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Nilo Batista

INTRODUÇÃO
CRÍTICA AO
DIREITO
PENAL
BRASILEIRO

E d ito ra Rcvun
Nilo Batista
Livre-docente (UERJ) e Mestre (UFRJ) em
direito penal, professor da Faculdade de
Direito Cândido Mendes e da PUC-RJ ,

INTRODUÇÃO
CRÍTICA AO
DIREITO
PENAL
BRASILEIRO
11a edição

Editora Revan
Copyright © 1990 by Nilo Batista
t

Todos os direitos reservados no Brasil pela Editora Revan Ltda. Nenhuma


parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos,
eletrônicos ou via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

C o o r d e n a ç ã o e d ito r ia l
Lilian M. G. Lopes
A r te e p r o d u ç ã o g rá fic a
Ricardo Gosi
R e v is ã o
Miguel Villela
Capa
Danilo Basto Silva
C o m p o s iç ã o
WJ Fotocomposição

Im pressão e a c a b a m e n to
(Em papel O ff-set 75grs. após puginaçiio eletrônica, em üpos Tim e New Ram an, c. 11/13)
D iv is ã o G rá fic a d a E d ito r a R e v a n

CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

8337i
Batista, N ilo
Introdução crítica ao direito penal brasileiro /N ilo Batista.
Rio de Janeiro: Revan, 11a edição, março de 2007

136p.
ISBN 85-7106-023-1.
1. Direito penal - Filosofia. 2. Direito penal - Brasil. I. Título.

90-0484 C D U - 343.2.01
343(81)

2007
Editora Revan Ltda.
Avenida Paulo de Frontin, 163
20260-010 - Rio de Janeiro, RJ
Tel.: 21-2502-7495 - Fax.: 21-2273-6873
Este trabalho fo i escrito quando
Carlos Bruce, Maria Clara e João
Paulo estavam aprendendo a ler. Â
eles, com o carinho afeto de seu pai,
é dedicado o livro.
Do autor:
T e o r ia d q le i p e n a l , S. Paulo, 1974, ed. RT (era colaboração com Aníbal
Bruno).
O e le m e n to s u b je tiv o d o c r im e d e d e n u n c ia ç ã o c a lu n io s a , Rio, 1975, ed.
Liber Juris.
D e c is õ e s c r im in a is c o m e n ta d a s , l! edição. Rio, 1976, ed. Liber Juris; 2:
edição, Rio, 1984, ed. Liber Juris.
A n íb a l B r u n o , p e n a lis ia , Rio, 1978, ed. Liber Juris
A d v o c a c ia c r im in a l, Rio, 1978, ed. Liber Juris (em colaboração com
João Mestieri).
C o n c u r s o d e a g e n te s , Rio, 1979, ed. Liber Juris.
C a s o s d e d ir e ito p e n a l — p a r te e s p e c ia l, Rio, 1980, ed. Liber Juris (em
colaboração com Heitor Costa Jr.).
T e m a s d e d ir e ito p e n a l . Rio, 1984, d. Liber Juris.
P u n id o s e m a l p a g o s (violência, justiça, segurança pública e direitos
humanos no Brasil de hoje), Rio, 1990, ed. Revan.

Biblioteca Central
Introdução crítica ao direito penal brasileiro.
Ac. 224621 - R. 688084 Ex. 2
Compra - Cia dos Livros
Nf.: 141985 R$ 14,75 - 05/10/2007
Direito (Diurno) - Reg. Sem. Ctba
Sumário

Nota Prévia 9

Apresentação 11

CAPÍTULO I

Direito penal e sociedade. Sistema penal. Criminologia.


Política criminal.
§ 1“ — Direito penal e sociedade 17
§ 2.° — Direito penal e sistema penal 24
§ 3.° — Criminologia 27
§ 4? — Política criminal 34

CAPÍTULO n

A designação “ direito penal” e suas acepções. Princípios


básicos do direito penal. Missão do direito penal. A ciência
do direito penal.
§ 5? — Direito penal ou direito criminal? 43
§ 6.“ — As três acepções da expressão “ direito penal”
§ 7.” — O direito penal como direito público 52
§ 8." — Princípios básicos do direito penal 61
§ 9" — O princípio da legalidade 65
§ 10 — O princípio da intervenção mínima 84
§ 11 — O princípio da lesividade 91
§ 12 — O princípio da humanidade 98
§ 13 — O princípio da culpabilidade 102
§ 14 — Um direito penal subjetivo? 106
§ 15 — A missão (fins) do direito penal 111
§ 16 — A ciência do direito penal 117

Bibliografia 123
Nota Prévia

Com inúmeros acréscimos e alguma atualização bibliográ­


fica, é este o trabalho que, em 1988, apresentei ao concurso
para a livre-docéncía de Direito Penal da Faculdade de Direito
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Sou muito grato
aos professores Jair Leonardo Lopes, João Marcello Araújo
J r ., Luiz Luisi, René Ariel Dotti e Sérgio do Rego Macedo
pelas observações então formuladas,
Nossa literatura jurídico-penal se ressente da inconstância
de contribuições propedêuticas, que permitam aos professores
de direito penal revisitar os fundamentos de seu magistério e
facilitem a iniciação dos estudantes. O reflexo dessa incons­
tância está no tratamento repetitivo e linear que os sedimentos
básicos do estudo do direito penal merecem da maior parte de
nossos livros,
Este trabalho se destina a ser a primeira leitura do estu­
dante de direito penal. Assumidamente simplificador, pro­
curou não só reorganizar a matéria introdutória, como questio­
nar-lhe as respostas usuais. Um saber crítico é fundamental­
mente um esforço para “ fazer aparecer o invisível” (Miaille)
ou as “ funções encobertas” (Warat) do visível.
Nessa direção, interessei-me particularmente em registrar
condicionamentos históricos e objetivos ocultos com os quais
o sistema penal de uma sociedade dividida em classes nega
cotidianamente os princípios idealisticamente transcritos nos
livros de direito penal. As perplexidades e contradições permi­
tem entender a teoria crítica como poderoso instrumento meto­
dológico para o conhecimento do direito penal e para a corre­
ção de deformações ideológicas que a reflexão jurídico-penal
comumente apresenta.
Nilo Batista
De como considerar seriamente os
direitos e garantias do cidadão
O direito penal, particularmente na América Latina, não consti­
tui exceção em relação ao domínio de uma hegemonia do pensa­
mento conservador no campo do direito em geral. Hegemonia que
pode ser entendida como a ausência de tradução dos conflitos do
planò político para a área específica do jurídico. Em outras palavras,
um exemplo concreto desta hegemonia se manifesta na cultura
jurídica progressista do jurista, que desaparece quando se trata das
“ técnicas da dogmática”
Nilo Batista representa uma clara ruptura com essa tradição.
Poucos são os trabalhos que, no contexto do direito penal lati­
no-americano, justificam seu caráter explicitamente crítico como o
excelente trabalho que aqui se tem orgulho de apresentar.
Sempre achei que o direito penal tradicional tinha muito pouco
de liberal na acepção original do termo, isto é, vinculado à produção
de garantias para o cidadão. Foi precisamente este direito penal
liberal, em nossa recente história latino-americana, que “ se adaptou
às circunstâncias” dos diversos autoritarismos, oferecendo legiti­
midade ao justificar o caráter excepcional das rupturas estruturais da
ordem jurídico-democrática.
O enfoque “ crítico” do direito penal não constitui um corpo
hom ogêneo. E xiste tam bém , p arad o x alm en te, um enfoque
“ critico” , que se movimenta dentro dos parâmetros hegemônicos
do pensamento conservador e que permite delinear o problema das
garantias, em termos de modelo normativo não realizado na prática.
Isto possibilitou aos juristas desenvolver um direito das garantias
que permanecia no plano do “ espírito da lei” , sem se interessar
pelas técnicas garantidoras. O contrário teria exigido o questiona­
mento da dogmática penal.
Os mecanismos que asseguram a efetivação dos princípios esta­
belecidos na instituição do cheque como forma de pagamento não
encontram equivalente no campo das liberdades públicas ou indivi­
duais, para dar um exemplo.
O enfoque histórico, ao qual Nilo Batista recorre freqüente­
mente, permite colocar em julgamento as hipóteses do modelo'não
realizado. ,
Em resumo, parece-me que a expressão direito penal “ conser-
vador-liberal’’ não configura um caso de contradição previsto pela
dogmática.
O direito penal iluminista, resultado das lutas da burguesia que
culminaram na Revolução Francesa, se legitima como instrumento
de defesa da sociedade civil, frente a um estado (absolutista) que
atuava factual e normativamente com total arbitrariedade e discri-
cionariedade. Em contrapartida, o direito penal deve constituir-se
de um sistema de técnicas que assegure as liberdades individuais
frente ao poder político. Os códigos penais modernos deveriam,
portanto, constituir a culminação técnico-política deste processo.
Sem dúvida um elemento chama a atenção dos códigos penais do
começo do século XIX (característica que, por outro lado, perma­
nece inalterada até hoje). O conjunto de garantias da sociedade civil
frente ao estado não está registrado nos artigos dos códigos. Pelo
contrário, os delitos contra o estado (lesa-majestade) constituem a
prioridade político-legislativa. Metaforicamente, se poderia afirmar
que os delitos contra o estado ocupam, na construção da norma
penal, o lugar dos mecanismos de acumulação originária no proces­
so de formação do capital,
A questão não é de pouca importância na determinação futura da
direção concreta que assume a garantia das liberdades públicas e de
algumas liberdades individuais.
Concebido para ser usado como material didático, a Introdução
crítica ao direito penal brasileiro entrega ao leitor as chaves neces­
sárias para desarticular criticamente um direito penal com primazia
do enfoque “ lesa-majestade” , outorgando a possibilidade de re­
construir um verdadeiro direito penal das garantias.
Dos muitos méritos deste trabalho, alguns já postos em evidên­
cia, elejo “ arbitrariamente” um. O enfoque de Nilo Batista permite
superar o debate estéril entre uma visão pan-penalista da vida social
e um abolicionismo total e imediato do sistema penal.
O segredo da receita é simples: considerar seriamente os direitos
e garantias, aprimorar as técnicas de defesa jurídica da sociedade
civil e decifrar os enigmas da dogmática jurídica, para tomá-los
acessíveis aos movimentos sociais.

Emilio Garcia Mendez


O homem não existe para a lei, mas sim a
lei existe para o homem.
Karl Marx
Capítulo I

DIREITO PENAL E SOCIEDADE.


SISTEMA PENAL.
CRIMINOLOGIA. POLÍTICA
CRIMINAL.
§ \°
Direito penal e sociedade

Os trabalhos brasileiros de iniciação ao direito penal costu­


mam ser abertos com observações sobre as relações entre
sociedade e direito. Tais observações, quase sempre, se limi­
tam a assinalar que a vida em sociedade não prescinde de
normas jurídicas; assim, por exemplo, Mirabete1, Damásio2,
Mayrink da Costa3.
Certamente não há incorreção em lembrar — valham-nos
as palavras de Losano — que “ das sociedades pré-letradas até
às pós-industriais, os homens movem-se dentro de sistemas de
regras” '1. Convém, entretanto, questionar imediatamente as
formas de aparição histórica do direito, para contornar riscos
idealistas aos quais podem expor-se os iniciantes. O mais
grave desses riscos é aquele que Miaille chama de “ universa­
lismo a-histórico” 5; na medida em que as idéias constituíssem

1 M anual de d ireito p e n a l, P .G ., S . P aulo, 1980, ed. A tias, p. 13: “ u vida em


sociedade exige um com plexo de norm as disciplinadoras que estabeleça as regras
indispensáveis ao convívio entre os indivíduos que a com põem ” .
2 D ireito p e n a l, P .G ., !T v ., S. P aulo, 1985, ed. S araiva, p. 3: “ o direito surge das
n ecessidades fundam entais das sociedades h u m a n a s".
3 D ireito p e n a l, P .G ., R io , 1982, ed. F orense, p. 4: “ a vida em sociedade im plica
relaçõ es sociais e todo grupam ento hum ano abre espaço para um m odus vivendi
através de um conjunto de regras d iretiv a s” .
4 O s grandes sistem as ju ríd ic o s, trad. A. F. B astas e L. L eitão, L isboa, 1979, ed.
P resença, p. 17.
5 Uma introdução crítica ao direito , trad. A. P rata, Braga, 1979, ed. M oraes, p. 48.

17
a matriz da realidade, a história do direito seria autônoma e
destacada com respeito ao contexto histórico em que tal direito
fora produzido, passando a compor um conjunto de noções
universalmente válidas.
Sem pretender resgatar a surrada imagem da “ base e
su p erestru tu ra” , desacreditada pela voz autorizada de
P o u lan tzas”, é decisiv o ad v ertir-se para a “ essên cia
econômica” que subjaz às definições jurídicas abstratas1,
compreendendo o verdadeiro processo social de criação do
direito.
Uma passagem de Tobias Barreto, escrita há mais de um
século, auxiliará nessa compreensão: “ não existe um direito
natural, mas há uma lei natural do direito” ". Acrescentava
Tobias Barreto que, da mesma forma, não existem linguagem,
indústria ou arte naturais, embora exista aquilo que chama de
lei natural da linguagem, da indústria e da arte: o homem não
fala “ língua alguma, não exerce indústria nem cultiva arte de
qualquer espécie que a natureza lhe houvesse ensinado; tudo é
produto dele mesmo, do seu trabalho, da sua atividade” u. Ao
conceber o direito como algo não revelado ao homem (a
exemplo de uma noção religiosa) nem descoberto por sua
razão (a exemplo de uma regra de lógica formal), mas sim
produzido pelo grupamento humano e pelas condições concre­
tas em que esse grupamento se estrutura e se reproduz; ao
ridicularizar a concepção do direito como “ uma lei suprema,
preexistente à humanidade e ao planeta que ela habita” , To-

6 P oulantzas, N ico s, O esta d o , o p o d e r e o so cia lism o , trud. R . L im a , R io, 1980, cd.


G raal, p. 19.
7 L osano, op. ciL , p. 17, A s relações econôm icas, po r seu tu m o , n ão se co n stitu em
estruturalm ente apenas com o relações sociais, m as tam bém corno relaçõ es m arca-
dam ente políticas e jurídicas: cf. Boa ventura de S ouza S a n to s, P ara um a so cio lo ­
g ia da distinção estado/sociedade civ il, in D esordem e p r o c e s s o , P. A leg re, 1986,
p. 73.
8 Introdução ao estudo do direito, in E studos de d ire ito , R io , 1 892, ed, L aem m ert,
p. 36.
9 Ibidem .

18
bias Barreto se antecipava extraordinariamente às concepções
jurídicas correntes no Brasil de sua época10.
O direito penal vem ao mundo (ou seja, é legislado) para
cumprir funções concretas dentro de e para uma sociedade que
concretamente se organizou de determinada maneira.
O estudo aprofundado das funções que o direito cumpre
dentro de uma sociedade pertence à sociologia jurídica, mas o
jurista iniciante deve ser advertido da importância de tal es­
tudo para a compreensão do próprio direito.
Quem quiser compreender, por exemplo, o direito assírio,
o direito romano, ou o direito brasileiro do século XIX, pro­
cure saber como assírios, romanos e brasileiros do século XIX
viviam, como se dividiam e se organizavam para a produção e
distribuição de bens e mercadorias; no marco da proteção e da
continuidade dessa engrenagem econômica, dessa “ Ordem
Política e Social” (não por acaso, designação dos departamen­
tos de polícia política entre nós — DOPS) estará a contribui­
ção do respectivo direito. Mesmo os penalistas chamados de
“ clássicos” , tão próximos de um processo histórico no qual
foi oportuno extrair da razão conteúdos jurídicos “ natu­
rais” ", percebiam às vezes esse caráter “ prático” . Carrara,
desenvolvendo os elementos de sua famosa definição de cri-
me, ao deter-se no “ dano político” , assinalava que o direito
penal (em sentido subjetivo) é atribuído ao estado “ como meio
de mera defesa da ordem externa, não para o fim de aperfei­

10 O p. c it., p, 3 9 . H erm es Liran perceb eu que o posição de T obias B arreto


: : significava rep elir a crença num a essência ideal de ju stiç a , que m overia os
sistem as ju ríd ico s, e substituí-la pela concepção de fatores sociais e culturais que,
na esfera da hum ana ativ id ad e, apareciam e se renovavam ” {O bras com pletas de
Tobias B arreto, Introdução G eral, S. P aulo, 1963, ed. IN L , v. I, p. 160),
IJ O ju snaturaiism o foi a teoria ju ríd ica da burguesia revolucionária, que procurava
d estruir os privilégios e distinções do m undo (e, portanto, do direito) m edieval,
bem com o in se rir o m onarca dentro da esfera de novas relações ju ríd ica s, através
dos princípios “ n a tu ra is” da igualdade form al e da universalidade do direito. Cf.
L akács, La reificazione nella scienza giuridica, trad. R. G uastini, in M arxism o e
teoria det d irh to , B olonha, 1980, ed. II M ulino, p. 90. C f. tam bém Paulo
Bonavides, D o estado lib era l ao estado so cia l, R io, 1980, ed. F orense, p. 4.

19
çoamento interno” 12. É a esse viés que se reporta a observa­
ção, recprrente em trabalhos introdutórios, da característica
flnalística do direito penal. O direito penal existe para cumprir
finalidades, para que algo se realize,--não para a simples
celebração de valores eternos ou glorificação de paradigmas
morais.
Resulta claro que conhecer essas finalidades é importante
para conhecer o direito penal. Quaisquer que sejam tais finali­
dades — inclusive a de evitar que “ prorrompa a guerra de
todos contra todos” , como dizia von Liszt13 — , constituem
elas obviamente matéria que não pode ser estranha às preocu­
pações do jurista. Atribuindo-se à figura de von Liszt conota­
ções que certamente não possuía, o jurista não pode deixar de
formular algumas indagações, a saber: existirá de fato uma
guerra de todos contra todos, ou, pelo contrário, uma guerra
de alguns contra outros? Que guerra é essa? Por que alguns
desejam guerrear contra outros? Se o direito não cai do céu,
mas é elaborado por homens, qual a posição dos homens que o
editam nessa guerra? Só o direito penal evita que se prorrompa
tal guerra? Não prorromperá ela apesar do direito penal?
Evitada a guerra, quem ganha e quem perde com essa “ paz”
que o direito penal assegurou? Essas e outras perguntas po­
derão aproximar-nos, até sem que o percebamos, de certas
chaves centrais no afazer jurídico: jusnaturalismo e positi­
vismo jurídico, interpretação da lei, fins da pena, política
criminal, etc.
Afirmamos, portanto, que o direito penal é disposto pelo
estado para a concreta realização de fins; toca-lhe, portanto,

12 P rogram m a, § 13.
13 T ratado de d ireito p e n a l allem ão, tradução J. H ygino, R io , 1899, ed. B riguiet, v.
1, p. 95. A expressão ‘ “g u em i de todos conlra to d o s” rem onta a H obbes; M ontes-
quieu falaria de “ estado de g u e rra ” , eR o u sse au do ‘ ‘d ire ito d o mais fo rte ” . C om o
reg istrado por M arx, no século X V III a ficção segundo a qual o “ estado de
natureza é o verdadeiro estado da nalureza hum ana” alcançou o apogeu (II
m anifesto filosofico delia scuola storica dei diritto, in M arx/Engels, O pere, Roma,
1980, ed. R iuniti, v. I, p. 206).

20
uma missão política, que os autores costumam identificar, de
modo am plo, na garan tia das “ condições de vida da
sociedade” , como M estieri'4, ou na “ finalidade de combater o
crime” , como Damásio13, ou na “ preservação dos interesses do
indivíduo ou do corpo social” , como Heleno Fragoso16. Tais
fórmulas não devem ser aceitas com resignação pelo iniciante.
O direito penal nazista garantia as “ condições de vida da
sociedade” alemã subjugada pelo estado nazista, ou era a
pedra de toque do terrorismo desse mesmo estado, garantindo
em verdade as condições de morte da sociedade? Sem adentrar
a fascinante questão de que o estado primeiro inventa para
depois combater o crime, esse combate não será algo misera­
velmente reduzido ao crime acontecido e registrado?11. Ou
seja: o combate que o direito penal pode oferecer ao crime
praticamente se reduz — desde que a pesquisa empírica de-
m onstrou o precário desem penho do cham ado “ efeito
intimidador” da pena, sob cuja égide sistemas inteiros foram
construídos — ao crime acontecido (sendo mínima sua atua­
ção p reventiva} e registrado (a chamada crim inalidade
aparente, que, como também a pesquisa empírica revelou, é
muito inferior — em alguns casos, escandalosamente inferior:
pense-se por exemplo no abortamento — à criminalidade real,
sendo a diferença denominada cifra oculta). Por último, que
significarão “ interesses do corpo social” numa sociedade
dividida em classes, na qual os interesses de uma classe são
estrutural e logicamente antagônicos aos da outra?
A função do direito de estruturar e garantir determinada
ordem econômica e social, à qual estamos nos referindo, é
habitualmente chamada de função “ conservadora” ou de
“ controle social” . O controle social, como assinala Lola

14 Teoria elementar do direito crim inal, R io, 1971, p, 3.


15 O p. c it., p. 3.
16 L içõ es d e direito p e n a l, P .G ., R ia, 1985, ed. F orense, p. 2.
17 W elzel havia percebido q u e, quando o direito penal “ entra efetivam ente em ação,
j á é , em geral, m uito tarde' ’ (D erecho penal alemán, trad. Bustos R am ireze Y. Perez,
Santiago, 1970, p. 13).

21
Aniyar de Castro, “ não passa da predisposição de táticas,
estratégias e forças para a construção da hegemonia, ou seja,
para a busòa da legitimação ou para assegurar o consenso; em
sua falta, para a submissão forçada daqueles que não se inte­
gram à ideologia dominante” 18. É fácil perceber o importante
papel que o direito penal desempenha no controle social. Sob
certas condições, pode o direito desempenhar outras funções
(como, por exemplo, a “ educativa” e mesmo a “ transforma­
dora” — esta, oposta à “ conservadora” ). A preponderância
da função de controle social é, contudo, inquestionável.
Determinadas, íissim, pela necessidade do poder que con­
fere garantia e continuidade às relações materiais de produção
prevalecentes numa dada sociedade, estariam as normas jurí-
dico-penais alijadas de qualquer influência ativa sobre essa
mesma sociedade? A resposta de Aníbal Bruno merece
transcrição: “ sabemos como as sociedades humanas se encon­
tram ligadas ao Direito, fazendo-o nascer de suas necessidades
fundamentais e, em seguida, deixando-se disciplinar por ele,
dele recebendo a estabilidade e a própria possibilidade de
sobrevivência” 19. Ou seja, embora o direito penal seja mo­
delado pela sociedade — e, em última instância, hão de pre­
valecer sempre as variáveis econômicas que determinam suas
linhas fundamentais — ele também interage com essa mesma
sociedade. Como ensina Miranda Rosa, ‘ ‘se o direito é condi­
cionado pelas realidades do meio em que se manifesta, entre­
tanto, age também como elemento condicionante” 20.
Há marcante congruência entre os fins do estado e os fins
do direito penal, de tal sorte que o conhecimento dos primei­

18 C rim inología de ia liberaciõn, M aracaibo, 1987, ed. U n, dei Z ulin, p . 119.


Inform ação sobre o desenvolvim ento da idéia de controle social em Z ahidé M acha­
do N eto, D ireito p en a l e estrutura social, S . Paulo, 1977, ed. Saraiva, p. 4 ss, P aia
Juarez T avares, a finalidade norm ativo-m aterial da criação jurídica de delitos es ti na
“ proteção aos interesses dom inantes na estrutura social estratificada" (Teorias do
delito, S. Paulo, 1980, ed. R T , p. 4).
19 D ireito p e n a l, P .G ., R io , 1959, ed. F orense, v. I, t. l f , p . 11.
20 S o cio logia do d ireito , R io , 1970, ed. Z ahar, p . 57.

22
ros, não através de fórmulas vagas e ilusórias, como sói fi­
gurar nos livros jurídicos11, mas através do exame de suas reais
e concretas funções históricas, econômicas e sociais, é funda­
mental para a compreensão dos últimos.
Conhecer as finalidades do direito penal, que é conhecer os
objetivos da criminalização de determinadas condutas pratica­
das por determinadas pessoas, e os objetivos das penas e
outras medidas jurídicas de reação ao crime, não é tarefa que
ultrapasse a área do jurista, como às vezes se insinua. Com
toda razão, assinala Cirino dos Santos que “ a definição dos
objetivos do Direito Penal permite clarificar o seu significado
político, como técnica de controle social” 22. Aliás, a indaga­
ção sobre fins, que comparece em vários momentos particula­
res (na interpretação da lei, na teoria do bem jurídico, no
debate sobre a pena, etc), não poderia deixar de dirigir-se ao
direito penal como um todo.

21 " L o s fines dei E slado son difíciles de determ inar, de m odo absoluto y om ni-
co m p ren siv o " — S anguinetti, C urso de d erech o p o lític o , B. A ires, 19S6, p. 297.
22 D ireito p eitai, R io , 1985, p. 23.

23
§2 a.
Direito penal e sistema penal

Devemos distinguir entre direito penal e sistema penal.


Provisoriamente, diremos que o direito penal é o conjunto de
normas jurídicas que prevêem os crimes e lhes cominam san­
ções, bem como disciplinam a incidência e validade de tais
normas, a estrutura geral do crime, e a aplicação e execução
das sanções cominadas.
Há outros conjuntos de normas que estão funcionalmente
ligados ao direito penal; assim, o direito processual penal1, a
organização judiciária, a lei de execução penal, regulamentos
penitenciários, etc. Criadas por esses conjuntos, ou a eles
subordinadas, existem instituições que desenvolvem suas ati­
vidades em tomo da realização do direito penal.
A polícia judiciária investiga um crime sujeitando-se (ou,
pelo menos, devendo sujeitar-se!) às regras que o Código de
Processo Penal (CPP) consagra ao inquérito policial e às pro­
vas. O inquérito concluído é encaminhado a uma “ vara
criminal” , ou que outra designação lhe tenha assinado a lei de
organização judiciária local. Tratando-se de um crime perse-
qüível por ação penal pública, o Promotor de Justiça oferecerá
denúncia, e um procedimento previsto no CPP se seguirá.

I Frederico M arques assim o define: ‘‘conjunto de princípios e norm as que regulara


a aplicação ju risd icio n al do direito p e n a l, bem com o as atividades persecutórias da
polícia ju d ic iá ria , e a estruturação dos órgãos de função ju risd icio n al e respectivos
au x iliares” (E lem entos d e direito p ro c essu a l p e n a l. R io, 1961, v. I, p. 20).

24
Condenado o réu a pena privativa de liberdade que deva cum­
prir-se sob regim e fechado, serã ele recolhido a uma
“ p en iten ciária” , espécie do gênero “ estabelecim ento
penal” , submetido ao que dispõe a Lei de Execução Penal —
LEP:. Vimos a sucessiva intervenção, em três nítidos estágios,
de três instituições: a instituição policial, a instituição judiciá­
ria e a instituição penitenciária. A esse grupo de instituições
que, segundo regras jurídicas pertinentes, se incumbe de reali­
zar o direito penal, chamamos sistema penal.
Zaffaroni entende por sistema penal o “ controle social
punitivo institucionalizado” 3, atribuindo à vox “ institucio­
nalizado” a acepção de concernente a procedimentos esta­
belecidos, ainda que não legais. Isso lhe permite incluir no
conceito de sistema penal casos de ilegalidades estabelecidas
como práticas rotineiras, mais ou menos conhecidas ou tolera­
das ( “ esquadrões da m orte” — por ele referidos como
“ ejecuciones sin proceso” 4, tortura para obtenção de confis­
sões na polícia, espancamentos “ disciplinares” em estabele­
cimentos penais, ou uso ilegal de celas “ surdas” , etc). O
sistema penal a ser conhecido e estudado é uma realidade, e
não aquela abstração dedutível das normas jurídicas que o
delineiam,
Com propriedade, Cirino dos Santos observa que o sistema
penal, segundo ele “ constituído pelos aparelhos judicial, poli­
cial e prisional, e operacionalizado nos limites das matrizes
legais” 5, pretende afirmar-se como “ sistema garantidor de
uma ordem social ju sta” , mas seu desempenho real contradiz
essa aparência.
Assim, o sistema penal é apresentado como igualitário,
atingindo igualmente as pessoas em função de suas condutas,
quando na verdade seu funcionamento é seletivo, atingindo

2 Cf. lei n? 7 .2 1 0 , de ll.ju l.B 4 , aru 82 ss.


3 S istem a s p en a les y derechos hum anos en A m érica L a tin a , B . A ires, 1984, p. 7.
4 M a n u a l d e derecho p en a !, B. A ires, 1986, p. 32.
5 O p. c it., p. 26.

25
apenas determinadas pessoas, integrantes de determinados gru­
pos sociais, ta pretexto de suas condutas6. (As exceções, além
de confirmarem a regra, são aparatosamente usadas para a
reafirmação do caráter igualitário.) O sistema penal é também
apresentado como justo, na medida em que buscaria prevenir o
delito, restringindo sua intervenção aos limites da necessidade
— na expressão de von Liszt, “ só a pena necessária é justa’ ’7
— , quando de fato seu desempenho é repressivo, seja pela
frustração de suas linhas preventivas, seja pela incapacidade
de regulara intensidade das respostas penais, legais ou ilegais.
Por fim, o sistema penal se apresenta comprometido com a
proteção da dignidade humana — a pena deveria, disse certa
ocasião Roxin, ser vista como o serviço militar ou o paga­
mento de impostos* — , quando na verdade é estigmatizante,
promovendo uma degradação na figura social de sua clientela.
O Instituto Interamericano de Direitos Humanos realizou uma
pesquisa sobre sistemas penais e direitos humanos na América
Latina, cujo informe final, redigido pelo diretor da pesquisa,
Zaffaroni, constitui o mais atual e completo documento critico
sobre a realidade de nossos sistemas penais“. Seletividade,
repressividade e estigmatização são algumas características
centrais de sistemas penais como o brasileiro. Não pode o
jurista encerrar-se no estudo — necessário, importante e espe­
cífico, sem dúvida — de um mundo normativo, ignorando a
contradição entre as linhas programáticas legais e o real fun­
cionamento das instituições que as executam.

6 “ En la realidad, pese ai discurso ju ríd ico , el sistem a penal se dirige casi siem pre
contra ciertas personas m ás que contra ciertas acc io n e s" —• Z affaroni, M anual,
c it., p. 32.
7 La teoria deito scopo n el d iritto p en a le, trad. A. C alvi, M ilão, 1962, p, 46.
8 Apud O rdeig, Tiene un futuro la dogm ática jurídico-penal? in E studios de dererho
p e n a l, M adri, 1976, p. 72,
9 S istem a s pcnates v dercchos hum anos en A m érica Latina — inform e fin a l, B.
A ires, 1986.

26
§3?
Criminologia

Criminologia, segundo Lola Aniyar de Castro, “ é a ativi­


dade intelectual que estuda os processos de criação das normas
penais e das normais sociais que estão relacionadas com o
comportamento desviante; os processos de infração e de des­
vio destas normas; e a reação social, formalizada ou não, que
aquelas infrações ou desvios tenham provocado: o seu proces­
so de criação, a sua forma e conteúdo e os seus efeitos” 1,
Nossos textos de iniciação ao direito penal oferecem
geralmente conceito bem diferente da criminologia, neles
apresentada como um conjunto de conhecimentos, ao qual se
atribui ou não caráter científico5, cujo objetivo seria o exame
causal-explicativo do crime e dos criminosos3, de utilidade
questionada". Aníbal Bruno menciona a “ prevenção de alguns

1 C rim in o lo g if da reação so c ia l, irad. E. K osaw ski, Rio, 1983, p. 52.


2 " S e u caráter de verdadeira ciência é por m uitos contestado — M estieri, op.
c it., p. 20.
3 " É ela (a crim inologia) ciência causal-explicativa. Estuda as leis e fatores da
crim inalidade e abrange as áreas da antropologia e da sociologia crim inal” —
M agalhães N oronha, D ireito p en a l, S. P aulo, 1985, v. I, p. 14. M irabete adota a
seguinte definição: " é a ciência que cuida das leis e fatores da crim inalidade,
consagrando-se ao estudo do crim e e do delinqüente, do ponto de vista causal-ex-
p lic a liv o " — op. c it., p. 20. Para M estieri, é “ a ciência que estuda o fenôm eno
crim inal sob o prism a causal-explicativo, em Iodos os seus aspectos, endâgenos e
e x ó g en o s" — a p . c it., p. 20.
4 É representativa a seguinte passagem de M agalhães N oronha: “ acrediiam os que
sinceram ente nào se pode negar o v alor da crim inologia” — op. c it., p. 15. Com o
assinala com precisão René A riel D otti, no B rasil, sob o influxo do pensam ento de
N élson H ungria, a crim inologia “ caiu em desgraça na órbita ju ríd ic a ” (Reform a
p e n a l brasileira. Rio, 1988, p. 162).

27
juristas para com os trabalhos da criminologia” 5.
Tal prevepção, infelizmente, não derivava da percepção
Jo impasse metodológico e dos equívocos positivistas, pre­
sentes na consideração da criminologia como simples exame
causal-explicativo do crime e do criminoso, nem das funções
de legitimação de ordens sociais injustas desempenhadas por
tal criminologia6. Tal prevenção estava ligada à prática esqui­
zofrênica, haurida de uma vertente neokantista que influen­
ciou extraordinariamente o pensamento jurídico, não de dis­
tinguir entre o ser e o dever-ser, mas sim de literalmente criar
dois mundos epistemologicamente incomunicáveis. Tal in­
fluência, surgida, como lembra Zaffaroni, “ numa época em
que se evidenciou a necessidade de isolar cuidadosamente o
ser e o dever-ser, pois o segundo não guardava harmonia com
o primeiro e o positivismo organicista burguês não lograva
compatibilizá-los” 7, atingiu profundamente o direito penal
brasileiro9, levando-o a um desprezo olímpico pela realidade,
a um intencional isolamento1'. Na verdade, ser e dever-ser
relacionam-se como fato e valor, numa relação de totalidade

5 O p. c it., p. 43.
6 N ão p o r acaso, B asileu G arcia caracteriza as disciplinas crim inológicas com o
aquelas “ que se preocupam com a dciinqüência com o fa to natural, procurando
apontar-lhe as causas, com o em prego do m étodo p o sitiv o , de observação e
e x p erim en tação " — In stitu içõ es de direito p en a l, S. P aulo, s/d , v. I , t. I, p. 25.
B ergalli m enciona o “ serviço que o positivism o crim inológico-, especialm ente
aquele d e cunho lom brosiano, prestou à afirm ação do sistem a social im plantado
pela burguesia triunfante no processa de unificação da Itália” , acrescentando que
tal serviço teve “ exitoso e rápido traslado para a A m érica do S u l” (cf. Pavarini,
M assim o, C ontrol y d o m in a ció n , trad. I. M uãagorri, M éxico, 1983, epílogo, p.
200 ).
7 Las necesidades dei saber penal latinoam ericanò, in rev. Iusta, B ogotá, 1987,
n ? 9 , p . 135.
8 V eja-se, por exem plo, o H eleno Fragoso de C onduta p u n ível (S. P aulo, 1961),
9 R elem bre-se N elson H ungria conclam ando professores c estudantes de direito,
advogados e m agistrados, p ara um a “ doutrina de M onroe” : “ o direito penal é
para os ju ris ta s , exclusivam ente para os ju ristas, A qualquer indébita introm issão
em nosso L cbensraum , façam os ressoar, em toque de rebate, nossos tam bores e
clarin s!” (N ovas q uestões ju ríd ico -p en a is, R io, 1945, p. 15).

28
dialética, como registra P o u l a n t z a s e por essa perspectiva o
saber criminológico e o saber jurídico-penal se comunicam
permanentemente.
Releia-se o conceito de criminologia de Lola Aniyar de
Castro, com o qual foi aberto este parágrafo, comparando-o ao
c o n c e i t o a b s o l u t a m e n t e p r e d o m i n a n t e nos aut ores
brasileiros11. Devemos fugir à tentação de supor que a di­
ferença esteja apenas na amplitude. Para a professora vene­
zuelana, a criminologia englobaria os seguintes aspectos: 1, a
sociologia do direito penal e do comportamento desviante; 2. a
etiologia do comportamento delitivo e do comportamento
desviante; 3. a reação social, compreendendo a psicologia
social correspondente, as penas e outras medidas, bem como a
análise das instituições que as executam1-. Para a criminologia
positivista, o alcance se limitaria à metade do segundo aspecto
(etiologiado comportamento delitivo). Não é essa, contudo, a
diferença importante.
Quando a criminologia positivista não questiona a constru­
ção política do direito penal (como, por quê e para quê se
ameaçam penalmente determinadas condutas, e não outras,
que atingem determinados interesses, e não outros, com o
resultado prático, estatisticamente demonstrável, de se alcan­
çar sempre pessoas de determinada classe, e não de outra),

10 “ A relação dos sistem as norm ativos da superestrutura, que pertencem ao de-


ver-ser so c ial, com a base, com preendendo a relação de significante a significado,
ou de linguagem a realidade, é determ inante e significativa enquanto relação de
d ever-ser e ser, d e valor e fa to , concebidos esses term os n ã o já e m s u a irredutibili-
d ade id ealista essen cial, m as sim em sua relação de totalidade dialética” (El
exam en m arxista dei estado y dei derecho uctuales y lacu estió n de Ia alternativa, in
M arx — el derecho y el esta d o , trud. J.R . C a p ella, B arcelona, 1979, p. 81).
11 O H eleno F ragoso du m aturidade, que já havia percebido ' ‘o com pleto frac asso "
da crim inologia positivista (expressão em pregada no prefácio à tradução brasileira
da C rim inologia da reação so c ia l, de Lola A niyar de C astro, c it., p. X III), adotou,
nas ú ltim as edições de suas L iç õ e s, a seguinte definição: “ a ciência que estuda o
crim e com o fato social, o delinqüente e a delinqüência, bem com o, em geral, o
surgim ento das norm as de com portam ento social e a conduta que as viola ou delas
se desvia e o processo de reação s o c ia l" (op, c it., p. 18).
12 O p. cit., p. 52.

29
nem a aparição social de comportamentos desviantes (seja
pelo silêncio estratégico do legislador, que não converte aqui­
lo que a maioria desaprova — desviante — em delituoso, seja
pelo descompasso entre vetustas bases morais, a partir das
quais se instalaram instrumentos de controle social, e sua
incessante transformação histórica, seja até pela própria etio-
logia enquanto processo social individualizável), nem a rea­
ção social (desde as representações do delito, do desvio, da
pena e do sistema penal, dispersas no movimento social, ou
sinalizadas na opinião pública e nos meios de comunicação,
até o exame das funções, aparentes e ocultas, que a pena
desempenha, nomeadamente a pena privativa da liberdade, tal
como existe e é executada pelas diversas instituições que dela
participam); quando a criminologia positivista não questiona
nada disso, ela cumpre um importante papel político, de legiti­
mação da ordem estabelecida. Como anota com precisão
Quinney, “ a realidade oficial é a realidade com a qual o
positivista opera — e a realidade que ele aceita e suporta. O
positivista toma por dada a ideologia dominante, que enfatiza
a racionalidade burocrática, a tecnologia moderna, a autori­
dade centralizada e o controle científico” 13. Tal criminologia
necessariamente tende a tratar o episódio criminal como episó­
dio individual e a respaldar a ordem legal como ordem natural:
não por acaso, seus precursores procuraram tematizar um
"homem delinqüente” , que, ao lado dos “ loucos morais” 14,
viola a ordem legal, ou um “ delito natural” , que atinge

13 O co ntrole da crim e na sociedade capitalista: um a filosofia critica da ordem leg al,


in T ay lor, W alton e‘Y oung (o rg .), C rim inologia critica, trad. C irina d a s Santos e
S. T ancredo, R io, 1980, p. 224.
14 A o longo de lado o livro de Lom broso (L ' uom o delinqüente, Turim , 1884, ed. F.
B occa, 3: e d .), a “ triste classe do hom em d elin q ü e n te " (p. 304) é sem pre referida
e co tejada ã cham ada “ loucura m o ral” . N a página citad a, Lombroso ex am in av aa
“ estran ha tenacidade e d ifu são ” com as quais réus ostentavam tatuagens. Bem
disse L ichtcnberg, citad a p o rJa s p e rs , que “ o estudo da fisiognom onia é, descon­
tada a profetização, a m ais enganosa de todas as artes hum anas que um a m ente
excên tricajam ais in ventou” (Psicopatologia geral, trad. A . Reis, R io, 1973, v. I,
p. 326).

30
“ sentimentos” encontráveis nas “ raças superiores” , indis­
pensáveis pàra a “ adaptação do indivíduo à sociedade” 15, isto
é, pára a manutenção da ordem legal. Se alguma abertura
social se acrescenta a essa perspectiva, como se deu com
F erri'\ o resultado é, como precisou, espirituosamente, Lyra
Filho, “ uma espécie de progressismo idílico” 11. A racionali­
dade ou a justiça da ordem legal e das instituições que inte­
gram o sistema penal, bem como as funções por elas desempe­
nhadas numa sociedade dividida em classes, não são absoluta­
mente inquiridas pelo criminólogo positivista.
A essa “ falha política” !B do positivismo (à qual, por in-
serir-se num trabalho de introdução ao direito penal, conce­
deu-se primazia) somam-se outras, que colocam em cheque o
valor de suas premissas, seus métodos e conclusões. Simplifi-
cadamente, resumiremos essas falhas em: a) supor que na
transcrição da objetividade cognoscível não se imprime a
experiência do sujeito cognoscente; b ) reduzir a objetividade
cognoscível ao que nela for em pírica e sensivelm ente
demonstrável; c) ter, portanto, na metodologia o centro e o
limite inexorável de sua atividade científica; d ) conceber de
forma mecanicista os fatos sociais, produzindo explicações
com base em relações causais151. Frise-se que daquele suposto
“ distanciamento” entre o objeto cognoscível e o sujeito cog­
noscente, com a interveniência da mitificação metodológica,
o positivismo extrai outra conseqüência política: a aparente

15 O " d e lito n atu rai” , n a d e fin iç ã o d e G a ro fa lo , ‘‘é um a lesáo daquela parte do senso
m o ral q u e c o n s iste n o s se n tim e n to s a ltru ís tic o s fu n d a m e n ta is (p ied ad e e
probidade) segundo a proporção m édia cin que se encontram nas raças hum anas
superiores, proporção essa necessária para a adaptação do indivíduo à sociedade'*
(C rim in o lo g ia , T urim , 1885, p. 30).
16 P rin cíp io s d e d ireito crim inal, trad. L . d ’01iveira, S . Paulo, 1931.
17 C rim inologia d ia lética . R io, 1972, p. 16.
18 Q uinney, loc. cit.
19 P ara ura exam e am plo dessas falh as, cf. Juarez C irino dos S antos, A crim inologia
da repressão, R io, 1979, p. 47 ss.; Q uinney, op. c it., p. 223 ss; L ola A niyar de
C astro , op, c it., p. 2 ss.

31
“ neutralidade” do cientista social, que seria um simples pro­
dutor de saberes, indiferente às tensões da realidade social,
A criminologia conheceu, nos últimos vinte anos, uma
verdadeira revolução, que lhe permitiu superar o impasse
positivista. Chamemos, de modo genérico, Criminologia Crí­
tica ao conjunto das tendências — ‘ ‘espécie de frente ampla” ,
como registra Araújo Jr.20 — que realizaram tal superação e
tornaram acessível ao estudioso do direito penal conhecimen­
tos até então camuflados ou distorcidos, inclusive sobre seu
próprio ofício21. Ao contrário da Criminologia Tradicional, a
Criminologia Crítica não aceita, qual a priori inquestionável,
o código penal, mas investiga como, por quê e para quem (em
ambas as direções: contra quem e em favor de quem) se ela­
borou este código e não outro. A Criminologia Crítica, por­
tanto, não se autodelimita pelas definições legais de crime
(comportamentos delituosos), interessando-se igualmente por
comportamentos que implicam forte desaprovação social
(desviantes). A Criminologia Crítica procura verificar o de­
sempenho prático do sistema penal, a missão que efetivamente
lhe corresponde, em cotejo funcional e estrutural com outros
instrumentos formais de controle social (hospícios, escolas,
institutos de menores, etc). A Criminologia Crítica insere o
sistema penal — e sua base normativa, o direito penal — na
disciplina de uma sociedade de classes historicamente deter­

20 Os gra n d es m ovim entos da p o lítica crim inal de nosso tem po. R io, 1986, p. 4.
21 N ão cab e, em m ero tópico de introdução no direito p enal, um a exposição das
diversas crim inologias de cariz p o sitiv ista, nem daquelas q u e, certam ente a p artir
dos estu d as precursores da crim inologia interacionista, estam os reunindo sob o
ró tulo geral de C rim inologia C rítica. Por não haverem influenciado qualquer
p en alista brasileiro , não nos referim os às direções co nstrucionista social e fenom e-
n ológica. A lém das obras citadas, rem etem os o leito r interessado a: T aylor,
W allon e Y oung, T he now crim inology: f o r a so c ia l theory o f devia n ce, N. Y ork,
1974; Traverso e V erde, C rim inologia critica, P ádua, 1981; B aratta, A ., Crim i-
n o lagía c r ític a y crítica d e i d e re c h o p e n a l, trad . A . B unster, M éxico, 19B6;C irino
dos S an to s, A crim inologia ra d ica l. R io , 1981; L ola A n iy ar de C astro, C rim inolo-
g(a d e Ia liberación. M aracaib o , 1987; B e rg alli, R ., C rítica a la crim inologia,
B ogotá, 1982; R osa dei O lm o, A m érica L ati nu y sii crim inologia, M éxico, 1981,

32
minada e trata de investigar, no discurso penal, as funções
ideológicas de proclamar uma igualdade e neutralidade des­
mentidas pela prática22. Como toda teoria crítica, cabe-lhe a
tarefa de “ fazer aparecer o invisível’” 3

22 "C o m p re e n d e r que □ sistem a legal não serve à sociedade com o um todo, m as serve
os interesses da classe dom inante, é o com eço de um a com preensão crítica do
d ireito crim in al, na sociedade ca p ita lista ” — Q uinney, op. c it., p. 240.
23 M iaille, op. c it., p . 17.

33
§4?

Política criminal

Do incessante processo de mudança social, dos resultados


que apresentem novas ou antigas propostas do direito penal, das
revelações empíricas propiciadas pelo desempenho das institui­
ções que integram o sistema penal, dos avanços e descobertas da
criminologia, surgem princípios e recomendações para a reforma
ou transformação da legislação criminal e dos órgãos encarrega­
dos de sua aplicação. A esse conjunto de princípios e recomenda­
ções denomina-se política criminal. Segundo a atenção se con­
centre em cada etapa do sistema penal, poderemos falar em
política de segurança pública (ênfase na instituição policial),
política judiciária (ênfase na instituição judicial) e política
penitenciária (ênfase na instituição prisional), todas integran­
tes da política crim inal. Como anota com precisão Pulitanò, há
entre a criminologia e a política criminal a distinção — e ao
mesmo tempo o relacionamento — intercorrente entre a capa­
cidade de interpretar e aquela de transformar certa realidade1.
Convém igualmente advertir que a acepção que se confere aqui

1 P olítica crim inale, in M arinuci e D olciní (org.), D iritto penale in irasfomuizione,


M ilão, 1985, p. 17. Essu dualidade entre conhecer e a luar está presente na
d efinição de Z ipf, p a ra q u e m a política crim inal im plicaria “ obtenção e realização
de critérios diretivos no âm bito da ju stiç a c rim in a l" (Introducción a la política
c rim in a l, trad. M acias-P icaveu, M adri, 1979, ed. R ev. Pen. Privado, p, 4).
Z affaroni questiona a distinção entre crim inologia e política crim inal, porquanto
“ todo saber crim inológico está previam ente delim itado po r um a inlencionalidade
p o lític a " (Ett busca de Ias p en a s perdidas, B. A ires, 1989, p, 177).

34
à política criminal nada tem a ver com compromissos teóricos
de um certo movimento, liderado por von Liszt no final do
século XIX, que chegou a ser chamado de “ escola da política
criminal” 2.
O campo da política criminal tem hoje uma amplitude
enorme. Não cabe mais reduzi-la ao papel de “ conselheira da
sanção penal” , que se limitaria a indicar ao legislador onde e
quando criminalizar condutas3. Nem se pode aceitar a primitiva
fórmula lisztiana de sua relação com a política social: esta se
ocuparia de suprimir ou limitar as condições sociais do crime,
enquanto a política criminal só teria por objeto o delinqüente
individualmente considerado4. Em ambos os casos, estão sendo
pagas elevadas taxas à criminologia positivista: taxa política no
primeiro caso (a aceitação legitimante da ordem legal não per­
mite que a política criminal visite o outro lado, circunscrevendo-
a às funções de “ conselheira da sanção penal” ), taxa teórica no
segundo caso (a segregação arbitrária do indivíduo delinqüente
das condições sociais do crime sugere o reconhecimento de
processos causais distintos — ainda que ao gênero “ fatorialista”
— de ordem social e individual, tendo como seqüela que a
política criminal também deve distingitir-se da política social). A
política criminal será, como diz Szabó, a prima pobre da política

2 Sobre as características desses com prom issos teóricos: B ergalli, op. c it., p. 90;
F rag o so , L içõ es, p. 48; A . B runo, op. c it., p. 111.
3 Para A. B runo, a política crim inal é “ um conjunto de princípios de orientação da
E stad o na luta c o n tra a c rim in a lid a d e , atrav és de m edidas aplicáv eis aos
crim in o so s” (op. c it., p. 33). P ara B asileu G arcia, " a política crim inal exam ina o
d ireito em v igor, apreciando a sua idoneidade na proteção social, contra os
crim inosos e , em resultado dessa crítica, sugere as reform as necessárias. V erifi­
cado se a legislação vigenle alcança sua finalidade, trata de aperfeiçoar a defesa
ju ríd ico -p en al contra a d elin q ü e n c ia '' (op. c it., p. 37). Para M arc A ncel, "to d o
m undo parece con co rd ar com que a política crim inai tem de início por objeto,
indiscutivelm ente, a repressão do crim e, p elas m eios e procedim entos do direito
penal (ou, m ais am plam ente, do sistem a penal) em v ig o r” (P our une elude
system atique des probiem es de politique crim inelle. in A rchivcs de politique
c rim in elle, n" 1, P aris, 1975, p. 16).
4 von L iszt, Tratada, p. 112.

35
social5, mas está indissoluvelmente ligada a ela. Por isso mesmo,
muito nlais do que a histórica tensão entre a política criminal
(concebida como aquela “ conselheira” ,que procura aprimorar a
funcionalidade repressiva do sistema penal) e o direito penal
(concebido pela perspectiva garantístico-liberal), tão lapidar-
mente expressa por von Liszt (“ o direito penal é a barreira
infranqueável da política criminal” ), os grandes debates se tra­
vam entre finalidades políticas diversas que pretendam modelar o
instrumento jurídico6, ou seja, entre políticas criminais diversas.
É ilustrativo perceber a influência do fracasso da pena priva­
tiva de liberdade em concretas propostas de política criminal. Há
um século, von Liszt preconizava a suspensão condicional, subs­
titutivos de caráter pedagógico para criminosos jovens, e se
insurgia contra as penas curtas, que “ não corrigem, não
intimidam’’ e, “ muitas vezes, encaminham definitivamente para
o crime o delinqüente novel” 7, A constatação, pela pesquisa
empírica nos últimos cinqüenta anos, do fracasso da pena priva­
tiva da liberdade com respeito a seus objetivos proclamados,
levou a uma autêntica inversão de sinal: uma política criminal
que postula a permanente redução do âmbito de incidência do
sistema penal. Assim se entende Fragoso: “ uma política criminal
moderna orienta-se no sentido da descriminalização e da desjudi-
cialização, ou seja, no sentido de contrair ao máximo o sistema
punitivo do Estado, dele retirando todas as condutas anti-sociais
que podem ser reprimidas e controladas sem o emprego de
sanções criminais” 8, isto é, no sentido de uma “ conselheira da
sanção não-penal ” .
Baratta propõe quatro indicações “ estratégicas” para uma
política criminal das classes dominadas9, das quais apresentare­

5 ' ‘p a r ie n te p o b r e '' — C r im in o lo g ia y p o lític a en m atéria crim inal, trad, F . B lanco,


M éxico, 1980, p. 169.
6 P ulitanò, op. c it., p. 9: “ la tensione posta in evidenza non è tanto fra diritto e
politica crim in ale, quanto fra Fmalità politiche divcrse, tutte confluenti a m odella-
re lo strum ento g iu rid ic o " .
7 T ratado, p. 113 e 114.
8 L içõ es, p. 17.
9 O p. c it., p. 213 ss.

36
mos a seguir um resumo. Em primeiroíugar, numa sociedade de
classes a política criminal não pode reduzir-se a uma “ política
penal” , limitada ao âmbito da função punitiva do estado, nem a
uma “ política de substitutivos penais” , vagamente reformista e
humanitária, mas deve estruturar-se como política de transformação
social e institucional, para a construção da igualdade, da democracia
e de modos de vida comunitária e civil mais humanos. Em se­
gundo lugar, a partir da consideração do direito penal como direito
desigual, deve-se empreender dois movimentos: 1?) instituir a
tutela penal em campos que afetem interesses essenciais para a
vida, a saúde e o bem-estar da comunidade (o chamado “ uso
alternativo do direito” ): criminalidade econômica e financeira,
crimes contra a saúde pública, o meio ambiente, a segurança do
trabalho, etc; 2?) contrair ao máximo o sistema punitivo, obser-
vando-se que muitos dos códigos penais vigentes foram elabora­
dos sob o signo de uma concepção autoritária e ética do estado
(para o Brasil, basta Ier a Exposição de Motivos do vigente
Código Penal), descriminalizando pura e simplesmente ou subs­
tituindo por formas de controle legal não estigmatizantes
(sanções administrativas ou civis)1". A esses objetivos correspon­
deria uma profunda transformação no processo e na organização
judiciária, bem como na instituição policial81. Em terceiro lugar,

10 S òbre descrim in alização, cf. The d ecrim inaliiation, M ilão, 1975 (que contém as
atas do colóquio de B ellagio de 1973 sobre a tem a; o relatório H ulsm an faí
traduzido e publicado na R evista de D ireito P enal (RD P) n? 9-10, p. 7 ss); R eport
on ílt'crim iniüizíitiun,C nunc'ü o f Europc, E strasburgo, 1980; Peris R iera, J.M . ,£ '/
pro c eso d esp en a liza dor, V aléncia, 1 9 8 3 ;M ig u e lR e a le Jr., D escrim inalização, in
Rev. do In stitu to dos A dvogados B rasileiros (IA B ), ano V II, n" 29, p. 189 ss;
Iv etteS en ise F erreira, P olítica crim inal e descrim inalização, in fle v . IA B , ano VII,
nf 29, p. 196 ss; N ilo B atista, A lgum as palavras sobre descrim inalização, in RDP
n? 13, p. 28 ss. C om o acentuou F igueiredo D ias, “ um a Políticu C rim inal que sc
queira válid a para o presente e o futuro próxim o e para ura E stado de D ireito
m aterial, de cariz social e dem ocrático, deve exigir do direito penal que só
interv en h a co m os seus instrum entos próprios de atuação ali onde se verifiquem
lesões insuportáveis das condições com unitárias essenciais de livre realização c
d esenvolvim ento da personalidade de cada hom em ’ ’ (O s novos rum os da política
crim in a l e o direito p en a l po rtu g u ês do fu tu ro , L isboa, 1983, p. I I ) .
11 A esse p ro p ó sito , m erecem leitura e reflexão as recom endações concretas form ula­
das p o r Z affaro n i, era seu estudo sobre o que denom inou, adequadam ente, de

37
e tendo como premissa o fracasso histórico da prisão, em suas
ftmções de controlar a criminalidade e promover a reinserção
social do condenado, bem como os verdadeiros fins que tem
exercido, pugnar pela abolição da pena privativa de liberdade12;
para aproximar-se desse objetivo, sugerem-se as seguintes
táticas: a) implantação de “ substitutivos penais” ; b) ampliação
de formas de suspensão condicional de execução e livramento
condicional; c) introdução de formas de execução em regime de
semiliberdade; d) reavaliação do trabalho carcerário; e) abertura
da prisão para a sociedade, mediante a colaboração de órgãos
locais. Por essa linha, a alternativa oferecida ao mito da reeduca­
ção consistiria na criação de condições que levassem o conde­
nado a compreender as contradições sociais que o conduziram a
uma reação individual e egoística (o cometimento do crime),
que, desenvolvida nele a consciência de classe, se transformaria
em participação no movimento coletivo. Em quarto e último
lugar, preocupado com os processos ideológicos e psicológicos
que se desenvolvem em tomo da opinião pública, ao escopo de
legitimação do direito penal desigual (com referência especial
aos processos de indução de alarma social, que se apresentam em
“ campanhas de lei e ordem” manipuladas por forças políticas,

" n o v a defesa in d iv id u a l" (P olítica crim inal latinoam ericana, B. A ires, 1982,
pp. 2B a 30).
12 O abolicionism o penal, caracterizado po r S cheerer com o um a ' 'leoría sensibiliza-
d o ra” , na acepção que S cheff atribuiu ao interacionism o, ou seja, com o um a
" t e o r i a '' que, dispondo da capacidade de superar de algum a form a as classifica-
ções, pressupostos e m odelos tradicionais, não consegue, entretanto, proporcio­
nar, com seus p róprios instrum entos m etodológicos e conceituais, a adequada
v erificação das novas idéias produzidas (Scheerer, S ebastían, La abolición dei
sistem a penal: u n a perspectiva en la crim inologia contem porânea, in R e v . D erecho
P enal y C rim inologia, v . V III, n? 2fi, B ogotá, 1985, p. 205), tem seu m ais
m ilitante p rofela em L ouk H ulsm an, para quem o sistem a dc reação social form al
penal é algo com pletam ente inútil e problem ático em si m esmo, podendo, à
m íngua de qualquer função, se r deixado de lado (Sistem a p en a l y seguridad
ciudadana: hacia una a lternativa, trad . S. P olitoff, B arcelona, 19B4). Para
o utros, com o N ils C h ristie, só após alterações estruturais nas sociedades pós-ín-
du striais, com a reorganização dos processos de controle social, será possível a
abolição ÍL im its to p a in , O slo, 1983).

38
produzindo a falsa representação de uma solidariedade social
gerâl contra um comum “ inimigo interno” ), propõe Baratta uma
“ batalha cultural e ideológica em favor do desenvolvimento de
uma consciência alternativa no campo das condutas desviantes e
da criminalidade” , tentando-se inverter as ‘‘relações da hegemo­
nia cultural com um trabalho de decidida crítica ideológica, de
produção científica e de informação” 13.
Um pequeno, mas decisivo, capítulo dessa batalha pode ser
travado nos livros dedicados ao ensino do direito penal.

13 O p. c it., p. 219. Farto m aterial sobre política crim inal pode ser encontrado na
ftevu e In ternationale de D roit P ênal, n? 1, 1978, contenda i»s atas do colóquio de
M adri sobre PoKtica C rim inal e D ireito Penal.

39
Capítulo II

A DESIGNAÇÃO “DIREITO
PENAL” E SUAS ACEPÇÕES.
PRINCÍPIOS BÁSICOS DO
DIREITO PENAL. MISSÃO DO
DIREITO PENAL. A CIÊNCIA
DO DIREITO PENAL.
§ 5v

Direito “ penal” ou direito “ criminal” ?

Uma conduta humana passa a ser chamada “ ilícita”


quando se opõe a uma norma jurídica ou indevidamente pro­
duz efeitos que a ela se opõem. A oposição lógica entre a
conduta e a norma (cuja consideração analítica dá origem a um
objeto de estudo chamado ilícito) estipula uma relação, de
caráter deôntico — denominada relação de imputação' — , que
traz como segundo termo a sanção correspondente. Quando
esta sanção é uma pena, espécie particularmente grave de
sanção2, o ilícito é chamado crime.

1 Cf, R affo , J ,, In tro d ução ao conhecim ento ju ríd ic o . R io, 1983, p. 16.
2 As sanções ju ríd icas tém geralm ente caráter reintegrativo (visando, real au sim ­
bolicam ente, a restabelecer a situação jurídica anterior ao ilícito) oü com pensa­
tório (visando, na im possibilidade da reintegração do stato t/uo ante, a um a
reparação). A p en a tem caráter retributivo: ela im plica in flig irão responsável pelo
crim e, sob a form a d e perda ou restrição de bens ju ríd ico s ou direitos subjetivos,
um mal que excede a sim ples possível reintegração ou a com pensação devidas.
Sobre o tem a, cf. Soler, Conceito e objeto do direito penal, in R DP 4/30 ss;
F ragoso, L içõ es, p. 292. P ara H art, o prim eiro elem ento da definição de pena
reside na im plicação de “ dor ou outras conseqüências norm alm ente consideradas
d esag ra d áv eis" (P unishm ent and responsability, L ondres, 1973, p. 4 ). Cf. ainda
R oss, On gu ill, responsability, a n d p u n ish m e n t, L ondres, 1975, p . 36. Diz
Jesch ec k q u e “ neg ar o caráter de mal à pena eqüivaleria a negar o próprio conceito
de p e n a ” (Tratado d e derecho pen a l, trad. P uig-C onde, B arcelona, 1981, v. I, p,
9 1). D iz nosso A níbal Bruno: “ é de sua essência o caráter aflitivo e re trib u tiv o ''
(op. c it., t. 3?, p. 23). E im portante ter presente que o caráter retributivo, em bora
o fereça um critério relativam ente seguro para distinguir a pena das dem ais san­
ções, nem , p o r um lado, esgota ou lim ita a discussão sobre objetivos e funções da
pena, n em , p o r outro, circunscreve-a com exclusividade ao cam po do direito

43
Vemos, portanto, que o elemento que transforma o ilícito
em crime é a decisão política — o ato legislativo — que o
vincula a uma pena. Esse é o substrato das definições formais
de crim e3, e ele nos revela que a pena não é simples
“ conseqüência jurídica” do crime, mas sim, antes disso, sua
própria condição de existência jurídicaJ. Se nos dermos conta
de que, no momento da aplicação da norma penal, através de

penal. Sanções de natureza retributiva existem no direito privado, com o a indigni­


d ad e para a sucessão do art. 1.595 CC ( “ a indignidade constitui pena c iv il” —
B arros M onteiro, C urso de d ireito civil, S, P aulo, 1962, p. 63), no direito
processual, corno a m ulta p ara quem indevidam ente recebe custas do art. 30 CPC
(cham ada de “ p e n a lid a d e " por P ontes de M iranda, C om entários ao código de
pro cesso civil, R io , 1974, t. I, p. 434) ou algum as das sanções do sistem a de
responsabilidade das partes por dano processual (das q uatro espécies de sanções
“ de vária n a tu re z a " apreendidas p o r B arbosa M oreira, as três prim eiras têm
caráter retributivo, sendo a terceira verdadeira e p ró p ria pena — cf. Tem as de
direito processual, S. Paulo, 1977, p . IB e 19), e no direito adm inistrativo, como
as sanções disciplinares que atingem o funcionário público falto so , ou as com ina-
ções do Código N acional de T rânsito contra o m otorista in frato r {hipóteses que
podem se r adequadam ente cham adas, respectivam ente, de penas disciplinares e
p en a s governativas'). F ala-se hoje num “ direito adm inistrativo p e n a l’’, que se
aproxima do direito penal exatamente pelo uso de sanções retributivas, e ao qual,
p o r isso m esm o, devem aplicar-se os princípios básicos do direito penal (cf. R evue
Internationale de D ro it P én a l, T oulouse, 1988, v. 59, nfs 1-2, p. 520). C om ple­
m enta-se a d istinção observando que a p en a, além do caráter retributivo, é com i-
nada pela lei com o p e n a crim inal, ou seja, dentro do quadro constitucional ou legal
das penas adm itidas, subo rd in ad a sua aplicação às condições constitucionais e
le g a is c o r r e s p o n d e n te s , a p r im e ir a d a s q u a is é a ju r is d iç ã o p e n a l. Ao
“ p rocedim ento ju risd ic io n a l” com o distintivo com plem entar tam bém recorre
B oscarelli (C om pêndio d i d iritto p en a le, P .G ., M ilão, 1980, p. 2). V eja-se o
quinto elem ento da definição de pena oferecida po r H art (op. c it., p. 5). F ragoso
m enciona a “ conotação p ro c e ss u a l" que as expressões crim en e delictunt tiveram
durante certa fase do direito rom ano (L iç õ e s, c it., p . 25).
3 “ C rim e é todo aquele com portam ento hum ano que o ordenam ento ju ríd ico castiga
com uma p e n a ” '{Jescbeck, op. c it., p, 70); “ crim e é toda conduta que o legislador
s a n c io n a c o m u m a p e n a ” (M u n o zC o n d e, In tro d u c c ió n a ld e r e c h o p e n a l, B arcelo­
n a, 1975, p . 28); “ crim e é toda ação ou om issão proibida pela le i, sob am eaça de
pena'* (Fragoso, L ições, p . 147); etc.
4 Já o intuíra T obias B arreto; ‘ 'O conceito de p ena não é um conceito ju ríd ico , mas
u m conceito político. O defeito das teorias correntes em tal m atéria consiste
ju stam ente no erro de co nsiderar a pena com o um a conseqüência de direito,
logicam ente fu n d a d a " (op. c it., p. 177).

44
uma decisão judiciária — que é também um ato político — , o
crime se põe como condição de existência jurídica da pena5,
compreenderemos a relação dialética que continuamente as­
socia e distingue esses conceitos opostos, que se fundamentam
e se negam reciprocamente.
Assim vistas as coisas, o debate sobre a designação direito
“ penal’ ’ ou direito “ criminal” poderia sugerir o debate sobre
o ovo ou a galinha, não fosse o concurso de três variáveis, que
examinaremos a seguir.
A expressão “ direito crim inal” é mais antiga, e historica­
mente se observa uma gradual prevalência da expressão
“ direito penal” , que teria sido empregada pela primeira vez,
segundo Mezger6, por Regnerus Engelhard, em 1756, popula­
rizando-se, segundo Bustos, após a promulgação do código
penal francês de 18107.
A primeira variável que se deve considerar é a influência
da. opção do legislador. Entre nós, no Império, a Constituição
recomendou que se elaborasse um código criminal\ no que foi
obçdecida com o Código Criminal de 1830. Já o primeiro
código da república, de 1890, se chamou Código Penal, ainda
que a Constituição republicana de 1891 viesse a referir-se a
“ direito crim inai” 1'. As demais constituições adotaram a de­
signação direito penal10, e o código de 1940 se chamou Código

5 N avarrete fala era “ c a u s a " : “ O crim e é a causa ju ríd ica da pena, e m ais exata­
m ente o seu fu n d am en to " (D erecho p e n a l, P .G ., B arcelona, 1984, p. 28).
6 T ratado de d erecho p en a l, trad. R . M unoz, M adri, v. I, p. 27.
7 Intro d u cciâ n al derecho p e n a l, B ogotá, 1986, p. 3.
8 C onstituição de 1824, art. 169, inc. XV III: "ó rg an izar-se-á quanto antes um
código civil, e criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça e Eqüidade” ,
9 N o inciso 23 do artigo 34, que previa a com petência do C ongresso Nacional:
' ‘leg islar sobre o direito c iv il, com ercial e crim inal da R epública e o processual da
ju stiç a f e d e ra l" .
10 1934— art. 5?, inc. X IX , al. a; 1937 — art. 16, inc. XVI; 1946— art. 5?, inc. X V ,
al. a; 1967 — a rt. 8 :, inc. X V II, al. b (m antido na E m enda n° 1 de 1969); 1988 —
art. 22, inc. I. E ntre nós, foi- R oberto L yra quem cham ou a atenção para a
im portância do texto co n stitu cio n al, num livro q u e , por influência do positivism o
ferrian o , se cham ava Introdução ao estudo do direito crim inal, R io, 1946, p. 47.

45
Penal. Tal influência é perceptível em Damásio", Mayrink da
Costa12, Batsileu Garcia13, M irabete14 e Magalhães Noronha15.
A segunda variável diz respeito a paradigmas doutrinários
que impliquem nomear o direito penal dessa ou daquela ma­
neira. No processo histórico de prevalência da expressão direi­
to penal, Bustos vê certa intenção de “ acentuar o caráter
sancionador deste direito como seu traço mais distintivo e
definitório” 16. Partilha dessa linha, entre nós, Brito Alves,
que privilegia a locução direito penal por ver na punibilidade a
“ nota específica do crime, a sua conseqüência jurídica mais
natural ou lógica, como a circunstância predominante, como a
característica maior” 17. É sempre lembrada a designação Có­
digo de Defesa Social, introduzida (1936) em Cuba18. O uso da
expressão direito criminal, em 1946, por Roberto Lyra, expri­
me a influência que sobre ele exercia o pensamento de Ferri” .

11 ‘ ‘N ós possuím os um código p enal, razão pela qual preferim os n expressão D ireito


P enal, aceitando a predileção do leg islad o r’’ (op. c it., p . 4).
12 . . . 1‘a partir de 1890 nossa legislação passou a denom inar-se Código Penal. Seguimos
a tradição” (op. c it., p. 5).
13 1‘Possuím os um C ódigo P en al, não um C ódigo C rim inal. D eve ser aceito, pois,
para título da m atéria, o sugerido pela lei p o sitiv a " (op. c it., p. 8).
14 . . . “ em consonância com a legislação p á tria ” (op. c it., p . 14).
15 ‘ ‘O p tam o s, en tretan to , pela de direito pe n a l, em consonância com o C ó d ig o " (op.
c it., p. 3).
16 Iníro d ucción, c i t ., p . 4. A m udança im portante, registra B ustos, estava no aban­
dono d a idéia de exp iação , substituída pela de p e n a , associada historicam ente " à
concepção de estado de direito e ao princípio nuílum crim en nu! Ui poen a sine
leg e” .
17 D ireito penal, P .G ., R ecife, 1977, p. 111. A Ênfase na p ena não significa que este
au to r atribua ao direito penal funções estritam ente sancionadoras (cf. p. 115).
18 F ortem ente influenciado pelo positivism o e , “ segundo os próprios autores, ins­
pirado na idéia fe n ia n a de defesa so c ial’ ’ (M artínez R incones, S o c ie d a d y derecho
p e n a l en C uba, B ogotá, 1986, p. 62), tal código, ao contrário do que possa
p ensar-se, não conferiu vigência aos postulados d a prim eira d efesa social; disso se
q ueixava G ram atica (P rincípios de defensa social, trad. P rado e A paricio, M a­
dri, 1974, p. 209).
19 Introdução ao estudo d o direito crim in a l, cit. E m 1953, L yra publica sua E xpres­
são m ais sim ples do d ireito p e n a l (R io, ed. J. K onfino). Sua peculiar form a de
o rg an izar as disciplinas crim inais contem plaria, doravante, um direito p e n a l
norm ativo e um direito p e n a l científica (cf. N ovo direito p e n a l, R io, 1980, p. 1).

46
Outras designações de regência doutrinária costumam ser
evocadas20.
A variável mais importante, contudo, diz respeito ao al­
cance descritivo da designação proposta, isto é, à sua capaci­
dade de compreender determinados conteúdos. Mestieri, por
exemplo, opta por Direito Criminal porque deseja abranger
também o direito processual penal e respectiva organização
judiciária21. Aqui, a principal objeção à designação direito
penal foi oposta pelo advento, no final do século XIX, das
medidas de segurança22. Como diz Mir Puig, “ o direito penal

20 T ais designações nem sem pre significam nom ear, senão orientar o direito, ao
contrário do que pode supor o iniciante. D erecho p ro te cto r de tos crím inales,
sem pre lem brado em textos brasileiros de iniciação, não é o nom e de um antepro­
je to de código elaborado por D orado M ontero, e sim o nom e da segunda edição
revista e aum entada, em dois volum es (1915), de seus E stúdios de derecho penal
p reven tivo . A trás d essa designação estav a a m ais hum antstica e generosa vertente
que □ positivism o consentiu — po r isso m esm o, rom pida com ele na vulgaridade
d etsrm infstica do hom em delinqüente — , capaz de pretender da adm inistração da
ju stiç a um a função de m edicina social, fraternalm ente com prom etida com o
crim in aso -p acien te, com quem deve repartir, enquanto agente social, a responsa­
b ilidade — solidária e coletiva — pelo crim e-doença (B ases p a ra um nuevo
derecho p e n a l, B . A ires, 1973, pp. 65 ss). Do m esm o m odo, “ direito repressivo”
é apenas titulo de um livro publicado, em 1883, cm T urim , pelo positivista
Ferdinando Puglia (P rolegom eni alio studio dei diritto repressivo).
21 O p. c it., p . 4 . Frosali reuniu num a só obra o estudo do d ire ito e do processo penal
sem renunciar a esta designação, porém atribuiu à obra o titulo geral de Sistem a
p e n a l ita lia n o , e d e s ig n o u os trê s p rim e iro s v o lu m e s .d e " d ir e ito penal
su b stan cial” e o últim o de ‘‘direito processual penal” (Frosali, R .A ., Sistem a
p en a le italiano, T u rim , 1958).
22 Da verificação do fracasso prático da pena (expresso na m ulti-reincidência e na
ascensão d a crim inalidade) e do determ inism o positivista, que lhe questionava os
fundam entos, surgiram as m edidas de segurança com o segunda ordem de reação
ju ríd ica ao crim e, aplicáveis n o pressuposto da perigosidade e não, com o a pena,
da cu lpabilidade do indivíduo. A o lado das penas, autonom am ente aplicáveis, as
m edidas de segurança com poriam um regim e binário (pena e m edida). R ecebidas
no direito brasileiro pelo C ódigo Penal de 1940, po r direta influência do Código
R occo, co m desem penho inteiram ente ineficaz, foram consideravelm ente reduzi­
d as em 1984, suprim indo-se seu aspecto m ais polêm ico (m edida de segurança
d eten tiv a p ara im putãveis). H oje, subsistem som ente a internação em hospital de
custódia e tratam ento psiquiátrico e o tratam ento am bulatorial para inim putáveis
ou, sob regim e vicariante (pena ou m edida), para sem i-im patáveis.

47
já não é hoje apenas o direito da pena’ ’; diante das medidas de
segurança, “ direito penal parece expressão demasiado estreita
para abranger tudo o que pretende significar hoje” 23. E essa a
razão que levava Costa e Silva a dizer que “ a denominação de
código penal não se adapta com exatidão à matéria contida
nesse diploma” 24, ou Magalhães Noronha a reconhecer que a
expressão código criminal “ é mais compreensiva” ’5, ou Ba-
sileu Garcia a referir-se ao “ plausível fundamento” da locu­
ção “ direito crim inal” 36.
Deve prevalecer a expressão direito penal. Em primeiro
lugar, porque, como vimos, a pena é condição de existência
jurídica do crime — ainda que ao crime, posteriormente, o
direito reaja também ou apenas com uma medida de se­
gurança. Pode-se, portanto, afirmar com Mir Puig que a pena
“ não apenas é o conceito central de nossa disciplina, mas
também que sua presença é sempre o limite daquilo que a ela
pertence” 37. Em segundo lugar, porque as medidas de se­
gurança constituem juridicamente sanções com caráter retri­
butivo, e portanto com indiscutível matiz penal. Na Exposição
de Motivos da lei que reformou a Parte Geral do Código28,
representando a opinião comum no Brasil, está registrado que
a medida detentiva para imputáveis é “ na prática uma fração
de pena eufemisticamente denominada medida de seguran­
ça” . Afirma Zaffaroni que, “ salvo o caso dos inimputáveis,

23 In troducción a Ias bases d ei derecho p en a l, B arcelona, 1976, p. 18.


24 C om entários ao código p e n a l brasileiro, S . P aulo, 19S7, p. 16.
25 O p. c it., p. 4 . R oberto L y ra dizia que a denom inação direito crim inal é “ m ais
substanciosa, m ais com preensiva, m ais duradoura, abrangendo os irresponsáveis
que não são apenados e as m edidas de segurança que não sâo p e n a s " (In tro d u çã o ,
cit-, p . 47).
26 O p. c it., p. 7.
27 O p. c it., p. 26. M ir P uig desenvolveu um argum ento de R odrtguez D evesa,
versando as m edidas de segurança pré-d elitu ais, p ara concluir que m esm o aí o
direito penal atua na suposição de um fato apertado pela lei.
28 L ei n? 7 .2 0 9 , d e l l .j u l .8 4 . C f. E xposição de M otivos, n? 87, da M ensagem n?
2 41/83, do P oder E xecutivo.

48
sem pre que se tira a liberdade do homem por um fato por ele
praticado, o que existe é uma pena” 25.
Contudo, não hesitamos em afirmar que mesmo as medi­
das concernentes a inimputáveis, ainda que se orientem para
fins de proteção e melhoramento,"operam pela via retributiva
da perda ou restrição de bens jurídicos ou direitos subjetivos, e
ostentam igualmente matiz penal. Neste sentido, peremptória-
mente, Fragoso: “ Não existe diferença ontológica entre pena e
medida de segurança” 30.
Em todo caso, quem não quisesse ir tão longe poderia
contentar-se na verificação de que mesmo a imposição dessas
medidas pressupõe o cometimento de um crime — algo que só
se constitui juridicamente a partir da pena. Por tudo isso, e
também porque, histórica e antropologicamente, são as penas,
tais como efetivamente executadas, que definem objetivos e
perfil da categorização jurídica de condutas humanas como
crimes e de seu correspondente tratamento político, o melhor
nome para nossa disciplina é direito penal.

29 D a tentativa, S. P aulo, 1988, p. 27.


3 0 L içõ es, cit.', p . 293.

49
§6

As três acepções da expressão” direito penal”

A essa altura, já se percebeu que a expressão “direito


penal” é utilizada, freqüentemente no mesmo contexto, cm
três acepções distintas.
Por direito penal se designa, inicialmente, o conjunto das
normas jurídicas que, mediante a cominação de penas, estatuem
os crimes, bem corno dispõem sobre seu próprio âmbito de
validade, sobre a estrutura e elementos dos crimes e sobre a
aplicação e execução das penas e outras medidas nelas previstas.
Chama-se a esta acepção direito penal em sentido objetivo ou
simplesmente direito penal objetivo.
A seu lado, introduz-se uma acepção segundo a qual direito
penal exprime a faculdade de que seria titular o estado para co-
minar, aplicar e executar as penas, apreendida como direito
subjetivo (daí, direito penal em sentido subjetivo ou simplesmente
direito penal subjetivo). Se com respeito ao direito penal objetivo
Uus poenale), dentro evidentemente de quadrantes doutrinários
bem distintos, prevalece certo consenso, o direito penal subjetivo
Unspitniendi) despeita acirrada controvérsia, havendo quem negue
sua existência enquanto direito subjetivo ou o valor teórico da
classificação.
Outras vezes, contudo, ao empregarmos a expressão direito
penal estamos nos referindo ao estudo do direito penal, à apro­
priação intelectual de conhecimentos sobre aquele conjunto
de normas jurídicas ou aquela faculdade do estado; usa-se a ex-

50
pressão, aí, numa acepção de ciência do direito penal, ou direi to
penal-ciência. Já foi muito observado que, especialmente para
o iniciante, o fato de a ciência e de seu objeto terem o mesmo
nome (“ direito penal é a ciência que estuda o direito penal” )
pode gerar alguma perplexidade e confusão.
Nos próximos parágrafos, procuraremos desenvolver al­
guns aspectos essenciais dessas três chaves de abóbada que, nos
planos normativo, político e científico, se relacionam e se dis­
tinguem, embora usem o mesmo nome.

51
§ 7?
O direito penal como direito público

O posicionamento do direito penal objetivo dentro do direi­


to público interno costuma ser extraído, por uma perspectiva
conteudística, de supostos objetivos sociais gerais de suas nor­
mas, ou, por uma perspectiva formalista, da exclusividade e
imperatividade com as quais o estado as impõe. À primeira
perspectiva se integra Magalhães Noronha: “ Pertence o direito
penal ao direito público. Violada a normapenal, efetiva-se ojus
puniendi do Estado, pois este, responsável pela harmonia e es­
tabilidade sociais, é o coordenador dos indivíduos que com­
põem a sociedade” 1; à segunda, Basileu Garcia: “ Se só pode
ser exercido pelo estado, se a função de impor penas (...) é
essencialmente pública, o direito penal constitui necessaria­
mente um ramo do direito público interno” 2. Em seu texto de
iniciação, Miguel Reale, caracterizando uma relação de direito
público pelo “ fato de atender, de maneira imediata e prevale-
cente, a um interesse de caráter geral” , afirma que a criminali-
zação da apropriação indébita não atende apenas ao interesse da
vítima, e sim ao interesse social, e “ por esse motivo, o direito
penal é um direito público, uma vez que visa a assegurar bens
essenciais à sociedade toda” 3. Filiando-se a ambas as perspec-

1 Op. cit., p. 4.
2 O p. c it., p . 12.
3 L ições p re lim in a res de direito, S. P auto, 1973, p. 385: "q u a n d o um a norm a
proíbe que alguém se aproprie de um bem alheio, não está cuidando apenas do
interesse da vítim a, m as, im ediata e prevalecentem ente, do interesse s o c ia l" .

52
tivas, Fragoso fundamenta a inclusão dodireito penal no direito
público não só porque sua proteção “ refere-se sempre a interes­
ses da coletividade” como também porque “ o estado detém o
monopólio do magistério punitivo, mesmo quando a acusação é
promovida pelo ofendido” 4.
Uma revisão dessas perspectivas fundamentadoras supõe a
intervenção de três linhas críticas: 1? critica da distinção a-
histórica entre direito público e direito privado; 2; critica do
estado como abstração a-histórica; 3? crítica do positivismo
jurídico-penal.
Em primeiro lugar, portanto, cumpre verificar que a distin­
ção direito privado— direito público era completamente des­
conhecida das práticas penais primitivas, nem faria sentido
perante elas5, aparecendo pela primeira vez no direito romano,
na famosa passagem de Ulpiano6. Sabemos como se deu, em
Roma, a superação do regime gentílico pelo incoercível movi­
mento da plebe afluente, que conduziu à “ destruição da antiga
ordem social fundamentada nos vínculos de sangue” 7, substi­

4 L içõ es, c it., p. 2. S o bre o aspecto, A níbal Bruno: " se em certos casos a atuação do
direito punitivo fica dependente de queixa do ofendido e só este pode provocar o
m ovim ento da ju stiç a , isso é m era condição do processo, que não altera o caráter
público d a definição e com inação penal c da aplicação e execução da sanção
p u n itiv a " (op. c it., v. I, t. XV, p. 25).
5 M ax W eber, E co n o m ia y so c ied a d , trad. J. E chavarría et a i., B ogotá, 1977, v. I,
p. 503; M achado N eto, C om pêndio de introdução à ciência do direito, S. Paulo,
1975, p. 241; L osano, op. c it., p. 140.
6 D ig esto , liv. 1", tit. I, 1, § 2": “ E direito público aquele que se refere ao estado da
cc isa R om ana (a d statum rei R om anae specm i); privado, aquele (que se refere) à
utilidade d e cada in divíduo (q u o d a d singuloritm urilitatem ); pois um as coisas süo
úteis p ública e outras privadam ente. O direito público consiste nas coisas sagra­
d as, as d os sacerdotes c as dos m agistrados (in sacerdotibus, in m agistratibus
co nsistit). O d ireito privado é trip artíd o , pois está com posto dos preceitos naturais,
ou dos das gen tes, ou dos civis (e.t naturalibus p ra ecep lis, aui gem ium , aut
civiiib u s) ' '. C om o o bserva B onfante, a expressão res publica rom ana corresponde
ao term o " e s t a d o " , em sentido político, enquanto status corresponde ao m esm o
term o em sentido an to ló g ico ou natural (In stim cio n es de derecho rom ano, trad. L.
Braci et a l., M ad ri, 1965, p. 13).
7 Engels, F ., A origem da fam ília, da propriedade privada e do estado, trad. L. Konder,
in O bras escolhidas, R io, Í963, v. 3, p. 104. O term o "d estru íd o ” (distrutlo) é
tam bém em pregado por Guarini.t (La rivoluzione delia plebe, N ápoles, 1975, p. 256).

53
tuída por uma ordem de estado, baseada na representação de
classes áociais diferenciadas pela riqueza e na divisão terri­
torial. A distinção direito privado—direito público, no processo
histórico que estatui e conduz a república romana, não conse­
gue disfarçar que interesses privados do patriciado se conver­
terão, pela mediação do estado, em interesses públicos: a ado­
tar-se essa fórmula da utilidade (Ulpiano), nada foi mais útil
para a sobrevivência do patriciado do que o surgimento históri­
co do estado, e, neste sentido, nada nasceu maisprivado do que
o público®. De qualquer sorte, estabelece-se uma tendência a
que o poder {imperium) seja o eixo do direito público, enquanto
a propriedade (dominium) seja o eixo do direito privado, e efeti­
vamente o estado tende a monopolizar a titularidade e o exercí­
cio de direitos públicos, discemíndo-se entre as atribuições
políticas do monarca e seus direitos privados9. A Idade Média
assistiria à superposição daqueles dois eixos — imperium e do­
minium — na pessoa do senhor feudal, cujo poder político deri­
vava da propriedade da terra e da form a peculiar de sua
exploração10. Com a dissolução do mundo feudal, dando par­
tida à ascensão social da burguesia e ao processo político de
formação dos estados nacionais, reanima-se a distinção. Rad-

8 Obviam ente m uito distante dessa linha, D el Vccchio registrava que “ o critério dessa
utilidade é assoz incerto. Não podem separar-se, de um m odo seguro e nítido, os
interesses gerais dos interesses particulares” (Lições dejilosofia do direito, írad. A.
Brandão, C oim bra, 1979, p. 390). Pode dem onstrá-lo a longa convivência rom ana
entre o direito penal privado e o direito penal público, bem com o a gradativa
transm igração de m atéria crim inal do prim eiro para o segundo, desde que não nos
conform emos com o distingo processual, e tentem os capturar sua filogenia substan­
cial a partir respectivam ente da disciplina penal dom éstica e do direito de guerra.
V eja-se, amplamente inform ativo, M om m sen, Le droit p énat romain, trad. Du-
guesne. Paris, 1907, t. I, p. 16 a 73.
9 Herm es U m a , Introdução à ciência do direito. Rio, 1955, p. 64,
10 Sobre o aspecto, Leo Huberm an, H istória da riqueza do homem, trad. W . Dutra, Rio,
1979, cap. 1. Registra Pasukanis que " o s direitos públicos do senhor feudal sobre os
servos eram ao m esm o tem po seus direitos com o proprietário privado; de modo
recíproco, seus direitos e interesses privados podem ser interpretados, se se quiser,
com o direitos políticos, isto é , públicos” (Teoria general det derecho y marxismo,
trad. V. Z apatero, Barcelona, 1976, p. 116).

54
bruch dirá que “ a superação do feudalismo coincidiu com o
aparecimento da consciência dessa distinção entre direito pú­
blico e privado” " . A burguesia revolucionária destruirá o ab-
solutismo, conferindo positividade jurídica aos direitos de seu
imediato interesse econômico e político, até então deduzidos da
razão como “ direitos naturais” , e logo os instalará nos textos
constitucionais como direitos subjetivos públicos12. A distin­
ção direito privado— direito público novamente será chamada a
proclamar como de utilidade geral aquilo que na véspera da pro­
clamação legal era do interesse particular de uma classe social.
Com o advento de revoluções socialistas, e com alterações
operadas no capitalismo (do capitalismo competitivo, corres­
pondente ao estado gendarme, ao capitalismo monopolista, ao
crescente intervencionismo, ao Welfare State), surgem em nos­
so século novas propostas para equacionar a relação direito pú­
blico— direito privado. De qualquer modo, assiste toda razão a
M achado N eto q u an d o a s sin a la “ o c a rá te r h istó ric o -
condicionado dos dois conceitos e da distinção” 13.
Em segundo lugar, e como entrevisto anteriormente, im­
porta questionar esse estado promotor da “ harmonia e esta­
bilidade sociais, que visa a “ assegurar bens essenciais à cole­
tividade toda” , permanente defensor dos “ interesses da
coletividade” ; importa, em suma, “ desmítificar o papel do
estado” 14. Para isso, é preciso ter presente que o estado, como
historiograficamente demonstrou Engels, foi um produto de
sociedades que, em certo grau de desenvolvimento, se enre­
daram em contradições, advindas de antagonismos inconciliá­
veis, e para que as classes com interesses econômicos coliden-

11 Filosofia do direito, trad. L. M oncada, Coim bra, 1961, v. II, p. 13.


12 ‘ *yiloriosa, a burguesia leve necessidade política de estabelecer que seu regime, sua
ordem social, seu modo de vida eram eternos e imodificãveis e qu e, ao mesmo tempo,
sem pre ex istiram " — Paulo Gessa, Uma nova introdução ao direito, Rio, 1986, p.
149.
13 O p. c it., p. 243.
14 C apeller, W ., O discurso jurídico e o hom em , in D . Araújo Lyra, Desordem e
processo, c it., p . 172.

55
tes não se entredevorassem, estabeleceu-se, dentro do espec­
tro político no qual concretamente podiam resolver-se tais
contradições, um poder aparentemente acima da sociedade —
mas dela originado— , que é o estado15, o qual adquiriu logo
uma “ configuração autônoma de interesse geral” , embora, na
sociedade de classes, isso não passe de uma “ ilusória comuni­
dade de interesses” 16. Por isso, através da deformação ideoló­
gica, como lembra Guastini, o estado pode aparecer “ como
encarnação do interesse universal-abstrato, distinto e superior
aos interesses particulares-concretos antagônicos, que se agi­
tam na sociedade civil” 17. O direito e o estado — ensina
Munoz Conde — “ não são expressões de um consenso geral
de vontades, e sim reflexões de um modo de produção, formas
de proteção de interesses de classe, da classe dominante no
grupo social ao qual esse direito e esse estado pertencem1". Ou,
nas palavras de Lyra Filho, “ na sociedade de classes, o estado,
como sistema de órgãos que regem a sociedade politica­
mente organizada, fica sob o controle daqueles que comandam
o processo econômico, na qualidade de proprietários dos
meios de produção” 19. Em conseqüência, o poder político do
estado tem limites e orientação no poder da propriedade
privada dos meios de produção; Leandro Konder transcreve
um excerto de Marx, segundo o qual apenas sobra para o
estado “ a ilusão de que determina, quando na verdade é
determinado” 2". Diante disso, convém não só reavaliar a fun­
ção ideológica muita vez desempenhada pela distinção direito
privado— direito público, como também receber com reservas

15 Op. cit., p. 136.


16 M arx, apud G uastini, R ., M a rx — dallafilosofia dei diritto alia scienza delia società,
Bolonha, 1974, p. 295. N o mesmo sentido, M arilena Chauí: “ o estado é uma
comunidade ilu só ria" (O que é ideologia, S. Paulo, 1984, p . 70}.
17 Loc. cit.
18 Derecho p enal y conlral social, Jerez, 1985, p. 44.
19 O que é o direito, S. Paulo, 1982, p. 8.
20 A crítica do jovem Marx à concepção hegeliana do estado e do direito, in Araújo Lyra,
D. (org.), D esordem e processo, cit., p. 140.

56
proposições que tenham como premissa um estado abstrato,
a-histórico, neutro e igualitário guardião dos interesses de
todos. Diante da colocação citada de Miguel Reale (a crimi-
nalização da apropriação indébita não atende apenas ao in­
teresse da vítima, e sim ao interesse social), devemos pergun­
tar-nos — sem que isso implique incondicional oposição a
alguma tutela penal da propriedade — se a criminal ização da
apropriação indébita atende igualmente ao interesse de proprie­
tários e de não-proprietários.
Por último — e agora implicando também o direito pe-
nal-ciência — , cabe a crítica do positivismo jurídico-penal,
assim entendido como a postura que reduz o objeto de estudo
do penalista exclusivamente ao direito estatal, a partir da
afirmação de que “ não existe outro direito além do direito
positivo” 21. Partimos da premissa de que o trabalho do cien­
tista e, em certa medida, a fronteira de seus resultados, princi­
piam pela eleição e construção do objeto do afazer científico.
Não se pretende aqui aviventar a polaridade jusnaturalis-
mo-positivismo jurídico. Há textos de iniciação que fazem
profissão de fé jusnaturalista, como o de Baumann: “ a essên­
cia do au tên tic o d ire ito penal co n co rd a com os dez
mandamentos” ” . A ferocidade irracional da legislação penal
nazista suscitou importante polêmica sobre o tema1J, que ora
não abordaremos. Como técnica jurídica de garantia (a famosa

21 Em prego aqui u “ distinção assim étrica” de Bobbio, que caracteriza o jusnaturalism o


pela distinção entre direito natural e o positivo, com suprem acia do primeiro, e
caracteriza o positivism o p a r náo adm itir aquela distinção (Giusnaturatismo e positi­
vismo giurídico, M ilão, 1977, p. 127).
22 D erecho p e n a l— conceptos fundam entales y sistem a, trad. C. Fínzi, B. Aires, 1973,
P- 3 -
23 Cf. Radbruch, Leyes que no son derecho j derecho p o r encima de las leyes, trad. R.
Paniagua, no volum e D erecho injusto y derecho nulo, M adri, 1971; Baralta, Positi­
vismo giurídico e scienza dei diritto penale, M ilão, 1966; Nilo Batista, Justiça
criminal e justiça criminosa, in R D P nr 32. D e forma lapidar, Radbruch assinalou que
o positivism o jurídico absoluto revelou-se " o instrumento jurídico ideal de todos os
regim es que quiseram dar expressão legal à injustiça e (...) exigir acatam ento à
arbitrariedade institucionalizada (La naiuraieta de la cosa como fo rm a jurídica dei
pensam iento, C óidoba, 1963, p. 13).

57
‘ ‘barreira infranqueável da política criminal” ), o direito penal
tem que jungir-se à lei penal: não se pode infligir pena sem
cominação legal anterior ao fato (princípio da reserva legal, ou
da leg alid ad e). A “ necessidade de lim itar o risco da
arbitrariedade” 34 deve manter distante do direito penal esse
“ fantasma proteiforme” que Fassò divisa no direito natural15:
isso nem deve significar que o ofício do penalista se converta
num culto votivo às normas estatais, nem exclui de nosso
interesse o que há de penal para além dessas normas. “ A
percepção da lei como objeto único do fenômeno jurídico nada
mais é do que um reducionismo vinculado a uma tradição
ideológica identificável com a consolidação do estado
liberal” , ensina José Eduardo Faria36. Como frisava, com seu
peculiar vigor, Lyra Filho, “ se o direito é reduzido à pura
legalidade, já representa a dominação ilegítima, por força
desta mesma suposta identidade; e este ‘direito’ passa, então,
das normas estatais, castrado, morto e embalsamado, para o
necrotério de uma pseudociência, que os juristas conserva­
dores, não à toa, chamam de dogmática” 37. Sem dúvida, o
objeto privilegiado do direito penal são as normas jurídicas
estatais, tal como von Liszt apontou em sua influente defini­
ção (staatlichen Rechtsregeln). Entretanto, pode o estudioso
do direito penal brasileiro do século XIX ignorar o direito
penal doméstico, o grande sócio oculto — e majoritário — do
direito penal comum no controle terrorífico da escravaria? Quais
as verdadeiras normas processuais da ditadura militar, duran­
te nossos “ anos de chumbo” : aquelas que constavam do Código
de Processo Penal Militar e de dispositivos da Lei de Se­
gurança Nacional, ou outras, que nunca puderam ser lidas em
nenhuma biblioteca, mas permitiam a tortura, a morte e a

24 Figueiredo D ias, D ireito p en a l (sum ária das Lições), Coim bra, 1975, p. 3.
25 Socielà, tegge e ragione, M ilão, 1974, p. 202.
26 Paradigm a jurídico e senso com um : para um a critica da dogm ática jurídica, in Araújo
Lyra, D esordem e processa, c it., p. 63.
27 Op. c it., p. 12.

58
ocultação do cadáver de indiciados? A face ilegal do sistema
penal18-, com suas detenções arbitrárias, espancamentos e exe­
cuções capitais, em nada nos interessa? Somente as formas
penalmente típicas (seqüestro qualificado, custódia indevida,
maus-tratos, violência arbitrária, por exemplo) do exercício
abusivo dos controles psiquiátricos e disciplinares nos dizem
respeito, e não a urdidura normativa subterrânea que articula
sua aplicação intensiva contra grupos m inoritários ou
dissidentes? O estudo do direito penal que inclua este contra­
ponto, através do qual as normas e práticas penais de determi­
nada sociedade podem ser entrevistas em sua globalidade, sem
circunscrever-se ao discurso legal do estado, não deve sacrifi­
car a qualidade técnica da reconstrução do direito positivo,
perdendo-se no labirinto ilusório da polaridade jusnaturalis-
mo-positivismo. Com rara precisão, sentenciou Marilena
Chauí: “ Abstrações gêmeas, o positivismo jurídico toma o
direito como um fato, enquanto o jusnaturalismo o apreende
como idéia. Ancorado na positividade imediata da Ordem, o
positivista dissimula a significação social de seu conceito-cha-
ve, isto é, que em sociedades divididas em classes a ‘ordem’ é
apenas o que a classe dominante ordena. Apoiado na ideali-
dade imediata da Justiça, o jusnaturalista mantém a gênese do
justo fora do movimento social que o constitui ou que o
dissimula. A crença na positividade do ‘dado’ e a confiança na
imobilidade da ‘idéia’ fazem com que o positivista e o jusna­
turalista percam o movimento histórico pelo qual os dados se
cristalizam em conceitos e as idéias se petrificam em institui­
ções, perda que deixa a ambos na impossibilidade de compre­
ender como a ordem ‘dada’ se converte em ordem necessária e
com o a ju s tiç a ‘p e n s a d a ’ se co n v erte em legalidade
instituída” 29. Aquela “ lei natural do direito” a que se referia
Tobias Barreto (cf. § 1?) restará melhor esclarecida se nos

28 Cf. Znfforoni, M anual, c it.r p. 32.


29 M arilena Chauí, Roberto Lyra Filho ou da dignidade política do direito, in Araújo
Lyra (org.) D esordem e processo, c it., p. 18.

59
dermos conta, como Fassò, de que “ a natureza do homem é a
história, que se realiza na multiplicidade do devir dos indiví­
duos e dos povos” 30; um direito antropomórfico não procura
radicar-se nem na coercitividade cega de sua própria validade,
nem na miragem de uma justiça algébrica e intemporal, senão
no concreto processo histórico em que se insere.
Ressalvado, portanto, o caráter histórico-condicionado da
distinção entre direito privado e direito público; empreendida
a crítica do estado como abstração a-histórica; e verificadas as
limitações do positivismo jurídico-penal, é correto afirmar-se
que o direito penai pertence ao direito público interno.

30 O p. c it., p. 229.

60
§ 8?
Princípios básicos do direito penal

Como afirmou Kaufmann, “ toda legislação positiva pres­


supõe sempre certos princípios gerais do direito” ’. A procura
de princípios básicos do direito penal exprime o esforço para,
a um só tempo, caracterizá-lo e delimitá-lo. Existem efetiva­
mente alguns princípios básicos que, por sua ampla recepção
na maioria dos ordenamentos jurídico-penais positivos da
família romano-germânica2, pela significação política de seu
aparecimento histórico ou de sua função social, e pela reco­
nhecida importância de sua situação jurídica — condiciona-
dora de derivações e efeitos relevantes — constituem um
patamar indeclinável, com ilimitada valência na compreensão
de todas as normas positivas. Tais princípios básicos, embora
reconhecidos ou assimilados pelo direito penal, seja através de
norma expressa {como, por exemplo, o princípio da legalidade
— art. 1? CP), seja pelo conteúdo de muitas normas a eles
adequadas (como, por exemplo, a inexistência de pena de
morte ou mutilações — art. 32 C P— e o objetivo de integração
social na execução da pena — art. 1 LEP — com relação ao
princípio da humanidade), não deixam de ter um sentido pro-
gramático, e aspiram ser a plataforma mínima sobre a qual

1 A nalogfa y nantraleza de la cosa, Santiago, 1976, p. 48.


2 " A s colônias espanholas, portuguesas, francesas e holandesas da América (...)
aceitaram de m odo com pletam ente natural as concepções jurídicas próprias da família
rom ano-germânica’’ — ' R ené David, L os grandes sistemas jurídicos contemporâ­
neos, trad. P. G ala, M adri, 1969, p. 57.

61
possa elaborar-se o direito penal de um estado de direito
democrático.
É comum que os autores procurem deduzir tais princípios,
seja de seus conceitos de direito penal, seja das conexões deste
com outros ramos do direito, seja de “ características” do
próprio direito penal, ou ainda situá-los como princípios inter-
pretativos. Assim, para Navarrete o princípio da intervenção
mínima seria uma nova dimensão do fundamento da afirmação
do caráter fragmentário do direito penal3. Para Mir Puig, o
princípio da legalidade configura um limite de intervenção
derivado do fundamento político do direito penal subjetivo4; é
também da perspectiva de limites ao ju s puniendi que Bustos
extrai, entre outros, os princípios da intervenção mínima e da
legalidade3. A subsidiariedade do direito penal, característica
que sem dúvida se relaciona com o princípio da intervenção
mínima, é examinada por Maurach a partir das conexões entre
o direito penal e os demais ramos do direito6. Para Zaffaroni, o
princípio da humanidade integra um conjunto de cânones a
serem observados na interpretação da lei penal, ainda que o
houvesse anteriormente deduzido, sob a expressão da propor­
cionalidade da pena, de seu refinado conceito de “ segurança
jurídica” 7.
O que, inicialmente, reuniu esses princípios básicos, de
origem, estrutura e objeto tão diversificados, foi sua natureza
axiomática e a amplitude de sua expansão lógica. Quanto ao
p rim e iro a s p e c to , é co m u m serem re fe rid o s com o
“ postulados” 8ou “ dogmas f u n d a m e n ta is C o m efeito, não

3 O p. cit., p. 100.
4 O p. c it., p. 141.
5 O p. c it., pp. 25 e 32.
6 Tratado de derecho penal, trad. Cdrdoba Roda, B arcelona, 1962, v. I, pp. 30 e 31.
7 M anual, cit., p. 134 e p. 50.
8 M aurach, op. cit., p. 31: “ do ponto de vista dc polttica jurídica, a seleção e a
acum ulação dessas medidas se encontram subm etidas ao postulado de que não se
justifica aplicar um recurso m ais gruveq uando é cabível esperar-se o mesmo resultado
de um mais suave” .
9 Everardo da Cunha Luna, Capítulos de direito penal, S. Paulo, 1985, p. 31.
são eles dedutíveis logicamente de quaisquer outros e tampou­
co demonstráveis. Sua larga aceitação, que a progressiva con­
quista histórica sedimentou, e as negações frontais episódicas
(como no direito penal da segurança nacional) ou dissimuladas
permanentes (como no desempenho do sistema penal nas so­
ciedades de classes) só fazem aviventar, confere-lhes, a des­
peito de seu cunho prescritivo, um cariz de opiniões acredita­
das e verossímeis fendoxa), no sentido aristotélico retomado
por Viehweg10, que os habilita a funcionar como premissas
arbitrariamente tomadas, a partir das quais, contudo, no escla­
recimento e reconstrução das normas jurídicas, se podem esta­
belecer articulações lógicas. De fato, “ não há crime sem lei
anterior” é uma proposição cuja conveniência política e cuja
densidade moral são amplamente aceitas tanto pelo homem
comum quanto pelo especialista, embora seja possível cons­
truir um direito penal sobre um princípio oposto — como fez o
nazismo". Quanto à amplitude referida, os princípios básicos
comprometem o legislador, transitando assim pela política
criminal, e os aplícadores da lei — do juiz da Corte Suprema
ao mais humilde guarda de presídio — , devendo ser obriga­
toriamente considerados| pelos que se propõem a estudá-la.
Mais tarde, alguns dos princípios básicos lograram obter
reconhecimento em nível internacional (interessam-nos, espe­
cialmente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da
ONU, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos) ou
em nível interno (vendo-se consagrados no texto da Constitui­
ção, como, com respeito a alguns deles, ocorre entre nós).
Como os princípios básicos implicam também caracteri­
zar o direito penal, devemos, ao procurá-los, descartar desde

10 Tópica e jurisprudência, trud, Tércio Sam paio Ferraz J r., Brasília, 1979, p. 25.
11 Lei de 28.jun.35 alterou o § 2? do em ão vigente código penal alem ão, que proibia a
analogia, afirm ando se r “ punida quem comete um fato que a lei declara punível ou
que é m erecedor de punição segundo o conceito que dá fundam ento a um a lei penal e
segundo o são sentim ento do povo; se ao fato não se puder aplicar nenhuma norma
penal determ inada, deverá ele ser punido de acordo com a norma cuja conceito
fundam ental m elhor lhe seja aplicável".

63
logo duas linhas. A primeira está nos atributos de todo o
ordenam ento ju ríd ico , com o, por exem plo, seu caráter
“ finalista” 12. Como diz Zaffaroni, “ o direito penal, por ser
direito, participa de todos os caracteres do direito em geral: é
cultural, é normativo, é valorativo, etc” 13; por isso mesmo,
tais atributos não nos interessam aqui. A segunda linha a
descartar-se é aquela que se detém diante da própria sanção
com a qual opera o direito penal — a pena — , para tomá-la
como sua característica essencial1,1, não porque não o seja, mas
porque ficaremos perigosamente imobilizados numa redun­
dância.
Em nossa opinião, são cinco os princípios básicos do
direito penal: 1. princípio da legalidade (ou da reserva legal,
ou da intervenção legalizada); 2. princípio da intervenção
m ínim a; 3. p rin c íp io da le siv id a d e ; 4. p rin c íp io da
humanidade; 5. princípio da culpabilidade. Nos próximos
parágrafos, forneceremos algumas indicações sobre cada um
deles, em nível genérico que corresponde a seu tratamento no
âmbito de uma introdução ao direito penal.

12 M irabete, op. c it., p. 15; M agalhães Norcmha, op. c it., p. 5; A súa, Tratado de
derecho penal, B. A ires, 1964, v. I, p. 35. Advirta-se que o term o ''fin a lista " é aqui
em pregado no sentido de que o direito penai se orienta teieologicam ente — com o,
entre outras, a teoria dos bens jurídicos dem onstraria — e persegue, através da
com inação, aplicação e execução da pena, fins; von Liszt, que m ais conseqüente­
mente trouxe, inspirando-se em Jhering, a idéia de fim para o direito penal, falava
num a “ pena de fim ” , em oposição a uma pena que se esgotasse na retributividade.
Tal em prego do term o finalista nada tem a ver com as transform ações na teoria do
crim e, elaboradas na metade deste século, principalm ente por Hans W elzel, que
receberam o nom e de “ teoria da ação fin a l" , ou “ teoria fin alista", ou ainda sim ples­
mente “ finalism o” .
13 M anual, c it., p . 55. Tam bém a “ coatividade" é um atributo geral do direito
(N avarrete, op. c it., p. 106).'
14 Registra Zaffaroni que a característica que distingue o direito penal de outros ramos
não está senão “ no m eio m ediante o qual provè à segurança jurídica: a p ena’’
(Manual, c it., p. 55).
B ib lio te c a C flfrtra l-P lM

§ 9?
O princípio da legalidade

O p rin cíp io da leg alid ad e, tam bém conhecido por


“ princípio da reserva leg al” 1 e divulgado pela fórmula
‘ ‘nullum crimen nulla poena sine lege” , surge historicamente
com a revolução burguesa e exprime, em nosso campo, o mais
importante estágio do movimento então ocorrido na direção da
positividade jurídica e da publicização da reação penal. Por
um lado resposta pendular aos abusos do absolutismo e, por
outro, afirmação da nova ordem, o princípio da legalidade a
um só tempo garantia o indivíduo perante o poder estatal e
demarcava este mesmo poder como o espaço exclusivo da
coerção penal. Sua significação e alcance políticos transcen­
dem o condicionamento histórico que o produziu, e o princípio
da legalidade constitui a chave mestra de qualquer sistema
penal que se pretenda racional e justo.
Devemos abandonar a tarefa, mais própria de antiquário
que de historiador, como diria Marc Bloch2, de respigar em
textos romanos alguma afinidade — ainda que sonora — com
o princípio, ou de cismar sobre a passagem do artigo 39 da
Magna Charta — que continha, segundo opinião dominante,

1 Essa a preferência dc Fragoso, Lições, cit., p. 84. M unoz C onde usa a designação
“ princípio da intervenção legalizada” , o que lhe perm ite em parelhá-lo ao princípio
da intervenção m ínim a num quadro geral de lim itação do poder punitivo estatal
(Intrnducdún, c it., p. 58).
2 IntroduçãoàH istória, trad. M . M anuel e R. Grácio, ed. E uropa-A m érica, 4.‘ e d .,s /d ,
p. 43.

65
mera garantia processual restrita aos poucos ‘ ‘homens livres”
— , à procura de um antecedente3.
O artigo 9? da D eclaração de D ireitos da V irgínia
(12.jun.1776) afirmava que as leis com efeito retroativo, fei­
tas para punir delitos anteriores a sua existência, são opressi­
vas e não devem ser promulgadas. A seção 9í do artigo I da
Constituição americana (L7.set.1787) proíbe a promulgação
de decreto de proscrição (Bill ofAttainder) ou de lei retroativa
(exp o stfa cto Law). O artigo VIII da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão (26.ago.1789) prescrevia que nin­
guém fosse punido senão em virtude de uma lei estabelecida e
promulgada anteriormente ao crime (loi établie et promulguée
anterieurement au délit). Parece que o primeiro corpo de leis
penais a incluir o princípio foi a codificação de D. José II da
Áustria, de 1787 (Josephina).
A fórmula latina foi cunhada e introduzida na linguagem
jurídica pelo professor alemão Paulo João Anselmo Feuerbach
(1775-1833), especialmente em seu Tratado que veio a lume
em 1801'*. Ao contrário do que se difunde freqüentemente, das
obras de Feuerbach não consta a fórmula ampla “ nullum
crimen nulla poena sine lege” ; nelas se encontra, sim, uma
articulação das fórmulas “ nulla poena sine lege” , “ nullum
crimen sine poena legali” e “ nulla poena (legalis) sine
crimine” 5. Um dos pilares sobre os quais se assentava a cons­
trução feuerbachiana estava em sua concepção preventivo-ge-
ral da pena, entendida como “ coação psicológica” . Se a
intimidação era a mais relevante função da pena, e sua inflição

3 O principia da legalidade cm desconhecido do direito rom ano, ensina Mest.ieri (op.


cit., p. 81). Os antecedentes anteriores àilustração.com oaA /flgnoC /iarfa de I 2 l 5 e a
Constitutio crím inalis carolingia de 1536, n lo possuem a sentido moderno deste
princípio, ensina M ir Puig (op. c it., p. 142). A referência à lei da terra ( ' ‘vel p er legem
lerra e") ao final do artigo 39 do M agna Charla, segundo opiniões respeitáveis,
invoca os costum es (Luis C. C abral, Ubicación histórica dei principio nullum crimen
nulla poena sine lege, B . A ires, 1958, p . 51).
4 Paulo João A nselm o Feuerbach foi pai do fam oso filósofo Ludwig Feuerbach.
5 Cattaneo, M ario, A nselm F euerbach — filo so fo e giurista liberale, M ilão, 1970, p.
deveria reforçar esse efeito intimidatório, só poderia ser infli­
gida a pena com a qual a própria lei ameaçara6. Outro pilar
estava em seu arraigado liberalismo, que através do código
penal não só pretendia a defesa do estado diante do criminoso
mas também do criminoso diante do estado7. É inegável, por
fim, o influxo da concepção contratualística e da questão -—
predominante no debate político da época — da divisão de
poderes, tão presentes no classicismo penal, como se pode
constatar, por exemplo, em BeccariaV
O princípio da legalidade, base estrutural do próprio es­
tado de direito, é também a pedra angular de todo direito penal
que aspire à segurança jurídica, compreendida não apenas na
acepção da “ previsibilidade da intervenção do poder punitivo
do estado” , que lhe confere Roxin, mas também na perspec­
tiva subjetiva do “ sentimento de segurança jurídica” que
postula Zaffaroni9. Além de assegurar a possibilidade do pré­
vio conhecimento dos crimes e das penas, o princípio garante
que o cidadão não será submetido a coerção penal distinta
daquela predisposta na lei. Está o princípio da legalidade
inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem1" e na
Convenção Americana sobre Direitos Humanos",

6 Cüttaneo, op. c it., p. 452; Frngnsn, Lições, cit,, p. 93; M uíioz C o n d e ,Introducáón,
c it., p. 87.
7 E m sí Bloch, D erecho natural y dignidad humana, trad. F. V irceu, M adri, 1980, p.
265.
8 “ Apenas as leis podem Fixar as penas com relação aos delitos praticados; e esta
autoridade não pode residir senão na pessoa do legislador, que representa toda a
sociedade agrupada prtr um contrato social. N enhum magistrado (que também faz
parte da sociedade) pode, com justiça, infligir penas contra outro m embro da mesma
sociedade” (.Dos delitos e das penas, trad. A. Carlos Cam pana, S. Paulo, 1978, p,
. 109).
9 Roxin, Iniciaciân nl derecho penal de hoy, trad. M. Conde e Luzón Pena, Sevilha,
1981, p. 98; Zaffaroni, M anual, c it., p . 49.
10 Art. X I, 2: "N inguém poderá ser cujpadü por qualquer ação ou om issão que, no
m om ento, não constituíam delito perante o direito nacionai ou internacional. Tam bém
não será im posta pena mais forte do que aquela que, no m om ento da prática, era
aplicável ao ato delituoso” .
11 A rt. 9.°: ‘ ‘Ninguém pode ser condenado p o r ações ou om issões au e, no m om ento cm

67
Entre nós, o princípio figura na Constituição, entre os
direitos e garantias fundamentais12 e no artigo 1? do Código
Penal, com a seguinte redação: “ Não há crime sem lei anterior
que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” . A
abrangência do princípio inclui a pena cominada pelo legisla­
dor, a pena aplicada pelo juiz e a pena executada pela adminis­
tração, vedando-se que critérios de aplicação ou regimes de
execução mais severos possam retroagir. No que tange à exe­
cução da pena, até mesmo a matéria disciplinar está agora
comprometida com o princípio da legalidade, como se vê do
artigo 45 da Lei de Execução Penal13,.
Sem dúvida, a principal função do princípio da legalidade
é a função constitutiva, através da qual se estabelece a positi­
vidade jurídico-penal, com a criação do crime (pela associa­
ção de uma pena qualquer a um ilícito qualquer). Nem sempre
se percebe que o princípio da legalidade não apenas exclui as
penas ilegais (função de garantia), porém ao mesmo tempo
constitui a pena legal (função constitutiva).
Pode o princípio da legalidade, visto pelo prisma de garan­
tia individual, ser decomposto em quatro funções, que exami­
naremos a seguir.

Primeira: proibir a retroatividade da lei penal (millum critnen


nulla poena sine lege praevia).

que forem com etidas, não sejam delituosas, de ncordo com o direito aplicável.
Tam pouco se pode im por pena mais grave que u aplicável no momento da perpctração
do d elito.”
12 Art. 5?, inc. XXXIX: “ não há crim e sem lei anterior que o defina, nem pena sem
p rév ia com inação le g a l” . T odas as C onstituições brasileiras proclam aram o
principio: C . 1824, art. 149, n? 1 1;C . 1891, art. 72, § 1 5 ; C . 1934, art. 113, n ? 26; C.
1937, art. 122, n? 13; C. 1946, art. 141, 8 27; C. 1967/E. 69, art. 153, 8 16 (cuja
redação, nas palavras de Pontes de M iranda, constituiu "docum ento histórico da
insuperada mediocridade governante de 1964-1967 " (C om entários à Constituição de
1967, S. Paulo, 1971, t. V , p. 242).
13 Lei n? 7.210, de 1 1.ju l.8 4 — Lei de Execução Penal (LEP), art. 45: “ N ão haverá falta
nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulam entar” .
Temos aqui a função “ histórica” do princípio da legali­
dade, que surgiu exatamente para reagir contra leis ex post
facto. Tudo que se refira ao crime {por exemplo, supressão de
um elemento integrante de uma justificativa, qual a vox
“ iminente” na legítima defesa) e tudo que se refira à pena (por
exemplo, retificação gravosa na disciplina da prescrição) não
pode retroagir em detrimento do acusado. É hoje opinião
doutrinária dominante que a irretroatividade deva aplicar-se
também às medidas de segurança14. Note-se que a lei penal
retroagirá sempre que beneficiar o acusado, seja pela revoga­
ção da norma incriminadora (abolitio criminis), seja por qual­
quer outro modo (art. 2‘.’CP)'í , excetuando-se as chamadas leis
excepcionais (promulgadas em face de situações especial­
m ente calam ito sas ou co n flitiv as) e leis tem porárias
(promulgadas com termo de vigência) — (art. 3" CP). O
aprofundamento dessas questões, bem como a caracterização
do que seja, na hipótese de concurso, a lei mais favorável,
pertencem à teoria da lei penal.
Sustentou-se que o chamado Tribunal de Nuremberg vio­
lou o princípio da legalidade, sob o aspecto da irretroatividade
da lei penal. No Brasil, o caso mais escandaloso foi a imposi­
ção, por decreto, da pena de banimento a presos cuja liberdade
era reclamada como resgate de diplomatas seqüestrados por
organizações políticas clandestinas, durante a ditadura mili­
tar. Sem reserva legal e sem processo, os presos — que nada
haviam feito — eram atingidos por autêntico bill ofcittainder,
impondo-se-lhes uma pena não contemplada previamente em
lei.

14 Não entre nós; anteriorm ente, através do argum ento positivista dc que as medidas de
segurança deviam ser usadas com o um rem édio; agora, porquanto reduzidas a interna­
ção ou tratam ento de inim putáveis ou sem i-im putáveis. C f. Fragoso, L ifõ e j, c it., p.
94.
15 Por força do inc. XL do art. 5? C R , a rctroatividade da lei mais benéfica tem caráter de
garantia individual, im pondo-se ao legislador penal.

69
Segunda: proibir a criação de crimes e penas pelo costume
(málum crimen nulla poena sine lege scripta).

Só a lei escrita, isto é, promulgada de acordo com as


previsões constitucionais, pode criar crimes e penas: não o
costume. “ Destacar a exclusão do costume como fonte de
crimes e penas” , frisa Mir Puig, é exigência do princípio da
legalidade16. Isso não significa, por certo, que os costumes não
participem da experiência jurídico-penal: Assis Toledo assi­
nala tratar-se de 1‘equívoco a suposição de que o direito costu­
meiro esteja totalmente abolido do âmbito penal” 17. De fato, é
indiscutível que os costumes desempenham uma função inte-
grativa, que provém principalmente de sua influência no direi­
to privado'8. Tal função integrativa se apresenta na elucidação
de elementos de alguns tipos penais (por exemplo, “ mulher
honesta’ ’ no tipo do rapto — art. 219 CP — , ou ‘ ‘ato, objeto
ou recitação obscenos” , nos tipos de ultraje público ao pudor
— arts. 233 e 234 CP)19. Apresenta-se ela igualmente no
conceito central (dever objetivo de cuidado) dos tipos culpo­
sos, sempre que a atividade dentro da qual ocorreu o fato não

16 Introducción, c it., p . 145,


17 P rincípios básicos de direito penal, S. Paulo, 1986, p. 24.
18 C o sta e S ilv a , Com entários ao código penal brasileiro, S. Paulo, 1967, p. 17; Aníbal
B runo, op. c it., p. 189.
19 Hungria afirma que, no ultraje público ao pudor, “ a lei penal se reporta a um costume
social, isto é, à m oralidade coletiva em. tom o dos fatos da vida social, ficando
subordinada, para o seu entendim ento e aplicação, à variabilidade, no tem po e no
espaço, desse costum e” (Com entários ao código penal, R io, 1958, v. I, t, 1, p. 94).
Advirta-se para os riscos de aceitar-sc, acriticam ente, o conceito de "m oralidade
coletiva’' numa sociedade de classes. Ensina Adolfo Sandez Vásquez s e r ' ‘evidente a
natureza particular da moral nas sociedades ciassistas, em face da pretensão de um a
moral universalm ente válida” (Ética, trad. J. D ell'A nna, Rio, 1970, p. 199).
“ D ificilm ente as classes dom inantes conseguem impor a morai por elas elaborada à
totalidade da sociedade ” (Cesare Luporini, As raízes da vida m oral, in D elia Volpc et
al., M oral e sociedade, trad. N . Rissone, R io, 1969, p. 65); entretanto, através de
conceitos como ‘1m oralidade coletiva’ ’, o direito pode transform ar a coerção penal no
m ais terrível instrum ento de sua im posição.

70
esteja positivamente regulamentada de modo exaustivo20,
como também em justificativas (pense-se no exercício regular
do direito — art. 23, inc. IU CP — enquanto aplicação de
castigos físicos na correção educacional de menores). Nega-
se, geralm ente, uma função derfogatória aos costumes
{desuetudo penal); Oscar Stevenson a reconheceu em hipóte­
ses que trataríamos hoje como “ adequação social da ação”
(perfuração de orelhas para uso de brincos, circuncisão), dele
dissentindo Hungria1’. A verdade é que a adequação social da
ação, seja enquanto justificativa de caráter consuetudinário
(assim a concebeu Welzel durante longo período), seja en­
quanto princípio de interpretação que reinsere os tipos penais
numa sociedade historicamente determinada (como a conce­
beu o último W elzel), está indissoluvelmente ligada aos
costumes22. Podemos, assim, concluir que o princípio da le­
galidade proíbe a intervenção dos costumes apenas — porém
incondicional e totaÜzantemente — no que concerne à criação
(definição ou agravamento) de crimes e penas.
Inscreve-se aqui a questão das fontes. Fonte de produção
(ou material) do direito penal é o Congresso Nacional, ao qual,
com exclusividade, a Constituição da República defere o po­
der de legislar em matéria penal (art. 22, inc. Ie 4 8 ). Segundo
Aníbal Bruno, em passagem de matiz historicista, muito aco­
lhida, por trás dos órgãos estatais que ditam o direito estaria

20 M unoz C onde vê a intervenção integrativa dos costum es no conceito de " d ilig ê n ­


c ia d ev id a” no condução de autom óveis (Introducciôn, cít. p . 89). Entre nós, a
existên cia d e ura C ódigo N acional de T rânsito (lei n.° 5 .1 0 8 , de 2 1,set. 1966)
ex tensam ente regulam entado (decreto n.° 6 2 .1 2 7 , d e I6 .jaji.1 9 6 8 , e inúm eros
outros — cf. L eg istação de trânsito, B rasília, 1984, ed . M inistério da Ju stiça, p.
50 ss), to m a estritam ente suplem entar a intervenção dos costum es à hipótese.
Ju arez T av ares reconhece no desatendim ento aocuidado objetivo exigível ao autor
do crim e culposo um a “ característica norm ativa ab erta” (Teoria do delito, S.
Paulo, 1980, p. 68). A ssinala H eitor C osta Jr. a im possibilidade de descrição
ex au stiv a da co n d uta punível nos crim es culposos (T eoria dos crim es culposos.
R io , 198B, p. 55).
21 H ungria, op. c it., p. 95.
22 W etzeí, op. cit., p. 83 ss.

71
“ a consciência do povo em dado momento do seu desenvolvi­
mento históriço, consciência onde se fazem sentir as necessi­
dades sociais e as aspirações da cultura, da qual uma das
expressões é o fenômeno jurídico” 23. Essa linha de especula­
ção, que substitui a modesta verificação da produção objetiva
do direito pela mística inconsistente de um “ espírito nacio­
nal” , ou cumpre, se desenvolvida, uma função ideológica
de fazer passar por vontade do conjunto do corpo social a
vontade de uma classe, ou estimula, se contraditada, uma
simplificação mecanicista que — com muito maiores razões
— pode situar no modo de produção as verdadeiras fontes do
direito24. Fonte direta de conhecimento (ou formal) de normas
que definem crimes e cominam ou agravam penas é apenas e
tão-somente a lei; muito adequadamente frisa Mestieri ser a lei
penal “ a fonte ou forma de expressão única do direito criminal
quando se trata de definir infrações penais e cominar penas” 25.
Além desse campo — porém muitas vezes, indireta ou suple-
mentarmente, neste mesmo campo, como vimos acima —
temos os costumes e os princípios gerais do direito penal, um
dos quais estamos exatamente estudando neste momento. Es­
pecial importância têm os princípios constantes de documen­
tos internacionais de direitos humanos, como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, resolução da Organização das
Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, e a Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, recomendação
da IX Conferência Interamericana, de 2 de maio de 1948. Em
novembro de 1969 foi firmada, em San José, Costa Rica, a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida
como ‘‘Pacto de San José da Costa Rica ’’, que é o documento

23 Op. cit., p. 187; endossam -lhe as palavras Dam ásio (op. cit., p. 8) c Mirabcte (op.
c it., p. 29), entre outros.
24 Cirino dos Santos, D ireito penal, c it., p. 24. C f. ainda Konstantin Stoyonovitch, La
p ensée m arxista et le droit, V endóm e, 1974, p. 45, para quem a vontade da classe
dom inante é fonte fo rm a l do direito.
25 Op. c it., p. 8 1. Afirma Bustos que a lei é a única fonte “ para o poder punitivo estatal’1
(Introducción, c it., p. 35).
fundamental da proteção internacional dos direitos humanos
no âmbito americano25; o Brasil a subscreveu em 1986, já lhe
havendo concedido o Congresso N acional a aprovação
constitucional117.
Fala-se em “ reserva absoluta” e “ reserva relativa” de lei
para aprofundar o entendimento de dispositivos constitucio­
nais concernentes à reserva legal. A concepção de “ reserva
absoluta” postula que a lei penal resulte sempre do debate
democrático parlamentar, cujos procedimentos legislativos, e
só eles, teriam idoneidade para ponderar e garantir os interes­
ses da liberdade individual e da segurança pública, cumprindo
à lei proceder a uma “ integral formulação do tipo” 211; dessa
forma, só a lei em sentido formal poderia criar crimes e
cominar penas, com “ a obrigação de disciplinar de modo
direto a matéria reservada” 20. A concepção de reserva relativa
nega o monopólio do poder legislativo em assuntos penais311e
admite que a matéria de proibição possa ser parcialmente
definida por outras fontes de produção normativa, cabível que
o legislador estabeleça estruturas gerais e diretrizes, a serem
complementadas, as primeiras com observância das segundas,
pelo regulamento31. A constitucionalidade das normas penais
em branco de complementação heteróloga32 seria discutível à

26 Cf. Fragoso, D ireito p e n a i e direitos hum anos, c it., p . 1 19 ss; Z affaroni, M anual.
c it., p. 94 ss; L yra F ilho, op. c it., p . 1 1 e 109.
27 D ecreto L egislativo nl’ 5 /8 9 , D .C .N . de 2 .ju n .8 9 .
28 B ricola, F ranco, L ’art. 25, cam m i 2 " e 3V delia C ostituzione revisitato alia fine
degli anni ‘70, in La questione crim inate, nl’ 2/3, B olonha, 1980, p. 210; do
m esmo autor, L a discreiionalità nel dirillo penale, M ilão, 1965, p. 233.
29 Siniscalco, M arco, Irretroatività delle leggi in matéria penale, M ilão, 1969, p.
85.
30 Para um a concepção absoluta da reserva Segai, não pode o P residente da R epública
editar m edida provisória (art. 5 9 , inc. V CR) sobre m atéria penal.
31 Nilo Batista, Bases constitucionais do princípio da reserva legal, in RDP n? 35, p.
57.
32 C ham am -se norm as penais em branco aquelas nas quais a conduta incrim inada não
eslá integralm ente descrita, necessitando de um a com plem enlação que se apre­
senta em outro dispositivo de lei (com plem entação hom óloga), seja da própria lei
p e n a l ( c o m p le m e n ta ç ã o h o m ó lo g a h o m o v ii e l in a ) , s e ja d e le i d iv e rs a

73
luz da reserva absoluta da lei. Em todo caso, como ensina
Petrocelli, o complemento administrativo que passa a integrar
uma norma penal está sujeito a todas as exigências que deri­
vam do princípio da legalidade: o contrário significa violação
do próprio princípio33

Terceira: proibir o emprego de analogia para criar crimes,


fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena
sine lege stricta).

Chama-se analogia o procedimento lógico pelo qual o


espírito passa de uma enunciação singular a outra enunciação
singular (tendo, pois, caráter de uma indução imperfeita ou
parcial), inferindo a segunda em virtude de sua semelhança
com a primeira3,1; no direito, teríamos analogia quando o
jurista atribuísse a um caso que não dispõe de expressa regula­
mentação legal a(s) regra(s) prevista(s) para um caso seme­
lhante. A fórmula básica da analogia, extraída de Atienza
Rodríguez35, vai a seguir grafada; nela, para nossos fins, “ M”

(com plem entação hom óloga h eterovitelina), ou era fontes legislativas de hierar­
quia constitucional inferior, com o o ato ad m in istrativ a, ou a lei estadual ou
m unicipal (com plem entação heteróloga). Foi o penalista alem ão K arl Binding
quem , dentro de seu p ro jeto teórico de rem eter a lei p enal a um conjunto de norm as
d istintas do próprio ordenam ento ju ríd ico -p en al, em preendeu a prim eira teoriza-
ção im portante a resp eito de tais n orm as, cunhando-lhes a designação q u e, leve­
m ente alterada, ainda perdura (B iankeitstrafgeseiz), e ainda form ulando a seu
respeito um a fam osa expressão: dizia ele que, sem a proibição do com pletivo da
norm a, a lei penal p areceria ura corpo errante que busca sua alm a (ein irrender
K õ rp er seine Seele su c h t). C f. B inding, D ie N orm en und ihre Q bertretm g,
U trccht, 1965, v. I ,p . 162; T hom pson, A ugusto, Lei penal em branco eretro a tiv i-
dade benéfica, in R v. D ir. Procuradoria Geral E . Guanabara, Rio, 1968, v. 19, p,
223; Nilo Batista, Observações sobre a norm a penal e sua interpretação, RDP nP
17/18, p. 87. O estudo das norm as penais era branco pertence à teoria da lei penal.
33 N orm a penaie e regolam ento, in S a g g i di d iriito p e n a le , 2 ; série, P ádua, 1965, p.
161.
34 M aritain, L ógica m enor, trad. I. N eves, Rio, 1972, p. 308; Puiganiau fala de
indução reconstruíiva (Lógica p a ra ju ris ta s, B arcelona, 1969, p. 127).
35 Sobre la analogia en ei derecho, M adri, 1986, p. 48. —

74
e “ S” representarão condutas humanas e “ P ” representará
não apenas proibido, mas proibido sob cominação de pena:

(1) M é P
(2) S é semelhante a M
(3) S é P

Salta aos olhos a total inaplicabilidade da analogia, perante


o princípio da legalidade, a toda e qualquer norma que defina
crimes e comine ou agrave penas, cuja expansão lógica, por
qualquer processo, é terminantemente vedada, havendo neste
ponto unanimidade na doutrina brasileira.
Como vimos, o direito penal nazista utilizava-se larga­
mente da analogia. O artigo 1“ do código penal dinamarquês
de 1930 estipula que “ ninguém pode ser punido com pena
senão por atos cujo caráter criminoso esteja consignado em
lei, ou que sejam inteiramente assimiláveis a tais a to s " , mas
parece que a cláusula analógica é reconstruída pela doutrina
sem lesão ao princípio da legalidade36. Na União Soviética,
desde o código de 1960, que se seguiu às “ bases” de 1958, a
analogia é uma “ instituição abolida” 17. Na China, mesmo
após o código de 1979, a predominância de um conceito
material de crime, definido como um ato que ofenda a sobera­
nia do estado, a integridade do território, o regime da ditadura
do proletariado, a revolução e a edificação socialistas, a ordem

36 Z affaroni, M anual, cit., p. 136.


37 Z dravom íslav et ai, D erecho p e n a l soviético, trad. N . M ora e J . G uerrero,
B ogotá, 1970, p. 52. E m 25 de dezem bro dc 1958, o Soviete S uprem o da U nião
prom ulgou princípios fundam entais que deveriam constituir as bases dos novos
códigos das repúblicas federadas ( “ B ases” ). Em 27 de outubro de 1960, a
R epública S o cialista F ederativa S oviética da R ússia, certam ente a m ais im por­
tante e influente das 15 repúblicas federadas, prom ulgou seu novo código penal (e
tam bém um novo código de processo penal e uma lei de organização judiciária).
Q uer em seu artigo 3? (fundam entos da responsabilidade p e n a l), quer em seu artigo
7? (conceito de crim e), o com ponente m aterial da “ ação socialm ente p erigosa”
está co n dicionado ã “ previsão le g a l" , podendo, ao contrário, a defecção da
prim eira su prim ir a eficácia da segunda (art. 1", segunda parte).

75
pública, os bens públicos, os bens coletivos das massas traba­
lhadoras e os bens pessoais dos cidadãos, os direitos indivi­
duais e democráticos dos cidadãos e ainda todo ato social­
mente nocivo, deixa as portas abertas ao indiscriminado em­
prego da analogia38.
No Brasil, muitas vezes admitiu-se e praticou-se a analo­
gia vedada. Rememora Fragoso um decreto-lei do Estado
Novo ( t i ? 4.166, de 11.mar.42) que “ expressamente autori­
zava o recurso à analogia” 39. A punição do apoderamento
ilícito de aeronaves (então fato atípico entre nós) a título de
seqüestro, pelos tribunais, durante a ditadura militar, impli­
cou analogia. Em seu importante trabalho, Rosa Cardoso de­
monstra como a admissão de pessoas jurídicas na posição de
sujeito passivo do crime de difamação previsto no Código
Penal (art. 139, entre os “ crimes contra a pessoa” , e usando a
vox “ alguém” , caracterizadora de pessoa humana) represen­
tou emprego de analogia'10.
Vedado o acesso da analogia naquilo que Aníbal Bruno
chamava de “ direito penal estrito” , ou seja, o direito penal
criador de crimes e cominador de penas, tem ela as portas
abertas para cumprir suas funções integrativas em todo o
restante ordenamento jurídico-penal; e como este se estrutura
numa dualidade tensiva (opondo às normas que definem cri­
mes e cominam ou agravam penas outras que, sob as mais
diversas circunstâncias, excluem ou reduzem a punibilidade,
na mais ampla acepção deste termo), segue-se que é possível
formular um critério prático e constatável para essa analogia

38 T sie n T c h e -H a o , L e d r o it c ltin o is, V e n d õ m e , 1982, p, 112; c f. tam bém


D e irA q u iln , 11 d iritlo cin e se , P ádua, 1981, p. 193. N a Inglaterra, com seu
p ecu liar sistem a ju ríd ic o , o poder judicial- de declarar ou am pliar analogicnm enle
um crim e " p a re c e não haver desaparecido inteiram ente'* (C urzon, C rim inal taw ,
L ondres, 1973, p. 9 ), em bora nos úllim os tem pos fosse exercido rara e lim itada­
m ente, e , é claro, “ w ith the greatest relu ctan ce” (op. c it., p . 7). Z affaroni,
en tretanto , m enciona um ato de 1972 que leria posto term o àquele poder (M anual,
c it., p. 135), tom ando indispensável a base estatutária.
39 L iç õ e s, c it., p. 95.
40 O ca rá ter retórico do p rin c íp io da legalidade, P. A legre, 1979, p. 104.
admitida: é aquela que favorece o acusado, é a analogia in
bonam partem. Há quase unanimidade nos autores brasileiros
quanto ao acolhimento da analogia in bonam partem41, com
exceção, que resulta de im perativo lógico, de normas
excepcionais41. Ninguém estabeleceu a regra da analogia in
bonam partem de maneira mais formosa e exata do que
Carrara: “ Per analogia non si può estendere la pena da caso a
caso: per analogia si deve estendere da caso a caso la scusa” 43.
O artigo 4? da Lei de Introdução ao Código Civil recomenda
que, na omissão da lei, o juiz decida “ de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” .
Temos, no direito penal, limites a tal recomendação, deriva­
dos do princípio da reserva legal, limites esses que incidem
sobre as normas que definem crimes e cominam ou agravam
penas, Além desses limites, o desenvolvimento do direito pe­
nal, pela colmatagem de suas lacunas, só encontra a fronteira
polítíco-criminal da intervenção mínima, também expressa em
seu caráter fragmentário — que será mais tarde examinado.
Observe-se, por fim, que alguns autores questionam a real
vigência lógica e lingüística da proibição da analogia, mesmo
dentro dos limites assinalados. Kaufmann chegou a dizer que
“ não há um só fato criminoso cujos contornos estejam fixados
em lei: por todos os lados os lindes estão abertos” 44.

Quarta: proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum


crimen nulla poena sine lege certa).

41 C f. T o led o , op. c it., p. 25; A . B runo, op. c il., p. 2 0 9 ;F ra g o so ,L ições, c it., p. 83;
M irabete, op. c it., p. 30; D am ásio, op. c it., p . 48. D issentia do entendim ento,
isoladam ente, N élson H ungria (op. c it., p. 91).
42 A norm a excepcional instaura um regim e distinto e especial para determ inada
hipótese: regula a exceção, subtrai o caso ao qual se destina da disciplina gemi. E
óbvio que adm itir, aqui, n analogia, é destruir o próprio conceito de norm a
ex cep cio n al. C onvém registrar que as causas gerais de exclusão da antijuridici-
dnde e da cu lpabilidade não são norm as excepcionais, com o supunha H ungria, até
p o r serem g erais: adm item , portanto, o exercício analógico.
43 O p. c it., p . 368 (§ 890, nota 1, in fin e ).
44 O p. c it., p. 42.

77
A função de garantia individual exercida pelo princípio da
legalidade estaria seriamente comprometida se as normas que
definem os crimes não dispusessem de clareza denotativa na
significação de seus elementos, inteligível por todos os cida­
dãos. Formular tipos penais “ genéricos ou vazios” , valen-
do-se de “ cláusulas gerais” ou “ conceitos indeterminados”
ou “ ambíguos” 45, eqüivale teoricamente a nada formular, mas
é prática e politicamente muito mais nefasto e perigoso. Não
por acaso, em épocas e países diversos, legislações penais
votadas à repressão e controle de dissidentes políticos escolhe­
ram precisamente esse caminho para a perseguição judicial de
opositores do governo. Soler registrou que se recorre com
freqüência a esse expediente em caso de delitos criados deli­
beradamente com intenção política-16. No Brasil, as famigera­
das leis de segurança nacional compunham autêntico florilé-
gio de tipos penais violadores, pela construção de crimes
vagos, do princípio da legalidade, e coube especialmente a
Fragoso, em inúmeros trabalhos, profligar-Ihes tal vício47. A
vigente lei de segurança nacional (lei ní’ 7.170, de 14.dez.83),

45 T o led o , op. c it., p . 28; M irP u ig , op. c it., p. 146; M ufioz C onde, Introducción,
c it., p. 96; R oque de B rito A lves, op. c it., p. 226. E m sua origem h istórica, a
clareza do texto iegal estava associada ao princípio liberal da autodeterm inação da
conduta a p artir do conhecim ento da lei (intim idação); M arat preconizava “ q u 'il
n 'y a i t r ie n d ’obscur, d 'in c e rta in , d 'a rb itra ire ” em tem a de crim es e p e n a s , por ser
n ecessário “ que chacun entende parfaitem ent Ies loix, et sache à quoi il s ’expose
en les v io lan t” (P lan de iegislation crim inelle, P aris, 1974, p. 68),
46 La formulnción actual dei princípio nullum crim en, in F e en ei derecho, B. A ires,
1956, p . 284.
47 Em diversos artig o s, relatórios da OAB e defesas de presos políticos. H eleno
Fragoso se deteve na denúncia da violação do princípio da legalidade pela criação
de tipos penais vagos e indeterm inados; cf. L ei de segurança n acional — uma
experiência antidem o.crática, P. A leg re, 1980; Terrorism o e crim inalidade p o lí­
tica , R io , 1981; D ire ito p e n a l e direitos hum anos. R io, 1977; A dvocacia da
liberdade. R io, 1984. S obre a legislação de segurança nacional, no B rasil, cf.
ainda E varisto de M orais F ilho, A ., L e i de segurança nacional — um atentado à
liberdade. R io, 1982; R oberto M artins, Segurança nacional, S. P aulo, 1986; N ilo
B atista, Lei de seg u ran ça nacional; o direito da tortura e da m orte, in Tem as de
direito p e n a l. R io , 1984, p, 11 ss.

78
considerada por muitas como palatável forma evolutiva das
anteriores, incrimina, em seu artigo 15, “ praticar sabotagem
contra instalações militares, meios de comunicação, meios e
vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas,
usinas, barragens, depósitos e outras instalações congêne­
res” , estabelecendo seu §.2í a punição dos “ atos preparatórios
de sabotagem” . Se ‘‘praticar sabotagem’ ’ configura, já por si,
um núcleo bastante indeterminado para o tipo, seus atos pre­
paratórios são infinitamente multiformes; por outro lado,
quem, em estado de sanidade mental, será capaz de definir
“ instalações congêneres” , a um só tempo, de uma estrada,
uma fábrica, uma usina e um depósito?^
Alguns autores deslocam a ênfase para a subjetivização da
imprecisão do preceito, isto é, para o aspecto de que o preceito
deve ser ‘ ‘determinado e especificado de modo tal a fazer ver
claramente ao cidadão a conduta a seguir, e os limites do
próprio livre comportamento” 45. Tal aspecto, importante sem
dúvida, erá predominante nas teorias preventivo-gerais, mais
ou menc^ remontáveis a Feuerbach, que se construam a partir
da idéia de intimidação penal; sua crítica deverá considerar os
problemas da ineficácia motivadora da norma penal (que per­
tence à criminologia) e da ficção da presunção do conheci­

48 E ssas e outras observações constam de um artigo publicado quando o anteprojeto


governam ental foi rem etido ao C ongresso N acional. E screvia-se, ali: “ o ilícito
deve estar perfeitam ente d em arcado, até para advertência do cidadão, mas princi­
palm ente p ara ev itar sua m anipulação insidiosa quando da aplicação da lei. D izer
‘punem -se os atos preparatórios da sabotagem ' é não d izer nada, porque cientifi-
car-se do preço de com ponentes de um explosivo é um ato preparatório, tanto
quanto co m p rar um a fita adesiva. Q uando atos preparatórios de determ inado deíito
apresentam suficiente nocividade, o legislador do estado de direito dem ocrático
c o n s titu i n o v o s d e lito s ( g e ra lm e n te , de p e r ig o ), p e r fe ita e c la r a m e n te
d em a rca d o s” (N iio B atista, Para que serve essa boca tão grande? — observações
sobre o anteprojeto governam ental da lei de segurança do estado, in Tem as de
direito p e n a l, c it., p. 34 ss).
49 F ctro celli, A p p u n li su l p rin c ip io d i legalità nel diritto p enale, in Saggi 2 í série,
c it., p. 193. A u m a “ função p edagógica de m o tiv a ro com portam ento” se refere
T oledo (op. c it., p. 28).

79
mento da lei (que é estudado na teoria do crime, ao tratar-se do
erro). De qualquer modo, é correto extrair-se, do texto consti­
tucional brasileiro ( “ lei anterior que o defina” ), um direito
subjetivo público de conhecer o crime, correlacionando-o a
um dever do Congresso Nacional de legislar em matéria crimi­
nal sem contornos semânticos difusos. Com toda a procedên­
cia se observa, diante das graves medidas restritivas que se
abatem sobre o acusado num processo criminal, que a criação
de incriminações vagas e indeterminadas transcende a viola­
ção do princípio da legalidade para ofender diversos direitos
humanos fundamentais30.
Não é permitido, igualmente, tratando-se de penas graduá-
veis, que o legislador não estabeleça uma escala de mereci­
mento penal, com pólos mínimo e máximo, ou a estabeleça
com extensão tão ampla que instaure na prática a insegurança
jurídica, diante de soluções radicalmente diferentes para fatos
pelo menos tipicamente assimiláveis, favorecendo um peri­
goso arbítrio judicial. A individualização legal da pena, atra­
vés da criteriosa cominação — o que supõe uma distribuição
ponderada de penas (mantendo correspondência com a maior
ou menor gravidade dos crimes), limites (mínimo e máximo)
claramente fixados para cada crime, e um nítido sistema de
atenuação/agravação — , abre perspectivas para a fértil mo­
bilidade da individualização judicial, com a consideração da­
quela conduta humana na aplicaço da pena, e garante em tese
os limites e o sentido da individualização administrativa,
quando deveria ocorrer, na execução da pena, a mais próxima
e frutuosa consideração daquele homem. A individualização
da pena tem, no Brasil, o status de garantia individual expres­
samente contemplada (art. 5.°, inc. XLVI CR). A clareza na
cominação da pena, desse modo, expande os efeitos do princí­
pio da legalidade, impedindo sua violação no nível da aplica­

50 Z affaroni, Sistem as p e n a le s y derechos hum anos en A m érica L atina — inform e


fin a l, B. A ires, 1986, p. 16.

80
ção e da execução, sem negar — antes, reafirmando, pela
positividade jurídica — a idéia de individualização.
É possível distinguir, como fez Zaffaroni51, algumas mo­
dalidades mais freqüentes de violação do princípio da legali­
dade pela criação de incriminações vagas e indeterminadas, tal
como se segue.
a) Ocultação do núcleo do tipo. O verbo que exprime a
ação, nos crimes comissivos dolosos, pode ser chamado de
núcleo do tipo penal correspondente. Esse verbo pode estar
oculto por completo, como no art. 110 do decreto-lei n? 73, de
21.nov.66” , ou pode ocultar-se atrás de outro verbo que de­
note tão-somente um agir vago e indeterminado, como no
artigo 240 CP33. Quase sempre, tais vícios são devidos ao
equívoco observado por Soler: ter sido o tipo “ construído
sobre a conseqüência” 5J e não sobre a ação. Veja-se, por
exemplo, o artigo 149 CP55, inteiramente construído sobre o
resultado lesivo da liberdade individual que pretende tutelar.
b) Emprego de elementos do tipo sem precisão semântica.
O que será exatamente o estado de “ perigo moral” do artigo
245 CP, ou a “ casa mal-afamada” à qual não se deve permitir
o acesso do menor de 18 anos, que nela poderá conviver com
“ pessoa viciosa ou de má vida” , e talvez assistir a um
“ espetáculo capaz de pervertê-lo” (art. 247, inc. I e II CP)?

51 S iste m a s... — inform e f i n a l , c it., p. 17.


52 ' ‘C onstilui crim e contra a econom ia popular, punível dc acordo com a legislação
resp ectiv a, a ação ou o m issão, pessoal ou coletiva, de que decorra a insuficiência
das reservas e de sua cob ertu ra, vinculadas à garantia das obrigações das socieda­
des se g u ra d o ra s." E ssa norm a viola o princípio da legalidade tam bém quanto â
p e n a ,jã que a legislação de econom ia popular (lei n ‘.’ 1.521, de 2 6 .d e z .51) prevê
escalas penais diferentes para diferentes crim es, não se podendo precisar a qual
delas quis referir-se o redator do texlo acim a transcrilo (que consegue, em autên­
tico reco rd e, v iolar lam bem o princípio da culpabilidade).
53 “ C o m eter a d u lté rio ".
54 O p. c it., p. 285. E nsina B ustos que “ as norm as só podem proibir (ou ordenar ou
perm itir) ações e não re su lta d o s" (B ases críticas de um m tevo derecho penal,
B ogotá, 1982, p. 75).
55 “ R eduzir alguém a condição análoga à de e s c ra v o " .

81
Tais elementos normativos não dispõem de um sistema de
referência que permita um nível aceitável de ‘‘certeza típica’’,
o que já não ocorrerá com elementos normativos jurídicos que
remetam a conceitos anteriormente delineados56. Costuma ser
freqüente a imprecisão, mesmo em elementos descritivos, nas
legislações de caráter político: pense-se nos “ serviços públi­
cos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a eco­
nomia do país” , ou na incitação “ à subversão da ordem
política ou sociai” dos artigos 15,§ 1", al. b e 23, inc. I da lei
n? 7.170, de 14.dez.83.
c) Tipificações abertas e exemplificativas. Adverte com
propriedade Everardo da Cunha Luna que “ o maior perigo
atual para o princípio da legalidade, em virtude da forma com
que se apresenta, são os chamados tipos penais abertos ou
amplos” , que, se alcançaram nos crimes culposos um nível de
caracterização orgânica bastante seguro, têm, como lembra
Zaffaroni, “ limites muito perigosos nos crimes dolosos de
perigo” 57. Riscos existem também nos crimes comissivos por
omissão, a despeito da previsão legal das fontes do dever
jurídico de agir (art. 13, § 2% al. a, b e c CP). Formulações
típicas ou majorantes de pena que se valem da enunciação
descritiva de alguns elementos, seguida de uma cláusula de
caráter analógico, são igualmente perigosas; para o primeiro
caso, veja-se o artigo 147 CP; para o segundo, o artigo 226,
inc. II CP5B.

56 Z affaro n i, Sistem as ... — inform e fin a l, c it., p. 18. Fragoso adm ite que os
elem entos norm ativos “ enfraquecem a função de garantia da lei p e n a l” , em bora
não violem o princípio da legalidade {Lições, c it., p. 97).
57 Cunhu L una, C apítulos, c it., p. 33; Z affaroni, S iste m a s... — inform e fin a l, c it., p.
18.
58 A rt. 147: “ A m eaçar alguém , p a r palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro
m eio sim bólico de causar-lhe mal injusto e g ra v e .” A rt. 226: “ A pena é aum en­
tada de quarta parte: (...) II — se o agente é ascendente, pai adotivo, padrasto,
irm ão .tu to r ou curador, preceptor ou em pregador da vítim a ou p o r qualquer outro
título tem autoridade sobre e la . " D am ásio reuniu todos os casos que se apresentam
no código penal brasileiro (op. c it., p. 39).
Partindo de elementos da lingüística, particularmente de
Saussure, Rosa Cardoso questiona na linguagem jurídica a
pretensão de estabelecer sentidos originários e unívocos para
as expressões legais, com o que a proibição de incriminações
vagas e indeterminadas tomar-se-ia inviável, “ pela dependên­
cia que a significação jurídica possui de termos que integram
campos associativos ausentes em seu discurso” 59, O exame
dessa atraente contribuição deve situar-se no campo da inter­
pretação da lei, que integra a teoria da lei penal.

59 Op. cil., pp. 105, 86, 97 ss. C f. Kaufnum, op. cit,, p. 40

83
§10
O princípio da intervenção mínima

O princípio da intervenção mínima foi também produzido


por ocasião do grande movimento social de ascensão da bur­
guesia, reagindo contra o sistema penal do absolutismo, que
mantivera o espírito minuciosamente abrangente das legisla­
ções medievais. Montesquieu tomava um episódio da história
do direito romano para assentar que “ quando um povo é
virtuoso, bastam poucas penas” ; Beccaria advertia que
“ proibir uma enorme quantidade dc ações indiferentes não é
prevenir os crimes que delas possam resultar, mas criar outros
novos” '; e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
prescrevia que a lei não estabelecesse senão penas “ estrita e
evidentemente necessárias” (art. VIII).
Tobias Barreto percebera que “ a pena é um meio extremo,
como tal é também a guerra” 2. E, de fato, por constituir ela,
como diz Roxin. a “ intervenção mais radical na liberdade do
indivíduo que o ordenamento jurídico permite ao estado” 3,
entende-se que o estado não deva “ recorrer ao direito penal e
sua gravíssima sanção se existir a possibilidade de garantir
uma proteção suficiente com outros instrumentos jurídicos

1 M o nlesquieu, D o espírito d a s leis, trad. F .H . C ardoso e L .M . R odriguez, S.


P aulo, 1962, p. 109; B eccaria, op. c it., p, 307.
2 Op. c it., p. 56.
3 Iniciacióti, c it., p. 23.

84
não-penais” , como leciona Quintero Olivares4. O conheci­
mento de que a pena é, nas palavras deste último autor, uma
“ solução im perfeita” — conhecimento que, de Howard3até a
mais recente pesquisa empírica, a instituição penitenciária só
logrou fortalecer — firmou a concepção da pena como ultima
ratio: o “ direito penal só deve intervir nos casos de ataques
muito graves aos bens jurídicos mais importantes, e as pertur­
bações mais leves da ordem jurídica são objeto de outros
ramos do direito” 6. O princípio da intervenção mínima não
está expressamente7 inscrito no texto constitucional (de onde
perm itiria o controle judicial das iniciativas legislativas
penais) nem no código penal, integrando a política criminal;
não obstante, impõe-se ele ao legislador e ao intérprete da lei,
como um daqueles princípios imanentes a que se referia Cunha
Luna8, por sua compatibilidade e conexões lógicas com outros
princípios jurídico-penais, dotados de positividade, e com
pressupostos políticos do estado de direito democrático’.
Ao princípio da intervenção mínima se relacionam duas
características do direito penal: afragmentariedade e a sub si-
diariedade..Esta última, por seu turno, introduz o debate sobre
a autonomia do direito penal, sobre sua natureza constitutiva
ou sancionadora.

4 Introdttcción a l derecho pen a l, B arcelona, 19S1, p. 49.


5 John H ow ard (1726-1790), sensibilizado pela situação das prisões inglesas, em ­
preendeu um a viagem po r inúm eros países (H ulanda, B élgica, F rança, A lem anha,
Itália, Portugal, E spanha e R ússia), publicando, em 1776, um livro — The state o f
priso n s — que provocou, na Inglaterra, a aprovação de leis hum anizadoras
(cham adas H o w a rd 's a cls), e inspirando em inúm eros outros países m edidas
semelhantes; alguns autores o consideram o pai dn "penitenciarism o” ,
6 M unoz C onde, Im ro d a cció n , c it., p. 59.
7 Um a república que tenha com o fundam ento “ a dignidade da pessoa hum ana"
(art. 1?, inc, III CR) e com o objetivos a construção de “ uma sociedade livre, ju sta
e so lid ária” e a prom oção do " b e m de tn d o s” (art. 2?, incs. I e IV CR) deve
conter, pelo m enos, a inflação penal.
8 Op. cit., p. 30.
9 “ O p rincípio da intervenção m ínim a se converte, assim , num princípio políti-
co-crim inal lim itador do poder punitivo do e s ta d o " — M unoz C onde, ím roditc-
ción, c it., p . 71.

85
Quem registrou pela primeira yez o caráter fragmentário
do direito penal foi Binding, em seu Tratado de Direito Penal
Alemão Comum — Parte Especial (1896), e desde então esse
tema sempre se faz presente na introdução ao estudo da parte
especial do código penal (que costuma ser chamada de “ parte
geral da parte especial” ). Mas enquanto Binding se preocu­
pava com a superação do caráter fragmentário das leis penais,
das lacunas daí decorrentes e seus efeitos na proteção dos bens
jurídicos, implicando a questão da analogia10, modernamente
se reconhecem-as virtudes políticas da fragmentariedade, ca­
bendo a exata observação de Mir Puig, sobre a influência,
nessa mudança, da passagem de concepções penais absolutas,
como a de Binding, para concepções penais relativas11. De
fato, se o fim da pena é fazer justiça, toda e qualquer ofensa ao
bem jurídico deve ser castigada; se o fim da pena é evitar o
crime, cabe indagar da necessidade, da eficiência e da oportu­
nidade de cominá-la para tal ou qual ofensa. Constitui-se
assim o direito penal como um sistema descontínuo de ilicitu-
des, bastando folhear a parte especial do Código Penal para
percebê-lo. Supor que a legislação e a interpretação tenham
como objetivo preencher suas lacunas e garantir-lhe uma to­
talidade é, como frisa Navarrete, “ falso em seus fundamentos
e incorreto enquanto método interpretativo, seja do ângulo
político-criminal, seja do ângulo científico” 13. Como ensina
Bricola, a fragmentariedade se opõe a “ uma visão onicompre-
ensiva da tutela penal, e impõe uma seleção seja dos bens
ju ríd ico s ofendidos a p ro teg er-se, seja das form as de
ofensa” 13.
A subsidiariedade do direito penal, que pressupõe sua
frag m e n tarie d ad e14, deriya de sua consideração como

10 Lehrbuch des gem einen deulschen Strafrecht, B .T ., Leipzig, 1902, p. 20.


11 O p. c it., p. 127.
12 Op. c it., p. 99.
13 T ecniche di tu te la p e n a le e tecniche altem ntive di tutela, in D e A c e tis e ts l. (o rg .),
F u n zio n i e tim iti dei d irítto p e n a le , M ilão, 1984, p. 4 . C f. T oledo, op. c i t., p . 14.
14 N avarrete, op. c it., p. 103.

86
“ remédio sancionador extremo” 15, que deve portanto ser mi­
nistrado apenas quando qualquer outro se revele ineficiente;
sua intervenção se dá “ unicamente quando fracassam as de­
mais barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por
outros ramos do direito” 16, Como ensina Maurach, não se
justifica “ aplicar um recurso mais grave quando se obtém o
mesmo resultado através de um mais suave: seria tão absurdo e
reprovável criminalizar infrações contratuais civis quanto co-
minar ao homicídio tão-só o pagamento das despesas funerá­
rias” 17. Foi observado por Roxin que a utilização do direito
penal “ onde bastem outros procedimentos mais suaves para
preservar ou reinstaurar a ordem jurídica” não dispõe da
“ legitimação da necessidade social” e perturba “ a paz
jurídica” 18, produzindo efeitos que afinal contrariam os obje­
tivos do direito.
Entre nós, existe uma curiosa aplicação contra legem do
princípio da subsidiariedade no crime de desobediência (art.
330 CP), Embora a lei não faça qualquer ressalva, a doutrina
(Hungria, Fragoso, Noronha) e os tribunais (sucessivas e rei­
teradas decisões) entendem que, se concorrer uma sanção
administrativa ou civil para a desobediência, não cabe aplicar
a pena. Essa opinião dominante, ainda que jamais fundamen­
tada, deu ensejo a um emprego bem temperado da autoritária
disposição penal.
A subsidiariedade coloca a questão da autonomia do direi­
to penal, que se resolve em saber se é ele constitutivo ou
sancionador. Predomina no Brasil o entendimento de ser ele
constitutivo, afirmando Fragoso que, “ mesmo quando o direi­

15 R oxin, In icia ción, c it., p . 31.


16 M unoz C onde, Iníro à itcciô n , c it., p. 60.
17 O p. c it., p. 31.
18 Problem as básicos dei d erech o p e n a l, trad. L uzõn-P ena, M adri, 1976, p. 22,
Roxin exproba especialm ente a p rática, m uito usada no B rasil, de adotar-se em
qu alq u er lei um “ cinturão protetor ju ríd ico -p en al” , estabelecendo, após a disci­
plin a d a resp ectiva m atéria, que a violação " à s disposições anteriores” constituirá
tal crim e, ou sujeitará às penas do crim e tal.

87
to penal tutela bens e interesses jurídicos já tutelados pelo
direito privado, o faz de forma peculiar e autônoma” 19. Tam­
bém Aníbal Bruno, sob o fundamento de que “ mesmo quando
0 preceito penal se encontra expresso em outro ramo do
direito” não se pode daí extrair “ uma posterioridade temporal
ou lógica” , e acrescentando que tal preceito será submetido
pelo direito penal “ à sua própria elaboração” , tem-no por
constitutivo20. Noronha31 e Damásio22 consideram-no sancio­
nador.
Os principais argumentos da corrente constitutivista estão:
1 ?) no caráter original do tratamento penal; 2 “) na convivência
de conceitos jurídicos com distintos conteúdos; e 3?) na exis­
tência de matéria só versada pelo direito penal, O primeiro
argumento23 a nada conduz: ninguém questiona seja a pena
algo exclusivo do direito penal, e sim se ela opera sobre
preceitos primários também exclusivos. O segundo argumento
se baseia na existência de conceitos jurídicos com distintos
conteúdos no direito penal e em outros ramos: assim, o concei­
to amplo de bem imóvel do direito privado (ver especialmente
o art. 46 CC) e o conceito restritivo que se usa na teoria dos
crimes contra o patrimônio, ou o conceito jurídico-penal de
funcionário público (art. 327 CP) e o mesmo conceito no
direito administrativo. Não cremos que essas adaptações fun­
cionais, que incidem muita vez sobre conceitos chaves para
certos grupos de casos, demonstrem uma desvinculação: pelo
contrário, é através delas que se estabelecem linhas de relação
que nunca — e eis o que importa — fazem confrontar-se em
termos de contradição o direito penal e qualquer outro ramo.
O terceiro argumento se reporta quase sempre a hipóteses

19 L içõ es, c it., p. 10.


20 O p. c it., v. I, t. I, p . 184.
2! O p. c it., p. 5: “ é o direito penal sancionador” .
22 O p. c i t ., p. 6: “ é pois o direito penal um conjunto suplem entar e sancionador de
norm as ju ríd icas ” .
23 A firm a C am argo H em an d cz que " n sanção punitiva dá originalidade ao direito
p e n a l” (Introducciõn a l estúdio dei derecho p en a l, B arcelona, 1964, p. 21).

88
exóticas, como a crueldade contra animais24, ou, recorrentemente,
ao crime de omissão de socorro (art. 135 CP). As primeiras são
associáveis a um legislador que ignorou o princípio da interven­
ção mínima ao deferir apenas e principalmente ao direito penal a
tutela pretendida: é razóvel contar com que, progredindo-se na
transferência para o direito administrativo dos ilícitos de polícia e
— pensando agora também na oniissão de socorro — dentro de
um quadro legislativo que estabeleça deveres gerais de solidarie­
dade social e proteja eficientemente os bens públicos, o argumen­
to simplesmente desapareça.
Se a essas considerações se acrescenta o caráter unitário do
ilícito perante todo o ordenamento jurídico, que é hoje concepção
predominante11, a conclusão no sentido de ser o direito penal
sancionadorse impõe20. Consigna Luis Carlos Pérez que na Cons­
tituição estão as raízes do ordenamento jurídico como um todo e,
portanto, também do ilícito como unidade; integra aquele
ordenamento, como seu braço armado, o direito penal27. Mais do
que como resultado do exame objetivo das relações entre o direito
penal e a totalidade do ordenamento jurídico, o caráter sancionador
deve constituir uma recomendação político-criminul u qual esteja
permanentemente atento o legislador. Especial cuidado deve ter o le­
gislador da intervenção econômica do estado, evitando a tentação de
socorrer-se permanentemente do direito penal; essa tendência penalís-

Para o direito brasileiro, não cabe o exemplo da crueldade contra animais, prevista
no artigo 64 da Lei dc Contravenções Penais (LCP). porque o decreto nu 24,645,
dc 10. jul. 34, estabeleceu medidas de proteção aos animais. Foi esse o texto
invocado por Sohral Pinto, num dos mais gloriosos momentos da advocacia
brasileira, em lavor do líder comunista Harry Bcrger, preso c torturado durante
o Estado Novo. Evislcm normas penais na legislação que protege a fauna (lei nu
5.1 91, de 3. jan. 67), disciplina a pesca (dccreto-lci n“ 221, dc 28.rev.67) e regu­
lamenta a vivissecção dc animais (lei n116.638, de 8. mai. 79}.
Maurach, op. cit., p. 34 ss; ZalTaroni, Manual, cit., p. 57.
Jl' Reformulamos aqui, completamente, opinião anterior {O bservações sobre a
nonnet pen al e stta interpretação, cit.).
11 D erecho penal, Bogotá, 1987, 1.1, p. 53.

89
tica ‘'inflacionária” , como a denominou Bricola, pode questio­
nar o princípio da intervenção mínima21*.
As relações que o direito penal mantém com outros ramos
do direito são na verdade relações das normas jurídico-penaiscom
outras normas, da perspectiva de sua validade (por exemplo, o
inc. XLV do artigo 51CR em confronto com tipificações que pro­
põem uma responsabilidade penal coletiva, como por exemplo o §
2Üdo artigo 73 da lei 4.728, de 14. jul. 65)-J ou da perspectiva de
sua interpretação (por exemplo, o conceito privatistico de posse
indireta — art. 486 CC — e o tipo da apropriação indébita — art.
168 CP — ou do peculato — art. 312 CP). Devem por isso, em
nossa opinião, ser estudadas na teoria da lei penal. Conviria ape­
nas remarcar que, além de suas funções de fundamento e contro­
le, o texto constitucional seleciona situações a serem necessaria­
mente tratadas pelo legislador penal, naqueles casos de bens es­
senciais à vida, à saúde e ao bem-estar do povo: chama-se a isso
“imposição constitucional de tutela penal” . Entre nós, a Consti­
tuição de 1946 empregara em vão o termo "repressão” para o
abuso do poder econômico: jamais o legislador ordinário atendeu
à “imposição constitucional da tutela penal” -11’. O caráter classista
da legislação penal se manifesta também na omissão ou pachorra
da elaboração legislativa de crimes que podem ser praticados pe­
los membros da classe dominante.

a T ea ú cH e d i nivela p e n a le , cit., p. 3; cf. Baratta, Integración — prevención: una


“niif-va" lundamenladòn de Ia pena dentro de Ia leoría sistcmica, in D o c tr ín a p e n a l,
13. Rircs, 1985, n" 29, p. li.
MAlt, 5“, inc. XLV CR: “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Att.
73, § 2U, lei 4.728, de 14. jul. 65: “A violação de qualquer dos dispositivos
constituirá crime de açào pública, punido com pena de I a 3 anos de detenção,
re c a in d o a re sp o n s a b ilid a d e , q u a n d o s e tr a ta r d e p e s s o a ju r íd ic a , em to d o s o s
se tis d ire to r e s ."
Nilo Batista, Repressão ao abuso do poder econômico'?, in T em a s d e d ire ito
p e n a l, cit., p. 243 ss. Para os “obbliglii cosliluzionali di tutela penale”, cf. Bricola,
T ecn ich e d i tu ie la p e n a le , cit., p. 9.

90
§11
O princípio da lesividade

Este princípio transporta para o. terreno penal a questão


geral da exterioridade e alteridade (ou bilateralidade) do
direito: ao contrário da moral — e sem embargo da relevância
jurídica que possam ter atitudes interiores, associadas, como
motivo ou fim de agir, a um sucesso externo — , o direito
“ coloca face-a-face, pelo menos, dois sujeitos” 1. No direito
penal, à conduta do sujeito autor do crime deve relacionar-se,
como signo do outro sujeito, o bem jurídico (que era objeto da
proteção penal e foi ofendido pelo crime — por isso chamado
de objeto jurídico do crime). Como ensina Roxin, “ só pode
ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de
outras pessoas e que não é simplesmente um comportamento
pecaminoso ou imoral; (...) o direito penal só pode assegurar a
ordem pacífica externa da sociedade, e além desse limite nem
está legitimado nem é adequado para a educação moral dos
cidadãos’” . À conduta puramente interna, ou puramente indi­
vidual — seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente
— falta a lesividade que pode legitimar a intervenção penal.
No campo dos crimes políticos, qualquer lei inspirada na
doutrina de segurança nacional contém dispositivos viola­
dores do princípio da lesividade, porque perante aquela doutri­

J Del V ecch io , op. c it., p. 371; R udbruch, F ilosofia d o d ireito , c it., v. I, p. 115;
M achado N etto, op. c it., p. 91.
2 Iniciación, cit., p. 25 e 28.

91
na a dissidência política toma as cores de “ inimigo interno” e
provoca “ um processo de criminalização” 3.
Podemos admitir quatro principais funções do princípio da
lesividade.
Primeira: proibir a incriminação de uma atitude interna.
As idéias e convicções, os desejos, aspirações e sentimentos
dos homens não podem constituir- o fundamento de um tipo
penal, nem mesmo quando se orientem para a prática de um
crime: o projeto m ental do com etim ento de um crime
(cogitação) não é punível (cogitationispoenam nemo patitur).
Isso não significa absolutamente que o direito penal se desin­
teresse da atitude interna do homem, como já se verá ao
tratarmos do princípio da culpabilidade. Antes da perspectiva
da culpabilidade, encontraremos esse interesse no dolo (isto é,
na consciência e vontade do autor acerca da conduta objetiva
proibida), bem como em intenções, motivos e certos estados
especiais de ânimo. Em qualquer hipótese, todavia, é impres­
cindível que a atitude interna esteja nitidamente associada a
uma conduta externa.
Segunda: proibir a incriminação de uma conduta que não
exceda o âmbito do próprio autor. Os atos preparatórios para o
cometimento de um crime cuja execução, entretanto, não é
iniciada (art. 14, inc. II CP) não são punidos. Da mesma
forma, o simples conluio entre duas ou mais pessoas para a
prática de um crime não será punido, se sua execução não for
iniciada (art, 31 CP). Temos aí aplicações legislativas dessa
função do princípio da lesividade, que também comparece
como fundamento parcial da impunibilidade do chamado cri­
me impossível (art. 17 CP). O mesmo fundamento veda a
punibilidade da autolesão, ou seja, a conduta externa que,
„ embora vulnerando formalmente um bem jurídico, não ultra­
passa o âmbito do próprio autor; como por exemplo o suicídio,
a automutilação e o uso de drogas. No Brasil, o artigo 16 da lei

3 G arcia M endcz, E ., A u to rita rism o y control so c ia l, B . A ires, 1987, p. 106.

92
n? 6.368, de 21.out.76, incrimina o uso de drogas, em franca
oposição ao princípio da lesividade e às mais atuais recomen­
dações político-criminais4.
Terceira: proibir a incriminação de simples estados ou
condições existenciais. Como diz Zaffaroni, “ um direito que
reconheça e ao mesmo tempo respeite a autonomia moral da
pessoa jamais pode apenar o ser, senão o fazer dessa pessoa,
já que o próprio direito é uma ordem reguladora de conduta” 5.
O direito penal só pode ser um direito penal da ação, e não um
direito penal do autor, como eventualmente se pretendeu. “ O
homem responde pelo que faz e não pelo que é ” , frisa Cunha
Luna6, Com exatidão lembra Mayrink da Costa que “ o direito
penal do autor é incompatível com as exigências de certeza e
segurança jurídicas próprias do estado de direito” 7. Isso não
significa que o sujeito determinado não interesse de nenhuma
forma. Ao contrário, o homem e sua existência social concreta
devem estar no centro da experiência jurídico-penal, parti­
cularmente nas áreas da culpabilidade e da aplicação e execu­
ção da pena. O que é vedado pelo princípio da lesividade é a
imposição de pena (isto é, a constituição de um crime) a um
simples estado ou condição desse homem, refutando-se, pois,
as propostas de um direito penal de autor e suas derivações
mais ou menos dissimuladas (tipos penais de autor, culpabili­
dade pela conduta ao longo da vida, etc). Levada às últimas
conseqüências, essa função do princípio da lesividade implica
excluir do campo do direito penal as medidas de segurança,

4 Sobre este últim o aspeclo, ainda polêm ico entre nós, cf. H obbing, P eter, Straf-
w iirdigkeií derS elb siverleízu n g : D er D ragenkonsum in deutschen und brasilianis-
c/ten R eclu, F rankfurt am M ain, 1982; Nilo B atista, O prazer e aleipenal, in
Tem as, c it., p. 304 5 S . C f. ainda G arcía-P ablos, A ntônio, Bases para una política
crim inal de la droga, in La problem ática de la droga en E spana, M adri, 19B6, p.
377 ss.
5 M anu a l, c it., p. 73.
6 O p. c it., p. 34.
7 O p. c it., p. 158.

93
uma vez que, como acentua Zaffaroni, um direito penal funda­
mentado na perigosidade é um direito penal de autor.
Quarta:proibir a incriminação de condutas desviadas que
não afetem qualquer bem jurídico. A expressão desviada foi
aqui empregada na acepção de Clinard, como conduta orien­
tada em direção, fortemente desaprovada pela coletividade.
Estamos aqui falando do “ direito à diferença” 8, de práticas e
hábitos de grupos minoritários que não podem ser criminaliza­
dos. Como diz Zaffaroni, “ não se pode castigar ninguém
porque use barba ou deixe de usá-la, porque corte ou não o
cabelo, pois com isso não se ofende qualquer bem jurídico, e o
direito não pode pretender legitimamente formar cidadãos
com ou sem barba, cabeludos ou tonsurados, mais ou menos
vestidos, mas tão-só cidadãos que não ofendam bens jurídicos
alheios’ ’5. Estamos falando também de condutas que só podem
ser objeto de apreciação moral (como práticas sexuais, quais­
quer que sejam, entre adultos consencientes, ou como a sim­
ples mentira).
Certamente percebeu-se, das linhas anteriores, a impor­
tância do conceito de bem jurídico. O espaço teórico para o
conceito de bem jurídico surgiu quando, na primeira metade
do século XIX, contestou-se a concepção clássica corrente do
crime como ofensa de um direito subjetivo, em favor de uma
concepção do crime como ofensa a bens (Bimbaum). A partir
daí, inúmeras teorias foram elaboradas para a compreensão do
bem jurídico ofendido pelo crim e10: ora se retornava aos direi­
tos subjetivos, ora se propunha um direito público subjetivo do
estado, aqui o próprio direito objetivo, ali uma obrigação

8 L yra F ilho, op. c it., p. 11.


9 M anual, c it., p. 53. S obre o tratam ento ju ríd ico a m inorias ( “ grupos excluídos ou
grupos dom inados” ) no B rasil, cf. N ilo B atista, M inorias e dem ocratização,
R ecife, 1984.
10 L arga exposição dessas teorias em R a cco , L 'o g g e tto d ei reato, R om a, Í9 3 2 ,p . 27
— 220. E ntre nó s. F ragoso, O bjeto do crim e, in D ireito p e n a l e d ireito s hum anos,
c it., pp. 33 ss.

94
jurídica, logo os interesses, adiante os valores. Para uns, o
bem jurídico é criado pelo direito, através de seleção exercida
pelo legislador (Binding); para outros, o bem jurídico é um
“ interesse da vida” , que o legislador toma de uma realidade
social que Iho impõe (von Liszt). Houve quem deslocasse o
bem jurídico estritamente para a tarefa de critério de interpre­
tação teleológica da norma, no movimento que ficou conhe­
cido como “ direção metodológica” (Honig), O direito penal
nazista procurou fundamentar o crime na violação do dever de
obediência ao estado (o chamado “ direito penal da vontade” )
e, para isso, desfez-se, em sua fase inicial, do conceito de bem
jurídico (Schaffstein). Posteriormente, retoma-se a perspec­
tiva lisztiana do “ interesse da vida” , seja através de um
conceito idealista de “ situação social desejável” (Welzel),
seja vendo no bem jurídico uma “ fórmula normativa sistemá­
tica concreta de uma relação social dinâmica determinada”
(Bustos). Recentemente, intenta-se “ positivizar” os bens
jurídicos, deduzindo-os do texto constitucional (Angioni).
As dificuldades das quais o itinerário acima esboçado
presta testemunho estão ligadas à diversidade categorial dos
bens jurídicos, que podem ser uma pessoa, uma conduta, uma
coisa, um atributo jurídico ou social da pessoa, da conduta ou
da coisa, uma relação vital, uma relação jurídica, um estado de
fato, um valor, um sentimento, etc". Isso enseja diversas
classificações dos bens jurídicos (físicos e morais, individuais
e coletivos, etc).
O bem ju ríd ic o p õ e-se com o sin al da lesiv id ad e
(exterioridade e alteridade) do crime que o nega, “ revelando”
e demarcando a ofensa. Essa materialização da ofensa, de um
lado, contribui para a limitação legal da intervenção penal, e
de outro a legitima. Por isso mesmo, como parece ter perce­
bido von Liszt, o bem jurídico se situa na fronteira entre a
política criminal e o direito penal. Não há um catálogo de bens

11 W elzel, op. c it., p. 15; F ragoso, op. c it., p. 39; R occo, op. c il., p. 261.

95
jurídicos imutáveis à espera do legislador, mas há relações
sociais complexas que o legislador se interessa em preservar e
reproduzir. São múltiplos e irredutíveis os aspectos dessas
relações sociais, aos quais pode o legislador outorgar proteção
penal, convertendo-os em bens jurídicos. O bem jurídico,
portanto, resulta da criação política do crime (mediante a
imposição de pena a determinada conduta), e sua substância
guarda a mais estrita dependência daquilo que o tipo ou tipos
penais criados possam informar sobre os objetivos do legisla­
dor. Em qualquer caso, o bem jurídico não pode formalmente
opor-se à disciplina que o texto constitucional, explícita ou
implicitamente, defere ao aspecto da relação social questio­
nada, funcionando a Constituição particularmente como um
controle negativo (um aspecto valorado negativamente pela
C o n stitu ição não pode ser erig id o bem ju ríd ico pelo
legislador). Numa sociedade de classes, os bens jurídicos hão
de expressar, de modo mais ou menos explícito, porém inevi­
tavelmente, os interesses da classe dominante, e o sentido
geral de sua seleção será o de garantir a reprodução das rela­
ções de dominação vigentes, muito especialmente das relações
econômicas estruturais.
O bem jurídico cumpre, no direito penal, cinco funções: 1i1
axiológica (indicadora das valorações que presidiram a sèle-
ção do legislador); 2“ sistemático-classificatória (como im­
portante princípio fundamentador da construção de um sis­
tema para a ciência do direito penal e como o mais prestigiado
critério para o agrupamento de crimes, adotado por nosso
código penal); 3? exegética (ainda que não circunscrito a ela, é
inegável que o bem jurídico, como disse Aníbal Bruno, é “ o
elemento central do preceito’ ’, constituindo-se em importante
instrumento metodológico na interpretação das normas jurídi-
co-penais); 4? dogmática (em inúmeros momentos, o bem
jurídico se oferece como uma cunha epistemológica para a
teoria do crime: pense-se nos conceitos de resultado, tenta­
tiva, dano/perigo, etc); 5? crítica (a indicação dos bens jurídi­
cos permite, para além das generalizações legais, verificar as

96
concretas opções e finalidades do legislador, criando, nas
palavras de Bustos, oportunidade para “ a participação crítica
dos cidadãos em sua fixação e revisão” )12.

12 A níbal B ru n a, op. c it., v. 1 , 1.1, p. 16; B u s to s,Introducción, c it., p . 31; A ngioni,


F rancesco, C ontenulo e fitn zio n i dei conceito d i bene giuridico, M ilão, 1983, pp.
6, 11, 14, 195; G reguri, G iorgio, Saggio sull' oggettn giuridico d ei reato, Pndua,
1978, p. 41; N avarrete, M . P olaino, E l bien ju ríd ic a en el derecho p en a l, Scvilha,
1974, pp. 27 0 , 2B6 as.

97
§12

O princípio da humanidade

Quem vê, em Mommsen, as execuções da pena de morte


no direito romano, tão impregnadas de ritos e conteúdos sim­
bólicos e religiosos, tão cruelmente indiferentes ao sofrimento
e ao desespero humano, e vê a descrição da execução de
Damiens, em 1757, com a qual Foucault abre seu importante
livro sobre o nascimento da prisão1, talvez se espante com a
semelhança de ‘ ‘estilo penal’ ’ ao longo de tantos séculos. E se
procurar certificar-se, no direito penal germânico ou em outras
legislações medievais, terá a confirmação dessa similitude
espantosa. Entre nós, um breve exame no livro V das Ordena­
ções Filipinas, que regeram no Brasil até 1830, quando pro­
mulgado o código im perial, revelará a indiscriminada comina­
ção da pena de morte, a objetificação do condenado e a discri­
minação jurídica da pena cabível segundo a classe social do
autor ou da vítima. Para os trabalhadores escravos, esses
princípios permaneceram com plena eficácia mesmo após
1830, através das penas de morte e açoites, largamente empre­
gadas, ou dos cruéis castigos do “ direito penal privado”
vigente nos engenhos, na cafeicultura ou nas charqueadas.
O princípio da humanidade, que postula da pena uma
racionalidade e uma proporcionalidade que anteriormente
não se viam, está vinculado ao mesmo processo histórico de

1 M om m sen, op. c it,, t. 3?, p . 252 ss; F oucault, Su rveiller el p u n ir, 1975, ed.
G ailim urd.

98
que se originaram os princípios da legalidade, da intervenção
mínima e até mesmo — sob o prisma da ‘ ‘danosidade social”
— o princípio da lesividade. Montesquieu se referia à “ justa
proporção das penas com os crimes’” , e Beccaria dizia que
atribuir a pena de morte para quem mata um faisão ou falsifica
um documento conduz a uma destruição de sentimentos
morais5. Marat observava que s’il est de Véqidté que lespeines
soient toujours proportionnées aux délits, il est de Vhumanité
qu’elles ne soient jam ais a tro c e s"\ Quando, em 1793, a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, foi
retomada e proclamada pela Convenção Nacional, o artigo XV
mencionava que ‘‘as penas devem ser proporcionais ao delito e
úteis à sociedade” . A Emenda VIII à Constituição Americana,
ratificada, como todas as dez primeiras, em 1791, proibia a
inflição de penas cruéis e incomuns. E este hoje um princípio
largamente aceito, que consta da Declaração Universal dos
Direitos do Homem3 e da Convenção Americana sobre Direi­
tos Humanos6.
A pena nem “ visa fazer sofrer o condenado ’’, como obser­
vou Fragoso, nem pode desconhecer o réu enquanto pessoa
humana, como assinala Zaffaroni7, e esse é o fundamento do
princípio da humanidade. N ãoporacáso, os documentos inter­
nacionais consideram desumanas as penas como aquela execu­
tada em Damiens. O princípio pertence à política criminal8,
porém é proclamado por vários ordenamentos jurídicos positi­
vos, Entre nós, está o princípio da humanidade reconhecido

2 Op. c it., p. 115.


3 Op. c it., p. 226.
4 O p. c it., p. 70.
5 A rtig o V: "N in g u ém será subm etido a tortura, nem a tratam ento ou castigo cruel,
desum ano ou degradante” .
6 A rtigo 5 , inciso 2: “ N inguém deve ser subm etido a torturas, nem a penas ou
tratam entos cru éis, desum anos ou degradantes. T oda pessoa privada da liberdade
deve se r tratada com respeita devido à dignidade inerente ao ser h u m an o .”
7 L içõ es, c it., p. 291; M anual, c it., p. 139.
S Jesch eck , op. c it., p. 35.

99
explicitamente pela Constituição, nos incisos III (proibição de
to rtu ra e de tratam e n to cru el ou d e g ra d a n te ), XLVI
(individualização — ou seja, “ proporcionalização” — da
pena) e XLVII (proibição de penas de morte, cruéis ou
peipétuas) do artigo 5" CR. Como lembra Munoz Conde, a idéia
de “ proporcionalidade integra a idéia de justiça, imanente ao
direito” ; a hipertrofia do direito penal caracteriza o “ estado
totalitário que procura afiançar-se através de brutais ameaças
penais” ’. Disso tivemos no Brasil expressivos exemplos
durante a ditadura militar.
O princípio da humanidade intervém na cominação, na
aplicação e na execução da pena, e neste último terreno tem
hoje, face à posição dominante da pena privativa da liberdade,
um campo de intervenção especialmente importante10.
A racionalidade da pena implica tenha ela um sentido
compatível com o humano e suas cambiantes aspirações. A
pena não pode, pois, exaurir-se num rito de expiação e opró-
brio, não pode ser uma coerção puramente negativa". Isso não
significa, de modo algum, questionar o caráter retributivo,
timbre real e inegável da pena. Contudo, a pena que se detém
na simples retributividade, e portanto converte seu modo em
seu fim , em nada se distingue da vingança. A pena de morte,
estritamente retributiva e negativa (além de ineficaz, do ponto
de vista da prevenção geral), violenta essa racionalidade. São
também inaceitáveis, porque desconsideram a auto-regulação
como atributo da pessoa humana, penas que pretendam inter­
ferir fisicamente numa “ metamorfose” do réu: castração ou
esterilização, lobotomia, etc. Um sistema igualitário na distri­
buição da pena (o que significa que, sob os mesmos pressupos­

9 [ntroducción, c it., p . 77 e 78.


10 Jesch eck , op. c it., p. 35.
11 Em seu últim o trabalho, Z affaroni caracteriza a pena com o “ sofrim ento órfão de
racio n alid ade’ ’ e busca con ceitu á-la, de form a re sid u a l, p recisam ente peia falta de
adequação racional aos dem ais m odelos de solução de conflitos (cf. E n b u sc a ...,
c it., p. 210).

100
tos, duas pessoas deveriam receber penas semelhantes, cor-
rendo as diferenças tão-só à conta da individualização), ne­
gado pelo direito há duzentos anos, e negado — apesar do
direito — pelo sistema penal ainda hoje, é outro imperativo da
racionalidade. Seria perfeitamente possível derivar a propor­
cionalidade da racionalidade, mas convém destacá-la por sua
importância no surgimento histórico do princípio da humani­
dade e por sua importância prática. Zaffaroni lembra que as
penas d esp ro p o rcio n ais produzem m ais alarm a social
(afetando o que ele considera o aspecto subjetivo da segurança
jurídica) do que o próprio crime e formula a hipótese do que se
passaria nesse terreno se uma lei impusesse a pena de mutila­
ção aos punguistas12. Da proporcionalidade pode extrair-se,
igualmente, a proibição de penas perpétuas. Como registrou
com exatidão Cattaneo, a prisão perpétua, com “ seu caráter de
definitividade, ou seja, de eliminação da esperança, contraria
o senso da humanidade” Nossa Constituição, como já visto,
proíbe a imposição de penas de caráter perpétuo (art. 5“, inc
XLVII, al. h CR).

12 M a nual, c it., p . 50.


13 F o n d a m en tifilo so jici delia sanzione p en a le, no volum e P roblem i delia sanzione
— socielã e d irillo in M a r x , R om a, 1978, 1, p. 98.

101
t

§ 13
O princípio da culpabilidade

Numa antiga legislação da Babilônia, editada pelo rei


Hammurabi (1728-1686 a.C .), encontramos que, se um pe­
dreiro construísse uma casa sem fortificá-la e a mesma, desa­
bando, matasse o morador, o pedreiro seria morto; mas se
também morresse o filho do morador, também o filho do
pedreiro seria morto. Imaginemos um julgamento “ modernizado”
desse pedreiro: de nada lhe adiantaria ter observado as regras usuais
nas consf ruções de uma casa, ou pretender associar o desabamento a
um fenômeno sísmico natural (uma acomodação do terreno, por
exemplo) fortuito e imprevisível. A casa desabou e matou o
morador: segue-se sua responsabilidade penal. Não deixemos de
imaginar, igualmente, o julgamento do filho do pedreiro. A casa
construída por seu pai desabou e matou o morador e seu filho:
segue-se sua responsabilidade penal. A responsabilidade penal,
pois, estava associada tão-só a um fato objetivo e não se concentrava
sequer em quem houvesse determinado tal fato objetivo. Era, pois,
uma responsabilidade objetiva e difusa.
Quando lemos hoje, na Convenção Americana sobre Direi­
tos Humanos (artigo 5, 1, 3) ou em nossa Constituição (artigo
5?, inciso XLV), proibições de que a pena ultrapasse a pessoa
do delinqüente, ou quando encontramos no Código Penal
regras que não só, relacionando-se àquelas proibições, cir­
cunscrevem a imputação objetiva de resultados (como o art. 13
CP), mas também exigem a intervenção seja de uma vontade

102
consciente, seja de uma relevante negligência (como os arti­
gos 18 è 19 CP), devemos compreender que um longo proces­
so, certamente inconcluso, transformou radicalmente as bases
da responsabilidade penal. O ponto mais importante desse
processo é a produção histórica do princípio da culpabilidade.
O princípio da culpabilidade deve ser entendido, em pri­
meiro lugar, como repúdio a qualquer espécie de responsabili­
dade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva. Mas deve
igualmente ser entendido como exigência de que a pena não
seja infligida senão quando a conduta do sujeito, mesmo asso­
ciada causalmente a um resultado, lhe seja reprovável. Vol­
tando ao exemplo do pedreiro, isso representaria que o desaba­
mento só funcionaria como um limite exterior preliminar e que
seria indispensável verificar se o pedreiro reprovável mente
quis a morte do morador e seu filho, predispondo nesse sentido
sua construção; ou quis o desabamento — também predis­
pondo nesse sentido a sua construção — ainda que não quises­
se diretamente a morte provável do morador e seu filho, ou
construiu a casa com imperícia inescusável. Para além de
simples laços subjetivos entre o autor e o resultado objetivo de
sua conduta, assinala-se a reprovabilidade da conduta como
núcleo da idéia de culpabilidade, que passa a funcionar como
fundamento e limite da pena. As relações entre culpabilidade e
pena constituem matéria polêmica, que integra a teoria do
crime, onde a estrutura e as funções dogmáticas da culpabili­
dade, seja na economia do crime, seja na fundamentação da
pena, são minuciosamente examinadas1.

1 U m a q uestão, entreianto, m erece se r referida desde togo, po r vincular-se â política


crim in al. Q ue toda pana corresp o n d a a um a prévia culpabilidade, não há dúvida;
q ue, reco n h ecida a culpabilidade, d eva inexoravelm ente seguir-se a pena, é hoje
questionado. F ala-se, a respeito, em concepções bilateral e unilateral dc culpabili­
dade. R oxin, que se inclina pela concepção u n ilateral, acredita que o cam inho
consistiria em rem eter a culpabilidade (responsabilidade) a um conceito superior
de " re s p o n s a b ilid a d e " , que seria integrado pelos "p ressu p o sto s preventivos de
necessidade da pena” (C ulpabilidad y prevenciôn en derecho penal, Irad. Munoz
C onde, M adri, 1981, p . 193). C om reservas acerca de um a p ena inferior à m edida

103
Em primeiro lugar, pois, o princípio da culpabilidade impõe a
subjetividade d/i responsabilidade penal. Não cabe, em direito pe­
nal, uma responsabilidade objetiva, derivada tão-só de uma associa­
ção causai entre a conduta e um resultado de lesão ou perigo para um
bem jurídico. É indispensável a culpabilidade. No nível do processo
penal, a exigência de provas quanto a esse aspecto conduz ao
aforisma “ a culpabilidade não se presume” , que, no terreno dos
crimes culposos (negligentes), nos quais os riscos de uma considera­
ção puramente causai entre a conduta e o resultado são maiores,
figura como constante estribilho em decisões judiciais: “ a culpa não
se presume” . A responsabilidade penal é sempre subjetiva.
Em segundo lugar, temos a personalidade da responsabilidade
penal, da qual derivam duas conseqüências: a intranscendên-
cia e a individualização da pena. A intranscendência impede que a
pena ultrapasse a pessoa do autor do crime (ou, mais analiticamente,
dos autores e partícipes do crime). A responsabilidade penal é
sempre pessoal. Não há, no direito penal, responsabilidade coletiva,
subsidiária, solidária ou sucessiva2. Nada pode, hoje, evocar a
infâmia do réu que se transmitia a seus sucessores. A intranscendên­
cia da pena coloca a questão da família do condenado pobre (art. 5°,
inc. XLV CR), e fundamenta a existência, no sistema de seguridade
social, de um “ auxílio-reclusão” . Por individualização se entende
aqui especialmente a individualização judicial, ou seja, a exigência

d a culpabilidade, em bora adm itindo q u e o caráter bilateral im positivo da relação


tem o sab or de indem onstrável profissão de fé, Jescheck, op. c it., p . 32.
2 O art. 73, § 2? da lei 4 .7 2 8 , de 1 4 .ju l.6 5 , transcrito na nota 29 do § 12, é um bom
exem plo de norm a penal que viola o princípio da culpabilidade e é inconstitucio­
nal. A responsabilidade " s u c e s s iv a " da lei de im prensa (art. 37 s s d a lei 5.2 5 0 , de
9 .fe v .6 7 ), tradicional em nosso direito, foi historicam ente criada em favor da
liberdade de im prensa, subtraindo-lhe a m atéria da disciplina extensiva do concur­
so de agentes do d ireito penal com um . A o invés de responderem todos os
“ cau san tes” , ainda que “ cu lp áv eis” — autor, instigador, tip ó g rafo , dono da
tip o g rafia, ed ito r, d ireto r do jo rn a l, transportador, vendedor, etc. — só um deles
responderia (em prin cip io , o au to r), e , em sua d efecção, só o utro, e assim , dentro
das regras legais, sucessivam ente. M as é claro que o princípio da culpabilidade
não prescinde de que o "re sp o n s á v e l” pela ordem de sucessão legal seja tam bém
su bjetivam ente responsável.

104
de que a pena aplicada considere aquela pessoa concreta à qual se
destina. Neste campo, o tema mais atual é a chamada co-culpabili-
dade. Trata-se de considerar, no juízo de reprovabilidade que é a
essência da culpabilidade, a concreta experiência social dos réus, as
oportunidades que se lhes depararam e a assistência que lhes foi
ministrada, correlacionando sua própria responsabilidade a uma
responsabilidade geral do estado que vai impor-lhes a pena; em certa
medida, a co-culpabilidade faz sentar no banco dos réus, ao lado dos
mesmos réus, a sociedade que os produziu, como queria Emst
Bloch3. Como diz Zaffaroni, “ reprovar com a mesma intensidade a
pessoas que ocupam situações de privilégio e a outras que se acham
em situação de extrema penúria é uma clara violação ao princípio da
igualdade corretamente entendido” 4. “ O direito realmente igual”
— anota Cirino5— “ é o que considera desigualmente indivíduos
concretamente desiguais’’. O artigo 5?, inciso 1 do código penal da
República Democrática da Alemanha, de 1968, abre as portas a essa
orientação: “ uma ação é cometida de forma reprovável quando seu
autor, não obstante as possibilidades de uma conduta socialmente
adaptada que lhe tenham sido oferecidas, realiza, por atos irrespon­
sáveis, os elementos legalmente constitutivos de um delito ou de um
crime” .

3 O p. c it., p . 261.
4 S istem a s p en a les ... — inform e fin a l, c it., p. 58; c f. tam bém P olítica crim inal
la tinoam ericana, cit-, p. 161 ss.
5 D ireito p en a l, c it., p . 219.

105
§14
Um direito penal subjetivo?

Os autores brasileiros, de modo geral, admitem a existên­


cia de um direito penal subjetivo1, caracterizando-o como “ a
facultas agendi do estado de criar as infrações penais e as
respectivas sanções, de natureza criminal, e de aplicar essas
mesmas sanções, na forma do preceituado em lei, executan­
do-as” 2. Percebe-se que o ju s paniendi é portanto tomado em
consideração no momento legislativo (supondo-se, assim,
uma anterioridade sobre o ju s poenale — o direito penal
objetivo) e também no momento judicial, após a violação da
lei penal. Examinar separadamente esses momentos pode ser
esclarecedor para responder à pergunta: existirá um direito
penal subjetivo?3
A construção de um direito penal subjetivo antes do mo­
mento legislativo, configurando um “ direito de punir” meta-

1 A ssim , B asileu G arcia, op. c it., p . 8; M irabete, op. c it., p. lõ ; M agalhães


N oronha, op. c it., p . 7; D am ásio, a p . c it., p. 7; M ayrink, op. c it., p. 6; M estieri,
op. c it., p. 3; F ragoso, L içõ es, c it., p. 276. C ontestou sua existência A níbal
B runo, op. c it., v . I , t. I, p. 19 ss.
2 M estieri, op. c it,, p . 3, T am bém M ayrink se refere u faculdade de “ estabelecer e
ex ecu tar as penas e as m edidas de se g u ran ç a" (op. c it., p. 6).
3 G rispigni prom oveu m in u cio sa dissecção do fenôm eno em cinco m om entos: antes
da p o siti vnção das norm as penais; após a positi vação das norm as penais e antes que
o crim e seja com etido; p o ste rio r ao com etim ento do crim e; verificação jurisdicio-
nal-penal; e execução d a pena (D iritto p e n a le italiano, M ilão, 1950, v. I , p . 277).
E m n o ssa opinião, com o verem os, para além do com etim ento do crim e o fenô­
m eno está “ p ro c e ss u a liz a d o " , e & teoria do processo toca equacioná-lo.

106
jurídico, só é pensável por duas vias: a do contrato social4 e a
do direito naturais. Como a teoria do contrato social é hoje uma
vinheta historiográfica, e como, valha-nos a lição de Novoa,
se o jus puniendi poderia fundamentar-se nos “ princípios e
c a ra c te rístic a s atrib u íd o s trad icio n alm en te ao d ireito
natural” , não logra fazê-lo nos ‘‘princípios do estado seculari-
zado que hoje se admite” 6, mesmo os autores que perfilham o
direito penal subjetivo passaram a negá-lo antes do momento
legislativo. Assim, Bettiol dizia ser “ tecnicamente impróprio
falar de um direito de punir que caiba ao estado nas vestes de
legislador” 7, e Fragoso anotava que “ anteriormente ao surgi­
mento da norma penal, não há falar em direito subjetivo do
estado. Somente seria possível falar aqui de direitos recorren­
do-se ao direito natural” 8.
A consideração do ju s puniendi em seu momento judicial,
isto é, após a violação da lei penal, implica deduzir o direito
penal subjetivo do direito penal objetivo, comoRocco: “ não é
o direito subjetivo que preexiste e dá causa ao direito objetivo, e sim
este que gera, no mesmo parto, a obrigação jurídica e o direito
subjetivo” 9. As dificuldades passam a ser duas: caracterizar e con­
ferir conteúdo à “ faculdade” do estadoe à “ obrigação” do súdito.
Ferri ridicularizava a elaboração teórica dessa facultas
agendi, dando por absurdo que ela pudesse consistir “ na
faculdade do estado de agir em conformidade com as normas

4 .P u Iitan ò lem bra q u e, cm suas origens ilum inísticas, o direito de punir estava
"co lig a d o à idéia co n tratu alística” [op. c it., p. 10).
5 C am argo H em ández literalm ente adm ite que o “ fundam ento da faculdade do
estado p ara ditar norm as ju rtd ico -p cn ais se encontra no direito n atu ral” (op. c it.,
p . 4 7 ). C o m o lem bra T arso G en ro , historicam ente a im plantação da ordem bur­
g uesa se fez fundam entando-a “ em direitos subjetivos que não se am paravam
n u m a norm atividade p reex isten te” (Introdução crítica ao direito, P. A legre,
1988, p. 43).
6 N ovoa M onreal, A lgunas reflexiones sobre el derecho de castigar dei estado, in
H o m en a g e a H ild e K aufm ann, B . A ires, 1985, p . 202.
7 D ireito p e n a l, trad. C osta Jr. e S ilva F ranco, S. P aulo, 1966, v. I, p. 193.
8 L içõ es, c it., p. 275.
9 O p. c it,, p . 134.

107
de direito objetivo postas (...) pelo mesmo estado, e por ele
só” 10. De fato, atribuir à auto-obrigação jurídica, que carac­
teriza o estado 'de direito, os matizes de faculdade é inquietan-
temente metafórico. Por outro lado, o dever (indisponível e
inalienável por um lado, e limitado e vinculado por outro) da
persecução penal que cabe ao estado, enquanto agente históri­
co do que Weber chamaria de monopólio do poder punitivo
legítimo, é algo extremamente distinto de uma faculdade de
agir, ainda que se a designasse por dever de agir.
Não é menos problem ática a elaboração teórica da
“ obrigação jurídica” . Descarte-se, desde logo, a idéia bin-
dinguiana de um vago dever genérico, sem conteúdo fixado,
de obediência à lei penal, hoje inaceitável, como lembra
Bettiol1’. Não obstante, o mesmo Bettiol admite uma obriga­
ção do indivíduo de abster-se da prática do crime12, o que vem
a ser rigorosamente a mesma coisa. Essas contradições le­
varam a que se tentasse elaborara “ obrigação jurídica” como
“ obrigação de sofrer a pena’’, o que em verdade levou a uma
agravação das dificuldades. Como disse Antolisei, “ o réu não
tem o dever de submeter-se à pena, e sim é a ela submetido” 13.
A nenhuma intervenção da vontade do réu (ou seja, o caráter
juridicamente necessário da pena) e a inexistência de sanção
para a “ in a d im p lê n c ia ” q u estio n am igualm ente uma
“ obrigação de sofrer a pena” 14. Apropriadamente dizia Aní­

10 Op. c it., p . 115.


11 " A dou trin a é agora concorde em considerar que não existe urna obrigação de
o b serv ar as norm as pen ais, de obedecê-las, obrigação ã qual deveria corresponder
um d ireito do estado à o b ed iên cia” — B ettiol, op. c it., p . 194, " U m direito
g enérico d e o bediência, sem co n teú d o , não ex iste ” — F ragoso, O bjeto do crim e,
in D ireito p e n à l e direitos hum anos, c i t ., p . 54. E m L içõ e;, c it ., p . 276, Fragoso
não obstante adm ite esse " d e v e r de observância do com ando” .
12 O p. c it., p, 201.
13 M an u a le d i d iriu o penale, P .G ., M ilão , 1969, p. 37.
14 E ste últim o argum ento, usado p o r A ntolisei (op. c it., p. 38), deve ser recebido
entre nós com reservas, porque em bora a sim ples fuga à execução da pena
p riv ativ a de liberdade não constitua crim e, a violação da pena de interdição de
direito s constitui um crim e contra a adm inistração da ju stiç a (art. 359 CP).

108
bal Bruno que “ se o poder do estado de assegurar as condições
de vida social não pode ser equiparado a um direito subjetivo,
menos ainda a submissão do réu à pena pode ser tomada como
cumprimento de uma obrigação jurídica” 15.
Lembra Vemengo que “ a noção de direito subjetivo é útil
quando podemos identificar um credor frente a um devedor de
uma obrigação” 16, o que, de resto, é perfeitamente compatível
com sua aparição histórica enquanto “ manifestação da técnica
jurídica do sistema capitalista moderno que tem por fim permi­
tir um certo tipo de troca” 17. De fato, confundido no direito
objetivo (se baseado nas teorias da vontade ou da garantia), e
simplesmente absurdo, como Kelsen1"ressaltou (se baseado na
teoria do interesse), o direito penal subjetivo acaba por resul­
tar tecnicamente inútil19 e politicamente perigoso20.

15 O p. c it., v. 1, t. I, p. 21.
16 Curso de teoria general dei derecho, B. A ires, 1976, p. 230.
17 M iaille, op. c it., p . 144.
IS “ No caso de um a sanção p e n al, não pode ser um interesse nem , portanto, um
d ireito do agente aquilo que é protegido pelo deve r d e o punir que im pende sobre o
órgão aplicador do direito ” — escreve K elsen, levando às últim as conseqüências
o caráter reflexo do direito subjetivo com o interesse juridicam ente protegido
(Teoria p u ra do direito, trad. J.B . M achado, C oim bra, 1962, p. 258).
19 A ele se refere T ércio S am paio F erraz Jr, com o “ im precisa m etáfo ra” (Introdução
a o estudo do d ireito , S . P aulo, 1988, ed. A tlas, p. 143).
20 A idéia d e ju s pu n ien d l, particularm ente quando referida ao m om ento legislativo
(e sobrevive assim em inúm eros trabalhos brasileiros, com o vim os), transform a-se
no eixo de um a concepção autoritária do estado. O estado realiza um a “ prodigiosa
acum ulação de m eios de coação c o rp o ra l” (Poulantzas, O e s ta d o ..., c it., p. 90),
ex p ressa n a “ c e n tra liz a ç ã o ex clu d e n te de seu aparato político de poder e
v io lên cia” (B usios, Introducciôn, c it ., p. 25). N egar um direito penal subjetivo,
ainda que pelas fórm ulas do im perium ou “ poder de dom inação do estad o ” (A .
B runo, op. c it., v . I, t. I, p. 22), ou do “ atributo da so b e ra n ia " (M anzini,
Trattato, c it., v. I, p. 81), ou de um " p o d e r ju ríd ic o " (A ntolísei, op. c it., p. 38), é
ch am ar a atenção para a indectinabilidade da regulação juríd ico -o b jetiv a do poder
penal es ta ta l, bem com o ab rir as perspectivas para o exam e das relações sociais em
cu ja preserv ação e reprodução está com prom etido o estado. Bem ao contrário de
u m direito penal subjetivo (direito público subjetivo do estado), os direitos subjeti­
vos públicos dos indivíduos, que vieram a inscrever-se nos docum entos interna­
cionais com o direitos hum anos fundam entais e nas constituições com o garantias

109
Observando que a técnica do direito público subjetivo não
era praticamente usada pelo moderno direito penal, Kelsen
assinalava que a vítima do crime foi substituída por “ um órgão
estatal que, como parte autora ou acusadora por dever de
ofício, põe em movimento o processo que leva à execução da
sanção” 21. Em nossa opinião, corresponde à teoria do proces­
so compreender, seja enquanto um interesse de agir, autô­
nomo ou ínsito na própria acusação, como quer Grinover12,
seja enquanto conteúdo necessário da ação penal, diante do
princípio da jurisdição, seja enquanto condição da ação do
ângulo da legitimação, a natureza e funções dos deveres do
estado com relação aos crimes cometidos, e sua articulação
instrumental.

in d ividuais, ainda que sujeitos a objcções técnico-jurídicas, representam um


p ositiv o instrum ento dem ocrático, e , com o d iz B essa A ntunes, “ im portante fator
de reivindicação p o r reform as e avanços s o c ia is" (op. c it., p . 150).
21 O p. c it., p. 263.
22 con d ições da ação p e n a l, S. P au lo , 1977, p 109.

110
§15
A missão (fins) do direito penal

Já se observou que “ uma teoria da pena é sempre uma


teoria do direito penal” e que “ o debate científico-político
sobre a pena se transforma no debate sobre todo o direito
penal” 1; a sabedoria chinesa chama o código penal de “ lei da
pena” (xin g fa ). Discutir os fins do direito penal deveria ser,
portanto, discutir os fins da pena — e, no entanto, não é.
Quando se fala nos fins (ou “ missão” ) do direito penal,
pensa-se principalmente na interface pena/sociedade e subsi-
diariamente num criminoso antes do crime; quando se fala nos
fins (ou objetivos, ou funções) da pena, pensa-se nas inter­
ferências criminoso depois do crime/pena/sociedade. Por isso,
a missão do direito penal defende (a sociedade), protegendo
(bens, ou valores, ou interesses), garantindo (a segurança
jurídica, ou a confiabilidade nela) ou confirmando (a validade
das normas); ser-lhe-á percebido um cunho propulsor, e á
mais modesta de suas virtualidades estará em resolver casos.
Observe-se que os fins assinalados se projetam predominante­
mente na relação pena-sociedade e se apresentam com um
“ sinal social positivo’ ’, que abrange sua funcionalidade, utili­
dade e dignidade. Já quanto àpena, ou bem apenas retribuirá
(mediante a privação de bens jurídicos imposta ao criminoso)
o mal do crime com seu próprio mal, restaurando assim a

1 R espectivam ente Z affaro n i, M anual, c it., p. 6 B e Q u in te ra 01 ivares, op. c it., p. 5.

111
justiça, ou bem intimidará a todos (pela ameaça de sua comi-
nação e pela execução exemplar) para que não se cometam
(mais) crimes, ou tratará de conter e tratar o criminoso. Os
objetivos referidos vinculam interativamente um criminoso
predominantemente “ acontecido” , a pena e a sociedade, e
dispõem de um “ sinal social negativo” que efetivamente
timbra a pena; a mais nobre observação possível será tê-la
como “ uma amarga necessidade” , Um iniciante estaria ten­
tado a considerar até que os fins do direito penal e os fins da
pena habitam a mesma casa, porém os primeiros na sala de
visitas e os segundos na cozinha.
Essa descrição comparativa, algo caricata, das mais usuáis
respostas oferecidas às perguntas sobre a missão do direito
penal e os objetivos da pena, põe de manifesto que, se os
penalistas não sucumbem à tentação de substituir a missão do
direito penal que devem descrever pelo direito penal de seus
sonhos, ou existem diferenças entre aquilo que pretende o
direito penal e aquilo que pretende seu instrumento essencial e
característico — a p en a— , ou este é o ponto mais densamente
turvo, do ponto de vista ideológico, do discurso jurídico-pe-
nal. Mais do que em qualquer outra passagem, a ideologia
transforma aqui fins particulares em fins universais, encobre
as tarefas que o direito penal desempenha para a classe domi­
nante, travestindo-as de um interesse social geral, e empre­
ende a mais essencial inversão, ao colocar o homem na linha
de fins da lei: o homem existindo para a lei, e não a lei
existindo para o homem.
Se os fins da pena, expostos nas tradicionais teorias ab­
solutas e relativas (essas, divididas entre a prevenção geral e a
prevenção especial) e nas teorias mistas (que visam a conciliar
" ou superar a contradição das anteriores) aproximam os fins do
direito penal de sua realidade penal, é ilusório imaginar que
tais teorias escapem a um idealismo impeditivo do conheci­
mento das funções que concretamente a pena desempenha
numa sociedade determinada. Como lapidarmente disseram
Rusche e Kirchheimer, “ a pena como tal não existe; existem

112
apenas concretas formas punitivas e específicas praxes
penais” 3. Uma teoria da pena generalizante e esquemática,
que tenha a pretensão de apreender, com os mesmos instru­
mentos, por exemplo as práticas penais do escravismo colonial
brasileiro, cujos pontos cardiais estavam na utilidade imediata
do criminoso ( = açoites) e no terror ( = morte e penas
domésticas), e de nosso capitalismo ao início do século, cujo
princípio era, como diria Em st Bloch, a “ conservação útil”
do criminoso, está pagando à abstração um preço altíssimo,
cuja moeda é conhecimento. Por isso mesmo, ao lado das
funções aparentes da pena, que se extraem de uma verificação
da compatibilidade, semelhança ou oposição entre normas do
direito positivo e o eterno esquema das teorias absolutas,
relativas e mistas, fala-se hoje nas funções ocultas ou não
declaradas da pena. Diante do art. 1? L E P \ podemos afirmar
que desde 1985 a legislação brasileira adotou a prevenção
especial: isso não esgotará o conhecimento possível sobre as
funções da execução da pena privativa de liberdade, no Brasil,
nem sobre o que possa significar hoje a “ tarefa ressocializado-
ra” da prisão4. Sandoval Huertas organizou as funções não
declaradas da pena privativa de liberdade em três níveis: a) o
nível psicossocial (funções vindicativa e de cobertura
ideológica); b) o nível econômico-social (funções de reprodu­
ção da criminalidade, controle coadjuvante do mercado de
trabalho, e reforço protetivo à propriedade privada); c) o nível
político (funções de manutenção do stato quo, controle sobre

2 P ena e sm n tu r a so c ia le, trad, M elossi e F avarini, B olonha, 1978, p. 45. De base


m arx ista, (al afirm ação ê extrem am ente adequada ao que o filósofo Clém ent
R osset cham ou de “ princípio da realidade suficien te” ( O p rincípio da crueldade,
trad. J.T , B nim , R io , 19B9, p. 12).
3 Lei ní 7 .2 1 0 , de 11 .ju l.84, art. 1": “ A execução penal tem por objetivo efetiv ara s
d isposições da sentença ou decisão crim inal e proporcionar condições para a
harm ônica integração social do condenado e do internado".
4 S obre este aspecto, cf. A nabela M iranda R odrigues, R einserção social — para
um a definição do conceito, in R D P n? 34, p. 24 ss; Losano, op. cit., p. 89; Munoz
C o n d e, D erecho p en a l y control so c ia l, c it., p. 93; B ustos, ínlroducción, c it., p.
96; Z affaroni, M anual, c it., p . 62.

113
as classes sociais dom inadas e controle de opositores
políticos)5. Estp maneira de conceber os fins da pena é cha­
mada por Baratta de concepção “ materialística ou políti-
co-econômica” , em oposição à concepção “ ideológica ou
idealista” das teorias absoluta e relativa6. O estudo aprofun­
dado da pena, chamado “ teoria da pena” , tem sua sede na
ocasião em que o conjunto das penas previstas pelo código
penal é objeto de exposição e análise.
Pensamos que numa sociedade verdadeiramente justa e
democratizada os fins do direito penal e da pena constituirão,
transparentemente expostos e debatidos, um só e indivisível
projeto. Entrementes, cabe um esforço, a exemplo do que
ocorreu na área das funções da pena, no sentido de desmitifi-
car os fins do direito penal, questionando as respostas usuais.
Esse esforço vem sendo empreendido por inúmeros penalistas
de perspectiva crítica; entre nós, situa-se nesse endereço Ciri-
no dos Santos7.
Entre os autores brasileiros, prevalece o entendimento de
que o fim do direito penal é a defesa de bens jurídicos: assim
Aníbal Bruno, Fragoso, Damásio, Toledo, Mirabete. Alguns
colocam a defesa de bens jurídicos como o meio empregado
para a defesa da sociedade (Bruno, Fragoso), concebida even­
tualmente como combate ao crime (Mirabete); outros pro­
curam enfatizar a defesa dos valores sociais que subjazem nos
bens jurídicos (Brito Alves) ou o “ robustecimento na cons­
ciência social” desses valores (Damásio). Muito adequada­
mente, Toledo promove uma depuração no conceito de bem
jurídico, expurgando-o de volúveis subordinações eticizantes,

5 Sandnval H uertas, E m iro, L as funciones no declaradas de la privación de la


libertad, in Re i\ dei C olégio de A brigados P enalistas dei Valle, C ali, 1981, p. 41
ss. C f. tam bém B a ratta, O bservaciones sobre las funciones de la cárcel en la
producción de las relaciones sociales de desiguaidad, in N uevo fo r o p e n a l, B o­
g o tá, 1982, n? 15, p. 737 ss; C irino dos S antos, D ireito p en a l, c it., p . 30.
6 C rim inologia c rític a , c it., p . 200.
7 D ireito p en a l, c it., p. 22.

114
com o que pode afirmar que a “ tarefa imediata” do direito
penal é sua proteção. A proteção de valores da vida comuni­
tária é autonomamente referida, bem como uma função, certa­
mente mais próxima do direito privado, de regular a convivên­
cia humana (Mayrink).
O inter-relacionamento dos conceitos de bem jurídico,
interesse e valor, sobre o qual Welzel concebe a missão do
direito penal como defesa de valores ético-sociais elementares
da consciência jurídica e só por inclusão defesa dos bens
jurídicos, entendidos como estados sociais de preservação
juridicamente desejáveis (por esta p o rta— “ desejável” — o
argumento do interesse se reapresenta)®, e que levou Bau-
mann, num momento de justamente extenuada simplificação,
a escrever que o direito penal tem por função a ‘ ‘proteção de
bens jurídicos especialmente importantes = valores jurídicos
— interesses' ’9, ensejou a Aníbal Bruno perceber que a esco­
lha dos bens jurídicos tem um agente histórico; tratando dos
fins do direito penal, referiu-se aos bens jurídicos como
“ interesses fundamentais do indivíduo ou da sociedade que,
pelo seu valor social, a consciência comum do grupo ou das
camadas sociais nele dominantes eleva à categoria de bens
jurídicos” "1. Embora percebendo a existência de um agente
histórico (as “ camadas sociais dominantes” no grupo humano
— sociedade civil — que, organizando-se como estado, edi­
tará o direito penal), Aníbal Bruno supõe uma sociedade uni­
tária, vivenciada e apreendida por uma consciência social
também unitária. A noção de classe social não é chamada a
participar. Veja-se a seguinte passagem de Fragoso: “ o fim do
direito é a tutela e a preservação dos interesses do indivíduo e
do corpo social. E evidente que os interesses que o direito
tutela correspondem sempre às exigências da cultura de deter­

8 O p. c it., pp. 13-17. N ão nos esqueçam os de que W elzel atribui uo direito penal
um a “ função de form ação é tic a ” (p. 16),
9 O p. c it., p. 9.
10 O p. c it., v. I, t. I, p. 15.

115
minada época e de determinado povo” 11. A criminalização da
arte negra da çapoeira, dois anos após a abolição da escrava­
tura, pelo artigo 402 do código penal de 1890, correspondia às
“ exigências de cultura” de “ determinado povo” ?12
Para Cirino dos Santos, os objetivos aparentes do direito
penal, expressos na “ proteção dos interesses e necessidades
(conhecidos como valores) essenciais para a existência do
indivíduo e da sociedade” , têm certos pressupostos, como
‘‘as noções de unidade (e não de divisão) social, de identidade (e
não de contradição) de classes, de igualdade (e não de desi­
gualdade real) entre os componentes das classes sociais, e de
liberdade (e não de opressão) individual” 13. Definitivamente
é inegável que numa sociedade dividida, o bem jurídico, que
opera nos lindes entre a política criminal e o direito penal, tem
caráter de classe1'*. Tal constatação permite o aproveitamento
crítico do conceito de bem jurídico, no amplo espectro de
funções que, como vimos, lhe corresponde,
Podemos, assim, dizer que a missão do direito penal é a
proteção de bens jurídicos, através da cominação, aplicação e
execução da pena, Numa sociedade dividida em classes, o
d ire ito penal e sta rá p ro teg en d o rela çõ es so ciais (ou
“ interesses” , ou “ estados sociais” , ou “ valores” ) escolhi­
dos pela classe dominante, ainda que aparentem certa univer­
salidade, e contribuindo para a reprodução dessas relações.
Efeitos sociais não declarados da pena também configuram,
nessas sociedades, uma espécie de “ missão secreta” do direi­
to penal.

11 Lições, c it., p. 2.
12 Código penal de. 1890 (dec. n? 847, de 11 .o u t.8 9 0 ), art. 402: “ F azer nas ruas e
praças p úblicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela deno­
m inação de capoeiragem ; andar em correrias ( ...) : pena — de prisão celular por 2 a
6 m eses".
13 D ireito p en a l, c it., p . 23.
14 CF. Pena C abrera, B ien ju ríd ic o y relaciones sociafes de producción, in D ebate
p en a l, n? 2, L im a, 1987, p. 139.

116
§ 16
A ciência do direito penal

A terceira acepção em que a expressão direito penal pode


ser empregada tem a ver com o estudo do ordenamento jurídico
positivo; fala-se então em ciência do direito penal, ou jurispru­
dência, ou dogmática jurídico-penal. E preferível a denomina­
ção ciência do direito penal. A vo.v “ jurisprudência” , em
nossa família jurídica, “ é comumente usada para definir o
conjunto de decisões judiciárias que, por força de sua repeti­
ção, in c o rp o ra m -se à trad ição ju r íd ic a ” 1. O ptar por
“ dogm ática” representaria um atrelamento metodológico
muito questionável: a dogmática é o mais prestigiado e eficaz
método em uso na ciência do direito, porém não a guardiã
solitária das chaves epistemológicas do reino.
A ciência do direito penal tem por objeto o ordenamento
jurídico-penal positivo e por finalidade permitir uma aplica­
ção eqüitativa (no sentido de casos semelhantes encontrarem
soluções semelhantes) e justa da lei penal. Tornando, como
diz Novoa, “ segura e calculável a aplicação da lei” , estabele­
cendo limites e definindo conceitos, a dogmática subtrai da­
quela aplicação “ a irracionalidade, a arbitrariedade e a
improvisação” 3. Trata-se, portanto, de conhecer o direito
aplicável, cujas normas não são submetidas a qualquer con­

1 C oelho, Luiz F ernando, Teoria da ciência do direito, S. Pauio, 1974, p. 52.


2 C rítica y d esm itificación dei derecho, B . A ires, 1985, p. 226.

117
fronto valorativo que transcenda sua descrição, explicação e
organização. Em outras palavras, o afazer dogmático não
interpela a norma: acata-a (dogma) como objeto do conheci­
mento. Uma lei básica da dogmática está no princípio da
proibição da negação; ao jurista é vedado, como diz Tércio
Sampaio Ferraz Jr., negar os “ pontos de partida das séries
argumentativas” 3. Podemos pretender que o auto-abortamen-
to seja indiferente perante a lei, ou que seja punido com branda
multa: o direito penal brasileiro comina-lhe detenção de um a
três anos (art. 124 CP), e isso, no que concerne à pena, é
unicamente o que deve ser considerado nas hipóteses em que
concorra um caso de auto-abortamento.
A dogmática não é, por certo, uma leitura pontilhada da
lei; sua técnica procura reconstruir os variados elementos que
integram a lei, organizando-os como sistema. Essa é uma
palavra chave no surgimento histórico da dogmática, bem
como na angústia de seu futuro. A idéia de sistema, como
assinala Luhmann, chegou à ciência do direito no início do
século XVII, vinda da astronomia e da teoria musical4. De
fato, as legislações anteriores a esse período consistiam na
justaposição seqüencial de textos, “ compilações” cujo co­
nhecimento era haurido pelo exame individual-circular de
cada texto (glosa). De modo análogo, “ até meados do século
XVII” — como lembra Foucault — “ o historiador tinha por
tarefa estabelecer a grande compilação dos documentos e dos
signos” 5; a partir de então, sob a regência da “ classificação”
como instrumento metodológico central, estavamfranqueadas
as rotas gnosiológicas que conduziriam à “ história natural” e
sua aparente aptidão para apreender num só 1‘quadro” as mais
distintas e contraditórias “ classes” . Não por acaso, Ihering,
« reputado fundador do método dogmático, caracterizava a
construção jurídica como “ a aplicação do método da história

3 O p. c it., p. 4 9.
4 Sistem a g iurídico e dogm atica giurídico, trad. A. F ebbrajo, B olonha, 1978, p, 35.
5 A s p a la v ra s e as coisas, trad. S .T . M üchail, S, P au lo , 1 98!, p. 144.

118
natural à matéria jurídica” 6. Paia Ihering, a sistematização
configura o nível superior da jurisprudência, enquanto a his­
tória e a interpretação configuram seu nível inferior. O tributo
ao positivismo se exprime em suas reiteradas comparações do
direito com a química, ou no esforço de categorização de
“ corpos jurídicos” 7. A influência dessas idéias é ainda hoje
absolutamente visível: dir-se-á que “ frente a um conjunto de
disposições legais, o jurista se comporta como um físico” 8.
Entre nós, Nélson Hungria proclamará que “ o sistema é a mais
perfeita forma do conhecimento científico” 5.
As etapas do método dogmático são: 1? demarcação do
universo jurídico (catalogação completa dos textos legais vi­
gentes na área objeto de interesse); 2? análise e ordenação (as
leis válidas são de início apreciadas individualmente, e logo, a
partir de semelhanças e disparidades, submetidas a exercícios
de agrupamento que permitirão estabelecer uma ainda que
provisória ordem lógica); 3? simplificação e categorização (o
material resultante das etapas anteriores é simplificado, quan­
titativa e qualitativamente, dando origem aos princípios clas-
sificatórios, que funcionarão como eixos categoriais); 4? re­
construção dogmática (a dogmática, pela classificação e reor­
ganização da “ matéria’ ’ legal, assim reconstruída, produz um
sistema que revelará e demarcará conteúdo e inter-relaciona-
mento lógico dos textos legais, “ devolvidos” sob a condição
de serem conhecidos através da mediação desse sistema).
Tais etapas devem ser vencidas com a obediência de duas
leis ou princípios: a) lei de proibição da negação (já referida,
exprime o caráter de dogma que o texto legal deve ter, para que
o trabalho de desenvolvimento lógico não induza a erros sobre
o conteúdo do direito); b) lei de proibição da contradição

6 L a dogm ática ju ríd ic a (trechos selecionados do E spírito do D ireito R om ana), trad.


E .P . S ato rres, B. A ires, 1946, p. 142.
7 O p. c it., pp. 109, 125, 135 ss.
8 Z affaro n i, M a nual, c it., p . 127.
9 Introdução à ciência penal, in N ovas questões jurtdico-penais, Rio, 1944, p. 5.

119
(também chamada por Ihering de “ unidade sistemática” , ex­
prime a incompossibilidade de princípios ou proposições
contraditórias; por exemplo, ou o abortamento necessário —
art. 128, inc. I CP — tem caráter justificativo ou tem caráter
exculpante, não podendo conviver ambas as conclusões no
mesmo sistema, sendo certo que a contradição se apresentaria
também nas respectivas fundamentações)*0.
A dogmática “ fechada” foi duramente questionada, quer
da perspectiva metodológica, quer da perspectiva política.
Metodologicamente, sua dependência da lógica formal e a
entronização do sistema foram duramente fustigadas. “ Como
qualquer estudante sabe” — disparam Warat e Russo — “ a
verdade, em lógica formal, se adquire ao preço de renunciar ao
conhecimento do mundo” ; a proposta da dogmática de produ­
zir, através do estudo da legislação vigente, um saber que
realize funções jurídicas distintas das realizadas pela própria
legislação seria “ uma ilusão infecunda e obscurantista” 11.
Efetivamente, o sistema é um instrumento do saber discrimi­
natório c seletivo: as diferenças e peculiaridades que não
incidam sobre os princípios classificatórios por ele eleitos são
reputadas indiferentes (Foucault); nessa linha, o saber penal
tende a transformar-se numa geometria (Novoa) excludente.
A superação aparente de uma dogmática positivista por uma
dogmática neokantista12 só agravou esses problemas. A se­

10 A cham ada lei da estética ju ríd ic a , inconvincentem ente incluída po r Ihering (op.
c it., p. 149), não passava em nossa opinião de um a válvula aberta para o real.
Ihering dizia que um as leis agradavam , por “ seu caráter, sua transparência,
sim plicidade e claridade; outras repugnavum , porque carecem de tais predicados e
nos p a recem violentas e pou co n a tu ra is, sem que possam os declará-las v ic io sa s"
(ibidem ). T al “ le i” estã vinculada a dados da realidade social que devem im por-se
ao afazer dogm ático, e m elhor seria cham á-la de lei da ética jurídica; em algum
fu tu ro , poderá co n verter-se em lei da estética ju ríd ica.
11 Interpretación d e la le y , B . A ire s, 1987, p p . 9 e 14. N osso A níbal Bruno advertia
que “ o ju ris ta deve prevenir-se contra o poder absorvente da lógica form al” (op.
c it., v. I, t. I, p. 29).
12 Sobre o neokantism o n a dogm ática jurídico-penal, cf. M ir Puig, op. c it., pp. 227
ss; M unoz C onde, In tro d u cciõ n , c it., pp. 110 ss.

120
paração irredutível entre as ciências da natureza e as ciências
culturais abriu o campo não só ao dualismo metodológico, mas
a uma autêntica “ esquizofrenia” (Munoz Conde) gnosiológi-
ca; como disse Zaffaroni, os “ mastins metodológicos” se
encarregavam de manter a realidade fora do sistema. Tudo isso
sem que jamais a “ disparidade absoluta entre ser e dever-ser”
tenha sido provada, como objurga Larenz a Kelsen13. De outro
lado, a dogmática indiretamente pode reafirmar certos mitos,
que desempenham relevantes funções ideológicas: o mito da
sabedoria da lei (supor um legislador racional e arguto, de cuja
coerência, precisão, economia e previdência jamais proviriam
palavras inúteis ou dúbias, contradições, etc)14 que esconde a
reificação da lei; o mito da neutralidade da ciência (supor que
a gramática, a historiografia jurídica e a lógica formal abolem
a consciência de ciasse), fundamental na legitimação da ordem
jurídica'5. Por certo, sua função ideológica mais importante é
afiançar a possibilidade de uma construção harmonizante das
relações sociais (representadas no jurídico), na qual “ todos os
antagonismos são conciliáveis pela ordem jurídica” (José
Eduardo Faria). Daí, Lola Aniyar de Castro dizer que a dog­
mática tradicional constitui uma “ filosofia da dominação” 16.
Efetivamente, o dogma da “ completude” do direito reforça o
monopólio jurídico do estado moderno e impede a considera­
ção de direitos concorrentes17.
A dogmática pode libertar-se dessas acusações se lograr,
como preconizava Fragoso, superar o esquema apresentado
pelo tecnicismo jurídico, que “ tende à compreensão e justifi­
cação do direito penal vigente” 18, “ A construção dos concei­

13 Op. c it., p. 87.


14 C f. R o sa C ardoso, o p. c it., p , 118; N ovoa, C ritica, c it., p. 228. O st e K erchove
afirm am que a racionalidade do leg islad o r é um a crença de ordem m etafísica
(Jalons p o tir une theorie critique du droit, B ruxelas, 1987, p. 117).
15 C f. especialm ente F aria, José E duardo, P aradigm a ju r íd ic o , c it., p p. 4 3 ,4 6 e 47.
16 Crim inologia de la liberación, c ií,, p. 27.
17 B o b h io , Teoria do ordenam ento ju ríd ic o , B rasília, 1989 p. 120.
18 L içõ es, c it., p. 13.

121
tos dogmáticos deve incorporar os dados da realidade”
(Zaffaroni) e a constatação de seus efeitos sociais concretos.
Não se quer uma critica posterior, fora da dogmática, como
Rocco19. “ A incorporação à dogmática penal das finalidades
político-criminais transforma-a de um sistema fechado em um
sistema aberto” , ensina Bustos, e assim em “ permanente
renovação e criação” 10.
Faraco de Azevedo adverte que a dogmática penal, “ a
menos que se converta em instrumento ideológico destinado a
dissimular ou falsear a realidade, precisa manter-se rente à
vida, recebendo seu influxo e sobre ela atuando, atenta à
configuração da situação humana global a que se destina” ,
sem “ perder de vista sua dimensão histórica e crítica” 2'.
No momento atual, não podemos abrir mão da dogmática
jurídico-penal, porque, como assinala Gimbemat Ordeig em
seu festejado trabalho, “ temos que conviver com o direito
penal” 22. Transformá-la numa dogmática aberta é o desafio
que o penalista brasileiro tem, hoje, diante de si.

19 E l p roblem a y e l m étodo de la ciência d e i derecho p en a l, trad. R .N . V allejo,


B ogotá, 1978, p . 31.
20 P olítica crim inal y dogm ática, 'm H om enage a H tlde K aufm ann, B. A ires, 1985, p.
124.
21 D ogm ática penal e estad o , in F a s c íc u h s de ciência p e n a l, P. A legre, 1989, ano 2,
v. 2, n? 4 , p. 60.
22 Tíene un futuro Ia dogmática juridicopenal?, in Estúdios de derecho penal, Madri,
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Nilo Batista
Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro entrega ao
leitor as chaves necessárias para desarticular criticam ente
um direito penal com ênfase no enfoque lesa-majestade,

INTRODUÇÃO CRÍTICA AO DIREITO PENAL BRASILEIRO


fornecendo a possibilidade de reconstrução de um
verdadeiro direito penal das garantias.
Dos muitos méritos deste trabalho, elejo
“arbitrariam ente” um. O enfoque de Nilo Batista permite
superar o debate estéril entre uma visão pan-pena!ista da
vida social e um abolicismo total e im ediato do
sistem a penal.
O segredo da receita é simples: considerar seriam ente os
direitos e garantias, aprim orar as técnicas de defesa
jurídica da sociedade civil e decifrar os enigmas da
dogmática jurídica, para tom á-los acessíveis aos
m ovim entos socias.

Em ílio Garcia M endez

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