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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL


AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA

DOUTRINA NACIONAL DA

ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

FUNDAMENTOS DOUTRINÁRIOS

2016

“Um exército sem


agentes secretos é
um homem cego
e surdo” (Sun Tzu).

201
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Vice-Presidente Michel Miguel Elias Temer Lulia (no exercício do cargo de Presidente da República)
GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL
Ministro Sérgio Westphalen Etchegoyen
AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA
Diretor-Geral Wilson Roberto Trezza
SECRETARIA DE PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO
Secretário Luiz Fernando da Cunha

ESCOLA DE INTELIGÊNCIA
Diretor Osvaldo Antônio Pinheiro Silva

Coordenação e Responsabilidade Técnica


Coordenação de Doutrina e Pesquisa – CODOPE/CGPCA/ESINT
Coordenação-Geral de Planejamento, Controle e Avaliação/ESINT

Catalogação Bibliográfica Internacional e Normalização


Coordenação de Biblioteca e Museu da Inteligência – COBIM/CGPCA/ESINT

Impressão
Gráfica – ABIN

202
Sumário
APRESENTAÇÃO ......................................................................................... 13
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 16
CARACTERIZAÇÃO E EVOLUÇÃO ........................................................ 20
1. DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ................................................... 21
2. DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DO ESTADO BRASILEIRO 32
3. SISTEMA BRASILEIRO DE INTELIGÊNCIA ..................................... 38
ANTECEDENTES HISTÓRICOS .............................................................. 38
ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO........................................................ 39
CONSELHO CONSULTIVO DO SISBIN .................................................. 40
SUBSISTEMAS DE INTELIGÊNCIA ........................................................ 41
TEMAS DE INTERESSE ............................................................................ 42
TRAMITAÇÃO DE DOCUMENTOS NO SISBIN ..................................... 43
ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA ..................................................................... 45
4. CONCEITOS, RAMOS E PRINCÍPIOS ................................................. 46
CONTEÚDOS SENSÍVEIS ......................................................................... 46
ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ............................................................. 47
RAMOS DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ........................................ 49
PRINCÍPIOS DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ................................ 51
5. RAMO INTELIGÊNCIA ........................................................................... 54
DEFINIÇÃO..................................................................................................54
CICLO DE INTELIGÊNCIA ....................................................................... 55
6. RAMO CONTRAINTELIGÊNCIA .......................................................... 59
DEFINIÇÃO..................................................................................................59
SEGMENTOS DA CONTRAINTELIGÊNCIA .......................................... 60
AMEAÇAS À SOCIEDADE E AO ESTADO ............................................. 60
CICLO DE CONTRAINTELIGÊNCIA ....................................................... 62
7. OPERAÇÕES DE INTELIGÊNCIA ........................................................ 65
DEFINIÇÃO ................................................................................................ 65
TIPOS DE OPERAÇÕES DE INTELIGÊNCIA .......................................... 65
FUNÇÃO DAS OPERAÇÕES..................................................................... 66
FUNDAMENTOS TEÓRICOS ..................................................................... 67
8. FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
68
ELEMENTOS EPISTEMOLÓGICOS ........................................................ 69
Definição de conhecimento .......................................................................... 69
Conhecimento como processo: do conhecimento sensível (ou empírico) ao
racional................................................................................................................... 70
As formas racionais de conhecer ................................................................. 72
A forma intuitiva de conhecimento ............................................................... 73

203
Conhecimento como produto ....................................................................... 74
Verdade..........................................................................................................75
Erro................................................................................................................76
Estados da mente perante a verdade ............................................................ 76
Temporalidade ............................................................................................. 78
CONHECIMENTO DE INTELIGÊNCIA ................................................... 78
Dado ....................................................................................................... 79
Tipos de conhecimento ................................................................................. 79
Categoria de conhecimentos ........................................................................ 81
Documentos utilizados na Atividade de Inteligência ................................... 82
ATUAÇÃO E CONTROLE ....................................................................... 89
9. ESPAÇO CIBERNÉTICO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ........ 90
10. ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA E PROCESSO DECISÓRIO
NACIONAL..................................................................................................................95
PRODUTOR E USUÁRIO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ......... 97
ATUAÇÃO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO PROCESSO DECISÓRIO NACIONAL 97
Fase de Diagnóstico ..................................................................................... 98
Fase Política ................................................................................................ 99
Fase Estratégica........................................................................................... 99
Fase de Gestão ........................................................................................... 100
PLANEJAMENTO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA .................... 100
1. Estudo de Situação de Inteligência (ESI)................................................ 101
2. Plano Nacional de Inteligência (Planint) ............................................... 102
11. CONTROLE DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ........................ 104
CONTROLE ORDINÁRIO ....................................................................... 104
CONTROLE ESPECÍFICO ....................................................................... 105
12. ÉTICA NA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA .................................. 106
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 116
GLOSSÁRIO ................................................................................................ 124

204
APRESENTAÇÃO

A Atividade de Inteligência1 insere-se na estrutura burocrática do Estado e constitui


instrumento de assessoria aos sucessivos governos. Contribui para o planejamento, a execução e o
acompanhamento de políticas governamentais, visando à segurança do Estado e ao bem-estar da
sociedade.

A Atividade de Inteligência rege-se pela presente Doutrina, que disciplina as ações destinadas
à produção e à proteção de conhecimentos, contemplando ideias diretivas, procedimentos e relações
institucionais que objetivam propiciar o desempenho harmônico dos organismos de Inteligência
nacionais, em consonância com o Estado Democrático de Direito.

Do conjunto doutrinário, este volume – Fundamentos Doutrinários da Atividade de


Inteligência – apresenta introdução e quatro blocos temáticos: Caracterização e Evolução;
Organização e Prática; Fundamentos Teóricos; e Atuação e Controle.

Na introdução, expõem-se os fundamentos doutrinários norteadores da Atividade de


Inteligência, com suas funções, características e elementos constitutivos.

O primeiro bloco, Caracterização e Evolução, compreende os capítulos 1, “Da Atividade de


Inteligência”, 2, “Desenvolvimento da Atividade de Inteligência do Estado Brasileiro”, e 3,
“Sistema Brasileiro de Inteligência”. O primeiro capítulo caracteriza a Atividade de Inteligência,
com relato de sua evolução no contexto global e sua importância para os tomadores de decisão em
diferentes épocas do desenvolvimento sociopolítico. O segundo capítulo apresenta breve histórico
da Atividade de Inteligência brasileira, desde sua incipiente institucionalização, em 1927, até a
atualidade. O terceiro capítulo descreve a estrutura e o funcionamento do Sistema Brasileiro de
Inteligência.

O segundo bloco, Organização e Prática, é composto pelos capítulos 4, “Conceitos, Ramos e


Princípios”, 5, “Ramo Inteligência”, 6, “Ramo Contrainteligência”, e 7, “Operações de
Inteligência”. O quarto capítulo define a Atividade de Inteligência do Brasil, seus conceitos, ramos
e princípios. O quinto conceitua o ramo Inteligência e explica seu ciclo. O sexto define o ramo
Contrainteligência, identifica as ameaças à sociedade e ao Estado e apresenta os segmentos e o ciclo
da Contrainteligência. O sétimo capítulo define operações de Inteligência e apresenta seus tipos e
técnicas.

O terceiro bloco, Fundamentos Teóricos, é composto pelo capítulo 8, “Fundamentos Teóricos


para a Produção do Conhecimento”, que aborda as bases teóricas da produção do conhecimento de
Inteligência, as definições de conhecimento, de verdade e de conhecimento de Inteligência, bem
como os tipos e as categorias desse conhecimento. Este bloco contempla os processos mentais e as
ações que redundam na produção do conhecimento de Inteligência.

O quarto bloco, Atuação e Controle, compreende os capítulos 9, “Espaço Cibernético e


Atividade de Inteligência”, 10, “Atividade de Inteligência e Processo Decisório Nacional”, 11,
“Controle da Atividade de Inteligência”, e 12, “Ética na Atividade de Inteligência”. O nono capítulo
trata da relevância do espaço cibernético para a Atividade de Inteligência. O décimo aborda o modo
como a Atividade de Inteligência se insere no processo de tomada de decisão governamental. O
décimo primeiro trata das formas de controle da Atividade de Inteligência. O último capítulo analisa
paradigmas morais e sua aplicação no contexto da Atividade de Inteligência.

205
1
“Atividade de Inteligência” é a expressão que designa o objeto deste documento, a Atividade
de Inteligência de Estado, também conhecid a como “Inteligência” ou “Inteligência clássica”,
tradicionalmente praticada por “serviços de Inteligência”.

206
INTRODUÇÃO

Qualquer atividade que pretende ser racional e eficaz tem seu exercício orientado e
disciplinado por princípios, conceitos, normas, métodos, processos e valores. Algumas atividades
estabelecem corpo doutrinário para sistematizar esses elementos.

O termo “doutrina”, originalmente, associava-se ao ensino e aprendizado do saber em geral ou


ao ensino de disciplina particular. Ao longo do tempo, passou a significar também conjunto de
teorias, noções e princípios orientadores.

A capacidade de uma doutrina para orientar e disciplinar determinada atividade está


relacionada com o grau de efetividade com que desempenha as seguintes funções básicas:

- padronização: garantir uniformidade de métodos e procedimentos, a fim de evitar distorções


advindas de fatores subjetivos;

- agregação: unir racionalmente indivíduos, conferindo-lhes noção de identidade e


direcionando suas ações;

- comunicação: possibilitar a determinado grupo estabelecer entre seus integrantes


entendimento eficiente e seguro; e

- organização: ordenar o emprego dos diversos recursos necessários à execução da atividade.

Assim, depreende-se que uma doutrina é:

- normativa: exprime preceitos orientadores para o exercício da atividade;


- uniformizadora: convenciona linguagem, métodos e procedimentos próprios; e

- sistematizadora: organiza procedimentos necessários ao bom desempenho da atividade.

Além de apresentar essas características, toda doutrina deve ser adaptável, ou seja, deve
permitir ajustes a fim de corresponder a novas exigências racionais e práticas.

A Atividade de Inteligência no Brasil tem sua prática norteada pela formulação e


reformulação do corpo doutrinário por diferentes órgãos que a exerceram ao longo da segunda
metade do século XX. Desde 1999, cabe à Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) a atribuição
de elaborar a doutrina da Atividade de Inteligência, conforme disposto no inciso IV do art. 4º da Lei
nº 9.883, de 7 de dezembro daquele ano.

Como disciplina particular, a Atividade de Inteligência é regida pela Doutrina Nacional da


Atividade de Inteligência (doravante, Doutrina), que compreende um conjunto de valores,
princípios, conceitos, normas, métodos e procedimentos. Como tal, a Doutrina deve ser disseminada
tanto para a formação de pessoal competente quanto para o desempenho adequado da Atividade.

A adoção da Doutrina viabiliza efetivar dois princípios: controle e impessoalidade. Por ser
esta uma atividade que tem o segredo como instrumento e condição, deve ser controlada, tanto pelo
direcionamento correto de suas ações quanto por órgãos de supervisão. A Doutrina representa o
empenho dos organismos de Inteligência para fortalecer esses modos de controle. Além disso,
contribui para que o princípio da impessoalidade seja aplicado com o peso necessário nesta
atividade singular do Estado Democrático de Direito.
207
Os elementos que compõem a Doutrina são assim definidos:

Valores
São padrões morais que se subordinam aos interesses da sociedade e do Estado.

Princípios
São concepções fundamentais que norteiam o exercício da Atividade de Inteligência.

Conceitos
São representações gerais de ideia ou noção, concreta ou abstrata, de determinada realidade.

Normas
São regras que visam estabelecer padrões de procedimentos para o desempenho da Atividade,
restringindo a subjetividade nas ações de Inteligência.

Métodos
São orientações práticas e racionais que disciplinam as ações de Inteligência para que se
alcancem os objetivos propostos.

Procedimentos
São formas de se realizar o que está preconizado pelos métodos e pelas normas.

A Doutrina tem como fundamentos o ordenamento jurídico do Estado, a tradição da Atividade


de Inteligência, a teoria do conhecimento, a metodologia científica e a prática da Atividade. Esses
fundamentos se interligam e, por vezes, se sobrepõem.
O ordenamento jurídico do Estado consubstancia-se na Constituição Federal. A tradição da
Atividade corresponde aos conteúdos e às práticas aprimorados e considerados eficazes,
desenvolvidos em países onde a eficiência da Atividade é reconhecida. A tradição oferece modelos
de atuação e procedimentos que configuram formas de exercer a Atividade e de aperfeiçoá-la. A
teoria do conhecimento nos esclarece quanto ao processo cognitivo adequado à apreensão da
realidade. Dessa teoria, extraem-se proposições que nos permitem conhecer coisas e eventos com
maior plausibilidade. A metodologia científica inspira a sistematização de uma metodologia própria
para a produção do conhecimento de Inteligência. Por fim, a prática corresponde a experiências e
rotinas no desempenho profissional que conduzem à reflexão sistemática e continuada sobre a
Atividade.

208
CARACTERIZAÇÃO E EVOLUÇÃO

1. DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

Interesses econômicos e políticos sempre exigiram informações privilegiadas e sensíveis2 que


apresentassem particularidades sobre o que se pretendia explorar, dominar ou salvaguardar 3. Essas
informações eram protegidas pelo detentor e cobiçadas por seus concorrentes. Esse jogo de
interesses gerou ambiente propício para a atuação de serviços secretos.

No século XV, as cidades-estados italianas abriram embaixadas no exterior, das quais os


enviados obtinham informações estratégicas e em cujas bases estabeleceram-se redes regulares de
espionagem4. A iniciativa italiana foi reproduzida por outras sociedades nos séculos seguintes. A
partir do século XVI, no contexto da formação dos Estados nacionais, tais informações passaram a
ser processadas em organizações permanentes e profissionais, inseridas na burocracia estatal, dando
origem ao que se denomina Atividade de Inteligência. Um dos registros mais antigos do termo
“inteligência” em seu sentido moderno, the intelligence, foi utilizado ainda no século XVI, na
Inglaterra, na Secretaria de Estado (Department of Intelligence), significando informações sobre
inimigos e conspiradores e informações internacionais5.

A Atividade de Inteligência, como parte da burocracia do Estado, originou-se de quatro


matrizes institucionais e históricas: economia, guerra, diplomacia e polícia6. A aquisição de
informações, a elaboração de conhecimentos, o ato de espionar alvos específicos, o plano de se
antecipar à ação alheia a fim de se obter vantagem e de se evitar desvantagem e, ainda, de se
garantir a ordem social caracterizaram, juntamente com o recurso do segredo, o desempenho
estratégico da Atividade nessas quatro áreas, em diversas culturas.
As relações de concorrência política e econômica e os contextos e as matérias de sensibilidade
impõem procedimentos ocultos para a garantia de vantagem. O chamado “fator surpresa” é recurso
frequentemente usado para tanto. Os ataques surpresa nos conflitos bélicos são uma manifestação
desse fator. Não só na guerra, mas também nas outras matrizes (economia, diplomacia e polícia) de
desenvolvimento da Atividade de Inteligência, fez-se, sobejamente, aplicação de ações furtivas,
desconhecidas pela outra parte. Nessas matrizes, a dinâmica dessas ações, qualificadas como ações
de operações7 de modo típico, era determinada pela propriedade da sensibilidade e da furtividade8.

Pode-se remontar o uso de ações furtivas a situações muito primitivas de intrigas e complôs,
de um lado, e à prática da caça, de outro. Ações furtivas eram empregadas por hominídeos
caçadores-coletores na lide com a subsistência: era o caso da predação9, por meio de habilidades de
ocultação, como camuflagem ou disfarce, para obter a presa. O desenvolvimento de grupamentos
humanos incrementou essas ações quando conduzidas por guerreiros. As passagens bíblicas dos
livros veterotestamentários10 de Números (cap. 13, verso 2) e de Josué (cap. 2, verso 1) são
ilustrações pertinentes do que teria ocorrido no século XIII a.C., quando de preparativos para a
conquista da “terra prometida”. A primeira passagem menciona “explorar”; a segunda oferece
termos mais explícitos: “secretamente”, “espiões” e “espionar”.

Com o surgimento de organizações políticas burocratizadas, as ações furtivas se tornaram


mais estruturadas e paulatinamente especializadas. Situações de dominação ilegítima (controle por
força, ocupações, colonizações, imperialismo) obrigavam forças de resistência a agir furtivamente,
inclusive para o emprego de sabotagens. Indivíduos não beligerantes, sob vigilância dominadora,
também lançavam mão desse tipo de ação simplesmente para viabilizar aspectos corriqueiros da
209
vida. As ações furtivas existiram primeiramente como prática do senso comum (sagacidade);
somente depois foram desdobradas como arte ou ofício e, ainda mais tarde, como ofício abrigado
numa repartição burocrática.

Associada às ações furtivas, ocorre a antecipação à ação alheia. Considera-se que na China,
em época posterior ao reconhecimento clandestino documentado na Bíblia, surgiu o ato de
antecipação como categoria racional sistemática, o que tornou a Atividade mais sofisticada11. Sun
Tzu, no século V a.C., além de mencionar dissimulação e surpresa12 (ambas afetas à furtividade),
afirmou que o “general deve basear-se em avaliações prévias”13. Ainda que racionalizada por Sun
Tzu como recurso estratégico, a busca de conhecimento antecipado está associada a um desejo
primitivo de se ter informação prévia sobre determinados eventos e coisas, o qual provém do
instinto de autopreservação14. Os serviços ocidentais modernos fariam da antecipação à ação alheia
a raison d´être da produção intelectual da Atividade de Inteligência15.

Duas situações marcantes no contexto luso-brasileiro, no período colonial, exemplificam o


modo como as matrizes institucionais e históricas são geradoras da Atividade de Inteligência. A
primeira situação correspondeu à identificação e posse do Brasil como território português; a
segunda, às circunstâncias de formação da sociedade brasileira a partir da chegada da família real
portuguesa ao país.

A política de sigilo foi exercida já na fase chave das grandes navegações, promovidas pelo
Infante D. Henrique e por D. João II (1420-1495). Essa política, como função necessária da
organização econômica do Estado português, não se reduziu à natureza geográfica das navegações,
isto é, ao seu aspecto científico, mas deve ser interpretada no contexto da exploração econômica
propiciada por estradas marítimas de acesso a novos territórios de produtos nobres, como aquelas
que levavam às Índias orientais, ligando-as à Europa16. A competição interestatal – como a
concorrência por especiarias e o conflito de soberania entre Portugal e Espanha – gerou o segredo
geoeconômico que exigiu organização do comércio e medidas de defesa respectivas, como o mare
clausum17, a organização da espionagem nos países concorrentes, a limitação ou exclusão dos
estrangeiros do meio social e o segredo geográfico18. Com as renegociações do Tratado de
Tordesilhas (1494), Portugal não quis apenas assegurar o monopólio do caminho marítimo para a
Índia, mas, estendendo o meridiano léguas a oeste de Cabo Verde, ambicionou assegurar a
exploração das terras ao sul do Equador, de cujo conhecimento manteve segredo durante
negociações anteriores.

Já em 1808, quando da vinda da família real portuguesa para o Brasil, D. João designou o
advogado, desembargador e ouvidor da corte Paulo Fernandes Viana para organizar a cidade do Rio
de Janeiro, nomeando-o intendente geral da polícia e dando-lhe a prerrogativa de audiências a cada
dois dias19. No que tange à Atividade de Inteligência, cita-se a implementação de ações de
contraespionagem na intendência geral de polícia, motivada pelos reflexos da revolta de escravos no
Haiti e da disseminação das ideias revolucionárias francesas pelo continente americano. Viana
preocupava-se com estrangeiros, especialmente franceses, e recomendou, em memorando, seu
acompanhamento “por espiões confiáveis ‘que saibam línguas, frequentem seus jantares e
concorram com eles nos teatros, nos passeios e divertimentos públicos’”.

No contexto global, a Atividade de Inteligência foi remodelada pela Segunda Guerra Mundial,
que favoreceu o aperfeiçoamento e a burocratização das estruturas de Inteligência militar, as quais
não foram desmobilizadas ao final do conflito armado. Ao contrário, a elas foram acrescidos novos
organismos estatais civis de Inteligência. Juntos, passaram a fazer frente a um novo conflito,
caracterizado pela bipolaridade Leste-Oeste, denominada Guerra Fria. A Inteligência militar passou
a se preocupar predominantemente com defesa e dissuasão, enquanto sua vertente civil dedicava-se
à vigilância ideológica e interferência política.
210
As matrizes polícia e guerra, em especial, vincularam a Atividade de Inteligência ao aspecto
coercitivo do Estado. Partindo-se da clássica definição de Estado como o agrupamento de
dominação que detém o monopólio do uso legítimo da violência e da coação física 20, pode-se
afirmar que a Atividade de Inteligência integra o núcleo coercitivo do Estado. Os meios de coerção
estatais fazem valer a lei e a ordem estabelecidas democraticamente21. No entanto, a Atividade de
Inteligência, ao contrário dos demais aparatos coercitivos, não se fundamenta na força, e sim no
conhecimento e no segredo, com o desempenho de função essencialmente informacional22. A
Atividade de Inteligência subsidia, portanto, as instituições que exercem o poder coercitivo do
Estado. Em alguns países, porém, em razão de interesses e tensões advindas de suas relações
internacionais, a Atividade extrapola os limites da função informacional, realizando intervenções
como sabotagem, desinformação, propaganda, subversão e até eliminação de oponentes, em um
contexto de beligerância não oficialmente declarada.

Desenvolvida, na modernidade, como estrutura burocrática e permanente do Estado, a


Atividade de Inteligência encontrava-se sob a égide da razão de Estado. Essa forma de
racionalidade política, utilizada para justificar o uso do segredo de Estado e de determinadas ações
lícitas somente ao Estado, distinguia-se da moral individual e objetivava a manutenção do aparato
estatal e a ampliação de seu poder (influência ou intervenção).
Nessa época, o conhecimento que o Estado fomentava para saber sobre si e sobre outros
Estados foi chamado de “estatística” 23. Esse conhecimento, gerado por aparatos burocráticos de
informações, impunha o uso do segredo de Estado, por seu valor estratégico do ponto de vista
político, militar e econômico. Esses organismos de produção de conhecimento eram instrumentos
da razão de Estado, ao lado da diplomacia, da organização militar permanente e da guerra. A
“política de segredo de Estado” desenvolveu-se concomitantemente à teoria da razão de Estado.

A razão de Estado, vigente na época do poder absoluto, que fez do segredo de Estado seu
instrumento, deixa de ser a racionalidade do governo no constitucionalismo24 da modernidade
tardia. Isso significa que, no Estado de direito moderno, aquele instrumento passa a ser um recurso
excepcional, pois nele vige o princípio da publicidade das ações do poder público. Porém a
Atividade de Inteligência e a política de segredo como aspectos da razão de Estado são
considerados imprescindíveis mesmo no constitucionalismo25. A lógica da razão de Estado e a
política de segredo também se manifestam no fato de que no constitucionalismo há, em seu
ordenamento jurídico, previsão de punição à publicação de atos e documentos reservados. O
segredo de Estado é legitimado pela lei e pela excepcionalidade26.

A informação constitui um dos pilares do Estado27, juntamente com a força e o direito, que a
restringe. O emprego da informação para fins de dominação denomina-se “vigilância”, na acepção
de processamento de conhecimentos28, a qual é implementada por repartições oficiais, com o
propósito de administrar população, riquezas e território29. A vigilância objetiva organizar e
controlar o Estado-nação. O fenômeno da vigilância foi fundamental para a formação do Estado
moderno como instrumento da razão de Estado30, pois atuou como recurso de poder e como base
para o desenvolvimento estatal. Na verdade, o Estado de direito moderno não pôde prescindir da
vigilância. A diferença da vigilância nas duas concepções de Estado reside na restrição e no
controle que sobre ela é exercido.

O exame da história da Atividade de Inteligência identifica quatro paradigmas31, conforme a


ordem política em vigor. No totalitarismo, o “paradigma policial” utiliza informações para oprimir
os cidadãos e conformar pensamentos e comportamentos. No autoritarismo, o “paradigma
repressivo”, orientado por ideologia seletiva, gera informações para coibir a ação de atores adversos
ao sistema vigente. Na democracia em desenvolvimento, o “paradigma informativo”, dada a
precariedade do equilíbrio institucional, oscila entre conteúdos com vieses ideológicos e análises
211
isentas da realidade, submetendo-se formalmente a controles institucionais. Na democracia
desenvolvida, o “paradigma preditivo” subordina-se aos princípios constitucionais e a efetivo
controle externo e produz conhecimento preponderantemente prospectivo, com apoio de técnicas
cientificamente embasadas e da tecnologia da informação.

A ênfase no aspecto da análise, entendida como o trabalho intelectual de concatenar


fragmentos de informações para elaborar um quadro acurado, aponta para uma visão32 da Atividade
de Inteligência que priorizaria a função analítica em lugar do uso de ações furtivas. Essa visão atual
ganha destaque em contextos nos quais a pesquisa e a análise centram-se em temas e tendências de
longo prazo, frequentemente de natureza econômica e socioambiental. Aproximando-se do campo
das ciências sociais, a Atividade de Inteligência recorre, assim, ao método científico aplicado a
questões estratégicas, ampliando seu espectro de atuação.

2
Entende-se por sensibilidade a propriedade de determinada matéria ou ação poder gerar tensões ou
prejuízos, caso seja indevidamente revelada e explorada. Ver também cap. 4, seção Conteúdos Sensíveis.

3
Cf. Joanisval Brito Gonçalves, Sed Quis Custodiet Ipso Custodes? O controle da atividade de Inteligência em
regimes democráticos: os casos de Brasil e Canadá. Tese de doutorado. Universidade de Brasília, 2008, p. 16.
4
Cf. Allen Dulles, The Craft of Intelligence (Boulder/London: Westview Encore Edition, 1963), pp. 17-18.
5
Ver Marco Cepik, “Sistemas Nacionais de Inteligência: Origens, Lógica de Expansão e Configuração Atual “
in Revista DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 46, nº 1, 2003, p. 83. Uma discussão sobre a
apreensão desse termo no Brasil e suas implicações para a Atividade encontra-se na abertura do cap. 8. Sobre isso, ver
também Allen Dulles, ibid., p. 20.

6
Ver Marco Cepik, ibid., pp. 82s.
7
No cap. 7, apresenta-se relação entre furtividade e o componente operacional da Atividade de Inteligência, que
lida com “técnicas sigilosas”.

8
Este substantivo deriva de “furtivo”: o que é dissimulado, clandestino, secreto.
9
Cf. Louis Liebenberg, The Art of Tracking: the origin of science (Claremont/South Africa: David Philip
Publishers, 1990), p. 25.
10
Cf. A Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Paulus, 1985). Um bom equivalente ao espírito da passagem bíblica
(“reconhecimento clandestino”) de Números, cap. 13, comentada neste parágrafo, encontra-se em outra obra clássica,
Sun Tzu, A Arte da Guerra (Porto Alegre: L&PM, 2006), pp. 75-76: “Procura obter todas as informações sobre o
inimigo. Informa-te exatamente de todas as suas relações, suas ligações e interesses recíprocos. (...) Mantém espiões
por toda a parte. Informa-te de tudo, nada negligencies do que descobrires.”
11
Allen Dulles, op. cit., p. 14.
12
Cf. Sun Tzu, op. cit., pp. 14-15. Ver também pp. 28-29, 39, 78.
13
Cf. ibid., p. 15. Ver também pp. 25-26
14
Cf. Allen Dulles, op. cit., p. 9.

15
Cf. ibid., pp. 9-13.
16
Cf. Jaime Cortesão, A Política de Sigilo nos Descobrimentos: nos tempos do Infante D. Henrique e de D. João
II (Lisboa: Comissão Executiva das Comemorações do 5º Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1960), p. 6.
17
Instituto legal de restrição de acesso ao mar territorial.
18
Cf. Jaime Cortesão, op. cit., pp. 16-17.

19
Ver Laurentino Gomes, 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram
Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil (São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007), pp. 228-229.

212
20
Essa concepção do Estado tornou -se notória pelos textos de Max Weber, tais como:
Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva – volume I (Brasília, DF: Editora
Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1991), p. 34;
Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva – volume II (Brasília, DF: Editora
Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999), p. 525; e
Ciência e Política: duas vocações (São Paulo: Cult rix, 1967), p. 56.
21
Esse aspecto é reconhecido pela Política de Defesa Nacional desde 2005.

22
Ver Marco Cepik, op. cit., pp. 80-81 e 112. Esta noção corresponde à afirmação de Mark M. Lowenthal, “A
Disputation on Intelligence Reform and Analysis: My 18 Theses”, in International Journal of Intelligence and
Counterintelligence, 26: 31-37, 2013, p. 32, que aponta a “análise de Inteligência” como uma “atividade intelectual”.
Em outras palavras, a função informacional da Atividade deriva de seu caráter reflexivo. 22 Cf. Michel Foucault,
Segurança, Território e População (São Paulo: Martins Fontes, 2008), pp. 364-65.
23
Cf. Michel Foucault, Segurança, Território e População (São Paulo: Martins Fontes, 2008), pp. 364-65.

24
Sobre isso, vale considerar o extenso tratamento sobre a questão em N. Bobbio [et al], Dicionário de Política
(Brasília: EdUnB, 1998). Nas pp. 247-48, consta: “... o Constitucionalismo é a técnica da liberdade, isto é, a técnica
jurídica pela qual é assegurado aos cidadãos o exercício dos seus direitos individuais e, ao mesmo tempo, coloca o
Estado em condições de não os poder violar. (...) A definição mais conhecida de Constitucionalismo é a que o identifica
com a divisão do poder ou, de acordo com a formulação jurídica, com a separação dos poderes“. Na p. 257, consta:
“Mais: a democracia foi definida como Governo da maioria; mas, se essa maioria tivesse um poder absoluto e
ilimitado, ela poderia subverter as regras do jogo e destruir assim as próprias bases da democracia... (...) Por
conseguinte, hoje o Constitucionalismo não é outra coisa senão o modo concreto como se aplica e realiza o sistema
democrático representativo”. Sobre o valor moral do constitucionalismo em relação à razão de Estado, ver cap. 12.

25
Um dos mais explícitos exemplos do valor ainda atual do instituto do segredo de Estado está na lei de
Inteligência da Itália, onde ele é o eixo. Trata-se especificamente da Lei nº 124/2007 da AISE (Agenzia Informazioni e
Sicurezza Esterna).

26
Cf. Norberto Bobbio, Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política, Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987, pp. 28-31.
27
Cf. Anthony Giddens, The Nation-State and Violence: volue two of a contemporary critique of historical
materialism (Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1987), p. 178.

28
O tema do processamento do conhecimento como um trabalho intelectual técnico é tratado na seção Ciclo de
Inteligência, no cap. 5, e na seção Elementos Epistemológicos, no cap. 8. 28 Cf. Anthony Giddens, op. cit., pp. 14 e 47-
48.

29
Cf. Anthony Giddens, op. cit., pp. 14 e 47-48.
30
Michel Foucault, Segurança,..., op. cit., pp. 402s e 410.
31
Ver Roberto Numeriano, Serviços Secretos: a sobrevivência dos legados autoritários (Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 2011), pp. 176-85.

Cf. Abram N. Shulsky & Gary J. Schmitt, Silent warfare: understanding the world of intelligence (Washington,
32

D.C.: Brassey’s Inc., 2002, 3rd ed.), pp. 159-168.

2. DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DO ESTADO


BRASILEIRO33

O emprego da Atividade de Inteligência no Brasil como instrumento de assessoria às ações


estratégicas do Poder Executivo teve início em 1927, no governo do Presidente Washington Luís,
com a criação do Conselho de Defesa Nacional (CDN), por meio do Decreto nº 17.999, de 29 de
novembro daquele ano. No entanto, o CDN era composto por colegiado de ministros sem corpo
técnico próprio, o que limitava sua ação. O foco da Atividade à época recaía sobre a atuação de
movimentos que surgiam no contexto da tensão entre classe média urbana e oligarquias agrárias.

213
A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial foi marco para a estruturação da
Atividade de Inteligência brasileira. O Presidente Eurico Gaspar Dutra, ex-Ministro da Guerra
responsável pela organização da Força Expedicionária Brasileira (FEB), criou o primeiro órgão do
país dedicado exclusivamente à Atividade de Inteligência, o Serviço Federal de Informações e
Contra-Informações (Sfici), por meio do Decreto nº 9.775-A, de 6 de setembro de 1946. Contudo,
somente em 1956, no Governo Juscelino Kubitschek, o Sfici se tornou efetivo, compreendendo as
seções de Exterior, Interior, Segurança Interna e Operações. O funcionamento do órgão foi
disciplinado pelo Decreto nº 44.489-A, de 15 de setembro de 1958, com a criação da “Junta
Coordenadora de Informações”.

No mesmo ano, a Escola Superior de Guerra (ESG) promoveu curso com objetivo de formar
pessoal especializado para atuar no Sfici. A ESG, inspirada no National War College, dos Estados
Unidos da América (EUA), fora criada, em 1949, com o objetivo de preparar as elites civis e
militares para o assessoramento das ações governamentais pautadas pelo binômio segurança e
desenvolvimento, característico das políticas de governo no pós-guerra (no período da Guerra Fria).

Na década de 1960, subsistiam, ainda, as tensas relações entre parte do oficialato do Exército
e o populismo getulista, iniciado a partir de 1930, as quais se somaram às tensões ideológicas
advindas da Guerra Fria, agravadas pela Revolução Cubana de 1959. Nesse período, o Presidente
João Goulart enfrentava forte resistência por parte de diversos setores da sociedade brasileira, em
razão de sua proximidade com segmentos radicais de esquerda, de sua alegada leniência a atos de
insubordinação militar e de sua intenção de promover reformas de base que contrariavam as elites
econômicas do país. Essa resistência, influenciada em parte pela política externa dos EUA,
culminou na deposição de Goulart e na instalação de um governo militar, em março de 1964.

Essa conjuntura foi determinante para a criação do Serviço Nacional de Informações (SNI),
em 13 de junho de 1964, sob a égide da Doutrina de Segurança Nacional, elaborada na ESG. O SNI
caracterizou-se por sua ligação direta ao Presidente da República e pelo enfrentamento a oponentes
internos, principalmente àqueles alinhados a ideologias de esquerda. Para cumprir seus objetivos, o
órgão era composto por gabinete, agência central e agências regionais situadas em doze capitais,
com o propósito de abranger todo o território nacional.

Até 1971, os quadros do SNI eram constituídos por pessoal requisitado das Forças Armadas,
das polícias militares e de alguns ministérios civis. Nessa época, além da ESG, o Centro de Estudos
e Pessoal do Exército (CEP), criado em 1965, fomentava o desenvolvimento de recursos humanos
para a Atividade de Inteligência. A Escola Nacional de Informações (Esni), criada em março de
1971, tinha por objetivo formar quadros profissionais permanentes para o SNI e para os demais
órgãos estatais de Inteligência existentes nos ministérios militares e civis, nas autarquias e nas
empresas de economia mista. Os primeiros cursos ministrados na Esni foram, em 1972, o Curso de
Informações Categoria B, o Curso de Operações Categoria C-1 e o Curso de Operações Categoria
C-2, oriundos do CEP, e, em 1973, além destes, o Curso de Informações Categoria A, antes
oferecido pela ESG34. Entre 1972 e 1990, a Esni foi a única escola no país a formar profissionais
para a área de Inteligência.

Em 1975, foi instituído o Sistema Nacional de Informações (Sisni), com a finalidade de


integrar os órgãos estatais de Inteligência, visando a um melhor desempenho da Atividade de
Inteligência. O SNI era o órgão central do Sisni.

O cenário caracterizado pela redemocratização – Nova República, em 1985, e Constituição de


1988 – e pelo declínio da Guerra Fria – queda do muro de Berlim, em novembro de 1989 – impôs
ao SNI a revisão de seus objetivos de Inteligência. Em 15 de março de 1990, o Presidente Fernando

214
Collor de Mello, ao assumir a Presidência da República como o primeiro presidente eleito pelo voto
direto após o regime militar, extinguiu o SNI.

Com o desmonte do SNI, a Atividade de Inteligência do Brasil deixou de ser exercida por um
órgão de assessoria direta ao Presidente da República. A partir de 1990, passou a ser desempenhada
pelo Departamento de Inteligência (DI), subordinado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República (SAE/PR). Ocorreu, na mesma época, a substituição do termo
“informações” por “inteligência” para designar a Atividade e a organização.

Ao longo daquela década, até a criação da ABIN em dezembro de 1999, a estrutura de


Inteligência teve sua denominação alterada para Subsecretaria de Inteligência, Secretaria de
Inteligência e, novamente, Subsecretaria de Inteligência. Já sua subordinação alternou-se entre a
Secretaria de Assuntos Estratégicos, a Secretaria-Geral da Presidência da República, a Casa Militar
e, finalmente, o Gabinete de Segurança Institucional. Não havendo mais preocupação do governo
com ideologias de esquerda, os assuntos de interesse passaram a incluir crime organizado,
terrorismo, narcotráfico, biopirataria, espionagem industrial e econômica e ilícitos transnacionais.

O processo político que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN)35 e criou a


ABIN foi iniciado em janeiro de 1995 com estudos necessários à implantação desses organismos,
ainda no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência da República. Em abril de 1996, a Subsecretaria
de Inteligência (SSI) passou a integrar a estrutura da Casa Militar, que deu continuidade aos
estudos36.

O propósito de renovação da Atividade no contexto da transição política, almejando


transparência e legitimidade, foi externado no discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso
proferido em 5 de dezembro de 1996, por ocasião da cerimônia de encerramento de cursos de
Inteligência37 ministrados pelo Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Recursos Humanos da
Subsecretaria de Inteligência da Casa Militar (Cefarh/SSI). O Presidente enfatizou a importância de
o Brasil, dentro de uma ordem democrática, dispor de profissionais competentes na área de
Inteligência. Reiterou que a Inteligência de Estado não pode ser contaminada por visão ideológica
dos processos político e social brasileiros. Salientou, ainda, que a Inteligência deve prestar contas à
sociedade de suas ações pelos meios legais adequados. Por fim, afirmou que o serviço de
Inteligência é parte do Estado brasileiro, tendo lugar definido na sua estrutura, o que impõe uma
percepção clara de funções, competências e limites de atribuições.
Em 19 de setembro de 1997, o Executivo submeteu ao Congresso Nacional o Projeto de Lei
(PL) nº 3.651, que previa a instituição do SISBIN e a criação da ABIN como seu órgão central. A
exposição de motivos que apresentou o projeto de lei indicou parâmetros para a atuação dos órgãos
a serem criados, destacando que “o projeto procura erigir a preservação da soberania nacional, a
defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana como linhas mestras de
cada ato administrativo a ser praticado pelos agentes públicos” e que ele “limita a atividade de
inteligência, porque condiciona o uso de técnicas e meios sigilosos à irrestrita observância dos
direitos e garantias individuais”.

Após amplo debate, o PL foi aprovado e transformado na Lei nº 9.883, sancionada em 7 de


dezembro de 1999. Nela ficou estabelecido que o SISBIN “tem por objetivo integrar ações de
planejamento e execução das atividades de Inteligência no país, com a finalidade de fornecer
subsídios ao presidente da República nos assuntos de interesse nacional. (...) Integram o sistema os
órgãos da administração pública federal que, direta ou indiretamente, possam produzir
conhecimentos de interesse das atividades de Inteligência, em especial aqueles responsáveis pela
defesa externa, segurança interna e relações exteriores”. A ABIN, “como órgão central do Sistema
Brasileiro de Inteligência, terá a seu cargo planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar
as atividades de Inteligência do País, obedecidas a política e as diretrizes superiormente traçadas
215
nos termos desta lei”. Além disso, a lei atribui à ABIN a execução de “ações, inclusive sigilosas,
relativas à obtenção e análise de dados para produção de conhecimentos destinados a assessorar o
Presidente da República”.

Como aspecto relevante do processo de profissionalização do servidor que desempenha a


Atividade de Inteligência na ABIN, menciona-se a Lei nº 11.776, de 17 de setembro de 2008, que
estrutura as carreiras de Oficial de Inteligência, Oficial Técnico de Inteligência, Agente de
Inteligência e Agente Técnico de Inteligência. Esse aspecto soma-se ao processo de admissão de
servidores que, a partir de 1994, passou a ocorrer por concurso público, conforme determinação
constitucional.
33
São fontes utilizadas para esta pesq uisa: René Armand Dreifus, 1964: A Conquista do
Estado: ação política, poder e golpe de classe (Petrópolis: Vozes, 1986); Thomas Skidmore, Brasil:
de Getúlio a Castelo, 1930 -1964 (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982); Lúcio Sérgio Porto Oliveira, A
História da Atividade de Inteligência no Brasil (Brasília: Agência Brasileira de Inteligência, 1999).
34
Os nomes dos cursos denotavam a seguinte hierarquização: C -1 – Curso de Formação em
Operações Nível Superior; C -2 – Curso de Formação em Operações Nível Médio; B (Básico) – Curso
de Formação em Análise; e A (Avançado) – Curso de Aperfeiçoamento em Informações.

35
Uma descrição desse sistema encontra -se no cap. 3.

36
Cf. Medida Provisória nº 987, de 28 de abril de 1995, e suas subsequentes reedições.

37
Estes cursos foram o Curso de Aperfeiçoamento em Inteligência e o Curso de Formação
Básica em Inteligência.

216
3. SISTEMA BRASILEIRO DE INTELIGÊNCIA

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Em 1975, foi criado o Sistema Nacional de Informações (Sisni), coordenado pelo Serviço
Nacional de Informações (SNI), na qualidade de órgão central. O Sisni seguia as orientações fixadas
pelo Plano Nacional de Informações e era constituído por organismos setoriais de informações no
âmbito dos ministérios civis e militares do Poder Executivo, abrangendo as autarquias e as
empresas públicas a eles vinculadas. O desenho institucional do Sisni é seguido em linhas gerais
por seu sucessor atual, o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN).

A partir de 1979, com a lei da anistia política e o fim da censura, procurou-se ajustar a
estrutura de informações aos novos tempos, pois já estava em andamento o processo de
redemocratização do país. Os governos de João Batista Figueiredo e de José Sarney buscaram
alternativas para reposicionar a atividade de informações em seu correto espaço e devido limite.
Refletindo essa mudança, o Ministro-Chefe do SNI no governo Sarney, General Ivan de Souza
Mendes, aprovou, por meio da Portaria nº 36, de 22 de março de 1989, o novo Manual de
Informações do SNI.

Com o fim do regime militar, o Sisni começou a perder força, até ser extinto no início do
governo de Fernando Collor pela Medida Provisória nº 150, de 15 de março de 1990, convertida na
Lei Federal nº 8.028, de 12 de abril de 1990. Um novo sistema de Inteligência – o SISBIN – só viria
a ser instituído pela Lei Federal nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, que também criou a ABIN.

ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO

O art. 2º da Lei nº 9.883/1999 determina que o SISBIN seja constituído pelos órgãos e
entidades da Administração Pública Federal que direta ou indiretamente possam produzir
conhecimentos de interesse da Atividade de Inteligência. A lei assevera ainda que os órgãos
responsáveis pela defesa externa, segurança interna e relações exteriores integrem necessariamente
o Sistema.

A Lei nº 9.883 deixou a cargo da Presidência da República fixar os órgãos do Poder


Executivo Federal que compõem o SISBIN, o que foi feito por meio do Decreto Presidencial nº
4.376, de 13 de setembro de 2002 (conhecido como o Decreto do SISBIN). O parágrafo 2º do art. 2º
da mesma lei admite, ainda, que unidades da Federação podem compor o Sistema mediante ajustes
específicos e convênios, desde que ouvido o órgão de controle externo da Atividade de Inteligência,
a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional (CCAI).

Diferentemente do que ocorria com o Sisni, nem todos os integrantes do SISBIN são órgãos
de Inteligência. Ademais, a composição do SISBIN é variável e determinada por injunções
conjunturais.

A inclusão de órgão independente ou de outro poder, por meio de ato do Executivo,


configuraria violação da independência entre os poderes da República. Desse modo, nem o Poder
Judiciário, nem o Legislativo, nem o Ministério Público integram o SISBIN38. Contudo, podem ser
efetivados acordos de cooperação entre órgãos desses poderes e a ABIN, na qualidade de órgão
central do Sistema, a fim de que se busquem objetivos comuns.

217
Estabelece o art. 5º do Decreto nº 4.376/2002 que o “funcionamento do Sistema Brasileiro de
Inteligência efetivar-se-á mediante articulação coordenada dos órgãos que o constituem, respeitada
a autonomia funcional de cada um e observadas as normas legais pertinentes a segurança, sigilo
profissional e salvaguarda de assuntos sigilosos”. Já no art. 6º são definidas as competências dos
órgãos e entidades que compõem o Sistema, entre as quais se podem destacar a de produzir
conhecimentos e a de planejar e executar ações relativas à obtenção, integração e intercâmbio de
dados e conhecimentos.

Consoante o art. 10 do mesmo decreto, a ABIN, como órgão central do Sistema, tem como
atribuições: estabelecer as necessidades de conhecimentos a serem produzidos pelos demais órgãos,
coordenar a obtenção de dados e a produção de conhecimentos, promover a necessária interação,
desenvolver recursos humanos e tecnológicos e a doutrina de Inteligência, e representar o SISBIN
perante o órgão de controle externo da Atividade de Inteligência. Para atendimento da finalidade
legal do Sistema, a ABIN pode solicitar dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal
dados, conhecimentos e documentos necessários.

Todavia, a atribuição da ABIN de coordenar a Inteligência não se aplica no caso de atividade


de Inteligência operacional necessária ao planejamento e à condução de campanhas e operações
militares das Forças Armadas (Decreto nº 4.376/2002, art. 10, parágrafo único).

CONSELHO CONSULTIVO DO SISBIN

O Conselho Consultivo do SISBIN (CONSISBIN) é instância meramente opinativa (não


deliberativa), destinada à proposição de normas e procedimentos, à criação e extinção de grupos de
trabalho e a outras medidas congêneres. As atribuições do CONSISBIN estão previstas no art. 7º do
Decreto nº 4.376/2002. Os arts. 8º e 9º, respectivamente, dispõem sobre sua composição e seu
funcionamento, que são detalhados em seu Regimento Interno, fixado pela Portaria nº 24-
GSIPR/CH, de 20 de dezembro de 2002 (DOU de 23/12/2002).

SUBSISTEMAS DE INTELIGÊNCIA

Inserido no SISBIN, encontra-se o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (Sisp),


que tem como órgão central a Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça
(Senasp), à qual compete coordenar e integrar as atividades de Inteligência de segurança pública em
todo o país, bem como suprir os governos federal e estaduais de informações que subsidiem a
tomada de decisões nessa esfera39. Integram o Sisp os ministérios da Justiça, Fazenda, Defesa e
Integração Nacional, além de ser facultado o ingresso de órgãos de Inteligência de segurança
pública dos estados e do Distrito Federal, na forma do art. 2º, §2º, da Lei 9.883, mediante ajustes
específicos ou convênios a serem firmados pelo secretário nacional de segurança pública, na
qualidade de representante do órgão central do subsistema, ouvida a CCAI. De acordo com o art. 3º,
inciso I, alínea g, do Decreto nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000, um representante da ABIN
integra o Conselho Especial do Sisp, órgão de deliberação coletiva, com a finalidade de estabelecer
normas para as atividades de Inteligência de segurança pública.

Outro subsistema de Inteligência é o Sistema de Inteligência de Defesa (Sinde), instituído pela


Portaria Normativa nº 295, de 3 de junho de 2002, do Ministério da Defesa. O Sinde insere-se no
SISBIN, mas tem autonomia em matéria de atividade de Inteligência operacional necessária ao
planejamento e à condução de campanhas e operações militares das Forças Armadas, no interesse
da defesa nacional, conforme estabelece o art. 10, parágrafo único, do Decreto 4.37640. O Sinde é

218
constituído por órgãos de alto nível do Ministério da Defesa e de cada uma das Forças, abrangendo
os subsistemas de Inteligência da Marinha (Simar), do Exército (Siex) e da Força Aérea (Sintaer).

Na esfera da defesa da ordem econômica, há o Conselho de Controle de Atividades


Financeiras (COAF), do Ministério da Fazenda, que opera como um subsistema de Inteligência
econômico-financeira do governo federal. O COAF foi criado pela Lei de Lavagem de Dinheiro
(Lei Federal nº 9.613/1998) e regulamentado pelo Decreto nº 2.799/1998. Fazem parte do COAF
servidores públicos, designados em ato do Ministro da Fazenda, dentre os quais, servidores efetivos
do Banco Central (BCB), da Comissão de Valores Mobiliários, da Superintendência de Seguros
Privados, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Secretaria da Receita Federal (SRFB), da
ABIN, do MRE, do Ministério da Justiça, do Departamento de Polícia Federal (DPF), do Ministério
da Previdência Social e da Controladoria-Geral da União (CGU), atendendo à indicação dos
respectivos ministros de Estado (Lei nº 9.613, art. 16).

TEMAS DE INTERESSE

A especificação e o detalhamento dos temas de interesse para a Atividade de Inteligência


devem constar na Política Nacional de Inteligência (PNI), referida no art. 5º da Lei 9.883/1999. A
PNI é fixada pelo Presidente da República, executada pela ABIN e supervisionada pela Câmara de
Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo (CREDEN). A CREDEN, criada
pelo Decreto Presidencial nº 4.801, de 6 de agosto de 2003, é vinculada ao Conselho de Governo,
órgão de assessoramento imediato da Presidência da República (Lei Federal nº 10.683/2003).

Conforme estabelecido no Decreto 4.376/2002, a ABIN deve elaborar o Plano Nacional de


Inteligência (Planint), que estipula as necessidades de conhecimentos específicos a serem
produzidos pelos órgãos e entidades que constituem o SISBIN (art. 10, I). O Planint é, portanto, um
instrumento para operacionalizar o cumprimento das diretrizes fixadas na PNI.

TRAMITAÇÃO DE DOCUMENTOS NO SISBIN

Para o adequado desempenho de suas missões institucionais, os órgãos que compõem o


SISBIN necessitam manter canais que possibilitem pronta e eficaz comunicação entre si e entre os
diferentes níveis de decisão de um mesmo órgão.

Existem, basicamente, dois canais de comunicação no âmbito do Sistema: o hierárquico e o


técnico. O canal hierárquico obedece à subordinação baseada na precedência funcional e nele
circulam, além de documentos que veiculam conhecimentos e dados, documentos administrativos
necessários à coordenação, à supervisão e ao controle da Atividade de Inteligência. O canal técnico
caracteriza-se por ligações de cooperação, em função da “necessidade de conhecer”41, e é utilizado
para difundir documentos que veiculam conhecimentos e dados necessários à execução da
Atividade de Inteligência nos diferentes níveis de decisão.

A ABIN, como órgão central do Sistema, deve concentrar toda a produção do SISBIN e
transmiti-la ao Presidente da República por meio do órgão a que estiver subordinada. No âmbito
dos demais integrantes do SISBIN, as frações de Inteligência também devem obedecer à cadeia
hierárquica própria, uma vez que, conforme dispõe o art. 5º do Decreto do SISBIN, o
funcionamento deste efetiva-se mediante articulação coordenada, não interferindo na autonomia
funcional de cada órgão ou entidade membro. Isso implica que a ABIN só pode comunicar-se com
os demais órgãos e entidades da Administração Pública com conhecimento prévio da autoridade de

219
maior hierarquia daqueles organismos ou outra especialmente designada para este fim (Lei
9.883/1999, art. 10).

Há, contudo, ocasiões em que a circulação de documentos contendo conhecimentos e dados


não segue o canal hierárquico, e sim o técnico. Isso ocorre quando, em razão do princípio da
oportunidade, as frações de Inteligência dos órgãos e entidades do SISBIN comunicam-se
diretamente, em proveito da Atividade, sem a necessidade de observar os canais hierárquicos. Esse
procedimento encontra respaldo em normas acordadas no âmbito do Sistema. Na Portaria nº
239/2003 (DOU de 26/06/2003), o CONSISBIN propõe normas e procedimentos gerais para o
intercâmbio de dados e conhecimentos entre os órgãos do SISBIN, inclusive para que estes
autorizem suas unidades nos estados a fazê-lo, de modo a viabilizar a criação de espécies de núcleos
regionais do Sistema.

38
O Ministério Público, embora seja vinculado ao Poder Exeutivo, goza de autonomia e independência,
chegando a ser considerado um “quarto poder”.
39
Decreto Presidencial nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000.

40
Art. 10, parágrafo único, do Decreto nº 4.376/2002.

41
Trata-se de condição para que determinada pessoa tenha acesso a conhecimento ou dado sigiloso.

220
ORGANIZAÇÃO E PRÁTICA

4. CONCEITOS, RAMOS E PRINCÍPIOS

A organização e a prática da Atividade de Inteligência fundamentam-se em conceitos e


princípios que se manifestam em seus ramos e operações. Entre os conceitos basilares, destaca-se o
de conteúdos sensíveis, cuja abrangência transcende o âmbito da Atividade de Inteligência.

CONTEÚDOS SENSÍVEIS

Conteúdos sensíveis são frações de sentido cuja apropriação, revelação, utilização ou


destruição indevida pode causar tensões e prejuízos. Devido à sensibilidade, esses conteúdos
requerem cuidados por parte dos organismos que os produzem, guardam ou veiculam.

Os conteúdos sensíveis tipificam-se em sigilosos e não sigilosos. Conteúdos sigilosos são


aqueles submetidos à restrição legal de acesso público, em razão de sua imprescindibilidade à
segurança da sociedade e do Estado.

Os conteúdos sigilosos subdividem-se em classificados42 e não classificados. Conteúdos


classificados são aqueles cuja restrição de acesso está vinculada a grau de sigilo.

(1) São exemplos de conteúdos sensíveis não sigilosos: certas pesquisas acadêmicas; saberes
populares ou tradicionais associados à biodiversidade do país.

(2) São exemplos de conteúdos sigilosos não classificados: dados pessoais; informações
fiscais; pesquisas científicas estratégicas demandadas por instituições estatais.

(3) São exemplos de conteúdos sigilosos classificados: determinados acordos de cooperação


internacional em área estratégica; conhecimentos de Inteligência.

ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

A Atividade de Inteligência – entendida como organização43, produto44, prática ou atividade45


e doutrina – é o exercício permanente de ações especializadas destinadas à produção de
conhecimentos46 e à proteção da sociedade e do Estado, com vistas ao assessoramento de
autoridades de sucessivos governos, nos respectivos níveis e áreas de atribuição. Tal
assessoramento abrange: a identificação de oportunidades e ameaças à consecução das políticas de
governo; o planejamento e a execução de ações que viabilizem a obtenção de vantagens; a
segurança de conhecimentos e dados47 sensíveis e das pessoas, áreas, instalações e meios que os
guardam ou veiculam; e a prevenção, detecção, obstrução e neutralização de ações da inteligência
adversa48 e de outras ameaças. Essencialmente, trata-se de conhecer a realidade para viabilizar a
ação política capaz de gerar o bem comum.

Entendem-se por ações especializadas a coleta metódica de dado de livre acesso, a aplicação
de medidas de proteção, a busca de dado negado (protegido por seu detentor) mediante o emprego
sigiloso de técnicas operacionais, bem como a aplicação de outros procedimentos metodológicos
próprios da Atividade de Inteligência. Os fatores básicos que propiciam o domínio das ações
221
especializadas são a formação e o aperfeiçoamento do profissional de Inteligência, ajustados ao
caráter específico e sensível dessa atividade, envolvendo aspectos institucionais, éticos e de
segurança. Essa capacitação abrange, além dos ensinamentos técnicos específicos, a adoção de uma
ética de Inteligência, ou seja, de um conjunto de valores que determina atitudes e padrões de
comportamento49.

A Atividade de Inteligência está voltada para obter dados e produzir e difundir conhecimentos
sobre “coisas e eventos”50, reais ou hipotéticos, especificamente relacionados aos interesses da
sociedade e do Estado. As coisas e os eventos que são objetos dessa atividade podem conduzir a
fatos, ou seja, permitir a “possibilidade objetiva de verificação, de constatação ou de controle e,
portanto, também de descrição ou de previsão”51.

O que faz o objeto do conhecimento parecer coisa ou evento é o tipo de problema formulado.
Se o problema almejar sua identificação (descrição de suas características constitutivas), tem-se um
objeto do tipo “coisa”; se almejar a explicação de sua existência (origem e desenvolvimento), tem-
se um objeto do tipo “evento”. No primeiro caso, o objeto do conhecimento é considerado coisa
pelo fato de o problema demandar uma abordagem que contemple o conjunto de características que
lhe dá identidade; no segundo, é descrito como evento pelo fato de o problema demandar uma
abordagem que contemple sua presença no espaço–tempo.

Para exercer suas atribuições, a Atividade de Inteligência concentra sua análise em cenários
caracterizados, essencialmente, pela presença de fatores favoráveis e desfavoráveis, reais ou
potenciais, aos objetivos maiores do país e, por conseguinte, nas ações de governo para alcançar e
manter tais objetivos. A Atividade de Inteligência distingue-se das demais atividades de assessoria
de governo por identificar oportunidades e ameaças aos objetivos nacionais que sejam veladas ou
dissimuladas.

Entende-se por oportunidade a condição ou fator favorável à consecução de interesses


nacionais e, por ameaça, a condição ou fator desfavorável à consecução de interesses nacionais e à
salvaguarda de conhecimentos e dados sensíveis. As ameaças podem ser intencionais ou não.
Quando intencionais, denominam-se antagonismos; quando não intencionais, denominam-se óbices.

A identificação de oportunidades vincula-se à consecução dos interesses nacionais. O


planejamento e a execução de ações referem-se a estratégias e a meios para a concretização destas.
A neutralização remete ao estabelecimento de um conjunto de normas, mecanismos, medidas e
procedimentos que visa anular ameaças. A salvaguarda vincula-se à proteção de conhecimentos e
dados sensíveis e dos meios que os guardam ou veiculam, assim como de pessoas, áreas e
instalações de interesse da sociedade e do Estado.

222
RAMOS DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

A Atividade de Inteligência é constituída por dois ramos: Inteligência e Contrainteligência. O


termo ramo, aqui, designa uma especialidade e indica um saber, devendo ser compreendido,
portanto, como função e não como estrutura organizacional.
Para tratar do conceito de cada ramo, recorre-se, necessariamente, aos principais textos legais
referentes à Atividade de Inteligência (Lei nº 9.883/1999 e Decreto nº 4.376/2002).

O ramo (função) Inteligência é definido no § 2° do art. 1º da Lei nº 9.883/1999 como “a


atividade que visa à obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território
nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a
ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado”.
Tradicionalmente, este ramo é caracterizado pela produção de conhecimentos.

O ramo (função) Contrainteligência é definido no § 3° do art. 1º da mesma lei como “a


atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa”, que se completa com o Art. 3° do
Decreto, que diz: “a atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a inteligência
adversa e ações de qualquer natureza que constituam ameaça à salvaguarda de dados, informações e
conhecimentos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, bem como das áreas e dos
meios que os retenham ou em que transitem”. Tradicionalmente, este ramo é caracterizado pela
proteção.

A produção de conhecimentos implica a identificação (descrição e explicação) de coisas e


eventos. A identificação tem como finalidade apontar oportunidades e ameaças52.

A proteção implica ocupar-se com a prevenção e a contraposição53 ante a atuação da


inteligência adversa, o acesso indevido e outros atores e fatores que possam representar ameaças
(entre elas, sabotagem, terrorismo e interferência externa).

O trabalho de produzir conhecimentos que visem à identificação de oportunidades e ameaças


é afeto à Inteligência. A Contrainteligência utiliza essa produção como subsídio a seu propósito de
planejar e executar ações de prevenção e contraposição. A Inteligência, por sua vez, recorre às
medidas de Contrainteligência para proteger a produção de conhecimentos. Assim, essas duas
funções são interdependentes.

Em uma organização que desempenha a Atividade de Inteligência, as designações das


divisões ou unidades indicam a função que predomina em cada uma delas: Inteligência (produção) e
Contrainteligência (proteção). No entanto, todas as unidades exercem, em alguma medida, ambas as
funções, conforme as atividades em pauta, concernentes à produção ou à proteção. Assim, as
funções Inteligência e Contrainteligência não se sujeitam às divisões da estrutura organizacional,
nem se definem por elas.

Para subsidiar os dois ramos, conforme suas necessidades, são empregadas operações de
Inteligência, mediante a utilização de técnicas e meios sigilosos.

PRINCÍPIOS DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

A Atividade de Inteligência tem seu exercício regido por normas básicas e gerais de conduta,
correspondentes aos seguintes princípios:
223
Objetividade
Consiste em planejar e executar ações para atingir objetivos previamente definidos e
perfeitamente sintonizados com a finalidade da Atividade.
Segurança
Implica a adoção de medidas de salvaguarda adequadas a cada situação.

Oportunidade
Consiste em desenvolver ações e apresentar resultados em prazo apropriado para sua
utilização.

Controle
Impõe a supervisão adequada das ações da Atividade.

Imparcialidade
Consiste em abordar o assunto sem interesses e ideias preconcebidas que possam distorcer os
resultados dos trabalhos.

Simplicidade
Implica planejar e executar ações de modo a evitar complexidade, custos e riscos
desnecessários.

Amplitude
Consiste em obter os mais completos resultados nos trabalhos desenvolvidos.

Interação
Implica estabelecer e adensar relações de cooperação que possibilitem otimizar esforços para
a consecução dos objetivos.

42
Neste sentido técnico, classificação é a atribuição, pela autoidade competente, de grau de sigilo a conteúdos
sigilosos.
43
Cf. Sherman Kent, Informações Estratégicas: strategic ntelligence for American world policy (Rio de Janeiro:
BIBLIEX, 967), p. 77.

44
Cf. ibid., p. 19.

45
Cf. ibid., p. 147.

46
Sobre a acepção do termo “conhecimento”, ver cap. 8, seção Conhecimento de Inteligência.

47
Sobre a acepção do termo “dado”, ver cap. 8, seção Conheimento de Inteligência.
48
Inteligência adversa refere-se à atuação de serviço de Inteligência estrangeiro contrária à segurança da
sociedade e do Estado.

49
Sobre a relação entre profissão/capacitação e ética, ver cap. 12.

50
Sobre esses termos, ver Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia São Paulo: Mestre Jou, 1982).
51
Ver o conceito de “fato” em idem. Sobre “fato” ver também cap. 8, seção Verdade.

224
52
Assim entendida, “identificação” coaduna-se com as seguintes passagens: Lei nº 9.883/1999, art.1º § 2º e
Decreto nº 4.376, art. 6º, inc. III.

53
Assim entendidas, “prevenção e contraposição” coadunam-e com as seguintes passagens: Lei nº 9.883/1999,
art. 2º § 1º, Decreo nº 4.376, art. 1º § 2º e Lei nº 9.883/1999, art. 1º § 3º, Decreto nº 4.376, art. 3º.

225
5. RAMO INTELIGÊNCIA

DEFINIÇÃO

Tendo por base a definição legal, entende-se Inteligência como o ramo (função) da Atividade
de Inteligência que desenvolve ações especializadas destinadas à produção de conhecimentos
sensíveis relativos à identificação de oportunidades e ameaças concernentes a coisas e eventos que
ocorram dentro e fora do território nacional, de imediata ou potencial influência sobre o processo
decisório, a ação governamental e a salvaguarda da sociedade e do Estado.

Entendem-se por ações especializadas, no âmbito do ramo Inteligência, a coleta metódica de


dados de livre acesso, o processamento dos conteúdos reunidos e a aplicação de outros
procedimentos metodológicos.

Oportunidades são condições ou fatores favoráveis, dentro e fora do país, que propiciam
ganho estratégico para a consecução de objetivos nacionais. Ameaças são condições ou fatores
desfavoráveis à consecução de interesses nacionais e à salvaguarda de conhecimentos e dados
sensíveis.

A Inteligência concentra seus esforços na obtenção de dados e na produção e difusão de


conhecimentos que, mediante a comunicação antecipada de oportunidades e ameaças, permitam
obter vantagem estratégica para o país e promover a segurança da sociedade e do Estado.

A abordagem de questões que interferem ou possam interferir no processo decisório requer


acompanhamento sistemático das conjunturas interna e externa, visando compreender aspectos que
permitam prognosticar impactos e desdobramentos de oportunidades e ameaças para o país.

CICLO DE INTELIGÊNCIA

O ramo Inteligência, como prática54 e produto55, apresenta um modus operandi que, por ter
como ponto inicial e final o mesmo elemento (a política), é denominado “ciclo de Inteligência”,
composto de cinco fases (ver a figura a seguir).

Política
A Inteligência atua em função da política, ou seja, do processo decisório relativo ao
atendimento dos interesses da sociedade e do Estado selecionados por autoridades governamentais.
Na instância política são estabelecidos os objetivos de governo e formuladas as políticas de governo
(também denominadas políticas públicas56) para a consecução e manutenção dos objetivos.

Nessa etapa, é elaborada, em conexão com as demais políticas de governo, a Política Nacional
de Inteligência, dada a função de assessoramento desta57. As estratégias para a implementação das
políticas públicas constam nos documentos oficiais (Plano Plurianual, Plano Nacional de
Inteligência e demais planos setoriais)58 e em demandas específicas. Esses documentos e demandas
orientam a atuação da Inteligência, por meio da identificação de oportunidades e ameaças à
consecução das políticas de governo.

226
Planejamento
O planejamento é a forma pela qual a política é assimilada pelo órgão de Inteligência e se
torna orientação de trabalho, com base nos documentos oficiais e em demandas específicas.

Em primeiro lugar, o planejamento é o modo como o organismo de Inteligência comunica às


suas unidades as demandas políticas, por meio de um plano de Inteligência elaborado para esse fim.
Em segundo lugar, refere-se ao processo específico pelo qual o profissional de Inteligência prepara-
se para conhecer parte da realidade relevante para a produção de determinado conhecimento.

Reunião
A reunião é o processo de obtenção de conhecimentos e dados que contribuem para a
produção do conhecimento, englobando diversos meios de obtenção, tanto os alicerçados
exclusivamente em habilidades humanas quanto os embasados no emprego de meios tecnológicos.

A partir das necessidades apontadas no planejamento, pode ocorrer na reunião intercâmbio de


conhecimentos e dados entre unidades do próprio órgão, entre este e outros organismos de
Inteligência, e entre órgãos de Inteligência e outras instituições. Os conteúdos coletados
possibilitam ao profissional de Inteligência apreender aspectos da realidade em exame.

Processamento
No processamento, os conhecimentos e dados obtidos são submetidos a métodos analíticos
que permitem selecionar suas partes, relacioná-las, integrá-las e produzir inferências. Dessa forma,
elucidam-se acontecimentos passados e presentes, e permite-se a projeção de cenários futuros.

Difusão
A difusão consiste em transmitir o conhecimento produzido ao usuário, o que conduz o ciclo a
seu ponto inicial, ou seja, à política. A autoridade competente tem à disposição esse produto como
subsídio para a ação governamental.

A difusão possibilita ainda que o conhecimento seja avaliado. A avaliação do produto da


Inteligência consiste no julgamento de sua utilidade pelo usuário. Esse julgamento é relevante na
medida em que favorece o aperfeiçoamento da atuação da Inteligência.
54
Cf. Sherman Kent, op. cit., p. 147.
55
Cf. ibid., p. 19.
56
Sobre políticas públicas, ver ca p. 10.

57
Sobre isso, ver também Allen Dulles, op. cit., p. 154.
58
Sobre o Plano Plurianual e o Plano Nacional de Inteligênci a e seu papel no Processo
Decisório Nacional, ver cap. 10.

227
6. RAMO CONTRAINTELIGÊNCIA

DEFINIÇÃO

Tendo por base a definição legal, entende-se Contrainteligência como o ramo (função) da
Atividade de Inteligência que desenvolve ações especializadas destinadas à prevenção e
contraposição (detecção, obstrução e neutralização) à atuação da Inteligência adversa e a outras
ações que constituam ameaças à salvaguarda de conhecimentos e dados sensíveis, pessoas, áreas e
instalações de interesse da sociedade e do Estado.

Entendem-se por ações especializadas, no âmbito do ramo Contrainteligência, o planejamento


e a implementação de medidas de proteção adequadas ao enfrentamento de cada ameaça.

A Contrainteligência preconiza a adoção de medidas e procedimentos preventivos e ativos


destinados à proteção de conhecimentos e dados sensíveis de instituições estratégicas e à proteção
de infraestruturas críticas nacionais.

Os conhecimentos e dados sensíveis devem ser protegidos porque sua obtenção, revelação ou
utilização indevida pode gerar tensões e prejuízos à sociedade e ao Estado e à própria Atividade de
Inteligência. As infraestruturas críticas nacionais devem ser protegidas devido a sua importância
para a segurança e o bem-estar coletivo.

Cabe à Atividade de Inteligência assessorar os órgãos e entidades nacionais no levantamento


de riscos e na definição e implementação de medidas de proteção necessárias, quando os
conhecimentos e dados sensíveis e as infraestruturas críticas estiverem sob a responsabilidade de
tais órgãos e entidades.

SEGMENTOS DA CONTRAINTELIGÊNCIA

As ações de proteção preconizadas pela Contrainteligência agrupam-se em dois segmentos:


Segurança Orgânica, relativa à prevenção, e Segurança Ativa, relativa à contraposição.

Segurança Orgânica
É o segmento da Contrainteligência que preconiza a adoção de medidas e procedimentos
preventivos destinados à salvaguarda de pessoas, materiais, áreas, instalações e meios de produção,
armazenamento e comunicação de conhecimentos e dados, no âmbito do próprio órgão ou
instituição.

Segurança Ativa
É o segmento da Contrainteligência que preconiza a adoção de medidas e procedimentos
ofensivos e reativos destinados a detectar, obstruir e neutralizar a ação da Inteligência adversa e
outras ações que ameacem os interesses nacionais e a segurança da sociedade e do Estado. A
Segurança Ativa compreende as ações praticadas pela Contraespionagem, Contrassabotagem,
Contraterrorismo e Contrainterferência.

AMEAÇAS À SOCIEDADE E AO ESTADO

As ameaças às quais a Contrainteligência se contrapõe podem se caracterizar como


antagonismos (intencionais) ou como óbices (não intencionais).

228
Antagonismos
São ameaças intencionais, provocadas quer pela inteligência adversa quer por outros atores,
que se contrapõem à consecução de interesses nacionais e à salvaguarda de conhecimentos e dados
sensíveis. Os antagonismos podem ser patrocinados59 ou não. São antagonismos clássicos:
espionagem, sabotagem, terrorismo e interferência externa.

Espionagem
É a ação deliberada que visa à obtenção não autorizada de conhecimentos e dados sensíveis
para beneficiar Estados, grupos de países, organizações, facções, empresas, autoridades ou
indivíduos.

Sabotagem
É a ação deliberada de destruição, danificação, comprometimento ou inutilização, total ou
parcial, de conhecimentos, dados, bens, materiais, equipamentos, instalações, sistemas e processos,
sobretudo aqueles necessários ao funcionamento da infraestrutura crítica do país, com o objetivo de
afetar o atendimento das necessidades essenciais da população e prejudicar os interesses do Estado.

Terrorismo
É a ameaça ou o emprego premeditado de violência física ou psicológica, perpetrada contra
alvos civis ou militares não combatentes ou contra propriedades, praticada por indivíduos ou grupos
adversos, apoiados ou não por Estados, visando intimidar, coagir ou subjugar pessoas, autoridades
ou populações, por razões político-ideológicas ou religiosas.

Interferência externa
É a atuação deliberada de governos, grupos de interesse, pessoas ou organizações que visa
influenciar os rumos do país, com o objetivo de favorecer interesses estrangeiros em detrimento dos
nacionais.

Entre as ações de interferência externa, destacam-se a propaganda adversa e a desinformação.


A propaganda adversa consiste na manipulação planejada da comunicação social para influenciar
populações ou grupos, com o intuito de gerar comportamentos predeterminados que resultem em
benefícios ao patrocinador. A desinformação é a manipulação planejada de informações, falsas e
verdadeiras, para iludir ou confundir um centro decisor, visando induzi-lo a erro de avaliação.

Óbices
São ameaças não intencionais que se interpõem aos interesses nacionais, provocadas por
atores e fatores diversos. Os sinistros são óbices típicos.

Sinistros
São ocorrências, acidentais ou provocadas por imperícia, imprudência ou negligência, que
acarretam danos ou perdas. Enquadram-se como sinistros desastres naturais e ações humanas que
coloquem em risco pessoas, áreas e instalações e os conteúdos nelas armazenados.

Existe ainda um tipo de ameaça que, de acordo com as circunstâncias de ocorrência, pode ser
caracterizado como antagonismo ou como óbice. Trata-se do vazamento, que consiste na
divulgação não autorizada, intencional ou não, de conteúdos sensíveis.

CICLO DE CONTRAINTELIGÊNCIA

O ramo Contrainteligência apresenta um modo de atuação que, por ter como ponto inicial e
final a mesma ação (observar), é denominado “ciclo de Contrainteligência”, composto de cinco
fases (ver a figura a seguir).
229
Observar
É a fase em que a Contrainteligência considera três elementos: adversários, alvos e focos. São
monitorados os adversários, estatais ou não, que estejam em competição aberta ou velada com o
Estado ou as instituições privadas nacionais. O objetivo da observação é identificar os interesses, a
capacidade e os modos de atuação desses adversários, para que o organismo de Inteligência possa se
antecipar a potencial ação adversa. Também são identificados os prováveis alvos, isto é, os objetos
de interesse de ameaças intencionais (antagonismos), considerando a sensibilidade dos elementos
por eles produzidos, utilizados ou custodiados: conhecimentos, dados, materiais, equipamentos,
áreas, instalações, sistemas e processos. São identificados ainda os focos, isto é, os objetos que
estão sujeitos a ameaças não intencionais (óbices).

Orientar
É a fase em que a Contrainteligência oferece instruções aos responsáveis pelos potenciais
alvos e focos de ameaças, buscando conscientizá-los quanto à necessidade de proteção, a fim de
evitar ou minimizar prejuízos à sociedade, ao Estado ou à própria instituição. A orientação
estabelece um canal de comunicação entre o organismo de Inteligência e outras instituições
identificadas como prováveis alvos e focos, com o propósito de assessorá-las na implementação das
medidas de proteção necessárias.

Detectar
É a fase em que a Contrainteligência identifica ação danosa, real ou provável, concernente a
pessoas, conhecimentos, dados, materiais, equipamentos, áreas, instalações, sistemas ou processos
relativos aos alvos e focos em potencial. A averiguação das circunstâncias da ação danosa pode
ocorrer pela análise das informações geradas na fase de observação ou fornecidas por pessoas
ligadas aos potenciais alvos e focos, através do canal de comunicação aberto na fase de orientação.

Decidir
É a fase em que a Contrainteligência define como proceder para prevenir, obstruir ou
neutralizar a ação danosa, real ou provável. Essa decisão baseia-se em investigação que considere a
natureza, autoria, circunstâncias e potenciais consequências da ação danosa.

Agir
É a fase em que a Contrainteligência adota medidas e procedimentos para concretizar o que
foi decidido na fase anterior. Essa fase não esgota o processo; deve-se continuar observando o alvo
ou foco para se comprovar que a ação danosa tenha sido efetivamente debelada e que outras não
estejam em curso.
59
Patrocínio é o ato de arquitetar determinada ação em benefício de quem a promove.

230
7. OPERAÇÕES DE INTELIGÊNCIA

DEFINIÇÃO

Operações de Inteligência consistem no emprego de ações especializadas para a obtenção de


dados negados e a contraposição (detecção, obstrução e neutralização) a ações adversas, em apoio
aos ramos Inteligência e Contrainteligência. São um modo de contornar obstáculos a fim de
alcançar um objetivo.

Dado negado é aquele que, devido a sua sensibilidade, encontra-se sob proteção de seu
detentor, que quer resguardá-lo do acesso não autorizado. O acesso ao dado negado pelo órgão de
Inteligência exige o uso de técnicas operacionais60, que são formas específicas de emprego de
pessoal e de material nas operações. Em razão de suas características e finalidade, seu uso requer
pessoal especializado, planejamento detalhado e execução cuidadosa.

As operações de Inteligência atendem às demandas dos ramos Inteligência e


Contrainteligência. A obtenção de dados negados subsidia ambos os ramos. Já a contraposição a
ações adversas atende às demandas específicas da Contrainteligência.

TIPOS DE OPERAÇÕES DE INTELIGÊNCIA

As operações de Inteligência são tipificadas segundo dois critérios: natureza e abrangência.

O critério natureza diz respeito aos meios empregados, que podem ser fontes humanas e
recursos técnicos. Operações com fontes humanas empregam, preponderantemente, pessoas na
obtenção de dados negados e na contraposição a ações adversas. Operações técnicas empregam,
preponderantemente, meios técnicos na obtenção de dados negados e na contraposição a ações
adversas.

O critério abrangência diz respeito à amplitude dos resultados almejados. Por esse critério, as
operações tipificam-se em exploratórias e sistemáticas. Operação exploratória consiste na realização
de ações pontuais, proporcionando resultados específicos em um determinado momento, com início
e término preestabelecidos. Operação sistemática consiste no desenvolvimento de ações
continuadas, resultando em um fluxo constante de dados, com início preestabelecido e término
indeterminado.

FUNÇÃO DAS OPERAÇÕES

Do ponto de vista funcional, as operações de Inteligência atuam como instrumento que


domina e aplica técnicas para servir aos ramos. Grande parte dos recursos e meios materiais
utilizados pelos profissionais de operações tem a função de auxiliá-los na apreensão da realidade,
por meio de seus sentidos e memória. O cerne das ações de operações é a atuação no campo. Nesse
contexto, o profissional aplica ações furtivas para ensejar processos mentais que abrangem desde a
constatação de sinais à projeção do comportamento do alvo da operação.

Quando, em sua ação no campo, operações pretendem obter dado negado, essa atuação
produz coisa; quando pretendem alterar a realidade para se contrapor à ação adversa, essa atuação
produz evento61. Assim, operações são a forma de a Atividade de Inteligência agir no mundo, à
semelhança de outros atores capazes de produzir coisas e eventos.
61
Sobre a acepção de coisas e eventos, ver cap. 4, seção Atividade de Inteligência.

231
FUNDAMENTOS TEÓRICOS

8. FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO62

A revisão doutrinária efetuada à época da redemocratização contemplou o conceito referencial


em inglês intelligence, que expressa a ideia de “saber estratégico”. Para transmitir essa ideia, optou-
se por adotar, na tradução ao português, o termo “conhecimento”, que designa o produto da
Atividade de Inteligência. O termo “Inteligência”, tradução literal do original em inglês, passou a
ser empregado pela comunidade de Inteligência nacional, no início da década de 1990, para se
referir à Atividade e a seu aspecto organizacional.

A adoção do termo “conhecimento” estimulou esforços para se incluir e desenvolver reflexões


epistemológicas na Doutrina. Porque se elegeu “conhecimento”, buscou-se na teoria do
conhecimento (epistemologia) maior compreensão do fenômeno.

Neste capítulo, importa considerar duas acepções do termo intelligence: “produto” e


“atividade”. A Inteligência como atividade, entre outras funções, inclui primordialmente a produção
de conhecimento, o que, por sua vez, implica as ações de reunião e processamento 63. Dessa
atividade, resulta o produto conhecimento que assessora o usuário na tomada de decisão. Trata-se,
aqui, de duas ideias-chave.

A primeira ideia-chave postula que a epistemologia serve de base para a Inteligência64.


Como já mencionado na introdução deste volume, a Doutrina efetua uma apropriação da teoria do
conhecimento, ou seja, utiliza-a para esclarecer questões relativas ao conhecimento e para propor
uma visão básica desse fenômeno, com o fim de promover o conhecer como ato consciente e
responsável. À Doutrina não interessa defender qualquer tese epistemológica, pois não é essa sua
finalidade. No entanto, ela se apropria de concepções epistemológicas que disciplinem o processo
cognitivo de modo plausível. O que importa na consideração de determinada abordagem
epistemológica é favorecer a produção do conhecimento verdadeiro65. Se devemos assumir a
Atividade de Inteligência como profissão, devemos também assumir que ela demanda, portanto,
instrução e treinamento66. A reflexão epistemológica é, portanto, relevante a essa atividade cujo
propósito é justamente conhecer e produzir conhecimento.

A segunda ideia-chave postula que a Inteligência, caracterizada pela função essencialmente


informacional, serve à política, que é, fundamentalmente, uma forma de ação67. A Inteligência
destina-se a assessorar a autoridade governamental, no sentido de lhe permitir formular opções para
a tomada de decisão. A produção do conhecimento preconizada pela Doutrina prevê um
planejamento específico, ou seja, vinculado ao conhecimento sobre aquilo que se pretende saber.
Esse planejamento, por sua vez, requer do analista a antevisão do emprego que o usuário poderá
fazer desse conhecimento, a fim de se adequar seu conteúdo às necessidades do processo de
decisão.

Essas duas ideias-chave embasam o que se expõe a seguir.

232
ELEMENTOS EPISTEMOLÓGICOS

Definição de conhecimento

O conhecimento é descrito68 como a relação entre o sujeito cognoscente e o objeto


conhecido69, em que o segundo é o determinante70. Nessa relação, o objeto é determinante porque
suas propriedades objetivas são refletidas na consciência do sujeito que conhece71. Nesse sentido, o
conhecimento é o reflexo subjetivo da realidade objetiva72.

Nessa perspectiva, o fenômeno do conhecimento é descrito conforme o senso comum, ou seja,


pelo modo como essa relação lhe parece ocorrer. Esse senso comum implica a aceitação do que os
sentidos ou a razão constata. Essa aceitação significa que o sujeito se comporta receptivamente com
respeito ao objeto e que o objeto se mostra independente do sujeito73.

O fenômeno do conhecimento se apresenta em duas formas: como processo e como produto74.

Conhecimento como processo: do conhecimento sensível75 (ou empírico) ao racional76

O processo do conhecimento indica a passagem da sensibilidade para as representações


mentais, que se desenvolvem das sensíveis para as conceituais77, em um movimento de formas
sensíveis ou empíricas para formas racionais ou abstratas de conhecimento78. A representação
sensível conecta a sensibilidade à abstração79.

A sensibilidade é estimulada no contato do sujeito com a realidade, por meio da atividade ou


da ação80. O conhecimento elaborado, por sua vez, dirige a atividade ou a ação. Logo, assume-se
aqui a visão do processo do conhecimento como um “ciclo do conhecimento” (ver figura), no qual
os elementos se inter-relacionam do seguinte modo: a atividade condiciona o pensamento, que
elabora o conhecimento, o qual, por sua vez, orienta o pensamento, que dirige a ação. Nesse ciclo, o
pensamento é o elemento intermediário. Em sua esfera, ocorre o processo do conhecimento, do qual
resulta o conhecimento propriamente dito81.

CICLO DO CONHECIMENTO

ELABORA ORIENTA

CONDICIONA DIRIGE

O conhecimento se desenvolve numa sequência tanto ascendente quanto descendente82. A


sequência ascendente é aquela que parte da atividade para o conhecimento e a descendente, a que

233
tem sentido contrário, do conhecimento para a atividade. No processo do conhecimento, a sequência
ascendente se desdobra em três planos: sensibilidade, imaginação e conhecimento.

No plano da sensibilidade ou da representação sensível pura83 — onde atuam sensação,


percepção e representação84 como formas de conhecimento sensível ou empírico85 —, ocorre a
coordenação de um complexo de dados sensoriais relativos a objetos, pessoas e cenas condensados
no termo “objeto”. Nesse plano, a imaginação atua como coordenadora, fixando diversas
representações sensíveis86. Trata-se aqui do conhecimento sensível ou empírico, indicando o modo
como o sujeito cognoscente tem seu primeiro contato com o objeto. A unificação das diversas
representações sensíveis fornece uma imagem verdadeira da realidade87.

No plano da imaginação, dá-se a coordenação daquelas experiências, que, invariavelmente,


reúnem diversas impressões88, permitindo a constituição de uma imagem ou representação sensível
do conjunto89 que compõe o objeto. O complexo imaginativo que forma esse conjunto tem como
critério o interesse que é despertado pela atividade ou pela ação atual ou projetada e significa
atenção nas coisas do mundo e da vida.

No plano do conhecimento — onde atuam ideia/conceito, juízo e raciocínio como formas de


conhecimento racional ou abstrato90 —, ocorre o fluxo da conceituação91, que gera e sistematiza
representações conceituais abstraídas da experiência sensível92. A combinação de ideias/conceitos,
juízos e raciocínios compõe descrições, relatos e interpretações da realidade objetiva93.

As formas racionais de conhecer

As formas racionais de conhecer que atuam no plano do conhecimento incluem a ideia, o


juízo e o raciocínio. Essas formas destacam-se por serem decisivas para a produção do
conhecimento, pois compõem o conteúdo que versa sobre o real e que pode ser, então, articulado
pela linguagem.

A ideia (conceito)94 é concebida como uma representação conceitual, ou seja, uma imagem
não sensível da realidade. A representação sensível é particular e concreta, vinculada a determinado
objeto. A ideia abstrai as características inteligíveis de uma classe de objetos comuns e universais,
portanto é válida para todos eles. Reflete aspectos essenciais do objeto como uma forma de
generalização.

O juízo95 é formulado como uma relação entre ideias, compondo uma proposição ou asserção
sobre algum objeto real ou ideal96, tratando de suas relações ou ações. Um juízo associa duas ideias
por meio de verbos e é manifesto por uma proposição (afirmação ou negação). Assim, o juízo é,
necessariamente, uma forma de expressar um pensamento, atribuindo ideias universais a objetos
particulares a fim de descrevê-los. Logicamente, o objeto é o sujeito da sentença, e a ideia a ele
vinculada é o atributo ou predicado.

O raciocínio97 é elaborado por meio de uma operação pela qual a mente, a partir de juízos
conhecidos, alcança outro que deles decorre logicamente. Trata-se de um processo sofisticado de
pensamento que revela propriedades ou relações sobre o objeto que não estão disponíveis à
sensibilidade. Em termos discursivos, o raciocínio estabelece ou infere uma conclusão98. Nesse
caso, os juízos dos quais parte o raciocínio embasam a conclusão, ou seja, são suas razões99.

A articulação de raciocínios complexos pode gerar formas ainda mais sofisticadas100 do


conhecimento racional, que são: a hipótese, a tese e a teoria.

234
A forma intuitiva de conhecimento

Existe, além da sensibilidade e das representações sensíveis, outra forma de se alcançar o


conhecimento racional101. Trata-se da intuição, que, em sua forma mais relevante, é caracterizada
como intuição heurística102, isto é, aquela que encontra ou descobre103, antecedendo-se às
representações conceituais104.

Essa intuição descobre, supõe, antecipa e inventa. Em algumas áreas – tais como estratégia
militar, investigação policial, pesquisa científica e de Inteligência e criação artística –, a intuição
ocorre com mais frequência105. A linguagem popular chama essa capacidade de “estalo”,
“pressentimento”, “presença de espírito”, “insight” 106.

A intuição heurística é um conhecimento direto, sem a mediação da sensibilidade, que se dá


quando, no pensamento, ocorre a captação de representações mentais que manifestam o objeto ou a
relação de objetos107. A ausência da participação da sensibilidade significa que aquela captação
ocorre na insuficiência de dados conscientes108, como um processo não consciente. O único papel da
sensibilidade está no contato do sujeito com o mundo na atividade ou na ação, e é justamente esse
contato que gera o problema a ser resolvido.

Essa visão costuma levar à solução de um problema ou a uma hipótese, a qual guia a
investigação em busca de sua verificação. Essa investigação é conduzida mediante sensibilidade e
pensamento109. A intuição heurística também pode trazer à luz a descoberta de algo novo que pode
ser igualmente testado ou investigado.

Conhecimento como produto


O último estágio do processo de conhecimento é composto pelas formas racionais de
conhecer. Esse estágio permite a aquisição do conhecimento como um produto acabado capaz de
exercer influência sobre o pensamento e a ação.

O conhecimento como produto é aquele que foi processado e que, por isso, pode ser
exteriorizado na forma oral ou escrita. Como conhecimento processado, ele é uma representação
conceitual ou um conjunto representativo que compõe a experiência sensível. No entanto, ele só se
torna produto, ou seja, estável, por meio da linguagem proposicional ou verbal. A linguagem
estabiliza a conceituação, restringindo-a a um conceito ou a vários conceitos e exprimindo relações
conceituais110. Nessa condição, a conceituação pode ser comunicada e compreendida.

Expressão exterior do pensamento, a linguagem pode ser designada por pensamento


discursivo111. Somente pela transformação do conhecimento conceitual em discursivo se dá a
elaboração do conhecimento e, consequentemente, sua elocução e comunicação112.

O conhecimento se faz, portanto, produto na forma de linguagem e, consequentemente, na


forma de discurso oral ou escrito. Isso impõe que se considerem sempre, no processo do
conhecimento, três tipos de representação: a sensível, a conceitual e a discursiva.

A compreensão do fenômeno do conhecimento conduz ao aprofundamento da noção de que


todo conhecimento é, como tal, verdadeiro. Dessa forma, é necessário compreender o que é a
verdade e suas implicações para a produção do conhecimento na Atividade de Inteligência.

235
Verdade
A verdade consiste na concordância do conteúdo do pensamento com o objeto113. É atributo
que expressa a correta relação entre o conteúdo do pensamento do sujeito e o objeto.

O critério da verdade é a evidência imediata114. A evidência é a clara identificação das


características essenciais do objeto, considerando a forma como ele se manifesta na realidade. Por
esse critério, os juízos são baseados na imediaticidade da presença do objeto ao qual eles se
referem.

A evidência permite que coisas e eventos sejam determinados como fatos115, isto é, como
objetivamente passíveis de verificação, constatação e confirmação.

Erro
Se a verdade é a conformidade do conteúdo do pensamento com o objeto, o erro é a não
conformidade entre eles. Se a evidência é critério da verdade, a ilusão da evidência conduz ao erro.
Portanto, o erro é a ilusão da verdade.

Estados da mente perante a verdade116


Pelo fato de a mente ser imperfeita (limitada) e a realidade ser complexa, a relação entre
ambas nem sempre ocorre de forma perfeita. Há ocasiões, portanto, em que a mente concorda
integralmente que a imagem por ela mesma formada corresponde ao objeto; há outras em que essa
conformidade é apenas parcial. Há ocasiões, ainda, em que a mente se mostra incapaz de optar por
uma imagem entre imagens alternativas do objeto e, por último, há ocasiões em que ela se encontra
em estado puramente nulo em relação ao objeto.

Assim, a mente pode encontrar-se, em relação à verdade, nos estados de certeza, opinião,
dúvida e ignorância.

Certeza
É o estado em que a mente considera, sem temor de enganar-se, a imagem por ela formada
como correspondente a determinado objeto. Essa correspondência ou concordância é integral, em
razão da suficiência de evidências para alcançar a certeza. Essa concordância é consequência da
plena clareza com que o objeto se revela. A mente, quando conduzida ao estado de certeza pela
evidência, acredita ter alcançado a verdade.

Todavia, a certeza, do mesmo modo que conduz à verdade, pode levar ao erro. Isso ocorre
quando a relação entre evidência, objeto e mente é inadequada, isto é, quando a evidência não
corresponde ao próprio objeto ou não sustenta sua imagem, embora se tenha acreditado que sim.

Opinião
É o estado em que a mente considera, porém com algum receio de enganar-se, a imagem por
ela formada como correspondente a determinado objeto. Essa correspondência ou concordância é
parcial, em razão da insuficiência de evidências para alcançar o estado de certeza.

Trata-se de perceber a verdade como provável. Assim, o estado de opinião expressa-se por
meio de termos que indicam probabilidade.

Dúvida
É o estado em que a mente encontra, em situação de equilíbrio, razões para aceitar e razões
para negar que a imagem por ela formada esteja em conformidade com determinado objeto.

236
Na dúvida, a mente encontra-se impossibilitada de afirmar ou negar a adequação ao objeto da
imagem elaborada por ela. É o estado no qual ocorre a suspensão provisória da capacidade de a
mente optar, induzindo-a a procurar mais evidências sobre determinado objeto. Nesse estado, a
verdade apresenta-se apenas como possível.
Ignorância
É o estado da mente que se caracteriza pela inexistência de qualquer imagem de determinado
objeto. Geralmente expressa por um peremptório “não sei”, a ignorância é o estado nulo da mente,
que se encontra privada de qualquer imagem sobre uma realidade específica.

A gradação dos estados da mente perante a verdade expressa os limites entre certeza e
incerteza, com implicações para a produção do conhecimento, que almeja resultar no conhecimento
certo. O que se busca é representar o objeto por uma imagem que “reduza as incertezas” 117 em
relação a ele. “Reduzir incertezas” diz respeito à investigação que procura julgar fontes e conteúdos
para atingir graus de probabilidade que qualifiquem o conhecimento, ou seja, atestem sua
veracidade. Nesse caso, destacam-se os estados da mente que indicam conhecimentos com maior
probabilidade de serem verdadeiros, a saber, certeza e opinião.

Temporalidade
Para fins metodológicos, o tempo presente caracteriza um recorte da manifestação de objeto
do conhecimento em evolução. O tempo passado diz respeito à observação de objeto do
conhecimento cuja evolução é considerada concluída. O tempo futuro refere-se a objeto do
conhecimento cujo surgimento ou evolução tem probabilidade de ocorrer num tempo posterior ao
presente.

CONHECIMENTO DE INTELIGÊNCIA

A Doutrina apropria-se desses elementos teóricos para orientar a produção do conhecimento


de Inteligência, o qual deriva da aplicação das formas sensíveis, racionais e, eventualmente,
intuitivas de conhecimento. A linguagem é condição sine qua non de sua formalização e
comunicação.

No âmbito da Atividade de Inteligência, conhecimento é a representação de coisa ou evento


real ou hipotético, de interesse para a Atividade118, produzida pelo profissional de Inteligência. Essa
representação, que descreve e interpreta a coisa ou o evento, é uma composição de representações
conceituais, pelas quais são formulados juízos e elaborados raciocínios.

Os interesses que guiam a seleção dos objetos do conhecimento envolvidos na produção são
definidos no âmbito da política, conforme o ciclo de Inteligência119.

Dado
Dado é qualquer representação de coisa ou evento não produzida pelo profissional de
Inteligência. Assim, quando da produção do dado, não são considerados os interesses definidos pela
Atividade de Inteligência.

Os dados de utilidade para a Atividade de Inteligência são representações conceituais que já


estão disponíveis na realidade e que, depois de avaliadas, são apropriadas pelo profissional de
Inteligência, por se mostrarem adequadas ao entendimento de determinadas coisas e eventos,
objetos de seu trabalho.

237
Tipos de conhecimento

São quatro os tipos de conhecimento de Inteligência – informe, informação, apreciação e


estimativa –, que se distinguem pela combinação dos seguintes fatores (ver figura a seguir):
estado em que a mente pode situar-se em relação à verdade (certeza e opinião);

formas racionais de conhecer necessárias à produção do conhecimento (juízo e raciocínio);

temporalidade do objeto do conhecimento (passado, presente e futuro).

Informe
É o conhecimento sobre coisa ou evento passado ou presente, resultante de juízos, que
expressa o estado de certeza ou opinião do profissional de Inteligência em relação à verdade.

Informação
É o conhecimento sobre coisa ou evento passado ou presente, resultante de raciocínio, que
expressa o estado de certeza do profissional de Inteligência em relação à verdade.

Apreciação
É o conhecimento sobre coisa ou evento passado ou presente, resultante de raciocínio, que
expressa o estado de opinião do profissional de Inteligência em relação à verdade.

Há ocasiões em que a apreciação admite menção sobre a probabilidade de um evento ocorrer


no futuro imediato, como desdobramento esperado de realidade passada e presente.

Estimativa
É o conhecimento sobre a evolução futura de coisa ou evento, resultante de raciocínio, que
expressa o estado de opinião do profissional de Inteligência em relação à verdade.
Assim, pode-se afirmar que o conhecimento baseado apenas em juízos é descritivo (informe);
os conhecimentos baseados em raciocínio são interpretativos (informação e apreciação) e
interpretativo-prospectivo (estimativa).

Apesar de a verdade ser a grande aspiração que norteia o exercício da Atividade de


Inteligência, o conhecimento por esta produzido não é valioso apenas por ser verdadeiro, é
necessário também que seja útil ao usuário.

FATORES DISTINTIVOS DOS TIPOS DE CONHECIMENTO

Categorias de conhecimentos

Os conhecimentos são categorizados conforme sua abrangência e sua utilização.

A categoria abrangência diz respeito ao âmbito em relação ao qual o conhecimento é


produzido. Quanto a esse critério, os conhecimentos dividem-se em internos e externos. Os
conhecimentos internos dizem respeito a coisas e eventos de ocorrência no próprio país. Os
conhecimentos externos têm como objeto coisas e eventos de ocorrência em países estrangeiros,
bem como em organismos internacionais, independentemente de onde estejam sediados.
238
A categoria utilização diz respeito ao nível do processo decisório no qual a autoridade a ser
assessorada está inserida120. Quanto a esse critério, os conhecimentos dividem-se em estratégicos,
táticos e operacionais. Os conhecimentos estratégicos são aqueles utilizados no Processo Decisório
Nacional para a formulação das políticas de governo e para a definição das diretrizes estratégicas
delas decorrentes. Os conhecimentos táticos são aqueles utilizados no planejamento de ações
destinadas à implementação das diretrizes estratégicas. Os conhecimentos operacionais são os
utilizados na execução e no acompanhamento das ações para implementação daquelas diretrizes.
Sempre que possível, os conhecimentos operacionais devem servir de insumo para a elaboração de
conhecimentos táticos e estratégicos.

Documentos utilizados na Atividade de Inteligência

Para assegurar o fluxo de conhecimentos e atender às peculiaridades do exercício da


Atividade de Inteligência, são utilizados diferentes tipos de documentos.

Os tipos de documentos de Inteligência e seus respectivos padrões de formalização são


definidos por instrumentos normativos próprios, respeitadas as características doutrinárias dos
conhecimentos veiculados.

62
Especialmente vinculado ao ramo Inteligência, mas também altamente pertinente a operações, este capítulo se
faz presente neste volume por refletir a “função essencialmente informacional” atribuída à Atividade de Inteligência.
Sobre essa função, ver cap. 1.
63
Ver cap. 5, seção Ciclo de Inteligência.

64
Várias noções relativas a esta ideia-chave são extraídas de ou apoiadas por diferentes autores presentes na
coletânea Roger Z. George and James B. Bruce (eds.) Analyzing Intelligence: origins, obstacles, and innovations
(Washington, D.C.: Georgetown University Press, 2008).

Cf. Johannes Hessen, Teoria do Conhecimento (São Paulo: Martins Fontes, 2003), pp. 22-23; André Comte-
65

Sponville, Apresentação da Filosofia (São Paulo: Martins Fontes, 2002), p. 57; e Jacob Bazarian, O Problema da
Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo: Alfa-Ômega, 1994), p. 143.
Sobre isso, ver os três artigos citados nesta nota, presentes na coletânea Roger Z. George and James B.
66

Bruce (eds.), op. cit.: 1) Rebecca Fischer and Rob Johnston, “Is Intelligence Analysis a Discipline?”, pp. 55s.; 2) Mark
M. Lowenthal, “Intelligence in Transition: Analysis after September 11 and Iraq”, pp. 231s.; e 3) Roger Z. George and
James B Bruce, “The Age of Analysis”, pp. 296s.
67
Conforme Hannah Arendt, a “raison d´être da política é a liberdade, e seu domínio de experiência é a
ação”, ou seja, a política, pela qual se realiza a liberdade, não é exercida nem pela contemplação ou filosofia nem pelo
trabalho, mas pela ação juntamente com o discurso; ver “Que é liberdade?” in Entre o Passado e o Futuro (São
Paulo: Perspectiva, 1972), pp. 192, 197, 214-20 e A Condição Humana (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995),
pp. 31-37, 188-219. Em A Condição Humana, pp. 303-06, entende-se que, no esquema teórico de H. Arendt, a ciência
moderna, a partir de Galileu e da “dúvida metódica”, passou a desempenhar ação, na medida em que experimentar e
verificar significavam agir para ir além da aparência dos fenômenos e para alcançar o conhecimento, isto é, a
verdade. Submetida a ditames afins, a produção do conhecimento da Atividade de Inteligência seria, por analogia à
ciência, também uma forma de ação. Sobre a relação entre Atividade de Inteligência e política, ver também: cap. 1,
sobre a presença da Atividade no núcleo coercitivo do Estado; cap. 10, sobre a relação entre Política Nacional de
Inteligência e Processo Decisório Nacional; e cap. 12, sobre ética na Atividade de Inteligência.
Trata-se da descrição do fenômeno do conhecimento como um “método fenomenológico”, que não se
68

confunde com uma interpretação ou uma explicação desse fenômeno, o que é tarefa da teoria do conhecimento
propriamente. Sobre essas restrições, ver Johannes Hessen, op. cit., pp. 19-20 e 25-26. A descrição que define o
conhecimento “como uma determinação do sujeito pelo objeto” apenas representa “aquilo que a consciência natural
entende por conhecimento” (ver p. 25).

239
A Doutrina está em consonância com o pensamento de Hessen diante do fenômeno do conhecimento. Como
Hessen, os formuladores da Doutrina não ignoram ou negam que se impõem, para o intelecto sofisticado, questões e
discussões quanto à possibilidade, origem, essência e tipos de conhecimento, e quanto ao critério da verdade. Não
obstante tal entendimento, optou-se aqui por se abster de oferecer soluções, justamente por não ter a Doutrina
autoridade nem função de se manifestar taxativamente em matéria de teoria do conhecimento. Na Doutrina, há a
pressuposição de que o usuário do conhecimento orienta-se pelo senso comum, portanto não interessa a ele tais
questões e discussões. De todo modo, assume-se como ideal a representação fiel da realidade, em que o objeto não
sofre interferência da mente que conhece e que está convicta da possibilidade de se aproximar desse ideal. A descrição
do conhecimento é apenas um estágio inicial na investigação desse fenômeno, e a Doutrina se mantém apenas aí. O
profissional de Inteligência, como pesquisador, deve estar, necessariamente, atento às várias possibilidades de o
conhecimento ser distorcido, quando da determinação do objeto pelo sujeito.
69
Cf. ibid., p. 20. Ver também Nicolai Hartmann, Metafísica del Conocimiento – Tomo I (Buenos Aires:
Editorial Losada, 1957), p. 65, e Jacob Bazarian, op. cit., p. 43.
70
Cf. Johannes Hessen, op. cit., p. 21.
71
Cf. Jacob Bazarian, op. cit., p. 143.
72
Cf. ibid., p. 143.
73
Cf. Johannes Hessen, op. cit., p. 21.
74
Ibid, pp. 41-42 e na edição do Círculo do Livro (São Paulo, s/d), p. 43.
75
Neste capítulo, a acepção de conhecimento sensível e de sensibilidade difere do sentido desses termos nos
capítulos anteriores, referindo-se aqui ao campo da teoria do conhecimento (epistemologia) em vez de ao campo da
Atividade de Inteligência.
76
Esse processo é apresentado por J. Bazarian, O Problema da Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo:
Alfa-Omega, 1994), p. 99, nas seguintes palavras: “No processo do conhecimento participam os sentidos, a razão e a
intuição”.
Para tanto, ver Caio Prado Jr., Dialética do Conhecimento (São Paulo: Ed. Brasiliense, 1980), cap. 2 “O
77

CICLO DO CONHECIMENTO (I)”.

78
Sobre isso, ver Jacob Bazarian, O Problema da Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo: Círculo do
Livro, s/d), pp. 110-114.
79
Cf. Jacob Bazarian, ibid, p. 113.
80
Cf. Caio Prado Jr., op. cit., p. 54.
81
Cf. ibid, pp. 47 e 98.
82
Cf. ibid, p. 84.
83
Cf. ibid, p. 73.
84
Cf. Jacob Bazarian, O Problema da Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo: Alfa-Ômega, 1994), p. 103.
85
Cf. Jacob Bazarian, O Problema da Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo: Círculo do Livro, s/d), pp.
111-13 e Caio Prado Jr., ibid., p. 60.
86
Cf. Caio Prado Jr., ibid., pp. 58, 62, 66.
87
Cf. Jacob Bazarian, O Problema da Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo: Círculo do Livro, s/d), p.
114.
88
Cf. Caio Prado Jr., op. cit., pp. 71s.
89
Cf. ibid., p. 73.
90
Cf. Jacob Bazarian, O Problema da Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo: Círculo do Livro, s/d), pp.
111 e 115-17 e Caio Prado Jr., ibid., pp. 109, 137 e 144.
91
Cf. Caio Prado Jr., ibid, pp. 76-77, 96.
92
Cf. ibid., p. 74.
93
Cf. ibid., pp. 75-76.
240
94
Cf. Muricy Domingues, Maricê Thereza Corrêa Domingues Heubel e Ivan José Abel, Bases Metodológicas
para o Trabalho Científico: para alunos iniciantes (Bauru, SP: EDUSC, 2003), pp. 43-44, e Jacob Bazarian, O
Problema da Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo: Círculo do Livro, s/d), pp. 94 e 115.

95
Cf. Jacob Bazarian, ibid., p. 117.
96
Cf. Johannes Hessen, op. cit., p. 21.

97
Cf. Jacob Bazarian, O Problema da Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo: Círculo do Livro, s/d), p.
117.
98
Cf. Alec Fischer, A Lógica dos Verdadeiros Argumentos (São Paulo: Novo Conceito, 2008), pp. 8, 24

99
Cf. idem.

100
Cf. Jacob Bazarian, O Problema da Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo: Círculo do Livro, s/d), pp.
121s.

101
Cf. ibid., p. 200.

102
Cf. ibid., p. 225.
103
Cf. ibid., p. 200.

104
Cf. ibid., pp. 111 e 195s.
105
Cf. ibid., pp. 202-203.

106
A propósito da palavra “insight”, diz Mark M. Lowenthal, “A Disputation…”, op.cit., p. 34: “All too often,
intelligence analysis must be written incomplete data. (…) Moreover, senior policymakers do not want data; they want
knowledge and insight (…)”.

107
Cf. Jacob Bazarian, O Problema da Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo: Círculo do Livro, s/d), p.
198.

108
Cf. ibid., pp. 197-99, 202, 213-15, 217.
109
Cf. ibid., pp. 200 e 221.

110
Cf. Caio Prado Jr., op. cit., pp. 77, 137 e 141.

111
Cf. ibid., pp. 134-36.

112
Cf. ibid., pp. 136 e 140.

113
Cf. Jacob Bazarian, O Problema da Verdade: teoria do conhecimento (São Paulo: Alfa-Ômega, 1994), p.
132.

114
Aqui, acata-se a visão de “imediaticidade” de Hessen, compreendendo-a a partir de sua exposição do
processo de conhecimento, que, como em Caio Prado Júnior e em Jacob Bazarian, inicia-se na experiência sensível,
isto é, na relação da mente, pelos sentidos, com o objeto. Hessen, assumindo o critério da evidência imediata, postula
que não há intermediação entre a mente e o objeto. O conceito de imediaticidade ou de imediato tornou-se matéria de
controvérsias na filosofia, haja vista significar, basicamente, “todo objeto que pode ser reconhecido ou posto sem a
ajuda de qualquer outro objeto” (N. Abbagnano, p. 515). A Doutrina acata essa visão como uma situação ideal de
comprovação da verdade, sem discutir aqui as limitações dessa postulação.

115
Sobre “fato” ver também cap. 4, seção Atividade de Inteligência.

116
Sobre isso, ver Muricy Domingues, Maricê Thereza Corrêa Domingues Heubel e Ivan José Abel, op. cit., pp.
35s.
117
A expressão “reduzir as incertezas” vincula-se a uma abordagem teórica que postula que a redução de
incertezas do decisor é o objetivo da “análise de Inteligência” (termo utilizado por Mark M. Lowenthal para designar
a produção do conhecimento). Ou seja, nessa visão a Atividade de Inteligência lidaria com os limites entre certeza e
241
incerteza a fim de oferecer mais segurança para a decisão. Contudo, a Doutrina, no uso dessa expressão, desloca o
foco do assessoramento para a própria produção do conhecimento, e aí o mantém. Em lugar de apontar a pretensão de
reduzir incertezas na tomada de decisão, a produção do conhecimento mantém o foco no objeto do conhecimento,
almejando informar apropriadamente o usuário, apresentando-lhe evidências e razões para decidir e para justificar a
decisão. Ver Mark M. Lowenthal, “A Disputation…”, op.cit., p. 32.
118
Allen Dulles, op. cit., p. 121, designa esse conhecimento disponível ao decisor para a formação de políticas
públicas de “conhecimento positivo” (“positive intelligence”), para contrapô-lo ao conhecimento cuja finalidade é
servir ao planejamento, à organização e à aplicação de medidas de proteção (“counterintelligence”).
119
Ver cap. 5, seção Ciclo de Inteligência, “fase política”.

120
Sobre isso, ver cap. 10, seção Atuação da Atividade de Inteligência no Processo Decisório Nacional.

242
ATUAÇÃO E CONTROLE

9. ESPAÇO CIBERNÉTICO E ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA121

A atuação da Atividade de Inteligência caracterizou-se, desde o início, pela aplicação de ações


furtivas para a obtenção de vantagens, em contextos marcados por relações de concorrência política
e econômica122. Ao longo das épocas do desenvolvimento humano, tais ações, moldadas pelos meios
e recursos disponíveis, assumiram níveis crescentes de complexidade e sofisticação. Com o
incremento científico e tecnológico no século XX, surgiram ainda mais possibilidades e desafios,
levando à ampliação do próprio conceito de “espaço” para o exercício da Atividade.

O “espaço cibernético” ou “ciberespaço” refere-se ao âmbito em que ações e comunicações


ocorrem na esfera global de conexões em rede, transcendendo limites geográficos e políticos. Tanto
o campo imaterial de geração e transmissão de dados eletrônicos quanto a base material da
infraestrutura de telecomunicação e sistemas computacionais compõem esse espaço. “Ciberespaço”
é, portanto, um conceito abrangente que inclui todas as coisas vinculadas à rede mundial de
computadores (internet), base desse ambiente, onde acontece a realidade virtual.

Esse espaço começou a se desenvolver, no final da década de 1960, com a Advanced


Research Projects Agency Network (ARPAnet), rede experimental financiada pelos militares norte-
americanos para integrar computadores de médio e grande porte (mainframes) a universidades e
centros de pesquisas. Essa foi a fase precursora da internet. A fase seguinte foi a da “internet de
pessoas e comunidades”, quando indivíduos e máquinas passaram a interagir com grau de
diferenciação que separava o humano do artificial. A fase atual, “internet das coisas”, caracteriza-se
pela computação ubíqua, em que o humano e o artificial se harmonizam. A ubiquidade
computacional é manifesta na interligação de objetos e dispositivos inteligentes que interagem entre
si e com as pessoas.

A internet aprimora-se por “novas tecnologias de informação e comunicação” (NTIC). As


NTIC, que compõem o ciberespaço, servem ao interesse nacional como fator estratégico de defesa,
salvaguarda e projeção de poder. Elas impactam não apenas a obtenção e proteção de dados e
conhecimentos, mas também a implementação de decisões que objetivam administrar a
infraestrutura do Estado e seu aparato burocrático que organiza a sociedade.

Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 deram ensejo a que Estados


intensificassem o manejo da informação como instrumento e garantia de segurança coletiva123. A
exploração do espaço cibernético passou a utilizar sistemas de vigilância eletrônica ainda mais
sofisticados e abrangentes.

Muitas das ameaças tradicionais encontram correspondente no espaço cibernético, a exemplo


da espionagem, do terrorismo, do ativismo extremista, da guerra e das atividades criminais. Nas
duas últimas décadas, prejuízos advindos de crimes cibernéticos e desafios à segurança cibernética
tornaram-se assunto de amplo debate. Além dos danos causados por crimes comuns, destacam-se
aqueles que afetam a esfera econômica e a segurança nacional.

No que se refere ao ativismo cibernético, tornou-se notória a atuação de grupos que dirigem
seus ataques a sites e bases de dados governamentais, como os perpetrados no Brasil, na área de
energia, em 2014. No campo da guerra cibernética, verificou-se, na última década, a ocorrência de
ataques de magnitude como o à Estônia, em 2007, e o à Geórgia, em 2008, direcionados aos
sistemas de comunicações governamentais e privados. Outro exemplo de ataque cibernético foi o
promovido, em 2010, pelo vírus de computador Stuxnet contra instalações nucleares iranianas. E em
243
2013, com os vazamentos praticados por funcionário terceirizado da Agência de Segurança
Nacional do governo estadunidense (National Security Agency), veio à tona o programa secreto de
vigilância global da internet promovido por aquela agência, conhecido como Prism, que monitora
governos e empresas estrangeiros124.

Os procedimentos tradicionais da Atividade de Inteligência executados na realidade física


estendem-se à realidade virtual. A segurança cibernética não se fundamenta apenas na prevenção e
no enfrentamento de ameaças, mas também na antecipação da identificação de intenções e
potencialidades de adversários. Ataques cibernéticos implicam atividades que se situam além da
rede em si, uma vez que se inserem em questões concorrenciais, geralmente de caráter político e
econômico. Há, portanto, uma dimensão humana que não pode ser negligenciada em face dos dados
técnicos; o técnico e o comportamental devem ser justapostos no estudo de cada situação.

A importância do ciberespaço para a Atividade de Inteligência reside no fato de ser tanto


repositório e canal de conhecimentos e dados quanto objeto de análise e ambiente operacional. O
ciberespaço funciona como campo onde informações estratégicas são armazenadas, manipuladas e
transmitidas. É também, em si, monitorado e estudado para fins de utilização e controle, uma vez
que múltiplos atores nele se fazem presentes com as mais diversas motivações.

A “inteligência cibernética”125 refere-se a duas funções desempenhadas nesse novo âmbito:


obtenção de dados e proteção de conhecimentos e dados. Essas funções vinculam-se à produção do
conhecimento nesse novo campo de valor estratégico. A importância do domínio do ciberespaço
para a Atividade de Inteligência não se esgota no objetivo de garantia de segurança, mas se estende
à identificação de oportunidades, isto é, à indicação de tendências e antecipação de cenários para
concretizar estratégias.

No contexto brasileiro, em 2015 mais da metade da população já tinha acesso à internet; o


número de usuários da rede no país é elevado mesmo se comparado com os números em nações
mais desenvolvidas. O Brasil é o maior país usuário de redes sociais na América Latina e um dos
maiores do mundo126. Apresenta também incremento de atividades online em diversas áreas, como
e-government, e-commerce e e-banking, alvo principal de ações delituosas. Sua inclusão no roteiro
de grandes eventos políticos e esportivos globais estimulou investimentos na expansão de conexões
de redes. Nesse cenário, a “inteligência cibernética” assume papel cada vez mais relevante para o
exercício da Atividade de Inteligência.
121
Este capítulo baseia-se nos seguintes textos: Raphael Mandarino Junior e Claudia Canongia (orgs.), Livro
verde: segurança cibernética no Brasil (Brasília: GSIPR/SE/DSIC, 2010), pp. 19-20; Barbara Fast, Michael Johnson,
and Dick Schaeffer, “Cyberintelligence: setting landscape for an emerging discipline”, Intelligence and National
Security Alliance. September 2011 (INSA) White Paper, 2011, disponível em: http://www.oss-
institute.org/storage/documents/Resources/studies/insa_cyber_intelligence_2011.pdf, acessado em: 10/05/2015; Troy
Mattern, John Felker, Randy Borum, and George Bamford, “Operational Levels of Cyber Intelligence” in:
International Journal of Intelligence and Counterintelligence, 27: 702-719, 2014; Nato Cooperative Cyber Defense
Centre of Excellence – Tallin, Estônia, disponível em: https://ccdcoe.org/cyber-definitions.html; e Gustavo Diniz,
Robert Muggah and Misha Glenny, “Deconstructing cyber security in Brazil: threats and responses”, Garapé Institute,
Strategic Paper 11, December, 2014, p. 6.
122
Ver cap. 1.
123
O significado técnico e moral desse mesmo evento histórico está exposto no cap. 12.
124
Em 2013, Edward Snowden, funcionário terceirizado (contractor) da National Security Agency (NSA),
forneceu a grupo de jornalistas milhares de documentos daquela agência contendo informações sigilosas do governo
estadunidense, as quais foram publicadas, principalmente, pelo Jornal The Guardian, do Reino Unido, e pelo Jornal
Washington Post, dos Estados Unidos da América.
125
O termo “inteligência cibernética” aponta para o uso coloquial da expressão, o que não caracteriza um tipo
determinado de Inteligência.
126
Gustavo Diniz, Robert Muggah and Misha Glenny, op. cit., p. 6.

244
10. ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA E PROCESSO DECISÓRIO NACIONAL

A Atividade de Inteligência visa ao assessoramento de autoridades governamentais, nos


respectivos níveis e áreas de atribuição. Sua atuação pressupõe, portanto, inserção no Processo
Decisório Nacional (PDN). A Política Nacional de Inteligência (PNI) define os objetivos e fixa as
diretrizes para o exercício da Atividade, com a finalidade de fornecer subsídios ao PDN,
representado na fase política do ciclo de Inteligência127. O PDN é assessorado em todas as suas fases
pela Atividade de Inteligência, ou seja, da definição à implementação dos objetivos de governo.
Para cumprir essa finalidade, a PNI deve estar vinculada às políticas públicas, em seus âmbitos
nacional e internacional, e às estratégias para a sua consecução definidas no Plano Plurianual
(PPA)128. O objetivo principal das ações propostas na PNI é a identificação e a avaliação de
oportunidades e ameaças à consecução dos objetivos de governo, notadamente os relacionados à
soberania, defesa e segurança.

O “planejamento governamental é a atividade que, a partir de diagnósticos e estudos


prospectivos, orienta as escolhas de políticas públicas”129. A partir desse entendimento, o PDN é
considerado o conjunto de atos praticados no âmbito do Poder Executivo que culminam na escolha
dos objetivos de governo, na formulação das políticas e na definição das estratégias para alcançá-los
ou mantê-los. Para ser gerado e ser realizado, esse planejamento demanda conhecimento da
realidade.

Políticas públicas e de governo são termos equivalentes. Cabe ao governo, como complexo de
órgãos do Estado, elaborar, gerir e avaliar essas políticas, que são soluções para assuntos públicos
específicos130. As políticas públicas são enunciados normativos ou ações de governo oriundas de
decisões, valores e metas; em suma, é o que o governo, como instrumento, decide fazer ou não
fazer131 para lidar com problemas públicos, isto é, concernentes aos cidadãos de uma comunidade
nacional.

O PDN materializa-se no PPA132, composto de uma fase de diagnóstico e de três dimensões:


estratégica, tática e operacional. Em cumprimento ao disposto no § 1º do art. 165 da Constituição
Federal, todo governo deve instituir, para o período de 4 anos, o PPA da União, o qual “é
instrumento de planejamento governamental que define diretrizes, objetivos e metas com o
propósito de viabilizar a implementação e a gestão das políticas públicas, orientar a definição de
prioridades e auxiliar na promoção do desenvolvimento sustentável”133.

O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão tem a competência de “coordenar


os processos de monitoramento, avaliação e revisão do PPA e disponibilizar metodologia,
orientação e apoio técnico para a sua gestão”, em “articulação com os demais órgãos e entidades do
Poder Executivo”134. O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão propõe a
organização do PPA em torno de um conjunto de temas de políticas públicas e seus desafios. Essa
proposta é consolidada em um projeto de lei, que é submetido ao Congresso Nacional.

Há quatro elementos importantes para a compreensão do PDN, a saber: o conceito de


planejamento governamental, o órgão competente para sua condução, a participação de outros
atores do Poder Executivo e o exame do Congresso Nacional. Dentre esses quatro elementos, o
planejamento governamental tem importância direta para a Atividade de Inteligência, uma vez que
ele requer “diagnósticos e estudos prospectivos” para orientar “as escolhas de políticas públicas”.

245
PRODUTOR E USUÁRIO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

O produtor da Atividade de Inteligência é o conjunto de órgãos de Inteligência responsáveis


pela elaboração de conhecimentos para subsidiar o órgão central do Sistema Brasileiro de
Inteligência (SISBIN) no assessoramento ao PDN135.

O usuário é a autoridade ou o órgão do Poder Executivo com poder de decisão. Em situações


especiais, outros órgãos ou autoridades podem assumir a condição de usuários da Atividade de
Inteligência.

A condição básica para que a relação produtor-usuário se efetive é, por um lado, que o usuário
tenha o entendimento correto do que é a Atividade de Inteligência e, por outro lado, que o produtor
tenha uma visão clara do que é o PDN e em que nível desse processo o usuário e o próprio produtor
encontram-se inseridos.

Dado que a Atividade de Inteligência exerce função de assessoria, o produtor deve proceder
de tal maneira que os conhecimentos produzidos sejam úteis e confiáveis ao usuário, sem, no
entanto, descurar do princípio da imparcialidade.

ATUAÇÃO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO PROCESSO DECISÓRIO


NACIONAL

O PDN apresenta quatro fases – de diagnóstico, política, estratégica e de gestão –, nas quais
atua a Atividade de Inteligência. Essas fases refletem-se no PPA, na sua fase de diagnóstico e nas
suas três dimensões: estratégica, tática e operacional. O tipo de assessoramento prestado pela
Atividade varia conforme a fase, em função da necessidade e demanda do usuário.

Fase de Diagnóstico

Nesta fase, a Atividade de Inteligência assessora o usuário na compreensão da conjuntura, em


duas dimensões:

contexto nacional, nos diferentes segmentos da realidade interna, enfocando as áreas de


tensão, reais ou potenciais, e os atores que representam ou possam representar oportunidades e
ameaças presentes ou futuras à implementação das ações de governo; e

contexto internacional, no que se refere a interesses nacionais, enfocando as áreas de tensão,


reais ou potenciais, e os atores internacionais que representam ou possam representar oportunidades
e ameaças presentes ou futuras à projeção das ações de governo.

Além de descrever, interpretar e avaliar esses cenários, a Atividade de Inteligência assessora o


usuário mediante a avaliação das políticas em curso e da capacidade dos recursos nacionais
(humanos e materiais).

No que se refere às políticas em curso, são avaliadas a PNI e as demais políticas de governo
vigentes, por meio da análise dos objetivos propostos, dos obstáculos superados e não superados e
dos resultados alcançados ou em processo de concretização.

No que se refere aos recursos nacionais, avalia-se a capacidade de o país superar óbices que se
interpõem à consecução dos objetivos de governo.

246
Na fase de diagnóstico, o assessoramento dá-se por meio de conhecimentos de natureza
descritiva e interpretativa (informe, informação e apreciação).

Fase Política

Nesta fase, é elaborada nova PNI, que arrola e define os objetivos de Inteligência. A
Atividade de Inteligência assessora a autoridade decisória em seu mais alto nível, na definição de
políticas voltadas para a consecução dos objetivos de governo, nos contextos nacional e
internacional. A atuação da Atividade caracteriza-se pela produção de conhecimentos que
complementem as projeções das demais estruturas de assessoria.

Ainda que a prática da Atividade de Inteligência vincule-se às políticas públicas como um


todo, as políticas do tipo “exterior e defesa”136 configuram um campo clássico de atuação da
Atividade, por promoverem os interesses nacionais do país e buscarem estabelecer parâmetros nas
relações com outros países.

O assessoramento ao usuário, na fase política, ocorre preponderantemente por meio de


conhecimentos de natureza interpretativa e interpretativo-prospectiva (apreciação e estimativa).

Fase Estratégica

Nesta fase, a Atividade de Inteligência fornece subsídios que contribuem para que o governo
defina como aplicar os meios para alcançar seus objetivos, principalmente aqueles voltados à
segurança da sociedade e do Estado.

A autoridade decisória de mais alto nível, após conceber a estratégia governamental, expede
as diretrizes correspondentes, permitindo a elaboração das diretrizes de Inteligência pelo organismo
central de Inteligência de Estado. Este também elabora o Plano Nacional de Inteligência (Planint),
visando criar um fluxo constante de conhecimentos destinados a subsidiar as autoridades decisórias,
em diferentes níveis.

Na fase estratégica, o assessoramento dá-se por meio de conhecimentos de natureza descritiva


e interpretativa (informe, informação e apreciação).

Fase de Gestão

Nesta fase, o organismo central de Inteligência de Estado executa o Planint. A assessoria


oferecida pela Atividade de Inteligência às autoridades tem o foco no planejamento por elas
elaborado, a fim de que seja corroborado e mantido ou, se necessário, corrigido e ajustado.

Na fase de gestão, o acompanhamento se dá por meio de conhecimentos de natureza


descritiva e interpretativa (informe, informação e apreciação).

PLANEJAMENTO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

Consiste no estudo necessário à elaboração do Planint do órgão central e dos planos de


Inteligência dos demais órgãos do SISBIN. O Planint visa implementar a PNI, a fim de atender às
demandas das autoridades governamentais por meio de conhecimentos oportunos e necessários às
suas decisões. A elaboração dos planos baseia-se em “estudos de situação de Inteligência”.

247
1. Estudo de Situação de Inteligência (ESI)

É a análise de aspectos da PNI com o objetivo de definir os pontos fundamentais que orientam
o exercício da Atividade de Inteligência no período de um governo. Em sua maior amplitude, é
realizado pelo organismo central de Inteligência de Estado, a partir da definição dos objetivos de
governo que constam no PPA.

O estudo de situação de Inteligência aborda os seguintes itens: objetivos de Inteligência;


diretrizes de Inteligência; conhecimentos necessários.

a. Objetivos de Inteligência (OI)

São orientações, formuladas por meio do estudo de situação de Inteligência, para a produção
do conhecimento. Os objetivos de Inteligência se enquadram, no todo ou em parte, na esfera de
competência dos órgãos do SISBIN que desempenham a Atividade de Inteligência.

Os objetivos de Inteligência podem ser desdobrados em aspectos específicos denominados


“conhecimentos necessários”.

b. Diretrizes de Inteligência (DIN)

Orientam a formulação dos conhecimentos necessários derivados dos objetivos de


Inteligência.

As diretrizes de Inteligência devem conter:

· as estratégias escolhidas para alcançar os objetivos de Inteligência;


· as bases para a elaboração do Planint (prioridade, prazo e recursos); e

· as atribuições de encargos aos integrantes do SISBIN, de acordo com suas respectivas


competências.

c. Conhecimentos Necessários (CN)

São aspectos específicos, derivados dos objetivos de Inteligência, que orientam a produção do
conhecimento. Esse detalhamento viabiliza a distribuição dos conhecimentos necessários aos órgãos
do SISBIN conforme suas atribuições. No nível desses organismos, os conhecimentos necessários
podem ser novamente desdobrados.

2. Plano Nacional de Inteligência (Planint)

É o documento, decorrente das diretrizes de Inteligência, que orienta as ações do organismo


central de Inteligência voltadas à execução da PNI e que serve de parâmetro para os organismos do
SISBIN que desempenham a Atividade de Inteligência elaborarem os seus planos específicos. O
Planint gera um fluxo constante de conhecimentos, fornecendo ao organismo central insumos para o
atendimento dos objetivos de Inteligência.

127
Ver cap. 5, seção Ciclo de Inteligência.
128
Essa afirmação reflete o que está dito na abertura do cap. 8 (“segunda ideia-chave”) sobre a relação entre
Atividade de Inteligência e política. Ainda em associação a isso, ver as seções Tipos de Conhecimento e Categorias de
Conhecimentos naquele capítulo.

248
129
Cf. Art. 2º da Lei nº 12.593, de 18 de janeiro de 2012, que institui plano plurianual.
130
Cf. Eugênio Lahera P., Política y Políticas Públicas (Santiago, Chile: CEPAL, 2004), p. 7.
131
Cf. Carter A. Wilson, Public Policy: continuity and change (Long Grove, Illinois: Waveland Press Inc., 2013),
pp. 15-16.
132
Cf. BRASIL. Ministério do Planejamento, Gestão e Orçamento. Secretaria de Planejamento e Investimentos
Estratégicos. Plano Plurianual 2012-2015: projeto de lei (Brasília: MP, 2011).
133
Cf. Art. 3º da Lei nº 12.593, de 18 de janeiro de 2012.
134
Cf. Art. 2º do Decreto nº 7.866, de 19 de dezembro de 2012.
135
Art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.883/1999.
136
Cf. Carter A. Wilson, op. cit., p. 20.

249
11. CONTROLE DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

Controle é “a faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou


autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro”137. Em regimes democráticos, o controle da
Administração Pública é imprescindível para a concretização dos direitos de cidadania e para o bom
funcionamento da máquina estatal.

A Atividade de Inteligência, como as demais funções estatais, está sujeita a controle.


Ademais, em razão da sua natureza sigilosa, faz-se necessária a adoção de mecanismos de controle
específico, que se somam às modalidades ordinárias. Esse controle visa garantir o cumprimento da
Política Nacional de Inteligência (PNI), em consonância com princípios constitucionais e da própria
Atividade.

CONTROLE ORDINÁRIO

A Atividade de Inteligência está sujeita a controle externo exercido pelo Congresso Nacional,
com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU)138. Esse controle consiste na fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, e demanda permanente prestação de
contas.

Com relação ao controle interno – aquele exercido pelo mesmo poder em que se encontra um
referido órgão da Administração Pública –, os órgãos que desempenham a Atividade de Inteligência
submetem-se à fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU). No caso específico da ABIN,
esse controle também é exercido pela Secretaria de Controle Interno da Presidência da República
(Ciset).

CONTROLE ESPECÍFICO

Trata-se do controle externo exercido pela Comissão Mista de Controle das Atividades de
Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional139, cujas atribuições estão detalhadas em seu Regimento
Interno140. Para que a CCAI possa exercer seu papel, exige-se que cada órgão ou entidade integrante
do SISBIN lhe apresente relatórios parciais, gerais e extraordinários. Além disso, a CCAI goza de
poderes para realizar inspeções em áreas e instalações de integrantes do SISBIN, com direito de
acesso a documentos e arquivos. Outra medida de controle é a exigência legal de que a pessoa
indicada pelo Poder Executivo para dirigir a ABIN tenha seu nome aprovado pelo Senado Federal.

No âmbito do próprio Executivo, o controle da Atividade de Inteligência é exercido pela


Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDEN) do Conselho de Governo141, à qual
compete supervisionar a execução da PNI. No âmbito do SISBIN, cabe à ABIN exercer o controle
das atividades de Inteligência conforme o Plano Nacional de Inteligência (Planint)142, que é um
instrumento para operacionalizar o cumprimento da PNI.

137
Ver Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro (São Paulo: Malheiros Editores, 1996), p. 574.
138
Constituição Federal, arts. 70, 71 e 72.

139
Art. 6º da Lei Federal nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999.

140
Resolução nº 2, de 22 de novembro de 2013, do Congresso Nacional.
141
Art. 5º da Lei Federal nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999.

142
Art. 3º da Lei Federal nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999.

250
12. ÉTICA NA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

A nova fase de constitucionalismo no Brasil, vigente a partir de 1988, exigiu que se


implementassem esforços para conciliar a Atividade de Inteligência com o regime democrático.
Trata-se de considerar a responsabilidade dos operadores da Atividade de Inteligência no Estado
Democrático de Direito.

Situações do passado recente exemplificam a necessidade de a Atividade de Inteligência


adotar um tratamento responsável da questão ética. O ataque terrorista ocorrido em 11 de setembro
de 2001 representa um marco histórico para a Atividade de Inteligência – uma divisão técnica e
moral143. Esse acontecimento, de um lado, impôs ênfase nas ações de contraterrorismo e no
incremento dos meios técnicos para a realização dessa tarefa, e, de outro, tornou-se pretexto para
abusos na utilização desses meios, gerando debates e críticas sobre os limites dessa atividade
singular.

Tratamento responsável da questão ética na Atividade de Inteligência implica reconhecer que


o produto dessa atividade é direcionado ao Estado e apenas para propósitos legitimados
democraticamente. Esses propósitos têm como objetivo o apoio a instituições estatais na formulação
e no exercício de políticas, programas e operações destinadas ao incremento da segurança do Estado
e da sociedade, na forma de proteção e promoção de seus interesses144. A Atividade de Inteligência
tem o compromisso de prestar satisfação de suas ações a si mesma e aos outros e de atuar da forma
mais competente possível. Ademais, por envolver escolhas e deliberações morais, o exercício dessa
atividade é necessariamente suscetível ao exame ético145.

O procedimento ético representa também a defesa da própria dignidade do profissional de


Inteligência, haja vista promover o correto desempenho dessa atividade. Dado que a ocupação na
Atividade de Inteligência constitui uma profissão146, deve-se considerar que profissionalismo
implica senso de responsabilidade coletiva associada a elevados padrões de competência técnica e
ao compromisso de se atender a interesses sociais147. Assim, deve interessar sobremaneira à
Atividade não ser objeto ou meio de exploração política e econômica.

Para compreender como a ética se aplica ao contexto da Atividade de Inteligência,


consideram-se quatro abordagens desse fenômeno: “idealista”, “realista”, “consequencialista” e
“teoria da Atividade de Inteligência justa”.

A abordagem “idealista”148 concebe a moralidade como um absoluto, de modo que qualquer


ação tachada como imoral não pode servir para a persecução de nenhum fim. Acima de tudo, está a
regra de ouro (“imperativo categórico”) que toma toda pessoa como um fim em si mesmo, jamais
como meio. Essa regra é o espírito dos “direitos humanos”. Seu principal representante, Kant,
referiu-se explicitamente à Atividade de Inteligência como “intrinsecamente vil [pois] explora
apenas a desonestidade de outros”.

A abordagem “realista”149, representada por Maquiavel e Hobbes, estaria na extremidade


oposta do espectro moral. Nessa perspectiva ética, tem grande peso a razão de Estado150. Por isso,
seu valor moral maior é o bem da comunidade política, ou seja, agir em favor do interesse nacional
é um princípio moral. Conforme Hobbes, governos estão autorizados a “fazer qualquer coisa que
pareça adequada para subverter, por força ou arte, o poder de estrangeiros a quem eles temam”, com
a finalidade de manter a segurança nacional.
A abordagem “consequencialista”151 leva em consideração o efeito deletério da ação. Trata-se
de uma espécie de cálculo moral, em que a justificativa ocorre quando o benefício é maior que o

251
malefício – e não apenas quando há benefício. Assim, a abordagem consequencialista apenas
justificaria certas ações porque trariam mais benefícios do que malefícios.

A última abordagem, a “teoria da Atividade de Inteligência justa”152, inspirada na “teoria da


guerra justa”153, é sensível aos ditames da abordagem idealista, mas admite que os países não podem
sacrificar seus interesses e aceitar ameaças à sua segurança. Nesse caso, ações de Inteligência são
comparadas a ações militares, ou seja, aceitas quando consideradas imprescindíveis, mas sempre
restringidas pela adequação. Valores idealistas, como “não roubar” ou “não mentir” jamais perdem
seu peso, mas são contrariados em situações justificáveis.

O constitucionalismo, por primar pela dignidade individual, não permite mais se tomar a
razão de Estado como princípio moral predominante; no entanto, não se pode ignorar o valor da
preservação do coletivo. A abordagem “idealista” é insuficiente para se lidar com a complexidade
do mundo em sua teia de interesses. A adoção pura e simples dessa abordagem poderia expor a
sociedade a custos muito altos em nome de uma regra moral. A Atividade de Inteligência não pode
aderir completamente a essa abordagem, mas pode e deve colocar-se no espaço que o
constitucionalismo lhe concede, que é o de tolerar determinadas ações como resquício inevitável da
razão de Estado no mundo, mas impondo-lhe controle democrático por meio de instituições
públicas. Sendo assim, conforme o caso, cada abordagem ética é mais ou menos útil para moldar as
ações de Inteligência. Seria inconveniente e improdutivo aderir a apenas uma delas154.
Acima de tudo, considera-se inconcebível que um profissional de Inteligência, que é servidor
público e cidadão, renuncie à sua consciência moral enquanto realiza seu trabalho. Se, por um lado,
não se deseja fomentar profissionais exclusivamente pragmáticos, por outro, não se almeja gerar
neles mentalidade extremamente legalista e absolutista. Acredita-se que, para um campo situado
num contexto complexo, são mais úteis indivíduos flexíveis e autônomos, aptos a julgar e a
decidir155. Antes de tudo, interessa proteger os próprios profissionais de contraírem contra si um
prejuízo moral. Note-se que a exigência moral também é exigência cognitiva: o profissional deve
ser crítico para avaliar as situações, julgando de modo arguto se e por que esse ou aquele
procedimento é necessário e que implicações impõe. Não se pode endossar e promover a “defesa de
Nuremberg” (“só cumprindo ordens”)156. Esta avaliação pelo profissional de Inteligência é a
primeira obrigação, que corresponde ao princípio da simplicidade apresentado neste volume157.

A fim de se tratar da ética da Atividade de Inteligência, apontam-se três fontes capazes de


orientar seus servidores como membros de uma categoria profissional específica, a saber: o código
de ética profissional, os princípios da Atividade de Inteligência constantes desta Doutrina e a
literatura acadêmica sobre o tema.

A Atividade de Inteligência aproxima-se da prática científica por seu compromisso com a


verdade, imparcialidade e honestidade. O principal aspecto da ética do profissional de Inteligência é
o dever de representar a verdade158, mesmo quando essa representação for inconveniente para o
usuário do produto da Inteligência. Para alcançar a veracidade, esse profissional deve também
respeitar os métodos de elaboração dos “juízos de realidade” que formam o conhecimento e que o
previnem de precipitação e de suposição que levariam à distorção da realidade. Este procedimento
está implícito no princípio da imparcialidade159. Além disso, tendo por base a honestidade, esse
profissional jamais deve distorcer a realidade e aplicar técnicas operacionais para fins espúrios ou
mesmo particulares, inclusive os de natureza política. Rejeita-se o uso da Atividade de Inteligência
como instrumento de particulares organizados em classes e grupos.

A Atividade de Inteligência também se vincula ao campo da política, no que tange ao seu


compromisso com patriotismo, discrição, boa-fé e humanismo. Uma vez que o seu produto se
destina ao assessoramento de autoridades governamentais, o profissional de Inteligência deve estar
comprometido com a garantia da integridade desse produto e com a ampliação da influência do país
252
no mundo. A discrição e o comedimento que favorecem a Atividade são traços de conduta que
devem ser considerados a fim de se atingir a confidencialidade que a caracteriza. Dilemas morais
podem se apresentar quando da necessidade de se definir o modo como a verdade poderá ser
alcançada, ou seja, de se definir a aplicação das técnicas operacionais de Inteligência. No caso
desses dilemas, o profissional deve resguardar-se na boa-fé do objetivo da ação, apoiando-se em sua
licitude quando promover a integridade e a ampliação da influência do país. Em caso de trato com
estrangeiros, o profissional de Inteligência deve se orientar pelo princípio da reciprocidade, em
consideração aos direitos humanos. No entanto, partindo-se da constatação da real concorrência
entre os Estados-nação, o profissional privilegia o benefício de seu país.

No que tange à aplicação de técnicas operacionais, o tratamento responsável da questão ética


pressupõe considerar as operações de Inteligência como instrumento para atingir um fim justificado.
As operações, como tal, existem para atuar sobre algo (instrumentalidade) e atribuem a seus objetos
a sua própria natureza, isto é, a de ser instrumento. Por essa razão, tendem a degradar tais objetos
(instrumentalização)160. Essa degradação consiste em ver em coisas e pessoas um meio para atingir
certos fins, isto é, em não reconhecer seu valor próprio de existência e, quando for o caso, sua
vontade própria161. Pode-se constatar essa degradação quando, por exemplo, a motivação para se
conversar com alguém não é conhecê-lo, mas extrair dele informações. A instrumentalização em si
não é o problema, pois o emprego de meios para atingir um fim é inevitável para o viver. O
problema reside no questionamento de sua legitimidade. As operações instrumentalizam algo ou
alguém em favor dos ramos Inteligência e Contrainteligência. Essa condição de atuar lhes faz pesar
a vigilância ética.

Ao fim e ao cabo, as operações só são justificadas se sua razão de ser – na verdade, de atuar –
puder remontar a um fim cujo propósito seja a existência do próprio indivíduo ou cidadão ou da
sociedade. Como instrumento162, a máxima de operações é o êxito alcançado conforme regras de
sagacidade e prudência na aplicação de procedimentos técnicos e pragmáticos. A reflexão ética lhe
oferece limites, que funcionam por meio de máximas valorativas atingidas conforme regras tais
como normas, interesses impessoalizados e soluções de compromisso (conciliação). Poder-se-ia
concluir que faz parte das habilidades exigidas especialmente do profissional de operações de
Inteligência um refinado senso moral para saber identificar a razão ética de sua atuação, além da
razão técnica.

Do ponto de vista gerencial, essa reflexão ética é conduzida pela consideração do princípio da
simplicidade, de acordo com o qual o espírito normativo da Atividade prevê a minimização da
aplicação de recursos, além de cautela na definição de objetos de interesse. Trata-se de prudência
econômica e de prudência moral. O que está em questão não é só a temeridade que implica prejuízo
material, mas também aquela que implica prejuízo subjetivo. A necessidade de conhecer163 na
Atividade de Inteligência pode impor a aplicação de procedimentos, ações e técnicas invasivas, ou
seja, que ameaçam ou que têm o potencial de violar direitos individuais, como a privacidade. Em
regra, antes de recorrer a esses meios, devem ser esgotados todos os outros procedimentos de
obtenção de dados veiculados por fontes abertas ou fontes humanas. Consequentemente, a
utilização de meios que representem ameaça a direitos subjetivos deve observar três regras
básicas164:

I. adequabilidade: deve haver fatos que justifiquem a presunção de que os meios operacionais
utilizados irão propiciar a obtenção do dado;

II. imprescindibilidade: não há alternativa menos lesiva aos direitos civis que sirva para a
obtenção do dado pretendido; e

253
III. proporcionalidade: a utilização da técnica deve ser aplicada até o limite estritamente
necessário à obtenção do dado pretendido.

Em síntese, são deveres éticos do profissional de Inteligência:

a) representar a verdade;

b) aplicar métodos na elaboração do conhecimento, evitando meras ilações;

c) rejeitar qualquer interferência não republicana no processo de produção do conhecimento;

d) promover o país por meio de sua atuação;

e) tratar os assuntos de seu trabalho com discrição;

f) considerar a dignidade individual e o interesse coletivo como referência para a aquisição e


para a produção do conhecimento;

g) considerar, no trato com estrangeiros, o princípio da reciprocidade e os direitos humanos; e

h) refletir criticamente sobre a necessidade e as implicações morais de suas ações e decisões.

Esses deveres éticos previnem o profissional da Atividade de Inteligência de transformar o


conhecimento em poder, o que é prerrogativa do usuário e somente dele.

Ciro Leal M. da Cunha, em Terrorismo internacional e a política externa brasileira após o 11 de setembro
143

(Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009), analisa esse evento como marco histórico para as relações
internacionais, considerando, nesse contexto, a relevância do aumento da coercitividade (pp. 21,23,47) por meio de
normas e vigilância, em função de regras de prevenção e repressão. Além disso, assinala que “após o 11 de Setembro,
o combate ao terrorismo passou a justificar violações graves dos direitos humanos... São recorrentes as iniciativas a
distorcer o direito para acomodar medidas ilegítimas de investigação e repressão ... Isso tudo gera a preocupação com
a compatibilidade entre a campanha mundial contra o terrorismo e os direitos humanos” (p. 157).
Cf. George Allen, “Professionalization of Intelligence”. In: Jan Goldman (Ed.), Ethics of Spying: A Reader
144

for the Intelligence Professional- vol. 2 (Lanham, Maryland, Toronto, Oxford: The Scarecrow Press, Inc., 2006), p. 9.
145
Cf. Jennifer Morgan Jones, “Is Ethical Intelligence a contradiction in terms?” In: Jan Goldman (Ed), op. cit.,
p. 21.
146
Cf. Marco Cepik & Priscila Antunes, “Profissionalização da Atividade de Inteligência no Brasil: critérios,
evidências e desafios restantes”. In: Russel Swenson and Suzana Lemozy (org.), Intelligence Professionalism in the
Americas (Washington-D.C., JMIC-NDU Press, 2004), pp. 109-154.
147
Cf. George Allen, op. cit., pp. 3-4.
148
Sobre isso, ver Jennifer Morgan Jones, op. cit., pp. 22-24.
149
Ver ibid., pp. 24-25.
150
Sobre “razão de Estado”, ver cap. 1.
151
Ver ibid., pp. 25-26.
152
Ver ibid., pp. 26-28.

153
Justificação da legitimidade do uso da força nas relações internacionais, adotando, por exemplo, critérios de
motivo e proporcionalidade.

154
Ver Jennifer Morgan Jones, op. cit., p. 30.

254
155
Sobre isso, ver ibid., p. 29.
156
A expressão “só cumprindo ordens” deriva da alegação de nazistas de alto escalão levados a julgamento
pelos Aliados, em novembro de 1945, na cidade de Nuremberg, Alemanha. Tratou-se de um tribunal militar
internacional, onde se levantou contra os nazistas a acusação de vários crimes de guerra e contra a humanidade
cometidos durante a II Guerra Mundial. Todos os acusados declararam-se inocentes.
157
Ver cap. 4, seção Princípios da Atividade de Inteligência.
158
Ver o Código de Ética da ABIN, inciso V do art. 6º do Código de Ética Profissional do Servidor da Agência
Brasileira de Inteligência aprovado pela Portaria nº 463, de 7 de dezembro de 2012; J. E. Drexel Godfrey, “Ethics and
Intelligence” in GOLDMAN, Jan (Ed.), op. cit., p. 02; e Michael Herman, “Ethics and Intelligence after September
2001” in GOLDMAN, Jan (Ed.), op. cit., pp. 106ss.
159
Ver o “princípio da imparcialidade” no cap. 4, seção Princípios da Atividade de Inteligência, e nos artigos 5º
e 6º do Código de Ética Profissional do Servidor da Agência Brasileira de Inteligência, op. cit.
160
Este problema em torno do instrumento é discutido por Hannah Arendt, A Condição Humana, op. cit., pp.
166-170.
161
Sobre isso, ver ibid., pp. 169-170, 172 e 177.
A distinção a seguir entre “máximas de êxito” e “máximas de valor” encontra-se em Wolfgang Schluchter,
162

“Ethik und Klugheitslehre” in Religion und Lebensführung — vol. 1, (Frankfurt: Suhrkamp, 1991), p. 206.
163
Trata-se de condição para que determinada pessoa tenha acesso a conhecimento ou dado sigiloso.
164
Trata-se da aplicação do Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade na utilização de técnicas
operacionais. As legislações dos serviços de inteligência da Alemanha e da Itália contêm normas que dispõem em
sentido semelhante (Cf. Bundesverfassungsschutzgesetz – BverfSchG § 8 (2); § 9 (1); e Legge Nº 124/2007, art. 17,
alínea 6). Sobre a aplicação do Princípio da Proporcionalidade no Direito Brasileiro, ver a doutrina em Gilmar F.
Mendes, Inocêncio M. C. Coelho, Paulo G. G. Branco, Curso de Direito Constitucional (São Paulo: Saraiva, 2010),
cap. 5, II, 3.3 (O princípio da proporcionalidade).

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259
GLOSSÁRIO

Abordagem “consequencialista”
Abordagem ética que considera o efeito deletério da ação, apenas justificando-a porque traria
mais benefícios do que malefícios.

Abordagem da “teoria da Atividade de Inteligência justa”


Abordagem ética segundo a qual ações de Inteligência são comparadas a ações militares, ou
seja, aceitas quando consideradas imprescindíveis, mas sempre restringidas pela adequação.

Abordagem “idealista”
Abordagem ética que concebe a moralidade como um absoluto, de modo que qualquer ação
tachada como imoral não pode servir para a persecução de fim algum.

Abordagem “realista”
Abordagem ética que confere grande peso à razão de Estado; por isso, o valor moral maior
postulado é o bem da comunidade política.

Abrangência
1. Quanto às operações de Inteligência, abrangência é critério relativo à amplitude dos
resultados almejados, segundo o qual as operações tipificam-se em exploratórias e sistemáticas.

2. Quanto ao conhecimento de Inteligência, abrangência é categoria relativa ao âmbito de


produção, segundo a qual os conhecimentos tipificam-se em internos e externos.

Ação adversa
Ação intencional, patrocinada ou não, que se opõe à consecução de interesses nacionais e à
salvaguarda de conhecimentos e dados sensíveis.

Ações especializadas
Procedimentos metodológicos próprios da Atividade de Inteligência, que se manifestam de
formas distintas nos ramos Inteligência e Contrainteligência e nas operações de Inteligência.

Ações furtivas
Ações praticadas de forma encoberta para não serem conhecidas pela outra parte.
Manifestam-se na prática do senso comum, como arte ou ofício e, ainda, como ofício abrigado
numa repartição burocrática.

Adequabilidade
Regra a ser observada na utilização de meios operacionais que representem ameaça a direitos
subjetivos, a qual postula a necessidade de haver fatos que justifiquem a presunção de que tais
meios irão propiciar a obtenção do dado.

Agir
Fase do ciclo de Contrainteligência em que são adotados medidas e procedimentos para
concretizar a decisão tomada na fase anterior (decidir), acerca de como proceder para prevenir,
obstruir ou neutralizar a ação danosa, real ou provável.

Alvo
1. Objeto de interesse de uma operação de Inteligência.
2. Objeto de interesse de uma ameaça intencional (antagonismo).
260
Ameaça
Condição ou fator desfavorável à consecução de interesses nacionais e à salvaguarda de
conhecimentos e dados sensíveis. As ameaças tipificam-se em antagonismos e óbices.

Amplitude
Princípio da Atividade de Inteligência que consiste na obtenção dos mais completos
resultados nos trabalhos desenvolvidos.

Análise
Ver Processamento (1).

Antagonismo
Ameaça intencional, provocada quer pela inteligência adversa quer por outros atores, que se
contrapõe à consecução de interesses nacionais e à salvaguarda de conhecimentos e dados sensíveis.

Apreciação
Conhecimento de Inteligência sobre coisa ou evento passado ou presente, resultante de
raciocínio, que expressa o estado de opinião do profissional de Inteligência em relação à verdade. A
apreciação pode admitir também menção sobre a probabilidade de um evento ocorrer no futuro
imediato, como desdobramento esperado de realidade passada e presente.

Atividade de Inteligência
Exercício permanente de ações especializadas destinadas à produção de conhecimentos e à
proteção da sociedade e do Estado, com vistas ao assessoramento de autoridades de sucessivos
governos, nos respectivos níveis e áreas de atribuição.

Busca
Ação especializada para obtenção de dados negados, mediante o emprego de técnicas
operacionais.

Certeza
Estado da mente perante a verdade no qual a mente considera a imagem por ela formada
como correspondente a determinado objeto. Essa concordância é integral, em razão da suficiência
de evidências para alcançar a certeza.

Ciberespaço
Conceito abrangente que inclui todas as coisas vinculadas à rede mundial de computadores
(internet), base desse espaço, em que ações e comunicações ocorrem na esfera global de conexões
virtuais.

Ciclo de Contrainteligência
Modus operandi do ramo Contrainteligência, composto de cinco fases (observar, orientar,
detectar, decidir e agir), com ponto inicial e final na ação de observar.

Ciclo de Inteligência
Modus operandi do ramo Inteligência, composto de cinco fases (política, planejamento,
reunião, processamento e difusão), com ponto inicial e final na fase política.

261
Ciclo do conhecimento
Sequência ascendente e descendente em que se desenvolve o conhecimento, num movimento
onde a atividade (base) condiciona o pensamento, que elabora o conhecimento (abstração). O
conhecimento orienta o pensamento, elemento intermediário que dirige a atividade.

Classificação
Atribuição, pela autoridade competente, de grau de sigilo (reservado, secreto e ultrassecreto) a
conteúdos sigilosos.

Coisa
Objeto da Atividade de Inteligência caracterizado por responder a um problema que almeja a
identificação do referido objeto (descrição de suas características constitutivas).

Coleta
Ação especializada para obtenção de dados de livre acesso.

Conceito
Representação geral de ideia ou noção, concreta ou abstrata, de determinada realidade. Ver
Ideia.

Conhecimento
1. Como processo: passagem da sensibilidade para as representações mentais, que se
desenvolvem das formas sensíveis ou empíricas para as conceituais; esse processo se dá no “ciclo
do conhecimento”.

2. Como produto: representação conceitual ou conjunto representativo da experiência sensível


que, por ter sido processado, é exteriorizado na forma de linguagem (discurso) oral ou escrita.

3. Na Atividade de Inteligência: representação de coisa ou evento real ou hipotético, de


interesse para a Atividade de Inteligência, produzida pelo profissional de Inteligência.

Conhecimento descritivo
Conhecimento resultante de juízos.
Conhecimento estratégico
Conhecimento utilizado no Processo Decisório Nacional para formulação das políticas de
governo e definição das diretrizes estratégicas delas decorrentes.

Conhecimento externo
Conhecimento que tem como objeto coisa ou evento de ocorrência em países estrangeiros e
em organismos internacionais.

Conhecimento interno
Conhecimento que tem como objeto coisa ou evento de ocorrência no próprio país.

Conhecimento interpretativo
Conhecimento resultante de raciocínio sobre coisa ou evento passado ou presente.

Conhecimento interpretativo-prospectivo
Conhecimento resultante de raciocínio sobre a evolução futura de coisa ou evento.

262
Conhecimento operacional
Conhecimento utilizado na execução e no acompanhamento de ações para implementação das
diretrizes estratégicas decorrentes das políticas de governo.

Conhecimento sensível
1. No campo da teoria do conhecimento, é aquele que indica o modo como o sujeito
cognoscente tem seu primeiro contato com o objeto, em que a imaginação atua coordenando um
complexo de dados sensoriais relativos ao objeto e fixando diversas representações deste.

2. No âmbito da Atividade de Inteligência, conhecimento sensível é aquele constituído por


conteúdos sensíveis.

Conhecimento tático
Conhecimento utilizado no planejamento de ações para implementação das diretrizes
estratégicas decorrentes das políticas de governo.

Conhecimentos necessários
Aspectos específicos, derivados dos objetivos de Inteligência, que orientam a produção do
conhecimento de Inteligência.

Conteúdos classificados
Conteúdos cuja restrição de acesso está vinculada a grau de sigilo. Ver Classificação.

Conteúdos sensíveis
Frações de sentido cuja apropriação, revelação, utilização ou destruição indevida pode causar
tensões e prejuízos, requerendo cuidados por parte dos organismos que as produzem, guardam ou
veiculam.

Conteúdos sigilosos
Frações de sentido submetidas à restrição legal de acesso público, em razão de sua
imprescindibilidade à segurança da sociedade e do Estado.

Contrainteligência
Ramo (função) da Atividade de Inteligência que desenvolve ações especializadas destinadas à
prevenção e contraposição (detecção, obstrução e neutralização) à atuação da Inteligência adversa e
a outras ações que constituam ameaças à salvaguarda de conhecimentos e dados sensíveis, pessoas,
áreas e instalações de interesse da sociedade e do Estado.

Contraposição
Detecção, obstrução e neutralização de ações que constituam ameaças aos interesses
nacionais.

Controle
1. Princípio da Atividade de Inteligência que impõe a supervisão adequada das ações da
Atividade.
2. Faculdade de vigilância, orientação e correção que um poder, órgão ou autoridade exerce
sobre a conduta funcional de outro.

263
Controle específico
Mecanismos de controle designados apenas à Atividade de Inteligência, em razão de sua
natureza sigilosa, externamente exercidos pela Comissão Mista de Controle das Atividades de
Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional, e internamente pela Câmara de Relações Exteriores e
Defesa Nacional do Conselho de Governo (CREDEN).

Controle externo
Controle exercido por poder distinto daquele em que se encontra determinado órgão da
Administração Pública.

Controle interno
Controle exercido pelo mesmo poder em que se encontra determinado órgão da
Administração Pública.
Controle ordinário
Mecanismos de controle da Atividade de Inteligência comuns a outras funções estatais,
externamente exercidos pelo Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União
(TCU), e internamente pela Controladoria-Geral da União (CGU).

Dado
Qualquer representação de coisa ou evento não produzida pelo profissional de Inteligência.

Dado negado
Dado sensível protegido por seu detentor, para resguardá-lo do acesso não autorizado.

Decidir
Fase do ciclo de Contrainteligência em que se define como proceder para prevenir, obstruir ou
neutralizar a ação danosa, real ou provável.

Desinformação
Manipulação planejada de informações, falsas e verdadeiras, para iludir ou confundir um
centro decisor, visando induzi-lo a erro de avaliação.

Detectar
Fase do ciclo de Contrainteligência em que se identifica ação danosa, real ou provável,
concernente a pessoas, conhecimentos, dados, materiais, equipamentos, áreas, instalações, sistemas
ou processos relativos aos alvos e focos em potencial.

Difusão
Fase do ciclo de Inteligência que consiste na transmissão do conhecimento produzido ao
usuário, que tem à sua disposição esse produto como subsídio para a ação governamental.

Diretrizes de Inteligência
Normas que orientam a formulação dos conhecimentos necessários, derivados dos objetivos
de Inteligência, e embasam a elaboração do Plano Nacional de Inteligência (Planint).

Documento de Inteligência
Documento utilizado para veicular conhecimento de Inteligência.

Doutrina
Conjunto de princípios, conceitos, normas, valores, métodos e procedimentos para orientar e
disciplinar determinada atividade.
264
Dúvida
Estado da mente perante a verdade no qual a mente se encontra impossibilitada de afirmar ou
negar a adequação ao objeto da imagem por ela elaborada, ocorrendo a suspensão provisória de sua
capacidade de optar por uma imagem do objeto.

Erro
Não conformidade entre o conteúdo do pensamento e o objeto; ilusão da verdade.

Espaço cibernético
Ver Ciberespaço.

Espionagem
Ação deliberada (antagonismo) que visa à obtenção não autorizada de conhecimentos e dados
sensíveis para beneficiar Estados, grupos de países, organizações, facções, empresas, autoridades ou
indivíduos.

Estado da mente
Condição em que se encontra o intelecto do sujeito perante a realidade.

Estimativa
Conhecimento de Inteligência sobre a evolução futura de coisa ou evento, resultante de
raciocínio, que expressa o estado de opinião do profissional de Inteligência em relação à verdade.

Estudo de Situação de Inteligência (ESI)


Análise de aspectos da Política Nacional de Inteligência (PNI) com o objetivo de definir os
pontos fundamentais que orientam o exercício da Atividade de Inteligência no período de um
governo, por meio do Plano Nacional de Inteligência (Planint).

Ética de Inteligência
Conjunto de valores, deveres e abordagens que determina atitudes e padrões de
comportamento no exercício da Atividade de Inteligência. O principal aspecto da ética do
profissional de Inteligência é o dever de representar a verdade.

Evento
Objeto da Atividade de Inteligência caracterizado por responder a um problema que almeja a
explicação da existência do referido objeto (sua origem e desenvolvimento).

Evidência
Critério da verdade; clara identificação das características essenciais do objeto, permitindo
que coisas e eventos sejam determinados como fatos.

Fase de diagnóstico
Fase do Processo Decisório Nacional (PDN) na qual a Atividade de Inteligência assessora o
usuário na compreensão da conjuntura, nos contextos nacional e internacional, e na avaliação das
políticas em curso e da capacidade dos recursos nacionais (humanos e materiais).

Fase de gestão
265
Fase do Processo Decisório Nacional (PDN) na qual a Atividade de Inteligência oferece
assessoria com o foco no planejamento já elaborado pelas autoridades, a fim de que seja
corroborado e mantido ou, se necessário, corrigido e ajustado.

Fase estratégica
Fase do Processo Decisório Nacional (PDN) na qual a Atividade de Inteligência fornece
subsídios que contribuem para que o governo defina como aplicar os meios para alcançar seus
objetivos, sobretudo aqueles voltados à segurança da sociedade e do Estado.

Fase política
Fase do Processo Decisório Nacional (PDN) na qual a Atividade de Inteligência assessora a
autoridade decisória em seu mais alto nível, na definição de políticas voltadas à consecução dos
objetivos de governo, nos contextos nacional e internacional, especialmente as políticas do tipo
“exterior e defesa”.

Fato
Qualidade de um conhecimento que permite a possibilidade objetiva de verificação,
constatação ou controle e, portanto, também de descrição ou previsão.

Foco
Objeto que está sujeito a ameaça não intencional (óbice).
Furtividade
Propriedade do que é dissimulado, clandestino, secreto.

Ideia
Forma racional de conhecer concebida como uma representação conceitual (imagem não
sensível) da realidade, refletindo aspectos essenciais do objeto como forma de generalização.

Ignorância
Estado nulo da mente perante a verdade, caracterizado pela inexistência de qualquer imagem
de determinado objeto.

Imparcialidade
Princípio da Atividade de Inteligência que consiste em abordar o assunto sem interesses e
ideias preconcebidas que possam distorcer os resultados dos trabalhos.

Imprescindibilidade
Regra a ser observada na utilização de meios que representem ameaça a direitos subjetivos, a
qual exige não haver alternativa menos lesiva que sirva para a obtenção do dado pretendido.

Informação
Conhecimento de Inteligência sobre coisa ou evento passado ou presente, resultante de
raciocínio, que expressa o estado de certeza do profissional de Inteligência perante a verdade.

Informe
Conhecimento de Inteligência sobre coisa ou evento passado ou presente, resultante de juízos,
que expressa o estado de certeza ou opinião do profissional de Inteligência perante a verdade.

Inteligência
Ramo (função) da Atividade de Inteligência que desenvolve ações especializadas destinadas à
produção de conhecimentos sensíveis relativos à identificação de oportunidades e ameaças
266
concernentes a coisas e eventos que ocorram dentro e fora do território nacional, de imediata ou
potencial influência sobre o processo decisório, a ação governamental e a salvaguarda da sociedade
e do Estado.

Inteligência adversa
Atuação de serviço de Inteligência estrangeiro contrária à segurança da sociedade e do
Estado.

“Inteligência cibernética”
Expressão que se refere ao desempenho, no espaço cibernético, das funções de obtenção de
dados e proteção de conhecimentos e dados, em apoio à produção de conhecimentos.

Inteligência de Estado
Ver Atividade de Inteligência.

Interação
Princípio da Atividade de Inteligência que implica estabelecer e adensar relações de
cooperação de modo a otimizar esforços para a consecução dos objetivos.

Interferência externa
Antagonismo que consiste na atuação deliberada de governos, grupos de interesse, pessoas ou
organizações para influenciar os rumos do país, com o objetivo de favorecer interesses estrangeiros
em detrimento dos nacionais. São ações de interferência externa: propaganda adversa e
desinformação.

Intuição
Forma de alcançar, por sua propriedade heurística, o conhecimento racional da realidade,
prescindindo da sensibilidade e das representações sensíveis. A linguagem popular chama essa
capacidade de “estalo”, “pressentimento”, “insight”.

Juízo
Relação entre ideias, compondo uma proposição ou asserção sobre algum objeto real ou ideal,
tratando de suas relações ou ações.

Métodos
Orientações práticas e racionais que disciplinam as ações de Inteligência para alcançar os
objetivos propostos.

Natureza
Critério relativo às operações de Inteligência, referente aos meios empregados: fontes
humanas e recursos técnicos.

Necessidade de conhecer
Condição para que determinada pessoa tenha acesso a conhecimento ou dado sigiloso.

Normas
Regras que visam estabelecer padrões de procedimentos para o desempenho da Atividade de
Inteligência, restringindo a subjetividade em suas ações.

Óbice
Ameaça não intencional que se interpõe aos interesses nacionais, provocada por atores e
fatores diversos.
267
Objetividade
Princípio da Atividade de Inteligência que consiste em planejar e executar ações para atingir
objetivos previamente definidos e perfeitamente sintonizados com a finalidade da Atividade.

Objetivos de Inteligência
Orientações para a produção do conhecimento, formuladas por meio do estudo de situação de
Inteligência, que se enquadram, no todo ou em parte, na esfera de competência dos órgãos do
Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) que desempenham a Atividade de Inteligência.

Observar
Fase do ciclo de Contrainteligência em que são monitorados os adversários, estatais ou não,
do Estado ou das instituições privadas nacionais, e identificados os prováveis alvos de
antagonismos e focos de óbices.

Operação com fontes humanas


Operação que emprega, preponderantemente, pessoas na obtenção de dados negados e na
contraposição a ações adversas.

Operação exploratória
Realização de ações operacionais pontuais, proporcionando resultados específicos em um
determinado momento, com início e término preestabelecidos.

Operação sistemática
Desenvolvimento de ações operacionais continuadas, resultando num fluxo constante de
dados, com início preestabelecido e término indeterminado.

Operação técnica
Operação que emprega, preponderantemente, meios técnicos na obtenção de dados negados e
na contraposição a ações adversas.

Operações de Inteligência
Emprego de ações especializadas para a obtenção de dados negados e a contraposição
(detecção, obstrução e neutralização) a ações adversas, em apoio aos ramos Inteligência e
Contrainteligência.

Opinião
Estado da mente perante a verdade no qual a mente considera, com algum receio de enganar-
se, a imagem por ela formada como correspondente a determinado objeto. Essa concordância é
parcial e indica probabilidade, em razão da insuficiência de evidências para alcançar o estado de
certeza.

Oportunidade
1. Princípio da Atividade de Inteligência que consiste em desenvolver ações e apresentar
resultados em prazo apropriado para sua utilização.

2. Condição ou fator favorável à consecução de interesses nacionais.

Orientar
268
Fase do ciclo de Contrainteligência em que são oferecidas instruções aos responsáveis pelos
potenciais alvos e focos de ameaças, buscando conscientizá-los quanto à necessidade de proteção e
assessorá-los na implementação das medidas necessárias, a fim de evitar ou minimizar prejuízos à
sociedade, ao Estado ou à própria instituição.

Paradigma informativo
Paradigma da história da Atividade de Inteligência referente a democracias em
desenvolvimento, em que a Atividade oscila entre conteúdos com vieses ideológicos e análises
isentas da realidade, submetendo-se formalmente a controles institucionais.

Paradigma policial
Paradigma da história da Atividade de Inteligência referente ao totalitarismo, em que são
utilizadas informações para oprimir os cidadãos e conformar pensamentos e comportamentos.

Paradigma preditivo
Paradigma da história da Atividade de Inteligência referente a democracias desenvolvidas, em
que a Atividade se subordina aos princípios constitucionais e a efetivo controle externo e produz
conhecimento preponderantemente prospectivo, com apoio de técnicas cientificamente embasadas e
da tecnologia da informação.

Paradigma repressivo
Paradigma da história da Atividade de Inteligência referente ao autoritarismo, orientado por
ideologia seletiva, gerando informações para coibir a ação de atores adversos ao sistema vigente.

Patrocínio
Ato de arquitetar determinada ação em benefício de quem a promove; implica planejamento
organizacional, ultrapassando motivações particulares de cunho subjetivo.

Planejamento
Fase do ciclo de Inteligência que consiste na forma pela qual a política é assimilada pelo
órgão de Inteligência e se torna orientação de trabalho, com base nos documentos oficiais e em
demandas específicas.
Planejamento da Atividade de Inteligência
Estudo necessário à elaboração do Plano Nacional de Inteligência (Planint) do órgão central e
dos planos de Inteligência dos demais órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN).

Planejamento governamental
Atividade que orienta as escolhas de políticas públicas, a partir de diagnósticos e estudos
prospectivos.

Plano Nacional de Inteligência (Planint)


Documento que serve como instrumento para operacionalizar o cumprimento da Política
Nacional de Inteligência (PNI), orientando as ações do organismo central de Inteligência e servindo
de parâmetro para os demais organismos do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN)
elaborarem seus planos específicos.

Plano Plurianual da União (PPA)


Instrumento de planejamento governamental que define diretrizes, objetivos e metas, com o
propósito de viabilizar a implementação e a gestão das políticas públicas, orientar a definição de
prioridades e auxiliar na promoção do desenvolvimento sustentável.

269
Política
1. Processo decisório relativo ao atendimento dos interesses da sociedade e do Estado
selecionados por autoridades governamentais.

2. Fase inicial e final do ciclo de Inteligência, na qual se elabora a Política Nacional de


Inteligência (PNI), em conexão com as demais políticas de governo, e o usuário aplica o
conhecimento recebido.
3. Uma das fases do Processo Decisório Nacional (PDN) (ver Fase Política).

Política Nacional de Inteligência (PNI)


Documento que define os objetivos e as diretrizes para o exercício da Atividade de
Inteligência, com a finalidade de fornecer subsídios ao Processo Decisório Nacional (PDN). A PNI
é fixada pelo Presidente da República, executada pela ABIN e supervisionada pela Câmara de
Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo (CREDEN).

Políticas de governo
Ver Políticas públicas.

Políticas públicas
Enunciados normativos ou ações de governo oriundas de decisões, valores e metas; aquilo que
o governo, como instrumento, decide fazer ou não fazer para lidar com problemas concernentes aos
cidadãos de uma comunidade nacional.

Princípios
Concepções fundamentais que norteiam o exercício da Atividade de Inteligência.

Procedimentos
Formas de realizar o que preconizam as normas e os métodos relativos à Atividade de
Inteligência.

Processamento
1. Métodos analíticos a que são submetidos os conhecimentos e dados, permitindo selecionar
suas partes, relacioná-las, integrá-las e produzir inferências.
2. Fase do ciclo de Inteligência em que são aplicados métodos analíticos, elucidando
acontecimentos passados e presentes e possibilitando a projeção de cenários futuros.

Processo Decisório Nacional (PDN)


Conjunto de atos praticados no âmbito do Poder Executivo que culminam na escolha dos
objetivos de governo, na formulação das políticas e na definição das estratégias para alcançá-los ou
mantê-los.

Produção do conhecimento de Inteligência


Atividade, afeta ao ramo (função) Inteligência, de identificação (descrição e explicação) de
coisas e eventos, com a finalidade de apontar oportunidades e ameaças.

Produtor (da Atividade de Inteligência)


Conjunto de órgãos de Inteligência responsáveis pela elaboração de conhecimentos para
subsidiar o órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) no assessoramento ao
Processo Decisório Nacional (PDN).

270
Propaganda adversa
Manipulação planejada da comunicação social para influenciar populações ou grupos, com o
intuito de gerar comportamentos predeterminados que resultem em benefícios ao patrocinador.

Proporcionalidade
Regra a ser observada na utilização de meios que representem ameaça a direitos subjetivos, a
qual postula que a técnica operacional deve ser aplicada até o limite estritamente necessário à
obtenção do dado pretendido.

Proteção
Atividade, afeta ao ramo (função) Contrainteligência, de prevenção e contraposição ante a
atuação da inteligência adversa, o acesso indevido e outros atores e fatores que possam representar
ameaças.

Raciocínio
Resultado de operação pela qual a mente, a partir de juízos conhecidos, alcança outro que
deles decorre logicamente; processo sofisticado de pensamento que revela propriedades ou relações
sobre o objeto que não estão disponíveis à sensibilidade.

Razão de Estado
Forma de racionalidade política que faz do segredo de Estado seu instrumento e objetiva a
manutenção do aparato estatal e a ampliação de seu poder, sem consideração ao público. Ver
Segredo de Estado.

Reunião
Fase do ciclo de Inteligência que consiste no processo de obtenção de conhecimentos e dados
para a produção do conhecimento.

Sabotagem
Ação deliberada (antagonismo) de destruição, danificação, comprometimento ou inutilização,
total ou parcial, de conhecimentos, dados, bens, materiais, equipamentos, instalações, sistemas e
processos, sobretudo aqueles necessários ao funcionamento da infraestrutura crítica do país, com o
objetivo de afetar o atendimento das necessidades essenciais da população e prejudicar os interesses
do Estado.

Segredo de Estado
Forma de exercício político do Estado para guardar do público o conhecimento gerado ou
obtido por aparatos burocráticos de informações, em razão de seu valor estratégico. No
ordenamento jurídico do constitucionalismo, essa política de segredo se manifesta, por exemplo, na
previsão de punição à publicação de atos e documentos reservados. Ver Sigilo.

Segurança
Princípio da Atividade de Inteligência que implica a adoção de medidas de salvaguarda
adequadas a cada situação.

Segurança ativa
Segmento da Contrainteligência que preconiza a adoção de medidas e procedimentos
ofensivos e reativos destinados a detectar, obstruir e neutralizar a ação da Inteligência adversa e
outras ações que ameacem os interesses nacionais e a segurança da sociedade e do Estado.

271
Segurança orgânica
Segmento da Contrainteligência que preconiza a adoção de medidas e procedimentos
preventivos destinados à salvaguarda de pessoas, materiais, áreas, instalações e meios de produção,
armazenamento e comunicação de conhecimentos e dados, no âmbito do próprio órgão ou
instituição.

Sensibilidade
1. Capacidade de acesso à realidade pelos órgãos dos sentidos, gerando representações
sensíveis que conectam essa capacidade à abstração, iniciando o processo do conhecimento.
2. Propriedade de determinada matéria ou ação poder gerar tensões ou prejuízos, caso seja
indevidamente revelada e explorada.

Sigilo
Restrição de acesso público a determinados conteúdos, em razão da imprescindibilidade dessa
restrição à segurança da sociedade e do Estado.
Simplicidade
Princípio da Atividade de Inteligência que implica planejar e executar ações de modo a evitar
complexidade, custos e riscos desnecessários.

Sinistro
Ocorrência (óbice), acidental ou decorrente de imperícia, imprudência ou negligência, que
acarreta dano ou perda.

Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN)


Articulação de órgãos e entidades federais fixados em ato presidencial, com possibilidade de
inclusão de unidades da Federação mediante ajustes específicos, voltada à produção de
conhecimentos de interesse da Atividade de Inteligência.

Técnicas operacionais
Formas específicas de emprego de pessoal e de material nas operações de Inteligência.

Terrorismo
Ameaça ou emprego premeditado (antagonismo) de violência física ou psicológica,
perpetrada contra alvos civis ou militares não combatentes ou contra propriedades, praticada por
indivíduos ou grupos adversos, apoiados ou não por Estados, visando intimidar, coagir ou subjugar
pessoas, autoridades ou populações, por razões político-ideológicas ou religiosas.

Usuário (da Atividade de Inteligência)


Autoridade ou órgão do Poder Executivo com poder de decisão a quem se destina o produto
da Atividade de Inteligência.

Utilização
Categoria relativa ao conhecimento de Inteligência que se refere ao nível do processo
decisório no qual a autoridade a ser assessorada está inserida; segundo essa categoria, os
conhecimentos tipificam-se em estratégicos, táticos e operacionais.

Valores
Padrões morais que se subordinam aos interesses da sociedade e do Estado.

Vazamento
Divulgação não autorizada, intencional ou não, de conteúdos sensíveis.

272
Verdade
Concordância do objeto com o pensamento do sujeito; atributo que expressa a correta relação
entre o objeto e o conteúdo do pensamento do sujeito.

Vigilância
Emprego da informação (processamento de conhecimentos) para fins de dominação,
implementado por repartições oficiais, com o propósito de administrar população, riquezas e
território, a fim de organizar e controlar o Estado-nação.

273
Setor Policial Sul, Área 5, Quadra 1 - Bloco A - 2º andar
CEP: 70610.905 - BRASÍLIA - DF
TEL: (0xx 61) 3445-8544
Home Page: http://www.abin.gov.br
e-mail: cfa.esint@abin.gov.br

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