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Antonio Beristain

Nova criminologia à luz do


direito penal e da vitimologia

Apêndice: Declaração sobre os princípios


fundam entais de ju stiça para as vítim as de delitos
e do abuso de poder (ONU)

Tradução
C â n d id o F u rta d o M a ia N e to

P ro fe s s o r d o C u rs o de M e s tra d o
em D ire ito d a U n iv e rs id a d e P a ra n a e n s e - U N IP A R

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M e n e s e s ( A c o m p a n h a m e n to e ditorial); W i lm a G o n ç a lv e s R o sas Saltarelli
( P r e p a r a ç ã o d e o r ig in a is) ; M a u ro C a ix e ta d e D e u s , W i lm a G o n ç a l v e s
R o s a s S a l t a r e lli e S o n j a C a v a l c a n t i ( R e v is ã o ) ; E u g ê n i o F e lix B r a g a
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F ich a c a talo g rá fica e la b o ra d a pela


B ib lio te c a Central da U n iv e rs id a d e de B rasília

Be rista in, A n to n io
B511 N ov a crim inologia à luz do direito penal e da
v i tim o lo g ia / Antonio Beristain; traduç ão de C ân d i-
do Furtado M aia Neto. - B ras ília : E d i to ra U n i -
v e rsid ad e de B ra sília : S ão P au lo : Im p ren s a
O ficial d o E stado , 2 0 0 0 .
194p.

T ra d u ç ã o de: N u e v a c rim in o lo g ía d e s d e el
d e r e c h o p en al y la v ictim o lo g ía.

IS B N 8 5 - 2 3 0 -0 5 9 1 - 9

1. D ireito crim in al. I. M a ia N e to , C â n d id o


F urtad o. II. T ítu lo .
C D U 3 4 3 .2
Capítulo 5

A sociedade/judicatura atende
a suas vítimas/testemunhas?

Vitimoiogia

Origem da vitimoiogia

Pode-se dizer que a atual vitimoiogia nasceu como reação à


macrovitimação da II Guerra Mundial e, em particular, como res-
posta dos judeus ao holocausto hitleriano/germano, ajudados pela
reparação positiva do povo alemão, a partir de 1945.
Em 1973, celebrou-se em Jerusalém o Primeiro Simpósio In-
ternacional sobre Vitimoiogia, e ali encontraram eco os poucos tra-
balhos que, anteriormente, haviam sido publicados a respeito das
vítimas de delitos. Pode-se dizer que oficialmente nasce a vitimo-
iogia, no âmbito científico e mundial, no ano de 1979, no Terceiro
Simpósio Internacional de Vitimoiogia, celebrado em Münster
(Alemanha), quando é fundada a Sociedade Mundial de Vitimoio-
gia, à qual pertencem, atualmente, umas trezentas pessoas, e que tem
dado impulso a inúmeros livros, revistas, estudos, cursos, sim pó-
sios, congressos, etc.
Entre os trabalhos da vitimoiogia, destaco o de Hans von Hen-
tig, do ano de 1948.1 Segundo ele, convém ter em conta três noções
fundamentais:

1 Mans von Hentig. The crim inal and his victim, 1948.
Primeiramente, a possibilidade de que uma mesma pessoa pos-
sa ser delinqüente ou criminoso segundo as circunstâncias, de ma-
neira que comece no papel de criminoso e siga no de vítima, ou ao
contrário. Também cabe a possibilidade de ser ao mesmo tempo
delinqüente e vítima. Esta figura dual dá-se, com freqüência, atual-
mente, nos jovens viciados que, para conseguir o dinheiro de que
necessitam para comprar drogas, se vêem compelidos a cometer
delitos contra a propriedade.
A segunda noção é a “vítima latente”, que inclui aquelas mu-
lheres e aqueles homens que têm uma predisposição a chegar a ser
vítimas, ou seja, uma certa atração para o criminal. Concretamente,
escreve von Hentig:

O in d ivíd uo frágil, tanto entre os an im ais co m o c n trc as pessoas,


é a q u e le q u e v ero s s im il m e n tc s erá v ítim a d e u m ataq u e. A lg u n s,
co m o as crianças, o s velhos, são frágeis fisicamente: outros, co m o
as m u lh eres, p e rte n ce m ao sex o frágil, o u tro s s ão frá g eis de e s -
pírito.

Hoje, poucas pesquisas levadas a cabo por mulheres mantêm o


critério formulado, há meio século, pelo professor alemão.
Por fim, a terceira noção básica refere-se à relação da vítima
com o delinqüente, relação que pode provocar uma inversão dos
papéis do protagonismo. A vítima pode ser o sujeito, mais ou me-
nos desencadeante, do delito.
Sobre esses problemas escreveu, acertadamente, também o
professor espanhol Luis Jiménez de Asúa, já no ano de 1961, páginas
♦ » 2 '*
pioneiras, dignas de serem relidas. Assim mesmo, poucos anos
antes havia tratado do tema Benjamin Mendelshon,'1 e J. Pinatel,

Luis Jiménez de Asúa, “La llamada vietimología”, Estudios de derecho penal y


criminologia, Buenos Aires, Oineba, 1961, p. 19 ss.; A. Beristain, “ Proyeclo de
declaración sobre justicia y asistencia a Ias víclimas”, Estudios de derecho p enai
en hom enaje a l P rofesor Luis Jim énez de Asúa. R evista de la F a cid ta d de
D erech o de la U n iversid a d C o m p h iten se, M o nog ráfico nü 11, junho 1986,
p. 117, 120; Idem. “ La vietimología en un momento clave”. Noias dei III Sym-
posio internacional sobre Vietimología”, Anuário de derecho penal. 1980, p. 93 ss.
B. Mendelshon, La victiniologie, Revue Française de Psychoanalyse, 1958, p. 96 ss.
nos oferece ampla informação do que durante o começo dos anos
1960 se publicou sobre vitimologia.4
Quanto à legislação de auxílio sobre as vítimas de delito, re-
cordemos que já 110 ano de 1891 o Terceiro Congresso Jurídico
Internacional, em Florença, aprovou a proposição de Garofalo de
instituir um fundo de compensação estatal para assistir as vítimas
de certos delitos. Prescindindo-se de outros muitos dados, na Nova
Zelândia, no ano de 1963, formulou-se um programa importante de
compensação às vítimas de delitos. Na América Latina, foi o M é-
xico o pioneiro, no ano de 1969. No Distrito Federal, elaborou-se e
aprovou-se, por inspiração de Sergio Garcia Ramirez, então procu-
rador-geral da Justiça, uma lei de proteção e auxílio às vítimas de
delito. Num de seus artigos, fixa-se, claramente, a maneira de
comprovar o estado econômico das vítimas as quais a lei protege.
Consegue-se por meio de um organismo de antigas raízes em vários
estados do país: o Departamento de Prevenção e Readaptação S o-
cial. Fixam-se as formas de arrecadar os fundos (recursos) necessá-
rios para o auxílio previsto, sem necessidade de recorrer a impostos
dos contribuintes. Oferecer-se-á ajuda econômica ao maior número
de pessoas, outorgada com um fundo de reparação integrado com
as seguintes percepções, que expressa o artigo 3° da lei:
1 - - A quantidade que o Estado arrecada por conceitos de fianças
que se façam efetivas nos casos de não-cumprimento de obri-
gações inerentes à liberdade provisória sob fiança, a suspensão
condicional da sentença e a liberdade condicional, segundo o
previsto pelas respectivas leis.
2 ~ - A quantidade que o Estado arrecada por conceito de multas
impostas como pena, pelas autoridades judiciais.
3S- A quantidade que, por conceito de reparação do dano, devam
cobrir os réus sentenciados a tal pena pelos Tribunais do
Estado, quando o particular beneficiado se abstenha de recla-
mar a tempo a referida reparação, ou renuncie a ela, ou quando
a mesma se deva ao Estado em qualidade de prejudicado.
4 - - C i n c o por cento da renda líquida anual de todas as indústrias,
serviços e deniais atividades lucrativas existentes nos reclusó-
rios estatais.

4
J. Pinatel. Criminologia. tomo III do Tratado de derecho p e n a l y crim inologia.
trad. Ximena Rodriguez de Canestri. Caracas, 1974, p. 492 ss.
86

5 ~ - A s aportações que para este fim façam o próprio Estado e os


particulares.5
Dada a situação econômica nacional mexicana, e por outros
motivos, muito poucas vítimas têm recebido a compensação devida.
Como já sabemos, em 1979 celebrou-se em Münster o Terceiro
Simpósio Internacional de Vitimoiogia, e comentou-se a necessi-
dade de institucionalizar, de alguma maneira, os conhecimentos, as
idéias e os projetos que, desde 1973, têm surgido com tanta apro-
vação internacional. No último dia do simpósio, decidiu-se a criação
da Sociedade Mundial de Vitimoiogia, que, imediatamente, conse-
guiu quase duzentos membros. Esta sociedade, com seu impulso
juvenil e eficaz, conseguiu criar e propagar a todo 0 planeta uma
doutrina e uma práxis que tornam realidade o que antes de 1979 era
somente uma idéia quase utópica.
Com o transcorrer dos anos, a vitimoiogia encontrou acolhida
11a maioria dos países e nas instituições supranacionais. Basta re-
cordar a Convenção Européia sobre a assistência às vítimas de de-
litos violentos, do Conselho da Europa, dentro do Comitê Europeu
para os problemas criminais (Estrasburgo, 1983), a Declaração so-
bre justiça e assistência para as vítimas, que se elaborou no encon-
tro inter-regional de especialistas das Nações Unidas, em Otawa
(Canadá) no ano de 1984, a Recomendação n9 R (85) 11, do Co-
mitê de Ministros aos Estados-membros, sobre a posição da vítima
no campo do direito penal e processual penal (adotada pelo Comitê
de Ministros 110 dia 28 de junho de 1985, 11a Reunião número 387
dos Delegados dos Ministros),6 a Declaração sobre os princípios
fundamentais de justiça para as vítimas de delitos e do abuso de
poder, aprovada na Assembléia-Geral das Nações Unidas (Resolução
4U/34) 110 dia 29 de novembro de 1985, o Documento do Comitê II
do Oitavo Congresso das Nações Unidas, em Havana, sobre “Pro-
teção dos direitos humanos das vítimas da delinqüência e do abuso
de poder” , no que o Congresso das Nações Unidas

5 BI ias Neuman, i'ictimologia. El rol de Io víctima en los delitos convencionales y


no convencionales. Buenos Aires. Ed. Universidad, 1984. p. 279 s.
A. Berisiain, De leyes p enales v de Dios legislador (Alfa v O mega de! control
p en a l humano), Madri, Edersa, 1990, p. 253 ss.
...re c o m en d a q u e o s listad o s p re p a re m p r o g ra m a s de fo rm a ç ã o
b a s e a d o s n os p rin cíp io s d esta D e c la r a ç ã o , co m o o b je ti v o de d e -
finir c d ar a c o n h e c e r o s d ireito s d a s v ítim a s d a d e li n q ü ê n c ia c
do a b u so d e p o d er, q u e d e v er ia m i n c o rp o ra r-s e a o s p ro g ra m a s
d e e s tu d o s d as fa c u ld a d e s de d ireito , in stitu to s de c rim in o lo g ia ,
cen tro s d e fo rm a ç ã o de p es so al p ara a a p lic a ç ã o co e rc itiv a d o
d ireito e e sc o la s ju d ic ia is

e a Convenção do Conselho da Europa sur la responsabilité civile cies


dommages résultant d 'activités dangereuses poitr {'environnement,
Lugano, 21 junho 1993, cujo arligo 9 estabelece:

Si la v ic tim e ou u ne p e rs o n n e d o n t la v ictim c est re s p o n s a b le en


vertu du d ro it in tern e a, p ar sa faute, c o n tri b u é au d o m m a g e ,
1 'in d em n ité p eu t être ou s u p p rim é e , en len an t c o m p te d e to u te s
les c irc o n s ta n c es , ctc.

Do desenvolvim ento teórico da vitimologia dão provas os


numerosos estudos apresentados no 1~ Simpósio Internacional
de Vitimologia, celebrado no Rio de Janeiro, em agosto de 1991
(uma pequena parte de suas teses e comunicações aparece no
livro com pilado por Ester Kosovski)9 e no XI Congresso Inter-
nacional da Sociedade Internacional de Crim inologia, que teve
lugar em Budapeste, de 22 a 28 de agosto de 1993. Neste, as
questões vitimológicas têm sido, provavelm ente, as mais co -
mentadas e debatidas: como tema central em uma seção plená-
ria, nos programas da Sociedade Húngara de Crim inologia, em
oito grupos de trabalho, etc.

7 Oitavo Congresso ilas Nações Unidas sobre prevenção do delito e tratamento do


delinqüente, Havana (Cuba), agosto-setembro 1990, A/Conf. 144/C.2/L.5.5, 3 de
setembro de 1990, p. 2 s.
Conseil de L ’Europe. Convention sur la responsabilité civile des clommages
résultant d ’activités dangereuses pour renvironnement, Lugano, 21 junho 1993,
Série dos irniiés tiuropéens nü 150, p. 7.
Ester Kosovski, V itimologia: enfoque inierd iscip lin a r, Rio de Janeiro, 1993,
380 p.
88

Conceitos básicos c importância da vitimologia

A vitimologia é filha da criminologia, muito mais que do di-


reito penal. Desta afirmação se deduzem conseqüências muito es-
clarecedoras, já que a ciência e a práxis jurídico-penal diferem
notavelmente da ciência e da práxis criminológica."1 Diferem nos
princípios básicos, nas propostas dos problemas e na exagerada
(ainda que necessária) divisão do trabalho científico para evitar a
superficialidade.
Convém superar algumas das discrepâncias radicais entre ambos
os campos - o jurídico-penal e o criminológico - e, para consegui-lo,
recordar a necessidade da interdísciplinaridade, intradisciplinaridade e
transdisciplinaridade no controle social penal pós-moderno. O pena-
lista ocupa-se de temas parcialmente diversos e conduz um estilo
de pensamento muito diferente. Preocupa-se com a igualdade for-
mal e com a legalidade real. procura evitar a valorização do ato,
assim como a culpabilidade do autor, e pretende prevenir, controlar
e reconciliar mais que castigar, mais que “ fazer justiça”.
Se alguém duvida de que a vitimologia deriva da criminologia
muito mais que do direito penal, é só recordar que, ao se criar em
Münster, no ano de 1979, a Sociedade Mundial de Vitimologia,
seus membros fundadores discutiram se deveriam formar uma seção
dentro da Sociedade Internacional de Criminologia ou constituir
uma sociedade autônoma independente. A ninguém passou pela
idéia a possibilidade de integrar-se à Associação Internacional de
Direito Penal. Outra prova de que a vitimologia nasceu e cresce
mais perto da criminologia que do direito penal nos oferece o fato
de que a reparação, tal e qual se concebe e pratica o direito penal,
tem muito castigo (perto da multa) para repreender e sancionar o
delinqüente; por isso, se diz “aquele que fez, que pague” . Ao con-
trário, os vitimólogos concebem a reparação, antes e sobretudo,
para dar assistência à vítima.

1,1 Kaiser, Kriminologie. 73 ed., C. F. Miiller Juristischer, Heidelberg. 1985. p. 28 s.:


Idem, K rim inologie. 9a ed., 1993, p. 23 ss., p. 184 ss.; H. J. Schneider, Krimi-
nologie, Berlim, Walter de Gruyler, 1987, p. 89 s.; A. García-Pablos, M anual
dc criminologia. Introducción y teorias de la erintinalidad, Espasa Universidad,
1988, p. 76 ss.
Isso pode explicar por que a vitimoiogia encontra tão pouca
acolhida entre a polícia, a judicatura e as instituições penitenciárias,
em alguns países “afastados” da criminologia. (Recordemos, entre
parênteses, que 110 âmbito universitário e penitenciário espanhol se
tem marginalizado a criminologia; não se apreciam, suficientemente,
seus estudos, nem sua diplomação, nem seu mestrado. Tampouco
se respeita o regulamento penitenciário no que se refere ao crimi-
nóíogo, em seu artigo 281
Hlías Neuman acerta, quando afirma:

N ão há d ú v i d a d e q u e se d ev a a m p l ia r o c a m p o n o s o ló g ic o (e s -
tu d o d a s m o lés tia s ) e co n ce itu a i d a v itim o io g ia. P o d e r -s e -ia d i-
z e r q u e a s o c i c d a d c dc cap ital e c o n s u m o tem c ria d o m a rc o s de
i d e o lo g iz a ç ã o q u e lhe p e rm ite m v itim a r u m a q u a n t id a d e no táv el
de seres h u m anos: delinqüentes, loucos, doentes, m inorias raciais,
m e n o re s , o lig o frê n ic o s , ancião s.

Dentro do círculo da política criminológica, que é conseqüên-


cia de outro círculo concêntrico maior de política social geral, a
vitimoiogia deve proclamar-se uma ciência para a liberdade e a
liberação moral e material de todo tipo de vitimados (delinqüentes
marginalizados e submergidos sociais), que engloba também atin-
gidos pelos acidentes de trabalho, sem esquecer da sociedade, ou
grande parte dela, quando se trata do abusivo poder governamental,
econômico, religioso, acadêmico 011 jornalístico, etc.
Se os criminólogos alemães Günther Kaiser e II. .1. Albrecht
afirmam que existe um déficit de investigação 110 campo vitimoló-
gico, com muito maior motivo devemos nós, na Espanha, insistir
11a urgência de aumentar os estudos correspondentes para conseguir
metas de alto valor humano, científico e criminológico, como indi-
12
ca A. García-Pablos.

11 Elias Neuman, Victimología, p. 291 ss.


12
A. García-Pablos. “El moment actual de la criminología", De ies causes dei delicie a
la producció de! control. El debat actual de la criminologia, Juslfcia Í Soeietat. Bar-
celona, Centre d :Esütdís Jurídics i Formado Especialitzada tle la Generalitat de Ca-
talunya, 1992, p. 81; Kaiser, “Victim-research at the Max-Planck-Institut. Point of
deparlure, issues and problems”, Victims and Criminal Justice, editado por Kaiser-
Kury-Albrecht, Freíburg i. Br., 1991, vol. 50, p. 3 ss.: H.-J.-Albrecht, “ Kriniinolo-
gische Perspecliven der Wiedergutmachiing. 'ITieoretische Ansatze und empirisehe
Segundo Kaiser, as investigações vitimológicas contribuem
para a legitimação do sistema penal e para sua maturidade.13 Nas
últimas décadas, têm aportado, em alguns países, importantes avanços
para a ciência criminológica e para o controle do crime. Na opinião
de H. Arnold,14 também se pretendem e se podem atingir fins políti-
cos, no amplo e positivo sentido da palavra; isto é, para conseguir
melhorar a qualidade da vida em vários níveis sociais.
A atual hecatombe nos territórios da ex-Iugoslávia e em tantos
oulros lugares patentiza a urgência de prestar mais atenção aos di-
reitos humanos das vítimas coletivas.1' Por exemplo, em casos de
guerras, genocídio, tortura, crimes contra a humanidade, terrorismo,
discriminação racial e étnica, pirataria, seqüestro de diplomatas,
crianças maltratadas, etc. Esse campo tem sido pouco investigado,
mas o suficiente para que se possa afirmar que é um setor em evo-
lução, intimamente relacionado com o direito internacional, que
vem crescendo, paralelamente, com novos capítulos em todas as
ciências.
Com toda razão, Herman e Julia Scliwendiger17 propugnam
que os delitos sem vítimas não se qualifiquem “como delitos dentro
dessa nova perspectiva” (p. 183); isto é, quanto mais se pretender

Befunde”, em A. Eser, G. Kaiser e K. Madlener, Neite liege der Wiederguímadnmg


im Strafrecht, Freiburg i., Br., 1992, p. 43-72.
1^
' G. Kaiser, “Victim survey. Stocktaking, needs, and prospects: a German view”,
V ictim ohgr in comparative perspective, editado por Koichi Miyazawa, Mtnoru
Oliya, Tóquio, 1986, p. 133 ss.
14 t É
H. Amold, “Krimínalilãt, Viktimisierung, (Un-) Sicherheitsgefühl und Wohnzufrie-
denheil. Effekte objektiver und subjektiver Krimiualitatsindikatoren in der Bewer-
tung vou Nachbarschaft und Gemei nde”, em G. Kaiser, H. Kury (comps.),
C riw inological Research in lhe Í990's, t. 66/2, Freiburg. 1993, p. 1 ss,
M. Joutsen, The role o f lhe victim o f crime in Etiropean crimina! justice systeins.
A crossnational stitdy o f the role o f the victim, Euni (Helsinki Institute for Cri-
me Prevention and Control). Helsinki. Government Printing Centre. 1987.
’ Ph. Coppens, “Médiation et philosophie du druit”. Archives de Politique Crinti-
nelle, nü 13, 1991, p. 13 ss.; C. Lazerges, “Essai de classificalion des procedures
de médiation”, Archives de Politique Criminelle, i r 14, 1992. p. 17 ss.; G. llu-
ber, “Heraklit íiber Krieg und Frieden”, em M. Siguan (ed.), Plnlosophia pacis.
Homenaje a Raimon Panikkar, Barcelona. Símbolo editorial, 1989, p. 37 ss.
Herman e Julia Schwendiger, “ Defensores dei orden o custodios de los dere-
chos humanos?”, em Taylor. Walton, Young (comps.), Criminologia crítica,
México, Siglo Veitiuno Editores, 1981, p. 149 ss.
manter a ordem legal estabelecida, mais se procurará proteger e
desenvolver os direitos humanos das pessoas e instituições mar-
ginalizadas. O progresso desses direitos, segundo veremos nas
seguintes reflexões teológicas, pede que a vitimologia leve em
consideração as fundamentais cosmovisões de todas as grandes
religiões, sabendo que estas podem também enriquecer com as
propostas dos vitimólogos.

Dificuldades c perigos da vitimologia

Está claro que a intensificação indiscriminada da assistência às


vítimas, assim como certas críticas sem piedade (ainda que em
grande parte fundadas) ao sistema penal atual, pode avocar um
esquecimento ou um enfraquecimento das bases metafísicas ele-
mentares do sentido de justiça em geral e da justiça penal em
particular.18
Ninguém duvida de que, mediante as estratégias do delin-
qüente - vítima, mediação, reconciliação - se conseguem, com
certa freqüência, maiores satisfações imediatas que por meio dos
sistemas do direito penal tradicional; mas essa constatação não
basta para justificar o desenvolvimento sem limites das práticas da
mediação e da compensação e, também, da reconciliação. Por esse
caminho, pode-se chegar ao funesto sistema punitivo germânico
medieval de deixar total e unicamente em mãos das vítimas e seus
familiares a sanção ilimitada contra os delinqüentes, sem participa-
ção alguma racional e moderadora da sociedade e da autoridade.
Certas investigações vitimo!ógicas em alguns países, sobretudo nos
EUA, têm servido, paradoxalmente, para reforçar as tendências
favoráveis a sancionar com mais dureza o delinqüente, como mos-

IS
II. J. Hirsch, “Acerca de la posición de la victima e» el derecho penal y eti el
dereclio procesal penal”, Ji/slicia Penai y Sociedad, Revista Guatemalteca de
Ciências Penafes, nu 2, Guatemala. 1992, p. 5 ss.; R. Panikkar, “ La faute origi-
nante...”, A rchivio d i Filosojia, Roma, 1967. p. 65 ss.; E. A. Fattah, “ Beyond
metaphysics: the need for a new paradigm. On aclua! and potentia! contributions of'
crimmology and the social sciences to the reforni of the criminal law” (manuscrito).
tra Kaiser.Iv Entre nós, na Espanha, estamos ainda em véspera des-
se excessivo abuso da vitimoiogia. Mas, de todas as maneiras, con-
vém ter presente que também a vitimoiogia deve reconhecer suas
fronteiras. Como recordam alguns especialistas, o diálogo e a me-
diação, concretamente, nem evitam nem cobrem toda a missão da
justiça penal tradicional.20
Algumas publicações de vitimoiogia podem, por excesso de
zelo, confundir a participação da vítima 110 iter do delito com sua
co-culpabilidade, se se limitarem a descrever os fatos, sem se dete-
rem em sua análise científica e metodológica.21 Especialmente,
trata-se da vítima “reincidente”. Para superar esse perigo, convém
analisar as linhas de sua personalidade e as modernas técnicas de
possível superação de sua vitimação freqüente e repetida.
Aqueles que trabalham em escritórios de assistência à vítima
devem evitar alguns perigos - por exemplo, o de esquecer os mui-
tos métodos e caminhos de soluções conciliadoras que a sociedade,
tradicionalmente, exercita para alguns delitos22 - ou, também, o de
transferir para a vítima suas características de personalidade viti-
mai, isto é, influenciar negativamente a vítima, fortalecendo alguns
* 2^
pontos negativos, psíquicos, psicossomáticos e sociais. ' Por sua
vez, pode-se dizer o mesmo da possível influência negativa sobre
as testemunhas da vitimação, especialmente durante o processo
penal, mas também antes dele.
E falsa a opinião, geralmente admitida, de que o fato de sofrer
um delito seja um acontecimento do qual se recorda a vítima du-
rante muito tempo. Por isso, nas investigações, convém limitar-se a
delitos sofridos nos últimos seis ou doze meses. Além do mais, as
vítimas correm o perigo de transladar a data de sua vitimação ao
período a que se refere a investigação, se elas conhecem esse período.

|9
Kaiser. Introducción o la criminología (trad. A. Rodríguez Núnez). Madri,
Dykinson, I98S, p. 474.
2(1
P. Coppens, “Médiation et philosoptiie...”, 1991, p. 16 ss.
“I Schneider, Kriminologie, Berlim. Nova York, 1987. p. 87 ss., p. 188 ss., p. 693 ss.
E. Vescovi, “ Le réglement des conflils hors des tribunaux”, em H. Kotz. R.
Ottenhof (comps.), Les conciliateurs. la conciliation. Un elude compar ative,
Paris, Econômica. 1983, p. 173 ss.; a respeito da Espanha, p. 178 s.
L. Rodriguez Manzanera, Victimología. Estúdio de la víctinta, México, Porríia,
1988, p. 349 ss.
Por desgraça, muitos cidadãos carecem de motivação para colabo-
rar em estudos sobre essas questões. Para superar essa limitação,
convém que quem leve a cabo a pesquisa conheça as técnicas para
incentivar o pesquisado a expor tudo o que lhe sucedeu e tudo o
que sabe.
Maiores dificuldades obstruem as investigações acerca da vi-
timação dos menores, especialmente quando se trata de delitos se-
24
xuais. Com atinadas considerações, Martinez Arrieta argumenta
que, durante o processo, nem sempre se exige ao menor estar pre-
sente diante do suposto delinqüente. Ainda que o exijam as normas
processuais vigentes, e alguma excepcional sentença do nosso T ri-
bunal Supremo (em geral, suas sentenças transbordam sensibilida-
de jurídica e vitiniológica, especialmente nos últimos anos, sob a
presidência do professor e magistrado Enrique Ruiz Vadillo),25 pa-
rece que à luz do artigo 40, 3.b, da Convenção das Nações Unidas
sobre os direitos do menor, de 1989, se se interpreta com critério
progressivo, quando nos casos extremos não se possa evitar o re-
correr aos procedimentos judiciais, muitas vezes deverá evitar-se o
cumprimento de alguns preceitos formais, em detrimento de novos
direitos humanos dos menores. Ninguém negará a possibilidade de
novos direitos nesse campo. Basta ler a Convenção de 1989, à qual
estamo-nos referindo.
Muitos vicíim services podem, às vezes, pretender chegar à
conciliação e à reconciliação sem antes solucionar o conflito, acre-
ditando que conseguem abortar um problema quando este, na reali-
dade, há tempo nasceu; correm o perigo de tapar uma ferida sem
limpá-la previamente. Essa falta de realismo debilita o ligamento
social e a estrutura jurídica; esquece a força imponente do mito da
pena, superior ao poder dos deuses.26 Em alguns casos, não se pode
prescindir da sanção exigida pelo princípio da culpabilidade; ne-
cessita-se de um “ bode expiatório1’, no sentido positivo da expres-

24
Martinez Arrieta. “ La victima en el proceso penal", A ctualidad Pena!. 11“ 5,
janeiro - fevereiro 1990, p. 50 s.
E. Ruiz Vadillo, “El futuro inmediato dei derecho penal. Los princípios básicos
sobre los que debe asentarse. Las penas privativas de liberlad. La jurisprudência
dei Tribunal Constitucional v dei Tribunal Supremo”, E guzkihre. Cita der no dei
Instituto l asco de Criminologia. nü I extr.. 1988. p. 162.
R. Panikkar, “La faule ongm ante...”, p. 70.
^7
são, tal como fala René Girard.“ Além disso, se se exagera na pu-
blicidade sobre os direitos da vítima, pode-se aumentar suas frus-
trações e cair-se em um angelismo que esqueça a necessidade da
28
justiça penal humana para a convivência.
*

\ 29
Kaiser reúne as investigações de A. Reiss e de outros, que
constatam os erros que cometem alguns vitimólogos. Em certos
casos, esquecem que o ponto de vista da vítima é grandemente di-
ferente do ponto de vista do juiz, por exemplo, nos delitos sexuais e
nos delitos de perigo, e em casos de tentativa ou delito frustrado.
Também são distintos os critérios em diversos países; mas, apesar
disso, convém levar a cabo investigações in cross cultural perspective.
Também se toma difícil a investigação vitimológica nos delitos
socioeconômicos de conhecida importância, pois muitas pessoas
implicadas não consideram delitos algumas ações sancionadas no
Código penal, mas localizáveis subjetivamente na moral fronteiriça.™
Algumas investigações levadas a cabo no Max-Plank-Institut, de
Freiburg, constatam essas dificuldades. Os informes das vítimas
não oferecem suficientes dados de interesse para completar e con-
cluir a investigação. A delinqüência econômica, investigada no ano
de 1980, implica um número relativamente pequeno de processos
(3.226) e de acusados (5.896), mas, com um grande número de ca-
sos particulares (single cases, 145.209), e de pessoas prejudicadas
(156.004) e um considerável prejuízo econômico total: 2.600 mi-
lhões de marcos alemães. Por razões diversas, nessa delinqüência
econômica, os questionários e os diálogos com as vítimas não têm
sido suficientes para recolher os dados totais.' As vezes, os méto-
dos de controle privado são mais eficazes.

R. Girard, El mistério de nuestro mundo. Claves para uno inlerpreíación antro-


pológica, Salamanca, Ed. Sígueme, 1982, p. 478 ss.
A. Beristain, “ Los límiles dei perdem”, Cuadernos de Política C riminal, n" 49,
1993, p. 5 ss.; João Paulo II. Encíclica Dives in m isericórdia, Roma, 1980.
Kaiser, fic tim surveys - stocktaking, needs, a nd prospecfs: a G erman víeir,
Tóquio, 1986, p. 136. p. 140.
M. Bajo Femandez, Derecho penal econômico aplicado a la actividad empresarial,
Madri, 1978, p. 53 ss.; A. Beristain, “Delincuencia econômica: eficacia de las
sanciones penales”, em idem, Ciência penal y Criminologia, Madri, Tecnos, 1986,
p. 182 ss.
Kaiser, Viciim surveys..., 1986, p. 139.
95

Apesar dos múltiplos estudos que estão sendo realizados, ain-


da restam muitos aspectos importantes desconhecidos que devem
ser objeto de futuras investigações, como indica Gottfredson, em
seu trabalho de 1989. Como ele demonstra, sabemos ainda pouco
acerca da percentagem de vítimas que sofrem perturbações emoti-
vas, muito pouco dos fatores que fazem a vitimação mais traumáti-
ca em umas pessoas que em outras, menos ainda sobre a evolução
desses diversos efeitos, ou sobre a capacidade de superação desses
prejuízos causados pelo delito. Existem fortes obstáculos para in-
vestigar cientificamente todos os efeitos da vitimação, como, por
exemplo, os efeitos perturbadores de qualquer intervenção do ci-
entista observador que se introduz na vida privada das vítimas; a
dificuldade e os custos de levar a cabo investigações longitudinais
dessas conseqüências da vitimação; a tendência de quem assiste às
vítimas, prestando-lhes serviços que não estão incluídos no con-
texto da investigação e que, portanto, “perturbam” os resultados
científicos; a difícil imparcialidade dos investigadores, que geral-
mente procuram atender mais às metas das instituições de poder
que aos interesses das vítimas, etc.
Diante da intensificação dos estudos e das ações para proteger
as vítimas dos delitos, eminentes especialistas detectam alguns ex-
cessos e perigos de orientações/posturas extremas. As vezes, pola-
rizam-se demasiado ou quase exclusivamente ao redor dos delitos
convencionais mais ou menos graves.32 E, ao contrário, não aten-
dem devidamente aos delitos econômicos, de colarinho branco,
ecológicos, de produção e venda de produtos perigosos.‘,;, Tam pou-
co atendem, na devida proporção, às vítimas da injustiça social, da
discriminação étnica, do abuso do poder público, econômico, reli-
gioso, etc.34

Fíiltali, “Prologue: 011 some visible and hidden tlangers of victim movements”.
em idem (comp.). From crime policy (o victim policy. Reorientiiig the ju stic e
system , Londres, Macmillan, 1986, p. 5, p. 14.
B. Schuenemann, “Allernative control o f economic crime”, em A. Eser e J.
Tliormundsson (comps.), Old irc/vs and m \v needs in crimina! legislatioif. Frei-
burg L Br., 1989, p. 187 ss.
34
R. Ottenliof, “Crime and abuse of power”, informe apresentado ao 5th Joint
Collot|uium 011 Crime and Abuse of Power, Bellagio, 21-24 abril 1980; A. Be-
ristain, “Elogio criminológico de la locura erasmiana imiversitaria”. Lección
35
Graças aos estudos de J. Shapland,' na Inglaterra e em Gales,
conhecemos as diversas posturas das pessoas encarregadas do poli-
cial e do judiciário a respeito da vítima. Este especialista realizou
uma pesquisa, em nível nacional, baseada em questionários envia-
dos pelos correios aos chefes de polícia, ao pessoal que trabalha na
administração da Justiça e aos juizes, com o fim de conhecer os
principais problemas das vítimas ao longo do processo penal. De-
duz-se que a polícia avalia e estima, de maneira distinta do pessoal
do Judiciário, os problemas da vítima, e também difere no que se
refere aos desejos de como e em que sentido se deve melhorar o
sistema de controle social. A polícia declara-se interessada em
atender às necessidades de quem sofreu um delito, deseja sensibili-
zar a quem ingressa nela com esta finalidade e indica algumas re-
formas concretas que devem ser realizadas. Ao contrário, grande
parte do pessoal do Judiciário opina que as vítimas não necessitam
de um tratamento especial e demonstra não possuir suficientes es-
truturas adequadas para atendê-las. Além disso, desconhece algu-
mas das facilidades que o sistema judicial oferece às vítimas.

Vítimas/testem unhas

Enquanto o acordo “interpartes” for possível, sem perda do


interesse social, p orq ue não tentá-lo?

José Ricardo Palacio,


“A assistência às vítimas do delito em
Biscaia”, Eguzkiiore ne 6, 1992, p. 164.

Conceitos básicos

Neste momento, convém chamar a atenção, brevemente, sobre


o conceito de vítima (e de testemunha), que pode ser uma pessoa,
uma organização, a ordem jurídica e/ou a moral, ameaçadas, lesa-

inaugural dei curso acadêmico 1990-91, Universidatl dei País Vasco-Euskal


Herriko Umbertsitatea, Bilbao, 1990. p. 39 ss.
35
“ J. Sliapland, “ Victims and the criminal justice system”, em E. A. Fattah, Front
crime poUcy to victim policy, 1986, p. 210-217; J. Sliapland, “Victim assistance
and the criminal justice system: the victim‘s perspective”, From crime policy...,
p. 218-233.
elas ou destruídas/* Além disso, ainda que resulte difícil, evil a re-
mos a identificação da vítima como o sujeito passivo do delito.
Dentro do conceito das vítimas, há que se incluir não somente os
sujeitos passivos do delito, pois aquelas superam muito freqüente-
mente a estes. Por exemplo, nos delitos de terrorismo, os sujeitos
passivos de um delito são cinco, dez ou cinqüenta pessoas; em lu-
gar disso, as vítimas podem ser cem ou, ainda, mil pessoas. Em
alguns casos, podem ser mil os militares ou os jornalistas que, di-
ante do assassinato de um militar ou de um jornalista por grupo
terrorista, se sintam diretamente ameaçados, vitimados, se antes
sofreram também ameaças dos terroristas. Ou um grande número
de funcionários de instituições penitenciárias que, diante do fato de
que o grupo terrorista assassina um funcionário de prisão, se sin-
tam aterrorizados pelo medo de que o seguinte sujeito passivo do
delito seja ele ou um familiar seu.
Seria interessante, ainda que indiretamente, comentar algumas
sentenças sobre o delito de omissão de socorro à vítima de acidente
causado pelo omisso (artigo 489 do Código penal espanhol, mas su-
pera o espaço de que dispomos).37
Nas literaturas alemã e norte-americana, presta-se merecida
atenção, também, às testemunhas da vitimação, que tanto podem e
devem levar à devida atividade processual e à compensação, assis-
tência posterior, ressoeialização, etc.38 A. R. Roberts comenta que
muitas pessoas têm seu primeiro e desagradável contato com o apa-
rato judicial como conseqüência de ter sido testemunha de um de-
lito; que em muitos juízos não se consegue o fruto desejado pela
cooperação das testemunhas. Essas tristes realidades motivaram o
início de dez programas de assistência às testemunhas, outro pro-

' (' H. J. Sehneider, “Das Opfer im Verursachungs - und Kontrollprozess der K.H-
minalitãt” , em idem (comp.), Kriminaiitüt und ahweichendes Verhalten, t. 2,
Beltz, Weinheim und Basel, 1983, p. 81.
37
Poder Judiciai, nL> 7, setembro 1987, p. 276 ss. (sentença de 3 março de 1987).
Poder Judiciai, ne 11, setembro 1988, p. 214 ss. (sentença de 23 março de 1988).
A esse respeito, ver o artigo 135 do Código p enal brasileiro. (N. do T.)
G. Norquay, R. VVeiler, Service o f victims and wifness o f crime in Canada.
C om m unication Division. M inistry o f the Solicitor General, Ottawa. 1981.
A. R. Roberts. “Victim/witness pragrams. Questions and answers'’, em FBI.
Law Enforcement Bulleiin, dezembro de 1992, p. 12 ss., p. 16.
grania de assistência às vítimas/testemunhas, em Palm Beacli County,
Flórida, etc. Entre 1981 e 1985, 28 estados norte-americanos criaram,
por lei, novos programas de assistência às vítimas e às testemunhas.
A. R. Roberts, depois de responder a sete perguntas acerca
dos serviços de assistência às vítimas e às testemunhas, conclui:
“A evolução dos programas de assistência às vítimas e às testemu-
nhas está sendo cada dia mais estimada e reconhecida legalmente
em uma crescente rede de escritórios de assistência”.

Predisposições das vítimas

Sobre a possível predisposição de algumas pessoas e de alguns


membros de certas profissões a sofrer os efeitos da vitimação, m e-
recem ser recordados os trabalhos de E. A. Fattah. Já no ano de
1979, encontra como fruto de sua investigação a existência de três
diferentes tipos de predisposições específicas na vítima: as biopsi-
cológicas, como a idade, o sexo, a raça, o estado físico, etc.; as so-
ciais, como as condições econômicas, seu trabalho e lazer; e as
psicológicas, como os desvios sexuais, a negligência e a imprudên-
cia, a extrema confiança em si mesmo, os traços do caráter de cada
pessoa, etc.
Posteriormente,40 o mesmo professor constata que diversos
estudos de tipo psicossocial e vitimológico evidenciam que muitos
delinqüentes, antes de cometer o delito, antes de passar ao ato, fa-
zem uma racionalização e uma maturação dos processos mentais e
do desenvolvimento real de uma vitimação, com a pretensão de
justificar seu crime, anular as possíveis inibições e apagar os nor-
mais sentimentos de culpa ou de remorso subseqüentes ao delito.
Já Dostoievski, em seu romance Crime e castigo, adiantou-se com
sua minuciosa análise psicológica de Raskolnikov, e coincide, no
fundo, com as pesquisas atuais. Certamente, muitos delinqüentes
conseguem com essa técnica - mais ou menos inconsciente - neu-

E. A. Fatlah, La victime est-elle coupable? La rôle de la viefime dans te meuríre


en vite de vol, Montreal, Les Press de PUniversité de Montréal, 1971.
40
E. A. Fattah, “Some recent theoretical developments in Victimology”, 1’ieti-
m o!og\\ 1979. 4. 198; idem, “Victims of abuse of power: the David/Goliath
Syndrome”, em idem (comp.), The plight o f crime victims in m od em society,
Londres, Macmillan. 1989, p. 68 s.
Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia 99

tralizar sua consciência e estigmatizar a vítima, convertendo-a em


vítima culpável ou culturalmente legitimada. Fattah sugere o que
depois amadureceram outros investigadores: a possibilidade de
que, em alguns tipos de delito - por exemplo, os de terrorismo a
vítima se ligue afetivamente à pessoa e à “causa75 de seu vitimador
(e, em certo sentido, bem-feito), de maneira tal que brote a síndro-
me de Estocolmo.41
Merece também ser lembrado o estudo de R. F. Sparks42 sobre
como pode a vítima contribuir para a sua própria vitimação de ma-
neiras diversas, segundo os diferentes tipos de sua personalidade e
suas circunstâncias. Pode dar-se a “precipitação” , isto é, que a ví-
tima com seu comportamento anima e excita o vitimador; assim,
com freqüência, em supostos delitos de estelionato e sexuais. O u-
tras vezes, a “vítima, por negligência ou por excessiva audácia”,
facilita o comportamento do vitimador, isto é, expõe-se voluntaria
e inconscientemente ao perigo. Outras vezes, não é por negligência
nem inconsciência, senão por vulnerabilidade, que pode consistir
em sua situação social ou em suas qualidades pessoais. Por fim, em
não poucos casos, as “vítimas atrativas”, por sua maneira de com-
portar-se, ou por seu estilo de trabalho ou de diversão, atraem o
vitimador.
Hilda Marchiori, segundo o Relatório da Sociedade Mundial
de Criminologia, de 25 de setembro de 1992, investigou atenta-
mente a influência que tem, na comissão dos delitos, a relação en-
tre o delinqüente e sua vítima. Esta relação pode ser dividida em
três grupos. Primeiro: dentro da família, são muitos os delitos co-
metidos contra menores; estes, facilmente, se convertem em delin-
qüentes quando chegarem a certa idade: também é freqüente o
homicídio pela “identificação emocional” ou ciúmes; o álcool con-
tribui para um maior número deste tipo de delitos. No segundo,
entram os casos em que as vítimas são conhecidas do vitimador,
mas não são familiares; a aproximação profissional, a domiciliaria,

41
F. Alonso-Femandez, Psicologia dei terrorismo, Barcelona, Salvat. 1986, p. 314 ss.,
p. 364.
42
R. F. Sparks. Research on victims o f crime: accom plishmenis. issues. and new
directions. U.S. Department of Health and Human Services. Rockville (Md.).
1982.
etc. permitem a ocorrência de situações e costumes das vítimas
para facilmente cometer os delitos de roubo, sexuais, inclusive
homicídio, por vingança, etc. O terceiro grupo vem composto por
aqueles que não se conhecem pessoalmente; mas o autor do delito,
com freqüência, tem notícias prévias de algumas circunstâncias do
lugar, da profissão ou dos costumes da vítima - por exemplo, quem
comete algum delito de roubo, abuso sexual ou lesões a uma pros-
tituta.43
José Luis da la Cuesta Arzamendi dirigiu um estudo, no Insti-
tuto Vasco de Criminologia, sobre as vítimas de roubos e agressões
violentas na cidade de Vitória-Gasteiz, para comparar os resultados
com a pesquisa de Johan Goethals e Tony Peters, do Departamento
de Criminologia da Universidade Católica de Lovaina. Constata-se
que, na capital de Alava, em 53 casos (70,7%), as vítimas não co-
nheciam o agressor e supõem que eram viciados em drogas (19
casos; 25,3%), pessoas com problemas psicológicos (11 casos;
14,7%), jovens (5 casos; 6,7%), pessoas que já estiveram em pri-
sões (2 casos; 2,7%)...
Em 22 casos (29,3%), a vítima conhecia o agressor, por ter
uma relação pessoal ou profissional, ser vizinho...; em trinta casos
(40%), havia pessoas que viram o sucedido e cuja reação foi valo-
rizada pela vítima, de maneira positiva, em 76,7% dos casos e ne-
gativamente só em 16,7%.44
Paralelamente, ou melhor dito, algo depois das pesquisas a
respeito das coordenadas clínico-individualistas da vítima, intensi-
ficaram-se os estudos a respeito da situação e do contexto sociai
que, sem dúvida, influem mais ou menos no perigo da vitimação. J.
Garofalo, M. Hindelang e M. Gottfredson4 trabalharam sobre o
modelo de vitimação baseado no estilo de vida e na exposição ao
perigo e a colocação em perigo {Life style/exposure model o f victi-
mization). Esses autores entendem por estilo de vida a costumeira

43 Elias Neuman, Personal idad dei delincuente, México, Porrúa, 1978, p. 67.
44
J. L. de la Cuesta, Informe sobre víctimas de robos y agresiones violentas en la
ciudad de Vitoria-Gasteiz, Annales Infernationales de Criminologie, vol. 31. n - 1-2,
1993. n. 107 ss.
45
M. Hindelang e M. Gollfredson, Victims o f personal crime: an em pírica/ fo ttn-
da t ion fo r a theory o fp erso n a l viciimization, Cambridge (Mass.). Ballinger.
atividade cotidiana que desenvolve a pessoa 110 campo de trabalho,
de lazer e de tempo livre. Pela “colocação cm perigo” , o grau de
perigo da pessoa concreta, levando em conta o lugar e o momento
que influenciam no fato de serem vítimas do delito; por “associa-
ção”, a freqüência com que a pessoa estudada se relaciona ou se
associa com outros indivíduos, mais ou menos inclinados a come-
ter delitos. Analisam em que percentual cada uma dessas variáveis
influi 11a sua vitimação.
J. G aro falo chama a atenção sobre 0 paralelismo que existe
entre “o modelo baseado no estilo de vida” e o “ modelo baseado 11a
atividade rotineira ou cotidiana”, que haviam estudado L. E. Cohen
e M. Felson, 110 ano de 1979.46 Finalmente, destaca a importância
da conduta e do comportamento do grupo social mais que os dados
e as características pessoais.
47
Seguindo essa linha de trabalho, S. Smith investiga, na cida-
de de Birmingham, a influência das atividades realizadas 110 tempo
livre. Observa que quem desenvolve sua atividade mais de três
dias por sem ana é vítima em 40% dos casos, enquanto quem a
desenvolve em atividades de tempo livre unicamente dois ou um
dia por semana só é vítima em 30% ou 10%. Naturalmente, influem
muito o dia, o momento (a tarde ou os fins-de-semana) e as situa-
ções: contatos diretos pessoais. Em resumo, a probabilidade de
vitimação diminui para quem se envolve menos nas atividades
de tempo livre.
Eminentes especialistas chegam à conclusão de que, em muitos
casos, convém considerar o crime como uma forma de interação
social que brota de específicos contextos sociais; neles, a distinção
entre delinqüente e vítima nem sempre aparece como conceitual-
mente útil.
Fattah, em sua conferência pronunciada em 4 de novembro de
1992, na Si 111011 Fraser University, no Halperna Centre, sobre a vi-

4 ri
J. Garofalo, “Social change and crime rate trends: a routine aetivity approach” .
A merican Socioloqical Review, 1986, 44, 588.
47 .
S. Smith, “Victimization in lhe inner city". British Journal o f Criminolngy,
1982. 22. 386: idem, Crime, space and societv, Cambridge, Cambridge Univer-
sity Press. 1986.
48
limação como antecedente do delito, estuda atentamente a não-
dualidade “delinqüente e vítima”, a relação entre suas duas condu-
tas, e comenta o laço que une a vítima ao delinqüente, pois são dois
lados da mesma moeda. Por isso, torna-se impossível conhecer o
delinqüente sem conhecer a vítima. A personalidade daquele e desta
coincidem muitas vezes.
Contra o que se costuma crer, as pessoas vítimas e as pessoas
delinqüentes não são coletivos distintos e que se excluam. Em
certo grau, são homogêneas e se encobrem mutuamente. A pessoa
vítima de ontem com freqüência é a delinqüente de amanhã, e a
delinqüente de hoje é a vítima de amanhã. Os papéis de vitimador e
de vitimado não são fixos, nem estáticos, nem permanentes, mas
sim dinâmicos, mutáveis, intercambiáveis. O mesmo indivíduo
pode, sucessivamente ou simultaneamente, passar de um papel a
outro.
Dentro dessa problemática, Smith diversifica três classes de
delitos:

a. Aqueles em que a ausência de elo entre delinqüente e vítima é


patente, porque não existe entre eles comunicação alguma. Por
exemplo, quando a vítima cai ferida por um desconhecido que
dispara em direção a todos os que passam em um lugar público
muito concorrido.
b. Aqueles em que existe uma certa, mas frágil, relação entre de-
linqüente e vítima. Por exemplo, o jovem ao qual o mesmo gru-
po de vizinhos lhe roubou, repetidas vezes, a bicicleta.
c. Aqueles em que existe uma intensa conexão entre delinqüente e
vítima. Por exemplo, quando o delito é levado a cabo entre fa-
miliares e/ou amigos.
Essas conclusões confirmam a intuição inicial de Luis Jinienez
de Asua e Hans von Hentig, â qual nos referimos antes.

4K
E. A. Fattah, “ Victimization as antecedent to offendmg. The revolving and in-
terchangeable roles of victim and victimizer”, Simon Fraser Universily. Hal-
pern Centre. 4 de novembro de 1992 (ma n use ri (o); W. liasse me r. F. Mu noz
Conde. Introducción a Ia criminologia y al derecho p en a l. Valência, Tirant !o
blanch, 1989, p. 30.
Graus de vitimação

Vitimação primária

Sobre os graus de vitimação, estão sendo realizadas várias


pesquisas, porque nesle problema não basta o sentido comum, nem
os critérios tradicionais. Esses estudos matizam os diferentes fato-
res etiológicos e as diversas conseqüências e soluções a respeito do
primeiro, do segundo e do terceiro danos. Por primeiro dano enten-
de-se o que deriva diretamente do crime. Ao contrário, o dano se-
cundário emana das respostas formais e informais que recebe a
vítima; e o terceiro dano procede, principalmente, da conduta poste-
rior da mesma vítima. Outra terminologia, mais freqüente, fala de
vitimação primária, secundária e terciária.
Agora recordemos 11111 par de pesquisas sobre a primária. E.
Amanat,JV como resultado de um exame clínico em 54 pacientes,
vítimas de agressões sexuais, distingue entre uma resposta inicial
de “ alarme” e uma subseqüente reorganização. A reação inicial
provoca intensos efeitos múltiplos negativos, como desespero dos
pacientes (86%); lembrança de outros pretéritos sucessos traumáti-
cos (76%); hiperemotividade intensa, como ansiedade, medo, sen-
sação de abandono, de humilhação, depressão, raiva, sensação de
culpa (86%); sintomas físicos, como espasmos musculares e náuseas
(43%); perturbações 110 sono (68%); bloqueio do pensamento (72%);
dificuldade de concentrar-se (72%); idéias hipocondríacas (78%);
problemas sexuais (78%).
A pesquisadora do Ministério do Interior do Reino Unido Pat
Mayhew, em seu trabalho “Les effets de la délinquance: les victí-
mes, le public et la peur”,50 opina que a delinqüência comum em
suas formas mais freqüentes não produz conseqüências muito gra-
ves. Mas o número de pessoas afetadas é alto em termos absolutos,
e m erecem grande consideração os traumatismos afetivos, etc.

4*>
E. Amanal, “ Rape trauma syndrome: developmentat variations", em 1. R. Stu-
art, J. G. Greer (comps.). Victims o f sexual agression: treatment o f chiidren.
wonien and men. Nova York, Van Nostrand Reinhold, 1984.
P. Mayhew, “Les effets de la délinquance: les victimes, le public et la peur",
Recherches sur la victimisalion. Consejo de Europa, Comi té Europeo de pro-
blemas penales, Estrasburgo. Í9S5. p. 69 ss.
(p. 76 s). Comenta alguns dados do British Crime Survey, de 1982,
1983 e 1984, a respeito dos efeitos imediatos em três mil vítimas e
suas famílias; ressalta que 40% declararam que não sofreram efeitos
notáveis; ao contrário, 12% das vítimas afirmam que têm sofrido
muitíssimo, também 24% de quem sofreu um roubo, e de modo
semelhante 20% das pessoas as quais lhes haviam furtado seu veí-
culo e 30% dos sujeitos passivos de lesões ou roubo com armas.
Segundo Miguel An gel Soria Verde e Aiigel Rincon Gascon,51
no estudo realizado nas delegacias de La Bonanova e Saut Gervasi,
em Barcelona, durante os meses de janeiro e fevereiro de 1992,
com um questionário aplicado a cem vítimas no horário da manhã,
tarde e noite, repartidos ao acaso, e realizado por estudantes de
quinto ano de psicologia; - deles, 53 do sexo masculino, contra 47
do sexo feminino deduz-se que em sua primeira reação, ao sofrer
o descobrimento do delito, predominam o aborrecimento e o cho-
que diante do sucesso, transformando-se, posteriormente, em um
sentimento de aborrecimento/ansiedade, ao tempo que, progressi-
vamente, a pessoa se acalma.
No estudo dirigido por José Luis de la Cuesta Arzamendi, ao
que nos referimos anteriormente, observa-se que os sentimentos das
vítimas no momento exato da agressão foram, sobretudo, de impotên-
cia, raiva, aborrecimento (30 casos; 40%), medo, susto, nervosismo,
angústia (30 casos; 40%). Depois da agressão, em 29 casos (38,6%)
continuaram nervosas, com medo, susto, angústia, indefesos, inse-
gurança, intranqüilidade e se manteve o sentimento de impotência,
raiva, enfado, em 16 casos (21,3%), dez vítimas (13,3%) indicaram
que se sentiam mal, muito mal.52
Lamentamos as lacunas de investigação vitiniológica no pro-
blema do terrorismo53 e dos imigrantes. Estes, cada dia mais ire-

51 Miguel An gel Soria Verde e An gel Rincon Gascon, “Análisis descriptivo de las
víctimas denunciantes en comisaría”. Ciência Policial, n- 18, julho-selembro de
1992, p. 75 ss.
' “ J. L. de la Cuesta, Informe sobre víctimas de robos y agresiones violentas en la
ciudad de Vitoria-Gasteiz. A tm ales Internationales de C rim inologie, vol. 31,
nc* 1-2,1993. p. 107 ss.
A. Serrano dedica inteligentes páginas ao tema das vítimas do terrorismo, em El
cosfo dei delito y sus víctimas en Espana. Madri, Universidad Nacional de Edu-
cación a distancia. 1986, p. 92 s.. e em “ El terrorismo en el derecho espanol*’,
qüentes na Espanha e na Europa, com gravíssimos problemas. Como
indica Separovic, a principal característica do imigrante não é a de
delinqüente, mas sim a de vítima.54 Atualmente, a crescente onda
de imigrantes na Espanha e na Europa aumenta seus problemas
vitimológicos e merece que se lhe preste mais atenção.

Vitimação secundária e terciária

Por vitimação secundária entende-se os sofrimentos que às


vítimas, às testemunhas e majoritariamente aos sujeitos passivos de
um delito lhes impõem as instituições mais ou menos diretamente
encarregadas de fazer “justiça” : policiais, juizes, peritos, criminólo-
gos, funcionários de instituições penitenciárias, etc.
Segundo Bernhard Villmow,55 a história do sistema penal de-
monstra que a vítima nos últimos séculos se encontra desamparada,
e também vitimada durante o processo penal; ela praticamente não
é levada em conta; somente atuam o poder estatal, por uma parte, e
o delinqüente, por outra. Ambos abandonam e desconhecem a
vítima. “ Muitas declarações oficiais e muitos estudos científicos
lamentam que as vítimas se encontrem marginalizadas, reduzidas à
impotência e que padeçam de importantes problemas afetivos”.
Durante o processo, a vítima é, no mais, um convidado de pe-
dra. Outras vezes, nem convidado. Tão injusta postergação do su-
jeito passivo do delito produz nele uma segunda vitimação, que
aparece patente em todos os países de nossa cultura. Mais margi-
nalização sofrem as vítimas que não são imediatamente sujeito
passivo do crime. Por exemplo, em dezembro de 1992, uma autori-
dade judicial do País Vasco afirmou que o escultor Agustín Ibar-
rola não tinha nada a dizer no processo em que se julgava quem
havia destruído uma obra artística dele, em Vitoria, porque a obra

em de la Cuesta, Dendaluze, Echeburua (comps.). Criminología y derecho p e -


nal aí servicio de la persona, Libro-homenaje al Prof. Antonio Beristain, San
Sebastián, Instituto Vasco de Criminología, 1989. p. 919.
54
Zvonimir Paul Separovic, l'ictimo!og};. Studies o f victims. Zagreb, 1985. p. 161 ss.
5:> Bernhard Vi 11mo w. “Les implications de la recherche sur la victimisation en ce
qui concerne la politique criminalle et sociale". em Consejo de Europa. Comitê
Europeo de problemas penales. Recherches sur la victimisation. Estrasburgo.
1985, p. 113 ss.. p. 116.
era propriedade da municipalidade, não de A. Ibarrola. “ O autor da
obra artística não é parte no processo penal”, disse.
Graças a numerosas investigações, vamo-nos conscientizando
de que quem padece de um delito, ao entrar no aparato judicial, em
vez de encontrar a resposta adequada às suas necessidades e d i-
reitos, recebe uma série de posteriores e indevidos sofrimentos,
incompreensões, etc., nas diversas etapas em que transcorre o pro-
cesso penal: desde a policial até a penitenciária, passando pela ju -
dicial, sem esquecer a pericial.
Durante o curso sobre assistência às vítimas do delito, cele-
brado em San Sebastián de 8 a 10 de abril de 1992,56 um dos
conferencistas, Inaki Garcia Arrizabalaga, expôs, com detalhes
concretos, as múltiplas dificuldades que encontram as vítimas do
terrorismo em Guipúzcoa, concretamente, para receber informa-
ções do que devem fazer para solicitar ajuda e assistência. Nos
centros oficiais encarregados desse serviço, são recebidos com
estranheza e distanciamento; somente lhes são oferecidos um for-
mulário impresso, ou pouco mais; e, por certo, o pessoal parece
carecer dos conhecimentos necessários, assim como de interesse e
da sensibilidade desejável.
Ao longo do processo penal (já desde o começo da atividade
policial), os agentes do controle social, com freqüência, se despreo-
cupam com (ou ignoram) a vítima; e, como se fosse pouco, muitas
vezes a vitimam ainda mais. Especialmente em alguns delitos,
como os sexuais. Não é raro que nessas infrações o sujeito passivo
sofra repetidos vexames, pois à agressão do delinqüente se vincula
a postergação e/ou estigmatização por parte da polícia, dos médi-
cos forenses e do sistema judiciário.57 Durante todo o processo, que
termina no sistema penitenciário (dirigido majoritariamente por
homens), observa-se, freqüentemente, que os agentes masculinos
têm mais medo de condenar e/ou tratar injustamente os homens
que as mulheres; nesse aspecto, move-lhes menos que o devido o
princípio de justiça e eqüidade. Não observam a Declaração das
Nações Unidas sobre a eliminação da discriminação contra a mu-

56 Eguzkilore, Cuadernos dei Instituto la sco de Criminologia. nL>6, 1992, p. 123 ss.
E. Neuman, Los víctimas deI sistema p en a l. Opúsculos de Derecho penal y
Criminologia. Córdoba (Argentina), Marcos Lerner, p. 37 ss.
!her, de 7 de novembro de 1967, nem a Convenção, também das
Nações Unidas, sobre a eliminação de todas as formas de discrimi-
nação contra a mulher, de 18 de dezembro de 1979.
Especial consideração merecem as investigações longitudinais
de J. Shapland e D. Cohen,5* que junto com outros colaboradores,
depois de estudar 278 delitos violentos, lesões e agressões sexuais,
chegam à conclusão de que suas vítimas, nos primeiros contatos
com a polícia, se encontram satisfeitas com o comportamento poli-
cial, mas esta sensação vai piorando ao longo do tempo (os casos
foram conseguidos durante três anos). No começo, a polícia acode
de imediato, dá mostras de apreciar a gravidade do delito. Mas,
depois, geralmente a vítima vai encontrando menos compreensão e,
sobretudo, se queixa da falta de informação. Raríssimas vezes lhe é
comunicado se o delinqüente foi preso, julgado, condenado, etc.; se
reparou os danos, se devolveu o que roubou, etc. Também muitas
vítimas manifestam que a polícia não está à altura devida para
prestar-lhes a ajuda necessária ou esperada. Algumas vítimas de-
claram que jamais voltarão a recorrer à polícia. Outras investiga-
ções, em vários países, coincidem com essa avaliação negativa de
Shapland e Cohen a respeito da atuação da polícia. Talvez essa fa-
lha se deva, em grande parte, à escassa formação científica e hu-
mana que receberam nas academias policiais. Não se esqueça de
que ainda hoje existem muitas denúncias por casos de tortura
policial em inúmeros países, segundo detalham, por exemplo, os
relatórios anuais da Anistia Internacional, que os meios de comuni-
cação poderiam divulgar e dar a conhecer com mais amplitude.
A atitude da vítima, quanto ao seu desejo de que ao delin-
qüente se lhe imponha a justa sanção punitiva, vai mudando com o
transcorrer do tempo de maneira distinta que a exigência de receber
ela sua devida compensação. Esta permanece proeminente ao lon-
go de todo o processo, como indicam Günther Kaiser e seus cola-
boradores no Max-Plank Institut für auslãndisches und
internationales Strafrecht.'

58
J. Shapland e D. Cohen. “ Facilities for victims: the role o f the police and the
courts”, The Crim inal Law Review, 1987, 34. 28.
G. Kaiser, “Criminology in a society o f risks. Looking backward and ahead”,
em G. Kaiser e H. Kury (comps.), Criminológica! Research in the J990's, t. 66/2,
Freiburg i. Br., 1993, p. 20 s.
O pessoa! judicial, às vezes, se esquece de que as vítimas ne-
cessitam de um tratamento especial e não cumpre as medidas ade-
quadas para a sua atenção. Com freqüência, desconhece algumas
das facilidades que o sistema judicial oferece às vítimas,60 ou essas
facilidades não chegam ao grau desejado.
Apesar das pesquisas realizadas em diversos países, parece
que ainda restam importantes pontos obscuros para aclarar. Con-
vém estudar mais detalhadamente os motivos pelos quais tanto po-
liciais como pessoa] judicial contribuem, com freqüência, para uma
ampla vitimação secundária daquelas pessoas a quem eles deveriam
prestar unicamente justiça e assistência eficaz. Como indica Marti-
nes Arrieta,61 também na Espanha, no âmbito judicial, temos de
lamentar a vitimação secundária.
No estudo anteriomente citado de Soria Verde e Rincon Gas-
con (Rev. Ciência Policial n2 18, julho-setembro, 1992), constata-
se o diferente grau de satisfação e de desagrado das vítimas em su-
as relações com a polícia. Em mais da metade dos casos, conside-
ram-nas como positivas, 18% eiogiam-nas como muito positivas, e
o mesmo percentual como mais negativo que positivo. Os dados
seguintes detalham o grau de satisfação das vítimas em seu trato
com a polícia: extremamente positivo, 7%; muito positivo, 18%;
positivo, 55%; mais negativo que positivo, 18%; negativo, 2%.
Merecem ser estudados, principalmente, a vitimação secundária
nas instituições penitenciárias e, concretamente, o caso de assédio
sexual às mulheres internas e também às funcionárias.62 As vítimas
queixam-se, especialmente, de atos como os seguintes: contatos
físicos não desejados, comentários desagradáveis com alusões se-
xuais, agressões psicológicas - como comentários de mau gosto ou
humilhantes - , olhares mal-intencionados, imagens e ilustrações
pornográficas, fotos degradantes, etc.

60
Michael Kaiser. “ Implementation and evaluation o f legai provistons. Objectíves
and enforcement of lhe Victim’s Protection Act” , em G. Kaiser e H. Kury
(comps.), Crimino/ogica/ rcsearch in the 1)90 's, t. 66/2. Freiburg i. Br., 1993,
p. 45 s.; G. Landrove Diaz, “La víctima y el ju ez”. Victimología, San Sebastián,
199Ü, p. 188 ss.
Cf. Martinez Arrieta, A ctualidadpenal, 22-28-29 de janeiro e 4 de fevereiro de
1990, p. 121-132.
Lisa Hitch, “Creating a harassment-free workplace”, The correctional se/ vice o f
Canada, Report on the Conference for Wonien in CSC, Montreal, 1992, p. 23 ss.
A respeito da vitimação terciária, limitamo-nos a recordar que,
às vezes, emerge como resultado das vivências e dos processos de
atribuição e rotulação, como conseqüência ou “valor acrescentado”
das vitimações primária e secundária precedentes. Quando alguém,
por exemplo, consciente de sua vitimação primária ou secundária,
avoca um resultado, em certo sentido, paradoxalmente bem-sucedido
(fama nos meios de comunicação, aplauso de grupos extremistas,
etc.), deduz que lhe convém aceitar essa nova imagem de si mes-
mo(a), e decide, por meio desse papel, vingar-se das injustiças
sofridas e de seus vitimadores (legais, às vezes). Para vingar-se, se
autodefine e atua como delinqüente, como viciado em drogas,
como prostituta.63 Talvez a biografia de alguns mártires e santos
possa ilustrar, com novas luzes e novas valorizações, a relação e o
paralelismo que necessitam de profunda revisão entre vítimas, he-
róis e canonizados/’4 Convém estudar mais a possível relação entre
certos martírios e a vitimação terciária. Entre a pessoa heróica ou
canonizada e a vítima terciária, podem ocorrer não poucos pontos
comuns. Tão difícil é sair do círculo virtuoso como do vicioso.

Sociedade/jmlicatura

Haverá que dar aos jovens, drogados e não-drogados, elementos que


lhes permitam fazer fluir sua criatividade. Que seus sentimentos e suas
mãos possam concretizar para eles e para os demais, para a sociedade
toda, um mundo mais imaginativo e em paz. Dar-lhe um conteúdo para
essa dessacralização do homem que temos criado, e ter o tino, a har-
monia interior, de oferecer a esses jovens coisas concretas para viver
e ideais pelos quais sonhar.

Elias Neuman.
C rim ino lo gia y dignidad humana (Diálogos), 2a edição. 1991, p. 200.

63 F. Dunkel, “Fundamentos victimológicos generales de la relación entre victima


y autor en derecho penaP’, em A. Beristain, J. L. de la Cuesta (comps.), Victimolo-
gia, VIII Cursos de Verano, UPV/EHU. San Sebastián, 1990. p. 170; G. Landrove.
“La victimización dei delincuenle”, Victimologia, San Sebastián, 1990, p. 153 ss.
64
A. Beristain, “La victimologia ante las persecuciones a Ignacio de Loyola y los
jesuitas", em J. Caro Baroja, A. Beristain (comps.). Ignacio de Loyola, M agis-
ter A r ti um, p. 95 ss.
Controles informais e arf. 117 da Constituição Espanhola

Por “sociedade/judicatura” entendemos aqui todas as pessoas


individualmente consideradas e também enquanto associadas em
instituições privadas, não-governamentais, e públicas, especialmente
o Poder Judiciário e as relacionadas com ele: a judicatura.
Atualmente, a mulher e o homem da rua - queiram ou não
queiram - necessitam recobrar seu protagonismo no controle social,
também 110 campo da justiça penal, que têm abandonado, excessi-
vamente, em mãos do Poder Judiciário, com funestos resultados,
não somente o de sua lamentável lentidão. Com muita freqüência,
grande número de sentenças chega tarde, quando o trem já saiu da
estação, quando os interessados já faleceram. Os controles sociais
formais hoje em uso - polícia, juizes, cárceres - não funcionam
como devem. Quando os acudimos, às vezes, é pior o remédio que
a doença. Por isso, Marc Ancel propugnou a desjuridização do di-
reito penal.65 Por isso, muitos abolicionistas (não só L. Hulsmann)
pedem 0 desaparecimento total (melhor dito, quase total) do direito
penal. Já ninguém, ou quase ninguém, nega que os cidadãos hão de
participar mais ativamente nos assuntos judiciais e nos assuntos
penais; o jurado parece, cada dia, mais necessário, ainda que não 0
exigisse 0 artigo 125 da Constituição Espanhola. Todos recorda-
mos que a justiça emana do povo, como reconhece a mesma Cons-
tituição, em seu artigo 177.66
Ontem, nas sociedades pré-modernas, o controle informal dos
vizinhos, dos grêmios, dos familiares, etc. filtrava grande parte dos
comportamentos socialmente chainativos e criminais; hoje, nas
macrourbes do terceiro milênio, os vizinhos da mesma casa (do
mesmo arranha-céu) nem se conhecem, as famílias vivem mas não
convivem, superaram a tradicional coerência e a força educativa
controladora.

65 A. Beristain, La pena-retribución y Ias acluates concepcioues criminológicas,


Buenos Aires, Depalma, 1982, p. 69 ss.
66 A. Beristain, “ La justicia emana dei pueblo? Consideraciones criminológico-
victimológicas acerca dei jurado”, El ju rad o si: pe.ro cómo y ctiándo?, Studin
Juridica 2, Consejo General dei Poder Judicial, Barcelona, Center d E s tu d is Jurf-
dics i Formació Especial itzada de la Generalitat de Catalunya, 1992, p. 225-240.
A todos, mas especialmente aos operadores da justiça penal,
nos compete abrir urna porta muito larga para que a cidadania tome
parte ativa - não somente subsidiária - no controle social e, especi-
almente, na assistência às vítimas do delito.

Programas de acolhimento, assistência e indenização

Entre as metas para as quais tende a vitimoiogia, destacam-se


a prevenção (que não tratamos aqui) e a resolução final dos con-
flitos sociais e delitos, evitando, todo o possível, a sanção penal e
também o processo penal.
Já desde finais dos anos 1970 se tem analisado como os escri-
tórios de assistência às vítimas encontram muito boa acolhida por-
que a todos satisfaz saber que se atende a quem sofre; e também
porque se espera que, atendendo às vítimas, diminuirá notavel-
mente a criminalidade e aumentará o respeito aos direitos hum a-
nos. Além disso, por outro lado, a vítima que não recebe o
tratamento devido da sociedade pode cair na delinqüência/'7
J. J. M. Van Dijkfil< mostra outros fatores que contribuem para
a intensificação de pesquisas e de ações assistenciais, por exemplo: a
convicção de que, atualmente, o sistema penal não consegue os fins
que pretende; que, para conseguir, necessita de uma injeção nova,
como pode ser a vitimoiogia praticamente restaurativa e criativa.
Aqui e agora, para alguns, teria aplicação analógica a tese XI de
Marx para Feuerbach: deixemos já de continuar conhecendo os
sujeitos passivos do delito e começemos a fazer algo e a transformar
nossas pesquisas em ações. Para outros, “tem, entretanto, um gran-
de caminho desde a teoria à prática”, como escreve Claus Roxin M
Também contribui, para o desejo de atender mais e melhor às
vítimas, o aumento de certos tipos de delitos que afetam muitas

67
Susíhi Hillebrand, “ Legal aid to crime victims” , em Fattah (comp.), The pligh i
o f crime victims in m o d em society, HoundmiHs. Macmillan, 1989, p. 310 ss.
“Research and the victim movement in Eu rape”, em Consejo de Europa, Co-
mitê Europeo de problemas penales, Research ou victimization, Estrasburgo,
1985, p. 3 ss.
6‘J
C. Roxin, “ La reparactón no sistema jurídico-penal de sanciones”, Ctiadernos
dei Consejo G eneral d ei Poder Jud icia l Jornadas sobre la "Reform a d ei D ere-
cho Penal en A lem ania", Madri, 1991, p. 23
112

pessoas (como os furtos e roubos domésticos), que exigem repara-


ção, e a constatação de que a justiça penal abandona e marginaliza
as vítimas, sobretudo algumas mais indefesas (crianças, anciãos,
mulheres, estrangeiros). Também as denúncias e as propostas de
programas concretos que formulam as novas instituições de defesa
dos direitos da mulher. E, notavelmente, o ressurgir da ciência vi-
timológica a partir de seus simpósios nacionais e internacionais.
Encontram especial eco as freqüentes pesquisas por meio de
questionários sobre vitimação (inctimization surveys) que têm re-
colhido dados sumamente críticos contra a eficácia do direito pe-
nal, e os paralelos questionários de opinião sobre a criminalidade
(pnblic opimon surveys), sobre o medo dos cidadãos perante a cri-
minalidade atual ou futura e a eficácia de alguns programas as-
sistencíais de prevenção contra o medo. Muitos governos, como o
francês, o australiano, o estadunidense e outros, têm criado comissões
governamentais que têm realizado estudos e análise do medo di-
ante da criminalidade e do resultado da assistência às vítimas.
Concretamente, a respeito da assistência às vítimas, e das in-
vestigações correspondentes, merecem algum comentário os três
programas seguintes:

A. Programas de acolhimento urgente ou imediato;


B. Programas de assistência dentro do sistema de direito penal, e
C. Programas de indenização econômica.

A. Quanto aos centros de assistência imediata (shelters, crisis center),


muitas investigações - por exemplo, a de B. Villmow70 - mos-
tram a necessidade desses centros, pois a polícia, que costuma
ser a que primeiro entra em relação com a vítima, geralmente
não está suficientemente formada para cumprir sua missão as-
sistencial. A tarefa consiste, basicamente, em escutar a vítima,
ajudar-lhe a formular a denúncia, buscar-lhe alojamento, assis-
tência médica e, sobretudo, assistência psicológica. Alguns paí-
ses conseguem, suficientemente, essa assistência primeira, mas

70
B. Villmow, “Les implications de Ia recherche sur la victimisation en ce qui concer-
ne la polilique crimineUe et sociale”, em Consejo de Europa, Comitê Europeo
de problemas penales, Recherche sur la vicdnnsaikm, Estrasburgo. 1986, p. 73 ss.
outros se encontram ainda dando os passos iniciais. Em algu-
mas comunidades autônomas espanholas, vai-se conseguindo
não pouco, como veremos depois.

Em geral, escassas são as vítimas que encontram atenção im e-


diata com a urgência desejada. Em nenhum país, exceto talvez o
Reino Unido, chegam a vinte por cento. Villmow insiste em que
para evitar desperdício pessoais e econômicos, etc., antes de proce-
der à abertura desses centros, urge pesquisar as necessidades por
meio de estudos locais que descubram quais as mais urgentes e
graves (ocultas, em geral), que constatem os tipos de delitos mais
freqüentes, as características das vítimas e as coordenadas do sis-
tema penal (suas lacunas principais) e do serviço da polícia, etc.

B. O segundo grupo de centros de assistência dentro do sistema do


direito penal, o que em inglês se denom ina Victiin/wiítwss
assistance program s v/waps, abunda mais nos EUA e Canadá;
também existe na Inglaterra e um pouco menos na Alemanha e
em outros países europeus. Procuram prestar assistência contí-
nua às vítimas, tanto em nível emotivo como em nível prático:
antes, durante e depois do processo. Antes, facilitando-lhes as
gestões da denúncia que em algumas situações de terrorismo
deveriam manter certo anonimato, como se pretende legalizar
no País Vasco; durante, evitando-lhes a segunda vitimação; e,
depois, com os programas de compensação e os possíveis in-
tentos restaurativos e reconciüadores, etc.

Kaiser insiste na importância da denúncia da vítima (e das


testemunhas). Ainda que não ignore que, freqüentemente, o viti-
mador ameaça as vítimas (e as testemunhas) para que não o denun-

71 G. Kaiser, Kriminologie, E im Einfühnm g (fie Gnmdlagcn, 9~ ed., Heidelberg, C. F.


Miilier Juristischer, 1993. p. 33U ss, p. 463 ss.; idem, Iniroducción a la C rim inoh-
gía, T ed., trad. J. Arturo Rodríguez Núnez, sob a orientação de J. M3 Rodríguez
Devesa, Madri, Dykinson, 1988. p. 134 ss., p. 340 ss.; H. Kury, U. Dõrmann, H. Ri-
chter, M. Würger, Opfei■erfalnimgen und Meinungen zur Inncren Sicherheit in
Deutschand. Eiu empirischer Vergleich von Viktimisiemngen, Anzeigeverhalten und
Si dlerhe il.scinsci lüízt mg in Osf und IVest vor der Vereinigimg, Wiesbaden, Bim-
deskriminalamt. 1992, p. 45-163.
ciem. Concretamente, segundo a investigação que Geis realizou no
Brooklyn em 1983, questionando e entrevistando 153 vítimas, cons-
tata-se que a maioria das ameaças do delinqüente para evitar que o
denunciem consiste em agressões físicas, ameaças verbais e atos de
vandalismo que atemorizam, ao menos, 10% das vítimas.
A respeito dos resultados desses escritórios assistenciais, G.
72
Norquay e R. Weiler concluem que, em geral, seus clientes os
consideram positivos, sobretudo porque lhes têm poupado muito
tempo e muitos desgostos em suas relações com o aparato judicial,
tão complexo e “distante” das vítimas. Mas também se constata a
insuficiente eficácia das respostas que oferecem ao delito tanto as
instituições judiciais como as comunitárias.
Na Espanha, atualmente, os principais centros desse tipo fun-
cionam em Valêneia (desde o ano de 1985), Barcelona, Palma de
Maiorca (onde foram realizadas algumas jornadas internacionais
sobre o tema) e em Bilbao.
Em Valêneia, foi aberto o primeiro Escritório de Ajuda às Ví-
timas dos Delitos, em 16 de abril de 1985, com meios escassos,
mas com frutos satisfatórios, como indica Fely Gonzaiez, que foi o
7^
pioneiro. ‘ Quatro anos mais tarde, em 6 de abril, começou a funcio-
nar o segundo Escritório, em Barcelona, dependente do governo
municipal. Dependente da Comunidade Autônoma Balear, criou-se
o terceiro, em Palma de Maiorca. Este tem fomentado também
atividades de pesquisas no campo vitimológico. Depois comenta-
remos a práxis no País Vasco.
C. A respeito dos primeiros programas de compensação econômica,
já havíamos indicado que surgiram na Nova Zelândia, no ano de
1963, e na Inglaterra, no ano seguinte.74 Atualmente, existem
em muitíssimos países europeus e extra-europeus. Merece ser
citado o Centro de Assistência à Vítima do Delito, em Córdoba,

72
Service o f victims and wifness o f crime in C anada, Communication Di vision,
Ministry o f the Solicitor General, Ottawa, 1981.
71
F. Gonzaiez, “Derechos humanos y la vícti ma”, Eguzkiíore. Cnadernn dei In s-
tituto Vasco de Criminologia, n~ 3, 1989, p. 107-114.
74
A. Berislain, “ Proyecto de declaración sobre justicia y asistencia a ias vícti-
mas” , Estúdios de derecho penal en hornenaje a l Profesor Lu is Jhnénez de
A sita, R evista de la F a cu lta d de D erecho de ia U niversid ad C otuplutense,
Monográfico nü 11, junho de 1986, pp. 117, 120.
Argentina, dirigido por Hilda Marchiori, com 22 pessoas inte-
grantes e seis colaboradores.75 Na Espanha, a legislação foi co-
mentada por José Lu is de la Cuesta,76 Alfonso Serrano,77 Jaime
M. Peris Riera,78 Gerardo Landrove,™ F. Benito,M) K. Madle-
nersi e outros especialistas.
No México, uma pesquisa séria vitiniológica foi realizada 110 ano
** *
de 1976, dirigida pelo prof. Luis Rodriguez M anzanera." A respeito
do ponto que especialmente nos interessa agora - a compensação à
vítima temos de reconhecer, como conclui o diretor da investi-
gação, que apesar de que já desde agosto de 1969 existia no M éxi-
co uma lei modelo, entretanto, muito poucas pessoas têm recebido
a compensação econômica propugnada.
Foram discutidos os fundamentos e as finalidades dessa com-
pensação. Alguns baseiam-na no Estado social de direito, outros na
estrita justiça, outros na compensação que deve 0 poder governa-
mental, por não conseguir evitar a criminalidade, etc.83 Ainda não
se conseguiu que esses sistemas cheguem à meta desejada. R. Elias

73 H. Marchiori, “ Informe anual de gestión 1991”, Victimologia, Córdoba (Argen-


tina), nu 3, 1992, p. 73 s.
J. L. de In Cuesta, “A reparação da vítima no direito penal espanhol”, F a scku lo s de
ciências penais, ano 5, vol. 5, nu 4. outubro-dezembro de 1992, p. 77 ss.
A. Serrano Gomez, FJ casto dei delito y sus rictimas en Espafia, Madri, Univer-
sidad Nacional de Educación a Distancia, 1986, p. 111 ss.
78
J. Peris Riera, Provecciones p enales de la victimologia. Excesas dogm áticos
ante deficiencias prácticas, Valência, Generaíitat Valenciana. 1989.
79
G. Landrove Diaz, Victimologia, Valência, Tirant lo blanch, 199Ü, p. 100 ss.
F. Benito. “Hacia un sistema de indemnización estatal a las víctimas dei delito
en Espafia'’, i a ley, 1988, 3, fundamentalmente p. 903.
K. Madlener, “ La reparacíón dei dano sufrido por la victima y el derecho pe-
nal”, Estúdios de derecho p en a l y criminologia, en homenaje al prof. José M a-
ria Rodriguez Devesa, Madri, Universidad Nacional de Educación a Distancia.
II, 1989, p. 12.
“Victimización criminal en la ciudad de Xalapa, Veracruz’,! Estúdios Jurídicos,
nL’ 10, p. 21 ss. A versão alemã está publicada em I I. J. Schneider, Das Verhre-
chensopfer in der Strafrechtspflege, Walter de Gruyter. 1982, e em inglês um
resumo pode ver-se em Victimization and fe a r o f crime, de Richard Block,
Washington, Departamenl of Justice, 1984, Cf, Rodriguez Manzanera, Victi-
mologia, p. 76.
83
A. Karmen, Crime vicíims. An introduction to victimology, Belmont (Cal.), 1984.
compara o programa de Nova York com o de New Jersey e desco-
bre que a maioria das vítimas necessitadas não é compensada, e
quando o é não fica satisfeita. Muitas vítimas desconhecem a exis-
tência desses programas. De fato, essas compensações não têm
conseguido que os cidadãos colaborem mais com a justiça e, às
vezes, advogam resultados negativos, de maneira que sua ação
pode, muito bem, considerar-se meramente “simbólica” .84

Conciliação, mediação e reconciliação

A Humanidade está saudosa de reconciliação.


José Gomez Caffarena, “ La conversión humanista dei Concilio
Valicano II, aportación católica a una humanidad reconciliada"’,
P h ih so p h ia p a cis , 1989, p, 482.

Comecemos agora indicando algo a respeito das novas formas


de conciliação, mediação e reconciliação. Aqui se dá um avanço
qualitativo para a frente, pois se pede e se consegue a participação
ativa do vitimador.
Segundo alguns especialistas, encontramos a mais avançada
teoria e normativa legal dessas respostas à vitimação nos últimos
anos na Alemanha, Áustria, Finlândia, França, Inglaterra/País de
Gales, Noruega e Países Baixos. Façamos, pois, algumas conside-
rações a respeito.
No curso de verão que se realizou em San Sebastián, de 1 a 4
de agosto de 1989, o prof. Dünkel falou, detalhadamente, sobre
“A conciliação delinqiiente-vítima e sobre a reparação de danos:
desenvolvimentos crescentes do direito penal e da prática no di-
reito comparado” .115 Na República Federal da Alemanha, nos cinco

R. Elias, Victims o f the system: crime victims a n d compensaiion in American


pulitics a n d crim inal ju stice, New Brunswick (N. J.), Transaction Books, 1983;
idem, “Alienating lhe victim: compensation and victim attitudes”, Journal o f
Social fcsues, 1984, 40, 103; idem, “Community control, criminal justice and
victim services”, em E. A, Fattali (comp.), From crim e p oiicy to victim policy,
Londres, McMillan, 1986, p. 290 ss.
F. Dünkel, “La conciliación dei incuente-vícti ma y la reparación de danos; de-
sarrollos recientes dei derecho penal y de la práclica dei derecho penal en el
derecho comparado”, Victimología, VIII Cursos de Verano, UPV/EHU, San
Sebastián, 1990, p.. 113 ss.
anos anteriores à pesquisa de Schreckling (1988), estabeleceram-se
uns vinte projetos de programas de conciliação entre o delinqüente
e a vítima. Em um deles, tive a sorte de participar, no dia 5 de
julho dc 1989, em Münster. Infelizmente, ao procurar e/ou ao
comentar a ressocialização do condenado, quase nunca os juristas
de língua castelhana levam em consideração (nem falam da) a inci-
dência positiva da relação pessoal, do diálogo do delinqüente com
87
a vitima.
A maioria dos projetos alemães refere-se aos jovens infratores
de quatorze a vinte anos. Mas, excepcionalmente, o projeto piloto
de Tubingen dirige-se a adultos, com a finalidade de alcançar, me-
diante a conciliação do delinqüente com a vítima, um incremento
no número de sobrestamento de processos (de acordo com o pará-
grafo 153 a do StPO).88
Algumas reformas penais - por exemplo, a de 1987 na Áustria -
acolheram a proposta de importantes correntes vitiinológicas e am-
pliaram as possibilidades de sobrestamento quando se constata um
esforço sério do delinqüente para remediar e/ou eliminar, em geral,
as conseqüências do delito, e especialmente em relação direta com
a vítima.89
A moderna legislação austríaca de menores acolhe amplas cor-
rentes vitimológicas tendentes a, somente com a resolução prejudi-
cial, resolver o conflito manifestado pelo delito (pessoalmente, me
parece imprópria a terminologia que considera delito a infração dos
menores (inimputáveis) de quatorze e/ou de quinze anos... A Con-
venção do Menor, das Nações Unidas, 1989, em seu artigo 37. fala
de delitos dos menores, porém, no artigo 40, fala unicamente de
infrações das leis penais). Em 90% dos casos, os trabalhadores so-
ciais conseguiram estabelecer o contato pessoal entre o jovem e sua
vítima, e em mais de 70% dos assuntos conseguiu-se a solução

Cf. Vietimología, San Sebaslián, 1990, p. 223.


Indiretamente, com relação ao art. 25.2 da Constituição Espanhola, cf. Plácido
Fernandez Viagas Bartolome. “ Las dilaciones indebidas y su incidência sobre la
orientación de las penas”, Poder Judicial, i r 24, dezembro de 1991. p. 51 ss.
88
Rõssner/Hering. Tater-Opfer-Ausgleich im Ai/gemeinen Sírafrecht, 1988, p. 1.043.
89
H. V. Schroli, “Aklives Reueverhalten - Moglichkeit einer Prozessbeendigung
im Vorverfahren”, Õster. Juris. Zeil, 44, 1989, p. 7 ss.
prejudicialmente. Os especialistas austríacos acertam ao pretender
incluir nessas resoluções também pressupostos de que as vítimas
são anônimas e múltiplas, como pode ser, também, uma empresa,
uma instituição pública, etc.
Comprovou-se que, tanto na Alemanha (República Federal),
como na França e na Inglaterra, a maioria dos vitimadores —entre
60% a 80% - cumpre com as prestações de reparação que prome-
teu à vítima.w
Na França, estão sendo realizados, com caráter inovador qua-
litativo mais que quantitativo, múltiplos programas de assistência
às vítimas, que os especialistas analisam. Bonafe-Sc!imitt'íl informa
a respeito do Programa de Estrasburgo, que surgiu de uma iniciati-
va privada. Mantém um escritório que oferece ajuda às vítimas, e
outro que oferece aos ex-presidiários. Suas tarefas têm lugar fora
do sistema processual judicial oficial. Realizam-nas trabalhadores
sociais com características de sua profissão social mais que da j u -
dicial. Atendem a poucos casos, mas as vítimas obtêm ajuda maior
que a que obteriam no sistema judicial.
A respeito dos programas de mediação, na Itália oferecem inte-
ligente informação T. Bandini, U. Gatti, M. I. Marugo e A. Verde.92
Nos EUA, tem-se discutido se os programas de reparação di-
reta, mais ou menos direta, do delinqüente à vítima, contribuem
para diminuir o número de penas privativas de liberdade. Os re-
sultados das pesquisas até agora concluídas são contraditórios,
pois, enquanto cm uns casos diminuem, em outros aumentam.
Autorizados penalistas e criminólogos consideram que a re-
conciliação {Versõhmtng) ultrapassa o marco jurídico (que somente

90
F. Dünkel, “Tíiter-Opfer-Ausgleich und Schadenswiedergutmachung. Neuere
Entwicklungen des Strafrechts und des Strafrechtspráxis im internationalen
Vergleich”, em E. Marks, D. Rõssner (comps.), Tater-Opfer-AusgleielvVom
Zwischenmenschlichen Weg zur Wiederherstellung des Rechtsfriedens, Bonn,
1989, p. 447 ss.; idem, “La conciliación delincuente-víctima y la reparación de
danos: desarrollos recientesdel derecho penal...”, Victimología, 1990, p. 136.
91
J. P. Bonafe-Schmitt, La médiation: une justice douce, Paris, Syros-Altematives,
1992, p. 185 ss.
T. Bandini, U. Gatti. M. I. Marugo, A. Verde, Criminologia. II contributo delia
ricerca alia conoscenza dei crimine e delia reazio m sociale, Milão, Giuffrè,
1991, p. 764 ss., p, 768 ss.
Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia 119

chega à compensação - Ausgleich) e, em certo sentido, ainda do


controle social; consideram-no próprio, unicamente, do campo re-
ligioso.91 Entretanto, a reconciliação vai abrindo caminho também
em programas judiciais, graças sobretudo a alguns movimentos
religiosos e de voluntários. Nos EUA, convém conhecer importantes
conquistas dos menonitas e dos quakers. Os menonitas iniciaram o
programa Victim/Offender Reconciliai ion Program em Ontário, no
ano de 1974, dirigido por Kitchener, reconciliador dos jovens que
haviam causado 22 vítimas em uma noite vandálica.94 Esse programa
pretende organizar e conseguir o encontro reconciliador entre o
autor do delito e sua vítima, a fim de que eles, com a ajuda de um
terceiro, determinem as modalidades da reparação e da reconcilia-
ção. Esse aspecto reconciliador ressurgiu em 1979, em Edhart (In-
diana), fomentado por vários oficiais da Probaíion, que pertenciam
a um grupo religioso preocupado com a ressocialização dos prisio-
neiros - Elkart County Prisoner and Community Together”.95 De
Michigan City, em Indiana, este Victim/Offender Reconciliation Re-
souvce Ceníer (o programa) estendeu-se rapidamente a mais de 25
estados, com participação de vários profissionais e voluntários.'*’
O Prisoner and Community Together, com os menonitas, criou
o Victim/Offender Reconciliation Resource Center e, desde o ano
de 1985, estudou atentamente os programas que se utilizam nos
EUA para vítimas e delinqüentes, com o fim de distinguir os de
natureza civil ou penal dos de reconciliação. Como critério caracte-
rístico desta, exigem três peculiaridades:
1. Encontro pessoal-diálogo entre delinqüente e sua(s) vítima(s) na
presença de um terceiro mediador, devidamente especializado
com formação específica.
2. Trata-se de problemas penais, não meramente civis. Cabe, natu-
ralmente, a reparação civil e.x delicio.

93
A. Beristain, “Paz y reconciliación en Euskadi”, A ctuaüdad Penai, 22, 31 de
maio a 6 de junho 1993, p. 305 ss.
94
Peacliey, D., “The kitchener experiment'7. M ediai ion and crim inal ju stic e, M ar-
tin Wright, Burt Galaway (eds.). Londres, Sage Publications, 1989. p. 14.
95
Zehr, H., Media/ing the victim/offender confjict, Victim 01 fender Reconciliation
Program, sem ano.
96
Umbreit, M., “ Victim/offender mediation: a national survey” , Federal Probation,
vol. L, n“ 4, 1986, p. 53.
3. A meta deve ser não somente a reparação, mas também a recon-
ciliação, as quais exigem certos elementos - por exem plo,
expressão de sentimentos, compreensão do sucedido, reconhe-
cimento de seu delito e de sua culpabilidade, etc.47

De um total de 32 programas que se estudaram, 78% eram do


setor privado e 22% do setor público. 0 conjunto desses programas
cobria 2.400 problemas por ano, que haviam sido enviados por 42
tribunais; destes, mil provinham de Oklahoma Stcitewide Post-
Convicíion Victim/Offender MedicUion Program. Cinqüenta e qua-
tro por cento de todos os casos referem-se a jovens.
98
Na França, segundo indica Bonafe-Schmitl, são poucos os
programas desse estilo, excetuando-se o caso de Prado, em Bor-
déus, pois numerosos juizes de menores opinam que nos casos de
menores (enfants) se torna preferível aplicar a legislação nacional.
O mesmo especialista considera difícil calcular o número de
programas que funcionam nos EUA com mentalidade de reconci-
liação, mas opina que certamente superam a centenas, e encontram
reconhecim ento público. A US Association for Victim/Offender
Médiation tem ajudado, notavelmente, quanto à formação dos tra-
balhadores sociais e para o começo e o desenvolvimento eficaz
desses programas.
Se tivéssemos mais espaço, convinha dizer algo a respeito das
novas tendências da “justiça restaurativa” que brotam da vitimolo-
gia, mas pretendem superá-la.w Amplamente, expôs-se o tema no
XI Congresso Internacional de Criminologia, em Budapeste, de 22
a 27 de agosto de 1993.

97 Cf. Umbreit,...p. 54.


98
J.-P. Bonafe-Schmitt, La médiation.... p. 177.
99
Tony Pele rs, H. J. Hirsch, “Acerca de la posición de la víctima en el derecho
penal y en e! derecho procesal penal”, Justicia p enal y sociedad, Revista Gua-
tem alteca de Ciências Venales, nu 2, outubro de 1992, p. 13 ss.; Elmar Wei-
tekamp, “Reparative justice; towards a victim oriented system”, Critica! Issues
on European Crime Policy. European Journal on Criminal P olicy a n d Rese-
arch, vol. 1, nc 1, 1993, p. 70 ss.
Centros de assistência às vitimas na Comunidade Autônoma
Vasca

Em Bilbao, criou-se, em 14 de outubro de 1991, o Serviço de


Assistência às Vítimas (SAV), dependente do Departamento de
Justiça do Governo Vasco, e concretamente de sua Direção de Di-
](X)
rei tos Humanos, Ao final de outubro de 1992, trabalhavam no
centro um advogado responsável pelo serviço (Juan Luis Euentes),
uma psicóloga e um funcionário administrativo. Até esta data, re-
ceberam atenção mais de 360 pessoas; uma média de trinta e tantas
pessoas a cada mês. Durante os três primeiros meses, 80% das pes-
soas que acorreram ao centro o fizeram por publicidade colocada
nos meios de comunicação. Posteriormente, o maior percentual tem
chegado por remessa das delegacias de polícia, dos juizados de
guarda de menores e dos serviços sociais de base, com os quais se
mantém uma estreita relação. Majoritariamente, atendem-se casos
de maus-tratos (13,70%), ameaças (6,85%), delitos contra a liber-
dade sexual (8,21%), agressões e transtornos psíquicos, delitos de
“colarinho branco” , de violação de domicílio. 58,80% dos usuários
foram mulheres. A maioria das pessoas demanda, fundamental-
mente, informação sobre procedimentos judiciais (80,55%) e 56,25%
propõem a necessidade de apoio emocional criada pela sensação de
raiva e impotência que se produz na vítima de um delito. Outras
atividades desse serviço consistiram na redação de informações
periciais, na petição dos juizes e nas tentativas de mediação e con-
ciliação. Ao SAV não compete a assistência às vítimas de terrorismo.
Em Bilbao, além do Escritório de Atenção às Vítimas do De-
lito, e no mesmo local - no subsolo do Palácio da Justiça funcio-
nam com os mesmos ou muito parecidos critérios e programas de
atenção, informação e defesa das vítimas os serviços dependentes
de bem-estar social da Prefeitura e da Assembléia Legislativa (Dipu-
taciôn Foral) de Emakunde, os serviços de assistência à mulher do
Instituto Vasco da Mulher e de outras associações feministas, e,
mais recentemente, a Mesa de Segurança da Cidade de Biscaia,
dependente do Centro Industrial e Mercantil da Câmara de Comér-

1(H)
J. R. Palacio Sanchez-lzquierdo, “La asistencia a Ias vícti mas dei delito en
Vizcaya”, Eguzkifore, nu 6, 1992, p. 160 ss.
cio (com a colaboração da “ Prefeitura de Bilbao”, de Eu dei, do
Departamento do Interior do Governo Vasco, de promotores de
justiça e de juizes da Audiência Provincial de Biscaia), e é de ca-
ráter setorial e pretende atender, sem exdusivismos, aos comer-
ciantes e empresários que sejam objeto de delito ou de agressões,
Não havia coordenação entre esses diversos serviços,
O Escritório de Atenção às Vítimas do Delito, de Bilbao, é o
único em seu gênero em Euskadi. Pretende-se instalar outros similares
também em Vitória e San Sebastián. Nesta cidade, o Instituto Vasco
de Criminologia iniciou gestões para esse fim, na Assembléia Le-
gislativa ( Diputación Foral) de Guipúzcoa.101
Na capital guipuzcoana, funciona, desde 1989, um programa
de atenção psicológica às vítimas de agressões sexuais, dependente
da Universidade do País Vasco, com apoio da Diputación Foral de
Guipúzcoa e da “ Prefeitura” de San Sebastián, dirigido por Enrique
Echeburua, catedrático de terapia de conduta (personalidade, avalia*
ção e tratamento psicológico), e Paz de Corra 1, professora da UPV.U)2
Foram atendidas, até finais de julho de 1992, 58 mulheres, a maio-
ria delas jovens; uns 72% oscilam entre os 14 e os 25 anos de ida-
de. Em 41% dos casos, violação com penetração; 36% dos casos
foram delitos contra a liberdade sexual; 16% de incestos e 7% de
violações dentro do matrimônio. O lugar mais freqüente em que se
comete a agressão sexual é a rua, seguida do lar da vítima. Qua-
renta e três por cento dos responsáveis pela agressão eram conhe-
cidos da mulher e, ocasionalmente, familiares. Além do tratamento
às pacientes, esse serviço psicológico realizou, no ano de 1991,
outras atividades, com o fim de atender, da melhor maneira possí-
vel, as pessoas que necessitam de socorro na ocasião de um delito
sexual.
O Instituto Vasco da Mulher, em Emakunde, desde 1990, presta
assistência à mulher vítima de delitos, principalmente de caráter
sexual e de maus-tratos, em San Sebastián; posteriormente, abriu-se
uma instituição similar em Vitória e, na primavera de 1992, outra em

Cf. E g m ki/o re, nu 3, 1989, p. 107 ss.


E. Echeburua, P. Corrat, B. Sarasua, “ El impacto psicológico en las víctimas
de violación”, em Beristain, de la Cuesta (comps.), Cárcel de mujeres. Ayer y
hoy de la mujer delincuente y víctima, Bilbao, Mensajero, 1989, p. 58 ss.
Bilbao. Em San Sebastián e Vitória, colaboram as prefeituras e a
Universidade do País Vasco; em Bilbao, a Universidade e a Dipu-
tación Foral.

Conclusões de lege fere/t da

A arte pode melhorar a espécie humana e sua nova ordem social

Josepii Beuys

I. A vitimologia ultrapassa o âmbito, geralm ente admitido, da


ciência total do direito penal, que abraça a dogmática jurídico-
penal, a política criminal e a criminologia. Trata-se de uma fecunda
ruptura paradigmática. A vitimologia pode e deve enriquecer, radi-
calmente, a teoria e a práxis do nosso controle social e, em espe-
cial, do Poder Judiciário (penal). Algumas das dificuldades que
obstaculizam esse desenvolvimento e essa aplicação da vitimo-
logia explicam-se pelo fato de que a vitimologia provém da cri-
minologia mais que do direito penal. Também porque opta pelas
pessoas e instituições frágeis mais que pelas poderosas.
II. Para o progresso e o desenvolvimento de nossa nova ciência, a
universidade pode e deve aportar sua metodologia própria.
Concretamente, é seu desejo cada vez mais “armazenar” siste-
maticamente investigações abertas, não-conclusivas, com meto-
dologia interdisciplinar e empírica das realidades sociais, sem
esquecer a criminologia, a medicina, a sociologia, a arte, a her-
menêutica, etc.

Convém dedicar ampla atenção às pesquisas empíricas que se


realizaram e que se têm realizado em diversos países, principal-
mente por duas razões:
-porque necessitamos conhecer seus resultados positivos, e tam-
bém os negativos; e
- porque interessa mostrar, publicamente, que entre nós se pesquisa
menos do que o devido, por mil motivos; também por uma falsa
interpretação do adágio latino prius est vivere deinde phdosopha-
re, “primeiro se deve viver, depois se pode filosofar” , “que inves-
tiguem eles” . Nosso orçamento nacional, destinado ao ensino e à
pesquisa criminológico-vilimológica, não deve ser menor que em
muitos países de nosso âmbito cultural.
Lamentamos a quase total carência, na Espanha, de estudos
vitimológicos em geral, e, em particular, a respeito do abuso de
poder, da síndrome de Estocolmo, das vítimas do terrorismo e dos
fatores etiológicos deste. (Sem esquecer o influxo negativo da
Igreja Católica vasca, especialmente em Guipuzcoa, como se indi-
ca no Informe da Comissão Internacional sobre a violência no País
Vasco, elaborado por C. Rose, F. Ferracutti, H. Horchem, P. Janke
e J. Leaute, de 5 de junho de 1985 a 5 de março de 1986. No núme-
ro 3.15.3 do Informe, afirma-se que, “ao julgar o terrorismo em
Euskadi, a Igreja não tem cumprido sua missão”.)

III. Urge que se programe uma radical, mas inteligente, desjuridi-


zação do controle social penal, especialmente no referente à
prevenção da vitimação e à assistência à vítima do delito, e da
seguinte vitimação secundária e terciária. Isso exige uma ex-
tensa participação ativa da vítima, como protagonista da restau-
ração, mediação, conciliação e reconciliação. Urge que se
conceba uma nova estruturação da resposta (que a sociedade
programe e realize) ao delito e â violência, com método não
expiacionista, nem vingativo, senão restaurativo e, melhor ain-
da, criativo, recriativo.
IV. A judicatura, mediante sua exigência de justiça, de liberdade,
de racionalidade, de metarracionalidade e de legalidade, pode
contribuir para uma baixa do fanatismo e da ignorância das re-
ligiões ancoradas na pré-modernidade; e, por outra parte, pode
enriquecer-se com a dimensão compreensiva e compassiva das
mensagens teológicas em favor das vítimas marginalizadas e
contra as estruturas injustas do poder político, religioso, eco-
nômico, acadêmico, etc.
V. Para conseguir a eficácia desejada, urge estudar e conhecer mais
profundamente o fenômeno derivado da criminalidade concreta
de cada país e de cada época, e os reais danos (materiais, psi-
cológicos, etc.) sofridos pela vítima, sem esquecer os aspectos
epidemiológicos, a duração da vitimação, sua intensidade, sua
valorização objetiva e subjetiva, em cada classe de vítimas.
Também necessitamos de mais pesquisas a respeito da atuação
tanto dos jornalistas e dos advogados como das instituições gover-
namentais: universidade, polícia, pessoal de justiça e do sistema
penitenciário. Capítulo à parte merece a questão da oportunidade e
da eticidade de certas intervenções autorizadas legalmente, mas
que podem violar a intimidade e a privacidade.

VI. Apesar de todas as limitações e deficiências que se observam


na teoria e na práxis vitimológica, temos de reconhecer e aplaudir
os notáveis progressos que estas têm conseguido no campo da
dogmática penal e da criminologia. Tanto esta como aquela
têm conseguido, nos últimos vinte anos, uma melhoria quanti-
tativa e qualitativa que supera todo o alcançado no resto do
século XX. Entretanto, a administração da justiça penal está hoje
em crise profunda, como manifestam os temas que se expõem e
se discutem nos congressos nacionais e internacionais, assim
como os artigos encontrados nas revistas especializadas.
VII. No regulamento penitenciário, deve-se introduzir, em vários
artigos, a possibilidade de que a vítima intervenha ativamente.
Por exemplo, no art. 281, que estabelece as funções de jurista-
criminólogo, deve-se incluir:

9 a. In fo rm ar ao s in tern o s a resp eito d e s u a p u ss ív el rela ção


atual c fu tu ra c o m o s sujei los p a ss iv o s e as d e m a is v ítim a s d e
seu d elito, p o r p ró p ria iniciativa, s em p r e q u e j u l g u e a d e q u a d o ,
ou p o r p e tiç ão d o (a) inlerno (a).

l ü a. A ss e s s o ra r e a c o n s e lh ar ao s in tern o s a re s p e ito d a s p o s s i-
b ilid a d e s e v a n ta g e n s c o n c re ta s de c o n s e g u ir u m a m e d ia ç ã o ,
u m a c o m p e n s a ç ã o e. in clu siv e, u rna r ec o n c ilia ç ão c o m o s s u -
j e ito s p a s s iv o s e as d e m a is v ítim a s d e seu delito.

Na Lei de Procedimento Criminal, há de fazer-se mais refe-


rências às vítimas, e não equipará-las, necessariamente, aos sujeitos
passivos do delito. Urge, pois, redigir com fórmulas radicalmente
diferentes vários artigos, entre outros, os seguintes: 13, 109-113,
282,615-622, 650.
No Código penal, o legislador há de levar mais em conta os
sujeitos passivos do delito e, também, as demais vítimas do mesmo.
Por exemplo, nos artigos 101 e seguintes, referentes à responsabi-
lidade civil. Especiais e mais radicais inovações devem ser intro-
duzidas nos artigos 8-11 e 112-117 para dar entrada à mediação, à
conciliação e à reconciliação, como circunstâncias que eximem,
atenuam ou agravam a responsabilidade penal e como causas que a
extinguem. O novo artigo 117 do Projeto de Código Penal de 1992
resulta insuficiente.

VIII.Esperamos e desejamos que a sociedade toda, com a universi-


dade e as instituições do controle social, continue nesta d i-
reção de solidariedade e de busca de intensificação de uma
proximidade (vítima-vitimador) mais pacífica e mais gratifi-
cante desde uma perspectiva nova das, já bisseculares, questões
kantianas: Quem pode conhecer as vítimas e os vitimadores?
O que devem fazer as vítimas e os vitimadores? O que devem
esperar as vítimas e os vitimadores? Quem são - em nível
mental, afetivo e energético - as pessoas vítimas e vitimadoras?

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