os ofendículos, portanto, devem ser instalados
com obstáculo e não como invisível armadilha de aniquilação, para que resguardem sua legalidade
e o atingimento seja amparado por excludente de antijuridicidade (MENDONÇA, 2014; GRECO,
2017). Nesse sentido, é importante destacar a jurisprudência:

[...] no caso dos autos, verifica-se a existência da prova da materialidade e de indícios


suficientes de participação do réu na prática do crime de homicídio simples, eis que
energizou a janela do quiosque com tensão de 220 volts, pensando exclusivamente na sua
201
segurança, sem se preocupar com a aproximação de crianças, adolescentes ou de pessoas
que costumavam frequentar o local. 3. não se afloram, pois, do corpo probatório, as
alegações de legítima defesa pré-ordenada e de ausência de dolo de maneira inconteste,
competindo ao conselho de sentença a decisão quanto às teses defensivas, por ser o juízo
natural da causa. [...] (DISTRITO FEDERAL, 2009, não paginado, grifos dos pesquisadores).

[...] Evidenciando o conjunto probatório que o mecanismo de defesa da área privativa do


imóvel residencial contra invasões, ou ofendículo, foi instalado com as cautelas exigíveis,
de modo a dificultar seu alcance, tendo seu acionamento derivado do comportamento
inconsequente e temerário da própria vítima, sem que se demonstrasse a ocorrência de
imprevisibilidade ou excesso do agente na avaliação do potencial ofensivo do artefato, até
pelo resultado efetivamente produzido (lesões corporais leves), entende-se haver o agente
operado sem exorbitância, no exercício regular do seu direito ou da legitima defesa
antecipada (ESTADO DO PARANÁ, 1995, não paginado).

Dos julgados acima, é relevante ressaltar a ideia de proporcionalidade relativa ao instituto:


a) é imprescindível a proporcionalidade (moderação) do agravo causado ao invasor; b) É necessário
que o ofendículo seja visível ou presumível; c) o ofendículo só deve funcionar ao longo do ataque
ou em decorrência deste (SILVA, 2006). Acaso desobedecidas as mencionadas condições,
responderá o usuário do ofendículo por eventuais excessos puníveis, na medida dos danos causados
(MORAIS et al, 2016). Importa dizer, que além dos aparelhos e instrumentos que são destinados a
proteção de bens, também se considera como ofendículos a utilização de cães ou de outros animais
de guarda (GRECO, 2017), o que inclusive é confirmado pela jurisprudência, como se vê do julgado
a seguir:

[...] 3. Rechaça-se, na esfera cível, hipótese de indenização por danos materiais e morais,
com espeque em ataque de cães de guarda, em se constatando, na seara criminal, legítima
defesa preordenada, por parte de quem mantinha tais animais como exercício regular de
direito, tendo esses entrado em ação no exercício da legítima defesa de seu patrimônio.
[...] (DISTRITO FEDERAL, 2014, não paginado, grifos dos pesquisadores).

Ainda em relação aos cães de guarda, devido a impossibilidade de absoluto controle sobre
os mesmos, haja vista sua condição de seres vivos que atuam por instinto, entende-se que se um
invasor for atacado e morrer por causa das lesões sofridas, inexistirá o excesso, sendo uma situação
de caso fortuito provocado pelo próprio infrator (NUCCI, 2017). No entanto, ao treinar cães para
ataques fatais ou fazer uso de animais como leões, cobras, tigres, entre outros, para fins de defesa,
certamente, poderá caracterizar excesso punível (KOGA, 2017).
Assim, deve-se entender que o uso dos ofendículos caracteriza legítima defesa preordenada
ou antecipada, pois, a instalação de um obstáculo objetivando proteger um bem jurídico, surge,
para o cenário jurídico, como uma forma de defesa lícita (SILVA, 2006).
Diante disso, é de se pensar no uso de um Spyware enquanto ofendículo. No caso de uma
invasão, o sistema ou tecnologia atingido poderia acionar um Spyware que (à imagem e semelhança
de um cão bem treinado), como (re)ação, buscaria neutralizar a invasão, tomando todas as medidas
necessárias. Repita-se que, proporcionalmente, neutralizar a invasão e identificar o agressor seriam
as medidas primárias, deixando-se a hipótese de destruição do sistema deste último (para
neutralização dos dados furtados) como ultima ratio, admissível somente diante da continuidade
da invasão. Inclusive, ponderando-se a questão do uso de animais enquanto ofendículos, é de se
considerar que o uso de um Spyware com inteligência artificial, cuja (re)ação seria agravada de
acordo com a insistência do agressor, seria mais que plenamente aceitável pelo ordenamento
jurídico.
Entende-se, ademais, que para afastar o uso do ofendículo virtual enquanto armadilha,
repudiado pela doutrina e jurisprudência, é relevante que, à imagem e semelhança das placas que

202
avisam sobre a existência de cercas elétricas, cães de guarda ou demais meios protetivos, é
prudente que os usuários dos Spywares de defesa informem sobre a existência deste instrumento
em suas tecnologias ou sistemas, ainda que de maneira genérica (justamente, para não
comprometer a própria medida de segurança, tornando-a inútil).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo analisar a possibilidade jurídica do uso de programas
espiões como instrumentos de legítima defesa nos crimes virtuais, considerando o contexto de
desenvolvimento tecnológico atual onde o uso de sistemas de informação e tecnologias em geral se
afigura cada vez mais presente em práticas criminosas.
Sob uma perspectiva dogmática, foi possível admitir, a partir de interpretações analógicas e
de uma inteligência do sistema jurídico normativo vigente, o uso legítimo dos Spywares em duas
situações: a) como instrumento de legítima defesa, nos termos previstos em lei; b) como uma
espécie de ofendículo virtual.
Cumpre salientar que o presente estudo, desde logo, não exclui outras possibilidades
jurídicas legitimamente constatáveis quanto ao uso dos programas espiões, tendo a analise se
restringido, no caso, ao instituto da legítima defesa. Entretanto, trata-se de questão que pode (e
deve) ser objeto de futuros aprofundamentos teórico-científicos, como, por exemplo, quanto à
possibilidade de uso do Spyware no instituto da infiltração virtual de agentes para apuração de
exploração sexual ou pedofilia contra crianças e adolescentes, tratada pela Lei N. 13.441/17 (BRASIL,
2017).
Decerto, o estudo manifesta uma nova tendência jurídica que deve ser incentivada: guiar o
pensamento dos profissionais do direito nas estradas da segurança da informação, num contexto
de desenvolvimento tecnológico onde a vida humana se torna cada vez mais dependente (para o
bem, ou para o mal) de sistemas de informação e tecnologias, para viver, e, até mesmo, sobreviver.
Por fim, registra-se o agradecimento aos grupos que prestaram apoio material (por meio de
dados e materiais de pesquisa) e intelectual (por discussões e contribuições) à realização da
pesquisa: a) Érgane – Instituto Científico da Amazônia; b) Laboratório de Pesquisa em Geografia da
Violência e do Crime (LAB-GEOVCRIM – UEPA/PA); c) Observatório de Estudos de Defesa da
Amazônia (OBED/NAEA/UFPA); e, d) Grupo de Pesquisa em Métodos de Diagnóstico em Segurança
Pública (PPGSP/UFPA). Um trabalho sempre é fruto de esforços históricos comuns, e, diante do
desafio do Século XXI, nada mais justo que se busque soluções coletivas para problemas
transindividuais.

REFERÊNCIAS

ALVES, A. Os Crimes Virtuais no Brasil. Jusfaresc-Revista Jurídica Santa Cruz, v. 9, n. 9 p. 1-100.


2017.

ARAÚJO, A. L.; ARAÚJO, R. O. Ameaças Internas: Desafio da Segurança e Impactos Causados por
Colaboradores no Ambiente de TI. Revista Eletrônica Científica Inovação e Tecnologia, v. 2, n. 8,
p. 63-76. 2014.

BARRETO, A. G.; BRASIL, B. S. Manual de Investigação Cibernética à luz do Marco Civil da


Internet. Rio de Janeiro: Brasport, 2016.

BRASIL. Código Penal. Decreto-lei N. 2.848 de 7 de dezembro de 1940. 1940.

203
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro 1988. 1988.

BRASIL. Lei N. 13.441, de 8 de maio de 2017. 2017.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região - TRF-1. Acórdão do Habeas Corpus N. 56684.
Relator: Desembargador Federal Carlos Olavo. Data de Julgamento: 26/10/2010. Terceira Turma.
Data de Publicação: 12/11/2010. 2010.

CRESPO, M. X. F. Crimes Digitais. São Paulo: Saraiva. 2011.

CRESWELL. J. W. Projeto de Pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e mistos. 2. Ed. Porto


Alegre: Artmed. 2007.

CUNHA, R. S. Manual de Direito Penal: parte geral. 4. Ed. Salvador: Juspodvim, 2016.

DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Acórdão do Agravo N.


20120111992695. 3ª Turma Cível. Relator: Flavio Rostirola. Data de Julgamento: 26/11/2014. Data
de Publicação: 04/12/2014. 2014.

DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Acórdão do Recurso em Sentido Estrito
N. 25112820078070010. 2ª Turma Criminal. Relator: Roberval Casemiro Belinati. Data de
Julgamento: 13/10/2009. Data de Publicação: 04/11/2009. 2009.

ESTADO DE MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Acórdão da Apelação Criminal
N. 10621060143248001. Relator: Desembargador Júlio César Lorens. Data de Julgamento:
08/01/2013. 5ª Câmara Criminal Isolada. Data de Publicação: 14/01/2013. 2013.

ESTADO DO PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão da Apelação Criminal n. 772749.


Relator: Luiz Cezar de Oliveira. Data de Julgamento e publicação: 17/08/1995. Primeira Câmara
Criminal (extinto Tribunal de Alçada). 1995.

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acórdão do Recurso
em Sentido Estrito N. 70051637361. Terceira Câmara Criminal, Relator: Desembargador Diogenes
Vicente Hassan Ribeiro. Julgado em 28/02/2013. Data de Publicação: 14/03/2013. 2013.

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acórdão da Apelação
Criminal Nº 70070535489. Nona Câmara Cível, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em
26/07/2017. Data de Julgamento: 26/07/2017. Data de Publicação: 07/08/2017. 2017.

ESTADO DE SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão do recurso de
Apelação Criminal n. 716067920098260000. Relator: Desembargador Moura Ribeiro, Data de
Julgamento: 17/05/2012, 11ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/05/2012. 2012

FERRAZ JUNIOR. T. S. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão e dominação. 4. Ed. São
Paulo: Atlas. 2003.

FURLANETO NETO, M.; SANTOS, J. E. L.; GIMENES. E. V. Crimes na Internet e Inquérito Policial
Eletrônico. São Paulo: Edipro, 2012.

204
GARBOSSA, D. D. Crimes Informáticos e o Projeto de Lei Nº 76/00 do Senado Federal. FMU
DIREITO-Revista Eletrônica, V. 24, N. 33, P. 52-74. 2012.

GODOY. A. S. Pesquisa Qualitativa: Tipos Fundamentais. Revista de Administração de Empresas.


São Paulo, V. 35, N. 3, P. 20-29. 1995.

GRECO, R. Curso de Direito penal: parte geral. V.1, 19. Ed. Niterói: Impetus, 2017.

HERMES. L. A. O Problema da Persecução Criminal nos Delitos Informáticos: da análise das provas
(monografia). Juína: AJES, 2012.

JESUS, D. Direito Penal: Parte Geral. 35. Ed. São Paulo: Saraiva. 2014.

JUNIOR, A. S. R.; ALAVARSE, G. M. A. Crimes Virtuais: Um Desafio para Perícia. Revista Diálogos &
Saberes, V. 9, N. 1, P. 215-229. 2014.

KOGA. T. A. A Natureza Jurídica dos Ofendículos (monografia). Apucarana: FACNOPAR, 2017.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Fundamentos de Metodologia Científica. 7. Ed. São Paulo:


Atlas. 2017.

LENZA. P. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

LYON, D. Drones e Mídia Social. In: ZYGMUNT. B. Vigilância Líquida: Diálogos com David Lyon. Rio
de Janeiro: Zahar, 2014.

MARCIANO, J. L. P.; MARQUES, M. L. O enfoque social da segurança da informação. Ciência da


Informação, v. 35, n. 3, p. 89-98. 2006.

MARTINS, D.; MIRANDA, W. D.; REIS NETTO, R. M. Controle de legalidade do ato jurídico-
administrativo praticado na atividade de inteligência: o caso do Estado Democrático de Direito
brasileiro. Pensar – Revista de Ciências Jurídicas, v. 23, n. 4, p. 1-17. 2018.

MASSON, C. Direito Penal Esquematizado: V. 1. 8. Ed. São Paulo: Método, 2014.

MENDONÇA, T. S. A excludente de ilicitude no uso de ofendículos: sua natureza jurídica e análise


das cercas elétricas (monografia). Brasília: UNICEUB, 2014.

MIRABETE, J. F. Manual de Direito Penal: parte geral. 28. Ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MORAIS, J. S.; BAVARESCO, D. A. A.; HELENO, M. C. S. A Natureza Jurídica dos Ofendículos e a


Responsabilidade Penal nos Casos de Lesão e Perigo de Lesão a Terceiros. Revista da Faculdade de
Direito de Franca, v. 11, n. 1, p. 99-116. 2016.

NUCCI, G. S. Curso de Direito Penal: parte geral. V.1. Rio de Janeiro: Forense. 2017.

PIMENTA, A. M. S.; QUARESMA, R. F. C. A Segurança dos Sistemas de Informação e o


Comportamento dos Usuários. Revista de Gestão da Tecnologia e Sistemas de Informação, v. 13,
n. 3, p. 533-552. 2016.
205
REALE, M. Lições Preliminares do Direito. 27. Ed. São Paulo: Saraiva. 2002.

REIS NETTO, R. M.; MIRANDA, W. D.; GOMES, H. W. A. J. G.; CHAGAS, C. A. N. A legalidade do ato
praticado na atividade de inteligência: perspectivas de validade perante o ordenamento jurídico
atual. In: MIRANDA, W. D.; REIS NETTO, R. M.; SANTOS, L. R. L.. Atividade de inteligência e
segurança pública: O Brasil e as trincheiras do século XXI Ananindeua/PA: Edições dos Autores,
2018.

SEVERINO, A. J. Metodologia de Trabalho Científico. 24. Ed. São Paulo: Cortez. 2017.

SILVA, G. F. Ofendículos e suas implicações no direito penal brasileiro (dissertação). São Paulo:
PUC, 2006.

SILVA, T. C.; LOZI, P. D.; SOUZA, G. A. T.; CANCELA, L. B. Técnicas de Invasão: Um Estudo Sobre as
Armas do Mundo Digital. In: Anais do Encontro Virtual de Documentação em Software Livre e
Congresso Internacional de Linguagem e Tecnologia Online. Belo Horizonte: UFMG, 2017.

206
O MÓDULO BOLETIM DE ATENDIMENTO POLICIAL MILITAR E A CULTURA DA INFORMAÇÃO NO
BATALHÃO DE POLÍCIA DE CHOQUE DO PARÁ

Mayara Araujo
Wilson José Barp
Fernanda Valli Nummer
43

1 INTRODUÇÃO

A tecnologia tem fornecido, dentre outras coisas, novas e eficientes formas de controle
baseado em informação, para Laudon e Laudon (1999) informação é caracteriza-se pelo conjunto
de dados organizado de forma a ter significado e utilidade a seres humanos em processos de análise
de problemas e suas resoluções, e a gestão tem se valido cada vez mais de informações para tomada
de decisão. Nesse contexto, há uma cultura da informação, que segundo Marchand (1997),
corresponde a um conjunto de valores, atitudes e comportamentos que influenciam na forma como os
integrantes de uma organização, avaliam, aprendem, recolhem, organizam, processam, comunicam e utilizam a
informação. Essa cultura da informação é possibilitada, de acordo com Castells (1999), pela sociedade
em rede, e para Senra (1998) tem modificado drasticamente o papel da informação nos diversos
setores da sociedade, tornando-a objeto de saber e principalmente de poder. Nesse sentido,
Foucault (2010, p.30) afirma que “o poder produz saber (...), não há relação de poder sem
constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao
mesmo tempo relações de poder”.
No âmbito da Segurança Pública, as relações entre polícia, Estado e sociedade foram
igualmente impactadas por essa cultura da informação e os avanços da Tecnologia da Informação -
TI. Isto posto, para se adequar a essa nova realidade, surge o Sistema Integrado de Gestão Policial -
SIGPOL em 2009 (PINHEIRO, 2009), como grande representante de TI na Polícia Militar do Pará -
PMPA, com objetivo de integrar as bases de dados e nortear desse modo a gestão, pautando-se em
informação, como iniciativa de expandir a cultura da informação dentro das corporações policiais e
com isso ampliar o poder sobre a produtividade da Polícia Militar - PM e emprego de recursos
humanos e materiais.
A transição para uma cultura de informação aliada a TI no Batalhão de Polícia de Choque -
BPChq teve repercussões ainda pouco discutidas. Desataca-se que esse cenário se intensifica, pois,
aliado a urgência da gestão policial baseada em informações, cria-se uma nova dinâmica na
atividade laboral da polícia que exige, principalmente, mudança nas formas de registro, devido à
demanda do Módulo Boletim de Atendimento Policial Militar - BAPM, em especial no setor
administrativo responsável pela alimentação dessa ferramenta. Somado a isso, há o fato do BPChq
ser uma unidade de Missões Especiais de 3° esforço (último esforço), que foi inserida no Rádio
patrulhamento Tático Motorizado44 em 2016, e assim a produção de BAPM aumentou
consideravelmente no Batalhão, bem como os problemas no Sistema de Informação (SI) da 2° seção
(P2), que mesmo com a promessa de eficiência e eficácia a partir da TI, enfrentou dificuldades para
adequar-se ao Módulo BAPM que, dentre outras coisas, objetiva, auxiliar a gestão quanto ao

43
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
ARAÚJO, Mayara; BARP, Wilson José; NUMMER, Fernanda Valli. O módulo boletim de atendimento policial militar
e a cultura da informação no Batalhão de Polícia de Choque do Pará. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA,
Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas.
Ananindeua: CROM, 2021.
44
É todo policiamento ostensivo comum onde há o binômio homem e rádio atuando preventiva e/ou repressivamente, e
quando passou a integra-lo consequentemente passou a lidar com o BAPM físico e digital.
207
emprego de recursos operacionais e materiais, e demonstrar a produtividade de cada unidade
dentro da PMPA.
Analisar como se deu o processo de adaptação do Módulo BAPM no SI de uma unidade
policial - onde toda a ação durante o turno de serviço da PMPA deveria ser registrada – se faz
importante, visto que, a ferramenta possibilita a transformação dos dados em informação e,
posteriormente, em indicadores de produtividade da polícia, que pode gerar estatísticas para basear
a gestão. Dito isto, essa pesquisa tem por escopo analisar a implementação do Módulo BAPM no
BPChq, observando sua estrutura de SI, tal como a repercussão que essa ferramenta teve nessa
unidade, devido a transformação de sua cultura da informação, em especial no P2.

2 MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa é de natureza qualitativa, e para atingir os objetivos propostos foi feito um Estudo
de Caso no BPChq da PMPA, com observação participativa de 10 meses (entre agosto de 2016 a
junho de 2017), o que permitiu observar as minúcias do processo de adaptação do SI do P2 ao
Módulo BAPM, e por consequência, sua transição para uma cultura da informação aliada a TI. As
visitas ao BPChq foram intercaladas e previamente agendadas, conforme disponibilidade do
comandante responsável por auxiliar a pesquisa. Todo processo observado foi devidamente
registrado em diário de campo. A observação em campo se limitou a interação dos policiais
envolvidos no SI do BPChq, em especial aos policiais do P2, a fim de compreender como passou a
funcionar o SI daquela seção após a implantação do Módulo BAPM, que alterou significativamente
sua dinâmica. Também foram observados os recursos (humano, material e lógico) que o P2
dispunha, assim como os processos que integravam a alimentação de seu SI perante a nova
ferramenta de registro.
A pesquisa aglutinou mais de uma técnica de coleta de dados. As ferramentas de coleta de
dados foram a de técnica documental (BAPM, relatórios, circulares, planilhas, livros de registro,
entre outros), conversas informais com os policiais (oficiais e praças, homens e mulheres) que
trabalharam no P2 entre 2014 e 2017 e em períodos anteriores, e conversas informais com outros
policiais do Batalhão para levantamento de dados. Destaca-se que para salvaguardar a identidade
dos participantes, são utilizados nomes fictícios, que foram classificados de acordo com suas
patentes em dois grupos: o primeiro composto por policiais praças e o outro por policiais oficiais.

3 O MÓDULO BAPM NO BATALHÃO DE POLÍCIA DE CHOQUE DO PARÁ


O BPChq, integrante das Missões Especiais da PMPA, tem sua gênese em 1992 (PARÁ, 2014),
e desde então possuía um SI artesanal e com pouca tecnologia envolvida, o que muda
gradativamente a partir da alimentação do SIGPOL em 2014. Em 2016, com o BPChq integrando
Rádio patrulhamento da PMPA, surge também a demanda do Módulo BAPM, que exigiu mais
adequações no SI do P2 e, portanto, em sua dinâmica administrativa. Uma vez que, o BPChq não
produzia BAPM para suas ações cotidianas, somente quando passou a integrar o Rádio
patrulhamento de modo oficial é que a produção se torna parte de sua rotina, assim como o Módulo
BAPM no SIGPOL.
Isso acorre, devido à informação na pós-modernidade ser reconhecida como importante
fonte de saber e poder, representadas principalmente pelas estatísticas (SENRA, 1998; FOUCAULT,
2010), e que juntamente com os avanços tecnológicos e qualificação profissional, são capazes de
alcançar eficiência e eficácia em um SI. A eficiência e a eficácia são os objetivos gestacionais de uma
sociedade em rede, que segundo Castells (1999), que tem disseminado a cultura da informação em
todos os setores.
A Segurança Pública não ficou alheia a esse movimento, e ao longo dos anos tem avançado
em direção a TI para modernizar e integrar suas bases de dados, posto que de acordo com Oliveira
208
et al. (2016, p.61) “o desconhecimento elementar ou a falta de valorização da TI e de seus recursos
debilita o planejamento estratégico”. Outrossim, Marchand (1997) aponta que a cultura da
informação ao ser implementada, facilita a gestão, gera informação de maior qualidade, podendo
assim ser utilizada na elaboração de estratégias que venham a beneficiar a organização como um
todo.
Nesse sentido, as informações oriundas dos dados do BAPM são valiosas, pois, o BAPM em
papel (físico), é onde a PMPA deve registrar toda a ação durante o turno de serviço. Essas ações
precisam ser registradas, pois, o BAPM físico, que depois alimentará o Módulo BAPM no SIGPOL,
tornou-se parte fundamental dos indicadores de produtividade da polícia, ao ser capaz de gerar
estatísticas importantes para o planejamento de operações em termos de emprego de recursos
humanos e materiais. Portanto, o potencial dessa ferramenta se assenta nesse viés, já que o Módulo
BAPM pode fornecer o conhecimento que gerará poder gestacional.
Sobre essas as duas formas em que se encontra (físico e digital), há de se destacar que o BAPM
físico deve ser preenchido ao término de cada ação durante o turno de serviço, e o prazo previsto
para alimentação do Módulo BAPM é de até 24 horas após o ocorrido, preferencialmente, e caso
não seja possível, que a alimentação seja em até uma semana (PARÁ, 2015a). A atualização constate
dessa ferramenta se deve a busca por informação quase que em tempo real, que é possibilita pela
TI, que se bem aplicada serve para indicar produtividade coletiva e individual, o que para as
instituições policiais pode gerar resistência. Para, Njaine et al. (1991), há uma certa dificuldade
quando se trata de instituições públicas, devido a sua cultura, no que tange informar a sociedade,
pois, nesse contexto o dever de informar não caberia como função social, e por um longo período
assim o foi.
Em oposição ao temor que fornecer informação a sociedade, há a necessidade de
administrar aliado a recursos informacionais e seus fluxos, o que transforma a realidade de
instituições dos mais diversos setores. Uma vez que, segundo Beal (2008), a informação de
qualidade se transformou em um valioso patrimônio no século XXI, pois, são indispensáveis para o
alcance da eficácia nos processos decisórios e operacionais.
Nas Figuras 1 e 2 tem-se o modelo (frente e verso) do BAPM (físico) que corresponde ao que
se tem no Módulo BAMPM (digital).
Figura 1 - BAPM

209
Fonte: Aditamento ao BG Nº 104, 2015.

Figura 2 - BAPM

210
Fonte: Aditamento ao BG Nº 104, 2015.

O P2, seção responsável pela estatística do Batalhão, foi a que teve maior alteração em sua
cultura da informação, por isso foi onde essa pesquisa se concentrou. No que diz respeito ao BAPM,
durante o período da pesquisa (2016-2017) apenas 01 (um) policial era o encarregado por recolhê-
los, armazená-los e alimentar o Módulo BAPM sistema, na ausência desse auxiliar (folga, férias,
licença, etc.) essa alimentação era interrompida. E para analisar a repercussão que a TI -
representada na PMPA pelo SIGPOL e suas ferramentas - no P2 do BPChq, é preciso apresentar a
maneira como seu SI estava organizado antes da inserção do Módulo BAPM em sua atividade.
Para isso, se faz necessário elucidar que um SI se caracteriza pela interação entre recursos
humanos, hardware (recurso material), software (recurso lógico), dados e redes para executar
atividades de entrada, processamento, saída, armazenamento e controle que convertem dados em
informação (LAUDON & LAUDON, 1999). Portanto, por englobar além de pessoas e processos,
também recursos materiais e recursos lógicos, mesmo que com características peculiares a cada
ambiente, qualquer desajuste entre os referidos elementos compromete o objetivo do SI.
Dentro da dinâmica, até então, do SI do P2, a coleta de dados era feita de modo artesanal
(anotações à mão) por policiais de dentro e fora dessa seção, em seguida os dados referentes as
atividades do P2 eram identificados e armazenados - em meio físico e digital -, posteriormente as
informações adquiridas eram repassadas para o Comando de Missões Especiais (CME), juntamente
com as das outras unidades integrantes, a fim de gerar relatórios e indicadores estatísticos para
gestão desse comando, que posteriormente eram enviados para o Comando Geral para suas
providências. No caso do BAPM, a estatística fornecida pelo CME deve compor os indicadores
criminais de Segurança Pública, juntamente com os dos demais Comandos, informações dos

211
Boletins de Ocorrência da Polícia Civil, e declarações de óbitos do Estado. Segundo com Pará (2015),
deveria facilitar a alimentação do Sistema Nacional de Estatística de Segurança Pública e Justiça
Criminal da Secretaria Nacional de Segurança Pública, porém, o foi possível identificar que processo
que envolve o BAPM no BPChq apresentou problemas em sua incorporação, devido àlgumas
limitações estruturais de SI, o que dificultou seu processo de modernização.
Assim sendo, as percepções dos policiais sobre o que dificulta o andamento do trabalho
administrativo, relacionado à inserção de novas tecnologias no P2 no BPChq, são de diversas ordens,
mas apontam para a necessidade de se compreender melhor os percalços cotidianos da atividade
policial diante de um SI aliado a TI. Sobre isso, Castro et al. (2003) destaca que há uma insuficiência
quanto a estudos que se dediquem a apontar e quantificar deficiências e falhas do sistema
informacional das instituições policiais no Brasil, principalmente no que tange a qualidade dessas
bases de dados.
A exemplo das dificuldades encontradas no SI do BPChq, segundo a policial praça Mary, há
uma enorme carência de material necessário para o bom andamento do trabalho. Durante a
conversa, foi solicitado para que essa policial demonstrasse como se dá a alimentação do Módulo
BAPM, sobre isso a policial praça Mary lamenta “[...] queria te mostrar, mas, pra variar, não tem
internet”. Situação que se repetiu com frequência durante a observação participante. Mary
complementa que mesmo quando a internet “ajuda” não é garantido que o BAPM possa ser
alimentado no SIGOOL, já que pra isso acontecer “[...] todas as seções precisam estar em sincronia,
mas não é o que acontece...”.
Note-se que, a implementação do SIGPOL, assim como todos os seus Módulos, deveria
potencializar o SI de uma forma geral, tornando mais simples e acessível o armazenamento e o fluxo
de dados. Já que, o objetivo da TI no ambiente laboral é de gerar informações de qualidade que
pudessem nortear a tomada de decisão por parte dos gestores. Mas, conforme Moresi (2000), para
tal é primordial que o SI da instituição esteja adequado para suas necessidades, a fim de que o
resultado seja útil em termos gestacionais, de modo que sua função seja cumprida. Oliveira et al.
(2016) destaca que, diante de um novo cenário com a TI, encontra-se a antiga realidade em aparato
tecnológico disponível, evidenciado pelas limitações no SI da PM, ao passo que gera grande
repercussão na dinâmica laboral dos policiais. Santos et al. (2009, p.17) no que se refere a PM
acredita que:

Mesmo com as dificuldades existentes, a Polícia Militar não deve ficar a reboque desta
revolução tecnológica, pois o emprego da tecnologia da informação em prol do serviço
operacional é de fundamental importância para proporcionar eficiência e eficácia na
consecução de sua atividade fim, o policiamento ostensivo. O principal benefício que a
tecnologia da informação traz para as organizações é a sua capacidade de melhorar a
qualidade e a disponibilidade de informações e conhecimentos importantes.

Sobre isso, no período da pesquisa, a estrutura do SI do P2 contava com apenas 01 (um)


desktop (computador de mesa)45 para atender todas as demandas da seção, o programa utilizado
era o BrOffice 46, as planilhas em formato Excel, a internet de baixo alcance com sinal de wifi fraco
e oscilante, e o número de policiais (oficiais e praças) que trabalharam na seção variou durante cada
período, mas nunca ultrapassando o quantitativo de 04 (quatro) no mesmo período (sendo

45
É um termo simplificado oriundo do inglês “Desktop Publisher’ (que é o mesmo que editor de textos de mesa) e que
pode ser traduzido como “em cima da mesa”. No campo da Informática se refere à tela inicial do computador, ou mesmo
a área de trabalho. Ver: https://www.meusdicionarios.com.br/desktop
46
O BrOffice é a versão brasileira do projeto LibreOffice, e se caracteriza por um conjunto de programas criado na década
de 90 para escritório, é um “software livre”, e é multiplataforma, ou seja, pode ser instalado em diferentes sistemas
operacionais como Windows, Linux e FreeBSD. Ver: <http://broffice.org/sobre/>
212
composto por 01 (um) oficial e os demais praças como auxiliares). De acordo com os policiais
ouvidos, os principais problemas relacionados ao seu SI são:

 Haver apenas 01 (um) descktop na seção, que durante o período de coleta de dados,
esteve em manutenção por três vezes, sendo que uma das vezes passou 04 (quatro)
meses até que fosse devolvido a seção;
 A senha de acesso na rede do único desktop, que impede que os backups fossem feitos
em nuvem, Ou seja, toda produção da seção era armazenada em um e-mail ou pendrive.
O que constantemente ocasionava perdas de dados;
 A falta de scanner para atender a demanda dos documentos que precisam ser anexados
ao SIGPOL, e em outras documentações;
 Internet com pouco alcance, que dificulta as tarefas cotidianas;
 O modelo de relatório de produtividade fornecido pelo P2, gerador de dúvidas e
dificuldades quanto ao manuseio da planilha;
 Ter que contar quase que diariamente com a colaboração e disponibilidade dos
equipamentos de outras seções para executar suas tarefas, devido à falta ou inexistência
de recursos materiais necessários na seção;
 Acumulo de tarefas com os processos que envolvem o BAPM; e
 Dificuldade de acesso aos cursos de qualificação para manusear as novas tecnologias no
ambiente laboral.

De acordo com Pinheiro (2016), a PMPA tem investido em tecnologia ao longo dos anos para
melhorar seu serviço operacional e obter maior controle de seu efetivo. Minayo, Assis e Oliveira
(2011) destacam que, fatores como a precariedade de equipamentos tecnológicos dentro das
instituições policiais podem até mesmo representar riscos laborais na profissão, e citam a falta de
treinamento e planejamento das atividades como agravantes desse quadro de precariedade. Logo,
a forma como o SI está organizado, em termos estruturais, determina o bom andamento ou não do
serviço.
Soma-se à precariedade material, o fato de que os policiais envolvidos na rotina
administrativa da Polícia Militar entram a partir de concurso para atividade fim da polícia, onde não
há exigências que versem sobre habilidades e/ou rotinas administrativas, bem como a
conhecimento amplo em TI. Cenário que dificulta por vezes o desenvolvimento do trabalho
administrativo, já que a oferta de cursos de qualificação não é suficiente para suprir a demanda
exigida, e segundo Minayo, Assis e Oliveira (2011), isso representa um grande problema dentro das
instituições policiais. No mesmo sentido, Laudon e Laudon (1999) apontam que se os elementos
que compõe o SI não forem satisfatórios, ou não estiverem em perfeita harmonia, não é possível
alcançar seu propósito de eficiência e eficácia.
Desse modo, a implementação da TI na atividade da PMPA, embora mais tardiamente, é
reflexo desse esforço para modernizar e integrar as bases de dados do Estado, com objetivo de
basear a gestão em informação de qualidade, que segundo Azevedo et al. (2011) é onde tanto o
novo modelo de policiamento como as estratégias dos setores de Segurança Pública deveriam estar
assentados. Entretanto, como pode ser observado na descrição da estrutura de SI do P2 do BPChq,
a implementação do BAPM é comprometida pelo pouco recurso humano, material e lógico
disponível.
Destarte, o SIGPOL marca o início do processo de inserção TI no SI da PMPA, o que
naturalmente teve grande repercussão na atividade policial sabidamente resistente a mudanças,
em especial de ordem tecnológica devido a cultura institucional. Dentro de um SI, o recurso humano
é tão importante como os demais elementos que o compõe, e de acordo com Laudon e Laudon
(1999) e Souza et al. (2011), em um SI organizacional o papel do recurso humano envolvido em cada
213
etapa processual é imprescindível, e esse é um fator complicador quando esbarra-se na resistência
quanto a implementação de novas tecnologias por parte de funcionários que temem o possível
controle e monitoramento. Outrossim, Pereira et al. (2006) destaca que, nos setores militares existe
uma tendência de “não aceitar” a inserção de novas tecnologias nessas instituições, e os receios
mais comuns estão relacionados a mudanças nas estruturas de poder e processos culturais que as
tecnologias podem acarretar.
Essa “cultura profissional” é definida por Monjardet (2003), como um princípio explicativo
de condutas e é onde há a importância do simbolismo dessa análise nas pesquisas sobre polícia, que
se difere das demais justamente devido a essa “cultura”. Portanto, é possível dizer que a cultura é
um fator primordial durante o processo de inserção de novas tecnologias na atividade policial, já
que quaisquer mudanças na rotina dentro das instituições policiais podem significar ameaça a sua
cultura profissional. À vista disso, Alves (2007) acredita que alterar a cultura institucional na polícia
não é impossível, ao mesmo passo que não tão fácil, já que se trata de valores institucionalizados e
transmitidos por gerações durante anos.
No contexto da cultura institucional já enraizada e da pretensa cultura da informação
contemporânea, a presença de TI no SI das instituições policiais torna-se inevitável, visto que a
informação como artigo de poder é pretendida por toda gestão contemporânea. De acordo com
Foucault (1979), a informação deve ser encarada como uma valiosa fonte de poder, e nesse sentido
há uma emergência política estatística, já que esta acabou se tornando um dos maiores
instrumentos da nova racionalidade governamental, sendo, portanto, as estatísticas instrumentos
de saber e poder que servem ao Estado.
A transição da forma de compreender informação como poder impacta primeiramente o
Estado, ao abrir espaço para monitoramento de sua gestão, e em seguida a sociedade a partir do
acesso a informação e todo potencial que isso envolve (LAFER, 2011), e esse controle é possibilitado
em grande parte pelas estatísticas, que em Segurança Pública, deveriam ocupar seu o papel
relevante em termos estratégico, sendo essa uma tendência mundial de informação como poder
(LIMA, 2005; SILVA, 2011). Porém, pelo fato das instituições policiais brasileiras terem passado por
uma superficial reforma, essas instituições acabaram tendo dificuldade com a migração para o novo
contexto social e político do país, fincando-se em concepções tradicionais e burocráticas quanto ao
conceito de Polícia e seu papel na sociedade contemporânea (SOUZA; REIS, 2013).
É nesse contexto que surge o SIGPOL, da necessidade de ampliar o controle, tanto da
sociedade quanto do Estado, a partir de informações. A implementação do Módulo BAPM tem
objetivo similar, no entanto a inserção dessa ferramenta no BPChq se mostrou responsável por
gerar mais resistências e dificuldades do que reais avanços relacionados a SI no P2. Para ilustrar
esse paradoxo, sobre o sistema em questão, o policial oficial James diz que “[...] o intuito dele é
bom! Mas, na prática não funciona!”. O policial se refere a realidade enfrentada por eles no dia a
dia do P2.
A exemplo, por conta do baixo alcance e oscilação do sinal de internet 47 na seção, o SIGPOL
demora bastante para carregar, e não raramente, não carrega completamente a página, o que
dificulta o serviço. Durante uma das visitas a campo, foi obtida a informação de que há cerca de
uma semana o SIGPOL estava fora do ar. Outro exemplo está na composição do SIGPOL que,
segundo informações obtidas em campo, atua com 4 (quatro) tipos de linguagem de programação,
o que dificulta na identificação e resoluções de problemas no sistema pelo Centro de Informática e
Telecomunicações (CITEL), responsável pela manutenção do programa de acordo com Pará (2015).
Devido isso, o SIGPOL é atualizado constantemente, e nem sempre as instruções – direcionadas aos
policiais que o operam - acompanham o ritmo de atualizações. Por vezes, conforme os policiais que
47
A internet utilizada pelo Batalhão é paga por coleta dos próprios policiais, que o fazem para que o trabalho tenha
andamento, pois, segundo os policiais, não há como depender da internet disponibilizada sem custo a unidade, já que a
mesma não permite que praticamente nada seja feito na rede de internet.
214
atuam no P2, eles se sentem “perdidos” com certas ferramentas, incluindo o Módulo BAPM que é
uma das que mais apresentam falhas.
Sobre a coleta de dados, armazenamento e produção de informação, o policial praça Jonah
relata como era a seção quando veio para o Batalhão em 2014, “[...] logo quando cheguei aqui, não
tinha como saber a produtividade do batalhão. Se precisasse dessa informação, tinha que ir lá no
livro. Só tínhamos compilado o que era enviado ao CME, bem geralzão”.
Destaca-se que o BAPM, desde 2012, deveria ser utilizado em toda e qualquer ação das
unidades da PMPA e os comandos teriam, segundo o Aditamento ao BG n°104, apenas 30 dias a
partir da implementação do Módulo BAPM para reestruturar as seções de inteligência (P2), para
alimentar, e armazenar devidamente os atendimentos preenchidos pelos policiais militares (PARÁ,
2015). Apesar disso, no BPChq o Módulo BAPM só foi inserido na rotina do P2 em 2016, culminando
nas primeiras adequações ao SI feitas pelos policias da seção a fim de atender a demanda do BAPM,
entretanto, até abril de 2017 o BAPM físico era preenchido pelos policiais do BPChq exclusivamente
durante as ações de Rádio patrulhamento, pois, os registros das ações programadas 48 sempre foram
feitas por meio de Relatório de Missão, que é modo artesanal de registro que é utilizado desde 1992.
É importante frisar que, o BPChq da PMPA foi o último49 Batalhão do país a aderir a essa
modalidade de Rádio Patrulha. O que só ocorreu em 2016, quando o Governo do Estado juntamente
com a Secretaria de Segurança Pública decidira empregar o BPChq - entre outras unidades
aquarteladas - no Rádio patrulhamento, a fim de aumentar o número de policiais nas ruas.
Certamente o Rádio patrulhamento acarretou dificuldades para o SI do BPChq, mas mesmo antes
desse apelo político e social ao Batalhão, teoricamente, toda a rotina do BPChq já deveria estar
registrada no SIGPOL, mas essa alimentação do sistema costumava ocorrer com um considerável
atraso de uma maneira geral, a situação se agravou com o Módulo BAPM, devido a pouca
importância atribuída à ferramenta (desde a coleta do dado até a alimentação do sistema).
Faz-se necessário esclarecer que, embora a informação proveniente do BAPM seja
promissora, a coleta do dado, até aquele momento, era comprometida por fatores como: desleixo
no preenchimento do documento (letra ilegível, campos em branco, dados incompletos, atrasos na
entrega, etc.), pouca familiaridade com o modelo de BAPM, resistência as alterações nas funções
cotidianas, desconhecimento sobre o potencial das informações provenientes da coleta de dados,
entre outros. O preenchimento do BAPM era fator de embaraço para os policiais do BPChq naquele
contexto, sobretudo, durante o Rádio patrulhamento, já que, segundo o policial oficial James, “[...]
como são procedimentos completamente diferentes, o policial do Choque não tem a mesma
expertise pra preencher o BAPM que um “policial de rua”, que já tá acostumado com isso!”.
Note-se que na teoria o BAPM deve ser preenchido para qualquer de ação (programada ou
não) da PMPA (PARÁ, 2015), mas na prática não funciona dessa maneira, até devido aos diferentes
tipos de registros (Livro do Oficial de Dia; Livro de Ocorrência da Guarda; Relatório de Missão; etc.)
que o próprio BPChq possuía à época. Ressalta-se que o documento denominado “Relatório de
Missão”, era a fonte mais fiel de dados do BPChq, por isso, preencher o BAPM significava “trabalhar
dobrado”, já que tudo era anotado primeiramente nesse relatório e depois precisa ser repetido no
BAPM.
Normalmente, o preenchimento do BAPM físico fica a cargo do policial oficial da viatura
durante o Rádio patrulhamento, mas de acordo com relatos dos policiais, qualquer um integrante
da viatura poderia preenchê-lo. Quase todos os campos do BAPMA precisam ser preenchidos, com
exceção dos campos “informações complementares” e “outras providências”, que dependem da
necessidade de informar ou não. Os campos obrigatórios são: N° BAPM; N° missão; Relator;

48
Ações programadas são aquelas com ordem de serviço predeterminada que justifique o motivo dela, e se opõe as ações
espontâneas, que são aquelas que requerem o emprego da tropa sem aviso prévio.
49
Visto que o Batalhão de Tocantins ainda não está estruturado, por isso ainda não atua no Rádio patrulhamento.
215
Acionamento; Natureza do fato; Local do fato; Início da ação policial; Guarnições envolvidas;
Apreensões realizadas; Indivíduos envolvidos; Apresentação; e Término da ação policial.
Com relação à quantidade de campos no BAPM, o policial praça Charles questiona: “Pra mim
é informação demais. Poderia ser algo mais simples. Sabe quanto tempo a gente levaria pra
preencher um negócio desses todo? De 10 a 15 minutos. Na rua tu não tem esse tempo. Senão o
cara vai passar a noite toda só preenchendo papel”. O que evidencia um entendimento equivocado
quanto a importância da coleta de dados (de qualidade), igualmente, uma certa resistência com
relação a demanda do Rádio patrulhamento, mas, não deixa de ser legítima, ao levar-se em
consideração a capacitação do profissional no que tange a compreensão da ferramenta e de suas
etapas. A respeito dos movimentos de resistência dentro das instituições, para Goffman (1987),
esses focos de resistência inclinam-se a apropriar-se de todo e qualquer espaço vulnerável do
dispositivo institucional, e são nesses espaços que os ajustamentos secundários emergem e por
conseguinte se alastram pelo ambiente.
Ainda nessa perspectiva, para o policial praça Jonah: “O próprio modelo de BAPM já é
problemático. Poderia ser mais abrangente, mas, por outro lado, se assim ele já não é preenchido
totalmente...”. Em tal caso, é importante ressaltar que o Módulo BAPM contempla, de forma mais
didática e criteriosa, todos os campos do BAPM em papel. E quando as informações que não são
facultativas deixam de estar devidamente preenchidas no BAPM físico, gera problemas para o
auxiliar do P2 encarregado de alimentar a ferramenta correspondente.
Os policiais participantes que conversaram sobre a funcionalidade do BAPM, quando
questionados a respeito, demonstravam não enxergar benefícios no preenchimento deste, e,
portanto, não vislumbravam qualquer importância do mesmo em seu relatório. Alguns
participantes justificaram esse certo “desprezo” pelo BAPM, por este não ser adaptado para o
BPChq, por esse motivo não haveria “identificação com o documento”, e mencionaram que
possíveis adaptações da ferramenta poderiam melhorar seu “nível de aceitação”. A adequação do
BAPM as necessidades do BPChq é algo pouco provável, visto que o modelo de BAPM foi idealizado
para atender toda PMPA.
A estrutura de SI do BPChq mostrou-se um fator de atrapalho para a implementação do
BAPM, pois, até o fevereiro de 2017 o BAPM não era inserido no SIGPOL com frequência, de acordo
com o policial praça Philip, o documento era alimentado no sistema somente “[..]quando dava!”.
Deixando claro que, inserir o BAPM não era a prioridade no serviço do P2, uma vez que não havia,
até então, utilidade para esses dados no SIGPOL, segundo entendimento desse auxiliar. Em
contrapartida, o policial praça Jonah, lamenta que durante todo o mês de maio de 2017 o P2 não
teve acesso ao SIGPOL, dizendo que “[...] no sistema a gente não conseguia inserir o BAPM direito
até esse ano”, e constata que “o grande problema é que a maioria não compreende que o registro
é muito importante, e que uma série de processos depende disso”, ao se referir a dificuldade de
compreensão dos policiais que coletam os dados em campo para preenchimento do BAPM.
Há ainda a questão do atraso na entrega desse BAPM após as missões, segundo o praça Mark
“[...] tem BAPM do mês passado que ainda não foi preenchido. Eu tenho que me virar pra fazer o
trabalho”, o policial ainda admite que: “a gente tem muita dificuldade com isso, porque o pessoal
não entende que precisa preencher logo o BAPM.” O auxiliar responsável por inserir o BAPM no
SIGPOL, desde que conseguiu o acesso a essa ferramenta, começou a alimentar o sistema conforme
sua escala de serviço, mas, por ser um trabalho em sincronia com as outras seções, não houve
sucesso nisso e o trabalho está acumulado, devido a isso, o mesmo acredita que “[...] não conseguiu
alcançar um bom rendimento, que seria de 24 horas após a missão. Esse “bom” é opinião minha!”
(POLICIAL PRAÇA JONAH).
Tal como aponta Manning (2003), a ausência de treinamento, medo e resistência dos
policiais quanto as tecnologias, parque tecnológico inexistente ou defasado, sistemas arcaicos de
armazenamento de dados, pouco aproveitamento de pessoal qualificado dentro da instituição e etc,
216
servem como atrapalho no propósito de eficiência que as inovações poderiam oferecer a essas
organizações. Marchand (1997) e Meireles (2010) afirmam que a cultura da informação é vital para
uma boa gestão, posto que leva em consideração a forma como as pessoas lidam/encaram a
informação, a importância que atribuem a ela, de modo que para que a cultura da informação seja
incorporada a cultura institucional é preciso que haja ajuste nos elementos que compõe esse
ambiente.
No BPChq, foi possível observar que uma parcela grande dos policiais inseridos naquele
contexto encara o BAPM como sem qualquer finalidade prática, já que parte significativa dos
policiais (oficias e praças) não entende a necessidade do registro do documento físico e
posteriormente na plataforma BAPM, e ainda há uma boa parcela de policiais que acredita que
preenchimento do BAPM é “perda de tempo”, não encontrando utilidade efetiva para esse registro.
Sobre a realidade encontrada no BPChq, se alinha com a realidade encontrada, a afirmação de
Bengochea et al. (2004, p.131), ao apontar que “[...] o grande desafio colocado no processo de
democratização dos países da América Latina, hoje, quanto às organizações policiais, é a questão da
função da polícia, do conceito de polícia”.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A informação é um artigo indispensável para gestão no século XXI, e a TI vem para possibilitar
avanços no SI. Desse modo, o Módulo BAPM tornou-se uma das ferramentas mais importantes do
SIGPOL, devido seu potencial de propiciar informações para confecção de relatórios e estatísticas
criminais para gestão do conhecimento (produtividade e estratégia operacional). Contudo, a
transição para uma cultura da informação dentro da PMPA não ocorreu sem impactar a atividade
laboral dos policiais, já que foi preciso reestruturar seu SI a fim de adequá-lo. O aporte teórico
demonstrou que um SI para ser eficiente e eficaz depende da sincronia entre a tecnologia (recurso
material e lógico), recurso humano e dos processos, nesse sentido, a estrutura do P2 do BPChq
mostrou-se pouco adequada, durante o período de pesquisa de campo, quanto a esses elementos,
para que a TI pudesse beneficiar seu SI e, por conseguinte a gestão.
O BAPM repercutiu de formas diferentes entre os policiais do BPChq, variando de acordo
com a atuação de cada um dentro do SI. Para os policiais praças, na prática responsáveis pelo
preenchimento do BAPM físico, as dificuldades mais citadas foram a quantidade de campos
“desnecessários”, demanda grande de tempo para preencher e a duplicata de registro. Com relação
aos policiais oficiais, há pouca confiabilidade nas informações oriundas do Módulo BAPM, já que
para esses comandantes, na prática, o sistema não funciona. Os dois grupos concordaram que
aumento na produção de BAPM trouxe acúmulo de funções, porque mantiveram seus registros
artesanais e ainda precisavam novamente registrar os dados no BAPM (físico e digital).
Evidencia-se que para que a cultura da informação aliada a TI seja implementada de maneira
completa no SI do BPChq, e as informações geradas sejam fonte de poder, há a necessidade de
maior investimento em recursos materiais e lógicos, tal como maior investimento na qualificação
dos recursos humanos responsáveis pela coleta de dados e alimentação do sistema, pois, observou-
se que poucos policiais dominavam a TI – sofisticada ou não -, e os cursos de capacitação para o
BAPM e SIGPOL eram escassos, e quando ofertados, não contemplam a totalidade dos profissionais.
Os elementos citados, são fatores que obstaculizam o processo de implementação do Módulo BAPM
nessa unidade. Destarte, os objetivos desse artigo, de analisar a implementação do Módulo BAPM
no BPChq a partir de sua estrutura de SI e repercussão da cultura da informação aliada a TI, foram
alcançados.

REFERÊNCIAS

217
ALVES, Isaias. Cultura profissional e violência policial: uma discussão. Revista Estudos do
Trabalho (RET), v. 1, n. 1, p. 10, 2007.

AZEVEDO, Ana Luísa Vieira de; RICCIO, Vicente; RUEDIGER, Marco Aurélio. A utilização das
estatísticas criminais no planejamento da ação policial: cultura e contexto organizacional como
elementos centrais à sua compreensão. Ciência da Informação, v. 40, n. 1, p. 9-21, jan./abr., 2011.

BEAL, A. Gestão estratégica da informação: como transformar a informação e a tecnologia da


informação em fatores de crescimento e alto desempenho nas organizações. São Paulo: Atlas,
2008.

BENGOCHEA, Jorge Luiz Paz; GUIMARAES, Luiz Brenner; GOMES, Martin Luiz; ABREU, Sérgio
Roberto de. A transição de uma polícia de controle para uma polícia cidadã. Perspectiva. [online].
v. 18, n. 1, p. 119-131, 2004. Disponível em:
http://srvweb.uece.br/labvida/dmdocuments/a_transicao_de_uma_policia_de_controle.pdf
Acesso em: 23 dez. 2016.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. 8.


ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CASTRO, Mônica S Monteiro; ASSUNÇÃO, Renato M; DURANTE, Marcelo Ottoni. Comparação de


dados sobre homicídios entre dois sistemas de informação. Saúde Pública, Minas Gerais, 2003.
Disponível em: <www.fsp.usp.br/rsp> Acesso em: 21 jul. 2016.

GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1987.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Trad. e Org. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1979.

_________________ Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

LAFER, Celso. Vazamentos, sigilo, diplomacia: a propósito do significado do WikiLeaks. Política


Externa, v. 19, n. 4, p. 11-17, mai. 2011.

LAUDON, K. C., LAUDON, J. P. Sistemas de Informação: com internet. Trad. Dalton Conde de
Alencar. 4. ed., Rio de Janeiro: LTC, 1999.

LIMA, Renato Sérgio de. Contando crimes e criminosos em São Paulo: uma sociologia das
estatísticas produzidas e utilizadas entre 1871 e 2000. 204 f. Tese de Doutorado - Universidade de
São Paulo (USP), 2005.

MANNING, Peter K. As tecnologias de informação e a polícia. In: TONRY, Michael; MORRIS, Norval
(Org.). Policiamento moderno. Tradução Jacy Cardia Ghirotti. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2003.

MARCHAND, D. A cultura da informação de cada empresa. Gazeta Mercantil, n.10, p. 6-9, out
1997.

218
MEIRELES, Manuel Antônio da Costa. Gestão das informações organizacionais. Itu: Ottoni
Editora, 2010.

MINAYO, Maria Cecília de Souza; ASIS, Simone Gonçalves; OLIVEIRA, Raquel Vasconcelos. Impacto
das atividades profissionais na saúde física e mental dos policiais civis e militares do Rio de Janeiro.
Ciência e saúde coletiva [online], v. 16, n. 4, abr. 2011. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n4/v16n4a19> Acesso em: 21 de setembro de 2016.

MONJARDET, Dominique. O que faz a polícia: Sociologia da Força Pública. Tradução Mary
Amazonas Leite de Barros. São Paulo: EDUSP, 2003.

MORESI, Eduardo Amadeu Dutra. Delineando o valor do sistema de informação de uma


organização. Ciência da Informação, v. 29, n. 1, p. 14-24, jan./abr. 2000.
NJAINE, Kathie; SOUZA, Edinilsa Ramos de; MINAYO, Maria Cecília de Souza. ASSIS, Simone
Gonçalves de. A produção da (des)informação sobre violência: análise de uma prática
discriminatória. Cad. Saúde Pública, p. 405-414, jul-set. 1997.

OLIVEIRA, Joel Souza de; GRUBER, Vilson; MARCELINO, Roderval; LUNARD, Giovani Mendonça. As
Tecnologias da Informação e Comunicação na gestão administrativa e operacional da Segurança
Pública. In: SPANHOL, Fernando J.; LUNARD, Giogavi L.; SOUZA, Marcio Vieira de. (Org.).
Tecnologias da Informação e Comunicação na Segurança Pública e Direitos Humanos. São Paulo:
Blucher, 2016.

PARÁ. Diretriz geral de emprego operacional n° 001/2014 DGOp da Polícia Militar do Pará.
Imprensa Oficial do Estado do Pará: Belém, 2014.

PARÁ. Aditamento ao BG Nº 104 de 10 jun de 2015. Assuntos Gerias e Administrativos: Boletim


de Atendimento Policial Militar – manual de preenchimento. Belém, 2015.

PEREIRA, Maria Cecília; SANTOS, Antônio Claret dos; BRITO, Mozar José de. Tecnologia da
Informação, cultura e poder na Polícia Militar: uma análise interpretativa. Cadernos EBAPE.BR -
FVG, v. 4, n. 1, mar. 2006. Disponível em: <www.ebape.fgv.br/cadernosebape> Acesso em: 10 dez.
2016.

PINHEIRO, Kilson Leonez. O Sistema Integrado de Gestão Policial - SIGPOL: o banco de dados da
Polícia Militar do Estado do Pará. 53 f. Trabalho de Conclusão de Curso - Instituto de Ciências
Aplicadas da Universidade Federal do Pará, 2016.

SANTOS, Márcio de Alcântara; ANJOS, Melquisedeque Cerqueira dos. ANDRADE, Rubenilton


Matos. A eficiência e eficácia do uso da Tecnologia da Informação na Polícia Militar da Bahia na
integração dos processos de coleta, armazenamento, disseminação e uso das informações.
Trabalho de Especialização - Faculdade de Administração da Universidade Federal da Bahia, 2009.

SENRA, Nelson de Castro. A coordenação da estatística nacional: o equilíbrio entre o desejável e


o possível. 1998. 176 f. Tese de Doutorado - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 1998.

SILVA, Mariane Delgado de Carvalho. Exercício pleno da cidadania: a transparência como


instrumento de controle social. IV Congresso de gestão de pessoas CONSAD, Brasília: DF, 2011.

219
SOUZA, Jaime Luiz Cunha de; REIS, João Francisco Garcia. Cultura Policial e Direitos Humanos:
contradições e conflitos da Polícia Militar do Pará. In: BRITO, Daniel Chaves de; SOUZA, Jaime Luiz
Cunha de. (Org). Na periferia do policiamento: Direitos Humanos, violência e práticas policiais.
Belém: Paka-Tatu, 2013.

SOUZA, Edivanio Duarte de; DIAS, Eduardo José Wense; NASSIF, Mônica Erichsen. A gestão da
informação e do conhecimento na ciência da informação: perspectivas teóricas e práticas
organizacionais. Inf. & Soc, v. 21, n. 1, p. 55-70, jan./abr. 2011.

220
AÇÕES DESENVOLVIDAS PELOS NÚCLEO DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS NO
BRASIL

Lucas Moura Figueiredo


Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda
50

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tratou de um problema cada vez mais assente na realidade brasileira e
diretamente vinculado à questões relativas à segurança pública, das áreas de fronteira e relativas à
dignidade humana: o tráfico de pessoas no Brasil. Trata-se de um ilícito de grande relevância, que
rende bilhões de dólares no comércio internacional por ano e é uma das atividades crescentes entre
as organizações criminosas internacionais (SOUTO, 2017).
Diversas são as finalidades decorrentes da prática do tráfico humano: exploração sexual
comercial, exploração da mão de obra, para utilização das vítimas nas cadeias produtivas e
comerciais do tráfico de drogas, extração e comercialização de órgãos ou tecidos, dentre outros.
Neste contexto, não é difícil afirmar que a prática importa uma grave violação dos direitos humanos
assegurados pela Constituição Federal (BRASIL, 1998) e diversas normas de caráter internacional.
Segundo Oliveira (2016) esse crime pode também ser chamado de escravidão moderna, em
decorrência de seu surgimento em tempos de escravidão colonial e perpetuação até os presentes
dias, tendo como principais vítimas, justamente, pessoas de países subdesenvolvidas – como o Brasil
– que perdem sua liberdade, convívio familiar e social e, sobretudo, sua dignidade humana, quando
não, a própria vida.
Não obstante, o tráfico de pessoas ainda é um problema pouco discutido no viés científico
(quando comparado com o volume geral de publicações, das diversas ciências, envolvendo a
dignidade humana e segurança pública), sobretudo, no que toca à prevenção e o apoio às vítimas,
a despeito do recrudescimento de ocorrências e papel desempenhado pelo Brasil no contexto
internacional. Nesse sentido, Cunha e Pinto (2017) destacam que ainda há pouca integração entre
os órgãos nacionais de segurança, para constituição de políticas e medidas concretas de combate à
espécie.
Ainda, assim, há que se destacar a existência de estruturas, criadas por iniciativa do Governo
Federal para enfrentamento do problema: os Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas –
NETP’S. Os NETP’s constituem 17 estruturas espalhadas pelo Brasil, que auxiliam na prevenção do
tráfico humano, dentre outros, através de ações em combate e prevenção (BRASIL, 2013b). E, no
contexto de existência dessas estruturas orgânicas especializadas, o intuito deste trabalho consistiu
em identificar e expor as ações desenvolvidas pela rede de núcleos de enfrentamento ao tráfico de
pessoas – NETP’s para a prevenção do crime de tráfico de seres humanos no Brasil, até o primeiro
semestre do ano de 2018.
A discussão se mostra relevante, primeiramente, no sentido de revelar, à comunidade
científica e sociedade em geral, quais são as medidas que o poder público federal têm desenvolvido
no enfrentamento do problema, sobretudo, num aspecto preventivo. Além disso, o trabalho acaba
por revelar a própria dinâmica de tratamento das vítimas da espécie criminal e como o Estado tem
tratado seus direitos humanos. E, por fim, o trabalho representa um passo sobre a discussão das

50
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
FIGUEIREDO, Lucas Moura; REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias. Ações desenvolvidas pelos
núcleo de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias;
REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua:
CROM, 2021.
221
medidas concretas a serem adotadas, compartilhando informações e saberes relevantes ao
enfrentamento do tráfico humano internacional e demais ilícitos correlatos, que, em última
instância, podem contribuir para a segurança pública e desenvolvimento nacional.
Partindo disso, o trabalho iniciou com a discussão conceitual envolvendo o tráfico de seres
humanos e legislações pertinentes, após o que definiu os contornos metodológicos da análise. Por
fim, foram destacadas as atividades preventivas e compensatórias desenvolvidas pelos NETP’s
elucidando o problema de pesquisa elucidado ao norte.

2 DESENVOLVIMENTO
2.1 DEFINIÇÃO DE TSH – TRÁFICO DE SERES HUMANOS

O tráfico de seres humanos, basicamente, representa uma atividade de comércio de


pessoas, comparável a uma nova versão das clássicas formas de escravidão (OLIVEIRA, 2016), onde
o ser humano é submetido a um processo de transformação em algo análogo a um produto
comercial (BAUMAN, 1998).
Melo (2015), por sua vez, aponta que esse processo de comercialização humana atende à
múltiplas finalidades: suprimento de demandas de mão de obra no trabalho escravo ou para o
tráfico de drogas, para fins de exploração sexual, para fins de comercialização de crianças em burla
à processos legais de adoção, para comercialização de órgãos, para realização de trabalhos forçados,
etc. Há, portanto, uma infinidade de destinos para as vítimas, de acordo com a criatividade de seus
respectivos algozes.
A definição de tráfico de pessoas, por sua vez, encontra uma importante delimitação de
caráter internacional no teor do artigo 3º, alínea A, do Protocolo de Palermo, que o define enquanto
qualquer forma de:

[...] O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de


pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto,
à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega
ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que
tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo
menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o
trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão
ou a extração de órgãos [...] (ONU, 2000).

Já conforme Jesus (2003, p. 7) as redes globais de Organizações da Sociedade Civil - OSCS -


integradas à iniciativa de proteção às vítimas do tráfico humano, tratam o tráfico humano como:

Todos os atos ou tentativas presentes no recrutamento, transporte, dentro ou através das


fronteiras de um país, compra, venda transferência, recebimento ou abrigo de uma pessoa
envolvendo o uso do engano, coerção (incluindo o uso de força ou abuso de autoridade) ou
dívida, com o propósito de colocar ou reter tal pessoa, seja por pagamento ou não, em
servidão involuntária (doméstica, sexual ou reprodutiva), em trabalho forçado ou cativo, ou
em condições similares à escravidão, em uma comunidade diferente daquela em que tal
pessoa viveu na ocasião do engano, da coerção ou da dívida inicial.

Ainda sobre o mesmo conceito, tem-se que o código penal brasileiro (BRASIL, 1940), em seu
artigo 149-A, tipificou o tráfico humano como um crime de múltiplas condutas possíveis (crime
complexo), abordando em seus incisos possíveis destinações das vítimas, como se vê a seguir:
222
Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher
pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:
I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;
II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;
IV - adoção ilegal;
V - exploração sexual.
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se:
I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto
de exercê-las;
II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;
III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de
hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica
inerente ao exercício de emprego, cargo ou função;
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. (Incluído pela
Lei nº 13.344, de 2016)
§ 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar
organização criminosa. (BRASIL, 1940, n.p.)

Como se vê, apesar da tentativa exaustiva de explicitação das finalidades da conduta


criminosa, o legislador, infelizmente, acabou por engessar a possibilidade de caracterização do
tráfico a partir de outras destinações não previstas pela ciência jurídica e sociedade, o que pode
abrir margens argumentativas em defesa de traficantes que, de forma ardilosa, consigam evitar que
o destino do ser humano se enquadre nas possibilidades dos incisos I a V, à exemplo de um caso
registrado na África, onde falsas creches que recebiam crianças por caridade, em verdade,
destinando-as ao tráfico de órgãos (BRASIL, 2013c). Neste caso, não haveria uma ilegalidade a priori,
o que, pela falta de enquadramento nas finalidades destacadas, impediriam algumas medidas
acautelatórias (sem provas primárias concretas).
Em igual sentido, deve-se destacar o contrabando de migrantes, cuja caracterização não
depende de “exploração, mas tão somente que se receba benefício para promover a entrada ilegal
de outrem em determinado país, ao passo que a exploração é o núcleo central e a finalidade do
crime de tráfico de pessoas” (BRASIL, 2013c, P. 62).
A despeito disso, é assente que o legislador brasileiro primou pela proteção de sujeitos
socialmente vulneráveis (como se vê do §1º, inciso II e III do referido artigo), reforçando a tese de
que a espécie criminal se encontra diretamente afeta à direitos humanos inalienáveis. Justamente
em função disso, a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça – SNJ/MJ (BRASIL, 2013c,
p. 15) destacou que o TSH – Tráfico de Seres Humanos - constitui afronta a dignidade humana e uma
violação aos direitos humanos, afinal, “explora a pessoa, limita sua liberdade, despreza sua honra,
afronta sua dignidade, ameaça e subtrai a sua vida”.
O TSH, aliás, decorre de um contexto natural de exploração e desigualdades sociais, que
permitem que pessoas sejam classificadas numa condição de sub-cidadania social, onde a pobreza
ou a marginalidade importam um status de redundância existencial (BAUMAN, 1998). Deve-se
destacar que o tráfico recai, majoritariamente, sobre vítimas que não possuem condignas condições
financeiras, tornando-as, portanto, suscetíveis à falsas promessas de uma vida melhor. Em um
trecho do livro publicado pelo SNJ/MJ (2013), ilustra-se como ocorre a captura das vítimas:

[...] quase sempre, a vítima se encontra fragilizada por sua condição social, tornando-se
alvo fácil para a cadeia criminosa de traficantes que a ludibria com o imaginário de uma vida
melhor. Aproveitando-se de sua situação de vulnerabilidade e da ilusão de um mundo
223
menos cruel, transforma a vítima em verdadeira mercadoria. A crise mundial, causa do
aprofundamento da pobreza e das desigualdades, cria espaços para o fomento das mais
diversas formas de exploração mediante o comércio de seres humanos [...] (SNJ/Ministério
da Justiça, 2013, p.16).

De outro lado, deve-se destacar que o ato de se retirar alguém de seu espaço de vida (ou
seja, do local em que se deu a construção de sua história, relações, laços e significados), por mais
precário que este seja, importa numa conduta de desterritorialização (HAESBAERT, 2006), que
impõe o rompimento de vínculos entre a pessoa e sua identidade, com consequências
potencialmente irreversíveis para as vítimas.
Contudo, deve-se delinear que a complexidade de condutas impõe uma visão mais complexa
sobre a atividade em questão já que a tentativa do legislador, em verdade, foi a de conglobar a
totalidade (imprevisível) de condutas voltadas ao comércio de seres humanos, repita-se, para uma
miríade (igualmente imprevisível) de finalidades. Em analogia ao que Chagas (2014), Reis Netto e
Chagas (2018) referem em relação ao tráfico de drogas, pode-se afirmar que o tráfico humano se
insere como uma atividade análoga a uma empresa, em que o humano se constitui como o principal
produto de desejo de uma demanda viabilizada por um apavorante comércio.
Além disso, a atividade criminosa em questão pode ocorrer de maneira isolada ou
concomitante com outras atividades ilegais, que se sirvam das mesmas rotas ou estruturas
orgânicas, como o tráfico de drogas, armas e joias, caracterizando o que a literatura define como
politráfico (CAMPOS, 2014). Justamente em razão destes caracteres, o United Nations Office on
Drug and Crime – UNODC (2018) (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes, vinculado à
Organização das Nações Unidas), estimou que a atividade tenha movimentado o importe de 32
bilhões de dólares, no ano de 2018.
Em razão disso, não obstante a conceituação presente nos tratados internacionais e normas
brasileiras, é de se considerar que o tráfico humano se constitui como uma atividade econômica
que, por sua estrutura, normalmente é exercida por organizações criminosas nacionais ou
transnacionais cuja finalidade principal é o lucro (direto ou indireto), a partir da desterritorialização
e comercialização de vidas humanas.

2.2 TRATAMENTO NORMATIVO INTERNACIONAL E NACIONAL RELATIVO AO COMBATE DO TRÁFICO


DE SERES HUMANOS

Conforme Castilho (2007) o combate ao tráfico de seres humanos não contava com uma base
normativa específica e concreta que delineasse políticas de ação concreta para enfrentamento do
problema, nem, tampouco, previsão legal para a prevenção e punição dos acusados do crime de
forma rigorosa, não obstante a existência de tratados internacionais versando sobre o assunto (de
maneira esparsa).
De acordo com Oliveira (2016), o assunto ganhou maior importância ao fim do século XIX e
no decorrer do século XX, quando passou a se registrar uma maior mobilização da comunidade
internacional a fim de conter e combater o tráfico de pessoas. Com a chegada do século XXI,
afigurou-se maior o empenho comunitário contra a prática deste crime, mediante a celebração de
tratados, programas em aeroportos para alertar a população, realização de projetos para reinserir
a vítima em seu antigo locus, dentre outros.
Em dezembro de 1948, foi adotada pelas Organizações das Nações Unidas a Declaração
Universal dos Direitos Humanos – DUDH (ONU, 1948), a qual, estabeleceu que os princípios de
Direitos Humanos Fundamentais e a liberdade devem ser garantidos a todas as pessoas, adotando-
se como substrato principal a dignidade da pessoa humana, a universalidade dos direitos humanos,

224
bastando à simples condição de pessoa para que seja possível a reivindicação de proteção, em
qualquer lugar ou situação (RODRIGUES, 2013).
Rodrigues (2013) comenta, ainda, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é tida
como um dos principais instrumentos normativos de enfrentamento ao tráfico de pessoas,
juntamente com outros tratados, convenções e pactos. No que tange ao tráfico de pessoas, a
Declaração em seu art. 4º, dispõe que “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a
escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas” (ONU, 1948).
Em 1966, para fins práticos, foi criado o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
(ONU, 1966), com a intenção de proteger e de disponibilizar instrumentos para que se fosse
efetivada a proteção dos direitos quando violados. O instrumento normativo em questão se
mostrou mais rigoroso do que a DUDH, impondo a obrigação aos Estados em respeitar os direitos
nele consagrados (RODRIGUES, 2013). No que se refere ao tráfico de pessoas, em seu art. 8º, o Pacto
versou que que: “Ninguém poderá ser submetido à escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos,
em todas as suas formas, ficam proibidos” (ONU, 1966).
Como principal consequência da criação do United Nations Office for Drug and Crime –
UNODC (escritório das nações unidas sobre drogas e crimes), em 1997, foi publicado o Protocolo de
Palermo em 2000, convenção complementada por três protocolos: o Protocolo Relativo à
Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças; o
Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea; e o
Protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes e
munições (ONU, 2000). Neste documento, tipificou-se o que seria o tráfico humano (conforme já
analisado acima) e criminalizou esse ato. Segundo o trecho extraído do Protocolo de Palermo, no
artigo 2°, fica claro identificar a sua finalidade:

Artigo 2.º Objeto O presente Protocolo tem como objeto: a) Prevenir e combater o tráfico
de pessoas, prestando uma especial atenção às mulheres e às crianças; b) Proteger e ajudar
as vítimas desse tráfico, respeitando plenamente os seus direitos humanos; e c) Promover
a cooperação entre os Estados Partes de forma a atingirestes objetivos (ONU, 2000).

Em relação ao Protocolo de Palermo, Castilho (2007, p. 7) destaca que:

[...] O Protocolo busca garantir que sejam tratadas como pessoas que sofreram graves
abusos, os Estados membros devem criar serviços de assistência e mecanismos de
denúncia. O terceiro é concernente à finalidade do tráfico. Nas Convenções até 1949 a
preocupação era coibir o tráfico para fins de prostituição. O Protocolo acolhe a preocupação
da Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores para combater o
tráfico de pessoas com propósitos ilícitos, neles compreendidos, entre outros, a
prostituição, a exploração sexual (não mais restrita à prostituição) e a servidão. O Protocolo
emprega a cláusula para fins de exploração, o que engloba qualquer forma de exploração
da pessoa humana, seja ela sexual, do trabalho ou a remoção de órgãos. A enumeração é
apenas ilustrativa. Atualmente não há limitação quanto aos sujeitos protegidos e na
condenação de todas as formas de exploração. Cabe registrar, porém, a mudança que se
estabeleceu acerca do valor consentimento e, ainda, o detalhamento conceitual.
Inicialmente a prostituição era mencionada como uma categoria única. Hoje o gênero é a
exploração sexual, sendo espécies dela turismo sexual, prostituição infantil, pornografia
infantil, prostituição forçada, escravidão sexual, casamento forçado [...].
.

Contudo, Castilho (2007) ainda assevera que os desafios para prevenção e contenção do
tráfico de pessoas são inúmeros: há a necessidade de mudanças legislativas que contemplem as
225
peculiaridades do crime, de fortalecimento institucional do Estado, e, sobretudo, há a necessidade
de apoiar e assegurar a sustentabilidade de organizações da sociedade voltadas a proteção dos
grupos mais vulneráveis da sociedade. E o grande vácuo temporal entre as normativas
internacionais, em muito, colabora com o problema.
Representativa, por sua vez, foi a publicação da Diretiva 2011/06/EU, do Parlamento
Europeu e do Conselho Da União Europeia (2011), relativa à prevenção e luta contra o tráfico de
seres humanos e à proteção das vítimas, substituindo normativas esparsas anteriores sobre o tema
e aperfeiçoando medidas concretas de combate ao ilícito transnacional. Este documento reitera a
afirmação do tráfico de pessoas enquanto grave violação aos direitos humanos, tendo como
preocupação central, a proteção das vítimas do tráfico, seu acolhimento e a adoção de medidas
preventivas que contribuam efetivamente para acabar com esse tipo de crime (BRASIL, 2013).
No âmbito nacional, em 2004, o protocolo de Palermo foi ratificado pelo Brasil por meio do
Decreto nº 5.017, de 12/03/2004, ocasionando a alteração do Código Penal Brasileiro de 1940
(BRASIL, 1940). Assim, o tráfico de pessoas, que já estava previsto nos extintos artigos 231 e 231-A,
ambos do Código Penal – CP, passou a ser objeto de um espectro protetivo maior (SPRANDEL;
MANSUR, 2011), abrangendo outros tipos de exploração, além da exploração sexual (CUNHA;
PINTO, 2017).
Posteriormente, somente em 2016 é que foi promulgada uma norma específica sobre o TSH:
a lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016, que, em seu artigo 1º e parágrafo único51, trata da definição
dos tipos de crimes de tráfico humano, bem como, dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico
interno e internacional de pessoas, estabelecendo medidas de atenção às vítimas. Em relação ao
diploma, Cunha e Pinto (2017, p. 12) afirmam que :

A Lei 13.344/2016, adaptando nossa legislação à internacional, em especial à Convenção


das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção,
Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, revogou formalmente os arts. 231 e 231-A.
Criou novo tipo, retirando-o do Título VI – dos crimes contra a dignidade sexual –, migrando-
o para o Título I – dos crimes contra a pessoa –, Capítulo IV – dos crimes contra a liberdade
individual –, abrangendo a exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, práticas
similares à escravatura, a servidão, adoção e a remoção de órgãos. Outra alteração
concretizada pela nova Lei foi reunir, no mesmo dispositivo, o tráfico nacional e
transnacional de pessoas, ficando este (tráfico transnacional) com “status” de majorante de
pena (CUNHA; PINTO, 2017, P 12).

Essa lei conferiu maior atenção para o combate para do TSH no Brasil, alterando o código
penal brasileiro e incluindo o artigo 149-A52, que previu os tipos de exploração das vítimas no tráfico
humano (sob as críticas já enunciadas anteriormente). No entanto, a discussão normativa não é
suficiente para o tratamento do problema, afigurando-se necessária uma compreensão a respeito
das políticas efetivamente desenvolvidas para o combate do TSH no Brasil, pelo que, por sua vez,
buscou-se uma verificação das mesmas no tópico a seguir.

2.3 POLÍTICAS NACIONAIS PARA O ENFRENTAMENTO DO CRIME DE TRÁFICO DE SERES HUMANO

51
Art. 1º Esta lei dispõe sobre o tráfico de pessoas cometido no território nacional contra vítima brasileira ou
estrangeira e no exterior contra vítima brasileira. Parágrafo único. O enfrentamento ao tráfico de pessoas compreende a
prevenção e a repressão desse delito, bem como a atenção às suas vítimas.
52
Art. 149 – A, CP. É um crime de ação múltipla, pois contempla vários núcleos verbais, sendo eles: Agenciar, Aliciar,
Recrutar, Transportar, Transferir, Comprar, Alojar ou Acolher Pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação,
fraude ou abuso (...).
226
Com a visibilidade maior do tráfico humano no Brasil, planos de metas foram criados para o
enfrentamento do crime. Num primeiro momento o governo Brasileiro criou o I Plano de
enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil (BRASIL, 2008), dando início assim, a uma nova etapa
na luta contra o tráfico de pessoas em nosso país. O Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
– PNETP foi dividido em três grandes áreas, seguindo o espírito e as diretrizes traçadas na Política
Nacional: 1) Eixo Estratégico 1 - Prevenção ao Tráfico de Pessoas 2) Eixo Estratégico 2 - Atenção às
Vítimas 3) Eixo Estratégico 3 - Repressão ao Tráfico de Pessoas e Responsabilização de seus Autores.

Esses três eixos são de extrema necessidade ao combate do tráfico de pessoas, conforme
mostra parte do documento transcrito a seguir:

No âmbito da Prevenção, a intenção é diminuir a vulnerabilidade de determinados grupos


sociais ao tráfico de pessoas e fomentar seu empoderamento, bem como engendrar
políticas públicas voltadas para combater as reais causas estruturais do problema. Quanto
à Atenção às Vítimas, foca-se no tratamento justo, seguro e não-discriminatório das vítimas,
além da reinserção social, adequada assistência consular, proteção especial e acesso à
Justiça. E se entende como vítimas não só os(as) brasileiros(as), mas também os(as)
estrangeiros(as) que são traficados(as) para o Brasil, afinal este é considerado um país de
destino, trânsito e origem para o tráfico. Sobre o Eixo 3, Repressão e Responsabilização, o
foco está em ações de fiscalização, controle e investigação, considerando os aspectos
penais e trabalhistas, nacionais e internacionais desse crime. Para cada um dos três eixos,
o Plano traz um conjunto de prioridades (objetivos), ações, atividades, metas específicas,
órgão responsável, além de parceiros e prazos de execução (BRASIL, 2008, p. 12).

O PNETP teve a prioridade de elaborar e divulgar estudos, pesquisas, informações já


existentes no âmbito nacional ou internacional sobre tráfico de pessoas, através de estudos e
pesquisas sobre esse tipo de crime (BRASIL, 2008), cabendo-lhe também capacitar e formar pessoas
envolvidas direta ou indiretamente com o enfrentamento ao tráfico de pessoas na perspectiva dos
direitos humanos, realizando cursos e oficinas, para profissionais e agentes específicos na área,
assim como, promover e realizar campanhas nacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas para
sensibilizar ainda mais as autoridades competentes.
No que toca ao atendimento às vítimas e à repressão do tráfico de pessoas no Brasil, o PNETP
previu a instituição de um sistema nacional próprio de referência e atendimento às vítimas de
tráfico, com metodologias e fluxos de atendimento, procedimentos e responsabilidades nos
diferentes níveis de complexidade da atenção à vítima e no âmbito internacional realizará
articulações para garantir os direitos das vítimas de tráfico de pessoas em uma escala mundial (
BRASIL, 2008). Após a criação do primeiro plano de enfrentamento ao tráfico de pessoas, ainda
assim subsistiram lacunas em relação a essa política social, conforme destaca a literatura:

[...] Ora um Plano que envolve termos por si só difíceis de definir ou identificar como
exploração sexual, escravatura, remoção de órgãos, consentimento e mesmo criança,
obviamente, tornou-se um desafio para juristas, governantes, defensores de direitos
humanos e cientistas sociais. O fato de “tráfico de pessoas” ser uma categoria exógena
(mesmo em um país que aboliu a escravidão há pouco mais de um século) e
homogeneizadora levou a questões hermenêuticas de complexa solução. De um lado,
desagrada os ativistas anti-trabalho escravo – em função de a nova pauta ter se sobreposto
às já consolidadas ações e debates em torno do tema – e prostitutas e transexuais – pelo
fato de que, para elas, o enfrentamento ao tráfico acabou significando, muitas vezes, o
aumento da repressão de suas práticas. De outro modo, a nova pauta internacional também
permitiu a construção de um gradiente de enfrentamentos e composições que aponta para
soluções interessantes em termos de estratégias locais, que precisam ser consideradas [...]
(SPRANDEL; MANSUR, 2011, P.157).
227
Em razão disso, por meio de uma parceria entre o Ministério da Justiça e Secretaria Nacional
de Justiça, criou-se então o II Plano Nacional de Enfrentamento ao tráfico de pessoas (BRASIL,
2013b).

Após a avaliação da implementação do I PNETP, iniciou-se a construção a várias mãos do II


Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas em 2011. Com a participação de
órgãos públicos, sociedade civil e organismos internacionais, o texto do II PNETP, ora
lançado, espelha o avanço que já se alcançou no combate a esse fenômeno mundial e os
desafios que ainda são precisos responder de maneira coletiva e compromissada. Ações
perante os grandes eventos e grandes obras, respostas ao fenômeno em regiões de
fronteira, instituição de instância nacional participativa de articulação da política – estes são
alguns exemplos de metas emblemáticas do II PNETP que inova ao se organizar em linhas
operativas transversais aos três eixos da política nacional (BRASIL, 2013, p. 7).

De acordo com Sprandel e Mansur (2011, p. 167):

Uma das recomendações da Secretaria Nacional de Justiça, em seu documento avaliador do


I PNETP, é que o Governo brasileiro instituiu um II Plano, a ser implementado por um
período superior a dois anos, “dada a complexidade de seu objeto”. Ora, se há necessidade
de se implementar um II PNETP, é porque o próprio governo parece ter percebido que o
enfrentamento ao tema passa por grupos tão diversos quanto os citados acima. Neste caso,
estamos lidando com desafios metodológicos e sociais bastante interligados e que dizem
respeito à necessidade de se chegar às pessoas que são idealmente o objeto dessas
políticas.

O II Plano ratificou as metas do I PNETP, prevendo a proteção e assistência às vítimas do


tráfico de pessoas, acolhimento e abrigo provisório juntamente com a reinserção social,
independentemente da situação migratória. O diferencial, no entanto, foi o enfoque em garantir a
atenção assistencial e jurídica às vítimas estrangeiras e brasileiras, conseguindo um visto eventual
dependendo da escolha do traficado em permanência no país.
A seguir, por meio do Decreto n° 7.901 (BRASIL, 2013a), foi instituída a Coordenação
Tripartite da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e o Comitê Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – CONATRAP, bem com, foram delineadas as definições
estratégicas das entidades e formas de participação dos demais órgãos governamentais públicos e
entidades privados envolvidas, realizando, portanto, uma normatização executiva do II PNETP.
Neste momento, especial destaque se dá à instituição dos Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas.
Mesmo tendo sido previstos desde I PNETP, a implementação de Núcleos de Enfrentamento
ao Tráfico de Pessoas – NETP’s, só ocorreu realmente no II PNETP, contando com o reforço da Ação
41, do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – PRONASCI, desenvolvido em
parceria com os Governos estaduais, justamente, para possibilitar a criação de Núcleos e Postos
Avançados em áreas estratégias identificadas como rotas do TSH, como, por exemplo, no estado do
Pará e do Acre (BRASIL, 2013b).

A Rede Nacional de Núcleos e Postos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas composta


por Núcleos de Enfretamento ao Tráfico de Pessoas (NETP’s) e Postos Avançados de

228
Atendimento Humanizado ao Migrante (PAAHMs) teve sua construção estabelecida como
meta do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (I PNETP) e foi reforçada
a partir do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), que
promoveu a destinação de recursos para a criação de NETP’s e PAAHMS em parceria e com
financiamento com Estados, Distrito Federal e Municípios a partir do ano de 2008. Todos os
esforços desta rede visaram à construção de espaços de gestão e de visibilidade política dos
temas de direitos humanos, com estruturas formais, tanto a partir da criação de legislação
sobre o tema como a partir da formação de equipes multidisciplinares em dezesseis estados
da Federação: Estado do Acre, Estado de Alagoas, Estado do Amapá, Estado do Amazonas,
Estado da Bahia; Estado do Ceará, Estado de Goiás, Estado do Maranhão, Estado de Minas
Gerais, Estado do Pará; Estado do Paraná, Estado de Pernambuco, Estado do Rio de Janeiro,
Estado do Rio Grande do Sul, Estado de São Paulo e Distrito Federal (Ministério da Justiça
2013b).

De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (2019), os NETP’s, estão


espalhados pelo o Brasil em 17 núcleos com os maiores índices de tráfico de seres humanos na
esfera internacional, em estados como Pará, Acre, Rio de Janeiro, Alagoas e Amapá, cabendo-lhes,
por meio de ações e campanhas, cuidar da prevenção, articulação e planejamento das ações para o
enfrentamento ao tráfico de pessoas na esfera estadual.
A função dos NETP’s, por sua vez, pode ser conceituada da seguinte maneira:

O Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas trabalha para promover o


encaminhamento de casos de tráfico de pessoas para atendimento das demandas de
assistência integral às vítimas junto aos órgãos competentes nas esferas de governo
municipal, estadual e federal; apresentar propostas de instalação de Comitês Regionais de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, em conformidade com o disposto neste decreto;
exercer a secretaria executiva e coordenar as atividades do Comitê Estadual de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, bem como dos Comitês Regionais de Enfrentamento
ao Tráfico de Pessoas; acompanhar, orientar e avaliar os trabalhos do Comitê Estadual de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e dos Comitês Regionais de Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas; auxiliar no diálogo entre as instituições que integram o Comitê Estadual de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e os Comitês Regionais de Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas, visando ao cumprimento das diretrizes do Programa de que trata este decreto;
fomentar a criação de Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante, que
deverão estar localizados em locais de trânsito interno brasileiro e/ou regiões de fronteira
em todo o Estado; integrar atividades, trabalhos e ações em parceria com as demais
coordenações da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, bem como com as demais
Secretarias de Estado, a fim de fortalecer o Programa Estadual de Direitos Humanos;
representar o Estado de São Paulo, conforme determinação do Secretário da Justiça e da
Defesa da Cidadania, em âmbito nacional ou internacional, em eventos que tenham como
tem ao enfrentamento do tráfico de pessoas (ESTADO DE SÃO PAULO, 2019).

A Portaria nº 31, de 20 de agosto de 2009 (BRASIL, 2009a), alterada posteriormente pela


Portaria nº 41, de 06 de novembro de 2009 (BRASIL, 2009b), trouxe os princípios e as diretrizes dos
NETP's pelo o Brasil, ressaltando que a função dos Núcleos é articular, estruturar e consolidar, a
partir dos serviços e redes existentes, uma rede estadual de referência e atendimento as vítimas
do tráfico de pessoas.
E, de forma mais assente ainda, em 2018, o III Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas (BRASIL, 2018), reforçou a ideia de vulnerabilidade das vítimas, informando a
necessidade de ações cada vez mais especializadas pelos NETP’s, com foco específico sobre vítimas
como crianças e adolescentes, mulheres, pessoas idosas, pessoas com deficiência, população LGBT
e vítimas de trabalho escravo. Cabe, portanto, aos núcleos de cada estado, cuidar da prevenção,
articulação e planejamento das ações para o enfrentamento ao tráfico de pessoas na esfera

229
estadual, sobretudo, quanto aos grupos considerados vulneráveis e potencialmente mais fáceis de
serem atingidos pela espécie criminal.
Assim, reafirma-se a importância da análise aqui pretendida, voltada à identificação das
ações desenvolvidas pela rede de núcleos de enfrentamento ao tráfico de pessoas – NETP’s para a
prevenção do crime de tráfico de seres humanos no Brasil, até o primeiro semestre do ano de 2018.
Como visto acima, é necessário um amplo atendimento em rede, com amplo espectro assistencial
e jurídico, voltado, sobretudo, às populações mais vulneráveis, o que, por sua vez, depende de um
acompanhamento atencioso, haja vista tratar-se de política descentralizada aos Estados-Membros.
Diante disso, buscando este objetivo, o presente trabalho se debruçou sobre os relatórios oficiais
envolvendo as medidas realizadas pelos NETP’s, de acordo com a metodologia delineada a seguir.

3 METODOLOGIA DA PESQUISA
3.1 MÉTODO E TÉCNICAS DE PESQUISA

Considerando tratar-se de um trabalho interdisciplinar, que, no entanto, surge a partir de


projeto de pesquisa desenvolvido na seara da ciência do direito, optou-se pela adoção do método
Positivista Jurídico como substrato teórico de análise. O positivismo jurídico é uma corrente
interpretativa da filosofia do direito que se contrapõe ao jusnaturalismo (ou direito natural),
pugnando por uma separação entre direito e moral e elencando a norma como parâmetro de ação
do Estado e da Sociedade.
De acordo com Dimoulis (2017) a definição de positivismo jurídico decorre da preocupação
de estudar, de maneira isolada, as leis criadas para organização da sociedade, assim como os fatos
que nela existem. Ou seja, há foco sobre o direito posto, o direito oficialmente declarado por uma
autoridade oficial. Nesse sentido afirma Dimoulis (2017, p. 66) que o positivismo jurídico:

[...] é uma teoria explicativa do fenômeno jurídico, isto é, uma das possíveis, historicamente
presentes e atualmente defendidas teorias do direito”. Intitula-se assim, o positivismo
jurídico, como uma Teoria do Direito, que poderá estar onipresente na prática jurídica ainda
que os operadores do direito não estejam sempre conscientes, pois, esta corrente analisará
os fundamentos dos sistemas jurídicos oferecendo a base para sua compreensão.

Como foi visto nesse trabalho cientifico, o crime de tráfico de seres humanos é uma das
formas mais desonrosas para os seres humanos, pois, ele agride os direitos fundamentais das
vítimas de todas as formas. Segundo a visão do positivismo jurídico, fica claro que para combater
esse crime, que é antigo, se faz necessária a observação do ordenamento jurídico nacional e
internacional, como forma não só de punir os agressores como, sobretudo, como forma de garantir
políticas públicas efetivas de atendimento às vítimas, a partir dos parâmetros oficiais já
estabelecidos.
A escolha deste método, sobretudo, se deu em razão da norma jurídica (que estabeleceu os
NETP’s e suas funções) ser a mais efetiva medida para aferição das ações por eles desenvolvidas,
que podem se ater à norma, desviar da mesma, ir além ou, ainda, ficar aquém de seus respectivos
ditames.
Por sua vez, a pesquisa adotou uma abordagem qualitativa, se ambientando diretamente
nos dados e conteúdos manifestados pelos objetos de estudo (PRODANOV; FREITAS, 2013). Esse
tipo de abordagem difere da quantitativa pelo fato de não utilizar dados estatísticos como o centro
do processo de análise de um problema, não tendo, portanto, a prioridade de numerar ou medir
unidades.

230
A análise qualitativa, por sua vez, foi sistematizada por meio de pesquisa documental (GIL,
2017), consistente na análise de dados constantes de suportes materiais não bibliográficos e não
sujeitos a uma análise científica prévia (conforme o objetivo de pesquisa ora eleito). Para Prodanov
e Freitas (2013) a pesquisa documental se assemelha à pesquisa bibliográfica, porém com o material
de análise diferente, voltada à fontes diversificadas, como: tabelas estatísticas, relatórios,
documentos oficiais, etc.
A pesquisa foi materializada por meio da internet e de web sites oficiais, enquanto fontes de
informações, com especial atenção ao site do Governo Federal, da Secretaria Nacional de Justiça,
do Ministério dos Direitos Humanos, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do IBAM, do
NETP/PR- departamento dos direitos humanos e cidadania, e, da Secretaria da Justiça e Defesa da
Cidadania. Procedeu-se à coleta de todas as medidas efetivadas até o primeiro semestre de 2018,
classificando-se os dados conforme cada projeto desenvolvido, sistematizando-se os resultados
conforme consta da seção a seguir.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Como visto, as ações desenvolvidas no Brasil pelos NETP’s para a prevenção contra o crime
de tráfico humano são instrumentalizadas por meio de parcerias efetivadas pelo Governo Federal e
executadas pelos NETP’s, que também capacitam pessoas envolvidas direta ou indiretamente com
o enfrentamento ao tráfico de pessoas, realizando cursos e oficinas para profissionais e agentes
específicos na área, promovendo, ainda, projetos nacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas.
Os Relatórios de Atividades da Rede de Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas –
NETP’s e dos Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante – PAAHM, nesse sentido,
se constituíram como principal fonte das ações desenvolvidas até o primeiro semestre de 2018, por
se constituíram como documentos que apresentam as atividades realizadas no âmbito estadual,
municipal e distrital, com foco na prevenção ao tráfico de pessoas por todo o Brasil.
Em relação aos atendimentos das vítimas nos NETP’s, sua dinâmica de tratamento,
metodologia e execução, não foram objeto de maiores registros, certamente, em razão do sigilo
necessário à preservação da privacidade das pessoas atingidas pelo ilícito. Ao passo, já registro
somente quantitativo dos atendimentos. De acordo com o 7º Relatório Semestral da Rede de
Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – NETP’s e dos Postos Avançados de Atendimento
Humanizado ao Migrante – PAAHM, no primeiro semestre de 2017, foram acompanhados pela rede
48 possíveis casos de tráfico de pessoas, ou seja, situações com indícios do crime e que podem
envolver mais de uma vítima e foram contabilizadas 133 pessoas atendidas. Já de acordo com o 7º
Relatório Semestral (2017) em relação à disseminação de informações e ações de formação foram
capacitadas 6.754 pessoas por meio de seminários, palestras, ou cursos, envolvendo representantes
de diversas áreas como servidores públicos, sociedade civil, advogados, professores, estudantes,
dentre outras.
Quanto aos projetos, uma das principais estratégias para enfrentar o TSH é a prevenção e
conscientização da população sobre o tema. Pensando nisso, a SNJ e a Agência Brasileira de
Cooperação – ABC do Ministério das Relações Exteriores lançaram em 2013, um edital para celebrar
parcerias com organizações da sociedade civil, para criação e planejamentos de projetos voltados
para o combate do tráfico humano no Brasil que enfoquem grupos ou situações de vulnerabilidade
específicas (BRASIL, 2016). Seis organizações foram selecionadas para desenvolver metodologias e
práticas de conscientização e sensibilização sobre o tráfico de pessoas que pudessem ser replicadas
por outras instituições e pela sociedade civil. Estas parcerias visaram atendimento às metas do II
PENTP relacionadas ao apoio técnico e financeiro de projetos de prevenção e proteção as vítimas
de tráfico de pessoas executadas pelas sociedades civis (BRASIL, 2016).

231
Em meio a diversas ações em forma de projetos da Rede de NETP’s em combate ao TSH no
Brasil, foram destacados 3 projetos para análises, são eles: 1- Projeto diásporas no enfrentamento
ao Tráfico de Pessoas Entre o Brasil e o Suriname; 2 - Projeto Diálogos pela Liberdade de Prevenção
ao Tráfico de Pessoas entre as Profissionais do Sexo do Hipercentro de BH; 3- Projeto Um Desafio a
Ser Vencido: Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Segundo o relatório do projeto
Diásporas no Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas entre o Brasil e o Suriname (BRASIL, 2016),
pugnou-se por uma atuação conforme as diretrizes estabelecidas na Política Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, tendo como norte a prevenção a violações de direitos no
contexto migratório, através da disseminação de informações em áreas estratégicas.
Já o Projeto Diálogos pela Liberdade, de acordo com seu relatório operacional (2015a), atuou
com grupos especialmente vulneráveis e com a sociedade em seu conjunto, além de capacitar
pessoas para enfrentar esta problemática do TSH no Brasil. O projeto teve a função resgatar a
cidadania, fortalecendo a autoestima das vítimas e ampliando seu conhecimento sobre as questões
sociais, além de incentivar a realização de atividades comunitárias voltadas para promover a
reintegração social. E, o Projeto Um Desafio a Ser Vencido: Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas, segundo a SNJ (BRASIL, 2015b), desenvolveu olhares sensíveis de atendimento às
vítimas, que foi encampado pelo Grupo Guaribas de Livre Orientação Sexual – GGLOS, que lhe deu
continuidade. O projeto articulou, assim, através das suas ações informativas, diferentes temáticas
de direitos humanos e do tráfico de pessoas, como a exploração sexual de crianças e de
adolescentes, o trabalho escravo, a adoção ilegal e o tráfico de órgãos (BRASIL, 2015b).
A seguir, foram analisadas, de maneira mais específica, as atividades desenvolvidas em cada
um dos projetos.

4.1 O PROJETO DIÁSPORAS NO ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS ENTRE O BRASIL E O


SURINAME

Como o norte do Brasil (especialmente, a região amazônica) se denotou como palco de


muitos casos de tráfico de pessoas, discutidos, inclusive, em Comissões Parlamentares de Inquérito
– CPIs, denúncias em documentários, jornais e revistas, diversas discussões elencaram a
necessidade de desenvolvimento de políticas nacionais e regionais de enfrentamento às redes
criminosas nesta área (BRASIL, 2016). Sob este intento, a Rede de NETP’s desenvolveu o projeto
diásporas no enfrentamento o tráfico pessoas entre o Brasil e o Suriname, em parceria com a
organização não governamental Sociedade da Defesa dos Direitos Sexuais Da Amazônia –
SODIREITOS, o Grupo Mulheres em Movimento, a Universidade Federal do Pará – UFPA, a Secretaria
Estadual e a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos – SEJUDH, a Secretaria Nacional de Justiça
(SNJ) do Ministério da Justiça e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).
O projeto teve atuação alinhada às diretrizes estabelecidas no I e II PNETP, voltando
substancialmente à prevenção de violações de direitos no contexto migratório, através da produção
de conhecimentos e divulgação em comunidades carentes, fortalecimento de comunidades de
migrantes com informações sobre migração segura e tráfico de pessoas (BRASIL, 2016). Visou, com
isso, prevenir o tráfico de pessoas ou grupos em situações de vulnerabilidade específicas,
sobretudo, com enfoque sobre grupos em situação de migração, bem como, outros grupos envoltos
em questões de pobreza e gênero, como: pessoas em situação de rua; população de lésbicas, gays,
bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros – LGBT+; grupos étnico/culturais específicos;
mulheres e meninas.
A parceria, primeiramente, realizou a coleta de dados acerca do fluxo migratório de
paraenses e maranhenses para o Suriname, para compreensão do problema, seguindo à realização
de oficinas sobre migração e tráfico de pessoas sob o objetivo de estabelecer um processo de
formação de líderes comunitários e representantes de organizações sociais para a formação de
232
multiplicadores, capazes de disseminar o enfrentamento as violações de direitos humanos no
contexto migratório (BRASIL, 2016).
No Estado do Pará, a parceria foi materializada pelas ações conjuntas do NETP/PA, Secretaria
de Estado de Justiça e Direitos Humanos do Governo do Estado do Pará e do da SEJUDH e do Posto
Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante no Estado, que firmaram uma base de
atendimento no Aeroporto Internacional de Belém, aplicando formulários durante o desembarque
e embarque internacional do Suriname, com o fim de estabelecer o perfil de mulheres, adolescentes
e homens que circulavam entre os dois países (BRASIL, 2016). Através deste levantamento de dados,
a parceria obteve uma dimensão das possíveis redes migratórias de paraenses e maranhenses para
o Suriname (identificado como importante nó na rede territorial do TSH), bem como, caracteres
socioterritoriais das potenciais vítimas do crime (BRASIL, 2016).
A ação também foi implementada nos distritos de Icoaraci e Mosqueiro (ambos, ligados ao
Município de Belém, Capital do estado do Pará), em razão de sua identificação como ponto de
origem de casos de tráfico humano. A ação também se repetiu em cidades do estado do Maranhão,
com destaque para a cidade de Lago da Pedra-MA, que apresentou o maior contingente de
migrantes para o Suriname (BRASIL, 2016). Nestas mesmas cidades, foram realizadas ações
preventivas ao tráfico por intermédio dos espaços da ONG SODIREITOS, com oficinas sobre
migração segura e formas de ocorrência do tráfico de pessoas, com debates em torno da proteção
de direitos vinculados à migração e dignidade sexual (BRASIL, 2016).
Nas oficinas, os participantes eram convidados a expor suas viagens – diásporas de seu povo,
de modo a demonstrar a existência de redes de migração. Com isso, além da coleta de relevantes
dados à Segurança Pública, identificavam-se áreas de extensão das ações dos NETP’s e do Governo
Federal, para o combate do tráfico humano (BRASIL, 2016).
De acordo com o relatório do programa (BRASIL, 2016), o trabalho atingiu resultados como
a formação de lideranças comunitárias com conhecimentos voltados à identificação e prevenção do
problema nas áreas apontadas, a criação de espaços de debate sobre o problema e a coleta de
dados sobre o tráfico humano nas áreas pesquisadas. O projeto foi continuado pela ONG
SODIREITOS, com a participação do NETP/PA.

4.2 PROJETO DIÁLOGOS PELA LIBERDADE E PREVENÇÃO AO TRÁFICO DE PESSOAS ENTRE AS


PROFISSIONAIS DO SEXO DO HIPERCENTRO DE BH

O Projeto Diálogos Pela Liberdade e Prevenção ao Tráfico de Pessoas entre as Profissionais


do Sexo do Hipercentro de Belo Horizonte-MG, partiu da constatação de que Minas Gerais
constituiria um dos estados brasileiros com maior incidência de TSH, especialmente, mulheres,
crianças e adolescentes para fins de exploração sexual (PESTRAF, 2013), ficando atrás apenas do Rio
de Janeiro. Neste contexto, uma parceria entre os NETP’s e o Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crime (UNODC), laçou edital para estabelecimento de parcerias na construção de projetos
junto à sociedade civil (BRASIL, 2015b), atendido, entre outras entidades pela Pastoral da Mulher
em Belo Horizonte.
Nasceu, assim, o projeto Diálogos pela Liberdade, voltado à sensibilização em torno do TSH
junto à grupos de risco, notadamente, mulheres, para redução de situações de vulnerabilidade ao
crime, de acordo com cada identidade e especificidade dos grupos. O projeto promoveu uma
aproximação com os grupos vulneráveis eleitos (sobretudo, em locais de exercício da prostituição
em Belo Horizonte - MG), iniciando atividades de sensibilização a respeito do tráfico humano e sobre
uma rede de atendimentos firmados na sede estabelecida para funcionamento do programa
(BRASIL, 2015a).
A partir da primeira aproximação, a conscientização buscou o fortalecimento da autoestima
dos componentes dos grupos vulneráveis, aproximando-se também das famílias, sobretudo, no
233
sentido de colocá-los como agentes de prevenção e multiplicação do processo de atuação contra o
TSH (BRASIL, 2015a). Durante a conscientização ocorre:

[...] um processo de Formação Integral, sempre em diálogo com a mulher, considerando


seus interesses e habilidades (através de cursos, oficinas de arte, momentos de
espiritualidade e espaços formativos sobre: cidadania, políticas públicas, gênero, etc.).
Fortalecemos a autoestima e as condições de saúde mental e física das mulheres atendidas
através de "Grupos de Convivência", como espaço de troca e construção de saberes com as
Mulheres, através de atendimento psicológico, oficinas de autoestima, oficinas de saúde
sobre saúde e prevenção de DST/AIDS, e com encaminhamentos médicos (BRASIL, 2015a,
p. 4).

· Após, numa etapa mais avançada, ocorre a conscientização sobre caracteres específicos do
tráfico de pessoas, por meio da realização de oficinas, inclusive, com a confecção de um
documentário por parte de mulheres em situação de prostituição e suas vivências a respeito do
ilícito em questão (BRASIL, 2015a).
Além disso, o projeto também incluiu ações de comunicação e sensibilização entre os
cidadãos em geral para conhecer a realidade dos componentes dos grupos vulneráveis, sobretudo,
quando em situação de prostituição. Em termos preventivo, o projeto possibilitou o levantamento
de conhecimentos específicos sobre as ocorrências de TSH entre os grupos atendidos, bem como,
um amplo levantamento do perfil das pessoas em situação de vulnerabilidade (BRASIL, 2015a).

4.3 PROJETO UM DESAFIO A SER VENCIDO: PREVENÇÃO E ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE


PESSOAS

Ainda como fruto de atendimento aos Editais da UNODC, surgiu, em parceria firmada pelo
NETP/CE, o Ministério da Justiça e o Grupo Guaribas de Livre Orientação Sexual – GGLOS-LGBT, no
ano de 2013, o projeto Um desafio a ser vencido: prevenção e enfrentamento ao tráfico de pessoas,
selecionado no ano seguinte e implementado em seguida (BRASIL, 2015b).
O Projeto foi iniciado com a seleção de uma equipe de palestrantes e a realização de
palestras para apoio a grupos vulneráveis, originando, atualmente, a Jornada Nordestina de
Cidadania Pela LGBT+, anualmente realizada, onde o TSH é tema com abordagem garantida, além
da Parada da Igualdade no Piauí que serve como palco para campanhas de conscientização. Além
disso, a parceria já executou vários projetos em conjunto com outras entidades públicas e privadas,
como a Secretaria de Saúde do Piauí, Fundação Cultural do Piauí e Ministério da Saúde –
Departamento Nacional de DST/Aids e Hepatites Virais (BRASIL, 2015b).
A primeira atividade do projeto foi uma Oficina de Capacitação de Lideranças e seguida de
uma sequência de palestras nas Escolas Públicas Estaduais e Municipais do estado do Ceará. Todas
as atividades contaram com a participação popular, abordando diversos temas, como, por exemplo,
locais de encaminhamento de denúncias de TSH, formas de identificação do ilícito e tratamento às
vítimas (SNJ, 2015b).
Porém, o projeto apresentou um desenvolvimento excepcional na Cidade de Picos, Estado
do Piauí, onde houve especial adesão da comunidade, onde o projeto foi continuado mesmo após
o período inicialmente estabelecido com a realização de palestras, rodas de capacitação e conversa,
seminários, etc., à comunidade LGBT+ local, a partir das diretrizes do II Plano Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (BRASIL, 2013b), sobretudo, direcionadas à estudantes de
todos os níveis de ensino (fundamental, médio e superior) que apresentaram interesse em
participar através das mobilizações e que se identificaram com a temática (BRASIL, 2015b).

234
Levou-se ao conhecimento do público, desta forma, temáticas atreladas ao tráfico de
pessoas e suas finalidades, instruindo os participantes à tomada de ações concretas e
transformadoras de seu próprio meio, sensibilizando e despertando o senso crítico a partir de
conhecimentos interdisciplinares (BRASIL, 2015b).
O projeto atingiu um total 614 participantes em apenas uma única Oficina de Capacitação,
correspondente a mais que o dobro das 300 pessoas inicialmente pretendidas. O material produzido
e disseminado, por sua vez, atingiu mais de 15 mil pessoas, especialmente, ao longo da VIII Parada
da Igualdade (BRASIL, 2015b).

As estratégias de divulgação, sensibilização e mobilização nos pontos de concentração


LGBT, universidades, faculdades e escolas públicas de Picos e região proporcionaram uma
aderência de 136 pessoas na Oficina, ultrapassando o número previsto que eram de 100.
De acordo com a reação dos participantes, e a motivação de seus interesses em participar
da oficina em razão da inédita temática, ainda não discutida maciçamente nessa região,
bem como a gratuidade e facilidade de acesso ao local, proporcionaram a permanência dos
participantes em todos os momentos dessa atividade (BRASIL 2015b, p. 4).

Com a aproximação maior com o público alvo, através dos relatos de histórias de vidas dos
sujeitos, foram identificadas vítimas que haviam sido submetidos à exploração pelo Trabalho
Escravo e Doméstico, exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes, bem como a realidade
de homo/transfobia na região nordeste do Brasil, e sequer se encontravam em condições de
compreender o contexto de abuso de direitos a que se encontravam submetidas (BRASIL, 2015b),
demonstrando a importância das medidas de capacitação, em muito, discriminadas pelos círculos
críticos de projetos sociais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo identificar e expor as ações desenvolvidas pelos
NETP’s no combate ao tráfico de seres humanos no Brasil. Além disso, previamente, o trabalho
discutiu a respeito dos conceitos e legislações envolvendo o tema e planos governamentais para
combate ao TSH. Diante disso, pode-se identificar que o principal instrumento de atuação do
governo federal para tratamento do problema são representados pelas diretrizes entabuladas ao
longo do desenvolvimento dos três planos nacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas, que
instituíram e previram atribuições aos Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Estes, por
sua vez, são órgãos que costumam atuar em parceria com instituições públicas e privadas, nacionais
e estrangeiras, desenvolvendo diversas iniciativas.
Além da atuação dos NETP’s representar importante meio de conscientização da
comunidade em geral e, sobretudo, de grupos de identificada vulnerabilidade social ao TSH, por
meio de palestras, oficinas, campanhas, etc., os núcleos, igualmente, signficam importantes veículos
de coleta de informações a respeito de vítimas, ocorrências e suas características, bem como, de
indicadores sociais a respeito dos componentes dos grupos vulneráveis ao ilícito estudado,
fornecendo importantes dados que podem direcionar ações dos órgãos nacionais, regionais e locais
vinculados à segurança pública. Contudo, dada a extensão do território, as ações ainda se
mostraram muito pontuais e concentradas nas áreas mais críticas em que o problema do tráfico
humano foi constatado, de modo a se afirmar que, não obstante as normas nacionais tenham sido
colocadas em prática nos NETP’s, ainda há uma grave restrição a sua implementação em muitos
pontos do território, onde, certamente, a ausência estatal possa até impossibilitar a visibilidade do
problema em questão.
Como comentário final, registra-se a importância das parcerias firmadas e o público atingido
durante as ações, sobretudo, pela formação de multiplicadores. No entanto, registra-se a
235
necessidade de adequação dos programas às novas tecnologias (o que não foi constatado nos
relatórios de estudo), de modo a atingir de forma mais assente a população em geral, mantendo-se
o foco de atuação material (relatado no desenvolvimento acima) nas áreas mais críticas e junto às
populações sem acesso concreto à informação.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988.

______. Decreto-Lei N. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. 1940.

______, Decreto Nº 5.017, de 12 de março de 2004 – Altera o Código Penal Brasileiro. 2004.

______. Decreto Nº 7.901, de 4 de fevereiro de 2013. 2013a.

______. Lei Nº 13.344, de 6 de outubro de 2016. 2016.

_______. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Relatórios da Rede de Núcleos e Postos.


Disponível em: <https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/redes-de-
enfrentamento/1o-relatorio-semestral-da-rede-de-nucleos-e-postos>. Acesso em 21.07.2019.
2019.

______. Secretaria Nacional de Justiça. Plano nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas.


Brasília: SNJ, 2008.

______. Secretaria Nacional de Justiça. II Plano nacional de enfrentamento ao tráfico de


pessoas. Brasília: Ministério da Justiça, 2013b.

______. Portaria N. 31, de 20 de agosto de 2009. 2009a

______. Portaria N. 41, de 6 de novembro de 2009. 2009b.

______. Secretaria Nacional de Justiça. Projeto diásporas no enfrentamento ao Tráfico de


Pessoas Entre o Brasil e o Suriname. Brasília: Ministério da Justiça, 2016.

______. Secretaria Nacional de Justiça. Projeto Diálogos pela Liberdade de Prevenção ao Tráfico
de Pessoas entre as Profissionais do Sexo do Hipercentro de BH Brasília: Ministério da Justiça,
2015a.

______. Secretaria Nacional de Justiça. Projeto Um Desafio a Ser Vencido: Prevenção e


Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília: Ministério da Justiça, 2015b.

______. Secretaria Nacional de Justiça. Tráfico de pessoas: uma abordagem para os direitos
humanos. Brasília: Ministério da Justiça, 2013c.

CAMPOS, Rui Ribeiro de. Geografia Política das Drogas Ilegais. Leme: Editora J. H. Mizuno, 2014.

236
CASTILHO, Ela Wiecko V. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo.
Portal do Ministério Público Federal. Disponível em: < http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-
conteudos-de-apoio/publicacoes/trafico-de-pessoas/artigo_trafico_de_pessoas.pdf/view>. Acesso
em 10out. 2017. 2007.

CHAGAS, Clay Anderson Nunes. Geografia, segurança pública e a cartografia dos homicídios na
região metropolitana de Belém. Boletim Amazônico de Geografia, v.1, n. 1, p. 186-204, 2014.

CUNHA, Rogério Sanches, PINTO, Ronaldo Batista. Tráfico De Pessoas: Lei 13.344-16 Comentada
Por Artigos. 2. ed. - São Paulo, 2017.

DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico e suas classificações: compreendendo sua importância


para a teoria do direito. São Paulo: Método, 2017.

ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Justiça e Cidadania. Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de


Pessoas. Disponível em: < http://justica.sp.gov.br/index.php/coordenacoes-e-programas/nucleo-
de-enfrentamento-ao-trafico-de-pessoas/>. Acesso em 21.07.2019. 2019.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisas? 6. Ed. SãoPaulo: Atlas, 2017.

HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do "fim dos territórios" à


multiterritorialidade. 2. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

JESUS, Damásio de. Tráfico internacional de mulheres e crianças. Rio de Janeiro: Saraiva, 2003.

MELO, Vitor Coelho Camargo de. De fora para dentro: a agenda de enfrentamento ao tráfico de
pessoas e o dilema de cidadania do trabalhador migrante no Brasil. (Dissertação de Mestrado).
Brasília: UNB, 2015.

OLIVEIRA, Amanda Caroline Tavares. Tráfico internacional de pessoas para fins de exploração
sexual (monografia). Presidente Prudente: Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de
Presidente Prudente, 2016.

ONU. Organização Das Nações Unidas. Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nova York: ONU, 1948

ONU. Organização Das Nações Unidas. Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Nova York: ONU, 1966.

ONU. Organização Das Nações Unidas. Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.
Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial
Mulheres e Crianças. Nova York: ONU, 2000.

PARLAMENTO EUROPEU; CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Directiva 2011/36/UE do parlamento


europeu e do conselho de 5 de Abril de 2011 - relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres
humanos e à protecção das vítimas, e que substitui a Decisão-Quadro 2002/629/JAI do Conselho.
Estrasburgo: UE, 2011.

237
LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima. PESTRAF - Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças
e adolescentes para fins de exploração sexual comercial no Brasil: relatório nacional. Brasília:
CECRIA, 2002.

PRODANOV, Cleber Cristiano, FREITAS Ernani Cesar de. Metodologia do trabalho científico:
métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico, 2. ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

REIS NETTO, Roberto Magno; CHAGAS, Clay Anderson Nunes. Estratégias e Mediatos Utilizados
pelo Tráfico de Drogas para Integração dos Presídios às Redes Territoriais Externas: uma Revisão
da Literatura. Opinião Jurídica. V. 16, N. 23. Pp 11-139. 2018.

RODRIGUES, Thaís de Camargo. Tráfico internacional de pessoas para exploração sexual. São
Paulo: Saraiva 2013.

SOUTO, Luiza. Vítimas de Tráfico Humano aumentando nos dois últimos anos. O GLOBO.
Disponível em: <http://m.oglobo.globo.com/brasil/vitimas-de-tráfico-humano-aumentando-nos-
dois-ultimos-anos-21213894>. Acesso em 05 out. 2017. 2017.

SPRANDEL, Márcia Anita; MANSUR DIAS, Guilherme. A temática do tráfico de pessoas no contexto
brasileiro. Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 18, n. 35, jun. 2011.

UNODC. United Nations Office on Drug and Crime. Global Report on Trafficking in Persons – 2018.
New York, 2018.

238
“ETHOS MILITAR E GÊNERO”
Experiências militares e mulheres na Força Aérea Brasileira -FAB- em Belém do Pará (1981-2017).

Sandra Letícia Magalhães Gaudêncio


53

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho se propõe a discutir o tema “mulher, militares e sociedade”, o tema escolhido
surgiu a partir da observação de fontes orais e documentais do período de 1981 a 2017, que destaca
a história e memória da mulher na Força Aérea Brasileira em Belém do Pará.
Esta pesquisa possibilita um repensar sobre a questão da mulher e suas relações com a
doutrina militar, no caso específico da FAB. Uma Instituição Militar Federal de 76 anos, que somente
nos anos de 1981 do século XX, incorporou mulheres na sua estrutura hierárquica. Momento
histórico que “coincide” com os anos da chamada redemocratização, pós período ditadura-civil
militar.
Esta temática é importante para os estudos sobre os militares e as questões de gênero no
processo de redemocratização do país, sendo ainda pouco explorada pela historiografia regional ou
por teóricos do cotidiano histórico e social dos militares. Vale a pena ressaltar, que como militar
pertencente ao quadro de professores da Escola Tenente Rego Barros, também construo este artigo
baseada nas minhas experiências na caserna54, pois, toda nossa formação e trabalho se estrutura
na hierarquia e disciplina militar.
Observa-se que o estudo do papel político e social da mulher passa a emergir a partir da
década de 1970 do século XX na historiografia e também em outras áreas. No entanto, existem
teóricos que destacam as décadas de 50 e 60 do século passado como períodos relevantes para a
mudança no estudo sobre o papel social das mulheres.
O período a ser estudado se inicia a partir dos anos de 1981 até os anos 2017, no qual, é
possível perceber que estes foram momentos que permeiam a abertura política, ampliação do
discurso democrático e mudanças ocorridas na sociedade brasileira. Este contexto destaca a
elevação da quantidade mulheres em diversos setores e sociais. Assim, é importante analisar como
essas mulheres viviam e vivem nesse contexto de mudanças e como no âmbito das Instituições
militares são construídas as memórias sobre o trabalho feminino e sua relação com tradições
seculares de treinamento e instrução.
O objetivo deste trabalho foi pesquisar e perceber a partir desses pressupostos levantados,
parte da história e memória da mulher na Força Aérea Brasileira em Belém do Pará, no período
acima citado.
No primeiro momento, destaca-se a discussão sobre quem são os militares e o seu papel no
aspecto global e local. No segundo momento, destaca-se as questões de gênero e a relação com o
ser “militar”. No terceiro momento, destaca-se as discussões da entrada das mulheres nas Forças
Armadas e Forças Auxiliares no contexto dos anos de 1950 e nos anos de 1980. No quarto momento,
destaca-se o papel da mulher na FAB a partir de um estudo de fontes históricas documentais que
nos levam a pensar na construção da memória, da relação passado e presente dessas mulheres. E
por fim, apresentar a partir da memória das mulheres militares o cotidiano da caserna.

53
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
GAUDÊNCIO, Sandra Letícia Magalhães. “Ethos militar e gênero”: Experiências militares e mulheres na Força Aérea
Brasileira -FAB- em Belém do Pará (1981-2017).. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias; REIS,
João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas. Ananindeua: CROM,
2021.
54
Ou seja, no dia a dia da instituição militar, no quartel e nas dinâmicas diárias.
239
A metodologia utilizada está baseada na análise qualitativa e no cruzamento de fontes e sua
relação com campo cultural-social-intelectual, no qual, nenhum documento fica desprendido e sem
importância analítica. Foram utilizadas fontes manuscritas, documentos oficiais, orais, fotografias,
dentre outras, para buscarmos um maior entendimento sobre a relação do passado e do presente
dessas mulheres militares. Uma discussão que se alicerça a partir das teorias sobre memória e
história dos sujeitos, no qual se busca compreender o passado pelo presente e o presente pelo
passado. (LEGOFF, 2003, p. 227)
Assim, este trabalho pretende desenvolver uma análise inicial importante para pesquisas
futuras sobre o papel feminino dentro de Instituições de “origem masculina”, como as Militares,
com foco específico para Força Aérea Brasileira. Um espaço social que é possível estudar o debate
sobre gênero e “resgatar” o papel histórico-social das mulheres na caserna, do ponto de vista
regional. Já que estas mulheres estavam envolvidas num universo militarizado que nos mostram
práticas sociais que possibilitam uma compreensão de heranças que marcam as relações sociais
entre homens e mulheres na FAB nos dias atuais.

2 – MILITARES E O DEBATE SOBRE GÊNERO

Ao pensarmos a mulher nas Forças Armadas, automaticamente, relacionamos à figura


masculina, pois, foi assim que crescemos sendo educados para diferenciarmos o que é masculino e
o que é feminino, isto é, o que o homem “pode” e o que a mulher “pode” fazer. O conceito de
gênero aqui adotado refere-se à construção social do masculino e do feminino. Onde um
dependendo do outro, sendo nas relações sociais que os sujeitos se produzem e que são atribuídas
as percepções do masculino e do feminino.
O modelo tradicional, que seria seguido por todas as mulheres de uma forma homogênea
era o de mulher frágil, compreensiva, passiva, que era boa esposa e boa filha. De acordo com esse
modelo de mulher Carla Bassanezi (1993) afirma:

No modelo de família na época enfocada, as distinções de gênero delegam ao home


autoridade e poder sobre as mulheres, são considerados os chefes da casa. As mulheres por
sua vez são definidas a partir dos papéis tradicionais (prioritariamente mães, donas de casa
esposas vivendo em função do outro, o homem).

Existia um conjunto de normas sociais que definiam essas relações como naturais e que eram
válidas para todas as classes. A mulher era vista de uma única forma, como se não existissem
diferenças sociais, culturais, temporais, tornando esse modelo homogêneo. Isso era possível devido
ao longo da história das relações de gênero existirem definições de masculino e de feminino, e de
papeis designados pra homens e mulheres que vem sendo trabalhados desde a antiguidade e tem
condicionado as situações atuais. (STEARNS, 2007)
Segundo Perrot (2005), evidentemente, a irrupção de uma presença e de uma fala feminina
em locais que lhes eram até então proibidos ou pouco familiares, é uma inovação do século XIX que
muda o horizonte sonoro.
As mulheres aparecem menos no espaço público falasse pouco delas, geralmente um
homem que faz o relato se acomoda com a costumeira ausência Apesar dessa mulher está inserida
em diversos campos elas não são recenseadas, e seu trabalho, confundido com tarefas domésticas
e auxiliares, torna-se invisível, ou seja, as mulheres não contam.
Até meados da década. De 1950 as mulheres estiveram ocupavam o espaço privado, ou seja,
seus lares. Estavam submetidas a um processo e socialização que era voltado a maternidade e ao
cuidado da casa, se dedicavam a casa aos filhos e aos maridos. (ADÃO; MATHIAS, 2013)
Subsistem, no entanto muitas zonas mudas e no que se refere ao passado, um oceano de
silêncio, ligado à partilha desigual dos traços, da memória e, ainda mais da História, este relato que
240
por muito tempo, esqueceu as mulheres, como se, por serem destinadas à obscuridade da
reprodução, inenarrável, elas estivessem fora do tempo, ou ao menos fora do acontecimento.
(PERROT,2005)
Com a aproximação da história com antropologia e da etnologia anos 70, com a “Nova
História” houve um desenvolvimento dos temas e surgimento de outros, novos objetos como,
família, casamento, crianças, sexualidade, vida privada, e mulheres.
Também nos anos de 1960 com as contestações políticas e sociais as mulheres questionavam
o padrão social por elas reservado. Segundo, Adão e Mathias (2013), sempre houve resistência e
contestação.
Nas décadas de 1970-1980 foram determinantes para a construção da história das mulheres,
com a demanda social, fatores políticos como o movimento de liberação das mulheres pelas
conquistas de diversos direitos.
Na década de 1980 o Brasil passa por transformações políticas e econômicas que permitiram
consolidar o novo papel da mulher em nossa sociedade. A busca por direitos civis e pela
democratização, fez com que setores da sociedade se propusessem a repensar a postura que tinham
diante do processo de profissionalização feminina, o que possibilitou que a ideia de igualdade de
direitos entre homens e mulheres passasse a ser discutida em maior escala. (ADÃO; MATIHIAS,
2013).
Desse modo, podemos perceber essa relação de gênero, que identifica e diferencia os
homens e as mulheres e suas relações sociais, e como essas relações são organizadas em diferentes
sociedades, épocas e culturas. Há uma distinção entre a esfera biológica que é o sexo propriamente
dito e suas características físicas, e. esfera social e cultural, que é. Identidade de gênero, ou seja,
como determinado indivíduo se identifica na sociedade.

3 - QUEM SÃO OS MILITARES?

A experiência das mulheres que adentram nas Forças Armadas, na transição do século XX
para o século XXI, principalmente, no caso específico da Força Área Brasileira, nos levam a
“obrigação” acadêmica de explicar o significado da categoria militar, no sentido de entender a
mentalidade dos grupos sociais que pertencem ao cotidiano dessas Instituições que existem no
Brasil e no âmbito global.
Segundo MAGNOLI (2006) as guerras fazem parte da história da Humanidade e das diversas
culturas que interagem de acordo com seus interesses. Para o autor a discussão do fenômeno da
guerra no mundo nos leva a refletir sobre categorias e conceitos importantes que enxergam esses
momentos conflituosos e belicosos com características totais, políticos e inevitavelmente militares.
A balança dos chefes militares pesa probabilidades e calcula o ritmo e intensidade do dispêndio de
recursos. Todo o empreendimento de guerra até o seu final é um ato inscrito na esfera política.
Dessa forma, ao longo da trajetória humana na história e possível perceber uma série de
conflitos que mostram uma das características dos militares, que é a sua ligação com momentos
conflituosos e com grande peso político. Por isso, as instituições militares tem uma função
estratégica no sentido da construção dos grupos que buscam a construção de um poder. A força
física e bélica, também caracterizam as tropas que no geral são formadas na sua maioria por homens
e poucas mulheres.
Na Constituição Brasileira nos artigos 42, 142 e 144 temos a explicação dos tipos de militares
que existem no Brasil e suas missões específicas. No art. 42 da CF/88 se enfatiza pelo legislador a
explicação sobre os militares estaduais, no caso, as Polícias Militares e Bombeiros Militares. Um
grupo chamado pelos militares federais de Forças Auxiliares e reserva do Exército, devido no art.
144 da CF/88 ocorrer o destaque para essa função e missão de segurança pública e proteção
territorial em caso de conflito armado, já que este artigo destaca os órgãos de Segurança Pública e
241
dentre eles, as PM’S e BM’S do Brasil. Os Militares federais, as chamadas Forças Armadas no art.
142, da CF/ 88, formada pelas tropas militares da Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e
Aeronáutica (Força Aérea Brasileira) com fins específicos de proteção da Soberania nacional.
Assim, percebe-se que para além de um costume ou Instituição com práticas e tradições
seculares, os militares estão citados na Constituição Federal de 1988 e com Objetivos específicos
para cada Instituição no âmbito Federal e Estadual. Nesse sentido, a participação de militares na
sociedade está alicerçada também no ordenamento jurídico positivado e suas ações são
recepcionadas pelo legislador na Constituição de Federal de 1988.
Goffman (1957) destaca as forças militares como pertencentes a um grupo de instituições
chamadas de Instituições Totais. Suas características podem ser sintetizadas no seu caráter de
barreira ao intercâmbio social com o mundo exterior. No geral, estas instituições possuem portas
fechadas, paredes altas, arame farpado, rochedos e água, terreno aberto, dentre outras. O autor
relata que dentre os cinco grupamentos superficiais que possuem estas características estão os
quarteis do Exército, por exemplo, que estão supostamente estabelecidos para algumas tarefas
técnicas. Inclusive com a relação entre os sujeitos que pertencem ao staff e os “internos”. A regras
ditadas e determinadas para serem cumpridas são fiscalizadas pelos que são considerados
dominantes pelo autor, o primeiro e menor grupo e o segundo só tem que acatar.
Nas instituições totais, ao contrário de uma rotina normal, todas as atividades são feitas por
todos no mesmo local e sob uma mesma autoridade. Cada fase da vida diária de um participante é
feita na frente de um grupo de pessoas que o acompanham cotidianamente. Todas as atividades
diárias são rigorosamente controladas pelo tempo, regras e normas próprias impostas de cima para
baixo. Por fim, existe um plano racional único que é estabelecido em nome do bem da Instituição.
(GOFFMAN, 1974).
Essas ideias nos apresentam possibilidades de entendimento de uma Instituição militar e
suas características iminentemente masculinas ao longo de toda a história. Uma compreensão das
mentalidades e da memória de um cotidiano de embates bélicos e trabalho ligado a preparação
para atividades de combates. Na verdade, apesar das exceções históricas, o território ocupado por
militares passa a ter uma característica masculina. Essa é a diferença, o staff se sente superior aos
“internos”, sendo estes últimos supervisionados pelo primeiro. E suas práticas são muito ligadas as
concepções de pátria, ordem, disciplina, hierarquia, dentre outras determinações criadas para o
grupo de “internos” que não serve para o cotidiano fora dos muros dos quartéis.
Castro (2004) nos apresenta a partir de seu trabalho etnográfico realizado na Academia
Militar das Agulhas Negras, entre os anos de 1987 à 1990, uma ideia de “espírito militar” que no
geral, está fincado no cotidiano da formação militar das academias, que repassam essa construção
cultural e social para os alunos. Estes passam por todo um processo de negação do individual em
nome do institucional e sua missão. Uma relação que fortalece a identidade institucional e nos
apresenta elementos para um maior entendimento sobre o “ser militar” e o “sentir-se” militar.
Na AMAN é “forjado” um processo de construção da identidade social do militar, do espírito
militar. Já que o cadete (aluno) vivencia na Academia um processo de socialização profissional,
momento que o mesmo vai aprender os valores, atitudes e comportamentos apropriados a vida
militar. O objetivo é construir uma “peneira” para no período de adaptação que visa levar a
desistência dos novatos que supostamente não possuem vocação para a carreira militar. Um
período que segundo os cadetes “não há tempo nem para pensar” (CASTRO, 2004).
Nessa linha de pensamento sobre o estudo de Militares, Keengan (2006) ressalta que estudar
os sujeitos que buscam se adaptar a um padrão de vida baseado nos valores militares construídos
no cotidiano do treinamento dos quartéis, medalhas, uniformes, lanceiros, dentre outros, significa
pensar a partir do olhar do “outro” que cria uma identidade de grupo.
O pesquisador que for pensar em entender os militares e a sua relação com os outros setores
da sociedade, precisa primeiramente compreender as experiências desses sujeitos e seu imaginário.
242
Segundo o autor, “os soldados não são como os outros homens – eis a lição que aprendi de uma
vida entre guerreiros(...)”. Essa ideia nos apresenta que é preciso ver que os homens destinados a
guerra constroem valores diferentes dos políticos e dos diplomatas, são valores de um mundo à
parte, um mundo antigo, que segue regras próprias, uma cultura que muitas vezes não segue a da
civilização. Pois, todas as civilizações devem suas origens aos guerreiros, que é na verdade, uma
característica importante do militar. (CASTRO, 2004)
Por outro lado, a divisão hierárquica entre os militares, formada na maioria por Praças e na
sua minoria de Oficiais, nos leva a pensar que culturalmente a ideia de ser um “guerreiro” passa
pelas relações de poder que determinam as ações dos setores específicos que controlam a
Instituição Militar. Um exemplo desse fato, apesar de construir uma ideia de um não envolvimento
político nas questões ditas políticas, os Militares brasileiros que participaram das ações que
proporcionaram o golpe histórico contra a Monarquia em 1889 e proclamaram à República, não era
formada por Praças na liderança do evento político, por exemplo (CASTRO, 1995).
As ações registradas ao longo do tempo não possibilita entender os militares como uma
categoria social homogênea. No caso da proclamação da República no Brasil, a participação de
outras Instituições foi considerada mínima se comparada com a tropa do Exército Brasileiro,
fortalecido politicamente após a Guerra do Paraguai. (CASTRO, 1995)
Além de observarmos que as Forças Militares que se destacam na proclamação da República
basicamente estão ligadas ao Exército Brasileiro, com pouca participação da Armada (Marinha). Não
se destaca na historiografia a participação dos grupos pertencentes a Guarda Nacional e
principalmente as milícias locais que fortaleceram a construção cultural das atuais Policias Militares.
Para Gaia (2008) o Club republicano tem um papel importante em engajar diversos sujeitos na
campanha republicana, dentre estes, “vale lembrar que muitos militares estavam engajados na
campanha republicana.”
Lauro Sodré era um desses militares do Exército que participou ativamente das discussões
teóricas sobre República e as concepções positivistas oriundas da Academia Militar da Praia
vermelha na cidade do Rio de Janeiro. Um militar que esteve sempre empenhado na defesa da
República. (Idem, 2008).
O ano de 1917, momento da criação da Casa Militar da governadoria por Lauro Sodré,
apresentou a participação de militares locais, chamados à época de Brigada Militar do Estado (atual
Polícia Militar), um fato que nos mostra o envolvimento de militares do Exército na construção do
cenário político local juntamente com os militares locais. Um contexto histórico que se baseava nas
disputas políticas as oligarquias Lemistas (aliados de Antonio Lemos) e Lauristas (aliados de Lauro
Sodré) (CASA MILITAR, 2017)
O contexto do ano de 1917 estabelece, inclusive, um acordo que destacava na no âmbito
Federal a Brigada Militar como Força auxiliar e reserva do Exército brasileiro. (MARRECA, 1940, p.
19) Um fato que mostra a participação da Brigada Militar do Estado como instituição militar inserida
no cotidiano político local e nacional, apesar da visão de militares de “segunda classe”, mesmo com
estabelecimento de uma lei que a deixaria no nível do Exército por ser reserva deste. Um discurso
que cria uma relação de poder e subordinação implícita que é enfatizado até atualidade e com
respaldo na constituição Federal de 1988, no seu artigo 144.
Esses grupos de militares locais estavam presentes no processos de construção da história
local nacional e em ações internacionais, como a Guerra do Paraguai, na segunda metade do século
XIX, quando formou-se os Corpos de voluntários da Pátria, e efetivou-se a participação de militares
locais em conflitos considerados importantes para o debate sobre o sentimento nacional e
fortalecimento do Exército, por exemplo. No caso do Pará, “à Força Pública, põe 1865 à disposição
do Govêrno Imperial o Corpo Provincial de Caçadores de Polícia, que tomou a denominação de
Corpo Paraense de Voluntários da Pátria (...)” (MARRECA, 1940, p. 53).

243
Os militares no Pará seguem uma tradição brasileira herdada do período colonial que
destaca estes grupos subdivididos por tropas Regulares e Tropas auxiliares. Segundo Nogueira
(2002) o organograma das tropas do Pará do século XVII se dividia em Tropas regulares formadas
por Oficiais e Praças vindos de Portugal, eram considerados permanentes e seu recrutamento
ocorria entre homens brancos, mamelucos e de boa procedência. As tropas auxiliares não tinham
caráter permanente, eram provisórias, auxiliavam as tropas regulares pagas, seus oficiais eram
oriundos das tropas regulares, a base principal do seu efetivo era formada por homens negros,
indígenas e cafuzos (livres).
Então como pensar os militares? Pensando de maneira homogênea ou como grupo formado
de identidades sociais diversas? É possível afirmar inicialmente que são grupos de sujeitos armados,
autorizados pelo Estado, “guerreiros” e ligados a tradições que lhes identificam culturalmente como
categoria social. Porém, não é algo fechado, homogêneo e inflexível. Já que, apesar das tradições e
costumes próprios, a divisão hierárquica, as origens sociais dos diversos grupos e o contexto
histórico do momento que um grupo específico de militares é estudado, é provável que possamos
observar fatos e atitudes diferenciadas de ideias pré-concebidas sobre esses sujeitos de “armas” e
suas experiências.

4 SER MILITAR É COISA DE MULHER?

Nas últimas décadas a historiografia sobre militares no Brasil tem sofrido um alargamento
considerável uma vez que alguns historiadores mostraram interesse nesse campo enquanto objeto
de análise. A mudança de postura em relação à negação da mulher enquanto elemento significativo
de abordagem historiográfica pode ser compreendida pelo avanço dos estudos com ênfase na Nova
História a partir da década de 1970 com a aplicação do paradigma conceitual das práticas que tornou
possível já na década de 1980 a concretização da história da mulher militar.
No contexto de redemocratização que estava ocorrendo no país, as mulheres passam a
incorporar às Forças Armadas. Também houveram outros motivos que levaram as mulheres a
adentrarem esse espaço que até então era eminentemente masculino, entre eles, o desinteresse
dos homens da elite sociais em relação ao ingresso a carreira militar, devido ao desgaste que
ocorreu mais de duas décadas de governo burocrático-autoritário.
Na década de 1980, outras áreas de atuação como a de transformações tecnológicas,
tornaram-se atraentes para os demais setores da sociedade. Ainda dentro desse campo, a década
de 1980 teve um baixo crescimento econômico combinando segundo Adão e Mathias (2013) com a
alta inflacionária, de “década perdida”. Desse modo, houve um número grande de desemprego
atingindo os homens, que representavam os postos médios qualificados. (Gerencia e
administração), assim as mulheres passaram a assumir esses cargos, devido serem qualificadas, mas
com menos exigência de salários.
As mulheres ocupam postos de trabalho que antes eram ocupados por homens, agora vista
como indivíduos, que apresentavam projetos pessoais e que a partir desse momento ganhavam
mais autonomia financeira e social. É nesse contexto histórico que as mulheres incorporam as
Forças Armadas.
Apesar de todo posicionamento teórico em tentar explicar a entrada das mulheres nas
Forças Armadas, temos ainda a discussão que está presente sobre gênero, uma categoria de
diferenciação, onde é a base para as pessoas nas suas ideias sobre as relações sociais e nas suas
ações. Que seria pensar nas relações internas entre partes das pessoas, tanto quanto sua
externalização como relações entre pessoas. (SILVA, 2006).
O quartel geralmente é caracterizado como um espaço masculino, por envolver atividades
consideradas de risco e de rigor disciplinar. Entretanto, tornou-se um local que foi adentrado por

244
mulheres também, a partir da década de 1980, de forma voluntária e por isso surge junto a esses
novos sujeitos disputas por tais espaços.
O espaço que antes era composto apenas por homens agora ganha um “corpo estranho”, o
diferente, para aqueles que ali existiam, que se sentiam superiores, forte, e preparados.
Subestimavam esse novo sujeito, como inferior, incapazes, fracas e sensíveis. Onde dificultariam as
atividades militares para as mulheres.
Percebe-se que essas características são construídas a partir da cultural e sociedade que o
indivíduo está inserido. Por exemplo, a sociedade ocidental é caracterizada por uma clara
dominação masculina e, por uma subordinação da mulher no domínio político, econômico e
simbólico. Construindo uma espécie de discurso simbólico que remete a uma natureza “feminina”
biológica, morfológica e psicológica, que legitima a sujeição das mulheres. Dificultando o seu
crescimento e destaque em diversos setores sociais. (SILVA, 2006)
Porém, existem autores que buscam romper com essas características simbólicas de
submissão das mulheres, pois nas sociedade atuais é perceptível que a mulher já conquistou seu
espaço, logo para Bourdieu (apud SILVA, 2006) a dominação masculina sobre a feminina é simbólica
que implica a naturalização dessa dominação na sociedade, exercendo sobre os corpos um forte
poder, sem haver necessidade de força física (SILVA, 2006).
No campo militar, para Celso Castro a identidade militar é construída, havendo uma
separação entre militares e civis, e o mundo externo. Onde a vida militar é operada por uma
hierarquia que estruturaria as relações internas aos próprios militares, como mencionado
anteriormente. Destacando a instituição militar como um “mundo próprio”, que não demonstra
espaço para as mulheres. Sobre a integração das mulheres às Forças Armadas, é possível perceber
conforme D’Araújo (apud SILVA, 2006) que o acesso das mulheres tem sido de maior assimilação,
pelo fato de que as mulheres encontram suas maiores limitações na carreira militar sobretudo em
razão de sua aparente “fraqueza física” e vocação maternal. (SILVA; 2006). Apesar de polemico o
tema, e dividido as opiniões sobre a entrada das mulheres nas Forças Armadas, essas mulheres
militares já ganharam espaço, aprendendo em sua vida militar valores como disciplina, hierarquia,
precisão, rapidez, coragem, bravura, etc. Valores que são destacados como militares, que seriam
características dos homens. Pois, tal estrutura militar foi construída aos moldes universal masculino.
Exclusivamente constituída por homens. Dessa forma, as mulheres se submetem ao código
masculino conforme SILVA (2006)

(...) não existe mulher ou homem, existe o militar, porém o código é masculino, portanto, a
mulher se sobrepõe a identidade militar e se torna “militar homem”. A mulher é negada
como mulher, assimila essa negação e passa a ser o militar e não a militar. (CARVALHO,
1990: 90. grifos e ênfase do autor).

Há uma apropriação da instituição militar sobre a representação simbólica do gênero


feminino na sociedades. Inicialmente, as Forças militares não permitiam que mulheres servissem
nas armas combatentes, e sim nas armas da Intendência, como foi o caso da Força Aérea Brasileira.
A mulher não podia ser combatente e só se apresentava na batalha travestida. Sua função era de
auxiliar na retaguarda, seja como enfermeira ou como secretária. O homem é quem poderia assumir
funções maiores, poderia comandar.
A entrada de mulheres nas Policia Militar de São Paulo, no exército, Marinha e Força Aérea
Brasileira. A Policia Militar de São Paulo foi a primeira instituição militar que incorporou as mulheres
através da criação do corpo feminino em 1955, com a entrada de 13 mulheres à Guarda Civil,
criando-se assim o Corpo de Policiamento Especial Feminino, surge o primeiro grupamento policial
feminino uniformizado no Brasil, com o Decreto Lei 24.548, de 12 de maio de 1955 (MUSUMECI,
2005).

245
O trabalho teria como argumento que a formação psicológica feminina ajudaria na atuação
policial em certas áreas especificas, como trabalho com idosos, mulheres e menores infratores ou
abandonados. Sobre a inserção das mulheres na Policia Militar MUSEMECI afirma:

Em 1959, ainda como parte da Guarda Civil, o Corpo de Policiamento subordinado tomou
a designação de Polícia Feminina e ficou subordinado à Secretária de Segurança Pública com
a Lei 5.235, de 15 de janeiro de 1959, artigo 2º, e em 1969 passou a chamar-se de
Superintendência de Policial Feminina, com o Decreto-lei 168, de 10 de dezembro de 1969.
No ano de 1970 houve a fusão da Força Pública e da Guarda Civil, que originou a Policia
Militar do Estado de São Paulo, visível no Decreto-lei 217, de 8 de abril de 1970. Em 1975
transformou-se em Quadro Especial de Policiamento Feminino ganhando estrutura de
batalhão, 1º Batalhão de Policiamento Feminino, através do Decreto-lei 7.209, de 15 de
dezembro de 1975. Finalmente em 1984, consolida-se a base legal para a incorporação de
policiais femininas aos quadros regulares das PMs, com a nova redação dada ao decreto-lei
Federal 667, de 2 de julho de 1969.[...]
Art. 8º (...) 2º - Os Estados, Territórios e o Distrito Federal poderão, se convier às respectivas
Polícias Militares: (a) admitir o ingresso de pessoal feminino em seus efetivos de Oficiais e
Praças para atender necessidades das respectivas Corporações em atividades especificas,
mediante autorização no Ministério do Exército [...]. Decreto-lei federal 2.106, de 6 de
fevereiro de 1984. (Iddm, 2005)

Desse modo, a ideia de ter a presença de mulheres era de “humanizar” a Polícia, pois
assumiam funções mais reservadas consideradas próprias para mulheres. Chegando ao máximo
fazer o policiamento no trânsito, em escolas, nas feiras livres, etc. Hoje essas mulheres já
alcançaram novas funções, como exemplo na ROTA – Onda Ostensivas Tobias de Aguiar, temido por
seu comportamento violento e muitas vezes ilegal. (ADÃO; MATHIAS, 2013)
Em 1980 foi criado o Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha (CAFRM), que formava
militares para exercer atividades técnicas e administrativa, pelo então Ministro da Marinha no
governo do General Figueiredo, o Almirante de esquadra Esquadra Maximiniano da Fonseca, Lei
6.807 de julho de 1980 (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 1980). A Força Aérea Brasileira cria no Ministério
da Aeronáutica o Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica que dá acesso a entrada de mulheres
em 1982 através da Lei nº 6.924, de 29 de junho de 1981 (DIARIO OFICIAL DA UNIÃO, 1981). O
Exército, abre espaços para as mulheres a partir da Lei nº 7.831, de 2 de outubro de 1989 (Diário
Oficial da União), Cria o Quadro Complementar de Oficiais do Exército (QCO), possibilitando a
entrada das mulheres na Escola de Administração do Exército (EsAEx), sediada em Salvador/BA.
Iniciou a formação em 1990, onde teve suas duas primeiras turmas masculinas, apesar da
institucionalização feminina só ocorrer em 1992 com a matricula das primeiras 49 mulheres, no
Exército Brasileiro, que saíram formadas com a patente de 1º Tenente. Para Lannes (2008) o
objetivo era suprir as demandas exigidas nas áreas técnicas e administrativas.
Essa participação da mulher se remonta ao longo da história, no recôncavo baiano em 1822,
com Maria Quitéria de Jesus, ao presenciar a convocação de soldados para a guerra pela
independência do Brasil, que ainda não estava consolidada na Bahia. Inicialmente disfarçada de
homem, Maria Quitéria, conhecida como Sd Medeiros, dá causa ao registro da primeira participação
da mulher feminina nas fileiras do Exército Brasileiro, fazendo-se integrante do Batalhão Voluntários
do Príncipe, tendo sido promovida a cadete e, em seguida, condecorada no Rio de Janeiro com a
Ordem Imperial do Cruzeiro do Sul (TRINDADE, 2012). Após seus episódios de bravura e gloria Maria
Quitéria na ocasião de condecoração solicitou a D. Pedro I, que enviasse ao seu pai uma carta,
solicitando perdão por ter desobedecido.
Durante a II guerra Mundial, tivemos a entrada de 73 enfermeiras na Força Expedicionária
Brasileira – FEB, entre elas 06 especialistas em transporte aéreo. A primeira Turma de Emergência
de Enfermeiras da Reserva do Exército fez curso, embarcaram para Itália. Para trabalhar em
hospitais. E na paz voltaram a servir na Policlínica Militar no Rio de Janeiro.
246
Elza Cansação Medeiros foi a primeira voluntária do Brasil para II Guerra Mundial. Era a
primeira vez que o Exército tinha mulheres em seus quadros, e como era natural não sabiam bem o
que fazer e como agir com essas mulheres, e muito menos que tipo de treinamento físico deveriam
ministrar. Sendo executado todos os exercícios ministrados para os soldados. (CANSAÇÃO, 1987)

5 – HISTÓRIA E MEMÓRIA DAS MULHERES NA FAB.

No início as mulheres eram exceções, mas hoje a presença delas na Força Aérea Brasileira já
é uma realidade em diversos setores da FAB. Também foi primeira das três Forças a abrir espaços
para atuação de mulheres na atividade fim da instituição. A ampliação da participação feminina na
Aeronáutica em funções tradicionalmente masculinas ocorre de maneira gradual.
No ano de 1981 foram criados os quadros femininos de oficiais e de graduadas entrando as
pioneiras da Força Aérea Brasileira (FAB), com a Criação do Corpo Feminino da Reserva da
Aeronáutica, CFRA- QFO e QFG55, saindo como 2º Tenente, 3º sargento e Cabos, Lei n. 6.924,
de 29 de junho de 1981 (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 30 JUN, 1981)
Os quadros QFO e QFG foram extintos em virtude de que as mulheres já poderiam ingressar
na Aeronáutica em diversos quadros, não havendo a necessidade de ser manter um Corpo de
militares específicos para o sexo feminino, além de reforçar o que preceitua a Constituição em seu
artigo 5.
A razão pelo qual foi realizada a extinção nos anos de 1990 dos quadros QFO e QFG, fica
claro nas palavras da SO56:

“Manter as mulheres em quadros específicos representaria favorecer a segregação de


gênero, assim como em diversos países o Brasil extinguiu os quadros permitindo o ingresso
de mulheres em grupamentos ou quadros de ambos os sexos. [...]
[...]A oitava turma do QFG de 1990, foi a última a se formar, que foi a minha turma. E no
ano seguinte em 1991 formou-se a última turma QFO.” (SO EDILAIR BRAVO, 49 anos,
14/06/2017)

Houve uma reestruturação dos Corpos e Quadros de Oficiais e de Praças da Aeronáutica, em


decorrência de ter sido constatada por esta Força a necessidade de serem criados Novos Corpos e
Quadros, e ainda extintos e dados novos nomes a outros, consolidando e atualizando inúmeras leis
e decretos-leis existentes sobre o mesmo assunto. (SILVA, 2005). As especialidades do QFO foram
absorvidas pelo Quadro Complementar de Oficiais da Aeronáutica (QCOA) e as do QFG pelo Quadro
de Suboficiais e Sargentos da Aeronáutica (QSS). O QCOA foi criado pela Lei NR 6.837, de 29 de
outubro de 1980 e regulamentado pelo Decreto NR 85.866, de 01 de abril de 1981.
A entrada de mulheres na Academia da Força Aérea (AFA- Pirassununga/SP) no Quadro de
Oficiais Intendentes foi autorizado, em 1995, que ingressaram em 1996 a primeira turma de cadetes
feminino. Oito anos depois, em 2003 a AFA recebeu as primeiras mulheres para o Curso de
Formação de Oficiais Aviadores. Em 2006 foi formada a primeira turma do Quadro de Oficiais-
Aviadores com a presença das mulheres. Nela encontram-se 11 mulheres que formaram das 20 que
entraram. Em 2002 tivemos a entrada das mulheres na Escola de Especialista de Aeronáutica (EEAR)
– Guaratinguetá -SP, Curso de Formação de Sargentos aos poucos elas foram conquistando espaço
dentro da instituição. Em 2003, tivemos a primeira piloto militar a voar sozinha em uma aeronave
da FAB. Em 2009, a dupla feminina comandou uma missão: as tenentes Joyce de Souza Conceição e
Adriana Gonçalves, do Sétimo Esquadrão de Transporte Aéreo, decolaram de Manaus para (AM) em
um C-98 Caravan em direção a Parintins (AM).

55
CAFRA (Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica)
56
Sub Oficial
247
Hoje os quadros de oficiais já apresentam a figura feminina, Oficiais e Aspirante-a-Oficial,
conforme pesquisa podem voar em todos os tipos de aeronaves, como caças, helicópteros e aviões
de transporte. As pioneiras atingiram em 2014, o posto de Capitão. Em 2015, a FAB teve mais um
marco com a presença feminina, a Casa Gerontológica Brigadeiro Eduardo Gomes, sediada no Rio
de Janeiro recebe a Coronel Médica Carla Lyrio Martins que assumiu o Comando da Organização
Militar da Instituição. As mulheres podem ingressar na Força Aérea por meio de escolas de formação
de sargentos e oficiais, por meio de exames de seleção que obedecem as seguintes etapas: prova
teórica, exame de aptidão psicológica, teste de avaliação do condicionamento físico, inspeção de
saúde e, em alguns concursos, provas de títulos e prova prática.
Algumas escolas de formação, suas especialidades e duração:

- Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR) - Guaratinguetá (SP): Curso de Formação de


Sargento. Não ter completado 24 anos até a data da matrícula e ter o ensino médio completo,
especialidades de Eletricidade, Eletrônica, Equipamento de Vôo, Meteorologia, Suprimento,
Administração, Informação Aeronáuticas, Cartografia, Desenho, Enfermagem e Eletricidade.
Duração de dois anos, ao receber o diploma, a aluna passa para a graduação de Terceiro-Sargento
especialista podendo, por meio de seleções internas, se tornar oficial.( www.brasil.gov.br)
- Academia da Força Aérea (AFA) – Pirassinunga (SP): Curso de Formação de Oficiais
Aviadores e Intendentes. Não possuir menos de 17 anos na data de matricula e nem completar 21
anos até 31 de dezembro. Ter concluído o ensino médio, o curso tem duração de quatro anos e,
ao forma-se, a cadete é diplomada Aspirante-a-Oficial da Força Aérea Brasileira e poderá chegar
até oficial-general.(Idem)
- Centro de instrução e Adaptação da Aeronáutica (CIAAR) – Belo Horizonte (MG): Para
ingressar, a candidata precisa ser formada em instituição de ensino superior reconhecidas pelo
MEC, ter registro de respectivo conselho regional e possuir, no máximo, de 32 a 35 anos,
dependendo da especialidade. O curso tem duração máxima de 17 semanas e, ao concluí-lo, a
estagiária é nomeada Primeiro-Tenente e segue carreira como oficial da FAB. Há especialidades
são diversas, entre elas, médicas, engenheiras, advogadas, entre outras. (ibdem)
Outra forma de entrar para a Força Aérea Brasileira é através do Quadro de Oficiais da
Reserva de 2ª Classe Convocados – QOCON. (Áreas de Apoio), são promovidas até o posto de 1º
Tenente e os praças permanecem como Terceiro-Sargento. Sendo que o Quadro de Oficias é
composto por dois grupamentos: de médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários (MFDV) e de
técnicos, formados por profissionais de outras áreas do conhecimento. E o Quadro de Sargentos
da Reserva de 2ª Classe Convocados (QSCON) atende a profissionais de nível médio. Esse Quadro
foi criado em 2013, a entrada é feita por seleção e a duração é de até 8 anos, Lei de 12.792,de 4
de abril de 2013.(Jornal Notaer, ANO XXXIX, nº 3, março, 2016.)

Assim, é possível perceber no relato de uma mulher-militar a sua experiência na “missão


militar”, conforme fragmento de uma entrevista com a oficial, abaixo:

(...) Sou formada em pedagogia, casada, tenho um filho, sou de Niterói, carioca. Eu tive experiência
na rede estadual de ensino, e a dificuldade é muito grande, se você quer ter uma experiência
melhor você tem que comprar material pra você usar, quando vi não dava, apesar de eu gostar de
dar aula, acabei fazendo concurso para Aeronáutica. Meu pai também influenciou, é reformado da
marinha era SO Oficial. (TEN CEL DA FAB ENTREVISTADA, 06 DE JUNHO DE 2017.)

A TENENTE CORONEL DA FAB ENTREVISTADA destaca as suas dificuldades de arrumar


trabalho, em Niterói, na sua área do magistério, sendo essa questão econômica um fator importante para
a “escolha” da Força Aérea Brasileira como local de trabalho.

248
Nesse sentido, o relato da entrevistada acima corrobora com o depoimento da Sub Oficial
ENTREVISTADA 01, abaixo, que nos mostra mais uma experiência feminina e os motivos para buscar
trabalhar numa Instituição Militar. Conforme podemos perceber no fragmento de sua entrevista:

(...) Sou natural de Fortaleza, formada em administração de empresas pela UFPA, casada tenho
dois filhos, trabalhei em um restaurante na orla de Fortaleza. Como minha família era muito pobre
tive que trabalhar cedo e fazia curso no Senac para me aperfeiçoar na área de departamento
pessoal, que era aonde eu trabalhava no restaurante, foi quando vi o anúncio no Senac sobre o
concurso da FAB. Fiz o curso de arquivo, que era o mais rápido e a FAB estava precisando de
especialidade e prestei o concurso no ano seguinte. Entrei em 1990, minha turma foi a oitava de
sargentos de carreira. Sempre tive muito foco com a minha necessidade de um emprego melhor,
ganhava salário mínimo e precisava ajudar em casa. (SUB OFICIAL 01 ENTREVISTADA, 13 DE
JUNHO DE 2017)

As dificuldades de trabalho também são destacadas pela SUB OFICIAL ENTREVISTADA 02, que
confirmam uma busca por trabalho na sua época e a FAB serviu como o local da oportunidade para a
mesma, conforme relato abaixo:

(...) Sou formada em Biblioteconomia pela UFPA, natural de Santerém-Pa, casada, tenho dois filhos.
O que me levou a entrar na FAB foi a oportunidade de emprego na época e minha família deu
apoio. Entrei através de concurso, na época não tinha processo de seleção via currículo, meu
quadro era o QFG, Quadro Feminino de Graduados da Aeronáutica. A minha turma foi a de 1990.
Foi a última turma, depois o quadro feminino foi extinto. E depois as mulheres passaram a se
formar como é hoje, na EEAR, junto com os homens. (SUB OFICIAL ENTREVISTADA 02, 13
DE JUNHO DE 2017)

A questão familiar ficava de lado, devido às exigências do curso, pois, a aluna militar tinha que
se dedicar no período especifico de cada curso para que pudesse se adaptar a profissão, conforme a
tenente Edilene Silva nos afirmou “(...) Foi difícil pois minha filha tinha quatro meses e eu não pude
amamenta-la normalmente. Pensei em desistir mas precisava do trabalho, pois tinha entregado o meu”
(1º TENENTE FEMININO ENTREVISTADA 01, 07 DE JULHO DE 2017).
Esses momentos que muitas vezes deixam dor e vazio, experiências diversas, mas voltadas
para um único objetivo ser militar, momentos delicados acontecem e precisam ter foco, superar a cada
dificuldade. Conforme relato abaixo da 1º TENENTE FEMININO ENTREVISTADA 02:

(...) Foi um momento bem delicado em minha vida, estava com um filho de quatro meses quando
comecei todo o processo seletivo, meu leite materno secou devido o estresse e adrenalina do
curso, posso dizer que me superei, adoeci dos joelhos sentia muitas dores me impossibilitando de
fazer o teste físico final e acabei sendo a zero último da minha turma, mas quando lembro que
minha nota foi igual ou próximo a de muitos colegas de turma que fizeram o teste físico e as prova
teóricas, fico feliz porque sei que se não fosse os joelhos bichados eu tiraria uma boa colocação,
mas creio que Deus tem planos para todos nós. Após a caserna, encaramos a realidade do quartel
e nossas especialidades, no caso a minha é magistério, sou professora de história, e o local de
trabalho é a escola Tenente Rêgo Barros, da qual me orgulho de poder lecionar para esses alunos,
pois um dia sonhei em estudar nela, mas não consegui e hoje Deus realizou meu sonho. Tive
momentos difíceis durante o trabalho, momentos tristes também, perdi minha mãe com câncer
em 2013, ficou internada e eu ia de casa para o quartel, do quartel (escola) para o hospital e assim
fiquei por 5 meses, e eu tinha que continuar por mim, pela minha família e por ela, e em seguida
em 2014 perdi meu segundo filho, Samuel, nasceu morto, dessa vez pensei em desistir pois achei
que não ia aguentar a pressão da vida militar, de ser profissional, de ser mãe, esposa e dona de
casa. Mas superei e Deus me deu forças. Aprendi muito, experiências que vou levar pra vida toda.
(1º TENENTE FEMININO ENTREVISTADA 02, 28 DE JUNHO DE 2017)

249
Um dos questionamentos que se ressalta na atualidade, principalmente, no âmbito das
instituições militares é sobre o papel Mulheres. Será que elas devem desempenhar as mesmas atividades
que os homens? O fato é que a carreira militar hoje, por força constitucional, permite a entrada das
mulheres nas Armas, porém, ainda existem pessoas que são a favor e outras que são contra a entrada das
mulheres, atribuindo de certa forma, um papel delimitado a partir da questão de gênero.
Vejamos alguns comentários das entrevistadas que mostram que existe ainda as mulheres
que se colocam nessa situação de frágeis. Uma percepção que talvez dificulte que o gênero feminino
mostre sua capacidade de realizar certas profissões. Conforme relato abaixo:

(...) tem algumas mulheres que fazem questão de demonstrar fragilidade. Que não podem fazer
isso ou aquilo acho que isso só contribui para os homens acharem que não somos capazes
podemos dar voz de comando tanto quanto eles. Ficar com vergonha de comandar uma tropa ou
não aprender a fazer isso só nos faz parecer inferiores. Acham que lugar de mulher é na burocracia.
Podemos desempenhar qualquer especialidade. Já vi uma sargento subindo em poste para fazer
reparos porque a especialidade era elétrica. Sem problemas. Mas isso não serve para todas. [...]
Gostei de fazer parte do Pelopes, gosto de adrenalina de fazer rapel. Gostei muito de voar de
helicóptero. Sempre procurei aprender e fazer bem feito o meu trabalho. Seja ele qual for. Acho
que por isso sempre fui bem vista pelos meus superiores. (SUB OFICIAL ENTREVISTADA 02,
13 DE JUNHO, 2017)

Para a SUB OFICIAL ENTREVISTADA 01 as mulheres estão cada vez mais inseridas na carreira
militar e que são capazes de desenvolver qualquer atividade. Conforme fragmento de sua entrevista:

(...) Hoje as mulheres na carreira militar estão cada vez mais fortes, com exceção das áreas de
combate, as mulheres podem desempenhar qualquer função. Elas desempenham os cargos
previstos nas mesmas condições dos oficiais ou graduados do sexo masculinos e concorrem às
promoções em condições de igualdade com os homens. Nesse sentido, o critério de avaliação de
desempenho profissional não discriminam o sexo, tampouco restringem o acesso aos postos mais
elevados da carreira. Nesse sentido, estão em condições iguais. Todas recebem a mesma instrução
militar básica ministrada aos homens. Participam de marchas, acampamentos, exercícios de tiro,
jogos de guerra,(em computadores) e manobras logísticas na esfera de suas especialidades. Sem
falar que a estabilidade e os salários melhores do que os oferecidos na iniciativa privada, estão
levando cada vez mais as mulheres optarem pela carreira militar. [...] Hoje já não são vistas com ar
de inferioridade, estão em pé de igualdade com os homens, sendo reconhecidas com seus próprios
méritos. A elas são confiadas tarefas que antes não poderiam exercer. Hoje temos piloto mulher
na FAB, temos mecânicas de bandas, que antes eram atividades exercidas só por homens. (SUB
OFICIAL ENTREVISTADA 01, 13 DE JUNHO DE 2017)

Um dos militares masculinos entrevistados relata que as mulheres são capazes de desenvolver
e produzir tanto quanto os homens e que vieram para somar ao serviço militar, não existindo diferença
entre homens e mulheres. Uma visão interessante, mas, que caberia mais pesquisa, observemos o relato
abaixo:

(...) As mulheres contribuem, sobremaneira, para o bom andamento dos serviços nas diversas
especialidades na FAB. Tenho contato direto com essas profissionais, e vejo que são capazes de
produzir tanto quanto produzem os homens. Não vejo diferença entre homens e mulheres
militares. Vejo que há peculiaridades que as mulheres não podem exercer, ainda, na FAB, por
exemplo: na Infantaria ... no EB, este ano entrou a primeira turma de mulheres nas Armas
(infantaria, bélico...) quebrando certos paradigmas. [...] Dependendo de cada indivíduo, alguns
possuem sim a capacidade de assimilar certas pressões. Nesse contexto, durante 31 anos de FAB
vi homens que pediram pra sair, mas vi homens que suportaram. Vi mulheres chorarem, mas vi
mulheres sorridentes e que assimilaram bem a pressão. (1º SARGENTO MASCULINO
ENTREVISTADO BRUNO, 19 DE JUNHO DE 2017)

250
Para o 1º TENENTE MASCULINO ENTREVISTADO, às mulheres tem todo o direito e a qualidade
de exercer a profissão militar, porém, existe uma diferença nas questão física, como a questão de
atividades que necessitam da força física, mas, tanto homens, como mulheres apresentam capacidades
iguais. No entanto, o Oficial ressalta que a reação das mulheres é diferente, “são emotivas”:

(...) As mulheres tem todo direito e qualidade de exercer a missão, a diferença na vida militar se
dá pelo Posto ou Graduação e não pelo sexo, porém normalmente não efetuam trabalhos que
necessitem muita força física, como carregar pesos. Há distinção nas exigências físicas, ou seja, a
quantidade de repetições exercícios físicos é inferior à quantidade exigida aos homens. A
capacidade é a mesma, mas a reação é diferente. Normalmente as mulheres são mais emotivas,
porém isso é uma característica boa. Os homens e as mulheres são iguais no que tange aos direitos
e assim são tratados no meio militar, no entanto são diferentes fisicamente e fisiologicamente. [...]
Não digo limitações, Diferenças físicas por conta de massa muscular e fisiológicas. Um exemplo é
a forma de fazer flexões dos membros superiores. Mas já vi diversas vezes algumas mulheres
fazerem tal exercício da mesma forma que os homens. (1º TENENTE MASCULINO
ENTREVISTADO, 16 DE JUNHO DE 2017.)

Uma entrevista interessante que apresenta indícios de uma visão sobre o trabalho feminino
nas Instituições Militares. Nesta visão, é possível perceber que para o entrevistado do sexo oposto, as
mulheres são “emotivas”. Um detalhe da sua personalidade que na percepção do Oficial entrevistado
acima, influencia no trabalho feminino em comparação com os homens.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se mostrar a participação das mulheres no contexto de transformações sociais e


políticas no país e também em um contexto de pós-modernidade, focando na inserção e
representatividade das mulheres nas corporações militares brasileiras, no caso especifico da Força Aérea
Brasileira e a experiência em Belém do Pará.
Foi possível a partir da análise de fontes, percebermos a história e a memória da mulher na
Força Aérea Brasileira em Belém do Pará, no período de 1981-2017, através de uma análise inicial
importante para pesquisas futuras sobre o papel feminino dentro de Instituições de “origem masculina”,
como as Militares, com foco específico para Força Aérea Brasileira.
Um espaço social que é possível estudar o debate sobre gênero e “resgatar” o papel histórico-
social das mulheres na caserna, e inclusive do ponto de vista regional. Estas mulheres estavam envolvidas
num universo militarizado que nos mostra práticas sociais e possibilita construirmos uma compreensão
de heranças históricas que marcam as relações, mediações, conflitos entre homens e mulheres na FAB,
no contexto dos anos de 1980 e 1990, assim como nos dias atuais.

REFERÊNCIAS

ADÃO, Maria Cecilía Oliveira; MATHIAS, Suzeley KAlil. Mulheres e vida militar. IN: Cadernos
Adenauer XIV, nº 3, 2013.

BASSANESI, Carla. Revista Feminina e o Ideal de Felicidade Conjugal (1994). IN: Cadernos Pagu
Trajetória e Sentimentos, 199 .p.14.

CANSAÇÃO, Elsa. E foi assim que a cobra fumou. Rio de Janeiro: Imago, 1987. p.43 e 50

CASA MILITAR DA GOVERNADORIA. Casa Militar, 100 anos. 1917/2017: um século de história
servindo à sociedade e protegendo pessoas. Belém: Governo do Estado do Pará, 2017.

251
CASTRO, Celso. O espírito militar: um antropólogo na caserna. 2ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
ed.; 2004.

_____________ Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar ed.; 1995.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 1988.

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 1980. Lei 6.807 de julho de 1980. Corpo Auxiliar Feminino da Reserva
da Marinha (CAFRM). 1980.

__________________________, 1981. Lei 6.2924, de 29 de junho de 1981 que trata da Criação do


Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica, CFRA- QFO e QFG, saindo como 2º Tenente, 3º
sargento e Cabos. 1981.

__________________________, 1989. Lei nº 7.831, de 2 de outubro de 1989. Trata sobre a entrada


da criação de quadros no Exército para mulheres. 1989.

GOFFMAN, Irving. Características das Instituições totais. In: ETZIONI, Amitai. Organizações
complexas: estudo das organizações em face dos problemas sociais. São Paulo: Atlas, 1973. p.p.
303-331.

FARIAS, Willian Gaia. O alvorecer da república no Pará (1886-1897). 1ª edição. Belém: Açaí, 2008.

KEEGAN, John. Uma história da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

_________________. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974. P.p. 16-19.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 5ª ed. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 2003.

NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. A estrutura militar no Grão-Pará setecentista. In: BEZERRA, José
Maia; GUZMÁN, Décio de Alencar. (org) Terra Matura: historiografia e história social na Amazônia.
Belém: Paka-tatu, 2002.

MAGNOLI, Demétrio. No espelho da Guerra. In: MAGNOLI, Demétrio. (org) História das Guerras.
São Paulo: Contexto, 2006.

MARRECA, Orvácio Deolindo da Cunha. Histórico da Polícia Militar do Pará: desde do seu início
(1820) até 31 de dezembro de 1839. Belém: Oficinas Gráficas do Instituto Lauro Sodré, 1940.

MUSUMECI, Soares Barbosa; MUSUMECI Leonardo; com Luciane Patrício e Angélica de Faria Silva.
Mulheres Policiais: a presença feminina na Polícia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Civilização
Brasileira, 2005. 9p.27-29)

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Tradução Viviane Ribeiro. Bauru. SP:
EDUSC, 2005.p.17-18.

SILVA, Cristina Rodrigues da. Gênero, Hierarquia e Forças Armadas: um estudo etnográfico acerca
da presença de mulheres nos quartéis. Monografia. UFSCar, 2006.
252
STEARNS, Peter N. História das relações de gênero (tradução Mirna Pinsky), São Paulo: Contexto,
2007.

TRINDADE, Alyne Alves. As herdeiras de Maria Quitéria: 20 anos da presença da mulher no Exército.
Revista do Clube Militar. ANO LXXXV, nº 44, fev/mar/abril. Rio de Janeiro. p.8, 2012.

253
JUSTIÇA E TERRITÓRIO
A percepção de oficiais de justiça sobre o risco inerente à prestação material da justiça

Roberta Braga Simões


Roberto Magno Reis Netto
Wando Dias Miranda
57

1 INTRODUÇÃO

Ao instituir o princípio da inafastabilidade da jurisdição em seu Art.5º, XXXV (“a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) (BRASIL, 1988, não paginado),
a Constituição Republicana, assegurou ao cidadão a própria ideia de acesso à justiça enquanto
garantia fundamental. Para tanto, o texto constitucional (art. 92, em diante) promoveu a
estruturação básica do Poder Judiciário, nos níveis federal e estadual, justamente, como forma de
delimitar órgãos específicos, com competências voltadas à necessidade de prestação de justiça ao
cidadão, como uma verdadeira política pública de solução de conflitos e manutenção da ordem e
coesão do tecido social.
Por meio daquela garantia fundamental, o Estado Democrático de Direito permitiu o acesso
do cidadão à jurisdição, esta, uma relevante técnica de resolução de conflitos sociais atribuída
preponderantemente ao poder judiciário, para permitir que este preste à sociedade como uma
espécie de contrapartida natural da proibição (também preponderante) de exercício da autotutela
de direitos (DIDIER JR., 2019). Portanto, falar de acesso à justiça, importa também falar num dever
de atendimento do cidadão pelo poder judiciário o que, por sua vez, irroga a ideia de presença
material deste poder em pontos estratégicos do território nacional, onde não só possa ser acessado
pelos cidadãos necessitados, mas, igualmente, possa atingir o cidadão para efetivação concreta da
tutela jurisdicional do Estado (REIS NETTO et al, 2018).
Sob esta perspectiva, o grupo de estudos denominado Justiça e território, protagonizado por
pesquisadores do Érgane – Instituto Científico da Amazônia, em conjunto com o Laboratório de
Pesquisas em Geografia da Violência e do Crime (LAB-GEOVCRIM, da Universidade do Estado do
Pará - UEPA), com o Grupo de Pesquisa Métodos de Diagnóstico em Segurança Pública (da
Universidade Federal do Pará - UFPA) e o Guia – Grupo de Iniciação Científica do curso de direito
(da Faculdade da Amazônia), iniciou uma série de discussões sobre o relacionamento material entre
o poder judiciário e o território (aqui compreendido enquanto espaço permeado por relações
concretas de poder) (RAFFESTIN, 1993) e suas implicações para a sociedade.
Concebendo-se que a justiça (enquanto política pública) é prestada não só por intermédio
da acessibilidade física às sedes do judiciário (os fóruns), mas, igualmente, pelo alcance físico efetivo
do jurisdicionado pelos órgãos e agentes do judiciário, quando da efetivação das medidas concretas
contidas nos provimentos jurisdicionais, sejam estes simples atos de comunicação processual
(intimações e notificações, por exemplo) ou complexos atos de constrição de bens ou restrição de
direitos (como prisões, buscas e apreensões, interdições etc.), perceber como o judiciário se
relaciona com o território nas cidade onde o mesmo se conclama presente é questão de grande
importância à própria prestação da justiça.

57
COMO REFERENCIAR ESSE TRABALHO:
SIMÕES, Roberta Braga; REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA, Wando Dias. Justiça e território: A percepção de
oficiais de justiça sobre o risco inerente à prestação material da justiça. In: REIS NETTO, Roberto Magno; MIRANDA,
Wando Dias; REIS, João Francisco Garcia. Segurança Pública e Atividade de Inteligência: debates e perspectivas.
Ananindeua: CROM, 2021.

254
Neste estudo, problematizou-se a atuação da figura jurídica do oficial de justiça. Trata-se, a
princípio, de agente do Poder Judiciário incumbido da efetivação de provimentos judiciais (embora
sua competência, atualmente, vá além disso) e que, nessa qualidade, é um agente externo aos
muros dos fóruns que se desloca pelas diversas manifestações do território das cidades, sendo,
assim, um sujeito processual próximo da população e dos problemas por ela vivenciados.
Em outras palavras, é o oficial de justiça que vive a realidade dos espaços delimitados de
forma abstrata pela lei como zonas de atuação de cada órgão judicial, aproximando-se dos conflitos
que desembocam, adiante, em ações judiciais cíveis ou criminais, e que, portanto, sentem de perto
a realidade dos riscos, criminalidade, disputas de poder, etc., existentes na sociedade. Sob este
raciocínio, e, atento ao papel desempenhado por estes profissionais, o estudo questionou: qual é a
percepção dos oficiais de justiça, de uma determinada comarca da Região Metropolitana de Belém,
Estado do Pará, a respeito dos riscos profissionais enfrentados na efetivação de ordens judiciais?
A importância do estudo advém, primeiramente, da necessidade de se verificar os problemas
relatados pelos agentes públicos em questão, que, para além de dificuldades de trabalho, se
afiguram como problemas concretos para efetivação das ordens judiciais e, em última instância, da
própria justiça. Em segundo lugar, deve-se compreender que nenhum papel público é estanque,
pelo que as necessidades de cada profissão (assim como, conjuntos de atribuições inerentes à
competência de cada cargo) devem acompanhar as mudanças sociais. Por fim, a análise se enquadra
em discussões vinculadas a projetos de lei nacionais e estaduais, onde o oficial de justiça figura como
elemento central, seja no que toca ao aumento ou transformação de suas atribuições (fala-se, por
exemplo, no aumento de gratificações por risco de vida, ou na concessão de porte de arma, etc.),
seja no que toca à propostas de redução de sua atuação ou, até mesmo, extinção do cargo e criação
de funções por indicação precária. Certamente, os resultados do estudo podem contribuir
significativamente com esses debates e transformações, cujos impactos finais, repercutirão sobre
as cidades e sociedades.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 A FUNÇÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA NO SÉCULO XXI

O termo jurídico oficial de justiça diz respeito a um cargo público, ou seja, um locus, “lugar
dentro da organização funcional da Administração Direta e de suas autarquias e fundações públicas
que, ocupado por servidor público, tem funções específicas e remuneração fixadas em lei ou
diploma a ela equivalente” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 718), vinculado ao Poder Judiciário e que
assume diferentes denominações concretas em cada unidade federativa e na União (Oficial de
Justiça, Analista Judiciário de função Executiva, Oficial de Justiça Avaliador, etc.).
Contudo, apesar de seus modernos caracteres (vistos adiante), a função de cumprimento de
ordens expedidas por autoridade com poderes jurisdicionais encontra registros históricos
longínquos, a exemplo do próprio texto bíblico que manifesta a existência da função nos livros de
Mateus (5:25-26)58 e dos Atos dos Apóstolos (16: 35-40)59 (BÍBILA SAGRADA, 2017).

58
“Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te
entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto
não pagares o último centavo”.
59
Quando amanheceu, os pretores enviaram oficiais de justiça, com a seguinte ordem: Põe aqueles homens em liberdade.
Então, o carcereiro comunicou a Paulo estas palavras: Os pretores ordenaram que fôsseis postos em liberdade. Agora,
pois, saí e ide em paz. Paulo, porém, lhes replicou: Sem ter havido processo formal contra nós, nos açoitaram publicamente
e nos recolheram ao cárcere, sendo nós cidadãos romanos; querem agora, às ocultas, lançar-nos fora? Não será assim;
pelo contrário, venham eles e, pessoalmente, nos ponham em liberdade. Os oficiais de justiça comunicaram isso aos
pretores; e estes ficaram possuídos de temor, quando souberam que se tratava de cidadãos romanos. Então, foram ter com
255
De igual maneira, há menções diretas da função no teor das ordenações portuguesas, as
quais, segundo Carmo (2015), foram adaptadas no Código de Processo Criminal de 1832 60 (BRASIL
IMPÉRIO, 1832), que tratava os oficiais com proximidade às profissões de magistrado e policial.
Posteriormente, com a separação de funções constitucionais (havidas nas cartas constitucionais
subsequentes) e com a atribuição da função em questão (de natureza executiva) exclusivamente
aos quadros do poder judiciário (tal qual ocorrido em relação aos magistrados), os oficiais passaram
a ser tratados como auxiliares da justiça (FREITAS, 2010).
Atualmente, o cargo é provido mediante concurso público de provas e títulos e, na maior
parte dos estados brasileiros, é privativo de bacharéis em direito, haja vista a necessidade de
conhecimentos específicos para implementação dos provimentos jurisdicionais constantes das
ordens a serem cumpridas. Suas principais atribuições se encontram delineadas no teor do Art. 154,
do código de processo civil de 2015 (BRASIL, 2015), segundo o qual, incumbe ao oficial de justiça:

I - fazer pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos e demais diligências próprias do


seu ofício, sempre que possível na presença de 2 (duas) testemunhas, certificando no
mandado o ocorrido, com menção ao lugar, ao dia e à hora; II - executar as ordens do juiz a
que estiver subordinado; III - entregar o mandado em cartório após seu cumprimento; IV -
auxiliar o juiz na manutenção da ordem; V - efetuar avaliações, quando for o caso; VI -
certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes,
na ocasião de realização de ato de comunicação que lhe couber. Parágrafo único. Certificada
a proposta de autocomposição prevista no inciso VI, o juiz ordenará a intimação da parte
contrária para manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sem prejuízo do andamento regular
do processo, entendendo-se o silêncio como recusa.

Suas funções, num plano teórico, são essencialmente executivas em sentido amplíssimo,
compreendendo a materialização (ou seja, a realização no mundo real) de qualquer ditame
hipoteticamente garantido pela lei ou por uma decisão. Assim, se a lei garante o direito à
comunicação processual, por exemplo, é o oficial de justiça que (em muitos casos) concretizará esta
garantia. Contudo, em termos práticos, observa-se que

O Oficial de Justiça exerce uma missão delicadíssima quando procede as execuções de


sentença: eles têm necessidade de energia, moderação, coragem e prudência, para evitar
ameaças, truculências e perigos (...) é um serventuário da Justiça, Órgão de fé pública, tendo
poderes de certificar e de documentar (JÚNIOR,1963 apud VASCONCELOS; FREIRE, 2009).

Ou seja, a prática profissional do oficial de justiça exige certo preparo físico e emocional para
lidar com a adversidade comuns às cidades, bem como, noções de risco e segurança pessoal, já que
as diligências (por mais simples que sejam) podem conduzir o agente público em questão (de
maneira previsível ou não) à áreas de risco.
Segundo Pires (1994), se não existisse o cargo do oficial de justiça a máquina judiciária ficaria
sobrecarregada diante do acúmulo de funções executivas que acabariam por ser exercidas por
magistrados. Isso revela uma dupla perspectiva a respeito da função: a primeira, diz respeito a sua
existência enquanto agentes especializados na efetivação de ordens judiciais, o que, a rigor, não os
difere dos demais servidores públicos já que muitas dessas funções são exercidas de maneira on line
atualmente; porém, a segunda perspectiva diz respeito ao fato de que os oficiais realizam aquela

eles e lhes pediram desculpas; e, relaxando-lhes a prisão, rogaram que se retirassem da cidade. Tendo-se retirado do
cárcere, dirigiram-se para a casa de Lídia e, vendo os irmãos, os confortaram
60
Art. 131. Qualquer pessoa do povo póde, e os Officiaes de Justiça são obrigados a prender, e levar á presença do Juiz
de Paz do Districto, a qualquer que fôr encontrado cometendo algum delicto, ou emquanto foge perseguido pelo clamor
público. Os que assim forem presos entender-se-hão presos em flagrante delicto.
256
primeira atividade em qualquer local do território de competência dos órgãos judiciais, o que, pode
variar desde os grandes centros urbanos às mais distantes e inacessíveis áreas rurais.
Ou seja, para além do exercício de uma função pública, os oficiais se diferem dos demais
agentes por exercer suas atividades fora de dependências oficiais, fazendo com que a justiça
efetivamente chegue ao cidadão, em garantia ao direito constitucional de acesso à justiça. Além
disso, o oficial torna presente tanto o poder judiciário, quanto o próprio Estado Democrático de
Direito, evitando vácuos de poder problemáticos que são diretamente preenchidos por outros
poderes presentes na sociedade.
Deve-se lembrar da advertência de Raffestin (1993) de que inúmeros agentes territoriais
convivem no espaço, influenciando-o e sendo influenciados pelo mesmo, mediante relações de
poder, de modo a se permitir falar que não existe um único território, senão, múltiplos territórios
coexistentes (e, em muitos casos, conflitantes). E, embora o Estado (e seus agentes) se coloquem
como agentes hegemônicos, haja vista que o estado exerce o poder (e a violência necessária a sua
imposição) de maneira legítima (de acordo com a lei), há, de outro lado, agentes com propósitos
diferentes (e até contrários) aos estatais, que se utilizarão de várias estratégias e mediatos
(inclusive, a violência) para manutenção de seu controle territorial. Neste sentido cumpre esclarecer
que a violência pode ser compreendida como:

O uso intencional da força física ou poder contra si próprio, contra outra pessoa ou contra
um grupo ou comunidade que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte,
dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (OMS, 2007, p. 1165).

No mundo real, a violência pode também ser compreendida como uma forma de se usar a
agressividade de modo intencional, para cometer ato que resulte em um mal a uma ou mais
pessoas. De acordo com Žižek (2014), existem três tipos de violência: objetiva, subjetiva e simbólica.
A subjetiva é aquela mais diretamente sensível e com perpetradores delimitados e puníveis. Já a
simbólica é representada pelos vários campos semióticos (inerentes à linguagem) e reflete
substancialmente as desigualdades sociais e sistêmicas. Ao fim, para Žižek (2014), a violência
objetiva seria a mais perversa das três, pois se coloca como elemento inerente ao sistema, ao
regular funcionamento da vida, que relega pessoas a um contexto de pobreza, de falta de condições
dignas de sobrevivência. Somadas, as três formas de violência impõe toda sorte de descontroles
sociais e desordens sensíveis pelas populações, sobretudo, quando inerte o Estado quanto à
execução de programas sociais para amenização de suas causas.
Com isso, pode-se dizer que os oficiais de justiça, ao realizar suas funções em garantia da
prestação do acesso à justiça, acabam por se deparar com inúmeros contextos de violência, a qual,
em muitos casos, será contraposta a sua atuação. Aliás, constata-se no Estado do Pará
(especialmente, na Região Metropolitana), que a violência é uma realidade diretamente vivenciada
pela população. Por exemplo, destaca-se que só nos primeiros dezessete dias do ano de 2018, foram
registrados duzentos e quarenta crimes violentos intencionais letais no Estado, numa média de
quatorze mortes diárias (G1, 2018a), das quais, duzentos e seis foram homicídios, oito
latrocínios, uma lesão corporal seguida de morte e vinte e cinco mort es por intervenção
policial. Aliás, chama a atenção o número de policiais mortos:

O Pará é o segundo estado onde mais policiais militares são assassinados do Brasil,
atrás apenas do Rio de Janeiro. Apenas nos primeiros 45 dias de 2018, foram nove
policiais militares assassinados. O número já equivale a quase 25 vezes mais do
que o estado de Guerrero, no México, um dos locais considerados mais violentos
do mundo, contabilizou em todo o ano de 2016. Lá, onde fica a cidade de Acapulco,
apenas dois policiais militares foram assassinados no ano inteiro (DIÁRIO OLINE,
2018, n. p.).

257
Ainda, de acordo com a pesquisa feita pelo Conselho Cidadão para a Segurança Pública,
Justiça e Paz (2016), a região metropolitana de Belém se encontrava entre as dezenove áreas
urbanas mais violentas do mundo. Por óbvio, este contexto social roga uma atuação mais concreta
não só pelos órgãos de segurança pública, senão, por todo o sistema judicial, que, amplamente,
engloba o sistema penitenciário e o poder judiciário. E, é neste contexto que se dará, de forma
presencial e direta, sem intermediários, a atuação dos oficiais de justiça, permitindo afirmar que o
risco profissional se torna um elemento inafastável de sua atuação e, por sua vez, um entrave direto
à prestação material da justiça. Afinal, considerando-se que, em muitos casos, os oficiais de justiça
podem portar provimentos desagradáveis às partes, nunca se sabe qual será a concreta reação de
seus destinatários. Neste sentido, são variados os relatos de violências vividas pelos agentes
públicos:

Um oficial de justiça foi assassinado com dois tiros no peito, na tarde desta terça-feira (11), na BR-
393 (Rodovia Lúcio Meira), em Barra do Piraí, no Sul do Rio de Janeiro. De acordo com a Polícia
Civil, o corpo de Francisco Pereira Ladislau Neto, de 25 anos, foi encontrado às margens da
estrada, na altura do bairro Belvedere da Taquara. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, o crime
aconteceu depois que ele levou uma intimação a um morador do bairro Santo Antônio (G1, 2014).

A profissão é inusitada e o desafio, constante. A gente, na verdade, não sabe o que vai
encontrar no destino final. Uma simples intimação pode envolver até prisão. Já tive uma
arma apontada em minha direção e fui mantida quase em cárcere privado (CORREIO
BRAZILIENSE, 2015 n. p.).

Eu estava em um moto táxi, numa estrada de terra a caminho de um sítio para cumprir uma
diligência. Passando por uma curva, havia dois indivíduos parados. Um numa moto e outro
ao lado. O que estava em pé, já estava com uma espingarda apontada para gente [...] Na
maioria das vezes, nossa cobertura é uma caneta para uma certidão que você vai entregar
depois de ter vivido a situação de risco (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2016, n. p.).

Há um ano, no dia 5 de março de 2016, o Oficial de Justiça, Fábio Hiroshi Suzuki, teve a
experiência de ser sequestrado e ameaçado de morte enquanto tentava cumprir um
mandado no bairro Cidade Tiradentes, em São Paulo. Segundo a certidão negativa
registrada, Fábio sofreu ameaças de morte, além de agressões físicas “e fui conduzido e
privado da minha liberdade de locomoção dentro do meu próprio veículo”, conta. Durante
quatro horas, o Oficial de Justiça permaneceu refém dos criminosos, que levaram
documentos, pertences pessoais e dinheiro (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2016, n. p.).

Simulei estar passando mal para escapar de ser morto por bandidos (O DIA, 2017, n. p.).

Fui entregar uma intimação na Barreira do Vasco para uma mãe comparecer à Defensoria
Pública. Acabei rendida por dois homens. Eles ficaram rodando comigo duas horas no carro
e um deles foi passando as mãos nas minhas pernas (O DIA, 2017, n. p.).

Obviamente, as violências ora relatadas acabam por repercutir não só diante dos agentes
públicos diretamente vitimados por agentes territoriais vinculados ao crime, mas, também, sobre
toda a classe profissional, que se vê suscetível de enfrentar iguais problemas durante o exercício de
suas atividades. Em pesquisa feita por Merlo et al (2012), oficiais de justiça do Rio Grande do Sul
apontaram problemas que estariam sofrendo por causa de seu trabalho e que estariam
repercutindo diretamente em sua saúde, tais como: grande sobrecarga de trabalho, violência
urbana, perigo da relação com o cidadão ao ser intimado pelo oficial, entre outros.
De igual modo, Andrade (2002) identificou problemas semelhantes, vivenciados por oficiais
de justiça de João Pessoa-PB, identificando variáveis como: falta de segurança na realização de suas
atividades, rejeição pela classe média alta (onde há resistência em relação ao cumprimento de
ordens), aumento constante do número de mandados, aumento do risco profissional, etc.
258
Nesse sentido, tem-se que a ideia de risco profissional é definida por Wiedemann (1993, p.
7), como:

[...] uma situação de potencial dano à saúde ou à vida da pessoa, ou de terceiros, baseada
em experiências anteriores e sua extrapolação para um momento futuro, habilidade esta
que varia de uma vaga opinião a uma firme convicção.

De acordo com o autor, a definição de risco surge de imagens e experiências anteriormente


vividas, como: o conhecimento de sinistros sofridos por terceiros, acidentes que a pessoa viveu, etc.
(WIEDEMANN, 1993). Ou seja, a ideia de risco é construída por experiências próprias ou alheias, que
podem repercutir na qualidade e efetividade do serviço prestado pelo profissional. Aliás, é possível
perceber que este risco é mais premente quando o cargo é ocupado por pessoas do sexo feminino,
visto que muitos agressores se valem de sua fragilidade para subestimá-las.
Ao buscar a efetivação concreta da justiça, pode-se afirmar que o oficial de justiça é o juiz
das ruas, a quem caberá decidir pela forma de concretização de direitos e decisões judiciais, e,
inclusive, a forma de atuar diante de eventuais eventos críticos supervenientes. Porém, há uma
diferença substancial em relação a segurança fornecida aos magistrados e aos oficiais, não obstante
o elevado risco vivido pelos segundos. Segundo Reis Netto (2016, p. 75):

A função de oficial de justiça é essencial à prestação da justiça e exige maior capacitação


diante da “fluidez” e “insegurança” da sociedade moderna. Impõe-se não só a permanência
desta categoria dentro do sistema de sujeitos processuais, como, sobretudo, a ampliação
de suas prerrogativas, em face dos notórios riscos e pressões sociais enfrentados e da
movimentação geográfica que lhe impõe localizar o jurisdicionado e efetivar a “justiça”, na
prática (não na teoria do “papel”), onde quer que este se encontre, seja num seguro ou
perigoso centro urbano, seja num acessível ou precário ambiente rural.

É neste contexto que esta pesquisa buscou compreender a percepção destes agentes
públicos territoriais (RAFFESTIN, 1993), a respeito dos riscos enfrentados no exercício de suas
funções, uma vez que, compreender tais agravos torna possível pensar em estratégias preventivas
e compensatórias aos problemas enfrentados, e, com isso, garantir-lhes uma melhor qualidade de
trabalho. Ainda, compreender estas questões pode repercutir em sensíveis melhoras na prestação
jurisdicional concreta da justiça.

2.2 MÉTODOS E TÉCNICAS

Para atingimento do objetivo proposto, o estudo adotou o método indutivo, assim


compreendido por Lakatos e Marconi (2017) como um processo de análise que parte de dados
particulares, verificados numa realidade específica, a partir dos quais, se pode extrair inferências
potencialmente universalizáveis a contextos semelhantes. Em suma, buscou-se a análise da
realidade existente em uma unidade territorial paraense, que, por suas características, pode
fornecer dados úteis à compreensão de outras realidades inerentes a outras comarcas e cidades.
Deve-se advertir, como afirma Nunes (2019), que embora a ciência não mais admita a
existência de uma única casuística a explicar todos os fenômenos de maneira uníssona, de outro
lado, admite-se a compreensão de variáveis influentes e potencialmente observáveis (com maior
ou menor incidência) em contextos semelhantes. Assim, considerando a realidade vivida pelos
oficiais de justiça, na escala deste estudo, pode-se propiciar uma aproximação relevante das
dificuldades comuns a outros contextos.
A abordagem teve natureza qualitativa (LAKATOS; MARCONI, 2017), preocupada, portanto,
com o conteúdo dos fenômenos estudados. Quanto à escala do estudo, foi escolhida uma
determinada comarca (território legalmente estabelecido para atuação de um Fórum, que pode
259
conter uma ou mais cidades) da Região Metropolitana de Belém, Estado do Pará. Como medida de
preservação do sigilo, não será identificado o número de municípios que compõem a comarca, nem,
outros dados como nomes de bairros ou semelhantes. Ainda assim, deve-se destacar que a comarca,
ao tempo da pesquisa, detinha a extensão de 465.980km² (o que equivale a 58.247,5km² de área
para cada oficial de justiça ali lotado) e um quantitativo estimado de 83.816 habitantes (o que
equivale a 10.477 habitantes para cada oficial) (IBGE, 2010).
Além disso, a comarca apresentava características mistas, urbanas (tanto bem estruturadas,
como precárias) e rurais (com locais acessíveis e economicamente desenvolvidos e zonas de difícil
acesso e baixo nível econômico). Este último dado foi determinante à escolha da unidade, uma vez
que, a amplitude de características permitiria a indução de maiores indicadores de risco comuns aos
municípios urbanos e rurais do Pará (e, eventualmente, do Brasil).
A coleta de dados tomou por base dois momentos. Primeiramente, foram realizadas
entrevistas, por intermédio de um roteiro contendo perguntas semiestruturadas sobre o perfil dos
oficiais e sua percepção a respeito do risco profissional vivido e influência deste na qualidade de
trabalho, o qual, foi precedido da assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido, após
explicação dos elementos essenciais da pesquisa. Os entrevistados foram identificados por siglas
(E1, E2, etc.), evitando-se a transcrição integral de suas respostas (como medida de sigilo).
Ao todo, foram entrevistados 8 dos 9 oficiais de justiça lotados na comarca (um dos oficiais
não foi entrevistado por ter intermediado o rapport entre os pesquisadores e entrevistados, pelo
que, considerando seu conhecimento sobre a pesquisa, tomou-se por bem não elenca-lo como
sujeito, para preservação da idoneidade dos resultados). Dentre os entrevistados, apenas um se
encontrava afastado das ruas, por ter assumido a função de distribuição de mandados (sorteio das
ordens entre os demais servidores).
As entrevistas foram realizadas em local escolhido pelos entrevistados (a sala dos oficiais de
justiça do Fórum), onde os mesmos se sentiram mais à vontade para dialogar. A coleta de
informações se deu em horários agendados (dada a necessidade de deslocamento dos entrevistados
pela cidade - afinal, seu trabalho é essencialmente externo). Após a entrevista, as falas foram
transcritas e submetidas a um processo de análise de conteúdo e organização temática.
A segunda técnica de coleta de dados, por conseguinte, foi adotada após decisão conjunta
dos pesquisadores diante de fala protagonizada por um dos entrevistados: “só entende o oficial de
justiça quem vive o trabalho do oficial de justiça” (E5). Assim, concluindo-se pela necessidade de
vivenciar trabalho dos oficiais como forma de confirmar a verossimilhança dos dados e
compreender melhor suas afirmações, optou-se pela incursão em campo, mediante observação
direta, compreendida por Lakatos e Marconi (2017) como técnica que permite a coleta de dados
pelo cientista, de maneira direta, por simulação ambiental ou por presença direta no contexto do
estudo.
Por decisão conjunta, concordou-se pela inserção da primeira pesquisadora coautora em
campo (para que pudesse avaliar, também, a visão de uma mulher sobre o fenômeno estudado),
para acompanhar, por dois dias, a rotina profissional dos oficiais. Primeiramente, verificou-se quais
dos sujeitos consentiriam com esta etapa da pesquisa. Em seguida, foram sorteadas as possíveis
datas e oficiais (individualmente ou em dupla) que poderiam ser acompanhados (após prévia
concordância), só se revelando o(s) acompanhante(s) no momento da coleta de dados (para evitar
qualquer alteração ou direcionamento de rotina prejudicial à pesquisa). As observações da
pesquisadora foram colhidas em diário de pesquisa (com registros fotográficos), e, posteriormente,
analisadas em conjunto com os demais pesquisadores. A coleta de dados se deu ao final do primeiro
semestre do ano de 2018.
Trianguladas as informação, elaborou-se o tópico de resultados adiante.

2.3 RESULTADOS E DISCUSSÕES


260
2.3.1 Perfil dos entrevistados

Nas entrevistas, constatou-se que os sujeitos da pesquisa detinham entre 40 a 65 anos,


sendo 7 casados e apenas uma oficial de justiça solteira (haja vista sua condição de arrimo de
família). De pronto, estes dados demonstram que os oficiais são pessoas que, por deterem família
constituída (que deles depende) e uma maior experiência de vida decorrente de sua idade (critério
comum, por exemplo, na delimitação de riscos securitários), certamente, constituem um grupo que
tomará mais cuidados em suas ações diárias, justamente, por ter uma família a zelar.
Além disso, quanto à classificação dos entrevistados por gênero, verificou-se que, dos oito,
dois eram mulheres e o restante eram homens, o que, segundo informado ao longo das entrevistas,
é comum na profissão, ainda, predominantemente masculina. Constatou-se que esta
predominância masculina decorreria do risco ampliado que as mulheres tendem a sofrer
socialmente (BRASIL, 2018). Assim, concursos para cargos mais arriscados tendem a afastar a figura
das mulheres, justamente, por conta da maior vitimização social que as mesmas costumam sofrer
(BRASIL, 2018), o que se confirmou no caso dos oficiais.
Por sua vez, constatou-se que todos detinham veículos próprios que usavam para
cumprimento das ordens judiciais, não existindo veículo oficial na comarca ao tempo da entrevista.
Esse fato também pode ser considerado como um fator de risco, afinal, por se tratar de um bem
pessoal (no caso de alguns, da unidade familiar), eventuais danos ao veículo repercutirão na própria
economia doméstica dos servidores, já que não há previsão de cobertura pelo Estado nas
normativas do TJPA. Além disso, o risco advém do fato de que a identificação de veículo pessoal do
oficial (por pessoas bem intencionadas, ou não), certamente, representa a identificação do próprio
oficial em deslocamento (laboral, ou não).

2.3.2 Riscos profissionais alegados

Em relação às perguntas diretamente voltadas à vivência profissional, a maioria dos


entrevistados afirmou ter passado por situações de risco durante o exercício de sua função, tais
como: assaltos, ameaças verbais ou até mesmo, físicas. Exemplo disto, é o caso relatado por E1:

Quando entramos em áreas vermelhas logo avistamos determinados olheiros, pois a nossa
presença ali sempre provoca uma certa curiosidade, a gente vê os caras ligando, falando
qual carro está entrando. Inclusive, já fui assaltado no desempenho da atividade, quando o
assaltante colocou a arma em mim enquanto intimava uma pessoa. Chegou, abordou,
colocou a arma em cima e me depenou, levando vários pertences.

Apenas um entrevistado, que desempenhava suas funções na distribuição de mandados há


cerca de um ano (estando, portanto, afastado da realidade atual da comarca) alegou não achar a
profissão arriscada.
Quanto a um aspecto territorial dos riscos, os entrevistados apontaram 11
bairros/localidades tidos como perigosos na comarca, dentre os quais, 1 foi unanimemente
apontado como área arriscada por todos. Este bairro, localizado na mesma área urbana em que se
encontra o próprio fórum da comarca analisada, foi descrito como local que alberga pontos de
tráfico de drogas, um tipo de crime que reflete na ocorrência de outros ilícitos como roubos, furtos,
homicídios etc. (FRASSON, 2016; REIS NETTO; CHAGAS, 2018). Dentre os demais 10
bairros/localidades mencionados, 6 correspondiam a áreas urbanas próximas ao Fórum e 4 a áreas
rurais, cujos riscos ou criminalidades foram descritos como ocasionais e oscilantes.
Ainda, deve-se ressaltar que a percepção dos oficiais a respeito dos locais riscos merece uma
atenção especial por parte do Estado, afinal, sua análise sobre o risco de um local advém não só de
261
impressões colhidas ao percorrer as ruas, mas, de interações concretas com os moradores, ao longo
do cumprimento de ordens judiciais. Além disso, alguns entrevistados informaram que “os oficiais
de justiça são melhor aceitos nas ruas que policiais em geral” (E3), o que facilita sua entrada e
compreensão das dinâmicas de cada território. Como conclusão inesperada, constatou-se que os
oficiais podem colaborar significativamente com a definição de pontos de atenção em políticas de
segurança (e de inteligência), em função de sua experiência e vivência.
Por conseguinte, os oficiais foram unânimes em afirmar que os riscos da profissão decorrem
de “sua exposição constante às ruas, principalmente em diligências que têm que ser cumpridas em
áreas vermelhas” (E4). Nesse sentido, afirmou-se:

O oficial nunca está seguro na sua profissão, sendo uma profissão arriscada por fazer
diligências em locais, bairros e ruas muito perigosas. Hoje em dia não se restringe aos
bairros da periferia, até mesmo nas regiões mais centrais a violência toma conta da grande
Belém e todo mundo foge do bandido e a gente vai até ele, até a casa dele. Nessa busca, a
gente se depara com todo tipo de pessoa, até marginais (E8).

Só o fato de exercer tal profissão, principalmente na rua, já faz com que ela seja arriscada e
também, pelo público, a diversidade de público, pois se trabalha na área cível e criminal,
onde o público muda. O risco na área criminal é bem maior, mas claro que não impede que
na área cível, por exemplo em uma prisão por pensão alimentícia, no futuro não faça a
pessoa ter uma adversidade com o oficial (E4).

O maior risco é estar na rua, é ser exposto a qualquer tipo de cumprimento de mandado,
exposto a rua e aos seus perigos. Me senti ameaçado duas vezes, onde quem recebia a
intimação estava com uma arma não legal nas mãos (E1).

Os relatos guardam correspondência com a literatura. Haesbaert (2014), por exemplo,


afirma que a apropriação desigual dos espaços das cidades (regra aplicável à região metropolitana
de Belém-PA), gera a supervalorização de espaços em detrimento de outras áreas que, desatendidas
por serviços públicos e pela iniciativa privada, acabam se tornando regiões precarizadas. Estes,
justamente, são os locais para os quais as parcelas mais pobres da população são relegadas, gerando
o fenômeno da fragmentação das cidades e apropriação desses espaços e cidadãos pelo crime, que,
de igual maneira, ali se territorializa diante da nítida ausência do poder público (NASCIMENTO et al,
2019). É nesse contexto de conflitos sociais simultâneos, que o desequilíbrio das relações de poder
entre diversos atores sociais desemboca em violência, representada, em muitos casos, por crimes
violentos intencionais letais (CHAGAS, 2014) como os já destacados em relação ao início do ano de
2018, na Região Metropolitana de Belém.
Outro fator de risco apontado pelos entrevistados (6 entre os 8) diz respeito ao “medo de
serem confundidos com policiais civis ou militares” (E7), que, como noticiado ao início, tem sido
especial alvo de crimes na metrópole paraense (DIÁRIO ONLINE, 2018), por força de relações de
poder e disputas por território entre facções criminosas e o Estado (REIS NETTO; CHAGAS, 2018).
Nesse sentido, afirmou-se:

Pra mim, o maior risco é ser confundido com um policial, tanto que eu ando de crachá,
porque bandido não anda de crachá, isso faz com que as pessoas pensem que eu sou de
alguma empresa. Eu nunca falo a minha profissão, inclusive tenho relato de colegas que
estavam fazendo diligencias e foram abordados pelo bandido querendo saber se tinha
policial ali com arma pra pegar o armamento dele (E5).

Dificilmente peço o apoio policial para cumprir os meus mandados, o que particularmente
acho mais perigoso, apenas em questões especificas que é necessário o apoio da polícia,
como reintegração de posse (E6).

262
Ainda, ao serem questionados sobre quais seriam as espécies de mandados que
consideravam mais arriscados, 6 dos entrevistados apontaram as ordens de busca e apreensão,
reintegração de posse e afastamento do lar, enquanto 2 alegaram sentir maiores riscos nas
diligências envolvendo réus presos, executadas, à época, no interior de penitenciárias do Estado do
Pará. Embora referida em menor número, há claro fundamento para esta última preocupação: O
sistema penitenciário do Pará, até o início de 2019, concentrava grupos vinculados à facções
criminosas de caráter nacional (REIS NETTO, CHAGAS, 2018) e, periodicamente, foi teatro de
diversas tentativas de fugas e ataques (G1 (2018b). Num desses motins, um oficial da capital teria
sido retido numa das unidades, sob intensa troca de tiros.
Por fim, todos os entrevistados afirmaram que tentam se proteger dos riscos, por exemplo,
cumprindo suas diligências “com outro colega de profissão e em horários movimentados” (E6),
justamente, pela impossibilidade de apoio policial constante. Nenhum dos entrevistados detinha
porte de arma, sendo que E3 relatou preocupação em “ter porte de arma e ter o mesmo destino de
policiais assaltados para que criminosos tomem seu armamento”. Ao tempo, o Fórum também não
disponibilizada coletes balísticos oficiais, que, conforme relatado, estariam em processo de licitação
e compra. Nenhum deles recebeu treinamento de segurança pessoal.
Nota-se que, diante das limitações relativas à segurança pessoal, o uso de duplas “para
localizar endereços mais rápido e para aumentar a quantidade de olhos (risos) para os riscos” (E7)
era a principal estratégia adotada. Todos os oficiais foram assentes em afirmar que os problemas
relatados “ocasionam atrasos ao cumprimento das ordens” (E7), afinal, como dito por E8: “ou a
gente preserva a vida, ou não vai haver quem cumpra a ordem tão cedo”. O risco, portanto,
repercute diretamente na efetivação da tutela jurisdicional por parte do Estado.

2.3.3 Sentindo na Pele: a observação direta do trabalho dos oficiais

Por sua vez, após a realização das entrevistas, aplicou-se a técnica de observação direta do
exercício funcional das atividades realizadas pelos oficiais de justiça na escala do estudo,
justamente, para que se pudesse observar de maneira mais efetiva o risco profissional relatado. A
atividade foi realizada pela primeira pesquisadora deste estudo, que, como mulher, poderia
evidenciar, também, a perspectiva de gênero inerente aos riscos. A pesquisadora acompanhou duas
duplas de oficiais de justiça, em dias e locais diferentes. Os resultados, colhidos em diário de campo,
foram sintetizados a seguir.
O primeiro local visitado foi um centro socioeducativo destinado à internação e
cumprimento de medidas relativas à adolescentes em conflito com a lei, com capacidade para 60
jovens. Internamente aos altos muros, o local era circundado por uma grande área verde onde os
internados realizavam atividades ao ar livre. Embora o local parecesse limpo e calmo, transparecia
um clima de insegurança, em razão da quebra da paisagem por enormes telas de metal e cercas de
arame farpado que literalmente o isolavam.
Em diálogo com um dos agentes públicos responsáveis pela guarda dos adolescentes, que
acompanhou os oficiais e a pesquisadora até o setor administrativo onde se daria o cumprimento
da ordem, foi relatado que um outro agente teria sido alvo de ataques recentes por internados,
vindo a sofrer perfurações na perna feitas por meio de um estoque (faca artesanal), quando
acompanhava um socioeducando em uma audiência. O fato ilustrou os motivos para o isolamento
que, aos olhos menos experientes, pareceria em desacordo (pelo excesso de telas e cercas) com os
propósitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990).
Saindo do local, e, sem aviso prévio, a pesquisadora foi levada ao bairro unanimemente
apontado como área arriscada do município (conforme tópico anterior). A despeito do espanto
inicial de estar no local, a pesquisadora se surpreendeu ao ver que se tratava de uma área bastante
urbanizada, com diversos comércios e pessoas circulando pelas ruas (com crianças, inclusive) (Figura
263
1). Porém, no momento em que o oficial de justiça desceu de seu veículo pessoal para buscar
informações sobre um intimando junto aos moradores presentes, foi evidente que muitos se
distanciaram imediatamente, entrando em suas casas ou evitando contato com o agente.

Figura 01 – Registro fotográfico realizado ao final do primeiro semestre de 2018, em pesquisa de


campo, relativo a uma das ruas componentes do Bairro unanimemente indicado como arriscado
pelos entrevistados da pesquisa.

Fonte: registro dos pesquisadores.

A atitude dos moradores espelhou medo, compreendido por Silva (2018, p.13), como
“sentimento que aparece em resposta à percepção perante uma situação. Trata-se de um
sentimento (...) bastante subjetivo, pois cada pessoa possui sua singularidade na forma de vivê-lo e
uma infinidade de motivos psicológicos capazes de desencadeá-lo”. A presença do oficial de justiça
no espaço de vivência dos moradores (presume-se, ao menos, que todos o fossem), pareceu
ocasionar um conflito moral, pois, pela lei, cabe ao cidadão colaborar com a função de prestação de
justiça exercida pelo agente, porém, ao mesmo tempo, predominava o medo de sofrer de
represálias diante desta conduta.
Foi sensível, neste momento, a tensão territorial teoricamente descrita por Raffestin (1993),
diante da presença de agentes antagônicos em um mesmo espaço: a tensão entre o poder estatal
(representado pelo oficial) e o poder dos demais agentes (possíveis criminosos, mesmo que não
visíveis diretamente no ato) propugnava o medo dos moradores. De outro lado, a possibilidade de
um resultado violento desta tensão, tornou o risco da situação diretamente sensível pela
pesquisadora, que, tudo observava do veículo de um dos oficiais, sob a companhia de outro agente.
Todos estavam desarmados e sem coletes balísticos. Foi inevitável não pensar como esse risco seria
vivenciado por um único oficial, em diligências cumpridas sem seu colega de trabalho.
Em seguida, deixando o bairro, a pesquisadora acompanhou os agentes a um conjunto
habitacional recentemente construído, com estrutura composta, inclusive, por escola e posto de
saúde, para onde se deu o remanejamento de diversos moradores de outras localidades menos
favorecidas, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida (Figura 2), de acordo com relatos dos
oficiais. No entanto, o processo de remanejamento teria permitido o ingresso de agentes criminosos

264
de outras localidades que, aos poucos, passaram a impor uma territorialidade local por intermédio
da violência.

Figura 02 – Registros fotográficos realizados ao final do primeiro semestre de 2018, em pesquisa de


campo, relativos à pichações protagonizadas por criminosos, à esquerda, no muro de um posto de
saúde, e, à direita, no muro de uma residência, ambos, num conjunto residencial da comarca
estudada.

Fonte: Registros dos Pesquisadores.

Conforme Reis Netto e Chagas (2018), as pichações evidenciadas na imagem representam o


exercício de uma territorialidade simbólica, definida por Raffestin (1993) como uma maneira de
impor por meio de signos vinculados à paisagem, uma relação imaterial entre agentes e o espaço
por eles ocupado, muito comum no contexto de facções criminosas vinculadas ao tráfico de drogas.
Confirmando esta assertiva, foi assente à pesquisadora, a sensação de medo decorrente de sua
confrontação com esta forma de violência simbólica (ŽIŽEK, 2014), que, mesmo sem a presença de
criminosos no local, permitia sentir o risco de sua presença local.
Em um quarto momento, foi realizada visita à delegacia do município, onde seriam
cumpridas diligências de caráter administrativo. Embora se constituísse como um órgão público, o
ambiente mais parecia um local abandonado e de precária estrutura. Motos e bicicletas apreendidas
estavam espalhadas pelo átrio, em frente às portas das salas, transmitindo a sensação de descaso e
desorganização. É de se refletir: de que forma o órgão responsável pela investigação e repressão de
crimes pode garantir segurança aos oficiais de justiça e à população em geral, se, em termos
práticos, não se afigura presente qualquer estrutura para tanto? Novamente, pela ineficaz presença
do Estado, abre-se margem para o advento de outros agentes territoriais aptos a fazer valer o seu
poderio (RAFFESTIN, 1993). E, com isso, mais uma vez se afirma o risco profissional vivido nas ruas
pelos oficiais.
O cartório local também foi visitado em diligências, o qual, embora apresentasse uma
estrutura relativamente melhor do que a da delegacia, aos olhos da pesquisadora, ainda assim,
apresentava-se como insuficiente para atendimento das demandas de uma população
relativamente grande, de um dos municípios da região metropolitana.
Em seguida, a pesquisadora e os oficiais se dirigiram a outro bairro não relatado como
perigoso nas entrevistas, onde, no entanto, diante de uma residência em que seria cumprida uma
simples intimação, foi possível observar e ouvir a voz de uma pessoa que falava ao longe e evitava
se aproximar do portão, conduta mantida até a efetiva explicação da ordem judicial pelo oficial.
Inicialmente, embora não fosse sentido qualquer risco, o medo expressado pelo cidadão
demonstrava que a simples presença dos oficiais gerava um desconforto que, em muitos casos,

265
pode ser um fato desfavorável aos mesmos (principalmente diante de pessoas cujos interesses
estejam em desacordo com a lei).
Em seguida, revelou-se que o comportamento era ocasionado pelo aumento da
criminalidade na área, onde fora recentemente construído um muro alto, ao final da rua em que
ocorria a diligência, isolando a via pública e seu acesso à outra via maior (Figura 3). A finalidade,
segundo informado pelo intimando, era proteger os moradores de possíveis delitos, pois, uma
pessoa havia sido recentemente assassinada no fim da rua. Constatou-se, neste momento, que,
para além da própria experiência dos profissionais que lidam com o risco, os perigos concretos se
apresentam de maneira oscilante e imprevisível.

Figura 03 – Registro fotográfico realizado ao final do primeiro semestre de 2018, em pesquisa de


campo, relativo à área da comarca estudada, com destaque, à direta, para muro construído pela
população no fim da rua.

Fonte: registros dos pesquisadores.

Deixando-se a zona urbana, a pesquisadora e os oficiais se dirigiram à invasões localizadas


em áreas rurais, porém, ainda assim, bastante próximas da área central da comarca. Os riscos já
foram evidenciáveis, imediatamente, a partir das condições das estradas de acesso aqueles locais,
desprovidas de asfalto e iluminação, sem sinalização e com fluxo quase inexistente de pessoas, o
que dificultou, até mesmo, a solicitação de informações (Figura 4).

Figura 04 – Registro fotográfico realizado ao final do primeiro semestre de 2018, em pesquisa de


campo, relativo à estrada conducente a uma invasão, em área rural da comarca estudada.

266
Fonte: Registros dos pesquisadores.

Ao fim deste primeiro dia, em conversa informal com os oficiais, estes relaram situações
vivenciadas no exercício da função, inicialmente não reveladas ao longo das entrevistas, porém,
confidenciadas ao longo da confiança construída em campo. A presença da pesquisadora junto aos
oficiais, em sua realidade, construíra pontes que o rapport inicial não possibilitara. Um dos oficiais,
inclusive, confessou uma enorme vontade de deixar a profissão, em razão dos riscos que corria
diariamente.
No segundo dia, a pesquisadora acompanhou oficiais que realizaram diligências em uma
zona rural da comarca, notadamente, um assentamento. Novamente, as estradas desertas e em
péssimas condições se faziam assentes e denunciavam inestimáveis dificuldades de acesso (Figura
5). A eventual quebra de um carro ou falta de gasolina, por exemplo, representariam riscos
incalculáveis aos agentes públicos. Além disso, em razão das fortes chuvas comuns no estado do
Pará (sobretudo, no primeiro semestre), observou-se que boa parte da vicinal se encontrava em
péssimas condições, com grandes atoleiros que aumentavam mais ainda o risco de acidente.

Figura 05 – Registros fotográficos realizado ao final do primeiro semestre de 2018, em pesquisa de


campo, relativo a diligências realizadas em assentamento situado na área rural da comarca
estudada.

267
Fonte: registros dos pesquisadores.

O número reduzido de moradores, sobretudo pela distância entre os lotes, tornou difícil a
obtenção de informações sobre os locais procurados, o que, somado à ausência de placas
indicadoras, regularidade dos logradouros e inexistência de sinal de telefonia, tornou hercúlea a
localização dos pontos de cumprimento das ordens, tornando necessárias diversas paradas que
ampliaram o tempo de permanência e geraram um esgotamento físico e psicológico sensível à
própria pesquisadora. Apenas na primeira diligência, os oficiais demoraram cerca de duas horas
para encontrar o intimando. E, considerando que os mesmos precisavam cumprir outras ordens, o
período gasto atrasou o trabalho e fez com que os agentes ficassem por mais tempo na área,
ampliando os riscos, sob a possibilidade de temporais e da proximidade do cair da noite.
É interessante ressaltar que, apesar da ciência sobre todos os riscos que corriam, todos os
oficiais de justiça acompanhados se apresentaram amistosos com a pesquisadora, o que amenizou
sua tensão e temor durante os atos. Essa certamente, é uma das razões que reforçam a estratégia
de cumprir diligências em duplas, sobretudo, para mulheres (cujos riscos e medos, certamente, são
ampliados pela vulnerabilidade de gênero, conforme sentido pela pesquisadora). Além disso, a
pesquisadora pode registrar uma espécie de normalização do risco (ou aceitação do perigoso como
comum): embora cientes dos riscos (alguns, até injustos do ponto de vista legal, como o uso de
veículo próprio em diligências arriscadas e áreas inóspitas), constatou-se que os oficiais os
aceitavam como elementos comuns de sua realidade, corriqueiros, internalizando-os,
aparentemente, sem qualquer consciência a respeito disso.
A pesquisadora, inclusive, vivenciou este sentimento de normalização em relação a si
mesma, o que detectou ao revisar suas reflexões. Como verificado nos estudos de Merlo et al (2012)
e Andrade (2002), o medo evidenciado por muitos oficiais e as possíveis doenças profissionais
associáveis ao risco profissional, certamente, podem decorrer desta internalização do risco como
algo comum, levando a uma reflexão sobre o apoio psicológico que deveria ser prestado a estes
profissionais.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa objetivou verificar a percepção dos oficiais de justiça, de uma


determinada comarca da Região Metropolitana de Belém, Estado do Pará, a respeito dos riscos
profissionais enfrentados na efetivação de ordens judiciais.
Ao fim, pode-se afirmar que o objetivo foi alcançado à medida que, primeiramente, se
verificou que o risco apontado pela literatura, de fato, é uma realidade presente na realidade dos
oficiais lotados na comarca eleita como escala do estudo. De acordo com a fala unânime dos
entrevistados em atividade de rua, o risco é um elemento presente em sua função e se refere à
possibilidade de ocorrência (em alguns casos, já vivida concretamente) de agravos ou injustas
agressões à integridade física, psicológica e patrimonial, em muito, associados ao cumprimento de
mandados arriscados, em áreas de alta criminalidade e com condições de trabalho que não
garantem sua segurança pessoal.
Além disso, foi possível perceber, tanto da fala dos entrevistados, quanto da atividade de
observação direta em campo, que este risco está alinhado à uma série de outros fatores, como a
existência de áreas dominadas pela criminalidade, pela ausência de estruturação de órgãos que
atuam em pareceria com o Poder Judiciário, e, ainda, pelas péssimas condições de deslocamento e
dificuldades de obtenção de informações.
Por fim, constatou-se uma normalização do risco vivido pelos agentes públicos, que passam
a encarar situações arriscadas como se fossem absolutamente normais, e, com isso, internalizam o
268
contexto de violência que vivenciam, fato este que pode resultar em repercussões à saúde, ao longo
dos anos de profissão.
Diante disso, é notória não só a existência do risco profissional vivido por estes oficiais, que
se utilizam, em muito, de recursos pessoais para pleno atingimento de suas funções, mas,
sobretudo, dos atrasos e entraves que os contextos de risco ocasionam à regular prestação
jurisdicional do estado, inerente aos mandados judiciais a serem cumpridos pelos mesmos no
mundo material, o mundo das ruas e dos locais perigosos, onde outros agentes também buscam se
impor por meios de violência não legítima.
Pensar estratégias que vão desde auxílios à saúde destes profissionais, à garantia de
melhores condições de trabalho, certamente, podem repercutir de maneira positiva não só em sua
realidade profissional (permeada por direitos sociais constitucionalmente previstos), mas,
sobretudo, na qualidade da prestação da justiça, enquanto verdadeira política pública.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA JÚNIOR, J. M. Órgãos da Fé Pública. 2. Ed. Saraiva: São Paulo, 1963.

ANDRADE, M. C. O Oficial de Justiça e a sua Importância na Prestação Jurisdicional. Portal Jurídico


Investidura. Disponível em: <www.investidura.com.br/biblioteca-
juridica/artigos/processocivil/278424-o-oficial-de-justica-e-a-sua-importancia-na-prestacao-
jurisdicional> Acesso em: 10.06.2018. 2002.

BÍBLIA SAGRADA. Tradução dos originais grego, hebraico e aramaico mediante a versão dos
Monges Beneditinos de Maredsous (Bélgica). 2. Ed. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2017.

BRASIL IMPÉRIO. Código de processo penal de 1832. 1832.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. 1990.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988.

BRASIL. Código de Processo Civil Brasileiro. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. 2015.

BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Violência contra a mulher: um olhar do


Ministério Público brasileiro / Conselho Nacional do Ministério Público. Brasília: CNMP, 2018.

CARMO, J. A história dos oficiais de justiça no Direito Processual Penal Brasileiro. Jus.com.br.
Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/45478/a-historia-dos-oficiais-de-justica-no-direito-
processual-penal-brasileiro>. Acesso em: 23.08.2019. 2015.

CHAGAS, C. A. N. Geografia, segurança pública e a cartografia dos homicídios na região


metropolitana de Belém. Boletim Amazônico de Geografia. V.1, N. 1, p. 186-204. 2014.

CORREIO BRAZILIENSE. Oficiais de justiça se submetem à rotina arriscada para entregar


mandados. Disponível em: <
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2015/02/27/interna_cidadesdf,47309
5/oficias-de-justica-se-submetem-a-rotina-arriscada-para-entregar-mandad.shtml>. Acesso em:
06.09.2019. 2015.

269
DIÁRIO ONLINE. Pará é o 2° Estado com maior número de policiais assassinados. Disponível em:
<https://www.diarioonline.com.br/noticias/policia/noticia-487686-para-e-o-2%C2%B0-estado-
com-maior-numero-de-policiais-assassinados.html> Acesso em: 10 de janeiro de 2018. 2018.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Oficial de Justiça: Profissão de risco. Disponível em: < http://
www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-
Urbana/2016/02/23/interna_vidaurbana,628545/oficial-de-justica-profissao-de-risco.shtml>
Acesso em: 18.12.2019. 2016.

DIDIER JR., F. Curso de Direito Processual Civil – V1. 21. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2019.

FRASSON, M. C. G. A criminalidade gerada pelo tráfico de drogas. Jus.com.br Disponível em:


<https://marianafrasson.jusbrasil.com.br/artigos/253046155/a-criminalidade-gerada-pelo-trafico-
de-drogas > Acesso em: 23.05.2018. 2016.

G1. Oficial de justiça é assassinado na BR-393, em Barra do Piraí, RJ. Disponível em:
<http://g1.globo.com/rj/sul-do-rio-costa-verde/noticia/2014/11/oficial-de-justica-e-assassinado-
na-br-393-em-barra-do-pirai-rj.html>. Acesso em: 30.06.2019. 2018a.

G1. Pará tem média de 14 assassinatos por dia, nos primeiros 8 dias do ano, diz Segup.
Disponível em: < https://g1.globo.com/pa/para/noticia/nos-oito-primeiros-dias-do-ano-a-media-
foi-de-14-assassinatos-por-dia-no-para.ghtml>. Acesso em: 30.06.2019. 2018.

G1. Tentativa de fuga de presos termina com 21 mortos na região metropolitana de Belém.
Disponível em: < https://g1.globo.com/pa/para/noticia/dezenas-de-pessoas-sao-mortas-em-
tentativa-de-fuga-em-massa-do-presidio-de-santa-izabel.ghtml>. Acesso em: 30.06.2019. 2018b.

HAESBAERT, R. Viver no Limite: Território e Multi/Transterritorialidade em tempos de in-


segurança e contenção. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

IBGE. IBGE Cidades. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br>. Acesso em 01.10.2019. 2019.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. 7. Ed. São Paulo: Atlas,
2017.

MERLO, Á. R. C.; DORNELLES, R. A. N.; BOTTEGA, C. G.; TRENTINI, L. O trabalho e a saúde dos
Oficiais de Justiça Federal de Porto Alegre. Cad. de Psicologia Social do Trabalho, v. 15, n. 1, p.
101-113, 2012.

NASCIMENTO, R. P. B.; REIS NETTO, R. M.; TOLOSA, T. da S. R.; CAVALCANTE, C. C. S. O processo de


periferização e violência na baixada belenense: Um estudo sobre a territorialidade dos homicídios
no bairro da Terra Firme, Belém-PA entre os anos de 2013 a 2017. Anais do XIII Encontro Nacional
da ANPEGE. São Paulo: ANPEGE, 2019.

NUNES, Marcelo Guedes. Jurimetria: Como a estatística pode reinventar o direito? 2. Ed. São
Paulo: RT, 2019.

270
O DIA. Oficiais de justiça são vítimas de sequestros e ficam na mira de armas. Disponível em:
<https://odia.ig.com.br/_conteudo/rio-de-janeiro/2017-08-06/oficiais-de-justica-sao-vitimas-de-
sequestros-e-ficam-na-mira-de-armas.html> Acesso em: 20.08 2019. 2017.

OMS. Organização Mundial da Saúde. Relatório Mundial da Saúde: trabalhando juntos pela saúde.
Genebra: OMS, 2007.

PRICE, M.; WILLIANS, T. When Doing Wrong Feels So Right: Normalization of Deviance. Journal of
Patient Safety, v. 14, n. 1, p. 1–2, 2018.

RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Editora Ática, 1993.

REIS NETTO, R. M.; CHAGAS, C. A. N. A associação externa como forma de integração dos presídios
às redes externas do tráfico: a percepção dos agentes territoriais da segurança pública no estado
do Pará. Revista Estudos Geográficos, v. 16, n. 2, p. 176-193. 2018.

REIS NETTO, R. M. O oficial de justiça e a modernidade jurídica: Essencialidade da categoria


funcional e inconstitucionalidade das leis extintivas. Revista Visão Jurídica, v. 1, n. 120, p. 72-75.
2016.

REIS NETTO, R. M.; MIRANDA, W. D.; SANTOS, L. R. L.; BRASIL, S. N. L. É possível falar de violência
processual? In: SANTOS, L. R. L.; REIS NETTO, R. M.; PESSÔA, R. M.; CAÑETE, T. M. R.; MIRANDA,
W. D.; SANTOS, I. R. Direito público e privado no século XXI. Ananindeua: Edições dos Autores,
2018.

VASCONCELOS, M. M.; FREIRE, N. R. O cargo do Oficial de Justiça na estrutura do judiciário


federal (TCC de especialização). São Paulo: FGV, 2009.

WIEDEMANN, P. M. Introdução à percepção de risco e comunicação de risco. Jülich: Program


Group Humans; Meio Ambiente, Tecnologia (MUT); Centro de Pesquisa Jülich; 1993.

ŽIŽEK, Slavoj. Violência: seis reflexões laterais. São Paulo: Boitempo, 2014.

271
III. AUTORES,
ORGANIZADORES E
COLABORADORES

272
ORGANIZADORES DA OBRA
Roberto Magno Reis Netto
Doutorando em Geografia (linha dinâmicas territoriais na Amazônia, com ênfase em "geografia e segurança pública").
Mestre em Segurança Pública pela Universidade Federal do Pará (2018). Especialista em Direito Processual Civil pela
Universidade Gama Filho/DF (2009), Docência Superior pela Universidade Gama Filho/DF (2012), e, Atividade de
Inteligência e Gestão do Conhecimento pela Escola Superior M. Celeste/PA (2016). Pós-graduando em Direito Digital e
da Inovação Tecnológica. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (2007). Atualmente é Professor
Universitário na Faculdade da Amazônia, na Pós-graduação (nos cursos de Direito Militar e Gerenciamento de Crises) e
graduação (ocupante das cadeiras de direito processual civil, Direito Digital e da Inovação Tecnológica e de
Hermenêutica Jurídica, já tendo ocupado, noutras instituições, as cadeiras de Metodologia da Produção Científica - TCC
I e TCC II - e Prática Jurídica) e na Faculdade Cosmopolita (Pós-graduação em Atividade de Inteligência e gestão em
Segurança Pública). Eventualmente, atua como Instrutor junto ao Instituto de Ensino de Segurança Pública do Pará -
IESP, (Curso de Formação de Oficiais - Bacharelado em Defesa Social e Cidadania, Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais
- CAO e Curso Superior de Polícia - CSP). É pesquisador fundador do Érgane - Instituto Científico da Amazônia, e membro
do Laboratório de Pesquisa em Geografia da Violência e do Crime - LABGEOVCRIM, da Universidade do Estado do Pará
- UEPA e do Grupo de Métodos em Diagnóstico em Segurança Pública - PPGSP/UFPA. É Oficial de Justiça Avaliador do
TJE/PA.

Wando Dias Miranda


Doutor em Ciências, na área de concentração em Desenvolvimento Socioambiental pelo PPGDSTU do Núcleo de Altos
Estudos da Amazônia - NAEA/UFPA, com ênfase de estudo sobre o Sistema Brasileiro de Inteligência - SINBIN e da
Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, analisando seus sistemas de Accountability e Compliance; Mestre em Ciência
Política pelo Programa de Pós Graduação em Ciência Política - PPGCP/UFPA, com ênfase em Relações Internacionais,
Políticas Públicas de Defesa, Fronteira e Amazônia; Especialista em 01 - Gestão Estratégica em Defesa Social e 02-
Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento, com foco de estudo no planejamento de Ações de Segurança
Pública e Inteligência; Bacharel e Licenciado Pleno em Ciências Sociais Pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas -
IFCH/UFPA. Atualmente pesquisador do Observatório de Estudos de Defesa da Amazônia - OBED nas linhas de pesquisa:
Estado e Poder, Segurança Pública e Atividade de Inteligência e do Projeto Metrópole - voltado a identificação e
mapeamento de vulnerabilidades socioambientais com foco na Defesa Civil. Coordenador e Professor do Programa de
Pós-Graduação e Graduação da Faculdade da Amazônia - FAAM dos cursos de Especialização em 01 - Gerenciamento
de Crises e Mediação de Conflitos e 02 - Direito Militar. Coordenador e Professor do Programa de Pós-Graduação e
Graduação da Faculdade Cosmopolita dos cursos de Especialização em 01 - Atividade de Inteligência em Gestão de
Riscos de Segurança Pública, 02 - Gestão Estratégica de Inteligência em Defesa Civil e 03 Gestão Estratégica Municipal
de Segurança Pública. Assessor da Secretária de Segurança Pública e Defesa Social - SEGUP. Membro do Instituto
Histórico e Geográfico do Pará - IHGP na cadeira de nº 70 de Mario Barata.

João Francisco Garcia reis


Doutor em Ciências pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA); Mestre
em Defesa Social e Mediação de Conflitos pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Bacharel em Ciências Econômicas
pelo Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará (CESEP); professor do Instituto de Ensino de Segurança do Pará
(IESP) nos Cursos de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) e Curso Superior de Polícia e Bombeiros Militares(CSPBM);
professor da Academia de Polícia Militar Coronel Fontoura no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Pará
(CFO/PMPA); professor do Curso de Formação de Oficiais do Corpo de Bombeiros Militar do Pará (CFO/CBMPA); Diretor
do Núcleo de Gestão por Resultados (NGR) da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (SEGUP) do
Estado do Pará e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará (IHGP), cadeira 07, onde desempenha
a função de presidente do conselho fiscal.

273
CONSELHO EDITORIAL
Roberto Magno Reis Netto
Doutorando em Geografia (linha dinâmicas territoriais na Amazônia, com ênfase em "geografia e segurança pública").
Mestre em Segurança Pública pela Universidade Federal do Pará (2018). Especialista em Direito Processual Civil pela
Universidade Gama Filho/DF (2009), Docência Superior pela Universidade Gama Filho/DF (2012), e, Atividade de
Inteligência e Gestão do Conhecimento pela Escola Superior M. Celeste/PA (2016). Pós-graduando em Direito Digital e
da Inovação Tecnológica. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (2007). Atualmente é Professor
Universitário na Faculdade da Amazônia, na Pós-graduação (nos cursos de Direito Militar e Gerenciamento de Crises) e
graduação (ocupante das cadeiras de direito processual civil, Direito Digital e da Inovação Tecnológica e de
Hermenêutica Jurídica, já tendo ocupado, noutras instituições, as cadeiras de Metodologia da Produção Científica - TCC
I e TCC II - e Prática Jurídica) e na Faculdade Cosmopolita (Pós-graduação em Atividade de Inteligência e gestão em
Segurança Pública). Eventualmente, atua como Instrutor junto ao Instituto de Ensino de Segurança Pública do Pará -
IESP, (Curso de Formação de Oficiais - Bacharelado em Defesa Social e Cidadania, Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais
- CAO e Curso Superior de Polícia - CSP). É pesquisador fundador do Érgane - Instituto Científico da Amazônia, e membro
do Laboratório de Pesquisa em Geografia da Violência e do Crime - LABGEOVCRIM, da Universidade do Estado do Pará
- UEPA e do Grupo de Métodos em Diagnóstico em Segurança Pública - PPGSP/UFPA. É Oficial de Justiça Avaliador do
TJE/PA.

Wando Dias Miranda


Doutor em Ciências, na área de concentração em Desenvolvimento Socioambiental pelo PPGDSTU do Núcleo de Altos
Estudos da Amazônia - NAEA/UFPA, com ênfase de estudo sobre o Sistema Brasileiro de Inteligência - SINBIN e da
Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, analisando seus sistemas de Accountability e Compliance; Mestre em Ciência
Política pelo Programa de Pós Graduação em Ciência Política - PPGCP/UFPA, com ênfase em Relações Internacionais,
Políticas Públicas de Defesa, Fronteira e Amazônia; Especialista em 01 - Gestão Estratégica em Defesa Social e 02-
Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento, com foco de estudo no planejamento de Ações de Segurança
Pública e Inteligência; Bacharel e Licenciado Pleno em Ciências Sociais Pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas -
IFCH/UFPA. Atualmente pesquisador do Observatório de Estudos de Defesa da Amazônia - OBED nas linhas de pesquisa:
Estado e Poder, Segurança Pública e Atividade de Inteligência e do Projeto Metrópole - voltado a identificação e
mapeamento de vulnerabilidades socioambientais com foco na Defesa Civil. Coordenador e Professor do Programa de
Pós-Graduação e Graduação da Faculdade da Amazônia - FAAM dos cursos de Especialização em 01 - Gerenciamento
de Crises e Mediação de Conflitos e 02 - Direito Militar. Coordenador e Professor do Programa de Pós-Graduação e
Graduação da Faculdade Cosmopolita dos cursos de Especialização em 01 - Atividade de Inteligência em Gestão de
Riscos de Segurança Pública, 02 - Gestão Estratégica de Inteligência em Defesa Civil e 03 Gestão Estratégica Municipal
de Segurança Pública. Assessor da Secretária de Segurança Pública e Defesa Social - SEGUP. Membro do Instituto
Histórico e Geográfico do Pará - IHGP na cadeira de nº 70 de Mario Barata.

João Francisco Garcia reis


Doutor em Ciências pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA); Mestre
em Defesa Social e Mediação de Conflitos pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Bacharel em Ciências Econômicas
pelo Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará (CESEP); professor do Instituto de Ensino de Segurança do Pará
(IESP) nos Cursos de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) e Curso Superior de Polícia e Bombeiros Militares(CSPBM);
professor da Academia de Polícia Militar Coronel Fontoura no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Pará
(CFO/PMPA); professor do Curso de Formação de Oficiais do Corpo de Bombeiros Militar do Pará (CFO/CBMPA); Diretor
do Núcleo de Gestão por Resultados (NGR) da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (SEGUP) do
Estado do Pará e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará (IHGP), cadeira 07, onde desempenha
a função de presidente do conselho fiscal.

274
CONSELHO CIENTÍFICO 61

Itamar Rogério Pereira Gaudêncio – Presidente do Conselho


Doutor em História Social da Amazônia/UFPA (2016); Mestre em História Social da Amazônia/UFPA(2007); Especialista
em Ciências Jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul (2015). Especialista em Defesa Social e Cidadania IESP(2017).
Bacharel e Licenciado Pleno em História pela Universidade Federal do Pará (2003). Bacharel em Ciência da Defesa Social
e Cidadania IESP/UEPA (2008). Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo-UNICID (2016). Atualmente
é MAJOR da PMPA Docente do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Pará e do Curso de Bacharelado em
Direito e Bacharelado e Licenciatura Plena em História na Escola Superior Madre Celeste. Exerceu a função de
Coordenador do Curso de Direito na mesma Instituição de Ensino Superior no período de fevereiro à julho de 2019.
Associado efetivo do INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO PARÁ na cadeira nº 30 cujo patrono É O HISTORIADOR
MANOEL BARATA; Sócio honorário da ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DE BRAGANÇA. Professor Associado da
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE HISTÓRIA (ANPUH-BRASIL); Professor Associado da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA
ORAL (ABHO-BRASIL). Professor MEMBRO ASSOCIADO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SOCIOLOGIA (APS)
Pesquisador das relações de sociabilidade, lazer esportivo e segurança pública. História social do futebol e do esporte
paraense; história social da Polícia Militar do Pará; Discute os seguintes temas: identidade, história social do esporte,
cultura, lazer e sociabilidade, política e esporte, subúrbio e cultura de classe. História social da polícia militar, relação
segurança pública e papel das policias, formação policial militar, trabalho policial militar; missão constitucional da polícia
militar, experiência dos sujeitos, militarismo e sociedade, polícia comunitária e discurso de poder. Tem experiência na
pesquisa em história social sobre a cidade a partir do ponto de vista do esporte e pesquisa feita no arquivo público sobre
o mito origem da polícia militar do Pará. Tem experiência no campo docente como supervisor e Professor do curso de
formação de Soldados da PMPA, cursos de formação de Sargentos, Curso especial de formação de sargentos, curso de
aperfeiçoamento de sargentos; orientador e Professor nos níveis de graduação e especialização na PMPA no curso de
formação de Oficiais, Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, Curso Superior de Polícia, respectivamente.

Alethea Maria Carolina Sales Bernardo


Doutoranda em Criminologia, pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Mestra em Segurança Pública pela
Universidade Federal do Pará. Possui graduação em Direito - Estácio FAP (2017) e em Comunicação Social - Jornalismo
pela Universidade da Amazônia (2007). Atualmente é Escrivã de Polícia Civil do Estado do Pará, classe D - última classe,
da Diretoria de Atendimento a Grupos Vulneráveis, já tendo atuado na Delegacia Especializada em Investigação de
Estelionato e Outras Fraudes da Divisão de Investigação e Operações Especiais, Divisão Especializada de Atendimento à
Mulher, com experiência em enfrentamento à violência doméstica e familiar contra mulher, e crimes sexuais, na
Delegacia Especializada em Atendimento à Criança e Adolescente (enfrentamento de crimes sexuais contra
vulneráveis);Assessoria de Inteligência e Segurança Corporativa da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
Sustentabilidade do Estado do Pará (enfrentamento à crimes contra meio ambiente, fraudes contra a administração,
tráfico de animais); Divisão de Repressão à Crimes Tecnológicos.

Christian Nunes da Silva


Bacharel e Licenciado em Geografia (FGC/UFPA). Especialista em Gestão Ambiental (NUMA/UFPA). Especialista em
Geoprocessamento e Ordenamento Territorial (FASAMAR). Mestre em Geografia (PPGEO/UFPA). Doutor em Ecologia
Aquática e Pesca (PPGEAP/UFPA). Pós-doutor em Desenvolvimento Regional (PPGMDR/UNIFAP). Pesquisador do Grupo
Acadêmico a Produção do Território e Meio Ambiente na Amazônia (GAPTA/CNPq). Atualmente é Docente da Núcleo
de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará (NUMA/UFPA) e Professor Permanente do Programa de Pós-
Graduação em Geografia (PPGEO/UFPA - Mestrado e Doutorado Acadêmico) e do Programa de Pós-Graduação em
Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM/UFPA - Mestrado e Doutorado
Profissional). Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP). Possui livros e artigos publicados com
ênfase em Geografia e Cartografia; Impactos de Grandes Empreendimentos na Amazônia Brasileira, Ordenamento
Territorial e Gestão dos Recursos Naturais na Amazônia; Mapeamento Participativo e Territorialidades; Geoinformação
e uso de Geotecnologias.

Clay Anderson Nunes Chagas

61
Registra-se o agradecimento aos membros do conselho, pela realização gratuita da dupla avaliação às cegas dos artigos,
submetidos a partir de edital específico. Assim, agradecem os organizadores da obra pelo empenho dos participantes e
pela contribuição inestimável à obra.
275
Possui graduação em Geografia Licenciatura e Bacharelado pela Universidade Federal do Pará (1998), mestrado em
Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (2002) e doutorado em Desenvolvimento Socioambiental pela
Universidade Federal do Pará (2010). Atualmente é Vice Reitor da Universidade do Estado do Pará, participa do
Programa de Pós Graduação em Geografia e do Programa de Pós Graduação em Segurança Pública pela Universidade
Federal do Pará. Professor da Universidade do Estado do Pará atuando no curso de graduação em Geografia. Professor
Colaborador no Instituto de Ensino em Segurança Pública e Defesa Social do Estado Pará e Professor Colaborador da
Universidade de Cabo Verde no Programa de Pós Graduação em Segurança Pública. É associado ao Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Sócio da Associação Internacional de Criminologia de Língua Portuguesa. Membro do Instituto
Histórico Geográfico do Pará. É consultor do Roster pré aprovado para a América Latina do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD/ONU) na categoria de Prevenção à Violência (2016-2018). Líder do Laboratório de
Pesquisa e Análise em Geografia da Violência e do Crime. Tem experiência de Segurança Pública, atuando
principalmente nos seguintes temas: Gestão do Território, Criminalidade, Homicídio e Cartografia.

Clarina de Cássia da Silva Cavalcante


Possui graduação em enfermagem pela Universidade Federal do Pará (2007). É especialista em Enfermagem
Neonatal, pela Universidade Federal do Pará (2009), especialista em Enfermagem do Trabalho pela FTI-
UNINTER (2012), e, Especialista em Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento (ES. M. C, 2018).
Com experiência em assistência hospitalar de 4 anos. Atuou como Preceptora de Estágio Supervisionado na
Rede Hospitalar nas instituições ESAMAZ e UNAMA. Trabalha na assistência em Enfermagem, há 4 anos,
junto à Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (SUSIPE), atual Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, e, entre dezembro de 2012 e dezembro de 2017, após aprovação e nomeação
em concurso público, exerceu a função de enfermeira junto à Prefeitura Municipal de Ananindeua (PMA). É
consultora em amamentação e pesquisadora em diversas áreas, inclusive, a segurança pública.

Ilca Patricia Caldas Cardoso


Fisioterapeuta da Polícia Militar do Pará, no posto de Major, Mestra em Segurança Pública, Fisioterapeuta no Centro de
Referência em Saúde do Trabalhador- CEREST- Regional Belém. Atua na reabilitação, readaptação profissional e saúde
do trabalhador. Experiência em assistência hospitalar (UTI adulto e neonatal), ambulatorial e home care.

João Márcio Palheta da Silva


Professor Titular da Universidade Federal do Pará, pertencente a Faculdade de Geografia e Cartografia desenvolvendo
suas atividades de ensino, pesquisa e extensão na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Geografia. Graduado
em Licenciatura e Bacharel em Geografia pela Universidade Federal do Pará (1995), especialização em Desenvolvimento
de Áreas Amazônicas (FIPAM) pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA, 1996), Mestrado em
Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará/NAEA (1999) e Doutorado em Geografia pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT/UNESP Presidente
Prudente-SP, 2004). Atualmente é É Líder do Grupo Acadêmico Produção do Território e Meio Ambiente na Amazônia
(GAPTA/CNPq), Ex-Tutor do Programa de Educação Tutorial (PET/MEC) da Faculdade Geografia e Cartografia, Ex- Diretor
Adjunto do IFCH (2006-2010), Membro do Conselho Diretor da FADESP , Ex- Diretor Geral do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas (2010-2014) da Universidade Federal do Pará (UFPA), Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq
- Nível 2, Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP) e Ex-Coordenador do Programa de Pós-
Graduação em Geografia (UFPA). Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Análise Regional, atuando
principalmente nos seguintes temas: Gestão e Ordenamento Territorial, Organização Econômica dos Territórios de
Mineração na Amazônia, Geopolítica dos Recursos Minerais e Impactos Socioeconômicos-ambientais dos Grandes
Empreendimentos na Pan-Amazônia. e-mail: jmpalheta@ufpa.br ou jmarciopalheta@uol.com.br

Jovenildo Cardoso Rodrigues


Possui Graduação em Ciências Econômicas - pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Graduação em Geografia -
Licenciatura e bacharelado - pela Universidade Federal do Pará (UFPA)/2008. É mestre em Planejamento do
Desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/NAEA (Conceito CAPES 6), Doutor em Geografia pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP/Campus Presidente Prudente (Conceito CAPES 7).
Professor Visitante da Cardiff University, Wales, Reino Unido. É integrante da Rede de Pesquisadores sobre Cidades
Médias - RECIME, do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais - GAsPERR, do Centro de Estudos
e de Mapeamento da Exclusão Social para Políticas Públicas - CEMESPP. Líder do Laboratório de Estudos e Pesquisas
Geográficas sobre Cidades, Territórios e Vulnerabilidades Socioespaciais - LACIT. Também é líder do Laboratório de
Estudos e Pesquisas Geográficas sobre Habitação e Moradia - LAHAM. Professor Adjunto da Universidade Federal do

276
Pará (UFPA), vinculado à Faculdade de Geografia, Campus de Ananindeua. Exerceu a função de Vice-Coordenador
Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Geografia - PPGEO/UFPA. Atua ainda como professor PERMANENTE do
Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO)/UFPA, orientando pesquisas de MESTRADO e DOUTORADO e
desenvolvendo trabalhos relacionados às temáticas: Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, Risco e
Vulnerabilidade Socioespacial, Capital Imobiliário, Desigualdade e Segregação Socioespacial, Urbanização e Cidades,
Reestruturação Urbana, Cidades Médias, Planejamento e Gestão Urbana, Ordenamento Territorial Urbano,
Planejamento e Gestão Urbana, Políticas Habitacionais, Produção da Moradia, Justiça Espacial e o Direito à Cidade.

Josep Pont Vidal


Graduado em Sociologia - Universitat Bielefeld - Alemanha (1986), Mestrado em Sociologia Polìtica - Universitat
Bielefeld (1987), Doutorado em Sociologia Política na Universidad de Barcelona (1997), Pós- Doutorado Universidade
Politécnica da Catalunha. Catedra Unesco de Desenvolvimento Sustentável. Professor visitante Universitat Overta
Catalunya. Professor adjunto e pesquisador do Núcleo de Altos Amazônicos (UFPA). Experiência como professor
visitante em várias universidades Latino-americanas e brasileiras. Experiência e atuação na área de de Políticas Públicas
e Governança com trabalhos desenvolvidos no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID - Washington),
Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará
(IDESP) e Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) (Brasíla). Atua também nas áreas de Metodologia de Pesquisa, Políticas
Públicas, Planejamento Territorial e Gestão Pública, com ênfase nos seguintes temas: Políticas Públicas, Políticas Sociais,
Esfera Pública e Estatal, Ação Coletiva. Consultor do Fundo para la Investigación Cientifica (Argentina).Membro do
Comitê Cientifico da rede RESURBE. Rede com as universidades: Universidade Politécnica Catalunya, Bradford (Grã
Bretanha, Medellín (Colômbia), UNAM (México) e Salvador/BA (Brasil).

Leidiene Lima de Souza


Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Amapá (2010), em Ciências da Defesa Social e Cidadania
pelo Instituto de Ensino de Segurança do Pará (2008) e em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo (2016).
Especialista em Conhecimentos Jurídicos em Segurança Pública pelo Centro de Ensino Superior do Amapá (2011), em
Defesa Social e Cidadania pelo Centro Universitário de Lins (2014), em Ciências Jurídicas pela Universidade Cruzeiro do
Sul (2015) e em Altos Estudos em Segurança Pública - Curso Superior de Polícia (CSP PM) pela Escola de Administração
Pública do Amapá em convênio com a Universidade Federal do Amapá (2019). Mestra em Segurança Pública pela
Universidade Federal do Pará (2017). Atualmente desempenha atividades de Tutoria EaD da Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP). Oficial no posto de Major da Polícia Militar do Estado do Amapá e Comandante do 2
Batalhão de Polícia Militar do Amapá.

Rosana Pereira Fernandes


Doutora em Ciências: Área de Concentração em Desenvolvimento Socioambiental pelo Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido, Núcleo de Altos Estudos da Amazônia/Universidade Federal do Pará -
NAEA/UFPA (2012). Mestre em Estruturas Ambientais e Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo - FAU/USP (1997). MBA em Gestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas - FVGSP/Escola de
Governo do Estado do Pará - EGPA (2005). Graduação em Economia pela Universidade Federal do Pará - UFPA (1984).
Professora colaboradora do Mestrado Profissional do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública - PPGGP do
NAEA/UFPA (a partir de 2013) e professora do Curso de Especialização em Gestão Pública - UFPA (2014-2016), EAD.
Professora do Instituto de Ensino Superior do Pará (IESP). Foi também professora da Universidade da Amazônia (1987-
1988; 1995-1996) e da Fundação Carlos Gomes (1984-1985). É servidora pública da Secretaria de Estado de
Planejamento - SEPLAN desde 1989. Trabalhou em vários órgãos estaduais: Secretaria Executiva de Estado de
Administração - SEAD (1986-1989), na área de planejamento e foi Diretora Administrativa e Financeira; Secretaria
Especial de Estado de Produção - SEPROD (1999-2006), assessorou programas/projetos de turismo, agricultura familiar,
floricultura, pesca e área ambiental, dentre outros, com participação em vários conselhos estaduais e de empresas
estatais. Na SEPLAN assessorou diferentes gestões de secretários (2011-2012; 2015-2016), foi Coordenadora de
Programas Regionais (1995-1999) e Diretora de Planejamento (2013-2015). No período de 01/02/2017 a 31/12/2018
foi Diretora de Política Habitacional na Companhia de Habitação do Estado do Pará - COHAB/PA.

Samara Viana Costa


Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável, Área e concentração: Estado,
Instituições, Planejamento e Políticas Públicas. Mestre em Segurança Pública - Métodos quantitativos pela Universidade
Federal do Pará. Membro do conselho científico do observatório Jurídico, Escola Superior Madre Celeste. Atuou como
professora de estatística na Universidade do Estado do Pará. Interesse em Estatística Computacional, Aprendizado de
Máquinas, Análise Estatística Espacial, Diagramas de Influência, Causalidade e Jurimetria.

277
Sônia Costa Passos
Doutora em Ciências Sociais pelo programa de Pós-graduação em Ciências Sociais UFPA. Mestre em Serviço
concentração em Serviço Social, Políticas Públicas e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará (2009).
Especialização em Metodologia do Ensino Superior Pela Universidade da Amazônia (2002). Especialização em
Metodologia da Pesquisa pela Faculdade Ideal (2004). Possui graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela
Universidade da Amazônia (1998). Atualmente professora prestadora de Serviço da Escola de Formação de Oficiais do
Corpo de Bombeiros Militar e da Academia de Polícia Militar Cel. Fontoura das Disciplinas Metodologia do trabalho
Científico, Metodologia da Pesquisa e orientação de trabalho de Conclusão de curso. Vice-Diretora concursada da
SEDUC, concurso C-125 para Técnico em Educação. Tutora da Educação à Distância da Secretaria Nacional de Segurança
Pública (SENASP) desde 2008. Foi supervisora Pedagógica dos Cursos de Especialização no Instituto de Ensino de
Segurança Pública realizado em convênio com a Universidade do Estado do Pará UFPA (2003 a 2004) e UEPA (2005 a
2009). Tutora a Distância do Curso de Graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pelo Instituto Federal do
Pará/IFPA. Trabalhou no período de 2002 a 03/2009 como chefe de Divisão de Controle Pedagógico do Instituto de
Ensino de Segurança do Pará. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação profissional infantil de
jovens e adultos e no ensino Segurança Pública, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas púbicas e direitos
sociais da mulher e da criança e do adolescente em situação de drogadição e como professora das disciplinas
metodologia do trabalho científico, metodologia da pesquisa, metodologia de ensino e aprendizagem, introdução à
filosofia, introdução à sociologia, estágio supervisionado, currículos e programas e orientação de trabalho de conclusão
de curso e coordenação pedagógica de cursos superiores, fundamental e médio. Foi membro da comissão de
credenciamento do Instituto de Ensino de Segurança Pública do Estado do Pará.

Tatiane da Silva Rodrigues Tolosa


Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Segurança Pública da Universidade Federal do Pará. Especialista em
Segurança Pública nas áreas de Polícia Comunitária(UNISUL) e Segurança Pública e Gestão de Informação( RENAESP),
graduada em Pedagogia (Licenciatura) pela Universidade do Estado do Pará (2005) e em Ciências Sociais( Licenciatura e
Bacharelado) pela Universidade Federal do Pará(2008), Atualmente é Policial Militar do Estado do Pará, exercendo a
função auxiliar Técnica da 3ªSeção do Estado Maior Geral da PMPA responsável pela Política e Planejamento de
Preservação da Ordem Pública. Pesquisadora da temática violência contra mulher, e membro do Grupo de Pesquisa
Métodos de Diagnóstico em Segurança Pública (UFPA).

Thiciane Pantoja Maia


Graduada em Direito pela Universidade Federal do Pará (2012). Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Segurança
Pública da Universidade Federal do Pará (2019). Delegada de Polícia Civil do Estado do Pará desde 2014. Tem experiência
na área de Direito, com ênfase em Direito, atuando principalmente nos seguintes temas: violência doméstica,
criminalidade regionalizada, violência urbana, e ocorrência policial.

Victoria Di Paula Moraes Magno


Advogada - Certificada em Compliance (CPC-A). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Segurança Pública da
Universidade Federal do Pará. Especialista em Compliance pela Legal Ethics Compliance - LEC. Pós-Graduanda em Direito
Eleitoral pela Faculdade de Belém. Membro da Comissão de Segurança Pública da OAB/PA, Membro da Comissão de
Compliance da OAB/PA, Membro da Comissão de Pequenas e Médias Empresas da OAB/PA.

Wendell de Freitas Barbosa


Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Regional do Cariri (2012), Mestre (2014) e Doutor (2017) em Sociologia
pela Universidade Federal do Ceará. Professor Adjunto da Universidade Federal do Cariri, vinculado ao Centro de
Ciências Sociais Aplicadas(CCSA) e ao Curso de Administração Pública. É Líder e Pesquisador do Laboratório de Estudos
em Violência e Segurança Pública cadastrado como grupo de pesquisa no CNPq. Tem experiência na área de Sociologia,
com ênfase em sociologia do conflito e da violência, atuando principalmente nos seguintes temas: Poder, Violência,
Conflito, Segurança Pública, Práticas Policiais, Questão Carcerária, Políticas Públicas, Direitos Humanos e Cidadania. É
Pesquisador de Produtividade BPI da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNCAP). Atualmente desempenha a função de Vice-Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFCA.

278
Willame de Oliveira Ribeiro
Possui Graduação em Geografia - Bacharelado e Licenciatura pela Universidade Federal do Pará - UFPA (2005), Mestrado
em Geografia pela UFPA (2007) e Doutorado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista - UNESP/Campus de
Presidente Prudente (2017). É professor Assistente IV da Universidade do Estado do Pará - UEPA, atuando na docência
dos Cursos de Licenciatura em Geografia (no qual também é membro do Colegiado e do Núcleo Docente Estruturante -
NDE), Especialização em Ensino de Geografia na Amazônia e Mestrado em Geografia. Tem experiência na área de
Geografia, com ênfase em Geografia Urbana, Geografia do Turismo e Ensino de Geografia. Atualmente é Líder do Grupo
de Pesquisa "Geografia do Pará Urbano" - GeoPUrb e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Geografia -
PPGG/UEPA.

Wilson Rodrigues Ataíde Júnior


Possui mestrado em Direito (direitos humanos) pela Universidade Federal do Pará - UFPA (2003). É professor efetivo na
UFPA desde 1998 com experiência e ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: direitos
humanos, direito constitucional, direito administrativo, direito agrário, teoria geral do Estado, violência no campo,
globalização e neoliberalismo. Foi chefe do departamento de Direito do Estado do Centro de Ciências Jurídicas da UFPA
(2003-2005). Coordenou o curso de direito da Universidade Federal do Pará em Marabá (1998-2000). Coordenou o
curso de direito da Faculdade de Belém - FABEL (2001-2012). Foi coordenador do curso de direito da Faculdade
Integrada Brasil Amazônia - FIBRA (2005-2010). Foi professor de Direito da Universidade da Amazônia - UNAMA (2011-
2016). Atualmente coordena o curso de direito da Faculdade da Amazônia – FAAM, desde 2019.

279
AUTORES DOS TRABALHOS
Antonio Sabino da Silva Neto
Bacharel em Ciências Sociais, Mestre em Sociologia e Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). Atualmente é professor do curso de Graduação em Direito e da Especialização em Políticas Públicas da
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Exerceu as funções de Coordenador do curso de Direito, Diretor da Editora
Universitária e de Presidente do Conselho Editorial da Universidade Federal do Amapá. Atua como assessor da Reitoria
da UNIFAP. Professor convidado da Escola Judicial do Amapá (EJAP) e da Escola de Administração Pública do Amapá
(EAP). Líder do Núcleo de Estudos em Política e Conflitos Sociais, cadastrado no CNPq. Membro Efetivo da Sociedade
Brasileira de Sociologia. Membro do Conselho Editorial da revista Políticas Públicas & Cidades (A4). Coordenada projetos
de pesquisa e extensão, com foco em trabalho e modos de vida na fronteira.

Brenda Thayna Trindade Lopes


Bacharel em Direito. Atua na Coordenação da Pós-graduação da Faculdade Cosmopolita. Participante (júnior) do Érgane
– Instituto Científico da Amazônia. Pós-Graduanda em atividade de Inteligência.

Clarina de Cássia da Silva Cavalcante


Possui graduação em enfermagem pela Universidade Federal do Pará (2007). É especialista em Enfermagem
Neonatal, pela Universidade Federal do Pará (2009), especialista em Enfermagem do Trabalho pela FTI-
UNINTER (2012), e, Especialista em Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento (ES. M. C, 2018).
Com experiência em assistência hospitalar de 4 anos. Atuou como Preceptora de Estágio Supervisionado na
Rede Hospitalar nas instituições ESAMAZ e UNAMA. Trabalha na assistência em Enfermagem, há 4 anos,
junto à Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (SUSIPE), atual Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, e, entre dezembro de 2012 e dezembro de 2017, após aprovação e nomeação
em concurso público, exerceu a função de enfermeira junto à Prefeitura Municipal de Ananindeua (PMA). É
consultora em amamentação e pesquisadora em diversas áreas, inclusive, a segurança pública.

Clay Anderson Nunes Chagas


Possui graduação em Geografia Licenciatura e Bacharelado pela Universidade Federal do Pará (1998), mestrado em
Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (2002) e doutorado em Desenvolvimento Socioambiental pela
Universidade Federal do Pará (2010). Atualmente é Vice Reitor da Universidade do Estado do Pará, participa do
Programa de Pós Graduação em Geografia e do Programa de Pós Graduação em Segurança Pública pela Universidade
Federal do Pará. Professor da Universidade do Estado do Pará atuando no curso de graduação em Geografia. Professor
Colaborador no Instituto de Ensino em Segurança Pública e Defesa Social do Estado Pará e Professor Colaborador da
Universidade de Cabo Verde no Programa de Pós Graduação em Segurança Pública. É associado ao Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Sócio da Associação Internacional de Criminologia de Língua Portuguesa. Membro do Instituto
Histórico Geográfico do Pará. É consultor do Roster pré aprovado para a América Latina do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD/ONU) na categoria de Prevenção à Violência (2016-2018). Líder do Laboratório de
Pesquisa e Análise em Geografia da Violência e do Crime. Tem experiência de Segurança Pública, atuando
principalmente nos seguintes temas: Gestão do Território, Criminalidade, Homicídio e Cartografia.

Emerson Lopes da Silva


Possui graduação em Direito pela Faculdades Integradas Brasil Amazônia S/S LTDA(2010). Tem experiência na área de
Direito.

Evelyn Munarini Gualberto


Bacharel em Direito. Participante (júnior) do Érgane – Instituto Científico da Amazônia. Pós-Graduanda em atividade de
Inteligência.

Fernanda Valli Nummer


Possui graduação em Ciências Sociais - Bacharelado e Licenciatura - pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(1997), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2001) e doutorado em

280
Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2010). Atualmente é pesquisadora e professora da
Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de Antropologia e Sociologia, atuando principalmente nos
seguintes temas: identidade, sociabilidade, trabalho, militarismo e instituições policiais.

Herick Wendell Antônio José Gomes


Mestre em Segurança Pública pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará -
IFCH/UFPA (2016 - 2018). Especialista em Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento pela Escola S. M. Celeste
– ES. M C. (2016) e Gestão Estratégica em Defesa Social pelo Instituto de Ensino de Segurança do Pará - IESP (2020).
Graduado em Ciências de Defesa Social Pelo Instituto de Ensino de Segurança do Pará - IESP (1998 - 2000). Tem
experiência na área de Segurança Pública e Defesa Social com ênfase na área de Atividade de Inteligência Estratégica e
de Segurança Pública. Tenente Coronel da PMPA.

João Francisco Garcia reis


Doutor em Ciências pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA); Mestre
em Defesa Social e Mediação de Conflitos pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Bacharel em Ciências Econômicas
pelo Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará (CESEP); professor do Instituto de Ensino de Segurança do Pará
(IESP) nos Cursos de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) e Curso Superior de Polícia e Bombeiros Militares(CSPBM);
professor da Academia de Polícia Militar Coronel Fontoura no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Pará
(CFO/PMPA); professor do Curso de Formação de Oficiais do Corpo de Bombeiros Militar do Pará (CFO/CBMPA); Diretor
do Núcleo de Gestão por Resultados (NGR) da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (SEGUP) do
Estado do Pará e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Pará (IHGP), cadeira 07, onde desempenha
a função de presidente do conselho fiscal.

Jorge Fabricio dos Santos


Bacharel em Direito pela Faculdade Metropolitana da Amazônia -FAMAZ; Bacharel em Ciência de Defesa Social e
Cidadania, pelo Instituto de Ensino de Segurança do Pará - IESP; Graduado em Tecnologia em Análise e Desenvolvimento
de Sistemas, pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA; Especialista em Política e Gestão
em Segurança Pública, pela Faculdade do Pará - FAP; Especialista em Gestão de Segurança da Informação, pela
Universidade Sul de Santa Catarina - UNISUL; Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão em Educação à
Distância, pela Universidade Federal Fluminense - UFF; Especialista em Direito Militar, pela UNICID e pós-graduando e
Direito Administrativo na Universidade Candido Mendes (UCAM). É professor do Instituto de Ensino de Segurança
Pública do Pará - IESP no Curso de Formação de Oficiais PM e no Curso de Formação de Praças PM. Tutor à distância
dos cursos EAD do Ministério da Justiça, Tutor Presencial do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará
- IFPA, professor da Escola de Governança Pública do Pará (EGPA), professor da Faculdade da Amazônia (FAAM), do
Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN) e da Escola de Administração Penitenciária (EAP). É Oficial da Polícia
Militar do Pará, no Posto de TENENTE-CORONEL PM, exerceu os cargos de Comandante de DPM´s (Jacundá e Goianésia
do Pará), Subcomandante da 6ª CIPM, Chefe das Seções de Motomecanização do CSM e de Gerenciamento de
Manutenção do Almoxarifado Central, Também exerceu as funções de Chefe da Subseção de Gestão por Processos e
Chefe da 7ª Seção do Estado Maior Geral da PMPA. Exerceu também a função de Gerente de Operações de Inteligência
na Secretaria Adjunta de Inteligência e Análise Criminal (SIAC) da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa
Social. Exerceu a função de Chefe de Gabinete da Casa Militar da Governadoria do Estado do Pará e atualmente
Coordenador de Logística Administrativa deste órgão estadual. Pós-Graduando em atividade de Inteligência.

José Gracildo de Carvalho Júnior


Professor do magistério superior do Instituto de Ciências Exatas e Naturais da Universidade Federal do Pará
(ICEN/UFPA). Graduação (2003), Especialização (2004), Mestrado (2006), em Estatística pela Universidade Federal do
Pará. Doutorado (2016), em Engenharia Elétrica na área de concentração sistemas de energia elétrica pela Universidade
Federal do Pará. É Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Segurança Pública da Universidade Federal
do Pará (PPGSP/UFPA), Mestrado Profissional em Segurança Pública (Diagnóstico, Conflitos, Criminalidade e Tecnologia
da Informação)http://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/index.php/br/, onde atua na área com os seguintes temas:
Diagnósticos e Análises Estatísticas em Segurança Pública; Levantamentos Censitários e Amostrais na Área de Segurança
Pública, além disso, desenvolve pesquisas sobre os temas: Crimes Relacionados ao Meio Ambiente; Vitimização Policial;
Violência Contra Criança e Adolescentes; Homicídios; Tráfico de Drogas; Violência de Gênero; Violência Doméstica;
Tecnologia em Segurança Pública; Sistema Carcerário; Violência Escolar. Possui experiência na área de Probabilidade e
Estatística, com ênfase em: Regressão e Correlação; Inferência Estatística; Análise de Séries Temporais e Probabilidade.
Atua principalmente nos seguintes temas: Analise de Regressão e Correlação; Modelos de Regressão com Erro nas
Variáveis; Controle Estatístico da Qualidade; Gráfico de Controle de Regressão; Gráfico de Controle de Regressão com

281
Erro nas Variáveis; Séries Temporais Clássicas; Séries Temporais Fuzzy. Atualmente é Coordenador do Laboratório de
Sistema de Informação e Georreferenciamento (LASIG), e ainda, é colaborador do Grupo de Estudos e Pesquisas
Estatísticas e Computacionais (GEPEC), ambos da Universidade Federal do Pará. É membro docente dos grupos de
pesquisa Lattes/CNPq intitulados: 1. Métodos de Diagnóstico em Segurança Pública; 2. Métodos Estatísticos Aplicados
e 3. Segurança Pública, Direitos Humanos, Justiça e Cidadania. Coordena um projeto de pesquisa intitulado: Métodos
Estatísticos Aplicados à Segurança Pública, o qual é cadastrado na Universidade Federal do Pará. É membro integrante
dos projetos de pesquisa intitulados: 1. Métodos Estatísticos: Aplicações em Segurança Pública e Saúde e 2. Vitimização
e Subnotificação no Município de Belém, ambos pertencentes à Universidade Federal do Pará. É membro discente do
grupo de pesquisa Lattes/CNPq intitulado: Controle de Sistemas e Automação Inteligente na área de Engenharia Elétrica,
na Universidade Federal do Pará.

Lucas Moura Figueiredo


Bacharel em Direito. Participante (júnior) do Érgane – Instituto Científico da Amazônia.

Manoel Fernando Alves Silva


Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Amapá(2015), graduação em curso de formação de oficial
policial militar pelo Instituto de Ensino de Segurança Pública do Pará(2008) e especialização em Ciências da Defesa Social
e Cidadania pelo Centro Universitário de Lins (2014). Atualmente é Major PM da Polícia Militar do Estado Do Amapá.
Tem experiência na área de Defesa.

Marcela Glaucia Lima da Silva Fernandes


Possui graduação em Direito. Atualmente é Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará. Participante
(júnior) do Érgane – Instituto Científico da Amazônia.

Mayara Roberta Araujo Rocha


Idealizadora e coordenadora de pesquisa do Projeto História Virtual, que recria em 3D e conta a história de monumentos
de Belém-PA. Mestre em Segurança Pública pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade
Federal do Pará (UFPA). Especialista em História Contemporânea e Graduada com Louvor em Licenciatura Plena em
História pelo Centro Universitário FIBRA. Atua como Consultora de História e na elaboração de relatórios técnicos e
projetos.

Nicolle Larissa Da Silva Abreu


Graduanda em Direito. Participante (júnior) do Érgane – Instituto Científico da Amazônia.

Renata Almeida Danin


Doutoranda em Comunicação (UnB), Mestre em Segurança Pública (UFPA), Especialista em Marketing (UNAMA) e
Graduada em Administração (CESUPA). Atua como Analista em Administração (Núcleo de Representação do Estado do
Pará no Distrito Federal - NRPADF) e Pesquisadora em Ciências Sociais. Com interesse nos seguintes temas: relações
étnico-raciais, políticas públicas e sociais, direitos humanos, mídia e discurso.

Roberta Braga Simões


Possui graduação em Direito. Participante (júnior) do Érgane – Instituto Científico da Amazônia.

Roberto Magno Reis Netto


Doutorando em Geografia (linha dinâmicas territoriais na Amazônia, com ênfase em "geografia e segurança pública").
Mestre em Segurança Pública pela Universidade Federal do Pará (2018). Especialista em Direito Processual Civil pela
Universidade Gama Filho/DF (2009), Docência Superior pela Universidade Gama Filho/DF (2012), e, Atividade de
Inteligência e Gestão do Conhecimento pela Escola Superior M. Celeste/PA (2016). Pós-graduando em Direito Digital e
da Inovação Tecnológica. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (2007). Atualmente é Professor
Universitário na Faculdade da Amazônia, na Pós-graduação (nos cursos de Direito Militar e Gerenciamento de Crises) e
graduação (ocupante das cadeiras de direito processual civil, Direito Digital e da Inovação Tecnológica e de
Hermenêutica Jurídica, já tendo ocupado, noutras instituições, as cadeiras de Metodologia da Produção Científica - TCC
I e TCC II - e Prática Jurídica) e na Faculdade Cosmopolita (Pós-graduação em Atividade de Inteligência e gestão em
Segurança Pública). Eventualmente, atua como Instrutor junto ao Instituto de Ensino de Segurança Pública do Pará -
IESP, (Curso de Formação de Oficiais - Bacharelado em Defesa Social e Cidadania, Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais
- CAO e Curso Superior de Polícia - CSP). É pesquisador fundador do Érgane - Instituto Científico da Amazônia, e membro
do Laboratório de Pesquisa em Geografia da Violência e do Crime - LABGEOVCRIM, da Universidade do Estado do Pará

282
- UEPA e do Grupo de Métodos em Diagnóstico em Segurança Pública - PPGSP/UFPA. É Oficial de Justiça Avaliador do
TJE/PA.

Roberto Sergio Da Silva Castro


Especialista em atividade de inteligência e gestão do conhecimento pela Es. S. M. Celeste, Brasil(2018). Bacharel em
Direito. 2º tenente QOAPM do Policia Militar do Estado do Pará.

Sandra Letícia Magalhães Gaudêncio


Especialista em História Social da Amazônia (2007), Bacharel e Licenciada Plena em História pela Universidade Federal
do Pará (2005). Graduanda do Curso de Direito da Faculdade da Amazônia - FAAM (2020). Graduanda do Curso de
Bacharelado em Teologia pela UNINTER(2018). Atualmente é 1º Tenente da Reserva não remunerada da Força Aérea
Brasileira. Foi Professora de HISTÓRIA GERAL E DO BRASIL nos níveis Fundamental II e Médio no COLÉGIO TENENTE
REGO BARROS no período de outubro de 2011 a dezembro de 2019. Ministrou disciplinas no curso de História no
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR E SERVIÇO SOCIAL DO BRASIL (2007), Ministrou disciplinas no Curso de História na
Universidade Estadual Vale do Acaraú (2007) Foi professora de História GERAL E DO BRASIL no nível fundamental pela
Prefeitura Municipal de Ponta de Pedras-PA(2008-2011), professora de história Geral e do Brasil- SEDUC/FUNCAP (2008-
2010), ministrou aula no Pro-jovem (2007-2008). Possui experiência como monitora da exposição sobre o artista Pierre
Verger no museu de Arte de Belém- MAB pela Universidade Federal do Pará (2003). Possui experiência de pesquisa
como bolsista no Projeto História do Clube do Remo(2004). Discute e pesquisa sobre os temas: esporte, sociabilidade,
mulher, gênero, militarismo e mulheres, segurança pública e ensino de história em escolas militares.

Sandra Regina Alves Teixeira


Mestra em direitos fundamentais na Linha de Pesquisa Efetividade Jurídico-Política dos Direitos Sociais,
Coletivos e Difusos (UNAMA). Conselheira estadual dos direitos das mulheres (secult). Colaboradora da
comissão de meio ambiente da OAB-PA. Colaboradora da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA (2019).
Especialista em planejamento e gestão de políticas públicas para as mulheres na Amazônia. Docente na Pós
Graduação Direito Penal e Processo Penal (UNAMA). Possui Especialização em Processo: Civil, Constitucional,
Trabalho e Penal (Faculdade Mauricio de Nassau-OAB-PA/ESA). Especialização em Docência no Ensino
Superior na Amazônia (UFPA). Especialização em História Social da Amazônia (UNAMA). Graduação em
Direito pela Universidade da Amazônia (2012) recebendo o Prêmio "Otávio Mendonça" de Melhor
Monografia de Direito intitulada: " A Atuação do Ministério Público em face do Meio Ambiente - Patrimônio
Histórico da Cidade Velha e entorno - Belém do Pará. Graduação em História Bacharelado e Licenciatura pela
Universidade Federal do Pará (1999). Atualmente é DOCENTE DA FACULDADE ES. M. C. Professora Efetiva de
História da Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC), Técnica em Gestão Cultural - Historiadora
(SECULT).

Suzana Moura Lima


Bacharela em Direito e Comunicação Social: Jornalismo, pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Especialista em
Criminologia pela Faculdade Integrada Brasil Amazônia (FIBRA) e Pós-Graduanda em Atividade de Inteligência em
Gestão de Risco de Segurança Pública, Faculdade Cosmopolita. Mediadora e Conciliadora Judicial do Tribunal de Justiça
do Estado do Pará TJE/PA, certificada pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Professora do Instituto de Ensino de
Segurança Pública (IESP), habilitada para ministrar aulas em todo o sistema de segurança pública do Estado. Membro
da Liga Jurídico-Criminal (LAJUC), no período de 2018 à 2020. Integrante do grupo de pesquisa "Mulheres, Direitos e
Justiça". Exerceu o cargo de Assessora de Comunicação da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária-SEAP.
Possui experiência nas áreas de Execução Penal, Direito Penal, Processual Penal e Comunicação Social, com ênfase em
Assessoria de Imprensa, Segurança Pública e Sistema de Justiça Criminal.

Talita Isaura Baptista dos Santos


Possui graduação em Direito. Participante (júnior) do Érgane – Instituto Científico da Amazônia.

Tayna Silva Cavalcante


Advogada regularmente inscrita no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Pará (OAB/PA N°: 29.954). Ligante
da 1 ° Liga Acadêmica Jurídico Criminal do Norte Especializada em Ciências Criminais - LAJUC/PA (2020), atuando na
linha de pesquisa sobre Política Criminal, sob orientação da Me. Tainá Ferreira e Ferreira. Tem experiência no ramo do

283
Direito Previdenciário, Direito Processual Civil, Direito Penal e Processual Penal. Cursa Especialização em Direito Penal
e Criminologia Crítica (ESMAC - 2019), bacharela em Direito pela Escola S. M. Celeste (2013-2017), atuou como
pesquisadora de 2018-2019 no ANÁNKÊ (Observatório Jurídico, Político e Social da ES. M. C.), sob coordenação do Me.
Roberto Magno Reis Netto, na linha de pesquisa que investigava sobre as bases histórico-pedagógicas da Crise do Ensino
Jurídico Brasileiro e sobre qual é o papel das metodologias ativas no processo de inovação das práticas de ensino-
aprendizagem no âmbito jurídico. Estagiou no Tribunal Regional Federal - TRF 1°/PA e no Tribunal de Justiça do Estado
do Pará - TJE/PA (Vara do Tribunal do Júri de Ananindeua). Foi bolsista de dois projetos de pesquisa ao longo da
Graduação - Novos Pesquisadores (2015-2016) e Projeto De Pesquisa e Estudos Aplicados Sobre: A Crise Do Ensino
Jurídico No Brasil e o papel das IES na reformulação das práticas de ensino-aprendizagem (2017-2017).

Thays Costa Pires


Possui graduação em Direito. Participante (júnior) do Érgane – Instituto Científico da Amazônia.

Wando Dias Miranda


Doutor em Ciências, na área de concentração em Desenvolvimento Socioambiental pelo PPGDSTU do Núcleo de Altos
Estudos da Amazônia - NAEA/UFPA, com ênfase de estudo sobre o Sistema Brasileiro de Inteligência - SINBIN e da
Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, analisando seus sistemas de Accountability e Compliance; Mestre em Ciência
Política pelo Programa de Pós Graduação em Ciência Política - PPGCP/UFPA, com ênfase em Relações Internacionais,
Políticas Públicas de Defesa, Fronteira e Amazônia; Especialista em 01 - Gestão Estratégica em Defesa Social e 02-
Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento, com foco de estudo no planejamento de Ações de Segurança
Pública e Inteligência; Bacharel e Licenciado Pleno em Ciências Sociais Pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas -
IFCH/UFPA. Atualmente pesquisador do Observatório de Estudos de Defesa da Amazônia - OBED nas linhas de pesquisa:
Estado e Poder, Segurança Pública e Atividade de Inteligência e do Projeto Metrópole - voltado a identificação e
mapeamento de vulnerabilidades socioambientais com foco na Defesa Civil. Coordenador e Professor do Programa de
Pós-Graduação e Graduação da Faculdade da Amazônia - FAAM dos cursos de Especialização em 01 - Gerenciamento
de Crises e Mediação de Conflitos e 02 - Direito Militar. Coordenador e Professor do Programa de Pós-Graduação e
Graduação da Faculdade Cosmopolita dos cursos de Especialização em 01 - Atividade de Inteligência em Gestão de
Riscos de Segurança Pública, 02 - Gestão Estratégica de Inteligência em Defesa Civil e 03 Gestão Estratégica Municipal
de Segurança Pública. Assessor da Secretária de Segurança Pública e Defesa Social - SEGUP. Membro do Instituto
Histórico e Geográfico do Pará - IHGP na cadeira de nº 70 de Mario Barata.

284
CONSELHO TÉCNICO E ARTÍSTICO
Aldenir Nonato da Silva Franco – Capa.
Investigador da Polícia Civil do Estado do Pará. Técnico em Banco de Dados. Analista do Núcleo de Gestão de
Resultados – NGR/SEGUP/PA.

Clarina de Cássia da Silva Cavalcante – Imagem de Capítulo


Possui graduação em enfermagem pela Universidade Federal do Pará (2007). É especialista em Enfermagem
Neonatal, pela Universidade Federal do Pará (2009), especialista em Enfermagem do Trabalho pela FTI-
UNINTER (2012), e, Especialista em Atividade de Inteligência e Gestão do Conhecimento (ES. M. C, 2018).
Com experiência em assistência hospitalar de 4 anos. Atuou como Preceptora de Estágio Supervisionado na
Rede Hospitalar nas instituições ESAMAZ e UNAMA. Trabalha na assistência em Enfermagem, há 4 anos,
junto à Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (SUSIPE), atual Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, e, entre dezembro de 2012 e dezembro de 2017, após aprovação e nomeação
em concurso público, exerceu a função de enfermeira junto à Prefeitura Municipal de Ananindeua (PMA). É
consultora em amamentação e pesquisadora em diversas áreas, inclusive, a segurança pública.

Gabriel Prestes Magno Reis – Imagem de Capítulo


Graduando em arquitetura pela UNIFAMAZ. Participante (júnior) do Érgane – Instituto Científico da
Amazônia.

Roberto Magno Reis Netto – Editoração e normalização


Doutorando em Geografia (linha dinâmicas territoriais na Amazônia, com ênfase em "geografia e segurança pública").
Mestre em Segurança Pública pela Universidade Federal do Pará (2018). Especialista em Direito Processual Civil pela
Universidade Gama Filho/DF (2009), Docência Superior pela Universidade Gama Filho/DF (2012), e, Atividade de
Inteligência e Gestão do Conhecimento pela Escola Superior M. Celeste/PA (2016). Pós-graduando em Direito Digital e
da Inovação Tecnológica. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (2007). Atualmente é Professor
Universitário na Faculdade da Amazônia, na Pós-graduação (nos cursos de Direito Militar e Gerenciamento de Crises) e
graduação (ocupante das cadeiras de direito processual civil, Direito Digital e da Inovação Tecnológica e de
Hermenêutica Jurídica, já tendo ocupado, noutras instituições, as cadeiras de Metodologia da Produção Científica - TCC
I e TCC II - e Prática Jurídica) e na Faculdade Cosmopolita (Pós-graduação em Atividade de Inteligência e gestão em
Segurança Pública). Eventualmente, atua como Instrutor junto ao Instituto de Ensino de Segurança Pública do Pará -
IESP, (Curso de Formação de Oficiais - Bacharelado em Defesa Social e Cidadania, Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais
- CAO e Curso Superior de Polícia - CSP). É pesquisador fundador do Érgane - Instituto Científico da Amazônia, e membro
do Laboratório de Pesquisa em Geografia da Violência e do Crime - LABGEOVCRIM, da Universidade do Estado do Pará
- UEPA e do Grupo de Métodos em Diagnóstico em Segurança Pública - PPGSP/UFPA. É Oficial de Justiça Avaliador do
TJE/PA.

285
286
A sociedade mudou. O crime também.
Por essa simples razão, os órgãos de segurança e cientistas da área também
devem mudar. Novas pesquisas não são somente necessárias, mas,
fundamentais à reconstrução da capacidade do Estado em reagir às novas
ameaças.
Compreender a segurança de maneira mais ampla e abrangente, bem como,
observá-la diante de inúmeros fenômenos para além do crime, é essencial a
esse movimento.
Nesse sentido, a presente obra engloba um conjunto de estudos, desenvolvidos
por pesquisadores brasileiros, voltados à construir breves contribuições à
(re)construção da ideia de segurança pública no Brasil.
Espera-se que a mesma seja uma semente.
Que frutifique, pois!

287

View publication stats

Você também pode gostar