Juha ni Pallasmaa zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE

O S O L H O S D A PELE zyxwvuts

A arquitetwa e os sentidos

Prefácio d e St e v e n Ho U
 • í zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1
v izyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
PREFACIO

q u i t e t o b r i l h a n t e c o m insights fenomenológicos . E l e p r a t i c a a a r q u i t e t u r a d o s
s e n t i d o s , impossível d e s e r a n a l i s a d a , c u j a s características fenomenológica s
SUM ÁRIO
"i c o n c r e t i z a m s u a s i d e i a s s o b r e a f i l o s o f i a d a a r q u i t e t u r a .
E m 1 9 9 3 , após u m c o n v i t e d e T o s h i o N a k a m u r a , e u e e l e t r a b a l h a m o s ,
c o m A l b e r t o Pérez- G ómez, n a produ ção d o l i v r o Questions ofPerception: Phe-
nomenology of Architecture. Vá rios a n o s d e p o i s , o s e d i t o r e s , Architecture +
Urbanism, d e c i d i r a m r e p u b l i c a r es te l i v r e t o , p o r c o n s i d e r a r s eu s argumentos
imp or ta n tes aou tros arqu itetos.
Os Olhos da Pele, d e J u h a n i P a l l a s m a a , u m d e s d o b r a m e n t o de Questions
PARTE 1 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
V I S Ã O EC O N H E C I M E N T O 1 5
of Perception, é u m a discussão m a i s c o n c i s a e m a i s c l a r a d a s dimensões f e n o -
OS CRÍ T I CO S D A P RI O RI Z A ÇÃ O D O S O L H O S 19
menológicas c r u c i a i s d a experiência h u m a n a n a a r q u i t e t u r a . D e s d e a p u b l i c a -
O O L H O N A RCI SI ST A E N I I LI STA 21
ção d e Experiencing Architecture ( 1 9 5 9 ) , o b r a d e S t e e n E i l e r R a s m u s s e n , não
E SP A Ç O O R A LzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
VERSUS ESP A ÇO V I SU A L 2 2
h a v i a u m t e x t o tã o s u c i n t o e c l a r o q u e p u d e s s e s e r útil a e s t u d a n t e s e a r q u i t e -
A A R Q U I T E T U R A D A RET I N A E A P E R D A D A P L A ST I CI D A D E 2 5
tos, e s p e c i a l m e n t e n e s s e m o m e n t o crítico d o d e s e n v o l v i m e n t o d a a r q u i t e t u r a
U M A A R Q U I T E T U R A D E I M A G E N S V I SU A I S 2 9
d o sécu lo X X I .
M A T ER I A L I D A D E ET E M P O R A U D A D E 3 0
The Visible and the Invisible, ob r a qu e M er l ea u - P o n ty estava escrevendo
A REJEI ÇÃ O D A JA N EL A D E A L B E R T I 3 3
q u a n d o f a l e c e u , contém u m capítu lo s u r p r e e n d e n t e : "The Intertwining - The
U M A N O V A V I SÃ O E O EQ U I LÍ B RI O SEN SO RI A L 3 4
Chiasm". (Foi dele qu e tirei o n o m e d em i n h a p r op os ta p a r a o con cu rs o d o
M u s e u d e A r t e C ontemporâ nea d e H e l s i n q u e - C h i a s m v i r o u K i a s m a , já q u e
PARTE 2
não e x i s t e a l e t r a C e m finlandês.)| N O t e x t o d o capítu lo c h a m a d o Horizon of
O CO RP O N O CEN T RO 3 7
Things ( O H o r i z o n t e d a s C o i s a s ) , M e r l e a u - P o i n t y e s c r e v e u : "N ã o m a i s d o q u e
A EX P ERI ÊN CI A M U L T I SSEN SO RI A L 3 9
o céu o u a t e r r a , o h o r i z o n t e é u m a coletânea d e c o i s a s m a n t i d a s u n i d a s , u m a
A I M P O RT Â N CI A D A SSO M B RA S 4 3
categoria, u m a possib iHdade lógica d e concepção, u m s i s t e m a d e ' p o t e n c i a l i -
A I N T I M I D A D E A CÚ ST I CA 4 6
d a d e d e consciência': e l e é u m n o v o t i p o d e s e r , u m s e r d e p o r o s i d a d e , fecun-
SI L ÊN CI O , T E M P O E SO U D Ã O 4 8
didade o u generalidade...
ESP A ÇO S A R O M Á T I C O S 5 1
N a p r i m e i r a déca da d o sécu lo X X I , e s s a s i d e i a s u l t r a p a s s a m o h o r i z o n t e
A FO RM A D OTOQU E 5 3
o " p e n e t r a m n o s s a pele". N o m u n d o i n te i r o , o sb en s d ec o n s u m o promovi-
O SA B O R D A P ED RA 5 5
dos p o r técnicas d e p u b l i c i d a d e hiperb óhca s s e r v e m p a r a s u p l a n t a r n o s s a
I M A G E N S D E M Ú SC U L O S E O SSO S 5 7
consciência e e s m a e c e r n o s s a c a p a c i d a d e d e reflexão. N a a r q u i t e t u r a , a a p l i -
I M A G E N S D E A ÇÃ O 5 9
c.içiio d e técnicas n o v a s e s u p e r c a r r e g a d a s c o m recu rsos digitais a gor a s e
A I D EN T I FI CA ÇÃ O C O R P O R A L 6 1
u n e a e s s a hipérb ole. C o m e s s e f o r t e ru ído d e f u n d o , a o b r a d e P a l l a s m a a
A M I M ESE D O CO RP O 6 3
f v o c i i n o s s a s olidã o c o n t e m p l a t i v a e e m p e n h o - o q u e e l e j á c h a m o u d e " A
E SP A Ç O S D A M E M Q R I A EI M A G I N A Ç Ã O 6 4
Arciuit et ura d o S ilêncio". I n s i s t i r e i p a r a q u e m e u s a l u n os l e i a m esta obra,e
U M A A R Q U I T E T U R A D O S SEN T I D O S 6 5
rfílila m s o b r e o fru ído d e f u n d o " ' ^ ' H o j e , a " p r o f u n d i d a d e d enosso ser" s e
A FU N ÇÃ O D A A RQ U I T ET U RA 6 7
ciKoiU r a sobre gelo fino.
N OTAS 6 9
 INTRODUÇÃO
TOCANDO O M UNDO
Juhani Pallasm aa zyxwvutsrq

E m 1 9 9 5 , o seditores d a A c a d e m y E d ition s , d eLondres , m e c o n v i d a r a m

pzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a r a e s c r e v e r u m v o l u m e d e s u a série " P o l e m i c s " , n a f o r m a d e u m e n s a i o
a m p l i a d o d e 3 2 páginas s o b r e u m t e m a q u e e u c o n s i d e r a s s e p e r t i n e n t e a o
d i s c u r s o d a a r q u i t e t u r a d e então. O r e s u l t a d o - m e u p e q u e n o l i v r ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
The Eyes of
the Skin: Architecture and the Senses - f o i p u b l i c a d o n oa n o s e g u i n t e .
A s i d e i a s básicas d a s e g u n d a p a r t e d e m e u m a n u s c r i t o f o r a m r e t i r a d a s d e
u m e n s a i o i n t i t u l a d o " A n A r c h i t e c t u r e o f t h e S e v e n S e n s e s " , p u b l i c a d o e m Ar-
chitecture + Urbanism, Questions ofPerception (S pecia l Issu e, J u l y 1 9 9 4 ) , u m a
pu blicação s o b r e a o b r a d e a r q u i t e t u r a d e S t e v e n H o l l , a q u a l tamb ém incluía
e n s a i o s d o próprio S t e v e n H o l l e d e A l b e r t o Pérez- G ómez. L o g o d e p o i s , e m u m
seminário s o b r e a f e n o m e n o l o g i a d a a r q u i t e t u r a n a A c a d e m i a R e a l D i n a m a r -
q u e s a d e B e l a s A r t e s , e m C o p e n h a g u e , e m j u n h o d e 1 9 9 5 , o s três e s c r i t o r e s d e
Questions ofPerception p a l e s t r a r a m e i s s o , f o r n e c e u o s a r g u m e n t o s básicos e a s
referências p a r a a p r i m e i r a p a r t e d o l i v r o .
O s i n g e l o l i v r e t o t e v e u m a recepção m u i t o p o s i t i v a - a l g o q u e d e c e r t a
m a n e i r a m e s u r p r e e n d e u - e s e t o r n o u l e i t u r a ob rigatória e m d i s c i p h n a s d e
teoria d aa r q u ite tu r ad ediversas facu ldades d ea r q u ite tu r ad etod o o m u n d o .
C o m o consequ ência, a edição e s g o t o u - s e r a p i d a m e n t e , e n o s a n o s s e g u i n t e s o
l i v r o p a s s o u a c i r c u l a r n a f o r m a fotocópias.
O e n s a i o polémico b a s e o u - s e i n i c i a l m e n t e e m experiências, opiniões e
especu lações p e s s o a i s . Já há a l g u m t e m p o v i n h a m e p r e o c u p a n d o c o m a p r e -
dileção a f a v o r d a visão e e m d e t r i m e n t o d o s d e m a i s s e n t i d o s n o m o d o como
a a r q u i t e t u r a e r a c o n c e b id a , e n s i n a d a e cr itica d a , b e mc o m o o c o n s e q u e n t e
d e s a p a r e c i m e n t o d a s características s e n s o r i a i s e s e n s u a i s n a s a r t e s e n a a r q u i -
tetura.
; C|:> ívinv-^S
10 INTRODUÇÃO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA INTRODUÇÃO 11

O i n t e r e s s e p e l o s i g n i f i c a d o d o s s e n t i d o s - t a n t o filosófico c o m o e m t e r - g r a m n o continuum tátil d a i n d i v i d u a l i d a d e ^ m e u c o r p o m e f a z l e m b r a r qu em

m o s d es eex p er im en ta r , fazer e en s in a r a a r q u i te tu r a - cresceu significati- e u s ou e on d e m elocalizo n om u n d o / M e u cor p o é o verd a d eiro u m b i g o d e
v a m e n t e n o s 1 0 a n o s s e g u i n t e s à e s c r i t a d o l i v r o . M i n h a s su posições s o b r e o m e u m u n d o , não n o s e n t i d o d o p o n t o d e v i s t a d a p e r s p e c t i v a central, mas
p a p e l d o c o r p o h u m a n o c o m o l o c a l d e percepção, p e n s a m e n t o e consciência c o m o o próprio l o c a l d e referência, memória , imaginação e integração.
e o significado d o s s e n t i d o s n a articu lação, n a a r m a z e n a g e m e n o proces- É e vid e n te q u e u m a a r q u i t e t u r a " q u e in ten s ifiq tie a^yida"^ d e v a provo-
s a m e n t o das respostas sensoria is e d os p e n s a m e n to s têm s i d o reforçadas e c a r t o d o s g s s e n t i d o s s i m u l t a n e a m e n t e e j u n d i r n o s s a i m a g e m d e indiyíá u os
confirmadas. c o m n o s s a experiência d o j n u n d o . A t a r e f a m e n t a l e s s e n c i a l d a a r q u i t e t u r a é
C o m o títu lozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Os Olhos da Pele t e n t e i e x p r e s s a r a importância d o t a t o p a r a a c o m o d a r e i n t e g r a r . A a r q u i t e t u r a a r t i c u l a a experiência d e s e f a z e r p a r t e d o
experimentarmos e entendermos o m u n d o , m a s ta mb ém b u s q u e i provocar m u n d o e reforça n o s s a sensação d e r e a l i d a d e e i d e n t i d a d e p e s s o a l ; e l a nã o
u m c u r t o - c i r c u i t o c o n c e i t u a i e n t r e o s e n t i d o d o m i n a n t e d a vis ã o e d o t a t o , n o s faz h a b ita r m u n d o s d e m e r a a rtificia U d a d e e fa n ta s ia .
a modalidade r e p r i m i d a d o s s e n t i d o s . Após e s c r e v e r o t e x t o o r i g i n a l , soube A sensação d e i d e n t i d a d e p e s s o a l , reforçada p e l a a r t e e p e l a a r q u i t e t u r a ,

q u e n a v e r d a d e n o s s a p e l e é c a p a z d e d i s t i n g u i r d i v e r s a s c o r e s ; nós r e a l m e n t e permite que nos envolvamos t o t a l m e n t e n a s dimens ões m e n t a i s d e s o n h o s , '

v e m o s c o m a n o s s a pele.^ ima gina ções e d e s e j o s . M ifíca ções e c i d a d e s f o r n e c e m o h o r i z o n t e p a r a o 'k^

A p r i m a z i a d o t a t o t e m s et o r n a d o c a d a v e z m a i s e v i d e n t e . O p a p e l d a ^ e n t e n d i m e n t o e o c o n f r o n t o ^ d a condição e x i s t e n c i a l h u m a n a . E m v e z d e c r i a r ]

vis ã o periférica e a f o c a l n a n o s s a vivência d o m u n d o , b e m c o m o nà n o s s a m e r o s o b j e t o s d e sedu ção v i s u a l , a a r q u i t e t u r a r e l a c i o n a , m e d i a e p r o j e t a s i g -

experiência d a i n t e r i o r i d a d e d o s espaços q u e h a b i t a m o s ^ ta mb ém t e m cha- n i f i c a d o s . O s i g n i f i c a d o f i n a l d e q u a l q u e r edificação u l t r a p a s s a a a r q u i t e t u r a ; \

m a d o m i n h a atenção. A própria essência d e n o s s a vivência é m o l d a d a pela e l e r e d i r e c i o n a n o s s a consciência p a r a o m u n d o e n o s s a própria sensação d e \

'

t a t i l i d a d e e p e l a visão periférica a f o c a l . A visão f o c a d a n o s p õe e m c o n f r o n t o t e r m o s u m a id en tid a d e e e s ta r m o s vivos . A a r q u i t e t u r a s ign ifica tiva faz c o m \

c o m o m u n d o , e n q u a n t o a visão periférica n o s e n v o l v e n a c a r n e d o m u n d o . q u e n o s s i n t a m o s c o m o s e r e s corpóreos e e s p i r i t u a l i z a d o s . N a v e r d a d e , e s s a é

J u n t o c o m a crítica d a h e g e m o n i a d a vis ã o, d e v e m o s r e c o n s i d e r a r a própria a g r a n d e missão d e q u a l q u e r a r t e s i g n i f i c a t i v a . - '^

essência d a visão. A o e x p e r i m e n t a r a a r t e , o c o r r e u m intercâmb io p e c u l i a r : e u e m p r e s t o

T o d o s o s s e n t i d o s , i n c l u i n d o a visão, são extensões d o t a t o ; o s s e n t i d o s m i n h a s emoções e associações a o espaço e o espaço m e e m p r e s t a s u a a u r a , a

são especializações d o t e c i d o cu tâneo, e t o d a s a s experiências s e n s o r i a i s são q u a l i n c i t a e e m a n c i p a m i n h a s percepções e p e n s a m e n t o s . U m a o b r a d e a r q u i -

va r ia n tes d o ta to e, p o r ta n to , rela cion a d a s à ta tilid a d e. N o s s o con ta to c o m o t e t u r a nã o é e x p e r i r n e n t a d a c g m o _ u m a série d e i m a g e n s i s o l a d a s n a r e t i n a , e

m u n d o s e dá n a l i n h a divisória d e n o s s a s i d e n t i d a d e s p e s s o a i s , p e l a s partes s i m e m suai essência m a t e r i a l , corpórea e e s p i r i t u a l j o t a l m e n t e i n t e g r a d a . Êla

especializadas d enos s a m e m b r a n a d e r eves timen to, o f e r e c e f o r m a s e superfícies agradáveis e c o n f i g u r a d a s p a r a o toqíie d o s olhos

A opinião d o antropólogo A s h l e y M o n t a g u , b a s e a d a e m evidências médi- e d o s d e m a i s s e n t i d o s , m a s ta mb ém i n c o r p o r a e i n t e g r a a s e s t r u t u r a s físicas e

m e n t a i s , d a n d o m a i o r coerência e s i g n i f i c a d o à n o s s a experiência e x i s t e n c i a l .
c a s , c o n f i r m a a p r i m a z i a d a e s f e r a tátil:
I . - ^ ' ^ A p e l e ] é n o s s o órgão m a i s a n t i g o e m a i s sensível, n o s s o p r i m e i r o m e i o d e c o - Q u a n d o t r a b a l h a m , t a n t o o a r t i s t a c o m o o artesão estão d i r e t a m e n t e e n -

muiíiCação e n o s s a p r o t e t o r a m a i s e f i c i e n t e . . . Até m e s m o a córnea t r a n s p a r e n t e v o l v i d o s c o m s e u c o r p o e m s u a s experiências e x i s t e n c i a i s ; e l e s nã o f o c a m u m

dos olh os é cob erta p or u m a ca m a d a de pele modifica da ... O ta to é p a i de nossos p r o b l e m a ex ter n o e ob jetivo. U m a r qu iteto perspicaz tr a b a lh a c o m tod o seu
e)lhos , n o s s o n a r i z , n o s s a b o c a . E l e é o s e n t i d o q u e s e e s p e c i a l i z o u e g e r o u o s c o r p o e s u a i d e n t i d a d e . A o t r a b a l h a r e m u m prédio o u o b j e t o , o a r q u i t e t o está
I d e m a i s , a l g o q u e p a r e c e s e r r e c o n h e c i d o p e l o f a t o d e s e r c o n s i d e r a d o há m u i t o
simu ltaneamente envolvido e mu m a perspectiva inversa, su a autoimagem
t e m p o " o p a i d e tod os os s en tid os ".^
o u , m a i s p r e c i s a m e n t e , s u a experiência e x i s t e n c i a l . N o t r a b a l h o c r i a t i v o , há
O t a t o é o m o d o s e n s o r i a l q u e i n t e g r a n o s s a experiência d e m u n d o com identificação e projeção p o d e r o s a s ; t o d a a constitu ição c o r p o r a l e m e n t a l d o
n o s s i i i n d i v i d u i i l i d a d c . Até m e s m o a s percepções v i s u a i s s e m e s c l a m e i n t e - cr ia d or seto r n a o ter r en o d aob ra . L u d w i g W i ttg e n s te i n , cu ja filosofia ten d e a
12 INTRODUÇÃO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA INTRODUÇÃO 13

s e d e s v i n c u l a r d o imaginário c o r p o r a l , r e c o n h e c e a interação t a n t o d a s obras f o r a s t e i r o s , e m compa ra çã o c o m o e x t r e m o e n v o l v i m e n t o e m o c i o n a l provo-

de filosofia c o m o d ea r q u i t e t u r a c o m a imagem d aidentida de: "Trabalhar c a d o p e l o s c o n t e x t o s n a t u r a i s e históricos, é s u a p o b r e z a e m t e r m o s d e visão

c o m filosofia - a s s im c o m o c o m a r q u ite tu r a ,d ediversas m a n e i r a s - r e a l m e n te periférica. A percepção periférica i n c o n s c i e n t e t r a n s f o r m a a gestalt d aretina

é t r a b a l h a r p r i n c i p a l m e n t e e m s i ^ r ó p r i o . E m s u a própria interpretação. E m e m experiências e s p a c i a i s e c o r p o r a i s . A visão periférica n o s i n t e g r a c o m o e s -

c o m o você vê a s c o i s a s . . . " ' * paço, e n q u a n t o a visão f o c a d a n o s a r r a n c a p a r a f o r a d o espaço, n o s t o r n a n d o

O comp u ta d or geralmente é considerado u m a invençã o s o m e n t e b ené- meros espectadores.

fica, q u e l i b e r a a f a n ta s i a h u m a n a e fa cil ita o t r a b a l h o d ep r o j e to eficiente. O o l h a r f i x o d e f e n s i v o e nã o f o c a d o d e n o s s a época, a s s o l a d o p e l a sobre-

G o s t a r i a d e e x p r e s s a r m i n h a séria preocu pação c o m e s s a i d e i a , p e l o m e n o s a o ca rga s en s or ia l, ta lvez c h e g u e a a b r ir n o va s esferas d e vis ã o e p e n s a m e n t o ,

c o n s i d e r a r o p a p e l a t u a l d a compu tação n o p r o c e s s o d e p r o j e t o . A criação d e l i b e r a d a s d o d e s e j o implícito q u e o s o l h o s têm p o r c o n t r o l e e p o d e r . A p e r d a

i m a g e n s p o r c o m p u t a d o r t e n d e a r e d u z i r n o s s a magnífica c a p a c i d a d e d e i m a - d e f o c o p o d e l i b e r a r o s o l h o s d e s u a domina çã o p a t r i a r c a l histórica.

gina çã o m u l t i s s e n s o r i a l , simu ltânea e sincrônica, a o t r a n s f o r m a r o p r o c e s s o

d e p r o j e t o e m u m a manipu lação v i s u a l p a s s i v a , e m u m p a s s e i o n a r e t i n a . O
c o m p u t a d o r c r i a u m a distância e n t r e o c r i a d o r e o o b j e t o , e n q u a n t o o d e s e - "As mãos querem olhar, os olhos querem acariciar "

n h o à mã o e a ela b ora çã o d e m a q u e t e s c o n v e n c i o n a i s p õem o p r o j e t i s t a e m Johann Wolfgang von G oethe^

c o n t a t o tátil c o m o o b j e t o o u o espaço. N a n o s s a ima gina çã o, o o b j e t o está
s i m u l t a n e a m e n t e e m n o s s a s mãos e d e n t r o d a n o s s a cabeça, e a i m a g e m física
projeta da e cria da é m o d e l a d a p or nossos corpos. E s ta m os a om e s m o tempo "O dançarino tem ouvidos nos dedos dos pés."

d e n t r o e f o r a d o o b j e t o . O t r a b a l h o c r i a t i v o e x i g e u m a identificação c o r p o r a l Friedrich Nietzsche^

e m e n t a l , e m p a t i a e compaixão.
U m f a t o r extraordinário n a experiência d e f e c h a m e n t o d e espaços, c r i a -
çã o d e i n t e r i o r e s e t a t i l i d a d e é a supressão d e l i b e r a d a d a visão f o c a d a e con- "Se o corpo fosse mais fácil de entender, ninguém imaginaria que te-

c e n t r a d a . E s s a qu estão r a r a m e n t e t e m e n t r a d o n o d i s c u r s o d a t e o r i a d a a r q u i - mos uma mente."

t e t u r a , q u e i n s i s t e e m s e i n t e r e s s a r p e l a visão f o c a d a e p e l a representação e m Richa rd Rorty^

p e r s p e c t i v a c o m intenções c o n s c i e n t e s .
A s i m a g e n s d e a r q u i t e t u r a f e i t a s c o m f o t o g r a f i a s são i m a g e n s centraliza-
d a s d azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
gestalt f o c a d a ; a i n d a a s s i m , a s características d e u m a r e a l i d a d e d e a r - "O sabor da maçã... está no contato da fruta com o palato, não na
quitetura parecem depender f u n d a m e n t a l m e n t e d a n a t u r e z a d a visão perifé- fruta em si; da mesma maneira... a poesia está no encontro do poema

r i c a , q u e e n v o l v e o s u j e i t o n o espaço. U m a f l o r e s t a c o m o c o n t e x t o , u m espaço com o leitor, não nas linhas dos símbolos impressos nas páginas de um

d e a r q u i t e t u r a m u i t o r i c o , o f e r e c e a m p l o s estímu los p a r a a visão periférica, e livro. O que é essencial é o ato estético, a vibração, a emoção quase

t a l m e i o n o s c e n t r a l i z a n o próprio espaço. A e s f e r a p e r c e p t u a l pré- consciente, física que surge com cada leitura."

q u e é e x p e r i m e n t a d a f o r a d a e s f e r a d a visão f o c a d a , p a r e c e s e r tão i m p o r t a n t e Jorge Luis Borges''

exis ten cia lmen te q u a n t o a i m a g e m focada. D e f a t o , e x i s t e m evidências mé-
d i c a s q u e c o m p r o v a m q u e a visão periférica t e m m a i o r p r i o r i d a d e e m n o s s o
sistema perceptual e mental.^ "Que outra coisa o pintor ou o poeta poderia expressar senão seu en-
E s s a s ob servações s u g e r e m q u e u m a d a s razões p e l a s q u a i s o s c o n t e x - contro com o mundo?"

t o s arqu itetônicos e u r b a n o s d e n o s s a época t e n d e m a n o s f a z e r s e n t i r como Maurice Merleau- Ponty^

 1
PARTEzyxwvutsrqponmlk

Visão e conhecimento zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO

N a c u l t u r a o c i d e n t a l , a visão t e m s i d o h i s t o r i c a m e n t e c o n s i d e r a d a o m a i s n o -
b r e d o s s e n t i d o s , e o próprio p e n s a m e n t o é i g u a l a d o à visão. Já n a f i l o s o f i a
g r e g a , a s c e r t e z a s s e b a s e a v a m n a visão e n a v i s i b i l i d a d e . " O s o l h o s são t e s -
t e m u n h o s m a i s confiáveis d o q u e o s o u v i d o s " , e s c r e v e u Heráclito e m u m d e
s e u s f r a g m e n t o s ^ . Platão c o n s i d e r a v a a visão c o m o a m a i o r dádiva d a huma-
n i d a d e ^ , e i n s i s t i a q u e a s proposições éticas u n i v e r s a i s f o s s e m acessíveis a o
" o l h o d a m e n t e " ^ . Aristóteles ta mb ém c o n s i d e r a v a a visão c o m o o m a i s n o b r e
dos sentidos "p or qu e ela a p r o x i m a m a i s o intelecto, e m vir tu d e d a ima teria li-
da de relativa de seu conhecimento"'.
D e s d e o s a n t i g o s g r e g o s , o s e s c r i t o s d e f i l o s o f i a d e t o d a s a s épocas têm
metáforas o c u l a r e s a b u n d a n t e s , a t a l p o n t o q u e o c o n h e c i m e n t o s e t o r n o u
a ná logo à visão c l a r a e a l u z é c o n s i d e r a d a u m a metáfora d a v e r d a d e . São
Tomás d e A q u i n o c h e g a a a p l i c a r a noção d e visão a o u t r a s e s f e r a s sensoriais,
b e m c o m o à cognição i n t e l e c t u a l .
O i m p a c t o d o s e n t i d o d a visão n a f i l o s o f i a é b e m r e s u m i d o p o r P e t e r S l o -
t e r d i j k : " O s o l h o s são o protótipo orgânico d a f i l o s o f i a . S e u e n i g m a é q u e e l e s
não a p e n a s c o n s e g u e m v e r , m a s ta mb ém p o d e m v e r a s i próprios v e n d o . Isso
l h e s c o n f e r e u m a proeminência e n t r e o s órgãos c o g n i t i v o s d o c o r p o . N a ver-
d a d e , b o a p a r t e d o p e n s a m e n t o filosófico é a p e n a s r e f l e x o d o s o l h o s , dialética
d o s o l h o s , v e r a s i próprio vendo^°". D u r a n t e a Renascença, considerava- se
q u e o s c i n c o s e n t i d o s f o r m a v a m u m s i s t e m a hierárqu ico n o q u a l a visão está
n o t o p o , e o t a t o , n a b a s e . O s i s t e m a r e n a s c e n t i s t a d e hierarqu ização d o s sen-
t i d o s s e r e l a c i o n a v a c o m a i m a g e m d o c o r p o cósmico; a visão s e c o r r e l a c i o -
16 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 1 17

n a v a a o f o g o e à l u z , a au dição, a o a r , o o l f a t o , a o v a p o r , o p a l a d a r , à água e m a n a a e s s a s dimensões. E l a d o m e s t i c a o espaço i l i m i t a d o e o t e m p o infinito,

o tato, à terra ^ \ t o r n a n d o - o tolerá vel, hab itável e compreensível p a r a a h u m a n i d a d e . Como

A invençã o d a representação e m p e r s p e c t i v a tor n ou osolhos o ponto consequ ência d e s s a interdependência e n t r e o espaço e o t e m p o , a dialética d o

c e n tr a l d om u n d o p er cep tu a l, b e m c o m o d ocon ceito d ei d e n ti d a d e pes s oa l. A espaço e x t e r n o e i n t e r n o , d o físico e d o e s p i r i t u a l , d o m a t e r i a l e d o m e n t a l ,

representação e m p e r s p e c t i v a e m s i própria s e t o r n o u u m a f o r m a simb ólica, das p r ior id a d es incons cientes e conscientes e m t e r m o s d es e n t i d o s e d e s u a s

q u e nã o a p e n a s d e s c r e v e , m a s ta mb ém c o n d i c i o n a a percepção. funções e interações r e l a t i v a s t e m u m p a p e l e s s e n c i a l n a n a t u r e z a d a s a r t e s e

N ã o há dú vida d e q u e n o s s a c u l t u r a tecnológica t e m o r d e n a d o e s e p a r a - da arquitetura.

d o o s s e n t i d o s d e m o d o a i n d a m a i s d i s t i n t o . A visão e a au dição h o j e são o s D a v i d M i c h a e l L e v i n p r o v o c a a crítica filosófica d o predomínio d o s olhos

s e n t i d o s s o c i a l m e n t e p r i v i l e g i a d o s , e n q u a n t o o s o u t r o s três são c o n s i d e r a d o s c o m a ssegu intes palavras: "Acho a p r op r ia d o desafiar a h e g e m o n i a d a vis ã o

resquícios s e n s o r i a i s a r c a i c o s , c o m u m a fu nção m e r a m e n t e p r i v a d a e , g e r a l - - o privilégio d o s o l h o s d a d o p e l a n o s s a c u l t u r a . E a c h o q u e p r e c i s a m o s exa-

m e n t e , são r e p r i m i d o s p e l o código c u l t u r a l . S o m e n t e sensações c o m o o p r a z e r m i n a r d e m a n e i r a m u i t o crítica o caráter d a visão q u e a t u a l m e n t e p r e d o m i n a

o l f a t i v o d e u m a refeição, a fragrância d a s f l o r e s e a s r e s p o s t a s à t e m p e r a t u r a e m n o s s o m u n d o . P r e c i s a m o s u r g e n t e m e n t e d e u m diagnóstico d a p a t o l o g i a

têm o d i r e i t o d e c h a m a r a atenção c o l e t i v a e m n o s s o cód igo c u l t u r a l centrado psicossocial d a visão c o t i d i a n a - e d e u m a compreens ã o crítica d e nós pró-

nos olhos e obsessivamente higiénico. p r i o s c o m o s e r e s visionários^^.

A dominâ ncia d a visão s o b r e o s d e m a i s sentidos - e s u a consequente L e v i n r e s s a l t a a tendência à a u t o n o m i a e a a g r e s s i v i d a d e d a visão, a s s i m

predileção n a cogniçã o - t e m s i d o o b s e r v a d a p o r m u i t o s filósofos. U m a cole- c o m o "os espectros d op o d e r p a tr ia r c a l " q u e a f l i n g e m n os s a c u l tu r a centrada

tânea d e e n s a i o s d e f i l o s o f i a i n t i t u l a d azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Modernity and the Hegemony of Vision''^ nos olhos:

a fir m a qu e "des de o s gregos antigos, a cu ltu ra ocid en ta l t e m sido dominada O d e s e j o d e p o d e r é m u i t o f o r t e n a visão. Há u m a tendência m u i t o f o r t e n a visão
p e l o p a r a d i g m a c e n t r a d o n o s o l h o s , u m a interpretação d o c o n h e c i m e n t o , d a a a g a r r a r e a f i x a r , a c o n s i d e r a r c o m o c o n c r e t o e a t o t a l i z a r : u m a tendência a d o -
verdade e d arealidade gerada p e l a visão e n e l a c e n t r a d a " " . E s t e l i v r o i n s t i - m i n a r , f i x a r e c o n t r o l a r q u e , p o r s e r tão f e r o z m e n t e p r o m o v i d a , e m d e t e r m i n a d o
m o m e n t o a s s u m i u u m a h e g e m o n i a incontestável e m n o s s a c u l t u r a e s e u d i s c u r -
g a n t e a n a l i s a " a s conexões históricas e n t r e a visão e o c o n h e c i m e n t o , a visão
s o filosófico, e s t a b e l e c e n d o , a om a n te r a racionalidade in s tr u m en ta ld e nossa
e a o n t o l o g i a , a visão e o p o d e r , a visão e a ética"
c u l t u r a e o caráter tecnológico d e n o s s a s o c i e d a d e , u m a metafísica d a presença
U m a v e z q u e o p a r a d i g m a c e n t r a d o n o s o l h o s d e n o s s a relação c o m o centra da nos olhos.
m u n d o e d e n o s s a concepção d e c o n h e c i m e n t o - o privilégio epis temológico
A cr ed ito q u e m u i t o s aspectos d apatologia d aa r qu itetu r a cotidiana d e nosso
d a visão - t e m s i d o r e v e l a d o p e l o s filósofos, ta mb ém é i m p o r t a n t e a n a l i s a r
t e m p o ta mb ém p o s s a m s e r e n t e n d i d o s m e d i a n t e u m a análise d a e p i s t e m o l o -
c r i t i c a m e n t e o p a p e l d a vis ã o e m relação a o s d e m a i s sentidos, p a ra o en -
g i a d o s s e n t i d o s e u m a crítica à predileção d a d a a o s o l h o s p e l a n o s s a cultura,
t e n d i m e n t o e a prática d a a r t e d a a r q u i t e t u r a . A a r q u i t e t u r a , c o m o t o d a s a s
e m ger a l, e p el a a r q u i t e t u r a , e m especia l. A fa l ta d eh u m a n i s m o d a a r q u i te -
a r t e s , está i n t r i n s e c a m e n t e e n v o l v i d a c o m qu estões d a existência h u m a n a n o
t u r a e d a s c i d a d e s contemporâ nea s p o d e s e r e n t e n d i d a c o m o consequ ência
espaço e n o t e m p o ; e l a e x p r e s s a e r e l a c i o n a a condiçã o h u m a n a n o m u n d o .
d a negligência c o m o c o r p o e o s s e n t i d o s e u m desequ ilíb rio d e n o s s o sistema
A a r q u i t e t u r a está p r o f u n d a m e n t e e n v o l v i d a c o m a s qu estões metafísicas d a
s e n s o r i a l . O a u m e n t o d a a liena çã o, d o i s o l a m e n t o e d a solidã o n o m u n d o
i n d i v i d u a l i d a d e e d o m u n d o , i n t e r i o r i d a d e e e x t e r i o r i d a d e , t e m p o e du ração,
tecnológico d e h o j e , p o r e x e m p l o , p o d e estar r ela cion a d o a certa patologia
v i d a e m o r t e . " A s práticas estéticas e c u l t u r a i s são p e c u H a r m e n t e suscetíveis às
d o s s e n t i d o s . É i n s t i g a n t e p e n s a r q u e e s s a sensação d e alienação e i s o l a m e n t o
experiências mu táveis d e espaço e t e m p o , p r e c i s a m e n t e p o r q u e s e e n v o l v e m
s e j a f r e q u e n t e m e n t e e v o c a d a p e l o s a m b i e n t e s m a i s avançados e m t e r m o s tec-
c o m a constru ção d e representações e s p a c i a i s e a r t e f a t o s o r i u n d o s d o f l u x o d a
nológicos , c o m o h o s p i t a i s e a e r o p o r t o s . O predomínio d o s o l h o s e a supressão
experiência h u m a n a , " e s c r e v e D a v i d H a r v e y ^ ^ . A a r q u i t e t u r a é n o s s o p r i n c i p a l
d o s o u t r o s s e n t i d o s t e n d e a n o s forçar à alienação, a o i s o l a m e n t o e à e x t e r i o -
i n s t r u m e n t o d e relação c o m o espaço e o t e m p o , e p a r a d a r u m a m e d i d a h u -
18 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 1 19

1 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA r i d a d e . A a r t e d a visão, s e m d t i v i d a , t e m n o s o f e r e c i d o edificações i m p o n e n t e s

e i n s t i g a n t e s , m a s e l a n ã o t e m p r o m o v i d o a conexã o h u m a n a a o m u n d o . O
f a t o d e o voca b u lá rio m o d e r n i s t a e m g e r a l nã o t e r c o n s e g u i d o p e n e t r a r n a
superfície d o g o s t o e d o s v a l o r e s p o p u l a r e s p a r e c e s e r r e s u l t a d o d e s u a ênfase
vis u a l e in telectu a l injusta; a a r q u itetu r a m o d e r n i s ta e m geral t e m a b riga do
o intelecto e os olhos, m a s t e mdeixa do desab rigados nossos corpos e d ema is
s e n t i d o s , b e m c o m o n o s s a memória , imaginação e s o n h o s .

Os críticos da priorização dos olhos

2
A CEN T R A LI Z A ÇÃ O N O O LH A R E A V I O LA Ç Ã O D O S O LH O S
A a r q u i t e t u r a t e m si d o co n si d e r a d a u m a f o r m a
d e ar t e d o s o l l i o s. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d o s, e a p e r d a d a visão, a m a i s
Olho Reflet indo o Int erior do Teat ro de Besan-
çon, g r a v u r a d e Ci a u d e - N i c i i o l a s L e d o u x . O
t e a t r o f o i const ruído e n t r e 1 7 7 5 e 1 7 8 4 . Po r -
menor.
A visão é c o n s i d e r a d a o m a i s n o b r e d o s s e n t i -
g r a v e def iciên-
ci a física.
Lu i s B u n u e l e Sa l v a d o r D a l i , Un Chien Andalou
(Cão da Andaluzia), 1 9 2 9 . A c e n a c h o c a n t e n a
q u a l o o l h o d a heroína é c o r t a d o c o m u m a lâ-
m i n a d e b ar b ear .
A i t o M ákinín/ Finnish Fi l m A r c h i v e
A tradição d a p r i m a z i a d o s o l h o s e a c o n s e q u e n t e t e o r i a d oe s p e c ta d o r d o
c o n h e c i m e n t o n o p e n s a m e n t o o c i d e n t a l ta mb ém e n c o n t r o u críticos e n t r e o s
filósofos b e m a n t e s d e n o s s a s preocu pações a t u a i s . René D e s c a r t e s , p o r e x e m -
plo, considerava a visão c o m o o m a i s u n i v e r s a l e n o b r e d o s s e n t i d o s , e s u a
filosofia ob jetiva dora consequentemente s e b a s e a v a n o privilégio d a visã o.
C o n t u d o , e l e ta mb ém e q u i p a r o u a visão a o t a t o , u m s e n t i d o p o r e l e c o n s i d e -
r a d o " m a i s c e r t o e m e n o s vu lnerável a e r r o s d o q u e a visão"^^.
Friedrich Nietzsche t e n t o u su b verter a a u tor id a d e d o p en s a m en to ocu-
l a r , e m u m a a p a r e n t e contradição c o m s u a l i n h a g e r a l d e p e n s a m e n t o . E l e c r i -
t i c a v a " o o l h o f o r a d o t e m p o e d a h is tória "'' p r e s s u p o s t o p o r m u i t o s filósofos.
Nietzsche ch egou a a c u s a r o s filósofos d e u m a " h o s t i l i d a d e traiçoeira e c e g a
c o n t r a o s s e n t i d o s " ^ " . M a x S c h e l e r c l a r a m e n t e c h a m a e s s a p o s t u r a d e "ód io
do corpo"''.
A visão "anticentralização n o s o l h o s " e n e c e s s a r i a m e n t e crítica d a p e r -
cepçã o e d o p e n s a m e n t o o c i d e n t a l c e n t r a d o n o s o l h o s , q u e s e d e s e n v o l v e u
n a tradição i n t e l e c t u a l f r a n c e s a d o sécu lo X X , é p r o f u n d a m e n t e a n a l i s a d a p o r
M a r t i n J a y e m s e u l i v r ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Downcast Eyes - The Denigration of Vision in Twentie-
th-Century French Thought^^. O escritor inves tiga o d e s e n vo l vim e n to d a cul-
t u r a c e n t r a d a n a visão, p a s s a n d o p o r c a m p o s tã o d i v e r s o s c o m o a invençã o
d a i m p r e n s a , a l u z a r t i f i c i a l , a f o t o g r a f i a , a p o e s i a v i s u a l e a n o v a experiên-
c i a d o t e m p o . P o r o u t r o l a d o , e l e a n a l i s a a s posições a n t i o c u l a r e s d e m u i -
t o s d o s e s c r i t o r e s s e m i n a i s d a França, c o m o H e n r i B e r g s o n , G e o r g e s B a t a i l l e ,
Jea n - Pa u l Sartre, M a u r ice M erlea u - Pon ty, Jacques La ca n, Lou is Althu sser, G u y
D eb or d , R o l a n d B a r th es , Jacqu es D er r id a , Lu ce Irigaray, E m m a n u e l Levin a s e
Jean- François L y o t a r d .
20 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 1 21

S a r t r e e r a f r a n c a m e n t e h o s t i l a o s e n t i d o d a vis ã o, a o p o n t o d a o c u l a r - O olho tecnologicamente e x p a n d i d o e reforça do h o j e p e n e t r a f u n d o n a

f o b i a ; s u a o b r a contém c e r c a d e s e t e m i l referências a o " o l h a r " ' ^ . E l e s e p r e - matéria e n o espaço e t o r n a o h o m e m c a p a z d e lançar u m o l h a r simu ltâneo
o c u p a v a c o m o " o l h a r o b j e t i v a d o r d o o u t r o , e o ' v i s l u m b r e d em e d u s a ' [que] e m l a d o s o p o s t o s d o g l o b o t e r r e s t r e . A s experiências d e espaço e t e m p o têm
' p e t r i f i c a ' t u d o c o m o q u a l e n t r a e m c o n t a t o " ^ ' ' . P a r a S a r t r e , o espaço s u p e r o u se f u n d i d o p ela velocid a d e ( D a v i d H a r v e y u s a a noçã o d e "compressão t e m -
o t e m p o n a consciência h u m a n a , c o m o consciência d a priorização d o s o l h o s ' ^ . po- espaço"^^) e , c o m o consequ ência, e s t a m o s t e s t e m u n h a n d o u m a inversão
E s s e i n v e r s o d a importância r e l a t i v a d e a c o r d o c o m a s noções d e espaço e d i s t i n t a d a s d u a s dimensões - u m a tempora liza çã o d o espaço e u m a espacia-
t e m p o t e m i m p o r t a n t e s repercussões, n o n o s s o e n t e n d i m e n t o , d o s processos liza çã o d o t e m p o . O ú nico s e n t i d o q u e é s u f i c i e n t e m e n t e rá pido p a r a acom-
físicos e históricos. O s c o n c e i t o s p r e d o m i n a n t e s d e espaço e t e m p o e s u a s p a n h a r o a u m e n t o assomb roso da velocidade d o m u n d o tecnológico é a visão.
inter- relações f o r m a m u m p a r a d i g m a e s s e n c i a l p a r a a a r q u i t e t u r a , c o m o Sied- Porém, o m u n d o d o s o l h o s está f a z e n d o c o m qu e viva m o s cada vez m a is e m
f r i e d G i e d i o n a f i r m o u e m s u a história ideológica s e m i n a l d a a r q u i t e t u r a m o - u m p r e s e n t e perpétu o, o p r i m i d o s p e l a v e l o c i d a d e e simultaneidade.
d e r n a ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Space, Time and Architecture^^. As imagens v i s u a i s s et o r n a r a m m e r c a d o r i a s , como ressalta Harvey:
M a u r i c e M e r l e a u - P o n t y lançou u m a crítica i n c e s s a n t e d o " r e g i m e escó- " U m a a v a l a n c h e d e i m a g e n s d e d i f e r e n t e s espaços q u e c h e g a q u a s e simulta-
p i c o p e r s p e c t i v a l i s t a e c a r t e s i a n o " e d e " s e u privilégio a u m t e m a aistórico, n e a m e n t e , s o b r e p o n d o o s espaços d o m u n d o e m u m a série d e i m a g e n s n a t e l a
d e s i n t e r e s s a n d o e incorpóreo t o t a l m e n t e d e s v i n c u l a d o d o m u n d o " ' ^ . T o d a s u a d e u m t e l e v i s o r . . . A i m a g e m d o s l u g a r e s e espaços s e t o r n a tã o su scetível a
o b r a d e f i l o s o f i a f o c a n a percepçã o e m g e r a l e n a vis ã o, e m p a r t i c u l a r . P o - produ ção e a o u s o efémero q u a n t o q u a l q u e r o u t r a [mercadoria]"^''.
rém, e m v e z d o o l h o c a r t e s i a n o d o e s p e c t a d o r e x t e r n o , o s e n t i d o d a visão d e A destru ição r a d i c a l d a constru ção h e r d a d a d a r e a l i d a d e n a s ú ltimas dé-
M e r l e a u - P o n t y é u m a visão c o r p o r i f i c a d a q u e é p a r t e e n c a r n a d a d a " c a r n e d o c a d a s t e m , s e m dú vida, r e s u l t a d o e m u m a c r i s e d a representação. Podemos
m u n d o " ' ^ . "N osso corpo é ta n to u m ob jeto entre ou tr os q u a n to u m ob jeto que até m e s m o i d e n t i f i c a r c e r t a h i s t e r i a c o m pâ nico n a representação d a s artes
o s vê e t o c a " ' ' . M e r l e a u - P o n t y v i a u m a relação osmótica e n t r e a i n d i v i d u a l i - e m n o s s a época.
d a d e e o m u n d o - ela s s ei n t e r p e n e t r a m e s ed e f i n e m - e e n f a t i z a v a a s i m u l -
t a n e i d a d e e interação d o s s e n t i d o s . " M i n h a percepção é [ p o r t a n t o ] não u m a
s o m a d e p r e s s u p o s t o s v i s u a i s , táteis e a u d i t i v o s : e u p e r c e b o d e m a n e i r a t o t a l O olho narcisista e niilista
c o m t o d o m e u ser: e u a b a r c o u m a e s t r u t u r a t i n i c a d a cois a , u m m o d o línico N a opiniã o d e H e i d e g g e r , a h e g e m o n i a d a vis ã o p r i m e i r a m e n t e n o s trouxe
d e ser, o q u a l f a l a c o m t o d o s m e u s s e n t i d o s a o m e s m o t e m p o " , e l e es cr eve^ " . visões g l o r i o s a s , m a s n o s t e m p o s m o d e r n o s t e m s e t o r n a d o c a d a v e z m a i s n i i -
M a r t i n Heidegger, M ich el Fou ca u lt e Jacques D e r r i d a ta mb ém a f i r m a - l i s t a . H o j e , a ob servação d e H e i d e g g e r d e u m o l h o n i i l i s t a é p a r t i c u l a r m e n t e
r a m que o pensamento e a cu ltu ra d am o d er n id a d e nã o a p e n a s têm d a d o i n s t i g a n t e ; m u i t o s d o s p r o j e t o s d e a r q u i t e t u r a d o s ú ltimos 2 0 a n o s , tornados
c o n t i n u i d a d e a o privilégio histórico d a visão, m a s e x a c e r b a d o s u a s tendências f a m o s o s p e l a i m p r e n s a i n t e r n a c i o n a l d a a r q u i t e t u r a , a p r e s e n t a m característi-
n e g a t i v a s . C a d a u m d o s e s c r i t o r e s , d e s u a m a n e i r a , c o n s i d e r o u o predomínio cas n a r c is is ta s e n iil is ta s .
d a visão n a e r a contemporânea d i s t i n t o d a q u e l e d e épocas p a s s a d a s . N a nossa O o l h o h egemón ico b u s c a o d omín io s o b r e t o d o s o s c a m p o s d a produ-
e r a , a h e g e m o n i a d a visão t e m s i d o reforçada p e l a s incontáveis invenções t e c - ção c u l t u r a l , e p a r e c e e n f r a q u e c e r n o s s a c a p a c i d a d e d e e m p a t i a , comp a ixã o
nológicas e a i n f i n i t a mu ltiplicação e produ ção d e i m a g e n s - " u m a incessante e participação n o m u n d o . O o l h o n a r c i s i s t a vê a a r q u i t e t u r a c o m o u m meio
c h u v a d e i m a g e n s " , c o m o c h a m a I t a l o C a l v i n o ^ \O e v e n t o f u n d a m e n t a l d a d e a u toexpres s ã o e c o m o u m j o g o i n t e l e c t u a l e artístico d e s v i n c u l a d o d e
er a m o d e r n a é a con q u is ta d o m u n d o c o m o fotogra fia ", escreve H eidegger^ '. associações m e n t a i s e societárias, e n q u a n t o o o l h o n i i l i s t a deliberadamente
A especu lação d o filósofo s e m dú vida s e m a t e r i a l i z o u e m n o s s a época d e i m a - p r o m o v e o i s o l a m e n t o e a alienação s e n s o r i a i s e m e n t a i s . E m v e z d e reforçar
gens fabricadas, p rod u zid a s e m m a s s a e m a n ip u l a d a s . a experiência d o m u n d o i n t e g r a d a e c e n t r a d a n o c o r p o , a a r q u i t e t u r a n i i l i s t a
 PARTE 1 23
22 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

desconecta e is ola o corp o, e,e mv e zd e t e n t a r r e c o n s tr u i r a o r d e m cultural,

t o r n a impos s ível u m a l e i t u r a d a significa çã o c o l e t i v a . O m u n d o s e t o r n a
u m a j o r n a d a vis u a l hedonis ta , m a s insignificante. É evidente q u e apenas o
d i s t a n c i a m e n t o e a sensação d e d es con exã o d a vis ã o p e r m i t e m u m a vis ã o
n i i U s t a ; é impossível s e p e n s a r e m u m s e n t i d o n i i l i s t a d o t a t o , p o r e x e m p l o ,
devido às inevitá veis p r o x i m i d a d e , i n t i m i d a d e , v e r a c i d a d e e identifica çã o
t r a z i d a s p e l o t a t o . Ta mb ém e x i s t e m o o l h o sádico e o o l h o m a s o q u i s t a , e
seus i n s t r u m e n t o s n o s ca mp os d a s a r t e s contemporâ nea s e d a a r q u i t e t u r a
p o d e m s er identificados.
A a t u a l produ ção i n d u s t r i a l e m m a s s a d o ima giná rio v i s u a l t e n d e a a f a s -
t a r a visão d o e n v o l v i m e n t o e m o c i o n a l e d a identificação, e a t o r n a r o i m a -
ginário e m u m f l u x o hipnótico s e m f o c o o u participação. M i c h e l d e C e r t e a u
p e r c e b e a expansão d a e s f e r a o c u l a r d e m o d o e x t r e m a m e n t e n e g a t i v o : " D a
televisão a o s j o r n a i s , d a p u b l i c i d a d e a t o d o s o s t i p o s d e e p i f a n i a s mercantis,
nossa sociedade é caracterizada p o r u m c r e s c i m e n t o ca ncerígeno d a vis ã o,
medindo t u d o p o r s u a c a p a c i d a d e d em o s t r a r o u s e r m o s t r a d o e t r a n s f o r -
m a n d o a comu nicação e m u m a j o r n a d a v i s u a l " ^ ^ . A difusão c a n c e r o s a d e u m
ima giná rio a r q u i t e t o n i c o s u p e r f i c i a l d e h o j e , destitu ído d e lógica tectônica e
s e n s o d e m a t e r i a l i d a d e e e m p a t i a é, s e m dú vida, p a r t e d e s s e processo.

Espaço oralzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
versus espaço visual
M a s o h o m e m n e m s e m p r e f o i d o m i n a d o p e l a visã o. D e f a t o , o d omín io p r i -
m o r d i a l d a au dição f o i g r a d u a l m e n t e substituído p e l o d a visã o. O s t e x t o s d e
antropologia descrevem n u m e r o s a s cu ltu ra s n a s qu ais nossos sentidos priva -
t i v o s d o o l f a t o , p a l a d a r e t a t o c o n t i n u a m t e n d o importância c o l e t i v a n o c o m - O F O R ÇA E A FR A Q U EZ A D O S O LH O S

p o r t a m e n t o e n a comu nicação. A s funções d o s s e n t i d o s n a u tilização d o e s p a -

ço c o l e t i v o e p e s s o a l d e várias c u l t u r a s f o i o t e m a d o l i v r o s e m i n a l d e E d w a r d 4
3 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
T . H a l l ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
The Hidden Dimension, q u e , in felizmen te, parece te r sido esquecido A p e s a r d e n o ssa preferência p e l o s o l h o s , a o b -
Es p e c i a l m e n t e n o s t e m p o s m o d e r n o s , a visão
pelos a r q u i t e t o s ^ ^ . O s i m p o r t a n t e s e s t u d o s d e H a l l s o b r e o espaço pessoal tem s i d o reforçada p o r inúm eras invenções servação v i su a l m u i t a s v e z e s p r e c i sa se r c o n f i r -

f o r n e c e m insights s ign ifica tivos s ob re aspectos ins tintivos e inconscientes d e t ecn o l ó gi cas. H o j e c o n s e g u i m o s ver t an- m ad a pelo t at o.

n o s s a relação c o m o espaço e n o s s o u s o i n c o n s c i e n t e d o espaço n a c o m u n i c a - t o d e n t r o d o s s e g r e d o s d a m at éria c o m o n a Ca r a v a g g i o , A Incredulidade de São Tomás,

im ensidão d o espaço si d e r a l . 1 6 0 1 - 2 . P o r m e n o r , N e u e s Pal ai s, P o t s d a m .
ção c o m p o r t a m e n t a l . O s insights d o a u t o r ta mb ém s e r v e m c o m o b a s e p a r a o
p r o j e t o d e espaços f u n c i o n a i s i n t i m i s t a s e b i o c u l t u r a i s . O v i so r d a câm ara f o t o gr áf ica, d o f i l m e O zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
© St i f t u n g Pr e u ssi sc h e Schiõsser u n d Gâr t en,
Homem com Uma Camera, d e D z i g a V e r t o v , Be r l i n - Br an d e n b u r g
W a l t e r J . O n g a n a l i s a a transição d a c u l t u r a o r a l p a r a a e s c r i t a e s e u
1929. P o r m e n o r © 2005 T h e M u s e u m o f M o -
i m p a c t o n a consciência h u m a n a e n o s e n t i d o d e c o l e t i v i d a d e e m s eu livro d e m A r t , N o v a Yo r k / Sc a l a , Florença
24 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 1 25

Orality & Literacy^^.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

E l e r e s s a l t a q u e " a mu da nça d o d i s c u r s o o r a l p a r a o capacidade d enos devolver m o m e n ta n e a m e n te a om u n d o o r a l q u e n os envol-
escrito foi es s en cia lmen te u m a transição d o espaço s o n o r o p a r a o v i s u a f ^, ve. A p a l a vr a r eor a liza d a d ap oes ia n os d e vo l ve a o cen tr o d o m u n d o in ter ior .
e q u e " a i m p r e n s a s u b s t i t u i u a l o n g a dominâ ncia d a au dição n o m u n d o d o " O p oeta fa la n ol i m i a r d o ser", c o m o ob s er va G a s t o n B achelard"*"*, m a s isso
p e n s a m e n t o e d a expressão p e l a dominância d a visão, q u e t e v e s e u início n a ta mb ém s e dá n o l i m i a r d a l i n g u a g e m . D a m e s m a m a n e i r a , a t a r e f a d a a r t e
escrita"^'. S e g u n d o O n g , " [ e s s e ] é u m m u n d o i n s i s t e n t e d e f a t o s f r i o s e nã o e d a a r q u i t e t u r a , e m g e r a l , é r e c o n s t r u i r a experiência d e u m m u n d o i n t e r i o r
humanos""*". indiferenciado, n o q u a l nã o s o m o s m e r o s e s p e c t a d o r e s , m a s a o q u a l p e r t e n -
O n g a n a l i s a a s mu danças q u e a transição d e u m a c u l t u r a essencialmente cemos d em o d o i n d i s s o l t i v e l . N a s o b r a s d e a r t e , a compreens ã o e x i s t e n c i a l
o r a l p a r a a c u l tu r a d a p a l a vr a escrita ( ep o s te r i o r m e n te im p r es s a ) acarretou a dvém d o n o s s o próprio e n c o n t r o c o m o m u n d o e d o n o s s o estar-no-mundo
n a consciência, n a memória e n a coinpreensão d o espaço d o s e r h u m a n o . E l e - e l a nã o é c o n c e i t u a l i z a d a ou intelectu alizada.
afirma que à medida q u e a dominância d a au dição d e u l u g a r à dominância
d a visão, o p e n s a m e n t o s i t u a c i o n a l f o i substituído p e l o p e n s a m e n t o ab strato.
P a r a o e s c r i t o r , e s s a mu dança f u n d a m e n t a l n a percepção e n a compreensã o
A arquitetura da retina e a perda da plasticidade
d o m u n d o p a r e c e irreversível: " E m b o r a a s p a l a v r a s s e j a m e m b a s a d a s n o d i s - É evidente q u e a a r q u i t e t u r a d a s c u l t u r a s t r a d i c i o n a i s ta mb ém está i n t i m a -
c u r s o o r a l , a e s c r i t a a s p r e n d e a o c a m p o v i s u a l d e f o r m a tirânica e e t e r n a . . . m e n t e v i n c u l a d a a oc o n h e c i m e n t o tátil d o c o r p o , e mv e zd es e r d o m i n a d a
u m a p e s s o a a l f a b e t i z a d a j a m a i s resgatará o s e n t i d o q u e a p a l a v r a t e m para p e l a visão e conceitu alização. A constru ção e m c u l t u r a s t r a d i c i o n a i s é o r i e n -
aqueles p u r a m e n t e orais"''\ t a d a p e l o c o r p o d om e s m o modo q u e u m p a s s a r i n h o dá f o r m a a s e u ninho
N a verdade, a h egemon ia inqu estionável d o s o l h o s t a l v e z s e j a u m fenó- movendo s e u c o r p o . A s o b r a s d e a r q u i t e t u r a au tóctones e m a r g i l a o u b a r r o ,
m e n o b a s ta n te recente, apesar d e su as origen s n op e n s a m e n t o e n a ótica d a d e várias p a r t e s d o m u n d o , p a r e c e m n a s c e r d o s s e n t i d o s m u s c u l a r e s e táteis,
G récia A n t i g a . S e g u n d o a visão d e L u c i e n F e b v r e : " O sécu lo X V I nã o v i a , n o m a is d oqu e d o s o l h o s . P o d e m o s i n c l u s i v e i d e n t i f i c a r a transição d a c o n s -
início: e l e o u v i a e c h e i r a v a , f a r e j a v a o a r e c a p t a v a s o n s . F o i a p e n a s posterior- tru ção aú tócne d a e s f e r a tátil p a r a o c o n t r o l e d a vis ã o c o m o u m a p e r d a d e
m e n t e q u e e l e s e e n v o l v e u d e m a n e i r a séria e a t i v a c o m a g e o m e t r i a , voltando plasticidade, d a i n t i m i d a d e e d a sensação d e fusão t o t a l características d o s
s u a atenção p a r a o m u n d o d a s f o r m a s , c o m K e p l e r ( 1 5 7 1 - 1 6 3 0 ) e Desargues contextos d e cu ltu ras nativas.
d e L y o n ( 1 5 9 3 - 1 6 6 2 ) . F o i entã o q u e a vis ã o f o i l i b e r t a d a p a r a o m u n d o d a O predomínio d o s e n t i d o d a visão o b s e r v a d o a n t e r i o r m e n t e n a filosofia
ciência c o m o já e r a n o m u n d o d a s sensações físicas, a s s i m c o m o n o m u n d o d a é i g u a l m e n t e e v i d e n te n od e s e n v o l v i m e n t o d aa r qu itetu r a ocidental. A a rqu i-
b e l e z a " " " . R o b e r t M a n d r o u traça u m a r g u m e n t o p a r a l e l o : " A h i e r a r q u i a [dos t e t u r a g r e g a , c o m s e u s r e c u r s o s r e q u i n t a d o s d e correções óticas, já e r a extre-
sentidos] nã o e r a a m e s m a [ d o sécu lo X X ] , p o i s o o l h o , q u e h o j e d o m i n a , s e mamente r e f i n a d a p a r a o p r a z e r d o s o l h o s . C o n t u d o , a predileçã o d a vis ã o
e n c o n t r a v a e m t e r c e i r o l u g a r , atrás d a au dição e d o t a t o , e m u i t o d e p o i s d e l e s . nã o i m p h c a n e c e s s a r i a m e n t e a rejeição d o s d e m a i s sentidos, c o m o a sensi-
O o l h o q u e o r g a n i z a , c l a s s i f i c a e o r d e n a nã o e r a o órgã o f a v o r i t o d a época , b i l i d a d e d o t a t o , a m a t e r i a l i d a d e e o p e s o peremptório d a a r q u i t e t u r a g r e g a
m a s s i m o ou vido"''^. clássica c o m p r o v a m ; o s o l h o s c o n v i d a m e e s t i m u l a m a s sensações m u s c u l a -
A hegemonia gr a d u a lmen te ob tida pelos olhos parece ter paralelo com r e s e táteis. O s e n t i d o d a visão p o d e i n c o r p o r a r e até m e s m o reforçar o u t r a s
o desenvolvimento d a consciência d o e g o e o p a u l a t i n o a f a s t a m e n t o d o i n d i - modalidades s e n s o r i a i s ; o i n g r e d i e n t e tátil i n c o n s c i e n t e q u e e x i s t e n a vis ã o
vídu o d o m u n d o ; a visão n o s s e p a r a d o m u n d o , e n q u a n t o o s o u t r o s sentidos é p a r t i c u l a r m e n t e i m p o r t a n t e e m u i t o p r e s e n t e n a a r q u i t e t u r a histórica, m a s
n os u n e m a ele. e x t r e m a m e n t e n e g l i g e n c i a d o n a a r q u i t e t u r a d e n o s s a época.
A expressão artística s e r e l a c i o n a com o s significados pré- verb ais d o A teoria d aa rqu itetu ra ocidental desde Leon Battista Alb erti t e m s e
nniiido, significados q u e são i n c o r p o r a d o s e vivenciados, e mv e zd e mera - envolvido p r i n c i p a l m e n t e c o m a s qu estões d e percepção v i s u a l , h a r m o n i a e
m e n t e en ten d id os d em o d o intelectu a l. N om e u p o n to d evista, a poesia t e m a proporções. A a f i r m a t i v a d e A l b e r t i d e q u e " a p i n t u r a n a d a m a i s é q u e a i n t e r -
26 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 1 27

seção d a pirâ mide v i s u a l q u e s e g u e d e t e r m i n a d a distância, u m c e n t r o f i x o e

c e r t a ilu mina çã o" r e s u m e o p a r a d i g m a d a p e r s p e c t i v a q u e ta mb ém s e t o r n o u
o i n s t r u m e n t o d o p e n s a m e n t o d a arqu itetu ra"*^.N o v a m e n t e , d e v e m o s en fa ti-
z a r q u e o f o c o c o n s c i e n t e n a mecânica d a visão não r e s u l t o u a u t o m a t i c a m e n -
t e n a rejeição d e l i b e r a d a d o s o u t r o s s e n t i d o s a n t e s d a n o s s a e r a d a s i m a g e n s
v i s u a i s o n i p r e s e n t e s . O s o l h o s c o n q u i s t a m s e u p a p e l h egemón ico n a prática
d a a r q u itetu r a , ta n to consciente q u a n t o in con s cien temen te a pena s d e m o d o
g r a d u a l , c o m a i d e i a d e q u e há u m o b s e r v a d o r incorpóreo. O o b s e r v a d o r s e
torna desvinculado d e u m a relação c a r n a l c o m o a m b i e n t e p e l a supressão
dos ou tr os sentidos, es pecia lmente p o r m e i o d a s extensões tecnológica s d a
visão e d a proliferação d e i m a g e n s . C o m o a f i r m a M a r x W . W a r t o f s k y : " a visão
h u m a n a e m s i é u m a r t e f a t o , p r o d u z i d o p o r o u t r o s a r t e f a t o s , q u e são a s f o t o -
grafias"''.
O s e n t i d o d o m i n a n t e d a visão a p a r e c e m u i t o f o r t e n o s e s c r i t o s d o s m o -
dernistas. Assertivas d e L e Corb u sier, com o: " E u existo n a vid a a pena s se pos-
s o v e r " ' * ^ ; " E u s o u e perma neço u m v i s u a l c o n v i c t o - t u d o está n o v i s u a l " " * ^ ; "É
p r e c i s o v e r c l a r a m e n t e p a r a q u e s e p o s s a e n t e n d e r " " * ' ; "... E u i n s i s t o q u e vocês zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
abram os olhos. Vocês a b r e m o s o l h o s ? Vocês f o r a m t r e i n a d o s p a r a a b r i r o s
o l h o s ? Vocês s a b e m a b r i r o s o l h o s , vocês o s a b r e m f r e q u e n t e m e n t e , sempre,
e bem?^°; " O h o m e m vê a criação d a a r q u i t e t u r a c o m s e u s o l h o s , q u e estão
a 1 m e t r o e 7 0 centímetros d o s o l o ^ ^ ; e " A a r q u i t e t u r a é u m a c o i s a plástica.
C h a m o d e 'plástico' a q u i l o q u e é v i s t o e m e d i d o p e l o s o l h o s " ^ ' - d e i x a m m u i t o
evidentes a predileção d o s o l h o s n a t e o r i a d o s p r i m e i r o s m o d e r n i s t a s . Decla-
rações p o s t e r i o r e s d e W a l t e r G r o p i u s - " E l e [ o p r o j e t i s t a ] t e m d e a d a p t a r o
conhecimento d o s f a t o s científicos d a ótica e a s s i m o b t e r u m a b a s e teórica
q u e gu iará a mã o q u e dá f o r m a e criará u m a b a s e o b j e t i v a " ^ ^ - e d e L a s z l o
A SU P RESSÃ O D A V I SÃ O - A F U SÃ O D A V I SÃ O C O M A TA TI LI D A D E
M o h o l y - N a g y - " A h i g i e n e d o ótico, a saiíde d o visível s e i n f i l t r a a o s p o u c o s " ^ " *
- c o n f i r m a m o p a p e l c e n t r a l d a visão n o p e n s a m e n t o modernista.
5 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
6
A f a m o s a má xima d e L e C o r b u s i e r , " A a r q u i t e t u r a é o j o g o sáb io, c o r -
Em e st ad o s e m o c i o n a i s m u i t o i n t e n so s o u A visão e o t a t o se f u n d e m e m u m a experiência
r e t o e ma gn ífico d o s v o l u m e s r eu n id os s o ba luz"^^*, define d e maneira
p e n s a m e n t o s p r o f u n d o s , a visão c o s t u m a se r r e al v i v e n c i a d a .
inqu es tioná vel a a r q u i t e t u r a d o s o l h o s . L e C o r b u s i e r , n o e n t a n t o , t i n h a u m r epr im ida.
Herbert Bay e r , O M et ropolit ano Solit ário,
t a l e n t o artístico e n o r m e e mã os q u e m o l d a v a m , b e m c o m o u m s e n s o tre-
René I V l a g r i t t e ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Os Amant es, 1 9 2 8 . P o r m e n o r . 1 9 3 2 . Po r m e n o r
m e n d o d em a t e r i a l i d a d e , p la s ticid a d e e g r a vid a d e, o sq u a is e v i t a v a m q u e Ri c l i a r d S. Ze i sl e r Co l l e c t i o n , N e w Yo r l <.
Bayer © D A CS 2 0 0 5
s u a a r q u i t e t u r a caísse n o r e d u t i v i s m o s e n s o r i a l . A p e s a r d a s excla ma ções
M a g r i t t e © A D A G P , Pa r i s a n d D A CS, Lo n d o n
2005

* N . d e T : L e C o r b u s i e r , Por Uma Arquitetura, P e r s p e c t i v a (São P a u l o ) , 2 0 0 0 , p . l 3 .

28 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 1 29

cartesianas e centradas n a vis ã o d e L e C o r b u s i e r , e m s u a o b r a a s mã os e m t e r m o s d e visão, e n f a t i z a n d o a constru ção d e i m a g e n s v i s u a i s e t r i d i m e n -

tin h a m u m papel tã o f e t i c h i s t a q u a n t o o s o l h o s . U m e l e m e n t o vigoroso s i o n a i s d o espaço.

d a t a t i l i d a d e está p r e s e n t e n o s c r o q u i s e n a s p i n t u r a s d o g r a n d e m e s t r e , e
e s s a s e n s i b i l i d a d e tátil é i n c o r p o r a d a e m s u a cons idera çã o d a a r q u i t e t u r a .
Uma arquitetura de imagens visuais
C o n t u d o , s u a tendência r e d u t i v i s t a s e t o r n a d e v a s t a d o r a e mseus projetos
de u rb a n is mo. A predileção p e l o s o l h o s n u n c a f o i tã o e v i d e n t e n a a r t e d a a r q u i t e t u r a c o m o

N a a r q u i t e t u r a d e M i e s v a n d e r R o h e p r e d o m i n a u m a percepçã o p e r s - n o s ú ltimos 3 0 a n o s , n o s q u a i s t e m p r e d o m i n a d o u m t i p o d e o b r a q u e busca

p e c t i v a f r o n t a l , m a s s u a s e n s i b i l i d a d e línica p a r a o r d e m , e s t r u t u r a , p e s o , de- ima gen s visuais su rpreendentes e memorá veis . E m v e z d e u m a experiência

t a l h e e t r a b a l h o a r t e s a n a l e n r i q u e c e d ef o r m a d e c i s i v a o p a r a d i g m a v i s u a l . plástica e e s p a c i a l e m b a s a d a n a existência h u m a n a , a a r q u i t e t u r a t e m ado-

A lém d i s s o , u m a o b r a d e a r q u i t e t u r a s e t o r n a e x c e l e n t e precisamente e m t a d o a estratégia psicológica d a p u b l i c i d a d e e d a persu asão instantânea; a s

fu nção d e s u a s intenções e alu sões o p o s t a s e contraditórias e s e u s impulsos edifica ções s e r t o r n a r a m p r o d u t o s v i s u a i s d e s c o n e c t a d o s d a p r o f u n d i d a d e
inconscientes p a r a q u e o t r a b a l h o s e a b r a p a r a a pa rticipa çã o emocional existencial e d a sinceridade.
d o observador. " E m t o d o s o s c a s o s , d e v e m o s alcançar u m a solu ção s i m u l - D a vid H a r ve y relaciona " aperda d atemp or a lid a d e e o desejo d e impa c-
tânea d e o p o s t o s " , e s c r e v e u A l v a r A a l t o ^ ^ E m g e r a l , a s a f i r m a t i v a s verbais t o insta ntâ neo" n a expressão contemporâ nea à p e r d a d a p r o f u n d i d a d e exis-
d e a r t i s t a s e a r q u i t e t o s não d e v e m ser levadas à risca, pois m u i t a s vezes t e n c i a f ^ F r e d e r i c J a m e s o n u s a a noçã o d e " s u p e r f i c i a l i d a d e p l a n e j a d a " para
e l a s m e r a m e n t e r e p r e s e n t a m u m a ra ciona liza çã o s u p e r f i c i a l e c o n s c i e n t e ou d e s c r e v e r a condição c u l t u r a l contemporâ nea e " s u a fixação n a s aparências,
u m a defesa q u e p o d e m u i t o b e m e s t a r e m c l a r a contra diçã o c o m a s i n t e n - n a s superfícies e n o s i m p a c t o s instantâneos q u e nã o têm p o d e r d e retenção a o
ções m a i s p r o f u n d a s e i n c o n s c i e n t e s q u e p r e c i s a m e n t e c o n f e r e m força v i t a l longo d o tempo"^'.
à o b r a desse artista. Como consequ ência d a a v a l a n c h e atual d eimagens, a arquitetura d e

C o m a mes ma clareza, o paradigma v i s u a l é a con d içã o prevalente n o s s a época f r e q u e n t e m e n t e pa rece ser u m a m e r a a rte d a r etin a , d o o l h o ,

n o p l a n e j a m e n t o u r b a n o , d a s c i d a d e s i d e a i s d a Rena scença a o s princípios completando u m c i c l o epis temológico q u e começou c o m o p e n s a m e n t o ea

funcionalistas d ezon ea m en to e planejamento que refletem a "higiene d o a r q u i t e t u r a d a G récia A n t i g a . M a s a mu dança v a i a lém d a m e r a dominância

ótico". E m p a r t i c u l a r , a c i d a d e con temp or â n ea é c a d a v e zm a i s a c id a d e v i s u a l ; e m v e z d e s e r u m e n c o n t r o c o r p o r a l d e situ ações, a a r q u i t e t u r a s e

dos olhos, desvincu lada d o c o r p o p e l o m o v i m e n t o m o t o r i z a d o rá p id o o u to r n o u u m a arte d ai m a g e m impres s a fixa da pelo visor apressado d a câmera
pela efémer a i m a g e m que t e m o s d e u m a viã o. O s p r o c e s s o s d e p l a n e j a - fotográfica. N a n o s s a c u l t u r a d a f o t o g r a f i a , o o l h a r i n t e n s o é a r r a s a d o e m
m e n t o têm f a v o r e c i d o a id ea h za çã o e a des corporifica çã o d a d a p e l o s olhos u m a i m a g e m b i d i m e n s i o n a l e perde s u a plasticidade. E m vez d e e x p e r i m e n ta r
c a r t e s i a n o s q u e c o n t r o l a m e i s o l a m ; o s p l a n o s u rb anísticos são vis ões e x - n o s s a existência n o m u n d o , a c o n t e m p l a m o s d o l a d o d e f o r a , c o m o especta-
tr e m a m e n te ideahzadas e esquematizadas v i s t a s p o r m e i o d ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
le regará sur- d o r e s d e i m a g e n s p r o j e t a d a s n a superfície d a r e t i n a . D a v i d M i c h a e l L e v i n u s a
plombant ( avis ta d e c i m a ) , c o m o d e f i n i u J e a n S ta r ob in s ki^ ^ , o u p elo "olho o t e r m o " o n t o l o g i a f r o n t a l " p a r a d e s c r e v e r a visão f r o n t a l , f i x a e f o c a d a ' " .
d a m e n t e " d e Pla tã o. S u s a n S o n t a g f e z ob serva ções i n t e r e s s a n t e s s o b r e o p a p e l d a i m a g e m

Até r e c e n t e m e n t e , a t e o r i a e a crítica d a a r q u i t e t u r a s e d e d i c a v a m quase fotográfica n a n o s s a percepção d e m u n d o . E l a e s c r e v e u , p o r e x e m p l o , sobre

qu e e x c l u s iva m e n te aos m e c a n i s m o s d a vis ã o e d a expressão v i s u a l . A p e r - u m a " m e n t a l i d a d e q u e o b s e r v a o m u n d o c o m o u m c o n j u n t o d e possíveis f o -

cepçã o e a experiência d a f o r m a arqu itetônica n a m a i o r i a d a s v e z e s eram t o g r a f i a s " ' ' e a f i r m a q u e " a r e a l i d a d e c a d a v e z m a i s p a r e c e o q u e a câmara d e

a n a h s a d a s c o m o u s o d a s l e i s d e percepção v i s u a l d a gestalt. Da mesma ma- f o t o g r a f i a n o s m o s t r a " ' ' e q u e " a onipresença d a s f o t o g r a f i a s t e m u m efeito

neira, a filosofia d a peda gogia t e m en ten d id o a a r q u itetu r a p r in cip a lmen te incalcu lável e m n o s s a s e n s i b i l i d a d e ética. A o p r e e n c h e r e s s e m u n d o já s u p e r -
30 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 1 31

p o vo a d o c o m o u t r o d u p lica d o pelas ima gen s , a fotogra fia n o s fa z s entir como

s e o m u n d o e s t i v e s s e m a i s disponível d o q u e n a r e a l i d a d e está"'^.
À m e d i d a q u e a s edificações p e r d e m s u a p l a s t i c i d a d e e s u a conexã o c o m
a l i n g u a g e m e a s a b e d o r i a d o c o r p o h u m a n o , e l a s s et o r n a m i s o l a d a s n o f r i o
e d i s t a n t e r e i n o d a visão. C o m a p e r d a d a t a t i h d a d e , d a s m e d i d a s e d o s d e t a -
lhes elab orados p a r a o c o r p o h u m a n o - e p a r t i c u l a r m e n t e p a r a a s mãos - a s
edificações s e t o r n a m r e p u l s i v a m e n t e p l a n a s , a g r e s s i v a s , i m a t e r i a i s e i r r e a i s .
A des conexã o d a constru ção d a s r e a l i d a d e s d a matéria e d o ofício h u m a n o
t r a n s f o r m a a i n d a m a i s a a r q u i t e t u r a e m cenários t e a t r a i s p a r a o s o l h o s , e m
u m a espécie d e c e n o g r a f i a destitu ída d a a u t e n t i c i d a d e d a matéria e d a c o n s -
tru ção. A sensação d e " a u r a " , a a u t o r i d a d e d a presença, q u e W a l t e r Benja-
m i n c o n s i d e r a u m a característica necessária a u m a o b r a d e a r t e autêntica, s e
p er d eu . Esses p r o d u t o s d a tecn o l o g ia i n s t r u m e n t a l i z a d a e s c o n d e m seus pro-
c e s s o s tectónicos, s u r g i n d o c o m o aparições fantasmagóricas. A c r e s c e n t e p o -
pu larização d o v i d r o r e f l e t i v o n a a r q u i t e t u r a reforça a sensação d e s o n h o , d e
i r r e a l i d a d e e alienação. A transparência o p a c a e contraditória d e s s e s prédios
reflete n os s o olh a r , d evol ven d o- o s e m afetá- lo o u deslocá- lo; s o m o s incapazes
d e v e r o u i m a g i n a r a v i d a q u e s e d e s e n r o l a p o r trás d e s u a s p a r e d e s . O espe-
lho arquitetonico, qu e devolve nosso olha r e duplica o m u n d o , é u m recurso
enigmá tico e a s s u s t a d o r .

M aterialidade e temporalidade
A superficiahdade d a constru ção pa drã o d e h o j e é reforçada p o r u m s e n s o
enfraqu ecido d e ma teria lida de. O s ma teria is n a tu r a is - pedra, tijolo e m a d ei-
r a - d e i x a m q u e n o s s a visão p e n e t r e e m s u a s superfícies e p e r m i t e m q u e n o s A CI D A D E D O S O LH O S - A CI D A D E T Á T I L zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
convençamos d a v e r a c i d a d e d a matéria. O s m a t e r i a i s n a t u r a i s e x p r e s s a m s u a
i d a d e e história, além d e n o s c o n t a r s u a s o r i g e n s e s e u histórico d e u s o p e l o s
7 8
h u m a n o s . T o d a a matéria e x i s t e e m u mzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
continuum t e m p o r a l ; a p a t i n a d o des-
A c i d a d e cont em porânea é a c i d a d e d o s o l h o s , A c i d a d e t át il é a c i d a d e d a i n t i m i d a d e e p r o -
g a s t e l e v a a experiência e n r i q u e c e d o r a d o t e m p o a o s m a t e r i a i s d e constru ção.
do d i st an ci am e n t o e da ext er i o r i d ad e. xim idade.
Já o s m a t e r i a i s i n d u s t r i a l i z a d o s a t u a i s - c h a p a s d e v i d r o s e m e s c a l a , metais
Li n h a d o h o r i z o n t e p r o p o s t a p o r Le Co r b u s i e r A c i d a d e d e Ca sa r e s, e m u m a c o l i n a d o su l d a
esmaltados e plásticos sintéticos - t e n d e m a a p r e s e n t a r s u a s su perfícies i n -
p ar a B u e n o s Ai r e s - c r o q u i d e u m a p a l e st r a Es p a n h a .
flexíveis a o s n o s s o s o l h o s s e m t r a n s m i t i r s u a essência m a t e r i a l o u s u a i d a d e . p r o f er i d a e m Bu e n o s Ai r es e m 1 9 2 9 .
Fo t o g r a f i a d e Ju h a n i Pa l l a sm a a
O s prédios d e n o s s a e r a tecnológica e m g e r a l v i s a m d e m a n e i r a d e l i b e r a d a à
© FLC/ ADAGP, Par i s a n d D A CS, L o n d o n , 2 0 0 5
perfeiçã o a t e m p o r a l e nã o i n c o r p o r a m a dimens ã o d o t e m p o o u o p r o c e s s o
32 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 1 33

inevitável e m e n t a l m e n t e i m p o r t a n t e d o e n v e l h e c i m e n t o . E s s e t e m o r d o s tra- leva a u m es va zia mento g r a d u a l d o con teú d o e m o c i o n a l d a s i m a g e n s . A s

ços d o d e s g a s t e e d a i d a d e s e r e l a c i o n a c o m n o s s o m e d o d a m o r t e . i m a g e n s são c o n v e r t i d a s e m m e r c a d o r i a s i n f i n i t a s f a b r i c a d a s p a r a postergar
A transparência e a s sensações d e au sência d e p e s o e d e flu tu ação são o téd io; o s próprios s e r e s h u m a n o s são m e r c a n t i l i z a d o s , s e c o n s u m i n d o d e
t e m a s f u n d a m e n t a i s p a r a a a r t e e a a r q u i t e t u r a m o d e r n a s . N a s últimas déca- m o d o indiferente, s e m ter a c o r a g e m o u m e s m o a possibilidade d e con fron -
d a s , s u r g i u u m n o v o imaginário d a a r q u i t e t u r a , q u e e m p r e g a r e f l e x o s , gradua- t a r s u a própria r e a l i d a d e e x i s t e n c i a l . S o m o s f e i t o s p a r a v i v e r e m u m m u n d o
ções d e transparência, sob reposições e ju staposições p a r a c r i a r u m a sensação de sonhos fabricado.
d e e s p e s s u r a e s p a c i a l , além d e sensações s u t i s e dinâmicas d e m o v i m e n t o e M i n h a intenção nã o é e x p r e s s a r u m a vis ã o c o n s e r v a d o r a d aarte con-
luz. Essa n o v a sensib ilidade p r o m e te u m a a r q u ite tu r a qu e p o d e tr a n s f o r m a r a temporâ nea , à m a n e i r a d o l i v r o i n s t i g a n t e , e m b o r a perturbadora, d e Ha ns
i m a t e r i a l i d a d e e a f a l t a d e p e s o r e l a t i v a s d a r e c e n t e constru ção c o m a l t a t e c - S e d l m a y r , Art in Crisis^^. E s tou mer a men te sugerindo que t e m ocorrido u m a
n o l o g i a e m u m a experiência p o s i t i v a d e espaço, l u g a r e s i g n i f i c a d o . mu dança d i s t i n t a n a n o s s a experiência s e n s o r i a l e p e r c e p t u a l d o m u n d o , a
O e n f r a q u e c i m e n t o d a experiência d o t e m p o n o s a m b i e n t e s a t u a i s t e m q u a l é refletida pela a rte e pela a r q u itetu r a . Se d es eja mos qu e a a r q u itetu r a
efeitos m e n t a i s d eva s ta d ores . Segundo a s p a l a v r a s d ot e r a p e u t a norte-ame- t e n h a u m p a p e l e m a n c i p a d o r o u c u r a d o r , e m v e z d e a p e n a s reforçar a erosão
r i c a n o G o t t h a r d B o o t h , " n a d a dá a o h o m e m m a i s satisfação d o q u e a p a r t i - d o significado existencial, d e v e m o s refletir sobre a diversida de d emeios se-
cipação e m p r o c e s s o s q u e u l t r a p a s s e m o p eríod o d e u m a v i d a i n d i v i d u a l " ' ' ' ' . c r e t o s p e l o s q u a i s a a r t e d a a r q u i t e t u r a está v i n c u l a d a à r e a l i d a d e c u l t u r a l e
T e m o s u m a n e c e s s i d a d e m e n t a l d es e n t i r q u e e s t a m o s a r r a i g a d o s à c o n t i n u i - m e n t a l d e n o s s a época. Tamb ém d e v e m o s e s t a r c i e n t e s s o b r e a s m a n e i r a s n a s
d a d e d o te m p o , e n o m u n d o feito p elo h o m e m c o m p e te à a r q u i te tu r a facilitar q u a i s a v i a b i l i d a d e d a a r q u i t e t u r a está s e n d o ameaçada o u m a r g i n a l i z a d a pe-
e s s a experiência. A a r q u i t e t u r a d o m e s t i c a o espaço s e m l i m i t e s e n o s permite l a s transformações políticas, c u l t u r a i s , económicas, c o g n i t i v a s e p e r c e p t u a i s da
hab itá- lo, m a s e l a ta mb ém d e v e d o m e s t i c a r o t e m p o i n f i n i t o e n o s p e r m i t i r a t u a l i d a d e . A a r q u i t e t u r a s e t o r n o u u m a f o r m a d e a r t e ameaçada d e extinção.
h a b i t a r n ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
continuum do tempo.
O e x a g e r o a t u a l d a ênfase n a s dimensões i n t e l e c t u a l e c o n c e i t u a i d a a r -
qu itetu ra contrib u i para o desaparecimento d e s u a essência física, s e n s o r i a l A rejeição da janela de Alberti
e c o r p o r a l . A a r q u i t e t u r a contemporâ nea q u e f i n g e s e r v a n g u a r d i s t a m u i t a s N a t u r a l m e n t e , o o l h o h u m a n o p r o p r i a m e n t e d i t o não p e r m a n e c e u na cons-
v e z e s está m a i s e n v o l v i d a c o m o d i s c u r s o d a a r q u i t e t u r a p r o p r i a m e n t e d i t o e tru ção m o n o c u l a r e f i x a d e f i n i d a p e l a s t e o r i a s r e n a s c e n t i s t a s d a perspectiva.
c o m o m a p e a m e n t o d e territórios m a r g i n a i s possíveis p a r a a a r t e d o q u e com O o l h o h egemón ico t e m c o n q u i s t a d o n o v o s territórios d e percepção e e x p r e s -
a r e s p o s t a às qu estões e x i s t e n c i a i s h u m a n a s . E s s e f o c o r e d u t i v i s t a r e s u l t a e m são v i s u a l . A s p i n t u r a s d e H i e r o n y m u s B o s c h e P i e t e r B r u e g e l , p o r exemplo,
u m a sensação d e a u t i s m o a r q u i t e t o n i c o , u m d i s c u r s o i n t e r n a l i z a d o e au tóno- já c o n v i d a v a m o o l h o p a r t i c i p a t i v o p a r a v i a j a r e m s u a s c e n a s d e e v e n t o s mú l-
m o q u e nã o s e b a s e i a e m n o s s a r e a l i d a d e e x i s t e n c i a l c o m p a r t i l h a d a . t i p l o s . O s q u a d r o s h o l a n d e s e s d a v i d a b u r g u e s a d o sécu lo X V I I apresentavam
A l ém d a a r q u i t e t u r a , a c u l t u r a con temp orâ n ea e m g e r a l t e n d e lenta- c e n a s c a s u a i s e o b j e t o s d o d i a a d i a q u e i a m m u i t o além d o s l i m i t e s d a j a n e l a
m e n t e a o d i s t a n c i a m e n t o , a u m a espécie d e dessensu a liza çã o e d e - e r o t i z a - a l b e r t i n a . A s p i n t u r a s b a r r o c a s a b r i r a m n o s s a visão, c o m s e u s l i m i t e s i m p r e c i -
ção a s s u s t a d o r a s d a relação h u m a n a c o m a r e a l i d a d e . A p i n t u r a e a e s c u l t u r a sos, focos s u a ves e p er s p ectiva s mú ltiplas, f a z e n d o u m c o n v i t e d i s t i n t o e tátil
ta mb ém p a r e c e m e s t a r p e r d e n d o s u a s e n s u a l i d a d e ; e m v e z d e c o n v i d a r para e c h a m a n d o o c o r p o h u m a n o p a r a u m a v i a g e m n o espaço ilu sório.
u m a i n t i m i d a d e s e n s o r i a l , a s o b r a s d e a r t e contemporâ nea s frequentemente U m a l i n h a e s s e n c i a l n a evolu çã o p a r a a m o d e r n i d a d e f o i a lib era çã o
s i n a l i z a m u m a rejeição d i s t a n c i a d o r a d a c u r i o s i d a d e e d o p r a z e r s e n s u a l . E s - do olho d a epistemologia d a perspectiva ca rtes ia n a . A sp i n tu r a s d e J o s e p h
sas ob ra s d e a rte f a l a m p a r a o in telecto e p a r a nossas h a b ilid a d es de concei- M a l l o r d W i l l i a m T u r n e r c o n t i n u a r a m a elimina çã o d o e n q u a d r a m e n t o e d o
tu a liza çã o e m v e z d e s e v o l t a r e m p a r a n o s s o s s e n t i d o s e r e s p o s t a s corporais p o n t o d e ob servação q u e h a v i a s i d o i n i c i a d a n o Período B a r r o c o ; o s impres-
indiferenciadas. O bombardeio i n c e s s a n t e d o ima gin á rio n ã o r e l a c i o n a d o s i o n i s t a s a b a n d o n a r a m a l i n h a divisória, e q u i l i b r a n d o o e n q u a d r a m e n t o e a
34 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 1 35

profundidade d a perspectiva. P a u l C éza nne a n s i a v a " t o r n a r visível c o m o o

m u n d o n o s t o c a " ' ' ' ; o s c u b i s t a s a b a n d o n a r a m o p o n t o f o c a l tínico, r e s g a t a r a m
a vis ã o periférica e reforçaram a experiência tátil, e n q u a n t o o s p i n t o r e s d e
p a i s a g e n s c o l o r i d a s r e j e i t a r a m a p r o f u n d i d a d e ilusória p a r a reforçar a p r e s e n -
ça d a própria p i n t u r a c o m o u m a r t e f a t o icônico e u m a r e a l i d a d e au tónoma.
Os artistas d a L a n d A r tf u n d i r a m a realidade d a ob r a c o m a qu ela d o m u n d o
vivenciado; e,p o r f i m , artistas c o m o Rich a r d S er r a a b o r d a r a m diretamente
o c o r p o , b e m c o m o n o s s a s experiências d e h o r i z o n t a l i d a d e e v e r t i c a l i d a d e ,
ma teria lida de, gra vida de e peso.
A m e s m a con tr a cor r en te à h e g e m o n i a e a o o l h o d a perspectiva t e m ocor-
r i d o n a a r q u i t e t u r a m o d e r n a , a d e s p e i t o d a posição c u l t u r a l m e n t e p r i v i l e g i a -
d a d a visã o. A a r q u i t e t u r a cinestética e d e t e x t u r a s d e F r a n k L l o y d W r i g h t ,
o s prédios m u s c u l a r e s e táteis d e A l v a r A a l t o e a a r q u i t e t u r a d a g e o m e t r i a e
g r a v i d a d e d e L o u i s K a h n são e x e m p l o s p a r ti c u l a r m e n te significativos dessa
realidade.

Uma nova visão e o equilíbrio sensorial

L i v r e d o d e s e j o implícito q u e o s o l h o s têm d e c o n t r o l a r e d o m i n a r , talvez
s e j a j u s t a m e n t e a vis ã o a f o c a l d e n o s s a ép oca q u e é n o v a m e n t e c a p a z d e
n o s l e v a r a n o v a s e s f e r a s d a vis ã o e d o p e n s a m e n t o . A p e r d a d e f o c o t r a z i d a
p e l a c o r r e n t e d e i m a g e n s t a l v e z p o s s a e m a n c i p a r o o l h o d e s u a d omin a çã o
p a t r i a r c a l e p e r m i t i r o s u r g i m e n t o d e u m o l h a r p a r t i c i p a t i v o e emp á tico. A s
extens ões tecnológica s d o s s e n t i d o s até a g o r a têm reforça do a p r i m a z i a d a
vis ã o, m a s é possível q u e a s n o v a s t e c n o l o g i a s a j u d e m " o c o r p o [...] a d e s -
tr on a r o ol h a r desinteressado d o espectador cartesiano desencarnado"'^.
A A R Q U I T ET U R A E A FI G U RA H U M A N A zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
M a r t i n J a y observa: " E m opos içã o à f o r m a I t i c i d a , l i n e a r , sólida, f i x a ,
planimétrica e f e c h a d a d a Renascença... o B a r r o c o e r a pictórico, recessivo,
9 10
etéreo, m i i l t i p l o e a b e r t o " ' ^ . E l e ta mb ém a f i r m a q u e a experiência v i s u a l b a r -
T e n d e m o s a i n t e r p r e t a r u m a edif icação c o m o D e s d e a s d i n a s t i a s d o Eg i t o A n t i g o , a s d i m e n -
r o c a t e m u m a característica e x t r e m a m e n t e tátil q u e e v i t a s u a transformação
u m a a n a l o g i a d e n o s s o c o r p o e v i c e - v e r sa . sões d o c o r p o h u m a n o e r a m u sa d a s n a a r q u i -
n a centralização n o s o l h o s d e s e u r i v a l p e r s p e c t i v i s t a cartesiano"". t e t u r a . A t r adição ant r opocênt r ica t e m s i d o
A s cariát ides d o Er e c t e i o n , n a Acrópole d e A t e -
A experiência tátil p a r e c e e s t a r m a i s u m a v e z p e n e t r a n d o n o r e g i m e ocu- p r a t i c a m e n t e e sq u e c i d a n o s t e m p o s m o d e r n o s .
n as ( 4 2 1 - 4 0 5 a. C. )
l a r p o r m e i o d a presença tátil d o ima giná rio v i s u a l m o d e r n o . E m u m v i d e - O e s t u d o d e u m si st e m a d e proporções p a r a a ar -
© Co p y r i g h t T h e Tr u st e e s o f t h e Br i t i sh M u -
oclipe, p o r exemp lo, o u n a transparência u r b a n a c o m várias c a m a d a s , nã o q u i t e t u r a f e i t o p o r Au l i s Bl o m st e d t , b a se a d o n a
se u m
subdivisão pit agórica d e u m m ódulo d e 1 8 0 c m
p o d e m o s i n t e r r o m p e r o f l u x o d e i m a g e n s p a r a ob servação analítica; e m v e z
( s u p o s t a m e n t e d o início d a década d e 1 9 6 0 ) .

T h e A u l i s B l o m s t e d t Est at e s/ S. B l o m s t e d t .
36 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O s OLHOS DA PELE

d i s s o t e m o s d e a p r e c i a r o q u e v e m o s c o m o u m a sensação tátil a p r i m o r a d a , d e
m o d o s i m i l a r à m a n e i r a q u e u m n a d a d o r s e n t e a água f l u i n d o s o b r e s u a pele.
E m s e u l i v r o a b r a n g e n t e e p r o v o c a n t e ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
The Opening of Vision: Nihilism
2 zyxwvut
PARTEzyxwvutsrqponmlkj
and the Postmodern Situation, D a v i d M i c h a e l L evin dis tingu e entre dois mo-
d o s d e visão: " o o l h a r a s s e r t i v o " e " o o l h a r alético"^". E m s u a opinião, o o l h a r
a s s e r t i v o é e s t r e i t o , dogmá tico, i n t o l e r a n t e , rígido, inflexível, e x c l u s i v o e imó-
v e l , e n q u a n t o o o l h a r alético, a s s o c i a d o c o m o sp on tos d evista e a s perspec-
t i v a s , é mtíltiplo, p l u r a l i s t a , democrá tico, c o n t e x t u a l , i n c l u s i v o , h o r i z o n t a l e
z e l o s o ^ \o s u g e r e L e v i n , há s i n a i s d e q u e u m n o v o m o d o d e o l h a r e s t e j a
emergindo.
E m b o r a a s nova s tecnologias t e n h a m reforçado a h e g e m o n i a d a visão,
e l a s ta mb ém p o d e m a j u d a r a r e e q u i l i b r a r a s e s f e r a s d o s s e n t i d o s . N a opinião
d e W a l t e r O n g , " c o m o t e l e f o n e , o rádio, a televisão e o s vários t i p o s d e f i t a s
C o m o s u g e r e a b r e v e análise p r e c e d e n t e , a predileçã o p e l o s e n t i d o d a v i -
são e m relação a o s d e m a i s s e n t i d o s é inegá vel n o p e n s a m e n t o
além d e ta mb ém s e r u m a tendência e v i d e n t e n a a r q u i t e t u r a d e n o s s o sécu lo.
ocidental,

d e áu dio, a t e c n o l o g i a eletrônica n o s t r o u x e p a r a a e r a d a ' o r a l i d a d e secundá-

ria'. E s s a n o v a or a l id a d e t e m s im il itu d e s im p r e s s io n a n te s c o m a a n tig a or a li-
d a d e , d e v i d o à s u a mística p a r t i c i p a t i v a , s u a promoçã o d o s e n s o comu nitário,
s u a concentração n o m o m e n t o presente..."^'
"N ós , n o m u n d o o c i d e n t a l , e s t a m o s começa ndo a d e s c o b r i r n o s s o s
tidos negligenciados. E s s a c r e s c e n t e conscientização r e p r e s e n t a , d e c e r t a m a -
n e i r a , u m a insurgência t a r d i a c o n t r a a d o l o r o s a privação d a experiência s e n -
s o r i a l q u e t e m o s s o f r i d o e m n o s s o m u n d o tecnológico", e s c r e v e o a ntropólogo
A s h l e y M o n t a g u ^ ^ E s s a n o v a conscientização é a t u a l m e n t e vigorosamente
p r o j e t a d a p o r intímeros a r q u i t e t o s d e t o d o o m u n d o , o s q u a i s estão t e n t a n d o
r e s e n s u a h z a r a a r q u i t e t u r a p o r m e i o d e u m s e n s o reforçado d e m a t e r i a l i d a d e
e t a t i l i d a d e , t e x t u r a e p e s o , d e n s i d a d e d o espaço e d a l u z m a t e r i a h z a d a .
É c l a r o q u e a transformação n e g a t i v a d a a r q u i t e t u r a é n e c e s s a r i a m e n t e sus-
t e n t a d a p o r forças e padrões d e g e r e n c i a m e n t o , organização e produ ção, b e m
c o m o p e l o i m p a c t o a b s t r a t i v o e u n i v e r s a l i s t a d a própria racionalização t e c n o -
lógica. A s alterações n e g a t i v a s n a e s f e r a d o s s e n t i d o s ta mb ém nã o p o d e m ser
sen-
d i r e t a m e n t e atribuídas a o privilégio histórico d a d o a o s e n t i d o d a própria v i -
são. A i d e i a d e q u e a visão é o n o s s o s e n t i d o m a i s i m p o r t a n t e está b e m arrai-
g a d a e m f a t o s fisiológicos, p e r c e p t u a i s e psicológicos^'*. O p r o b l e m a a dvém d o
i s o l a m e n t o d o s o l h o s d e s u a interação c o m a s o u t r a s m o d a l i d a d e s sensoriais
e d a eliminação e supressão d o s d e m a i s s e n t i d o s , o q u e c a d a v e z m a i s r e d u z e
r e s t r i n g e a experiência d e m u n d o à e s f e r a e x c l u s i v a d a visão. E s s a separação
e redu ção f r a g m e n t a m a c o m p l e x i d a d e , a ab rangência e a p l a s t i c i d a d e i n a t a s
d o s i s t e m a s e n s o r i a l , reforçando u m a sensação d e i s o l a m e n t o e alienação.
Nesta segunda p a r t e , a n a l i s a r e i a s interações d o s s e n t i d o s e a p r e s e n -
t a r e i a l g u m a s impressões p e s s o a i s das esferas d o s s e n t i d o s n a expressão e
experiência d a a r q u i t e t u r a . N e s t e e n s a i o , r e v e l o u m a a r q u i t e t u r a s e n s o r i a l e m
r es p os ta a oe n t e n d i m e n t o v i s u a l d o m i n a n t e n a a r te d e edificar.

O corpo no centro
E u confronto a cidade c o m m e u corpo; m in h a s pernas m e d e m o compri-
m e n t o d a a r c a d a e a l a r g u r a d a pra ça ; m e u s o l h o s f i x o s inconscientemente
projetam m eu corpo n afachada d acatedral, on d e eleperambu la sobre
 38 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 2 39

m o l d u r a s e c u r v a s , s e n t i n d o o t a m a n h o d e r e c u o s e p rojeções ; m e u peso p r o d u z i d o associações s u f i c i e n t e s p a r a q u e f o s s e i m p r e s s o e m n o s s o s mu n-

e n c o n t r a a m a s s a d a p o r t a d a c a t e d r a l e m i n h a m ã o a g a r r a a ma ça neta e n - dos pessoais"^".
q u a n t o m e r g u l h o n a es cu ridã o d o i n t e r i o r . E u m e e x p e r i m e n t o n a cidade;
a c i d a d e e x i s t e p o r m e i o d e m i n h a exp eriên cia c o r p o r a l . A c i d a d e e m e u
cor p o se c o m p l e m e n t a m e se d e f i n e m . E u m o r o n a cida de, e a cid a d e mora
) A experiência multissensorial
e m m i m . U m p a s s e i o n a f l o r e s t a é r e v i g o r a n t e e sau dável graças à interação c o n s t a n t e
A f i l o s o f i a d eM e r l e a u - P o n t y t o r n a o c o r p o h u m a n o o c e n t r o d o mu n - de todas as moda lida des d e s e n t i d o s ; B a c h e l a r d f a l a d a "polifoiíia d o s s e n t i -
d o d a s exp eriên cia s . E l e a f i r m o u d e m o d o consistente, c o m o resume Ri- d o s " ^ \s o l h o s c o l a b o r a m c o m o c o r p o e o s d e m a i s s e n t i d o s . N o s s o s e n s o d e
c h a r d K e a r n e y , q u e "[ é] p o r m e i o d en o s s o s c o r p o s , c o m o c e n t r o s v i v o s d e r e a l i d a d e é reforçado e a r t i c u l a d o p o r e s s a interação c o n s t a n t e . A a r q u i t e t u r a
intenções ... q u e e s c o l h e m o s nosso m u n d o e nosso m u n d o nos escolhe"^^ é, e m ú ltima análise, u m a extensão d a n a t u r e z a n a e s f e r a antropogênica, f o r -
Nas p róp ria s p a l a v r a s d eM e r l e a u - P o n t y , " N o s s o p r óp r io c o r p o es tá n o necendo a s b a s e s p a r a a percepção e o h o r i z o n t e d a experimenta çã o e c o m -
mu ndo, como o cora çã o está e m n o s s o o r g a n i s m o : e l e ma n tém o es petá - preensão d o m u n d o . E l a nã o é u m a r t e f a t o i s o l a d o e i n d e p e n d e n t e ; ela dire-
c u l o vis ível c o n s t a n t e m e n t e v i v o , e l e s o p r a v i d a p a r a d e n t r o e o s u s t e n t a c i o n a n o s s a atenção e experiência e x i s t e n c i a l p a r a h o r i z o n t e s m a i s amplos.
de for a p a r a d en tr o; j u n t o s eles f o r m a m u m s is tema "^ '; e [a j exp eriên cia A a r q u i t e t u r a ta mb ém dá u m a e s t r u t u r a c o n c e i t u a i e m a t e r i a l às instituições
dos s e n t i d o s é ins tá vel e a l h e i a à p ercep çã o n a t u r a l , a q u a l a lca n ça mos societárias, b e m c o m o às condições d a v i d a c o t i d i a n a . E l a c o n c r e t i z a o c i c l o
c o m t o d o n o s s o c o r p o d e u m a só v e z e n o s p r o p i c i a u m m u n d o d e s e n t i d o s do ano, o percurso do sol e o passar das hora s do dia.
inter- relacionados"''^. T o d a experiên cia c o m o v e n t e com a arqu itetu ra é multissensorial; a s
A s experiências s e n s o r i a i s s e t o r n a m i n t e g r a d a s p o r m e i o d o c o r p o , ou ca ra cterística s d e es p a ço, ma téria e e s c a l a são m e d i d a s igualmente por
m e l h o r , n a própria constitu ição d o c o r p o e n o m o d o h u m a n o d e s e r . A t e o - n o s s o s o l h o s , o u v i d o s , n a r i z , p e l e , língu a , e s q u e l e t o e mú s cu los . A a r q u i -
r i a psicanalítica i n t r o d u z i u a noçã o d e i m a g e m o u e s q u e m a c o r p o r a l c o m o o t e t u r a reforça a exp eriên cia e x i s t e n c i a l , n o s s a s ens a çã o d e p e r t e n c e r a o
c e n t r o d e integração. N o s s o s c o r p o s e m o v i m e n t o s estão e m c o n s t a n t e inte- m u n d o , e essa é e s s e n c ia l m e n te u m a experiência d e reforço d a identidade
ração c o m o a m b i e n t e ; o m u n d o e a i n d i v i d u a l i d a d e h u m a n a s e r e d e f i n e m pessoal. E m vez d a m e r a vis ã o, o u d o s c i n c o s e n t i d o s clássicos, a a r q u i -
u m a o o u t r o c o n s t a n t e m e n t e . A percepção d o c o r p o e a i m a g e m d o m u n d o s e tetura envolve diversas esferas d a exp eriên cia s e n s o r i a l q u e i n t e r a g e m e
t o r n a m u m a experiência e x i s t e n c i a l contínu a; nã o há c o r p o s e p a r a d o d e s e u f u n d e m e n t r e si®'.
domicílio n o espaço, nã o há espaço d e s v i n c u l a d o d a i m a g e m i n c o n s c i e n t e d e O ps icólogo J a m e s J . G i b s o n c o n s i d e r a o s s e n t i d o s c o m o m e c a n i s m o s d e
nossa identida de pessoal perceptiva. b u s c a a g r e s s i v a , e nã o c o m o m e r o s r e c e p t o r e s p a s s i v o s . E l e não c a t e g o r i z a os
"A i m a g e m d ocorpo... é p r ofu n d a m en te afetada pelas exp eriên cia s sentidos nas cinco mod a lid a d es desvincu ladas, m a s s i m c o m o cinco sistemas
d o t a t o e d a orienta çã o d o início d e n o s s a s v i d a s . N o s s a s imagens visuais sensoriais: s is tema vis u a l, s is tema a u d itivo, s is tema palato- olfativo, sistema
se d e s e n v o l v e m p os ter ior m en te e,p ^ r a qu e t e n h a m significado, dependem d e orientação básica e s i s t e m a tá tif ^. A f i l o s o f i a d e S t e i n e r pressu põe q u e na
d e n o s s a s experiência s o r i g i n a i s a d q u i r i d a s t a t i l m e n t e , " a f i r m a m K e n t C . v e r d a d e u s a m o s n a d a m e n o s d o q u e 1 2 sentidos®'*.
B l o o m e r e C h a r l e s W . M o o r e e m s e u l i v r ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Body, Memory, and Architecture, O s ol h os q u e r e m co l a b o r a r c o m os o u tr o s s en tid os . Tod os os sentidos,
u m d o s p r i m e i r o s e s t u d o s a i n v e s t i g a r o p a p e l d oc o r p o e d o s s e n t i d o s na i n c l u s i v e a vis ã o, p o d e m ser con s id er a d os como extens ões d o s e n t i d o d o
exp erimen ta çã o d a a r q u i t e t u r a ^ l E l e s p r o s s e g u e m : " Oq u e fa lta e m nossas tato - com o es pecia liza ções d a p e l e . E l e s < k f i n . g m a i n t e r f a c e e n t r e a p e l e
m o r a d i a s d e h o j e são a s tra nsa ções p o t e n c i a i s e n t r e c o r p o , ima gin a çã o e e o a mb ien te - entre a interioridade opaca d oc o r p o é a e x t e r i o r i d a d e d o
a m b i e n t e " ^ ' ; . . . " P e l o m e n o s a té c e r t o p o n t o q u a l q u e r l u g a r p o d e s e r lem- m u n d o . N a vis ã o d e René S p i t z , " t o d a percepçã o começa n a c a v i d a d e oral,
b r a d o , e m p a r t e p o r s e r ú nico, m a s ta mb ém p o r t e r a f e t a d o n o s s o s c o r p o s e q u e s e r v e c o m o a p o n t e p r i m i t i v a d a recepçã o i n t e r n a à percepçã o e x t e r n a "
40 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

. A té m e s m o o s o l h o s t o c a m ; o o l h a r f i x o i m p l i c a u m t o q u e inconsciente,
u m a m i m e s e e identifica çã o c o r p o r a l . C o m o o b s e r v a Martin Jay ao descre-
v e r a f i l o s o f i a d o s s e n t i d o s M e r l e a u - P o n t y , " c o m a vis ã o, t o c a m o s o s o l e a s
e s t r e l a s " ®*'. A n t e s d e M e r l e a u - P o n t y , G e o r g e B e r k e l e y , u m filós ofo e clérigo
irlandês d o sécu lo X V I I I , r e l a c i o n o u o t a t o à vis ã o e supôs q u e a noçã o v i s u a l
d e m a t e r i a l i d a d e , distância e p r o f u n d i d a d e e s p a c i a l s e r i a m absolutamente
impossíveis s e m a coop era çã o d a memória tátil. S e g u n d o B e r k e l e y , a vis ã o
n e c e s s i t a d a a j u d a d o t a t o , q u e f o r n e c e sensações d e " s o l i d e z , resistência e
protuberância"®^; a vis ã o d e s v i n c u l a d a d o t a t o não p o d e r i a " t e r qualquer
i d e i a d e distância, e x t e r i o r i d a d e ou profundidade, e consequentemente,
n e m d e espaço o u corpo"®®. D e a c o r d o c o m o filósofo, H e g e l a f i r m a v a q u e o
t i n i c o s e n t i d o q u e p o d e d a r u m a sensação d e p r o f u n d i d a d e e s p a c i a l é o t a t o ,
p o i s o t a t o " s e n t e o p e s o , a resistência e a f o r m a t r i d i m e n s i o n a lzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(gestalt) dos
c o r p o s m a t e r i a i s , e ,p o r t a n t o , n o s fa z c i e n t e d eq u e a s c o is a s s ea f a s t a m d e
nós e m t o d a s a s direções"®'.

A visão r e v e l a o q u e o t a t o já s a b e . Podería mos c o n s i d e r a r o t a t o c o m o

o s e n t i d o i n c o n s c i e n t e d a visã o. N o s s o s o l h o s a c a r i c i a m superfícies, c u r v a s e
b o r d a s d i s t a n t e s ; é a sensação tátil i n c o n s c i e n t e q u e d e t e r m i n a s e u m a expe-
riência é p r a z e r o s a o u desagradável. A q u i l o q u e está d i s t a n t e o u p e r t o é e x p e -
r i m e n t a d o c o m a m e s m a i n t e n s i d a d e , a m b o s s e f u n d e m e m u m a experiência
coerente. N a s pa la vra s de Merleau-Ponty:

V e m o s a p r o f u n d i d a d e , a s u a v i d a d e , a m a c i e z , a d u r e z a d o s o b j e t o s ; Cézanne
c h e g o u a a f i r m a r q u e vi a seu s odores . Se o p i n t o r des eja expres s a r o m u n d o , o
a r r a n j o d e s u a s c o r e s d e v e p o r t a r c o n s i g o e s s e t o d o indivisível, c a s o contrário
s e u q u a d r o a p e n a s conseguirá s u g e r i r a s c o i s a s e não l h e s dará a u n i d a d e i m -
p e r a t i v a , a presença, a p l e n i t u d e insuperável q u e p a r a nós é a própria definição
da qu ilo qu e é real.'" A CI D A D E D A P A RT I CI P A ÇÃ O - A CI D A D E D A A LI E N A ÇÃ O zyxwvutsrqponmlkjih

A o e l a b o r a r a id eia d eG o e t h e d e q u e u m a o b r a d ea r te d e v e "intensi-
11 12
ficar a vid a " ' ' , B e r n a r d B e r e n s o n s u g er iu q u e q u a n d o e x p e r i m e n t a m o s u m a
A c i d a d e d o e n v o l v i m e n t o se n so r i a l . A c i d a d e m o d e r n a , d a privação se n so r i a l .
o b r a d e a r t e , i m a g i n a m o s u m e n c o n t r o físico gen u ín o p o r m e i o d e " s e n s a -
ções c o r r e l a c i o n a d a s a u m o b j e t o " . A s m a i s i m p o r t a n t e s d e s s a s sensações P e t e r B r u e g e l , o V e l h o , Jo g o s d e Cr ian ças, A área c o m e r c i a l d e Brasília, 1968
1560. Po r m e n o r
e l e c h a m o u d e " v a l o r e s tá teis "' ' . N a s u a op in iã o, u m a o b r a d e a r t e au tênti- Fo t o g r a f i a d e Ju h a n i Pa l l a s m a a

c a s i m u l a n o s s a s sensações i d e a h z a d a s d e t o q u e , e e s s e es tímu lo i n t e n s i f i c a Ku n s t h i s t o r i s c h e s M u s e u m m i t M V K u n d ÕTM ,

Viena
a vida. C ons egu imos d e f a t o s e n t i r o c a l o r d a águ a d a b a n h e i r a d a s pessoas
42 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 2 43

qu e s el a v a m n a s p i n t u r a s d ePierre B o n n a r d , b e m c o m o sentimos o calor m o e o d i s t a n t e , o s e n t i d o e i m a g i n a d o s e f u n d e m . O c o r p o nã o é u m a mcrn

d o sol e a b r is a fresca d a s p i n t u r a s q u e M a ti s s e fez d e j a n e l a s c o m vistas e n t i d a d e física; e l e é e n r i q u e c i d o p e l a memória e p e l o s s o n h o s , p e l o passado
para o mar. e p elo fu tu r o. E d w a r d S. C a s ey ch eg a a a f i r m a r q u e n os s a ca p a cid a d e d e nip-

D a m e s m a m a n e i r a , u m a ob r a d ea r q u itetu r a gera u m tod o indivisível mória s e r i a impossível s e m u m a memória c o r p o r a l " . O m u n d o é r e f l e t i d o no

d e impressões. O e n c o n t r o a o v i v o c o m a C a s a d a C a s c a t a , d eF r a n k L l oyd corpo, e o corpo é projetado n o m u n d o . L em b r a m o- n os por m eio d e nosso

W r i g h t , f u n d e e m u m a experiência t o t a l i z a n t e e única a f l o r e s t a d o entorno c o r p o , b e m c o m o d e n o s s o s i s t e m a n e r v o s o e n o s s o céreb ro.

c o m o s v o l u m e s , a s su perfícies, a s t e x t u r a s e a s c o r e s d a c a s a , e até m e s m o o s O s s e n t i d o s nã o a p e n a s m e d i a m a s informa ções p a r a o j u l g a m e n t o d o

a r o m a s d a f l o r e s t a e o s s o n s d o r i o . U m a o b r a d e a r q u i t e t u r a não é e x p e r i m e n - i n t e l e c t o ; e l e s ta mb ém são u m m e i o d e d i s p a r a r a ima gina çã o e a r t i c u l a r o

t a d a c o m o u m a coletânea d e i m a g e n s v i s u a i s i s o l a d a s , e s i m e m s u a presença p e n s a m e n t o s e n s o r i a l . C a d a f o r m a d ea r t e e l a b o r a p e n s a m e n t o s metafísicos

m a ter ia l e es p iritu a l to ta l m e n te corporificada. U m a ob r a de a r q u itetu r a incor- e e x i s t e n c i a i s c o m s e u s m e i o s característicos e s e u e n v o l v i m e n t o sensória L

p o r a e i n f u n d e e s t r u t u r a s t a n t o físicas q u a n t o m e n t a i s . A f r o n t a l i d a d e v i s u a l " Q u a l q u e r t e o r i a d a p i n t u r a é metafísica," n a vis ã o d e M e r l e a u - P o n t y ' ^ , mas

d e u m d e s e n h o d e a r q u i t e t u r a d e s a p a r e c e n a experiência r e a l d a edificação. A e s s a a s s e r t i v a ta mb ém p o d e s e r e s t e n d i d a a o próprio f a z e r a a r t e , p o i s toda

b o a a r q u i t e t u r a o f e r e c e f o r m a s e superfícies m o l d a d a s p a r a o t o q u e prazeroso p i n t u r a e m s i própria s e b a s e i a e m p r e s s u p o s t o s implícitos s o b r e a essência

d o s o l h o s . " C o n t o r n o s e p e r f i szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
{modénature) são a p e d r a d e t o q u e d o a r q u i t e - d o m u n d o . " O p i n t o r ' c a r r e g a s e u c o r p o c o n s i g o ' , d i z [ P a u l ] Va léry D e fato,

t o " , d i s s e L e C o r b u s i e r , r e v e l a n d o u m i n g r e d i e n t e tátil e m s e u entendimento é impossível i m a g i n a r c o m o u m a m en te poderia pintar," a r g u m en ta Merle-

au-Ponty'®.
d a a r q u itetu r a , de resto ocu la r'^ 3
S i m i l a r m e n t e , é inconceb ível q u e pu dés s emos i m a g i n a r u m a a r q u i t e -
As imagens d e u m a e s f e r a s e n s o r i a l a u m e n t a m o ima gin á rio d a s ou-
t u r a p u r a m e n t e c e r e b r a l , q u e n ã o f o s s e a projeçã o d o c o r p o h u m a n o e d e
tras m od a lid a d es d es entido. A sima gen s presenciais fazem emergir ima-
s e u m o v i m e n t o n o es pa ço. A a r t e d a a r q u i t e t u r a ta mb ém e n v o l v e qu estões
g e n s d a memór ia , d a s f a n t a s i a s e d o s s o n h o s . " [ O ] p r i n c i p a l b en efício d e
metafísicas e e x i s t e n c i a i s r e l a t i v a s à con d içã o h u m a n a . F a z e r a r q u i t e t u r a
u m a casa [é q u e ] ela a b riga nossos devaneios, a casa protege o sonhador,
exige p en s a men to cla ro, m a s esse é u m m o d o d epensar corporificado e
a c a s a p e r m i t e q u e e l e s o n h e e m p a z , " e s c r e v e B a c h e l a r d ' " * . Por ém, m a i s d o
es pecífico q u e s e dá p o r m e i o d o s s e n t i d o s e d o c o r p o h u m a n o , a lém, é
q u e i s s o , u m es pa ço d e a r q u i t e t u r a e n q u a d r a , d etém, reforça e f o c a nossos
c l a r o , d o m e i o es pecífico d a a r q u i t e t u r a . A a r q u i t e t u r a e l a b o r a e c o m u n i c a
p e n s a m e n t o s , a lém d e e v i t a r q u e e l e s s e p e r c a m . P o d e m o s s on h a r e sentir
i d e i a s d o c o n f r o n t o c a r n a l d o h o m e m c o m o m u n d o p o r m e i o d e "emoções
q u e es ta m os for a dele, m a s precis a mos d a g e o m e tr ia d a a r q u i te tu r a de u m
p lá s tica s " " . N a m i n h a op in iã o, o m i s t e r d a a r q u i t e t u r a é " t o r n a r vis ível
cóm od o p a r a p e n s a r c o m clareza. A g e o m e tr i a d op e n s a m e n t o reflete a
como o m u n d o n os toca", c o m o M e r l e a u - P o n t y s e r e f e r i u às p i n t u r a s d e
g e o m e t r i a d o cóm od o.

N a o b r a The Book of Tea, K a k u z o O k a k u r a n o s o f e r e c e u m a r e f i n a d a des-

crição d o imaginário m u l t i s s e n s o r i a l e v o c a d o p e l a s i n g e l a cerimónia d o chá:
" A t r a n q u i l i d a d e r e i n a , s e m n a d a q u e q u e b r e o silêncio, e x c e t o a n o t a d a águ a • ^jA importância das sombras
f e r v e n t e n a c h a l e i r a d e f e r r o . A c h a l e i r a c a n t a b e m , p o i s a s peças d e f e r r o d e
o o l h o é o órgã o d a distância e d a separação, e n q u a n t o o t a t o é o s e n t i d o
s e u f u n d o estão distrib u ídas d e m o d o a produ zir u m a melod ia peculiar na
d a p r o x i m i d a d e , i n t i m i d a d e e afeição. O o l h o a n a l i s a , c o n t r o l a e i n v e s t i g a ,
q u a l s eo u ve o secos d eu m a ca ta ra ta ab afados pelas n u ven s , das distantes
a o p a s s o q u e o t o q u e a p r o x i m a e a c a r i c i a . D u r a n t e experiências emocionais
o n d a s d om a r q u e b r a n d o en tr e as rochas, d a tem p es ta d e que se arremessa
m u i t o i n t e n s a s , t e n d e m o s a b a r r a r o s e n t i d o d i s t a n c i a d o r d a visão; fechamos
c o n tr a u m a floresta de b a m b u o u d o s u s s u r r o dos p in h eir os e m u m a d is ta n te
o s o l h o s e n q u a n t o d o r m i m o s , o u v i m o s música o u a c a r i c i a m o s n o s s o s amados.
c o l i n a q u a l q u e r " ' ^ . N a descrição d e O k a k u r a o p r e s e n t e e o a u s e n t e , o próxi-
44 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 2 45

A s s o m b r a s p r o f u n d a s e a escu ridão são e s s e n c i a i s , p o i s e l a s r e d u z e m a p r e -

cisão d a visão, t o r n a m a p r o f u n d i d a d e e a distância amb ígu as e c o n v i d a m a
visão periférica i n c o n s c i e n t e e a f a n t a s i a tátil.
C omo a s r u a s d e u m a c i d a d e a n t i g a , c o m s e u s espaços a l t e r n a d o s d e
escu ridão e l u z , são m U i t o m a i s m i s t e r i o s a s e c o n v i d a t i v a s d o q u e a s r u a s d a s
c i d a d e s a t u a i s , c o m s u a ilu minação tão f o r t e e h omogén ea ! A ima gina çã o e
a f a n t a s i a são e s t i m u l a d a s p e l a l u z f r a c a e p e l a s s o m b r a s . P a r a q u e p o s s a m o s
p e n s a r c o m c l a r e z a , a precisão d a visão t e m d e s e r r e p r i m i d a , p o i s a s i d e i a s
v i a j a m l o n g e q u a n d o n o s s o o l h a r f i c a distraído e n ã o f o c a d o . A l u z forte.e I f I

homogénea p a r a l i s a a imaginação d o m e s m o m o d o q u e a homogeneiza çã o d o

espaço e n f r a q u e c e a experiência d a v i d a h u m a n a e a r r a s a o s e n s o d e l u g a r . O
o l h o h u m a n o é m a i s a d e q u a d o p a r a e n x e r g a r n o crepiíscu lo d o q u e s o b a l u z
forte d o s ol.
A s névoa s e o crepiíscu lo d e s p e r t a m a ima gina çã o, p o i s t o r n a m a s i m a -
g e n s v i s u a i s i n c e r t a s e a mb ígu a s ; u m a p i n t u r a c h i n e s a d e u m a p a i s a g e m
m o n t a n h e s a b r u m o s a o u u m j a r d i m d e a r e i a ja pon ês ( o j a r d i m z e n R y o a n - j i )
n o s l e v a a u m m o d o a f o c a l d e vis ã o, p r o v o c a n d o u m e s t a d o d e med ita çã o
o u t r a n s e . O o l h a r distra ído p e n e t r a a su perfície d a i m a g e m física e f o c a o
infinito.
E m s e u l i v r ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
In Praise of Shadows, Ju n ich iro Ta n iza ki observa q u e mes-
m o a culinária j a p o n e s a d e p e n d e d a s s o m b r a s e q u e é inseparável d a e s c u r i -
dã o: " E q u a n d o Y kan é s e r v i d o e m u m p r a t o l a q u e a d o , é c o m o s e a escu ridão
d o r e c i n t o e s t i v e s s e d e r r e t e n d o n a s u a lín gu a "'"'. O e s c r i t o r n o s l e m b r a q u e ,
n o p a s s a d o , o s d e n t e s e n e g r e c i d o s d e u m a g u e i x a e s e u s láb ios v e r d e escuro,
s o m a d o s à s u a f a c e p i n t a d a d e b r a n c o f o r m a v a m t o d a u m a compos içã o q u e
e n f a t i z a v a a escu ridão e a s s o m b r a s d o a m b i e n t e . A RQ U I T ET U RA S D A A U D I Ç Ã O E D O O LFA T O zyxwvutsrqponmlkjihgfed
S i m i l a r m e n t e , a força extraordinária d o f o c o d e l u z e s u a presença n a s
p i n t u r a s d eC a r a v a g g i o e R e m b r a n d t s u r g e m d a p r o f u n d i d a d e d a s o m b r a n a
13 14
q u a l o p r o t a g o n i s t a está i n s e r i d o , c o m o u m o b j e t o p r e c i o s o e m u m p a n o d e
E m c i d a d e s e espaços hist óricos, a s experiên- Q u a n d o e n t r a m o s e m c o n t a t o c o m l u g a r e s que
f u n d o d e v e l u d o e s c u r o , q u e a b s o r v e t o d a a l u z . A s o m b r a dá f o r m a e v i d a
ci as acúst icas reforçam e e n r i q u e c e m a s e x p e - n o s p r o p o r c i o n a m experiências r i cas e r e v i g o
a o o b j e t o s o b a l u z . E l a ta mb ém c r i a o a m b i e n t e n o q u a l s u r g e m a s f a n t a - riências v i su a i s. r a n t e s , t o d a s a s e sf e r a s se n so r i a i s i n t e r a g e m c
s ia s e o s s o n h o s . D a m e s m a m a n e i r a , a a r t e d oc l a r o - e s c u r o é u m t a l e n t o d o se f u n d e m n a i m a g e m d o l u g a r q u e g u a r d a r c
A a b a d i a c i st e r c i e n se p r i m i t i v a d e Le T h o r o n e t ,
m o s e m n o ssa s m em órias.
m e s t r e - a r q u i t e t o . E m espaços d e a r q u i t e t u r a e s p e t a c u l a r e s , há u m a respiração f u n d a d a e m Fl o r i e l l e e m 1 1 3 6 , t r a n s f e r i d a e m
c o n s t a n t e e p r o f u n d a d e s o m b r a s e l u z e s ; a escu ridão i n s p i r a e a ilu minação 1 1 7 5 p a r a o t e r r e n o o n d e h o j e se e n c o n t r a . U m l u g a r d e a r o m a s : o m e r c a d o d e e sp e ci a r i .i',
d e H a r r a r , n a Et iópia.
expira a lu z. Fo t o g r a f i a d e D a v i d H e a l d
Fo t o g r a f i a d e Ju h a n i Pa l l a sm a a
46 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 2 47

N o s d i a s a t u a i s , a l u z s e t o r n o u u m a m e r a matéria q u a n t i t a t i v a , e a j a - m a s e f e t i v a m e n t e r e t o r n a m o s s o n s d e v o l t a a o s n o s s o s o u v i d o s . " A ação c e n -

n e l a p e r d e u s u a importância c o m o m e d i a d o r a d e d o i s m u n d o s , e n t r e fechado tr a liza d or a d os o m afeta o senso d e cos mos d oh o m e m , " escreve W a l te r Ong.
e a b e r t o , i n t e r i o r i d a d e e e x t e r i o r i d a d e , p r i v a d o e pú b lico, s o m b r a e l u z . U m a " P a r a a s c u l t u r a s o r a i s , o c o s m o s é u m e v e n t o contínu o c o m o h o m e m e m seu
v e z q u e p e r d e u s e u s i g n i f i c a d o ontológico, a j a n e l a s e t r a n s f o r m o u e m u m a c e n t r o . O h o m e m é o umbilicus mundi, o u m b i g o d o mu ndo"'"®. É i n s t i g a n t e
m e r a ausência d e p a r e d e . " O b s e r v e [ ...] o u s o d a s e n o r m e s j a n e l a s c o m cai- p en s a r q u e a p er d a m e n t a l d o s en tid o d a cen tr a lid a d e n om u n d o contempo-
x i l h o s f i x o s [ ...] e l a s p r i v a m n o s s a s edificações d a i n t i m i d a d e , d o e f e i t o d a râneo p o s s a s e r atrib u ído, a o m e n o s e m p a r t e , a o d e s a p a r e c i m e n t o d aintegri-
s o m b r a e d a a t m o s f e r a . O s a r q u i t e t o s d o m u n d o t o d o têm s e e n g a n a d o nas dade d om u n d o auditivo.
proporções q u e têm u s a d o n a s g r a n d e s j a n e l a s c o m c a i x i l h o s f i x o s o u n a s A au dição e s t r u t u r a e a r t i c u l a a experiência e o e n t e n d i m e n t o d o espaço.
a b e r t u r a s e x t e r n a s [ ...] P e r d e m o s n o s s o s e n s o d e v i d a íntima e n o s tornamos N o r m a l m e n t e nã o e s t a m o s c i e n t e s d a importância d a au dição n a experiência
forçados a v i d a s públicas, e s s e n c i a l m e n t e afastados d enossas casas," escre- e s p a c i a l , e m b o r a o s o m m u i t a s v e z e s forneça o continuum temporal n o qual
ve Lu is B a r r a ga n , o verda deiro má gico d o s s e g r e d o s íntimos, d o mistério e a s impressões v i s u a i s estão i n s e r i d a s . Q u a n d o r e m o v e m o s a trilha sonora d e
d a s s o m b r a s n a a r q u i t e t u r a contemporânea'"^. M u i t o s espaços pú b licos c o n - u m filme, por exemplo, a s cena s p e r d e m s u a plasticidade e o senso d e con-
temporâneos tamb ém s e t o r n a r i a m m a i s agradáveis s e t i v e s s e m l u z e s menos t i n u i d a d e e v i d a . O c i n e m a m u d o d ef a t o t i n h a d ec o m p e n s a r a ausência d e
i n t e n s a s e m a i s heterogénea s . O ú tero e s c u r o d o plenário d a P r e f e i t u r a d e sons, em p r eg a n d o u m a m a n e i r a d e m o n s t r a t i v a d e representação e x a g e r a d a .
Sâynãtsalo, d e A l v a r A a l t o , r e c r i a u m s e n s o místico mitológico e d e c o m u - A d r i a n S t o k e s , o p i n t o r e ensaísta inglês, f a z ob servações p e r s p i c a z e s
n i d a d e ; a escu ridão c r i a u m a sensação d e s o l i d a r i e d a d e e reforça a força d a s o b r e a interação e n t r e o espaço e o s o m , o s o m e a p e d r a . " C o m o mães d o s
palavra falada. h o m e n s , o s prédios são b o n s o u v i n t e s . S o n s l o n g o s , distintos o u aparente-
E m estados emocionais i n t e n s o s , o s estímu los s e n s o r i a i s p a r e c e m sair m e n t e e m c o n j u n t o s , a c a l m a m o s orifícios d o s palácios, q u e s e a f a s t a m gra-
d o s s e n s o s m a i s r e f i n a d o s p a r a o s m a i s a r c a i c o s , d e s c e n d o d a visão p a r a a d u a l m e n t e d o c a n a l o u d o p i s o . U m s o m l o n g o , c o m s e u e c o , t r a z consu mação
au dição, o t a t o e o o l f a t o , e i r d a s l u z e s p a r a a s s o m b r a s . U m a c u l t u r a que à p e d r a , " e l e es creve^ ""*.
b u s c a c o n t r o l a r s e u s cidadãos p r o v a v e l m e n t e promoverá a direção o p o s t a d e Q u a l q u e r p e s s o a q u e já a c o r d o u c o m o s o m d e u m t r e m o u u m a am-
interação, s a i n d o d a i n d i v i d u a l i d a d e d a i n t i m i d a d e e identificação e i n d o p a r a bu lância e m u m a c i d a d e n o t u r n a e q u e n o s o n h o e x p e r i m e n t o u o espaço d a
u m i s o l a m e n t o físico e pú b lico. U m a s o c i e d a d e c o n t r o l a d o r a s e m p r e é u m a c i d a d e e m s e u s incontáveis h a b i t a n t e s e s p a l h a d o s d e n t r o d e s e u s prédios, c o -
s o c i e d a d e d o o l h ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
voyeur e sádico. U m método e f i c i e n t e d e t o r t u r a m e n t a l é o n h e c e o p o d e r d o s o m s o b r e a imaginação; o s o m n o t u r n o é u m a lemb rança
u s o d e u m nível d e ilu minação a l t o e c o n s t a n t e q u e nã o d e i x a espaço p a r a o d a solidão e m o r t a l i d a d e h u m a n a s , e n o s t o r n a c i e n t e s d e t o d a u m a cidade
r etr a imen to m e n t a l o u p a r a a privacidade; até m e s m o a i n t e r i o r i d a d e escura adormecida. Q u a l q u e r u m q u e já f i c o u e n c a n t a d o c o m o s o m d e u m a goteira
d o e g oé e x p o s t a e v i o l a d a . n a escu ridão d e u m a ruína p o d e c o n f i r m a r a c a p a c i d a d e extraordinária d o
o u v i d o d e i m a g i n a r u m v o l u m e côncavo n o v a z i o d a escu ridão. O espaço a n a -
l i s a d o p e l o o u v i d o s et o r n a u m a c a v i d a d e e s c u l p i d a d i r e t a m e n t e n o i n t e r i o r
A intimidade acústica da mente.
A visão i s o l a , e n q u a n t o o s o m i n c o r p o r a ; a visão é d i r e c i o n a l , o s o m é o n i - O ú ltimo capítu lo d a o b r a s e m i n a l d e S t e e n E i l e r R a s m u s s e n , Experien-
d i r e c i o n a l . O s e n s o d a visão i m p l i c a e x t e r i o r i d a d e , m a s a au dição c r i a u m a cing Architecture, t e m u m títu lo m u i t o e x p r e s s i v o : " O u v i n d o a A r q u i t e t u r a " ^ " ^
experiência d e i n t e r i o r i d a d e . E u o b s e r v o u m o b j e t o , m a s o s o m m e a b o r d a ; o O e s c r i t o r d e s c r e v e a s várias dimensões d a s características acústicas e l e m b r a
o l h o alcança, m a s o o u v i d o r e c e b e . A s edificações nã o r e a g e m a o n o s s o o l h a r . o p r o d u t o m e n t a l d a percepção acústica d o s túneis d o m e t r o d e V i e n a n o f i l -
48 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 2 49

m e O zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Terceiro Homem, d e O r s o n W e l l e s : " S u a o r e l h a r e c e b e o i m p a c t o t a n t o d o
n a ma téria , n o es pa ço e n a l u z . E n f i m , a a r q u i t e t u r a é a a r t e d o silêncio
c o m p r i m e n t o q u a n t o d a f o r m a cilíndrica d o ttínel"'"'.
p e t r i f i c a d o . Q u a n d o c e s s a m o s ru ídos d a s o b r a s d e constru ção e esmaecem
Ta mb ém p o d e m o s r e c o r d a r a d u r e z a acústica d e u m a c a s a d e s o c u p a d a e
o s g r i t o s d o s t r a b a l h a d o r e s , u m a edifica çã o s e t o r n a u m m u s e u d o silêncio
s e m móveis, q u a n d o c o m p a r a d a à a fa b ilid a d e d e u m a casa h a b ita d a , n a q u a l
p a c i e n t e , q u e a g u a r d a . N o s t e m p l o s d o E g i t o A n t i g o , e n c o n t r a m o s o silêncio
o s o m é refratado e su avizado p e l a s n u m e r o s a s su perfícies d o s o b j e t o s d a
que rodeava o s faraós; n o silêncio d a s c a t e d r a i s góticas, n o s l e m b r a m o s CIM
v i d a p e s s o a l . C a d a prédio o u espaço t e m s e u s o m característico d e i n t i m i d a d e
ú ltima n o t a d e s v a n e c e n t e de u m canto gregoriano; o eco dos pa s s os dos aiv
o u m o n u m e n t a l i d a d e , c o n v i t e o u rejeição, h o s p i t a l i d a d e o u h o s t i l i d a d e . U m
t i g o s r o m a n o s a c a b o u d e e s m a e c e r n a s p a r e d e s d o P a n t e o n . A s c a s a s antixii»
espaço é tã o e n t e n d i d o e a p r e c i a d o p o r m e i o d e s e u s e c o s c o m o p o r m e i o d e
nos l e va m de volta ao r itm o vagaroso e a o silêncio d o p a s s a d o . O silêncio t i n
s u a f o r m a v i s u a l , m a s o p r o d u t o m e n t a l d a percepção g e r a l m e n t e permanece
a r q u i t e t u r a é u m silêncio afável e memor á vel. U m a experiência p o d e r o s a tlp
c o m o u m a experiência i n c o n s c i e n t e d e fundo.
a r q u i t e t u r a s i l e n c i a t o d o ru ído e x t e r n o ; e l a f o c a n o s s a direção e n o s s a pró
A vis ã o é o s e n t i d o d o o b s e r v a d o r solitário, e n q u a n t o a a u diçã o c r i a p r i a existência, e , c o m o s e dá c o m q u a l q u e r f o r m a d e a r t e , n o s t o r n a c i e n t r N
u m s e n t i d o d e con exã o e s o l i d a r i e d a d e ; nosso olhar p era mb u la s ohtá rio d e n o s s a solidã o o r i g i n a l .
n o s vã os e s c u r o s d eu m a catedral, m a s o s s o n s d e u m ór gã o n o s fazem
A incrível a celera çã o d a v e l o c i d a d e q u e o c o r r e u a o l o n g o d o séciihi
s e n t i r i m e d i a t a m e n t e n o s s a a f i n i d a d e c o m o es pa ço. F i t a m o s i s o l a d o s o s
passado arrasou o tempo con tr a a tela p l a n a d opresente, sobre o (| tml
momentos d esuspense d e u m f i l m e , m a s o i r r o m p e r d e a p l a u s o s a pós o
a simultaneidade d om u n d o é projetada. À medida que o tempo pcidp
r e l a x a m e n to desses m o m e n t o s t e n s o s n o s u n e m à mu ltid ã o. O s o m dos
s u a du ra çã o e s e u e c o n o passado primordia l, o h o m e m perde seu SCII.NO
s in os d e u m a igreja q u e eco a pelas r u a s de u m a cid a d e n os faz s en tir n os s a
de individualidade como s e r his tórico e é a mea ça d o p e l o " t e r r o r d o tcni
u r b a n i d a d e . O eco dos p a s s os s ob re u m a r u a p a v i m e n t a d a t e m u m a carga
po"^°^. A a r q u i t e t u r a n o s e m a n c i p a d o a b ra ço d o p r e s e n t e e n o s perinilt»
emocion a l, pois o s o m qu e reverb era n o s m u r o s d o e n t o r n o n o s p õe e m
e x p e r i m e n t a r o f l u x o l e n t o e b en éfico d o t e m p o . A s edifica ções e cidíidc»
intera çã o d i r e t a c o m o es pa ço; o s o m m e d e o es pa ço e t o r n a s u a escala
são i n s t r u m e n t o s e m u s e u s d o t e m p o . E l a s n o s p e r m i t e m v e r e e n t e n d e i ii
compreen s ível. A c a r i c i a m o s o s l i m i t e s d o es pa ço c o m n o s s o s o u v i d o s . O s
p a s s a r d a história e p a r t i c i p a r d e c i c l o s t e m p o r a i s q u e u l t r a p a s s a m nossa»
g r i t o s d a s g a i v o t a s d e u m p o r t o n o s f a z e m c i e n t e s d a imens idã o d o oceano
vidas individu ais.
e da infinitude do horizonte.
A a rqu itetu ra nos conecta c o m o s m o r t o s ; p o r m e i o d o s prédios coii
C a d a c i d a d e t e m s e u e c o , o q u a l d e p e n d e d o padrão e d a e s c a l a d e suas
seguimos i m a g i n a r o a lvoroço d a c i d a d e m e d i e v a l e v i s u a l i z a r a p r o c i s s r t o
r u a s e d os estilos e m a t e r i a i s d o m i n a n t e s d es u a a r q u i t e t u r a . O eco d e u m a
solene qu e s ea p r o x i m a d a catedral. O t e m p o d a a r q u itetu r a é u m teinpu
c i d a d e d a Renascença d i f e r e d a q u e l e d a c i d a d e d o B a r r o c o . O s espaços a b e r -
s o b cu stódia; n a s m e l h o r e s edifica ções, o t e m p o s e ma n tém p e r f e i t a n i c i i l c
t o s e a m p l o s d a s r u a s contemporâneas não d e v o l v e m o s s o n s , e n o s i n t e r i o r e s
imóvel. N o salão h i p o s t i l o d o T e m p l o d e C a r n a c , o t e m p o f o i petrificíidii
d a s edificações a t u a i s o s e c o s são a b s o r v i d o s e c e n s u r a d o s . A música gravada
e m u m p r e s e n t e imóvel e e t e r n o . T e m p o e es pa ço estão e t e r n a m e n t e iiiici
e p r o g r a m a d a q u e t o c a e m s h o p p i n g c e n t e r s e espaços públicos e l i m i n a a p o s -
t r a v a d o s n o s espaços s i l e n c i o s o s e n t r e s u a s c o l u n a s g i g a n t e s c a s ; m a t e i In,
s i b i l i d a d e d e p a l p a r m o s o v o l u m e acústico d e s e u s espaços. N o s s o s ouvidos
es pa ço e t e m p o s e f u n d e m e m u m a experiên cia e l e m e n t a r e s i n g u l ; i i : rt
f o r a m cegados.
sensação d e e x i s t i r .
As grandes obras d ea r qu itetu r a da m od er n id a d e retiveram para sem
p r e o t e m p o u tópico d o o t i m i s m o e d a esperança; m e s m o após décadns i l f
Silêncio, tempo e solidão
p r ovoca r o d es tin o, elas e m a n a m u m a a tm o s f e r a d ep r i m a v e r a e p r o m c s M i
A experiência a u d i t i v a m a i s f u n d a m e n t a l c r i a d a p e l a a r q u i t e t u r a é a t r a n -
O Sanatório d e P a i m i o , d e A l v a r A a l t o , p a r t e n o s s o s corações c o m s u a c r c i n . n
q u i l i d a d e . A a r q u i t e t u r a n o s a p r e s e n t a o d r a m a d a constru ção silenciado
f e r v o r o s a n o f u t u r o d a h u m a n i d a d e e n o s u c e s s o d a missão s o c i a l d a a r ( | i i i i i '
 50 Os OLHOS DA PELE PARTE 2 51 zyxwvu

t u r a . A V i l a S a v o y e , d e L e C o r b u s i e r , n o s f a z a c r e d i t a r n a u nião d a ra zã o c o m
a b e l e z a , d a ética c o m a estética. M e s m o passando p o r períodos d e t r a n s f o r -
mações s o c i a i s e c u l t u r a i s r a d i c a i s e trágicas, a C a s a M e l n i k o v , d e K o n s t a n t i n
M e l n i k o v , e m M o s c o u , se m a n t e v e c o m o u m a t e s t e m u n h a s ilen cios a d o desejo
e d o espírito u tópico p a s s a d o s que a criaram.
E x p e r i m e n t a r u m a o b r a d e a r t e é u m d iá logo p r i v a d o e n t r e a o b r a e o
observador, u m a t o q u e e x c l u i o u t r a s intera ções. " A a r t e é o p o s i c i o n a m e n t o
n o p a l c o d a memór ia ", e " A a r t e é f e i t a p e l o indivídu o e p a r a o in d ivíd u o",
c o m e s c r e v e C y r i l C o n n o U y e mzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
The Unquiet Grave. N ã o é p o r a c a s o q u e e s s a s
frases f o r a m s u b l in h a d a s p o r Lu is B a r r a g a n e m s eu e x e m p l a r de u m livr o d e
p o e s i a ' " " . U m a sensação d e m e l a n c o l i a p e r m e i a t o d a s a s experiências t o c a n -
te s d ea r t e ; e s s e é o p e s a r d a t e m p o r a l i d a d e im a ter ia l d a b eleza. Os projetos
d e a r t e são u m i d e a l inta ngível, o i d e a l d e b e l e z a q u e momentaneamente
toca o eterno.

ESP A ÇO S D E A CO N CH EG O
Espaços aromáticos
P r e c i s a m o s d e a p e n a s o i t o molécu las d e u m a substância p a r a d e s e n c a d e a r u m
i m p u l s o o l f a t i v o e m u m a termina çã o n e r v o s a , e c o n s e g u i m o s detectar mais
de dez m i l diferentes odores. Frequentemente, a memória m a i s persistente
d e u m espaço é s e u c h e i r o . N ã o c o n s i g o m e l e m b r a r d a aparência d a porta
d a casa d a fa zen d a d e m e u a vô q u a n d o e u e r a m u i t o p e q u e n o , mas lembro
m u i t o b e m a resistência i m p o s t a p o r s e u p e s o e a p a t i n a d e s u a superfície d e
m a d e i r a m a r c a d a p o r décadas d e u s o , e m e r e c o r d o e s p e c i a l m e n t e do aroma
d e s u a c a s a q u e a t i n g i a m e u r o s t o c o m o s e f o s s e u m a p a r e d e invisível p o r trás
da porta. C a da m o r a d ia t e m seu cheiro i n d i v i d u a l de lar.
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
U m c h e i r o específico n o s f a z r e e n t r a r d e m o d o i n c o n s c i e n t e u m espaço

15
t o t a l m e n t e e s q u e c i d o p e l a memória d a r e t i n a ; a s n a r i n a s d e s p e r t a m u m a i m a -
16
g e m esquecida e somos convidados a s on h a r acordados. O s o m faz os olh os se
Experiências i n t e n s a s d e i n t i m i d a d e , lar e p r o - A l a r e i r a c o m o espaço d a i n t i m i d a d e d o c a l o r
t eção são sensações d a p e l e nua,
l e m b r a r e m . " A memória e a imaginação p e r m a n e c e m associadas," escreve B a -
hum ano.
c h e l a r d ; " E u , s o z i n h o , n a s m i n h a s lemb ranças d e o u t r o sécu lo, c o n s i g o abrir
Pi e r r e B o n n a r d ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Nu na Banheira, 1 9 3 7 . P o r m e - A n t o n i o Gau d í, Ca s a B a t i l o , Bar cel o n a,
n o r M usée d u Pe t i t - Pa l a i s, Par i s.
o armário p r o f u n d o q u e a i n d a retém só p a r a m i m a q u e l e o d o r ú nico, o a r o m a
1904-05
d e passas d eu v a s eca n d o e m u m a bandeja d ev i m e . O a r o m a d a s p a s s a s d e
© Phot ot hèques d es M usées d e la V i l l e d e Par i s/
Del ep el ai r e u v a ! É u m o d o r indescritível, q u e e x i g e m u i t a imaginação p a r a q u e p o s s a ser
 52 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 2 53

Q u e delícia é s e m o v e r d e u m m u n d o d e a r o m a s p a r a o u t r o , passando d o ima giná rio o l f a t i v o d o p o e t a . O p o e t a l i b e r a o a r o m a e o s a b o r escon-

pela s r u a s estreitas d e u m a cid a d e a n tig a ! U m m u n d o d e a r o m a s d e u m a l o j a
d e b a l a s n o s f a z l e m b r a r a inocência e c u r i o s i d a d e d a infância; o o d o r pun-
g e n t e d e u m a s a p a t a r i a n o s f a z i m a g i n a r c a v a l o s , s e l a s e a r r e i o s e a emoçã o
d e s e c a v a l g a r ; a fragrância d e u m a p a d a r i a p r o j e t a i m a g e n s d e saú de, s u b -
sistência e força física, e n q u a n t o o p e r f u m e d e u m a c o n f e i t a r i a n o s r e m e t e à
felicidade d a b u rgu es ia . A s cidades d e p e s c a são e s p e c i a l m e n t e memorá veis
p e l a fusão d o s o d o r e s d o m a r e d a t e r r a ; o c h e i r o f o r t e d a s a l g a s n o s f a z s e n t i r
a p r o f u n d i d a d e e o p e s o d o m a r e t r a n s f o r m a q u a l q u e r c i d a d e portu ária p r o -
s a i c a n a i m a g e m d a Atlântida p e r d i d a .
U m p ra zer especial das via gen s é s efa milia riza r c o m a geografia e o
m i c r o c o s m o s d eo d o r e s e s a b or es . C a d a cid a d e t e m s e u es p ectr o d e s a b or es
e o d o r e s . A s b a n c a s d o s m e r c a d o s d e r u a são exib ições a p e t i t o s a s d e o d o r e s :
cria tu ra s d oocea n o qu e c h e i r a m a alga, l eg u m es e ver d u r a s q u e t r a z e m o a ro-
m a d a t e r r a fértil e f r u t a s q u e e x a l a m a d o c e fragrância d o s o l e d o a r ú mido
d o verã o. O s cardápios e x p o s t o s n a f r e n t e d o s r e s t a u r a n t e s n o s f a z e m f a n t a -
siar s ob re o ssu cessivos p r a to s d eu m j a n t a r ; a sletra s lid a s p o r n os s os o l h o s s e
t r a n s f o r m a m e m sensações o r a i s .
d i d o s n a s p a l a v r a s . P o r m e i o d e s u a s p a l a v r a s , u m g r a n d e e s c r i t o r é cajja/,
d e c o n s t r u i r u m a c id a d e i n t e i r a c o m to d a s a s cores d a vi d a . M a s o b r a s tlc
a r q u i t e t u r a s i g n i f i c a t i v a s ta mb ém p r o j e t a m i m a g e n s c o m p l e t a s d a v i d a . D f
f a t o , u m g r a n d e a r q u i t e t o l i b e r a i m a g e n s d a v i d a i d e a l q u e estão e s c o n d i d i m
n o s espaços e n a s f o r m a s . O c r o q u i q u e L e C o r b u s i e r f e z d o terraço- jardiín
d e u m edifício d e a p a r t a m e n t o s , c o m a e s p o s a b a t e n d o u m t a p e t e n o b a l c i l o
s u p er ior e o m a r i d o g o l p e a n d o u m saco d eb oxe, a s s i m c o m o o p eixe e o ven -
t i l a d o r n a m e s a d a c o z i n h a d a V i l a S t e i n - d e - M o n z i e , são e x e m p l o s d e iinin
r a r a s en s ib ih d a d e d av i d a n a s i m a g e n s m o d e r n a s d aa r q u i t e t u r a .A s fotogra -
fias d a C a s a M e l n i k o v , p o r o u t r o la d o, r e v e l a m u m d i s t a n c i a m e n t o r.u lin il
e n t r e a g e o m e t r i a metafísica d a c a s a icônica e a s r e a l i d a d e s t r a d i c i o n a l i n e n t f
prosaicas d a vida.
^ A forma do toque
"[A]s mãos são o r g a n i s m o s c o m p l i c a d o s , d e l t a s n o s q u a i s a v i d a d a s loiílcpt
ma is distantes converge a o s va ga lhões n a s g r a n d e s c o r r e n t e s d e açao. A zyxwvutsrqp
N

P o r q u e a s casas a b a n d o n a d a s s e m p r e têm o m e s m o c h e i r o o c o ? S e - mãos têm s e u histórico; e l a s têm até s u a própria c u l t u r a e s u a b e l e z a pai II

ria p or q u e aqu ele cheiro p a r ticu la r é es tim u l a d o pelo va zio ob s erva do pelos c u l a r . C o n f e r i m o s - l h e o d i r e i t o d e t e r s e u próprio d e s e n v o l v i m e n t o , s e u s p ió
olhos? H e l e n Keller consegu ia reconhecer " u m a v e l h a casa d ec a m p o por- p r i o s d e s e j o s , s e n t i m e n t o s , h u m o r e s e ocu pações", e s c r e v e R a i n e r M a r i . i K i l k c
q u e e l a t e m d i v e r s o s níveis d e o d o r e s d e i x a d o s p o r u m a sucessão d e famílias, e m s e u e n s a i o s o b r e A u g u s t e R o d i n " ^ . A s mã os são o s o l h o s d o e s c u l t o r , m i m
plantas, p er fu m es e cor tin a d os " " " . e l a s ta mb ém são órgã os p a r a o p e n s a m e n t o , c o m o sugere Heidegger: "|a|
N a o b r azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
The Notebooks of Malte Laurids Brigge, R a i n e r M a r i a R i l k e f a z essência d a s mãos j a m a i s p o d e s e r d e t e r m i n a d a o u e x p l i c a d a , p o i s s a o i m i
u m a des criçã o e x u b e r a n t e d a s i m a g e n s d e u m a v i d a p a s s a d a e m u m a casa órgã o q u e p o d e a g a r r a r [ ...] C a d a m o v i m e n t o d a mã o e m c a d a u m a t l c SIIIIÍI

já d e m o l i d a , t r a n s m i t i d a s p e l o s ves tígios d e i x a d o s n aparede d esua casa t a r e f a s s e dá p o r m e i o d o p e n s a m e n t o , c a d a t o q u e d a mã o p e r m a n e c e iia(|iiflf

contígu a : elemento [...]"'".

Lá e s t a v a m o s m e i o s - d i a s e a doença, e a respiração e x a l a d a e a fumaça d o s A p e l e lê a t e x t u r a , o p e s o , a d e n s i d a d e e a t e m p e r a t u r a d a maiéiia A

a n os , e o s u or qu e sai das a xila s e d eixa a s r ou p a s pesadas, e o ch eir o vicia d o
d a s b o c a s e o o d o r o l e o s o d o s pés a b a f a d o s . Lá e s t a v a m o c h e i r o p e n e t r a n t e d a
u r i n a e d a fu l ig em q u eim a d a , e o o d o r p u n g e n te das b a ta ta s e a ca tin ga s u a ve d a
g o r d u r a rançosa. O o d o r d o c e e p r o l o n g a d o d o s b e b e s m a l - c u i d a d o s e s t a v a lá,
e o c h e i r o d e m e d o d a s crianças q u e vão p a r a a e s c o l a e o a r d o r d a s c a m a s dos
jovens casadouros.'"
A s i m a g e n s d a r e t i n a d a a r q u i t e t u r a contemporâ nea c e r t a m e n t e p a r e c e m es-
téreis e s e m v i d a q u a n d o c o m p a r a d a s c o m o p od er e m o c i o n a l e associativo
su perfície d e u m v e l h o o b j e t o , p o l i d o até a perfeiçã o p e l a f e r r a m e n t a d e u m
artesão e p e l a s mãos assíduas d e s e u s usuários, s e d u z n o s s a s mãos a a ( a i I
ciá- lo. É u m p r a z e r a p e r t a r a maçaneta d a p o r t a q u e b r i l h a c o m o s m i l i i a n - , d e
mã os q u e p a s s a r a m p o r e l a a n t e s d e nós; o b r i l h o t r e m e l u z e n t e d o d i ' s x , , i M i '
a t e m p o r a l s e t o r n o u u m a i m a g e m d e b o a s - v i n d a s e h o s p i t a l i d a d e . A luaçanc
t a d a p o r t a é o a p e r t o d e mãos d o prédio. O t a t o n o s c o n e c t a c o m o i c i i i p n c
a tradição: p o r m e i o d a s impressões d o t o q u e , a p e r t a m o s a s mãos d e i i u o i i i . i
v e i s gerações. U m s e i x o r o l a d o p o l i d o p e l a s o n d a s é u m p r a z e r p a r a a s m . i n ' , ,
54 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O s OLHOS DA PELE PARTE 2 55

não a p e n a s p o r s u a f o r m a s u a v e , m a s p o r q u e e l e e x p r e s s a o l e n t o p r o c e s s o d e
s u a formação; u m s e i x o p e r f e i t o n a p a l m a d a mã o m a t e r i a l i z a a du ração, é o
tempo que foitransformado e m forma.
Q u a ndo e n t r e i n o ma gn ífico es pa ço e x t e r n o d o S a l k I n s t i t u t e , d e
L o u i s K a h n , e m L a J o l l a , n a C a lifórnia , s e n t i u m a tenta çã o irresistível d e
c a m i n h a r d i r e t a m e n t e a té a p a r e d e d ec o n c r e t o e t o c a r a m a c i e z avelu-
d a d a e a t e m p e r a t u r a d es u a pele. N os s a pele a c o m p a n h a a te m p e r a tu r a
d o s espa ços c o m precis ã o infa lível; a s o m b r a f r e s c a e r e v i g o r a n t e d e u m a
á rvore o u o c a l o r d e u m l u g a r a o s o l q u e n o s a c a r i c i a s e t o r n a m experiên-
c i a s d e espa ço e l u g a r . N a s i m a g e n s r u r a i s f i n l a n d e s a s q u e t r a g o d e m i n h a
infância, p o s s o m e l e m b r a r c l a r a m e n t e d o s m u r o s e n s o l a r a d o s , m u r o s q u e
m u l t i p l i c a v a m o c a l o r d a ra dia çã o s o l a r e d e r r e t i a m a n e v e , p e r m i t i n d o q u e
o p r i m e i r o a r o m a d o s o l o fértil a n u n c i a s s e a c h e g a d a d a p r i m a v e r a . E s s e s
p r e l t i d i o s d a p r i m a v e r a e r a m i d e n t i f i c a d o s não a p e n a s pelos olhos, ma s
ta mb ém p e l a p e l e e p e l o n a r i z .
A gravidade é m e d i d a p e l a s o l a d o s p és ; s e g u i m o s a densidade ea
t e x t u r a d o chã o através d a s o l a d e n o s s o s pés . F i c a r d e pé e descalço s o i ) i f
u m a l i s a r o c h a g l a c i a l j u n t o a o m a r , n o p ôr d o s o l , e s e n t i r n a p e l e o cal(»i
d a p e d r a a q u e c i d a p e l o s o l é u m a experiência m u i t o r e v i g o r a n t e q u e n o s liiiC
s e n t i r p a r t e d o c i c l o e t e r n o d a n a t u r e z a ; e l a n o s f a z s e n t i r a respiração l e n i u
da ferra.
" E m n o s s o s l a r e s t e m o s e s c o n d e r i j o s e c a n t i n h o s n o s q u a i s g o s t a i m i s d»
nos aconchegar c o m conforto. Aconchegar-se pertence à fen omen ologia d il
v e r b o h a b i t a r , e s o m e n t e a q u e l e s q u e a p r e n d e r a m a fazê- lo c o n s e g u e m lialili
ta r c o m in ten s id a d e, " escreve B a ch ela r d "''. " E q u a n d o s o n h a m o s acoidadod,
n o s s a c a s a s e m p r e é u m g r a n d e b erço," e l e c o n t i n u a " ^ .
A I M P O RT Â N CI A D A S SO M BRA S E D A ESCU RI D Ã O zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Há u m a f o r t e i d e n t i d a d e e n t r e a p e l e n u a e a sensação d e i i m l a i , A
experiência d o l a r é e s s e n c i a l m e n t e a experiência d o c a l o r íntimo, o c p i n i i i
17 18
d o a c o n c h e g o e m t o r n o d e u m a l a r e i r a é o espaço d a i n t i m i d a d e e d o ( ( i n l i i h
A f a c e é e n v o l v i d a p e l a escur idão, c o m o u m A escuridão e a s s o m b r a s d e u m a c a b a n a d e
t o má ximos . M a r e e i P r o u s t f a z u m a descrição poética d e u m d e s s e s (".paçiH
o b j e t o p r e c i o so s o b r e u m a superfície d e v e l u d o c a m p o n e s e s d a Finlândia cr i a u m a sensação d e
e sc u r o . i n t i m i d a d e e silêncio; a l u z se t r a n s f o r m a e m j u n t o à l a r e i r a , q u e é s e n t i d o n a p e l e : "É c o m o u m a a l c o v a i m a t e r i a l , u m azyxwvutsrqponmlkjihg
vn

u m p r e s e n t e p r e c i o so .
Re m b r a n d t , / A u f o - f i e f r a t o , 1 5 6 0 . Po r m e n o r .
Ca sa Pe r t i n o t s a , d o f i n a l d o século X I X , n o Se u -
M usée d u Lo u v r e , Par i s
r a sa a r i O u t d o o r M u s e u m , H e l s i n q u e .
v e r n a a c o n c h e g a n t e e s c u l p i d a n o próprio cómodo, u m a z o n a d e c l i m a q u e n l i
c o m l i m i t e s va r iá veis ""' . A m a i s f o r t e sensação d e c h e g a r e m c a s a s < ' m | iii<zyxwvutsrqponmlkjihgfed
ttti
a d a m i n h a infância, q u a n d o v i a u m a l u z p e l a j a n e l a d e m i n h a c a s a u a p u i

M u s e u m o f Fi n n i s h A r c h i t e c t u r e / F o t o g r a f i a d e s a g e m c o b e r t a p e l a n e v e , a o a n o i t e c e r , a memória d o i n t e r i o r aconclicHiiitlí
István Rácz
 PARTE 2 57
56 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

m o v i m e n t o s d o líquido, o v a p o r s o b e d e d e n t r o e f o r m a gotículas n a s b o r d a s d a
gentilmente aquecendo m e u s m e m b r o s congelados. La r e prazer d a pele s e
t i j e l a , e a fragrância t r a z i d a c o m o v a p o r n o s t r a z u m a d e l i c a d a e x p e c t a t i v a . . . U m
t r a n s f o r m a m e m u m a sensação indissociável.
m o m e n t o d e mistério, t a l v e z p o s s a m o s a s s i m c h a m a r , u m m o m e n t o d e t r a n s e . ' ^ "

U m b e l o es pa ço d e a r q u i t e t u r a s e r e v e l a e s e a p r e s e n t a c o m a m e s m a
O sabor da pedra i n t e n s i d a d e d e experiência q u e a t i g e l a d e s o p a d e T a n i z a k i . A experiência
d a a r q u i t e t u r a t r a z o m u n d o p a r a u m c o n t a t o e x t r e m a m e n t e ín timo c o m
E m s e u s e s c r i t o s , A d r i a n S t o k e s e r a p a r t i c u l a r m e n t e sensível às e s f e r a s das
sensações tátil e o r a l : " A o e m p r e g a r s u a v e e áspero c o m o t e r m o s genéricos o corpo.

d a d i c o t o m i a d a a r q u i t e t u r a , c o n s i g o p r e s e r v a r m e l h o r a s noções d e o r a l i -
d a d e e t a t o q u e estão s o b a noçã p v i s u a l . E x i s t e a f o m e d o s o l h o s , e , s e m
Imagens de músculos e ossos zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
d t i v i d a , t e m h a v i d o c e r t o g r a u d e impregna çã o d o s e n t i d o d a vis ã o, como
o h o m e m p r i m i t i v o u s a v a s e u próprio c o r p o c o m o s i s t e m a d e d i m e n s i o n a -
d o t a t o , p e l o i m p u l s o o r a l , q u e n o início t u d o a b a r c a v a " " ^ . S t o k e s ta mb ém
m e n t o e p r o p o r c i o n a m e n t o d e s u a s constru ções. A h a b i l i d a d e e s s e n c i a l d e
e s c r e v e s o b r e o " c o n v i t e à o r a l i d a d e d e u m má rmore d e Verona ""® , e c i t a
se c o n s t r u i r u m a m o r a d i a n a s c u l t u r a s t r a d i c i o n a i s s eb a s e ia n a s a b e d o r ia
uma ca r ta d eJ o h n R u s k i n : " E u g o s ta r ia d ec o m e r t o d a essa V e r o n a , t o q u e
d o c o r p o a r m a z e n a d a n a memória tátil. O s c o n h e c i m e n t o s e a s h a b i l i d a d e s
por toqu e""'.
e s s e n c i a i s d o caçador, p e s c a d o r e a g r i c u l t o r d o p a s s a d o , b e m c o m o d o j^e
Há u m a transferência s u t i l e n t r e a s experiências d o t a t o e d o p a l a d a r . A
d r e i r o e e s c u l t o r , e r a m u m a imitação d e u m a tradição corpórea d o s ofícios,
visão ta mb ém s e t r a n s f e r e a o t a t o ; c e r t a s c o r e s e d e t a l h e s d e l i c a d o s evocam
a r m a z e n a d a n o s s e n t i d o s m u s c u l a r e tátil. A s h a b i l i d a d e s e r a m o b t i d a s i n i o r
sensações o r a i s . U m a su perfície d e p e d r a p o l i d a d e c o r d e l i c a d a é s e n t i d a
p o r a n d o - s e a s sequências d e m o v i m e n t o s r e f i n a d a s p e l a tradição, nã o p e l a s
s u b l i m i n a r m e n t e p e l a língu a. N o s s a experiência s e n s o r i a l d o m u n d o s e o r i g i -
palavras o u pela teoria.
n a n a sensação i n t e r n a d a b o c a , e o m u n d o t e n d e a r e t o r n a r às s u a s o r i g e n s
O corpo sabe e lem b r a . O significado d a a r q u itetu r aderiva das respos
o r a i s . A o r i g e m m a i s a r c a i c a d o espaço d e a r q u i t e t u r a é a c a v i d a d e oral.
t a s a r c a i c a s e reações l e m b r a d a s p e l o c o r p o e p e l o s s e n t i d o s . A a r q u i t e t u i a
M u i t o s a n o s atrás, q u a n d o e s t a v a v i s i t a n d o a D L J a m e s R e s i d e n c e , e m
tem d e r e s p o n d e r às características d o s c o m p o r t a m e n t o s p r i m i t i v o s p i e
C a r m e l , n a Califórnia, p r o j e t a d a p o r C h a r l e s e H e n r y G r e e n e , s e n t i - m e c o m -
s e r v a d o s e t r a n s f e r i d o s p e l o s g e n e s . A a r q u i t e t u r a nã o a p e n a s r e s p o n d e às
p e l i d o a a j o e l h a r e t o c a r c o m a língu a a s o l e i r a d e má rmore b r a n c o d a p o r t a
necessidades sociais e in telectu a is f u n c i o n a i s e con s cien tes d os moradoies
d e e n t r a d a , q u e b r i l h a v a d e l i c a d a m e n t e . O s m a t e r i a i s s e n s u a i s e tã o b e m
u r b a n o s ; e l a ta mb ém d e v e l e m b r a r o ca ça dor e a g r i c u l t o r p r i m i t i v o e s c o i i
tr a b a l h a d o s p ela a r q u i t e t u r ad e C a r l o S ca rp a , a s s i m c o m o a s cores sensuais
d i d o e m n o s s o s c o r p o s . N o s s a s sensações d e c o n f o r t o , proteçã o e l a r e s i a i i
d a s c a s a s d e L u i s B a r r a g a n , f r e q u e n t e m e n t e e v o c a m experiências o r a i s . A s
e n r a i z a d a s n a s experiência s p r i m i t i v a s d e incontáveis gera ções . B aciíelaid
su perfícies d e l i c i o s a m e n t e c o l o r i d a s d ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
stucco lustro, r e v e s t i m e n t o e x t r e m a -
a s c h a m a d e " i m a g e n s q u e t r a z e m à t o n a o p r i m i t i v o q u e está e m nós", o u
m e n t e p o l i d o d e su perfícies d e m a d e i r a , ta mb ém s e o f e r e c e m à apreciação
de " i m a g e n s p r i m i t i v a s " ' ^ ' ." [ A ] casa n a q u a l n a s c e m o s g r a v o u d e n t r o d e
d a língu a.
nós a h i e r a r q u i a d a s vá ria s fu nções d e h a b i t a r . S o m o s o d i a g r a m a d e s s a s
J u n i c h i r o T a n i z a k i d e s c r e v e d e m o d o i m p r e s s i o n a n t e a s características
fu nções d e h a b i t a r a q u e l a c a s a p a r t i c u l a r , e t o d a s a s o u t r a s c a s a s são a p e n a s
e s p a c i a i s d o s e n t i d o d o p a l a d a r e d a s u t i l interação d o s s e n t i d o s p r o v o c a d a
v a r i a n t e s d e s s e t e m a f u n d a m e n t a l . A p a l a v r a háb ito está d e s g a s t a d a t l e n i a l s
pelo s imp les d e s ta m p a r d e u m a tigela d e sopa:
p a r a e x p r e s s a r e s s a relação p a s s i o n a l d e n o s s o s c o r p o s , q u e nã o esqiieeeiíi,
N a t i g e l a l a q u e a d a , há b e l e z a n a q u e l e m o m e n t o e n t r e a remoção d a t a m p a e a
c o m u m a c a s a ines qu ecível," e l e e s c r e v e , f a l a n d o d a força d a memória i o i
aproximação d a t i g e l a à b o c a , q u a n d o v e m o s o l i q u i d o p a r a d o e s i l e n c i o s o n a s
poral'^^
p r o f u n d e z a s e s c u r a s d a t i g e l a , s u a c o r q u a s e i g u a l d a própria t i g e l a . Não c o n s e -
g u i m o s d i s t i n g u i r o q u e está n a escuridão, m a s a p a l m a d a mão s e n t e o s s u a v e s
 58 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
20
V I SÃO E TATILIDADE
19
Há u m i n g r e d i e n t e t át il e s c o n d i d o n a visão.
A d e u s a Ta r a , d o s b u d i st a s, p o ssu i c i n c o o l h o s
a d i c i o n a i s, n a t e s t a e e m su a s m ãos e pés. El e s
são c o n s i d e r a d o s si n a i s d e ilum inação. Fi g u r a
d e b r o n z e d a M ongólia, século XV .
St a t e Pu b l i c Li b r a r y , U l a n Ba t o r , M ongólia
20
A m açanet a d a p o r t a é o a p e r t o d e m ãos d o
prédio, q u e p o d e se r r e v i g o r a n t e e cort ês o u
p r o i b i t i v o e a g r e ssi v o .
A l v a r A a l t o , A Ca sa d e Fe r r o , H e l s i n q u e ,
M açanet as.
M u s e u m o f Fi n n i s h A r c h i t e c t u r e / F o t o g r a f i a d e
Heikki Havas
PARTE 2 59 zyxwvu
A a r q u i t e t u r a m o d e r n a t e m t i d o s u a própria consciência n o r e c o n h e c i -
m e n t o d e u m a p red ileçã o p e l a n a t u r e z a v i s u a l d o s p r o j e t o s . " A a r q u i t e t u r a
d o es pa ço e x t e r n o p a r e c e ter interessado a os arqu itetos d a va n g u a r d a à
cu s ta d aa r q u i t e t u r a d o s in te r io r e s . C o m o s ea ca s a fosse c o n c e b i d a para
o p r a z e r d o s o l h o s , e m v e z d ob e m - e s t a r d e s e u s m o r a d o r e s , " e s c r e v e E i -
l e e n Gray^^®, c u j a a b o r d a g e m d eprojeto parece s u rgir d eu m es tu d o das
situ ações instantâneas d a v i d a c o t i d i a n a , e n ã o d e preconcepções v i s u a i s e
d ecomp os içã o.
T o d a v i a , a a r q u i t e t u r a não p o d e s e r e d u z i r a u m i n s t r u m e n t o d a f u n c i o -
nalidade, d o conforto corp ora l e d o prazer sensorial s e m perder s u a tarefa d e
media çã o e x i s t e n c i a l . O u t r o s e n t i d o d e distância, resistência e tensão d e v e
s e r m a n t i d o e m relação a o p r o g r a m a d e n e c e s s i d a d e s , à função e a o c o n f o r t o .
U m a o b r a d e a r q u i t e t u r a não d e v e s e t o r n a r t r a n s p a r e n t e e m s e u s motivos
u tilitários e r a c i o n a i s ; e l a d e v e m a n t e r s e u s e g r e d o impenetrá vel e mistério,
p a r a q u e p o s s a p r o v o c a r n o s s a imaginação e n o s s a s emoções .
T a d a o A n d o já e x p r e s s o u o d e s e j o d e tensão o u oposição e n t r e a f u n c i o -
n a l i d a d e e a i n u t i l i d a d e d es u a o b r a : "A cr ed ito e m r e m o v e r a a r q u i t e t u r a d a
fu nção após s e g a r a n t i r a ob servação d a s b a s e s funcionais. E m ou tras pala-
v r a s , g o s t o d e v e r até q u e p o n t o a a r q u i t e t u r a c o n s e g u e p e r s e g u i r a fu nção,
e entã o, após conqu istá- la, v e r até o n d e a a r q u i t e t u r a p o d e s e r a f a s t a d a da
fu nção. A importância d a a r q u i t e t u r a é e n c o n t r a d a n a distância e n t r e e l a e a
fu n çã o " ' ' r
Imagens de ação
A s p e d r a s distribuídas n a g r a m a d e u m j a r d i m , p a r a q u e p i s e m o s s o b r e elas,
são i m a g e n s e impressões d e n o s s a s p e g a d a s . Q u a n d o a b r i m o s u m a p o r t a ,
o cor p o e n c o n tr a o p es o d a p or ta ; q u a n d o s u b i m o s u m a escada, a s pernas
m e d e m o s d e g r a u s , a mã o a c a r i c i a o corrimã o e o c o r p o i n t e i r o s e m o v e n a
d i a g o n a l e d e m o d o m a r c a n t e p e l o espaço.
Há u m a su gestão d e a çã o i n e r e n t e às i m a g e n s d a a r q u i t e t u r a , a o m o -
m e n t o d o e n c o n t r o a t i v o o u à " p r o m e s s a d e função"^^^ e propós ito. " O s o b -
1954.
j e t o s q u e c i r c u n d a m m e u c o r p o r e f l e t e m s u a a çã o possível s o b r e e l e s pró-
p r ios , " es creve H e n r i B ergson^ ^ '. É essa p os s ib ilid a d e d e a çã o q u e separa
a a r q u i t e t u r a d a s o u t r a s f o r m a s d ea r t e . C o m o cons equ ência d e s s a a çã o
s u g e r i d a , a rea çã o c o r p o r a l é u m a s p e c t o insepa rá vel d a experiência d a a r -
60 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA PARTE 2 61

q u i t e t u r a . U m a experiência d e a r q u i t e t u r a s i g n i f i c a t i v a nã o é s i m p l e s m e n t e e a u n i d a d e d o espaço e d o t e m p o n o p e n s a m e n t o ja ponês '^ '. E l e d e s c r e v e d e

u m a série d e i m a g e n s n a r e t i n a . O s " e l e m e n t o s " d a a r q u i t e t u r a nã o são u n i - m od o adequado a s u n i d a d e s d e experiência d a a r q u i t e t u r a c o m su bstantivos
d a d e s v i s u a i s o u zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
gestalt; e l e s são e n c o n t r o s , c o n f r o n t o s q u e i n t e r a g e m com o u gertíndios.
a memór ia . " E m t a l memória , o p a s s a d o é corporificado n a s a ções . E m vez
d e ser c o n ti d a s e p a r a d a m e n t e e m a l g u m l u g a r d a m e n t e o u d o céreb ro, e l a
é u m i n g r e d i e n t e a t i v o d o s próprios m o v i m e n t o s c o r p o r a i s q u e completam
\ identificação corporal
d e t e r m i n a d a a çã o," d i z E d w a r d C a s e y s o b r e a inter- relação e n t r e a memória A a u t e n t i c i d a d e d a experiência d a a r q u i t e t u r a s e f u n d a m e n t a n a h n g u a g f i n
e a s ações'^^. tectônica d e s e e d i f i c a r e n a ab rangência d o a t o d e c o n s t r u i r p a r a o s s e n t i -
A experiência d o l a r é e s t r u t u r a d a p o r a t i v i d a d e s d i s t i n t a s - c o z i n h a r , co- d o s . C o n t e m p l a m o s , t o c a m o s , o u v i m o s e m e d i m o s o m u n d o c o m t o d a nosNN
m e r , s o c i a l i z a r , l e r , g u a r d a r , d o r m i r , t e r a t o s íntimos - e não p o r e l e m e n t o s v i - existência c o r p o r a l , e o m u n d o q u e e x p e r i m e n t a m o s s et o r n a or g a n iza d o o
s u a i s . U m a edificação é e n c o n t r a d a ; e l a é a b o r d a d a , c o n f r o n t a d a , relacionada a r t i c u l a d o e m t o r n o d o c e n t r o d e n o s s o c o r p o . N o s s o domicílio é o refú gio i l o
c o m o c o r p o d eu m a p e s s o a , explora da p or m o v i m e n t o s corporais, u tiliza d a n o s s o c o r p o , n o s s a memória e i d e n t i d a d e . E s t a m o s e m u m d iá logo e i n t e r a -
c o m o condiçã o p a r a o u t r a s c o i s a s . A a r q u i t e t u r a i n i c i a , d i r e c i o n a e o r g a n i z a o ção c o n s t a n t e s c o m o a m b i e n t e , a p o n t o d e s e r impossível s e p a r a r a i m a g e m
comportamento eo movimento. do ego d e s u a existência e s p a c i a l e s i t u a c i o n a l . " E u s o u m e u c o r p o " , afirma
U m a edificação não é u m f i m p o r s i só; e l a e m o l d u r a , a r t i c u l a , e s t r u t u r a , G a b r i e l Mareei'®", m a s " E u s o u o espaço, s o u o n d e e s t o u , " d e f i n e o p o e t a N o t ^ l
dá importância, r e l a c i o n a , s e p a r a e u n e , f a c i l i t a e proíb e. A s s i m , experiências Arnaud'".
autênticas d e a r q u i t e t u r a c o n s i s t e m , p o r e x e m p l o , e m a b o r d a r o u confrontar H e n r y M o o r e escreve c o m s ens ib ilida de sob re a n eces s id a d e d a identili
u m a edificação, e m v e z s e a p r o p r i a r f o r m a l m e n t e d e u m a f a c h a d a ; e m olhar cação c o r p o r a l n a produ ção d a a r t e :
p a r a d en tr o o u p a r a for a de u m a ja n ela , e m vez de ol h a r aj a n e l a e m si como
É i s t o q u e o e s c u l t o r d e v e f a z e r . E l e d e v e s e esforçar c o n t i n u a m e n t e p a r a p e n s a i
u m o b j e t o m a t e r i a l ; o u d e s e o c u p a r o espaço a q u e c i d o , e m vez d eo l h a r a e u t i l i z a r a f o r m a e m s u a t o t a l abrangência e s p a c i a l . E l e s e a p o s s a d o v o l u m e , d l
l a r e i r a c o m o u m o b j e t o d e p r o j e t o v i s u a l . O espaço a r q u i t e t o n i c o é u m espaço g a m o s a s s i m , e m s u a cabeça - e l e p e n s a n e l e , s e j a lá q u a l f o r s e u t a m a n h o , c o i m i
v i v e n c i a d o , e não u m m e r o espaço físico, e espaços v i v e n c i a d o s s e m p r e t r a n s - se es tives s e s e g u r a n d o - o c o m p l e t a m e n t e n a p a l m a d e s u a mão. E l e v i s u ; i l i / , i i

cendem a geometria e a mensurabilidade. m e n t a l m e n t e u m a f o r m a c o m p l e x a d e tod os os s eu s la d os ; ele sab e, e n q u a i i i o

E m s u a análise d a p i n t u r a Anunciação, d eFra Angehco, feita n o
t i v a n t e e n s a i o " D a S o l e i r a d a P o r t a a o S a lã o C omu n itá r io" ( 1 9 2 6 ) ,
Aa lto reconhece a "essência v e r b a l " d a experiência d e a r q u i t e t u r a , a o f a l a r
d o a t o d e s e e n t r a r e m u m cómod o, nã o n o p r o j e t o f o r m a l d o a l p e n d r e
d a porta^^®.
A t e o r i a e a crítica d a a r q u i t e t u r a m o d e r n a têm t i d o u m a f o r t e tendência
a c o n s i d e r a r o espaço c o m o u m o b j e t o i m a t e r i a l c o n f i g u r a d o p o r superfícies
m a t e r i a i s , e m v e z d e entendê- lo e m t e r m o s d a s interações e inter- relações
dinâmicas. O p e n s a m e n t o ja ponês , n o e n t a n t o , s e b a s e i a e m u n i a compreen-
são d a s relações d o c o n c e i t o d o espaço. A o r e c o n h e c e r a "essência v e r b a l "
d a experiência d a a r q u i t e t u r a , o p r o f e s s o r F r e d T h o m p s o n u s a a noçã o d e
"es pa ça mento" o u "es pa ça ndo", e m v e z d e "es pa ço", e d e "temp oriza çã o" o u
" t e m p o r i z a n d o " , e m v e z d e " t e m p o " , e m s e u e n s a i o s o b r e o c o n c e i t o d e Ma,
o b s e r va u m l a d o , c o m o é o o u t r o ; ele se i d e n ti f i c a c o m s e u c e n tr o de gr a vid iid e,
ca-
s u a m a s s a , s e u p e s o ; e l e p e r c e b e s e u v o l u m e e o espaço q u e a f o r m a d e s l o c M i m
Alvar
ar"^
O e n c o n t r o c o m q u a l q u e r o b r a d e a r t e i m p l i c a u m a interação c o r p o r a l ,
ou
O p i n t o r G r a h a m S u t h e r l a n d e x p r e s s a s u a visão s o b r e a o b r a d o a r t i s t a : "! ) e
certa m a n e i r a , o p in to r de paisagens deve olha r pa ra a paisagem praticameii
t e c o m o s e e l a f o s s e e l e próprio - e l e próprio c o m o u m s e r humano"'®®. N a
visão d e C ézanne, " a p a i s a g e m s e p e n s a e m m i m , e e u s o u s u a consciência"' ",
U m a ob r a d earte f u n c i o n a c o m o o u t r a pessoa, c o m a qu al conversamos d e
m o d o incons ciente. A o con fr on ta r u m a ob r a de arte, p r ojeta mos nossas enio
ções e s e n t i m e n t o s n a o b r a . O c o r r e u m intercâmb io c u r i o s o ; i m p r i m i m o s n o s
s a s emoções à o b r a , e n q u a n t o e l a i m p r i m e e m nós s u a a u t o r i d a d e e a u r a . líin
d e t e r m i n a d o m o m e n t o n o s e n c o n t r a m o s n a o b r a . A noçã o d e M e l a n i e K l e i n
62 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O s OLHOS DA PELE PARTE 2 63 zyxwvu

21 d a "identificação p r o j e t i v a " s u g e r e q u e , d e f a t o , t o d a interação h u m a n a i m p l i -

c a a projeção d e f r a g m e n t o s d o e g o s o b r e a o u t r a pessoa"^

" A mimese do corpo

A V I SÃ O PERI FÉRI CA E O SEN SO D E I N T ERI O RI D A D E
21
A f l o r e s t a n o s e n v o l v e c o m se u abraço m u l t i s -
se n so r i a l . A m u l t i p l i c i d a d e d o s est ímulos p e r i -
féricos e f e t i v a m e n t e n o s c h a m a à r e a l i d a d e d o
espaço.
Fl o r e st a d e p i n h e i r o s f i n l a n d e s a , n a s p r o x i m i -
d ad es d a Vi l a M a i r e a , d e Al v ar A a l t o , e m N o o r -
m a r k k u , Finlândia.
U m g r a n d e mtísico t o c a s e u próprio c o r p o , e não o i n s t r u m e n t o ; u m j o g a d o r
de b ola talentoso joga c o ms u a entidade, a d os ou tros jogadores e d o campo
qu e ele in te r n a l izo ue in cor p or ou , e m ve z d e a pena s ch u ta r a b ola. " O jog a d or
e n t e n d e o n d e fica a g ol eir a d e u mm o d o q u e é m a i s vi ve n c i a d o d o q u e r a cio-
n a l i z a d o . A m e n t e nã o h a b i t a o c a m p o d e f u t e b o l , m a s o c a m p o d e f u t e b o l é
h a b ita d o p o ru m 'corpo' q u e o conhece", escreve R i c h a r d L a n g , a o c o m e n t a r
a s considerações f e i t a s p o r M e r l e a u - P o n t y s o b r e a s h a b i l i d a d e s d e s e j o g a r
futebol"'.
D a m e s m a m a n e ir a , d u r a n te o processo d e projeto, o a rqu iteto gra du a l-
m e n t e i n t e r n a l i z a a p a i s a g e m , t o d o o c o n t e x t o e o s r e q u i s i t o s f u n c i o n a i s , além
d a edificação q u e e l e c o n c e b e u : m o v i m e n t o , equ ilíb rio e e s c a l a são s e n t i d o s
d e m o d o i n c o n s c i e n t e p o r t o d o o c o r p o , c o m o tensões n o s i s t e m a m u s c u l a r e
n a s posições d o e s q u e l e t o e d o s o u t r o s órgãos. À m e d i d a q u e a o b r a interage
c o m o c o r p o d o o b s e r v a d o r , a experiência r e f l e t e n a s sensações c o r p o r a i s d o
projetista. C o n s e q u e n te m e n te , a a r q u i t e t u r a é a comu nica çã o d o c o r p o d o
a rqu iteto d ir eta m en te c o m o corpo d apessoa q u e encontra a obra, talvez
séculos d e p o i s .
E n t e n d e r a n oçã o d e e s c a l a n a a r q u i t e t u r a i m p l i c a a med içã o i n c o n s -
c i e n t e d o o b j e t o o u d a edifica çã o p o r m e i o d o próprio c o r p o d o o b s e r v a d o r ,
e n a projeçã o d e s e u e s q u e m a c o r p o r a l n o espa ço e m qu estão. S e n t i m o s p r a -
z e r e proteçã o q u a n d o o c o r p o d e s c o b r e s u a ressonância n o espaço. Q u a n d o
ex p er im en ta m os u m a estrutura, inconscientemente im ita m o s s u a configu-
ra çã o c o m n o s s o s o s s o s e mú scu los: o f l u x o a gra d á vel e a n i m a d o d e u m a
22
mú sica é i n c o n s c i e n t e m e n t e t r a n s f o r m a d o e m sensações c o r p o r a i s , a c o m -
A e sc a l a e a t écnica d e p i n t u r a d o s p i n t o r e s
pos içã o d e u m a p i n t u r a a b s t r a t a é e x p e r i m e n t a d a c o m o tensões n o s i s t e m a
e xp r e ssi o n i st as nor t e-am er icanos fornecem
m u s c u l a r , e a s e s t r u t u r a s d e u m p r éd io são i n c o n s c i e n t e m e n t e i m i t a d a s e
est ím ulos periféricos e n o s c o n v i d a m a e n t r a r
n o espaço. compreendidas pelo esqu eleto. S e m saber, r e a l i z a m o s c o m n o s s o c o r p o a
t a r e f a d a c o l u n a o u d a a b ób a da . " O t i j o l o q u e r s e t r a n s f o r m a r e m u m a r c o , "
Ja c k s o n Po l l o c k ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Um: Número 31 1 9 5 0 . Po r -
menor d i s s e L o u i s K a h n , e e s s a m e t a m o r f o s e s e dá m e d i a n t e a c a p a c i d a d e miméti-
© 2 0 0 5 Th e M u se u m o f M o d e r n Ar t , Nova
c a d o n o s s o corpo'®^.

M airea Fo u n d a t i o n / Fo t o g r a f i a de Ra u n o Yo r k / Sc a l a , Florença
Tráskelin
64 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O t O L H O S D A PELE
AzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sensação d a g r a v i d a d e é a essência d e t o d a s a s e s t r u t u r a s arqu itetô-
nica s , e g r a n d e s ob r a s d ea r q u i t e t u r a n o s t o r n a m cien tes d a g r a vid a d e ed a
t e r r a . A a r q u i t e t u r a reforça a experiência d a dimensão v e r t i c a l d o m u n d o . A o
m e s m o t e m p o e m q u e n os t o r n a cientes d ap r o f u n d i d a d e d ater r a , ela n o s faz
s o n h a r c o m a levitação e c o m o v o o .
Espaços da memória e imaginação
T e m o s u m a c a p a c i d a d e i n a t a d e l e m b r a r e i m a g i n a r l u g a r e s . Percepção, m e -
mória e ima gina çã o estão e m interação c o n s t a n t e ; a e s f e r a d o p r e s e n t e s e
f u n d e c o m i m a g e n s d e memória e f a n t a s i a . C o n t i n u a m o s c o n s t r u i n d o u m a
i m e n s a c i d a d e d e evoca ções e recordações, e t o d a s a s c i d a d e s q u e v i s i t a m o s
são a m b i e n t e s d e s t a metrópole q u e c h a m a m o s d e m e n t e .
A l i t e r a t u r a e o c i n e m a s e r i a m destitu ídos d e s e u p o d e r d e e n c a n t o sem
n o s s a c a p a c i d a d e d ee n t r a r e m u m l u g a r q u e l e m b r a m o s o u i m a g i n a m o s . O s
espaços e l u g a r e s c r i a d o s p o r u m a o b r a d e a r t e são r e a i s n o s e n t i d o t o t a l d a
experiência. " T i n t o r e t t o não e s c o l h e u a q u e l a f e n d a a m a r e l a n o céu d o Calvá-
r i o p a r a t r a n s m i t i r angústia o u provocá- la. E l a é, a o m e s m o t e m p o , angústia e
céu a m a r e l o . N ã o u m céu d e angústia o u u m céu a n g u s t i a d o ; e l a é a angústia
m a t e r i a l i z a d a , a angústia q u e s e t o r n o u u m a f e n d a o u u m céu d e c o r ama-
r e l o , " e s c r e v e Sartre'®®. D e m o d o s i m i l a r , a a r q u i t e t u r a d e M i c h e l a n g e l o nã o
a p r e s e n t a símb olos d e m e l a n c o l i a ; s e u s prédios r e a l m e n t e s e l a m e n t a m . A o
e x p e r i m e n t a r m o s u m a o b r a d e a r t e , o c o r r e u m intercâmb io c u r i o s o : a o b r a
p r o j e t a s u a a u r a e nós p r o j e t a m o s n o s s a s próprias emoções e p r o d u t o s m e n -
t a i s d a percepção s o b r e a o b r a . A m e l a n c o l i a d e M i c h e l a n g e l o é b a s i c a m e n t e o
s e n s o q u e o o b s e r v a d o r t e m d e s u a própria m e l a n c o l i a c r i a d a p e l a a u t o r i d a d e
da obra. E nigma tica mente, nos encontra mos n a obra.
A memória n o s r e m e t e a c i d a d e s d i s t a n t e s , e o s r o m a n c e s n o s t r a n s p o r -
t a m através d e c i d a d e s i n v o c a d a s p e l a mágica d a p a l a v r a d o e s c r i t o r . O s có-
m o d o s , a s praças e a s r u a s d e u m g r a n d e e s c r i t o r são tão v i v a s c o m o qualquer
l u g a r q u e já v i s i t a m o s ; a s c i d a d e s invisíveis d e I t a l o C a l v i n o enriqueceram
pa ra s emp re a geografia u r b a n a d om u n d o . A c i d a d e d eS a n F r a n c i s c o s e
d e s d o b r a e m s u a m u l t i p l i c i d a d e n a m o n t a g e m d o f i l m ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Um Corpo que Cai, d e
H i t c h c o c k ; nós entramos n o s edifícios a s s u s t a d o r e s c o m o s p a s s o s d o p r o t a g o -
n i s t a e v e m o s c o m s e u s o l h o s . N ós n o s tornamos cidadãos d e São P e t e r s b u r g o
PARTE 2 65
de mea dos d o sécu lo X I X p o r m e i o d o s e n c a n t o s d e D o s t o y e v s k y . Estamos
p r e s e n t e s n o a m b i e n t e d o c h o c a n t e d u p l o a s s a s s i n a t o d e R a s k o l n i k o v , estamos
en tre o s espectadores a p a v o r a d o s q u e a s s i s t e m M i k o l k a e s e u s a m i g o s b êb a-
d o s e s p a n c a r e m u m c a v a l o até a m o r t e , f r u s t r a d o s c o m n o s s a i n c a p a c i d a d e d e
evitar o ato d ecru elda de in s a n a e s e m finalidade.
A s c i d a d e s d o s c i n e a s t a s , c o m p o s t a s p o r f r a g m e n t o s momentâ neos , n o s
e n v o l v e m c o m t o d o o vi g o r das cid a d es reais. A s r u a s das g r a n d es p i n t u r a s
c o n t i n u a m depois das esqu inas e u l tr a p a s s a m as qu in a s d a m o l d u r a , s egu in d o
n o invisível e c o m t o d a s a s n u a n c e s d a v i d a . " [ O p i n t o r ] f a z [ c a s a s ] , o u seja,
e l e c r i a u m a c a s a imaginária n a t e l a , e nã o m e r a m e n t e u m s i g n o d e u m a c a s a .
E a casa r e s u l ta n te p r es er va tod a s a s a m b i g u i d a d e s da s casas r ea is ," es creve
Sartre'®'.
Há c i d a d e s q u e p e r m a n e c e m como meras imagens visuais distantes
q u a n d o r e c o r d a d a s , e há c i d a d e s q u e são r e c o r d a d a s c o m t o d a s u a v i v a c i d a -
d e . A memória r e s g a t a a c i d a d e p r a z e r o s a c o m t o d o s o s s e u s s o n s e c h e i r o s e
variações d e l u z e s o m b r a . P o s s o até e s c o l h e r s e q u e r o c a m i n h a r p e l o l a d o e n -
s o l a r a d o o u p e l o l a d o s o m b r e a d o d e u m a r u a d a agradável c i d a d e d e m i n h a s
recordações. A m e d i d a r e a l d a s q u a l i d a d e s d e u m a c i d a d e é s e c o n s e g u i m o s
n o s i m a g i n a r n o s a p a i x o n a n d o p o r algu ém n e s s a cidade.
Uma arquitetura dos sentidos
Vários t i p o s d e a r q u i t e t u r a p o d e m s e r d i s t i n g u i d o s c o m b a s e n a modalidade
s e n s o r i a l q u e e l e s t e n d e m a e n f a t i z a r . A ol a d o d a a r q u i t e t u r a p r e v a l e n t e d o
o l h o , há a a r q u i t e t u r a tátil, d o s mú scu los e d a p e l e . Ta mb ém há u m t i p o d e
a r q u i t e t u r a q u e r e c o n h e c e a s e s f e r a s d a au dição, d o o l f a t o e d o p a l a d a r .
A a r q u i t e t u r a d eL e C o r b u s i e r e a d e R i c h a r d M e y e r , p o r e x e m p l o , favo-
r e c e m c l a r a m e n t e a visão, s e j a n o e n c o n t r o f r o n t a l , s e j a n o o l h o cinestético d a
promenade architecturale ( a in d a qu e a sob ra s tardias d e L eC or b u s ier t e n h a m
i n c o r p o r a d o f o r t e s experiências táteis c o m a presença v i g o r o s a d a m a t e r i a l i -
d a d e e d o p e s o ) . P o r o u t r o l a d o , a a r q u i t e t u r a d e orientação e x p r e s s i o n i s t a ,
in icia da c o m E r ich M e n d e l s h o h n e H a n s S c h a r o u n , favorece a plasticidade
m u s c u l a r e tátil, c o m o consequ ência d a supressão d o predomínio d a p e r s -
p e c t i v a o c u l a r . Já a a r q u i t e t u r a d e F r a n k L l o y d W r i g h t e a d e A l v a r A a l t o s e
b a s e i a m n o r e c o n h e c i m e n t o t o t a l d a condição c o r p o r a l h u m a n a e n a i n i i l i i p l i
c i d a d e d e reações i n s t i n t i v a s e s c o n d i d a s n o i n c o n s c i e n t e h u m a n o . N a a r ( ) n i i r
66 Os OLHOS DA PELE PARTE 2 67

t u r a d e h o j e , a d i v e r s i d a d e d e experiências s e n s o r i a i s é r e s s a l t a d a n a o b r a d e
G l e n n M u r c u tt, S teven H o l l ePeter Z u m t h o r , p o r exemp lo.
A l v a r A a l t o s ep r e o c u p a v a d em o d o con s cien te c o m to d o s os s e n tid o s e m
s u a a r q u i t e t u r a . S e u comentá rio s o b r e a s intenções s e n s o r i a i s e m s e u s pro-
j e t o s d e móveis r e v e l a c l a r a m e n t e e s s a preocu pação: " U m móvel q u e f o r m a
p a r t e d o h a b i t a t diário d e u m a p e s s o a não d e v e c a u s a r o f u s c a m e n t o excessivo
c o m o r e f l e x o d a l u z : c o m o já f o i d i t o , e l e nã o d e v e s e r prob lemático e m t e r -
m o s d e s o n s , ab sorção d e s o n s , e t c . U m móvel q u e t e m o c o n t a t o m a i s íntimo
c o m u m h o m e m , c o m o u m a c a d e i r a , nã o d e v e s e r constru ído c o m m a t e r i a i s
q u e são e x c e l e n t e s c o n d u t o r e s d ecalor."'"*" A a l t o e s t a v a c l a r a m e n t e m a i s i n -
teressado n oen con tr o d oobjeto c o m o corpo d o u su ário d o q u e n a m e r a
estética v i s u a l .
A a r q u i t e t u r a d e A l v a r A a l t o e x i b e u m a presença m u s c u l a r e tátil. E l a
incorpora deslocamentos, c o n f r o n t o s ob líqu os, i r r e g u l a r i d a d e s e r i t m o s múl-
t i p l o s q u e v i s a m a c e n t u a r a s experiências c o r p o r a i s , m u s c u l a r e s e táteis. S e u s
elaborados deta lhes e tex tu r a s superficiais, tr a b a lh a d os a r tes a n a l m en te para
a s mãos h u m a n a s , c o n v i d a m a o t o q u e e c r i a m u m a a t m o s f e r a d e i n t i m i d a d e
e a conchego. E m v e zd oidea lis mo cartesiano e desvincu la do d ocorpo d a
a rqu itetu ra dos olhos, a a r q u itetu r a d eA a l to s ebaseia n o rea lis mo sensorial.
S u a s edificações nã o s e b a s e i a m e m a p e n a s u m c o n c e i t o d o m i n a n t e o u zyxwvutsrqponmlkji
ges-
talt; e m v e z d i s s o , e l a s são aglomerações s e n s o r i a i s . E l a s às v e z e s até p a r e c e m
d e s e l e g a n t e s e m a l r e s o l v i d a s c o m o d e s e n h o s , m a s são c o n c e b i d a s p a r a serem
apreciadas e m s e u e n c o n t r o físico e e s p a c i a l r e a l , " n a c a r n e " d o m u n d o vivo,
não c o m o construções d e u m a visão i d e a l i z a d a .

A A R Q U I T E T U R A D O S S E N T I D O S Q U E I N T EN SI F I CA A V I D A zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A função da arquitetura
A função a t e m p o r a l d a a r q u i t e t u r a é c r i a r metáforas e x i s t e n c i a i s p a r a o c o r p o
23 24
e para a vida qu e concretizem e e s t r u t u r e m n o s s a existência n o m u n d o . A
U m a a r q u i t e t u r a d e cont enção f o r m a l c o m U m a a r q u i t e t u r a q u e t o c a t a n t o n o sso s o l h o s
a r q u i te tu r a reflete, m a t e r i a l i z a e t o r n a eter n a s a sideias e i m a g e n s d a vida
u m a r a r a r i q u e z a d e se n su a l i d a d e q u e e s t i m u l a q u a n t o n o sso se n t i d o d e m o v i m e n t o e t a t o e
cr i a u m a am biência dom ést ica e a c o l h e d o r a .
i d e a l . A s edificações e c i d a d e s n o s p e r m i t e m e s t r u t u r a r , e n t e n d e r e l e m b r a r
t o d o s o s se n t i d o s a o m e s m o t e m p o .
o f l u x o a m o r f o d a r e a l i d a d e e , e m ú ltima análise, r e c o n h e c e r enos lembrar
Pe t e r Z u m t h o r , T e r m a s d e V a i s, Gr au b l u n d e n , A l v a r A a l t o , V i l a I VI ai r e a, N o o r m a r k k u , 1 9 3 8 - 9 .
q u e m s o m o s . A a r q u i t e t u r a p e r m i t e - n o s p e r c e b e r e e n t e n d e r a dialética d a
1 9 9 0 - 6 . © Hélèn eBin et zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Vest íbulo, sal a d e e st a r e e sc a d a p r i n c i p a l .
permanência e d a mu dança, n o s i n s e r i r n o m u n d o e n o s c o l o c a r n o continuum
IVIai r ea Fo u n d a t i o n / Fo t o g r a f i a d e Ra u n o
Tráskelin da cultura ed o tempo.
68 Os OLHOS DA PELE zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

E m seu m o d o d e r e p r e s e n t a r e e s t r u t u r a r a ação e o p o d e r , a o r d e m NOTAS

c u l t u r a l e s o c i a l , a interação e a separação, a i d e n t i d a d e e a memória , a a r -
q u itetu r a s een volve c o m qu estões e x i s t e n c i a i s f u n d a m e n t a i s . Q u a l q u e r e x -
Prefácio
periência i m p l i c a a t o s d e recordação, memória e compa ra çã o. U m a memória
1 M a u r i c e M e r l e a u - P o n t y , The Visible and the Invisible, N o r t h w e s t e r n U n i v e r s i t y
i n c o r p o r a d a t e m u m p a p e l f u n d a m e n t a l c o m o b a s e d a lemb rança d e u m e s p a -
Press ( E v a n s t o n , IL ) , 1 9 6 8 . p p 1 4 8 - 9 .
ço o u u m l u g a r . T r a n s f e r i m o s t o d a s a s c i d a d e s e v i l a s q u e já v i s i t a m o s , todos
os lu g a r es q u e r e c o n h e c e m o s , p a r a a memória e n c a r n a d a d e n o s s o s corpos.
Introdução
N o s s o domicílio s e t o r n a i n t e g r a d o à n o s s a a u t o i d e n t i d a d e ; e l e s e t o r n a p a r t e
1 J a m e s T u r r e l l , " P l a t o ' s C a v e a n d L i g h t w i t h i n " , i n Elephant and Butterjly: perma-
d e n o s s o c o r p o e ser.
nence and change in architecture, e d . M i k k o H e i k k i n e n , Ç* A l v a r A a l t o Sympo-
E m experiências memorá veis d e a r q u i t e t u r a , espaço, matéria e t e m p o s e
s i u m (Jyvãskylã), 2 0 0 3 , p 1 4 4 .
f u n d e m e m u m a dimensão línica, n a substância básica d a v i d a , q u e penetra
2 A s h l e y M o n t a g u , Touching: The Human Significance of the Skin, H a r p e r & R o w
e m n o s s a s consciências. I d e n t i f i c a m o - n o s c o m e s s e espaço, e s s e l u g a r , esse
(N ew York), 1986, p 3.
m o m e n t o , e e s s a s dimensões s e t o r n a m i n g r e d i e n t e s d e n o s s a própria existên-
3 U m a i d e i a d e J o h a n n W o l f g a n g v o n G o e t h e m e n c i o n a d a e m ibid, p 3 0 8 .
c i a . A a r q u i t e t u r a é a a r t e d e n o s r e c o n c i l i a r c o m o m u n d o , e e s t a media çã o s e
dá p o r m e i o d o s sentidos. 4 L u d w i g W i t t g e n s t e i n , M S 1 1 2 4 6 : 1 4 . 1 0 . 1 9 3 1 , i n Ludwig Wittgenstein - Culture
and Value, e d G H v o n W r i g h t , B l a c k w e l l P u b l i s h i n g ( O x f o r d ) , 2 0 0 2 , p 2 4 e . zyxwvutsrqpo
E m 1 9 5 4 , a o s 8 5 a n o s d e i d a d e , F r a n k L l o y d W r i g h t d e f i n i u a fu nção
m e n t a l d aa r q u itetu r a c o m a ssegu intes palavras: 5 V e j a A n t o n E h r e n z w e i g , The Psychoanalysis ofArtistic Vision and Hearing: An In-
troduction to a Theory ofUncomciom Perception, S h e l d o n P r e s s ( L o n d o n ) , 1975.
O q u e é m a i s necessário n a a r q u i t e t u r a a t u a l é j u s t a m e n t e o q u e é m a i s n e c e s -
sário n a v i d a - i n t e g r i d a d e . A s s i m c o m o n o s e r h u m a n o , a i n t e g r i d a d e é a m a i s
p r o f u n d a q u a l i d a d e d e u m a edificação... S e t i v e r m o s s u c e s s o , t e r e m o s pres ta do Os olhos da pele
u m g r a n d e serviço à n o s s a n a t u r e z a m o r a l - a p s i q u e - d e n o s s a s o c i e d a d e d e - 1 C i t a d o e m Not Architecture But Evidence That It Exists - Lauretta Vinciarelli: Wa-
mocrática... D e f e n d a a i n t e g r i d a d e d e s u a edificação c o m o você d e f e n d e a i n t e - tercolors, e d B r o o k e H o d g e , H a r v a r d U n i v e r s i t y G r a d u a t e S c h o o l o f D e s i g n (Har-
g r i d a d e não a p e n a s n a v i d a d a q u e l e s q u e a f i z e r a m , m a s , e m t e r m o s s o c i a i s , p o i s
vard), 1998, p 130.
u m a relação recíprocazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é inevitável.''*'
2 F r i e d r i c h N i e t z s c h e , Thus Spake Zarathustra, V i k i n g Press ( N e w Y o r k ) , 1 9 5 6 ,
E s t a declaração enfática d a missão d a a r q u i t e t u r a é a i n d a m a i s urgente p224.
n o s d i a s d e h o j e d o q u e q u a n d o f o i e s c r i t a , há 5 0 a n o s . E e s s a visão e x i g e u m 3 R i c h a r d R o r t y , Philosophy and the Mirror of Nature, P r i n c e t o n U n i v e r s i t y P r e s s
e n t e n d i m e n t o t o t a l d a condição h u m a n a . ( N e w Jersey), 1 9 7 9 , p 2 3 9 .

4 J o r g e L u i s B o r g e s , Selected Poems 1923-1967, Pengu in Books (London), 1985,

c i t a d o e m Sõren T h u r e l l , The Shadow ofA Thought - The Janus Concept in Archi-
tecture, S c h o o l o f A r c h i t e c t u r e , T h e R o y a i I n s t i t u t e o f T e c h n o l o g y (Stockholm),
1 9 8 9 , p 2.

5 C i t a d o e m R i c h a r d K e a r n e y , " M a u r i c e M e r l e a u - P o n t y " , i n R i c h a r d K e a r n e y , Mo-

dern Movements in European Philosophy, M a n c h e s t e r U n i v e r s i t y P r e s s (Manches-
ter a n d N e w Y o r k ) , 1 9 9 4 , p 8 2 .