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DIREITO PENAL II -

PARTE ESPECIAL

Autores: Lenice Kelner

Rodrigo Koenig França

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller
Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald
Profa. Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Rodrigo Koenig França

Revisão Gramatical: Camila Thaisa Alves



Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci

Copyright © UNIASSELVI 2012


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

345
K299d Kelner, Lenice
Direito penal II : parte especial / Lenice Kelner;
Rodrigo Koenig França. Indaial : Uniasselvi, 2012.
200 p. : il.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830-514-7

1. Direito penal.
I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.
Lenice Kelner

Lenice Kelner, Graduada em Direito.


Mestre em Ciências Jurídicas. Especialista em
Direito Penal e Processual Penal. Especialista
em Direito Civil. Advogada na área criminal e cível.
Professora do Curso de Direito da FURB. Professora
dos Cursos de Especialização em Direito Penal e
Processo Penal. Professora da Escola Superior da
Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Coordenadora do Programa de Extensão Gestão de
Conflitos Penais na Comarca de Blumenau e Projeto
de Assistência Jurídica aos detentos do Presídio
Regional de Blumenau.

Rodrigo Koenig França

Possui Graduação em Direito pelo


Centro Universitário Leonardo da Vinci –
UNIASSELVI – (2006) e Pós-Graduação em
Direito Penal pela Universidade do Sul de Santa
Catarina – UDESC – (2009). Atualmente é Assistente
de Promotoria do Ministério Público de Santa Catarina
e Professor Universitário pelo Centro Universitário
Leonardo da Vinci - UNIASSELVI. Tem experiência
na área de Direito Público, com ênfase em
Direito Penal e Ambiental.
Sumário

APRESENTAÇÃO...................................................................... 7

CAPÍTULO 1
Crimes Contra a Pessoa......................................................... 9

CAPÍTULO 2
Crimes Contra o Patrimônio................................................ 39

CAPÍTULO 3
Crimes Contra a Honra........................................................ 77

CAPÍTULO 4
Crimes Contra o Sentimento Religioso e Contra o
Respeito aos Mortos ........................................................... 91

CAPÍTULO 5
Crimes Contra a Dignidade Sexual....................................123

CAPÍTULO 6
Crimes Contra a Família ..................................................... 147

CAPÍTULO 7
Crimes Contra a Administração Pública ..........................165

CAPÍTULO 8
Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98....................................185
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a):

Este caderno de estudos contém textos e reflexões relacionados com a


parte especial do Código Penal Brasileiro e legislações esparsas. O seu caráter
funcional será de expor, de forma concisa, mas densa e pragmática, os mais
variados crimes previstos na legislação penal brasileira. O texto se apresenta
dentro de uma metodologia dialógica, a fim de suscitar a reflexão, a dúvida, os
questionamentos acerca de temas tão relevantes para todos os operadores do
Direito. As leituras que fornecem subsídios para aprofundamento dos temas
encontram-se ao longo do texto.

O caderno abordará o tema em 8 capítulos. O primeiro capítulo tratará dos


crimes contra a pessoa, especialmente a abordagem dos crimes de homicídio,
participação em suicídio, infanticídio, aborto e lesão corporal. O segundo capítulo
abordará os crimes contra o patrimônio, especialmente, os crimes de furto, roubo,
latrocínio, extorsão, extorsão mediante sequestro, apropriação indébita, estelionato
e receptação. O terceiro capítulo trará uma abordagem dos crimes contra a
honra, destacando os crimes de calúnia, difamação e injúria. Por conseguinte, o
quarto capítulo discorrerá sobre os crimes contra a dignidade sexual, destacando
o crime de estupro, estupro de vulnerável, assédio sexual e o favorecimento da
prostituição. O quinto capítulo tratará dos crimes contra a família, discorrendo
sobre a bigamia, simulação de casamento, registro de nascimento inexistente,
abandono material e intelectual. No sexto capítulo estudar-se-á os crimes
contra o sentimento religioso, destacando-se o ultraje a culto, o impedimento de
cerimônia funerária, a violação de sepultura e a destruição, subtração, ocultação
e vilipêndio de cadáver. No sétimo capítulo abordar-se-á os crimes contra a
administração pública, abrangendo o peculato, a concussão, a corrupção passiva
e a prevaricação. Por fim, o último capítulo trará o estudo dos crimes contra o
meio ambiente, identificando os crimes contra a fauna e os crimes contra a flora.

Convidamos você a iniciar este diálogo e aprofundamento nos estudos.

É com grande satisfação que trazemos nosso trabalho.

Professora Msc. Lenice Kelner


Professor Rodrigo Koenig França

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C APÍTULO 1
Crimes Contra a Pessoa

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conceituar os crimes contra a vida.

33 Identificar e distinguir os crimes contra a vida diante de casos reais.

33 Buscar na jurisprudência casos julgados pelos Tribunais e apresentar


comentário crítico referente ao crime pesquisado.
Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

Contextualização
Neste capítulo, estudaremos os “Crimes contra a pessoa”, que são aqueles
delitos que ofendem a vida e a integridade física das pessoas. São eles: Homicídio
(CP, art. 121), Participação em Suicídio (CP, art. 122), Infanticídio (CP, art. 123),
Aborto (CP, art. 125, 126, 127 e 128) e Lesões Corporais (art. 129 do CP). O
estudo dos crimes contra a pessoa é de primordial importância, pois trata do bem
jurídico mais importante a ser tutelado, que é a vida humana.

A proteção de tão relevante bem jurídico é imperativo de ordem constitucional,


assegurado no artigo 5º, caput, que garante que “todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]”.

Diariamente, a imprensa nos traz notícias de crimes de homicídio brutais,


abortos em clínicas clandestinas, brigas entre grupos rivais etc. A importância do
estudo destes crimes será para você, operador do direito, distinguir e dar a correta
aplicação dos tipos penais, aprofundando os conhecimentos que já possui acerca
do tema.

Homicídio
O homicídio, já na época de Roma, em 753 a. C. era considerado um crime
público. A Lei das XII Tábuas (450 a. C) já previa a designação de juízes especiais
para julgamento do delito de homicídio. Conferimos que na Idade Média, o
homicídio era usualmente punido com a pena de morte. Conferindo a legislação
brasileira com as Ordenações Filipinas, o crime de homicídio tinha pena aplicada
a critério do julgador, que punia seus autores com pena de morte, imposição de
mutilação e confisco de bens. Já desde o Código Penal do Império em 1830 e
o Código Penal em vigor (1940) prescrevem, como a punição aos autores dos
crimes de homicídio, a pena privativa de liberdade.

a) Conceituação

Nas palavras de Capez (2011, p. 22), “homicídio é a morte de um homem


provocada por outro homem. É a eliminação da vida de uma pessoa praticada
por outra”. Importante definir o homicídio como a eliminação da vida humana
extrauterina praticada por outrem. Pois, como alerta Mirabete (2011, p. 26), “tal
conceito evita a confusão com o delito de aborto e com o suicídio”.

Mas afinal, quando começa a vida?


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Direito Penal II - Parte Especial

Bitencourt (2011, p. 48), com precisão, esclarece:

A vida começa com o início do parto, com o rompimento


A vida começa com do saco amniótico; é suficiente a vida, sendo indiferente a
o início do parto, capacidade de viver. Antes do início do parto, o crime será de
com o rompimento aborto. Assim, a simples destruição da vida biológica do feto,
do saco amniótico no início do parto, já constitui crime de homicídio.

Enfim, para a configuração do delito em tela, a vítima deve estar


viva, manifestando-se a vida com a respiração, não importando seu grau
de vitalidade ou se exista a capacidade de sobrevivência.

Para melhor compreensão deste contexto, assista o filme


“Risco Duplo”.

b) Classificação Doutrinária

Como o crime de homicídio pode ser praticado de vários modos, a doutrina


penal assim classifica o crime de homicídio:

• crime comum: pode ser praticado por qualquer pessoa;


• crime simples: atinge apenas um bem jurídico;
• crime de dano: exige a efetiva lesão de um bem jurídico;
• crime de ação livre: pode ser praticado por qualquer meio, comissivo ou
omissivo;
• crime instantâneo de efeitos permanentes: a consumação ocorre em um só
momento, mas seus efeitos são irreversíveis;
• crime material: só se consuma com a efetiva ocorrência do resultado morte,
ou seja, com a cessação da atividade encefálica.

O crime de c) Tipo Penal


homicídio sempre
terá um sujeito O crime de homicídio sempre terá um sujeito ativo, aquele que
ativo, aquele que causou a morte, e o sujeito passivo, também chamado de vítima, ou a
causou a morte, e pessoa morta.
o sujeito passivo,
também chamado
de vítima, ou a O sujeito ativo, ou seja, aquele que pode praticar o delito, nesse
pessoa morta. caso pode ser qualquer pessoa.  Por esse motivo, classifica-se em
crime comum.
12
Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

O sujeito passivo, ou seja, a vítima, pode ser qualquer pessoa também. O


núcleo do tipo, que é o verbo descreve a conduta, no presente caso é matar.

Perceba que o crime de homicídio pode ocorrer por ação ou omissão do


agente. Ex.: “A” esfaqueia “B” como intenção de matar. “B” morre pela ação de
“A”. Já na omissão, “A” quer matar “B” que está sob sua guarda e para isso deixa
de alimentá-lo. “B” morre de inanição. “A” responde por homicídio por omissão.

• Para obter mais informações sobre o tipo penal, sugerimos


acessar o site:

http://pt.scribd.com/doc/39843090/Penal

• Leia a lei nº 9434/97, que trata de transplante de órgãos,


encontrada no site:

www.senado.gov.br

d) Homicídio Simples

No Código Penal Brasileiro, o homicídio simples é previsto no art.


O homicídio
121, caput, com a seguinte redação:
simples é previsto
no art. 121, caput,
Art. 121 - Matar alguém: com a seguinte
redação:
Pena - reclusão, de 6 a 20 anos. Art. 121 -
Matar alguém:
Pena - reclusão,
No parágrafo 1º do Art. 121 do Código Penal Brasileiro, é definido o de 6 a 20 anos.
crime de homicídio privilegiado, como um caso de diminuição de pena.

• Caso de diminuição de pena (Homicídio privilegiado)

§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor


social (diz respeito a interesses da coletividade, como, por ex., matar traidor da
pátria, matar bandido perigoso, desde que não se trate de atuação de justiceiro)
ou moral (refere-se a sentimento pessoal do agente, como no caso da eutanásia),
ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação
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Direito Penal II - Parte Especial

da vítima (existência de emoção intensa - ex.: tirar o agente totalmente do sério;


injusta provocação da vítima - ex.: xingar, fazer brincadeiras de mau gosto,
flagrante de adultério; reação imediata - “logo em seguida”), o juiz pode (deve)
reduzir a pena de 1/6 a 1/3.

Em seu parágrafo 2º, o art. 121 contém as formas qualificadas do homicídio,


aplicando pena superior à do homicídio simples, visto que os motivos do crime, os
meios empregados ou até os recursos demonstram maior periculosidade do agente.

e) Homicídio qualificado

Importante lembrar que o homicídio qualificado é “crime hediondo”


O homicídio
quando praticado em atividade típica de grupos de extermínio, mesmo
qualificado é
“crime hediondo” que por uma só pessoa.
quando praticado
em atividade típica No segundo parágrafo do Art. 121 do Código Penal Brasileiro, há a
de grupos de seguinte afirmação:
extermínio, mesmo
que por uma
§ 2º - Se o homicídio é cometido:
só pessoa.

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro


motivo torpe (motivo vil, repugnante, que demonstra depravação moral do
agente - ex.: matar para conseguir herança, por rivalidade profissional, por
inveja, porque a vítima não quis ter relação sexual);

II - por motivo fútil (matar por motivo de pequena importância, insignificante;


falta de proporção entre a causa e o crime - ex.: matar dono de um bar que
não lhe serviu bebida, matar a esposa que teria feito jantar considerado ruim);

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro


meio insidioso (é o uso de uma armadilha ou de uma fraude para atingir
a vítima sem que ela perceba que está ocorrendo um crime, como, por
ex., sabotagem de freio de veículo ou de motor de avião) ou cruel (outro
meio cruel além da tortura - ex.: morte provocada por pisoteamento,
espancamento, pauladas), ou de que possa resultar perigo comum (ex.:
provocar desabamento ou inundação);

IV - à traição (quebra de confiança depositada pela vítima ao agente, que


desta se aproveita para matá-la - ex.: matar a mulher durante o ato sexual),
de emboscada (ou tocaia; o agente aguarda escondido a passagem da
vítima por um determinado local para, em seguida, alvejá-la), ou mediante
dissimulação (é a utilização de um recurso qualquer para enganar a vítima,
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Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

visando possibilitar uma aproximação para que o agente possa executar o


ato homicida - ex.: uso de disfarce ou método análogo para se aproximar da
vítima, dar falsas provas de amizade ou de admiração para possibilitar uma
aproximação) ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa
do ofendido (surpresa; efetuar disparo pelas costas, matar a vítima que está
dormindo, em coma alcoólico);

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de


outro crime: quando o homicídio é praticado para assegurar a execução
de outro crime - ex.: matar um segurança para conseguir sequestrar um
empresário (homicídio qualificado em concurso material com extorsão
mediante sequestro). Ou quando o homicídio visa assegurar a ocultação (o
sujeito quer evitar que se descubra que o crime foi praticado), impunidade (o
sujeito mata alguém que poderia incriminá-lo - ex.: morte de testemunha do
crime anterior) ou vantagem de outro crime (ex.: matar coautor de roubo para
ficar com todo o dinheiro, ou a pessoa que estava fazendo o pagamento do
resgate no crime de extorsão mediante sequestro).

Pena - reclusão, de 12 a 30 anos.

Lembre-se que, havendo mais de uma qualificadora no caso


concreto, o juiz usará uma para qualificar o homicídio e as demais
como agravantes genéricas.

O Código Penal Brasileiro também prevê a possibilidade do homicídio


culposo, ou seja, quando o resultado morte ocorre por negligência, imprudência
ou imperícia.

e) Homicídio culposo

No terceiro parágrafo do Art. 121 do Código Penal Brasileiro há a seguinte


afirmação:

§ 3º - Se o homicídio é culposo:

Pena - detenção, de 1 a 3 anos.

Importante verificar que, se a morte culposa ocorreu no trânsito, deveremos

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Direito Penal II - Parte Especial

buscar pelo novo Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503, de 23-9-97). Eis a
redação do crime:

Sobre o princípio da especialidade, leia comentário no site:

www.jusbrasil.com.br/topicos/297796/principio-da-especialidade

CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - CTB –


LEI Nº 9503 DE 1997

Capítulo XIX - Dos Crimes de Trânsito


Seção II - Dos Crimes em Espécie

Art. 302, CTB - Praticar homicídio culposo na direção de veículo


automotor:

Penas - detenção, de 2 a 4 anos, e suspensão ou proibição de


se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ único - No homicídio culposo cometido na direção de veículo


automotor, a pena é aumentada de 1/3 a 1/2, se o agente:

I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;


II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;
III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco
pessoal, à vítima do acidente;
IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo
veículo de transporte de passageiros.

Fonte: DENATRAN. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível


em: <http://www.denatran.gov.br/ctb.htm>. Acesso em: 29 ago. 2011.

O Código Penal Brasileiro prevê em seu art. 121, parágrafo 4º, a possibilidade
de o homicídio culposo ser qualificado, e nesses casos a pena será aumentada
em 1/3:

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Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

• Aumento de pena

§ 4º - No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 se o crime resulta


de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício (ex.: médico que
não esteriliza instrumento cirúrgico, dando causa a uma infecção da qual decorre
a morte da vítima), ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima
(se a vítima é socorrida imediatamente por terceiro; se ele não é prestado porque
o agente não possuía condições de fazê-lo ou por haver risco pessoal a ele; se a
vítima estiver morta - não incide o aumento da pena), não procura diminuir as
consequências do seu ato (ex.: após atropelar a vítima, nega-se a transportá-
la de um hospital a outro, depois de ter sido ela socorrida por terceiros), ou foge
para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio (homicídio doloso),
a pena é aumentada de 1/3 se o crime é praticado contra pessoa menor de 14
anos ou maior de 60 anos.

Importante lembrar que, no homicídio culposo, há a previsão de


Homicídio culposo, o
ser aplicado o perdão judicial. Confira o enunciado da lei penal: juiz poderá deixar de
aplicar a pena, se as
consequências da
§ 5º (Perdão judicial) - Na hipótese de homicídio culposo, infração atingirem
o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da o próprio agente de
infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a forma tão grave que
sanção penal se torne desnecessária. a sanção penal se
torne desnecessária.
Como você pode observar, a sentença que reconhece e concede
o perdão tem natureza declaratória da extinção da punibilidade, não existindo
qualquer efeito secundário, inclusive a obrigação de reparar o dano.

Prado (2010, p. 90), no mesmo sentido, ensina que “há extinção da


punibilidade, portanto, se as consequências da infração (homicídio culposo)
atingirem o agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”.

Podemos verificar que a morte de pessoas estreitamente ligadas ao agente


(por vínculo de parentesco ou amizade) pode ser a maior e a mais severa pena
a ser aplicada, pois sempre se sentirá culpado pela morte da vítima, causada por
falta de atenção ou cautela.

Mirabete (2011, p. 46) nos alerta que:

O que dever ser examinado é se existem os requisitos exigidos


pelo parágrafo 5º do art. 121, de caráter objetivo e subjetivo,
e quanto a este exige a presunção da dor moral causada
pela morte da vítima quando, entre esta e o agente, há
ligações de caráter afetivo. Para isso é necessário que reste

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Direito Penal II - Parte Especial

cumpridamente provado nos autos que as consequências


do crime atingiram de forma grave o agente de forma que a
sanção penal é desnecessária.

A competência para julgar os crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri.

Atividade de Estudos:

1) Ao dirigir seu automóvel, sóbrio e em velocidade compatível com


a situação da estrada em que se encontrava, um pai de família
não consegue controlar o veículo, batendo de frente contra um
poste da via pública. Em consequência do choque, sua esposa,
que viajava no banco dianteiro, e seus filhos, no banco de trás,
vêm a falecer. Questiona-se da possibilidade de aplicação do
contido no artigo 121, § 5o, do CP.
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Induzimento, Auxílio ou Instigação


ao Suicídio (ou Participação em
Suicídio)
Estudaremos agora os crimes de Participação em Suicídio, que podem
ocorrer sob três modalidades: induzimento ao suicídio, auxílio ao suicídio ou
instigação ao suicídio.

Podemos dizer que a denominação “participar em suicídio” pode acontecer


sob três espécies diferentes de ações. Por outro lado, se ao mesmo tempo o
autor instiga e auxilia a mesma vítima ao suicídio, cometerá somente um crime.

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Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

a) Conceituação

Suicídio é a deliberada destruição da própria vida. O suicídio somente não é


um ilícito penal.

Porém, Capez (2011, p. 121) nos ensina que, “Embora o Código Penal não
incrimine o ato de dispor da própria vida, [...], considera crime toda e qualquer
conduta tendente a destruir a vida alheia”.

Bitencourt (2011, p. 129) esclarece que

A conduta típica consiste em induzir (suscitar, fazer surgir


uma ideia inexistente), instigar (animar, estimular, reforçar
uma ideia já existente) ou auxiliar (ajudar materialmente)
alguém a suicidar-se. Trata-se de um tipo penal
de conteúdo variado, isto é, ainda que o agente
pratique, cumulativamente, todas as condutas É autor do crime
descritas nos verbos nucleares, em relação à previsto no artigo
mesma vítima, praticará um mesmo crime. 122 do Código Penal
Brasileiro aquele
Então podemos concluir que é autor do crime previsto no artigo quem induz, instiga
ou auxilia alguém a
122 do Código Penal Brasileiro aquele quem induz, instiga ou auxilia
suicidar-se.
alguém a suicidar-se.

Como sugestão, assista ao filme “Roleta Russa”, que dá uma


ideia de instigação, induzimento e auxílio ao suicídio.

b) Tipo Penal

O crime de participação em suicídio terá um sujeito ativo, aquele que instigou,


induziu ou prestou auxílio no suicídio de alguém, e o sujeito passivo, também
chamado suicida.

O sujeito ativo, ou seja, aquele que pode praticar o delito, nesse caso pode
ser qualquer pessoa, exceto o suicida. Por esse motivo, classifica-se de crime
comum.

O sujeito passivo, ou seja, a vítima, pode ser qualquer pessoa com


capacidade de ser induzida, instigada ou auxiliada a suicidar-se. Aquele que
não tem capacidade de autodeteminar-se não será vítima desse crime e sim de

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Direito Penal II - Parte Especial

homicídio. Ex.: um adulto fala para uma criança de 10 anos pular de um cobertura
e ela pula e morre, será homicídio e não o tipo penal desse artigo.

Já apresentamos os conceitos de sujeito ativo e passivo quando


abordamos o Homicídio. Nesta situação, a compreensão é diferente.
A principal diferença entre o crime de homicídio e participação em
suicídio é se a vítima é capaz (tem capacidade de entendimento) ou
não (menores, doentes mentais etc.).

Confira o que diz o art. 122 do Código Penal Brasileiro:

Art. 122 - Induzir (participação moral; significa dar a ideia do suicídio a


alguém que ainda não tinha tido esse pensamento) ou instigar (participação
moral – significa reforçar a intenção suicida já existente) alguém (pessoa ou
pessoas determinadas) a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça
(participação material; significa colaborar materialmente com a prática do suicídio,
quer dando instruções, quer emprestando objetos para que a vítima se suicide;
essa participação deve ser secundária, acessória, pois se a ajuda for a causa
direta e imediata da morte da vítima, o crime será o de “homicídio”):

Pena - reclusão, de 2 a 6 anos, se o suicídio se consuma;


ou reclusão, de 1 a 3 anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão
Três são as ações corporal de natureza grave.
previstas pelo tipo
penal: Importante a distinção que Capez (2011, p.123) faz sobre as
condutas do autor de crime de participação em suicídio:
a) Induzir: significa
sucitar a ideia,
sugerir o suicídio. Três são as ações previstas pelo tipo penal:

b) Instigar: significa a) Induzir: significa sucitar a ideia, sugerir o suicídio. Ocorre


reforçar, estimular, o induzimento quando a ideia de autodestruição é inserida
encorajar um na mente suicida, que não havia desenvolvido o pensamento
desejo já existente. por si só. Por exemplo: indivíduo que perde o emprego e é
sugestionado pelo seu colega a suicidar-se por ser a única
forma de solucionar os seus problemas.
c) Prestar auxílio:
consiste na b) Instigar: significa reforçar, estimular, encorajar um desejo já
prestação de ajuda existente. Na instigação, o sujeito ativo potencializa a ideia de
material, que tem suicídio que já havia na mente da vítima. Cite-se o exemplo que
caráter meramente nos é dado por E. Magalhães Noronha: “induz o pai que, ciente
secundário. do desígnio suicida da filha seduzida, lhe conta que assim
também agiu determinada mulher, revelando honra e brio”.

20
Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

c) Prestar auxílio: consiste na prestação de ajuda material,


que tem caráter meramente secundário. O auxílio pode ser
concedido antes ou durante a prática do suicídio. [...] o auxíio é
eminentemente acessório, limitando-se o agente, in exemplis,
a fornecer meios ( arma, o veneno etc), a ministrar instruções
sobre o modo de empregá-los, a criar condições de viabiliadde
do suicídio, a frustar a vigilância de outrem, a impedir ou
dificultar o imediato socorro.

O delito de participação em suicídio é qualificado, ou seja, a pena será maior


quando:

c) Aumento de pena A pena é duplicada:

Se o crime é
A pena é duplicada: praticado por motivo
egoístico.
I - se o crime é praticado por motivo egoístico (ex.: para ficar com
a herança da vítima, com o seu cargo); Se a vítima é menor
ou tem diminuída,
por qualquer causa,
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa,
a capacidade de
a capacidade de resistência (ex.: vítima está embriagada, com resistência
depressão).

CRIME DE PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO

Podemos concluir, sobre o crime de participação em suicídio,


que:

1. não admite tentativa;

2. consuma-se no momento da morte da vítima ou quando ela sofre


lesões corporais graves; resultando lesões leves o fato é atípico;

3. deve haver relação de causa e efeito entre a conduta do agente e


a da vítima;

4. deve haver seriedade na conduta do agente. Se alguém, em tom


de brincadeira, diz à vítima que a única solução é “se matar” e ela
efetivamente se mata, o fato é atípico por ausência de dolo;

5. a vítima deve ter capacidade de entendimento (de que sua


conduta irá provocar sua morte) e resistência. Assim, quem induz
21
Direito Penal II - Parte Especial

criança de pouca idade ou pessoa com grave enfermidade mental


a se atirar de um prédio responde por “homicídio”;

6. se várias pessoas fazem roleta-russa em grupo, uns estimulando


os outros, os sobreviventes respondem por este crime.

7. se duas pessoas fazem um pacto de morte e um deles se mata e


o outro desiste, o sobrevivente responderá por este crime.

8. se duas pessoas decidem morrer juntamente, se trancam em


um compartimento fechado e um deles liga o gás, mas apenas o
outro morre, haverá “homicídio” por parte daquele que executou
a conduta de abrir a torneira do botijão de gás.

Fonte: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAKrwAD/
direito-penal-parte-especial>. Acesso em: 10 dez. 2011.

A competência para julgar os crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do


Júri.

Atividade de Estudos:

1) Pedro e Tiago, desanimados da vida, conversam entre si e chegam


à conclusão de tirarem suas próprias vidas. Considerando que
ambos não sabem nadar, combinam de atirarem-se no rio das
Antas, cuja profundidade é de 10 metros. Assim, de mãos dadas,
jogam-se no rio. Em atitude de desespero (instinto de defesa),
Tiago consegue nadar e chegar à margem do rio, mas a mesma
sorte não acompanha Pedro, que vem a óbito.
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Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

Infanticídio
Estudaremos agora o crime de Infanticídio, ou seja, a morte do filho pela mãe
sob a influência do estado puerperal. Conferimos que, no Direito Romano, a morte
dada ao filho pela mãe era equiparada ao crime de homicídio. Temos registro que,
na Lei das XII Tábuas (século V a.C.), havia permissão para que o pai matasse o
filho que nascesse disforme ou de aspecto monstruoso, mediante o julgamento de
cinco vizinhos. A lei penal atual não tem mais o mesmo entendimento, e determina
punição para qualquer pessoa que matar seu filho.

a) Conceituação

Infanticídio é considerado pela doutrina como um homicídio


O infanticídio é
privilegiado, ou seja, por ser cometido pela mãe contra o filho em
um crime próprio,
condições especiais.
praticado pela mãe
da vítima, já que o
Mirabete (2011, p. 53) nos ensina que “o infanticídio é um crime dispositivo se refere
próprio, praticado pela mãe da vítima, já que o dispositivo se refere ao ao ‘próprio filho’ e ao
‘próprio filho’ e ao ‘estado puerperal’”. ‘estado puerperal’.

No mesmo sentido, Bitencourt (2011, p. 148) esclarece:

A ação nuclear descrita no tipo penal é exatamente a


mesma do homicídio: matar. Assim, toda e qualquer conduta
que produzir a supressão da vida humana, tal como no
homicídio, pode sinalizar o início da adequação típica do
crime de infanticídio. Contudo, a norma que emerge do
art. 123, definidor do crime de infanticídio, é produto de lex
specialis, que exige, consequentemente, a presença de outros
elementos da estrutura típica. A condita típica consiste em
matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho,
durante o parto ou logo após.

Enfim, Prado (2010, p. 108) alerta que “admite-se qualquer meio de execução
hábil a produzir a morte do ser humano nascente ou recém-nascido (delito de
forma livre).”

A morte pode ser ocasionada por uma conduta comissiva (sufocação,


estrangulamento, traumatismo, asfixia) ou omissiva (falta de sutura do cordão
umbilical, inanição, não prestação de cuidados especiais).

b) Tipo Penal

O crime de infanticídio terá um sujeito ativo, aquele(a) que retirou a vida de


seu(sua) filho(a), e um sujeito passivo, o(a) filho(a) morto(a).
23
Direito Penal II - Parte Especial

O sujeito ativo, ou seja, aquele que pode praticar o delito, nesse


O crime de
caso somente poderá ser a mãe do nascente ou recém-nascido. Por
infanticídio terá
um sujeito ativo, esse motivo, classifica-se de crime próprio.
aquele(a) que
retirou a vida de Importante: O terceiro que participa do crime, junto com a mãe,
seu(sua) filho(a), e responde por infanticídio seguindo a regra do art. 30 do CP.
um sujeito passivo,
o(a) filho(a) O sujeito passivo, ou seja, a vítima, é o nascente ou neonato.
morto(a).
Infanticídio é definido, no Código Penal Brasileiro, nos seguintes
termos:

Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal (é uma perturbação


psíquica que acomete grande parte das mulheres durante o fenômeno do parto
e, ainda, algum tempo depois do nascimento da criança; em princípio, deve ser
provado, mas, se houver dúvida no caso concreto, presume-se que ele ocorreu),
o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena - detenção, de 2 a 6 anos.

Percebemos que o crime de infanticídio acontece no estado puerperal, mas o


que é estado puerperal?

Buscamos então os ensinamentos dos médicos Almeida Júnior e Costa


Júnior (1977, p. 381), na clássica obra de medicina legal:

Puerpério (de puer e parere) é o período que vai da


dequitação (isto é, do deslocamento e expulsão da placenta)
à volta do organismo materno à condições pré-gravídicas” (r.
Briquet). Sua Duração é, pois, de seis a oito semanas (Lee),
conquanto alguns limitem o uso da expressão “puerpério”
ao prazo de seis a oito dias, em que a mulher se conserva
no leito. Fenômeno não bem definido, o estado puerperal é
por vezes confundido com perturbações à saúde mental,
sendo até negada sua existência por alguns autores. Merece
ser transcrita a explicação dos autores já citados: “Nele
se incluem os casos em que a mulher, mentalmete sã, mas
abalada pela dor física do fenômeno obstétrico, fatigada,
enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso do
senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando
por isso a matar o próprio filho. De um lado, nem alienação
mental, nem semialinenação (casos estes já regulados
genericamente pelo Código). De outro modo, tampouco frieza
de cálculo, a ausência de emoção, a pura crueldade (que
caracterizam, então o homicídio). Mas a situação intermédia,
podemos dizer até normal, da mulher que, sob o trauma da
parturição e dominada por elementos psicológicos peculiares,
se defronta com o produto talvez não desejado, e temido, de
suas entranhas.

24
Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

Pode-se concluir que, a respeito da expressão “logo após o parto”, não há


fixação precisa. A jurisprudência admite que, enquanto durar o estado puerperal,
será “logo após o parto”.

Importante: se a mãe preencher todos os requisitos do tipo, porém imagina


ser seu filho e é o filho de outra pessoa, responderá por infanticídio, na hipótese
de erro sobre a pessoa. (art. 20, § 3º, CP).

Admite-se a tentativa, desde que o resultado morte não ocorra por


circunstâncias alheias à vontade do agente. 

A competência para julgar os crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do


Júri.

Atividade de Estudos:

1) Durante o parto, o médico, antes de retirar a criança do ventre


materno, sabendo que a criança não sobreviverá por muitos dias,
porém sendo essa informação de completo desconhecimento
da mãe, acaba estrangulando a mesma com o cordão umbilical,
dentro do ventre materno, matando-a. Qual a conduta criminosa
do médico?
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Aborto
Estudaremos agora o crime de aborto, ou seja, a morte do feto pela própria
gestante. Porém, o aborto também poderá ser praticado por médico, pelo marido,
pelo namorado, tendo ou não o consentimento da gestante.

Verificamos que, em Roma, nos primeiros tempos, o aborto não era tratado
como crime. Para os romanos, o feto era tido como parte do corpo da gestante e
esta poderia dele livremente dispor. Porém, sob a influência do Cristianismo, por
volta de 374 d.C., o Direito Canônico reprovou a prática do aborto, entendendo
que o feto, ou o nascituro, morreria sem ser batizado.
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Direito Penal II - Parte Especial

a) Conceituação

É a interrupção da gravidez com a consequente morte do feto. Mirabete


(2011, p. 57) conceitua de forma clara o crime de aborto:

Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do


Aborto é a produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas
interrupção da de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou
gravidez com feto (após três meses), não implicando necessariamente
a destruição sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido,
do produto da reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou
concepção. pode a gestante morrer antes de sua expulsão. Não deixará
de haver, no caso, o aborto.

Em síntese, Bitencourt (2011, p. 160) esclarece que “aborto é a interrupção


da gravidez antes de atingir o limite fisiológico, isto é, durante o período
compreendido entre a concepção e o início do parto, que é o marco final da
vida intrauterina”.

Existe uma classificação para os tipos de aborto, sendo que em algumas


situações não há punição por não ser considerado crime ou ser o aborto permitido.
Veja o quadro abaixo:

Quadro 1 – Tipos de aborto e suas consequências legais

Tipos de aborto Consequência e punição


Aborto natural É a interrupção espontânea da gravidez (impunível).
Acontece em consequência de traumatismo (impunível) - ex.:
Aborto Acidental
queda, acidente em geral.
Aborto Criminoso Encontra-se previsto nos artigos 124 a 127 do Código Penal.
Aborto legal ou permitido Encontra-se previsto no art. 128 do Código Penal
Fonte: Os autores.

b) Meios de Praticar o Aborto

Há várias formas de provocar o aborto. Sobre esta questão, Gonçalves


(1999, p. 42) afirma que:

Os métodos mais usuais são ingestão de medicamentos


abortivos, introdução de objetos pontiagudos no útero, raspagem
ou curetagem e sucção; é ainda possível a utilização de agentes
elétricos ou contundentes para causar o abortamento.

26
Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

Importante: se o feto já estiver morto (absoluta impropriedade


do objeto) ou o meio utilizado pelo agente não puder provocar o
aborto (absoluta ineficácia do meio), é crime impossível.

c) Tipo Penal

O crime de aborto pode ter tipos penais e penas diferentes, dependendo


quem cometeu o aborto (por exemplo: própria gestante, médico, namorado etc.) e
se o aborto aconteceu com ou sem consentimento da gestante.

O art. 124 do Código Penal Brasileiro prevê o aborto provocado pela gestante
(autoaborto) ou com seu consentimento. Vejamos:

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho


provoque:

Pena - detenção, de 1 a 3 anos.

Perceba que a gestante que consente, incide nesse artigo, enquanto o terceiro
que executa o aborto, com concordância da gestante, responde pelo art. 126.

Importante: é crime próprio, já que nelas o sujeito ativo é a


gestante; é crime de mão própria, uma vez que não admite coautoria,
mas apenas participação.

O art. 125 do Código Penal Brasileiro prevê o aborto provocado sem o


consentimento da gestante. Vejamos:

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 3 a 10 anos.

O art. 126 do Código Penal Brasileiro prevê o aborto provocado com o


consentimento da gestante. Vejamos:

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 1 a 4 anos.


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Direito Penal II - Parte Especial

§ único - Aplica-se a pena do artigo anterior se a gestante não é maior de


14 anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante
fraude, grave ameaça ou violência.

O art. 127 do Código Penal Brasileiro contém as formas qualificadas pelo


resultado. Vejamos:

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores (arts. 125 e
126) são aumentadas de 1/3, se, em consequência do aborto ou dos meios
empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza
grave; e são duplicadas se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

O artigo 128 do Código Penal Brasileiro prevê o aborto legal ou permitido. De


acordo como texto legal, não se pune o aborto praticado por médico.

d) Aborto necessário - Se não há outro meio de salvar a vida da gestante

No conceito de Estefam (2010, p. 151), “dá-se quando o ato é praticado por


médico, verificando-se não existir outro meio de salvar a vida da gestante. É a
interrupção artificial da gravidez para conjurar perigo certo, e inevitável por outro
modo, à vida da gestante”.

Para Greco (2010, p. 235), “no caso do aborto necessário, também conhecido
por aborto terapêutico ou profilático, não temos dúvida em afirmar que se trata de
uma causa de justificação correspondente ao estado de necessidade”.

e) Aborto sentimental

Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento


da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

A lei também autoriza o aborto quando a gravidez resulta de estupro, e sempre


que houver, neste caso, consentimento da gestante ou de seu representante legal.

A lei também Estefam (2010, p. 152) ressalva que “o legislador brasileiro


autoriza o aborto priorizou que não se pode obrigar uma mulher a levar até o final uma
quando a gravidez gravidez que a fará recordar, diária e permanentemente, de uma odiosa
resulta de estupro, violência a que fora submetida”.
e sempre que
houver, neste caso,
consentimento da Greco (2010, p. 238) ensina que “o legislador cuidou de uma
gestante ou de seu hipótese de inexigibilidade de conduta diversa, não se podendo
representante legal. exigir da gestante que sofreu a violência sexual a manutenção de
sua gravidez”.
28
Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

Leia o livro de Maria Tereza Verardo: “Aborto: um direito ou


um crime”. Editora Moderna.

Atividade de Estudos:

1) Elmira Schons recebeu em sua casa Laurinda Zacaron e


Zildanabel Tavares a fim de praticar as manobras abortivas que
levaram à consumação do delito em relação a ambas, tendo estas
últimas consentido no resultado lesivo. Dê o enquadramento legal
do(s) comportamento(s) de Elmira, Laurinda e Zildanabel.
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Lesões Corporais
Estudaremos agora o crime de lesões corporais, ou seja, a ofensa à
integridade física da vítima.

a) Conceituação

No conceito apresentado por Bitencourt (2011, p. 186), lesão


corporal “consiste em todo e qualquer dano produzido por alguém, As lesões corporais
sem animus necandi, à integridade física ou à saúde de outrem”. consistem:
em qualquer dano
ocasionado à
Segundo Capez (2011, p.166), as lesões corporais consistem:
integridade física e à
em qualquer dano ocasionado à integridade
saúde fisiológica ou
física e à saúde fisiológica ou mental do homem mental do homem
sem, contudo, o animus necandi. A integridade sem, contudo, o
física diz respeito à alteração anatômica interna animus necandi.
ou externa do corpo humano, geralmente

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Direito Penal II - Parte Especial

produzida por violência física ou mecânica: por exemplo,


produzir ferimentos no corpo, amputar membros, furar os
olhos etc., não se exigindo o derramamento de sangue. A
saúde fisiológica do corpo humano diz respeito ao equilíbrio
funcional do organismo, cuja lesão normalmente não produz
alteração anatômica, ou seja, dano, mas apenas perturbação
de sua normalidade funcional que produz ofensa à saúde, por
exemplo: ingerir substância que altere o funcionamento normal
do organismo. A saúde mental diz respeito à perturbação de
ordem psíquica (p. ex., choque nervoso decorrente de um
susto, estado de inconsciência, insanidade mental). Ressalve-
se que a dor não integra o conceito de lesão corporal, até
porque a sua análise é de índole estritamente subjetiva.

Podemos, então, assim resumir:

OFENSA À Abrange qualquer alteração anatômica prejudicial ao corpo hu-


INTEGRIDADE FÍSICA mano - ex.: fraturas, cortes, escoriações, luxações, queimaduras,
equimose, hematomas etc.; eritemas e a simples dor não consti-
tuem lesões.
Abrange a provocação de perturbações fisiológicas (vômitos,
OFENSA À SAÚDE paralisia corporal momentânea, transmissão intencional de doença
etc.) ou psicológicas.

Importante: a prova da materialidade deve ser feita através de


exame de corpo de delito, mas, para o oferecimento da denúncia,
basta qualquer boletim médico ou prova equivalente (art. 77, § 1°, L.
nº 9.099/95).

b) Tipo Penal

O crime de lesão corporal pode ser assim classificado pelo Código Penal
Brasileiro:

MODALIDADES PREVISÃO LEGAL


Lesão corporal leve Art. 129, caput
Lesão corporal grave Art. 129, parágrafo 1º
Lesão corporal gravíssima Art. 129, parágrafo 2º
Lesão corporal culposa Art. 129, parágrafo 6º
Lesão corporal seguida de morte Art. 129, parágrafo 3º

O artigo 129, caput, do Código Penal Brasileiro prevê o crime de lesões


corporais leves. Vejamos:
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Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:


Lesões Corporais
Leves são as lesões
Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano. corporais que não
determinam as
Lesões Corporais Leves são as lesões corporais que não consequências
determinam as consequências previstas nos §§ 1°, 2° e 3° do art. previstas nos §§
129 do CP; são representadas frequentemente por danos superficiais 1°, 2° e 3° do art.
comprometendo a pele, a hipoderme, os vasos arteriais e venosos 129 do CP; são
capilares ou pouco calibrosos - ex.: o desnudamento da pele ou representadas
escoriação, o hematoma, a equimose, ferida contusa, luxação, edema, frequentemente por
danos superficiais
torcicolo traumático, choque nervoso, convulsões ou outras alterações
comprometendo a
patológicas congêneres obtidas à custa de reiteradas ameaças.
pele, a hipoderme,
os vasos arteriais e
No mesmo sentido, Capez (2011, p. 173) conceitua como sendo venosos capilares
dano à integridade física ou à saúde que não constitua lesão grave ou ou pouco calibrosos.
gravíssima.

Na lesão corporal leve, a ação penal é pública condicionada à


representação (art. nº 88, L. 9.099/95).

Na aplicação da pena no crime de lesões corporais leves, o Código Penal


prevê que o juiz pode substituir a pena. Vejamos:

§ 5º - O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir


a pena de detenção pela de multa:

I - se ocorre qualquer das hipóteses do § 4° (agente comete o crime impelido


por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta
emoção; logo em seguida a injusta provocação da vítima);

II - se as lesões são recíprocas.

Já o crime de lesões corporais graves vem descrito no artigo 129, parágrafo


primeiro, conforme segue:

§ 1º - Se resulta:

I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias;

II - perigo de vida;

III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;


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Direito Penal II - Parte Especial

IV - aceleração de parto:

Pena - reclusão, de 1 a 5 anos.

Em síntese, as lesões corporais graves podem ser caracterizadas,


resumidamente, de acordo com o apresentado no quadro a seguir:

Quadro 2 – Lesões graves e suas características

TIPOS DE LESÕES
CARACTERIZAÇÃO
GRAVES
É quando o ofendido não pode retornar a todas as suas comuns
Incapacidade para as atividades corporais antes de transcorridos 30 dias, contados da
ocupações habituais por data da lesão; a incapacidade não precisa ser absoluta, basta
mais de 30 dias que a lesão caracterize perigo ou imprudência no exercício das
ocupações habituais por mais de 30 dias.

É a probabilidade concreta e objetiva de morte (não pode nunca


ser suposto, nem presumido, mas real, clínica e obrigatoriamente
diagnosticado); é a situação clínica em que resultará a morte do
ofendido se não for socorrido adequadamente, em tempo hábil;
ele se apresenta como um relâmpago, num átimo, ou no curso
Perigo de vida evolutivo do dano, desde que seja antes do trintídio - ex.: hemor-
ragia por seção de vaso calibroso, prontamente coibida; trauma-
tismo cranioencefálico, feridas penetrantes do abdome, lesão de
lobo hepático, comoção medular, queimaduras em áreas extensas
corporais, colapso total de um pulmão etc.

É a lesão consequente à fraqueza, à debilitação, ao enfraqueci-


mento duradouro, mas não perpétuo ou impossível de tratamento
ortopédico, do uso da energia de membro, sentido ou função, sem
comprometimento do bem-estar do organismo, de origem traumáti-
ca; por permanente entende-se a fixação definitiva da incapacidade
parcial, após tratamento rotineiro que não logra o resultado almeja-
Debilidade permanente do, resultando, portanto, verdadeira enfermidade; a ablação ou inu-
de membro, sentido (são tilização de um órgão duplo, mantido o outro íntegro e não abolida
as funções perceptivas a função, constitui lesão grave (debilidade permanente); a ablação
que permitem ao indivíduo ou inutilização de um órgão duplo e debilitação da forma do órgão
contatar os objetos do remanescente, trata-se de lesão gravíssima (perda de membro,
mundo exterior) ou função sentido ou função); a eliminação ou inutilização total de um órgão
(é o modo de ação de um ímpar que tenha suas funções compensadas por outros órgãos,
órgão, aparelho ou sistema bem como a diminuição da função genésica peniana consequente a
do corpo) um traumatismo, tratam-se de lesão grave (debilidade permanente);
a perda de dente, em princípio, não é considerada lesão grave, nem
gravíssima, compete aos peritos odontólogos apurar e afirmar, de
forma inconteste, a debilidade da função mastigadora; a perda de
dente poderá eventualmente integrar a qualificadora deformidade
permanente se complexar o ofendido a ponto de interferir negativa-
mente em seu relacionamento econômico e social.

32
Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

Consiste na antecipação quanto à data ou ocasião do parto, mas


necessariamente depois do tempo mínimo para a possibilidade
de vida extrauterina e desencadeada por traumatismos físicos ou
Aceleração de parto psíquicos; na aceleração do parto, o concepto deve nascer vivo e
continuar com vida, dado o seu grau de maturação; no aborto, o
concepto é expulso morto, ou sem viabilidade, se sobreviver.

Fonte: extraído e adaptado de: <http://resumos.netsaber.com.br/


ver_resumo_c_2043.html>. Acesso em: 10 dez. 2011.

O crime de lesões corporais gravíssimas está previsto no art. 129, parágrafo


2º. Confira:

§ 2º - Se resulta:

I - incapacidade permanente para o trabalho;

II - enfermidade incurável;

III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

IV - deformidade permanente;

V – aborto

Pena - reclusão, de 2 a 8 anos.

Em síntese, as lesões corporais gravíssimas podem ser caracterizadas, de


forma resumida, de acordo com o apresentado no quadro a seguir:

Quadro 3 - lesões corporais gravíssimas e suas características

TIPOS DE LESÕES
CARACTERIZAÇÃO
GRAVÍSSIMAS
Incapacidade permanente É caracterizada pela inabilitação ou invalidez de duração in-
para o trabalho calculável, mas não perpétua, para todo e qualquer trabalho.

Enfermidade É a ausência ou o exercício imperfeito ou irregular de deter-


incurável minadas funções em indivíduo que goza de aparente saúde.
Perda (é a amputação ou mutilação do membro ou órgão)
ou inutilização (é a falta de habilitação do membro ou
Perda ou órgão à sua função específica) de membro, sentido
inutilização de membro, ou função – é caracterizada pela perda, parcial ou total,
sentido ou função de membro, sentido, ou função, consequente à amputação, à
mutilação ou à inutilização.

33
Direito Penal II - Parte Especial

É o dano estético irreparável pelos meios comuns, ou por si


mesmo, capaz de provocar sensação de repulsa no observa-
dor, sem, contudo, atingir o aspecto de coisa horripilante, mas
que cause complexo ou interfira negativamente na vida social
Deformidade ou econômica do ofendido; se o portador de deformidade
permanente permanente se submeta, de bom grado, à cirurgia plástica
corretora, a atuação do réu, amiúde, será considerada gravís-
sima, todavia, será desclassificada para lesão corporal menos
grave, se ainda não foi prolatada a sentença.
É a interrupção da gravidez, normal e não patológica, em
qualquer fase do processo gestatório, haja ou não a expulsão
do concepto morto, ou, se vivo, que morra logo após pela
inaptidão para a vida extrauterina; se resultante de ofensa
Aborto corporal ou violência psíquica, constitui lesão gravíssima;
no aborto, o produto da concepção é expulso morto ou sem
viabilidade; na aceleração do parto, a criança nasce antes da
data prevista, porém viva e em condições de sobreviver.

Fonte: extraído e adaptado de: <http://resumos.netsaber.com.br/


ver_resumo_c_2043.html>. Acesso em: 10 dez. 2011.

O crime de lesões corporais seguido de morte está previsto no art.


O crime de lesões 129, parágrafo 3º, do Código Penal:
corporais seguido
de morte está
§ 3º - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o
previsto no art. 129,
parágrafo 3º, do agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
Código Penal:
§ 3º - Se resulta Pena - reclusão, de 4 a 12 anos.
morte e as
circunstâncias Nesse caso, é “crime preterdoloso”, o agente quer apenas
evidenciam que o lesionar a vítima e acaba provocando sua morte de forma não
agente não quis intencional, mas culposa.
o resultado, nem
assumiu o risco de
produzi-lo: Confira que o crime de lesão corporal prevê a possibilidade de
Pena - reclusão, de diminuição de pena (forma privilegiada):
4 a 12 anos.
§ 4º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de
relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta
emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir
a pena de 1/6 a 1/3.

Da mesma forma o juiz pode aumentar a pena dependendo da qualidade da


vítima, veja:

§ 7º - Aumenta-se a pena de 1/3, se o crime é praticado contra pessoa


menor de 14 anos e maior de 60 anos.

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Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

O crime de lesão corporal culposa está previsto no art. 129, parágrafo 6º,
confira:

§ 6º - Se a lesão é culposa:

Pena - detenção, de 2 meses a 1 ano.

No crime de lesão corporal culposa, o juiz pode aumentar a pena quando:

§ 7º - Aumenta-se a pena de 1/3, se o crime resulta de inobservância de


regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar
imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu
ato, ou foge para evitar prisão em flagrante.

No crime de lesão corporal culposa também há possibilidade de perdão


judicial, como já explica no crime de homicídio culposo:

§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121 (o juiz poderá


deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio
agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária).

Importante: se as lesões corporais acontecem na direção de veículo


automotor, será aplicado o Código de Trânsito Brasileiro, confira:

Art. 303, CTB - Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo


automotor:

Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de


se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Aumenta-se a pena de 1/3 a 1/2 se ocorrer qualquer das hipóteses do § único


do artigo anterior (não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;
praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; deixar de prestar socorro, quando
possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; no exercício de sua
profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros).

Atividade de Estudos:

1) No dia 11 de maio de 2001, por volta de 18h30min, na rua geral


Colônia Santa Luzia, Pagará, no bar denominado “Bar da Sra.
Maria”, o Neri Domingos de Souza, por motivos de somenos

35
Direito Penal II - Parte Especial

importância, desferiu um murro na vítima José Anízio Machado,


fazendo com que a mesma caísse pesadamente ao solo,
provocando na mesma traumatismo cranioencefálico, vindo
a vítima a falecer em 15/05/2001, ou seja, quatro dias após
a agressão, em consequência de hemorragia intracraniana,
conforme atesta o laudo pericial de exame cadavérico. Dê o
enquadramento legal do(s) comportamento(s).
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Algumas Considerações
Neste capítulo, estudamos os crimes contra a pessoa, especialmente a
abordagem dos crimes de homicídio, participação em suicídio, infanticídio, aborto
e lesão corporal. .

Nos crimes analisados no presente tópico, todos os crimes, com exceção do


crime de lesão corporal, são julgados pelo Tribunal do Júri brasileiro. Percebemos
que o legislador quer dar um julgamento mais democrático aos crimes desta
natureza, ou seja, pessoas do povo escolhidas e julgando se o acusado será
condenado ou não, mas sempre respeitando e de acordo com as normas de
direito constitucional.

Para finalizar, é importante ressaltar a importância do princípio da inocência,


do devido processo legal e da legalidade para julgamento justo de todos que
respondem a um processo por crimes desta natureza.

36
Capítulo 1 Crimes Contra a Pessoa

Referências
ALMEIDA JR., A., COSTA JUNIOR, J. B. O. Lições de Medicina Legal. 14. ed.
São Paulo: Nacional, 1977.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial 2. 11.


ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. v. 2

DENATRAN. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível em: <http://


www.denatran.gov.br/ctb.htm>. Acesso em: 29 ago. 2011.

ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte especial. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Sinopses jurídicas: dos crimes contra a


pessoa. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 7. ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2010. v. 2.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial. 28. ed. São
Paulo: Atlas, 2011. v. 2

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 9. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. v. 2

37
C APÍTULO 2
Crimes Contra o Patrimônio

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conceituar os crimes contra o patrimônio.

33 Identificar e distinguir os crimes contra o patrimônio diante de casos reais.

33 Buscar na jurisprudência casos julgados pelos Tribunais e apresentar


comentário crítico referente ao crime pesquisado.
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

Contextualização
Neste capítulo, estudaremos os “Crimes contra o patrimônio”, que são
aqueles delitos que ofendem o patrimônio das pessoas. São eles: furto (CP, art.
155), roubo (CP, art. 157), latrocínio (CP, art. 157, parágrafo 3º.), extorsão (CP, art.
158), extorsão mediante sequestro (CP, art. 159), apropriação indébita (CP, art.
168), estelionato (CP, art. 171) e receptação (CP, art. 180).

O estudo dos crimes contra o patrimônio é de grande importância, pois trata


da proteção de um bem jurídico importante a ser tutelado, que é o seu patrimônio,
ou seja, tudo aquilo que você conseguiu adquirir com seu trabalho e dedicação.

Diariamente, a imprensa nos traz notícias de crimes de roubos, latrocínios


e, ainda hoje, pessoas são vítimas do golpe do bilhete premiado. A importância
do estudo destes crimes será, para você, operador do direito, distinguir e dar a
correta aplicação dos tipos penais, aprofundando os conhecimentos que já possui
acerca do tema.

Do Furto
Estudaremos agora o crime de furto, que pode ocorrer de várias formas,
algumas vezes de formas simples, com a simples subtração da coisa alheia,
e em outras vezes mais elaborado, como furto com destreza, em concurso de
mais pessoas, com arrombamento, escalada, destreza, enfim, modalidades mais
elaboradas de subtrair o patrimônio alheio.

a) Conceituação

Mirabette (2011, p. 189) conceitua o furto como a “subtração de coisa alheia


móvel para si ou para outrem. É, pois, o assenhoramento da coisa com o fim de
apoderar-se dela de modo definitivo.

No mesmo sentido, Capez (2011, p. 426) conceitua “o verbo subtrair, que


significa tirar, retirar de outrem bem móvel, sem sua permissão, com o fim de
assenhoramento definitivo”. Chegamos à conclusão que a subtração implica
sempre a retirada do bem sem o consentimento do possuidor ou proprietário.

Mas observem que a subtração pode acontecer até mesmo à vista deles.
Por exemplo, o sujeito que entra em uma loja e, sob vigilância do comerciente, se
apodera da mercadoria, saindo em fuga depois.
41
Direito Penal II - Parte Especial

No Código Penal Brasileiro, o furto simples é previsto no art. 155, caput, com
a seguinte redação:

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de 1 a 4 anos, e multa.

Agora, descrevemos algumas particularidades do crime de furto:

Quadro 4 – Furto e suas particularidades.

Se dá quando o objeto é tirado da esfera de vigilância da


vítima, e o agente, ainda que por breve espaço de tempo,
Quando ocorre a consumação do
consegue ter sua posse tranquila; por isso, há mera
furto?
tentativa se o sujeito pega um objeto, mas a vítima sai em
perseguição imediata e consegue detê-lo.
Ilícito civil, mas o agente deve devolver a coisa no mesmo
“Furto de uso” não é crime ? local e estado em que se encontrava por livre e espontâ-
nea vontade, sem ser forçado por terceiro.
É o praticado por quem, em estado de extrema penúria, é
impelido pela fome a subtrair alimentos ou animais para
O que é o furto famélico?
poder alimentar-se; não há crime nesse caso, pois o agen-
te atuou sob a excludente do estado de necessidade.
O que é o “furto de bagatela” O valor da coisa é inexpressivo, juridicamente irrelevante
(“princípio da insignificância”)? (ex.: furtar uma agulha); ocasiona a exclusão da tipicidade.
O primeiro proprietário sofrerá dois furtos, pois a lei penal
E se um ladrão furta outro ladrão?
não protege a posse do ladrão.
E se o agente, após O crime de “dano” fica absorvido; trata-se de post fac-
furtar, destrói o objeto? tum impunível, pois não há novo prejuízo à vítima.
Tecnicamente haveria dois crimes, pois existem duas
vítimas diferentes, uma do “furto” e outro do crime de
“disposição de coisa alheia como própria” (art. 171,
Se o agente, após furtar, vende o
§ 2°, I), porém a jurisprudência, por razões de política
objeto a terceiro de boa-fé?
criminal, vem entendendo que o subtipo do “estelionato”
fica absorvido, pois com a venda o agente estaria apenas
fazendo lucro em relação aos objetos subtraídos.
Ela, a “trombada”, só serviu para desviar a atenção da vítima
E no caso da “trombada”, o crime (“furto qualificado” pelo arrebatamento ou destreza). Se
será de furto ou de roubo? houve agressão ou vias de fato contra a vítima, ocorre o
“roubo”.

Fonte: Os autores.

42
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

No parágrafo 1º do art. 155 do Código Penal Brasileiro, é descrita uma causa


de aumento de pena:
Causas de aumento de pena (furto noturno)

§ 1º - A pena aumenta-se de 1/3, se o crime é praticado durante


A pena aumenta-se
o repouso noturno.
de 1/3, se o crime é
praticado durante o
Mas afinal, o que é o repouso noturno? repouso noturno.

Perceba que noite é a ausência de luz solar, mas o repouso


noturno é período em que as pessoas de uma certa localidade descansam,
dormem, devendo a análise ser feita de acordo com as características da região
(rural, urbana etc.) (CESCHIN, 2011).

Esta causa de aumento de pena somente se aplica ao “furto simples”;


prevalece o entendimento de que o aumento só é cabível quando a subtração
ocorre em casa ou em alguns de seus compartimentos (não tem aplicação se
ele é praticado na rua, em estabelecimentos comerciais etc.) e em local habitado
(excluem-se as casas desabitadas, abandonadas, residência de veraneio na
ausência dos donos, casas que estejam vazias em face de viagem dos moradores
etc.) (CESCHIN, 2011).

No parágrafo 2º do Art. 155 do Código Penal Brasileiro, é descrita uma causa


de diminuição de pena, também denominada de furto privilegiado:

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o


juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1/3 a 2/3,
ou aplicar somente a pena de multa (CESCHIN, 2011).

Conforme exige a lei, deverão obrigatoriamente estar presentes os dois


requisitos acima para o juiz conceder o privilégio legal, ou seja, o autor deverá ser
primário e a coisa furtada deverá ser de pequeno valor.

Importante esclarecer que o autor primário é aquele que não é reincidente


em outro crime, mas se a condenação anterior for por contravenção penal, não
retira a primariedade. A coisa de pequeno valor é aquela que não excede um
salário mínimo, ou seja, a jurisprudência firmou entendimento no sentido de que o
furto é mínimo quando a coisa subtraída não alcança o valor correspondente a um
salário mínimo vigente à época do fato (CESCHIN, 2011).

A lei equiparou à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha
valor econômico.

43
Direito Penal II - Parte Especial

Confira a descrição legal do art. 155, parágrafo terceiro:

§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que


tenha valor econômico.

Usando de interpretação analógica, podemos concluir que também configura


crime em tela o furto de energia térmica, mecânica, nuclear, genética etc.

No parágrafo 4º do art. 155 do Código Penal Brasileiro, estão previstas as


hipóteses de furto qualificado, sendo aplicada pena maior ao furto.

Com o quadro abaixo, ficará mais fácil compreender as formas qualificadas:

Quadro 5 – Modalidades de furtos qualificados

A violência deve ser contra o obstáculo e não contra a coisa; a


I – Destruição ou rompimento
simples remoção do obstáculo e o fato de desligar um alarme
de obstáculo à subtração da
não qualificam o crime.
coisa
A vítima que, por algum motivo, deposite uma especial con-
fiança no agente (amizade, parentesco, relações profissionais
etc.) e que o agente se aproveite de alguma facilidade decor-
II.a – Abuso de confiança rente dessa confiança para executar a subtração - ex.: furto
praticado por empregada que trabalha muito tempo na casa;
se o agente pratica o furto de uma maneira que qualquer outra
pessoa poderia tê-lo cometido, não haverá a qualificadora.

É o artifício, o meio enganoso usado pelo agente, capaz de


reduzir a vigilância da vítima e permitir a subtração do bem -
ex.: o uso de disfarce ou de falsificações; a jurisprudência vem
II.b – Mediante fraude entendendo existir o “furto qualificado” mediante fraude
na hipótese em que alguém, fingindo-se interessado na aqui-
sição de um veículo, pede para experimentá-lo e desaparece
com ele.
É a utilização de via anormal para adentrar o local onde o furto
será praticado; a jurisprudência vem exigindo para a concre-
tização dessa qualificadora o uso de instrumentos, como cor-
das, escadas ou, ao menos, que o agente tenha necessidade
II.c – Escalada de realizar um grande esforço para adentrar no local (transpor
um muro alto, janela elevada, telhado etc.); a escavação de
túnel é utilização de via anormal; quem consegue ingressar
no local do crime pulando um muro baixo ou uma janela térrea
não incide na forma qualificada.

44
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

É a habilidade física ou manual que permite ao agente


executar uma subtração sem que a vítima perceba que está
sendo despojada de seus bens; tem aplicação quando a
vítima traz seus pertences junto a si, pois apenas nesse caso
é que a destreza tem relevância (no bolso do paletó, em uma
bolsa, um anel, um colar etc.); se a vítima percebe a conduta
II.d – Destreza do sujeito, não há a qualificadora, haverá “tentativa de
furto simples”; se a conduta do agente é vista por terceiro,
que impede a subtração sem que a vítima perceba o ato, há
“tentativa de furto qualificado” pela destreza; se a
subtração é feita em pessoa que está dormindo ou embriaga-
da, existe apenas “furto simples”, pois não é necessário
habilidade para tal subtração.

Chave falsa: é a imitação da verdadeira, obtida de


forma clandestina (cópia feita sem autorização); qualquer
III - com emprego de instrumento, com ou sem forma de chave, capaz de abrir uma
chave falsa fechadura sem arrombá-la (ex.: grampos, “mixas”, chaves
de fenda, tesouras etc.); não se aplica essa qualificadora na
chamada “ligação direta”.

Concurso de duas ou mais pessoas: basta saber


IV - mediante concurso de que o agente não agiu sozinho; prevalece na jurisprudência o
duas ou mais pessoas entendimento de que a qualificadora atinge todas as pessoas
envolvidas na infração penal, ainda que não tenham pratica-
do atos executórios e mesmo que uma só tenha estado no
locus delicti.

Fonte: extraído e adaptado de: <http://www.ebah.com.br/content/


ABAAAAKrwAD/direito-penal-parte-especial>. Acesso em: 10 dez. 2011.

45
Direito Penal II - Parte Especial

Se forem reconhecidas duas ou mais qualificadoras, uma delas servirá para


qualificar o “furto” e as demais serão aplicadas como “circunstâncias judiciais”,
já que o artigo 59 estabelece que, na fixação da pena-base, o juiz levará em conta
as circunstâncias do crime, e todas as qualificadoras do § 4° referem-se aos
meios de execução (circunstâncias) do delito (CESCHIN, 2011).

Se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para


outro Estado ou para o exterior, o furto também será qualificado.

Confira o artigo 155, parágrafo quinto, do Código Penal Brasileiro:

§ 5º - A pena é de reclusão de 3 a 8 anos, se a subtração for de veículo


automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

Trata-se de qualificadora que, ao contrário de todas as demais, não se


refere ao meio de execução do “furto”, mas sim a um resultado posterior, ou
seja, o transporte do veículo automotor para outro Estado da Federação ou para
outro país.

Somente terá aplicação quando, por ocasião do “furto”, já havia intenção


de ser efetuado tal transporte; sendo assim, uma pessoa que não teve qualquer
participação anterior no “furto” e é contratada posteriormente apenas para
efetivar o transporte responde pelo crime de “receptação”, e não pelo “furto
qualificado”, que somente existirá para os verdadeiros responsáveis pela
subtração (CESCHIN, 2011).

Se o serviço de transporte já havia sido contratado antes da subtração,


haverá “furto qualificado” também para o transportador, pois este, ao aceitar o
encargo, teria estimulado a prática do “furto” e, assim, concorrido para o delito.

Essa qualificadora somente se aperfeiçoa quando o veículo automotor


efetivamente transpõe a divisa de Estado ou a fronteira com outro país; a tentativa
somente é possível se o agente, estando próximo da divisa, apodera-se de um
veículo e é perseguido de imediato até que transponha o marco divisório entre os
Estados, mas acaba sendo preso sem que tenha conseguido a posse tranquila do
bem (CESCHIN, 2011).

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Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

Atividade de Estudos:

1) Dois indivíduos, previamente ajustados, saem de um


supermercado com mercadorias, sem passar pelo caixa,
vindo um deles a ser preso em flagrante no estacionamento
do supermercado, com parte das mercadorias, enquanto seu
comparsa consegue fugir com o restante. Com relação à situação
apresentada, é correto afirmar que o indivíduo preso em flagrante
responderá por qual crime?
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Roubo
Estudaremos agora o crime de roubo, que pode ocorrer de várias maneiras,
mas sempre existindo a subtração de coisa alheia com o emprego de violência
contra a pessoa.

Pode-se dizer que o crime de roubo pode ser classificado como simples, ou
seja, há subtração e o emprego de violência contra a pessoa. Mas em outras
circunstâncias o crime de roubo pode ser classificado como qualificado, pois
acontece com o emprego de arma de fogo, ou em concurso de várias pessoas, ou
quando o veículo subtraído é transportado para outro Estado ou país.

a) Conceituação

Para Capez (2011, p. 461), “o crime de roubo constitui crime complexo, pois
é composto por fatos que individualmente constituem crimes”. São eles: furto,
mais constrangimento ilegal, mais lesão corporal leve.

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Direito Penal II - Parte Especial

Por outro lado, Greco (2010, p. 54) esclarece que “o que torna o roubo
especial em realção ao furto é justamente o emprego de violência à pessoa ou
da grave ameaça, com a finalidade de subtrair a coisa alheia móvel para si ou
para outrem”.

Confira o art. 157 do Código Penal Brasileiro e sua pena:

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante
grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer
meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de 4 a 10 anos, e multa.

Ressalta-se que, no crime de roubo, sempre existirá a grave ameaça ou o


emprego de violência contra a pessoa para a subtração da coisa.

Mas, enfim, qual é a diferença entre a grave ameaça e a violência?

- grave ameaça: é a promessa de um mal grave e iminente


(de morte, de lesões corporais, de praticar atos sexuais contra
a vítima de “roubo” etc.); a simulação de arma e a utilização
de arma de brinquedo constituem “grave ameaça”; tem-se
entendido que o fato do agente abordar a vítima de surpresa
gritando que se trata de um assalto e exigindo a entrega dos
bens, constitui “roubo”, ainda que não tenha sido mostrada
qualquer arma e não tenha sido proferida ameaça expressa,
já que, em tal situação, a vítima sente-se atemorizada pelas
próprias circunstâncias da abordagem.

- violência contra a pessoa: caracteriza-se pelo emprego


de qualquer desforço físico sobre a vítima a fim de possibilitar
a subtração (ex.: socos, pontapés, facada, disparo de arma
de fogo, paulada, amarrar a vítima, violentos empurrões ou
trombadas - se forem leves, desferidos apenas para desviar
a atenção da vítima, de acordo com a jurisprudência, não
caracteriza o “roubo”) (CESCHIN, 2011, grifo do autor).

Enfim, a lei apresenta que haja qualquer outro meio que reduza
O roubo é um a vítima à incapacidade de resistência. Diante disso, podemos dar
crime complexo, como exemplo o uso de soníferos, hipnose, superioridade numérica etc.
pois atinge mais de
um bem jurídico:
o patrimônio e a Podemos concluir que o roubo é um crime complexo, pois atinge
liberdade individual mais de um bem jurídico: o patrimônio e a liberdade individual (no caso
ou a integridade de ser empregada “grave ameaça”) ou a integridade corporal (nas
corporal.
hipóteses de “violência”).

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Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

As vítimas de roubo, também chamadas de sujeitos passivos, podem ser o


proprietário, o possuidor ou detentor da coisa, bem como qualquer outra pessoa
que seja atingida pela “violência” ou “grave ameaça” (CESCHIN, 2011).

Lembre-se que se o agente emprega “grave ameaça” concomitantemente


contra duas pessoas, mas subtrai objetos de apenas uma delas, pratica crime
único de “roubo”, já que apenas um patrimônio foi lesado; não obstante, esse
crime possui duas vítimas (CESCHIN, 2011).

Por outro lado, se o agente, em um só contexto fático, emprega “grave


ameaça” contra duas pessoas e subtrai objetos de ambas, responde por dois
crimes de “roubo” em concurso formal, já que houve somente uma ação (ainda
que composta de dois atos) - ex.: assaltante que entra em ônibus, subjuga vários
passageiros e leva seus pertences (CESCHIN, 2011).

A situação é diferente se o agente aborda uma só pessoa e apenas contra


ela emprega “grave ameaça”, mas com esta conduta subtrai bens de pessoas
distintas que estavam em poder da primeira, comete crimes de “roubo” em
concurso formal, desde que o roubador tenha consciência de que está lesando
patrimônios autônomos - ex.: assaltante que aborda o funcionário do caixa de um
banco e leva dinheiro da instituição, bem como o relógio de pulso do funcionário,
tem total ciência de que está lesando patrimônios distintos (CESCHIN, 2011).

O parágrafo primeiro do artigo 157 do Código Penal Brasileiro também prevê


a possibilidade do crime de roubo, confira:
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa,
emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a
impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

Então, podemos dizer que a doutrina faz distinção no crime de roubo,


classificando em roubo próprio e roubo impróprio.

No “roubo próprio” (“caput” do art. 157), a “violência” ou “grave ameaça”


são empregadas antes ou durante a subtração, pois constituem meio para que
o agente consiga efetivá-la; no “roubo impróprio” (§ 1° do art. 157), o agente
inicialmente quer apenas praticar um “furto” e, já se tendo apoderado do bem,
emprega “violência” ou “grave ameaça” para garantir a impunidade do “furto”
que estava em andamento ou assegurar a detenção do bem (CESCHIN, 2011).

Perceba que o “roubo próprio” pode ser cometido mediante “violência”,

49
Direito Penal II - Parte Especial

“grave ameaça” ou “qualquer outro meio que reduza a vítima à incapacidade


de resistência”; o “roubo impróprio” não admite a fórmula genérica por último
mencionada, somente podendo ser cometido mediante “violência” ou “grave
ameaça” (CESCHIN, 2011).

O “roubo próprio” consuma-se, segundo entendimento do STF, no exato


instante em que o agente, após empregar a “violência” ou “grave ameaça”,
consegue apoderar-se do bem da vítima, ainda que seja preso no próprio
local, sem que tenha conseguido a posse tranquila da res furtiva; o “roubo
impróprio” consuma-se no exato momento em que é empregada a “violência”
ou a “grave ameaça”, mesmo que o sujeito não consiga atingir sua finalidade
de garantir a impunidade ou assegurar a posse dos objetos subtraídos
(CESCHIN, 2011).

O “princípio da insignificância” não é aceito no crime de “roubo”.

O parágrafo segundo do artigo 157 do Código Penal Brasileiro também prevê


a possibilidade de causas de aumento de pena para o crime de roubo, confira:

§ 2º - A pena aumenta-se de 1/3 até 1/2:

I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma (própria ou


imprópria).

A aplicação da majoração só se justifica quando a arma tem


real potencial ofensivo.
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas (v.
comentários ao art. 155, § 4°, IV);

III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e


o agente conhece tal circunstância;
- ex.: roubo a carro-forte, a office-boys que carregam valores
para depósito em banco, a veículos utilizados por empresas
para carregar dinheiro ou pedras preciosas etc.

IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a


ser transportado para outro Estado ou para o exterior (v.
comentários ao art. 155, § 5°);

V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo


sua liberdade. (CESCHIN, 2011)

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Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

GOMES, Luiz Flávio. STJ cancela Súmula 174: Arma de


brinquedo não agrava o roubo. São Paulo: IBCCrim, 27.9.2001.
Disponível em: <www.direitocriminal.com.br>.

O inciso V do parágrafo segundo do art. 157 do Código penal foi acrescentado


pela Lei nº 9.426, de 24 de dezembro de 1996, com o objetivo de aumentar a
pena do chamado “sequestro relâmpago”.

Então, se a vítima é mantida em poder do assaltante por breve espaço de


tempo, tão-somente para possibilitar sua fuga do local da abordagem, incidirá
essa qualificadora (ex.: agente aborda pessoa que sai do caixa eletrônico e a
coage a fazer saque em outro - “sequestro relâmpago”), porém, se for privada de
sua liberdade por período prolongado, de forma a demonstrar que tal atitude era
totalmente supérflua em relação ao “roubo” que estava sendo cometido, haverá
“roubo” em concurso material com “sequestro” (art. 148) (CESCHIN, 2011).

O parágrafo terceiro do art. 157 prevê as formas qualificadas do crime de


roubo, confira a pena:

§ 3º - Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão,


de 7 a 15 anos, além da multa; se resulta morte (latrocínio), a reclusão é de 20
a 30 anos, sem prejuízo da multa.

Para a concretização dessas qualificadoras, o resultado, lesão grave ou


morte, pode ter sido provocado dolosa ou culposamente pelo autor do crime.

Atividade de Estudos:

1) Venâncio Pisetta pediu carona ao senhor Agostinho Jacomelli,


que dirigia o veículo Santana, de sua propriedade, mas, logo
em seguida, utilizando uma arma de fogo que trazia consigo e
dizendo ‘que era um assalto’, obrigou esta vítima a se dirigir até
as proximidades da Fábrica de Cimento, no bairro Salseiros,
Itajaí, distante trinta quilômetros do local em que Agostinho lhe
deu a carona, e entregar-lhe a carteira que continha documentos
pessoais e um talonário de cheques de conta mantida junto
51
Direito Penal II - Parte Especial

ao Banco Itaú, agência local, além de constranger-lhe, sempre


mediante ameaças produzidas com o emprego de arma,
abandonar o veículo. Qual o crime que Venâncio cometeu? Dê a
fundamentação legal.
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Latrocínio
Capez (2011, p. 481) define o crime de latrocínio:

O crime de latrocínio está previsto no art. 157, parágrafo


terceiro, 2ª parte, do CP. Ocorre quando, do emprego de
violência física contra a pessoa com o fim de subtrair a res, ou
para assegurar a sua posse ou a impunidade do crime, decorre
a morte da vítima. Trata-se de crime complexo, formado pela
junção de roubo + homicídio (doloso ou culposo), constituindo
uma unidade distinta e autônoma dos crimes que o compõem.

Então, para que se configure o “latrocínio”, é necessário que a morte tenha


algum nexo de causalidade com a subtração que estava sendo perpetrada, quer
tenha sido meio para o roubo, quer cometida para assegurar a fuga etc.

O crime de “latrocínio” é considerado “crime hediondo”, de acordo com a


lei 8.072/90, que o incluiu nessa categoria.

Há entendimento predominante que não há crime de “latrocínio” quando o

52
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

resultado agravador decorre do emprego de “grave ameaça”, por exemplo, vítima


sofre um enfarto em razão de ter-lhe sido apontada uma arma de fogo (haverá
crime de “roubo” em concurso formal com “homicídio culposo”).

Existe crime de latrocínio tentado?

O quadro que segue lhe ajudará a entender quando o crime de latrocínio


será consumado ou tentado.

Quadro 6 – Formas de crime de latrocínio.

Roubo consumado + Morte consumada = Latrocínio consumado


Roubo tentado + Morte tentada = Latrocínio tentado
Roubo consumado + Morte tentada = Latrocínio tentado
Roubo tentado + Morte consumada = Latrocínio consumado

Fonte: Os autores.

Você pode conferir que quando a subtração e a morte ficam na esfera da


tentativa, há “latrocínio tentado”; quando ambas se consumam, há “latrocínio
consumado”; quando a subtração se consuma e a morte não, há “latrocínio
tentado”; quando a subtração não se efetiva, mas a vítima morre, há “latrocínio
consumado” (Súmula 610 do STF).

Atividade de Estudos:

Complete corretamente a afirmação abaixo:

O agente que, invadindo um açougue de arma em punho, mata o


proprietário e fere gravemente a sua mulher (do açougueiro), ambos
vitimados a tiros, sendo que a mulher levou um balaço na cabeça, e
depois foge com o dinheiro do caixa do açougue, deve responder:
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Direito Penal II - Parte Especial

Extorsão
Estudaremos agora o crime de Extorsão, sendo considerado por vários
autores o crime em que há emprego de ameaça para a obtenção de vantagem,
pelo temor que se infundia à vítima.

O crime de extorsão também é considerado um crime complexo, pois os


bens jurídicos protegidos na criminalização da extorsão são a liberdade individual,
o patrimônio e a integridade física e psíquica do ser humano.

a) Conceituação

O crime de extorsão é assim conceituado por Mirabete (2011, p. 216):

define-se o delito de extorsão comum no art. 158 como


constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça,
e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida
vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de
fazer alguma coisa.

No mesmo sentido, Prado (2010, p. 373) nos ensina que “a extorsão também
é um delito complexo, porque atinge a pessoa e o patrimônio. Em consequência,
a tutela penal abrange ambos os bens jurídicos violados pela ação delituosa.
Protegem-se o patrimônio e a integridade física e psíquica do ser humano”.

b) Crime de extorsão e pena

Confira como a lei penal descreve o crime de extorsão e qual a pena que se
aplica.

A extorsão é um crime muito semelhante ao crime de roubo, e muitas vezes,


na prática, encontra-se dificuldade para definir se determinado fato pode ser
classificado como roubo ou extorsão. Mas a principal diferença que acontece no
crime de extorsão é que a conduta do agente: a de constranger a vítima a fazer
alguma coisa. Veja que o agente pode constranger a vítima mediante violência ou
grave ameaça como, por exemplo, a morte. Então o agente constrange a vítima, e
esta, com temor, deposita determinado valor em sua conta bancária.

Confira que os meios ou formas de execução do crime de extorsão são a


violência física ou moral (grave ameaça).

54
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

Advirta-se que a violência empregada deve conter gravidade suficiente para


criar uma espécie de coação, então, a vítima, com temor que o mal anunciado
aconteça, faz ou deixa de fazer a ação desejada pelo agente.

EXTORSÃO E PENA

Art. 158 - Constranger (obrigar, coagir) alguém, mediante


violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou
para outrem indevida vantagem econômica, a fazer (ex.: entregar
dinheiro ou um bem qualquer, realizar uma obra etc.), tolerar que
se faça (ex.: permitir que o agente rasgue um contrato ou título que
representa uma dívida etc.) ou deixar fazer alguma coisa (ex.: não
entrar em uma concorrência comercial, não ingressar com uma ação
de execução ou cobrança etc.):

Pena - reclusão, de 4 a 10 anos, e multa.

A consumação do crime de extorsão se dá no instante em que


a vítima, após sofrer “violência” ou “grave ameaça”, toma a atitude
que o agente desejava (faz, deixa de fazer ou tolera que se faça algo),
ainda que este não consiga obter qualquer vantagem econômica em
sua decorrência.

Porém, se o agente emprega “violência” ou “grave ameaça”


para obter vantagem patrimonial que lhe é devida, comete o delito de
“exercício arbitrário das próprias razões” (art. 345 do CP).

Percebe-se que o crime de roubo e extorsão tem a mesma pena,


mas apresentam distinções no modo de como ocorrem.

Então, qual a principal diferença entre crime de roubo e extorsão?


Grande parte da doutrina e da jurisprudência entende que,
quando a vítima não tem qualquer opção senão a entrega do bem, o
crime seria sempre de “roubo” (ex.: entrega sua carteira por ter um
revólver apontado para sua cabeça, não tem outro escolha senão
entregá-la); na “extorsão” a vítima deve ter alguma possibilidade de
escolha, e, assim, sua conduta é imprescindível para que o agente
obtenha a vantagem por ele visada; no “roubo”, a vantagem é
concomitante ao emprego da violência ou grave ameaça, enquanto
na “extorsão” o mal prometido e a vantagem visada são futuros
(ex.: entro atrás de uma pessoa no caixa eletrônico e digo: “retire

55
Direito Penal II - Parte Especial

R$.500,00”; se ela já tinha o dinheiro no bolso, é “roubo”, se ela é


forçada a retirar e depois entregar, é “extorsão”).

O crime de extorsão tem aumento de pena no panorama a


seguir:

§ 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas (presença


de pelo menos duas pessoas quando da execução), ou com
emprego de arma, aumenta-se a pena de 1/3 até 1/2.

O crime de extorsão é qualificado quando:

§ 2º - Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no


§ 3º do artigo anterior (Se da violência resulta lesão corporal grave,
a pena é de reclusão, de 7 a 15 anos, além da multa; se resulta
morte, a reclusão é de 20 a 30 anos, sem prejuízo da multa).

Lembra-se que apenas a “extorsão qualificada pela morte”


tem natureza de “crime hediondo” (Lei nº 8.072/90).

Fonte: extraído e adaptado de: CESCHIN, Roberto. Resumo de Direito


Penal. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAKrwAD/
direito-penal-parte-especial>. Acesso em: 10 dez. 2011.

Extorsão Mediante Sequestro


Estudaremos agora o crime de extorsão mediante sequestro.

Podemos dizer que a denominação do crime de extorsão mediante sequestro


pode produzir uma multiplicidade de danos, de um lado a violência sofrida pela
vítima, que se materializa no constrangimento físico ou psíquico causado pela
conduta do sujeito ativo, e, de outro lado, a causação de prejuízo alheio, em razão
de eventual obtenção indevida de qualquer vantagem.

a) Conceituação

Mirabete (2011, p. 221) ensina que “uma extorsão [pode] ser praticada [...]
como meio para a obtenção da vantagem econômica a privação de liberdade de
uma pessoa”.

56
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

Complementa Capez (2011, p. 501), sobre o crime de extorsão mediante


sequestro, que “necessita do dolo, consistente na vontade livre e consciente de
sequestar a vítima, acrescido da finalidade especial de obter, para si ou para
outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”.

b) Extorsão Mediante Sequestro no CP

No Código Penal Brasileiro, o crime de extorsão mediante sequestro é


previsto no art. 159, caput, com a seguinte redação:

Art. 159 - Sequestrar (privar a sua liberdade; impedir a sua locomoção)


pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem
(somente a econômica), como condição (não causar nenhum mal a ela) ou
preço do resgate (vantagem em troca da liberdade da vítima):

Pena - reclusão, de 8 a 15 anos.

Lembre-se que o crime de extorsão mediante sequestro é “crime hediondo”.

CRIME HEDIONDO E FORMAS QUALIFICADAS

A consumação ocorre no exato instante em que a vítima é


sequestrada, privada de sua liberdade, ainda que os sequestradores
não consigam receber ou até mesmo pedir o resgate (desde que se
prove que a intenção deles era fazê-lo); a vítima deve permanecer em
poder dos agentes por tempo juridicamente relevante; o pagamento
do resgate é mero exaurimento do crime, mas pode ser levado em
conta na fixação da pena-base (art. 59).

A vantagem (pedido de resgate) deve ser indevida, pois, caso


contrário, haveria crime de “sequestro” (art. 148) em concurso com
o delito de “exercício arbitrário das próprias razões” (art. 345).

Veja que a “extorsão mediante sequestro” diferencia-se


do “rapto” (art. 219), já que neste ocorre a privação da liberdade
de uma mulher honesta para fim libidinoso, bem como do crime
de “sequestro ou cárcere privado” (art. 148), no qual a lei exige
privação da liberdade de alguém, mas não exige qualquer elemento
subjetivo específico.

57
Direito Penal II - Parte Especial

Importante ressaltar que, quando se sequestra alguém para


matar (queima de arquivo), há “sequestro” (art. 148) em concurso
com “homicídio” (art. 121).

O crime de extorsão mediante sequestro apresenta as formas


qualificadas, conforme segue:

§ 1º - Se o sequestro dura mais de 24 horas, se o sequestrado é


menor de 18 anos (e maior de 14, pois se tiver menos, a pena é
aumentada de metade - L. 8.072/90), ou se o crime é cometido
por bando ou quadrilha (pressupõe uma união permanente de
pelo menos 4 pessoas com o fim de cometer crimes):

Pena - reclusão, de 12 a 20 anos.

§ 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de 16 a 24 anos.

§ 3º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de 24 a 30 anos

Porém, se a morte ou a lesão corporal forem causadas por caso


fortuito ou culpa de terceiros, não se aplicam as qualificadoras (ex.:
um relâmpago atinge a casa em que a vítima está sendo mantida ou
ela é atropelada por terceiros após sua libertação).

Lembre-se que o reconhecimento de uma qualificadora mais


grave automaticamente afasta a aplicação das menos graves, uma
vez que as penas são distintas - ex.: se é sequestrada e depois morta
uma pessoa de 15 anos, somente se aplica a qualificadora do § 3°,
afastando-se a do § 1°.

Fonte: extraído e adaptado de CESCHIN, Roberto.


Resumo de Direito Penal. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/
content/ABAAAAKrwAD/direito-penal-parte- especial>.
Acesso em: 10 dez. 2011.

58
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

A maior pena do Código Penal Brasileiro é do art.159, parágrafo


terceiro, ou seja, quando da extorsão mediante sequestro ocorre a
morte da vítima sequestrada, a saber, de 24 a 30 anos.

O crime de extorsão mediante sequestro prevê a possibilidade da delação


eficaz, ou seja, para ser aplicada, exige-se que o crime tenha sido cometido
por pelo menos duas pessoas e que qualquer delas arrependa-se (coautor
ou partícipe) e delate as demais para a autoridade pública, de tal forma que o
sequestrado venha a ser libertado.

Atividade de Estudos:

Considere a seguinte situação hipotética: Sílvio interceptou


o veículo de Mariana e, mediante grave ameaça exercida com o
emprego de um revólver, privou-a de sua liberdade de locomoção. O
fato ocorreu em Brasília – DF. Oito horas após a abordagem, Sílvio
entrou em contato com a família de Mariana e exigiu, como condição
para libertá-la, a importância de R$ 150.000,00 em dinheiro, a ser
entregue na cidade de Goiânia – GO. No dia seguinte, enquanto
Mariana permaneceu no cativeiro em Brasília, Sílvio deslocou-se
até a cidade de Goiânia, onde foi preso em flagrante no momento
em que iria receber o dinheiro do resgate. Nessa situação, qual o
crime cometido por Silvio? Este encontra-se na forma tentada ou
consumada?
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Direito Penal II - Parte Especial

Apropriação Indébita
A apropriação indébita é um crime em que o bem jurídico protegido é a
inviolabilidade patrimonial, ou seja, protege-se o direito de propriedade contra
eventuais abusos do possuidor, que possa ter a intenção de dispor da coisa alheia
como se fosse sua.

Ao contrário do que acontece no crime de furto, a coisa não é retirada da


esfera de proteção da vítima, mas o autor, que tem a posse da coisa de forma
lícita, não restitui, ou não devolve a coisa, agindo como se fosse proprietário.

a) Conceituação

Para Capez (2011, p. 537),

o crime consubstancia-se no verbo apropriar-se, que significa


fazer sua a coisa de outrem; mudar o título da posse ou
detenção desvigiada, comportando-se como se dono fosse. O
agente tem legitimamente a posse ou a detenção da coisa, a
qual é transferida pelo proprietário, de forma livre a consciente,
mas em momento posterior, inverte esse título, passando a
agir como se dono fosse.

Bitencourt (2011, p. 237) esclarece que “o elemento subjetivo é o dolo,


constituído pela vontade livre e consciente de apropriar-se de coisa alheia móvel
de que tem a posse em nome de outrem, ou, em outros termos, a vontade
definitiva de não restituir a coisa alheia ou desviá-la de sua finalidade”.

b) Tipo objetivo

Percebe-se que o crime de apropriação indébita demonstra um dolo de uma


vontade livre e consciente de apropriar-se de coisa alheia móvel de que tem a
posse em nome de outrem, ou, em outros termos, a vontade definitiva de não
restituir a coisa alheia ou desviá-la de sua finalidade.

APROPRIAÇÃO INDÉBITA

Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a


posse ou a detenção:

60
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

Pena - reclusão, de 1 a 4 anos, e multa.

É um crime que se caracteriza por uma situação de quebra de


confiança, uma vez que a vítima espontaneamente entrega um objeto
ao agente, e este, depois de já estar na sua posse ou detenção,
inverte seu ânimo em relação ao objeto, passando a comportar-se
como dono (prática de um ato de disposição que somente poderia
ser efetuado pelo proprietário - ex.: venda, locação, doação, troca
etc. - “apropriação indébita propriamente dita”).

Mas se o autor do crime se recusa em efetuar a devolução da


coisa solicitada pela vítima - negativa de restituição – também
estará cometendo o crime de apropriação indébita.

Perceba que, ao receber o bem, o sujeito deve estar de boa-fé,


ou seja, ter intenção de devolvê-lo à vítima ou de dar a ele a correta
destinação; se já recebe o objeto com intenção de apoderar-se dele,
comete crime de “estelionato”.

O crime de apropriação indébita exige o chamado animus


rem sibi habendi, ou seja, a intenção de ter a coisa para si ou para
terceiro com ânimo de assenhoramento definitivo.

Veja uma diferença entre o crime de apropriação indébita e o


crime de estelionato: na “apropriação indébita”, o dolo surge após
o recebimento da posse ou detenção, enquanto no “estelionato” o
dolo é anterior; no “estelionato” o agente necessariamente emprega
alguma fraude para entrar na posse do objeto, ao passo que na
“apropriação indébita” não há emprego de fraude. Por exemplo,
pego o carro de alguém e falo que vou levá-lo ao lava-rápido e sumo
como ele. Se já tenho a intenção de levar o carro, é “estelionato”; se
ele aparece após pegar a coisa, é “apropriação indébita”.

Importante ressaltar que a “apropriação indébita de uso” não


constitui infração penal, por exemplo: vítima deixa um carro com um
mecânico para reparos, e este, durante o fim de semana, utiliza-se
dele, sem autorização da vítima, diz para seus amigos que o carro
lhe pertence, mas, no início da semana, devolve-o à vítima, não
responde pelo crime, trata-se de ilícito civil, pois falta o dolo exigido
para a configuração do delito (intenção de ter a coisa para si ou para
terceiro com ânimo de assenhoreamento definitivo).

E se o autor do crime é funcionário público e apropria-se de

61
Direito Penal II - Parte Especial

bem público ou particular (sob a guarda da Administração) que tenha


vindo a seu poder em razão do cargo que exerce, comete crime de
“peculato” (art. 312, “caput”).

O crime de apropriação indébita terá sua pena aumentada,


conforme segue:

§ 1º (único) - A pena é aumentada de 1/3, quando o agente recebeu


a coisa:

I - em depósito necessário (legal - decorre da lei; miserável - por


ocasião de calamidade; por equiparação - é o referente às
bagagens dos viajantes, hóspedes ou fregueses);

II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante,


testamenteiro ou depositário judicial;

III - em razão de ofício, emprego ou profissão.

Fonte: extraído e adaptado de CESCHIN, Roberto. Resumo de Direito


Penal. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAKrwAD/
direito-penal-parte-especial>. Acesso em: 10 dez. 2011.

Por fim, o Código Penal Brasileiro incrimina a conduta de deixar de


repassar, isto é, deixar de transferir, não encaminhar à Previdência Social (INSS
– autarquia federal) as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e
forma legal ou convencional.

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições


recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena – reclusão, de 2 a 5 anos, e multa.

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância


destinada à previdência social que tenha sido descontada de
62
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do


público;

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham


integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de
produtos ou à prestação de serviços;

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas


cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela
previdência social.

§ 2º - É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara,


confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias
ou valores e presta as informações devidas à previdência social,
na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação
fiscal.

§ 3º - É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente


a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes,
desde que:

I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida


a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária,
inclusive acessórios; ou

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja


igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social,
administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento
de suas execuções fiscais.

Fonte: extraído e adaptado de CESCHIN, Roberto.


Resumo de Direito Penal. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/
content/ABAAAAKrwAD/direito-penal-parte-especial>. Acesso em: 10 dez. 2011.

Os crimes contra a Previdência Social são de competência da Justiça


Federal, uma vez que compete a esta processar e julgar as causas em que União,
entidades autárquicas ou empresa Pública federal forem interessadas, conforme
preconiza o art. 109, I da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

63
Direito Penal II - Parte Especial

Estelionato
Estudaremos agora o crime de estelionato, ou seja, o crime em que o autor
usa de fraude, mentira, engodo para conseguir proveito injusto com dano alheio.

O estelionatário é considerado um criminoso, mesmo que tenha fraudado em


relações que, por si mesmas, não mereçam proteção jurídica, porque sua ação é,
em qualquer caso, moral e juridicamente ilícita.

a) Conceituação

Bitencourt (2011, p. 270) nos ensina que “no estelionato, há dupla relação
causal: primeiro, a vítima é enganada mediante fraude, sendo esta a causa e
o engano o efeito; segundo, nova relação causal entre o erro, como causa, e a
obtenção de vantagem ilícita e o respectivo prejuízo, como efeito”.

Capez (2011, p. 571) diz que:

trata-se de crime em que, em vez da violência ou grave


ameaça, o agente emprega um estratagema para induzir em
erro a vítima, levando-se a a ter uma errônea percepção dos
fatos, ou para mantê-la em erro, utilizando-se de manobras
para impedir que ela perceba o equívoco em que labora.

b) Tipo penal e pena

No Código Penal Brasileiro, o crime de estelionato é previsto no art. 171,


caput, com a seguinte redação:

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita (de natureza
econômica; se lícita o crime será o de “exercício arbitrário das próprias razões”),
em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante
artifício (é a utilização de algum aparato ou objeto para enganar a vítima - ex.:
disfarce, efeitos especiais, documentos falsos), ardil (é a conversa enganosa), ou
qualquer outro meio fraudulento (qualquer outra artimanha capaz de enganar a
vítima - ex.: o silêncio):

Pena - reclusão, de 1 a 5 anos, e multa.

No crime de estelionato, é necessário que a conduta do agente


tenha atingido pessoa determinada; condutas que visem vítimas

64
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

indeterminadas (ex.: adulteração de bombas de gasolina ou balanças)


caracterizam “crime contra a economia popular” (Lei nº 1.521/51).

O agente que falsifica cheques (ou documentos em geral)


como artifício para ludibriar a vítima responde pelo “estelionato”;
a “falsificação do documento” (art. 297) fica absorvida
pelo “estelionato” por tratar-se de crime-meio (“princípio da
consunção”).

Ocorre fraude bilateral quando a vítima também age de má-fé


no caso concreto, por exemplo: pessoa que compra máquina falsa
de fazer dinheiro; no caso, prevalece a opinião no sentido de que
existe o crime de “estelionato”, pois a punição do estelionatário visa
proteger toda a sociedade.

Qualquer pessoa pode ser sujeito passivo do “estelionato”;


porém, sendo a vítima incapaz, o agente responderá pelo crime de
“abuso de incapaz” (art. 173 do CP).

No crime de estelionato, é necessário ter a vítima enganada,


como no exemplo do jogo de tampinhas, a destreza do agente não
é suficiente para caracterizar o “estelionato”, a não ser que haja
fraude, como no caso da retirada da bola usada, escondendo-a entre
os dedos.

Da mesma forma que o furto, o estelionato poderá ter sua pena


diminuída:

§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo


(inferior a um salário mínimo), o juiz pode aplicar a pena conforme
o disposto no art. 155, § 2º (substituir a pena de reclusão pela
de detenção, diminuí-la de 1/3 a 2/3, ou aplicar somente a pena
de multa).

O crime de estelionato pode ser verificado em várias condutas,


sendo que o parágrafo segundo do art. 171 descreve algumas, que
terão as mesmas penas.

Disposição de coisa alheia como própria

I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia


coisa alheia como própria;
Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria
65
Direito Penal II - Parte Especial

II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria


inalienável - é aquela que não pode ser vendida em razão de
determinação legal (imóveis dotais), convenção (ex.: doação) ou
testamento, gravada de ônus (é aquela sobre a qual pesa um
direito real em decorrência de cláusula contratual ou disposição
legal - ex.: hipoteca, anticrese) ou litigiosa (é aquela objeto de
discussão judicial - ex.: usucapião contestado, reinvindicação etc.),
ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento
em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;

Defraudação de penhor

III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou


por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do
objeto empenhado;

Fraude na entrega de coisa

IV - defrauda substância (entregar objeto de vidro no lugar de


cristal, cobre no lugar de ouro), qualidade (entregar mercadoria
de segunda no lugar de primeira, objeto usado como novo) ou
quantidade (dimensão, peso) de coisa que deve entregar a alguém;

Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro

V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o


próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão
ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;

Fraude no pagamento por meio de cheque

VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder


do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

- emitir cheques sem fundos: o agente preenche e põe o


cheque em circulação (entrega-o a alguém) sem possuir a quantia
respectiva em sua conta bancária.
- frustrar o pagamento do cheque: o agente possui a quantia
no banco por ocasião da emissão do cheque, mas, antes de o
beneficiário conseguir recebê-la, aquele saca o dinheiro ou susta
o cheque.
É necessário que o agente tenha agido de má-fé quando

66
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

da emissão do cheque e que ela tenha gerado algum prejuízo


patrimonial para a vítima; sendo assim, não há crime na emissão de
cheque sem fundos para pagamento de dívida de jogo proibido ou de
programa com prostituta.

Importante lembrar que, sendo o cheque uma ordem de


pagamento à vista, qualquer atitude que lhe retire esta característica
afasta a incidência do crime - ex.: emissão de cheque pré-datado ou
do cheque dado como garantia de dívida.

É necessário que a emissão do cheque tenha sido a causa do


prejuízo da vítima e do locupletamento do agente, por isso, não há
crime a emissão de cheques sem fundos para pagamento de dívida
anterior já vencida e não paga, pois, nesse caso, o prejuízo da vítima
é anterior ao cheque e não decorrência deste.

Quando o agente susta o cheque ou encerra a conta corrente


antes de emitir a cártula, responde pelo “estelionato comum”; não
responde por este crime, porque a fraude empregada foi anterior à
emissão do cheque.

O crime de estelionato se consuma apenas quando o banco


sacado formalmente recusa o pagamento, quer em razão da
ausência de fundos, quer em razão da contra-ordem de pagamento.
Confira a súmula do STF:

- Súmula 521 do STF: “o foro competente para o processo e
julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade de
emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do
local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado”.

Enfim, se o agente se arrepende e deposita o valor respectivo no


banco antes da apresentação da cártula, haverá “arrependimento
eficaz” e o fato tornar-se-á atípico; se ele se arrepender depois
da consumação (após a recusa por parte do banco) e ressarcir a
vítima antes do oferecimento da denúncia, a pena será reduzida
de 1/3 a 2/3 (“arrependimento posterior”; antes da reforma penal
de 1984 não existia tal instituto, e, nos termos da Súmula 554 do
STF, o pagamento efetuado antes do recebimento da denúncia
retirava a justa causa para o início da ação penal; essa súmula,
apesar de revogada tacitamente pelo art. 16 do CP, continua sendo
muito aplicada na prática, por razões de política criminal); se, após
o oferecimento da denúncia, mas antes da sentença de 1ª instância,

67
Direito Penal II - Parte Especial

implica o reconhecimento da atenuante genérica prevista no artigo


65, III, “c”.

Fonte: extraído e adaptado de CESCHIN, Roberto. Resumo de Direito


Penal. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAKrwAD/
direito-penal-parte-especial>. Acesso em: 10 dez. 2011.

Receptação
O bem jurídico protegido no crime de receptação é o patrimônio, público
ou privado. O objeto da receptação somente pode ser a coisa móvel. O objeto
material do crime de receptação há de ser produto de crime, isto é, há de ser o
resultado, mediato ou imediato, de um fato definido como crime.

a) Conceituação

Para Capez (2011, p. 628), é “pressuposto do crime de receptação a


existência de crime anterior. Trata-se de delito acessório, em que objeto material
deve ser produto de crime antecedente, chamado de delito pressuposto”.

No mesmo sentido, Mirabete (2011, p. 322) diz que

é pressuposto indispensável do crime de receptação a


prática de um crime anterior. Trata-se de crime acessório
ou parasitário, somente se caracterizando quando a coisa
é produto de crime. Não há necessidade da existência de
inquérito policial, processo e muito menos sentença em que
se ateste a ocorrência do crime antecedente, mas torna-se
indispensável a prova de sua ocorrência.

b) Tipo penal e pena

No Código Penal Brasileiro, o crime de receptação é previsto no art. 180,


com a seguinte redação:

RECEPTAÇÃO

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar,


em proveito próprio ou alheio, coisa (móvel) que sabe ser
68
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

produto de crime (própria), ou influir para que terceiro, de boa-


fé, a adquira, receba ou oculte (imprópria):

Pena - reclusão, de 1 a 4 anos, e multa.

Veja que a receptação própria está prevista do artigo 180, 1ª


parte, sendo então discriminadas pelos verbos;

- adquirir – significa obter a propriedade, a título oneroso (compra


e venda, permuta) ou gratuito (doação).

- receber – obter a posse, ainda que transitoriamente.

- transportar – levar um objeto de um local para outro.



- conduzir – refere-se à hipótese em que o agente toma a direção
de um veículo para levá-lo de um local para outro (guiar, dirigir,
governar).
- ocultar – esconder, colocar o objeto em um local onde não
possa ser encontrado por terceiros. (CESCHIN, 2011)

A receptação é um crime acessório, uma vez que constitui


pressuposto indispensável de sua existência a ocorrência de
um crime anterior (pode este ser de ação privada, sem ter sido
apresentada a queixa, ou de ação pública condicionada, não tendo
a vítima oferecido representação), não sendo necessário que este
seja contra o patrimônio; se for produto de contravenção penal, não
implicará o reconhecimento de “receptação”, podendo constituir
outra infração penal ou conduta atípica, dependendo do caso.
(CESCHIN, 2011)

A doutrina e a jurisprudência brasileira aceitam que existe


“receptação de receptação”, respondendo pelo crime todos aqueles
que, nas sucessivas negociações envolvendo o objeto, tenham
ciência da origem espúria do bem.

Veja que a consumação se dá no exato instante em que o


agente adquire, recebe (crime instantâneo), transporta, conduz ou
oculta (crime permanente) o bem.

O autor, o coautor ou o partícipe do crime antecedente somente


responde por este delito e nunca pela “receptação”, assim, quem
“encomenda” um carro para um furtador é partícipe do “furto”, uma vez

69
Direito Penal II - Parte Especial

que influenciou o autor da subtração a cometê-la. (CESCHIN, 2011)

Excepcionalmente, o proprietário poderá responder por


“receptação”, como, por exemplo, na hipótese em que toma
emprestado dinheiro de alguém e deixa com o credor algum bem
como garantia da dívida (mútuo pignoratício); na sequência, sem que
haja ajuste com o dono, uma pessoa furta o objeto e o oferece ao
proprietário, que o adquire com a intenção de locupletar-se com tal
conduta. (CESCHIN, 2011)

Veja que não descaracteriza a “receptação” o fato de o objeto


ter sofrido transformação (ainda que para dinheiro) para depois
ser transferido ao receptor, porque a lei refere-se indistintamente a
produto de crime.

A “receptação dolosa” pressupõe que o agente saiba, tenha


plena ciência da origem criminosa do bem (dolo direto); se apenas
desconfia da origem ilícita, mas não tem plena certeza a esse respeito
e, mesmo assim, adquire o objeto, responde por “receptação
culposa” (dolo eventual). (CESCHIN, 2011)

É necessário que o agente queira obter alguma vantagem para


si ou para outrem, se ele visa beneficiar o próprio autor do crime
antecedente, responde pelo crime de “favorecimento real” (art.
349); se quisesse beneficiar outra pessoa que não o autor do crime
antecedente, responde por “receptação”. (CESCHIN, 2011)

O parágrafo 4º do art. 180 traz uma nota penal explicativa para o


crime de receptação, vejamos:

Norma penal Norma penal explicativa


explicativa

§ 4º - A receptação § 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou


é punível, ainda isento de pena (excludente de culpabilidade - menoridade,
que desconhecido
doença mental; escusas absolutórias) o autor do crime de que
ou isento de pena
(excludente de proveio a coisa.
culpabilidade
- menoridade, Para a existência da “receptação”, é necessário que se
doença mental; prove que houve um crime anterior, independente de prova de
escusas autoria dessa infração penal.
absolutórias) o
autor do crime de
que proveio a coisa. Se forem identificados tanto o receptador quanto o autor
do crime antecedente, serão os crimes considerados conexos
70
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

(conexão instrumental ou probatória) e, assim, sempre que possível,


deverá haver um só processo e uma só sentença. (CESCHIN, 2011).

Se o juiz vier a absolver o autor do crime antecedente, o


receptador não poderá ser condenado quando ela se deu por: estar
provada a inexistência do fato; não estar provada a existência do
fato; atipicidade do fato ou existir circunstância que exclua o crime
(excludente de ilicitude). (CESCHIN, 2011).

A declaração da extinção da punibilidade do crime antecedente


não impede o reconhecimento e a punição do receptador, exceto na
abolitio criminis e na anistia.

Receptação imprópria está prevista no art. 180, 2ª parte, ou


seja, no verbo influir. Mas o que significa influir?

- influir – significa instigar, convencer alguém a fazer alguma coisa.

O agente está ciente da procedência ilícita de um determinado


produto, toma atitudes no sentido de convencer uma terceira pessoa
que não tem conhecimento dessa origem criminosa a adquirir,
receber ou ocultar tal objeto (se esta pessoa tem conhecimento,
responderá por “receptação própria”, e quem o tiver influenciado
será partícipe nesse delito) - ex.: uma pessoa furta um carro e pede a
um amigo que arrume um comprador, e ele sai à busca de eventuais
interessados de boa-fé (teremos dois delitos distintos, um “furto” e
uma “receptação imprópria” por parte do amigo). (CESCHIN, 2011).

A receptação imprópria não admite a tentativa, pois, ou o


agente mantém contato com a vítima, e o crime está consumado
(independentemente do resultado), ou não o faz, e a conduta é atípica.

No mesmo sentido do crime de furto e estelionato, a receptação


terá causa de diminuição de pena se o criminoso for primário e a
coisa receptada for de pequeno valor:

§ 5º (2ª parte) - Na receptação dolosa aplica-se o disposto no §


2º do art. 155.

Porém, a receptação pode ter causas de aumento de pena,


também chamada de receptação agravada. Confira o artigo 180,
parágrafo 6º do Código Penal:
§ 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União,

71
Direito Penal II - Parte Especial

Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos


§ 6º - Tratando-
ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste
se de bens e
instalações do artigo aplica-se em dobro.
patrimônio da
União, Estado,
Município, empresa Para que a pena majorada possa ser aplicada, todavia, não
concessionária de basta que o agente tenha ciência da origem ilícita, exigindo-se,
serviços públicos também, que saiba especificadamente que o patrimônio de uma
ou sociedade de das pessoas jurídicas mencionadas foi atingido.
economia mista, a
pena prevista no
caput deste artigo O crime de receptação tem a forma qualificada, com um
aplica-se em dobro. aumento significativo na sua pena, conforme prescreve o art.
180, parágrafo 1º do Código Penal:

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em


§ 1º - Adquirir, depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à
receber, transportar, venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio
conduzir, ocultar, ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial,
ter em depósito, coisa que “deve saber” ser produto de crime:
desmontar, montar,
remontar, vender,
expor à venda, ou Pena - reclusão, de 3 a 8 anos, e multa.
de qualquer forma
utilizar, em proveito
próprio ou alheio, Aqui, o crime de receptação ocorre em razão do exercício da
no exercício de atividade comercial ou industrial, pois o autor do crime encontra
atividade comercial grande facilidade em repassar o produto da “receptação” a
ou industrial, coisa terceiros de boa-fé, que, iludidos pela impressão de maior
que “deve saber”
garantia oferecida por profissionais dessas áreas, acabam sendo
ser produto
de crime: presas fáceis.

Pena - reclusão, de A expressão “deve saber”: existem três posicionamentos,


3 a 8 anos, e multa. mas o que parece ser o mais correto é aquele em que a
expressão teria sido utilizada como elemento normativo e não
como elemento subjetivo do tipo (para indicar dolo direto ou eventual);
sendo assim, “deve saber” seria apenas um critério para que o juiz,
no caso concreto, pudesse analisar se o comerciante ou industrial,
tendo em vista o conhecimento acerca das atividades especializadas
que exercem ou das circunstâncias que envolveram o fato, tinham ou
não a obrigação de conhecer a origem do bem - ex.: comerciante de
veículos usados não pode alegar desconhecimento acerca de uma
adulteração grosseira de chassi de um automóvel por ele adquirido.
(CESCHIN, 2011)
§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do § anterior,

72
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

qualquer forma de comércio irregular ou clandestino,


inclusive o exercício em residência. § 2º - Equipara-
se à atividade
comercial, para
Trata-se de “norma penal explicativa ou complementar”, efeito do § anterior,
que visa não deixar qualquer dúvida sobre a possibilidade de qualquer forma de
aplicação da qualificadora a camelôs, pessoas que exerçam comércio irregular
o comércio em suas próprias casas ou a qualquer outro ou clandestino,
comerciante que não tenha sua situação regularizada junto aos inclusive o exercício
em residência.
órgãos competentes. (CESCHIN, 2011)

O crime de receptação prevê a possibilidade de punição na


forma culposa. Confira o art. 180, parágrafo 3º do Código Penal:

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza (ex.:


aquisição de um revólver desacompanhado do registro ou sem
numeração, de um veículo sem o respectivo documento ou com
falsificação grosseira do chassi etc.) ou pela desproporção entre
o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece (ocorre
quando uma pessoa adquire ou recebe um objeto de alguém
totalmente desconhecido, que não tinha condições financeiras
para possuir o bem oferecido, de sujeito sabidamente entregue
à prática de infrações penais etc.), deve presumir-se obtida por
meio criminoso:

Pena - detenção, de 1 mês a 1 ano, ou multa, ou ambas as penas.

Conclui-se que se o agente, em razão de um dos parâmetros


mencionados acima, deveria ter presumido a origem espúria
do bem, ou, em outras palavras, de que o homem médio § 5º (1ª parte) -
Na hipótese do
desconfiaria de tal procedência ilícita e não adquiriria ou § 3º (receptação
receberia o objeto. culposa), se o
criminoso é primário,
Por fim, o crime de receptação prevê a possibilidade de pode (deve) o
juiz, tendo em
perdão judicial, mas somente será aplicada pelo juiz no crime consideração as
de receptação culposa. Confira: circunstâncias (as
circunstâncias do
§ 5º (1ª parte) - Na hipótese do § 3º (receptação culposa), crime devem indicar
que ele não se
se o criminoso é primário, pode (deve) o juiz, tendo em revestiu de especial
consideração as circunstâncias (as circunstâncias do crime gravidade - ex.:
devem indicar que ele não se revestiu de especial gravidade aquisição de bem
- ex.: aquisição de bem de pequeno valor), deixar de aplicar de pequeno valor),
deixar de aplicar
a pena. a pena.
O perdão judicial é “causa extintiva da punibilidade”, não
73
Direito Penal II - Parte Especial

subsistindo qualquer efeito condenatório.

Fonte: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/11475-
11475-1-PB.htm>. Acesso em: 10 jan. 2012.

Atividade de Estudos:

Analise a seguinte situação hipotética e responda o que se pede.

Um vendedor de uma loja, que está sob constante vigilância


do proprietário, pode ser sujeito do crime de furto ou de apropriação
indébita?
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________

Algumas Considerações
Neste capítulo, estudamos os crimes contra a o patrimônio, especialmente
a abordagem dos crimes de furto, roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro,
latrocínio, apropriação indébita, estelionato e receptação.

Nos crimes analisados no presente tópico, alguns deles apresentam,


juntamente com a ofensa ao patrimônio alheio, a violência contra a pessoa, como
exemplo do roubo, latrocínio, extorsão mediante sequestro.

Já nos crimes de furto, estelionato, receptação e apropriação indébita não


existe a presença da violência e, para tanto, as penas destes crimes são bem
menores.
Para finalizar, importante ressaltar que os crimes de latrocínio e extorsão

74
Capítulo 2 Crimes Contra o Patrimônio

mediante sequestro são crimes hediondos, recebendo o condenado tratamento


diferenciado, tanto no decorrer do processo criminal, quanto no cumprimento de
sua pena.

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial 2. 11.
ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. v. 2

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 7. ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2010. v. 2

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial. 28. ed.
São Paulo: Atlas, 2011. v. 2

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 9. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. v. 2

75
C APÍTULO 3
Crimes Contra a Honra

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conceituar os crimes contra a honra.

33 Identificar e distinguir os crimes contra a honra diante de casos reais.

33 Buscar na jurisprudência casos julgados pelos Tribunais e apresentar


comentário crítico referente ao crime pesquisado.
Capítulo 3 Crimes Contra a Honra

Contextualização
Neste capítulo, estudaremos os “Crimes contra a honra”, que são aqueles
delitos que ofendem bens imateriais da pessoa humana, no caso, a sua honra
pessoal. São eles: calúnia (CP, art. 138), difamação (CP, art. 139) e injúria (CP,
art. 140).

Estudaremos também que a proteção à honra é garantida pela Constituição


Federal de 1988 que, em seu art. 5º, X, prevê que “são invioláveis a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização
pelo dano material e moral decorrente de sua violação”.

Crimes Contra a Honra


O estudo dos crimes contra a honra é de primordial importância, pois trata de
um bem jurídico que é amparado pela norma constitucional, sendo punido tanto
criminalmente como civilmente, através de condenações por danos morais.

a) Conceituação

A honra é o conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais de uma


pessoa, que a tornam merecedora de apreço no convívio social e que promovem
a sua autoestima.

Noronha (1994, p. 110) conceitua honra como “o complexo ou conjunto de


predicados ou condições da pessoa que lhe conferem consideração social e
estima própria”.

A doutrina distingue a honra objetiva da honra subjetiva, confira abaixo:

Quadro 7 – Tipos de Honra

É o que os outros pensam a respeito do sujeito; a “calúnia” e a “difamação”


Honra atingem a honra objetiva, por isso se consumam quando terceira pessoa toma
objetiva conhecimento da ofensa proferida.
É o juízo que se faz de si mesmo, o seu amor próprio, sua autoestima; ela
subdivide-se em honra-dignidade (diz respeito aos atributos morais da pessoa) e
Honra honra-decoro (refere-se aos atributos físicos e intelectuais); a “injúria” atinge a
subjetiva honra subjetiva, por isso se consuma quando a própria vítima toma conhecimento
da ofensa que lhe foi feita.

Fonte: Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAKrwAD/


direito-penal-parte-especial>. Acesso em: 15 de dez. 2011.

79
Direito Penal II - Parte Especial

Mas quem pode praticar os crimes contra a honra? Quem será o sujeito
ativo?

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, exceto aquelas que gozam de
imunidades, como os parlamentares (deputados e senadores quando no exercício
do mandato) (art. 53, CF); os vereadores nos limites do Município onde exercem
suas funções (art. 29, VIII, CF). Os advogados, quando no exercício regular de
suas atividades, não praticam “difamação” e “injúria”, sem prejuízo das sanções
disciplinares elencadas no Estatuto da OAB (NAZARENO, 2011).

E como podem ser praticados os crimes contra a honra, ou seja,


Os crimes contra como podem ser os meios de execução desse crime?
a honra podem
ocorrer de forma Percebemos que os crimes contra a honra podem ocorrer de forma
variada, ou seja, variada, ou seja, por palavras, escrito, gestos, ou até meios simbólicos
por palavras,
desde que possam ser compreendidos.
escrito, gestos,
ou até meios
simbólicos desde Por conseguinte, o elemento subjetivo dos crimes contra a honra é
que possam ser o dolo, ou seja, não basta praticar a conduta descrita no tipo, exige-se
compreendidos. que o sujeito queira atingir, diminuir a honra da vítima e a seriedade na
conduta; se a ofensa é feita por brincadeira ou a intenção da pessoa
era repreender ou aconselhar a vítima, neste caso não há crime contra
a honra.

b) Crimes de calúnia, difamação e injúria

Importante é distinguir a diferença entre os crimes de calúnia, difamação e


injúria.

Para isso, colocamos de forma bem clara a diferença:

Quadro 8 – Diferença dos tipos penais contra a honra

Imputa falsamente (se verdadeira, o fato é atípico) fato definido como crime;
CALÚNIA atinge a honra objetiva - ex.: foi você que furtou o dinheiro da carteira de João
ontem à noite.
Imputa fato (não se exige que a imputação seja falsa) não criminoso ofensi-
DIFAMAÇÃO vo à reputação; atinge a honra objetiva - ex.: você não sai daquela boate de
prostituição.
Não se imputa fato, atribui-se uma qualidade negativa; ofensiva à dignidade ou
INJÚRIA
decoro da vítima; atinge a honra subjetiva - ex. você é cego e chifrudo.

Fonte: Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAKrwAD/


direito-penal-parte-especial>. Acesso em: 15 de dez. 2011.

80
Capítulo 3 Crimes Contra a Honra

• Calúnia

O Código Penal Brasileiro assim tipifica o crime de calúnia:


Art. 138 - Caluniar
alguém, imputando-
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato lhe falsamente fato
definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a 2 anos, e multa. definido como crime:
Pena - detenção,
de seis meses a
2 anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputa-
ção, a propala ou divulga. § 1º - Na mesma
pena incorre quem,
sabendo falsa a
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos. imputação, a propala
ou divulga.

Caluniar alguém significa imputar falsamente fato definido § 2º - É punível


como crime. Para Capez (2011, p. 279), “o agente atribui a alguém a calúnia contra
a responsabilidade pela prática de um crime que não ocorreu ou que os mortos.
não foi por ele cometido”.

Perceba que o art. 138 do Código Penal prevê a calúnia contra os mortos.
Importante ressaltar que o morto não é sujeito passivo de delito, mas o sujeito
passivo são os familiares.

Então as vítimas são o cônjuge, o ascendente, o descendente ou o irmão


do falecido, pois a ofensa será contra o direito dos parentes do morto e à própria
sociedade. Pelo artigo 31 do Código de Processo Penal Brasileiro, somente estas
pessoas podem promover a ação penal.

Para Nazareno (2000, p. 466), o crime de calúnia se divide nas seguintes


espécies:

a) Inequívoca ou explícita: o agente afirma explicitamente a


falsa imputação, por exemplo: “fulano de tal é o sujeito que a
Polícia está procurando pela prática de vários estupros”.

b) Equívoca ou implícita: a ofensa não é direta,


depreendendo-se do conteúdo da assertiva, por exemplo, “não
fui eu que por muitos anos me agasalhei nos cofres públicos”.

c) Reflexa: imputar o crime a uma pessoa, acusando outra,


por exemplo, dizer que “um Promotor deixou de denunciar um
indiciado porque foi por ele subornado”. O indiciado também
foi ofendido.

Em resumo, podemos dizer que o crime de calúnia necessita de três


requisitos
81
Direito Penal II - Parte Especial

1) imputação de um fato;
2) esse fato deve ser qualificado como crime;
3) essa imputação deve ser falsa.

Veja que no crime de calúnia é imputado um fato criminoso, e esse fato


criminoso deve ser determinado, ou seja, é um caso concreto.

Alerta Capez (2011, p. 281):

a imputação não pode ser vaga, por exemplo, afirmar


simplesmente que José é um ladrão. Basta que se apontem
circunstâncias capazes de identificar o fato criminoso (por
ex.: constitui crime de calúnia afirmar falsamente que Pedro
matou Paulo porque este não lhe pagou uma dívida de
grande vulto). Por outro lado, não constitui crime de calúnia a
simples assertiva de que Pedro é um assassino. Nesse caso,
configura-se o crime de injúria, ante a atribuição de qualidade
Exceção da negativa ao ofendido.
verdade

§ 3º - Admite-se a Conforme já estudado, vemos que a calúnia é imputação falsa


prova da verdade, de um crime. Percebemos que o fato pode nem ter ocorrido, ou seja,
salvo: o crime nunca aconteceu, ou a vítima é inocente, ou, mesmo que
denunciada, ainda não foi condenada.
I - se, constituindo
o fato imputado Então, o Código Penal Brasileiro, no art. 138, parágrafo 3º,
crime de ação
oportuniza que o agente prove que a ofensa é verdadeira, afastando
privada, o ofendido
não foi condenado desta forma o crime:
por sentença
irrecorrível; Exceção da verdade

II - se o fato § 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:


é imputado a
qualquer das
pessoas indicadas I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o
no nº I do art. ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;
141 (Presidente
da República, ou II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I
chefe de governo do art. 141 (Presidente da República, ou chefe de governo estrangeiro);
estrangeiro);
III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido
III - se do crime
imputado, embora foi absolvido por sentença irrecorrível.
de ação pública,
o ofendido A exceção da verdade é um procedimento especial, que o
foi absolvido agente pretende provar a veracidade do fato criminoso imputado, e se
por sentença realmente o fato criminoso ocorreu, não há que se falar na configuração
irrecorrível.
do crime de calúnia.

82
Capítulo 3 Crimes Contra a Honra

• Difamação

Difamação é a imputação a alguém de fato ofensivo à sua reputação. Para


Capez (2011, p. 298), “imputar consiste em atribuir o fato ao ofendido. A reputação
concerne à opinião de terceiros no tocante aos atributos físicos, intelectuais,
morais de alguém. É o respeito que o indivíduo goza no meio social”.

No mesmo sentido, Mirabete (2011, p. 126) exemplifica que “haverá


difamação no dizer que certa mulher mantém relações com um homem, sejam
eles casados ou solteiros; que determinado jovem mantém relações libidinosas
com seu companheiro de pensão; que certa pessoa pratica incesto com sua
irmã etc.”

Perceba que, para a configuração do crime de difamação, não importa se a


imputação do fato seja falsa, ao contrário da calúnia, de modo que haverá o crime
se o fato for verdadeiro.

Desta forma não deve o fato imputado ser criminoso, pois, do contrário,
restará configurado o crime de calúnia.

Capez (2011, p. 299) nos alerta que o “fato deve ser concreto, determinado,
não sendo preciso, contudo, descrevê-lo em minúcias. Por outro lado, a imputação
vaga e imprecisa, ou seja, em termos genéricos, não configura difamação”.

É necessário que o fato ofensivo chegue ao conhecimento de terceiros. Pois,


confome Capez (2011, p. 299),

a lei penal protege é a reputação do ofendido, ou seja, o


valor que o indivíduo goza na sociedade, ao contrário da
injúria, em que há a proteção da honra subjetiva, bastando
para a configuração do crime o só conhecimento da opinião
desabonadora pelo ofendido.

O Código Penal Brasileiro assim atribui a pena para o crime de difamação:

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.


Art. 139 - Difamar
alguém, imputando-
O Código Penal Brasileiro também prevê a possibilidade da lhe fato ofensivo à
sua reputação:
exceção da verdade no crime de difamação quando o ofendido é
Pena - detenção, de
funcionário público e a ofensa é ralativa ao exercício de suas funções. 3 meses a 1 ano,
e multa.
• Exceção da verdade
83
Direito Penal II - Parte Especial

§ único - A exceção da verdade somente se admite se o


Exceção da
ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de
verdade
suas funções.
§ único - A exceção
da verdade Confira que a prova da verdade não cabe no caso de um fato que
somente se admite tenha relação com a vida privada do funcionário público, bem como se
se o ofendido é este também deixou as funções de funcionário público.
funcionário público
e a ofensa é relativa
ao exercício de Exemplo de difamação do funcionário público ocorre quando
suas funções. alguém diz que João, funcionário público da Prefeitura de São Paulo,
vem trabalhar embriagado todas as quintas-feiras. João, sendo
funcionário Público, pode processar quem faz a afirmação pelo crime
de difamação, pois alega que a divulgação de tal fato, embora não sendo crime, é
desabonador ao exercício de suas funções como funcionário Público.

Em sede de exceção da verdade, como meio de defesa, quem alegou tais


fatos poderá provar a veracidade da imputação, ou seja, provar que João vem
trabalhar embriagado, e aí estaremos diante de uma causa excludente de ilicitude.

• Injúria

Art. 140 - Injuriar Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o


alguém, ofendendo- decoro:
lhe a dignidade ou

o decoro:
Pena - detenção, de 1 a 6 meses, ou multa.
Pena - detenção,
de 1 a 6 meses, ou § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
multa.
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou
§ 1º - O juiz pode
diretamente a injúria;
deixar de aplicar a
pena:
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
I - quando o
ofendido, de Hungria (1979, p. 154) define a injúria como “a manifestação, por
forma reprovável, qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje,
provocou
menoscabo ou vilipêndio contra alguém”.
diretamente a
injúria;
Conferimos que o crime de injúria é classificado como um crime de
II - no caso de ação livre, pois podem ocorrer de vários meios, não somente através
retorsão imediata, de palavras, e na jurisprudência podemos buscar alguns exemplos de
que consista em atitudes que configuram o crime de injúria, como por exemplo: despejar
outra injúria.
lixo na porta de residência da vítima, atirar bebida no rosto da vítima etc.

84
Capítulo 3 Crimes Contra a Honra

Capez (2011, p. 306) nos ensina que a

injúria, ao contrário da difamação, não se consubstancia


na imputação de fato concreto, determinado, mas sim na
atribuição de qualidades negativas ou defeitos. Consiste ela
em uma opinião pessoal do agente sobre o sujeito passivo,
desacompanhada de qualquer outro dado concreto. São os
insultos, os xingamentos (p. ex. ladrão, vagabundo, corcunda,
estúpido, grosseiro, incompetente, caloteiro etc.).

Confira a classificação doutrinária de injúria apresentada por Capez (2011,


p. 307):

Quadro 9 - Classificação doutrinária de injúria

Imediata Quando é proferida pelo próprio agente.


Mediata Quando o agente se vale de outro meio para executá-la (p. ex. uma criança).
Direta Quando se referem ao próprio ofendido.
Oblíqua Quando atinge alguém estimado pelo ofendido (p. ex. seu irmão é um ladrão).
Indireta ou
Quando, ao ofender alguém, também atinge a honra de terceira pessoa.
reflexa
Explícita Quando são empregadas expressões que não se revestem de dúvidas.
Fonte: Capez (2011, p. 307).

O crime de injúria se consuma quando o sujeito passivo (vítima) toma


conhecimento da imputação ofensiva à sua honra, não sendo necessário que
terceiros tomem conhecimento desta manifestação.

Importante ressaltar que, para se configurar o crime de injúria, deve estar


presente do dolo de dano, isto é, a vontade livre e consciente de injuriar alguém,
denegrindo a honra do ofendido. Então não ocorrerá o crime de injúria
se o agente atuar com intenção de brincadeira, ou em ação de corrigir § 2º Se a injúria
consiste em
alguém, ou de narrar algum fato que a pessoa praticou. No mesmo
violência ou vias de
sentido, entende a jurisprudência que se as expressões ocorreram em fato, que, por sua
razão de uma discussão ou, em algum caso, com exaltação emocional, natureza ou pelo
não estará presente o crime, pois não restará provado o dolo, ou seja, meio empregado,
a intenção de injuriar. se considerem
aviltantes

Pena - detenção, de
• Injúria Real 3 meses a 1 ano, e
multa, além da pena
O Código Penal Brasileiro prevê a injúria real como uma forma correspondente
à violência.
qualificada do crime, atribuindo pena superior:

85
Direito Penal II - Parte Especial

§ 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua


natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes

Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa, além da pena correspondente


à violência.

No crime de injúria real, dois são os bens ofendidos pelo crime, ou seja:
a honra individual e a incolumidade física.

Perceba que neste crime será necessário acontecer juntamente com a injúria,
a violência ou vias de fato.

A violência, conforme ensina Capez (2011, p. 312), “é a lesão corporal


produzida da vítima com o fim de humilhar, ultrajar a sua honra. Por exemplo:
jogar cerveja, jogar um bolo no rosto, atirar sujeira etc.”

Já as vias de fato são ofensas físicas que não produzem lesões e não deixam
vestígios, como por exemplo: bofetadas, puxão de cabelo, levantar a saia, rasgar
a roupa etc.

Porém, exige a lei que a violência ou as vias de fato sejam consideradas


aviltantes, quer pelo meio empregado ou quer pela sua natureza, ou seja, aviltante
é o que realmente humilha a vítima, faz esta se sentir em situação de ultrajada.

• Injúria por preconceito

Através da Lei 9.459, de 13.5.1997, foi criado o crime de injúria por


preconceito, que impôs uma pena muito mais severa:

§ 3º - Se a § 3º - Se a injúria consiste na utilização de elementos


injúria consiste referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem ou condição de
na utilização pessoa idosa ou portadora de deficiência:
de elementos
referentes a raça,
Pena - reclusão de 1 a 3 anos e multa.
cor, etnia, religião
ou origem ou
condição de pessoa No crime de injúria por preconceito, os “xingamentos” decorrem de
idosa ou portadora referências a raça, cor, etnia, religião ou origem da vítima.
de deficiência:
Conforme Capez (2011, p. 314), desse modo, “qualquer ofensa à
Pena - reclusão de
dignidade ou decoro que envolva algum elemento discriminatório, como
1 a 3 anos e multa.
por exemplo: ‘preto’, ‘japa’, ‘turco’ ou ‘judeu’, confira o crime de injúria”.
86
Capítulo 3 Crimes Contra a Honra

Importantes as lições de Santos (2001, p. 145-146), que ressalva que “ser


negro, baiano, judeu ou branco não significa possuir qualidade negativa, mas faz-
se necessário que algo exista, na expressão usada, que possa diminuir o conceito
moral em que tido o ofendido, atingindo-lhe o decoro ou raspando-lhe a dignidade”.

Resta claro que o crime de injúria por preconceito ocorre quando a intenção é
humilhar, com a intenção de demonstrar uma inferioridade do indivíduo em virtude
da raça.

Porém, diferente do crime de injúria por preconceito é o crime de racismo.

O crime de racismo, previsto na Lei 7.716/89, enumera ofensas envolvendo


verdadeira segregação racial, ou seja, impedir acesso a estabelecimento
comercial por ser preto, proibir realização de matrícula em escola porque é judeu,
ou de tornar-se sócio de um clube porque é libanês etc.

Disposições Comuns
Para todos os crimes contra a honra, quer sejam de calúnia, dimação ou
injúria, as penas serão aumentadas de 1/3 se o crime é cometido:

I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de


governo estrangeiro;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções;
III - na presença de várias pessoas ou por meio que facilite a
divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
§ único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa
de recompensa, aplica-se a pena em dobro.

O Código Penal prevê 3 (três) hipóteses de exclusão de crime de injúria ou


difamação, conforme apresentado na sequência:

Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:


I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela
parte ou por seu procurador;
II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou
científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou
difamar;
III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público,
em apreciação ou informação que preste no cumprimento de
dever do ofício.

Enfim, o querelado, ou seja, o autor de um crime de calúnia ou difamação,


que se retratar cabalmente antes da sentença, ficará isento de pena, não
necessitando para tanto da aceitação do ofendido (vítima).
87
Direito Penal II - Parte Especial

Os crimes contra a honra, calúnia, difamação e injúria são, regra geral, de


ação privada, isto é, o procedimento para instauração de uma ação penal será
através da petição denominada “queixa-crime” e quem a subscreverá será um
advogado.

Atividade de Estudos:

Jurema dos Santos trabalha na empresa FORD na cidade de


Indaial, como secretária do empresário João Simas. Na data de
hoje, foi acusada por sua colega de trabalho, Marilene da Silva, na
presença de vários colegas de trabalho, de “ser amante” do seu
chefe. Jurema negou a afirmação de Marilene, mas esta, ainda em
alta voz, proferiu: Só podia ser você, sempre te achei com cara de
vagabunda e interesseira, pois para conseguir o emprego nesta
empresa, está saindo com o chefe, João. E não adianta mentir,
pois ontem à noite eu vi que você saiu da empresa e embarcou no
carro do Sr. João. Jurema, muito chateada, começou a chorar, pois
Marilene lhe fez afirmações que não são verdadeiras e com isso
todos seus colegas de trabalho estão acreditando na história criada
por Marilene. Diante destes fatos, qual o crime ou quais ou crimes
cometidos por Marilene?
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88
Capítulo 3 Crimes Contra a Honra

Algumas Considerações
Neste capítulo, estudamos os crimes contra a honra, especialmente a
abordagem dos crimes de calúnia, difamação e injúria.

Os crimes analisados no presente tópico são todos de natureza privada, ou


seja, a ação penal deverá ser iniciada com a vítima.

A vítima de um crime contra a honra tem o prazo de 6 (seis) meses para


dar início à ação penal, e esta deverá ser feita através de procurador habilitado,
advogado inscrito nos quadros da OAB.

A honra será sempre protegida, pois, como preconiza a Constituição Federal


de 1988, art. 5º. Inciso X, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação.

Para finalizar, importante ressaltar a importância do respeito à honra das


pessoas, pois, para muitos, é considerado um dos seus maiores bens, estando ao
lado da vida e da liberdade.

Referências
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: volume 2, parte especial. 11 ed. São
Paulo: Saraiva, 2011.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 5 ed. Rio de Janeiro:


Forense, 1979. v. 5

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial. 28 ed. São
Paulo: Atlas, 2011. v. 2

NAZARENO, Jesus. Código penal comentado parte especial. Disponível em:


<http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAqfAAH/codigo-penal-comentado-parte-
especial>. Acesso em: 15 dez. 2011.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: dos crimes contra a pessoa. 26 ed.


São Paulo, Saraiva, 1994. v. 3.

SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. São


Paulo: Max Limonad, 2001.

89
C APÍTULO 4
Crimes Contra o Sentimento
Religioso e Contra o
Respeito aos Mortos

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conceituar os crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos


mortos.

33 Identificar e distinguir os crimes contra o sentimento religioso e crimes contra o


respeito aos mortos diante de casos reais.

33 Buscar na jurisprudência casos julgados pelos Tribunais e apresentar


comentário crítico referente aos crimes pesquisados.
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

Contextualização
Neste capítulo, estudaremos os “crimes contra o sentimento religioso e
contra o respeito aos mortos”, que são aqueles delitos que ofendem o sentimento
do culto religioso e respeito aos mortos.

O estudo dos crimes contra a pessoa é de grande importância, pois trata de


direito tutelado pela Constituição Federal de 1099, art. 5º, inciso VI, “[...] sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e liturgias”.

A proteção de tão relevante bem jurídico é imperativo de ordem constitucional


e amparado pelo Código Penal, em seus artigos 208 a 212.

Ultraje a Culto e Impedimento ou


Perturbação de Ato a Ele Relativo
A Carta Magna de 1988 trata o Estado Brasileiro como laico, um Estado
totalmente desprovido de influência religiosa. No entanto, conhecida é a história da
religião. Júlio Fabrini Mirabete leciona que a religião causou profundas alterações
nos modelos políticos das nações, sendo sempre considerada instituição de
interesse jurídico coletivo. A fé religiosa é conteúdo da própria personalidade
do homem que, na realidade, deseja a paz duradoura e permanente que não
encontra no mundo imediato que o cerca e que é prometida pela religião.

Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo


de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia
ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou
objeto de culto religioso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é


aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à
violência.

Nesse sentimento religioso, a convenção acentuada “da existência de uma


ordem universal que se eleva acima do homem” (HUNGRIA apud MIRABETE,
manual de Direto Penal) é o objeto jurídico penalmente tutelado no artigo 208 do CP.

Assim, entende-se que o sentimento religioso e o respeito aos mortos são


valores ético-sociais que se assemelham. O tributo que se rende aos mortos também
93
Direito Penal II - Parte Especial

tem um fundo religioso. Por esse motivo, o legislador de 1940 optou por classificar,
em um mesmo título, os crimes praticados com relação ao sentimento religioso e
os praticados contra os mortos (BITENCOURT, 2011, p.446).

Mirabete (apud CUNHA, 2010, p. 241), leciona que, a respeito da objetividade


jurídica do delito, embora sejam admissíveis os debates, criticas ou polêmicas
a respeito das religiões em seus aspectos teleológicos, científicos, jurídicos,
sociais ou filosóficos, não são permitidos os extremos de zombarias, ultrajes ou
vilipêndios aos crentes ou coisas religiosas.

Por fim, no aspecto constitucional, a CF/88 passou a garantir a liberdade de


consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de cultos e suas liturgias (art.
5º, inciso VI).

a) Leis 9.099/95 e 10.259/2001 (Delmanto)

A exemplo do que já fizera a Lei dos Juizados Especiais Criminais Federais


(Lei n° 10.259/01), no artigo 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais Estaduais
(Lei nº 9.099/95), modificado pela Lei n° 11.313/2006, consideram-se infrações
penais de menor potencial ofensivo as contravenções e os crimes com pena
máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa, não fazendo
restrição ao tipo de procedimento, se comum ou especial, nem ao tipo de ação
(incondicionada, condicionada ou privada).

b) Sujeitos do Crime

Pode ser praticado por qualquer pessoa, incluindo os próprios ministros


e crentes. No entanto, no caso de agente público, pode configurar abuso de
autoridade (art. 3º da Lei nº 4.898/65). Assim é o entendimento de Cunha (2010,
p. 241) quanto ao sujeito passivo: segundo o autor, temos que diferenciar duas
situações: “I) na primeira modalidade, a vítima será pessoa determinada), II) nas
demais, figurará no polo passivo a coletividade religiosa”.

Nesse sentido, o autor, citando Noronha, (CUNHA, 2010, p. 241) na primeira


modalidade (pessoa determinada) é indispensável que o sujeito passivo seja
uma pessoa física determinada. Se for endereçado aos crentes em geral, não
concretiza o delito em exame. Por exemplo: não será crime quando se diz que
os católicos protestantes ou budistas são isso ou aquilo. Sem razão, pois a
exposição de motivos diz que a tutela se faz religião em si mesma. Se assim
fosse, desnecessário seria que a ofensa se objetivasse a pessoa determinada,
máximo quando dirigida em geral aos sacerdotes, pastores etc.
94
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

Já com relação à segunda modalidade (a coletividade religiosa), os titulares


lesados são os crentes, contidos neste termo tanto os fiéis que assistem à
cerimônia como aqueles que celebram ou auxiliam a mesma, nesse entendimento
tutela-se a coletividade.

c) Tipo Objetivo

O artigo 208 do CP é dividido em três figuras penais distintas, a seguir


separadamente comentadas.

• 1ª Escarnecer

Escarnecer significa achincalhar, zombar, ridicularizar, troçar alguém


publicamente por motivo de crença ou função religiosa. A conduta do agente deve
ser pública, isso é, na presença de várias pessoas ou por meio capaz de conduzir
o escárnio ao conhecimento de pessoas indeterminadas, dispensando-se a
presença da vítima (ex: imprensa). Sanches leciona que não se deve confundir
com o delito de injúria qualificada (art. 140 § 3º), pois neste o agente atribui ao
crente qualidade negativa em face de sua crença, e no delito estudado em tela, o
agente passa a zombar da vítima em razão se sua opção religiosa.

A crença (BITENCOURT, 2011, p. 449) é “a fé que alguém tem em determinada


religião, cujos postulados são aceitos e respeitados incondicionalmente”. Já
a função aqui mencionada não é aquela própria do direito administrativo, mas
sim a que se refere às atividades exercidas pelos agentes diretamente ligados
à religião, como os padres, rabinos, ministros, freis para desempenhar papel de
liderança religiosa.

• 2ª Impedir

Impedir significa interromper, obstruir, proibir ou perturbar (atrapalhar,


embaraçar) a cerimônia ou prática de culto religioso, utilizando-se de qualquer
meio apto (violência, ruídos, algazarras). É importante diferenciarmos cerimônia
religiosa de culto religioso.

Entende-se por cerimônia toda manifestação exterior do culto religioso (missa,


culto, batismo, casamento), que não precisa ser realizada necessariamente
dentro de uma igreja ou templo. Nesse sentido, pode ser praticado como, por
exemplo, nas procissões, certos casamentos e missas ao ar livre, via-sacra. Já
o culto religioso, é uma atividade menos solene, mas que está correlacionada

95
Direito Penal II - Parte Especial

ao culto (oração coletiva na igreja ou sinagoga, ensino de catecismo e sessão


espírita são exemplos), não se confundindo esta, também, com oração individual,
a coleta de donativos ou esmolas, a quermesse religiosa etc. Aqui é indiferente
se ocorre dentro ou fora de igrejas ou templos e se realizada com ou sem agente
oficial (padre, ministro, frei) (SANCHES, 2010).

Por fim, obviamente somente se tutelam as cerimônias ou cultos religiosos


que não atentem contra a moral e os bons costumes. Não são tutelados eventos
que sejam relacionados a magia negra, macumba etc.

• 3ª Vilipendiar

Vilipendiar significa desprezar, rebaixar, aviltar publicamente ato ou objeto


de culto religioso. A ação pode se dar por meio de qualquer ato capaz de conferir
publicamente o aviltamento. Em razão da exigida publicidade, deve ser praticado
na presença de certa quantidade de pessoas. Também é indiferente se ocorre em
local fechado, dentro ou fora do templo.

Para Bitencourt (2011), o ato de culto religioso, referido no texto legal,


são exatamente as cerimônias e práticas religiosas que acabamos de ver
anteriormente, o que abrange tanto a cerimônia quanto o culto. Os objetos de
culto religioso são todos aqueles que servem para a celebração desses atos,
tais como: altar, púlpito, paramentos, turíbulos, crucifixos, imagens etc.

Necessariamente devem estar destinados ao culto. Se estiverem à venda,


por exemplo, não configura o delito.

d) Tipo Subjetivo

O tipo subjetivo é o dolo, consubstanciado na vontade consciente de praticar


uma das condutas descritas no tipo penal. Para Pierangeli (apud CUNHA, p. 243),
“na primeira e na terceira proposições, apresenta-se, expressamente, um especial
fim de agir, outrora denominado dolo específico e que a doutrina moderna prefere
chamar de elemento subjetivo do tipo ou injusto”.

e) Forma Culposa: Inexiste

Na primeira hipótese, a finalidade é apresentada pela atuação por motivo de


crença ou função religiosa e assim ofende o sentimento religioso de alguém. Na
terceira situação, o tipo subjetivo, além do dolo, exige-se um elemento subjetivo,
que é ofender o sentimento religioso.
96
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

Em sentido contrário, temos Mirabete (2011), para quem somente o dolo já


basta para caracterizar qualquer forma do crime.

f) Consumação e Tentativa

De acordo com os doutrinadores citados até o momento, na primeira parte


(escarnecer alguém por motivo de religião), o crime se consuma no instante em
que o agente zomba publicamente de alguém, por motivo de crença ou função
religiosa, mesmo que a vítima não se sinta menosprezada ou ridicularizada.

Na segunda fase (impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto


religioso), consuma-se no momento em que o agente efetivamente interrompe
ou atrapalha a realização do culto ou cerimônia. Na terceira etapa (vilipendiar
publicamente ato ou objeto de culto religioso), consuma-se com o vilipêndio,
portanto, de acordo com Sanches, pode ser delito material, de mera conduta
ou mesmo de simples atividade, lecionando ainda que a tentativa, em tese, é
admitida e possível para todas as figuras, porém somente se admite o escárnio
quando praticado por escrito.

g) Classificação Jurídica

Trata-se de crime comum (não exige sujeito qualificado por portador de


alguma condição especial), doloso (não há previsão de forma culposa), formal (na
modalidade de escarnecer, não exigindo resultado material), material (nas formas
de impedimento ou perturbação), instantâneo (a execução não se prolonga no
tempo, produzindo o resultado de imediato). Na figura de impedimento, o crime
pode ser permanente, de forma livre (pode ser praticado por quaisquer meios
escolhidos pelo agente) ou unissubjetivo (qualquer das três figuras pode ser
praticada isoladamente por apenas um agente) (BITENCOURT, p. 450).

h) Ação Penal

A ação Penal é Incondicionada.

i) Aumento de Pena

Segundo Bitencourt (2011, p. 110-111), “o parágrafo único prevê o aumento


de pena em um terço às três formas típicas, traduzida no emprego de violência. A
norma não especifica se esta deve ser dirigida contra coisas ou pessoas, motivo
pelo qual ambas as formas encontram-se abrangidas pela exasperante”.
97
Direito Penal II - Parte Especial

Se a conduta violenta caracterizar, além do escárnio, outra infração penal


(como por exemplo, lesão corporal – art. 129 CP, ou dano – art. 162 do CP), dar-
se-á o cúmulo material obrigatório, já que a lei diz expressamente que o aumento
ocorrerá “sem prejuízo na pena correspondente à violência”.

Para Greco (2010, p. 443), trata-se neste caso de um bis in idem. Não nos
parece, contudo, acertada essa visão. Nesta visão, Bitencourt indaga a respeito
da possibilidade de a violência não configurar crime autônomo e, portanto, não se
dê o cúmulo material compulsório apregoado pela norma? A resposta é afirmativa,
posto que a violência utilizada pode constituir somente vias de fato (artigo 21 do
Decreto-Lei 3.688/41).

Se assim o é, quando a vis corporalis provocar resultado de maior gravidade


objetiva ao bem jurídico, como a efetiva lesão corporal, o dano ou o homicídio,
encontrar-se-á plenamente justificada a imposição cumulativa das penalidades.
Registrando ainda que, por derradeiro, que não haverá concurso material de
crimes (artigo 69 do CP) posto que este requer a pluralidade de condutas, algo
inexistente na hipótese em estudo, mas sim cúmulo material obrigatório.

Para um melhor entendimento, é um grande equívoco a


afirmação de que a violência de que trata o dispositivo implica
em concurso material de crimes, pois se ignora a verdadeira
natureza desse concurso. O fato de determinar-se a aplicação
cumulativa de penas não significa que se esteja reconhecendo
o concurso de crimes, mas apenas que se adota o sistema
de cúmulo material de penas, que é outra coisa, considerando
que o concurso material não é a soma ou cumulação de
penas, mas sim a pluralidade de condutas (BITENCOURT,
2011, p. 451).

Na jurisprudência abaixo, veja como os Tribunais brasileiros têm se


posicionado em casos reais:

Quadro 10 – Jurisprudência brasileira

Art. 208

Para a configuração do artigo 208, é necessário que o escárnio seja dirigido a de-
terminada pessoa, sendo que a assertiva de que determinadas religiões traduzem
1ª PARTE
“possessões demoníacas” ou “espíritos imundos” espelham tão somente posições
ideológicas, dogmáticas ou crenças religiosas (TACrSP, RJDTACr 23/374).

98
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

Foi abusivo o ato do réu que [...] desbordou por escândalo, vociferando em
público, de maneira a interromper o ato que se realizava no templo repleto de fiéis.
Desrespeitou a garantia constitucional do livre exercício do culto religioso e sua
liturgia (TACrSP, APCR 534.549-2). Efetuar disparos de arma de fogo diante da
capela em que o sacerdote proferia o sermão da missa, perturbando, deste modo,
o culto, configura o delito do artigo 208 do CP, que exige apenas o dolo eventual
(TACrSP, RT 419/293). Incide no sermão do artigo 208 do CP aquele que, embria-
2ª PARTE
gado e de short, ingressa na igreja no momento da celebração da missa, pertur-
bando a cerimônia com palavrões (TACrSP. RT 491/318). Incide no artigo 208 do
CP, porque, animado, põe evidente dolo, o agente que, agindo com o intuito de
perturbar o culto religioso, entre outros artifícios, direciona possantes alto-falantes
para o prédio da igreja e liga os aparelhos em altíssimo volume com músicas car-
navalescas e, em outras oportunidades, faz uso de estampido de bombas juninas,
tudo para impedir as orações de os cânticos dos fiéis (TACrSP, BNJ 81/13).

A propositada derrubada de cruzeiro (cruz de madeira) implantado defronte à


3ª PARTE igreja, com intuito de vilipendiar aquele objeto de culto, enquadra-se nesta figura
do artigo 208 (TACrSP, julgados 70/280).

Fonte: Os autores.

Impedimento ou Perturbação de
Cerimônia Funerária
De acordo com o CP:
Art. 209 - Impedir ou
Art. 209 - Impedir ou perturbar enterro ou
perturbar enterro ou
cerimônia funerária:
cerimônia funerária:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Pena - detenção, de
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a um mês a um ano,
pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da ou multa.
correspondente à violência.
Parágrafo único -
a) Considerações Iniciais Se há emprego de
violência, a pena é
Segunda Cunha (2010, p. 244), ao dar suas considerações aumentada de um
terço, sem prejuízo
acerca do tipo penal em tela, leciona que “a cultura de respeito aos
da correspondente
mortos se reporta às mais primitivas formas de vivência em sociedade, à violência.
tendo sido-lhes sempre conferido notável acatamento em virtude,

99
Direito Penal II - Parte Especial

até mesmo, da discórdia que cerca a morte”. Obviamente, os cultos prestados


àqueles já falecidos possuem também e principalmente raízes em ensinamentos
religiosos de diversas vertentes incutidos nos vivos.

Leciona ainda que a tutela penal atua neste caso em favor do sentimento de
respeito aos mortos. O respeito aos mortos é um relevante valor ético-social, e
como tal, um interesse digno, por si mesmo, da tutela penal.

Para Estefan (2011, p. 112-113), a dignidade da pessoa morta, desta feita,


pode ser encarada como valor cultural fundamental.

A dor decorrente da morte de alguém recai diretamente sobre


seus familiares e pessoas próximas, as quais possuem direitos
subjetivos de ver realizadas as exéquias do ente falecido e
promover o seu sepultamento de maneira harmônica após a
inumação, ostentam os direitos de desejar que a sepultura
e os restos mortais daquele que deixou de existir não sejam
objeto de atos que possam ser contrários à dignidade da
pessoa morta.

Relata ainda o autor que calha a lembrar que a Lei 9.434/97, relativa à
retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano para fins de transplantes e
outros objetivos terapêuticos, preconiza a necessidade de se respeitar a vontade
dos familiares quanto à destinação dos restos mortais, incriminando diversos atos
daí decorrentes, inclusive o fato de deixar de recompor condignamente o cadáver
ou seus restos para ser entregue aos familiares, visando ao seu sepultamento.
Reforça este diploma, portanto, o valor acima traçado, consistente no sentimento
de dignidade à pessoa morta.

b) Leis 9.099/95 e 10.259/2011 (Delmanto)

A exemplo do que já fizera a Lei dos Juizados Especiais Criminais Federais


(Lei n° 10.259/01), o artigo 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais Estaduais
(Lei nº 9.099/95), modificado pela Lei n° 11.313/2006, consideram-se infrações
penais de menor potencial ofensivo as contravenções e os crimes com pena
máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa, não fazendo
restrição ao tipo de procedimento, se comum ou especial, nem ao tipo de ação
(incondicionada, condicionada ou privada).
c) Sujeitos do Crime

O sujeito ativo é qualquer pessoa, independentemente de qualidade ou


condição especial. Toda pessoa natural dotada de capacidade de entender e
querer pode figurar-se como sujeito ativo dessa infração penal.

100
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

Já o sujeito passivo é o corpo social, os titulares do valor tutelado na norma


penal, são os familiares do falecido e seus amigos, ou seja, aqueles que, com
a cerimônia, buscam prestar-lhe homenagem. Bitencourt (2011, p. 545) leciona
ainda que a “impossibilidade de o cadáver figurar no pólo passivo reside em sua
natureza de rés, sendo insuscetível, portanto, de dispor de algum direito, uma vez
que é objeto e não sujeito”.

d) Tipo Objetivo

As condutas nucleares são impedir e perturbar.

Impedir significa obstar a execução ou o prosseguimento do enterro ou da


cerimônia funerária, embaraçar-lhe de modo que não se iniciem ou prossigam
os atos. Já a conduta de perturbar significa tumultuar, desarranjar, quebrar a
regularidade, ou seja, significa evitar que comece ou paralisar a cerimônia em
andamento.

A conduta impeditiva ou perturbadora deve dirigir-se, necessariamente,


contra enterro ou cerimônia fúnebre, sendo irrelevante o local onde se realizem
(BITENCOURT, 2011).

Estefam (2011, p. 114) leciona que o

delito é onímodo, isto é, pode ser praticado de qualquer


meio executório (crimes de forma ou ação livre). Podem
ser lembrados neste diapasão, os seguintes exemplos:
violência, vias de fato, ameaças, altos brados, vaias, vozes
propositalmente dissonantes com as rezas [...], ruídos de
matracas, bater de pés, disparos de tiro, explosões, emissão
de gases tóxicos ou fumaças incomodativas, colocação de
obstáculos à entrada do templo ou do cemitério...

Segundo a doutrina majoritária, enterro é o transporte do corpo do falecido


até o local de sepultamento ou de cremação, é a transladação do cadáver para
sua última morada, com ou sem acompanhamento, no entanto Estefam (2011)
entende que o enterro nada mais é que a inumação, ou seja, a colocação do
corpo de baixo da terra. Já a cerimônia funerária é o ato religioso ou civil de
encomendação de despedida que se realiza em homenagem ao defunto.

Leciona Estefam (2011) que a cerimônia religiosa é o gênero, do qual o


enterro corresponde é uma de suas espécies. Aquela significa a solenidade
prestada em homenagem à pessoa falecida; como já dito, são as pompas
fúnebres, que podem se traduzir no sepultamento, seguindo ou não da inumação
do cadáver; a cremação, o velório etc.
101
Direito Penal II - Parte Especial

e) Tipo Subjetivo

É o dolo. Embora a maioria, ante a ausência de previsão legal, não exija


do agente qualquer finalidade (bastando que, de forma consciente, queira ou
assuma o risco de perturbar ou impedir enterro ou cerimônia fúnebre), Noronha
(1994, p 81) pensa diferente: “Não existe o crime sem dolo genérico. A respeito do
específico, reina divergência”.

Crê-se, entretanto, que é mister esse outro dolo, que é o fim ou o escopo de
transgredir ou violar o sentimento de piedade para os que não mais vivem. É o
que especifica o crime. Se por exemplo um parente do morto, indignado com a
empresa funerária pela má qualidade do esquife enviado, o danifica ou destrói,
não cremos haver praticado o delito em apreço, pois o objetivo da pessoa é
justamente protestar contra o que se reputa falta de consideração ou deferência
para o ente querido. A jurisprudência tem decidido que basta o dolo eventual, a
consciência de que perturba, com sua conduta, a cerimônia funerária (TACrSP,
RT 410/313).

f) Forma culposa

Inexiste. Pois somente há previsão legal para a forma dolosa.

g) Consumação e Tentativa

O crime só se configura com o efetivo impedimento ou perturbação do


enterro ou da cerimônia fúnebre. Admite-se a tentativa nas hipóteses em que o
agente, embora empregando os meios inidôneos à prática do crime, não alcança
seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade.

h) Classificação Jurídica

Segundo os ensinamentos de Estefam (2011, p. 116), trata-se de crime

de forma ou ação livre (admite qualquer meio executório


e, por isso, chama-se crime onímodo), comum (qualquer
pessoa pode praticá-lo), monos-subjetivo ou de concurso
eventual (pode ser praticado por uma pessoa ou por várias),
plurrisubsistente (seu iter criminis comporta cisão em dois
ou mais atos executivos), material (depende do resultado
naturalístico para efeito e consumação, instantâneo (na
modalidade “interromper”), ou permanente (na conduta
“perturbar”, prolongando-se a fase consumativa enquanto o
embaraço persistir).

102
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

Mirabete (2011, p. 374) entende que pode ocorrer o delito “por omissão”,
como no caso de não se fornecer o esquife, a viatura para transporte e as chaves
do túmulo por exemplo.

i) Ação Penal

Incondicionada. O Ministério Público fará a denúncia, independente da


vontade da vítima, basta a simples comunicação do fato criminoso.

j) Aumento de Pena

Bitencourt (2011, p. 455) ensina que “não há forma qualificada com novos
limites mínimo e máximo, mas somente uma majorante especial, isso é, quando
praticado mediante violência, nesse sentido, o delito neste parâmetro é idêntico
ao artigo 208 do diploma estudado”.

k) Confronto

Se houver o retardamento na entrega aos familiares ou interessados de


cadáver, objeto de remoção de órgãos para transplante, não se caracteriza o delito
em tela, mas sim o preceituado no artigo 19, segunda parte, da Lei nº 9.434/97.

Violação de Sepultura
De acordo com o
De acordo com o CP:
CP:
Art. 210 - Violar ou profanar sepultura ou urna
funerária: Art. 210 - Violar ou
profanar sepultura
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. ou urna funerária:

Pena - reclusão, de
a) Considerações Iniciais um a três anos,
e multa.

Na antiguidade, os romanos consideravam os mortos como


deuses, tanto é que primeiramente a violação tumular era abrangida pelos crimes
privados, somente no final do império é que passou a ser objeto de ação pública,
apesar de ser punida com sanção pecuniária (BITENCOURT 2011).

No direito canônico, os túmulos eram considerados coisa sagrada, e seus

103
Direito Penal II - Parte Especial

profanadores eram punidos como autores de quase sacrilégio, sujeitos a pena de


excomunhão. Posteriormente, eram entregues ao chamado “braço secular”, para
lhes serem aplicadas outras sanções.

“O Direito Canônico poderia ser conceituado como o conjunto


de leis propostas, elaboradas ou canonizadas pela Igreja,
numa determinada época[Cf. Raoul NAZ et alii. Traité de Droit
Canonique. Paris, Letouzey et Ané, 1954, p. 14]. Ou, numa definição
mais completa: conjunto de normas jurídicas, de origem divina
ou humana, reconhecidas ou promulgadas pela autoridade
competente da Igreja Católica, que determinam a organização e
atuação da própria Igreja e de seus fiéis, em relação aos fins que
lhe são próprios [cf. Rafael LLANO CIFUENTES. Curso de Direito
Canônico. São Paulo, Saraiva, 1971, p. 10.].

Fonte: disponível em: <www.infosbc.org.br/.../index.php?...


id...direito-canonico>. Acesso em: 10 jan. 2012.

A criminalização das condutas de violar ou profanar urna funerária ou sepultura


veio a ocorrer em nosso ordenamento jurídico com o surgimento do Código Penal
de 1940, uma vez que as próprias Ordenações do Reino e o Código Criminal do
Império (1830) não se preocuparam com essa infração penal. O Código Penal de
1890, por sua vez, tratou dessa infração como sendo contravenção.

O valor protegido é o respeito aos mortos.

b) Transação Penal

Tendo em vista que, a exemplo do que já fizera a Lei dos Juizados Especiais
Criminais Federais (Lei n° 10.259/01), o artigo 61 da Lei dos Juizados Especiais
Criminais Estaduais (Lei nº 9.099/95), modificado pela Lei n° 11.313/2006,
considera-se infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções e os
crimes com pena máxima não superior a dois anos, assim, aquele que pratica o
delito in casu não fará jus ao benefício da transação penal.

c) Sujeitos do Crime

O sujeito ativo é qualquer pessoa, independentemente de qualidade ou


104
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

condição especial. Toda pessoa natural dotada de capacidade de entender e


querer pode figurar-se como sujeito ativo dessa infração penal.

Já o sujeito passivo, primeiramente, é o corpo social, a coletividade; entende-


se, portanto, os titulares do valor tutelado na norma penal, e secundariamente os
familiares ou mesmo os amigos do extinto.

d) Tipo Objetivo

Segundo Sanches (2010), as ações típicas previstas são a de violar (abrir,


quebrar, devassar) ou profanar (ofender, ultrajar, desrespeitar), sepultura (local
onde se enterram os cadáveres) ou urna funerária (reservatório destinado
ao depósito de cinzas ou parte do defunto). Nesse sentido, inspirados nos
ensinamentos de Mirabete (2011, p. 397), “citam-se como exemplos remover
pedras, danificar ornamentos, colocar objetos grosseiros, escrever palavras
injuriosas etc”. Tem-se decidido pela ocorrência do ilícito na alteração chocante,
de aviltamento, de grosseira irrelevância (RT 476/339), na derrubada da cruz ou
enfeite religioso (RT 238/621), no derrubamento de bebida alcoólica sobre os
símbolos funerários (RT 238/621) etc.

A subtração de objetos colocados sobre a sepultura configura


qual crime?

A jurisprudência é divergente. Para uns, haverá delito de furto,


art. 155 do CP (RT 598/313); para outros, os crimes dos artigos 210
ou 211, conforme o caso (RT 608/305). Veremos o entendimento
jurisprudencial mais adiante.

Para Damásio de Jesus (2002, p. 78), “a sepultura vazia ou o monumento


erigido à memória de alguém, que não contenham sequer parte de um cadáver,
não constituem objeto material do delito”. No mesmo sentido é a lição de Luiz
Regis Prado e de Cesar Roberto Bitencourt.

e) Tipo Subjetivo

Segundo Bitencourt (2011) e Estefam (2009), a violação de sepultura é


punível a título de dolo. No entanto Cunha (2010, p. 246) leciona que há três
correntes doutrinárias, assim descritas:
105
Direito Penal II - Parte Especial

a) exige-se finalidade especial por parte do agente. Vez que no


ato de violação ou profanação, é imprescindível o sentimento
de desrespeito (HUNGRIA, op cit. v 8, p 75); b) somente a
modalidade profanar deve ser acompanhada do elemento
subjetivo especial do injusto, tendo em vista não ocorrer esse
ato sem o propósito de vilipendiar ou desprezar (FRAGOSO,
Lições de Direito Penal, v 2,p. 485) e, c) o propósito do agente
é irrelevante, tendo em vista que o respeito aos mortos é
inerente ao ser humano e, ao praticar uma das condutas
previstas, sabe que age em desrespeito a esse sentimento, o
que se afigura bastante (MIRABETE, manual de Direito Penal,
v.2, p. 397/398).

f) Forma Culposa

Inexiste. Pois o crime necessita de dolo para existir, ou seja, vontade


consciente de querer violar a sepultura.

g) Consumação e Tentativa

Consuma-se o delito com a violação ou a prática de qualquer ato de


profanação de sepultura ou urna funerária. A tentativa é admissível, no entanto,
bem colocado por Sanches (apud PRADO, 2010, p. 227), na modalidade tentada
há duas exceções: “na hipótese de violação, pois sua tentativa já constitui
profanação consumada; e quando houver ultraje por palavras orais ao público”.

Por outro lado, Estefam (2009, p. 120) acredita que a mera e simples violação
pode, em tese, configurar tentativa. Assim, expõe um exemplo: “Uma pessoa pode
ser surpreendida pelo zelador do cemitério prestes a conspurcar a lápide de um
túmulo, não consumando por isso seu intento”.

h) Classificação Jurídica

O delito sob exame pode ser definido como crime de forma livre ou onímodo
(comporta qualquer modo de execução), comum (não se exige qualquer
condição especial do sujeito ativo), monossubjetivo ou de concurso eventual
(pode ser praticado por uma pessoa ou por várias em comunhão de desígnios),
plurissubsistente (seu iter criminis permite fracionamento em dois ou mais
atos executórios,), material (depende do resultado naturalístico para efeito de
consumação), e instantâneo (ESTEFAM 2009).

i) Ação Penal

Incondicionada. O Ministério Público fará a denúncia, independente da


vontade da vítima, basta a simples comunicação do fato criminoso.
106
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

j) Excludentes de Ilicitude

A criminalização da conduta requer, além da correspondência do fato à norma


penal (tipicidade formal) a da ofensa ao valor protegido (tipicidade material), que o
ato não se encontre acobertado por alguma excludente de ilicitude.

O Código Penal trata delas no artigo 23, enumerando as seguintes: estado de


necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito e o estrito cumprimento
do dever legal. Tendo em conta tais causas de justificação, pode-se pensar em
algumas situações que, apesar de se amoldarem ao tipo, não terão caráter
criminoso. É o que se daria, por exemplo, se alguém violasse sepultura depois de
verificar que o indivíduo enterrado está vivo. Neste caso seu pretenso agiria em
legítima defesa de terceiro.

O Código de Processo Penal autoriza a exumação de cadáver quando


necessário à prova do crime (Art. 163). A autoridade policial que efetuá-la
encontrar-se-á no estrito cumprimento do dever legal (ESTEFAM, 2009).

Por outro lado, o ato de inumar ou exumar cadáver, com infração das
disposições legais, não pode ser considerado como excludente, mas sim como
contravenção penal, pois seus atos devem ser punidos mediante prisão simples
de um mês a um ano, ou multa (art. 67 do Decreto-Lei n° 3.688/41).

k) Concurso de Crimes

A violação de sepultura pode ser praticada como meio executório de outros


crimes, quando o agente busca subtrair para si ou para outrem parte do cadáver,
próteses dentárias ou placas de bronze que normalmente ornamentam sepulcros.
Discute-se, em tal situação, qual a infração penal a ser imputada ao sujeito.

Bitencourt (2009) e Hungria (1981) sustentam haver concurso material


de crimes. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já entendeu pela
subsistência do crime do artigo 210 do CO, não respondendo o autor pelo furto,
ainda que sua intenção fosse a subtração da coroa dentária do cadáver (RT
608/305).

A solução para a quaestio, segundo o autor, deve ser pautada pela análise da
finalidade a que se dirige a conduta, ou seja, pelo elemento subjetivo do injusto.
Quando alguma pessoa viola o local em que se encontram os restos mortais
de alguém, visando ao apoderamento destes, atua animus rem sibi habendi e,
portanto, não deve responder pelo crime do artigo 210, mas por subtração de
cadáver (art. 211) ou furto (art. 155), conforme a natureza do objeto material (por

107
Direito Penal II - Parte Especial

exemplo: se a res for o cadáver ou parte deste, dar-se-á o crime do artigo 211, se
for algo que ornamenta a sepultura, como uma placa de bronze, ou restos mortais
que não mais guardem conexão simbólica com a pessoa falecida, haverá furto).

Ainda é de rigor registrar a posição de Guilherme Nucci (2011) que, na


hipótese de ocorrer a violação com a finalidade de furtar, a tipificação dependerá
do resultado material, ou seja, se houve violação, mas não se consumou a
subtração, responde o agente pelo crime do art. 210; se ocorrer a violação e o
furto consumou-se, subsiste apenas o crime patrimonial.

Cunha (2009) ainda leciona que se o agente violar a sepultura no intuito de


subtrair objetos enterrados junto ao cadáver, o delito em análise será absorvido,
por se tratar de crime meio (RT 598/313). Note-se que outro ato de desrespeito
ao morto não será absorvido, nem mesmo a profanação, que não se trata de
meio necessário ao alcance do fim pelo agente. Nesse caso, o autor é a favor do
concurso material. Ensina ainda que podem ocorrer outras formas de concurso de
crimes, como por: A calúnia contra os mortos: se o ato de profanação se traduzir
em calúnia contra o extinto, haverá concurso formal de delitos.

Atividade de Estudos:

1) A retirada de dentes do cadáver configura o delito do art. 211 do


CP?
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________
_____________________________________________________

De acordo com CP:

Art. 211 - Destruir,


Destruição, Subtração ou
subtrair ou ocultar
cadáver ou parte
Ocultação de Cadáver
dele:
De acordo com CP:
Pena - reclusão, de
um a três anos, Art. 211 - Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:
e multa.
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

108
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

a) Considerações Iniciais

A preocupação e o respeito para com os mortos são sentimentos que as


civilizações têm demonstrado ao longo da história da humanidade, desde a
antiguidade. Os Códigos criminais brasileiros do século XX (1830 e 1890) não se
preocuparam com esse crime.

A criminalização das condutas de destruir, subtrair ou ocultar cadáver


somente veio a ocorrer em nosso ordenamento jurídico com o advento do Código
Penal de 1940, já que as próprias Ordenações do Reino, que vigoraram por longo
tempo no Brasil - Colônia tampouco se preocuparam com essa infração penal
(BITENCOURT, 2011).

O valor protegido é o respeito aos mortos.

b) Transação Penal

Tendo em vista que, a exemplo do que já fizera a Lei dos Juizados Especiais
Criminais Federais (Lei n° 10.259/01), o artigo 61 da Lei dos Juizados Especiais
Criminais Estaduais (Lei nº 9.099/95), modificado pela Lei n° 11.313/2006,
consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções e
os crimes com pena máxima não superior a dois anos, assim, aquele que pratica
o delito in casu não fará jus ao benefício da transação penal.

c) Sujeitos do Crime

O sujeito ativo é qualquer pessoa, independentemente de qualidade ou


condição especial. Toda pessoa natural dotada de capacidade de entender e
querer pode figurar-se como sujeito ativo dessa infração penal.

Já o sujeito passivo, primeiramente, é o corpo social, a coletividade; entende-


se, portanto, os titulares do valor tutelado na norma penal, e secundariamente os
familiares e os amigos do extinto.

d) Tipo Objetivo

Segundo Cunha (2009), as ações típicas previstas são: destruir (desfazer,


desmanchar, destroçar), subtrair (apoderar-se) e ocultar (esconder, dissimular)
cadáver ou parte dele.
109
Direito Penal II - Parte Especial

Para Mirabete (2010), o objeto material do crime em exame é o cadáver,


corpo que ainda conserva a aparência humana, e não os restos em completa
decomposição. Não abrange o conceito de cadáver o esqueleto e suas cinzas.
Essa é a opinião mais aceitável, já que apenas no art. 212 a lei se refere a estas.
Também não é cadáver a múmia, podendo sua subtração ser caracterizada como
furto. A destruição a que se refere o art. 211 não é apenas de todo cadáver, senão
parte dele. As partes do cadáver não se confundem com as partes amputadas do
corpo vivo, que não estão protegidas pelo dispositivo.

Discute-se a respeito do feto e do natimorto. Segundo o autor (MIRABETE,


2010) há três posições: a) só é cadáver aquele que teve vida extrauterina; b) é
cadáver o natimorto expulso no termo da gravidez e, c) é cadáver o feto de mais
de seis meses, por ser viável, nos termos do art. 1.597, inciso I do CC. Optamos
pela segunda orientação; só o natimorto, não o feto, é cadáver. Para Estefam
(2011), o natimorto e o feto, quando já suficientemente formados e aptos para a
expulsão, ainda que prematura, são considerados cadáveres.

Bitencourt (2011, p. 464) ensina que: para uma corrente, o natimorto e o feto
não são cadáveres por lhes faltar o elemento essencial para caracterizá-los como
tais: vida extrauterina autônoma. Para essa concepção, portanto, cadáver refere-
se aos

restos exânimes de alguém que tenha vivido; para a segunda,


em sentido contrário, é abrangido pela noção de cadáver
não apenas o natimorto como também o feto de mais de
seis meses, que considera desnecessária vida extrauterina
autônoma; finalmente, para a terceira concepção, somente o
natimorto pode ser cadáver, por considerar que o natimorto
inspira o mesmo sentimento de respeito se coisa sagrada,
sendo tratado na vida social como defunto, o que não ocorre
com o feto (BITENCOURT, 2011, p. 464).

Cadáver, para Estefam (2011, p. 122), “é o corpo sem vida de um ser


humano, enquanto represente a pessoa que se foi, isto é, antes de sua
decomposição total”. Assim, o esqueleto não é considerado cadáver, devido
faltar-lhe o aspecto fundamental de representação corpórea. No entanto, para
Cunha (2010, p. 247), “os corpos depois de autopsiados ou que servem para
estudos anatômicos devem ser considerados cadáveres”. Já as partes do
cadáver “são aspectos inerentes à manifestação corpórea da pessoa, sejam
estas naturalmente vinculadas ao corpo o a estes artificialmente conectadas,
mas que somente se possam dele retirar mediante emprego de violência ou com
prejuízo de sua integridade, como próteses”.

e) Tipo Subjetivo

110
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

A destruição, subtração ou ocultação de cadáver ou parte dele é crime


doloso, o qual requer, como de ordinário, a consciência e a vontade de realizar os
elementos descritos do tipo penal. Não há qualquer elemento subjetivo específico,
motivo pelo qual pouco importa o plano que o agente pretendia concretizar
(vingança, obtenção de proveito econômico, impunidade por delitos anteriormente
cometidos etc.).

A presença de alguma finalidade específica poderá, no entanto, ter relevância


como circunstância do tipo. O médico, por exemplo, que oculta o cadáver do feto
maduro cuja vida ceifou dolosamente, age para garantir a ocultação ou impunidade
do aborto praticado e, portanto, deverá sofrer a incidência da agravante genérica
prevista no art. 61, inciso II, alínea b do CP.

f) Forma culposa

Inexiste. Necessário o dolo de querer ocultar o cadáver.

g) Consumação e Tentativa

Consuma-se o crime do art. 211 com a destruição do cadáver, não é


necessário que haja destruição total, pois o próprio tipo penal se satisfaz com
“parte dele”; com a subtração, isto é, a retirada do corpo da esfera de vigilância
ou proteção de quem de direito, ou com sua ocultação, ou seja, fazendo-o
desaparecer, mesmo que temporariamente.

É perfeitamente admissível a forma tentada, bastando que a consumação


não ocorra por circunstâncias alheias à vontade do agente. Mirabete (2010, p.
378) indica que “pode ainda ser reconhecida a tentativa, por exemplo, no caso
em que fora adquirida a mala onde seria ocultado o cadáver já de dois dias e
aberta a vala onde seria enterrado no quintal da residência do agente e no caso
de queimaduras no corpo, substituindo, porém o cadáver como tal”.

h) Classificação Jurídica

Trata-se de crime doloso, de ação múltipla ou conteúdo varado (uma vez que
a norma penal contém diversos verbos nucleares, alternativamente capazes de
caracterizar o crime), comum (qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo),
monossubjetivo ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma pessoa
ou várias em concurso), plurissubsistente (o comportamento criminoso pode ser
cindido em mais de um ato), instantâneo (salvo na modalidade “ocultar”, em que
111
Direito Penal II - Parte Especial

a fase consumativa se prolonga no tempo) e material (sua consumação requer a


produção de resultado naturalístico) (ESTEFAM, 2011).

i) Ação Penal

Incondicionada. O Ministério Público fará a denúncia, independente da


vontade da vítima, basta a simples comunicação do fato criminoso.

j) Distinção

Não há o crime em apreço no simples fato de enterrar um cadáver com


desrespeito às disposições legais relativas ao assunto, caracterizando-se apenas
contravenção penal (art. 67 do Decreto-Lei 3.688/41). Não se configura também
o delito de ocultação de cadáver quando a vítima é enterrada ainda viva. Trata-se
no caso de homicídio qualificado pela circunstância de asfixia por soterramento
(MIRABETE, 2010).

Revogando a Lei 8.489/92, a Lei 9.434/97, que passou a regular a


remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante
e tratamento, prevê vários crimes: comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes
do corpo humano (art. 15); realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos,
órgãos ou partes do corpo humano de que tem ciência terem sido obtidos em
desacordo com os dispositivos da citada lei (art. 16); recolher, transportar, guardar
ou distribuir partes do corpo humano de que tem ciência terem sido obtidos em
desacordo com os dispositivos da citada lei (art. 17); realizar transplante ou
enxerto em desacordo com o dispositivo no art. 10 da lei e seu parágrafo único
(art. 18); deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para
sepultamento, ou deixar de entregar ou retardar a sua entrega aos familiares ou
interessados (art. 19) (MIRABETE, 2010).

k) Concurso de Crimes

A ocultação de cadáver para esconder crime anterior (homicídio, infanticídio


etc.) configura concurso material de delitos. Pode ocorrer, ainda, concurso material
com o delito de violação de sepultura e concurso formal com o de vilipêndio a
cadáver (art. 212). Já se decidiu, porém, pela possibilidade de absorção do crime
de vilipêndio a cadáver pelo de ocultação de cadáver se o propósito do agente foi
o de tornar mais fácil a remoção e ocultação dos restos da vítima.

112
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

l) Jurisprudência

• Feto: O feto que não atingiu maturidade para ser expulso a termo não pode
ser considerado cadáver (TJMS, RT 624/355; contra, tendo o feto dois meses:
TJSP, RJTJSP 118/516, ou nove meses: TJSP, mv – RJTJSP 164/290).
Configura-se o crime se o feto teve vida extrauterina (TJSP, RT 478/308,
463/339). O natimorto, expulso a termo, é cadáver (TJSP, RJTJSP 72/352).

• Cadáver com Aparência Humana: Para fins deste art. 211, os restos
humanos em estado quase completo de esqueletização não são considerados
cadáveres (TJSP, RT 479/304).

• Desclassificação: Em caso de natimorto enterrado escondido em capela,


entendeu-se que configuraria a contravenção penal do art. 67 da LCP (TJSP,
RT 468/313).

• Abandono de Cadáver: Configura o crime do art. 211 o abandono, em terreno


baldio, de vítima que morreu enquanto o motorista a socorria (TJSP, RJTJSP
91/439). Não configura se, por falta de recursos, deixa o cadáver em frente à
residência, para que outrem o encontre e promova o sepultamento (TJRJ, mv
– RT 533/387). Caracteriza-se o delito do art. 211 se o agente, após a prática
de latrocínio, coloca o corpo da vítima no porta-malas de veículo e o despeja
em local ermo para que não seja encontrado (TJPR, RT 809/672).

• Destruição: Configura-se, mesmo que seja só parte do cadáver (TJSP, RT


526/350).

• Absorção do crime de Vilipêndio a Cadáver: por força do princípio da


consumação, deve ser absorvida a figura delitiva prevista no art. 212 do CP
por aquela descrita no art. 211 do mesmo estatuto, se o vilipêndio ao cadáver,
mediante mutilação do corpo da vítima, teve o propósito inequívoco de tornar
mais fácil a remoção e ocultação dos restos da ofendida (TJSP, RT 835/556).

• Agravante: Condenada a ré por aborto e ocultação de cadáver, não se deve


ser reconhecida a agravante do art. 61 II, b, por ser elemento constitutivo do
art. 211. (TJSP, RJTJSP 118/517).

• Tentativa: Se apesar de o agente tentar queimar o cadáver, este subsistiu


como tal, desclassifica-se para a forma tentada (TJPR, RT 606/361).

• Subtração: Comete o crime do art. 211 o agente funerário que subtrai os


corpos das vítimas e pede remuneração das famílias para devolvê-los; é
infração que se consuma com a simples subtração, sem dependência do fim
pretendido pelo autor (TJSP, RT 522/324).
113
Direito Penal II - Parte Especial

• Ocultação: Retirar o cadáver do local onde deveria permanecer e conduzi-lo


para outro em que não será normalmente reconhecido, configura, em tese,
crime de ocultação, trata-se de crime permanente que subsiste até o cadáver
ser descoberto, pois ocultar é esconder e não simplesmente remover (STF,
mv – RT 784/530). Contra: remover ou afastar o cadáver do lugar em que
ele estava não equivale à ocultação do art. 211 (TJSP, RJTJSP 102/424).
Não se tipifica se o agente, imediatamente após haver escondido o cadáver,
comunica o fato à autoridade, pois não procurou manter a ocultação, o que
releva ausência de dolo (TJMT, RT 552/361). Na modalidade de ocultação, o
art. 211 seria crime permanente, até o momento em que é descoberto (TJSP,
RJTJSP 98/531).

• Crime Continuado: Configuradas a homogeneidade temporal, espacial e


modal, e até mesmo a unidade de desígnios, se os agentes matam três vítimas
e ocultam seus cadáveres, é possível o reconhecimento da continuidade
delitiva tanto no que se refere ao crime de homicídio quanto ao de ocultação
(TJPSP, RT 765/576).

• Competência: Afastada a incidência do crime de aborto de competência do


tribunal do júri, deixa de existir conexão, devendo ao delito de ocultação de
cadáver ser aplicado, em primeira instância, o disposto no art. 410 do CPP
(TJSC, mv – RT 810/702).

Vilipêndio a Cadáver
De acordo com o De acordo com o CP:
CP:
Art. 212 - Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:
Art. 212 -
Vilipendiar cadáver Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
ou suas cinzas:

Pena - detenção, a) Considerações Iniciais


de um a três anos,
e multa.
O bem jurídico protegido também é o respeito aos mortos.

A criminalização das condutas de destruir, subtrair ou ocultar cadáver


somente veio a ocorrer em nosso ordenamento jurídico com o advento do
Código Penal de 1940. As Ordenações do reino e o código criminal de 1830 não
disciplinaram o crime de vilipêndio a cadáver. O Código penal de 1890, por sua
vez, como pioneiro em nosso sistema jurídico, tipificou infração penal semelhante,
porém como mera contravenção penal.
114
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

b) Leis nº 9.099/95 e nº 10.259/2011

A exemplo do que já fizera a Lei dos Juizados Especiais Criminais Federais


(Lei n° 10.259/01), o artigo 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais Estaduais
(Lei nº 9.099/95), modificado pela Lei n° 11.313/2006, consideram-se infrações
penais de menor potencial ofensivo as contravenções e os crimes com pena
máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa, não fazendo
restrição ao tipo de procedimento, se comum ou especial, nem ao tipo de ação
(incondicionada, condicionada ou privada). Assim sendo, aquele que pratica o
delito em tela, não fará jus ao benefício da transação penal.

c) Sujeitos do Crime

O sujeito ativo é qualquer pessoa, independentemente de qualidade ou


condição especial. “Toda pessoa natural dotada de capacidade de entender e
querer pode figurar-se como sujeito ativo dessa infração penal, inclusive familiares
do morto e amigos, ou também o próprio coveiro” (CUNHA, 2010, p. 248).

Para Bitencourt (2011), a exemplo dos crimes anteriores deste capítulo, o


sujeito passivo é a família e amigos do morto, e só mediatamente a coletividade.
Nesse particular, discorda-se da maioria da doutrina quando sustenta que o sujeito
passivo mediato é a coletividade.

Na realidade, a definição de quem pode ser sujeito passivo desse crime deve
estar intimamente vinculada ao bem jurídico tutelado e, na medida em que se
admite que esse bem jurídico é “o sentimento dos parentes e amigos do morto
e não o próprio de cujus”, o sujeito passivo direto só podem ser os parentes e
amigos, restando a coletividade, secundariamente, como titular passivo. Por mais
que se queira argumentar, nenhuma coletividade, por mais harmônica, integrada
e coesa que seja, sentirá mais perda de um de seus membros que os próprios
familiares, não sendo, portanto, justo nem sensato que aquela e não estes sejam
sujeito passivo deste crime (BITENCOURT, 2011).

d) Tipo Objetivo

A conduta típica é vilipendiar, que significa tratar com desprezo, ultrajar,


aviltar, rebaixar o cadáver ou suas cinzas. Além do cadáver, cujo conceito foi
descrito nos delitos anteriores, protege a lei suas cinzas. Estas são os resíduos da
combustão ou cremação do corpo (autorizada, casual ou criminosa).

Segundo leciona Cunha (2010), “o delito do art. 2121 é de livre execução,

115
Direito Penal II - Parte Especial

podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação


do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras
ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio
quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama
líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362).

Luiz Régis Prado (2010, p. 243), ao discorrer sobre o objeto material do delito
(cadáver ou suas cinzas), faz o seguinte apontamento:

Quanto ao objeto material desse dispositivo, é muito


importante esclarecer que tanto pode ser cadáver (corpo
humano inanimado, inclusive o natimorto), as partes deste
ou suas cinzas. Leciona que embora o legislador não tenha
expressamente incluído o termo “parte dele” como o fez
o legislador de 1969 [no código Penal que não chegou a
vigorar], é perfeitamente possível que aquelas sejam objeto de
proteção desse dispositivo, com base no argumento a minori
ad maius. Ora, não seria lógico salientar que constitui crime
escarrar sobre as cinzas de um cadáver, enquanto o mesmo
ato praticado sobre um membro de uma pessoa falecida
constitua conduta atípica.

Noronha (1994, p. 88-89) nos ensina que “deve-se entender que, neste delito,
igualmente, podem ser objetos do delito os esqueletos, pois se a lei menciona
tanto o cadáver, quanto suas cinzas, ou seja, os extremos, não há motivo para se
desconsiderar que se encontra entre essas duas situações”.

Note-se que, se as palavras proferidas imputarem ao morto, falsamente, fato


definido como crime, haverá concurso formal entre o delito em estudo e o previsto
no artigo 138, § 2º, do CP.

e) Tipo Subjetivo

É o dolo. Há um elemento ínsito na compreensão da conduta nuclear,


consistente na intenção de aviltar a memória do falecido (pouco importa, todavia, o
opróbrio motivador do vilipêndio, ou seja, a razão pela qual a ofensa foi praticada:
vingança, fim de obtenção de lucro, satisfação da lascívia...).

No mesmo sentido, Bitencourt (2011, p. 468) leciona que “o elemento


subjetivo especial do tipo é constituído pelo fim especial de aviltar, de ultrajar, de
vilipendiar; entendendo que a configuração do delito é indispensável à presença
do elemento moral, do fim específico”, consistente no desejo consciente de
desprezar o corpo sem vida da vítima, com intenção clara de ultrajá-lo.

116
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

Assim, por exemplo, o agente que, depois de atirar na vítima, ausenta-


se do local dos fatos, retornando logo depois e, com o pé, empurra a vítima,
supostamente falecida, para conferir se realmente está morta, não pratica o crime
de vilipêndio, por faltar o elemento subjetivo especial, que é a vontade consciente
dirigida à prática da ação, com o objetivo de profanar o cadáver.

f) Forma culposa

Inexiste. Somente se configura a ação criminosa se tiver prova do dolo, ou


seja, a vontade de querer ultrajar ou vilipendiar o cadáver.

g) Consumação e Tentativa

Consuma-se com o ato ultrajante, quando material, ou simplesmente com o


vilipêndio verbal junto ou sobre o cadáver ou suas cinzas.

É possível a tentativa, pois o iter criminis é cindível. Imagine, por exemplo, o


sujeito que, pretendendo dar vazão à sua mórbida concupiscência, tente retirar as
vestes de um cadáver, mas veja frustrada sua meta pela chegada tempestiva de
algum familiar do morto.

Não é possível a tentativa se praticado oralmente.

h) Classificação Jurídica

Segundo os ensinamentos de Estefam (2011), o crime é doloso, de forma


ou ação livre (permite qualquer meio executório – delito onímodo), comum (não
se requer qualidade ou condição especial do sujeito ativo), monossubjetivo ou de
concurso eventual (pode ser praticado por uma pessoa ou várias em comunhão de
desígnios), material ou de resultado (já que somente se consuma com a produção
do resultado naturalístico), instantâneo (de regra) e plurissubsistente (porquanto o
iter criminis admite fracionamento).

i) Ação Penal

Incondicionada. O Ministério Público fará a denúncia, independente da


vontade da vítima, basta a simples comunicação do fato criminoso.

j) Lei dos Transplantes

117
Direito Penal II - Parte Especial

O crime de vilipêndio a cadáver não se confunde com o do art. 19 da Lei nº


9.343/97, que regula, como já tecido anteriormente, os transplantes de órgãos,
tecidos e partes do corpo humano. O crime especial, de natureza omissiva própria,
dá-se quando o agente deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhes aspecto
condigno para sepultamento, ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos
familiares ou interessados (ESTEFAM, 2011).

k) Concurso de Crimes

• Crimes Contra a Honra (CP – Arts. 138/140): o vilipêndio a cadáver pode


ser cometido por meio verbal ou escrito, mediante, por exemplo, a prolatação
de palavras ofensivas dirigidas ao morto. Em tais situações, poderá ocorrer
concurso formal ou ideal, entre o crime contra o respeito aos mortos e a
calúnia, cuja punição se baseia no art. 138, parágrafo 2º, do CP. É possível,
ademais, que o vilipêndio também possa representar difamações ou injúrias.
Se assim o for, haverá delito único, uma vez que nossa lei penal não pune a
difamação ou a injúria contra os mortos, salvo se reflexamente se pretender
macular a honra de algum vivo.

Toma-se este exemplo: “fulano, que agora jaz, sempre foi um imoral, pois
nunca respeitou seu leito conjugal, em que fornicava com sua vizinha Beltrana”
– trata-se de injúria que reflexamente fere a honra da vizinha. Há, em tal caso,
vilipêndio a cadáver e injúria (art. 140 do CP). Nesse caso em específico, os
sujeitos passivos são, respectivamente, a família e os amigos do de cujus e a
vizinha acusada de adultério (ESTEFAM, 2011).

• Perturbação ou Interrupção de Enterro ou Cerimônia Funerária: O


vilipêndio a cadáver pode ser praticado às ocultas ou publicamente, em
qualquer local, inclusive durante o enterro do falecido ou cerimônia funerária
efetuada em sua homenagem. Dar-se-á, nesse caso concurso de crimes. Se o
próprio vilipêndio representar o ato gerador da turbação da cerimônia, surgirá
o concurso formal. Por exemplo, uma pessoa revoltosa interrompe o velório
e passa a dirigir graves insultos ao falecido, quebrando a normalidade da
cerimônia que ali tomava lugar. É possível, contudo, que haja duas condutas
destacadas, situação em que o concurso será material, exemplo: Fulano
efetua um disparo, interrompendo o sepultamento do falecido e, em seguida,
atira lixo sobre o caixão (ESTEFAM, 2011).

• Violação de Sepultura: É possível que o sujeito, visando a cometer o ato de


vilipêndio, rompa com a integridade do sepulcro onde se encontra o cadáver
(ainda não decomposto) ou da urna mortuária onde estão as cinzas. Ter-se-á
concurso material de infrações (art. 69 do CP) (ESTEFAM, 2011).

118
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

• Destruição, Subtração ou Ocultação de Cadáver: Cabe admitir, ainda, o


concursos delictorum entre as infrações dos artigos 211 e 212. Suponha-se o
caso em que alguém pratica necrofilia e, em seguida, ateia fogo no cadáver
para eliminar os vestígios se sua mórbida ação. Como não se trata de duas
ações diversas, aplicar-se-á concurso material (art. 69 do CP). O TJSP já
entendeu que o crime de vilipêndio pode ser absorvido pela ocultação de
cadáver quando o agente, desde o início, tenha como meta optada esconder o
corpo e, para isso, tenha que conspurcá-lo por meio do desmembramento (RT
835/556) (ESTEFAM, 2011).

• Dissecações de Cadáver: O ato de dissecar cadáveres para fins acadêmicos,


por óbvio, não realiza o tipo penal incriminador do artigo 212 do CP. Quando,
portanto, o professor de medicina legal expõe a seus alunos um corpo sem
vida e, tratando-o como objeto de estudo, efetua incisões nos tecidos, retira-
lhes órgãos ou membros, não comete crime algum, porque o comportamento
não ofende o bem tutelado na norma penal, e, ademais, em face da absoluta
ausência de dolo vilipendiar. O mesmo se dirá se um dos estudantes, atuando
jocosamente, tocar alguma parte da anatomia do corpo que jaz. Nesse caso, a
atipicidade da conduta se justificará pelo desconhecimento sobre a identidade
do falecido, característica que elimina a intenção de vilipendiar sua memória
(na improvável hipótese de conhecer o morto, seus familiares ou amigos,
haverá o crime) (ESTEFAM, 2011).

• Erro de Tipo (CP, art. 20): Como deve-se enquadrar penalmente o ato de
vilipendiar sobre um corpo inerente, acreditando o agente equivocadamente
que a pessoa faleceu, quando, na verdade, ainda vive? Estefam (2011)
sustenta haver erro sobre a pessoa, devendo aplicar-se, portanto, o atual art.
20, parágrafo 3º, do CP, ou seja, imputar-se-ia ao agente o crime do art. 212
do CP, tratando-se o episódio como erro acidental (incapaz de excluir o dolo).
O próprio autor discordava dessa solução, aduzindo que deveria ser aplicado
o artigo 17 do CP, o que seria equivalente ao art. 20 do mesmo diploma legal,
ou seja, erro de tipo essencial. Correta a resposta do saudoso mestre. A falsa
percepção da realidade, na hipótese formulada, atinge elementar do crime e,
destarte, retira o dolo da conduta. Não há falar-se em vilipêndio a cadáver se o
autor da conduta crê, erroneamente, que a pessoa se encontrava viva. Falta-
lhe o elemento subjetivo do tipo, correspondente à vontade e consciência de
realizar a conduta típica (ofensa a um falecido).

l) Jurisprudência

• Dolo e Elemento Moral: Para a configuração do delito de vilipêndio de


cadáver, indispensável é o elemento moral, consistente no desejo consciente

119
Direito Penal II - Parte Especial

de desprezar o corpo sem vida da vítima, com intenção clara de depreciá-la


(RT 532/368).

• Sobre o delito estudado, já decidiu o pioneiro Tribunal de Justiça do Estado do


Rio Grande do Sul:

VIOLAÇÃO DE SEPULTURA. VILIPÊNDIO DE CADÁVER.


PROVA CONSISTENTE. TRANSE MEDIÚNICO.

Os acusados, com intuito de realizar “um trabalho”, ingressaram,


por volta da meia-noite, no cemitério de Passo Fundo. Uma das
corrés, com a mãe doente, havia buscado auxílio numa “casa de
umbanda”. Esta foi apanhada em sua residência, em automóvel
dos corréus, e conduzida ao cemitério. Lá chegando, enquanto a
beneficiada pelo trabalho segurava uma lanterna e era amparada
pela corré, os dois acusados removeram as lajes de uma sepultura
onde havia sido, há poucos dias, enterrado um homem de 87 anos
de idade. Após, abriram o caixão, fizeram uma incisão no abdome do
cadáver, sacrificaram um cachorro e uma galinha sobre o corpo do
enterrado, nele introduzindo vários papéis. Em seguida, despejaram
álcool sobre o cadáver, atearam fogo e fecharam a sepultura. Tudo
foi acompanhado pelo acendimento de velas ao lado da sepultura e
iluminação de lanterna, à meia-noite. 2. O alegado “transe mediúnico”,
eventualmente existente e ainda que presente, em face da dimensão
existencial em que se labora nos processos, não é excludente de
tipicidade, ilicitude e nem de culpabilidade. 3. Prova consistente nos
autos, inclusive pericial e fotográfica, onde se pode ver, querendo,
o ataúde avermelhado, a galinha vermelha e preta, os restos das
velas queimadas, as flores que adornam o túmulo, a face do morto,
enegrecida pelo fogo, bem como os restos, aos pedaços, dilacerados,
do cadáver. No interior do caixão, também se pode ver um cachorro
e uma galinha, ambos mortos e queimados, junto com o cadáver.
Ainda, a completar a cena dantesca e tétrica, foram encontradas
uma garrafa de vodka e outra de plástico, parcialmente derretida.
Condenações mantidas. APELOS DEFENSIVOS DESPROVIDOS.
(Apelação Crime Nº 70014529440 de Passo Fundo, Sétima Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli,
Julgado em 22/06/2006).

Fonte: Disponível em: <http://br.vlex.com/vid/-43714860>.


Acesso em: 15 dez. 2011.

120
Capítulo 4 Crimes Contra o
Sentimento Religioso e
Contra o Respeito aos Mortos

Atividade de Estudos:

1) Uma Universidade possui cadáveres para seus alunos do Curso


de Medicina estudarem. Esta prática configura o crime do art. 212
do Código penal?
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Algumas Considerações
Neste capítulo, estudamos os crimes contra a o sentimento religioso e os
crimes contra o respeito aos mortos.

Os crimes analisados no presente tópico são crimes classificados como de


menor potencial ofensivo, então, dificilmente será aplicada a pena de prisão se
condenatória a sentença final.

Em quase todos os crimes há possibilidade de aplicação dos benefícios da


Lei do dos Juizados Especiais Criminais Federais (Lei n° 10.259/01), o artigo 61
da Lei dos Juizados Especiais Criminais Estaduais (Lei nº 9.099/95), modificado
pela Lei n° 11.313/2006, considerando-se infrações penais de menor potencial
ofensivo as contravenções e os crimes com pena máxima não superior a dois
anos, cumulada ou não com multa.

Para finalizar, importante ressaltar a importância que o Código Penal


brasileiro ainda dá aos crimes desta natureza, demonstrando o preconizado na
Constituição Federal de 1988.

121
Direito Penal II - Parte Especial

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal 3 – Parte Especial. 7ª
ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.

CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal - Parte Especial. 3ª ed. rev. e atual –
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

DELMANTO, Celso, et al. Código Penal Comentado – 8ª ed. rev. e atual. - São
Paulo: Saraiva, 2010.

ESTEFAM, André. Direito Penal – Parte Especial (arts. 184 a 285). Volume 3. –
São Paulo: Saraiva, 2011.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume 2. 7ª ed. Rio
de Janeiro: Impetus, 2010.

JESUS. Damásio E. Direito Penal: parte especial, volume 3, 15ª ed. - São Paulo:
Ed. Saraiva, 2002.

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal, volume 2: Parte Especial,


28ª ed rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2011.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: dos crimes contra a pessoa. 26ª ed.
São Paulo, Saraiva, 1994, v. 3.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado - 10ª ed. – São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: volume 2. 9ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte


especial - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

122
C APÍTULO 5
Crimes Contra a Dignidade Sexual

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conceituar os crimes contra a dignidade sexual.

33 Identificar e distinguir os crimes contra a dignidade sexual diante de casos


reais.

33 Buscar na jurisprudência casos julgados pelos Tribunais e apresentar


comentário crítico referente ao crime pesquisado.
Capítulo 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual

Contextualização
Neste capítulo, serão analisados alguns dos principais crimes sexuais
previstos no Código Penal, bem como as alterações advindas da Lei nº 12.015/09,
compatibilizando os dispositivos penais à Constituição Federal de 1988.

Tutela-se nos crimes definidos no artigo 213, 216-A e 217-A a dignidade e


a liberdade sexual, a livre disposição do próprio corpo no aspecto sexual, bem
como a proteção sexual de crianças e adolescentes.

Estupro
De acordo com Art. 213 do CP,
De acordo com Art.
Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência 213 do CP,
ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a Art. 213.
praticar ou permitir que com ele se pratique outro Constranger alguém,
ato libidinoso: mediante violência
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. ou grave ameaça, a
ter conjunção carnal
Os crimes contra a liberdade sexual atingem a dignidade da ou a praticar ou
pessoa humana, impingindo à vítima sofrimento físico e moral, sendo permitir que com ele
o estupro uma das condutas mais repugnantes descritas no Código se pratique outro ato
libidinoso:
Penal brasileiro.
Pena - reclusão, de
6 (seis) a 10
Com o advento da Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, efetivou- (dez) anos.
se a unificação das figuras anteriormente denominadas estupro e
atentado violento ao pudor, ampliando-se o conceito de estupro,
passando a abranger tanto a conjunção carnal quanto a prática de outros atos
libidinosos.

Destarte, quanto à antiga figura do atentado violento ao pudor (214), não


ocorreu abolitio criminis, pois o tipo incriminador foi apenas incluído em outro
artigo (213), o que a doutrina denomina continuidade normativo-típica. O que
era proibido antes continua proibido na nova lei, apesar das alterações. Como
esclarecem Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches da Cunha (2009, p. 100),

A revogação de lei e não ocorrência da abolitio criminis: mas


não se pode nunca confundir a mera revogação formal de uma
lei penal com a abolitio criminis. A revogação da lei anterior é
necessária para o processo da abolitio criminis, porém, não
suficiente. Além da revogação formal, impõe-se verificar se
o conteúdo normativo revogado não foi (ao mesmo tempo)
preservado em (ou deslocado para) outro dispositivo legal.

125
Direito Penal II - Parte Especial

[…] Logo, nessa hipótese, não se deu a abolitio criminis,


porque houve uma continuidade normativo-típica (o tipo penal
não desapareceu, apenas mudou de lugar). Para a abolitio
criminis, como se vê, não basta a revogação da lei anterior,
impõe-se sempre verificar se presente (ou não) a continuidade
normativo-típica.

Com a Lei nº 12.015/09, no crime de estupro, os bens jurídicos tutelados


são a dignidade e liberdade sexual do homem e da mulher, pouco importando
sua opção sexual, ao que em relação a crianças e adolescente com idade
inferior a 14 anos aplica-se dispositivo específico, previsto no artigo 217-A do
Código Penal.

a) Tipo Objetivo

A ação típica é constranger (coagir, forçar, compelir, obrigar)


O núcleo alguém, homem ou mulher, mediante violência ou grave ameaça, a
constranger
praticar ou permitir que com ele se pratique a conjunção carnal ou outro
pressupõe um
comportamento ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
ativo por parte do
agente, tratando-se O núcleo constranger pressupõe um comportamento ativo por
o tipo penal, em parte do agente, tratando-se o tipo penal, em regra, comissivo. Contudo,
regra, comissivo. o crime poderá ser praticado por omissão imprópria, nos termos do
Contudo, o artigo 13, § 2º do Código Penal. Leia-se a ilustração contida na obra do
crime poderá ser professor Rogério Greco (2010, p. 454-455):
praticado por
omissão imprópria,
Imagine-se a hipótese em que um carcereiro (ou agente
nos termos do
penitenciário), encarregado legalmente de vigiar os detentos
artigo 13, § 2º do
Código Penal. em determinada penitenciária, durante sua ronda, tivesse
percebido que um grupo de presos estava segurando um
de seus ‘companheiros de cela’ para obrigá-lo ao coito anal,
sabendo que os presos iriam violentar aquele que ali tinha sido
colocado sob a custódia do Estado, o garantidor, dolosamente,
nada faz para livrá-lo da mão dos seus agressores, que
acabam de consumar o ato libidinoso.

Caso o agente, no mesmo contexto fático, pratique as duas figuras previstas


no artigo 213 (conjunção carnal e outro ato libidinoso), estaremos diante de dois
crimes distintos, em concurso material, conforme posicionamento da 5ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça.

Ao interpretar a Lei nº 12.015/2009, que alterou a redação dos artigos do


Código Penal que tratam dos crimes contra a liberdade sexual, a 5ª Turma do
STJ (HC 105533/PR, Relatora Ministra Laurita Vaz) adotou a tese de que o novo
crime de estupro é um tipo misto cumulativo, ou seja, as condutas de constranger

126
Capítulo 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual

alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar


ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, embora reunidas
em um mesmo artigo de lei, com uma só cominação de pena, serão punidas
individualmente se o agente praticar ambas, somando-se as penas (artigo 69 do
Código Penal).

A interpretação da 5ª Turma levanta divergência com a 6ª


Turma do STJ, que já proferiu decisões no sentido de que o estupro
e atentado violento ao pudor praticado contra a mesma vítima, em
um mesmo contexto, são crime único segundo a nova legislação,
permitindo, contudo, a continuidade delitiva.

Contudo, alguns doutrinadores sustentam a tese de que o crime de


estupro pode ser classificado como de ação múltipla, de conteúdo variado ou
plurinuclear, tratando-se de crime único, cabendo ao Magistrado estabelecer a
pena entre o mínimo e o máximo, levando em consideração a prática do estupro
em mais de uma forma. Para Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 63), “pacífico
o entendimento em relação aos tipos alternativos a prática de uma só conduta
descrita no tipo ou o cometimento de mais de um, quando expostas as práticas
num mesmo cenário, mormente contra idêntica vítima, resulta na concretização
de uma só infração penal”.

Não obstante o referido posicionamento seja juridicamente sustentável, gera


um problema de cunho lógico e moral. Na prática, ocorrerá o seguinte: se o agente
constranger a vítima e com ela praticar algum ato libidinoso (como, por exemplo,
apalpadelas lascivas), pode também praticar conjunção carnal sem cometer outro
crime. Ou seja, praticando um dos atos criminosos, o autor terá acesso livre para
cometer outra figura típica sem ser punido por ela, resultando apenas em fixação
da pena base (artigo 59 do Código Penal) de forma distinta.

b) Violência ou Grave Ameaça: “modus operandi”

O termo violência significa força física, empregada com finalidade de vencer


a resistência da vítima. Esta violência pode ser produzida pela própria energia
corporal do agente, bem como por outros meios, como fogo, energia elétrica
(choque), gases etc. A violência poderá ser imediata, quando empregada
diretamente contra o próprio ofendido, e mediata, quando utilizada contra terceiro
ou coisa a que a vítima esteja diretamente vinculada (MIRABETE, 2010).

127
Direito Penal II - Parte Especial

Não é indispensável que a força empregada seja irresistível,


basta que seja idônea para coagir a vítima a permitir que o sujeito
ativo realize seu intento.

Grave ameaça (vis compulsiva) constitui naquela que efetivamente


Grave ameaça
(vis compulsiva) imponha medo, pavor, receio, temor na vítima, intimidando-a. O
constitui naquela mal prometido deve ser futuro e imediato, bem como determinado e
que efetivamente inevitável. A violência moral é aquela que age no interior da pessoa,
imponha medo, cuja força intimidatória é capaz de anular a capacidade de se
pavor, receio,
autodeterminar. A grave ameaça deve ser maior que a própria violência
temor na vítima,
intimidando-a. sexual, não tendo a vítima alternativa senão ceder ao intento do
agressor. É ínsito ao crime de estupro que haja o dissenso da vítima,
sendo necessário que ela não queira realizar o ato sexual, que se
oponha veementemente, somente cedendo em face da violência empregada
ou do mal prometido. Contudo, a resistência física pode não estar presente no
crime, porquanto muitas vezes o temor causado pode ocasionar a paralisação dos
movimentos da vítima, desmaios e perda de sentidos.

c) Conjunção Carnal e Ato Libidinoso

Conjunção carnal é a cópula vagínica, consistente na introdução


Conjunção carnal é
a cópula vagínica, do órgão genital masculino (pênis), na cavidade vaginal da mulher. Ato
consistente na libidinoso é aquele destinado a satisfazer a libido, objetivando prazer
introdução do órgão sexual. Na lição de Heleno Fragoso, citado por Julio Fabbrini Mirabete
genital masculino (2010), ato libidinoso é toda ação atentatória ao pudor, praticada com
(pênis), na cavidade
vaginal da mulher. propósito lascivo ou luxurioso. Trata-se de ato lascivo, voluptuoso,
Ato libidinoso é dissoluto, destinado ao desafogo da concupiscência. Alguns são
aquele destinado a equivalentes ou sucedâneos da conjunção carnal (coito anal, coito oral,
satisfazer a libido,coito interfemora). Outros, não sendo, contrastam com a moralidade
objetivando prazer
sexual, tendo por fim a lascívia, a satisfação da libido. Estão incluídos
sexual.
os atos homossexuais como os de uranismo, pederastia, lesbianismo,
tribadismo ou safismo. Afirma Nelson Hungria que “ato libidinoso tem
que ser praticado pela, com ou sobre a vítima coagida”. Isso não quer dizer,
porém, que seja indispensável o contato físico, corporal, entre o agente e a
ofendida. Há atentado violento ao pudor, por exemplo, quando o agente, mediante
ameaça, obriga a vítima a masturbar-se, tendo em vista a contemplação lasciva.

128
Capítulo 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual

• Ato Libidinoso X Beijo Lascivo e Apalpadelas em regiões pudendas

O ato libidinoso pode ser caracterizado por diversas formas, inclusive sem o
contato de órgãos sexuais (RT 429/380). Tem-se como exemplo o caso do agente
que, utilizando-se de violência, beija a vítima de forma lasciva, ou apalpa seus
seios ou nádegas. Entretanto, há doutrinadores que não aceitam a tipificação
da conduta como estupro em sentido lato, diante da desproporcionalidade da
reprimenda penal com o ato praticado.

Para Cezar Roberto Bitencourt (2009), a diferença entre desvalor e a


gravidade entre sexo anal e oral e os demais atos libidinosos é incomensurável.
Se naqueles a gravidade da sanção cominada (mínimo de seis anos de
reclusão) pode ser considerada razoável, o mesmo não ocorre com os demais,
que, confrontados com a gravidade da sanção referida, beiram as raias da
insignificância. Nesses casos, quando ocorre em lugar público ou acessível
ao público, deve-se desclassificar para a contravenção do artigo 61 da Lei de
Contravenções Penais. Caso contrário deve-se declarar sua inconstitucionalidade,
por violar os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da lesividade
do bem jurídico. Em sentido contrário, Damásio Evangelista de Jesus (2002)
sustenta que tipifica o crime em tela a conduta de acariciar as partes pudendas
de uma mulher sobre o vestido, bem como o beijo lascivo, quando praticado
com o emprego de violência ou grave ameaça. Evidentemente que não se pode
considerar como ato libidinoso o beijo casto e respeitoso aplicado nas faces, ou
mesmo o “beijo roubado”, furtiva ou rapidamente dado na pessoa admirada ou
desejada. Assim, um toque praticado ou uma agressão apenas para provocar ou
irritar a vítima, ainda que em zonas sexuais, não caracteriza o crime de estupro,
mas mera contravenção de importunação ofensiva ao pudor (artigo 61 da LCP).

Assim, levantar a saia ou beliscar as nádegas da vítima apenas para provocá-


la ou humilhá-la; dar um rápido beijo, sem introdução da língua e sem lascívia;
apalpar os seios da ofendida a pretexto de fazer comentários irônicos sobre seu
tamanho caracteriza crime contra a honra ou mera importunação ofensiva ao
pudor, dependendo do caso, mas não estupro (CAPEZ, 2010).

d) Sujeitos do Crime

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), independentemente


do sexo ou opção sexual, tipificando-se também as condutas praticadas dentro de
relação homoafetiva.

Fato controvertido na doutrina pretérita repousava na possibilidade do


cônjuge (marido ou mulher) ser sujeito ativo do crime de estupro. Duas teses
prevaleciam: a) Magalhães Noronha (1988) e Nélson Hungria (1981) entendem
129
Direito Penal II - Parte Especial

que a cópula decorrente do casamento é considerada dever recíproco do


matrimônio, constituindo verdadeiro exercício regular de direito; b) o chamado
débito conjugal não assegura o direito de constranger seu companheiro(a) a
manter consigo atividade sexual, garantindo somente postular o término da
sociedade conjugal (CAPEZ, 2010; MIRABETE, 2010).

A primeira corrente fundamenta-se na Lei nº 11.106/2005, que alterou o artigo


226, inciso II, do Código Penal, passando a prever aumento de pena para todos
os crimes sexuais cometidos contra o cônjuge, tornando evidente a hipótese de o
agressor responder pelo crime de estupro praticado contra seu consorte.

O sujeito passivo A Lei nº 12.015/2009 não alterou o preceito primário do dispositivo


também pode ser concernente ao aumento de pena pela prática de violência sexual por
qualquer pessoa,
cônjuge ou companheiro, mantendo-se inalterado o entendimento
homem ou mulher,
pouco importando acerca do caráter delitivo da conduta acima exposta.
a consciência do
caráter libidinoso O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, homem ou
do ato praticado ou mulher, pouco importando a consciência do caráter libidinoso do ato
de sua finalidade. A praticado ou de sua finalidade. A prostituta também pode ser vítima do
prostituta também crime de estupro. Se a conduta típica tiver como vítima pessoa menor
pode ser vítima do
de 14 anos, aplica-se o dispositivo do artigo 217-A, do Código Penal.
crime de estupro.

e) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo geral é o dolo, consistente na vontade livre


O elemento e consciente de constranger a vítima, homem ou mulher, a praticar
subjetivo geral é o ou permitir que consigo pratiquem ato libidinoso ou conjunção carnal,
dolo, consistente mediante o emprego de violência ou grave ameaça. Quanto ao
na vontade livre elemento subjetivo específico, finalidade de satisfazer a própria lascívia,
e consciente de existe divergência na doutrina, tendo professores como Magalhães
constranger a Noronha (1988) e Júlio Fabbrini Mirabete (2010) que sustentam a
vítima, homem ou
desnecessidade de requisito especial de satisfação da lascívia, diante
mulher, a praticar
ou permitir que da ausência de menção na letra da lei, aduzindo que o motivo para
consigo pratiquem prática do ato pode ser outro, como o desprezo e sentimento de ódio.
ato libidinoso Em sentido contrário, temos Nelson Hungria (1981), admitindo a
ou conjunção necessidade de finalidade específica, satisfação sexual.
carnal, mediante
o emprego de Na lição de Fernando Capez (2010), o tipo penal não requer
violência ou grave
qualquer finalidade específica, contudo é necessária a satisfação da
ameaça.
lascívia. Não se trata de finalidade especial, percebida pelo agente, já
que esta não é exigida pelo tipo, mas de realização de uma tendência
interna transcendente, vinculada à vontade de realização do verbo do
tipo.
130
Capítulo 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual

f) Consumação e Tentativa

Consuma-se o delito, no momento da prática do ato libidinoso, no caso de


conjunção carnal, com a introdução completa ou incompleta do órgão genital masculino
(pênis) na vagina da mulher, não sendo necessária a ejaculação do agressor.

Admite-se a tentativa quando as circunstâncias deixem manifesta a intenção


do agente em perpetrar a conduta ilícita, sendo impedido por circunstâncias
alheias à sua vontade, mesmo sem qualquer contato íntimo.

“No estupro, como crime complexo que é, a primeira ação


(violência ou grave ameaça) constituí início da execução, porque está
dentro do próprio tipo, como sua elementar. Assim, para a ocorrência
da tentativa basta que o agente tenha ameaçado gravemente a vítima
com o fim inequívoco de constrangê-la” (BITENCOURT, 2009, p. 5).

g) Concurso de Pessoas

Não é incomum que o estupro seja cometido por várias pessoas,


Não é incomum
que atuam em concurso. Assim, pode ocorrer, por exemplo, que três
que o estupro seja
pessoas, unidas pelo mesmo liame subjetivo, com identidade de cometido por várias
propósito, resolvam estuprar a vítima. Dessa forma, enquanto dois a pessoas, que atuam
seguram, o terceiro leva a efeito a penetração, havendo entre eles um em concurso.
“rodízio criminoso”.

Questiona-se: nesse caso haveria um único crime ou três estupros em


continuidade delitiva? Segundo Rogério Greco (2010), sendo o estupro um
crime de mão-própria, de autuação personalíssima, de execução indelegável,
intransferível, no caso em exame teríamos, sempre, um autor e dois partícipes,
cada qual prestando auxílio para o sucesso da empresa criminosa. Nesse caso,
cada agente que vier a praticar conjunção carnal com os necessários atos de
penetração será autor de um crime de estupro, enquanto os demais serão
considerados seus partícipes. Aqui, portanto, no exemplo fornecido, teríamos
que concluir pela prática de três crimes de estupro, em continuidade delitiva, nos
moldes preconizados pelos artigos 29 e 71 do Código Penal.

h) Resultados Qualificadores

131
Direito Penal II - Parte Especial

Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de


dezoito ou maior de catorze anos, a pena é de reclusão, de oito a doze anos. À
conduta que resulta em morte, a pena é de reclusão, de doze a trinta anos.

A nova redação adequou também a expressão utilizada, ao prever que


a pena será diferenciada se “da conduta” resultar lesão corporal ou morte, em
substituição aos termos “do fato” e “da violência”, evitando discussão outrora
existente quanto à impossibilidade de caracterizar estupro qualificado quando o
constrangimento decorresse de grave ameaça.

Sobre o tema:

Era nítida a diferença e geradora de intensos debates


doutrinários e jurisprudenciais. Somente era qualificado o
delito sexual se resultasse lesão grave da violência e não da
grave ameaça?

Quando se mencionava o fato, poder-se-ia abranger a


violência e a grave ameaça ou somente a violência? Sem
pretender ingressar nesse debate, a questão resolveu-se pela
nova redação abraçada pelos §§ 1.º e 2.º do art. 213.

Eliminaram-se os termos violência e fato, adotando-se


conduta.

Portanto, se da conduta do agente (constrangimento exercido


com violência ou grave ameaça) resultar lesão corporal de
natureza grave ou morte, atinge-se o crime qualificado pelo
resultado. (NUCCI, 2009, p. 24-25).

Quanto ao elemento volitivo, deve permanecer o entendimento de que o


resultado lesões corporais graves ou morte deve decorrer de culpa do agente
(crime preterdoloso), caso contrário, haverá concurso material de crimes.
Veja-se:

A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, ao contrário do que


ocorria com as qualificadoras previstas no revogado artigo
223 do Código Penal, previu, claramente, que a lesão corporal
de natureza grave, ou mesmo a morte da vítima, devem ter
sido produzidas como consequência da conduta do agente,
vale dizer, do comportamento que era dirigido no sentido de
praticar o estupro, evitando-se discussões desnecessárias.
No entanto, deve ser frisado que esses resultados que
qualificam a infração penal somente podem ser imputados ao
agente a título de culpa, cuidando-se, outrossim, de crimes
eminentemente preterdolosos. (GRECO, 2009, p. 15)

O estupro absorve as lesões corporais leves decorrentes da violência,


constrangimento ou conjunção carnal, não havendo como separar estas daquele
para exigir a representação prevista no artigo 88 da Lei 9.099/95.

132
Capítulo 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual

Muito embora o comportamento sexual de nossa realidade seja


O estupro continua
bastante diferente de outras épocas, ainda é possível afirmar que os
sendo considerado
adolescentes merecem proteção especial, motivo pelo qual andou crime hediondo, nos
bem o legislador ao estabelecer a idade da vítima, entre 14 (catorze) termos do artigo
e 18 (dezoito) anos, como qualificadora. O juízo de reprovação sobre 1º, inciso V, da Lei
o agente que, ciente da idade da vítima, pratica o crime de estupro é 8.072/90, ao que,
certamente maior. com o a advento da
Lei 12.015/2009,
Por fim, ressalta-se que o estupro continua sendo considerado mantém-se o caráter
hediondo também
crime hediondo, nos termos do artigo 1º, inciso V, da Lei nº 8.072/90,
ao estupro simples.
ao que, com o a advento da Lei nº 12.015/2009, mantém-se o caráter
hediondo também ao estupro simples.

i) Ação Penal

A ação penal nos crimes contra a liberdade sexual é, com a alteração trazida
pela Lei nº 12.015/2009, pública condicionada à representação, ao que, em se
tratando de vítima com idade inferior a dezoito anos ou pessoa vulnerável, a ação
é pública incondicionada.

Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título,


procede-se mediante ação penal pública condicionada à
representação.

Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal


pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito)
anos ou pessoa vulnerável.

Cuida-se de norma processual de natureza penal material, ou seja, sua


aplicação provoca efeitos penais. Rogério Sanches Cunha (2009) esclarece
que ação penal, para os casos praticados antes da vigência da nova lei, deve
continuar sendo privada (queixa-crime), vez que, do contrário, estar-se-ia
subtraindo inúmeros institutos extintivos da punibilidade do acusado (ex.: renúncia,
perdão do ofendido, perempção etc.). A mudança da titularidade da ação penal
é matéria de processo penal, mas conta com reflexos penais imediatos. Daí a
imperiosa necessidade de tais normas (processuais, mas com reflexos penais
diretos) seguirem a mesma orientação jurídica das normas penais. Quando a
inovação é desfavorável ao réu, não retroage. Deve-se, portanto, respeitar o
que estabelece o artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal (a lei penal não
retroagirá, salvo para beneficiar o réu), bem como o artigo 2º do Código Penal, em
especial, seu parágrafo único (a lei posterior que, de qualquer modo, favorecer
o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença
condenatória transitada em julgado). No entanto, decorrendo do estupro ou do
atentado violento ao pudor, lesão grave ou morte, a persecução será pública
incondicionada, pois se trata de crime complexo (artigo 103 do CP).

133
Direito Penal II - Parte Especial

Atividade de Estudos:

1) Qual é a tipificação legal para a seguinte descrição: Belinha


é uma criança alegre e comunicativa. Fulano de Tal, amigo da
família, aproveitando-se de sua inocência, manteve conjunção
carnal com Belinha, mediante violência.
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Estupro de Vulnerável
De acordo com o CP:
De acordo com o
CP:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso
com menor de 14 (catorze) anos:
Art. 217-A. Ter
conjunção carnal Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
ou praticar outro
ato libidinoso § 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas
com menor de 14 no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência
(catorze) anos: mental, não tem o necessário discernimento para a prática
do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
Pena - reclusão, resistência.
de 8 (oito) a 15
(quinze) anos. O artigo 224 do Código Penal, que arrolava os casos em que
se presumia a violência, foi expressamente revogado pela Lei nº
12.015/09. Destarte, não será mais possível a utilização de norma de
extensão para que o agente incida nas penas do artigo 213.

O legislador criou a figura “estupro de vulnerável”, que ocupa o lugar do


estupro ou atentado violento ao pudor mediante violência presumida. Agora,
basta que a vítima seja menor de 14 anos (caput), ou não tenha o necessário

134
Capítulo 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual

discernimento para a prática do ato por enfermidade ou deficiência mental, ou não


possa oferecer resistência, por qualquer outra causa (vulneráveis por equiparação
- § 1º).

Constata-se, por conseguinte, que o legislador utilizou o critério biológico


(idade, enfermidade ou deficiência mental) e psicológico (ausência do necessário
discernimento para a prática do ato) para caracterizar a vulnerabilidade.

A presunção de violência era extremamente criticada pela


doutrina e vinha sendo relativizada por muitos Tribunais Estaduais
e, em alguns casos, até mesmo pelos Tribunais Superiores. Sugere-
se a leitura do informativo 400 do STJ - ESTUPRO. VIOLÊNCIA
PRESUMIDA. Guilherme de Souza Nucci (2009) salienta que a
discussão a respeito do caráter absoluto conferido à vulnerabilidade
não se encerra com a nova redação legal, ao que a proteção conferida
aos menores de 14 anos, considerados vulneráveis, continuará a
despertar debate doutrinário e jurisprudencial. O nascimento de
tipo penal inédito não tornará sepulta a discussão acerca do caráter
relativo ou absoluto da anterior presunção de violência. Agora,
subsumida na figura da vulnerabilidade, pode-se tratar da mesma
como sendo absoluta ou relativa. Pode-se considerar o menor, com
13 anos, absolutamente vulnerável, a ponto de seu consentimento
para a prática sexual ser completamente inoperante, ainda que tenha
experiência sexual comprovada? Ou será possível considerar relativa
a vulnerabilidade em alguns casos especiais, avaliando-se o grau de
conscientização do menor para a prática sexual? Essa é a posição que
nos parece acertada. A lei não poderá, jamais, modificar a realidade e
muito menos afastar a aplicação do princípio da intervenção mínima
e seu correlato princípio da ofensividade. Se durante anos debateu-
se, no Brasil, o caráter da presunção de violência – se relativo ou
absoluto -, sem consenso, a bem da verdade, não será a criação de
novo tipo penal o elemento extraordinário a fechar as portas para
a vida real. O legislador brasileiro encontra-se travado na idade de
14 anos, no cenário dos atos sexuais, há décadas. É incapaz de
acompanhar a evolução dos comportamentos na sociedade.

Necessário esclarecer, diante da perspectiva de inúmeras insurgências nesse


sentido, que não ocorreu abolitio criminis quanto aos atos praticados por aqueles
que foram condenados ou estão sendo processados pelos crimes previstos nos

135
Direito Penal II - Parte Especial

artigos 213 ou 214 do Código Penal em razão da presunção de violência prevista


no artigo 224 (revogado). Houve apenas a realocação do tipo penal (continuidade
normativo-típica): os atos praticados continuam a ser crime, mas estão agora
previstos no artigo 217-A. A nova redação legal é, inclusive, mais gravosa e,
portanto, só pode ser aplicada aos fatos ocorridos após a sua publicação.

Portanto, aqueles que cometeram os crimes de estupro ou atentado ao


pudor com presunção de violência antes do dia 10 de agosto de 2009 devem ser
denunciados e condenados às penas previstas na antiga redação dos artigos 213
e 214 do Código Penal, independentemente de ter havido a expressa revogação
do artigo 224.

O bem jurídico protegido no artigo 217-A do Código Penal é a dignidade


sexual da criança e do adolescente menor de 14 anos, não havendo distinção
de sexo, porquanto, por sua inexperiência e imaturidade, não possuem
condições para compreender e avaliar as consequências dos atos sexuais.
Também se tutela a dignidade sexual de enfermos e deficientes mentais, bem
como qualquer pessoa vulnerável, que não possa, em função de sua condição
pessoal, oferecer resistência.

a) Tipo Objetivo

A ação típica é ter conjunção carnal ou praticar qualquer ato libidinoso com
menor de quatorze anos (caput), tipificando-se a conduta quando o agente se
utiliza da inocência da vítima para manter consigo atos de libidinagem, não sendo
requisito obrigatório o emprego de violência ou grave ameaça.

Na mesma pena incorre quem pratica as ações descritas no caput com


alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode
oferecer resistência.

No § 1º do artigo 217 – A, o legislador não apresentou qualquer limitação


ou indicação de idade, aplicando-se a pena independentemente de ser a vítima
maior ou menor de quatorze anos.

No caso de enfermidade ou deficiência mental, somente se caracteriza se


o transtorno mental interfere na capacidade de entendimento da vítima sobre a
natureza do ato sexual, devendo a deficiência ser comprovada mediante de laudo
pericial. Ademais, deve o agente ter prévio conhecimento do estado peculiar da
vítima, não sendo suficiente o estado de dúvida.

Quando a vítima não pode, por qualquer natureza, oferecer resistência,


136
Capítulo 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual

contempla-se qualquer forma de impossibilidade, como por exemplo: enfermidade


física, embriaguez completa, uso de entorpecente etc.

O delito de estupro de vulnerável também é considerado


hediondo, nos termos do artigo 1º, inciso VI, da Lei 8.072/90.

Sobre a Conjunção Carnal e Ato Libidinoso, aplica-se as


mesmas ponderações lançadas na alínea “c” da seção Estupro,
tratada no início deste capítulo IV.

b) Sujeitos do Crime

Trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.

Figura como sujeito passivo, no caput, a pessoa menor de


Figura como sujeito
quatorze anos, pouco importando a consciência do caráter libidinoso
passivo, no caput,
do ato praticado ou de sua finalidade. a pessoa menor
de quatorze anos,
Também pode ser vítima do crime pessoa portadora de pouco importando
enfermidade ou deficiência mental ou incapaz de discernimento para a consciência do
prática do ato sexual, ou por qualquer outra causa, sem condições de caráter libidinoso do
oferecer resistência (§ 1º). ato praticado ou de
sua finalidade.

c) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo geral é o dolo, consistente na vontade livre e consciente


de constranger a vítima, menino ou menina, menor de 14 anos, a praticar consigo
ato libidinoso ou conjunção carnal. Na hipótese de enfermidade ou deficiência
mental, deve o agente ter conhecimento da condição especial da vítima.

d) Consumação e Tentativa

Consuma-se o delito no momento da prática do ato libidinoso, ao que


no caso de conjunção carnal, com a introdução completa ou incompleta do
órgão genital masculino (pênis) na vagina da menina, não sendo necessária a
ejaculação do agressor.

Admite-se a tentativa quando as circunstâncias deixam manifesta a intenção


137
Direito Penal II - Parte Especial

do agente em perpetrar a conduta ilícita, sendo impedido por circunstâncias


alheias à sua vontade, mesmo sem qualquer contato íntimo.

e) Resultados Qualificadores

Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é de reclusão,


de dez a vinte anos. Se da conduta resulta morte, a pena é de reclusão, de doze
a trinta anos.

Sobre a Ação Penal, aplicam-se as ponderações lançadas na


alínea “i” da seção Estupro, tratada no início deste capítulo IV.

Assédio Sexual
De acordo com o CP
De acordo com o
CP Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter
Art. 216-A. vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente
Constranger da sua condição de superior hierárquico ou ascendência
alguém com o inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
intuito de obter
Pena: detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
vantagem ou
favorecimento § 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor
sexual, de 18 (dezoito) anos.
prevalecendo-
se o agente da Caracterizado pela pluriofensividade, são bens jurídicos protegidos
sua condição de no dispositivo a dignidade e liberdade sexual do homem ou mulher, bem
superior hierárquico
como a dignidade na relação trabalhista, impedindo que o exercício de
ou ascendência
sua atividade se torne um constante embaraço ou suplício.
inerentes ao
exercício de
emprego, cargo ou A Lei nº 12.015/09 apenas acrescentou o § 2º ao tipo penal, não
função. alterando o caput.
Pena: detenção, de
1 (um) a 2 (dois)
anos. a) Tipo Objetivo
§ 2º A pena é
aumentada em Para Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 31), assediar sexualmente,
até um terço se a ou melhor, constranger, implica em importunação séria, grave, ofensiva,
vítima é menor de chantagista ou ameaçadora a alguém subordinado de uma relação de
18 (dezoito) anos.
hierarquia ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo
138
Capítulo 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual

ou função. “Simples gracejos, meros galanteios ou paqueras não têm idoneidade


para caracterizar a ação de constranger”.

Caracteriza-se a conduta, destarte, com o ato de constranger, leia-se


assediar, perseguir alguém (homem ou mulher) com insistência, com finalidade
própria de obter concessões sexuais, aproveitando-se de sua condição de
hierarquia ou ascendência decorrente da relação de emprego, cargo ou função.

No crime de assédio sexual, deve-se interpretar o verbo


constranger no sentido de embaraçar, acanhar, criar uma situação
ou posição constrangedora para a vítima, com o intuito de obter
vantagem ou favores sexuais (BITENCOURT, 2009, p. 31).

Trata-se de crime de ação livre, o assédio pode ser praticado verbalmente,


por escrito e por gestos. Ainda, para configuração do injusto, é necessário “que
o assédio seja praticado no exercício do emprego, cargo ou função.
Exige-se que o agente efetivamente se prevaleça dessa superioridade A finalidade especial
para constranger a vítima a ceder a seus desejos sexuais” (CAPEZ, de obter “vantagem
ou favorecimento
2010, p. 71).
sexual” está
afastada quando o
Contudo, a finalidade especial de obter “vantagem ou sujeito ativo tem por
favorecimento sexual” está afastada quando o sujeito ativo tem por escopo uma relação
escopo uma relação duradoura, um namoro efetivo, por exemplo. “Na duradoura, um
verdade, esses crimes somente podem ocorrer quando o superior namoro efetivo,
por exemplo.
constranger o subalterno a prestar-lhe, contrariamente, ‘favores
sexuais’, mesmo que não consiga” (BITENCOURT, 2009, p. 34).
O dispositivo legal
apresenta como
b) Sujeitos do Crime elementar do crime
a condição de
Considerando que o dispositivo legal apresenta como elementar superior hierárquico
ou ascendência,
do crime a condição de superior hierárquico ou ascendência, a conduta
a conduta típica
típica somente pode ser praticada por aquele que exerce função de somente pode
chefia, independentemente do sexo, tratando-se de crime próprio. ser praticada por
aquele que exerce
Qualquer pessoa pode ser vítima do crime de assédio sexual, função de chefia,
homem ou mulher, desde que se mantenha na condição de inferior independentemente
do sexo, tratando-se
hierárquico ou esteja submetido à ascendência do agente no que
de crime próprio.
concerne a serviço público. Também, “o tipo legal não alcança tão-

139
Direito Penal II - Parte Especial

somente o assédio sexual ambiental (praticado no ambiente de trabalho), visto que


a conduta delitiva pode ser perpetrada fora do espaço físico laboral, desde que o
agente se utilize de sua condição de superior hierárquico ou de sua ascendência
sobre a vítima para assediá-la” (PRADO, 2010, p. 614).

• Assédio Sexual por professor em face de aluno, ministro religioso em


face de fiel

Na busca da resposta, é indispensável a análise do conceito de superior


hierárquico e ascendência, condições elementares do tipo penal.

Superior hierárquico, como elemento normativo do tipo, é condição que


decorre de uma relação laboral, no âmbito privado, enquanto a segunda,
ascendência, é inerente ao exercício de emprego, cargo ou função (de natureza
pública). Logo, a ascendência deve estar ligada diretamente ao exercício de
atividade pública, prevalecendo-se o agente de sua condição de superioridade
nos quadros da administração pública, em face de seus subalternos. Assim, não
configura o crime a mera relação entre professor e aluno ou ministro religioso e
fiel (BITENCOURT, 2009).

Em sentido contrário temos o posicionamento do professor Luiz Régis Prado


(2010, p. 615), o qual afirma que, “na ascendência, elemento normativo do tipo,
não se exige uma carreira funcional, mas apenas uma relação de domínio, de
influência, de respeito ou até mesmo de temor, reverência”.

c) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de


constranger a vítima com o fim inequívoco de obter vantagem sexual.

d) Consumação e Tentativa

Consuma-se com o ato de constranger (crime formal), sendo dispensável a


obtenção de vantagem ou favores sexuais, caracterizando a satisfação da lascívia
mero exaurimento do crime. A tentativa, em tese, é admissível, no caso do meio
empregado para produzir o constrangimento não chegar ao conhecimento da
vítima.

e) Resultados Qualificadores

A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito)

140
Capítulo 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual

anos. É imprescindível que haja dolo do agente também quanto à circunstância


majorante, ou seja, deve ter ciência da idade da vítima, pois, caso contrário,
poderá ser alegado erro de tipo.

A idade da vítima é um dado de natureza objetiva e, portanto, deve ser


comprovada mediante a apresentação de documento de identificação, atendendo
o parágrafo único do artigo 155 do Código de Processo Penal (somente quanto
ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil).

Favorecimento da Prostituição ou
outra Forma de Exploração Sexual 
De acordo com o CP: De acordo com o
CP:
Art. 228.  Induzir ou atrair alguém à prostituição
ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, Art. 228. Induzir
impedir ou dificultar que alguém a abandone: ou atrair alguém à
prostituição ou outra
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
forma de exploração
sexual, facilitá-la,
Sabe-se que a prostituição é fato atípico, indiferente ao Direito impedir ou dificultar
Penal; contudo, a lei pune aqueles que estimulam a existência do que alguém a
comércio carnal, com ou sem finalidade de lucro, tutelando-se a abandone:
moralidade pública sexual, com o objetivo de evitar o incremento e o Pena - reclusão, de
desenvolvimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual. 2 (dois) a 5 (cinco)
anos, e multa.
Com a Lei nº 12.015/2009, o legislador incluiu no artigo 228 o
termo exploração sexual, criminalizando um rol maior de condutas. Considerando
o termo exploração sexual mais amplo que prostituição, o professor Rogério
Sanches da Cunha, citando Eva Faleiros, traz a seguinte definição:

A exploração sexual, de acordo com o primoroso estudo de


Eva Faleiros, pode ser definida como uma dominação e
abuso do corpo de crianças, adolescentes e adultos (oferta),
por exploradores sexuais (mercadores), organizados, muitas
vezes, em rede de comercialização local e global (mercado),
ou por pais ou responsáveis, e por consumidores de serviços
sexuais pagos (demanda), admitindo quatro modalidades:

a) prostituição – atividade na qual atos sexuais são negociados


em troca de pagamento, não apenas monetário;

b) turismo sexual – é o comércio sexual, bem articulado, em


cidades turísticas, envolvendo turistas nacionais e estrangeiros
e principalmente mulheres jovens, de setores excluídos de
Países de Terceiro Mundo;

141
Direito Penal II - Parte Especial

c) pornografia – produção, exibição, distribuição, venda,


compra, posse e utilização de material pornográfico, presente
também na literatura, cinema, propaganda etc.; e

d) tráfico para fins sexuais – movimento clandestino e ilícito


de pessoas através de fronteiras nacionais, com o objetivo
de forçar mulheres e adolescentes a entrar em situações
sexualmente opressoras e exploradoras, para lucro dos
aliciadores, traficantes. (CUNHA; GOMES; MAZZUOLI; 2009,
p. 65-66).

A exploração da prostituição de crianças e adolescentes está


prevista como crime no artigo 218-B do CP (revogando o art. 244-A
do ECA). A exploração da prostituição de adultos está tipificada no
art. 228 do CP. No art. 231, pune-se a exploração sexual da espécie
tráfico internacional de pessoas (criança, adolescente e adulto). No
art. 231-A, o tráfico interno. A pornografia envolvendo crianças e
adolescentes foi incriminada no ECA, mais precisamente nos artigos
240, 241, 241-A a 241-D; a de adultos, em regra, não configura
crime. (CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flavio; MAZZUOLI,
Valerio de Oliveira, 2009. p. 66)

a) Tipo Objetivo

A conduta típica consiste em induzir (inspirar, persuadir, convencer), atrair


(aliciar, seduzir, fascinar) a vítima à prostituição ou outra forma de exploração
sexual, facilitá-la (proporcionar meios, prestar qualquer forma de auxílio, por
exemplo, arranjando cliente) ou impedir (opor-se) ou dificultar (criar obstáculos)
que a abandone.

Se há emprego
de violência Se há emprego de violência (vis corporalis), grave ameaça (vis
(vis corporalis), comlulsiva) ou fraude (ardil, artifício), a pena será de quatro a dez anos,
grave ameaça além da pena correspondente à violência (§ 2º).
(vis comlulsiva)
ou fraude (ardil,
artifício), a pena b) Sujeitos do Crime
será de quatro
a dez anos, Trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer
além da pena
pessoa, homem ou mulher, ao que eventual qualidade especial do
correspondente à
violência (§ 2º). agente em relação à vítima (ascendente, descendente, tutor etc.),
qualifica o crime (§ 1º).

142
Capítulo 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual

Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, não menor
de 18 anos (hipótese que poderá configurar o crime previsto no artigo 218-B
do Código Penal), inclusive os já prostituídos, quando a tenha sido facilitada ou
impedido de deixar a prostituição, independentemente da opção sexual.

c) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo geral é o dolo, consistente na vontade livre e consciente


de praticar qualquer das condutas descriminadas no tipo penal. Embora
geralmente a prostituição ou a exploração sexual implique proveito pecuniário
(ou de outra natureza), o autor do delito não precisa ter essa finalidade; basta
o dolo de submeter a vítima à prostituição ou à exploração sexual. Quando o
agente praticar qualquer das condutas visando lucro, aplicar-se-á também pena
de multa.

d) Consumação e Tentativa

Somente se consuma o delito do artigo 228 do Código Penal quando a


ação do sujeito ativo produz na vítima o efeito por ele querido, isto é, quando
foi levada por ele à prostituição ou é impedida de abandoná-la (BITENCOURT,
2009, p. 66).

O tipo penal não admite tentativa na formas induzir, atrair ou facilitar,


por se tratar de crime condicionado, podendo se configurar nas modalidades
impedir e dificultar, contudo, de difícil constatação.

e) Resultados Qualificadores

Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,


companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu,
por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, a pena é de
reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos (§ 1º). Cuida-se de rol exaustivo, que não
permite interpretação analógica a fim de aplicar pena maior ao acusado.

Se há emprego de violência (vis corporalis), grave ameaça (vis comlulsiva)


ou fraude (ardil, artifício), a pena será de quatro a dez anos, além da pena
correspondente à violência (§ 2º). Se o agente for movido pelo fim de lucro,
além da pena de prisão prevista, aplicar-se-á também a de multa, por constituir
o lenocínio mercenário crime mais grave, em razão de sua maior torpeza (§ 3º).

143
Direito Penal II - Parte Especial

Atividade de Estudos:

Analise a seguinte situação apresentada.

Ciclana, moça vinda do interior e sem familiares nesta urbe,


reside em apartamento por ela própria alugado no centro de São
Paulo, onde passou, com habitualidade, a se prostituir de forma
discreta, mediante paga, em razão de não arranjar emprego e após
ter sido abandonada pelo companheiro. Vizinhos, inconformados
com a movimentação anormal de pessoas no apartamento de
Ciclana, chamaram a polícia, querendo uma providência de cunho
criminal. Anote-se que Fulano, amigo de infância de Ciclana,
compadecido dessa situação, por vezes a visitava, levando alguns
bens para complementar seu sustento, contribuindo vez por outra no
pagamento do aluguel do imóvel. Do exposto, conclui-se que:
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Algumas Considerações
No presente capítulo estudamos os crimes contra a dignidade sexual e
as alterações advindas com a Lei 12.015/2009. Muitas questões polêmicas
permanecem em aberto, notadamente quanto à classificação do artigo 213 do
Código Penal – Tipo Misto Alternativo ou Tipo Misto Cumulativo, interferindo no
quantum de pena que será imposto ao sujeito ativo que praticar coitos ou atos
libidinosos distintos na vítima, no mesmo contexto.
144
Capítulo 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual

Outra questão interessante é a opção do legislador em aplicar o critério


biológico nos casos de estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal),
ainda mais na realidade atual, em que muitas meninas e meninos iniciam sua
vida sexual aos 13 anos de idade, detentores de personalidade e discernimento.
Evidente que cada situação deve ser analisada isoladamente, contudo não
seria interessante adotar no Brasil o critério bio-psicológico, valorando as
particularidades do caso concreto.

Enfim, diversos são os desafios do Direito Penal na regulamentação da vida


em sociedade, devendo os operadores jurídicos analisar com parcimônia e bom
senso as questões que envolvem a dignidade sexual.

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte especial 2. 11
ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 11 ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. v. 2.

ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte especial. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 7 ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2010. v. 2.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 5 ed. Rio de Janeiro:


Forense, 1979, v. 5.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, volume 2, parte especial.


28 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: dos crimes contra a pessoa. 26 ed.


São Paulo: Saraiva, 1994. v. 3.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: volume 2. 9 ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

145
C APÍTULO 6
Crimes Contra a Família

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conceituar os crimes contra a família.

33 Identificar e distinguir os crimes contra a família diante de casos reais.


Capítulo 6 Crimes Contra a Família

Contextualização
No capítulo anterior, analisamos os crimes contra a dignidade sexual, bem
como toda divergência doutrinária e jurisprudencial quanto às alterações advindas
com a Lei nº 12.015/2009.

Neste capítulo, dedicaremos nosso estudo à tutela penal da família, em


especial quanto ao matrimônio, registro de nascimento e assistência material e
intelectual.

A Constituição Federal de 1988, artigo 226, assevera que “a família, base


da sociedade, tem especial proteção do Estado”, legitimando a intervenção do
direito penal em face de atos atentatórios à harmonia familiar, em todos os seus
aspectos.

Bigamia
De acordo com o CP:
CP:
Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo
casamento: Art. 235 - Contrair
alguém, sendo
Pena - reclusão, de dois a seis anos. casado, novo
casamento:
§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai Pena - reclusão, de
casamento com pessoa casada, conhecendo dois a seis anos.
essa circunstância, é punido com reclusão ou § 1º - Aquele que,
detenção, de um a três anos.
não sendo casado,
contrai casamento
[...]
com pessoa casada,
conhecendo essa
O Brasil adota a monogamia como forma de organização familiar. circunstância, é
O termo bigamia é dirigido somente àquele que, sendo casado, contrai punido com reclusão
novo casamento. Isso significa que o outro cônjuge que contraiu ou detenção, de um
casamento sem conhecimento do óbice legal não pratica a infração a três anos.
penal sob análise, sendo considerado, em regra, um dos sujeitos
passivos do delito de bigamia.

A instituição do matrimônio é o bem juridicamente protegido pelo delito de


bigamia. No entanto, o tipo penal também busca proteger a família, considerada
como base da sociedade, nos termos do artigo 226 da Constituição Federal de
1988.

149
Direito Penal II - Parte Especial

a) Tipo Objetivo

A conduta típica consiste em contrair novo casamento sendo o agente


casado, desconsiderando a proibição legal constante no inciso VI do artigo 1.521
do Código Civil. Trata-se de Lei penal em branco homogênea heteróloga.

A lei penal em branco exige um complemento normativo para


que tenha eficácia. O tipo penal só se compreende por dois textos. A
norma penal em branco se divide em duas espécies: a) homogênea
e b) hetorogênea.

Espécies de norma penal em branco:

a) Homogênea: a complementação provém da mesma espécie


normativa.

- Homóloga ou Homovitelinia: a Lei está no mesmo Estatuto.


- Heteróloga ou heterovitelinia: a Lei está em outro Estatuto.

b) Heterogênea: a complementação provém de espécie normativa


diversa.

Ex.: Art. 33 da Lei nº 11.343/06 – complemento: Portaria 344 da


ANVISA.

O tipo incriminador não pode ser ampliado para atingir o convivente de


uma união estável, mesmo que desta relação tenha advindo filhos, hipótese
que configuraria analogia in malan partem. A própria Constituição Federal não
confunde o casamento com a união estável, trazendo em seu artigo 226, § 3º,
que “para efeitos da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a Lei facilitar sua conversão
em casamento”. Da mesma forma, a cerimônia religiosa que não obedece às
formalidades legais (artigo 1.515 do Código Civil) não prestará para efeitos de
reconhecimento de casamento interior.

A lei não exige que o casamento anterior seja válido, desde que vigente, ao
que em sendo nulo ou anulável, até que se declare a nulidade, produzirá seus
efeitos e servirá para caracterizar o crime de bigamia.

150
Capítulo 6 Crimes Contra a Família

A simples separação judicial não elide o reconhecimento do delito, porquanto,


de acordo com o § 1º do artigo 1.571 do Código Civil, “o casamento válido só se
dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio” (BRASIL, 2003, p. 243).
Contrair novo casamento sendo separado judicialmente não elide
o crime, porquanto somente o divórcio dissolve o vínculo conjugal De acordo com o
(TJSP, RT 733/554). § 1º do art. 235
do CP, também é
Logo, o sujeito que, sendo separado judicialmente, se casa pela punido “aquele que,
não sendo casado,
segunda vez, induzindo ao erro essencial o outro contraente, em
contrai casamento
tese, comete o delito de bigamia e induzimento a erro essencial, em com pessoa casada,
concurso formal de crimes. conhecendo essa
circunstância, é
Por outro lado, de acordo com o § 1º do art. 235 do CP, também é punido com reclusão
ou detenção, de 1
punido “aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa
(um) a 3
casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou (três) anos”.
detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos”.

b) Concurso de Crimes

Refere-se ao concurso de crimes a bigamia e falsidade ideológica e a


poligamia.

• Bigamia e Falsidade Ideológica

Considerando que um dos documentos exigidos no processo de habilitação


de casamento é a declaração feita pelos requerentes, na qual fica consignado
o seu estado civil, ao praticar o delito de bigamia, o agente, obrigatoriamente,
comete também “um delito de falsidade ideológica (crime-meio), sendo este, no
entanto, absolvido pelo crime-fim” (GRECO, 2010, p.639).

O professor Fernando Capez (2010, p.183), contudo, entende “pelo concurso


material entre a bigamia e a falsidade ideológica, porquanto os momentos
consumativos e os objetos jurídicos são diversos”.

• Poligamia

A poligamia consiste na assunção de mais de um matrimônio sendo o agente


casado. O sujeito ativo deve responder pelo concurso material de crimes (artigo
69 do Código Penal), tantas vezes forem o número de novos casamentos.

151
Direito Penal II - Parte Especial

c) Sujeitos do Crime

O caput tem como sujeito ativo a pessoa já casada. Cuida-se de crime próprio
de concurso necessário, demandando duas pessoas para sua execução, mesmo
que uma delas não seja culpável. Por essa razão é denominado crime bilateral ou
de encontro.

Para Luiz Régis Prado (2010, p. 681), “as testemunhas que afirmam a
inexistência de impedimento, sabendo que um dos nubentes é pessoa casada,
respondem como partícipe”. Sujeito passivo é o Estado, bem como o cônjuge do
primeiro casamento e o contraente de boa-fé.

d) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo geral é o dolo, consistente na vontade livre e


consciente de contrair novo matrimônio sendo casado. O agente deve estar
ciente da existência deste impedimento. Do contrário, haverá erro de tipo (artigo
20 do Código Penal), o qual exclui o dolo e, portanto, o crime. Cite-se como
exemplo a hipótese em que o agente, supondo erroneamente que seu divórcio foi
judicialmente decretado, casa-se novamente (CAPEZ, 2010).

e) Consumação e Tentativa

O delito de bigamia se consuma quando da efetiva realização do segundo


casamento, nos termos do artigo 1.514 do Código Civil, quando o presidente do
ato leva a efeito a declaração formal de casados, de acordo com a segunda parte
do artigo 1.535 do Código Civil.

Deste modo, embora os contraentes já tenham manifestado sua vontade no


sentido de contrair matrimônio, se não houver a declaração solene de casados,
não se poderá considerar consumado o delito. A lavratura do assento no livro de
registro (artigo 1.536 do Código Civil) constitui mera formalidade legal, que serve
como meio de prova da celebração.

Admite-se a tentativa quando, iniciados os atos de celebração do casamento,


o agente não se manifesta favorável por circunstâncias alheias à sua vontade.
O procedimento de habilitação de casamento é considerado ato preparatório,
não caracterizando a tentativa no caso do agente ser descoberto nessa fase,
respondendo o sujeito ativo unicamente pelo crime de falsidade ideológica (artigo
299 do Código Penal).
152
Capítulo 6 Crimes Contra a Família

f) Ação Penal e Causa Suspensiva

A ação penal será pública incondicionada. Se houver ação civil em curso que
trata da nulidade do primeiro casamento, a ação penal deve ser suspensa, pois
se trata de questão prejudicial, aplicando-se o disposto no artigo 92 do Código de
Processo Penal.

g) Causa de Exclusão de Tipicidade

O § 2º do artigo 235 do CP apresenta-se como causa de exclusão de


tipicidade: “Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por
motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime”.

h) Prescrição

Somente depois de descoberta do ulterior casamento do agente por alguma


autoridade pública (delegado, promotor, juiz), terá início a contagem do prazo
prescricional, e não da data em que foi realizada a celebração formal (artigo 111,
inciso IV, do CP).

Simulação de Autoridade para


Celebração de Casamento
De acordo com o CP:
De acordo com o
Art. 238 - Atribuir-se falsamente autoridade para CP:
celebração de casamento:
Art. 238 - Atribuir-
Pena - detenção, de um a três anos, se o fato não se falsamente
constitui crime mais grave. autoridade para
celebração de
A instituição do matrimônio e a organização familiar (artigo 226 da casamento:
Constituição Federal de 1988), não são os únicos bens juridicamente Pena - detenção, de
protegidos pelo delito, ao que, ainda, o tipo penal visa proteger a um a três anos, se
o fato não constitui
segurança jurídica da celebração do casamento.
crime mais grave.

a) Tipo Objetivo

Consiste o crime em se intitular falsamente autoridade para celebração de


153
Direito Penal II - Parte Especial

casamento, assumindo o papel de presidente do ato, levando a efeito, ilegalmente,


a declaração que os contraentes estão casados (artigo 1.514 do Código Civil).

Como se percebe na redação do artigo 238 do Código Penal, o delito de


simulação de autoridade para celebração de casamento pode ser considerado
uma modalidade especial de usurpação de função pública, tipificado no artigo 328
do Estatuto Repressivo.

Dispõe o artigo 1.550, inciso VI, do Código Civil, que o casamento realizado
nessas circunstâncias (por autoridade incompetente) é anulável, reconhecendo,
assim, a boa-fé dos noivos, induzidos ao erro pelo falso celebrante.

b) Sujeitos do Crime

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, não se exigindo nenhuma
condição especial do autor, podendo inclusive ser funcionário público. Sujeito
passivo será o Estado, bem como os cônjuges que contraírem o falso casamento
de boa-fé.

c) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo geral é o dolo, consistente na vontade livre e consciente


de atribuir-se falsamente autoridade para celebração de casamento, sem qualquer
objetivo específico.

d) Consumação e Tentativa

Tratando-se de crime de mera conduta, consuma-se o delito quando o agente


praticar qualquer ato que diga respeito à solenidade de celebração do casamento,
não havendo necessidade que todos os atos sejam levados a termo, inclusive a
declaração de casados. Admite-se a tentativa.

e) Ação Penal

A ação penal é pública incondicionada.

154
Capítulo 6 Crimes Contra a Família

Simulação de Casamento
De acordo com o CP:
De acordo com o
Art. 239 - Simular casamento mediante engano CP:
de outra pessoa:
Art. 239 - Simular
Pena - detenção, de um a três anos, se o fato não casamento mediante
constitui elemento de crime mais grave. engano de outra
pessoa:
A instituição do matrimônio e a organização familiar (artigo 226 da Pena - detenção, de
Constituição Federal de 1988) não são os únicos bens juridicamente um a três anos, se
protegidos pelo delito, ao que, ainda, o tipo penal visa proteger a o fato não constitui
elemento de crime
segurança jurídica da celebração do casamento.
mais grave.

a) Tipo Objetivo

Consiste o crime em simular casamento mediante engano de outra pessoa.


É indispensável, para que se configure o crime, que a ação enganosa ludibrie
alguém diretamente interessado na celebração do casamento. O núcleo simular é
utilizado no texto legal no sentido de fazer de conta, dar a aparência de verdadeiro
aquilo que é falso. Para Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 129):

É indispensável a utilização do meio enganoso para a prática


do crime. Se os dois contraentes simulam o casamento, não
se configura este crime, uma vez que faltou o engano de
outra pessoa. Para configurar o crime é indispensável que a
simulação do casamento ocorra por meio de engano (ardil,
fraude, armadilha) do outro contraente. Assim a simples
representação de estar casado, para pregar uma peça nos
amigos, é insuficiente para caracterizá-lo.

b) Sujeitos do Crime

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime, não se exigindo nenhuma
condição especial do autor. Sujeito passivo é o Estado, bem como o cônjuge que
contraiu casamento enganado. Luiz Régis Prado (2010, p.695) alerta que “todos
os que participem do casamento, tendo ciência da simulação, serão havidos como
coautores do delito”.

c) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo geral é o dolo, consistente na vontade livre e consciente


de simular casamento mediante engano de outra pessoa.

155
Direito Penal II - Parte Especial

d) Consumação e Tentativa

A consumação ocorre com a simulação de qualquer ato constante da


celebração do casamento, não havendo necessidade que todos os atos sejam
levados a termo, inclusive a declaração de casados. Tratando-se de crime
plurissubsistente, admite-se a tentativa.

e) Ação Penal

A ação penal é pública incondicionada.

Registro de Nascimento Inexistente


De acordo com o CP:
De acordo com o
CP: Art. 241 - Promover no registro civil a inscrição de nascimento
inexistente:
Art. 241 - Promover
no registro civil Pena - reclusão, de dois a seis anos.
a inscrição de
nascimento O bem jurídico tutelado é o estado de filiação, bem como a fé
inexistente: pública dos documentos inscritos no registro civil.
Pena - reclusão, de
dois a seis anos.

a) Tipo Objetivo

Consubstancia-se o crime em promover (gerar, provocar, requerer) no


registro civil a inscrição de nascimento inexistente, abrangendo o tipo penal,
também, a inscrição de nascimento de natimorto. Nos termos do artigo 50 da Lei nº
6.015/73, todo o nascimento ocorrido no território nacional deve ser comunicado e
registrado em livro próprio, com todos os dados a ele referentes (data, hora, local
do nascimento, nome dos pais e dos avós etc.). Trata-se de forma especial de
praticar falsidade ideológica (art. 299) que, no entanto, fica absorvida pelo crime
(art. 241) – princípio da consunção.

b) Sujeitos do Crime

Qualquer pessoa pode praticar o delito. Segundo Luiz Régis Prado (2010, p.
698), é bem possível que o sujeito ativo seja pessoa estranha à família ou, ainda, o
oficial do Registro Civil. O médico que fornece o atestado de nascimento inexistente
e as testemunhas do suposto nascimento podem figurar como partícipes do crime.
156
Capítulo 6 Crimes Contra a Família

Sujeito passivo mediato é o Estado, bem como terceiro eventualmente prejudicado


com o falso registro.

c) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo geral é o dolo, consistente na vontade livre e consciente


de promover no registro civil a inscrição de nascimento inexistente.

d) Consumação e Tentativa

A consumação ocorre com a inscrição do nascimento inexistente


O CP :
no registro civil, independente de qualquer outro efeito. Admite-se a
tentativa. Art. 244. Deixar,
sem justa causa,
de prover a
e) Ação Penal e Prescrição subsistência do
cônjuge, ou de
filho menor de 18
A ação penal é pública incondicionada.
(dezoito) anos
ou inapto para o
Somente depois da descoberta do registro inexistente por alguma trabalho, ou de
autoridade pública (delegado, promotor, juiz), terá início a contagem ascendente inválido
do prazo prescricional, e não a partir da data em que foi realizada a ou maior de 60
inscrição no Registro Civil (artigo 111, inciso IV, do Código Penal). (sessenta) anos, não
lhes proporcionando
os recursos
necessários

Abandono Material ou faltando ao


pagamento de
pensão alimentícia
De acordo com o CP (Alterado pela L-010.741-2003): judicialmente
acordada, fixada
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a ou majorada;
subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 deixar, sem justa
(dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de causa, de socorrer
ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta)
descendente
anos, não lhes proporcionando os recursos
ou ascendente,
necessários ou faltando ao pagamento de pensão
alimentícia judicialmente acordada, fixada ou gravemente
majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer enfermo:
descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena - detenção, de
1 (um) a 4 (quatro)
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e anos e multa, de
multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo uma a dez vezes o
vigente no País. maior salário mínimo
vigente no País.
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide

157
Direito Penal II - Parte Especial

quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo,


inclusive por abandono injustificado de emprego ou função,
o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada,
fixada ou majorada.
       
Os bens jurídicos tutelados são a estrutura e a organização familiar,
notadamente quanto ao amparo material devido por ascendentes, descendentes
e cônjuges, reciprocamente, no sentido de serem observadas as regras previstas
nos artigos 229 e 230 da Constituição Federal de 1988.


a) Tipo Objetivo

Três são os comportamentos típicos:

• A primeira conduta consiste em deixar, sem justa causa, de prover a


subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto
para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta)
anos, não lhes proporcionando os recursos necessários. Segundo Rogério
Greco (2010, p. 678), por recursos necessários compreende alimentação,
vestuário, habitação, tratamento de saúde etc., limitando-se tão-somente às
necessidades fundamentais à manutenção da pessoa humana com dignidade.

• A segunda conduta consiste na falta de pagamento de pensão alimentícia


judicialmente acordada, fixada ou majorada, sendo necessária, nesta
hipótese, a existência de sentença judicial de alimentos.

• A terceira ação criminosa se verifica quando o agente deixar, sem justa causa,
de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo. Não se trata de
omitir os meios de subsistência que devem ser garantidos ao sujeito passivo,
mas o amparo de que necessita em razão de grave enfermidade (física ou
mental), como medicamentos, acompanhamento médico, acomodação
hospitalar etc. O legislador, nesta figura, deixou de incluir os cônjuges ou
parentes colaterais.

Contudo, a doutrina tem caminhado no sentido de que, se a vítima sofre


de doença não grave, mas que impossibilita o exercício de ofício ou trabalho,
prejudicando sua subsistência, não se trata de caso de atipicidade, subsumindo-
se a conduta do agente à primeira ação típica.

Quanto ao parágrafo único, pune-se, principalmente, a conduta daquele que


abandona o emprego, sem justa causa, com a finalidade de evitar que lhe sejam
descontados numerários referentes à obrigação alimentar, ao que a lei não pune
158
Capítulo 6 Crimes Contra a Família

aquele que abandona o emprego, mas também que de qualquer modo frustra ou
ilide o adimplemento da pensão.

Ressalta-se que, para a caracterização de qualquer figura


do tipo penal, deve o agente agir de forma injustificada (elemento
normativo do tipo), aquilatada no caso concreto, com a apreciação
das necessidades do paciente e das possibilidades do agente.
“Deixar de prover implica em recusa, ou desatendimento total à
subsistência. Prover parcialmente não significa deixar de prover,
constituindo, por isso mesmo, conduta atípica” (BITENCOURT, 2009,
p. 115).

c) Sujeitos do Crime

Trata-se de crime próprio, podendo ser praticado somente por quem


tem o dever legal de garantir a subsistência da vítima (cônjuge, descendente,
ascendente). Sujeito passivo é a pessoa desamparada pelo agente.

d) Elemento Subjetivo

O abandono material, segundo Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 115),


somente se tipifica quando o réu, possuindo recursos para prover o sustento da
família deixa de fazê-lo propositadamente. Com efeito, a ausência de dolo por
parte do réu, ou qualquer outro motivo egoístico no sentido de não prover a
subsistência do sujeito passivo, afasta a tipicidade da conduta.

e) Consumação e Tentativa

A consumação varia de acordo com a conduta típica perpetrada pela agente:


a) tratando-se de abandono material propriamente dito (1º figura), consuma-se
o delito no momento em que o agente deixar de prover a subsistência da vítima;
b) se a conduta consentir no inadimplemento de verba alimentar fixada ou
acordada judicialmente, consuma-se com o não pagamento na data delimitada
pela Autoridade Judiciária (seja por sentença, seja por homologação de acordo);
c) no caso de omissão de socorro, consuma-se com a mera inação, geradora
do perigo.

159
Direito Penal II - Parte Especial

Trata-se, portanto de delito omissivo próprio, sendo inadmissível a tentativa.

f) Prisão Civil e Persecução Penal

Segundo Fernando Capez (2010, p. 209), “a prisão civil por inadimplemento de


crédito de caráter alimentar (artigo 733 do CPC) não possui condão punitivo, mas
sim coercitivo, no sentido de forçar o devedor a adimplir com o débito alimentar”, ao
que tendo sido pago a dívida alimentar e revogada a prisão civil, tal situação não
tem condão de interferir na persecução penal do crime do artigo 244 do Código
Penal, o qual se consumou com o inadimplemento do quantum alimentar.

g) Ação Penal

A ação penal será pública incondicionada.

Abandono Intelectual
De acordo com o CP:
De acordo com o
CP: Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução
primária de filho em idade escolar:
Art. 246 - Deixar,
sem justa causa, de Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
prover à instrução
primária de filho em
idade escolar: Bem jurídico tutelado é o direito à instrução fundamental dos filhos
Pena - detenção, em idade escolar, consistente no dever de cuidados dos genitores
de quinze dias a um (artigo 229 da Constituição Federal de 1988).
mês, ou multa.

a) Tipo Objetivo

Caracteriza-se a conduta quando o pai ou mãe, convivendo ou não com o


filho, deixar, sem justa causa, de providenciar seu ingresso à instrução primária
em idade escolar. Entende-se como filho em idade escolar aquele com tenha
entre 6 e 14 anos (artigo 6º e 32 da Lei nº 9.394/1996 - Lei de Diretrizes Básicas
da Educação Nacional).

Assim como no abandono material, exige-se a inexistência de justa causa


para a omissão (elemento normativo do tipo). “Como causas que justifiquem a
omissão do agente podem ser entendidas ‘as dificuldades de acesso às escolas

160
Capítulo 6 Crimes Contra a Família

e a falta de escolas, tão comuns em alguns Estados, além do grau de instrução


rudimentar ou nula dos próprios pais’ (Heleno Cláudio Fragoso)” (BITENCOURT,
2009, p. 118).

b) Sujeitos do Crime

Somente os pais (naturais ou adotivos) podem figurar como sujeito ativo no


crime de abandono intelectual, uma vez que o dispositivo se refere a filho em
idade escolar, não podendo o tipo penal incidir sobre outras pessoas que exercem
o dever de cuidado (guarda, tutela), por se tratar de analogia in malam partem.

c) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo específico é o dolo, consistente na vontade livre e


consciente de não cumprir o dever de prover instrução primária ao filho em idade
escolar, sem justa causa, o que deve ser demonstrado para configuração do delito.

d) Consumação e Tentativa

Consuma-se o crime de abandono intelectual, segundo Fernando Capez


(2010, p. 213), “no momento em que o filho em idade escolar deixa de ser
matriculado ou, embora estando matriculado, para de frequentar definitivamente
a escola. Na primeira hipótese o momento é certo, sendo o crime instantâneo.
Na segunda, a ausência ocasional não configura o crime em tela. Assim, o crime
pode assumir a natureza de instantâneo ou habitual, estando ambas as formas
ínsitas no núcleo deixar”.

Luis Régis Prado (2010, p. 722), lecionando a respeito, alerta que:

em que pese sustentar que não se perfaz o abandono


intelectual quando a educação do menor é ministrada em
casa, é forçoso reconhecer que a ratio legis da incriminação
é a de compelir os pais a providenciar a escolarização
do filho, oferecendo-lhe a educação fundamental no
estabelecimento de ensino regular – e não fora dele. Aliás,
acentua-se, corroborando tal entendimento, que apenas
naquele local pode o menor, “convivendo intimamente com
os colegas e respectivas famílias, participando das atividades
desenvolvidas pela agência educativa, formar integralmente
sua personalidade, preparando-se para a vida em sociedade”.
Não fosse assim, “não haveria como justificar a expressão –
idade escolar – utilizada pelo legislador ao estruturar a figura
definida no artigo 246 do Código Penal. Idade escolar, ao que

161
Direito Penal II - Parte Especial

tudo indica, significa aquela em que deve ter lugar a entrada


na escola”.

Tratando-se de crime omissivo próprio, a tentativa é inadmissível.

e) Ação Penal

A ação penal será pública incondicionada.

Atividade de Estudos:

1) O pai que, por carência de recursos decorrentes de situação de


desemprego, deixa de submeter o filho, acometido de grave
doença, a necessária e urgente intervenção cirúrgica, em tese
comete que delito?
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_____________________________________________________
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Algumas Considerações
Neste capítulo estudamos os crimes contra o casamento e contra a
assistência familiar, bem como sua inter-relação com os outros ramos do direto,
notadamente o direito civil.

Nos crimes analisados no presente tópico, temos grande aplicação do


legislador do instituto da norma penal em branco, como complemento à estrutura
do crime a aplicação da lei incriminadora. O direito penal não é uma ilha, deve ser
analisado de acordo com a atual sistemática constitucional, em consonância com
as demais normas legais.
162
Capítulo 6 Crimes Contra a Família

Para finalizar, importante ressaltar a importância da tutela penal nos institutos


afetos à relação familiar, casamento, registro de filhos, assistência material e
intelectual, valores muitas vezes esquecidos e que são imprescindíveis para a
vida em sociedade.

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial 2. 11
ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
Acesso em: 15 dez. 2011.

BRASIL. Novo Código Civil Brasileiro: (Lei nº 10.406, em vigor a partir de 11 de


janeiro de 2003). Apresentação e comentários de Celso Russomano. São Paulo:
Escala, 2003.

BRASIL. Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>.
Acesso em: 02 nov. 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 11.ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. v. 2

ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte especial. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 7 ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2010.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 9 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. v. 2

163
C APÍTULO 7
Crimes Contra a
Administração Pública

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conceituar os crimes contra a administração pública.

33 Identificar e distinguir os crimes contra a administração pública diante de casos


reais.

33 Buscar na jurisprudência casos julgados pelos Tribunais e apresentar


comentário crítico referente ao crime pesquisado.
Capítulo 7 Crimes Contra a
Administração Pública

Contextualização
Neste capítulo estudaremos os crimes contra a administração pública,
notadamente os crimes funcionais, que somente podem ser praticados de forma
direta por funcionário público, no exercício de suas funções ou em razão dela.
Crimes dessa natureza, segundo Rogério Sanches Cunha (2009), afetam sempre
a probidade administrativa, promovendo a desvirtuação da administração pública
nas suas várias camadas, ferindo, dentre outros, os princípios basilares esculpidos
no artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Os crimes funcionais são divididos
em duas espécies: a) Crimes Funcionais Próprios: quando, faltando a qualidade
de servidor do agente, o fato deixa de ser crime – Atipicidade Absoluta. Ex:
Prevaricação (artigo 319); b) Crimes Funcionais Impróprios: faltando a qualidade
de servidor do agente, o fato deixa de ser crime funcional, mas permanece crime
– Atipicidade Relativa. Exemplo: Peculato-Furto (artigo 312, § 1º).

PARTICIPAÇÃO E COAUTORIA POR PARTICULAR - Em


todos os crimes deste capítulo, a condição de funcionário público
é elementar do crime. Assim, o particular que, ciente da condição
de funcionário público do comparsa, o ajuda a cometer o delito,
responde também pelo crime contra a administração pública, nos
termos do artigo 30 do Código Penal, porquanto as circunstâncias
de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a
todos os demais.

Conceito de funcionário público


Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora
transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego e função pública
(artigo 327 do Código Penal).

Cargo Público: são criados por Lei, com denominação própria.


Exemplo: Presidente da República, Senador, Delegado de Polícia,
Oficial de Justiça, Juízes de Direito, Vereadores etc.

Emprego Público: refere-se ao servidor contratado em regime


especial ou da CLT, normalmente para serviço temporário. Exemplos:
mensalistas, contratados etc.
167
Direito Penal II - Parte Especial

Função Pública: abrange qualquer conjunto de atribuições


públicas que não correspondem a cargo ou emprego público.
Exemplos: Jurados, Mesários nas Eleições etc.

Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função


em entidade paraestatal e quem trabalha para empresa prestadora de serviço
contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração
Pública (artigo 327, § 1º, do Código Penal).

Exemplos de entidades paraestatais:

• Autarquias: INSS, Caixa Econômica Federal;


• Sociedade de Economia Mista: Banco do Brasil;
• Empresas Públicas: CORREIOS;
• Fundações Públicas: FUNAI;

Por conta da amplitude de equiparação, pode ser punido por crimes de


corrupção passiva e concussão médicos (particulares) conveniados com o
SUS (STJ – REsp. 331.055/RS), bem como advogados dativos nomeados para
defender pessoas carentes (STJ – RHC 17.321/SP).

O conceito de funcionário público não abrange as pessoas que trabalham em


empresas contratadas com a finalidade de prestar serviços para Administração
Pública (Exemplo: trabalhador de empreiteira contratado para construção de
rodovia), bem como que exercem mumus público, como inventariante, curador,
tutor etc.

A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes


previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função
de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de
economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público (artigo
327, § 2º, do Código Penal).

Cargo em Comissão: é o cargo em que a pessoa é nomeada


em confiança, sem a necessidade de concurso público.

168
Capítulo 7 Crimes Contra a
Administração Pública

Peculato
De acordo com o CP:

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor


ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem
a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio
ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público,


embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o
subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito
próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona
a qualidade de funcionário.

Peculato culposo

§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de


outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.


§ 3º - [...].

O crime de peculato tem sua origem no direito romano e se caracterizava


pela subtração de patrimônio pertencente ao Estado. “Essa infração penal recebia
o nome de peculatus ou depeculatus, oriundo de período anterior à introdução
da moeda, quando os animais (bois e carneiros) destinados ao sacrifício em
homenagem às divindades consistiam na riqueza pública por excelência”
(BITENCOURT, 2009, p. 4).

O Código Penal brasileiro divide o crime de peculato de diversas formas:


peculato apropriação (artigo 312, caput, 1ª parte); peculato desvio (artigo 312,
caput, 2ª parte); peculato furto (artigo 312, § 1ª) e peculato culposo (artigo 312, §
2º), ao que, ainda, consta a figura do chamado peculato estelionato (artigo 313),
que não será objeto de estudo.

Para Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 05):

A eficiência do Estado está diretamente relacionada com


a credibilidade, honestidade e probidade de seus agentes,
pois a atuação do corpo funcional reflete-se na coletividade,
influenciando decididamente na formação ético-moral e
política dos cidadãos, especialmente no conceito que fazem
da organização estatal.

O bem jurídico tutelado não é só o patrimônio público, mas, também, a


probidade administrativa. Para Julio Fabbrini Mirabete (2010, p. 265):

169
Direito Penal II - Parte Especial

Tutelados pelo dispositivo estão não só os bens públicos,


mas também os pertencentes aos particulares que estejam
sob a guarda, vigilância, custódia etc. da administração.
Pratica peculato, por exemplo, o policial ou carcereiro que se
apropria de bens do preso. Não estando a coisa sob guarda e
responsabilidade da Administração Pública não ocorre o crime,
mas outro, como no caso de policial que subtraiu toca-fita de
automóvel que perseguira e que fora abandonado pelo motorista.

Na lição de Damásio de Jesus (2002, p. 125), protege-se a “Administração


Pública no que diz respeito ao interesse patrimonial – preservação do erário
público – e moral – fidelidade e probidade dos agentes do poder”.

a) Tipo Objetivo

A conduta típica descrita no caput consiste na apropriação (tomar para si)


ou no desvio (alterar o destino). No peculato-apropriação, o agente age com o
objetivo de fazer sua a coisa de outra pessoa, invertendo o ânimo sobre o objeto
(CAPEZ, 2010). “Na verdade, corresponde a um tipo especial de apropriação
indébita, qualificada pelo fato de ser o agente funcionário público, no exercício
de sua função, prejudicando não só a moral, mas o patrimônio da administração”
(SANCHES, 2009, p. 405). Exige o tipo penal que essa posse tenha advindo em
razão do cargo, ao que, também, obtida de forma lícita. No peculato-desvio, o
agente altera o destino do bem que está em seu poder. O desvio deve ser em
proveito próprio ou de terceiros, podendo ser material ou moral, ao que se for a
proveito da própria administração, haverá o crime do artigo 315 do Código Penal
(emprego irregular de verbas ou rendas públicas). A confiança depositada no
funcionário público que recebe a coisa, objeto material do crime de peculato, é
proveniente de imposição legal, em razão do cargo público exercido pelo agente.
É necessário que receba o bem em razão do cargo que exerce, significando que a
entrega da coisa ao agente deve ser feita em decorrência de sua competência ou
atribuição funcional, circunscrevendo-se o ato às atribuições inerentes ao cargo
que ocupa (BITENCOURT, 2009).

Indaga-se, finalmente: no caso em que o funcionário público


tem um crédito a ser exigido da Administração Pública e resolve
apropriar-se do dinheiro público com o fim de realizar a compensação
extrajudicial, comete ele o crime em tela? Sim, pois o dinheiro
público está vinculado, por lei ou ato administrativo, a determinados
fins. No momento em que o funcionário público dele se apropria, a
Administração Pública fica, de forma ilegal, privada da disponibilidade
daquele dinheiro (CAPEZ, 2010, p. 459).

170
Capítulo 7 Crimes Contra a
Administração Pública

Quanto ao peculato-furto (§ 1º), também chamado peculato impróprio,


o agente subtrai (animus furandi) a coisa ou concorre conscientemente para a
subtração praticada por um terceiro, valendo-se da facilidade que a condição de
funcionário público lhe proporciona. “Aqui o agente não tem a posse ou detenção
do bem como no peculato-apropriação ou desvio, mas se vale da facilidade que
lhe proporciona a qualidade de funcionário público para realizar a subtração”
(CAPEZ, 2010, p. 463). Leia-se:

O funcionário pode tanto ele próprio realizar a subtração


– por exemplo, guarda noturno que aproveita para entrar
no almoxarifado e de lá subtrair diversos materiais – como
concorrer para que outrem o faça – poderá o agente,
propositadamente, deixar aberta a porta da repartição
pública em que trabalha para que outrem, previamente
conluiado, realize a subtração. Responderão ambos pelo
crime de peculato, uma vez que a qualidade de funcionário do
copartícipe comunica-se ao autor da subtração (CAPEZ, 2010,
p. 463).

Contudo, caso um policial esteja no interior de uma casa fazendo


uma investigação e subtraia dinheiro de uma gaveta, responde por
crime comum de furto (artigo 155 do Código Penal), porque o bem
particular só pode ser objeto de peculato se estiver sob a guarda ou
custódia da administração.

Se a colaboração tiver decorrido de imprudência ou negligência, haverá


peculato culposo (§ 2º). Exemplo: funcionário que esquece a porta aberta e
alguém se aproveita da situação para furtar objetos da repartição. Em tal hipótese,
o funcionário incorre em peculato culposo e o terceiro em crime de furto.

A Lei não prevê o chamado peculato de uso, quando do uso não


autorizado do bem público de coisa infungível. Contudo, tratando-se
de bem fungível, pode caracterizar outra modalidade de peculato.
Exemplo: funcionário público usa dinheiro público para compra
de um veículo importado. Nessa hipótese, houve consumação
no momento da compra e, mesmo que posteriormente reponha o
dinheiro, responderá pelo delito. Se o funcionário público, todavia,
usa bem infungível e devolve posteriormente, não responde pelo
crime, pois a lei não pune o mero uso. Exemplo: usar maquinário

171
Direito Penal II - Parte Especial

pertencente ao patrimônio público para fins particulares e depois


devolver. Nesse caso, entende-se que não há crime, exceto se o
combustível for público e não for reposto, pois então o objeto material
seria o combustível.

Por fim, “tratando-se de crime funcional, como peculato p. ex., não incide
a agravante relativa à violação de dever funcional. Segundo a regra exceptiva
constante da parte final do caput do art. 61, do CP, em decorrência de princípio no
bis in idem, não se agrava a pena quando a circunstância constitui elementar do
crime” (MIRABETE; FABBRINI, 2010, p. 259).

b) Objeto Material

Não existe peculato de bem imóvel. Não há crime contra a administração


pública a conduta de usar serviços ou mão de obra pública. Na lição de Fernando
Capez (2010, p. 456):

O dispositivo legal faz expressa menção ao dinheiro, valor


(por exemplo: letras de câmbio, apólices, notas promissórias
etc.) ou qualquer bem móvel (veículo, computador, máquina
de escrever etc.), de natureza pública ou privada, de que
tem o funcionário público a posse em razão do cargo. A
apropriação de bens particulares por funcionário público
configura o denominado peculato-malversação; por exemplo,
a Administração Pública loca alguns tratores de uma empresa
particular para auxiliar trabalhadores ruralistas no cultivo de
suas próprias terras; contudo, o funcionário público incumbido
de fazer a distribuição dos tratores apropria-se de um deles
para arar terras próprias, sem, no entanto, devolvê-lo.

Assim, a conduta do chefe que manda subordinado arrumar o jardim de sua


casa constitui apenas ato de improbidade administrativa do artigo 9º, inciso IV, da
Lei nº 8.429/92, e não peculato.

Contudo, sendo o funcionário público prefeito, haverá o crime


específico do artigo 1º, inciso II, do Decreto-Lei 201/67, que disciplina
apenas os crimes praticados por prefeitos.

172
Capítulo 7 Crimes Contra a
Administração Pública

c) Sujeitos do Crime

Sujeito ativo é o funcionário público (artigo 327 do Código Penal), tratando-se


de crime próprio. Exige-se que o agente pratique a conduta típica valendo-se do
cargo que ocupa.

O particular que, ciente da condição de funcionário público do comparsa, o


ajuda a cometer o delito, responde também pelo crime contra a administração
pública, nos termos do artigo 30 do Código Penal, porquanto as circunstâncias de
caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todos os demais.

O sujeito passivo é o Estado, bem como eventual particular prejudicado no


caso de peculato-malversação.

Prefeitos que se apropriam de bens do qual têm posse não


respondem por crimes de peculato-apropriação e peculato-desvio
previsto no Código Penal, pois, para eles, existem crimes específicos
descritos no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67.

Múnus público. O tutor, curador, inventariante judicial,


liquidatário, testamenteiro ou depositário judicial,
nomeado pelo juiz, que se apropria dos valores que
lhe são confiados, não cometem o crime de peculato,
uma vez que as citadas pessoas não exercem função
pública. Eles, na realidade, exercem múnus público, o
qual não se confunde com função pública. Assim, na
hipótese, deverão responder pelo crime de apropriação
indébita majorada (CP, art. 168, § 1º, II) (CAPEZ, 2010,
p. 465).

Em relação ao administrador judicial da falência que se apodera


de bem da massa existe crime específico no art. 173 da Lei nº
11.101/2005.

d) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo geral é o dolo, consistente na vontade livre e consciente


de praticar uma das condutas previstas no tipo penal, salvo na hipótese de
peculato culposo.

173
Direito Penal II - Parte Especial

e) Consumação e Tentativa

No caso de peculato-apropriação, consuma-se o crime no momento em que


o funcionário público inverte a titularidade da posse do bem, agindo com animus
domini, ao que, no peculato-desvio, tem-se a consumação no momento em que
ocorre o desvio, pouco importando se a vantagem visada é obtida ou não. No
peculato-furto, consuma-se no instante em que o agente consegue tirar o bem da
esfera de vigilância da administração e ter a posse tranquila deste, ainda que por
pouco tempo. Leia-se as ponderações de Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 17):

O momento consumativo do crime de peculato é de difícil


precisão, pois depende, em última análise, de uma atitude
subjetiva. A consumação do crime e, por extensão, o
aperfeiçoamento do tipo coincidem com aquele em que o
agente, por ato voluntário e consciente, inverte o título da
posse, passando a reter o objeto material do crime (dinheiro,
valor ou qualquer outro bem móvel) como se dono fosse (uti
dominus). Consuma-se o crime com a efetiva apropriação,
desvio ou subtração do objeto material, ou seja, quando o
funcionário público torna seu o patrimônio do qual detém a
posse, ou desvia em proveito próprio ou de terceiro, sendo
irrelevante o prejuízo efetivo para a Administração Pública.

Perfeitamente admissível a tentativa quando se tratar das hipóteses de


peculato doloso, ao que não existe tentativa de crime culposo próprio.

f) Ação Penal e Causa Extintiva de Punibilidade

A ação penal é pública incondicionada, ao que nos termos do artigo 312, §


3°, do Código Penal, tratando-se de peculato culposo, a reparação do dano, se
precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz
de metade a pena imposta.

De acordo com o No peculato doloso, a reparação do dano apenas reduz a pena,


CP: se antes do recebimento da denúncia, aplicando-se o instituto do
arrependimento posterior do artigo 16 do Código Penal (redução de um
Art. 316 - Exigir, a dois terços) e, se ocorrer durante o tramitar da ação, será aplicada a
para si ou para atenuante do artigo 65, inciso III, b, do mesmo diploma legal.
outrem, direta ou
indiretamente,
ainda que fora da
função ou antes
de assumi-la, mas
Concussão
em razão dela,
vantagem indevida: De acordo com o CP:
Pena - reclusão, de
dois a oito anos, Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
e multa. ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão
dela, vantagem indevida:

174
Capítulo 7 Crimes Contra a
Administração Pública

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

[...]

A concussão tem origem no Direito Romano “que, refletindo o costume


contemporâneo, não concebia que altos funcionários do Estado pudessem receber
alguma recompensa por cumprirem seus deveres funcionais” (BITENCOURT,
2009, p. 61). Veja-se:

Os costumes de Roma impediam que magistrados, advogados,


oficiais do exército e outros altos funcionários recebessem
qualquer pagamento ou recompensa pelos serviços que
prestassem. Essas funções tinham natureza de dever cívico
e, por essa razão, deviam ser prestadas gratuitamente
(BITENCOURT, 2009, p. 62).

O bem jurídico tutelado é a moralidade administrativa, bem como a


proteção patrimonial do particular constrangido pelo ato criminoso do funcionário
público. “Também integram os bens jurídicos protegidos pelo tipo penal em exame
o patrimônio particular e a própria liberdade individual, embora se encontrem num
plano secundário” (BITENCOURT, 2009, p. 62).

a) Tipo Objetivo

A ação típica consiste em exigir o funcionário público, direta ou indiretamente,


vantagem indevida, “abusando da sua autoridade pública como meio de coação
(metus publicae potestatis). O agente, portanto, se vale da autoridade que detém
em razão da função pública exercida para incutir temor na vítima e com isso obter
indevidas vantagens” (CAPEZ, 2010, p. 485).

Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 63):

O verbo nuclear exigir tem o sentido de obrigar, ordenar,


impor ao sujeito passivo a concessão da pretendida vantagem
indevida. Convém destacar que exigir não se confunde com
o simples solicitar (verbo núcleo da corrupção passiva), pois
naquele há uma imposição do funcionário, que, valendo-se do
cargo ou da função que exerce, “constrange” o sujeito passivo
com sua “exigência”.

Na lição de Fernando Capez (2010), a vítima cede exclusivamente em razão


da condição de funcionário público do agente, sem qualquer emprego de violência
física. Para Júlio Fabbrini Mirabete (2010) pode ser de qualquer espécie de
vantagem, sexual, material, moral, uma vez que a lei não faz distinção.
175
Direito Penal II - Parte Especial

O objeto material do crime é a vantagem indevida. Quanto à natureza da


vantagem indevida, há duas posições: a) vantagem é econômica ou patrimonial.
Nesse sentido: Damásio, Hungria, Noronha, Delmanto, Bitencourt; b) admite-se
qualquer espécie de vantagem, que não necessariamente patrimonial. Nesse
sentido: Bento Faria e Mirabete. Fernando Capez adota a segunda posição,
uma vez que se cuida aqui não de crime patrimonial, mas de delito contra a
Administração Pública. Dessa forma, qualquer vantagem exigida pelo agente,
desde que indevida, atenta contra os interesses da Administração Pública
(CAPEZ, 2010).

a) Sujeitos do Crime

Sujeito ativo é o funcionário público (artigo 327 do Código Penal), tratando-


se de crime próprio. O particular que, ciente da condição de funcionário público
do comparsa, o ajuda a cometer o delito, responde também pelo crime contra a
administração pública, nos termos do artigo 30 do Código Penal, porquanto as
circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam
a todos os demais.

O próprio dispositivo assevera que pode o agente estar fora da função


(horário de descanso, férias, licença) ou, até mesmo, nem tê-la assumido (quando
já passou no concurso, mais ainda não tomou posse, por exemplo). Se o crime for
cometido por policial militar, estará configurado o crime do artigo 305 do Código
Penal Militar (Decreto-Lei 1001/69), que é igualmente chamado de concussão. O
sujeito passivo é o Estado, bem como eventual particular prejudicado no caso de
peculato-malversação.

Se a conduta de exigir vantagem indevida for praticada por fiscal


da fazenda, tipifica-se crime contra a ordem tributária, previsto no
artigo 3º, inciso II, da Lei 8.137/90.

c) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente


de exigir para si ou para outrem vantagem indevida, abusando da condição de
funcionário público.
176
Capítulo 7 Crimes Contra a
Administração Pública

d) Consumação e Tentativa

Consuma-se o delito no momento em que a exigência chega ao conhecimento


da vítima, independentemente da efetiva obtenção da vantagem visada pelo
agente. “O crime de concussão é formal, ou seja, sua consumação não depende
da ocorrência do resultado naturalístico, verificando-se com a simples exigência
da vantagem indevida” (BITENCOURT, 2009, p. 64).

Não desnatura o crime, portanto, a devolução posterior da vantagem.


“Dessa forma, a devolução posterior da vantagem à vítima configura o chamado
arrependimento posterior (CP, art. 16), uma vez que o crime já se consumou com
o simples ato de exigir” (CAPEZ, 2010, p. 489).

e) Ação Penal

A ação penal é pública incondicionada.


Corrupção Passiva
De acordo com o CP:
O CP:
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para
outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora Art. 317 - Solicitar ou
da função ou antes de assumi-la, mas em razão receber, para si ou
dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de para outrem, direta
tal vantagem: ou indiretamente,
ainda que fora da
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e função ou antes
multa.
de assumi-la, mas
em razão dela,
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em
consequência da vantagem ou promessa, o vantagem indevida,
funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ou aceitar promessa
ato de ofício ou o pratica infringindo dever de tal vantagem:
funcional. Pena – reclusão, de
2 (dois) a 12 (doze)
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar anos, e multa.
ou retarda ato de ofício, com infração de dever
funcional, cedendo a pedido ou influência de
outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Para Cezar Roberto Bitencourt (2009), a corrupção não é apenas o mal


do século, mas da História da humanidade, pois é tão antiga quanto a aventura

177
Direito Penal II - Parte Especial

humana na Terra. “A Lei das XII Tábuas já reprimia com extraordinária severidade
a venalidade dos juízes, que era criminalizada como corrupção, aplicando a pena
de morte ao magistrado que recebesse pecúnia” (BITENCOURT, 2009, p. 76).

O bem jurídico tutelado é a moralidade administrativa, “protegendo-se o


regular andamento da atividade administrativa, ferida com o abjeto comércio da
função pública” (SANCHES, 2009, p. 418). “Protege-se, na verdade, a probidade
de função pública, sua respeitabilidade, bem como a integridade de seus
funcionários, constituindo a corrupção passiva a venalidade de atos de ofício, num
verdadeiro tráfico da função pública” (BITENCOURT, 2009, p. 77).

a) Tipo Objetivo

A conduta típica consiste em solicitar, receber ou aceitar promessa da


vantagem indevida, ao que, na primeira hipótese, a corrupção parte do intraneus;
é o próprio funcionário público quem toma a iniciativa, solicitando que a vantagem
lhe seja concedida. No segundo caso, supõe-se uma dação voluntária do
extraneus, sendo a iniciativa do corruptor. A última hipótese trata da aceitação
de promessa de uma vantagem indevida. “O objeto material do crime em tela é a
vantagem indevida, que pode ser de cunho patrimonial, moral, sentimental, sexual
etc. Assim, pode o funcionário, por exemplo, solicitar favores sexuais em troca da
prática ou abstenção de um ato de ofício” (CAPEZ, 2010, p. 498).

Na lição de Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 79):

O objeto é a vantagem, de cunho patrimonial ou não, desde


que ilícita ou indevida (elemento normativo do tipo) e solicitada,
recebida ou aceita em razão da função pública do agente.
Esse objeto material representa o conteúdo da vantagem
indevida solicitada ou recebida, ou então da promessa aceita,
que é o preço pelo qual o funcionário corrupto se vende.

“Existe corrupção ainda que a vantagem seja entregue ou


prometida não diretamente ao funcionário, mas a um familiar seu
(mulher, filhos etc.)” (SANCHES, 2009, p. 419).

Denomina-se como imprópria a corrupção que tem como finalidade a prática


de ato legítimo e como própria aquela que se destina à realização de algo ilícito.

178
Capítulo 7 Crimes Contra a
Administração Pública

b) Sujeitos do Crime

Sujeito ativo é o funcionário público (artigo 327 do Código Penal), tratando-


se de crime próprio. O particular que, ciente da condição de funcionário público
do comparsa, o ajuda a cometer o delito, responde também pelo crime contra a
administração pública, nos termos do artigo 30 do Código Penal, porquanto as
circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a
todos os demais. O próprio dispositivo assevera que pode o agente estar fora da
função (horário de descanso, férias, licença) ou, até mesmo, nem tê-la assumido
(quando já passou no concurso, mais ainda não tomou posse, por exemplo).

Fiscal que exige ou solicita dinheiro para não cobrar tributo ou contribuição
social pratica o crime previsto no artigo 3°, inciso II, da Lei nº 8.137/90 (crime
contra a ordem tributária). A testemunha ou perito não oficial que recebe dinheiro
para cometer falso testemunho ou falsa perícia incorrem em crime do artigo 342,
§ 2° do Código Penal.

O artigo 299 da Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral) prevê crimes idênticos


à corrupção passiva e ativa, mas praticados com a intenção de conseguir voto,
ainda que o agente não obtenha sucesso. O Código Penal Militar, artigo 308,
prevê apenas duas modalidades de crime de corrupção passiva, recebimento
ou aceitação da vantagem indevida em razão da função, não contemplando a
modalidade solicitar, ao que, neste último caso, reponde o policial militar por
corrupção passiva.

c) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente


de solicitar ou receber, para si ou para outrem vantagem indevida, abusando da
condição de funcionário público.

d) Consumação e Tentativa

Consuma-se o crime no momento em que o funcionário solicita, recebe


ou aceita a vantagem. Na modalidade solicitar, pouco importa, para fim de
consumação, se o funcionário público efetivamente obtém a vantagem visada.
Nas modalidades receber ou aceitar promessa de vantagem indevida, também
não importa se o funcionário pratica ou não algo em face desta.

e) Corrupção Passiva Qualificada

179
Direito Penal II - Parte Especial

Nos termos do § 1º do artigo 317 do Código Penal, a pena é aumentada de


um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda
ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
O exaurimento do crime se apresenta como causa de aumento de pena, diante da
realização da pretensão do corruptor.

f) Corrupção Passiva Privilegiada

A corrupção passiva privilegiada é crime material que somente se consuma


quando o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda o ato de ofício, cedendo
a pedido, pressão ou influência de outrem (artigo 317, § 2º, do Código Penal).

g) Ação Penal

A ação penal é pública incondicionada.

Prevaricação
De acordo com o CP:
De acordo com o
CP: Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato
de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para
Art. 319 - Retardar satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
ou deixar
de praticar, Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
indevidamente,
ato de ofício, A prevaricação, “em sua origem latina – praevaricatio –, tinha o
ou praticá-lo
sentido de alguém que tem ‘as pernas tortas ou cambaias’, significando
contra disposição
expressa de lei, – etimologicamente, praevaricator – andar de forma oblíqua ou
para satisfazer desviando-se do caminho correto” (BITENCOURT, 2009, p. 98). Os
interesse ou romanos conheceram o ato de prevaricar como patrocínio infiel,
sentimento pessoal: concepção que fora mantida no direito medieval, ampliando-a, contudo,
Pena - detenção, para abranger o comportamento de quem se tornasse infiel ao próprio
de três meses a um cargo, descumprindo os deveres inerentes ao seu ofício (BITENCOURT,
ano, e multa.
2009).

a) Tipo Objetivo

A conduta típica consiste em retardar ou deixar de praticar, indevidamente,


ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer

180
Capítulo 7 Crimes Contra a
Administração Pública

interesse ou sentimento pessoal. O atraso ou desleixo no serviço ou preguiça não


constitui crime.

Prevaricação é a infidelidade ao dever de ofício e à função


exercida; é o descumprimento das obrigações que lhe são
inerentes, movido o agente por interesses ou sentimentos
próprios. Dentre os deveres inerentes ao exercício da
função pública, o mais relevante deles é o que consiste no
cumprimento pronto e eficaz das atribuições do ofício, que
deve ser realizado escrupulosa e tempestivamente, para lograr
a obtenção dos fins funcionais. O sentimento do funcionário
público não pode ser outro senão o do dever cumprido e o de
fazer cumprir os mandamentos legais (BITENCOURT, 2009,
p. 99).

O objeto material do crime é o ato de ofício.


O objeto material do
Não há falar, portanto, em prevaricação se o ato crime é o ato
praticado, omitido ou retardado não se insere no de ofício.
âmbito de atribuição ou competência funcional do
funcionário público. Dessa forma, o funcionário,
por exemplo, que deixar de expedir determinado documento
judicialmente requisitado por não ter competência para tanto
não pratica o crime em tela. O tipo penal abrange tanto o
ato administrativo quanto o judicial. Para Mirabete também
abrange o ato legislativo (CAPEZ, 2010, p. 509-510).

Na corrupção passiva, o agente negocia seus atos, visando uma


vantagem indevida. Na prevaricação o funcionário público viola seu
dever funcional para satisfazer objetivos pessoais.

b) Sujeitos do Crime

Sujeito ativo é o funcionário público (artigo 327 do Código Penal), tratando-se


de crime próprio. Sujeito passivo é o Estado.

c) Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de


retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra
disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
181
Direito Penal II - Parte Especial

Exige-se também o elemento subjetivo do tipo, consistente


na vontade de satisfazer interesse ou sentimento pessoal. O
interesse, que consiste na obtenção de uma vantagem, pode
ser patrimonial ou moral. Quanto ao interesse patrimonial,
importa distinguir algumas situações: a) se o ato praticado,
retardado ou omitido tiver sido objeto de acordo anterior entre
o funcionário e o particular, visando aquele indevida vantagem,
o crime passará a ser outro: corrupção passiva; b) se houver,
anteriormente à prática ou omissão do ato, a exigência de
vantagem indevida pelo funcionário público, haverá o crime
de concussão. Veja-se, pois, que no crime de prevaricação a
obtenção de vantagem patrimonial pelo funcionário não deve
estar ligada a qualquer oferecimento ou entrega de vantagem
pelo particular em troca da ação ou omissão funcional (CAPEZ,
2010, p. 511).

d) Consumação e Tentativa

Consuma-se o crime com a omissão, retardamento ou realização do ato


de ofício. A tentativa inadmissível nas formas omissivas (retardar ou deixar de
praticar), ao que na forma comissiva (praticá-lo) a tentativa é possível.

e) Figura Equiparada – artigo 319-A

A Lei nº 11.466/2007 criou nova figura ilícita no artigo 319-A do Código Penal,
punido com a mesma pena da prevaricação a conduta de “deixar o Diretor de
Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o
acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com
outros presos ou com o ambiente externo”.

Também conhecido como prevaricação imprópria, o dispositivo pretende


evitar que presos comandem suas quadrilhas ou organizações criminosas do
interior de penitenciárias.

f) Ação Penal

A ação penal é pública incondicionada.

Atividade de Estudos:

1) Fulano, valendo-se da condição de funcionário público, cogita


182
Capítulo 7 Crimes Contra a
Administração Pública

subtrair cinco computadores de propriedade do Estado que


se localizam na repartição pública que trabalha. Para ajudá-lo
na subtração, convida Ciclano, seu amigo íntimo. Neste caso,
considerando que Fulano e Ciclano subtraíram somente dois
computadores, quais crimes ambos cometeram?
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Algumas Considerações
Para Cezar Roberto Bitencourt (2009), os crimes praticados contra a
administração pública não são adequadamente punidos pelo legislador pátrio, vez
que são condutas que atentam contra a organização do Estado. Crimes contra a
administração pública refletem em todas as pessoas, vez que é a coletividade que
sustenta toda a estrutura do Estado.

Devemos pensar e aplicar a norma penal para o bem da coletividade,


como instrumento a pacificação social e proteção da coisa pública, ao que
a organização do Estado é tão ou mais importante do que outros direitos e
garantias individuais.

Assim, como conceber que alguns crimes contra o erário são passíveis
de extinção de punibilidade simplesmente com o pagamento da contribuição
previdenciária apropriada indevidamente, como no caso do artigo 337-A do
Código Penal?

A lei penal não deve ser criada como incentivo para prática de crimes, mas
deve atuar como inibidora deles, ao que não se pode admitir a aplicação da teoria
do direito penal mínimo contra condutas que atentem contra toda coletividade.

183
Direito Penal II - Parte Especial

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. 2 11
ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRASIL. Decreto-Lei No 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>.
Acesso em: 02 nov. 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 11 ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. v. 2

ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte especial. São Paulo: Saraiva, 2010.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 7 ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2010. v. 2

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 5 ed. Rio de Janeiro, 1979.


v.5.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial. 28 ed. São
Paulo: Atlas, 2011.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: dos crimes contra a pessoa. 26 ed.


São Paulo, Saraiva, 1994, v. 3.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 9 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010.

184
C APÍTULO 8
Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33 Conceituar os crimes contra o meio ambiente.

33 Identificar e distinguir os crimes contra o meio ambiente diante de casos


reais.

33 Buscar na jurisprudência casos julgados pelos Tribunais e apresentar


comentário crítico referente ao crime pesquisado.
Capítulo 8 Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98

Contextualização
A vida humana está diretamente ligada à preservação do meio ambiente, ao
que não se deve colocar o desenvolvimento econômico acima da preservação da
natureza e das espécies. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dos
direitos fundamentais da pessoa humana, justificando a imposição de sanções
penais às agressões ao direito à sadia qualidade de vida (MILARÉ, 2009).

A Constituição Federal, em seu artigo 225, § 3°, assevera que


A Constituição
as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
Federal, em
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais seu artigo 225,
e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os § 3°, assevera
danos causados. que as condutas
e atividades
consideradas lesivas
Nestes termos, o dano ambiental tem repercussão jurídica na ao meio ambiente
esfera penal, administrativa e civil, podendo o agente causador da sujeitarão os
atividade lesiva ao meio ambiente ser responsabilizado alternativa infratores, pessoas
ou cumulativamente. No âmbito civil, o ato de sancionar as condutas físicas ou jurídicas,
a sanções penais
lesivas ao meio ambiente já era uma realidade antes mesmo da
e administrativas,
entrada em vigor da Constituição de 1988, porquanto a obrigação independentemente
reparatória de danos, segundo o princípio da responsabilidade da obrigação de
objetiva, disciplinada pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente reparar os danos
(artigo 14, § 1º). Para a plena efetividade daquela norma programática causados.
constitucional, faltava um tratamento adequado da responsabilidade
penal e administrativa, espaço este agora preenchido com a incorporação ao
ordenamento jurídico da Lei 9.605/98, que dispõe sobre sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Fechou-se, então, o cerco contra o poluidor (MILARÉ, 2009).

As disposições gerais da Lei Federal n. 9.605/98 procuraram


atender não só os regramentos que fundamentam o direito
criminal e penal constitucional, como as especificidades
criadas pelo direito criminal ambiental constitucional e pelo
direito penal ambiental constitucional (FIORILLO, 2009, p.
523).

Para Luís Paulo Sirvinskas (2010, p. 787),

nos dias atuais, a tutela penal do meio ambiente continua


sendo uma necessidade indispensável, especialmente quando
as medidas nas esferas administrativa e civil não surtirem os
efeitos desejados. A medida penal tem por escopo prevenir e
reprimir condutas praticadas contra a natureza.

187
Direito Penal II - Parte Especial

Bem Jurídico Tutelado


O bem jurídico tutelado nos crimes ambientais é o meio ambiente. No conceito
de meio ambiente integra-se, em verdade, em um conjunto de elementos naturais,
culturais e artificiais. Todos esses elementos estão protegidos pelo Direito Penal,
como se vê da nova arquitetura tipológica da Lei 9.605/98 (MILARÉ, 2009). “Nos
crimes ambientais, os bens jurídicos protegidos aproximam-se mais do ‘perigo’
do que do ‘dano’. Isso permite realizar uma prevenção e ao mesmo tempo uma
repressão” (SIRVINSKAS, 2010, p. 796).

Sujeitos do Crime
Tanto a pessoa física quanto a pessoa jurídica podem praticar crimes
ambientais, nos termos da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 9.605/98.

a) Sujeito Ativo – Pessoa Física

O sujeito ativo dos crimes ambientais pode ser qualquer pessoa, ao que
“considera-se imputável toda pessoa que tem capacidade de entender a ilicitude
do fato e de agir de acordo com esse entendimento” (SIRVINSKAS, 2010, p. 793).

b) Sujeito Ativo - Pessoa Jurídica

O artigo 225, § 3°, da Constituição Federal de 1988, erigiu a pessoa jurídica


à condição de sujeito ativo da relação processual penal, disciplinando que “as
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

O artigo 3° da Lei nº 9.605/98 dispõe que

as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa,


civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos
casos em que a infração seja cometida por decisão de seu
representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado,
no interesse ou benefício da sua entidade.

A responsabilidade da pessoa jurídica, como está escrito no parágrafo único


do artigo 3°, não exclui a responsabilidade penal das pessoas físicas, autoras,
coautoras ou partícipes, na medida em que a empresa, por si, não comete crimes.
Contudo, o legislador adotou o princípio da coautoria necessária entre a pessoa
física e a jurídica.

188
Capítulo 8 Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98

Acrescentou a Lei nº 9.605/98 uma nova hipótese da


omissão àquelas elencadas no artigo 13, § 2°, do Código Penal,
ao estabelecer, no seu artigo 2º, a responsabilidade do diretor,
administrador, membro de conselho e de órgão técnico, auditor,
gerente, preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo
da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática,
quando podia agir para evitá-la. Assim, tendo referidas pessoas o
dever jurídico de agir para evitar danos ao ambiente, tornam-se, pela
omissão, responsáveis criminalmente pelo fato delituoso.

Luís Paulo Sirvinskas (2010, p. 794-795) anota que

a doutrina majoritária não admite a responsabilidade penal


da pessoa jurídica, mas a tendência no direito penal moderno
é romper com o clássico princípio societas delinquere non
potest. É claro que a pessoa jurídica não pode ser vista com os
olhos do conceito da doutrina clássica. Deve-se observar suas
particularidades para a eventual aplicação da pena de caráter
penal. Sua responsabilidade jurídica não pode ser vista como
dotada de vontade. Deve-se distinguir a pessoa física que age
em nome da pessoa jurídica da própria pessoa jurídica.

Atualmente o Superior Tribunal de Justiça admite a responsabilidade penal


da pessoa jurídica, desde que figure juntamente com a pessoa física que executou
a infração. Não se admite, portanto, denúncia isolada da pessoa jurídica.

c) Sujeito Passivo

Nos delitos ambientais, o sujeito passivo direto será a coletividade, por ser
o bem ou o interesse tutelado considerado de uso comum do povo, segundo
o disposto no artigo 225 da Constituição Federal de 1988. Mas é possível que
pessoa certa e determinada acabe também lesada ou ameaçada em seus bens
por conta de aspectos particulares do dano, figurando como sujeito passivo
indireto, secundário ou por via reflexa. Logo, sujeito passivo principal permanece
sempre a sociedade, titular do bem que constitui a objetividade jurídica dos crimes
contra o meio ambiente.

Aplicação da Pena
Às infrações penais ambientais aplicam-se as penas privativas de liberdade,

189
Direito Penal II - Parte Especial

restritivas de direito e multa, observando-se, para sua aplicação, a gravidade do


fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde
pública e para o meio ambiente; os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento
da legislação de interesse ambiental; bem como a situação econômica do infrator,
no caso de multa (artigo 6º). Como assevera Édis Milaré (2009, p. 993), na nova
Lei de Crimes Ambientais, optou o legislador pelas penas restritivas de direitos
e pecuniárias, “não só porque apropriadas tanto às pessoas físicas como às
pessoas jurídicas, como também porque a pena de prisão, em razão do perfil
diferenciado do delinquente ambiental, tem-se mostrado inadequada, por impor à
sociedade um duplo castigo: suportar o dano e pagar a conta do presídio”.

a) Penas aplicáveis às pessoas físicas

As sanções previstas para as infrações cometidas por pessoas físicas


compreendem: pena privativa de liberdade, pena restritiva de direitos e multa.

As penas privativas de liberdade para os ilícitos penais praticados pelas


pessoas físicas são as tradicionais reclusão e detenção, para os crimes, e prisão
simples, para as contravenções. Cabe ressaltar que a maioria das novas infrações
penais, pela quantidade da pena cominada, enseja a aplicação dos institutos da
transação penal, suspensão do processo e suspensão condicional da pena.

As penas restritivas de direitos, nos termos do artigo 7º da Lei 9.605/98,


são autônomas e substituem as penas privativas de liberdade nos casos em
que: I - tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade
inferior a quatro anos; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e
a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do
crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e
prevenção do crime. As penas restritivas de direitos a que se refere este artigo
terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída.

As penas restritivas de direito são: I - prestação de serviços à comunidade;


II - interdição temporária de direitos; III - suspensão parcial ou total de atividades;
IV - prestação pecuniária; V - recolhimento domiciliar (artigo 8º da Lei 9.605/98).

Ressalta-se, ainda, a possível conversão da pena restritiva de direitos em


privativa de liberdade, em caso de descumprimento injustificado da restrição
imposta ou de superveniente condenação a pena privativa de liberdade, por outro
crime, conforme o disposto no artigo 44, §§ 4° e 5°, do Código Penal, diante da
subsidiariedade prevista no artigo 79 da Lei nº 9.605/98.

A penal de multa será calculada segundo os critérios do Código Penal; se


revelar-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada

190
Capítulo 8 Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98

até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida (artigo 18
da Lei nº 9.605/98).

b) Penas aplicáveis às pessoas jurídicas

Às pessoas jurídicas as penas aplicáveis são multa, restritivas de direitos e


prestação de serviços à comunidade.

Em relação à multa, aplica-se a regra do artigo 18 da Lei nº 9.605/98.

As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica, nos moldes do artigo 22


da Lei de Crimes Ambientais, são: I - suspensão parcial ou total de atividades;
II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição
de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções
ou doações.

A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem


obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do
meio ambiente.

A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade


estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida,
ou com violação de disposição legal ou regulamentar.

A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios,


subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.

A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá


em: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras
de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos;
IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas (artigo 23 da Lei
9.605/98).

c) Circunstâncias atenuantes

Segundo o artigo 14 da Lei nº 9.605/98, são circunstâncias que atenuam a


pena: I - baixo grau de instrução ou escolaridade do agente; II - arrependimento
do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano ou limitação
significativa da degradação ambiental causada; III - comunicação prévia pelo
agente do perigo iminente de degradação ambiental; IV - colaboração com os
agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental.

191
Direito Penal II - Parte Especial

d) Circunstâncias agravantes

Agravam sempre a pena, quando não constituem ou qualificam o crime, as


circunstâncias referidas no artigo 15 da Lei 9.605/98: I - reincidência nos crimes de
natureza ambiental; II - ter o agente cometido a infração: a) para obter vantagem
pecuniária; b) coagindo outrem para a execução material da infração; c) afetando
ou expondo a perigo, de maneira grave, a saúde pública ou o meio ambiente;
d) concorrendo para danos à propriedade alheia; e) atingindo áreas de unidades
de conservação ou áreas sujeitas, por ato do Poder Público, a regime especial
de uso; f) atingindo áreas urbanas ou quaisquer assentamentos humanos; g) em
período de defeso à fauna; h) em domingos ou feriados; i) à noite; j) em épocas de
seca ou inundações; I) no interior do espaço territorial especialmente protegido;
m) com o emprego de métodos cruéis para abate ou captura de animais; n)
mediante fraude ou abuso de confiança; o) mediante abuso do direito de licença,
permissão ou autorização ambiental; p) no interesse de pessoa jurídica mantida,
total ou parcialmente, por verbas públicas ou beneficiada por incentivos fiscais;
q) atingindo espécies ameaçadas, listadas em relatórios oficiais das autoridades
competentes; r) facilitada por funcionário público no exercício de suas funções.

e) Causas de aumento de pena

Nos termos do artigo 58 da lei de crimes ambientais, nos crimes dolosos


previstos na Seção III do Capítulo V, as penas serão aumentadas: I - de um sexto
a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral; II -
de um terço até a metade, se resulta lesão corporal de natureza grave em outrem;
III - até o dobro, se resultar a morte de outrem.

e) Causas excludentes da antijuridicidade

O fato típico perde a ilicitude quando presente uma causa excludente da


antijuridicidade, ao que considerando a subsidiariedade expressa prevista no
artigo 79 da Lei nº 9.605/98, aplicam-se aos delitos ambientais as hipóteses
excludentes de tipicidade elencados no artigo 23 do Código Penal, - em estado
de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento de dever legal ou no
exercício regular de direito.

Também, o artigo 37 da Lei nº 9.605/98 descriminaliza o abate de animais


“para saciar a fome do agente ou de sua família”, “para proteger lavouras ou
rebanhos”, ou quando forem aqueles “nocivos”.

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Capítulo 8 Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98

Crimes em Espécie
A maioria dos crimes ambientais são normas penais em branco, sendo
complementadas por atos administrativos ou por outra lei. A doutrina entende que
essa técnica é inevitável nas infrações penais. Os crimes ambientais protegem
o meio ambiente em sentido amplo: natural (fauna e flora); artificial (construções
e edificações feitas pelo homem); cultural (patrimônios históricos, artísticos,
paisagísticos e arqueológicos).

a) Crimes contra a fauna

Os crimes contra a fauna eram disciplinados na Lei nº 5.197/67 (Lei de


proteção à fauna/código de caça); no Decreto lei 221/67 – Código de Pesca; na
Lei nº 7.679/87; artigo 64 da Lei de Contravenções Penais e na Lei nº 7.643/87
– Molestamento pesca de cetáceos. Os crimes previstos nessas leis foram
revogados pela Lei nº 9.605/98. A única lei que continua em vigor é a Lei nº
7.643/87 (princípio da especialidade): entendimento da doutrina majoritária e do
Superior Tribunal de Justiça no HC 19.279.

Os artigos 29 ao 37 procuram de fato trazer proteção à fauna enquanto bem


ambiental, na medida em que os animais não são sujeitos de direitos, porquanto a
proteção do meio ambiente existe para favorecer o próprio homem e, somente por
via reflexa, as demais espécies (FIORILLO, 2009).

A primeira conduta típica, artigo 29, consiste em matar, perseguir, caçar,


apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória,
sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou
em desacordo com a obtida. Incorre nas mesmas penas: I - quem impede a
procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida; II
- quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural; III - quem
vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito,
utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em
rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de
criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da
autoridade competente.

No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada


ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de
aplicar a pena.

193
Direito Penal II - Parte Especial

São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes


às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou
terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo
dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais
brasileiras (§ 3º).

A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado: I - contra espécie rara


ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração;
II - em período proibido à caça; III - durante a noite; IV - com abuso de licença;
V - em unidade de conservação; VI - com emprego de métodos ou instrumentos
capazes de provocar destruição em massa. A pena é aumentada até o triplo se o
crime decorre do exercício de caça profissional.

As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca.

No artigo 30, tem-se como criminosa a exportação de peles e couros


de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da autoridade ambiental
competente, ao que o artigo 31 pune a introdução de espécime animal no
País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por autoridade
competente.

Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,


domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, está tipificado no artigo 32
da Lei de Crimes Ambientais, incorrendo nas mesmas penas quem realiza
experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou
científicos, quando existirem recursos alternativos. A pena é aumentada de um
sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

O Rodeio é regulamentado pela Lei nº 10.519/02. Assim, se o


rodeio for feito em obediência à lei, não é crime, trata-se de exercício
regular de direito. Se desobedecer às exigências da lei, é crime
ambiental (artigo 32).

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Capítulo 8 Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98

Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o


perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes,
lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras também caracteriza crime
ambiental, nos termos do artigo 33, incorrendo nas mesmas penas: I - quem
causa degradação em viveiros, açudes ou estações de aquicultura de domínio
público; II - quem explora campos naturais de invertebrados aquáticos e algas,
sem licença, permissão ou autorização da autoridade competente; III - quem
fundeia embarcações ou lança detritos de qualquer natureza sobre bancos de
moluscos ou corais, devidamente demarcados em carta náutica.

Por fim, o artigo 34 da Lei nº 9.605 pune a pesca em período no qual seja
proibida ou em lugares interditados por órgão competente. Incorre nas mesmas
penas quem: I - pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes
com tamanhos inferiores aos permitidos; II - pesca quantidades superiores às
permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos
não permitidos; III - transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes
provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas. Também, pune-se a pesca
mediante a utilização de: I - explosivos ou substâncias que, em contato com a
água, produzam efeito semelhante; ou II - substâncias tóxicas, ou outro meio
proibido pela autoridade competente.

Nos termos do artigo 36 da Lei nº 9.605/98, considera-se pesca


todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou
capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e
vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico,
ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas
listas oficiais da fauna e da flora.

Pesca ou amolestamento de cetáceos (baleias, botos, golfinhos),


aplica-se a Lei nº 7.643/87: pena de 2 a 5 anos mais multa.

b) Crimes contra a flora

A tutela penal da flora era prevista no artigo 26, letras “a” à “q”, da Lei nº

195
Direito Penal II - Parte Especial

4.771/65 - Código Florestal, ao que só permaneceram em vigor as alíneas “e”,


“j”, “l” e “m” do artigo 26, o restante foi tacitamente revogado pela Lei 9.605/98.
A proteção das florestas, assim como o enfrentamento de situações lesivas ou
mesmo ameaçadoras à biota são o fundamento básico para a aplicação dos
crimes contra a flora, o que motivou o legislador a adotar desde logo critérios
não só preventivos (art. 48) como repressivos (art. 50) visando à aplicação das
sanções penais ambientais (FIORILLO, 2009).

A primeira conduta típica em relação à flora (artigo 38) consiste em destruir


ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em
formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção. Floresta de
preservação é espécie do gênero área de preservação permanente. Florestas são
vegetações de grande porte.

A Lei do Bioma Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006) acrescentou à Lei de


Crimes Ambientais o artigo 38-A, criminalizando o ato de destruir ou danificar
vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de
regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas
de proteção.

Também pune-se a conduta de cortar árvores em floresta considerada de


preservação permanente, sem permissão da autoridade competente.

O artigo 40, por sua vez, prevê pena de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco)
anos, àquele que causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação
e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990,
independentemente de sua localização.

Entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral


as Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os Parques
Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre.

A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no


interior das Unidades de Conservação de Proteção Integral será considerada
circunstância agravante para a fixação da pena. Se o crime for culposo, a pena
será reduzida à metade.

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Capítulo 8 Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98

Entende-se por Unidades de Conservação de Uso Sustentável


as Áreas de Proteção Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse
Ecológico, as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas, as
Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e
as Reservas Particulares do Patrimônio Natural.

A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior


das Unidades de Conservação de Uso Sustentável será considerada circunstância
agravante para a fixação da pena.

Provocar incêndio em mata ou floresta também é conduta punida pela lei


de crimes ambientais, bem como fabricar, vender, transportar ou soltar balões
que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em
áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano.

Tem-se como lesivo ao meio ambiente, punido criminalmente: a) extrair de


florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem
prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais; b) cortar ou
transformar em carvão madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público,
para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração, econômica
ou não, em desacordo com as determinações legais; c) receber ou adquirir, para
fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem
vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade
competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final
beneficiamento. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em
depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem
vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento,
outorgada pela autoridade competente.

Ainda, temos o crime de impedir ou dificultar a regeneração natural de


florestas e demais formas de vegetação; e destruir, danificar, lesar ou maltratar,
por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou
em propriedade privada alheia; destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas
ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial
preservação.

Pune-se, também, desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta,


plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização
do órgão competente. Não é crime a conduta praticada quando necessária à

197
Direito Penal II - Parte Especial

subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família. Se a área explorada


for superior a 1.000 ha (mil hectares), a pena será aumentada de 1 (um) ano por
milhar de hectare.

Comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de


vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente, caracteriza crime
punido com pena de três meses a um ano e multa.

No mesmo sentido, pune-se a conduta de penetrar em Unidades de


Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios para caça ou
para exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem licença da autoridade
competente.

Nos crimes previstos na sessão II, da Lei 9.605/98, a pena é aumentada de


um sexto a um terço se: I - do fato resulta a diminuição de águas naturais, a
erosão do solo ou a modificação do regime climático; II - o crime é cometido: a)
no período de queda das sementes; b) no período de formação de vegetações;
c) contra espécies raras ou ameaçadas de extinção, ainda que a ameaça ocorra
somente no local da infração; d) em época de seca ou inundação; e) durante a
noite, em domingo ou feriado.

Atividade de Estudos:

1) As pessoas jurídicas respondem penalmente pelas condutas


e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

( ) Verdadeiro. ( ) Falso.

Algumas Considerações
A Lei de Crimes Ambientais é um poderoso instrumento para proteção dos
recursos naturais e da biodiversidade, com dispositivos próprios e inovadores para
responsabilização civil, criminal e administrativa de pessoas físicas e jurídicas que
atentem contra o meio ambiente.

A responsabilidade penal da pessoa jurídica é o grande divisor de águas


da lei penal ambiental, objeto de grande divergência doutrinária, ao que admitir
198
Capítulo 8 Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98

a responsabilização do ente ficto, desprovido de vontade – dolo, desvirtua, em


tese, todo o desenvolvimento da teoria geral do crime, notadamente quanto a
seus elementos.

O legislador, muitas vezes inconsequente, edita leis desprovido de qualquer


critério teórico acerca das questões jurídicas, cabendo ao operador do direito
sobrepesar os aspectos técnicos para correta aplicação da Lei Penal, seja no
campo do direito ambiental ou em qualquer área do conhecimento jurídico!

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 3 ed. São Paulo: Ed.
Saraiva, 2009. v. 4

BRASIL. Lei n. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções


penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/
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BRASIL. Decreto-Lei No 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>.
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