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FACÇÕES CRIMINOSAS

NO BRASIL,
FRONTEIRAS E CRIMES VIOLENTOS
COORDENADOR: ÉLCIO D´ANGELO

FACÇÕES CRIMINOSAS
NO BRASIL,
FRONTEIRAS E CRIMES VIOLENTOS

Autores:
Lucélio Ferreira M. F. França
Marco José dos Santos
Mônica Pinto Leimgruber
Ricardo Matias Rodrigues
Romildson Farias Uchôa
Suzi D´Angelo
Vinícius de Souza Almeida

Leme - SP
2019
4 Élcio D’Angelo

© Copyright by CL EDIJUR Editora e Distribuidora 2019


© Copyright by Élcio D’Angelo

Diagramação
Roselene Cristiani dos Santos
Capa:
Nicolas Roberto Chinaglia
Supervisor Editorial:
Benedito Claudio de Oliveira

FICHA CATALOGRÁFICA
D’Angelo, Élcio;
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos
Élcio D’Angelo - 1ª edição, CL EDIJUR - Leme/SP - Edição 2019.
276 páginas

1. Direito. ?????
2. Título. Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos

ISBN 978-85-7754-xxx-x

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inclusive por processo xerográfico, sem a devida autorização do Editor (Lei nº 9.619/98).
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www.edijur.com.br

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................. 9

CAPÍTULO I – DA SOCIEDADE ..................................................... 11


CAPÍTULO II - DAS FRONTEIRAS.................................................. 15
CAPÍTULO III – A ATUAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NOS
ESTADOS................................................................................. 21

CAPÍTULO IV – O SISTEMA INTEGRADO DE VIGILÂNCIA DAS


FRONTEIRAS (SISFRON).......................................................... 27

CAPÍTULO V – O CRIME E O CRIMINOSO................................... 37

CAPÍTULO VI – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E A VIOLÊNCIA


URBANA................................................................................ 47
CAPÍTULO VII - O REMÉDIO ERRADO NO LUGAR ERRADO:
O EMPREGO DAS FORÇAS ARMADAS NA SEGURANÇA
PÚBLICA................................................................................. 57

CAPÍTULO VIII- GRANDES CRIMES VIOLENTOS CONTRA


O PATRIMÔNIO – Ações da facção criminosa Primeiro
Comando da Capital? ............................................................ 61
CAPÍTULO IX –- INFORMANTE CONFIDENCIAL E SEU MARCO
LEGAL: O imbróglio das Fontes Humanas no Brasil .............. 91

CAPÍTULO X – PROGRAMA DE GOVERNO – POLÍTICA DE


SEGURANÇA PÚBLICA – PROGRAMA DE DIMINUIÇÃO DOS
ÍNDICES DE CRIMINALIDADE................................................. 121

CAPÍTULO XI – CRIMES CONTRA INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E


OS NOVOS DESAFIOS DA SEGURANÇA PÚBLICA.................... 139

CONCLUSÃO................................................................................ 151
6 Élcio D’Angelo

REFERÊNCIAS ............................................................................. 155


ABREVIATURAS

ADA – Amigo dos Amigos


CC2- Centros de Comando e Controle
CDIF - Comissão Permanente para o Desenvolvimento e Integração
da Faixa de Fronteira
CMF - Centro de Monitoramento de Fronteiras
CONARE - Comitê Nacional para os Refugiados
CV – Comando Vermelho
EB – Exército Brasileiro
END – Estratégia Nacional de Defesa
EPEx - Escritório de Projetos do Exército
FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
FFAA- Forças Armadas
Gen - General
GLO – Garantia da Lei e da Ordem
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
LBDN – Livro Branco de Defesa Nacional
ORCRIM – Organização Criminosa
PCC – Primeiro Comando da Capital
SAD – Sistema de Apoio à Decisão
SISDABRA – Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro
SISFRON – Sistema de Monitoramento e Vigilância de Fronteiras
SISGAAz – Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul
STF – Supremo Tribunal Federal
SVMR - Sistema de Vigilância, Monitoramento e Reconhecimento
TI – Tecnologia da Informação
TO – Teatro de Operações
UPP – Unidade de Polícia Pacificadora
INTRODUÇÃO

“E tu, Daniel, encerra estas palavras e sela este


livro, até ao fim do tempo; muitos correrão de uma
parte para outra, e o conhecimento se multiplicará.”
(Daniel, 12:4)

O presente trabalho tem como finalidade discutir a


Segurança Pública Nacional, bem como a Defesa Nacional e,
neste caso, considerando o papel do “Sistema de Vigilância
das Fronteiras – SISFRON” para a defesa do país. Nesse
contexto, foi levada em consideração a posição geopolítica
em que o Brasil está inserido no contexto internacional.
A inexistência de uma estratégia ou política de
Estado específica para essa ameaça vem possibilitando o
fortalecimento das “Organizações Criminosas – ORCRIM”,
com o surgimento de “Estado Paralelo”, aos moldes do
que ocorreu na Colômbia, diante das FARCs e do que vem
acontecendo no México, mais recentemente. Ao que tudo
indica, a solução encontrada pelo Estado seria combater as
consequências desses ilícitos, autorizando a intervenção das
Forças Armadas na questão da segurança pública a fim de
garantir a lei e a ordem.
Os recentes conflitos entre facções nos mais diferentes
estados do país, a exemplo, do que aconteceu no Rio de Janeiro,
Espírito Santo, Santa Catarina e Ceará, proporcionaram a
intervenção do Governo Federal, seja enviando militares
das Forças Armadas, seja enviando a Força Nacional e, por
consequência, questionamentos acerca do poder daquelas
Organizações Criminosas, que desafiam o próprio Estado no
exercício do monopólio legítimo da violência.
10 Élcio D’Angelo

Assim, esse cenário nefasto proporcionou analisar qual


seria uma possível solução para a escalada da violência
nos centros urbanos, bem como qual o papel das Forças de
Segurança Pública e das Forças Armadas nesse novo contexto.
Nessa mescla de interesses e de atores envolvidos
surgiram diversas justificativas para essa situação, dentre
as quais aumento do controle das fronteiras brasileiras,
notadamente com o Paraguai e Bolívia.
No mesmo diapasão, foi abordado com profundidade o
Domínio das Cidades, haja vista o recrudescimento do Novo
Cangaço.
O Domínio das Cidades é uma nova modalidade de
conflito não convencional, logo assimétrico, tipicamente
brasileiro e advindo da evolução de crimes violentos contra o
patrimônio, onde grupos devidamente articulados e compostos
por diversos criminosos, divididos por tarefas específicas,
subjugam a ação do poder público por meio de planejamento
e execução de roubos majorados, a fim de subtrair o máximo
possível de valores em espécie e/ou objetos valiosos ou,
ainda, resgatando detentos de estabelecimentos prisionais,
utilizando, para tanto, ponto de apoio para concentração
dos criminosos, artefatos explosivos, armas restritas de
grosso calibre, veículos potentes e blindados, rotas de fuga
predeterminadas, miguelitos, bloqueio de estradas, vias e
rodovias com automóveis em chamas, além da colaboração
de olheiros.
CAPÍTULO I – DA SOCIEDADE

Élcio D´Angelo1

É certo que a sociedade evolui diuturnamente, porém, há


dois modelos que resistem ao tempo, quais sejam, a sociedade
natural e a contratual.
Sabendo que o homem é um ser eminentemente social,
que necessita se relacionar constantemente com os outros
homens para poder se desenvolver (Aristóteles) e, ainda,
que este ser é também político e que a sociedade representa
para o homem um elemento vital para sua sobrevivência
(São Tomás de Aquino), por conseguinte, há de haver um
sincronismo entre o social e o político para que haja harmonia
nas relações resultantes desta simbiose, caso contrário, a
sociedade resultante desaguará num ambiente hostil, onde
prevalecerá aquele que conseguir impor sua vontade aos
demais integrantes, tal como ocorre com as ORCRIM em
determinadas regiões do país.
Temos a sociedade contratual, segundo a qual somente
a vontade humana justifica a existência da sociedade, pois,
a sociedade é criada racionalmente pelo homem, e não em
razão de um simples impulso natural, ou seja, requer o
elemento vontade (Platão).
Nesse diapasão, entende-se que o homem vive em “estado
de natureza” (estado primitivo), onde impera a instinto sobre

1 Promotor de Justiça do Tribunal do Júri na cidade de Dourados/


MS e Capitão do Exército Brasileiro (Reserva). Especialista em
Policiamento de Fronteira.
12 Élcio D’Angelo

a razão. O homem passa para o “estado social” quando verifica


que necessita de proteção, daí a necessidade de leis (Thomas
Hobbes). Evoluindo o conceito de Hobbes, Locke defende a
ideia de que a sociedade surge da necessidade do homem em
proteger-se, em defender-se, ou seja, garantir seus direitos e
seus bens (propriedade), e também pelo desejo de paz e pela
atração natural existente entre sexos opostos. (Locke).
Por fim, porém não menos importante, Rousseau lembra
que a sociedade surge da vontade humana, e tem como intuito
defender a pessoa e os bens da cada integrante, de qualquer
força comum sem, contudo, fazer com que cada um perca sua
liberdade natural, porquanto a vontade geral deve prevalecer.
Ocorre que, infelizmente, o Brasil há anos vem
enfrentando uma nova sociedade, vale dizer, uma sociedade
defensoria de um Estado de Anomia, onde seus líderes
impõem as regras a serem obedecidas, independentemente
de qualquer aval, que não deles próprios. Esta sociedade,
ás vezes, possui até mesmo estatutos, similares, mutatis
mutandis ao Código de Hamurabi, como nos dá exemplo o
“Estatuto do Primeiro Comando da Capital” senão vejamos2:
“(...)
17º - O integrante que vier a sair da organização e fazer
parte de outra facção, ou caguetar algo relacionado
ao comando, será decretado, e aquele que mexer
com nossa família terá sua família exterminada. O
comando nunca mexeu com a família de ninguém e
nem aceita isso, mas traidores e caguetas não terão
paz, ninguém é obrigado a permanecer no comando,
mas não vamos ser tirados por ninguém;

2 LEIMGRUBER, Mônica P. Eli Narciso Torres e Osmar Torres. Ci-


tado no “IV Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão – 07 a
09/11/2018.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 13

18º - Todo integrante deve agir com severidade em


cima de opressões, assassinatos e covardias reali-
zadas por agentes penitenciários, policiais civis,
militares e contra a máquina opressora do Estado.
Quando alguém sofrer ato de covardia, extermínio
de vida, extorsões, que forem comprovados, ocor-
rendo na rua ou na cadeia, por parte dos nossos ini-
migos, daremos a resposta à altura do crime. Se al-
guma vida for tirada com algum desses mecanismos
pelos nossos inimigos, os integrantes do comando
que estiverem cadastrados na quebrada do ocorri-
do deverão se unir e dar o mesmo tratamento que
eles merecem, vida se paga com vida, e sangue se
paga com sangue.”(LEIMGRUBER E TORRES, 2017,
P. 72).

Em verdade, estamos diante de um Estado de Anomia,


vez que a “população carcerária”, não vê mais na figura do
Estado de Direito o único detentor do poder da violência,
muito pelo contrário, chamou para si a responsabilidade de
estabelecer as diretrizes fora e dentro do sistema prisional.
CAPÍTULO II – DAS FRONTEIRAS

Élcio D´Angelo

Com mais de 16 mil km de fronteiras terrestres, o Brasil


compartilha sua fronteira terrestre com quase todos os
países sul-americanos, com grande circulação de pessoas,
mercadorias e bens, mas também, com o ilícito e as atividades
criminosas transnacionais. Somam-se, nesse contexto, mais
de sete mil km de fronteiras marítimas, impondo ao Brasil
a necessidade de controle e vigilância mais rígidos desse
espaço estratégico no que se refere ao comércio e riquezas
naturais.
Assim, é importante lembrar que a faixa de fronteira se
situa a 150 quilômetros a partir da divisa e, ainda, que esta
dimensão compreende 27% do território nacional onde estão
localizados 710 municípios, sendo 122 cidades limítrofes e
588 não limítrofes.
Além disso, a fronteira tem 16.886 quilômetros de
extensão, sendo 7.363 quilômetros de linha seca e 9.523
quilômetros de rios, lagos e canais. Vale ressaltar que os
estados de fronteira são: Amapá, Pará, Roraima, Amazonas,
Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul e, os países vizinhos são:
Guiana Francesa, Guiana, Suriname, Venezuela, Colômbia,
Bolívia, Peru, Paraguai, Argentina e Uruguai.
16 Élcio D’Angelo

Com a ampliação da cooperação regional, visto nas últimas


décadas, ampliou-se o grau de porosidade e permeabilidade
dessas fronteiras, impondo aos países da região maiores
preocupações com a segurança em suas linhas divisórias,
o que demanda, por sua vez, a ampliação de atividades de
vigilância/controle e de atuação coordenada entre os órgãos
de defesa e os de segurança pública.
Nesse contexto, existem diversas propostas com a
finalidade de reduzir esses índices de violência, tais como a
inserção do ente municipal no rol dos responsáveis do sistema
de segurança pública do país, culminando na criação de uma
Força Nacional de Segurança Pública. No entanto resta o
questionamento sobre a verdadeira origem do problema da
violência urbana no Brasil. Poderia ser o fato de Brasil estar
no limite da sua capacidade, o que colocaria em dúvida o
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 17

papel do Estado em manter a sua capacidade de manter o


monopólio legítimo da violência.
O avanço do Brasil em direção aos Andes, em busca
de seu espaço vital, é permanentemente confrontado,
notadamente nos principais centros na faixa de fronteira, o
qual é percebido em cidades como Ponta Porã (MS), Foz do
Iguaçu (PR), Coronel Sapucaia (MS), regiões onde os crimes
transnacionais são mais presentes. Na medida em que o
“Brasil civilizado” avança para o oeste do país, aumentam-se
os confrontos com o crime organizado, porquanto o Estado
começa a afrontar o seu poderio na região por eles demarcadas.
O desenvolvimento da região fronteiriça do Brasil
enfrentará obstáculos de toda ordem, notadamente aqueles
advindos do “Estado Paralelo”, fruto do fortalecimento das
ORCRIM que se instalaram na faixa de fronteira do Brasil
com países produtores de drogas. Neste momento, surgem
questionamentos sobre a manutenção ou não dos projetos
de Estado na faixa de fronteira. Neste momento, surgem
questionamentos sobre qual seria o papel dos projetos na
faixa de fronteira, tais como o “Sistema de Gerenciamento
da Amazônia Azul” (SISGAAz), o “Sistema de Defesa
Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA), o “Sistema de Vigilância
da Amazônia” (SIVAM), o “Sistema de Proteção da Amazônia”
(SIPAM) e o “Sistema de Monitoramento e Monitoramento de
Fronteira (SISFRON), os quais são considerados “Projetos de
Estado” ou, pelo menos, deveriam ser.
Se naqueles locais os diversos projetos de Estado não se
apresentam com a eficiência desejada, de forma semelhante,
no meio urbano, por exemplo, o “Projeto Unidade de Polícia
Pacificadora” (UPP) desenvolvido no Rio de Janeiro, não
obstante ter alcançado alguns resultados positivos, parece não
ter obtido, também, a longo prazo, os resultados esperados, o
que acarretou na atuação das Forças Armadas por diversas
18 Élcio D’Angelo

vezes após a sua implantação. Essas afirmações são ratificadas


pelos seguintes dados:

Taxa de crimes ao patrimônio em regiões do estado do Rio


de Janeiro3

Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a partir da


implantação das diversas UPPs, viu-se o surgimento de
outras facções em decorrência do enfraquecimento do
Comando Vermelho (CV), o que permitiu o fortalecimento
da facção Amigos dos Amigos (ADA), mediante a parceria
com o Primeiro Comando da Capital (PCC) de São Paulo e da
facção Terceiro Comando Puro (TCP), ameaçando, assim, a
supremacia nos territórios até então ocupados pelo Comando
Vermelho. Esse ciclo criminoso necessita ser alimentado
diuturnamente por armas4, drogas e mercadorias roubadas.

3 Fonte: Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro.


4 http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2017-10-08/inteligencia-e-fis-
calizacao-sao-as-chaves-para-conter-trafico-de-fuzis.html. Aces-
so em 08de outubro de 2017.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 19

Cabe ao Estado Democrático de Direito impor-se diante


desse quadro e, enfrentar o crime organizado, impedindo a
entrada de armamentos, drogas, contrabando e descaminhos
pelas fronteiras do país.
Diante desse cenário é que devemos discutir a necessidade
de um sistema de coordenação das ações interagências nas
fronteiras, tomando-se como referência as capacidades
do “Sistema de Vigilância das Fronteiras – SISFRON”, no
que tange à fronteira oeste, notadamente a fronteira como
Paraguai e Bolívia. Devemos partir da premissa da criação de
uma agência específica que estabeleça, de forma sinérgica,
essa coordenação, fundamental para a redução da violência
nos centros urbanos do país, levando-se em consideração
a posição geopolítica do Brasil no contexto internacional.
Para atingir esses propósitos, há a necessidade premente de
mitigar os crimes fronteiriços na sua raiz.
A inexistência de uma estratégia ou política eficaz de
Estado para essa ameaça, possibilitará o fortalecimento das
ORCRIM com o surgimento do “Estado Paralelo”, nos moldes
do que ocorreu na Colômbia.
CAPÍTULO III – A ATUAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS
NOS ESTADOS

Élcio D´Angelo
Marco José dos Santos5

Com a publicação do Decreto Nº 6.703, de 18 de dezembro


de 2008, documento de Estado denominado “Estratégia
Nacional de Defesa (END)6”, o Brasil passou a se debruçar
mais intensamente sobre o controle efetivo de suas fronteiras,
vale ressaltar, um antigo problema nacional7 e, porque não
dizer, também, transnacional.

5 Comandante do Colégio Militar de Belo Horizonte e Coronel do


Exército Brasileiro.
6 A Estratégia Nacional de Defesa (END) estabelece diretrizes para a
adequada preparação e capacitação das Forças Armadas, de modo
a garantir a segurança do país tanto em tempo de paz, quanto em
situações de crise. Em síntese, A END estabeleceu os seguintes
parâmetros: de como as Forças Armadas devem se organizar e se
orientar para melhor desempenharem sua destinação constitucio-
nal e suas atribuições na paz e na guerra; a reorganização da Base
Industrial de Defesa, para assegurar o atendimento às necessida-
des de equipamento das Forças Armadas apoiado em tecnologias
sob domínio nacional, preferencialmente as de emprego dual (mi-
litar e civil); a composição dos efetivos das Forças Armadas; e o
futuro do Serviço Militar Obrigatório, observando a necessidade
das Forças Armadas serem formadas por cidadãos oriundos de
todas as classes sociais.
7 A história do Brasil se confunde com a formação de suas frontei-
ras. Nesses termos, essa questão tem origens no Tratado de Torde-
silhas de 1494 entre Portugal e Espanha. (Barão do Rio Branco).
22 Élcio D’Angelo

No entanto, somente ultrapassados três anos após


a publicação da END, o Governo Federal lançou o
Plano Estratégico de Fronteiras8, o qual foi modificado
posteriormente com o Decreto nº 8.903, de 16 de novembro
de 2016, (Programa de Proteção Integrada de Fronteiras) a
Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, o
Ministério da Defesa e o Ministério da Justiça, Ministério das
Relações Exteriores e o Gabinete de Segurança Institucional
(GSI) foram incluídos9 no rol dos agentes responsáveis por
esse Plano. De acordo com art. 3º do Decreto nº 8.903, o Plano
Estratégico de Fronteiras tem os seguintes objetivos:

I - integrar e articular ações de segurança pública


da União, de inteligência, de controle aduaneiro e
das Forças Armadas com as ações dos Estados e
Municípios situados na faixa de fronteira, incluídas
suas águas interiores, e na costa marítima;
II - integrar e articular com países vizinhos as
ações previstas no inciso I;
III - aprimorar a gestão dos recursos humanos e
da estrutura destinada à prevenção, ao controle, à
fiscalização e à repressão a delitos transfronteiriços;
e
IV - buscar a articulação com as ações da Comissão
Permanente para o Desenvolvimento e Integração
da Faixa de Fronteira – CDIF.

8 Decreto 7.496, de 8 de junho de 2011.


9 Assim, atualmente integram o Programa de Proteção Integrada de
Fronteiras a Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazen-
da, o EMCFA e as Forças Armadas (do MD) e o Ministério da Justi-
ça, Ministério das Relações Exteriores e o Gabinete de Segurança
Institucional (GSI).
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 23

O Plano Estratégico de Fronteiras tornou-se mais


relevante na medida em que as elevadas taxas nacionais
de criminalidade colocam o Brasil na infeliz posição de
destaque no ranking dos países mais violentos do planeta.
Assim, Iraque, Afeganistão, ou outras regiões afetadas pelo
terrorismo internacional, notadamente os que são alvo do
Estado Islâmico, não possuem índices semelhantes, os quais
tomam maior relevância, na medida em que o Brasil está
muito longe dos principais focos de conflitos mundiais10.

Dessa forma, aquele plano representa uma nova


tentativa de sistematizar e integrar as estruturas responsáveis
pela segurança do Estado. A partir da elaboração de um
plano, verificou-se um incremento das ações, denominadas
de Operações Interagências, com envolvimento direto do
Ministério da Defesa e de outras agências citadas nesse
processo, com o objetivo de coibir os diversos crimes
transnacionais na faixa de fronteira.

A título de comparação, considerando-se somente


os países dos continentes africano e americano, tem-se a
seguinte situação da violência nos centros urbanos:

A violência nos centros urbanos, notadamente em São


Paulo e Rio de Janeiro com o consequente fortalecimento das
Organizações Criminosas (ORCRIM) no Brasil, tem acarretado
a sensação de insegurança generalizada em toda a sociedade.

10 O conflito internacional mais próximo do Brasil, que acarre-


tou em elevado número de vítimas, ocorreu na Colômbia com as
FARC, que durou cerca de 60 anos.
24 Élcio D’Angelo

Essa demanda é ressaltada periodicamente, quando das


eleições para Governadores e Presidência da República,
cargos com responsabilidades diretas na segurança pública,
e que afetaria a sociedade como um todo. A questão da
interferência das Forças Armadas na segurança pública é tão
grave que atualmente é apontada pela população brasileira
como um dos principais motivos da sua existência.
O diagnóstico da violência urbana nos grandes centros,
particularmente na cidade do Rio de Janeiro11, deu-nos a
percepção social da existência de uma guerra civil no Brasil,
considerando o emprego sistêmico das Forças Armadas em
diversos estados da federação. O caso mais notório e mais
recente foi a intervenção militar na segurança pública no Rio
de Janeiro, por quase dois anos (2008-2010), no Complexo do
Alemão, bem como a intervenção federal em 2018, também
no mesmo estado.
A crise na segurança pública chegou ao ponto dos militares
terem, novamente, sido convocados para atuar na segurança
pública do estado do Espírito Santo, haja vista a “greve”
12
perpetrada pelos policiais militares do referido estado,
contrariando nosso ordenamento jurídico constitucional.
Isto revela que o Estado Democrático de Direito está sendo
constantemente afrontado, podendo ensejar a invocação de

11 A repercussão desses eventos pode ser medida pela repercussão


nas mídias mundiais, conforme os endereços: http://www.bbc.
com/portuguese/brasil-41369128; e https://www.clarin.com/mun-
do/operacion-militar-polemica-horizonte_0_rkCGf_Ejb.html
12 O próprio STF ratificou o entendimento estabelecido pela Mag-
na Carta, que proibiu essa prática. Em julgamento do Recurso Ex-
traordinário com Agravo (ARE) 654432 o Plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) reafirmou entendimento no sentido de
que é inconstitucional o exercício do direito de greve por parte
de policiais civis e demais servidores públicos que atuem direta-
mente na área de segurança pública.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 25

um Estado de Defesa13 ou até mesmo, o Estado de Sítio14, ou


seja, beira a anomia do Estado.
Se para alguns, as causas desse diagnóstico de
violência residem no descontrole social (baixo índice de
desenvolvimento humano – IDH) e no elevado número de
comunidades desorganizadas ou desassistidas pelo Estado,
por outro lado, tem sido cada vez mais forte o argumento
de que as drogas, notadamente a cocaína, maconha e mais
recentemente o crack, estão por trás desse quadro obscuro
que paira sobre a sociedade brasileira.
Nesse contexto, destaca-se o perigoso crescimento de
poder das ORCRIM, particularmente o Primeiro Comando da
Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). As circunstâncias
atuais das ORCRIM no Brasil permitem-nos indagar acerca da
possibilidade do seu fortalecimento político, em um processo
semelhante ao que ocorreu na Colômbia, em relação às FARC,
que pretendem chegar ao poder pela via eleitoral.
Na medida em que os interesses brasileiros se projetam
no entorno estratégico, os objetivos de defesa e de segurança
nacionais tornam-se prioritários e, por consequência, o tema
torna-se mais relevante, ensejando um debate mais profundo
de toda a sociedade brasileira.

13 Artigo 136, caput, CF/88.


14 Artigo 137, caput¸CF/88.
CAPÍTULO IV - O SISTEMA INTEGRADO DE VIGILÂNCIA
DAS FRONTEIRAS (SISFRON)


Élcio D´Angelo
Marco José dos Santos

Antes de abordar o significado do SISFRON propriamente


dito, torna-se fundamental entender o ambiente político-
econômico de alguns dos países do entorno, onde podemos
destacar a Bolívia, a Colômbia e o Paraguai, produtores de
drogas com forte influência do Brasil, bem como a noção de
geopolítica.
Conforme ensinamentos do pesquisador lusitano Jorge
Manoel da Costa Freitas15, “a Geopolítica auxilia na elaboração
dos Objetivos Nacionais Permanentes do Estado, chegando
mesmo a preceder a Política na precisa medida em que
colabora com esta na apresentação de sugestões e projetos” e
arremata dizendo que “se em termos de amplitude dos fins,
Política e Geopolítica coincidem teoricamente, a diferença
substantiva entre ambas situa-se no aspecto metodológico”.
Golbery do Couto e Silva vislumbrou duas importantes
vertentes geopolíticas, quais sejam, as diretrizes geopolíticas
internas e as diretrizes geopolíticas externas, onde aquela
estaria voltada para a integração e valorização do território

15 In “A Escola Geopolítica Brasileira – Golbery do Couto e Silva,


Carlos de Meira Mattos e Therezinha de Castro”, pp. 40-41.
28 Élcio D’Angelo

nacional, enquanto que aquela estaria preocupada com a


segurança e defesa.
A preocupação de Golbery do Couto e Silva16 é patente
quanto às nossas fronteiras já alertava quanto:
“- Existência de um ´núcleo central brasileiro altamente
sensível a ações externas vindas do mar como a
perturbações internas instigadas de fora e cuja segurança é
absolutamente indispensável à estrutura toda do sistema;
- O Nordeste como ´zona de vulnerabilidade máxima´ a
ações extra-continentais;
- A sul, da fronteira com o Uruguai até o Estado de Mato
Grosso, zona de vulnerabilidade máxima a possíveis
ações adversas de caráter regional;
- A leste, o Atlântico Sul como elemento imprescindível
à segurança e ao desenvolvimento brasileiro, embora
sujeito a possíveis contingências decorrentes d a
eventualidade de um conflito continental ou mundial
(ameaça às ligações marítimas internas e externas).”
A origem do controle de armas e explosivos no interior
do país nos remete ao período colonial, pela necessidade
de a metrópole controlar o que poderia significar, em
última análise, um levante da colônia. Esse pensamento
acabou sendo está materializado nas diversas constituições
brasileiras, sendo que na atual Constituição consta do seu
Art. 21, inciso VI.

16 Citado por Jorge Manoel da Costa Freitas, op. cit., pp. 47-48.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 29

O quadro abaixo sintetiza essas relações/influências:


Países Influência/Relação no (com o) Brasil
- Produção de folha de coca como cultura do país,
o que foi fortalecido com a chegada de Evo Morales
ao Poder; o destino da sua produção e o próprio
território brasileiro, o que impacta diretamente as
Bolívia cidades de Corumbá, Guajará Mirim, Brasileia;
- Existência de insatisfação da população indígena
da região da “media luna”; e
- Ressentimentos históricos decorrentes do seu
processo de formação territorial.
- Aproveitamento pelas FARC da cultura de coca
para exportar drogas para a Europa, utilizando-se
Colômbia do território brasileiro como via de acesso, o que
impacta as cidades de Tabatinga, São Gabriel da
Cachoeira, Manaus e Belém;
- Grande produtor de maconha e atravessador de
armas, impactando as cidades de Foz do Iguaçu,
Ponta Porã e Guaíra;
- Existência de ressentimentos decorrentes do
Paraguai
resultado da Guerra da Tríplice Aliança e com a
presença dos brasiguaios em seu território; e
- Compartilhamento de usina hidrelétrica de Itaipu
binacional.

Neste sentido, as influências e relações dos países sul-a-


mericanos com o Brasil podem ser materializadas no seguinte
cenário:
30 Élcio D’Angelo

Cabe destacar que a origem do controle de armas e ex-


plosivos no interior do país nos remete ao período colonial,
devido à necessidade de a metrópole controlar o que poderia
significar em última análise um possível levante da colônia.
Esse pensamento está materializado na atual constituição de
1988, no seu artigo 21, que estabelece:
Art. 21. Compete à União:
.....................................................
VI - autorizar e fiscalizar a produção e o
comércio de material bélico;
Nesse contexto, a lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003,
estabelece como competência do Comando do Exército o
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 31

controle de armas de uso restrito no interior do país. A partir


dessas premissas normativas o Exército Brasileiro estabeleceu
como uma de suas prioridades o Sistema de Vigilância e
Monitoramento das Fronteiras (SISFRON).
Objetivamente, o SISFRON é um sistema que se utiliza
de um aparato tecnológico a cargo do Exército Brasileiro com
o objetivo de monitorar e controlar as fronteiras do Brasil,
sem que haja descontinuidade.

Nesse contexto, a Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de


2003, estabelece como competência do Comando do Exército
32 Élcio D’Angelo

o controle de armas de uso restrito no interior do país. A partir


dessas premissas e do previsto na END, o Exército Brasileiro
estabeleceu como uma de suas prioridades o Sistema de
Vigilância e Monitoramento das Fronteiras (SISFRON), que
em síntese é um sistema que se utiliza de um grande aparato
tecnológico com o objetivo de monitorar e controlar as
fronteiras do Brasil, sem que haja descontinuidade.
De acordo com o Plano de Articulação e de Equipamento
de Defesa do Ministério da Defesa, o qual está previsto no
LBDN, o SISFRON está inserido entre os cinco principais
macroprojetos conduzidos pelo Escritório de Projetos do
Exército (EPEx):
1. Sistema Integrado de Monitoramento das Fronteiras
(SISFRON);
2. Sistema Integrado de Proteção da Sociedade
(PROTEGER);
3. Sistema de Mísseis e Foguetes ASTROS 2020;
4. Defesa Antiaérea, Defesa Cibernética; e
5. Nova Família de Veículos Blindados de Rodas
GUARANI.
Dotado de um sistema moderno de sensoriamento, o
SISFRON poderá fornecer dados e informações às agências
interessadas, tais como as forças de segurança, vale dizer, à
Polícias Militar, Polícia Civil, Polícia Federal, Receita Federal,
IBAMA etc, para atuarem com eficácia e eficiência no
combate aos crimes fronteiriços, com destaque para o tráfico
de drogas, armas e o contrabando de cigarros.
O SISFRON é dotado de um software de apoio à decisão
(SAD) estratégica e tática, pois se utiliza de satélite, o que
torna o sistema seguro e rápido, tendo subsistemas ligados
a determinadas regiões, os quais têm contato direto com o
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 33

‘Centro de Monitoramento de Fronteiras (CMF)’, em Brasília/


DF.
Como agentes atuadores, tomando como exemplo o
estado de Mato Grosso do Sul, além do Exército Brasileiro,
podemos citar o Ministério Público, o Poder Judiciário, a
Receita Federal, a Polícia Judiciária, a FUNAI, o INCRA etc.

Segundo a ‘Cartilha Informativa aos Comandantes’


de 2014, ‘a finalidade precípua do SAD é gerar uma visão
integrada do cenário operacional, suportando a consciência
situacional dos escalões de comando e o respectivo ciclo
decisório. Nesta fase do SISFRON, o SAD será capaz de
realizar a aquisição dos dados e conhecimento gerados
pelos seguintes sistemas de sensores: sistema de vigilância,
monitoramento e reconhecimento – SVMR; Dados dos alvos
detectados, vídeo e imagem; Binocular Termal: vídeo e
imagem; MAGE: dados e conhecimento das fontes emissoras
de comunicação’.
34 Élcio D’Angelo

A sociedade brasileira depende do pleno funcionamento


do SISFRON para poder alçarmos outro estágio de controle,
vale dizer, sairemos do controle e apreensão varejista para
o atacadista, ainda que os números, atualmente, possam
parecer grandiosos.
Ademais, ‘com o SISFRON buscar-se-á efetivar
presença do Estado ao longo da fronteira terrestre e, assim,
contribuir com o esforço governamental de manter o
controle requerido nessa região através do incremento da
capacidade de comunicações e da detecção de possíveis
ameaças transfronteiriças e ambientais, além de potencializar
o desenvolvimento econômico-social da faixa lindeira,
mediante o fomento da infraestrutura local em diversas
vertentes’.
Outros pontos a serem salientados são os ‘Centros de
Comando e Controle – CC2’, que correspondem a infraestrutura
elétrica, lógica e de tecnologia da informação (TI), que estarão
à disposição do Estado-Maior das Organizações Militares
contempladas, a fim de subsidiá-las quanto à operação,
supervisão e gestão técnica do “Sistema de Apoio a Decisão”.
Dados estatísticos revelam-nos que o índice de
homicídios aumentou em cidades fronteiriças, tais como
Coronel Sapucaia/MS e Guaíra/PR, porquanto houve no
período de 2008 a 2013 o índice de 95,84 homicídios/100
mil habitantes1717 e 68,34 homicídios/100 mil habitantes,
respectivamente, cidades abrangidas pelo SISFRON, não
significando, necessariamente, que a falta de funcionamento
do mesmo seja o responsável pelo recrudescimento, porém,
devemos direcionar nossos esforços para combater a
criminalidade de nossas fronteiras, pois o resultado nefasto

17 Fonte: “Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de


Fronteiras – IDESF”.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 35

não se restringe àquelas regiões, mas também nos grandes


centros urbanos, haja vista a realidade no Rio de Janeiro.
Por outro vértice, o SISFRON ultrapassa o
monitoramento e a vigilância da criminalidade e alcança o
viés econômico, político e social. No que tange à economia
podemos asseverar que a vigilância e o controle das fronteiras
poderão aumentar a arrecadação de tributos, haja vista os
resultados da Operação Ágata, onde podemos verificar que
houve aumento da arrecadação do “Imposto sobre Produtos
Industrializados – IPI” e do “Imposto de Importação - II”
durante o período da operação e, pois, segundo o IDESF18
no período de 2011 a 2014, e tendo em vista que aquele
foi o início das operações ÁGATA, os cálculos realizados
permitiram estimar que, durante estes quatro anos, teria
sido possível arrecadar um volume adicional superior a
R$ 10 bilhões com estes dois tributos, caso estas operações
tivessem sido mantidas de forma contínua e permanente. Isto
significa dizer que durante este período teria sido possível
gerar um adicional tributário na ordem de 3,7% sobre o que
foi efetivamente arrecadado que, em termos monetários,
equivaleria a cerca de R$ 3 bilhões/ano.”
No mesmo sentido, na área social houve, até a sexta edição da
Operação Ágata, 59.717 procedimentos, 18.304 atendimentos
médicos e 29.482 odontológicos, além de 9 mil pessoas
terem sido vacinadas e distribuídos 195.241 medicamentos19
. Além disso, o SISFRON empregará tecnologia de informação
com o propósito, também, em beneficiar a saúde da população
desassistida, por meio da telesaúde, bem como proporcionar
o ensino à distância.

18 In “Impactos Econômicos das Operações de Combate à Ilegali-


dade - Operação Ágata)” – IDESF.
19 Fonte: Portal do Brasil, publicado em www.portaldobrasil.gov.br
em 22/05/2013, modificado em 30/07/2014.
36 Élcio D’Angelo

A vertente política do SISFRON está relacionada,


principalmente, ao Poder Executivo Federal, cujas ações serão
positivas ou negativas a depender dos resultados que trarão à
sociedade, ou seja, se os índices revelarem que o sistema está
gerando resultados positivos, em regra, haverá consequências
políticas favoráveis, mas, no caso inverso, as consequências
políticas poderão ser nefastas. O SISFRON poderá elevar a
imagem do Brasil no cenário internacional, proporcionará
uma maior integração entre os governos, responderá à pressão
internacional no que tange à Amazônia etc.
A constituição de um órgão centralizador das ações
interagências, tomando-se como base o projeto do SISFRON
favorecerá a sinergia esperada de um projeto de Estado,
qual seja, o controle das fronteiras do Brasil. O sucesso
desse projeto será o primeiro passo como resposta à pressão
internacional sobre o território brasileiro, particularmente
no que tange à Amazônia. O futuro da sociedade brasileira
depende de uma ação mais eficaz do Estado. Por fim, o maior
controle das fronteiras permitirá ao Brasil alcançar outro
patamar no combate às drogas que inundam o país.
CAPÍTULO V – O CRIME E O CRIMINOSO

Suzi D´Angelo1
Élcio D´Angelo

Analisando o crime sob o aspecto jurídico do princípio


da legalidade, é cediço que somente haverá crime quando
existir perfeita correspondência entre a conduta praticada e
a previsão legal.
Por outro vértice, o aspecto filosófico-psicológico do
crime ganhou força com a teoria de Karl Binding, ainda que
extremamente positivista, segundo a qual as normas penais
incriminadoras não são proibitivas, mas descritivas, portanto,
quem pratica um crime não age contra a lei, mas de acordo
com esta, pois os delitos encontram-se pormenorizadamente
descritos em modelos legais, chamados de tipos. Cabe, assim,
à lei a tarefa de definir e não proibir o crime (“não há crime
sem lei que o defina”), propiciando ao agente prévio e integral
conhecimento das consequências penais da prática delituosa
e evitando, assim, qualquer invasão arbitrária em seu direito
de liberdade.
No que tange ao crime e à figura do criminoso, é
interessante invocarmos o entendimento de Beccaria,
Bentham e Brissot, citado por Michel Foucault2, vejamos:

1 Promotora de Justiça em Mato Grosso do Sul. Especialista em


Direito Constitucional e Processual Civil.
2 In “Tribunal do Júri”, D´Angelo, Élcio e Suzi D´Angelo. 2ª edi-
ção, editora Futura, Campo Grande/MS, 2008, p. 239,
38 Élcio D’Angelo

“O crime ou a infração penal é a ruptura com


a lei, lei civil explicitamente estabelecida no
interior de uma sociedade pelo lado legislativo
do poder político. Para que haja infração é
preciso haver um poder político, uma lei e que
essa lei tenha sido efetivamente formulada.
Antes da lei existir, não pode haver infração...
O crime não é algo aparentado com o pecado e
com a falta; é algo que danifica a sociedade; é um
dano social, uma perturbação, um incômodo
para toda a sociedade. Há, por conseguinte,
também, uma nova definição do criminoso.
O criminoso é aquele que danifica, perturba
a sociedade. O criminoso é o inimigo social.
Encontramos isso muito claramente em todos
esses teóricos como também em Rousseau, que
afirma que o criminoso é aquele que rompeu o
pacto social.”

Não podemos jamais olvidar, conforme magistério de


Franz von Liszt3, verbis:

“Segundo a intuição moderna, o crime só


pode ser cometido pelo homem. Às legislações
antigas, porém, e ainda desde o século XIII
até o século XVII, não eram desconhecidos
o processo e a punição de animais, o que se
explica já por ideias religiosas, já porque
queria verificar-se por um processo especial o
fato constitutivo do dano causado por animal
a fim de responsabilizar-se o dono, ou porque

3 In “Tratado de Direito Penal”, tomo I, 1ª edição, tradução de José


Higino Duarte Pereira, atualização e notas de Ricardo Rodrigues
Gama, Russell editores, Campinas/SP, 2003, p. 213.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 39

se tratava de exorcizar o espírito maligno. Não


se apresenta como pena a morte do animal
infamado por bestialidade etc. para apagar-
se a memória do fato. A mesma ordem de
ideias pode explicar o procedimento contra
objetos inanimados, fato também atestado pela
história.”

Tão importante quanto o conceito de crime e criminoso


foram as sugestões dadas por aqueles pensadores (Beccaria,
Bentham e Brissot) ao problema da punição, algumas
das quais ainda se encontram aplicáveis, como é o caso
da extradição (art. 5°, inc. LI, CF/88) e da exposição dos
criminosos à sociedade, trabalho muito bem realizado pela
imprensa, porém, discordamos da aplicação da pena de talião
e dos trabalhos forçados, vejamos:

“Daí decorrem, para esses teóricos, quatro


tipos possíveis de punição. Primeiramente, a
punição expressa na afirmação: ‘você rompeu
o pacto social, você não pertence mais ao
corpo social, você mesmo se colocou fora do
espaço da legalidade: nós o expulsaremos do
espaço social onde essa legalidade funciona...
É a deportação. A segunda possibilidade é
uma espécie de exclusão no próprio local. Seu
mecanismo não é mais a deportação material,
a transferência para fora do espaço social,
mas o isolamento no interior do espaço moral,
psicológico, público, constituído pela opinião.
É a ideia das punições ao nível do escândalo,
da vergonha, da humilhação de quem cometeu
uma infração... A terceira pena é a reparação
40 Élcio D’Angelo

do dano social, o trabalho forçado... Enfim, em


quarto lugar, a pena consiste em fazer com que
o dano não possa ser novamente cometido... E
para obter esse resultado, a pena ideal, que se
ajusta na medida exata, é a pena de talião.” 4

Diante dos inúmeros crimes, a sociedade começa a


exigir de seus representantes uma atitude que pudesse,
senão acabar, pelo menos, diminuir os atos criminosos, daí
o surgimento das penas, não sem antes estarem positivadas,
surgindo, nessa época, por exemplo a lettre-de-cachet, que
nada mais era do que uma norma prescrita pelo rei para ser
aplicada em desfavor do criminoso, pois:

“A lettre-de-cachet não era uma lei ou um


decreto, mas uma ordem do rei que concernia
a uma pessoa, individualmente, obrigando-a
a fazer alguma coisa. Podia-se até mesmo
obrigar alguém a se casar pela lettre-de-cachet.
Na maioria das vezes, porém, ela era um
instrumento de punição.” 5

Infelizmente, entendemos que é a prisão, ainda,


o verdadeiro dispositivo legal a ser aplicado contra os
criminosos, porquanto se tornou a única medida impositiva
que pudesse, àquela época diminuir a criminalidade, porém,
não tendo o mesmo resultado a partir da segunda metade do
século XX.
Por fim, Michel Foucault6 lembra que:

4 Op. cit., pp. 240.


5 Op. cit., p. 240-241.
6 Op. cit., p. 241
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 41

“A prisão, que vai se tornar a grande punição


do século XIX, tem sua origem precisamente
nesta prática para-judiciária da lettre-de-
cachet, utilização do poder real pelo controle
espontâneo dos grupos. Quando uma lettre-de-
cachet era enviada contra alguém, esse não era
enforcado, nem marcado, nem tinha de pagar
uma multa. Era colocado na prisão e nela
devia permanecer por um tempo não fixado
previamente.”

O trinômio crime-criminoso-punição sempre estiveram


caminhando juntos, logo, se buscarmos conceituarmos
de forma inconsequente qualquer um desses, certamente
estaremos causando sérios prejuízos a nós mesmos, daí
defendermos o pensamento de que o crime, sendo um fato
social e, muitas vezes, inevitável, deva ser analisado sob uma
visão eclética, significa dizer, não somente sob o aspecto penal,
mas também psicológico, histórico, social, antropológico e,
acima de tudo, respeitando a dignidade da pessoa humana.
No Direito Penal e, em especial, no Tribunal do Júri,
devemos alçar voos para tentar atingir a plenitude da Justiça,
mas, para tanto, é mister que tenhamos uma visão voltada
não somente para o centro, mas também, para os lados
e para atrás, vale dizer, não podemos nos limitar a aplicar
mecanicamente a letra fria da lei.
A propósito, ensina Luiz Flávio Gomes7, verbis:

“O positivismo mais extremado (o jurista


não tem que fazer qualquer valoração sobre

7 In “Direito Penal – Parte Geral”, volume 1, editora Revista dos


Tribunais, São Paulo, 2003, p. 45.
42 Élcio D’Angelo

o seu objeto de estudo) é o que preponderou


na dogmática penal do século passado
(especialmente no nosso país). Não havia,
portanto, muita preocupação com a justiça
de cada caso concreto. Importava mais os
conceitos e a lógica do sistema que o resultado
justo em cada caso. A beleza do palácio do
Direito era mais importante que a decisão
concreta justa em cada caso.”

Há quem diga que o crime é um mal necessário, ao que


diríamos que o crime é um evento desnecessário, porém,
muitas das vezes inevitável a ocorrência do mesmo, mas
sempre, haverá um crime, ainda que o autor do crime esteja
acobertado por alguma causa excludente da antijuridicidade
ou da culpabilidade, pois, nesses casos, não estaremos
discutindo o criminoso, mas, tão-somente o crime de per si.
A história da humanidade tem demonstrado que o crime
é imanente à sociedade, tanto o mais se esta for insipiente e
autoritária.
Ensina Nelson Hungria8, verbis:

“O crime não é privilégio dos anormais. Isso


de vincular o crime, de modo genérico, à anor-
malidade psíquica é ritornello monótono de
uma pseudociência criminológica, orientada
por um vaidoso e excessivo psiquiatrismo, que
ainda não conseguiu, que eu saiba, avançar
além de ‘palpites’, de conjeturas, de ‘saques
a descoberto’, e do qual alguém já disse, com
toda razão, que é um quadro pintado pela fan-
tasia com as tintas do arco-íris.”

8 Op. cit., p. 243.


Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 43

Acreditamos que não se pode analisar o crime contra a


vida sob o enfoque exclusivamente técnico-jurídico, sob pena
de transformarmos as ciências humanas, na qual se insere
a ciência jurídica, em ciências exatas, vale dizer, devemos
estudar as causas primeiras, sem as quais não poderemos
chegar à conclusão sobre as consequências últimas.
Entendemos que os crimes contra a vida exigem um
estudo não só jurídico, mas também, sociológico, filosófico
e antropológico.
Neste vértice, podemos citar o seguinte pensamento:

“Será preciso que, depois de todas essas ciên-


cias, e aproveitando certamente os dados por
elas fornecidos, fale ainda o direito. Sómente
elle poderá effectuar a convergencia dos ponc-
tos de vista, somente elle poderá dar um re-
mate e o acabamento natural aos processos de
inducção iniciados por outras quaesquer disci-
plinas em relação ao crime, porque é esse um
phenomeno da ordem sociologica e da especie
jurídica, muito embóra suas raizes se prolon-
guem e penetrem nos dominios distantes da
psychologia e da biologia, muito embóra outras
disciplinas reclamem a competencia para o es-
clarecimento de suas condições primarias.”9

Por outro lado, vale dizer, discordando do pensamento


de Clóvis Bevilaqua, temos o entendimento do eminente
Nelson Hungria10, segundo o qual:

9 BEVILAQUA, Clóvis. In “Criminologia e Direito”, editora RED,


Campinas/SP, 2001, p. 10.
10 In “Comentários ao Código Penal”, volume V, editora Forense,
Rio de Janeiro/RJ, 4ª edição, 1958, p. 27.
44 Élcio D’Angelo

“O crimen homicidii constitui um tema


preponderantemente da ciência jurídico-
penal... Não cabe aqui, nem mesmo em breve
resumo, a exposição das múltiplas teorias
e conclusões que, a tal propósito, têm sido
postuladas e defendidas no campo da biologia,
da antropologia, da psicologia ou da sociologia
criminais. Temos que apreciar o delito máximo
apenas sob o ponto de vista estritamente
jurídico, isto é, como o fato humano que, sob
o nomen juris de homicídio, corresponde a um
‘molde’ específico da lei penal.”

Entrementes, ousamos discordar, em parte, do


pensamento de Nelson Hungria, porquanto entendemos que
o crime extrapola a ciência jurídico-penal, vale dizer, possui
características sociais e circunstanciais também, vez que o
ser humano está constantemente sendo influenciado pelo
ambiente em que vive.
Adentrando no estudo sobre o criminoso, vale ressaltar
que muito se tem discutido a respeito da personalidade do
criminoso, porém, nosso interesse vai além do pensar e do
agir deste, significa dizer que nosso intento é buscar o cerne,
a origem, o porquê dos atos que culminaram com a atitude do
autor do crime.
Neste diapasão, preleciona Enrico Ferri11, verbis:

“... para julgar humanamente, devemos


libertar-nos, emancipar-nos da influência do
sentimento imediato de repulsa, para podermos

11 In “Discursos de defesa”, tradução de Marcos Zani Blascke, cole-


ção JG editora, 1ª edição, São Paulo, 2002, pp. 105-106.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 45

apreciar, serena e honestamente, as razões que


podem ter imprimido numa criatura humana
o ferrete indelével de ter morto um homem.”

Nosso estudo busca argumentos inclusive dos positivistas,


ainda que possa parecer contraditório, porém, devemos estar
abertos a quaisquer ensinamentos que venham proporcionar
respostas às nossas indagações.
Vejamos a direção seguida pelos positivistas, segundo
Giuseppe Bettiol12:

“O direito penal dos positivistas é assim um


direito penal que duplamente enfoca o autor:
quer porque acentua as características da
personalidade criminológica do réu, quer
porque pretende substituir uma tipologia dos
fatos objetivamente considerados por uma
tipologia dos réus.”

Embora existam várias classificações que possam


auxiliar a caracterização do criminoso, verdade é que todas
elas desembocam no tipo naturalista, que possui caráter
psicológico, antropológico e sociológico, ou, no tipo legal,
que se consubstancia nos tipos penais previamente prescritos
no ordenamento jurídico.

12 In “Direito Penal”, RED Livros, Campinas/SP, 2000, p. 576.


46 Élcio D’Angelo
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 47

CAPÍTULO VI - ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E A


VIOLÊNCIA URBANA

Élcio D´Angelo
Marco José dos Santos

Fundamentalmente, torna-se imprescindível abordar


logo no início deste trabalho alguns conceitos os quais, pela
natureza do trabalho, estão mais afetos ao campo da ciência
política, entendida neste trabalho como a ciência voltada
ao estudo das relações de poder. Do confronto do papel do
Estado com os limites das ORCRIM, pode-se deduzir que o
referencial teórico deste trabalho deve estar alinhado com
aquele campo da ciência.
Assim, passamos a focar naquilo que Marx Weber
intitulou de monopólio legitimo da violência pelo Estado.
Conceito que foi inserido em todas as democracias Modernas.
A questão reside no fato de o Estado ter ou não condições
de exercer de fato a jurisdição no seu território. Ao que tudo
indica, o Crime Organizado tem colocado em dúvida essa
capacidade, com reflexos diretos para a segurança de parte
significativa da sociedade Brasileira. Desse modo, o artigo
3º da Constituição Federal estabelece como fundamentos da
República Federativa do Brasil os seguintes objetivos:

I - construir uma sociedade livre, justa e


solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais;
48 Élcio D’Angelo

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos


de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.

O quadro apresentado na introdução atesta que essas


propostas estabelecidas pela Magna Carta beiram à utopia,
pois dificilmente serão atingidas. De forma subliminar fica
evidenciada existência de um contrato entre o estado e o
cidadão. Se por um lado existe uma série de obrigações do
cidadão brasileiro com o Estado, por outro o mesmo Estado
se compromete a “entregar” uma gama de serviços, incluída
a segurança da coletividade, consubstanciada na segurança
pública.
Não há como desvincular o conceito de segurança
pública do conceito de defesa da pátria. São faces da mesma
moeda e que no Brasil toma uma especial importância na
medida em que a sociedade Brasileira acredita na inexistência
de um conflito externo e se sente muito mais afetada pela
inexistência de segurança pública interna, notadamente nos
grandes centros urbanos.
Se no passado recente as Forças Armadas eram
consideradas Forças de Ordem do Estado hoje, após quase três
décadas depois da restauração democrática, se aproximam do
papel de garantidoras da democracia.
Conceitualmente, o termo “Organização” nos remete
à ideia de algo estruturado, cujos componentes possuem
funções específicas, tendo como objetivo um fim específico,
ainda que seja tão somente o lucro. Esse conceito decorre
da necessidade de o ser humano em agrupar-se, para fazer
frente aos perigos que se apresentavam cada vez mais difíceis
de serem enfrentados13. Ocorre que o ser humano, uma vez

13 Não por outra razão que Charles Darwin disse que ‘nada mais
fácil do que admitir de palavra a verdade da luta universal pela
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 49

organizado, poderá se utilizar dessa organização para diversos


fins, inclusive ilícitos, como é o caso das ORCRIM.
As recentes ações de retomada do controle da favela da
Rocinha, uma das maiores do Brasil, na cidade do Rio de
Janeiro, foram fundamentais para escolha daquela cidade para
o estudo de caso em questão. A questão toma ares nacionais
pelo simples fato das determinações terem partido de dentro
de um presídio de segurança máxima em Rondônia, distante
cerca de três mil quilômetros de distância.
Devido aos seus vínculos com o turismo internacional,
a imagem do Brasil está diretamente associada ao que ocorre
no Rio de Janeiro. Com forte possibilidade de os conflitos
repercutirem para o restante do país, o Rio de Janeiro tem
sido palco de emprego cada vez mais sistêmico do emprego
das Forças Armadas na segurança pública.
Alguns aspectos devem ser citados como favoráveis para
o caótico quadro que daquela cidade. Possuidora de uma
topografia favorável à constituição de comunidades carentes
(estima-se que existam cerca de 850 favelas), com dificuldades
de o Estado se impor naquelas áreas e a consequente
facilidade de domínio das facções, sem a adequada presença
do Estado, existência de diversas facções divergentes entre
si, que disputam o controle de mais territórios. É simples
concluir que quanto maior o domínio de parcela do território,
maior será a capacidade política desse grupo dominante, com
reflexos para a própria existência do Estado.
No campo político, constata-se o envolvimento da sua
elite política em casos explícitos de corrupção, com o ex-
governador Sérgio Cabral condenado pela Justiça Federal e
Estadual a vários anos de prisão em regime fechado.

vida, nem mais difícil – pelo menos, assim o experimentei eu –


que ter sempre presente esta conclusão’ (2009, p.65).
50 Élcio D’Angelo

O modelo econômico, baseado nos serviços (turismo)


e no petróleo, também se mostrou falido. A queda do valor
do barril de petróleo contratou-se com o mito de que o “Pré-
Sal” seria a salvação do Brasil. Atualmente, o estado vive um
quadro de grave crise econômica, com salários atrasados,
obras inacabadas, necessidade de auxílio do Governo
federal. Com um planejamento focado os grandes eventos
(Jogos Panamericanos-2007; Copa do Mundo-2014; e Jogos
Olímpicos -2016).
Não obstante, o que se constata é o uso político da questão
social, com o discurso populista pelos diversos candidatos ao
governo do Estado. No campo da segurança pública, o modelo
de “Unidade de Polícia Pacificadora – UPP”, cujo objetivo era
desmilitarizar as favelas; social não teve o acompanhamento
das ações sociais do Estado. Em síntese, a população encontra-
se acuada em seus lares pela sensação de insegurança.
Atualmente, o Rio de Janeiro vive um quadro de evasão
de recursos humanos e financeiros, como consequência
da sua política econômica e dos desvios financeiros da
corrupção. Ao que se vê é a verdadeira “colombinizacão”14
de um dos mais importantes estados da federação. Da mesma
maneira do que ocorreu na Colômbia, as Forças Armadas têm
sido empregadas na pacificação daquelas regiões.
Basicamente, essas facções exercem o domínio nessas
comunidades por intermédio do monopólio político, ditando
as regras; com o apoio da sociedade; e pela sua capacidade de
corrupção.
No nosso modo de ver o tráfico de drogas segue a mesma
lógica do mercado, de acordo com um conceito denominado
de “ciclo vicioso do tráfico de drogas”, o qual baseia-se em
quatro pilares: a produção, a distribuição e consumo final. O
quadro abaixo demonstra esse ciclo:

14 Termo usado por Ricardo Velez Rodriguez.


Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 51

A fase de produção de drogas utilizadas no processo é


dominada pelos países vizinhos, notadamente o Paraguai com
a produção de maconha e a Bolívia com a produção de cocaína.
Nesse campo há que se pensar no investimento em diplomacia
ou novo “Plano Colômbia”. A logística, especificamente o
transporte das drogas para os grandes centros, utiliza-se de
diversos meios de transporte, por conseguinte, há de haver
um forte aparato das Operações Interagências. A fase da
distribuição é a mais conhecida da população, vez que nessa
etapa ocorre a utilização da força (violência) na disputa do
território, com uso de armas de grosso calibre e medidas nada
convencionais. São as conhecidas “bocas de fumo”.
Na fase final, ou seja, o consumidor propriamente dito
acabou sendo incentivado ao consumo haja vista o advento da
Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, em virtude da influência
dos direitos humanos nas políticas públicas no Brasil.
A interrupção desse ciclo é fundamental para o futuro
do Estado. A história do Brasil já deu-nos mostra dessa
estratégia por ocasião da disputa pelo monopólio do açúcar,
empreitada realizada pela Holanda com uso da Companhia
52 Élcio D’Angelo

das Índias Ocidentais e outras ações em Angola, no continente


africano. Essa interrupção exigirá um conjunto de ações
integradas, com o fortalecimento do SISFRON e do Sistema e
Segurança Pública, bem como o endurecimento da legislação
infraconstitucional.

Infelizmente, as organizações criminosas adquiriram


tamanha complexidade que o Estado que, em tese, é
considerado um ente abstrato, mas concretamente organizado
para atender aos anseios de uma sociedade organizada não
vem conseguindo enfrentar as ORCRIM, como nos dão
exemplos o ocorrido no Complexo Penitenciário de Pedrinhas
(Maranhão), no Complexo Penitenciário de Alcaçuz (Rio
Grande do Norte) e no Complexo Penitenciário Anísio Jobim
(Amazonas), acarretando no emprego das Forças Armadas na
segurança pública. Das ORCRIM que atualmente dominam
a região fronteiriça do Brasil, principalmente nas fronteiras
com o Paraguai e a Bolívia, destacam-se o Primeiro Comando
da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).

No que se refere ao sistema jurídico, cabe salientar que


esse sistema trabalha em conjunto com o sistema político e o
sistema administrativo, vez que o político traz à tona as agru-
ras da sociedade, enquanto que o administrativo estabelece a
forma como serão enfrentados e, por fim, o jurídico determi-
nará as soluções aos casos concretos.

Após uma rápida análise do sistema jurídico e das OR-


CRIM, constata-se que o sistema jurídico brasileiro tem sérias
dificuldades para enfrentar as organizações criminosas exis-
tentes no território Brasileiro, tendo em vista a obrigatorie-
dade de se cumprir as formas e procedimentos estabelecidos
pelo próprio Estado para o enfrentamento de organizações
criminosas, que atuam na região de fronteira, de tal forma
a não violarem os princípios legais. No entanto, as ORCRIM
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 53

possuem suas próprias regras, as quais fogem do controle es-


tatal. Trata-se de um conflito assimétrico15.
Vejamos os números da hegemonia do Primeiro Comando
da Capital (PCC)16:
- 1993: ano de fundação da facção;
- 2000: com Marcola no comando, a partir dos anos 2000
o PCC focou no tráfico de drogas. O negócio representa
cerca de 90% do faturamento;
- 2016: a receita bruta da facção, em 2016, foi de 272
milhões;
- Atualmente, mais de 90% dos presídios paulistas são
dominados pela organização;
- 2016: em outubro de 2016, o PCC tinha 22,6 mil
membros espalhados em todos os estados, no Distrito
Federal e em países como Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia.
O crime organizado em Foz do Iguaçu apresenta elevados
índices de eficiência, tendo nesta cidade diversas organiza-
ções criminosas especializadas nas mais diversas atividades
ilícitas: tráfico de drogas, tráfico de armas e munições, con-
trabando de mercadorias do Paraguai, contrabando e comér-
cio clandestino de cigarro, contrabando de agrotóxicos, de

15 Segundo o General José Luiz Pinto Ramalho, “o confronto assi-


métrico caracteriza-se por ações conduzidas por atores, estados,
quase estados, ou não estados, com vista a ultrapassar ou negar
capacidades do oponente, pondo ênfase na afetação/agravamen-
to das vulnerabilidades percebidas; utiliza meios não habituais,
que ponham em causa valores distintos ou antagônicos, levando
a cabo estratégias não tradicionais, empregando capacidades não
convencionais ou não ortodoxas, para atingir os seus fins. Revista
Militar N.º 2443/2444 - Agosto/Setembro de 2005, disponível em:
https://www.revistamilitar.pt/artigopdf/223.
16 Publicado na revista “Dossiê – Super Interessante”, edição 84-A-
Maio/2017, página 31.
54 Élcio D’Angelo

remédios proibidos, entre outros, com a utilização da calha


do Rio Paraná e do Lago de Itaipu como pontos de travessia
de ilícitos.
Do mesmo modo, o narcotráfico se faz representar
pelo elevado valor agregado das drogas, principalmente
a maconha, crack e cocaína. Uma das principais portas de
entrada da droga no Brasil é Foz do Iguaçu/PR e o Lago de
Itaipu, principalmente nas áreas dos municípios de Missal/
PR e Itaipulândia/PR.
A dificuldade de fiscalização da grande “Faixa de
Fronteira” e a boa rede viária da região facilitam o trabalho
dos narcotraficantes, que se utilizam dos mais diversos
meios de transporte, inclusive o modal aéreo. O Aeroporto
Internacional de Foz do Iguaçu/PR também é utilizado pelas
quadrilhas como meio para despachar drogas da fronteira
para outros países. Os principais destinos são Espanha,
Alemanha, Itália e Holanda.
As ações do crime Organizado são relevantes, tendo
sido favorecidas pelos seguintes fatores: a grande extensão
da faixa de fronteira com o Paraguai, Argentina e Bolívia; a
boa malha viária, que facilita o transporte dos ilícitos; e a
deficiência da estrutura dos Órgãos de Segurança Pública
da região, que carecem de pessoal e material, o que acarreta
debilidade de fiscalização e ação policial. Por outro lado, os
principais fatores que dificultam o combate ao contrabando
e descaminho são: a distorção do regime de bagagem por
parte dos viajantes; o grande número de viajantes que vêm à
região para fazer compras no Paraguai; a “adequação social”
do crime de contrabando e descaminho; o destemor dos
infratores em relação à condenação penal; a percepção de
risco em grau que não é capaz de desestimular o infrator; a
insuficiência de efetivo dos órgãos de estado responsáveis
pelas atividades de prevenção e repressão aos ilícitos; e a
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 55

manutenção dos interesses estratégicos do Brasil nas relações


com o Paraguai (Itaipu), tendo em vista o grande número de
Brasileiros radicados naquele país.
56 Élcio D’Angelo
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 57

CAPÍTULO VII - O REMÉDIO ERRADO NO LUGAR


ERRADO: O EMPREGO DAS FORÇAS ARMADAS NA
SEGURANÇA PÚBLICA

Élcio D´Angelo
Marco José dos Santos

Já vem de longa data a questão do emprego das Forças


Armadas na segurança pública no Brasil, a qual tomou novas
feições após a redemocratização. Embora a Carta Magna
tenha estabelecido aos militares limitadas atribuições na
segurança pública, essas tarefas foram entendidas como
algo excepcional. Ainda que a Constituição de 1988 tenha
estabelecido mecanismos para limitar a possibilidade de
intervenção militar nos assuntos internos, a realidade política
brasileira não ratificou essa intenção.
Se no passado a motivação para intervenção militar
nos assuntos domésticos foi ideológica, na atual conjuntura
o emprego das Forças Armadas encontrou na questão da
violência nos centros urbanos motivação para a permanência
naquele cenário.
A atual situação política nacional, bem como a
existência do fantasma de intervenção militar, acarretou
o estabelecimento de três pilares de atuação para o EB: a
legitimidade, a legalidade e a busca da normalidade. Parece
ser nítida a preocupação do Comando da Força Terrestre
de que o emprego constante do EB em ações de segurança
pública acarretará possível queda da confiabilidade das
Forças Armadas no Brasil.
58 Élcio D’Angelo

No entanto, a conjuntura política do país fez com que


a situação fosse alterada, com a elaboração de uma série
de dispositivos infraconstitucionais, de forma a respaldar
o emprego dos militares na segurança pública. Em síntese,
ao mesmo tempo que se permitiu o envolvimento dos
militares nas questões, forma estabelecidas uma série de
limitadores.
O artigo 3º e seu parágrafo único, do Decreto 3.897, de
25 de agosto de 2001 estabelecem:
“Art. 3º Na hipótese de emprego das Forças
Armadas para a garantia da lei e da ordem,
objetivando a preservação da ordem pública e
da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
porque esgotados os instrumentos a isso
previstos no art. 144 da Constituição, lhes
incumbirá, sempre que se faça necessário,
desenvolver as ações de polícia ostensiva,
como as demais, de natureza preventiva ou
repressiva, que se incluem na competência,
constitucional e legal, das Polícias Militares,
observados os termos e limites impostos, a
estas últimas, pelo ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Consideram-se esgotados os
meios previstos no art. 144 da Constituição,
inclusive no que concerne às Polícias
Militares, quando, em determinado momento,
indisponíveis, inexistentes, ou insuficientes
ao desempenho regular de sua missão
constitucional.” (g.n.)
Ao que tudo indica é que o emprego das Forças Armadas
em Operações de Garantia da Lei e da Ordem tomará um
viés de continuidade. Tendo em vista a necessidade de
atuação das Forças Armadas no combate à criminalidade
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 59

ter sido recorrente, o Poder Legislativo aprovou o projeto de


lei17, autorizando os militares que estiverem em missões de
Garantia da Lei e da Ordem (GLO), caso venham a cometer
crimes dolosos contra a vida, serem julgados pela Justiça
Militar. Esse é um bom indício de que a atual sistemática de
emprego dos militares na segurança pública será mantida.
Evidentemente, por razões políticas, os governadores
relutam em assumir a falência de seus instrumentos de
segurança estaduais.
Ademais, a intervenção federal18 em um dos estados
da federação19, acarretará em suspensão de verbas das
emendas parlamentares, o que seria um péssimo negócio
para seus interesses políticos, além de o governante atestar
publicamente a sua incompetência política. Daí uma das
razões de os governantes relutarem aceitar o apoio do
governo federal no combate à criminalidade como ocorre,
por exemplo, atualmente, no Rio Grande do Norte e Rio de
Janeiro.
O que se observa são intervenções pontuais das Forças
Armadas, a fim de atender ao clamor público momentâneo
para, após um lapso temporal de “suposta” tranquilidade,
serem retiradas do “Teatro de Operações – TO” sem, contudo,

17 O Projeto de Lei foi aprovado pelo Senado Federal no dia 10 de


outubro de 2017, a qual foi sancionada no dia 13 de outubro de
2017.
18 Vale lembrar que a intervenção federal é autorizada por meio de
decreto presidencial, mediante solicitação do Poder Legislativo
ou do Poder Executivo coacto ou impedido ou de requisição do
Supremo Tribunal Federal ou, ainda, requerido pelo Superior Tri-
bunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral, sendo que o
decreto deverá ser apreciado pelo Congresso Nacional, conforme
o Art 36 da CF/88.
19 A intervenção federal está prevista no artigo 34, inciso IV da
CF/88.
60 Élcio D’Angelo

ter solucionado o problema no seu cerne, justamente


porque não houve um decreto presidencial para que outras
medidas sejam tomadas como, por exemplo, orçamentárias,
econômicas, sociais etc.
Entendemos que o emprego das Forças Armadas no
combate à criminalidade urbana seja um remédio errado no
lugar errado, ou seja, as FFAA devem ser empregadas na faixa
de fronteira, impedindo que drogas e armamentos adentrem
ao território nacional, atuando no lugar certo na medida exata
que de sua intervenção, daí a importância do SISFRON.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 61

CAPÍTULO VIII – GRANDES CRIMES VIOLENTOS


CONTRA O PATRIMÔNIO – Ações da Facção Criminosa
Primeiro Comando da Capital?

Vinícius de Souza Almeida20


Mônica Pinto Leimgruber21

1. Introdução
O presente artigo emerge da observância dos decorrentes
roubos, com ações violentas contra as instituições financeiras
ocorridos no Brasil e, exportados como modalidade
criminosas, para as fronteiras com a Bolívia e Paraguai,
visto que há um vazio demográfico existente que favorece
diferentes prática ilícitas nas áreas fronteiriças a exemplo dos
crimes de tráfico de entorpecentes; tráfico internacional de
arma de fogo, munições e explosivos; contrabando, pirataria e
descaminho; evasão de divisas; exportação ilegal de veículos;
imigração ilegal de estrangeiros pela fronteira seca; tráfico de
pessoas e crimes ambientais.
Desde o século XVI que existem evidências da existência
de que grupos salteadores armados e do surgimento do cangaço
no nordeste brasileiro, que utilizava de ações violentas para
o roubo de grandes valores, foi o primeiro fenômeno, desta
natureza, a ser estudado de forma detalhada (MELLO, 2004).

20 Capitão da Polícia Militar/MS. Pós-graduando em Segurança


Pública, com ênfase em Ciências Policiais e Gestão em Segu-
rança Pública, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
(UEMS). E-mail: souzalmeida@gmail.com
21 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Pe-
dagogia da Universidad del Salvador (USAL), Buenos Aires - AR.
E-mail: mo_gruber@hotmail.com
62 Élcio D’Angelo

Os chamados cangaceiros utilizavam a caatinga como


refúgio; viviam errantes em bando; e possuíam identidade
de grupo, sendo Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, o
cangaceiro mais famoso do Brasil (PERICÁS, 2010; OLIVEIRA,
2002).
França (2016) descreve o Cangaço como a manifestação
social presente no Nordeste brasileiro em que, desde a época
de Lampião, a população interiorana nordestina vem sendo
investida de uma cultura de resolução de conflitos sociais,
que se utiliza da violência privada por meio da vingança.
Ademais, há de se ressaltar questões sobre os investimentos
do “milagre econômico” brasileiro 22 que contribuíram para
o ressurgimento do Cangaço, popularmente conhecido
como Novo Cangaço, que surge na década de 80 em mesmo
território.
De acordo com Costa (2016), os assaltos as instituições
bancárias que mais causam repercussão são os que geram
maiores prejuízos a sociedade pela violência, emprego de
armamento pesado e ligações com organizações criminosas
(que utilizam o tráfico de drogas como principal atividade).
A continuidade deste modus operandi fez com que o
crime se especializasse no território nacional e ultrapassasse
fronteiras. As ações de assaltos a bancos, ataques a carros-
fortes e ataques a base de valores, tornaram-se corriqueiras
no país; começaram a aparecer algumas participações
de criminosos membros integrantes da facção criminosa
Primeiro Comando da capital (PCC), que chamaram a atenção
das autoridades policiais e, assim, iniciou-se o processo
de expansão fronteiriça desta modalidade de crime para

22 Período da história brasileira entre 1969 e 1973 em que é mar-


cado pelo repentino e forte crescimento da economia. O milagre
somente foi possível pelo Programa de Ação Econômica do Go-
verno – PAEG criado em 1964 no regime militar.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 63

o Paraguai e Bolívia, que culminou na necessidade de um


efetivo planejamento estratégico, das corporações policiais,
que objetivasse a credibilidade na missão de preservação da
ordem pública.
Desta forma, este trabalho objetiva analisar a dinâmica
da evolução dos grandes crimes violentos contra o patrimônio
por meio da pesquisa metodológica bibliográfica, bem
como conceituar facção criminosa e discutir a correlação
da participação ou não de membros do PCC nessas práticas
criminosas, considerando as fronteiras brasileiras com o
Paraguai e a Bolívia.

2. Origem e evolução do Novo Cangaço no Brasil

As origens do Cangaço estão nas questões fundiárias


e sociais do Nordeste, cenário este que isolados ou em
bandos, criminosos cometiam crimes de violência como:
assalto a fazendas, sequestro, homicídios e saqueavam o que
podiam. Esses bandos viviam cometendo crimes, fugindo e se
refugiando pelo sertão nordestino (OLIVEIRA, 2002).
Mello (2009) discorre que alguns grupos de cangaceiros
fizeram do Cangaço um meio de vida e outros como forma
de vingança das brigas entre os chamados “clãs”. Em
outra vertente, Pericás (2010) afirma que o surgimento do
Cangaço no Nordeste ocorreu pela forma que os grandes
latifundiários tratavam as classes menos favorecidas, em
destaque a exploração do trabalho análogo a escravo, baixas
remunerações e carga de trabalho abusiva. Tudo isto contribuía
para que estes fugissem da pobreza e, exaurindo sua revolta,
aderissem à bandos saqueadores para sobrevivência.
Assim, os grupos criminosos dos cangaceiros, que
atuaram no fim do século XIX eram configurados pela
64 Élcio D’Angelo

união de familiares e pela incorporação posterior de outros


integrantes com algum grau de parentesco, direto ou indireto
e somente depois outras pessoas da região (PERICÁS, 2010).
Na pesquisa literária realizada por Borges e Brandão
(2016) sobre a origem do Cangaço, explica-se:

Este fenômeno social decorreu de uma


complexa mistura de ausência de um Estado
de Direito nos rincões mais distantes dos
grandes centros urbanos; das disputas
políticas e econômicas pelo domínio das
propriedades rurais; das rivalidades entre clãs
de famílias diferentes em torno dos latifúndios
ou pequenas propriedades; da cultura de
formação de grupos armados para defesa das
propriedades, bem como das características
culturais e ambientais da região sertaneja,
tornando peculiar à região do Nordeste o
desenvolvimento do cangaço como forma e
estilo de vida para alguns sertanejos. (BORGES
e BRANDÃO 2016, p. 17)

Desde a era de Lampião, a população interiorana


nordestina é investida de uma cultura própria em que muito
dos problemas são resolvidos a base da força e da brutalidade;
com característica de um povo sofrido, rústico e castigado
pelo modo de vida e clima regional.
Na década de 80 surge, no nordeste brasileiro, um
fenômeno conhecido como Novo Cangaço, expressão que
remete ao movimento liderado por Lampião em meados
do século XIX, onde invadiam e saqueavam os povoados,
utilizando violência e pelas suas ações destemidas, desafiavam
as forças de Segurança Pública (COSTA, 2016).
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 65

França (2016) discorre que com as mortes de Lampião, em


1938 e de Cristiano Gomes da Silva Cleto, o Corisco, em 1940,
o Cangaço chega oficialmente ao fim, porém o banditismo
não, vez que a população do sertão ainda permanecia com
a cultura de resolver os conflitos sociais empregando a
violência como forma de vingança. Assim, o Cangaço não
demora muito para ser resgatado e a ficar conhecido como
Novo Cangaço.
Para o autor o crescimento econômico no nordeste
brasileiro e a consequente abertura de grandes fazendas-
empresas na zona rural nordestina, fez com que inúmeras
agências bancárias em cidades interioranas de pequeno porte
fossem criadas. Assim, o fluxo financeiro elevado viabilizou
o ambiente favorável ao surgimento do Novo Cangaço e a
ligação entre o velho e o novo cangaço é pautada nos elos de
conflitos familiares e do cangaço como meio de vida.
Com o surgimento do Novo Cangaço, as famílias Carneiro,
no Rio Grande do Norte, e Araquãs e Benvindos, no estado de
Pernambuco, se tornaram as mais expressivas nos assaltos à
bancos. Pesquisas de França (2016) revelam que a morte de
um membro da família Carneiro, por um policial em 1972,
foi o foco inicial da vingança familiar que, após membros da
família sofrerem perseguições policiais e para não morrerem
de “braços cruzados”, iniciaram na criminalidade, tornando-
se um bando de origem familiar, com ações inicialmente
de manutenção das necessidades básicas e principalmente,
como obtenção de recursos para enfrentarem os considerados
“opositores”.
De forma similar, as famílias Araquãs e Benvindos
entraram em guerra, mataram uns aos outros por questões
de honra, entraram para o crime e viraram bandos com
ações criminosas voltadas para o financiamento das guerras
contra o rival, sustentando, assim, a estrutura criminosa.
66 Élcio D’Angelo

Logo, as ações de ataques a instituições financeiras tiveram


como objetivo financiar a disputa entre os clãs e não o
enriquecimento fácil (FRANÇA, 2016).
Assim, pelas características à época, os bandos dos
Novos Cangaceiros, das décadas 80 e começo dos anos 90,
tinham muita similaridade com o Cangaço antigo, tanto nos
objetivos quanto nas estruturas dos seus membros, pois estes
também tinham grau parentesco ou eram próximos. Por isso
o autor relata que esses bandos podem e devem ser chamados
de Novos Cangaceiros.
As semelhanças entre o Cangaço de Lampião e o Novo
Cangaço são as táticas utilizadas como ataque a cidades
pequenas, utilização de armas e emprego de reféns, saques
e pilhagem, porém a motivação das ações se difere, pois,
uma vez que o bando de Lampião possuía caráter político
social, sendo a vingança privada e o enfrentamento as ordens
estatais, o novo cangaço subtraem honorários de instituições
bancárias com o objetivo de capitalizar investimentos em
outras atividades, tanto lícitas como ilícitas (COSTA, 2016).
É neste viés que Rodrigues (2018), enfoca no
entendimento de ideologia dos novos cangaceiros, revelando
que, a partir dos anos 1990, os criminosos perceberam que a
estrutura montada para “guerrearem” com os bandos rivais,
poderia ser utilizada e explorada como meio de vida. Dessa
forma, as ações do novo cangaço têm como objetivo final não
mais financiar as disputas familiares, mas sim a obtenção de
recursos para enriquecimento fácil.
Pericás (2010) relata que os grupos criminosos dos
cangaceiros, que atuaram no fim do século XIX, eram
configurados inicialmente pela união de familiares que, após
um tempo, incorporavam outros membros com algum grau
de parentesco (direto ou indireto) e, posteriormente, foram
introduzidas outras pessoas da região.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 67

Entre os anos 80 e 90, com o tráfico de drogas do estado


de Pernambuco para outros estados da federação, em especial
São Paulo e Rio de Janeiro, muitas pessoas começaram a ser
presas (tanto os pernambucanos, que traficavam drogas para
outros estados, quanto os que vinham de outros estados para
Pernambuco com fins do tráfico), promovendo, assim, o
intercâmbio prisional entre os estados. Consequentemente,
nos anos 2000 presos por assaltos a banco foram redistribuídos
em penitenciárias estaduais e levaram as ações provenientes
das quadrilhas do Novo Cangaço, do Nordeste, para outros
estados brasileiros. Logo, em âmbito nacional, as forças
de segurança começaram a se deparar com o crescente
avanço do Novo Cangaço, que passou a ser alvo de estudos
e planejamento estratégico pelo governo objetivando o
enfrentamento (RODRIGUES, 2018).
De acordo com o Manual de Investigação de Crime
de Roubo de Valores do Departamento da Polícia Federal
(OLIVEIRA e BEZERRA, 2011) o Novo Cangaço ou Tomada
de Cidade é considerado uma associação criminosa que
rouba instituições financeiras apresentando, normalmente,
características de subjugação da força policial local por parte
do grupo criminoso que apresenta as seguintes características:
1. Existência de um planejamento de ação criminosa;
2. Número variável de 5 (cinco) a 10 (dez) ou mais
integrantes;
3. Uso de armas de uso restrito da polícia e das
forças armadas;
4. Grande comoção social nas ações em razão da
violência empregada;
5. Assaltos em cidades com população inferior a 50
(cinquenta) mil habitantes em geral.
68 Élcio D’Angelo

Com a evolução das ações do Novo Cangaço para o Novo


Cangaço Noturno, os criminosos conseguiam obter lucros
mais expressivos com o mínimo de risco possível, visto
que ocorriam nas madrugadas e os riscos de confronto com
policiais eram minimizados, evitando mortes deles próprios
como de reféns ou policiais, garantindo então uma pena mais
branda, em caso de prisão (FRANÇA, 2016).
Conforme Rodrigues (2018), as ações do Novo Cangaço
Noturno rapidamente são expandidas a outros estados
da Federação, e sua evolução pode afetar grande parte da
população em um futuro breve caso medidas urgentes não
forem tomadas.
É fato que hoje os assaltos a instituições de valores
modificaram e, assim, registram nos vários roubos de um
passado recente ao presente, mais de 10 (dez) integrantes,
chegando até o expressivo número de 60 (sessenta) pessoas,
como foi o assalto ocorrido na Ciudad Del Leste, no Paraguai.
E, em relação as ocorrências em cidades com população
inferior a 50 mil habitantes, os ataques chegaram a cidades
grandes como Campinas/SP, Santos/SP e Recife/PE.

3. Grandes Roubos a Base de Valores

Uchôa (2017) destaca os sucedidos ataques às bases


transportadoras de valores pelo país afora, além nos
inúmeros ataques a carros-fortes e às equipes de vigilantes,
ocorridos em menos de 18 meses. Esta nova modalidade
de crime contra o patrimônio segue, em linhas gerais, as
características dos roubos a bancos e suas variáveis. Porém,
com características próprias e inovadoras, visto que o modus
operandi requer quantidade elevada de assaltantes, que são
divididos, estrategicamente, em: financiadores, primeiro,
segundo e terceiro escalão.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 69

Rodrigues (2018) frisa o ataque a base de valores na


cidade de Campinas/SP ocorrido no mês de novembro, de
2015, como um novo marco na modalidade Novo Cangaço
que passa, desde então, a ser assimilada e potencializada em
suas ações anteriores. Considera os ataques a base de valores
como uma evolução da ação do novo cangaço ou tomada de
cidade, tendendo a se elevar, como um próximo passo, ao
domínio de cidades, o que significa:

Uma nova modalidade de conflito não convencio-


nal (assimétrico), tipicamente brasileiro e advin-
do da evolução de crimes violentos contra o patri-
mônio, na qual grupos articulados compostos por
diversos criminosos, divididos em tarefas especí-
ficas, subjugam a ação do poder público por meio
do planejamento e execução de roubos majorados
para subtrair o máximo possível de valores em
espécie e/ou objetos valiosos ou o resgate de de-
tentos de estabelecimentos prisionais, utilizando
ponto de apoio para concentração dos criminosos,
artefatos explosivos, armas restritas de grosso ca-
libre, veículos potentes e blindados, rotas de fuga
predeterminadas, miguelitos, bloqueio de estra-
das, vias e rodovias com automóveis em chamas,
além da colaboração de olheiros. (RODRIGUES).

O termo que designa o Domínio de Cidades foi utilizado


pela primeira vez no romance ficcional intitulado Guerra
Federal – retrato do combate aos crimes violentos no Brasil.
As empresas, transportadoras de valores, são responsáveis
pela proteção de milhões de reais que circulam pelo Brasil e
por bilhões de reais que permanecem em custódia diariamente
no País o que as fazem alvo em potencial para as quadrilhas
especializadas em assaltos as transportadoras de valores, que
70 Élcio D’Angelo

traumatizam o Brasil por agirem com extrema violência e


descaso com a reação policial (UCHÔA, 2017).
O referido autor explica que, ao enfrentar a problemática
dos roubos de valores (gênero), o objetivo final ou principal
não é proteger o patrimônio dos bancos, via de regra já
cobertos por seguradoras, mas sim atacar toda uma gama de
crimes associados, “crimes meios” e “crimes decorrentes”,
bem como o enorme e incalculável prejuízo social causado
tanto pela interrupção de serviços, quanto pelo aumento de
preço de seguros, onerando, dessa forma, a cadeia produtiva.
Há, ainda, toda uma glamourização de certos criminosos que,
por suas trajetórias, passam a ser referências para jovens em
situação de vulnerabilidade. Os grupos que têm atacado as
bases de valores vêm realizando tais ações utilizando em
média 40 (quarenta) criminosos na ação direta, contando
ainda com outra rede de apoio.
Para Rodrigues (2018) houve um aumento significativo
nos valores subtraídos pelos criminosos na última década,
principalmente depois da tendência a ataques a base de valo-
res, de novembro de 2015 a novembro de 2017 tem-se cerca
de R$ 236 milhões roubados contra R$ 433 milhões de 1990 a
2014, ou seja, os dois últimos anos representam mais de 54%
de todas as ações contra instituições financeiras num período
de 25 anos.
Dessa forma, os criminosos estão desenvolvendo uma
expertise própria de grupos paramilitares, cujo posiciona-
mento, procedimentos, armamento, rapidez, disposição e
preparo para eventual enfrentamento com a polícia, torna o
cenário de um ataque a bases de valores um pandemônio,
que num possível confronto, com antecipação da força po-
licial, poderá infligir pesadas baixas aos dois lados; Há uma
potencial ameaça de perpetuação do ciclo vicioso, pois o se-
gundo ou terceiro escalões desses grupos podem vir a plane-
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 71

jar e executar outros crimes, sem a cúpula que idealizou os


primeiros ataques. Algo semelhante ocorreu com a dispersão
dos grupos de ataques a caixas eletrônicos na década passada
(UCHÔA, 2017).

4. Grandes roubos às instituições financeiras nas


fronteiras brasileiras: Brasil/Paraguai e Brasil/Bolívia

O Brasil é localizado no continente sul-americano e


possui 24.253 km de fronteira, dos quais 7.367 km marítimos
ao leste banhado pelo Oceano Atlântico e 16.886 km da foz
do rio Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa, ao
arroio Chuí, ao sul com o Uruguai. Além disso, faz fronteira
com a maioria dos países da América do Sul, com exceção
apenas de Chile e Equador (BRASIL, Ministério da Justiça e
Cidadania, 2016).
A faixa de fronteira foi estabelecida numa distância
de 150 km da linha que divide os países, sendo 10 países,
11 estados federados e 588 municípios estão nesta área,
que impõem aos órgãos de Segurança Pública o desafio de
prevenir e reprimir os crimes delimitados a este espaço.
A fronteira brasileira tem como características a
produção/exportação de drogas e outros ilícitos como é o caso
de Paraguai, Bolívia e Colômbia e as organizações criminosas
preferem atuar nas fronteiras, pois assim conseguem dominar
in loco o tráfico internacional de drogas, enviando para
diversos países de outros continentes.
Para o Coronel do exército Colombiano, Beltran Castor
(2016) a violência, associada com a disputa pelo poder nas
redes de mercados ilegais, é um dos efeitos do narcotráfico nos
países produtores, que tem como consequência a modificação
dos cartéis para o crime organizado, caracterizado pela
72 Élcio D’Angelo

violência e o financiamento de atividades ilícitas mediante


recursos de emprego do narcotráfico.
O Paraguai é entreposto no tráfico de cocaína produzido
na Bolívia, Peru e Colômbia. Pois, a fronteira seca e a
facilidade em lavar dinheiro tornam o lugar propício para
as organizações criminosas que se utilizam do tráfico como
maior atividade.
Em uma série de três reportagens da ÉPOCA, em 2017,
pode-se observar a entrada do Comando Vermelho, no final
da década de 1990, no Paraguai:

A primeira facção criminosa brasileira a entrar no


Paraguai foi a carioca Comando Vermelho (CV),
no final da década de 1990. Naquele tempo, o
sotaque arrastado e a cor de pele mais escura que a
dos locais despertaram curiosidade – e colocaram
a polícia em alerta. Em 1997, o traficante
Fernandinho Beira-Mar fugiu de um presídio
em Belo Horizonte para a região. A maconha até
então dominava o comércio ilegal e a cocaína era
um produto de menor escala no país. Beira-Mar
se associou a um importante produtor da região,
a família Morel, e começou a mandar maconha e
cocaína para o Rio de Janeiro e São Paulo. Primeiro
por terra, escondendo a substância em caminhões;
depois por ar, usando pequenos aviões. Os pilotos
saíam da fronteira de madrugada, aterrissavam
com a mercadoria no interior de São Paulo e, de
lá, era feita a distribuição. (ÉPOCA, 2017)

Em pesquisa sobre o controle das fronteiras brasileiras,


D´Angelo e Santos (2017) concluíram ser esse um desafio
nacional, em decorrência do descontrole do Estado em relação
ao poder das facções criminosas que tem a violência urbana
crescente e que disputam por mais territórios do tráfico.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 73

Apesar de não haver dados concretos que comprovem, a


revista Época publicou a informação que facções criminosas,
de origem brasileira, investiram cerca de um milhão de
dólares para a morte de Jorge Rafaat Toumani, considerado
o chefe do tráfico em Pedro Juan Caballero (cidade do lado
paraguaio que faz fronteira com Ponta Porã-MS) à época e,
como consequência, a facção dobrou o tráfico aéreo de cocaína
trazida da Bolívia, sendo uma estimativa de 3,5 milhões de
dólares por semana de arrecadação (ÉPOCA, 2017).
É possível que um dos objetivos do processo de expansão
do PCC seja a tomada de poder das áreas fronteiriças. Pois,
cada vez mais novos membros faccionados são identificados
no Paraguai, criando, assim um clima de guerra entre distintas
organizações criminosas, as quais intencionam o pleno
controle do tráfico. Vários homicídios nessa região decorrem
das disputas de poder entre novos traficantes que viram a
possibilidade de se alçarem a chefes do tráfico na fronteira; e
esse processo expansionista não ocorre somente na fronteira
com o Paraguai, mas também em outros países produtores de
drogas.
A fronteira brasileira serve como corredor para escoar as
drogas que abastecem os grandes centros urbanos como Rio
de Janeiro e São Paulo, locais estes que são os geradores das
maiores facções criminosas, Comando Vermelho e Primeiro
Comando da Capital respectivamente. Estas organizações
criminosas tem o tráfico de drogas como principal atividade
e o tráfico de armas o intento de domínio territorial.
Este contexto, de expansão dos grupos criminosos
violentos de origem prisional, fez com que modalidades
criminosas de crimes violentos contra o patrimônio fossem
expandidas para países vizinhos: Paraguai e Bolívia. Como o
fenômeno é recente, é cedo para realizar uma análise crítica
sobre a temática, mas o cenário futuro indica ser difícil para
74 Élcio D’Angelo

estes países com esta evolução da criminalidade tipicamente


brasileira que visa outros países.
Assim, cerca de 60 (sessenta) indivíduos, seguindo o
mesmo modus operandi das ocorrências brasileiras anteriores,
invadiram a empresa privada de transporte de valores de
razão social Prosegur, na Ciudad Del Leste, no Paraguai,
subtraindo cerca de 40 (quarenta) milhões de reais23. Assim,
a modalidade de roubo contra bases de valores que se iniciou
em São Paulo, se espalhou pelo Norte e Nordeste, chegando
a outro país – sendo possivelmente o mesmo grupo que
encabeçou os ataques anteriores, com equipes de assaltantes
recrutados pontualmente para os roubos (UCHÔA, 2017).
Na mesma época, criminosos brasileiros e bolivianos,
utilizando granadas e fuzis, realizaram um ataque ao carro
forte da empresa privada de transporte de valores de razão
social Brinks, em Roboré, Bolívia distante 120 Km da fronteira
com o Brasil, onde 2 milhões de dólares foram subtraídos.
Diante da importância da presença das forças de
segurança dos países fronteiriços em coibir os crimes, em
especial os grandes roubos às instituições financeiras, se
fazem necessário compreender a dinâmica dos roubos e sua
ligação com as Facções Criminosas.

5. Grandes crimes violentos contra o patrimônio e o Primeiro


Comando da Capital: crime organizado, organização
criminosa ou facção criminosa?

Esse tópico visa discutir os grandes crimes violentos


contra o patrimônio e os aspectos correlatos ao PCC, além de

23 É provável que os valores sejam superiores aos informados, pois


não há informações dos dados oficiais de investigação, tampouco
da seguradora responsável pelo prejuízo.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 75

traçar semelhanças e diferenças entre os conceitos de crime


organizado, organização criminosa e facção criminosa, sendo
essa última terminologia muito utilizada e discutida por
diversos pesquisadores da área e profissionais da segurança
pública quando se trata de abordar as organizações criminosas
oriundas do sistema prisional.
Crime Organizado, de acordo com Pereira (2014) é a
pessoa jurídica do delito, ou seja, sociedade que tem por
objetivo a atividade criminosa que, em regra geral, visa a
objetivos econômicos próprios e negócios ilícitos. Tem caráter
transacional na medida em que não respeita as fronteiras
de cada país e apresenta características assemelhadas de
detenção de poder com base em estratégia global.
Para Matos e Carrion (2018) o Crime Organizado
segue uma lógica complexa de não linearidade, que se
reorganiza, modifica planos, produtos e procedimentos,
além de combinar fontes de renda e se favorecer dos fluxos
característicos da globalização, sendo altamente sensível as
variações de parâmetros, como intervenções, sejam políticas
repressoras dos estados, sejam sociais ou de mercado. O
Crime Organizado age de forma parasitória (grifo nosso) às
estruturas estatais e sociais, para sobreviver.
O conceito de Organização Criminosa, no ordenamento
jurídico no Brasil, foi atribuído pelo Decreto n 5.015, de 12 de
março de 2004 (Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional, 2004), de onde se conceituou
“Grupo Criminoso Organizado” como:

Grupo estruturado de três ou mais pessoas,


existente há algum tempo e atuando
concertadamente com o propósito de cometer
uma ou mais infrações graves ou enunciadas na
presente convenção, com a intenção de obter,
76 Élcio D’Angelo

direta ou indiretamente, um benefício econômico


ou outro benefício material. (BRASIL, Decreto n
5.015, 2004)

Em 02 de agosto de 2013, com a Lei nº 12850, ocorreram


mudanças significativas para tratar de criminalidade
organizada no país. Segundo o parágrafo 1º do primeiro
artigo, in verbis:

Considera-se organização criminosa a associação


de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente
ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas,
ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer
natureza, mediante a prática de infrações penais
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro)
anos, ou que sejam de caráter transnacional.
(BRASIL, Lei nº 12850, 2013)

Facção Criminosa, para o pesquisador Shimizu (2011),


tem relação no agrupamento de pessoas, com carga ideológica,
que consiste em práticas ilícitas como um etiquetamento
criador de desvios em determinados grupos.
CS Barbosa (2018) conceituou as facções criminosas
brasileiras como organizações criminosas que possuem
estatutos, ideologia do crime, imposição de regras e domínio
de atividades ilícitas tanto dentro quanto fora do sistema
prisional, responsáveis por grande parte dos problemas de
criminalidade na área de segurança pública.
Em uma análise mais aprofundada, as Facções Criminosas
são constituídas por grupos de criminosos brasileiros que se
organizaram com a premissa inicial ideológica protecionista
dos direitos dos apenados, de seus familiares e contra as
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 77

“opressões do Estado”. Foram estruturadas e consolidadas, em


sua maioria24, dentro dos sistemas prisionais estaduais, locais
em que os presos realizam a cooptação, em cada ausência
estatal, de mais pessoas em situação de aprisionamento e de
criminosos atuantes nas ruas que buscam poderio financeiro
e bélico, além de status social como forma de sentirem-se
pertencentes a uma sociedade, mesmo que seja em meio a
ilicitudes.
Utilizam-se de ações violentas contra os que são
enquadrados como “opositores” e, assim, geram insegurança
na população e preocupação na Segurança Pública. Por um
lado, se tem a violência explícita, como os ataques ordenados
pelas lideranças, a qual empodera as facções existentes por
meio do medo causado e, em outra vertente se tem a violência
implícita, que gera o pânico populacional, principalmente
pelo fato do próprio Estado não possuir a noção real do poder
de fogo das mesmas, impossibilitando, assim uma política de
estratégia de enfrentamento efetiva.
Possuem estatutos e normas regulamentadoras que não
permitem a delação, como configurada nas Organizações
Criminosa, mas também apresentam simbiose com o estado
e entidades legais, têm funções estabelecidas por meio
de hierarquia e planejamento empresarial, visam a alta
lucratividade com a expansão territorial, por meio do domínio
do tráfico de drogas e armas, do aliciamento de adolescentes
para as ações criminosas e das atividades criminosas com
pena mais branda como, por exemplo, o contrabando de
cigarros.
O elevado ganho econômico se restringe somente aos
membros faccionados de maior relevância hierárquica,
os quais possuem sob seu domínio a massa de integrantes

24 Com exceção dos Bala na Cara, do RS, e da Amigo dos Amigos


(ADA) do RJ.
78 Élcio D’Angelo

que seguem as ordens emanadas pela cúpula por motivação


ideológica ou por imposição (por dívida, por exemplo), pois,
em sua maioria, não tem participação nesta lucratividade.
Face ao exposto, ao conceito de facção criminosa se
configura como sendo um grupo criminoso, geralmente
constituído nas prisões brasileiras, de pessoas encarceradas ou
não que, por preceitos ideológicos e oposição, possui estatuto
escrito, hierarquia e simbiose com o poder estatal. Articulado
de forma planejada, com recursos financeiros e bélicos,
emprego de violência implícita e explícita contra os que são
considerados opositores (Estado ou outro grupo criminoso),
visa alta lucratividade com expansão e domínio territorial
local, regional, nacional e/ou transnacional estruturados por
meio das atividades do tráfico de entorpecentes, armas e o
contrabando. O perfil do líder de facção é de origem dos crimes
violentos contra o patrimônio25 e o indivíduo faccionado,
pela sua ideologia criminal concebida nas prisões, não tende
a fazer delação premiada; pois sua lógica de criminoso tem
a passagem pelo sistema carcerário como premissa natural.
Há, ainda, as facções criminosas de maior relevância no
cenário nacional, que possuem o domínio territorial local e
internacional do tráfico de drogas e armas, buscam a inserção
na política e a cooptação de facções locais menores, mas que
tenham influência em determinada região de interesse.
A exemplo tem-se o PCC que surgiu na Casa de Custódia
e Tratamento de Taubaté, em 31 de agosto de 1993, com a ini-
ciativa de se criar um “partido” que representasse os presos
paulistas em proteção aos seus direitos pelo cumprimento
das leis de execuções penais e foi “promulgado” um estatu-
to com 16 itens, entre eles propostas de mudança na ética
dentro do sistema prisional e penalidade máxima de morte

25 Esta constatação é fruto de intensos debates com o autor de arti-


gos e livros Rodrigues, R.M.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 79

aos presos que não cumprissem a normas (LEIMGRUBER e


TORRES, 2017).
Segundo as pesquisadoras o PCC obriga, por meio
da violência, que seus integrantes cumpram obrigações
financeiras com a facção, capitando recursos e utilizando-se
de meios ilícitos como roubo, tráfico, furto e extorsões para
fortalecer a organização criminosa.
Correlacionando as ações do Novo Cangaço e as Orcrims,
Borges e Brandão (2016) expõem que há uma profissionalização
e especialização dos criminosos, que geralmente pertencem
a alguma organização ou facção criminosa, e que buscam
levantar recursos em período curto para financiamento de
tráfico de drogas ou da própria organização criminosa a qual
pertencem, sendo que tais aspectos fazem diferenciar do
estilo de vida do “cangaço antigo”.
Costa (2016) coloca, ainda, como indiscutível que parte
do valor subtraído das ações do Novo Cangaço foi destinada
para as Orcrims, principalmente para o PCC, para investir em
drogas. Conforme o autor:

O assalto a banco, historicamente para a crimi-


nalidade, é a maneira mais acessível de capita-
lização imediata de grandes valores, estima-se
que no Brasil somente no ano de 2013 o prejuízo
dos bancos foi na ordem de R$ 70 milhões, sendo
que parte desse valor foi destinada para Organi-
zações Criminosas, principalmente para o PCC
investir em tráfico de drogas. Outro atrativo aos
criminosos é a facilidade de ocultação dos valo-
res subtraídos, pois sempre o produto do roubo
é o dinheiro em espécie, havendo possibilidade
de escondê-lo fisicamente ou mesmo investindo
em atividades aparentemente lícitas (lavagem de
dinheiro). (Costa, 2016, p.12)
80 Élcio D’Angelo

A mídia nacional e internacional e as próprias polícias


brasileiras e estrangeiras, costumeiramente realizam
conexões entre as ações dos grandes roubos a instituições
financeiras ao PCC. Porém, um aspecto a ser observado,
fonte relevante ao tema, é o financiamento da organização
criminosa a que pertencem pelo agente praticante do roubo a
instituição financeira. A primeira análise que se tem dúvida é
se está relacionando com a própria organização criminosa de
assaltantes de banco e/ou com a facção criminosa.
Em contrapartida observa-se que, na participação de
criminosos de 03 (três) grandes ocorrências da modalidade
denominada Domínio de Cidades, como os ataques a Prossegur
no Paraguai, ao carro forte em Roboré na Bolívia e ao Banco em
Bom Jesus da Lapa-BA, não houve a confirmação da relação
entre assaltantes e facções criminosas como amplamente
veiculado em mídias.
Segundo Salles e Cerantula (2017), o PCC vive um
dos maiores desafios de sua história, pois está em fase de
expansão para todo território nacional sendo o tráfico de
drogas o carro chefe da facção. Correlacionado a esta questão
tem as constantes disputas pelas regiões fronteiriças como
forma de controle do tráfico de drogas.
De acordo com Leimgruber e Torres (2017) o membro
faccionado, quando em liberdade, é obrigado a pagar uma
contribuição mensal chamada de “cebola”. Para isso pode
utilizar os armamentos e as munições do setor “paiol”, que
é responsável pela salvaguarda de armamentos da facção
para ações criminosas individuais que objetivem o efetivo
pagamento da “cebola”, com o valor pré definido; os membros
faccionados não podem atuar em atividades lícitas conforme
é subtendido no artigo 6º do novo estatuto do PCC26 redigido

26 Novo Estatuto (2011). Art. 6º - O comando não admite entre os


seus integrantes estupros, homossexualismo, pedofilia, cagueta-
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 81

em 2011; a ideologia do PCC é de expansão transnacional,


com ênfase ao tráfico internacional de drogas e armas, vez
que um dos requisitos para expansão da facção é o poder.
A pesquisa literária de Costa (2016) descreve o crime
organizado do assalto a banco da modalidade novo cangaço,
desde suas origens históricas no sertão nordestino que,
mesmo diante da prisão ou morte de alguns componentes,
volta a ser reconstituída e integrada por novos criminosos,
dando continuidade à prática delituosa, como ocorre nas
grandes organizações criminosas internacionais.
Para Uchôa (2017) as ações criminosas de ataques às bases
de valores podem vir a evoluir no mundo inteiro, vez que as
quadrilhas se fortalecem com os valores roubados e investiram
em tecnologia, armamento e metodologia de ataque. Em geral,
vários crimes estão interligados: os veículos roubados servem
como moeda de troca para aquisição de armas e drogas, bem
como para serem utilizados em roubos diversos e os roubos
a banco, as explosões de caixas eletrônicos, servem como
treinamento e levantamento de fundos para ataques maiores.

6. Conclusão

Embora no início o Cangaço não tenha realizado ações


de grandes roubos a bancos, naquela época era comum “sa-
quearem” as cidades com características de guerrilha rural e
tomada de cidades, vez que os “cangaceiros” se embrenha-
vam na caatinga e faziam uma relativa ou total tomada de
pequenas cidades brasileiras.
Ocorre que, com o passar dos anos, a terminologia
Novo Cangaço foi alargada para todo e qualquer tipo de

gem, mentiras, covardia, opressões, chantagem, extorsões, inve-


jas, calúnia e outros atos que ferem a ética do crime.
82 Élcio D’Angelo

assalto com violência que ocorria no país como: roubo a uma


cooperativa, roubo a um cofre de posto de gasolina, explosão
de terminais de autoatendimento a noite com emprego de
muitos indivíduos (ação chamada de Cangaço Noturno).
Os cangaceiros viviam errantes e em bandos promovendo
suas ações. Os indivíduos que cometiam tais ilicitudes, do
final dos anos 80 e 90 procediam de forma parecida, porém
tinham o seu reduto. Os atuais se reúnem para a prática
criminosa e seguem suas vidas normalmente, são inseridos
na sociedade, têm família, amigos e se configuram como
Organização Criminosa.
Os grandes roubos exigem criminosos com aptidão, ou
seja, com disposição para realizar ações violentas, domínio
de técnicas e táticas com armamento de grosso calibre, e
poder de enfrentamento a repressão dos órgãos de segurança;
os grandes roubos exigem armamento de grosso calibre para
as ações e os membros, não querem arriscar aos seus próprios
integrantes em uma eventual prisão por porte de arma para
não prejudicar o planejamento e execução da ação; aliado
a esta questão, muitos criminosos possuem mandado de
prisão em aberto inviabilizando, assim, a auto exposição em
rodovias.
Com os constantes enfrentamentos com as forças de
segurança pública, os bandos foram se desfazendo e a ideologia
de estilo de vida dos novos cangaceiros decaiu, dando ênfase
para lucratividade, pois sem identidade de grupo, cada um
agia de forma individual, dando início a divisões de tarefas
junto às organizações criminosas, a exemplo do PCC.
Os assaltantes precisam de criminosos dispostos e com
poder de enfrentamento, explosivos e armas, o que podem
conseguir com as ações individuais dos faccionados que,
por vez, utilizam-se da organização criminosa para suprir
esta necessidade. Logo, indiretamente os assaltantes de
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 83

instituições financeiras dependem da facção, pois conseguem


esta intenção de forma rápida e segura.
Em relação ao PCC, que precisa demonstrar poder, no
seu projeto expansionista pela fronteira brasileira, o assalto
a instituição financeira aliada a facção é fator relevante,
pois estas ações são impactantes, violentas para os órgãos de
segurança, para a população e principalmente, para os rivais
de onde disputam domínio territorial, criando uma sensação
de superioridade e poder de enfrentamento contra outras
organizações criminosas e, principalmente, contra o estado
democrático de direito da sociedade brasileira.
Contextualizando estas duas vertentes, conclui-se
que as ações de grandes roubos as instituições financeiras
contribuem, significativamente, para o crime organizado (e
vice-versa), de forma indireta, sendo intencional ou não.
Ainda, após o caso Prossegur a liderança do PCC percebeu
que essas ações poderiam ser lucrativas para a facção, ou
seja, nos casos dos ataques contra as instituições financeiras
estariam dividindo os lucros com os mentores dos grandes
roubos contra o patrimônio, sendo estes responsáveis pelo
planejamento e o PCC responsável pelo fornecimento da
logística. Além disso, esse modus operandi serviria também
para ser utilizado nos resgates de presos, já que possuem
as mesmas características como o uso de explosivo, armas,
veículos roubados, planejamento de fuga, a contenção da
equipe policial e a rendição de agentes prisionais.
Coincidência ou não, nos últimos registros de ataques
violentos contra unidades prisionais com intento de resgatar
presos faccionados, que aconteceram, por exemplo, nos
estados da Paraíba e Paraná, foi utilizada a mesma logística
da modalidade Domínio de Cidades, o que leva a se inferir
que os mentores de crimes violentos contra o patrimônio, em
sua modalidade mais evoluída atualmente, foram cooptados
84 Élcio D’Angelo

pelas lideranças das facções para venderem o serviço de


planejamento (sendo contratados).
Em outra vertente, ainda há possibilidade das facções
criminosas implementarem ações de resgate de presos
faccionados, como parceria, utilizando o mesmo modus
operandi do Novo Cangaço, levando ao Domínio de Cidades
em que os objetivos dos parceiros são distintos, sendo o
objetivo da facção o resgate de presos e os valores subtraídos
de interesse dos mentores. Nessas parcerias a logística fica
a cargo da facção criminosa e o planejamento das ações,
com parte do financiamento gasto, sob responsabilidade dos
mentores dos grandes crimes violentos contra o patrimônio.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 85

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Acesso em: 22 de janeiro de 2018. Acesso em: 22 de janeiro
de 2018.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 91

CAPÍTULO IX - INFORMANTE CONFIDENCIAL E SEU


MARCO LEGAL: O imbróglio das Fontes Humanas no
Brasil

Romildson Farias Uchôa27

Frequentemente as polícias utilizam como técnica de


investigação o “Recrutamento e Controle (Manejo) de Fontes
Humanas”, certamente a mais antiga e tradicional forma de
obtenção de dados28.
Há que se diferenciar informantes de colaboradores, sob
o ponto de vista da doutrina de inteligência29. Porém, isso não
tem tanta relevância em relação às salvaguardas legais que
trataremos mais adiante.

27 Bacharel em segurança Pública (Universidade Estadual do Ma-


ranhão); Bacharel em Direito (Universidade Federal do Ceará);
Especialista em Ciências Penais (UNISUL); oficial da reserva da
Polícia Militar do Ceará; instrutor nos Cursos de Repressão a Cri-
mes contra o Patrimônio; atualmente é Agente da Polícia Federal.
28 O uso de fontes humanas vem das mais priscas eras. Muitas são
as passagens bíblicas Fontes Humanas, “espias”, etc. Para  vencer a
batalha de Kadesh, Ramsés II mobilizou falsos comerciantes egíp-
cios para informá-lo dos planos dos hititas. Napoleão Bonaparte
não dava um passo sem ler os relatórios de seus informantes. Nos
tempos de João Goulart, quando o então ministro da Guerra, Jair
Dantas Ribeiro, estava internado no Hospital Central do Exército,
todas as suas conversas iam parar na mesa do coronel Wernon
Walters, chefe da CIA no Brasil. (Carlos Chagas. Falsas Indigna-
ções com a Espionagem Americana no Brasil. Artigo disponível
em http://diariodopoder.com.br/artigo.php?i=18935641186
29 O Controle de Fontes Humanas é uma atividade complexa, que
requer planejamento, e composta por várias fases que são: desde
a escolha, investigação, passando pelo recrutamento e controle,
entre outras.
92 Élcio D’Angelo

Informantes seriam pessoas em geral envolvidas com o


crime, com um ou alguns propósitos (motivações definidas),
ao passo que colaborador seria qualquer pessoa (física ou
jurídica) que preste colaboração às polícias, ou aos serviços de
inteligência, no sentido de subsidiar a investigação, elucidar
e/ou se antecipar a crimes.
Sob o ponto de vista legal, a questão ganha outros
contornos, tendo em vista a existência dos institutos da
Delação Premiada, Colaboração Premiada (esta, mais ampla
e, conforme muitos doutrinadores defendem - gênero, da qual
a Delação é espécie), Informante (em juízo - que não pode
servir como Testemunha), Informante Anônimo (cujos dados
podem ensejar investigação preliminar para confirmação de
verossimilhança - e eventualmente instauração de IP) e da
Testemunha (artigo 202 a 225, CPP).
Há ainda proposta, no âmbito das dez medidas
anticorrupção do MP30, da regulamentação do Informante
Confidencial (doravante IC), nas esferas administrativa, cível
e penal para investigações relacionadas a ato de corrupção.
É visível em nosso ordenamento a falta de um marco legal
que resguarde de maneira segura os Informantes (em sentido
genérico), bem como os policiais que lidam com essa fonte.
Há, já de algum tempo, tímidas propostas, como a previsão de
recompensa a informantes31.
Constitucionalmente a questão se coloca no art. 5º,

30 Link para o PL 4850/2016: http://www.camara.gov.br/propo-


sicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=8A06BC8792D-
7C02939F2A197F861F004.proposicoesWebExterno2?codte-
or=1448689&filename=PL+4850/2016
http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/campanha/documentos/resu-
mo-medidas.pdf
31http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,comissao-discute-
-recompensa-para-informantes,10000071422
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 93

XIV, CR/88, que assegura o sigilo da fonte da informação,


quando necessário ao exercício profissional:

“Art. 5º. (…) XIV – é assegurado a todos o acesso


à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional”.
(g.n)

Há na legislação infraconstitucional códigos de ética


do servidor público e, ainda, o dever de sigilo de vários
normativos e os respectivos tipos penais que incriminam a
divulgação de segredo ou dados sigilosos.
De toda forma, isso ainda é insuficiente, pois não há re-
gras claras para os seguintes problemas: Informante integra
grupo criminoso e movido por algum propósito (sua vida
pode estar em jogo, vingança, necessidade financeira, bene-
fícios penais etc); procura órgão policial (ou mesmo o MP) e
decide prestar informações, mas para que continue a ter in-
formações precisa continuar a realizar contatos com crimino-
sos, os quais delatam os mesmos criminosos de grupos rivais.
Surge aí um problema: Se continuar a prestar auxílio
material ao grupo, no mínimo poderá ser imputado criminal-
mente como partícipe ou coautor de crimes ante a falta, atual-
mente, de cobertura legal da atividade;
Se desejar afastar-se dos comparsas, poderá sofrer des-
confianças e, desse modo, arriscar-se. Ao continuar a integrar
o grupo, estará funcionando como uma espécie de infiltrado
– porém a legislação sobre a infiltração (Lei nº 12850/2013,
artigos 10 a 14)32 prevê expressamente que só pode ser rea-

32 Há ainda recente previsão de infiltração específica virtual no


ECA., para a investigação dos crimes alí previstos nos artigos:
217, 218, 218-A, 218-B, 240, 241, 241-A, 241-B, 241-CE, e 241-D.
O Capítulo III do Título VI da Parte Especial da Lei nº 8.069/90,
94 Élcio D’Angelo

lizada por policial, em outros termos, não há previsão legal


de infiltração de não policiais. Portugal, por exemplo, possui
legislação autorizativa da infiltração de qualquer pessoa.
Assim, quem resguardará o informante na eventualidade
- e mesmo quase certeza do cometimento ou participação em
crimes (o que ocorre na maioria das vezes)? E se um comparsa
pede que o informante leve drogas a algum lugar ou mesmo
um veículo roubado? E se o informante transportar um
criminoso, ou mesmo realizar depósitos de dinheiro oriundo
de crimes? Temos aqui um impasse.
E o pior - cientificado da situação, qual deve ser a atitude
do policial? Certamente não há resposta, e há uma lacuna em
nosso sistema. Orientará a não cometer crimes. Porém, e se
a recusa importar risco de vida ou o comprometimento da
fonte inviabilizando-a a prosseguir com suas informações e
inserção no grupo investigado?
Recentemente um oficial da Polícia Militar do Acre
e um Delegado tiveram prisões decretadas por suposto

o Estatuto da Criança e do Adolescente, passou a vigorar acres-


cido da Seção V-A, a partir de uma modificação trazida pela Lei
13.441/17, cuja vigência deu-se na data da sua publicação no Di-
ário Oficial da União, dia 09 de maio. Tal regime seria necessá-
rio também para a infiltração virtual em grupos de aplicativos de
mensagens e outras redes sociais para a investigação de crimes di-
versos, principalmente os violentos e associados a violentos, bem
como a cobertura legal para o estabelecimento de contatos com
fontes, que nos dias de hoje acabam ocorrendo muitas vezes por
meio virtual. É forçoso trabalhar com a perspectiva de que as dis-
tâncias espaciais e temporais atualmente são eliminadas em razão
da comunicação digital que ultrapassou todas as formas comuni-
cativas anteriores, o que potencializou o trânsito de informações.
É a seguinte a epígrafe da seção acrescentada ao Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente: “Da Infiltração de Agentes de Polícia para a
Investigação de Crimes contra a Dignidade Sexual de Criança e
de Adolescente.”
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 95

envolvimento com Organização Criminosa, não obstante


tivessem em seus currículos excelentes serviços prestados
na elucidação e antecipação a crimes, bem como elevado
conceito nos meios policiais e na sociedade. Da parte da
investigação foram acusados de envolvimento; em suas defesas
argumentaram que o contato com informantes vinculados
aos grupos criminosos fora como meio de informar-se sobre
crimes, o que inclusive era do conhecimento de pares e
superiores. Sem adentrar ao mérito da investigação, decerto
uma legislação e procedimentos para o trato com as fontes,
aplacariam futuros problemas ou facilitaria a transparência
pública perante órgãos de controle acerca dos propósitos,
condução e resultados da atividade de coleta de dados.
Não obstante a isso, teríamos um problema adicional,
que seria acerca do sigilo e não revelação das fontes, o que
decerto seria e é muito vulnerável ao se realizar registros ou
solicitar medidas judiciais, entretanto, isso é uma outra ques-
tão.
Como regra, espera-se que o êxito da investigação venha
a dispensar a eventual apresentação da identidade do infor-
mante - e aqui ele (informante para qualquer crime) difere do
Informante Confidencial - IC cuja regulamentação foi propos-
ta, conforme adiante se explica.
A proteção da identidade do informante e a legitimidade
da utilização das informações por ele fornecidas encontram
amparo na legislação das principais democracias do mundo,
bem como em instrumentos internacionais.
O Informe Anual de 2000, do Relator Especial das Na-
ções Unidas para Liberdade de Expressão, encampou o con-
junto de princípios de acesso à informação desenvolvidos
pela ONG Article 1933 – International Centre Against Censor-

33 http://artigo19.org/a-organizacao/
96 Élcio D’Angelo

ship. No Anexo II do citado relatório, denominado The Pu-


blic’s Right to Know: Principles on Freedom of Information
Legislation, é prevista a proteção ao denunciante. (UNITED
NATIONS. Commission on Human Rights. Report of the Spe-
cial Rapporteur on the Promotion and Protection of the Right
to Freedom of Opinion and Expression - E/CN.4/2000/63).34
A par dos citados problemas, o Ministério Público apre-
sentou no bojo das dez medidas anticorrupção a regulamen-
tação do Informante Confidencial, nos seguintes termos:

“Art. 1º Esta Lei disciplina, nos termos do art. 5º,


inciso XIV, da Constituição Federal, o sigilo da
fonte da informação que deu causa à investigação
relacionada à prática de atos de corrupção.
Art. 2º Nas esferas administrativa, cível e criminal,
poderá o Ministério Público resguardar o sigilo da
fonte de informação que deu causa à investigação
relacionada à prática de ato de corrupção, quando
se tratar de medida essencial à obtenção dos dados
ou à incolumidade do noticiante ou por outra
razão de relevante interesse público, devidamente
esclarecidas no procedimento investigatório
respectivo.
Parágrafo único. O Ministério Público poderá ar-
rolar agente público, inclusive policial, para pres-
tar depoimento sobre o caráter e a confiabilida-
de do informante confidencial, os quais deverão
resguardar a identidade deste último, sob pena de
responsabilidade.
Art. 3º Ninguém poderá ser condenado apenas

34 Disponível em: http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/


G00/102/59/PDF/G0010259.pdf?OpenElement. Acesso em 16 jan.
2016. Princípio de acesso a informação.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 97

com base no depoimento prestado por informante


confidencial.
Art. 4º No caso do conhecimento da identidade
do informante confidencial ser essencial ao caso
concreto, juiz ou tribunal, ao longo da instrução
ou em grau recursal, poderá determinar ao
Ministério Público que opte entre a revelação da
identidade daquele ou a perda do valor probatório
do depoimento prestado, ressalvada a validade
das demais provas produzidas no processo.
Art. 5º Comprovada a falsidade dolosa da
imputação feita pelo informante confidencial, será
revelada a sua identidade e poderá ele responder
pelos crimes de denunciação caluniosa ou de falso
testemunho, sem prejuízo das ações cíveis cabíveis.
Art. 6º Aplicam-se as disposições desta Lei, no que
couber, à Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013.”

No dia 04 de janeiro de 2019 o Ministro da Justiça e


Segurança Pública Sérgio Moro apresentou anteprojeto aos
governadores dos Estados e secretários de segurança. Trata-
se de um pacote de medidas contra organizações criminosas,
a corrupção e os crimes violentos contra a pessoa. Entre
outros trata, embora timidamente, sobre Fontes Humanas.
Consideramos, porém, que é um primeiro passo para o fim
das incertezas com as quais os órgãos de segurança lidam
diariamente com informantes e colaboradores.
Em resumo prevê: a) Introdução do “informante do
bem” ou “whistleblower” (qualquer pessoa tem o direito de
relatar informações sobre crimes contra a Administração
Pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou
omissões lesivas ao interesse público); b) Mudança na Lei
98 Élcio D’Angelo

n.º 11.343/2006 (drogas) para introdução de agente policial


encoberto (“infiltrado”); c) Mudança na Lei n.º 9.613/1998
(lavagem) para introdução de agente policial encoberto; d)
Mudança na Lei n.º 10.826/2003 (armas) para introdução de
agente policial encoberto;
A introdução do wistleblower, que já era defendida pelo
MP em suas dez medidas contra a corrupção, altera a lei
13.608 de 2018 que dispõe sobre normas gerais sobre serviço
telefônico de disque denúncia e pagamento de recompensas
a informante que se identifique (mas com garantia da
identidade ser preservada), autorizando os entes federativos
a criar os seus serviços de recepção de denúncias bem como
sobre as formas de recompensa. Já havia então algum passo
no sentido de criar segurança jurídica aos órgãos em relação
às fontes humanas, embora os serviços de disque denúncia já
existam há anos, e antes deles as centrais policiais dos órgãos
de segurança já recebiam denúncias diversas.
Nesse aspecto do informante-denunciante o projeto
prevê um estatuto bem satisfatório, porém parece que a
legislação é com foco em crimes e outros malfeitos contra
a administração pública. Utiliza-se de um termo bem
genérico como “quaisquer ações ou omissões ao interesse
público”, sendo interessante, talvez, explicitar a abrangência
do dispositivo. Acreditamos que ele poderia ser ampliado
também para outros crimes, principalmente os violentos,
crime organizado, roubos a banco e a empresas de guarda e
transporte de valores, o que provavelmente irá ocorrer por
ocasião dos debates legislativos.
Interessante regra também é a que diz respeito ao proposto
Art. 4-B, no sentido de que o informante tem direito a ter sua
identidade preservada, mas se a revelação da identidade do
informante for imprescindível no curso de processo cível,
de improbidade administrativa ou por questões penais, a
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 99

autoridade processante poderá determinar ao autor que opte


entre a revelação da identidade ou a perda do valor probatório
do depoimento prestado, ressalvada a validade das demais
provas produzidas no processo.
Tal regra, se por um lado resguarda questões operacionais
relativas a preservação da identidade, por outro dá a opção
aos órgãos da persecução de optar pela não revelação da
fonte, e seu chamado a testemunhar, como também preserva a
amplitude da defesa ao determinar a perda do valor probatório
de espécie de “testemunha” que não pode se apresentar ao
juízo para a garantia do contraditório.
O Art. 4-C traz salvaguardas ainda ao informante contra
retaliações, ressarcimento em dobro por prejuízos ao seu
patrimônio, e ainda a possibilidade de atribuição de até cinco
por cento em recompensa (sobre valores recuperados). Segue
a íntegra da proposta nesse particular tema:
“ (...)
XIX) Introdução do “informante do bem” ou do
whistleblower:
Mudanças na Lei nº 13.608/2018:
“Art. 4º-A. A União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios e suas autarquias e fundações,
empresas públicas e sociedades de economia mista,
manterão unidade de ouvidoria ou correição,
para assegurar a qualquer pessoa o direito de
relatar informações sobre crimes contra a
Administração Pública, ilícitos administrativos
ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao
interesse público. Parágrafo único. Considerado
razoável o relato pela unidade de ouvidoria
ou correição, e procedido o encaminhamento
para apuração, ao informante será assegurada
100 Élcio D’Angelo

proteção integral contra retaliações e estará isento


de responsabilização civil ou penal em relação
ao relato, salvo se tiver apresentado, de modo
consciente, informações ou provas falsas.” (NR)
“Art. 4º-B. O informante tem o direito de
preservação de sua identidade, a qual apenas
será revelada em caso de relevante interesse
público ou interesse concreto para a apuração
dos fatos. § 1º Se a revelação da identidade do
informante for imprescindível no curso de processo
cível, de improbidade ou penal, a autoridade
processante poderá determinar ao autor que opte
entre a revelação da identidade ou a perda do valor
probatório do depoimento prestado, ressalvada
a validade das demais provas produzidas no
processo. § 2º Ninguém poderá ser condenado
apenas com base no depoimento prestado pelo
informante, quando mantida em sigilo a sua
identidade. § 3º A revelação da identidade somente
será efetivada mediante comunicação prévia ao
informante, com prazo de trinta dias, e com sua
concordância.” (NR)
“Art. 4º-C. Além das medidas de proteção
previstas na Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999,
é assegurada ao informante proteção contra ações
ou omissões praticadas em retaliação ao exercício
do direito de relatar, tais como demissão arbitrária,
alteração injustificada de funções ou atribuições,
imposição de sanções, de prejuízos remuneratórios
ou materiais de qualquer espécie, retirada de
benefícios, diretos ou indiretos, ou de negativa
de fornecimento de referências profissionais
positivas. 34 § 1º A prática de ações ou omissões
de retaliação ao informante configura falta
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 101

disciplinar grave, sujeitando o agente à demissão


a bem do serviço público. § 2º O informante será
ressarcido em dobro por eventuais danos materiais
causados por ações ou omissões praticadas
em retaliação, sem prejuízo de danos morais.
§ 3º Quando as informações disponibilizadas
resultarem em recuperação de produto de crime
contra a Administração Pública, poderá ser fixada
recompensa em favor do informante em até 5%
(cinco por cento) o valor recuperado.” (NR)”

Quanto às outras medidas, que são um aprimoramento


da investigação de crimes, basicamente a instituição do
agente policial encoberto (infiltrado), nos crimes de Lavagem
de Capitais, na lei de armas, e na lei de drogas, a providência
já era prevista na lei de organizações criminosas, se os
grupos criminosos se configurassem as tais organizações.
Aqui verifica-se que houve a ampliação do rol de crimes
específicos e com menos entraves para se utilizar da
ferramenta da cobertura legal para melhor operacionalizar
tais investigações.
Porém, subsistem os mesmo problemas que verificamos
na previsão da infiltração na lei do crime organizado, quais
sejam: a) inexequibilidade prática ou altíssimo risco de se
utilizar de agente encoberto em crimes como roubos a banco,
carros fortes, tráfico de drogas, entre outros; b) problemas
legais com o possível e até forçado cometimento de crimes
pelo agente policial; c) necessidade de disciplina legal do uso
de informantes uma vez que são necessários muitas vezes
para permitir a infiltração policial; d) impossibilidade a
depender do grupo criminoso de realizar a infiltração – o que
demandaria o uso de informante confidencial; e) a dinâmica
das operações encobertas exige segundo estudiosos o mesmo
tratamento com o Informante Confidencial e com o Agente
102 Élcio D’Angelo

Infiltrado, pois essas figuras muitas vezes se confundem na


prática; f) progressão operacional da figura do informante,
que pode se tornar um agente infiltrado (ou encoberto).
Enfim, são apenas algumas situações exemplificativas
da complexidade das Fontes Humanas, que demandam
atenção maior do legislador. Assim, o agente infiltrado já era
previsto na lei das organizações criminosas, e agora amplia-se
sua possibilidade de atuação, porém sem resolver problemas
e omissões que naquela mesma lei se apresentava. O
disciplinamento anteriormente tratado acerca do informante
poderia ser utilizado como base para uma maior cobertura legal
do policial que eventualmente viesse a trabalhar encoberto. O
momento político é propício a tais discussões, sempre, é bom
frisar, respeitando-se as garantias constitucionais do cidadão,
mas sem perder de vista a funcionalidade das ferramentas
de enfrentamento do crime. Somente para melhor esmiuçar
alguns dos problemas acima, simulemos alguns casos:

1. Policial atuando como agente encoberto é obrigado


a cometer crimes, e a lei de crime organizado
prescreve que guardada a proporcionalidade, sob
pena de responsabilidade por excessos, não é
punível a prática de crime no curso de investigação
quando inexigível conduta diversa. Ora, se o agente
necessitar cometer crimes diversos, como matar em
legítima defesa ou mesmo forçado por um chefe de
grupo criminoso, cometer outras condutas tidas como
crimes ou contravenções, os problemas jurídicos
serão resolvidos pela inexigibilidade de conduta
diversa (art. 22, CP - coação moral irresistível
ou obediência hierárquica), por perdão judicial
com a não punibilidade, ou pelas excludentes de
antijuridicidade (arts. 23, 24 e 25 do Código Penal),
por discriminantes putativas (20, p. 1º, CP), ou por
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 103

um misto de todas elas? A depender da extensão,


quantidade e diversidade de crimes?
Como se nota, a questão é tormentosa e pouco
explorada pelos doutrinadores, e quase inexistente
na jurisprudência pátria.
Nos Estados Unidos, que possuem grande tradição
com o uso de informantes fica mais fácil resolver a
questão pois, guardando-se dentro dos parâmetros
previstos em normativos, não faz sentido denunciar
o policial por crimes, se inclusive o Persecutor
(Ministério Público) pode realizar acordo com
particulares para a não persecução penal (plea
bargaing). Parece ser um sistema menos complexo
que o nosso pois é mais fácil adaptar soluções a
casos concretos, inclusive pela amplitude do júri e
pela existência de um único código de processo.
De toda forma, há de se perquirir como Portugal35
vem resolvendo tais questões, tendo em vista que
o sistema mais se aproxima do nosso e através da
lei, é prevista tanto a infiltração de policiais quanto
terceiros, sendo tênue ou inexistente a fronteira
entre o encoberto e o informante, alheio aos quadros
policiais. Também os alemães preveem informantes
(v-man)36.

35 A utilização de terceiros sob controle da polícia nas operações


de infiltração, a legislação brasileira não prevê este tipo de atua-
ção, diferentemente da lei alemã (utilização dos V-Mann) e por-
tuguesa que a admitem (§art.3º, lei 101/2001, de 25 de agosto).
(...), um dos motivos que justificariam a utilização de terceiros
nas operações de infiltração está no fato de que algumas vedações
legais que incidem sobre os agentes policias, não recairiam sobre
estes terceiros (SILVA, 2015)
36 Lei para o combate do tráfico ilícito de estupefacientes e outras
formas de criminalidade organizada que introduziu alterações no
104 Élcio D’Angelo

2. Informante agindo como agente duplo, de modo


a obter da polícia dados acerca de possíveis
investigações em cima do grupo para o qual trabalha.
Isso demanda que haja uma normatização sobre
os procedimentos do policial tendo em vista que a
demonstração de interesse acerca de informações
supostamente importantes pode revelar os objetivos
e o trabalho de investigação, podendo vir a
comprometer o policial por suspeita de vazamento;

3. Informante simultaneamente prestando


informações ao policial e cometendo crimes
diversos, ao mesmo tempo sendo investigado por
outros órgãos, trazendo risco para o policial ao
realizar comunicações ou encontros, bem como
possíveis acusações contra o policial de estar sendo
condescendente (crime de prevaricação, etc) com
crimes;

4. Agente policial viabilizando sua ação encoberta


por meio de um contato (informante). Logo, embora
se discipline a ação do agente encoberto (e vimos
que não está bem delineada), há necessidade de
disciplinamento desse contato, controle e dispensa
do informante, tendo em vista que o mesmo pode vir
a ser chamado num futuro a depor como testemunha,
bem assim paralelamente à operação encoberta,
há de fato uma ação com informante (carente de
disciplina legal).

§110 do Código de Processo Penal Alemão (Strafprozeßordnung


- StPO), introduzindo ali a figura do agente infiltrado (Verdeck-
ter Ermittler): Lei ORGKG de 15 de julho de 1992 - Gesetz zur
Bekämpfung des illegalen Rauschgifthandels und Anderer Ers-
cheinungsformen der Organisierten Kriminalität-OrKG
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 105

5. Informante à revelia em processos (foragido). Na


eventualidade de ele realizar contatos com o policial,
este deve dissuadi-lo a entregar-se, deve envidar
esforços para captura-lo ou deve concentrar-se nas
informações relevantes que o mesmo queira passar
ou já esteja passando? Os riscos são agravados para
o policial se o contato estiver sendo investigado por
outros órgãos. O simples dizer retórico: “cuidado”
pode vir a ser interpretado como favorecimento
pessoal, condescendência criminosa ou outros.

6. Informante ou colaborador instado a prestar auxílio


a criminosos, seus contatos, dos quais está prestando
informações ao policial (resgate de assaltantes após
assalto ou fuga), prática de atos que em si não sejam
crime (como transportar um veículo) mas que no
contexto de uma investigação por outro órgão pode
configurar participação ou coautoria em crimes
diversos (quadrilha ou bando, associação criminosa,
associação para o tráfico). Se não prestar pode sofrer
retaliações ou perder o contato, se prestar pode vir a
ser preso ou responder a processos. O policial, ciente
dos fatos, pode vir a ser responsabilizado de diversas
formas.

7. Informante faz ligações de dentro de um presídio


passando informações relevantes, embora com todas
as recomendações e avisos do policial, o mesmo
não realiza ligações devidamente autorizado, mas
a revelia da administração penitenciária, sem
que o policial saiba disso. Deve cortar o fluxo ou
concentrar-se nas informações?

8. Informante que utiliza o contato com policiais


para se passar por policial, inclusive com uso de
identidade falsa ou não. Usa a expertise sobre a
106 Élcio D’Angelo

atividade policial que os contatos lhe proporcionam


bem como o fato de ser visto em companhia de
policiais. E ainda, praticar crimes, como extorsão,
concussão e outros exigindo valores como se
fossem destinados aos policiais. Uso do nome ou
pretensa influência do controlador, no contexto de
uma prisão ou mesmo numa simples blitz.

9. Informante ou colaborador que teve identidade


revelada, de fato, num processo ou por vazamentos,
que necessite ser protegido e até incluído em
Programa de proteção a testemunha (nesse particular
existem programas e legislação para isso). Isso pode
ensejar responsabilização civil do estado, e ante à
falta de normatização de procedimentos, haver a
responsabilização regressiva do agente da lei;

10. Informante de extrema importância residindo


em outro país, deseja estabelecer ou reestabelecer
contato com policial. Assim, a cobertura legal fora
do país se resolveria no âmbito da legislação penal-
processual, da cooperação internacional ou da
cobertura diplomática?

Enfim, as situações acima são apenas exemplificativas


da complexidade do assunto. Os órgãos policiais e agências
dos EUA já sofreram com a perda de policiais infiltrados,
sendo farta a literatura a respeito, seja por vazamentos
no próprio órgão policial ou judicial, falta de cuidados do
encoberto, duplicidade de informantes, reconhecimento do
policial - por ser pessoa pública (e isso se agrava no Brasil,
pelo fato de a publicidade dos atos oficiais ser alta- a exemplo
de publicação de listas de concurso público). Diante dessa
realidade, mostra-se mais seguro (embora muito criticado
doutrinariamente) utilizar-se de informantes no grupo alvo,
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 107

reduzindo os riscos de baixas policiais, e por isso é grande a


atenção e utilização do expediente pelos norte-americanos,
e a infiltração do policial se torna então realmente a ultima
ratio. Na prática, é um expediente pouco utilizado ainda em
nosso país.
Não obstante as críticas ao instituto, tanto da utilização
de informantes quanto de uma espécie de infiltrado não
policial (vão desde a questão da “lealdade entre criminosos”,
até a terceirização de uma atividade estritamente policial, até
a falta de confiabilidade e compromisso de terceiros), há de
se entender que há diversos atores não criminosos dispostos
a colaborar, apoios da atividade criminosa, muitas vezes
em sua face lícita (profissionais liberais, comerciantes etc),
o fato é que a atividade existe embora sem um suficiente
disciplinamento legal - expondo a perigos37 tanto o órgão
policial e seu corpo, bem como as pessoas dispostas (pelos
mais diversos motivos) a colaborar.
Por oportuno, em vista da falibilidade humana,
acreditamos que a ferramenta deve ser utilizada como
fonte de informação para deflagrar apreensões e prisões em
fragrante ou mesmo produzir evidências e alcançar objetivos
reveladores da materialidade dos delitos e sua autoria, e não
como açodadamente pode-se pensar no uso das informações

37 Mascarar identidades, escamotear intenções, insinuar mentiras


ou verdades, inventar razões. Não é um vale-tudo para nós, poli-
ciais – presos a normas legais, por sorte –, mas flertamos sim com
o lado negro. De qualquer força. Quando falo que a linha entre
o certo e o errado é tênue, tenha certeza de que não é da boca
para fora. Só quem transita dos dois lados é capaz de assimilar, e
aceitar, o caráter volúvel e irrevogável de decisões extremas. Por
isso mesmo urgentes, agudas, tomadas em segundos que não se
repetirão no instante seguinte. Podemos até errar, e erramos, mas
tentamos fazer a coisa certa sempre. Júnior, Renato. GUERRA FE-
DERAL: Retratos do combate a crimes violentos no Brasil (Locais
do Kindle 1900-1905). Edição do Kindle.
108 Élcio D’Angelo

brutas do informante serem usadas como valor probatório


- um misto entre um informante sem rosto (na prática uma
testemunha) é temerário ao exercício da legítima defesa,
mas pode-se imaginar casos de difícil elucidação no qual
um informante pode vir a depor em juízo, servindo como
elemento de convicção ao juiz ou tribunal do júri.
É de se ressaltar ainda que a dinâmica do trato com
informantes associados ao crime violento, ao tráfico de drogas
e correlatos requer cuidados adicionais com segurança,
tanto no uso prudente das informações coletadas quanto na
própria condução e encontros com o informante/colaborador.
Muitas vezes há de se preparar toda uma equipe de segurança
e cobertura para o estabelecimento de encontros presenciais.
Segue a íntegra da proposta do MJSP:

“XVIII) Medidas para aprimorar a investigação


de crimes:
(...)
Mudança na Lei n.º 11.343/2006 (drogas) para
introdução de agente encoberto:
“Art.33.....................................................................
.............................................................
§1º...........................................................................
............................................................. ..................
................................................................................
...........................................
IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima,
insumo ou produto químico destinado à preparação
de drogas, sem autorização ou em desacordo com
a determinação legal ou regulamentar, a agente
policial disfarçado, quando presentes elementos
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 109

probatórios razoáveis de conduta criminal pré-


existente. .....................................................”(NR)
Mudança na Lei n.º 9.613/1998 (lavagem) para
introdução de agente encoberto:
“Art. 1º.....................................................................
............................................................. ..................
................................................................................
...........................................
§ 6º Não exclui o crime a participação, em qualquer
fase da atividade criminal de lavagem, de agente
policial disfarçado, quando presentes elementos
probatórios razoáveis de conduta criminal pré-
existente.” (NR)
Mudança na Lei n.º 10.826/2003 (armas) para
introdução de agente encoberto:
“Art.17.....................................................................
............................................................. ..................
................................................................................
...........................................
§ 1º Equipara-se à atividade comercial ou
industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma
de prestação de serviços, fabricação ou comércio
irregular ou clandestino, inclusive o exercido
em residência. § 2º Incorre na mesma pena a
venda ou a entrega de arma de fogo, acessório ou
munição, sem autorização ou em desacordo com
a determinação legal ou regulamentar, a agente
policial disfarçado, quando presentes elementos
probatórios razoáveis de conduta criminal pré-
existente.” (NR)
“Art.18.....................................................................
................................................................................
110 Élcio D’Angelo

................................................................................
..........................................
Parágrafo único. Incorre na mesma pena a
venda ou a entrega de arma de fogo, acessório
ou munição, em operação de importação, sem
autorização da autoridade competente, a agente
policial disfarçado, quando presentes elementos
probatórios razoáveis de conduta criminal pré-
existente.” (NR) “

Conforme citamos antes o processo penal brasileiro


conhece a figura do informante anônimo, e agora se propõe
a regulamentação do IC38, que seria um meio termo entre a
Testemunha e o Informante anônimo.
De extrema importância, e motivado pelo combate
à corrupção, entendemos que continuam ainda lacunas
na atividade policial, a uma porque o projeto não prevê a
utilização do IC pelas polícias, mas tão somente pelo MP e
ainda há certas peculiaridades talvez não previstas no caso
de a investigação se tratar de crimes violentos e associados

38 Muitos juristas, a exemplo de Lênio Luiz Strek, tem criticado as


medidas anticorrupção propostas - entre elas a regulamentação
do IC (pois poderia conduzir a uma cultura denuncista - utili-
zando como paradigma o famoso “Caso dos denunciantes inve-
josos”, de Dimitri Dimoulis), ao fundamento principalmente de
que relativizam garantias constitucionais que foram conseguidas
a duras penas na Constituição vigente. Para leitura mais detida:
http://www.conjur.com.br/2016-mar-03/senso-incomum-pacote-
-anticorrupcao-mpf-fator-minority-report. Acreditamos que, risco
há, de qualquer instituto em qualquer sistema (democrático ou
ditatorial) ser distorcido, porém a atuação do estado em seus ser-
viços públicos - entre eles o de segurança principalmente deve
ser no mínimo ética, proporcional, e lega l- o que balizaria a apli-
cação, regulação e práxis de quaisquer medidas procedimentais e
interventivas do Estado.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 111

à violência (grupos de assaltos a instituições financeiras


e transporte de valores39, de tráfico de entorpecentes, de
extermínio, etc).
Michael Levine, ex-agente da Drug Enforcement
Administration - DEA, consultor e instrutor de diversos
órgãos policiais dá indicativos sobre os perigos que podem
representar os Informantes - dados a mentiras e vicissitudes,
e assim somente policiais com experiência em investigação,
e nas ruas, bem assim no trato com as fontes humanas pode
controlá-las , bem como comandar operações policiais com o
uso de tal técnica.
Levine indica ainda que tecnicamente não se deve
cindir
cingir a técnica de infiltração, e portanto, da respectiva
regulamentação legal, da técnica de controle de Informantes.
Deste modo propugnamos que à proposta do Ministério
Público sobre IC devemos acrescer a regulamentação total
das situações jurídicas geradas pelo manejo de informantes
demandando maior aprofundamento para dar segurança às
ações policiais e ainda que se retorne a cultura da utilização

39 A experiência tem demonstrado que a criminalidade violenta e


organizada vem evoluindo em uma crescente. Em 1990 roubos a
banco eram perpetrados por 4, 5 homens. Em 2000 temos notícias
de ocorrências com cerca de vinte assaltantes. De 2010 até hoje
se pode contabilizar em alguns roubos a banco mais de trinta cri-
minosos. Nos Ataques a Bases de Valores já se contabilizou entre
50 a 60 numa única ação. Particularmente em relação aos grupos
de roubos a Carros Fortes e a Bases de Valores, verifica-se que são
bem compartimentados, e os grupos bem fechados, e via de regra
é imprescindível o recurso das Fontes Humanas para dobrar a ci-
tada compartimentação de modo a obter informações importantes
à intervenção/investigação contra esses grupos. Sobre ataques a
Bases de valores: UCHÔA. UCHÔA. Romildson Farias. Ataques a
Bases de Valores: um crime comum no Brasil? Abril de 2017. Dis-
ponível em: http://www.fenapef.org.br/ataques-as-bases-de-trans-
porte-de-valores-um-crime-comum-no-brasil/
112 Élcio D’Angelo

dessa fonte - que é tão utilizada pelas maiores agências


policiais e de inteligência ao redor do mundo. Os Agentes
da DEA afirmam que “sem informante, sem caso” dada
importância que dão ao tema.
O assunto se reveste de uma importância ainda por
um outro fator. É praticamente inexequível a Infiltração de
policiais em grupos criminosos violentos, tanto pelo risco de
vida quanto pela quase inevitabilidade do cometimento de
crimes graves - o que já trará severas consequências pois a lei
determina que em sua atuação guarde a proporcionalidade
sob pena de responsabilização por excessos. E então
informantes, e/ou qualquer do povo, bem manejados podem
suprir e mesmo evitar a arriscada infiltração de policiais.
Assim defendemos que qualquer pessoa do povo (informante
ou não) poderia ser autorizado judicialmente a infiltrar-se.
O boom tecnológico e de comunicações com o
incremento da já superada geração dos telefones celulares e
seus aplicativos de mensagens instantâneas acostumou de
modo incômodo as polícias, com o abandono de políticas
para fontes humanas. Os EUA regulamentam o tema em
diversos normativos, entre eles as Normas da Procurad oria
Geral sobre o uso de Informantes Confidenciais40.
Houve uma época, contam os mais antigos, que nas
polícias se aquilatava o valor do policial pela quantidade e
qualidade de informantes41 que o mesmo detinha.

40 https://fas.org/irp/agency/doj/fbi/dojguidelines.pdf
41 “Numa época anterior a qualquer tipo de ajuda tecnológica, em
que os informantes eram, não apenas a mais importante, mas a
única fonte de informações possível, a única qualificação para o
sucesso (nas investigações policiais era uma íntima familiaridade
com o submundo dos ladrões profissionais, ou até, um passado
dentro dele.) A necessidade de proteger informantes e, quando
grandes somas de dinheiro estavam envolvidas, a tentação para
acordos ilegais, às vezes a custa de vítimas, eram motivos mais
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 113

Ocorreu ainda, segundo relatos orais de colegas, uns


já aposentados, outros falecidos que o método de trabalho
da polícia, em grande parte, no início dos órgãos policiais
era simular compra de entorpecentes, passando-se por
criminosos afim de realizar apreensões e prisões e isso incluía
no processo algumas ilegalidades, ora tímidas, ora mais
explícitas, a exemplo de fugir na hora da abordagem policial e
posteriormente o flagranteado reconhecer o policial; ou então
infiltrar-se de modo mais contundente em grupos criminosos
geralmente negociantes de drogas42.
Há ainda uma pendenga doutrinária a respeito do
informante. É dito que o informante é do órgão, porém a
experiência Use the “Insert Citation” button to add citations
to this document, demonstra que há uma relação pessoal
de confiança entre ele e seu controlador. Isso foi sentido no
período pós atentados de 11 de setembro, quando agentes do
FBI e outras agências se aposentavam e acabavam levando
consigo os informantes (não havia, portanto, uma relação com
o órgão, mas com os agentes). E mesmo com todo o aparato
tecnológico não se conseguiu evitar a tragédia.
Diversas publicações afirmam que o mau gerenciamento
de fontes possibilitou os ataques ou mesmo que não os
evitaram. Desse modo, nos órgãos policiais, deve ser dado o
devido valor ao policial com aptidão para recrutar e controlar
fontes, bem como respeitada a regra de ouro que os chefes

atraentes do que o dever de proceder conforme a lei ordenava.


Assim, tanto o trabalho de detetive como o de controle da pros-
tituição provocavam o envolvimento dos responsáveis pela lei
com aqueles que a quebravam, numa trama complicada de rela-
cionamentos que era ao mesmo tempo, de apoio e de hostilidade”.
LANE, R. (2003), “Polícia Urbana e crime na América do século
XIX. In: Torny, M., e N. Moris (orgs.), Policiamento moderno. São
Paulo, Edusp.
42 https://garisto.wordpress.com/revista-caros-amigos/
114 Élcio D’Angelo

de equipe de controladores devem ser policiais experiente


neste tipo de atividade ou, no mínimo disposto a ouvir.
Desrespeitar isso pode custar vidas de policiais e de terceiros,
de informantes, bem como destruição de carreiras de policiais
e vidas, além de reputações de inocentes indevidamente
acusados.
A título de exemplo, o modo como o FBI localiza e
gerencia seus informantes é um dos segredos mais bem
guardados da agência. Estima-se que após os atentados de
11 de setembro de 2001 o órgão tenha aumentado o número
de informantes para mais de quinze mil, por determinação
presidencial. Utiliza ainda softwares para o gerenciamento
dessas fontes, e tem ampla liberdade para recrutá-las43.
O tema é sério, a ferramenta deve ser utilizada com
parcimônia e responsabilidade, e em meio a crescente onda
de violência o volume de informações de fontes que venham
a ser captados pelas organizações policiais pode gerar um
conhecimento agregado de informação - inclusive estratégica
para a segurança pública, defesa, e até mesmo para a
Segurança Nacional.
Como se tirar armas de circulação nas grandes metrópoles,
que propiciam tantos homicídios, roubos, latrocínios, senão
com o investimento maciço em informantes. Priorizar é,
talvez a solução.
Imaginemos todo o aparato policial ostensivo na tentativa
de evitar crimes, com patrulhamento aleatório, abordagens, e
de outra ponta policiais controlando informantes a indicar
onde o policiamento irá encontrar armas, quem seriam os
fornecedores delas. É uma opção de política de segurança,
que urgentemente as polícias devem rever.

43 https://theintercept.com/2017/01/31/fbi-tem-ampla-liberdade-
-para-recrutar-informantes/
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 115

Há que se regulamentar não somente o IC, mas toda Fonte


Humana que possa colaborar com a elucidação de crimes,
preservação de vidas e aplicação da lei, de modo completo
no ordenamento brasileiro, de modo a dotar a atividade da
segurança (respaldo legal) necessária, pois a experiência
internacional, principalmente nos EUA tem mostrado que a
má condução de Informantes44 custou milhares de vidas de
policiais, terceiros inocentes e dos próprios informantes, bem
como carreiras de policiais, e ainda milhões de dinheiro dos
contribuintes com indenizações a inocentes injustamente
acusados por informantes (não custa repetir!). Isso sem
contar os desvios de conduta45 que a atividade pode ensejar.
Conhecemos um caso, pelo menos, de demissão de
colega policial por “cometer a pessoa estranha à repartição,
fora dos casos previstos em lei, o desempenho de encargo
que lhe competir ou aos seus subordinados; ” (Art. 43, XI,
Lei 4878_1965), sendo a conduta prevista como transgressão
disciplinar passível de demissão no estatuto dos policiais
civis da União, ainda vigente, mas do ano de 1965.
E, entrevistando centenas de policiais de todas as corpo-
rações, uma significativa parcela diz não tratar ou não querer
tratar com fontes humanas, principalmente informantes, ten-
do em vista a falta de salvaguardas legais à atividade, além de
toda a problemática inerente a essa ferramenta.
O fator financeiro é de extrema importância, pois vigem
hoje limites legais ao pagamento de informantes com lastro
em valores da lei de licitações. Informação é como um
diamante, se lapidado pode valer alguns milhões. Não pode
ser diferente a lógica para implodir estruturas criminosas

44 http://istoe.com.br/detencao-de-informante-gera-debate-nos-
-eua-sobre-protecao-de-fontes/
45 https://oglobo.globo.com/sociedade/procurador-geral-dos-eua-
-recomenda-que-agentes-nao-contratem-prostitutas-15848913
116 Élcio D’Angelo

e adentar o submundo de um crime mais organizado – que


muitas vezes está ou conta com a cobertura das altas rodas.
Assim, deve haver alocação de recursos para o custeio da
atividade – sempre com a transparência possível que nosso
regime constitucional requer.
Aliado ao marco legal, há uma série de ciências e técnicas
auxiliares que permitem um maior controle, através da
análise de canais de comunicação, sinais do corpo, entrevista
e interrogatório, e a própria investigação séria e completa
de todas as informações prestadas de modo a minimizar ou
eliminar possibilidades de erro e manipulações46.
Em arremate, propomos uma ampla discussão sobre o
marco legal do uso de Fontes Humanas no país.

46 O diretor da Agência Central de Inteligência estatudinense -


CIA, John Deusch, no ano de 1997 (Operação Limpeza de Agen-
tes), constatou que pelo menos 1000 informantes (quase um terço
dos existentes), pagos com o dinheiro do contribuinte, em somas
significativas, eram improdutivos e ou manipuladores. Muitos
deles utilizavam-se de sua condição para cometer crimes. Co-
mentários de LEVINE no programa de TV “Crier Report” no canal
MSNBC, de 5 de março de 1997. Também: https://www.nytimes.
com/1995/08/21/world/cia-re-examines-hiring-of-ex-terrorist-as-
-agent.html
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 117

REFERÊNCIAS

DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Informantes confidenciais


e anônimos: perspectivas para atuação mais eficiente do
Estado a partir de uma análise comparativa do tratamento
jurídico nos EUA e no Brasil. In: Ministério Público e princípio
da proteção eficiente. Coordenação: CAMBI, Eduardo;
GUARAGNI, Fábio André. São Paulo: Almedina, no prelo.

Goel, R. K., & Nelson, M. A. (2013). Effectiveness of


whistleblower laws in combating Corruption. BOFIT
Discussion Papers, (9), 1–21. https://doi.org/10.2139/
ssrn.2268429

FBI. CONFIDENTIAL HUMAN SOURCE POLICY GUIDE.


DIRECTORATE OF INTELIGENCE. SEPTEMBER, 2015.

FEDERAL BUREAU OF INVESTIGATION. ACADEMY.


Interview and interroga­tion. 192nd. FBI National Academy.
Quantico-VA. 1998.

G20 ANTI-CORRUPTION ACTION PLAN PROTECTION OF


WHISTLEBLOWERS. Study on Whistleblower Protection
Frameworks, Compendium of Best Practices and Guiding
Principles for Legislation (2010). Disponível em: http://www.
oecd.org/g20/topics/anti-corruption/48972967.pdf. Acesso
em 16 jan. 2016.

LEVINE, MICHAEL. Law Enforcement Experts. The


Underused Defense Weapon. Avaliable at: http://www.
policetrialexpert.com/law-enforcement-experts/ .

______________. Undercover and Informant Handling Tactics


Training Manual. Avaliable at:
118 Élcio D’Angelo

https://www.academia.edu/8979564/Undercover_and_
Informant_Handling_Tactics_Training_Manual

LEI Nº 13.608, DE 10 DE JANEIRO DE 2018. Dispõe sobre


o serviço telefônico de recebimento de denúncias e sobre
recompensa por informações que auxiliem nas investigações
policiais; e altera o art. 4o da Lei no 10.201, de 14 de fevereiro
de 2001, para prover recursos do Fundo Nacional de Segurança
Pública para esses fins.

PROJETO DE LEI ANTICRIME. MJSP. Disponível em


http://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-con -
tent-1549284631.06/projeto-de-lei-anticrime-mjsp.pdf (aces-
so em 05.02.2019).

SILVA, Luciano André da Silveira. O agente infiltrado: estudo


comparado da legislação da Alemanha, Brasil e Portugal.
Coimbra: [s.n.], 2015. Dissertação apresentada à Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º
Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre),
na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Criminais,
tendo como orientador Manuel da Costa Andrade.

Sawyer, Kim Russell e Johnson, Jackie e Holub, Mark.


The Necessary Illegitimacy of the Whistleblower (Ju-
lho de 2006). Disponível na SSRN: https://ssrn.com/abs-
tract=917316 ouhttp://dx.doi.org/10.2139/ssrn.917316

TASLITZ, Andrew E. Prosecuting the Informant Culture, 109


MICHIGAN. LAW. REV. 1077 (2011).

UNITED NATIONS. Commission on Human Rights. Report


of the Special Rapporteur on the Promotion and Protec-
tion of the Right to Freedom of Opinion and Expression (E/
CN.4/2000/63). Disponível em: http://daccess-ddsny.un.org/
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 119

doc/UNDOC/GEN/G00/102/59/PDF/G0010259.pdf?OpenEle-
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http://gcn.net.br/noticias/291306/opiniao/2015/07/
informante-confidencial

https://jota.info/especiais/pelo-mp-o-informante-
confidencial-como-instrumento-de-combate-
corrupcao-29032016

https://leb.fbi.gov/2013/december/vetting-confidential-
human-source-intelligence-through-investigative-statement-
analysis

https://archives.fbi.gov/archives/news/testimony/improving-
our-confidential-human-source-program

https://theintercept.com/2017/01/31/fbi-tem-ampla-
liberdade-para-recrutar-informantes/

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_
link=revista_artigos_leitura&artigo_id=764

https://www.conjur.com.br/2019-jan-09/delator-protegido-
acoes-outras-areas-nicolao-dino

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/02/pacote-
de-moro-quer-conceituar-organizacoes-criminosas-e-
alterar-14-leis.shtml?utm_source=whatsapp&utm_
medium=social&utm_campaign=compwa
120 Élcio D’Angelo
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 121

CAPÍTULO X – PROGRAMA DE GOVERNO – POLÍTICA DE


SEGURANÇA PÚBLICA – PROGRAMA DE DIMINUIÇÃO
DOS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE

Ricardo Matias Rodrigues47


Élcio D´Angelo

1.A Busca pela Teoria de Redes e Análise de Vínculos

Preliminarmente, urge dizer que a diminuição dos


índices de criminalidade perpassa por alguns itinerários,
onde podemos destacar alguns alvos, que chamamos de alvos
chaves, vale dizer, determinados indivíduos que irão fazer a
ponte para alcançar um dos objetivos do Estado em relação
à segurança pública; porém, tais alvos deverão atender a
uma prioridade, começando nos níveis municipais/locais,
estaduais e, por fim, nacional.
Para identificar estes alvos chaves ou indivíduos-ponte
há, necessariamente, de haver um trabalho de investigação
para conhecer seus vínculos criminais e direcionar a
investigação com o objetivo de desestruturar a rede criminal
da qual estes indivíduos pertencem. Tal propositura serve
tanto para quadrilhas de tipos penais de crimes diversos
quantos para grupos criminosos prisionais (facções). O tema é
complexo e vem sendo desenvolvido por policiais brasileiros
com formação multidisciplinar destacando-se entre estes o

47 Agente da Polícia Federal, Bacharel em Ciências Econômicas,


especializando em Ciências Policias e palestrante sobre crimes
violentos conta o patrimônio.
122 Élcio D’Angelo

Doutor em Física Bruno Requião da Cunha e Manuel Camilo


de Sousa Netto Especialista em Ciências Policiais.

2. Crimes Violentos – Foco da Investigação

Embora os crimes contra o patrimônio e os relacionados


ao tráfico ilícito de entorpecentes não sejam, conforme lição
de Nelson Hungria o homicídio é o cume da orografia dos
crimes, certo é que com a evolução do Novo Cangaço, tais
crimes trouxeram no seu bojo requintes de profissionalização
da violência, por conseguinte, tornam-se tão importantes
quanto os crimes violentos letais intencionais (CVLI) no
presente cenário criminal nefasto em que o Brasil se vê
inserido.
Diferentemente dos crimes contra a pessoa, os crimes
violentos contra o patrimônio (CVP) vêm proporcionando aos
seus sujeitos ativos a possibilidade de alçarem promoções tal
como ocorre em grandes empresas nacionais e multinacionais,
levando-se em conta sua produtividade (maior quantidade de
dinheiro e bens subtraídos) e a meritocracia criminal (maior
destaque dentro do grupo a que pertence, considerando a sua
liderança e resultados pré-estabelecidos pelos líderes).
Como existem dois eixos fundamentais que geram as
mortes através de crimes violentos letais intencionais (CVLI)
no Brasil; tem-se que ter em mente o crime violento contra o
patrimônio e o tráfico de entorpecentes que impactam mais
diretamente na grande quantidade de homicídios; sabendo-
se desse aspecto e com a certeza que grande parte das martes
violentas ocorrerem pela questão do tráfico de drogas (brigas
por território ou dívidas) devemos procurar entender a
dinâmica do corredor da cocaína, para atacarmos o ponto
nevrálgico do problema criminal. Devido ao grande fluxo de
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 123

drogas tipo exportação, conclui-se que os principais pontos a


serem atacados como medida preventiva para o desvio da rota
da cocaína são os portos marítimos; os quais são estratégicos
para na saída das drogas tendo como destino a Europa, África
e Ásia.

3. O Combate ao Tráfico de Entorpecentes no Brasil –


Nova Perspectiva

No que tange aos crimes envolvendo o tráfico ilícito de


entorpecente, devemos salientar a extrema importância dos
portos marítimos brasileiros, vez que as grandes fortunas
dos empresários do tráfico, principalmente, da cocaína,
se utilizam desses portos para fazer circular os grandes
“negócios” além do oceano Atlântico.
Com vistas a subsidiar esse entendimento, qual seja,
de que os portos marítimos brasileiros são vulneráveis ao
comércio ilegal de drogas, citamos os seguintes fatores:
corrupção em terra, aliciamento de funcionários portuários,
exército de mulas terrestres e o forte poderio bélico das
facções e suas relações internacionais.
Com visão para solucionar o problema em relação
ao Brasil como rota de cocaína, em artigo no prelo, Matias
e Uchôa simplificam um corolário da problemática da
Segurança Pública que gera uma “bola de neve” em evolução
criminal:

4. Brasil – rota de cocaína para o resto do mundo

A proximidade do Brasil com regiões produtoras de


cocaína (os três maiores do mundo: Peru, Colômbia e Bolívia)
124 Élcio D’Angelo

fez com que o país se tornasse o maior corredor da droga


para Europa e África Ocidental, quiçá também a Ásia. A
isso também se soma o potencial do mercado consumidor
brasileiro.
Frequentemente grupos de traficantes de diversas
nacionalidades têm vindo ao Brasil para fechar acordos para
o tráfico internacional usando a rota marítima brasileira para
o escoamento da droga. Notadamente pela falta de controle no
acesso portuário e as possíveis brechas proporcionadas por
agentes públicos e funcionários contratados para o controle
das cargas, o que facilita a remessa sem tantos transtornos
para os traficantes.
Na cadeia logística da produção ao consumo existe toda
uma estrutura com visão empresarial; mesmo não sendo
feita de forma legal, embora se apoie também em aparatos
empresariais, empresas de logística e associados que
funcionam legalmente.
Até aqui nada de novidade para os “especialistas” em
segurança pública. Muitos têm opiniões sobre as diversas
maneiras de controlar os índices de criminalidade que são
gerados pelo tráfico de entorpecentes. Prisões provenientes
de operações policiais ocorrem quase que diariamente com
grandes cargas apreendidas de cocaína.
Muitos destes “especialistas” vivem repetindo o mantra
do controle da fronteira para diminuir o tráfico de drogas.
A lógica é até aceitável, se nossa fronteira fosse pelo menos
do tamanho da dos EUA (equivalente a Brasil-Bolívia); no
entanto, a fronteiras brasileira é uma das maiores do mundo
excluindo a fronteira marítima do Atlântico. Também repetem
aos quatro ventos que a polícia tem de usar “inteligência” e
haver “integração” entre as forças policiais.
O problema causado pelo tráfico de cocaína gera diversos
outros problemas em efeito cascata, incluindo o desembocar
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 125

no sistema carcerário e repetir o círculo vicioso criminal


que cresce em progressão geométrica. Só tem uma saída
para médio e longo prazo; o controle dos portos marítimos
(TODOS) com procedimentos rígidos e plenos.
Muitos vão dizer: Isso é lógico, mas custa caro e algumas
cargas tem materiais diversos e alimentos perecíveis.
Estamos falando em controle de criminalidade e a lógica da
demora para liberação de uma carga não pode interferir na
segurança pública e no descontrole criminal que o tráfico de
cocaína gera; pois, o Brasil como rota para o resto do mundo
é usado pelos mesmos traficantes para abastecer o mercado
consumidor local, dando sustentabilidade aos grupos
criminosos prisionais chamados de “facções”.
Se o momento é de mudança, a oportunidade é essa para
nossos legisladores federais imporem através de leis que os
procedimentos e vistorias sejam feitos de forma integrada
com punição severa aos que desrespeitarem as regras
procedimentais de exportação.
Aliado a isso, ao que parece, o Governo Federal através
de alguns órgãos (PF, RF, PRF) e até o MPF começam a voltar
seus olhos aos portos.
O discurso de que o abandono das fronteiras gera o
descontrole da droga no país e propicia uma rota internacional
é parte do problema, mas a própria deficiência fiscalizatória
dos portos e mesmo o extenso litoral brasileiro são fatores
a desencadear o interesse de diversos grupos que operam
no país. Assim, se por um lado as fronteiras são uma porta
de entrada, a saída facilitada para a Europa, África e Ásia
gera uma demanda no país que é suprida via fronteiras,
ambas as pontas se retroalimentam. Idem os problemas
da criminalidade urbana – nossos grandes centros e mais
recentemente o interior do país geram demanda para os
fornecedores transfronteiriços.
126 Élcio D’Angelo

Essa lógica simples, de “fechar” os portos marítimos,


dando ênfase fiscalizatória e de investigação associada à
inteligência pode diminuir drasticamente o consumo interno
de cocaína e seus derivados, gerando um desvio forçado da
rota.
Em 2018 houve um incremento de apreensões nos portos
Brasileiros, com recorde na apreensão de cocaína.
Com a rota interditada os traficantes terão de procurar
outras passagens, fato este que já ocorreu diversas vezes na
história do tráfico de entorpecentes. A demanda da droga
no Velho Mundo não irá cessar, mas por aqui não passará
com a facilidade de até então. Poderá gerar um problema
de descontrole para países da costa sul-americana com o
Pacífico; mas aí é outro problema.
Como bem colocado no artigo acima, parte da cocaína
que é exportada, acaba ficando no Brasil pela facilidade
logística que usa a rota brasileira de escoamento da droga,
gerando domínio por territórios e mortes numa guerra
velada entre traficantes, consumidores endividados e entre
grupos violentos de origem prisional “intra” e extramuros.
Tal premissa mostra que se houver controle pleno do acesso
aos portos de: veículos que ali trafegam, pessoas e cargas,
além das exportações de mercadorias e produtos diversos em
contêineres para navios atracados, certamente vamos reduzir
drasticamente o consumo interno de cocaína.
O jornalista e escritor Allan de Abreu48 corrobora com
dados estatísticos em sua obra recentemente lançada sobre
grandes operações da Polícia Federal sobre o tema, vejamos:

48 In “COCAÍNA – A ROTA CAIPIRA – o narcotráfico no principal


corredor de drogas do Brasil”, editora Record, 3ª edição, Rio de
Janeiro/São Paulo, 2018, pp. 23/24.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 127

“O principal país de trânsito entre as regiões


produtoras de coca e a Europa é o Brasil. A ONU
estima que 30% do cloridrato que chega ao solo
brasileiro seja exportado. Essa rota passa, na maior
parte dos casos, pelo interior paulista, o porto de
Santos e a África – com participação decisiva
de máfias nigerianas, congolesas, libanesas e
italianas que atuam no Brasil, sobretudo em São
Paulo, capital. Obviamente, parte considerável
dessa droga é comercializada nos grandes
centros brasileiros. A ONU indica que 1,75% da
população adulta do país seja viciada em cocaína,
enquanto a média mundial não passa de 0,4%.
Isso faz do país um dos principais mercados da
droga no mundo.”

Apesar do belo trabalho de Allan de Abreu acreditamos


que o percentual de cloridrato de cocaína exportado é bem
maior que os 30% da cocaína que chega ao Brasil. Por isso
concluímos que se o governo brasileiro, através de políticas
de controle portuário, conseguir fazer com que a rota do
Atlântico Sul seja desviada haverá um problema futuro em
médio e longo prazos para os países da costa sul-americana
do Pacífico e, talvez, para Uruguai e Argentina, mas aí será
um problema a ser resolvido tão somente pelos países que
serão afetados; ou que seja feito um trabalho em cooperação
internacional com todas as nações envolvidas; pois a
escassez da cocaína no Velho Mundo encarecerá o produto
e, a dinâmica do tráfico de entorpecentes adequar-se-á à
demanda reprimida. Lembrando que a procura por drogas é
ilimitada e irá se adequar aos caminhos onde houve maior
permissibilidade de escoamento e lucratividade.
Com uma política de controle portuário pleno, a
geopolítica de drogas no mundo será redesenhada com
128 Élcio D’Angelo

base na política de segurança pública do Brasil se, de fato,


for implementada, a nosso ver, nos moldes acima expostos.
Entre médio e longo prazos os índices de homicídios, roubos
e tráfico de armas tendem a diminuir progressivamente.
Pois são reflexos diretos do tráfico de cocaína que também é
mantenedor da estrutura das facções criminosas.
A cadeia logística das drogas requer a segurança do
produto com aquisição de armamentos e uma rotatividade
sem fim dos indivíduos que, muitas vezes, são investigados
e presos; e estes são continuamente repostos por um exército
de excluídos do mercado formal de trabalho, ávidos para dar
apoio logístico do tráfico de entorpecentes ou como traficante
varejista.
Os órgãos que detêm o poder decisório do país, em rela-
ção às políticas antidrogas, devem atentar para a mudança de
direção que o tráfico, há alguns anos, vem tomando, a exem-
plo do que ocorre com os cigarreiros, vale dizer, o “empre-
sário traficante” não está mais adstrito à comercialização de
maconha, vez que o risco é grande e o lucro não se compara
ao da cocaína e seus derivados; sem considerar, ainda, a lo-
gística despendida para tal fim. Assim sendo, os portos ga-
nham destaque nesse novo cenário, porquanto os criminosos
há muito perceberam a fragilidade na segurança portuária,
ainda, que as apreensões e prisões venham a demonstrar au-
mentos significativos.
À guisa de exemplo, a Receita Federal contabilizou mais
de 13,6 toneladas de cocaína até meados de fevereiro de 2019,
superando as apreensões de 2017 (11.539 kg) e 2016 (10.622
kg)49. Esses dados falam por si só, ou seja, não precisamos
aguardar mais tempo para enfrentar de chofre esta situação,
sob pena do Brasil entrar no rol dos países mais importantes

49 Fonte: g1.globo.com (Por José Cláudio Pimentel, G1 Santos,


13/08/2018).
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 129

para os empresários nacionais e internacionais do tráfico, se


é que já não somos.
Segundo o chefe da Divisão de Vigilância e Controle
Aduaneiro (Divig) da Alfândega, Oswaldo Souza Dias
Junior50, verbis:

“O Porto de Santos, em razão da importância no


Brasil, é o mais visado. Se há droga, existe deman-
da na Europa, que é para onde a maior parte dos
carregamentos é destinado.”

O comércio internacional, hodiernamente, está fundado


em grandes acordos comerciais, os quais devem ser cumpridos
rigorosamente, sob pena de sofrer sanções; logo, o transporte
marítimo torna-se primordial neste cenário, principalmente,
pelo custo e, sabendo disso, os traficantes também conseguem
manter relações comerciais ilegais com outros mercados
utilizando-se dos mesmos meios e, geralmente, obtendo
maiores lucros.
Há projeto no governo do presidente Bolsonaro em criar
uma Guarda Nacional Marítima e de Fronteira51, o que o que
demonstra a preocupação do governo com o tema, vez que
possuímos uma vasta extensão a que chamamos de Amazônia
Azul, daí sua importância geopolítica e geoestratégica para o
Brasil.
A propósito, foi apresentado em fevereiro de 2019 ao
Congresso Nacional brasileiro, juntamente com o pacote an-
ticrime do Ministério da Justiça, a ideia de criação da referi-
da Guarda Nacional, cujo escopo será patrulhar as regiões da

50 Fonte: g1.globo.com (Por José Cláudio Pimentel, G1 Santos,


13/08/2018).
51 Fonte: g1.globo.com (Por Patrik Camporez, O Globo, 19/02/2019).
130 Élcio D’Angelo

fronteira terrestre e marítima, resguardando as atribuições de


outras instituições e corporações.

5. Mudança Institucionais para Subsidiar Decisões dos


Aplicadores da Lei

No que se refere aos “Grupos de Segurança Institucio-


nais – GSI” ou seus congêneres, temos que, atualmente, nos
Tribunais existem estruturas para dar salvaguarda aos magis-
trados quanto à segurança física predial e aos seus membros;
o mesmo ocorrendo quanto ao Ministério Público em âmbito
estadual ou, em nível nacional para as Procuradorias. No en-
tanto, os servidores públicos designados para estas funções
deveriam ter a expertise prática, dos homens que tratam da
inteligência de segurança pública.
Essa temática é importante para mudar o viés de
segurança orgânica e pessoal para o de assessoramento aos
Magistrados e Promotores (Procuradores) Criminais quanto a
quem está sendo investigado e será julgado e/ou condenado.
Parece não haver relação entre uma decisão de alguém ser
condenado e o impacto no Sistema Carcerário, mas a prática
mostra que se houver um cuidado na dosimetria da pena e o
devido encaminhamento do condenado para estabelecimento
prisional adequado à sua periculosidade, a tendência será ter
mais controle e uma verdadeira sinergia entre os sistemas de
Segurança Pública, Jurisdicional e Prisional.
Com as medidas a serem implementadas para Segurança
Pública do Ministério da Justiça através do plano anticrime
apresentado ao Congresso Nacional em 2019, o Direito Penal
Negocial (em todos os níveis) tende a ser um equalizador do
fluxo de prisões, principalmente se usarmos a inteligência do
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 131

“GSI Jurisdicional52” para identificar potenciais criminosos


contumazes e psicopatas com tendências criminais. Estes
últimos têm de ser identificados e submetidos a um grupo
profissional capacitado para apartá-los dos demais, pois não
há ressocialização para um doente sem cura. Os contumazes
terão de ser apartados dos “ressocializáveis”.
O principal problema do sistema prisional é a crescente
inserção de presos através do modelo de encarceramento
em massa e pelo fracasso nas políticas de ressocialização.
Priorizando alvos-ponte (influenciadores) a tendência é a
diminuição dos crimes. Separando o “joio do trigo” será
mais fácil identificar os indivíduos privados de liberdade
ressocializáveis e dar-lhe as oportunidades através do método
das “Associações de Proteção e Assistência aos Condenados
– APACs”53, projeto quem vem demonstrando que é possível
diminuir a reincidência e desafogando o sistema carcerário.

6. Políticas Públicas de Segurança e Estrutura

Toda a Política de Segurança Pública que venha a ser


sugerida só funcionará se houver continuidade das ações a
serem implantadas, observando os ditames do Princípio da
Permanência e da Regularidade. Ao pensar um projeto de
mudança nas estruturas das Polícias com, há de ter em mente
que, necessariamente a ordem tem de seguir os critérios
abaixo:
- Entrada única – concurso para entrada pela base com
um cargo genérico;

52 Termo genérico para os órgãos de segurança e inteligência no


âmbito dos Tribunais e Procuradorias.
53 http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=re-
vista_artigos_leitura&artigo_id=9296
132 Élcio D’Angelo

- Ascensão meritocrática por competência;


- Ciclo completo por polícia – tanto para os órgãos que
promovem segurança pública quanto para os que fazem
investigações de cunho administrativos.

7. Grupos Criminosos Prisionais – Facções Criminosas

Quando se fala em grupo criminoso prisional pensamos


nas ditas “facções criminosas”; e logo vem em mente o Primeiro
Comando da Capital – PCC, facção originário no Estado de
São Paulo que vem ano a ano ganhando notoriedade perante
a imprensa e todo segmento que estudo Segurança Pública.
O PCC se movimenta em expansão de acordo com sua
conveniência criminal, no início do seu surgimento primei-
ramente se deu pelas transferências de seus componentes dos
presídios paulistas para outros Estados da Federação; mais
tarde por interesses de domínio territorial para a hegemonia
do tráfico de drogas.
Alguns movimentos lembram um jogo de xadrez;
inclusive na facção paulista fala-se até em “tabuleiro”. No
entanto, o surgimento do PCC em países fronteiriços nos parece
que não foi (em primeiro momento) para seus componentes
assumirem a produção e distribuição dos entorpecentes.
Havia rumores de que policiais corruptos vinham achacando
rotineiramente membros do PCC, e, estes resolverem mudar
para o Paraguai e logo depois para Bolívia (vide o caso do
enteado de Marcola: Rodrigo Olivetto de Morais).
Nos últimos anos, as forças de segurança pública e o
Ministério Público com apoio de especialistas de dentro e
fora da polícia (sociólogos, antropólogos, dentre outros) vêm
tentando entender como funciona o enfrentamento aos grupos
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 133

criminosos prisionais. Até o momento as investigações feitas


de forma rotineiras visando criminosos difusos ou focando
em liderança vêm surtindo o efeito desejado. Talvez, por não
conhecer como funciona de fato o perfil do líder de uma facção
ou não saberem (ou colocarem em prática) a visão do alvo
chave da Teoria de Redes para desestrutura o emaranhado
criminal de tais grupos.
Na máxima de Sun Tzu em “A Arte da Guerra” já nos é
alertado que:

“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo,


não precisa temer o resultado de cem batalhas”.

Primeiramente cabe destacar que diferente do que


acontece na Segurança Pública, numa facção criminosa o
perfil do líder é construído pelo mérito criminal fazendo com
que os criminosos mais experientes e “competentes” consigam
galgar postos mais elevados na hierarquia. Hierarquia esta
por competência (criminal).
Fica claro isso quando observamos quem são os tais
líderes das chamadas facções criminosas. A exemplo do PCC,
temos o Marcos Willians Herbas Camacho, de vulgo Marcola
como o então líder supremo. Marcola assim como os demais
líderes do PCC, em sua maioria, que fazem parte do seu
staff, são oriundos dos crimes violentos contra o patrimônio
(assalto e sequestros), alguns são traficantes internacionais;
mas estes geralmente não detém o respeito daqueles, pois
os crimes violentos contra o patrimônio são para a massa
carcerária o auge da criminalidade. Pense logicamente que
jamais um batedor de carteira iniciante vai conseguir o
respeito dos criminosos a ponto de segui-lo pelos seus feitos
ou ideologia para o crime. Isso não quer dizer que este ladrão
não galgue posições no grupo criminoso até chegar ao topo;
o mesmo não vemos na estrutura de segurança pública no
134 Élcio D’Angelo

Brasil. Fora dito isso para repensarmos quem deve ser os alvos
a serem perseguidos no início da carreira. Lembrando que em
uma rede criminal estruturada, esses líderes são facilmente
substituídos; pois o crime é dinâmico e conforme dito pelo
Dr. Bruno Requião da Cunha54 uma investigação direcionada
para entender as ligações criminais tende a ser mais efetiva
no combate a grupos criminosos.
Com o fracasso nas formas de investigar os grupos
criminosos prisionais, e, com o discurso de que “a culpa é
das facções”, na medida em que os governantes procuram
democratizar suas responsabilidades, principalmente,
quando apresentam resultados nefastos, jogam o problema
para o objeto a ser combatido. A verdade é que a falta de
controle das facções é culpa dos sucessivos governos em seu
desastre na segurança pública, sistema prisional, políticas
sociais e políticas antidrogas. Facção é o crime agindo
comunicativamente, societariamente, pois é claro que isso
potencializa, mas, mesmo assim, os criminosos existiriam e
já existiam sem as facções. O crime é um fenômeno natural
inerente à vontade dos governantes ou dos membros das
Polícias; sem cura definitiva. Criminalidade tem de ser
pensada como doença a ser controlada e não combatida com
remédio único e milagroso.

8. O Estado é violador de suas obrigações

A deslealdade do Estado para com os policiais gera


reciprocidade, enquanto o Estado acreditar que criminosos
perigosos devam ser analisados sob à égide tão somente do
Direito Penal do Fato e não considerar o Direito Penal do Autor,

54 Agente de Policial Federal no Brasil e, atualmente, cursando pós-


-doutorado na Universidade de Limerick (Irlanda).
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 135

será muito difícil enfrentar grandes chefes de organizações


criminosas, porquanto irão sempre comandar o crime, estejam
presos ou não. Rodrigues em seu Trabalho de Conclusão de
Curso objetivando a formação como Especialista em Ciências
Policiais trata do assunto, como segue:

“...Uma destas alternativas defende uma impor-


tante mudança de paradigma na metodologia in-
vestigativa, dando mais enfoque ao acompanha-
mento preventivo de indivíduos (criminosos vio-
lentos contumazes) do que à simples apuração do
fato já ocorrido (pós-assalto). Esta abordagem traz,
sem dúvida, maior peso às informações de inte-
ligência nas investigações criminais, fornecendo
subsídios para posteriores ações táticas de enfren-
tamento e captura dos suspeitos. Sabe-se que não
é possível tratar o indivíduo criminoso contumaz
fora da ordem constitucional, ou mesmo desper-
sonalizá-lo dos seus direitos e garantias; não se
pretende aqui defender o Direito Penal do Autor55,
tampouco o Direito Penal do Inimigo56. A propos-
ta é impulsionar uma investigação direcionada ao
criminoso que insiste em continuar a delinquir,
com um viés voltado ao pensamento de Jesús-Ma-
ría Silva Sánchez57, que defende a Terceira Veloci-
dade do Direito Penal em relação ao delinquente
profissional...”

55 Proposto pelos penalistas nazistas os quais fundamentavam a


aplicação da pena em razão do “ser” daquele que o pratica e não
em razão do ato praticado. Combatido ferozmente pelo jurista ar-
gentino Eugênio Raúl Zaffaroni.
56 Aperfeiçoado por Günther Jakobs: filósofo e professor emérito de
Direito Penal e Filosofia do Direito.
57 Catedrático de Direito Penal e advogado criminalista espanhol.
136 Élcio D’Angelo

O estar preso não garante à sociedade a tão almejada


Justiça, pois, estar preso no estabelecimento penal que não
seja, por exemplo, um estabelecimento prisional sem os
procedimentos de segurança como nos presídios federais
ou, ainda, estar recluso em penitenciárias estaduais onde
permitam a comunicação com o mundo exterior sem a devida
autorização, é admitir que o Estado é incompetente. Supor
a colocação de bloqueadores de celulares é admitir que há
falhas nos procedimentos de vistoria. Neste sentido, data
maxima venia, é o mesmo que deixar o lobo cuidar de suas
ovelhas.
Há de haver uma seletividade e isto só ocorrerá se o Estado-
Juiz, quando de sua sentença analisar pormenorizadamente
o disposto no artigo 59 do Código Penal concomitantemente
com o disposto na Lei de Execução Penal e, acima de tudo,
analisar as possíveis possibilidades dispostas ao condenado
para que, uma vez preso, possa ou não vir a cometer ou
coordenar ações criminosas.
Outrossim, a autonomia dos Poderes deve ser igualitária
para que o “Estado Democrático de Direito” seja respeitado e
justo.
A grande diferença hoje em dia do ‘inimigo escolhido’
é que as agências de inteligência policial, que integram os
“grupos especiais de busca”, distintos das antigas “volantes”,
atuem de forma cirúrgica para a caça dos criminosos a serem
presos ou neutralizados (se for o caso). Quando o tratamento
cirúrgico perde o controle e os policiais agem por conta
própria para fazer justiça temos o que os garantistas chamam
de “grupos de extermínio”.
Ensina Uchôa em seus debates sobre Segurança Pública
que: “ser garantista é defender o devido processo legal,
balizado pela dignidade humana. O Direito Penal do Inimigo
é indefensável pela natureza antidemocrática. Porém certas
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 137

medidas de flexibilização de garantias nada têm a ver com


direito penal do inimigo”.
138 Élcio D’Angelo
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 139

CAPÍTULO XI – CRIMES CONTRA INSTITUIÇÕES


FINANCEIRAS E OS NOVOS DESAFIOS DA SEGURANÇA
PÚBLICA

Lucélio Ferreira M. F. França58

Historicamente, o homem busca compreender os


conflitos sociais a fim de mediá-los pacificamente e promover
a paz social. Isso pôde ser observado mesmo quando o poder
punitivo ainda existia apenas na instância privada e o Estado
não era organizado o suficiente para avocar e criar suas leis.
Nesse contexto, submerso na imensidão seca e esquecida
do sertão nordestino, nos idos de 1500, coexistiam figuras
como senhores de terras, pequenos agricultores e aqueles que
empunhavam armas em defesa própria, de um grupo ou de
outros que os remunerassem. Mesmo com todo o esforço do
Estado em controlar as pessoas em seu território, naqueles
rincões, a distância e a pobreza ainda eram uma imensa
barreira a ser superada. Prevalecendo, assim, a lei do mais
forte.
Com o passar de quase 500 anos, o Estado foi organizando-
se e se fazendo mais presente, em especial com sua legislação.
Eis que temos os novos conflitos. Agora, pessoas, que
sempre foram a própria solução de seus problemas, haviam
que recorrer ao Estado, em algum lugar, sob pena de serem

58 Major da Polícia Militar de Mato Grosso, Bacharel e Especialis-


ta em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar Cos-
ta Verde e trabalha com roubos a instituições financeiras desde
2009. Nessa trajetorisa de trabalho passou pelo BOPE, GAECO e
ROTAM e atualmente labora no setor de planejamento da PMMT.
140 Élcio D’Angelo

colocadas à margem da lei por ações corriqueiras de outrora.


E quem ganhava a vida empunhando armas e promovendo a
justiça da conveniência passa de caçador a caça.
Não foi diferente com Lampião após ter alguns mem-
bros da família mortos e, ao revidar na mesma moeda, passa
então para a condição de criminoso, o que não o exime dessa
condição. Como qualquer outro fora da lei, Virgulino Ferreira
escolhe o caminho do antigo valentão e se torna um ícone,
mesmo porque essa era a cultura arraigada secularmente na-
quele povo.
Tanto é verdade que não custou para se formarem gran-
des bandos de criminosos que perambulavam pelo sertão
vivendo de saques, de roubos, de pistolagens e até mesmo
da “reintegração de posse” a mando de grandes fazendeiros.
Outro fato que vem corroborar com a relevância tomada por
suas ações foi a patente de Capitão concedida a Lampião,
pelo Estado, para que ele combatesse a Intentona Comunista
em 1935.
Nos tempos áureos de Lampião, entre 1920 a 1938, quan-
do ele morreu, não era comum ouvir falar em roubos a ban-
co, até mesmo porque não havia tantas agências bancárias.
Entretanto, as ações comandadas por Virgulino possuíam a
dimensão do “Domínio de Cidades”, modalidade criminosa
profetizada por Renato Júnior e Ferraço59 para o futuro pró-
ximo.
Os autores de Guerra Federal preveem que chegará o mo-
mento em que os ataques, que hoje acontecem simultanea-
mente contra os bancos e as policias, serão como quando pro-
tagonizava Lampião, i.e., contra toda possível fonte de renda
e concomitantemente contra qualquer ameaça que houver na

59 JÚNIOR, R.; FERRAÇO, L. Guerra federal – retratos do combate


a crimes violentos no Brasil. 2018, no prelo.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 141

cidade. Tomando, dessa forma, todo o domínio sobre aquela


urbe durante o ataque. Fatos semelhantes são contados em
um relatório produzido por um gerente do Banco do Brasil
da cidade de Mossoró – RN, referente ao primeiro semestre
de 1927, o que nos habilita a dizer que o próprio Lampião
inaugurou a modalidade criminosa que Rodrigues60 denomi-
na como “Domínio de Cidades”.

Trecho do relatório da Agência Local do Banco do Brasil datado do primei-


ro trimestre de 1927. O documento traz relatos sobre o impacto negativo
no econômico local em razão das ações de Virgulino Ferreira (Lampião).

60 RODRIGUES, R. M. Do Novo Cangaço ao Domínio de Cidades. 1º


ed. Brasília – DF. 2018, no prelo.
142 Élcio D’Angelo

A reação do Estado às ações desordeiras recebeu o nome


de Volantes, verdadeiros batalhões itinerantes que tinham
como missão fazer frente às ações daqueles bandoleiros e que
pôs fim a essa saga criminosa com a morte de Lampião em
28 de junho de 1938, sendo debelado completamente, como
conta a história, em 1940 com a morte de Corisco, o Diabo
Loiro.
Avançando algumas décadas, deparamo-nos com
um fato na economia brasileira conhecido como “Milagre
Econômico”, resultado de grandes investimentos no combate
à seca no sertão.

A atividade econômica da região Nordeste vem se


mostrando mais dinâmica do que a do país como
um todo, a partir da década de 1970. Durante a
fase do “milagre econômico” (1970-80) o Produto
Interno Bruto (PIB) nordestino apresentou a
expressiva média anual de crescimento de 8,7%,
contra a de 8,6% obtida pelo Brasil, em razão,
fundamentalmente, do volume de investimentos
públicos (infraestrutura) e privados (indústria)
efetuados durante os anos 60 e 7061.

A disponibilização desses recursos necessitaria de


instituições financeiras mais próximas do sertanejo para
que ele pudesse ter acesso ao dinheiro disponibilizado pelo
Governo Federal. Motivo que leva agências bancárias a serem

61 BRASIL, Superintendência do Desenvolvimento do Nordes-


te (SUDENE). Desempenho Econômico da Região Nordeste do
Brasil 1960-97 (Síntese). 1999, p. 1. Disponível em: http://www.
sudene.gov.br/system/resources/BAhbBlsHOgZmSSI7MjAx-
Mi8wNS8xMC8xN18xOV81MF8zN DNfRGVzZW1wZW5ob-
19FY29ub21pY29fZG9fTkUucGRmBjoGRVQ/Desempenho%20
Economico%20do%20NE.pdf. Acesso em 01/07/2016.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 143

instaladas nas mais diversas cidades do sertão nordestino.


Esquecendo o governo, todavia, de proporcionar uma
segurança mínima àqueles numerários.
Ressurge pelo Brasil na década de 1970 uma pequena
sequência de ataques a bancos relacionados a questões
políticas62, que viria a se tornar uma onda de ataques a
instituições financeiras nas décadas seguintes naquele
mesmo sertão de terra rachada. Dessa vez com algo a mais, OS
TEMPOS SÃO NOVOS E COM ELE NOVAS TECNOLOGIAS
APRESENTAM-SE, até mesmo para o crime.
As armas são melhores, os fuzis são automáticos, não se
usa mais cavalos e sim carros possantes da época. Preserva-
se dos tempos de Lampião apenas o homizio na mata, a
brutalidade das ações e o hábito de subjugar as forças de
segurança em busca do intento criminoso. Passamos, então,
a ouvir falar em novos cangaceiros que na sua maioria
pertenciam a famílias que fizeram fama por suas ações tidas
como espetaculosas, a exemplo dos Araquãs, Benvindos,
Carneiros, Ricarte Viana, dentre outros.
O destaque está com a Família dos Carneiros que são
apontados como aqueles que reinauguraram a modalidade
criminosa inventada por Lampião. A ação ocorreu em maio
de 198263 e o alvo não foi um banco, e sim os malotes que
continham os 94 milhões de Cruzados que seriam destinados
ao pagamento de trabalhadores das obras emergenciais de
combate à seca no Rio Grande do Norte.

62 Ataques a bancos durante o Regime Militar que ocorreram no


Sudeste do país.
63 TRIBUNA DO NORTE. Vanzinho conta detalhes do roubo dos
94 milhões no RN. Homepage. 2016. Disponível em: http://www.
tribunadonorte.com.br/noticia/vanzinho-conta-detalhes-do-rou-
bo-dos-94-milhoesno-rn/239147. Acesso em: 28/07/2017.
144 Élcio D’Angelo

A reação a esses novos ataques veio em forma de


companhias especializadas dentro das Polícias Militares
Nordestinas: como a CIOSAC64 da PM de Pernambuco, criada
oficialmente 2004, mas que existia desde 1997 com outras
denominações; as CIPE’s da PM da Bahia que possuem sua
origem de 2003. Essa repressão qualificada realizada no sertão
obriga os criminosos a se dispersarem pelo país, levando essa
modalidade criminosa a vários estados, inclusive a Mato
Grosso.
Mato Grosso começa a sentir os efeitos dessa diáspora
de criminosos especializados na década de 1990 com
alguns eventos que deixaram marcas traumáticas no seio da
PMMT e da sociedade mato-grossense. O ano era 1998, em
Rondonópolis, uma grande ação criminosa contra o Banco do
Brasil deixa uma pessoa morta. Em 2001, em Vila Rica, um
ataque nos mesmos moldes deixou um policial militar morto
e outro ferido. Em 2006, o alvo foi Guiratinga, onde mais um
PM tombou nesse combate injusto. Campinápolis sofria sua
segunda ação em 2008, quando outro jovem policial militar,
portando uma pistola Taurus, encerra sua carreira na luta
contra assaltantes armados de fuzis de calibres diversos.

Essa sucessão de fatos desastrosos, de 1998 a 2008,


levou o BOPE da PMMT a desenvolver sua doutrina para
fazer frente a essa modalidade criminosa, como fizeram

64 Companhia Independente de Operações e Sobrevivência na


Área de Caatinga.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 145

as polícias nordestinas de outrora com suas Volantes e


Companhias Especializadas. Em Mato Grosso essa doutrina
foi batizada de Curso de Patrulhamento em Ambiente Rural
- CPAR. Somado a isso, em 2011, a PMMT por meio do
Batalhão de Operações Policiais Especiais passou a atuar
sistematicamente em parceria com o GAECO de MT com a
orientação de especialistas abnegados da PF, o que resultou
em uma série de ocorrências bem-sucedidas.
Dessas ocorrências, podemos citar as mais relevantes:
em 2011, a prisão de integrantes da quadrilha chefiada por
Lindomar Alves de Almeida (Nenenzão) que havia realizado
várias ações de roubo a instituições financeiras em MT,
dentre elas o assalto ao Banco do Brasil em Campo Novo do
Parecis no mês de outubro daquele ano, o último praticado
pela citada quadrilha; em 2012, a cidade de Marcelândia foi
o alvo da quadrilha de Clóvis da Silva Veiga e 31 dias após
o roubo, a ocorrência foi encerrada com todo o dinheiro e
armas apreendidos e os quatro assaltantes tombaram em
confronto com a doutrina do CPAR; também em 2012, 37
dias após a ocorrência de roubo a banco praticada pelo bando
de Josimar Ribeiro da Silva (Parazinho), em Comodoro, as
diligências foram encerradas com 2 fuzis AK 47 e mais de
1.1 milhões de reais aprendidos, nos confrontos restaram
8 assaltantes mortos e outros presos; por fim, a cidade de
Vila Rica protagonizou um dos maiores assaltos a banco
do estado, mais de quinze criminosos atacaram, ao mesmo
tempo, as agências do Banco do Brasil, Bradesco, Sicredi e
Correios, no oitavo dia uma equipe do BOPE encontrou os
criminosos na mata e, em confronto com a doutrina do CPAR,
dois criminosos vieram a óbito, entre eles Antônio
Moura, um dos maiores líderes do “Novo Cangaço”
contemporâneo e membro agregado da mencionada Família
dos Carneiros.
146 Élcio D’Angelo

A resposta estatal em Mato Grosso foi dada e o “efeito


pedagógico” assimilado por aqueles que integram essas qua-
drilhas. Tanto é verdade que, desde o fato em Vila Rica, Mato
Grosso acumulou apenas mais um assalto em dezembro da-
quele ano e outros dois na modalidade “Novo Cangaço” em
2014, estando desde então sem registro de crimes contra ins-
tituições financeiras com o aludido modus operandi. Outro
efeito positivo foi que a citada doutrina passou a ser adotada
por várias unidades de Operações Especiais pelo Brasil e em
todos os estados brasileiros existem policiais formados no
CPAR.
Nos últimos anos, com a repressão especializada aos as-
saltantes de bancos na modalidade Novo Cangaço e carros
fortes, os criminosos desenvolveram outras formas de aces-
sar o dinheiro no interior das agências, diminuindo os ris-
cos de confrontos com a polícia. Popularizando, portanto, os
ataques a terminais de autoatendimento (TAA) das agências
bancárias, os caixas eletrônicos. Contra esses aparelhos, os
criminosos passaram a utilizar desde computadores com os
ataques lógicos65, até maçaricos66 e explosivos. Os grandes
problemas vieram com disseminação dos explosivos que pos-
sibilitaram ações mais rápidas contra cofres cada vez mais
resistentes.
Para minimizar essas ações, os bancos passaram a operar
com um volume de dinheiro menor nos TAA e agências, en-
viando sempre que possível o excedente para as empresas de
custódia e transporte de valores, as bases de valores. Por sua
vez, essas empresas passaram a transportar remessas meno-

65 Nesse ataque, os criminosos conectam fios entre computadores


e os caixas eletrônicos e provocam uma pane no sistema, o que
faz com o TAA coloque todo dinheiro para fora, como se fosse um
saque.
66 Aparelho utilizado para cortar chapar de aço, utilizado por cri-
minosos para abrir os cofres dos TAA.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 147

res por viagem, na tentativa de deixar os carros fortes menos


atrativos para as ações criminosas.
Essa série de medidas resultou em empresas de custódia
e transporte recheadas com grandes numerários e, em
novembro de 2015, os criminosos inauguram os ataques
às bases de valores com o uso de explosivos. O alvo foi
Campinas, a terceira maior cidade do Estado de São Paulo.
Neste caso, a inovação tecnológica é o explosivo, uma vez que
as bases de valores já vinham sendo atacadas por assaltantes
utilizando túneis e sequestros de gerentes e tesoureiros. O
maior exemplo de túnel no Brasil foi o do Banco Central de
Fortaleza, em agosto de 2005, seguido de mais de dez outros
túneis pelo Brasil e inclusive Paraguai.
Nos ataques a bases de valores, como o que ocorreu em
Campinas/SP, a tecnologia utilizada pelos assaltantes perpassa
por fuzis automáticos de diversos calibres, dentre eles 7,62
e .50, este com capacidade de furar a blindagem de carros
fortes e das guaritas das empresas. A chave dos grandes cofres
passa a ser cargas extraordinárias de explosivos em repetidas
detonações, bem como o conhecimento especializado para
manuseá-los. E, por fim, a alta capacidade de planejamento
operativo, com ações cronometradas e divisão de tarefas para
mais de cinquenta assaltantes, tudo isso simultaneamente.

Imagens ilustrativas da destruição resultado do ataque a base de valores e a carros fortes.

O que permanece é a grande incógnita de como contrapor


essas ações e seus recursos abundantes, mesmo porque já
restou claro que não há cidade com efetivo policial capaz de
fazer frente a essas ações sem que algo novo seja planejado
148 Élcio D’Angelo

e implementado no âmbito da Segurança Pública. Digo


isso porque as mencionadas ações já subjugaram as forças
de segurança de Campinas, Santos, Ribeirão Preto e Santo
André, todas entre as dez maiores cidades de São Paulo.
Em Pernambuco, o alvo foi a própria Recife. Por sua
vez, no Paraguai, a ação foi contra a segunda maior e mais
importante cidade daquele país. E se engana aquele que pensa
que as cidades menores estão livres, o que importa para esses
criminosos é o dinheiro e, onde ele estiver, esses criminosos
estão dispostos a buscá-lo.
Para ilustrar, citamos as ações semelhantes ocorridas em
Marabá (271.594 habitantes) e Redenção (75.556 habitantes),
ambas no Pará. Tomando como base apenas essas ocorrências
fica fácil inferir que não há em Mato Grosso uma cidade que
possa ser considerada segura e imune a essa nova modalidade
criminosa, e que, segundo Rodrigues67, deverá evoluir em
breve para o “Domínio de Cidades”.
Outro ponto foi levantado por Uchoa68, em seu artigo
sobre o tema e que exploramos em entrevista, é a maior
rentabilidade dessas ações contra bases de valores e a menor
vulnerabilidade dos criminosos em uma eventual intervenção
policial, o que torna essas ações mais lucrativas e seguras.
Uchoa aponta que o montante roubado em cada ação contra
base de valor equivale, aproximadamente, a 20 assaltos a
banco na modalidade “Novo Cangaço”, o que pode ser mais
um indicativo de que essas ações tendem a aumentar a cada
dia. Nessa esteira, o número sempre superior a 30 criminosos

67 RODRIGUES, 2017.
68 UCHOA, R. F. Ataque às bases de transporte de valores: um cri-
me comum no Brasil? Federação Nacional dos Policiais Federais,
2017. Disponível em: http://www.fenapef.org.br/ataques-as-ba-
ses-de-transporte-devalores-um-crime-comum-no-brasil/. Acesso
em: 28/07/2017.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 149

munidos de fuzis de última geração e farta munição coloca


em xeque o aparato de segurança pública de pronta resposta
das cidades, tornando, assim, a ação criminosa extremamente
segura para os seus executores.
Se fosse propor alguma possível solução para esse
problema sem precedente, indicaria dois:
- A primeira seria a confecção de um Plano de Defesa,
começando pelas cidades onde há bases de transporte de va-
lores, como Sinop, Rondonópolis, Barra do Garças e Cuiabá.
Em Mato Grosso, houve duas ocorrências de roubo a banco
que só foram possíveis de serem solucionadas em razão da
confecção de bloqueios nas vias de acesso durante as ações
criminosas. Os fatos ocorreram em Campos de Júlio, em 09 de
agosto de 2012, e Comodoro, em 30 de outubro de 2012. Nas
referidas ações todo o dinheiro foi recuperado e os crimino-
sos foram presos ou mortos.
- A segunda seria a implementação de uma Força Tarefa,
em nível de Secretaria de Segurança, com a participação efe-
tiva do maior número possível de órgãos ligados a segurança
presentes no estado. Sempre digo que o potencial de produti-
vidade de uma Força Tarefa é diretamente proporcional a sua
capilaridade dentro dos órgãos de segurança. Exemplifican-
do, pode-se mencionar o modelo de Força Tarefa implemen-
tado pelas Secretarias de Segurança da Bahia e do Piauí, que
vêm dando um basta nas ações criminosas contra instituições
financeiras e ao crime organizado daqueles estados. Ou quem
sabe um modelo de atuação sistemática, como já houve entre
a PMMT e o GEACO, de julho de 2011 a dezembro de 2014.
Modelo semelhante pode ser encontrado em Goiás entre a
Polícia Militar e a Polícia Federal, que vem produzindo resul-
tados invejáveis.
Recentemente muito se ouve mencionar a respeito
de falta de inteligência dentro dos órgãos que compõem
150 Élcio D’Angelo

o sistema de segurança, mas os especialistas param por


aí, sem indicar como é possível transformar a teoria em
prática. A falta de inteligência apontada nada mais é do que
a ausência de comunicação entre os atores da segurança
pública. Para aqueles que se habilitem a contra-argumentar
a teoria proposta, sugiro rever os dados criminais do país
e, se houvesse comunicação inteligente, tais não estariam
em ascensão como se vê, a exemplo do número69 de mortes
violentas intencionais no país entre 2011 e 2016. Ou seja,
se existe comunicação e integração como muitos prolatam, é
provável que não esteja sendo feito da forma correta a fazer
frente a escalada da criminalidade.
Por fim, o mais importante é encarar a escalada dos grandes
crimes contra as instituições financeiras como um fato e,
como tal, um problema que está prestes a acontecer, inclusive
em Mato Grosso, portanto, precisamos nos preparar para ele,
seja com “inteligência inteligente” ou com planejamento. E
mais importante que preservar o patrimônio será evitar que
vidas sejam perdidas durante ações cinematográficas de
extrema violência em afronta aos poderes constituídos.

69 Segundo publicações anuais realizadas pelo Fórum Brasileiro


de Segurança Pública os números referentes as mortes violentas
intencionais no Brasil saltaram de 48.084 em 2011 (6º Anuário
publicado em 2012) para 61.283 em 2016 (11º Anuário publicado
em 2017).
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 151

CONCLUSÃO

Este trabalho foi desenvolvido com a finalidade de


aprofundar o estudo sobre o controle das fronteiras brasileiras
e a sua relação com a violência urbana, notadamente na
cidade do Rio de Janeiro/RJ, bem como, analisar e propor
sugestões para o enfrentamento de crimes violentos contra
o patrimônio público. O trabalho mostra que a violência
crescente nos centros urbanos tem como pano de fundo a
disputa por maiores territórios das Organizações Criminosas,
final do círculo vicioso do tráfico internacional de drogas
originado nos vários países que fazem fronteira com o Brasil.
Possuidor de quase 17 mil quilômetros de extensão,
perpassando quase todos os países da América do Sul:
Uruguai (1.068 km), Argentina (1.261 km), Paraguai (1.365
km), Bolívia (3.423 km), peru (2.995 km), Colômbia (1.644
km), Venezuela (2.200 km), Guiana (1.606 km), Suriname
(593 km) e Guiana Francesa (730 km), o seu controle é
fundamental para esse desafio nacional.
Nesse contexto, o papel do SISFRON torna-se
fundamental para mitigar os problemas econômicos, sociais,
de segurança interna e externa decorrentes do tráfico
internacional de drogas e armas, bem como do contrabando
de cigarros no Brasil.
As pesquisas de opinião demonstram que a percepção de
insegurança que a população brasileira vivencia atualmente
está intrinsicamente relacionada ao descontrole do Estado
em relação do poder das diversas facções e/ou ORCRIM.
A continuar essa situação, torna-se viável a hipótese
do Estado perder a sua capacidade de jurisdição, algo bem
próximo do que aconteceu na Colômbia. Os elevados índices
152 Élcio D’Angelo

de criminalidade dos grandes centros urbanos, notadamente


no estado do Rio de Janeiro, muito próximos de uma guerra
civil, indicam a urgência e a gravidade do problema.
Por conta deste cenário, a convocação das Forças
Armadas para atuarem na segurança pública de episódica
tornou-se rotineira, revelando o fracasso da política de
segurança pública no país. Por outro lado, a presença cada
vez mais constante das tropas das Forças Armadas nas
ruas, exercendo um indevido papel de polícia, pelo menos
momentaneamente, apesar de gerar alguma tranquilidade na
população, o que fortaleceria o argumento de uma possível
intervenção nos assuntos domésticos do país que, em verdade,
é um retrocesso institucional.
Embora exista o precedente legal para que as Forças
Armadas atuem na segurança pública, de acordo com a
sua natureza constitucional (art. 142, caput, CF/88), a sua
atuação subsidiária no controle mais efetivo das fronteiras,
por intermédio do SISFRON, que deverá ser estendido para
outras regiões conforme a disponibilidade de recursos para
essa finalidade, seria a resposta mais viável para o emprego
das Forças Armadas.
Abordamos, também, com muita minudência a figura
do informante confidencial e seu marco legal, onde o autor
esmiuçou nuances que ao olhar desatento poderia passar
despercebida
Procuramos trazer à baila a discussão sobre os crimes
violentos contra o patrimônio, haja vista o recrudescimento
do Novo Cangaço, levando consigo crimes outros perpetrados
por facções criminosas, ainda que, num primeiro momento
não estejam relacionados diretamente, porém, o que estamos
presenciando, hodiernamente, é um vínculo muito estreito
entre a atuação dos integrantes de grupos que assaltam
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 153

instituições bancárias e empresas de segurança e transporte


de valores com as mais diversas facções.
Seguindo no mesmo diapasão, adentramos na seara da
política de segurança pública e o programa de diminuição
dos índices de criminalidade, onde foram expostas sugestões
com vistas a contribuir com os programas de governo que ora
se nos afigura.
154 Élcio D’Angelo
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 155

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banco ligada ao PCC, aponta MPF. UOL. São Paulo: 06 dez.
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cotidiano/ultimas-noticias/2017/12/06/pm-era-informante-
de-quadrilha-de-assaltantes-ligada-ao-pcc-aponta-mpf.htm>
Acesso em: 22 de janeiro de 2018. Acesso em: 22 de janeiro
de 2018.
162 Élcio D’Angelo
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 163

LEIS, PORTARIAS E RESOLUÇÕES

PORTARIA NORMATIVA Nº 32/MD,


DE 30 DE AGOSTO DE 2017

Dispõe sobre a publicação “Operações Interagências -


MD33-M-12” (2ª Edição/2017). O MINISTRO DE ESTADO
DA DEFESA, no uso das atribuições que lhe confere o inciso
II do parágrafo único do art. 87, da Constituição Federal,
considerando o disposto nos incisos III, VI e IX do art. 1º do
Anexo I ao Decreto nº 8.978, de 1º de fevereiro de 2017, e
tendo em vista o que consta no processo administrativo nº
60080.000201/2017- 42, resolve:
Art. 1º Fica aprovado o Manual de “Operações
Interagências - MD33-M-12” (2ª Edição/2017), na forma do
anexo a esta Portaria Normativa. Parágrafo único. O anexo
desta Portaria Normativa estará disponível, em seu inteiro
teor, na Assessoria de Doutrina e Legislação do Estado-
Maior Conjunto das Forças Armadas e no sítio eletrônico do
Ministério da Defesa.
Art. 2o Esta Portaria Normativa entra em vigor na data de
sua publicação.
Art. 3º Fica revogada a Portaria Normativa nº 229/MD, de
28 de janeiro de 2013.
RAUL JUNGMANN (Publicado no D.O.U. nº 175 de 12
de setembro de 2017.)
164 Élcio D’Angelo

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha,


pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais
permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia
e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes,
da lei e da ordem.
§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a
serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das
Forças Armadas.

LEI COMPLEMENTAR Nº 97, DE 9 DE JUNHO DE 1999


- Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o
preparo e o emprego das forças armadas.

(...)
Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria
e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem,
e na participação em operações de paz, é de responsabilidade
do Presidente da República, que determinará ao Ministro de
Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada
a seguinte forma de subordinação:
(...)
§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e
da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitu-
cionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato
do Presidente da República, após esgotados os instrumentos
destinados à preservação da ordem pública e da incolumida-
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 165

de das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da


Constituição Federal.
§ 3o Consideram-se esgotados os instrumentos
relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em
determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos
pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual
como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao
desempenho regular de sua missão constitucional. (Incluído
pela Lei Complementar nº 117, de 2004)
§ 4o Na hipótese de emprego nas condições previstas no
§ 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República,
serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas,
que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente
estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter
preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado
das operações na garantia da lei e da ordem. (Incluído pela
Lei Complementar nº 117, de 2004)
        § 5o Determinado o emprego das Forças Armadas na
garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente,
mediante ato formal, transferir o controle operacional dos
órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento
das ações para a autoridade encarregada das operações, a qual
deverá constituir um centro de coordenação de operações,
composto por representantes dos órgãos públicos sob seu
controle operacional ou com interesses afins.(Incluído pela
Lei Complementar nº 117, de 2004)
        § 6o Considera-se controle operacional, para fins de aplicação
desta Lei Complementar, o poder conferido à autoridade
encarregada das operações, para atribuir e coordenar
missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por
efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas
competências constitucionais ou legais. (Incluído pela Lei
Complementar nº 117, de 2004)
166 Élcio D’Angelo

Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras


ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias,
preservadas as competências exclusivas das polícias
judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e
repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas
interiores, independentemente da posse, da propriedade,
da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia,
contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente
ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo,
executando, dentre outras, as ações de: (Incluído pela Lei
Complementar nº 136, de 2010).
(...)
Art. 17. Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias
particulares:
(...)
V – cooperar com os órgãos federais, quando se fizer
necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional
ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores
e de áreas portuárias, na forma de apoio logístico, de
inteligência, de comunicações e de instrução. (Incluído pela
Lei Complementar nº 117, de 2004)
   Art. 17A. Cabe ao Exército, além de outras
ações pertinentes, como atribuições subsidiárias
particulares: (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de
2004)
(...)
III - cooperar com órgãos federais, quando se fizer
necessário, na repressão aos delitos de repercussão
nacional e internacional, no território nacional, na forma
de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de
instrução; (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 167

Art. 18. Cabe à Aeronáutica, como atribuições subsidiárias


particulares:
(...)
VI - cooperar com os órgãos federais, quando se fizer
necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional
e internacional, quanto ao uso do espaço aéreo e de áreas
aeroportuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência,
de comunicações e de instrução; (Incluído pela Lei
Complementar nº 117, de 2004).

DECRETO Nº 3.897, DE 24 DE AGOSTO 2001 – Fixa as


diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia
da lei e da ordem, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, (...)


Considerando a missão conferida pelo art. 142 da
Constituição às Forças Armadas, de garantia da lei e da
ordem, e sua disciplina na Lei Complementar no 97, de 9 de
junho de 1999;
Considerando o disposto no art. 144 da Lei Maior,
especialmente no que estabelece, às Polícias Militares, a
competência de polícia ostensiva e de preservação da ordem
pública, dizendo-as forças auxiliares e reserva do Exército;
(...)
DECRETA:
Art. 3º  Na hipótese de emprego das Forças Armadas
para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos
no art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se
168 Élcio D’Angelo

faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva,


como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se
incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias
Militares, observados os termos e limites impostos, a estas
últimas, pelo ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Consideram-se esgotados os meios
previstos no art. 144 da Constituição, inclusive no que
concerne às Polícias Militares, quando, em determinado
momento, indisponíveis, inexistentes, ou insuficientes ao
desempenho regular de sua missão constitucional.
(...)
Art. 7º  Nas hipóteses de emprego das Forças Armadas na
garantia da lei e da ordem, constitui incumbência:
I - do Ministério da Defesa, especialmente:
(...)
f) prestar apoio logístico, de inteligência, de comunicações
e de instrução, bem como assessoramento aos órgãos
governamentais envolvidos nas ações de garantia da lei e da
ordem, inclusive nas de combate aos delitos transfronteiriços
e ambientais, quando determinado;

DECRETO Nº 6.703, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2008


- Aprova a Estratégia Nacional de Defesa, e dá outras
providências.
(...)
Introdução
O Brasil é pacífico por tradição e por convicção. Vive
em paz com seus vizinhos. Rege suas relações internacionais,
dentre outros, pelos princípios constitucionais da não-
intervenção, defesa da paz e solução pacífica dos conflitos.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 169

Esse traço de pacifismo é parte da identidade nacional e um


valor a ser conservado pelo povo brasileiro.
(...)
o entanto, nunca propuseram uma estratégia nacional de
defesa para orientar de forma sistemática a reorganização e
reorientação das Forças Armadas; a organização da indústria
de material de defesa, com a finalidade de assegurar a
autonomia operacional para as três Forças: a Marinha, o
Exército e a Aeronáutica (...).
Disposição para mudar é o que a Nação está a exigir
agora de seus marinheiros, soldados e aviadores. Não se trata
apenas de financiar e de equipar as Forças Armadas. Trata-se
de transformá-las, para melhor defenderem o Brasil.
(...)
Natureza e âmbito da Estratégia Nacional de Defesa
1.A Estratégia Nacional de Defesa é o vínculo entre o
conceito e a política de independência nacional, de um lado,
e as Forças Armadas para resguardar essa independência, de
outro. (...)
A Estratégia Nacional de Defesa será complementada
por planos para a paz e para a guerra, concebidos para fazer
frente a diferentes hipóteses de emprego.
2.A Estratégia Nacional de Defesa organiza-se em torno
de três eixos estruturantes.
O primeiro eixo estruturante diz respeito a como as
Forças Armadas devem-se organizar e orientar para melhor
desempenharem sua destinação constitucional e suas
atribuições na paz e na guerra. (...)
O segundo eixo estruturante refere-se à reorganização da
indústria nacional de material de defesa, para assegurar que
170 Élcio D’Angelo

o atendimento das necessidades de equipamento das Forças


Armadas apoie-se em tecnologias sob domínio nacional.
O terceiro eixo estruturante versa sobre a composição
dos efetivos das Forças Armadas e, consequentemente, sobre
o futuro do Serviço Militar Obrigatório. (...)
Diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa.
(...)
1.Dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras
terrestres, nos limites das águas jurisdicionais brasileiras, e
impedir-lhes o uso do espaço aéreo nacional.
(...)
2.Organizar as Forças Armadas sob a égide do trinômio
monitoramento/controle, mobilidade e presença.
(...)
3.Desenvolver as capacidades de monitorar e controlar o
espaço aéreo, o território e as águas jurisdicionais brasileiras.
(...)
4.Desenvolver, lastreado na capacidade de monitorar/
controlar, a capacidade de responder prontamente a qualquer
ameaça ou agressão: a mobilidade estratégica.
(...)
5.Aprofundar o vínculo entre os aspectos tecnológicos e
os operacionais da mobilidade, sob a disciplina de objetivos
bem definidos.
(...)
7.Unificar as operações das três Forças, muito além dos
limites impostos pelos protocolos de exercícios conjuntos.
(...)
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 171

9.Adensar a presença de unidades do Exército, da


Marinha e da Força Aérea nas fronteiras.
Deve-se ter claro que, dadas as dimensões continentais do
território nacional, presença não pode significar onipresença.
A presença ganha efetividade graças à sua relação com
monitoramento/controle e com mobilidade.
Nas fronteiras terrestres e nas águas jurisdicionais brasi-
leiras, as unidades do Exército, da Marinha e da Força Aérea
têm, sobretudo, tarefas de vigilância. No cumprimento des-
sas tarefas, as unidades ganham seu pleno significado apenas
quando compõem sistema integrado de monitoramento/con-
trole, feito, inclusive, a partir do espaço. Ao mesmo tempo,
tais unidades potencializam-se como instrumentos de defesa,
por meio de seus vínculos com as reservas táticas e estraté-
gicas. Os vigias alertam. As reservas respondem e operam.
E a eficácia do emprego das reservas táticas regionais e es-
tratégicas é proporcional à capacidade de elas atenderem à
exigência da mobilidade.
(...)
17.Preparar efetivos para o cumprimento de missões
de garantia da lei e da ordem, nos termos da Constituição
Federal.
O País cuida para evitar que as Forças Armadas
desempenhem papel de polícia. Efetuar operações internas
em garantia da lei e da ordem, quando os poderes constituídos
não conseguem garantir a paz pública e um dos Chefes
dos três Poderes o requer, faz parte das responsabilidades
constitucionais das Forças Armadas. A legitimação de tais
responsabilidades pressupõe, entretanto, legislação que
ordene e respalde as condições específicas e os procedimentos
federativos que deem ensejo a tais operações, com resguardo
de seus integrantes.
172 Élcio D’Angelo

18. Estimular a integração da América do Sul.


Essa integração não somente contribuirá para a defesa
do Brasil, como possibilitará fomentar a cooperação militar
regional e a integração das bases industriais de defesa.
Afastará a sombra de conflitos dentro da região. Com
todos os países avança-se rumo à construção da unidade
sul-americana. O Conselho de Defesa Sul-Americano, em
debate na região, criará mecanismo consultivo que permitirá
prevenir conflitos e fomentar a cooperação militar regional
e a integração das bases industriais de defesa, sem que dele
participe país alheio à região.  
(...)
Conclusão
A Estratégia Nacional de Defesa inspira-se em duas
realidades que lhe garantem a viabilidade e lhe indicam o
rumo.
A primeira realidade é a capacidade de improvisação
e adaptação, o pendor para criar soluções quando faltam
instrumentos, a disposição de enfrentar as agruras da
natureza e da sociedade, enfim, a capacidade quase irrestrita
de adaptação que permeia a cultura brasileira. É esse o fato
que permite efetivar o conceito de flexibilidade.
A segunda realidade é o sentido do compromisso
nacional no Brasil. A Nação brasileira foi e é um projeto
do povo brasileiro; foi ele que sempre abraçou a idéia de
nacionalidade e lutou para converter a essa idéia os quadros
dirigentes e letrados. Este fato é a garantia profunda da
identificação da Nação com as Forças Armadas e destas com
a Nação.
Do encontro dessas duas realidades, resultaram as
diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 173

II – MEDIDAS DE IMPLEMENTAÇÃO
(...)
- estreitamento da cooperação entre os países da América
do Sul e, por extensão, com os do entorno estratégico
brasileiro;
(...)
Fundamentos
Os ambientes apontados na Estratégia Nacional de
Defesa não permitem vislumbrar ameaças militares concretas
e definidas, representadas por forças antagônicas de países
potencialmente inimigos ou de outros agentes não-estatais.
Devido à incerteza das ameaças ao Estado, o preparo das
Forças Armadas deve ser orientado para atuar no cumprimento
de variadas missões, em diferentes áreas e cenários, para
respaldar a ação política do Estado.
As Hipóteses de Emprego são provenientes da associa-
ção das principais tendências de evolução das conjunturas
nacional e internacional com as orientações político-estraté-
gicas do País.
Na elaboração das Hipóteses de Emprego, a Estratégia
Militar de Defesa deverá contemplar o emprego das Forças
Armadas considerando, dentre outros, os seguintes aspectos:
- o monitoramento e controle do espaço aéreo, das
fronteiras terrestres, do território e das águas jurisdicionais
brasileiras em circunstâncias de paz;
- a ameaça de penetração nas fronteiras terrestres ou
abordagem nas águas jurisdicionais brasileiras;
(...)
Comando e Controle
Consolidar o sistema de comando e controle para a
Defesa Nacional.
174 Élcio D’Angelo

O Ministério da Defesa aperfeiçoará o Sistema de


Comando e Controle de Defesa, para contemplar o uso de
satélite de telecomunicações próprio.
O sistema integrado de Comando e Controle de Defesa
deverá ser capaz de disponibilizar, em função de seus
sensores de monitoramento e controle do espaço terrestre,
marítimo e aéreo brasileiro, dados de interesse do Sistema
Nacional de Segurança Pública, em função de suas atribuições
constitucionais específicas. De forma recíproca, o Sistema
Nacional de Segurança Pública deverá disponibilizar ao
sistema de defesa nacional dados de interesse do controle
das fronteiras, exercido também pelas Forças Armadas, em
especial no que diz respeito às atividades ligadas aos crimes
transnacionais fronteiriços.
(...)
Inteligência de Defesa
(...)
Criar-se-á, no Ministério da Defesa, uma estrutura
compatível com as necessidades de integração dos órgãos de
inteligência militar.
(...)
Garantia da Lei e da Ordem
Compatibilizar a legislação e adestrar meios específicos
das Forças Armadas para o emprego episódico na Garantia da
Lei e da Ordem nos termos da Constituição Federal.
1. O Ministério da Defesa proporá alterações na Lei
Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999, alterada pela
Lei Complementar nº 117, de 02 de setembro de 2004; e
na Lei nº 9.299, de 07 de agosto de 1996, que viabilizem o
emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem,
nos termos da Constituição Federal, com eficácia e resguardo
de seus integrantes.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 175

(...)
Estabilidade Regional
(...)
1. O Ministério da Defesa e o Ministério das Relações
Exteriores promoverão o incremento das atividades destinadas
à manutenção da estabilidade regional e à cooperação nas
áreas de fronteira do País.
2. O Ministério da Defesa e as Forças Armadas
intensificarão as parcerias estratégicas nas áreas cibernética,
espacial e nuclear e o intercâmbio militar com as Forças
Armadas das nações amigas, neste caso particularmente com
as do entorno estratégico brasileiro e as da Comunidade de
Países de Língua Portuguesa.
(...)
Segurança Nacional
(...)
Todas as instâncias do Estado deverão contribuir para o
incremento do nível de Segurança Nacional, com particular
ênfase sobre:
(...)
- a integração de todos os órgãos do Sistema de Inteligência
Nacional (SISBIN);
(...)
- as ações de segurança pública, a cargo do Ministério da
Justiça e dos órgãos de segurança pública estaduais;
176 Élcio D’Angelo

DECRETO Nº 8.903, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2016 -


Institui o Programa de Proteção Integrada de Fronteiras e
organiza a atuação de unidades da administração pública
federal para sua execução.
(...)
Art. 1º Fica instituído o Programa de Proteção
Integrada de Fronteiras - PPIF, para o fortalecimento da
prevenção, do controle, da fiscalização e da repressão aos
delitos transfronteiriços.
(...)
Art. 2º O PPIF terá como diretrizes:
I - a atuação integrada e coordenada dos órgãos de
segurança pública, dos órgãos de inteligência, da Secretaria
da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e do
Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, nos termos da
legislação vigente;
(...)
Art. 3º O PPIF terá como objetivos:
I - integrar e articular ações de segurança pública da
União, de inteligência, de controle aduaneiro e das Forças
Armadas com as ações dos Estados e Municípios situados na
faixa de fronteira, incluídas suas águas interiores, e na costa
marítima;
(...)
Art. 4º O PPIF promoverá as seguintes medidas:
(...)
II - ações conjuntas dos órgãos de segurança pública,
federais e estaduais, da Secretaria da Receita Federal do Brasil
e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas;
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 177

III - compartilhamento de informações e ferramentas


entre os órgãos de segurança pública, federais e estaduais,
os órgãos de inteligência, a Secretaria da Receita Federal do
Brasil e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas;
(...)
Art. 5º Fica criado o Comitê-Executivo do Programa
de Proteção Integrada de Fronteiras, composto por um
representante titular e um representante suplente dos
seguintes órgãos:
(...)
III - Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, do
Ministério da Defesa;
(...)

http://www.epex.eb.mil.br/index.php/sisfron
ESCRITÓRIO DE PROJETOS DO EXÉRCITO BRASILEIRO
– SISFRON: “Integrando capacidades na vigilância e na
atuação em nossas fronteiras.”

O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras


–SISFRON é um sistema de sensoriamento e de apoio à
decisão em apoio ao emprego operacional, atuando de
forma integrada, cujo propósito é fortalecer a presença e
a capacidade de monitoramento e de ação do Estado na
faixa de fronteira terrestre, potencializando a atuação dos
entes governamentais com responsabilidades sobre a área.
Foi concebido por iniciativa do Comando do Exército, em
decorrência da aprovação da Estratégia Nacional de Defesa,
em 2008, a qual orienta a organização das Forças Armadas
sob a égide do trinômio monitoramento/controle, mobilidade
e presença.
178 Élcio D’Angelo

(...) As operações podem ser isoladas, em conjunto com as


outras Forças Armadas ou, ainda, em ambiente interagências,
com outros órgãos governamentais.
(...) O conceito de emprego é dual, ou seja, permite
iniciativas de defesa externa, em conjunto com as demais
Forças Armadas, bem como o apoio à atuação de órgãos
públicos de segurança, em operações interagências, contra
delitos transfronteiriços.
(...)
Mais recentemente, o Programa de Proteção lntegrada de
Fronteiras (Decreto N° 8.903, de 16 de novembro de 2016)
reenfatizou a importância das ações de prevenção, do controle,
da fiscalização e da repressão dos delitos transnacionais e
ambientais na faixa de fronteira. A diretriz principal desse
diploma legal é a atuação integrada dos órgãos de segurança
pública, das Forças Armadas, Vigilância Sanitária e da
Receita Federal, além de outras agências federais, estaduais
e municipais. O SISFRON, desde a sua concepção, está
alinhado com o Programa.

LEI Nº 12.850, DE 2 DE AGOSTO DE 2013 – Define


organização criminosa e dispõe sobre a investigação
criminal, os meio de obtenção da prova, infrações penais
correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-
Lei nº 2.848, de 7 de setembro de 1940 (Código Penal);
revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras
providências.
(...)
DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Art. 1o  Esta Lei define organização criminosa e dispõe
sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova,
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 179

infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser


aplicado.
§ 1o  Considera-se organização criminosa a associação
de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente,
com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de
qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou
que sejam de caráter transnacional.
(...)
DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA
PROVA
Art. 3o  Em qualquer fase da persecução penal, serão
permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os
seguintes meios de obtenção da prova:
(...)
VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais,
distritais, estaduais e municipais na busca de provas e
informações de interesse da investigação ou da instrução
criminal (...)

LEI Nº 13.675, DE 11 DE JUNHO DE 2018 - Disciplina a


organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis
pela segurança pública, nos termos do §7º do art. 144 da
Constituição Federal; cria a Política Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social (PNSPDS); institui o Sistema Único
de Segurança Pública (Susp); altera a Lei Complementar
nº 79, de 7 de janeiro de 1994, a Lei nº 10.201, de 14 de
fevereiro de 2001, e a Lei nº 11.530, de 224 de outubro de
2007; e revoga dispositivos da Lei nº 12.681, de 4 de julho
de 2012.
180 Élcio D’Angelo

(...)
Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Único de Segurança
Pública (Susp) e cria a Política Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social (PNSPDS), com a finalidade de
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
e do patrimônio, por meio de atuação conjunta, coordenada,
sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública e
defesa social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, em articulação com a sociedade.
(...)
Art. 5º São diretrizes da PNSPDS:
(...)
IV - atuação integrada entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios em ações de segurança pública e
políticas transversais para a preservação da vida, do meio
ambiente e da dignidade da pessoa humana;
V - coordenação, cooperação e colaboração dos órgãos e
instituições de segurança pública nas fases de planejamento,
execução, monitoramento e avaliação das ações, respeitando-
se as respectivas atribuições legais e promovendo-se a
racionalização de meios com base nas melhores práticas;
(...)
VIII - sistematização e compartilhamento das informações
de segurança pública, prisionais e sobre drogas, em âmbito
nacional;
IX - atuação com base em pesquisas, estudos e
diagnósticos em áreas de interesse da segurança pública;
(...)
XIII - modernização do sistema e da legislação de acordo
com a evolução social;
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 181

(...)
XVI - colaboração do Poder Judiciário, do Ministério
Público e da Defensoria Pública na elaboração de estratégias
e metas para alcançar os objetivos desta Política;
(...)
Art. 6º São objetivos da PNSPDS:
I - fomentar a integração em ações estratégicas e
operacionais, em atividades de inteligência de segurança
pública e em gerenciamento de crises e incidentes;
(...)
VII - promover a interoperabilidade dos sistemas de
segurança pública;
VIII - incentivar e ampliar as ações de prevenção, controle
e fiscalização para a repressão aos crimes transfronteiriços;
IX - estimular o intercâmbio de informações de
inteligência de segurança pública com instituições
estrangeiras congêneres;
X - integrar e compartilhar as informações de segurança
pública, prisionais e sobre drogas;
(...)
XVII - fomentar ações permanentes para o combate ao
crime organizado e à corrupção;
(...)
Art. 7º A PNSPDS será implementada por estratégias que
garantam integração, coordenação e cooperação federativa,
interoperabilidade, liderança situacional, modernização da
gestão das instituições de segurança pública, valorização e
proteção dos profissionais, complementaridade, dotação
de recursos humanos, diagnóstico dos problemas a serem
182 Élcio D’Angelo

enfrentados, excelência técnica, avaliação continuada dos


resultados e garantia da regularidade orçamentária para
execução de planos e programas de segurança pública.
(...)
Art. 9º É instituído o Sistema Único de Segurança
Pública (Susp), que tem como órgão central o Ministério
Extraordinário da Segurança Pública e é integrado pelos
órgãos de que trata o art. 144 da Constituição Federal, pelos
agentes penitenciários, pelas guardas municipais e pelos
demais integrantes estratégicos e operacionais, que atuarão
nos limites de suas competências, de forma cooperativa,
sistêmica e harmônica.
(...)
Art. 10.  A integração e a coordenação dos órgãos
integrantes do Susp dar-se-ão nos limites das respectivas
competências, por meio de:
(...)
IV - compartilhamento de informações, inclusive com o
Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin);
(...)
§ 2º As operações combinadas, planejadas e
desencadeadas em equipe poderão ser ostensivas,
investigativas, de inteligência ou mistas, e contar com a
participação de órgãos integrantes do Susp e, nos limites
de suas competências, com o Sisbin e outros órgãos dos
sistemas federal, estadual, distrital ou municipal, não
necessariamente vinculados diretamente aos órgãos de
segurança pública e defesa social, especialmente quando se
tratar de enfrentamento a organizações criminosas.
(...)
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 183

§ 4º O compartilhamento de informações será feito


preferencialmente por meio eletrônico, com acesso recíproco
aos bancos de dados, nos termos estabelecidos pelo Ministério
Extraordinário da Segurança Pública.
(...)
Art. 13.  O Ministério Extraordinário da Segurança
Pública, responsável pela gestão do Susp, deverá orientar e
acompanhar as atividades dos órgãos integrados ao Sistema,
além de promover as seguintes ações:
(...)
II - implementar, manter e expandir, observadas as
restrições previstas em lei quanto a sigilo, o Sistema Nacional
de Informações e de Gestão de Segurança Pública e Defesa
Social;
(...)
Art. 14. É de responsabilidade do Ministério
Extraordinário da Segurança Pública:
I - disponibilizar sistema padronizado, inf­ormatizado e
seguro que permita o intercâmbio de informações entre os
integrantes do Susp;
(...)
Art. 22. A União instituirá Plano Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social, destinado a articular as ações do
poder público, com a finalidade de:
(...)
IV - priorizar ações preventivas e fiscalizatórias de
segurança interna nas divisas, fronteiras, portos e aeroportos.
(...)
Art. 24. Os agentes públicos deverão observar as
seguintes diretrizes na elaboração e na execução dos planos:
184 Élcio D’Angelo

I - adotar estratégias de articulação entre órgãos públicos,


entidades privadas, corporações policiais e organismos
internacionais, a fim de implantar parcerias para a execução
de políticas de segurança pública e defesa social;
(...)
X - fomentar a harmonização e o trabalho conjunto dos
integrantes do Susp;
(...)
Art. 35. É instituído o Sistema Nacional de Informações
de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de
Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de
Drogas (Sinesp), com a finalidade de armazenar, tratar e
integrar dados e informações para auxiliar na formulação,
implementação, execução, acompanhamento e avaliação das
políticas relacionadas com:
I - segurança pública e defesa social;
(...)
V - enfrentamento do tráfico de drogas ilícitas.
Art. 36. O Sinesp tem por objetivos:
(...)
III - promover a integração das redes e sistemas de dados
e informações de segurança pública e defesa social, criminais,
do sistema prisional e sobre drogas;
IV - garantir a interoperabilidade dos sistemas de dados
e informações, conforme os padrões definidos pelo conselho
gestor.
(...)
Art. 37. Integram o Sinesp todos os entes federados, por
intermédio de órgãos criados ou designados para esse fim.
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 185

(...)
§ 2º O integrante que deixar de fornecer ou atualizar seus
dados e informações no Sinesp poderá não receber recursos
nem celebrar parcerias com a União para financiamento de
programas, projetos ou ações de segurança pública e defesa
social e do sistema prisional, na forma do regulamento.
§ 3º O Ministério Extraordinário da Segurança Pública
é autorizado a celebrar convênios com órgãos do Poder
Executivo que não integrem o Susp, com o Poder Judiciário e
com o Ministério Público, para compatibilização de sistemas
de informação e integração de dados, ressalvadas as vedações
constitucionais de sigilo e desde que o objeto fundamental
dos acordos seja a prevenção e a repressão da violência.
§ 4º A omissão no fornecimento das informações legais
implica responsabilidade administrativa do agente público.

MINISTÉRIO DA DEFESA - ESTADO-MAIOR CONJUNTO


DAS FORÇAS ARMADAS - OPERAÇÕES INTERAGÊNCIAS
– Portaria Normativa nº 32/MD de 30/08/2017
(...)
PREFÁCIO
O termo interagências deriva, então, da parceria e
sinergia de esforços envolvendo órgãos governamentais e não
governamentais, podendo ser nacionais e/ ou internacionais,
estruturados para alcançar objetivos políticos e estratégicos
de interesse nacional, harmonizando culturas e esforços
diversos, em resposta a problemas complexos, adotando
ações coerentes e consistentes.
(...)
FUNDAMENTOS DAS OPERAÇÕES INTERAGÊNCIAS
186 Élcio D’Angelo

(...)
O processo interagências deve unir os interesses de todos
os participantes, buscando a obtenção da unidade de esforços
por intermédio da cooperação, voltada para o objetivo da
operação em curso.
(...)
Cada organização possui sua própria cultura, filosofia,
objetivos, práticas e habilidades. Essa diversidade é a força
do processo interagências, proporcionando um somatório de
conhecimentos na busca de um objetivo comum, gerando
a necessidade de um fórum coordenado para a integração
dos muitos pontos de vista, capacidades e opções. Todos
os esforços devem ser coordenados, apesar das diferenças
culturais e de técnicas operacionais.
(...)
As operações interagências possuem características tais
como:
(...)
- possibilidade do emprego das Forças Armadas em
conjunto com órgãos governamentais das esferas federal,
estadual e municipal;
(...)
- complexidade de ações, que exigem dos militares
conhecimentos dos conceitos, das características e das
missões dos parceiros interagências e saibam conduzir
atividades de assuntos civis, a fim de atuarem de modo
integrado e sintonizado com o objetivo da missão;
- dependência da socialização das informações;
- centralização do planejamento no mais alto nível
possível, com a execução mais descentralizada possível;
Facções Criminosas no Brasil - fronteiras e crimes violentos 187

(...)
Princípios Norteadores
Colaboração
É essencial que sejam criadas condições para a
colaboração entre os atores envolvidos na ação, sintetizando
a cooperação e a coordenação, sendo necessário que exista
um grau mínimo de cooperação institucional para que a
coordenação produza seus efeitos.
(...)
Unidade de esforços
(...)
As técnicas, procedimentos e sistemas de Comando
e Controle (C²) podem auxiliar na obtenção de unidade de
esforços ajustadas ao ambiente interagências. A unidade de
esforços só pode ser alcançada por meio de contínua e estreita
coordenação e cooperação.
(...)
188 Élcio D’Angelo

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