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OS PENSADORES MALINOWSKI

linow ski p o ssu ía sim u lta n e a m e n te a c a ­


p a c id a d e de s im p a tia e a in to le râ n c ia
que co e x iste m tã o freq u en tem en te n as
p e sso a s m u ito afetiv as. P o r isso m esm o,
crio u d isc íp u lo s ferv o ro so s e a d v e rsá rio s
om a p u b lic a ç ã o , em 1 9 2 2 , dc Os ferren h o s. O p ró p rio c a rá te r p olêm ico,

C A rg o n a u ta s do P a cífico O cid en ta l,
M alin o w sk i n ão re a liz o u a p e n a s
u m a a d iç ã o , e m b o ra s u b s ta n c ia l, à etn o ­
co m p lex o e m u ita s v ezes c o n tra d itó rio
de su a o b ra p ro v o c a a a d m ira ç ã o sin cera
e a c rític a im p ie d o sa que têm m a rc a d o
g r a f ia d a M elan e sia , m as p ro ced eu a to d a s a s a v a lia ç õ e s de su a c o n trib u iç ã o
u m a v e rd a d e ira re v o lu ç ão n a lite ra tu ra cien tífica. A e x tra o rd in á ria v iv acid a d e e
a n tro p o ló g ic a . p e n e tra ç ã o d a a n á lise e tn o g rá fic a colo­
O c a rá te r in o v ad o r d a o b ra de M ali­ cam p ro b le m a s te ó ric o s d a m a io r re le ­
n o w sk i, ex e m p lifica d o n e ssa m o n o g ra fia v ân cia, que p erm an ecem hoje tão a tu a is
e no s tra b a lh o s que a su ce d era m , u ltr a ­ com o no p a ssa d o . P o r o u tro lad o , a s ten ­
p a sso u de m u ito o círcu lo re s tr ito dos e s­ ta tiv a s de sis te m a tiz a ç ã o te ó ric a , esp e­
p e c ia lis ta s em a n tro p o lo g ia . T alvez a p e ­ c ialm en te com o a p a re c e m nos p o u co s en­
n a s M o rg an (1 8 1 8 -1 8 8 1 ), a n te s d ele, e saio s que p u b lic o u sobre o m étodo
L é v i-S tra u ss (1 9 0 8 - ), d ep o is, ten h am fu n c io n a lista , d o is dos q u a is p ó stu m o s,
lo g ra d o u m a re p e rc u ssã o tão a m p la de e stã o e iv a d a s de c o n tra d iç õ e s in so lú v eis
seus tra b a lh o s , inclusive e n tre o p ú b lico e g e n e ra liz a ç õ e s a p re s s a d a s , que o b scu ­
leigo. recem o a lca n ce e a im p o rtâ n c ia d a s
No caso de M alin o w sk i, com o no dos q u e stõ e s le v a n ta d a s n o s tra b a lh o s e tn o ­
o u tro s d o is, a p o p u la rid a d e d a o b ra e g rá fico s. P o r isso , a a p re c ia ç ã o do que
seu sig n ificad o in o v ad o r re p o u sa m n a e x iste de vivo e p ro v o c an te n a su a o b ra
a p re s e n ta ç ã o de u m a n o v a "visão do h o ­ só po d e ser fe ita a tra v é s d a le itu ra de
m em e n a in d icaç ão de u m a n o v a m a ­ u m a de su a s m o n o g ra fia s, com o Os A r ­
n e ira de co m p reen d er o c o m p o rta m e n to g o n a u ta s do P a cífico O cidental.
hu m an o . Com os A rg o n a u ta s, d esfaz-se
d efin itiv am en te a v isão d a s so cied a d es As novas bases
tr ib a is com o fó sseis vivos do p a ssa d o do da antropologia
hom em , eq u iv ale n te s h u m an o s d a s p e­
ç a s de m u seu , a g lo m e ra d o s de cren ça s e M alinow ski chegou à a n tro p o lo g ia
co stu m es irra c io n a is e d esco n ex o s. Os p o r c a m in h o s tra n sv e rso s. S u a fo rm ação
co stu m es e a s cren ça s de um povo e x ó ­ in icial foi no cam p o d a s c iên c ias e x a ta s ,
tico a d q u ire m a g o ra p le n itu d e de sig n ifi­ te n d o o b tid o em 1 9 0 8 o d o u to ra m e n to
cad o e o c o m p o rta m e n to n a tiv o a p a re c e em físic a e m a te m á tic a p e la U niversi­
com o aç ão coeren te e in te g ra d a . A etn o ­ d ad e de C racó v ia, su a c id ad e n a ta l.
g ra fia a d q u ire a c a p a c id a d e de re c o n s­ N e ssa ép o ca, tin h a a p e n a s 2 4 an o s de
tru ir e tra n s m itir u m a e x p e riê n c ia de id ad e, p o is n a s c e ra n e ssa a n tig a cid ad e
v id a d iv e rsa d a n o ssa , m a s nem p o r isso p o lo n esa, a 16 de m aio de 1884.
m en os ric a , ou m enos h u m an a. De c o n stitu iç ã o fra n z in a , teve que in­

Cortesia do Cons jlado da Polônia


E ssa in ov ação não re s u lta sim p le s­ te rro m p e r su a c a rre ir a c ien tífica logo
m ente de u m a m tu iç âo feliz, m a s é, sem d ep o is de fo rm a d o , p o r m o tiv o s de
d ú v id a a lg u m a , o p ro d u to de u m a re fle ­ saú d e . Im p ed id o de tr a b a lh a r , leu, com o
x ão la b o rio s a , que a rq u ite to u novas té c ­ d istra ç ã o , a fa m o sa o b ra de S ir J a m e s
n ic a s de in v e stig a ç ã o e novos m éto d o s de F ra z e r, T he G olden B o u g h , que o a tra iu
in te rp re ta ç ã o , tão ca n d id a m e n te e x p o s­ d efin itiv am en te p a r a a a n tro p o lo g ia e
to s n a In tro d u ç ã o de Os A rg o n a u ta s. A que ex e rce u in flu ên c ia p ro fu n d a em sua
sin g u la r m is tu ra de o b je tiv id a d e c ie n tí­ fo rm ação. D irig iu -se e n tão p a r a L eip zig
fic a e vivência p e sso a l, de h u m ild a d e e onde, em breve p e rm a n ê n c ia , iniciou-se
ja c tâ n c ia que tra n s p a re c e n e ssa in tro d u ­ em su a n o v a vocação sob a o rie n ta ç ã o de N a tu ra l de Cracót>ia, Polônia, M a lin o w s k i cedo d e ix o u seu p a ís, p a s sa n d o a
ção , re v e la m u ito d a p e rso n a lid a d e de K arl B ú ch er e W ilh elm W un d t. Em 1910 re a liz a r in ú m era s via g en s d e e s tu d o s e p e s q u is a s . In ic io u -se na a n tro p o lo g ia
B ro n islaw K a sp a r M alinow ski. j á e s ta v a n a In g la te rra , tendo sido a d m i­
em L e ip z ig (A lem a n h a ); a p a r tir de 1 9 1 0 e stu d o u em L o n d res; em 1 9 1 4 o rg a n izo u
P ro fe sso r b rilh a n te , co n fere n cista tid o n a L ondon S chool o f E conom ics um a e x p e d iç ã o à N ova C uiné, a p r im e ir a d e u m a série lig a d a ao tra b a lh o de
m ag n ífico , p o le m ic ista a p a ix o n a d o , M a- com o alu n o de p ó s-g ra d u a ç ã o .
cam po em vá ria s re g iõ e s do P acífico. (A cim a, v is ta da cid a d e d e C racóvia.)
VI VII
/

OS PENSADORES MALINOWSKI

Em m en o s de trê s an o s, M alin o w sk i j á
era re co n h ec id o com o a n tro p ó lo g o p ro ­
m isso r e de g ra n d e s q u a lid a d e s in te le c ­
tu a is , ten d o p u b lic a d o tr ê s a r tig o s e um
I í v t o . Em 1 9 1 3 , com eçou su a c a rre ira
do cen te, ten d o m in istra d o , e n tre esse ano
e o seg u in te, d o is c u rso s n a L ondon
S chool o f E conom ics, com o L e c tu re r on
S p e c ia l S u b je c ts. N esse m esm o perío d o
tra v o u re la ç õ e s com os m a io re s a n tro p ó ­
lo g o s d a é p o c a com o S elig m an , H a d d o n ,
R ivers, F ra z e r e M a re tt. Com S elig m an ,
p a rtic u la rm e n te , m a n tin h a co n tato
m u ito e s tre ito , o m esm o ac o n tecen d o
tam b ém com W e ste rm a rc k , que p re fa ­
ciou seu p rim e iro liv ro , T he F a m ily
A m o n g th e A u stra lia n A b o ríg in es.
0 início d a c a r r e ir a de M alin o w sk i
coincide com u m p erio d o de g ra n d e efer­
v esc ên cia n a a n tro p o lo g ia , c a ra c te ri­
za d o pelo desen v o lv im en to de n o v as té c ­
n ic a s de p e s q u is a e p e la c rític a a o s
m éto d o s de in te rp re ta ç ã o vig en tes.
Até o fim do século X IX , a q u a se to ta ­
lid ad e dos a n tro p ó lo g o s ja m a is h a v ia se­ A sa ú d e p re c á ria o b rig o u M a lin o w s k i
q u e r v isto um re p re se n ta n te d o s c h a m a ­ a a b a n d o n a r su a carreira no se to r d as
dos p o v o s p rim itiv o s so b re os q u a is ciên c ia s e x a ta s. E ele aca b o u com o
escrev iam . S eus tra b a lh o s b a se av am -se u m d o s m a io res n o m e s da a n tro p o lo g ia .
em m a te ria l h istó ric o e a rq u e o ló g ic o so­ (M a lin o w s k i ao se fo r m a r em C racóvia.)
b re a s c iv iliz a ç õ e s c lá ssic a s e o rie n ta is
e em in fo rm açõ es sobre so cied a d es t r i ­ a im p o rtâ n c ia d a s in fo rm aç õ es o b tid a s
b a is c o n tid a s em r e la to s de v ia ja n te s, co­ p o r m eio de o b se rv a ç ã o d ire ta p a r a a r e -
lonos, m issio n á rio s e fu n c io n á rio s d o s so lu ção d o s p ro b le m a s teó ric o s c o lo ca­
governos co lo n iais. H a v ia , é c la ro , a lg u ­ dos p e la a n tro p o lo g ia . Só e ssa o b ra in s­
m a s ex ceçõ es, p rin c ip a lm e n te n a A m é­ p iro u pelo m enos trê s g ra n d e s tra b a lh o s,
ric a : M o rg a n tr a b a lh a r a com in fo rm an ­ c a d a um d o s q u a is c o n s titu ía u m a re fle ­
tes íro q u e se s, C ush in g v iv e ra cinco an o s x ão in o v a d o ra em seu p ró p rio ca m p o : A s
e n tre os ín d io s Z un i. Com B oas fo r m a s elem en ta res da v id a relig io sa , de
(1 8 5 8 -1 9 4 2 ), a tra d iç ã o do tra b a lh o de D u rk h e im (1 8 5 8 -1 9 1 7 ), T o te m e Tabu,
cam p o esta b e le c e u -se d efin itiv am en te de F re u d (1 8 5 6 -1 9 3 9 ), e A fa m ília entre
n o s E sta d o s U nidos: j á em 1 8 8 3 -1 8 8 4 , os a b o rig in es a u stra lia n o s, o p rim e iro
r e a liz a r a u m a p e s q u is a e n tre os e s q u i­ livro de M alin o w sk i, to d o s p u b lic a d o s
Cortesia do Consulado da Polônia

m ós e d ep o is d isso p rom oveu um t r a b a ­ em 1913.


lho de p e s q u is a s de cam po siste m á tic a s A p u b lic a ç ã o d a o b ra de S p en cer e G il­
e n tre os ín d io s d a c o s ta n o ro este. len co in cid e com a re a liz a ç ã o (em
No fin al do século, co m eçaram a m u l­ 1 8 8 8 -1 8 8 9 ) d a fa m o sa E x p e d iç ã o C am ­
tip lic a r-s e ta m b é m n a E u ro p a os tr a b a ­ b rid g e ao e stre ito de T o rre s (e n tre A us­
lh o s de a n tro p ó lo g o s ou e stu d io so s e tr á lia e N ova G uiné), o rg a n iz a d a p o r
m is sio n á rio s com fo rm ação a n tro p o ló ­ H a d d o n e d a q u a l p a r tic ip a ra m , en tre
g ic a , contendo o b serv açõ e s fe ita s d ire ta ­ o u tro s, S elig m an e R iv ers (1 8 6 4 -1 9 2 2 ).
m en te sobre p o p u la ç õ e s trib a is . T ra ta v a -s e p o is de u m a eq u ip e de re n o -
A fo r m a ç ã o in ic ia l de M a lin o w s k ifo i no ca m p o d a s ciên cia s e x a ta s: em 1 9 0 8 A p u b lic a ç ã o , em 1 8 9 9 , d a s e x te n s a s m a d o s e s p e c ia lis ta s , re a liz a n d o sim u lta ­
d o u to ro u -se em fí s ic a e m a te m á tic a p e la u n iv e rsid a d e de C racóvia (acim a). in v e stig a ç õ e s d e se n v o lv id a s p o r S pencer n ea m e n te u m a série de in v estig açõ e s
A leitu ra do livro d e S ir J a m e s F ra zer, T h e G olden B o u g h , m a rco u o início e G illen en tre os a b o ríg in e s a u s tra lia n o s cien tífica s n a m esm a re g iã o .
de seu in teresse p e la a n tro p o lo g ia . O com eço d a carreira de M a lin o w ski, com o d em o n stro u d e fin itiv a m e n te a s g ra n d e s Em 1 9 0 1 , R iv ers tra b a lh o u e n tre os
a n tro p ó lo g o , co in cid iu com o d e se n v o lv im e n to de n o va s técn ica s de p e sq u isa . p o te n c ia lid a d e s do tra b a lh o de cam po e T o d d a. S elig m a n , em 1 9 0 4 , em p reen d eu

VIII IX
1

OS PENSADORES MALINOWSKI

um s u r v e y m o n u m en tal dc to d a a N ova m u la ç â o in icial dos co n ceito s de função


G uiné B ritâ n ic a e ,n o s a n o s se g u in te s, e s­ e de in te g ra ç ã o fu n cio n al, com os q u a is
teve, com su a m u lh er, e n tre o s V edda do e s s a no v a g eraçã o de a n tro p ó lo g o s p ro ­
Cei Ião e a s trib o s do S u d ão b ritâ n ic o . cu ro u c o n tru ir um m éto d o p ró p rio e ch e­
Q uan do M alin o w sk i ch eg o u à In g la ­ g a r a u m a n o v a te o ria a n tro p o ló g ic a .
te rr a , to d o s esse s p io n e iro s j á e sta v a m A c r ític a fu n d a m e n ta l que M alin o w sk i
fo rm an d o a p rim e ira g e ra ç ã o de in v e sti­ e os d e m a is fu n c io n a lista s d irig e m à a n ­
g a d o re s de cam po e R ad cliffe-B ro w n tro p o lo g ia c lá s s ic a re fere -se à a r b it r a ­
(1 8 8 1 -1 9 5 4 ) h a v ia a c a b a d o de c o n c lu ir rie d a d e d a s c a te g o ria s u tiliz a d a s . A
su a p e s q u is a e n tre os A n d a m a n eses, r e a ­ c o m p a ra ç ã o e n tre so cied a d es d iv e rsa s é
liz a d a e n tre os a n o s de 1 9 0 6 e 1 9 0 8 fe ita a tra v é s de um d e sm em b ra m en to
(e m b o ra só p u b lic a d a em 1 9 2 2 ). in ic ia l d a re a lid a d e em iten s c u ltu ra is
to m a d o s com o elem e n to s au tô n o m o s;
O funcionalismo com os fra g m e n to s a ssim o b tid o s os a u ­
to re s p ro ced em a um re a rra n jo a r b it r á ­
O desen v o lv im en to do tra b a lh o de rio , a g ru p a n d o -o s de a c o rd o com c a te g o ­
ca m p o s iste m á tic o p ro d u z iu um a r ia s to m a d a s de su a p ró p r ia c u ltu ra e
enorm e q u a n tid a d e d e no v o s co n h e ci­ fa b ric a n d o com isso in titu iç õ e s, co m p le­
m en to s e colocou em x eq u e o m odo t r a ­ x o s c u ltu ra is e e stá g io s e v o lu tiv o s que
d icio n al de m a n ip u la r os d a d o s em p íri­ n ão e n c o n tra m c o rre sp o n d ê n c ia em q u a l­
cos. A n o v a g e ra ç ã o de a n tro p ó lo g o s q u e r so cied a d e re a l.
b ritâ n ic o s , cu jo s ex p o e n te s são j u s t a ­ A p re o c u p a ç ã o com a a d e q u a ç ã o d a s
m en te R ad cliffe-B ro w n e M alin o w sk i, c a te g o ria s à re a lid a d e e s tu d a d a e s tá e s­
p rom ov eu a c rític a r a d ic a l d o s p o s tu la ­ tre ita m e n te a s s o c ia d a ao em penho em
dos ev o lu c io n ista s e d ifu sio n ista s que re c o n h e c e r c p re s e rv a r a esp e c ific id a d e e
d o m in av am a a n tro p o lo g ia c lá ssic a , e s­ p a r tic u la rid a d e de c a d a c u ltu ra . P a ra
ta b e le c e n d o um novo m éto d o de in v esti­ os fu n c io n a lista s, os elem e n to s c u ltu ra is
g a ç ã o e in te rp re ta ç ã o que ficou co n h e­ n ão p o d em ser m a n ip u la d o s e co m p o sto s
cido com o “ e sc o la fu n cio n a lis ta ” . O a r b itra ria m e n te p o rq u e fazem p a rte de
fu n c io n a lism o , n a a n tro p o lo g ia , d ese n ­ siste m a s d efin id o s, p ró p rio s de c a d a cu l­
volve-se em trê s lin h a s, a lg o d is tin ta s : a tu r a e que cab e a o in v e stig a d o r d esc o ­
d o s d isc íp u lo s de B oas, nos E sta d o s Uni­ b rir. E ssa noção se e x p re s s a no p o s tu ­
d o s; a de M alin o w sk i e a de R adcliffe- lad o d a in te g ra ç ã o fu n c io n a l, que
B row n, n a In g la te rra . a ssu m e im p o rtâ n c ia fu n d a m e n ta l em
Em q u a lq u e r u m a de su a s fo rm as, o to d a a n á lis e fu n c io n a lista . O co n ceito de
fu n c io n a lism o e s tá e s tre ita m e n te v in cu ­ fu n ção a p a re c e com o o in stru m e n to que
lad o ao tra b a lh o de cam po. Isso n ão p e rm ite re c o n s tru ir, a p a r tir dos d a d o s
q u e r d iz e r, e n tre ta n to , que o fu n c io n a­ a p a re n te m e n te c a ó tic o s que se oferecem
lism o se r e d u z a a u m a té c n ic a de p e s­ à o b se rv a ç ã o de um p e s q u is a d o r de o u ­
q u isa . M esm o em M alin o w sk i, que é o t r a c u ltu ra , os s iste m a s q u e o rd e n am e
etn ó g ra fo p o r e x c elên cia , a c rític a à a n ­ d ão sen tid o a o s ço stu m es nos q u a is se
tro p o lo g ia c lá s s ic a e a fo rm u la ç ã o de n o ­ c r is ta liz a o c o m p o rta m e n to dos hom ens.

Routledge & Kegan Paul. London


vos p ro b le m a s te ó ric o s preced em seu S ão e ssa s p re o c u p a ç õ e s, j á a p a re n te s
tra b a lh o de cam po. J á no seu p rim e iro em A v id a f a m i l ia l d o s a b o ríg in es a u s ­
liv ro , A f a m ília entre os a b o ríg in es a u s ­ tra lia n o s, que o rie n ta m M alin o w sk i
tra lian os, b a se a d o e x c lu siv a m e n te em q u an d o p a rte p a r a o tra b a lh o de cam po.
m a te r ia l b ib lio g rá fic o , M alinow ski A o p o rtu n id a d e de r e a liz a r u m a inves­
a p o n ta com m u ita e x a tid ã o a d efic iên cia tig a ç ã o de cam p o su rg e em 1 9 1 4 . G ra ­
d a s c a te g o ria s de a n á lise e dos co n ceito s ça s a o ap o io e a o s esfo rço s de S elig m an ,
e v o lu c io n ista s e d ifu s io n is ta s e p ro p õ e M alin o w sk i o b tém d u a s b o lsa s, a R o b e rt
um novo m étodo de o rd e n a ç ã o e in te r­ M o n d T ra vellin g S tu d e n tsh ip , d a U ni­
p re ta ç ã o d a ev id ên c ia em p írica . v e rsid a d e de L ondres, e a C onstance A p u b lica çã o , em 1899, d a s e x te n sa s in vestig a çõ e s f e i t a s p o r S p en cer e G illen
O s p rim e iro s tra b a lh o s de M a li­ H u tc h in so n S ch o la rsh ip , d a London sobre o s a b o ríg in e s a u stra lia n o s m o stro u q u e o tra b a lh o d e ca m po p o d ia
n o w sk i, assim com o os de R adcliffe- S c h o o ll o f E co n o m ics, que lhe p erm item fo r n e c e r d a d o s d e c isiv o s p a ra a reso lu çã o de p ro b le m a s teó rico s colo cado s
B row n, a c u sa m u m a fo rte in flu ên cia de o r g a n iz a r u m a e x p e d iç ã o à N ova G uiné. p e la a n tro p o lo g ia . E ssa p u b lic a ç ã o in sp iro u o p r im e ir o livro de M a lin o w sk i:
D u rk h e im , que forneceu a am b o s a for- A e sc o lh a d a á r e a p re n d e-se, o b v ia- A fa m ília en tre os a b o ríg in e s a u stra lia n o s. (M a lin o w s k i ainda e stu d a n te.)
XI
X
MALINOWSKI
OS PENSADORES

m ente, à in flu ên c ia de S elig m an . q u e j á tre d u a s e x te n s a s p e rm a n ê n c ia s em


h a v ia e n tão p u b lic a d o seu tra b a lh o m o ­ ca m p o re v e lo u -se e x tre n ía m e n te fru tí­
n u m e n ta l so b re e ssa re g iã o . fero p a r a M alin o w sk i. Sem u m a e la b o r a ­
ção p re lim in a r do m a te r ia l é im p ossível
A observação participante d e te rm in a r su as in su ficiên c ia s e. em ­
b o ra nem sem p re po ssível, esse p ro c e d i­
M alin o w sk i chegou a P o rt M onesby m en to c o n stitu i a in d a h o je o id e a l d a
d ep o is de p a s s a r p e la A u s trá lia j á em p r á tic a d a in v e stig a ç ã o e tn o g rá fic a , ta l
pleno inicio d a S e g u n d a G u e rra M u n ­ com o a p re sc re v e u M alin o w sk i a p a r tir
d ia l, o que lhe c a u so u d ific u ld a d e s a d i­ d e s s a época.
cio n a is, v isto ser en tã o te c n ic am en te sú­ A g ra n d e in o v ação de M alin o w sk i no
d ito a u s tría c o e, p o rta n to , c id a d ã o tra b a lh o de cam p o c o n sistiu n a p r á tic a
inim igo. N a v e rd a d e , só v o lto u à In g la ­ do que é ch a m a d o hoje em d ia o b s e rv a ­
te r r a d ep o is de te rm in a d o o co n flito ; a ção p a rtic ip a n te . Os p rin c íp io s fu n d a ­
lo n g a d u ra ç ã o de su a p e rm a n ê n c ia em m e n ta is d e s s a p r á tic a e o d ese n v o lv i­
cam p o — que lhe p e rm itiu re a liz a r um m ento d e ssa e x p e riê n c ia e stã o
tra b a lh o de in v e stig a ç ã o tã o in ten so e m in u c io sa m e n te r e la ta d o s n a In tro d u ç ã o
m in u cio so — ta lv e z se deva, pelo m enos dos A rg o n a u ta s.
em p a r te , a e s s a s d ific u ld a d e s p o lític a s. As p e s q u is a s de cam p o a n te rio re s de-
De inicio p a sso u a lg u n s m eses — de se­ p e n d ia ih q u ase in te ira m e n te de in q u é ri­
tem b ro de 1 9 1 4 a m a rç o de 1 9 1 5 — en tre to s re a liz a d o s com uns p o u co s in fo rm a n ­
os M a ilu , h a b ita n te s d a ilh a de T u lo n , te s b ilin g u e s ou de q u e s tio n á rio s
so b re os q u a is p u b lic o u , no m esm o ano, a p lic a d o s com o a u x ílio de tra d u to re s . A
u m a p e q u e n a m o n o g rafia . o b se rv a ç ã o d ir e ta do c o m p o rta m e n to e ra
R e to rn a n d o à A u s trá lia em 1915 e o b ­ n e c e s s a ria m e n te b rev e e s u p e rfic ia l, p o is
te n d o re c u rs o s a d ic io n a is a tra v é s d a in­ r e a liz a d a d u ra n te v is ita s de c u r ta d u ra ­
fa tig á v e l b o a v o n tad e de S elig m a n , d iri­ ção à s a ld e ia s in d íg e n a s. A tra v é s d e ss a s
g iu -se n o v am en te p a r a o cam p o , d e s ta té c n ic a s de in v e stig a ç ã o é p o ssív el a c u ­
v ez p a r a os a r q u ip é la g o s que se e ste n ­ m u la r g ra n d e n ú m ero de in fo rm aç õ es e,
dem a n o rd e ste do e x tre m o o rie n ta l d a in clu siv e, te s ta r a v e ra c id a d e d o s in fo r­
N ova G uiné. T endo e n c o n tra d o d ific u ld a ­ m es u tiliz a n d o in fo rm a n te s d iferen tes.
d e s em s e g u ir $eus p la n o s in ic ia is , que No e n ta n to , é im p o ssív e l c a p ta r, com
c o m p re e n d ia m p e rm a n ê n c ia em d iv e rs a s e sse tr a b a lh o , to d a a riq u e z a de s ig n ifi­
ilh a s, a c a b o u fix a n d o -se n a s Ilh a s T ro- ca d o s q u e p e rm e ia a v id a so c ia l — e a
b ria n d , onde p e rm a n e c e u de ju n h o de c u ltu ra a p a re c e , n e c e s s a ria m e n te , com o
1 9 1 5 a m a io do ano seg u m te. D e v o lta o co n ju n to de ite n s in d ep en d e n tes que fi­
à A u s trá lia , d ed ico u -se d u ra n te um ano g u ra m n o s in q u é rito s. A lém d isso , a o r­
e m eio à o rd e n a ç ã o e in te rp re ta ç ã o in i­ d e n a ç ã o d a s q u e stõ e s a p r e s e n ta d a s é
c ia l do m a te ria l c o le ta d o . N essa ép o c a, fe ita fre q u e n te m e n te em te rm o s de c a te ­
re c e b e , de L o n d res, o títu lo de D o u to r g o ria s a lh e ia s ao u n iv erso c u ltu ra l in ­
em C iên cias, que lhe é o u to rg a d o pelo s v e stig a d o , in tro d u z in d o a s sim p eq u e n as
se u s d o is tra b a lh o s j á p u b lic a d o s : o r e ­ ou g ra n d e s d is to rç õ e s no p ró p rio m a te ­
la tiv o ao s a b o ríg in e s a u s tra lia n o s e a r ia l e tn o g rá fico .
m o n o g ra fia sobre os M ailu . A lém d isso , M alin o w sk i a lte ro u ra d ic a lm e n te e ssa
a p r o n ta e e n v ia p a r a p u b lic a ç ã o o en sa io p rá tic a , p a ssa n d o a v iv er p e rm a n e n te ­
in titu la d o B a lo m a : S p ir its o f th e d e a d in m ente n a a ld e ia , a fa s ta d o do convívio de
the T ro b ria n d Isla n d s, que a p a re c e no o u tro s h o m e n s b ra n c o s e a p re n d e n d o a
m esm o ano. L m a rtig o so b re a p e sc a n a s lín g u a n a tiv a , ta re fa p a r a a q u a l, a liá s ,
ilh a s tro b ria n d e s a s , p u b lic a d o n a re v is ta e ra e x tre m a m e n te d o tad o . D esse m odo ,
M a n , em 1 9 1 8 , d a ta ta m b é m p ro v áv el e m b o ra n ã o d isp e n sa n d o o u so de info r­
m en te d e s s a ép o c a. E m o u tu b ro de 1917. m a n te s, s u b s titu iu -o em g ra n d e p a rte
A té o f i m do século X IX , os a n tro p ó lo g o s em g e r a l te o riza v a m com base em p a r te p a r a novo perío d o de tra b a lh o de p e la o b se rv a ç ã o d ire ta , que só é p o ssív el
r e la to s d e viajantes, m issio n á rio s e fu n c io n á r io s de g o v e rn o s co loniais que cam p o , v o lta n d o m a is u m a vez às ilh a s a tra v é s d a co n v iv ên c ia d iá ria , d a c a p a c i­
escrevia m sobre os ch a m a d o s p o v o s p r im itiv o s . O tra b a lh o d e cam po com o tro b ria n d e s a s , onde p e rm a n ece to d o um d ad e de e n te n d e r o que e s tá sendo d ito
su sten ta çã o das teorias a n tro p o ló g ic a s fir m o u -s e d e fin itiv a m e n te n o s E sta d o s an o , a té o u tu b ro de 1 9 1 8 . e de p a r tic ip a r d a s co n v e rsa s e a c o n te c i
U nidos com F ra n z B o a s (acim a), g ra n d e fig u r a da lin g u ístic a e da antropologia. P la n e ja d o o u n ã o , esse in te rre g n o en m e n to s d a v id a d a a ld e ia .
XII XIII
OS PENSADORES MALINOWSKI

United Nations
M a lin o w s k i p r e c o n iz o u e p r a tic o u a ob serva çã o p a r tic ip a n te : sem d isp en sa r os
info rm antes, su b s titu iu -o s em p a r te p e la ob serva çã o d ire ta do co m p o rta m e n to
dos indígenas. 0 a n tro p ó lo g o d eve co n v iv er p ro lo n g a d a m e n te com o s n a tiv o s em
su a s a ld eia s e a p ren d e r-lh es a língua, a ssim ila n d o ca teg o ria s inconscientes
q ue o rd en a m o u niverso c u ltu r a l in vestig a d o . (P a p u a s — n a tiv o s da N o v a G uiné.)

É im p o rta n te r e s s a lta r que o fu n d a d o r por m eio de su a v iv ên cia d a situ a ç ã o


m ento d e ssa té c n ic a re sid e num p ro c esso de p esq u isa.
de “ a c u ltu ra ç ã o ” do o b se rv a d o r q u e con­ Se a o b serv açã o p a rtic ip a n te re c o lo c a
siste n a a ssim ila ç ã o d a s c a te g o ria s in­ p a r a M alin o w sk i o p ro b le m a d a to ta li
co n scien tes q u e o rd en am o u n iv erso cu l­ d a d e , e la o b v iam en te não o re so lv e . A Fa­
tu r a l in v estig ad o . A través desse m ilia rid a d e com o n a tiv o , a c a p a c id a d e
p ro c e sso , que é an á lo g o ao do a p re n d i­ de p a rtic ip a r de seu universo co n stitu em
za d o de u m a lín g u a e s tra n h a e, com o co n d içõ es p ré v ia s p a r a o in v e stig a ç ã o ,
este, tam b ém em p a rte in co n scien te, o m as n ão elim in a m o lab o rio so tra b a lh o
o b se rv a d o r a p reen d e u m a “ to ta lid a d e m d a c o le ta s is te m á tic a de d a d o s, nem a in­
te g ra d a ” de sig n ificad o s que é a n te rio r te rp re ta ç ã o e in te g ra ç ã o d a ev id ên c ia
ao p ro cesso siste m á tic o d a c o le ta e o rd e ­ e m p íric a de m odo a re c ria r a to ta lid a d e
n a ç ã o d a s in fo rm açõ es e tn o g rá fic a s. Isto v iv id a pelo n a tiv o e a p re e n d id a p e la in­
é, a a p re e n sã o in consciente d a to ta lid a d e tu iç ã o do p e sq u isa d o r. E ssa ta re fa devia

ted N a tio n s
p reced e e p e rm ite o p ro c ed im en to a n a lí­ ser re s o lv id a n a e la b o ra ç ã o d a s m ono­
tico con scien te d a in v estig açã o d a r e a li­ g ra fia s sobre os tro b n a n d e s e s , ta re fa à
d a d e c u ltu ra l. q u a l M alin o w sk i se d edicou com o m á ­
D e ssa m a n e ira , a to ta lid a d e e a in te ­ x im o em penho d u ra n te o re sto de vida.
g ra ç ã o d a c u ltu ra , que co n sistiam em Os tra b a lh o s d e M a lin o w s k i sobre a v id a s e x u a l e a fa m ília de a b o rig in es da
p re ssu p o sto s teó ric o s d e c o rre n te s d a c rí­ A instituição M e la n e sia to rn a ra m -se su a s ob ra s m a is p o p u la re s. N u m a época a in d a m arcada
tic a à a n tro p o lo g ia c lá ssic a , tra n s f o r­ p e lo p u r ita n is m o vito ria n o , f a s descriçõ es b a sta n te e x p líc ita s da v id a s e x u a l
m am -se a g o r a n u m a re a lid a d e que é Após su a e x tra o rd in á ria e x p e riê n c ia d o s indígenas, e m o stra o fu n c io n a m e n to d e u m a so cied a d e m a trilin e a r —
a tin g id a in tu itiv a m e n te pelo in v e s tig a ­ de tra b a lh o de cam p o , M alin o w sk i vol- o inverso da so cied a d e o c id e n ta l d e então. (N ova G uiné: fa m ília d e n a tivo s.)
XIV XV
OS PENSADORES MALINOWSKI

to u à A u strá lia , onde se caso u com E lsie no siste m a de v alo re s em v is ta dos q u ais D esse m odo, v erific a-se que os d ife ­
M asso n , filh a de um p ro fe sso r de quí­ os seres h u m an o s se asso c ia m ;' isto é, re n te s a sp e c to s d a in s titu iç ã o não p o s­
m ica d a U n iv ersid ad e de M elboure. S ua co rresp o n d e à id é ia d a in stitu iç ã o ta l suem to d o s a m e sm a re le v â n c ia e x p lic a ­
saú d e, sem pre frá g il, e s ta v a b a s ta n te com o é co n c eb id a pelo s m em b ro s d a p ró ­ tiv a , p o is e n a s a tiv id a d e s, isto é, no
a b a la d a e, logo ap ó s seu re g re s so à In­ p r ia so ciedade. C om preende tam b ém um c o m p o rta m e n to h u m an o re a l, que se en ­
g la te rra . a a m e a ç a de tu b e rc u lo se fo r­ g ru p o h u m an o o rg a n iz a d o , c u ja s a tiv i­ c o n tra o elem en to v e rd a d e ira m e n te sin ­
çou-o a re tira r-s e p a r a T enerife, n a s d a d e s re a liz a m a in stitu iç ã o . E ssas a ti té tic o q u e fornece a chave p a r a a a p re e n ­
ilh a s C a n á ria s. F o i aí que em a b ril de v id a d e s se p ro c essam de a c o rd o com são d a m s titu iç ã o n a to ta lid a d e de seus
1921 term in o u su a p rim e ira m o n o g ra fia n o rm a s e re g ra s , que co n stitu em m a is a sp e c to s.
sobre os tro b ria n d e se s, à q u a l deu o ura elem ento d e s s a to ta lid a d e . F in a l­ A sín tese que M alin o w sk i se esfo rça
nom e ro m â n tic o de A rg o n a u ta s do P a cí­ m ente, com preende um eq u ip am e n to m a­ p o r c o n s tru ir n a d e sc riç ã o e tn o g rá fic a
f i c o O cidental. No ano seg u in te, a o b ra te ria l q u e o g ru p o m an ip u la no n ão ae re d u z p o is ao e sta b e le c im e n to de
e r a p u b lic a d a n a In g la te rra , p a r a onde desem penho de suas a tiv id a d e s. E sses in te rd e p e n d ê n c ia s e n tre siste m a s a n a líti­
M alin o w sk i j á h a v ia v o ltad o . d iferen tes elem e n to s definem o que M ali­ cos d iv e rso s (le g a is, eco nó m icos, té c n i­
O tra b a lh o difere b a s ta n te d a s m ono­ now ski c h a m a e s tr u tu r a d a in stitu iç ã o . cos, re lig io so s), to m a d o s em su a in d e ­
g ra fia s tra d ic io n a is. Não é u m a d e s c ri­ Q asp e cto m a is im p o rta n te d essa con- p en d ê n cia. P a r a ele, esse tip o de sín tese
ção de to d a a c u ltu ra tro b ria n d e s a . N ão c e itu a çâo co n siste n a p re se rv a ç ã o d a n ào p o d e ser a tin g id o a p o s te r io r i, p e la
é tam b ém u m a a n á lise e s p e c ia liz a d a de m u ltid im e n sío n a lid a d e do re a l, re p ro d u ­ ju s ta p o s iç ã o e c o rre la ç ã o de a sp e c to s
um dos asp e c to s n o s q u a is os a n tro p ó lo ­ zindo, em c a d a u n id ad e de a n á lise , a s di d esc o n tín u o s, m a s deve e s ta r p re se n te de
gos n o rm alm en te decom põem a c u ltu ra : m en sõ es do p ro cesso c u ltu ra l era su a to ­ início e em to d o s os m o m en to s d a inves­
eco nom ia, p a re n te sc o e o rg a n iz a ç ã o so­ ta lid a d e . Com efeito, o processo tig a ç ã o , P o r isso é que os te m a s que
c ia l, re lig iã o , r i t u a l e m ito lo g ia , c u ltu ra c u ltu ra l, isto é, a p ró p r ia v id a social, em iso la com o focos de a n á lise , isto é, as
m a te ria l. C onsiste, n a v e rd a d e , de to d o s q u a lq u e r de su a s m an ife sta çõ es concre in stitu iç õ e s, com o o K u la, são e sc o lh i­
esses a sp e c to s v isto s d a p e rsp e c tiv a de ta s, envolve sem pre, p a r a M alinow ski, dos de m odo a p re se rv a r, n a u n id ad e de
u m a ú n ic a in stitu iç ã o , o K u la. A esc o lh a seres h u m an o s em re la ç õ e s so ciais d efi­ in v e stig a ç ã o , e ssa s to ta lid a d e s co m p le­
d a a n á lise in stitu c io n a l c o n stitu i, p o r­ n id a s, p e sso a s que m a n ip u la m a rte fa to s x a s que incluem a m u ltip lic id a d e do re a l
ta n to , a solução e n c o n tra d a p o r M a li­ e se com unicam a tra v é s d a lin g u ag em e e, ao c o n trá rio d a s m o n o g ra fia s tra d ic io ­
n o w sk i p a r a re c o n s titu ir, n a d esc rição de o u tra s v a ria d a s fo rm a s de sim bo­ n a is , ja m a is se e n c o n tra em M alin o w sk i
e tn o g rá fic a , a in te g ra ç ã o e a co erên cia lism o. O eq u ip am e n to m a te ria l, a o rg a ­ u m a a n á lis e de siste m a econôm ico, p o lí­
ou, em o u tra s p a la v ra s , a to ta lid a d e in ­ n iz a ç ã o so cial e o sim b o lism o co n sti­ tico , re lig io s o , etc., em si m esm o s.
te g ra d a q u e a té c n ic a de in v e stig a ç ã o lhe tu em trê s dim en sõ es in tim am en te A in stitu iç ã o a p a re c e pois com o u m a
h a v ia p e rm itid o c a p ta r no tra b a lh o de v in c u la d a s e a re a lid a d e ja m a is pode ser p ro je ç ã o p a r c ia l d a to ta lid a d e d a c u l­
cam po. c o m p re e n d id a in te g ra lm e n te se n ão se tu ra , n ã o com o um de seu s a sp e c to s ou
Se, p a r a M alin o w sk i, a c u ltu ra c o n sti­ a p re e n d e r a sim u lta n e id a d e de to d a s a s p a rte s . A d e s c riç ã o sem pre a s desenvolve
tu i u m a to ta lid a d e in te g ra d a , n ão é, en­ su a s dim ensões. no sen tid o de m o s tra r, sim u lta n e a m e n te ,
tre ta n to , um to d o in d ifere n ciad o , m as Na in te rp re ta ç ã o de M alin o w sk i, a. com o a in stitu iç ã o em ap re ç o p e rm e ia
a p re s e n ta n ú cleo s de o rd e n açã o e c o rre ­ in stitu iç ã o não deve ser co n c eb id a com o to d a a c u ltu r a e, in v ersa m e n te, com o
lação -que são as in stitu içõ e s. As in s titu i a sim p les som a dos a sp e c to s de sua e s­ to d a a c u ltu ra e s tá p re se n te n a in stitu i
çòes se a p re se n ta m p o rta n to com o lim i­ tr u tu ra , m as v e rd a d e ira m e n te com o sua çào, M u ito s a u to re s j á a p o n ta ra m um
te s ‘‘n a tu r a is " , isto é, estab e le c id o s p ela síntese. A in te g ra ç ã o d a s d iferen tes d i­ a p a re n te p a ra d o x o : M alin o w sk i, que
p ró p ria c u ltu ra , que p e rm ite m e v ita r o m ensões d a c u ltu ra é a re fe rê n c ia co n s­ ta n to se p re o cu p o u com a n o ção d a to ta ­
p erig o de tra n s fo rm a r a a n á lise funcio- ta n te de to d a a in v estig açã o . P o r o u tro lid a d e d a c u ltu ra , ja m a is a p re se n to u
n a lis ta no e sta b e le c im e n to infindável de lad o , é n ec essário n ão confundir a sín­ u m a d esc rição in te g ra d a de to d o s os a s ­
c o rrelaç õ es, O conceito de in stitu iç ã o tese c o n stru íd a pelo an tro p ó lo g o com a p e c to s d a c u ltu ra tro b ria n d e s a . É que o
erm ite a M alin o w sk i re so lv e r o pro- id éia que d e la fazem seus p o rta d o re s. estu d o do to d o n ão se confunde com o es­
Iem a d a ad e q u a ç ã o entre a s c a te g o ria s N ote-se que M alin o w sk i sem p re in siste tu d o de tu d o e a to ta lid a d e só pode ser
d a a n á lise e a re a lid a d e e m p írica , e s ta ­ n a d iferen ça e n tre o código e as n o rm as
a p re e n d id a co n c retam e n te a tra v é s de
b elecen do um iso la d o teó ric o que c o rre s­ d a in stitu iç ã o , de um lado, e, de o u tro , re a liz a ç õ e s p a rc ia is , p ro je ta d a no com ­
p on de á s u n id a d e s o b se rv a d a s n a p ró ­ a s a tiv id a d e s efetiv am en te d ese m p e n h a­
p o rta m e n to dos hom ens.
p r ia re a lid a d e e que d e la em ergem . d a s p elo s m em b ro s do grupo. É a tra v é s
P a r a M alin o w sk i, a in stitu iç ã o é d a a n á lise d a s a tiv id a d e s e de seus r e s u l­
sem pre u m a u n id a d e m u ltid im e n sio n a l. ta d o s que o in v e stig a d o r e n c o n tra in stru
Viagens e trabalhos
P ara M a lin o w s k i o conceito de fu n ç ã o
C onform e a fo rm u laç ão e la b o ra d a an o s m en to s p a r a su p e ra r a co n sc iê n cia re s ­
é q u e p e r m ite , a p a r tir de da d o s A pós a p u b lic a ç ã o dos A rg o n a u ta s,
m a is ta rd e , no seu en saio Uma Teoria tr i t a e d e fo rm a d a que os m em b ro s de
a p a re n te m e n te caótico s, rec o n stru ir com a q u al fo rm u la a s lin h a s g e ra is de
C ientífica d a C ultura, ela com preende u m a so ciedade p o ssu em de su a p ró p ria
os siste m a s que o rd en a m e dão seu m éto d o , a b re -se um p erío d o m u ito
u m a c o n stitu iç ã o ou cód ig o , que consiste c u ltu ra .
sen tid o a o s co m p o rta m e n to s e co stu m e s. fé rtil n a c a r r e ir a de M alin o w sk i.
XVI
XVII
OS PENSADORES MALINOWSKI

T endo re to rn a d o a L o n d res em 192 1, que afetou a c o lu n a v e rte b ra l, ten d o fa le ­


re to m a a a tiv id a d e d id á tic a que in ic ia ra cido em 1 9 3 5 , a p ó s dez lo n g o s anos de
a n tes do tra b a lh o de cam po, no com eço sofrim ento.
n o v am ente com o O ccasional L e c tu re r n a Além de to d a essa in te n sa a tiv id a d e e
London S chool o f E conom ics e, a p a rtir de su a enorm e d ed ica ção à s ta re fa s d id á ­
de 1 9 2 2 , com o L e c tu re r in S o c ia l A n ­ tic a s , M alin o w sk i m anteve, d u ra n te todo
th ro p o lo g y n a m e sm a in stitu iç ã o . Em esse período, u m a c o n stan te p ro d u ç ão de
1 9 2 4 , assu m e o ca rg o de R e a d e r in A n- artLgos, en sa io s e livros.
tro p o lo g y p e la U n iv ersid ad e de L ondres, Após a p u b lic a ç ã o dos A rg o n a u ta s, o
ca rg o que e n tre ta n to é e x e rc id o n a Lon­ in tere sse de M alin o w sk i — a te então con­
don School. Em 1 9 2 7 , é in d icad o p a r a a c e n tra d o em g ra n d e p a rte em q u e stõ e s
p rim e ira C a d e ira de A n tro p o lo g ia, eco n ô m icas — v o lta-se p a r a o u tro s te­
c ria d a p a r a ele n a q u e la u n iv ersid ad e . m as. Até 1929 p u b lic o u , além de inúm e­
Com su a re p u ta ç ã o e sta b e le c id a nos ro s tra b a lh o s m enores, alg u n s en sa io s
m eios cien tífico s, M alinow ski d edica-se m u ito im p o rta n te s e m ais u m a m ono­
a d efender sua n o v a visão d a a n tro p o lo ­ g ra fia sobre os tro b ria n d e se s.
gia, a ta c a n d o v ig o ro sa m e n te a s co lo ca­ S obre re lig iã o , m ag ia e m ito lo g ia , pu­
ções e v o lu c io n ista s e p rin c ip a lm e n te di- b lica, em 1 9 2 5 , o ensaio M a g ic, Scien ce
fu sio n ista s, g e n e ra liz a d a s no m undo a n d R elig io n e, em 1 9 2 6 , M y th in P rim i­
acad êm ico b ritâ n ic o . E xem plo d e s s a p o ­ tive P syc h o lo g y . Em 1926 a p a re c e a in d a
lêm ica é o tra b a lh o “ T he L ife o f C u ltu re ’", o p rim e iro tra b a lh o no q u a l fo rm u la, de

Fabbri
p a rte d a p u b lic a ç ã o C ulture — T he d iffu ­ m odo siste m á tic o , e m b o ra re su m id o , su a
sion controversy, em que fig u ra m t r a b a ­ visão p ró p ria do tra b a lh o an tro p o ló g ico .
lhos de seus o p o sito res, G. E llio t S m ith, T ra ta -se do v erb ete A n th ro p o lo g y, p u b li­ P ara M a lin o w s k i o p r o c e s so cu ltu ra l, em to d a s a s su a s m a n ife sta ç õ e s concretas,
H. S. S pm den, A. G oldenw eiser. A r ig i­ cado n a 1 3 .a ed ição d a E n cyclo p a ed ia envolve sem p re seres h u m a n o s em rela çõ e s so cia is d e fin id a s e q u e m a n ip u la m
dez de m u ita s de su a s fo rm u laç õ es p re n ­ B rita n n ica . D a ta a in d a d esse m esm o ano a rte fa to s e se co m u n ic a m a tra vés da lin g u a g e m e o u tra s fo r m a s de sim b o lism o .
de-se inegavelm ente ao c a rá te r polêm ico C rim e a n d C ustom in S a va g e S o ciety , E q u ip a m e n to m a teria l, o rg a n iza çã o s o c ia l e sim b o lism o e sta ria m in tim a m e n te
de g ra n d e p a rte dos tra b a lh o s que esc re­ onde e x p lo ra a noção de re c ip ro c id a d e vin cu la d o s. (Im a g e m e m á sca ra da reg iã o do G olfo de P apua, N o v a G uiné.)
veu n e ssa época. com o p rin cíp io de o rd e n açã o social.
M alin o w sk i tam b ém viajou m u ito , São e n tre ta n to os tem as re fe re n te s ao im a g in a r o sucesso de tra b a lh o s em que siste m a de p a re n te sc o , te m a tra d ic io n a l
tendo m in istra d o cu rso s e co n ferên cias sexo e à v id a fa m ilia r que p arecem cons­ fig u ra m d esc riçõ es b a s ta n te e x p líc ita s d a a n tro p o lo g ia , m a s e s tu d a r a d in â m ic a
em G enebra, V iena e O slo, v isita n d o t i t u a a p re o cu p aç ão c e n tra l de M ali­ d a v id a se x u a l n u m a ép o c a a in d a m a r­ esp e c ífic a d a o rd e n a ç ã o d a s c o n d u tas
m u ita s o u tra s c a p ita is e m an ten d o con­ no w sk i até o fim d a d é c a d a de 2 0 , ex e m ­ c a d a p o r m u ito s re sq u íc io s de p u rita - d en tro d esse q u a d ro in stitu c io n a l, isto é,
ta to s p e sso a is com a n tro p ó lo g o s de Lodo p lific a d a a tra v é s de in ú m ero s p equenos nism o v ito ria n o . com o “ fu n c io n a v a’', n a v erd ad e, u m a so­
o m undo. V isitou os E sta d o s U nidos em tra b a lh o s, re u n id o s em p a r te no livro D o ponto de v is ta eu ro p eu , a p rim e ira cie d a d e m a trilin e a r.
1 9 2 6 , 1 9 3 3 e 1936 q u an d o re ceb e u o S e x a n d R e p re ssio n in S a va g e So ciety, g ra n d e p e c u lia rid a d e tro b ria n d e s a r e s i­ A o rd e n a ç ã o d o s d a d o s, n esses tr a b a ­
g ra u de D outor H o n o rá rio p e la U niversi de 1 9 2 7 . E ssa fase cu lm in a, em 1 9 2 9 . d ia ju s ta m e n te n a a m p la lib e rd a d e se­ lhos, n ã o se fa z ta n to em te rm o s d a in s ti­
d ad e de H a rv a rd . Em 1 9 3 4 , p e rco rre u com a p u b lic a ç ã o de su a se g u n d a g ra n d e x u a l. Com efeito , en tre eles, n ão só a tu iç ã o da fa m ília , m a s em te rm o s de um
tam b ém a A frica M erid io n al e O rie n ta l, m o n o g ra fia sobre os tro b ria n d e se s, The c a stid a d e p ré -n u p c ia l e ra to ta lm e n te a sp e c to u n iv e rsa l do c o m p o rta m e n to h u ­
v isita n d o en tão m u ito s de seus d isc íp u ­ S e x u a l L ife o f S a v a g e s in N o rth W estern d esc o n h ecid a, com o ta m b é m a fid e lid a d e m ano, p re sen te em to d a s a s c u ltu ra s: o
los que e sta v a m re a liz a n d o tra b a lh o s de M ela n esia . co n ju g al n ão e ra o b se rv a d a com m u ito im p u lso sex u al.
cam po, p o is M alinow ski foi o re s p o n sá ­ rig o r. A se g u n d a p e c u lia rid a d e re fe ­ Â a n á lise d a v id a se x u a l é fe ita em te r ­
vel pelo p rim e iro p ro g ra m a de tre in a ­ Sexo e cultura ria -s e a o fa to de q q e os tro b ria n d e s e s , m os de u m a d u p la re fe rê n c ia : os im p u l­
m ento em p e sq u isa de cam po do In te rn a ­ além de n eg arem a p a te rn id a d e so cial, sos b io ló g ic o s e sua re g u la m e n ta ç ã o so­
tio n a l A fric a n In s titu te . C ertam e n te su a Os tra b a lh o s re fere n tes à v id a sex u al ap re se n ta n d o -se com o so cied a d e e s tr ita ­ cial. A im p o rtâ n c ia d esse tem a, p a r a
c a p a c id a d e de fa la r d iv e rsa s lín g u as e e à fa m ília ce rta m e n te foram — e talv ez m ente m a trilin e a r, ig n o ra v a m in clusive M alin o w sk i, e s tá ju s ta m e n te em que
su a o rig em p o lo n e sa co n trib u íra m m uito a in d a sejam — os m ais p o p u la re s de to d a a p a te rn id a d e fisio ló g ic a , a c re d ita n d o co n siste no tip o de a tiv id a d e , p o r ex c e­
p a r a esse co n tato tã o am p lo com in sti­ a o b ra de M alin o w sk i, Do ponto de v ista que a s fém eas (ta n to h u m a n a s, q u an to lên cia, n a q u a l se in te g ra m , de m odo o
tu içõ es e p e sq u isa d o re s de d iferen tes an tro p o ló g ic o , a ssim com o do p ú b lico an im a is) p ro c ria v a m in d ep en d en tem en te m a is e x p líc ito , im p u lso s n a tu ra is e im ­
p a íse s, q u eb ran d o o re la tiv o iso lam en to científico e leigo em g e ra l, o fascínio das re la ç õ e s se x u a is. A d e sc riç ã o de u m a p e ra tiv o s so ciais, a p re se n ta n d o -se p o r­
que c a ra c te riz a v a a co m unidade de a n ­ d esse s tra b a lh o s re sid e n a c a p a c id a d e de so cied ad e d esse tip o n ão p o d ia d e ix a r de tan to com o ponto c e n tra l d a re fle x ã o so­
tro p ó lo g o s b ritâ n ic o s. M alin o w sk i de r e tr a ta r o funcionam ento fa sc in a r um p ú b lic o m u ito m a is am p lo b re a p ró p r ia n a tu r e z a d a c u ltu ra . E ssa
S u a v id a p esso a l, e n tre ta n to , co n ti­ de u m a so cied ad e m a trilin e a r que cons­ que o círc u lo re s tr ito d o s a n tro p ó lo g o s in te g ra ç ã o , e n tre ta n to , só p o d e ser
n u av a m a rc a d a p e la doença. S u a p ri­ titu i, pelo m enos sob esse a sp e c to , pra.ti- p ro fissio n a is. a p re e n d id a ao nível in d iv id u a l e a re fe ­
m e ira m u lh e r, com quem teve trê s filhas, eam ente o inverso d a so cied ad e o cid en ­ O p ro b le m a b ásic o que M alin o w sk i se rê n c ia b á s ic a ao im p u lso se x u a l im p lica
foi a c o m e tid a de um a d o e n ç a incurável ta l d a época Além d isso , pode se bem p ro p u n h a n ã o e ra a n a lis a r a e s tru tu ra do n u m a a b o rd a g e m que lo c a liz a no indiví-
X V III XIX
OS PENSADORES MALINOWSKI

saio s, v e rb e te s e a r tig o s n o s q u a is p ro ­
duo (e n ão n a so cied ad e) to d o s os p ro ­ tisfa ç à o d a s n e c e ssid a d e s h u m a n a s a p a ­ c u ra e x p lic ita r e s in te tiz a r su a p o siç ã o
cessos sig n ificativ o s e to d a s as e x p lic a ­ rece constan tem ente em su as te n ta tiv a s te ó ric a . D a ta m d e s sa épo ca, p o r exem ­
ções fo rm u lad a s. A parecem assim nesse de e la b o ra ç ã o te ó ric a e co n stitu i um p ro ­ plo, o v erb ete C ulture d a E n cy clo p a ed ia
tem a, com g ra n d e n itid e z , o bio lo g ism o b lem a que ele ja m a is co n seg u iu re so lv e r o f S o c ia l S cien c es (1 9 3 1 ), o v e rb e te
e o p sico lò g ism o que e stão la te n te s em de m odo sa tisfa tó rio . N as e lab o raçõ e s A n th ro p o lo g y, do B o o k o f th e Year de
q u ase to d a a o b ra de M alinow ski. p o ste rio re s, esp e cialm en te ta l com o a p a ­ 19 38 d a E n cy clo p a ed ia B rita n n ic a e as
E n ec essário reco n h ecer que, a p e sa r rece em A S cie n tiflc T h eo ry o f C ulture, d ife re n te s v ersõ es do a r tig o “ C u ltu re as
d a s d eficiên cias d esse tip o de a b o rd a ­ M alinow ski p o stu la to d a u m a g a m a de d e te rm in a n t o f B ehavior'” (1 9 3 7 , 1 9 3 7 ,
gem , e la p e rm ite a M alin o w sk i, com o tip o s de n ecessid ad e. In icialm en te, h á a 1 9 3 8 ). É ta m b é m a p a r tir d e ssa ép o ca
talvez, em nenhum o u tro tra b a lh o , fa z e r c o n sid e ra r a s n e c e ssid a d e s b io ló g ic a s do que su a p o siç ã o com eça a ser c r itic a d a
em erg ir, com e x tra o rd in á ria n itid e z , a o rg a n ism o , d en o m in ad a s b ásicas (n u tri­ p elo s a n tro p ó lo g o s m a is jo v e n s, so b re os
visão do nativo “ em carn e e o sso ” . F o c a ­ ção, p ro c ria ç ã o , p ro te ç ã o , etc.). Como o q u a is a u m e n ta a in flu ên c ia do fu n c io n a ­
lizan d o q u ase que ex c lu siv a m e n te a s ati hom em , e n tre ta n to , só pode s a tisfa z e r lism o e s tru tu ra l de R ad cliffe-B row n.
tu d e s e a m o tiv ação do co m p o rta m e n to essa s n e c e ssid a d e s b á síc a s a tra v é s d a
— isto é, o a rra n jo p a r tic u la r tro b n a n - c u ltu ra , surgem n ec essid ad es d e riv a d a s, A última grande obra
dês de a sp e c to s u n iv e rsa is do com por­ re la c io n a d a s à m an u ten ção , re p ro d u ç ã o
tam en to hu m an o —, to rn a -se a p a re n te , e tra n s m is s ã o do p ró p rio eq u ip am e n to E n tre ta n to , n ão se po de d iz e r q u e d i­
a tra v é s d a p e c u lia rid a d e do co stu m e, a c u ltu ra l. E sta s, M alinow ski subdivide m in u a o p re stig io de M alin o w sk i. S eus
q u alid ad e h u m a n a d a co nduta. em im p era tiv o s in stru m e n ta is (que inclui p ró p rio s alu n o s com eçam a a tin g ir a m a ­
M alin o w sk i d e m o n stra que o c o m p o r­ a o rg a n iz a ç ã o econôm ica, le g a l e e d u c a ­ tu rid a d e cien tífica ; m u ito s d eles, j á
tam en to do tro b ria n d ê s não é nem ir r a ­ cional d a sociedade) e im p era tiv o s inte- ten d o te rm in a d o o tra b a lh o de cam po
cio n al nem im o ral, m a s coerente e com ­ g ra tiv o s (coroo a m a g ia , a re lig iã o , a sob su a o rie n ta ç ã o , com eçam a p u b lic a r
p reen sível d en tro d a s p re m issa s d a ciên c ia e a s a rte s). A d ificu ld ad e fu n d a­ o b ra s o rig in a is . M alin o w sk i p refacio u
c u ltu ra tro b ria n d e s a . P a ra d e m o n stra r m en tal q u e e n c o n tra é a de re la c io n a r, de m u ita s d e ssa s m o n o g ra fia s: em 1 9 3 2 ,
isso, é n ec essário a p re e n d e r as p re m is­ um lado, as n ec essid ad es d e riv a d a s às escreveu a in tro d u ç ã o do liv ro de Reo
sas, m as não é n e c e ssá rio a n a lis á -la s n e c e ssid a d e s b á sic a s e, de o u tro , as in s­ F o rtu n e , S orcerers o f D o b u e de A udrey
com o siste m a . P o r isso m esm o, n esses titu iç õ e s à s n ec essid ad es. R ic h a rd s, H u n g e r a n d W o rk in a S a va g e
tra b a lh o s evidenciam se cla ra m e n te C a b e ria e x a ta m e n te ao conceito de T ribe; em 1 9 3 4 , p re fa c io u o tra b a lh o de
ta n to a r iq u e z a com o as lim ita ç õ e s desse função s u p e ra r e s ta ú ltim a d ificu ld ad e. Ian H o g b in , L aw a n d O rder in P o ly n e ­
tip o de ab o rd ag em . De um lado, ela nos D e n tro d e ssa fo rm u lação , M alin o w sk i sia; em 1936, o de R ay m o nd F ir t, W e,
a p ro x im a d a vida re al, m as, de o u tro , define o conceito em term o s d a c o rre s­ The T ik o p ia ; no ano seg u in te, o de Ash-
a b a n d o n a u m a p ro b le m á tic a de enorm e p o n d ên c ia en tre a in stitu iç ã o e a s n eces­ ley -M o n tag u , Corning o f A g e in S a m o a ;
re le v â n c ia , m u ito m ais p re sen te n a s d u as sid ad es que e la sa tisfa z . O bviam ente, tal em 1 9 3 8 , a p a re c e , com p re fác io de M a li­
o u tra s m o n o g rafia s, que co n siste n a a n á ­ definição d ista n c ia -se enorm em ente d a n o w sk i, o livro de Jo m o K e n y a ta , F acing
lise d a s fo rças so ciais que ex p lica m a ap lic a ç ã o efetiva do conceito à an á lise M o u n t K en ya , a p rim e ira m o n o g ra fia
em erg ên cia e a força d a s a titu d e s p ró ­ e tn o g rá fica. a n tro p o ló g ic a e s c rita p o r um m em b ro d a
p ria s d a s situ a ç õ e s in v e stig a d a s: a n a tu ­ N a v erd ad e, a p o sição de M alinow ski so cied ad e trib a l.
r e z a d a s re la ç õ e s entre os g ru p o s e a n e s s a q u e stã o é b a sta n te am b íg u a, pois C om ta n to s d isc íp u lo s fa zen d o tr a b a ­
o p o sição entre segm entos so ciais, e s tru ­ elab o ro u d iferen tes co n ceito s de função, lhos de cam po, a u m e n ta tam b ém seu in­
tu ra d a s a tra v é s do p aren tesco . d efin in d o -a tam b ém , em o posição ao có­ te re sse p elo s p ro b le m a s d a tra n s fo rm a ­
Na v erd ad e, a a u sê n c ia de u m a a n á lise digo ou c a rta de u m a in stitu iç ã o , com o ção c u ltu ra l in d u z id a p e la d in â m ic a d a
s iste m á tic a do p aren tesco , freq u en te­ seu p a p e l no esq u e m a g e ra l d a c u ltu ra , situ a ç ã o co lo n ial, in tere sse que cresce
m ente im pede o e sc la rec im e n to de a sp e c ­ ta l com o é definido pelo in v estig ad o r. depois de su a v is ita à Á frica. Em 1 9 3 6 ,
to s fu n d a m e n ta is d a o rg a n iz a ç ã o so cial, V erifica-se facilm en te que e s s a definição a p a re c e seu p rim e iro a rtig o sobre esse
co n stitu in d o u m a d eficiên cia que tem é diferen te d a a n te rio r e m u ito m a is p ró ­ p ro b le m a , “ N ativ e E d u c a tio n and C ul­
sido a p o n ta d a por to d o s os crítico s de x im a do m étodo de in te rp re ta ç ã o u sad o tu re C o n ta c t” . D a ta de 1 9 3 8 u m en saio
M alinow ski. no tra ta m e n to dos d a d o s em p írico s, onde in titu la d o “ In tro d u c to ry E ssa y on the
O b io lo g ism o ta n ta s vezes c ritic a d o é a a n á lise d a função que p e rm ite a p a s ­ A n th ro p o lo g y o f C h an g in g A frican C ul­
em M alin o w sk i re la c io n a -se d ire ta m e n te sagem d a co n sciên cia d o s a g e n te s p a r a tu re s ” , in co rp o rad o m ais ta rd e em D y n a ­
com sua concepção de c u ltu ra , que é a s conexões g e ra is, c o n stitu íd a s pelo ob­ m ic s o f C u ltu re C hange. Além d esse s, h á
sem pre re fe rid a à c a p a c id a d e de sa lisfa serv ad o r e que definem a n a tu re z a d a M a lin o w s k i fo i u m d o s e x p o e n te s do inúm eros tra b a lh o s m en o re s sob re o
zer n e c e ssid a d e s h u m an as. A in stru m en - in stitu iç ã o (com o o co rre, p o r exem plo, fu n c io n a lism o em a n tro p o lo g ia . m esm o a ss u n to , a re s p e ito do q ual p a s ­
ta lid a d e d a c u ltu ra é que a s s e g u ra , do n a a n á lise do K ula). (M a lin o w sk i no E n co n tro A n u a l da sou a c o n d u z ir sem in á rio s re g u la re s .
ponto de v ista de M alinow ski, su a ra c io ­ Q u estõ es te ó ric a s e m e to d o ló g ic a s Associação Antropológica Americana, A p esar d a s d ific u ld a d e s que e n c o n tra
n a lid a d e in eren te. p erm eiam to d a a o b ra de M alinow ski. em fo rm u la r de m odo sa tisfa tó rio os
re a liza d o no ano de 1 9 3 9 .)
A re la ç ã o entre a s in stitu iç õ e s e a sa- Após 1 9 3 0 a p a re c e m m a is a lg u n s en-
XX XXI
OS PENSADORES MALINOWSKI

p rin c íp io s d a a b o rd a g e m fun cio n a lis ta , o Publicações póstumas


g ra n d e tra b a lh o que p u b lic a em 1 9 3 5 , a
m o n o g ra fia C oral G ardens a n d T h eir Em 1 9 3 8 , M alin o w sk i v o lta n o v a ­
M a g ie in d ica um g ra n d e p ro g re sso ém m ente à A m érica p a r a u m a p e rm a n ê n c ia
re la ç ã o às a n te rio re s , t.anto no que diz m ais p ro lo n g a d a . Com a saúde o u tra vez
re s p e ito à fo rm u laç ão d a s q u estõ es te ó ­ a b a la d a , e stab e lece -se p o r alg u m tem po
ric a s q u a n to à in te g ra ç ã o do m a te ria l em T ucson, A rizona, onde o clim a se
em p írico . m o s tra benéfico p a r a su as co m p licaçõ es
R eto m an d o os p ro b le m a s re la tiv o s à p u lm o n are s.
eco n o m ia p rim itiv a , v o lta-se a g o ra p a r a O m ício d a g u e rra n a E u ro p a leva-o a
o estu d o do tra b a lh o a g ríc o la e d a p ro ­ p ro lo n g a r a p e rm a n ê n c ia n o s E sta d o s
p rie d a d e d a te r r a n a s Ilh a s T ro h ria n d . U n id o s, sendo c o n tra ta d o com o p ro fe s­
A p e sa r de in c lu ir m u ito m a te ria l j á a n a ­ so r v is ita n te p e la U n iv ersid ad e de Vale
lisa d o em tra b a lh o s a n te rio re s — esp e­ em o u tu b ro de 1 9 3 9 , P erm an e ce n e ssa
c ialm en te nos A rg o n a u ta s — C oral Gar­ U n iv ersid a d e a té 1 9 4 2 , a tra v é s de u m a
dens é u m a o b ra o rig in a l, um esforço su bvenção do R ernice P. B ishop M u­
novo e p ro d u tiv o p a r a re so lv e r os p ro b le ­ seum , de H o n o lu lu , ten d o en c o n trad o
m as re la tiv o s à in te g ra ç ã o d a c u ltu ra . tem po e e n e rg ia p a r a in ic ia r novo t r a b a ­

Harcourt. Brace fit World, Inc.


N ota-se tam b ém u m a n o v a p re o cu p aç ão lho de cam po en tre os Z a p o te c , no M é­
com a s q u estõ es re la tiv a s à e s tru tu ra so­ xico. No início de 1942 foi n o m ead o p ro ­
c ia l; en c o n tram -se a in d a nesse tra b a lh o fesso r p e rm a n e n te d a U n iv ersid ad e de
n ão a p e n a s u m a a p re se n ta ç ã o m uito Yale, m as faleceu a 16 de m aio desse
m a is c la ra d a e s tru tu ra so cial tro b ria n - m esm o an o , em New H aven, a n te s de a s ­
d e s a com o, e p e la p rim e ira vez, um t r a ­ su m ir seu novo p o sto .
tam en to a d e q u a d o , em b o ra p arcial- d a N esses ú ltim o s anos re c o n stitu iu su a
e s tru tu ra do siste m a de p a re n te sc o . v id a fa m ilia r, ten d o se c a sa d o com a a r ­
N esse tra b a lh o , M alin o w sk i a b o rd a , tis ta V a le tta Sw ann. A crise d e fla g ra d a
com in ig u a lá v e l m a e s tria , a re la ç ã o en­ p e la asc en sào do n az ism o e o início d a A cultura, p a ra M a lin o w sk i, não é um to d o ind iferen cia d o , m a s u m a to ta lid a d e
tre o tra b a lh o , a m a g ia , a m ito lo g ia e a S eg u n d a G u e rra M u n d ial, e n tre ta n to , integrada que a p resen ta nú cleo s de ordenação e correlação — as institu ições.
p ro p rie d a d e d a te rra . D e m o n stra com o p e rtu rb a ra m -n o p ro fu n d am en te. Via n a A in stitu iç ã o é u m a u n id a d e m u ltid im e n sio n a l q u e com preende: u m a co n stitu iç ã o
a s a tiv id a d e s re la c io n a d a s à p ro d u ç ã o , em e rg ê n c ia do to ta lita ris m o um a ou código, um g ru p o hu m a n o o rg a n iza d o e um eq u ip a m e n to m a te ria l m a n ip u la d o
d istrib u iç ã o e consum o do alim en to — a m e a ç a à p ró p ria c iv iliz a ç ã o , com a d e s­ p e lo g ru p o na rea liza çã o de su a s a tiv id a d e s. (C apas de obras d e M a lin o w s k i.)
aL ividades que co m p reen d em tra b a lh o e tru iç ã o de to d o s os v alo re s n o s q u ais
m a g ia , té c n ic a e cren ça, uso e sig n ifi­ Após su a m o rte, e n tre ta n to , a viúva, rio s q u e co n d u ziu em Yale em 1 9 4 1 , T al
re a lm e n te a c re d ita v a .
cado, aç ão e re p re se n ta ç ã o — s im u lta ­ E m b o ra tiv esse se n a tu ra liz a d o c id a ­ a u x ilia d a p o r a m ig o s e d isc íp u lo s de com o é a p re s e n ta d a n esse tra b a lh o , a
n eam en te e x p re ssa m e p ro d u z e m a p ró ­ dão b ritâ n ic o h á m u ito s an o s e não se M alin o w sk i, em p reen d eu a p u b licaç ão a n á lise d a tra n sfo rm a ç ã o c u ltu ra l a s ­
p ria so ciedade. id e n tific a sse p o litic a m e n te com a P o lô ­ d o s m a n u sc rito s que ele h a v ia d eix ad o . sum e a fo rm a e x tre m a m e n te ríg id a de
D e sa p are ce, nesse tra b a lh o , o n ia , a in v asão de seu p a is p elo s a lem ã es E m 1 9 4 4 a p a re c e A S c ie n tifíc T h eo ry o f re la ç õ e s en tre in stitu iç õ e s de trê s r e a li­
p sico lo g ism o que p e rm e a ra a s m o n o g ra ­ levou-o a s o lid a riz a r-s e com o povo p o ­ C u lture — a n d o th e r essays, com p refacio d ad e s ou c u ltu ra s d is tin ta s : a do colo ni­
fia s a n te rio re s. A re la ç ã o en tre o so cial lonês, te n d o a ju d a d o a fu n d a r, n o s E sta ­ d a H u n tin g to n C airn s que p re p a ro u o z a d o r, a trib a l e a n o v a c u ltu ra que
e o in d iv id u a l n ão é m a is d ire ta e im e­ dos U nidos, o P o lish In s titu te o f Arts' m a n u sc rito p a r a p u b licaç ão . em erge d a in te ra ç ã o e n tre a s d u as.
d ia ta , e m b o ra a a n á lise re a liz e c o n sta m and S ciences, do q u a l foi p re sid e n te , E sse tra b a lh o co n siste nu m a te n ta tiv a No co njunto, e ssa s d u a s o b ra s p ó s tu ­
tem ente a p a ssa g e m de um nível a o u tro . a tra v é s do q u a l se em penhou em a u x ilia r de co n c iliar e in te g ra r a a b o rd a g e m b a ­ m as, a p e s a r de su a a m p la d iv u lg a ç ã o e
M a s a g o ra os a sp e c to s p sic o ló g ic o s a p a ­ os re fu g ia d o s p o loneses. se a d a n a a n á lise d a s in stitu iç õ e s com a a c e ita ç ã o , g u a rd a m um c a rá te r de im ­
recem com o síntese, ao nível do co m p o r­ N esse p erío d o fina! de su a v id a, M a li­ concepção in stru m e n ta l d a c u ltu ra ; n ele p ro v isa ç ã o e estão ch eias de g e n e ra liz a ­
ta m e n to , dos a sp e c to s c u ltu ra is e so ciais now ski não p ro d u z iu nenhum a o b ra de M alin o w sk i e la b o ra a te o ria d a s n ec essi­ ções a p re s s a d a s e de c o n tra d içõ es. M u i­
re v e la d o s p ela a n á lise e tn o g rá fic a . g ra n d e re le v â n c ia . Os tra b a lh o s d essa d ad e s b á s ic a s e dos im p e ra tiv o s c u ltu ­ ta s d a s c ritic a s d irig id a s a M alin ow ski
Nos ca p ítu lo s fin ais, M alinow ski época, em g e ra l peq u en o s, e stã o qu ase ra is . A pesar de in co m p leto e c o n tra d itó ­ e à fra g ilid a d e de su a te o ria d a c u ltu ra
a b o rd a a q u e stã o d a p ro p rie d a d e da to d o s v o lta d o s p a r a a s q u e stõ e s que o vi­ rio , o livro teve g ra n d e a c e ita ç ã o , sendo b a se ia m -se e x a ta m e n te n esses tr a b a ­
te rr a , le v a n ta n d o , de m odo e x tre m a ­ n ham p re o cu p an d o desd e o início d a dé­ tra d u z id o p a r a in ú m era s lín g u as. lh o s, que se p re sta m facilm e n te à c rític a
m ente rico e o rig in a l, a q u e stã o b á sic a c a d a de 3 0 , esp ecialm en te a q u e la s r e la ­ Em 1 9 4 5 é p u b lic a d o T he D y n a m ics e, com isso , o b scurecem o alcan ce d a sua
d a re la ç ã o en tre o p ro c esso p ro d u tiv o e tiv a s à tra n sfo rm a ç ã o d a s so cied ad es o f C ulture C hange, e d ita d o p o r P h y llís c o n trib u iç ã o à a n tro p o lo g ia m o d e rn a e
su a re g u la m e n ta ç ã o ju r íd ic a , p o lítica e trib a is e à fundam enLacâo te ó ric a do fun­ M. K a b e rry e u m a de su a s o b ra s m a is à s ciên cias h u m a n a s em g eral.
m ito ló g ic a . Com C oral G ardens, e n c er­ cio n alism o . S obre e s ta ú ltim a q u e stã o d iscu tív eis — que in c o rp o ra tra b a lh o s M uito d iscu tív el foi tam b ém a u tili­
ra -s e o ciclo d a s su a s g ra n d e s p ro d u çõ es p u b lic o u , em 1 9 3 9 , T he G roup a n d the q u e p u b lic a r a a n te rio rm e n te e a s d isc u s­ d ad e ou o in te re sse d a p u b lic a ç ã o , cm
etn o g rá fic a s. in d iv id u a l m fu n c tio n a l a n a lysis. sões que p ro m o v era d u ra n te os sem in á- 1 9 6 7 , d a tra d u ç ã o de seu d iá rio í ui mm

XXII XXI1Í
OS PENSADORES

— re d ig id o em polonês d u ra n te o tr a b a ­ d ad e p a r a com os n a tiv o s que acom etem ,


lho de cam po n as ilh as T ro b ria n d — e inevitavelm ente, todo p e sq u isa d o r de
que M alin ow ski certam en te ja m a is p re ­ cam po n a situ a ç ã o de “ o b serv açã o p a r ti ­
tendeu p u b lic a r. De pouco v alo r cien tí­ c ip a n te ” p re c o n iz a d a p o r M alinow ski.
fico ou lite rá rio , d e m o n stra ap e n as sua Na v erd ad e, o significado e a p ro fu n ­
co n stan te p re o cu p aç ão com a saúde d id a d e d a o b ra de M alin o w sk i e stão con­
(a liá s, n ão sem m otivo) e as freq u en tes tid a s , com to d a su a riq u e z a , n as
crise s de a n g ú stia , m al h u m o r e h o stili- m o n o g ra fia s e tn o g rá ficas.

CRONOLOGIA

1858 — Franz Boas nasce Totem e Tabu, de Freud; e xual Life of Savages in ARGONAUTAS DO
em Minden, Alemanha. de A família entre os aborí­ North-Western Melanesia.
1881 — Radcliffe-Brown
nasce em Birmingham, In­
glaterra.
gines australianos, de M ali­
nowski.
1922 — M alinowski p u ­
1930 — Radcliffe-Brown
publica The Social Organi­
zation o f Australian Tribes.
PACÍFICO OCIDENTAL*
1883/84 — Boas realiza ob­ blica Argonautas do 1932 — M alinowski p u ­
servações entre os esquimós. Pacífico Ocidental; publica­ blica The Sexual Life of Sa
1884 — Nasce Bronislaw ção de The Andam an Islan­ vages.
M alinowski em Cracóvia, ders, de Radcliffe-Brown. 1935 — Publica Coral
Polónia. 1925 — M alinowski p u ­ Gardens and Their Magic.
1906/08 — Radcliffe- blica Magic, Science and 1942^-f^ Morre Malinowski.
Brown faz pesquisas entre Religion. Morre Franz Boas.
os andamaneses. 1926 — Publica o verbete 1944 — Publicação de A
1910 — M alinowski ê ad­ Antropologia, na Enciclopé­ Scientific Theory of Culture.
mitido na London School dia Britânica, e as obras 1945 - - Publicação de The
o f Economics. Crime and Custom in Sa­ Dynamics of Culture
1911 — Boas publica Chan­ vage Society e Myth in Change.
ges in Bodily Form o f Des Primitive Psychology. 1947 -— Publicação de
cendents o f Immigrantes. 1927 — Publica Sex and Freedom and Civilization.
1913 h Publicação de / l í Repression in Savage So­ 1948 •. - Publicação de M a­
form as elementares da vida ciety. - gic, Science and Religion
religiosa, de Durk heim : 1929 — Publica The Se and Other Essays.

BIBLIOGRAFIA

D u r h a m , E. R.: A Reconstituição da Realidade. Um estudo sobre a obra etnográfica de


Bronislaw Malinowski. Tese de Livre-Docência apresentada ao Departamento de Ciências
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F irth , R.: M an and Culture — an evaluation o f the work o f Bronislaw Malinowski, Rou­
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p. 661, London, 1942.
G luckman , M.: M alinow ski’s Sociological Theories in The Rhodes Livingstone Papers n.°
16, Oxford, 1949.
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cap. 8 de The Law o f Primitive Man, Cambridge, Mass., 1954.
K l u c k h o h n , C.: Bronislaw Malinowski, 1884-1942 in Journal o f American Folk-lore, vol.
56, 1943. * Traduzido do original inglês de Bronislaw Malinowski, Argonauts o f the Western Pacific An Account
L a bo u ret , H,: L ’É change et le Commerce dans les Archipels du Pacifique et en Afrique
o f Native Enterprise and Adventure in the Archipelagos o f Melanesian New Guinea (Robert Mond Expedi­
Tropicale, tomo III de L ’Histoire du Commerce, Ed. J. Lacour-Gavet, Paris, 1953. tion to New Guinea, 1914-1918), publicado na coletânea Studies in Economics and Political Science, edi
M u r d o c k , G. P.: M alinowski, Bronislaw in American Antropologist, vol. XLV, Menasha, tada por The Director of the London School of Economics and Political Science com o n.n 65 na série
Wis„ 1943. de Monografias por escritores ingleses ligados à London School of Economics and Political Sciense. Rou­
P an o f f , M.: Bronislaw Malinowski, Payot, P an s, 1972. tledge & Kegan Paul Ltd., London 1950. 3.a impressão.
R ic h a r d s , A.: Bronislaw Kaspar M alinowski in Man, n.D 1, London, 1943.
© Copyright mundial Abril S.A. Cultural e
industrial, São Paulo, 1976.
2.a edição, 1 9 7 8 .
6 MALINOWSKI

natureza humana — e não porque dcliberadamente ignoraram ou subestimaram


a importância e necessidade de um aspecto mais básico. Como desculpa por essa
negligência, podemos também lembrar que a antropologia é ainda uma ciência
jovem e que a multiplicidade dos problemas a serem enfrentados pelos estudiosos
não pode ser abordada simultaneamente, mas deve ser analisada por partes,
PREFÁCIO isoladamente. Seja como for, o Dr. Malinowski acertou ao enfatizar a grande
importância da economia primitiva, isolando para um estudo detalhado o extraor­
dinário sistema de trocas utilizado pelos nativos das ilhas Trobriand.
Sir James G. Frazer
Além disso, ele sensatamente recusou limitar-se a uma simples descrição do
processo de trocas: dispôs-se, em vez disso, a penetrar nos motivos que o funda­
mentam, bem como nos sentimentos que provoca nos nativos. Parece-me que
Meu estimado amigo, o Dr. Malinowski, solicitou-me que prefaciasse este alguns estudiosos defendem o ponto de vista de que a sociologia deve ater-se à
seu livro; com prazer aquiesço a seu pedido, embora acredite que minhas palavras, descrição das ações, deixando para a psicologia o problema dos motivos e senti­
quaisquer sejam, nada terão a adicionar à valiosa pesquisa antropológica que neste mentos. Sem dúvida, a análise das motivações e reações difere do estudo das
volume ele nos oferece. Minhas observações, como tais, dirão respeito, de um ações e pertence, estritamente falando, ao âmbito da psicologia. Na prática,
lado, ao método por ele seguido e, de outro, ao assunto de seu livro. porém, o comportamento social nada significa para o observador, a não ser que
Quanto ao método, o Dr. Malinowski realizou seu trabalho em circunstân­ ele conheça ou possa inferir pensamentos e emoções do agente. Assim, a simples
cias altamente favoráveis e de modo calculado para obter os melhores resultados descrição de atos, sem qualquer referência ao estado mental do agente, não vai
possíveis. Ele estava bem munido — tanto em conhecimentos teóricos quanto em de encontro aos propósitos da sociologia, cujo objetivo não é apenas registrar —
experiência prática — para a tarefa a que se propôs. De seus conhecimentos mas, sim, entender o comportamento do ser humano na sociedade. Portanto,
teóricos ele já nos deu provas em seu tratado sobre a organização da família a sociologia não pode levar a cabo sua tarefa sem amparar-se, a cada passo,
entre os aborígines da Austrália, obra erudita e bem cuidada; 1 sua experiência na psicologia.
prática evidencia-se não menos satisfatoriamente em seu relato sobre os nativos O método do Dr. Malinowski caracteriza-se pela preocupação em levar em
de Mailu, baseado em seus seis meses de convivência com eles na Nova Guine. 2 conta a complexidade da natureza humana. Ele observa o ser humano em sua
A leste da Nova Guiné, nas ilhas Trobriand, às quais ele a seguir devotou sua totalidade, ciente de que o homem é uma criatura dotada de paixões tanto quanto
atenção, o Dr. Malinowski viveu, durante muitos meses a fio, como um nativo de razão, e não poupa esforços para descobrir a base tanto racional quanto emo­
entre os nativos, observando-os diariamente no trabalho e nas diversões, conver­ cional do comportamento humano. O cientista, assim como o literato, tende a
sando com eles na própria língua nativa e obtendo todas as suas informações das ver a humanidade somente em abstrato, selecionando para suas considerações
fontes mais seguras: — observações pessoais e declarações feitas a ele direta­ apenas um aspecto dos muitos que caracterizam o ser humano em sua comple­
mente pelos nativos em sua própria língua, sem a intervenção de intérpretes. Pôde xidade. Das grandes obras literárias, a de Molière pode ser usada como um
ele, dessa maneira, compilar uma multiplicidade de dados de alto valor científico, exemplo típico dessa visão parcial. Todas as personagens de Molière são proje­
referentes à vida social, religiosa e econômica dos nativos das ilhas Trobriand. tadas num só plano; uma delas é o avarento, outra o hipócrita, outra o preten­
Ele tenciona e espera poder, futuramente, publicar integralmente todos esses sioso — e assim por diante; mas nenhuma delas é humana. São todas bonecos,
dados; nesse ínterim, ele nos oferece com o presente volume um estudo preli­ vestidos de modo a parecerem seres humanos. A semelhança, porém, é apenas
minar sobre uma faceta interessante e muito peculiar da sociedade de Trobriand: o superficial. Por dentro, são ocas e vazias, pois a fidelidade à natureza foi sacri­
extraordinário sistema de trocas (econômico ou comercial apenas em parte) utili­ ficada ao efeito literário. Bem diferente é a apresentação da natureza humana na
zado pelos ilhéus entre si e com os habitantes das ilhas circunvizinhas. obra de outros grandes autores como Ccrvantes e Shakespeare: suas personagens
Não precisamos refletir muito para nos convencermos de que as forças econô­ são sólidas, criadas ao molde humano em quase toda a sua multiplicidade de
micas são de suma importância em todos os estágios do desenvolvimento humano, aspectos. Sem dúvida, nas ciências não é só legítimo mas necessário um certo
do mais humilde ao mais elevado. A espécie humana, afinal, é parte integrante grau de abstração, pois elas nada mais são do que o conhecimento elevado a
do mundo animal e, como os outros animais, precisa de um alicerce material potência mais alta, e todo conhecimento implica num processo de abstração e
ao qual pode sobrepor uma vída melhor — intelectual, moral e social; sem esse generalização: até mesmo para reconhecermos uma pessoa a quem vemos diaria­
alicerce, esta superestrutura é impossível. A fundamentação material, que consiste mente, é imprescindível usarmos certas abstrações e generalizações que sobre ela
na necessidade de alimento e em certo grau de calor e proteção contra os ele­ viemos fazendo, cumulativamente, no passado. Assim, a antropologia é forçada
mentos, forma a base econômica ou industrial e constitui condição necessária a abstrair certos aspectos da natureza humana, considerando-os à parte da reali­
da vida humana. Acredito que, se agora os antropólogos indevidamente negligen­ dade concreta; mais precisamente, ramifica-se ela em várias outras ciências, cada
ciaram esse aspecto, foi porque eles foram atraídos por aspectos mais elevados da uma analisando o complexo organismo humano sob um único aspecto — físico,
intelectual, moral, ou social. As conclusões gerais de cada uma dessas ciências
compõem um quadro mais ou menos incompleto do ser humano como um todo
! Malinowski, Bronislaw. The Family among the Australian Aborigines: A Sociological Strady. — incompleto porque as facetas que o compõem correspondem a apenas algumas
Londres, University of London Press, 1913.
das muitas que o caracterizam.
2 Malinowski, Bronislaw, “The Natives of Mailu: Preliminary Results of the Robert Mond
Research Work in British New Guinea”. Transactions of the Royal Society of South Australia, A- grande preocupação do Dr. Malinowski em seu presente estudo é a análise
vol. XXXIX, 1915. de fatos que, à primeira vista, poderíamos interpretar como uma atividade pura­
ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL 7 8 MALINOWSKI

mente econômica dos habitantes das ilhas Trobriand; todavia, com a grande maléfica e anti-social; e que é sempre usada pelo indivíduo para promover seus
abertura de perspectiva e acuidade que o caracterizam, ele se dá ao cuidado de próprios interesses egoístas e prejudicar seus inimigos, sem levar em conta seus
nos demonstrar que essa curiosa circulação de riquezas entre os habitantes das efeitos sobre o bem-estar comum. A magia pode ser usada com essa finalidade
ilhas Trobriand e os das demais ilhas, embora acompanhada por um comércio e, de fato, provavelmente o é em todas as regiões do mundo; nas ilhas Trobriand
de tipo comum, não constitui, de maneira alguma, uma forma de transação estrita­ também se acredita que seja praticada com fins nefandos pelos feiticeiros, que
mente comercial; ele nos mostra que essa modalidade de troca não se fundamenta provocam nos nativos temores profundos e preocupação constante. Mas, em si,
num mero cálculo utilitário de lucros e perdas; e que ela vem de encontro a a magia não é nem benéfica nem maléfica; é simplesmente urn poder imagi­
necessidades emocionais e estéticas de ordem mais elevada que o simples atendi­
nário de controle sobre as forças da natureza, que pode ser exercido pelo feiti­
mento aos requisitos da natureza animal. Tudo isso leva o Dr. Malinowski a
ceiro para o bem ou para o mal, para beneficiar o indivíduo ou a comunidade,
criticar acerbamente a concepção que se faz do Homem Econômico Primitivo ou para prejudicá-los. Sob esse ponto de vista, a magia está exatamente no
como um tipo de fantasma que, segundo parece, ainda infesta os livros de texto
mesmo plano das ciências, das quais vem a ser a “irmã bastarda” ; também as
das ciências econômicas, chegando mesmo a estender sua influência nefasta às
ciências não são nem boas nem más em si, embora possam gerar tanto o bem
mentes de alguns antropólogos. Vestindo os farrapos abandonados pelos senhores
quanto o mal, conforme a maneira como forem utilizadas. Seria absurdo, por exem­
Jeremy Bentham e Gradgrind, esse fantasma horrendo aparentemente é movido plo, estigmatizar a farmacêutica como ciência anti-social por que o conhe­
exclusivamente pela sede de lucro, o qual ele busca implacavelmente, seguindo cimento das propriedades das drogas pode ser empregado tanto para curar quanto
princípios spencerianos, ao longo das linhas de menor resistência. Se realmente para destruir o homem. É igualmente absurdo negligenciar a aplicação bené­
os bons pesquisadores acreditam que tal ficção angustiante possa encontrar para­
fica da magia, atendo-se apenas a sua utilização maligna na caracterização das
lelos na sociedade silvícola e não a vêem apenas como mera abstração útil, o
propriedades que a definem. As forças da natureza, sobre as quais a ciência
relato do Dr. Malinowski sobre o Kula deve contribuir para destruir definitiva­ exerce controle real e a magia controle imaginário, não são influenciadas pela
mente este fantasma — pois o Dr. Malinowski demonstra que a transação de disposição moral ou pela boa ou má intenção do indivíduo que se utiliza dc seus
objetos úteis, parte integrante do Kula, ocupa, na mente dos nativos, uma posição conhecimentos especiais para colocá-las em movimento. A ação das drogas no
inteiramente subordinada à troca de certos objetos que é feita sem quaisquer
organismo humano é exatamente a mesma, quer sejam elas administradas por
finalidades utilitárias. Combinando transações comerciais, organização social, mitos
um médico, quer por um envenenador. A natureza e as ciências não são nem
e rituais mágicos — o Kula, essa. extraordinária instituição nativa que chega a
benéficas nem hostis à moral; são simplesmente indiferentes a ela, e estão igual­
abranger enorme extensão geográfica, parece não ter paralelos nos anais de
mente prontas para atender às ordens quer do santo, quer do pecador, desde
antropologia. Mas, seu descobridor, o Dr. Malinowski, pode muito bem ter razão
que um deles lhes dê a ordem adequada. Se na artilharia as armas estão bem
ao presumir que entre os povos selvagens e bárbaros existem outras instituições
— se não idênticas, pelo menos semelhantes ao Kula — que eventualmente serão carregadas e apontam para o alvo certo, seu fogo será igualmente destrutivo: não
descobertas através de novas pesquisas. não importa que seus portadores sejam patriotas a lutar em defesa da pátria,
ou invasores a arriscar-se numa guerra de agressão injusta. Caracterizar a
Segundo o Dr. Malinowski, à importância que a magia assume nesta instituição
ciência ou a arte em função de sua aplicabilidade, ou de acordo com a intenção
constitui uma das facetas mais interessantes e instrutivas do Kula. A julgar pela
moral do cientista ou artista é obviamente falacioso no que se refere à farma­
maneira com que ele a descreve, a realização dos rituais de magia e o uso de
cêutica ou à artilharia; e o é igualmente (embora, para muitos, não tão óbvio) no
fórmulas mágicas são indispensáveis ao bom êxito do Kula em todas as suas
que diz respeito à magia.
faseS — desde a derrubada das árvores, cujos troncos são escavados e transfor­
mados em canoas, até o momento em que, terminada a expedição com êxito, A grande influência da magia sobre a vida e o pensamento dos nativos das
as canoas e sua preciosa carga iniciam a viagem de volta ao ponto inicial. A ilhas Trobriand é, no presente volume, talvez um dos aspectos que mais impres­
propósito, aprendemos também que os rituais de magia e os feitiços são igual­ sionam o leitor. O Dr. Malinowski nos conta que “a magia, tentativa humana
mente indispensáveis à horticultura e ao bom êxito na pesca — duas das ativi­ de controlar diretamente as forças da natureza através de conhecimentos especiais,
dades que constituem o principal meio de sustento dos nativos; o “feiticeiro é fator fundamental e permeante na vida dos nativos das ilhas Trobriand” ; é
“parte integrante de todas as suas atividades industriais e comunitárias” ; “todos
agrícola” , a quem cabe a responsabilidade de promover, através de suas fórmulas,
os dados até agora analisados revelam a extrema importância da magia no sis­
o crescimento das plantas, é conseqüentemente um dos elementos mais impor­
tema do Kula. Mas, se se tratasse de qualquer outro aspecto da vida tribal desses
tantes da aldeia, figurando hierarquicamente logo abaixo do chefe e do feiticeiro nativos, constataríamos igualmente que os nativos recorrem à magia toda vez que
propriamente dito. Em suma, os nativos crêem que a magia é absolutamente
enfrentam problemas de importância vital. Podemos dizer, sem corrermos o risco
imprescindível, a todo e qualquer ramo de suas atividades — que é tão impres­
de exagerar, que a magia, segundo eles, governa os destinos do homem; que ela
cindível ao bom êxito de um trabalho como as operações técnicas envolvidas, tais
dá ao homem o poder de dominar as forças da natureza e que ela é a arma e o
como a impermeabilização, pintura e lançamento de uma canoa, o plantio de uma escudo com que o homem enfrenta todos os perigos que o rodeiam”.
horta, a colocação de uma armadilha para peixes. “A fé no poder da magia” ,
Assim sendo, no ver dos ilhéus de Trobriand, a magia c uma força de su­
conta-nos o Dr. Malinowski, “é uma das principais forças psicológicas que per­
prema importância, quer para o bem, quer para o mal; ela pode construir ou ani­
mitem a organização e sistematização do esforço econômico nas ilhas Tobriand.”
quilar a vida de um homem; pode sustentar e proteger o indivíduo e a comu­
O valioso relato do Dr. Malinowski sobre a magia como fator de grande nidade, ou pode prejudicá-los e destruí-los. Comparada a esta convicção univer­
importância para o bem-estar econômico e, de fato, para a própria sobrevivência sal -e profundamente enraizada, a crença na existência dos espíritos dos mortos
da comunidade nativa, é suficiente para anular a hipótese errônea de que a poderia, à primeira vista, parecer de pouca influência na vida daqueles nativos.
magia, contrariamente à religião, é por sua própria natureza essencialmente
Contrariamente à atitude geral entre os selvagens, os nativos de Trobriand não
ARGONAUTAS DO PACÍFICO OCIDENTAL 9

temem os espíritos. Acreditam, mesmo, que os espíritos voltam às aldeias uma


vez por ano, a fim de participar do grande festejo anual; mas, “de maneira geral,
os espíritos não têm muita influência sobre os seres humanos, seja para o bem
seja para o mal”; “nada existe da interação mútua, da colaboração íntima entre
o homem e os espíritos que constitui a essência do culto religioso” . Esse predo­
mínio conspícuo da magia sobre a religião — ou, pelo menos, sobre o culto dos PRÓLOGO
mortos — é uma característica marcante da cultura dos ilhéus de Trobriand, que
ocupam lugar relativamente alto na escala da selvageria. E este fato nos fornece
do autor
nova prova da extraordinária força e da tenacidade da influência que essa uni­
versal ilusão tem exercido agora e sempre, sobre a mente humana.
Sem dúvida, iremos aprender muito sobre a relação entre magia e religião
Encontra-se a moderna etnologia em situação tristemente cômica, para não
entre os nativos das ilhas Trobriand no relato completo das pesquisas do Dr.
Malinowski. dizer trágica: no exato momento em que começa a colocar seus laboratórios em
Da observação paciente que devotou a uma única instituição e da riqueza ordem, a forjar seus próprios instrumentos e a preparar-se para a tarefa indicada,
de detalhes com que a ilustrou, podemos auferir a extensão e o valor da obra o objeto de seus estudos desaparece rápida e irremediavelmente. Agora, numa
completa que está em preparação, a qual promete ser um dos trabalhos mais época em que os métodos e objetivos da etnologia científica parecem ter se
completos e científicos já produzidos sobre um povo selvagem. delineado; cm que um pessoal adequadamente treinado para a pesquisa científica
está começando a empreender viagem às regiões selvagens e a estudar seus
J. G. Frazer habitantes, estes estão desaparecendo ante nossos olhos.
A pesquisa sobre raças nativas, realizada por pessoal dc formação acadêmica,
Londres, The Temple, tem-nos fornecido provas irrefutáveis de que a investigação científica e metódica
7 de março de 1922. proporciona resultados melhores — e em maior número — que a dos melhores
amadores. A maioria, embora não a totalidade, dos relatos científicos feitos atual­
mente tem revelado novos e inesperados aspectos da vida tribal: traçou, em
linhas claras e precisas, um quadro de instituições sociais, que são muitas vezes
surpreendentemente vastas e complexas; apresentou uma visão do nativo, tal
como ele é, com suas crenças e práticas religiosas e mágicas; e nos permitiu
penetrar em sua mente de maneira mais profunda do que nos era possível ante­
riormente. Deste material novo, que tem cunho genuinamente científico, os estu­
diosos de etnologia comparada já podem retirar algumas conclusões valiosas so­
bre a origem dos costumes, crenças e instituições humanas, sobre a história das
culturas, sua difusão e contato, sobre as leis do comportamento do homem em
sociedade e sobre a mentalidade humana.
A esperança dc se obter uma nova visão da humanidade selvagem através
do trabalho de cientistas especializados surge como uma miragem para desapa­
recer novamente quase no mesmo instante. Embora atualmente ainda se encontre
um bom número de comunidades nativas disponíveis ao estudo científico, dentro
de uma ou duas gerações essas comunidades ou suas culturas terão praticamente
desaparecido. É premente a necessidade de trabalho árduo, e curto demais o
tempo. Além disso, é com tristeza que se verifica, até o presente, uma falta de
real interesse por parte do público nesse tipo de estudos. São poucos os pesqui­
sadores, e o incentivo que recebem é escasso. Em vista disso, não sinto necessi­
dade de justificar uma contribuição etnológica que é resultado de pesquisa de
campo especializada.
Neste volume eu relato apenas uma das facetas da vida selvática, descre­
vendo certos tipos de relações comerciais que se verificam entre os nativos da
Nova Guiné. Este relato foi selecionado de material etnográfico que cobre toda
a cultura tribal de um distrito. Sem dúvida, para que um trabalho etnográfico
seja válido, é imprescindível que cubra a totalidade de todos os aspectos — social,
cultural e psicológico — da comunidade; pois esses aspectos são de tal forma
12 MALINOWSKI ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL 13

interdependentes que um não pode ser estudado e entendido a não ser levando- dição; e a ele, mais do que posso expressar com palavras, sou especialmente
se em consideração todos os demais. O leitor irá perceber claramente que, grato pelo incentivo e aconselhamento científico que me deu tão generosamente
embora o tema principal desta pesquisa seja econômico — pois trata de empre­ no transcorrer de minhas pesquisas na Nova Guiné.
endimentos e transações comerciais — , constantes referências serão feitas à orga­ B. M.
nização social, aos rituais mágicos, à mitologia e folclore — enfim, a todos os
demais aspectos da vida tribal, além do nosso tema principal. El Boquin,
A região geográfica de que tratamos neste volume limi.ta-se à dos arquipélagos Icod de Los Vinos,
situados no extremo leste da Nova Guiné. Nela, um único distrito, o das ilhas T enerife,
Trobriand, constitui o objeto principal de nossa pesquisa. Este, entretanto foi abril de 1921.
estudado minuciosamente. Durante aproximadamente dois anos, e no decorrer
de três expedições à Nova Guiné, vivi naquele arquipélago e, naturalmente, du­
rante esse tempo, aprendi bem a sua língua. Fiz meu trabalho completamente
sozinho, vivendo nas aldeias a maior parte do tempo. Tinha constantemente ante
meus olhos a vida cotidiana dos nativos e, com isso, não me podiam passar des­
percebidas quaisquer ocorrências, mesmo acidentais: falecimentos, brigas, disputas,
acontecimentos públicos e cerimoniais.
Na atual situação em que se acha a etnografia, quando ainda há muito por
fazer no sentido de se estabelecerem as diretrizes e o escopo de nossas próximas
pesquisas, é necessário que cada contribuição nova se justifique em diversos pontos.
Deve revelar algum progresso metodológico; deve superar os limites das pes­
quisas anteriores, em amplitude, em profundidade ou em ambas; e, finalmen­
te, apresentar seus resultados de maneira precisa, mas não insípida. O espe­
cialista interessado em metodologia irá encontrar, na Introdução, nas seções II-
IX e no capítulo XVIII, uma exposição dos meus pontos de vista e esforços
neste sentido. Ao leitor que se preocupa com os resultados da pesquisa mais do
que com o processo pelo qual foram obtidos, apresento nos capítulos IV-XXI
um relato das expedições do Kula e dos vários costumes e crenças que a ele se
acham associados. O estudioso que se interessa não só pelas descrições, mas
também pela pesquisa etnográfica que as fundamenta e pela definição precisa da
instituição, encontrará a primeira dessas nos capítulos I e II, e a última no
capítulo III.
Ao Sr. Robert Mond desejo expressar meus maiores agradecimentos. Graças
à sua generosa doação, pude levar a efeito, durante muitos anos, a pesquisa da
qual esta monografia representa apenas uma parcela. Ao Sr. Atice Hunt, C. M. G.,
secretário do Departamento de Habitação e Territórios do governo australiano,
quero expressar meu reconhecimento pelo auxílio financeiro que obtive através
de seu departamento, e também pela grande colaboração que ele me ofereceu
tão prontamente. Nas ilhas Trobriand, fui imensamente auxiliado pelo Sr. B.
Hancock, negociante de pérolas, a quem sou grato não só pela assistência e
serviços a mim prestados, mas também pelas grandes provas de amizade que
dele recebi.
Pude aperfeiçoar muito dos meus argumentos neste livro através da crítica
feita por um amigo meu, o Sr. Paul Khuner, de Viena, especialista nos negócios
práticos da indústria moderna e pensador altamente qualificado em assuntos eco­
nômicos. O Professor L. T. Hobhouse pacientemente leu o manuscrito, dando-me
conselhos valiosos sobre diversos pontos.
Sir James Frazer, com seu prefácio, engrandece o valor deste livro muito
além de seu mérito; é não só uma grande honra e de grande proveito tê-lo como
autor do prefácio, mas também especial satisfação, pois minha paixão pela
etnologia associa-se em sua origem à leitura de seu livro Golden Bough (O Ramo
Dourado), na época em sua segunda edição.
Por último, desejo mencionar o nome não menos importante do Professor
C. G. Seligman, a quem dedico este livro. A ele devo a iniciativa de minha expe-

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