Você está na página 1de 424

Mundo Secreto

História do Presente e Intelligence nas Relações Internacionais


PEDRO BORGES GRAÇA

Mundo Secreto
História do Presente e Intelligence nas Relações Internacionais

Instituto de Informações e Segurança de Angola


2010
Edição: Instituto de Informações e Segurança de Angola

Autor: Pedro Borges Graça

Título: Mundo Secreto

Tiragem: 1000 exemplares

Outubro 2010

6
Ao Professor Adriano Moreira
ÍNDICE

Nota Prévia.................................................................................................. 17
Introdução: O Tempo Tríbio nas Relações Internacionais...................... 19
I – A Evolução da Conjuntura Internacional .......................................... 29
1. Tendências da Conjuntura ....................................................................... 29
1.1. A Guerra da Informação ................................................................ 29
1.2. O Futuro da Vigilância................................................................... 30
1.3. A Globalização do Crime Organizado ........................................... 32
1.4. O Negócio do Conhecimento ........................................................ 33
1.5. O Movimento do Islamismo Europeu ........................................... 35
1.6. A Geopolítica da Informação ........................................................ 36
1.7. O Ciclo do Patriotismo Económico ............................................... 38
1.8. A Guerra Longa dos Estados Unidos ............................................ 40
1.9. O Regresso da Guerra Fria ............................................................ 42
1.10. A Incerteza da Conjuntura ........................................................... 43
1.11. 2007 .............................................................................................. 45
1.12. Informações e Negócios em Tempo de Guerra ............................ 47
2. Áreas Regionais ..................................................................................... 49
2.1. África ............................................................................................ 49
2.1.1. A Nova Luta pela África ...................................................... 49
2.1.2. Condicionalismos Sociais do Investimento em África.......... 50
2.1.3. Crise à vista na Nigéria ........................................................ 52
2.1.4. A Tragédia do Darfur ........................................................... 54
2.1.5. A Luta pelo Poder na África do Sul...................................... 55

9
2.1.6. A Corrupção em África ........................................................ 57
2.1.7. Diamantes de Sangue ........................................................... 59
2.1.8. A Construção da Paz no Congo ........................................... 60
2.1.9. Missão (Im)Possível no Congo ............................................ 61
2.1.10. Alta Tensão na Nigéria ....................................................... 63
2.1.11. O Engodo da Somália ........................................................ 64
2.1.12. Tensão Pré-Eleitoral na Nigéria .......................................... 66
2.1.13. Os Piratas da Somália ........................................................ 67
2.1.14. O Imbróglio do Darfur ........................................................ 69
2.2. América.......................................................................................... 70
2.2.1. Raios Laser Ameaçam Estados Unidos................................. 70
2.2.2. O Papel Estratégico de Cuba ............................................... 72
2.2.3. O Escândalo Cunningham .................................................... 73
2.2.4. O Programa Nuclear do Brasil ............................................. 74
2.2.5. A Estratégia Africana dos Estados Unidos .......................... 76
2.2.6. A Parceria Sino-Brasileira ..................................................... 77
2.2.7. A Tríplice Fronteira ............................................................... 79
2.2.8. O Comando África dos Estados Unidos ............................... 81
2.2.9. O Novo Chefe do Pentágono................................................. 82
2.2.10. Operação Milagre ............................................................... 83
2.2.11. O Novo Comando África dos Estados Unidos .................. 85
2.2.12. O Banco Mundial de Wolfowitz.......................................... 87
2.2.13. Morreu o Rei, Viva o Rei ................................................... 89
2.2.14. O Programa Nuclear do Brasil ............................................ 90
2.3. Ásia ................................................................................................ 92
2.3.1. Satélites Espiam Efeitos do Tsunami ................................... 92
2.3.2. O Alvo Coreano ................................................................... 94
2.3.3. Jogos Chineses ..................................................................... 95
2.3.4. O Papel Estratégico de Taiwan ............................................. 96
2.3.5. Os Negócios da China em África ........................................ 98
2.3.6. A Turbulência Política no Sudoeste Asiático......................... 99
2.3.7. A Revolução da Internet na China ....................................... 101
2.3.8. A Corrida Nuclear da Índia .................................................. 102
2.3.9. Os Negócios da China .......................................................... 103
2.3.10. A Crise em Timor-Leste ..................................................... 105
2.3.11. A Geopolítica da China ...................................................... 106
2.4. Eurásia ......................................................................................... 108
2.4.1. A Situação no Quirguistão ................................................... 108
2.4.2. O Escândalo do Petróleo no Cazaquistão.............................. 109

10
2.5. Europa .......................................................................................... 111
2.5.1. A Posição Estratégica da Turquia ......................................... 111
2.5.2. O Plano África da Espanha .................................................. 112
2.5.3. O Exemplo da Cooperação Francesa ................................... 114
2.5.4. A Estratégia Africana da France Telecom ............................ 116
2.5.5. A Nova Geopolítica da Rússia ............................................. 117
2.5.6. A Nova Política de Cooperação Europeia ............................. 118
2.5.7. Interesses Permanentes .......................................................... 120
2.5.8. A Espanha em África ............................................................ 122
2.6. Médio Oriente .............................................................................. 124
2.6.1. O Próximo Alvo Será o Irão? .............................................. 124
2.6.2. O Cenário Pós-Eleitoral no Iraque ....................................... 125
2.6.3. O Novo Embaixador Saudita em Washington ...................... 127
2.6.4. O Imponderável Futuro do Iraque ........................................ 128
2.6.5. O Irão Vai Ser Atacado? ....................................................... 129
2.6.6. Os Números da Guerra no Iraque ......................................... 131
2.6.7. O Convite da Rússia ao Hamas ........................................... 132
2.6.8. O Regresso de Kadafi ........................................................... 134
2.6.9. A Ameaça Nuclear do Irão.................................................... 135
2.6.10. A Evolução da Situação no Iraque ...................................... 136
2.6.11. A Incerteza de Um Ataque ao Irão...................................... 138
2.6.12. A Jogada do Hezbollah........................................................ 139
2.6.13. O Dilema de Israel .............................................................. 141
2.6.14. A Diplomacia Secreta na Crise do Líbano.......................... 142
2.6.15. O Irão e o Hezbollah........................................................... 143
2.6.16. A Oposição Política no Irão ................................................ 145
2.6.17. O Programa Nuclear do Egipto........................................... 146
2.6.18. A Situação no Líbano.......................................................... 148
2.6.19. A Influência do Irão no Iraque............................................ 149
2.6.20. A Ameaça Regional do Iraque ............................................ 151
2.6.21. A Estratégia de Moqtad Al Sadr ......................................... 152
2.6.22. O Futuro do Iraque.............................................................. 153
3. O Factor Energético ............................................................................... 155
3.1. A Corrida ao Ouro Negro .............................................................. 155
3.2. Prospectiva do Mercado de Energia .............................................. 156
3.3. (In)Segurança Energética .............................................................. 158
3.4. O Novo Líder da BP ...................................................................... 160

11
II – A Grande Ameaça Terrorista ............................................................ 163
1. Al-Qaeda ................................................................................................ 163
1.1. Onde Está Bin Laden...................................................................... 163
1.2. O Modelo de Bin Laden ................................................................. 164
1.3. O Embaixador de Bin Laden .......................................................... 166
1.4. O Manual da Al-Qaeda................................................................... 167
1.5. A Jogada de Bin Laden................................................................... 168
1.6. O Esconderijo de Bin Laden.......................................................... 170
1.7. A Ameaça de Ossama Bin Laden .................................................. 171
1.8. A Metamorfose da Al-Qaeda ......................................................... 172
1.9. A Força da Al-Qaeda ..................................................................... 174
1.10. A Propaganda da Al-Qaeda........................................................... 175
1.11. A Ameaça Nuclear da Al-Qaeda .................................................. 177
1.12. A Voz da Jihad .............................................................................. 178
1.13. A Ameaça da Al-Qaeda no Norte de África................................. 179
2. Diversidade das Ameaças ..................................................................... 181
2.1. WMD ............................................................................................. 181
2.2. O Ciberterrorismo........................................................................... 182
2.3. O Terrorismo Nuclear ..................................................................... 183
2.4. Petroleiros, Terroristas e Bombas Nucleares................................... 185
2.5. O Terrorismo no Sudoeste Asiático ................................................ 186
2.6. Lavagem de Dinheiro e Terrorismo ................................................ 187
2.7. A Ameaça do Terrorismo Islâmico nos Balcãs .............................. 189
2.8. A Nova Geração de Terroristas ...................................................... 190
2.9. A Crescente Ameaça da Internet ................................................... 191
2.10. As Ligações Perigosas de Saddam................................................ 193
2.11. A Ameaça Terrorista em Marrocos ............................................... 194
2.12. A Universidade de Al Iman ......................................................... 196
2.13. A Ameaça Terrorista ao Comércio Marítimo................................ 197
2.14. A Ameaça Terrorista na Argélia ................................................... 199
2.15. A Ameaça Terrorista nos Estados Unidos ................................... 200
3. O Contra-Terrorismo ............................................................................. 202
3.1. Lutando Contra a Al-Qaeda ........................................................... 202
3.2. A Caça ao Homem.......................................................................... 203
3.3. A Europa Contra o Terrorismo ....................................................... 205
3.4. A Luta Anti-Terrorista Europeia .................................................... 206
3.5. A Luta Anti-Terrorista em África ................................................... 207
3.6. A Luta Anti-Terrorista em Espanha ............................................... 209

12
III – A Perspectiva da Intelligence ........................................................... 211
1. Teoria das Informações ........................................................................... 211
1.1. A Diplomacia Secreta dos Serviços de Informações...................... 211
1.2. A Gestão dos Segredos .................................................................. 212
1.3. A Função da Análise....................................................................... 214
1.4. A Prática da Boa Teoria .................................................................. 216
1.5. O Ciclo de Produção de Informações ........................................... 218
1.6. A Expansão das Fontes Abertas ..................................................... 220
1.7. O Conceito de OSINT .................................................................... 221
1.8. A Perspectiva da Inteligência Económica....................................... 223
1.9. O Plano de Informações Estratégicas ............................................. 225
1.10. The Intelligence Question ............................................................. 227
1.11. Intelligence Studies ....................................................................... 229
1.12. A Unidade de Intelligence nas Empresas ..................................... 231
1.13. A Complexidade Crescente........................................................... 232
2. Espionagem e Serviços de Informações ................................................ 234
2.1. A Guardiã de Sua Majestade .......................................................... 234
2.2. Vigilância Global ............................................................................ 236
2.3. Clube Secreto.................................................................................. 237
2.4. O Novo KGB .................................................................................. 238
2.5. Serviços Pouco Secretos ................................................................. 240
2.6. Jogos Seguros.................................................................................. 241
2.7. Toupeiras e Agentes Duplos............................................................ 242
2.8. A Espionagem Americana............................................................... 244
2.9. O Novo Director da CIA ................................................................ 245
2.10. O Trauma da Espionagem Israelita............................................... 246
2.11. A Força Especial da CIA .............................................................. 248
2.12. A Espionagem Chinesa ................................................................. 249
2.13. A Guerra da Inteligência no Iraque .............................................. 250
2.14. A Internet Secreto da CIA ............................................................ 252
2.15. Os Correspondentes Honorários dos Serviços Secretos ............... 253
2.16. Um Serviço à Moda Antiga .......................................................... 254
2.17. Espiões Precisam-se...................................................................... 256
2.18. O Complexo Cenário da (In)Segurança Americana ..................... 257
2.19. O Labirinto das Informações no Iraque........................................ 259
2.20. Guerra, Espionagem e Inteligência Económica............................ 260
2.21. O Guardião de Israel..................................................................... 261
2.22. A Reforma da Espionagem Anglo-Americana ............................. 263

13
2.23. O Czar das Informações ............................................................... 264
2.24. O Número Dois da Espionagem Americana................................. 266
2.25. Ajuste de Contas no Meio da Espionagem Britânica ................... 267
2.26. O Projecto Scope........................................................................... 268
2.27. Antropólogos e Espiões em Tempo de Guerra ............................. 270
2.28. A Crescente Ameaça dos Gangs Urbanos .................................... 271
2.29. O Estado da (In)Segurança Europeia............................................ 273
2.30. O Escândalo dos Espiões Chineses Dissidentes ........................... 274
2.31. O Caso Valerie Plame ................................................................... 275
2.32. Os Serviços Secretos da Síria ....................................................... 277
2.33. A Nova Estratégia de Informações Americana ............................. 278
2.34. As Prisões Secretas da CIA .......................................................... 279
2.35. Operações Cobertas e Clandestinas da CIA ................................. 281
2.36. Pentágono Espia Americanos ....................................................... 282
2.37. O Novo Chefe da Espionagem Alemã.......................................... 283
2.38. Jogos de Espiões .......................................................................... 285
2.39. A Ameaça da Espionagem Económica ......................................... 286
2.40. A Espionagem Económica dos Estados........................................ 288
2.41. Os Suspeitos do Caso Litvinenko ................................................ 290
2.42. Novos Factos do Caso Litvinenko ............................................... 291
2.43. As Guerras Secretas Anglo-Russas............................................... 293
2.44. O Novo Czar da Espionagem Americana ..................................... 294
2.45. A Cruzada do Senador Rockfeller ............................................... 296
2.46. Caça às Bruxas na Europa do Leste ............................................. 297
2.47. Tensões Russo-Americanas .......................................................... 298
2.48. A Espia de quem se Fala ............................................................. 300
2.49. Jornalistas, Políticos e Espiões .................................................... 301
2.50. A Espionagem Económica Chinesa nos Estados Unidos ............. 302
2.51. As Tensões Anglo-Russas ............................................................. 304
3. Competitive Intelligence ....................................................................... 306
3.1. O Empresário da CIA .................................................................... 306
3.2. Serviços Privados ........................................................................... 307
3.3. A Escola de Guerra Económica...................................................... 309
3.4. A Vantagem das Informações Estratégicas .................................... 310
3.5. Os Limites da Business Intelligence .............................................. 312
3.6. A Evolução da Competitive Intelligence ....................................... 314
3.7. O Estratega da Guerra Económica ................................................. 316
3.8. Espionagem Económica e Informações Estratégicas...................... 318

14
3.9. A Espionagem Empresarial............................................................. 320
3.10 A Ignorância é mais cara que a Informação.................................. 321
3.11. Tempo de Intelligence nas Empresas ............................................ 323
3.12. A Expansão da Inteligência Económica ...................................... 325
IV – Uma Perspectiva de Portugal nas Relações Internacionais............ 327
1. A Imagem Externa de Portugal ............................................................... 327
2. Uma Visão Optimista de Portugal............................................................ 329
3. Comunidade de Afectos e Interesses........................................................ 331
4. Diplomacia Económica e Negócios Estrangeiros ................................... 333
5. A Matriz da Cooperação Portuguesa........................................................ 335
6. Estrangeirados, Ma Non Troppo ............................................................. 337
7. O Legado Colonial na África Lusófona .................................................. 339
8. Visão Estratégica da Cooperação com África .......................................... 341
9. A Oportunidade Africana ........................................................................ 343
10. Para Angola (s)em Força ........................................................................ 345
11. Pelo Debate do Patriotismo Económico................................................. 347
12. A (In)cultura Estratégica Portuguesa...................................................... 349
13. Em Busca da Imagem Perdida ............................................................... 351
14. Espionite Aguda ..................................................................................... 353
15. Xenofilia................................................................................................. 355
16. Os Amigos de Peniche ........................................................................... 356
17. A Imagem de Portugal............................................................................ 358
18. Uma Comunidade Virtual....................................................................... 360
19. Conceito Estratégico Nacional ............................................................... 362
20. O Desafio do Mar .................................................................................. 364
21. Iberismo ou talvez não ........................................................................... 366
22. Cooperação e Negócios .......................................................................... 368
23. A Sobrevivência dos Camaradas ............................................................ 370
24. Opções Estratégicas................................................................................ 372
25. Propaganda de Portugal.......................................................................... 374
26. Out of Africa........................................................................................... 375
27. O Plano Ibero-Africano .......................................................................... 377
28. Um desafio de Portugal.......................................................................... 379
29. Ameaça e Oportunidade ......................................................................... 381
30. O Fim da Universidade .......................................................................... 382
31. Fumos da Índia....................................................................................... 384
32. A Emergência das Informações Estratégicas ......................................... 386
33. O Tempo Tríbio Português...................................................................... 388

15
34. O Futuro da Universidade ...................................................................... 389
35. Entrever Portugal .................................................................................... 391
36. O País que Somos................................................................................. 393
37. Portugal em África................................................................................. 395
38. A Oportunidade Angolana .................................................................... 397

CONCLUSÃO............................................................................................. 399

BIBLIOGRAFIA ESPECIALIZADA....................................................... 403

ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................ 413

16
NOTA PRÉVIA

Este livro é um contributo para a expansão dos estudos de informações


e de segurança na Universidade, realizado na perspectiva da História do
Presente e sobretudo através da aplicação da técnica da open sources intel-
ligence (osint), reunindo uma selecção de cerca de 230 artigos publicados
semanalmente entre 2004 e 2007, de modo ininterrupto, em dois meios de
comunicação social de grande tiragem: num jornal económico diário e
numa revista semanal de actualidades. No jornal tratava-se de uma coluna
intitulada Informações Estratégicas e na revista de uma página intitulada
Fronteiras, a qual, para além do artigo, continha também uma secção desig-
nada Secretas com três notícias breves sobre serviços de informações estran-
geiros ou com estes relacionadas.

Gozando de total liberdade editorial como colaborador permanente, a


selecção dos assuntos a abordar semanalmente obedeceu a um critério ten-
tativamente objectivo de selecção sistemática de acontecimentos interna-
cionais ao longo desses três anos consoante a sua relevância quer conjun-
tural quer mediática. No que respeita a Portugal, porém, houve alguns
artigos, nos cerca de trinta aqui publicados no capítulo IV, que são de mera
opinião, como o leitor facilmente constatará. Contudo, relativamente aos
cerca de duzentos artigos dos restantes capítulos, a abordagem foi original
na imprensa portuguesa pela profundidade que a aplicação da osint permite
no tratamento das notícias e acontecimentos, que o jornalismo quase sempre
trata com maior superficialidade e subjectividade, particularmente na área
das relações internacionais, onde há mais opinião que informação. Por

17
outro lado, essa profundidade também resultou da pesquisa sistemática e
intensa para cada um dos dossiês que suportaram semanalmente cada um
dos artigos, fundamentada igualmente na experiência pessoal que tive como
Director de Departamento de Análise do Serviço de Informações
Estratégicas de Defesa e Militares, em tão honrosa quanto patriótica comis-
são de serviço, enquanto Assistente do Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, num período desde
logo marcado pelo conturbado processo da independência de Timor-Leste,
pelo atentado terrorista do 11 de Setembro e pela invasão do Iraque.

Na verdade, os artigos aqui publicados foram construídos de raíz como


sintéticos relatórios de informações a partir de fontes abertas, sobretudo
especializadas, que também são utilizadas pelos serviços de informações.
Muitos continuam actuais e outros poderão ser actualizados, residindo para
o efeito a esperança de que este livro seja do agrado dos estudantes de
Estratégia e de Relações Internacionais interessados na História
Contemporânea e nos Estudos de Informações e de Segurança. É afinal
nos estudantes que os professores sempre acabam por pensar quando publi-
cam um livro, sobretudo quando não esquecem que afinal também são estu-
dantes que acabaram por não conseguir deixar a Universidade.1

1 A propósito, um especial agradecimento é aqui devido a um estudante e amigo, Gil Alves,

mestrando em Relações Internacionais no ISCSP, pela elaboração da capa e do índice remissivo


e formatação do texto deste livro. Outro estudante e amigo a quem devo um agradecimento é
o Bruno Marques, entretanto Mestre em Estratégia, pela revisão final e aperfeiçoamento do
índice remissivo.

18
INTRODUÇÃO: O TEMPO TRÍBIO
NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O conceito de História do Presente é aparentemente paradoxal, mas


torna-se epistemologicamente viável se o correlacionarmos com o conceito
de Tempo Tríbio formulado por Gilberto Freyre: o tempo na realidade social
é composto de modo integrado por passado, presente e futuro, isto é, o
Presente é ao mesmo tempo consequência de um Passado acabado de acon-
tecer e de um Futuro em vias de acontecer.2 Nesta perspectiva, podemos
abordar a História em ciclos ou movimentos de curta, média ou longa
duração repartidos em períodos sucessivos mais ou menos alargados de
Presente contendo Passado e Futuro.

Obviamente que na realidade social não existe determinismo mas


somente condicionalismo da evolução da situação, esta por regra dinami-
zada por uma multiplicidade complexa de factores que impõem o acaso e
a incerteza como parâmetros imponderáveis de qualquer previsão ou ava-
liação prospectiva. A actual crise global aí está a demonstrar que não existe
tal coisa como a infalibilidade das teorias económicas e dos mais avançados
métodos de gestão de empresas e de políticas públicas invariavelmente
ensinados nas escolas especializadas das universidades de renome mundial,
e suas seguidoras, em torno de disciplinas de Finanças matematicamente
sustentadas. Em concreto isto revela, por exemplo, a falibilidade do ensino

2Gilberto Freyre, Insurgências e Ressurgências Atuais. Cruzamentos de sins e nãos num


mundo em transição, Porto Alegre/Rio de Janeiro, Editora Globo, 1981, passim.

19
dos famosos MBA que incorporam a Matemática como instrumento supos-
tamente presciente da tomada de decisão das organizações, da gestão do
risco e do correspondente controlo da evolução da situação.

A verdade é que a Economia é fundamentalmente uma ciência não


exacta, social, e no que respeita às relações internacionais não é de modo
algum um factor mais condicionante que a Política, a Sociedade ou a
Cultura. Aliás, vista numa perspectiva global, a realidade social é uma con-
jugação destes quatro factores, sucessivamente reproduzidos no tempo e
no espaço em combinações infinitas de complexidade acrescida que torna
a Prospectiva mais uma arte que uma ciência, onde a imaginação e a
intuição ocupam um lugar privilegiado.

Os acontecimentos imponderáveis e imprevisíveis e intangíveis são


portanto parte da complexidade crescente das relações internacionais que
Adriano Moreira vem apontando há cerca de quatro décadas e que mais
recentemente tem redefinido como perplexidade crescente face a determi-
nados condicionalismos de evolução da conjuntura cada vez mais marcada
precisamente pelo acaso e a incerteza.3 É esta complexidade/perplexidade
que a História do Presente visa captar enquanto instrumento de observação
e análise da Ciência Política e Relações Internacionais, entendido o conceito
simplesmente como o registo contínuo de conjuntos seleccionados de fac-
tores-chave de evolução da conjuntura.

Nesta abordagem não se encontra portanto a definição resultante da


problemática memória-história, como alguns autores tomam em conside-
ração, pois parece ser metodologicamente incorrecto partir da premissa de
que a memória, tanto colectiva como individual, representa por si só e
exclusivamente uma indução científica das causas relevantes dos factos do
passado. Contudo, é certo que a memória tanto colectiva como individual
é um elemento presente na produção da História, tendo mesmo adquirido
estatuto de especialidade sob a designação de História Oral após a 2ª
Guerra Mundial, sobretudo com os trabalhos pioneiros de Jan Vansina nos
anos 50 sobre a África Central.4 Assim como os demais investigadores das

3 Adriano Moreira, Teoria das Relações Internacionais, Coimbra, Livraria Almedina, 1997
(2ªed.), p. 395 ss.
4 Jan Vansina, Living with Africa, Madison, The University of Wisconsin Press, 1994.

20
ciências sociais, desde os antropólogos aos economistas, que inevitavel-
mente constroem os seus trabalhos sobre as bases da História, é certo tam-
bém que os historiadores são portadores de uma equação pessoal que lhes
imprime maior ou menor objectividade e consequentemente maior ou
menor controlo da subjectividade e da produção de conhecimento histórico
independente da consciência histórica geral inerente ao quotidiano da rea-
lidade social. E a verdade é que a proximidade no tempo dos factos anali-
sados interfere na equação pessoal dos investigadores no que respeita aos
seus valores culturais e princípios políticos num ambiente de opinião quo-
tidianamente marcado pelos mass media, nos quais aliás muitos investiga-
dores colaboram regularmente.

Com efeito, os mass media são hoje em dia o principal meio indutor da
realização da História do Presente através principalmente das notícias, repor-
tagens (incluindo as do chamado jornalismo de investigação), artigos de opi-
nião e artigos de informação sobre determinados factos da evolução da con-
juntura. Estes factos são por regra seleccionados a partir de critérios
considerados “jornalísticos”, o que remete para a importância desses mesmos
factos no quotidiano das pessoas, importância essa que também poderá ser
subjectiva de acordo com o “agenda-setting” definido, ou seja, a decisão no
âmbito da política editorial sobre o que merece e não merece ser
editado/publicado.

Mas, para todos os efeitos, numa perspectiva académica, derivando da


História Contemporânea, a História do Presente, também por vezes desig-
nada História Imediata, comporta cientificidade e objectividade. Não se
trata de um registo cronológico de factos que marcam a memória colectiva
desde a 2ª Guerra Mundial – o que remete para um exercício próprio das
enciclopédias e cronologias hoje em dia amplamente divulgadas tanto na
internet como em livros de bolso – mas trata-se antes, metodologicamente,
da selecção e recolha e análise de informação, a partir de fontes directas e
indirectas seguras e credíveis, sobre os factos que vão acontecendo que
condicionam significativamente a evolução da conjuntura.

É porventura justo atribuir aos historiadores franceses da chamada


“Nouvelle Histoire” e seus sucessores a problematização e o debate desta
nova abordagem e análise dos “acontecimentos”, como apontava a propósito
um dos seus proeminentes cultores, Pierre Nora, nos anos 70:

21
“Mas a verdadeira transformação é o facto de que um aconteci-
mento histórico só era acontecimento porque os historiadores assim
o tinham decidido, em função do que esse acontecimento tinha pro-
vocado. Eram os historiadores que faziam ascender este ou aquele
acontecimento à dignidade histórica e, de certo modo, toda a
História consistia em decidir se isto era ou não um acontecimento, a
reavaliar a sua importância (…) No acontecimento de tipo moderno,
pelo contrário, já não é o historiador que dispõe, nem mesmo o jor-
nalista, que não é também mais que o eco instantâneo duma coisa
mais vasta, e que forma este emaranhado da actualidade que muda
completamente o nosso vivido histórico e que constitui a sua natu-
reza. É o acontecimento que faz o historiador.
(…)
Mas para a História do mundo contemporâneo, que é estudada
em concorrência pelo economista e o geógrafo, pelo sociólogo ou
pelo demógrafo, o acontecimento é, sem dúvida, o ponto de vista
privilegiado. É, provavelmente, a via de acesso real à História do
presente. O acontecimento, esta novidade ininteligível, deve ser cla-
rificado pelo historiador, que lhe tem de fornecer uma explicação
provisória e plausível, e esta explicação só pode enraizar-se no
passado”.5

Ora, a abordagem da História do Presente, precisamente porque enfatiza


a análise do acontecimento, está muito próxima da Ciência Política e das
Relações Internacionais, se não mesmo completamente entrelaçada com
estas correlativas ciências sociais. Adriano Moreira entende assim que a
História do Presente, como contribuição saliente dos historiadores para a
Ciência Política, “procura recolher os acontecimentos da conjuntura com
o rigor da recolha dos factos passados”. 6

É nesta linha de captação dos factos e acontecimentos e respectivos


protagonistas que os serviços de informações dos Estados actuam no
mundo contemporâneo, tendo dado origem, pela sua crescente especia-

5 Pierre Nora, O Acontecimento e o Historiador do Presente (Entrevista recolhida por Jean-


Jacques Brochier), in AAVV, A Nova História, Lisboa, Edições 70, 1978 (1.ª ed. 1977), [pp.
55-68] pp.60-61.
6 Adriano Moreira, Ciência Política, Lisboa, Livraria Bertrand, 1979, p. 66.

22
lização dos recursos humanos e tecnológicos, a uma nova realidade
após a 2ª Guerra Mundial nas relações internacionais, no sentido em
que o seu papel, para além do domínio militar, evoluiu de proeminen-
temente táctico e operacional para estratégico, constituindo organizações
nunca vistas no passado.7 Os serviços de informações são hoje de facto
um subsistema das relações internacionais, mais concorrendo que coo-
perando com os ministérios dos negócios estrangeiros na informação e
influência da tomada de decisão das políticas externas dos Estados.
Com efeito, a sua actividade pode ser definida de forma simples como
a obtenção de conhecimento sobre o que está a acontecer e irá acontecer
que se afigure relevante para o interesse nacional e a segurança dos
Estados. Para o sucesso deste objectivo os serviços de informações dis-
põem de múltiplos meios, aplicando uma metodologia geralmente desig-
nada por ciclo de produção de informações ou ciclo de inteligência, a
qual, na componente da análise que antecede o produto final destinado
aos decisores sob a forma de relatórios de informações, deriva direc-
tamente da metodologia científica própria dos trabalhos universitários
no que respeita ao rigor do tratamento das fontes e da procura da verdade
dos factos, limitando-se o mais possível ou mesmo anulando a subjec-
tividade em benefício da objectividade.

Na verdade, este metodologia dos serviços de informações actuais apli-


cada às relações internacionais, que se transformou no modelo para os paí-
ses democráticos, resultou precisamente do trabalho pioneiro de um pro-
fessor de História da Universidade de Yale, Sherman Kent, que teve um
papel proeminente na conceptualização da investigação e análise da CIA
após a 2ª Guerra Mundial, e que não fez mais que transplantar para o efeito,
isto é, para o acompanhamento do Presente e a antevisão do Futuro, a meto-
dologia científica empregue no estudo e investigação do Passado.8 Esta
ligação da Universidade à actividade dos serviços de informações não foi
totalmente original uma vez que os britânicos já a tinham efectuado na 1ª
Guerra Mundial. Os americanos reproduziram a experiência na 2ª Guerra

7 Em Portugal tem sido preferida a utilização do termo informações relativamente ao de inte-


ligência (derivando este do latim sobretudo por intermédio do inglês intelligence), ao contrário
do que acontece por exemplo no Brasil ou em Angola. Trata-se de uma questão meramente
formal que em nada afecta o conceito.
8 Sherman Kent, Strategic Intelligence for American World Policy, Princeton, Princeton

University Press, 1949.

23
Mundial, com a criação da posição do Coordinator of Information (COI)
junto do Presidente Roosevelt e com o Office of Strategic Services (OSS),
precursor da CIA, cujo Research and Analysis Branch (R&A), chefiado
por William Langer, outro professor de História, da Universidade de
Harvard, contou com a colaboração de cerca de 900 investigadores e pro-
fessores universitários.9 Mas Sherman Kent, um desses scholars do OSS,
imprimiu à CIA após a guerra um carácter essencialmente civil e compe-
titivo adaptado ao ambiente de paz, e sobretudo promoveu dentro da nova
organização um debate académico alargado, impresso na revista Studies in
Intelligence criada para o efeito e que ficou integralmente secreta até à
queda do Muro de Berlim.10 Os actuais e internacionalmente consagrados
intelligence studies e security studies são uma consequência directa do tra-
balho de Sherman Kent.

Com efeito, esta iniciativa americana – em rigor, anglo-americana –


originou um refluxo extraordinário na Universidade a nível internacional
pois desencadeou a criação de uma série de departamentos de estudos de
área, regionais e temáticos, que têm vindo a moldar o ensino e investigação
em termos interdisciplinares há duas/três gerações, muitos deles na área
das Relações Internacionais, as quais em certa medida são produto deste
“movimento”.

Por tudo isto, é possível afirmar que os departamentos de análise dos


serviços de informações, de onde sai o produto final para suportar a tomada
de decisão na política externa dos Estados, são quase-departamentos uni-
versitários, na medida em que a metodologia utilizada, assim como os
recursos humanos que a empregam, deriva geneticamente da Universidade
como instrumento de captação do tempo tríbio nas relações internacionais,
isto é, do Presente que acontece em função do Passado que aconteceu e do
Futuro que está para acontecer. O Presente que é captado através da recolha
de dados e informação multi-variada de diversas fontes; o Passado que é
registado e mantido e acedido em bases de dados multimédia; o Futuro que
é potencialmente previsto (previsão certa) ou antevisto (previsão incerta) –

9 https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/books-and-
monographs/oss/art04.htm.
10 https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/csi-studies/

index.html.

24
a curto, médio ou longo prazo – com informação idealmente fiável através
da construção de cenários e da avaliação prospectiva com base numa escala
definida de possibilidades e probabilidades. A publicação de livros e artigos
científicos é substituída, no quotidiano da actividade dos serviços de infor-
mações, pela divulgação restrita sob classificação de segurança dos rela-
tórios de informações.

Ora, toda esta actividade é hoje desenvolvida pela grande maioria dos
países, com mais ou menos recursos e maior ou menor eficácia, o que nos
remete para uma dimensão secreta dos Estados a nível mundial, onde se
incluem também parte da diplomacia e da força militar, e consequentemente
para a necessidade de operacionalizar conceitos como os de estado secreto
e de mundo secreto na perspectiva das Relações Internacionais, os quais
abrangem um amplo leque de actividades como a da própria diplomacia e
cooperação secreta dos serviços de informações. E esta dimensão é cada
vez mais expressiva na evolução da conjuntura internacional na medida em
que cresce o sentimento de insegurança nacional num conjunto de Estados
situados no patamar das Grandes Potências, como é o caso dos Estados
Unidos, face a ameaças como a do terrorismo transnacional. Podem ser
observados como indicadores, por exemplo, acontecimentos como os desig-
nados “voos secretos da CIA” ou ainda, no domínio económico, tão rara-
mente abordado, o caso Valerie Plame.

Mas na perspectiva da História do Presente, tendo em vista as relações


internacionais, um dos factos actualmente mais significativos reside na
criação formal e claramente assumida por parte dos Estados Unidos, em
2005, do National Clandestine Service, reformando e substituindo o antigo
Directorate of Operations.11 A mudança de designação é por si mesma um
indicador da atitude de confrontação dos Estados Unidos relativamente ao
Direito Internacional no que definam, secretamente ou não, como ameaças
à sua segurança nacional. Note-se que o National Clandestine Service
desenvolve em países estrangeiros operações cobertas, em regra de espio-
nagem e de recrutamento de fontes humanas, e operações clandestinas que
envolvem forças especiais, influência política, guerra psicológica e guerra
económica. Estes “atributos” não são obviamente exclusivos dos america-

11 https://www.cia.gov/offices-of-cia/clandestine-service/index.html.

25
nos pois outros também os detêm, como os britânicos, chineses, franceses,
israelitas e russos, para referir somente alguns dos mais expressivos. Porém,
a designação americana é efectivamente singular no conjunto dos serviços
de informações a nível mundial, e note-se também que o novo presidente
Barack Obama não a mudou até ao momento, o que não só simboliza mas
também revela um determinado modus operandi que não é de facto disso-
nante neste domínio relativamente à administração Bush, ao contrário de
algumas notícias mais mediáticas, recorrentes, que projectam uma imagem
de mudança dos democratas em comparação com os republicanos. De facto,
para qualquer serviço de informações defensor do interesse nacional de
qualquer Estado, enquanto não for mudada a designação, o National
Clandestine Service representa formalmente uma ameaça de grau máximo.
Neste aspecto não há serviços amigos mas tão somente serviços congéneres,
e este critério não pode ser esquecido pelos países de menor potência, mais
vulneráveis por este motivo às acções cobertas e clandestinas das maiores
potências.

Na verdade, hoje, o tempo tríbio nas relações internacionais é for-


temente marcado pelo comportamento dos Estados Unidos e em grande
medida pelas actividades dos serviços de informações, num mundo cada
vez mais secreto por efeito das novas ameaças, paradoxalmente integrado
num mundo cada vez mais transparente por efeito da Democracia. Veja-
se com atenção a visão do futuro, ainda integralmente actual como
acontecimento da História do Presente, que os americanos projectaram
no documento publicado pelo Pentágono em Março de 2006 e intitulado
Quadrennial Defense Review Report.12 Este, conforme é logo afirmado
no início, tem como base a experiência entretanto adquirida na designada
guerra global contra o terrorismo, nos últimos cinco anos, e parte da
noção de que, neste curto período de tempo, o mundo mudou muito.
A primeira frase está carregada de simbolismo: “Os Estados Unidos
são uma nação envolvida naquilo que será uma guerra longa (long
war)”. A percepção é a de que o século XXI corresponde ao começo
de uma nova era caracterizada pela incerteza e pela surpresa, e entre
os trinta e cinco exemplos assinalados da mudança em curso são reve-
ladores os seguintes:

12 http://www.defenselink.mil/pubs/pdfs/QDR20060203.pdf.

26
• passou-se de um período de paz para um tempo de guerra
• passou-se de uma ameaça para múltiplas
• passou-se da guerra contra nações para a guerra dentro de nações
• passou-se de respostas reactivas para acções preventivas, das for-
ças aquarteladas para as forças expedicionárias
• passou-se dos combates convencionais para as operações assimé-
tricas
• passou-se das forças massivas para os efeitos massivos
• passou-se da ênfase no material para a ênfase nas informações
• passou-se da resposta a crises para a modelação do futuro

Esta informação é útil a qualquer serviço de informações para vislum-


brar factores-chave da evolução da conjuntura internacional na medida em
que corresponde ao “pensamento” publicamente declarado da maior potên-
cia mundial. E este tipo de declaração pública sobre assuntos que no passado
seriam provavelmente confidenciais é exorbitada tanto pelo conceito demo-
crático de transparência como pela existência da internet e pela propaganda,
a que os americanos chamam public diplomacy, destinada a influenciar a
opinião pública e o comportamento dos outros Estados. Mas é também
muito útil à investigação da História do Presente, hoje facilitada precisa-
mente por esta atitude e sobretudo pela internet que veio possibilitar a fácil
ultrapassagem de obstáculos tradicionais como o tempo, a distância, a lín-
gua, o investimento financeiro e o acesso exclusivamente presencial a mui-
tas fontes.

Os serviços de informações também aproveitam estas novas facilidades


e têm mesmo desenvolvido nos últimos anos a técnica da open sources
intelligence (osint) e criado no seu seio unidades especializadas para o
efeito. Esta técnica está à disposição dos investigadores da História do
Presente e é porventura a mais útil ferramenta que hoje possuem para cap-
tarem as unidades que abordem de tempo tríbio nas relações internacio-
nais.

27
I – A EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA
INTERNACIONAL

1. Tendências da Conjuntura

1.1. A Guerra da Informação13

De há alguns anos a esta parte, no mundo dos negócios, tornou-se


comum empregar um conjunto de termos e conceitos de origem militar. A
Estratégia passou a influenciar a tomada de decisão, e a concorrência cres-
cente entre as empresas, no ambiente cada vez mais complexo da globali-
zação, produziu o valor da “vantagem competitiva”.

As “informações” têm vindo pois a adquirir um papel central na actividade


empresarial dos países mais desenvolvidos, enquadrando-se basicamente em
três perspectivas: a “economic intelligence”, que trata da recolha e análise do
maior número de dados relevantes sobre uma empresa ou mesmo um país; a
“business intelligence”, que visa a optimização integrada das ferramentas de
gestão e administração; e a “competitive intelligence”, que é a acção progra-
mada e sistemática, por parte de uma dada empresa, de “produção de informa-
ções externas” relacionadas com os seus planos, decisões e operações.

Destas perspectivas, a “competitive intelligence” (CI) é a mais recente.


Nos anos 70-80, particularmente nos Estados Unidos, antigos agentes civis

13 Publicado em 20 de Junho de 2004.

29
e militares dos serviços secretos começaram a vender às empresas o seu
know-how. Seria contudo nos anos 90, por virtude do desenvolvimento das
telecomunicações e da Internet, que a CI se afirmaria. Hoje, as empresas
mais avançadas em conceitos de gestão não descuram a função de CI na
sua organização, isto é, a “produção de informações” a partir da recolha
de notícias e dados em fontes abertas ao público – Open Souces Intelligence
(OSINT) – excluindo-se formalmente a actividade ilegal da espionagem.

A tendência é pois de as empresas – em particular as de maior


dimensão e projecção internacional – desenvolverem os seus próprios
“serviços de informações”, de acordo com a metodologia própria dos
“serviços secretos”, criando unidades especializadas e fortemente inte-
gradas na cultura organizacional, obedecendo a orientações precisas
baseadas no interesse institucional. A tomada de decisão fica assim
dotada de uma compreensão perspicaz do “ambiente de negócios”, do
“potencial de oportunidades” e do “potencial de ameaças”. Na prática,
são produzidos PERINTREP (Periodical Intelligence Report) de circu-
lação restrita sobre, entre outros assuntos, o mercado e respectivas
mudanças, a evolução da conjuntura nacional e internacional, os obs-
táculos das diferenças culturais locais à internacionalização dos negócios,
as principais empresas concorrentes e, cada vez mais, os perfis dos
gestores de topo (e pontualmente de outros) dessas mesmas empresas,
a construção de cenários e planos de contingência.

É por isso que é válido o entendimento de que a CI pode ser inserida


no contexto da “Guerra da Informação”, como foi o caso da perspectiva
transmitida no curso de pós-graduação que, de forma pioneira em Portugal,
a Academia Militar ministrou recentemente a 14 civis e 5 militares.

1.2. O Futuro da Vigilância14

Uma consequência do 11 de Setembro foi o “emergente mercado de


segurança interna” (homeland security), tal como é designado nos Estados
Unidos para o diferenciar do mercado da Defesa. Só no que respeita a pro-
jectos financiados directamente pelo governo federal na área das medidas

14 Publicado em 31 de Outubro de 2004.

30
preventivas em relação à ameaça terrorista, as verbas duplicaram desde
então, atingindo este ano os 40 mil milhões de dólares. Em constante cres-
cimento, as estimativas apontam o valor actual do mercado na ordem dos
100 mil milhões de dólares.

O desenvolvimento de novos produtos está assim a ser fortemente esti-


mulado com base na investigação tecnológica. Uma das áreas de ponta mais
em voga é a da “ultra wideband” (UWB) que utiliza as frequências rádio
para enviar informação. E dentre o conjunto de aplicações que esta nova
tecnologia permite destaca-se a “through-wall imaging”, ou seja, a capaci-
dade de “ver” com suficiente precisão o interior de compartimentos e o
movimento de pessoas e objectos através de paredes ou estruturas de mate-
riais como o cimento, a madeira e o tijolo, transformando os sinais rádio
em imagens tridimensionais. A utilização desta capacidade está já regula-
mentada, sendo do domínio restrito das corporações de bombeiros e pro-
tecção civil, das forças policiais, das forças de operações especiais e dos
serviços secretos.

O mercado é apetecível e estratégico, o que está a levar ao aparecimento


de empresas especializadas como a Camero, criada no passado mês de
Março. Os seus fundadores são Aharon Aharon e Amir Beeri, ambos israeli-
tas, especialistas em engenharia electrotécnica e com um passado de ligações
aos serviços secretos. Do conselho consultivo fazem parte militares reforma-
dos como o Major General Geoffrey Lambert, ex-comandante das forças
especiais americanas, e o Major General Amiran Levin, ex-chefe da Mossad,
e também John Reingruber, ex-director adjunto dos programas tecnológicos
do gabinete de operações especiais do Departamento de Defesa.

A Camero tem pois como objectivo adquirir uma posição líder no seg-
mento e acabou de anunciar que dava por concluída a primeira fase do seu
desenvolvimento com um investimento de 6 milhões de dólares. O sistema
de “through-wall imaging” será comercializado a curto prazo, tanto numa
versão portátil, para distâncias curtas, como noutra, para maiores distâncias,
composta por antena, tripé, transmissor, processador de sinais e imagens e
monitor.

Não deixarão de surgir resistências contra a sua utilização, em nome


da salvaguarda dos direitos fundamentais, uma vez que será possível moni-

31
torizar o movimento de pessoas no interior de edifícios a partir do exterior.
A tendência contudo é a da globalização desta nova tecnologia, a qual virá
reforçar a eficácia das operações de vigilância activa e preventiva da luta
contra o terrorismo.

1.3. A Globalização do Crime Organizado15

Uma das consequências da chamada globalização na última década é


a transformação progressiva do crime organizado num fenómeno transna-
cional. Os mais importantes grupos a nível internacional são as mafias sici-
liana, americana e russa, os cartéis colombianos de Medellin e Cali, o
yakusa japonês e as tríades chinesas. Entre as suas actividades tradicionais
contam-se o tráfico de drogas e de armas, a emigração ilegal, a falsificação
de documentos, o jogo clandestino, a extorsão, a lavagem de dinheiro e o
“tratamento” e exportação de lixo tóxico para os países menos desenvol-
vidos. Com este último negócio, por exemplo, só em Itália, o crime orga-
nizado factura cerca de 2 mil milhões de euros por ano, correspondendo a
metade das 80 toneladas de resíduos tóxicos produzidas anualmente.

Com efeito, a globalização do crime organizado está a dar origem a um


poder transnacional, que não reconhece Estados, com uma forte capacidade
financeira, cada vez mais profissionalizado no que respeita à gestão dos
activos, com estruturas de tomada de decisão empresarial, apoiados por efi-
cazes sistemas próprios de produção de informações e rápidas comunica-
ções por meio das novas tecnologias. Actualmente, um objectivo prioritário
é o estabelecimento de redes no seio das elites dos vários países, nomea-
damente na Europa, para facilitar a entrada em negócios legais de grande
dimensão e em mercados estratégicos, como o da energia. O modus ope-
randi consiste na realização de contactos com elementos dos governos e
das instituições com capacidade de influência junto de “decisores-alvo”,
relacionados com os seus projectos e investimentos. A abordagem obedece
a um estudo prévio dos perfis envolvidos com vista a corromper indivíduos
e instituições, eventualmente bancos, explorando as suas fragilidades e
mesmo vulnerabilidades conjunturais ou ocasionais de natureza financeira.

15 Publicado em 24 de Julho de 2004.

32
Neste momento, as polícias e os serviços de informações estão porém
particularmente preocupados com a possibilidade de cooperação e de rea-
lização de negócios entre o crime organizado e o terrorismo internacional,
concretamente a al-Qaeda. O pior cenário da ameaça imagina pois as ten-
dências e os circuitos clandestinos do comércio das armas de destruição
em massa, sublinhando as bombas nucleares, que poderão ser usadas em
futuros atentados. A última avaliação prospectiva do National Intelligence
Council americano, produzida em Dezembro de 2004 e intitulada “Mapping
the Global Future”, é peremptória: “se os governos dos países que detêm
armas de destruição em massa perderem o controlo dos seus inventários,
o risco do crime organizado traficar armas nucleares, químicas e biológicas
aumentará daqui até 2020”.

Resta contudo a percepção de que não ocorrerá uma associação de


longa duração, estratégica, entre terroristas e criminosos. Por enquanto, do
ponto de vista destes últimos, essa associação seria má para o negócio.

1.4. O Negócio do Conhecimento16

É já um lugar-comum a afirmação de que nos encontramos, neste século


XXI, na sociedade do conhecimento e que a informação é o seu factor
básico. O negócio do conhecimento encontra-se portanto em expansão numa
multiplicidade de variantes. Por exemplo, no caso das universidades, tradi-
cionais núcleos de gestação e desenvolvimento de conhecimento, é cada vez
maior a procura de ideias que possam passar directamente dos centros de
investigação para o mercado. A tendência é a de que os académicos desem-
penhem também, crescentemente, o papel de negociadores das aplicações de
conhecimento, no quadro do direito da propriedade intelectual.

Neste contexto proliferam as empresas que vendem conhecimento, sob


a forma de informações, a outras empresas de projecção internacional e
também nacional, principalmente em mercados de grande dimensão.
Grandes empresas como a Kroll, americana, dominam este sector especia-
lizado, a que se encontram associados conceitos como risco, competitive
intelligence e business intelligence. Estes dois últimos, em franca expansão,

16 Publicado em 20 de Outubro de 2005.

33
prestam-se aliás por vezes a alguma confusão na definição de uma fronteira
clara entre ambos. De facto são correspondentes, mas, para efeitos opera-
cionais, podemos considerar que o primeiro reflecte o conhecimento do
ambiente de negócios da empresa, incluindo os principais actores, enquanto
que o segundo traduz o processo tecnológico de comando e controlo da
organização, desde a produção à distribuição e ao serviço pós-venda.

Na verdade, estes dois conceitos possuem raízes na metodologia dos


serviços de informações desenvolvida no contexto da 2ª Guerra Mundial,
derivando porém ambos directamente do conceito abrangente de economic
intelligence que, em especial nos Estados Unidos, se firmou já nos anos
50 e passou a ser visto como útil para os chamados “executivos”. Na obra
clássica e de referência da época – Strategic Intelligence Production, do
Brigadeiro General Washington Platt – é sublinhado que o assunto interessa
igualmente aos “homens de negócios americanos”, pois estes também têm
“o problema de estimar o que outros seres humanos podem e irão fazer”.

Com efeito, os objectivos fundamentais de qualquer serviço de infor-


mações são o conhecimento do que está a acontecer e, na medida do
possível, o conhecimento do que irá acontecer, o que pressupõe o desen-
volvimento ideal de uma capacidade prospectiva excelente. Se pensarmos
no caso português, as empresas que visam a internacionalização só
poderão aproximar-se desses objectivos se tiverem no seu seio uma uni-
dade de informações estratégicas que produza um conhecimento interno
continuado de apoio à tomada de decisão. Não se trata de criar dossiês
de informações que condicionam inevitavelmente o processo decisório
da gestão, mas sim de produzir relatórios de informações sintécticos,
periódicos e se necessário casuísticos, objectivos e neutrais no que res-
peita a recomendações.

A cultura de negócios americana é em grande medida enformada por esta


cultura de informações. Nos últimos anos, tendo-se iniciado ainda antes do 11
de Setembro, tem vindo a ocorrer um movimento de expansão acelerada do
ensino de intelligence em centenas de universidades e “colleges”. Muitos dos
professores são ex-funcionários dos serviços de informações, e alguns estão
ainda no activo mas destacados sob protocolos institucionais. Os alunos que
escolhem a disciplina, mais que aspirantes a espiões, são aspirantes a gestores,
analistas de sistemas e documentalistas.

34
Esta cultura de informações está bem patente na dinâmica do sector,
com novas empresas, publicações, sítios na internet e novos produtos a
serem constatemente anunciados. Por exemplo, na passada 3ª feira, a
ONVIA, sediada em Seattle, anunciou o lançamento de uma base de dados
com mais de 400 mil contactos de decisores da administração pública ame-
ricana, desde o nível federal ao local, incluindo moradas, números de tele-
fone e endereços de email.

Ora, esta é sem dúvida uma amostra da tendência do negócio do conhe-


cimento, das possibilidades que se lhe abrem a nível global e da vantagem
competitiva da projecção económica americana. Numa perspectiva mera-
mente portuguesa, os gestores precisam de compreender plenamente a
situação no que respeita aos mercados emergentes da Europa do Leste, da
Ásia e mesmo da África, nomeadamente da lusófona. Uma unidade de
informações estratégicas revelar-se-á muito útil para o efeito.

1.5 O Movimento do Islamismo Europeu17

O Grande Mufti da Bósnia-Herzegovina, Mustafa Ceric, lançou um


apelo a favor da abertura do processo de institucionalização do islamismo
na Europa, acrescentando que não se trata de uma utopia mas sim, embora
tardia, de uma reivindicação realista. O argumento principal é o de que a
Europa está a alimentar uma atitude de medo relativamente ao islamismo,
que resulta de uma leitura política do terrorismo e, por via dos meios de
comunicação social, de uma consequente culpabilização colectiva dos
muçulmanos, sem se tomar em conta o seu lado espiritual e cultural centrado
na paz e no universalismo.

Mustafa Ceric defende assim que a Europa deve assumir-se como um


espaço multicultural e que os muçulmanos – 10% em 2020 – deverão ter
escolas próprias e representantes legítimos nos parlamentos dos estados
europeus. Esta reivindicação consta, aliás, na “Declaração dos Muçulmanos
Europeus” que o próprio elaborou recentemente com o objectivo de iniciar
um movimento político e social que atinja a União Europeia.

17 Publicado em 15 de Janeiro de 2006.

35
Personalidade polémica, Mustafa Ceric tem 55 anos. Após ter realizado os
estudos universitários e religiosos em Sarajevo e no Cairo, viveu em Chicago
entre 1981 e 1986, para onde foi como Iman da mais antiga organização islâ-
mica no país, agora designada Bosnian-American Cultural Association
(BACA), tendo aproveitado para realizar um doutoramento na Universidade de
Chicago em teologia islâmica. Daí seguiu para a Bósnia, onde, frontalmente
contra sérvios e croatas, ganhou relevo como líder espiritual na guerra de 92-
95, a seguir à qual o número de imigrantes bósnios nos Estados Unidos passou
de pouco mais de um milhar para os cerca de duzentos mil.

As suas ligações aos Estados Unidos são portanto estreitas e, concre-


tamente, é membro do grupo de pressão “Diálogos Mundo Islâmico-Estados
Unidos-Ocidente”, instituído na Universidade de Nova Iorque após o 11 de
Setembro, com o financiamento da Carnegie Corporation, da MacArthur
Foundation e do Rockefeller Brothers Fund. Este grupo tem precisamente
como objectivo compreeender os pontos de vista e reclamações dos muçul-
manos e respectivos movimentos políticos e sociais a nível mundial, pro-
duzindo conferências que resultam em publicações e recomendações polí-
ticas. Do seu Conselho Consultivo, para além de Mustafa Ceric, fazem
parte, entre outros, Lisa Anderson, decana da Escola de Assuntos Públicos
e Internacionais da Universidade de Columbia, Marc Brichambaut, juíz
conselheiro francês e actual secretário-geral da OSCE, e Eduardo Serra
Rexach, presidente da UBS Warburg España.

A pergunta neste momento é: está a nascer um “Euro-Islão” influen-


ciado pelo modelo americano do multiculturalismo? Entre outros elementos,
este modelo comporta a política da discriminação positiva das minorias,
isto é, sistemas de quotas para, por exemplo, preenchimento de lugares na
administração pública.

1.6. A Geopolítica da Informação18

O mundo está dividido em grandes áreas linguísticas e culturais sobre as


quais estão desenhados os Estados e respectivas fronteiras físicas. Mas estas,
determinantes no passado, estão hoje desdobradas em fronteiras económicas
18 Publicado em 9 de Fevereiro de 2006.

36
flexíveis por causa dos avanços tecnológicos no domínio da comunicação que
vêm acelerando extraordinariamente os negócios e trocas de toda a espécie, a
nível internacional, no sentido da integração progressiva do sistema mundial.
Chamamos a este fenómeno globalização, por influência anglófona, enquanto
os franceses insistem em denominá-lo de mundialização.

Este fenómeno, que traduz a expansão a todo o globo da democracia e


da economia de mercado, foi combatido energicamente nos anos 60-70, no
contexto da guerra fria, pelos países e todos aqueles que perseguiam a
utopia (ou distopia) marxista, antepassados directos dos actuais militantes
da causa anti-globalização. Foi assim que apareceu a apologia da famosa
NOEI (nova ordem económica internacional), logo seguida da não menos
famosa mas efémera NOIIC (nova ordem internacional da informação e
comunicação), definida no já esquecido Relatório Mcbride, depois de se
ter chegado à conclusão de que quem controla a informação tem poder,
nomeadamente económico. E a economia internacional era vista sob este
ângulo como um conflito entre os países ricos e exploradores do Norte e
os países pobres e explorados do Sul.

Neste contexto, em 1980, surgiu a obra militante de Anthony Smith sin-


tomaticamente intitulada “The Geopolitics of Information: How Western
Culture dominates the World” (Oxford University Press). A abordagem não
pegou nos tradicionais cultores da Geopolítica, mais próximos das escolas
militares e politológicas americanas envolvidas na análise da guerra fria do
ponto de vista ocidental, e para quem, ainda hoje, a questão deve ser vista na
óptica da designada guerra da informação, na qual se inclui a propaganda, a
guerra psicológica e a guerra electrónica. Porventura por esta razão, é muito
raro encontrar um livro com aquele título ou abordagem em inglês.

Mas, em 1987, o francês Henri Bakis escreveu a “Géopolitique de L


Information” (Presses Universitaires de France), numa perspectiva inteira-
mente diferente da do britânico Anthony Smith. Doutor em Ciências
Humanas e investigador do Centro Nacional de Estudos das Telecomuni-
cações, Henri Bakis preocupou-se em analisar as relações entre o Poder e
a Informação. Em concreto, tratou das estratégias internacionais dos
Estados, do controlo que exercem sobre os satélites de comunicações e
sobre as redes de informação a nível nacional e internacional, do papel das
empresas de telecomunicações e da dimensão cultural de tudo isto.

37
Curiosamente, também é raríssimo encontrar livros em francês com
este título, mas este passou a ser mais uma referência da percepção francesa
relativamente ao que se considera ser actualmente o ataque económico
americano aos mercados internacionais e aos interesses nacionais da França.
Com efeito, a “Géopolitique de L’Information” surgiu no contexto de um
movimento mais amplo de patriotismo económico, originalmente francês,
que hoje se manifesta sobretudo através do conceito de inteligência econó-
mica e da Escola de Guerra Económica (EGE). Esta foi fundada em 1997,
em Paris, por iniciativa de dois homens: o General Jean Pichot-Duclos, ex-
comandante da Escola Inter-Armas de Informações e Estudos Linguísticos,
que, entre outros trabalhos, publicou em 2002 o livro “As Guerras Secretas
da Mundialização”; e Christian Harbulot, que tem realizado estudos como
“Técnicas Ofensivas e Guerra Económica”, e cujo último livro se intitula
“A Mão Invisível das Potências. Os Europeus face à Guerra Económica”,
publicado no passado mês de Julho.

A ambição maior da EGE é a substituição da geração de quadros for-


mados após a 2ª Guerra Mundial por uma nova geração de gestores imbuí-
dos destes conceitos à luz do patriotismo económico. E neste âmbito foi
também criado recentemente o lugar de Alto Responsável para a
Inteligência Económica no Secretariado-Geral da Defesa Nacional, na
dependência do primeiro-ministro, que já publicou um guia de referência
de elaboração de cursos de pós-graduação nesta área.

A geopolítica da informação é pois hoje, no cenário da globalização ou


mundialização, uma componente estratégica da guerra económica em que
a França se sente envolvida e, como aponta Henri Bakis, as telecomunica-
ções estão no centro do processo.

1.7. O Ciclo do Patriotismo Económico19

Chamemos-lhe patriotismo económico, nacionalismo económico ou


proteccionismo. Trata-se invariavelmente da decisão de um dado governo
defender a economia nacional do que considera ser uma ameaça vinda do
estrangeiro, em regra sob a forma de empresas ou investimentos. E não é
19 Publicado em 9 de Março de 2006.

38
raro, quando o nível da ameaça é percepcionado como elevado, a opinião
pública mobilizar-se ou ser mobilizada em torno dessa decisão.

Mas o problema é incómodo e inoportuno nos tempos que correm da


chamada globalização, do livre comércio e da integração internacional,
menos ou mais avançada, como é o caso da União Europeia. Perante a evi-
dência dos casos, os “players” costumam esgrimir pontos de vista contra-
ditórios, o que, numa série de argumentos sem saída, torna a discussão for-
tuita. A única coerência visível passa a ser a incoerência.

Se procurarmos na história, vemos que as relações económicas inter-


nacionais têm oscilado entre o liberalismo e o proteccionismo, consoante
a competitividade dos interesses nacionais é mais ou menos elevada. A ten-
dência é óbvia: os mais fortes defendem o liberalismo e os mais fracos que-
rem o proteccionismo do Estado e os subsídios. Com isto, estes últimos ou
conseguem vir a ser de facto competitivos ou então limitam-se simples-
mente a sobreviver.

Não é pois de admirar que os Estados Unidos tenham vindo a ser, desde
o século XIX, os principais defensores da liberalização do comércio inter-
nacional. Tornaram-se cada vez mais fortes, competitivos, por virtude de
vários factores sobejamente conhecidos.

Mas isso não impediu os Estados Unidos de enveredarem pelo patriotismo


económico quando julgaram necessário, como parece poder vir a acontecer
de forma cada vez mais frequente. Veja-se o que se passou, há alguns anos,
com a “temível” ameaça do Japão, que acabou por não se concretizar; e,
agora, o que se passa com a “temível” ameaça da China, que alguns analistas
americanos tendem a desvalorizar por causa das insuficiências estruturais da
sociedade e economia chinesa. Mesmo assim, no passado mês de Agosto, a
Companhia Nacional de Petróleos da China (CNOOC) foi impedida de com-
prar a Companhia de Petróleos da Califórnia (UNOCAL), fundada em 1890,
para esta ser comprada por um preço inferior pela Chevron.

O mesmo se passa na Europa quando se bloqueiam as importações de


texteis chineses ou quando os espanhóis se opõem à compra das suas
empresas energéticas por parte dos alemães, ou os franceses por parte dos
italianos. É impossível continuar a disfarçar: entrámos num ciclo de patrio-

39
tismo económico. O primeiro argumento é o da preservação dos sectores
estratégicos nacionais, mas a questão está em saber qual é a definição pre-
cisa do conceito e quais as categorias que abarca.

O caso mais emblemático é o da França. Apontando fugas de informa-


ção, a imprensa francesa tem recorrentemente noticiado que o governo tem
uma lista de industrias protegidas, estratégicas, nas áreas da defesa, tele-
comunicações, tecnologia espacial, biotecnologia, segurança informática e,
supreendentemente, casinos. Mas a explicação dada para este último “sector
estratégico” é a de que se trata de potenciais locais de lavagem de dinheiro.

Nunca é demais repetir. A França está a operacionalizar há vários anos


os conceitos de guerra económica e inteligência económica, os quais, para
além de estarem implantados no ensino superior da gestão, já têm expressão
institucional ao mais alto nível, no gabinete do primeiro-ministro. A França
tem também um designado clube de defesa económica da empresa, do qual
fazem parte as maiores empresas nacionais, e uma sociedade nacional de
inteligência estratégica (ADIT) que tem uma rede que abrange os cinco
continentes. A última “coqueluche” do sistema está para breve: uma socie-
dade de investimento em alta tecnologia, à semelhança da In-Q-Tel ameri-
cana, a conhecida empresa da CIA.

Ora, nesta perspectiva, a observação da presente conjuntura permite


vislumbrar a seguinte tendência: à medida que as economias emergentes
por todo o mundo se tornam mais competitivas, as tradicionais potências
económicas perdem vantagens comparativas em várias industrias. E, pela
forma como se posicionam os franceses, tudo indica que a guerra econó-
mica está a ultrapassar o nível subliminar. Por isso, é provável que o patrio-
tismo económico, defensivo ou ofensivo, aberto ou coberto (incluindo a
vertente da espionagem), venha a expandir-se.

1.8. A Guerra Longa dos Estados Unidos20

O Pentágono divulgou recentemente o Quadrennial Defense Review


Report, um documento de cem páginas que define a nova geo-estratégia

20 Publicado em 19 de Março de 2006.

40
dos Estados Unidos. O facto é particularmente relevante, uma vez que que
marca uma mudança assinalável na percepção das ameaças, na respectiva
pirâmide de conceitos e na formulação de respostas aos problemas. O docu-
mento, conforme é logo afirmado no início, tem como base a experiência
adquirida na designada guerra global contra o terrorismo, nos últimos cinco
anos, e parte da noção de que, neste curto período de tempo, o mundo
mudou muito.

A primeira frase do documento está pois carregada de simbolismo: “Os


Estados Unidos são uma nação envolvida naquilo que será uma guerra pro-
longada (long war)”. O século XXI corresponde assim ao começo de uma
nova era caracterizada pela incerteza e pela surpresa, e entre os trinta e
cinco exemplos assinalados, da mudança em curso, são reveladores os
seguintes: passou-se de um período de paz para um tempo de guerra, de
uma ameaça para múltiplas, da guerra contra nações para a guerra dentro
de nações, de respostas reactivas para acções preventivas, das forças aquar-
teladas para as forças expedicionárias, dos combates convencionais para as
operações assimétricas, das forças massivas para os efeitos massivos, da
ênfase no material para a ênfase nas informações, da resposta a crises para
a modelação do futuro.

O objectivo do Pentágono é o de que estas linhas sirvam de orientação


para “as próximas décadas”, e por isso a designada guerra global contra o
terrorismo está a ser conceptualmente substituída pela guerra prolongada
ou guerra global prolongada (long global war). Para o efeito, o presidente
Bush propõe um aumento orçamental de 7% para a defesa, cujo valor total
passará a rondar os 400 mil milhões de euros, e em particular de 20% para
as forças de operações especiais. Estas, nos próximos cinco anos, passarão
de 50 mil para 64 mil efectivos de modo a terem, conforme é afirmado, “a
capacidade de operarem simultaneamente em dúzias de países.”

Neste quadro, é de sublinhar a importância crescente da África para os


Estados Unidos. Em Setembro passado, perante a comissão de relações
internacionais do Senado, o General James Jones, chefe supremo militar
da Nato e das forças americanas na Europa, afirmava que os novos progra-
mas militares em África sustentavam os objectivos estratégicos de longo
prazo da guerra global contra o terrorismo e se destinavam a “alargar o
perímetro de segurança” dos Estados Unidos.

41
Combinada com o conceito de guerra prolongada, esta noção geogra-
ficamente delimitada da segurança nacional americana é pois suficiente-
mente ampla para integrar o factor petróleo e permite antever um reforço
substancial da presença dos Estados Unidos em África a curto prazo. O
petróleo africano é de alta qualidade, mais fácil de refinar, está mais pró-
ximo do mercado e representa já 70% das importações americanas de
África.

1.9. O Regresso da Guerra Fria21

Não obstante a evolução da cooperação entre os Estados Unidos e a


Rússia após a queda do Muro de Berlim, e sobretudo depois do 11 de
Setembro no quadro da designada guerra contra o terrorismo, as relações
entre os dois países têm vindo a esfriar depois do derrube de Saddam
Hussein. Este facto, por si só, fez aumentar significativamente a tensão,
uma vez que Moscovo era o principal parceiro de Bagdade no negócio do
petróleo. Isto não impediu, porém, que a Rússia tivesse beneficiado extraor-
dinariamente do aumento dos preços no sector nos últimos anos.

O crescimento de cinco pontos negativos em 1998 passou para os 6,5%


positivos em 2005, ano em que a taxa de inflacção foi somente de 12,9%
em comparação como os 84% daquele mesmo ano de 1998. Existem ainda
alguns problemas económicos e sociais, como o facto de 18% da população
se encontrar no limiar da pobreza ou os altos níveis de desemprego, crime
e corrupção, mas a inflacção está agora contida, o orçamento equilibrado
e o rublo estabilizado. O presidente Putin – para todos os efeitos um ex-
quadro do KGB – está claramente a apertar o controlo político da Federação,
a acelerar as reformas económicas e, ao mesmo tempo, a tentar recuperar
parte do peso detido anteriormente pela URSS na cena internacional. E é
aqui que inevitavelmente se confronta com os Estados Unidos.

Neste momento, a percepção dos Estados Unidos é pois a de que a polí-


tica externa russa se tornou agressiva; “em parte estimulada pela frustação
relativamente ao fosso existente entre a auto-imagem da Rússia enquanto
potência mundial e as suas capacidades fortemente diminuídas”, como se
21 Publicado em 21 de Maio de 2006.

42
refere numa análise oficial produzida este mês de Maio pelo centro de pes-
quisa e documentação do Congresso. A tensão entre os dois países está
bem patente na luta pela influência na Europa do Leste, na Ásia Central,
na parceria estratégica entre a Rússia e a China no grupo de Shangai, que
já realizou exercícos militares conjuntos, e no caso do Irão que está a bene-
ficiar da transferência de tecnologia nuclear russa.

A evolução da situação relembra o ambiente da guerra fria. Por exemplo,


o vice-presidente Dick Cheney esteve na Cimeira da Lituânia, no princípio
deste mês, que reuniu nove ex-repúblicas soviéticas. Na verdade, tratou-se
do terceiro encontro da nova Comunidade da Opção Democrática, criada
em Agosto do ano passado pela Ucrânia, Geórgia, Polónia e Lituânia, como
alternativa à Comunidade dos Estados Independentes. A inspiração vem da
Comunidade das Democracias, uma organização não governamental fun-
dada em 2000 pelos Estados Unidos.

O principal alvo da nova comunidade é a Bielorússia, para a qual estão


a ser planeadas acções de propaganda, por meio de emissões de rádio e
televisão que visam apoiar os grupos pró-democracia. O objectivo estraté-
gico é a criação de uma nova área económica integrada entre o Mar Báltico
e o Mar Negro. Moscovo vê isto como um cordão sanitário anti-russo pro-
movido por Washington.

1.10. A Incerteza da Conjuntura22

A instabilidade no Médio Oriente não deixa de condicionar a evolução


da conjuntura, com repercussão imediata nos preços do petróleo e conse-
quentemente na economia. Quando pensamos que a situação na região não
pode piorar mais, o que acontece geralmente é que pode e piora ainda mais.
Israel, Palestina, Líbano, Síria – nada de novo e já não mexe assim tanto
com a conjuntura, banalizado que está, infelizmente e desumanamente, o
ambiente de conflito.

O mesmo não se passa, porém, com o Irão e o Iraque, países produtores


de petróleo. Ambos estão no centro das atenções, e em particular a situação
22 Publicado em 23 de Novembro de 2006.

43
no Iraque, a qual se encontra num momento crucial. Ou a guerra civil entre
sunitas e shiitas, de facto existente, se mantém no actual nível de baixa
intensidade, ou se agrava e inevitavelmente se alastrará a toda a região,
cumprindo a regra ou maldição de que no Médio Oriente só pode mesmo
é tudo piorar. Apesar de serem vistas como ocupantes e alvos pela resis-
tência iraquiana, o papel das forças militares estrangeiras no país é agora
principalmente o de contenção daqueles dois grupos etno-religiosos.

Neste momento, a incerteza é portanto elevada quanto à evolução da


situação, não obstante os discursos políticos desanuviadores e apaziguado-
res. O Iraque está no fio da navalha e é efectivamente um factor de pertur-
bação dos preços do petróleo, os quais se têm mantido numa pequena banda
de variação por força da pressão dos Estados Unidos, com o anúncio de
dados oficiais favoráveis sobre as reservas, como aconteceu ontem. Não
fôra isso, em complemento da substituição de Donald Rumsfeld por Robert
Gates à frente do Pentágono, que lançou uma expectativa positiva sobre a
resolução do problema iraquiano e da tensão com o Irão, e os preços seriam
diferentes.

Com efeito, a intensidade do conflito depende agora em grande


medida das conversações, provavelmente confidenciais, e que já terão
tido porventura um “pontapé de saída”, entre os Estados Unidos e o
Irão. Robert Gates, que era até aqui presidente da Universidade do
Texas e fazia parte do Iraq Study Group, criado pelo Congresso, esteve
durante o mês de Setembro no Iraque a avaliar a situação. E o novo
chefe do Pentágono não é propriamente um novato nesta área, uma vez
que, nos anos 80-90, enquanto agente e depois director da CIA, esteve
directamente ligado às operações cobertas da agência no Iraque, Irão
e Afeganistão no contexto da guerra fria.

Ao Irão, por seu turno, também não interessa uma escalada da guerra
civil no Iraque, não obstante ser um forte apoiante financeiro, logístico e
mesmo operacional, através dos seus serviços secretos, das milícias shiitas.
Se essa escalada ocorrer, uma vez que o potencial para a regionalização do
conflito é muito elevado, as consequências serão imprevisíveis. Desde logo,
é muito provável que os países vizinhos se envolvessem, pois o poder é aí
controlado pelos sunitas, como é o caso da Arábia Saudita, da Jordânia, da
Turquia e do Kuwait. Estes sentem-se ameaçados pela crescente presença

44
e influência do Irão no Iraque e, para contrabalançar isso, já começaram a
criar as suas próprias redes de apoio aos sunitas iraquianos.

Mas a verdade é que, embora tenha ali um papel central, pois 60% dos
iraquianos são shiitas, o que na nova ordem pós-Saddam já lhes deu o con-
trolo do governo, o Irão tem uma influência parcial sobre as milícias afins
etno-religiosas. Não controla, por exemplo, o designado Exército Mahdi,
de 20 mil elementos, chefiado pelo jovem Moqtada Al Sadr, de 32 anos,
apesar de ter vindo crescentemente a cortejá-lo. Moqtada Al Sadr é um
nobre do reverenciado clã Al Sadr, sobrinho-neto de Mohammed Baqr Al
Sadr, que foi mandado enforcar por Saddam Hussein em 1980.

Se Moqtada Al Sadr partir para a radicalização da sua posição, provocado


ou não pelos sunitas e a Al-Qaeda, então a espiral de violência será inevitável.
Este factor marca, para já, a maior ou menor incerteza da conjuntura.

1.11. 200723

O ano de 2006 consegue chegar ao fim sem que tenha havido uma crise
económica global de proporções incalculáveis por causa dos preços-recorde
do petróleo. E, indubitavelmente, esta matéria-prima condiciona a evolução
da economia global. A dúvida que emerge agora é, pois, a de saber se o
ano de 2007 será semelhante ou diferente do anterior. Desde logo, a incer-
teza é um factor presente, dificultando qualquer previsão. Pode manifes-
tar-se em vários quadrantes, no clima ou nas tensões geopolíticas, por
exemplo, passíveis de se reflectirem directamente nos custos da energia e,
em consequência, na economia.

Nesta altura do ano as previsões aparecem porém em catadupa e, para


já, parecem consensuais quanto ao desenho de um cenário idêntico ao do
ano transacto. No que respeita ao comportamento do preço do petróleo, é
indicado que este começará a subir na primavera, atingirá o pico no verão
e descerá de novo no final do ano. Existem contudo diferenças de avaliação
quanto ao valores que o preço atingirá. Para alguns analistas, o pico no
verão será um novo recorde, talvez 85 dólares, enquanto para outros não
23 Publicado em 28 de Dezembro de 2006.

45
ultrapassará a banda dos 60 dólares. A Goldman Sachs, por seu turno, prevê
que o petróleo de referência americano atinja os 75 dólares.

Muito provavelmente, a China continuará a pressionar a subida dos pre-


ços. O crescimento económico esperado é na ordem dos 10%, a que cor-
responderá um aumento de 7% na procura de petróleo. Pequim importa
actualmente cerca de 3,5 milhões de barris por dia e passará assim a neces-
sitar de mais 200 mil. A China passou também a estar preocupada com a
sua segurança energética e por isso dará início a um programa de acumu-
lação de reservas estratégicas de 100 milhões de barris, numa primeira fase,
comprando mais 100 mil barris por dia.

Na verdade, o preço do petróleo é, em último caso, influenciado por


uma variedade de factores que se combinam de modo complexo e incon-
trolável na sua totalidade. O comportamento dos Estados Unidos adquire,
neste quadro, um papel relevante, não só no que respeita internamente ao
seu desempenho económico mas também no que toca à sua política externa.
E neste aspecto é particularmente condicionante a sua acção no Médio
Oriente e em especial, neste momento, no Iraque.

Aí, os Estados Unidos atingiram uma situação verdadeiramente insus-


tentável, quer em vidas humanas quer do ponto de vista político e finan-
ceiro. Números do ano passado, entretanto desactualizados, estimavam os
custos americanos naquele país em 7 mil milhões de dólares por mês, a
caminho de atinjirem um total de 600 mil milhões em 2010. Além do mais,
o output petrolífero do Iraque não cresceu conforme estava previsto que
aconteceria após o derrube de Saddam Hussein.

Ora, é precisamente aqui que entra James Baker e o Iraq Study Group,
cujo estudo de situação recentemente realizado constitui agora as linhas de
força da política do presidente Bush. É muito provável que as conversações
em curso com o Irão, lideradas por Robert Gates, que antes integrava a
equipa de Baker, abordem o dossiê do petróleo, que está a ser principalmente
extraído nas zonas xiítas. Note-se que James Baker é mais que um simples
amigo ou “empregado” do presidente Bush (pai); é o herdeiro de um presti-
giado escritório de advogados do Texas, fundado em 1840, que se especiali-
zou na área do petróleo a partir de 1901, e que, entre outros clientes do ramo,
é representante jurídico oficial da Arábia Saudita nos Estados Unidos.

46
De facto, para além da Al-Qaeda, já existe um guerra civil no Iraque,
embora de fraca intensidade, onde de um lado estão os sunitas apoiados
pela Arábia Saudita e do outro os xiítas apoiados pelo Irão, que poderá der-
rapar para um conflito regional. É isto que se está também a tentar impedir,
mas se em 2007 os Estados Unidos conseguirem concertar posições com
a Arábia Saudita e o Irão, fica aberto o caminho para um aumento do output
de petróleo iraquiano que se repercutirá nos preços.

1.12. Informações e Negócios em Tempo de Guerra24

O processo de globalização em curso, para além dos factos meramente


políticos, económicos e culturais, comporta também fenómenos como a
criminalidade organizada e o terrorismo transnacional. No caso deste
último, e concretamente após o 11 de Setembro, os Estados Unidos lança-
ram o conceito de guerra global contra o terrorismo, o qual introduziu uma
nova dinâmica polemológica nas relações internacionais e na evolução da
conjuntura que afecta, sem excepção, todos os Estados.

Este novo factor veio assim acrescentar-se à constante histórica das ten-
sões, conflitos e guerras entre Estados e no seio destes, sendo realista
avaliar prospectivamente a evolução da conjuntura internacional na linha
da percepção dos próprios Estados Unidos. Com efeito, estes definiram a
sua nova geo-estratégia há já um ano, num documento de cem páginas
designado Quadrennial Defense Review Report, baseada na premissa de
que o mundo mudou muito nos últimos cinco anos. A primeira frase do
documento é a seguinte: “Os Estados Unidos são uma nação envolvida
naquilo que será uma guerra prolongada (long war)”.

Com este novo conceito de “long war”, desenham o cenário como uma
nova era marcada pela incerteza e pela surpresa, onde a mudança imposta
pela segurança requer, entre outros aspectos, que se passe das forças aquar-
teladas para as forças expedicionárias e da ênfase no material para a ênfase
nas informações. Por esta razão, está em curso um aumento do número de
efectivos das forças especiais americanas para terem, conforme é revelado,
“a capacidade de operarem simultaneamente em dúzias de países.”
24 Publicado em 15 de Fevereiro de 2007.

47
As chamadas operações de paz vieram pois para ficar e inúmeros países
são hoje chamados a dar o seu contributo. Portugal não foge à regra e esta-
mos até com um elevado nível de empenhamento face à nossa dimensão e
capacidades. Temos porém uma vulnerabilidade incrível neste quadro em
termos de planeamento estratégico. Portugal não tem um serviço de infor-
mações militares, quando tanto precisa dele. E não o tem, persistentemente,
por razões que se prendem ainda com complexos passados e vontades
adversas de indivíduos e de grupos de interesses – entre outros, corporativos
– instalados no sistema de informações, e sobretudo por causa da pura e
simples ignorância de sucessivos políticos nesta matéria, por isso facilmente
influenciáveis nas suas decisões por esses mesmos indivíduos e grupos.

As competências das informações militares estão hoje portanto repar-


tidas pelos três ramos e pelo estado-maior general das forças armadas,
lutando todos com uma extraordinária e confrangedora falta de meios. A
verdade é que não temos capacidade própria continuada e consistente de
produção de informações militares, encontrando-nos nós, em grande parte,
também confrangedoramente dependentes do que nos é transmitido pelos
nossos aliados, nomeadamente nos teatros de operações onde temos as nos-
sas unidades. O que se vai fazendo, é com muito esforço, dedicação e
desenrascanço por parte dos militares envolvidos.

A vida dos nossos homens é o mais importante, assim como também


a nossa correlativa autonomia de aquisição de conhecimento sobre as situa-
ções. Mas em grande medida importantes são também hoje as acções não
militares agregadas à guerra e às operações de paz. Entre estas contam-se
obviamente os negócios, que vão desde o fornecimento de bens diversos à
reconstrução de infra-estruturas e instituições.

Os serviços de informações militares desempenham igualmente um


papel neste contexto e actualmente integram elaborados esquemas de pro-
jecção de poder dos Estados. Entre os mais eficazes contam-se obviamente
os britânicos e os americanos. Estes últimos estão, por exemplo, neste
momento, com o recém criado AFRICOM, a executar uma plano global
em África que inclui o negócio do reequipamento das forças armadas de
muitos países africanos.

48
2. ÁREAS REGIONAIS

2.1. África

2.1.1. A Nova Luta pela África25

De repente a África e os seus inúmeros problemas, em particular o da


pobreza, saltaram para as primeiras páginas dos jornais com um fulgor que
não era visto desde a queda do Muro de Berlim. A liderança do movimento
cabe indubitavelmente ao Reino Unido, denotando uma efectiva aliança
estratégica entre a sociedade civil e o poder político. A África tem mais
uma vez a oportunidade de traçar o caminho do desenvolvimento, depois
de muitas ditaduras, mortes, corrupção e esbanjamento de dinheiro.

Deste modo, independentemente de se averiguar se existe ou não uma


intenção de se obterem vantagens políticas e económicas, o facto é que
neste momento o Reino Unido está a emergir como o principal interlocutor
da África junto dos países mais desenvolvidos. A primeira observação a
fazer é a de que a França está a ser de certa forma ultrapassada no desem-
penho deste papel, que pretende que lhe seja reconhecido desde há cerca
de 25 anos com as Cimeiras França-África, a última das quais se realizou
em 2003, em Paris, onde estiveram representantes de todos os países,
excepto da Somália. Também aí esteve o ditador Robert Mugabe do
Zimbabwe, para grande descontentamento dos ingleses, sob especial pro-
25 Publicado em 3 de Julho de 2005.

49
tecção diplomática francesa. Por outro lado, a jogada britânica retira espaço
de manobra ao discurso crítico anti-capitalista que tem imperado no campo
dos movimentos anti-globalização, nos quais se inclui uma série de orga-
nizações não-governamentais especializadas em África.

A reacção destes críticos foi por isso imediata contra a campanha Make
Poverty History e a realização do concerto Live 8, afirmando que a África
precisa de mudanças fundamentais para sarar as feridas e não de políticas
cosméticas. Entre os argumentos esgrimidos referem que, de 1970 a 2000,
o capital acumulado de transferências para o mundo desenvolvido atingiu
os 250 mil milhões de euros, através do financiamento da balança de paga-
mentos e do serviço de dívida. No que respeita a este último, afirmam ainda
que por cada dólar recebido em empréstimo, 80% retorna à origem no
mesmo ano. Propôem assim que o Estado em África se redefina contra as
políticas do FMI e do Banco Mundial, seguindo o modelo da China.

Ora, a expansão da influência da China em África está a ser rápida e


agressiva, de que o recente acordo com Angola para o fornecimento de
40% do petróleo deste país lusófono é um excelente exemplo. Não é assim
de descurar a hipótese de a iniciativa britânica a favor da África conter uma
componente estratégica confidencial de resposta à ofensiva chinesa.
Curiosamente nas duas últimas semanas, a Xinhua, a agência oficial chi-
nesa, tem divulgado notícias e documentos relativos ao Forum de
Cooperação China-África, sendo de destacar o designado Plano de Acção
de Adis-Adeba (2004-2006).

A luta pela África parece pois ter voltado. Os serviços de informações


atentos deverão estar a construir cenários sobre a evolução da situação.

2.1.2. Condicionalismos Sociais do Investimento em África26

São poucas as empresas portuguesas que detêm um conhecimento subs-


tancial da realidade social da África lusófona, em particular na Guiné-
Bissau, em Angola e em Moçambique. Cerca de 80% das populações vivem
nas zonas rurais de acordo com um modo de vida e mentalidade tradicional.
26 Publicado em 22 de Dezembro de 2005.

50
Aí, o risco para o investimento externo será tanto mais elevado quanto
menor fôr a compreeensão dos seguintes factores não exclusivamente eco-
nómicos:

• a noção africana de tempo é diferente da ocidental, e concretamente


da economia de mercado no quadro da qual são actualmente desenha-
dos e financiados os projectos de desenvolvimento. É o confronto
entre a mentalidade do “dar tempo ao tempo” e a realidade do “tempo
é dinheiro”. O calendário dos projectos não coincidem assim frequen-
temente com a lógica dos calendários locais.
• a noções africanas de poupança e de investimento, de contrato, de
tomada de decisão e de trabalho decorrem de atitudes características
do comportamento tradicional como a propensão para o gasto, a ini-
bição de empreendorismo e a desvalorização do compromisso “frio”
de um moderno empréstimo bancário, e também dos processos lentos
de consenso que é imprescindível atingir e do gosto pelo lazer e pelos
gastos que reforçam os laços sociais.
• a pluralidade dos Direitos tradicionais “intrometem-se” na expansão
e aplicação do Direito moderno. Isto é particularmente evidente no
caso da poligamia ou dos sistemas de parentesco matrilineares, onde
o direito de sucessão se transmite de tio para sobrinho. Devido à com-
plexidade da situação, e à sobreposição de casamentos civis, religiosos
e tradicionais, e como as separações e divórcios são frequentes nas
áreas urbanas e suburbanas, muitas mulheres “destribalizadas” ficam
assim impossibilitadas de acederem a pensões de custódia e alimentos,
e muitas crianças são obrigadas a viver na rua e da rua. Outro aspecto
muito importamte diz respeito ao problema da posse da terra, que na
concepção jurídica tradicional corresponde ao mero direito de usu-
fruto, legado pelos antepassados, a quem é atribuída a propriedade
efectiva das terras das famílias, em regra com fronteiras mais ou
menos flexíveis, isto é, imprecisamente delimitadas. Como é óbvio,
esta situação é problemática para o Estado e para a economia de mer-
cado.
• a rede da Administração Pública é insuficiente relativamente ao
padrão de distribuição da maioria da população pelo território,
que regra geral vive em aldeias relativamente pequenas e disper-
sas. Uma consequência relevante é a dificuldade de adaptar o planea-
mento do desenvolvimento a esta situação, por exemplo no que res-

51
peita à redes escolares, sanitárias, energéticas ou comerciais. Outra é
a tendência para a falta de registo civil, como os certificados de nas-
cimento e de óbito, os quais por sua vez são imprescindíveis ao recen-
seamento da população e em parte, consequentemente, aos processos
eleitorais, abrindo desta forma espaço para irregularidades na com-
posição dos cadernos eleitorais.
• o papel das elites ou chefes tradicionais, agora frequentemente
designados como autoridades tradicionais, é determinante nas
zonas rurais. Aliás, como foram duramente perseguidos, e muitos
mortos, durante longos anos após as independências pelos poderes
marxistas-lenistas, sob a então terrível acusação de tribalistas, apro-
veitaram a abertura da Democracia, e o rasto que ficou de destruição
e miséria daqueles tempos, para restaurar certas práticas de feitiçaria,
que no tempo colonial já estavam de algum modo atenuadas, e assim
restaurar localmente a sua autoridade.

Com efeito, as elites tradicionais reforçaram a sua posição de “filtros”


relativamente ao processo de modernização e aos projectos de desenvolvi-
mento, interpretando as mensagens para as populações sob a sua alçada.
Do seu ponto de vista, o mundo dos brancos (entenda-se brancos propria-
mente ditos e negros da elite moderna) continua a ser confuso e dificilmente
compatível com o seu mundo. A desconfiança relativamente às elites moder-
nas e respectivos discursos, nos quais se incluem os do desenvolvimento e
dos investimentos, é muito elevada. Por exemplo no norte de Moçambique,
na área da etnia Makwa, que é a maior de todas, os excessos modernistas
revolucionários do governo da FRELIMO levaram a que a palavra “política”
passasse a ter localmente o duplo sentido de “astúcia e mentira”.

2.1.3. Crise à vista na Nigéria27

John Negroponte, o principal responsável pelo sistema de informações


dos Estados Unidos, avisou recentemente a Comissão das Forças Armadas
do Senado que, a curto prazo, a Nigéria poderá entrar numa fase de grande
instabilidade interna com consequências regionais e internacionais. A situa-
ção é particularmente preocupante para os Estados Unidos: a Nigéria é o

27 Publicado em 12 de Março de 2006.

52
oitavo produtor mundial de petróleo, o primeiro africano e, sobretudo, o
seu quinto maior fornecedor. Por isso, face ao potencial de conflitos entre
muçulmanos e cristãos e aos ataques de rebeldes às instalações petrolíferas
no delta do rio Níger, os americanos desaconselharam o presidente
Obasanjo, até aqui sob sua protecção, de tentar alterar a constituição para
poder concorrer a um terceiro mandato.

Todavia, a comissão parlamentar de revisão constitucional acaba de se


pronunciar favoravelmente sobre o assunto, por 54 contra 26 votos, mas,
para a decisão se tornar efectiva, esta necessita de ser ratificada pelas duas
câmaras da assembleia nacional e por dois terços dos parlamentos dos 36
estados da federação. A polémica está instalada, com opiniões virulentas a
acusar Obasanjo de querer ser presidente vitalício e outras, de carácter
etno-regionalista, que defendem ter chegado a vez, depois do norte e do
sudeste (região de Obasanjo), de eleger um presidente originário do sul.

Ora, é precisamente no sul que estão a ocorrer os incidentes mais vio-


lentos. Os ataques às instalações petrolíferas, para além dos raptos de tra-
balhadores ocidentais, já causaram várias mortes e uma baixa na produção
de cerca de 20%, o que se reflecte de imediato nas receitas do Estado, uma
vez que este depende em 90% da região. Os efeitos estão pois também a
fazer-se sentir a nível internacional, pressionando a subida do preço do
petróleo.

O governo nigeriano não está a conseguir controlar os movimentos


armados que pupulam no Estado de Bayelsa, no delta do rio Níger, e que
possuem uma base de apoio alargada nos Ijaw, a principal etnia da região.
A Nigéria é um complexo sistema heterogéneo de 250 etnias e 140 milhões
de habitantes. Os Ijaw serão talvez 1 milhão de elementos e, no passado,
foram um dos primeiros povos da Nigéria a entrar em contacto com os por-
tugueses e restantes europeus, tendo começado a desempenhar um papel
de intermediários comerciais com os outros povos do interior.

Com a colonização e depois com a independência, não obstante as


explorações de petróleo na sua região, os Ijaw acabaram por ficar afastados
de muitos benefícios do desenvolvimento. Movimentando-se em canoas
com motores fora-de-borda, passaram a roubar petróleo dos pipelines, for-
necendo um mercado negro local de 100 milhões de dólares por ano.

53
Em rebelião desde 1966, os Ijaw exigem agora da Shell mais de mil
milhões de dólares de compensação por danos ambientais. E, para já, a ten-
tativa de Obasanjo cumprir um terceiro mandato está a servir de pretexto
para aumentarem as acções armadas.

2.1.4. A Tragédia do Darfur28

Nos últimos três anos, a região do Darfur, no Sudão, tem estado envol-
vida num ambiente de violência extrema e, neste momento, a situação está
no seu maior pico de gravidade. A palavra “genocídio” é cada vez mais
utilizada nos meios de comunicação social para retratar o que está acontecer,
correspondendo ao discurso dos Estados Unidos, mas as Nações Unidas,
a União Europeia e a União Africana discordam e argumentam que a situa-
ção deve antes ser caracterizada como “crise humanitária”.

Os números são imprecisos, oscilando entre os duzentos ou quatro-


centos mil civis mortos e os dois ou três milhões de deslocados e refu-
giados, cerca de metade da população do Darfur. A verdade é que existe
um elevado grau de desinformação sobre a região, no sentido em que
existe um grande desconhecimento sobre os factores históricos e culturais
do conflito. Este é frequentemente reduzido a uma rivalidade entre não-
árabes e árabes, negros e não-negros, cristãos e muçulmanos, e mesmo
à competição entre os Estados Unidos e a China pelo controlo das
reservas petrolíferas do Sudão. Nada disto porém corresponde à reali-
dade.

O Sudão é o país mais extenso da África e tem 40 milhões de habitantes.


Tornou-se independente no dia 1 de Janeiro de 1956 e, nesse mesmo ano,
eclodiu a guerra civil no sul do território, a qual alastrou depois a outras
regiões, nomeadamente ao Darfur. Tal como acontece na maioria dos países
africanos, o Sudão apresenta uma complexa variedade etno-linguística de
cerca de 130 grupos. Quem vem do norte, a oeste do território, sai do
deserto e entra no coração do Darfur, isto é, na “terra dos Fur”: um grupo
étnico sedentário e agricultor que desde os tempos medievais habita a
região (cuja área é largamente superior à de Portugal), composta por terras
28 Publicado em 2 de Abril de 2006.

54
muito férteis envolvidas pelas montanhas vulcânicas Jebel Mare que atin-
gem os três mil metros de altitude.

Mas a região é também frequentada desde os tempos medievais pelos


Baggara, povo semi-nómada que se estende desde o Lago Chade ao Rio
Nilo, criador de gado, que no passado traficava escravos, muitos deles Fur,
e que efectua migrações sazonais para pastagens e cursos de água. O con-
flito é imemorial e os Baggara sempre foram cavaleiros e conhecidos na
região por Murahilin, que literalmente significa “nómadas”. As milícias
que espalham agora o terror no Darfur são os seus sucessores e dão pelo
nome de Janjaweed, que significa “ homens armados e montados” (a cavalo,
camelo ou em veículos todo-o-terreno) com o sentido acrescentado de “dia-
bos” ou “diabólicos”.

Agravado por factores ecológicos como a falta de chuvas e a degradação


do ambiente, o conflito é pois de natureza mais histórica e etno-cultural
que propriamente religioso ou de diferenças de côr de pele, que são muito
ambíguas no Darfur. Como consequência, não obstante a força de paz da
União Africana na região, só de malnutrição estão a morrer cinco mil pes-
soas por mês e para já não se vislumbra um fim para a tragédia.

2.1.5. A Luta pelo Poder na África do Sul29

Após alguns anos de relativa estabilidade política geral, a África do Sul


entrou desde há alguns meses numa fase de acesa luta pelo poder no seio
do ANC, que envolve directamente o presidente Mbeki. A causa principal
é uma nova política de africanização dos recursos económicos maioritaria-
mente detidos pelos sul-africanos brancos desde o apartheid. Consagrada
na lei em 2004 como Black Economic Empowerment (BEE), o seu objec-
tivo é a transferência para os sul-africanos negros, até 2014, de 26% do
controlo das empresas, de acordo com o princípio da discriminação positiva
e com promessas eleitorais de redução da pobreza.

Um tanto inevitavelmente, face à circunstância, a elite dirigente, que


reflecte as facções existentes no ANC, começou a competir pelos negócios
29 Publicado em 9 de Abril de 2006.

55
e a fractura acabou por acontecer com um nível de conflitualidade tão ele-
vado que coloca em risco o futuro da África do Sul. O resultado imediato
foi a demissão do vice-presidente Jacob Zuma no passado Verão, acusado
de conspiração para assegurar em seu favor a sucessão do presidente Mbeki,
em 2009, e que está agora a ser alvo de três processos distintos sobre vio-
lação, fraude e corrupção.

Na sequência deste caso, foi também demitido Billi Masetlha, o director


do serviço de informações, acusado de ter autorizado uma operação de
vigilância e escutas a membros do círculo mais próximo do presidente
Mbeki, invocando suspeita de corrupção. E, complicando ainda mais a
situação, Kgalema Motlanthe, o secretário-geral do ANC, denunciou a exis-
tência de correspondência por email, interceptada pelo serviço de informa-
ções através do designado Projecto Avani, que relatam a conspiração por
parte de membros do círculo do presidente Mbeki no sentido de descredi-
bilizarem Jacob Zuma e ele próprio.

Em virtude da escalada do conflito, que de modo algo descontrolado


se alastrou ao militantes do ANC na generalidade do país, a comissão
nacional do partido, reunida na semana passada, decidiu gerir a crise com
as seguintes medidas: criar uma task force para apaziguar as facções, com
um espírito similar ao da comissão de verdade e reconciliação; obter o con-
senso para que o debate sobre a sucessão de Mbeki tenha lugar no congresso
marcado para 2007; e enfatizar a posição anti-corrução adoptada no con-
gresso do ano passado.

Mas a tarefa afigura-se difícil e as feridas poderão ser de tal modo gra-
ves que já não podem ser curadas. Com efeito, a BEE é agora jocosamente
conhecida como Black Elite Empowerment ou Black Economic
Enrichement, correspondendo a um conjunto de casos em que líderes rele-
vantes do ANC estão a ficar com importantes posições em grandes empre-
sas. Destes, sobressai o presidenciável Manne Dipico, de 47 anos, estratega
eleitoral do ANC e conselheiro do presidente Mbeki. A partir da semana
passada firmou a sua posição no negócio dos diamantes, e também política,
passando a ser deputy-chairman da De Beers com uma quota estimada em
46 milhões de euros.

56
2.1.6. A Corrupção em África30

Uma vez em Moçambique, ainda no tempo da guerra civil, mas já após


a morte de Samora Machel, quando o regime começou a abrir-se à economia
de mercado, contaram-me esta anedota: um ministro moçambicano foi visi-
tar o seu congénere português e, perante a qualidade de vida deste último,
disse-lhe: – Grande casa, mas que peças valiosas que tens, e que bons car-
ros. Como é que conseguiste tudo isto?. – Estás a ver ali aquela auto-
estrada?10% !- respondeu-lhe o português batendo com a mão no bolso.
Passado algum tempo, o português retribuiu a visita ao moçambicano e
ficou completamente deslumbrado: – Mas afinal a tua casa é um palácio,
a minha riqueza não se compara com a tua. Como é que conseguiste? –
Estás a ver aquela auto-estrada?- perguntou-lhe por sua vez o moçambi-
cano. Não – respondeu o português. 100% ! – disse o moçambicano.

Depois dessa vez, ouvi repetir a anedota em Portugal, mudando a nacio-


nalidade dos intervenientes sem que porém se alterassem as suas origens
continentais. Mais ou menos nessa altura, já em Lisboa, um gestor de uma
importante companhia de seguros suíça, que veio cá fazer um curso inten-
sivo de português, por causa dos negócios com a África lusófona, contou-
me que um dos seus auditores tinha regressado rapidamente à sede depois
de ter sido ameaçado de morte, no seu apartamento em Maputo, porque
acabara de detectar graves irregularidades ao mais alto nível numa grande
empresa estatal.

Cerca de dois anos depois, logo a seguir ao cessar-fogo entre a Frelimo


e a Renamo, quando as empresas e as organizações não-governamentais
ocidentais começaram a consolidar a sua presença em Moçambique, o
director local de uma das maiores ONG s americanas, há poucos meses no
país mas experiente, confrontava-se com o problema de ter de ficar sem
dois ou três Mitsubishi Pajero num lote de contentores que estava em vias
de desalfandegar. Em jeito de desabafo, explicou-me a situação: – Vão para
o ministro e outros altos funcionários. È que eles já têm Mercedes, mas
agora, com a paz e a segurança de circulação, precisam de Jipes para irem
para as casas de praia. De qualquer modo, esta corrupção aqui não é nada
comparada com a da Nigéria. Mais alguns anos depois, em 2000, era assas-
30 Publicado em 20 de Abril de 2006.

57
sinado em Maputo, em plena via pública, o jornalista Carlos Cardoso por
causa das repetidas investigações sobre corrupção que publicava em O
Metical, jornal que fundara em 1996.

Vêm estas recordações, tudo isto, a propósito da recente viagem do pri-


meiro-ministro a Angola e da quase-polémica que quase estalou entre
alguns portugueses e angolanos sobre a corrupção em África. Grosso modo,
para os primeiros trata-se de um factor dissuasor de negócios, particular-
mente para os empresários portugueses, devido não só ao elevado risco mas
também à percepção de que, por causa das elites africanas, o mal é endémico
e incurável; para os segundos, a opinião dos primeiros decorre de uma ati-
tude colonialista, saudosista e mesmo racista, ainda para mais de quem não
tem legitimidade para criticar males alheios, porque os tem na sua própria
casa.

Ambos têm e não têm razão. Os angolanos podem dizer que também existe
corrupção em Portugal, mas perdem a razão quando agitam o fantasma colo-
nialista e se recusam a reconhecer a abismal diferença de proporção entre
ambas as situações. Não há comparação possível entre o nível da corrupção
angolana e o da portuguesa. Esta é a verdade. Por outro lado, os portugueses
não têm razão quando pretendem que o mal angolano é incurável. É uma opi-
nião que não toma em conta os esforços que têm vindo a ser desenvolvidos
ao mais alto nível, não obstante o passado e os factos consumados, no sentido
de minorar o problema. A questão é que ainda vai levar bastante tempo até
que a corrupção em África, nomeadamente em Angola e Moçambique, atinja
um nível “aceitável”, correspondendo ao lento mas progressivo fortalecimento
das instituições e da pressão da nova geração, mais qualificada, que inevita-
velmente substituirá a geração dos antigos combatentes.

Para já, existem sinais de que alguma coisa está a mudar, como a inves-
tigação de três dezenas de páginas do jornalista Marcelo Mosse sobre a
situação em Moçambique, onde, entre outros, o presidente Armando
Guebuza aparece retratado no centro de uma imbricada rede de negócios,
sociedades, influências e clientelas. Mas este tipo de investigação também
tem outra utilidade: é uma boa fonte para a produção de informações estra-
tégicas.

58
2.1.7. Diamantes de Sangue31

Há poucos dias atrás o Los Angeles Times noticiou que circulam rumo-
res que a maior companhia de diamantes do mundo, a De Beers, firmou
um contrato com uma das mais importantes agências de comunicação dos
Estados Unidos, a Sitrick and Company. O objectivo é desenvolver uma
campanha de contra-informação relativamente ao filme “Blood Diamonds”,
protagonizado por Leonardo Di Caprio, que será lançado no final do ano
e que trata da exploração e contrabando de diamantes em ambiente de
guerra civil, particularmente em África. A Sitrick and Company já terá
mesmo contratado Nelson Mandela para ser a cara da campanha.

Independentemente da veracidade dos rumores e da inexistência de um


desmentido de Mandela até à data, o ambiente é de assumida preocupação
da indústria dos diamantes relativamente ao impacto negativo que o filme
pode vir a ter nos consumidores. Na verdade, a percepção destes tem vindo
a mudar nos últimos anos, na Europa e nos Estados Unidos, e de facto o
valor dos diamantes, com excepção da sua utilização para fins industriais,
depende directamente dessa percepção.

Por esta razão, a indústria dos diamantes, liderada pela De Beers, que
controla 70% da cadeia de fornecimento a nível mundial, tem vindo a lutar,
desde há meia dúzia de anos, contra a imagem negativa dos “diamantes de
sangue” que um conjunto de organizações não-governamentais (ONG),
nomeadamente britânicas, tem difundido, desde os finais dos anos 90, a
propósito das guerras civis de Angola, Serra Leoa, Libéria, Congo e Costa
do Marfim. Em 2003 foi, por isso, criado o “Sistema Kimberley”, que é
um processo de certificação dos diamantes desde a origem até à venda a
retalho.

A indústria reclama agora que apenas 0,2% dos diamantes vendidos


em todo o mundo não possuem certificado, mas as ONG envolvidas con-
testam essa avaliação da situação. Nos últimos dias, por exemplo, têm sido
publicados anúncios na imprensa da África do Sul sobre a violência e atro-
cidades associadas à exploração de diamantes em África. A Global Witness,
uma das ONG pioneiras e militantes nesta causa, e responsável por aqueles
31 Publicado em 18 de Junho de 2006.

59
anúncios, afirma ser impossível saber, no acto da compra de um diamante
numa joalheria, se este é ou não um diamante de sangue. Por outro lado,
sublinha o facto de os diamantes estarem a ser intensivamente utilizados
em esquemas de lavagem de dinheiro.

O filme de Leonardo Di Caprio, que será uma reconstrução histórica


do que aconteceu na Serra Leoa em 1999, teve precisamente como consul-
tora a Global Witness. É de prever, pois, que se fará sentir uma forte pressão
no sentido de animar o debate sobre os diamantes de sangue, o qual poderá
tomar várias direcções. Uma delas poderá ser, porventura, a apontada por
Douglas Farah, ex-chefe da delegação do Washington Post na África
Ocidental. No seu livro “Blood From Stones: The Secret Financial Network
of Terror”, publicado em 2004, argumenta que os diamantes de sangue são
um importante meio de financiamento da al-Qaeda.

2.1.8. A Construção da Paz no Congo32

As primeiras eleições democráticas, em 40 anos, vão ocorrer no pró-


ximo dia 30 de Julho na República Democrática do Congo, ex-Zaire.
Existem 33 candidatos a presidente e quase 10 mil para 500 lugares de
deputados, repartidos por 213 partidos, dos quais somente 13 concorrem
às 169 circunscrições. A ONU está completamente empenhada no processo,
com uma força de manutenção da paz de cerca de 18 mil homens. Portugal,
integrado num contingente da União Europeia recentemente formado, con-
tribui com um avião C-130 e uma força especial de 25 fuzileiros que ficarão
estacionados no Gabão. A missão dos portugueses é, em caso de conflito,
localizar e evacuar civis estrangeiros e funcionários da ONU e das ONG
em locais problemáticos.

Só o custo do contingente da ONU é na ordem de um milhão de euros


por dia e o Conselho de Segurança acaba de aprovar a extensão da força
no terreno, pelo menos até 30 de Setembro. O Congo é pois um país à beira
da paz, depois de uma guerra iniciada em 1998, cujos efeitos da violência,
da fome e das doenças se saldaram em 4 milhões de mortos. Porém, supos-
tamente em situação de cessar-fogo e de transição política desde 2003, sob

32 Publicado em 2 de Julho de 2006.

60
patrocínio internacional, o Congo encontra-se ainda sob a ameaça de rebe-
liões armadas na província do Kivu, fronteira ao Uganda, Ruanda e Burundi,
e no Katanga, fronteira à região dos diamantes em Angola, continuando a
morrer mil pessoas por dia.

A incerteza é portanto enorme relativamente ao que vai suceder no


desenrolar da campanha eleitoral e, sobretudo, depois das eleições e da
quase inevitável contestação dos resultados, como vem sendo hábito em
África. O factor que na verdade abre espaço a esta contestação é o deficiente
processo de recenseamento que, também inevitavelmente, ocorre em qual-
quer país africano. Isto acontece por razões que se prendem com a natureza
socio-cultural das populações, onde não existe tradição de burocracia, e
com a frágil e fragmentada ocupação do território por parte da administra-
ção pública.

Estes eram problemas que existiam no tempo colonial e que se agrava-


ram após as independências. Para se ter uma percepção aproximada da rea-
lidade, veja-se que a República Democrática do Congo é um território do
tamanho da Europa ocidental com 60 milhões de habitantes distribuídos
por mais de 200 etnias. Mas outros factores mais imediatos, que sustentam
o potencial de conflito neste processo, são, por exemplo, a deficiente e
apressada formação das forças de segurança e desmobilização dos militares.
O problema porventura maior é a existência incontrolada de cerca de um
milhão de armas ligeiras.

Este processo “democratizante” pressionado pela comunidade interna-


cional, cuja campanha eleitoral acaba de começar no passado dia 29 de
Junho, é assim de alto risco e encerra um dilema: se não se fizer, a situação
pode derrapar no sentido do alto nível de violência anterior a 2003; fazendo-
se, a todo o custo, o ideal democrático fica exposto ao descrédito.

2.1.9. Missão (Im)Possível no Congo33

A um mês da segunda volta das eleições presidenciais, marcadas para


29 de Outubro, que decorrerão em conjunto com as provinciais, a República

33 Publicado em 24 de Setembro de 2006.

61
Democrática do Congo continua numa situação de elevada tensão e incer-
teza quanto ao futuro. A comunidade internacional, representada no terreno
pela MONUC e pela EUFOR – cerca de 18 mil capacetes azuis e 2 mil
militares europeus de reforço -, continua apostada em não deixar cair na
total anarquia este colossal país africano do tamanho da Europa ocidental.

O esforço financeiro e logístico, associado à componente de segurança,


tem sido enorme e desgastante. A MONUC possui um orçamento de mil
milhões de euros por ano, metade dos quais é absorvido pela manutenção
e combustível da frota de aviões e helicópteros de que dispõe. São mais de
100 unidades que fazem com que seja a maior frota do continente africano
e também a maior das Nações Unidas no mundo.

A rede rodoviária do Congo, deixada pelos colonos belgas, nunca foi


mantida ou acrescentada depois da independência, sendo necessárias sema-
nas de viagem para cumprir trajectos que normalmente levariam um ou
dois dias. O caminho-de-ferro está em grande parte destruído e, por exem-
plo, são precisas duas semanas para ir de Lubumbashi, no extremo sul do
país, a Kananga, no centro. Resta o rio Congo, cujo curso de cerca de 4500
quilómetros segue do sul, junto da Zâmbia, para norte, depois para o oeste
e finalmente desagua no Oceano Atlântico. Mas, também aí, demoram as
viagens mais duas ou três vezes que o normal, principalmente por causa
dos vários postos de controlo policiais e militares. Daí a necessidade da
frota aérea da ONU.

O controlo das facções rivais em Kinshasa já é problemático e põe em


causa o sucesso do processo eleitoral. É pois evidente que, nestas condições
e com 60 milhões de pessoas distribuídas por mais de 200 etnias, o controlo
do resto do território é altamente complexo e, não obstante o esforço que
vem sendo desenvolvido, tendencialmente inexequível. Problemas e con-
flitos estão continuamente a emergir em vários locais, mas neste momento
as atenções estão sobretudo concentradas no nordeste do país, junto do
Uganda, Ruanda e Burundi, região donde recorrentemente têm vindo as
ondas da endémica guerra civil no Congo.

Entre os factos trágicos mas caricatos que estão a suceder na região,


ocorrem os seguintes: os elementos das milícias que só possuem balas e
granadas estão a comprar armas, por cerca de 30 euros aos soldados gover-

62
namentais, para as poderem entregar, ser desmobilizados e subsidiados; as
milícias, por seu truno, estão a recrutar de novo os desmobilizados, e estes,
se não obedecem, são ameaçados ou mortos.

No nordeste do Congo, os líderes das milícais não deixam de lutar entre


si, não só por causa do controlo de minas de ouro mas também das popu-
lações. Se conseguirem provar às Nações Unidas que têm 6 mil combatentes
sob as suas ordens, serão integrados no futuro exército nacional com a
patente de general.

2.1.10. Alta Tensão na Nigéria34

A seis meses das eleições presidenciais, a Nigéria está envolta num


clima de alta tensão política e militar que ameaça empurrar ainda mais o
país para o caminho da anarquia e da pobreza. A agravar-se, a situação não
deixará também de ter consequências internacionais, uma vez que a Nigéria
é o primeiro produtor de petróleo da África, o sexto a nível mundial e o
quinto fornecedor dos Estados Unidos.

O foco da tensão está em grande medida concentrado na região do delta


do rio Níger, precisamente o local onde se situa a maioria dos campos de
extracção de petróleo. Após cerca de um mês de alguma calma na região,
nos últimos dias voltaram as acções violentas contra as companhias petro-
líferas, tendo sido mortos catorze soldados governamentais e raptados cinco
funcionários estrangeiros da Exxon Mobil e vinte e três trabalhadores nige-
rianos da Shell.

Já foram raptados cerca de cinquenta estrangeiros desde o início do


ano, altura em que começou esta vaga de violência levada a cabo por
grupos armados locais. Estes têm fortes bases de apoio étnicas e obscuras
ligações políticas, controlam redes de criminalidade organizada que se
dedicam ao roubo e contrabando de petróleo e, ao mesmo tempo, invocando
direitos regionais e compensações ambientais, reivindicam uma participa-
ção nos lucros das companhias. Por vezes, ameaçam com a independência
da região, sendo esta, porém, tendencialmente inexequível, devido à sin-

34 Publicado em 8 de Outubro de 2006.

63
gularidade do terreno, à diversidade étnica e à rivalidade entre os vários
grupos.

A região do delta do rio Níger é quase do tamanho de Portugal, habitada


por 20 milhões de pessoas e é um labirinto de rios, pântanos e florestas
tropicais. Mais de 90% das receitas governamentais provêm da zona, man-
tendo-se esta numa situação de subdesenvolvimento e pobreza idêntica à
que ocorria no anterior regime da ditadura militar. No delta, aliás, face à
circunstância petrolífera e aos ciclos de violência e insegurança que têm
vindo a registar-se desde há dez anos, a percepção é a de que não houve
qualquer transição para a democracia e de que continua a vigorar o anterior
regime.

É neste contexto que se mantêm e tecem teias de corrupção endémica


que envolvem as populações, os grupos armados, os políticos e as autori-
dades civis e militares. Assim se compreende que o “ilegal bunkering”,
como é localmente designado o roubo e contrabando de petróleo, se faça
às claras com o emprego de mão-de-obra especializada e a utilização de
navios para o transporte dos líquidos. O roubo atinge a impressionante
quantidade de 70 mil a 300 mil bpd (barris por dia), número equivalente
ao de um pequeno país produtor de petróleo.

Estimando por baixo (70 mil bpd a 60 dólares o barril), esta economia
informal do delta está a gerar uma “indústria” de 1,5 mil milhões de dólares
por ano. Dinheiro que financia o tráfico de armas e a compra de influência
política e de fraudes eleitorais. O nível de incerteza é pois elevado quanto
ao futuro próximo do delta e da Nigéria.

2.1.11. O Engodo da Somália35

A Somália passou a ser a mais recente e activa frente na chamada


guerra global contra o terrorismo. Após mais de uma década de completa
anarquia naquele país e do humilhante desaire das suas tropas naquele país,
imortalizado pelo realizador Ridley Scott com o filme Black Hawk Down,
os Estados Unidos estão de volta e tudo parece indicar que será por um

35 Publicado em 14 de Janeiro de 2007.

64
período de tempo prolongado. Com efeito, esta operação que desmantelou
o poder crescente dos tribunais islâmicos na Somália deve ser, desde logo,
compreendida sob o ângulo da doutrina dos “ungoverned spaces” que o
Pentágono passou a adoptar no ano transacto.

Esta doutrina foi desenvolvida em grande parte com a atenção centrada


em África. A principal preocupação é a existência ou emergência de espaços
geográficos e institucionais que os governos africanos não conseguem con-
trolar, pelas mais variadas razões, desde a financeira à luta interna pelo
poder ou à pura incapacidade de gestão do Estado, passíveis de facilitarem
a infiltração e expansão da Al-Qaeda. Este cenário é percepcionado pelos
Estados Unidos como uma ameaça directa à sua segurança e, portanto,
reclamam o direito de verem essas situações resolvidas. Neste momento
têm mesmo em curso a constituição de uma comando militar autónomo
para África, até aqui dependente do europeu e do central que abrange o
médio oriente.

A Somália é, portanto, o primeiro caso de intervenção militar enqua-


drado nesta nova estratégia do Pentágono para África, deixando vislumbrar
a existência de uma nova metodologia operacional que deriva da lição
aprendida com o Iraque (e ultimamente muito estudada nas escolas militares
americanas). O envolvimento activo da Etiópia é assim evidente nesta espé-
cie de guerra por procuração, como acontecia na guerra fria, através de paí-
ses aliados locais.

Neste caso, a operação terá começado a ser secretamente planeada em


conjunto no Verão, logo após os tribunais islâmicos terem controlado
Mogadíscio, e deveria ter sido executada mais cedo. Não foi porque a esta-
ção das chuvas foi particularmente intensa e a Etiópia precisou de deixar
secar o terreno para poder deslocar as suas tropas e veículos. Entretanto, a
troca de informações entre os Estados Unidos e a Etiópia intensificaram-
se e esta passou a ser o principal fornecedor de informações recolhidas por
agentes sobre a Somália, enquanto aqueles passaram a fornecer informações
recolhidas por satélite.

Porém, a situação na Somália não estabilizou, tem um grave e crescente


problema humanitário e é complexa nas suas conexões internacionais. Para
além de clãs financiados pela CIA, por exemplo, organizações não gover-

65
namentais islâmicas estarão a promover a entrada no país de operacionais
vindos do médio oriente.

Existe pois a probabilidade de que, a curto prazo, a Somália venha a


transformar-se num novo Iraque, embora numa linha de confronto directo
com os cristãos da Etiópia. Isto poderá aliviar alguma pressão no Iraque e
no Afeganistão.

2.1.12. Tensão Pré-Eleitoral na Nigéria36

As eleições na Nigéria deverão decorrer nos próximos dias 14 e 21 de


Abril, primeiro para os governadores e parlamentos estaduais e a seguir
para a escolha do presidente. Com 140 milhões de habitantes, a Nigéria é
um dos maiores estados federais do mundo, mas desde a independência em
Outubro de 1960, os nigerianos nunca assistiram a uma transição demo-
crática de um governo eleito para outro, e as próximas eleições serão um
teste a este padrão histórico.

De momento, as previsões não são favoráveis a um desfecho pacífico


do processo eleitoral, uma vez que tem vindo a registar-se uma tensão cres-
cente no país quanto ao facto de o presidente Olusegun Obasanjo querer
controlar directamente a escolha do seu sucessor. Depois de não ter con-
seguido fazer aprovar uma emenda constitucional, em Maio de 2006, que
lhe abriria a possibilidade de um terceiro mandato presidencial, optou por
uma estratégia de conflito aberto com os seus oponentes.

Obasanjo desencadeou por isso um campanha oficial anti-corrupção


dirigida ao núcleo principal da classe política nigeriana e preteriu como
sucessor o seu vice-presidente, Atiku Abubakar, em favor de Umar Musa
Yar’Adua, governador do Estado de Katsina, no norte do país. Este é o
irmão mais novo daquele que foi seu adjunto quando era chefe militar, e
introdutor da lei da Sharia no seu Estado em 2000, estando pois a escolha
a ser vista como uma aliança declarada de Obasanjo, para fazer vingar a
sua posição, com o islamismo mais radical.

36 Publicado em 1 de Abril de 2007.

66
A tensão com Atiku Abubakar chegou recentemente ao limite, quando
este foi retirado da lista de candidatos presidenciais pela Comissão de
Eleições, no passado dia 15 de Março, sob a alegação constitucional de que
se encontrava a ser investigado por corrupção e também por apoiar os ata-
ques contra as instalações petrolíferas no delta do rio Níger. Seguiram-se
protestos de rua em várias cidades, Abubakar contestou a decisão nos tri-
bunais, mas a dúvida permanece se haverá ainda tempo para o seu nome
constar nos boletins de voto.

Juntando a este facto os 31 governadores dos 36 Estados que estão actual-


mente indiciados por crimes de corrupção, a tensão pré-eleitoral na Nigéria
está ao rubro. Para além dos conflitos étnicos e religiosos no norte e dos ataque
dos movimentos rebeldes armados no sul, é manifesto o ambiente de violência
política em várias cidades do país. Os políticos têm recrutado grupos de
jovens, principalmente ligados aos sistemas informais de transportes urbanos,
para levarem a cabo acções de intimidação contra os seus rivais e mesmo
assassinatos. São geralmente designados como “area boys” ou “ECOMOG”,
associados à idéia de que são forças locais de manutenção de paz.

Entretanto, o inspector-geral da polícia, Sunday Ehindero, anunciou na


sexta-feira passada que foram distribuídas 80 mil armas e 32 milhões de
munições à polícia para reforçar o dispositivo de segurança. E este está sob
o controlo do presidente Obasanjo.

2.1.13. Os Piratas da Somália37

A libertação negociada de dois cargueiros, um da Índia e outro do


Dubai, no passado fim-de-semana na Somália, foi o derradeiro episódio
dos mais recentes actos de pirataria nas águas deste país africano. Neste
momento, estas estão classificadas pela Organização Marítima
Internacional como as mais perigosas do mundo, juntamente com as da
Nigéria, do Iraque e do Estreito de Malaca. A divisão de crimes da Câmara
Internacional de Comércio acabou, pois, de emitir um aviso sobre o alto
risco de navegar nas costas da Somália e aconselha os navios e embarcações
a passarem ao largo, a mais de 75 milhas.

37 Publicado em 8 de Abril de 2007.

67
A Somália é o país africano com a maior linha de costa (cerca de 3.500
Km) e esta característica tem favorecido o desenvolvimento da pirataria,
reflectindo o caos instalado no território há já uma geração. A situação é
simplesmente anárquica e não existe na realidade um Estado ou qualquer
forma de autoridade legal organizada. Não existe marinha nacional e, por
isso, os piratas actuam sob a cobertura de clãs, senhores da guerra e milícias
que dividem entre si o controlo das regiões costeiras, atribuindo-se poderes
indiscriminados de autoridade marítima.

É assim comum os piratas adoptarem nomes como Guarda Costeira


Voluntária Nacional, um dos principais grupos, que actua no sul e intercepta
pequenas embarcações e barcos de pesca. Os outros são o grupo de Merca,
cuja base é na localidade do mesmo nome, 70 Km ao sul de Mogadishiu;
o grupo de Puntland, que opera a partir do extremo do chamado Corno de
África; e os designados Marines Somalis ou Defensores das Águas
Territoriais Somalis, como preferem antes serem chamados, localizados na
região de Haradheere, entre Mogadishu e Puntland, sendo os que estão
melhor equipados e organizados.

Os piratas actuam em lanchas rápidas, possuem sistemas GPS e tele-


fones de satélite, estão armados com metralhadoras ligeiras e lança-grana-
das, e sequestram navios e pessoas que libertam contra o pagamento de
resgastes de dezenas e centenas de milhar de dólares, tendo já atingido em
alguns casos a ordem dos milhões de dólares. Outras das suas actividades
lucrativas são o tráfico de armas, de drogas, de combustível e de pessoas,
estas sobretudo contrabandeadas no Golfo de Aden como emigrantes ilegais
em direcção à Arábia.

Neste último caso, o nível de desprezo pelos mais elementares direitos


humanos é gritante. Estima-se que 5000 etíopes e somalis chegaram ile-
galmente ao Iémen desde o princípio do ano, mas, de acordo com os ser-
viços de segurança deste país, cerca de 400 morreram na travessia, um
grande número dos quais atirados ao mar para iludir os controlos marítimos
no Golfo.

Um dos grandes negócios dos principais grupos de piratas parece ser,


contudo, o do “licenciamento” de grandes pesqueiros nas ricas águas ter-
ritoriais da Somália. Atum, tubarão, raia, lagosta e camarão estarão a ser

68
discreta mas intensamente capturados por embarcações europeias, africanas
e asiáticas.

2.1.14. O Imbróglio do Darfur38

A deslocação ao Sudão de John Negroponte, actual secretário de


Estado adjunto, na semana passada, possui um significado da mais alta
relevância no quadro da actual política africana dos Estados Unidos.
Trata-se de uma acção de pressão sobre o governo sudanês relativamente
à violenta crise do Darfur, onde se contam já 450 mil mortos, 300 mil
refugiados e 2 milhões de deslocados. Os Estados Unidos pretendem
ver cumprida a resolução do Conselho de Segurança, aprovada no verão
do ano passado, e até aqui não implementada, no sentido de destacar
para a região uma força conjunta das Nações Unidas e da União Africana
de 17 mil homens.

Para já, permanece a dúvida se esta iniciativa diplomática acrescentará


algo de novo à situação. Na verdade, os Estados Unidos têm vindo a amea-
çar com sanções o governo sudanês caso este continue a dificultar a apli-
cação daquela resolução, mas até agora isto não produziu qualquer resul-
tado. O enviado especial do presidente Bush para o Sudão, Andrew Natsios,
em Novembro do ano passado, chegou mesmo a estabelecer a data limite
de 1 de Janeiro de 2007 para o efeito, ameaçando que em caso contrário
haveria consequências muito duras.

A isto se passou a chamar nos Estados Unidos o “Plano B”, o qual,


chegado este momento, ninguém vislumbra o que seja concretamente,
estando por isso a ser alvo de críticas por parte tanto de republicanos
como de democratas, para além de jornalistas, comentadores e univer-
sitários. Aliás, já em Setembro de 2006, numa declaração controversa,
o então secretário geral adjunto das Nações Unidas, o britânico Mark
Brown, classificara a posição dos Estados Unidos e do Reino Unido
sobre o Darfur como “diplomacia de megafone”, por colaborarem com
o governo sudanês ao mesmo tempo que lhe faziam ameaças inconse-
quentes no âmbito do discurso diplomático. Segundo Mark Brown, isto

38 Publicado em 15 de Abril de 2007.

69
beneficiava a imagem do Sudão, no mundo islâmico, no sentido da viti-
mização enquanto próximo alvo, a seguir ao Afeganistão e Iraque, da
cruzada anglo-americana.

Com efeito, os Estados Unidos têm vindo a manter um relacionamento


ambíguo com o governo sudanês e mesmo desenvolvido uma linha de coo-
peração na área dos serviços de informações, particularmente no âmbito
da luta anti-terrorista. Em Kartum, está a ser construída, com o beneplácito
do presidente Omar Hassan al-Bashir, aquela que será a maior embaixada
americana em África e com uma representação alargada da CIA.

Contudo, nos Estados Unidos estão a aumentar as pressões sobre o pre-


sidente Bush quanto à necessidade de uma intervenção no Darfur. A situa-
ção tem vindo a piorar nos últimos meses e existe o risco de o conflito se
regionalizar, envolvendo os vizinhos Chade e República Centro Africana,
onde existem já, respectivamente, 140 mil e 200 mil deslocados. No seio
dos mais conceituados “think tank” de Washington, proeminentes vozes,
falando em genocídio, defendem que o “Plano B” deve corresponder a uma
intervenção armada dos Estados Unidos.

2.2. América

2.2.1. Raios Laser Ameaçam Estados Unidos39

Os Estados Unidos encontram-se num momento particularmente tur-


bulento, do ponto de vista militar e diplomático, com a guerra global contra
o terrorismo, em especial no Afeganistão e no Iraque, e a tensão política
resultante dos programas nucleares do Irão e da Coreia do Norte. A este
rol de preocupações junta-se, a nível interno, o forte sentimento colectivo
de insegurança face à pluralidade crescente de ameaças perceptíveis como
mais ou menos credíveis.

A mais recente dessas ameaças, tida como potencial no que respeita


a ataques terroristas, é a dos raios laser dirigidos contra aviões e heli-
cópteros civis e militares. Embora não tenha ocorrido até hoje qualquer

39 Publicado em 13 de Fevereiro de 2005.

70
caso grave, encontram-se registados pela NASA mais de 400 incidentes,
desde 1990, em que pilotos ficaram temporariamente cegos ou deso-
rientados, em plêno voo, por terem sido atingidos por raios laser. Foi
o que aconteceu, por exemplo, a um voo comercial a 10000 metros de
altitude, atingido por um espectáculo de raios laser em Las Vegas, a
150 km de distância.

A crescente utilização de raios laser para fins privados e profissionais


de diversa natureza está a provocar um aumento na frequência de incidentes.
No passado mês de Novembro, o DHS (Department of Homeland Security)
e o FBI produziram por isso uma avaliação da situação, focando a possi-
bilidade de atentados terroristas. Aí foi apontado que “grupos terroristas
estrangeiros mostraram interesse em usar esta tecnologia, mas não existem
informações de que tenham obtido qualquer arma deste tipo”.

Com efeito, uma dessa armas tecnologicamente avançadas é a chinesa


ZM-87, que tem sido exposta em feiras internacionais de armamento, por
sua vez monitorizadas pelos serviços de informações americanos. Porém,
o FBI estima que custará somente cerca de 50 mil dólares a fabricar uma
arma ligeira artesanal de raios laser, a partir de componentes adquiridos
no mercado civil especializado. A FAA (Federal Aviation Administration)
e o CRS (Congressional Research Service) divulgaram pois, muito recen-
temente, avisos e relatórios sobre a potencial ameaça. Entre as medidas
propostas incluem-se a restrição da venda de certos dispositivos, a expansão
das zonas de segurança em torno dos aeroportos e o fornecimento de pro-
tecção visual anti-laser aos pilotos.

Sintomaticamente, a marinha de guerra acabou de desenvolver um


pequeno sistema com cerca de 1 kg, designado LER (Laser Event Recorder)
que, a partir deste início de 2005, passará progressivamente a equipar aviões
e helicópteros, militares e civis. Trata-se de um sistema de pré-aviso e
registo de ataques laser, enquanto a complexa protecção visual dos pilotos,
sem interferência na sua capacidade de visão, ainda está a ser pesquisada.
Face a esta vulnerabilidade, terroristas e guerrilheiros terão durante algum
tempo, dentro e fora dos Estados Unidos, um potencial e vasto espaço de
manobra.

71
2.2.2. O Papel Estratégico de Cuba40

Até à queda do Muro de Berlim, Cuba desempenhava um papel estra-


tégico da maior relevância para a União Soviética na confrontação com os
Estados Unidos. De há uma década para cá, esse espaço tem vindo a ser
progressivamente ocupado pela República Popular da China, embora não
se trate de qualquer tipo de presença militar convencional. Com efeito, os
Estados Unidos são o principal alvo da espionagem cubana e é precisamente
neste domínio que a cooperação com os chineses se está a intensificar.

Foi por isso que Rogelio Pardo-Maurer, o mais alto responsável do


Pentágono para os assuntos latino-americanos, emitiu recentemente um
alerta directo sobre o aumento das capacidades chinesas na região em ter-
mos de guerra da informação. Não obstante ter reservado os detalhes para
um briefing confidencial no âmbito do Congresso, as suspeitas recaem
sobre a base cubana de Bejucal, situada a sudoeste de Havana, a menos de
200 km da Florida.

Bejucal é um das maiores bases de SIGINT (signals intelligence) a


nível mundial e está na dependência dos serviços de informações militares.
No final dos anos 90, Raúl Castro, irmão de Fidel Castro, firmou um
acordo com o Ministro da Defesa da República Popular da China não só
para modernizar o equipamento informático da base mas também para os
cubanos passarem a utilizar os satélites chineses, com o correspondente
auxílio de operadores e assessores técnicos militares. Um número que se
conserva desconhecido mas que se estima na ordem das dezenas, que veio
juntar-se aos cerca de 1000 cubanos que aí trabalham e gerem 10 antenas
de satélite.

Os Estados Unidos têm pois vindo a travar uma verdadeira guerra silen-
ciosa com Cuba, tendo registado um efectivo aumento da sua capacidade
ofensiva e defensiva nesta área. Por exemplo, é corrente as emissões da
Rádio Voz da América sofrerem interferências, mesmo quando se destinam
a países como o Irão (em língua farsi), que mantém boas relações com
Cuba. Bejucal possui assim, graças à China, a capacidade de espionagem
electrónica, de intrusão em redes de computadores, quer sob a forma de

40 Publicado em 1 de Maio de 2005.

72
vírus quer para ler ou modificar ficheiros, e de destruição de equipamento
através de radiações electromagnéticas.

É neste contexto que se compreende a visita a Cuba do presidente Hu


Jintao acompanhado de 200 empresários, no passado mês de Novembro,
durante a qual anunciou que a China iria investir 100 mil milhões de dólares
na América Latina, ao longo da próxima década. E de certo modo, em
Cuba, a República Popular da China está a replicar a posição dos Estados
Unidos em Taiwan, inclusivé no campo da espionagem e concretamente
das operações SIGINT.

Mas é elucidativo observar respostas americanas como o designado


“Cuba Transition Project” da Universidade de Miami, financiado pela
USAID. Um dos seus recentes e mais peculiares estudos é o da “recons-
trução dos serviços secretos cubanos” após a esperada morte de Fidel
Castro e correspondente mudança democrática.

2.2.3. O Escândalo Cunningham41

De facto o presidente Bush não tem mãos a medir com os sucessivos


casos que afectam a credibilidade da sua administração nas áreas sensíveis
das informações e da defesa. Depois da inexistência de armas de destruição
em massa no Iraque, do processo que impende sobre o chefe de gabinete
do vice-presidente Dick Cheney, por ter denunciado à imprensa a identidade
da agente secreta Valerie Plame, ou mais recentemente dos raptos, prisões
e tortura de suspeitos terroristas levados a cabo pela CIA, desta vez são as
revelações de que os cidadãos norte-americanos estão a ser vigiados pelos
seus próprios serviços secretos civis e militares.

No entanto, sem repercussão internacional, há outro caso nesta área que


está verdadeiramente a chocar a opinião pública interna nos Estados Unidos.
Trata-se do escândalo de corrupção que envolve o famoso Randy “Duke”
Cunningham, herói da guerra do Vietnam e membro do partido republicano
com um papel muito influente no Congresso. Até há poucos dias atrás,
antes de se declarar culpado, era membro da comissão de informações, pre-

41 Publicado em 18 de Dezembro de 2008.

73
sidente da respectiva subcomissão de terrorismo e espionagem e também
membro da subcomissão de aquisições da defesa. As competências de
Cunningham enquadravam-se na supervisão do orçamento de 33 mil
milhões de euros do sistema de informações civis e militares, e tinha par-
ticularmente acesso ao muito restrito e classificado “black budget” do
Pentágono, estimado em cerca de 23 mil milhões de euros.

Depois de investigações iniciadas em Junho, a propósito da sua situação


fiscal, passou a ser suspeito de corrupção no fornecimento de informações
privilegiadas a um conjunto de empresas fornecedoras do Pentágono, de
quem depois recebia comissões como dinheiro, antiguidades e até um Rolls
Royce. Com 64 anos, Randy Cunningham viu-se assim agora obrigado a
declarar-se culpado para reduzir para 10 anos o quadro da pena aplicável
às acusações de evasão fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro, e, para já,
fica no topo da lista histórica da corrupção no Congresso.

Mas o que está verdadeiramente a chocar a opinião pública, inclusiva-


mente o presidente Bush que já se lhe referiu de modo absolutamente indig-
nado, é o facto de Randy “Duke” Cunningham representar os mais altos
valores do patriotismo e da maneira de ser americana. O “Duke” era, nem
mais nem menos, o maior ás da aviação naval na Guerra do Vietnam,
detendo o recorde de ter abatido três MIG num único dia. A memória colec-
tiva está pois recheada com as suas proezas, nomeadamente com combates
com vários aviões inimigos ao mesmo tempo, e mesmo um duelo aéreo
que ganhou ao Coronel Toon, considerado o ás dos norte-vietnamitas.

Com as as mais altas condecorações, Randy Cunningham terminou a


sua carreira militar, nos anos 80, como comandante do esquadrão VF-126,
conhecido mundialmente como uma extraordinária força de elite. Foi na
sua figura e nos pilotos desse esquadrão que se inspirou o filme Top Gun.

2.2.4. O Programa Nuclear do Brasil42

Longe da polémica que envolve o Irão, a Coreia do Norte e mesmo a


Índia, o Brasil está discretamente a caminho de se tornar uma grande potên-

42 Publicado em 5 de Março de 2006.

74
cia nuclear. O projecto não é novo pois já tem mais de duas décadas. Foi
lançado pelos militares com o objectivo de dominar todas as componentes
do processo tecnológico, mas hoje o discurso oficial está principalmente
centrado na sua vertente civil. Contudo, como a marinha de guerra, prota-
gonista histórica do processo, pretende construir um submarino de propul-
são nuclear, e também porque o Brasil afirma estar a desenvolver tecnologia
inédita, existem alguns receios a nível internacional de que o programa
civil possa, a prazo, vir a ser rapidamente orientado no sentido militar.

Por isso, há cerca de dois anos, a Agência Internacional de Energia


Atómica tentou levar a cabo uma inspecção às instalações em construção
da fábrica de produção de combustível nuclear de Resende, a cerca de 100
quilómetros do Rio de Janeiro, mas o governo brasileiro opôs-se e mos-
trou-se mesmo ofendido com as suspeitas levantadas. O argumento foi o
de que necessitava de proteger a propriedade intelectual. Porém, estas sus-
peitas não foram totalmente dissipadas porque, na mesma altura, o ministro
da ciência e tecnologia, Roberto Amaral, afirmou que o Brasil não renun-
ciaria ao conhecimento da fissão nuclear, o princípio da bomba atómica.
O presidente Lula da Silva acabaria por aceitar a demissão do ministro.

Mas agora, com a iminente entrada em funcionamento da fábrica de


Resende, o Brasil atinge finalmente um patamar de conhecimento que o
faz entrar no restrito clube dos países que enriquecem urânio numa escala
industrial: Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Holanda,
Rússia, China e Japão. Para já, a fábrica de Resende começará a produzir
60% do combustível nuclear necessário aos dois reactores brasileiros
(Angra I e II).

O Brasil está entretanto a projectar um terceiro reactor e tem ainda


como objectivo a expansão da capacidade de enriquecimento de urânio,
não só para as suas próprias necessidades mas também para exportar para
outros países. Por outro lado, o projectado submarino nuclear da marinha
de guerra poderá vir a ser uma realidade a médio prazo, potenciado a dinâ-
mica do processo industrial.

Na verdade, o programa nuclear do Brasil não teria chegado a este


ponto sem a concordância dos Estados Unidos que, explicitamente, o dis-
tinguem do Irão e da Coreia do Norte, como declarou publicamente a Casa

75
Branca pela primeira vez, há cerca de 15 dias, através do porta-voz Scott
McClellan.

Para além do posicionamento ocidentalista do Brasil (embora temperado


com um discurso estratégico terceiro-mundista que visa conquistar ascen-
dente no chamado hemisfério sul), à concordância dos Estados Unidos não
será porventura alheio o facto de ali se localizar actualmente a quinta maior
reserva mundial de urânio. E só 30% do extenso território brasileiro é que
foi prospectado neste sentido.

2.2.5. A Estratégia Africana dos Estados Unidos43

Após a humilhação na Somália, em 1993, os militares americanos só


voltaram outra vez ao continente africano em 2003, para ajudarem a
Comunidade dos Estados da África Ocidental a estabelecer a paz na Libéria.
Agora, três anos depois, embora sem contingente no terreno, a sua presença
é crescente através de um conjunto de programas de cooperação militar no
âmbito pessoal e institucional. O discurso político justifica o envolvimento
com a guerra contra o terrorismo, os militares, nomeadamente o general
James Jones, chefe das forças americanas na Europa, falam em “alarga-
mento do perímetro de segurança” dos Estados Unidos, e os analistas subli-
nham o facto de a África vir a representar, em 2010, 20% das importações
de petróleo.

Com efeito, a nova Estratégia de Segurança Nacional, formalmente


anunciada pelo presidente Bush no mês passado, confirma a África como
uma “alta prioridade” da política externa dos Estados Unidos. Alguns núme-
ros, por exemplo, traduzem as intenções: cerca de 600 milhões de euros
para a força de paz da União Africana no Sudão, em 2005, ou o aumento
da ajuda ao desenvolvimento de 700 milhões de euros em 2001 para 4 mil
milhões em 2006, ou ainda a subida de 80% nas importações entre 2004
e 2005. Por outro lado, o objectivo é também conter o extraordinário avanço
da China no continente nos últimos anos, em especial no domínio dos
recursos energéticos, e fazer face à concorrência europeia, particularmente
à da França.

43 Publicado em 23 de Abril de 2006.

76
No que respeita especificamente à cooperação militar, tem vindo a ser
executado um plano intensivo de formação desde há cerca de três anos, que
consiste no treino de tropas e na realização de seminários com oficiais
superiores e generais africanos. Existem vários programas, um dos quais é
o IMET (International Military Education and Training), que só em 2003
gastou 10 milhões de dólares em acções que envolveram 1500 militares de
40 países africanos. Mais recentemente, teve lugar em Accra, capital do
Gana, no mês passado, um workshop regional sobre a segurança marítima
no Golfo da Guiné, no qual participaram 11 Estados, entre os quais Angola
e São Tomé e Príncipe, que será seguido de um “simpósio ministerial” no
próximo outono.

O objectivo declarado dos Estados Unidos é pois formar a nova geração


de chefes militares africanos, e no centro de toda esta actividade está o
Africa Center for Strategic Studies da National Defense University. Note-
se que, sob contrato do Pentágono, este centro foi em grande parte conce-
bido pela Military Professional Resources Inc., uma companhia militar pri-
vada, que ainda fornece os currículos, formadores e apoio à organização
dos seminários. Por seu turno, esta última pertence à L3 Communications,
uma grande companhia de electrónica e comunicações militares, associada
à Lehman Brothers e à Lockheed Martin. E este posicionamento é estraté-
gico no cenário, muito provável, de as forças armadas africanas terem de
ser re-equipadas.

2.2.6. A Parceria Sino-Brasileira44

Há poucos dias atrás a Sonangol anunciou a formação de um consórcio


para a exploração integral do designado Bloco 18, localizado em águas pro-
fundas, juntamente com a companhia petrolífera brasileira Petrobrás (30%)
e a chinesa Sinopec (40%). O negócio corresponde a um investimento
superior a mil milhões de dólares naquele que é considerado o mais prolífico
veio petrolífero de Angola. Este é um bom exemplo de triangulação, em
termos de cooperação e negócios, entre Angola e a já rodada parceria sino-
brasileira. Para os menos atentos, este facto poderá ser de algum modo sur-
preendente, mas a verdade é que esta parceria é antiga e obedece a uma

44 Publicado em 1 de Junho de 2006.

77
definição estratégica conjunta cuidadosamente elaborada. Neste contexto
preciso de relações económicas internacionais, Portugal é um outsider e
dificilmente terá qualquer lugar ou papel a desempenhar em negócios estra-
tégicos desta parceria sino-brasileira, não obstante eventuais ligações pri-
vilegiadas a Brasília e a Pequim (via Macau).

A parceria sino-brasileira remonta ao Verão de 1974, portanto há mais


de trinta anos, na sequência da adopção da política do “pragmatismo res-
ponsável” por parte do então presidente do Brasil, General Ernesto Geisel,
que levou ao restabelecimento de relações diplomáticas com a China e,
também, poucos meses depois, ao reconhecimento da independência de
Angola declarada unilateralmente pelo MPLA. O Brasil aproximou-se da
China com a percepção de que, independentemente da ideologia, ambos
eram grandes países em desenvolvimento no Ocidente e no Oriente, “insa-
telizáveis” no contexto da guerra fria.

Entre essa altura e os anos 90, ocorreram várias visitas recíprocas ao


mais alto nível e foi-se firmando um percepção conjunta sobre o processo
de globalização em curso, que é hoje estrutural da parceria: existe uma
nova ordem mundial sob a hegemonia dos Estados Unidos que visa o pre-
domínio do “pensamento único” resultante dos padrões anglo-americanos
e que se manifesta desde logo na luta pelo controlo dos recursos económicos
e científicos e tecnológicos dos outros países. Baseado no princípio de que
a união faz a força, o objectivo é, pois, o desenvolvimento de sinergias em
tôrno deste tipo de recursos para o crescimento económico acelerado, de
modo a ultrapassarem qualquer atraso existente que facilite qualquer mani-
pulação vinda do exterior, e obviamente acrescentarem e projectarem poder
no seio da chamada comunidade internacional.

As evidências diplomáticas dessa parceria estratégica encontram-se,


por exemplo, nas votações geralmente idênticas que ambos os países têm
exprimido na Assembleia Geral das Nações Unidas, ou no apoio consistente
do Brasil à entrada da China para a Organização Mundial de Comércio. Os
projectos de cooperação são hoje inúmeros e o Brasil tem estimulado a
criação de uma escola sinológica brasileira com vista precisamente a poten-
ciar a parceria. O movimento estendeu-se a várias universidades e conti-
nuam a ser firmados acordos de cooperação em várias áreas. Por exemplo,
neste momento, a China é o país asiático com maior número de projectos

78
com a Universidade de Brasília e os seus interesses abrangem o desenvol-
vimento sustentável, a matemática, a química, a informática, a geologia, a
agricultura, a engenharia florestal, a economia, o direito, a ciência política
e as relações internacionais. Pela parte de Brasília, os interesses são a tec-
nologia e, curiosamente, os transportes urbanos, a organização social e a
administração pública. Uma área realmente inovadora é a utilização do
bambu na construção civil, transformado em placas, como matéria-prima
substituta da madeira.

Mas um projecto emblemático da parceria é sem dúvida o CBERS


(China-Brazil Earth Resources Satellite), destinado a contruir uma capaci-
dade conjunta em termos de ciência e tecnologia, de futuro poder aero-
espacial e de prospecção, gestão e monitorização de recursos, no Brasil e
na China, particularmente nas áreas da agricultura, florestas, geologia,
hidrologia, geografia, cartografia, metereologia e ecologia.

A parceria sino-brasileira apresenta assim um forte potencial de com-


petitividade no processo de globalização em curso, reforçado neste
momento pelo facto de ambos os países integrarem o designado grupo
BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), agora na moda, ao que parece, do
“investimento transnacional”.

2.2.7. A Tríplice Fronteira45

O Brasil anunciou a criação de um Centro Regional de Inteligência


(CRI) na cidade fronteiriça de Foz do Iguaçu, em conjunto com a Argentina
e o Paraguai. O objectivo declarado é o controlo de uma pequena área que
abrange os três países, designada por isso como “tríplice fronteira”, onde
se regista uma elevada taxa de criminalidade organizada. É uma área den-
samente populada, com cerca de 700 mil habitantes, correspondendo apro-
ximadamente o seu núcleo principal a um rectângulo de doze quilómetros
de comprimento por quatro de largura, cortado pelo rio Paraná. Sobre este
existe a chamada Ponte da Amizade que liga Foz do Iguaçu a Ciudad del
Este do lado paraguaio.

45 Publicado em 27 de Agosto de 2006.

79
O CRI já estava, porém, em funcionamento há cerca de um ano, mon-
tado pelos serviços de informações civis e militares brasileiros, que agora
convidaram os seus congéneres paraguaios e argentinos a desempenharem
funções na estrutura, a qual será completamente activada nas próximas
semanas. Fica assim executada a recomendação do Grupo 3+1 (Brasil,
Argentina, Paraguai e Estados Unidos), criado para o efeito em 2002. A
participação dos Estados Unidos é explicada pelo facto de os americanos
exercerem constantemente pressão, desde há cerca de 10 anos, sobre os três
países para darem atenção à existência de células de terroristas islâmicos
na área.

Com efeito, este cenário tem sido negado principalmente pelo Brasil,
que não vê com bons olhos a possibilidade de os americanos justificarem
deste modo a sua eventual presença na área. Mas a verdade é que se estima
que na tríplice fronteira vivem entre dez e quinze mil árabes, apelidados
localmente de turcos, a maioria dos quais de origem síria e libanesa, e há
anos que sobre si são lançadas suspeitas quanto ao financiamento do
Hezbollah, e mesmo do Hamas e da al-Qaeda, através do contrabando local,
do tráfico de droga e da lavagem de dinheiro. Até ao momento, todavia,
tanto o serviço de informações brasileiro como o argentino, respectivamente
a ABIN e o SIDE, reclamam que não há provas da existência de células
terroristas na tríplice fronteira.

Mas o CRI é o indício de que o Brasil e a Argentina estão preocupados


com as movimentações e actividades suspeitas de muçulmanos na área, que
parecem ter-se dinamizado com a actual crise do Líbano. A imprensa argen-
tina, sobretudo, tem feito eco dessas preocupações e, referindo fontes não
identificadas, noticiou que chegaram recentemente ao país, vindos do
Líbano, cerca de uma dúzia de membros do Hezbollah. Ao mesmo tempo,
o jornal La Nacion entrevistou Muafak Jamal, um líder da comunidade islâ-
mica local, que confirmou que o Hezbollah está a angariar fundos na
América do Sul para a reconstrução do Líbano.

Este tipo de notícias cria de imediato alarme na Argentina, particular-


mente no seio da comunidade judaica, e direcciona as atenções para a trí-
plice fronteira. Terá sido a partir daí que o Hezbollah executou os atentados
em Buenos Aires, em 1992 e 1994, contra alvos israelitas.

80
2.2.8. O Comando África dos Estados Unidos46

A geopolítica dos Estados Unidos pós-11 de Setembro passou a definir


a África como uma área de interesse prioritário, por razões que se prendem
com a segurança energética e a competição neste domínio com a China e,
por outro lado, com a percepção de que existe um potencial de ameaça ter-
rorista nas vastas áreas islamizadas do continente. Aos já velhos paradigmas
da cooperação para o desenvolvimento africano, como a saúde e educação,
que congregaram verbas bilionárias durante décadas para programas cor-
ruptos e fracassados, tem vindo a ser sobreposta a ideia de que não existe
desenvolvimento sem infra-estruturas e segurança.

Foi neste contexto que, no ano passado, Paul Wolfowitz passou do


Pentágono directamente para a presidência do Banco Mundial e também
que o pensamento estratégico americano sobre África começou a ficar
estruturado. É possível, por exemplo, encontrar teses de mestrado realizadas
no Army War College, em Março de 2005, sobre o problema da criação de
um “Comando África”, isto é, um comando militar americano autónomo
relativamente ao europeu, o qual até aqui tem tido a competência de “tute-
lar” o continente. Ao mesmo tempo, começou a ser utilizado o conceito de
“ungoverned spaces” para caracterizar as áreas geográficas e institucionais
que os países africanos de facto não controlam, devido às debilidades estru-
turais dos Estados.

A subsecretária da defesa para os assuntos africanos, Theresa Whelan,


ex-analista da Defense Intelligence Agency, tem vindo precisamente a pro-
mover este conceito de “espaços não-governados” desde o ano passado,
tendo-o já exposto de forma sintética em Portugal, este ano em Maio, no
Instituto da Defesa Nacional, perante uma concorrida plateia de militares,
académicos, diplomatas e elementos dos serviços de informações. Uma das
principais preocupações, sobretudo quando esta situação se desenrola num
ambiente de extracção de petróleo, é a criminalidade organizada que gera
a circulação de volumes elevadíssimos e descontrolados de dinheiro, pas-
sível de financiar redes de terrorismo. É o caso da Nigéria onde o roubo
de petróleo, segundo Theresa Whelan, se situa entre 2 e 6 mil milhões de
euros por ano.

46 Publicado em 10 de Setembro de 2006.

81
A resposta america aos espaços não-governados está pois centrada na
cooperação militar, desde a formação às informações, reconhecendo impli-
citamente que o poder militar em África, não obstante os processos de demo-
cratização em curso, tutela de facto o político. A criação de um “Comando
África”, com o respectivo quartel-general e contingente permanente, parece
assim estar apenas dependente dos estudos de viabilidade económico-finan-
ceira entretanto produzidos pelos ramos das forças armadas. Para já, circulam
rumores de que o General William Ward, que tutela os assuntos africanos no
comando europeu, irá ser o primeiro responsável pelo “Comando África”,
eventualmente sedeado no Senegal, Gana ou Quénia.

2.2.9. O Novo Chefe do Pentágono47

Robert Gates, até aqui presidente da Universidade do Texas, é o novo


chefe do Pentágono. Nasceu no Kansas, tem 63 anos, é filho de um ven-
dedor de peças sobressalentes para automóveis, é montanhista, pertence ao
círculo de amigos da família Bush e foi sucessivamente analista e director
da CIA e também membro do Conselho de Segurança Nacional. Do ponto
de vista académico, é um especialista em Estudos Russos, tendo realizado
em 1974 um doutoramento na Universidade de Georgetown sobre a ex-
União Soviética e a Guerra Fria, quando ainda se encontrava na CIA, para
onde fora aliás recrutado nos tempos de estudante. Foi nessa qualidade de
especialista em assuntos soviéticos que, com Ronald Reagan, ascendeu à
posição cimeira desta organização da espionagem americana, tendo sido
na altura o seu mais jovem director.

Com efeito, Robert Gates é determinado e eficiente desde a sua juven-


tude, detendo a elitista Eagle Scout, distinção máxima dos escuteiros ame-
ricanos antes de atingirem os 18 anos de idade, que premeia um projecto
liderança e de compromisso com o dever. É tido como muito prudente mas
pragmático, bom ouvinte e construtor de consensos, gostando particular-
mente das negociações de bastidores. Os seus críticos acusam-no, contudo,
de ser um homem do aparelho e de ter sido promovido rapidamente na CIA
porque introduziu na organização, naquela altura, o princípio da politização

47 Publicado em 12 de Novembro de 2006.

82
dos relatórios de informações, com o objectivo de inflaccionar o papel
negativo da ex-União Soviética e agradar aos superiores.

Os seus cerca de 20 anos na CIA foram pois passados no ambiente da


guerra fria, mas não se resumiram apenas ao departamento de análise,
conhecendo bem o Médio Oriente. Tudo indica que terá estado activamente
ligado ou tomado parte nas conturbadas operações relacionadas com o céle-
bre caso Irão-Contra, no apoio a Saddam Hussein e também ao Paquistão
na resistência ao avanço soviético no Afeganistão. Robert Gates negou tudo
isto, porém, no livro de memórias que escreveu, em meados dos anos 90,
intitulado From The Shadows.

De qualquer modo, estas “sombras” criaram-lhe problemas no


Congresso aquando da sua nomeação para Director da CIA. Esses fantas-
mas estão agora também a ressurgir, mas é provável que o presidente Bush
pressione o Congresso a confirmar rapidamente a nomeação, pelo menos
até ao fim do ano, antes que o novo Senado controlado pelos democratas
entre em funções.

Para já, a ele se encontra associada a imagem de que algo vai mudar
na forma como os Estados Unidos estão a conduzir a chamada Guerra con-
tra o Terrorismo, sobretudo no caso do Iraque. Na verdade, Robert Gates
passou parte do mês de Setembro neste país como membro da task-force
de avaliação da situação enviada pelo Iraq Study Group, uma comissão
nomeada pelo Congresso sob a direcção de James Baker. Esperam-se
melhores relações entre o Pentágono e a intelligence community, retirada
progressiva do Iraque e conversações com o Irão.

2.2.10. Operação Milagre48

Até à queda do muro de Berlim, Cuba desempenhava um papel estra-


tégico da maior relevância para a União Soviética na confrontação com os
Estados Unidos. De há uma década para cá, esse espaço tem vindo a ser
progressivamente ocupado pela República Popular da China, embora não
se trate de qualquer tipo de presença militar convencional. Com efeito, os

48 Publicado em 18 de Janeiro de 2007.

83
Estados Unidos são o principal alvo da espionagem cubana e é precisamente
neste domínio que a cooperação com os chineses se está a intensificar.

O Pentágono está por isso atento ao aumento das capacidades chinesas


na região em termos de guerra da informação. O principal alvo dessa aten-
ção é a base cubana de Bejucal, situada a sudoeste de Havana, a menos de
200 km da Florida.

Bejucal é um das maiores bases de SIGINT (signals intelligence) a


nível mundial e está na dependência dos serviços de informações militares.
No final dos anos 90, Raúl Castro, irmão de Fidel Castro, firmou um
acordo com o Ministro da Defesa da República Popular da China, não só
para modernizar o equipamento informático da base mas também para os
cubanos passarem a utilizar os satélites chineses, com o correspondente
auxílio de operadores e assessores técnicos militares. Um número que se
conserva desconhecido mas que se estima na ordem das dezenas, que veio
juntar-se aos cerca de 1000 cubanos que aí trabalham e gerem 10 antenas
de satélite.

Os Estados Unidos têm pois vindo a travar uma verdadeira guerra silen-
ciosa com Cuba, tendo registado um efectivo aumento da sua capacidade
ofensiva e defensiva nesta área. Por exemplo, é corrente as emissões da
Rádio Voz da América sofrerem interferências, mesmo quando se destinam
(em língua farsi) a países como o Irão, que mantém boas relações com
Cuba. Bejucal possui assim, graças à China, a capacidade de espionagem
electrónica, de intrusão em redes de computadores, quer sob a forma de
vírus quer para ler ou modificar ficheiros, e de destruição de equipamento
através de radiações electromagnéticas.

Os chineses ocuparam assim o vazio deixado pela ex-URSS e par-


ticularmente importante foi a viagem a Cuba do presidente Hu Jintao,
há cerca de dois anos, acompanhado de 200 empresários, durante a
qual anunciou que a China iria investir 100 mil milhões de dólares na
América Latina, ao longo da próxima década. Como consequência as
trocas comerciais aumentaram significativamente, traduzindo-se por
exemplo em negócios como a compra, por parte de Cuba, de 100 loco-
motivas, 1000 autocarros e 30 mil frigoríficos De certo modo, em Cuba,
a República Popular da China está a replicar a posição dos Estados

84
Unidos em Taiwan, inclusivé no campo da espionagem e das operações
de escutas a alvos militares e empresariais.

Entre as respostas americanas conta-se pois o designado “Cuba


Transition Project” da Universidade de Miami, financiado pela USAID.
Um dos seus mais peculiares estudos é o da “reconstrução dos serviços
secretos cubanos” após a esperada morte de Fidel Castro e também esperada
mudança democrática. Mas a incerteza perdura quanto ao futuro de Cuba
sem Fidel, não sendo a aliança estratégica com a China exclusiva e esten-
dendo-se a outros países da América Latina.

Destes países destaca-se a Venezuela, com quem Cuba experimenta


agora criativamente um programa de “oil-for-doctors”. É ao mesmo tempo
um desafio aos Estados Unidos, uma re-invenção da solidariedade e um
grande negócio. O seu nome é “Operação Milagre” e consiste em realizar
intervenções cirúrgicas oftamológicas em Cuba, gratuitas, aos doentes
estrangeiros com baixos níveis de rendimento.

Nos últimos dois anos, foram já operadas cerca de 500 mil pessoas,
a maior parte delas venezuelanas, e a contrapartida é o petróleo vene-
zuelano injectado em Cuba no valor de 2 mil milhões de dólares por
ano. A “Operação Milagre” vai ser agora exportada para África e a
Ásia e quer atingir o milhão de doentes por ano, seguramente com con-
trapartidas.

2.2.11. O Novo Comando África dos Estados Unidos49

Até agora, o Pentágono via o mundo dividido em cinco “comandos


unificados de combate”: NORTHCOM (América do Norte), SOUTH-
COM (América do Sul), EUCOM (Europa, Rússia e Cáucaso), CENT-
COM (Médio Oriente, Irão, Afeganistão, Paquistão e Ásia Central) e
PACOM (Índia, China, Indonésia, Austrália e restante região do Pacífico).
A África só foi incorporada nesta visão a partir de 1983, como um
apêndice repartido pelo EUCOM, CENTCOM e PACOM. Na semana
passada, nasceu porém o AFRICOM, anunciado oficialmente pelo pre-

49 Publicado em 11 de Fevereiro de 2007.

85
sidente Bush, como era esperado há algum tempo, abrangendo todos
os países africanos, excepto o Egipto.

O AFRICOM resulta da evolução da doutrina global do Pentágono após


o 11 de Setembro, e em particular depois da invasão do Iraque há quatro
anos, e da sua conjugação com a crescente importância das fontes de recur-
sos energéticos para os Estados Unidos. Por um lado, a ameaça à expansão
descontrolada da Al-Qaeda no que os americanos percepcionam como os
“espaços não governados”, geográficos e institucionais, que abundam em
África. Por outro lado, a ameaça da insegurança energética que não podem
deixar de eliminar relativamente a qualquer quebra ou desvio de forneci-
mento de gás e petróleo africano, do qual estão cada vez mais dependentes
e concorrência agressiva com a China.

O Pentágono justifica pois a criação do AFRICOM com o facto de a


África representar 35% da massa terrestre e 25% da população do mundo,
sendo necessário “desenvolver aí um ambiente estável para promover a
sociedade civil e melhorar a qualidade de vida do povo”. O subsecretário
da defesa para a política, Ryan Henry, fala do reconhecimento, por parte
dos Estados Unidos, da “emergência do continente africano e dos seus paí-
ses como actores-chave na cena global ao longo deste século”.

Na prática, estamos a assistir à expansão para o continente africano


do perímetro de segurança que até aqui tem abrangido o continente
americano sob a tradicional inspiração da Doutrina de Monroe e do
Big Stick, termos referentes à defesa activa e se necessário armada dos
intereses americanos na cena internacional. Estamos assim perante a
introdução de um novo factor nas relações de poder a nível internacional,
sem oposição imediata e declarada, a não ser porventura nas recentes
críticas, à hegemonia americana, do presidente Putin na conferência
sobre segurança de Munique.

De todo o modo, o AFRICOM também vai ser um projecto-piloto da


nova filosofia dos “comandos unificados de combate”. Vai, concretamente,
ensaiar a metodologia e funcionamento de um “mix” interdepartamental,
integrando militares, serviços de informações, diplomatas, especialistas em
saúde e em ajuda ao desenvolvimento.

86
Para já, com a localização do quartel general em África ainda por defi-
nir, o chefe da equipa de transição é o Almirante Robert Moeller. É provável
que o poder naval e a segurança marítima venham a ser os catalizadores
do AFRICOM.

2.2.12. O Banco Mundial de Wolfowitz50

Uma das mais proeminentes figuras dos Estados Unidos, Paul


Wolfowitz, doutrinador da invasão do Iraque, passou de subsecretário
da defesa para presidente do Banco Mundial em Junho de 2005. Esta
surpreendente mudança ocorreu num contexto em que o eixo anglo-
americano se preparava para combater a investida da China em África,
tendo como base de apoio o relançamento da vaga de solidariedade
pública com o continente protagonizada por músicos e artistas ainda
durante a guerra fria. A reunião do G8, no mês seguinte, no Reino
Unido, apareceria como ponta de lança dessa vaga, mas a estratégia
viu-se gorada pelo acaso histórico (embora manipulado pelos terroristas)
de, no mesmo momento, terem ocorrido os atentados ao metropolitano
de Londres.

Isto perturbou o “take-off” do movimento Make Poverty History, que


não se recompôs até hoje, mas Paul Wolfowitz manteve-se no seu posto e,
nesse mesmo Verão, anunciou que África era a prioridade do Banco
Mundial e a corrupção seria combatida sem contemporizações, uma vez
que potenciava o financiamento do terrorismo. Por outro lado, os investi-
mentos tradicionais e intensivos na saúde e educação seriam transferidos
para as infraestruturas e segurança, condições primárias do desenvolvimento
na visão de Wolfowitz.

Com efeito, a segurança tornou-se também, coincidentemente, o con-


ceito operacional da política africana dos Estados Unidos. A nova Estratégia
de Segurança Nacional, formalmente anunciada pelo presidente Bush há
exactamente um ano, confirma a África como uma “alta prioridade” da
política externa dos Estados Unidos. Alguns números, por exemplo, tradu-
zem as intenções: cerca de 600 milhões de euros para a força de paz da

50 Publicado em 15 de Março de 2007.

87
União Africana no Sudão, em 2005, ou o aumento da ajuda ao desenvol-
vimento de 700 milhões de euros em 2001 para 4 mil milhões em 2006,
ou ainda a subida de 80% nas importações entre 2004 e 2005, a maior parte
das quais, obviamente, provenientes do sector petrolífero. Já neste ano de
2007, foi criado o AFRICOM, o comando autónomo militar americano de
África, que, entre outras coisas, vem enquadrar programas de cooperação
em curso que visam formar a nova geração de chefes militares africanos.
O retorno, a médio prazo, está no reequipamento das forças armadas afri-
canas.

Paul Wolfowitz tem-se mantido, pois, firme no seu posto, há quase dois
anos, gerindo as tensões que esta mudança de cultura no Banco Mundial
suscita. Mas os analistas mais atentos ao funcionamento da organização
têm apontado o dilema em que esta se encontra: ou se fecha e perde poder
internacional, exigindo critérios rígidos ambientais e de transparência aos
países subdesenvolvidos, condicionantes da atribuição de financiamentos;
ou modera esses mesmo critérios e conserva a sua posição, com influência
política a longo prazo, contrariando a ascensão da China no continente, a
qual não impõe condições desse tipo.

Neste ano de 2007, Paul Wolfowitz tem sido particularmente pressio-


nado pelos descontentes no interior da organização. A controvérsia no con-
selho de administração é já um dado adquirido, sobretudo após a Fox News
ter revelado que naquele orgão se vive uma “guerra de trincheiras”.

França, Suíça, Alemanha, Canadá e mesmo o Reino Unido, entre


outros, opôem-se às exigências extremas da designada “boa governança”
como condição de atribuição de ajuda financeira. Na passada segunda-
feira, Wolfowitz acabou por reconhecer o diferendo, ao terminar um
périplo pelo continente africano, reiterando todavia a sua estratégia anti-
corrupção. Ao mesmo tempo, depois de lembrar que o Banco Mundial
canalizou mais de 2 mil milhões de dólares para África em 2006, anun-
ciou que este ano irá disponibilizar, só para o Gana, cerca de 450
milhões de dólares, de modo a transformar o país num centro industrial
de baixo custo, “como a China”. Entretanto, esta semana, Angola pres-
cindiu formalmente dos serviços do FMI.

88
2.2.13. Morreu o Rei, Viva o Rei51

Esta semana o conselho de administração do Banco Mundial aprovou


unanimemente a nomeação de Robert Zoellick para seu presidente, de
acordo com a proposta de George Bush. Zoellick sucede a Paul Wolfowitz,
o qual, dois anos após ter assumido o cargo, caiu em desgraça na sequência
de um alegado favorecimento professional da sua namorada. Este caso foi
no entanto um pretexto para terminar com a abordagem musculada que
Wolfowitz imprimiu desde o início ao Banco Mundial, invertendo-lhe radi-
calmente as tradicionais políticas de financiamento dos países do terceiro
mundo, nomeadamente em África, continente que de imediato definiu
como primeira prioridade do seu mandato.

Ao tradicional discurso do desenvolvimento centrado na saúde e edu-


cação, Wolfowitz sobrepôs assim o princípio de que não existe desenvol-
vimento sem infraestruturas e sem segurança, começando a forçar a direc-
ção do Banco nesse sentido. Recorde-se que nessa altura o G8 anunciava,
sob o impulso do Reino Unido, que iria centrar a sua principal atenção em
África e estava em alta a mediatização do concerto de música rock Live 8
e da campanha Make Poverty History. Os Estados Unidos, por seu turno,
redobravam o seu interesse estratégico no Golfo da Guiné, por causa do
petróleo, e tinham já em marcha um conjunto alargado de inciativas de coo-
peração militar e na área das informações e segurança com vários países
africanos, apontando o cenário da ameaça do terrrorismo de origem islâ-
mica. Por isso, desde o início, Wolfowitz emitiu um discurso vigoroso
contra a corrupção, declarando que qualquer suspeita de associação a inves-
timentos do Banco conduziria à cessação dos mesmos. E tudo isto acontecia
em conexão com o facto de a China aparecer, após cinco anos de execução
de uma nova estratégia, como o grande, endinheirado e dinâmico novo
actor em África, projectando-se como uma alternativa aos negócios com
os países ocidentais.

Note-se que passaram somente dois anos e este permanece ainda efec-
tivamente o contexto central no qual Robert Zoellick se vem inserir. A ques-
tão portanto, como é costume, é a de se saber se a sua acção irá ou não con-
tinuar a nova orientação traçada por Paul Wolfowitz. Tudo leva a crer que

51 Publicado em 28 de Junho de 2007.

89
não, tendo em conta o percurso de Zoellick e a nova estratégia americana
para a África que levou já este ano à criação de um comando militar autó-
nomo para o continente e ao reforço da posição no Sudão, na Somália e no
Golfo da Guiné. O que deverá acontecer é uma mudança de estilo, no con-
fronto com a própria cultura organizacional do Banco, no sentido de privi-
legiar a gestão negociada (embora dura) à gestão afirmativa e de gerar alian-
ças inter-nacionais.

Robert Zoellick tem 53 anos e detém um mestrado em Políticas Públicas


e um doutoramento em Direito pela Universidade de Harvard. Iniciou a
carreira como magistrado e passou por várias posições no Departamento
do Tesouro, tendo sido lançado na política pelo prestigiado advogado e ex-
Secretário de Estado James Baker, ainda hoje muito influente na Casa
Branca e nos negócios do petróleo, de quem foi Sub-Secretário de Estado
no mandato de George Bush (pai). Com os democratas no poder, foi pro-
fessor de Segurança Nacional na Academia Naval, investigador em Harvard
e conselheiro sénior internacional da Goldman Sachs. Voltou à política com
os republicanos para o cargo de Alto Representante do Comércio, tendo
liderado – facto significativo para este seu novo cargo – as negociações da
entrada da China na Organização Mundial do Comércio. Foi Secretário
Adjunto de Estado de Condolezza Rice entre 2005 e 2006, tendo passado
de novo a trabalhar para a Goldman Sachs, onde se encontrava agora.

Para já, também afirmou que a sua prioridade é África. Como singu-
laridade interessante, potenciadora da sua acção, refira-se a origem germâ-
nica e o facto de falar fluentemente alemão e de ser considerado um pro-
motor influente das relações germano-americanas.

2.2.14. O Programa Nuclear do Brasil52

Com a cimeira do Brasil, Portugal abriu de facto com chave de ouro a


presidência da União Europeia. O tempo dirá quais serão os resultados,
mas é interessante notar que tanto o Reino Unido como a Alemanha, dois
dos países europeus com quem o Brasil mantém intensas relações econó-
micas, não vieram jantar ao Centro Cultural de Belém. No tabuleiro das

52 Publicado em 12 de Julho de 2007.

90
relações internacionais, isto pode desde logo ser entendido como indispo-
nibilidade destas duas principais potências europeias para valorizarem o
domínio multilateral em detrimento das suas respectivas relações bilaterais
com o Brasil.

Por consequência, não obstante as declarações políticamente entusias-


tas, amplificadas em Bruxelas, Portugal vê ameaçado o papel de interlocutor
privilegiado, que pretendia ver unânimemente reconhecido, nesta conexão
euro-brasileira. Para já fica a mais valia de imagem, que nos engrandece
aos olhos dos brasileiros no eixo do poder político-económico Brasília –
São Paulo. Os negócios luso-brasileiros ficam potenciados e, efectivamente,
o sector das energias alternativas é, como toda a gente sabe, estratégico.

Na verdade, o Brasil é virtualmente uma grande potência mundial, é o


país do futuro constantemente anunciado, e, no que toca à questão energé-
tica, para além dos biocombustíveis é relevante o programa nuclear que
vem desenvolvendo. Se não para a União Europeia, aí está seguramente
uma oportunidade estratégica para Portugal num possível cenário de utili-
zação da energia nuclear.

O programa não é novo pois já tem mais de duas décadas. Foi lançado
pelos militares, mas hoje o discurso oficial está principalmente centrado
na sua vertente civil. Contudo, como a marinha de guerra, protagonista his-
tórica do processo, pretende construir um submarino de propulsão nuclear,
e também porque o Brasil afirma estar a desenvolver tecnologia inédita,
existem alguns receios a nível internacional de que o programa civil possa,
a prazo, vir a ser rapidamente orientado no sentido militar.

Por isso, há cerca de três anos, a Agência Internacional de Energia


Atómica tentou levar a cabo uma inspecção às instalações em construção
da fábrica de produção de combustível nuclear de Resende, a cerca de 100
quilómetros do Rio de Janeiro, mas o governo brasileiro opôs-se e mos-
trou-se mesmo ofendido com as suspeitas levantadas. O argumento foi o
de que necessitava de proteger a propriedade intelectual. Porém, estas sus-
peitas não foram totalmente dissipadas porque, na mesma altura, o ministro
da ciência e tecnologia, Roberto Amaral, afirmou que o Brasil não renun-
ciaria ao conhecimento da fissão nuclear, o princípio da bomba atómica.
O presidente Lula da Silva acabaria por aceitar a demissão do ministro.

91
Mas com a entrada em funcionamento da fábrica de Resende, o Brasil
atinge finalmente um patamar de conhecimento que o faz entrar no restrito
clube dos países que enriquecem urânio numa escala industrial: Estados
Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Holanda, Rússia, China e Japão. O
objectivo inicial é o de a fábrica de Resende começar a produzir 60% do
combustível nuclear necessário aos dois reactores brasileiros já existentes.

O Brasil está entretanto a projectar um terceiro reactor e tem ainda


como objectivo a expansão da capacidade de enriquecimento de urânio,
não só para as suas próprias necessidades mas também para exportar para
outros países. O empenho é real e por isso, na terça-feira, o presidente Lula
anunciou o investimento de 68 milhões de dólares por mês durante 8 anos
destinados à conclusão do projecto de um submarino nuclear em conjunto
com a produção de energia comercial.

Os Estados Unidos não se opôem ao programa. Para além do posicio-


namento ocidentalista do Brasil, não será porventura alheio o facto de ali
se localizar actualmente a quinta maior reserva mundial de urânio. E só
30% do extenso território brasileiro é que foi prospectado nesse sentido.

2.3. Ásia

2.3.1. Satélites Espiam Efeitos do Tsunami53

A NGA (National Geospatial-Intelligence Agency), um dos mais pode-


rosos serviços de informações americanos, sob tutela do Pentágono, tem
vindo a utilizar as suas capacidades para identificar e avaliar os danos cau-
sados pelo tsunami que atingiu o sudoeste asiático no dia 26 de Dezembro.
A NGA está a fornecer diariamente imagens de satélite e análises das áreas
afectadas a três organismos americanos, que depois gerem a redistribuição
das informações: ao gabinete de ajuda a catástrofes no estrangeiro (OFDA)
da agência de cooperação para o desenvolvimento (USAID); ao Comando
das forças armadas no Pacífico (USPACOM); e ao Comando de transportes
(USTRANSCOM).

53 Publicado em 2 de Janeiro de 2005.

92
As imagens destinadas aos dois primeiros organismos visam orga-
nizar a intervenção de emergência, isto é, o transporte e colocação
do pessoal da ajuda e as actividades imediatas relacionadas com a
sáude, a alimentação, o vestuário e o alojamento das vítimas. As ima-
gens para o USTRANSCOM servem para se proceder à avaliação do
impacto do tsunami nas infraestruturas, como estradas, pontes, portos
e aeroportos ou campos de aviação, e consequentemente na qualidade
dos acessos de entrada e saída das áreas afectadas, não só para gerir
a intervenção de emergência mas também para planear a sua reabili-
tação.

A NGA trabalha com satélites comerciais e militares. Ambos pos-


suem características idênticas, por exemplo infravermelhos, mas tam-
bém acentuadas diferenças, como o grau de resolução das imagens
(1 metro para os comerciais e 10 cm para os militares), e, por isso,
níveis diferentes e classificados de acesso à informação. Os satélites
comerciais são geridos por parceiros da NGA, como a Space Imaging
e a Digital Globe, em cujos sites na internet, aliás, podem ser vistas
imagens globais dos danos do tsunami, incluindo o “antes e depois”,
visão tornada possível pelos meticulosos arquivos existentes naquele
serviço de informações. Os satélites militares estão também a ser uti-
lizados, todavia, sendo restrita a divulgação da informação, existem
casos, mesmo dentro do circuito normal de distribuição, em que o
acesso às imagens é interdito; só é possível ver análises escritas dessas
mesmas imagens.

Não é, porém, novidade para a NGA este tipo de utilização das


suas capacidades, possuindo um departamento especializado nas ques-
tões do ambiente e uma longa experiência de cooperação com a agência
federal de gestão de emergências (FEMA). Logo após o tsunami, foi
pois criada uma task force que, por turnos, está a trabalhar 24 horas
por dia, 7 dias por semana. Contudo, os técnicos e analistas estão a
ser confrontados com dificuldades novas e específicas que residem
na extensão geográfica da área a ser coberta e, consequentemente, na
aquisição e organização dos dados-chave. A percepção actual é a de
que levará ainda algum tempo a produzir uma avaliação minimamente
completa da situação.

93
2.3.2. O Alvo Coreano54

A Coreia do Norte anunciou que já possui armas nucleares. A dúvida


persiste no entanto sobre a real capacidade do regime de Kim Jong-il neste
domínio. Com efeito, a Coreia do Norte é (juntamente com a Al-Qaeda) o
“alvo” mais opaco dos serviços de informações ocidentais. Os Estados
Unidos mantêm uma apertada vigilância por satélites e comunicações, mas
estão dependentes em grande medida dos serviços chineses, japoneses e
sul-coreanos para a obtenção de informações credíveis recolhidas no ter-
reno, e estas até agora são inconclusivas.

Na realidade, os obstáculos do “alvo coreano” têm sido enormes, desde


a língua e cultura à brutal e omnipresente polícia secreta do “Querido
Líder”, designação institucionalizada de Kim Jong-il. A SSSA (“agência
de segurança e salvaguarda do estado”) conta com um número de agentes
e informadores calculado na ordem das centenas de milhar e é responsável
pela contra-inteligência, o controlo das fronteiras, a gestão de campos de
presos políticos, a segurança de altas individualidades e as informações
externas.

Contudo, de acordo com um relatório do passado mês de Dezembro dos


serviços de informações japoneses (PSIA), a Coreia do Norte não está a con-
seguir sair da grave crise económica e social desencadeada em 2002 por
várias reformas que abriram espaço à iniciativa privada. O PSIA aponta assim
a existência de uma fractura crescente na elite dirigente causada pela luta pelo
controlo dos novos negócios e também por divergências quanto à sucessão de
Kim Jong-il. A tendência é de a situação se agravar a curto prazo.

Face a este cenário, e para além da intermediação da China e das con-


versações multilaterais, os Estados Unidos estão a gerir a crise no sentido
de o regime caminhar para a implosão política e económica. Há já vários
meses que foi posta em prática uma estratégia no campo financeiro idêntica
à utilizada contra a Al-Qaeda, que visa sufocar algumas fontes de rendi-
mento cruciais da Coreia do Norte, a partir de um designado “tool kit”,
confidencial, que nas últimas semanas foi redesenhado pelo National
Security Council. Trata-se de detectar e impedir as transacções financeiras

54 Publicado em 20 de Fevereiro de 2005.

94
do regime no âmbito da contrafacção, do tráfico de drogas e da venda de
mísseis e outra tecnologia militar.

Ao mesmo tempo, segundo uma fuga de informação do governo da


Coreia do Sul na semana passada, os Estados Unidos estão a planear uma
visita a Kim Jong-il por parte de Muammar Kadhafi. O objectivo é que
este convença aquele dos benefícios financeiros que obteve dos americanos
ao acabar com o programa nuclear da Líbia. Manobra de diversão, ou a
“cenoura” que compensa a “bastonada” da estratégia do “tool kit” e abre
uma última oportunidade à Coreia do Norte?

O certo é que, segundo o NIS (serviços de informações sul-coreanos),


a Coreia do Norte pode já construir uma ou duas bombas nucleares, mas
não detem tecnologia para transformá-las em ogivas de mísseis.

2.3.3. Jogos Chineses55

Após ter aprovado uma lei, no passado dia 14 de Março, que determina
o emprego da força contra a Taiwan em caso de este declarar formalmente
a sua independência, a República Popular da China veio duas semanas
depois, em 1 de Abril, propôr conversações que aliviem a tensão político-
militar. Pelo meio ocorreu uma visita de uma delegação militar americana
a Taipé e, também nesta capital, uma manifestação de cerca de um milhão
de pessoas contra o regime de Pequim, encabeçada pelo presidente Chen
Shui-bian e organizada pelo NSB (National Security Bureau), o serviço de
informações e de segurança do Taiwan.

Este foi mais um episódio do longo conflito entre os dois Estados chineses,
os quais adoptaram, há já algum tempo, a guerra de informação como conceito
estratégico prioritário, incluindo as componentes de psicologia e de propa-
ganda. Na verdade, com esta jogada, a China está a executar um plano do
Exército Popular de Libertação que visa uma escalada gradual e controlada de
avisos/ameaças para obrigar Taiwan a sentar-se à mesa para negociar o seu
grau de autonomia num prazo, eventualmente longo, a definir.

55 Publicado em 3 de Abril de 2005.

95
Por seu turno, Taiwan, consciente de que a estratégia de Pequim passa
pela influência da opinião pública e sobretudos dos líderes mundiais, res-
pondeu com a grande mobilização de massas que o major-general Hsueh
Shih-ming, director do NSB e tido como um duro, propôs logo como con-
tra-ataque no próprio dia 14 de Março. Foi a primeira vez que um director
do NSB assumiu tal posição de liderança, argumentando então Hsueh Shih-
ming, numa lógica de guerra de informação, que se o público não reagisse
contra a lei de Pequim, os líderes chineses “podiam dizer à comunidade
internacional que não se opusesse pois o povo de Taiwan não o fazia”.

O NSB, cuja história remonta ao serviço de informações militares de


Chang Kai-Chek, exercendo por isso um poder tradicional na salvaguarda
da soberania de Taiwan, preparou minuciosamente a manifestação. À esco-
lha do dia 26 de Março não foi alheia a predilecção dos chineses pela nume-
rologia, representando o 2 a segurança/certeza e o 6, extremamente popular,
a riqueza. O presidente e restantes líderes, incluindo Hsueh Shih-ming,
foram protegidos por 500 elementos do corpo de protecção de individua-
lidades do NSB, um número desconhecido de agentes foi colocado no meio
da multidão, atiradores especiais estavam dissimulados no topo de edifícios
ao longo das ruas e foram destacados 13 mil polícias para a segurança geral
da manifestação. Numa demonstração de simbolismo e capacidade orga-
nizativa, a manifestação partiu de 10 locais diferentes em Taipé para con-
vergir no centro da capital, tendo o ritmo das respectivas marchas sido sin-
cronizado por GPS.

Com o número 10 pretendeu-se simbolizar a confrontação com as 10


cláusulas da lei de Pequim, mas o seu significado de perfeição/plenitude é
considerado ambíguo e não particularmente auspicioso.

2.3.4. O Papel Estratégico de Taiwan56

A recente votação do Parlamento Europeu contra o levantamente do


embargo de armas à República Popular da China (RPC) veio fortalecer a
imagem de Taiwan perante a chamada comunidade internacional e sustentar
a posição dos Estados Unidos de que o equilíbrio de poder na região não

56 Publicado em 17 de Abril de 2005.

96
deve ser alterado. No passado mês de Fevereiro, aliás, Porter Goss, o
director da CIA, alertara que o levantamento do embargo aceleraria a
modernização do Exército Popular de Libertação, cujas gastos este ano já
foram aumentados em cerca de 13%, enquanto no Taiwan o orçamento
militar tem decrescido.

A RPC tem, por exemplo, várias centenas de mísseis balísticos apon-


tados para Taiwan, mas o potencial aumento da ameça não se situa direc-
tamente neste campo, pois é um facto que o equilíbrio de poder já pende
a favor da RPC. Os Estados Unidos receiam antes que os chineses venha
a conseguir adquirir alta tecnologia informática militar no mercado inter-
nacional da especialidade, furando assim as defesas da contra-espionagem
de um conjunto de países ocidentais que esforçada e contínuamente tentam
contornar.

Com efeito, face à fraca probabilidade de um confronto directo entre a


RPC e Taiwan, que de imediato envolveria os Estados Unidos, a histórica
crise entre os dois Estados chineses manifesta-se hoje sobretudo no campo
da “information warfare”. A espionagem assume neste ambiente um papel
de relevo, o qual, no que respeita aos Estados Unidos, é prioritariamente
estratégico quanto às condições únicas que Taiwan proporciona para a reco-
lha de informações sobre a RPC.

Durante a Guerra Fria foram construídas várias estações SIGINT


(signals intelligence) em Taiwan, pelos Estados Unidos, que serviram
para monitorizar as acções da RPC na Guerra do Vietnam. Foram desac-
tivadas nos finais dos anos 70 quando Washington normalizou as relações
diplomáticas com Pequim. Contudo, a cooperação com Taiwan neste
domínio continuou num plano muito secreto, e hoje o NSB (National
Security Bureau) mantém uma operação de grande envergadura em con-
junto com a americana NSA (National Security Agency), conhecida
neste poderoso serviço como SLB (sigint liaison branch) e sobre a qual
existem escassas informações públicas. O SLB comporta uma base a
norte de Taipé, no Monte Yangmingshan, que tem 10 antenas, das quais
seis são de alta frequência, numa configuração circular designada “fix-
six” que capta com elevada qualidade as comunicações militares via
rádio da RPC.

97
A dependência dos Estados Unidos ultrapassa porém o aspecto da loca-
lização da base, uma vez que o conhecimento da língua e cultura é funda-
mental neste processo e não existe ninguém mais qualificado para a tarefa
que os chineses de Taiwan, que igualmente se encarregam das operações
HUMINT (human intelligence) na RPC. Na verdade, face ao grau de difi-
culdade do “alvo”, os serviços que não mantenham um esquema de coo-
peração com o NSB, terão um défice de informações sobre a RPC.

2.3.5. Os Negócios da China em África57

O presidente Hu Jintao afirmou recentemente, durante a comemoração


do 50º aniversário da Conferência de Bandung, que a África é uma opção
estratégica da China. Com efeito, a República Popular da China tem vindo
desde há cerca de cinco anos, quando criou o Fórum China-Africa, a desen-
volver uma teia de relações com o continente africano que ultrapassa em
grande medida o objectivo anterior de competir com Taiwan para obter
influência e votos no quadro da Organização das Nações Unidas.

A China emite um discurso de cooperação sul-sul enquanto “pedra


angular” da sua política externa, e também anima o ressurgimento do velho
ideal da nova ordem económica internacional perseguido pelo chamado ter-
ceiro mundo a partir da década de 70. A China apresenta-se assim como
um parceiro detentor de um grau de solidariedade e compreensão dos pro-
blemas africanos superior a qualquer concorrente ocidental. E, ao mesmo
tempo, face à sua experiência recente, projecta a imagem de que é um
modelo de sucesso a ser seguido no que respeita à transição de um país em
vias de desenvolvimento para uma economia de mercado.

No entanto, a principal mensagem da China agora é “negócios”, isto é,


exportação de serviços e produtos chineses e importação de matérias primas
africanas, nomeadamente petróleo. Os números ilustram o peso crescente
da China em África. O volume de negócios passou de 800 milhões de euros
em 1980 para 8 mil milhões no ano 2000 e 23 mil milhões em 2004. No
primeiro trimestre de 2005 já atingiu os 6 mil milhões de euros, represen-
tando um aumento de 31% relativamente ao mesmo período do ano passado

57 Publicado em 22 de Maio de 2005.

98
e 8 pontos acima da percentagem do aumento de todo o comércio externo
chinês. Para este aumento está a contribuir o facto de, no início deste ano,
a China ter isentado de impostos 190 categorias de produtos provenientes
de 25 países. Complementarmente, os novos empresários chineses estão a
ser incentivados a investir em África e, neste mesmo trimestre, já foram
assinados contratos de engenharia no valor de mil milhões de euros.

Entre os países com maior potencial de negócios, enquadrados pelo


petróleo, surgem o Sudão, a Nigéria e Angola. No Sudão, a partir do pró-
ximo mês de Agosto, vai começar a ser exportado petróleo da bacia de
Melut, com reservas totais estimadas de 5 mil milhões de barris, pertencente
à Petrodar, um consórcio dominado pela companhia chinesa Sinopec. Na
Nigéria, cuja economia depende em 80% do petróleo, foram para já firma-
dos acordos de exploração de alguns blocos e de construção de um pipeline
e uma refinaria, perante um cenário de duplicação da produção até 2010
para os 4 milhões de barris por dia. Em Angola, o recente empréstimo de
mil milhões e meio de euros do EximBank tem como contrapartida imediata
o fornecimento de 10 mil barris por dia.

A China é já o segundo consumidor mundial de petróleo a seguir aos


Estados Unidos e nos próximos 15 anos vai passar de 24 milhões de auto-
móveis para os 140 milhões.

2.3.6. A Turbulência Política no Sudoeste Asiático58

Está a ocorrer uma onda de turbulência geopolítica no continente asiá-


tico. A China e a Rússia estão a tentar erguer uma nova aliança regional,
através da SCO (Shangai Cooperation Organization), criada em 2001, que
se prefigura como o primeiro bloco político-militar de contraposição ao
Ocidente, particularmente aos Estados Unidos, desde a extinção do Pacto
de Varsóvia. Uma das prioridades do projecto é o controlo da Ásia Central,
onde se situam os outros membros da SCO (Cazaquistão, Uzbequistão,
Quirguistão e Tajiquistão) e que está a emergir como uma das maiores
fontes mundiais de petróleo e gás natural.

58 Publicado em 11 de Setembro de 2005.

99
Em Julho, a organização reuniu-se no Cazaquistão e na altura emitiu
uma declaração, sem precedentes, dirigida aos Estados Unidos no sentido
de estes estabelecerem uma data limite para a retirada das suas bases mili-
tares da Ásia Central. Em Agosto, a China e a Rússia levaram a cabo, no
quadro da SCO, os primeiros exercícios militares conjuntos, que se repetirão
no próximo ano. E de momento a SCO tenta atrair para o seu seio o Irão,
o Paquistão e a Índia, que já foram convidados como observadores. Este
último país é especialmente apetecido, pela sua dimensão e por todos os
seus recursos e potencialidades, mas a sua inclusão afigura-se problemática,
desde logo pela competição no acesso ao petróleo e gás natural e pelas ten-
sões nas fronteiras com o Paquistão e a própria China.

Perante esta conjuntura, os Estados Unidos iniciaram uma manobra


diplomática no sentido de quebrarem a força em expansão da nova
aliança, precisamente através de um acordo de parceria estratégica com
a Índia. Firmado também em Julho, esse acordo prevê um esquema de
cooperação estreita no domínio nuclear com a correspondente transfe-
rência de know-how e equipamento. A Índia vê-se assim cortejada por
ambos os lados e está a gerir a situação de forma ambivalente, encon-
trando-se inclusivamente a negociar um projecto de um pipeline vindo
do Irão através do Paquistão.

É neste contexto que assume relevante significado a nomeação há pou-


cos dias atrás, nos Estados Unidos, de um coordenador de origem indiana
para o recém autonomizado gabinete do Sul da Ásia (até aqui associado ao
do Médio Oriente) do National Intelligence Council, o órgão de reflexão
estratégica a médio e longo prazo da comunidade de informações, sob a
tutela do embaixador John Negroponte, o director of national intelligence
e conselheiro principal do presidente George Bush. Trata-se do conhecido
professor universitário Sumit Ganguly, politólogo, autor de vários livros
sobre o conflito entre o Paquistão e a Índia e a questão nuclear.

Sumit Ganguly, acabado de chegar de uma viagem à China e à Índia,


é um defensor empenhado do desenvolvimento da capacidade nuclear
indiana e produz a seguinte avaliação prospectiva: “ se a Índia não obtiver
fontes alternativas de energia, dentro de 15 anos terá de importar 90% das
suas necessidades de petróleo”.

100
2.3.7. A Revolução da Internet na China59

A metáfora porventura mais adequada para caracterizar a expansão da


Internet na China é a seguinte: “está a crescer como cogumelos”. A situa-
ção, de facto, traduz um crescimento de utilizadores na ordem dos 600 mil
em 1997 para 22,5 milhões em 2001, e para os extraordinários 103 milhões
em 2005. A China é já por isso o segundo país em número de utilizadores
a seguir aos Estados Unidos.

Porém, o desenvolvimento da situação ainda se encontra numa fase preli-


minar, algures entre o aquecimento dos motores e o início do arranque, envol-
vendo somente cerca de 8% da população. Uma das importantes mudanças
nos últimos dois anos é que a banda larga passou a ser utilizada por 50% dos
internautas chineses, o que lhes permite não só um acesso mais rápido mas
também manterem-se constantemente “on-line”. A previsão oficial de Pequim
é a de que esta tecnologia chegue aos 90 milhões de utilizadores já no final de
2005 e ultrapasse os 200 milhões nos próximos dois anos.

O interesse político e económico na evolução da Internet na China é


pois óbvio, e este conhecimento da situação só se tornou possível através
de um projecto de cooperação universitária entre os Estados Unidos e a
China. O processo, com algum melindre na formulação das perguntas dos
questionários aplicados no trabalho de campo na China, teve alguns avanços
e recuos e produziu três relatórios. O último foi apresentado há alguns dias
atrás na Brookings Institution, um dos mais antigos e prestigiados “think-
tanks” de Washington, pelo Professor Guo Liang da Academia Chinesa de
Ciências Sociais.

O objectivo oficial do projecto é o estabelecimento de bases para a defi-


nição de “políticas industriais” (leia-se também investimento estrangeiro)
e para a própria política governamental chinesa no que respeita, de forma
mais ou menos assumida, à monitorização e controlo da situação, sobretudo
nas zonas urbanas. Ao mesmo tempo, pretende-se avaliar o efeito da Internet
nos meios de comunicação social e na política. Quanto a este aspecto, note-
se no facto de o estudo ter sido concebido a pensar principalmente na
juventude em idade universitária de que fazem parte a maioria dos utiliza-

59 Publicado em 25 de Novembro de 2005.

101
dores, ou seja, entre os 16 e os 25 anos. O trabalho de campo decorreu por
isso no período do ano novo chinês, o qual marca as férias escolares.

Entretanto, o investimento do governo chinês em tecnologias da infor-


mação está crescer na ordem dos 16% ao ano. O perfil dos internautas chi-
neses traçado pelo estudo é, portanto, relevante para se vislumbrar o cami-
nho da mudança social e política na China. Para já os resultados globais
são curiosos. O principal objectivo dos utilizadores é aceder a notícias, mas
de entretenimento, e a jogos, filmes e música. Contudo, comparando com
resultados idênticos a nível mundial, a expectativa quanto a um impacto
positivo da expansão da Internet na política, no sentido da abertura e trans-
parência, é significativamente maior que em qualquer outro país.

2.3.8. A Corrida Nuclear da Índia60

A Índia está próxima de entrar, sob a tutela dos Estados Unidos, para
o restrito clube das grandes potências nucleares. Face a esta probabilidade,
o complexo quadro geopolítico da Ásia está a alterar-se no sentido de uma
redefinição do equilíbrio de forças, o qual por enquanto não é facilmente
vislumbrável.

A intenção dos Estados Unidos é dupla: a regulação e o controlo do


desenvolvimento do poder nuclear na região e a disposição de um parceiro
a longo prazo que sirva de contrapeso à China, ao mesmo tempo que
impede esta de estabelecer um eixo com a própria Índia, no quadro da SCO
(shangai cooperation organization), de que fazem parte a Rússia, os países
da Ásia Central e, como, observadores, o Irão e o Paquistão. Mas, com esta
jogada, os Estados Unidos subvertem o tratado de não-proliferação nuclear,
pois, contrariando o discurso actual, nomeadamente em relação ao Irão,
abrem um espaço de manobra às reivindicações dos países com programas
nucleares emergentes.

No que respeita à China, esta começou por ignorar o acordo. Porém,


quando os Estados Unidos, na reunião do NSG (nuclear suppliers group)
em Outubro passado, propuseram que fossem levantadas as restrições de

60 Publicado em 29 de Janeiro de 2006.

102
fornecimento de tecnologias nucleares à Índia, a China decidiu contra-ata-
car, acusando o acordo indo-americano de quebrar a ordem nuclear mundial.
Pouco tempo depois, a China decidiu que iria vender ao Paquistão oito
reactores nucleares no valor aproximado de 10 mil milhões de euros. Por
seu turno, o Irão reclamou que estão a ser praticados dois pesos e duas
medidas e decidiu reiniciar o seu programa nuclear. A Índia argumenta que,
ao contrário do Irão, não assinou o tratado de não-proliferação. A tensão
nuclear na Ásia está inevitavelmente a subir.

Entretanto, após o acordo firmado no passado mês de Julho, a Índia,


conforme a exigência dos Estados Unidos, apresentou um plano de sepa-
ração entre a componentes civil e militar do seu programa nuclear. A cerca
de um mês da visita do presidente Bush à Índia, cujo principal ponto da
agenda é o dossiê nuclear, ainda não houve uma resposta de Washington.
Os Estados Unidos pretendem demonstrações inequívocas de lealdade por
parte da Índia, e uma delas consiste no alinhamento em relação ao problema
do Irão, a propósito do qual a sua posição tem sido ambígua, uma vez que
é seu fornecedor de petróleo.

Com efeito, a Índia tem vindo a ser algo plurivalente na suas relações
externas, tentando conciliar políticas de sentido contrário. Por exemplo,
neste momento, em parceria com a China, a Índia está a planear comprar
um campo de petróleo na Síria. Washington já manifestou o seu desacordo,
ameaçando a Índia de que, assim, não levará adiante o acordo nuclear.

A verdade é que a Índia, dentro de 15 anos, terá de importar 90% das


suas necessidades de petróleo, se não possuir alternativas energéticas. Hoje,
2 de Fevereiro, na reunião da Agência Internacional de Energia Atómica,
será chamada a votar o caso do Irão.

2.3.9. Os Negócios da China61

O presidente Hu Jintao concluiu no fim-de-semana passado um périplo


de alto significado geopolítico que o levou a cinco países: Estados Unidos,
Arábia Saudita, Marrocos, Nigéria e Quénia. Num momento em que a

61 Publicado em 27 de Abril de 2006.

103
China é tratada como uma ameaça económica, um pouco por todo o mundo
ocidental, Hu Jintao levou a cabo uma bem planeada operação de negócios
centrada na alta tecnologia, no comércio internacional e no petróleo. Do
ponto de vista da cultura chinesa, que racionaliza todas as acções através
da numerologia, incluindo a política externa, o número 5 corresponde à
liberdade de acção, ao equilíbrio e à estabilidade emocional que conferem
a capacidade de motivar os outros de uma forma construtiva.

A viagem foi pois tratada de modo triunfal pela imprensa chinesa,


e nem mesmo os percalços diplomáticos que ocorreram nos Estados
Unidos, como o facto de a visita ter sido desvalorizada enquanto “oficial”,
ao invés de “Estado”, parecem ter beliscado o sucesso de Hu Jintao ou
sequer a sua “face”, como pretenderam muitos fazedores de opinião
americanos. Pelo contrário, o que Hu Jintao mostrou foi a nova face
do pragmatismo chinês quando, antes de se encontrar com Bush, visitou
primeiro as instalações da Microsoft e Bill Gates, tendo-lhe este oferecido
nesse mesmo primeiro dia, em sua casa, um jantar com uma centena
de convidados.

O resultado está à vista: a Microsoft vai investir cerca de 700 milhões


de euros na produção de hardware e software e na criação de um polo de
inovação tecnológica na China. Hu Jintao comprometeu-se a usar toda a
força do Estado para combater a pirataria informática e afirmou muito sim-
plesmente que “o senhor Bill Gates é um amigo da China, por isso sou
amigo da Microsoft”.

Com George Bush, Hu Jintao geriu da melhor forma diplomática a


visita, assegurando a continuação das trocas comerciais, que interessam de
igual modo a ambos os países, e também o fluxo dos capitais chineses
investidos nos Estados Unidos, os quais pesam já no financiamento da
dívida americana.

As etapas seguintes de Hu Jintao corresponderam a uma sucessão


de negócios estratégicos. À Arábia Saudita, principal fornecedor de
petróleo da China, foi apresentado um plano de criação de uma reserva
estratégica numa cidade costeira chinesa do sudeste, e tratou-se de um
investimento com parceiros sauditas de 7 mil milhões de euros numa
refinaria e petroquímica no nordeste. Com Marrocos, foi discutida a

104
criação de empresas mistas e de uma grande plataforma de produção
e exportação de produtos chineses para os países árabes e africanos
francófonos e para a União Europeia. Na Nigéria, Hu Jintao terá garan-
tido, com contrapartidas energéticas, a venda de navios patrulha para
protegerem as instalações petrolíferas da região do delta do rio Níger.
E, no Quénia, foi assinado um acordo de prospecção petrolífera, por
parte da companhia chinesa CNOOC, nas águas costeiras e junto das
fronteiras com o Sudão e a Somália.

2.3.10. A Crise em Timor-Leste62

Timor-Leste está em crise e ninguém parece ser capaz, para já, inclusivé
na esfera dos serviços de informações, de prever a sua duração. Na verdade,
esta não é uma nova, repentina e inesperada crise, mas sim um novo episódio
da mesma, que se arrasta desde os violentos incidentes do Verão de 1999
e da subsequente transição para a Independência.

A propósito, o secretário-geral da ONU já afirmou que a situação é


“triste e trágica” e produziu uma espécie de “mea culpa” institucional ao
afirmar que, relativamente às áreas de conflito, é necessário repensar a
lógica das retiradas a curto prazo das operações de manutenção da paz logo
a seguir à realização de eleições democráticas. Com efeito, os números tra-
duzem a gravidade do episódio: 100 mil deslocados, dos quais 65 mil nos
arredores de Díli, cuja população é de 150 mil. As Nações Unidas estão a
distribuir comida pelos campos de refugiados em rações de cinco dias, mas
afirmam que as condições estão a piorar devido ao excesso de concentração
de pessoas e às fortes chuvas que estão a cair. A emergência manifesta-se
também quanto à necessidade de segurança, alojamento, higiene e cuidados
médicos.

Este cenário faz sem dúvida lembrar o passado recente, e o facto é que
Timor-Leste ainda se encontra amarrado a memórias de conflitos, divisões
e tensões que não foram devidamente sanados. Não obstante o potencial
de riqueza de petróleo e sobretudo de gás natural, com reservas de dimensão
extraordinária, o presente continua hipotecado e o futuro, pelo menos a

62 Publicado em 4 de Junho de 2006.

105
curto e médio prazo, é incerto. Basicamente, adiados, ainda estão na rea-
lidade por resolver os diferendos entre pró-indonésios e independentistas,
entre os políticos da FRETILIN que estiveram no exílio e os guerrilheiros
das FALINTIL que lutaram no interior do território. E, dentro destas, entre
Kaladis e Firacos, isto é, a divisão etnocêntrica antiga entre aqueles que se
consideram a si mesmos corajosos e frontais e os outros que consideram
ser traiçoeiros e dissimulados.

Estas divisões, entretanto, são alimentadas pelo choque entre a persis-


tente pobreza da população e o modo de vida dos estrangeiros e da elite
timorense e dos recorrentes anúncios de grandes rendimentos que virão do
petróleo e gás natural. Como no passado mês de Janeiro, em que foi publi-
camente revelado que, de um único campo de exploração, Timor-Leste
receberá nos próximos 40 anos cerca de 11 mil milhões de euros.

Mas esta crise arrastada, que tem uma dimensão geopolítica, em grande
parte por causa dos recursos naturais, é também a prova de que falhou o
estudo de formação das forças armadas timorenses realizado pelo britânico
King s College. Complexos de alegados neocolonialismos, ou interesses
internacionais, terão porventura desviado essa responsabilidade de Portugal,
onde precisamente se encontra o melhor conhecimento sobre Timor-Leste.
E também a maior afinidade, como se vê pela entusiástica recepção à força
da GNR, desde Baucau a Díli.

2.3.11. A Geopolítica da China63

A projecção internacional crescente da China é um facto e, pensando


no futuro, a avaliação da situação conduz a um cenário da sua afirmação
como superpotência e à inevitável confrontação com os Estados Unidos.
Esta é a perspectiva geral das análises correntes sobre a geopolítica da
China e das correspondentes relações sino-americanas, mas esta perde
alguma expressão quando se tomam em consideração factores como a inter-
depedência destas mesmas relações e a complexidade dos problemas inter-
nos chineses.

63 Publicado em 3 de Dezembro de 2006.

106
Existe um lado visível, mais exposto, das relações sino-americanas
que revela que à medida que estas se vão desenvolvendo também os
Estados Unidos, além de sustentarem Taiwan, vão marcando a sua pre-
sença militar na região asiática, como uma espécie de garantia contra
eventuais problemas futuros. Por seu turno, a China torna-se incómoda
em regiões como a África, a América do Sul ou o Médio Oriente, em
particular no Irão.

No entanto, Washington e Pequim estão cada vez mais presos eco-


nomicamente. Os Estados Unidos estão “viciados” nas importações chi-
nesas e a China está “viciada” nas exportações para os Estados Unidos.
Do mesmo modo, os capitais chineses estão neste momento literalmente
a voar para os Estados Unidos onde encontram um ambiente muito
favorável à sua aplicação. Na verdade, não existe actualmente melhor
fluxo de dinheiro fresco que o chinês para financiar o défice americano.
A tendência é de grande crescimento e, por isso, é improvável que
venha a assistir-se à definição de uma linha de confrontação sino-sovié-
tica neste âmbito, o que se repercutirá favorávelmente noutros domí-
nios.

Por outro lado, a China possui problemas críticos a nível interno,


de natureza demográfica e geográfica, que configuram um potencial
de vulnerabilidades na projecção económica internacional do país. Com
efeito, desde logo a extraordinária dimensão chinesa confere ao território
uma característica algo insular. Está rodeada na sua grande extensão a
leste pelo mar, a nordeste pela Sibéria, praticamente inabitável, a norte
pela Mongólia, com pouco valor estratégico, a sudoeste pelos Himalaias,
que é na prática uma espécie de muro que a separa da Índia, e no
sudeste pela Indochina e no oeste pela Ásia Central, únicas regiões
para as quais existe de facto um potencial de projecção de poder, embora
actualmente improvável.

Face a este contexto, e ao facto de que é hoje um grande país exportador,


o interesse geopolítico prioritário da China encontra-se pois no mar. Mas
acontece que a China não possui uma marinha de guerra eficiente e
moderna, e, muito menos, capaz de desafiar de algum modo a 7ª esquadra
americana que domina o Oceano Pacífico.

107
Assim, nos próximos anos, a elite governante chinesa sentir-se-á inter-
namente pressionada a investir fortemente no desenvolvimento da sua capa-
cidade naval, o que criará tensões sino-americanas, não contrariando porém
a crescente conexão económica entre ambos os países.

2.4. Eurásia

2.4.1. A Situação no Quirguistão64

A “revolução” no Quirguistão que depôs o presidente Akayev decorreu


de um golpe de estado, de uma luta interna pelo poder que se arrastava há
já algum tempo. Os novos líderes são ex-ministros e altos funcionários do
regime, supostamente democrático, instaurado na república quando esta se
tornou independente da ex-União Soviética em 1991. O novo homem-forte,
Kurmanbek Bakiyev, foi primeiro-ministro e obrigado a demitir-se, em
2002, na sequência de uma série de protestos no sul do país contra a prisão
do deputado local ao parlamento nacional, que a polícia reprimiu com dis-
paros contra os manifestantes, matando cinco. Outro protagonista, Felix
Kulov, agora o responsável pelos serviços de segurança interna (SNB/ex-
KGB), rival de Bakiyev, foi vice-presidente de Akayev e, nos últimos anos
do poder soviético, tinha sido ministro-adjunto do interior e também res-
ponsável pela repressão violenta de manifestações que já então ocorriam
no sul do país.

A singularidade, face ao que se passou na Geórgia e na Ucrania, é assim


uma marca do novo poder no Quirguistão, acentuada por dois factos: a
mudança foi de imediato aceite pelos Estados e pela Rússia, não obstante
a colaboração do ex-presidente Akayev com ambas as potências, que man-
têm bases militares no extremo norte do país perto da capital, Bishkek; a
“revolução” começou precisamente na zona problemática do sul, fronteira
à província chinesa de Xinjiang, onde se têm registado várias ocorrências
que configuram uma crescente ameaça terrorista de natureza islâmica.

Com efeito, o Quirguistão tem 5 milhões de habitantes, dos quais 75%


são islâmicos, o território é o dobro de Portugal e coberto maioritariamente

64 Publicado em 27 de Março de 2005.

108
por montanhas que chegam a ultrapassar os 7000 metros de altitude. É neste
ambiente, particularmente no sul do país, onde se situa o vale de Fergana
e se verifica a maior densidade populacional, que a organização islâmica
Hizb ut-Tahrir (Partido da Libertação), criada em 1953 em Jerusalém, tem
vindo a desenvolver uma intensa campanha de propaganda. O Hizb ut-
Tahrir defende a criação de um Califado agregando os países da Ásia
Central e a província chinesa de Xinjiang, mas declara publicamente que
tal objectivo não deve ser alcançado por meios violentos, razão pela qual
os Estados Unidos ainda não o incluíram na lista das organizações terro-
ristas.

Contudo, os governos da Ásia Central, incluindo o Quirguistão, acusam


o Hizb ut-Tahrir de estar por detrás de atentados bombistas e de ligações
aos movimentos separatistas islâmicos na região, por sua vez suspeitos de,
nos últimos três anos, terem vindo a ser financiados pela al-Qaeda, segundo
o modus operandi no sudeste asiático. A sincronia dos discursos é pelo
menos evidente. O Hizb ut-Tahrir distribui intensivamente panfletos nas
mesquitas nos quais critica com veemência o hegemonismo americano, o
capitalismo, os governos da região e defende a expulsão das comunidades
locais de cristão e judeus.

2.4.2. O Escândalo do Petróleo no Cazaquistão65

Está em curso um processo, nos Estados Unidos, sobre negócios


menos claros das maiores companhias petrolíferas americanas, nos anos
90, logo após o desmoronamento da União Soviética, para acederem à
exploração dos recursos do Cazaquistão. O caso está a revelar detalhes
que embaraçam a Casa Branca e a CIA e complicam as relações com
o Cazaquistão, que, em 2015, será um dos 10 maiores produtores de
petróleo. Este país da Ásia Central possui reservas provadas na ordem
dos 40 mil milhões de barris, faz fronteira com a Rússia e a China e
pertence à Organização de Cooperação de Shangai, a aliança político-
militar regional criada há 4 anos, da qual também são membros o
Tajiquistão, o Uzbequistão e o Quirguistão.

65 Publicado em 4 de Setembro de 2005.

109
O pico do escândalo deverá ser atingido no início do próximo ano com
o julgamento do lóbista e fundador do Banco Mercator, Jim Giffen, de 64
anos, acusado de violar o Foreign Corrupt Practices Act que proíbe os
homens de negócios americanos de corromperem empresas e governos
estrangeiros. Em causa estão 84 milhões de dólares, alegadamente prove-
nientes da Amoco, Mobil, Phillips Petroleum e Texaco, com que Jim Giffen
terá subornado o ex-ministro do petróleo, Nurlan Balgimbaev, e o ainda
presidente Nursultan Nazarbayev. Jim Giffen defende-se afirmando que
detém provas de que as suas actividades eram ou apoiadas ou orientadas
pela CIA e pelo Departamento de Estado, que entretanto recusam comentar
o caso.

Jim Giffen formou-se em Direito, em 1965, na Universidade da


Califórnia, e começou desde logo, contrariando o espírito da guerra fria, a
defender a existência de relações comerciais regulares com a União
Soviética. Ainda não tinha concluído 30 anos quando testemunhou perante
o Congresso e escreveu um livro sobre o assunto, com uma introdução do
então Senador Walter Mondale. Detentor de uma personalidade forte e
decidida, Jim Giffen criou nos anos 80 o Banco Mercator e uma associação
de 300 empresas para o comércio com a União Soviética, para onde fez
nesses anos mais de 150 viagens. É então que conhece uma série de líderes
do Partido Comunista, entre os quais Gorbachev e Nazarbayev, o que o
colocou numa posição estratégica na altura do desmoronamento da União
Soviética.

É nessa altura que o interesse americano pelo petróleo do Cazaquistão


se manifesta, e Jim Giffen aparece como o lóbista e intermediário sem o
qual nenhum negócio era possível, tendo passado inclusivamente a deter
um passaporte daquele país e o estatuto de conselheiro especial do presi-
dente Nazarbayev. Acontece que Giffen se terá “injectado” em demasia na
política externa americana, como ocorre frequentemente com este tipo de
lóbistas, inebriados pelo poder e influência que conseguem concentrar, e a
sua queda começou no final dos anos 90. Ademais porque, contrariamente
ao que Giffen prometera, o presidente Nazarbayev não democratizou o seu
regime na medida esperada e poderá vir a fornecer grande parte do seu
petróleo à China.

110
2.5. Europa

2.5.1. A Posição Estratégica da Turquia66

Não é possível determinar com precisão qual o peso do factor Turquia


nas recentes vitórias do Não, na França e na Holanda, ao designado Tratado
Constitucional da União Europeia. No entanto, os debates revelaram, no
conjunto dos outros factores, ter tido influência a percepção relativa aos 70
milhões de habitantes da Turquia e, por consequência, ao número indefinido
de milhões de desempregados que poderiam “invadir” a Europa. O cenário
agrava-se perante a visão de que a Turquia poderia vir também a ser uma
larga porta para a entrada descontrolada de terroristas islâmicos.

O facto é que, independentemente das próximas votações sobre o


Tratado e dos debates, no próximo mês de Outubro começam as negocia-
ções para a entrada da Turquia na União Europeia. E a recente inauguração
do pipeline Baku-Ceyhan (BTC), com capacidade para 1 milhão bpd (barris
por dia), veio reforçar a sua posição estratégica e criar um clima muito
favorável à argumentação em favor da candidatura, que será ainda mais efi-
ciente quando, conforme previsto, começarem os primeiros carregamentos
de super-petroleiros em Novembro ou Dezembro.

Com efeito, localizado na costa mediterrânica turca, Ceyhan irá emergir


nos próximos anos como um dos maiores postos de fornecimento de energia
do mundo, uma vez que o seu débito não se limitará ao BTC. Já aí existe
um terminal do pipeline de Kirkuk (agora inactivo por causa das sabotagens
no norte do Iraque), com capacidade para 1 milhão e meio bpd, e novos
pipelines serão construídos a curto-médio prazo. Um virá também de Baku
para transportar gás natural; dois outros virão de Samsun, na costa turca
do Mar Negro, e re-exportarão petróleo e gás natural da Rússia, contornando
assim o intenso e custoso tráfego dos estreitos de Bósforo e Dardanelos.

Foi pois considerando este contexto que ocorreu a recente visita, em


Maio, do primeiro ministro turco a Israel. Como resultado especialmente
relevante do encontro, ficou acordado que será construído um pipeline sub-
marino de petróleo que ligará Ceyhan a Haifa, passando por Chipre. Na

66 Publicado em 5 de Junho de 2005.

111
esteira deste projecto, de tão forte significado político quanto estratégico,
ficaram também esboçados planos de pipelines paralelos para transportar
água, gás e electricidade, e eventualmente linhas de fibra óptica, para Israel
e também para a Jordânia e a Palestina.

Apesar de o acesso aos recursos energéticos ser uma prioridade de todo


o interesse nacional, e obviamente de Portugal, é muito provável que o
debate àcerca da entrada da Turquia na Europa venha a ser bastante aceso.
Para além da percepção de que uma rejeição poderia ser interpretada como
um “choque de civilizações” entre uma Turquia islâmica e uma Europa
cristã, uma questão central irá ser a seguinte: será que a Europa poderá
prescindir de ter no seu seio um dos maiores postos de fornecimento de
energia do mundo?

2.5.2. O Plano África da Espanha67

A Espanha pôs em marcha uma ofensiva política, cultural e económica


em direcção a África sem precedentes na sua história. Na esteira da política
de imigração e de contra-terrorismo que vem desenvolvendo nos últimos
anos, na maior parte centrada no Norte de África, a Espanha acabou por
elaborar uma estratégia global de projecção para o continente africano. No
passado mês de Maio, o conselho de ministros aprovou esta estratégia, a
qual foi publicamente apresentada sob a designação de “Plan África”, há
alguns dias atrás, pela vice-presidente do governo, Maria Teresa de la Vega.

O documento revela a selecção de um conjunto de 27 países e divide-


os em três categorias: países de interesse prioritário (nos quais se incluem
Angola e Moçambique); países de interesse específico (nos quais se incluem
a Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe), com potencialidades
económicas, pesqueiras e turísticas; e países de acompanhamento especial,
com situações instáveis e inseguras, mas com potencialidades que poderão
ser aproveitadas a médio prazo. Neste contexto, a Espanha reforçará as liga-
ções com a União Africana, com a NEPAD (New Partnership for African
Development) e com a CEDEAO/ECOWAS (Economic Community of
West African States).

67 Publicado em 17 de Agosto de 2006.

112
O Plano África da Espanha, que vigora desde já até 2008, contém tam-
bém sete objectivos gerais: reforço da democracia e respeito dos direitos
humanos; luta contra a pobreza e ajuda ao desenvolvimento; regulação dos
fluxos migratórios e luta contra o tráfico ilegal de pessoas; participação
activa na estratégia da União Europeia para o continente africano; projecção
política e presença institucional na região, nomedamente no âmbito militar
e de segurança; cooperação cultural e projecção da língua espanhola; inves-
timentos e oportunidades de negócio, particularmente no sector dos hidro-
carbonetos.

Na prossecução destes objectivos são particularmente importantes as


seguintes linhas de acção: apoio a processos eleitorais como o da Costa do
Marfim e da República Democrática do Congo e participação em missões
de observação; contribuição activa nos mecanismos de gestão de conflitos;
cooperação na área da segurança e defesa, nomeadamente com Angola e
Moçambique; financiamento de organizações não-governamentais; promo-
ção do “tecido económico, empresarial e produtivo”; apoio orçamental,
sectorial ou directo, no seguimento da experiência já efectuada em
Moçambique; fundo de concessão de microcréditos, nomeadamente em
Angola e Moçambique; fundo de ajuda ao desenvolvimento, de acordo com
as recomendações da OCDE; aumento das contribuições para o Banco
Mundial e para o o Banco Europeu de Investimentos; e perdão de dívidas
seguindo as orientações da Cimeira do G8 em 2005.

Para reforçar a estratégia e a capacidade de influência, serão abertas


novas embaixadas e delegações da agência de cooperação espanhola,
sendo Cabo Verde um dos países contemplados. Por outro lado, será
criada uma “Mesa para África”, espécie de conselho consultivo ligando
a sociedade civil à administração central e autonómica, será promovida
a presença de espanhóis em organizações internacionais ligadas a África,
será aumentado o número de viagens de natureza política e diplomática,
e tudo isto será potenciado com uma maior presença da televisão e da
rádio espanhola em África. Finalmente, em Las Palmas nas Canárias,
será criada a “Casa de África” como entreposto principal das relações
afro-espanholas.

E em Espanha os projectos são dotados de meios. Só no que respeita


à AECI (Agência Espanhola de Cooperação Internacional), esta passou

113
dos 33 milhões de euros em 2003 para os 90 milhões orçamentados
em 2006, e irá ultrapassar os 120 milhões em 2008. A ajuda pública
ao desenvolvimento passou dos 122 milhões em 2003 para os 400
milhões em 2006.

2.5.3. O Exemplo da Cooperação Francesa68

Depois de anos e anos de ajuda pública ao desenvolvimento centrada


nos sectores da saúde e da educação, principalmente no que respeita a
África, está de volta a prioridade dos investimentos nas infraestruturas,
os quais predominaram no tempo colonial. A observação óbvia é a de
que não existe desenvolvimento sem infraestruturas, mas em parte este
novo ambiente é devido aos sucessivos fracassos das políticas de ajus-
tamento estrutural, que o Banco Mundial primeiro incentivou e depois
avaliou sem contemporizações, nos anos 90, e em parte deriva também
do fim da guerra fria e dos financiamentos ideologicamente compro-
metidos mas inviáveis do ponto de vista económico, como se veio a
provar. Precisamente, a ida de Paul Wolfowitz para a presidência do
Banco Mundial confirmou aquela prioridade, como o próprio se encar-
regou de anunciar logo nos primeiros discursos que efectuou após tomar
posse, no Verão de 2005.

Um elemento importante da mudança em curso, que passa pela res-


ponsabilização e desempenho dos países beneficiários, é que o sector
privado, tanto interno como externo, é de facto incentivado a realizar
projectos. Os chamados bancos de fomento ou de desenvolvimento são
pois fundamentais para as empresas e países que pretendem posicio-
nar-se de modo competitivo no campo da cooperação para o desenvol-
vimento. E um caso de referência é sem dúvida o da designada Agência
Francesa de Desenvolvimento (AFD).

A AFD possui 50 delegações em todo o mundo, metade das quais em


África. As suas origens remontam a 1941, quando o General de Gaulle
criou, em Londres, a Caixa Central da França Livre. A sede passou para
Argel em 1943 e, após a 2ª Guerra Mundial, para Paris, como Caixa Central

68 Publicado em 31 de Agosto de 2006.

114
do Ultramar, onde se transformou no principal dispositivo financeiro das
relações económicas entre a metrópole e as colónias. A sua função, como
Caixa Central de Cooperação Económica, continuou mais ou menos idên-
tica depois das independências destas. Na fase dos programas de ajusta-
mento estrutural passa a Caixa Francesa do Desenvolvimento e ganha
espaço de manobra com a criação de uma subsidiária especializada para o
efeito, a PROPARCO. Finalmente, em 1998, no quadro da reforma que
colocou o ministério da cooperação sob a coordenação dos negócios estran-
geiros, é adoptada a designação actual.

A AFD é hoje o “operador pivô” do sistema de cooperação françês


e persegue objectivos estratégicos que articulam solidariedade e negócios:
construção de infraestruturas, criação de emprego, financiamento de
pequenas e médias empresas, microcréditos, sector produtivo e recursos
naturais. Para isso, o departamento de sectores privados e financeiros
integra competências bancárias, financeiras e de análise de risco, e os
donativos diminuiram de forma acentuada nos últimos anos. Em 2001,
os donativos representavam 32% dos compromissos da AFD. Em 2005,
atingiram somente os 19%, ou seja, 269 milhões de euros, 80% dos
quais destinados à África.

A abordagem bancária ultrapassou, portanto, a lógica da parceria com


as ONG anteriormente existente. Para potenciar as suas actividades, por
exemplo, a AFD aplica os fundos da ajuda pública ao desenvolvimento,
que recebe do Estado, nas praças financeiras internacionais, tendo até aqui
conseguido obter uma média de três euros por cada euro do tesouro público
investido, frequentemente sem garantias do próprio Estado.

Com efeito, o “volume de negócios” da AFD disparou nos últimos


anos. Em 2005, o montante total dos financiamentos, juntando emprés-
timos e donativos, ascendeu a 1,67 mil milhões de euros, o que representa
mais de 50% relativamente ao ano anterior. E os países africanos con-
centraram mais de 900 milhões de euros, equivalente a um aumento
superior a 20%.

Mas afinal quando é que nós, portugueses, pomos ordem no nosso sis-
tema de cooperação?

115
2.5.4. A Estratégia Africana da France Telecom69

Luís de Camões, em Os Lusíadas, conta como, chegado ao Malabar,


Vasco da Gama se defendeu do estratagema do Catual para destruir a
armada portuguesa, e enuncia o seguinte princípio: voar com o pensamento
a toda parte // adivinhar perigos e evitá-los // com militar engenho e sutil
arte // entender os inimigos, e enganá-los. Este é ainda hoje um princípio
fundamental das informações estratégicas, militares e não militares, que
orienta o processo nos seus passos gerais: recolha, análise, prospectiva e
acção. O mote, neste domínio, do General Pedro Cardoso, principal fun-
dador do sistema de informações português após o 25 de Abril, era preci-
samente adivinhar perigos e evitá-los, o qual se conserva ainda no SIED,
o nosso serviço de informações externas.

Com efeito, a actividade das informações ou intelligence, consiste, em


último caso, em sabermos o que pensa o outro – indivíduo ou grupo ou orga-
nização ou Estado – de modo a conhecermos as suas acções e prevermos o
seu comportamento. Esta capacidade pode levar alguns anos a ser construída
e, quando se atinge um nível de excelência, nem mesmo assim se adquire um
grau infalível de conhecimento e previsão. Mas, aproximamo-nos desse grau
e com isso, em particular no campo empresarial, adquirimos uma vantagem
estratégica preciosa em qualquer ambiente competitivo.

As organizações eficientes no moderno mundo competitivo têm conti-


nuamente um pensamento estratégico que as orienta, redefinível consonte
as circunstâncias e os objectivos. Em regra, os gestores de primeira linha
são quem conhece melhor esse pensamento e por isso, na perspectiva da
intelligence, o seu perfil, entrevistas e discursos devem ser continuamente
observados e analisados. É esta tarefa que se espera, também no domínio
económico, que seja executada pelos serviços de informações estratégicas
dos Estados ou das empresas, e a defesa contra as ameaças será tanto mais
frágil quanto menor fôr esta capacidade.

Porém, ocasionalmente, e em certa medida, esta tarefa é passível de ser


levada a cabo por analistas isolados e com escassez de meios, utilizando
técnicas OSINT (open source intelligence). Nesta perspectiva, e mesmo
69 Publicado em 21 de Dezembro de 2006.

116
com a dificulde levantada pela quase inexistência de informações, anali-
sando a posição da France Telecom no tabuleiro da OPA da Sonae sobre a
PT, não é à partida crível que aquela grande empresa francesa não possua
um interesse e objectivo estratégico bem definido na operação.

Desde logo, é preciso ver que o PDG da France Telecom, Didier


Lombard, está na empresa desde 1967. É formado em engenharia, com um
doutoramento em economia, e, entre outras funções, desempenhou a de
director-geral das estratégias industriais do ministério da economia. É um
especialista reconhecido em estratégia e, antes de subir para a actual posi-
ção, desempenhava precisamente a de director executivo de Parcerias
Estratégicas da France Telecom. Três meses depois de tomar posse, a France
Telecom emitiria um comunicado em 10 de Junho de 2005 – data que,
penso, ainda nos deve dizer qualquer coisa -, sobre o aprofundamento da
parceria estratégica com a Sonaecom. Tendo em vista o que se passou a
seguir, terá sido por acaso? Não parece...

2.5.5. A Nova Geopolítica da Rússia70

Com Putin no poder, a Rússia caminha vigorosamente no sentido de


recuperar a sua condição de superpotência, perdida com a derrocada da
União Soviética. No horizonte de Moscovo, esta condição não está porém,
para já, associada ao ressurgimento do poder militar que deteve no passado.
Não obstante o arsenal nuclear e convencional que ainda detém, os rendi-
mentos do substancial crescimento económico que vem registando não têm
sido expressivamente aplicados na indústria da defesa. O investimento fica
abaixo de países como a França e o Reino Unido ou mesmo a Índia e o
Japão, embora mantenha um óbvio interesse militar que está à vista na par-
ceria que estabeleceu com a China no quadro do grupo de Shangai.

A Rússia segue pois neste momento outras opções estratégicas priori-


tárias, uma das quais é a energética, sector em que assumidamente pretende
agora ser uma superpotência. É um dos países com maiores recursos ener-
géticos do mundo e o seu crescimento económico de 6-7% ao ano, desde
2000, deve-se em grande parte à subida abrupta dos preços de petróleo e

70 Publicado em 21 de Janeiro de 2007.

117
à correspondente instabilidade no Médio Oriente e preocupação interna-
cional com a segurança energética.

Esta situação proporcionou às companhias de petróleo russas capitais pró-


prios para melhorar a produção, que subiu dos cerca de 6 milhões de barris por
dia (bpd) em 2000 para 9,5 milhões em 2005, output que poderá ainda atingir
os 11 milhões nos próximos anos. O petróleo e o gás são assim responsáveis
pela fortaleza económica russa e estão a ser crescentemente utilizados como
instrumentos de poder internacional, começando desde logo pelos países limí-
trofes dependentes em recursos energéticos, como mostram os casos da
Ucrânia e da Bielorrússia. Todavia, este comportamento não esgota o actual
pensamento estratégico russo em termos de projecção de poder.

A Rússia pensa hoje prioritáriamente na sua tradicional área de influên-


cia, mais ou menos delimitada pela Comunidade de Estados Independentes,
que está em vias de reconstruir. A economia russa, por si só, é já um factor de
promoção de negócios na eurásia, de criação de novos empregos, de alarga-
mento do mercado e do aumento de consumidores, e é também um polo de
atração para milhões de imigrantes da região em busca de trabalho.

A nova geopolítica da Rússia é, para já, regional, e existe a percepção


no Kremlin de que o actual vigor económico, sustentado pelos recursos
energéticos, deve ser aproveitado enquanto “softpower” – teoria de projec-
ção de poder cultural desenvolvida, ironicamente, nos Estados Unidos –
para consolidar a sua influência, tendo o russo como língua franca. É outra
opção estratégica prioritária, uma vez que, nesta conjuntura económica,
está a emergir uma ampla diversidade de novos produtos russos como parte
de uma cultura popular difundida através da televisão por satélite. São fil-
mes, novelas e várias manifestações artísticas e de entretenimento, como a
nova música moderna russa.

2.5.6. A Nova Política de Cooperação Europeia71

A União Europeia está em vias de implementar uma nova política de


cooperação para o desenvolvimento, partindo do princípio que existe uma

71 Publicado em 1 de Março de 2007.

118
dispersão de energias e financiamentos por parte dos doadores que está
longe de optimizar os projectos e benefícios para os receptores. As origens
do “movimento” remontam a meados dos anos 90, mas só mais recente-
mente, desde 2004, e ao longo de sete presidências, é que o processo tem
vindo a ganhar consistência. Entre os principais documentos de orientação
contam-se a Declaração de Paris, de 2005, e o European Commission Aid
Effectiveness Action Plan, de 2006.

Os conceitos-chave fundamentais são a complementariedade e a divisão


do trabalho (sic) entre os doadores, o que está já neste momento a suscitar
o debate em tôrno da elaboração de um código de conduta. Conforme pre-
visto no plano de acção da Comissão Europeia, atrás referido, caberá às
presidências portuguesa e eslovena a implementação e monitorização dos
princípios operacionais detalhados da divisão do trabalho.

Também aqui se fala na aplicação de boas práticas no sector, enqua-


dradas todavia numa visão voluntarista de “true division of labour” na per-
seguição dos Objectivos do Milénio. A Comissão pretende no entanto reser-
var para si o direito de desempenhar um papel activo na promoção da
complementariedade e da divisão do trabalho, quando entender que existe
falta de iniciativa e liderança por parte dos países.

Mas, todo este processo está ele mesmo longe de ser claro e afigura-
se complexo, sendo pertinente a dúvida de se saber se a Comissão Europeia
não estará numa linha de exorbitação das suas competências, ao querer
interferir, não obstante o argumento da economia e da eficácia, numa
dimensão tão particular, para alguns fortemente histórica, da política externa
de cada um dos países membros. Ao que parece, esta linha de raciocínio
geométrico tenderá a delimitar-lhes áreas de actuação, quer geográficas
quer sectoriais.

A complexidade está desde logo patente nas cinco dimensões apresen-


tadas para o conceito de complementariedade: in-country, cross-country,
cross-sector, vertical e cross modality. Na cabe agora aqui detalhar cada
uma destas dimensões, bastando porventura referir que nos encontramos
num plano em que ao mesmo tempo que se trata da aplicação da política,
estamos, conforme é referido pelos eurocratas desenvolvimentistas, em
pleno debate sobre a arquitectura da ajuda internacional.

119
Note-se, entretanto, que a premissa de tudo isto é, de algum modo, a
de que os países receptores de ajuda não estão a desenvolver-se tanto quanto
seria esperado e desejável. E por isso, parece, o problema está a ser prin-
cipalmente situado, pelos eurocratas desenvolvimentistas, a montante e não
a jusante. Porém, este é um velho problema dos estudos do desenvolvi-
mento, nomeadamente no que respeita a África (que é o continente que nos
interessa mais a nós, portugueses, nesta matéria) tradicionalmente influen-
ciados pelas correntes de pensamento filiadas no marxismo, que vêm o
processo numa perspectiva “top-down”. A verdade é que os problemas do
desenvolvimento devem ser abordados numa perspectiva “bottom-up”, de
modo a ultrapassar as resistências dos condicionalismos sócio-culturais às
acções político-económicas. Se assim não fôr, em vez de se ganhar tempo,
perde-se, e com isto também dinheiro.

Esta nova política de cooperação europeia representa também uma


ameaça para um pequemo país como Portugal, com uma tão grande área
geográfica de cooperação lusófona. Um pouco, talvez, como na Conferência
de Berlim, no século XIX, em que bradámos sem êxito o conceito de ocu-
pação histórica contra o de ocupação efectiva. É que a nossa cooperação é
de facto descoordenada e insuficiente, com excepção da militar. Mas, infe-
lizmente, também esta está, agora, em risco de ser incompetentemente
diplomatizada.

2.5.7. Interesses Permanentes72

“A Inglaterra não tem amigos permanentes ou inimigos permanentes,


só interesses permanentes”, é a célebre frase do primeiro ministro Benjamin
Disraeli, no século XIX, que ficou para a posteridade como o princípio do
realismo britânico nas relações internacionais, seguido em certa medida,
nem sempre com a mesma habilidade, pelos Estados Unidos. A recente
visita de Tony Blair a Muammar Kadafi, que marca a sua despedida política,
foi o último exemplo da aplicação desse princípio, reflectido no acordo que
a BP fez nesse momento, no valor de 900 milhões de dólares, para explorar
gás natural na Líbia. Fica assim para trás o caso Lockerbie – o voo 007 da
Pan Am que, armadilhado, explodiu nos céus da Escócia – e Kadafi, que

72 Publicado em 14 de Junho de 2007.

120
já pagou 2,7 mil milhões de dólares de indemnização às famílias das vítimas
e declarou renunciar ao terrorismo, fica livre do isolamento e está de volta
aos grandes negócios internacionais.

Circularam notícias na imprensa britânica, nestes últimos dias, de que


Blair terá assinado, como contrapartida, um memorando de entendimento
que poderá levar à futura repatriação do bombista, em prisão perpétua,
Abdelbaset Ali Mohmed al Megrahi, e os familiares das vítimas protesta-
ram. Mas os interesses permanentes sobrepôem-se a tudo o resto numa
altura em que a geografia dos conflitos é ditada, em grande parte, pela geo-
política da energia na qual se encontram activamente envolvidas as princi-
pais potências mundiais.

Com efeito, este avanço britânico responde à posição da Rússia neste


campo e às suas mais recentes manobras. Por um lado, fruto da sua prio-
ridade geopolítica regional, a Rússia estabeleceu um acordo com o
Cazaquistão, no mês passado, que consolida o seu monopólio na distribui-
ção de gás natural desta república da Ásia Central, ferindo os planos euro-
peus de construção de um pipeline alternativo ao território russo. Moscovo
manterá por isso os estimados 150% de lucro no gás que compra ao
Cazaquistão para distribuir na Europa e, consequentemente, manter-se-á
também em vários países a percepção de insegurança energética e incerteza
dos preços. Por outro lado, Sergei Ivanov, o potencial próximo presidente
da Rússia, afirmou há poucos dias que a BP está em risco de perder a
licença de exploração, que detém em joint-venture com a TNK, das reservas
de gás de Kovykta, na Sibéria, avaliadas em 2 mil milhões de dólares, por
alegado incumprimento de contrato.

A ainda inexplorada Líbia vem assim compensar a situação uma vez


que possui, para já, reservas provadas de petróleo de 40 mil milhões de
barris e reservas de gás de cerca de 1 trilião e meio de metros cúbicos,
equivalentes às da Argélia e às do Qatar. Afinal, recorde-se a história, trata-
se de um ressurgimento da influência britânica na área, meio século depois
de o petróleo ter sido aí descoberto precisamente pela BP. Recorde-se ainda
que, nos anos 60, o jovem oficial beduíno Muammar Kadafi estudou em
Inglaterra, na escola de informações e criptologia do exército, e que após
o golpe militar que liderou em Setembro de 1969, com apenas 27 anos, o
novo regime foi imediatamente reconhecido por Londres e Washington.

121
Os Estados Unidos não poderiam pois ficar fora deste “new arrange-
ment”. Portanto, o fundo americano de investimentos Colony Capital aca-
bou de comprar 65% da Oilinvest/Tamoil, a petrolífera nacional líbia, por
5,5 mil milhões de dólares. A Tamoil tem cerca de 3 mil postos de abaste-
cimento na Europa, principalmente na Itália, e refinarias na Espanha, Suiça
e Alemanha. E em África tem um contrato, desde Janeiro passado, no valor
de 100 milhões de dólares, para construir um pipeline de 320 km entre o
Quénia e o Uganda que vai aumentar e estabilizar o fornecimento de com-
bustível na região.

Qual é a relação possível ou provável deste “new arrangement” com


os interesses portugueses? – é a questão que imediatamente se coloca na
perspectiva das informações estratégicas.

2.5.8. A Espanha em África73

Ao contrário dos portugueses, os espanhóis são determinados e rápidos


na passagem dos projectos à prática. A Espanha apresentou no ano passado
um “Plano África”, que vem executando até ao momento de forma siste-
mática. O plano visa não só travar a imigração ilegal que chega através do
Magrebe, mas sobretudo projectar a Espanha para o continente africano,
pela primeira vez na sua história, em concorrência com os ex-países colo-
niais e a China, Rússia e Estados Unidos.

Esta fórmula deriva, porém, embora adaptada à realidade africana, de


outros Planos entretanto conduzidos noutros continentes e que constituíram
uma marca do governo de Aznar na política externa espanhola, exprimindo
um conceito estratégico nacional de amplo consenso a que Zapatero tem
dado continuidade. Foi o caso do “Plano Ásia-Pacífico” e do “Plano Europa
do Leste”, criados em 2000 e 2001, para diversificarem mercados e diluirem
os riscos da excessiva concentração do investimento externo na América
Latina e na União Europeia, respectivamente de 37% e 47%. Para se vis-
lumbrar o espírito do “modus operandi”, note-se, por exemplo, que ao
mesmo tempo foi criado o “Real Instituto Elcano de Estudios
Internacionales y Estratégicos” como parte da “Fundação Elcano”, sob a

73 Publicado em 23 de Agosto de 2007.

122
tutela financeira do Estado e de um conjunto de empresas (como a Indra,
Renfe, Telefónica, Cepsa, Repsol, Seat, Santander, BBVA e Prisa), tendo
como presidente de honra o Príncipe das Astúrias.

O “Plano África” deve pois ser compreendido neste contexto, e,


para nós, portugueses, em termos estratégicos, é uma ameaça o facto
de nos encontrarmos perante a possiblidade de vermos diminuído, mais
uma vez, o nosso espaço de influência nos países africanos lusófonos,
como já aconteceu com a expansão de ingleses, franceses, americanos,
russos e chineses. O nível desta ameaça é particularmente elevado, por
três razões principais: primeiro, a Espanha define expressamente os
PALOP como países prioritários para a sua projecção, em especial
Angola e Moçambique, sendo factor de proximidade privilegiada a ana-
logia linguística e cultural; segundo, possui capacidade financeira; ter-
ceiro, e não menos relevante, existe a possibilidade de a Espanha, por
força da língua e dos negócios, se ligar aos Estados Unidos em trian-
gulação com a África.

Um indicador desde já assinalável da dinâmica é a duplicação de


representações da Agência Espanhola de Cooperação Internacional,
desde 2004 até agora, atingindo as dezoito. Outro indicador foi a inau-
guração, com a presença dos reis, no passado mês de Junho em Las
Palmas, nas Ilhas Canárias, da designada “Casa África” que constitui
a ponta de lança da estratégia espanhola, assente numa nítida concepção
geopolítica de projecção de poder, enquadrada num discurso de coo-
peração e solidariedade. É sintomático que a Casa África tenha firmado
o seu primeiro convénio com a Câmara de Comércio de Las Palmas e
também que o conceito operacional já posto em marcha seja o de “Gran
Vencidad” (grande vizinhança), o qual visa, com o apoio da Comissão
Europeia, a integração regional económica e cultural das Canárias com
os países mais próximos, tendo já Cabo Verde manifestado interesse
em receber os fundos disponíveis para o efeito.

O multilateralismo não é todavia no Plano África uma prioridade da


Espanha na distribuição de fundos. Como explicou recentemente Ricardo
Martinez, director-geral da Agência Espanhola de Cooperação
Internacional, no curso de verão da Universidade Complutense, isso acon-
teceu até 2006 com a afectação de mais de 500 milhões de euros para os

123
Objectivos do Milénio, mas agora passou a optar-se pelo bilateralismo com
projectos e parceiros concretos.

É uma estratégia contrária à da formulação do bi-multilateralismo do


discurso oficial português da cooperação: uma semântica descapitalizada
e pouco prática que ajuda a abrir espaço fácil à concorrência, nomeada-
mente em Angola.

2.6. Médio Oriente

2.6.1. O Próximo Alvo Será o Irão?74

Ao longo deste ano têm vindo a aparecer periodicamente notícias incri-


minatórias do Irão – um dos países do “eixo do mal” apontado pelo
Presidente Bush após o 11 de Setembro – o qual, por seu turno, vê os
Estados Unidos como o “Grande Satã”. Dessas notícias destacam-se as
seguintes: em Janeiro, um misterioso espião dissidente, Hamid Reza Zakeri,
sob protecção dos serviços alemães, explicou num julgamento em
Hamburgo como os serviços iranianos mantinham secretamente relações
estreitas com a Al-Qaeda; em Agosto, o Hezbollah viu o seu orçamento
duplicado, com fundos iranianos, sob a condição de retaliar contra Israel
no caso de serem atacadas as instalações nucleares do Irão; e muito recen-
temente, em Novembro, Colin Powel anunciou que tinha em seu poder
informações credíveis sobre as intenções bélicas do programa nuclear ira-
niano.

Mas as alegações americanas estão a deparar com alguma resistência


por parte da opinião pública e de governos aliados por causa da anterior
falha a respeito do Iraque e também porque são conhecidas as fortes difi-
culdades operacionais dos serviços secretos ocidentais no Irão, nomeada-
mente de recrutamento de fontes, agentes e toupeiras. Com efeito, os ser-
viços secretos iranianos (VEVAK/MOIS) são tradicionalmente muitos
agressivos, estando referenciados vários casos recentes de assassinatos de
opositores e dissidentes tanto no interior do país como no estrangeiro.
Foram criados em 1979 e reorganizados com o estatuto de ministério em

74 Publicado em 28 de Novembro de 2004.

124
1984, sobre a estrutura herdada e parcialmente purgada do Shá Reza Palevi,
a qual por sua vez tinha sido montada pela CIA e pela MOSSAD.

Ali Younesi, o ministro da informações e segurança, um clérigo de 49


anos da linha mais dura e ortodoxa, com um mestrado em ciência política
na área da segurança nacional, tem visto assim o seu poder reforçado nestes
últimos meses. No dia 5 de Outubro, no 20º aniversário da criação do
ministério, revelou que estava em curso uma substancial ampliação do
número de delegações nas aldeias e vilas e também o “recrutamento de
milhares de novos agentes e informadores”. Neste momento o
VEVAK/MOIS está pois particularmente activo no sentido de contrariar
qualquer acção externa de recolha de informações, sobretudo no que res-
peita ao programa nuclear.

Neste contexto, sob o ponto de vista das informações estratégicas, a


tendência da análise da situação é de unanimidade num ponto: o cenário
da intervenção americana no Irão viu o seu grau de probabilidade consi-
deravelmente aumentado após as eleições presidenciais do dia 2 de
Novembro. Para todos os efeitos, no dia 23 de Novembro, a CIA colocou
no seu “site” um anexo de um relatório sobre “Aquisição de Tecnologia
relativa a Armas de Destruição em Massa” (enviado ao Congresso em
Dezembro de 2003), no qual se afirma que “o Irão continua vigorosamente
a desenvolver programas de armas nucleares, químicas e biológicas”.

2.6.2. O Cenário Pós-Eleitoral no Iraque75

É muito pouco provável que, independentemente dos resultados, as


eleições no Iraque venham a alterar a situação de descontrolo da ordem
pública a curto-médio prazo. Não existem, até ao momento, quaisquer
dados credíveis que apontem para um decréscimo da violência levada a
cabo pela resistência contra a ocupação das forças da coligação liderada
pela aliança anglo-americana. Não obstante as razões políticas e mediáticas
da realização das eleições, mais ou menos optimistas, nomeadamente a da
legitimidade democrática do futuro governo, o cenário pós-eleitoral apre-
senta-se negativo do ponto de vista das informações.

75 Publicado em 30 de Janeiro de 2005.

125
Desde logo, os serviços de informações, tanto das forças da coligação
como dos iraquianos, não possuem percepções coincidentes sobre a
situação. A mais notória, trazida recentemente a público, diz respeito
à caracterização da resistência, nomeadamente ao número dos revoltosos.
Enquanto os dados oficiais americanos apontam 5 a 10 mil combatentes,
o general al-Shahwani, chefe do serviço de informações iraquiano,
afirma existirem 40 mil a tempo inteiro mais 160 mil a tempo parcial,
quer no combate activo quer no apoio e na logística. Por outro lado,
enquanto a CIA retrata o Iraque como um campo de treino para terroristas
oriundos de vários países árabes, como consta de um relatório que divul-
gou também recentemente, as informações recolhidas no terreno pelas
várias unidades militares contradizem essa visão, como demonstra o
facto de que os suspeitos detidos (2500 só no mês de Janeiro) são maio-
ritariamente iraquianos.

A resistência contra as forças da coligação encontra-se dividida entre


os terroristas e os revoltosos. Os primeiros sobretudo estão ligados à
al-Qaeda, sob a orientação de al-Zarqawi, e, embora não exista qualquer
quantificação precisa dos seus elementos, neste momento a estimativa
é de que serão na ordem dos mil a mil e duzentos. Os segundos, os
designados “insurgents”, constituem por isso a grande massa dos com-
batentes e encontram-se distribuídos por mais de 10 grupos. Destes, os
maiores e mais activos são os que derivam do antigo partido B ath de
Saddam Hussein, que entretanto se desmembrou em três facções lide-
radas, respectivamente, pelo ex-vice presidente Izzat al-Duri, pelo ex-
comandante regional Yunis al-Ahmad e por Sab awi al-Hassan, meio-
irmão de Saddam.

O partido B ath tinha 2 milhões de membros, o que o leva a conservar


ainda uma grande clientela de perseguidos pelo novo regime, nomeada-
mente na sequência da desestruturação das forças militares e de segurança
de Saddam. Esta clientela, qualificada no manejo de armas e entretanto
reciclada para operações de guerrilha, irá continuar a ser mantida pelos
fundos secretos, entretanto repartidos entre os grupos, que o partido B ath
acumulou desde 1970 através da chamada “Gulbenkian share”, isto é, 5%
das receitas petrolíferas do Iraque.

126
2.6.3. O Novo Embaixador Saudita em Washington76

A nomeação de um embaixador da Arábia Saudita nos Estados Unidos


é um facto de significativa importância para as relações internacionais por
virtude do papel que ambos os países desempenham na evolução de ques-
tões cruciais como a produção e preço do petróleo, a situação no médio
oriente ou a luta contra o terrorismo islâmico. O antigo embaixador, o prín-
cipe Bandar bin Sultan, de 56 anos, filho do ministro da defesa, pediu a
demissão pouco tempo antes da recente morte do Rei Fahd, invocando
razões de natureza pessoal, após ter permanecido no posto durante 22 anos.

O novo embaixador é o seu cunhado, príncipe Turki bin Faisal, de 60


anos, filho do Rei Faisal que protagonizou a crise do petróleo em 1973 e
foi assassinado em 1975 por um sobrinho. O príncipe Turki bin Faisal era,
desde Janeiro de 2003, o embaixador em Londres, depois de ter chefiado
durante 24 anos o GID (General Intelligence Directorate), o serviço de
informações externas. É pois uma das figuras mais bem informadas e
influentes da Arábia Saudita, e é visto como um modernista em busca de
um equilíbrio entre os modos de vida ocidental e islâmico.

Turki bin Faisal foi estudar para os Estados Unidos com 14 anos de
idade, concluíu o ensino secundário em New Jersey e entrou para a
Universidade de Georgetown em 1964, sendo contemporâneo do ex-presi-
dente Clynton. Fez uma pós-graduação na Universidade de Cambridge e
voltou para a Arábia Saudita, onde, com 28 anos, foi nomeado conselheiro
da corte real, e depois, com 32 anos, em 1977, chefe do GID. É nessa altura
que passa a fazer parte do secreto e selecto Safari Club, lançado pelo
famoso chefe dos serviços secretos franceses, Conde de Marenches, que
tinha como membros a França, Arábia Saudita, Marrocos, Egipto e Irão,
com o objectivo de coordenarem operações contra a expansão internacional
do comunismo, numa altura em que a CIA se encontrava enfraquecida pelo
encândalo Watergate.

Foi nesse contexto que Turki bin Faisal deu início aos contactos com
Ossama bin Laden para o apoiar na resistência à invasão soviética “infiel”
do Afeganistão. Para o mesmo fim, o ISI, o serviço secreto do Paquistão,

76 Publicado em 28 de Agosto de 2005.

127
passou a contar com 600 milhões de dólares por ano fornecidos pelo GID,
nos anos 80, em concertação com os Estados Unidos, para treinar e equipar
milhares de mujahidin. Turki bin Faisal acabaria nos anos 90 por tentar,
sem sucesso, que bin Laden lhe fosse entregue pelos taliban, após terem
começado os atentados contra alvos americanos. Demitiu-se das funções
duas semanas antes do 11 de Setembro, o que levantou suspeitas – sabe-
se agora que infundadas – sobre o seu conhecimento dos atentados.

Culto, citando por vezes Shakespeare, inteligente, perspicaz, calmo e


de trato cordial, Turki bin Faisal é tido como um diplomata habilidoso e é
muito bem-vindo nos Estados Unidos neste momento. Para além do caso
palestiniano e do terrorismo, é provável que venha a desempenhar um papel
discreto na gestão da crise do Irão.

2.6.4. O Imponderável Futuro do Iraque77

Quatro anos após o 11 de Setembro, a designada luta global contra o


terror, liderada pelos Estados Unidos, não consegue produzir resultados
positivos no sentido da retracção do radicalismo islâmico. Pelo contrário,
os atentados mortíferos aumentaram em todo o mundo e, frustrando as
expectativas criadas na opinião pública, nomeadamente na americana, o
Iraque tornou-se um campo de treino para candidatos a terrorista, vindos
de todas as partes do globo, regressando depois muitos deles aos seus
países de origem.

No início do corrente ano, o National Intelligence Council, o “think


tank” da intelligence community americana, reconheceu que a invasão do
Iraque estava a estimular o terrorismo transnacional islâmico. No relatório
de 119 páginas intitulado Mapping the Global Future, destinado a apreender
as tendências da evolução da conjuntura a longo prazo, e que contou com
a colaboração de cerca de mil analistas americanos e estrangeiros, foi tam-
bém reconhecido que a resistência no Iraque assentava em parte em alianças
tácticas entre os antigos membros do partido Baath de Saddam Hussein e
os terroristas, que ali encontraram um “santuário” no caos da guerra.
Passado este tempo, a situação é de tal modo grave que o embaixador ame-

77 Publicado em 9 de Outubro de 2005.

128
ricano John Negroponte, director da intelligence community, confessou há
poucos dias que os serviços de informações, relativamente ao Iraque,
“ainda estão a tentar compreender a natureza da resistência”.

Na perspectiva dos terroristas, o cenário é optimista. Por um lado,


detêm a iniciativa e a surpresa no Dar al-Harb, isto é, no teatro de guerra
mundial. Por outro lado, estão a vencer a guerra da propaganda no mundo
islâmico. De facto, só a estrutura mediática de al-Zarqawi, tendo apenas
por fonte a guerra no Iraque, é suficiente para contrariar eficazmente a
designada “diplomacia pública” americana e dos aliados, principalmente
através da difusão na internet e nas televisões islâmicas. A al-Qaeda produz
reportagens diárias de combates, vídeos em tempo real ou quase de ataques
a alvos da coligação, entrevistas com o próprio al-Zarqawi e outros líderes
e um fluxo de notícias, 24 horas por dia durante todos os dias da semana,
dirigidas às redes de televisão por satélite. A opinião pública e sobretudo
a juventude, donde provêm os candidatos a terrorista, são assim estratégi-
camente animadas em torno da causa.

A verdade é que, não obstante os esforços e a cooperação cada vez


mais estreita entre os serviços de informações em todos os continentes, a
situação está longe de estar sob controlo. O Iraque é uma dor de cabeça
que veio para ficar e está a custar por mês, aos Estados Unidos, 7 mil
milhões de dólares, e nenhum analista, neste momento, vislumbra uma
solução para o problema a curto ou médio prazo. A única previsão provável
é a de que para os Estados Unidos, em 2010, para além das baixas humanas,
o total de custos da ocupação do Iraque poderá atinjir os 600 mil milhões
de dólares.

2.6.5. O Irão Vai Ser Atacado?78

De há alguns dias para cá, os principais meios de comunicação social


alemães têm publicado notícias sobre uma próxima intervenção militar dos
Estados Unidos contra instalações nucleares suspeitas no Irão, complemen-
tado aliás outras que circularam recentemente de proveniência americana
e turca. A origem dessas notícias é atribuída a fontes dos serviços de infor-

78 Publicado em 1 de Janeiro de 2006.

129
mações ocidentais e também da NATO. O prestigiado Der Spiegel, por
exemplo, relata que Washington enviou recentemente altos funcionários
dos serviços em missões confidenciais à Europa para informarem e prepa-
rarem os aliados para esse ataque efectivo. Ao mesmo tempo, terão sido
também informados em termos gerais os governos da Arábia Saudita,
Jordânia, Oman e Paquistão.

De facto, os Estados Unidos têm vindo a repetir esta ameaça desde há


um ano e, ultimamente, as declarações belicistas e anti-semitas do presi-
dente iraniano parecem ter exacerbado a determinação da administração
Bush no sentido de que a intervenção é não só inevitável mas também
urgente. Os principais responsáveis dos serviços secretos israelitas, por seu
turno, afirmam publicamente que a diplomacia internacional não conseguirá
anular em 2006 o programa nuclear do Irão e que este está próximo de
adquirir capacidade militar neste campo.

Mas este cenário de intervenção “cirúrgica” no Irão ganha consistência


e probabilidade no facto de, no mês passado, terem ocorrido visitas à
Turquia, num curto espaço de tempo, de três figuras de primeiro plano: da
secretária de estado Condollezza Rice, de Robert Mueller, director do FBI,
e de Porter Goss, director da CIA.

Este último terá sido bastante directo na reunião que manteve com o
primeiro-ministro Tayyip Erdogan, solicitando-lhe que fornecesse apoio
político e logístico para os eventuais ataques aéreos e a correspondente coo-
peração especial dos serviços de informações turcos na preparação e moni-
torização da operação. Porter Goss teve também neste contexto uma reunião
de quatro horas e meia no MIT, o serviço congénere da CIA, com os mais
altos responsáveis das informações turcos, em tôrno de três dossiês que
levou sobre o Irão e cujo conteúdo específico permanece confidencial.

Por sua vez, os turcos apresentaram três condições para apoiarem a ini-
ciativa americana: primeiro, deve acabar a tolerância relativamente aos
movimentos curdos que actuam no interior da Turquia, em particular o
PKK; segundo, a Bélgica deve ser pressionada a extraditar Fehriye Erdal,
membro do DHKP-C, um partido radical interdito na Turquia, suspeito de
ter levado a cabo três assassinatos em 1996; terceiro, devem ser anuladas
as emissões, a partir da Europa, da televisão curda Roj TV.

130
Para avaliar a situação, será útil saber se estas condições serão preen-
chidas. Contudo, é imprescindível recortar as fugas para a imprensa destes
tipo de pormenores da cooperação entre serviços secretos. Para todos os
efeitos, o ultimato está lançado.

2.6.6. Os Números da Guerra no Iraque79

A situação no Iraque continua longe de estar sob controlo. A três anos


do início do conflito, e à medida que o tempo passa, os factos e os números
vão acumulando-se sem deixarem grande margem de manobra para análises
especulativas ou politicamente comprometidas. Os custos da guerra para
os Estados Unidos, por exemplo, atingem já níveis absolutamente extraor-
dinários, estimando-se que em 2010 ultrapassem largamente o trilião de
dólares, quantia suficiente para cobrir a segurança social americana nos
próximos 75 anos.

Os últimos números disponíveis referem-se à situação no terreno e deri-


vam do sistema de informações da chamada força multinacional relativa-
mente ao ano de 2005. No total, a resistência levou a cabo 34.131 ataques
e sabotagens contra forças da coligação, forças iraquianas e civis, o que
corresponde a um aumento de 30% em relação a 2004. É porém de assinalar
que se registou um menor número de vítimas mortais americanas (673 em
2005 contra 714 em 2004) porque o número de tropas iraquianas no terreno
aumentou e também porque não ocorreu mais nenhuma grande batalha
urbana como a de Fallujah. Por outro lado, a resistência passou a seleccionar
os alvos mais vulneráveis e com maior impacto político, principalmente a
partir do momento em que os Estados Unidos começaram a falar aberta-
mente no cenário da retirada das suas forças do Iraque.

Até ao momento, a resistência continua pois a não demonstrar capaci-


dade de atacar alvos importantes, inclusivé unidades de combate iraquianas,
mas a estratégia parece ser consistente no sentido de subverter o processo
político iraquiano e provocar a guerra civil por razões de natureza étnica e
religiosa, envolvendo particularmente sunitas contra shiitas a sul e curdos
a norte. Desta estratégia, fazem parte extorsões, raptos e assassinatos “per-

79 Publicado em 5 de Fevereiro de 2006.

131
sonalizados”, em grande medida contra militares e funcionários públicos
iraquianos e respectivas famílias, estimando-se em cerca de 3000 o número
de vítimas mortais em 2005.

O maior crescimento de ocorrências registou-se nos atentados bombis-


tas, quer suicidas quer com os designados IED (improved explosive devi-
ces). Os primeiros aumentaram 50% em relação a 2004 (de 420 para 873
em 2005) e os segundos acompanharam a tendência, passando de 5607 para
10953. Os IED são sobretudo utilizados nas vias rodoviárias, e, para além
de serem responsáveis por 62% da contabilidade de mortes em combate e
72% de feridos, têm um impacto estratégico determinante na movimentação
de tropas e equipamento e condicionam as actividades da ajuda económica
e social.

No que respeita às sabotagens das instalações petrolíferas, a produção


caiu dos quase três milhões de bpd (barris por dia) antes da guerra para
um milhão e meio em Dezembro de 2005, e o fluxo do pipeline para o
porto de Ceyan, na Turquia, caiu dos 800 mil bpd para os 40 mil. O prejuízo
é de cerca de 10 mil milhões de euros, num país que depende directamente
em mais de 90% das receitas do petróleo.

2.6.7. O Convite da Rússia ao Hamas80

O convite do presidente Putin aos dirigentes do Hamas para visitarem


a Rússia apanhou de surpresa a comunidade internacional e os principais
actores do processo de paz no Médio Oriente. Do ponto de vista das relações
internacionais, a questão neste momento aparenta ser a seguinte: Os russos
querem ajudar o Hamas a adquirir legitimidade no concerto das nações,
contribuindo assim positivamente para o andamento do processo, ou pre-
tendem explorar uma oportunidade única para fortalecerem o seu papel e
influência na região?

A percepção dos americanos e dos israelitas é semelhante, na medida


em que consideram que a Rússia está efectivamente a redefinir a sua
posição geopolítica no Médio Oriente e de que o simple facto de o convite

80 Publicado em 19 de Fevereiro de 2006.

132
ter sido feito, e de a visita se concretizar, é por si só mais importante do
que possa vir a ser dito durante a reunião. No entanto, americanos e israe-
litas diferem quanto às visões de pormenor.

Para os primeiros, esta jogada tem a ver inteiramente com a relação


Rússia-Estados Unidos e reflecte a mensagem de que mudaram as regras
estabelecidas no tempo de Mikhail Gorbachev, como já é visível nas suas
relações com a Síria ou o Irão: Washington deixou de ser o professor e
Moscovo já não é o aluno. Nada do que a Rússia possa ganhar em termos
económicos com os Estados Unidos compensa as perdas geopolíticas da
Ucrânia ou dos países da Ásia Central.

Para os israelitas, a Rússia quer simplesmente recuperar a influência


que detinha no mundo árabe nos tempos da guerra fria. A percepção é a
de que o presidente Putin é um líder muito inteligente e, sendo um antigo
coronel do KGB, tem uma abordagem disciplinada e organizada da política
que não o levaria a apoiar o Hamas de ânimo leve ou no calor do momento.
A ameaça, para já perceptível, é a de conselheiros russos a instalarem-se
nos territórios palestinianos e de os serviços de informações montarem a
partir daí uma grande operação no Médio Oriente.

Na verdade, o KGB tinha relações estreitas com os movimentos terro-


ristas árabes desde os anos 70. E depois de alguns anos de interrupção a
seguir à implosão soviética, o seu sucessor, o SVR, tem vindo a retomá-
las desde meados dos anos 90. Mas, pelo menos até ao momento, essas
relações têm-se mantido no plano dos contactos, fontes e possivelmente
trocas de informações, tendo em vista as actividades dos extremistas islâ-
micos na Rússia e países vizinhos.

Contudo, independentemente da influência que possa advir do convite,


tanto o SVR como o GRU (informações militares) vêem a vitória do Hamas
como um facto negativo e como um fracasso de israelitas e americanos em
prevenirem a situação. A percepção é a de que o extremismo vai espalhar-
se ainda mais no Médio Oriente, particularmente na Jordânia e no Egipto,
e isto reflectir-se-à desde logo no Cáucaso, para onde segue continuamente
apoio humano, logístico e financeiro dos radicais daqueles dois países sem
que os Estados Unidos verdadeiramente se oponham.

133
2.6.8. O Regresso de Kadafi81

Há cerca de dois anos, alguns meses depois da queda de Saddam Hussein,


Muammar Kadafi surpreendeu o mundo ao começar a cooperar com ameri-
canos e britânicos na guerra contra o terrorismo, desistindo do seu programa
de armas de destruição em massa. De então para cá tem sido, conforme reco-
nheceu o departamento de estado americano na semana passada, “um bom
parceiro em termos de fornecimento de informações com impacto operacional
no inimigo”. Kadafi quer mostrar que se distancia do movimento terrorista
transnacional de origem islâmica, particularmente da al-Qaeda.

Por outro lado, Kadafi, pragmático, passou a defender o fim do domínio


do Estado sobre as empresas e a Líbia tem vindo a abrir-se progressivamente
à economia de mercado. O primeiro ministro deste novo tempo foi, até ao
principio deste mês, Chokri Ghanem, um economista formado nos Estados
Unidos e especialista em petróleo. O programa de privatizações tem por
horizonte cerca de 350 empresas até 2008, das quais 70 já viram os res-
pectivos processos concluídos, tendo sido alterada para o efeito a lei do
investimento estrangeiro. Entre os sectores abrangidos destacam-se o petró-
leo (já dominado pelos americanos), a banca, a energia, os texteis, os pro-
dutos químicos e agroalimentares.

Chokri Ghanem é agora o presidente da Companhia Nacional de


Petróleo e a Fundação Kadafi, presidida por Seif el-Islam, filho do dirigente
líbio, recorreu a Michael Porter, o conhecido economista da Harvard
Business School, para traçar o plano da reestruturação em curso. O caminho
é o da liberalização acentuada da economia, transformando a Líbia num
novo Dubai, de acordo com a imagem que se insinua junto dos homens de
negócios que visitam actualmente Tripoli. Por exemplo, os concursos de
obras públicas para este ano de 2006 dispararam e o turismo é visto como
um sector estratégico do desenvolvimento da Líbia, que pretende ultrapassar
obstáculos como o salário médio de cerca de 250 euros e a taxa de 35%
de inflacção ao ano.

Contudo, o célebre livro verde de Kadafi e os princípios da Jamahiriya


(“o Estado das massas”) continuam presentes e sólidos no quotidiano dos

81 Publicado em 26 de Março de 2006.

134
líbios. Kadafi tem assim vindo a demonstar, principalmente nos últimos
tempos, que conservou incólume a sua atitude singular em termos de posi-
cionamento e discurso político, tendo aparentemente adaptado à situação
da Líbia o modelo chinês de “um país, dois sistemas”.

Foi precisamente com esta atitude, na semana passada, numa inédita


vídeo-conferência promovida pela Universidade de Columbia, perante uma
assistência exclusiva de 45 académicos, políticos e analistas, que Kadafi
afirmou que a Líbia era a única e verdadeira democracia existente no
mundo e que os Estados Unidos têm um sistema político falhado.

Entretanto, coincidindo com a conferência, o departamento de estado


americano revelou que, não obstante os progressos, a Líbia vai continuar
na lista dos países apoiantes do terrorismo.

2.6.9. A Ameaça Nuclear do Irão82

Continua o braço-de-ferro entre o Irão e a comunidade internacional,


em especial com os Estados Unidos. Agora, suportado por uma grande ope-
ração de propaganda, Teerão anuncia que acabou de atingir a capacidade
de enriquecer urânio, o que representa um passo decisivo no domínio do
processo nuclear. Ao mesmo tempo, o conhecido jornalista detentor do pré-
mio Pulitzer, Seymour Hersh, publica um artigo na New Yorker em que
recorre a fontes próximas do núcleo duro do Pentágono para afirmar que
a decisão de atacar o Irão está tomada, os planos estão prontos e incluem
o recurso a armas tácticas nucleares. Falta só definir a data.

Contradizendo o artigo, o presidente Bush vem a público afirmar que


os Estados Unidos continuam a preferir a via diplomática. E em Israel, o
General Amos Yadlin, director do Aman, o serviço de informações militares,
exorta a comunidade internacional a agir rapidamente, pois, afirma, o Irão
está a fazer “bluff”: ainda não domina o processo de enriquecimento do
urânio mas pretende se considere o facto político consumado para que o
debate passe para o ponto seguinte, o da amplitude da aplicação dessa tec-
nologia. Por seu turno, a reacção política oficial israelita está a ser prudente

82 Publicado em 16 de Abril de 2006.

135
e sem qualquer pressão relevante sobre os Estados Unidos. Isto passa-se
um mês depois de dois dos mais influentes professores americanos de rela-
ções internacionais, John Mearsheimer e Stephen Walt, das universidades
de Chicago e de Harvard, terem publicado em conjunto um controverso
ensaio sobre “O Lobby de Israel e a Política Externa dos Estados Unidos”,
no qual afirmam que esta, no Médio Oriente, está excessivamente depen-
dente dos interesses israelitas em detrimento dos interesses americanos.

A verdade é que neste momento o caso do Irão está a ser avaliado a


partir do fracasso que representa a ocupação do Iraque e da influência que
Israel teve neste processo. Para além dos académicos, existem fortes divi-
sões de opinião no Pentágono ao mais alto nível, no seio dos oficiais-gene-
rais, e a intelligence community não só está descredibilizada por causa do
Iraque como também não consegue produzir efectivamente informações
relevantes e consistentes sobre o Irão. Na realidade, nem os Estados Unidos
nem a Europa nem a Agência Internacional de Energia Atómica possuem
informações ou dados credíveis de que o Irão está a desenvolver um pro-
grama de armamento nuclear e, por isso, do ponto de vista estratégico, é
virtualmente impossível definir com precisão qual a natureza e o grau da
ameaça.

Nestas circunstâncias, uma operação militar, mesmo que episódica e


cirúrgica, enfrenta os problemas da quantidade, dispersão e prioridade dos
alvos e da respectiva eficácia do ataque, para além do facto de o Irão deter
um nível superior ao Iraque de tecnologia e armamento. Mas a dúvida per-
manece sobre se o ataque se vai realizar ou não. Neste momento circulam
rumores em Washington de que será depois do Verão.

2.6.10. A Evolução da Situação no Iraque83

Depois de cinco meses de negociações após as eleições, o novo governo


empossado há poucos dias em Bagdade nasceu deficiente, sem ministros da
defesa e do interior. Este vazio, que, de acordo com as declarações oficiais,
será preenchido a muito curto prazo, decorre directamente da complexidade
da luta política e étnica que ocorre também no Iraque. Mais que um governo,

83 Publicado em 28 de Maio de 2006.

136
o que existe neste momento é um arranjo político entre os protagonistas dos
três principais grupos etno-religiosos: shiitas, curdos e sunitas. A sua duração
é para já uma incógnita, a incerteza é grande, mas a expectativa mantém-se,
nomeadamente por parte da coligação anglo-americana, de que venha a ser a
fundação política de um regime democrático.

De facto, o futuro do Iraque está completamente dependente deste


acordo, uma vez que esta poderá ser a última oportunidade de o país seguir
pelo caminho da paz. Os Estados Unidos estão já a reavaliar a sua posição
na região e a construir cenários de retirada progressiva do terreno, e por
isso é tão importante que este governo resulte.

O acordo gira em tôrno do poder e do dinheiro. Em relação ao poder, par-


tindo dos dados demográficos, os shiitas são reconhecidos como o maior
grupo, seguido dos curdos e finalmente dos sunitas, a quem são dadas garan-
tias políticas e institucionais de que os seus interesses não serão esmagados
pelos outros. No que toca ao dinheiro, o assunto é petróleo. Os principais
campos ficam no sul, na zona dos shiitas, e no norte na fronteira entre os cur-
dos e os sunitas. A solução adoptada foi a de assegurar que, paralelamente aos
instrumentos regionais, os rendimentos sejam em parte controlados pelo
governo central, de modo a que os sunitas também sejam beneficiados.

Mas é sobre os líderes sunitas que está a ser exercida a maior pressão
no sentido de serem responsabilizados pelo eventual insucesso do acordo.
É-lhes assim exigido que consigam fazer parar os grupos da resistência
armada, nomeadamente os ataques aos shiitas, e que consigam também
cortar o apoio da população aos homens de al-Zarqawi. O dilema dos
líderes políticos sunitas consiste em que agora têm não só de executar esta
tarefa mas também de partilhar informações sobre a localização de armas
e de combatentes, sem que isto desencandeie uma reacção ainda mais vio-
lenta, particularmente sobre os shiitas.

É neste contexto que se negoceia ainda a atribuição do ministério da


defesa aos sunitas e o do interior aos shiitas, que têm de desarmar as res-
pectivas milícias. Por seu turno, o novo primeiro ministro, Nouri Maliki al-
Maliki, declara querer unir os 25 milhões de iraquianos contra os ataques
da resistência armada e dos terroristas e ser responsável pela segurança na
maior parte do território a partir do próximo mês de Dezembro.

137
Do ponto de vista dos Estados Unidos uma coisa parece cada vez mais
certa, independentemente do que acontecer: os 130 mil militares americanos
no Iraque serão a curto prazo um facto passado.

2.6.11. A Incerteza de Um Ataque ao Irão84

Após três anos de tensão contínua por causa da questão nuclear, man-
tém-se a incerteza relativamente à possibilidade de ocorrer um ataque dos
Estados Unidos ao Irão. Nos últimos tempos, porém, não obstante a política
de “todas as opções em aberto”, parece que este cenário tem vindo a ser
reforçado com um conjunto de acções no âmbito do chamado “soft power”.
Isto significa que está a ser dada uma especial atenção à estratégia indirecta
da guerra psicológica e da propaganda – por exemplo por via de meios de
comunicação social como a Voz da América -, do apoio aos movimentos
de dissidentes e do financiamento de organizações não-governamentais
promotoras dos valores da democracia e dos direitos humanos.

O congresso americano não aprovou todavia, em meados do mês pas-


sado, a proposta do senador republicano Rick Santorium de atribuição de
80 milhões de euros à promoção da democracia no Irão. A decisão deveu-
se ao facto de os Estados Unidos não quererem oferecer um argumento
diplomático a Teerão que pudesse perturbar as negociações em curso. Mas
estima-se que, na realidade, essa verba seja já na ordem das centenas de
milhões, canalizados de forma confidencial.

Esta estratégia indirecta dos Estados Unidos tem como objectivo,


obviamente, a mudança de regime no Irão. E parece estar a ganhar con-
sistência a percepção de que esta é, de facto, a única opção “ofensiva”
em aberto, uma vez que a potência militar americana se vê confrontada
com um cenário de consequência desastrosas caso o ataque seja levado
a cabo: uma, seria a crise energética sem precedentes, com a subida
descontrolada dos preços do petróleo; outra, seria uma possível retaliação
terrorista de Teerão, não só contra Israel mas também contra os Estados
Unidos e a Europa.

84 Publicado em 9 de Julho de 2006.

138
Com efeito, circulam rumores entre os especialistas da área de infor-
mações, referindo fontes não identificadas dos serviços secretos americanos
e europeus, de que estes mesmos serviços estão crescentemente preocupa-
dos com a existência de células adormecidas do Hezbollah (“O Partido de
Deus”) nas capitais do mundo ocidental. Os serviços americanos já teriam
mesmo detectado uma dessas células em Detroit e a recolha de informações
é agora constante sobre os activistas e simpatizantes deste movimento fora
do Médio Oriente, estimados em cerca de 15 mil.

O Irão atribui ao Hezbollah cerca de 100 milhões de euros por ano,


refutando porém qualquer intenção terrorista. Neste momento, aliás,
está em curso uma campanha de contra-propaganda visando a estratégia
indirecta dos Estados Unidos. Na semana passada, parecendo despreo-
cupado com a possibilidade de um ataque militar, o ministro das infor-
mações, Moshseni Ezhe i, acusou Washington de estar a planear uma
“revolução colorida” no Irão, à semelhança do que aconteceu na Ucrânia.
Moshseni Ezhe i justificava assim também a recente a vaga de prisões
de professores universitários, sindicalistas e activistas dos direitos huma-
nos.

2.6.12. A Jogada do Hezbollah85

O Hezbollah (Partido de Deus) é um grupo libanês shiita que tem uma


espécie de personalidade dupla. Por um lado, tem como modelo a revolução
fundamentalista no Irão, país do qual recebe grande parte do seu equipa-
mento militar e cerca de 100 milhões de euros para o seu orçamento anual,
estimado em 400 milhões. Por outro lado, de forma pragmática, recebe o
seu maior apoio da Síria, que é um regime secular e originalmente de natu-
reza socialista.

Até ao ano passado, a situação no Líbano obedecia a um acordo tácito


entre Israel e a Síria. Israel aceitava a influência da Síria no Líbano e espe-
rava como contrapartida que o Hezbollah fosse controlado nos ataques ao
território israelita. Não obstante as tensões entre os dois países, este acordo

85 Publicado em 16 de Julho de 2006.

139
interessava à Síria porque esta sempre teve a intenção de integrar o Líbano
no seu território ou, pelo menos, explorá-lo economicamente. Isto era assim
desde 2000, quando Israel retirou do sul do Líbano, depois de 17 anos de
ocupação militar, facto que era precisamente apontado pelo Hezbollah
como a razão dos ataques ao território israelita.

Mas a situação mudou no ano passado quando Rafik Hariri, o ex-


primeiro ministro libanês, foi assassinado por agentes dos serviços
secretos sírios, numa operação que ainda hoje não é clara quanto ao
envolvimento do próprio presidente Assad, segundo a investigação
levada a cabo pelas Nações Unidas. O objectivo era anular o crescente
movimento anti-sírio no Líbano. Sob pressão internacional, em particular
dos Estados Unidos, e sem grande entusiasmo de Israel, a Síria foi
obrigada a retirar o seu dispositivo militar do Líbano. A consequência
mais relevante para Israel é que a Síria ficou assim “desobrigada” de
controlar o Hezbollah.

Foi pois neste contexto que o Hezbollah adquiriu um novo espaço


de manobra e, ao que tudo indica, sob a pressão interna da geração
mais jovem e radical, decidiu reacender a guerra no Líbano. O Hezbollah
parece assim estar a forçar uma invasão de Israel, o que criaria condições
para depois mobilizar os muçulmanos contra israelitas e ocidentais e
alimentar um movimento de resistência à ocupação, à semelhança do
que está a acontecer no Iraque. Esta é a razão por que Israel está a
tentar resolver tacticamente o problema, destruindo infraestruturas e
vias de comunicação. Isto atinge a logística do Hezbollah e reduz o
canal do seu abastecimento à Síria, que desta maneira não poderá invocar,
perante a comunidade internacional, a impossibilidade de controlar os
seus movimentos.

Como tem sido evidente, o Hezbollah está fortemente armado e os ser-


viços de informações militares israelitas estimam que ainda se encontram
escondidos milhares de rockets em aldeias e vilas do Líbano. Também cir-
culam rumores de que existe um arsenal de misséis terra-ar. Para todos os
efeitos, o Hezbollah foi o primeiro movimento a introduzir os atentados
suicidas na região e, no passado, a tomada de reféns foi uma das suas ima-
gens de marca.

140
2.6.13. O Dilema de Israel86

A iniciativa do conflito no Líbano continua a pertencer ao Hezbollah,


concretizando uma estratégia que, na prática, está a pressionar a ocupação
militar israelita do território libanês. O objectivo do Hezbollah parece ser
a regionalização do conflito e a criação de uma situação idêntica à do
Iraque, de modo a desgastar Israel pela subversão de uma guerrilha alta-
mente motivada. Israel está por isso a resistir a essa pressão, evitando
invadir o sul do Líbano.

De acordo com notícias que circulam em Israel, nos meios de diplomatas,


jornalistas e analistas próximos das forças armadas, a operação em curso já
estava planeada há pelo menos um ano, em resposta a um cenário então dese-
nhado que correspondia mais ou menos à situação agora desencadeada pelo
Hezbollah. Nesse cenário, a operação demorava três semanas: na primeira,
empregando a força aérea, o esforço concentrava-se na destruição do arma-
mento pesado, no desmantelamento da logística e da estrutura de comando e
controlo do Hezbollah; na segunda, o objectivo era atacar os locais de arma-
zenamento de armas e de lançamento de rockets; na terceira, era a vez de ope-
rações terrestres destinadas a destruir alvos entretanto identificados por infor-
mações decorrentes da operação e das missões de reconhecimento.

Isto corresponde de certo modo à presente situação, mas, como é próprio


de qualquer estratégia, os planos são moldados pelas circunstâncias e, neste
momento, estas são objecto de debate ao nível dos comandantes militares
israelitas. Estes dividem-se entre os defensores da continuação da utilização
predominante do poder aéreo e os que pretendem avançar com uma ope-
ração terrestre de grande envergadura. A opção aérea é mais lenta na obten-
ção de resultados, enquanto que a opção terrestre é mais rápida no confronto
directo com os combatentes do Hezbollah – sobre os quais existe incon-
testável superioridade militar – porém com maior custo de vidas humanas
e a forte probabilidade de regionalizar o conflito.

Na verdade, o grau de conhecimento sobre a capacidade militar do


Hezbollah não se revelou tão preciso quanto era esperado, suscitando algu-
mas críticas internas no sentido de que ocorreram falhas ao nível das infor-

86 Publicado em 23 de Julho de 200686 Publicado em 23 de Julho de 2006.

141
mações. Surpreendeu a quantidade de rockets e o nível tecnológico, que
inclui visão nocturna e pequenos aviões áereos de espionagem, telecoman-
dados, os chamados “unmanned aerial vehicles” que equipam agora as mais
modernas forças armadas. Surpreendeu também a teia de túneis e a rede
descentralizada de pequenas células nas mais pequenas aldeias do sul do
Líbano, com rampas de lançamento de rockets dissimuladas em casas par-
ticulares, prontos a ser accionados, com as coordenadas pré-programadas
dos alvos israelitas.

Com a invasão terrestre “presa por um fio”, Israel está pois, para já, a
infiltar no Líbano comandos de origem drusa, que facilmente se integram
na população árabe, para recolherem informações e realizarem acções de
sabotagem.

2.6.14. A Diplomacia Secreta na Crise do Líbano87

Nos momentos de crise, como agora no caso do Líbano, as relações


internacionais são agitadas por inúmeros contactos diplomáticos, em regra
trazidos a público pelos meios de comunicação social. Mas, ao mesmo
tempo, é comum desenrolar-se uma diplomacia secreta que, para além dos
diplomatas, envolve representantes e emissários dos serviços de informa-
ções na procura de uma solução para a crise.

Não sendo geralmente possível, por razões óbvias, acompanhar a evolução


dessa diplomacia secreta, por vezes esta é, todavia, vislumbrável em alguns
factos, revelados por especialistas que estudam e analisam a actividade dos
serviços de informações. Estes especialistas são, frequentemente, ex-membros
desses serviços que mantêm antigas relações e redes de contactos.

No caso do Líbano, existem dois países cujos serviços de informações


têm estado particularmente activos na diplomacia secreta quer com Israel
quer com o Hezbolah: a Rússia e a Alemanha.

A Rússia tem neste momento uma política externa para o Médio Oriente
que visa aumentar e reforçar a sua influência na região. Recorde-se que tem

87 Publicado em 30 de Julho de 2006.

142
relações privilegiadas com a Síria e o Irão e reconheceu, de imediato, a
vitória eleitoral do Hamas no início deste ano, tendo convidado uma delega-
ção deste movimento a visitar Moscovo. A Rússia possui hoje contactos com
o Hezbollah que remontam à decada de 80 e, ao contrário dos Estados
Unidos, não o consideram uma organização terrorista. Passada a Perestroika
e a queda do muro de Berlim, o SVR, o serviço de informações externas,
herdeiro directo do KGB e chefiado então por Yevgeny Primakov, reanimou
aqueles contactos no final de 1994.

A Rússia, porém, na presente crise do Líbano, optou por estabelecer uma


aliança com a Alemanha – que também mantém relações com o Hezbollah
desde a década de 80 -, acordada logo no final de Junho, centrada na tentativa
de trocar os soldados israelitas raptados por elementos radicais islâmicos deti-
dos nas prisões em Israel. A percepção é a de que a Alemanha se encontra
muito melhor posicionada para desempenhar este papel, por virtude dos
sucessos que tem tido nos últimos anos, directamente ou através do Hezbollah,
na intermediação e resgate de europeus raptados no Médio Oriente.

Com efeito, Ernst Uhrlau, o actual director do BND, o serviço de infor-


maçõesexternas alemão, agora activamente envolvido nesta diplomacia
secreta, possui no seu currículo a intermediação da troca, em 2004, entre
Israel e o Hezbollahde 435 prisioneiros árabes por um homem de negócios
raptado e os restos mortais de vários soldados israelitas. Mas, as negocia-
ções terão chegado a um impasse nos últimos dias, face à escalada do con-
flito e aos rumores de que os reféns já teriam morrido em consequência
dos bombardeamentos de Israel.

Neste contexto, circulam também rumores de que os militares israelitas


têm recolhido e congelado corpos de combatentes do Hezbollah para a
eventualidade de ocorrerem trocas.

2.6.15. O Irão e o Hezbollah88

Até ao momento, os serviços de informações israelitas e ocidentais


ainda não conseguiram encontrar provas concludentes do envolvimento

88 Publicado em 6 de Agosto de 2006.

143
directo e imediato do Irão com o Hezbollah nos ataques a Israel. Não obs-
tante as acusações nesse sentido vindas, principalmente, de círculos gover-
namentais israelitas e americanos, apenas se consegue apontar a ligação
histórica e ideológica entre ambos, materializada, é certo, no financiamento
e no fornecimento de armas aos xiitas libaneses por parte do Irão. Este,
por seu turno, tem mantido um perfil baixo, não dando azo a que possa
parecer minimamente culpado pela crise do Líbano perante a comunidade
internacional.

Contudo, por virtude da “onda de choque” das acções do Hezbollah, e


na sequência das estrondosas e repetidas declarações anti-judaicas do seu
presidente, o Irão vê agora o espaço de manobra reduzir-se no que respeita
à prossecução do seu programa nuclear. Do mesmo modo, reforça-se a sua
imagem de país do eixo do mal, desenhada pelo presidente Bush, e ganha
legitimidade o cenário de ataques preventivos a determinadas instalações
suspeitas de albergarem armas de destruição em massa. É neste contexto
de virtual guerra psicológica que se compreendem as declarações recentes
de líderes iranianos sobre a eficácia da contra-espionagem de Bagdad ou
sobre a possibilidade ameaçadora de o petróleo, em caso de conflito alar-
gado, poder atingir os 200 dólares.

Mas, na verdade, mantém-se a incerteza de um ataque ao Irão por


parte dos Estados Unidos, ou mesmo por Israel num cenário de alegada
auto-defesa, uma vez que qualquer envolvimento iraniano num conflito
violento regional e/ou internacional produziria consequências imprevi-
síveis. Uma delas seria logo no Iraque. Outra, que pende como uma
ameaça terrorista de efeitos incalculáveis, poderia se precisamente a
retaliação levada a cabo pelo Hezbollah com atentados em vários pontos
do mundo ocidental.

Os serviços secretos europeus e americanos estimam que existem cerca


de 15 mil membros do Hezbollah no ocidente, com células nas principais
capitais, tendo os Estados Unidos recentemente detectado uma em Detroit.
E uma vez que as informações sobre a situação são por enquanto escassas,
ainda não é possível definir com precisão o tipo e o grau da ameaça. É
que, nos últimos anos, os recursos dos serviços de informações têm estado
sobretudo concentrados na al-Qaeda e o Hezbollah tem aproveitado a dis-
tracção para se fortalecer, tal como é visível na presente crise do Líbano.

144
Note-se que o grau de dificuldade de infiltração no Hezbollah é similar ao
da al-Qaeda.

Por outro lado, os serviços de informações, nomeadamente americanos,


também não têm conseguido até ao momento obter um nível razoável e
credível de informações sobre o Irão. Isto significa que, por esta via, tam-
bém não conseguem deslindar a rede de ligações do Irão ao Hezbollah.
Resta-lhes, para o efeito, confiar ou não nas informações de países árabes
“amigos”.

2.6.16. A Oposição Política no Irão89

De acordo com a Estratégia de Segurança Nacional, divulgada no pas-


sado mês de Março pela administração Bush, a maior ameaça colocada por
um país aos Estados Unidos é a do Irão. Com as recentes acções do
Hezbollah, essa percepção está ainda mais consolidada, reforçando a von-
tade e determinação de Washington no sentido de que venha a ocorrer uma
mudança de regime em Teerão.

No entanto, esta mudança não é previsível a curto prazo, nem mesmo


na hipótese de serem levados a cabo ataques preventivos a instalações
nucleares. Os Estados Unidos estão por isso empenhados na estratégia indi-
recta de apoiarem organizações internacionais, não-governamentais, indi-
víduos e instituições iranianas a promoverem os valores da democracia e
dos direitos humanos como forma de subverter o regime.

As expectativas residem, em certa medida, na oposição política existente


que se movimenta tanto no interior como no exterior do Irão. Mas o pro-
blema é que a maior parte dessa oposição é tendencialmente anti-americana.
Um dos protagonistas é o Ayatollah Hussein Ali Montazeri, que foi mantido
em prisão domiciliária durante 14 anos, até 2003. Era o sucessor do
Ayatollah Khomeini, mas caiu em desgraça sob a acusação de proteger
intelectuais e demais descontentes com a natureza religiosa do regime.
Outros dissidentes são o teólogo Abd al-Karim Soroush e o ex-ministro do
interior Abdullah Nurin.

89 Publicado em 13 de Agosto de 2006.

145
Existe ainda neste contexto um movimento armado com o qual os
Estados Unidos têm vindo a manter uma relação ambígua: a Organização
dos Mujahidin do Povo do Irão, também designado Conselho Nacional de
Resistência. Trata-se de um movimento secular de raíz marxista, criado,
nos anos 60, contra o então Xá Reza Pahlevi. Aliou-se ao Ayatollah
Khomeini durante a revolução islâmica, mas depressa foi purgado pelo
novo regime.

Os Estados Unidos têm-no incluído na célebre lista das organizações


terroristas estrangeiras, mas, aquando da invasão do Iraque, negociaram um
cessar fogo com cerca de 4000 guerrilheiros que se encontravam sob a pro-
tecção de Saddam Hussein. Estes estão, neste momento, “estacionados” no
campo de Ashraf, junto da fronteira com o Irão, encontrando-se o seu arma-
mento à guarda de tropas americanas e búlgaras. Nos Estados Unidos, há
quem defenda que o movimento é um potencial aliado de peso contra o
regime de Teerão e que, portanto, deve ser retirado daquela lista. Uma peti-
ção nesse sentido já foi dirigida ao presidente Bush, assinada por 150 mem-
bros da Câmara dos Representantes.

Toda esta oposição goza, todavia, neste momento, de pouca populari-


dade no Irão. Em parte porque o seu espaço de manobra se encontra for-
temente condicionado pelo abrangente, moderno e eficaz dispositivo dos
serviços secretos. Em parte porque, ocupando o quinto lugar mundial das
maior reservas provadas de petróleo, a subida dos preços está a ser altamente
favorável ao crescimento económico e às políticas de desenvolvimento
social do regime de Teerão.

2.6.17. O Programa Nuclear do Egipto90

O Egipto anunciou recentemente que vai avançar em pleno no desen-


volvimento de um programa de energia nuclear para fins económicos. Esta
posição surge num momento de crispações internacionais sobre os progra-
mas decididamente militar da Coreia do Norte e incertamente civil do Irão,
causando alguma perplexidade quanto ao seu impacto no sempre frágil
equilíbrio do Médio Oriente.

90 Publicado em 15 de Outubro de 2006.

146
O porta-voz do anúncio foi, sintomaticamente, Jamal Mubarak, secre-
tário-geral do Partido Democrático Nacional, no poder, e filho do presidente
Hosni Mubarak, tendo este confirmado de seguida aquela posição. Poucos
dias depois, presidido pelo primeiro-ministro, o Supremo Conselho da
Energia, que não reunia há 18 anos, debroçou-se sobre o dossiê da energia
nuclear. Com a participação de vários ministros, das finanças e da habitação
e transportes ao ambiente e à defesa, foi decidido nomear um grupo de tra-
balho para acompanhar o processo depois do mês do Ramadão, que acaba
dentro de alguns dias.

Ao mesmo tempo, o Conselho dos Negócios Estrangeiros estabeleceu


uma comissão de especialistas para realizar um relatório detalhado sobre
a matéria. Por seu turno, o ministro da electricidade e energia revelou à
imprensa que os planos, para já, incluem a construção de uma primeira
central nuclear em al-Dabaa, na costa mediterrânica, para entrar em fun-
cionamento daqui a 10 anos, a qual custará cerca de 1.500 milhões de euros
e produzirá mais electricidade que a barragem de Assuão. Está ainda pre-
visto que em 2020 existam já três reactores com uma capacidade de 1.800
megawatts.

Tudo isto veio a público nas últimas semanas e traduz uma actividade
prévia neste sentido, algo confidencial, que parece ter vindo a ocorrer, pelo
menos, desde há aproximadamente dois anos. Estes factos confirmam em
parte o aviso da MOSSAD à comissão da defesa e negócios estrangeiros
do parlamento israelita, em Janeiro de 2005, de que para além do Irão tam-
bém a Síria e o Egipto estavam a desenvolver programas nucleares. Não
existe porém neste momento, não obstante a incerteza quanto ao futuro,
qualquer indício de que esteja a decorrer um programa militar.

Na verdade, o programa nuclear do Egipto não é inteiramente novo,


uma vez que foi iniciado ainda pelo presidente Nasser nos anos 50, tendo
sido interrompido em 1986 por causa do desastre de Chernobyl. Até aí, o
Egipto lutara sem sucesso por conseguir o financiamento e dominar a tec-
nologia, com avanços e recuos, ao sabor da guerra fria, oscilando entre o
ocidente democrático e o leste totalitário.

Agora, a elite governante egípcia está de novo em contactos discretos


para o efeito com a Rússia, a China e os Estados Unidos. Estes últimos,

147
aliás, parecem não se opôr aos planos declaradamente pacifistas do pro-
grama egípcio, o que pressupôe um entendimento quanto a um eventual e
eficaz mecanismo de controlo do mesmo. Mas Israel está a percepcionar
o programa como uma ameaça e desconfia das intenções dos egípcios.

2.6.18. A Situação no Líbano91

O recente conflito no Líbano ficou conhecido por vários nomes na


região israelo-árabe: Guerra de Julho, 6ª Guerra, Guerra dos 2 Soldados,
Guerra dos 33 dias. No final, resultaram 1200 mortos, vários milhares de
feridos, 1 milhão de deslocados, 900 instalações comerciais e industriais e
15 mil casas destruídas. As perdas económicas foram na ordem dos 12 mil
milhões de dólares para o Líbano e dos 5 mil milhões para Israel. A reso-
lução 1701 do Conselho de Segurança das Nações Unidas trouxe a paz à
região, reforçando o mandato da UNIFIL (United Nations Interim Force in
Lebanon) que remonta a 1978 e mantinha aí uma força de 2 mil homens
quando, em Julho, o conflito começou.

A UNIFIL tem agora 8 mil homens no terreno, sendo esperados ainda


mais 5 a 7 mil elementos, correspondendo à participação de cerca de 20
países na operação. As forças armadas libanesas destacaram 15 mil para o
sul do Rio Litani, onde não voltavam desde 1969. Contudo, a situação é
muito frágil e, não obstante todo este dispositivo de manutenção da paz, o
risco é elevado quanto à possibilidade de o conflito se reancender.

A tensão desde logo existente entre as partes beligerantes é a da


percepção ambivalente da UNIFIL como força militar no terreno para
proteger Israel do Líbano ou o Líbano de Israel. O mandato da UNIFIL
é ambíguo quanto ao desarmamento do Hezbollah, ponto indubitavel-
mente principal desta crise. Tudo indica, todavia, que não ocorrerão
acções de busca dos esconderijos das armas, para não agitar a situação,
e que a UNIFIL se concentrará nas tarefas de reconstrução e de apoio
às forças armadas libanesas. Estas, por seu turno, estão a servir de
canal de comunicação com o Hezbollah, o qual, para já, está a seguir
uma política de “biqaa wa ikhfaa”, isto é, “estar presente mas disfar-

91 Publicado em 5 de Novembro de 2006.

148
çado”, com os combatentes a levarem uma vida normal como habitantes
das aldeias da região.

A agravar a situação e a tarefa da UNIFIL está a enorme quantidade


de engenhos explosivos não detonados israelitas a sul do Rio Litani, esti-
mados entre 170 mil e 340 mil. Isto não só põe em perigo os trabalhos de
reconstrução mas também impossibilita os relacionados com a agricultura
e a pastorícia, empurrando a população para outro tipo de actividades even-
tualmente ilícitas, nas quais se poderão incluir o contrabando de armas para
o Hezbollah.

Por outro lado, também problemático é o facto de que o destacamento


dos 15 mil homens das forças armadas libanesas criou um vazio na manu-
tenção da ordem pública no resto do território. O ISF, os serviços de segu-
rança interna, não conseguem preencher esse vazio e já informaram a UNI-
FIL da ameaça de expansão no país de grupos extremistas libaneses filados
na Al-Qaeda e da falta de meios para os monitorizar.

A frente de problemas no Líbano é pois complexa e a percepção no


seio da UNIFIL é a de que a crise é política e não pode ser resolvida mili-
tarmente, mas apenas gerida. A presente solução é somente um “penso
rápido” e não é sustentável a prazo.

2.6.19. A Influência do Irão no Iraque92

A resolução do problema do Iraque defronta-se, inevitavelmente, com


a influência do Irão na evolução da situação. Os Estados Unidos têm noção
disto e a nomeação para o Pentágono do ex-director da CIA Robert Gates,
o qual aliás passou parte do mês de Setembro no Iraque a avaliar a situação,
visa precisamente estabelecer uma nova linha de comunicação e negociação
prioritária com o Irão, de preferência discreta e reservada. Com efeito,
cerca de 60% dos iraquianos são shiitas, maioria que se encontra traduzida
no actual governo, que é ao mesmo tempo apoiado pelo Irão e pelos Estados
Unidos, reflectindo a complexidade do caso.

92 Publicado em 19 de Novembro de 2006.

149
Neste tabuleiro, os americanos encontram-se fragilizados em relação
aos iranianos. Em primeiro lugar cabe-lhes a iniciativa da gestão da crise
no Iraque, tanto no domínio político como militar, mas, desde logo, como
Donald Rumsfeld observou várias vezes, enfrentam grandes dificuldades
na área das informações sobre os shiitas (assim como sobre os sunitas) e
as suas milícias armadas e respectivos canais de apoio externos.
Recentemente, o General John Abizaid, chefe do CENTCOM (que tutela
o Iraque), confirmou esta percepção, e o General Michael Hayden, director
da CIA, acusou o Irão de estar a promover a violência através das milícias
shiitas.

A influência do Irão no Iraque neste momento, embora não hegemónica,


é de facto muito forte no seio dos shiitas. Do ponto de vista político, note-
se que o governo iraniano atribuiu ao iraquiano uma linha de crédito de
mil milhões de dólares, tendo sido assinados acordos de cooperação na área
militar, na das informações, na diplomática, na dos transportes e da energia,
com a possibilidade de virem a ser construídos oleadutos entre ambos os
países. Por outro lado, estima-se que, de forma coberta, está um número
elevado de agentes dos serviços de informações iranianos no Iraque para
prestarem apoio directo às milícias shiitas e gerirem a rede de contrabando
de armas e equipamento.

Entre estas milícias destacam-se as Brigadas Badr, com cerca de 10 mil


elementos, ligadas aos ortodoxos Guardas da Revolução do Irão desde a
guerra contra o Iraque; e sobretudo o Exército Mahdi, declaradamente anti-
americano, com 20 mil elementos, liderado por um jovem “nobre” do reve-
renciado clã Sadr, Moqtada Al Sadr, de 32 anos, cujo tio-avô era aliado do
Ayatollah Khomeini e morreu enforcado sob as ordens de Saddam Hussein.
Muito popular entre as classes baixas shiitas, Moqtada Al Sadr, até aqui
substancialmente autónomo, está a ser de forma crescente cortejado pelo
Irão que também vê nele uma futura força política de peso no Iraque.

Por enquanto, todavia, não interessa ao Irão que se agrave a guerra civil
de baixa intensidade que ocorre de facto no Iraque, uma vez que as reper-
cussões regionais seriam imprevisíveis. Este é um ponto de entendimento
e de partida para a negociação com os Estados Unidos, mas a incerteza é
ainda elevada quanto à evolução da situação.

150
2.6.20. A Ameaça Regional do Iraque93

Uma idéia cada vez nais propagada entre os analistas dos serviços
de informações, relativamente à região do Médio Oriente, é a de que
nunca se deve pensar que a situação não pode piorar mais do que já
está. Pelo contrário, a situação geralmente piora ainda mais. O Iraque
poderá vir a ser prova disso, uma vez que, neste momento, existe um
elevado risco de que a guerra civil de baixa intensidade entre sunitas
e xiitas derrape no sentido da regionalização do conflito, com a violência
a alastrar-se aos países vizinhos. As repercussões internacionais seriam
imprevisíveis, nomeadamente no que respeita aos preços dos produtos
energéticos.

O problema reside essencialmente no facto de as fronteiras no Médio


Oriente serem porosas e não causarem qualquer impedimento aos movi-
mentos e relações transfronteiriças de natureza etno-religiosa. O comércio
entre o Iraque e os países vizinhos é intenso, assim como as comunicações,
e isto potencia o risco. A tendência muito provável é a de que, no Iraque,
face aos xiitas, os sunitas iraquianos sejam cada vez mais apoiados pelos
sunitas dos países vizinhos.

Mas, existem também importantes comunidades de xiitas na Arábia


Saudita, no Kuwait e no Bahrain. Na Arábia Saudita existem cerca de 2
milhões, correspondendo a 10% da população, no Kuwait aproximadamente
500 mil, um terço da população, e no Bahrain são a maioria dos 500 mil
habitantes, embora o governo seja sunita.

Por outro lado, existem minorias de Curdos na Turquia, no Irão e na


Síria, que estão geograficamente próximas do Curdistão iraquiano e na pri-
meira linha de uma eventual escalada do conflito. Alguns grupos, aliás, têm
vindo a apelar aos curdos iranianos para que se revoltem contra o regime
de Teerão. A instabilidade no Curdistão iraniano já obrigou ao envio de tro-
pas para a região. A Turquia, por seu turno, reforçou a posição militar na
fronteira com o Iraque para evitar quaisquer movimentos de forças curdas
entre os dois países.

93 Publicado em 26 de Novembro de 2006.

151
Neste contexto, já começaram a emergir apelos por parte de líderes reli-
giosos moderados contra a ameaça de guerra generalizada, como fizeram
há dias em Bagdade sunitas, xiitas e curdos. Na Arábia Saudita, por exem-
plo, os líderes religiosos de ambas as partes estão cada vez mais a falar da
vinda de uma fitna, isto é, de um cisma ou guerra civil no seio do Islão.

Uma das consequências imediatas de tal guerra, além das vítimas e das
repercussões económicas internacionais, seria o enorme fluxo de deslocados
e refugiados. Numa primeira estimativa, poderiam ser na ordem das cen-
tenas de milhar, ou talvez milhões, e esta crise tocaria desde logo no Irão,
no Kuwait, na Arábia Saudita e também na Jordânia, desestabilizando o
equilíbrio etno-religioso nesses países.

Para todos os efeitos, esta situação exigiria um esforço financeiro de emer-


gência por parte da comunidade internacional e, muito provavelmente, grande
parte da ajuda externa agora dirigida para o Iraque iria para os seus vizinhos.

2.6.21. A Estratégia de Moqtad Al Sadr94

O líder radical shiita Moqtada al-Sadr, de 33 anos, é neste momento um


dos factores mais influentes na evolução da situação no Iraque. Declaradamente
anti-americano, é muito popular nas classes baixas shiitas e lidera o designado
Exército Mahdi, estimado em cerca de vinte mil homens. Trata-se de uma milí-
cia criada em 2003, após a invasão do Iraque, que se encontra equipada com
armas ligeiras, lançadores de granadas, morteiros e mísseis anti-aéreos, execu-
tando também atentados bombistas nas estradas. O seu centro localiza-se em
Bagdade e irradia principalmente para o sul do Iraque, tendo como alvos os
sunitas, as forças iraquianas e as forças da coligação.

Moqtada al-Sadr tem-se mantido independente em relação ao Irão, que,


por seu turno, o tem olhando com um certo incómodo, sobretudo após ter
confrontado em 2004 as tropas americanas na cidade de Najaf. Os ayatollah
iranianos recearam que a integridade desta cidade santa fosse irremedia-
velmente quebrada, assim como a unidade da comunidade shiita face à ocu-
pação anglo-americana.

94 Publicado em 11 de Março de 2007.

152
Contudo, do ano passado para cá, tem havido uma aproximação gradual
entre ambas as partes, embora de forma cautelosa por Moqtada al-Sadr,
que não quer ser visto no Iraque como uma marioneta dos iranianos. Mas
Teerão olha agora para ele como um líder político de elevado estatuto que
tem uma força armada capaz de exercer um papel de primeira linha defen-
siva e de retaliação do Irão contra um eventual ataque dos Estados Unidos.
Neste sentido, os iranianos têm vindo de facto a fornecer armamento e
treino às milícias de al-Sadr, utilizando a mesma metodologia seguida no
passado relativamente às forças afegãs de Massoud contra os russos, aos
bósnios muçulmanos contra os sérvios e ao Hezbollah contra os israelitas.

Moqtada al-Sadr é um admirador do Hezbollah, tendo criado o Exército


Mahdi à sua semelhança, em particular no que respeita à base social de
apoio e às redes de assistência às classes mais baixas, tal como ocorre no
Líbano. Al-Sadr vê por isso o apoio do Irão como uma forma segura de
consolidar a sua base em Bagdade e as operações no sul do Iraque, salva-
guardando-se ao mesmo tempo dos rivais shiitas e das potenciais ameaças
das tropas americanas e das milícias sunitas. Em relação a estas últimas, a
percepção é a de que alimentam deliberadamente o designado sectarismo
com o apoio de Washington.

Neste momento, por efeito das circunstâncias, a influência do Irão no


Exército Mahdi está a crescer de tal modo que este poderá já estar infiltrado
por agentes dos serviços secretos iranianos. Estes prestam-lhe uma assis-
tência diária, quer em território iraquiano quer na cidade fronteiriça iraniana
de Mehran. Porém, face às suspeitas, e aos descontentes na sua organização,
Moqtada al-Sadr afirma em voz alta que é um nacionalista iraquiano e que
a sua aproximação ao Irão é somente uma opção estratégica. Mas é muito
provável que esta aliança esteja para durar.

2.6.22. O Futuro do Iraque95

Contrariamente aos desejos da maioria democrata do Congresso, que


pretende o regresso das tropas americanas até Setembro de 2008, o presidente
Bush já anunciou que mantém a decisão de enviar para o Iraque mais 22 mil

95 Publicado em 25 de Março de 2007.

153
soldados como parte de um plano de retirada a médio prazo. O objectivo é
reforçar os 140 mil já aí existentes de modo a conter os ataques da Al-Qaeda,
dos rebeldes e das milícias, que aumentam de dia para dia, e garantir a segu-
rança de homens e equipamento que uma operação deste género requer.

Num cenário optimista, os Estados Unidos não deixarão de manter


algumas bases no Iraque para monitorizar a situação e acautelar os seus
interesses, nomeadamente no que respeita à actividade das companhias
petrolíferas, às actividades da Al-Qaeda e à contenção da influência do Irão
no país. Ao mesmo tempo, continuarão a exercer a sua própria influência
na política interna iraquiana e a violência diminuirá fruto da retirada e da
partilha programada e equilibrada do poder entre os iraquianos.

A incerteza caracteriza, no entanto, a percepção do que acontecerá no


Iraque após essa retirada e tudo indica que o cenário pessimista é o mais
realista. O problema reside desde logo no facto de existir uma guerra civil
em progressão, que não é reconhecida enquanto tal pela administração
Bush. Esta prefere falar em violência sectária e, por isso, ao que tudo
indica, também neste caso a abordagem do problema está a ser desvirtuada
nos serviços de informações pelo chamado “groupthink”, ou seja, pela poli-
tização das análises no sentido favorável à visão da hierarquia.

Com efeito, as origens da violência inter-étnica e religiosa no Iraque


remontam a 2004, quando os sunitas começaram não só a atacar as forças
da coligação mas também os shiitas que entretanto foram conquistando o
controlo político do país. A escalada da guerra civil aconteceu porém em
2006 e, neste momento, a situação é incontrolável, embora ainda não tenha
atingido um nível de alta intensidade.

A retirada americana do Iraque vai, inevitavelmente, ter uma repercus-


são estratégica no país, e eventualmente na região, de proporções ainda
imprevisíveis. Uma das consequências é precisamente o desenvolvimento
da guerra civil. Com os seus mais de 60 mil mortos em três anos, esta é
já, em termos de vítimas anuais, a nona guerra civil mais mortífera desde
a 2ª Guerra Mundial

Na realidade, desde essa altura até agora, existiram cerca de 130 guerras
civis no mundo, com uma média de duração de 10 anos. E estas têm sido

154
sobretudo desencadeadas por grupos rebeldes empregando tácticas de guer-
rilha, em países pós-coloniais com instituições administrativas, militares e
policiais frágeis, tal como no Iraque.

A história mostra que a maioria dessas guerras civis não terminou com
uma partilha do poder entre as partes em conflito, mas sim pela vitória
clara de um dos lados. A situação no Iraque é ainda agravada pelo facto de
75% dos 26 milhões de iraquianos estarem distribuídos por 150 tribos.

3. O Factor Energético

3.1. A Corrida ao Ouro Negro96

Os cientistas ainda não conseguem determinar qual a quantidade de


petróleo existente no subsolo do planeta e, consequentemente, qual o hori-
zonte da produção no futuro. Para já, de acordo com o último relatório da
BP sobre a energia mundial, a “bíblia” da estatística do sector, as reservas
provadas são de 1.15 triliões de barris. Se a extracção parasse agora, o
mundo teria petróleo suficiente para os próximos 40 anos com os actuais
níveis de consumo.

Mas o desenvolvimento e a globalização seguem num ritmo crescente-


mente acelerado e as reservas estratégicas dos países têm tendência para
aumentar. A procura de novas jazidas é constante e sobretudo de fontes
alternativas em relação ao ao Médio Oriente. Na verdade, não obstante a
relativa tranquilidade da “moratória” dos 40 anos, está em curso uma corrida
ao ouro negro de consequências incertas a médio-longo prazo em termos
de geopolítica dos conflitos. É neste contexto que se compreende a emer-
gente relevância do Mar Cáspio e a inauguração, na semana passada, do
designado BTC (Baku-Tiblisi-Ceyhan). Trata-se do mais longo pipeline de
exportação de petróleo do mundo, que liga as margens do Mar Cáspio às
do Mar Mediterrâneo, atravessando o Azerbeijão, a Geórgia e a Turquia.

O BTC ou pipeline Baku-Ceyhan, na sua designação mais antiga, foi


planeado nos anos 90 com o apoio/influência dos Estados Unidos na

96 Publicado em 29 de Maio de 2005.

155
sequência da implosão da URSS. Os objectivos de tal plano obedeceram a
critérios de natureza tanto geopolítica quanto estratégica do ponto de vista
económico, delineados durante a administração Clinton: a redução da
influência da Rússia na Ásia Central; a promoção de uma orientação “oci-
dentalizante” das restantes ex-Repúblicas soviéticas através da cooperação
regional com a Turquia; a afirmação das principais companhias petrolíferas
americanas na região; a redução da dependência do abastecimento do Golfo
Pérsico.

O investimento foi realizado por um consórcio liderado pela anglo-


americana BP e atingiu os 3 mil milhões de euros. Vai demorar ainda cerca
de 6 meses a encher com 10 milhões de barris os cerca de 1.800 Km do
pipeline e o primeiro carregamento será efectuado no final de 2005. A pre-
visão é de que em 2008-2009 o BTC transporte 1 milhão de barris por dia.
Para se ter uma noção do impacto, note-se que a capacidade corrente dos
pipelines do Mar Cáspio para os terminais do Mar Negro de Supsa
(Geórgia) e de Novorossiyk (Rússia) é de, respectivamente, 115.000 e
160.000 barris por dia, precisando ainda o petróleo de atravessar com ele-
vado risco os estreitos de Bósforo e Dardanelos para chegar ao
Mediterrâneo.

Entretanto, no próprio dia da inauguração, o presidente da comissão


parlamentar dos negócios estrangeiros da Rússia, Mikhail Margelov, afir-
mou que esta se oporá à presença de qualquer contingente militar estran-
geiro na Comunidade de Estados Independentes sob o pretexto da luta anti-
terrorista e da segurança ao pipeline Baku-Ceyhan.

3.2. Prospectiva do Mercado de Energia97

A produção de informações estratégicas obedece a um conjunto de dois


objectivos-chave: o conhecimento do que está a acontecer e a excelência
da capacidade prospectiva. A recolha dessas informações segue um plano
previamente definido e revisto com regularidade pela primeira linha da
tomada de decisão, destinado a acompanhar, desde logo, a evolução do
ambiente de negócios e do comportamento dos principais concorrentes.

97 Publicado em 1 de Dezembro de 2005.

156
Mas esta realidade faz parte de uma inelutável dinâmica de mudança
da conjuntura, onde sobressaem factores quer económicos quer não exclu-
sivamente económicos nem imediatamente, isto é, em tempo real ou a
muito curto prazo, relacionados com os interesses directos, por hipótese,
de uma dada empresa. Porém, esses factores poderão vir, a médio ou longo
prazo, efectivamente interferir na actividade dessa empresa, e, por isso,
convém manter sob observação uma multiplicidade de ambientes favoráveis
à sua gestação, o que dificulta as análises da conjuntura.

Existe contudo um factor, chamemos-lhe preponderante, da evolução


da conjuntura económica, uma vez que influencia decisivamente o ambiente
de negócios, que é o mercado da energia. E, hoje, qualquer unidade de
informações estratégicas de apoio à tomada de decisão, competente, não
pode deixar de “acompanhá-lo” sistematicamente de modo a obter uma
percepção global do seu comportamento, incluindo os seus principais “com-
ponentes pessoais”. Ou seja, é necessário “vigiar” elementos como discur-
sos, artigos, entrevistas ou conferências, por exemplo, dos gestores de topo
das companhias que lideram o mercado, pois aí se podem detectar tendên-
cias da evolução da situação ou mesmo esboços credíveis de avaliações
prospectivas com um certo grau de probabilidade.

Ora, é sob este ângulo que adquire especial relevância a conferência


proferida na semana passada por John Browne, Group Chief Executive da
British Petroleum (BP), num antigo e prestigiado “think tank” de
Washington – The Brookings Institution -, precisamente porque nos encon-
tramos num momento decisivo do debate mundial sobre a segurança ener-
gética e as políticas públicas dos países mais desenvolvidos. Com efeito,
em quinze páginas, John Browne estabelece um diagnóstico da situação
mundial actual, introduz uma previsão do comportamento dos preços do
petróleo, constrói um cenário prospectivo optimista e expõe os planos e
investimentos da BP, a curto prazo, naquilo que considera ser o novo negó-
cio das energias alternativas.

O diagnóstico da situação actual configura o ponto de partida da análise


da evolução da conjuntura. Existe uma dinâmica progressiva da procura de
energia, que aumentou 15% nos últimos 5 anos, a economia cresceu mais
de 4% em 2004 – a maior taxa nas últimas três décadas – e as estimativas
apontam 200 milhões de novos consumidores por ano. É por isso que, jun-

157
tamente com outros factores como a guerra no Médio Oriente e o agrava-
mento das condições climatéricas em várias partes do globo, o preço do
petróleo subiu para o dobro em três anos. John Browne prevê no entanto
que, não obstante o aumento da procura, o preço vai estabilizar e mesmo
cair para um nível inferior, o que sugere a banda dos 40 dólares.

Actualmente, o horizonte do planeamento da indústria do gás e petróleo


é na ordem dos 30-40 anos, o que causa um sentimento elevado de inse-
gurança energética, mas este, por seu turno, está a estimular fortemente o
investimento nas energias alternativas, fortalecido pelos extraordinários
ganhos obtidos com a subida do preço do petróleo. Em 2020, daqui a 15
anos, mais de 40% da capacidade mundial de produção de electricidade
será substituída ou construída de novo. Até lá, a capacidade instalada de
produção de energias alternativas e renováveis triplicará. Agora é a opor-
tunidade de investir neste mercado emergente que poderá vir a valer 600
mil milhões de dólares. A BP vai por isso duplicar o investimento durante
os próximos dois anos, atingindo os 8 mil milhões em 2015, prevendo que
o negócio cresça entre 5 a 10 vezes.

Se nos colocarmos no ponto de vista global das empresas portuguesas,


esta percepção deve ser tratada como um quadro de referência para as infor-
mações estratégicas. E quem descurar a produção própria destas ficará
exclusivamente dependente de informação externa, em tempo diferido, com
efeitos negativos na competitividade. Obviamente, este quadro deverá ser
redefinido de modo periódico através de perguntas-chave formuladas ao
nível da tomada de decisão.

3.3. (In)Segurança Energética98

Um dos grandes problemas que se colocam a quem tem de traçar cená-


rios e fazer previsões, comum, por exemplo, nos departamentos de análise
dos serviços de informações, é a de ter de escolher com frequência, por
falta de dados completos ou minimamente suficientes, entre a avaliação
prospectiva optimista e a pessimista. Na verdade, quanto menos dados exis-
tem, maior é o problema e maior também a tendência de se optar pelo cená-

98 Publicado 25 de Janeiro de 2007.

158
rio pior. Mas, para todos os efeitos, quem domina é a incerteza, até o futuro
se tornar presente.

Este género de situação ocorre particularmente nos momentos de crise,


em especial quando são mais graves e quando paira no ar a idéia de que
as coisas não podem ficar piores. Os analistas avisados, mesmo os que não
são pessimistas por natureza, seguem nestes momentos, por cautela meto-
dológica, o princípio de que “se as coisas não podem ficar piores, então é
porque vão mesmo ficar”. A lógica subjacente é óbvia: mal por mal, mais
vale prever o pior e depois ficar com o melhor, se fôr caso disso. (Importa
no entanto sublinhar que isto verifica-se quando não existem boas infor-
mações estratégicas, credíveis, e consequente capacidade prospectiva).

A situação actual da segurança energética pode de certo modo ser lida


sob este ângulo. Por um lado, com alguma flutuação dos preços do petróleo,
parece que existe uma possibilidade ou mesmo probabilidade de as coisas
ficarem melhores, mas, por outro lado, é certo que as reservas serão cada
vez menores e o crescimento global cada vez maior, isto é, a procura será
crescentemente maior que a oferta. Porém, paira no ar a idéia de que as
energias alternativas irão resolver o problema, cenário no qual tem lugar o
gás natural.

Não parece provável que isto venha a acontecer, pelo menos a curto ou
médio prazo, o que significa que as coisas vão continuar a piorar. Os grandes
investimentos que estão a ser realizados neste sector, a nível mundial, não
podem contudo deixar de ser feitos, porque, face à insegurança energética
que de facto existe, percepcionada como tendência prolongada, estamos em
pleno domínio da gestão de crises, ou seja, dos planos de contingência para
atacar em tempo desejadamente útil os problemas. Mas a questão também é
que, nesta época de velocidade tecnológica, parece só haver tempo para
saltar de plano de contingência em plano de contingência.

No que respeita concretamente ao gás, os Estados Unidos, por exemplo,


estão neste momento a criar um “fundo estratégico para a eficiência ener-
gética e reservas renováveis”. No nosso caso, não podemos pensar que esta-
mos relativamente tranquilos com a nossa dependência ou projectada inter-
dependência com a Argélia. É o melhor caminho, mas infelizmente a
insegurança energética veio para ficar.

159
Como estamos integrados na Europa e somos grandes importadores,
temos de estar atentos a todos os factores relevantes que interferem nessa
insegurança, porque estes repercutir-se-ão na nossa economia. Um desses
factores é o gás natural da Rússia – o maior exportador do mundo neste
sector – que apresenta uma tendência de subida do seu preço a prazo, asso-
ciada a uma geopolítica de afirmação enquanto superpotência energética.
Para se ter uma idéia, é o principal fornecedor de gás da Europa, com mais
de 90% das suas exportações. Totalmente dependentes, incluindo os ex-
países da Europa do Leste, são a Bielo-Rússia, Bulgária, Estónia, Finlândia,
Geórgia, Letónia, Lituânia, Moldávia e Eslováquia. Fortemente dependentes
são a Aústria, Grécia, Hungria e República Checa, e também a Turquia.
Menos dependentes, mas todavia importadores de peso, são a Alemanha,
Eslovénia, Itália, Polónia e Roménia.

Esta conjuntura deve ser acompanhada com informações estratégicas,


com construção de cenários e avaliações prospectivas contínuas. Embora
ainda subvalorizado, isto é um elemento vital de competitividade das empre-
sas portuguesas nos dias que correm.

3.4. O Novo Líder da BP99

A BP é a segunda maior companhia do mundo, a seguir à sua rival ame-


ricana Exxon, na indústria global do petróleo e gás. É uma empresa-chave
no processo de globalização em curso e, portanto, na perspectiva das infor-
mações estratégicas, qualquer alteração na sua liderança, como está agora
a acontecer, deve ser acompanhada no sentido de se avaliar as eventuais
repercussões dessa mudança nos mercados e, consequentemente, nas
empresas. Aqui, neste espaço, cabe apenas uma pequena pista.

O ainda CEO em exercício, John Browne, sai do cargo dezoito meses


antes do planeado, inesperadamente, sob críticas à sua gestão na sequência
de uma série de falhas de segurança em algumas instalações, como a explo-
são na refinaria do Texas que matou quinze pessoas e feriu quase duzentas,
em 2005, ou depois o grande derrame de petróleo no Alasca com negativas
consequências ambientais. Há poucos dias atrás foi divulgado um relatório

99 Publicado em 1 de Fevereiro de 2007.

160
sobre os problemas da gestão de segurança da BP, encomendado a um
painel independente coordenado por James Baker, que definitivamente
apressou a sua saída.

Mas John Browne foi um líder carismático da BP, para a qual entrou
em 1966, tendo-se tornado em 1995, com 47 anos, o mais novo CEO de
sempre da companhia, após o seu potencial ter sido superiormente identi-
ficado, ainda jovem. Foi assim sujeito a um programa de “fast track”, pró-
prio da cultura de gestão da BP, que o fez subir até ao topo da hierarquia,
passando por várias funções e adquirindo experiência sobre o funciona-
mento global da companhia.

O agora seu sucessor e novo líder indigitado, Tony Hayward, de 49


anos, é também ele próprio fruto de uma programa de “fast track” lançado,
por seu turno, por John Browne. Tony Hayward, detentor de um doutora-
mento em Geologia, faz parte de um pequeno grupo de jovens talentosos
e competitivos executivos da BP, assinalados no início dos anos 90, a que
foi dada a alcunha de “tartarugas ninjas”. É pois em certa medida um dis-
cípulo de John Browne – foi aliás seu assistente – mas as suas opiniões
tornadas públicas ao longo de 2006, onde se incluem críticas ao estilo de
liderança da companhia como sendo “demasiado directiva e pouco dispo-
nível para ouvir as bases da organização”, indicam que haverá mudanças
nesse mesmo estilo.

É também provável que Tony Hayward introduza alterações na estratégia


da BP. Talvez a questão fundamental seja a de se saber se será mantido o
mesmo nível de investimento nas energias renováveis e alternativas que
John Browne defendia. Neste aspecto, Tony Hayward parece não ter uma
postura tão “ambientalista” quanto o antecessor. A sua atenção está sobre-
tudo focada no desenvolvimento tecnológico e o seu discurso em torno da
inovação e do papel da energia na história da humanidade é sintomático.

Para Tony Hayward, a inovação é a força que preenche as necessidades


da humanidade desde a invenção da roda até à invenção da internet. E a
história da indústria da energia é a da inovação constante à procura de novas
formas de satisfazer a procura crescente. A população aumentará em 3 mil
milhões de pessoas no próximo meio século, o que explica o crescimento
da procura mundial a 3% ao ano. Existindo ainda no horizonte 40 anos de

161
reservas provadas de petróleo e 65 anos em gás, uma solução imediata é a
inovação tecnológica que está em vias de optimizar a exploração em águas
profundas e a baixas temperaturas, e nomeadamente o designado “tight
gas” que será cada vez mais importante.

O objectivo é, com a inovação, aumentar a produção e reduzir os custos,


continuando a tendência dos últimos cinco anos, traduzida num acréscimo
de recursos da BP na ordem dos 8 mil milhões de barris. Para isto, Tony
Hayward confia no investimento que a BP realizou na formação da equipa
de geólogos e, em grande medida, no centro de “super-computadores” que
é considerado o maior do sector privado nos Estados Unidos. Angola é um
do locais onde a inovação tecnológica da BP está já a ser aplicada.

162
II – A GRANDE AMEAÇA TERRORISTA

Al-Qaeda

1.1. Onde Está Bin Laden?100

A resposta completa a esta pergunta vale 25 milhões de dólares de


recompensa do Governo americano. Desde a Batalha de Tora Bora no
Afeganistão, em Dezembro de 2001, quando Bin Laden desapareceu sem
deixar rasto, o embaraço é tal que o Governo americano e os serviços secre-
tos se têm visto obrigados a minimizar a sua captura enquanto objectivo
prioritário da Guerra contra o Terrorismo.

Passado um ano sem notícias do seu paradeiro, a sua morte chegou a ser
anunciada como muito provável, até que em Novembro de 2002 a voz foi iden-
tificada numa cassette contendo apelos e ameaças de novos ataques contra os
Estados Unidos e seus aliados. Mais recentemente, já em 2004, a agência de
notícias iraniana fez circular a notícia de que Bin Laden tinha sido capturado
pelos americanos na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão e que estes o
mantinham secretamente preso para poder vir a servir de trunfo eleitoral do
Presidente Bush, o que de imediato foi oficialmente desmentido.

A fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão é com efeito o local do


esconderijo de Bin Laden apontado pelos porta-vozes oficiais e pela gene-

100 Publicado em 1 de Maio de 2004.

163
ralidade dos analistas. Contudo, no meio da comunidade das informações
circulou desde logo a informação, desde Dezembro de 2001, de que ele-
mentos militares dos serviços secretos paquistaneses favoreceram a passa-
gem à Al-Qaeda para a região de Cachemira. Este é assim, até hoje, o local
mais provável do paradeiro de Bin Laden, o seu santuário. A região cor-
responde à vertente ocidental dos Himalaias e encontra-se em contínuo
estado de disputa e conflito entre a Índia e o Paquistão, há mais de cinquenta
anos, e existe uma zona a nordeste que entretanto foi anexada pela China.
Aí actuam três grupos terroristas com ligações à Al-Qaeda que são o perí-
metro de segurança de Bin Laden: o Harakat ul-Mujahedeen (“Combatentes
Islâmicos da Liberdade”), o Jaish-e-Muhammad (“Lutadores de
Muhammad”) e o Lashkar-e-Taiba (“Exército dos Puros”).

Cachemira é pois um enorme “barril de pólvora” por envolver a China,


o Paquistão e a Índia, e a coligação anglo-americana vê-se impedida de
projectar uma grande operação na região. Do alto dos Himalaias, intocável,
Bin Laden continua assim a comandar as suas tropas por controlo remoto.
Veremos se esse controlo é eficaz nos próximos três meses de tréguas que
anunciou há alguns dias atrás como “uma porta aberta aos nossos vizinhos
a norte do Mediterrâneo”.

1.2. O Modelo de Bin Laden101

O trabalho dos analistas nos serviços de informações é em parte dedi-


cado à construção de perfis de homens e mulheres que desempenham
papéis-chave na evolução de determinados acontecimentos. Conhecer a
maneira de pensar dos “alvos”, até ao mais pequeno pormenor, é o objectivo
principal. A partir do momento em que se detém tal conhecimento torna-
se possível prever comportamentos e, como dizia Camões, “adivinhar peri-
gos e evitá-los”.

Neste momento, por todo o mundo, os serviços secretos têm uma ficha
de Bin Laden nas suas respectivas bases de dados, contendo informações
pessoais, elementos biográficos, ligações e contactos, financiamentos,
modus operandi e uma análise dos seus traços psicológicos e intelectuais.

101 Publicado em 5 de Junho de 2004.

164
Estes últimos são particularmente interessantes porquanto nos remetem
para as suas principais referências religiosas e históricas. Dentre estas
parece destacar-se a figura de Saladino, o sultão cavaleiro do século XII,
ainda hoje considerado um herói no mundo islâmico.

Salâh Ad-Dîn, ”o guardião da integridade religiosa”, nasceu em Tikrit,


no Iraque, e distinguiu-se por ter derrotado os cruzados e libertado o Médio
Oriente. A sua imagem é a de um homem piedoso mas ao mesmo tempo
implacável para com os seus inimigos, tanto muçulmanos como cristãos.
Ficou registada de forma impressionante na história a sangrenta decapitação
colectiva de centenas de cavaleiros templários após a Batalha de Hattîn,
em Julho de 1187, que abriu as portas à conquista de Jerusalém passados
dois meses. E por este facto é ainda hoje considerado um herói no mundo
árabe e o seu túmulo encontra-se na Síria, sendo um dos monumentos mais
célebres de Damasco.

A “djihâd” atingiu o apogeu no reinado de Saladino e ainda hoje


permanece a dúvida se – à semelhança de Bin Laden e da Al-Qaeda –
se tratou de um movimento de circunstância ou de convicção. De qualquer
modo a invocação da “djihâd” tem servido ao longo da história para
justificar operações militares, sendo entendida como uma obrigação
colectiva que a comunidade muçulmana delega num líder de modo a
que este conquiste ou reconquiste as cidades e regiões consideradas
parte da esfera de influência do Islão. Neste aspecto central, o discurso
de Bin Laden mantém-se inalterado relativamente ao de Saladino e é
esclarecedor notar na reprodução exacta do termo “cruzados” para carac-
terizar os inimigos infiéis. E não parece também coincidência a seme-
lhança estética da aparência de Bin Laden com as raras imagens existentes
da figura de Saladino.

Os serviços secretos, nomeadamente americanos, têm pois razões


para neste momento estarem particularmente preocupados com a pos-
sibilidade da ocorrência de um grande atentado no Verão. É que face
ao simbolismo que a organização de Bin Laden aparenta atribuir a deter-
minados números e datas, as avaliações da ameaça não podem ignorar
que Saladino derrotou os “cruzados” em Hattîn no dia 4 de Julho, o
dia da América.

165
1.3. O Embaixador de Bin Laden102

A Al-Qaeda constitui um problema maior para os “serviços de infor-


mações” pela seguinte razão: a sua organização é de tal modo secreta que
se afasta largamente do “modus operandi” tradicional dos movimentos ter-
roristas como a ETA, o IRA ou mesmo as velhas Brigadas Vermelhas. Isto
introduz um elemento de incerteza que causa alguma frustração e nervo-
sismo. Em vez de indivíduos completamente “fichados” – apresentando a
dificuldade de serem localizados e vigiados quanto aos seus movimentos,
contactos e projectos -, estamos perante desconhecidos que, por seguirem
estritamente a “regra do segredo”, desenvolvem acções invisíveis e impre-
visíveis.

Preparados para o suicídio – a que chamam “martírio” – vão buscar a


sua força anímica ao Islão e aos seus orientadores espirituais. O mais
famoso desses orientadores é o Sheik Mahmoud Abu-Omar, mais conhecido
por Abu Qatada, um jordano de origem palestina, de 44 anos de idade, que
passou a viver em Londres, a partir de 1994, sob o estatuto de exilado polí-
tico. Considerado no seio da comunidade islâmica como um dos mais dis-
tintos académicos do Corão, Abu Qatada conseguiu ludibriar o MI5 durante
bastante tempo – até ao 11 de Setembro – fazendo crer ao serviço britânico
que aceitava desempenhar o papel de “informador” dos movimentos radicais
islâmicos, nomeadamente dos recém-chegados ao Reino Unido. O MI5 não
deu por isso ouvidos aos serviços americanos quando estes reclamavam
que Abu Qatada era “o embaixador de Bin Laden na Europa”. Na realidade,
entre outros, aconselhava Djamel Beghal, o terrorista de origem argelina
que preparava um ataque suicida contra a Embaixada dos Estados Unidos
em Paris, em Julho de 2001.

Abu Qatada foi pois neste caso um típico “agente duplo”, acabando por
entrar na clandestinidade dois meses após o 11 de Setembro. No aparta-
mento de Hamburgo de Mohamed Atta – o mais conhecido dos terroristas
do ataque às torres gémeas – foram encontradas 19 cassetes vídeo com as
suas pregações. Seria finalmente detido em Outubro de 2002, encontrando-
se neste momento numa prisão britânica de alta segurança. Contudo, foi
descoberto que isto não o impediu de continuar a desempenhar o seu papel.

102 Publicado em 4 de Julho de 2004.

166
Da prisão, autorizou por telemóvel o suicídio colectivo, no passado mês de
Abril, dos terroristas do 11 de Março que se encontravam cercados num
apartamento de Madrid. Por outro lado, é agora também acusado de orientar
a rede terrorista Al-Tawhid, chefiada por Abu Musab Zarqawi, que tem
estado particularmente activa no Iraque, sendo nomeadamente responsável
pelas “degolações” de ocidentais mantidos em cativeiro, de acordo com o
preceito de que se tratam de “animais”.

Abu Qatada nega todas as acusações e afirma que o seu caso se insere
numa perseguição ocidental a todos os muçulmanos. Mas ao mesmo tempo
vaticina: “penso que o futuro produzirá, para as nações ocidentais, muçul-
manos mais violentos que os que existem agora.”

1.4 O Manual da Al-Qaeda103

É um dado adquirido que a Al-Qaeda faz um uso extensivo da “internet”


para fins operacionais e de propaganda. Regularmente vão emergindo “publi-
cações electrónicas” em árabe que integram estes dois fins. Os seus editores
conseguem manter-se indetectáveis por via da mobilidade que as novas “liga-
ções sem fios” permitem, ou noutros casos vão mudando de “endereço” entre
as demoras inerentes aos processos da sua localização por parte das autori-
dades.

Entre as mais recentes dessa publicações conta-se, por exemplo, o


“Maaskar al-Bataar” (O Campo de Treino de Al-Bataar), um manual edi-
tado por um grupo autodenominado “Comité Militar dos Mujahidin da
Península Arábica”, possivelmente sediado na Arábia Saudita. Al-Bataar é
o “nome de guerra” do Sheik Yousef al-Ayiri, apontado como um ex-mem-
bro do núcleo de segurança de Bin Laden que morreu em 2003 num tiroteio
com as forças policiais sauditas. O “Maaskar al-Bataar” contém princi-
palmente informação sobre operações militares e de guerrilha, técnicas de
sobrevivência em zonas rurais e urbanas e “dicas” sobre segurança e infor-
mações, destinando-se claramente aos jovens muçulmanos que pretendem
juntar-se às fileiras dos militantes.

103 Publicado em 22 de Agosto de 2004.

167
Mas o documento mais famoso deste género é sem dúvida o designado
“Manual de Treino da Al-Qaeda”, que é de facto uma peça formativa e
informativa de elevado nível e também interesse para qualquer terrorista
“neófito”. Foi paradoxalmente divulgado pelo FBI, porém no contexto do
julgamento (em Maio de 2001) dos autores dos atentados às embaixadas
americanas em Nairobi e Dar es Salam em 1998. Logo após o 11 de
Setembro foi de novo utilizado pelas autoridades americanas para defen-
derem que os terroristas praticavam actos de guerra, e não somente crimes,
e por isso deveriam ser julgados por tribunais militares.

O “Manual de Treino da Al-Qaeda” foi encontrado em 10 de Maio de


2000, no Reino Unido, pela Polícia de Manchester numa busca à residência
de um suspeito. Contém cerca de 100 páginas sob a forma de 18 lições que
cobrem todo o espectro da doutrina militar e subversiva e das técnicas de
informações e segurança, incluindo métodos de falsificação de moeda e
documentos, de tortura, de raptos e assassinatos.

A lição nº 12 é particularmente inquietante para os serviços secretos


pois trata da espionagem sob cobertura. Isto significa que, do ponto de
vista dos departamentos de contra-espionagem, é elevada a probabilidade
de estarem a decorrer neste momento acções de recolha de informações
sobre um número indeterminado de potenciais alvos de atentados. E é pos-
sível que das grandes “operações” como Nova Iorque ou Madrid se passe
para a “espectacularidade” do assassinato de uma individualidade extrema-
mente mediática.

1.5. A Jogada de Bin Laden104

A estratégia de Bin Laden é preocupante e está à vista de todos, mas


as suas manobras tácticas não deixam de causar perplexidade à comunidade
internacional e em particular aos serviços secretos. A última cassete trans-
mitida pela televisão árabe al-Jazeera revelou o seu propósito de condicionar
as eleições americanas. Porém, analisando a comunicação sob todos os
ângulos e os seus dezoito minutos de conteúdo, esse não foi o seu principal
objectivo.

104 Publicado em 07 de Novembro de 2004.

168
A cassete é uma peça de guerra psicológica, mas sobretudo de propa-
ganda que em primeiro lugar se destina a demonstrar, perante o mundo
islâmico, o poder da al-Qaeda e de Bin Laden, que relembra manter-se
incapturável três anos após o 11 de Setembro. A intenção é animar os
muçulmanos na luta contra o Ocidente, especialmente contra os israelitas,
os americanos e os regimes árabes considerados seus aliados e corruptos,
sublinhando Bin Laden a sua condição de homem livre e resistente à tirania
daqueles que pretendem acabar com o modo de vida islâmico. A imagem
que emprega para caracterizar a situação é a de uma criança indefesa
atacada por um crocodilo, animal que num encontro com qualquer ser
humano só entende a linguagem das armas.

Não é pois coincidência que a cassete tenha sido divulgada numa 6ª


feira, dia de oração e concentração massiva dos muçulmanos em todo o
mundo. Nesse dia, a al-Qaeda marcou o tema das conversas entre muçul-
manos. Quatro dias depois, na data das eleições americanas, o realizador
holandês Theo Van Gogh era assassinado em Amesterdão, por um jovem
imigrante marroquino, por causa do documentário que realizara sobre a
condição feminina islâmica. Fica a dúvida se a determinação do jovem foi
ou não animada pela cassete do líder da al-Qaeda.

Mas a jogada de Bin Laden levanta outra dúvida relativamente a duas


ocorrências nessa mesma semana, passadas despercebidas: o lançamento de
duas “enciclopédias”, tal como são designadas nos meios da Jihad. Uma,
intitulada American Hell 2, foi publicada em dois suportes – electrónico e
impresso – e é da autoria de al-Zarqawi, o homem mais procurado do Iraque,
contendo os seus discursos e escritos, incluindo uma selecção de imagens
registadas em vídeo das operações de bombistas suicidas e degolação de
reféns. A capa é uma composição de fotos de al-Zarqawi em diferentes perío-
dos da sua vida. A outra é um Manual de Informações da autoria de Seif Bin
Adel, tido pelos serviços secretos ocidentais como o chefe das informações
da al-Qaeda. Os capítulos tratam de temas como o recrutamento, a activação
de combatentes, os disfarces permitidos pelos preceitos religiosos, a contra-
inteligência e os processos criptográficos via internet.

É possível que estes factos estejam directamente relacionados com a divul-


gação da cassete de Bin Laden, tendo por objectivo aumentar entre a juventude
o contigente de seguidores e potenciais candidatos a operacionais da al-Qaeda.

169
1.6. O Esconderijo de Bin Laden105

Quatro anos após o 11 de Setembro, não saber onde está Ossama Bin
Laden continua a ser a mais incómoda questão da luta contra o terrorismo
islâmico transnacional. E é incómoda na medida em que põe em causa a
eficácia dos serviços de informações ocidentais, em especial dos america-
nos, ao mesmo tempo que estimula o sentimento de invulnerabilidade dos
actuais e potenciais terroristas em todo o mundo.

Nestes anos têm surgido, um tanto periodicamente, notícias sobre a sua


localização, merecendo particular atenção a que aponta para um lugar algu-
res na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão. Mas a notícia mais cre-
dível, colhida logo após a invasão do Afeganistão, e que circulou então na
comunidade de informações ocidental, refere que o líder da al-Qeda se
escondeu na região de Cachemira. Porém, esta zona montanhosa e proble-
mática, disputada pela Índia, Paquistão e China, é um obstáculo muito
difícil de contornar do ponto de vista político e logístico.

Do ponto de vista político, é também complicado, em concreto no que


respeita à relação do governo americano com a opinão pública interna, reco-
nhecer que se sabe onde está Bin Laden e, depois, não se proceder à sua cap-
tura. É nesta perspectiva que se compreende que o director da CIA, Porter
Goss, no passado mês de Junho, tenha afirmado publicamente que tinha uma
“boa ideia” do local do esconderijo, e que, logo de imediato, o porta-voz da
Casa Branca, Scott McLellan, tenha esclarecido que, não obstante, a incer-
teza permanecia elevada sobre a localização precisa do seu paradeiro.

Na semana passada, voltaram a circular notícias, nos meios de comu-


nicação social, sobre o facto de Bin Laden se encontrar doente e estar a
procurar tratamento médico, sugerindo-se que havia conhecimento dos seus
passos. A fonte citada era o coronel americano Don McGraw, chefe das
operações militares no Afeganistão, mas o governo americano já fez um
desmentido formal, assinalando que o oficial em causa não proferira tal
afirmação. A verdade é que, quatro anos depois, e até ao momento, não há
informações credíveis sobre o assunto.

105 Publicado em 18 de Setembro de 2005.

170
Com efeito, não existe hoje consenso, nos Estados Unidos, no seio da
comunidade de informações, sobre a localização do esconderijo de Bin Laden
e sobre a magnitude da ameaça da al-Qaeda. Uma corrente afirma que a lide-
rança se encontra encurralada e fragilizada, apesar de permanecer incapturá-
vel, e consequentemente a organização não tem capacidade de coordenar ata-
ques de escala idêntica ao do 11 de Setembro. Outra corrente defende que a
cadeia de comando se mantém funcional, que existem células em cerca de
100 países e que tais ataques são não só possíveis como prováveis.

Importa por isso sublinhar que, no confronto estratégico e assimétrico em


curso, a iniciativa e a surpresa continuam do lado dos terroristas. E, enquanto
Bin Laden não fôr capturado, o poder anímico e simbólico da al-Qaeda conti-
nuará elevado e será um íman para milhares de jovens islâmicos.

1.7. A Ameaça de Ossama Bin Laden106

Depois de um longo período de silêncio, durante o qual se chegou a


especular sobre a sua eventual morte, Ossama bin Laden fez ouvir a sua
voz através de uma cassete audio, que terá sido gravada em Dezembro. A
mensagem que emitiu é porém suficientemente ambígua ao avisar o mundo
de que está em preparação um novo atentado, ao mesmo tempo que sugere
tréguas aos Estados Unidos.

Os analistas estão pois a tentar descortinar qual a real intenção de bin


Laden e se a ameaça por si produzida é credível ou não. Uma opinião ava-
lizada é a de Richard Clarke, antigo responsável máximo pelo contraterro-
rismo americano, para quem o significado da mensagem é o do que Bin
Laden ainda está vivo e de que este não produziria a ameaça se corresse o
risco de não a poder concretizar a curto prazo. Por seu turno, Mustafa Alani,
do Gulf Research Centre do Dubai, afirma que se existisse um plano de
ataque, bin Laden não o revelaria, e por isso a ameaça deve ser analisada
na perspectiva da guerra psicológica. É neste ângulo que se coloca também
Jeremy Bennie, da Jane s Weekly, uma reputada publicação de defesa e
informações, defendendo que a al-Qaeda quer simplesmente promover a
imagem de que pode lançar um ataque no local e no momento que bem

106 Publicado em 22 de Janeiro de 2006.

171
entender, e de que o seu núcleo dirigente continua a ter a organização sob
controlo.

Para todos os efeitos, continua a existir um enorme e exasperante défice


de informações sobre a al-Qaeda, em grande parte devido ao modelo de
secretismo da organização. Por exemplo, é sintomático o facto de os Estados
Unidos pretenderem levar a cabo uma investigação ao ADN das vítimas do
ataque aéreo lançado há alguns dias contra uma localidade na fronteira
entre o Afeganistão e o Paquistão, por suspeita de que aí se encontrava al
Zawahiri, o número dois da al-Qaeda.

No entanto, na perspectiva dos serviços de informações, esta situação


constitui também um desafio organizacional que, nomeadamente no Estados
Unidos, tem vindo a suscitar uma resposta que se afigura cada vez mais tec-
nicamente competente. Note-se que, ao contrário de ocasiões anteriores, a
CIA demorou menos de 12 horas a confirmar que se tratava da voz de bin
Laden. Isto significa que, por meio do investimento e da investigação que
têm vindo a ser realizados na área do “software” especializado nos vários
sectores das informações, e em es pecial no âmbito da biometria, se atingiu
já um nível elevado nos programas de reconhecimento de voz e árabe.

Por outro lado, esta gravação audio de bin Laden é de uma qualidade
muito inferior à de al Zawahiri divulgada há pouco tempo atrás, o que
sugere que os dois se encontram em locais diferentes. A cadeia de comando
da al-Qaeda poderá pois estar fragmentada e assim, do ponto de vista ope-
racional, a sua ameaça não será tão elevada quanto bin Laden quer fazer
crer. Na verdade, a al-Qaeda não conseguiu, desde o 11 de Setembro, pro-
duzir um atentado a partir da sua estrutura central, mas somente a partir
de estruturas locais filiadas e autónomas.

1.8. A Metamorfose da Al-Qaeda107

A al-Qaeda (A Base) mudou desde os atentados de 11 de Setembro.


De então para cá, passou de pequeno grupo terrorista a movimento e ideo-
logia capaz de influenciar o comportamento de um número indeterminado

107 Publicado em 12 de Fevereiro de 2006.

172
de muçulmanos no sentido de agirem violentamente contra alvos america-
nos, europeus, israelitas e mesmo contra outros muçulmanos. Naquela
altura, os atentados foram levados a cabo por operacionais enviados a partir
da “base”, os quais receberam orientações e apoio logístico do núcleo de
comando da organização. De modo diferente, no ano passado, os atentados
de Londres, da Indonésia ou da Jordânia foram executados por elementos
locais que não possuíam assistência directa da organização, e o mesmo
fenómeno se passa no Iraque com a insurreição liderada por al Zarqawi.

A al-Qaeda mantém uma organização próxima das sociedades secretas


mas é hoje mais uma federação que uma cadeia de comando rigidamente
hierárquica. As chamadas células, que ao que tudo indica estão a crescer
como cogumelos a nível mundial, situação que preocupa prioritariamente
os serviços de informações, são antes “franchisings”. Estas funcionam
autonomamente de acordo com a “carta de princípios” do movimento, isto
é, a fatwa lançada em 1998 por bin Laden sob a designação Frente Islâmica
Mundial para a Guerra Santa contra os Judeus e Cruzados. A fatwa declara
que é um dever individual de qualquer muçulmano atacar judeus e cruzados
onde quer que estejam.

Não obstante a chamada guerra global contra o terrorismo, os números


mostram que as vítimas mortais (ocidentais e não-ocidentais) dos atentados
da al-Qaeda depois do 11 de Setembro cresceram cerca de 100%, não con-
tando com o Iraque, o Afeganistão e o Cáucaso. Do ponto de vista estra-
tégico a explicação é que, ao passar de grupo a movimento, a al-Qaeda
atingiu um elevado nível de expansão geográfica e, apesar de inferiormente
treinados, um número de operacionais “free lancers” que consegue maior
frequência de ataques. Embora não mediatizados, já ocorreram inclusiva-
mente atentados suicidas no Bangladesh.

Com efeito, os movimentos e as ideologias são muito mais díficeis de


“matar” que os indivíduos e por isso, face a circunstâncias como a das cari-
caturas de Maomé, é muito provável que o movimento da al-Qaeda esteja
a ver a sua estrutura social reforçada não só com simpatizantes mas também
com militantes, ou seja, operacionais. Assim, de repente, as caricaturas
aumentaram o nível da ameaça e travaram os movimentos europeus de líde-
res islâmicos moderados.

173
Na verdade, a ameaça dos extremistas, hoje, é um perigo constante que
pode ser espoletado por tudo e por nada. Uma vez que os estados democráticos
não controlam o pensamento e a expressão dos cidadãos, não podem controlar
de facto o nível da ameaça. E com mais de 4000 sítios referenciados na
internet, para além da componente armada, o movimento da al-Qaeda está,
neste momento, no centro da mobilização político-religiosa anti-ocidental.

1.9. A Força da Al-Qaeda108

No espaço de alguns dias, neste mês de Junho, a al-Qaeda sofreu dois


golpes. Um foi a detenção, no Canadá, de uma célula de 17 indivíduos que
preparavam várias acções terroristas. Outro foi a morte de al Zarqawi, o
líder do terrorismo no Iraque. Uma questão que se coloca desde já, do ponto
de vista dos serviços de informações, é saber se esses desaires são ou não
rudes golpes na componente operacional da organização, ou pelo menos
no seu sistema de células autónomas.

No caso dos “Canadá 17”, como a imprensa titula agora o grupo, esta-
vam a ser preparados, contra alvos em Toronto e Otava, atentados à bomba,
assaltos à mão armada e raptos com degolação das vítimas. Mas um dado
preocupante é o de terem mantido contacto com dois outros suspeitos ter-
roristas nos Estados Unidos, Ehsanul Islam Sadequee e Syed Haris Ahmed,
entretanto presos, e também com outro em Inglaterra, Younis Tsouli, tam-
bém entretanto preso, que era um “hacker” ou “ciberwarrior” que operava
sob o nome de código “Irhabi007”.

Isto significa que se pode estar perante um novo modus operandi da al-
Qaeda, sendo os “Canadá 17” parte de uma rede internacional de células
locais. Deste modo, com um sistema cifrado de comunicações via internet,
em árabe, poderá estar a ser montada uma estrutura complexa com vários
níveis de coordenação que possibilite ataques simultâneos contra alvos geo-
graficamente distintos. É a partir deste cenário que os serviços de informa-
ções estão a conduzir operações não só de vigilância electrónica mas também
de infiltração na internet, para estabelecerem relações com suspeitos terro-
ristas, tal como acontece no combate à pedofilia.

108 Publicado em 11 de Junho de 2006.

174
Contudo, a tarefa é muito difícil porque o número de potenciais terro-
ristas está aumentar, são cada vez mais jovens e cidadãos dos países oci-
dentais, como os “Canadá 17”. É a “Geração Y”, social e culturalmente
híbrida, que domina as novas tecnologias e está menos preocupada com a
ideologia sofisticada de restauração do Califado que com a vingança contra
o que vê na televisão e na internet como a agressão contra os muçulmanos
em todo o mundo.

Quanto a al Zarqawi, é sem dúvida um vitória dos serviços de informações


americanos que conseguiram recrutar fontes no seu círculo mais próximo de
relações, ao que tudo indica por intermédio dos serviços jordanos. De facto, a
operação foi potenciada pela prometida recompensa de 25 milhões de dólares,
no que respeita à penetração do perímetro de segurança de al Zarqawi até aqui
garantido pelos sunitas. É que a morte do líder da al-Qaeda no Iraque terá sido
uma parte do pacote negociado pelo primeiro-ministro Maliki com os líderes
sunitas, que incluíu a nomeação de Abdel Qader al Obeidi para ministro da
defesa e a libertação de 2000 rebeldes sunitas.

Mas a verdade é que imediatamente após ter sido morto, al Zarqawi


passou a ser um mártir e um novo exemplo para os mais jovens, e existe o
elevado risco de a operação alargar a base de apoio sunita dos rebeldes e
da al-Qaeda.

1.10. A Propaganda da Al-Qaeda109

Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha estão seriamente preocupados


com a eficácia revelada pela propaganda da Al-Qaeda no mundo muçul-
mano, nos teatros de guerra do Afeganistão e do Iraque e nos jovens islâ-
micos dos seus próprios países. Na semana passada, o presidente Bush refe-
riu-se-lhe directa e demoradamente, afirmando que tal propaganda “tenta
dividir a América”, e o assunto foi também objecto de uma reunião de
emergência no ministério britânico dos assuntos internos com os principais
responsáveis pelo sistema de informações, da qual transpareceu a notícia
de que as autoridades irão “tirar as luvas” no combate ao terrorismo islâmico
interno.

109 Publicado em 22 de Outubro de 2006.

175
Esta preocupação não é nova. No início do ano, o próprio Donald
Rumsfeld alertou para a ameaça da propaganda da Al-Qaeda e afirmou que
os terroristas se tinham adaptado melhor que os Estado Unidos neste tipo
de guerra. Defendeu então a necessidade de se criar uma máquina de pro-
paganda que funcionasse ininterruptamente 24 horas por dia, ligada a um
sistema de planeamento de comunicações governamental, o que ainda não
aconteceu.

De facto, em comparação com os anos anteriores, a propaganda da Al-


-Qaeda tem crescido acentuadamente neste ano de 2006. No centro do pro-
cesso está a Al Sahab, isto é, “A Nuvem”, a produtora audiovisual cujo
símbolo identifica as principais mensagens da Al-Qaeda, incluindo as de
Bin Laden e Al Zawahiri. Em vez do arriscado esquema de fazer chegar
clandestinamente “cassetes” às televisões, como a Al Jazeera, a Al Sahab,
emitindo “press releases” por email, passou a carregá-las directamente na
internet, em banda larga, donde são depois reproduzidas tanto pelos meios
de comunicação social como pelos vários sítios virtuais filiados no terro-
rismo islâmico.

A qualidade técnica melhorou substancialmente, sendo visível que a Al


Sahab detém um estúdio em parte incerta com equipamento profissional
recente de produção e pós-produção, tendo começado inclusivamente a
introduzir legendas em inglês. Esta nova capacidade é em parte devida a
Adam Gadahn, aliás Azzam Al Amriki (“o Americano”), o cidadão ameri-
cano de 28 anos convertido ao islamismo que se juntou à Al-Qaeda. Al
Amriki tem aparecido, particulamente neste ano de 2006, a discursar em
inglês nos vídeos da Al Sahab, a última vez das quais no mês passado, ao
lado de Al Zawahiri, na mensagem comemorativa do 11 de Setembro.

Adam Gadahn, incluído na lista dos mais procurados do FBI (que


atribui uma recompensa de 1 mihão de dólares a quem fornecer informações
sobre o seu paradeiro), foi por isso, há poucos dias atrás, judicialmente acu-
sado de traição, um dos crimes mais graves nos Estados Unidos. Por seu
turno, os serviços de informações britânicos acusam-no de ser o cérebro
das operações de propaganda da Al-Qaeda no Reino Unido, onde existem
cerca de 1500 suspeitos sob vigilância. Americanos e britânicos estão agora
a planear operações psicológicas cobertas junto das respectivas audiências-
chave.

176
1.11.A Ameaça Nuclear da Al-Qaeda110

O presidente Bush avisou a Coreia do Norte, na sequência dos recentes tes-


tes nucleares, que sofrerá consequências se fornecer material nuclear ao Irão
ou à Al-Qaeda. Esta referência, neste contexto, à organização liderada por
Ossama Bin Laden traduz a preocupação crescente nos Estados Unidos com a
possibilidade ou talvez a probabilidade de que esta venha a desencadear, a
curto, médio ou longo prazo, um atentado deste tipo em território americano.

A Al-Qaeda tem insinuado por vezes na sua propaganda, logo desde


pouco tempo após o 11 de Setembro, que possui ou está em vias de adquirir
essa capacidade, que alguns especialistas em terrorismo pensam limitar-se
à chamada “bomba suja”, um combinado de bomba tradicional e materiais
radioactivos que são espalhados com a explosão do engenho. Na realidade,
paira principalmente sobre os Estados Unidos a ameaça da “Hiroshima
Americana”, designação atribuída na sequência do aviso emitido por Abu
Gheith em nome de Bin Laden, em Junho de 2002, reclamando o direito
de matarem 4 milhões de americanos.

A incerteza reside neste momento em grande medida na dificuldade de


avaliar com precisão o tipo e o grau da ameaça: será mesmo real ou somente
uma peça de propaganda e guerra psicológica da Al-Qaeda? As informações
dos serviços secretos e dos líderes ocidentais vindas a público sobre esta
matéria são escassas e prestam-se a várias interpretações. No ano passado,
por exemplo, Condolleza Rice revelou, sem mais detalhes, que já tinham
ocorrido 11 intercepções de sucesso no âmbito da Proliferation Security
Iniciative (PSI), sistema de controlo marítimo entre Estados lançado em
Maio de 2003, na reunião do G8, em que participam hoje mais de 60 países.

Mas o controlo do eventual contrabando desta natureza destinado à Al-


-Qaeda, por via marítima, é um quebra-cabeças. Só no caso dos Estados
Unidos, a situação é a seguinte: recebe cerca de 8 milhões de contentores
por ano, dos quais somente 4%, ou seja, 320 mil, são integralmente ins-
peccionados. Juntamente com a estimativa de que após o final da guerra
fria terão sido roubados ou perdidos ou desaparecidos 22 mil engenhos
nucleares tácticos da ex-URSS, e dos rumores que circulam que a Al-Qaeda

110 Publicado em 29 de Outubro de 2006.

177
terá comprado no mercado negro alguns desses engenhos, cujos materiais
estão a chegar ao final do prazo de validade, esta situação presta-se à ela-
boração de cenários de facto aterrorizadores.

Estes cenários fazem já parte da rotina da análise dos serviços de infor-


mações e a tendência parece ser a de considerar a ameça credível. Para já,
foi também agendada para esta semana, em Marrocos, sob a iniciativa con-
junta dos Estados Unidos e da Rússia, uma reunião das 5 maiores potencias
nucleares mundiais com mais sete Estados convidados. O objectivo é pre-
cisamente alcançar um compromisso e um sistema de cooperação entre os
vários serviços de informações contra o acesso da Al-Qaeda e outros grupos
extremistas a materiais radioactivos e nucleares.

1.12. A Voz da Jihad111

A seguir à invasão do Iraque, a Al-Qaeda tornou-se particularmente


activa na Arábia Saudita, precisamente o país de onde é originário Ossama
Bin Laden. A partir de 2003, ocorreram vários atentados de vulto, raptos
e assassinatos de ocidentais. Particularmente arrojado foi o ataque suicida
levado a cabo contra a sede dos serviços secretos sauditas, e impressionante
foi a decapitação transmitida por vídeo de Paul Johnson, funcionário da
Lockheed Martin.

No entanto, exactamente no mesmo dia da morte deste último, os ser-


viços secretos sauditas infligiram um rude golpe nos terroristas, abatendo
o líder da Al-Qaeda no país, Abdel Aziz Al Muqrin. Isto desorientou o
grupo e este acabou por ser praticamente desmantelado, com os seus prin-
cipais comandantes e operacionais presos ou mortos. Os ataques da Al-
Qaeda na Arábia Saudita passaram assim a ser, até hoje, esporádicos e sem
eficácia. O último que era suposto ter alguma relevância, porém fracassado,
foi em Fevereiro de 2006 contra as instalações petrolíferas da Aramco.

Mas neste ambiente de subversão terrorista, como factor de propaganda


e recrutamento de simpatizantes e militantes, teve especial importância a
publicação on-line Sawt Al Jihad, isto é, A Voz da Jihad. Era bi-semanal, de

111 Publicado em 4 de Fevereiro de 2007.

178
elevado profissionalismo e alta qualidade gráfica, e composta por entrevistas
com os principais comandantes, notícias dos atentados, manifestos religiosos,
recensões de livros e análises dos discursos e declarações de Bin Laden e Al
Zawahiri. Um dos objectos recorrentes das críticas era a “família infiltrada”,
ou seja, a família real saudita, alegadamente controlada pelos infiéis.

A Voz da Jihad anunciava e estava também directamente ligada uma


outra publicação on-line especializada da Al-Qaeda no país: a Maaskar Al
Bataar. Esta era, efectivamente, um manual de treino para os militantes,
com informações sobre segurança operacional, vigilância, selecção de alvos
e instruções de utilização de armas ligeiras, lança-granadas e explosivos.

Ambas as publicações deixaram de ser divulgadas na medida em que


aquele grupo activo da Al-Qaeda foi desmantelado. Os serviços secretos
sauditas tiveram de facto sucesso neste caso, sem dúvida fruto de uma efi-
ciente rede de fontes e infiltrados, mas isto criou uma situação de elevada
pressão na Arábia Saudita sobre potenciais terroristas. Estes sauditas diri-
giram-se assim em grande número para o Iraque, onde hoje são uma das
maiores componentes dos combatentes e bombistas suicidas estrangeiros.

Mas, na semana passada, a Voz da Jihad voltou a manifestar-se, anun-


ciado em vários sítios islâmicos que voltará a estar on-line brevemente. Isto
está a ser interpretado pelos serviços de informações como uma possibilidade
credível de que a Al-Qaeda na Arábia Saudita se reorganizou. O problema é
que os novos operacionais estarão, provavelmente, muito melhor preparados.
Virão do Iraque bem treinados e com uma dura experiência de combate.

1.13.A Ameaça da Al-Qaeda no Norte de África112

Uma preocupação actual dos serviços de informações ocidentais é a


possibilidade de a Al-Qaeda se expandir no Norte de África, aproveitando
a falta de controlo nas extensas fronteiras que rasgam o deserto do Sahara
e as tensões existentes entre países como Marrocos e a Argélia. Neste
último, existe um foco de radicalismo islâmico, extremamente violento,
com o GSPC (Grupo Salafista de Predicação e Combate), que se vem mani-

112 Publicado em 18 de Fevereiro de 2007.

179
festando desde os anos 90 com atentados bombistas e assassinatos colec-
tivos, em aldeias, de homens, mulheres e crianças.

O GSPC não tem sido mais mortífero, nomeadamente nas cidades, porque
os serviços secretos argelinos têm em grande medida conseguido conter as
suas actividades. Mas, no último par de meses, registou-se uma série de ocor-
rências que indiciam que o GSPC está com um novo fôlego e com uma nova
estratégia. Atacou dois autocarros na Argélia que transportavam funcionários
britânicos e americanos de uma companhia petrolífera, tentou levar a cabo
uma operação na Tunísia contra embaixadas e diplomatas e estabeleceu uma
rede, detectada em Marrocos, de recrutamento de combatentes para o Iraque.

O sinal evidente foi, no entanto, a declaração no mês passado do “Emir” do


GSPC, Abdelmalek Droukdal, de que a organização faz agora parte da Al-
-Qaeda, aguardando as instruções de Ossama Bin Laden para os próximos pas-
sos, exortando ao mesmo tempo os muçulmanos a lutarem contra a França e os
Estados Unidos. Com efeito, tudo isto parece indicar que a Al-Qaeda está a
tentar montar uma plataforma transnacional das organizações radicais islâmi-
cas do Magrebe, eventualmente com extensões a sul do deserto do Sahara.

Este cenário, porém, já está há algum tempo a ser encarado como prová-
vel pelos serviços de informações ocidentais, nomeadamente dos Estados
Unidos, os quais depois do 11 de Setembro têm vindo a construir um pro-
grama de combate ao terrorismo na região. Em Junho de 2005 deram-lhe o
nome de Trans-Sahara Counter-Terrorism Initiative e reforçaram-no com um
orçamento de 100 milhões de euros por ano, destinado a treinar e dinamizar
a cooperação entre as forças militares e de segurança de 10 países: Argélia,
Chade, Gana, Mali, Mauritânia, Marrocos, Niger, Nigéria, Senegal e Tunísia.

Contudo, a extraordinária dimensão desta grande região de luta anti-ter-


rorista – Magrebe, Sahara, Sahel e África Ocidental – torna ainda pratica-
mente inexequível qualquer forma de controlo eficaz e sustentado das frontei-
ras e dos movimentos supeitos. Além disso, não existe também ainda
coordenação efectiva nesta área entre os países envolvidos. É esta vulnerabi-
lidade que está a ser aproveitada pela Al-Qaeda para se fortalecer na região.

É pois possível afirmar que o grau da ameaça terrorista está a aumentar


no Norte de África. E esta tendência acentuar-se-á enquanto não fôr criada

180
uma plataforma de cooperação no domínio das informações e segurança
entre os países do Magrebe e do Sahel.

2. Diversidade das Ameaças

2.1. WMD113

A ameaça terrorista internacional actualmente mais preocupante reside na


possibilidade de serem utilizadas armas de destruição massiva. WMD
(Weapons of Mass Destruction) é assim uma sigla utilizada agora em milhares
de textos escritos diariamente em todo o mundo, desde notícias nos meios de
comunicação social a relatórios dos serviços secretos cujo objectivo é determi-
narem a capacidade efectiva de os terroristas deterem e manipularem armas
químicas, biológicas, radioactivas e nucleares, em particular a Al-Qaeda.

Mas as avaliações da situação que têm vindo a público revelam um elevado


nível de incerteza por parte dos serviços quanto à real dimensão da ameaça, o
que permite vislumbrar as enormes dificuldades enfrentadas pelas acções de
recolha de notícias e informações. Por exemplo, não obstante a crescente e
intensiva cooperação internacional, o mercado negro das WMD encontra-se
ainda insuficientemente conhecido. Não existem porém indícios consistentes
de fornecimento de WMD a terroristas por parte de países com uma longa tra-
dição de contrabando de armas, como o Uzebequistão, o Tajiquistão ou o
Cazaquistão. No entanto circulam notícias de que a Al-Qaeda detém já o
conhecimento necessário para produzir armas químicas e biológicas, sob a
orientação de Abu Khabab, um engenheiro químico egípcio, e de que esse
conhecimento está a ser transmitido aos membros da organização quer directa-
mente quer através da internet por meio de processos criptográficos.

É pois neste contexto que se compreende a vaga de profunda preocu-


pação que, tal como no Reino Unido, está neste momento a invadir os
Estados Unidos, apontando a probabilidade da ocorrência de um atentado
de larga escala no Verão. Notícias e avisos oficiais, baseados naquilo que
parecem ser dados oriundos de típicos relatórios de “construção de cená-
rios” produzidos pelos serviços secretos, dão conta de potenciais alvos

113 Publicado em 30 de Maio de 2004.

181
como o 4 de Julho, as Convenções Republicana e Democrata, as refinarias
de petróleo, a rede eléctrica, os portos, os sistemas de abastecimento de
água ou mesmo o Capitólio. A expectativa encontra-se reflectida numa son-
dagem realizada pela Associação Nacional dos Chefes de Polícia que refere
que 95% destes responsáveis esperam uma “catástrofe”.

Na verdade, o grau da ameaça da Al-Qaeda tem aumentado na medida em


que, para ganhar espaço de manobra, a organização tem vindo a estabelecer
contratos com o crime organizado internacional, uma vez que as “células”
possuem agora mais autonomia para estabelecerem alianças locais. Onde será
o próximo ataque? Serão utilizadas WMD? Por enquanto os serviços de infor-
mações mais poderosos do mundo não conseguem responder a tais perguntas,
com alguma precisão, pois estão desprovidos de capacidade prospectiva.

2.2. O Ciberterrorismo114

O “ciberterrorismo” é neste momento uma das ameaças mais complexas


que impende sobre o mundo ocidental. A singularidade da situação tem
sobretudo a ver com o elevado grau de incapacidade de previsão dos ser-
viços de informações quanto à ocorrência de ataques aos sistemas infor-
máticos, de incerteza quantos aos efeitos produzidos e da real impossibi-
lidade de resposta em tempo útil por parte das autoridades. O problema
não reside na probabilidade de tais ataques vitimarem directamente pessoas,
mas sim de destruírem sistemas e subsistemas administrativos, financeiros
e económicos – públicos e privados – que sustentam as actividades diárias
dos países e respectivas populações.

Os serviços secretos especializados no domínio geral da SIGINT


(Signals Intelligence) – como a poderosa National Security Agency (NSA)
dos Estados Unidos – vêem-se assim obrigados, actualmente, a reconhe-
cerem as suas enormes limitações no combate ao “ciberterrorismo”, isto é,
às acções planeadas por organizações terroristas de propagação de vírus
informáticos, de intrusão em redes de computadores e de propaganda des-
tinada a condicionar comportamentos, como a que tem vindo a ser realizada
ultimamente pela Al-Qaeda.

114 Publicado em 13 de Junho de 2004.

182
Face à impossibilidade, pelo menos por enquanto, de se elaborar “ava-
liações de ameaças” credíveis – devido ao infinito espectro da rede infor-
mática global conjugado com a vastidão das opções terroristas – a atenção
está concentrada particularmente nas “avaliações de vulnerabilidades” dos
sistemas no sentido da sua total eliminação. Este é neste momento o objec-
tivo principal da “Information Security” (INFOSEC) ou “Information
Assurance” (IA), mas a realidade é que se está ainda muito longe de se
atingir esse objectivo. De acordo com as informações transmitidas por Daniel
Wolf – director do respectivo departamento da NSA – ao comité de segu-
rança interna (homeland security) do Congresso americano, os ataques são
hoje comuns, descobrem-se vulnerabilidades diariamente e o verdadeiro
problema é que a “velocidade da resposta humana” não é equiparável à
“velocidade do ataque cibernético”.

A NSA está pois a desenvolver um programa de pesquisa de INFOSEC a


médio prazo no valor de três biliões dólares, o que traduz a real preocupação
do governo americano quanto a esta matéria, que é extensível aos círculos
mais restritos dos meios financeiros. Muito recentemente, o “Business
Roundtable” – um clube de 150 gestores de topo das maiores empresas ame-
ricanas – exortou publicamente o Governo e as principais companhias de
tecnologias da informação a desenvolverem produtos de software que permi-
tam ultrapassar a insegurança actual. É que, para além da disfunção no cir-
cuito produtivo e comercial que o “ciberterrorismo” pode causar, o FBI cal-
cula que qualquer grande empresa irá à falência no espaço de um mês se
perder 20% da sua informação confidencial.

2.3. O Terrorismo Nuclear115

O Verão terminou sem que até agora se tenha concretizado um dos mais
terríveis receios dos governos ocidentais, particularmente do americano e
do britânico: um atentado terrorista, numa grande cidade, com armas de
destruição em massa. O tempo vai entretanto decorrendo e os técnicos dos
departamentos governamentais, os peritos dos serviços de informações e
os especialistas das universidades vão produzindo relatórios de avaliação
da situação. Neste momento está assim a emergir uma opinião tendencial-

115 Publicado em 3 de Outubro de 2004.

183
mente unânime que considera a ameaça de um ataque nuclear mais credível
que a de um ataque biológico ou químico.

A ameaça do terrorismo nuclear é presentemente ilustrada com o cenário


de um engenho correspondente a 2/3 da bomba de Hiroshima, detonado na
Central Station de Manhattan, que imediatamente causaria cerca de meio
milhão de mortos e centenas de milhares de feridos, a possível necessidade de
uma evacuação total da ilha (dependendo da direcção do vento) e prejuízos
materiais directos de 1 trilião de dólares e indirectos várias vezes superiores a
essa quantia. O pânico nacional e o caos económico instalar-se iam se os terro-
ristas declarassem subsequentemente ter em seu poder outra dessas bombas.

Os serviços secretos partem do princípio que a Al-Qaeda continua a perse-


guir o objectivo estratégico de obter uma arma dessa natureza. Mas a tarefa
não se afigura fácil, não só porque o espaço de manobra dos terroristas se
encontra limitado, mas também por razões de ordem logística. Para além do
problema da compra de uma bomba ou do urânio e/ou plutónio para a sua
construção, é preciso ter em conta a dificuldade do seu transporte para o local-
alvo, não obstante se prever que a solução adoptada pelos terroristas seria a de
um engenho “portátil” que coubesse numa carrinha, num barco, num pequeno
avião ou até no canto de um contentor. Só os Estados Unidos têm 32 000 Km
de linhas de fronteira marítima e terrestre e mais de 300 alfândegas.

Existe pois actualmente uma forte preocupação de que os terroristas


venham a ser capazes de adquirir capacidade nuclear – por via do crime
organizado ou do envolvimento em estratégias indirectas contra o Ocidente
– em quatro países: Rússia, Irão, Paquistão e Coreia do Norte. Por outro
lado, as atenções estão agora também a voltar-se para os cerca de 130 reac-
tores de pesquisa nuclear espalhados por mais de 40 países, cuja segurança
se resume em muitos casos a um guarda-nocturno e a uma vedação de
arame, e que se encontram vulneráveis a assaltos em busca do urânio alta-
mente enriquecido (HEU) aí utilizado nas experiências.

Face a esta ameaça, uma “task-force” do Pentágono recomendou muito


recentemente a Donald Rumsfeld a criação de uma nova carreira militar
especializada na detecção de armas nucleares clandestinas e a construção
de um sistema de defesa estratégica neste campo com um estatuto idêntico
ao do anti-mísseis.

184
2.4. Petroleiros, Terroristas e Bombas Nucleares116

Perante a continuada falta de informações sobre os planos da Al-Qaeda,


os serviços secretos vêem-se obrigados a ver e rever os dados existentes.
Verificando cuidadosamente todos os detalhes passíveis de levantarem pistas
sobre o comportamento futuro dos terroristas, os departamentos de análise
concentram-se em grande medida na construção de cenários. Esta tarefa,
muitas vezes desvalorizada pelos decisores políticos, é na verdade um exer-
cício de imaginação de situações de ameaça e de risco, não só possíveis mas
também prováveis. Tal exercício destina-se assim a prevenir a ocorrência
dessas situações, obedecendo desde logo ao objectivo de desencadear a apli-
cação de um conjunto de medidas de segurança.

Após o 11 de Setembro, uma das principais críticas à “intelligence com-


munity” nos Estados Unidos foi precisamente a da falta de imaginação dos
analistas para desenharem o cenário do atentado às torres gémeas. Neste
momento assiste-se pois a uma inflacção de construção de cenários por
parte dos mais variados serviços de informações, inclusivamente dos que
são exteriores à “intelligence community”. Porventura o mais importante
destes últimos é o serviço de investigação e pesquisa do Congresso (CRS),
que produz regularmente relatórios especiais de informações destinados a
fornecer aos congressistas bases e opções para a tomada de decisão relati-
vamente a políticas específicas.

Há cerca de duas semanas, o CRS concluiu um relatório sobre segurança


marítima e portuária – sector que está a preocupar fortemente os americanos
–, analisando o potencial de um atentado nuclear nos Estados Unidos com
petroleiros armadilhados pelos terroristas. O mote tinha, aliás, sido lançado
no início deste ano por Robert Bonner, o chefe da protecção de fronteiras
e alfândegas do novo departamento de “homeland security”, ao afirmar que
tal ataque “interromperia o tráfico global de contentores durante algum
tempo, obrigando a economia mundial a ajoelhar-se”.

A percepção actual é pois a seguinte: 26% das importações de crude


dos Estados Unidos entram por cerca de 30 portos e provêm do Médio
Oriente, local onde existe a maior concentração de potenciais e efectivos

116 Publicado em 19 de Dezembro de 2004.

185
terroristas anti-americanos. Os petroleiros chegam a medir 60 metros de
largura, 350 de comprimento e 22 de calado, transportanto cerca de 300
mil toneladas de crude. É possível colocar uma bomba nuclear pequena
neste imenso espaço, inclusivamente no interior do crude, iludindo a actual
tecnologia de detecção.

Entre as soluções para já apontadas contam-se duas particularmente


relevantes: o controlo apertado dos dados biográficos das tripulações dos
petroleiros; a criação de uma barreira de protecção através da construção
de portos offshore idênticos ao designado LOOP (Louisiana Offshore Oil
Port), situado a 18 milhas da costa.

2.5. O Terrorismo no Sudoeste Asiático117

O presidente Bush declarou que o sudeste asiático é “a segunda frente


da guerra contra o terrorismo”. Consequentemente, os Estados Unidos têm
vindo a desenvolver nos últimos dois anos um conjunto de acções, tanto
ao nível das operações cobertas dos serviços secretos e forças especiais
como do reforço das relações de cooperação com os países da região,
nomeadamente Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia.

Contudo, o terrorismo islâmico continua a alastrar na região. Está a aumen-


tar o número dos atentados, como aconteceu há poucos dias, no sul da Tailândia
(onde já se registaram 600 mortos desde o ano passado), quando um grupo
com ligações à al-Qaeda atacou uma esquadra de polícia disfarçado de mulhe-
res envergando os tradicionais véus islâmicos. Muito recentemente também,
na sequência da investigação sobre três bombas que expodiram simultanea-
mente em Fevereiro em três locais diferentes, os serviços de segurança filipinos
recolheram informações sobre planos dos terroristas com carros-bomba contra
aeroportos, centros comerciais, igrejas e tropas americanas.

A al-Qaeda está por detrás deste crescimento do terrorismo, por intermé-


dio de uma espécie de “master franchising” para a região controlado pela
organização indonésia Jemaah Islamiah, a qual por sua vez, para além das
suas próprias acções, financia e presta assistência aos grupos das Filipinas,

117 Publicado em 13 de Março de 2005.

186
da Malásia, de Singapura e da Tailândia. “Coligação Mujahidin” (Rabitatul
Mujahidin) é a designação deste verdadeiro sistema de cooperação multila-
teral terrorista animado pela Jemaah Islamiah, que se encontra inclusiva-
mente em expansão para países limítrofes como o Bangladesh, neste
momento em vias de se transformar num “santuário” dos radicais islâmicos.

A Jemaah Islamiah foi fundada em meados dos anos 90 tendo como


objectivo principal estabelecer um grande Estado pan-islâmico na região.
O projecto mantém-se mas informações recentes recolhidas na Indonésia
referem que se verificaram alguns ajustamentos e que agora se trata de um
plano a longo prazo de desestabilização do sudeste asiático, visto dupla-
mente como alvo e base operacional. A Chéchénia aparece como um
modelo para os terroristas e a avaliação actual da ameaça aponta a possi-
bilidade de virem também a serem utilizadas minas terrestres e o emprego
de mulheres nos atentados suicidas.

É pois provável que aumente a frequência de acções dos terroristas islâ-


micos no sudeste asiático, onde aliás o ambiente lhes é favorável pelas
seguintes razões: população islâmica na ordem das centenas de milhões;
“oxigénio subversivo” insuflado pela ocupação do Iraque; tradição de vio-
lência político-religiosa em vários países; crise e corrupção quase institucio-
nalizada; ligações múltiplas e antigas com o mundo árabe; financiamento
intensivo, de origem wahabita, de mesquitas e madrassas; e, por circunstân-
cias geográficas, fronteiras particulamente vulneráveis.

2.6. Lavagem de Dinheiro e Terrorismo118

A chamada lavagem de dinheiro ou branqueamento de capitais é


uma prática criminosa antiga. Trata-se do processo de disfarce da origem
ilegal de fundos, movimentados sem deixar rasto e investidos em negócios
legais. Estes, por sua vez, no campo internacional, são um terreno fértil
para os esquemas de evasão de impostos, principalmente através das
zonas “off-shore”, o que ajuda ainda mais a obscurecer as possíveis
ligações de certas transacções financeiras avultadas ao crime organizado
e ao terrorismo. As estimativas relativas somente a estes esquemas apon-

118 Publicado em 31 de Julho de 2005.

187
tam para movimentos anuais na ordem das centenas de milhar de milhões
de euros.

Por outro lado, existe pelo menos um sistema informal de transacções


financeiras e cambiais a nível internacional, com raízes históricas antigas e
cujo nome varia consoante os países e regiões: hawala no Médio Oriente,
Afeganistão e Paquistão; hundi na Índia; fei chien na China; phoe kuan na
Tailândia. A sua origem não é totalmente conhecida, mas consta já, por
exemplo, em textos islâmicos de jurisprudência do século VIII. A reputação
da fiabilidade do sistema, assente na palavra e na honra, é intocável. As
comunidades de imigrantes, nomeadamente no mundo ocidental, utilizam-
no frequentemente, assim como várias organizações islâmicas, e em con-
sequência passou a ser alvo de suspeitas de ligações ao terrorismo, em par-
ticular à al-Qaeda.

A FATF (Finantial Action Task Force on Money Laundering), a orga-


nização multilateral especializada neste domínio, criada em 1989 pelo então
G-7, estima pois que o total da lavagem de dinheiro mundial poderá ultra-
passar o trilião de euros por ano. Relevante é o facto de que tudo isto se
processa no âmbito do sistema bancário internacional, e por essa razão, sob
a iniciativa vincada dos Estados Unidos, principalmente desde o 11 de
Setembro e reforçada agora pelo 7 de Julho, o controlo tem vindo progres-
sivamente a apertar-se sobre este domínio tão sensível e em grande medida
sigiloso da economia de mercado.

As transacções bancárias são agora acompanhadas de um “bilhete


de identidade” detalhado do emissor e controladas por programas de
software AML (anti-money laundering), os quais identificam depósitos
e levantamentos suspeitos pré-definidos por padrões estatísticos. O mer-
cado neste segmento está aliás a expandir-se de forma vertiginosa, e
nos Estados Unidos as previsões indicam investimentos neste sector por
parte dos bancos, nos próximos 3 anos, que poderão atingir os 10 mil
milhões de euros.

O objectivo é asfixiar o sistema de financiamento do terrorismo, e por


isso também os advogados e contabilistas passam a ter a obrigação de dispo-
nibilizarem informações incriminatórias sobre lavagens de dinheiro por parte
dos seus clientes. É contudo improvável que todas estas medidas venham a

188
ter um impacto relevante a curto prazo na prevenção de atentados terroristas,
pois trata-se de uma luta de longa duração.

2.7. A Ameaça do Terrorismo Islâmico nos Balcãs119

Abdelmajid Bouchar, o marroquino de 22 anos suspeito de ser um dos


autores (e o único vivo) dos atentados de Madrid, em 11 de Março de 2004,
foi preso recentemente quando viajava de comboio na Sérvia com docu-
mentos falsos iraquianos, vindo da Hungria. Esta ocorrência veio relembrar
que os Balcãs continuam a ser uma espécie de rectaguarda logística do ter-
rorismo transnacional, particularmente da Al-Qaeda, embora a ameaça
tenha diminuído por virtude do controlo exercido na região pelas forças
militares europeias e americanas.

Com efeito, as elites maioritariamente muçulmanas da Bósnia e do


Kosovo são pró-ocidentais devido à percepção que têm de que os europeus e,
sobretudo, os americanos constituem uma defesa segura contra a ameaça da
Sérvia. Porém, a região é caracterizada por instituições frágeis, instabilidade
política, pobreza e corrupção, e por ser uma encruzilhada de todos os tipos
de tráficos e negócios ilegais. E a Al-Qaeda possui aí ligações desde o início
dos anos 90, quando se envolveu na guerra civil entre bósnios muçulmanos e
sérvios e croatas que resultou do desmoronamento da Jugoslávia. Na mesma
altura, muitos outros combatentes mujahidin de várias proveniências, entre
as quais o Irão, deslocaram-se para a região, estimando-se que entre qui-
nhentos e mil tenham ficado na região e casado com mulheres bósnias,
adquirindo assim a nacionalidade.

Este ambiente é pois propício à movimentação e ocultação de terroristas


e por isso existem suspeitas, principalmente por parte dos serviços de infor-
mações sérvios e russos, de que um número indeterminado daqueles muja-
hidin lhes fornece armas, dinheiro e documentos falsos. Os mesmos servi-
ços têm também insistido que existem campos de treino secretos da
Al-Qaeda no Kosovo, contra a avaliação céptica de europeus e americanos,
e apontam também o facto de várias mesquitas, nomeadamente na Bósnia,
continuarem a ser palco de inflamados sermões anti-ocidentais e, implícita
ou explicitamente, pró-Al-Qaeda. Por outro lado, as referências à Bósnia

119 Publicado em 21 de Agosto de 2005.

189
têm sido frequentes nas intervenções de Bin Laden, assim como nos vídeos
de propaganda e recrutamento da organização.

A atenção dos serviços de informações ocidentais, nomeadamente dos


americanos, reforçar-se-á assim ainda mais na Bósnia. Dentre as medidas
que vêm sendo postas em prática, desde o ano passado, destaca-se a pro-
funda reestruturação do serviço de informações bósnios, agora SIPA (State
Investigative and Protection Agency), cujas prioridades são o contra-terro-
rismo, o tráfico de armas de destruição em massa, o crime organizado e as
informações financeiras, mas que não se encontra ainda completamente
dotado de agentes nem totalmente operacional.

A permeabilidade da região dos Balcãs ao trânsito encoberto de terroristas


islâmicos continuará elevada a médio prazo, mas é muito provável que o
espaço de movimentação destes venha a ser progressivamente reduzido.

2.8. A Nova Geração de Terroristas120

A actividade dos serviços de informações não se resume a operações de


espionagem nem os departamentos de análise são estruturas que produzem
somente relatórios baseados em dados provenientes dessas operações. Existe
uma dimensão multifacetada de tarefas, entre as quais, principalmente nos
grandes serviços ocidentais, se contam os debates internos formais e informais
a propósito de novidades e tendências relevantes da evolução da conjuntura
internacional. O objectivo é compreender a natureza de novos fenómenos de
modo a definir um quadro de referência para os planos de recolha de informa-
ções e para a orientação do esforço de pesquisa com a maior precisão possível.

Uma preocupação actual dos peritos que se inscreve neste contexto e


que está a congregar amplas análises e mesmo especulações, nomeadamente
nos Estados Unidos, é a composição, caracterização e táctica da designada
segunda ou nova geração de terroristas islâmicos. Esta, de acordo com a
percepção consensual do momento, está já a emergir no seio da juventude
islâmica de todo o mundo, inclusivamente nas camadas de adolescentes
ocidentalizados, reflectindo uma cultura ambígua de ressurgimento e con-

120 Publicado em 16 de Agosto de 2005.

190
ciliação de valores religiosos tradicionais com elementos avançados e sofis-
ticados das modernas tecnologias.

A nova geração de terroristas está imbuída do mito de Ossama Bin


Laden e do seu exemplo de “homem piedoso”, que se viu obrigado a sacri-
ficar a sua juventude e a desencadear a “jihad defensiva” contra o que é
visto como a agressão da cultura ocidental. Ao mesmo tempo, do ponto de
vista operacional, seguem os modelos de comportamento dos principais
colaboradores de Bin Laden. Um destes é Mohammed Atef, o comandante
militar da al-Qaeda, morto em 2001, que era eficiente, inteligente, paciente,
implacável e quase invisível. O seu sucessor, conhecido por Sayf al-Adl, é
do mesmo género. Quatro anos depois, os analistas ainda não conseguiram
determinar a sua verdadeira identidade e localização.

A nova geração pretende pois ser tão ou mais “piedosa” e eficiente que a
primeira. Desde já, por virtude da televisão e da internet, possui uma identi-
dade islâmica radical mais firmada, um consolidado poder anímico, precisa-
mente porque tem uma referência poderosa – Bin Laden e a al-Qaeda – que
antes não existia. Por outro lado, estão a usufruir de uma teoria do terrorismo
que está em formação e que os dota de ideologia e conhecimento, nomeada-
mente de assuntos militares, estratégicos, de informações e segurança.

Para já, merecem especial atenção as tendências da nova geração para uma
maior número de elementos (e mais “piedosos”), profissionalismo e moderni-
zação. Por isso a designada “intelligence question” é a seguinte: qual é o tipo e
grau de ameaça específica que a nova geração coloca e qual é, neste contexto,
a “ordem-de-batalha” da al-Qaeda? A resposta continua a ser procurada.

2.9. A Crescente Ameaça da Internet121

Não obstante os esforços que têm sido efectuados nos últimos anos no
domínio da segurança informática, nomeadamente através da cooperação
internacional, o facto é que o chamado cibercrime tem vindo a aumentar
drasticamente. Por exemplo, no espaço de um ano, segundo o FBI, cerca
de nove milhões e meio de americanos foram vítimas de roubos de identi-

121 Publicado em 20 de Novembro de 2005.

191
dade, os quais se traduzem em grande medida na utilização fraudulenta de
cartões de crédito. A IBM, por seu turno, revelou que os ataques a com-
putadores por via da Internet aumentaram 50%, só na primeira metade do
corrente ano de 2005.

Neste mesmo período, ainda segundo a IBM, foram registados mais de


230 milhões de ciberataques a nível mundial, aparecendo como principal
alvo os Estados Unidos, logo seguido pela China. Todavia, é muito provável
que esta situação esteja subavaliada, uma vez que o número registado de
ocorrências não corresponderá ao número total de ataques que efectiva-
mente aconteceram. Na verdade, só é geralmente possível detectar um cibe-
rataque depois de algum tempo de este ter sido desencadeado, e mesmo
assim a sua detecção poderá não se verificar em tempo útil, porque as defe-
sas existentes fundamentam-se, por regra, somente em tipos de ataques
conhecidos dos administradores dos sistemas. Portanto, não é raro acontecer
que estes só detectem os ataques posteriormente.

Existe pois já um mercado negro muito lucrativo do “hacking”, isto


é, de dados e informações obtidas através da violação de computadores,
onde se compra e vende produtos como o designado “zero-day exploits”,
que são vulnerabilidades desconhecidas de determinados sistemas de
segurança informática. Outro produto mais comum são números de
cartão de crédito, adquiridos não só por criminosos mas também por
terroristas, como fizeram os responsáveis pelos atentados de 11 de
Março de 2004 em Madrid.

Com efeito, este ambiente do cibercrime é propício ao estabelecimento


de ligações e negócios com o terrorismo transnacional, e, particularmente,
com o ciberterrorismo por virtude do potencial grau de anonimato que é
possível manter na relação. A ameaça neste domínio é de momento elevada
e decorre da acção crescente e cada vez mais especializada de organizações
como a al-Qaeda em tecnologias da informação. Nos Estados Unidos, o
cenário credível entretanto elaborado é o de acções ciberterroristas contra
“infraestruturas críticas” como o governo, a estrutura financeira, a indústria
e a energia, o que porém até hoje ainda não aconteceu. Mas, como preven-
ção, no passado mês de Maio, a CIA produziu um exercício classificado
de simulação durante três dias, envolvendo cerca de 100 participantes,
designado “Horizonte Silencioso”.

192
De facto, a percepção actual é a de que a tendência se irá manter e os
ataques a computadores por intermédio da Internet serão cada vez mais
numerosos, rápidos e sofisticados.

2.10. As Ligações Perigosas de Saddam122

À medida que o julgamento de Saddam Hussein se tem desenrolado,


têm surgindo notícias nos Estados Unidos que directamente o incriminam,
em regra referindo fontes não identificadas dos serviços de informações.
Essas notícias reeditam as suspeitas da produção de armas de destruição
em massa pelo Iraque, não obstante a falta de provas, e, particularmente,
apontam as ligações de Saddam a organizações terroristas islãmicas nos
anos 90, após a chamada Guerra do Golfo.

As organizações em causa, todas com ligações à al-Qaeda, são o GSPC


argelino, o Exército Islâmico sudanês, a Jihad Islâmica palestina e o Ansar al
Islam iraquiano. No total, terão sido treinados oito mil terroristas em três
campos secretos no Iraque (Samara, Ramadi e Salman Pak), dirigidos por
unidades militares de elite. Muitos desses elementos terão regressado ao
Iraque para se juntarem à resistência, nestes últimos anos, e a Casa Branca e
o Pentágono terão tido conhecimento concreto desta situação somente no
passado mês de Maio. Do ponto de vista político, isto justifica agora o argu-
mento frequentemente repetido das ligações de Saddam à al-Qaeda.

Os dados que suportam estas informações foram obtidos após as ope-


rações do Afeganistão e do Iraque, através da recolha de documentos de
todo o tipo no local, prática que aliás decorre da doutrina militar para
situações deste género, visando objectivos do âmbito não só das infor-
mações mas também penais. Neste caso, foi estabelecido pela Defense
Intelligence Agency um programa sob a designação DOCEX (document
exploitation), sediado em Doha, no Qatar, que inventariou cerca de 2
milhões de documentos. Mas, até ao momento, foram tratados apenas 50
mil, isto é, 2,5% do total, por causa da gigantesca tarefa que consiste em
traduzir, identificar, analisar e classificar notas manuscritas, folhas dac-
tilografados, cassetes audio e vídeo, disquetes, cd s e discos de compu-

122 Publicado em 8 de Janeiro de 2006.

193
tador. Mesmo assim, estão cerca de 600 elementos a trabalhar no DOCEX,
24 hora por dia, divididos em três turnos.

Contudo, este programa está a ser objecto de confrontação política


nos Estados Unidos, pois existe uma opinião forte dentro do próprio
Congresso, nomeadamente por parte de membros das comissões de
informações, que advoga a aceleração imediata do tratamento e da publi-
citação de todos os documentos do DOCEX. O argumento principal é
o de que se está a perder um potencial de informações vitais para a
condução do processo do Iraque.

Por seu turno, após um período de forte resistência, Donald Rumsfeld


aceita agora aquela opinião, mas o Pentágono já declarou oficialmente que
receia que a imprensa seleccione determinados detalhes dos documentos e
produza notícias sensacionalistas que, por exemplo no que respeita a
Saddam, de algum modo favoreçam a sua imagem. Todavia, a verdade é
que até ao momento não são efectivamente visíveis quaisquer provas con-
cretas de ligações de Saddam Hussein à al-Qaeda.

2.11. A Ameaça Terrorista em Marrocos123

O desmantelamento de uma extensa rede terrorista em Marrocos passou


quase desapercebido nos meios de comunicação social, em meados de
Agosto, devido à competição mediática dos frustados atentados de Londres
e também à escassez dos factos vindos a público na altura. Um grupo até
então desconhecido – Ansar al Mahdi – , liderado por um indivíduo cha-
mado Hassan Khattab, conseguiu estabelecer uma organização de dimensão
nacional, integrando elementos das forças armadas, da polícia e da “gen-
darmerie”, e planeava levar a cabo assaltos a bancos, raptos de ministros e
atentados contra alvos estrangeiros e zonas turísticas. O objectivo final era
o derrube da monarquia e a instauração de um regime fundamentalista em
Marrocos, frente à Europa

Em primeiro lugar, o que desconcertou o núcleo do poder marro-


quino, centrado no rei Mohammed VI, foi o falhanço do designado

123 Publicado em 3 de Setembro de 2006.

194
“5º Bureau”, liderado pelo general Belbachir e responsável pelas infor-
mações militares. Nos últimos anos, este passou a depender directamente
do rei e viu os seus meios e competências alargados na luta anti-
terrorista relativamente aos serviços de informações civis. Isto começou
logo a seguir aos atentados de Casablanca, em 2003, sob proposta do
próprio general Belbachir, quando em Méknés foi detido Youssef Amani,
um jovem soldado que tinha em sua posse sete Kalashnikov e quinze
caixas de munições.

Como primeira medida, o rei demitiu o general, desactivou a actual


estrutura do “5º Bureau”, decretou o fim do serviço militar obrigatório
e mandou efectuar mudanças na hierarquia da DST, o serviço de segu-
rança interna. Com efeito, continua por esclarecer o modo como a cons-
piração foi detectada, que parece ter ocorrido por denúncia na sequência
de cisões internas no Ansar al Mahdi, e não por iniciativa dos serviços
secretos, o que eleva o grau da ameaça.

O núcleo original do grupo era composto por militares e tinha-se


formado há cerca de três anos na base aérea de Salé, perto de Rabat,
motivado pelo descontentamento com a invasão do Iraque. Ligaram-
se a um iman radical, cuja identidade não foi revelada, que emitiu
uma Fatwa orientando-os para desencadear a Djihad em Marrocos,
“contra o regime aliado dos judeus e americanos”. O grupo inspirava-
se na al-Qaeda mas possuía uma estrutura de tipo militar, com uma
hierarquia clássica. Já existiam células em Casablanca, Tétuan,
Youssoufya, Sidi Slimane e Sidi Yahia e tinham sido levados a cabo
treinos no manejo de armas e explosivos na floresta de Mâamora, nos
arredores de Rabat.

Um facto singular neste caso é o protagonismo atingido na organi-


zação por quatro mulheres, também detidas, que apoiavam financeira-
mente Hassan Khattab. Duas eram casadas com pilotos da Royal Air
Maroc. Outro facto singular é que o perfil dos terroristas mudou em
relação aos atentados de Casablanca: passou dos bairros degradados
das cidades para a classe média. Resta desvendar a extensão das suas
ligações internacionais.

195
2.12. A Universidade de Al Iman124

Um dos principais locais sob suspeita de fomentar o terrorismo, no


mundo islâmico, é a Universidade de al-Iman, em Sanaa, capital do Iémen.
Foi fundada em 1993 pelo Sheik Abd al-Majid al-Zindani, que se mantém no
lugar de “reitor”, e é constituída por quatro faculdades: jurisprudência islâ-
mica (sharia), pregação islâmica, árabe e ciências humanas. Tem actualmente
4650 estudantes, dos quais 800 são mulheres, e os cursos duram 7 anos cada.
O grau de dificuldade é pois muito elevado e a taxa de conclusão diminuta.

O campus é fechado, entre muros, com as entradas guardadas por sol-


dados armados, como relatou em 2002 Nicholas Kristof, do New York
Times, a quem foi interdita a passagem. Com efeito, a escassez de infor-
mações sobre o ambiente e as actividades da universidade é um dos factores
que tem contribuído para as suspeitas de ser um ninho de potenciais terro-
ristas. As poucas informações que existem foram recolhidas, e a custo, pela
imprensa árabe nos últimos anos. Outro elemento suspeito é o facto de a
universidade se localizar junto a um base militar, o que tem levado os
Estados Unidos a afirmar que esta possui um “ala militar”.

Tudo isto tem sido negado repetida e veementemente pelo presidente


do Iémen, Ali Abdullah Saleh, o qual, um tanto paradoxalmente, é tido
pelos Estados Unidos como um parceiro na luta contra o terrorismo islâ-
mico, em especial no campo da cooperação entre serviços de informações.
O presidente Saleh, só no corrente ano, já veio três vezes a público defender
a probidade do Sheik al-Zindani, a última das quais no mês passado quando
foi desmantelada uma rede, filiada na al-Qaeda, de contrabando de armas
para a Somália. Esta integrava quatro elementos com a cidadania europeia
e três com a australiana – dois destes filhos do líder da Jemaah Islamiah
na Austrália – tidos como estudantes da Universidade de al-Iman.

Embora negue qualquer ligação à al-Qaeda, o Sheik al-Zindani é especial-


mente designado pelos Estados Unidos e pelas Nações Unidas, desde 2004,
como “terrorista global”, pelo suporte financeiro à organização de Bin Laden.
De facto, com cerca de 65 anos, al-Zindani é uma figura controversa, com uma
longa e peculiar barba tingida de côr de laranja-vermelho vivo. Estudou

124 Publicado em 17 de Dezembro de 2006.

196
Farmacologia no Cairo, nos anos 50, onde se tornou um ferveroso anti-comu-
nista defensor do Corão. Seguiu depois o percurso de universitário islâmico na
Arábia Saudita e no Iémen e, nos anos 80, foi professor de Bin Laden e seu
companheiro de resistência contra a invasão soviética no Afeganistão.

Praticamente desconhecido no mundo ocidental até há dois anos, espe-


cialista na relação do Corão com a política e a ciência, Al-Zandiri tem 14
livros publicados, é uma referência da juventude islâmica e os seus sermões
de 6ª feira são no mesmo dia largamente divulgados em cassete. É por isso
que aproximadamente 150 dos estudantes da Universidade de al-Iman vêm
de mais de 50 países, inclusivé dos Estados Unidos e da Europa.

2.13. A Ameaça Terrorista ao Comércio Marítimo125

Hoje as empresas têm de incorporar no seu capital de conhecimento


informações credíveis sobre a evolução da conjuntura. Não só existem neces-
sidades específicas, que estão relacionadas com os sectores de actividade,
mas também interessa identificar e acompanhar factores não exclusivamente
económicos que, directa ou indirectamente, poderão influenciar a vida das
empresas. Um desses factores é a ameaça terrorista, particularmente da Al-
-Qaeda, que impende sobre o comércio marítimo internacional.

De acordo com a estimativa de 2006 da UNCTAD (United Nations


Conference on Trade and Development), 85% do comércio mundial é reali-
zado por mar. Isto corresponde anualmente a 7 mil milhões de toneladas de
mercadorias em 15 milhões de contentores, transportadas por 46 mil navios
em 230 milhões de trajectos, tocando 4 mil portos assistidos por cerca de 1
milhão e meio de trabalhadores. Na prática trata-se de uma cadeia integrada
e contínua de distribuição de produtos “just enough-just in time”, cuja dis-
rupção se repercutirá imediatamente na economia global.

A equação de risco (ameaça, vulnerabilidade e custo) desta situação é


pois grave. Principalmente por iniciativa dos Estados Unidos, têm vindo a
a ser criados alguns mecanismos de controlo do tráfego, incluindo navios,
mercadorias e tripulantes, como, desde 2004, o designado ISPS

125 Publicado em 3 de Maio de 2007.

197
(Internacional Ship and Port Facility Security Code), mas este só abrange
os navios com mais de 500 toneladas. Por outro lado, no que respeita ao
controlo dos contentores, só se conseguiu atingir uma taxa de inspecção na
ordem dos 5% do volume total, inclusivé nos Estados Unidos, o que deixa
aberta uma enorme brecha a possíveis atentados terroristas.

Os governos e serviços de informações andam por isso continuamente


preocupados desde o 11 de Setembro com os vários cenários imagináveis de
acções da Al-Qaeda contra alvos marítimos. Os especialistas mais pessimistas,
reclamando-se contudo realistas, apontam a elevada probabilidade de o próximo
e inevitável ataque da organização de Bin Laden vir a ser dirigido contra um
grande navio, talvez de passageiros, ou contra um porto importante ou então
num dos pontos-chave das rotas marítimas internacionais. Por hipótese, o afun-
damento de um super petroleiro no estreito de Ormuz ou no estreito de Malaca,
regiões com um elevado potencial de islamismo redical, encareceria de imediato
os fretes marítimos e, no primeiro caso, os preços do petróleo aumentariam.

O maior receio reside porém na possibilidade de que venham a ser uti-


lizadas armas de destruição em massa, de acordo com a “fatwa” lançada
pela Al-Qaeda em 2003. Os Estados Unidos sentem-se particularmente
ameaçados e há já algum tempo que a percepção é a seguinte: mais de 25%
das suas importações de crude entram por cerca de 30 portos no seu terri-
tório e provêm do Médio Oriente, local onde existe a maior concentração
de potenciais e efectivos terroristas anti-americanos. Os petroleiros chegam
a medir 60 metros de largura, 350 de comprimento e 22 de calado, trans-
portanto cerca de 300 mil toneladas de crude. É possível colocar uma
bomba nuclear pequena neste imenso espaço, inclusivamente no interior
do crude, iludindo a actual tecnologia de detecção.

As autoridades americanas não estão contudo satisfeitas com as medidas


de segurança entretanto tomadas para prevenir atentados terroristas desta
natureza. O último relatório do serviço de informações e pesquisa do
Congresso, publicado há poucos dias atrás, sobre o papel da Guarda Costeira
na segurança interna, reconhece que, não obstante o orçamento de cerca de 2
mil milhões de dólares exclusivamente para o efeito, o projecto Hawkeye
não corresponde às expectativas. Trata-se da instalação ao longo da costa de
um sistema equivalente ao do controlo de tráfego aéreo, com câmaras de
longo alcance e radares, mas este, para já, confunde navios com ondas.

198
2.14. A Ameaça Terrorista na Argélia126

A ameaça terrorista na Argélia interessa particularmente a Portugal


pelo facto de que somos dependentes em grande medida, cerca de quarenta
por cento, do gás natural daquele país do norte de África que nos chega
por gasoduto. Qualquer turbulência ou alteração significativa na produção
e distribuição argelina não deixará, pois, de se repercutir no consumo em
Portugal e, de uma maneira geral, na Europa. Esta percepção não é alar-
mista, antes sendo prudente, na perspectiva das informações estratégicas,
analisar o cenário de modo a estabelecer um certo nível de capacidade pros-
pectiva e preventiva em relação a um possível efeito de surpresa. No
mínimo, este exercício é útil às empresas potencialmente mais vulneráveis
a um cenário negativo, de modo a definirem planos de contingência.

Nos últimos seis anos, a Argélia registou uma quebra acentuada de


atentados terroristas dos movimentos radicais islâmicos e viu crescer a sen-
sação de segurança no país. Esta situação foi fruto da política adoptada
pelo presidente Bouteflika ao decretar uma amnistia geral em 1999 e, nos
anos seguintes, ter ir afastando gradualmente os militares suspeitos de
apoiarem aqueles movimentos.

A re-eleição de Bouteflika em 2004 foi assim, em grande parte, devida


à percepção de que era o grande responsável por ter praticamente desapa-
recido a ameaça terrorista na Argélia. Ao contrário dos milhares de terro-
ristas existentes nos anos 90, restaram apenas algumas centenas agregados
no Grupo Salafista para a Pregação e Combate (GSPC), escondidos e iso-
lados nas áreas montanhosas.

Ora, esta situação de aparente acalmia tem vindo a ser perturbada desde
o Outono passado, precisamente pelo GSPC que, agora, pelo menos no que
respeita a uma facção, se intitula Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQIM)
e se assume como um braço da organização de Ossama bin Laden. Neste
últimos meses, ocorreram de novo atentados terroristas, chegando mesmo
outra vez à capital, Argel, e à sua respectiva área urbana. Explodiram bom-
bas em frente a esquadras da polícia, foram atacados meios de transporte
de trabalhadores das companhias petrolíferas estrangeiras e sucederam vio-

126 Publicado em 2 de Agosto de 2007.

199
lentos confrontos armados com os militares, com baixas para ambos os
lados. Mas o ponto alto ocorreu com o atentado, no centro de Argel, contra
as instalações do gabinete do primeiro-ministro.

A ameaça terrorista na Argélia é portanto relevante para a Europa, na


medida em que esta depende cada vez mais dos recursos energéticos arge-
linos, atingindo neste momento, mas em crescimento, 30% das necessidades
de gás natural. Por enquanto, não obstante os recentes atentados, a segurança
do sector energético argelino está sob controlo. As principais áreas de pro-
dução situam-se no sul do país, em zonas desérticas, e é preciso uma auto-
rização especial do ministério do interior para viajar para essas áreas.

No entanto, nem os gasodutos estão imunes a sabotagens nem as ins-


talações a atentados, inclusivamente suicídas, sobretudo se forem planeados
a partir de dentro com operacionais infiltrados, sob a cobertura de traba-
lhadores, que tenham conseguido preencher os apertados requisitos de
segurança na sua contratação. É por isso que as empresas estrangeiras têm
vindo a privilegiar a contratação de trabalhadores estrangeiros. Por outro
lado, existem ainda fortes vulnerabilidades passíveis de serem aproveitadas
nos portos argelinos, a maioria dos quais se situam nas áreas urbanas.

Neste momento, existe a percepção de que estará em preparação


um atentado de grande espectacularidade contra o sector energético.
Contudo, a análise consensual é a de que, para já, o risco é baixo
quanto à ocorrência de uma disrupção grave na produção e distribuição
de petróleo ou gás natural.

Entretanto, interessa-nos também acompanhar nos próximos dias a


visita do presidente do Irão à Argélia e a proposta de criação de uma
“OPEP” do gás natural.

2.15. A Ameaça Terrorsita nos Estados Unidos127

É já hábito: todos os anos, ao aproximar-se a data de 11 de Setembro, os


Estados Unidos vivem suspensos na dúvida de se irá ou não ocorrer um aten-

127 Publicado em 6 de Setembro de 2007.

200
tado terrorista no seu território, de dimensão equivalente ou maior ao das tor-
res gémeas. A ameaça é oficialmente avaliada como sendo de grau amarelo,
ou seja, elevada, definida como “risco significativo de ataques terroristas”.
Os jornais enchem-se de análises e os especialistas em terrorismo e segurança
e informações apresentam os mais variados cenários possíveis e prováveis.

Alguns, porém, na perspectiva da psicologia, consideram que o terror


marca hoje o estado de espírito dos americanos, num nível que pode ser
entendido como próximo da paranóia. Surgiu mesmo um novo tipo de
crime de extorsão, aproveitando a percepção do terrorismo, como o que
últimamente tem ocupado as investigações do FBI em onze Estados.
Grandes supermercados e armazéns de retalho têm sido vítimas de telefo-
nemas a ameaçarem atentados bombistas contra as instalações e os traba-
lhadores, se não forem transferidas determinadas quantias de dinheiro para
contas bancárias no estrangeiro. As notícias referem que já foram extorqui-
dos deste modo vários milhares de dólares e, num caso, um trabalhador
chegou mesmo a despir-se sob as ordens por telefone do “terrorista” que,
alegadamente, o mantinha sob observação à distância. Facto curioso, esses
telefonemas seriam feitos a partir de Portugal, como noticiava a Associated
Press há poucos dias atrás.

Um parêntesis: não é bom para a imagem de Portugal que apareçamos


como um santuário de terroristas, por força de um suposto facilitismo das
nossas polícias e serviços de informações, como poderá fazer crer este
caso, junto com os recentes da ETA, e outros que, mesmo por má fortuna,
possam surgir. O lastro histórico da nossa imagem terceiro-mundista parece
ser ainda reconhecível e facilmente manipulável por quem realmente não
nos conhece, o que é indubitavelmente uma realidade nos Estados Unidos.

Mas adiante. Outros, contudo, numa perspectiva mais sociológica e


económica, vêem esta sensibilidade “aterrorizada” como uma característica
positiva dos americanos de prevenção e resposta eficaz contra um possível
atentado terrorista de grandes dimensões, talvez mesmo provável e inevi-
tável. Uma forma de manter os cidadãos em estado de alerta é alertá-los
continuamente para os efeitos rápidos e simultâneos de um atentado de
grande dimensão: pânico social, engarrafamentos, má visibilidade provo-
cada por fogo e fumo, cortes de electricidade, elevadores parados, pessoas
presas em túneis do metro, aeroportos fechados, hospitais sobrelotados,

201
congestionamento das telecomunicações, quebras de produção, interrupções
nos circuitos de distribuição e assim por diante.

É desta forma que os americanos vêem a necessidade de se fazer planos


de emergência e contingência tanto para as pessoas e famílias como para
as instituições públicas e privadas, onde se incluem as empresas. Estes pla-
nos estão a começar a fazer parte do quotidiano americano, afixados em
casa, na escola ou no trabalho, e a cultura de insegurança/segurança não
para de se alastrar, assim como o correlativo mercado.

Por outro lado, este ambiente favorece o reforço das medidas de vigilân-
cia de pessoas, grupos e instituições, tal como aconteceu recentemente com
a decisão de, pela primeira vez, se permitir às forças de segurança o acesso
aos mais potentes e secretos satélites militares, para terem imagens de alta
definição em tempo real. A tecnologia já permite, por exemplo, “ver” pessoas
dentro de edifícios, detectando o calor emitido pelo corpo humano.

Mas a verdade é que a ameaça terrorista nos Estados Unidos não é


inventada. Estão a ser descobertos grupos em território americano, como
o “Virginia Jihad Group”, liderado por Ali Al-Timimi, nascido em
Washington e doutorado em biologia computacional.

3. O Contra-Terrorismo

3.1. Lutando Contra a Al-Qaeda128

O alerta anti-terrorista emitido há duas semanas nos Estados Unidos e


em Inglaterra, sobre um atentado iminente a instituições financeiras ame-
ricanas e ao aeroporto de Heathrow, veio revelar uma vez mais o grau de
dificuldade em que se encontram os serviços secretos de ambos os países
– pertencentes ao grupo dos mais eficientes a nível mundial – relativamente
à recolha de informações credíveis sobre a Al-Qaeda. Neste caso, a fonte
da “informação” foi Mohammed Noor Khan, de 25 anos, um técnico de
computadores detido no Paquistão, no passado dia 13 de Julho.

128 Publicado em 15 de Agosto de 2004.

202
No computador de Mohammed Khan – suspeito de ser membro da Al-
-Qaeda – foram encontradas fotografias dos supostos alvos, mas não existiam
quaisquer planos de atentado. Porém, Khan tinha visitado o Reino Unido
várias vezes e contactado com uma série de indivíduos que estavam a ser
vigiados pelo MI5. Estes últimos, num total de doze, são cidadãos britânicos
de origem asiática, com idades entre os 20 e 30 anos, e foram entretanto pre-
sos na sequência da fuga de informação sobre Khan. São acusados de
estarem a preparar atentados terroristas, mas não foram encontrados em sua
posse quaisquer produtos químicos ou equipamento de fabrico de bombas.

Com efeito, este “falso alerta” – divulgado nos Estados Unidos – trouxe de
novo a público o espectro da “politização das informações”, nomeadamente
quando o presidente Bush afirmou de imediato que se estava perante “sound
intelligenge” (informações credíveis) e de seguida a imprensa veiculou que
afinal se tratavam de “informações” antigas de há quatro anos. Essas “infor-
mações” teriam sido em grande medida baseadas num documento conhecido
como o “manual de treino da Al-Qaeda”. Este “manual” veio a público alguns
meses antes do 11 de Setembro quando, nos Estados Unidos, foram realizados
os julgamentos dos autores dos atentados contra as embaixadas americanas de
Nairobi e Dar es Salam, em 1998, que provocaram mais de 200 mortos.

Contudo não é possível afirmar que tenha havido “politização das informa-
ções” neste caso de Mohammed Khan. Do ponto de vista da regular actividade
dos serviços secretos, o que parece ter acontecido foi que, independentemente
das provas materiais, as informações recolhidas – em parte sem dúvida através
de escutas – foram “integradas” (cruzadas) com outras registadas nas bases de
dados e, neste particular clima de incerteza quanto às operações da Al-Qaeda, a
“análise” produziu uma “avaliação prospectiva” de máxima prudência e de ele-
vada probabilidade da ocorrência a curto prazo. Em suma, às acusações de
“pecarem” por defeito os serviços secretos respondem “pecando” por excesso.

3.2. A Caça ao Homem129

O paradeiro de Bin Laden continua desconhecido. Uma hipótese, pro-


pagada desde o ano passado após a prisão de Khalid Sheikh Mohammed

129 Publicado em 19 de Setembro de 2004.

203
– considerado o terceiro homem na hierarquia da Al-Qaeda e responsável
operacional pelo 11 de Setembro – aponta a possibilidade de Bin Laden
estar na área desértica do Beluquistão, na fronteira a sul do Afeganistão
com o Irão e o Paquistão. Outra é a de que se esconde algures na fronteira
a norte entre o Afeganistão e o Paquistão, resguardado por um perímetro
de segurança móvel com uma extensão de cerca de 200 quilómetros, con-
trolado pelas tribos locais. Uma terceira hipótese refere que se encontra na
região de Cachemira, na vertente ocidental dos Himalaias, protegido pelos
movimentos terroristas locais com ligações à Al-Qaeda.

Neste momento existem três países cujos serviços secretos estão parti-
cularmente empenhados na captura de Bin Laden: Paquistão, Estados
Unidos e Reino Unido. Os paquistaneses têm obtido alguns resultados na
obtenção de informações e no desmantelamento de algumas células inter-
médias da Al-Qaeda, mas não têm conseguido infiltrar a organização de
modo a alcançar, por fontes directas ou indirectas, o núcleo duro de Bin
Laden. Neste aspecto são os que estão em melhor posição – pela língua,
cultura, fisionomia e conhecimento do terreno – de desenvolverem opera-
ções de HUMINT (human intelligence), ou seja, o emprego de espiões,
toupeiras e agentes duplos. Há alguns dias atrás viram-se todavia obrigados
a negarem oficialmente as alegações de Cofer Black, o coordenador de
contra-terrorismo do State Department, de que se verificaram progressos
na localização de Bin Laden. Os americanos, por seu turno, estão princi-
palmente confinados aos poderosos meios tecnológicos da SIGINT (signal
intelligence) e GEOINT (geo-spatial intelligence) – e foi desta forma que
detectaram e prenderam Khalid Sheikh Mohammed, depois de este ter uti-
lizado um telefone de satélite – meios esses insuficientes para localizar Bin
Laden que, ao que tudo indica, não comete qualquer quebra de segurança
neste campo. Na verdade, os americanos estão com um sério problema de
restruturação do sistema de informações e especificamente de HUMINT,
conforme apontou o relatório da comissão sobre o 11 de Setembro e na
semana passada confirmou Porter Goss, o director nomeado da CIA, que
declarou ser a human intelligence “uma das mais fracas componentes do
serviço e serem necessários pelo menos cinco anos para o reconstruir”.

Resta o esforço dos britânicos, sobre o qual não transpira para o público
qualquer tipo de notícia ou declaração. Dos serviços ocidentais, são quem
melhor conhece a região, a história e a cultura, as elites modernas e tradi-

204
cionais, e quem mantém aí contactos de todo o género há já algumas gera-
ções. Qualquer avanço significativo na localização de Bin Laden não dei-
xará pois de ter a marca dos serviços secretos britânicos.

3.3. A Europa Contra o Terrorismo130

O atentado bombista em Madrid, em 11 de Março de 2004, há exacta-


mente um ano, provocou na União Europeia um maior sentimento de urgên-
cia nos esforços a desenvolver contra o terrorismo transnacional. O 11 de
Setembro revelara que o terrorismo islâmico tinha bases logísticas na
Europa, nomeadamente na Espanha e na Alemanha, e por isso já motivara,
antes de Madrid, a ponderação sobre um conjunto de medidas: a definição
politicamente complexa do conceito de terrorismo, a lista dos grupos ter-
roristas, o mandado de captura europeu, os meios contra o financiamento
do terrorismo, o reforço do controlo das fronteiras da União Europeia, a
consolidação da EUROPOL, a institucionalização da EUROJUST, que visa
a coordenação das procuradorias gerais da república, e a prioridade de coo-
peração com os Estados Unidos.

O 11 de Março acelerou pois esta dinâmica e teve como consequência


imediata a criação nesse mesmo mês da nova posição de Coordenador de
Contraterrorismo, um conselheiro especial de Javier Solana no quadro do
Conselho Europeu, atribuída ao holandês Gijs de Vries que passou a ser
conhecido como o “Sr. Terrorismo”. De então para cá foram assim estabe-
lecidos dois eixos fundamentais e complementares do contraterrorismo
europeu: a implementação de uma efectiva estratégia europeia neste domí-
nio e da correspondente cooperação com os Estados Unidos.

No que respeita à estratégia europeia, é de assinalar a elaboração de


um “Plano de Acção de Combate ao Terrorismo” contendo objectivos pre-
cisos e uma calendarização de curto de prazo. No âmbito desse plano, por
exemplo, já está em funcionamento, junto do secretariado do Conselho
Europeu, o designado SITCEN (situation center) que é uma espécie de
experiência piloto ou embrião de um futuro serviço de informações europeu.
É neste momento composto por um grupo de analistas, oriundos de um

130 Publicado em 6 de Março de 2005.

205
conjunto de serviços de informações externas e internas dos Estados mem-
bros, que produz relatórios de informações confidenciais sobre a ameaça
terrorista dentro e fora da Europa. Estes são distribuídos, de acordo com
uma lista classificada, a Javier Solana e aos ministros dos negócios estran-
geiros, no sentido de apoiarem a definição da política externa e de segurança
comum, e igualmente aos ministros do interior e da justiça.

Quanto à cooperação com os Estados Unidos, foi estabelecida uma


metodologia de reuniões anuais e semestrais de alto nível sobre contrater-
rorismo, existindo já dois representantes da EUROPOL em Washington,
um do Secret Service (USSS) em Bruxelas e um do FBI em Haia. Entre
várias medidas de segurança dos transportes e das fronteiras, é de destacar
o projecto comum do passaporte biométrico, também conhecido por bilhete
de identidade global, que está previsto entrar em funcionamento já em
2005. O grau da ameaça vai continuar elevado, mas a margem de movi-
mentação dos terroristas será menor.

3.4. A Luta Anti-Terrorista Europeia131

É um facto que a luta anti-terrorista europeia não tem vindo a desen-


volver-se tão rapidamente quanto seria desejável. Uma causa evidente é a
singularidade dispersa do poder na Europa em comparação, por exemplo,
com os Estados Unidos, que condiciona a produção de legislação e de uma
efectiva política comum de informações.

Os críticos pessimistas apontam a falta de coordenação das informações


ao nível da União Europeia e a inexistência de um serviço europeu de infor-
mações, uma espécie de CIA europeia, uma Eurointel (tal como existe uma
Europol), preocupação que já nos anos 90 tinha a UEO no contexto da crise
dos Balcãs; ou o facto de Gijs de Vries, o chamado Sr. Terrorismo, nomeado
após os atentados de Madrid, não ter orçamento nem agentes no terreno
nem poder propôr legislação. Os optimistas, pelo contrário, apontam passos
importantes que foram ou estão a ser dados, como o Centro de Satélites
em Espanha associado ao programa Hellios, que tem a capacidade de reco-
nhecimento fotográfico com 1 metro de resolução; ou o designado SITCEN

131 Publicado em 17 de Julho de 2005.

206
(situation center), que funciona junto de Javier Solana, o Sr. PESC, que
produz análises e avaliações de ameaças com elementos provenientes de
sete serviços europeus.

De qualquer modo, é também um facto que os atentados têm dinami-


zado a tomada de decisão europeia anti-terrorista. Às medidas entretanto
concertadas, como o mandado europeu, o registo de telefonemas e emails
ou o reforço do congelamento de bens pessoais, acrescentam-se agora, após
a reunião dos ministros do interior europeus no passado dia 13 de Julho,
as seguintes: identificação detalhada dos emissores de transferências de
dinheiro; melhoria da troca de informações sobre explosivos perdidos e
roubados; harmonização do processo de emissão e de segurança dos bilhetes
de identidade; reforço das medidas comuns sobre segurança aérea e marí-
tima; realização de um acordo sobre um programa europeu de protecção a
infraestruturas estratégicas; e realização de exercícios regulares conjuntos
anti-terroristas.

No entanto, esta resposta processa-se a um ritmo excessivamente demo-


rado para aquilo que é a actividade quotidiana dos serviços secretos, em
particular dos departamentos de contra-terrorismo. É neste contexto que se
compreende o programa secreto franco-americano, designado Alliance
Base, sediado em Paris desde 2002. Trata-se de um núcleo de planeamento
e execução de operações anti-terroristas cobertas e clandestinas, enquadrado
na DGSE (serviços externos) e chefiado por um general francês. Tem como
língua de trabalho o francês e integra também elementos britânicos, ale-
mães, canadianos e australianos. O núcleo selecciona cuidadosamente cada
operação de vigilância e detenção, e escolhe para a liderar um dos seus
membros através do correspondente serviço nacional. Face ao agravamento
do terrorismo, não é de excluir a hipótese da futura eliminação selectiva
de alvos.

3.5. A Luta Anti-Terrorista em África132

Na semana passada teve lugar em Kartum, no Sudão, uma conferência


regional anti-terrorista confidencial. Esta reuniu os serviços de informações

132 Publicado em 25 de Setembro de 2005.

207
de 16 estados africanos e observadores dos Estados Unidos, Reino Unido,
Arábia Saudita e Nações Unidas. Dirigentes e analistas passaram assim
dois dias a debater, a fazer apresentações e a trocar informações sobre as
crescentes actividades e movimentações de terroristas em África, nomea-
damente da al-Qaeda, que têm vindo a ser detectadas pelos serviços de
informações ocidentais. Por exemplo, três dos suspeitos dos atentados falha-
dos de Londres, depois do 7 de Julho, eram naturais de África.

Com efeito, não obstante o Sudão constar na lista negra do terrorismo,


os Estados Unidos foram os principais patrocinadores da conferência, a
qual se insere numa nova estratégia anti-terrorista para África que visa
essencialmente negar espaço de manobra aos terroristas. Como em África
o poder militar condiciona fortemente o poder político, mesmo nos regimes
ditos democráticos, essa estratégia está a apelar ao conceito de guerra
global contra o terrorismo para mobilizar os chefes militares, sob cuja
tutela geralmente se encontram os serviços de informações, estimulando-
os a cooperarem regionalmente e fornecendo-lhes programas de formação
e investimentos em tecnologia especializada, para além de informações
classificadas.

Foi pois de acordo com esta estratégia anti-terrorista que ocorreu há


um ano uma conferência regional similar no Quénia, que no início deste
ano os Estados Unidos realizaram exercícios militares conjuntos com nove
estados africanos, que o presidente Bush anunciou, há duas semanas, um
programa de formação especializada de quarenta mil militares africanos
nos próximos cinco anos, e que, na semana passada, a National Defense
University homenageou três oficiais generais africanos. Entre estes con-
tava-se o brigadeiro-general Wilson Boinett, o director-geral do National
Intelligence Service do Quénia, responsável pela organização da referida
conferência no ano passado e principal promotor da realizada este ano.

Mas esta estratégia contém também uma forte componente ideológica


que assenta no conceitos interligados de desenvolvimento e crescimento
económico, associados à consolidação da democracia e da segurança, e que
encontra no Banco Mundial um vital instrumento de apoio. Não foi pois
por acaso que o ex-subsecretário do Pentágono, Paul Wolfowitz, começou
este ano a liderar a organização.

208
Na verdade, Wolfowitz já anunciou que a prioridade da instituição é
África e que os investimentos serão canalizados em grande medida para a
construção de infraestruturas. Porém, haverá “tolerância zero” relativamente
a esquemas de corrupção envolvendo dinheiros do Banco e os líderes polí-
ticos e empresários serão responsabilizados por qualquer eventual ligação
directa ou indirecta aos negócios dos terroristas.

3.6. A Luta Anti-Terrorista em Espanha133

Dois anos e meio depois dos atentados de 11 de Março em Madrid,


a reorganização do sistema espanhol de luta contra o terrorismo islâmico,
para além da ETA, atingiu um ponto culminante com duas medidas
postas este mês de Setembro em prática: um comando unificado para
a Polícia e a Guarda Civil e um programa de protecção das infraestruturas
críticas.

O comando unificado surge em parte pelo facto de que constava já no


programa eleitoral do PSOE, mas sobretudo porque a comissão que inves-
tigou o 11 de Março detectou problemas de coordenação entre ambas as
instituições de segurança, como falhas de partilha de informações, obtidas
através de fontes diversas, e duplicação de esforços e custos. Tanto a Polícia
como a Guarda Civil têm unidades de informações e anti-terroristas e, a
partir de agora, integrarão procedimentos, nomeadamente no que respeita
a operações e a bases de dados, e também, por exemplo, na desactivação
de explosivos e nas questões forenses.
Trata-se da maior reforma orgânica do ministério do interior desde a
instauração da democracia em Espanha e visa igualmente o combate ao
crime organizado. Na luta anti-terrorista estão directamente envolvidos
mais de 600 agentes, número que tem vindo a crescer e irá atingir o milhar
em 2008. A crescer tem vindo também a contratação de tradutores de
Árabe, que são agora cerca de 70, depois de há dois anos se terem desper-
diçado transcrições de escutas a suspeitos, precisamente por falta de tradu-
tores. O orçamento sectorial da luta anti-terrorista tem vindo pois a aumen-
tar, estando este ano próximo dos 370 milhões de euros, número que

133 Publicado em 17 de Setembro de 2006.

209
representa quase o dobro do orçamento global do Centro Nacional de
Inteligencia.

Por outro lado, o governo espanhol anunciou a activação de um pro-


grama de protecção das infraestruturas críticas, conforme recomendação
do conselho europeu logo após o 11 de Março, tendo-se assim tornado no
primeiro país da União Europeia a pô-lo em prática. É um plano especial
de vigilância das infraestruturas mais importantes do país, contemplando
a possibilidade de um ataque da al-Qaeda e também o cenário de emprego
de armas de destruição em massa.

O programa, conhecido na gíria da forças de segurança como “Circular


50”, identifica mais de 6500 instalações a proteger, das quais 1397 são clas-
sificadas como “críticas” para o regular funcionamento do Estado, incluindo
aeroportos, vias de comunicação, centrais energéticas, grandes edifícos e
centros de decisão. Um número não revelado destas instalações, por razões
de segurança, ficará fora do conhecimento público sob a forma de infor-
mação confidencial e secreta.

Para tornar o programa efectivo e eficaz, todas as instalações já se


encontram registadas numa base de dados “regionalizada” que apoiará a
rede derivada de 196 sub-programas regionais. De fora ficam os portos e
instalações portuárias, que, a curto prazo, serão abrangidos por um pro-
grama especial e exclusivo.

210
III – A PERSPECTIVA DA INTELLIGENCE

1. Teoria das Informações

1.1. A Diplomacia Secreta dos Serviços de Informações134

cooperação internacional entre serviços de informações é um campo


distinto das relações entre ministérios dos negócios estrangeiros. Enquanto
estes últimos tratam das questões relativas às políticas externas, os serviços
secretos trocam em grande medida informações sobre pessoas e situações
concretas.

É usual os serviços de informações serem divididos em amigos e hostis.


Esta última categoria era particularmente ampla no contexto da guerra fria,
mas hoje é obviamente diminuta, tendo o conceito de “eixo do mal”, pro-
jectado pelos EUA, causado uma pressão no sentido de que essa categoria
ficasse claramente fixada e delimitada na actual conjuntura. Por exemplo,
os serviços secretos do Irão têm neste momento um estatuto marginal e um
nível muitíssimo reduzido de cooperação internacional.

O potencial de cooperação dos serviços é portanto elevado face à


ameaça terrorista. É contudo uma grande vulnerabilidade interiorizar o
conceito de amigos no sentido de que pelo simples facto de poderem ser
apontadas afinidades (ao nível da geografia, da cultura e das alianças polí-

134 Publicado em 5 de Dezembro de 2004.

211
ticas e militares) ficar desde logo estabelecida uma relação regular, de
máxima ou muita confiança, norteada pelo desejo recíproco de troca de
informações sem ou quase sem barreiras.

A cooperação regular entre serviços é quase exclusivamente bilateral e


materializa-se nas reuniões dos analistas (também chamados peritos) e na
troca de relatórios e pedidos de informações, que é um processo demorado
de construção de confiança recíproca. São as reuniões periódicas entre ana-
listas que potenciam a obtenção de informações que idealmente se pretende
que sejam de “fontes A”, isto é, com o máximo de credibilidade. Note-se
também que, como em qualquer situação social de sigilo, há “coisas” que
não são escritas, só são ditas.

O acesso a informações provenientes de fontes de serviços amigos é


por isso imprescindível para se aumentar o nível de conhecimento e a capa-
cidade prospectiva. Os departamentos de análise não podem contudo deixar
de filtrar essas informações, porquanto é comum os serviços veicularem
avaliações parciais das situações, de acordo com a sua própria maneira de
ver o mundo e o que consideram ser o seu interesse nacional. O exemplo
mais recente foi o das armas de destruição massiva do Iraque, que levou
governantes e mesmo directores de serviços de informações de países alia-
dos a tomarem como certas (porventura ingenuamente) as informações
truncadas que, sob pressão, lhes foram transmitidas.

São estas circunstâncias que impedem os serviços secretos de se abrirem


com rapidez aos esquemas de cooperação multilateral, não obstante a urgên-
cia da luta contra o terrorismo Por enquanto o sistema de referência neste
domínio continua a ser o clube UKUSA que, desde a 2ª guerra mundial,
liga o Reino Unido aos Estados Unidos e associa o Canadá, a Austrália e
a Nova Zelândia.

1.2. A Gestão dos Segredos135

O “segredo” é, desde tempos imemoráveis, uma vantagem de quem o


detém sobre os adversários. No entanto este princípio está a ser posto em

135 Publicado em 12 de Setembro de 2004.

212
causa actualmente nos Estados Unidos a propósito da reestruturação anun-
ciada da Intelligence Community, isto é, da constelação de 15 serviços
secretos que compõem o sistema nacional de informações. Paralelamente
aos temas mediáticos – como por exemplo o da extinção da CIA – o debate
em curso possui também uma dimensão, mais discreta, que congrega um
número restrito de altos funcionários e de especialistas em “informações”
oriundos do meio académico e com ligações formais e informais aos pró-
prios serviços secretos. O assunto “quente” – que subjaz à reforma global
do sistema – é o da gestão dos segredos, ou seja, o processo de classificação,
manutenção e difusão das “informações”.

A avaliação oficial da situação é negativa, nomeadamente no que res-


peita aos obstáculos legais e operacionais que impediram um fluxo regular
entre os vários serviços, antes do 11 de Setembro, de determinados docu-
mentos classificados agora considerados passíveis de poderem ter contri-
buído para a prevenção do atentado terrorista. Mas a situação ficou ainda
mais complicada após 2001 com um crescimento de cerca de 40% do
volume de documentos classificados. “O nosso país esqueceu~se do modo
como se guarda e conserva um segredo”, afirmou por isso Donald
Rumsfeld há alguns dias atrás. Ao mesmo tempo Carol Haave, subsecretária
adjunta da Defesa para a Contra-Inteligência e Segurança, revelou que 50%
do total das informações geridas estão “sobreclassificadas”.

Para se ter uma visão clara da dimensão e complexidade do problema


atente-se nas estimativas actuais que apontam, relativamente a 2003, um
número de 14 milhões de documentos classificados e, excluindo a CIA,
um custo de 6.5 mil milhões de dólares na classificação e manutenção de
todas as “informações”, incluindo as arquivadas. Esta realidade é ainda
agravada por práticas correntes compartimentadas como a da “necessidade
de conhecimento”, que restringe o número de pessoas com acesso às fontes
e aos documentos classificados, segundo critérios temáticos, geográficos,
departamentais ou mesmo institucionais, procedimento que tradicional-
mente se destina a minimizar as possibilidades de os segredos serem reve-
lados. Porém isto torna o sistema lento e potencia vulnerabilidades na pro-
dução de “informações” completas e credíveis.

Neste momento o debate especializado está pois a orientar-se no sentido


de uma (até agora inexistente) “teoria do segredo”, um conjunto consensual

213
de princípios gerais que defina como se usa, qual a quantidade, o melhor
método de classificação e o número exacto de utilizadores. É muito provável
que, em caso de mudança substancial do sistema neste domínio, tal venha
a reflectir-se na cooperação com os chamados “serviços amigos”.

1.3. A Função da Análise136

Numa unidade de informações estratégicas, destinada a acompanhar os


factores não exclusivamente económicos da conjuntura com repercussões
na actividade das empresas, a análise desempenha um papel pró-activo por-
quanto é um elemento que diária e continuamente apura a definição do
alvo e corrige a trajectória do tiro. A análise é por isso uma função muitas
vezes incompreendida, em qualquer estrutura de informações, porque tanto
é desvalorizada enquanto mero serviço de tipo jornalístico como avaliada
exigentemente quanto à sua perfeição em termos de previsão. Na verdade,
a análise é um processo de índole científica, sujeito a um conjunto de parâ-
metros metodológicos, que visa prioritariamente o conhecimento do que
está a acontecer e idealmente a excelência da capacidade prospectiva.

A análise possui uma identidade enquanto método de aquisição de


conhecimento e é o elemento final decisivo do processo de produção de
informações. Essa identidade radica em parte no princípio da diferença
entre notícia e informação (em inglês, information e intelligence), que é
assim explicada por Michael Herman, do St Antony s College de Oxford,
um reputado cultor dos Intelligence Studies:

“Whether single-source or all-source, most intelligence output


has a significant element of „processing , as is reflected in the mili-
tary distinction between „unprocessed data of every description
(information) and „the product resulting from the processing of
information (intelligence). Intelligence is like archaeology; a matter
of interpreting evidence as well as finding it. It is not “raw news”
or a simple recording of information.”

136 Publicado em 27 de Outubro de 2005.

214
A partir desta distinção tornou-se comum, nomeadamente em Portugal,
invocar e ensinar o chamado ciclo de produção de informações como a
ideia-mestra da configuração da análise. Tal ideia acaba porém por cons-
tituir uma espécie de mnemónica para os iniciados nas informações que
muitas vezes ficam assim apenas “formatados” relativamente ao que cons-
titui o processo geral de identificação/selecção/tratamento de informação
em qualquer actividade. O analista que se guie estritamente por essa mne-
mónica tem pois tendência para desenvolver um trabalho burocratizado que
se traduz na recolha diária de um conjunto de notícias, no seu “recorte”
(confirmação), no seu processamento numa base de dados e eventualmente
na produção de um relatório, o que para si constituirá a tarefa mais difícil
uma vez que, para além de outros factores como a capacidade de escrita e
de síntese, o seu conceito de análise estará confundido com os de integração
e de interpretação que estão associados à interiorização do ciclo de pro-
dução de informações.

Este pode ser designado como o analista passivo por contraposição ao


analista activo. Este último é obviamente o desejável, porquanto possui
uma atitude básica, fundamental em qualquer bom investigador em qualquer
ramo, composta por valores como a curiosidade, a iniciativa, a autonomia,
a prudência (necessária ao “recorte”), a noção do tempo e da exequibilidade
e, sobretudo, a cientificidade. O volume de notícias disponíveis, por razões
tecnológicas, é hoje em dia inquantificável e por isso é mais eficaz partir
da realidade para as notícias que o inverso. Na prática isto significa que a
rotina do analista passivo é o processamento de dados enquanto a do ana-
lista activo é a produção de relatórios que constituem em si mesmos peças
de registo e sistematização de conhecimento, para além de exercícios fun-
damentais de prospectiva e construção de cenários.

A avaliação prospectiva surge assim neste contexto como um processo


de selecção e identificação de um conjunto limitado de tendências de evo-
lução da situação, para consequentemente se destacar apenas uma, enqua-
drada numa escala entre o muito provável e o improvável, com espaço para
a simples possibilidade. Nos casos em que a avaliação prospectiva se torna
complexa, as tendências são trabalhadas em forma de cenários, enquadra-
dos na mesma escala e desenvolvidos multiplamente como sub-cenários,
de modo a cercar por todos os lados a evolução da situação. Nesta tarefa
é contudo imperativo não cair no erro fácil (ditado pela inexperiência ou

215
pela “necessidade” de mostrar trabalho a todo o custo) de confundir pros-
pectiva com especulação, levando esta última inevitavelmente à utilização
de tempos verbais condicionais que de maneira nenhuma constituem ins-
trumentos de precisão.

1.4. A Prática da Boa Teoria137

comum nos meios académicos a afirmação de que não há nada mais


prático que uma boa teoria. Isto é sem dúvida verdade enquanto princípio
da investigação científica, mas também da actividade das informações
estratégicas, de apoio à tomada de decisão, cujo objectivo é a análise da
evolução da conjuntura e dos factores não exclusivamente económicos que
a influenciam. Na verdade, uma unidade de informações estratégicas de
uma empresa deve ser enformada por um conjunto de enunciados teóricos,
no campo da ciência política e das relações internacionais, que lhe permitam
obter uma percepção, o mais próxima possível, da realidade. Se isso não
acontecer, por omissão ou por deformação teórica, causada, por exemplo,
por apriorismos político-ideológicos, a análise será inevitavelmente des-
viada da realidade por uma espécie de erro de paralaxe e, consequente-
mente, o nível da capacidade prospectiva diminui.

Em Portugal existe a tendência para se valorizar o que vem lá de fora


em detrimento do que se faz cá dentro, o que muitas vezes é não só injusto
mas também pernicioso. Em vez de se ganhar tempo, perde-se. Ora, neste
campo da ciência política e das relações internacionais, existe uma escola
de pensamento realista em Portugal, ininterrupta desde os anos 50 até hoje,
marcada pelos trabalhos pioneiros e recorrentemente inovadores do
Professor Adriano Moreira. Está pois disponível um quadro de referência
de conceitos operacionais que é muito útil na orientação de qualquer pro-
cesso de produção de informações estratégicas. Ignorá-lo é o mesmo que
hoje navegar sem GPS.

Dentro desse amplo leque de conceitos, podemos desde logo destacar


a chamada lei da complexidade crescente das relações internacionais, ins-
pirada em Teilhard de Chardin, a qual nos permite vislumbrar a dinâmica

137 Publicado em 3 de Novembro de 2005.

216
estruturante do fenómeno da globalização. A tecnologia e os valores oci-
dentais estão a traçar o caminho para a unidade do mundo, nomeadamente
desde a 2ª guerra mundial, após a qual ocorreu uma multiplicação sem pre-
cedentes de centros de decisão políticos e económicos (princípio da dis-
persão). Porém, na medida em que tal se produziu, começou a registar-se
um movimento no sentido da concentração regional e mesmo transnacional
desses centros de decisão, e da correspondente multiplicação qualitativa e
quantitativa das suas relações (princípio da convergência). Na perspectiva
das informações estratégicas, isto significa que é necessário acompanhar a
dinâmica de certos centros de decisão que, embora não determinem, con-
dicionam a evolução da conjuntura e o espaço de manobra das empresas.

Neste contexto são também elucidativas as noções conjugadas de Estado


em movimento e de fronteiras de zonas de influência, que se traduzem
numa correspondência não efectiva das fronteiras geográficas com as polí-
ticas ou as culturais ou as económicas, isto é, são assimétricas e corres-
pondem a conceitos estratégicos de projecção internacional. Por exemplo,
se uma dada empresa com uma determinada nacionalidade, por hipótese
um banco, quiser expandir-se através de concurso para um país que não se
situe na fronteira económica do seu Estado de origem, encontra-se à partida
em grande desvantagem competitiva com outros concorrentes que preen-
cham esse requisito e demonstrem potencial financeiro idêntico.

Outros conceitos de extrema utilidade decorrem do estudo do poder, o


qual não é em si mesmo uma coisa. Analisar o poder é sempre analisar
uma relação que, adaptando esses conceitos ao ângulo dos negócios, pode
ser tão política quanto económica. Uma percepção portanto fundamental é
a de que uma coisa é o que o poder diz, outra o que escreve e outra ainda
o que faz. Aqui cabe igualmente a observação de que o poder mente, dentro
de limites razoáveis, e de que o silêncio se abate sobre aquilo que é real-
mente importante.

Do mesmo modo, é preciso ver que o poder é constituído por um núcleo


que é necessário analisar continuamente, assim como os grupos de interes-
ses que directamente o condicionam. Para uma análise mais precisa, con-
troem-se sociogramas sobre o desempenho e o desenvolvimento das rela-
ções entre os principais actores, segundo uma tipologia previamente
definida. As eventuais constantes ou mudanças, registadas pela unidade de

217
informações estratégicas, serão um indicador seguro das possibilidades e
probabilidades de comportamento do núcleo e dos obstáculos ou oportu-
nidades que se apresentam à tomada de decisão interessada nesse mesmo
comportamento.

1.5. O Ciclo de Produção de Informações138

Qualquer programa de formação no domínio das informações inclui a


aprendizagem básica do designado intelligence cycle, isto é, o ciclo da pro-
dução de informações. Uma definição antiga mas ainda e sempre actual,
originária da CIA e que transbordou depois para o campo do management,
refere que é o processo através do qual as “informações cruas” são identi-
ficadas, recolhidas, avaliadas, analisadas, transmitidas e disponibilizadas
enquanto “informações estratégicas” aos decisores para estes as usarem na
tomada de decisão e na acção.

O ciclo da produção de informações, servindo a primeira linha da


tomada de decisão, é fundamentalmente composto por cinco fases: planea-
mento e orientação; recolha; processamento; análise e produção; e disse-
minação ou distribuição. A cada uma destas fases corresponde componentes
cujos detalhes não são de modo algum complexos, tratando-se globalmente
de um método acessível e universal de sistematização e gestão da informa-
ção. Os factores que o tornam ou mais ou menos eficaz, de facto, são a
presciência dos decisores, a qualidade dos analistas, a fiabilidade das fontes
e a capacidade de os sistemas informáticos registarem, integrarem, cruza-
rem e disponibilizarem informação de um forma simples e rápida.

Quando decidem investir tempo, dinheiro e recursos humanos numa


unidade de informações estratégicas, os decisores devem pois estar posi-
cionados no centro da dinamização do intelligence cycle, cabendo-lhes em
primeiro lugar, em interacção com os analistas, a abordagem de sete per-
guntas-chave: (1) O que é que nós precisamos de saber?; (2) O que é que
nós já sabemos ou quais são as nossas percepções ?; (3) Por que é que nós
precisamos de saber “isso” e qual será o impacto estratégico?; (4) Quando
é que nós precisamos de saber “isso”?; (5) O que é que faremos com as

138 Publicado em 10 de Novembro de 2005.

218
informações quando as tivermos?; (6) Qual é o custo dessas informações?;
(7) Qual é o custo de não ter essas informações?

Neste processo, os decisores são ao mesmo tempo produtores e


clientes das informações e estão sujeitos a cair no erro de deixarem o
ciclo seguir no sentido da entropia ao inadvertidamente transformarem
os analistas, ou deixarem que estes se transformem, em meros proces-
sadores de informação, ou seja, em analistas passivos. E uma das formas
de issso acontecer é pretender obter informações a partir de uma visão
exagerada do ambiente de negócios, desde a complexidade de inúmeros
cenários conjunturais até uma variedade crescente de potenciais com-
petidores. Nesta situação, a unidade de informações estratégicas é
somente um instrumento de processamento e acumulação de informação
com um baixo nível de utilidade prática.

O funcionamento optimizado do ciclo da produção de informações


numa empresa obedece assim a uma visão ou revisão prévia clara do pla-
neamento estratégico, da estrutura organizacional e dos relatórios periódicos
da gestão. Isto permite identificar as principais linhas de acção e as prio-
ridades, e os principais destinatários das informações, uma vez que estas
não devem ficar na totalidade circunscritas ao topo mas sim internamente
distribuídas de acordo com critérios de utilidade e operacionalidade. Por
outro lado, devem ser identificados os competidores directos. Por sistema,
a lista deve ser reduzida a cinco. Se houver problemas neste aspecto, o
melhor ainda é aplicar a velha regra dos 80/20. Identificar 20% das empre-
sas responsáveis por 80% da concorrência e depois orientar o ciclo da pro-
dução de informações nesse sentido.

Por último, mas em primeiro lugar, quando não existe uma unidade
de informações estratégicas, é obviamente necessário estabelecer uma
estimativa dos custos de desenvolvimento e gestão desta função na
empresa. Os custos de desenvolvimento incluem o desenho do sistema
com hardware, software e formação. Os custos de gestão abrangem o
analista ou analistas (de acordo com a dimensão e projecção da empresa),
que neste tipo de função devem ser em número suficientemente reduzido,
a manutenção de fontes e a aquisição complementar de dados e infor-
mação especializada.

219
1.6. A Expansão das Fontes Abertas139

Nos últimos anos, acompanhando a chamada revolução da informação,


o conceito de open source intelligence (OSINT) tem vindo a ganhar espaço
no mundo dos serviços secretos. Trata-se de aplicar o método de análise
da informação classificada, obtida de forma coberta, à extraordinária quan-
tidade e diversidade de informação proveniente de fontes abertas que hoje
se encontra facilmente disponível ao público, em grande medida devido ao
desenvolvimento tecnológico.

A OSINT está assim em vias de adquirir, enquanto técnica, um estatuto


nos serviços de informações idêntico às acções de espionagem dos agentes
secretos (HUMINT), às operações de escutas (SIGINT) ou à observação
por satélite (GEOINT). A NATO, por exemplo, tem seguido esse caminho
e, de forma pioneira, tem vindo a sistematizar a OSINT numa perspectiva
de doutrina militar, traduzida especialmente em dois documentos orienta-
dores: o Nato Open Source Intelligence Handbook, de Novembro de 2001,
e o NATO Open Source Intelligence Reader, de Fevereiro de 2002. Por
outro lado, nos Estados Unidos, a já célebre comissão de inquérito ao 11
de Setembro recomendou a instituição de uma unidade de OSINT no quadro
do sistema de informações.

Ora, precisamente na semana passada, John Negroponte, o responsável


máximo pelo sistema de 15 serviços que compôem a “intelligence com-
munity”, anunciou a criação de um novo departamento sob a sua tutela,
mas a funcionar na estrutura da CIA, com a designação de Open Source
Center (OSC). Na prática, trata-se de uma reestruturação e modernização
do FBIS (Foreign Broadcast Information Service), uma organização criada
em 1941 para monitorizar os programas noticiosos das emissões radiofó-
nicas dos inimigos durante a 2ª guerra mundial, e mais tarde integrada no
directório de ciência e tecnologia da CIA.

O OSC tem agora como função servir e dinamizar a “intelligence com-


munity” na exploração optimizada, enquanto OSINT, da informação dis-
ponível na enorme variedade multilinguística de fontes abertas, incluindo
a internet, bases de dados, imprensa escrita, radiofónica e televisiva, foto-

139 Publicado em 13 de Novembro de 2005.

220
grafias, videos, etc.; e também a formação nesta área e o desenvolvimento
das tecnologias de informação no sentido da ampla disseminação das infor-
mações pelo governo (need-to-share). Para director do OSC foi escolhido
Douglas Naquin, um funcionário de topo da CIA que chefiava já o FBIS,
e que possui uma formação de base em Ciência Política e pós-graduções
pela Universidade de Georgetown e pelo Army War College. Filho de um
Marine, Naquin construiu também ao longo da carreira a reputação de faci-
litador da ligação entre civis e militares.

No passado mês de Maio, o Departamento de Defesa anunciou que no


máximo até 31 de Janeiro de 2006, iria apresentar ao Congresso uma “estra-
tégia para integrar a OSINT no ciclo da produção de informações militares”.
É pois muito provável que o OSC venhar a ter um papel relevante nessa
estratégia.

1.7. O Conceito de OSINT140

OSINT é a sigla correspondente a open source intelligence, conceito


que se encontra em expansão no âmbito dos serviços de informações e que
globalmente traduz a aplicação às fontes abertas da metodologia empregue
na produção das informações confidenciais e secretas. O conceito tem
vindo a definir-se na medida em que se desenvolve a chamada sociedade
da informação. Há uma década atrás, a OSINT praticamente não existia e,
na perspectiva da todavia já então consagrada competitive intelligence, o
recurso às fontes abertas não constituía uma real opção para se obter boas
informações. Num dos manuais de referência da época, “Perfectly Legal
Competitor Intelligence”, de Douglas Bernhardt, editado pelo Finantial
Times em 1993, a afirmação é que “o campo das fontes abertas é infinito,
os analistas não têm capacidade nem tempo para as tratar e, por isso, do
ponto de vista da produção de informações o seu valor qualitativo é baixo”.

A situação mudou muito desde essa altura, ao ponto de, precisamente


na semana passada, a própria CIA ter anunciado a criação de um novo
departamento, especializado em OSINT, sob a designação Open Source
Center. Com efeito, a OSINT nos últimos cinco anos tem vindo a ser objecto

140 Publicado em 17 de Novembro de 2005.

221
de interesse crescente no ambiente dos serviços de informações civis e
militares e das revistas académicas da área dos Intelligence Studies. A
NATO, por exemplo, tem vindo a criar doutrina em tôrno do conceito desde
os finais de 2001, tendo já definido os conceitos subsidiários de open
source data (OSD) e open source information (OSI), referindo-se ambos à
informação em bruto antes de ser objecto de recolha e tratamento: o pri-
meiro relativo a elementos como fotografias e imagens de satélite comer-
ciais; o segundo relativo aos meios de comunicação social, livros e relatórios
de todo o género. A NATO define pois a OSINT como “a informação que
foi deliberadamente descoberta, discriminada, destilada e disseminada por
uma audiência seleccionada, de modo a responder a uma questão especí-
fica”.

Esta definição é hoje consensual e, transposta para o campo da gestão,


significa que a OSINT assume uma posição preponderante no tradicional
ciclo da produção de informações, directamente dependente da primeira
linha da tomada de decisão. É o que está a acontecer nos Estados Unidos,
por exemplo, ou na França com o valor do patriotismo económico a ser
instilado nos gestores por instituições como a Escola de Guerra Económica
e por novas figuras do Estado como o Alto Representante para a Inteligência
Económica, dependente do primeiro-ministro.

A internet é um elemento central neste contexto e em Portugal parece


não existir ainda sensibilidade ao nível das empresas para o seu potencial
enquanto factor de vantagem competitiva via OSINT. As unidades de infor-
mações estratégicas são inexistentes e geralmente a procura de dados e
informações na Internet, no seio das empresas, fica a cargo dos habilidosos
e amadores da “navegação” ou de alguém designado para o efeito, acumu-
lando melhor ou pior, casuisticamente, informação bruta em folhas de papel
em dossiês. Quando há dinheiro, compra-se informações externamente sob
a forma de relatórios, que são muitas vezes peças caras de “pronto-a-deci-
dir”, sem qualquer filtro consistente de conhecimento interno, estratégico,
científicamente produzido.

Do ponto de vista da OSINT, a navegação não pode ser realizada


somente à vista – tem de ter um “regimento”, isto é, orientação e técnica.
Neste momento assiste-se ao surgimento constante de motores de busca
cada vez mais especializados e eficazes que, por exemplo, abrem a possi-

222
bilidade de se proceder a pesquisas temáticas abrangendo milhares de publi-
cações de praticamente todos os países do mundo, com uma actualidade
na ordem dos minutos, o que permite inclusivamente em tempo real ultra-
passar a barreira da diferença horária mais dilatada. Outra utilidade da
internet é o enorme espectro de sites especializados que existem pelas mais
variadas razões e intenções. E há ainda que contar com a “gestão de stocks”
dos designados favoritos, que não param de crescer.

Mas a internet também comporta ameaças como, por exemplo, aquela


que é a solução extrema da OSINT: a acção dos hackers. Uma empresa
que hoje menospreze este aspecto, em termos de segurança informática,
tem sem qualquer dúvida, potencialmente, uma grave “desvantagem
competitiva”.

1.8. A Perspectiva da Inteligência Económica141

Há poucos dias atrás, a Global Intelligence Alliance, uma rede global


de empresas de competitive intelligence, anunciou ter concluído um estudo
aprofundado sobre a actuação de um largo painel de grandes empresas na
região da Ásia-Pacífico e em oito países, entre os quais se destacam o
Brasil e o México. Os números são elucidativos do nível de emprego das
informações estratégicas nos negócios: 87% das empresas produzem-nas
sistematicamente a propósito das suas operações internacionais e 71% pos-
suem uma unidade própria para o efeito. A percepção mais vincada é a de
que melhoraram a qualidade da informação e aumentaram a capacidade de
previsão de ameaças e oportunidades.

É neste contexto que se compreende, por exemplo, a atitude actual da


França no sentido do patriotismo económico com o esforço que está a ser
feito para divulgar internamente o conceito de inteligência económica, defi-
nido simplesmente como “o domínio da informação estratégica para todos
os actores económicos”. Hoje, entre os principais pilares contam-se (1)
uma escola privada de gestão designada Escola de Guerra Económica, (2)
a figura do Alto Representante para a Inteligência Económica, dependente
do gabinete do primeiro-ministro, na pessoa de Alain Juillet, ex-director

141 Publicado em 24 de Novembro de 2005.

223
geral da Suchard e, embora durante somente três meses, em 2003, ex-direc-
tor do departamento de análise dos serviços informações externas (DGSE),
tendo divulgado já este ano um guia de formação avançada em inteligência
económica, (3) o clube de defesa económica da empresa, no quadro da
“gendarmerie nationale”, de que fazem parte empresas como a Air France,
a Alcatel, a Electricité de France ou o BNP-PARIBAS, (4) a Sociedade
Nacional de Inteligência Estratégica/ADIT, que neste momento tem uma
rede que abrange os cinco continentes, (5) e, muito recentemente, o conceito
associado de “inteligência territorial”, que traduz a mobilização das regiões.

Em Portugal, esta ideia de recolha e tratamento de informação, trans-


formando-a em “informações” de apoio à tomada de decisão, no meio
empresarial e no âmbito de outras instituições privadas e também públicas,
ainda está em fase de gestação. As excepções são mesmo raras e registam-
se, por exemplo, no sector da banca. O atraso relativamente aos nossos con-
correntes, nos diversos mercados internacionais, é uma das consequências
inevitáveis. A nossas exportações não são assim passíveis de serem poten-
ciadas e o seu crescimento fica em grande medida dependente do chamado
“clima económico internacional”, o que, à velha maneira portuguesa, quer
dizer que fica “à espera de melhores dias”, ou seja, sujeito ao destino.

Muitos esperam que o Estado, também nisto, aponte com precisão as


tendências da evolução da conjuntura, demitindo-se assim de criarem
conhecimento próprio nas suas organizações, com um investimento redu-
zido numa unidade de informações estratégicas, rentável num prazo rela-
tivamente curto. A propósito, um verdadeiro empreendedor neste campo
não esquecerá seguramente que, neste momento, à espera de contratação,
existe uma força de trabalho desempregada de cerca de 50 mil licenciados,
e outros com mestrados e doutoramentos, o que significa que existe uma
massa de potenciais analistas que pode ser facilmente seleccionada e, sem
grandes custos, qualificada e direccionada para a actividade de produção
de informações estratégicas.

Na dinâmica que está já presente e que se avizinha de crescente perda


de competitividade das empresas portuguesa no cenário internacional, será
pois muito útil “espalhar” o conceito de informações estratégicas enquanto
factor de vantagem competitiva das empresas e das instituições públicas e
privadas. Não é todavia realista pretender que o Estado tem capacidade de

224
disseminar amplamente informações estratégicas pelas organizações, gran-
des, pequenas e médias, ou que as compradas a grandes consultoras estran-
geiras sejam de suprema qualidade e preencham por si só as necessidades
“personalizadas” de internacionalização das empresas portuguesas.

O realismo impôe-nos de facto a observação de que a crise está para


durar, como pode ser lido em muitos indicadores e sinais emitidos a partir
dos vários focos internacionais de turbulência política, económica e socio-
cultural. E os efeitos da crise requerem ser geridos com informações estra-
tégicas, cenários prospectivos, corrigidos de forma regular e sistemática, e
eventuais planos de contingência.

1.9. O Plano de Informações Estratégicas142

O crescimento económico de Portugal a prazo depende em larga medida


das exportações. A competitividade das empresas que projectam a interna-
cionalização é porém continuamente posta à prova nos mercados globais.
O pensamento estratégico na perspectiva económica dirige-se assim, inva-
riavelmente, para os factores produto e inovação. Todavia, neste processo,
é necessário ter presente que as empresas não podem prescindir de infor-
mações estratégicas para se internacionalizarem, sob pena de não ultrapas-
sarem a desvantagem competitiva que à partida carregam por serem por-
tuguesas, isto é, mais pequenas.

As informações estratégicas, na sua forma ideal, são o conhecimento


do que está a acontecer e do que vai acontecer, com repercussões directas
e indirectas na empresa, abrangendo factores não exclusivamente econó-
micos e intangíveis. Qualquer empresa, para simplificar a questão, pode
ter acesso a informações estratégicas de duas formas: ou as adquire exter-
namente ou as produz internamente. A primeira forma resulta, eventual-
mente com raras excepções, num conhecimento ad hoc, tendencialmente
não exclusivo e insuficiente. A segunda cria desde logo exclusividade e
uma dinâmica de acumulação de conhecimento, orientado e sistemático,
que conduz a níveis progressivamente elevados de capacidade prospectiva.
É neste contexto que se torna imprescindível para as empresas deterem uma

142 Publicado em 16 de Fevereiro de 2006.

225
unidade de informações estratégicas como instrumento de apoio à tomada
de decisão.

A partir do momento em que existe uma unidade deste tipo, o primeiro


passo a dar é a elaboração de um plano de informações estratégicas. Este
consiste na definição dos factores a observar na evolução da conjuntura,
na identificação dos alvos (instituições, grupos e pessoas), na selecção das
prioridades, na programação dos relatórios e na listagem das fontes.

A observação da evolução da conjuntura é tanto mais precisa quanto


melhor se fundamentar numa teoria realista e continuamente actualizada
das relações internacionais. Após se identificar factores e tendências do
contexto geral, dos quais devem constar, por exemplo, os recursos energé-
ticos e as posições geopolíticas dos Estados interessados nos mercados em
causa, deve passar-se ao contexto específico, particularmente à delimitação
da cultura política, respectivas componentes, singularidades e possibilidades
de mudança da conjuntura, que desenham a construção de cenários.

A identificação dos alvos obedece directamente às orientações da pri-


meira linha da tomada de decisão. Neste aspecto, as pessoas são sempre o
factor-chave, pois são os elementos constituintes dos grupos e instituições.
Os núcleos de decisão são fundamentais quanto à sua composição e formas
de actuação, e a sua caracterização requer a aplicação de matrizes de rela-
cionamento e/ou diagramas de ligações enquadradas nas organizações.

Decorrendo directamente da identificação dos alvos, a selecção de prio-


ridades é estabelecida segundo critérios temáticos e problemáticos. A ordem
das prioridades é contudo provisória, sendo periodicamente revista e even-
tualmente alterada. A programação dos relatórios (imprescindivelmente
sintécticos), consoante os alvos e as prioridades, integra uma tipologia e
calendarização. Os relatórios são não só periódicos, optando-se por diários,
semanais, quinzenais ou mensais, mas também especiais quando se torna
necessário tratar de assuntos novos ou emergentes ou mais complexos.

Por último e mais importante, o plano de informações estratégicas deve


conter uma listagem das fontes abertas – se se ultrapassar este limite entra-se
no domínio ilegal da espionagem – que será constantemente revista, refor-
mulada e actualizada. Desde logo as fontes podem ser divididas em primárias

226
e secundárias. As primárias veiculam directamente a informação gerada
pelos núcleos de decisão sob todas as formas possíveis de imaginar, desde as
simples afirmações aos documentos estratégicos, passando pelas notícias,
comentários, entrevistas, análises e artigos. As secundárias emitem de
maneira geral toda a informação produzida a partir das fontes primárias.

Ao contrário do que possa parecer, as fontes primárias não são neces-


sariamente melhores que as secundárias. Existem especialistas, com as suas
própias redes de fontes, que produzem periodicamente análises que revelam
dados ocultados ou reservados ou pouco claros da informação emitida pelas
fontes primárias.

1.10. The Intelligence Question143

Existe um procedimento básico a partir do qual se desencadeia o pro-


cesso de recolha de dados e notícias que, depois de devidamente tratados,
se transformam em informações, ou seja, “intelligence”. Trata-se de con-
gregar todos os elementos de informação disponíveis até ao momento sobre
um determinado alvo (pessoa, grupo ou instituição) com o objectivo de for-
mular a pergunta mais adequada e relevante, ou seja, “the intelligence ques-
tion”, tendo em vista o que é necessário conhecer.

Na verdade, este estratagema reproduz a perspectiva científica do binó-


mio pergunta-resposta e traça, de preferência indubitavelmente, um rumo
para a pesquisa. E realmente a “intelligence question” é um paradigma para
os analistas dos serviços de informações. Obviamente que, na prática, con-
soante a complexidade do caso assim aumentará o número das perguntas.
Mas o objectivo, integrando vários elementos de informação díspares, é
sempre encontrar aquela pergunta que faz o “click”, como se de um pro-
cesso de adivinhação certeira se trate. Camões, por isso, nesta matéria, não
está ainda ultrapassado. Em Os Lusíadas, referindo a astuciosa prudência
dos portugueses perante as ameaças à sua segurança, já do lado do Índico,
afirmava que Vasco da Gama, em face dos novos e desconhecidos ambien-
tes, e com as informações disponíveis, “deixava voar o pensamento em
todas as direcções, adivinhando perigos e evitando-os”.

143 Publicado em 16 de Março de 2006.

227
Só um pequeno número afortunado de analistas no campo das infor-
mações estratégicas, por talento e/ou experiência e/ou mérito de trabalho,
conseguem aproximar-se de facto do paradigma. Com efeito, segundo a
teoria, um analista deste género possui um conjunto de características espe-
cíficas, e não é fácil preencher o perfil: honestidade intelectual, pensamento
aberto, sensatez, agilidade de raciocínio, fiabilidade, cepticismo, distancia-
mento, paciência, diligência, perseverança, intuição e imaginação. Destas
características, a intuição e imaginação são especialmente úteis quando os
elementos de informação não abundam, para se fazer a aproximação à
“intelligence question”.

Nesta perspectiva, e porque estamos em cima do acontecimento, a OPA


sobre o BPI representa uma boa ocasião para se realizar um breve exercício
de aplicação desta metodologia no que respeita ao BCP. Uma mera tentativa
porém, sem qualquer veleidade de corresponder ao perfil apontado.

Antes de mais, é preciso constatar que os elementos de informação são


muito escassos devido à classificação secreta do processo até ter sido tor-
nado público, como é regra nestes casos. A análise decorre assim “a pos-
teriori” e não resulta de um acompanhamento sistemático do alvo. Este
acompanhamento, se tivesse sido realizado de acordo com as técnicas
(legais) da OSINT (open source intelligence), por uma unidade de infor-
mações estratégicas, teria produzido um conhecimento qualitativamente
diferente da situação. Eventualmente, acompanhando o comportamento da
instituição e do núcleo de decisão, teriam sido produzido cenários sobre a
expansão do BCP nos quais se incluiria a OPA sobre o BPI. E uma unidade
de informações estratégicas com capacidade prospectiva de excelência
poderia mesmo ter previsto a operação. Não é improvável que alguém,
algures, tenha efectivamente considerado esta possibilidade e o seu timing.

Agora, “a posteriori”, com acesso simplesmente aos dados que são públi-
cos, podemos listar uma série de elementos de informação que aparentam
terem nexo: inflexão estratégica do BCP relativamente à Europa, depois do
desaire da Roménia; capital disponível; lucros extraordinários; criação do
BCP Angola; afirmação pelo BCP do novo mercado “core” de Angola; atraso
comparativo na corrida para Angola; aliança da Caixa Geral de Depósitos e
do Santander para Angola; liderança do BPI em Angola; presumível cresci-
mento extraordinário de Angola, a curto prazo, de cerca de 28%.

228
E a acrescentar a estes elementos, devem também ser tomados em con-
sideração três factores psicológicos adstritos ao perfil do líder do BCP:
naturalidade de Angola; relações familiares com fortes sentimentos de liga-
ção a Angola; pensamento filosófico-político integralmente português,
lusíada e universalista.

A África, em particular Angola, face ao potencial de crescimento a


curto e médio prazo, passou a ser a primeira prioridade estratégica da
expansão internacional do BCP?

1.11. Intelligence Studies144

Os intelligence studies são hoje uma área especializada de ensino e


investigação universitária a nível internacional. Na verdade, são mais um
dos vários areas studies que têm emergido desde os anos 40, na sequência
dos culture area que a antropologia americana desenvolveu entre as duas
grandes guerras. Em concreto, os area studies apareceram no contexto da
2ªguerra mundial, por iniciativa dos militares americanos e ingleses, para
se definirem áreas geográficas, linguísticas e culturais, tanto dos inimigos
como dos aliados, com o objectivo de obtenção de informações que opti-
mizassem as operações.

Terminada a guerra, as novas orientações geopolíticas dos Estados


Unidos geraram uma certa abundância de fundos em instituições, primei-
ramente privadas (Fundações Carnegie, Rockfeller e Ford) e depois públicas
(Social Sciences Research Council), vocacionadas para o financiamento
das Ciências Sociais. As universidades americanas aproveitaram a ocasião
para desenvolverem um conjunto de projectos, criando para o efeito centros
e programas de investigação interdepartamentais e consequentemente inter-
disciplinares. Ao lado dos oriental studies apareceram portanto de imediato,
por razões óbvias, os russian studies e também os east european studies,
os slavonic studies e os african studies. Os area studies multiplicaram-se
pois de acordo com os interesses das universidades, migrando o conceito
além fronteiras, surgindo a “moda” de centros de estudos interdisciplinares,
com a respectiva consagração em revistas especializadas.

144 Publicado em 8 de Fevereiro de 2007.

229
Foi neste ambiente que se desenvolveram os intelligence studies,
mas com a singularidade de se terem mantidos secretos, até ao início
da sua expansão universitária nos anos 70-80, numa publicação aca-
démica criada no seio da CIA, em 1955, e divulgada exclusivamente
na organização. O seu fundador foi Sherman Kent, professor de História
na Universidade de Yale que, durante a 2ª guerra mundial, passou a
trabalhar no OSS (Office of Strategic Services), organização percursora
da CIA. Sherman Kent, por muitos considerado o “pai da análise das
informações”, deu à revista o nome de “Studies in Intelligence” e
escreveu no primeiro número um ensaio – ainda hoje uma referência
-, sobre a necessidade de se produzirem e divulgarem trabalhos espe-
cializados nesta área que resultem na formação e acumulação de conhe-
cimento. E tudo isto deu de facto origem a uma área interdisciplinar
universitária que, em concreto no que respeita aos Estados Unidos,
entre outros aspectos, procura contantemente novas formas de vantagem
competitiva e projecção económica internacional.

Neste campo, Portugal sofre de um enorme atraso. Existe ainda um


despropositado complexo relativamente a tudo o que diga respeito aos
serviços de informações, como sendo algo de nebuloso, pidesco e poten-
cialmente prevaricador, e, como consequência, tem vindo a ocorrer uma
“magistratização” do sistema de informações. Isto reflecte-se negativa-
mente na possibilidade de se desenvolverem os intelligence studies nas
universidades portuguesas, por as inciativas serem desde logo tomadas
por conspirações de poder, principalmente por ignorância. A pequena
dimensão das nossas elites, aliada aos entrosamentos corporativos duma
geração nos vários poderes, ainda formada em pequeno número no
antigo regime, presta-se à fácil e rápida activação de redes de influência
que resistem à mudança.

Infelizmente, pois, a inovação em Portugal, também aqui nesta


área especializada, está a demorar muito mais tempo do que seria
desejável. Para se ter uma idéia do estado da arte, com grande utilidade
para as empresas, veja-se o ensaio de Puong Fey Yeh, “Using Prediction
Markets to Enhance US Intelligence Capabilities”, no nº 4 de 2006
da “Studies in Intelligence”, hoje em dia parcialmente aberta ao
público.

230
1.12. A Unidade de Intelligence nas Empresas145

No actual ambiente de negócios, caracterizado por extremos níveis de


competitividade, tanto o conhecimento do que está a acontecer como o
conhecimento do que irá acontecer são elementos vitais da vantagem com-
petitiva estratégica que qualquer organização ambiciona deter sobre as suas
concorrentes.

A metodologia de intelligence, nascida no seio dos serviços de infor-


mações dos Estados, transbordou para as empresas nos últimos trinta anos,
principalmente no mundo anglo-americano. A intelligence é pois hoje um
método especializado e legal (distinto da chamada espionagem económica
ou industrial) de empowerment da primeira linha da tomada de decisão das
empresas. Os factores que tornam este método ou mais ou menos eficaz,
são a presciência dos decisores, a qualidade dos analistas, a fiabilidade das
fontes e a capacidade de os sistemas informáticos registarem, integrarem,
cruzarem e disponibilizarem informação de um forma simples e rápida.

Qualquer empresa pode ter acesso a intelligence de duas formas: ou a


adquire externamente ou a produz internamente. A vantagem de uma
empresa deter uma unidade de intelligence reside na exclusividade das
informações e na dinâmica de acumulação de conhecimento, orientado e
sistemático, que conduz a níveis progressivamente elevados de capacidade
prospectiva.

Os passos para a criação de uma unidade de intelligence numa empresa


são sistematicamente os seguintes: avaliação das necessidades da empresa;
configuração da unidade de intelligence; elaboração do modelo de gestão
da informação; recrutamento dos analistas de inteligence; programa de for-
mação especializada dos analistas; e programa de coaching.

A partir do momento em que existe uma unidade deste tipo, a primeira


tarefa é a elaboração de um plano de intelligence. Este consiste na definição
dos factores a observar na evolução da conjuntura, na identificação dos
alvos (instituições, grupos e pessoas), na selecção das prioridades, na pro-
gramação dos relatórios e na listagem das fontes.

145 Publicado em 22 de Março de 2007.

231
Quando decidem investir tempo, dinheiro e recursos humanos numa
unidade de intelligence, os decisores devem pois estar posicionados no cen-
tro da dinamização do processo, cabendo-lhes em primeiro lugar, em inte-
racção com os analistas, a abordagem de sete perguntas-chave: (1) O que
é que nós precisamos de saber?; (2) O que é que nós já sabemos ou quais
são as nossas percepções ?; (3) Por que é que nós precisamos de saber
“isso” e qual será o impacto estratégico?; (4) Quando é que nós precisamos
de saber “isso”?; (5) O que é que faremos com as informações quando as
tivermos?; (6) Qual é o custo dessas informações?; (7) Qual é o custo de
não ter essas informações?

O funcionamento optimizado da unidade de intelligence numa empresa


obedece assim a uma visão ou revisão prévia clara do planeamento estra-
tégico, da estrutura organizacional e dos relatórios periódicos da gestão.
Isto permite identificar as principais linhas de acção e as prioridades, e os
principais destinatários das informações, uma vez que estas não devem
ficar na totalidade circunscritas ao topo mas sim internamente distribuídas
de acordo com critérios de utilidade e operacionalidade. Por outro lado,
devem ser identificados os competidores directos. Por sistema, a lista deve
ser reduzida a cinco. Se houver problemas neste aspecto, o melhor ainda é
aplicar a velha regra dos 80/20. Identificar 20% das empresas responsáveis
por 80% da concorrência e depois orientar a unidade de intelligence nesse
sentido.

Neste processo, a técnica designada como OSINT (open source intelli-


gence) assume uma posição preponderante e a internet é um elemento cen-
tral neste contexto. É, por exemplo, o que está a acontecer nos Estados
Unidos e na França. Assim como um avião não voa bem sem radar também
uma empresa não opera sem se informar.

1.13. A Complexidade Crescente146

Perante a conjuntura internacional, as informações estratégicas são um


instrumento vital de defesa e de projecção de qualquer Estado e respectivo
interesse nacional no seio desse extraordinário movimento de internacio-

146 Publicado em 9 de Agosto de 2007.

232
nalização em curso a que chamamos globalização, e que tanto afecta o
nosso destino, porque este passou a ser não só próprio e exclusivamente
nosso mas também comum ao de muitos outros.

Num mundo caracterizado pela complexidade crescente (como observa


amiúde Adriano Moreira), as relações internacionais são antes de mais rela-
ções entre poderes nacionais, onde os mais fortes influenciam e condicio-
nam o comportamento dos mais fracos. A função de produzir informações
estratégicas neste ambiente a partir de fontes abertas, nomeadamente nas
empresas, não é de modo algum fácil mas é um desafio estimulante que
deve ser deixado ao cuidado de profissionais. Com efeito, diáriamente são
processadas milhões de informações no meio das quais os profissionais das
informações estratégicas devem procurar, identificar e seleccionar aquelas
que digam mais directamente respeito aos interesses que servem, de modo
a produzirem análises que contribuam eficientemente para a tomada de
decisão eficaz dos gestores de topo.

Neste contexto, é pois essencial desenvolverem e aperfeiçoarem conti-


nuamente a capacidade de percepção realista, de maneira a não serem ilu-
didos pelas sombras geralmente projectadas tanto por actores como acon-
tecimentos, por mais verosímeis que se apresentem. Nas relações entre
poderes nacionais, e concretamente entre empresas em competição no
ambiente internacional, o que parece tanto pode ser como não ser, e o que
é tanto pode parecer como não parecer. Os profissionais das informações
estratégicas devem ser assim primeiramente demolidores do irreal porque
essa precaução lhes permite chegar com mais segurança à realidade dos
factos. O método, o caminho a seguir para a obtenção das informações,
deve ser portanto uma preocupação constante no dia-a-dia, mas uma preo-
cupação controlada, nem maior nem menor que aquela que a ciência apli-
cada requer. Tanto a reflexão desproporcionada, filosofante, à qual nenhum
desses profissionais está imune pela natureza intelectual da função, como
a descrição ou simples ou exagerada, meramente expositiva ou quantitativa,
devem desde logo ser controladas.

O critério científico e metodológico é pois o da objectividade, permanen-


temente construída e melhorada, uma vez que a realidade é complexa demais
para poder ser totalmente abarcada. Mas o desafio maior, o que se lhes exige,
o que é esperado de investigadores e produtores de informações estratégicas,

233
é a excelência. Os fundamentos que lhes permitem aproximarem-se o mais
possível dessa excelência, para além da regra de ouro da fiabilidade das infor-
mações, encontram-se nos seguintes pontos: uma correcta definição e delimi-
tação dos objectos das investigações para minimizar a subjectividade; e um
apuramento contínuo da redacção dos relatórios de modo a tornar clara e con-
cisa a transmissão da informação e precisa a sua leitura, sem equívocos
semânticos e sintácticos nem tempos verbais condicionais.

A percepção prospectiva da complexidade crescente é um objectivo


prioritário. Numa dinâmica e cultura institucional de inquestionável con-
fiança hierárquica, em espírito de dedicação profissional constante, com
um método que de maneira nenhuma exclui a intuição e a criatividade,
desde que submetida ao critério científico, a função é eficientemente desem-
penhada.

A acção dos profissionais é discreta, não se compadece de notariedades


nem protagonismos, e portanto deve obedecer a um acordo de confiden-
cialidade tendo em vista os interesses da empresa. Isto porque, na verdade,
quem conhecer o simples trajecto de uma investigação, conhecerá a estra-
tégia que a norteia e assim obterá vantagem competitiva.

2. Espionagem e Serviços de Informações

2.1. A Guardiã de Sua Majestade147

Num espaço de dez anos é a segunda vez que uma mulher ocupa o
cargo de Directora-Geral do MI5, os prestigiados serviços secretos do
Reino Unido na área da segurança interna. Eliza Manningham-Buller é o
seu nome, tem neste momento um peso determinante na definição da segu-
rança britânica face à ameaça terrorista e está a levar a cabo uma profunda
mudança da atitude dos serviços secretos no seu relacionamento com os
cidadãos.

Filha de um antigo Lord Chancellor, uma função pública marcante da


velha tradição inglesa que remonta ao século VII, Eliza Manningham-

147 Publicado em 7 de Maio de 2007.

234
Buller tem trinta anos de carreira no MI5, é casada e sem filhos, fez os
seus estudos em Oxford, terreno privilegiado dos recrutamentos secretos,
e é uma pessoa extrovertida e extremamente sociável, enérgica e decidida.
O seu percurso no MI5 incluiu a contra-espionagem, a colocação em
Washington como elemento de ligação ao FBI, a direcção da vigilância e
operações técnicas e a direcção do contra-terrorismo. Nesta última função
Eliza Manningham-Buller adquiriu assim a fama de conduzir “operações
brilhantes” de desmantelamento de várias células activas do IRA, e conse-
quentemente o capital de competência e prestígio que, aos olhos do
Governo, a transformaram na pessoa certa para proteger os súbditos de Sua
Majestade dos ataques da Al-Qaeda.

Na verdade o estilo da chefe do MI5 está a ser marcante. Em Junho


de 2003, mais de um ano após a nomeação para o cargo, fez o primeiro
discurso público emitindo um aviso geral de que um ataque não con-
vencional da Al-Qaeda contra uma cidade europeia era “apenas uma
questão de tempo”. Com esta previsão que se materializou no atentado
de Madrid, e assumindo publicamente a natureza fragmentada e incom-
pleta das informações relativamente à ameaça do radicalismo islâmico
–o que está a ser visto pela opinião pública britânica como uma mani-
festação de honestidade – Eliza Manningham-Buller projecta de tal
modo credibilidade que tem visto aprovadas pelo Governo sem grande
esforço as suas propostas de segurança interna. O facto é que neste
momento oito em cada dez londrinos acreditam que está para breve um
atentado da Al-Qaeda na capital britânica.

À chefe do MI5 são pois devidas orientações inéditas como a de os


deputados britânicos passarem a ficar isolados por um vidro hermético da
galeria do público, ou como, há poucos dias, a divulgação pública de ava-
liações das ameaças terroristas aos britânicos (documentos habitualmente
classificado e circunscritos a alguns departamentos governamentais) e ainda
de uma lista “top 10” dos princípios básicos da segurança anti-terrorista
nas empresas. Para já Eliza Manningham-Buller fica num lugar destacado
da História do MI5: no passado mês de Fevereiro conseguiu meios para o
serviço crescer cerca de 50%, com um aumento do orçamento para os 300
milhões de Libras e do número de funcionários para os 3000, a maior cam-
panha de recrutamento desde a 2ª Guerra Mundial.

235
2.2. Vigilância Global148

A resposta à ameaça do terrorismo está a causar uma profunda reflexão


nos Estados Unidos relativamente à eficácia da “intelligence community”,
uma rede complexa de 15 serviços secretos tutelados por diversas entidades,
desde o Departamento de Estado ao da Defesa, passando pelo do Tesouro.
As críticas enfatizam a falta de coordenação e a necessidade de centrali-
zação do sistema, orientação que levou já à criação, após o 11SET, do
Departamento de Segurança Interna (Homeland Security) e da função de
Sub-Secretário da Defesa para as Informações. Mas face à morosidade do
debate, que chega a questionar a tradicional separação entre a CIA e o FBI,
os vários serviços secretos americanos continuam a desenvolver as suas
próprias estratégias, visando não só a optimização do funcionamento mas
também o reforço das respectivas posições na “intelligence community”.

Um desses serviços é a NGA (National Geospatial Intelligence Agency),


que sucedeu formalmente no passado mês de Novembro à NIMA (National
Imagery and Mapping Agency). A NGA resulta de um novo conceito de
informações: GEOINT, isto é, Geospatial Intelligence, as informações geo-
graficamente referenciadas relativas a qualquer objecto ou actividade
humana existente na Terra. Na prática isto significa que se está a desen-
volver as técnicas de recolha, tratamento e análise dos dados transmitidos
pelos satélites e aeronaves no sentido de apoiar não só o planeamento e
execução das missões de combate no terreno mas também das escutas de
comunicações (COMINT) e das operações cobertas a que corresponde a
imagem popular do espião (HUMINT).

O objectivo estratégico da GEOINT é pois a vigilância detalhada e tri-


dimensional do Globo de modo a reduzir e eventualmente anular qualquer
possibilidade de os terroristas, nomeadamente da Al-Qaeda, se esconderem
nos locais mais remotos e inacessíveis. O principal promotor da GEOINT
é o General James Clapper, Director da NGA, que conta com 40 anos de
experiência na “intelligence community”. Apoiado por Rumsfeld e pelo
próprio Presidente Bush, o General está na verdade a tentar pôr em prática
o seu velho projecto, enunciado na 1ª Guerra do Iraque quando era Director
da DIA (Defense Intelligence Agency), de criação de uma espécie de “CNN

148 Publicado em 16 de Maio de 2004.

236
das informações”, ou seja, a capacidade de visionar alvos bem definidos
em tempo real ou diferido, passíveis de serem identificados com precisão
em eventuais ataques selectivos e operações de vigilância ou captura. Num
futuro não muito longínquo os serviços secretos americanos terão assim a
capacidade de manter “debaixo d olho” qualquer suspeito de terrorismo
em qualquer lugar da Terra.

2.3. Clube Secreto149

O presidente Hu Jintao afirmou recentemente, durante a comemoração


do 50º aniversário da Conferência de Bandung, que a África é uma opção
estratégica da China. Com efeito, a República Popular da China tem vindo
desde há cerca de cinco anos, quando criou o Fórum China-Africa, a desen-
volver uma teia de relações com o continente africano que ultrapassa em
grande medida o objectivo anterior de competir com Taiwan para obter
influência e votos no quadro da Organização das Nações Unidas.

A China emite um discurso de cooperação sul-sul enquanto “pedra


angular” da sua política externa, e também anima o ressurgimento do velho
ideal da nova ordem económica internacional perseguido pelo chamado ter-
ceiro mundo a partir da década de 70. A China apresenta-se assim como
um parceiro detentor de um grau de solidariedade e compreensão dos pro-
blemas africanos superior a qualquer concorrente ocidental. E, ao mesmo
tempo, face à sua experiência recente, projecta a imagem de que é um
modelo de sucesso a ser seguido no que respeita à transição de um país em
vias de desenvolvimento para uma economia de mercado.

No entanto, a principal mensagem da China agora é “negócios”,


isto é, exportação de serviços e produtos chineses e importação de
matérias primas africanas, nomeadamente petróleo. Os números ilustram
o peso crescente da China em África. O volume de negócios passou
de 800 milhões de euros em 1980 para 8 mil milhões no ano 2000 e
23 mil milhões em 2004. No primeiro trimestre de 2005 já atingiu os
6 mil milhões de euros, representando um aumento de 31% relativamente
ao mesmo período do ano passado e 8 pontos acima da percentagem

149 Publicado em 22 de Maio de 2004.

237
do aumento de todo o comércio externo chinês. Para este aumento está
a contribuir o facto de, no início deste ano, a China ter isentado de
impostos 190 categorias de produtos provenientes de 25 países.
Complementarmente, os novos empresários chineses estão a ser incen-
tivados a investir em África e, neste mesmo trimestre, já foram assinados
contratos de engenharia no valor de mil milhões de euros.

Entre os países com maior potencial de negócios, enquadrados pelo


petróleo, surgem o Sudão, a Nigéria e Angola. No Sudão, a partir do pró-
ximo mês de Agosto, vai começar a ser exportado petróleo da bacia de
Melut, com reservas totais estimadas de 5 mil milhões de barris, pertencente
à Petrodar, um consórcio dominado pela companhia chinesa Sinopec. Na
Nigéria, cuja economia depende em 80% do petróleo, foram para já firma-
dos acordos de exploração de alguns blocos e de construção de um pipeline
e uma refinaria, perante um cenário de duplicação da produção até 2010
para os 4 milhões de barris por dia. Em Angola, o recente empréstimo de
mil milhões e meio de euros do EximBank tem como contrapartida imediata
o fornecimento de 10 mil barris por dia.

A China é já o segundo consumidor mundial de petróleo a seguir aos


Estados Unidos e nos próximos 15 anos vai passar de 24 milhões de auto-
móveis para os 140 milhões.

2.4. O Novo KGB150

A última grande operação do KGB foi em 1990 quando, sob a chefia


de Vladimir Kryuchkov, se envolveu no golpe contra Michael Gorbachev.
Reformado pouco tempo depois, deu origem ao FSB (segurança interna) e
ao SVR (informações externas). O SVR (Sluzhba Vneshnogo Razvedky)
é pois o novo KGB no plano internacional, do qual herdou directamente o
então designado “primeiro directório”, conservando ainda hoje praticamente
a mesma estrutura.

O SVR tem cerca de 12 000 funcionários (100 vezes mais que o serviço
congénere de um pequeno país) distribuídos por 5 “directórios” cobrindo

150 Publicado em 11 de Julho de 2004.

238
todas as regiões do Globo. Estes estão divididos em “direcções”, desta-
cando-se as relativas ao anti-terrorismo, à proliferação de armas de des-
truição massiva, ao crime organizado, às informações económicas, tecno-
lógicas e científicas, à segurança das Embaixadas russas e às mais variadas
operações, incluindo as dos agentes secretos. Entre 1995 e 1999, sob a che-
fia de Vyacheslav Trubnikov, o SVR recuperou os velhos níveis de opera-
cionalidade e eficiência e manteve-se num grau muito moderado de coo-
peração com os serviços secretos ocidentais. Os pontos de desconfiança
recíproca centravam-se na “fuga” dos países do Leste para a NATO e par-
ticularmente no problema da Chéchénia que muitas organizações interna-
cionais e países – como os Estados Unidos – apontavam como uma cla-
morosa violação dos direitos humanos.

Mas Vladimir Putin, em Maio de 2000, deu um sinal claro de querer


ultrapassar tal desconfiança ao nomear Sergei Lebedev como director-
geral do SVR. Com efeito, este era o “representante” do serviço em
Washington desde 1998, tinha estado na Alemanha durante vários anos
e falava Alemão e Inglês. Sergei Lebedev – formado em engenharia e
admitido no KGB em 1973 – foi assim cunhado como um “europeísta”
por contraposição a Trubnikov que era “orientalista”. O 11 de Setembro
acabaria por impulsionar a aproximação do SVR aos serviços secretos
ocidentais, nomeadamente à CIA, traduzindo-se numa troca regular de
contactos e informações.

Contudo o SVR não deixou de ter a sua própria agenda e particular


“modus operandi”, concretamente no que respeita à eliminação física
de elementos considerados muito perigosos para a segurança nacional.
No passado dia 30 de Junho, no Qatar, Anatoly Bilashkov e Vassily
Pokchov foram condenados a 25 anos de prisão pelo atentado – com
um carro armadilhado – que em 13 de Fevereiro vitimou Zelimkhan
Yandarbiyev, ex-presidente da Chéchénia, tido pelos russos como um
dos principais angariadores de financiamento para os “terroristas” che-
chenos. Negando qualquer envolvimento, o SVR reconheceu que eram
seus agentes mas não explicou por que razão se encontravam no país
sem qualquer ligação à embaixada russa. Ambos se mantiveram impas-
síveis no decorrer do julgamento e na leitura da sentença, permanecendo
ainda a dúvida da rapidez da sua prisão e do envolvimento dos Estados
Unidos no caso.

239
2.5. Serviços Pouco Secretos151

Os serviços secretos americanos e ingleses estão neste momento


sob uma “bateria” de críticas a propósito das “informações truncadas”
que determinaram a decisão política da invasão do Iraque para eliminar
a (in)existente ameaça das armas de destruição em massa. Na sequência
dos recentes relatórios das Comissões sobre Informações nos Estados
Unidos e no Reino Unido, este facto insere-se, sem dúvida alguma,
num contexto de acérrimo combate político-partidário em ambos os
países, onde a questão-chave é determinar se houve ou não “politização
das informações”. Mas o ponto deveras importante da situação é o
efeito nocivo que a publicidade de tal polémica está a ter na própria
actividade e eficiência dos serviços na luta contra o terrorismo, parti-
cularmente contra a Al-Qaeda.

Na verdade, em nome do interesse e da segurança nacional, a condição


primordial dos serviços secretos é...serem secretos. Ora, está em curso uma
exposição de práticas e procedimentos dos serviços de informações – sem
paralelo no passado – que não deixa de ser seguida com atenção pela Al-
-Qaeda, provavelmente com a emissão de “relatórios de informações” a
partir do conceito de OSINT (open sources intelligence), distribuídos de
modo confidencial no seio da rede. Isto significa que as vulnerabilidades
(assim como as propostas de solução) estão a ser devidamente notadas
pelos terroristas, dotando-os de uma “capacidade prospectiva” muito supe-
rior à dos serviços que os combatem. Ou seja, no que respeita ao princípio
fundamental das “informações”, os terroristas sabem muito mais “o que
pensa o inimigo” do que os adversários.

Os serviços de informações americanos e ingleses encontram-se pois


numa situação de círculo vicioso, uma vez que para melhorarem os instru-
mentos da luta contra o terrorismo se vêem compelidos, de acordo com as
regras democráticas, a discutirem-nos abertamente. Do ponto de vista dos
serviços – que reclamam ter agido de boa-fé relativamente ao Iraque -, a
sensação é de penalização injusta e frustração. Numa “comunidade de
informações” constituída por largas dezenas de milhar de elementos, no
conjunto dos dois países, isto potencia as “fugas de informações” de um

151 Publicado em 18 de Julho de 2004.

240
modo incontrolável e passível de ser aproveitado pelos terroristas. O último
e mais “bombástico” exemplo apareceu muito recentemente sob a forma
de um livro de mais de trezentas páginas – “Imperial Hubris: Why the West
is Losing the War on Terror” – de um autor simplesmente chamado
“Anónimo”, que é tido como um “analista sénior” da CIA. Credibilizado
por recensões e análises em meios como o New York Times, a BBC e o
The Guardian – que afirma tê-lo entrevistado secretamente – o “Anónimo”
afirma que a “vantagem estratégica” está do lado da Al-Qaeda e, em defesa
do bom nome da “comunidade de informações”, culpa os políticos pelo
que está a acontecer, entre várias descrições de práticas e procedimentos
dos serviços secretos

2.6. Jogos Seguros152

Os Jogos Olímpicos – que este ano se realizam em Atenas – vão come-


çar na próxima sexta feira, dia 13. Sem medo de superstições, a organização
e as autoridades gregas esforçam-se por demonstrar que também não
receiam qualquer ataque terrorista durante os dezasseis dias do evento. São
os primeiros Jogos Olímpicos desde o 11 de Setembro, estão a ser encarados
como uma prova de força e determinação contra a ameaça terrorista e, neste
aspecto, os custos não têm tido limites. Do orçamento de 8,5 biliões de
dólares são destinados à segurança 1,2 biliões, quase quatro vezes mais do
que foi gasto anteriormente em Sidney. O objectivo prioritário é proteger
17 mil atletas provenientes de 202 países, 8 mil elementos da organização,
3 mil juízes e árbitros, 22 mil jornalistas e 2 milhões de espectadores e
visitantes. Trata-se da maior operação deste género realizada até ao
momento.

Foi assim montado um sistema de segurança (com 70 mil elementos)


planeado em cooperação com uma “task force” de sete países: Alemanha,
Austrália, Espanha, Estados Unidos, França, Israel e Reino Unido. Entre
os preparativos contam-se mais de uma centena de seminários de formação
e de uma dezena de exercícios – para treinar respostas a cenários -, envol-
vendo forças militares e de segurança gregas e internacionais, com nomes
como “cavalo de Tróia”, “nó górdio” ou “escudo de Hércules”. Existe um

152 Publicado em 1 de Agosto de 2004.

241
acordo com a NATO – secreto quanto a detalhes – que assegura a utilização
de meios aéreos e navais preventivos (“early warning”), de unidades de res-
posta rápida a ataques de armas de destruição em massa e de uma unidade
especial anti-terrorista, com cerca de 500 elementos, estacionada nas ime-
diações de Atenas. Por sua vez os Estados Unidos estão particularmente
“comprometidos” com a deslocação para a Grécia de um número desco-
nhecido (mas estimado na ordem das centenas) de agentes armados dos
serviços secretos, para além do fornecimento da tecnologia mais avançada
neste domínio. Como reforço foram ainda contratados os mais prestigiados
consultores privados neste sector, dos quais se destaca o ex-chefe da
Mossad, Brigadeiro-General Amiram Levi.

Neste momento as autoridades gregas afirmam pois que o sistema é


invulnerável e que não vêem razões para suspender o Acordo de Schengen.
O primeiro-ministro Tony Blair anunciou que pretende ver os Jogos e o
presidente Georges Bush atribuiu a chefia da delegação oficial americana
ao seu pai e incluiu nela a sua mãe e as suas filhas. O “modus operandi”
da Al-Qaeda tem sido “o efeito de surpresa contra alvos inesperados e des-
protegidos”. É portanto pouco provável que os Jogos Olímpicos de Atenas
venham a ser alvo de um ataque terrorista típico da Al-Qaeda. Contudo,
como nenhum serviço pode garantir a “segurança total”, todas as situações
são seguras até deixarem de o ser e o imponderável é um factor presente
24 horas por dia.

2.7. Toupeiras e Agentes Duplos153

As “toupeiras” e os “agentes duplos” fazem parte do imaginário cine-


matográfico e dos enredos do passado que envolviam espiões inimigos dos
países comunistas e das democracias ocidentais. Hoje, não obstante a maio-
ria dos serviços secretos se designarem reciprocamente como “amigos”,
essas “figuras” continuam activas e não se afigura provável que venham a
desaparecer pois são instrumentos privilegiados de recolha de informações.

A “toupeira” é um espião que geralmente trabalha no governo da sua


própria nação, fornecendo informação classificada a outra nação por moti-

153 Publicado em 29 de Agosto de 2004.

242
vação económica ou convicção político-ideológica. Por definição o agente
duplo espia uma “organização-alvo” em benefício de uma outra organiza-
ção, mas na verdade é leal ao “alvo”. No quotidiano esta realidade asse-
melha-se a um “jogo de espelhos” onde a confiança se entrecruza conti-
nuamente com a desconfiança entre quem espia e quem controla.

Tanto as “toupeiras” como os “agentes duplos” correspondem assim a


um dos lados mais sensíveis das actividades dos serviços secretos. Os casos
de detecção destes últimos são porém mais frequentes que os das “toupei-
ras” por razões que têm muitas vezes a ver com a dificuldade da gestão
emocional de relações pessoais baseadas na dissimulação. Ainda assim, os
“agentes duplos” podem estar activos durante anos, mesmo depois de serem
detectados, passando a funcionar como veículos de desinformação.

Uma “toupeira” recente famosa foi Freddy Scapatticci que, trabalhando


para os serviços secretos militares britânicos sob o nome de código “sta-
keknife”, durante 25 anos ocupou lugares de destaque no IRA, chegando
a chefe dos próprios serviços de segurança interna da organização terrorista.
Por seu turno a “agente dupla” Katrina Leung, uma sino-americana de 49
anos de idade, foi detida em Maio sob a acusação de passar informações
classificadas para os serviços secretos chineses, enfrentando uma eventual
pena de 50 anos de prisão. Essas informações eram obtidas por via da rela-
ção extra-matrimonial que mantinha há 18 anos com o seu contacto ame-
ricano, um agente da contra-espionagem do FBI, a quem fornecia igual-
mente informações confidenciais chinesas.

É neste contexto que se insere a suspeição, de há alguns dias atrás, que


recai sobre Larry Franklin, um analista de topo do pentágono, de passar
para Israel informações sobre as intenções da administração americana
relativamente ao programa nuclear do Irão. A alegada “toupeira” é um
especialista em assuntos iranianos requisitado à DIA (Defense Intelligence
Agency) que trabalha no influente gabinete NESA (Near East and South
Asian Affairs), onde foram delineadas as invasões do Afeganistão e do
Iraque. O caso potencia tensões entre os serviços americanos e os israelitas
e reaviva memórias de 1985, quando Jonathan Pollard, um analista dos ser-
viços de informações da marinha americana, foi condenado a prisão per-
pétua (que ainda cumpre) por ser uma “toupeira” dos israelitas.

243
2.8. A Espionagem Americana154

Mais do que o problema das informações “apimentadas” sobre as


armas de destruição em massa do Iraque, os americanos estão sobretudo
preocupados como o facto de os serviços secretos não terem conseguido
evitar o 11 de Setembro. Isto provoca um sentimento de insegurança
verdadeiramente insuportável à maior potência mundial. A “Intelligence
Community” – modo como é designado o sistema de informações nos
Estados Unidos – está assim neste momento sob forte pressão política
e mediática no sentido de uma profunda reestruturação que reponha a
percepção de invulnerabilidade às ameaças externas a que os americanos
estavam habituados.

A “Intelligence Community” é composta por 15 serviços secretos (dis-


tribuídos por vários departamentos), consome uma verba estimada em cerca
de 40 mil milhões de dólares por ano e é formalmente tutelada por um DCI
(director of central intelligence) que, desde o “national security act” de
1947, acumula a função com a de director da CIA. Na prática, todavia, este
último não exerce qualquer coordenação efectiva dos serviços por causa
não só da polarização das culturas institucionais mas também pelo facto
de não deter o controlo orçamental do sistema. Com efeito, é o Pentágono
que maior peso tem no sistema por virtude de controlar cerca de 80-85 %
dos 40 mil milhões de dólares.

É neste quadro que se compreende a proposta do senador republicano


Pat Roberts que preside comissão de informações: extinguir a CIA, divi-
dindo-a em três novos serviços (análise, operações e tecnologia); tirar a
NSA (COMINT) e a NGA (GEOINT) do Departamento da Defesa; e criar
um NID (national intelligence director) com autonomia orçamental e de
contratação e gestão de pessoal, exercendo um controlo directo sobre todos
os serviços secretos. As críticas à proposta são muitas, desde o facto de
polarizar ainda mais o sistema até ao perigo de o politizar, passando pelas
nocivas turbulências no Congresso inerentes à redefinição inevitável das
“juridições” das comissões especializadas, nomeadamente no âmbito da
Defesa. O debate actual é por isso aceso e o Presidente Bush veio “tem-
perá-lo” há alguns dias atrás com um conjunto de decretos que visam,

154 Publicado em 5 de setembro de 2004.

244
nomeadamente, reforçar as competências do DCI e a cooperação institu-
cional quanto à designada “terrorism information”.

Contudo, esta iniciativa presidencial não desfez a noção de que a centra-


lização do sistema poderá originar o chamado “groupthinking” (espécie de
pensamento colectivo institucional válido mas desviado da realidade) nem
definiu com clareza quem determina, e de que modo, qual a informação
especificamente relacionada com a ameaça terrorista corrente. Enredada
nesta circunstância complexa, a operacionalidade da espionagem americana
encontra-se pois numa encruzilhada da qual não se vislumbra uma saída a
curto prazo e isto não deixa de fragilizar o esforço de luta contra a Al-Qaeda.

2.9. O Novo Director da CIA155

Nomeado pelo Presidente Bush no início de Agosto, Porter Goss foi


aprovado pelo Senado na semana passada, por 77 votos contra 17, para
director da CIA e consequentemente coordenador dos quinze serviços secre-
tos americanos. Republicano e presidente da comissão de informações da
Câmara dos Representantes, a oposição à sua nomeação veio de alguns
democratas que o consideram demasiado parcial, designadamente pelas
opiniões anti-Kerry que exprimiu enquanto congressista, em Junho, ao
caracterizar como “perigosamente ingénuas” as propostas de segurança
nacional do candidato presidencial. Os seus apoiantes sublinham porém a
sua longa experiência no domínio das informações, primeiro nas forças
armadas e depois durante cerca de uma década na CIA, antes de ingressar
na política. O facto é que Porter Goss vai ser o “espião-chefe” dos Estados
Unidos num momento, algo problemático, em que neste domínio se encon-
tram em desvantagem estratégica na guerra contra o terrorismo transnacio-
nal e elevadamente inseguros no que respeita ao seu próprio território
nacional.

Porter Goss faz 66 anos no próximo mês de Novembro, é casado, tem


quatro filhos e onze netos. Nasceu no estado de Connecticut mas vive na
Florida desde os trinta e três anos, quando deixou a CIA para entrar no
mundo dos negócios e da política. Fez os estudos secundários em Hotchkiss,

155 Publicado em 26 de Setembro de 2004.

245
um colégio privado exclusivamente masculino e conservador, criado em
1891 com o principal propósito de preparar estudantes para a Universidade
de Yale, instituição onde efectivamente se formou em 1960. Ingressou no
serviço de informações do Exército e de seguida na CIA, onde foi um ope-
racional especializado em missões clandestinas na América Latina e na
Europa do Leste, sobre as quais aliás não são publicamente conhecidos
quaisquer detalhes. Eleito pela primeira vez em 1974, para funções autár-
quicas no sudoeste da Florida, Porter Goss entrou para o Congresso em
1989 e a sua intervenção centrou-se nas áreas da Saúde, da Ecologia –
sendo excepcionalmente a favor do Protocolo de Kyoto-, dos ex-
Combatentes e da Segurança Nacional e Informações. O cargo de presidente
da comissão de informações atribuiu-lhe ainda a “mais-valia” de conhecer
pessoalmente um número elevado de representantes e directores de “servi-
ços amigos”.

Tido como uma pessoa frontal com um discurso simples, directo e edu-
cado, Porter Goss não se tem coibido, após o 11 de Setembro, de criticar
fortemente os erros da CIA, acusando-a de ter operacionais e analistas
acomodados e pouco imaginativos, e de as missões clandestinas obedece-
rem a um burocracia institucionalizada inibidora de sucesso. Conhecendo
“gente da casa”, a sua intenção anunciada é a de “reconstruir” a CIA em
cinco anos, protegendo-a da “contaminação destrutiva do processo polí-
tico”. Para já fica a expectativa da sua duração no cargo, uma vez que o
senador e candidato presidencial John Kerry é contra a sua nomeação.

2.10. O Trauma da Espionagem Israelita156

Os serviços secretos israelitas gozam da reputação de serem os mais


eficientes do mundo. Os resultados estão à vista, sobretudo ultimamente,
com a eliminação selectiva de líderes do Hamas, quando circulam de auto-
móvel, por meio de mísseis disparados de helicópteros. Esta capacidade
reflecte um grau de excelência operacional baseado em informações em
tempo real de tipo A1, isto é, provenientes do círculo mais restrito das rela-
ções do próprio alvo. Isto só é possível com uma rede infalível de HUMINT
(human intelligence) empregando toupeiras, uma “imagem de marca” dos

156 Publicado em 10 de Outubro de 2004.

246
serviços israelitas. Ora, é precisamente neste domínio que se revela um
forte trauma da espionagem israelita, com mais de 30 anos.

O facto remonta a 6 de Outubro 1973 e à designada Guerra do Yom


Kippur, nome do principal feriado judaico – O Dia da Reconciliação – que
impõe o jejum durante 24 horas, inclusivamente de água, e restrições orto-
doxas como a higiene do corpo e o uso de cosméticos e de sapatos de pele.
Nesse dia, Israel foi inesperadamente invadido em duas frentes pelo Egipto
e pela Síria, com uma relação de forças muito desproporcionada, por exem-
plo, de 450 tropas israelitas para 100.000 egípcias no Monte Sinai e de 8
tanques sírios para 1 israelita nos Montes Golan. Israel teve 3.000 mortos,
mas acabou por conseguir a muito custo inverter a situação e obrigar os
invasores a um cessar-fogo.

Não obstante, todos os anos, nesta altura, ocorre em Israel uma espécie
de expiação de culpa colectiva, animada em larga medida pelos meios de
comunicação social, devido à “derrota” que no vizinho Egipto continua a
ser celebrada como uma grande vitória. Para os israelitas o “desastre” do
Yom Kippur é agora comparado com o “choque” do 11 de Setembro para
os americanos, particularmente no que respeita ao fracasso da previsão dos
serviços secretos. Ao longo dos anos, tornou-se comum apontar o Major-
General Eli Zeira, que então dirigia o Aman – o serviço de informações
militares – como o principal responsável por esse fracasso, pois avaliou a
ameaça como “muito pouco provável”, até ao último momento, com base
nas informações de uma toupeira posicionada no círculo restrito do poder
egípcio. Hoje, Eli Zeira, depois de ter levado a cabo uma investigação pri-
vada com dois ex-directores do Shin Bet (serviços de segurança interna),
acusa essa toupeira, da qual há dois anos se conhece a identidade (Ashraf
Marwan, reputado homem de negócios egípcio), de ter sido na realidade
um agente duplo fiel ao Egipto.

Os ânimos estão neste momento exaltados na comunidade de informa-


ções israelita, com processos recíprocos nos tribunais envolvendo ex-diri-
gentes da Mossad, do Aman e do Shin Bet. E tal ambiente reflecte-se, nos
serviços secretos, no nível de (des)confiança quanto a eventuais acções de
cooperação com serviços congéneres árabes, nomeadamente com os egíp-
cios, na luta contra a Al-Qaeda.

247
2.11. A Força Especial da CIA157

Um lado muito secreto do restrito número de serviços de informações


mais poderosos do mundo é o das “operações cobertas” e “operações clan-
destinas” levadas a cabo por “forças especiais” próprias. Isto é, as acções
armadas, também chamadas paramilitares, destinadas a influenciar condi-
ções políticas, económicas e militares no estrangeiro sem que o papel do
governo seja aparente ou reconhecido publicamente, definindo o termo
“clandestinas” as actividades que violam o direito internacional ou as leis
do país onde são executadas. É um domínio fechado que só se consegue
vislumbrar, muito parcialmente, em ocasionais aberturas proporcionadas
por inesperados e visíveis insucessos ou por imprescindíveis debates polí-
ticos que visam alterar legislações e animam, em fóruns geralmente reser-
vados, a emissão de opiniões e estudos por parte de especialistas na matéria.
Este é um desses momentos nos Estados Unidos.

Durante décadas, desde a sua criação em 1947, a CIA desenvolveu esta


competência através da sua divisão designada MSP (Military Support
Program) em inúmeras missões que permanecem secretas até hoje. Pelo
caminho alguns insucessos, como o da Baía dos Porcos em 1961, e manchas
como o caso Salvador Allende e o apoio a várias ditaduras e golpes mili-
tares. Nos anos 90, a MSP viu o seu papel diminuído, mas, depois do 11
de Setembro, já com a nova designação de SAD (Special Activities
Division), teve o orçamento reforçado com grande parte dos mil milhões
de dólares de novos fundos destinados pelo presidente Bush à CIA com
vista à guerra contra o terrorismo.

Segundo dados de 2001, a SAD tem cerca de 150 elementos, ex-mem-


bros veteranos das forças especiais regulares, homens e mulheres que
actuam isolados ou em pequenas equipas com roupas civis, e possui um
arsenal que inclui helicópteros e aviões telecomandados Predator equipados
com câmaras de alta resolução e mísseis anti-tanque. De então para cá a
SAD foi a primeira força a entrar no Afeganistão e no Iraque, viu o seu
número de elementos aumentado, numa proporção desconhecida mas esti-
mada como relevante, e tem vindo a cooperar intensivamente naqueles dois
países com as restantes forças especiais americanas. Estas, a partir de

157 Publicado em 17 de Outubro de 2004.

248
Janeiro de 2003, passaram a poder planear e executar operações antiterro-
ristas a nível mundial, o que as “empurra” para as operações cobertas e
clandestinas. Mas os militares não vêm com bons olhos essa possibilidade
(contrária à Convenção de Genebra), reforçada agora pelas recomendações
da Comissão do 11 de Setembro no sentido de o Pentágono assumir o seu
controlo integral.

Neste momento está pois em curso uma inédita campanha conjunta do


Pentágono e da CIA para pressionar o Congresso a não alterar a legislação.
Se se mantiver o “status quo”, é muito provável que venha a ocorrer um
aumento da capacidade da SAD e do número de operações cobertas e clan-
destinas no Médio Oriente e na Ásia e eventualmente em África.

2.12. A Espionagem Chinesa158

Os serviços secretos da República Popular da China têm conseguido


manter, face ao Ocidente, um elevado nível de discrição quanto à estrutura
e actividades. A sua criação remonta ao tempo da guerra civil, nos anos
40, quando Mao Tse-tung tinha o quartel-general nas montanhas do
Noroeste. Os soviéticos tiveram um papel decisivo no processo pois tinham
aí destacado um conjunto dos mais experientes oficiais de informações que
o assessoravam.

Depois de 1983, na sequência da restruturação pós-Revolução Cultural,


os serviços chineses passaram a deter um estatuto ministerial e por isso são
identificados na comunidade internacional de informações pela sigla MSS
que corresponde a Ministry of State Security. O actual chefe é Xu Yongyue,
da nova geração de líderes, nomeado em 1998 com a idade de 56 anos e
reconduzido em 2003, sendo tutelado pelo Secretariado Permanente do
Comité Central do Partido Comunista.

O MSS tem como missão a recolha civil de informações externas, a pro-


tecção do Segredo de Estado e a Contra-Inteligência interna, possuindo por
esta razão o poder de detenção de indivíduos. De entre os seus principais ins-
trumentos de apoio, mais ou menos cobertos, destacam-se o Instituto das

158 Publicado em 24 de Outubro de 2004.

249
Relações Internacionais Contemporâneas, que funciona como um gabinete
de estudos estratégicos, e a agência noticiosa Xinhua (Nova China) que conta
com delegações em cerca de 100 países, em regra baseadas nas embaixadas.
Na sede desta, em Pequim, existe o Gabinete de Recolha de Informações e
Notícias Externas que produz uma edição diária classificada, de distribuição
restrita à elite governante, intitulada “Matérias Secretas de Referência”.

O número de funcionários é desconhecido, mas estima-se que ultrapassa


a centena de milhar. É assim possível que existam espiões chineses espa-
lhados pelo Mundo na ordem das dezenas de milhar, os chamados “chen
diyu”, isto é, “peixes de águas profundas”, aproveitando a cobertura de
estudantes, comerciantes, homens de negócios ou donos e empregados de
restaurantes, incluindo elementos da diáspora de segunda e terceira geração
entretanto recrutados. Por outro lado, uma imagem de marca do MSS é a
“velha escola” do emprego de agentes femininas sedutoras.

A luta contra o terrorismo transnacional é hoje uma prioridade efectiva


do MSS, mas, não obstante o incremento da troca de informações entre
ambos os países após o 11 de Setembro, os Estados Unidos continuam a
ser um alvo constante de recolha de informações políticas, económicas,
militares e tecnológicas. Tem sido pois aí comum a ocorrência de casos de
espionagem chinesa. O último data de há poucos dias atrás e envolve um
especialista em SIGINT chamado Russ Tice, com 18 anos de serviço na
NSA (National Security Agency) e na DIA (Defense Intelligence Agency),
que, desafiando a cadeia hierárquica, acusa uma colega analista sino-ame-
ricana (não identificada) de ser uma toupeira do MSS.

2.13. A Guerra da Inteligência no Iraque159

O objectivo anunciado da ocupação de Fallujah foi o de neutralizar os


revoltosos (“insurgents”) num dos seus principais “santuários” e conse-
quentemente criar um ambiente de maior segurança para as eleições pre-
vistas para o próximo mês de Janeiro. A batalha foi planeada no contexto
de uma renovada doutrina do exército americano que decorre da experiência
no terreno no Afeganistão e no Iraque.

159 Publicado em 14 de Novembro de 2004.

250
Essa doutrina consta no manual de circulação restrita editado em
Outubro sob o título “Counterinsurgency Operations”. O papel determi-
nante das informações no sucesso das operações é aí sublinhado. Parte-se
do princípio que as informações militares terão de desenvolver uma nova
abordagem às situações a nível local, privilegiando a compreensão do
ambiente cultural através do emprego prioritário de HUMINT (human intel-
ligence) e OSINT (open sources intelligence).

Com efeito, a percepção do exército, logo desde a ocupação de


Bagdad, tem sido a de que as informações militares sobre os revoltosos
são “fracas e inábeis” e resultam de um “grande problema de HUMINT”.
Foi portanto realizado em 2003 um estudo abrangente de avaliação da
situação que concluiu que as estruturas e técnicas de recolha de infor-
mações remontavam ao tempo da “guerra fria” e eram inadequadas para
o desempenho das missões no Afeganistão e no Iraque. Um dado que
impressionou as chefias foi o de que a 400.000 patrulhas das tropas
americanas correspondeu somente 6.000 relatórios de informações para
o nível de brigada.

Por isso está a tornar-se comum no meio das chefias militares ameri-
canas a utilização do termo “intelligence war” para caracterizar a situação
no Iraque, estando em curso um plano de aumentar em 9.000 o número de
soldados especializados em informações, nos próximos dois anos, para
serem distribuídos pelas brigadas do exército.

Entretanto, a avaliação global é a de que os revoltosos não têm falta de


fundos e são constituídos por cerca de 12.000 combatentes fixos e dezenas
de milhar em “part-time”. A primeira orientação inscrita no manual acima
referido é a “concentração na eliminação dos revoltosos, não em objectivos
de terreno”. Mas a anunciada captura de 200 combatentes em Fallujah per-
mite desde já proceder a uma campanha de interrogatórios segundo a nova
perspectiva de recolha de informações que toma em consideração o
ambiente local das normas culturais e tradicionais.

Deste modo pretende-se obter um ganho de eficiência na identificação


das hierarquias sociais locais, incluindo as dissimuladas, e respectivas redes
de ligações aos revoltosos. Segundo a recente previsão do Tenente General
William Boykin, Subsecretário Adjunto da Defesa para as Informações,

251
“no futuro vamos passar muito mais tempo a procurar o inimigo que a
manobrar no espaço de batalha.”

2.14. A Internet Secreta da CIA160

O Pentágono está a construir uma rede classificada e global de comu-


nicação independente da Internet. O projecto começou a ser esboçado há
cerca de seis anos e, um ano após o 11 de Setembro, recebeu um impulso
decisivo por parte de Paul Wolfowitz, o secretário adjunto da defesa, em
termos de definição de objectivos, enquadramento institucional e meios
financeiros. Nestes últimos dois anos tem vindo assim a trabalhar-se inten-
sivamente na arquitectura do sistema e na configuração da sua gestão e
relação com a intelligence community, isto é, com o conjunto dos quinze
serviços de informações americanos.

A nova internet foi baptizada com o nome de “Global Information


Grid”. O conceito é pois o de rede ou malha de informação global e a sigla
“GIG” corresponde ao termo que significa “arpão” para pescar. Este con-
ceito, por sua vez, está ligado ao de “netcentric warfare” que se encontra
em vias de afirmação na doutrina militar americana. As previsões mais
arrojadas referem que mudará o modo de fazer a guerra tal como a internet
mudou os negócios e a cultura.

A guerra contra o terrorismo transnacional aparece como a motivação


principal do desenvolvimento do projecto, partindo do cenário muito prová-
vel da necessidade ininterrupta de todo o género de missões a nível mundial.
O objectivo prioritário é dar às várias e diferentes organizações e elementos
do sistema a capacidade de comunicarem entre si, em tempo real, num
ambiente de rede interna completamente segura e acessível desde o general
ao soldado e dos Estados Unidos aos lugares mais recônditos do planeta.

A DISA (Defense Information System Agency) – a quem compete a


gestão do sistema de comunicações de defesa – revelou recentemente que
a fase da capacidade operacional inicial da GIG foi atingida em seis “sites”
no passado dia 30 de Setembro e que a fase final estará completa em

160 Publicado em 21 de Novembro de 2004.

252
noventa e dois “sites” no dia 30 de Setembro de 2005. Entretanto para os
aliados está destinado um número limitado e completamente controlado de
pontos de contacto com a GIG. A Lockheed Martin, um dos principais for-
necedores do projecto, anunciou na semana passada que completara a ins-
talação da CMN (Coalition Multinational Network) no Iraque, o que con-
firma que a GIG está já a ser testada no teatro de guerra.

Com efeito, dinamizando ao mesmo tempo um mercado especializado na


ordem dos 100 mil milhões de dólares, a GIG será implementada até 2010
com uma crescente capacidade e qualidade de transmissão de dados multimé-
dia. Para já o patamar está nos dez gigabits por segundo, anunciando-se que
qualquer soldado no campo de batalha poderá, em poucos segundos, emitir e
receber informação equivalente a três filmes de longa-metragem.

A GIG não se limita porém exclusivamente à guerra. A directiva de


Wolfowitz é a de que apoiará as “missões e funções estratégicas, operacio-
nais, tácticas e negócios, em tempo de guerra e de paz”.

2.15. Os Correspondentes Honorários dos Serviços Secretos161

Um dos lados muito secretos da actividade dos serviços de informações


é o do recrutamento de fontes especiais. Nesta classificação cabem cidadãos
nacionais que viajam frequentemente para países definidos como alvos no
que respeita à recolha de informações. Entre esses cidadãos contam-se
homens de negócios, industriais, cientistas ou técnicos das mais variedades
especialidades, ligados tanto a instituições públicas como privadas, inclu-
sivamente a organizações não governamentais. São os chamados “corres-
pondentes honorários” na gíria dos serviços secretos, expressão que traduz
a noção ideal de probidade e motivação patriótica deste género de fontes.

Os correspondentes honorários são tão antigos como a história das rela-


ções entre Estados. O método varia de acordo com as culturas nacionais e
o modus operandi dos respectivos serviços, mas existe um conjunto de téc-
nicas de recrutamento que se tornaram comuns por via da experiência. Os
serviços mais poderosos são obviamente os que detêm mais recursos, pos-

161 Publicado em 12 de Dezembro de 2004.

253
suindo um departamento de “contactos” cuja actividade difere do tradicional
departamento de fontes no qual são enquadrados agentes duplos e toupeiras.
A principal diferença reside na função do “especialista de contactos”, o
qual tem de lidar com uma fonte que não é controlada, sendo a colaboração
desta voluntária e livre de qualquer tipo ameaça ou intimidação.

O especialista de contactos, para além da sua qualificação específica


no campo das informações, tem pois de possuir um conjunto plurifacetado
de características: é um bom vendedor, porque tem de convencer a outra
parte da importância da actividade dos serviços de informações; é um bom
psicólogo, porque tem de lidar com naturalidade e destreza com uma série
de personalidades diferentes; é um bom repórter, porque tem de trânspor
para um relatório de informações conciso e claro a profusão de dados que
o correspondente honorário lhe forneceu.

A agenda de um especialista de contactos não deve porém exceder as


suas próprias capacidades, ou seja, não pode por exemplo ser alargada na
ordem das dezenas ou centenas de indivíduos. Com efeito, um serviço não
pode ficar dependente da avaliação de um só técnico, sob pena de o sistema
se anquilosar e também ser objecto de manipulações por parte de lóbis
externos. Por outro lado, como os serviços têm vindo a abrir a categoria
dos “correspondentes honorários” a exilados políticos e membros da opo-
sição descontentes ou perseguidos por certos regimes, existe o elevado
risco de tráficos de influências, desinformação ou jogos não controlados
que só servem os interesses dos próprios.

É neste tipo de teia que os serviços secretos, inclusivamente os mais


poderosos, se deixam por vezes apanhar. Em regra, ocorrem conluios entre
lóbistas estrangeiros e lóbistas nacionais, traindo estes o interesse nacional
em nome do qual abusivamente se movimentam.

2.16. Um Serviço à Moda Antiga162

Ao tornar-se independente em 1991, a Ucrânia herdou as instituições


vigentes da União Soviética. Entre essas contava-se o KGB, o qual passou

162 Publicado em 26 de Dezembro de 2004.

254
a designar-se SBU, sigla de Sluznba Bespeky Ucrayiny, isto é, Serviço de
Segurança da Ucrânia. Não se tratou, na prática, da criação de uma nova
instituição mas sim do desmembramento da estrutura local do KGB, de
dimensão correspondente a um território maior que a França e a uma popu-
lação de 48 milhões de habitantes.

Ou seja, de facto, com outra designação, o KGB sobreviveu na Ucrânia


com a sua velha estrutura e cultura organizacional. Portanto, o SBU depende
directamente do Presidente, detem poderes típicos de uma polícia secreta,
como o de detenção, e possui um corpo de agentes na ordem das largas
dezenas de milhar, 16 departamentos, um longo braço de 26 delegações
espalhadas pelo país e duas escolas de formação especializada, com o esta-
tuto de ensino superior, frequentadas neste momento por cerca de 2000
estudantes.

Existem pois vários “casos” associados às actividades do SBU, dos


quais se destacam o assassinato, em 2000, do jornalista Georgyi Gongadze;
a divulgação posterior das gravações secretas do Major Mykola
Mel nychenko, guarda costas do Presidente Kuchma, nas quais este aparece
a dar ordens de perseguição e eliminação de opositores e autoriza o forne-
cimento de um sistema sofisticado de radar ao Iraque; a dissidência, no
passado mês de março, do histórico Major General Valeriy Kravchenko, de
58 anos, então representante do serviço em Berlim, acusando o chefe do
departamento de análise e contra-inteligência, Oleg Sinyansky, de mandar
espiar as deslocações ao estrangeiro de membros da oposição; e, finalmente,
o recente envenamento de Viktor Yushenko, na sequência de um jantar com
Igor Smeshko, o chefe do SBU.

Note-se contudo que Yushenko já ilibou publicamente o chefe do SBU


de qualquer suspeita imediata no seu envenenamento. Com efeito, Igor
Smeshko, de 49 anos, que ocupa o lugar há somente um ano, foi adido
militar na Suiça e nos Estados Unidos, é fluente em Inglês e Alemão e é
tido como um elemento pró-ocidental. Ao que tudo indica, o Presidente
Kuchma atribuiu-lhe essas funções para projectar uma nova imagem de
democracia e independência do serviço, particularmente face às eleições
que se aproximavam. Mas ao mesmo tempo, nomeou o jovem Oleg
Sinyansky, de 33 anos, formado em Moscovo, para chefiar o principal
departamento do SBU.

255
No passado dia 16 de Outubro, um mês antes das eleições, esse depar-
tamento autonomizou-se completamente do SBU, através de um decreto
presidencial que criou o SZR, isto é, o novo serviço de informações exter-
nas, chefiado pelo mesmo Oleg Sinyansky, que já mandara espiar os mem-
bros da oposição. A linha dura do SBU sobrevive agora no SZR e é aí que,
sob protecção presidencial e até agora resguardados dos holofotes mediá-
ticos, se encontram os principais suspeitos do envenenamento de Yushenko
e da armadilha a Igor Smeshko.

2.17. Espiões Precisam-se163

Os serviços de informações americanos ainda não se recompuseram do


choque do 11 de Setembro e, consequentemente, a designada intelligence
community está a ser sujeita a uma forte pressão reformista. À medida que
o presidente Bush e o Congresso vão produzindo legislação para o efeito,
revelam-se em toda a sua extensão condicionalismos políticos e técnicos
que derivam da complexidade do sistema, que é composto por 15 serviços
e uma estrutura financeira e humana estimada em 40 mil milhões de dólares
e 200.000 funcionários.

Neste momento, os pontos quentes são as substituições dos principais


directores de departamento da CIA; a demissão e posterior substituição do
director do novo “ministério” da segurança interna (homeland security); a
nomeação para a renovada posição de director nacional de informações; o
grau de autonomia do Pentágono relativamente a este director nacional; e
o debate que o Congresso iniciou a propósito do seu próprio papel na fis-
calização e eventualmente na coordenação geral do sistema.

No meio desta turbulência, está em curso uma campanha alargada de


recrutamento, desde operacionais a analistas e a especialistas de todo
género, como não há memória desde o pico da guerra fria. A procura de
espiões está por isso em alta, mas, não obstante o crescimento exponencial
das candidaturas após o 11 de Setembro por parte de um juventude imbuída
de patriotismo, principalmente oriunda das universidades, a oferta é insu-
ficiente. Um perfil muito cobiçado é o de cidadãos americanos (condição

163 Publicado em 9 de Janeiro de 2005.

256
imprescindível para todos os casos) de origem árabe, iraniana, afegã e
paquistanesa, com fluência nas línguas locais.

Os serviços estão pois envolvidos numa verdadeira competição de


mercado para captar os melhores nas melhores universidades, desen-
volvendo aí agressivas campanhas de marketing, extensivas a publicações
especializadas e feiras de emprego. Os analistas, em particular, estão
a ser muito procurados. A CIA, na sequência de uma orientação pre-
sidencial emitida em Novembro, vai duplicar o seu número. A NGA
(National Geospatial Intelligence Agengy) definiu um programa de con-
tratação de 900 nos próximos quatro anos. A DIA (Defense Intelligence
Agency) vai integrar no seu quadro 1000 civis, já em 2005. A NSA
(National Security Agency) tem agora mais 1300 funcionários que antes
do 11 de Setembro e planeia contratar um número superior a 6000 até
2009, dos quais uma percentagem elevada corresponderá a analistas. E
o Congresso está a contribuir anualmente com bolsas de estudo, de
50000 dólares cada, a cerca de 150 estudantes, sob a condição de tra-
balharem pelo menos três anos num serviço de informações após con-
cluírem os cursos.

Mas a procura aparentemente mais bizarra, porém altamente original


e pertinente, é, por parte da CIA, a de médicos para analisarem e pro-
duzirem relatórios de informações sobre “a saúde de terroristas e líderes
estrangeiros”.

2.18. O Complexo Cenário da (In)Segurança Americana164

O sentimento colectivo de insegurança é particularmente forte nos


Estados Unidos em relação à possibilidade da ocorrência de um grande
atentado terrorista dentro de fronteiras, nomeadamente com armas de des-
truição massiva. Após o 11 de Setembro, como prevenção e para combater
esse sentimento e corresponder às expectativas dos cidadãos, foi criado o
novo “ministério” da segurança interna (homeland security) que montou
uma estrutura colossal de 180.000 funcionários, provenientes de 22 orga-
nismos governamentais, e implantou um sistema de alerta anti-terrorista a

164 Publicado em 16 de Janeiro de 2005.

257
partir do dia 12 de Março de 2002, seis meses após o atentado às torres
gémeas e um ano antes da invasão do Iraque.

Neste momento o sistema está a ser posto em causa quanto à sua


eficácia e credibilidade. Com efeito, o sistema de alerta foi concebido
como um conjunto de medidas de protecção e resposta a serem implemen-
tadas pelos organismos governamentais e federais, de acordo com uma
escala colorida de graus de ameaça: verde (baixo); azul (geral); amarelo
(elevado); laranja (alto); e vermelho (grave). Desde a sua criação até ao
presente, o grau de ameaça esteve sempre elevado e subiu 6 vezes para
alto, a última das quais durante um longo período de 98 dias, entre 1 de
Agosto e 10 de Novembro de 2004, que correspondeu a um imaginado
plano da Al-Qaeda para atacar um conjunto de instituições financeiras em
Nova Iorque e Washington.

Dentre as críticas apontadas destacam-se a descoordenação no que res-


peita à cooperação entre organismos federais, estaduais e locais, a coexis-
tência de vários sistemas de comunicações incompatíveis, a falta de infor-
mações específicas associadas aos alertas e os custos directos e indirectos
resultantes das mudanças de côr da ameaça. Nos períodos de grau laranja,
por exemplo, de acordo com um estudo levado a cabo em 145 cidades pela
associação dos presidentes de câmara, os custos directos, em items como
equipamento, combustíveis e energia, orçam em mais de 70 milhões de
dólares por semana, e as horas extraordinárias dos funcionários não estão
a ser pagas, por falta de regulamentação, o que está a gerar um ambiente
de descontentamento; os custos indirectos e por enquanto intangíveis res-
peitam por exemplo ao turismo e ao mercado de acções. Por outro lado,
um tanto paradoxalmente, não foram até ao momento desenhadas medidas
de protecção especialmente destinadas ao sector privado e à população, a
qual ainda não interiorizou a diferença entre o grau amarelo e o laranja
nem as correspondentes alterações em termos de segurança.

É esta a situação com que vai ter de lidar o juíz Michael Chertoff,
nomeado na semana passada pelo presidente Bush para o cargo de
“Homeland SecuritySecretary”. Republicano, ex-procurador geral adjunto,
com a reputação de homem sensato mas agressivo, que pôs na ordem as
cinco principais famílias da Mafia em Nova Iorque, Chertoff está para já
em estado de graça.

258
2.19. O Labirinto das Informações no Iraque165

A situação no Iraque não tem vindo a evoluir no sentido desejado. Pelo


contrário, a percepção crescente no terreno é a de que a iniciativa está do
lado dos revoltosos e terroristas e, a curto prazo, não se vislumbra como
provável o seu controlo.

Do ponto de vista das informações, isentas de qualquer manipulação


política ou diplomática, não é possível iludir a realidade, concretamente
num primeiro nível de análise global da situação através dos números.
Entre Maio de 2003 (quando o presidente Bush declarou o fim das opera-
ções militares) e o presente são os seguintes: os atentados bombistas aumen-
taram de zero para 15 por mês; os ataques a militares da coligação de 500
para 2.400 por mês (80 por dia); os militares mortos americanos aumenta-
ram de 15 para 80 por mês (2-3 por dia); e os feridos de 140 para 810 por
mês (quase 30 por dia). A produção de electricidade também baixou, por
causa das sabotagens, registando-se neste momento em Bagdad somente
cerca de 7 horas de energia por dia. Os custos relativos somente ao
Pentágono são, por mês, de 5 mil milhões de dólares.

Este descontrolo da situação deriva em grande medida da incapacidade,


até agora inultrapassada, de se gerar um sistema eficiente de informações
tanto ao nível da coligação anglo-americana como dos iraquianos. O novo
serviço de informações iraquiano (NIS) foi, no ano passado, criado, finan-
ciado, equipado e treinado pela CIA, com o empenhamento forte e directo
do agora primeiro-ministro, Ayad Alawi. A este último se deve a proposta
de reabilitação de alguns dos ex-agentes da polícia secreta de Saddam, que
representarão agora cerca de 10% do NIS, ou seja, cerca de 100 num
número total estimado em 1000 funcionários, os quais tiveram de se sub-
meter aos polígrafos da CIA.

Contudo, os acontecimentos revelam que o NIS acabou por “herdar”


as vulnerabilidades institucionais da CIA no que respeita à recolha e tra-
tamento das informações, existindo por isso um problema sério de avaliação
da situação que resulta da deficiência de fontes, analistas e operacionais,
para além da politização dos relatórios distribuídos aos variados organis-

165 Publicado em 23 de Janeiro de 2005.

259
mos. Para agravar o quadro, os revoltosos e terroristas estão a ganhar a luta
pelo controlo da antiga e enorme rede de informantes do tempo de Saddam
e conseguiram, inclusivamente, infiltrar a todos os níveis as forças de segu-
rança, como demonstram os recentes assassinatos do governador e do direc-
tor-adjunto da polícia de Bagdad, quebrando dispositivos de segurança con-
fidenciais.

Foi neste contexto que se pronunciou muito recentemente o Ayatollah


al-Hakim, líder do Supremo Conselho da Revolução Islâmica no Iraque
que, no mês passado, escapou ileso a um atentado bombista contra o edifício
do seu quartel-general que matou 15 pessoas. Al-Akim, visto já como o
mais provável vencedor das eleições do próximo dia 30, afirmou publica-
mente que levará a cargo uma purga dos serviços de informações e das for-
ças de segurança.

2.20. Guerra, Espionagem e Inteligência Económica166

Na semana passada veio a público, nos Estados Unidos, mais um caso


de espionagem económica. O FBI deteve dois cidadãos americanos, Fuping
Liu e Anne Lockwood, os quais roubaram planos confidenciais de um nova
e sofisticada biela, para motores de grandes dimensões, à Metaldyne
Corporation. Trata-se de um grande fabricante e fornecedor americano de
componentes para automóveis, com cerca de 50 unidades industriais espa-
lhadas pelo mundo e 7.500 empregados.

O destinatário dos planos foi a Huafu Industry, uma empresa do sector


automóvel sediada na cidade de Chongqing, uma das maiores e mais moder-
nas da República Popular da China.

Fuping Liu e Anne Lockwood enfrentam agora uma pena máxima de


15 anos de prisão no quadro do Economic Espionage Act de 1996. Com
efeito, com o final da guerra fria, os Estados Unidos elegeram a espionagem
económica como uma prioridade dos departamentos de contra-inteligência
dos serviços de informações, e o conceito de guerra económica, embora
de modo não explícito, passou a fazer parte do pensamento estratégico

166 Publicado em 6 de Fevereiro de 2005.

260
neste domínio. A correpondência entre a CIA e o Congresso durante a
administração Clinton comprova-o. De acordo com os escassos dados vin-
dos a público, só em 93 e 94 a designada intelligence community ajudou
um conjunto de empresas americanas a obterem contratos no estrangeiro
no valor de 17 mil milhões de dólares. Esses contratos foram obtidos em
países do chamado terceiro mundo, através da utilização de informações
de vários tipos, juntos dos governantes e decisores locais, afastando con-
correntes europeus.

Os dois últimos relatórios anuais da presidência para o congresso


(annual report to congress on foreign economic collection and industrial
espionage) refere genericamente cerca de 80 países estrangeiros envolvidos
em incidentes neste domínio e perdas para a economia dos Estados Unidos
estimadas em 100 a 250 mil milhões de dólares por ano. Neste momento,
para além da China, as atenções parecem estar a voltar-se para a França,
que está a ser apontada como “talvez o mais sério praticante de inteligência
económica contra os Estados Unidos”, segundo a análise de Kelly Uphoff,
do influente Jewish Institute of National Security Affairs.

Os campos e as fronteiras entre guerra, espionagem e inteligência eco-


nómica não são fáceis de delimitar. Mas é um facto que a inteligência eco-
nómica – definida como a gestão de informação para desenvolver uma
estratégia económica no contexto da luta pela conquista de segmentos de
mercado – é uma prioridade do actual conceito estratégico nacional francês.
É o que mostra a criação recente de unidades desse tipo nos principais
ministérios e a existência na sociedade civil de uma instituição de ensino
superior, em alta, que assume a controversa designação de Escola de Guerra
Económica. Na verdade, quem desprezar hoje o conceito de inteligência
económica ficará em desvantagem competitiva.

2.21. O Guardião de Israel167

Há alguns dias atrás, Avi Dichter, o director do serviço de segurança


interna de Israel (Shin Bet), exprimiu publicamente as suas reservas quanto
ao plano de retirada dos territórios palestinianos no próximo verão. Passado

167 Publicado em 27 de Fevereiro de 2005.

261
pouco tempo, Ariel Sharon nomeava um homem, até aí somente conhecido
por Y, para o substituir na chefia do Shin Bet a partir de Maio.

O nome de Yuval Diskin foi oficialmente revelado e assim foi também


conhecido o autor da política de eliminação selectiva de palestinianos con-
siderados terroristas. Com este novo guardião da segurança interna de
Israel, Ariel Sharon emitiu um forte sinal de aviso de que a retirada acordada
com Mahamoud Abbas, o sucessor de Arafat, não abrandará a vigilância e
as operações do Shin Bet contra todos os que se envolverem em conspira-
ções terroristas, tanto executantes como mentores.

Yuval Diskin tem 49 anos, é casado, tem cinco filhos e formação


universitária na área da Ciência Política. Prestou serviço nas forças
especiais entre 1974 e 1978, ano em que, com 22 anos, entrou para o
Shin Bet como operacional. Percorreu todos os escalões do serviço e
distinguiu-se a partir dos anos 90 quando chefiou o departamento de
contra-terrorismo da direcção de assuntos árabes e posteriormente essa
mesma direcção. Durante esse período, esteve envolvido no estabele-
cimento de ligações clandestinas com os chefes dos serviços secretos
palestinianos, o que veio a ser um dos seus principais trunfos quando
desenvolveu e implementou a política de eliminação selectiva, após ter
ocupado, em 2000, o cargo de director adjunto do Shin Bet. De facto,
entre 2002 e 2004, os bombistas suicidas diminuíram de 55 para 14 e
o número de mortos de 453 para 118. Finalmente, em Outubro de 2003,
pediu uma licença para estudar – ao que parece na sequência de diver-
gências com Avi Dichter – e em Outubro de 2004 concluiu um mestrado
em administração pública na Universidade de Haifa, tendo também ao
longo desse ano desempenhado as funções de conselheiro especial de
Meir Dagan, o director da Mossad.

No seio da comunidade de informações, a competência de Yuval


Diskin é unanimemente reconhecida. É visto como um chefe carismático
e um excelente operacional, detentor de uma ampla cultura que o leva
a analisar o processo israelo-palestiniano de um ângulo isento de con-
siderações exclusivamente operacionais. O seu primeiro desafio, no
âmbito da retirada dos territórios palestinianos, será a ameaça de que
o Hamas, as Brigadas dos Mártires al-Aqsa e a Jihad Islâmica, respon-
sáveis pelos bombistas suicidas, possuem um plano secreto para mudarem

262
os seus quartéis-generais de Damasco e Beirute para a faixa de Gaza
e depois para a Cisjordânia.

Contudo, fontes não identificadas do Shin Bet afirmam que a prioridade


de Yuval Diskin será antes a de preparar o serviço para a crescente ameaça
de acções terroristas por parte de grupos extremistas judeus, contrários à
retirada dos territórios palestinianos.

2.22. A Reforma da Espionagem Anglo-Americana168

Os serviços secretos americanos e ingleses, não obstante a evidente


autonomia de ambos, têm um esquema de cooperação consolidado desde
a 2ª guerra mundial, conhecido por UKUSA, que privilegia a troca de infor-
mações, a avaliação conjunta e o planeamento de operações face a terceiros
países. A falha da politização das informações, o erro neste domínio que
os Estados Unidos e a Inglaterra cometeram relativamente às armas de des-
truição em massa do Iraque resultou em grande medida dessa tendencia
para a unidade de pensamento e acção. Os parceiros avançaram pois tam-
bém simultaneamente, embora em separado, para a reestruturação dos res-
pectivos sistemas de informações.

No que respeita aos Estados Unidos é de destacar o facto de o


Embaixador Negroponte, até aqui colocado no Iraque, estar em vias de ocu-
par o novo lugar de Director of National Intelligence (DNI), a maior
mudança do sistema desde há 50 anos. Ao DNI é atribuída a tarefa de coor-
denar a chamada intelligence community, composta por 15 serviços de
informações, nomeadamente a complexa gestão do orçamento geral de 40
mil milhões de dólares (dos quais 80% caem na esfera do Pentágono) e a
responsabilidade pelo briefing diário ao Presidente dos Estados Unidos. A
preparação deste levava diariamente 5 horas ao director da CIA, que passa
a partir de agora a concentrar-se exclusivamente na gestão do serviço e no
desenvolvimento da anunciada nova capacidade de humint. A percepção
actual no seio da intelligence community relativamente à reforma é de
incerteza quanto ao seu sucesso, mas a expectativa é de que, pelo menos,
o DNI estimule a dinâmica de cooperação entre os serviços (ainda limitada)

168 Publicado em 20 de Março de 2005.

263
que se gerou após o 11 de Setembro. Multi-int é uma palavra que está a
entrar no glossário do ramo traduzindo a produção integrada de informações
humint, sigint e geo-int.

Para o Reino Unido a cooperação com os Estados Unidos é vital


para se manter na primeira linha das informações a nível mundial. O
orçamento britânico é cerca de 20 vezes menor que o americano, o que
se reflecte desde logo, por exemplo, numa menor capacidade de meios
e de pesquisa na área tecnológica. Porém, os britânicos gozam de um
prestígio e implantação em várias partes do mundo que lhes permite
obter informações de modo muito mais eficaz que os americanos. A
eficiência do sistema está no entanto a ser repensada e o que ressalta
como novidade absoluta é a tentativa de colocar os analistas de todos
os serviços sob uma só chefia e um mesmo programa de formação.
Por outro lado, para além das avaliações prospectivas de curto prazo,
será semestralmente actualizada uma lista das ameaças potenciais no
horizonte dos 10 anos.

Mas como responder ao mais recente cenário imaginado da detonação


de uma única bomba nuclear a algumas milhas de altitude que produziria
um impulso electromagnético que levaria à ruptura prolongada das infra-
estruturas eléctricas e, consequentemente, à quebra da ordem social ?

2.23. O Czar das Informações169

No ano passado, o presidente Bush propôs a criação da nova posição


de Director of National Intelligence (DNI) para coordenar o sistema de
informações dos Estados Unidos, composto por 15 serviços diferentes,
seguindo uma recomendação do já célebre relatório sobre o 11 de Setembro.
No seio da intelligence community e nos meios de comunicação social, de
imediato se passou a falar no “czar” que aí vinha com um poder jamais
visto neste domínio. Um tratamento de choque, que o Congresso entretanto
aprovou, para o desastrado falhanço da avaliação das armas de destruição
em massa do Iraque.

169 Publicado em 10 de Abril de 2005.

264
O DNI apresenta assim à partida a elevada probabilidade de se trans-
formar numa posição influente prioritária da política externa e militar ame-
ricana. Não só pela concentração da gestão do sistema, cujo orçamento está
neste momento estimado em 40 mil milhões de dólares e muito possivel-
mente já desactualizado, mas também pelo facto de que ao “czar” caberá
informar e aconselhar pessoalmente, todos os dias, o presidente em tudo o
que diga respeito às informações. De acordo com as palavras do próprio
Georges Bush, quando o nomeou em 17 de Fevereiro, após longos meses
de expectativa, será o seu “ primary briefer”.

O embaixador John Negroponte, que se encontrava no Iraque desde


o Verão passado, foi o escolhido e entra agora em funções. John
Negroponte nasceu em Londres, é filho de um armador grego de origem
judaica, tem 65 anos, é casado e tem cinco filhos. Formado na
Universidade de Yale, fala 5 línguas (inglês, grego, espanhol, francês
e vietnamita) e é um diplomata cuja carreira foi balizada pelas guerras
do Vietname e do Iraque. Mas mais do que um diplomata tradicional,
John Negroponte é visto no meio político em Washington como um
“operacional de política externa” que executa de modo implacável e
impiedoso as tarefas que lhe são confiadas. A passagem pelas Honduras,
por exemplo, entre 1981 e 1985, deixou um rasto de polémica em tôrno
da sua eventual responsabilidade directa na actuação dos esquadrões
de morte anti-comunistas e dos Contras da Nicarágua, em cooperação
estreita com a CIA.

Na verdade, John Negroponte é um realista pragmático que gosta de


manter o “low-profile” não obstante os cargos que ocupa, emitindo muito
raramente opiniões ou declarações públicas. Declarou contudo, por ocasião
da sua nomeação, que este é o maior desafio da sua carreira, e o presidente
Bush afirmou então que ele irá conciliar vários interesses na prossecussão
da reforma do sistema, pois “foi consumidor de informações e conhece os
centros de poder em Washington”.

Muitos destes, com efeito, integram o Pentágono, que pesa 80% no sis-
tema e aguarda com elevada expectativa a agenda do DNI.

As pressões já se fazem sentir. Na semana passada, na sessão de abertura


do prestigiado National Space Symposium, o DNI foi exortado a tomar a

265
iniciativa, desde já, da designada “integração horizontal” das arquitecturas
informáticas dos serviços e comandos militares.

2.24. O Número Dois da Espionagem Americana170

O General Michael Hayden é o adjunto do Embaixador John


Negroponte como Director of National Intelligence (DNI), a nova função
de liderança do conjunto dos 15 serviços de informações americanos recen-
temente criada pelo presidente Georges Bush. O General Michael Hayden
é o director do mais poderoso desses serviços, a National Security Agency
(NSA), a quem cabe a área da SIGINT (signals intelligence) e é atribuída
a paternidade do polémico projecto Echelon que visa monitorizar, a nível
mundial, todo o género de comunicações.

Com um bacherelato e um mestrado em História obtidos na


Universidade de Duquesne, uma instituição católica com 127 anos fundada
pela Congregação do Espírito Santo, Michael Hayden entrou para a Força
Aérea como 2º Tenente no final dos anos 60. Fez a carreira na área do
ensino e das informações, tendo realizado em 1980, com o posto de Major,
uma pós-graduação na Defense Intelligence School. Posteriormente exerceu
funções de analista de assuntos político-militares na Divisão de Estratégia
da Força Aérea no Pentágono e de director de Política de Defesa no
Conselho da Segurança Nacional. Cumpriu comissões na Bulgária,
Alemanha e Coreia do Sul, local de onde veio em 1999 para a NSA, sendo
já o director que mais tempo esteve à frente deste serviço.

A sua acção tem deparado, porém, com inúmeras resistências no seio


da própria organização, uma vez que tem seguido desde o início uma linha
de reestruturação, agravada entretanto pelo efeito do 11 de Setembro, que
abrange também a componente interna no sentido de enfraquecer a buro-
cracia que, entre outras causas, condiciona negativamente o tratamento e
produção de informações na NSA. Isto levou-o, por exemplo, a escolher
William Black para seu adjunto, um alto funcionário reformado da NSA,
com 38 anos de casa, frustando desde logo os direitos tidos como interna-
mente adquiridos por um conjunto de candidatos ao cargo e respectivas

170 Publicado em 24 de Abril de 2005.

266
clientelas. Por outro lado, pressionou pedidos de reformas, ordenou exames
psiquiátricos e psicológicos a funcionários considerados problemáticos,
aumentou a carga e exigência de trabalho dos turnos sem correspondente
aumento de pessoal e apertou a fiscalização interna em termos de contra-
espionagem. Por esta razão, a sua alcunha entre os descontentes é “Hitler
Hayden”.

É neste contexto que se compreende a sua afirmação recente, já como


adjunto do DNI, de que este deve exercer uma “autoridade robusta” sobre
um conjunto de serviços, no qual inclui a NSA. O contra-ataque do “sis-
tema” todavia não demorou, nomeadamente por via mediática, chegando
ao nível dos “golpes baixos” com a alegação de que o General Michael
Hayden se envolveu numa relação de adultério com a Major Erika Proctor,
sua colaboradora na NSA. Um website, criado para o efeito, mostra agora
um conjunto de imagens pornográficas da referida oficial, presumivelmente
fornecidas pelo ex-marido supostamente traído.

2.25. Ajuste de Contas no Meio da Espionagem Britânica171

Nos últimos anos houve dois factos que “mexeram” profundamente


com os serviços de informações: um foi o 11 de Setembro, o outro foi o
das (inexistentes) armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Este
último é hoje em dia um “case study” do problema da politização das infor-
mações, e seus efeitos nefastos tanto na condução das políticas externas
como nos próprios serviços, que os Estados Unidos levaram a um ponto
extremo.

O Reino Unido foi arrastado no processo, de início contrariado, mas


acabou por apoiar fortemente a “teoria da conspiração” entretanto formu-
lada contra o Iraque. Isto provocou de imediato baixas no governo de Tony
Blair, como a demissão do então ministro dos negócios estrangeiros, críticas
e fugas de informação veladas oriundas da intelligence community (que no
Reino Unido comporta dez organizações) e mesmo um suicídio, o do cien-
tista David Kelly, consultor do governo em armamento. Relatórios poste-
riores ilibaram Tony Blair de qualquer responsabilidade directa em tudo o

171 Publicado em 8 de Maio de 2005.

267
que sucedeu (tal como nos Estados Unidos em relação a Georges Bush),
mas sublinharam a recomendação de que tal erro não se poderia repetir,
sob pena de ficar irremediavelmente manchado o tradicional prestígio dos
serviços secretos britânicos.

No entanto, permaneceu um forte descontentamento no seio da intelli-


gence community, e assim, quatro dias antes das eleições da semana pas-
sada, o jornal Sunday Times divulgou um memorando secreto do gabinete
do primeiro-ministro, que ademais continha a exclusiva classificação suple-
mentar “UK EYES ONLY”. Esse documento resume uma reunião de Tony
Blair, em 23 de Julho de 2002, com os seus principais conselheiros, na qual
foi reportada uma viagem aos Estados Unidos do então director do MI6,
Richard Dearlove. Segundo este, “os americanos viam como inevitável
uma acção militar para depôr Saddam Hussein e as informações e os
factos estavam a ser adaptados à política”.

Com efeito, meio ano antes, numa reunião secreta em Madrid após o
11 de Setembro, em Dezembro de 2001, que juntou quinze serviços secretos
europeus, os britânicos revelaram que tinham conseguido anular a vontade
de os Estados Unidos deporem Saddam Hussein com base em informações
que eles próprios, britânicos, consideravam não credíveis. A verdade é que
alguma razão concreta, provavelmente em nome do interesse nacional mas
desconhecida, levou o governo britânico, passado um ano, a condicionar
as informações do mesmo modo que o governo americano, subvertendo a
avaliação dos serviços secretos quanto à situação no Iraque. Tal como fize-
ram outros governos que de imediato se declararam aliados da coligação.

O caso não está pois encerrado, porquanto não é de excluir a hipótese


de novos ajustes de contas com fugas de informação vindas da intelligence
community, todavia eticamente reprováveis, destinadas a repôr a verdade.

2.26. O Projecto Scope172

A estratégia britânica contra o terrorismo, após o 11 de Setembro, obe-


dece em grande medida a um conceito tendencialmente tecnológico. Entre

172 Publicado em 15 de Maio de 2005.

268
as novidades contam-se o bilhete de identidade nacional com fotografia,
dados biométricos e elementos como a situação profissional e o número
da segurança social, o bilhete de identidade de asilado/imigrante, o passa-
porte biométrico e, sobretudo, o projecto SCOPE, originalmente classifi-
cado muito secreto.

O Projecto SCOPE nasceu ainda em 2001 e o significado do nome


remete para ideias como campo de acção, alcance, competência e oportu-
nidade. Trata-se com efeito de um ambicioso programa que visa mudar pro-
fundamente o sistema de cooperação entre os 10 principais produtores e
consumidores de informações da intelligence community, através da intro-
dução de uma intranet secreta que comporta uma base de dados conjunta.
Esta intranet está a ser contruída sobre a já existente rede de canais de email
designada UKIMN (United Kingdom Intelligence Message Network). O
projecto é coordenado por William Ehrman, o chefe do secretariado de
informações e segurança do gabinete do primeiro-ministro.

No final de 2003, o governo abriu um concurso restrito, por convite


e não anunciado publicamente, a um conjunto de empresas do sector
tecnológico entre as quais se incluíam a Fujitsu Services, a BT Syntegra,
a EDS, a IBM e a LogicaCMG. Todas foram obrigadas a assinar um
acordo secreto, mas entretanto as publicações especializadas em infor-
mática noticiaram que o valor do contrato se situava na ordem dos 100
a 150 milhões de euros. Por seu turno, o relatório de 2004 da comissão
parlamentar de fiscalização dos serviços de informações refere vagamente
que foram seleccionadas quatro empresas, e é possível que estas se
tenham reunido num consórcio.

O cronograma do projecto revelou-se porém demasiado optimista, uma


vez que previa que o sistema começaria a funcionar em 2005. O último
relatório da mesma comissão, divulgado recentemente, revela que se veri-
fica um atraso de 3 anos e uma derrapagem do orçamento de 50%, no
mínimo. A principal razão apontada é a falta de capacidade de gestão,
dentro dos próprios serviços, relativamente a projectos de informação e tec-
nologia desta envergadura. Em princípio, o sistema vai ter uma capacidade
menor que o previsto, mas vai ser mais robusto e melhor do ponto de vista
da gestão de risco em termos de segurança informática.

269
De qualquer modo, já foi testado com sucesso o circuito da informação
classificada e também a ligação directa entre o GCHQ (government com-
munications headquarters) e o DIS (defence intelligence staff), os serviços
respectivamente encarregados das escutas e das informações militares. No
prazo de um ano deverão estar também ligados o MI5, o departamento de
comércio e indústria, as alfândegas e o serviço nacional de informações
criminais. E, entretanto, o SCOPE vai ser instalado num edíficio que já
está a ser construído para o efeito.

2.27. Antropólogos e Espiões em Tempo de Guerra173

No início da ocupação do Iraque, passou a correr o boato entre a popu-


lação de que os óculos escuros dos soldados americanos lhes davam o poder
de ver o corpo das mulheres através das roupas. O terreno fértil para a sua
propagação foi o fosso da diferença cultural e a ilusão dos efeitos especiais
transmitida pelos filmes americanos. Quando foi detectado, a solução foi
a mais simples e óbvia: emprestar os óculos aos rapazes, crianças e ado-
lescentes, para verificarem que tal não era verdade.

Este é apenas um pequeno incidente entre as inúmeras resistências de


natureza subversiva, quer espontâneas quer planeadas, que os militares
americanos têm vindo a enfrentar no Iraque e que estão a fazer emergir a
percepção, no seio do Pentágono, de que é necessário desenvolver a “cul-
tural intelligence”, por via HUMINT (human intelligence) e OSINT (open
sources intelligence), pois o factor cultural é o elemento essencial que con-
diciona o sucesso e o insucesso no teatro das operações.

Por exemplo, o descontrolado e estrondoso caso das torturas na prisão


de Abu Ghraib está agora a ser atribuído a “desconhecimento cultural”,
pela interpretação que os militares fizeram, a partir de um estudo antropo-
lógico de 1973, de Raphael Patai, intitulado A Mente Árabe, de que a ques-
tão sexual é uma preocupação central do mundo muçulmano.
Consequentemente, seguindo um programa secreto do Pentágono que esta-
ria a ser executado, o objectivo era fotografar a humilhação sexual dos deti-
dos para, depois de devolvidos à liberdade, chantageá-los para serem infor-

173 Publicado em 12 de Junho de 2005.

270
madores sobre as actividades dos rebeldes e terroristas. Num artigo publi-
cado no último número da Military Review, Montgomery McFate, investi-
gadora sénior do Office of Naval Research, critica porém abertamente esta
“falha táctica” porque, ao inverso do pretendido, destrói a honra das vítimas
e activa o conceito de “al-sharaf”, que é a restauração dessa mesma honra
através do derramamento de sangue.

O problema está pois a ser colocado em termos de falta de antropólogos


que conduzam trabalhos de campo enquanto espiões sob cobertura, no
Iraque e noutros locais, para colmatarem aquele “desconhecimento cultu-
ral”. Contudo, as universidades militares não têm antropólogos nos seus
corpos docentes nem nunca houve um, por exemplo, que tivesse tido assento
no National Security Council. Por outro lado, a Associação Americana de
Antropologia determina explicitamente desde os anos 70 que “nenhum
antropólogo pode realizar pesquisa secreta ou qualquer pesquisa cujos
resultados não possam ser livremente publicados”.

A solução encontrada para contornar a situação é a seguinte: promover


o conhecimento da tradição americana de colaboração de antropólogos com
os serviços secretos, que envolve figuras de referência como Margaret
Mead e Ruth Benedict; e, contrariando a ética, atribuir bolsas de estudo
secretas a antropólogos no valor de 75 mil euros por ano.

2.28. A Crescente Ameaça dos Gangs Urbanos174

No final dos anos 90, nos Estados Unidos, estava a ser executada uma
estratégia nacional de combate aos gangs urbanos, mas a prioridade desta
passou para um nível secundário em consequência do 11 de Setembro. A
proliferação e expansão de gangs nos últimos anos, aliada a rumores recen-
tes sobre “contactos de negócios” com a al-Qaedatrouxeram porém o
assunto para a linha da frente do combate ao crime organizado, existindo
mesmo a tendência de o definir enquanto ameaça à segurança nacional.

As estimativas actuais do FBI apontam cerca de 30 mil gangs com um


total de 800 mil membros, e as suas actividades tradicionais incluem o trá-

174 Publicado em 19 de Junho de 2005.

271
fico de armas e drogas, raptos, assassinatos, extorsão, roubo de automóveis
e redes de imigração ilegal. No conjunto destes estão a emergir novos
gangs, agora designados de “3ª geração”, cada vez mais violentos, mais
bem organizados e mais espalhados pelo território americano, levando os
analistas a considerarem que se está perante um novo tipo de subversão
urbana, internacionalizável, que deliberadamente desafia a soberania do
Estado.

Embora com origens que remontam aos anos 80, o MS-13 é um desses
gangs de 3ª geração mais activos, com maior potencial de desenvolvimento,
e está portanto a ser alvo de particular atenção por parte das autoridades.
Possui cerca de 10 mil membros operacionais, está presente em 31 Estados
através de filiais denominadas “cliques”, lideradas pelo “shot caller”,
expressão que significa simplesmente “aquele que manda”. Um exemplo
do código de violência do MS-13: na semana passada foram condenados
dois membros a prisão perpétua por terem esfaqueado até à morte uma
adolescente grávida que tinha cooperado com as autoridades numa inves-
tigação sobre a organização.

As informações sobre o MS-13 são ainda escassas, mas para já


parece não existir um líder nacional ou uma comissão directiva. Contudo,
há indícios de que a organização está em processo de estruturar uma
hierarquia de lideranças, e por esta razão o FBI estabeleceu a MS-13
National Gang Task Force com o objectivo de o desmantelar antes que
se torne tão forte que seja impossível fazê-lo. Este objectivo decorre
aliás da National Gang Strategy que está em curso e que, face à crescente
ameaça, visa coordenar os esforços das autoridades a nível local, estadual
e federal, e as cerca de 130 Safe Streets Violent Gang Task Forces já
instituídas por todo o país. Neste momento o FBI está também a criar
o National Gang Intelligence Center (NGIC) para centralizar e coordenar
a produção de informações sobre os gangs, adoptando a metodologia
típica dos serviços secretos.

Na verdade, os gangs combatem-se, qualquer que seja a dimensão e o


lugar, com três tipos de medidas: políticas de promoção social, acções de
repressão policial e operações de recolha de informações, não só com
fontes mas também com agentes infiltrados nas organizações, o que é uma
tarefa extremamente difícil e que requer tempo.

272
2.29. O Estado da (In)Segurança Europeia175

Os recentes atentados em Londres eram inevitáveis. Não por qualquer


tipo de incompetência dos serviços de segurança, mas porque a ameaça
do terrorismo, em particular da al-Qaeda, decorre de uma estrutura
extraordinariamente difusa que funciona numa lógica próxima de uma
sociedade secreta. E sobre esta não foi atingido, até ao momento, um
nível suficiente de informações e conhecimento. Existem pois células
terroristas, da al-Qaeda ou com ligações à organização, espalhadas por
todo o mundo ocidental, que operam com um elevado grau de autonomia,
obedecendo à ideia central e simples de “guerra sem tréguas aos cru-
zados”, com um modus operandi recorrente e que constitui já uma marca
reconhecida.

Mas os britânicos estavam preparados, principalmente desde que Eliza


Manningham-Buller, a directora do MI5, declarou em Junho de 2003 que
um atentado da al-Qaeda contra uma cidade europeia era “apenas uma
questão de tempo”. Em Março de 2004 isso aconteceu em Madrid e os bri-
tânicos interiorizaram a ideia de que havia uma forte probabilidade de que
o mesmo viesse a ocorrer no Reino Unido. Em Maio, 80% dos londrinos
acreditavam assim que estava para breve um atentado na capital britânica.
A construção do cenário e o planeamento da resposta por parte das auto-
ridades foram portanto de tal modo cuidadosos que não foi esquecida a
dimensão mediática do fenómeno terrorista, que tem como um dos seus
principais objectivos a criação intimidatória de imagens de choque junto
da opinião pública. E estas foram efectivamente vagas nos meios de comu-
nicação social, em parte pela circunstância subterrânea dos atentados, mas
em parte também devido à estratégica inovação de isolamento e ocultação
dos locais por meio de estruturas veladas.

Os efeitos dos atentados de Londres não se confinam porém ao Reino


Unido. No que respeita à Europa aumentou o sentimento de insegurança,
desde logo nas grandes capitais, como Paris, e em Roma e Copenhaga que
foram directamente ameaçadas pelos presumíveis autores dos atentados. O
terrorismo passa assim de facto para o topo da agenda europeia, o que de
imediato significa desbloqueamento de planos e de verbas para os serviços

175 Publicado em 10 de Julho de 2005.

273
de informações e de segurança, especialmente para os departamentos de
contra-terrorismo.

A infiltração das células terroristas vai todavia demorar ainda alguns


anos, por causa de condicionalismos como a escassez de agentes islâmicos
ocidentais e o longo tempo necessário para estabelecerem coberturas na
execução das operações HUMINT (human intelligence) como, por exemplo,
falsas identidades e biografias. Contudo, é muito provável que ocorra um
acréscimo de operações clandestinas de vigilância e detenção de suspeitos
por toda a Europa, e que estas venham a ser executadas a partir do programa
secreto Alliance Base, com sede em Paris desde 2002, fruto da cooperação
franco-americana.

2.30. O Escândalo dos Espiões Chineses Dissidentes176

A tradição da espionagem chinesa é milenar e a sua dinâmica constitui


hoje em dia um sério desafio para os serviços de informações europeus
e americanos. A língua e a cultura são desde logo factores naturais que
dificultam as acções dos departamentos de operações e de contra-espio-
nagem ocidentais, mas a reconhecida eficácia chinesa reside, em grande
medida, no modus operandi e no elevado grau de secretismo que o
MSS tem conseguido manter praticamente invulneráveis desde o fim
da chamada guerra fria.

Esta estrutura foi porém fortemente abalada nos últimos dois meses por
uma série inédita de elementos ligados ao MSS que procuraram asilo em
países ocidentais. O escândalo tem vindo a ser principalmente protagoni-
zado por Chen Yonglin, de 37 anos, colocado como primeiro secretário no
consulado de Sydney, na Austrália. Permanecendo escondido com a mulher
e a filha, tem aparecido episodicamente perante os meios de comunicação
social para fazer revelações e apresentar documentos sobre a sua anterior
actividade. Os outros dissidentes surgiram por uma espécie de efeito de
contágio da atitude de Chen Yonglin, confirmando as revelações deste, um
dos quais na Austrália, Hao Fengjin, outro no Canadá, Han Guangsheng,
e outro ainda na Bélgica que mantém a identidade confidencial.

176 Publicado em 7 de Agosto de 2005.

274
Confirmando, pelo interesse oposto, o antigo princípio chinês de que
“um bom espião vale 10 mil homens”, estes dissidentes estão a transmitir
informações preciosas sobre o modus operandi e as prioridades do MSS.
Ficou assim explícito que os consulados possuem um orçamento secreto
diverso do diplomático, abrigando os centros de coordenação das operações
e acções de espionagem. Só na Austrália existem cerca de 1000 agentes
(um número desconhecido dos quais detém a cidadania australiana) que
dispendem grande parte do seu tempo na vigilância dos membros aí resi-
dentes do Falun Gong, um movimento de exercitação física e espiritual
assente em valores de natureza budista como a verdade, a compaixão e o
perdão. O governo chinês considera-o altamente subversivo, afirmando que
se trata de um “culto demoníaco”, e por isso criou para o efeito no quadro
do MSS, em 10 de Junho de 1999, o designado gabinete 6-10, na sequência
de uma manifestação surpresa de 10 mil membros, em Pequim, junto do
complexo de edifícios da sede do governo.

Por outro lado, os alvos na Europa e nos Estados Unidos e Canadá são
as indústrias pesadas e do espaço, da defesa e das telecomunicações. Para
tal o MSS emprega a espionagem propriamente dita e o aproveitamento
dissimulado de relações de amizade e de relações de trabalho para a recolha
de informações. Note-se que nos dois últimos casos, antes de começarem
a transmitir informações, os agentes podem levar 5 a 10 anos a construírem
com o máximo de credibilidade a sua cobertura, sobretudo quando se trata
de posições relevantes em instituições consideradas estratégicas.

2.31. O Caso Valerie Plame177

O fantasma da ocupação do Iraque, a partir de informações politizadas


e falsas sobre as armas de destruição em massa, continua a assombrar a
administração Bush, agora com a investigação judicial em curso sobre a
revelação pública da identidade, em Julho de 2003, de uma operacional de
topo da CIA. Na mira está Karl Rove, o principal conselheiro político do
presidente, e a lei prevê, para tal tipo de revelação, intencional, uma pena
máxima de 10 anos de prisão. O processo envolve a comunidade de infor-
mações e a elite política e jornalística de Washington.

177 Publicado em 14 de Agosto de 2005.

275
O ambiente está pois pesado: o presidente e o vice-presidente já foram
ouvidos e o procurador Patrick Fitzgerald insistiu que Judith Miller, jorna-
lista do New York Times, fosse presa por se recusar a testemunhar. O
mesmo não aconteceu a Matthew Cooper, correspondente da revista Time
na Casa Branca, que, após alguma resistência e sob a ameaça de prisão,
prestou declarações perante o “grande júri”, há poucos dias atrás, e apontou
Karl Rove como a fonte da notícia que foi divulgada em primeira mão por
Robert Novak, jornalista veterano da CNN e participante do conhecido pro-
grama “Crossfire”.

No centro do caso está Valerie Plame, de 42 anos, casada com o ex-


embaixador Joseph Wilson, o qual liderou a embaixada em Bagdade durante
a primeira guerra do Golfo (o que lhe valeu um louvor do então presidente
Bush) e se tornou um acérrimo crítico da politização das informações que
agora justificaram a ocupação. Filha de um oficial superior reformado da
força aérea, Valerie Plame entrou para a CIA depois de ter concluído os
estudos universitários e foi seleccionada para fazer parte do grupo restrito
e muito secreto dos operacionais NOC (nonofficial cover). Estes não fre-
quentam as instalações da CIA, têm profissões comuns como gestores, con-
sultores, engenheiros ou professores, podem demorar alguns anos a cons-
truir a sua cobertura e podem custar entre 500 mil e 1 milhão de euros a
serem estabelecidos no estrangeiro. São por isso altamente vulneráveis, do
ponto de vista da integridade física, quando são detectados por regimes
hostis, pois não possuem protecção diplomática nem a CIA reconhece a
sua filiação.

A identidade de Valerie Plame foi revelada com a intenção de desacre-


ditar o marido, Joseph Wilson, quando este, em Julho de 2003, três meses
depois da ocupação, escreveu o artigo “O que eu não encontrei em África”,
no New York Times, que foi considerado o golpe mais demolidor e credível
até então desferido contra a administração Bush sobre as inexistentes armas
de destruição em massa do Iraque. Com efeito, em Fevereiro de 2002,
Wilson tinha sido enviado numa missão secreta pela CIA ao Níger para
averiguar notícias, que circulavam na comunidade de informações, de que
este país estava a vender urânio ao Iraque. O seu relatório tinha sido claro
ao acentuar que as notícias eram falsas, mais foi olvidado nos corredores
da Casa Branca.

276
2.32. Os Serviços Secretos da Síria178

O relatório das Nações Unidas, tornado público na semana passada,


sobre o assassinato do primero-ministro do Líbano, Rafik Hariri, no início
deste ano, aponta como suspeitos os principais responsáveis dos serviços
secretos da Síria. O caso tem repercussões políticas ao mais alto nível do
poder sírio, uma vez que envolve também o chefe do serviço de informações
militares, Assef Shawkat, cunhado e braço-direito do presidente Bashar al-
Assad. A situação é ainda agravada pelo facto de o sistema de informações
da Síria ser directamente tutelado pelo presidente e não ser crível que qual-
quer operação importante possa ser levada a cabo sem o seu conhecimento,
precisamente pela forma como esse sistema se encontra estruturado.

O sistema de informações da Síria é composto por um conjunto de ser-


viços civis e militares que actuam de forma compartimentada mas com
áreas de competências sobrepostas. Na verdade, o princípio da organização
do sistema é o da desconfiança e exprime um apertado controlo político
decorrente de tensões e lutas internas contínuas pela manutenção do poder.
Cada um dos serviços opera em segredo exclusivo, não permitindo que
qualquer um dos outros tenha acesso às suas informações, e verifica-se
inclusivamente o procedimento de chefias intermédias reportarem directa-
mente ao presidente sem as respectivas hierarquias terem conhecimento. O
presidente Bashar al-Assad herdou do seu pai este sistema e não o alterou,
pois gera uma dinâmica interna de lealdades divididas e de controlos recí-
procos, horizontais e verticais, inibindo conspirações contra o poder.

Existem quatro serviços principais. Desde logo o Idarat al-Amn al-


Siyasi, que é a polícia política que actua sobre a oposição, os dissidentes
e os meios de comunicação social. Outro é o Idarat al-Amn al-Amm, que
é o serviço de informações civis organizado em três divisões ou direcções:
a interna, que tem a seu cargo o controlo da população; a externa, que visa
todo o tipo de actividades relacionadas com os países-alvo estrangeiros; e
o célebre ramo autónomo da Palestina e Líbano, que agora se encontra no
centro das suspeitas do assassinato de Rafik Hariri e que tradicionalmente,
sob grande secretismo, cria, gere e financia grupos extremistas árabes.
Outro ainda o Shu bat al-Mukhabarat al-Askariyya, o poderoso serviço de

178 Publicado em 23 de Outubro de 2005.

277
informações militares liderado pelo cunhado do presidente que, para além
das suas funções naturais, também apoia logistica e militarmente grupos
extremistas palestinianos, libaneses e turcos. Mas é o Idarat al-Mukhabarat
al-Jawiyya, o designado serviço de informações da força aérea, compara-
tivamente mais pequeno, e que o mais secreto e activo do sistema. A sua
designação é por si só uma cobertura, uma vez que não corresponde ao seu
objectivo. Sediado no palácio presidencial, é, desde 1970, o centro das ope-
rações clandestinas internas e externas. O assassinato tem sido uma delas.

2.33. A Nova Estratégia de Informações Americana179

Na semana passada, foi publicamente anunciada pelo embaixador John


Negroponte, o Director of National Intelligence (DNI), uma grande trans-
formação do sistema de informações, na sequência do 11 de Setembro e
do falhanço relativo às armas de destruição em massa do Iraque. Num
documento de 20 páginas, a transformação é apresentada como uma nova
estratégia, com 15 objectivos, a ser desenvolvida em duas grandes linhas:
no quadro institucional e no âmbito da missão propriamente dita. A cada
objectivo (dez institucionais e cinco de missão) corresponde um ou mais
planos de desenvolvimento tutelados por entidades do sistema nomeadas
pelo DNI.

No quadro institucional, para contornar o fenómeno do “groupthink”


que politizou a avaliação da situação do Iraque, serão valorizadas as even-
tuais diferentes análises emitidas pelo sistema. Por outro lado, a investigação
tecnológica especializada em informações será reforçada para manter a
supremacia americana. Os métodos analíticos serão melhorados e integrar-
se-á plenamente a OSINT (open sources intelligence) nas actividades cor-
rentes dos serviços. Uma ênfase especial será posta no campo da chamada
“cultural intelligence”, até aqui subvalorizada, como forma de potenciar a
capacidade dos analistas face às diferenças culturais agregadas à globali-
zação em curso.

A grande novidade reside porém na mudança radical de uma das regras


de ouro dos serviços de informações que é a conhecida “necessidade de

179 Publicado em 30 de Outubro de 2005.

278
conhecimento” (need-to-know), isto é, o impedimento de alguém ter acesso
a informações que ultrapassem o campo restrito do seu departamento, fun-
ção e respectiva área de competências. Esta regra é agora substituída pela
“necessidade de partilhar” (need-to-share), que desde já dinamiza a coo-
peração interna do sistema através de uma intranet classificada, integrando
dados e informações dos diferentes serviços. Esta dinâmica reproduzir-se-
á na cooperação com serviços estrangeiros, de acordo com um plano que
determinará quais as novas relações que devem ser estabelecidas e quais
as existentes que devem ser reforçadas.

No âmbito da missão, o conceito operacional é o de que as informações


são a primeira linha de defesa dos Estados Unidos e de que a presente crise
abre uma oportunidade para espalhar a liberdade, os direitos humanos, o
crescimento económico, a estabilidade financeira e o direito. Muito sim-
plesmente, a nova estratégia interioriza o princípio da interferência externa
em Estados “fracos ou desonestos” que possam servir de santuário ou base
para o terrorismo transnacional. E vai ser elaborado um plano para equili-
brar a análise corrente da conjuntura com a prospectiva de longo prazo,
visando explicitamente “capitalizar oportunidades para actividades estraté-
gicas ofensivas”.

Se esta estratégia tiver sucesso, é pois muito provável que passe a existir
uma força internacional clandestina sem precedentes.

2.34. As Prisões Secretas da CIA180

Nas últimas duas semanas, o ambiente dos serviços de informações


americanos tem sido marcado por uma forte turbulência. Primeiro, com o
desenvolvimento do processo que levou à demissão do chefe de gabinete
do vice-presidente Dick Cheney, por suspeita de ter revelado à imprensa a
identidade de Valerie Plame, uma operacional do mais alto nível da CIA.
Agora, com uma reportagem do Washington Post sobre a existência de uma
rede internacional de prisões secretas, também da CIA, onde estão detidos
mais de cem suspeitos de pertencerem à al-Qaeda.

180 Publicado em 6 de Novembro de 2005.

279
Segundo fontes não identificadas da intelligence community, antes do
11 de Setembro existia a ideia de que se devia capturar Osama bin Laden
e os líderes da al-Qaeda para levá-los a julgamento nos Estados Unidos ou
talvez em países estrangeiros. Existia então uma lista dos chamados “alvos
valiosos”, que foi aumentada logo a seguir aos atentados. Em 17 de
Setembro, o presidente Bush assinou uma autorização especial para a CIA
desenvolver todas as actividades necessárias para desmantelar a al-Qaeda
em qualquer parte do mundo, incluindo a morte ou captura e detenção dos
seus membros. Esta foi a certidão de nascimento do sistema prisional clan-
destino. A amostra é Guantanamo Bay em Cuba, um dos vários “black
sites” – designação atribuída a essas prisões nos documentos classificados
americanos – alegadamente existentes no Afeganistão, na Tailândia e em
cinco países não identificados da Europa do Leste. O objectivo é o estabe-
lecimento de condições de detenção e de interrogatório que não estejam
condicionadas pelo direito, desde logo o americano, para optimizar a recolha
de informações. A tortura é apontada como uma técnica frequente, de
acordo com o manual da CIA intitulado “Enhanced Interrogation
Techniques”, que inclui expedientes como o chamado “waterboarding”,
contrário às convenções das Nações Unidas, em que se procede à simulação
de afogamento do prisioneiro.

Entre os detidos encontram-se cerca de trinta que são considerados


figuras de relevo na estrutura da al-Qaeda. Cada um está em completo iso-
lamento, no escuro em celas subterrâneas, e ninguém de fora está autorizado
a visitá-los. O prolongamento desta situação, que dura há já quatro anos,
está entretanto a criar mal-estar no seio da própria CIA, em especial entre
os que argumentam que o secretismo que envolve esta operação não é sus-
tentável. Disso parece com efeito ser prova, obviamente por fuga de infor-
mação, os detalhes que agora vieram a público.

Contudo, mesmo sob pressão da opinião pública, não é crível que


cesse a dinâmica em crescimento das operações clandestinas interna-
cionais. Atente-se na nova estratégia americana das informações e na
plataforma de cooperação muito secreta franco-americana da “Alliance
Base”, sediada em Paris desde 2002, mas só conhecida este ano, que
se destina precisamente a actuar clandestinamente contra terroristas,
efectivos ou suspeitos.

280
2.35. Operações Cobertas e Clandestinas da CIA181

Todos os serviços secretos possuem um departamento de operações a


partir do qual se desenvolvem actividades muito secretas como a espiona-
gem, a vigilância e a montagem de escutas, o recrutamento de personali-
dades e agentes rivais, e mesmo acções de forças especiais, como é o caso
das maiores potências mundiais. Mas existem dois tipos principais de ope-
rações: as cobertas e as clandestinas.

As operações cobertas são as que, em diferentes níveis de secretismo,


se desenrolam sob uma determinada “cobertura”, isto é, sob uma fachada
que não corresponde completa ou parcialmente à realidade, envolvendo
pessoas, grupos ou instituições. Pode ser o caso de uma agente como
Valerie Plame, que está neste momento no centro do escândalo e do pro-
cesso judicial que abala politicamente a Casa Branca. Valerie Plame era
uma NOC, ou seja, uma agente sob “non official cover” (a categoria mais
secreta dos agentes encobertos da CIA) que durante quase 20 agiu em
vários países, nomeadamente europeus, como funcionária de topo de uma
série de empresas de consultadoria. Os NOC nunca frequentam as instala-
ções da CIA e a sua condição e verdadeira identidade é somente conhecida
por um número muito restrito de pessoas.

Porém, pela sua natureza, as operações clandestinas são as que envol-


vem um maior grau de secretismo, concretamente porque são planeadas à
margem do direito internacional e do dos países-alvo, e, tradicionalmente,
podem servir para derrubar governos e levar a cabo raptos e assassinatos,
utilizando quer agentes quer forças especiais. A CIA tem uma força especial
própria, a SAD (Special Activities Division), cujas origens remontam à sua
fundação em 1947, com um número desconhecido de elementos mas que
serão na ordem das centenas, constituída por homens e mulheres que actuam
isolados ou em pequenas equipas com roupas civis.

No que respeita à luta anti-terrorista do momento, particularmente con-


tra a al-Qaeda, todo este dispositivo está plenamente activado, incluindo
nas restantes maiores potencias mundiais. Mas o sistema americano tem
vindo a ser reestruturado no sentido da optimização dos recursos, de que

181 Publicado em 2 de Dezembro de 2005.

281
os factos recentes mais significativos, com um mês de existência, foram a
designada Nova Estratégia de Informações e a criação, precisamente no
quadro da CIA mas com um papel coordenador, do National Clandestine
Service (NCS). Esta designação formal, contudo, coloca um problema polí-
tico de natureza jurídica, obviamente em termos de direito internacional, e
note-se na coincidência da actual polémica sobre as prisões e os voos secre-
tos da CIA.

Para todos os efeitos, desde 2002, está em curso uma operação euro-
americana com sede em França, designada Alliance Base, que tem actuado
clandestinamente contra a al-Qaeda, de acordo com informações muito
superficiais vindas a público este ano. É muito provável que países aliados
mais pequenos tenham sido envolvidos, pelo menos logisticamente.

2.36. Pentágono Espia Americanos182

Está viva mais uma polémica nos Estados Unidos relativamente à forma
como a administração Bush está utilizar o sistema de informações na desig-
nada guerra contra o terror. Desta vez trata-se de um pacote legislativo que
uma recente comissão presidencial pretende ver aprovado no sentido de
serem conferidas ao Pentágono amplas competências no domínio da segu-
rança interna: por um lado, a atribuição aos agentes da DIA (Defense
Intelligence Agency) da faculdade de entrevistarem de forma coberta (isto
é, sem se identificarem ou assumindo uma identidade falsa), cidadãos ame-
ricanos em território nacional; por outro lado, a expansão do CIFA
(Counterintelligence Field Activity), um serviço criado em Fevereiro de
2002, na sequência do 11 de Setembro, com a missão específica de avaliar
ameaças e proteger pessoal, instalações e actividades do Pentágono a nível
interno e externo.

Ora, é precisamente o CIFA que está agora no centro da polémica no


que respeita ao âmbito da sua missão e actividades no interior dos Estados
Unidos. O CIFA é abrangido pelo segredo de Estado, desconhecendo-se o
seu orçamento e o número total de funcionários. Oficialmente são cerca de
quatrocentos, mas fontes não identificadas da intelligence community esti-

182 Publicado em 11 de Dezembro de 2005.

282
mam que já atingirão o milhar, cinco ou seis vezez mais, por exemplo, que
o número de analistas do novo departamento de segurança interna (home-
land security).

O CIFA distribui neste momento relatórios para os restantes serviços


de informações, civis e militares, mas em particular para o Northern
Command (Northcom), também criado após o 11 de Setembro para res-
ponder às ameaças dos terroristas em solo americano, e que possui cerca
de trezentos analistas nos seus centros de informações no Colorado e no
Texas. Estes relatórios são conhecidos pela sigla TALON, que significa
“threat and local observation notice”, e consistem em informação em bruto
sobre factos como anomalias de comportamentos por parte de cidadãos
americanos. Trata-se do desenvolvimento de um programa iniciado pela
Força Aérea, sob a designação “olhos de águia”, destinado a envolver os
próprios cidadãos como informadores na guerra contra o terror, em cola-
boração com os militares.

Na prática é estimulada a vigilância e a denúncia de uns cidadãos sobre


outros, a partir das bases e instalações das forças armadas, dos familiares
dos militares, dos vizinhos, dos fornecedores e das comunidades locais. O
presumível suspeito pode ser alguém a tirar fotografias, a tomar notas, a
fazer desenhos ou a usar binóculos nas proximidades das áreas militares,
ou a tentar obter passes, cartões de identificação e uniformes militares.

É concretamente este tipo de actividade, ambígua, que a referida comis-


são presidencial pretende agora ver expandida no sentido de o CIFA poder
levar a cabo investigação criminal e operações cobertas e eventualmente
clandestinas contra potenciais ameaças no interior dos Estados Unidos.

2.37. O Novo Chefe da Espionagem Alemã183

Dois dias após a tomada de posse, a chanceler Angela Merkel mudou


as chefias dos serviços secretos, mas somente no sentido de transferir fun-
ções e reposicionar os protagonistas no interior do próprio sistema, com o
objectivo declarado de lhe conferir ainda maior eficiência. O sinal foi claro:

183 Publicado em 25 de Dezembro de 2005.

283
o sistema não deve ser politizado, sob pena de se quebrar a sua eficácia e
consequentemente vulnerabilizar o interesse e a segurança nacionais.

Neste contexto, é relevante o facto de Ernest Uhrlau, que até aqui ocu-
pava o cargo de coordenador do sistema – exercido a partir do designado
Departamento VI da chancelaria que supervisiona e garante a cooperação
entre os três serviços existentes (interno, externo e militar) -, ter passado
para director do BND, o serviço de informações externas. Ao contrário do
que possa parecer, não se tratou de uma despromoção. Ernest Uhrlau vai
gerir 6000 funcionários e um orçamento de 400 milhões de euros daquele
que, por exemplo no âmbito da NATO, é considerado um dos mais pode-
rosos e eficientes serviços.

Ernest Uhrlau tem 59 anos, formou-se na escola superior da polícia de


Hamburgo com uma especialização em ciência política e é um funcionário
público que preza a discrição. Foi adjunto e posteriormente director do
departamento daquela cidade do BfV, o serviço de segurança interna. Após
a queda do muro de Berlim, colaborou no estabelecimento do BfV na ex-
república democrática alemã e, em 1996, foi nomeado chefe da polícia de
Hamburgo. Social-democrata, foi nomeado em 1998, depois da vitória do
SPD, para o referido cargo de coordenador do sistema de informações.

Foi neste lugar que solidificou a sua reputação tanto a nível nacional
como internacional. Começou por recusar o estatuto de secretário de estado
que lhe cabia e conseguiu credibilizar o cargo que levava a imprensa a retra-
tar jocosamente o seu antecessor como “agente 008”. Mas, sobretudo, tor-
nou-se um especialista nas áreas do crime organizado e do terrorismo inter-
nacional, e adquiriu fama de extraordinário diplomata quando, no ano
passado, foi o principal protagonista da “operação céu azul e branco”.
Assim designada pelo BND, esta traduziu-se na intermediação da troca,
entre Israel e o Hezbollah, de cerca de quatrocentos prisioneiros palesti-
nianos e libaneses por um prisioneiro e três corpos de soldados israelitas.
No final do mês passado, foi também o responsável pela troca da arqueóloga
alemã raptada no Iraque por um elemento do Hezbollah detido na
Alemanha.

Com esta nomeação, segundo fontes próximas dos serviços de infor-


mações israelitas, a chanceler alemã pretende optimizar o papel da

284
Alemanha no Médio Oriente através da complexa teia de ligações que
Ernest Uhrlau estabeleceu com os principais responsáveis dos serviços
secretos do Irão, com os actores-chave do regime da Síria, com os chefes
do Hezbollah e com operacionais dos grupos radicais islâmicos próximos
da al-Qaeda.

2.38. Jogos de Espiões184

O período da guerra fria foi um tempo de intensa actividade de espio-


nagem entre os países democráticos e os países ditos comunistas. Após a
implosão soviética e a queda do muro de Berlim, chegaram a emergir opi-
niões, sobretudo nos círculos políticos, de que os serviços de informações
externas ficavam esvaziados de missão, sendo suficiente a actividade diplo-
mática no domínio das relações internacionais. O caso porventura mais
extremo ocorreu na Holanda, com a extinção dos serviços externos em
meados dos anos 90. A situação foi corrigida pouco depois, quando os polí-
ticos holandeses, ainda antes do grande impacto do terrorismo transnacio-
nal, se deram conta que tinham um forte défice de informação nas reuniões
que mantinham com os seus congéneres europeus.

De facto, a principal consequência da implosão soviética nesta área


foi a mudança registada no sistema de informações da Rússia, com o
KGB a ser desmembrado em FSB (informações internas) e SVR (infor-
mações externas), e o estabelecimento de uma política de cooperação
com os velhos inimigos, nomeadamente com a CIA e o MI6 no que
respeita à componente externa. Como é regra na diplomacia secreta
entre serviços de informações, passaram a ocorrer reuniões periódicas
entre analistas, troca permanente de relatórios de informações e, muito
importante, como mecanismo essencial do sistema de cooperação, a
credenciação de representantes dos serviços, devidamente identificados,
nas respectivas capitais.

Neste espírito de cooperação passou a ser suposto que deixara de haver


nas embaixadas espiões sob a cobertura de diplomatas. A verdade é que
isso não aconteceu, tendo-se somente atenuado o potencial de conflitos. O

184 Publicado em 26 de Fevereiro de 2006.

285
episódio recente dos espiões do MI6 que utilizavam pedras falsas num par-
que de Moscovo, para se corresponderem com informadores russos, mostra
não só essa realidade mas também que o jogo passou para um nível de con-
flitualidade diferente do que acontecia há já cerca de 15 anos.

Significativamente, o director do FSB, Nikolai Patrushev, concedeu na


semana passada uma longa entrevista, na véspera das comemorações do
Dia dos Defensores da Pátria (antigo dia das forças armadas soviéticas),
concentrada em grande medida no caso MI6. Desde logo, face aos porme-
nores e ao facto inédito de serem revelados, é possível ver que a confiança
da diplomacia secreta entre os respectivos serviços foi fortemente abalada.
Nikolai Patrushev afirma que as operações de espionagem no território
russo se tornaram “atrevidas” e sem precendentes, pois têm como alvo a
capacidade militar, em particular o desenvolvimento de novas armas e os
planos de reorganização das forças armadas.

Remetendo as regras do jogo para uma fronteira indefinida entre a coo-


peração e o conflito, o director do FSB revelou que a Rússia decidiu não
expulsar os espiões britânicos. Contudo, revelou os nomes dos agentes do
MI6 envolvidos e explicou que o seu espaço de manobra ficava assim com-
prometido.

2.39. A Ameaça da Espionagem Económica185

Na semana passada, um reputado jornal diário noticiou que o Serviço


de Informações de Segurança (SIS) emitiu um alerta sobre a vulnerabilidade
das empresas portuguesas em relação a actividades crescentes de espiona-
gem económica, pressupostamente vindas do estrangeiro. Na verdade, esse
alerta consta na página do SIS na internet, mas importa esclarecer que não
se trata de uma acção emergente mas sim de uma peça de informação
pública, característica das novas tendências internacionais de abertura
democrática e transparência dos serviços de informações relativamente aos
cidadãos. Neste aspecto, o contéudo da página do SIS aproxima-se da do
MI5 britânico, o qual foi precisamente pioneiro na política de transparência
desta área sensível do Estado.

185 Publicado em 6 de Abril de 2006.

286
Mas, de facto, é importante que as empresas desenvolvam uma cultura
de segurança e estejam atentas à possibilidade de serem alvo de recolha de
informações que poderão vir a prejudicar o seu desempenho. Todavia, é
necessário não perder a noção da realidade relativamente ao grau da ameaça
e respectiva definição.

Em primeiro lugar, tendo principalmente em vista as empresas, devemos


precisar os conceitos. A espionagem económica é uma actividade ilegal de
recolha de informações sobre aspectos da vida das empresas que estas con-
sideram confidenciais e que, por isso, estão ou devem estar classificadas.
Pelo contrário, conforme as particularidades que possam ser atribuídas às
suas respectivas definições, a chamada competitive intelligence ou a inte-
ligência económica ou, como julgo ser mais adequado, as informações
estratégicas (aplicadas à tomada de decisão), correspondem a uma activi-
dade legal de produção de informações, que se encontram disponíveis em
fontes abertas e públicas, na prossecução da avaliação da conjuntura, da
redução do risco, da capacidade prospectiva e consequente vantagem com-
petitiva.

Obviamente que esta actividade não pode resvalar em caso algum, atra-
vés das extraordinárias possibilidades oferecidas pela tecnologia, para a
violação daquilo que podemos chamar “segredo do negócio”, pois aí entrará
no domínio ilegal da espionagem económica. E há casos desses registados,
como o da Kroll, a maior empresa de competitive intelligence do mundo,
que há dois anos viu um dos seus funcionários envolvido num escândalo
de espionagem entre a Telecom Itália e a Brasil Telecom. No entanto, isto
não invalida o facto de que a metodologia legal da OSINT (open source
intelligence) possui a capacidade de gerar quadros analíticos de elevada
eficácia.

Em segundo lugar, no que respeita a Portugal, devemos perceber


qual é o nosso interesse para os estrangeiros. Não produzimos alta tec-
nologia nem possuímos uma economia relevante em termos internacio-
nais. Pode ser o ambiente de negócios para empresas que aqui queiram
instalar-se ou então um agressivo take over. Mas, indubitavelmente, o
nosso posicionamento no Brasil e sobretudo na África Lusófona congrega
atenções. Por exemplo, no domínio da diplomacia secreta dos serviços
de informações a mais-valia de Portugal é África e não qualquer outra

287
região, como é evidente, com a qual não possuímos qualquer ligação
tradicional ou capacidade operacional. Com efeito, em Portugal circulam
muitas notícias e informações sobre Angola ou Moçambique, em deter-
minados círculos, com um nível de credibilidade superior ao de qualquer
outro país. Por isso, uma das missões dos representantes dos serviços
estrangeiros é conseguirem aceder a essas informações. Cabe ao SIS
realizar a contra-espionagem.

Em terceiro lugar, devemos tomar consciência de que a tecnologia


actual permite a existência de um sistema de intercepção de emails, faxes
e telefonemas como o do Echellon, que, não obstante os inquéritos, continua
envolto por um véu de secretismo que impede que se saiba se efectivamente
está a servir objectivos de espionagem económica. Esta, a acontecer, bene-
ficia o sistema de cooperação internacional na área das informações que
lhe dá corpo: o CAZAB, que é a ligação privilegiada dos serviços secretos
ingleses e americanos desde a 2.ª Guerra Mundial, tendo como associados
o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia.

Contudo, a promiscuidade entre serviços secretos e empresas é tenden-


cialmente lesiva para estas. Favorecimentos, intrigas e descrédito no mer-
cado são as consequências inevitáveis.

2.40. A Espionagem Económica dos Estados186

A espionagem económica é uma das actividades mais secretas dos ser-


viços de informações dos Estados. Vivemos num mundo em processo de
globalização, no qual, por um lado, são afirmados os valores da economia
de mercado e do liberalismo, mas, por outro, são desenvolvidos esquemas
ambíguos de proteccionismo nacional e regional e mecanismos “clandes-
tinos”, como se diz na gíria dos serviços secretos, que visam normalmente
a aquisição de vantagens competitivas através da obtenção ilegal de infor-
mações. Na classificação geral das informações – reservado, confidencial,
secreto e muito secreto -, a espionagem económica dos Estados situa-se,
pois, na área do “muito secreto”.

186 Publicado em 5 de Outubro de 2006.

288
Esta é, com efeito, uma área de acesso muito reduzido e restrito, caso
a caso, dentro dos serviços de informações. As operações requerem a assi-
natura de uma “declaração de segredo”, nas maiores e mais eficientes orga-
nizações, por parte dos “conhecedores”, independentemente da sua posição
hierárquica, com vista a impedir (ou responsabilizar, se fôr caso disso) as
fugas de informação. Aliás, frequentemente, a verdadeira identidade do
espião é conhecida apenas por um agente de ligação.

Não é portanto um campo que envolva relações entre serviços secretos


e empresas, isto é, entre organizações públicas e privadas, mas sim entre
indivíduos, e só envolve de facto empresas ou, por exemplo, organizações
não governamentais, quando estas são de “fachada” e servem de cobertura
em determinadas operações. As ligações institucionais entre serviços secre-
tos e empresas reais ficam assim reduzidas a situações defensivas, isto é,
casos de ciber-terrorismo, segurança informática e criminalidade organi-
zada, em que é de toda a conveniência existir cooperação.

Porém, ocorre neste contexto uma “nuance” que permite, na área do


“muito secreto”, através de indivíduos, a ligação empresas-serviços de
informações: são os chamados “correspondentes honorários”, homens ou
mulheres, em regra empresários ou gestores de topo, cuja motivação mistura
geralmente interesses privados e patriotismo, colaborando de forma volun-
tária e, raramente, por intimidação. Os maiores e mais eficientes serviços
secretos possuem departamentos especializados para o efeito.

Contudo, a maior actividade neste domínio, está a cargo dos agentes


dos serviços secretos, mais fiáveis, cuja existência conseguimos vislumbrar
em momentos excepcionais, como são os escândalos de natureza política
e económica. Foi este o caso, por exemplo, recentemente vindo a público,
da americana Valerie Plame, mulher do embaixador Joseph Wilson, que
levou à demissão do principal conselheiro do presidente George Bush e
que se encontra ainda em processo judicial. Ficou a saber-se que Valerie
Plame, na casa dos 40 anos, era uma agente NOC (non official cover) da
CIA, os mais secretos de todos, que nem as instalações da organização fre-
quentam. Durante cerca de quinze anos, até à invasão do Iraque, Valerie
Plame “passeou” na Europa como gestora de topo em várias empresas.
Filha de um militar, Valerie Plame tinha entrado para a CIA com pouco
mais de 20 anos, após os estudos universitários.

289
Outro caso, também recente, vindo a público por causa de uma nomea-
ção política, é o de Alain Juillet, que ocupa agora o recém criado cargo de
Alto Responsável pela Inteligência Económica no Secretariado Geral da
Defesa Nacional, orgão que se encontra sob a tutela directa do primeiro-
ministro da França. Alain Juillet, de 60 anos, ex-páraquedista, diplomado
em negócios por Harvard, com uma longa carreira de gestor, que incluiu a
direcção geral da Marks & Spencer em França, foi nomeado, para surpresa
de todos, antes de transitar para a actual posição, director da DGSE, os ser-
viços de informações externos franceses.

Conclusão: a espionagem e a contra-espionagem económica dos


Estados não se anunciam nem são matéria para amadores.

2.41. Os Suspeitos do Caso Litvinenko187

São já vislumbráveis alguns aspectos do mistério em tôrno do recente


envenamento radioactivo, em Londres, do ex-espião russo Alexander
Litvinenko, de 41 anos. A investigação está a ser conduzida pela direcção
de anti-terrorismo SO15 da Scotland Yard, sob a supervisão do prestigiado
comissário Peter Clarke. Note-se que ao tratar este caso como um acto de
terrorismo, a investigação aproveita desde logo a rede de intensa cooperação
internacional neste domínio, por causa do extremismo islâmico, poten-
ciando deste modo o seu sucesso.

Neste momento, os principais suspeitos são Dmitry Kovtun e Andrei


Lugovoy, que estiveram no bar do Hotel Millenium com Litvinenko no dia
em que este adoeceu. Ambos são dados também como contaminados e
internados em tratamento numa clínica de Moscovo, mas as informações
têm sido ambíguas quanto à gravidade dos seus respectivos estados de
saúde. Kovtun já foi interrogado no final da semana passada pela equipa
da Scotland Yard que se deslocou a Moscovo, enquanto Lugovoy adiou qua-
tro vezes o encontro com esses investigadores.

Os resultados da investigação são por enquanto inconclusivos, mas os


passos de ambos os homens deixaram um rasto de partículas de Polonium

187 Publicado em 10 de Dezembro de 2006.

290
210 (a substância radioactiva que envenenou Litvinenko) em Londres, em
Moscovo e em Hamburgo, na Alemanha, local onde acabaram de ser detec-
tados vestígios na casa da ex-mulher de Dmitry Kovtun, adensando ainda
mais o mistério. A Scotland Yard já conseguiu também identificar vestígios
da substância noutros locais em Londres onde Kovtun e Lugovoy estiveram
dias antes de se encontrarem com Litvinenko: no Parkes Hotel, no Sheraton
e em dois escritórios de empresas de segurança cujos nomes não foram
revelados.

Dmitry Kovtun e Andrei Lugovoy, de 40 anos, são amigos de infância,


filhos de oficiais do exército soviético que viviam no mesmo bloco de apar-
tamentos, em Moscovo, e estudaram juntos no instituto da elite militar. O
primeiro seguiu a carreira das armas e o segundo foi recrutado pelo KGB,
onde prestou serviço no departamento de segurança de altas individualidades,
tendo ambos passado à vida civil nos anos 90 como homens de negócios.

O precurso de Kovtun, até este caso, não merece qualquer referência


especial, ao contrário de Lugovoy. Este foi responsável, por exemplo, pela
segurança de Boris Berezovsky, então secretário-adjunto do Conselho de
Segurança da Rússia, posteriormente homem de negócios que, com Putin
no poder, teve de se exilar no Reino Unido. Era Berezovsky quem, preci-
samente, sustentava agora Alexander Litvinenko.

Lugovoy esteve preso cerca de um ano, na sequência do exílio de


Berezovsky, mas os amigos de Litvinenko afirmam que este o considerava
um agente coberto do FSB (ex-KGB) junto dos oligarcas russos exilados
no ocidente. Tudo indica pois que é nesta teia de relações, típica dos melho-
res enredos de espionagem, que se encontra o motivo, ainda obscuro, do
envenenamento de Litvinenko.

2.42. Novos Factos do Caso Litvinenko188

Regressou a Inglaterra a equipa de nove elementos da Scotland Yard


que se deslocou a Moscovo para investigar a morte do ex-espião russo
Alexander Litvinenko, em Londres, no mês passado, por envenenamento

188 Publicado em 24 de Dezembro de 2006.

291
com a substância radioactiva Polónio 210. Os resultados da diligência não
foram porém revelados. A viúva do ex-espião, Marina Litvinenko, que vive
em Londres, já veio a público agradecer o esforço da Scotland Yard e
acusou as autoridades russas de terem tentado esconder num hospital os
principais suspeitos, Dmitri Kovtun e Andrey Lugovoy, sob o pretexto de
estarem contaminados. Recorde-se que, antes de morrer, o ex-espião acusou
o presidente Putin de estar por detrás do seu envenenamento.

Na verdade, Kovtun e Lugovoy, amigos de infância, um ex-oficial do


exército e um ex-agente do KGB, foram interrogados pela Scotland Yard,
através dos procuradores russos presentes nas sessões. Contudo, a imprensa
londrina, referindo fontes dos serviços secretos britânicos, noticiou que
esses procuradores recusaram fazer uma série de perguntas aos suspeitos
requeridas pelos investigadores.

Ao mesmo tempo, as autoridades russas desmentem categoricamente


qualquer papel no caso Litvinenko. O director do SVR (ex-KGB externo),
Sergey Lebedev, afirma que as suspeitas de que os serviços secretos russos
estão envolvidos são “completos disparates” e lança a acusação de que o
assassinato de Litvinenko teve como objectivo “encenar um acto de pro-
vocação política contra a Rússia”. Veladamente, insinua que os serviços
secretos ingleses e americanos poderão ter algo a ver com o caso.

Por outro lado, um antigo agente do FSB (ex-KGB interno), Mikhail


Trepashkin, de 50 anos, que se encontra preso em Moscovo sob a acusação
de divulgar segredos de Estado, conseguiu passar para o exterior a infor-
mação de que está disponível para ser interrogado pela Scotland Yard. As
autoridades russas já negaram, todavia, essa possibilidade. Trepashkin
afirma que detém informações passíveis de conduzirem à identificação do
assassino, adiantando que existe um coronel do FSB, ex-amigo de
Litvineko, que é uma peça-chave em todo este processo. Trespashkin receia
agora, como fez saber pela voz do seu advogado, ser agredido ou mesmo
morto na prisão.

Parece assim que, de dia para dia, todo este verdadeiro enredo de espio-
nagem se torna mais denso. Novas personagens têm entrado em cena, como
a jornalista Elena Tregubova, que veio revelar conversas que manteve com
Putin quando este, como director do FSB, dimitiu Litvinenko em 1998. Ou

292
como uma jovem e misteriosa russa a viver em Londres, alegadamente estu-
dante, chamada Yulia Svetlichnaya, que aparece a acusar Litvinenko de
extorquir dinheiro a políticos e homens de negócios russos. Ou ainda como
Oleg Gordievsky, ex-representante do KGB em Londres, aí actualmente
exilado, que reclama saber quem foi o assassino e alega que os serviços
britânicos também sabem.

2.43. As Guerras Secretas Anglo-Russas189

O recente caso do envenamento do ex-espião Alexander Litvinenko é


mais um de uma sucessão de outros casos de espionagem que têm ocorrido,
desde os anos 90, após Vladimir Putin e o seu grupo terem conquistado o
poder na Rússia. Na verdade, estes entroncam directamente nos do período
da guerra fria, com um pequeno interregno de alguns anos durante a fase
da Perestroika e da queda do muro de Berlim, correspondendo ao ressur-
gimento da Rússia no cenário das relações de poder a nível internacional.

Em grande parte, esses casos envolvem os serviços secretos britâ-


nicos, que os russos vêem como os mais eficientes de todos os serviços
ocidentais e, portanto, como a principal ameaça neste domínio. Nos
últimos doze anos têm por isso ocorrido vários confrontos entre russos
e britânicos (que têm aliás dado origem a uma literatura de memórias,
em especial de protagonistas russos, quase desconhecida em Portugal),
dos quais alguns merecem ser recordados para se compreender o ambiente
de rivalidade existente. O balanço, até ao momento, tem sido francamente
positivo para os britânicos.

Em 1994, foi expulso, de Moscovo, John Scarlett, que viria mais tarde
a dirigir o MI6 e que foi o responsável pela deserção de Vasili Mitrokhin,
o arquivista do KGB que entregou aos britânicos cópias de centenas de
dossiês secretos. Para acentuar a retaliação, os russos revelaram então o
caso à imprensa durante a sua viagem de regresso a Londres, e a sua iden-
tidade secreta tornou-se pública com uma fotografia que lhe foi tirada no
aeroporto de Heathrow.

189 Publicado em 31 de Dezembro de 2006.

293
Em 1996, o FSB (ex-KGB) detectou o diplomata Platon Obukhov a
operar como toupeira do MI6 e, em consequência, houve oito expulsões
de diplomatas acusados de espionagem, repartidas equitativamente entre
Moscovo e Londres. Condenado a 11 anos de prisão, Obukhov, cujo nome
de código era “Masterwork”, era filho do diplomata Alexei Obukhov, ex-
secretário de estado dos negócios estrangeiros da União Soviética e então
um dos principais negociadores do controlo de armamento nuclear.

Em 2000, foi detido mais um cidadão russo, cuja identidade permanece


até agora desconhecida. Sabe-se apenas que era funcionário do FSB ou do
SVR, os serviços interno e externo directamente herdeiros do KGB. Os
russos acusaram então Pablo Miller, primeiro secretário da embaixada bri-
tânica na Estónia, de ser um agente do MI6 e de ter recrutado aquele cida-
dão, com o objectivo de obter informações sobre o processo eleitoral russo.

Em 2004, foi a vez do perito russo em armamento, Igor Sutyagin, ser


condenado por traição, por passar informações militares classificadas para
uma companhia britânica que servia de cobertura para uma operação con-
junta do MI6 e da CIA. E, finalmente, antes do caso Litvinenko, no início
de 2006 o FSB deu uma grande exposição mediática à detecção de uma
operação do MI6 em Moscovo. Os britânicos utilizavam rochas falsas num
parque público para trocarem informações com os seus agentes russos.

2.44. O Novo Czar da Espionagem Americana190

Na semana passada, o presidente Bush nomeou o embaixador John


Negroponte, Director Nacional das Informações (DNI), para o lugar de
adjunto de Condolezza Rice, no contexto da nova estratégia para o Iraque.
Para o substituir no lugar, Bush nomeou o vice-almirante J. Michael
McConnell, que trabalha desde há dez anos no sector privado, precisamente
no campo da consultoria em informações militares.

As opiniões dividem-se nos círculos políticos e meios jornalísticos e


mediáticos. De um lado estão aqueles que entendem que estas alterações
atrasarão a reforma em curso do sistema nacional de informações, a desig-

190 Publicado em 7 de Janeiro de 2007.

294
nada “intelligence community”, composta por 16 serviços, e afectarão o
nível de eficiência que se pretende atingir após as falhas do 11 de Setembro
e do Iraque; para estes, não há tempo a perder quando várias parte do
mundo podem implodir a qualquer momento. Do outro lado estão os que,
pelo contrário, consideram que isto vai melhorar significativamente a pro-
dução de informações dos Estados Unidos e a sua utilidade para a tomada
de decisão política.

À partida, o almirante McConnell está melhor preparado para desem-


penhar esta função que o embaixador Negroponte, o qual, ao longo de ano
e meio como DNI, foi várias vezes criticado pela sua visão excessivamente
diplomática e burocrática da actividade das informações. Com efeito, o
novo chefe “czar” da espionagem americana desenvolveu uma carreira de
25 anos no Pentágono como oficial de informações, tendo alcançado as
posições de mais alta responsabilidade. Foi o principal assessor neste domí-
nio do General Colin Powell durante a primeira invasão do Iraque e, depois,
chefiou a National Security Agency (NSA) entre 1992 e 1996, passando a
seguir à vida civil.

Foi, até agora, vice-presidente da Booz Allen, reputada empresa de con-


sultoria da Virgínia, fundada em 1914, especializada em estratégia, tecno-
logia e informações, com 18 mil funcionários, uma facturação de mais de
3 mil milhões de euros por ano e contratos com o Pentágono e o
Departamento de Estado. Aí, era responsável, precisamente, pelas informa-
ções militares e redes informáticas seguras, tendo sido incluído pela revista
Consulting Magazine na lista dos 25 consultores mais influentes dos
Estados Unidos. Agora será o “primary briefer”, o homem a quem caberá
informar e aconselhar pessoalmente o presidente Bush, todos os dias, em
tudo o que diga respeito às informações.

Mas com esta nomeação o presidente completa o desenho de um padrão


singular no governo dos Estados Unidos. Neste momento as posições-chave
da política externa são ocupadas por homens das informações, com predo-
minância dos militares. Note-se que, para além de MacConnell e
Negroponte, e do director da CIA, general Michael Hayden, o actual chefe
do Pentágono, Robert Gates, é também ex-director da CIA e tem como
adjunto o general James Clapper, ex-director da National Geospatial-
Intelligence Agency.

295
2.45. A Cruzada do Senador Rockfeller191

O senador democrata John Davison Rockefeller IV, de 70 anos, mais


conhecido por Jay Rockefeller, assumiu, no princípio de Janeiro, a presi-
dência da selecta e influente Comissão de Informações do Senado. E, desde
que tomou posse, tem sido um dos maiores críticos, nos Estados Unidos,
da política externa do presidente Bush em relação ao Iraque e ao Irão.

Das suas críticas ressalta a acusação, na semana passada, de que a Casa


Branca, e particularmente o vice-presidente Dick Cheney, exerceram uma
pressão constante sobre o seu antecessor na presidência daquela Comissão
para que atrasasse o inquérito à utilização de informações não credíveis, pela
administração Bush, para justificar a ocupação do Iraque. Este inquérito, rea-
nimado agora por Jay Rockefeller, visa, entre outros aspectos, comparar o que
o presidente Bush e os seus principais colaboradores afirmaram publicamente
sobre as armas de destruição massiva do Iraque, e respectivas ligações à Al-
-Qaeda, com os relatórios classificados como secretos sobre o caso.

Esta controvérsia não se resume contudo a uma mera luta político-par-


tidária, como à primeira vista poderá parecer, correspondendo antes em
larga medida a uma nova disputa instalada no sistema de informações ame-
ricano – a chamada intelligence community – sobre as ameaças que se colo-
cam actualmente aos Estados Unidos. No caso do Iraque, a nova estratégia
do presidente Bush aliviará ou agudizará a ameaça? No caso do Irão, será
que as informações existentes não estarão a sobrevalorizar a ameaça?

O senador Rockefeller já emitiu sem rodeios a sua opinião há poucos


dias atrás, comparando o actual discurso do presidente Bush sobre o Irão
com o que foi produzido antes da invasão do Iraque em 2003. E ao emitir
esta opinião, uma vez que tem acesso aos relatórios secretos da intelligence
community, Jay Rockefeller está, desde logo, nitidamente a passar a men-
sagem de que ainda não foram produzidas informações credíveis sobre o
grau da ameaça do Irão aos Estados Unidos que justifiquem uma interven-
ção armada. Ao mesmo tempo, passa também a mensagem de que o pre-
sidente Bush está mais uma vez a seguir o padrão de comportamento que
levou à insustentável situação no Iraque.

191 Publicado em 28 de Janeiro de 2007.

296
Mas esta autêntica cruzada do Senador Rockefeller pela moderação da
política externa americana tem um peso acrescido em Washington para
além da sua condição de presidente da Comissão de Informações. Jay
Rockefeller é um membro proeminente daquela que é uma das mais influen-
tes famílias dos Estados Unidos, tanto no domínio financeiro como no polí-
tico. O mais poderoso “think tank” privado da política externa americana,
o Council on Foreign Relations, está intimamente ligado ao patrocínio da
sua família, sendo presidente honorário o seu tio David Rockefeller.

Jay Rockefeller irá agora ouvir em audiências fechadas os serviços de


informações, inclusivé sobre as detenções, interrogatórios e “entregas
extraordinárias” da CIA.

2.46. Caça às Bruxas na Europa do Leste192

Está em curso um movimento generalizado, nos países do leste europeu, de


penalização dos cidadãos que, durante a fase comunista, pertenceram ou cola-
boraram com os serviços secretos. O principal objectivo é afastar das adminis-
trações públicas todos aqueles cujo nome consta nos arquivos desses serviços, e
a turbulência política está instalada. Há suicídios suspeitos, acusados a declara-
rem-se culpados e a justificarem-se, e outros a reclamarem inocência.

Entre estes últimos está Alpo Rusi, embaixador itinerante da Finlândia


para os Balcãs, que acabou de processar o Estado e exige a desclassificação
das listas dos informadores do ex-KGB. Na Bulgária, acabou de ser cons-
tituída uma comissão parlamentar para os ficheiros secretos da ex-polícia
política, lutando agora os vários partidos pelo lugar de presidente da mesma.
Isto na sequência do suicídio no passado mês de Novembro, ainda por
esclarecer, do director dos arquivos dos serviços de informações, Bozhidar
Doychev, de 61 anos.

Mas, na Geórgia, a maioria parlamentar travou a criação de uma lei que


obrigaria políticos e funcionários a declararem as antigas ligações com o
KGB e o Partido Comunista. Do mesmo modo, a Sérvia não está a ceder
às pressões da União Europeia para reformar os seus serviços de informa-

192 Publicado em 25 de Fevereiro de 2007.

297
ções, sobreviventes do antigo regime. Estes são considerados responsáveis
pelo facto de Ratko Mladic, acusado pelo massacre de sete mil muçulmanos
bósnios em 1995, ainda não ter sido capturado.

No entanto, o movimento está em franca progressão na República Checa,


onde, por exemplo, o ex-primeiro-ministro Josef Tosovsky reconheceu ter
mantido relações com o StB, a polícia secreta comunista. Já foi criado e legis-
lado o projecto “Passado Aberto”, o qual tem como objectivo desclassificar e
catalogar os antigos arquivos e disponibilizá-los “on-line”. A tarefa afigura-se
porém difícil, uma vez que até ao momento só 4% dos ficheiros é que foram
organizados e digitalizados. O ministério do interior estima que levará 10
anos a tratar dos 850 mil nomes que os dossiês contêm.

A Polónia é, todavia, o país onde a “caça às bruxas” está a ser mais


intensa e controversa. O caso mais recente e notório é o do arcebispo
Stanislau Wielgus, que se demitiu sob a acusação de ter ligações com os
serviços secretos comunistas. Os gémeos Kaczynski, que governam o país
como presidente e primeiro-ministro, têm vindo a seguir uma política vigo-
rosa de perseguição a todos quantos tiveram esse tipo de ligações, tendo já
sido demitidos vários gestores de empresas estatais. Nos últimos dias foram
divulgados dois relatórios governamentais: um sobre os serviços de infor-
mações militares, com nomes de agentes, que ficaram assim sem cobertura;
e outro com uma lista de 90 nomes de oficiais militares que foram treinados
na ex-União Soviética, quarenta dos quais estão ainda no activo, como adi-
dos nas embaixadas, pressionando isto o fim das suas carreiras.

2.47. Tensões Russo-Americanas193

Na quinta-feira passada, nos subúrbios de Washington, um cidadão


americano de 53 anos, Paul Joyal, foi gravemente ferido a tiro por dois
indivíduos à porta de sua casa, tendo sido hospitalizado em estado crítico.
Este facto poderia ser somente mais um caso de roubo, tão frequente
naquela metrópole, se não se desse a circunstância de a vítima ser um
conhecido especialista e consultor em assuntos russos. Poucos dias antes,
em entrevista à NBC, Paul Joyal afirmara que Litvinenko, o ex-agente do

193 Publicado em 4 de Março de 2007.

298
KGB recentemente envenenado em Londres, que conhecia pessoalmente,
teria sido assassinado a mando do governo russo. Em sua opinião, tratara-
se de uma mensagem enviada aos críticos de Putin de que serão calados,
não importa quem sejam e onde estejam.

Não obstante a polícia ponderar a hipótese do roubo, o FBI já está a


investigar o caso. Este, além do mais, ocorre no preciso momento em que
as relações entre os Estados Unidos e a Rússia atingiram um nível de tensão
histórico na era pós-soviética, talvez pior que o alcançado durante o bom-
bardeamento da Sérvia em 1999. Com efeito, na terça-feira passada, o
general McConnell, o recém empossado director nacional das informações,
ele próprio um especialista em assuntos russos, discursando perante a
comissão das forças armadas do Senado, afirmou que a Rússia tinha dado
um passo atrás no caminho para a democracia. E afirmou também que o
presidente Putin está já a manipular o processo eleitoral das presidenciais
do próximo ano no sentido de o seu candidato ganhar.

Este ambiente de tensões russo-americanas tem vindo a agravar-se desde


há algum tempo. Entre os incidentes, do ano passado para cá, envolvendo
também o Reino Unido, destacam-se os seguintes: as rochas falsas num par-
que de Moscovo, alegadamente preparadas pelo MI6 como caixas de correio
para recepção de documentos classificados russos; a utilização da energia
pelos russos, nomeadamente do gás, como instrumento de pressão política
nas relações externas, em especial nos países da Europa do Leste; a persegui-
ção actual nestes países, alguns dos quais já são membros da NATO, aos ex-
comunistas e ex-agentes dos serviços secretos da era soviética; o caso
Litvinenko; a recente confrontação de discursos na conferência de segurança
de Munique; o apoio da Rússia ao programa nuclear do Irão; e os anunciados
planos americanos de colocação de radares e interceptores anti-mísseis na
Polónia e República Checa.

Tudo isto aponta para um quadro de ressurgimento da guerra fria, embora,


para já, sem a componente bélica imediata de confrontação do passado.
Contudo, os chefes militares russos estão descontentes com a situação. De há
dois meses para cá, na sequência de uma conferência sobre o tema na Academia
Russa das Ciências Militares, o General Yuri Baluyevsky, chefe do estado-
maior general das forças armadas, tem vindo a pressionar o Kremlin a adoptar
uma nova doutrina militar que defina as ameaças vindas do Ocidente.

299
2.48. A Espia de quem se Fala194

Valerie Plame é a espia da CIA cuja identidade foi publicamente reve-


lada a seguir à invasão do Iraque, em 2003, alegadamente por fontes da
Casa Branca. Tal terá sido uma retaliação contra o seu marido, o embaixador
Joseph Wilson, após este ter escrito no New York Times um artigo demolidor
contra a administração Bush. Joseph Wilson revelou aí que fora numa mis-
são secreta da CIA ao Niger, em 2002, para averiguar se este país vendia
urânio ao Iraque, mas que não encontrara qualquer prova disso. O seu rela-
tório foi ignorado e a suspeita da compra de urânio foi um dos principais
argumentos então invocados para derrubar Saddam Hussein.

Na passada sexta feira, Valerie Plame falou publicamente sobre o caso,


pela primeira vez, numa audiência perante a comissão do Congresso que
supervisiona a acção e reformas do governo. A sua presença suscitou uma
cobertura mediática semelhante à de uma estrela de cinema, incluindo caça-
dores de autógrafos e anónimos funcionários do Congresso com as suas pró-
prias câmeras fotográficas. A sua popularidade nos corredores do Congresso
ultrapassou mesmo a dos jogadores de basquetebol que aí depuseram há dois
anos no caso dos esteróides. Os detractores de Valerie Plame aproveitaram
assim para, mais uma vez, a acusarem de só procurar fama e dinheiro e, tam-
bém, ser simpatizante dos democratas.

Com efeito, dos dezassete congressistas republicanos que integram a


comissão só dois compareceram, desvalorizando o testemunho da espia
como desnecessário e desprovido de qualquer novidade. Por seu turno, o
senador democrata Henri Waxman, presidente da comissão, esclareceu que
Valerie Plane ainda estava condicionada pelo seu juramento vitalício de con-
fidencialidade, e que se tinha encontrado com o General Hayden, director
da CIA, para saber o que ele próprio poderia dizer sobre as actividades da
espia.

O depoimento da espia concentrou-se pois nos seus sentimentos


pessoais e profissionais sobre o sucedido, tendo sublinhado o princípio
da imparcialidade da produção de informações como imperativo das
boas decisões políticas. Não deixou porém de acusar a administração

194 Publicado em 18 de Março de 2007.

300
Bush de ter destruído a sua carreira, o que acabou por dar a tónica
política à sua intervenção, ligando-a à recente condenação de Scooter
Libby, adjunto do vice-presidente Dick Cheney, que todavia não foi
acusado de ser o autor da fuga de informação sobre a sua identidade
como agente da CIA.

Mas, de facto, este depoimento serviu para o senador Henri Waxman


apertar o cerco dos democratas à administração Bush no campo da gestão
política das informações produzidas pela intelligence community. Logo a
seguir à audiência, no mesmo dia, o senador escreveu uma carta a Joshua
Bolten, chefe de gabinete do presidente Bush, a requerer informação sobre
o sistema de gestão e protecção de segredos na Casa Branca. Valerie Plame,
entretanto, assinou um contrato de um milhão de dólares para publicar um
livro intitulado “Fair Game”.

2.49. Jornalistas, Políticos e Espiões195

O caso Valérie Plame está longe de estar encerrado e continua a


ser notícia nos Estados Unidos, causando incómodo ao selecto meio
do poder em Washington onde se cruzam jornalistas, políticos e espiões.
Valerie Plame é a ex-operacional da CIA cuja identidade secreta foi
revelada à imprensa em 2003, a seguir à invasão do Iraque, alegadamente
por fontes da Casa Branca. Tal terá sido uma retaliação contra o seu
marido, o embaixador Joseph Wilson, após este ter publicado no New
York Times um artigo demolidor contra a administração Bush, negando,
com factos obtidos numa missão secreta ao serviço da CIA, que Saddam
Hussein tivesse comprado urânio ao Níger, um dos principais argumentos
da invasão anglo-americana.

De então para cá sucederam-se vários episódios, em especial a nomea-


ção de um “grande júri” e de um procurador para investigar o caso, que já
levou à condenação por perjúrio de “Scooter Libby”, o chefe de gabinete
do vice-presidente Dick Cheney. No processo foi também envolvida a jor-
nalista Judith Miller, do New York Times, que acabou por reformar-se em
Novembro de 2005, depois de ter estado presa 85 dias por se ter recusado

195 Publicado em 22 de Abril de 2007.

301
a revelar uma fonte ao “grande júri”. E essa fonte era precisamente “Scooter
Libby”.

No mês passado, com uma cobertura mediática própria de uma estrela


de cinema, teve finalmente lugar a primeira audiência, no Congresso, na
comissão de fiscalização do governo, da loura e elegante Valerie Plame
que acusou a administração Bush de ter destruído a sua carreira. Este
depoimento serviu, assim, para os democratas apertarem o cerco à admi-
nistração Bush no que respeita às informações produzidas pela intelligence
community. Logo a seguir à audiência, no mesmo dia, o congressista
Henry Waxman, presidente daquela comissão, escreveu uma carta a Joshua
Bolten, chefe de gabinete do presidente Bush, a requerer informação
sobre o sistema de gestão e protecção de segredos na Casa Branca. Valerie
Plame, entretanto, assinou um contrato de um milhão de dólares para
publicar um livro intitulado “Fair Game”.

A polémica intensificou-se, desde então, nos principais jornais


americanos, envolvendo jornalistas e comentadores que saíram em
defesa de cada uma das partes. No centro está Robert Novak, colunista
veterano do Chicago Sun Times e presença habitual nos principais
programas de televisão, que foi quem primeiro revelou a identidade
de Valerie Plame. Robert Novak acusa a CIA de ter empolado o caso
e também o seu actual director, General Michael Hayden, de ser um
simpatizante dos democratas, os quais terão agora como alvo Karl
Rove, conselheiro político do presidente Bush, com o objectivo de
atingir este último.

O caso está inevitavelmente politizado e o desfecho apresenta-se, neste


momento, imprevisível. Para já, Henry Waxman afirma que vai intimar a
depôr no Congresso o ex-chefe de gabinete da Casa Branca, Andrew Card,
e também Condoleezza Rice.

2.50. A Espionagem Económica Chinesa nos Estados Unidos196

Os serviços secretos chineses são tidos como muito eficientes e real-


mente pacientes, com uma capacidade singular de planearem operações a

196 Publicado em 17 de Maio de 2007.

302
longo prazo. O seu número de agentes é desconhecido, mas estima-se que
ultrapassa a centena ou mesmo as duas centenas de milhar. É assim possível
que existam espiões chineses espalhados pelo Mundo na ordem das dezenas
de milhar, os chamados “chen diyu”, isto é, “peixes de águas profundas”,
com particular incidência nos Estados Unidos, sob a cobertura de estudan-
tes, comerciantes, homens de negócios ou donos e empregados de restau-
rantes, incluindo elementos da diáspora de segunda e terceira geração entre-
tanto recrutados. Por outro lado, uma imagem de marca dos serviços
secretos chineses é a “velha escola” do emprego de agentes femininas sedu-
toras.

Actualmente, a maior ameaça aos Estados Unidos no campo da espio-


nagem é pois a China, tal como já foi oficialmente reconhecido pelo Office
of National Counterintelligence Executive, um dos vários organismos que
compôem o sistema de informações americano. O grau da ameaça é con-
siderado elevado e é potenciado pela vaga de chineses que chega continua-
mente ao seu território pelos mais diversos motivos pessoais e profissio-
nais.

O Departamento de Estado emitiu, só no ano passado, 382 mil visas


para não-imigrantes e 37 mil para imigrantes, a que se juntavam mais 62
mil estudantes universitários, ou seja, um total de quase meio milhão de
cidadãos chineses, no meio dos quais se encontram espiões com orientações
muito precisas sobre os alvos. Estes agentes tanto procuram obter informa-
ções por via legal através de fontes abertas, muitas vezes não disponíveis
na internet mas acessíveis “no terreno” por meio das universidades e de
determinadas bibliotecas e centros de documentação, como recolhê-las pelo
modus operandi tradicional. Os alvos prioritários encontram-se de momento
na área das empresas de alta tecnologia, civil e militar, específicamente nos
domínios das tecnologias da informação, biotecnologia, agricultura, robó-
tica, energia e ambiente.

O FBI, com os seus cerca de 13 mil agentes, está neste momento algo
enfranquecido no campo da contra-espionagem. A razão é que a atenção
da organização está principalmente centrada no contra-terrorismo desde o
11 de Setembro. E é claro que os chineses têm aproveitado a oportunidade
para intensificarem as suas acções. Contundo, nos últimos dois anos, o FBI
já deteve 30 cidadãos chineses sob suspeita de espionagem económica.

303
O último caso acabou de ser julgado durante seis semanas e aguarda agora
a leitura da sentença, cuja pena pode ir até aos 45 anos de prisão.

O espião em questão chama-se Chi Mak, um engenheiro de 67 anos


naturalizado americano desde 1985, considerado um “workaholic” pelos
seus colegas. Trabalhava na Power Paragon, uma subsidiária da L-3
Communications, reputada fornecedora de tecnologia ao Pentágono, e tinha
acesso a informação classificada até ao nível de “secreto”. Conforme con-
fessou, forneceu informações aos serviços secretos chineses durante 20
anos. Era auxiliado pela mulher, irmão, cunhada e sobrinho, que irão ser
julgados em Junho, os quais viajavam regularmente para a China transpor-
tando as informações em CD’s criptados e obedecendo a orientações crip-
tadas em chinês, actuavam sob nomes de código ao melhor estilo dos filmes
de espionagem, como “rosa vermelha”, “orquídea do outono” e “crisântemo
do inverno”.

O FBI vigiou Chi Mak durante 18 meses, utilizando câmeras e micro-


fones escondidos no seu carro e gabinete de trabalho. Uma prova funda-
mental do processo foi obtida por intermédio de uma velha e muito simples
técnica de espionagem: a recolha do lixo do alvo. Foram encontrados dois
documentos em chinês, rasgados aos bocadinhos, os quais, depois de recu-
perados e traduzidos, revelaram ser listas de objectivos emitidas pela “sede”.

2.51. As Tensões Anglo-Russas197

O caso do envenamento do ex-espião russo Alexander Litvinenko é


mais um de uma sucessão de outros casos de espionagem que têm ocorrido
desde os anos 90, após Vladimir Putin e o seu grupo terem conquistado o
poder na Rússia. Na verdade, estes casos entroncam directamente nos do
período da guerra fria (com um pequeno interregno durante a fase da
Perestroika e da queda do muro de Berlim), correspondendo ao ressurgi-
mento da Rússia no cenário das relações de poder a nível internacional.

Em grande parte, esses casos envolvem os serviços secretos britânicos,


que os russos vêem como os mais eficientes de todos os serviços ocidentais

197 Publicado em 19 de Julho 2007.

304
e, portanto, como uma ameaça elevada à sua segurança e interesse nacional.
De há cerca de quinze anos para cá têm por isso ocorrido vários confrontos
entre russos e britânicos (que têm aliás dado origem a uma literatura de
memórias, em especial de protagonistas russos, praticamente desconhecida
em Portugal), dos quais alguns merecem ser recordados para se compreen-
der o ambiente de rivalidade existente.

Em 1994, foi expulso, de Moscovo, John Scarlett, que viria mais tarde
a dirigir o MI6 e que foi o responsável pela deserção de Vasili Mitrokhin,
o arquivista do KGB que entregou aos britânicos cópias de centenas de
dossiês secretos. Para acentuar a retaliação, os russos revelaram então o
caso à imprensa, no momento em que Scarlett se encontrava no vôo de
regresso a Londres, e a sua identidade secreta tornou-se pública com uma
fotografia que lhe foi tirada no aeroporto de Heathrow.

Em 1996, o FSB (ex-KGB) detectou o diplomata Platon Obukhov a


operar como toupeira do MI6 e, em consequência, houve oito expulsões
de diplomatas acusados de espionagem, repartidas equitativamente entre
Moscovo e Londres. Condenado a 11 anos de prisão, Obukhov, cujo nome
de código era “Masterwork”, era filho do diplomata Alexei Obukhov, ex-
secretário de estado dos negócios estrangeiros da União Soviética e então
um dos principais negociadores do controlo de armamento nuclear.

Em 2000, foi detido mais um cidadão russo, cuja identidade permanece


até agora desconhecida. Sabe-se apenas que era funcionário do FSB ou do
SVR, os serviços interno e externo directamente herdeiros do KGB. Os
russos acusaram então Pablo Miller, primeiro secretário da embaixada bri-
tânica na Estónia, de ser um agente do MI6 e de ter recrutado aquele cida-
dão, com o objectivo de obter informações sobre o processo eleitoral russo.

Em 2004, foi a vez de o perito russo em armamento, Igor Sutyagin, ser


condenado por traição, por passar informações militares classificadas para
uma companhia britânica que servia de cobertura para uma operação con-
junta do MI6 e da CIA. E, finalmente, antes do caso Litvinenko, no início
de 2006 o FSB deu uma grande exposição mediática à detecção de uma
operação do MI6 em Moscovo: os britânicos utilizavam rochas falsas num
parque público para trocarem informações com os seus agentes russos.

305
O mais recente episódio das tensões anglo-russas compreende-se pois
neste contexto de ressurgimento progressivo e renovado da guerra fria,
envolvendo também os Estados Unidos e a União Europeia, desde logo no
que respeita a questões como a expansão da NATO para leste, o dossiê do
Kosovo ou a dependência de gás russo pelos países europeus. Para já as
consequências vislumbram-se no domínio essencialmente político, com
tendência para dificultar a presidência portuguesa, mas não se deve também
descurar o cenário possível das implicações económicas negativas para a
Europa e particularmente para o ambiente de negócios, como ameaça a
semântica crescentemente agressiva dos discursos.

Ironicamente, as relações comerciais anglo-russas atingiram no ano


passado o pico dos 14 mil milhões de dólares. Os britânicos são os segundos
maiores investidores na Rússia com cerca de 6 mil milhões de dólares de
investimento directo projectado para o corrente ano de 2007.

3. Competitive Intelligence

3.1. O Empresário da CIA198

Não há filme do 007 que passe sem a cena de James Bond a receber
as mais extraordinárias inovações tecnológicas da mão do cientista Q, que
se revelam depois imprescindíveis para a sua missão. Também aqui a ficção
se cruza com a realidade. No ano passado o Departamento de Ciência e
Tecnologia (DST) da CIA celebrou 40 anos de existência e nas suas insta-
lações encontrava-se uma exposição – aberta somente à “intelligence com-
munity” – onde era possível ver, por exemplo, pequenos insectos voadores
mecânicos – parecidos com abelhas e libelinhas – contendo aparelhos de
escuta e observação.
Nos finais dos anos 90, o DST concluiu que a velocidade e a dimensão
do fenómeno da inovação tecnológica era de tal ordem que a CIA teria de se
abrir à cooperação com a iniciativa privada para não ser ultrapassada. Foi
assim criada, em 1999, a In-Q-Tel – a primeira empresa não-secreta da CIA
– com o objectivo de investir na criação e desenvolvimento de novos produtos
relacionados com a actividade dos serviços secretos, estabelecendo parcerias

198 Publicado em 27 de Junho de 2004.

306
com universidades, laboratórios de pesquisa e companhias, frequentemente
pequenas, desconhecidas e recém-criadas. Obedecendo a um conceito origi-
nal e híbrido de cultura organizacional pública e privada, com 50 funcioná-
rios, a In-Q-Tel segue orientações anuais quanto às necessidades tecnológi-
cas mais prementes da CIA, particularmente no que respeita à ameaça
terrorista. Até ao momento já foram avaliadas cerca de 3.500 propostas de
empresas privadas, das quais 40 receberam investimentos na ordem dos 80
milhões de dólares.

Para chefiar a In-Q-Tel, surpreendendo tudo e todos, a CIA contratou


Gilman Louie, um gestor de topo da indústria dos brinquedos e entre-
tenimento virtual interactivo, pós-graduado na Harvard Business School,
que conta no seu currículo com os extraordinários jogos de simulação
de aviões militares, nomeadamente do F16. Afirmando que a In-Q-Tel
não procura somente desenvolver “expedientes” para uso exclusivo dos
serviços secretos, Gilman Louie defende que as parcerias com as com-
panhias privadas se destinam a partilhar custos de investigação e desen-
volvimento e a obter por parte da CIA, em primeiro lugar, os mais
recentes e inovadores produtos que serão posteriormente vendidos ao
público.

Neste momento, por exemplo quanto ao software, a “Spotfire” trans-


forma vastas e complexas quantidades de dados em imagens que revelam
relações entre peças de informação, a “MetaCarta” produz análise geográ-
fica que automaticamente cria mapas das localizações mencionadas em
documentos e a “Basis” integra documentos escritos em múltiplas línguas.
A metáfora de Gilman Louie é a seguinte: “A tecnologia é como o peixe
no frigorífico. Está fresco durante um par de dias, mas depois empesta o
local com o mau cheiro”.

3.2. Serviços Privados199

O recente caso de conflito económico entre a Brasil Telecom e a


Telecom Italia trouxe a público o mundo da espionagem privada, mas levan-
tando somente uma pequena ponta do véu. Tiago Verdial – um português

199 Publicado em 8 de Agosto de 2004.

307
radicado no Brasil desde 1975 – foi detido sob a acusação de ter levado a
cabo uma acção de espionagem que envolveu escutas telefónicas e inter-
cepção de “e-mails” privados de um ministro amigo do Presidente Lula da
Silva. Tiago Verdial afirma ter sido contratado pela Kroll – a maior e mais
conceituada empresa do mundo na área da “economic intelligence” -, por
sua vez contratada pela Brasil Telecom.

Neste século XXI, na idade da globalização, a vantagem competitiva é


um valor absolutamente estratégico para a conquista e liderança do mer-
cado. É neste contexto que a “economic intelligence” e a “competitive
intelligence” – conceitos desenvolvidos a partir do anos 70-80 sob influên-
cia de ex-agentes secretos transformados em consultores – têm vindo a
assumir um papel cada vez mais relevante nas estratégias de crescimento
e projecção internacional das empresas.

O caso da Kroll é por isso paradigmático em todos os seus aspectos. Foi


fundada por Jules Kroll em 1972 para fornecer serviços de consultoria a
departamentos de compras de grandes empresas. Formado nas prestigiadas
universidades de Cornell e Georgetown, Jules Kroll depressa visionou a apli-
cação do conceito de “intelligence” à actividade económica privada e, nos
anos 80-90, ganhou proeminência durante a “febre” das fusões e “takeovers”.
Mas a “coroa de glória” da sua reputação veio sobretudo com as investigações
bem sucedidas sobre os “bens escondidos” dos ditadores Jean Claude
Duvalier, Ferdinand e Imelda Marcos e Saddam Hussein. A Kroll chegou
assim a 2004 com mais de 3000 funcionários (número idêntico ao do MI6 bri-
tânico) e um volume de negócios na ordem dos 485 milhões de dólares.

No princípio do mês passado, a Kroll foi comprada por 2000 milhões


de dólares pelo grupo MMC (60000 funcionários, 11000 milhões de dólares
de volume de negócios e clientes em mais de 100 países), líder mundial da
corretagem de seguros, no qual se encontra integrada uma das mais impor-
tantes consultoras a nível mundial e um dos maiores fundos de investimento
dos Estados Unidos. O objectivo da compra resulta do facto de a Kroll,
neste últimos anos, ter desenvolvido o conceito de “intelligence” sob múl-
tiplas formas, entre as quais a recolha de “informações” sobre o risco asso-
ciado a processos de parcerias empresariais e a investigação do passado
(“background screening”) dos funcionários das grandes companhias,
incluindo o seu estado de saúde e a eventual utilização de drogas.

308
Relativamente a países, nomeadamente do chamado terceiro mundo, a Kroll
produz, de acordo com os seus próprios termos institucionais, “discreet yet
informed political access”, isto é, “relatórios de informações” confidenciais
sobre os núcleos da tomada de decisão político-económica.

3.3. A Escola de Guerra Económica200

Em meados dos anos 80, no seio de alguns grupos de académicos e


militares assumidamente patriotas, começou a formar-se a ideia de que a
França não podia manter-se exclusivamente na defensiva em relação ao que
consideravam ser, no contexto da globalização, o ataque económico ame-
ricano aos mercados internacionais e particularmente aos interesse nacional
francês. Teve assim origem um movimento de reflexão sobre a designada
cultura de combate francesa que passou a defender a elaboração de uma
teoria da estratégia que ultrapassasse as teses marxistas e liberais e tomasse
em atenção as “constantes históricas dos povos e civilizações”.

Algum tempo depois, no princípio dos anos 90, ocorreu um encontro


entre dois homens que viria a marcar a definição e desenvolvimento dos con-
ceitos de inteligência económica e guerra económica, que têm vindo a ganhar
relevo no pensamento económico exclusivamente francês: Christian Harbulot,
que tem produzido estudos como, por exemplo, “Técnicas Ofensivas e Guerra
Económica”, e cujo último livro se intitula “A Mão Invisível das Potências.
Os Europeus face à Guerra Económica”, publicado no passado mês de Julho;
e o General Jean Pichot-Duclos, ex-comandante da Escola Inter-Armas de
Informações e Estudos Linguísticos, que, entre outros trabalhos, publicou em
2002 o livro “As Guerras Secretas da Mundialização”.

Ambos os homens criaram assim, em 1997, a Escola de Guerra


Económica (EGE), sedeada em Paris, que é uma instituição privada de for-
mação avançada na área dos negócios e se afirma como alternativa aos
padrões educativos de origem americana. O modelo pedagógico é original,
assentando, conforme é anunciado, na análise comparada dos sistemas
nacionais e transnacionais, das transferências de metodologia entre o mundo
militar e o mundo civil, e também na análise da importância crescente da

200 Publicado em 2 de Outubro de 2005.

309
gestão ofensiva da informação no desenvolvimento das actividades econó-
micas. A ambição maior da EGE é a substituição da geração de quadros
formados após a 2ª guerra mundial por uma nova geração de gestores
imbuídos destes conceitos à luz do patriotismo económico.

De facto, nos últimos anos, sob a dinâmica da EGE, os conceitos de


guerra económica e de inteligência económica têm vindo a difundir-se
cada vez mais nos meios do ensino superior e das empresas francesas, com
o patrocínio empenhado do governo. Para o efeito, foi criado o lugar de
Alto Responsável para a Inteligência Económica no seio do Secretariado
Geral da Defesa Nacional e na dependência do primeiro-ministro. Já no
corrente ano de 2005, este orgão publicou um documento intitulado
“Referencial de Formação em Inteligência Económica”, que é um guia de
organização de cursos neste campo e onde o conceito está claramente jus-
tificado: “A inteligência económica é uma resposta cultural e operacional
às problemáticas da globalização e da sociedade da informação”. A guerra
económica da França está pois para durar.

3.4. A Vantagem das Informações Estratégicas201

Falar de informações estratégicas, como instrumento de apoio à tomada


de decisão, é novidade em Portugal. E esta novidade encontra-se já num
curso de pós-graduação sobre a matéria que tem início este ano lectivo,
numa universidade pública, contando com ex-quadros dos serviços de infor-
mações como docentes convidados. Poderá porventura existir quem pense
que aí se irá tratar de algo relacionado com espionagem. Outros não ligarão
à novidade por não verem uma vantagem imediata no curso nem este ser
leccionado numa tradicional escola de gestão.
Nenhuma destas opiniões corresponde à realidade. Nem se trata do
ensino de espionagem económica ou industrial, que aliás é ilegal, nem as
informações estratégicas constituem matéria normalmente inscrita nos currí-
culos das escolas de gestão. Trata-se antes, no presente caso, do ensino de
uma metodologia de recolha, organização, sistematização e utilização de
factos e dados que é própria dos serviços de informações de todo o mundo.

201 Publicado em 13 de Outubro de 2005.

310
Foi esta metodologia que deu origem ao termo anglófono de competitive
intelligence e posteriormente ao francófono de intelligence économique,
reproduzindo ambos actualmente modelos concorrentes e altamente com-
petitivos de actuação na globalização económica em curso. A França, neste
momento, tem mesmo institucionalizado o conceito ao mais alto nível com
a figura do Alto Representante para a Inteligência Económica, sob a tutela
do primeiro-ministro, e está em curso nos meios militares e académicos, à
luz do patriotismo, a definição do conceito associado de guerra económica
como resposta ao que é visto como a globalização influenciada em grande
medida pelo eixo anglo-americano.

O conceito de informações estratégicas aplicado às empresas, numa


perspectiva portuguesa, é pois a matriz de um processo interno de aquisição
contínua de conhecimento sobre o ambiente de negócios em que estas ope-
ram, particularmente no que respeita a factores tendencialmente intangíveis
de natureza política e cultural. Isto significa que, nesta perspectiva, as infor-
mações estratégicas não são uma ferramenta técnica de gestão mas sim um
instrumento de apoio à tomada de decisão com base na análise da conjuntura
não exclusivamente económica. A excelência do instrumento reside na maior
precisão da capacidade prospectiva que se consegue atingir.

Por exemplo, as empresas que conseguiram analisar a conjuntura da ocu-


pação do Iraque sem serem dominadas pelo “groupthink” (isto é, a opinião
colectiva alargada e uniforme, institucionalizada e politicamente correcta,
fechada ao contraditório) de que o futuro seria promissor sem Saddam Hussein,
em especial quanto à descida do preço do petróleo, estão hoje seguramente
melhor posicionadas que as outras. Fizeram leituras realistas dos vários factores
em presença no Iraque, fundamentadas em unidades próprias de informações
estratégicas, ou se se quiser, de inteligência económica, e não somente em aná-
lises externas recolhidas gratuitamente na imprensa ou compradas a empresas
especializadas, eventualmente de nacionalidades diversas.

A vantagem da existência de uma unidade de informações estratégicas


numa empresa que tenha por objectivo a internacionalização é assim o
acréscimo do potencial de competitividade, através do controlo e da pro-
dução contínua de conhecimento interno e exclusivo, destinado quotidia-
namente à primeira linha da tomada de decisão. Quer seja para a Europa
do Leste, para a África, inclusivamente a lusófona, ou para a China, as

311
empresas não podem depender exclusivamente de informação externa se
querem de facto garantir um elevado nível de competitividade.

No caso da China, por exemplo, visto agora como um dos mais agres-
sivos competidores mas também como um dos mais apetecíveis mercados,
uma empresa portuguesa não conseguirá aí penetrar somente com infor-
mações e apoios governamentais. Só tomando em conta os condicionalis-
mos dos factores culturais, precisa sem dúvida de contratar os serviços de
uma outra empresa especializada que detenha conhecimento do terreno.
Mas será seguramente um erro estratégico se não filtrar, comparar e even-
tualmente corrigir ou completar, com os da sua própria unidade de infor-
mações estratégicas, os dados fornecidos por essa empresa especializada.
Além do mais, o custo de uma unidade deste tipo é muito reduzido.

3.5. Os Limites da Business Intelligence202

Uma consequência imediata da aplicação do plano tecnológico é sem


dúvida o aumento das oportunidades de negócio na área da informática. E
é provável que no âmbito da gestão venha a ocorrer uma procura crescente
das soluções de software que se enquadram na oferta da chamada business
intelligence, seguindo aliás a tendência internacional.

Mas quando falamos de business intelligence é necessário ter desde


logo a noção de que estamos perante uma buzzword cujo significado é
plural e varia de negócio para negócio, podendo cruzar-se e confundir-
se com outros termos e conceitos como competitive intelligence ou market
intelligence. Existe porém uma prática específica que consiste na racio-
nalização e sistematização da recolha, análise e integração de dados
sobre os processos das empresas, particularmente das vendas, dos produtos
e das relações com os clientes e delineamento dos respectivos perfis e
comportamentos.

Esta prática é geralmente designada de data mining e em grande medida


tem vindo a influenciar fortemente a gestão e os planos de negócios há
mais de uma década. Isto não resolve no entanto automaticamente o pro-

202 Publicado em 19 de Janeiro de 2006.

312
blema das empresas quanto à recolha da informação “certa” nem da sua
correcta interpretação. O erro mais comum do desenvolvimento da business
intelligence pelas empresas é por isso o pressuposto de que o processo se
resume a um conjunto especializado de complexos algoritmos. É preciso
não esquecer que a matriz fundamental é o plano de informações estraté-
gicas e quando o processo não é bem compreendido, por mais inteligentes
e criativas que seja as soluções aplicadas, incluindo algoritmos, à informa-
ção errada, os resultados continuarão errados.

Por outro lado, alguns fornecedores do software de business intelligence,


perseguindo obviamente o seu objectivo comercial, vendem muitas vezes de
modo exagerado a idéia de que o seu produto é “self service” e atingiu agora
um nível de eficácia absolutamente indispensável à gestão e ao incremento
da competitividade. Embora sem dúvida necessária à gestão moderna, a
business intelligence ainda não atingiu a idade da maturidade, conforme pro-
vam os constantes aperfeiçoamentos aos produtos no mercado, e portanto
não tem ainda qualidades que por vezez lhe são atribuídas. A este propósito
é jocosa mas sintomática a imagem de que a business intelligence é como um
adolescente atlético, ainda a ganhar corpo, mas com a mente ainda indisci-
plinada e frequentemente distraída por actividades sem sentido, que necessita
de reflexão sobre o seu futuro e os perigos da futilidade.

Com efeito, a percepção actual é a de que os computadores são inteli-


gentes e fazem a maior parte do trabalho. Mas saber usar o excel ou o
powerpoint não é habilitação suficiente para se ser um analista ou um
comunicador. No que respeita à business intelligence, os computadores
apenas podem ajudar o utilizador a melhorar o que já sabe fazer e a ser
mais rápido.

A business intelligence também só é util se fôr percepcionada de forma


simples pelos decisores, pois a inteligência está nas pessoas e não nas
máquinas. Temos agora a capacidade de recolher, armazenar e aceder rapi-
damente a um extraordinário volume de dados, o que coloca o problema
da contraproducente overdose de informação, clássico desafio dos serviços
de informações. E neste contexto é absolutamente necessário cruzar ou
confirmar a informação existente com a informação obtida através de “fon-
tes humanas”, processo que precisamente nos serviços de informações é
conhecido como human intelligence ou, de forma abreviada, HUMINT.

313
Porventura, por comparação, um exemplo para se compreender os limi-
tes da business intelligence, e da exclusiva dependência da tecnologia nas
informações estratégicas, está no desaire da falha do sistema de informações
dos Estados Unidos sobre as intenções de Saddam Hussein e dos seus
planos e capacidade efectiva em termos de armas de destruição em massa.
Os erros da prospectiva e da avaliação da situação levaram à ocupação do
Iraque e, com base num forte suporte tecnológico, a desvios continuados
de recolha, análise e disseminação de informações que levaram ao imbróglio
político e económico actual. Do ponto de vista financeiro, o problema
adquiriu proporções de tal forma gigantescas e dramáticas que alguns ana-
listas americanos consideram insolúvel. De uma estimativa inicial que não
chegava aos mil milhões de dólares, os custos da guerra do Iraque são hoje
avaliados ao nível do trilião de dólares.

3.6. A Evolução da Competitive Intelligence203

Na passagem dos anos 70 para os 80, uma série de elementos dos ser-
viços de informações americanos, entretanto reformados, desdobraram a
economic intelligence (ainda centrada na guerra e nos complexos industriais
militares) em competitive intelligence, e depois em business intelligence,
criando assim um novo mercado especializado na área da consultoria, em
que, por exemplo a companhia norte-americana Kroll é líder mundial. O
caso da Kroll, aliás, é o reflexo da implantação crescente do conceito e da
sua evolução metodológica no seio das grandes empresas americanas.

Foi fundada por Jules Kroll em 1972 para fornecer serviços de consultoria
a departamentos de compras de grandes empresas. Formado nas prestigiadas
universidades de Cornell e Georgetown, Jules Kroll depressa visionou a apli-
cação do conceito de “intelligence” à actividade económica privada e, nos
anos 80-90, ganhou proeminência durante a “febre” das fusões e “takeovers”.
Mas a sua “coroa de glória” veio sobretudo com as investigações bem suce-
didas sobre os patrimónios secretos dos ditadores Jean Claude Duvalier,
Ferdinand e Imelda Marcos e Saddam Hussein. A Kroll chegou assim a 2004
com mais de 3 mil funcionários (número idêntico ao do MI6 britânico) e um
volume de negócios na ordem dos 485 milhões de dólares, altura em que foi

203 Publicado em 18 de Maio de 2006.

314
comprada por 2 mil milhões de dólares pelo grupo MMC (60 mil funcionários,
11 mil milhões de dólares de volume de negócios e clientes em mais de 100
países), líder mundial da corretagem de seguros, grupo no qual se encontra
integrada uma das mais importantes consultoras a nível mundial e um dos
maiores fundos de investimento dos Estados Unidos. Mas, o objectivo da
compra resultou do facto de a Kroll, nos últimos anos, ter desenvolvido o
conceito de “intelligence” sob múltiplas formas, entre as quais a recolha de
“informações” sobre o risco associado a processos de parcerias empresariais
e a investigação do passado (“background screening”) dos funcionários das
grandes companhias, incluindo o seu estado de saúde e a eventual utilização
de drogas. Relativamente a países, nomeadamente do chamado terceiro
mundo, a Kroll oferece serviços como a produção de relatórios de informações
confidenciais sobre os núcleos da tomada de decisão político-económica.

Hoje, nos Estados Unidos, o sector da competitive intelligence é vas-


tíssimo e, do ponto de vista universitário, integra-se no campo mais amplo
dos designados intelligence studies, que parecem estar agora a emergir
lenta mas insuficientemente em Portugal, ainda sem estatuto institucional
e departamental, nem produção ao nível da teoria e da investigação cien-
tífica autonomamente portuguesa.

Uma obra pioneira publicada entre nós neste domínio, por portugueses,
é Competive Intelligence. Conceito, Práticas e Benefícios, em 2002, de
João Pedro Taborda e Miguel Duarte Ferreira. Trabalho ao que julgo saber
episódico dos autores como manual de ensino e divulgação, embora com
mérito, que referem logo no início da introdução que o termo pode ser tra-
duzido para português como inteligência competitiva, salientando no
entanto que é um bocado indiferente porque o que interessa é a metodologia.
Estes autores definem pois o conceito apresentando um conjunto de ele-
mentos que o caracterizam, e afirmam que falar apenas em concorrência
é redutor. Por isso a noção geral de que partem é a de que o objectivo da
competitive intelligence é “identificar as fontes de risco que podem ameaçar
o negócio” e isto leva a que uma organização esteja continuamente atenta
para responder às oportunidades e ameaças que a envolvem.

Com efeito, a competitive intelligence tornou-se com os anos um con-


ceito complexo, cruzado com o marketing, indutor de uma pluralidade de
técnicas (entre as quais se destaca a business intelligence) que estão muito

315
para lá da simplicidade original da metodologia dos serviços de informa-
ções. No caso americano, foi, como é óbvio, estimulante o mercado nacional
de grandes proporções, altamente competitivo, e a vontade e capacidade,
isto é, o poder de projecção internacional das empresas americanas. Por
isso penso que a competitive intelligence em toda a sua complexidade,
independentemente da exequibilidade da aplicação do conceito a diversas
situações nacionais e socio-culturais, é sobretudo aplicável às grandes orga-
nizações com estruturas internas e externas também altamente complexas,
como é o caso dos grandes grupos multinacionais.

3.7. O Estratega da Guerra Económica204

A França continua num processo de interiorização estatal e divulgação no


âmbito empresarial, inclusivé no espaço da francofonia, dos conceitos associa-
dos de inteligência económica e guerra económica. Na semana passada, o pri-
meiro-ministro, Dominique de Villepin, recebeu do deputado Bernard Carayon
um relatório intitulado “Com Armas Iguais” que trata da forma como deve ser
reforçada a competitividade das empresas francesas no mundo.

O documento é para já classificado e tinha sido encomendado, em


Outubro do ano passado, pelo próprio primeiro-ministro. O seu gabinete
emitiu um comunicado no qual se sublinha a grande qualidade das propostas
daí resultantes e a recomendação de Dominique de Villepin ao Ministro da

Economia, das Finanças e da Indústria para que “estude atentamente o


relatório a fim de ver qual a melhor forma de o utilizar, em particular no
que respeita ao apoio às exportações das nossas empresas e à valorização
das tecnologias da informação e da comunicação”.

Da escassa informação vinda a público, que se resume na maior parte


a este comunicado, é possível contudo vislumbrar ainda o seguinte, para
além das medidas que serão tomadas no domínio concreto da inteligência
económica: o patriotismo económico francês será reforçado nas negocia-
ções internacionais relativas às normas comerciais e desde logo, muito pro-
vávelmente, no âmbito da União Europeia.

204 Publicado em 21 de Setembro de 2006.

316
Esta posição decorre do caminho que, desde há cerca de 10 anos, a
França tem vindo a percorrer no campo da guerra económica. As várias
instituições que entretanto foram criadas merecem portanto atenção, assim
como as que estão a ser criadas, na medida em que poderão vir a afectar,
nos vários sectores, empresas não francesas. E, neste sentido, é de acom-
panhar o pensamento e as iniciativas de Bernard Carayon que representa
neste momento o papel de principal estratega francês da guerra económica.

Bernard Carayon faz 49 anos no dia 1 de Outubro, é deputado da UMP,


a aliança partidária criada para reeleger Jacques Chirac e presidida por
Nicolas Sarkozy, e é presidente da sua Comissão Nacional para a
Mundialização. Formou-se em Direito e possui pós-graduações em Ciência
Política e em Defesa, Geoestratégia e Dinâmicas Industriais. Na universi-
dade militou no GUD, um grupo de extrema direita que advogava o “nacio-
nalismo revolucionário”. Foi consultor e depois director da

Ecofise, detida pelo Banco Rothschild, e desempenhou várias funções


políticas nas áreas da segurança interna, defesa nacional, telecomunicações
e pequenas e médias empresas. É, desde 2002, presidente do “groupe d ami-
tié parlementaire France-Angola.”

O eixo da análise de Carayon sobre o ambiente económico internacional


no qual actuam os Estados e as empresas é o de que este se encontra numa
situação de pós-liberalismo. A característica enfatizada é a da “oposição
entre liberalismo sonhado ou fantasma e liberalismo real”, quer dizer, o
comércio internacional não se processa de acordo com as tão exaltadas leis
do mercado mas sim sob diversos constrangimentos “orquestradros” pelos
Estados. Carayon defende por isso que deve ser posta em prática uma polí-
tica pública de inteligência económica que marcará um certa renovação da
economia política.

É destes assuntos que trata o seu livro “Patriotisme Économique: de la


guerre a la paix économique” (Editions du Rocher, 2006), lançado no início
do verão, em Paris, precisamente na

École de Guerre Économique. Promoveu também recentemente a cria-


ção da Fondation Prometheus, com o deputado socialista Jean-Michel
Boucheron, partidário do não ao tratado da constituição europeia e membro

317
do conselho de administração do prestigiado Institut de Relations
Internationales et Stratégiques. O objectivo declarado é “produzir um pen-
samento operacional” e os fundadores são 10 grandes empresas francesas,
entre as quais a Alstom, a EADS e a Dassault Aviation.

3.8. Espionagem Económica e Informações Estratégicas205

Nos “Prós e Contras” desta semana, que teve José Maria Aznar como
convidado de honra, juntamente com Dias Loureiro e Ernâni Lopes, a certa
altura foi trazido a debate, pela apresentadora, a questão do papel das infor-
mações e dos serviços secretos nas relações económicas entre Portugal e
Espanha. Foi apontada a existência no SIS do designado Programa de
Segurança Económica (PSE) e passada a idéia de que este, tal como acon-
tece noutros serviços de informações estrangeiros, se destina a vigiar e
identificar ameaças empresariais externas à economia e às empresas por-
tuguesas.

Trata-se de uma idéia no mínimo incorrecta, provavelmente induzida


pela sintaxe nebulosa do texto oficial, disponível na internet, sobre o
objectivo do PSE. As competências deste não extravasam seguramente
dos campos da contra-espionagem e sabotagem económica e da segurança
electrónica, e mesmo assim é incerto que tenha capacidade desenvolvida
de prevenção e defesa contra eventuais programas neste domínio de
médias ou de grandes potências, como por exemplo é o caso do ainda
suspeito ECHELON.

Todavia, como é infelizmente normal quando se conversa publicamente


sobre serviços secretos, vistos de fora, ficou a imagem de que alguma coisa
existe, como sempre suspeita ou ilegítima ou irregular, sobretudo porque
se afirmou precisamente que os assuntos de “intelligence” são para serem
tratados em círculos mais restritos. Foi uma “não-conversa” muito rápida
e assim se misturam e alimentam, como uma só, realidades e sistemas dis-
tintos que hoje coexistem, sob a designação genérica de “informações” ou
“intelligence”, no processo de globalização em curso.

205 Publicado em 28 de Setembro de 2006.

318
Com efeito, na perspectiva económica, empresarial e competitiva,
é um erro crasso, e uma ignorância que se faz pagar cara a prazo,
pensar actualmente que a “intelligence” é assunto em que se não deve
mexer e que está sempre ligada à espionagem económica ou empresarial
ou industrial, como se lhe quiser chamar. Uma coisa é a espionagem
económica, outra as informações estratégicas (designação que, por opção
metodológica, prefiro utilizar) aplicadas à tomada de decisão, tanto nas
instituições públicas como nas organizações privadas, pensando sobretudo
nas empresas.

Já é um lugar comum, mais que estafado, afirmar que a informação é


vital no século XXI, mas a verdade é que também neste domínio concreto
Portugal não está a ter capacidade de inovação. Nas universidades não exis-
tem departamentos nem programas de ensino e investigação na área dos
“intelligence studies” e qualquer projecto que apareça, mesmo que decla-
radamente destinado à componente económica e empresarial é olhado com
desconfiança e como uma ameaça: coisas de espiões ou vontades de inter-
ferência nas actividades dos serviços de informações.

Julgo que é uma questão de tempo até que seja interiorizado em Portugal
que tanto no mercado nacional como sobretudo no mercado internacional,
para além da componente tecnológica e das que têm a ver com o produto
e a sua comercialização, são vitais informações estratégicas aplicadas à
tomada de decisão. E a produção deste género de informações, na sua
forma eficaz, obedece de facto a uma metodologia extraída dos serviços
secretos. Mas esta é hoje utilizada de forma legal em todo o mundo no tra-
tamento das enchentes de informação aberta que circundam as empresas.
Por isso, nisto, infelizmente, já temos alguns anos de atraso.

Uma coisa é compilar informação outra coisa é tratá-la. Não é função


para curiosos mas sim para profissionais. Não é necessário uma estrutura
pesada mas sim leve. Não é um trabalho casuístico mas sim contínuo.
Realizado com rigôr, não visa influenciar nem sequer sugerir a tomada de
decisão mas sim informar de forma científica e objectiva, desenvolvendo
o capital de conhecimento da organização e consequentemente a sua capa-
cidade prospectiva e vantagem competitiva.

319
3.9. A Espionagem Empresarial206

A espionagem empresarial, ou comercial ou industrial, como é vulgar-


mente designada, é uma actividade ilegal em franco crescimento. A pressão
da globalização e da competitividade dos tempos que correm, e a popula-
rização de métodos, tecnologias e inovações, até há poucos anos circuns-
critas ao ambiente dos serviços secretos dos Estados, têm vindo a exacerbar
a espionagem entre empresas. Para se ter uma idéia da dimensão do fenó-
meno, note-se que as estimativas apontam um custo para o “global business”
na ordem dos 200 mil milhões de euros por ano.

Os Estados Unidos são obviamente um local onde a preocupação com


a segurança, que inevitavelmente caminha a par com a desconfiança, está
em alta. O recente episódio da Hewlett-Packard que levou à demissão da
presidente Patricia Dunn, por promover a obtenção de dados confidenciais
dos seus próprios gestores, é um exemplo de derivação da espionagem
empresarial que visa alcançar vantagem sobre os competidores e, sobretudo,
um reflexo do clima de desconfiança existente. Não será exagerado afirmar
que, por causa deste caso, muitos gestores da Hewlett-Packard terão tentado
perceber se estão ou não sob vigilância, replicando-se porventura esta per-
cepção em muitas outras empresas.

De qualquer modo, este caso demonstra como as empresas estão sen-


síveis e receosas de serem objecto de espionagem e roubo de informação
classificada. Na verdade, grande parte dos roubos de “segredos do negócio”
são realizados por pessoas que trabalham nas próprias empresas, que, por
encomenda ou não, os vendem à concorrência ou os aproveitam em negó-
cios próprios. Isto frequentemente significa ter um novo produto sem qual-
quer custo de investigação ou aceder a informação privilegiada sobre com-
pras, vendas e fusões de empresas.

O conceito de segurança das empresas abrange pois, hoje, muito mais


que as instalações físicas. Desde logo, a preocupação com a informática é
crescente e porventura aquela que neste momento concentra maior atenção.
A internet é a principal visada, com a acção de hackers e dos chamados
vírus, como os troianos e os spyware que são dispositivos de recolha coberta

206 Publicado em 16 de Outubro de 2006.

320
de dados nos computadores onde se alojam. Mas é necessário estar também
vigilante quanto a outras formas de espionagem de dados em computadores,
como foi o caso recente do casal israelita Michael e Ruth Haephrati, com a
sua empresa Target Eye Limited, baseada em Londres. O esquema passava
por uma proposta de um negócio vantajoso de software a gestores de topo,
aos quais era oferecido um CD exclusivo de demonstração que, contornando
desta maneira as firewalls, instalava um troiano muito dificilmente detectá-
vel. Ao todo, executaram cerca de 100 “projectos” antes de serem presos.

Outras formas de espionagem empresarial são as recolhas de papéis do


lixo, a utilização de funcionários de empresas contratadas de limpeza – que
roubam, fotocopiam ou fotografam (com máquinas ou telemóveis) documen-
tos – ou a pura e simples colocação clandestina de dispositivos de escuta e/ou
vigilância, por exemplo, por falsos reparadores de ar condicionado ou de ins-
talações eléctricas. Hoje, é muito fácil ter acesso a este tipo de dispositivos,
pois existe um florescente mercado de consumo nesta área. Tanto é possível
comprar escutas como detectores de escutas, com vários formatos e capacida-
des, podendo um dispositivo simples custar 60 ou 70 euros.

A espionagem empresarial não acontece portanto só nos filmes e por


vezes os gestores parecem ter dificuldades em assumirem comportamentos
de segurança por receio de parecer paranóia. Mas é um facto que a ameaça
existe está a crescer e é imprescindível lidar com ela.

Nesta perspectiva, o acordo com o MIT terá o efeito de elevar o grau


da ameaça de espionagem empresarial em Portugal. Neste cenário, não
deverá pois ser descurada a elaboração de planos de segurança e contra-
espionagem empresarial.

3.10. A Ignorância é mais cara que a Informação207

Este título reproduz uma frase atribuída ao presidente John Kennedy e


por vezes usada pelos defensores da aplicação das informações estratégicas
às actividades empresarias. É para todos os efeitos um aforismo que sugere
os benefícios do investimento em intelligence, para os negócios, neste

207 Publicado em 12 de Abril de 2007.

321
mundo em processo de globalização e crescentemente competitivo. O mer-
cado das empresas de intelligence, e de uma maneira geral de segurança,
nas suas várias modalidades, está pois em franco crescimento na Europa,
replicando o que vem acontecendo desde há já pelos menos duas décadas
nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Para além dos serviços neste domínio prestados por empresas especia-
lizadas e por uma série de Consultoras que incluem no seu pacote a oferta
de estratégia e intelligence (chamando-lhe ora business ora competitive ora
market), existem também as designadas private security companies (PSC)
cujo campo de actuação e expansão prioritária se situa no espaço dos com-
plexos industriais militares tutelados pelos Estados. A privatização e o out-
sourcing de determinadas funções até aqui exclusivamente detidas pelos
Estados é já um modelo aceite por americanos e britânicos, mas não ainda
na generalidade dos países europeus. Todavia, como se verifica uma ten-
dência de crescimento internacional deste sector, estão a ocorrer movimen-
tos de pressão das PSC sobre a União Europeia no sentido de ser adoptado
o modelo anglo-americano.

Por exemplo, há poucos dias atrás, o CIPI (Centro Italiano Prospettiva


Internazionale) e o ESISC (European Strategic Intelligence and Security
Center), o primeiro fundado em 2005 e o segundo em 2002, ambos sedeados
em Bruxelas, não por acaso, realizaram nesta cidade um workshop reservado
com 40 participantes: especialistas em segurança e intelligence, funcionários
da União Europeia e da NATO, diplomatas de vários países, gestores de PSC
e representantes da imprensa especializada. O workshop girou em tôrno da
eventual necessidade de uma política europeia relativamente às PSC e das
oportunidades de negócio e possíveis riscos de segurança associados a pro-
cessos de privatização limitada de funções de intelligence dos Estados.

As PSC, integradas em grande número por ex-oficiais militares e ex-


membros dos serviços de informações, pretendam que seja criada regula-
mentação e um sistema oficial de certificação de empresas concorrentes,
neste sector, a concursos dos complexos industriais militares. Porém, a
Comissão Europeia e os governos consideram que não existe consenso
nesta matéria e portanto defendem que o assunto deve continuar a não cons-
tar da agenda dos conselhos europeus. Assim, as PSC não verão para já
atendidas as suas reivindicações, mas, como está em curso uma proliferação

322
destas empresas, é provável que redireccionem parte das suas actividades
para a business e competitive inteligence.

Na Europa, depois do Reino Unido, é em Itália e na França que tal pro-


liferação é maior, verificando-se no entanto, por falta de regulamentação
específica, um certa confusão de empresas com objectos variados que
passa, por exemplo, por firmas de detectives que oferecem serviços ilegais
de espionagem comercial sob a designação legal de intelligence. E, conse-
quentemente, existe também um mercado crescente para a segurança e con-
tra-espionagem comercial.

Em França, a consciência desta realidade já ganhou foro de política de


Estado, com a figura do Alto Representante para a Inteligência Económica
no gabinete do primeiro-ministro. Rémy Pautrat, ex-director da DST
(Direction de la Surveillance du Territoire) e presidente do IERSE (Institut
d Études et de Recherche pour la Sécurité des Entreprises), estima contudo
que as empresas francesas afectam somente 0,3% dos seus orçamentos à
inteligência económica, dez vezes menos que as britânicas e as japonesas.

3.11. Tempo de Intelligence nas Empresas208

Não é demais insistir no facto de que em Portugal, nomeadamente no


mundo empresarial, não se encontra ainda divulgada, de modo minima-
mente suficiente, a metodologia das informações estratégicas ou intelli-
gence como instrumento de apoio à primeira linha da tomada de decisão.
E nos raros casos das empresas em que há sensibilidade para tal, será
excepção a existência de uma unidade de produção para o efeito. A evi-
dência é esta: no processo de globalização em curso, a generalidade das
empresas portuguesas encontram-se desprotegidas em relação às ameaças
e desarmadas face às oportunidades. Temos assim uma grande vulnerabi-
lidade tanto defensiva quanto ofensiva.

A maioria dos gestores portugueses encara a necessidade de intelligence


com indiferença e até mesmo com alguma desconfiança associada ao estigma
da espionagem económica e industrial. Contudo, embora muito lentamente,

208 Publicado em 26 de Abril de 2007.

323
está a crescer o interesse e correspondente debate, sobretudo nos meios aca-
démicos e militares, em tôrno deste conceito aplicado às empresas, no seu
leque de variantes. Há duas semanas atrás, por exemplo, Didier Lucas, director
de estudos da École de Guerre Économique, bastião francês do ensino da
inteligência económica, esteve em Portugal, onde visitou a Edisoft, a AIP e a
SEDES, tendo proferido aqui uma conferência para cerca de 20 pessoas orga-
nizada pelo Grupo de Trabalho de Inteligência Competitiva.

Termos como inteligência económica, inteligência competitiva e inte-


ligência de mercados vão sendo utilizados praticamente como sinónimos,
a par do de intelligence, por aqueles que estão a interessar-se por estas
matérias em Portugal. Entre estes há quem pense que o de inteligência de
mercados será o que irá vingar no vocabulário português. Veremos se assim
acontecerá, uma vez que a pressão do inglês nos negócios é forte e con-
templa com definições diferentes o conceito de intelligence quando o espe-
cifica com os termos business ou competitive ou market.

A propósito, é interessante notar que, numa conferência que proferiu


no Instituto da Defesa Nacional, no passado dia 3 de Abril, Rocha de
Matos, presidente da AIP, caracterizou o modelo competitivo português
como frágil e desajustado, recomendando a adopção de um novo modelo
assente numa “estratégia de inteligência de mercados”. Isto revela não só
a problemática da adopção/construção de termos portugueses ou da tradu-
ção ou uso de estrangeiros, que é em parte abordada no número da prima-
vera, que acabou de sair, da Revista de Ciências Sociais e Políticas, mas
também a expansão em curso da perspectiva da intelligence.

No que respeita a este ambiente, é ainda de realçar o pioneiro curso de


pós-graduação de Guerra da Informação/Competitive Intelligence oferecido
pela Academia Militar, aberto a civis, e os correspondentes simpósios inter-
nacionais sobre Estratégia da Informação Nacional, cuja terceira edição
decorre em meados do próximo mês de Maio. Também neste mês, mas no
final da primeira semana, no Instituto de Estudos Superiores Militares, vai
ter lugar outro simpósio – Intelligence in the Global Age – organizado pela
Associação para as Comunicações, Electrónica, Informações e Sistemas de
Informação para Profissionais (AFCEA Portugal), sedeada na AIP, e onde
terá lugar uma sessão dedicada à competitive intelligence.

324
Por isso, embora ainda insuficientemente, algo está a mexer nesta maté-
ria em Portugal, e é provável que as novas gerações de gestores portugueses
venham no futuro a utilizar naturalmente a intelligence como ferramenta
de gestão. Mas, para já, aqueles que a começarem a adoptar, obviamente
que adquirirão capacidade de antecipação e vantagem competitiva.

Um indicador: o mercado americano de business intelligence, neste


momento, ronda os 50 mil milhões de dólares e está a crescer a cerca de
15% ao ano.

3.12. A Expansão da Inteligência Económica209

O conceito de inteligência económica continua a expandir-se em França


e daí a projectar-se na área de influência francófona. É a resposta ao con-
ceito americano de inteligência competitiva, face ao fenómeno da globali-
zação económica, entendido pelos franceses como um sistema de influência
predominante anglo-saxónica. A sua definição mais abrangente continua a
ser a do chamado “Relatório Martre”, de 1994, documento encomendado
pelo governo e fundador do movimento: “o conjunto das acções coordena-
das de pesquisa, tratamento e divulgação, com vista ao seu aproveitamento,
da informação útil aos actores económicos”.

Mas na percepção extrema da concorrência, a inteligência económica


adopta a posição ofensiva de guerra económica, existindo em Paris uma
escola de gestão com o mesmo nome, desde há dez anos, que tem como
objectivo criar uma nova geração de gestores franceses distinta na sua for-
mação daquela que é transmitida pelas escolas de gestão de modelo anglo-
saxónico. O conceito foi entretanto institucionalizado junto do primeiro-
ministro através da figura do Alto Representante para a Inteligência
Económica e, enquanto política pública, tem vindo igualmente a expandir-
se para o nível regional e local sob a variante da inteligência territorial,
centrando a atenção nas pequenas e médias empresas.

O objectivo é simples: optimizar a vantagem competitiva no sector


público e privado, em França e no estrangeiro. A dinâmica hoje aí obser-

209 Publicado em 5 de Julho de 2007.

325
vável é a da construção progressiva de uma rede heterogénea de produção
de informações estratégicas envolvendo instituições públicas, empresas e
associações. É um movimento crescente que já cobre os grandes grupos
económicos, os quais criaram ou uma unidade ou departamento de inteli-
gência económica, função transversal nas organizações sob essa designação
ou outra, como a de direcção de desenvolvimento ou de estratégia.

A dinâmica é particularmente intensa no âmbito das associações, sendo


de referir a Academia de Inteligência Económica, um círculo de reflexão
presidido por Bernard Esambert, antigo conselheiro industrial de Georges
Pompidou; o Grupo La Fontaine, que reúne especialistas de cerca de 40
empresas, entre as quais a Total, a Danone e a Orange (France Télécom);
o Clube de Defesa Económica da Empresa, no quadro da “gendarmerie
nationale”, de que fazem parte empresas como a Air France, a Alcatel, a
Electricité de France ou o BNP-PARIBAS; e a Assembleia das Câmaras
Francesas de Comércio e Indústria, que lançou um Plano Nacional para a
Inteligência Económica para levar a formação nesta área a cerca de centena
e meia de associadas.

A expansão internacional do conceito é agora também uma realidade,


em especial na África francófona. Verifica-se, recentemente, uma tendência
de organização de conferências de especialistas e de publicação de artigos
sobre o assunto na imprensa em Marrocos, na Argélia e na Tunísia. O movi-
mento está também a alastrar aos países subsaharianos, para já com destaque
para o Mali e sobretudo para o Senegal. Este último está a funcionar como
rampa de lançamento para os restantes países africanos francófonos, aco-
lhendo em Dakar a Organização Africana de Inteligência Económica, fun-
dada no ano passado e presidida pelo General Mamadou Mansour Seck,
ex-chefe do estado-maior das forças armadas senegalesas e ex-embaixador
em Washington entre 1993 e 2002.

A coesão francófona é indubitavelmente uma prioridade deste movi-


mento e não é improvável que este venha a tentar expandir-se para os países
limítrofes, nomeadamente para os lusófonos, aproveitando o vazio de lide-
rança e dinamismo económico que Portugal, por falta de capacidade, não
tem conseguido imprimir à sua tradicional área de influência, situação agra-
vada pela ainda inexistente cultura de informações estratégicas, entre nós,
enquanto factor indispensável de competitividade.

326
IV – UMA PERSPECTIVA DE PORTUGAL
NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1. A Imagem Externa de Portugal210

À partida, em comparação com as empresas europeias e americanas,


as empresas portuguesas com estratégias de internacionalização encon-
tram-se em desvantagem, por várias razões, dentre as quais se destaca
desde logo o facto de sermos uma muito pequena potência no seio da cha-
mada comunidade internacional.

Neste contexto é de assinalar a existência de um factor não exclu-


sivamente económico que, em certa medida, também condiciona a nossa
projecção internacional, produzindo um efeito de halo que envolve as
empresas nacionais. Falo da questão complexa e tendencialmente pro-
blemática da imagem externa de Portugal. Esta tem sido abordada, a
meu ver, de forma excessivamente simplista e enquadrada em parâmetros
exclusivamente político-económicos. Claro que entre os objectivos prin-
cipais estão a captação dos turistas e a promoção das exportações. Mas
se relativamente aos turistas estes parâmetros estão ajustados, os mesmos
não são por si só suficientes em relação às exportações porque estas
accionam “lá fora” uma percepção primária que é globalmente de natu-
reza socio-cultural.

210 Publicado em 15 de Dezembro de 2005.

327
Por outras palavras, a imagem político-económica tem um tempo ace-
lerado que acompanha, em flutuações de curto prazo, os altos e baixos da
estabilidade política e do clima económico. A imagem socio-cultural tem
um tempo demorado, geracional, a longo prazo, que estrutura de modo con-
solidado a imagem que os outros fazem de nós. E esta última, particular-
mente no que respeita a Portugal, assenta em fundamentos históricos de
desinformação internacional da cultura portuguesa, cuja exposição deta-
lhada não cabe aqui neste espaço.

A desinformação histórica traduz-se na definição da nossa imagem


além-fronteiras, que é globalmente negativa. Neste aspecto, é possível traçar
uma linha de continuidade desde o século XVI, pelo menos, até ao Portugal
do 25 de Abril. São vários os factos que sustentam esta realidade, como
por exemplo a génese, naquele século, da expressão italiana “fare il por-
toghesi”, ainda hoje utilizada correntemente, que significa fazer-se de por-
tuguês ou fazer como os portugueses e que tem o sentido pejorativo de
aldrabões e caloteiros. Mais para cá, neste ângulo, também o estereótipo
do comerciante português Oliveira da Figueira na célebre banda desenhada
Tintin. Ou então, a visão anticolonialista, sem dúvida hegemónica, nos
livros de histórias e das restantes ciências sociais, não só no estrangeiro
mas também em Portugal, que sublinham a escravatura e a cupidez dos
comerciantes portugueses.

Sucessivos investimentos, avultados, em campanhas publicitárias inter-


nacionais, e grandes eventos como a Expo 98 e o Europeu de futebol, e a
projecção mediática de alguns portugueses, não modificaram esta percep-
ção. Apenas a atenuaram pontualmente. A percepção de que todos os olhos
estão postos em nós quando produzimos um evento, e de que o resultado
é automaticamente positivo em nosso benefício, é uma ilusão histórica. Até
candidatos presidenciais afirmam que, por sua conta, a imagem do país vai
melhorar. Na verdade, qualquer campanha de promoção de Portugal não
pode deixar de tomar em consideração este “background” histórico da
desinformação internacional, o que parece não acontecer. Assim, as acções
poderão estar a ser filtradas de uma ou mais formas para nós imperceptíveis,
tornando-nos vulneráveis a efeitos boomerang.

No que respeita ao espaço lusófono, ao contrário do que muitas declara-


ções oficiais possam fazer crer, clamando laços históricos, simpatias e afec-

328
tividades, a imagem de Portugal não é a de um parceiro imediata ou automa-
ticamente privilegiado no sentido de uma ligação de negócios “a toda a
prova”. Na verdade, nos mercados mais importantes do Brasil, Angola e
Moçambique, os favorecimentos são casos de excepção. As empresas portu-
guesas valem o poder e dinheiro que têm. A CPLP é ainda uma comunidade
virtual que não congrega uma sinergia lusófona económica, uma Lusofonia
potenciadora de uma visão de empreendorismo conjunto a nível internacio-
nal. O complexo anticolonialista ainda está pois vivo, quer subtil quer subli-
minarmente, numa parte relevante das elites locais.

Por esta razão, não será porventura má ideia reforçar os estudos secto-
riais de mercado com uma análise global da situação da imagem externa
de Portugal nos países-alvo prioritários, para começar, e com um programa
de avaliação da eficácia das campanhas de promoção para se afinar estra-
tégias e conceitos operacionais.

2. Uma Visão Optimista de Portugal211

Portugal encontra-se num momento decisivo da sua História. Todos nós


estamos perante um desafio de desenvolvimento e de afirmação colectiva,
concretamente no âmbito da projecção económica internacional, que deriva
de factores como a descolonização, a integração europeia e a globalização.

A verdade é que, face ao estrangeiro, o nosso patriotismo é actualmente


fraco mas é também verdade que a nossa identidade nacional permanece
ainda sólida, porque enraízada numa História de quase nove séculos que é
singular e que faz de nós o Estado-Nação mais antigo e culturalmente
homogéneo da Europa. Se alguém se der ao trabalho de ver um Mapa
Etnográfico da Europa, documento que passou a congregar o interesse dos
investigadores na sequência da queda do Muro de Berlim e da redefinição
geopolítica da Europa do Leste, verá que o grau de coesão étnica e territorial
de Portugal só encontra correspondência na Islândia, num conjunto de
cerca de 170 unidades inventariadas, desde o Atlântico à região do Cáucaso,
passando aqui mesmo ao lado pela Espanha.

211 Publicado em 29 de Dezembro de 2005.

329
No que respeita pois à nossa identidade nacional, o cenário é optimista
pois temos de ter presente que 30 anos de História representam apenas 3%
de 900 anos, e que portanto, partindo deste perspectiva estatística e fria,
nos encontramos apenas numa fase de turbulência. Isto contraria a visão
negativista com que uma parte influente das elites portuguesas, em parti-
cular os “opinion makers”, têm tratado o nosso Passado recente e antigo.
Porém, faz também parte da nossa identidade nacional a tendência de valo-
rizar o que se faz ou que vem, como é costume dizer, lá de fora. E assim
frequentemente se esquece ou subalterniza o que se faz cá dentro. Numa
perspectiva estratégica, isto fragiliza-nos o nosso poder anímico e conse-
quentemente a nossa afirmação colectiva que, de forma indelével, sustenta
a projecção internacional das nossas empresas.

Contudo, o cenário global do futuro apresenta-se optimista. Basta olhar


com atenção para aquele que, após o 25 de Abril, é o principal factor da
mudança cultural de Portugal, que silenciosamente se encontra a operar
uma revolução da nossa estrutura social e que se manifestará em pleno
daqui a uma ou duas gerações. Estou a falar da abertura da Universidade
e da correspondente proliferação de instituições públicas e privadas por
todo o país que, conforme sublinhava há algum tempo atrás o Professor
Adriano Moreira na qualidade de Presidente do Conselho Nacional de
Avaliação do Ensino Superior, “em duas décadas, alteraram o panorama
cultural, científico, e urbano do país profundo, das interioridades, das
comunidades despertadas para o desenvolvimento e para a competitivi-
dade.”

Não obstante os queixumes dos insatisfeitos do costume – e todos nós,


num momento ou outro, aderimos a esse coro – Portugal é hoje, permitam-
me a hipérbole, um país universitário. Os alunos inscritos no ensino supe-
rior, sem contar por isso com os já formados ao longo dos anos, representam
cerca de 10% da população activa, e é relevante sublinhar o facto de que
as mulheres são tendencialmente maioritárias. Por exemplo, os
Doutoramentos cresceram em termos absolutos de cerca de 3.000 em 1990
para os 10.000 em 2002 e o peso das mulheres subiu dos 38% para os 46%.
E é legítimo inferir que o potencial de desenvolvimento do país aumenta
na proporção do nível cultural das mães. Estas, apesar da modernidade dos
tempos, continuarão a ter um influente papel na formação e educação dos
filhos. É diferente crescer num ambiente de analfabetismo ou formação

330
básica que num ambiente de formação universitária. É pois uma questão
de tempo. Para alguns, mais impacientes, tudo está a acontecer muito len-
tamente, e não deixam de ter razão. Dar tempo ao tempo é mais uma carac-
terística antiga da nossa identidade cultural que oferece inúmeras resistên-
cias ao stress anglo-saxónico do tempo é dinheiro.

De todo o modo, a Universidade, nas suas múltiplas formas de ensino


superior e investigação científica, é um factor de mudança, de desenvolvi-
mento e de consolidação da identidade nacional. A nossa é de facto muito
antiga, não é demais lembrá-lo, e por isso é também previsível que as novas
gerações venham a sentir o impulso de partirem à descoberta da nossa
História, nomeadamente económica, de forma a compreenderem quem
realmente são nesta conjuntura acelerada de globalização. É que, tal como
as pessoas, uma Nação é aquilo que é no presente, em função do que foi
no passado e do que está a projectar ser no futuro.

3. Comunidade de Afectos e Interesses212

Existe uma tendência no sentido da coesão dos países lusófonos em


tôrno da defesa e divulgação da língua portuguesa. É do interesse de
todos que o Português ganhe espaço e se consolide, por exemplo, no
sistema das relações internacionais, nomeadamente no seio das orga-
nizações internacionais. Por esta razão, frequentemente se declara nos
oito países que há 200 milhões de falantes da língua portuguesa. É
contudo um argumento fundamentalmente político e, não correspondendo
à realidade, aquele número projecta uma imagem sobrevalorizada do
virtual mercado comum lusófono. Para além da vulgarização dos crioulos
na Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, a taxa de falantes
efectivos (incluindo analfabetos) da língua portuguesa na Guiné-Bissau,
Angola e Moçambique, provavelmente não ultrapassará 30 a 50% da
população, consoante o caso.

Por outro lado, mesmo assim, mesmo havendo um princípio de coesão


em tôrno da língua portuguesa, não tem sido consensual a utilização do
termo lusofonia para definir a projecção da sua realidade demográfica e

212 Publicado em 5 de Janeiro de 2006.

331
geográfica, nem a do conceito de comunidade lusófona para definir o pro-
jecto de organização formal dessa realidade. Ao termo lusofonia parece que
tem andado associado, no âmbito de uma parte substancial das elites dos
países africanos lusófonos, porventura com excepção de Cabo Verde e
Timor, um sentido pejorativo de neocolonialismo por parte de Portugal.

Com efeito, semanticamente o vocábulo luso tem sido uma causa impor-
tante desse princípio de dissociação, porque de algum modo, numa das
interpretações possíveis, confere à priori a Portugal um estatuto ascendente
numa situação de relacionamento que se pretende igual. O Brasil, por seu
turno, tem mesmo utilizado frequentemente no discurso oficial o conceito
de países de língua comum, naquilo que pode ser entendido como um pres-
suposto de não reconhecimento de uma “vantagem competitiva” de Portugal
no processo de liderança da comunidade lusófona.

Constituindo pois o problema semântico um real factor de dissociação


no que diz respeito à utilização do conceito de comunidade lusófona, o
termo língua portuguesa surge assim como objectivamente linguístico e
políticamente neutro. Todavia, o projecto da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa tem sido anunciado não só como cultural e político mas
também económico. Estamos pois perante uma contradição no que respeita
à operacionalidade mobilizadora do conceito. É esta contradição que repre-
senta um problema explícito de definição de auto-imagem, pela forma múl-
tipla como os oito países se revêem no nome do projecto.

Se considerarmos que a imagem dos outros é uma variável relativamente


estável da política externa, de qualquer país, que ajuda a explicar a sua
orientação a longo prazo, compreenderemos que a falta de um consenso
histórico na área lusófona relativamente ao passado colonial – isto é, as
imagens recíprocas dos países lusófonos sobre a história conjunta que é de
facto a História Colonial de Portugal – provoca ruídos na comunicação
desenvolvida no sentido da construção daquela comunidade, concretamente
em termos económicos.

O apelo constante, nomeadamente por parte do discurso político por-


tuguês, à “comunidade de afectos e interesses”, não produz de imediato
um efeito de coesão nem abre automaticamente as oportunidades de negócio
em África. Os políticos, nomeadamente portugueses, podem eventualmente

332
considerar como exemplo óbvio a sua própria experiência no domínio de
determinadas relações pessoais. Mas globalmente não parece ser posssível
afirmar que a fórmula “comunidade de afectos e interesses” funcione auto-
máticamente como conceito mobilizador de pessoas, grupos e institutições
no sentido da aceleração dos processos. Os factos têm-nos revelado que
pelo menos no campo das lideranças existem certas incompatibilidades que
têm provocado desencontros e adiamentos.

Se procurarmos uma lição na história da organização do espaço lusó-


fono, veremos que a fórmula “comunidade de afectos e interesses” não é
substancialmente original. Já estava presente, ora latentemente ora de uma
forma explícitamente semelhante, no longo período do movimento de ins-
titucionalização da antiga Comunidade Luso-Brasileira. Mas nem mesmo
então, quando havia apenas dois Estados e coesão em tôrno de princípios
derivados da matriz cultural portuguesa, se conseguiu institucionalizar e
rentabilizar de facto essa comunidade.

4. Diplomacia Económica e Negócios Estrangeiros213

Há uma pequena anedota que diz que enquanto os militares dão a vida
pela pátria, os diplomatas dão o fígado. Vem isto a propósito do ressurgi-
mento do discurso da diplomacia económica que andava meio adormecido
desde o tempo do ministro-embaixador Martins da Cruz e da respectiva
crítica à chamada diplomacia do croquete. A sugestão é de que os diplo-
matas se encerram de tal modo nas recepções e cocktails, e nas questões
meramente políticas, que descuram um conjunto de tarefas necessárias à
captação de investimento estrangeiro e à projecção económica de Portugal.

A crítica é justa por um lado mas injusta por outro. É justa porque a
atitude dos diplomatas portugueses, conforme é correntemente percepcio-
nada, em particular no seio das comunidades portuguesas, roça em muitos
casos a sobranceria e está repleta de maneirismos de comportamento e lin-
guagem que cria fossos de comunicação. É injusta – e isto é uma verdade
elementar bem antiga, desde aqui à mais remota tribo – porque é nos
eventos sociais gastronómicos, passe a expressão, que se criam dinâmicas

213 Publicado em 12 de Janeiro de 2006.

333
facilitadoras ou solucionadoras ou empreendedoras de negócios e interesses
comuns entre partes. Aliás, este enfoque no adjectivo económico da diplo-
macia não acrescenta nada de substancialmente novo, em termos concep-
tuais, àquilo que é a função mais tradicional dos diplomatas. Até parece
esquecido o facto, tão evidentemente expresso na língua portuguesa, de que
aos diplomatas cabem os “negócios estrangeiros”. Afinal, o discurso da
diplomacia económica é ou não redundante? E o ICEP e a API não são
instrumentos especializados dos “negócios estrangeiros”?

Mas para já, pede-se aos diplomatas que mudem de comportamento e


captem “emigrantes ricos”, ao mesmo tempo que são tranquilizados quanto
ao facto de não virem a ser avaliados pelos planos de negócios desenvol-
vidos a partir das embaixadas. Quanto à captação, que para todos os efeitos
transmite a imagem de uma espécie de “política da manteiga”, basta ir à
internet e ver os comentários já existentes de emigrantes para se vislumbrar
a espinhosa missão que os diplomatas têm pela frente; existem queixas e
melindres antigos que não são apagadas de um momento para o outro, exis-
tindo igualmente no seio das comunidades rivalidades concorrenciais que
poderão ser acirradas por intromissões externas.

Qual o critério de preferência em relação aos empresários? Em que


medida e por quem é que será distribuída a chamada “informação privile-
giada”? E é preciso não esquecer que os governos são a prazo, por natureza,
e os responsáveis pelas pastas, como dizem os brasileiros, “não são minis-
tros, estão ministros” – e depois as coisas mudam, e voltam a mudar.

Mas nesta pequena polémica entre os ministros Freitas do Amaral e


Martins da Cruz, ficou a saber-se no âmbito mais alargado do público que
o projecto de despacho da diplomacia económica foi realizado por uma
consultora estrangeira sob encomenda do então ministro da economia
Carlos Tavares, que o remeteu para as Necessidades, onde ficou na gaveta
a aguardar alterações ao texto. Será que não havia ninguém ou nenhuma
escola de economia e gestão em Portugal que pudesse fazer isso, tratando-
se ademais de um assunto relevante do interesse nacional?

Rivalidades institucionais? Provincianismo? Tudo isto parece irreal. Mais


uma vez, entre tantas, perdendo-se em questiúnculas e projectos fantasiosos e
desfazados da realidade, não se aproveitam os recursos para potenciar de

334
facto a projecção internacional das empresas e dos produtos portugueses. E
os empresários que efectivamente possuem uma atitude empreendedora
sabem que não podem depender do Estado para serem competitivos.

É neste contexto que se torna vital, verdadeiramente vital, nesta con-


juntura de globalização acelerada e de crescente competitividade, as empre-
sas deterem unidades de informações estratégicas de apoio à tomada de
decisão, de modo a que desenvolvam uma capacidade prospectiva própria
e um nível elevado de autonomia relativamente à informação externa. Mas
não deixa de ser uma obrigação dos “negócios estrangeiros” prospectivar,
abrir e facilitar as oportunidades de negócio.

A propósito, há cerca de um mês, porventura na posse de um estudo


realizado por uma consultora externa, o ministro adjunto dos negócios
estrangeiros da Grécia anunciava uma nova estratégia em que os diplomatas
irão ser avaliados pela sua performance na diplomacia económica. Moda
de países subdesenvolvidos?...

5. A Matriz da Cooperação Portuguesa214

O conceito de cooperação (aplicado às relações internacionais e associado


ao processo de descolonização) despontou no início dos anos 60, definindo, na
sua forma ideal, uma dinâmica de contribuição altruísta dos países ex-coloni-
zadores para o desenvolvimento das suas ex-colónias entretanto transformadas
em Estados independentes. Quando se deu o 25 de Abril de 1974 essa dinâmica
encontrava-se pois integrada na conjuntura internacional há mais de uma
década e Portugal iniciou um processo de alinhamento com a corrente. Esse
processo levaria ainda uma outra década até se atingir uma plataforma de sus-
tentação institucional e financeira que desencadearia depois o arranque efectivo
daquilo a que podemos chamar Política de Cooperação.

Com efeito, é possível assinalar a existência, até ao momento, de duas


grandes fases da Política de Cooperação portuguesa. O marco separador
situa-se entre os anos de 1984 e 1986, data da entrada de Portugal para a
Comunidade Económica Europeia.

214 Publicado em 26 de Janeiro de 2006.

335
A primeira fase é a do difícil reatamento de ligações com os PALOP,
após uma descolonização “traumática” tanto para os colonizadores como
para os colonizados. O sistema da cooperação portuguesa começou a ser
formalmente esboçado no último dia do ano de 1974, quando foi criado,
junto da Presidência da República, o Gabinete Coordenador para a
Cooperação, ao mesmo tempo que a Comissão Nacional de Descolonização.
O Gabinete Coordenador para a Cooperação pretendia ser o núcleo central
de estudo, programação e acompanhamento das acções de cooperação dos
“diferentes departamentos de Estado” e ser também por estes informado
das “variadas matérias que hajam de constituir objecto de acordos de coo-
peração a negociar com os novos países”.

No entanto, este Gabinete viria apenas a ser a primeira iniciativa de


uma série de “indecisões” políticas quanto ao modelo do sistema de coo-
peração a adoptar, as quais passaram inclusivamente pela criação de um
Ministério da Cooperação que durou cerca de 10 meses. Este constituiu de
facto a única tentativa de centralização institucional do sistema da coope-
ração portuguesa.

O Ministério da Cooperação, criado pelo VI Governo Provisório


(25Set75), foi extinto pelo I Governo Constitucional (23Jul76), o qual no
seu programa se referia às relações “particularmente difíceis” com Angola
e Moçambique e, para ultrapassar a situação, propunha o seguinte: “des-
dramatizar os problemas existentes e tratá-los de forma não ideológica, no
respeito mais escrupuloso pelas soberanias e pelos interesses respectivos
em termos de igualdade (...) extinto o Ministério da Cooperação, e os
assuntos de interesse comum serão tratados, como é normal, no âmbito do
Ministério dos Negócios Estrangeiros.”

O MNE viu assim anulado um mecanismo considerado como “diplomacia


paralela” que se interpunha directamente na sua tradicional esfera de compe-
tências. A partir daí tornou-se comum defender a natureza descentralizada do
sistema, considerada como vantajosa não obstante a dispersão de energias e
recursos pelas dezenas de organismos do Estado apontados como “vocacio-
nados” para a cooperação. A ideia fundamental foi a de que as “extensões
ultramarinas” dos Ministérios (entretanto “retornadas” à metrópole) detinham
um capital específico de experiência e conhecimento que facilitavam as rela-
ções sectoriais com os organismos congéneres das ex-colónias.

336
Para consolidar o desejado reatamento das ligações, estabeleceu-se tam-
bém na época o método das consultas mútuas regulares e das comissões
mistas, mas nos finais dos anos 70 a dinâmica ainda não se encontrava
minimamente implantada. Reajustamentos constantes, à velocidade da
sucessão de governos, deram origem a um conjunto de instituições de dura-
ção limitada que se sobrepuseram nas suas competências, traduzindo na
verdade uma efectiva descoordenação do sistema. Como medidas tendentes
a solucionar o problema, a reestruturação do Instituto para a Cooperação
Económica (ICE) e a criação da Direcção Geral de Cooperação (DGC), no
final de 1979, e a institucionalização da Secretaria de Estado da Cooperação
e Desenvolvimento em 1981, representaram a tentativa de estabelecimento
de um núcleo eficaz de coordenação do sistema no MNE.

Mas a matriz estava desenhada. Sem qualquer visão estratégica, o sis-


tema da cooperação portuguesa evoluiu descoordenadamente com um
activo de acordos e declarações generosas e um passivo de realizações.

6. Estrangeirados, Ma Non Troppo215

É um lugar-comum a afirmação de que em Portugal se valoriza o que


se faz “lá fora” em detrimento do que se faz “cá dentro”. Com efeito, são
inúmeros os exemplos que poderiam ser apontados desta inclinação nacio-
nal para o estrangeiro, começando desde logo pelos remoques que existem
nos cancioneiros medievais a propósito daqueles que, já depois da fundação
da universidade no século XIII, preferiam ir estudar para o estrangeiro.
Quando retornavam a Portugal, muitas vezes após estadias de curta duração
e sem conhecimentos suficientes, o seu nível de sabedoria era socialmente
reconhecido como superior.

Visto à distância de sete séculos, há qualquer coisa de familiar neste


facto. Não é aqui o espaço para se fazer a história do estrangeirismo em
Portugal e a respectiva contabilidade de malefícios e benefícos no desen-
volvimento do país, a qual, aliás, para quem se meter a caminho, dará uma
boa tese de doutoramento. Mas se quisermos compreender a essência do
fenómeno, é provável que cheguemos à conclusão de que o estrangeirismo

215 Publicado em 1 de Fevereiro de 2006.

337
é parte intrínseca da cultura portuguesa. Por outras palavras, a cultura por-
tuguesa revela uma tendência histórico-sociológica no sentido da integração
de elementos culturais diferentes, indubitavelmente em grau muito mais
elevado que outras culturas como, por exemplo, a espanhola, a francesa, a
britânica ou a variante americana. Basta comparar, a partir de dados demo-
gráficos actualizados, a dinâmica de integração social do sistema brasileiro
com a do americano para se constatar a validade da observação. É a dife-
rença entre a convivência social que gera o multiculturalismo integrado e
a coexistência social que gera o multiculturalismo segregado.

Na verdade, a cultura portuguesa é inclusiva, ao passo que as outras


são exclusivas, isto é, são muito mais dificilmente influenciadas por ele-
mentos culturais estrangeiros. Não é por acaso que os nossos militares em
missões de paz conseguem criar e manter uma boa relação com as popu-
lações locais. Tem a ver com o nosso próprio carácter cultural, que neste
aspecto se manifesta em todos os níveis das classes sociais. Por exemplo,
nas classes altas é sinónimo de distinção e estatuto ter uma filiação estran-
geira, mesmo que já esteja distante, sobretudo visível no nome de família.
O efeito na sociedade britânica é o inverso. Por seu turno, os nossos emi-
grantes, passado pouco tempo, já utilizam a língua portuguesa “arranhada”
com vocábulos, expressões e entoações da língua local.

Vem tudo isto a propósito desta vaga de estrangeirismo que se abateu


sobre Portugal nos últimos tempos e que envolve o já célebre e voluntarioso
plano tecnológico, o famoso MIT e a não menos famosa Microsoft. Em pri-
meiro lugar, para se compreender a situação, é preciso ver que, por debaixo
das capas oficiais, a “guerra” do MIT foi entre professores universitários de
instituições e áreas científicas diferentes... Em segundo lugar, toda a azáfama
traduz, em grande medida, uma operação de “marketing governativo”, como
apontou certeiramente a Luísa Bessa há dois dias atrás, alertando também
para o facto de que à ”gatemania” se sobrepôe a mensagem de que Bill Gates
não precisou do Estado para nada para construir o seu negócio. Em terceiro
lugar, parece que toda esta correria do aparelho do Estado atrás do homem
mais rico do mundo – para talvez lhe apertar a mão? – evidencia não só um
alto grau de estrangeirismo mas também de provincianismo.

Seria contudo de um nacionalismo bacôco e retrógado pretender que


não se deve procurar no estrangeiro o que nos faz cá falta e que não temos

338
capacidade de desenvolver com os nossos próprios meios. A transferência
de tecnologia avançada é hoje para nós absolutamente fundamental. Mas
por que é que isso tem de ser feito entre universidades e instituições privadas
estrangeiras e o Estado português, que aparece assim como um tipo com-
binado de intermediário, moderador e relações públicas? Uma coisa é o
plano tecnológico enquanto política governamental programada de desen-
volvimento, outra deve ser a cooperação universitária e outra ainda a con-
tratação de serviços a empresas, nacionais ou estrangeiras, para a moder-
nização da administração pública.

Talvez possamos dar o benefício da dúvida, mas por enquanto não é


vislumbrável que, por via do estrangeirismo, o plano tecnológico vá aumen-
tar as exportações e reduzir o desemprego. Aliás, historicamente, sempre
que houve um surto de desenvolvimento tecnológico do trabalho, o desem-
prego cresceu.

7. O Legado Colonial na África Lusófona216

É muitas vezes afirmado que os Países Africanos Lusófonos sofreram


500 anos de colonialismo português antes das Independências. Tal observa-
ção não corresponde à realidade. A colonização portuguesa da África come-
çou efectivamente após a Conferência de Berlim de 1884-85 com a ocupação
militar dos territórios. Tratou-se da primeira fase de implantação alargada da
soberania portuguesa no interior africano, concretamente sobre as diversas
unidades políticas tradicionais existentes nas várias parcelas desses territórios
que, nos estudos africanos, se convencionou chamar estados, impérios, reinos
e chefaturas. Uma segunda fase foi a da ocupação administrativa, a qual
representou de facto a implantação de um Estado de Direito caracterizado
pela sua intervenção no domínio público e privado. Uma terceira fase foi a
da ocupação científica que se traduziu na identificação e estudo da realidade
social, económica, geográfica e ambiental. Das três fases, a administrativa e
a científica prolongaram-se pelo século XX até às Independências, não
sendo possível afirmar que, globalmente, se tenham concluído de facto. Por
exemplo, o recenseamento da população nunca foi integralmente conseguido,
problema aliás ainda actual e de difícil solução.

216 Publicado em 23 de Fevereiro de 2006.

339
Na perspectiva do Estado, verificou-se globalmente com as
Independências uma descontinuidade num dos seus elementos: o governo.
No entanto, ao isolarmos este elemento para efeitos de análise, essa descon-
tinuidade assume a forma de ruptura ao observarmos a mudança no aparelho
do poder e na sua imagem e ideologia. Relativamente ao aparelho do poder,
essa mudança não foi abrupta pois se recorreu ao método dos governos de
transição e daí decorreu uma adaptação do novo aparelho governativo à
variedade e especificidade das funções administrativas e burocráticas do
Estado. Porém, no conjunto dos Países Africanos Lusófonos, a ideologia
constituíu desde o início, explícita ou implícitamente, um imperativo de rup-
tura Após o período de turbulência que se viveu após o momento da
Independência, os funcionários públicos, desde os escalões mais baixos,
muitos deles, senão a maioria, formados na época colonial, asseguraram
na medida do possível o funcionamento corrente da Administração, nor-
malizando-a no sentido dos expedientes conhecidos. Por outras palavras,
asseguraram a continuidade do aparelho de Estado colonial por intermédio
dos processos estabelecidos pelo Direito colonial que não sofreram revo-
gações revolucionárias.

De uma forma geral, o Estado Moderno tem vindo a consolidar-se após


as Independências, melhor dizendo, tem vindo a consolidar a sua dinâmica
de implantação enquanto legado colonial, ainda que de forma parcial, pois
mesmo as tensões e os conflitos deram origem a um maior grau de urba-
nidade e, inclusivé nas zonas rurais, até por via dos horrores da guerra, a
um contacto pressionado e permanente com inúmeros elementos estrutu-
rantes da modernidade. Os programas de reabilitação económica, assim
como a metodologia de introdução da Democracia, mesmo que de forma
aparentemente lenta, pelo menos do ponto de vista ocidental, através de
processos eleitorais deficientes, vêm reforçar essa dinâmica, mas isso não
significa que não possam igualmente animar e/ou agravar as tensões exis-
tentes nas relações entre o Estado e a complexa rede de estruturas sociais
coexistentes. Cabe portanto ao Direito Público e ao Privado a função de
ordenar a realidade social e económica, não esquecendo o problema velho
do dualismo jurídico de facto existente.

Mas, um lado positivo do legado colonial é sem dúvida o acervo de


estudos, primorosos do ponto de vista técnico e científico, que se encontram
completamente esquecidos. Em grande medida porque os intelectuais e

340
académicos “abrilianos” e estrangeiros de esquerda (leia-se extrema), que
monopolizaram os estudos africanos lusófonos após as Independências,
lhes lançaram o anátema de coloniais-fascistas. Contudo, qualquer empresa
que se projecte hoje para a África lusófona extrairá deles conhecimento e
uma correspondente vantagem competitiva.. O leque é variado, desde as
pragas agrícolas até aos planos de desenvolvimento regional, passando
pelos problemas de absentismo e instabilidade da mão-de-obra, pelas comu-
nicações, transportes e circuitos comerciais. Recorde-se, por exemplo, que
a economia de Angola era uma prioridade da política colonial.

8. Visão Estratégica da Cooperação com África217

Faz parte do conceito estratégico nacional, há já longos anos, traduzido


principalmente nos sucessivos programas de governo, rotativos entre um
partido e outro, a afirmação de que Portugal encara os países africanos
lusófonos como uma prioridade da política externa e da internacionalização
das nossas empresas. E constante também tem sido a afirmação de que o
sistema de cooperação é uma peça essencial dessa política e vários têm
sido os anúncios de “novos arranques”, por parte dos novos governos, a
partir de uns documentos invariavelmente chamados estratégicos que irão
definitivamente ultrapassar a inépcia dos governos anteriores. Ainda há
poucos dias ocorreu mais uma dessas encenações no palco do ministério
dos negócios estrangeiros.

Existe pois à partida um défice de credibilidade nesta matéria junto da


opinião pública mais atenta a estes assuntos. Há pouco tempo atrás, por
exemplo, um professor universitário especialista em questões de cooperação
económica, particularmente no que respeita a Angola, escrevia num artigo
de opinião, em tom tão humorístico quanto sarcástico, que tinha precisado
de cinco horas, três cafés e um xanax para ler o documento “Uma Visão
Estratégica para a Cooperação Portuguesa”.

Com efeito, este documento enuncia um conjunto já muito batido de


princípios da cooperação internacional para o desenvolvimento e apresenta
o termo “bi-multi” como uma espécie de novidade conceptual cujo signi-

217 Publicado em 2 de Março de 2006.

341
ficado é a articulação da ajuda bilateral com a multilateral. É meramente
uma pretensa “buzzword” com intenções mobilizadoras. Por outro lado,
aponta a criação de uma nova instituição financeira que virá dinamizar o
sistema e será parceira do Banco Europeu de Investimentos. Face aos ante-
cedentes, é preciso ver e também aceder para crer.

O principal entrave histórico à eficiência da cooperação portuguesa não


foi porém minimamente alterado. O dispositivo central responsável pela
coordenação do sistema continua no IPAD. Existindo algumas dezenas de
organismos distribuídos pelos vários ministérios que executam acções de
cooperação, como é possível que um orgão, como o IPAD, com um estatuto
“sub-nivelado” relativamente às secretarias de estado e aos ministérios,
tenha uma real autoridade de coordenação sobre estes?

Por isso, porventura, o problema só ficará resolvido quando fôr possível


criar um ministério da cooperação ou um ministro adjunto do primeiro-
ministro para o efeito que passe assim a ter condições para gerir efectiva-
mente o sistema. Isto evitaria desperdício de energias e recursos e poten-
ciaria não só as acções sociais e culturais mas também as económicas e
empresariais, tendo sobretudo em vista a África lusófona. Por outro lado,
um ministro deste tipo seria um homem do terreno, operacional, de mangas
arregaçadas, que mantivesse o fluxo em constante movimento, não obstante
as eventuais alterações das conjunturas políticas locais, cuja gestão ficaria
sim a cargo dos diplomatas.

Neste momento, por exemplo, face à estimativa do extraordinário cres-


cimento de quase 28%, Angola já deveria estar a ser objecto de uma grande
acção concertada de cooperação, apoiada em grande medida no investi-
mento e na acção das empresas portuguesas. É que, embora ainda estejamos
posicionados como líderes, a tendência está orientar-se no sentido da nossa
regressão comparativamente ao Japão e à China, que deve ser vista como
um concorrente provisoriamente parceiro, ao Brasil, que não obstante a
cooperação lusófona deve também ser visto como um forte concorrente,
aos Estados Unidos e, na Europa, sobretudo à Alemanha e à Espanha, outro
concorrente provisoriamente parceiro.

Neste contexto, um estímulo particular deveria ser dado às pequenas e


médias empresas, pois é em África que podemos ser globalmente mais

342
competitivos que em qualquer outro lugar do mundo. Mas esse avanço deve
ser sustentado em informações estratégicas, as quais, se as empresas não
as puderem desenvolver no seu seio, poderão ser disponibilizadas numa
plataforma comum (de acesso livre e/ou restrito) alimentada por uma uni-
dade de produção numa universidade com competência para o efeito.

Mas, para já, atenção à China e monitorize-se o portal


macauhub.com.mo, tornado público esta semana. É particularmente revela-
dora a análise do africanista Huang Zequan, da Universidade de Pequim,
sobre as empresas chinesas em Angola e Moçambique face à concorrência.

9. A Oportunidade Africana218

Vistas num determinado ângulo, e não obstante os recursos naturais, as


colónias sempre foram um desafio extraordinário para Portugal no sentido
em que, para além dos povos colonizados, a política ultramarina tinha pela
frente uma massa territorial e uma dispersão geográfica de proporções abo-
lutamente gigantescas para a capacidade de resposta de um pequeno país
como o nosso. No séculos XIX, figuras ilustres da época chegaram mesmo
a defender que as colónias deveriam ser pura e simplesmente vendidas.

Mesmo assim, e reparando somente no caso africano, cuja colonização


efectiva (ao contrário do mito dos 500 anos de colonialismo) só começou
no século XX, com a transplantação de pessoas, instituições e infraestru-
turas, vemos que em duas ou três gerações foi realizada uma obra “cons-
trutiva” assinável que lançou os fundamentos dos actuais Estados indepen-
dentes. De certo modo, o desafio continua, desproporcionado à nossa
capacidade, nomeadamente financeira, quando nos propomos de certo
modo orientar a organização política, económica e mesmo cultural do
espaço lusófono. E perante a evidente insuficiência da resposta, passados
mais de trinta anos, apetece usar o velho coloquialismo de que é areia
demais para a nossa camioneta.

Na verdade, trata-se de um problema de política africana e cooperação


que, apesar das repetidas declarações de intenções, na prática foi excessi-

218 Publicado em 23 de Março de 2006.

343
vamente subalternizada pela política europeia. Como consequência, não foi
realmente montada até hoje uma plataforma consistente de projecção das
empresas portuguesas para África.

Mas as empresas portuguesas não podem estar à espera do Estado,


muito simplesmente porque a concorrência estrangeira não lhes dá tempo.
Também não é uma ou outra visita ministerial, por mais alto que seja o
nível e o número de empresários na comitiva, que resolve de imediato todos
os inevitáveis problemas que um projecto empresarial africano terá de
enfrentar. A atitude dos africanos é, aliás, extremamente pragmática. Por
exemplo, lembro-me de um eminente angolano, recentemente em Lisboa,
na sessão de lançamento do seu livro sobre o novo direito da economia
local, avisar cordial mas afirmativamente a representante do seu amigo e
nosso ministro dos negócios estrangeiros, perante uma sala cheia, de que
as relações entre Portugal e Angola corriam um verdadeiro risco de se dete-
riorarem se, digamos, não subíssemos a nossa parada para um plano equi-
valente ao das linhas de crédito da China, Brasil e Israel.

Portanto, que ninguém vá falar em afectos com os nossos potenciais


parceiros lusófonos. É, no mínimo, contraproducente. Existem antes, sem
dúvida, afinidades (linguísticas e sociológicas), o que facilita muito as coi-
sas. Mas é preciso não esquecer que o que predomina mesmo, na percepção
dos nossos potenciais parceiros lusófonos, são os interesses.

A concorrência é muita, mas em África temos indubitavelmente van-


tagens comparativas: afinidades, conhecimento histórico e elevado potencial
de obtenção de informações. E neste momento existe uma oportunidade
que não pode ser desperdiçada, sob pena de perdermos definitivamente
espaço estratégico de negócios, pois nada voltará a ser como dantes. Porquê?
Porque já começou a nova corrida pela partilha da África no que respeita
a recursos e a mercados. Os chineses começaram a subir a parada há meia
dúzia de anos na viragem do século, quando europeus e americanos anda-
vam “distraídos” com os Balcãs e depois com a al-Qaeda.

Mas, agora, os americanos despertaram e estão a executar uma nova


estratégia que passa por uma maior dependência do petróleo africano. Por
outro lado, Paul Wolfowitz está no Banco Mundial e determinou como prio-
ridade a África e a construção de infraestruturas, em detrimento dos tradi-

344
cionais programas de educação. Ao mesmo tempo avisou que haverá “tole-
rância zero” relativamente a esquemas de corrupção em África envolvendo
dinheiros do Banco, e os líderes políticos e empresários africanos e não-
africanos serão responsabilizados por qualquer eventual ligação directa ou
indirecta aos negócios dos terroristas.

Na prática, os Estados Unidos estão aplicar a política trade not aid, que
já vinha do presidente Clinton, cuja percepção macro de África era a de
um potencial mercado de 700 milhões de consumidores, do qual já pos-
suíam uma quota próxima do 10%, que se traduzia em cerca de 10.000
empregos americanos.

Qual é a nossa contabilidade?

10. Para Angola (s)em Força219

Está a ocorrer uma onda de grande interesse pelos negócios que poderão
ser feitos em Angola, sem dúvida por causa da paz que cada dia se vai conso-
lidando, não obstante a democracia ainda limitada, mas sobretudo pelas
potencialidades à vista num vasto leque de sectores. O crescimento previsto
para o corrente ano é superior a 25%. É neste clima que se realiza na próxima
semana a visita do primeiro-ministro de Portugal e, por isso, conforme foi
revelado, mais de trezentas empresas queriam integrar a comitiva. Esse privi-
légio só foi atribuído a oitenta que se encontram já a operar no terreno.

Este grande interesse por Angola suscita porém opiniões diferentes. Há


dias, por exemplo, um empresário do sector informático, com um grande
volume de exportações, nomeadamente para os Estados Unidos, afirmava
peremptoriamente perante as câmaras da televisão que as empresas portu-
guesas devem esquecer o Brasil e a África e voltar-se para o “mundo civi-
lizado”, que é onde está o dinheiro. E um conhecido grande empresário da
construção civil criticava esta onda “para Angola em força”, alertando para
o facto de os riscos do investimento em África serem totalmente diferentes
dos da Europa do leste e de a maioria das empresas portuguesas não terem
capacidade de os integrar nos seus balanços.

219 Publicado em 30 de Março de 2006.

345
Esta semana, por outro lado, teve lugar uma conferência de dois dias
sobre negócios em Angola e Moçambique, do sempre atento e activo
Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais, onde a onda foi analisada,
perante uma vasta e interessada audiência, por um selecto painel de oradores
convidados: representantes de câmaras de comércio e associações empre-
sariais, consultores, embaixadores e reputados africanistas estrangeiros.
Um ponto crucial foi a tónica transversal das comunicações, principalmente
de portugueses e africanos, no problema da falta de visão estratégica de
grande parte dos nossos empresários e igualmente a falta ou insuficiência
de informações sobre o terreno.

De um modo geral falaram neste problema com base nas suas respec-
tivas experiências pessoais, e houve mesmo um orador que falou de um
caso concreto, enfim, com um certo “fair play”, porém incomodado com
a ameaça chinesa em Angola (coisa que os angolanos ripostaram in loco
não temerem). Revelou ele que durante dois anos, até há duas semanas,
estava plenamente convencido de que o processo da refinaria do Lobito iria
passar por uma sociedade de advogados portugueses, em representação de
americanos, gerando dividendos na ordem do milhão de euros. Todavia, o
processo passou para uma sociedade de advogados britânicos em represen-
tação de chineses.

Este tipo de considerações corresponde ao diagnóstico de que, não obs-


tante a história e as afinidades linguísticas e sociológicas, um grande número
dos empresários portugueses interessados em negócios na África lusófona
possui um conhecimento insuficiente do terreno por falta de informações
estratégicas. E nesta situação, o problema fundamental é o de que ignoram o
que são as informações estratégicas e como se produzem, aplicadas à tomada
de decisão. Por isso, um primeiro impulso é o de quererem integrar a comitiva
do primeiro-ministro, pois pensam que é um momento privilegiado para esta-
belecerem contactos e meterem cunhas propiciadoras de bons negócios e
lucros a curto prazo. Outra forma é a de comprarem ou arranjarem relatórios,
por regra extensos, produzidos por consultores sobre oportunidades de negó-
cios, pensando que ficam a deter informação de algum modo privilegiada. Ou
então conseguirem alguma informação, que geralmente é esparsa, junto de
amigos próximos ou integrados nos núcleos de decisão política. Ainda outra
forma, mais aventureira, é por meio de lobistas e intermediários nacionais e
estrangeiros com ligações a serviços de informações, o que conduz a um

346
campo problemático de interesses complexos que a prazo se reflectem nega-
tiva e gravemente na vida das empresas.

Este tipo de informação é sempre casuística e por isso o seu prazo de


validade é muito curto. Pelo contrário, a produção de informações estraté-
gicas pelas empresas obedece a uma metodologia de aquisição sistemática,
dirigida e constantemente controlada de conhecimento sobre o terreno e os
alvos previamente definidos. Às visitas ministeriais cabe sobretudo criarem
um bom ambiente de negócios. Neste caso de Angola, se não aumentarmos
agora a linha de crédito para valores próximos da do Brasil, a nossa força
competitiva enfraquecerá.

11. Pelo Debate do Patriotismo Económico220

Portugal está perante um desafio de desenvolvimento e de afirmação


colectiva que deriva de dois factores-chave que, na sequência de 25 de Abril
de 1974, vieram abanar as estruturas da nossa casa, velha de quase 9 sécu-
los: a descolonização e a integração europeia.

A descolonização, do ponto de vista da identidade nacional, teve 3 con-


sequências imediatas: a primeira foi a perda de território e consequente-
mente da ideia do ultramar que povoava o nosso imaginário colectivo há
vários séculos e portanto constituía um elemento estruturante da nossa
auto-imagem e da definição da nossa identidade; a segunda foi uma onda
de autocrítica interna, particularmente no seio das nossas elites culturais,
dos nossos fazedores de opinião, excessivamente desvalorizadora da nossa
História; e em estreita relação com esta onda, um peso igualmente excessivo
de estrangeiros na construção de uma imagem de Portugal, tendencialmente
negativa, ao influenciarem fortemente a investigação universitária pressu-
postamente científica da nossa História.

No que respeita a nós, portugueses, estes três factores criaram um sen-


timento de culpa colectiva que ainda hoje perdura na massa crítica de pro-
dutores e transmissores da nossa cultura e identidade nacional que, entre
outros, são professores, investigadores, jornalistas, cineastas e dramaturgos.

220 Publicado em 27 de Abril de 2006.

347
No que respeita aos outros, estrangeiros, incluindo os lusófonos, a imagem
negativa suplanta em grande medida qualquer imagem positiva que de nós
possam ter. Basta ler a generalidade das Histórias, escritas desde o 25 de
Abril, para ver a forma totalmente negativa como Portugal é apresentado.

A integração europeia, por sua vez, representa o envolvimento de


Portugal numa dinâmica de diluição a longo prazo da nossa nacionalidade
exlusiva numa supranacionalidade, numa nação chamada Europa, que aliás
já tem os seus próprios símbolos: uma bandeira, um hino, um dia nacional
e uma moeda. Não é de crer que, neste contexto, o contributo e a visibilidade
da cultura portuguesa venha a ser mais que residual relativamente à fran-
cesa, à alemã ou mesmo à espanhola. Veja-se por exemplo que, a nível
internacional, em termos de projecção da Europa, a imagem do extraordi-
nário feito dos nossos Descobrimentos é largamente secundarizada, quando
não ofuscada, pela imagem de Colombo a avistar a América, e isto mesmo
quando se sabe que Colombo julgava estar a chegar à Índia e que os por-
tugueses, como bem prova o Tratado de Tordesilhas, detinham um conhe-
cimento muito superior a todos os outros europeus.

Numa pespectiva estratégica, esta situação constitui uma vulnerabili-


dade do nosso Poder Nacional e da sua correspondente projecção interna-
cional, inclusivé económica. A verdade é que temos um défice acumulado
de patriotismo nos últimos 30 anos, que só retomou episodicamente, na
dimensão futebolística, por causa do estímulo de um carismático treinador
brasileiro. Paradoxalmente. E, como continuamos feridos num fundamento
primário da nossa identidade, temos as nossas defesas fragilizadas.

A realidade é a seguinte: o sentimento patriótico em Portugal atravessa


uma fase muito crítica que, numa perspectiva de avaliação do Poder Nacional,
corresponde a uma vulnerabilidade vital em termos estratégicos pois as forças
culturais nacionais ficam permeáveis à acção de outras forças culturais externas
mais poderosas ou que se encontrem determinadas a provocar a divisão e a
renúncia aos nossos valores. A nossa identidade nacional vê-se assim confron-
tada com uma ameaça – resta saber o grau – de desintegração da nossa identi-
dade cultural e consciência nacional. Isto, com a nossa auto-imagem e auto-
estima em baixo, de modo prolongado, leva-nos a adoptar uma atitude passiva
ou mesmo comprometida com a influência de outros patriotismos bem mais
fortes que o nosso. Com efeito, nos dias que correm, parece não haver dúvidas

348
de que o nível do patriotismo português não se pode comparar com o ameri-
cano, o francês, o inglês, o alemão ou o espanhol.

O reflexo desta realidade na componente económica pode ser devasta-


dor. O debate sobre o patriotismo económico não deve pois ser enjeitado
nem entendido como um exercício de nacionalismo retrógado. Pelo con-
trário, é muito útil para se definir parâmetros, fazer comparações entre
Estados, perceber hierarquias existentes e avaliar tendências e ameaças. É,
na verdade, um exercício de patriotismo moderno e competitivo.

12. A (In)cultura Estratégica Portuguesa221

Numa das definições possíveis, as informações estratégicas são o resultado


de um processo de “enriquecimento” de dados, notícias e informação avulsa,
de várias fontes, que potencia a capacidade de planeamento dos decisores. As
informações estratégicas, nomeadamento no contexto empresarial, são por
isso o fundamento do planeamento estratégico. Este, por seu turno, aborda as
condições existentes num dado momento, estabelece linhas de acção a prazo e,
consequentemente, visa antecipar tendências, problemas e contingências.

Mas as informações requeridas pelo planeamento estratégico são fre-


quentemente inacessíveis porque “os outros” reconhecem que certo tipo de
informação é vantajosa para os seus concorrentes quando estes a conseguem
obter. No caso dos países, chega-se não só ao ponto de proteger mas
também falsificar informações para enganar inimigos e rivais, tanto em
tempo de guerra como de paz. Existem inúmeros exemplos históricos deste
facto e foi precisamente a sua recorrência que deu origem aos serviços de
informações. Deu-se assim também um desenvolvimento contínuo dos
métodos de recolha de informações que, com o tempo, acrescentaram aos
meios meramente humanos sofisticadas ferramentas tecnológicas.

No ambiente de negócios cada mais competitivo e mesmo conflitual


que caracteriza a globalização, as empresas têm de integrar na sua organi-
zação uma cultura de informaçõesestratégicas, no quadro dos limites legais,
sob pena de ficarem em forte desvantagem no confronto internacional.

221 Publicado em 4 de Maio de 2006.

349
Infelizmente esse processo está muito atrasado em Portugal, mais um entre
inúmeros factos de verdadeiro subdesenvolvimento que parecem dar razão
àqueles que falam na nossa fatalidade histórica, em que não acredito. De
um ponto de vista realista, é antes um problema maior de cultura nacional,
de sociologia de Portugal (note-se que não digo portuguesa), que não cabe
agora aqui tratar.

No entanto, especificamente, esse atraso decorre desde logo do nível


insuficiente, salvo raras excepções, em particular no ambiente militar, de
desenvolvimento de um pensamento estratégico português que não seja uma
reprodução mimética de autores estrangeiros. É por esta razão que não mere-
cem esquecimento, antes relevo, as seguintes palavras do General Loureiro
dos Santos, proferidas há três anos no lançamento de uma colecção sobre
pensamento estratégico por uma editora nacional: “A leitura dos autores a
que, pela primeira vez, iremos ter acesso na nossa língua, nesta colecção hoje
lançada, constituirá um elemento de inegável valor para a dinamização de
uma escola de pensamento estratégico que tão necessária se torna face aos
desafios do nosso tempo. Teremos assim mais possibilidades de sermos capa-
zes de pensar a nossa estratégia (política, militar ou empresarial), à luz dos
nossos interesses e pelos nossos próprios olhos, e não pelos interesses e olhos
dos outros, sejam eles os de Madrid, Washington ou Bruxelas.” Temo só que
a escolástica característica do nosso ensino superior não deixe voar o pensa-
mento para além das citações e das notas de rodapé dos autores estrangeiros,
que dominam hoje as bibliografias dos trabalhos portugueses.

O défice de pensamento estratégico português está pois também disse-


minado pelos manuais de economia e de gestão, em especial dos de pla-
neamento, no respeita à explicação do que são as informações estratégias
e correspondente aplicação à tomada de decisão, reduzindo-as frequente-
mente aos designados sistemas de informação, isto é, ao programas infor-
máticos de gestão. Por causa disto ou não – problema susceptível de ser
cientificamente inquirido – parece ser um facto que os gestores portugueses
não sabem o que são as informações estratégicas. Um dos raros contributos
para a avaliação da situação deve-se a Ernâni Lopes, que o expôs no livro
de homenagem ao General Pedro Cardoso, refundador do sistema de infor-
mações português após o 25 de Abril: “ O segmento económico e empre-
sarial (...) cria uma situação algo paradoxal, difícil de aceitar: todos os
actores (mais ou menos) que procuram informação; poucos sabem siste-

350
matizá-la; todos a afirmam como importante; e quase todos a pretendem
(de facto ou virtualmente) gratuita (...) uma situação caracterizada por
baixos níveis de consciência, responsabilidade e profissionalismo”.

A verdade é que existe uma incultura estratégica portuguesa neste domí-


nio e não há planeamento estratégico válido sem informações estratégicas.

13. Em Busca da Imagem Perdida222

Ouvi na semana passada alguém do ICEP afirmar que a imagem que


temos hoje é má. Que do ponto de vista do marketing se trata de um desvio
entre a percepção e a realidade, pois até somos um país cheio de atributos,
que tem tradição, sol e bons serviços e produtos para oferecer. A situação
é no entanto francamente desfavorável para os negócios e para a projecção
internacional de Portugal e agrava até uma certa crise de auto-estima por
que estamos a passar. Partindo do princípio que as idéias são mais impor-
tantes que os símbolos, a solução estaria pois em mobilizar os portugueses
para inverter a tendência através de projectos com forte sentimento colec-
tivo, como a Expo ou o Euro.

Alguns dias depois, eram noticiadas as previsões da Comissão Europeia


que, num cenário a 50 anos, nos remetiam para o lugar de país mais pobre
da Europa. Do ponto de vista da imagem de Portugal, sofremos assim um
rude golpe que nos rebaixa para a percepção de subdesenvolvidos nas pró-
ximas duas gerações, como se de um fatalismo crónico se tratasse.

Não acredito nisto e tenho confiança nessas próximas gerações, que


serão mais qualificadas que quaisquer outras no passado, não só por causa
do desenvolvimento exponencial da economia e sociedade portuguesa, que
é evidente nesta última geração após o 25 de Abril, mas sobretudo pela
expansão sem precedentes do ensino universitário e da investigação cien-
tífica, que está a operar uma revolução silenciosa em Portugal. A conse-
quência é a emergência de um potencial de criatividade e inovação que se
fará inevitavelmente sentir no futuro. Não sei se este factor foi tomado em
consideração nas previsões da Comissão Europeia.

222 Publicado em 11 de Maio de 2006.

351
Ouvi também dizer naquela mesma ocasião que se deveria até agregar
a figura prestigiada do presidente da república (e de outras personalidades
com credibilidade internacional) às campanhas de promoção de Portugal.
Não me parece que isso venha a produzir resultados. Pelo contrário, poderá
desencadear um efeito de boomerang se a imagem replicar a atmosfera da
fotografia oficial. Um povo triste e nostálgico, com mulheres vestidas de
negro, é ainda uma forte carga histórica que temos de carregar como este-
rótipo. Por outro lado, é contraproducente porque a melhor propaganda é
aquela que não aparenta ser, de acordo com as velhas leis da propaganda,
porque é disso que estamos efectivamente a falar,

De qualquer modo, a imagem negativa está aí e não é fácil alterá-la, ou


melhor, contrariá-la nem a curto nem talvez a médio prazo, mesmo com elabo-
rados e dispendiosos programas oficiais de marketing. Porquê? Porque existe
uma imagem globalmente negativa de Portugal desde o século XVI que está
enraízada noutros países, em várias memórias, e que é recorrentemente repro-
duzida até aos dias de hoje. É o reflexo da decadência que ocorreu após as des-
cobertas, com a falência do país, a ocupação espanhola, a inquisição, a fama de
avidez e corrupção dos comerciantes no ultramar, o obscurantismo religioso, o
atraso científico e tecnológico, a ditadura salazarista, o chamado colonial-fas-
cismo e o racismo que muitos pensam ser uma característica dos portugueses
no contacto com outros povos e culturas. Basta ler a maioria dos livros estran-
geiros sobre estes assuntos para se ter um panorama da situação.

Ora, este encadeamento de factos possui alguma veracidade, mas, para


todos os efeitos, isto é uma desinformação histórica de Portugal que em
muitos aspectos apresenta pronunciados desvios de autenticidade entre a
percepção e a realidade. O marketing do presente não pode ignorar esta
carga histórica, uma vez que se trata da imagem cultural de Portugal e, do
ponto de vista da teoria das relações internacionais, as imagens culturais
são factores relativamente estáveis a longo prazo na interacção entre os paí-
ses. São na verdade filtros de recepção e reprocessamento de imagens que
importa avaliar detalhadamente quando se planeia uma campanha de mar-
keting nacional, preferencialmente com informações estratégicas.

Longe vai o tempo em que éramos alvo de grande curiosidade por parte
do mundo e vistos com respeito. Foi o tempo da Utopia de Thomas More,
no princípio do século XVI, na qual a principal personagem era um por-

352
tuguês, Mestre Rafael Hitlodeu, que detinha um conhecimento global e
maior e dissertava ao longo da obra sobre a forma ideal de organizar a
sociedade. Essa imagem de procura da excelência ficou perdida no tempo,
mas importa não esquecê-la.

14. Espionite Aguda223

O Serviço de Informações de Segurança (SIS) colocou por estes dias no


seu sítio da internet informação relativa a um designado Programa de
Segurança Económica (PSE) que afirma ter desenvolvido com o objectivo da
“defesa dos Interesses Económicos Portugueses face a ameaças estrangeiras.”
Primeiro comentário: cuidado com o Português, porque nem todos os visitan-
tes do sítio poderão dar o benefício da dúvida ao lerem que a expressão
“ameaças estrangeiras” se refere exclusivamente a actos de espionagem e
roubo de informações. É que lida literalmente, aquela expressão inclui, pelo
menos, a compra de empresas portuguesas por empresas estrangeiras e conse-
quentemente parece denunciar a existência de uma definição secreta, formal
ou informal, de sectores estratégicos tendencialmente “intocáveis” numa
perspectiva de patriotismo ou nacionalismo económico. A acontecer, o pro-
blema adquiriria uma dimensão política complexa, pois tal definição só pode-
ria ser realizada de acordo com orientações superiores, isto é, ao nível do
secretário-geral do Sistema das Informações da República Portuguesa.

Mas embora atrasado alguns anos em relação, por exemplo, à política de


transparência neste domínio do MI5 britânico, que parece servir-lhe de refe-
rência, é de louvar o princípio do esforço do SIS de alertar os cidadãos, e em
particular os empresários e gestores, para a realidade da espionagem económica
no processo em curso da globalização. Contudo, o esforço peca por excessivo
na pluralidade de mensagens que pretende transmitir, pois, quando procedemos
com algum cuidado a uma análise do conteúdo, torna-se na verdade pouco
claro o potencial de eficácia do PSE e a amplitude do seu raio de acção.

A maior parte da informação do sítio reproduz generalidades bem


conhecidas do fenómeno da espionagem económica, tratadas no enorme
leque de livros da especialidade. Para uma listagem rápida de várias dezenas

223 Publicado em 25 de Maio de 2006.

353
de obras basta ir ao amazon.com. Para escolher uma melhor entre tantas,
ver por exemplo “Economic Espionage and Industrial Spying”, com estudos
de vários especialistas e publicado pela Cambridge University Press em
2004. Por outro lado, mais importante que tudo o resto, o PSE alerta para
um cenário vago de ameaças a Portugal, cuja definição seria porém mais
desejável do ponto de vista da política da transparência, da correspondente
informação efectiva dos cidadãos, e que não beliscaria em qualquer
momento o indispensável segredo de Estado que é necessário preservar
nesta matéria. Face ao alerta, as perguntas que ficam sem resposta são:
Qual é o grau da ameaça? É alto, médio ou baixo? Em que sectores? Donde
vem? Quantos casos foram detectados? Quantos casos foram denunciados?

Ao invés, o PSE acrescenta ainda às generalidades uma secção de notí-


cias sobre casos relatados pela imprensa entre Fevereiro de 2005 e Abril
de 2006, o que parece um tanto despropositado para um serviço de infor-
mações do Estado; ainda para mais quando os meios de comunicação social
portugueses e estrangeiros as publicam com frequência, sendo inclusiva-
mente legítimo questionar se, em termos de tratamento de fontes abertas,
isto significa ou não uma intromissão na esfera de competências do Serviço
de Informações Estratégicas de Defesa. Mas intrigante mesmo, para não
dizer mais, é o facto de as três janelas de interacção com os visitantes do
sítio do PSE, para estes comunicarem casos suspeitos, fazerem pedidos de
contacto pessoal (!?) e pedidos de acção de sensibilização (!?), requererem
como obrigatório os dados de identificação. Por exemplo, no sítio do MI5
existem duas janelas, para comunicar suspeitas de terrorismo e fazer comen-
tários ou pedir informações, onde os dados de identificação são opcionais.

A oferta de contactos pessoais e acções de sensibilização/formação gra-


tuitas (!!) é também pouco sensata e porventura não foi objecto de uma
reflexão cuidada quanto aos seus potenciais efeitos nocivos. Nunca é demais
repetir que a promiscuidade entre serviços secretos e empresas é tenden-
cialmente lesiva para estas. No mínimo, favorecimentos, intrigas e descré-
dito no mercado são as consequências inevitáveis.

O PSE parece assim ser excessivamente voluntarista em relação ao


ambiente de negócios português e talvez não venha a conseguir obter a cre-
dibilidade almejada, arriscando-se a ficar marcado não só como absurdo
mas também como uma erupção de espionite aguda.

354
15. Xenofilia224

Em Portugal existe este hábito antigo, diria mesmo vício, de cultivar


em grande medida tudo o que vem “lá de fora”. Mas a verdade é que
Portugal não seria o mesmo sem essa característica, tão nossa, de abertura
ao estrangeiro, com raízes históricas tão profundas que nos conferem a sin-
gularidade do humanismo e da universalidade. No entanto, para contraba-
lançar, parece que temos também uma dinâmica cultural própria, ao que
julgo ainda mal estudada, de “aportuguesar” as influências externas, pelo
menos no domínio do pensamento e da língua.

Porém, por vezes, existem ondas de estrangeirismo galopante que nos


arrastam na nossa pequenez e insignificância, de tal modo que ficamos ator-
doados e sem saber o que pensar. Pelo menos com bom senso. Arrisco a afir-
mar que estamos agora envolvidos no turbilhão de uma dessas ondas, face ao
desespero da nossa situação económica e da impotência para vislumbrar uma
melhoria significativa a curto, médio ou longo prazo. De repente, por exem-
plo, sem que tal fenómeno seja registado pelos instrumentos de medição ofi-
ciais, temos gente de vários níveis etários e sociais, incluindo os tradicional-
mente adversos aos maus ventos e casamentos, a dizerem abertamente que
melhor estaríamos se fossemos espanhóis. É claro que a lição da História nos
ensina que quando pensámos também isso, nomeadamente ao nível das elites,
lá para o século XVI, também por causa do descalabro económico, acabámos
por ser transformados em “cidadãos de segunda”, como é agora evidente, e
depois tivemos de penar para corrigir o erro.

Com efeito, quando pensamos daquela maneira, temos uma ameaça à


nossa “fortaleza” económica, que decorre de, consciente ou inconsciente-
mente, fragilizarmos o elo vital da nossa identidade. E se esse elo fôr que-
brado, ficaremos então completamente vulneráveis à “ocupação” estran-
geira, com muito mais dificuldades de recuperação económica. Temos,
pois, uma grande desafio a curto prazo que excede a esfera económica e
que é essencialmente cultural.

Em termos de relações internacionais, Portugal é um sistema de infor-


mação cultural que se encontra em interacção com os outros sistemas de

224 Publicado em 8 de Junho de 2006.

355
informação cultural. Sob este ângulo vemos que as relações internacionais
são, antes de mais, relações culturais internacionais, isto é, entre percepções
etnocêntricas e mundovisões diferentes, e estas por sua vez são relações
entre poderes culturais nacionais, ou seja, entre capacidades efectivas de
projecção de culturas e respectivas idéias e modos de vida.

Isto significa que, derivando do processo histórico, esta é a primeira


linha do embate das relações internacionais e onde se joga desde logo a sal-
vaguarda da identidade cultural que é o elo vital de qualquer conceito estra-
tégico nacional. É por isso que me parece em absoluto imprescindível,
obviamente sem qualquer conotação política de esquerda ou de direita, e
sobretudo sem qualquer complexo pejorativamente patriota ou nacionalista,
que tanto espaço ganhou em Portugal desde o 25 de Abril, que se modere o
estrangeirismo sempre que possível. É que a sua absorção excessiva, concre-
tamente como sinónimo de grande autoridade e conhecimento e ilustração,
inibe o esforço de criação e recriação de conceitos na língua e cultura portu-
guesa e abre espaço a modismos e mimetismos superficiais, nocivos também
para a nossa projecção no espaço lusófono.

A consequência maior é sem dúvida a alimentação constante de um


défice de pensamento estratégico autonomamente português. Uma coisa é
aprender com a lição dos outros, outra é demitir-nos de aprender com as
nossas próprias lições e pelo nosso próprio meio, sobretudo quando este
meio é o pensamento que produz informação e conhecimento. Não devemos
pois deixar-nos arrastar descontroladamente por essa nossa característica
histórica tão marcada que é a de sermos uma cultura inclusiva, tão diferente
neste aspecto das culturas exclusivas, como são por exemplo a espanhola,
a francesa, a inglesa, a alemã ou a americana. É o problema da xenofilia,
oposto ao da xenofobia.

16. Os Amigos de Peniche225

Parece que as gerações mais novas nunca ouviram falar dos “amigos de
peniche”. Foi coisa que se deixou de falar na escola. E as que ouviram são
precisamente da área de Peniche, que vêem a História pregar-lhes a partida

225 Publicado em 29 de Junho de 2006.

356
de ter mudado o significado à expressão, conotando-os a eles próprios com
os atributos negativos da falsidade e deslealdade. A câmara municipal orga-
nizou mesmo, no passado dia 27 de Maio, uma dramatização pública da rea-
lidade dos factos históricos com o objectivo declarado de contrariar a ten-
dência, sentida pelos penichences, do estigma daqueles atributos.

Ora, muito simplesmente, a expressão “amigos de peniche” tornou-se


popular na nossa História referindo-se aos ingleses e à promessa de que ajuda-
riam os portugueses a livrarem-se da ocupação dos espanhóis no século XVI.
Desembarcaram para isso em Peniche mais de seis mil soldados ingleses, em
26 de Maio de 1589, mas, ao invés de cumprirem o prometido, começaram a
saquear as populações quando marchavam sobre Lisboa, e, chegados aqui,
acabaram por retirar sem terem sequer tentado conquistar a capital.

A verdade é que se fizermos a contabilidade das relações históricas entre


Portugal e Inglaterra, o nosso passivo é enorme. Por exemplo, desde o Tratado
de Methuen em 1703, que acabou com a nossa produção têxtil e originou o
controlo inglês da produção e comercialização do vinho do Porto, passando
pelo protectorado déspota após as invasões francesas, até ao célebre ultimato
de 1890 ou à questão do chocolateiro Cadbury que, já no século XX, para
afastar a concorrência do cacau de S. Tomé e Príncipe, acusou falsamente
Portugal, perante a Sociedade das Nações, de ainda praticar a escravatura. Eça
de Queirós, nas Cartas de Inglaterra, escreveu que, para o Times, “Portugal
era, intelectualmente, tão caduco, tão casmurro, tão fóssil, que se tornara uma
país bom para se lhe passar muito ao largo e atirar-lhe pedras”. E acrescentava
ainda que o Daily Telegraph, num “artigo de fundo”, já tinha discutido “se
seria possível sondar a espessura da ignorância lusitana!”.

Vem tudo isto a propósito dos ataques da imprensa inglesa à selecção por-
tuguesa. O mínimo que se pode dizer é que, depois de tantos séculos a “dar a
volta” aos Portugueses, os ingleses estão nitidamente com medo de nós e usam
todos os “truques sujos” – eles sim, nós não – para verem se não são derrotados
no futebol, um dos seus maiores orgulhos nacionais. Uma ironia do destino é
que já lá têm aquele “arrogante” treinador português a ganhar tudo. Porventura,
se não estivessem com medo e inseguros, e pelo contrário se sentissem con-
fiantes, adoptariam uma atitude cultural característica: quanto mais quisessem
ganhar, mais se esforçavam por mostrar que não se importavam de perder.
Uma astúcia de raposa. Mas é um facto que o treinador não é inglês.

357
Será que, lá para aquelas bandas, vencer agora Portugal é vencer indi-
rectamente Mourinho? Primeiro, tentaram roubar-nos o nosso treinador “à
boca da baliza”. Agora, mostram a fotografia da “marradinha” do Figo e
fazem um pé-de-vento. Parecem desesperados e nós não podemos pecar
por excesso de confiança. A resposta de Pauleta foi por isso muito adequada,
para além de orgulhosa mas serenamente patriótica.

De qualquer modo, a nossa imagem foi beslicada pelos ingleses e tam-


bém pelo treinador Valentin Ivanov. Fomos retratados como violentos, falsos
e traiçoeiros. E aqui, deixando de lado as subjectividades “articulísticas”, é
preciso compreender que esta imagem é compatível com a que, do ponto de
vista histórico e sociológico, circula no mundo anglo-saxónico, em inúmeros
livros, por exemplo, e que entronca naquela que nos mostrou Eça de Queirós.

Na realidade, um quarto de século após o 25 de Abril e muito dinheiro


gasto em campanhas de imagem, parece que ainda não conseguimos eli-
minar os esterótipos que nos caracterizam lá fora. Um povo cronicamente
atrasado, com um passado de violência e também de corrupção quase endé-
mica que chega aos dias de hoje. Projectado por outras culturas com maior
poder de difusão que a nossa, em grande medida transmitido por via angló-
fona, é o passivo combinado da inquisição, da escravatura, dos comerciantes
ultramarinos àvidos e sem escrúpulos, do colonialismo considerado desu-
mano e da ditadura de Salazar.

E isto é, sem dúvida, um factor tendencialmente intangível de resistência


à nossa competitividade, ao que parece nunca avaliado.

17. A Imagem de Portugal226

Infelizmente, ainda não é demais falar do problema da imagem de


Portugal enquanto factor indutor da nossa projecção económica internacio-
nal. Depois de muitos anos e milhões gastos na promoção oficial da imagem
de Portugal, continuamos sem estudos de impacto das campanhas.
Continuamos, ao que tudo indica, sem análises da situação da nossa imagem
externa nos países-alvo, nem qualquer programa de avaliação da eficácia

226 Publicado em 6 de Junho de 2006.

358
das campanhas de promoção efectuadas, para se afinar estratégias e con-
ceitos operacionais. Navegamos à vista sem roteiros nem referências.

Esta situação necessita de ser definitivamente alterada. É óbvio que a


avaliação das campanhas resulta na avaliação dos seus responsáveis, mas
isto não é, evidentemente, motivo para que não se façam, sobretudo porque
há sempre muito dinheiro envolvido, que é nosso, dos contribuintes. O prin-
cípio é simples: os responsáveis devem ser responsabilizados, a má gestão
dos dinheiros públicos deve ser penalizada.

A tarefa de planear e executar uma campanha de promoção de um país não


é fácil, principalmente de Portugal, que, no contexto internacional, está desde
logo em desvantagem por ser uma muito pequena potência. É que, neste
aspecto, entramos no domínio global das relações internacionais, as quais são,
antes de mais, relações culturais internacionais, ou seja, relações entre poderes
culturais nacionais. E um poder cultural nacional reflecte-se na capacidade
efectiva de projectar uma cultura nacional e consequentemente uma imagem
global sobre um determinado país. Nesta perspectiva, o nosso poder cultural
nacional é pois muito inferior, por exemplo, ao da Espanha ou da França.

Por isso, o tratamento da imagem de um país é mais difícil que a de


um produto. No caso dos produtos, temos de lidar com vários problemas,
como a polissemia das imagens, para referir somente um fundamental, que
se traduz no facto de nem sempre a leitura por parte do receptor corres-
ponder ao conteúdo que lhe foi dado pelo emissor. Passa-se o mesmo com
as próprias pessoas nas relações sociais, em que frequentemente a auto-
imagem não corresponde à percepção dos outros.

No que respeita aos países existe a dificuldade acrescida da História e


das imagens e dos estereótipos que se foram formando ao longo do tempo.
Qualquer campanha de promoção do nosso país, tendo em vista a projecção
económica, deve pois partir do pressuposto que a nossa imagem cultural é
o pano de fundo do Made in Portugal. É uma imagem construída em tempo
demorado que condiciona fortemente qualquer acção que vise obter divi-
dendos em tempo acelerado. Depois é preciso constatar, reconhecer e inte-
riorizar que a nossa auto-imagem relativamente benévola enquanto povo,
muitas vezes alimentada pelas opiniões simpáticas dos turistas que nos visi-
tam, não é da mesma forma percepcionada pelos outros.

359
Não é por acaso que no campeonato mundial de futebol surgiram acusa-
ções de sermos violentos e fazermos teatro, isto é, sermos aldrabões. É a
conotação de uma imagem cultural percepcionada, por essa Europa fora,
como visão negra dos Descobrimentos protagonizados por marinheiros escla-
vagistas, missionários católicos obscurantistas e comerciantes sem escrúpulos.
Alguém duvida? Então que veja o filme A Missão, com Robert de Niro, e pro-
vavelmente compreenderá a força com que essa imagem está “colada” e o
impacto que um produto cultural desta natureza tem na audiência.

A nossa selecção é ela própria um factor de contra-informação – leia-


se contra-propaganda – pela correcção desportiva, pelo esforço e pelo pro-
fissionalismo, mas tem sido contínua e injustamente conotada com essa
imagem. São os estereótipos a serem animados e agitados por quem tem
maior poder e capacidade de projecção de imagem cultural, ou seja, de
carácter nacional, de maneiras de ser e comportamentos, mesmo que não
correspondam à autenticidade, que estejam deformados.

Nunca é demais repetir: qualquer campanha de promoção de Portugal não


pode deixar de avaliar prévia e convenientemente esta situação para buscar
uma resposta adequada. Será contudo errado cair nas campanhas oficiais do
costume. É preciso um “mix” de creatividade, ciência e marketing para inverter
o espectro das conotações negativas da imagem de Portugal. Mas como esta-
mos no domínio da propaganda, quando falamos de projectar um país, uma
coisa é certa: a melhor propaganda é a que não parece propaganda.

18. Uma Comunidade Virtual227

Esta semana, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)


reúne ao mais alto nível na Guiné-Bissau e comemora o 10º aniversário.
O balanço da sua actividade durante este tempo suscita opiniões diferentes.
Os círculos diplomáticos e políticos têm tendência para sublinharem o lado
positivo do projecto e o facto de que uma organização multilateral necessita
de tempo para atingir a maturidade, o que explica portanto, em primeiro
lugar, a falta de peso na cena internacional. Os críticos estão porém em
maioria e apontam a falta de realizações da CPLP, distribuindo-se por diver-

227 Publicado em 13 de Julho de 2006.

360
sos argumentos, desde a invisibilidade da organização em crises do mundo
lusófono, como a da Guiné-Bissau ou recentemente de Timor-Leste, à irre-
levância das parcerias de negócios e dos projectos conjuntos de desenvol-
vimento; ou até – problema complexo – à inexistência de um estatuto do
cidadão lusófono e de livre circulação na Comunidade.

No meio disto outros há, no seio de certos círculos de universitários e dos


chamados intelectuais, por exemplo, que julgam a CPLP ser portadora de um
conceito neocolonialista de Lusofonia. E, na verdade, não por qualquer dinâ-
mica neocolonialista “fora de moda”, esta é uma área em que de facto a CPLP
tem o mérito de ser um factor de promoção constante da idéia de Lusofonia
enquanto realidade comum aos oito países. Repare-se todavia que, no nome da
organização, por causa precisamente do complexo anti-neocolonialista, a pala-
vra Lusófona foi preterida em favor da expressão Países de Língua Portuguesa.
Complexos que parecem ter ficado algo esbatidos com o tempo, mas que é
preciso não esquecer que estão latentes e que, numa situação de crise de rela-
cionamento, podem ressurgir com extraordinário vigôr.

A CPLP tem, pelo menos, dois problemas fundamentais. Um é a falta de


um consenso histórico lusófono, no sentido em que as imagens recíprocas
dos oito países valorizem a herança comum com vista à definição de um
futuro comum. Isto até agora não foi conseguido, porque não se conseguiu
ultrapassar o capital de queixas relativo à herança comum, presente na gene-
ralidade dos meios de comunicação social e de transmissão cultural, que é
precisamente a História Colonial de Portugal. Não existe ainda uma sinergia
lusófona e o processo está, pois, a ser condicionado por um conjunto de ele-
mentos desestruturantes: herança comum subvalorizada ou mesmo desvalo-
rizada, imagens recíprocas divergentes, opinião pública desconectada, exces-
siva politização e personalização do processo, dinâmica tendencialmente
luso-brasileira, passividade dos países africanos lusófonos.

O outro problema tem a ver exclusivamente com a exequibilidade finan-


ceira e material do projecto desde o início, tendo em conta o número e a natu-
reza das instituições simultâneamente previstas, como o Parlamento dos Povos
de Língua Portuguesa, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, a
Universidade dos Sete ou o Tribunal Arbitral, para além do secretariado execu-
tivo. Será porventura sensato reconhecer que se cometeu o duplo erro de
começar a construir a casa pelo telhado e sem orçamento disponível. A CPLP

361
parece assim hoje um grupo de amigos que querem “comer à grande e à fran-
cesa” mas que no final, sem dinheiro no bolso, passam a conta de uns para os
outros. A propósito, não é uma vergonha que as limusines em que se vão des-
locar os Chefes de Estado lusófonos na Guiné-Bissau, na comemoração do 10º
aniversário da CPLP, tenham sido emprestadas pela Líbia?

Nós, que tantas coisas copiamos do estrangeiro, quantas vezes com pre-
juízo da nossa criatividade e do desenvolvimento das nossas capacidades,
foi pena não termos aprendido nesta matéria, por exemplo, com o movi-
mento da Francofonia. Em primeiro lugar, este teve na base a criação, no
Canadá, em 1961, da AUPELF-UREF (Association des Universités
Partiellement ou Entièrement de Langue Française-Université des Réseaux
d’ Expression Française). Depois, em 1970, foi criada a ACCT (Agence de
Coopération Culturelle et Technique) com o objectivo de dinamizar a cul-
tura, educação, comunicação, direito e economia, e, em 1987, o BIFFA
(Bureau International du Forum Francophone des Affaires. Só em 1991 é
que foi criado o CPF (Conseil Permanent de la Francophonie) para reforçar
o seu peso na comunidade internacional.

No caso da CPLP, perdemos tempo ao querer ganhá-lo. Temos, na ver-


dade, uma comunidade virtual, algo, como refere o dicionário, “que não se
realizou, mas é susceptível de realizar-se”.

19. Conceito Estratégico Nacional228

Um país sem conceito estratégico nacional é como um navio à deriva.


Antes do 25 de Abril o conceito era claro, pelo menos até 1972: uma nação
multicontinental e multirracial. Entre 1972 e 1974, com a revisão consti-
tucional, o conceito ficou baralhado e esta situação reflectiu e favoreceu,
ao mesmo tempo e em grande medida, a crise então emergente e o inevitável
golpe de estado.

Depois do 25 de Abril, o desnorte instalou-se e a agulha oscilou entre


o comunismo, puro e duro, o terceiro-mundismo não-alinhado e a social-
democracia de tipo nórdico e até idealista. O CDS - para apontar somente

228 Publicado em 20 de Junho de 2006.

362
os partidos de referência - era então o único que não contemplava a pos-
sibilidade de se avançar para uma, como então se dizia, sociedade socialista.
“Patrão” passou a ser sinónimo de “fascista”, e só a seguir ao 25 de
Novembro, que apenas moderou a deriva esquerdista, é que a iniciativa pri-
vada foi temperada com a palavra “empresário”. E assim se entrou na eco-
nomia de mercado – incompletamente, é certo –a olhar para a Europa.

Em meados dos anos 80, quando passámos finalmente a fazer parte do


projecto europeu, adóptamos um conceito estratégico nacional geralmente
designado como “euro-atlantismo”. A sua definição geral encontra-se nos
sucessivos programas de governo e obedece ao consenso político-partidário
que está na sua génese, obviamente com as ressalvas do Partido Comunista
Português. A nossa participação europeia não deve inviabilizar a nossa relação
preferencial com os americanos, consagrada nos Açores, nem a nossa relação
de afinidade com os restantes países lusófonos, com quem nós próprios temos
a ambição de formarmos uma Comunidade política, económica e cultural.

Perante isto, a questão está não só em saber se este conceito é ou não


ambíguo como também se é ou não exequível, no sentido em que tenha sido
ou não um factor de melhoria do desempenho interno e externo de Portugal
nos últimos 20 anos. Mas o conceito, em si mesmo, não tem sido objecto de
debate generalizado nem, em consequência, especificamente contestado. O
que se passa geralmente é que, ao lado desse mesmo debate, discute-se
muito a Europa, pouco os Estados Unidos, muito pouco a comunidade lusó-
fona e quase nada a sua vertente interna. Isto é, não existe um debate, gene-
ralizado, sobre uma idéia de futuro para Portugal que radique na nossa pró-
pria História e maneira de ver o mundo, e que não seja decalcado de modelos
construídos por outros, muitas vezes excessivamente políticos e económicos
sem correspondência na nossa realidade social e cultural.

Um obstáculo, quando se defende este tipo de debate nacional, parece


ser o estereótipo de que é “uma coisa” saída da direita mais retrógrada,
patrioteira e nacionalista no pior sentido, ou então de obscuros iluminados
– note-se a contradição - em busca do afamado quinto império. Outro obs-
táculo é simplesmente a noção de que não é necessário nem mesmo opor-
tuno face aos nossos compromissos europeus, o que parece entroncar no
tal exemplo do bom aluno tão divulgado entre nós a este propósito. Este
exemplo, na sua pior versão, reflecte apenas a falta de carácter do aluno

363
manteigueiro e subserviente, daquele que não faz ondas, que não chega
nunca a congregar respeito nem conseguir os seus objectivos.

A verdade é que, uma geração após o 25 de Abril, num mundo marca-


damente diferente e constantemente em crise, no qual Portugal tem difi-
culdade de se afirmar, o debate é cada vez mais imperativo. Já se vislum-
bram, todavia, alguns sinais com contribuições interessantes vindas dos
círculos económicos e empresariais, porventuram os que neste momento
sentem com maior acuidade os problemas da projecção interna e externa
de Portugal. E este é também um campo em que, por tradição, os militares
produzem reflexão, patente em inúmeros eventos e documentos. Mas trata-
se, para todos os efeitos, de abordagens parcelares que ainda não conse-
guiram suscitar o debate generalizado, ou seja, o interesse e participação
da vasta e polifacetada opinião pública e publicada.

Contudo, nos últimos anos, foi desenvolvida uma área de reflexão, pra-
ticamente desconhecida da maioria dos portugueses, que radica na nossa
tradição mais profunda de crescimento e desenvolvimento económico e
social: o mar. O trabalho de síntese, que se encontra editado e circula res-
tritamente, é modelar enquanto exercício de análise da situação e orientação
prospectiva. É, porventura, o melhor conceito estratégico nacional que
alcançámos desde o 25 de Abril.

20. O Desafio do Mar229

O mar configurou Portugal. Se não fosse o mar, Portugal não existia


como nação nem se tinha projectado universalmente com esse extraordi-
nário feito que foram os Descobrimentos. No entanto, dir-se-ía que o país
ficou depois esgotado com tamanho esforço, sem ânimo para se desenvolver
nem afirmar perante o estrangeiro.

O grande poema do mar, que são Os Lusíadas, foi escrito por Camões com
o orgulho de um homem que faz parte de um povo com um passado e um carác-
ter inigualável, prenhe de humanismo e universalismo, como tão bem captou
Thomas More na Utopia. Não é extraordinário que a principal personagem

229 Publicado em 27 de Julho de 2006.

364
deste livro tão marcante seja o português Rafel Hitlodeu, nobre e marinheiro,
que ao longo das páginas discursa àcerca da melhor constituição de uma repú-
blica? (O livro é ficção, é certo, fruto da criatividade de Thomas More, mas a
predominância do português é um facto, passível de ser aproveitado na projec-
ção actual da imagem de Portugal, com o mar em primeiro plano...)

Mas os Lusíadas reflectem também o estertor de uma nação marítima,


virtualmente poderosa em termos económicos, que não voltou a reencontrar
o desígnio e engenho primordial, quando as energias estavam viradas para
o mar. Ao longo dos séculos, até hoje, o mar nunca mais ocupou o lugar
central, estratégico, no destino nacional. É por isso que importa dar atenção
e valorizar a ideia que se vem desenvolvendo, principalmente desde há
meia dúzia de anos, de transformar o mar num verdadeiro conceito estra-
tégico nacional. O que existe, neste momento, de reflexão registada sobre
essa ideia já corresponde às exigências da definição de um tal conceito. É
porventura o primeiro, nacional, nosso, que, desde o 25 de Abril, ultrapassa
em grande medida idéias vindas de fora como os “cluster” de Porter ou
outros estrangeirismos desenvolvimentistas.

Para além de todos os aspectos políticos e estratégicos, e por causa do


avanço tecnológico, o mar apresenta hoje um potencial de exploração eco-
nómica que desafia os países a encontrarem respostas para o desenvolverem
em seu benefício. O quadro é alargado e inclui não só a actividade pisca-
tória, os transportes ou os recursos energéticos, mas também o turismo e
o lazer, a náutica de recreio, a biotecnologia e a aquacultura, entre muitas
outras possibilidades.

Para se ter uma idéia da dimensão, veja-se que o mar sob jurisdição
portuguesa é dezoito vezes superior ao nosso território continental e insular
e equivale a mais de metade do mar do conjunto dos países da União
Europeia. Só no que respeita aos transportes, por exemplo, temos um
tráfego marítimo anual superior a meia centena de milhões de toneladas de
carga e, nos portos nacionais, transitam mercadorias num valor que se apro-
xima dos cinquenta mil milhões de euros.

Um tanto à boa maneira dos nossos antepassados, já temos pois um


roteiro, com uma qualidade excelente, para desenvolvermos todo este poten-
cial. Trata-se do relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos, tornado

365
público em 2004, “O Oceano. Um Desígnio Nacional para o Século XXI”.
É um documento de circulação algo restrita, uma vez que foi editado de
forma não comercial, mas que é facilmente acessível através da internet
em sites universitários, como é o caso do da Universidade dos Açores. Foi
um trabalho elaborado numa perspectiva nacional, independente, congre-
gando múltiplas contribuições de especialistas e personalidades de reco-
nhecido mérito, mas cuja qualidade é em grande medida devida ao coor-
denador, Tiago Pitta e Cunha, que agora faz parte da equipa do comissário
europeu para as pescas.

Neste momento, o perigo é que a dinâmica gerada na realização deste tra-


balho abrande fortemente e não se proceda à implementação do conceito de
forma prática, sucessiva e rentável, deixando-se cair numa burocracia exces-
siva e politicamente enredada. Esta tem sido uma tendência histórica muito
nossa, após os Descobrimentos, que parece amarrar-nos à “fatalidade” de ser-
mos muito bons a fazer projectos, mas muito maus a pô-los em prática.

Entretanto, há coisas que já podiam ter sido feitas há muito tempo. Por
exemplo, por que razão, até hoje, não há representação visível de veleiros
portugueses nas mais conceituadas regatas internacionais? É falta de defesa
da nossa honra, ou no mínimo de brio, que isso não aconteça, quando temos
o passado de grande nação marinheira. Projectaríamos uma imagem dis-
tintiva de Portugal, congregando não só simpatia mas também admiração,
com reflexo nos negócios.

21. Iberismo ou talvez não230

“De Espanha não vem bom vento nem bom casamento”. Este dito está
arreigado na cultura popular portuguesa e traduz uma atitude generalizada
de desconfiança secular em relação aos também por nós chamados, muitas
vezes em tom algo jocoso, “nuestros hermanos”. Tradicionalmente as nossas
elites – políticas, económicas e culturais – dividem-se quanto ao assunto,
perfilando-se nos campos opostos do sim ou do não ao iberismo, palavra
que entretanto crismou a vontade daqueles que querem unir Espanha e
Portugal.

230 Publicado em 10 de Agosto de 2006.

366
Foram os partidários do não que criaram, no século XIX, a Sociedade
Histórica da Independência de Portugal, a qual desde logo se dedicou a ani-
mar as comemorações do 1º de Dezembro de 1640. Ainda hoje é assim, mas
a cerimónia anual na Praça dos Restauradores é uma triste caricatura de
outros tempos, quando o Presidente da República, em cortejo, dignificava o
acto com a assinatura do livro de honra na sede da Sociedade, no Palácio da
Independência, ali ao Rossio. O ex-Presidente Jorge Sampaio esvaziou-a de
significado ao não cumprir deliberadamente esta tradição, que considerava
descabida nos tempos que correm das relações luso-espanholas.

Grosso modo, historicamente, o iberismo manifesta-se de forma quer


dura quer moderada. A primeira tem raízes sobejamente conhecidas e hoje
corresponde, em ambos os lados da fronteira, a uma expressão minoritária.
A segunda é sem dúvida mais actual e possui várias “nuances” que, não
contemplando qualquer idéia anacrónica de união política, nem militante-
mente de natureza cultural, advogam uma situação de integração econó-
mica. Esta é a alinha assumida do poder político em Portugal, que vê a
relação com Espanha como uma grande oportunidade de projecção da eco-
nomia e das empresas portuguesas.

Por isso, quando hoje alguém fala em Espanha como uma ameaça, a
tendência é a de desvalorizar imediatamente tal idéia e considerá-la ino-
portuna. Porventura, o sentimento é o de que a simples ponderação da
ameaça possa fazer emergir ou animar um qualquer movimento “reaccio-
nário” ou incómodo, como o daqueles que ainda reclamam a devolução de
Olivença; ou então que possa de algum modo atrapalhar as relações luso-
espanholas, o que remete para uma espécie de “política da manteiguice”,
essa sim descabida.

A verdade é que, com ou sem iberismo, o mero cenário da integração


económica luso-espanhola, que para todos os efeitos está em curso, levanta
um problema: o da avaliação prospectiva do tipo e do grau de equilíbrio
da relação. É preciso não esquecer que, face à desigualdade das dimensões
em presença, o quadro das potencialidades e vulnerabilidades não nos é à
partida favorável. Mas é certo que o processo é irreversível – face à evolução
das relações internacionais, particularmente europeias - e nele encontram
razão os que apontam exemplos de projecção de empresas e gestores por-
tugueses no mercado espanhol.

367
Contudo, a oportunidade que de facto se nos apresenta na relação com
Espanha não nos pode deixar adormecer à sombra da idéia de que se trata
de um país “amigo”, ou mesmo “irmão”, que, por essa razão, nos fará con-
cessões em termos de competitividade. Importa por isso, ao lado da opor-
tunidade, e sem prejuízo das boas relações, avaliar a ameaça que a Espanha
também representa para a projecção económica de Portugal.

De facto, esta ameaça não se confina ao território peninsular. Abrange


também o Brasil e os PALOP. Por exemplo, o conceito de Ibero-América
agora tão divulgado, responsável por tantas iniciativas que congregam tantas
instituições portuguesas, inclusivamente ao mais alto nível, foi definido no
seio do CESEDEN (Centro Superior de Estudios de la Defensa Nacional)
entre o final dos anos 70 e os anos 80. Resultou de um exercício de defi-
nição da projecção internacional da Espanha, que não ferisse directamente
Portugal e abrangesse também o Brasil. Por isso ganhou ao conceito rival
de Hispano-América (preferido pelos conservadores e tradicionalistas), o
qual, por derivar do conceito de Hispanidad, era exclusivo.

Portanto, talvez não seja má idéia, libertos de complexos iberistas, dar-


mos uma atenção muito particular ao “Plano África” que acabou de ser
anunciado por Maria Teresa de la Vega, a vice-presidente do governo de
Zapatero. Angola e Moçambique figuram aí como “países de interesse
prioritário”, e Cabo Verde, Guiné-Bissau e S. Tomé e Príncipe como “países
de interesse específico”.

Não se culpe de nada a Espanha. Apenas planeia e executa de acordo


com o seu interesse nacional.

22. Cooperação e Negócios231

Quando falo em cooperação, penso sobretudo em África e numa atitude


muito própria da maneira de ser portuguesa: juntar o útil ao agradável. Ou
seja, numa mistura compatível de solidariedade e negócios que, não obs-
tante ser muitas vezes afirmada entre nós, raramente é praticada. Porque,
como está demonstrado há décadas, desde as independências, a pura e sim-

231 Publicado em 24 de Agosto de 2006.

368
ples doacção de fundos para projectos de desenvolvimento em África não
se tem traduzido em casos de sucesso, mas sim no esbanjamento descon-
trolado de dinheiro e no enriquecimento desavergonhado de uns quantos,
a partir de situações de pobreza e miséria indescritíveis.

Por esta razão, agora a tendência, depois da recente onda de perdões


de dívidas, é a de responsabilizar os africanos através de empréstimos numa
lógica de economia de mercado, obviamente sustentados, porém, por rela-
ções e taxas especiais. É suposto que esta dinâmica reforce os vários pro-
cessos de democratização em curso no continente africano e, consequen-
temente, seja um factor facilitador da iniciativa privada, em larga medida
coberta pelo investimento estrangeiro.

Isto, para já, significa o descrédito do discurso da “herança colonialista”


que desculpava líderes corruptos e incompetentes e marcou décadas de projec-
tos fracassados. Significa também que de algum modo, embora com a menor
ênfase possível, se começa a reconhecer que também houve um lado positivo
da colonização, ao longo de apenas as duas ou três gerações que durou o pro-
cesso, no desenvolvimento económico e social da África. Pelo menos no ter-
reno, tanto as populações das áreas rurais (onde vivem cerca de 80% dos afri-
canos) como as novas gerações das áreas urbanas reconhecem esse facto pela
comparação entre as evidências do antes e do depois das independências.

A partir de agora, em particular no que respeita ao espaço lusófono, a


utilização da experiência colonial não se fará camuflada ou confidencial-
mente, como no passado fizeram países e consultoras menos escrupulosas,
envolvidos em esquemas de cooperação para o desenvolvimento e em negó-
cios enquanto aderiam ao discurso da “herança colonialista”. Foram assim
praticados plágios documentais em larga escala, traduzidos do português
para outras línguas, através das quais chegavam a África estudos e projectos
tidos como originais. Ironicamente, os pressupostos ideológicos dessa coo-
peração e a falta de experiência africana dos seus promotores acabaram por
redundar numa série de insucessos.

Hoje, embora reservando a inspiração e as fontes num certo segredo,


que é sempre a alma do negócio, já existem consultoras, nomeadamente
portuguesas, que assumidamente aproveitam a experiência colonial, actua-
lizando-a, nos estudos que realizam para projectos de reabilitação e de

369
desenvolvimento em África. Existe um enorme acervo de estudos coloniais
à espera de quem os consulte, tendo para tal simplesmente de percorrer os
caminhos da investigação para lá chegar, e um exemplo a apontar é sem
dúvida os célebres planos do fomento ultramarino. Mas atenção à concor-
rência: há notícias de estrangeiros que começam a percorrer esses caminhos,
ultrapassando o problema da língua com a contratação de portugueses ou
de quem saiba português.

Do ponto de vista histórico, estamos a assistir a mais um novo recomeço


da África, por muito redundante que isto possa soar, que não será porventura
o derradeiro em caso de fracasso, uma vez que a generosidade do mais
velho continente do mundo em matérias primas é um facto incontornável
e recorrentemente atraente. Mas este contexto requer de Portugal uma nova
resposta adequada à nova onda de cooperação e negócios com a África. E
um dos instrumentos fundamentais para o efeito é um banco, quer se chame
assim ou não, precisamente para se juntar o útil ao agradável.

Vamos ver, e o tempo urge, se esta resposta é dada ou não.

23. A Sobrevivência dos Camaradas232

A Universidade foi uma das instituições que, a partir dos anos 60, mais
infiltrada foi por homens e ideias comunistas e toda a panóplia de variantes
de extrema esquerda. Em Portugal, isso aconteceu obviamente depois de
1974 e a deriva libertária foi intensa, muito facilitada, é certo, pelo anterior
ambiente de repressão da autonomia de pensamento que é característica do
ideal universitário. Muitos jovens, e outros não tanto assim, voltaram do
estrangeiro para ocuparem os lugares dos professores então saneados, como
se dizia na altura, como “ fascistas”.

Seguiu-se um período de vários anos de “rebaldaria”, com as célebres


“passagens administrativas” e notas inflaccionadas. Não era preciso estudar
nem trabalhar, bastava saber debitar algumas ideias do “pronto-a-pensar”
das inúmeras vulgatas do marxismo-leninismo que então apareceram por
todo o Portugal. Isto moldou uma geração, que está agora na casa dos 50

232 Publicado em 7 de Setembro de 2006.

370
anos, e muitos problemas estruturais de Portugal, nomeadamente no ensino,
são consequências da situação.

Um dos campos onde se fez sentir esta realidade foi o das ciências
sociais, com particular incidência na história e na economia. Especialmente
atingido foi o ensino e investigação sobre a África, que passou a ser con-
siderado descartável no panorama universitário, uma vez que se tratava, de
acordo com a mentalidade da época, de um resquício do “colonial-fas-
cismo”. É por isso que encontramos um hiato nos estudos africanos por-
tugueses entre 1974 e meados dos anos 80, período durante o qual predo-
minaram os trabalhos condenatórios do colonialismo, em regra laudatórios
dos regimes marxistas e corruptos e inúteis enquanto investigação sobre o
desenvolvimento económico e social do continente africano.

Neste período vieram para Portugal (e também para os novos estados


africanos lusófonos) estrangeiros ideologicamente comprometidos e mili-
tantes que conseguiram encontrar espaço de actuação – emprego – no sis-
tema universitário. Eram “camaradas”, velhos ou novos conhecidos dos
camaradas nacionais, que traziam ideias frescas e ligações internacionais
a instituições e associações solidárias com o “terceiro mundo”. Foi preci-
samente neste contexto que, em meados dos anos 80, na Alemanha, num
colóquio de africanistas não-lusófonos, foi criada a primeira revista portu-
guesa de estudos africanos pós-25 de Abril, que se transformou numa espé-
cie de elemento regulador do sector, particularmente do pensamento sobre
os países africanos lusófonos.

A revista era financiada pelo dinheiro dos contribuintes portugueses e


a maior parte dos trabalhos aí publicados era de autores estrangeiros. Dez
anos depois, com o muro de Berlim já caído, as abordagens marxistas ainda
aí imperavam, com um gosto muito especial pela escola da dependência.
A tal que transpôs a luta de classses para o plano internacional, afirmando
que o subdesenvolvimento se resume a um conflito entre os países do norte
e os do sul, em que os primeiros deliberadamente enfraquecem os segun-
dos.

Os novos tempos, a falência dos velhos conceitos marxistas e o défice


de objectividade desses estudos encarregaram-se da morte lenta da revista.
Mas os africanistas desta corrente não desapareceram, uma vez que conti-

371
nuaram a manter o seu espaço de manobra universitário. Ninguém foi des-
pedido por ser marxista, nem tal evidentemente deveria acontecer, mas a
verdade é que hoje ocupam lugares estratégicos no sistema universitário
que lhes confere poder de controlo da progressão das carreiras académicas,
da apresentação de comunicações a congressos e, sobretudo, da atribuição
de financiamentos à investigação sobre África, por parte das instituições
competentes, com dinheiro dos contribuintes portugueses. Os camaradas
sobreviveram e, neste ambiente, continuam a poder formar as suas clientelas
- e fazem-no sem escrúpulos – conforme bem entendem.

24. Opções Estratégicas233

Uma coisa é certa, goste-se ou não desta presidência da república e


deste governo, ambos têm convicções firmes quanto ao que deverá ser o
futuro do desenvolvimento de Portugal. Não hesitam e fazem opções estra-
tégicas claras quanto ao rumo que o país deve seguir, e é significativo, e
sem dúvida útil, que haja uma certa consonância de percepções sobre as
nossas vulnerabilidades e potencialidades. É manifesta a tal cooperação
estratégica.

Um dos pontos axiomáticos conjuntos é a escolha de Espanha como


primeira prioridade da política externa portuguesa, o que sobrepôe desde
logo a opção iberista à histórica opção lusófona que integra o Brasil e os
países africanos de língua portuguesa. O facto de, depois de Espanha, o
Presidente não se deslocar ao Brasil ou a África na sua segunda viagem,
particularmente a Angola, tem nesses países uma leitura política precisa de
relação não privilegiada, que não deixará de ser cobrada a Portugal. É certo
que José Eduardo dos Santos não se deslocou a Portugal para a investidura
de Cavaco Silva e portanto tudo isto significa que há qualquer “areia na
máquina” que não se está a conseguir limpar. A confusão em torno do negó-
cio de Cahora Bassa com Moçambique também não serve Portugal.

O tempo dirá se esta opção é a mais correcta ou não, mas Angola não
é certamente neste momento um país a desconsiderar em termos de pro-
jecção económica de Portugal e é francamente discutível se não deverá ser

233 Publicado em 19 de Outubro de 2006.

372
a prioridade da política externa portuguesa. Veja-se só de relance este
número: 31,4% de crescimento económico previsto para 2007, ultrapas-
sando todas as expectativas, conforme veio afrimar esta semana o Fundo
Monetário Internacional. Nenhum outro país em África atingirá os dois
dígitos. Em 2008, terá uma produção de petróleo na ordem dos 2 milhões
de barris por dia, preenchendo cada vez mais a procura dos países impor-
tadores, e Angola será tanto mais importante neste sector quanto maior fôr
a instabilidade na Nigéria.

Outra opção estratégica é a do Programa MIT-Portugal que congrega uma


visão conjunta de engenharia e de economia e gestão para o (re)lançamento
industrial do país, tendo os engenheiros, e não os economistas e gestores,
note-se, como principais condutores do processo. Em certa medida é uma
opção que se sobrepôe à possibilidade de definir o Mar como um desígnio
nacional para o século XXI, como pretendia a Comissão Estratégica dos
Oceanos. Também é verdade que a “Estratégia Nacional para o Mar (2006-
2016)”, documento concluído no passado mês de Agosto pela Estrutura de
Missão para os Assuntos do Mar, frustou as expectativas, pela sua manifesta
fraca qualidade, muito longe da excelência mínima que se requeria para uma
matéria de tal importância e para fazer jus ao processo que vinha de trás. O
tempo também dirá se o Programa MIT-Portugal anulará ou não a opção
marítima, que sem dúvida requer fortes e consistentes investimentos, tanto no
campo empresarial como no da investigação científica.

A ideia do Plano tecnológico e do Programa MIT-Portugal é em si


mesma boa, muito boa mesmo. E não é só boa para Portugal, é também
para o MIT. Desde logo é estimulante ver reconhecida pelos americanos,
no relatório que produziram de avaliação da situação, que “a excelência da
investigação identificada nos centros de investigação portugueses reco-
menda que o MIT avance com „joint ventures_ com as instituições portu-
guesas”. E neste aspecto começamos logo a ganhar com este atestado de
qualidade, o que é uma jogada inteligente. Porém, também é certo que se
trata de um bom negócio para o MIT, o qual, conforme afirma nos Estados
Unidos, vê neste programa com Portugal uma oportunidade de colocar
cerca de quarenta dos seus investigadores a “trabalharem por dentro no pla-
neamento, desenho e implementação dos sistemas de transportes, de ener-
gia, da indústria e da bio-engenharia em Portugal, tudo sectores críticos da
economia global.”

373
25. Propaganda de Portugal234

A melhor propaganda é a que não parece propaganda. Esta é uma lei


básica que parece desvalorizada por quem, com o Programa Marca Portugal,
planeia atingir objectivos como os de “melhorar a reputação internacional
de Portugal enquanto país” e “facilitar o aumento das exportações nacionais
nos mercados externos, particularmente os prioritários”.

Há quase cinco anos atrás o ICEP realizou um estudo que revelava que
Portugal era associado a “atraso” e não era diferenciado nos mercados-alvo.
O problema da imagem do nosso país foi então explicado como sendo um
resultado combinado de baixa produtividade, inveja, derrotismo e mesqui-
nhez. De uma penada, o ICEP traçou um perfil do nosso carácter nacional –
complexa questão antropo e psico-sociológica – e chegou assim à conclusão
de que iria pôr em prática o projecto da Marca Portugal e lançar uma campa-
nha a nível nacional apelando à auto-estima, à ambição e à iniciativa. Mas, já
agora, o ICEP podia ter também referido a burocracia excessiva, a corrupção
e o tráfico de influências, os alçapões da lei, os contratos públicos para ami-
gos e clientelas, o esbanjamento de dinheiro, a incompetência, a má gestão e
a demora e perda de tempo na execução dos projectos.

Com efeito, é este Projecto da Marca Portugal que, quase cinco anos
depois, se afirma que “está agora em fase de implementação e será lançado
publicamente no início de 2007”. Dos anunciados sete eixos de acção,
existe um designado “Prefiro Portugal” que visa “criar um movimento de
conhecimento e valorização do que somos e do que fazemos, um movimento
de mobilização interna que promova o respeito por nós próprios, a iniciativa,
a auto-exigência”.

Primeiro, duas perguntas: quanto é que custa? como é que isto vai ser
feito? Segundo, uma observação: a História está cheia de propagandistas que
tentaram levar a cabo ambiciosos planos deste género, e em regra isso aconte-
ceu em regimes totalitários que pretendiam educar e mobilizar o povo. É óbvio
que o Projecto da Marca Portugal não faz parte de uma intenção totalitária,
mas os seus responsáveis talvez devessem ponderar se querem efectivamente
“mexer” no carácter nacional, de acordo com percepções institucionais que

234 Publicado em 26 de Outubro de 2006.

374
não coincidem com as do público-alvo e que poderão provocar efeitos de boo-
merang imprevisíveis. E talvez devessem ponderar também se esta tarefa é
mesmo exequível e da competência de economistas e marketers, e se não se
estará perante um excesso de imaginação voluntarista e de extrapolação daquilo
que pode e deve ser especialmente aplicado ao sector do turismo.

O poder anímico de Portugal não se alimenta com propagandas oficiais


mas sim com realizações que melhorem a qualidade de vida e o leque de
oportunidades das pessoas, na justa medida em que diga respeito ao Estado
e aos sucessivos governos. Do mesmo modo isto se aplica à promoção das
empresas e dos produtos portugueses no estrangeiro. A imagem de Portugal,
inevitavelmente, far-se-á em grande parte a si mesma e terá sucesso a partir
do momento em que, pelas nossas afirmações e realizações, conquistemos
visibilidade e admiração no estrangeiro. E nada disto acontecerá enquanto
se continuar a não reconhecer que existe uma tradicional desinformação e
secular imagem negativa de Portugal.

Projectar uma boa imagem é um princípio presente em qualquer relação.


A imagem de um país não é passível de ser controlada pelo Estado através do
marketing, como a de um produto, salvo acções específicas de promoção do
turismo e das condições do investimento estrangeiro. De facto, a imagem de
um país não é só formada pelo próprio país, é também definida pelos outros,
por exemplo com documentários ou filmes de ficção ou trechos e peças de
informação audiovisual sobre factos históricos ou presentes.

Será que alguém já realizou um levantamento representativo deste


género de produtos audiovisuais estrangeiros sobre Portugal e correspon-
dentes análises de conteúdo?

26. Out of Africa235

Vésperas da passagem do ano de 1992 em Moçambique. O cessar-fogo


entre a Frelimo e a Renamo tinha sido recentemente assinado. Os moçambi-
canos, em festa, na altura das férias grandes escolares, que lá têm início em
Dezembro, começavam a viajar por terra em segurança, coisa que não acon-

235 Publicado em 2 de Novembro de 2006.

375
tecia há anos por causa da guerra civil. Uma torrente de estrangeiros abatia-
se sobre o país à procura de negócios. Ao final da tarde, na reconfortante
esplanada do Hotel Cardoso em Maputo, um intermediário moçambicano e
dois empresários sul-africanos mantêm uma conversa em inglês. A opinião
dos sul-africanos é a seguinte: os portugueses não representam uma ameaça,
pois vão ficar com os pequenos negócios e nós com os grandes.

Não se pode fazer deste único caso teoria. Existem de facto empresas
portuguesas com projectos de grande dimensão em Moçambique, embora
talvez em número insuficiente face às oportunidades que este país oito vezes
maior que Portugal oferece e em escala proporcionalmente inferior no quadro
do investimento externo. Mas a verdade é que o maior de todos os empreen-
dimentos de Portugal no estrangeiro, a Barragem de Cahora Bassa em
Moçambique, acabou de ser vendido na sua maioria pelo governo português
ao governo moçambicano. Os termos do acordo são em parte confidenciais,
parecendo desde logo que os 950 milhões de dólares do negócio correspon-
dem a uma sub-avaliação do activo, talvez na ordem dos 30-40%.

Além do mais, o negócio envolve o perdão da dívida de cerca de 2.000


milhões de dólares – ninguém sabe bem ao certo - da Hidroeléctrica de
Cahora Bassa ao Estado português, o que na prática significa que Portugal
andou durante alguns anos a subsidiar a electricidade comprada pela África
do Sul a Moçambique a um preço seis vezes inferior ao custo real. A actua-
lização do preço ocorreu somente a partir de 2004, e de então para cá gerou
receitas na ordem dos 500 milhões de dólares, dos quais sairão os 250
milhões da primeira prestação a pagar a Portugal. Veremos se não ocorrerão
problemas com as prestações seguintes. Entretanto, Portugal fica com uma
participação de 15%, com a condição de eventualmente alienar ainda 5%
a favor de um comprador indicado por Moçambique. É, para todos os efei-
tos, um excelente negócio para Moçambique e, no futuro, veremos também
se haverá uma participação da África do Sul em Cahora Bassa (ou de outro
país), qual o seu peso e por que preço...

Visto tudo assim, o negócio parece algo bizarro, sobretudo quando o


ministro Teixeira dos Santos aponta a compensação de Portugal vir a par-
ticipar em novos projectos do sector eléctrico em Moçambique, observando
paradoxalmente que ficaremos com um direito de preferência mas teremos
de participar em concursos.

376
Contudo, o facto mais significativo deste negócio é porventura o de
que a retirada de Portugal de Cahora Bassa simboliza a nossa retracção em
termos de projecção económica de vulto para África e, de certo modo, o
fim de um ciclo histórico desencadeado há 130 anos por homens como
Teixeira de Vasconcellos e Luciano Cordeiro, hoje praticamente esquecidos.
Com este acordo, a opção estratégica lusófona teve assim um forte revés
na política externa portuguesa e é agora, de forma marcada, tendencial-
mente virtual. Infelizmente tudo isto se passa quando Cahora Bassa se está
a valorizar e quando existe uma forte dinâmica de globalização que apela
à projecção económica dos Estados e das empresas.

O primeiro-ministro José Sócrates concedeu ao evento uma viagem de


10 horas e ouviu de Armando Guebuza que agora é que tinha acabado o
colonialismo de 500 anos. Será que Armando Guebuza, o 24/20, alcunha
que ganhou por ter dado aos portugeses, em 1975, 24 horas para sairem
do país com 20 quilos de bagagem, irá agora favorecer especialmente o
investimento português em Moçambique? Mas a “descolonização exem-
plar” não foi há 30 anos? Veremos...

27. O Plano Ibero-Africano236

Ora aí está um desafio concreto e directo a Portugal por parte de


Espanha, na sequência do “Plan Africa” recentemente anunciado por
Madrid. Por iniciativa espanhola, neste preciso momento estão em curso
negociações entre as nossas respectivas diplomacias quanto à possibilidade
de se definir “uma agenda comum” no continente africano.

Num primeiro “round”, no início desta semana, a presidente do Instituto


Português de Apoio ao Desenvolvimento e a directora-geral das políticas
para o desenvolvimento do ministério dos negógios estrangerios espanhol
acordaram no princípio de se levarem a cabo acções conjuntas nos países
africanos lusófonos. Deixaram contudo de lado Angola e Moçambique,
explicando a parte portuguesa, com coçar de dedo no olho, que era melhor
começar por situações mais simples, para podermos partir com experiência
para as mais complexas.

236 Publicado em 9 de Novembro de 2006.

377
Não me parece que isto seja um bom começo, mas as cartas estão na
mesa à espera de uma provável reunião, de mais alto nível, que decida com
maior competência sobre essa agenda comum. É facil imaginar desde já um
possível (mas incerto) cenário de entendimento quanto a uma triangulação
que desemboque na organização de um espaço ibero-africano, a par dos já
existentes lusófono e ibero-americano, configurador de uma parceria estra-
tégica ibérica para África. Porém, tal dependerá da formulação de um con-
ceito operacional de “interesse ibérico” em relação ao continente africano.

Será que este projecto interessa a Portugal? Há uma ponta de ironia no


facto de a nossa actual opção estratégica iberista estar a ser desafiada pelos
próprios espanhóis a recuperar a prioridade da opção estratégica afro-lusó-
fona. Mas a verdade é que, face à evolução da conjuntura internacional e
à falta de meios para concorrermos com os Estados Unidos ou a China ou
a Rússia (que está a ressurgir) , o desafio espanhol é muito estimulante
para conseguirmos um elevado nível de projecção económica em Angola
e Moçambique.

Com efeito, a cooperação espanhola é cada vez mais concorrente da


portuguesa nestes países, contudo os espanhóis sabem que têm aí um poten-
cial limitado de crescimento, não só por causa do dinheiro que têm dispo-
nível, comparativamente aos outros grandes concorrentes, mas também
pela condicionada rede de contactos e ligações. Neste aspecto Portugal é
atraente por via das conexões histórico-sociológicas e também pelo facto
de aqui existir uma dinâmica de produção de informação relativamente a
África incomparavelmente superior à que ocorre em Espanha.

Na verdade, os espanhóis estão neste momento a ensaiar, pela primeira


vez na sua história, um discurso oficial para África no âmbito da sua
política externa e este repercutir-se-á, sem dúvida, no aumento do investi-
mento na produção de informação especializada de todo o género, desde
a científica à empresarial. E é isso também que neste momento estão a
tentar aprender com Portugal.

Obviamente que aqui se deparam com um problema, para muitos intan-


gível, que nós ainda não conseguimos resolver desde o 25 de Abril e que
tanta fragilidade e insegurança nos transmite na relação com os países afri-
canos lusófonos. Trata-se do complexo da “herança colonialista” que coloca,

378
por exemplo, a maioria a pensar que Cahora Bassa era “uma pedra no
sapato” e a minoria a lamentar “o activo desbaratado”.

Não sei quanto tempo demorarão os espanhóis, isentos deste tipo de


complexos, a perceberem que a opinião sobre África em Portugal, inclusi-
vamente nas instituições da cooperação, é controlada por camaradas recon-
vertidos, ou melhor, parcialmente reconvertidos, para quem, ainda hoje, a
crítica da corrupção das elites africanas é vista, depreciativamente, como
um argumento ideológico. Extraordinário, não é? Talvez os diplomatas lhes
continuem a dar ouvidos, mas é muito provável que os empresários não,
por muito politicamente incorrecto que seja.

28. Um desafio de Portugal237

Portugal encontra-se, no actual processo de globalização em curso, perante


um desafio geracional que é o de manter a nossa identidade num nível que nos
diferencie, quando alcançamos visibilidade, no mosaico internacional. Temos,
aliás, como problema de imagem, difícil, por razões históricas, o aumento qua-
litativo dessa visibilidade. Se conseguirmos manter esse nível, e reforçá-lo ao
nível empresarial com inovação – com “engenho”, diriam os nossos antepassa-
dos -, isso repercutir-se-á na nossa projecção económica internacional. Se não
conseguirmos, então a nossa identidade, e também a imagem que lhe corres-
ponde, diluir-se-á naquele mosaico, sem qualquer brilho.

Ora, tendo em conta este cenário, devemos recordar que o primeiro quadro
de diluição da nossa identidade e imagem é precisamente a Espanha. É um facto
histórico. Na área anglófona é por demais evidente, em especial nos Estados
Unidos. Alguém que tenha tido uma experiência americana, que não somente a
do turismo, sabe isso perfeitamente. E a diluição dos portugueses na categoria
dos hispanos atinge as elites, inclusivé as universitárias, grande parte das quais,
muito provavelmente a maioria, ignora a identidade portuguesa. A confusão dos
portugueses com espanhóis é portanto natural e espontânea.

É por esta ordem de razões que me parece, não obstante concordar que
interessa a Portugal uma parceria ibero-africana no âmbito empresarial e

237 Publicado em 16 de Novembro de 2006.

379
da ajuda ao desenvolvimento, que não nos interessa seguramente que essa
parceria específica envolva o domínio cultural. Ou seja, não é do interesse
de Portugal que se formule um qualquer conceito de cultura ibérica como
forma de projecção conjunta para a África lusófona. É isto, por exemplo,
que começou a ser ensaiado a partir de ontem em Luanda, com a designada
1ª Mostra de Cinema Ibérico, organizada pela Embaixada de Espanha em
conjunto com o Instituto Camões.

Qual é o problema? Tão somente que neste domínio, e analisando o


caso angolano em concreto, os espanhóis possuem uma estratégia efectiva
de expansão da sua língua e cultura, fertilizada, aliás, durante muitos anos,
pela relação privilegiada mantida com os cubanos. Estes continuam pre-
sentes em diversos sectores da sociedade e economia angolana, e isto sig-
nifica, pelo menos, divulgação da língua espanhola. Em Moçambique, tam-
bém, há cerca de duas semanas, foi anunciada a criação de uma parceria
que vai colocar 80 professores espanhóis neste país africano lusófono, a
partir do próximo mês de Junho, num instituto estatal de formação profis-
sional criado em conjunto com os Salesianos.

Tudo isto não é, com efeito, compatível com a expansão da língua por-
tugesa em África. Neste aspecto somos inevitavelmente concorrentes e nós,
portugueses, detemos uma enorme vantagem, não sendo por isso inteligente
esquecermo-nos desse facto e desbaratá-lo. Por outro lado, a expansão do
espanhol na África lusófona interfere no processo local de construção da
nação, no que este comporta de criação de um sistema linguístico homo-
géneo, ultrapassando a heterogeneidade dominante das línguas tradicionais,
via língua portuguesa, a qual é verdadeiramente o cimento da construção.
E saber comunicar em português é um factor meliorativo da força de tra-
balho e da qualificação profissional dos africanos, repercutindo-se na atrac-
ção do investimento externo.

Neste cenário, um desafio de Portugal, hoje, é pois o de resistir à


pressão externa desestruturante da nossa identidade. Em termos geopolíti-
cos e geoestratégicos, o nosso elo vital está ameaçado de fragmentação, o
que directamente se reflecte na mundovisão nacional da diplomacia, no
esmorecimento militar da vontade de segurança e defesa nacional, na fra-
gilidade das instituições políticas, no enfraquecimento da força económica
e no consequente desequilíbrio social.

380
29. Ameaça e Oportunidade238

A recente criação da estação televisiva de informação France 24 suscita


desde logo uma análise, na perspectiva das informações estratégicas, quanto
à sua motivação e correspondentes consequências políticas, económicas e
culturais (vistas aqui de um modo integrado). É um canal francês, semi-
público, que surge, algo atrasado, como uma resposta à CNN, BBC World
e Sky News. Segundo o director-geral, Gérard Saint-Paul, a France 24 vai
promover um “olhar franco-europeu” como contraponto à “visão binária
do mundo” daqueles canais.

Os jornalistas contratados – cerca de 160, de 31 nacionalidades dife-


rentes, num conjunto de mais de 300 funcionários - devem subscrever uma
espécie de “carta de intenções” na qual se inscreve o princípio de que a
missão da France 24 é “veicular os valores da França, que são a abertura
à diversidade do mundo e a atenção particular à cultura, ao modo de vida
e ao património”. A singularidade do canal reside em grande medida no
facto de que será bilingue, com uma preocupação especial na utilização do
inglês para a captação das audiências anglófonas. Gérard Saint-Paul não
deixou pois também de revelar o pragmatismo do canal nesta matéria,
sublinhando que o segmento-alvo são os decisores espalhados pelo mundo,
e que 95% destes se exprimem pela anglofonia.

Este ângulo de abordagem é assim também uma táctica característica da


“guerre économique” que a França vem interiorizando nos últimos anos
enquanto conceito estratégico nacional. Não admira pois que na programação
esteja incluída uma rubrica de “inteligência económica”. O responsável será
Ali Laidi, de origem argelina, detentor de um doutoramento nesta área, que
mostrará, conforme afirma, “como as empresas são atacadas ou atacam, são
espiadas ou espiam, são vítimas ou actrizes da guerra económica”.

A France 24 também vai ter uma componente árabe, no início muito


tímida, de cerca de 10 minutos, de notícias, reportagens e entrevistas, por
enquanto só acessível na internet. No próximo mês de Junho passarão a
ser quatro horas. Está previsto, igualmente, virem a ocorrer emissões em
espanhol e, portanto, não é de descurar a hipótese de que o mesmo possa

238 Publicado em 14 de Dezembro de 2006.

381
acontecer em português, além do mais porque a France 24 vai estar muito
activa em África.

Com efeito, note-se que, mesmo sem português, este canal não pode
deixar de ser encarado como um factor centrífugo da coesão lusófona em
África, ou, numa perspectiva meramente nacional, como uma ameaça à nossa
influência na área, nomeadamente no que respeita à projecção económica. A
avaliação da ameaça e do seu grau é portanto urgente, e observe-se a France
Telecom, que fica com um acrescido interesse estratégico africano. Angola
merece por isso uma atenção particular, uma vez que sobre si estão concentra-
dos, cada vez mais, projectos e iniciativas de proveniências nacionais diversas
que aproveitam o extraordinário clima de crescimento a dois dígitos.

Tendo em vista o contexto africano, este novo factor de concorrência aos


interesses portugueses não pode deixar de ter uma resposta. O problema é
que existe uma forte probabilidade de que isso não vá mesmo acontecer.
Numa linguagem crua, é irónico e muito frustante que, agora que África
(leia-se Angola) está a dar dinheiro, desperdicemos a oportunidade com
opções estratégicas prioritárias iberistas de final duvidoso. Podemos ali, de
facto, juntar o útil ao agradável, de acordo com a nossa tradição humanista e
universalista. E isto requer um comprometimento nacional de envergadura
que não seja somente o das grandes declarações de ocasião e dos habituais
salamaleques diplomáticos.

Não vale a pena invocar o que está a ser feito, para justificar o injus-
tificável. Ainda é pouco para o muito que há a fazer. Onde está a anunciada
sociedade de risco para a ajuda ao desenvolvimento? Ondes estão os 200
professores para Angola?

30. O Fim da Universidade239

Não se trata aqui da liquidação da Universidade - embora a ambivalência


semântica da expressão o possa fazer supôr nas actuais circunstâncias por-
tuguesas - mas sim da sua razão de existir, do seu objectivo, da sua missão
que é a de proporcionar conhecimento e desenvolvimento à humanidade.

239 Publicado em 4 de Janeiro de 2007.

382
Não é caso para empregar palavras menores que estas. Na verdade, não há
desenvolvimento sem Universidade, seja onde fôr, e mesmo aquelas insti-
tuições autónomas de pesquisa que pupulam no mundo moderno mais
desenvolvido nasceram no seu seio.

A Universidade é uma das maiores invenções do Homem e quem pretenda


reduzi-la somente a uma espécie de “fábrica de empregos” comete um grande
erro. E é aqui que nós podemos hoje distinguir, pelo menos, estas duas posições
básicas sobre o fim da Universidade: a dos que querem preservar o seu papel
tradicional e a dos que querem introduzir-lhe um factor de revolução face a
determinadas exigências políticas e sociais imediatas. A primeira posição é
essencialmente institucionalista e a segunda claramente política.

Quando temos um ministro a falar de grandes reformas na Universidade,


afastando ao mesmo tempo a possibilidade de mexer nas propinas dos estu-
dantes, está obviamente a tratar da imagem do governo junto do eleitorado.
Basta fazer as contas do universo de estudantes universitários, todos votan-
tes, e pensar no impacto económico e psicológico nos seus núcleos fami-
liares que uma subida minimamente substancial das propinas provocaria.
Um potencial universo aproximado de 750 mil votantes? Mais vale adiar
a discussão real do problema financeiro da Universidade ou iludí-lo...

Depois, a idéia de que precisamos de muitos mais licenciados não encaixa


bem, por si só, nas condições actuais. É certo que estamos atrasados nesta
matéria em relação a muitos outros países, mas isto faz parte de um quadro
maior. Em 30 anos de expansão universitária e 20 anos de acoplagem à
Europa desenvolvida, não conseguimos dar o salto económico e social -
demos apenas uns pequenos passos - e por isso é escusado estar a falar nos
licenciados que são precisos, quando ainda não conseguimos absorver cerca
de 50 mil que estão neste momento desempregados, a que se acrescentam já
mestres e doutores, tanto nas ciências sociais como nas chamadas exactas.

Existe também a tentação governativa de atirar a culpa de tudo isto para


as costas da Universidade, acenando-se com o papão da avaliação para,
entre outras coisas, investigar o insucesso escolar – ou será inquirir? – como
se a maioria dos professores não fosse hoje incomparavelmente menos exi-
gente que no passado, o que, logicamente, antes potencia o sucesso escolar,
ou seja, entenda-se, a passagem das disciplinas. Como diz um velho pro-

383
fessor jubilado: “antes, numa oral, se não se soubesse uma pergunta, chum-
bava-se; hoje, basta saber uma para passar.”

Este clima é em grande parte consequência dos desvarios abrilianos que


se instalaram no sistema de educação nacional. Mas estes desvarios convivem
na cultura institucional universitária com o chamado temor reverencial, her-
dado do antigo regime e também dos aparentados tiques totalitaristas dos
professores revolucionários. Muitas energias são desperdiçadas em rituais de
dominação e os políticos muitas vezes não fogem a esta regra, sobretudo
quando são professores. Isto é um factor de bloqueio do desenvolvimento da
própria Universidade e fundamentalmente uma questão de mentalidade que
está em processo de mudança em tempo demorado e geracional.

A verdade é que a Universidade definha se lhe for tirado o seu espaço


de liberdade de pensamento e criatividade ou desmantelado o seu tradicional
sentido científico e ética pedagógica. A autonomia da Universidade é vital
para o seu próprio desenvolvimento e repercute-se inevitavelmente na socie-
dade, seja na forma de emprego ou inovação industrial e empresarial ou de
pensamento estratégico nacional.

31. Fumos da Índia240

Não está em causa a necessidade de haver uma viagem presidencial


à Índia no quadro da política externa portuguesa. A última foi há cerca
de 15 anos e a Índia merece de facto uma atenção particular da nossa
parte, desde logo por razões históricas, e seria bom que as relações
seculares potenciassem os negócios. Não se deve contudo esquecer que,
hoje, neste mundo pós-colonial, a imagem dos portugueses na Índia
não é das mais favoráveis. Os textos académicos, por exemplo, estão
pejados de referência negativas ao comportamento dos portugueses,
muitas vezes apoiados nos excelentes retratos realizados no século XVI
pelos nossos próprios autores. Diogo Couto, com “O Soldado Prático”
é um deles, e é comum ver-se Fernão Mendes Pinto, com a
“Peregrinação”, citado como exemplo do oportunismo e da ambição de
lucro desmedida a que chegámos naquelas paragens. E quanto ao caso

240 Publicado em 11 de Janeiro de 2007.

384
de Goa - e da singularidade da cultura goesa, que é luso-indiana - não
é possível afirmar que as feridas, do lado de lá (do governo indiano,
entenda-se), já tenham completamente sarado; à menor arranhadela,
infectam-se. Aliás, alguém viu alguma comemoração conjunta signifi-
cativa a propósito do quinto centenário dos Descobrimentos?

Mas é a política e sobretudo os negócios que estão hoje na base da


decisão de incluir a Índia na agenda das visitas presidenciais, ainda no pri-
meiro ano de mandato, ultrapassando os PALOP e nomeadamente Angola,
agora por todos cortejada, que depois de longos anos de guerra cresce
agora, há dois anos consecutivos, na ordem dos dois dígitos por ano. A
Índia, por ser turno, tem vindo a crescer a sete por cento ao ano, com uma
economia fulgurante, onde se destaca a alta tecnologia, e com um mercado
de dimensão extraordinária, que fala em inglês, o que é uma vantagem
comparativamente à China, por exemplo.

A idéia central da iniciativa presidencial, como está a parecer na nossa


comunicação social, é pois a de que vamos apanhar boleia do crescimento
indiano. Esta é, porém, uma imagem que não nos dignifica, nem às nossas
empresas, e seria bom que ela não passassse para os indianos. Até porque
se alguém se der ao trabalho de avaliar o “conceito”, confrontando-o com
a nossa dimensão e potencialidades, talvez chegue à conclusão de que o
que vamos mesmo apanhar, ou tentar apanhar, é migalhas.

E outra idéia, também central, e que já se tornou um lugar comum nas


viagens oficiais, é a de que de algum modo podemos abrir portas ou facilitar
o relacionamento da Índia com os PALOP e o Brasil. Mas a verdade é que
a Índia não precisa nada de Portugal para isto. No caso do Brasil, então,
se alguém, em algum lugar, ou num relatório, na preparação da viagem,
corrobora esta barbaridade, o melhor que tem a fazer é estar calado.

De facto, nesta nossa relação turbulenta com o Brasil – em que a CPLP


não passa de uma virtual comunidade -, bom teria sido se, antes da viagem,
tivéssemos procurado oportunidades de parcerias e negócios com empresas
brasileiras já presentes na Índia. É que, neste caso concreto, o Brasil tem
uma visão estratégica e uma capacidade de produção de informações estra-
tégicas que nós infelizmente não temos.

385
Para se ter uma idéia do avanço do Brasil, veja-se o resultado do seminário
oficial conjunto com a Índia, realizado no Rio de Janeiro, em 11 e 12 de Janeiro
de 1996, há precisamente 11 anos. Tem 632 páginas, foi organizado pelo
Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, editado pelo Instituto de Pesquisa de
Relações Internacionais de Brasília e o título é “Estratégias. Índia e Brasil”. A
perspectiva, ainda com actualidade, é “O Brasil e a Índia no Cenário Político e
Económico Internacional dos Próximos Anos”. E os temas tratados, de forma
qualitativa e quantitativa, vão da biotecnologia à energia nuclear e à cooperação
aero-espacial, passando pela informática e pelo meio ambiente.

É isto que temos de fazer e é com isto que temos de competir, para já
com, pelo menos, uma década de atraso.

32. A Emergência das Informações Estratégicas241

Progressivamente, embora de forma mais lenta que o desejável, a área


dos intelligence studies vai conseguindo espaço de ensino e investigação
na universidade em Portugal, quer ao nível das licenciaturas, quer dos mes-
trados e pós-graduações. Vamos assim recuperando o atraso em relação a
muitos outros países onde esta área de estudos se encontra já consagrada,
ultrapassando preconceitos existentes por parte de alguns académicos e
também no sistema de informações da república. Em particular neste último,
parecem existir receios de que o ensino destas matérias obedeçam a pro-
jectos obscuros de concorrência com os serviços que compõem o sistema,
ou mesmo de conspirações de poder de indivíduos e grupos. E, porventura,
não deixarão de ser exercidas pressões contra o desenvolvimento da área.

No entanto, por este lógica de exclusividade e secretismo exagerado,


várias matérias não poderiam ser leccionadas na universidade. A verdade
é que, do ponto de vista universitário, a expansão do conhecimento é um
fenómeno inevitável, associado a valor da liberdade e aos benefícios para
a humanidade ou sociedade ou comunidade que os universitários perse-
guem. É o espírito tradicional da universidade. E por esta razão, como é
óbvio, o desenvolvimento dos intelligence studies poderá vir a repercutir-
se positivamente, por hipótese, na área da política externa ou da cooperação

241 Publicado em 8 de Março de 2007.

386
militar, quer através de pessoal formado, à partida, nos conceitos funda-
mentais, quer através da realização de determinado tipo de estudos, com
fontes abertas, não cobertos pelos serviços de informações.

Mas, a área em que este desenvolvimento se deverá prioritariamente sentir


- e por isso lhe deverá em especial ser dirigido – é a empresarial. Com efeito,
existe uma relação directa entre competitividade e informação e, por conse-
quência, as informações estratégias, como metodologia de apoio à tomada de
decisão, carecem de ser ensinadas e investigadas e integradas nas empresas.
Nesta perspectiva, deve ser dada maior atenção às pequenas e médias empresas,
tanto no ângulo defensivo como no da projecção internacional.

Sem prejuízo de procurarmos o nosso próprio modelo ou modelos,


de acordo com as nossas circunstâncias, veja-se as políticas públicas e
iniciativas que estão a ser levadas a cabo em França neste domínio. Há
um movimento crescente de aplicação do conceito de “inteligência eco-
nómica” às PME. Câmaras do comércio, associações profissionais e
locais estão a procurar formas de ajudar as pequenas estruturas a serem
competitivas no processo de globalização em curso e no âmbito das
novas práticas financeiras e comerciais. No final deste mês, por exemplo,
vai ser realizado o Forum Regional de Inteligência Económica sobre
aperfeiçoamento e manutenção da posição concorrencial das PME. Entre
os oradores contam-se Bernard Besson, encarregado de missão junto
do Alto Responsável pela Inteligência Económica, Philippe Clerc, direc-
tor de inteligência económica e inovação da Assembleia das Câmaras
Francesas de Comércio e Indústria, Christian Harbulot, director da Escola
de Guerra Económica, e Jean-Michel Jarry, chefe adjunto do serviço
de coordenação ministerial de inteligência económica do Ministério da
Economia, das Finanças e da Indústria.

Em Portugal estamos ainda longe de interiorizar uma dinâmica deste


género, e por isso a implementação da área dos intelligence studies vem
preencher, à sua escala, a lacuna de se percepcionar a concorrência prin-
cipalmente pelo ângulo do marketing. Isto permite também realizar, a partir
da universidade, acções de formação nas empresas e associações, com um
currículo modular de planeamento e gestão de uma unidade de informações
estratégicas, segurança informática, técnicas de gestão de fontes, técnicas
de análise de informações e produção de relatórios.

387
33. O Tempo Tríbio Português242

O maior teórico da projecção da cultura portuguesa, incluindo a compo-


nente económica, foi o brasileiro Gilberto Freyre que muitos acusam ainda
hoje, por ignorância ou radicalismo ou má fé, de ser um defensor da política
colonial de Salazar. Foi o inventor do conceito de Luso-tropicalismo, que não é
um manifesto ideológico mas sim uma teoria interdisciplinar de base socioló-
gica sobre a capacidade singular de adaptação dos portugueses a ambientes
tropicais. Se tivesse sido francês ou inglês ou americano, por exemplo, Gilberto
Freyre seria mundialmente conhecido e figuraria sem dúvida no quadro dos
mais importantes pensadores do património intelectual da humanidade.

Um conceito basilar da sua criatividade analítica era o de tempo tríbio,


querendo com isto significar que o tempo é uma realidade do presente que
integra o passado e o futuro. O conceito é de natureza epistemológica e
pode ser aplicado a pessoas, organizações ou mesmo nações. É simples:
nós somos o que somos, no presente, em função do que fomos no passado
e do que estamos a projectar ser no futuro.

Se analisarmos Portugal sob esta perspectiva, hoje, neste presente inte-


grado dos últimos trinta anos, colocamo-nos perante um quadro de longa
duração histórica que podemos abrir mais ou menos consoante a mistura
subjectiva e objectiva dos nossos propósitos de compreensão da realidade.
Do ponto de vista económico, parece ser um facto a inabilidade - para não
ser caustíco - da classe política portuguesa após o 25 de Abril no encami-
nhamento do país para o crescimento e desenvolvimento sustentável. Não
foi criado, nem mesmo com a integração europeia e todos os correspon-
dentes fundos, um ambiente favorável ao desenvolvimento industrial de
que o país tanto carece. Entrámos numa lógica de investimento público
massivo em grandes obras que, no final, representam expedientes artificiais
de animação económica que se esgotam a prazo, principalmente agora que
o tempo desses mesmos fundos está a acabar. Os projectos da OTA e do
TGV, associados ao plano MIT, encaixam nesta categoria.

Tentámos repetidas vezes levar a cabo esse desenvolvimento industrial,


mas sem êxito, desde o finais do século XVII, princípios de XVIII. Na

242 Publicado em 29 de Março de 2007.

388
memória, mais selectiva ou não, conforme as simpatias, ficou-nos também
sucessivas classes políticas, sobretudo desde o século XIX, mergulhadas
num ambiente geral de corrupção. Oliveira Martins, amado por uns e
odiado por muitos, com o seu traço peculiar deixou-nos no Portugal
Contemporâneo, por exemplo, ilustrações desse ambiente.

O nível a que chegou a corrupção na 1ª República foi elevadíssimo e


esteve directamente relacionado com a instabilidade política de oito presi-
dentes da república e cerca de cinquenta governos em apenas dezasseis
anos. O golpe do 28 de Maio de 1926 veio precisamente, na perspectiva
militar, pôr ordem na situação, e Salazar veio a seguir e introduziu credi-
bilidade nas contas públicas e na actividade económica nacional.

Ora, este presente de trinta anos que vivemos desde o 25 de Abril, hoje,
com todos os casos de corrupção, de descrédito da justiça e da classe
política e de frustação do desenvolvimento económico, realmente sentido
pelos portugueses, não obstante possíveis explicações contrárias de alguns
economistas, coloca essa mesma classe política num plano de responsabi-
lização irrefutável. E portanto não é de admirar que Salazar tenha ganho
um concurso televisivo de maior português de todos os tempos, ainda para
mais com uns expressivos 41%, sem a mobilização partidária que levou
Cunhal ao segundo lugar, mas abaixo do 20%.

Foi apenas um concurso de televisão, é certo, mas não é de descurar a


hipótese de ter sido, em primeiro lugar, um voto de protesto da “maioria
silenciosa”contra a classe política e a deriva do país. É que hoje Portugal,
economicamente frustrado, não vislumbra o futuro que devería estar a pro-
jectar ser.

34. O Futuro da Universidade243

Parece querer ganhar espaço na opinião pública (e nalguma publicada)


a idéia, em grande parte induzida pelo Governo, em particular pelo ministro
da tutela, Mariano Gago, de que o ensino universitário português funciona
muito aquém das expectativas, em situação de grande despesismo, mal

243 Publicado em 10 de Maio de 2007.

389
gerido por professores incompetentes. Alimenta-se mesmo a imagem de
que existe uma certa insuficiência científica e pedagógica que se reproduz
negativamente na estagnação e falta de desenvolvimento nacional. No
limite, de acordo com esta visão, na Universidade residem em certa medida
as causas da falta de produtividade e competitividade de Portugal.

Daí, a necessidade de se fazer uma grande reforma introduzindo ele-


mentos como um novo conceito de gestão (ou de governança, como come-
çámos a dizer, imitando o que “lá fora” se diz), com as fundações, e um
“ranking” das instituições para se tirar a “prova dos nove”. O próprio
Presidente da República já veio a público defender a existência do “ranking”
e assim manifestar o seu apoio político à reforma.

No que respeita ao “ranking”, por princípio este expediente é salutar


pois estimula a livre concorrência entre as instituições num mercado dinâ-
mico e competitivo, reconhecendo o mérito e premiando a qualidade. Mas,
é preciso que o “ranking” não seja um mecanismo do Estado mas sim da
sociedade civil, nem que esse mesmo Estado, por tradição ainda excessi-
vamente envolvente em Portugal, mantenha relações preferenciais com cer-
tas instituições, colocando outras, à partida, em desvantagem. Esta situação,
por exemplo, já se encontra consagrada no princípio selectivo do célebre
acordo com o MIT, que na prática distingue as universidades ou faculdades
em incluídas e excluídas, e isto não deixará de se reflectir no “ranking”.

A questão das fundações é porém grave. O projecto-lei prevê que estas


tenham um conselho de curadores nomeados pelo governo que terão o
poder de designar o reitor, criando-se um mix público-privado em que esta
última componente abre pois, totalmente, o caminho para a politização, em
certos casos regionalizada, como é previsível, das universidades. A lógica
mais básica dos “jobs for the boys”, responsável por grandes e alguns irre-
paráveis danos na nossa administração pública, chega deste modo com toda
a força à gestão do ensino superior público.

Por isso o momento é de perplexidade quanto ao futuro da Universidade


em Portugal. Mesmo com defeitos, não podemos esquecer a revolução
silenciosa –como diz Adriano Moreira - que a Universidade tem vindo a
operar em Portugal desde o 25 de Abril. Neste aspecto, a Universidade não
pode em caso algum ser responsabilizada pelos licenciados, mestres e dou-

390
tores desempregados. Pelo contrário, a Universidade tem cumprido a sua
função de democratizar o ensino superior e estabelecer bases para o “take-
off” de Portugal que tarda em surgir, não obstante os 22 anos de fundos
europeus que deveriam ter servido ao nosso arranque industrial e corres-
pondente projecção económica internacional.

A verdade é que a Universidade (incluindo as privadas) tem sido o prin-


cipal factor de mudança cultural no país nos últimos 33 anos e os alunos
inscritos no ensino superior, sem contar com os já formados ao longo dos
anos, representam cerca de 10% da população activa. E tudo isto poderia
ser melhorado com mais autonomia real para as universidades, melhores
vencimentos para atrair os melhores, para favorecer a qualidade e a exce-
lência, e menos constrangimentos burocráticos às ligações à sociedade,
nomeadamente às empresas.

Pelo contrário, o espírito da nova reforma, na obstante a cosmética do


“privado” com as fundações, parece configurar um maior peso do Estado
na vida das instituições. O risco para a Universidade é o de que se caia, no
futuro, numa espiral reformista associada aos ciclos políticos, semelhante
à que desastrosamente ocorre há anos no ensino não superior.

35. Entrever Portugal244

Nesta semana foi notícia o enorme desequilíbrio de desenvolvimento e


de expectativas de crescimento entre o Norte de Portugal e a Galiza. Com
características mais ou menos idênticas, aquando da entrada há 20 anos
para a chamada Comunidade Económica Europeia, o desperdício da opor-
tunidade pela nossa parte está à vista.

A reconversão da indústria textil do lado de lá é porventura o mais mar-


cante elemento de comparação com a do lado de cá, como é visível, por
exemplo no grupo ZARA, mas o cenário comporta também as pescas ou
o turismo, tão bem projectado em termos de imagem na península ibérica
e internacionalmente. Nós, infelizmente, não temos tido, não só em relação
ao norte mas também ao conjunto do país, uma estratégia de imagem real-

244 Publicado em 6 de Junho 2007.

391
mente original e moderna. Temo-nos ficado repetidamente pela solução
simples e gasta de colar a imagem do país às figuras de projecção mediática
do momento, de modo a criar aquilo que em comunicação social se chama
“efeito de halo”, esquecendo-nos que Portugal é muito mais que isso.

Portugal é o país mais antigo e culturalmente homogéneo da Europa,


país de Templários e da Ordem de Cristo, de humanismo e universalismo,
como está patente no livro Utopia de Thomas More e na sua principal per-
sonagem, o nobre e marinheiro Rafael Hitlodeu. País que, mesmo esgotado
com o extraordinário esforço dos Descobrimentos, incapaz de recuperar o
velho engenho e energia primordial, ainda assim foi capaz de lançar os ali-
cerces de um país da dimensão do Brasil, caso único de unidade política e
sociológica, ainda em processo de integração e mudança, falando português,
envolvido pelo território espartilhado dos países hispanófonos.

Embora ainda não justamente reconhecido nos seus aspectos positivos,


ocultados pela exacerbação dos aspectos negativos, é também extraordinária
a obra de desenvolvimento económico e social que deixamos nos países
africanos de língua portuguesa, particularmente em Angola e Moçambique,
14 vezes e 8 vezes maiores, respectivamente, que Portugal. E isso não acon-
teceu em 500 anos de colonização, como erradamente é geralmente repetido
até à exaustão, por desconhecimento ou má-fé ideológica, mas sim em
duas/três gerações, entre o princípio do século XX e 1974.

A ignorância revolucionária e os excessos pós- 25 de Abril destruíram


logo o desempenho e a energia anteriores e depois a verdade é que pura e sim-
plesmente não conseguimos dar uma resposta adequada ao desafio económico
e social europeu. Esta comparação recente do nosso Norte com a Galiza vem-
nos assim mostrar que realmente estamos a fracassar como povo.

A Estratégica, como disciplina, lembra-nos que um dos elementos fun-


damentais do poder nacional é o poder anímico, isto é, a componente
sociológica, as pessoas e suas relações, pois numa das clássicas e mais sim-
ples definições de poder, este é produto da capacidade pela vontade. E é
aqui que obviamente se encontra a raíz do nosso problema, começando
desde logo pela classe política, que não deve ser distinguida, neste caso,
em nacional e local, a qual fracassou até agora na condução do país para
outro patamar de desenvolvimento.

392
E devemos assumir a responsabilidade como nossa, colectiva, incluindo
os empresários no que toca à sua falta de visão estratégica e informação.
Há excepções, é claro, e o poder gosta muito de mostrá-las como regra ou
exemplo, mas a realidade é que o tecido é esmagadoramente frágil em ter-
mos de produtividade e concorrência internacional.

Resta-nos a consolação para já – enfim - de que esta fase que atraves-


samos corresponde somente a cerca de 3% da nossa História. Porventura
a solução não estará no choque tecnológico dos grande projecto megaló-
manos, financiados pelo Estado, que prenunciam a extinção do “empreen-
dedorismo adhoc” quando eles próprios se extinguirem, mas sim no choque
sociológico das novas gerações de licenciados plenamente empregados,
com uma mentalidade renovada.

36. O País que Somos245

O sociológo brasileiro Gilberto Freyre inventou o conceito de “luso-tropi-


calismo” para caracterizar a singularidade histórica da projecção de Portugal
para os trópicos, onde influenciou culturas sendo ao mesmo tempo influen-
ciado por essas mesmas culturas. A capacidade de adaptação e miscigenação
dos portugueses foram por si analisadas desde o mais amplo fenómeno ao
mais pequeno, onde havia lugar, por exemplo, para analisar a gastronomia,
decompondo as receitas de culinária para identificar os ingredientes e respec-
tivas proveniências culturais. O seu ponto de partida foi o Brasil e as suas
idéias tiveram logo uma repercussão extraordinária na primeira metade do
século XX: o Brasil, que até aí se via com olhos quase exclusivamente euro-
peus, passou a ver-se com uma identidade nova que conciliava as culturas
ameríndia, africana e europeia. De repente, os brasileiros começaram à pro-
cura da sua verdadeira identidade nos mais variados domínios, como nas
ciências sociais, na arquitectura, na literatura, na música e outras artes, dando
uma expressão renovada à cultura brasileira e ao sentimento patriótico.

Isto aconteceu numa nação jovem, em formação, diferente do caso de


Portugal que viu a sua identidade a ser consolidada nos séculos XIII e XIV
(Fronteiras, Universidade, Língua Portuguesa e Aljubarrota), projectada no

245 Publicado em 16 de Agosto de 2007.

393
século XV (Descobrimentos) e depois reafirmada nos séculos XVI e XVII
(Lusíadas e Restauração). Mesmo assim, quase nove séculos após a fun-
dação, ainda persistem, consoante as diferentes filiações, digamos, filosó-
ficas, dúvidas quanto à nossa singularidade, parecendo existir uma tendên-
cia para esses portugueses cépticos se repartirem em activos ou passivos
europeístas militantes e iberistas. Nada de alarmante. É normal existirem
dissensões, mas tal facto, em crescendo, como ocorre em Portugal desde
o 25 de Abril, é indubitavelmente um factor de dissociação nacional.

Do ponto de vista estratégico, esta situação reflecte um enfraquecimento


do poder nacional face ao dos outros países e, consequentemente, uma des-
vantagem competitiva da projecção internacional de Portugal. Estamos,
com efeito, numa fase de desorientação e indefinição do nosso conceito
estratégico nacional.

Ora, para compreendermos a situação, é útil irmos buscar o conceito


de “tempo tríbio” que Gilberto Freyre desenvolveu, afirmando que a rea-
lidade social integra passado, presente e futuro, ou seja, nós somos o que
somos hoje em função do fomos no passado e do que no presente estamos
a projectar ser no futuro.

Assim, neste momento, se virmos Portugal por este prisma, avaliando


o conceito estratégico nacional, reparamos que dois dos principais pilares
históricos da nossa casa estão de facto a sofrer uma pressão interna, “supra-
partidária”, de desmantelamento: o mar e o espaço lusófono.

O primeiro, não obstante o discurso oficial maquilhado, enfrenta a dra-


mática condição, que no mínimo envergonha “os nossos igrejos avós”, de
não existir nem marinha mercante nem de guerra que assegure conveniente-
mente a exploração e defesa da nossa zona marítima, que é, face à proporcio-
nalidade do nosso território, uma das maiores do mundo. É dramático vis-
lumbramos as possibilidades económicas futuras e assistirmos ao mesmo
tempo, por exemplo, neste preciso momento, aos floreados diplomáticos que
projectam hipotecar parte da nossa soberania marítima a uma futura guarda
costeira europeia. Como quem arranca mais vinha para receber subsídios.

O segundo, face à nossa inépcia e atrasos inexplicáveis como o dos


entraves burocráticos do Banco de Portugal à constituição da chamada

394
Sofide, o nosso futuro “banco do desenvolvimento”, criado por lei há quase
dois e que talvez veja finalmente a luz antes do ano acabar, assiste impotente
ao vazio ser preeenchido pelos nossos concorrentes. É só espreitar a dinâ-
mica actual dos espanhóis com o “Plan Africa”.

37. Portugal em África246

Infelizmente, Portugal não está a corresponder ao desafio histórico de


se projectar economicamente para África, especialmente para os países
lusófonos, num nível adequado à nossa tradicional área de influência. Não
se vislumbra um plano, uma estratégia activa, nem política nem económica
nem cultural, que anime as relações bilaterais. Não se sente um ambiente
de mobilização com entusiasmo para as oportunidades de negócio que o
presente momento oferece, tal como está a acontecer em muitos outros paí-
ses, a começar pela vizinha Espanha. Pelo contrário, a opção estratégica
actual, relegando a África para segundo plano, é nitidamente iberista e
europeísta.

É neste contexto que se compreende a grande azáfama da presidência


portuguesa da União Europeia, da nossa diplomacia, na realização da
cimeira com a África. É um desperdício de dinheiro e energias em tôrno
da polémica da participação do ditador Robert Mugabe e de um evento
multilateral cujos benefícios não são evidentes. O discurso oficial fala em
prestígio para o país, mas não explica a relação custo-benefício nem as
mais-valias concretas que resultarão do evento, parecendo somente tratar-
se de floreados diplomáticos inconsequentes, embora sem dúvida estimu-
lantes para os envolvidos. Como a palestra que, a propósito da cimeira e
do problema do Zimbabwe, o secretário de estado Cravinho vai proferir no
próximo dia 6 de Setembro, em Londres, na famosa Chattam House.

É verdade, porém, que a cimeira servirá a nova política de cooperação


da Comissão Europeia, mas essa, que está em construção, como já foi aqui
assinalado em Março passado, obedece ao conceito de “true division of
labour” e representa uma ameaça para Portugal; talvez equivalente, salva-
guardado o anacronismo, à da Conferência de Berlim no século XIX, agora

246 Publicado em 30 de Agosto de 2007.

395
com um novo “direito de ocupação efectiva”. Se alguém quiser dar-se ao
trabalho de ver o que está acontecer, reparará que está em consolidação um
multilateralismo que vai contra o interesse nacional e dá a impressão que
neste momento há portugueses em funções europeias que, como se costuma
dizer, “são mais papistas que o papa”.

Infelizmente, também em Portugal desde os finais dos anos 90, o mul-


tilateralismo passou a nortear a política de cooperação portuguesa, quando
ajustámos nos documentos estratégicos dos negócios estrangeiros as nossas
prioridades às da OCDE. É essa lógica que ainda hoje nos orienta, sobre-
pondo de facto na política africana de Portugal o multilateralismo ao bila-
teralismo, não obstante o conceito oficial esdrúxulo de “bi-multilatera-
lismo” defendido por Cravinho. E é por isso que falta um clima de
mobilização geral em Portugal, nomeadamente da sociedade civil e dos
empresários, para uma projecção económica para África política e cultu-
ralmente sustentada.

Onde estão, por exemplo, os 200 professores portugueses prometidos


por Sócrates a Angola há mais de um ano? E a Sofides, o nosso projectado
banco do desenvolvimento, criado também há mais de um ano, quando é
de facto implementado? Por que é que no panorama audiovisual português
a África está tão pouco viva, desde a ficção aos documentários? Vejam
bem: neste preciso momento está a desenrolar-se a “Expedição Espanhola
África 2007”, chefiada pelo professor catedrático

Francisco Giner, da Universidade de Salamanca, que daí partiu numa


caravana de jipes, no mês passado, para percorrer 30 países ao longo
de 50.000 Km durante 6 meses; são dez professores e investigadores
espanhóis e americanos (da Universidade do Maine) que vão fazer estu-
dos e documentários que serão desde logo transmitidos nas televisões
hispanófonas e anglófonas. Talvez nós próprios, em Portugal, os vejamos
no futuro num dos nossos canais, assim como os lusófonos africanos
e brasileiros...

Tentar projectar poder de Portugal para África com cimeiras europeias


e multilateralismos é um erro estratégico de difícil reparação.

396
38. A Oportunidade Angolana247

Não há dúvida de que os olhos dos empresários e investidores de todo


o mundo estão postos em Angola. A oportunidade angolana de negócios é
imensa e está neste momento firmada, a nível internacional, a percepção
de que a elite política local está francamente a desenvolver esforços no sen-
tido da implementação no país da democracia e da economia de mercado.

Todos reconhecem, porém, que ainda há muito trabalho a fazer, que exis-
tem problemas nas áreas da corrupção e dos direitos humanos, da reconstru-
ção do Estado de Direito, por exemplo, e ninguém ilude o facto de que o
clima de negócios é complexo e difícil. Neste aspecto, Angola está numa das
últimas posições do ranking do Banco Mundial “Fazer Negócios em 2007”.
A OCDE, em grande medida perfilhada em Portugal na concepção oficial
multilateralista da nossa cooperação, sublinha o facto de aí existir um mau
clima de negócios e é pessimista quanto à sustentabilidade a médio prazo da
evolução positiva da situação que agora se verifica.

Contudo, a vice-presidente do Banco Mundial, não obstante o ranking


acima referido, já elogiou a política económica do governo angolano e
apontou a tendencial estabilidade macro-económica e o grande espaço dis-
ponível para o país crescer. O FMI, por seu turno, viu em Maio os seus
serviços prescindidos unilateralmente pelo governo angolano, mas visitou
a seguir o país e não deixa de mostrar o seu entusiasmo com a evolução
da situação, com perspectivas favoráveis a médio-longo prazo, prevendo
um crescimento de 31% para o corrente ano de 2007.

O complexo clima de negócios angolano é algo que é ultrapassável com


informações de qualidade. Isto significa que Portugal tem uma natural van-
tagem competitiva, a qual parece não estar a aproveitar integralmente e de
forma intensiva no plano que deveria existir – pois ao que tudo indica não
existe – de uma expansão sustentável em larga escala de pequenas e médias
empresas, na esteira das grandes que já se encontram no terreno.

Paradoxalmente, face à nossa ligação histórica e cultural, parece existir


um grande desconhecimento por parte das empresas portuguesas da reali-

247 Publicado em 13 de Setembro de 2007.

397
dade angolana, tal como há um ano atrás alertava, numa conferência em
Lisboa, Mário Pizarro, ex-vice-governador do Banco de Angola. É interes-
sante observar a sua percepção, numa entrevista a um jornal diário, na
mesma altura, de que, relativamente a Angola, “a maior parte das empresas
portuguesas não têm uma estratégia de longo prazo, nem uma boa organi-
zação nem um conhecimento que não seja de circunstância”.

Em suma, quer por via pública quer por via privada, estamos a desper-
diçar a vantagem competitiva que detemos em relação a Angola, que deve-
ríamos aproveitar massivamente na oportunidade que agora se abre de
forma extraordinária. Se não ocuparmos o maior e melhor espaço possível,
se não nos posicionarmos rapidamente a curto e médio prazo, dependendo
das áreas e sectores, não recuperaremos a oportunidade no futuro. E não é
seguramente do nosso interesse, não é demais enfatizar, que a Espanha apa-
reça internacionalmente como “o parceiro privilegiado de Angola na União
Europeia, juntamente com Portugal”, como aconteceu numa notícia emitida
a partir de Macau, no passado dia 20 de Agosto, e que não produziu eco
entre nós.

A verdade é que os indicadores de aumento das exportações e projectos


de investimento local são muito insuficientes para o desafio histórico que
se coloca a Portugal com a dimensão da oportunidade angola. Para apro-
veitarmos esta oportunidade, temos de ter uma estratégia bilateral pública
abrangente e uma sensibilidade empresarial igualmente estratégica com
informações de qualidade.

Uma grande vulnerabilidade nossa é que nas empresas portuguesas não


se vê ainda, infelizmente, a utilidade das informações estratégicas ou intel-
ligence como um instrumento de apoio crucial à primeira linha da tomada
de decisão.

398
CONCLUSÃO

Será porventura consensual a observação de que, entre o último quartel


do século XX e o primeiro decénio do século XXI, os dois acontecimentos
que mais marcaram a evolução da conjuntura internacional foram a “implo-
são” da União Soviética na viragem dos anos 80-90 e o atentado terrorista
às torres gémeas nos Estados Unidos em 11 de Setembro de 2001. O pri-
meiro provocou a ilusão durante algum tempo de que a insegurança mundial
provocada pelo pressentido terror de uma possível guerra nuclear mundial
teria finalmente chegado ao fim. O segundo provocou a certeza de que a
insegurança mundial mantém-se relativamente ao pressentido terror do que
possa causar em termos humanos e económicos um único atentando nuclear
numa grande área urbana do mundo ocidental, como está patente no
Preventive Defense Project desenvolvido em parceria pelas universidades
americanas de Harvard e Stanford.248

A História do Presente é neste momento marcada por aquele segundo


acontecimento que está aliás na génese da actual crise económica mundial,
como bem explicou Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, no livro
The Three Trillion Dollar War publicado em Março de 2008. A sua obser-
vação principal é simples: até agora a Guerra do Iraque custou 50 a 60
vezes mais que a previsão da Administração Bush em 2003, sendo uma
causa central da crise do sub-prime que ameaça a economia global. E

248Ver a propósito, em http://iis-db.stanford.edu/pubs/21872/ DayAfterWorkshopReport.pdf, o cená-


rio da catástrofe aí prospectivamente analisado.

399
esta causa encontrava-se oculta uma vez que o banco central americano
respondera à massiva drenagem financeira da guerra com a injecção de
crédito barato na economia americana com a expectativa de dividendos
massivos e rápidos. O que não aconteceu.

Assim, cerca de 35 dólares do aumento de cerca de 80 dólares do preço


do petróleo, desde 2003, terão sido uma consequência directa da Guerra
do Iraque, e Joseph Stiglitz estima desde logo que mais 500 mil milhões
serão gastos até 2010. E Robert Gates, que ineditamente se manteve na
posição de Secretary of Defense na passagem da administração Bush para
a administração Obama, confirmou esta tendência no artigo A Balanced
Strategy que publicou na Foreign Affairs de Janeiro-Fevereiro de 2009.

Portanto, face a este cenário, que integra a impossibilidade de uma reti-


rada massiva dos americanos do Iraque nesse mesmo período de tempo, a
avaliação prospectiva que é possível traçar em termos gerais da evolução
da conjuntura internacional, com elevada probabilidade, é a seguinte: a
crise global está para durar e, de momento, não é vislumbrável o seu
final a curto-médio prazo; a incerteza será crescente e todo o planea-
mento estratégico terá de ser constantemente revisto e reforçado com
planos de contingência.

Obviamente que o acaso e a incerteza são constantes da evolução da


conjuntura internacional e por isso a qualquer momento pode dar-se um
acontecimento que afecte fortemente a situação. Podemos desde logo pensar,
tendo em vista o factor nuclear, no Irão ou na Coreia do Norte ou na al-
-Qaeda. Mas a imponderabilidade daquelas constantes leva-nos também a
questionar, na perspectiva das relações internacionais, as consequências
mundiais de um eventual atentado terrorista a uma grande cidade americana,
conforme referido anteriormente. Qual seria a resposta dos Estados Unidos
da administração Obama? Seria na mesma linha ofensiva da que a adminis-
tração Bush deu após o atentado de 11 de Setembro, levando guerra e acções
punitivas a fronteiras geograficamente distantes das suas e envolvendo no
processo aliados político-militares? Seria numa linha ofensiva diferente? Ou
seria antes numa linha defensiva? Como? Ou seria de outro modo? Qual? E
quais seriam os efeitos político-económicos mundiais dessa nova situação?

400
Estas perguntas ficam para já sem resposta, mas é certo que a tranqui-
lidade da segurança se constrói com a intranquilidade permanente do com-
bate à insegurança, e este é desde logo efectuado na primeira linha pelos
serviços de informações, os quais desde o 11 de Setembro têm visto os
seus recursos e orçamentos a crescerem de forma significativa. Estima-se,
por exemplo, que o orçamento do sistema de informações americano cres-
ceu cerca de 25%, atingindo os 60 mil milhões de dólares, o mesmo suce-
dendo ao britânico que terá atingido 2 mil milhões de libras.
Esta dinâmica significa que a dimensão secreta do mundo nas relações
internacionais está em notória expansão, e a sua observação será segura-
mente potenciada pelas técnicas de investigação da História do Presente,
em particular pela open sources intelligence.

401
BIBLIOGRAFIA ESPECIALIZADA249
AAVV, Covert Action and Democracy: A Tufts University Symposium on Secrecy and
U.S. Foreign Policy. Boston, MA: Tufts University, 1988. 347p.
Aid, Mathew M. and Cees Wiebes. (eds.) Secrets of Signals Intelligence During the Cold
War and Beyond. London: Frank Cass, 2001. 350p.
Alarez, David. J. Secret Messages: Codebreaking and American Diplomacy, 1930-1945.
Lawrence, KS: University of Kansas Press, 2000. 292p.
Aldrich, Richard J. British Intelligence, Strategy, and the Cold War, 1945-51.
New York: Routledge, 1992. 347p.
_______. Espionage, Security and Intelligence in Britain, 1945-1970. Manchester:
Manchester University Press, 1999. 262p.
Aldrich, Richard J. and Michael F. Hopkins. Intelligence, Defence, and Diplomacy: British
Policy in the Post-War World. Portland, OR: Frank Cass, 1994. 273p.
Alexseev, Mikhail A. Without Warning: Threat Assessment, Intelligence, and Global
Struggle. New York: St. Martin_s Press, 1997. 348p.
Ameringer, Charles D. U.S. Foreign Intelligence: The Secret Side of American History.
Lexington, MA: Lexington Books, 1990. 458p.
Andrew, Christopher M. For the President_s Eyes Only: Secret Intelligence and the
American Presidency from Washington to Bush. New York: HarperCollins Publishers,
1995. 660p.

249Selecta de: Greta Marlatt, Intelligence and Policy-Making: A Bibliography, Dudley Knox Library,
Naval Postgraduate School, 2007, 117 p.; Mark Lowenthal, The U.S. Intelligence Community: An
Annotated Bibliography. New York: Garland Publishers, 1994. 206 p.; Douglas Dearth, Strategic
Intelligence and National Security: A Selected Bibliography. Carlisle Barracks, PA: U.S. Army War
College Library, 1992. 47 p.; Hayden Peake, The Readers_ Guide to Intelligence Periodicals.
Washington, DC: NIBC Press, 1992. 250p.; Neal Peterson, American Intelligence, 1775-1990: A
Bibliographical Guide. Claremont CA: Regina Books, 1992. 406p.

403
_______. Her Majesty_s Secret Service: The Making of the British Intelligence
Community. New York, NY: Viking, 1986. 619p.
Andrew, Christopher M. and David Dilks (eds.). The Missing Dimension: Governments
and Intelligence Communities in the Twentieth Century. Urbana, IL: University of
Illinois Press, 1984. 300p.
Andrew, Christopher M. and Jeremy Noakes (eds.). Intelligence and International
Relations, 1900-1945. Exeter: Exeter University Press, 1987. 314p.
Banks, Chuck. Covert Action: An Instrument of Foreign Policy. Maxwell Air Force Base
AL: Air War College, 1994. 17p.
Bar-Joseph, Uri. Intelligence Intervention in the Politics of Democratic States: The United
States, Israel, and Britain. University Park, PA: Pennsylvania State University Press,
1995. 392p.
Barrett, David M. The CIA and Congress: The Untold Story from Truman to Kennedy.
Lawrence, KS: University Press of Kansas, 2005. 542p.
Batvinis, Raymond J. The Origins of FBI Counterintelligence. Lawrence, KS: University
of Kansas Press, 2007. 332p.
Beichman, Arnold. “The U.S. Intelligence Establishment and Its Discontents.” IN To
Promote Peace: U.S. Foreign Policy in the Mid-1980s. Dennis L. Bark (ed.), Stanford,
CA: Hoover Institution Press, Stanford University, 1984. 298p. p. 285-298.
Berkowitz, Bruce D. and Allan E. Goodman. Best Truth: Intelligence and Security in the
Information Age. New Haven, CT: Yale University Press, 2000. 203p.
_______. Strategic Intelligence for American National Security. Princeton, NJ: Princeton
University Press, 1989. 244p.
Black, Ian. Israel’s Secret Wars: A History of Israel’s Intelligence Services. New York:
Grove Weidenfeld, 1991. 634p.
Blackstone, Paul W. Strategy of Subversion: Manipulating the Politics of Others Nations.
Chicago, IL: Quadrangle Books, 1964. 351p.
Blackstone, Paul W. and Frank L. Schaf, Jr. Intelligence, Espionage, Counterespionage,
and Covert Operations: A Guide to Information Sources. Detroit, MI: Gale Research
Co., 1978. 255p.
Blum, William. The CIA: A Forgotten History: US Global Interventions Since World War
2. London: Zed Books, 1986. 428p.
Born, Hans, Loch K. Johnson, and Ian Leigh, (eds.). Who’s Watching the Spies?
Establishing Intelligence Service Accountability. Dulles, VA: Potomac, 2005. 255p.
Bossie, David N. Intelligence Failure: How Clinton_s National Security Policy Set the
Stage for 9/11. Nashville, TN: WorldNetDaily Books, 2004. 256p.
Brake, Jeffrey D. Terrorism and the Military_s Role in Domestic Crisis Management:
Background and Issues for Congress. Washington, DC: Congressional Research
Service, April 19, 2001. (http://www.fas.org/irp/crs/RL30928.pdf)
Bruneau, Thomas C. Intelligence and Democratization: The Challenge of Control in New
Democracies. Monterey, CA: Naval Postgraduate School, 2000. 69p.
(http://bosun.nps.edu/uhtbin/hyperion-image.exe/newdemocracies.pdf)
_______. Reforming Intelligence: Obstacles to Democratic Control and Effectiveness.
Austin, TX: University of Texas Press, 2007. 385p.

404
Bungert, Heike, Jan G. Bungert and Michael Wala (eds.). Secret Intelligence in the
Twentieth Century. Portland, OR: Frank Cass, 2003. 200p.
Caldwell, George. Policy Analysis for Intelligence. Washington, DC: Central Intelligence
Agency, Center for the Study of Intelligence, 1992.
Carl, Leo D. The CIA Insider’s Dictionary of US and Foreign Intelligence and
Counterintelligence & Tradecraft. Washington, DC: NIBC Press, 1996. 744p.
_______. International Dictionary of Intelligence. McLean, VA: Maven Books, 1990.
472p.
Carmel, Hesi (ed.) Intelligence for Peace: The Role of Intelligence in Times of Peace.
Portland, OR: Frank Cass, 1999. 264p.
Carter, John J. Covert Operations as a Tool of Presidential Foreign Policy in American
History From 1800 to 1920: Foreign Policy. Lewiston, NY: Edwin Mellen Press, 2000.
223p.
_______. Covert Operations as a Tool of Presidential Foreign Policy: From the Bay of
Pigs to Iran-Contra. Lewiston, NY: Edwin Mellen Press, 2006. 250p.
Chapman, Bert. Researching National Security and Intelligence Policy. Washington, DC:
CQ Press, 2004. 452p.
Childs, David and Richard Popplewell. The Stasi: The East German Intelligence and
Security Service. New York: New York University Press, 1996. 253p.
The CIA’s Global Strategy: Intelligence and Foreign Policy. Cambridge, MA: Africa
Research Group, 1971. 38p.
Cline, Ray S. “The Intelligence Community.” In Heatherly, Charles L. and Burton Yale
Pines (eds.). Mandate for Leadership III: Policy Strategies for the 1990s. Washington,
DC: Heritage Foundation, 1989. 927p
Cline, Ray S. “Intelligence: The Problem of Accurate Assessment.” IN William W. Whitson
(ed), Foreign Policy and U.S. National Security, New York: Praeger, 1976.
Cockburn, Andrew and Leslie Cockburn. Dangerous Liaison: The Inside Story of the US-
Israeli Covert Relationship. New York: Harper Collins, 1991. 359p.
Cradock, Percy. Know Your Enemy: How the Joint Intelligence Committee Saw the World.
London: John Murray, 2002. 351p.
Cummings, Alfred. Covert Action: Legislative Background and Possible Policy Questions.
Washington, DC: Library of Congress, Congressional Research Service, 2006. 12p.
(http://www.fas.org/sgp/crs/intel/RL33715.pdf)
Daugherty, William J. Executive Secrets: Covert Action and the Presidency. Lexington,
KY: University Press of Kentucky, 2004. 298p.
Der Derian, James. Antidiplomacy: Spies, Terror, Speed and War. Cambridge, MA:
Blackwell, 1992. 215p.
Dizard, Wilson, Jr. Digital Diplomacy: US Foreign Policy in the Information
Age. Westport, CT: Praeger Publishers, 2001. 215p.
Dunn, William L. “Intelligence and Decisionmaking.” IN Alfred C. Maurer, et al. (eds.)
Intelligence Policy and Process. Boulder, CO: Westview Press, 1985, p. 220-234.
Eftimiades, Nicholas. Chinese Intelligence Operations. Annapolis, MD: Naval Institute
press, 1994. 169p.
Eisendrath, Craig R. (ed.). National Insecurity: U.S. Intelligence After the Cold War.
Philadelphia, PA: Temple University Press, 2000. 241p.

405
Ellis, Jason D., and Geoffrey D. Kiefer. Combating Proliferation: Strategic Intelligence &
Security Policy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2004. 287pp.
Eshed, Haggai. Reuven Shiloah—The Man Behind the Mossad: Secret Diplomacy in the
Creation of Israel. Ilford, England: Frank Cass Publishers, 1997. 342p.
Ferris, John Robert. Intelligence and Strategy: Selected Essays. New York: Routledge,
2005. 395p.
Fitzgibbon, Constantine. Secret Intelligence in the Twentieth Century. New York: Stein
and Day, 1977. 340p.
Franck, Thomas M. and Edward Weisband (eds.). Secrecy and Foreign Policy. New York:
Oxford University Press, 1974. 453p.
Gaddis, John Lewis. Surprise, Security, and the American Experience. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 2004. 150p.
Garthoff, Douglas F. Directors of Central Intelligence as Leaders of the U.S. Intelligence
Community, 1946-2005. Washington, DC: Central Intelligence Agency, Center for the
Study of Intelligence, 2005. 336p.
(https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/books-
-and-monographs/directors-of-central-intelligence-as-leaders-of-the-u-s-intelligence-
community/dci_leaders.pdf)
Geneva Centre for Democratic Control of Armed Forces, Intelligence Services and
Democracy. DCAF, Working paper no. 13. April 2002. 38p.
(http://www.dcaf.ch/publications/Working_Papers/13.pdf)
George, Roger Z. and Robert D. Kline. Intelligence and the National Security Strategist:
Enduring Issues and Challenges. Washington, DC: National Defense University, 2004.
564p.
Gertz, Bill. Breakdown: How America_s Intelligence Failures Lead to September 11.
Washington, DC: Regnery Publishing Inc., 2002. 273p.
Glees, Anthony. The Secrets of the Service: A Story of Soviet Subversion of Western
Intelligence. New York: Carroll & Graf, 1987. 447p.
Godson, Roy. (ed.). Comparing Foreign Intelligence: The U.S., the USSR, the UK, & the
Third World. Washington, DC: Pergamon-Brassey_s, 1988. 157p. DKL UB 250 .C68
1988 GENERAL
_______. Dirty Tricks or Trump Cards: U.S. Covert Action and Counterintelligence.
Washington, DC: Brassey_s, 1995. 337p.
Godson, Roy and James J. Wirtz (Eds.). Strategic Denial and Deception: The Twenty-First
Challenge. New Brunswick, NJ: Transaction Publishers, 2002. 256p.
Godson, Roy, Ernest May and Gary Schmitt (eds.). U.S. Intelligence at the Crossroads:
An Agenda for Reform. Washington, DC: Brassey_s, 1995. 309p.
Godson, Roy, Richard Kerr and Ernest R. May. Covert Action in the 1990s. Washington,
DC: Consortium for the Study of Intelligence, 1993. 73p.
Haines, Gerald K. and Robert E. Leggett. (eds.). Watching the Bear: Essays on CIA_s
Analysis of the Soviet Union. Conference on CIA_s Analysis of the Soviet Union.
Washington, DC: Central Intelligence Agency, Center for the Study of Intelligence,
2003. 290p.

406
(https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/books-
and-monographs/watching-the-bear-essays-on-cias-analysis-of-the-soviet-
union/index.html)
Handel, Michael I. Leaders and Intelligence. London: Frank Cass, 1989. 298p.
Hantschel, Allison. Special Plans: The Blogs of Douglas Feith & Faulty Intelligence That
Led to War. Wilsonville, OR: William James & Co., 2005. 121p.
Harris, James W. Building Leverage in the Long War: Ensuring Intelligence Community
Creativity in the Fight Against Terrorism. Policy Analysis no. 439. Washington, DC:
Cato Institute, 2002. 14p. (http://www.cato.org/pubs/pas/pa439.pdf)
Hedley, John Hollister. Checklist for the Future of Intelligence. Washington, DC: Institute
for the Study of Diplomacy, Edmund A. Walsh School of Foreign Service, Georgetown
University, 1995. 33p.
Helgerson, John L. CIA Briefings of Presidential Candidates, 1952-1992. Washington,
D.C: Center for the Study of Intelligence, Central Intelligence Agency, [1996]. 165p.
(https://www.cia.gov/librar y/center-for-the-study-of-intelligence/csi-
p u bl i c a t i o n s / b o o k s - a n d - m o n og r a p h s / c i a - b r i e f i n g s - o f - p r e s i d e n t i a l -
candidates/index.htm)
Herman, Michael. Intelligence Power in Peace and War. Cambridge, NY: Cambridge
University Press, 1996. 414p.
Hoffman, Bruce. Lessons of 9/11. Santa Monica, CA: RAND, 2002. 26p.
(http://www.rand.org/pubs/testimonies/CT201/index.html)
Holder-Rhodes, J.F. Sharing the Secrets: Open Source Intelligence and the War on Drugs.
Westport, CT: Praeger, 1997. 235p.
Holt, Pat M. Secret Intelligence and Public Policy: A Dilemma of Democracy. Washington,
DC: CQ Press, 1995. 269p.
Hooker, Gregory. Shaping the Plan for Operation Iraqi Freedom: The Role of Military
Intelligence Assessments. Washington, DC: Washington Institute for Near East Policy,
2005. 114p.
Hulnick, Arthur S. Fixing the Spy Machine: Preparing American Intelligence for the
Twenty-First Century. Westport, CT: Praeger, 1999. 248p.
_______. Keeping Us Safe: Secret Intelligence and Homeland Security. Westport, CT:
Praeger, 2004. 238p.
Immerman, Richard H. The CIA in Guatemala: The Foreign Policy of Intervention. Austin.
TX: University of Texas Press, 1982, 1998. 291p.
Inderfurth, Karl F. and Loch K. Johnson. Decisions of the Highest Order: Perspectives on
the National Security Council. Pacific Grove, California: Brooks/Cole, 1988. 357p.
Jeffreys-Jones, Rhodri. Cloak and Dollar: A History of American Secret Intelligence. New
Haven, CT: Yale University Press, 2002. 357p.
_______. The CIA and American Diplomacy. New Haven, CT: Yale University Press,
1998. 340p.
Johnson, Loch K. Strategic Intelligence. Westport, CT: Praeger Security International,
2007. 5 vols.
Johnson, Loch K. and James J. Wirtz (eds.). Strategic Intelligence: Windows Into a Secret
World: An Anthology. Los Angeles, CA: Roxbury Publishing Co., 2004. 473p.

407
Kean, Thomas H. Without Precedent: The Inside Story of the 9/11 Commission. New York:
Alfred A. Knopf, 2006. 370p.
Kent, Sherman. Strategic Intelligence for American World Policy. Princeton, NJ: Princeton
University Press, 1956. 226p.
Laqueur, Walter. World of Secrets: The Uses and Limits of Intelligence. New Brunswick,
NJ: Transaction Publishers, 1985. 404p.
Lerner, Mitchell. The Pueblo Incident: A Spy Ship and the Failure of American Foreign
Policy. Lawrence, KS: University Press of Kansas, 2002. 408p.
Lodal, Jan. The Price of Dominance: The New Weapons of Mass Destruction and Their
Challenge to American Leadership. New York, NY: Council on Foreign Relations,
2001 145p.
Lowenthal, Mark M. The Central Intelligence Agency Organizational History. [Washington,
DC]: Library of Congress, Congressional Research Service, 1978. 67p.
_______. Intelligence: From Secrets to Policy. 3rd ed. Washington, DC: Congressional
Quarterly Press, 2006. 334p.
May, Ernest R., and Philip D. Zelikow, (eds.). Dealing with Dictators: Dilemmas of U.S.
Diplomacy and Intelligence Analysis, 1945-1990.
Cambridge, MA: MIT Press, 2006. 227p.
McCarthy, Shaun P. The Function of Intelligence in Crisis Management. Brookfield, VT:
Ashgate, 1998. 311p.
McDonald. James L. Overriding Interests: Subversion as an Instrument of U.S. Foreign
Policy. Dissertation. American University, 1997. 617p.
Müller-Wille, Bjo¨rn. For Our Eyes Only? Shaping an Intelligence Community Within the
EU. Occasional Papers no. 50. Paris: EU Institute for Security Studies, January 2004.
52p. (http://www.iss-eu.org/occasion/occ50.pdf)
Naftali, Timothy J. Blind Spot: The Secret History of American Counterterrorism. New
York: Basic Books, 2005. 399p.
National Intelligence Council. Information Sharing Environment Implementation Plan.
Washington, DC: National Intelligence Council, 2006. 187p.
(http://handle.dtic.mil/100.2/ADA458786)
Nutter, John Jacob. The CIA_s Black Ops: Covert Action, Foreign Policy, and Democracy.
Amherst, NY: Prometheus Books, 2000. 361p.
O_Brien, Kevin A. Controlling the Hydra: An Historical Analysis of South African
Intelligence Oversight. Oslo, Norway: Workshop on Making Intelligence Accountable,
2003. (http://www.dcaf.ch/legal_wg/ev_oslo_030919_obrien.pdf)
Olmsted, Kathryn S. Challenging the Secret Government: The Post-Watergate Investigation
of the CIA and FBI. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1996. 255p.
Pateman, Roy. Residual Uncertainty: Trying to Avoid Intelligence and Policy Mistakes in
the Modern World. Lanham, MD: University Press of America, 2003. 266p.
Peleg, Samuel and Wilhelm F. Kempf. Fighting Terrorism in the Liberal State: An Integrated
Model of Research, Intelligence and International Law. Amsterdam: IOS Press, 2006.
197p.
Pillar, Paul R. Terrorism and U.S. Foreign Policy. Washington, DC: Brookings Institution
Press, 2001. 272p.

408
Pious, Richard M. The War on Terrorism and the Rule of Law. Los Angles, CA: Roxbury
Pub. Co., 2006. 280p.
Porch, Douglas. The French Secret Services: From the Dreyfus Affair to the Gulf War.
New York: Farrar, Straus, and Giroux, 1995. 623p.
Posner, Richard A. Preventing Surprise Attacks: Intelligence Reform in the Wake of 9/11.
Stanford, CA: Hoover Institution, Stanford University; Lanham, MD: Rowman &
Littlefield, 2005. 214p.
Posner. Steve. Israel Undercover: Secret Warfare and Hidden Diplomacy in the Middle
East. Syracuse, NY: Syracuse University Press, 1987. 350p.
Powers, Thomas. Intelligence Wars: American Secret History from Hitler to al-Qaeda.
New York: New York Review Books, 2002. 450p.
Prados, John. Presidents_ Secret Wars: CIA and Pentagon Covert Operations From World
War II Through the Persian Gulf. Revised and updated. Chicago: I.R. Dee, 1996.
572p.
Richelson, Jeffery. A Century of Spies: Intelligence in the Twentieth Century. New York:
Oxford, University Press, 1995. 534p.
Richelson, Jeffery and Desmond Ball. The Tie That Binds: Intelligence Cooperation
Between the UKUSA Countries, the United Kingdom, the United States of America,
Canada, Australia, and New Zealand. Boston, MA: Allen & Unwin, 1985. 402p.
Risen, James. State of War: The Secret History of the CIA and the Bush Administration.
New York: Free Press, 2006. 240p.
Scott, Peter Dale. Drugs, Oil and War: The United States in Afghanistan, Colombia, and
Indochina. Lanham, MD: Rowman & Littlefield Publishers, 2003. 225p.
Shinoda, Tomohito. The Problems of Japan_s Foreign Policy Intelligence Community.
International University of Japan, 2006.
(http://www.iuj.ac.jp/research/projects/OutputOriginal/ShinodaIntelligence%20paper.pdf)
Shulsky, Abram N. Silent Warfare: Understanding the World of Intelligence. Washington,
DC: Brassey_s, 1991. 222p.
Sims, Jennifer E. and Burton L, Gerber. Transforming U.S. Intelligence. Washington, DC:
Georgetown University Press, 2005. 285p.
Snow, Donald M. National Security: Defense Policy in a Changed International Order. 4th
ed. New York: St. Martin’s Press, 1998. 344p.
Steele, Robert David. The New Craft of Intelligence, Personal, Public, & Political: Citizen’s
Action Handbook for Fighting Terrorism, Genocide, Disease, Toxic Bombs, &
Corruption. Oakton, VA: OSS International Press, 2002. 438p.
_______. On Intelligence: On Spies and Secrecy in an Open World. Fairfax, VA: AFCEA
International Press, 2000. 495p.
Steiner, James E. Challenging the Red Line Between Intelligence and Policy. Institute for
the Study of Diplomacy paper. Washington, DC: Georgetown University, Edmund A.
Walsh School of Foreign Affairs. (http://isd.georgetown.edu/redline.pdf)
Teitelbaum, Lorne. The Impact of the Information Revolution on Policymakers_ Use of
Intelligence Analysis. Dissertation. Santa Monica, CA: Pardee Rand Graduate School,
2005. 223p. (http://www.rand.org/pubs/rgs_dissertations/RGSD186/)
Thompson, James W., and Saul K. Padover. Secret Diplomacy: Espionage and
Cryptography, 1500-1815. New York: Frederick Ungar, 1963. 290p.

409
Treverton, Gregory F. Covert Action: The Limits of Intervention in the Postwar World.
New York: Basic Books, 1987. 293p.
_______. The Intelligence Agenda. P-7941. Santa Monica, CA: Rand, 1995. 16p.
_______. The Next Steps in Reshaping Intelligence. Santa Monica, CA: Rand, 2005. 30p.
(http://www.rand.org/pubs/occasional_papers/2005/RAND_OP152.pdf)
_______. Toward a Theory of Intelligence: Workshop Report. Santa Monica, CA: Rand,
2006. 35p. (http://www.rand.org/pubs/conf_proceedings/CF219/)
Turner, Stansfield. Secrecy and Democracy: The CIA in Transition. Boston, MA: Houghton
Mifflin, 1985. 304p.
DKL JK 468 .I6 T87 1985 GENERAL
Ullman, Harlan. Owls and Eagles: Ending the Foreign Policy Flights of Fancy of Hawks,
Doves, and Neo-Cons. Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 2005. 221p.
United States. Central Intelligence Agency. Community Open Source Strategic Plan.
Washington, DC: Document Expediting (DOCEX) Project, Exchange and Gift
Division, Library of Congress, [1995]. 20p. DKL JK 468 .I6 C65 1995 GENERAL
_______. A Consumer_s Guide to Intelligence. Washington, DC: The Agency, Public
Affairs, 1995. 57p. DKL JK 468 .I6 C65 1995 GENERAL
_______. A Consumer_s Guide to Intelligence: Gaining Knowledge and Foreknowledge
of the World Around Us. Washington, DC: The Agency, Public Affairs, 1999. 53p.
DKL JK 468 .I6 C65 1999 GENERAL
United States. Central Intelligence Agency. Center for the Study of Intelligence. The
Directorate of Intelligence: Fifty Years of Informing Policy, 1952-2002. Washington,
DC: Central Intelligence Agency, 2002. 332p.
_______. Intelligence for a New Era in American Foreign Policy: 10-11 September 2003,
Charlottesville, Virginia. Washington, DC: Central Intelligence Agency, 2004. 21p.
http://www.fas.org/irp/cia/product/newera.pdf
_______. Intelligence and Policy: The Evolving Relationship. Washington, DC: Central
Intelligence Agency, 2004. 17p.
https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/books-
and-monographs/IntelandPolicyRelationship_Internet.pdf
United States. Central Intelligence Agency. Directorate of Intelligence. Analysis:
Directorate of Intelligence in the 21st Century: Strategic Plan. Washington, DC:
Central Intelligence Agency, 1995. 26p.
United States. Commission on Protecting and Reducing Government Secrecy. Report of
the Commission on Protecting and Reducing Government Secrecy: Pursuant to Public
Law 236, 103 Congress. [Also known as the Moynihan Report]. Senate Document
105-2. Washington, DC: GPO, 1997. 114p. http://www.gpo.gov/congress/commis-
sions/secrecy/index.html http://www.access.gpo.gov/congress/commissions/secrecy/
index.html
United States. Commission on the Intelligence Capabilities of the United States Regarding
Weapons of Mass Destruction. The Commission on the Intelligence Capabilities of
the United States Regarding Weapons of Mass Destruction: Report to the President
of the United States. Washington, DC: Commission on the Intelligence Capabilities
of the United States Regarding Weapons of Mass Destruction, 2005. 601p.
(http://www.wmd.gov/report/index.html)

410
United States. Congress. Senate. Select Committee on Intelligence. Report of the Select
Committee on Intelligence on Postwar Findings About Iraq_s WMD Programs and
Links to Terrorism and How They Compare With Prewar Assessments Together with
Minority Views. 109th Congress, 2nd Session. September 8, 2006. (http://intelli-
gence.senate.gov/phaseiiaccuracy.pdf)
United States. Office of the Director of National Intelligence. The National Intelligence
Strategy of the United States of America: Transformation Through Integration and
Innovation. Washington, DC: Office of the Director of National Intelligence, [2005].
20p.
(http://www.dni.gov/publications/NISOctober2005.pdf)
United States. Office of the National Counterintelligence Executive. The National
Counterintelligence Strategy of the United States. Washington, DC: Office of the
National Counterintelligence Executive, 2007. 7p. (http://purl.access.gpo.gov/
GPO/LPS65178)
Vandenbroucke, Lucien S. Perilous Options: Special Operations as an Instrument of U.S.
Foreign Policy. New York: Oxford University Press, 1993. 257p.
Walker, Graham F. The Search for WMD: Non-proliferation, Intelligence and Pre-emption
in the New Security Environment. Halifax, NS: Dalhousie University, Centre for
Foreign Policy Studies, 2006. 406p.
Warner, Michael. Central Intelligence: Origin and Evolution. Washington, DC: Central
Intelligence Agency, 2001. 159p.
(https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/books-
and-monographs/Origin_and_Evolution.pdf)
Watson, Bruce W., Susan M. Watson and Gerald W. Hopple. United States Intelligence:
An Encyclopedia. New York: Garland Publications, 1990. 792p.
Webb, Maureen. Illusions of Security: Global Surveillance and Democracy in the Post-
9/11 World. San Francisco, CA: City Lights Books, 2006.
West, Nigel. MI5: British Security Service Operations, 1909-1945. New York: Stein and
Day, 1982. 365p.
_______. MI6: British Secret Intelligence Service Operations, 1909-45. New York:
Random House, 1983. 266p.
_______. A Matter of Trust: MI5 1945-72. [Sevenoaks]: Coronet, 1983. 256p.
Westerfield, H. Bradford (ed.) Inside CIA’s Private World: Declassified Articles from the
Agency’s Internal Journal, 1955-1992. New Haven, CT: Yale University Press, 1995.
489p.
Wheaton, Kristan J. The Warning Solution: Intelligence Analysis in the Age of Information
Overload. Fairfax, VA: AFCEA International Press, 2001. 89p.
Winks, Robin W. Cloak & Gown: Scholars in the Secret War, 1939-1961. 2nd ed. Yale,
CT: Yale University Press, 1996. 607p.
Wright, Lawrence. The Looming Tower: Al-Qaeda and the Road to 9/11. New York:
Knopf, 2006. 469p.
Zegart, Amy. Flawed By Design: The Evolution of the CIA, JCS, and NSC. Stanford, CA:
Stanford University Press, 1999. 317p.

411
ÍNDICE REMISSIVO

A Africa Center for Strategic Studies da National


Defense University (77)
Abbas, Mahamoud (262) África Central (20)
Abizaid, John (General) (150) África do Sul (55, 56, 59)
Abril de 1974 (25 de Abril) (116, 328, 330, 347, África lusófona (50, 57)
350-351, 356, 358, 362, 364, 365, 371, 378, AFRICOM (48, 85, 86, 87, 88)
388-390, 392, 394) Agência Internacional de Energia Atómica (75,
Abubakar, Atiku (66, 67) 91, 103, 136)
Abu-Omar, Sheik Mahmoud (166) Aharon, Aharon (31)
Academia Chinesa de Ciências Sociais (101) Ahmed, Syed Haris (174)
Academia Militar (30, 324) Air France (224, 326)
Ad-Dîn, Salâh (165) Al Amriki, Azzam (176)
Adel, Seif Bin (169) Al Jazeera (176)
AECI (Agência Espanhola de Cooperação al Mahdi, Ansar (194, 195)
Internacional) (113) al Obeidi, Abdel Qader (175)
Aeroporto de Heathrow (202, 293, 305) Al Sadr, Moqtada (45, 150)
AFD (Agência Francesa de Desenvolvimento) Al Sahab (176)
(114, 115) al-Adl, Sayf (191)
Afeganistão (44, 66, 70, 83, 127, 163, 170-173, Alani, Mustafa (171)
188, 193, 204, 248-251, 280) Alawi, Ayad (259)
Afeganistão (guerra no) (175) al-Ayiri, Sheik Yousef (167)
Afeganistão (invasão soviética do) (197) al-Bashir, Omar Hassan (70)
Afeganistão (operações militares no) (170) Alcatel (224, 326)
África (20, 35, 41-42, 48-50, 54, 58-59, 61, 63, 65, al-Dabaa (central nuclear de) (147)
68, 70, 76, 85-98, 112-115, 120-123, 180, 199, Alemanha (75, 88-90, 122, 143, 160, 205, 239,
209, 229, 237, 249, 276, 287, 311, 326, 332, 241, 266, 284, 285, 291, 342, 371)
339, 341-346, 368, 370-380, 382, 395-396) Alemanha (programa nuclear da) (92)
África (cooperação francesa com) (114) al-Hakim, Ayatollah (260)
África (desenvolvimento de) (369) Ali Montazeri, Hussein (145)
África (estratégia americana para a) (90) al-Jazeera (168)
África (estratégia anti-terrorista para) (208) al-Karim Soroush, Abd (145)
África (investimento em) (238) Alliance Base (207, 274, 282)
África (investir em) (99) al-Maliki, Nouri Maliki (137)
África (pensamento estratégico americano sobre al-Qaeda (33, 45, 47, 60, 65, 80, 86, 94, 109, 124,
a) (81) 126, 129, 134, 144, 149, 154, 164-169, 171-
África (poder militar em) (82) -181, 184-186, 188-189, 191-198, 204, 235,

413
240, 242, 245, 247, 273, 279, 280-282, 285, Atef, Mohammed (191)
296, 344, 400, 409, 411) Atentados de Madrid (26, 31, 38, 40, 52, 67, 74,
al-Qaeda (ameaça da) (171, 182, 202, 236) 81, 87, 95, 96, 108, 118, 134, 145, 152, 153,
al-Qaeda (ataque da) (173, 178, 210) 167, 186, 189, 192, 205, 206, 209, 210, 227,
al-Qaeda (células terroristas da) (204) 231, 258, 263, 273, 298, 300, 341, 343, 345,
al-Qaeda (chefe de operações da) (169) 386, 388, 395, 399)
al-Qaeda (guerra psicológica da) (177) atentados suicidas (140, 173, 187)
al-Qaeda (infiltração na) (145) Atta, Mohamed (166)
al-Qaeda (líder da) (169) Austrália (85, 196, 212, 241, 274, 275, 288)
al-Qaeda (manual da) (168, 203) Aústria (160)
al-Qaeda (membro da) (203) avaliação prospectiva (25, 33, 100, 203, 215, 367,
al-Qaeda (metamorfose da) (172) 400)
al-Qaeda (modus operandi da) (174) Azerbeijão (155)
al-Qaeda (movimentações em África da) (208) Aziz Al Muqrin, Abdel (178)
al-Qaeda (o poder da) (169)
al-Qaeda (operacionais da) (169) B
al-Qaeda (operações da) (203)
al-Qaeda (plano da) (258) Baggara (povo) (55)
al-Qaeda (propaganda da) (175-177) Bahrain (151)
al-Qaeda (treinos da) (189) Baker, James (46, 83, 90, 161)
al-Qaeda (vantagem estratégica da) (241) Bakis, Henri (37, 38)
al-Sadr, Moqtada (152, 153) Bakiyev, Kurmanbek (108)
Al-Tawhid (167) Balcãs (189, 190, 206, 297, 344)
Al-Timimi, Ali (202) Balgimbaev, Nurlan (110)
al-Zarqawi (126, 129, 137, 169) Baluyevsky, Yuri (299)
al-Zindani, Sheik (196) Banco Europeu de Investimentos (113, 342)
Amani, Youssef (195) Banco Mundial (50, 81, 87, 88, 89, 114, 208, 344,
Amaral, Roberto (75, 91) 397)
ameaça terrorista (31, 81, 108, 144, 180, 181, 197, Bangladesh (173, 187)
211, 234, 241, 245) Barragem de Assuão (147)
América do Sul (80, 107) Batalha de Hattîn (165)
América Latina (73, 84, 85, 246) Batalha de Tora Bora (163)
AML (anti-money laundering) (188) BCP (228, 229)
Amoco (110) Beeri, Amir (31)
ANC (55, 56) Beghal, Djamel (166)
Anderson, Lisa (36) Bejucal (Base Militar Cubana de) (72, 84)
Angola (23, 50, 58-59, 61, 77, 88, 99, 112-113, Bennie, Jeremy (171)
123-124, 162, 228-229, 238, 288, 317, 329, Berezovsky, Boris (291)
331, 336, 341-347, 368, 372-373, 377, 378, Bernhardt, Douglas (221)
382, 385, 392, 396-398) Bielorrússia (43, 118)
Angola (independência de) (78) Bilashkov, Anatoly (239)
anti-globalização (37, 50) Bin Laden, Ossama (163-167, 169-171, 176-180,
apartheid (55) 190, 191, 196-198, 203)
Arábia Saudita (44, 46, 47, 68, 103, 104, 127, 130, Bin Laden, Ossama (captura de) (204)
151, 152, 167, 178, 179, 197, 208) Bin Laden, Ossama (estratégia de) (168)
Arafat, Yasser (262) Bin Laden, Ossama (localização de) (204, 205)
Aramco (178) Black Economic Empowerment Law (55)
area studies (229) Black Economic Enrichement Law (56)
Argélia (121, 159, 179, 180, 326) Black Elite Empowerment Law (56)
Argélia (ameaça terrorista na) (199, 200) Black, Cofer (204)
Argentina (79, 80) Blair, Tony (120, 121, 242, 267, 268)
armas de destruição em massa (33, 134, 144, 190, BND (serviço de informações externas alemão)
198, 210, 240, 242, 244, 267, 275, 278, 314) (143, 284)
Army War College (81, 221) BNP-PARIBAS (224, 326)
Ásia (35, 85, 109, 121, 122, 133, 223, 249) Boinett, Wilson (Brigadeiro-General) (208)
Ásia (influência russa na) (156) bombas nucleares (33, 95)
Ásia (quadro geopolítico da) (102) Bonner, Robert (185)
Ásia Central (43, 85, 99, 100, 102, 107, 109) Bósnia (35, 36, 189, 190)
Assad, Bashir (140, 277) Bosnian-American Cultural Association (36)

414
Bouchar, Abdelmajid (189) 182, 195, 235, 273, 274)
Bouteflika (199) CENTCOM (85, 150)
Boykin, William (251) Centro Nacional de Inteligencia (210)
BP (120, 121, 155, 156, 157, 158, 160, 161, 162) Centro Superior de Estudios de la Defensa
BPI (228) Nacional (368)
Brasil (23, 74-78, 80, 90-92, 223, 287, 307, 308, Ceric, Mustafa (35, 36)
329, 332, 342, 344-347, 368, 372, 385, 386, Chade (70, 180)
392, 393) Chardin, Teillard (216)
Brasil (programa nuclear do) (74, 75, 91, 92) Chéchénia (187, 239)
Brasil (recursos no) (79) Cheney, Dick (43, 73, 279, 296, 301)
Brasil Telecom (308) Chernobyl (147)
BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) (79) Chevron (39)
Brichambaut, Marc (36) China (39, 43, 46, 50, 54, 72-78, 81, 83, 84, 86,
Brigadas Badr (150) 88-90, 95-100, 103-107, 109, 110, 117, 122,
Brigadas dos Mártires al-Aqsa (262) 147, 164, 170, 188, 192, 237, 238, 249, 250,
Brigadas Vermelhas (166) 260, 261, 303, 304, 311, 312, 342-344, 378,
Brookings Institution (101, 157, 408) 385)
Brown, Marck (69) China (aliança estratégica de Cuba com a) (85)
Browne, John (157, 158, 160, 161) China (ascensão da) (88)
Buenos Aires (atentados terroristas de) (80) China (discurso da) (237)
Burundi (61, 62) China (geopolítica da) (106, 107)
Bush, George (26, 41, 46, 69, 70-76, 83, 86, 87, China (internet na) (101)
89, 90, 100, 103, 104, 124, 130, 135, 144-146, China (mudança social e política na) (102)
153, 154, 163, 175, 177, 186, 203, 208, 236, China (programa nuclear da (92)
242-245, 248, 256, 258, 259, 264-268, 275, China (programa nuclear da) (102)
276, 280, 282, 289, 294-296, 300-302, 399, China (recursos na) (79)
400, 403, 409) Chipre (111)
business intelligence (29, 33, 312, 313, 314, 315, CIA (23-25, 40, 44, 65, 70, 73, 82, 83, 97, 109,
325) 110, 125-127, 130, 149, 150, 170, 172, 192,
204, 206, 213, 218, 220, 221, 230, 236, 239,
C 241, 244-246, 248, 249, 256, 257, 259, 261,
263, 265, 275, 276, 279, 280-282, 285, 289,
Cabo Verde (112, 113, 123, 331, 332, 368) 294, 295, 297, 300-307, 404-411)
Cachemira (164, 170, 204) cibercrime (191, 192)
Caixa Central da França Livre (114) ciberterrorismo (182, 183, 192)
Caixa Central de Cooperação Económica (115) ciclo de produção de informações (23, 215)
Caixa Francesa do Desenvolvimento (115) Ciência Política (20, 22, 221, 262)
Caixa Geral de Depósitos (228) Cimeira da Lituânia (43)
Câmara Internacional de Comércio (67) Cimeiras França-África (49)
Camero (31) Clapper, James (General) (236, 295)
Camões, Luís de (116, 164, 227, 364) Clarke, Richard (171, 290)
Canadá (88, 174, 175, 212, 274, 275, 288, 362) Clinton, Bill (156, 261, 345, 404)
Capitólio (182) CMN (Coalition Multinational Network) (253)
Carayon, Bernard (316, 317) CNN (236, 276, 381)
Cardoso, Carlos (58) Coligação anglo-americana (137, 164, 259)
Cardoso, Pedro (General) (116, 350, 376) Coligação Mujahidin (187)
Carnegie Corporation (36) Comando África (81, 82)
Casa Branca (109, 170, 193, 276, 281, 300, 301, COMINT (communications intelligence) (236,
302) 244)
Castro, Fidel (72, 73, 84, 85) Comissão Estratégica dos Oceanos (365)
Castro, Raúl (72, 84) Comissão Europeia (119, 322, 351, 395)
Cáucaso (85, 133, 173, 329) Companhia de Petróleos da Califórnia (39)
CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite) Companhia Nacional de Petróleos da China (39)
(79) competitive intelligence (29, 30, 221, 223, 287,
CDS (362) 312, 314-316, 324)
CEDEAO/ECOWAS (Economic Community of complexidade crescente (lei da) (20, 216, 233,
West African States) (112) 234)
células de terroristas islâmicas (80) Comunidade das Democracias (43)
células terroristas (80, 139, 142, 171, 173, 174, Comunidade de Estados Independentes (118, 156)

415
Comunidade dos Estados da África Ocidental (76) Disraeli, Benjamin (120)
Comunidade dos Estados Independentes (43) DNI (Director of National Intelligence) (263, 264-
Comunidade Económica Europeia (335, 391) 267, 278, 294, 295)
comunidade judaica (80) DOCEX (193)
Conferência de Bandung (98, 237) Doutrina de Monroe (86)
Conferência de Berlim (120, 339, 395) Droukdal, Abdelmalek (180)
Congo (59, 60, 61, 62, 63, 113) Duvalier, Jean Claude (308, 314)
Congresso dos Estados Unidos da América (43,
44, 72-74, 83, 110, 125, 153, 183, 185, 194, E
198, 221, 244, 246, 249, 256, 257, 261, 264,
300, 302) economic intelligence (29, 34, 261, 308, 314)
Conselho de Segurança (ONU) (60, 69, 148) Egipto (86, 127, 133, 247)
Convenções Republicana e Democrata (182) Egipto (programa nuclear do) (146, 147)
cooperação lusófona (120, 342) Ehindero, Sunday (67)
Corão (166, 197) Electricité de France (224, 326)
Cordeiro, Luciano (377) emigração ilegal (32)
Coreia do Norte (94) Escola de Guerra Económica (38, 222, 223, 309)
Coreia do Norte (programa nuclear da) (70, 74, 75, Eslováquia (160)
94, 95, 146, 400) Eslovénia (160)
Coreia do Sul (95, 266) Espanha (112, 113, 122, 123, 205, 241, 318, 329,
Costa do Marfim (59) 342, 359, 366-368, 372, 377-379, 395, 398)
Couto, Diogo (384) Espanha (instauração da democracia em) (209)
CPLP (329, 360, 361, 362, 385) espionagem (25, 30, 40, 73, 82, 85, 97, 190, 220,
CRI (Centro Regional de Inteligência) (79, 80) 226, 235, 245, 247, 250, 260, 261, 267, 274,
crime organizado (32, 33, 182, 187, 190, 209, 239, 275, 286-288, 290, 291, 293-295, 303-305,
271, 284) 308, 310, 318, 320-323, 353)
criminalidade organizada (47, 63, 79, 81) espionagem cubana (72, 84)
CRS (Congressional Research Service) (71, 185) espionagem económica (231, 260, 290, 319)
Cuba (72, 73, 83, 84, 85, 280) espionagem electrónica (72, 84)
Cuba Transition Project (73, 85) espionagem empresarial (321)
Cunningham, Randy “Duke” (73, 74) espionagem privada (307)
Curdistão iraquiano (151) espionagem sob cobertura (168)
curdos (130, 131, 137, 151, 152) Estado de Bayelsa (53)
Estado de Katsina (66)
estado secreto (25)
D Estados Unidos da América (25, 26, 29, 34, 36, 39,
Darfur (54, 55, 69, 70) 41-44, 46, 47, 52, 54, 59, 63-65, 69-77, 83-89,
De Beers (56, 59) 95, 99, 103, 104, 107, 109, 120, 122-124, 127-
de Vries, Gijs (205, 206) 131, 133, 135, 136, 140, 145-147, 149-155,
Declaração de Paris (119) 159, 162, 163, 171, 175-178, 180, 181, 184-
Declaração dos Muçulmanos Europeus (35) 188, 190, 192-198, 201, 208, 212, 213, 222,
Defesa para a Contra-Inteligência e Segurança 230, 236, 238-242, 244, 248, 250, 252, 255,
(213) 257, 260-264, 267-271, 275, 279, 280-283,
Democracia. (26, 37, 52, 64, 113, 135, 138, 145, 295-299, 301, 303, 306, 308, 315, 320, 322,
208, 255, 299, 340, 345, 362, 397) 342, 345, 363, 378, 399, 400)
Deserto do Sahara (179, 180) Estados Unidos da América (alerta terrorista nos)
DHS (Department of Homeland Security) (71) (202, 203)
DIA (Defense Intelligence Agency) (81, 236, 250) Estados Unidos da América (ameaça terrorista
diamantes de sangue (59, 60) nos) (200, 202)
Dipico, Manne (56) Estados Unidos da América (estratégia dos) (138)
diplomacia (25, 129, 130, 285-287, 333-336, 380, Estados Unidos da América (estratégia indirecta
395) dos) (139)
diplomacia secreta (142, 143) Estados Unidos da América (geopolítica dos) (81)
Directorate of Operations (25) Estados Unidos da América (hegemonia dos) (78)
Direito Internacional (25) Estados Unidos da América (manobra diplomática
Direitos Humanos (138, 139, 145, 239, 279, 397) dos) (100)
DISA (Defense Information System Agency) Estados Unidos da América (política africana dos)
(252) (87)
Diskin, Yuval (262, 263) Estados Unidos da América (política externa dos)
(76, 87)

416
Estados Unidos da América (sistema de Foz do Iguaçu (79)
informações dos) (314) França (38, 40, 49, 75, 76, 88, 111, 117, 127, 180,
Estados Unidos da América (terroristas nos) (174) 222, 223, 232, 241, 255, 261, 282, 290, 309,
Estónia (160, 294, 305) 310, 311, 316, 317, 323, 325, 359, 381, 387)
estratagema do Catual (116) França (programa nuclear da) (92)
Estratégia (18, 29, 266, 278, 282, 324, 373) France Telecom (117)
Estratégia de Segurança Nacional (87) Franklin, Larry (243)
Estratégia de Segurança Nacional Norte- Frelimo (52, 57, 375)
Americana (76, 145) FRETILIN (106)
Estreito de Malaca (67, 198) Freyre, Gilberto (19, 388, 393, 394)
Estreito de Ormuz (198) FSB (238, 285, 286, 291, 292, 294, 305)
Estreitos de Bósforo e Dardanelos (111, 156) Fur (etnia) (54, 55)
Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar
(373) G
ETA (166, 201, 209)
Etiópia (65, 66) G8. (87, 89, 113, 177)
EUCOM (85) Gabão (60)
EUFOR (62) Gadahn, Adam (176)
Eurointel (206) Gama, Vasco da (116, 227)
EUROJUST (205) Gana (77, 82, 180)
Europa (32, 35, 39, 41, 59, 61, 111, 112, 121, 122, Ganguly, Sumit (100)
130, 136, 138, 166, 194, 197-200, 205, 228, Gates, Bill (104, 338)
246, 273-275, 280, 289, 297, 299, 311, 322, Gates, Robert (44, 46, 82, 83, 149, 295, 400)
323, 329, 342, 345, 351, 360, 363, 383, 392) Geisel, Ernesto (General) (78)
Europa (gás da) (160) genocídio (54, 70)
Europa (poder na) (206) GEOINT (geospatial intelligence) (204, 220, 236,
Europa (projecção da) (348) 244)
Europa do Leste (35, 43, 160) Geórgia (43, 108, 155, 156, 160, 297)
Europa ocidental (62) Gheith Abu (177)
European Commission AidEffectiveness Action Giffen, Jim (110)
Plan (119) Global Intelligence Alliance (223)
EUROPOL (205, 206) Global Witness (ONG) (59, 60)
Exército Mahdi (45, 150-153) globalização (29, 32, 37-39, 47, 78, 79, 155, 160,
Exército Popular de Libertação (95, 97) 217, 233, 288, 308-311, 318, 320-323, 329,
EximBank (99, 238) 331, 335, 349, 353, 377, 379, 387)
extorsão (32, 201, 272) GNR (106)
Exxon Mobil (63) Goldman Sachs (46, 90)
Ezhei, Mosheni (139) Golfo da Guiné (77, 89, 90)
Golfo de Aden (68)
Golfo Pérsico (156)
F Gorbachev, Mikhail (110, 133, 238)
FAA (Federal Aviation Administration) (71) Gordievsky, Oleg (293)
FALINTIL (106) Goss, Porter (97, 130, 170, 204, 245, 246)
falsificação de documentos (32) Grécia (160, 242, 335)
Farah, Douglas (60) Grupo 3+1 (80)
FATF (Finantial Action Task Force on Money Grupo de Shangai (43, 109, 117)
Laundering) (188) Grupo Salafista de Predicação e Combate (179,
FBI (71, 130, 168, 176, 183, 191, 201, 206, 235, 199)
236, 243, 260, 271, 272, 299, 303, 304, 404, Guarda Civil (209)
408) Guarda Costeira Voluntária Nacional (68)
FBIS (Foreign Broadcast Information Service) Guardas da Revolução do Irão (150)
(220) Guebuza, Armando (58, 377)
fei chien (188) Guerra Civil no Congo (62)
FEMA (93) guerra da informação (30, 37, 72, 84, 324)
FMI (50, 88, 397) Guerra de Julho (148)
Foreign Corrupt Practices Act (110) Guerra do Golfo (193)
Fórum China-Africa (98) Guerra do Vietnam (73, 74, 97)
Forum de Cooperação China-África (50) Guerra dos 33 dias (148)
Fox News (88) guerra económica (38, 40, 260, 309, 310, 311, 316,
317, 325, 381)

417
Guerra Fria (37, 43, 44, 65, 78, 82, 83, 87, 97, 110, Iémen (68, 196, 197)
114, 133, 147, 211, 251, 256, 260, 274, 285, Ijaw (etnia) (53, 54)
293, 299, 304, 306) IMET (International Military Education and
guerra global contra o terrorismo (26, 41, 47, 64, Training) (77)
173) Índia (67, 107, 117, 164, 170, 188, 348, 384-386)
Guerra Mundial (1ª) (23, 236, 380, 389) Índia (programa nuclear da) (74, 100, 102, 103)
Guerra Mundial (2ª) (21, 23, 34, 38, 114, 154, 212, Indonésia (85, 173, 186, 187)
217, 220, 230, 235, 263, 288, 310) informações estratégicas (34, 35, 116, 122, 125,
guerra prolongada (41, 42, 47) 156, 157, 160, 199, 214-219, 223-228, 232,
Guiné-Bissau (50, 112, 331, 360, 361, 362, 368) 233, 310, 311, 314, 319, 321, 323, 326, 335,
Gulf Research Centre do Dubai (171) 343, 346, 349, 350-352, 381, 398)
informações militares (48, 133, 221, 251, 270,
H 278, 294, 305)
Information Assurance (183)
Haave, Carol (213) Information Security (183)
Hamas (80, 132, 133, 246, 262) information warfare (97)
Hamas (vitória eleitoral do) (143) Instituto da Defesa Nacional (81)
Haradheere (região de) (68) inteligência competitiva (315, 324, 325)
Harakat ul-Mujahedeen (164) inteligência económica (38, 40, 223, 290, 309-
Harbulot, Christian (38, 309, 387) 311, 316, 317, 323-326, 381, 387)
Hariri, Rafik (140, 277) intelligence community (.83, 128, 129, 136, 185,
hawala (188) 236, 252, 256, 261, 263, 264, 267, 269, 280,
Hayden, Michael (General) (150, 266, 267, 295, 282, 295, 296, 301)
300, 302, 403) intelligence cycle (218)
Hayward, Tony (161, 162) intelligence studies (24, 229, 230, 315, 319, 386,
Henry, Ryan (86) 387)
Herman, Michael (214, 407) investimento externo (51, 122, 376, 380)
Hezbollah (80, 124, 153, 284, 285) IRA (166, 235, 243)
Hezbollah (apoio do Irão ao) (139) Irão (43-47, 72, 83, 84, 103, 107, 124-130, 133-
Hezbollah (capacidade militar do) (141) 136, 143, 145, 149, 151-154, 177, 184, 189,
Hezbollah (combatentes do) (143) 200, 204, 211, 285, 296, 299, 400)
Hezbollah (contactos da Rússia com o) (143) Irão (democracia no) (138)
Hezbollah (desarmamento do) (148) Irão (fronteira do Iraque com o) (146)
Hezbollah (infiltração no) (145) Irão (influência no Iraque) (150)
Hezbollah (logística do) (140) Irão (pipeline do) (100)
Hezbollah (membros do) (144) Irão (programa nuclear do) (70, 74, 75, 138, 144,
Hezbollah (contrabando de armas para o) (149) 146, 147, 243)
Hezbollah (objectivo do) (141) Irão (regime do) (138)
Hidroeléctrica de Cahora Bassa (376) Irão (revolução islâmica do) (139)
Hispanidad (368) Irão (revolução no) (139)
Hizb ut-Tahrir (109) Iraq Study Group (44, 46, 83)
Holanda (75, 111, 285) Iraque (18, 43-47, 65-67, 70, 73, 83, 124-129, 131,
Holanda (programa nuclear da) (92) 136, 141, 144, 149-155, 165, 167, 169, 173-
homeland security (30, 183, 185, 256, 257) 175, 179, 180, 193-195, 212, 236, 240, 244,
Homeland Security Secretary (258) 248, 250-255, 258, 259, 263, 264, 267, 268-
Honduras (265) 271, 275, 276, 284, 289, 294-296, 300, 301,
Huafu Industry (260) 399, 400)
HUMINT (human intelligence) (98, 204, 220, Iraque (armas de destruição em massa no) (193,
236, 246, 251, 270, 274, 313) 263, 296)
hundi (188) Iraque (futuro do) (137)
Hungria (160, 189) Iraque (guerra do) (175, 314)
Hussein, Saddam (.42, 45, 46, 83, 126, 128, 134, Iraque (invasão do) (86, 87, 138, 140, 146, 178,
146, 150, 193, 194, 259, 260, 267, 268, 300, 187, 243, 265, 311, 314)
301, 308, 311, 314) Iraque (sabotagem no norte do) (111)
ISPFSC (Internacional Ship and Port Facility
I Security Code) (198)
Israel (43, 112, 124, 135, 136, 138-148, 241, 243,
iberismo (366, 367) 247, 261, 262, 284, 344, 404, 406, 409)
IBM (192, 269) Israel (bombardeamentos de) (143)

418
Itália (32, 122, 160, 287, 323) Líbano (43, 80, 139, 140-142, 148, 149, 153, 277)
Ivanov, Sergei (121, 358) Líbano (conflito no) (141)
Líbano (crise do) (143, 144)
J Líbano (infiltração de comandos israelitas no)
(142)
Jaish-e-Muhammad (164) Líbano (reconstrução do) (80)
Jamal, Muafak (80) liberalismo (39, 288, 317)
Janjaweed (etnia) (55) Libéria (59, 76)
Japão (39, 75, 117, 342) Líbia (programa nuclear da) (95)
Japão (programa nuclear do) (92) Lituânia (43, 160)
Jebel Mare (montanhas de) (55) Litvinenko, Alexander (14, 290-294, 298, 299,
Jemaah Islamiah (186, 187, 196) 304, 305)
Jihad Islâmica (169, 179, 193, 262) Litvinenko, Marina (292)
Jintao, Hu (73, 84, 98, 103, 104, 105, 237) Lockerbie (120)
jogo clandestino (32) Lockheed Martin (77, 178, 253)
Johnson, Paul (178, 404, 407) Lombard, Didier (117)
Jones, James (General) (41, 76) Lopes, Ernâni (318, 350)
Jong-il, Kim (94, 95) Los Angeles Times (jornal) (59)
Jordânia (44, 112, 130, 133, 152, 173) Louie, Gilman (307)
Juillet, Alain (223, 290) Lubumbashi (província do) (62)
Lugovoy, Andrei (290, 291, 292)
K Lusofonia (329, 361)

Kadhafi, Muammar (95, 120, 121, 134, 135) M


Kai-Chek, Chang (96)
Katanga (província do) (61) MacArthur Foundation (36)
Kent, Sherman (23, 24, 230) Machel, Samora (57)
KGB (42, 108, 133, 143, 238, 239, 254, 255, 285, Mafia (258)
291-294, 297, 299, 305) Magrebe (122, 180, 181)
Khabab, Abu (181) Makwa (etnia) (52)
Khalid, Sheik Mohammed (203, 204) Mali (180, 326)
Khan, Mohammed Noor (202, 203) Mandela, Nelson (59)
Khattab, Hassan (194, 195) Manningham-Buller, Eliza (234, 235, 273)
Khomeini, Ayatollah (145, 146, 150) Maomé (173)
Kivu (província do) (61) Mar Báltico (43)
Kosovo (189, 306) Mar Cáspio (155, 156)
Kovtun, Dmitry (290, 291, 292) Mar Mediterrâneo (155)
Kremlin (118, 299) Mar Negro (43, 111, 156)
Kristof, Nicholas (196) Marcos, Ferdinand e Imelda (308, 314)
Kroll (33, 287, 308, 309, 314, 315) Margelov, Mikhail (156)
Kryuchkov, Vladimir (238) Marrocos (103, 104, 127, 178, 179, 180, 195, 326)
Kulov, Felix (108) Marrocos (rede terrrorista em) (194)
Kuwait (44, 151, 152) Masetlha, Billi (56)
mass media (21)
L Mauritânia (180)
Mbeki (55, 56)
L3 Communications (77) McClellan, Scott (76)
La Nacion (jornal) (80) McGraw, Don (170)
Lago Chade (55) McLellan, Scott (170)
Lambert, Geoffrey (Major General) (31) Médio Oriente (43, 44, 65, 66, 83, 100, 107, 118,
Langer, William (24) 124, 132, 133, 136, 139, 143, 151, 155, 188,
Lashkar-e-Taiba (164) 198, 249, 285)
lavagem de dinheiro (32, 40, 60, 74, 80, 187, 188) Médio Oriente (equilíbrio do) (146)
Lehman Brothers (77) Médio Oriente (guerra no) (158)
LER (Laser Event Recorder) (71) Merca (grupo) (68)
Letónia (160) Mesa para África (113)
Leung, Katrina (243) México (223)
Levin, Amarin (Major General) (31) MI5 (166, 203, 234, 235, 270, 273, 286, 353, 354,
Liang, Guo (101) 411)

419
MI6 (268, 285, 286, 293, 294, 299, 305, 308, 314, O
411)
Military Professional Resources Inc. (77) O Metical (jornal) (58)
Miller, Pablo (276, 294, 301, 305) Obama, Barack (26)
Mitrokhin, Vasili (293, 305) Obasanjo, Olusegun (53, 54, 66, 67)
Mobil (110) Objectivos do Milénio (119, 124)
Moçambique (50, 52, 57, 58, 112, 113, 123, 288, Obukhov, Platon (294, 305)
329, 331, 336, 343, 346, 368, 372, 375, 376, OCDE (113, 396, 397)
377, 378, 380, 392) Oceano Atlântico (62)
Moeller, Robert (Almirante) (87) Oceano Pacífico (107)
Moldávia (160) Office of National Counterintelligence Executive
Mondale, Walter (110) (303)
MONUC (62) ONU (54, 60-63, 69, 78, 98, 105, 140, 148, 196,
More, Thomas (352, 364, 365, 392) 208, 237, 277, 280)
Moreira, Adriano (20, 22, 216, 233, 330, 390) Open Source Center (220)
Mossad (31, 125, 147, 242, 247, 262, 406) Operação Milagre (85)
Mosse, Marcelo (58) operações de paz (48)
Motlanthe, Kgalema (56) Organização dos Mujahidin do Povo do Irão (146)
MPLA (78) Organização Marítima Internacional (67)
Mubarak, Hosni (147) Organização Mundial de Comércio (78, 90)
Mubarak, Jamal (147) OSCE (36)
Mugabe, Robert (49, 395) OSINT(open source intelligence) (17, 27, 30, 116,
mujahidin (128, 189) 220-223, 228, 232, 240, 251, 270, 278, 287)
Muro de Berlim (24, 42, 49, 72, 329) OSS (Office of Strategic Services) (24, 230, 409)

N P

Naquin, Douglas (221) PACOM (85)


NASA (71) Pacto de Varsóvia (99)
National Clandestine Service (25, 26) Pahlevi, Xá Reza (146)
National Intelligence Council (33, 100, 128, 408) Pak, Salman (193)
National Intelligence Service do Quénia (208) Palestina (43, 112, 277)
NATO (130, 220, 222, 239, 242, 284, 299, 306, PALOP (123, 336, 368, 385)
322) Paquistão (83, 127, 130, 163, 164, 170, 172, 184,
Nato Open Source Intelligence Handbook (220) 188, 202, 204)
NATO Open Source Intelligence Reader (220) Paquistão (programa nuclear do) (100)
Natsios, Andrew (69) Paraguai (79)
Nazarbayev, Nursultan (110) parceria sino-brasileira (78, 79)
negócio do conhecimento (33, 35) Pardo-Maurer, Rogelio (72)
Negroponte, John (52, 69, 100, 129, 220, 265) Parlamento Europeu (96)
NEPAD (New Partnership for African Partido Comunista (110, 249, 297, 363)
Development) (112) Partido Democrata Norte-Americano (83)
New York Times (jornal) (196) Partido Republicano Norte-Americano (73)
NGA (National Geospatial Intelligence Agency) Pentágono (26, 40, 41, 44, 65, 72, 74, 77, 81-86,
(92, 93, 236, 244, 257) 92, 135, 136, 149, 184, 193, 194, 208, 244,
Niger (180, 300) 249, 252, 256, 259, 263-266, 270, 282, 295,
Nigéria (52, 53, 57, 63, 64, 66, 67, 81, 99, 103, 304)
105, 180, 238, 373) Perestroika (143, 293, 304)
NIMA (National magery and Mapping Agency) Perfectly Legal Competitor Intelligence (221)
(236) Periodical Intelligence Report (30)
Nora, Pierre (21) perplexidade crescente (lei da) (20)
NORTHCOM (85) Petrobrás (77)
NSA (National Security Agency) (97, 182, 183, Phillips Petroleum (110)
244, 250, 257, 266, 267, 295) phoe kuan (188)
NSB (National Security Bureau) (95, 96, 97, 98) Pichot-Duclos, Jean (General) (38, 309)
NSG (nuclear suppliers group) (102) Pinto, Fernão Mendes (384)
Nurin, Abdullah (145) pipeline Baku-Ceyhan (111, 155, 156)
pipeline de Kirkuk (111)
pirataria (67, 68)
pirataria informática (104)

420
Pizarro, Mário (398) Reino Unido (49, 69, 75, 88-90, 117, 166, 181,
Plame, Valerie (25, 73, 276, 279, 281, 289, 300- 204, 208, 212, 234, 240, 241, 264, 267, 273,
302) 291, 299, 322, 323)
Plano de Acção de Adis-Adeba (50) Reino Unido (programa nuclear do) (92)
Plano de Acção de Combate ao Terrorismo (205) relações internacionais (17, 20-24, 47, 79, 91, 120,
plano de intelligence (231) 127, 216, 226, 233, 285, 331, 335, 352, 355-
Plano Tecnológico (373) 359, 367, 400)
Platt, Washington (Brigadeiro- General) (34) relações sino-americanas (106, 107)
Pokchov, Vassily (239) Relatório Mcbride (37)
Pollard, Jonathan (243) Renamo (57, 375)
Polónia (43, 160, 298, 299) República Centro Africana (70)
Polónio 210 (292) República Checa (160, 298, 299)
Portugal (17, 23, 30, 48, 54-58, 60, 64, 81, 91, República Democrática do Congo (60)
106, 108, 112, 120, 199, 201, 215, 216, 222, Rexach, Eduardo Serra (36)
225, 230, 287, 288, 293, 305, 310, 315, 318- Rice, Condolezza (90, 130, 177, 294, 302)
330, 332-335, 337, 338, 341, 343, 344, 345, Rio Litani (148, 149)
347-352, 355-361, 363-368, 370-380, 385- Rio Níger (53, 63, 64, 67, 105)
398) Rio Nilo (55)
Portugal (ameaças a) (354) Rio Paraná (79)
Portugal (conotações negativas da imagem de) Rockefeller Brothers Fund (36)
(360) Rockefeller IV, John Davison (296)
Portugal (imagem negativa de) (352) Rockefeller, Jay (36, 296, 297)
Portugal (poder anímico de) (375) Roménia (160, 228)
Portugal (poder de) (396) Royal Air Maroc (195)
Portugal (revolução em) (351) Ruanda (61, 62)
Portugal (sentimento patriótico de) (348) Rumsfeld, Donald (44, 150, 184, 194)
Portugal Telecom (117) Rússia (42, 43, 75, 99, 108-111, 117, 118, 121,
Powell, Colin (General) (295) 122, 132, 133, 143, 147, 156, 178, 184, 285,
Preventive Defense Project (399) 286, 291-293, 299, 304, 306, 378)
Primakov, Yevgeny (143) Rússia (gás natural da) (160)
Programa Hellios (206) Rússia (geopolítica da) (117, 118)
Programa MIT-Portugal (373) Rússia (política externa para o Médio Oriente da)
Projecto Avani (56) (142)
Projecto Echelon (266) Rússia (programa nuclear da) (92)
Projecto Hawkeye (198) Rússia (ressurgimento da) (304)
Projecto SCOPE (269)
Proliferation Security Iniciative (177) S
proteccionismo (38, 39, 288)
PSOE (209) S. Tomé e Príncipe (112, 331, 357, 368)
public diplomacy (27) Sadequee, Ehsanul Islam (174)
Puntland (grupo) (68) Sahel (180, 181)
Putin, Vladimir (42, 86, 117, 132, 133, 239, 291- Saladino (165)
293, 299, 304) Saleh, Ali Abdullah (196)
Sampaio, Jorge (367)
Q Santander (123, 228)
Santorium, Rick (138)
Qatada, Abu (166, 167) Santos, José Eduardo (350, 372, 376)
Qatar (121, 193, 239) São Tomé e Príncipe (77)
Quadrennial Defense Review Report (26, 40, 47) Sawt Al Jihad (178)
Quénia (82, 103, 105, 122, 208) Scapatticci, Freddy (243)
Quirguistão (99, 108, 109) Scarlett, John (293, 305)
SCO (Shangai Cooperation Organization) (99,
R 100, 102)
Scotland Yard (290, 291, 292)
Rádio Voz da América (72, 84) security studies (24)
Ramadão (147) segurança energética (46, 81, 118, 159)
Ramadi, Samara (193) Senado dos Estados Unidos da América (41, 52,
Reagan, Ronald (82) 83, 245, 296, 299)
Reingruber, John (31) Senegal (82, 180, 326)

421
Serra Leoa (59, 60) Sociedade Nacional de Inteligência Estraté-
Sérvia (189, 297, 299) gica/ADIT (224)
serviço de informações (26, 27, 126, 135, 246, Sócrates, José (377, 396)
247, 257, 259, 277, 278, 284) softpower (118, 138)
Serviço de Informações África do Sul (56) Solana, Javier (205, 206, 207)
Serviço de Informações bósnio (190) Somália (49, 64-67, 76, 90, 105, 196)
Serviço de Informações da Argentina (80) Somália (águas territoriais da) (68)
Serviço de Informações do Brasil (80) Sonae (117)
serviço de informações do Taiwan (95) Sonangol (77)
Serviço de Informações europeu (205, 206) SOUTHCOM (85)
Serviço de Informações portugueses (81, 116) Studies in Intelligence Review (24, 230)
Serviço de Informações sul.coreano (95, 259) Sudão (54, 69, 70, 76, 88, 90, 99, 105, 207, 208,
Serviços de Informações americanos (71, 92, 145, 238)
175, 256, 266) Suíça (88)
serviços de Informações britânicos (176) sunitas (44, 45, 47, 131, 137, 150, 151, 152, 153,
serviços de informações estratégicas (116) 154, 175)
serviços de informações iranianos (150) Sutyagin, Igor (294, 305)
serviços de informações israelitas (143) SVR (serviço de informações externas russo)
serviços de informações japoneses (94) (133, 143, 238, 239, 285, 292, 294, 305)
serviços de informações militares (48)
serviços de informações militares israelitas (140) T
serviços de informações ocidentais (94, 170, 179,
180, 190) Taiwan (73, 85, 95-97, 237)
serviços jordanos (175) Taiwan (soberania de) (96)
serviços secretos americanos (139, 165, 236, 237, Tajiquistão (99, 109, 181)
240, 263) tensões sino-americanas (108)
serviços secretos chineses (243, 302, 304) teoria do segredo (213)
serviços secretos sauditas (178, 179) Teresa de la Vega, Maria (112, 368)
Setembro de 2001 (11 de) (18, 30, 36, 47, 81, 86, terrorismo internacional (33)
99, 124, 128, 166, 169, 170-173, 176, 177, terrorismo nuclear (184)
180, 185, 198, 200, 203, 204, 213, 239, 241- terrorismo transnacional (25, 47, 128, 192, 205,
247, 249, 250, 252, 256, 257, 264, 266-268, 250, 252, 279)
271, 278, 280, 282, 283, 295, 303, 399, 400, terroristas islâmicos (111, 190)
401) Texaco (110)
Sharia (66, 196) The Guardian (241)
Sharon, Ariel (262) Timor-Leste (18, 105, 106, 361)
Shell (54, 63) tráfico de drogas (32, 95)
Shih-ming, Hsueh (Major-General) (96) Trans-Sahara Counter-Terrorism Initiative (180)
shiitas (44, 45, 131, 137, 149, 150, 152, 153, 154) Tratado Constitucional da União Europeia (111)
Shin Bet (247, 261, 262, 263) Tratado de Não-proliferação Nuclear (102)
Shui-bian, Chen (95) Tratado de Tordesilhas (348)
SIGINT (signals intelligence) (72, 73, 84, 97, 182, Tregubova, Elena (292)
204, 220, 250, 266) Trepashkin, Mikhail (292)
Silva, Lula da (75, 91) tríades chinesas (32)
Sinopec (77, 99, 238) tribunais islâmicos (65)
Sinyansky, Oleg (255, 256) tríplice fronteira (79, 80)
Síria (43, 103, 133, 139, 140, 143, 151, 165, 247, Tsouli, Younis (174)
277, 285) Tunísia (180, 326)
Síria (programa nuclear da) (147) Turquia (44, 112, 130, 132, 151, 155, 156, 160)
SIS (Serviço de Informações de Segurança) (286, Turquia (posição estratégica da) (111)
288, 318, 353)
Sistema das Informações da República Portuguesa U
(353)
Sistema Kimberley (59) Ucrânia (43, 108, 118, 133, 254, 255)
Sitrick and Company (agência de comunicação) Uganda (61, 62, 122)
(59) Uhrlau, Ernst (143, 284, 285)
SLB (sigint liaison branch) (97) UNCTAD (197)
Smeshko, Igor (255, 256) ungoverned spaces (65, 81)
Smith, Anthony (37) União Africana (54, 55, 69, 76, 88, 112)

422
União Europeia (35, 39, 54, 60, 90, 91, 105, 122, W
206, 297, 306, 316, 322, 395)
União Europeia (controlo das fronteiras da) (205) Ward, William (General) (82)
União Europeia (entrada da Turquia na) (111, 112) Washington Post (jornal) (60, 279)
União Europeia (estratégia da) (113) Waxman, Henri (300-302)
União Europeia (politíca de cooperação da) (118) Whelan, Theresa (81)
União Soviética (72, 82, 83, 108-110, 117, 254, WMD (weapons of mass destruction) (181, 182,
294, 298, 305, 399) 411)
unidade de intelligence (231, 232) Wolf, Daniel (183)
UNIFIL (United Nations Interim Force in Wolfowitz, Paul (81, 87, 88, 89, 114, 208, 209,
Lebanon) (148, 149) 252, 253, 344)
Universidade de al-Iman (196)
Universidade de Brasília (79) X
Universidade de Chicago (36)
Universidade de Columbia (36) Xinhua (serviço de informações chinês) (50, 250)
Universidade de Duquesne (266) Xinjiang (108, 109)
Universidade de Georgetown (82, 221)
Universidade de Harvard (23, 24, 90, 127, 135, Y
196, 197, 262, 343)
Universidade de Miami (73, 85) Yandarbiyev, Zelimkhan (239)
Universidade de Nova Iorque (36) Yar’Adua, Umar Musa (66)
Universidade de Salamanca (396) Yeh, Puong Fey (230)
Universidade de Yale (23, 230, 265) Yushenko, Viktor (255, 256)
Universidade do Texas (44, 82)
USAID (73, 85, 92) Z
Uzbequistão (99, 109)
Zâmbia (62)
Zarqawi, Abu Musab (167)
V Zimbabwe (49, 395)
Van Gogh, Theo (169) Zoellick, Robert (89, 90)
Vasconcellos, Teixeira (377) Zuma, Jacob (56)
Venezuela (85)
Verdial, Tiago (307, 308)
Villepin, Dominique (316)
Virginia Jihad Group (202)

423

Você também pode gostar