Você está na página 1de 42

FIL O S O FIA P O LÍTIC A

C O NTEMPO RÂN EA
Uma introdução

W ill Kymlicka

T ra d u ç ã o
L U ÍS C A R L O S B O R G E S

R e visã o d a tra d u ç ã o
M A R Y L E N E P IN T O M IC H A E L

M a rtin s Fontes
S ão P a ulo 2 0 0 6
E sta o bra f o i p u b lic a d a o rig in a lm e n te em in g lé s corn o títu lo
C O N T E M P O R A R Y P O L IT IC A L P H IL O S O P H Y - A N IN T R O D U C T IO N
p o r O x fo rd U n iv e rs ity P re ss.
C o p y rig h t © W ill K y m lic k a .
C o p y rig h t © 2 0 0 6 , L iv ra ria M a rtin s F onte s E d ito ra L td a .,
São P a u lo , p a ra a pre s e nte e diçã o.

1* edição 2006

Tradução
L U ÍS C A R L O S B O R G E S

R evisão da tradução
M a ry le n e P in to M ic h a e l
A com pa nh am e nto e d ito ria l
L u z ia A p a re cid a dos S a ntos
R evisões grá fic a s
M a u ro de B arro s
D a n ie la L im a A lv a re s
D iñ a rte Z o rz a n e lli da S ilv a
Produção grá fic a
G era ldo A lv e s
P agin a çã o/F otolitos
S tu d io 3 D e s e n vo lvim e n to E d ito ria l

D ados Intern a cion ais de C atalogação na Publicação (CIP)


(C âmara B ra sileira do L ivro , SP, Bra sil)

K ym lick a , W ill
F ilosofia p olític a contemporâne a : um a introduç ã o / W ill
K y m lic k a ; tra dução Luís C arlos B orges; re visã o da tra dução
M aryle n e P into M icha el. - São P a u lo : M a rtin s F ontes, 2006.
- (Justiça e d ire ito )

T ítu lo o rig in a l: C onte m porary p o litic a l p hilo sop h y : an


in tro d u ctio n .
B ibliogra fía .
IS B N 85-336-2255-4

1. P olític a - F ilosofia 2. P olític a - H istória - S éculo 20 I. Tí


tu lo . II. Série.

06-1755____________________________________ C D D-320.50904
ín dic e s p ara catálogo siste m á tico:
1. F ilosofia p olític a contemporâne a : S éculo 20 :
H istória 320.50904

Todos os d ire ito s desta edição p ara o B ra s il reservados à


Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
R ua C ons e lh e iro R a m alho, 330 01325-000 São P a ulo S P B ra s il
T el. (1 1) 3241.3677 F a x (1 1) 3101.1042
e -m a il: info @ m a rtin sfo nte s.co m .br http:IJ z tm n o .m a rtinsfonte s.com .br
ÍN D IC E

1. In tro d u ç ã o ............................................................... 1
2. U tilit a ris m o ............................................................. 11
3. A igu a ld a d e lib e r a l.................................................. 1x3
4. O lib e rta ris m o ......................................................... "119
5. O m a rxis m o ............................................................. *203
6. O c o m u n ita ris m o .................................................... *253
7. O fe m in is m o ............................................................ '3 0 3

B ib lio gra fia .................................................................... 375


índice re m issivo.......................... 393
3. A ig u a ld a d e lib e r a l

1. O p ro je to d e R a w ls

(a) In tu icio n is m o e u tilita ris m o

N o ú ltim o c a pítulo argum e nte i que precisam os de urn a


te on a de parcelas e qüita tiv a s antes dos cálculos de utilid a d e ,
p ois h á lim ite s p ara a m a n e ira com o os in d iv íd u os pod e m
ser le g ítim a m e n te s a crifica dos p ara o b e n e ficio dos outro s.
Para tra ta r as pessoas com o igu ais, devemos prote g ê-la s em
sua posse de certos d ire ito s e lib erd a d e s. M a s que d ire ito s e
lib erd ad e s?
A m a ior p arte do que se escreveu em filo sofia polític a nos
ú ltim o s v in te anos fo i sobre esta questão. H á algum a s p e s
soas, com o vim os, que co ntin u a m a d e fe nd er o u tilita ris m o .
M a s houve u m n ítid o a b a ndono d a "v e lh a crença, em outros
tem pos a m pla m e nte a ceita, de que a lgum a form a de u tilit a
rism o, se ao m e nos conseguíssemos d e scobrir a fo nrta certa,
: ãêve captar a essência da m oralid a d e p olític a " (1 la rt, 1979: 77),
e a m a ioria dos filó so fo s p olítico s conte m porâ n e os teve es
p erança de e n co ntra r urn a a lte rn a tiv a siste m á tic a ao u tilit a
rism o . John R a wls fo i u m dos prim e iro s a a pre s e ntar ta l a l
tern ativa , no seu livro de 1971, A Theory o f Justice*. M uito s o u
tros fora m e scritos a re sp eito da n ature z a c o n tra -in tu itiv a do

* Tra d. bras. Uma teoria da justiça, São P aulo, M a rtin s F onte s, 2? ed., 2002.
64 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

u tilita ris m o . R awls, p oré m , com eça seu liv ro qu e ix a n do-s e I


de que a te oria p o lític a estava presa e ntre dois extrem os: o j
u tilita ris m o , p o r um la d o, e um a m ix órd ia in co e re n te de
id é ia s e prin c ípio s , p or o u tro la do. R a wls c h a m a /In tuiciçP f
nism o? esta segunda o piniã o , um a a bord a ge m que é pouco
m a is do que um a série de a ne dota s base adas em in tuiç õ e s
específicas a re sp e ito de questões específicas.
O in tu ic io n is m o é um a a lte rn a tiv a in s a tisfa tória ao u ti
lita ris m o , pois, e m bora re a lm e nte te nh a m os intuiçõ e s a n ti-
u tilitá ria s e m questões específicas, ta m b é m quere m os um a
te oria a lte rn a tiv a que co nfira s e ntid o a estas intuiçõ e s. Q u e
rem os um a te oria que m ostre p o r que estes e xem plos espe
cíficos suscita m nossa re prova çã o. O " in tu ic io n is m o " , p o
ré m , nunca v a i alé m dessas intuiçõ e s inicia is, ou m ais fu n d o
que esse estágio, para m o stra r com o elas estão rela ciona d as
ou para ofere cer prin cípio s que lh e s dê em base e e strutura .
R awls descreve as teorias intuicio nista s como te ndo d u a s -
características:

p rim e iro , elas são compostas de um a p lura lid a d e de prim e iro s


p rin c íp io s que p od e m e n tra r e m c o n flito p ara d a r d ire triz e s
co ntrá ria s e m tip o s espe cíficos de casos; e, se gundo, elas n ã o
in clu e m n e n h u m m é to d o e xplícito , n e n hum a re gra de p rio ri
dade, p ara com p arar o peso destes prin cípio s com o de outros:
d eve m os sim ple sm e nte co ns e guir u m e q u ilíb rio p or m e io d a l
in tu iç ã o , p o r a q u ilo que nos parece o m ais pró xim o do c e rto , f
O u, se h á re gra s de p rio rid a d e , estas são consid era d a s m a is
ou m e nos triv ia is e de n e n h u m a u tilid a d e su b sta n cia l p ara a
obte nç ã o de u m ju lg a m e n to (1971: 34).

H á m u ito s tip o s de in tu ic io n is m o que pod e m ser d is


tin g u id o s p e lo n ív e l de g e n era lid a d e dos seus prin cípio s.

O in tu ic io n is m o do senso co m u m assum e a form a de


grupos de pre c eitos u m ta n to específicos, cada gru po a plic a n
d o-s e a u m pro ble m a de ju stiç a e sp e cífico. H á u m gru p o de
pre c e ito s qu e se a plic a à qu e stã o dos s a lá rio s ju sto s, o u tro à
que stão da tributa ç ã o , o u tro a ind a à que stão da puniç ã o, e as
sim p o r d ia n te . A o ch e g ar à noç ã o de u m s a lá rio ju s to , d ig a
m os, d e v e m os e q u ilib ra r de a lg um a m a n e ira v á rio s crité rio s
A IG U A LD A D E LIB E R AL 65

riv a is, p or exem plo, as reivindica çõ e s de h a bilid a d e , tre in o , es


forço , re sp o n s a bilid a d e e os riscos do tra b a lh o , a ssim com o
le v a r em co nta a nece ssid ad e . P re sum e-s e que n in g u é m d e
cid iria com base apenas em a lg um destes pre c e ito s e deve-se
o b te r a lg um consenso e ntre eles (1971: 35).

O s v ários prin cípio s, poré m , ta m b é m pod e m ser de n a


ture z a m u ito m ais geral. A ssim , é com um qu e as pessoas fa
le m s o b r e je q q ^ ig u a ld a d e e líb e rd a d e j
ou igu ald a d e e e frriê n cim e e ste s prin c ípio s a plic ar7s e-ia m a
tod o o ã m bitõriã té ória da justiç a (197 1:3 6-7). Estas a bord a
gens in tu icio n ista s , qu e r no n ív e l de pre c e ito s e spe cíficos,
q u e r no de prin c íp io s gerais, n ã o são apenas te oric a m e nte
in s a tisfa tória s, m as ta m b é m in ú te is em que stõe s prá tic a s.
Isso porqu e n ão nos oferecem n e nhum a orie nta çã o qu a ndo j
estes pre ceitos específicos e irre d u tív e is e ntra m em c o n flito .!
C o ntu d o , é ju sta m e nte qu a ndo e ntra m em c o n flito que re
corre m os à te oria p o lític a em busca de orie nta ç ã o.
É im p orta nte , p orta n to , te n ta r estabele cer a lgum a p rio
rid a d e e ntre estes pre c e itos c o n flita n te s . E sta é a ta re fa que
R a wls se pro põ e - d e s e nvolv er um a te o ria p o lític a a bra n
g e nte , que e struture nossas dife re n te s in tuiç õ e s . E le n ão
pressupõe que existe ta l te oria , mas apenas que v a le a p ena
te n ta r d e scobrir um a:

O ra , n ã o h á n a d a intrín s e c a m e n te irra c io n a l a re s p e ito


dessa d o u trin a in tu ic io n is ta . R e alm e nte , ela pod e ser v e rd a
d eira . N ã o pod e m os d ar com o c e rto que nossos julg a m e n to s
de ju stiç a socia l sejam com ple ta m e nte d eriv a d os de p rin c í
pio s é ticos re conh e cív eis. O in tu ic io n is ta a cre dita , p e lo co n
trá rio , que a com ple xid a d e dos fa to s m ora is d e sa fia nossas
te nta tiv a s de ofere c er um a a valiaçã o com ple ta de nossos ju l
g am entos e necessita de um a p lura lid a d e de prin c íp io s riv a is.
Ríe sustenta que te n ta tiv a s d e ir- a lé m déstes. prin c íp io s ou re -
* duz e m ao triv ia l - com o q u a ndo se diz_qu e j u s tiça soria Lé .dar
~ a cada hom e m o que lh e é d e vido - ou, e ntã o, le y a m à fa lsid a -
de e à sim p lific a ç ã o excessiva - com o qu a nd o solu cion a m os
" tu d o p o r m eio do p rin c íp io de u tilid a d e . P orta nto , a ú nic a m a
n e ira de co nte sta r o in tu ic io n is m o é e xpor os crité rio s é ticos
re conh e cív eis que dão conta dos pesos que, em nossos co n-
66 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

ceitu a dos julg a m e nto s, consid era m os ser a d e qu ado c o n fe rir


à p lu ra lid a d e de p rin c íp io s . U m a re futa ç ã o do in tu ic io n is m o
co nsiste e m a pre s e ntar o tip o de crité rio s c o n stru tiv o s que
diz e m ser in e xiste n te (1971: 39).
I
R awls, então, tem certa im p ortâ n cia históric a no e ncer
ra m e nto do impasse e ntre in tu ic io n is m o e u tilita ris m o . Sua
te oria , p oré m , é im p orta n te p or o utra ra z ão. Sua te oria d o
m in a o ca m po, n ã o no s e ntido de e stabelecer concord â ncia ,
p ois p ouquíssim as p e ssoas concord a m com ela tota lm e n te ,
m as n o s e n tid o de qu e os te órico s p o ste riore s se d e fin ira m
èrh oposiç ã o a R a wls. E les e xplic a m sua te oria co n tra sta n
d o-a com a te oria de R awls. N ã o conse guirem os com pre e n
d e r o tra b a lh o p o s te rior sobre ju stiç a se n ã o com pre e n d er
mos R awls.

(b) Os prin c ípio s de ju s tiç a

A o e xpor as id é ia s de R awls, a pre se ntare i p rim e iro sua


resposta à questão da justiç a e, então, d iscu tire i os dois argu
m e ntos que ele oferece p ara esta resposta. Sua "concepçã o
g eral de ju s tiç a " é com posta de um a id é ia c e ntra l: "to d o s os
b ens prim á rio s sociais - lib e rd a d e e o p ortu nid a d e , re nd a e
. riqu e z a , e as bases do re sp eito de si m esmo - devem ser d is
trib u íd o s igu a lm e nte , a m enos que um a distribuiç ã o desigual
de q u a lq u er u m ou de todos estes, b e ns s e ja v a nta jos a p a ra
'o s m enos fa vore cidos" (1971: 303). N essa "concepção g era l",
R awls vin c u la a id é ia de ju stiç a a um a p arcela ig u a l de bens
sociais, m as acrescenta um a im p orta n te m odific a ç ã o. Trata|<
mos as pessoas com o igu a is n ão re m ov e ndo tod a s as desi
gualdades, m as apenas as que tra z e m desvantagem para a l-|
guém. Se certas desigualdades b e n e ficiare m tod o o m u n d o j
ao e xtraíre m ta le ntos e energias socialm e nte úte is, e ntã o elas
serão a c e itá v e is p ara to d o o m u n d o . Se d a r a a lgu é m m ais
d in h e iro do que te n h o prom ov e m eus interesses, e ntã o a
ig u a l consideração p elos m eus interesses sugere que eu p e r
m ita esta d e sigu alda d e em ve z de p ro ib i-la . .As d e sigu álela-
A IG U A LD A D E LIB E R AL 67

des são p e rm itid a s se a um e nta m m in h a p arcela in ic ia lm e n-


te igu al, mas não são p erm itid a s se, como no u tilita ris m o , elas
'Inv a d e m a m in h a p a rc e la jg ü ita tiv a . Ê s ta é a jin ic a e .s im p le s
J d é ia n o am ago da te o ria de. R a wls.
C o n tu d o , esta concepção g eral a in d a n ã o é um a te oria
de ju stiç a com pleta , pois os vários bens que estão sendo d is
trib u íd o s s e gundo este p rin c íp io pod e m e star em c o n flito .
Por e x e m plo, pod ería m os co n s e g uir a um e n ta r a re n d a de
um a pessoa priv a n d o-a de suas lib erd a d e s básicas. E sta d is
trib uiç ã o desigu al de lib erd a d e favorece os que estão em p io r
situ açã o de certa m a n e ira (re nd a), m as de o utra não (lib e r
dade). E se um a d istrib uiç ã o d e sigu a l de re nd a ben eficia sse
tod o o m u n d o em term os de re nda , m as criasse um a d e si
guald a de de o p ortu nid a d e que fosse d esva ntajosa para
aqueles com m enos renda? Essa m e lhora da re nda tra z des
vantagens com re sp e ito à lib e rd a d e ou à o p ortu nid a d e ? A
concepção g eral d eixa estas que stõe s sem solução e, p o r
ta n to , n ã o re solve o proble m a que to m o u in ú te is as teorias
intuicionista s.
Precisam os de u m siste m a de priorid a d e e ntre os d ife
re nte s e le m e ntos da te oria . A solução de R awls é d e com por
a concepção g eral em três p arte s, que são ordenadas se gun
do um p rin c íp io de "p riorid a d e lé xic a ".

P rim e iro p rin c íp io - C ada n e sso a ..d e v e .t£r-.ux a .dire ito


ig u a l ao siste m a to ta l m ais.exteoso de jib erd a d e s.b á sic a s com
p a tív e is com u m siste m a de lib e rd a d e s im ila r p ara to d o s.
S e gundo p rin c íp io - A s d e sig u a ld a d e sso cia is e-e conô-
m ic a s d e v e m ser ord e n a d a s de m od o que sejam:
(a) para o m a ior b enefício dos que tê m m enos vantagens, e
(b) y íh cüra d a s a cargos e posiçõ e s a b e rto s a to d o s sob
condiçõ es de igu a ld a d e de o p ortu n id a d e e qüita tiv a s.
P rim e ira re gra de p riorid a d e (priorid a d e da lib e rd a d e ) -
O s p rin c íp io s da ju stiç a d eve m ser h ie ra rq u iz a d o s n a ord e m
' léxica e, p orta n to , a IíS erdâde so pod e' ser re strin g id a e m nom e
d a lib e rd a d e .
S egunda re gra de p riorid a d e (priorid a d e d a ju stiç a ante
a e ficiê ncia e o b e m -e star) - O segun d o p rin c ip io .d e ju stiç a é
lé xic a m e nte su p e rior ao p rin cípio de e ficiê ncia e ao p rin cípio
68 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

de m a xim iz a r a som a das v a nta g e ns, e a o p ortu n id a d e e q u i


ta tiv a é a n te rio r ao p rin c íp io d a difere n ç a (1971: 302-3).

Estes prin cípio s form a m a "conce pçã o e sp e cia l" de ju s


tiç a e buscam forn e c e r a orie nta ç ã o siste m á tic a que o in tu i-
cionism o n ão pôd e nos dar. S egundo estes prin cípio s, alguns
bens sociais são m ais im p orta nte s do que outros e, p orta nto ,
n ão pod e m ser sacrificados para m e lh ora r outros bens. A s li
berdades igu a is tê m pre ced ê ncia sobre a ig u a l o portunid a d e ,
que te m precedência sobre os recursos igu ais. C ontudo, d e n
tro de cada c a te goria , p erm a ne ce a id é ia sim ple s de R awls -
um a d e sigu a ld a d e só é p e rm itid a se b e n e ficia os que se e n
co ntra m em p io r situ a çã o. P orta nto, as regras de priorid a d e
não afetam o prin c ípio básico de parcelas e qüitativa s que p e rj
m anece em cada c a te goria . I
E stes d ois prin c íp io s são a re sposta de R a wls à questão
da justiça . A in d a n ão vim os, poré m , seus argum e ntos a fa vor
d ela. N e ste c a p ítulo , co n c e n tra r-m e -e i nos argum e ntos de
R awls a fa vor do se gundo prin c íp io - que ele ch a m a ,"princÍ7
p io d a dife re n ç a " - , que govern a a d istrib u iç ã o dos recursos
econômicos. N ã o d iscu tire i o prin c íp io de lib erd a d e n e m p or
que R awls dá priorid a d e a ele, até ca pítulos posteriore s. C on
tu d o , é im p orta n te observar que R awls n ão está endossando
u m p rin c íp io g era l de lib e rd a d e de ta l m o d o que q u a lq u e r
coisa que possa ser pla usiv e lm e nte cham ada lib erd a d e deva
re ce b er p riorid a d e avassaladora. M a is pro pria m e n te , ele
está d a ndo prote ç ã o e spe cial ao que cham a de "lib e rd a d e s
b ásicas", te rm o que usa para d e sign ar os dire itos-p a drã o c i
vis e p olític o s re conh e cidos nas d em ocracia s lib e ra is - o d i
re ito de votar, de concorrer a cargos públicos, de te r u m d e vi
do processo a d e qu a do, de liv re discurso, de m o b ilid a d e
etc. (1971: 61). E stes d ire ito s são m u ito im p orta n te s p ara o
lib e ra lism o - n a verd ad e , u nia m a n e ira de d is tin g u ir o lib e
ra lism o é sim ple sm e nte o fa to de que ele da priorid a d e às li;
berda d es básicas.
C ontudo, a suposição de que os d ire ito s civis e p o litic o s '!
devem te r priorid a d e é a m pla m e nte com p a rtilh a d a em n o s -|
sa sociedade. C om o re sulta do, as disputa s e ntre R awls e seus i
A IG U A LD A D E LIB E R AL 69

críticos te nd era m a ser sobre outra s questões. A id é ia de q ue


as pessoas d e ve m te r suas lib e rd a d e s b ásicas p ro te g id a s é
a p arte m e nos conte nciosa de sua te oria . M in h a re je içã o do
u tilita ris m o , p oré m , ta m b é m fo i base ada na n ecessidade
de um a te oria de parcelas e qüita tiv a s de recursos e co n ô m i
cos e isso é m a is c o n tro v e rtid o . A lg um a s pessoas re je ita m
a id é ia de um a te o ria de p arcela s e q ü ita tiv a s dos re cursos
e conôm icos, e as que a a ceita m tê m id é ia s m u ito difere nte s
sobre que form a ta l te oria deve a ssumir. Esta questão de dis-^
trib uiç ã o de recursos é ce ntra l para o d e sloca m e nto do u tili
tarism o para as outra s te oria s de ju stiç a que e xam inare m os.
P orta nto, co nc e ntrar-m e -e i na descrição de R awls do p rin c í
p io de difere nça .
R a wls te m dois argum e ntos a fa vor dos seus prin c ípio s
de ju stiç a . U m é contra star-su a .te oria com o que ele co nsi-
dera ser a id e olo gia pre v a kc e n.te n o .q ue se refere, à ..justiça ,
distn B utiv a - a saber, qjd e a l da ig u a ld a 5 ê ^te ^ o rti5 u 3 ã 3 ^ .
Ele argum enta que sua te oria ajusta-se m e lhor a nossas con-
ceituadas intuiçõ e s consideradas q u a nto à ju stiç a , e que isso
ofere ce um a e spe cifica çã o m e lh or dos p ró p rio s id e a is de
e qüid a d e a que a id e o lo g ia pre v a le c e nte re corre , O s e gun
do a rg u m e n to é b e m dife re n te . R a wls a rg um e nta que seus
p rin c ip io s de ju stiç a são sup e riore s p o iq u e são o re sulta d o
de u m c o n tra to socia l h ip o té tic o |E le a firm a que se as p e s
soas, em u m tip o de e stado pré -so cia l, tiv e ss e m de d e cid ir
qu a is prin c íp io s d e v eria m gov ern ar sua sociedade, e scolh e
ria m estes prin c íp io s . C ada pessoa nr. q iw H enrm ai-
n a "p o siç ã o te m um ..int£re^ ra cio n a l .em a dotar: .
os p n n c ip io s ra w lsia n o s para o g ov erno d a-coop eraçã o so
c ia l. E ste s e gundo arg um e nto fo i o que m a is recebeu a te n
ção crític a e é o a rg um e nto p e lo q u a l R a wls é m a is fa m o
so. N ã o é, p oré m , u m a rg um e nto fá c il de ser in te rpre ta d o
e pod e m os m a n e já -lo m e lh or se com eçarmos com o p rim e i
ro a rg um e nto 1.

1. R a wls t e m v á rios a rg u m e nto s subsidiá rio s a fa v or d e seus dois p rin c í


p io s de ju stiç a . P or e x e m plo, R a wls d iz qu e seus prin c íp io s c u m pre m as e xi-
70 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

2. O a rg u m e n to in t u itiv o d a ig u a ld a d e d e o p o rtu n id a d e

A ju s tific a tiv a pre vale çe nte para a d istrib uiç ã o e conô


m ic a em nossa sociedade baseia-se n a id é ia ,d e "ig u a ld a d e
fie op ortu n id a d e ". A s desigualdades de re nda e pre stígio etc.
são tid a s com o ju stific a d a s se, e apenas se, h ou v e r co m p e ti
ção e quita tiv a na a tribuiç ã o dos cargos e posições que pro d u
z em estes ben efícios. É a ceitá vel p a g ar a algu é m um salário
de U S$ 100.000 qu a ndo a m é dia n a cion a l é U S$ 20.000 se
h ouv er igu ald a d e e qüita tiv a de o portunid a d e - isto é, se n in
gu é m e stiv er em d esva nta g em p or causa de sua raça, sexo
ou h is tóric o socia l. T al re nd a d e sigu a l é ju sta in d e p e n d e n
te m e nte de se b en eficiarem ou não dessa desigualdade a qu e
le s que se e ncontra m em situação m e nos fa vorá vel. (Isso é o
que M a ckie q u e ria d iz e r com " d ir e ito a um a o p ortu nid a d e
ju s ta " - v e r cap. 2, seção 5b acim a.)
Isso está em c o n flito com a te oria de R awls, pois, e m b o-|
ra R a wls ta m b é m e xija a igu a ld a d e de o p ortu nid a d e na dis
trib u iç ã o de posiçõe s, ele n eg a que as pessoas que pre e n -f
ch em as posiçõ e s te n h a m , com isso, d ire ito a um a p arc e la r
m a ior dos recursos da socie da d e. U m a sociedade ra w ls ia n a j
pod e p a g ar a ta is pessoas m ais do que a m é dia , m as ape n as
se isso b e n eficia todos os m e m bros da sociedade. Sob o p rin
cípio da difere n ç a , as pessoas só p o d e m te r d ire ito a um a
p arcela m a ior dos recursos se pud ere m d e m onstrar que isso
b e n e ficia os que tê m p arcelas m enores.
Por que a id e olo g ia da ig u a l o p ortu nid a d e parece ju sta
para ta nta s pessoas n a nossa sociedade? Porque ela assegu-

gê ncia s de " p u b lic id a d e " (R awls, 1971: 133) e " e s t a b ilid a d e " (1971: 176-82)
m ais p le n a m e n t e d o qu e outra s de scrições de ju stiç a . O s prin c íp io s d e ju stiç a
d e v e m ser p u b lic a m e n t e conh e cidos e f a cilm e n t e a plic a dos, e a p erc e pç ã o de
ju stiç a corre sp o n d e nte deve ser e stá v el e re forç a r a si m e sm a (p or e x e m plo , as
" te n sõ e s d o c o m pro m is s o " n ã o d e v e m ser m u ito gra nd e s). R a wls às ve z es dá
co n sid e rá v e l peso a ta is a rg u m e nto s ao d e fe n d e r su a te oria , m a s eles, p o r si,
n ã o g era m u m a te oria de ju stiç a d e te rm in a d a e, p ort a n to , são su bsid iá rio s aos
dois prim e iro s a rg u m e n to s qu e dis cuto. P ara u m re s u m o dos a rg u m e nto s
subsidiá rio s, v e r P a re kh (198 2:1 6 1-2).
A IG U A LD A D E LIB E R AL 71

ra que o d e stin o das pessoas seja d e te rm in a d o m a is p elas


suas escolhas que pelas suas circunstâ ncia s. Se e stou b u s
ca ndo s a tisfa z e r um a a m biç ã o p esso al e m um a socie da d e
quê oferece a lg u a ld a d e de oportu nid a d e , e ntã o, m eu suces
so ou fracasso será d e term in a do p or m eu d ese m p e nho, não
p o r m in h a raça, classe ou sexo¡ E m um a socie d a d e n a qu a l
nin gu é m é privile g ia d o nem d esfavorecido p or suas circuns
tância s sociais, o sucesso (ou fracasso) das pessoas será o re
sulta do de suas pró pria s escolhas e esforços. P orta nto, q u a l
qu er sucesso que consiga m os é antes "g a n h o p o r tra b a lh o "
que m era m e nte conce dido a nós. E m umas.Q CÍedade em que
existe a igu a ld a d e de o p ortu n id a de, os prov e ntps d esigu ais
são ju stos porqu e o sucesso é " m e re c id o Ç v a i para aqueles
que o /íflié re c e m ^
A s pessoas discord a m q u a nto ao que é nece ssário para
assegurar a ju sta igu a ld a d e de o p ortu nid a d e . A lg um a s p e s
soas a cre dita m que a n ã o-d is crim in a ç ã o n a educação e no
e m pre go são suficie nte s. O utra s argum e nta m que são n e
cessários progra m a s de ação e fe tivo s p ara os grupos e conô
m ic a e c u ltura lm e n te d e sfa vore cidos, p ara que seus m e m
bros te n h a m um a o p ortu nid a d e v e rd a d e ira m e nte ig u a l de
co ns e g uir as classificações necessárias p ara o sucesso eco
n ôm ico. C o n tu d o , p id é ia m otiv a d ora c e n tra l e m cada caso
é esta: é ju sto que os in divíd u o s te nh a m parcelas desiguais
dos bens sociais se estas d esigu ald a d e s fore m ganhas e m e
re cid a s p e lo in d iv íd u o , isto é, se são o p ro d u to das.açpes e
escolh a s d o in d iv id u é . É i n ju sto, p oré m , qu e os in d iv íd u o s
sejam desfavorecidos ou privile gia do s p or diferenças a rb itrá
ria s e im ere cid a s nas suas circunstâ ncia s sociais.
R a wls re conh e ce a a tra çã o dessa vis ã o. M a s h á o u tra
fo n te de d e sigu a ld a d e im e re cid a que ela ig n ora . É v erd a d e
que as desigualdades sociais são im ere cid a s e, p orta n to , é in
ju s to que o d e stin o de a lgu é m possa ser p io r d e vid o a esta
desigualdade i m e r e c i p o r é m ,

m erece nascer d e ficie nte ou com u m Q I de 140, n ã o m ais do


que m erece n ascer p erte nc e ndo a certa classe, sexo ou raça.
72 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

Se é in ju s to que o d e stin o das pessoas seja in flu e n cia d o p or


estes ú ltim o s fatore s, e ntã o, n ã o fic a claro p or que a m esm a
inju stiç a não está igu a lm e nte presente qu a ndo o d e stino das
pessoas é d e te rm in a d o p e los p rim e iro s fa tore s. A in ju stiç a ^
em cada caso é a m esm a - parcelas d istrib u tiv a s n ão devemí;
ser in flu e n cia d a s p o r fa tore s que , do p o n to de vista m o r a lj
são a rb itrá rio s . O s ta le n to s n a tura is e as circunstâ ncia s so-lf
ciais são questões de sorte bru ta e os dire ito s m orais das pes
soas n ão d eve m d e p e nd er de sorte bruta .
P orta nto, o id e a l pre v ale c e nte de ig u a ld a d e de o p o rtu
nid a d e é "in s tá v e l" , p ois "v is to que somos p erturb a dos pela
in flu ê n cia de conting ê ncia s sociais ou p e lo acaso n a tura l na
d etermina çã o das parcelas distrib utiv a s, é in e vitá v e l, p or con
seqüência, sermos incom od a dos p ela influ ê n cia do outro . D e
um p o n to de vista m ora l, as duas p arece m ig u a lm e nte a rb i
trá ria s " (1971: 74-5). N a verd ad e , D w o rk in d iz que o caráter
im e re cid o dos bens n a tura is torn a a visã o pre vale ce nte não
ta nto instá v e l mas "fra u d ule n ta " (D w orkin , 1985: 207). A v i-
são pre vale ce nte sugere que x e m ov er as d e sigu ald a d e s s q - '
cia is dá a cada pessoa um a o p ortu nid a d e ig u a l de a d q u irir
b e n e fícios sociais e, p orta n to , sugere que qu a isqu er d ife re n
ças de re nd a e ntre in d iv íd u o s são obtid a s p e lo tra b a lh o , o
pro d u to do e sforço ou das escolhas das pessoas. Ò s n a tura l
m e nte d eficie nte s, poré m , n ã o tê m um a o p ortu nid a d e ig u a l
de a d q u irir b e n e fícios sociais e sua fa lta de sucesso n ã o te m
n e nhum a relação com suas escolhas ou esforço. Se estamos
g e nuin a m e nte interessados em re m ov er desigualdades im e
recidas, então, a visã o pre vale ce nte de igu a ld a d e de o p o rtu
nid a d e s é in a d e qu a d a .
A id é ia a tra e nte na base da visã o pre vale ce nte é que o
d e stin o das pessoas deve ser d e te rm in a d o p elas suas esco
lh a s - pelas decisões que tom a m a re sp e ito de com o co n d u
z ir suas vid a s - , não pelas circunstância s em que p or acaso
estejam. A visã o pre vale ce nte , p oré m , só reconhece d ife re n
ças nas circunstâncias sociais, ao m esmo te m po em que ig n o
ra difere nça s nos ta le n to s n a tura is (ou os tra ta com o se fo s
sem um a de nossas escolhas). E ste é u m lim ite a rb itrá rio à
a plicaçã o de sua pró pria in tu iç ã o c e ntra l.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 73

C om o devemos tra ta r as difere nça s nos ta le nto s n a tu


rais? A lgum a s pessoas, te ndo considera do os p arale los e ntre
a d e sigu ald a d e social e a d e sigu ald a d e n a tu ra l, supõ e m que
nin g u é m deve b e n e ficiar-se de suas d e sigu alda d es n a tura is.
M as, com o d iz R awls, em bora

n in g u é m m ereça sua m a ior ca pacidade n a tu ra l n e m m ereça


um p o n to de p a rtid a m ais fa vorá v e l n a sociedade [...] n ã o d e
corre d a í que algu é m deva e lim in a r estas distin çõ e s. H á o u tra
m a n e ira de lid a r com elas. A e stru tu ra básica pod e ser o rd e
n a d a de m a n e ira que estas co ntin g ê ncia s op ere m p ara o b e m
dos m enos a fortun a dos. P orta nto , somos le va dos ao p rin c íp io
da d ife re n ç a se d e seja m os e sta b ele c er o siste m a so cia l d e ta l
m a n eira que nin gu é m ganhe n e m p erca com seu lu g a r a rb itrá
rio na d istrib u iç ã o dos b ens n a tura is ou n a sua posiçã o in ic ia l
n a socie d a d e , sem d a r n e m re c e b er v a nta g e n s com p e n s a tó
ria s em tro c a (1971:102).

E m bora nin g u é m deva s o fre r p e la in flu ê n c ia de d e si


gu a ld a d e s n a tura is im ere cid a s, pod e h a v er casos em que
todos se b e n e ficie m ao p e rm itir ta l influ ê n cia . N in g u é m m e
rece b en eficiar-se de seus ta le ntos n atura is, mas n ã o é in ju s to
p e rm itir ta is b e n e fícios q u a ndo eles op era m p ara o p ro v e i
to dos que fora m m e nos a fortu n a d o s-s a -flo te ria n a tu ra l" . B
isso é ju sta m e nte o que o p rin c íp io da difere nç a diz .
E ste é o p rim e iro a rg um e nto de R a wls a fa vor de sua
te oria das parcelas e qüita tiv a s. Sob a visã o pre vale ce nte , as
pessoas talentosas pod e m esperar n a tura lm e nte re nda m aior.
M as, com o os que são ta le ntosos n ão m ere ce m suas v a n ta
gens, suas e xp e ctativa s m a is elevadas "s ã o justa s se, e a p e
nas se, elas fu n cio n a re m com o p a rte de u m esqu e m a que
m e lh ora as e xpe ctativa s dos m e m bros m e nos fa vore cidos
da socie d a d e " (1971: 75). P orta nto, chegam os ao prin c íp io!
da difere nç a a p a rtir de um exam e da vis ã o pre vale ce nte de;
ig u a ld a d e de o p ortu nid a d e . C om o coloca R awls, "u m a ve z1 *
que te nte m o s e n co ntra r um a re trib u iç ã o [d a id é ia de ig u a l
dade de o portunid a d e] que tra te todos igu a lm e nte com o pes
soas m orais e que n ão pese a p arcela dos hom ens,, dos bene,-
74 FIL O S O FIA P O LITIC A C O N T E M P O R Á N F A

fictos e fardos da coop era ção socia l, se gundo a fortu n a so


cia l ou a sorte na lo te ria n a tura l, fic a claro que o [prin c ip io da
difere nç a] é a m e lh or escolha e ntre as L J possib ilid a d e s "
(1971: 75)
E ste é o p rim e iro argum e nto. Penso que a premissa bá
sica do argum e nto está correta. A visã o prevalecente de ig u a l
dade de o p ortu nid a d e é in stá v e l e d evem os re conh e cer que
nosso lu g a r n a d is trib u iç ã o dos ta le n to s n a tura is é m o ra l
m e nte a rb itrá ria . A conclusã o, p oré m , n ã o é in te ira m e n te
corre ta . D o fa to de que as d esigu ald a d e s n a tura is e so cia ig
são a rbitrá ria s p o d e ria d e correr que estes tip o s de d e sigu a l)!
dades só d eviam influ e n cia r a distrib uiç ã o qu a ndo isso b e n e ij
ficiasse os m e nos fa vore cidos. M as o p rin c íp io da difere nçqj
diz que todas as d esigu alda d es devem op erar p ara o b e n e fí
cio dos m e nos fa vore cidos. E se eu n ã o n asci em u m gru po
socia l p riv ile g ia d o n e m n a sci com qu a isq u er ta le n to s espe
ciais e, co ntu d o , p elas m in h a s escolhas e e sforço, conse gui
a ssegurar pro v e n to s m a iore s do que os dos outros? N a d a
n e ste a rg u m e n to e xplic a p o r que o p rin c íp io da d ife rença
se a plica a tod a s as desigualdades em v e z de a plicar-sè ape-
nas às d esigu alda d es que se origin a m de fatore s m ora lm e n-
te a rb itrá rio s . R e torn a re i a este p o n to d e p ois de e x a m in a r
o se gundo argum e nto.

3. O a rg u m e n to d o c o n tra to s o c ia l

R a wls consid era o p rim e iro a rg um e nto a fa v or de seus


prin c ípio s de ju stiç a m e nos im p orta n te que o se gundo. Seu
p rin c ip a l a rg um e nto é u m arg um e nto de "c o n tra to so cia l",
u m argum e nto sobre que tip o de m ora lid a d e p o lític a as pes
soas e scolh eria m se e stivessem e stabelecendo a sociedade a
p a rtir de u m a "p o siçã o o rig in a l" . G om o d iz R awls a re sp e ito
do a rg um e ntó qüè acabámos de e xa m in ar:

n e nhum a das observações precedentes [a re sp eito da igu ald ad e


de oportu nid a d e ] é argum e nto a fa vor dessa concepção [de ju s
tiç a ], já que e m um a te oria de c o n tra to to d o s os argum e ntos.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 75

e strita m e n te fa la n d o , d e v e m ser co n stru íd o s e m fu n ç ã o do


qu e seria ra cion a l e scolh er na posição o rig in a l. A q u i, poré m ,
m e u intere ss e é pre p a ra r o c a m in h o p ara a in te rpre ta ç ã o fa
v o rita dos d ois prin cípio s de ju stiç a , de m a n e ira que estes c ri
té rio s, e spe cialm e nte o [p rin c íp io da difere n ç a], n ão pareçam
m u ito e xcêntricos ou biz a rro s ao le ito r (1971: 75).

P orta nto, R a wls concebe seu p rim e iro argum e n to in tu i-


tivo sim plesm ente como algo que prepara o fund a m e nto para

c ia i; Esta é um a e straté gia in co m um , p ois os argum e ntos de


co ntra to social g eralm e nte são tid o s com o fracos e R awls p a
rece e star re le g a ndo u m a rg um e nto ra z o a v e lm e nte fo rte a
um p a p e l coadjuva nte , in fe rio r ao do argum e nto do contra to
social, m ais fra co.
Por que os argum entos de contra to social são tid o s como

pla usíveis. Pedem que im a gin e m os u m e stado de n ature z a ,


a nte rior a qu a lqu er a utorid a d e p olític a . C ada pessoa está so-j
zinh a , n o s e ntid o de que n ão há n e n h um a a utorid a d e sup e-í
rio r com o p o d e r de e xig ir sua ob e diê ncia ou com a re sp o n- j
s a bilid a d e de prote g er seus interesse s ou posses. A que stão {
é com que tip o de co ntra to concord aria m ta is in divíd u o s, no
estado de n ature z a , no que d iz re sp e ito ao e sta b ele cim e nto
de um a a utorid a d e p o lític a que tive sse ta is pod ere s e re s
ponsa bilid a d e s? U m a ve z que saibam os qu a is são os term o s
do c o n trato, sabercm òs o qüé^~o'govem o-S e£á.Q brigado.aJá,r
z er e o que os cidadãos serão obrig a dos a obedecer.
D ifere nte s teóricos usaram esta técnica - Hobbes, L o ck e l
K a nt, Rousseau - e apresentaram difere nte s respostas. Todos,!
p oré m , e stiv era m suje ito s à m e sm a crític a - a saber, q u e
n unc a houv e t a l e stado de n a ture z a nem ta l co ntra to . P or
ta n to , n e m cidadãos n e m governo são obrig a dos p or ele. O s
co ntra to s só cria m obriga çõ es se h o u v e r e fe tiv a concord â n
cia com eles. Podemos diz e r que certa concord â ncia é o con
tra to que as pessoas te ria m assinado em u m estado de n a tu
re z a e, p orta n to , é um co ntra to h ip o té tic o . C o ntu d o, com o
d iz D w o rk in , " uma concord
76 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

jn e n t e .u tm form a p á lid a de um co ntra to e fe tivo; n ão.é abso


luta m e nte co ntra to n e n h u m " (D w orkin , 1977:151) . A id é ia
de que somos obrig a dos p e lo contra to que teríam os aceitado
em u m estado de n ature z a sugere que

p orqu e u m h om e m te ria co n s e ntid o c ertos p rin c íp io s , se lh e


tive ssem p e d id o de a nte m ã o, é ju sto a plic a r estes prin c íp io s a
ele d e p ois, q u a n d o , sob d ife re n te s circu n stâ n cia s, ele n ã o
cons e nte . E ste, p oré m , é u m a rg u m e n to ru im . S uponh a que
eu n ã o conhecesse o v a lo r de m in h a p in tu ra n a s e g u n d a -fe i
ra; se você tiv e ss e m e ofe re cid o U S $ 100 p o r ela, e ntã o, eu
te ria a c e ita d o . N a te rç a -fe ira , d e scubro qu e é v a lio s a . V ocê
n ã o p od e a rg u m e n ta r que seria ju s to os trib u n a is m e o b ri
g arem a v e n d ê -la a você p o r U S $ 100, n a q u a rta -fe ira . Posso
te r tid o sorte de você não te r m e p e rgu nta d o se eu q u e ria v e n-
d ê -la n a s e g u n d a -fe ira , m as isso n ã o ju s tific a um a co erção
co ntra m im d e pois (D w o rk in , 1 977:152).

A ssim , a id é ia de u m c o ntra to socia l parece h is toric a


m e nte a bsurd a (se fo r base ada e m u m a cordo e fe tiv o) ou
m ora lm e nte in sig nific a n te (se fo r baseada em u m acordo h i
p oté tico).
C o ntu d o, com o observa D w o rk in , h á o utra m a n e ira de
in te rpre ta r os argum e ntos de co ntra to social. D evem os p e n
sar n o co ntra to n ão prim a ria m e n te com o u m acordo, e fetivo
ou h ip o té tic o , m as com o u m disp Q SÍíiva.p.ara.extra ir as im-
BÍÍ£a.£Q£S~dex^^
m ora l das pessoas. Invoca m os a id é ia de u m estado de n a tu
re z a n ão p ara d e te rm in a r as orig e ns históric a s da sociedade
ou as obriga çõ es históric a s dos governos e in d ivíd u o s, m as
p ara m o d e la r a id é ia da ig u a ld a d e m ora l dos in d ivíd u o s.
F hrte da id é ia de os in divídu o s serem igu ais m ora lm e nte
é a a firm a ç ã o de que n e n h u m de nós é in e re n te m e n te su
b ordin a d o à vo nta d e dos o utro s, que n e n h u m de nós ve m
ao m u n d o com o pro prie d a d e de o u tro ou suje ita d o a o utro .
Todos nascemos livre s e igu a is. A o lo n g o da m a ior p arte da!;;
história , m u ito s grupos tiv e ra m negada esta igu a ld a d e - nas
sociedades feudais, p or exem plo, os camponeses era m visto s
como n a tura lm e nte subordin a dos aos aristocra ta S ííkíi a m is-
A IG U A LD A D E LIB E R AL 77

são h istóric a de lib e ra is clássicos, com o Lock e , n e g ar esta


premissa fe ud al. JE a m a n eira como tom ara m clara sua n e g a
ção de que algum a s pessoas era m n a tura lm e n te ’ su b ordin a -
. ‘ das a outra s fo i im a g in a r um e stado de n a ture z a no qu a l as
. pessoas tin h a m ig u a l status, C om o disse Rousse au, " o Ro-\
m e m nasce livre e, co ntu do , está a corre nta do em todos os |
lu g a re s ". A id é ia de um e stado de n a ture z a , p orta n to ,,n ã o ..|
re pre se nta um a a firm a ç ã o a ntro p oló gic a a re sp e ito da e xis-
te n c ia p re -s o c ia l: d Q S .5 erês'hum a nos,' m as um a a firm a ç ã o
.m oral a re sp e ito da ausência de subordin a ç ã o n a tu ra l e ntre
os seres hum a nos.
v - - - ........
O s lib e ra is clássicos, p oré m , n ã o eram a n arquista s que
a cre dita va m que os governos nunca são aceitáveis. O s a n ar
quistas a cre dita m que as pessoas nunca pod e m te r a utorid a
de le g ítim a sobre os outros, e que as pessoas n unc a pod e m
ser le gítim a m e nte obrigadas a obedecer ta l a utorid a de . C omo
os lib era is não eram anarquistas, a questão pre m e nte era ex-
. p lic a r com o p e s ^ , ii asdda sJB m s .p ifin ais, p ^ m .uir, a ser
governadas; Sua re sposta fo i m ais ou m e nos esta: d e vido às
incerte z a s e à escassez da vid a social, os in divíd u o s, sem re
n u n cia r a sua igu ald a d e m ora l, e ndossariam a cessão de cer
tos pod ere s ao E stado, m as apenas se o E stado usasse estes
poderes em confia nça para prote g er os in d iv íd u o s destas in
certe z as e escassez. Se o g ov e rn o tra ísse esta co nfia n ç a e
abusasse de se us poderes, e ntã o os d d adaos n ã o m ais esta
c a m sob um a obriga çã o de obedecer e, na verdade, te ria m o
d ire ito de rebelar-se T T er um a pessoa com o p od e r de gov er
n a r o utro s é co m p a tív e l com o re sp e ito à ig u a ld a d e m ora l
p orqu e os govern a nte s só d e tê m este p o d e r em confia nç a ,
p ara prote g e r e pro m o v e r os interesse s dos govern a dos.
E ste é o tip o de te oria que R awls está a d a pta ndo. C om o
d iz ele, "m e u o bje tiv o é a pre se ntar u m a concepção de ju s-
tiç a que g e n era liz e e eleve a u m grau su p e rior de abstração a
conhecida te oria do co ntra to social, com o en contra do , dig a
m o s, em Locke, Rousseau e K a n t" (1971: l l X ^ i b g f i y o ,d ¿
co ntra to é d e te rm in a r p rin c íp io s de ju s tiça a p a rtir de um a
p osiç ã o de igu a ld a d e : n a te oria de R awls,

,
78 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

A posiç ã o o rig in a l de igu a ld a d e corre spond e ao estado


de n ature z a n a te oria tra d icio n a l do co ntra to social. A posição
o rig in a l n ã o é, n a tura lm e nte , consid era d a com o u m estado de
coisas h is tó ric o e re a l, m u ito m e nos um a co ndiç ã o p rim itiv a
d a c u ltu ra . E co m pr e n d id a co m o u m a s itu a ç ã o p u ra m e n te
h ip o té tic a , d e scrita de m o d o que condu z a certa concepção
J E S r^ a .(1 9 7 Í: 12). "

E m bora a posiçã o o rig in a l de R a wls "c orre s p o n d a " à


id é ia de um estado de nature z a, ela ta m b é m difere desta, pois
R a wls a cre dita qu e o .estado de n a ture z a c o s tu m e iro jiã o é,
re a lm e nte um a "p o siç ã o in ic ia l de ig u a ld a d e " (1971:11). Éj
ond e o argum e nto do co ntra to ju n ta -s e a seu argum e nto in -|
tu itiv o . A descrição costum eira do estado de n ature z a é in ju s-í
ta porqu e algum a s pessoas tê m m a is p o d e r de b arg a nh a do
que outra s - m ais ta le ntos n a tura is, recursos in icia is ou sim
ple s forç a físic a - e conse gu e m re s is tir m a is p ara o b te r um
n e gócio m e lh or, ao passo que os m e nos forte s e ta le ntosos
tê m de fa z er concessões. A s inc erte z a s da n a ture za afe ta m
io d o& jro a s alg u m a s pess^ j x ô H o g u e m lid a r j a e lh or com
glas. e n ão concord arã o com u m co ntra to social a m e n o s que
-e la consolid e suas vantagens n a tura is...Isso, sabemos, é in ju s
to aos olh os de R a wls. C om o estas v a nta g e ns n a tura is são
im ere cid a s, elas n ão d eve m p riv ile g ia r n e m d esfa vorecer as
pessoas na d e term in a ç ã o dos prin c íp io s de ju stiç a 2.
P orta nto,, é necessário u m n o vo d is p o sitiv o p ara e xtra ir
as im plicaçõ e s da igu ald a de m ora Lxa n.disp Q sitivo q u e iro p e-
- ça a spassoasjde.e xplora r suas vantagpng arhitp árias n a sele-

2. É esta cond e n a ç ã o d a in ju s tiç a in e re n t e ao e sta do de n a ture z a tr a d i


cio n a l q u e se para R a wls d e o u tra tra d iç ã o c o n tra tu a l - um a tra diç ã o qu e v a i
de H o b b e s a te óric os re c e nte s com o D a v id G a u th ie r e James B uch a n a n. Comeé
R a wls, eles e sp era m g erar prin c íp io s p ara re g u la r a v id a socia l a p a rtir da idéia)
d e u m a cord o e m u m a posiç ã o in ic i a l. C o n tu d o , ao c o n trá rio de R a wls, o!
a cord o a lm e ja a v a nt a g e m m útu a , n ã o a ju stiç a , e, p o rt a n to , é p erm is sív e l, n J
v erd a d e , esse ncial, qu e a situ a ç ã o in ic i a l r e flit a as dif ere nç a s e m p o d e r de b a r?
g a n h a qu e o c orre m n o m u n d o re al. D is c u tir e i essa s e gund a a bord a g e m c o n |
tr a tu a l n o c a p ítulo 4 e p e rg u n t a re i se te oria s d e v a n t a g e m m ú tu a d e v e m ser
consid era d a s c o m o te oria s d e justiç a .
A IG U A LD A D E LIB E R AL 79

ção d os prin c ip io s de justiça . É p or isso que R awls desenvolve


a c o n slru ç ã o ,^o b o utro s aspectos p e culia r, conh e cid a com o
"•posição o rig in a l'7. N essa p o sição o rigin a l re vista , as pessoas
estão p o r trá s de u m ^ v e u de ig n orâ n d iC ) de m odo que

n in g u é m conhece seu lu g a r n a sociedade, sua posição d e cla s-


j ê o ú d e sj a^ ^ g a l. je n T p o n h e c ^ i fo rtu n a n a d istrib u iç ã o

re i até que as p arte s n ã o conh e ce m suas concepções do b e m


n e m suas prop e nsõ e s psicológic a s especiais. O s p rin c íp io s de
ju stiç a são e scolhid os p o r trá s de u m v é u de ig n orâ n cia . Isso
assegura que n in g u é m e steja e m v a nta g e m ou d e sva nta g e m
n a e scolh a de prin c íp io s p o r m e io do re su lta d o do acaso n a
tu ra l ou da co ntin g ê n cia das circunstâ ncia s sociais. C om o to -j
dos estão situ a d os de m a n e ira s im ila r e n in g u é m é capa z d a
p la n e ja r p rin c íp io s p ara fa vore c e r sua co n diç ã o priv a d a , o l
p rin c íp io s de ju stiç a são o re su lta d o de um a cordo ou b arg a f
nh a ju sta (19 7 1:1 2). ’

M u ito s crítico s v ira m esta e xig ê ncia de que as p e ssoas


se dista ncie m do conh e cim e nto de seu h istóric o social, e

tid a d e pessoal.) O que re sta do eu qu a n do to d o o co n h e ci


m e n to é e xcluído? É d ifíc il nos im a g in a r atrás de ta l vé u de
ig n orâ n cia , m u ito m ais d ifíc il a ind a do que nos im a g in a r no
estado de n ature z a tra dicion a l, ond e as pessoas fictícia s eram,
p e lo m e nos, re la tiv a m e nte in te ira s n a m e nte e n o corpo.
O vé u de ig n orâ n d a , p oré m ..n ã o é expressão de um a

de, da m esm a m a n e ira que te nta m Q s^se .gur.ar.um a divis ã o


e t^ita try a de u m b olo fa z e ndo com que a pessoa que v a i cor-
tá -ío n ão saiba com qu a l pedaço v a i fic ar3. 0 vé u de ig n ora n-

3. R a wls d iz q u e o caso de e scolh er prin c íp io s de ju stiç a n a posiç ã o o ri


g in a l é e ss e ncia lm e nte dif e re n t e de cort a r u m b o lo s e m sa b er qu a l p e d a ço lh e
caberá. Ele ch a m a o p rim e iro caso u m e x e m plo d e " ju s tiç a proc e ssu a l p u ra " ,
e n q u a n to o s e g u nd o é " ju s tiç a proc e ssu a l p e rf e it a " . E m cad a caso, supõ e-s e
qu e u m proc e sso pro d u z a re sult a dos justos. N o p rim e iro caso, p oré m , n ã o há
n e n h u m " c rit é rio in d e p e n d e n t e e j á pre ssuposto do qu e é ju s to " , e n q u a nto .
80 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

cia, de m a n e ira sim ila r, fa z com que a queles que p od e ria m


in flu e n cia r o processo de seleção a seu favor, graças à sua p o
sição m e lh or, sejam inca pa z e s de o fa z er. C om o diz R awls,

N ã o d evemos nos d e sorie ntar, e ntão, pelas condições um


ta nto incom uns que cara cteriz am a posição o rig in a l.,A id é ia ?
a qui, é sim ple sm e nte ,tom a r vivid a s para nós as restrições que
parece ser -razoável im p o r a.os. argum e ntos a fa vor dos p rin rf-
jr io s de ju stiç a e, p orta n to , a estes pró prio s prm dpios-. A ssim ,
parece ra z o á v e l e g era lm e nte a c e ito qu e n in g u é m deve fic a r
em v a nta g e m ou d e sva nta g e m , p o r causa de fo rtu n a n a tura l
ou circu n stâ n cia s socia is, n a e scolh a dos p rin c íp io s . P arece
ta m b é m a m pla m e nte a ceito que deve ser im possív el a justar os
p rin d p io s às drcu nstâ n d a s de nosso caso [...]. D essa m an eira,
chega-se ao v é u de ig n orâ n d a de m a n eira n a tura l (1971:18-9).

A posição o rig in a l, supostam ente,,."r.epre.senta a ig u a l


dade e ntre os seres hum ártos com o pessoas.m ora is",,.e os
prin cípio s d e ju stiç a re sulta nte s sã Q.a.gueles que as pessoas
"co n s e n tira m com o igu a is, q u a ndo n ã o se tin h a co nh e ci-

sociais e n a tura is ". D evemos v er a posição orig in a l como um


"re curso de exposição", que "re sum e o sig nific a d o " de nossas
noções de e qüid a d e e "n o s a jud a a e xtra ir suas conse qü ê n
cia s " (1971:19, 21).
O argum e nto de R awls, então, não é o de que certa c o n |
cepção de ig u a ld a d e d eriv a da id é ia de u m c o ntra to h ip o té l
tico. Isso e staria suje ito a tod a s as crítica s que D w ork in m e n!]
ciona. A o co ntrá rio , o co ntra to h ip o té tic o é um a m a n eira dej
in c o rp o ra r c e rta conce pção de ig u a ld a d e e um a m a n e ira
de e xtra ir as conseqüências dessa concepção para a ju sta re
gula m e nta ç ã o das in s titu iç õ e s sociaisz A o re m o v e r fo n te s

n o se gundo caso, h á (R awls, 1980: 523). O contra ste , p oré m , é exagerado neste
caso, já que, c om o vere mos, h á alguns " crit é rio s ind e p e nd e nte s e já pre ssupos
to s " p ara a v a liar os re sult a dos d a posiç ã o orig in a l. D e q u a lq u e r m o d o , os dois
casos c o m p a rtilh a m a c a ra cte rístic a p a ra a q u a l e stou ch a m a n d o a a te nç ã o -
o uso da ig n orâ n cia p ara a ss e gurar de cisões im p arcia is .
A IG U A LD A D E LIB E R AL 81

de pre disposiçã o e e xigir un a nim id a d e , R awls te m e spera n


ça de e n co ntrar um a solução que seja a ceitá vel para todos a
p a rtir de um a posição de igu ald a de - isto é, que respeite o d i
re ito de cada pessoa ser tra ta d a com o u m ser livre e ig u a l.
C om o a p re m is sa do a rg u m e n to é a ig u a ld a d e ,, n ã o o
„ contrato, para critic á -lo precisamos d em onstrar que ele deixa
de in c o rp o ra r uma~ d e scrição a d e qu a d a d a dgu a ld a d e } N ã o
é suficie nte - n a verd a d e , é irre le v a nte - d iz e r que o co ntra
to é historic a m e nte in e xato, que o v é u de ignorâ ncia é psico
logica m e nte im possív el ou que a posição orig in a l é, de a lg u
ma outra m a n eira , irre a lista . A. qu estão n ão é saber se a g osi-
^ o o r ig n q l prid e ria re alm e nte-ter-e)dsfido, m a s se é prová vel
que os prin c ípio s que seria m e scolhidos n ela seria m cq üita
tivos. d ad a a n a ture z a d o p rocesso de s e le ç ã o/
M e sm o que aceitemos a id éia do contra to social de R awls
com o u m d is p o s itiv o p ara in c o rp o ra r um a conce pção de
igu ald a d e , está lo n g e de e star claro qu a is prin c íp io s s eria m
e fe tiv a m e nte e scolhid o s n a posiç ã o o rig in a l. R a wls, n a tu -|
ra ím e nte , p ensa que o p rin c íp io da difere n ç a seria e s c o lh i-f
do. N esse caso, p oré m , su põ e -s e qu e seu a rg u m e n to s e ja
ind e p e nd e nte do prim e iro , arg um e nto in tu itiv o re fere nte à
igu a ld a d e de o p ortu nid a d e /C o m o vim os, ele n ão considera
este tip o de a rg um e nto re le v a nte , " e strita m e n te fa la n d o " ,
d e n tro de um a te oria de co ntra to . P orta nto, o p rin c íp io d a|
diferença é apenas um a d e ntre m uita s escolhas possíveis qu e!
as p arte s da posiçã o o rig in a l p o d e ria m fa z er. r
C om o os p rin c íp io s de ju s tiç a são e scolhidos? A id é ia
básica é esta:*~ em
~
~i i-
|1
bora
1 ‘'i «
m
não
lim
ia
i i«
u
saibamos
i in
,u
m,,- |l
|
( L -
que.—
T1 i.
posição ocuparemos
'is&r***.'**'*** - ’->lm*-*>**~''e*^s*****^

na s Q .á e d a d e p u 4 u e ,flb jg fe a s .jte rm a s ^
va m os q u e re r ou de que va m os pre cis ar p ara e starm os ca-
p a dta dos.a c o n d u z ir um a boa.yid a /S e ja m quais fore m as d i
ferença s e ntre os pla n o s de v id a dos in d iv íd u o s , todos eles
c o m p a rtilh a m um a coisa - jto d o s en v o lv e m a. condução.de
uma vidat C om o d iz W a ldro n , " h á a lg o com o uma busca dal
concepção da boa vid a na qu a l se pod e diz e r que tod a s as pes-jt
soas, m e sm o aquelas com os com prom issos m ais diversos!
estão e nvolvid a s [...] e m bora as pessoas n ão co m p a rtilh e m
82 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

m u tu a m e n te seus id e ais, elas pod e m , p e lo m enos, a b stra ir


de sua experiência um a percepção d e coma é estar comprometi :
do com um id e al de boa vid a " (W a ldron, 1987:145; cf. R awls,
1971: 92-5, 407-16). Jsta m o s todos com prom e tid a s.c a m um
id e a l da boa vid a e certas coisas são necessárias p ara p e rse -
g u ir estes com promissos, seja qu a l fo r seu conte údo m ais es-
.pecíE ca' S egundo a te oria de R awls, estas coisas são cham a j
das 'íb éris prim á rio s^. H á d ois tip o s de b ens prim á rio s: j
1. b ens p rim á rio s s o cia is >- b e ns que são dire ta m e ntfc
d is trib u íd o s p e la s in s titu iç õ e s sociais, -gomo re n da
e riq u e z a ^o p ortu nid a d e s. e. pod ere s, d ir e itos e l ib e r
d a d e s ;...... ....... .
2. .b e ns prim á rio s n a tura is - b ens com o a saúde; a in te
li g ê ncia , o v ig or, a im a gin a ç ã o e os ta le nto s n a tura is,
que são afe ta dos p e la s in s titu iç õ e s sociais, m as n ã o
são d ire ta m e n te d is trib u íd o s p or elas.
A o e scolh er prin c íp io s de ju stiç a , as pessoas p or trá s \
do vé u de ig n orâ n cia buscam assegurar que terã o o m e lh or !j
acesso possível a estes bens prim á rio s distrib u íd o s pelas in s- i
tituiçõ e s sociais (isto é, os bens prim á rio s sociais). Isso não 1
sig nific a que o e goísm o esteja subja ce nte à nossa p erc e p
ção de ju stiç a . C om o nin g u é m sabe que posiçã o irá ocupar,
p e d ir às pessoas que d e cid a m o que é m e lh or para elas te m
a m esm a conse qü ê ncia que p e d ir que d e cid a m o que é m e
lh o r para to d o o m u n d o , consid era do im p a rcia lm e nte . Par^
d e cidir p or trá s de um vé u de ign orâ n cia que prin cípio s pro-*
m overã o o m e u bem , devo colo c a r-m e no lu g a r de todos osj
o utro s na sociedade e v e r o que prom ov e o seu bem , já quei
posso acabar p or ser qu a lq u er um a destas pessoas. Q u a ndo
com bin a d a com o v é u de ig n orâ n cia , p orta n to , a suposiçã o
de intere sse p ró p rio ra c io n a l " a lc a n ç a ¿ m e s m o pro p ó sito
" ¿ u e a b e n e volê ncia " (R awls, 1971:148), pois devo id e n tific a r
m e solid aria m e nte com todas as pessoas na sociedade e le var
em conta o seu b em , com o se fosse o m e u. D e sta m a n e ira ,
os acordos fe ito s n a posição o rig in a l dão ig u a l considera ção
a cada pessoa.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 83

''P orta nto , as p a rte s n a posiç ã o o rig in a l « stã o te n ta n d o


assegurar o m e lh or acesso p a s s ív e ia o s b e n s p rim á rio s que
ã s ~ c^a d ta m a condq^.um a ,Y Íd a„qj¿ e .v aIh a ia pena^semsa--
hpr nnc& te rm in a rão. na.S Q dedade, H á a ind a m u ito s p rin c í
pio s d ife re n te s que p o d e ria m e scolh er. P od eria m e scolh er
um a distrib uiç ã o ig u a l dos bens prim á rio s para todas as p o
sições sociais. R awls, poré m , d iz que isso é irra cio n a l qu a ndo
certos tip o s de d esigu ald a d e - p o r e xem plo, as p atrocin a d a s
p e lo p rin c íp io da difere n ç a - m e lh ora m o acesso de tod o s
aos bens prim á rio s. P od eria m e scolh er u m p rin c íp io u tilit á
rio , que instruíss e as in stituiç õ e s sociais a d is trib u ir os bens
prim á rio s de m a n e ira que m a xim iz e a u tilid a d e na socie d a
de. Isso m a xim iz aria a u tilid a d e m é dia que as p arte s da p o
sição o rig in a l pod e ria m esperar te r no m u n d o re al, e, em a l
gum as descrições de ra cion a lid a d e , isso a to m a um a esco
lh a ra cio n a l. C o ntu d o , ta m b é m e nvolv e o risco de que você
v e nh a a ser um dos que são in te rm in a v e lm e n te sa crifica dos
p e lo b e m m a ior dos outros. Isso d eixa suas lib erd a d e s, p o s
ses e m e sm o sua vid a vuln erá v e is às preferê ncia s egoístas e
ile g ítim a s dos o u tro s. N a v erd a d e , d e ix a -o d e spro te g id o
ju sta m e n te nas situações em que é m a is pro v á v e l que pre
cise de prote çã o - p or exem plo, qu a ndo suas crenças, cor de
pele, sexo ou h a bilid a d e s n a tura is o to m a m im p o p u la r ou
sim ple sm e nte disp e nsá vel p ara a m a ioria . Isso fa z do u tili
ta rism o um a escolha irra cio n a l, em certas descrições de ra
cio n a lid a d e , pois é ra cio n a l assegurar que seus d ire ito s e
recursos b ásicos sejam prote gidos, m esmo que, com isso, d i
m in u a a sua chance de receber benefícios acim a e alé m dos
bens básicos que você busca prote g er.
P orta nto, há descrições co nflita nte s do que é ra cion a l fa
z er em ta l situ a ç ã o - a ra cio n a lid a d e de a rrisc a r em c o n tra
posição à ra cio n a lid a d e de jo g a r com segurança. Se soubés
semos qu a is as chances de term o s nossos d ire ito s b ásicos
vio la d o s em um a sociedade u tilitá ria , e ntã o, tería m os um a
id é ia m e lh or de quão ra cio n a l é arriscar. O vé u de ig n orâ n
cia, poré m , e xclui esta inform a ç ã o. A ra cion a lid a d e de a rris
car ta m b é m depende de sermos o u n ã o p esso alm e nte aves-
84 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

sos ao risco - algum a s pessoas n ão se im p orta m em a ssum ir


riscos, outras pre fere m a segurança. O vé u de ignorâ ncia , p o
ré m , e xclu i ta m b é m o c o n h e cim e n to dos gostos pesso ais.
Q u a l é, e ntã o, a e scolh a ra cio n a l? R a wls d iz que é ra cio n a l
a dotar um a e stra té gia " m a x im in " - isto é, yoçê m a xwiizcLd / ^
que co n s e g uiria se term in a ss e na posição, m ínim a ou p io r)
C om o d iz R a wls, isso é com o pro ss e g uir com base na su
posiçã o de que seu p io r in im ig o d e cidirá que lu g a r você v a i
ocup ar na socie da d e (R awls, 1971: 152-3). C om o re s u lta
do, você sele cion a um esquem a que m a xim iz e a p arcela m í
nim a a trib u íd a sob o esquem a.
Por e x e m plo, im a gin e que os se guinte s são os e sque
m as d is trib u tiv o s possíveis em u m m u n d o de trê s pessoas:
1 .1 0 : 8 :1
2. 7 : 6 : 2
3. 5 : 4 : 4
A e straté gia de R awls d iz p ara você e scolh er o terc e iro.
Se você n ã o sabe q u a l a pro b a bilid a d e de v ir a fic a r na m e
lh o r ou na p io r posição, a e scolha ra cio n a l, se gundo R awls,
é o terc e iro esquem a. Pois, m e sm o que você v e nh a a fic a r na
p io r posiçã o, ela lh e d ará m ais do que você cons e g uiria se
estivesse na posiçã o m ais in fe rio r dos o utro s esquemas.
O bserve que você deve escolher o terceiro esquema mes
m o que os d ois prim e iro s esquem as te n h a m um a u tilid a d e
m é dia superior. O proble m a com os dois prim e iros esquemasij
é que há certa chance, de ta m a nho desconhecido, de que su ai
vid a será com ple ta m e nte in s a tisfa tória . E, com o cada um d e i
nós te m apenas um a v id a p ara viv e r, é irra c io n a l a c e ita r a
chance de que sua únic a v id a v e nh a a ser tã o in s a tisfa tória .
P orta nto, co n clui R awls, as pessoas, na posição orig in a l, se
le cio n a ra m o p rin c íp io da difere n ç a . E este re sulta d o a jus
ta-s e fe liz m e n te ao que o p rim e iro arg um e nto nos disse. A &
pessoas que usam um processo de decisão e qüita tivo para s e -f
le cion ar prin c ípio s de ju stiç a ch egam aos m esmos prin c íp io s l
que nossas in tuiçõ e s diz e m serem e q üita tivos.
M u ita s pessoas critic a ra m a a firm a ç ã o de R a wls de que
a estratégia do " m a x im in " é a estratégia ra cional. A lg un s a fir-
A IG U A LD A D E LIB E R AL 85

m am que é ig u a lm e nte ra cion a l, se n ã o m ais ra cion a l, a pos


ta r com base no u tilita ris m o . O utro s a firm a m que é im p o s- ]
sível a v a liar a ra cion a lid a d e de a postar sem saber a lgo a res
p e ito dos riscos ou de nossa aversão ao risco. Estes críticos
ale ga m que Raw lsjs ú x h e g a a o p rin c ip io d e_difere nç a p o r-

A "prn H riz á jM i porqué fa z suposiçõ e s .p sicológic a s- g ra tu i--


.'tas que n ão te m o d ire ito de fa z er (p or e xem plo. H are , 1975:
88-107; B arry, 1973: cap. 9).

(a) A convergência dos dois argum entos

H á certa verd a d e nestas crítica s, m as tra ta-s e de um a


lin h a de crític a m a l orie nta d a . Pois R a wls a dm ite que m a n i
p ula a descrição da posição o rig in a l p ara p ro d u z ir o p rin c í
p io da difere n ç a . E le re conh e ce que " p a ra cada concepção
tra d ic io n a l de ju s tiç a e xiste um a in te rpre ta ç ã o da s itu a
ção in ic ia l na q u a l os seus p rin c íp io s são a soluçã o p re fe ri
d a " e que algum as interpreta çõ e s condu zirã o ao u tilita ris m o
(1971:121). H á m uita s descrições da posição orig in a l que são
co m p a tív e is com o o b je tiv o de cria r u m processo de d e ci
são e q uita tivo , e o prin c íp io da difere nç a n ão seria e scolhido
em tod a s elas. E ntã o, ante s que possamos d e te rm in a r quais
prin cípio s seria m escolhidos n a posição orig in a l, precisamos
saber q u a l descrição da posição orig in a l aceitar. E, R awls diz ,
u m dos fun d a m e nto s nos quais base amos um a descrição
da posição o rig in a l é que ela pro d u z os prin c ípio s que ju l
gamos a ceitá veis in tu itiv a m e n te .
P orta nto, após d iz e r que a p osição o rig in a l deve m old a r
a id é ia d e que as pessoas são i guais m ora lm e nte , R a wIsp S s,-
segue e d iz q u e , "c o n tu do, p ara ju s tificar u m a d escrição ese
p ecífic a d a posiç ã o o n g in a l h á o u li a lid Q lm je é a..S£2 iiin l£ :
v e r se os prin cípio s que seriam escolhidos ajustam-se às nos-J
sas conceituadas convicções de ju stiç a ou as a m plia m de ma-J
n e ira a c e itá v e l" (1971:19). P orta nto, ao d e cid ir sobre a des-J
crição pre fe rid a da posição orig in a l, "tra b a lh a m o s a p a rtir de
86 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

ambas as p o n ta s ". Se os prin c ípio s e scolhidos em um a v e r


são não se a justa m a nossas convicções de ju stiç a , então,

te m os um a e scolha. P od e m os m o d ific a r a d e scriçã o da p o st


ção in ic ia l ou re v er nossos julg a m e nto s já existentes, pois mes \
m o os julg a m e nto s que adotam os pro visoria m e nte com o pon j
tos fixo s estão suje itos a re visã o. A o ir p ara trá s e p ara diante í
algum a s ve zes a ltera n do as condiçõ es das circunstâ ncia s co n
tra tu a is e o u tra s re cu a n do e m nossos ju lg a m e n to s e c o n fo r-
m a n d o-o s com o p rin c íp io , su p o n h o que, p or fim , e n co ntra
re m os um a d e scriçã o d a situ a ç ã o in ic ia l que expressa c o n d i
ções ra z o á v e is e p ro d u z p rin c íp io s qu e se a ju sta m a nossos
julg a m e nto s conceitua dos, d e vid a m e nte podados e ajustados
(1971: 20).

P orta nto, o argum e nto in tu itiv o e o argum e nto do c o n


tra to n ã o são m 3 e p g n d in te s. a fin a l. R a wls a d m ite m o d ifi-
c ar a posição o rig in a l para assegurar que produ z a prin cípio s
que se a juste m a nossas in tuiçõ e s (p e lo m e nos as intuiçõ e s
que continu a m os a suste ntar após term os nos e nvolvido nes
te processo de m ã o d upla de h a rm o niz a r te oria e intuiçõ e s).
Isso pod e soar com o trapaça. C ontudo, só parece ser assim se
consid erarm os que R awls está a firm a n d o que os dois arg u
m e ntos se a poia m de m a n e ira in te ira m e n te ind e p e nd e nte .
E, e m bora às ve z es façam os esta a firm a ç ã o, em outros tre
chos ele a d m ite que os d ois a rg um e ntos são in te rd e p e n
dentes, que ambos re corre m ao m esmo co njunto de intuiçõ e s
conceitu ad a s.
M as, e ntã o, p or que pre ocup ar-se com o d isp o sitivo do
co ntra to? Por que n ã o us ar sim ple sm e nte o p rim e iro a rg u
m e n to in tu itiv o ? E sta é um a bo a p e rg u n ta . E m bora o a r
gum e nto do co ntra to n ão seja tã o ru im qu a nto os críticos su
g erem , ta m p o u co é tã o b om q u a n to R a wls sugere. Se cad;
te oria de ju stiç a te m sua p ró p ria d e scriçã o da situ a çã o d<
contra to, e ntã o, te m os de d e cid ir de a nte m ã o qu a l te oria de
ju stiç a a ceita m os, p ara saberm os q u a l d escrição da posição
o rig in a l é adequada. A oposiç ã c\dc R awls a jo g a r a vid a fora
e m b e n e fício dos o utro s ou a p e n a liz a r os que tê m d e ficiê n
A IG U A LD A D E LIB E R AL 87

d as n a tura is im ere dd a s le v a-o a descrever a posição orig in a l


de u m a m a n e ira ; os qu e discord a m com ele q u a n to a qu e s
tões irã o descrevê-la de outra m aneira. Esta disputa n ão pode
ser solucion a da re corre ndo à concord â nd a contra tu a l. Q u a l
qu er dos la dos que invocasse sua d e scriçã o da situ a ç ã o de
co ntra to em defesa de sua te oria de ju stiç a e staria in c orre n
do em p e tiç ã o de p rin c íp io , já que a situ a ç ã o de co ntra to
pre ssu põe a te o ria . Todas as prin c ip a is que stõe s de ju stiç a ,
p orta n to , tê m de ser d e cidid a s pre via m e nte , p ^ a saberruos
qual descrição d a posição o rigin a l aceita r. M a s, então, o con
tra to e "re dund a nte .
Isso não, á diz fiL q u e n d is p o sitiv o do c o ntra to seja in t e i-
ra m e nte in ú til^ P rim e iro ,.a posiçã o o rig in a l prov ê um a m a
n e ira 3e tòrria r.víyid a s iiQ ssas intuiçõ e s, d a.m esm a m a n eira
que os te óricos m a is.a ntigos invoca va m o estado de nptyre z a
. gara to m a r v ivid a a id é ia d e ig u a ld a d e n a tura l. S egundo, em
bora as intuiçõ e s a que re corre m os no arg um e nto da o p or
tunid a d e ig u a l d e m onstre m que a ju sta igu ald a d e de o p ortu
rtid a d e n ão é suficie nte , elas n ão nos diz e m o que m ais é e xi
gid o, e o d is p o s itiv o do c o n tra to pod e nos a ju d a r a to m a i
m ais precisas nossas intuiçõ e s. Isso é o que R awls pretende
ao d iz e r que o d is p o s itiv o pod e a ju d a r a " e x tra ir as cons e
qüências" de nossas intuiçõ e s. T erce iro,ple proporcion a um a
p ersp e ctiv a a p a rtir da q u a l pod e m os te sta r in tuiç õ e s a n ta
gônica s. Jd g u é m que seja n a tura lm e n te ta le n to s o p o d e ria
fa z e r um a obje çã o sincera à id é ia de que estes ta le n to s são
a rb itrá rio s . T eríam os, e ntã o, u m choqu e de in tuiçõ e s. M as,
se esta m e sm a pessoa já n ã o fiz e sse obje çã o, se ignora sse
ond e a ca b aria n a lo te ria n a tura l, p od ería m os, e ntã o, d iz e r
com certa confia nç a que nossa in tu iç ã o era a certa e que a
oposiçã o a nta gônic a d ela era o re sulta do de interesse s p e s
soais anta gônicos. C ertas intuiçõ e s pod eria m parecer m e nosj
convince nte s qu a ndo vista s a p a rtir de um a p ersp e ctiva dis-f
tanciada de nossa pró pria posição na sociedade. O a rg u m e n-f
to do co ntra to testa nossas in tu iç ões re vela ndo se elas seriam
escolhidas a p a rtir de um a p erspe ctiva im p a rcia l. Q contra to,
pôrtanT O ; 'tom ar vivid a s certás Írituiçõ e^g O T ãis“ e prov ê um a
88 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

p ersp e ctiv a im p a rcia l a p a rtir da q u a l pod e m os consid e ra r


intuiçõ e s m ais específicas (R awls, 971: 21-2, 586).
P orta nto, há b e n e fícios em e m pre g ar o d is p o sitiv o do
co ntra to . Por o u tro la do, o d isp o sitivo do co ntra to n ão é e xi
gid o para esses propó sito s. C om o vim o s n o ú ltim o c a pítulo,
alguns te óricos (H are , p or e xe m plo) in voc a m a nte s " s o lid á
rios id e a is " que contrata nte s im p arcia is para expressar a idéia
da ig u a l consideração (cap. 2, seção 5b a cim a)..A m b a s a s-te a-
ria s in stru e m o a g e nte m ora l p a ra a d o ta r um p o n to d e-visia
im p a rcia l, m as, e n q u a nto os co ntra ta nte s im p a rcia is vê em
cada pessoa n a sociedade com o um a das possíveis lo c a liz a
ções fu tura s d e seu p ró p rio b em , os s o lid á rio s .id e a is .vêem
cada pessoa n a sociedade com o um dos com pon e nte s de seu
.pró prio bem, já que se solid ariz a m com cada um a delas e as
sim co m p a rtilh a m o d e stino de cada pessoa^A s duas teorias
usam disp osifivo s difere nfê s, m as a difere nç a é re la tiv a m e n
te sup erficia l, p ois a m a nobra c e ntra l em cada te oria é forç ar
os age nte s a a d o ta r um a p ersp e ctiv a que lh e s n egu e o co
n h e cim e n to ou q u a lq u e r ca pa cid a de de pro m o v e r seu p ró
prio bem p a rticula r. N a verdade, m uita s ve zes é d ifíc il d is tin
g u ir co ntra ta nte s im p a rcia is de so lid á rio s id e a is (G a uthie r,
1986: 237-8; D iggs, 1981: 277; B arry, 1989: 77, 196)4.
A ig u a l consid era ç ã o ta m b é m pod e ser g erad a sem
qu a isqu er disp o sitivo s especiais, sim ple sm e nte p e din d o aos
agentes que d ê e m ig u a l consid era çã o aos o utros, n ã o obs
ta nte seu conh e cim e nto e capacidade de prom o v er seu p ró
p rio b e m (p or e x e m plo, S ca nlon, 1982; B arry, 1989: 340-8).
N a v erd a d e , h á u m tip o c u rioso de p e rversid a d e em usar o
d is p o sitiv o do co ntra to ou do solid áririúd e a T p ãfa expressar
a id é ia de igu a ld a d e m ora l.,-0 conc e ito do véu de ignorâ ncia

4. R a wls n e g a qu e h a ja q u a lq u e r s im ila rid a d e e ntre o seu c o n tra tu a lis-


m o e o s o lid á rio im p a rc ia l d e H a re . C o n tu d o , c o m o B a rry expressa, esta n e g a
ção " é , p ara m im , sim ple sm e nte com o u m golp e n o a r" (B arry, 1989:410 n. 30).
É in f e li z qu e R a wls exag ere a distâ ncia e ntre sua te oria e a de H are , p o is o exajÉ
g ero fu n c io n a co n tra R a wls. V e r a discussã o da s crític as fe m inista s de R a wls n c j
cap. 7, seção 3c(ii) a b aixo.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 89

te nta to m a r vivid a a id é ia de que as outra s pessoas tê m im


portâ ncia em si e p or si, não sim ple sm e nte como com pon e n
tes de nosso p ró p rio b em . F az isso, p oré m , im p o n d o um a
perspectiva a p a rtir da qu al o bem dos outros é sim ple sm e n-
te um com pon e nte de nosso p ró p rio b e m (e fe tivo ou possí
v e l) .'À id é ia de que as pessoas são fin s em si m esm as é obs
cure cid a q u a n d o invoc a m os " a id é ia de um a e scolha que
prom ov e os interesse s de um ú nico in d iv íd u o ra cio n a l para
o qu a l as vária s vid a s in d ivid u a is em um a sociedade são ape
nas outra s ta nta s possibilid a d e s d ife re n te s " (S ca nlon, 1982:
127; cf. B arry, 1989: 214-15, 336, 370). R a wls te n ta su b e sti
m ar a extensão em que as pessoas n a posição o rig in a l vê em
as v ária s vid a s in d ivid u a is na sociedade apenas com o outros
ta ntos re sulta dos possíveis de um a escolha de interesse p ró
prio , mas o disp o sitivo dn m n tra to encoraja esta visã n p p o r
ta n to . obscurece o v e rd a d e iro s ig n ific a d o d o ig u a l intere ss e .
D esse m odo, o d is p o sitiv o do co ntra to acrescenta p o u
co à te oria de R awls. O arg um e nto in tu itiv o é o a rg um e nte i
prim á rio , seja o que for que R awls dig a em s e ntido c o n trá rio !
e o argum e nto do contra to (na m e lh or das hipóte ses) a p e n a »
a jud a a e xpre ss á-lo. N ã o está claro, p oré m , que R a wls n e-|i
cessite de u m a rg u m e n to c o n tra tu a l in d e p e n d e nte . R a wls
h a via se que ixa do inicia lm e n te da m a n e ira com o as pessoas
era m obrig a d a s a e scolh er e ntre o u tilita ris m o , um a te oria
siste m ática, m as c o n tra -in tu itiv a , e o in tuicio n is m o , um a co
leção de in tuiç õ e s h eterogê n e a s, sem n e nhum a e strutura
te óric a . Se ele en contro u um a a lte rn a tiv a siste m á tic a p ara o
ju tilita ris m o , que esteja em K a rm o nia com n ossas in tuiçõ e s,
então,, çsta te.oria.é. u m a .te oria pod eros a , n ã o e nfra qu e cid a
de n e n h um a m a n e ira p ela in te rd e p e nd ê ncia dos arg um e n
tos in tu itiv o e co ntra tu a l. C om o d iz R awls, "u m a concepção
de ju stiç a n ão pod e ser d e du zid a a p a rtir de pre missa s e vi
dentes p or si mesmas ou de condições im posta s a princípios;
em ve z disso, sua justific a ç ã o é um a questão do a poio m útuo
de m uita s considerações, do ajuste de tod a s as coisas em
um a vis ã o co e re nte " (1971: 21). E le ch am a isso " e q u ilíb rio
re fle xivo ", e este é seu o bje tivo. Seus prin cípio s de ju stiç a são
88 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

p ersp e ctiv a im p a rcia l a p a rtir da q u a l pod e m os consid erar


in tuiçõ e s m a is e specíficas (R awls, 971: 21-2, 586).
P orta nto, há b e n e ficio s em e m pre g ar o d is p o sitiv o do
co ntra to . Por o utro la do, o disp o sitivo do co ntra to n ão é e xi
gid o para esses propósitos. C om o vim os no ú ltim o c a pítulo,
alguns te óricos (H are , p or e xe m plo) in vo c a m antes " s o lid á
rios id e a is " que contrata nte s im p arcia is para expressar a id é ia
da ig u a l consideração (cap. 2, seção 5b a cim a), A m b a s as-teo.-
ria s i irstru e m & a g e nte m ora l para a dotar um p o n to de vista
im p a rcia l, mas, e n q u a nto os contra ta n tes im p arçia is. v ê e jn
cãdã péssoa n a sociedade rn m n nm a d a s p o s s ív e is lo c a liz a
ções fu tu ra s de seu p ró p rio b em , os-solid árÍQ sid e a is.v ê e m
cada pessoa na sociedade com o u m dos com pon entes de seu
pró prio bem, já que se solid ariz a m co m cada um a delas e as
sim co m p a rtilh a m o d e stin o de cada p e sso a .A s duas te oria s
usam disp ositivo s diferentésT m as a difere nça é re la tiv a m e n
te su p e rficia l, pois a m a nobra c e ntra l em cada te oria é forç ar
os agentes a a d o ta r um a p ersp e ctiv a que lh e s negu e o co
n h e cim e n to ou q u a lq u e r ca pacidade de pro m o v e r seu p ró
prio b e m p articula r. N a verdade, m uita s ve zes é d ifíc il d is tin
g u ir co ntra ta nte s im p a rcia is de so lid á rio s id e a is (G a uthie r,
1986: 237-8; D iggs, 1981: 277; B arry, 1989: 7 7 ,196)4.
A ig u a l consid era ç ã o ta m b é m pod e ser g erad a sem
qu a isqu er disp o sitivo s especiais, sim ple sm e nte p e din d o aos
age nte s que d ê e m ig u a l consid era çã o aos o utro s, n ão obs
ta n te seu conh e cim e nto e capacidade de prom o v er seu p ró
p rio b e m (p or e x e m plo, S ca nlon, 1982; B arry, 1989: 340-8).
N a verd a d e , h á u m tip o cu rioso de p e rv ersid a d e em usar o
d is p o sitiv a do c o ntra to o u .d o solid ário T d è a T para expressar
-a-id â a jd e j® a ild a d e-m Q rgl./ 0 conc e ito do v é u de ig n ora n cia '

4. R a wls n e g a qu e h a ja q u a lq u e r s im ila rid a d e e ntre o seu c o n tra tu a lis-


m o e o so lid á rio im p a rc ia l d e H a re . C o n tu d o , co m o B a rry expressa, esta n e g a
ção "é , p ara m im , sim ple sm e nte com o u m golp e n o a r" (B arry, 1989:410 n. 30).
É in f e li z qu e R a wls ex ag ere a dis tâ n cia e n tre sua t e oria e a de H a re , p o is o ex a^
g ero fu n cio n a co ntra R awls. V e r a discussão das critic a s f e m inist a s de R a wls nc|
cap. 7, seção 3c(ii) a b aixo.
,4 IG U A LD A D E LIB E R AL 89

te nta torn a r v iv id a a id é ia de que as outra s pessoas tê m im


portâ ncia em si e p or si, não sim ple sm e nte como com pon e n
tes de nosso p ró p rio bem , F az isso, p oré m , i m p o n d o um a
p e rs p e ctiva a p a rtir da qual o bem dos outros é sim ple sm e n
te u m co m p o n e ntê c ü n o sso p ró p rio b e m (e fe tivo ou possí
vel)? À id é ia de que as pessoas são fin s em si m esm as é obs
cure cid a q u a n do invo c a m o s " a id é ia de um a e scolha que
prom ov e os interesse s de um ú nico in d iv íd u o ra cion a l para
o qu a l as v ária s vid a s in d ivid u a is em um a sociedade são a pe
nas outra s ta nta s possibilid a d e s d ife re n te s " (S ca nlon, 1982:
127; cf. B arry, 1989: 214-15, 336, 370). R a wls te n ta su b e sti
m ar a exte nsão em que as pessoas n a posiçã o o rig in a l vê em
as vária s vid a s in d ivid u a is na sociedade apenas com o outros
ta ntos re sulta dos possíveis de um a escolha de interesse p ró
prio , mas ()disp o sjh y a d u ,c a n tra to encoraja e sta visã o e, p or-
t a nto, obscure ce o v e rd a d e iro sig nific a d o d o ig u a l interesse .
D esse m o d o, o d is p o sitiv o do co ntra to acrescenta p o u
co à te oria de R awls. O arg um e nto in tu itiv o é o a rg u m e n te i
prim á rio , seja o que fo r que R awls dig a em s e ntido c o n trá rio l
e o argum e nto do co ntra to (na m e lh or das hipóte ses) apena J
a jud a a e xpre ss á-lo. N ã o está claro, p oré m , que R a wls n e-fl
ce ssite de u m a rg um e nto c o n tra tu a l in d e p e n d e nte . R a wls
h avia se quebrado in icia lm e n te da m a n e ira com o as pessoas
eram obrig a d a s a e scolh er e ntre o u tilita ris m o , um a te oria
siste m ática, m as c o n tra -in tu itiv a , e o in tuicio n is m o , um a co
leção de in tuiç õ e s h eterog ê n e a s, sem n e n h um a e strutura
te óric a . Se ele en c o n trou um a a lte rn a tiv a siste m á tic a jp ara .o
u tilitarism o, cjiie esteja em h a rm o nia com nossas intuiçõ e s,
e ntã o, e sta te oria .é .um a te o ria p o d erosa . n ão .enfraquecida
de n e n h u m a m a n e ira .p e la inte rd e p e n d ê n cia dos argum em
tos in tu itiv o e co n tra tu a l. C om o diz R awls, "u m a concepção
de ju stiç a n ã o pod e ser d e du zid a a p a rtir de premissas e vi
dentes p or si m esm as ou de condições im posta s a princípios;
em ve z disso, sua justific a ç ã o é um a questão do a poio m ú tu o
de m uita s considerações, do ajuste de tod a s as coisas em
um a vis ã o co e re n te " (1971: 21). E le cham a isso " e q u ilíb rio
re fle xivo ", e este é seu obje tivo. Seus prin cípio s de ju stiç a são
90 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

m utu a m e nte a poia dos p e la re fle xã o sobre as intuiçõ e s a que


re corre m os em nossas prá tic a s diá ria s e p e la re fle x ã o sobre
a n a ture z a da ju s tiç a a p a rtir de um a p e rsp e ctiv a im p a rcia l
que está dista n cia d a de nossas posiçõ e s cotidia n a s. C om oj
R awls está busca ndo ta l e q u ilíbrio re fle xivo, crítica s com o asi
de H are e B arry são exageradas. Pois, m e sm o se estivessem]
certos com referê ncia ao fa to de que o prin c íp io da difere nça
n ão te ria sido e scolhid o n a posiçã o o rig in a l, com o d e scrito
p or R awls, ele pod eria re d e fin ir a posição orig in a l de m a n e i
ra que produ z a o prin cípio da diferença . Isso soa como tra p a
ça, mas é ú til e le g ítim o se re a lm e nte nos condu z a u m e q ui
líb rio re fle xivo - se sig nific a que "fiz e m o s tu d o o que p u d e
m os para to m a r coerentes e ju s tific a r nossas convicções de
ju stiç a s o cia l" (1971: 21).
Ü m a ^rfik a re a lm e nte b e m -sucedida de R awls deve d e
sa fiar suas in tu ições fu n dam en ta is o u .dem o n stra r p o r q u e o

in tuiçõ e s (e, p orta n to , p o r que um a d escrição d ife re n te da


posição o rig in a l deve ser p arte de nosso e q u ilíbrio re fle xivo).
E x a m in are i te oria s que d e safia m as intuiçõ e s básicas em ca
p ítu lo s posteriore s. A nte s, p oré m , qu ero e x a m in ar esta se
gund a opção. Podemos e n co n tra r qu a isq u er proble m a s in
ternos da te oria de R awls, crítica s n ão de suas intuiçõ e s, mas
da m a n e ira com o ele as desenvolve?

(b) Problem as internos

U m a das intuiçõ e s c e ntra is de R awls, com o vim o s, diz


re sp eito à distinç ã o e ntre escolhas e circunstâncias. Seu argu
m e nto contra a visã o ipre vale ce nte de igu
Cy
a ld a d e de o p o rtu
I '— —~ ~
n i-
dade d epe nd e m u ito da a firm a ç ã o de que e la d eixa espaço
d em ais p ara a in flu ê n cia de nossos d ote s n a tura is im e re ci
dos. C oncord e i com R awls neste caso. O p ró prio R awls, p o
rém , deixa espaço dem ais para a in flu ê n cia das desigualdades
n atura is e, ao m esmo te m po, deixa m u ito pouco espaço p ara
a in flu ê n c ia de nossas escolhas.
A IG U A LD A D E LIB E R AL 91

(i) Compensação das desigualdades n aturais

E x a m in are i a que stão dos ta le nto s n a tura is prim e iro .


R awls d iz que o d ire ito das pessoas aos bens sociais n ão deve j
d e p e nd er de seus dote s n a tura is. O s ta le ntosos n ã o m e re -1
cem renda m a ior e devem receber m ais re nd a apenas se isso
b e n e ficia r os que estão em p io r situ a çã o. P orta nto, se gundo
R awls, o p rin c íp io da difere nç a é o m e lh or p rin c íp io para
assegurar que os bens n a tura is n ã o te nh a m um a in flu ê n c ia
in e q ü ita tiv a .
A sugestão de R awls, p oré m , a ind a d eixa m u ito espaço
para que o d e stin o das pessoas seja in flu e n cia d o p o r fa tore s
a rb itrá rio s . Isso porqu e R a wls d ef in e a p io r p osição in te ira -
m e nte em fun ç ã o dos b e ns-P iim ário s sociais que as pessoas.
possuem - isto é, dire itos, oportunid a d e s, riqu e z a etc. E le não
examina os bens prim á rios n a tura is que as pessoas possuem,
ao d e te rm in a r que m está em p io r situ açã o. F aia R awls, duas
pessoas estão em situ a çã o ig u a lm e nte boa (neste conte xto)
se tê m o m e sm o p acote de bens prim á rio s sociais, e m bora
um a d elas possa ser d e stitu íd a de ta le n to , fisic a m e nte d e fi
cie nte , m e nta lm e nte inca p a cita d a ou te r m á saúde. D a m e s
m a m a n eira , se a lgu é m te m um a v a nta gem a ind a que p e-
quena sobre os outros em b éfis sociais, e ntã o est á e m m e lhor
situ a ç a õ na escala de R awls, m e sm o que, a re n d a e xtra ord ñ
xiá ria n ã o seja suficie nte para p a g ar os e ustos e xtra ord in á -
rio s que te n h a que e n fre n ta r d e vido a a lg um a desva nta g em
n a tura l - p or exemplo,, os eustos de m edicação p ara uma».
, doença ou de e quip a m e nto especial para a lgum a d eficiê ncia .
M a s p or que as expe ctiva s dos que estão em situ a çã o
p io r no que d iz re sp e ito aos bens sociais d eve m ser a re fe
rê ncia p ara a avaliação das in stituiçõ e s sociais? E sta e stip ula -
ção e ntra em c o n flito com o argum e nto in tu itiv o e com o a r
gum e nto contra tu a l. N o argum e nto contra tu a l, a e stipula çã oi
é im o tiv a d a no que se re fere à ra cio n a lid a d e das p arte s n a l
posiçã o o rig in a l. Se, com o d iz R awls, a saúde é tã o im p o r-j
ta nte q u a nto o d in h e iro para se p o d e r te r um a vid a b e m -su
cedida e se as p artes buscam e ncontrar um arra njo social que
92 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Á N E A

lhes g aranta a qu a ntid a d e m á xim a de bens prim e iro s no p io r


re sulta do possível (o ra ciocínio m a xim in), então, p or que não
tra ta ria m a fa lta de saúde e a fa lta de d in h e iro ig u a lm e n te ,
com o casos em que se está em p io r situ a ç ã o p ara os fin s da
d is trib u iç ã o social? Toda pessoa re conh e ce que e staria em
situação p io r se, de repente, ficasse incapacitada, m esmo que
seu p acote de bens sociais perm anecesse o m esm o. Por que
não iria q u erer que a sociedade ta m b é m reconhecesse sua
desvantagem ?
O arg um e nto in tu itiv o a ponta na m esm a dire çã o. N ã o
apenas os bens prim á rio s n a tura is são tã o necessários qu a n
to os bens sociais p ara se te r um a boa vid a , com o ta m b é m o
lu g a r das pessoas na d istrib uiç ã o dos bens n a tura is n ão d e
pende de m ere cim e nto e, p orta n to , é erra do que sejam fa vo
re cid as ou pre judic a d a s p or causa deste lug ar. C om o vim os,
R awls.pansa-quejesta in tuiçã o leva ao prin c íp io da difere n ça,
sob o qu a l as pessoas só recebem re compensas e xtra ordin á
rias pelos seus fã fè rifõ ss e estes b e n e ficiare m os que estão em
. p io r situ a çã o; "som ós le và dõs ao p rin c íp io da difere nç a se
desejamos esta b elecer o siste m a socia l de m a n e ira que n in
gué m ganh e n e m perca p or causa de seu lu g a r a rb itrá rio na
d istrib uiç ã o dos bens n a tura is ou de sua posição in ic ia l na
sociedade sem d ar ou receber vantagens compensadoras em
tro c a " (1971:102). Isso, poré m , é erra do ou, p e lo m enos, e n
ganoso. J S ó jjq m c ^je ^^ s e xom
"p erd a s e g a nh o s " quis erm os nos re fe rir a. p e rd as e ganhos,
jgm term os de b e ris s ó a ^ 'ü p 'm tc íp io da difere nç a assegu
ra que os b e m -dota dos n ão consiga m m ais bens sociais ape
nas p or causa de seu lu g a r a rb itrá rio na distrib uiç ã o dos bens
n atura is e que os d eficie nte s não sejam priv a dos dos bens so
ciais apenas p or causa de seu lu g a r nessa distrib uiç ã o . Isso,
co ntu do , n ão " m itig a " in te ira m e n te "o s e fe itos do a cid e nte
n a tura l e da circunstâ ncia so cia l" (1971: 100). Pois os b e m -
dota dos a in d a conse gu e m o b e m n a tu ra l de sua dota çã o,
b e m este do q u a l o d e ficie n te é im ere cid a m e nte priv a do . O
prin cípio da difere nça pod e assegurar que eu te nh a o m esmo
pacote de bens sociais que o de um a pessoa d eficie nte . C on-
A IG U A LD A D E LIB E R AL 93

tudo, a pessoa d e ficie nte e nfre nta custos m é dicos e de tra ns


porte e xtra ordin ários. E la suporta u m fardo im ere cido na sua
capacidade de le v ar um a vid a s a tisfa tória , u m fardo d e cor
re nte das circunstâ ncia s, n ão das suas escolhas. „Q p rin c íp io
da d ife re n c ia n te s p e rm ite que re m ove este fa rd o 5.

5. E sta obje ç ã o é le v a nta d a p o r Ç a m ^^L e rx , e m bora a mbos colo q u e m


e rro n e a m e nte a culp a p e lo pro ble m a rio c o m p ro m is s o d e R a wls com o uso dos
b e ns p rim á rio s p ara d e fin ir a p io r posiç ã o (B arry, 1973: 5 5-7; Sen, 1980: 215-
6). O p ro b l e m a est á - e f e tiv a m g n t e j a a u is & jr K Q m p l e to ^ e R a wls fa z dos b e ns
prim á rio s - isto é, sua exclusã o a rb itrá ri a dos b e n s p rim á rio s n a tura is d o ín d i-
c e jR a w ls re a lm e nt e discute a id é ia d e com p e ns a r as d e sv a nta g e ns n a tura is,
m a s ap e na s e m fu n ç ã o de u m F prin c íp io d e r e p a r a f ã õ l^ iu iq u a i a c om p e ns a -
ção é f e it a p ara re m o v e r os e fe itos d jrptns Ha HpgvarUAgpm p, m m isso, cria r.
ig u a ld a d e .d e .o p o rtu n id a d e , (R awls, 1971: 100-2). R a wls re je ita corre ta m e nte
esta vis ã o c o m o im p o ssív e l e ind e s e já v e l. M a s p o r qu e n ã o v e r a comp e ns a ç ã o
c om o u m a m a n e ira de e lim in a r u m a d e sig u a ld a d e im e re cid a nos b e ns p rim á
rio s gerais? C o m p e n s a r as pessoas p e lo s custos n ã o e scolhid os d e sua s de s#
v a nta g e n s n a tura is deve ser fe ito , n ã o d e m a n e ira qu e poss a m c o m p e tir c orri
o u tro s e m p é d e igu a ld a d e , m as de m o d o que poss a m t e r a m e sm a ca p a cid ad a
de c o n d u z ir u m a v id a s a tisfa tória . P ara m a is sobre isso, com p are M ic h e lm a rl
(1975: 33 0-9), G u tm a n n (1980: 126-7) e D a n ie ls (1985: cap. 3) co m P ogge
(1 9 8 9:1 8 3-8) e M a p e l (198 9:1 0 1-6).
A lg u n s com e ntarista s a rg u m e n ta m qu e R a wls re a lm e nt e suste nta a
comp e ns a ç ã o das d e sv a nta g e ns n a tura is, m a s n ã o co m o qu e stã o d e justiç a .
E m v e z disso, ele v ê nossas obrig a çõ e s p.ara.ç.omP S J lâ t U í a lm g a t e de sfa YMfe-
jt id o s com o " de vere s j a frqn e Y plg nq a p pfrü çft" (M a rtin , 1 9 8 5:1 8 9-91) o u " d i-
j e i t o s d e m o r a lid a d e " (P ogge, 19 8 9:1 8 6-91 , 275). E stas obrig a çõ e s p ara com
os d e sfavore cidos n ã o são qu e stões de m era c arida d e , pois d e v e m ser c o m p u l
soria m e nte aplic a d a s p or m e io do E stado, m a s ta m p o u c o são dir e ito s de ju s ti
ça. S e g u n d o P ogg e e M a rtin , a t e oria d e ju stiç a dp R a wls é iL ie s p e ito d a " ju s -
-Jtica fu n d a m e n t a l” , ao.n asso_fiu e a co m p a a s a c a o ja c a . os. n a tura lm e nte , d e sfa
vore cid o s d iz re sp e ito à " ju s tiç a g era l d ^ u n iv e rs o " (M a rtin , 1985:180; Pogge,
1 9 8 9 :189). Infer¡?m é hté , ñ e n h u m " a u tor e xplic a este contra ste n e m co m o ele é
co m p a tív e l co m a ê nfa se de R a wls e m " m itig a r os e fe itos do a cid e nte n a tura l
e d a fo rtu n a so cia l" (R awls, 1971: 585)._M artin, p o r e x e m plo , . p a j^ j i i z e t- q u e
m itig a r os e fe itos dos bens n a tura is i
ta l, ao p a sso qu e m itig a ro s r f e i ^ d a s . ^ f e ^ B m t t a í u a t e dif e re n cia is
é jr m a qu e stã o de b e n e volê ncia (M a rtin , 1985: 178). É d ifíc il p erc e b er o que,
e m u m a a b ord a g e m ra w lsia n a , ju s tific a esta distin ç ã o . (Bria n B a rry a rg u m e n
ta q u e esta re striç ã o só é le g ítim a se R a wls e stiv er a b a nd o n a n d o a id é ia in t e i
ra d e ju stiç a co m o ig u a l consid era ç ã o e a d ota n d o a id é ia hobb e sia n a de ju s ti
ça co m o v a nt a g e m m ú tu a - B arry, 1989: 243-6; cf. n. 2 a cim a.)

i
94 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

R awls parece não te r p erc e bido as im plica çõ e s com ple


tas de seu p ró p rio arg um e nto contra a visã o pre vale ce nte de
ig u a ld a d e de o p ortu nid a d e . A posiçã o que ele estava c riti
c a ndo era esta: (1) A s d e sigu a ld a des sociais são im e re c id a s
e devem ser re tific a d a s ou compensadas, .mas.as- d e sigu a l-
dades n a tura is pod e m in H u e nciar a d istrib u iç ã o em c o n fo r-
m id a d e com a igú a ld a d e de o p ortu nid a d e .'R awls a firm a que
as d e sigu a ld a d e s n a tura is e sociais são ig u a lm e n te im e re
cidas, de m o d o que (1) é "in s tá v e l" . E m v e z disso, endossa:
(2) A s d e sigu ald a d e s sociais d eve m ser compensadas e as|,
desigualdades n a tura is não devem in flu e n cia r a d is trib u iç ã o .!
C o ntu d o, se as d esigu ald a d e s n a tura is e sociais são mesmos !
ig u a lm e nte im ere cid a s, e ntã o (2) ta m b é m é in stá v e l. D e ve-f
mos, em ve z disso, endossar: (3) A s d esigu alda d es n atura is
e sociais d e ve m ser com pensadas. S e gundo R awls, qs,.p£s_-
, soas nascidas e m u m a classe o u raça d esf a varecid a n ã o ape_-
t nas n ão d eve m ser priv a d a s dqs.b e a e fícios^ocia is, m a s.ta m -
„b é m devem te r d ire ito a um a compensação p o r causa dessa
, d e sva nta g e m .! P or que tra ta r de m a n e ira d ife re n te pessoas
n ascida s com d e ficiê n cia s n a tura is? P or que n ã o d e v eria m
ta m b é m te r d ire ito a um a compensação p o r sua d e sva nta
gem (por exem plo, cuid ados m é dicos subsidiados, tra n sp or
te, tre in a m e nto pro fissio n a l etc.), a lé m do d ire ito de não se
re m discrim in a d a s?
E ntão, há ra zões in tu itiv a s e contra tu a is p ara ie ro n h e cer
as .deficiências n atura is como fund a m e ntos p ara a compensa
ção e p ara in c lu ir os bens prim á rios n aturais no índice qu e de-
te rm in a que m está na p io r posição. H á dificuld a d e s em te nta r
com p ensar d e sigu alda d es n a tura is, com o d is c u tire i na seção
4b abaixo. Pode ser im possível fa z er o que nossas instituiçõ e s
nos diz e m que é m a is ju sto . R awls, p oré m , sequer re conh e
ce a d e s e ja bilid a d e de te n ta r com p e nsar ta is d esigualdades.

(ii) Subvenção das escolhas das pessoas

O se gundo pro ble m a d iz re sp e ito ao re verso dessa in


tuiç ã o . A s pessoas n ã o m erecem su p orta r o fa rd o de custos
A IG U A LD A D E LIB E R AL 95

n ão e scolhidos, m as com o d e ve m os re a g ir a pessoas que


e scolh e m fa z e r coisas custosas? N o rm a lm e n te s e ntim o s
que custos n ão e scolhidos tê m m a ior d ire ito sobre_n¿k¿i& que
custos v o lu n ta ria m e n te e s c Q lhid o s,'0 que s e ntim os a res
p e ito de a lgu é m que gasta U S$ 100 p or sem ana em u m tra
ta m e nto caro p ara o co ntrole de um a doe nça n ão e scolhid a
é d ife re n te do que s e ntim os a re sp e ito de a lgu é m que gasta
U S$ 100 p or sem ana em u m v in h o caro porqu e gosta de seu
sabor. R a wls re corre a esta in tu iç ã o qu a ndo critic a a visã o
pre vale ce nte a fa vor da in s e n sibilid a d e p ara com a n ature z a
n ão e scolhid a das d esigu ald a d e s n a tura is. C om o, poré m ,
devemos ser sensíveis às escolhas das pessoas?
Im a gin e que conseguim os ig u a la r a s x k nmstândas^S Q -
ciais e n a tura is dás pessoas. Para consid erar.oxa so m a is sim
ples, im a gin e duas pessoas de..igua],.ta le n t o n a tura l que com
p a rtilh a m o m esm o h istóric o social. U m a qu e r jo g a r tê n is o
d ia in t e iro e, p o rta n to , tra b a lh a e m um a fa z e nd a apenas
o te m p o n ece ssário p ara g a n h ar o d in h e iro s u ficie n te p ara
com prar terra , fa z er um a quadra de tê nis e suste ntar o e stilo
de v id a que deseja (isto é, a lim e nta ç ã o, v e stu á rio , e q u ip a
m e nto). A outra pessoa qu er um a qu a ntid a d e sim ila r de terra
para p la n ta r um a h orta e pro d u z ir e v e nd e r v erdura s para si
e para outros. A lé m disso, im a gin e m os, com R awls, que te -
nh a m os com eçado com um a d istrib uiç ã o ig u a ld e recursos,
que é suficie nte para que. ca d a pessoa consiga, a te rra deseja
da e comece a im ple m e nta r re sp ectiva m e nte a quadra de tê
,n is .e.â h orta ¿ O h ortic u lto r logo terá m ais recursos do que ol
jog a d or de tê nis, se p e rm itirm o s que o m ercado funcion e li-1
vre m e nte . E mbora te nh a m com eçado com cotas igu ais de re -l
cursos, o jog a dor de tê nis logo esgotará sua parcela in ic ia l e o
tra b a lho esporádico na fa z enda só lh e trará o suficie nte para
suste ntar seu jo g o de tênis. O h ortic ultor, porém , usa sua cota
in ic ia l de m a n eira que gere um flu xo de renda m a ior e m ais
estável p or m eio de um a qua ntida d e m a ior de tra b a lho.JRawls
só p e rm itiria essa desigualdad e se ela beneficiasse o que está
pm p in r s ita ia c ã n - LqtQ .ér .^ a .b a n e firia s s e n jo gador de tê nis,
que agora carece m u ito de renda.. Se o jog a d or de tê nis n ão se
96 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

b e n eficia da desigualdade, então, o governo deve tra n sfe rir


algo de sua re nd a para ele, para que a re nd a seja igu ala d a .
C ontudo, há a lgo p e culia r em diz e r que ta l trib u to é n e
cessário para im p o r a igu ald a d e , qu a ndo isso é com pre e ndi
do com o tra ta r ambas as pessoas com o igu a is. L e m bre que
o jo g a d or de tê nis te m os m esmos ta le n to s que o h o rtic u l
tor, o m e sm o h istóric o social e com e çou com um a dotação
de recursos ig u a l. C om o re sulta do, ele pod eria te r e scolhido
a h ortic u ltu ra , g era dora de re nd a , se desejasse, e xatam ente
com o p o d e ria te r e scolhid o o tê nis, n ã o g era dor de re nda .
A m b o s d e p arara m com um le qu e de opções que ofere cia
qu a ntid a d e s e tip os v aria dos de tra b a lho, la z er e renda. A m -j
bos escolheram a opção que pre feria m . A ra z ão pela qual nãcj
e scolhe u a h o rtic u ltu ra , p orta n to , é que ele pre fe riu o la z eiij
e nqu a nto o o u tro pre fe riu a re nd a .
D a do que estas difere nça s de e stilo de vid a são liv re
m e nte e scolhid a s, com o é possíve l que ele seja tra ta d o d e
sigu a lm e nte , q u a ndo se p e rm ite que o o u tro te n h a a re nd a
e o e stilo de vid a que ele n ão quis?„R a wls d efe nd e o p rin
cípio da difere nç a diz e nd o que ele co ntra b a la nça as d e si
gu ald a d e s das co ntin g ê n cia s n a tura is e socia is, E stas, p o
ré m , n ão são rele va nte s a qui. E m ve z de re m ov er um a d es
va nta g e m , o prin c íp io da difere nça sim ple sm e nte fa z o h o r
tic u lto r su b sidia r o desejo disp e n dioso de la z er do o utro .
E le te m de p a g ar p elos custos de sua escolha - isto é, ele re
n u n cia ao la z e r p ara co n s e g uir m a is re nd a . O o u tro , p o
ré m , n ão te m de p a g ar p e los custos de sua escolha - isto é,
n ão re n un cia a re nd a para cons e guir m ais la z er. E le espera
e R a wls re q u e r que o h o rtic u lto r pague p e los custos da p ró
p ria escolha e que ta m b é m subsidie a escolha d ele. Isso não
prom ov e a igu a ld a d e ; isso a sola pa . U m consegue seu e sti
lo de vid a pre fe rid o (tê nis p o r la z er) m ais certa re nd a p ro
v e nie nte dos trib u to s im p o stos ao h o rtic u lto r, ao passo que
este consegue seu e stilo de vid a pre fe rid o (h orta , g eradora
de re nd a) m e nos c erta re nd a que lh e é d e d u z id a sob a fo r
m a de trib u to s . E le te m de re n u n cia r a p arte d o que to m a
sua vid a v a lios a p ara que o o u tro possa te r m ais do que ju l-
A IG U A LD A D E LIB E R AL 97

ga y a Jioso/E le s, neste s e ntid o , são tra ta d o s d e sigu a lm e nte


sem n e nhum a ra z ão le g ítim a .
Q u a n d o as d e sigu a ld a d e s de re n d a re sulta m de e sco- ^
lh a s, n ã o de circu n stâ n cia s, o p rin c íp io da dife re n ç a a nte s
cria que re m ove a in e qüid a d e . Tra tar as pessoas com ig u a l
intere sse re q u e r que as pessoas p a gu e m p e los custos das
pró pria s e scolha s. P agar p o r escolhas é o in v e rso de nossa
intuiç ã o a re sp eito de n ão pagar p or circunstâncias desiguais.
É in justo as pessoas serem desfavorecid a s p or d e sigu alda d e s
de circunstâ ncia s, m as é igu a lm e nte in ju s to que eu exija que
'¿ilgum a o utra pessoa pague p elos custos de m inh a s escolh a^.
E m lin g u a g e m m a is té cnic a , u m esquem a d is trib u tiv o deve
ser "in s e n sív e l à dota ç ã o " e "s e nsív e l à a m biç ã o " (D w orkin ,
1981: 311). O d e stin o das pessoas deve d e p e nd e r de suas
ambições (no s e ntido a m plo de obje tivos e projetos na vid a),
mas n ão de seus dote s n a tura is e sociais (as circunstâ ncia s
em que buscam suas a m bições).
O pró prio R awls e nfa tiz a que somos responsáveis p e losj
custos de nossas e scolhas. N a v erd a d e , é p o r isso que sua i
d escriçã o de ju s tiç a m e d e a p arcela de b e ns p rim á rio s das
-pessoas, n ã o seu n ív e l de b e m-e star. O s que tê m gostos d is
p e ndiosos cons e guirã o m e nos b e m -e sta r de u m p a cote de
b ens prim á rio s do que aqueles com gostos m ais m od estos.
M a s, d iz R awls, isso n ão sig n ific a que a queles com gostos
m odestos devam subsidiar os extravagantes, pois tem os "c a
p a cid a d e de a ssum ir re sp o n s a bilid a d e p e los nossos fin s " .
P orta nto, "pre sum e -s e que .aqueles com -gostos m e nos d is
p e ndiosos, n o curso de sua. vid a , a justara m seus gostos e
aversões à re n d a e à riq u e z a qu e p od e xia m ra z o a v e lm e n te
esperar, e é consid era do in ju s to que agora devam te r m e n os,
p ara p o u p a r os o utro s d a s c o n s e q ü ê n c ia s " de sua e xtra v a
g â ncia (R awls,1 982b: 168-9; cf. 1975: 5 5 3-1 9 8 0:3 1 5; 1974:
643; 1978: 63; 1985: 243-4). P orta nto, R awls n ão deseja fa z er
com que o h o rtic u lto r subsidie o jo g a d or de tê nis. N a v e r
dade, ele d iz fre qü e nte m e nte que sua concepção de ju stiç a
pre ocup a-se com a re gulariz a çã o das desigualdades que a fe
ta m as oportunid a d e s de vid a das pessoas, não das d e sigu a l-
98 FIL O S O FIA P O LÍTIC A C O N T E MP O R Â N E A

dades d e correntes das escolhas de vid a das pessoas, que são


da re sponsa bilid ad e do in d ivid u o (1971: 7, 96; 1978: 56; 1979:
14-5; 1982£>: 170). In fe liz m e n te , o prin c íp io da difere nça n ã oj
fa z ta l distin ç ã o e ntre d e sigu alda d es e scolhid a s e não e s c o f
Ihid a s. P orta nto, um re sulta do possível do p rin c ip io da d if e l
rença é fa z er as pessoas p ag are m pelas escolhas dos o u tro s j
se p or acaso aqueles com a m e n or re nd a e stivere m nessa si-i \
tuação p or escolha, com o o jo g a d or de tênis. R awls qu er q u e f;
o prin c íp io da difere nç a m itig u e os e fe itos inju sto s da des
va nta g e m n a tura l e social, mas ele ta m b é m m itig a os e feitos
le g ítim o s da escolha e do e sforço pessoais.
E ntã o, e m bora R a wls re corra a esta distin ç ã o e ntre es
colh a s e circunstâ ncia s, seu p rin c íp io da difere nç a o vio la
de duas m a n e ira s im p orta n te s . S upõ e-se que ele m itig u e
o e fe ito do lu g a r de um a pessoa~nãT^s m b u iç ã o dos bens
ria tnra tsyM a s. com õ- R ãwls~ êxclui o s b ens p rim á rio s n a tu
ra is d o ín d ic e que d e te rm in a qu e m está em p io r posição,
n ã o há, na verd a d e , n e nhum a compensação p ara os que so
fre m d esva nta g e ns n a tura is im ere cid a s. Inv ers a m e nte , su
põ e-s e que as pessoas sejam re sponsá veis p elos custos de
suas escolhas. O p rin c íp io da difere nç a , poré m , re q u e r que
algum a s pessoas su bsidie m os custos das escolhas de o u
tra s pessoas. P odem os fa z e r m e lh o r uso do ser "s e n sív e l
à a m biç ã o " e "in s e n s ív e l à d ota ç ã o "? Esse é o o b je tiv o da
te oria de D w o rk in . 4

4. D w o rk in so bre a ig u a ld a d e d e re curso s

D w o rk in a ceita o o bje tivo de ser "s e nsív e l à a m biç ã o " e


"ins e n sív e l à d ota ç ã o " que m o tivo u o prin c íp io da difere nça
de R awls. Pensa, p oré m , que u m e squem a d is trib u tiy o d ife
re nte podeder. m a is sucesso n o que se re fere a e star à a ltura
deste id e a l. Sua te oria é com plic a d a - e nvolve o uso de le i
lões, esquem as de se guro, m ercados livre s e trib uta ç ã o - e é
im possív e l e xpor a te oria in te ira . A pre s e ntare i, poré m , a lg u
m as de suas id é ia s in tu itiv a s ce ntrais.

Você também pode gostar