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Abordagem policial: a busca pessoal e seus aspectos legais

APRESENTANDO O TEMA:
A Polícia Militar exerce sua função inibidora e repressora de atos criminosos por meio
de instrumentos que auxiliam o combate ao crime. Neste contexto, encontra-se inserida a
busca pessoal, que remete a relação Estado/cidadão a uma fronteira delicada, onde direitos
são tolhidos em nome da coletividade e da paz social. Apesar de sua importância, existem
poucos estudos e referências sobre o tema, optando, o Código de Processo Penal, por
enfatizar a busca domiciliar, subsidiando a prática diária, incontável e constante da
abordagem.
O imediato trabalho tem o intuito de apresentar a busca pessoal em abordagens
policiais militares e suas limitações, bem como, analisar o arcabouço jurídico que sustenta esta
ação, o entendimento dos tribunais quanto à interpretação e aplicação do ato de abordar, os
principais argumentos quanto a sua suposta lesividade e as considerações sobre seus
requisitos de validade, ponto essencial do tema, lastreado de subjetividade pela "suspeição
fundamentada", que possibilita interpretações desvirtuadas do instrumento, empregando-o
em esferas ilegítimas e marginalizando a abordagem perante a sociedade. A escolha do tema é
conexa à profissão do autor, que é soldado da Polícia Militar do estado da Bahia, lotado no
Batalhão de Polícia de Choque.
Neste diapasão, convivendo diariamente com o instrumento da busca pessoal
"aplicada" e presenciando inúmeras abordagens de validade questionável e incabíveis a
qualidade de representante do estado, surgiu a urgente necessidade de uma reflexão sobre o
tema, fato que, excetuando-se ponderações extremamente superficiais, não foi proporcionado
pela instituição durante três anos e meio de vida militar.
Assim, analisando essa desatenção de um ato importante, que lida com invasões aos
direitos individuais dos cidadãos e a limitação de direitos constitucionalmente protegidos,
buscou-se entender o instrumento, sem esgotar o tema, erguendo-o da obscuridade, a fim de
revelá-lo a sociedade e possibilitar futuras discussões. Com o fulcro principal de eliminar esses
episódios de incertezas, zelando sempre pelo cidadão, sua dignidade e a preservação de seus
direitos, é que surge o presente estudo, abordado através do método hipotético-dedutivo,
servindo-se de pesquisas bibliográficas, artigos científicos publicados na internet e

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jurisprudências. Ex positis, a análise da matéria possui grande pertinência, e alude a uma velha
desinteligência social: a Polícia versus o Cidadão.

DOS ELEMENTOS QUE CERCAM A ABORDAGEM.

Jean-Jacques Rousseau afirma em sua obra que a ordem social é estruturada por
convenções, e, destas, surge o contrato social, onde, em benefício da vida em coletividade, o
homem abdica de sua liberdade natural e adquire liberdade civil, possibilitando a convivência
em sociedade. Na efetivação da abordagem pessoal, o Estado, que é convencionado e
legitimado por seus cidadãos, adota a restrição de determinados direitos e liberdades civis, em
proveito de uma ação que garantiria a segurança pública, um dos valores supremos da
sociedade. Para isso, a Constituição Federal Brasileira confere garantias quanto à regência da
segurança pública através do caput do artigo 5º, e, posteriormente, por meio do capítulo
terceiro, exclusivo a segurança, que a define como direito e dever de todos, cujo objetivo
principal é a preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através de órgãos
específicos. Dentre estes órgãos, a Polícia Militar, com definição de sua competência através
do parágrafo 5º, artigo 144: § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições
definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
Para realizar esta atribuição, os policiais militares utilizam-se do poder de polícia,
que, segundo Bandeira de Mello, é a atividade estatal de condicionar a liberdade e a
propriedade, ajustando-as aos interesses coletivos. Deste modo, o poder de polícia é
instrumento de restrição de direitos individuais em prol da coletividade, como visto no artigo
78 do Código Tributário Nacional: Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da
Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a
prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à
higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de
atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à
tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Partindo da instrumentalização do poder de polícia, a realização da abordagem, que
é manifestação estatal, representa o surgimento de ato administrativo que, como aponta
Bandeira de Mello, deve respeitar os requisitos essenciais de finalidade, competência, motivo,

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forma e objeto, ou, como acrescenta Álvaro Lazzarini, o policiamento ostensivo é uma
modalidade de "polícia de manutenção da ordem pública", exclusivo da Polícia Militar, por
força da legislação federal pertinente, inclusive, de natureza constitucional. O "ato de Polícia
Administrativa" ou "ato de polícia preventiva", como exteriorização do Poder de Polícia da
Administração Pública, tem a mesma infraestrutura de qualquer outro ato administrativo.
Nele se encerra a manifestação do "Poder de Polícia" e, assim, para ser válido, o "ato
de polícia" deve partir de órgão competente, tendo em vista a realização do bem comum,
observando a forma que lhe for peculiar e que poderá ser a escrita, verbal ou simbólica, tudo
diante de uma situação de fato e de direito que diga respeito à atividade policiada, devendo,
finalmente, ser lícito o seu objeto.
Assim, a abordagem policial serve de instrumento ao Estado para realizar a finalidade
pública, finalidade esta que deve permear toda a concretização do ato de abordar, desde a
formação da conduta suspeita, até o objetivo imutável de promover a segurança e de proteger
a sociedade, que é o fim deste ato de interferência.
Anterior às observâncias expostas, impera absoluto entre os elementos marginais a
abordagem, o Princípio da Legalidade, convencionado no artigo 5º, inciso II da Constituição,
orientando que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão por lei,
norteando os seus limites e condições, pois, atendendo a legalidade na fundamentação e na
forma de realização da busca pessoal, não se atinge sua utilização desvirtuada. Nas palavras de
Alexandre Resende, "O Princípio da legalidade é a expressão maior do Estado Democrático de
Direito, a garantia vital de que a sociedade não está presa às vontades particulares, pessoais,
daquele que governa", ou, englobando a abordagem, daquele que recebe poderes do Estado
para proteger os cidadãos.

CONCEITO DE ABORDEGEM.

Busca pessoal, abordagem pessoal, revista, "dura", "baculejo", entre outros termos,
são referências técnicas e vulgares ao ato de procurar, no corpo ou "a borda" do indivíduo
realizador de conduta possivelmente criminosa, elementos que comprovem esse
comportamento.

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Segundo Heráclito Antônio Mossin, "usa-se o termo busca pessoal para indicar a
procura no próprio corpo da pessoa, ou em seus objetos de uso pessoal, v.g.: Pastas, valises,
bolsas; assim como em veículos automotores".
Rogério Sanches e Ronaldo Batista Pinto apontam que, "a busca pessoal, ou revista
pessoal, realizada no corpo da pessoa, tem por objetivo encontrar alguma arma ou objeto
relacionado com a infração penal", e, de tal modo, condensam a definição de busca pessoal
como o ato desenvolvido por autoridade policial, através de exame corporal ou de elementos
externos sob a posse do revistado, motivada por fundada suspeita que este traga consigo
elementos que comprovem a realização de crimes, devendo ser realizado, devido a sua
atuação ofensiva a esfera individual, com a observância da finalidade pública, dos direitos
individuais e da razoabilidade em sua feitura, caracterizando abuso ou constrangimento,
qualquer excesso a esta interpretação.
O Manual Básico de Abordagem Policial da Polícia Militar da Bahia, em face à
contextualização prática da abordagem, ensina que, para a realização da busca pessoal, é
necessária a utilização de três técnicas, a saber: a abordagem policial, a busca e a identificação.
A abordagem reveste-se quando, materializada a fundada suspeita e tendo por meta a
finalidade pública de segurança e proteção da sociedade, os policiais partem para uma
aproximação do suspeito, realizando a tomada de posição de segurança, que serve ao policial e
ao cidadão abordado, a fim de minimizar eventuais reações, assegurando o próprio abordado
quanto a uma interpretação errônea de seus movimentos, que, no nervosismo ou surpresa da
abordagem, pode ocorrer. Deste modo, realiza-se a busca, posteriormente identifica-se o
abordado, informando-o sobre a motivação que despertou a abordagem. Ainda segundo o
manual, todo ato de abordar deve estar embasado numa motivação legal. Não deve ser um
ato isolado do Estado, ali representado pelo policial, arbitrário ou ilegal. Essa motivação deve
ser explicitada para o abordado assim que for possível a fim de fazê-lo compreender a ação da
polícia, o uso do poder do Estado para limitar ou impedir direitos individuais em prol de um
bem maior, de um bem social ou coletivo.
O policial é o agente público que mais representa a manifestação do Estado na
preservação da segurança e, mesmo agindo legitimamente, empregando a força, não pode
descurar-se dos direitos fundamentais que decorrem os direitos do ser humano, a sua
dignidade. Há uma linha tênue entre o uso da força pelo Estado e os Direitos Humanos que

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pode levar o profissional de segurança pública a ser responsabilizado por sua conduta, quer no
plano jurídico interno, quer no externo.
Nesta observância de não descuidar dos direitos fundamentais na abordagem, a
forma pela qual se realiza a busca orienta-se pela segurança, (tanto do cidadão abordado,
como do policial), pelo respeito aos direitos individuais, e, principalmente, pela razoabilidade.
Definir modos específicos para "efetuar" a busca, seria uma tentativa de limitar inúmeras
situações, que necessitam de procedimentos diferentes, para que seja realizado do modo ideal
a salvaguardar o revistado, o local que cerca a situação e o policial. Entretanto, a utilização de
meios excessivos, ou desnecessários, constituem abusos de autoridade.
ASPECTOS LEGAIS DA ABORDAGEM POLICIAL.
O Código de Processo Penal, aventando sobre meio de provas (Título VII), em seu
capítulo XI, trata da busca e apreensão e, através do artigo 240, parágrafo segundo, informa
que a busca pessoal será realizada quando existir fundada suspeita de que alguém oculte
armas ou objetos relacionados a atos criminosos, secundum legem, § 2º Proceder-se-á à busca
pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou
objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.
Os objetos apresentados no parágrafo primeiro são as cartas destinadas ao acusado
ou em seu poder que possibilitem a elucidação de ato criminoso, as coisas achadas ou obtidas
por meios criminosos ou qualquer outro elemento de convicção. Também, a busca pessoal é
autorizada no ato das prisões em flagrante ou por ordem judicial, quando existe fundada
suspeita de cometimento de crime, ou, quando ordenada no curso de busca domiciliar, sendo
que, para sua realização em todos os casos expostos, surge à independência de mandado,
como informa o artigo 244, do CPP:
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver
fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis
que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca
domiciliar.
O Código de Processo Penal Militar (CPPM) também regula o tema, através do artigo
180, definindo a busca como a procura corporal, vestual, ou em objetos em poder do
revistado. Discretamente, o Código de Processo Penal Militar, assim como Jorge de Cesar Assis,
difere o termo "busca" pessoal do termo "revista", afirmando que a revista seria um termo
mais restrito, referente à pessoa e suas vestes, e a busca seria mais ampla, envolvendo objetos

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