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Gabriel Chalita

O poder da linguagem
nos tribunais de jítrí

A sed u ç ão no d is c u r s o p ro p õ e
uma o rig inal ref lex ão , u ni av an ç ad o
p o n to d e v ista, n ão só ao s p ro f i ss i o n ai s
do D i r e i to , ruas a p r o f i s s i o n a i s d e d i ­
v ersas o u tras áreas q u e , d e u m a o u o u ­
tra m a n e i r a , v e n h a m a l id ar c o m q u e s­
tõ e s p e r ti n e n te s à C o m u n i c a ç ã o , à S e ­
m i ó ti c a , à P s i c o l o g i a Ju ríd ic a.
To r n an d o c o m o p o n to d e p arti d a
o m icro co sm o c o m p o s to p elo tri b u n a l
d o jú ri, o n d e as e m o ç õ e s e p ai x õ e s h u ­
m an as e stão sem p re d ram ati c am e n te
c o n d e n s a d a s , o au to r e x p a n d e o a l c a n ­
ce de sua p cs q u i - s n , d esv end and o os
p ap é i s que' a s e d u ç ã o p o d e e d ev e e x e r ­
c e r na v e rti g i n o s a m u l t i p l i c i d a d e d as
re l a ç õ e s i n t e r p e s s o a i s e so c i ai s d e n o s ­
so te m p o .
O Íiv to aíu' :..a e d em o e .irra fi1:■ ■ o
p ro cesso em o cio na! da sed u ção n ão
depende d o rac i o c í n i o p u ro , d a d e m o n s ­
tr a ç ã o l ó g i c a, m as r e ú n e a isso e s t r a t é ­
g ias re tó ri ca s — p a l a v r a to m a d a a q u i
em se u s e n ti d o o r i g i n a ! e m a i s n o b r e ,
o u s e j a, d o s e l e m e n to s d a e l o q ü ê n c i a , a
arte d e b e i n ral ar e b em ai v u m e tú a r —
e al e g ó ri ca s que p ro c u ra rã o , alem de
ati n g i r o e n -a: l u i m te n to , i n v o l v e r m e n ­
tes e c o m o v e r c o r a ç õ e s . cx ;-.1 m e n te
e ss e e k - m e i i ti e n u k ; í o ü h ! , a c r e s c e n t a d o
à inte li g ênc i a, o t a ro r d e cav i v o p ai a c o n ­
v e n ce r os Cm > u f «1 1 d e te rm i n an te
p ara q u e a alc anç ar p le ­
n a m e n te st
Co m : a maio ria das
p esso as to m u ui d te , c o m base ern
p r e s s u p ô s to s p u ram e n te e m o c io nais,
d e s co n s i d e ra n d o co n h e ci m e n to s re e m e o s
A sedu ç ão no d is c u r s o p ro p õ e
uma o rig in al reflexão , um av an ç ad o
p o n to de v i sta, n ão só ao s p ro f i ssi o n ai s
do l)ireifo , m as a p ro f issio nais :ie d i ­
v e rs as o u t r a s á re a s q ue, de uma ou o u­
tra m a n e i r a , v e n h a m a l i d ar c o m q u es­
tõ e s p e r t i n e n t e s à C o m u n icação , à Se ­
m i ó t i c a , à P s i c o l o g i a ju r í d i c a .
T o r n a n d o c o r n o p o n to de p arti d a
o m ic ro c o sm o c o m p o sto p e lo tr i b u n a l
cio j ú n , o n d e as 'm o çõ es e p aix õ es h u ­
m an as e stão sem p re d ra m a ti ca m e n te
c o n d en sad as, o au to r e x p an d e o al c an ­
ce de su a p e sq u isa, d esv end and o os
p ap éis que a sed u ção p o d e e d ev e exer­
cer n a v e rti g i n o s a m u l ti p l i c i d a d e , d as
r e l a ç õ e s i n t e r p e s s o a i s e s o c i ai s d e n o s ­
so te m p o .
O l i v ro a f i r m a e d e m o n s tr a q u e o
p ro c esso em o cio nal da sed u ç ão n ão
d e p e n d e d o r a c i o c í n i o p u ro , d a d e m o n s ­
tr a ç ã o l ó g i c a , m as re ú n e a isso e s tra té ­
g ias r e t ó r i c a s ^ — p al av ra to m a d a aqui.
em seu s e n ti d o o rig inal e m ais n o b re ,
o u s e ja, d o s e l e m e n to s d a e l o q ü ê n c i a , a
arte .d e b e m f al ar e b e m a r g u m e n ta r —
e aleg ó ric as que p ro c u rarão , além de
a ti n g i r o e n te n d i m e n to , e n v o l v e r m e n ­
te s e c o m o v e r c o r a ç õ e s . E e x a t a m e n t e
e sse e le m e n to e m o c io n al, ac re sc en tad o
à i n te l i g ê n c i a, o f ato r d e c i s i v o p ara c o n ­
v e n c e r o s o u v m t e s , o f ato r d e te r m i n a n te
p ara q u e a sed u ç ão p o ssa alc anç ar p l e ­
n a m e n te se u s o b je ti v o s .
Co nsc iente, d o f ato d e a m ai o ri a das
p e sso as to m a r suas d e c i sõ e s c o m b ase e m
p re s s u p o s to s p u ram e n te em o cio n ais,
d es c o nsi d e ran d o c o n h ec i m e n to s téc n i c o s
G ab rie l C halita

no discurso
O poder da linguagem
nos tribunais de jú r i

4- e d i ç ã o r e v is t a
2007

. ■ « to r a

P lls t Sa ra iv a
IS B N 9 7 8 -8 5 -0 2 0 -6 0 7 4 -6

D a d o s I n t e r n a c io n a is d e C a t a l o g a ç ã o n a P u b lic a ç ã o ( C IP )
( C â m a r a B r a s ile ir a d o L iv r o , SP, B r a s il)

C h a liía , G a b r í c s l
A s e d u ç ã o n o d is c u r s o : o p o d e r d a l i n g u a g e m nos
tr ib u n a is d e jú r i / G a b r ie l C h a l i t a . — 4 . e d . re v . — São
P a u lo : S a r a iv a , 2 0 0 7 .

1 . A n á l i s e r e t ó r i c a 2 . D i s c u r s o s fo r e n s e s 3 .
L in g ü ís t ic a f o r e n s e 4 . O r a t ó r ia f o r e n s e 5 . S e d u ç ã o I.
T it u lo .

06-8555 CDU-347.96E.45

í n d ic e p a ra c a t á lo g o s is t e m á t ic o :
1. S e d u ç ã o n o d is c u r s o : O r a t ó r ia f o r e n s e :
P ro c e s s o c iv il 3 4 7 .9 6 5 . 4 5

P - «««
S a ra i v a

Av. M a rq u ê s de S ão V ic e n te , 1697 — C E P 0 1 1 3 9 -9 0 4 — B a rra F u n d a — S ão P a u lo -S P


Vendas: (11) 3613-3344 ( te !.) /(11) 3611-3268 (fax) — SAC: (11)3613-3210 (Grande SP) / 0 8 0 0 5 5 7 6 8 8
(outras localidades) — E-mail: saraivajur@ editorasaraiva.com .br — Acesse: www .saraivajur.com .br

F ilia is M IN A S G E R A IS
R u a A lé m P a r a í b a , 4 4 9 — L a g o i n h a
F o n e : (3 1 ) 3 4 2 9 -8 3 0 0 — F a x : (3 1 ) 3 4 2 9 - 8 3 1 0
A M A Z O N A S /R O N D Ó N IA /R O R A IM A /A C R E B e lo H o r iz o n t e
R u a . C o s ta A z e v e d o , 5 6 — C e n tr o P A R Á /A M A P Á
F o n e : (9 2 ) 3 6 3 3 -4 2 2 7 — F ax: (9 2 ) 3 6 3 3 -4 7 8 2 T r a v e s s a A p í n a g é s , 1 8 6 — B a t is t a C a m p o s
M anaus F o n e : (9 1 ) 3 2 2 2 -9 0 3 4 / 3 2 2 4 -9 0 3 8
B A H IA /S E R G IP E
F a x : ( 9 1 ) 3 2 4 1 - 0 4 9 9 — B e lé m
. R u a A g r ip i n o D ó r e a , 2 3 — B r o ta s
P A R A N Á /S A N T A C A T A R IN A
F o n e : (7 1 ) 3 3 8 1 -5 8 5 4 /3 3 8 1 - 5 8 9 5
R u a C o n s e lh e ir o L a u r í n d o , 2 8 9 5 — P r a d o V e lh o
F a x : ( 7 1 ) 3 3 8 1 - 0 9 5 9 — S a lv a d o r
F o n e / F a x : ( 4 1 ) 3 3 3 2 - 4 8 9 4 — C u r it ib a
B A U R U (S Ã O PAULO )
P E R N A M B U C O /P A R A ÍB A /R . G , D O N O R T E /A L A G O A S
R u a M o n s e n h o r C la r o , 2 - 5 5 / 2 - 5 7 — C e n t r o
R u a C o r r e d o r d o B is p o , 1 8 5 — B o a V is t a
F o n e : (1 4 ) 3 2 3 4 -5 6 4 3 — F a x: (1 4 ) 3 2 3 4 -7 4 0 1
F o n e : (8 1 ) 3 4 2 1 - 4 2 4 6 — F a x : (8 1 ) 3 4 2 1 - 4 5 1 0
B a u ru
R e c ife
C E A R Á /P IA U Í/M A R A N H Ã O
R IB E IR Ã O P R E T O (S Ã O PA U LO )
A v. F il o m e n o G o m e s , 6 7 0 — J a c a r e c a n g a
A v. F r a n c is c o J u n q u e ir a , 1 2 5 5 — C e n t r o
F o n e : (8 5 ) 3 2 3 8 -2 3 2 3 / 3 2 3 S -1 3 8 4
F o n e : ( 1 6 ) 3 6 1 0 - 5 8 4 3 — F a x : (1 6 ) 3 6 1 0 - 8 2 8 4
F a x : ( 8 5 ) 3 2 3 8 - 1 3 3 1 — F o r t a le z a
R ib e ir ã o P r e t o
D IS T R IT O F E D E R A L
R IO D E J A N E IR O /E S P ÍR IT O S A N T O
S IG Q D 3 B I. B - L o ja 9 7 — S e t o r I n d u s t r ia l G r á fic o
F o n e : (6 1 ) 3 3 4 4 -2 9 2 0 / 3 3 4 4 -2 9 5 1 R u a V is c o n d e d e S a n t a I s a b e l, 1 1 3 a 1 1 9 — V ila I s a b e l
F a x : ( 6 1 ) 3 3 4 4 - 1 7 0 9 — B r a s ília F o n e : ( 2 1 ) 2 .5 7 7 - 9 4 9 4 — F a x : ( 2 1 ) 2 5 7 7 - 8 8 6 7 / 2 5 7 7 - 9 5 6 5
G O í A S /T O C A N T IN S R io d e J a n e ir o
A v. in d e p e n d ê n c ia , 5 3 3 0 — S e t o r A e r o p o r t o R IO G R A N D E D O S U L

F o n e : (6 2 ) 3 2 2 5 -2 8 8 2 / 3 2 1 2 -2 8 0 6 A v. C e a r á , 1 3 6 0 — • S ã o G e r a l d o
F a x : ( 6 2 ) 3 2 2 4 - 3 0 1 6 — G o iâ n ia F o n e : (5 1 ) 3 3 4 3 -1 4 6 7 / 3 3 4 3 -7 5 6 3
M ATO G R O SSO DO SU U M ATO G RO SSO F a x : ( 5 1 ) 3 3 4 3 - 2 9 8 6 / 3 3 4 3 - 7 4 6 9 — P o r t o A le g r e
R u a 1 4 d e J u lh o , 3 1 4 8 — C e n t r o S ÃO PA U LO
F o n e : ( 6 7 ) 3 3 8 2 - 3 6 8 2 — F a x : (6 7 ) 3 3 8 2 - 0 1 1 2 A v . M a r q u ê s d e S ã o V ic e n t e , 1 6 9 7 — B a r r a F u n d a
C a m p o G ra n d e F o n e : P A B X ( 1 1 ) 3 6 1 3 - 3 0 0 0 — S ã o P a u lo
M areia A lv im , O rland o Bap tista e Paulo
A lexand re Barbo sa.

Sed u to res na arte d o env o lv im ento ,


do ac o lhim ento , da amizad e.
Sumário

Prefácio da prim eira ed ição :.................................................. IX

Cap ítulo I — O d ireito de seduzir e a sed ução no D ireito 1

1. D e lim itaç ão d o o b je to de p esquisa ............................. *5


2. Sed u ç ão , o te m a ................................................................. I

C ap ítu lo II — A v id a d esfila d iante do jú r i ..................... 23

1. T e m p o cie m a t a r .............................................................. Z4
2. F i l a d é l f i a ................................................................ ........... 32
3. Q u e s t ã o d e h o n r a ........................................................... 36
4. A s s as s in at o e m p r im e i r o g r a u ..................................... 39

Cap ítulo III — U m caso b rasileiro ...................................... 47

Cap ítulo IV — A v e, p alav ra............... ................................ 59

1. A ling u ag em ..................................................................... 60
2. A linguagem do s ilê n c io ......................................... 64
3. A rg u m entação .................................................... ........... 67
4. R e tó ric a........................................................................ . 73
5. D efeito s e falácias do d iscu rso ..................................... 81
6. Erro s......................................... ......................................... 83
7. Po sturas físicas eng ano sas ................. .......................... 84
8. O utro s erros do d iscu rso ........ ...................................... 87
9. O s d e b ate s...................... ................................................. 88
C ap ítu lo V — C o n d ícío n an tes d o d iscurso ju ríd ic o ....... 93

1. A s atitud es do o rad o r..................................................... 99


2. Pap éis .......................................................................... :.......... 1.02
3. O d iscurso e seus c o n d ic io n ar,res............................... 104

C ap ítu lo V I .....Júri, o aud itó rio so b erano d o d iscurso ... 1.35

1. A n álise da culp abilid ad e p resu m id a......................... 138


2. A nálise de um c rim e .................................... ................. 1.40
3. A co m p o sição do co rp o de ju rad o s.......................... 145

5. A rg ü ição de nuiid ad es .................................................. 148


6. Brev e h istó ric o ......... ...................................................... 150

C ap ítu lo V II.. - Discurso e se d u ç ão ........ ........... ............... 1 55

Bib lio g rafia.................................................................................. 163

V III
Prefácio da primeira edição

N um a d eterm inad a m anhã de abril, quand o m inistrav a aula


de D ireito Pro cessual C iv il no curso de g rad uação da Facu ld a­
de de D ireito da Po ntifícia U niv ersid ad e C ató lic a de São Pau­
lo, fui pro curad o por um dos aluno s, que me relato u um p ro b le­
ma a fim de que pudéssemos tcso l v ê-lo em c o n ju n to , já que era
do interesse geral da m atéria. Fiq uei im p ressio nad o co m a in te ­
lig ência e a p ersp icácia do aluno , que d em o nstro u m aturid ad e
para enfrentar, co m o ning uém , as questõ es de seu curso de gra­
d uação . D isse-m e que tin h a 18 ano s de id ad e, era v eread o r e
presid ia a C âm ara M u nicip al de C ac h o eira Pau lista, cid ad e do
V ale do Paraíba.
Fo i assim que c o n h ec i G ab riel C h alita, o auto r d esta o bra,
so bre o tem a da sed ução no d iscurso do trib u nal d o jú ri. D o no
de cu rrícu lo inv ejáv el, ele já escrev eu v ário s liv ro s, d entre os
quais p o d em -se d estacar A e s s ê n c ia d o s e r , M u lh e r e s q u e m u d a -

r am . o m u n d o eO p oder, sucesso s d e p ú b lico e de c rític a. M estre


em D ire ito e em Filo so fia, alc an ç o u o grau d e d o u to r em
Sem ió tic a co m a tese que ago ra se p u b lica co m o liv ro . Q uand o
esta o bra cheg ar às liv rarias, ele d ev erá ter se subm etid o a ex a­
me p úblico para o b tenção do grau de d o uto r em D ireito , sob
m inha o rientação . Particip ei das b ancas que o exam inaram no
m estrad o em D ireito e no d o uto rad o em Se m ió tic a. C o n h eço ,
p o rtanto , de perto o d esenv o lv im ento acad êm ico de G ab riel
C h alita d esd e o curso d e g rad uação até o d o u to rad o . Po sso ,
afiançar o seu preparo intelectual, sua sensibilid ad e para os temas
e os p ro blem as da c iên c ia, sem fro nteiras, já que transita co m
naturalid ad e e co m p etência p ela Filo so fia, p ela Sem ió tic a, pela
Literatu ra e p elo D ireito .
Se r m estre e d o uto r po r duas vezes, quer dizer, alc an çar
q uatro título s d e p ó s-g rad uação s t r ic t o s e n s u antes dos 3 0 ano s
de id ad e é tarefa que bem p o uco s co nseg uem cum p rir co m a
d eterm inação e co m p etência d o auto r. A lém d isso , ele é p ro ­
fesso r de Filo so fia do D ireito e de Ló g ica Ju ríd ica da Faculd ad e
de D ireito da PU C -SP, lecio nand o aind a em o utro s curso s m a­
térias ligad as às áreas de Filo so fia, Teatro e D ireito .
O trab alho co m que o auto r p riv ileg ia o p ú b lico leito r é,
co m o se disse, a v ersão em liv ro de sua tese d e d o u to ram ento
em Se m ió tic a, ap ro v ad o co m a no ta m áxim a, d istinção e lo u­
vo r p ela b anca exam inad o ra do resp ectiv o p ro g ram a d e pós-
grad uação d a PU C -SP, tend o sid o sua o rientad o ra a Pro fa. Dra.
O lg a de Sá.
Trata-se de o bra que co nseg ue am alg am ar os p receito s da
Se m ió tic a co m os d o D ireito , no c am in ho m u ltid iscip linar da
univ ersalid ad e da c iê n c ia e do c o n h èc im en to , o que m e p arece
salutar, à m ed id a que é d em o nstração v iv a d e que a c iê n c ia não
é estanq u e nem po d e ser o b jeto d e m o no p ó lio , mas é d inâm ica
e p lural p o r ex c elên c ia.
D ep o is d e ap resentar a sed ução co m o c o m p o n en te h istó ­
rico d o D ireito Penal, o auto r trab alha co m exem p lo s de film es
recentes, co m o o b jetiv o p recíp uo de d em o nstrar que a sed u­
ção é utilizad a no s d iscurso s dos ad vo gad o s e p ro m o to res de
ju stiça, co m a finalid ad e de p ro curar c o n v en c er os aud itó rio s e
os tribu nais das premissas p o r eles d efend id as.
O s film es T e m p o d e m at ar , F ilad é lfia, Q u e s t ã o d e h o n r a e
A s s a s s i n a t o e m p r i m e i r o g r au são trabalhad o s co m m aestria e o
auto r co nseg u e d em o nstrar o nd e se en co ntram , no s referid o s
film es, o s p o nto s p rincip ais d o d iscurso d o s ad vo gad o s e p ro ­
m o to res de ju stiça, que caracteriz am , em ú ltim a instân cia, a
retó rica ind icativ a d a sed ução d aqueles d iscurso s. O p o d er de
c o n v en c im e n to dos d iscurso s pro ferid o s em tribunais d o jú ri é

X
fruto de in telig ên c ia, d e retó rica e de sed ução , atributo s que
em algumas pesso as p arecem ser inato s, mas que, co nfo rm e bem
o d em o nstra o auto r, p o d em ser trabalhad o s e ad quirid o s po r
qualquer um que se d isp o nha, co m d eterm inação e m éto d o , a
alcançá-lo s.
O auto r env ered a p elo exam e de asp ecto s da p raxe retó ri­
ca, quand o trata d a p alav ra, das po sturas que d ev em o rientar o
orador, dos eng ano s que no rm alm ente são po r ele co m etid o s
em seus d iscurso s. Fala das c o nd icio n antes d o d iscurso ju ríd ico
e do d esenv o lv im ento desse d iscurso no tribu nal do jú ri. O tra­
balho term ina co m a síntese entre o d iscurso e a sed ução .
A linguagem é esco rrei ta e a leitura, fácil e agrad ável. C o m o
são trabalhad o s exem p lo s retirad o s do cinem a, o liv ro g anha
interessante d inâm ica, p rend end o o leito r, que se v ê tentad o a
são p arar de ler, na ânsia d e d esc o b rir q ual o assunto o u o rac io ­
cínio que se seguirá.
A cred ito , sinceram ente, que a p u b licação d este liv ro en ri­
q u ecerá ain d a m ais a lite ratu ra n ac io n al no s cam p o s da
Sem ió tica e d o D ireito e o p ú b lico leito r será b eneíiciad o e
p riv ilegiad o po r ter a o p o rtunid ad e de ver, m ais um a vez c o m ­
provado e d em o nstrad o , o talen to e a intelig ência de seu auto r.

N e l s o n N e r y Jr .

Pro fesso r titu lar d a Facu ld ad e d e D ireito d a P U C - SP


1998
O pro fesso r G ab riel C h alita m uito bem afirm a: “Q u em se­
duz induz. Q uem seduz co nd uz. Q u em seduz deduz. Q u em se­
duz aduz” . Sábias palav ras que d ão c o n ta de q u anto é sed uto r o
p resente liv ro . N ele, auto r e te x to se co nfu nd em . E que o Dr.
G ab riel co lo co u nas p ág inas im pressas aquilo que ele sabe fazer
co m m aestria, que é seduzir seus aluno s, atraind o -o s para as
pro fund id ad es de seu d iscurso . Então , o resultad o d a p resente
o bra to m o u-se fund am ental: é instig ante a inv estig ação do efeito
da sed ução no âm bito do trib u nal do jú ri, o que to rna a p resen­
te o bra ind isp ensáv el a to d o s aqueles que se interessam p elo
D ireito .

Luiz A n to n io Riz z atto N unes,


por o casião do lan ç am en to d a p rim eira ed ição .
C a pít u l o I

O direito de seduzir e a sedução no Direito

Este liv ro tem co m o ho riz o nte tem átic o o d iscurso ju ríd i­


co em sua m anifestação mais fu nd am ental e antig a: os d ebates
entre p ro m o to res e ad v o gad o s, entre acusação e d efesa. Para
co m eçarm o s a abo rd ar o assunto , vam o s refletir b rev em ente
so bre a p ró p ria ativ id ad e dos p raticantes d o D ireito .
O có d ig o d e étic a dos ad vo gad o s, além d e ap resentar urna
série de no rm as que o rientam o seu trabalho , d elineia um d e­
term inad o caráter que se espera tenham os pro fissio nais d a área.
D ele se deduz, por exem p lo , que o ad v o g ad o não d ev e ter p ai­
xõ es nem p reco nceito s. Em o utras palav ras, d ev em , o s p rati­
cantes, o b ed ecer às regras e leis rigo ro sa e o b jetiv am en te. D u r a
le x , s e d le x , info rm a o d ito latino que é g enericam ente ap licad o
à p rática do D ireito .
N o en tan to , o D ireito é uma c iên c ia hu m ana, e p o r isso
não po d e ser entend id o e ap licad o co m o se fo sse m eram ente
uma téc n ic a, um c o n h ec im en to exato . C o n h e c e r e d o m inar o
D ireito n ão se resum e ao c o n h e c im e n to das no rm as, dos
o rd enam ento s ju ríd ico s. A p licar o D ireito não d ep end e ap enas
da o b serv ância das leis e do estud o das ev id ências. Em bo ra sus­
tentad o firm em ente so bre seu saber estab elecid o , o D ireito d eve
ir além d ele, para p ro m o v er ju stiça.
O s p ro ced im ento s juríd ico s dizem resp eito a subjetiv id a-
des que p recisam , de alguma fo rm a, ser atend id as, para que uma
d ecisão ju sta possa ser alcançad a em cad a caso . É p reciso lev ar
em co nsid eração o fato r hu m ano de to d o s os env o lv id o s na
ação d a ju stiça: réu, v ítim a e o s m em bro s d a co m u nid ad e. M u i­
tas vezes, as pro v as, co nsid erad as iso lad am ente, são insu ficien­
tes o u co ntestáv eis. A o m esm o tem p o , freq ü entem ente os tes­
tem unho s p o d em ser atacad o s em sua cred ibilid ad e. A lém d is­
so, laudo s, cu ja realização foi o rd enad a pelo Ju d iciário , po d em
não ser co nclusiv o s.
Q u and o um o u mais desses elem ento s estão p resentes (e
semp re estarão ) num p ro cesso , sem eand o d úvid as im p o rtantes,
qual fato r será d eterm inante para a esco lha entre co nd enar ou
abso lv er um réu? Sem d úvid a, as falas do p ro m o to r d e ju stiç a e
do ad v o gad o d e d efesa terão um p ap el d ecisiv o . E, ao p o nd erar
este asp ecto , so m o s o brigad o s afco nsid erar o p o d er de sed ução
de cad a p arte co m o um elem ento fund am ental no cu m p rim en­
to das co nd içõ es intrínsec as u ap licação do D ireito , assim co m o
à sua co m p lexid ad e e à sua su b je tiv id ad e ^
T ão im p o rtantes são os d iscurso s desses p ro fissio nais em
seu o fício , que po d em o s c o nceb er o D ireito — d entre o utras
fo rm as po ssív eis — co m o um a c iên c ia da arg u m entação . A d ­
vo gad o e p ro m o to r d ev em arg um entar em fav o r da p arte que
cad a um rep resenta. Esta é a essência cie sua atu ação .
Utiliz am o s, no títu lo d este trabalho , a p alav ra se d u ç ão . O
v o cáb u lo traz um a carg a d e sig nificad o s que in c lu i atraç ão ,

e n c an t o , fas c ín io . O p ro cesso d e sed ução é de c u m p lic id a^ ê T ao


d eixár-se seduzir, aquele que é seduzido receb e alg o em tro ca de
sua d isp o sição em ouvir, em ap reend er o que se co m u nica; da
m esm a fo rm a, ao sed uto r p arece estar im p lícito o ferecer algo
em tro ca da atenção d aquele a quem seduz. A sed ução é um
p ro cesso em o cio nal — ela não o co rre por vias do racio cín io
puro , da d em o nstração . O d iscurso d o sed uto r não se fund a­
m en ta p u ram ente em arg um ento s ló g ico s; reco rre a artifício s
retó rico s e aleg ó rico s a fim de env o lv er e co m o v er.
Em alguns m o m ento s, no d eco rrer do trabalho , utilizam o s
a p alav ra persu as ã o , de sig nificad o sjjnilar ao d e sed ução , mas
q u e jm g e re m aio r env o lv im ento d o rac io c ín io e d a ló g icatjPer-
s u a d ir sig nifica interio riz ar uma d eterm inad a c o n v ic ç ão em al-
g uém . Po rtanto , persuad ir co n stitu i um p ro cesso racio nal. Ev i-
d entem ente, essa d istinção não é exau stiv a. H á q u e m co n sid e­
re a persuasão na esfera esp ecífica d o d iscurso em o cio nal.
N o d iscurso de advo gad o s e p ro m o to res no tribunal d o júri,
co m p arecem tanto asp ecto s racio nais q u anto em o cio nais; os
d ois elem ento s se fund em na e l a b o ra çã o das frases esco lhid as
p elo s p ro fissio nais do D ireito . Pro curam o s m o strar, neste liv ro ,
que(o elem ento em o cio nal 6 o íato r cru cial para c o n v en c er os
o u v in tes, qu e ele é o fato r d e m aio r in flu ê n c ia e o m ais
d eterm inante para a d ecisão que os jurad o s d ev em to m arTp e
to d o . m o d o , v ale lem b rar que o asp ec to e m o c io n al não é
exclu d ente, isto é, num a fala a o u v intes a quem se d eseja im ­
buir um c erto esp írito , é im p o ssív el ap resentar um d iscurso em
que os d o is aspecto s se m o strem iso lad am ente. A s p réd icas ap re­
sentad as num tribu nal d o júri buscam p ô r em m o v im ento um
p ro cesso de sed ução . D esta fo rm a, ao s ad vo gad o s e p ro m o to res
cabe env o lv er e encantar o júri, co nd uz i-lo a uma d eterm inad a
p o sição , e p ara isso n ão v ale eco no m iz ar quaisquer recurso s —
em o cio nais e racio nais — para o b ter tal resultad o .
W illiam D iehl, n a o bra intitu lad a P r im ai fe a r , reg istra um
d iálo go interessante, ilu strativ o d o assunto d e que estam o s tra­
tand o :

A d v o g ad o — O sistem a ju d icial não q u er saber se o réu é


culp ad o o u ino cen te. Eu tam b ém não . To d o réu, ind ep en­
d ente do que fez, m erece a m elho r d efesa que po ssa ter.
In t e r lo c u t o r — O que acha d a verd ad e?
A d v o g ad o — Verd ad e? Q u e tip o de verd ad e?
In t e r lo c u t o r — N ão sei quantas verd ad es há. N ão ach a que
só h á uma? Q u al é a co rreta?

3
A d v o g ad o — Só há um a v erd ad e. A m inha v ersão . A q u ela
que crio nas m entes d o s doze ind iv íd uo s do jú ri. Se quiser,
p o d e cham ar isto de “ ilusão da verd ad e” .1

Este 6 um exem p lo de co m o o d iscurso 'ju ríd ico tem po r


o b jetiv o , co m o uma p arte essencial, a persuasão ,: õ "ad v o gad o
arg um enta para c o n v e n c e r o interlo cu to r, assim co m o p ro m o ­
to res e d efenso res p retend em c o n v e n c e r os recep to res de seus
d iscurso s. N o trecho citad o , a fu nção cap ital d a persuasão fica
ev id en te ao co nsid erarm o s que d ela d ep end e o d estino do réu,
o u d o c lien te do ad v o gad o e, po r co nseq ü ência, d ela d ep end e a
ap licação do D ireito . Em c erto sentid o , a persuasão supera a
im p o rtância dos testem unho s e das pro v as, à m ed id a que nela
se ex erc ita p lenam ente a v o n t a d e de quem d iscursa, o u seja,
trata-se de uma ação d eliberad a p ara d efend er os interesses de
uma p arte — réu, c lien te o u a so cied ad e — mais do que um
instru m ento d e inv estig ação e esclarecim ento da verd ad e dos
auto s. Este é um p o nto m u ito im p o rtante, e d ev e ser interp re­
tad o cuid ad o sam ente; afinal, o que se afirm a é que no tribu nal
d o jú ri cad a uma das partes está em b usca de alcan çar um d eter­
m inad o resultad o , ab so lv ição ou co n d enação , e para isso fará
as interp retaçõ es dos fato s d e m o d o a b eneficiar uma o u o utra
causa, mais do que p ro curar estab elecer um a verd ad e em p írica
so bre as circu nstâncias.
O d iscurso , para além d esta d im ensão , mas n a m esm a p ers­
p ectiv a d a necessid ad e de ating ir d eterm inad o s o b jetiv o s, de
d efend er os interesses de alguém , p retend e co m p ro m eter id eo ­
lo g icam ente o seu recep to r. O d iscurso fascina, seduz. N o e n ­
tan to , esse caráter da fala dos ad v o gad o s p recisa ser co m p reen­
d id o co m clareza; é necessário ter sem p re em m ente as ressalvas

1 W ílliam D ie h l, P r im ai f e a r , p. 78. Trad u ção no ssa. O te x to m e n c io n a doze

ind iv íd u o s n o jú ri p o rque se trata d o sistem a ju d ic ial n o rte -am e ric an o .

4
que d ev em ser feitas às premissas do D ireito , para que não se­
jam interp retad as literalm ente. Isto ap arece co m m aestria no
trecho a seguir, de Jo sé Ro b erto Baraúna:

A s partes (acu sação e d efesa) têm inteira liberd ad e de in ­


terp retar a p ro v a e de tirar as co nclu sõ es que entend erem ;
o que não p o d em é falsear a verd ad e, lend o o que não está
escrito (cf. artig o 476, parágrafo ú nico , do C PP) ou c itan ­
do o que não fo i d ito . O p rincíp io da leald ad e pro cessual
im ped e p ro ced im ento dessa natureza.
Po d em e d ev em as p artes, tam bém , exam inar o D ireito
ap licáv el e a jurisp rud ência fo rm ad a so bre ele. Em bo ra não
se d uvid e que o juiz c o n h eç a o D ireito , nu nca é d emais
alertá-lo para os asp ecto s da herm enêu tica ju ríd ica ou para
caso s sem elhantes d ecid id o s pelo s tribu nais.2

A ssim , fica ev id ente a relev ância da análise do d iscurso


juríd ico em term o s de seus elem ento s de persuasão e sed ução .
Este liv ro se c o n cen trará no caráter sed uto r d o d iscurso no s
tribunais d o jú ri, e é em busca d a d eterm inação de sua im po r­
tância e de co m o esse asp ecto se articu la na p rática do D ireito
que os seus cap ítulo s se d esenv o lv em .

1. Delimitação d o o b j e t o d e p e s q u is a

O D ireito é um a c iên c ia bastante co m p lexa; d iv id e-se em


d iferentes categ o rias e é fo rm ad o por v ário s sistem as. O seu
exercício , d o m esm o m o d o , se d á atrav és d e d iversas m aneiras.
Esta co m p lexid ad e bro ta da varied ad e mesma dos fato s que co m ­
põ em o m und o d e relaçõ es entre os seres hum ano s, co nfo rm e

2 Jo sé R o b e rto Baraú na, L iç õ e s d e p r o c e s s o p e n al, p. 38.

5
os interesses ind iv id uais o u grupais, as no rm as d e co ex istên c ia,
a rep aração de m ales. Em o utras palav ras, o D ireito se d esd o bra
para atend er às d em and as m ais variad as que se ap resentam no
atend im ento dos im p erativ o s d a ju stiça.
N esse c o n texto tão variegad o , era preciso d esenv o lv er no s­
sa pesquisa so bre a fala dos pro fissio nais do D ireito num cam p o
m eno s amplo . E assim que fizemos uma primeira d elim itação ,
o p tand o po r estud ar o d iscurso ju ríd ico d entro do D ireito Penal.
N este, é bastante ev id ente a relev ância que tem a sed ução por
m eio da palav ra so bre as d ecisõ es finais da ju stiça. A ap licação
do D ireito Penal nu nca se lim ita ao exam e das pro vas m ateriais e
técnicas dos caso s em co nsid eração . Seu exercício d ep end e so ­
bretud o da habilid ad e em argum entar de cad a uma das partes. O
D ireito Penal é essencialm ente d iscursivo . Isso não quer dizer
que em outras áreas do D ireito o discurso não tenha nenhum a
im p o rtância —- ad vo gar é sempre, de uma ou de o utra m aneira,
falar em lugar de alguém , em no m e de alguém; a d em arcação
pro po sta tem por o b jetiv o p ro p iciar uma visão mais clara so bre a
im p o rtância da sed ução no d iscurso , acim a de tudo.
Para um a segund a d elim itação do cam p o d e p esquisa, bus­
cam o s, no interio r do p ro cesso p enal, o esp aço em que se po d e
p erceber da m aneira m ais clara o ex erc íc io d o p o d er d e p ersua­
são e d e sed ução dos ad vo gad o s e p ro m o to res. D este m o d o , fo ­
mo s lev ad o s a co n cen trar a atenção ^so bre os d ebates entre acu­
sação e d efesa no s tribunais d o jú ri, pois são neles, sem d úvid a,
que mais intensam ente se articu lam e se batem as habilid ad es
dos pro fissio nais do D ireito , env o lv id o s na tarefa de co nd uzir
um co rp o de jurad o s rum o a um a d eterm inad a d ecisão .
O co n v en cim en to po r m eio da sed ução é uma arte capaz
de v alid ar argum ento s b astante variad o s. N o caso do tribu nal
d o jú ri, o nú cleo d o d eb ate entre acusação e d efesa é p ro v ar se
o réu rep resenta ou não um risco à so cied ad e; c o n v en cer o júri
a d ecid ir de uma o u de o utra fo rm a é o o b jetiv o mais relev ante
no d iscurso de cad a p arte.

6
A ssim , po d em o s d em arcar as questõ es que trabalham o s
neste liv ro a p artir dos seg uintes elem ento s: a co nstru ção dos
d iscurso s d e acu s ação e d efesa, end ereçad o s ao júri.; os e l e m e i v
to s retó rico s que co m p õ em esse d iscurso ; o p eso d o d iscurso na
d ecisão , a fo rça de influ ência que o d iscurso tem so bre o ju lg a­
m ento a ser realizad o p elo s jurad o s. D este m o d o , d urante a p es­
quisa reco lhem o s arg um ento s d e p ro m o to res e ad v o gad o s, e x ­
p o nd o -o s aqui co m a finalid ad e de exp licitar seu po d er de p er­
suasão e de sed ução — co m ênfase no ú ltim o , co m o m e n c io n a­
mo s antes — no interio r d o p ro cesso p enal.

2 . S e d u ç ã o , o te m a

D o is ho m ens d iv id em uma cela. U m d eles é p risio neiro


p o lítico e seu no m e é V alen tin. O o utro , M o lina, fo i preso so b
a acusação de co rro m p er m eno res. O lugar é im und o , a c ela é
o bscura, fétid a e p eq uena d em ais para duas pesso as. O c u b íc u ­
lo , de fato , m al abriga os d o is. E quase im p o ssív el v iv er ali d en­
tro . U m dos enjaulad o s, no en tan to , rejeita o encarceram ento
de sua m ente; pelo m eno s em esp írito , en c o n tra uma fo rm a d e
estar d o lad o de fo ra, liv re d o s muro s d a cad eia: ele so nha,
relem bra histó rias que v ira no cinem a e as narra ao co m p a­
nheiro , acrescentand o bo as d o ses de im ag inação e criativ id ad e.
N esta co nv iv ência, fund ad a so bre a p riv ação da liberd ad e e a
narrativ a de av enturas o n íricas, cad a um rev ela um p o u co d e si
mesm o , o v íncu lo entre os p risio neiro s se ap ro fund a p o u co a
p o uco .
Estes são os elem ento s que fu nd am entam a tram a do ro ­
m ance O b e i j o d a m u l h e r a r a n h a , do escrito r arg entino M anu el
Puig. Sua narrativ a se co nfig ura co m o um grand e jo g o de p ala­
vras, co nstruíd o num a situ ação análo g a ao s d ebates p raticad o s
no s tribunais do jú ri: a ling uag em é cuid ad o sam ente m anip u la­
da para que se esfume a d istinção entre a vid a dos p erso nag ens
e as histó rias que são co ntad as. A o lo ng o d e to d a a o bra, cad a

7
p o rm eno r tem sua relev ância esp ecífica e, aind a que às vezes
p areça d escuid ad am ente atirad o num a frase, rev este-se de sig ­
nificad o s pro fund o s. O cinem a, que rege as co nv ersas d o s p re­
sos, perpassa to d o o liv ro : ali enco ntram o s, assim, o relato de
d ram alhõ es barato s, co m éd ias, ro m ances, film es reais e o utro s
que nu nca existiram , os m ais variad o s sím bo lo s e estereó tip o s
da sétim a arte. São to d o s elem ento s que Puig trab alha para
co m p o r o p ainel que rep resenta as duas existências ali ap risio ­
nad as.
Q uase to d o s os cap ítu lo s do ro m ance são d iálo g o s en tre os
d ois presos. N ão há d escriçõ es d etalhad as do am b iente, nem
narrativ as lo ngas. A o fund o , co m o su b texto , em erg e p ro g ressi­
v am ente o c o n tex to so cio p o lítico e a p erso nalid ad e dos preso s,
am bo s v ítim as de um sistem a p enal, ju ríd ico e p o lític o v io le n ­
to , arbitrário , d esp ó tico e inquisicó rio . A m ed id a que a relação
entre os co m p anheiro s se estreita, eles m o stram grad ativ am ente,
um ao o utro , um p o uco de seus mund o s, suas crenças, seus rela­
cio nam ento s amo ro so s. A nam o rad a de V alentin se cham a Inês,
e m ilita p ela rev o lução ; ele tem tam b ém um a am ante, M arta,
que p ertence à burg uesia, m as eles não se v êem há anos.. N o
início , V alentin o cu lta a v erd ad e e esco nd e suas em o çõ es; hesi­
ta em falar so bre assunto s p riv ad o s. Ele só rev ela a M o lin a seus
v erd ad eiro s sentim ento s q uand o já estão b astante íntim o s. Po r
sua vez, M o lin a lhe fala so bre sua m ãe e c o n ta a histó ria d e sua
p aixão po r um g arço m , em o utro s tem p o s.
O ro m ance de Puig c ab e neste liv ro p o rque ilustra d e m a­
neira exem p lar o p ro cesso d e sed ução p o r m eio das p alav ras.
M o lin a d eseja seduzir seu co m p anheiro de c ela e, para alcançar
essa m eta, utiliza a estratég ia de narrar histó rias co ntad as no
cin em a. D esta fo rm a, ele e x c ita a im ag inação d e V alen tin .
M o lin a usa e abusa dos artifício s d a sed ução . Fic a m uito claro
que ele estabeleceu um o b jetiv o a co nq u istar e execu to u um
p lano nitid am en te calcu lad o .

8
Em O b e i j o d a m u l h e r a r a n h a o co rre, p o r fo rça do d iscurso ,
a ap ro xim ação e o cho q u e en tre dois univ erso s pesso ais d ife­
rentes. To d a a fo rça d ram ática e a estrutura da o bra se ap o iam
na pro fund a d isp arid ad e d e sentim ento s, crenças e id eais que
existe entre V alen tin e M o lin a. Para M o l in a, to d a co m u n ica­
ção se dá no p lano da sensibilid ad e; V alen tin busca semp re es­
quem as an alític o s p ara ap lic ar à realid ad e. O p rim eiro é
d etalhista ao se exp ressar; o segund o p refere a síntese. M o lina
simbo liza a em o ção , os sentim ento s, o d esejo ; V alen tin , a ra­
zão, a d o utrina, a ética. M o lin a se entreg a à fantasia, quer se
d ed icar ao prazer, a suas ilusõ es am o ro sas; V alen tin é d o m inad o
pela ló g ica rígid a, entreg a sua vid a à rev o lu ção , a id eais p o líti­
cos e so ciais, à uto p ia. M o lin a é co ração e co rp o ; V alen tin , c é ­
rebro e m ente. U m rep resenta o estereó tip o do univ erso fem i­
nino , ap arentem ente mais sensív el e su b jetiv o ; o o utro , o do
universo m ascu lino , ap arentem ente mais c ien tífic o e o b jetiv o .
Perceb e-se, enfim , o q u anto estão d istantes, inicialm ente,
os seus univ erso s. A ind a assim, ap enas p o r m eio da fo rça da
estru tura d e seu d iscurso , M o lin a co nseg u e fazer c o m que
V alentin ingresse na sua realid ad e e so fra um a m ud ança rad ical
em seu co m p o rtam ento e em sua fo rm a d e encarar a realid ad e.
Seu univ erso se transfo rm a.
M uitas vezes, basta transp o rtar um a p esso a de um am b ien­
te para o utro para que ela m ud e d e o p inião . Po d em o s, p o rtan­
to , m arcar aqui a c o n cep ç ão de s e d u z ir co m o “ tirar do c am i­
nh o ” , co m o faz M o lin a em relação ao seu co leg a de cela. O
emisso r seduz quand o transp o rta o recep to r para o seu univ er­
so. Sed uzir é, em certo sentid o , d esv irtuar. E exatam ente isso
que M o lin a faz ao seduzir V alen tin : tira-o do cam inho que ele
hav ia estab elecid o para si e o co nd uz p elo cam inho d esejad o ,
aquele que p ro v o cará certo s sentim ento s, que o lev ará ao seu
universo . E é tam b ém o que ac o n tec e n o tribu nal do jú ri: o
f advo gad o ou p ro m o to r, para c o n v en cer os jurad o s de sua tese,
] d eve transp o rtá-lo s ao seu im ag inário , fazê-lo s enxerg ar o que
'\^ele quer que enxerg uem .

9:
V ejam o s ago ra co m o se d á esse len to e grad uai p ro cesso de
m ud ança d e atitud e em O b e ijo d a m u lh e r ar a n h a . A co m p anhar
essa transfo rm ação vai no s p erm itir d elim itar as características
mais im p o rtantes do d iscurso seduto r.

0 estímulo dos sentidos

O p rim eiro p o nto essencial d o d iscurso que visa a sed ução


é a sua característica de ser um a [co m u nicação d irecio nad a so ­
bretud o a estim ular os sentid o s e d esp ertar sentim ento s, m uito
mais d o que a falar à raz ão ?D esta fo rm a, o d iscurso sed uto r não
resp eita necessariam ente os pad rõ es d a ló g ica fo rm al, pois não
visa d e m o n st rar algo e sim in f l u e n c i a r pesso as. Para isso, o d is­
curso d ev e se rev estir de elem ento s ag rad áveis, c o m palav ras
carreg ad as de p o esia e sentid o s en ig m ático s. N ão d ev e ser
co nstruíd o a p artir das balizas da co ncisão e d a o b jetiv id ad e; ao
co ntrário , d ev e se basear na su bjetiv id ad e e nas d iferentes m a­
neiras de m o bilizar as em o çõ es, d ev e se estend er no que fo r
necessário para produzir uma exp o sição o rnam entad a e c o lo ri­
da so bre o assunto em questão . Para seduzir, o d iscurso p recisa
ter mais d e so no rid ad e do que d e ç o n c aten aç ão .
— -- -*r_. ■ - — —...—
O po d er do d iscurso de M o lin a so bre V alen tin — ex erc i­
do d iretam ente so bre as em o çõ es d o recep to r, e não so bre a
razão — po d e ser p ercebid o n o trech o a seguir, em que M o lina
d escrev e uma c ena em que um a jo v em está sentad a no zo o ló g i­
co , d esenhand o uma p antera:

— N ão tem g ente no jard im zo o ló g ico nesse dia?


— N ão , quase ning uém . Faz frio , é inv erno . A s árvo res do
p arque estão d escascad as. So p ra um v en to frio . A jo v em é
quase a ú nica pesso a, lá sentad a n o b anq u inho d o bráv el
que ela m esm a traz, e p rancheta para ap o iar a fo lha de
d esenho . U m p o uco m ais ad iante, p erto d a jau la das g ira­

10
fas, há umas crianças co m a pro fesso ra, m as v ão em bo ra
depressa, não ag ü entam o frio .
— E ela não sente frio ?
— N ão , nem se lem bra d o frio , está co m o que em o utro
m und o , co ncentrad a, d esenhand o a p antera,
— Se está c o ncen trad a não está em o utro m und o . Isso 6
uma co ntrad ição .
— Sim , é verd ad e, está c o ncen trad a, m etid a no mund o
que existe d entro d ela p ró p ria, e m al c o m eç a a d esco bri-
lo . Está c o m as p ernas cruzad as, o s sap ato s são p reto s, de
salto alto e grosso, sem b ic o , ap arecem as unhas p intad as
de escuro . A s m eias são b rilhantes, d aquele tip o de m alha
cristal de seda, não se sabe se o co r-d e-ro sa é da carne, o u
d a m eia.
— D esculp a, mas lem bra d o que eu te falei, não faça d es­
criçõ es eró ticas. N ão co nv ém , sabe.3

Fica ev id ente na ú ltim a fala de V alen tin o p o d er senso rial


e sentim ental exercid o p elo d iscurso de M o lina, cheg and o m es­
m o a criar em sua m ente im ag ens eró ticas. N ão é a razão de
V alen tin que se co m o v e (e é seduzida) p elo d iscurso de M o lina,
mas sim seus sentim ento s e sentid o s.

0 poder da imaginação

O d iscurso .sed uto r tem a c aracterístic a essencial n ão ap e-


nas de estim ular os sentid o s e as em o çõ es do recep to r, mas tam ­
bém de incitar a sua jm ag in aç ão . A o utiliz ar as p alav ras co m a
finalid ad e de seduzir, o em isso r d o d iscurso d ev e buscar o rd ená-
las e d ar-lhes fo rm a v ero ssím il, de m aneira a fazer c o m que o

3 M an u el Puig, O b e ijo d a m u lh e r a r a n h a , p. 7-8.

11
recep to r recrie era sua m ente as im agens e sensaçõ es transm iti­
das p ela fala.
O d esafio d e quem busca seduzir atrav és d o d iscurso c o n ­
siste em fazer das palav ras im agens, o que se o b tém p o r m eio de
d escriçõ es de d etalhes que p rend em a aten ção d o recep to r, das
p equenas co isas que co m p õ em um cenário e que exercem atra­
ção so bre quem o uve.

— E o rapaz está tão d ep rim id o que o que ele faz na festa é


lev ar uma garrafa de co nhaq u e para um q uarto , b em , não
te disse que a c en a se passa num a v ila de so nho , no s arre­
d o res d e M o n te C ario , d aquelas casas da R iv iera que são
d e um lu xo inacred itáv el, co m escad arias no s jard ins, e
sem pre co m ad o rno s nas balaustrad as e naq uelas escad ari­
as que te c o n tei, umas taças grand es de ped ra, co m o vaso s
d e p lantas, umas taço nas, co m belas p lantas que crescem
p o r d entro , quase sem pre cacto s g ig antesco s ( ...) .
— C o n tin u a co ntand o .
— Bem . A í ele se en c o n tra co m aquela m u lher eleg antér-
rima. Te d irei que ela é bastante madura, uma m ulher m uito
viv id a.
— C o n ta co m o ela é fisicam ente.
— N ão é m u ito alta, um a atriz francesa, mas p eitud a, mas
m ag ra ao m esm o tem p o , d e cintu ra fina, um v ertid o de
n o ite bem cintad o , e d eco te b aixo , sem alças, d aqueles
d eco tes arm ad o s, lem bra?
— N ão .
— Sim , rapaz, d aqueles que p arecia que os p eito s estav am
num a band eja.
— N ão m e faz rir, p o r fav o r.
— Eram uns d eco tes d uro s, arm ad o s co m aram e p o r d en­
tro d o p ano . E elas m uito tranqüilas: sirv a-se de um a teta,
m eu caro senho r.

12
— Te p eç o , n ão faz rir.4

M o lin a busca env o lv er o recep to r d e seu d iscurso po r m eio


cie d escriçõ es elabo rad as e viv as. Q uer fazer V alen tin enxerg ar
a cena exatam en te co m o ele a im ag ina, quer transp o rtá-lo ao
seu univ erso im ag ético .

A linguagem kitsch

A ling uag em utiliz ad a p o r M o lin a é b astante co lo q u ial,


algumas vezes c h u la e, não p o r acaso , k it s c h . N isto resid e um
p o uco d o charm e sed uto r qu e a narrativ a c o n tém ; v ejam o s
po r quê.
O k it s c h é algo p ro fund am ente ligad o ao rep ertó rio sen ti­
m ental d o ho mem, latino . A s te l e n o v e las , tão po p ulares, e os
filmes do esp anho l Ped ro A lm o d ó v ar, co m o A flo r de m e u s e ­
g r e d o , T u d o s o b r e m in h a m ãe e F ale c o m e la, co rro bo ram essa
visão. A linguagem k it s c h é, em certo sentid o , a id eal para o
discurso sed uto r, p o rque não busca alim entar a atenção rac io ­
nal do recep to r, m a^ o ating e atrav és do uso d e sím bo lo s e refe­
rências fam iliares, lig ad o às v icissitud es da intim id ad e das pes­
so as n a so c ie d ad e , se m p re c o m e le m e n to s f a c ilm e n te
id entificáv eis p o r p arte d e quem o uv e o d iscurso .^
A s d escriçõ es exag erad as e o sentim entalism o barato , típ i­
co do k it s c h , estão p resentes no d iscurso que M o lin a utiliza para
seduzir V alen tin , co m o d em o nstra o trec h o a seguir:

— Ela aco rd a num a cam a m arav ilho sa, to d a de c etim c la­


ro, acho que seria entre ro sa v elho e esv erd ead o , cap ito nê,
co m lençó is d e cetim . Q u e p ena que alguns film es não

4 Idem, p. 101-103.

13
sejam co lo rid o s, não é? E co rtinad o de tule dos d o is lado s
d o d o ssel, entend e? E ela lev anta to d a ap aixo nad a e o lha
p ela jan e la, cai um a g aro a, v ai ao te le fo n e , lev an ta o
auricular e escuta sem querer ele faland o co m alg uém . Es-
tão d iscu tind o o castig o a ser d ad o a uns açam barcad o res e
m afio so s. E ela não po d e acred itar no que está o uv ind o
quand o ele diz que os co nd enem à p ena de m o rte, então
ela espera acabarem d e falar e quand o d esligam , ela tam ­
bém d esliga o ap arelho , para que não p ercebam que fico u
o uv ind o . D e rep ente ele ap arece no d o rm itó rio e a c o n v i­
da para to m arem ju nto s o d esjejum . Ela está lind a, refleti­
da no v id ro da jan e la to d o m o lhad o p o r causa d a garo a, e
p erg unta a ele se realm ente não tem m ed o d e ning uém ,
co m o d ev e ser o so ld ad o da no v a A lem an ha, o heró i de
quem falo u. Ele diz que pela p átria enfrenta q ualq uer d esa­
fio . Ela p erg unta então se é por m ed o que se m ata um in i­
migo ind efeso , p o r m ed o d e que num d ad o m o m ento os
papéis se inv ertam e tenham de enfrentá-lo , talv ez cara a
cara. Ele resp o nd e que não co m p reend e o que ela está d i­
zend o . Então mud a de assunto . M as, naq u ele d ia, quand o
fica so zinha, d isca o nú m ero do telefo ne do cap ang a para
entrar em c o n tato co m alg uém dos maquis e c o n tar o se­
gredo do arsenal. Po rque ao o uv ir que ele é capaz de c o n ­
d enar alguém à m o rte, ele se desmo ralizo u d iante d ela co m o
ho m em . E já vai ao en c o n tro de um cara dos m aquis, co m
ho ra m arcad a no teatro d ela, o nd e estão ensaiand o , para
d isfarçar, e ela av ista o ho m em que se ap ro xim a e ele faz o
sinal co m b inad o , quand o cheg a alg uém p elo co rred o r do
teatro vazio e cham a a senho ra Leni. E trazem um teleg ra­
ma de Berlim e ela é co nv id ad a para estrelar um grand e
film e no s m elho res estúd io s d a A lem anha, e lá m esm o
quem traz o co nv i te é um o ficial do g o v erno de o cu p ação e
ela não p o d e falar nad a co m os m aquis, e tem que co m eçar
im ed iatam ente os p rep arativ o s r a Berlim . G o sta?
— N ão , e já esto u co m so no . C o n tinu am o s am anhã, está
bem ?
— N ão , V alentin, se não g o sta não c o n to mais nad a.
— G o staria de saber co m o acaba.
— N ão . S e n ão g o sta, p ara q u e... j á e s tá b e m assim . A té
am an hã.
— A m anhã co nv ersam o s.
— M as so bre o utra co isa.
— C o m o quiser, M o lina.
— A té am anhã.
— A té am anhã.5

Essa fala d e M o lin a está c arre g ad a d e e le m en to s o bscuro s


e m isterio so s, co m o a luxúria, a o sten taç ão , a b isb ilh o tic e , o
crim e. São referências que n itid am en te buscam env o lv er o o u ­
v inte nu m clim a e ró tic o . A in d a q ue V ale n tin sinta rac io n al­
m ente a necessid ad e d e rejeitar aquele tip o d e en tretenim ento ,
a ling uag em de M o lin a co nseg u e to c á-lo a p o nto de fazê-lo se
afeiço ar por algo que sua razão rep ud ia.
N o sétim o cap ítu lo d e O b e ijo d a m u lh e r ar an h a, M o lin a
c anta um bo lero . A o o u v i-lo , V ale n tin co m eça a cho rar. Esta é
a chav e d a m ud ança d o ho m em d o u trinário e racio nal para
u m a p e sso a e m o tiv a, s e n s ív e l, h u m an a. Ev id ê n c ias d a
efetiv id ad e d a sed ução alm ejad a po r M o lin a.

Identificação e aproximação

N a ap licação da estratég ia que M o lin a esco lhe para c o n s­


truir seu d iscurso sed uto r, p o r m eio da narração d e histó rias do

5 Idem, p. 71-72.

15
cinem a, o p rim eiro film e co ntad o é real. Trata-se d e C a t p e o p l e ,
um clássico n o rte-am ericano , refilm ad o em 1982 co m o m es­
m o títu lo (em po rtuguês, A m a r c a d a p a n t e r a ) .
D urante a narração desse film e, V alen tin d em o nstra esp e­
c ial interesse p ela p e rs o n ag e m da arq u iteta, uma trabalhad o ra;
M o lina, po r sua vez, dá ênfase à p antera, po r quem cu ltiv a um
sen tim ento mais fo rte. Essas p re d il e çõ e s falam m uito so bre o s
afeto s dos dois preso s o u, em o utras p alav ras, so bre os asp ecto s
e co isas que mais to cam o esp írito de cad a um; elas rev elam , em
sum a, algo so bre o co ração d e cad a ho m em .
O trecho a seguir ilustra claram en te esta co nd ição :

— Está me o uvind o ?
— Sim , mas não sei po r quê, esta n o ite só faço p ensar em
o utra co isa,
— Em quê ?
— Em nad a, não co nsig o me co n centrar...
— V am o s, te abre um p o uco .
— Penso em. m inha co m p anheira.
— C o m o se cham a?
— N ão v em ao caso . O lh a, n u nca te falei d ela, mas p enso
sem p re nela.
— Po r que não escrev e ?
— C o m o é que v o cê sabe se ela não escrev e! Po sso te dizer
que receb o cartas de o u tra p esso a e são d ela. O u v o cê re­
v ista as m inhas co isas na ho ra d o b anho ?
— Está lo u co . M as é que v o cê n u n ca m e m o stro u carta
d ela.
— Bem , é que eu nu nca quero falar nisso , mas não sei,
ag o ra tin h a v o ntad e de c o m en tar uma c o isa... que quand o
v o c ê co m eço u a c o n tar que a p antera seguia a arq u iteta
fiq u ei co m m ed o .

16
— D e quê ?
— N ão fiquei co m m ed o po r m inha causa, mas p ela m i­
nha co m p anheira.
— A h ...
— Esto u m aluco , puxar um assunto desses.
— Po r quê? Fale se quiser...
— Q u and o v o cê co m eço u a co ntar que a p antera seguia a
m o ça, im ag inei que m inha co m p anheira estav a em p eri­
go. E m e sinto tão im p o tente aqui, sem co nd içõ es de av i­
sar que se cuid e, que não se arrisque d em ais.
— Te entend o .
— Bem , v o cê d eve im ag inar, se ela é m inha co m p anheira,
é p o rque tam bém está na luta. Em bo ra não d evesse te fa­
lar, M o lina.
— N ão se p reo cup e.6

N este trecho , a atenção , o interesse e o env o lv im ento de


V alentin são atraíd o s p ela narrativ a que o uv e, enxerg and o ali a
sua nam o rad a, na fo rm a de uma p erso nagem d a tram a ap resen­
tada por M o lina. A m o biliz ação dos sentim ento s de V alentin
o co rre a p artir do estab elecim ento de um a relação entre sua
realid ad e p esso al e o d iscurso recebid o . Esse env o lv im ento se
dá po r m eio d o p ro cesso de id entificação co m um o u mais per­
so nagens; isso não o co rre ap enas nas histó rias ficcio nais, mas
nas narrativ as em geral.
Este é (o utro elem ento fu nd am ental d o d iscurso seduto r,
para que seja efetiv o : ele d eve p ro m o v er uma id entificação sim ­
bó lica d o recep to r co m algo o u alguém que ap areçam na narra­
tiv a que o co mp õ e^jO co nteú d o da histó ria, do d iscurso , p reci­

6 Idem, p. 33.

17
sa incluir algo co m que o o u v inte po ssa se id entificar, uma situ ­
ação em que ele possa se im aginar.
Esse pro cesso , que p erm ite ao recep to r se id entificar co m a
m ensag em do d iscurso , é m uito im p o rtante d entro d o tribunal
do júri. Para que o júri d eclare o réu in o c en te, o ad v o gad o d eve
p ro m o v er ajklen tific aç ão entre cad a um dos jurad o s e seu cii-
ente^ D a mesma fo rm a, cab e ao p ro m o to r fazer os jurad o s se
id entificarem co m a v ítim a e seus fam iliares, para que, d esta
fo rm a, co nd enem o réu.
A ind a a p artir d o trech o citad o , p ercebem o s que V alentin
c o m eça a co m p artilhar co m M o lina um p o uco de sua histó ria
pesso al. Percebe-se a ap ro xim ação que é p ro m o v id a entre eles,
graças à estratég ia de M o lina. A p artir desse instante da narra­
tiv a, os perso nagens co m eçam a expo r, um ao o u tro , seu m u n­
d o , suas p aixõ es e f ilo so f ias. V alentin co m eça a f alar so bre as
pesso as e co isas mais im p o rtantes de sua vid a: a co m p anheira, a
am ante, a mãe, a luta armad a. O discurso se encarreg o u de ap ro ­
xim ar dois universo s tão d istantes.

AS í1i f i i .• i,•lu.íuiiii
A o narrar um segund o film e, M o lin a inv enta a histó ria de
um a canto ra francesa que se ap aixo na po r um so ld ad o alem ão
em p lena Seg und a G u erra M und ial. O u seja, ela trata d o am o r
entre duas pessoas d e id eo lo g ias e visõ es de m und o c o m p leta­
m ente d iferentes.
A tram a criad a p o r M o lin a é mais uma ev id ência de sua
estratég ia sed uto ra. Fica su bentend id o , no relato so bre o am o r
entre a francesa e o nazista, que o o b jetiv o de M o lin a é d e­
m o nstrar a V alen tin que duas pessoas co m p letam ente d iferen­
tes po d em se amar. Trata-se d e uma mensag em im p lícita. A q u ilo
que p o d eria ser feito p o r m eio da d em o nstração , po r m eio de
argum ento s ló g ico s que sustentassem a tese, é feito po r m eio de
um a narrativ a em que a tese está im p lícita. A narrativ a é a

18
pró pria arg um entação . É uma m ensag em trabalhad a p o r M o lina
para c o n v en cer V alen tin , p ara sed uzi-lo a ac eitar a c o n ju n ç ão
carnal co m ele. Trata-se de m ais um a das ferram entas do d is­
curso d e sed ução .

Conhecimento do universo pessoa! do receptor

O film e seg uinte tam b ém é esco lhid o po r M o lin a corri um


p ro p ó s ito bastante esp ecífico . Trata-se d e u m f ilm e e m q u e o
p erso nag em central é um jo v em burguês de id éias re v o l u ci o n á ­
rias, que aband o na sua v id a de co nfo rto e lu xo para se ju n tar a
terro ristas. U m film e p o lítico , p o rtanto , que d ev eria agrad ar ao
go sto d e V alentin , co m o se p ercebe no trec h o a seguir:

— O que é q ue v o c ê vai m e c o n tar;


— U m film e, e ten h o ccrtez a que vai gostar.
— A i... É fo d a!...

— C o n ta, não tem im p o rtância que eu m e q u eixe, p o d e


co ntinuar.
— Bem , co m eça o nd e fo i que ac o n tec ia? Po rque ac o n tec e
em m uito s lug ares... M as antes de m ais nad a quero escla­
recer um a co isa: não é um film e que eu g o ste.
— E então ?
— - É desses film es que agrad am ao s ho m ens, p o r isso v o u
te co ntar, v o cê está d o ente.
— O brig ad o .7

M o lin a ten ta p o litizar as p erso nag ens p ara to rná-las mais


p ró xim as de V alentin e atrair a sua aten ç ão . A p lic a na p rática,

■ ' Idem, p. 100.

19
no d iscurso , o c o n h ec im en to q ue já po ssui so bre a p erso nalid a­
d e e o rep ertó rio d e'V alentin, seu recep to r. H á um a hibrid ização
da ling uag em , que M o lin a usa inv entand o cenas a p artir d o
c o n h ec im en to da p erso nalid ad e de V alen tin , co m o o b jetiv o
de seduzi-lo. M o lina m o d ifica a narrativ a para que esta se ad ap te
ao d iscurso , ou m elho r, para que ela sirv a m elho r aos p ro p ó si­
to s d e sua fala.
N o en tan to , o efeito v isad o é fazer co m que V alen tin e n ­
care fro ntalm ente sua co nd ição . N ã o se trata mais de m era id en­
tific ação , mas sim de refletir, p o r m eio da narrativ a, a pró pria
p erso nalid ad e d e V alentin, para que ele possa en xerg á-la co m
d istanciam ento . O resultad o é que, de to d as as tram as co ntad as
po r M o lina, esta é a que m eno s co nq u ista a atenção d e V alentin.

— G o sta d o film e?
— Esto u m eio d istraíd o . M as and a, acaba d epressa.
— Então v o cê não go sta.
— Diz em p o ucas p alav ras co m o acab a.8

O que atrai, o que seduz, p arece nu nca ser aq uilo que é


sem elhante. O v elho d itam e p o p ular so bre a atração d o s o p o s­
to s p arece ser m ais uma vez c o rro b o rad o íO d iscurso , se quiser
seduzir, d ev e o ferecer ao recep to r algo d iferente do seu rep ertó ­
rio . N esse sentid o , faz-se necessário que o em isso r c o n h eç a o
univ erso pesso al d o rec ep to ry '

0 desfecho
O tem p o passa, e um d ia M o lin a e V alen tin se u nem car­
nalm en te. Entre eles ho u v e um a transfo rm ação fu nd am ental,

8 Iderrt, p. 106.

20
m uito além do sim p les ato sexual; há um a m ud ança rad ical de
co m p o rtam ento , de p o nto s d e v ista, tud o p ro v o cad o pelas su­
cessiv as narraçõ es d e M o lin a. O exem p lo m ais g ritante d essa
co nv ersão se rev ela quand o V alentin d ecid e escrev er para M arta,
sua am ante, uma das m u lheres por quem fo i ap aixo nad o .9 A o
red igir a carta, V alen tin ad o ta uma ling uag em k it s c h , m elo d ra­
m ática. M arxista ferrenho , ago ra ele clama, po r Deus. O ep isó ­
dio rep resenta sim b o licam ente a passagem de V alen tin para o
univ erso de M o lina.
V alen tin se entreg a ao d esejo quand o M o lin a co m p leta a
sua série de narrativ as co m um film e que se passa no H aiti. E
uma av entura c h eia d e rituais vod us, exp lo ração de escrav o s,
perip écias am o ro sas e carnais. V alen tin, ao o uv ir a histó ria, está
ago ra exclu siv am ente v o ltad o para enco ntrar o prazer ali m en ­
cio nad o , v iv er as em o çõ es narrad as.
N o fim do .ro m ance, Puig ratifica a transfo rm ação que os
p erso nagens so freram . M o lin a, que em o u tro m o m ento do li­
vro p rev ira o p ró p rio sacrifício , entra na luta armad a e m o rre
em d eco rrência dos co nflito s em que ele e os rev o lucio nário s se
env o lv em . V alen tin , po r sua vez, co n tinu a preso . N o cárcere, é
to rturad o e d ro gad o ; em seus d elírio s, im ag ina estar na m esm a
praia do H aiti que ap arecia na h istó ria co ntad a po r M o lina. Ele
se refugia, assim, num p araíso im ag inário , mas m uito carnal,
lugar em que se d esenv o lv e o am o r entre ele e seu c o m p anh ei­
ro de cela. A o co n clu ir d essa m aneira, Puig ressalta a co m p leta-
inv ersão dos univ erso s p esso ais de seus p erso nagens.
O b e ijo d a m u lh e r a r a n h a se co nstró i so b o sig no da teia.,
sím bo lo p o d ero so que não só o títu lo ev o ca, mas tam b ém o
pró prio m o d o co m o fo i narrad o o relacio nam ento entre os p ri­
sio neiro s. O p ro cesso de M o lin a para seduzir V alen tin — o tra­
balho de env o lv ê-lo em sua teia — é um a o bra de m inúcias,

9 Idem, p. 154.

21
v isand o um o b jetiv o am b icio so . A ssim co m o a teia de seu d is­
curso env o lv e seu co m p anheiro de c ela, tam bém o d iscurso dos
ad vo gad o s e p ro m o to res no tribu nal d o jú ri d ev e env o lv er os
jurad o s em uma teia, m inu cio sam ente co nstruíd a, de gesto s,
palavras, inflexõ es e arg um ento s.
Para to rnar m ais clara esta id éia, reunim o s no cap ítu lo se­
g uinte uma série de exem p lo s, to d o s retirad o s do cinem a, em
que o d iscurso ju ríd ico é p raticad o co nfo rm e o im p erativ o de
co n v en cer um grupo de jurad o s so bre a in o c ên c ia o u culp a de
um réu. A ind a que sejam aleg o rias, é m esm o po r esse caráter
que serão úteis p ara entend erm o s m elho r os elem ento s que
co nd icio nam a elab o ração d as falas d e ad v o gad o s e p ro m o to res
no tribu nal do jú ri. Talv ez o s leito res tenham v isto alguns ou
to d o s eles. Tem o s certez a de que, tend o o leito r assistid o à p ro ­
d ução de que estiv erm o s faland o , terá a serv iço de seu in telecto
o c o n ju n to de im pressõ es q u e tev e, as lem branças das im agens
que p resencio u , da trilha so no ra que ap recio u, das ev o caçõ es
estim ulad as pelas cenas v istas, na ép o ca e que asso m am n o v a­
m ente no p resente, talv ez até ampliad as co m o passar do tem p o .

22
C a p í t u l o II

A vida desfila diante do júri

A p resentam o s a seguir alguns film es, reunid o s p elo c rité ­


rio de serv irem para ev id enciar exem p lo s d a sed ução em trib u ­
nais d e jú ri. São to d o s no rte-am ericano s, p o r razõ es fac ilm en te
exp licáv eis. Em p rim eiro lugar, p o rque o v o lu m e de film es p ro ­
duzido s so bre o tem a no s Estad o s U n id o s é am p lam e n te sup eri­
o r ao d e qualquer o u tro p aís e, d ev id o ao c o m p e te n te arranjo
co m ercial p ara d istribuição e ex ib ição , ating e m ac iç am ente o
p úblico brasileiro . Em segund o lugar, p o rque os film es no rte-
am ericano s aind a estão v inc u lad o s à v isão ro m an c e ad a d o s ju l­
g am ento s, quase sem pre term inand o num ro sário lacrim o so e
em o cio nal. A trav és d e seus excesso s, d esta fo rm a, p o d erem o s
enxerg ar mais facilm ente os elem ento s básico s d o d iscurso ju rí­
d ico usado p ara c o n v en cer o co rp o d e jurad o s. A lém dos m o ti­
vos já exp o sto s, esco lhem o s os film es no rte-am ericano s po rque
o bserv am o s que a sed ução é um elem ento c o m que os d ireto res
d aquele país fazem questão d e trab alhar — o que refo rça de
certa fo rm a a no ssa tese, que não é p ro p riam ente a análise dos
m eand ro s d o p ro ced im ento do p ro cesso p enal, m as a análise da
sed ução d entro desse m esm o p ro cesso p enal.
Ev id entem ente, h á d iferenças eno rm es en tre o p ro cesso
- p enal brasileiro e o no rte-am ericano . En tretan to , essas d ife-
., renças não são sig nificativ as p ara o no sso in ten to , p o is a dis-
: cussão aqui p ro m o v id a, em bo ra v ise o âm b ito ju ríd ico , p riv ile-
V gia o asp ecto sed uto r da ling uag em , que se m anifesta d e fo rm a
b astante ev id ente no d iscurso d esses ad v o gad o s e p ro m o to res
da ficção . Ficção esta que não é mais im p ressio nante d o que a
realid ad e. A realid ad e é aind a mais rica em exem p lo s da sed u­
ção ap licad a pelo s p ro fissio nais d o D ireito no trib u nal d o jú ri.
M as o estud o desses film es no s p erm ite ev id en ciar de fo rma
mais clara a p erfo rm ance de ad vo gad o s e p ro m o to res no p lená­
rio e o s recurso s retó rico s — q u e são os m esm o s, s e ja n o D ireito
brasileiro ou no no rte-am ericano — d o s quais eles se valem
p ara seduzir os jurad o s. A s d iferenças en tre os sistem as ju ríd i­
co s não se co lo cam co m o o b stácu lo , po is en tre a p rática usual
d o D ireito brasileiro e a que é retratad a p elo s film es n o rte-am e­
ricano s não há d iscrep ância. Sed u ção hav erá o nd e ho uv er d is­
curso — no Brasil, no s Estad o s U nid o s o u em qualquer o utro
país o nd e pesso as tenham a p o ssibilid ad e de d ecid ir, a p artir
d os arg um ento s ap resentad o s po r o utras.

1. Tempo de matar
basead o em liv ro de Jo h n G risham . D i­
Fi l m e : T e m p o d e m a t a r ,
reção de Jo el Schu m acher. Estad o s U nid o s, 1996.
E le n co :San d ra Bu llo c k , Sam u e l L . Ja c k s o n , M atth e w
M cC o nau g h ey e Kev in Sp acey .
É p o ca: d écad a de 1980.
L o c al: a p equena cid ad e de C an to n , no co nd ad o d e M ad iso n,
M ississip p i, no sul dos Estad o s U nid o s.
d ois jo v ens b ranco s, co n hecid o s arruaceiro s, entram
E n re d o :
nu m a m ercearia da zo na rural e co m p ram c erv eja. To d as as p es­
so as que estão na m ercearia são neg ras. O s jo v en s ag em gro ssei­
ram ente, d errubam m ercad o rias no ch ão , o fend em as pesso as,
e saem , em d ireção a um a fazend a, alco o liz ad o s, num a cam i­
n h o n e te . N um a certa altura da estrad a rural que p erco rrem ,
d ep aram -se co m uma m enina neg ra, de dez ano s, lev and o c o m ­
pras p ara casa. Po r p ilhéria, atiram um a lata d e c erv eja na c a­
b eça 'da g aro ta, co m o v eícu lo em m o v im ento . A m enina d es­
m aia e a câm era d á um c l o s e no p aco te d e co m p ras caíd o na

24
estrad a, o vo s quebrad o s esp alhand o gemas e claras so bre a p o ­
eira av erm elhad a.
A c en a é co rtad a. A to m ad a seg uinte m o stra a m enina
send o am arrad a pelo s pés e p elas m ão s. O s d o is rapazes se rev e­
zam para estup rá-la. D ep o is p end uram -na p elo p esco ço num a
árvo re, mas o enfo rcam ento falha, po is o g alho se quebra, e a
m enina fic a estatelad a no ch ão .
N o v o co rte para três m enino s negro s co rrend o para casa.
Enco ntraram as co m p ras atirad as na estrad a e fo ram av isar a
mãe que a irm ã sum ira.
C o rte. O p ai é cham ad o no trabalho . C heg a em casa q u an­
do a m enina já tin h a sid o resgatad a — está m u ito ferid a, tem
co rtes no ro sto e nas p ernas, os pulsos estão m achucad o s. E um
trapo.
N o v a cena. O xerife, ho m em neg ro , co rp u lento e m al-
hum o rad o , lo caliz a a c am in h o n ete em frente a um bar. En c o n ­
tra um dos sap ato s, d a m enina na carro ceria. Prend e o s d o is
jo v ens, d epo is de um d iálo g o racista.
M ais um co rte. O pai p ro cura um ad v o g ad o , b ranco , co m
quem tem relaçõ es d e amizad e.

D i ál o g o i l u s tra ti v o :

Ja k e (o ad v o gad o ) — C o m o está ela?


C ar l L e e (o p ai) — O h ! Se ag üentand o . Eles a m assacra­
ram pra valer.
Ja k e (co m p u ng id o ) — ...
C ar l L e e — V o cê se lem bra d aqueles qu atro g aro to s b ran­
co s que estup raram uma m enina neg ra, no ano passado?
Ja k e — Sim .
C arl L e e — Eles fo ram ino centad o s, não fo ram ?
Ja k e — Sim .

25
C arl L ee — Jake, se eu ficasse en c ren c ad o v o cê me ajud a-
ria, não ajud aria?
Ja k e — C laro , C arl Lee. D e q u e e n c re n c a v o cê está fa­
land o ?
C arl L ee — V o cê tem um a filha, jak e . O que v o cê faria?

R esu m o da seq ü ência: os d o is jo v ens são retirad o s da cad eia


para a au d iência p relim inar. Q u and o entram no p réd io do tri­
bunal, C arl Lee surge co m um rifle d e rep etição nas mão s. A ti­
ra m uitas vezes no s d o is jo v ens, na p resença dos fam iliares, p o ­
liciais e curio so s, larga a arm a no c hão e fo ge. U m dos tiro s
ating e a p erna do p o licial que fazia a p ro teção dos d ois presos.
A lg um tem p o d epo is o xerife vai até a casa d e C arl Lee. Ele se
entreg a sem resistir.
O caso p ro v o ca uma d iscussão racial no co nd ad o , que tem
cerca d e 30% da p o p ulação co m p o sta de neg ro s — em o utro s
co nd ad o s d aquela região', a d iv isão étn ic a é d iv ersa. O s branco s
querem a p ena de m o rte para C arl Lee; os neg ro s querem que
ele seja abso lv id o . Jo v ens b ranco s, irm ão s e am ig o s dos m o rto s
ressuscitam a Ku Klux Klan e in iciam v isitas de intim id ação à
p o p ulação neg ra que se m o stra sim p ática a C arl Lee. Po r seu
lad o , um a entid ad e relig io sa neg ra reso lv e assum ir a d efesa de
C arl Lee co m o band eira c o n tra a d iscrim inação racial.
. A p rim eira p ro v id ência do ad v o g ad o é p ed ir a m ud ança
de fo ro , para que, no so rteio , tenh a c h an c e de ter mais neg ro s
no jú ri, p artind o da p rem issa de que as pesso as tend em a ser
mais sim p áticas co m o utras d a m esm a raça. N ão co nseg ue. Pas­
sa a so frer pressão da p o p ulação b ranca po r atuar na d efesa de
um ho m em neg ro . M ud a a aleg ação en tão p ara insanid ad e
m en tal tem p o rária, causad a po r fo rte co m o ção .
Estab elece-se uma d isputa p esso al entre o ad v o gad o e o
p ro curad o r encarreg ad o da acusação .

26
Considerações

1. Se C arl Lee fo r co nd enad o , a ju stiç a p rev alecerá. A fin al, ele


to m o u a ju stiça em suas pró prias mão s e assassino u duas pesso as.

2. Se C ari Lee fo r abso lv id o , a justiça p rev alecerá. Pois ele m ato u


dois ho m ens que estup raram barbaram ente sua (ilha de dez ano s
de id ad e e que, p o ssiv elm ente, d ad a a estatística de caso s an te-
ri o res, seriam libertad o s para co m eter crim es sem elhantes.

C ena: tribunal do jú ri. D iscurso s finais do ad v o g ad o e do p ro ­


m o to r, d irigid o s aos jurad o s.

R u fu s Bu c k le y (p ro cu rad o r de ju stiç a):


C arl Lee H ailey é lo uco ?
Essa n o ção é tão u ltrajan te que a ú nica testem u nha que a
d efesa co nseg uiu p ara ap o iá-la fo i um crim ino so c o n d en a­
d o , o d r. Bass, que resp o nd eu a p ro cesso po r estup ro .
C arl Lee H ailey não é lo uco .
Este ho m em é um assassino co nfesso . Ele ad m itiu, sentad o
neste b anco , ter cum p rid o a sen tença que ele acred itav a
que os presumid o s estuprad o res d e sua filh a m ereciam . Ele
tiro u a ju stiça das m ão s de v o cês e a co lo c o u nas suas p ró ­
prias mão s. E, c o m aquelas mão s, tiro u as v id as de dpis
jo v ens.
Lam entam o s o que aco n teceu co m a filha d ele, mas la­
m entar e saber que algo está errad o não dá a nenh u m de
nó s o d ireito d e m atar.
Senho ras e senho res, seu d ev er é claro . To d o s neste trib u ­
nal sabem o s a v erd ad e. To d as as pesso as no Estad o sabem
a verd ad e. A g o ra v o cês só p recisam criar a co rag em d e d i­
zer as palavras: “ C arl Lee H ailey é culp ad o . C u lp ad o ! C u l­
p ad o !” .
O Estad o term ino u , M eritíssim o .

27
Ja c k Brig an c e (ad v o g ad o d e d efesa):
Eu p rep arei um b elo sum ário , c h eio de m anhas d e ad v o g a­
d o , mas não v o u lê-lo . Esto u aqui para ped ir d esculp as.
So u jo v em e in exp eriente, m as v o cês não p o d em resp o n­
sabilizar C arl Lee H ailey pelas m inhas d eficiências.
Em to d as essas m ano bras ju ríd icas algo se p erd eu... E o que
se perdeu fo i a v erd ad e. E no sso d ever, co m o ad v o gad o s,
não ap enas falar d a verd ad e, mas buscá-la, en c o n trá-la,
v iv ê-la. M eu pro fesso r me ensino u isto. To m em o s o dr. Bass,
po r exem p lo . Esp ero que acred item que eu não sabia d a­
quela co nd en ação , mas qual é a verd ad e? Ele é um m e n ti­
ro so d esg raçad o ? E se eu co ntasse que a m o ça que estav a
co m ele tin h a 17 ano s, ele tin h a 23 ano s, e que d ep o is eles
se casaram , tiv eram um filho , e co ntinu am casado s até ho je?
Isso muda o testem unho dele ? Faz do testem unho d ele mais,
ou m eno s, v erd ad eiro ?
Q u e p arte no ssa busca a verd ad e? N o ssa m ente o u no sso
co ração ?
Eu quis p ro v ar q ue um neg ro p o d ia ser julg ad o c o m ju stiç a
no sul d o s Estad o s U nid o s. Q u e so m o s to d o s iguais aos
o lho s d a lei.
M as não é v erd ad e, p o rque o s o lho s da lei são hum ano s.
O s seus. O s m eus. E m esm o qu e no s po ssam o s v er co m o
iguais, a ju stiç a n u n ca será im p arcial. Ela co ntinu ará sen­
d o nad a mais que o reflexo dos no sso s p reco nceito s. En ­
tão , até que isto não seja ap erfeiço ad o , tem o s o d ever, p e­
rante D eus, de buscar a v erd ad e. N ão co m no sso s o lho s,
n ão co m no ssas m entes, p o rque o m ed o e o ó d io fazem
surgir p reco nceito s d o co n v ív io , mas co m no sso s co raçõ es,
o nd e a razão não m and a.
Q u ero c o n tar um a histó ria. V o u p ed ir p ara que fech em os
o lho s enq u anto eu a c o n to . Q u ero que m e o uçam e o uçam
a si m esm o s.

28
Vam o s, fechem os o lho s, p o r favor.
É a histó ria d e um a g aro tinha que v o ltav a p ara casa num a
tard e enso larad a. Q u ero que im ag inem a g aro tinha. D e
rep ente surge uma p icap e. D o is ho m ens saem e a agarram .
Eles a lev am para uma clareira, am arranv na, arrancam -
lhe as ro upas e m o ntam n ela, p rim eiro um, d ep o is o o utro ,
estup rand o -a, d esp ed açand o tud o o que h á de in o cen te
co m suas arrerrutid as, num a név o a de h álito ébrio e suor.
E, ao acabarem , d epo is d e m atar aq u ele p eq u eno útero ,
tirand o -lhe a p o ssibilid ad e d e ter filho s, de p erp etuar a sua
v id a, eles co m eçam a usá-la co m o alv o , jo g and o latas de
c erv eja cheias nela. jo g am co m tan ta fo rça que co rtam sua
carne até o o sso . A í eles urinam so bre ela. En tão v em o
enfo rcam ento . Eles p egam um a co rd a e fazem um laço .
Im ag inem o laço ap ertand o , e co m um p uxão rep entino ,
ela é suspensa no ar, esp erneia e não en c o n tra o chão . O
g alho o nd e a p end uram não é fo rte. Ele quebra, e ela cai
de no v o n o c h ão . Eles a lev antam e a jo g am na p icap e.
D irig em p ara a p o nte de Fo ggy C reek e a jo g am po r cim a
d a m ureta. Ela cai de no v e m etro s d e altu ra até o fund o do
có rrego .
C o nseg u em v ê-la?
Seu co rp o estup rad o , esp ancad o , m assacrad o , m o lhad o da
urina e d o sêm en d eles, e d o p ró p rio sang ue, aband o nad o
p ara mo rrer.
C o nseg u em v ê-la?
- Q u ero que façam um a im ag em d essa g aro tinha.
(Pausa.)
A g o ra im ag inem que ela é b ranca.
A d efesa term ino u , M eritíssim o .

C o nsid eraçõ es ac erc a d o film e: p o sto que a d efesa, co nfo rm e o


rito do p ro cesso p enal, é sem p re a últim a p arte a se p ro nunciar,

29
é natural que suas arg um entaçõ es sejam co nstruíd as de m o d o a
causar im p acto so bre os jurad o s. Send o o ú ltim o d iscurso o u v i­
d o , p erm an ece m ais fresco e atu ante so bre a m em ó ria dos
julg ad o res leig o s. N o film e T e m p o d e m a t a r , a d efesa exp lo ra
esse fato , tentand o produzir uma im pressão d urad o ura so bre o
jú ri. A ssim , o ad v o gad o ap resento u uni p ro nu nciam ento pau­
tad o pela in ten ç ão de ap ro xim ar-se g rad ualm ente a cad a um
dos jurad o s, trab alhand o um c r e s c e n d o d e em o tiv id ad e que
eclo d e num clím ax em que a situação narrad a, d e súbito , se
insinua co m o p o ssibilid ad e, fazend o -se sensiv elm ente real, pes­
so al e p resente na v id a dos jurad o s. A in c itaç ão — “ ago ra im a­
g inem que ela é b ranca” — d esp erto u, seg uram ente, d ois sen ti­
m ento s d iferentes mas ig ualm ente d em o lid o res. N o s jurad o s
branco s, a súbita rev elação que, para eles, o crim e po d e ter
m eno s peso po rque a v ítim a m encio nad a era neg ra — o que
po d eria ter co ntrib u íd o para fazer em erg ir o sentim ento d o d e­
ver, d a ju stiça e da so lid aried ad e. N o s jurad o s neg ro s, o im p ac­
to de encarar uma realid ad e de d iscrim inação e estratificação
étn ic o -so cial que d ep lo ram — o que p o d eria ter co ntribu íd o
para ev o car um sentim ento de so lid aried ad e étn ic a e para ex a­
cerbar um sentim ento de ju stiç a que co m p ensasse os negro s
po r o utro s acintes e achaques anterio res a este.
Para os b ranco s, o im p acto do co nstrang im ento . Para os
negro s, o im p acto d a hu m ilhação . Sen tim en to s que fo rço sa­
m ente os d ois lado s rep ud iam e rep elem .
O b serv e-se que o fecho da arg u m entação fo i p reced id o de
uma pausa in ten c io n al. O u seja, o ad v o gad o estab eleceu —
atrav és das p alav ras, do to m de voz, do g estual, da d o lência da
narração — um c lim a em o tiv o fav o ráv el. A s pesso as, in c o n sc i­
entem ente, esp erav am , d epo is da histó ria, um final feliz, co m o
num c o n to de fad as. N ão fo i à to a que o ad v o g ad o p ed iu-lhes
que fechassem os o lho s — ele o brigo u os jurad o s a to m ar c o n ­
tato co m o utra atm o sfera, d iferente d a v iv id a no am b iente frio
e fo rm al d o tribunal d o jú ri. A ind a no interio r d essa atm o sfera

30
d e “ fic ç ão ” , fo ram ch ico tead as pela in c itaç ão , p elo fecho mais
que infeliz, mais que tem ív el:

1. P o d i a t er s id o a m i n h a f i l h a !

O u:
2. V iu q u e is t o p o d e a c o n t e c e r c o m a s u a p r ó p r i a f i l h a l !

N o film e co lo cad o co m o exem p lo , estab elecid o o clim a


fav o ráv el, po r m eio do uso d a pausa, do silêncio cú m p lice, o
ad v o gad o Jac k Brig ance d esfecho u a co nclu são , que ap anho u o
jú ri d esp rev enid o e o co nfu nd iu . E, co nfu nd ind o -o , seduziu-o e
m anip ulo u-o .

Racismo

A p enas para co m p lem entar a questão racial abo rd ad a no


film e, vam o s ao s rep o rtar ao ju lg am ento d o jo g ad o r d e fu tebo l
am ericano O . J. Sim p so n. Pro v en ien te d e fam ília paup érrim a,
Sim p so n no tabiliz o u-se c o m o astro d o esp o rte e, m ilio nário ,
trabalho u em film es, fez pro p ag and as; to rno u-se, enfim , uma
celeb rid ad e nacio nal e até m und ial. O m o d elo m o d erno do
neg ro que progred iu m aterial e so cialm ente. Em 1995, sua m u­
lher fo i enco ntrad a m o rta em casa, ju n to co m um ho m em que
se supôs ter sido am ante d ela, am bo s esfaquead o s b arbaram en­
te. A cio nad a, a p o lícia rev isto u a c ena d o crim e, interro g o u os
v iz inho s e d esco briu que O . J. (ab rev iatu ra para o r a n g e j u i c e ,
que sig nifica s u c o d e la r a n j a , ap elid o ap licad o po rque o jo g ad o r
não ing eria bebid as alc o ó lic as) não era o an jo que p retend ia
m o strar p ublicam ente — os v iz inho s d enunciaram que ele ag re­
d ia a m ulher por causa d e ciúm es d o entio s. U m carro d e p o lícia
fo i à p ro cura d ele quand o saía de um jo g o de tênis, e inicio u -se
uma das mais esp etaculares p erseg uiçõ es da histó ria p o licial da
co sta o este n o rte-am ericana. A fin al p reso , Sim p so n fo i a ju l­

31
g am ento e acabo u co nsid erad o in o c en te; no en tan to , fo i o b ri­
gad o a pagar um a ind eniz ação im ensa à fam ília das v ítim as. A
d ecisão fo i co ntestad a larg am ente p ela o p inião p ú b lica e pela
im p rensa no rte-am ericana.
Um tex to do jo rn al Z e r o H o r a , de Po rto A leg re, retrata o
que p o ssiv elm ente ho uv e no ju lg am ento :

A co m p o sição do jú ri — no v e negro s, d ois branco s e um


d escend ente de latino s — mo stro u desde o co m eço que. o
julg am ento não seria apenas por ho m icíd io . A questão raci­
al o cup av a o p rim eiro p lano . E o racism o acabo u de to m ar
in te ira m e n te o c e n á rio q u an d o a d efesa c o n se g u iu
d esqualificar as ev id ências fund am entais da acusação , ao
acusar de racism o e falsificação de provas o ex-p o licial M ark
Fuhrm an, um dos investigad o res do caso . Para a m aio ria
dos negro s, Sim p so n semp re fo i ino cente e nunca duvidou
que a p o lícia fosse capaz d e fo rjar pro vas para p rejud icar um
afro -am ericano . A m aio r p arte dos branco s, em c o n tra­
partid a, tinha certeza de que a loura N ico le fo ra d ego lad a
po r seu ciu m ento e v io lento ex-m arid o . O caso Sim p so n
rev elo u a p erm anência do racism o co m o um a chag a teim o ­
sa no co rp o da nação no rte-am ericana. N em as leis, nem as
medidas go vernamentais co nseguiram elim inar o desfiladeiro
que d ivid e branco s e negro s (e estes dos latin o s).10

2. Filadélfia
Film e: F il a d é lfia , d irig id o p o r Jo n ath an D em m e. Estad o s U n i­
d o s, 1993.
To m H anks, D enz el W ashing to n, Jaso n Ro bard s, M ary
El e n co :
Steenb u rg en, A n to n io Band eras.

10 Z e r o H o ra, 4/ 10/ 1995, p. 16.

32
Ep o ca: d écad a de 1990.
Lo cal: a cid ad e de Filad élfia, 110 estad o da Pensilv ânia, co sta
leste dos Estad o s U nid o s.
Fnred o : um jo v em e p ro m isso r ad v o gad o é d em itid o da firm a
Je ad v o cacia em que trabalhav a so b aleg ação de in co m p etên­
cia, mas sabe que a v erd ad eira razão é po rque tem A ID S. D e­
term inad o a d efend er sua d ignid ad e e rep utação p ro fissio nal,
A nd rew Be c k e tt co n trata o utro ad vo gad o , Jo e M iller, para p ro ­
cessar os p atrõ es po r d em issão injusta. Jo e relu ta em aceitar o
caso — ap esar de ter crescid o co nhecend o as d o res do p reco n­
ceito racial, o ad v o g ad o neg ro nu nca tin h a antes encarad o seus
pró prio s p reco nceito s c o n tra o ho m o ssexualism o e a A ID S. O s
dois iniciam uma luta intensa co ntra a in to lerân c ia e a ig no ­
rância da so cied ad e.

D iálo g o ilu strativ o :


Jo e M ille r (ad vo gad o de acusação , em p ro nu nciam ento p re­
lim inar) — Senho ras e senho res do jú ri. Esqueçam tud o o
que v iram na T V e no s film es. N ão hav erá testem unho s
v itais no ú ltim o m inu to , nem co nfissõ es rep entinas e la­
crim o sas. Só lhes será ap resentad o um simples fato . A nd rew
Be c k ett fo i d em itid o . O uv irão duas exp licaçõ es para o fato :
a no ssa e a d eles. D ep end e d e v o cês atrav essar to d as as
cam ad as d a v erd ad e, até d eterm inar qual das v ersõ es é a
m ais v erd ad eira. Eu p reciso lhes p ro v ar certas co isas. Pri­
m eira: Be c k e tt fo i... é um advo gad o b rilh an te, ex c elen te.
Seg u nd a: so frend o de um a d o ença que o enfraq u ecia, ele
to m o u a co m p reensív el, p esso al e leg ítim a d ecisão de não
falar d e sua d o ença. Terceira: seus em p regad o res d esco bri­
ram a d o ença d ele, e a d o ença de que falo não é a A ID S.
Q u arta: eles entraram em p ânico e po r isso fizeram o que a
m aio ria de nó s quer fazer, que é m anter a A ID S e to d o s os
aid ético s o m ais lo ng e p o ssív el do resto das pesso as. O

33
co m p o rtam ento d eles p o d e lhes p arecer sensato . Eu acho
sensato . A final, a A ID S é um a d o ença m o rtal e incuráv el,
mas não o b stante a o p inião que tenh am d e W h ee ler e só ­
cio s em term o s m o rais e hum ano s, ao d esp ed irem Be c k ett
p o rque ele tin h a A ID S, eles v io laram a lei.
(ad vo gad a de d efesa, em p ro nunciam ento pre­
D r a. G i l h n a n
lim inar) — Fato : o d esem p enho d e A nd rew Be c k ett em
seu tra b a lh o v a ria v a d e c o m p e te n te e b o m p ara,
freq ü entem ente, m ed ío cre, e até, às vezes, de uma in c o m ­
p etência flag rante.
Fato : ele se diz v ítim a d e m entiras e m alícia.
Fato : fo i A nd rew Be c k e tt quem m entiu , esfo rçand o -se ao
m áxim o para o cu ltar sua d o ença d o s chefes.
Fato : ele tev e sucesso nessa em p reitad a. O s só cio s da W y ant
W h eeler não sabiam que Be c k e tt tinha A ID S quand o o
d em itiram .
Fato : A nd rew Be c k e tt está m o rrend o .
Fato : A nd rew Be c k ett está co m raiv a, p o rque o seu estilo
de v id a, o seu co m p o rtam ento im p rud ente, encu rtaram a
sua vid a. E em sua raiv a, em sua rev o lta, está p artind o para
o ataque e quer fazer alg uém pagar.

S e g u n d o d iálo g o i l u s tra ti v o :

(exam inand o uma testem u nha d e acusação ) —


Jo e M ille r
A nd rew Be c k ett rep resento u sua firm a num caso em 1990?
T estem u n ha — Sim .
Jo e M ille r — G o sto u do trab alho d ele?
T estem u n ha — Ficam o s satisfeito s c o m o resultad o da c o n ­
tend a.
— Satisfeito s... Sr. Laird , quand o ped i que teste­
Jo e M ille r
m unhasse nesse p ro cesso , o senho r d eu um d ep o im ento
so b ju ram ento , certo ?
T estem u n ha — C o rreto .
— N o d ep o im ento , disse ter ficad o im p ressio na­
Jo e M ille r
d o co m a ex c elên c ia e qualid ad e d o trab alho de Bec kett!
Lem bra-se de ter d ito isto ?
T estem u n ha — C o m to d a sincerid ad e, achei ex c elen tes
alguns p o nto s d a co n trib u iç ão de A nd y , mas num p lano
g eral, ac h ei o trabalho ap enas satisfató rio .
— C o nco rd a que um sand u íche d e m o rtad ela é
j o e M ille r
um p rato satisfató rio , enq u anto cav iar, cham p anhe, p ato
assad o e salm ão d efum ad o são excelentes?
A s s is t e n t e da d e fe s a — O b je ç ã o . Esses c o m e n tário s
g astro nô m ico s são irrelev antes.
Ju i z (faz gesto , p ed ind o p ac iên c ia).
Jo e M ille r — N ão são irrelev antes, M eritíssim o . H á c in c o
m eses, essa testem u nha d efiniu Be c k ett co rno cav iar, e
ag o ra o cham a d e sand u íche de m o rtad ela. O jú ri p recisa
saber que fo rça p o d ero sa fez co m que ele mud asse de id éia.
ju iz — Ele não mud o u d e id éia. A p enas estend eu o en u n ­
ciad o d a respo sta. O b je ç ão m antid a.
Jo e M ille r — M u ito bem . Sr. Laird , exp liq u e para m im ,
co m o se eu tiv esse qu atro ano s de id ad e: A nd rew Be c k ett
g anho u a causa para v o cês?
T estem u n ha — Sim , nó s g anham o s.
Jo e M ille r — Parabéns. D ev e ter sido um a exp eriência m uito
satisfató ria.

R esu m o da seq ü ência: A nd rew Be c k e tt pro sseg ue co m a ação ,


mas m o rre antes d o final. O v ered icto é d ad o p o uco tem p o
d ep o is, d and o -lhe g anho d e causa e ap licand o um a m ulta de
mais d e q u atro m ilhõ es de d ó lares c o n tra a em p resa.

C o n sid eraç õ es ac erc a d o film e: a inclusão d o film e F i l a d é l f i a


neste trabalho vem a p ro p ó sito d e q u estio nar a qualid ad e e isen­
ção de um jú ri, no ju lg am ento d e um dos p rim eiro s caso s de
d iscrim inação co ntra um p o rtad o r d o vírus da A ID S, e que, na
ép o ca d o film e, já h av ia se transfo rm ad o em. sím bo lo d o p re­
c o n c e ito c o ntra o ho m o ssexualism o .
O s trecho s selecio nad o s desse film e p riv ileg iaram m o m en­
to s dos q u estio nam ento s e dos d ebates, que co ntrib u íram para
m ascarar ou d esm ascarar id éias p reco nceb id as e que po d eriam
atuar co m o filtro s para a d ecisão im p arcial d o co rp o d e jurad o s.
E que o s p ro m o to res o u ad vo gad o s, c o n hecend o as fraquezas do
co rp o d e jurad o s, utilizatn-nas para sed uzi-lo s e fazê-lo s to m ar
atitud es na d ireção que p referem . .

3. Questão de honra
Film e: Q u e s t ão d e h o n r a, d irigid o p o r R o b Reiner. Estad o s U n i­
d o s, 1992.
Elen c o : ja c k N ic h o lso n , To m C ruise, D em i M o o re.
Ép o ca: d écad a de 1960.
Lo c al: W ashing to n, cap ital dos EU A , e a base m ilitar no rte-
am ericana de G u antánam o , em C uba.
Enred o : um so ld ad o fo i m o rto na base nav al no rte-am ericana
d e G u antán am o , em C u ba, d urante um tu rno de v ig ília, à n o i­
te. D o is o utro s so ld ad o s são acu sad o s^ U m te n e n te , D an iel
Kaffee, é ind icad o para a d efesa dos do is soldado s acusad o s, co m
a aju d a d e d o is assistentes. E um jo v em b rilh an te que tem na
figura do p ai m o rto o m o d elo d e ad v o g ad o p erfeito .
D u rante as inv estig açõ es são d esco berto s ind ício s de que o
co m and o da base estaria o cultand o o que v erd ad eiram ente aco n­
tecera e que tin h a causad o a m o rte d o so ld ad o . V erifico u -se,
po r m eio d e v ário s d ep o im ento s, que os so ld ad o s eram fo rçad o s
a o b ed ecer às o rd ens superio res acim a d e qualquer co isa, às v e­
zes acim a d a p ró p ria d ig nid ad e.

36
D iálo g o ilu strativ o :
S o ld ad o a c u s a d o — O ten e n te o rd eno u que d éssemo s uma
lição em W illy.
(o te n e n te ind icad o para atuar na co rte m ar­
D a n ie l K a f f e e
cial co m o ad v o g ad o d e d efesa, d u rante um ensaio , co m os
acusad o s) — Precisa resp o nd er m ais rápid o ! V o cê po d e
ap arentar ser um caip ira in o c en te, m as p arece estar tend o
dúvid as! E W illy é o “ so ld ad o San tiag o ” . C h am e-o W illy e
ele v ira uma pesso a c u ja m ãe está cho rand o .
(Pausa.)
D an ie l K a f f e e — O jü rí tem sete ho m ens e duas m ulheres.
C in c o são da M arin h a e quatro são fuzileiro s, to d o s o fic i­
ais que já estiv eram em co m b ate. A s m ulheres não têm
filho s. Pena. M eu p ai d izia que um ju lg am ento é uma d is­
tribu ição de culp as. Snntiág o está m o rto . A q uelas no v e
pesso as v ão fazer q uestão de. p ô r a culp a em alguém . A lei
não g anhará este caso , e sim os ad v o gad o s. Po r isso, lem ­
brem -se: é co m o u m j o g o de p ô quer; não pisquem d iante
do jú ru jSe algo d er errad o , não ab aixem a cab eça e nem se
^/ 'encolham. A jam com o se so ubessem tud o o que v ai aco n-
I tecer. A o p assarem d o cu m ento s, não d em o nstrem nerv o -
'■ sismo .

Seq ü ência do film e: auxiliad o por uma o ficial da M arinha, o


tenente Kaffee d esco bre que existe um “ có d ig o v erm elho ” na
base, funcio nand o co m o uma esp écie de m anual paralelo . Essa
regra info rm al m and a que soldados que tenham co m etid o q ual­
quer falha co ntra a d iscip lina — ferind o a ética ou o assim c h a­
mad o có d igo de ho nra do b atalhão — sejam punid o s pelo s p ró ­
prios co m p anheiro s, a m and o cios o ficiais e so b a im p o sição do
general co m and ante. Po r seu lad o , o s soldados env iad o s para
aplicar a p unição não p o d iam recusar a tarefa, o u seriam co nsi­
derados passíveis d e p unição sem elhante à que d everiam infligir.

37
A o lo ng o das inv estig açõ es, os d efenso res d esco brem que
as p u niçõ es p ro m etid as — não ap enas sev eras, mas tam b ém
sum árias e ilegais, para quem d enu n cia o “ có d ig o v erm elho ” —
im p ed em o s acusad o s de fo rm aliz ar qualquer acu sação . O so b
dad o m o rto , po r exem p lo , tinha sid o subtraíd o em seu d ireito
de requerer transferência, o que era seu grand e so nho , po rque
d enu nciara o co m p o rtam ento ileg al p raticad o no q u artel, por
m eio de cartas ao co m and o geral. C o m m ed o d e ter o m esm o
d estino , os d ois so ld ad o s acusad o s se d ebatiam en tre d enu nciar
0 co m and ante, so frend o rep resálias duríssimas, o u calar e so frer
a p ena co m o culp ad o s.
Kaffee e sua auxiliar tentam d e tud o para co nseg uir que os
acusad o s d enu nciem o co m and ante. Q uase no fim d o ju lg a-
m ento , p ro nto para d esistir, ele tem uma id éia e reso lv e c o n v o ­
car o g eneral co m and ante para depor. Trav a-se en tão uma luta
v erbal p erigo sa para o ten e n te , que co m eça a insinuar acusa­
çõ es co ntra o g eneral, seu superio r hierárq u ico . In ic ialm en te
to lerante, o g eneral g rad ualm ente ced e às instig açõ es d o te ­
nen te, e c o nfiante d e sua sup erio rid ad e de p atente e cie p rep aro
cultural, esbrav eja, tentand o subm eter o ten en te à o b ed iência
m ilitar que ele fazia im p erar d entro d a base de G u an tán am o .
O p ro cesso d e sed ução ap licad o p elo ten en te Kaffee é tão
ard ilo so e en v o lv ente que o m rnand ante acaba p o r co nfessar,
1>>uIto H icnu b por c o n sc iên c ia de culp a d o que p o r im ag inar-se
inating ív el. O recurso utilizad o p elo ad v o gad o é o d e se ap ro ­
v eitar d o tem p eram ento d o co m and ante e co nd uzir seu d iscur­
so de fo rm a a irritá-lo . Kaffee utiliza-se de um dos estratag em as
ap o ntad o s p o r A rthu r Scho p enhau er num a o bra so bre co m o se
co m p o rtar num d ebate. N ela, o filó so fo p ro cura d em o nstrar
co m o v encer um d ebate e, para ele, a co nd ição necessária é a
de enco leriz ar o ad v ersário .

/ Pro v o ca-se a có lera d o ad v ersário , para que, em sua fúria,


í ele não seja capaz de racio cinar co rretam ente e p erceb er
sua p ró p ria v antag em . Po d em o s incitar sua c ó lera fazen-

38
d o lh e algo francam en te inju sto , v exand o -o e, so bretud o ,
tratand o -o c o m in so lê n c ia.11

A o interro g ar o g eneral, Kaífee o c o lo c a so b pressão e c o n ­


duz suas p erguntas d e fo rm a a p ro v o car o co m and ante, d esafi­
and o -o . Su a postura, co lo ca o co m and ante num a p o sição de
inferio rid ad e, da qual ele, po r sua o bsessão po r hierarq u ia e o r­
d em e po r sua m ania de grand eza, ten ta escap ar resp o nd end o ,
aos berro s, que sim , o rd eno u aos so ld ad o s que m atassem seu
co m p anheiro . Fo ra eng anad o p elo d iscurso h áb il do ad v o gad o .
A p anhad o em flag rante co nfissão , é preso ali m esm o , e o s d ois
so ld ad o s o b têm atenu antes para a p ena, uma vez que hav iam
agid o so b o rd ens sup erio res e so b co ação .

C o n sid eraçõ es ac erc a d o film e: o que buscam o s extrair d o fil­


m e Q u e s t ã o d e h o n r a fo ram os m o m ento s d e sed ução pelas p ala­
vras, a p reo cup ação da d efesa de im p ressio nar, de uma o u de
o utra fo rm a, o co rp o de jurad o s. Kaffee sabe, co m o querem o s
d em o nstrar neste liv ro , que [não são as p ro v as dos auto s, nem
tão -so m ente as arg u m entaçõ es ló g icas, que co nd uzem o p ensa­
m ento dos integ rantes d o c o n selh o d e sen ten ç a (o u seja, o gru­
po de ju rad o s), mas esp ecialm ente atitud es, palav ras ad equa­
das, silêncio s no s m o m ento s ind icad o s, sim u lação , po sturas fí­
sicas, etc . C o m o v erem o s, mais ad iante, as p alav ras v êm sem ­
pre aco m p anhad as d e um c o n te x to físico , am b ien tal e, na m ai­
o r p arte das vezes, e m o c io n al.^

4. Assassinato em primeiro grau


Film e: A s s as s in at o em p r i m e i r o g r au . Basead o em fato s reais, d i­
rigid o po r M arc R o c c o . Estad o s U nid o s, 1995.

11 A rthu r Scho p enhau er, Co m o v e n c e r u m d e b at e s e m p r e c is ar t er r a z ã o , p. 140.

39
Ele n c o : C h ristian Slater, Kev in Bac o n , G ary O ld m an, Brad
D o urif.
É p o ca: d écad a de 1930.
Lo c al: cid ad e de São Francisco , estad o da C alifó rnia, co sta o este
dos Estad o s Unid o s,
En red o : Fíenri Young é um jo v em que ro uba c in co d ó lares de
uma lo ja, para co m prar co m id a para sisa irm ã meno r. A lo ja fun­
cio nav a tam bém co m o co rreio , e ro ubar o co rreio , no s Estad o s
U nid o s, é co nsid erad o crim e federal. Ele acaba preso e co nd ena­
do. Seu d estino é A lcatraz, cu jo d ireto r sabe que tem po d er para
d o m inar cruelm ente a vid a de todos. M as Yo ung reso lve env o l­
ver-se em um fracassad o p lano de fuga, e po r isso é m and ad o para
a so litária po r três ano s — o m áxim o p erm itid o pela lei no rte-
am ericana é de 19 dias na so litária, para qualquer d etento .
Su rrad o d iariam ente p elo pró p rio d ireto r, que lhe co rto u a
nav alha o tend ão de A q u iles, aleijand o -o para sem pre; hu m i­
lhad o e aterro rizad o , ele ap rend e a cu ltiv ar um sentim en to de
que jam ais se im ag inav a capaz: um ó d io m o rtal p elo co leg a de
c ela que o d elato u. A o sair d a so litária, Yo ung se v ing a, assassi­
nand o o d elato r, enfiand o -lhe o cabo d e uma c o lh er na jugular,
d u rante o ho rário de alm o ço , d iante de 200 testem u nhas. Su a
v id a fic a nas m ão s do jo v em ad v o gad o Jam es Stam p hilL
Fíenri Yo ung, depois de três ano s na so litária, é quase um
bicho '. N ão fala, a não ser a tabuad a que p erm aneceu d eco rand o
para não enlo uquecer. Tid o co m o um caso perd id o , o p ro cesso de
ju lg am ento d e Yo ung vai p erm itind o ao ad v o g ad o d esco brir bar--'
barid ad es já co m etid as pelo d ireto r co ntra o s prisio neiro s.

P ro n u n c i a m e n to in icial p ara o j ú ri :

P rom otor— Senho ras e senho res ju rad o s. O réu Fíenri


Yo ung é acusad o de assassinato em p rim eiro g rau.12 E sua

12 N o Brasil, o “ assassinato em p rim eiro g rau ” co rresp o n d e ao h o m ic íd io


q u alific ad o .

40
resp o nsabilid ad e, co m o jurad o s, lid ar co m a verd ad e. Rufus
M c C ain fo i assassinad o p o r H enri Yo ung . O sr. Stam p h ill,
o d efenso r p ú blico , ap elará à co m p aixão de v o cês. Usará
truques. Po r quê? Para ev itar a câm ara de gás. O s Estad o s
Unid o s d a A m érica exig em que o d eclarem culp ad o , para
que este... este anim al... receba a p u nição im p o sta p ela
Bíb lia. O lh o po r o lho . V id a por vid a. Se já ho uv e um ho -
mera culp ad o d e assassinato , este ho m em é H en ri Yo ung.
E se um ho m em m erece m o rrer p o r este crim e, este h o ­
mem é o acusad o .
(d efenso r p ú blico ) — M em bro s d o júri.
Ja m e s S t am p h ill
Q uand o eu era c rian ça, meus heró is não eram R u th ou
Lo u G eh rin g .13 Eram Darro w e Z o la.14 Em o utras palav ras,
esperei p o r isto a vid a to d a — ficar d iante d e doze jurad o s,
para d efend er um in o c en te, acusad o inju stam ente. Só que
ele co m eteu o crim e. Eu sei. O p ro m o to r M c N eil sabe.
H enri Yo ung não se lem bra, mas não neg a o que fez. To d as
as testem unhas d o p ro m o to r d irão que H enri Yo ung m a­
to u Rufus M c C ain . Se sabem o s d isso , é só d eclará-lo c u l­
pad o e asfixiá-lo , p o is é o que vai aco ntecer, não é, H enri?
Só uma co isa no s im ped e de co nclu ir isto d epressa: H enri
não agiu so z inho ; não p egaram to d o s os assassino s. H o uv e
um co nspirad o r. E po r causa desse co nspirad o r, H enri Young
é in o c en te d o crim e.
‘— A d efesa co nseg uirá provas d e que tenha hav id o
Ju i z
um co nsp irad o r?
S t am p h ill — N ão no m o m ento , M eritíssim o , mas no d ia
do ju lg am ento as terei.
P r o m o t o r — 1N ão
v ai ap resentar pro vas, p o is elas não exis­
tem . Este ho m em passou três ano s na so litária. N esse tem ­

13 Jo g ad o res d e b eiseb o l.
14 Escrito res.
po, ning u ém o influ encio u p o rque não tin h a c o n tato co m
ning uém . Ele saiu da so litária. Fo i para o chuv eiro . Fo i
então co rtar o c ab elo e d ep o is d ireto para o refeitó rio . Lá,
um d etento lhe disse um a frase. Isso não o to rna uni co n s­
pirador.
— Esto u inclinad o a co nco rd ar co m a p ro m o to na. A
Ju i z
m eno s que justifiq ue sua d efesa, v o u m anter a o b jeção da
p ro m o to ria.
S t am p h ill — M critíssim o , o p ro m o to r, co m suas próprias
palav ras, ju stifico u a m inha tese. D u rante três ano s, três
lo ng o s ano s, nad a e ning u ém influ encio u H enri Yo ung.
N ad a nem ning uém . Seu ú n ico crim e fo i ro ubar c in c o d ó ­
lares de um co rreio para alim entar sua irm ã fam inta. Q u an ­
do foi para A lcatraz , nu nca hav ia ro achu. i-1< > ou sequer
tentad o m achu car um >.cr D -": ir d o cala-
bo uço , era um m aníaco assassino . Um ho m em em co m a
p sico ló g ico . U m a ho ra após sair do inferno , fez o que ja ­
mais so nharia fazer três ano s antes. Jam ais! Só p ensav a em
m atar. Só queria m atar. Fo i isto que fez p rim eiro ! Ele p ró ­
prio era a arma, mas a m ão que o seguro u e enfio u na gar­
g anta d e M c C ain era de o u tro . A p o n to p ara o d ireto r
G len n , para o d ireto r H um p so n, ap o nto p ara A lcatraz e
d ig o : “ Eu ac u so !” . A c u so -o s in d iv id u alm en te. A c u so
A lcatraz d e to rturar H enri Yo ung! E d o assassinato de
M c C ain ! H enri Yo ung não será o ú nico réu aqui! A lcatraz
será julgad a!

R esu m o d a seq ü ência: os jo rnais d a ép o ca d ão d estaque para o


ju lg am ento da institu ição em vez do ju lg am ento do acusado .
N o in íc io d a sessão seg uinte do tribu nal, o juiz faz um alerta ao
ad v o g ad o de d efesa: “ Po r m eio d esta, fica no tificad o que não
no s interessam o s po r m anchetes e não serem o s influenciad o s.
A ten tativ a da d efesa de ju lg ar este caso na im p rensa, e não na
co rte, terá graves co nseq ü ências” .

42
O advogado de d efesa enco ntra imensa d ificuld ad e em co n-
seguir o d ep o im ento de pesso as de d entro da prisão que tenham
co ragem de testem unhar co ntra os d irig entes d a institu ição .
To do s têm medo do que lhes possa ac o n tec er d ep o is d o ju lg a­
m ento . A final co nsegue o d ep o im ento de um guarda que tinha
sido d em itid o e que d epõ e ad m itind o ter agred id o Fíenri Young
a m and o do d ireto r G len n . O p ró prio irmão do ad v o gad o , p res­
sio nad o p elo FBI, c o n ta d etalhes d a d efesa, p erm itind o o c o n ­
tra-ataque da p ro m o to ria e d esqualificand o a testem u nha. A
d esp eito d e tud o isso, o in terro g ató rio do d ireto r-g ero l de
A lcatraz , Fíum p so n, d eixa claro que o sistem a p risio nal é só rd i­
do, e o acusad o p o d e ter a acusação atenuad a para assassinato
em segundo grau (ho m icíd io in v o lu ntário ). Fíenri Yo ung fica
aterro rizad o co m a id éia de v o ltar para A lcatraz e p refere se
d eclarar culp ad o . Para ele é m elho r rnorrer na câm ara d e gás do
que passar mais dez ano s em A lcatraz . O d ebate entre ad v o g a­
d o de d efesa e réu o co rre na cela.
A cartad a final do ad v o g ad o é co nv o car, para d ep o r, o p ró ­
p rio acusad o . Esta é a p arte em que o advo gad o jo g a to d o o seu
p o d er de sed ução , não d iretam ente para o jú ri, mas p rin cip al­
m ente so bre o acusad o , para que ele m antenha a lin h a d e d efe­
sa e enfrente o risco d e ser m and ad o de v o lta para A lcatraz .

D e p o im e n to :

S t am p h ill — Sr. Yo ung, em no ssa co nv ersa, eu disse que


achav a, pelo rum o do ju lg am ento , que p eg aria no m áxim o
mais uns dez ano s. O u m eno s.
Y ou n g — N ão im p o rta...
S t am p h ill — Eu d isse dez ano s.
Y ou n g — Sim , m as...
— V o cê m e d isse que v o cê era q uem tin h a de
S t am p h ill
cum p rir a p ena, e não eu. Q u e o co lo cariam em A lcatraz
por esses dez ano s. E aí eu d isse: p o r que v o cê está fazend o

43
isso co m ig o ? Po rq ue, se d eclarar-se culp ad o , será ex ec u ta­
d o. V o cê m o rrerá!
Y ou n g— E daí? ( G r it a n d o ) Prefiro mo rrer a v o ltar para lá!
(Pausa.)
S t am p h ill — O que v o cê disse?
Y ou ng — D isse que p refiro m o rrer a v o ltar para A lcatraz .
.N ão entend e?
S t am p h ill — Po r que, H enri? Po r que quer mo rrer?
Y ou n g — Po rque... p o rque eu... ten h o m ed o d eles. Ten h o
m ed o de v o ltar para lá. Ten h o m ed o ! M ed o !
S t am p h ill — H enri, o lh e p ara m im . O lh e para m im . V o cê
estav a certo , eu estav a errad o . D esculp e. Esto u faland o co m
v o cê, e não co m o jú ri. Se quiser m o rrer, ap o iarem o s v o c ê.
M as juro que esses c an alh as não farão mais isso. V o cê não
m o rrerá à to a' A esco lh a é sua. O que quer fazer?
Y ou n g — Q u ero p arar de ter m ed o .
(Pausa. O acusad o c h o ra.)
— H enri Yo ung. É culp ad o do assassinato d e Rufus
S t am p h ill
M cC ain?
Y ou n g — Eu fui a arm a, m as não so u um assassino . O s as­
sassino s são eles.

C o n s i d e ra çõ e s a c e rc a d o f il m e : co m o ap o io h istó ric o , m e n ­
c io n e-se que H enri Yo ung fo i d eclarad o culp ad o de h o m icíd io
inv o lu ntário e co nd enad o a cum p rir m ais três ano s de p ena em
A lcatraz . O júri reco m end o u aind a inv estig açõ es no sistem a
p risio nal. V árias irreg ularid ad es fo ram d esco bertas e o d ireto r
G le n n fo i exo nerad o . A s so litárias fo ram selad as e n u nca m ais
utilizad as até o fech am en to d e A lcatraz , em 1963.
H enri Yo ung fo i enco ntrad o m o rto em sua cela, d ias antes
da ap elação . N u nca se so ube q uem o m ato u.

44
A im p o rtância d o uso d este film e co m o exem p lo reside no
fato de que a sed ução , aqui, fo i vo ltad a para o questio nam ento de
uma cultura cristalizada env o lv end o a impressão que os no rte-
am ericano s, mais esp ecificam ente os que viviam, p ró xim o s a
A lcatraz, po ssuíam do seu p ró p rio sistem a p enal e p risio nal. O
advogad o, co m m uita habilid ad e e aind a mais so rte, o p to u po r
aplicar um esfo rço de env o lv im ento da co m unid ad e comi.) um
to d o , e não apenas do jú ri. Fo i dessa m aneira que acabo u por
seduzir os seus m em bro s, que se rend eram a uma co m o ção e x ­
p lícita no grupo so cial que o cercav a. G anho u d estaque n ac io ­
nal o caso , e a rep ercussão , que acabav a po r cheg ar aos o uvido s
dos jurad o s — no s d ep o im ento s de testem unhas, no s co m entá­
rios de d efesa e acusação , nas co nsid eraçõ es do juiz — influ en­
cio u a d ecisão dos integ rantes d o co nselho de sentença.
O títu lo d este cap ítu lo , para os caso s que ap o ntam o s co rno
exem p lo , p o d eria ter sid o “ A ficção d esfila d iante do jú ri” . Sim ­
p lesm ente p o rque as vid as que ind icam o s, acrescid as de ro m an­
ce, jo go s m entais, sed ução , assumem ares d e literatura. Po d erí­
amos relacio nar inúm eras o utras o bras que d em o nstram a im ­
p o rtância da sed ução no d iscurso , co m o o film e D o z e hom en s e
u m a s e n ten ç a, d irig id o p o r Sid ney Lu m et (Estad o s U nid o s,
1957). N esse film e, fica ev id ente uma estratég ia d e d efesa que,
se fosse utilizad a p o r um advo gad o , po d eria ser classificad a co m o
de não -rad icaliz ação . A histó ria ap resenta doze pessoas iso la­
das de tud o , num a sala, para cheg arem ao v ered icto de um ju l­
g am ento de ho m icíd io . O nz e d o s jurad o s estão certo s de que o
acusado é culp ad o . U m d eles tem d úvid as. Ele não afirm a, no
entanto , que o réu é ino c ente. Diz ter d úvid as e v ai aos po uco s
d estruind o , um a um, os arg um ento s acusató rio s de to d o s que
queriam co nd enar o p ro cessad o . O interessante é que se ele se
co lo casse no p ó lo o p o sto , teim and o p ela in o c ên c ia do réu, tal­
vez não co nseg uisse co nv en cer os d em ais. A hum ild ad e fo i fun­
d am ental p ara v encer parad igmas.

45
O s exem p lo s selecio nad o s ap o iam no ssa tese à exaustão , e
não estão d istantes d o que o co rre d iariam ente num trib u nal do
jú ri real. C o m o p o d erá ser fac ilm en te co m p ro v ad o p elo caso
brasileiro que d etalham o s no cap ítu lo que se segue.

46
C a pít u l o III

Um caso brasileiro

Para ilustrar m elho r a im p o rtância cru cial da sed ução no s


discursos pro nunciad o s no tribu nal do jú ri, analisarem o s a trans­
crição d e um j ulg am ento realizad o n o Fo ro Reg io nal de Pin h ei­
ros, na cid ad e de São Paulo , em 9 de no v em bro de 1994- O
p resid ente do jú ri foi o juiz Sérg io Ru i d a Fo nseca, e o réu se
cham av a N iv ald o Jo sé Silv a; o p ro cesso receb eu o num ero 552/
90. Elo ísa de So uza A rrud a M end es D am asceno fo i a p ro m o to ­
ra de ju stiça, e A nd ré V eras G arc ia fo i o d efenso r.
Esse julg am ento fo i grav ad o so b resp o nsabilid ad e da Esc o ­
la Paulista do M inistério Pú b lico , que p rep ara ad vogad o s para
atuar n a p ro m o to ria p ú blica. A transcrição da sessão m en c io ­
nad a serviu de fo nte p ara as c itaç õ es dos d iscurso s ap resentad o s
p ela p ro m o to ra e pelo ad v o gad o d e d efesa e p erm itiu a análise
do d esem p enho de cad a um.

Resumo do julgamento

O início dos trabalho s se dá co m a fo rm ação do jú ri, p ro ­


cesso que é realizad o co nfo rm e as d eterm inaçõ es d o juiz p resi­
d ente. Este ad v erte que serão im p ed id as d e p articip ar do c o n ­
selho de sentença quaisquer pesso as que tenham v íncu lo s de
p arentesco — entre si, ou co m a v ítim a, o réu, advo gad o s de
d efesa e de acusação . N este ju lg am ento , to d o s o s sete jurad o s
so rtead o s (c in c o m ulheres e d o is h o m ens) fo ram aceito s p ela
d efesa e p ela acusação — a fo rm ação d o jú ri d ep end e d a c o n ­
co rd ância das duas p artes.
C o nclu íd a essa fase e, p o rtanto , iniciad o o ju lg am ento , o
juiz p resid ente o rd ena que o réu, algem ad o , se ap ro xim e d a ban-
ca. Ele é info rm ad o , tam b ém p elo juiz, de que não é o brig ad o a
resp o nd er às p erg untas que lhe serão feitas e que, se ele d ecid ir
p erm anecer em silêncio d iante de uma 011 m ais qu estõ es, esse
d ireito lhe é g arantid o p ela lei. Em seguid a, o juiz co m eça o
interro g ató rio fazend o um sum ário da acu sação :

Su m ário
C o nsta dos auto s que, no d ia 22 d e ag o sto d e 1990, p o r
v o lta das 15 ho ras, n a Ru a Frag ata da C o n stitu iç ão , na
cid ad e de São Paulo , o senho r d esferiu um p ro jétil d e arm a
de fo go c o ntra Ed so n d e So uza Lo p es, p ro d uz ind o -lhe le ­
sões co rp o rais que fo ram a causa de sua naorte. Seg u nd o o
apurado , a v ítim a era cred o ra d o senho r na q u antia de
C R $ 15.000,00. N o d ia dos fato s, a v ítim a fo i à resid ência
do senho r, d isp o sta a receb er seu créd ito . C o m o o senho r
se mo strasse rec alc itran te em pagar a d ív id a, Ed so n reso l­
veu lev ar um a g arantia d o créd ito . A o d eixar a resid ência
do senho r lev and o ao o m bro um a telev isão , Ed so n v iu-se
surpreend id o p elo c an o d e um a arm a d e fo g o que fo i d is­
p arad a c o n tra a sua p esso a. Razão p ela qual o senho r está
aqui, d iante dos seus p ares. A resp eito d esses fato s, o que o
senho r g o staria d e dizer, o u de acrescentar?

O interro g ató rio , co nd uzid o p elo p resid ente d o trib u nal,


pro ssegue, para esclarecer o s elem ento s que co m p õ em o s argu­
m ento s da d efesa. Esta é basead a na hip ó tese de d isparo ac i­
d ental d a arm a; a v erd ad eira in ten ç ão do réu seria exib ir a arma
c o m o intu ito de co nstrang er a v ítim a a não lev ar co nsig o uma
telev isão que era de p ro p ried ad e do réu. O s d o is ho m ens teri­
am se eng alfinhad o , co m o resultad o da d isputa, e a arm a teria
d isparad o acid entalm ente. Tam b ém fic a reg istrad o que o réu,

48
am ed ro ntad o , fugira para a reg ião N o rte, o nd e a p risão fo i efe­
tuada.
D ep o is de o uv ir o réu, o juiz relata o p ro cesso su cin tam en­
te aos jurad o s. Ele d eixa b astante claro que o M inistério Pú b li­
co acusa o réu d e ho m icíd io , co nfo rm e o artig o 121, parág rafo
2", inciso IV, do C ó d ig o Penal.
Para entend erm o s inteiram ente a acusação , rep ro d uzimo s
as co nsid eraçõ es feitas p o r C elso D elm anto :

H o m icíd io d o lo so q u alificad o
N o ç ão : ho m icíd io q u alificad o é aquele em c u ja p rática
o co rre algum a das hip ó teses enum erad as neste parágrafo
segundo .
D iv isão : as c ircu n stân c ias que q u alif ic am o h o m icíd io
p o d em ser d iv id id as em: a) m o tiv o s (p aga, p ro m essa de
reco m p ensa o u o utro m o tiv o to rp e e m o tiv o fútil — inciso s
I e II) ; b) m eio s (v eneno , fo g o , exp lo siv o , asfixia, to rtura
ou o utro m eio de que possa resultar perigo co m um — inciso
III); c ) m o d o s (traição , em bo scad a, m ed iante d issim ula­
ção o u o utro recurso que d ificu lte o u to rne im p o ssív el a
d efesa do o fend id o — inciso IV ); d ) finalid ad e (p ara asse­
gurar a execu ção , o c u ítação , imp unid ad e o u v antag em de
o utro crim e — inciso V ) .15

O juiz p erg unta à d efesa e à acusação se requerem a leitura


de alg um a p eça do p ro cesso . C o m o ambas as p artes abriram
mão d essa p rerro g ativ a, o juiz passa im ed iatam ente a o uv ir as
testem unhas, c o m o subseqüente interro g ató rio a ser co nd uz i­
do p elo ad v o g ad o e p ela p ro m o to ra.

15 C elso D elm an to , C ó d ig o P e n al c o m e n t ad o , p. 203.

49
A s perguntas do d efenso r d ão ind icaçõ es de que a tese da
d efesa se baseia no co m entário , c o rrente no bairro o nd e m o ra­
vam v ítim a e réu, segund o o qual o p rim eiro era uma esp écie de
ju sticeiro da reg ião . Ele sem pre and aria arm ad o , am eaçand o as
pessoas so bre as quais pesasse qualquer tip o de d enú ncia relati­
va a transgressõ es da lei.
Encerrad o s os interro g ató rio s, a etap a seg uinte é o d ebate,
p ro p riam ente d ito , entre d efesa e acusação . A p ro m o to ra fala
em p rim eiro lugar. Ela co m eça co m um cum p rim ento ao juiz
p resid ente e um elo g io ao ad v o gad o do réu. Em seguida, d irig e-
se ao co nselho de sentença.

A cu sação
Senho res jurad o s. Sem p re esco lho fazer as m inhas saud a­
çõ es aos jurad o s no m o m ento em que inicio a m inha fala,
ipara que eu po ssa m encio nar a im p o rtância que o jurad o
Item no sistem a ju ríd ico , ou no sistem a ju d iciário do no sso
/ país. É dada aos jurad o s, aos ho m ens do p o v o , às pessoas
integ rantes da co m unid ad e, a tarefa de ju lg ar os crim es
mais im p o rtantes do no sso Có d ig o Penal: os crim es d o losos
c o n tra a vid a. Então , ao s senho res é d ad a a fu nção de ju l-
j^gar os atentad o s c o n tra a vid a, que é o bem maio r. To d as
as d emais esp écies de crim e são julgad as pelo s juizes titu la­
res, pelo s juizes que fazem uma faculd ad e de D ireito , p res­
tam co ncu rso p úblico . N o en tan to , a lei reserv o u aos ju ra­
dos po p ulares a tarefa d e julg ar a agressão ao bem m aio r: a
vida.' Então v ejam a im p o rtância d a tarefa que os senho res
y"d esem penham aqui nesta o p o rtunid ad e. Po r que é que os
( senho res são cham ad o s a p articip ar do Po d er ju d iciário ?
; Efètiv am ente p o rq u ejning u ém m elho r que os senho res,
i trazend o aqui as suas exp eriências de vid a, para aferir um
\ ju lg am ento ju sto nesta esp écie de crim e“jA ativ id ad e do
' jurad o é regularizad a p ela lei e o p rincip al req uisito é de

50
F '
; que a pesso a seja de rec o n h ecid a id o neid ad e,, N ão p ensem
que o s senho res estão aqui g ratu itam ente; que a esco lha
fo i feita de m aneira aleató ria. Nãoi|Sã.o selecio nad o s, pas-
j s am a in te g rar u m a lis ta d e ju rad o s q u e fic a aq u i arq u iv ad a
f no no sso tribunal do jú ri, e a p artir d esse m o m e n to são
C :. .j tid as co m o pesso as da m ais alta id o neid ad e. E p o r isso
j m esm o lhes é d efinid a a tare f a m ais im p o rtante de julgar.
Üf-v v i V ejam bem : eu sei que m uito s saem de suas resid ências,
: . / v ê m aqui para p ass ar uma tard e in teira, e po r isso m e s m o ,
f;/ n .co m o rep resentante da so cied ad e, eu só ten h o a agrad ecer,
1p o r v irem prestar essa co lab o ração para co m a Justiça.
Po r d ev er de lei, eu d ev o ler ao s senho res o que se cham a
lib elo -crim e acu sató rio .16

A p ro m o to ra de ju stiça lê o lib elo , d ep o is d c d eixar â d is-


p o s ição d o s jurad o s os o rig in ais d o p ro ce s s o , para co n s u l ta. N ã o
o repro d uzimo s aqui, po is co nsid eram o s d esnecessário para a
p resente pesquisa o d etalham ento a que ele co nd uz. D ed ica,
em seguid a, um tem p o razo ável à ten tativ a d e d e s q u alif icar os
d ep o im ento s das testem unhas arro lad as p ela d efesa.
A essência da tese de acu sação v em em seguid a:

16 D e aco rd o co m H erm ínio A lb e rto M arq u es Po rto ( Jú r i — p r o c e d im e n t o s

e a s p e c t o s d o ju lg am e n t o , p. 1 0 0 - 1 0 1 ) : “ o lib ela-d esd o b ra rac io n alm en te a


c lassific aç ão p enal fixad a p ela d ecisão d e p ro n ú n c ia. A p eç a d eno m inad a
lib e lo , o u lib e lo - c rim e a c u s a tó rio , tra d ic io n a lm e n te ap re se n ta um
p reâm b u lo para seu relac io n am en to c o m o acu sad o , seg uid o d e articu lação ,
d eterm in ad a po r lei (in c iso s d o artig o 4 1 7 ) , d o fato c rim in o so , e de uma
reite raç ão — assim co m aten ç ão ao p ed id o d e c o n d e n aç ão sem p re p resente
em um a in ic ia l p en al d e aç ão p e n a l c o n d e n a tó ria — d o p ed id o d e
c o n d e n aç ão ou m anifestação p ela p ro c e d ên c ia d a ac u saç ão ; antes d e d ata
e assinatu ra, o lib elo p o d erá c o n te r (p arág rafo 2~ d o artig o 4 1 7 ) o ro l de
testem u n h as e req u erim ento de d ilig ên c ias; ao ser ap resentad o , p o d erão
se r ju n ta d o s d o c u m e n to s ao s au to s. P o d e rá tam b é m ser artic u lad a
c irc u n stân c ia ag rav ante, b em co m o a m ed id a d e seg u rança tid a po r c ab ív el” .

51
E aí, senho res jurad o s, nó s vam o s buscar o utro s elem ento s
im p o rtantíssim o s. O p rim eiro d eles: a p ro v a téc n ic a. O
laud o de exam e necro scó p ico é feito c o m base na p erícia
té c n ic a realizad a no co rp o da v ítim a. O lh em só: eles ap re­
sentaram um g ráfico d o co rp o hu m ano que rev ela um
ferim ento mais ou m eno s atrás da o relha esquerd a da v íti­
m a. M as, d o que exatam ente a v ítim a m o rreu? Seg u nd o o
laud o , a v ítim a v eio a falecer em v irtud e de traum atism o
c ran ien c efálic o m o tiv ad o po r ag ente p erfu ro co ntu nd ente
(b ala). O relato dessas testem unhas, o uv id as aqui h o je,
p restad o não co m base no que elas assistiram mas no que
elas o uv iram falar, mais a pro v a téc n ic a, d eixam co nclu ir
que a v ítim a estav a saind o co m uma telev isão quand o foi
ating id a p o r um tiro p elas co stas. U m a testem u nha disse
que o uviu quatro tiro s. U m dos tiro s v eio a ating ir a v íti­
m a atrás da o relha esquerd a. Ü que o co rp o no s co nta? O
co rp o no s c o n ta uma histó ria. A v ítim a fo i ating id a co m
um tiro pelas co stas. N ó s não tem o s aqui (ap o nta o p ro ­
cesso ) nenhu m a ind icação de que ho u v e um a luta. N ó s já
tem o s então uma p ro v a téc n ic a que co nd iz co m o d ep o i­
m ento das testem unhas que fo ram inquirid as. A irm ã do
rapaz diz que ele fo i lá arm ad o , e que ela to m o u c o n h e c i­
m en to d o fato p o r m eio de o utras pesso as.
Sen h o res jurad o s, o que eu sinto é o seg uinte: se esse rapaz
fo i p ara lá arm ad o , quand o ele saiu d e lá, efetiv am en te já
estav a d esarm ad o . O réu, então , se é que essa arm a existia
e se fo i sacad a no m o m ento dos fato s, o réu co nseg uiu
d esarm á-lo . Se o tiro tiv esse sid o d ad o a cu rta d istância,
em situ ação de luta, o laud o no s d iria. M as não . O laud o
n ão relata a ex istên c ia de tiro p ró xim o .
A lg u ém p o d eria dizer assim: “M as, d o uto ra, é m uita b an a­
lid ad e m atar po r causa d e uma d ív id a de C R $ 1 5 .0 0 0 ,0 0 !” .
M as é a banalid ad e, senho res jurad o s, co m que a v id a h u ­
m ana é tratad a, o que nó s, quase que d iariam ente, v em o s
n este trib u nal d o júri.
Q u e cred ibilid ad e nó s p o d em o s d ar à p alav ra d esse réu,
senho res jurad o s? Q u e h o je vem a m im cho rand o (faz tre-
jeito s d e hum ild ad e fo rçad a), d izend o que agiu em leg íti­
ma d efesa, ele estav a lá cafd o , fo i só um acid ente, fo i um
tiro acid ental — o rev ó lv er disparou. A pessoa que age em
leg ítim a d efesa, senho res jurad o s, e isto não p recisa estar
escrito no C ó d ig o Penal — o C ó d ig o Penal, aliás, fo i feito
para atend er a no rm alid ad e do co m p o rtam ento hu m ano
— , ela c o n ta que m ato u, e exp lica p o r que o fez. A g o ra
v ejam , senho res jurad o s: a atitud e da fuga, e a atitud e de
quem v em aqui h o je c o n tar duas v ersõ es, a de que o tiro
fo i acid ental e a d e que só um tiro fo i d isp arad o . A teste­
m u nha Jo ão falo u: “Eu o uv i q u atro ” . Essa arm a não fo i
enco ntrad a. Então , senho res jurad o s, é isto o que nó s p e­
d im o s. Q u e os senho res, h o je, acatem o lib elo , acatem a
acu sação , e co nd enem o réu. M u ito o brig ad a,

O juiz p resid ente passa a p alav ra à d efesa.

Esperam o s realm ente que a ju stiça se faça h o je, neste tri­


bunal do jú ri. M inu to s antes d o in íc io do p lenário do tri­
bunal d o jú ri, tiv e a o p o rtunid ad e de co nv ersar co m o réu
aqui à p o rta e p erg untar o que efetiv am ente aco nteceu .
N ão tiv e, e não teria, e nu nca faria, p arte de uma d efesa
falsa. N ão o instru í para que seguisse esta ou aquela linha.
A p enas lhe d isse: d iga a v erd ad e, d iga aos jurad o s o que
realm ente ac o n tec eu . Eu não p o d ia sugerir a ele que c o n ­
tasse esta o u aquela histó ria. Ele me c o n to u esta v ersão da
briga, que eu não c o n h ec ia, po rque no p ro cesso nad a h a­
v ia além de um a insinu ação do tio d ele quand o disse que
ho u v e um entrev ero p o r causa de uma telev isão que teria
sid o tirad a. Isto fo i lid o no p ro cesso p ela p ró pria p ro m o to -

53
ra. O ra, se fo i assim que realm ente ac o n tec eu , se a telev i­
são não fo i d ad a, e sim tirad a, da m aneira co m o co nsta no
p ro cesso , é que hav ia realm ente uma d iscussão . Então , essa
d iscussão caracteriz aria, o u m e p erm itiria, c o m to d a a h o ­
nestid ad e, trazer, co m o vo u lev ar a Vossas Ex c elên c ias, o
p rim eiro ped id o : a tese de uma leg ítim a d efesa pró p ria. Eu
até extrap o lei um p o uquinho na m inha g esticuiação , q uan­
do uma das pesso as estav a faland o , a irm ã da v ítim a, po r­
que o d ep o im ento d ela v em ao enco n tro do que o réu d is­
se aqui. e me disse anterio rm ente: que ele não tin h a arrua,
e que quem v eio armad a à sua casa fo i a p ró p ria v ítim a. A í
eu g esticu lei, fiz assim (c o lo c a as mão s po stas em p rece),
po rque era a ú nica c h an c e de p ro v ar que ele não estav a
m entind o . O réu d isse, num p rim eiro m o m ento , que esta­
va em sua casa. C o rreu , esqueceu de um d etalhe im p o r­
tante. M as, d ep o is, co m o a verd ad e sem pre aflo ra, então ,
essa verd ad e v eio , d e um a o utra fo rm a. Ele d isse que esta­
va em sua casa, p o rque trabalhav a à n o ite — isto ele não
d isse aqui, mas disse para m im ; eu até p erg untei a ele po r
que não c o n to u isto ao juiz, e ele me exp lico u que estav a
m uito nerv o so . Eu p erg untei: “ Q u em estav a na sua casa?” ,
e ele resp o nd eu: “ A m inha espo sa e m inhas filhas, de três
e quatro ano s. Lu c sr-v a d o rm ind o po rque trabalhav a à
n o ite ” . Isto não co n sta d o p ro cesso ; eu esto u d izend o . E eu
sou um ho m em de 55 ano s de id ad e e jam ais v iria aqui
pára m entir e para d esresp eitar...

N esse m o m ento , a p ro m o to ra ped e um ap arte, para anu n­


ciar que v ai ped ir a d esq u alificação da fala do ad v o gad o po is ele
estaria p restand o um d ep o im ento p esso al. Ela diz que, send o
assim, ela tam bém p o d eria ir para a frente do jú ri e dizer que
co nv erso u co m esta o u aqu ela pesso a e que to m o u c o n h e c i­
m ento d e fato s que não estão no p ro cesso . C ria-se um certo
c o n flito , as vozes de d efesa e acusação se so brep õ em . O to m de
voz se altera.

54
O ad v o gad o reto m a a d efesa, enq u anto a p ro m o to ra aind a
fala, co m o se não se im p o rtasse co m o que ela diz. E c o n tin u a,
d irig ind o -se ao júri:

Se Vo ssas Ex c elên c ias entend erem que se eu d isser que ele


estav a co m a m u lher e as duas filhas po d e ab alar a d ecisão
d e Vo ssas Ex c elên c ias, Vo ssas Ex c elên c ias en tão não c o n ­
sid erem na ho ra de d ar seu v o to . A p ro m o to ra está fazen-
d o um drama p o rque eu esto u d izend o que ele estav a na
casa d ele na ho ra em que ac o n tec eu o fato .
Então , quem era a v ítim a? A v ítim a era um m o ç o de 17
an o s. D esem p reg ad o , p re c isan d o d e d in h e iro , e que
estranham ente, segund o a p ró p ria irm ã d ele, p o u co tem p o
antes de ser assassinad o , tev e o d inheiro su fic ien te para
ad quirir urn rev ó lv er. M o c in h o , 17 ano s, and av a co m um
rev ó lv er na cintu ra. O que mais ? Esse m o ço não tin h a uma
ativ id ad e. Estav a d esem p regad o .
D o o utro lado , nó s tem o s quem ? O réu. U m h o m em de 30
ano s, casad o , p ai d e fam ília, trabalhad o r, arrum o u em p re­
go para o irm ão , e que fo i ser co brad o , em sua casa, quand o
d escansav a para v o ltar ao trab alho . Esse ho m em está co m
a fam ília em sua casa, d escansand o , de rep en te c h eg a um
m o ço , armad o , para co b rar um a d ív id a. Basta o fato d e ele
estar armad o , para que nó s entend am o s que já ho u v e uma
agressão . O rapaz era m acho . O rapaz era v io len to . O rapaz
era v iciad o . O rapaz era brav o . Esse rapaz n ão ia sair d e lá
d esarm ad o ... O rapaz não ia sair d eixand o o rev ó lv er na
m ão d o réu, e sim p lesm ente p egand o a telev isão e ind o
em bo ra. Vo ssas Ex c elên c ias vão p ensar nisso . (Faz um a
pausa, to m a água.)
Q u e efetiv am ente o tiro ating iu a v ítim a aqui (ap o nta o
pró prio crânio ), ating iu. Isso é ind iscutív el; isso co nsta dos
auto s, isso co nsta d o laud o . M as d aí a dizer que ele lev o u o
tiro quand o jam ais im ag inav a que ia lev ar um tiro ... Rac io -

55
.u .u u , acim o res, s>e ele lev o u um rev ó lver, ele jam ais ima-
g inav a que ia lev ar um tiro ? Ele sim p lesm ente d eixo u o re­
v ó lv er pra lá, e carreg o u a telev isão , send o que o rev ó lv er
v aleria cinco , sete vezes mais do que a pró pria telev isão ?
En tã o n ó s jã te m o s aq u i, p ara V o ssas Ex c e lê n c ia s
m ensurarem , o fato d e que o rev ó lv er era da v ítim a e que a
v ítim a fo i armad a.
O ra, se o réu está em sua casa, co m sua fam ília, n o d escan­
so do seu lar, apó s o trabalho , e se v ê am eaçad o , en tão aqui
é que Vossas Ex c elên c ias v ão dizer se ele estav a o u não em
d ireito de leg ítim a d efesa. A g iu ele em leg ítim a d efesa?
Estav a ele, ou não estav a, se d efend end o de uma agressão
grad ual, injusta, irrev erente ? Se Vossas Excelências en te n ­
d erem que o réu agiu em leg ítim a d efesa, Vo ssas Ex c e lê n ­
cias resp o nd erão s im .

Para que o réu seja b en eficiad o co m esta tese, Vo ssas Ex ­


c elên c ias terão de analisar, c o n c o m itan te m en te , o utro s
quesito s. E so bre isto que Vo ssas Ex c elên c ias v ão basear
sua d ecisão .

Em sua rép lica, a p ro m o to ra reco m end a que o s jurad o s ra­


c io c in e m sem pre co m base nas p ro v as ap resentad as no s auto s
do p ro cesso . Ela arg um enta, co m m ais ênfase, que era im p o ssí­
v el que a v ítim a, tend o sid o ev entu alm ente d esp o jad a de seu
rev ó lv er, d esse as co stas p ara o réu e p erm itisse, assim, que ele o
alv ejasse p o r trás. C o m isso, a p ro m o to ria q u er insinuar que o
acusad o p ro v av elm ente tin h a um a arm a em casa e que esta te ­
ria sid o usad a para o d isparo . Ela q u estio na tam b ém a fuga do
acusad o , o qu e, em sua o p inião , co nfig u ra ac eitaç ão da culp a.
N a trép lica, o ad v o gad o de d efesa se m o stra surpreso co m
a insinu ação d a p ro m o to ra d e que hav eria, n a c en a do crim e,
mais um rev ó lv er, que o réu teria usad o p ara m atar a v ítim a
pelas co stas, quand o esta saía c o m a telev isão no o m bro . O

56
ad v o g ad o d e d e fe sa re f o rç a a te se d e le g ítim a d e fe sa,
relembrand o que a v ítim a f o i a c i n t o s a m e n t e arm ad a à casa do
réu, para co b rard he uma d ív id a d e m o d o v io lento e injusto .
Ele tam bém tro uxe à co nsid eração d o s jurad o s a info rm ação de
que o réu tin h a sid o ho sp italiz ad o e que, em fu nção d isso , q u al­
quer v estíg io d e ferim ento causad o pela luta co rp o ral teria sid o
elim inad o p ela p ró pria ação m éd ica.
Liílo s os quesito s, fo i co nv o cad o o co n selh o d e senten ça
para o v ered icto , e o juiz leu a sentença:

O s jurad o s, analisand o o s quesito s que lhes fo ram fo rm u-


lad o s, aco lheram a tese d a leg ítim a d efesa. D ecid iu -se,
então , abso lv er N iv ald o Jo sé Silv a.

C o nsid eraçõ es ac erc a d o ju lg am e n to : a ac u saç ão fu nc io no u


bem, co m base no laud o da p erícia, e insistiu em d em o nstrar
o nd e a bala tin h a se alo jad o e d e que d ireção ela v iera, por
m eio de ilustraçõ es técnicas. A p ro m o to ra in terv e io no s m o ­
m ento s certo s, até p ara d esm erecer d iante d o júri a atu ação do
d efenso r, que ela classifico u de em o cio n al. Esta fo i um a ten ta-
tiv a in telig en te de m o strar ao s jurad o s que estav a segura d e si e
em relação à tese que d efend ia. Esta atitud e p o d eria ter lev ad o
o jú ri a se p o sicio nar a seu fav o r, im p ressio nad o p o r sua altivez.
A d efesa, po r o utro lad o , o p to u p o r um a abo rd ag em que
p riv ileg iav a o c o n c e ito de p r o x i m i d a d e . Em o utras p alav ras, o
advo gad o p ro curo u fazer co m que o s jurad o s se transp o rtassem
para o lugar d o réu e sentissem a m esm a situ ação d e co nstrang i­
m ento e v io lência. N ão é d i f í c i l im ag inar que a c en a d escrita
[ por ele, a de uma fam ília p acífica que é achacad a po r um ma-
j land ro , tenha im pressio nad o a m aio r p arte dos m embro s d o júri.
VjDo s sete jurad o s, c in c o eram m u lheres, que g eralm ente dão
m uita im p o rtância à into cab ilid ad e do lar. O d efenso r buscav a
sed uzir essas m u lh eres, lev an d o -as a im ag in ar a situ ação

5?
esd rúxula que fo ra criad a: ura ho m em armad o inv ad e uma casa
de fam ília e am eaça a integ rid ad e d e um ho m em p o bre, d iante
de sua m ulher e de suas filhas p equenas. Esta im agem c erta­
m ente peso u na d ecisão dos jurad o s — e po r que não dizer,
das ju rad as ? O ad v o g ad o f o i h áb il; carre g av a
p rin cip alm e n te ,
nas em o çõ es quand o entend eu ser p reciso , co nfro nto u a p ro ­
m o to ra quand o lhe p areceu co rreto , ad o ço u a voz em certo s
m o m ento s, end ureceu o to m em o utro s. .
A d espeito de uma tese tecnicam ente co rreta, a acusação
peco u ao d esm erecer pequeno s d etalhes da histó ria. A lém disso,
a pro m o to ra o pto u pela p o sição de superio rid ad e, o que parece
ter causad o um efeito ind esejad o so bre o júri. Exatam ente ao
co ntrário , o d efenso r se m antev e hum ild e, utilizou uma postura
v o cal suave e co ntrita. G anh o u a simpatia dos jurado s para a sua
tese, apo iad o no fato da v ítim a ter invad id o a privacid ad e da
casa do acusado, que não teria tid o o utra saíd a senão d efend er a
ho nra de sua fam ília. V enceu pela sed ução do env o lv im ento .

58
IV
C a p ít u l o
Ave, palavra

Palav ras escritas, p alav ras articulad as, p alav ras p ensad as.
Em to d as as suas fo rm as, a p alav ra tem um a im p o rtân c ia
m arcante. Isto é bastante v isív el quand o o uvim o s o u lem o s uma
exp ressão , urna frase esp ecífica que no s ating e, co rp o e alm a,
transp o rtand o -no s in stan tan eam en te d e um estad o m e n tal e
em o cio nal para o utro , O arreb atam ento que a bo a p o esia é c a­
paz de produzir, po r exem p lo , o u as em o çõ es e as certezas que
um bo m d iscurso é capaz de ev o car em nó s.
Po r isso, não p o d eria faltar neste trab alho um a reflexão
esp ecífica so bre a p alav ra e os fato res que co m p õ em o c o n tex to
em que ela é p ro nunciad a, escrita, enfim , registrad a e p ublicad a:
os gesto s, as inflexõ es, a p o stura, as exp ressõ es faciais, etc . A
p alav ra é, em si, o elem en to m aio r da sed ução , o p rincip al re­
curso à d ispo sição de ad vo gad o s e p ro m o to res p ara exercerem
suas funçõ es. Ela é, mais d o que p o r assim dizer, a ferram enta de
trabalho do p ro fissio nal d o D ireito .
Frases bem articulad as p o d em g arantir que os sig nificad o s
sejam transm itid o s c o rretam ente, no que diz resp eito à o b je ti­
v id ad e. A palav ra é im p o rtante, sem d úvid a, p ara co m u nicar
fato s, id éias, pedido s o u o rd ens, racio cínio s, em suma, um sig ­
nificad o o b jetiv o , que p o d e ser co m p artilhad o p o r m eio d ela
entre d iferentes pesso as. N o en tan to , a c o m u nicação p ro p icia­
d a p ela p alav ra e os efeito s pro d uzid o s po r ela não se restrin­
gem aos co nteúd o s o b jetiv o s: os sig nificantes, em esp ecial no
âm b ito da o ralid ad e, fazem to d a a d iferença entre umas o u o u ­
tras co nseq ü ências que a p alav ra p ro nu nciad a po d e produzir.
D essa m aneira, é fund am ental lev arm o s em co nsid eração o to m
d e voz, o ritm o das frases e o m o d o co m o são articulad as p elo
falante — tud o co ntrib u i p ara em p restar à p alav ra 'alternativ as
d iferentes d e en tend im ento po r p arte d o aud itó rio . A nalisare­
mos, neste cap ítu lo , as p rincip ais qualid ad es que fazem da p ala­
vra o ral, esp ecialm ente num c o n te x to d e d eb ate, um po d ero so
elem ento d e sed ução . V am o s id entificá-las no s p rincip ais e le ­
m ento s env o lv id o s no ato d e falar a um d eterm inad o p úblico .
E co nstatarem o s, p o r exem p lo , que m esm o a ausência da
p alav ra p o d e ser um a m aneira extrem am ente eficaz de ap licar
a sed ução no s recep to res d o d iscurso . O silên cio , assim, entre
ás p alav ras, não po d e ser p o sto d e lad o co m o m eno s im p o rtan­
te o u co m o urna neg ativ id ad e.
A n te s de pro sseguirmo s, v ale lem brar que a utiliz ação da
p alav ra, para o bter um ou o u tro o b jetiv o , é basead a em té c n i­
cas que nasceram d a p ró p ria exp eriência dos falantes, dos seres
hum ano s, ao lo ng o de m ilênio s. Existem asp ecto s m uito im ­
p o rtantes das cap acid ad es d e exp ressão e de sed ução da p alav ra
que d eco rrem das m aneiras co m o se relacio nam as pesso as, e n ­
raizados em tem p o s m uito antig o s, mais v elho s que as pró prias
líng uas co nhecid as, bem m ais jo v ens que a p ró p ria cap acid ad e
d e falar.
A ssim , utilizar b em a ling uag em em to d o s os seus elem en ­
to s sig nifica p raticam ente g arantir a o b ten ç ão d e resultad o s e x ­
p ressiv o s; utiliz á-la m al, p o r o u tro lad o , po d e causar a co n d e­
n aç ão d e quem p ro fere as p alav ras ou, pior, d aquele que d elas
d ev eria se beneficiar.

1. A linguagem
A grand e im p o rtância d a ling uag em po d e ser co nstatad a
p o r m eio d o estud o de d iv erso s asp ecto s d o p atrim ô nio cultural

60
da humanid ad e, além da p rática co tid iana do D ireito . Po r exém -
pio, a Bíblia c o n tém uma p o d ero sa aleg o ria a esse resp eito , em
que a p ró pria d iv ind ad e é id entificad a co m a p alav ra. Trata-se
dos verso s iniciais do Ev ang elho segund o São Jo ão :

N o p rincíp io era o V erbo


e o V erbo estav a co m Deus
e o V erbo era Deus.
N o p rincip io , ele estav a co m Deus.
Tud o fo i feito po r m eio d ele '
e sem ele nad a fo i feito .
“ Ev ang elho de São Jo ão ” , cap . 1, v. 1-3.

À parte o lugar c en tral que a p alav ra o cup a nesta e em


outras trad içõ es relig io sas, a ling uag em tem efeito s m arcantes
sobre o s seres hum ano s, era v ário s nív eis. V am o s refletir so bre
a co m u nicação frente a frente en tre d uas o u mais pesso as.
A fala é prod uzid a p o r m eio de co m p lexas o p eraçõ es que
o co rrem num a pesso a. Ela tem o rig em num p ro cesso físico e
p sico ló g ico , à m ed id a que§çjepend e de co ntraçõ es e relaxam en­
tos musculares cuid ad o sam ente articulad o s, p o r um lad o , e de
um flu xo de p ensam ento o rganizad o , p o r o u tro JD e certa m a­
neira, p o d e-se,co nsid erar a fala co m o um ev ento que se in icia
no sistem a nerv o so d e um ind iv íd uo e que p ro v o cará altera­
çõ es no s estad o s d o sistem a nerv o so d e o utra pesso a, fazend o
co m que esta resp o nd a ou aja de m aneira co rresp o nd ente àquilo
que fo i m o biliz ad o nela.
A fala é o m eio mais utilizad o e m ais p rático para a co m u ­
nicação entre duas pesso as que estão p ró xim as, m as é apenas
uma das p o ssibilid ad es d e exp ressão ind iv id ual. A co m u n ica­
ção po d e o co rrer p o r m eio de qu alquer dos v ário s sistem as d e
transmissão e recep ção de info rm açõ es; e env o lv e d iversos c am ­

61
pos de c o n h ec im en to e exp ressõ es de atitud es. A classificação
desses sistem as fo i esquem atiz ad a p o r d iferentes esp ecialistas.
D entre estes, p o d em o s c itar alguns brasileiro s: Reg in a To led o
D am ião e A n tô n io H enriq ues, D o m ing o s Pascho al C eg alla e
Jân io Q u ad ro s.1/

E se alargarm o s a ind ag ação a to d as as características físi­


cas que, po r assim dizer, rev estem a p alav ra d o ho m em , e
se, da c en trai que é a fisio no m ia, d escerm o s até o exam e
da en to n aç ão da voz, aos m o v im ento s d e to d o o co rp o ,
surp reend erem o s aquele co m p lexo fenô m eno que é o co m ­
p o rtam ento , que po d e ser de grand e v alo r para a interp re­
tação d o p ensam ento e da p alav ra.18

O au to r da c itaç ão afirm a, aind a, na m esm a o bra, que as


em o çõ es p ro v o cam m anifestaçõ es reflexas, su b linhand o que,
em cad a um dos estad o s em o cio nais do ind iv íd uo (m ed o , raiva,
amo r, e tc .), há uma m ím ica p ró p ria e esp ecífica, e que q u anto
mais intenso fo r o estad o co nsid erad o , tanto mais m arcantes,
irresistív eis e ind isfarçáv eís serão os m o v im ento s de exp ressão
co rresp o nd entes.
A o d irig ir-se ao s jurad o s, os ad vo gad o s e p ro m o to res bus­
c am p o te n c ializ ar a em o ç ão em seu d iscu rso , d e m o d o a
p o tencializ ar tam bém a reação em o cio nal dos jurad o s. D a m es­
m a fo rm a, p ro curam m anip ular os sinais reflexo s co rresp o nd en­
tes àquilo que dizem.
M anso ur C h alita resum e b em o p ap el da sed ução no d is­
curso , ao d esenhar linguagens mudas e inv o lu ntárias do co rp o :

17 R esp ec tiv am en te, nas o bras C u r s o d e p o r t u g u ê s j u r íd ic o , N o v í s s i m a g r a m á t i c a

d a lín g u a p o r t u g u e s a e C u r s o p r á t i c o d a lín g u a p o r t u g u e s a .

En ric o A ltav illa, P s ic o lo g ia ju d ic iár ia, p. 97.

62
A linguagem d o co rp o é, às v ez es, mais v eríd ica que a lin ­
guagem falad a p o rque é in c o n sc ien te e inco ntro lad a. N o r­
m alm ente, as duas d ev em co m p letar-se m u tuam ente. Es­
cu tar apenas uma d elas p o d erá ind uzir-no s em erro s de in ­
terp retação .
A p rend a a co m p reend er a linguagem do co rp o . O s gesto s.
O to m d a voz. O s m o v im ento s do co rp o para a frente, para
trás. A m aneira, natu ral o u d esajeitad a, de sentar-se. Tam ­
bém a m aneira d e sair d e um elev ad o r, de se co m p o rtar na
rua quand o só o u aco m p anhad o o u quand o en c o n tra c o ­
nhecid o s. A m aneira d e co m p o rtar-se numa reunião so cial.
A p rend a a rec o n h ecer o ho m em fo rte ou fraco , sincero o u
fing id o , seguro o u inseg uro d e si, sensív el ou insensív el,
aquele que se d eixaria d o m inar, aquele que reag iria, aq u e­
le que nem p erceb eria o que está aco ntecend o .
Po r sua vez, o bserv e-se a si m esm o para só transm itir os
sinais que quer transm itir. Se ja um bo m ato r. (...)
Para os que se hab itu aram a o bserv á-lo s, os sinais rev elam
tu d o .19

O s sinais exterio res das em o çõ es e das atitud es do falante


são f u n d am e n tais, p o is e le s faz em p arte d a m e n sag e m
co m unicad a, estão inco rp o rad o s a ela. Po r isso, eles não p o d em
co ntrad iz er o que exp rim em as palav ras. O s sinais exterio res
são um reflexo da alm a d a p esso a e, m uitas vezes, receb em m ai­
o r atenção do recep to r do qu e as palav ras pro ferid as no d iscur­
so. D aí a im p o rtância de ad v o g ad o s e p ro m o to res estarem sem ­
pre atento s à co rresp o nd ência en tre a m ensag em que buscam
transm itir e sua ro upa, exp ressõ es, gesto s, po stura e até m esm o
a m aquilag em esco lhid a, no caso das m ulheres.

19 M anso u r C h alita, O s m ais b e lo s p e n s a m e n t o s d e t o d o s o s t e m p o s , p. 56.

63
2. A linguagem do silêncio
N ão resta d úvid a de que calar-se tam bém é uma m aneira
de se co m unicar. To d o s são capazes de reco rd ar situaçõ es em
que o silêncio de alguém fo i mais elo q ü ente do que m il d iscur­
sos. D e íato , este recurso p o d e ser utilizad o m ag istralm ente para
seduzir um aud itó rio , co rno no trecho citad o do d iscurso do
ad v o g ad o Brig ance, no film e T e m p o d e m at ar , co m o intu ito de
p rep arar os jurad o s para o fec h o de o uro de sua fala, surp reen­
d ente e co rtante.
Ed w ard Lopes, num belíssim o trabalho de sem ió tica, o b ­
serva:

Sabem o s que só uma Prag m ática p o d eria o rganizar uma


s e m â n t i c a d o q u e n ã o diz ., mas aind a estam o s lo ng e de po d er
enu n ciar as premissas a c u jo carg o ficará a co nstru ção das
bases teó ricas dessa d iscip lina. N o entanto , os po uco s e le ­
m ento s de que d isp o m o s, atu alm ente, ind icam que, no
n ív el p rag m ático dos su bentend id o s, o não -d íz er po ssui, às
vezes, mais sentid o do que o d izer.20

N o en tan to , o silêncio p o d e ter sig nificad o s d esfav o ráveis


e p ro v o car efeito s ind esejad o s, co nfo rm e a situação e o m o m ento
em que se ap resenta. Po r exem p lo , o silêncio de um réu po d e
ser p rejud icial à sua causa. Sim , po rque m uito em bo ra o parágrafo

20 Ed w ard Lo p es, D is c u r s o , t e x t o e s ig n ific a ç ã o : u m a t e o r ia d o in t e r p r e t an t e , p.


11. A s e m ân t ic a é o ram o d a se m io lo g ia q ue estu d a o s sig nificad o s d a
ling u ag em , v erb al ou não , em term o s d e seu d esen v o lv im en to ao lo ng o d o
tem p o e d e sua o rg aniz ação no p resen te. A p r ag m át ic a, p o r sua vez, estud a
o m o d o c o m o um o u v in te in te rp re ta o q ue d iz um falan te , além d o s
sig nificad o s literais das p alav ras, in c lu in d o o c o n te x to em que o d iscurso é
p ro ferid o — g esto s, to m d e vo z, p ausas, e tc .

64
úrxico do art. 186 d o C ó d ig o d e Pro cesso Pen al20'A, m o d ificad o
pela Lei 10.792/ 2003, afirm e exp ressam ente: “ o silêncio , que
não im p o rtará em co nfissão , não p o d erá ser interp retad o em
prejuízo d a d efesa” , fato é que o juiz, ao fo rm ar sua co n v ic ção ,
pode interp retar o silêncio inv o cad o pelo réu co m o susp eita de
ele ser realm ente o a u t o r do crim e.
A C o nstitu ição Fed eral d eterm ina, em seu artigo 5 S, inciso
LXIII, que 1'‘o preso será info rm ad o de seus d ireito s, entre os
quais o de p erm anecer calad o , send o d he assegurada a assistência
da fam ília e d e ad v o g ad o . Fo i c o m o ad v e n to d a c arta
co nstitu cio nal de 1988, bem co m o co m a p o lêm ica gerad a co m
o cho que ev id ente co m a antig a red ação do citad o art. 186, que
o leg islad o r infraco nstitu cio nal co lo co u um a “ pá d e c al” na
questão , p acificand o o entend im ento da g arantia d o silêncio
do acusad o , sem c o nd icio nar essa g arantia a nad a, o u seja, sem
que o réu possa ser p rejud icad o po r isso20'8.

20'A C ó d ig o d e Pro c e sso P e n al, artig o 186: “ D e p o is d e d e v id am e n te


q u alificad o e c ie n tific ad o d o in te iro teo r d a ac u saç ão , o acu sad o será
info rm ad o p elo juiz , antes d e in ic iar o in terro g ató rio , d o seu d ireito d e
p erm anecer calad o e d e não resp o nd er p erg untas que lh e fo rem fo rm ulad as.
Parágrafo ú nico . O silên c io , q ue não im p o rtará em c o n fissão , n ão p o d erá
ser interp retad o em p reju íz o d a d efesa.”
2 °- 8 “ D ir e it o d o a c u s a d o o u in d ic iad o a o s ilê n c io : co nsag rad o p ela C o n stitu iç ão
Fed eral d e 1988, no art. 5 ° , L X III, o d ireito d e p erm an ec er calad o , em
qualquer fase p ro ced im en tal (e x traju d ic ial o u ju d ic ial), c h o c av a-se c o m a
antig a red ação d o art. 186, em sua p arte fin al, q u e d iz ia ‘o seú silên c io
p o d erá ser in te rp re tad o em p re ju íz o d a p ró p ria d e f e sa’. A d o u trin a
m ajo ritária p o sic io nav a-se p ela não rec ep ç ão d esse tre c h o d o referid o art.
186 p e lo te x to c o n s titu c io n a l d e 198 8 , em b o ra alg u n s m ag istrad o s
c o ntinu assem a u tiliz ar d esse ex p ed ien te p ara fo rm ar seu c o n v e n c im e n to
acerca d a im p u tação . C o m a m o d ificação intro d uzid a p ela Lei 10.792/ 2003,
to rna-se c laro o ac o lh im e n to , sem q ualq uer ressalv a, d o d ireito ao silên c io ,
co m o m an ifestaç ão e realiz ação d a g aran tia d a am p la d efesa. Sem p re
sustentam o s q ue a necessid ad e de p erm an ec er c alad o , m uitas v ez es, é um a

65
co nseq ü ência natu ral para pesso as frágeis, em o cio nalm ente perturbad as ou
que não possuem a d evid a assistência juríd ica. N ão se neg a que no esp írito do
m ag istrad o o silên cio inv o cad o p elo réu p o d e gerar a susp eita de ser ele
realm ente o auto r d o crim e, em b o ra, aind a que tal se d ê, é d efeso ao magistrado
externar o seu p ensam ento na sentença. O ra , co m o to d a d e c i s ã o d e v e ser
fund am entad a, ' •silêncio jam ais d ev e co m p o r o c o n tex to de arg um ento s do
magistrad o para sustentar a c o n d e n a ç ã o d o acu s ad o . É p reciso abstrair, po r
co m p l e to , o silêncio d o réu, cas o o exerça, p o rq u e o pro cesso p en al d ev e ter
instru m ento s suficientes para co m p ro v ar a culp a d o acusad o , sem a m eno r
necessid ad e de se valer do pró prio interessad o para co m p o r o q u a d ro pro bató rio
da acusação ,-Se o Estad o aind a n ão atingiu m eio s d eterm inantes para tanto ,
/ to m and o imprescind ível o uvir (3 réu para fo rm ar sua culpa, é po rque se enco ntra
em nítid o d esco m passo , que p recisa ser co nsertad o p o r o utras vias, jam ais se
po d end o exigir que a ineficiência dos órgãos acusató rio s seja suprida pela defesa.
- “ ''Ê o que ig ualm ente sempre d efend eram A d a P e l l e g ri n i Grirto v er, A n to n io
M ag alhães G o m e s Fil h o , A n to n io S c a rrm c e F e rn a n d e s , V i c e n t e G r e c o F i l h o ,

| u lio Fabbrini M í ra b e l e , Paulo H eb erd e M o ra i s , Jo ã o Batista Lo pes, A d riano


M arrey, A lb erto Silv a Franco , Rui Sto c o , D av id Teixeira de A z ev ed o e C elso
Lim o ng i. Este últim o , co m o relato r d e um julgad o , esclareceu que: ‘o silêncio
do ré u é g arantia co nstitu cio nal e de fo rm a alguma po d erá ser p re j u d i c a d o por

isso! A o M i n i s té ri o Público cum pre c o m p ro v a r a auto ria e a m aterialid ad e do

crim e. O réu po d e p erm anecer ab so lu tam ente inerte, co m p arecer o u não aos
interro g ató rio s, respond er ou não , sem que essa co nd uta lhe prejudique a defesa.
N ão raro , aliás, o escriv ão de p o lícia ou a pró pria auto rid ad e p o licial sugere ou
induz o inv estig ad o a resp o nd er ap enas em juízo , isto pela lei d o m eno r esfo rço
ou po rque o utras autuaçõ es em flag rante o s aguard am’ (TJSP, A p . 286.117-3,
São Paulo , T C . de Férias d e Jan eiro de 2000, rei. C elso Lim o ng i, 12-1-2000,
v. u .). Para m aio res d etalhes so bre o tem a, v er d e no ssa auto ria O v a lo r i a

c o n fis s ão c o m o m e io de p r o v a n o p r o c e s s o p e n al, p. 168. N o prisma de que o


silêncio d o réu po d ia ser lev ad o em c o nta co ntra sua d efesa, co nferir: ‘De
o utra p arte, não se o lvid e que em bo ra send o um texto co nstitu cio nal seu, a
ap elante p erm anecera silente na fase inquisito rial, o que se mo stra d everas
estranháv el, uma vez que d ev id am ente assistid a po r ad v o gad o , pod eria de
p ro nto , o ferecer sua versão excu lp ató ria, ju stificand o seus ato s e refutand o a
acu sação ’ (TJSP, A p . 262.056-3/ 8, Rib eirão Preto , 2~ C ., rei. Egy d io d e
C arv alho , 8- 2-1999, m.v. so m ente q uanto à fixação d a p ena, mas não quanto
ao m érito ). C ertam ente, a partir d a alteração d o texto legal, a jurisp rud ência
encam inhar-se-á para o rumo de aco lher o d ireito de p erm anecer calad o sem
qualquer co nseq ü ência neg ativ a para o réu” (c f. G u ilherm e d e So uza N u c c i.
C ó d ig o d e P r o c e s s o P e n al c o m e n t ad o , p. 390- 391) .

66
C o ntu d o , é tam bém verd ad e que m esm o ro d ead o de to d as
•éssas g arantias legais e co nstitu cio nais, po d e o co rrer de o juiz
co nv encer-se de que o acusad o é culp ad o p elo crim e do qual
está send o julgad o , p elo fato d e calar-se d iante de ev id ências
ou p erg untas que lhe sejam feitas d u rante o interro g ató rio .
M u ito em bo ra nenhu m m ag istrad o possa basear-se nesse fato
o u c o lo c ar esse arg u m en to em sua se n te n ç a, o seu liv re
c o n v en cim en to pod erá ser influ enciad o p elo silêncio inv o cad o
p elo réu.
O silêncio pred ispõ e. O silêncio acio n a um estad o d e aler­
ta, para o bem ou para o m al. O silêncio acum p licia. O silêncio
env o lv e. O silêncio aco b erta. O silêncio fu ncio na, p o rtanto ,
co m o um sig no , co m sig nificad o s que v ariam de aco rd o co m o
c o n tex to , a fo rma e o m o m ento d o d iscurso em que se insere.

3. Argumentação
O s recurso s d isp o nív eis para c o n v en cer uma au d iência a
resp eito de um assunto qualquer são a a r g u m e n t a ç ã o e a retórica.
A p rim eira, d evemo s acrescentar o que A ristó teles cham o u de
pro v as d ialéticas.
A p alav ra d ialé t ic a serv iu, d u rante m uito s século s, para
no m ear a pró pria ló g ica. Isto ind ica o quão intim am ente estão
ligad as, histo ricam ente, a busca d a v erd ad e, a busca po r rac io ­
c ínio s co rreto s, por um lad o , e o d ebate entre as pesso as, a pes­
quisa realizad a por m eio d o d iálo g o . E interessante fazer um
co n traste entre duas fo rm as d e rac io cín io , o -d ialético e o an alí­
tic o , para co m p reend erm o s co m o a p alav ra é usada no s d iscur­
sos no tribu nal do jú ri, no sentid o de seduzir os jurad o s para
um a d eterm inad a p o sição .
y O racio cínio d ialético é um a fo rm a p aralela ao rac io cín io
an alític o ; a p rincip al d iferença é que o p rim eiro trata d o que é
v ero ssím il, isto é, da razo abilid ad e dos elem ento s que o d iscurso
utiliza p ara se co nstruir e co m u nicar alg o , enq u anto o segund o

67
o p era a p artir de p ro p o siçõ es necessárias, quer dizer, d e afirm a­
çõ es universais cu ja v alid ad e resid e ju stam ente no fato d e tra­
tar de verdades g enéricas. D esta m aneira, co nstatam o s que o
m o d o d jalé tic iié a fo rm a d e linguagem que se esp era enco ntrar
no s discursos juríd ico s, p o is é em fu nção do aud itó rio que to d a
arg um entação d ev e se d esenv o lv er, e p o r sua p ró p ria natureza
um ju lg am ento d ep end e d a co nsid eração de elem ento s abso lu­
tam en te ind iv id uais, já que está em jo g o a vid a d e pesso as cu jas
açõ es d ev em ser avaliad as por seus sem elhantes.
O d ebate, tal co m o o co rre no tribunal do júri, lev anta ques­
tõ es so bre co m o ating ir a verd ad e dos ac o n tec im en to s ap resen­
tad o s no pro cesso . Este p ro blem a fica claro nas reflexõ es de
D escartes a esse resp eito :

To d as as vezes que d ois ho m ens fo rm ulam so bre a m esm a


co isa um juízo co ntrário , é certo que um dos d o is se eng a­
na. H á mais: nenhu m d eles possui a verd ad e; po is se um
tiv esse d ela uma v isão clara e n ítid a p o d eria exp ô -la a seu
ad v ersário , de tal m o d o que ela acabaria po r fo rçar a sua
c o n v ic ç ão .21

A id éia é que, se há co nsenso entre os d ebated o res so bre


hav er um a v erd ad e que p o d e ser d eterm inad a p o r m eio d o d iá­
lo g o , aquele que a enxerg ar claram ente será capaz de ap resen­
tar um racio cín io p erfeitam ente co nstruíd o , fund am entad o so ­
bre a ló g ica e a racio nalid ad e, que co m u nicará ao o u tro a sua
p ró p ria v isão . N o en tan to , o s d iscurso s no tribu nal do jú ri es­
tão v o ltad o s para o b ter um a d eterm inad a d ecisão dos jurad o s,
o u seja, o s d ebates estão v o ltad o s não para ating ir o c o n h e c i­
m ento de uma certa v erd ad e, mas para c o nv en cer um aud itó rio

21 R e n é D escartes, R e g r as p a r a a d i r e ç ã o d o e s p ír it o , p. 105.

68
sobre a culp a o u in o c ên c ia de alguém que é acusad o de ter c o ­
metido um crim e. A ssim , no caso d elinead o po r D escartes, é
co mo se acusação e d efesa estiv essem am bas certas, o u ambas
erradas: de to d o m o d o , a arg um entação de cad a p arte p recisa
utilizar elem ento s de sed ução , já que se trata d e lev ar um grupo
de pessoas a v iv enciar, a se id entificar co m a subjetiv id ad e do
réu e suas razões, para então ju lg á-lo .
C haim Perelm an d estaca um p o nto fu nd am ental p ara essa
reflexão , que p õ e em xeque a p ró pria verd ad e, na abo rd agem
pro p iciad a p ela arg um entação :

Para os p artid ário s das ciên cias exp erim entais e ind utiv as,
o que c o n ta é m eno s a necessid ad e de p ro p o siçõ es d o que
a sua v erd ad e, s u a c o n f o rm id a d e c o m os f a t o s .22

Em o utras p alav ras, p ara o b ter um d eterm inad o c o n h e c i­


m ento através d e um m éto d o c ien tífic o é essencial que haja
uma co nfo rm id ad e o b jetiv a co m o real. N um ju lg am ento , por
o utro lad o , o que m ais im p o rta é que o d iscurso se co nfo rm e às
subjetiv id ad es env o lv id as, à p articularid ad e d o caso e dos ac o n ­
tecim ento s.
A a r g u m e n t a t i o , tam b é m d e n o m in ad a p r o b a t i o (p o r
Q u intiliano ) e c o n f i r m a t i o j ^ p o r C íc ero ), era co nsid erad a, na
A ntig uid ad e, a p arte m ais im p o rtante da arte retó rica, po rque
se d estinav a a estab elecer a cred ibilid ad e dos p o nto s d e v ista
em q u estão . Ela c o n sistia na ap resentação d e p ro v as, que
A ristó teles classifico u em ar t ific iais e in ar t ific ia is . O assim c h a­
mado g e n u s a r t ific i a le se refere às pro vas pró prias da arte retó ri­
ca, ou seja, aos elem ento s c o nstitu intes do d iscurso . Essas p ro ­
vas eram esp ecificad as, d este m o d o , po r m eio do exam e d a fala

11 C haim Perelm an e Lu cie O lb rec h ts-Ty tec a, T r at ad o d a ar g u m e n t aç ão , p. 2.


pro ferid a. Po sto que to d o d iscurso env o lv e um assunto , um o ra-
d o r e p elo m eno s um o u v inte, p o d e-se fazer a seg uinte subd iv i­
são d este g ênero de pro v as:

* Pro vas éticas: aquelas que dizem resp eito ao caráter d ig ­


no de co nfiança do o rad or.
* Pro vas patéticas:- aquelas capazes de m o tiv ar a sensib ili­
dade do o uv inte.
* Pro vas reais: aquelas cu jo efeito se baseia na co erência
ló g ica da ap resentação da c o is a m esma (a res). Inclu em
os ind ício s, os arg um ento s e os exem p lo s.

■ Po r sua vez, o g e n u s ir u ir t ific ia le trata das p ro v as o b tid as


sem os recurso s da retó ric a, d a fo rm u lação d o d iscu rso , ou
seja, os elem en to s p rev iam en te d ad o s, an terio res ao caso es­
p e c ífic o em d iscussão . São , p o r exem p lo , os testem u n h o s, as
info rm açõ es de ju risp ru d ência, as o p iniõ es d o u trinárias e os
d o cu m ento s.
Refletind o so bre o d iscurso na p o lítica, H aquira O sakabe
no s o ferece uma o bserv ação interessante a resp eito da argu­
m entação , pensad a em term o s m o d erno s:

o ato de argum entar p arece estar fund ad o em três ato s d is­


tinto s que guardam entre si uma relação ap ro xim ad a à re­
lação do tip o im p licativ ò : um ato de p r o m o v e r o o u v inte
para um lugar de d ecisão na estrutura p o lítica; um ato de
e n v o lv ê - lo de forma tal a anular a p o ssibilid ad e da crítica; e
um ato de e n g a j ar o o u v inte num a m esm a p o sição ou m es­
m a tarefa p o lítica. Po r uma m ed id a d e eco no m ia, cham a-
se ao p rim eiro ato Pro m o ção , ao segund o Env o lv im ento e
ao terceiro Eng ajam ento . (...) E o c o nju n to dos três que
p erm ite a cad a um ju stificar-se na sua função p rag m ática,

70
isto é, na relação co m um fim d eterm inad o que o lo cu to r
visa o b ter no o u v in te.23

O s elem ento s d a arg u m entação que analisam o s até aqui


p erm item que p ercebam o s co m o ela é p arte do p ro cesso d e se-
d ução que o co rre no s d iscurso s ju ríd ico s, e co m o é im p o rtante
que sejajeo nstru íd a em term o s d e um a relação entre v o ntad es
• subjetiv as em que o o rad o r p ro cura estab elecer um relac io -
nam ento co m a su bjetiv id ad e m esm a dos jurad o s — mais do
[ que em term o s de uma ap resentação de d ad o s o b jetiv o s.
A ar g u m e n t aç ão , assim, se o p õ e à d e m o n s t r a ç ã o , na m ed id a
em que esta se fu nd am enta so bre a id éia d e e v id ê n c ia, en te n d i'
da co rno uma fo rça d iante da qual o p ensam ento de qualq uer
ind iv íd uo racio nal teria de ced er.
A teo ria da arg u m entação se d esenv o lv e a p artir d a id éia
de que nem to d a p ro v a po d e ser red uzid a à co nd ição de ev id ên­
cia, isto é, de que n em to d a p ro v a d ev e ser uma o b jetiv id ad e
m aterial que se im p õ e so bre o in telec to . A arg u m entação d e­
m and a a utilização d e téc n ic as capazes de p ro v o car o u acrescer
a ad esão d o s esp írito s às teses qu e se .ap resen tam ao seu
d esco rtino .
D esta fo rm a, v em o s que ex iste um a o p o sição en tre arg u­
m en taç ão e d em o nstração análo g a à que h á en tre o rac io c í­
nio d ialé tic o e o an alític o , m en cio n ad a an terio rm en te. A d e­
m o nstração , nesse sentid o , se lig a ao s rac io c ín io s ló g ico -fo r-
m ais, co m o os m atem ático s, en q u an to a arg u m entação , não
p ressup o nd o a co nstru ção de sistem as m ensu ráv eis em term o s
o b jetiv o s, co m seus axio m as e regras d e transfo rm ação , refe­
re-se antes aos rac io c ín io s p e r s u as iv o s (o u sed u to res), co m o
são os d iscurso s ju ríd ico s e p o lític o s, c u ja v alid ad e é restrita a

a H aq u ira O sakab e, A r g u m e n t a ç ã o e d is c u r s o p o lít ic o , p. 52.

71
aud itó rio s p articu lares, não p retend end o ad quirir a u niv ersa­
lid ad e da d em o nstração .
O filó so fo Scho p enh au er articula o p ro blem a em seus e x ­
trem o s:

Para estab elecer uma d ialética pura, d ev em o s d eixar de


no s p reo cup ar co m a realid ad e o b jetiv a (que é a questão
da ló g ica) e encará-la sim p lesm ente co m o a a r t e d e vencer
o d e b a t e ; o que co m certez a alcançarem o s mais facilm ente
quand o tiv erm o s razão na questão . M as a d ialética, e n ­
quanto tal, d ev e sim p lesm ente ensinar co m o d efend er-no s
dos ataques de to d o tip o , esp ecialm ente dos d esleais, e,
por isso m esm o , co m o p o d erm o s atacar o que o o utro afir­
m a sem cairm o s em co ntrad ição e, so bretud o , sem serm o s
refutad o s. D ev e-se asso ciar claram ente a d esco b erta d a
verd ad e da arte d e faz er'co m que a no ssa p ro p o sição seja
aceita co m o v erd ad e.24

C o m base nesse rac io c ín io , p o d em o s reafirm ar que a


d ialética utilizad a no d iscurso n o tribunal do jú ri não é um p ro ­
cesso de busca p ela verd ad e abso luta, mas um em bate p ela ac ei­
tação de uma tese.
É m uito co m um que o o rad o r tenha de persuad ir um aud i­
tó rio hetero g êneo , reu nind o pesso as que se d iferenciam seg un­
do caráter, v íncu lo s ou fu nçõ es. Para isso, ele d ev e utilizar m úl­
tip lo s argum ento s, a fim de co nq u istar os d iverso s m em bro s de
sua aud iência. Isto reafirm a a necessid ad e da argum entação nesse
tip o de d iscurso ; além d isso , um grand e o rad o r é caracterizad o
p ela habilid ad e de lev ar em c o n ta a p ró p ria hètero g eneid ad e
do p úblico que o o uve.

24 A rth u r Sc h o p en h au er, C o m o v e n c e r u m d e b a t e s e m p r e c is ar t e r r a z ã o , p.
111 - 112 .

72
4. Retórica
A r e t ó r i c a po d e ser d efinid a, em term o s am p lo s, co m o a
arte d e falar bem , isto é, a arte de usar to d o s o s recurso s d a
linguagem co m o o b jetiv o d e p ro v o car um d e te rm in ad o efeito
no s o uv intes,

A re tó ric a é a arte d e falar d o que le v an ta p ro b lem as no s


assunto s civ is, d e fo rm a a persuad ir.25

D e aco rd o co m Platão , a retó rica é um a té c n ic a que p o d e-


ria ser usada até m esm o para co nv en cer os d euses. E o que afir­
ma o pensad o r grego em sua o bra F e d r o . A retó rica, segund o
ele, é a u tiliz aç ão dos recurso s d iscursiv o s p ara o b ter a a d e s ã o
dos e s pírit o s . Esta lo c u ç ão é, até h o je, m u ito lem b rad a, e exp ri­
me m ag nificam ente o o b jetiv o visad o po r ad vo gad o s e p ro m o ­
to res no tribunal d o jú ri.
Po d e-se afirm ar que a retó rica tev e in íc io nas cid ad es-es-
tado da G réc ia A ntig a, po r v o lta do século V a.C ., quand o d is­
putas de p ro p ried ad e d em and av am d ebates so bre os d ireito s de
p leiteantes ind iv id uais. Flo resceu esp ecialm ente em A tenas,
co m os so fistas, p ensad o res p rag m ático s e u tilitaristas que ensi­
nav am , em tro ca d e d inheiro , técnicas d e arg u m entação para
persuad ir o utras pesso as, Eles instruíam qualquer um co m o se
p ro nunciar c o n tra o u a fav o r de qualq uer o p inião ou id éia, d es­
de que uma o u o u tra o p ção fosse v antajo sa.
O grand e o p o sito r dos so fistas, Só crates, critic o u a retó ri­
ca co m a afirm ação de que se trata de uma té c n ic a sup erficial,
que so m ente p o d eria ad quirir algum v alo r à m ed id a que p arti­
cipasse da essência d o m éto d o filo só fico . O p in ião sem elhante
é enco ntrad a no s escrito s de Platão , esp ecificam ente na o bra

25 Q u in tilian o , In s t it u t io o r a t o r ia , p. 180.

73
Fedro, em que se ap resenta a id éia de persuad ir os deuses. A
esse resp eito , no entanto , o tratad o mais c o n h ec id o da A n ti­
guidad e é a R e t ó r ic a , de A ristó teles. N essa o bra, o esta.gi.rita
caracteriz a a retó rica co m o uma arte co rretiv a, instrutiv a, su­
g estiv a e d efensiv a.
Po sterio rm ente, entre os latino s, tam bém ho uv e impo r­
tantes p ensad o res que se d ebruçaram so bre o tem a. U m d eles
fo i o ro m ano C ícero , que exp ô s sua d o utrina so bre a retó rica
em três liv ro s, co m a id éia central de que o o rad o r p erfeito seria
o ho m em p erfeito . A ssim , p ercebem o s que para esse mestre
hav ia um a co rrelação íntim a entre a v irtud e e a cap acid ad e de
se exp rim ir p ersuasiv am ente. U m p o nto de v ista sem elhante se
en c o n tra em Q u intilian o , o u tro m estre de retó rica de Ro m a,
cu jo tratad o intitulad o I n s t it u t in o r at c m a é a exp o sição mais co m ­
p leta e sistem ática do assunto .
A ristó teles, C íc ero e Q u in tilian o insp iraram to d o s os tra­
tado s p o sterio res. D u rante a Id ad e M éd ia e a R en ascen ça, a
retó rica fazia p arte do t r iv iu m (ju n tam ente co m a g ram ática e a
ló g ica), co m o ind isp ensáv el requisito ed u cacio nal. O t r iv iu m
era uma esp écie de currículo b ásico , que d ev ia ser ensinad o a
fim de fu nd am entar o estud o d o q u a d r i v iu m (aritm ética, g eo ­
m etria, m úsica e astro no m ia); ju nto s, os d o is agrup am ento s for­
m am as assim cham ad as ar t e s lib e r ais .
N o s século s p o sterio res, a retó rica se d esenv o lv eu aliad a a
d iferentes d iscip linas, co m o a ló g ica, e fo i subm etid a a d o utri­
nas m ajo ritárias, co m o a relig ião cristã — esp ecialm ente, na
ed ucação — e a literatura. O uso que d ela fez o ro m antism o
literário , p o r exem p lo , lev o u a uma m ud ança que substituiu a
atitud e trad icio nal em relação à retó rica p o r um a ho stilid ad e
d eclarad a. Po r m uito tem p o , a p alav ra r e t ó r i c a serv ia para d e­
signar, na linguag em co m um , um cuid ad o excessiv o e fo rçad o
co m os asp ecto s técnico s da língua e um exag ero dos elem ento s
fo rm ais e o rnam entais do d iscurso . D e to d o m o d o , esse sig nifi­
cad o p ejo rativ o preciso u ser rev isto para que a retó rica renas­

74
cesse num a p ersp ectiv a leg ítim a. Se , no passad o , a arte do c o n ­
v encim ento d ecid ia o d estino d o s cid ad ão s de um a co m unid a-
d e, no p resente sua im p o rtância é in c o n testáv el, à m ed id a que
enfrentam o s q u estõ e s b astante sem elhantes, que b asicam ente
dizem resp eito às d isputas entre o s seres h u m an o s .
A in d a que tenham o s enfatiz ad o , até aqui, o uso da retó ri­
ca na reso lução de p ro blem as lig ad o s ao d esenco ntro entre in ­
teresses ind ivid uais, ela tam bém tem sid o utilizad a, ao lo ngo
d o tem p o , co m o um instru m ento de c o n tro le so cial e m anu ­
tenção do pod er. Po r exem p lo , M aq u iav el, em suas m ensagens
ao s M éd ici, d estacav a a im p o rtân c ia d e um c o n h e c im e n to
am p lo e p reciso da realid ad e para ed ificar os d iscurso s que ser­
viam para ju stificar e m anter a fam ília no po d er. N o pro cesso
p enal m o d erno , esses elem ento s — o c o n v en c im en to ind iv i­
d ual e o co ntro le da situ ação p o r m e io d o c o n h ec im en to d o s
fato s co ncreto s — aind a ap arecem . A retó rica, nesse c o n tex to ,
é ind isp ensáv el para o c o n v en cim en to .
■ Essa arte inclui algumas características de m anip ulação ,
po r exem p lo através do uso d e id éias larg am ente aceitas, ou
fato s que são narrad o s de m aneira a c o n d ic io n ar o aud itó rio a
p ercebê-lo s de uma m aneira b astante esp ecífica, sem flex ib ili­
d ad e d e p o nto s de v ista. E assim que co nstatam o s, d entre o u ­
tras co isas, que as crenças mais só lid as são as que não só são
ad m itid as sem pro va, mas tam b ém , m u ito am iúd e, sem nem
sequer serem exp licitad as.
O que acabam o s de m en cio n ar po d e ser m ais bem e n te n ­
dido ao analisarm o s b rev em ente o fenô m eno da p r o p a g a n d a .
U m de seus fato res essenciais é o c o n d ic io n am en to do au d itó ­
rio atrav és de num ero sas e variad as técn icas que utilizam tud o
qu anto po d e influenciar o co m p o rtam ento . Essas técnicas exer­
cem um efeito ineg áv el para p rep arar a au d iência, para to rná-
la mais acessív el ao s arg um ento s que lh e serão ap resentad o s.
N a p ublicid ad e m o d erna, o que im p o rta é co nq u istar o co nsu ­
m id o r — po r m eio de frases de efeito , hum o r, sátira, iro nia, ou

75
pelo im p acto da im ag em — e não necessariam ente exaltar as
qualid ad es do pro d uto . O pro d uto , às vezes, fic a em p lano se-
cund ário em relação à ap resentação que fo i estab elecid a para
ele. N a retó rica, a utiliz ação da linguagem é feita de m o d o se­
m elhante. Se na exp o sição d em o nstrativ a a relação en tre os
fato s e as p ro p o siçõ es é essencial, na retó rica, p o r o u tro lad o , o
( q u e co n ta é a transp o sição dos f ato s em im ag ens, e não e m
jfrases analíticas.
A c itaç ão a seguir ilustra um p ro blem a sem elh an te, e n ­
frentad o p o r to d a pesso a que lançar m ão da retó rica num d is­
curso :

O cam p o da arg um entação é o do v ero ssím il, do p lausív el,


do p ro v áv el, na m ed id a em que este ú ltim o escap a às cer­
tezas do cálcu lo . O ra, a co ncep ção claram en te exp ressa
po r D escartes, na p rim eira parte do D is c u r s o d o m é t o d o , era
a de co nsid erar “quase co m o falso tud o q u anto era ap enas
v ero ssím il” . Fo i ele que, fazendo d a ev id ên cia a m arca da
razão, não quis co nsid erar racio nais senão as d em o nstra­
çõ es que, a p artir de id éias claras e d istintas, estend iam ,
m ercê d e pro v as ap o d ícticas, a ev id ência d o s axio m as a
to d o s os teo rem as.26

Esta reflexão ap o nta para uma m o d ificação p ro fund a no


mo d o d e v er a utilização d a retó rica, até p o rque se trato u d e
uma rev irav o lta filo só fica n a m aneira de c o n c eb er a razão em
term o s da su bjetiv id ad e o u, em o utras palav ras, n o m o d o co m o
co m p reend em o s o su jeito , sua histó ria ind iv id ual e sua ação .
A ntes, esses term o s fo ram eq uacio nad o s p o r D escartes na d es­
crição dos elem ento s necessário s para exercitar a retó ric a:27

26 C h aim Perelm an e Lu cie O lb rec hts-Ty tec a, T r at ad o d a ar g u m e n t aç ão , p. 1.


2í M an u el M aria C arrilh o (o rg .), R e t ó r ic a e c o m u n ic a ç ã o , p. 9.

76
• U m a razão ho m o g ênea e univ ersal, quer dizer, que ela
esteja d istribuíd a entre to d o s os seres hum ano s e que suas
co nd içõ es d e “fu ncio nam ento ” sejam unifo rm es.
• A necessid ad e d e co m p reensão , ou seja, um a d isp o sição
para aco m p anhar os argum ento s e ap reend ê-lo s.
• Urna o b jetiv id ad e sem suspeitas, isto é, q u e.não possa
ser q u estio nad a, desde que fund ad a so bre certezas só li­
das, tais co m o d eterm inad as p elo m éto d o cartesiano .

Esses elem ento s fo ram rad icalm ente questio nad o s pelo s
pensad o res que Paul R ic o eu t d eno m inav a m e s t r e s d a s u s p e it a :
Sigm und Freud , Karl M arx e Fried rich N ietz sc h e .28 C o m eles, a
razão, a su bjetiv id ad e c o n sciente e os d eterm inantes so ciais do
ind iv íd uo fo ram d estrinçad o s sem apego a pressupo sto s so bre
os asp ecto s p sico ló g ico s da racio nalid ad e e do po d er de julg a­
m ento hu m ano .
A ssim , o que po d em o s cham ar de “crise d a razão ” , que e x ­
plodiu na v irad a d o século X IX para o X X , se d esd o bro u ao
lo ngo dos últim o s cem ano s e, em bo ra não ten ha sido supera­
do, esse p ro b lem a traz esclarecim ento s im p o rtantes so bre o uso
da retó rica. Se a fu nção da razão é p rincip alm ente fazer rep re­
sentaçõ es do m und o na co nsciência, ela não fo rnece os meio s
ad equado s p ara exp rim i-lo .
D e to d o mo d o , aind a que não possa prescind ir dos d esenvo l­
vimento s da retó rica ao longo dos séculos, o seu uso no discurso
juríd ico ev o ca e requer a aplicação do mesmo espírito que inspira­
va os grandes auto res da A ntiguid ad e. C o m o afirma Q uintiliano :

O que m elho r caracteriza a retó rica é ter sid o d efinid a co m o


a c iê n c ia d o d izer bem , p o rque isto abrang e ao m esm o

28 Paul Ric o eu r, L e c o n flit d e s in t e r p r é t at io n s , p. 149.

77
tem p o to d as as perfeiçõ es d o discurso e a pró pria mo ralidade
do o rad o r, v isto que não se p o d e v erd ad eiram ente falar
bem sem ser um ho m em de b em .29

'■ Ein o utras p alav ras, po r m elho r o rad o r que seja um ad v o -


gad o, se sua v id a não puder ser ap resentad a co m o exem p lo de
co rreção , sua retó rica será vazia e d ificilm ente terá im p acto so bre
;o aud itó rio . M esm o po rque o d ebate entre as partes no tribunal
do jú ri faz co m que os argum ento s se em batam , e a esse cho q u e
raram ente os fing im ento s so brev iv em . O m esm o ac o n tec e se
co nsid erarm o s a razo abilid ad e dos argumento s ap resentad o s: um
bo m d iscurso p recisa de uma retó rica bem exercitad a em seu
estilo e sua eco no m ia, mas tam bém d ep end e d a ló g ica e da
d ialética em sua co nstrução .
Po r isso, v ale a p ena co nsid erar a retó rica co m o uma té c ­
nica de persuasão — e, p o rtanto , de sed ução — que env o lv e o
uso de d iferentes d im ensõ es da linguagem . Enco ntram o s esta
co ncep ção , po r exem p lo , em Perelm an:

O o b jeto dessa teo ria é o estud o das téc n ic as d iscursivas


que p erm item p r o v o c a r o u a u m e n t a r a a d e s ã o d o s e s p ír it o s às
t e s e s q u e s e lh e s a p r e s e n t a m a o a s s e n t i m e n t o . 30

M ais um a vez, v ale ad v ertir so bre o risco d e p erd er de


v ista o co m p ro m isso co m a razão e co m a v erd ad e no uso da
retó rica p ara a co nstru ção do d iscurso . Tal av iso p o d e ser e n ­
co ntrad o em Platão , co m o m encio nam o s antes. Em sua c ríti­
c a à retó rica, que no mais das vezes era co nsid erad a ap enas

29 Q u in tilian o , In s t it u t io o r a t o r i a , p. 180.
30 C h aim Perelm an e Lu cie O l b re c h ts - T y te c a , T r a t a d o d a a r g u m e n t a ç ã o , p . 4-

78
uma p ro d uto ra de so fism as, ele su stenta que a p ersuasão te n ­
d ia a n ascer graças ao s efeito s d o estilo esco lh id o , que tan to
eram cap azes de pro d uzir sen tim en to s d e prazer q u an to de
ad esão . N este sentid o , c am in h a-se p ró xim o ao lim ite que se­
p ara um a arg u m entação rac io n al da irracio nalid ad e. A beleza
de uma e l o cu çã o , que p ro p o rcio ne prazer e agrad e ao s o u v i­
d os, tem m u ito mais a v er co m as em o çõ es que ev o ca, c o m os
sen tim ento s que m anip u la, d o que c o m a razão que p recisa
d irig i-la.
A esta altura, p o d em o s d esd o brar os sig nificad o s co ntid o s
na afirm ação de que a retó rica é a arte de b em falar. D esta fo r­
ma, ela p ro cura:

• Persuad ir e co nv encer, o b ter o assentim ento d o au d itó ­


rio a resp eito do assunto tratad o .
• A g rad ar, seduzir 011 m anip ular, a fim d e ju stificar idéias,
o b ter a sua aceitação , po rque são v erd ad eiras ou po rque
se acred ita que são.
• Transm itir claram ente o que é v ero ssím il, o que é o p i­
nião e o que é p ro v áv el co m bo ns arg um ento s, ap resen­
tand o razões e suscitand o inferências, a p artir do p ró prio
d iscurso ou d o exem p lo de o utras pesso as.
• C o m u nicar elem ento s im p lícito s atrav és de fato s ex p lí­
cito s.
• Pro d u z ir um se n tid o fig u rad o , q u e tra n s c e n d a a
literalid ad e, que po ssa ser d ecifrad o a p artir d esta, co m o
cuid ad o no estilo e a inclusão de narraçõ es que lev em a
esse term o .
• C o n stru ir u m d isc u rso c o m lin g u ag e m fig u rad a e
estilizad a.
• Exp licitar as in ten çõ es d o falante o u d o red ato r e, d este
m o d o , d eterm inar as razões do d iscurso .

79
. Para d eterm inar os co m p o nentes d e um d iscurso que é bo m
segund o a retó rica, até p ara co m p arar c o m a fo rm a d e sua ap li­
cação no d iscurso ju ríd ico m o d erno , v am o s reco rrer a C íc ero ,
um dos m aio res o rad o res-d e to d o s os tem p o s:

A s partes d a retó rica são a in v e n ç ã o , a d is p o s iç ão , a e lo q ü ê n ­


c ia, a. m e m ó r i a eo m o d o d e r e c it ar . A inv enção co m p reend e
a pro cura das razões verd ad eiras 011 vero ssím eis que po d em
ap o ntar a cau s a; a d ispo sição co nsiste em p ô r em o rd em
estas razões; a elo q ü ência tem por fim ad equar as palavras e
os p ensam ento s aos m eio s fo rnecid o s p ela inv enção . A m e­
m ó ria tem por o b jetiv o gravar fielm ente no esp írito os p en­
sam ento s. Enfim , o mo d o d e recitar reg ula o gesto e a voz, e
harm o niz a-o s co m o assunto e a ling uag em .31

Em o utras palav ras, a in v e n ç ão co rresp o nd e ao co nteú d o


do d iscurso em si; a d is p o s iç ã o diz resp eito à exp o sição d e razões,
ao m o d o co m o o tem a é ap resentad o e o o rd enam ento cie argu­
m ento s; a e l o q ü ê n c i a trata dos recurso s ling üístico s d isp o nív eis
para transm itir o co nteú d o e persuad ir o aud itó rio . A m e m ó r i a
e o m o d o d e r e c it a r , po r sua vez, entram ap enas co m o auxiliares
insep aráv eis das o utras partes.
N o âm bito esp ecífico da retó rica ju ríd ica, tem o s aind a h o je
d efinid as as seguintes partes d o d iscurso , co nfo rm e fo ram c o n ­
sagradas desde Ro m a A n tig a: e x ó r d io , n a r r a ç ã o , ar g u m e n t aç ão e
p e r o r aç ão .

* O e x ó r d io intro d uz o tem a ou resg ata um a questão ap re­


sentad a em o utro m o m ento , e d ev e suscitar no esp írito
da au d iência um interesse p elo p ro blem a.

31 C íc e ro , D e 1 ' ir w e n t io n , p. 216. G rifo n osso.

80
• A narração d esd o bra o tem a em to d as as suas p o ssibilid a­
des, d entro dos lim ites do discurso , exp o nd o -o de m a­
neira fav o ráv el e clara; espera-se que a narração co nq u iste
o aud itó rio para a causa d efend id a e, assim , o p red isp o ­
nha a esco lher a so lução que é m o strad a p elo o rad or.
« A argumentação v em para sustentar a alternativ a alm e­
jad a p elo o rad o r; nela, são ap resentad o s o s pró s e os co n -
tras de cad a o p ção , de m o d o a m o strar a resp o sta d eseja­
da co m o a so lução co rreta para a questão .
* À pemraçãOf finalm ente, exo rta a au d iência a to m ar a
d ecisão d efend id a p elo o rad o r; ela d ev e rev elar co m o a
so lução p ro p o sta co rresp o nd e ao p ro blem a analisad o .

N essas p artes, enco ntram -se m isturad o s o prazer de c o n ­


v encer, a ling uag em das p aixõ es, a fo rm a e o co nteú d o , o im p lí­
cito e o exp lícito , o racio nal e o em o tiv o ; em suma, tud o o que
faz a retó rica e cujas p rincip ais linhas d e fo rça ap resentam o s
mais acim a.

5 . D e f e it o s e f a l á c i a s d o d i s c u r s o

V am o s co nsid erar brev em ente, neste tó p ico , a o rigem mais


co m um dos d efeito s do d iscurso — e, in ten c io n ais o u não , das
falácias que são co nstruíd as po r racio cínio s falho s. Essas falhas
o co rrem m ajo ritariam ente d ev id o à ap lic ação errô nea das duas
principais fo rm as de encad ear idéias, co nfo rm e estabelecid o pela
ló g ica clássica: a d ed ução e a ind ução . Em sua v id a co tid iana,
os seres hum ano s lançam m ão , c o n sc ien tem en te o u não , de
uma o rd enação de p ensam ento s reg id a po r essas fo rm as de rac i­
o cinar. Q u and o se co m etem eng ano s ao utilizar essas fo rm as de
pensar, o erro se transm ite às co nclu sõ es a que se cheg a. A o
elabo rar um d iscurso , assim co m o ao to m ar d ecisõ es p ráticas, é
fund am ental exam inar rig o ro sam ente os arg um ento s para ev i­
tar esses d efeito s, e não co nstruir falácias.

81
Para esclarecer o p ro blem a, vam o s dar exem p lo s que, em ­
bo ra p ro saico s, d em o nstram co m o a d ed ução e a ind ução são
utilizad as c o n ju n tam en te, o tem p o to d o , e será fácil ver então
co m o os erro s nesse p ro cesso p o d em s'e traduzir em d efeito s
discursivo s.
N o d ia-a-d ia, utilizam o s m o d elo s estab elecid o s para c o m ­
p reend er o m und o ao no sso red o r e para to m ar d ecisõ es. Em
o utras palav ras, utilizam o s co n hecim en to s g enérico s (afirm a­
çõ es universais, o u premissas m aio res, para usar a linguagem da
ló g ica) para entend er fenô m eno s esp ecífico s (exp resso s em p re­
missas m eno res, afirm açõ es p articulares). Isto p o d e ser c h am a­
do, em term o s am plo s, de racio cín io d ed utiv o . A o m esm o tem ­
po , os c o nhecim ento s g enérico s se o rig inam de no ssa exp e­
riência, isto é, de term o s exp erim entad o ou testem unhad o re­
p etid as vezes o ac o n tec im en to de fenô m eno s ind iv id uais. A
p artir de o bserv açõ es d eliberad as o u de ap rend izad o sim ples,
p ercebem o s as regularid ad es desses fato s e so m o s capazes de es­
tab elecer relaçõ es d e causa e efeito , etc. Isto é o que po d em o s
d eno m inar, tam bém em sentid o lato , de racio cín io ind utiv o .
Po r exem p lo , uma pesso a que m o ra a c in c o quilô m etro s
d o trabalho , e vai trabalhar usand o o carro , enfrenta uma ro ti­
na que lhe p erm ite d efinir m o d elo s; po r esta razão, po d e passar
meses saind o d e casa quinze m inuto s antes do ho rário de c h e ­
gar ao escritó rio . Q uand o surge um buraco no v o na estrad a, ou
há um acid entç., ou cho v e m uito , o m o d elo d eixa de valer, a
ro tina muda, e ele se atrasa. Esta p esso a deduz, para sair de casa
em d eterm inad o ho rário , que tud o se dará naqu ele dia co m o
no s dias p reced entes; ela acred ita nisto p o rque, p o r ind ução ,
fo i lev ad a a crer que a realid ad e se m o stra sem pre da m esm a
m aneira, neste asp ecto p articular.
C h eg ar p rem atu ram en te a c o n c lu sõ e s, no rac io c ín io
ind utiv o , tam bém é uma fo nte freqüente de erro s. U m turista
d istraíd o que passar alguns dias na praia de C o p acab ana po d erá
estab elecer o m o d elo de que to das as pesso as do Rio .d e Janeiro

82
usam trajes de banho e vão à p raia. Esta g eneraliz ação seria
.feita a p artir de uma base d e exp eriências p equena d em ais para
um a c o n c lu são seg u ra, o q u e c o rresp o n d e a e s ta b e le c e r
esp ecificaçõ es para a re al id ad e sem o s u p o rte d o s fato s. Esses
d efeito s se mo stram tam bém s u ti l m e n te , m uitas vezes f az en d o
a d iferença entre o c o n v en c im en to que p o d e ser o b tid o po r
m eio das pro vas e aqu ele basead o tão -so m ente no c o n v e n c i­
m ento em o cio nal do aud itó rio .

6. Erros
D e quantas m aneiras é p o ssív el errar, segund o a ló g ica, no
encad eam ento das id éias num d iscurso ? O th o n M . G arc ia afir­
ma que são duas as p o ssibilid ad es:

Erram o sf racio cinand o m a l co m dado s c o r r e t o s ou rac io c i­


nand o b e m co m dado s fa l s o s j } £ ) erro , p o rtanto , p o d e resul­
tar de um v íc ic d e f o r m a — racio cinar mal co m d ad o s co r­
reto s — o u de m a t é r i a — racio cinar bem co m d ad o s falso s.
To d av ia, não se d ev e co nfu nd ir o erro em si (a o p inião
falsa) co m o rac io cín io que o produziu. N ão c ab e à ló g ica
inv estig ar as causas do erro (isto é missão da p sico lo g ia, da
m etafísica, talvez, e das c iên c ias), mas d escrev er-lhe as fo r­
mas. A s crend ices, as sup erstiçõ es, os tabus são erro s: não
co m p ete à ló g ica d ebatê-lo s, mas ap enas m o strar que as
falsas o p iniõ es d eles d eco rrentes tiv eram co m o p o nto de
p artid a um racio cín io ileg ítim o o u v ic io so .32

A esse racio cínio v icio so o u falacio so é que a ló g ica c h a­


ma s o f i s m a . E, ao so fism a que n ão é in ten c io n alm e n te v icio so ,
isto é, que não tem o p ro p ó sito d e eng anar, cham am o s ló g ico s

32 O th o n M . G arc ia, C o m u n ic a ç ã o e m p r o s a m o d e r n a, p . 2 9 1 .

83
G arcia, aind a, fo rnece d ois exem p lo s que m en cio ­
p ar alo g is m o .
nam o s a seguir.
O so fism a im p lica m á-fé — “ To d o co m u nista lê M arx;
o ra, Jo aq u im C arap u ça lê M arx; lo g o , Jo aq u im C arap u ça é
c o m u n ista” . O rac io c ín io está errad o , p o rque não há term o
m éd io que liga a p rem issa m aio r à m eno r; lo g o , o silo g ism o
está errad o . A ind a que fo sse fo rm alm ente co rrig id o , no e n ­
tan to , a co nclu são aind a seria falsa, d ev id o à falsid ad e da p re­
m issa maio r.
O paralo gism o , por sua vez, pressup õ e b o a-fé — “ To d o s os
p ro fesso res d ev em saber um p o uco de p sico lo g ia,p o rq u e o c o n ­
tato co m m entalid ad es em fo rm ação exig e d eles c erta c ap ac i­
d ad e de co m p reend er o co m p o rtam ento e as reaçõ es dos jo v ens
p ara m elho r o rientá-lo s e ed ucá-lo s. O ra, v o cê é p ro fesso r; lo go ,
p recisa saber um p o uco de p sico lo g ia” . N este caso , em bo ra fo r­
m alm ente co rreto , a co nclu são não é segura, p o rque a prem issa
m aio r é basead a no senso co m um e não tem necessariam ente
v alid ad e. Esse racio cínio po d e servir co m o recurso retó rico , mas
não p o d e ser sustentad o d iante de uma co ntrad ição ao s seus
term o s. Tam bém v ale acrescentar que esse tip o de p aralo g ism o
receb e o no m e de e p i q u i r e m a ,.d ev id o ju stam ente ao s seus fu n­
d am ento s so bre uma p rem issa que po d e até m esm o ser p ro v á­
v el, mas que não é certa.

7. P o s t u r a s f í s ic a s e n g a n o s a s

A ling uag em co ro o ra! tam bém é um co m p lem ento p o d e­


ro so à ev o cação d e em o çõ es leg ítim as, sinceras e no bres. Isto é,
trata-se de um elem ento (?u nd am ental p ara a sed ução e o c o n ­
v en cim en to de uma au d iência^ Po de ser usad a, po r exem p lo ,
nas situ açõ es em que o ad v o gad o não está c o m ^ jaalav ra e tes­
tem u nha a ap resentação do d iscurso de o u tra p arte, no tribunal
do jú ri o u o utras instâncias; neste caso , será um a arm a eficaz
para realizar )“cçm tra-ataques^silencio so s’’/ p ara co ntrap o r-se a

84
afirmaçõ es expressas po r o utra pesso a. À s vezes, esses gesto s
podem ser mais fo rtes do que d iscurso s inteiro s.
V ejam o s alguns exem p lo s d o que p o d eríam o s cham ar de
s o fi s m a g e s lu al, isto é,[interv ençõ es d urante a fala d e o utras p es­
soas co m a finalid ad e de d esacred itá-la} em seus arg um ento s ou
em sua ind iv id ualid ad e, p ara d im inuir ev entu ais v antag ens
co nstruíd as pelo o utro p o r m eio de sua elo cu ção . Th ales N ilo
Trein dá alguns exem p lo s interessantes:

• Erguer e. abaixar os o m bro s seq ü encialm ente, ao m esm o


tem p o em que se iro niz a: “ Tanto faz c o lo c ar esse in o c e n ­
te na cad eia. Ele é p o bre, é m iseráv el m esm o !” .
• Espalm ar a m ão no p eito , para exp rim ir am o r ou sin c eri­
dade no ped id o feito ; ou aind a esp alm á-la de en c o n tro à
testa, para rev elar esq u ecim ento de um d etalhe, ou es­
p anto p elo rid ícu lo d a tese co ntrária.
• To rcer o can to da b o ca, v irar um p o uco a cab eça e cruzar
os braço s, ao dizer: “Ten h a p aciência! Isto é d em ais!” ou
“O u tra interrup ção , d o uto r?” .
• End urecer os p unho s e b ater na mesa, retratand o “ eu es­
to u aqui para im p ed ir um a in ju stiç a!” , num a atitud e de
d esco nfo rm id ad e enérg ica.
• C o çar a cab eça co m o d ed o ind icad o r, enq u anto se faz
um o lhar m aro to , p rim eiro para o p ro cesso que está sen­
do lid o , querend o dizer: “N ão entend i nad a!” . O u então
para os pró p rio s jurad o s: “ O s senho res acred itam nesse
d ep o im ento ?” .
N • Ju ntar as mão s em p rece: “ Po r favor, não d ecid am assim
c o n tra esse p o bre h o m e m !” .33

33 Thales N ilo Trein, Jú r i — as lin g u ag e n s p r a t ic a d a s n o p le n á r io , passim.

85
Trein lembra, aind a, que no im pacto da co m u nicação a esta­
tística ap o nta para os seguintes número s no p lacar da eficácia:34

Palav ras: 7%
To m e v elo cid ad e d a fala: 38%
Fisio lo g ia (g esto s, face e o lho s): 55%

primazia da po stura e dos gesto s so bre os e f e ito s d a c o ­


A
m u nicação é respald ad a, p o r exem p lo , co m os relato s v eríd ico s
ap resentad o s por Ed ilb erto Tro v ão , co m o o que ap resentam o s
a seguir. Trata-se do encerram ento da p articip ação do p ro m o ­
to r Ro b erto Lyra num a sessão de ju lg am ento .

Perg unto u o juiz p resid ente:


— O d o uto r p ro m o to r p úblico quer usar de seu d ireito d e
rép lica?
Ro b erto Lyra respo nd eu:
— N ão .
M as co m trejeito s de co m iseração e d esd ém que v aliam
po r um a rép lica muda.
O ad vo gad o lim ito u -se a so rrir ao arg um ento d e Ro b erto
Lyra. E este:
— So rriso não é co ntra-arg u m ento . Eu tam bém sei sorrir.
E até m elho r.35

A po stura física, co nfo rm e atestam este e m uito s o utro s,


que p o d em ser enco ntrad o s em qualquer ju lg am ento co m um ,

34 Id em, p. 79.
35 Edilberto de Campos Trovão, R e fl e x õ e s d e u m ap r e n d iz d e p r o m o t o r d e
no t r ib u n al d o jú r i, passim.
j u s t iç a
possui um grand e p o d er n a transm issão d e um a m ensag em e,
por co nseq ü ência, na sed ução d e um a au d iência. D aí a fo rça e
os perigos de um a p o stura física eng ano sa.

8 . Outros erros do discurso


N esta seção , co m entarem o s uma série de o utro s erro s que
po d em se ap resentar no s d iscurso s juríd ico s. A d v o g ad o s e p ro ­
m o to res p recisam ficar atento s à sua m anifestação , tan to q u an­
to na v ig ilância dos caso s que m encio nam o s p o u co antes.

Mal-entendidos
U m a fala que ap resenta arg um entaçõ es basead as em m al­
entend id o s p o d e co nd uzir a urna d ispersão , in ten c io n al o u não ,
das idéias. Isto po d e ser usado co m o um truque, p ro p o sitad a­
m ente, quand o o d efenso r ou o p ro m o to r d eseja d esv iar a ate n ­
ção do jú ri de algum assunto o u das resp o stas de uma testem u ­
nh a interro g ad a no p lenário . U sad o c o n sc ien tem en te e co m
habilid ad e, esse v ício p o d e ser usado p ara a m anip u lação do
júri. Se o juiz p resid ente não estiv er m uito aten to ao s d etalhes
dos argum ento s ap resentad o s, o p ensam ento d o s jurad o s po d e
ser lev ad o a um cam inho eng ano so e inad equad o .

Preconceitos e prevenções

É extrem am ente freq ü ente que p reco nceito s interfiram na


cap acid ad e de ju lg am ento dos m em bro s do c o n selh o d e sen­
ten ça, um a vez que aqueles são um fenô m eno am p lam ente p re­
sente na so cied ad e. A s histó rias d e vid a ind iv id uais, assim co m o
os d eterm inantes so cio cu ltu rais que co nd icio nam sua ex istên ­
cia, influ enciam fo rtem en te a p ercep ção e o p o d er de av aliação
dos seres hum ano s. Isto é sim u ltaneam ente um a realid ad e e x ­
terio r — n a m ed id a em que o s p reco nceito s são “cu ltiv ad o s”

87
so cialm ente — e uma realid ad e interio r — p o is o p reco nceito
age enq u anto p arte do p siquism o . Esse fato p o d e ser usado a
fav o r dos interesses da p ro m o to ria o u d a d efesa, co nfo rm e a
d estreza de cad a um; de to d o m o d o , trata-se de um fenô m eno a
que as duas p artes d ev em estar b astante atentas, para que o
efeito dos p reco nceito s su bjetiv o s não se to rne p rejuízo o b je ti­
vo para o réu ou a so cied ad e.
U m mo rad o r da zo na rural, acusad o de m atar para d efen­
d er a ho nra da fam ília, p o r exem p lo , c ertam ente receb erá tra­
tam ento d iferencial por p arte de um jú ri co m p o sto por seus
iguais, num a cid ad e p equena, que se o rganiza em to rno da vid a
no cam p o . O m esmo tratam ento seg uram ente não se ap licará
num a cid ad e de m aio r p o rte, mais urbanizad a, em que a cultura
c o n tra a m o rte p o r v ing ança ating iu estág io mais cristalizad o .

9. Os debates
A o co nsid erarmo s a utilização da palav ra no tribunal do júri,
não pod emo s perder de vista o fato de que as falas do advogado de
defesa e do p ro m o to r não exercem seu efeito so m ente através da
exp o sição de cad a um iso lad am ente; o p o d er de ação dos discur­
sos tam bém se exercita através do d ebate, isto é, através de seu
co nfro nto . Em outras palavras, não pod emo s co nsid erar que d efe­
sa e pro m o to ria vão sim p lesm ente ap resentar suas razões, cad a
um à sua vez, mas sim que as falas apresentad as vão se co ntrap o r
de m aneira d inâm ica, cho car-se m utuam ente em busca do c o n ­
v encim ento do co nselho d e.sentença. O co rre uma disputa co ns­
tante, um em bate franco entre advogad o de defesa e promo tor,
em que o d esem p enho de cad a um é fund am ental para influenci­
ar a d ecisão que o jú ri to mará. O d ebate no tribunal do júri não é
um m o v im ento d ialó gico em que ambo s os discursos alm ejam um
o b jetiv o em co m um — a verdade — mas uma co ntend a em que
não pod e hav er em p ate. C o m relação a esse asp ecto co ntencio so
do d ebate, Scho p enhauer tem uma reflexão precio sa:
M aq u iav el reco m end a que o Príncip e se ap ro v eite de cad a
instante de fraqueza de seu ad v ersário para o ap anhar: por-
que senão será este que p o d erá se ap ro v eitar d o instante
em que ele é fraco . Se reinassem a fid elid ad e e a leald ad e,
tud o seria d iferente: mas já que o ho m em não se d eixa
eng anar por elas, ele não as d ev e exercer, po is são m al re­
co m p ensad as. O m esm o ac o n tec e nas d iscussõ es: se eu der
razão ao ad v ersário quand o ele p arecer ter razão, ele d ifi­
c ilm en te fará o m esm o , quand o ac o n tec er o co ntrário : ele
irá, co m certeza, co ntinu ar a p ro ced er p e r f a s e t n e f a s : po r­
tanto , é isto que eu tam bém d ev o fazer.36

O d ebate no tribu nal do júri o b jetiv a a v itó ria. N esse c o n ­


texto , d efenso r e p ro m o to r, p ara v encer, tam bém d ev em cad a
um im p ed ir o o utro de se d estacar d iante dos jurad o s. Para isso,
lan ç am m ão d e v ariad as tá tic a s d ia lé tic a s e re tó ric a s.
Scho p enhau er, mais uma vez, na o bra que citam o s no p arág ra­
fo anterio r, relacio na um c o n ju n to deferdis que p o d em ser usa­
dos p ara g arantir a v itó ria num d eb ate/ A seguir, m en cio n are­
mos alguns d eles — os que ap arecem co m mais freq ü ência no s
d ebates no tribu nal do jú ri, e que estão m ais d iretam ente rela­
cio nad o s co m a sed ução dos d iscurso s ju ríd ico s.
O p rim eiro item a ressaltar no c o n ju n to citad o é o da a lt e r '
Esta é um a estratég ia co rrente, e p o d em o s en ­
n a t iv a f o r ç a d a .
co ntrar exem p lo s d ela em d iscussõ es co rriqueiras, assim co m o
nas co ntend as que se d esenv o lv em no trib u nal d o jú ri. So bre
ela, afirm a Scho p enhau er:

Para que o ad v ersário ac eite uma tese, d ev em o s ap resen­


tar-lhe tam bém a co ntrária e d eixar que ele esco lha, res-

3®A rthur Scho p enhauer, C o m o v e n c e r u m d e b a t e sem p r e c i s a r t e r r a z ã o ,


p. 98-99. “ Per fas et nefas” , expressão latina que significa “ Pelo lícito e
pelo ilícito ” .

89
saltand o essa o p o sição co m estrid ência, de m o d o que ele,
se não quiser p arecer co ntrad itó rio , tenh a de se d ecid ir
p ela no ssa tese, que, em co m p aração à o utra, se m o stra
. m uito mais p ro v áv el.37

A ssim , nessa tática o que se faz é fo rçar a o utra p arte a uma


p o sição d ialó g íca em que ela tem d e o p tar p ela tese de quem
d iscursa. Po r exem p lo , d igamo s que um ad v o gad o d eseje esta-
b elecer que unia pesso a, tend o o bed ecid o a uma o rd em de seu
pai, agiu errad o e por isso causo u prejuízo s a o utrem . Dig am o s,
então , que o o utro ad v o g ad o c o n teste ju stam ente a acusação
de que essa pesso a agiu m al, po r m eio da alternativ a fo rçad a;
bastaria ele lançar a questão : “um filho d ev e ou não d ev e o be-
d ecer a seu pai?” . O brig and o o p rim eiro a co nco rd ar co m a n e ­
cessid ad e de o b ed iência entre pais e fi lho s, o segund o co nseg ue
atenu ar a acusação so bre a pesso a, e o ad v o gad o inicial tem de
o p tar p o r uma alternativ a d esfav o ráv el à sua tese:
O u tro m éto d o de d isputa que co m p arece bastante em tri­
bunais d o júri é o que Scho p enhau er d eno m ino u de “uso in ­
ten c io n al da m u t at io c o n t r o v é r s i a ’:

^ Se no tam o s que o ad v ersário faz uso de uma arg um entação


co m a qual am eaça no s abater, não d ev em o s c o nsentir que
pro ssiga neste rum o e cheg u e até o fim , mas d ev em o s in ­
terro m p er o d ebate a tem p o , sair d ele o u d esv iá-lo e lev á-
lo para o utra questão .3®.

Em o utras palavras, trata-se de interro m p er a linha de ar­


g um entação alheia co m uma interv enção d iv ersio nista, que d es­
vie o assunto para uma d ireção mais fav o ráv el à tese que se

3í Idem, p. 145.
38 Idem, p. 150.

90
d eseja apro v ad a p elo co nselho de sentença. N ão é d ifícil v er
que é im p o rtante que este recurso seja usado co m m u ita p reci­
são e cau tela. C aso o s m em bro s d o jú ri d etectem a ten tativ a de
uso d essa tátic a, a cred ibilid ad e do ad v o g ad o será terriv elm en ­
te p reju d icad a ju nto a eles e, po r co nseq ü ência, estes ficarão
p red isp o sto s a d uvid ar de tud o o que ele diz.
Scho p enhau er relacio na, aind a, o utro s artifício s úteis para
v encer um d ebate;

^ • A m p l i a ç ã o in d e v id a , que co nsiste em interp retar a afir­


m ação do ad v ersário da fo rm a mais extensiv a p o ssív el,
lev and o o jú ri a.crer que ele afirm o u algo que não afirmo u.
que o co rre p o r m eio de.
* • F a ls a p r o c la m a ç ã o de v it ó r ia,
um a falácia: alg o 'd ito p elo ad v ersário é utilizad o co m o
p ro v a da tese, m esm o que seja o o p o sto disso.
% * que
U s o d a p r e m is s a f a l s a p r e v ia m e n t e a c e i t a p e l o a d v e r s á r io ,
co nsiste em tirar co nclu sõ es a partir de premissas aceitas
p elo adversário, aind a que elas não as im p liquem . C o m o
afirm a Scho p enhau er: “ Se já interro g am o s o ad versário
acerca de nossas premissas e ele as aceito u , não d evem o s
perguntar-lhe mais nad a. D ev em o s, isto sim, tirar nó s m es­
mo s a co nclusão d iretam ente a p artir dessas premissas” .39

A lém disso, o m esm o p ensad o r acrescenta um a série de


“ reco m end açõ es” para quem d eseja v encer um d ebate, que in ­
clu em e n c o l e r i z a r o a d v e r s á r i o , im p e lir o a d v e r s á r i o a o e x a g e r o , f a ­
z e r p e r g u n t a s e m d e s o r d e m e p r e f e r i r o a r g u m e n t o s o fi s t i c o .

Em e ssên c ia, essas tátic as d e lin e iam a e straté g ia d e


Scho p enhau er para v encer um d ebate, inclu siv e n o âm b ito dos
d iscurso s no tribunal d o jú ri. A ação de to d as elas se d esd o bra

j9 Idem, p. 151.

91
em duas d im ensõ es que, em bo ra d istintas, m anifestam -se c o n ­
ju ntam ente d urante a fala das p artes:

« O d iscurso enq u anto m anifestação o ral persuasiv à, retó ­


rica, co m sua c o ntu n d ên cia o rd inató ria e ap elo em o cio ­
nal, etc.
• A ap resentação d o d iscurso enq u anto interp retação c ê ­
nica, m ím ica, teatral.

A ram is N assif no s o ferece a seg uinte análise:

A im p o rtância do d esem p enho dos ad vo gad o s no d ebate


está em alcançar o s lim ites da verd ad e p o ssív el da c o n tin ­
g ência tática, a ser extraíd a dos elem ento s autuad o s o u, no
p lano so cio ló g ico , filo só fico , antro p o ló g ico e, co m im p o r­
tân c ia, p sico ló g ico , d e elem en to s não necessariam ente
co ntid o s no p ro cesso .
É a interp retação o ral o u c ên ic a d e tud o que pudesse ter
anim ad o o fato na sua v ersão d o d ebated o r e tem a fin ali­
d ad e m aio r d e am p liar im ag ínariam ente os d etalhes da
hip ó tese d efend id a.40

.." Sed uzir o jú ri é utilizar to d o s os recurso s para fazer co m


que cad a jurad o se rep o rte à situação fática que resulto u no
co m etim ento da v io lência. E induzir o jurad o a p ro jetar-se m en ­
talm ente num a situ ação análo g a em que po ssa, nesse d eslo ca­
m ento abstrato , testem unhar o aco n tecim en to ou av aliar a c o n ­
d uta d o ag ente nas mesmas circu nstâncias.

40 A ramis Nassif, Jú r i — in s t r u m e n t o d a s o b e r a n i a p o p u la r , p. 121.


C a p ít u l o V
Condicionantes do discurso jurídico

U m d ito co rriq ueiro entre os p ro fissio nais do D ireito reza


que o ad v o gad o em o tiv o é um m au ad vo gad o . O p rincíp io é
certam ente falso , p o is to d o ad v o gad o , co m o os o utro s seres h u ­
mano s, ap reend e o m und o e a si m esm o não só p o r m eio das
habilid ad es racio nais, mas tam b ém atrav és dos sentim ento s e
de tud o que o to ca em o cio n alm en te. M as d esejam o s co m eçar
este cap ítulo co m aquela frase'p o rque querem o s p ro v o car o lei­
to r a refletir so bre a eno rm ^/ ím p o rtância das em o çõ es na ap li­
cação do D ireito , a fim de c o n h ec ê-las bem e utilizá-las ap ro ­
p riad am ente a fav o r da justiça.'
O d itad o ig ualm ente ap o nta para algumas p articularid a­
des im p o rtantes d o d iscurso ju ríd ico , que dizem resp eito à p rá­
tica m esm a do D ireito . Trata-se d a d upla natureza dos elem en ­
to s env o lv id o s em sua ap licação , o u seja, o seu caráter o b jetiv o
e subjetiv o .
N o lad o da o b je tiv id ad e , tem o s o s asp ecto s que d ão
o rganicid ad e ao sistema; prazos legais, co m p etência para o ju lg a­
m ento , fo rm alism o s tanto s que se justificam pelo p rincíp io de
iso no m ia su b jacente à o rganização d em o crática d o Estad o , fu n­
çõ es esp ecíficas dos ato res d o p ro cesso ju ríd ico . Em o utras p ala­
vras, em p rincíp io não se p o d em ap licar medid as d iferentes no
julgam ento de casos similares; afinal, tod os os indivíduos são iguais
p erante a lei. D esta fo rm a, se pudéssemo s analisar a questão ap e­
nas po r esse p o nto d e v ista, restariam po ucas brechas no D ireito
que a subjetiv id ad e dos juristas p recisariam p reencher.
N o en tan to , po r mais que se elim inem o s hiato s da lei, po r
mais que se d etalhem as d iv ersas alternativ as p ara as infraçõ es
e os crim es em term o s d o s elem ento s que p o d em se ap resentar
em sua d efinição , as lacunas p ersistem . Po r mais o b jetiv a que
uma lei seja, em suma, p erm anece sem pre um a m argem de atu ­
ação fu nd am ental p o r p arte do julg ad o r, figura que p recisa usar
a sensibilid ad e tio m ínim o tanto q u anto a razão para exercer
seu o fício . Se não fosse assim , não hav eria m ecanism o s legais
tais co m o p enas m ínim as e m áxim as, p revistas na lei p enal,
atenu antes, ag rav antes e o s co nseq ü entes au m ento s o u d im i­
nu içõ es d a p unição ; tud o isto está à m ercê da sensibilid ad e d o
juiz, assim co m o de sua cap acid ad e de co m p reend er rac io n al­
m ente as circu nstâncias co nfo rm e a interp retação das leis. Sem
falar da intu ição do juiz, asp ecto filo só fico cad a vez mais estu ­
d ad o pel.os cientistas d o D ireito . D o mesmo m o d o , ap resenta-
se a subjetiv id ad e dos julg ad o res leigos que co m p õ em o jú ri,
assim co m o o co rre co m o ju lg ad o r téc n ic o , o juiz de D ireito ,
que estud a po r ano s e ano s para ser capaz d e co m p reend er os
m eand ro s do m und o , sua co m p lexid ad e e ab rang ência.
U m caso b astante fam o so , da segund a m etad e d a d écad a
d e 1990, ilustra claram ente o p ro blem a da natureza sim u ltane­
am ente o b jetiv a e su b jetiv a que se ap resenta d iante da n ecessi­
d ad e d e ju lg ar alguém . Em abril de 1997, um índ io p ataxó que
p articip av a de um ev ento em Brasília se jp erd eu dos o utro s de
sua tribo ; sem ter o nd e se abrig ar para passar a n o ite, d eito u-se
ju n to a uma parad a de ô nibus na cid ad e. Q u atro jo v ens de c las­
se m éd ia, ao reto rnarem de um a festa, viram o índ io ad o rm eci­
do e d ecid iram lhe dar um susto , co nfo rm e seu p o sterio r d ep o ­
im ento à p o lícia. Então co m p raram dois litro s de álco o l, en so ­
param a v ítim a, que aind a d o rm ia, e atearam fo g o nele. O c id a­
d ão não resistiu às cham as, que co nsum iram sua vid a. O s jo ­
v ens fugiram , mas uma testem u nha ano to u a p laca d e seu carro
e eles fo ram presos p o ucas ho ras d epo is, em flag rante de crim e
hed io nd o .

94
Q u atro meses m ais tard e, d u rante os p ro ced im ento s do
p ro cesso crim inal, a ju íz a San d ra de San tis M ello ab rand o u a
acusação d e ho m icíd io d o lo so p ara lesão co rp o ral seguid a de
m o rte; ela afirm av a qu e não h av ia ind icação de que o s jo v en s '
tinham in ten ç ão d e m atar. Su a d elib eração m o biliz o u a o p i­
nião p ú blica, e ho uv e nu m ero so s p ed id o s para que a lei fo sse
ap licad a c o m m eno s brand ura n o caso . O d eb ate so bre a d eci-
são da juíza se d esd o bro u p o r v ário s d ias, em ed ito riais e m a­
nifestaçõ es de leito res em jo rn ais de grand e c irc u laç ão , co m o
a F o l h a d e S . P a u l o e O E s t a d o d e S . P a u l o , e em c o m en tário s
d e p erso nalid ad es e p esso as co m u ns na telev isão e n o rád io ,
co m o a im p o rtante en trev ista c o n ced id a p elo c in easta e jo r­
n alista A rnald o Jab o r a Jô So ares em seu p ro g ram a no tu rn o ,
que fo i ao ar pelo Sistem a Brasileiro de Telev isão em 16 d e
setem bro de 1997.
Em 15 de ago sto d e 1997, p o r exem p lo , o ad v o g ad o c rim i­
nal Th ales C astelo Bran c o — que o cup o u a v ice-p resid ência
nacio nal da O A B de 1989 a 1991 — p ublico u um artig o que
co m entav a a d ecisão d a juíza:

Sem ter lido os auto s do p ro cesso crim inal, c ritic am a d e­


cisão da juíza, co m o se ela tiv esse sid o fruto d a lev iand ad e,
do elitism o o u de algum o u tro interesse subalterno .
A impressão que se tem é a de que, co m a m esm a facilid ad e
co m que ferre te iam a ho no rabilid ad e das m ães dos juizes de
fu teb o l — p o r q u em sem p re tiv e m u ito resp eito — ,
cau sticam a se n te n ç a q u e não leram nem m u ito m eno s
co m p araram c o m os elem en to s d a p ro v a c o n tid a no p ro ­
cesso .
Q u erem a Ju stiç a p u n itiv a, exem p lar, im p lacáv el. Q u e ­
rem uma d ecisão — p o u co im p o rta se ju sta o u inju sta, se
certa ou errad a, se bo a o u m á — , d esd e que retu m b e co m o
as iras d o O lim p o , estrem ecen d o o s céu s e a terra. A te r­
ro rizand o a to d o s, co m o se o m ed o d a Ju stiç a e d o s juiz es

95
inibisse a crim inalid ad e, serv isse de bo m exem p lo e fo sse
b en é fic o à so cied ad e.
Perg u nto -m e, estarrecid o e p erp lexo , se essa d iscussão
estap afúrd ia so bre um p ro cesso que nem c o n h ec em é ju s­
ta. Ind ag o -m e se é étic a. Interro g o -m e se é co rreto julg ar
nas praças p úblicas e nas esquinas pesso as acusad as. E fico
atô n ito quand o v ejo ho m ens de caráter lim p o , d e bio g ra­
fia sem jaç a, arreg açar as m angas co m o faiscad o res d e p e­
dras p recio sas, garim pad as no lo d açal incerto das p o cilg as.
Ten h o certeza de que não o s anim a a m á-fé. Po rém quem
o usaria afirm ar que n ão d esserv em os v alo res que p reten ­
d em d efend er, ex atam en te a Ju stiça, cu ja cred ib ilid ad e re­
pousa na im parcialid ad e, nas regras do d evid o pro cesso legal
e no p rincíp io da liv re c o n v ic ç ão do juiz?
N ão há o utra fo rma de fo rtalecer a Ju stiça e o Po d er ju d i­
ciário se não resp eitarm o s as suas d ecisõ es, quand o elas
resultam do liv re c o n v en c im en to d o julg ad o r.
N ão me atrev i e nem m e atrev o a escrev er um a p alav ra
atacand o o u d efend end o esses rapazes que p raticaram um
ato realm ente rep ug nante e que ho rro riza a c o n sc iên c ia
d e qualquer ho m em m ed ianam ente civ iliz ad o .
M as d aí a critic ar a d ecisão ju d icial, exarad a num p ro cesso
que não c o n h eç o , há um a lo ng a cam inhad a. E não posso
m e arro g ar o d ireito de fazê-lo , so b p ena de ser inju sto . -
H o uv esse a juíza sid o subo rd inad a, ho uv esse passad o p o r
c im a das regras p ro cessuais d a susp eição , ho uv esse d esco n­
fian ça d e que sua sen ten ç a tiv esse sid o resultad o de tráfico
d e influ ência, eu estaria nas p raças p úblicas e nas ruas —
co m o estiv e desde a m o cid ad e — , acicatand o os v en d i­
lhõ es d o tem p lo que co nv erteram a casa d a Ju stiç a num a
v end o la.
Po rém nad a disso o co rreu . A o co ntrário : n o silêncio de
interm ináv eis no ites, essa juíz a d ev e ter p ensad o e rep en-
sad o na causa. Terá av ançad o em fluxo s de ind ig nação e
refluíd o , insp irad a p ela santid ad e da to g a, à m ed itação se­
rena, à d ifícil av aliação d o elem ento su b jetiv o da co nd u ta
d e satin ad a e c ru e l d esses m o ço s. A té e x trair d a sua
criterio sa av aliação a d ecisão que a sua c o n sc iên c ia d ito u
co m o ju sta e necessária.
A ser ju sticeira — para relem brar o pad re A n tô n io V ieira
— terá p referid o ser ju sta. Teria ad icio nad o num dos p ra­
to s da b alança da ju stiç a, sim bo lizad a p ela d eusa Têm is,
alguns gramas d e p ied ad e, tão pró pria d a m arav ilho sa c o ­
ragem das m ulheres? Terá se lem brad o d a ad v ertência se­
v era e sábia de que o ho m em , quand o ju lg a o u tro ho m em ,
está usurp and o a fu nção d iv ina?
N ão sei. N ão c o n h eç o a juíza nem ten h o p ro curação para
d efend ê-la. A lo ng a e p eno sa vid a de ad v o g ad o crim inal é
que m e d esp erta para essa em p reitad a, p o uco me im p o r­
tand o se a causa é im po pular.
Se ja co m o .for, não tenho v eleid ad e de to m ar nenhu m par-
. tid o , m esm o p o rque não estam o s julg and o um juiz d e fu te­
bo l que atuo u em cam p o aberto , d iante d o s no sso s o lho s e,
inv o lu ntariam en te, p reju d ico u o no sso tim e.
A questão é m ais séria: o m ercad o dos p alp ites em o cio nais
não po d e querer d esestabilizar o d uplo grau d e ju risd ição ,
que é m arca reg istrad a d e to d o reg im e d em o crático .41

O artigo que rep ro d uzimo s to ca num p ro blem a im p o rtan­


te, que diz resp eito à o p inião p ú blica e sua influ ência so bre o
po der de ju lg am ento dos ind iv íd uo s. Esse “ p o nto de v ista” c o ­
letiv o , sem d úvid a, fo rnece um am p lo co n ju n to d e info rm a­
çõ es que co nd icio na, p o sitiv a o u neg ativ am ente, a cap acid ad e
de av aliar a realid ad e e os d iferentes aco ntecim en to s que co m ­

41 F o lh a d e S . P au lo , 15/ 8/ 1997, p. 3.

97
p õ em o co tid iano d a so cied ad e. N um tribu nal d o jú ri, é natural
que a m esm a questão se ap resente, p o is os jurad o s estão ig ual'
m ente sujeito s à influ ência d a o p inião p ú b lica so bre suas d eci­
sões. A ssim é que, co m freq ü ência, os cid ad ão s co m u ns to m am
p artid o co m base em pressupo sto s p u ram ente em o cio n ais, sem
c o n h ec im en to dos fund am ento s téc n ic o s que co nd uzem a esta
ou aquela d ecisão ju d icial.
O d iscurso ju ríd ico d ev e ser exercitad o co m a d ev id a c o n ­
sid eração d esse fato r, o u seja, a um só tem p o ele p recisa ser
sensív el aos elem ento s em o cio nais que env o lv em cad a p ro ces­
so e eleve fund am entar seus arg um ento s — em busca d e um
certo o b jetiv o , co m o a co nd enação o u a ab so lv ição d e um réu
— co nfo rm e os asp ecto s téc n ic o s do D ireito e segund o o d ever
d e fazer e preserv ar a ju stiça.
Para o rientar o trab alho dos p ro fissio nais d o D ireito , exis­
tem p rincíp io s im p rescind ív eis para a ap licação d a ju stiça, fo r­
m alizad o s num a série de no rm as, tais co m o reg istrad as po r
C h aim Perelm an. Estas co rresp o nd em a um a releitu ra das ba­
ses ju ríd icas do D ireito ro m ano em term o s do cid ad ão co m um :

1. A cada. qual a m esm a co isa.


2. A cad a qual segund o seus m érito s.
3. A cad a qual segund o suas o bras.
4- A cad a qual segund o suas necessid ad es.
5. A cad a qual segund o sua p o sição .
6. A cad a qual segund o o que a lei lhe atrib u i.42

A ssim , ad v o gad o s, p ro m o to res e juizes p recisam se p autar


p o r esses p rincíp io s a fim de p ro p o rcio nar a d ev id a ap licação
d a ju stiça. A o m esm o tem p o , já que o s m em bro s d o co nselho

42 Chaim Perelman, É t ic a e Direito, p. 9.

98
de sentença julg arão , de to d o m o d o , em m aio r o u m eno r grau,
de m aneira subjetiv a, é ó b v io que p ro m o to r e ad v o g ad o d e d e­
fesa tentarão ap resentar arg um ento s sed uto res, co m a f in al id a­
d e d e fazer v aler a tese que d em o nstram . C o m o d ev id o cu id a'
do, para ev itar o relativ ism o e a neg lig ência à o b jetiv id ad e da
lei, p o d e-se dizer, a resp eito do p ro cesso p enal, que é m u ito raro
p rev alecerem o s asp ecto s o b jetiv o s do d elito em questão ; quase
sempre se im p õ em as em o çõ es suscitad as p elo s ac o n tec im en to s
e pelas palav ras dos ad vo gad o s e p ro m o to res, ou seja, os e le -
m ento s subjetiv o s d o ju lg am ento .
Isto p o sto , vam o s exam inar ago ra im p o rtantes elem ento s
que p ertencem ao u niv erso do d iscurso ju ríd ico no trib u nal do
júri, asp ecto s que não são ab so lu tam ente o b jetiv o s mas que são
fund am entais no resultad o do ju lg am ento .

1. As atitudes do orador _
O d iscurso ju ríd ico é tam b ém um a rep resentação , em d ois
im p o rtantes sentid o s. Eitl p rim eiro lugar, p o rque reflete em p a­
lavras os fato s e argum ento s o rganizad o s d e m aneira a d efend er
um certo p o n to de v ista, a fav o r o u c o n tra o réu; é, assim, um a
abstração do real em busca de sua verd ad e e d a ap licação d a
ju stiça, co nfo rm e as necessid ad es d a so cied ad e e d o réu. Po r
o utro lad o , é um a rep resentação d evid o -à exp ressão d e elem en ­
to s v erbais e não -v erb ais que são d ecisiv o s p ara o b ter a ate n ­
ção , a c o n fian ç a e a cred ibilid ad e da au d iência, no caso , o c o n ­
selho de sentença; estes fato res são cruciais p ara p ro m o to res e
d efenso res, à m ed id a que p o d em fazer a d iferença en tre a c o n ­
d enação o u a ab so lv ição de um réu.
É so bre este segund o asp ecto da rep resentação que v am o s
falar ago ra. Thales N ilo Trein m o stra claram ente co m o a “ e n ­
cenaç ão ” é um recurso v alio so p ara os p ro fissio nais d o D ireito ,
em busca d e estab elecer um a relação em p ática co m o s jurad o s
no tribu nal d o júri:
A o entrarm o s no p len ário , e lo g o que co m eçam o s a falar,
terem o s fo rm ad a um a o p inião p ro v isó ria dos jurad o s a
no sso resp eito , p o ssiv elm ente d entro d o s p rim eiro s c in ­
co m in u to s.43

C ad a in te g ran te d o jú ri, segund o Trein,' q u e b as e ia suas


afirm açõ es em num ero so s estud o s anterio res, in stantan eam en­
te ap resentará a si m esm o v árias q u e s tõ e s a resp eito do o rad o r
que c o m eç a a discursar, e as resp o nd erá no m esm o m o m ento ,
de aco rd o co m suas im pressõ es e o p iniõ es p rév ias:

Co m o é a nossa voz:
— É agrad áv el o u d esagrad áv el?
/ x

— E suave? Fo rte? Fraca? A sp era?


— É afetad a? M elo d io sa?
— E m o nó to na e cansativ a, o u transm ite entusiasm o ?

Co m o é o n o s so m o d o de fa la r :

— E g ram aticalm ente co rreto ?


— É rápid o d emais? V ag aro so d emais?
— É fanho so ? Estrid ente?
— É p ro lixo ? C o nciso ? O rd enad o ?
— Parece sincero e franco ?

Sobre o qu e estamos f a l a n d o :
— O assunto é interessante?
— Já estam o s cansad o s d e o uv i-lo ?
— Será fácil o u d ifícil de entend ê-lo ?

43 Thales N ilcTrein , Jú r i — as lin g u ag e n s p r a t ic a d a s n o p le n á r io , p. 158.

100
Co m o s ã o o s n o s s o s m o v im e n t o s e g e s t o s :

— A g itam o s os braço s d em ais? Parecem o s m aluco s?


— C am inham o s m uito , co m o leão na jaula?
— Preferim o s no s p o star de frente para a assistência?
— : Insp iram o s pro fund a e c o n stan tem en te o ar?

Co mo s e c o m p o r t a n o s s a fis io n o m ia:

— Pestanejam o s d em ais ou so rrimo s co m m u ita freq ü ên­


cia?
— C uid am o s semp re d a p arte co ntrária c o m o c an to do
o lho ?
— Enrugamo s a testa e co ntraím o s a b o ca insistentem ente?
-— N o ssas exp ressõ es faciais são de alguém ap av o rad o ?

Co mo é a n o s s a a p a r ê n c ia g e r al:

— So m o s bo nito s? A traentes? H o rro ro so s?


— Sabem o s usar ro upas co m co res harm ô nicas?
— Po r que não estam o s usand o a b eca ou a to g a, co m o os
d emais?
— N o ssas calças estão b em alisad as?
— Estam o s bem barbead o s?
— N o sso p erfum e é suave e go sto so ? C heiram o s mal?44

Perg untas m uito variad as, co m o se po d e p erceber; mas são


sempre ap enas exem p lo s d entre as inúm eras p o ssibilid ad es de
questio nam ento s que o co rrem interio rm ente, suscitad o s nas
m entes e no s co raçõ es da au d iência. Trein, aind a, c o m en ta esse
exam e su b jetiv o co m o qual cad a jurad o p erscruta o o rad o r:

44 Idem, p. 158-159.

101
Fo rm ad a no ssa o p inião , a m ensag em d o d iscurso p ro p ria­
m ente d ito p o d erá o b ter m aio r o u m eno r aten ç ão d o c o n ­
selho , as id éias p o d erão aind a ser po r ele q uestio nad as, ou
aceitas natu ralm ente, e ao final, aco lhid as o u recusad as
em d efinitiv o , tud o às vezes p o r um ú nico d etalh e, o u c o n ­
ju nto d e f ato s ap arentem ente inexp ressiv o s.41

A ssim , urna vez que os jurad o s analisam , sem cessar, co m o


os o rad o res se ap resentam — não só no nív el da co erên c ia dos
arg um ento s e na intensid ad e das em o çõ es que o d iscurso em si
ev o c a,jrias tam bém no dos elem ento s ap resentad o s nesta se­
ção — Ia m aneira de d iscursar po d e ser cru cial p ara im p ressio ­
nar, fav o ráv el ou d esfav o rav elm ente, o co n selh o de sentença.
D aí a impoifán< n fund am ental de que os ad v o g ad o s cuid em
gestos, d icção e exp ressõ es faciais; po is sua
atitud e, que transp arece por m eio d estes elem ento s, é essencial
p ara g anhar a co n fiança dos m em bro s d o jú ri. }

2. Papéis
A s atitud es do o rad o r no tribu nal do jú ri são fu nd am en­
tais p ara a transm issão de um a im ag em de c o n fian ç a e so b rie­
d ad e e, por m eio d ela, para o b ter m aio res ch an ces n o c o n v en ­
cim ento do co nselho de sen ten ç a a resp eito de um a o u o utra
tese — da d efesa o u da acusação . U m o u tro elem ento im p o r­
tan te na ap resentação do d iscurso ju ríd ico está intim am ente
relacio nad o co m as atitud es que m encio nam o s na seção an teri­
or. Trata-se tam bém de um caráter de rep resentação , de “p a­
p éis” d ram ático s a serem d esem p enhad o s p elo o rad o r. Em o u ­
tras p alav ras, atrav és do m esm o p ro cesso que co m entam o s, o
se m o stra quase co m o um a p erso nag em n o esp aço do

45 íde m, p. 159.

102
tribu nal d o jú ri, e quanto mais c o n v in c en te fo r a exp ressão dos
sentim ento s d e que está faland o , q u anto m ais ad equad a fo r a
sua p o stura em relação aos arg um ento s que ap resenta, m aio res
serão as chances de o b ter êx ito ju n to aos m em bro s do jú ri.
A b o a utilização dos papéis n o tribu nal do jú ri é um a ação
que se relacio na so bretud o co m as d úvid as que p o d em existir
co m relação ao crim e em q uestão e à p articip ação d o réu e suas
m o tiv açõ es. Vam o s refletir b rev em ente so bre a utilid ad e d a d ú­
vid a segund o os p o nto s de v ista d a p ro m o to ria e da d efesa.
Para a acusação , é fu nd am ental não d eixar n en h u m es­
p aço p ara que se su stentem d úv id as q u anto à au to ria do crim e
e à cu lp a do réu. O b te r a c o n d en aç ão d e alg uém no trib u nal
do jú ri é um o b jetiv o que só p o d e ser alc an çad o atrav és da
m an ifestação , por p arte dos jurad o s, de um a certez a. Isto d e­
co rre d o sim p les d ireito fu nd am ental g arantid o a to d o s os c i ­
d ad ão s, a p resunção d e in o c ê n c ia salv o p ro v a em c o n trário e
o d ev id o p ro cesso ju d icial. Po r isso , o p ro m o to r p recisa usar
to d o s o s recurso s d isp o nív eis p ara tran sm itir ao s jurad o s não
ap enas a sua v o ntad e p esso al e suas c o n v ic ç õ e s rac io n ais po r
m eio d as p alav ras: d e c erta fo rm a, ele d ev e d esem p enhar o
p ap el d e um a p esso a qu e tem c ertez a d a c u lp a d o réu, e
m an ifestá-la p o r m eio de to d o s os recurso s exp ressiv o s à sua
d isp o sição .
D o p o nto de v ista da d efesa, no en tan to , o caso é rad ical­
m ente d iv erso . A d úvid a sem p re m ilita em fav o r da d efesa. A
p resunção de in o c ên c ia se traduz, fo rm alm ente, na o brig ação
de que o réu só po d e ser d eclarad o culp ad o de um crim e q u an­
do a senten ç a p enal co nd enató ria transita em julg ad o . A lém
disso, cab e à acusação o ô nus d a pro v a — isto é, a o brig ação de
prod uzir e ap resentar elem ento s o b jetiv o s que d em o nstrem a
culp a d o réu — e v ig o ra o p rincíp io de ín d u b i o p r o r e o , isto é, o
im p erativ o de julgar fav o rav elm ente ao réu quand o existem
d úvid as co nsistentes so bre sua culp abilid ad e.

103
N este c o n texto , fica ev id ente que — além de reunir e ap re­
sentar num d iscurso c o eren te o s m elho res arg um ento s p o ssí­
veis, e de se expressar tam b ém de m o d o a to car os co raçõ es da
aud iência — a d efesa d ev e, po r m eio das atitud es que po d em o s
d eno m inar de “p ap el” a se rep resentar^g erar co ntro v érsia a res­
p eito de to d o s os fato s que a acusação ap resenta co m o ev id en­
tes e certo s. Em o utras p alav ras, o d efenso r p recisa se em p e­
nhar em sem ear a d úvid a en tre os jurad o s, a resp eito das c e rte ­
zas que o p ro m o to r p ro cura d em o nstrar serem v erd ad eiras.j A
m elho r ilustração para esta atitud e é o film e D o z e h o m e n s e u m a
s e n t e n ç a , de Sid ney Lu m et, que exam inam o s de passagem no
final d o cap ítulo II. A lc an ç ar essa m eta sig nifica, quase sem ­
pre, o b ter a abso lv ição do réu.

3 . 0 discurso e seus c o n d ic io n a n te s

A ind a que a análise d o asp ecto ju ríd ico dos d iscurso s no s


tribunais esp ecifique o s fund am ento s fo rmais e técnico s dos p ro ­
ced im ento s d a lei, v ale a p en a pro sseguirm o s no exam e dos
d ebates sob o p o nto d e v ista d a ling uag em , a fim de d em o nstrar
co m o a o rg aniz ação d e arg um ento s ap resentad a po r p ro m o to ­
res e d efenso res m o d ifica o quad ro de fav o recim ento em rela­
ção a um a o u o utra p arte em questão . E nesse c o n te x to que se
estend e a influ ência da sed ução no d iscurso . Tend o co nsid era­
d o , nas seçõ es anterio res, o s asp ecto s ligad o s d iretam ente à
ap arência e ao co m p o rtam ento d o o rad o r d iante d o jú ri, ago ra
v o ltarem o s o o lhar p ara a ling uag em em si e co m o os ad v o ga­
dos a utilizam no s tribu nais.
A ling uag em , nas suas m ais v ariad as fo rm as de ap resenta­
ção , é essencialm ente o o b je to de pesquisa d este liv ro . N o e n ­
tanto , v am o s ago ra no s d istanciar d a co n cep ç ão da linguagem
tão -so m ente co m o instru m ento para estab elecer um a co m u ni­
cação o u exp ressar relaçõ es en tre categ o rias m entais, abstratas,
e o m und o , a realid ad e. So b retu d o , a esta altura no s interessa­

104
remos p elo caráter ativ o d a ling uag em , d eixand o em segund o
plano as suas fu nçõ es p u ram ente co g nitiv as. Em o utras p ala­
vras, vam o s analisar a ling uag em segund o o seu p o d er de ação
sobre o p ensam ento d o recep to r, so bre o seu co m p o rtam ento ,
sobre sua cap acid ad e de julgar.
Em p rim eiro lugar, v ale a p ena trazer à b aila o pró p rio ter­
mo discurso. E nele e atrav és d ele, afinal, que a linguagem se
d esd o bra e, assim, age so bre os jurad o s. H aq uira O sakab e afir­
ma, a esse resp eito :

Trata-se de um a palav ra cu jo sentid o p reciso tem sido po uco


qu estio nad o e isso pelas razõ es m ais d iv ersas. U m a d elas
talvez se d ev a ao fato d e ter sid o ela utilizad a em trabalho s
co m alguma p reo cu p ação c ien tífic a, o nd e sim p lesm ente
se recup ero u o p ró p rio uso que se faz d ela na linguag em
o rd inária. Esse p ro cesso acabo u p o r co nfig u rá-la co m o re­
ferind o -se a um d o m ínio su ficien tem ente am p lo de inv es­
tig ação de tal fo rm a que d entro d ele co ubessem os mais
d iferentes interesses c ien tífic o s.45

U m ind iv íd uo , as palav ras, o o utro . O u , d e o u tro p o nto de


vista, o orador, seu d iscurso , o o u v inte. Esta relação estab elece
um enig m a d esafiad o r, que nasce d a esfing e que se ergue a p ar­
tir d a p ró p ria d ico to m ia, in ev itáv el, entre p ensam ento e lin ­
guagem. A o m esm o tem p o , o que é co nd ição p ara o surg im ento
do abism o entre um e o utra é tam b ém c o nd ição para que am ­
bos v enham a existir: po is, se a ling uag em c ria d ificuld ad es, é
tam bém graças a ela que rac io cin ar e co m p reend er é p o ssív el,
assim co m o d iscursar e se exp rim ir. D uas co isas tão p aralelas,
relacio nand o -se d e fo rm a íntim a, e ao m esm o tem p o tão o p o s­
tas entre si.

40 Haquira Osakabe, Argumentação e d is c u r s o p o lít ic o , p. 7.

105
O m o tiv o p rep o nd erante para esta situ ação se estabelecer
é que a linguag em se ex erc ita num univ erso em que agem si­
m u ltaneam ente, de m o d o co m p lem entar, texto e c o n texto . Em
o utras palav ras, to d o d iscurso é d ecifrad o e produz efeito s a par­
tir das palav ras pro ferid as — que se referem a co isas, pesso as e
fato s do m und o real — e d o s elem ento s co ncreto s que c o m ­
põ em a realid ad e que se m o stra d iante dos o lho s d o recep to r da
m ensagem .
Sev erin o Barbo sa e Em itia A m aral4' ap resentam uma re­
flexão m uito feliz a resp eito d essa relação , quand o afirm am que,
í ao ler ou o uv ir um texto , nó s o recriam o s intim am ente, d e aco r­
do co m os elem ento s do d iscurso que mais no s d esp ertam in te ­
resse e aguçam a sensibilid ad e, em m eio à massa g eral de v o c á­
bulos...
Po d eríam o s, por exem p lo , a fim de esclarecer m elho r esse
p o nto , co nsid erar as palav ras co m o se fo ssem artefato s de clas­
sificação e “ transp o rte” de o utras co isas, co ncretas ó u abstratas,
viv as ou não , racio cínio s o u em o çõ es. D este m o d o , é fu nd a­
m ental exam inar o que estab elecem o s co m o co nteú d o da lin ­
guagem, e o que os o utro s estab elecem . Em o utras p alav ras, os
sig nificad o s que se alm eja transm itir p o r m eio das palav ras d e­
p end em tam bém das in tençõ es dos falantes. O s sentid o s im p li­
cad o s no d iscurso variam , assim, co nfo rm e o c o n texto , g anhan­
d o unia o u o utra d ireção co nfo rm e g^d eco d ificação da m ensa­
gem é realizad a de m aneira tan to mais o u tan to m eno s harm ô ­
n ic a co m o o b jetiv o do o rado r.
A id éia ap o nta, mais um a vez, para o caráter d e relação
entre pesso as,' acim a de tud o , que existe na elo cu ção de um
d iscurso . O u seja, ela ind ica que os co nteú d o s expresso s atrav és
da ling uag em d ep end em fu nd am entalm ente do relacio n am en ­
to que se estab elece entre em isso r e recep to r da m ensag em , de

4í E s c r e v e r é d e s v e n d ar o m u n do .

106
elem ento s que ultrap assam o s sig nificad o s literais transm itid o s
pelas palavras.
Esta reflexão co nv erg e co m o p ensam ento de vário s auto res
sobre o assunto . Em suma, o d iscurso é um fenô m eno esp ecífico
cujo s elem ento s o p o sicio nam mais além da abrang ência das ex-
p licaçõ es que a Ling üística po d e f o rn e ce r- O d is cu rs o , lo cal iz ad o
no p lano da ação , se su jeita ao s c o nd icio nam ento s inerentes a
ela — a m em ó ria, o tem p o , a im ag em d o o rad o r, etc .
D esta fo rm a, d ev em o s ir além da d elim itação d o d iscurso
segund o um quad ro fix o de reg ras ló g icas e retó ric as, para
entend ê-lo co m o r e alid ad e e m p ír ic a, tal co m o se ap resenta no
tribunal do júri.

Entend e-se co m o realid ad e em p írica um o b jeto d elineáv el


n o tem p o e no esp aço , p erc ep tiv elm en te o b serv áv el e
co m p reensív el, e an alisáv el em seus elem en to s m ais re­
c o rren tes.48

C o nsid erand o o d iscurso d este m o d o , vam o s utilizar a o r­


ganização pro p o sta p o r G en e v ièv e Pro v o st a resp eito d o que
ela co nsid era serem as duas ten d ên cias d efinid o ras d o d iscur­
so .49 A p rim eira, fu nd am entad a na o b ra de Z ellig H arris, v ê o
d iscurso co nfo rm e o seu c aráter de co m b inató ria d e frases; a
o utra tend ência se b aseia no trab alho d e Ém ile Ben v en iste, e
inv estig a o discurso co m o fenô m eno que articu la um a c o rrela­
ção entre em isso r e recep to r, en tre falante e o u v in te.30
A s reflexõ es de Eiarris a resp eito p artem d o d iscurso e n ­
q u anto elo cu ção efetiv am ente d esem p enhad a num c o n tex to

48 H aq u ira O sakab e, A r g u m e n t a ç ã o e d is c u r s o p o lít ic o , p . 10. .


49 “ Pro b lèm es theó riq u es e t m eth o d o lo g iq u es en analy se du d isco u rs” .
50 C f. Bib lio g rafia.

107
esp ecífico , d efinind o -o c o m o seq ü ência articu lad a d e p ro p o si­
çõ es o u arranjo de classes fo rm ais enunciad as nu m a d eterm ina­
da o rd em . N o en tan to , sua o bra não sugere critério s para a d e­
lim itação dos elem ento s co n stitu in tes do d iscurso .
Pro v o st d em o nstra co nco rd ar co m essa co n cep ç ão , mas
acrescenta dois o utro s fato res, a t o m a d a d a p a l a v r a p o r u m l o c u ­
t o r e o s ilê n c io . D estes, o segund o é m ais im p o rtante para p ensar
o cam p o de ação de um d iscurso sed uto r. O silêncio se refere a
“p arad as” no interio r das frases ou na estrutura m esm a do d is­
curso . A ssim , no caso de um a p ro p o sição to m ad a iso lad am en­
te, o silêncio é v isto co m o um o p erad o r p o liv alen te, em sua
d im ensão sem ântica, que p reen che e fo rm a o “esp aço ” que se­
para a frase da anterio r o u d a subseqüente; nesses caso s, ele
po d e ser ind icad o ou su bstituíd o p o r uma c o n ju n ç ão . Se o bser­
v am o s o d iscurso enq u anto reg istro escrito , co nstatam o s que
esta p o ssibilid ad e não existe, pois as interrup çõ es p resentes nas
frases não têm nenhu m sig nificad o no texto ; o ra, este quad ro é
co m p letam ente d iv erso q uand o analisam o s o d iscurso em sua
p erfo rm ance, isto é, enq u anto é ap resentad o o ralm ente para
uma aud iência. O s lim ites d o d iscurso , p o rtanto , co nstitu em
um p ro blem a que subsiste n o interio r do ap arelho en u n c iativ o
e que não po d e ser reso lv id o no âm b ito da interp retação d o
tex to , que ap enas sig nificaria exam inar a sup erfície da fo rm a e
do co nteú d o d o p ró p rio d iscurso . A saíd a, d esta m aneira, é c o n ­
sid erar a p o ssível natureza d o d iscurso , isto é, inv estig ar as c a­
racterísticas do c o n tex to , m ais além d a interp retação de tex to ,
para in clu ir to d o s os recurso s de ap o io à p alav ra em sua fo rça
exp ressiv a e de c o n v en c im e n to — que tem o s ap resentad o ao
lo ng o d este liv ro , e que env o lv em d esd e a en to n aç ão até o uso
das pausas.
Em ile Benv en iste fo i talv ez o ling üista que m ais se d ebru­
ço u so bre a questão ; ele estab eleceu duas co rrelaçõ es que p o ­
d em ser enco ntrad as na análise do d iscurso , enq u anto tex to e
en q u an to d esem p enho , a p artir .da análise da estrutura das fra­
ses em term o s d a p esso a a qu e se referem os v erbo s:
1. A co rrelaçãQ de p esso alid àd e q u e o p õ e o c o n ju n to eu ~
tu (a p esso a) a e le {a não p esso a).
2. C o rrelação de su bjetiv id ad e entre eu e tu . Q u and o as
pessoas se opõem, entre si, send o eu o s u je it o da ação e tu o

o b jeto d esta aç ão .31

A ssim , o d iscurso é v isto co m o um cam p o d e articu lação


sistem ática de pesso as e o ap arato co m u nicacio nal que as rela­
cio na, co m o as info rm açõ es que são m anip ulad as p ela ling u a­
gem e os elem ento s d e c o n v en c im en to em preg ad o s. Em o utras
palavras, o d iscurso co n stitu i, segund o este p o n to de v ista, uma
forma de estad o p rático em que os ind iv íd uo s e seu relac io n a­
m ento g anham razão d e ser, im p licad o s m u tu am ente p o r m eio
da elo cu ção . Essa m aneira d e ver, po r co nseg u inte, dá um sen­
tid o p reciso , que p o d e ser id entificad o , aos ind icad o res de p es­
soa, tem p o , lugar e o b jeto s do d iscurso .
Em sua tese de d o uto rad o , M au rício D elam aro ap resenta
um co m p lem ento interessante para o rac io cín io que v im o s ar­
ticuland o até aqui:

So m en te c o m a filo so fia — em que o tem p o p resente assu­


m e uma d ig nid ad e que o cap acita a ju lg ar seu passad o —
po d e ap arecer a leitu ra histó rica do tem p o , um a c o n sc iên ­
cia histó rica e, m esm o , a c iên c ia da histó ria ( ...) co m o d is­
curso exp lic ativ o d o passad o , po is nela a rep resentação do
tem p o m o stra de fo rm a ex p líc ita a transfo rm ação q u alita­
tiv a o p erad a p elo ingresso d a m em ó ria c o letiv a do passad o
na ó rbita d o p resente p riv ileg iad o da Raz ão .52

31 “ De ia su b je c tiv ité d ans le lang ag e” .


52 Maurício C ésar Delamaro, P ar a a lé m d a m o d e r n id ad e d as c o is as , p. 16.

109
N o c o n te x to dessas id éias, o auto r ap o nta p ara a d im ensão
em que a exp eriên cia v iv a se relacio na c o m o te x to em term o s
de seu reg istro e d a p o ssibilid ad e d e ap reend er o seu sentid o .
N o en tan to , ao co nsid erarm o s o d iscurso co m o cam p o de reali­
zação das relaçõ es de pesso a, ele necessariam ente se restring irá
às m anifestaçõ es v erbais — enu nciad as p elo o rad o r — que efe­
tiv am ente criam esse esp aço . Po r o utro lad o , o reg istro h istó ri­
co se lim ita à líng ua escrita, e po r seu p ró p rio caráter h á um
o cu ltam en to do lo cuto r, que não rev ela até que p o n to está e n ­
v o lv id o p ela tram a estru tu rad a nas frases; o u se ja, h á um
o cu ltam ento d q p ro cesso d iscursiv o , mas sem a sua neg ação .
D o m iniq u e M aing uenau am p lia os asp ecto s que d izem res­
p eito ao cam p o de atu ação d o d iscurso , ap o ntand o p ara im p o r­
tantes elem ento s referentes à análise dos enu nciad o s. D esta
í o rrna:

é p reciso lev ar em co nsid eração o utras d im ensõ es; p o r


exem p lo , o seu relacio nam en to co m texto s pro d uzid o s no
q u ad ro das in stitu iç õ e s q u e restrin g em fo rte m e n te a
enu nciação , no s quais se cristaliz am co nflito s histó rico s,
so ciais, e tc .53

Isto p o sto , co nstatam o s que a ling uag em — utilizad a seja


em d iscurso s o rais, seja em texto s escrito s — não p o d e ser estu ­
dada sem lev ar em c o n ta o sistem a do qual ela p ro v ém , e n ­
q u anto fo rm ação id eo ló g ica.
V ejam o s, no s itens seguintes, o s mais im p o rtantes elem en ­
to s que co nd icio nam o d iscurso , esp ecificam ente no c o n tex to
do tribu nal do jú ri e atentand o p ara o m o d o co m o a sed ução aí
s.e ap resenta.

53 D o m iniq u e M aing uenau , N o v a s t e n d ê n c ias e m an ális e d o d is c u r s o , p. 152.

110
0 auditório

Para to m ar a palav ra e ser o uv id o , o o rad o r p recisa ap re­


sentar alguma qualid ad e ev id en te, isto é, ele d ev e, m ais d o que
ap enas assumir o pap el que as regras do d ebate lhe reserv am ,
d em o nstrar uma atitud e que d esp erte su ficiente c o n fian ç a nas
pesso as que o o uv irão , assim c o m o rev elar sensibilid ad e b as­
tante na esco lha de p alav ras, gesto s, etc. N as palav ras d e C haim
Perelm an:

À s vezes bastará ap resentar-se co m o ser hu m ano , d e c e n ­


tem ente v estid o , às vezes cum p rirá ser ad ulto , às vezes sim ­
p les m em bro de um grupo co nstitu íd o , às vezes p o rta-v o z
d esse grupo. H á fu nçõ es que auto rizam — e só elas — a
to m ar a p alav ra em certo s caso s, ou p erante certo s au d itó ­
rio s, há cam p o s em que tais p ro blem as de h ab ilitaç ão são
m inu cio sam ente reg ulam entad o s.54

Este fato ap o nta p ara o que talv ez seja o m ais im p o rtante


elem ento a co nsid erar co m o um c o n d ic io n an te do d iscurso : o
aud itó rio , N o caso d o trib u nal d o jú ri, essa im p o rtância é ev i­
d ente, uma vez que o d estino d o réu — a d ecisão qu e d ará a
v itó ria a esta ou aquela p arte do p ro cesso , acusação o u d efesa
— d ep end e exclu siv am ente do ju lg am ento que os jurad o s rea­
lizam. E fund am ental, p o rtan to , co nq u istar d o jú ri tam b ém a
sua sim p atia, a sua b o a v o ntad e em relação ao s arg um ento s que
serão articulad o s no d iscurso . Em suma, a ap resentação do d is­
curso v isa influ enciar o s jurad o s, além de c o n v en c ê-lo s rac io ­
n alm ente. Perelm an co n tinu a:

54 C h aim Perelm an e L u c ie O lb re c h ts- T y te c a, Tra t a d o d a arg u m en taç ão ,

p. 19- 20.

111
^ u jm u aen m r sem elhan te aud itó rio ? Será a pesso a que o
o rad o r interp ela p elo no m e? N em sem p re: o d ep utad o que,
no p arlam ento ing lês, d ev e d irig ir-se ao p resid ente, p o d e
estar p ro curand o c o n v en c er não só o s que o o uv em , mas a
o p inião p ú blica d e seu país. Será o c o n ju n to d e pesso as
que o o rad o r vê à sua frente quand o to m a a palav ra? N ão
necessariam ente. U m chefe de g o v erno , num d iscurso ao
p arlam ento , po d e renu nciar de antem ão a c o n v en cer os
m em bro s cia o p o sição e c o n ten tar-se co m a ad esão d e sua
m aio ria. Po r o utro lad o , quem c o n ced e um a entrev ista a
um jo rnalista co nsid era que seu aud itó rio é co nstituíd o mais
p elo s leito res do jo rn al d o que p ela p esso a que está à sua
fre n te .53

D esta fo rm a, é im p rescind ív el que o ad v o g ad o o u o p ro ­


m o to r esteja o mais c o n sc ien te p o ssív el d e quem são os d esti­
natário s de sua fala, para que seja capaz de influ enciá-lo s da
m aneira m ais eficiente. N o p ró xim o cap ítu lo , v am o s exam inar
as questõ es c o n cern en tes esp ecificam ente à su bjetiv id ad e dos
jurad o s; po r o ra, vam o s pro sseguir n a análise d o d iscurso e n ­
q u anto p ro d uto end ereçad o a um certo aud itó rio .
M ais uma vez, v am o s utilizar as reflexõ es d e Perelm an a
este resp eito :

A arg u m entação efetiv a tem d e c o n c e b er o aud itó rio p re­


sumid o tão p ró xim o q u anto p o ssív el d a realid ad e. U m a
im ag em inad equad a d o au d itó rio , resu ltante da ig no rân­
c ia ou d e um c o n ju n to im p rev isto de circu nstâncias, po d e
ter as mais d esagrad áv eis co nseq ü ências. U m a arg u m enta­
ção co nsid erad a p ersuasiv a po d e v ir a ter um efeito rep ul­
siv o so bre um au d itó rio p ara o qual as razõ es pró são , de

M Id em, p. 22.

112
fato , razões co n tra. O que se disser a fav o r de uma m ed id a,
aleg and o que ela é capaz de d im inuir a tensão so cial, le ­
v antará c o n tra tal m ed id a to d o s os que d esejam que o co r­
ram d istúrbio s. O c o n h ec im en to d aqueles que se p retend e
co nq u istar é, p o is, uma co nd ição p rév ia d e q u alq uer argu­
m entação eficaz .56

C o nsid erand o que jurad o s e o rad o res n o tribu nal d o jú ri


co nstituem um c o n ju n to o rganizad o segund o regras d eterm i­
nadas, que tem a o b rig ação cie analisar um d eterm inad o fato e
o bter uma co nclu são , v aie a p ena co nsid erá-lo segund o a sua
d inâm ica, co nfo rm e ap o ntam as id éias que ap resentam o s há
pouco.
A ssim , co nstatam o s a existência de uma relação assim étrica
entre as pesso as n o p lenário ; o di.reito à p alav ra, p o r exem p lo , é
garantid o apenas para os o rad o res, que d efend em ou incrim inam
o réu. Po r o u tro lad o , ap enas os jurad o s p o d em d eterm inar a
culp abilid ad e o u in o c ên c ia d a pesso a que é p ro cessad a, o que
subo rd ina o co m p o rtam ento e a exp ressão v erbal d e d efenso res
e p ro m o to res, que p recisam c o n v en cê-lo s so bre um a o u o u tra
d ecisão .
M ax W erth eim et ilustra b em o m o d o de articu lação d esta
relação interp esso al, p o r m eio d o seg uinte c o m entário :

-Po d em -se o bserv ar m arav ilho sas m ud anças no s ind iv íd u ­


os, co m o q u and o um a p esso a ap aixo nad am ente sectária
to rna-se m em bro de um júri, o u árbitro , o u juiz, e suas açõ es
m o stram en tão a d elicad a passagem d a atitu d e sectária a
um esfo rço h o n esto p ara tratar o p ro blem a em qu estão d e
m aneira ju sta e o b je tiv a.57

36 Id em , p . 35.
5/ M ax W erth eim e r, P r o d u c t i v e t h in k in g , p. 23.

113
Essa co nsid eração ap o nta para o m o d o co m o cad a aud itó ­
rio é co n d icio nad o segund o as o p iniõ es d o m inantes em seu
m eio , as c o nv icçõ es que não são subm etid as à c rític a, as p re­
missas que são aceitas sem hesitação . Essas co n cep ç õ es se enra-
ízam na cultura dos m em bro s do jú ri, e o ad v o gad o que d eseja
co n v en cer e seduzir esse aud itó rio esp ecífico p recisa aju star sua
co nd u ta, enq u anto o rad o r, segund o as p articularid ad es de seus
esp ectad o res. E po r esse m o tiv o que no s d iscurso s b em realiz a­
dos é p o ssív el enco ntrar, im p lícita ou ex p lic itam en te, elem en ­
to s da cultura pró pria dos aud itó rio s a quem eles fo ram d estina­
dos. N ão é po r o utra razão que po d em o s c o n h ec er im p o rtantes
asp ecto s de civ iliz açõ es da A ntig u id ad e atrav és d a inv estig a­
ção d o reg istro de d iscurso s p ro nu nciad o s em sua ép o ca.
V em o s, p o rtanto , que a p alav ra d ev e refletir as ex p e c tati­
vas e tem o res do grupo so cial do qual se av alia ser p ro v eniente
o co rp o d e jurad o s. N este sentid o , a p alav ra d ev e ser tam bém
um retrato , na med id a em que se ad ap ta ao s elem ento s que
d eterm inam a cap acid ad e de ju lg am ento do júri.
Tem o s assim q u e je o brig ató rio para os ad vo gad o s aju star
seu d iscurso à realid ad e so cio cu ltu ral dos integ rantes d o c o n se­
lho de sentença.^ E o p ro cesso d esenv o lv id o p elo p erso nag em
M o lina, em O b e i j o d a m u l h e r a r a n h a ; é o que fez n T •
...... -■ '■ *"-<** * 1 "pi^er-m no r,- c j- / 111, uconiüo em c-ai, 1 ad­
io . N o s d ois caso s, os recep to res dos d iscurso s fo ram en v o lv i­
d os, e sucum birajn à sed ução criad a pela palav ra.
Em alguns caso s, co nstatam o s a p resença de p reco nceito s
no d iscurso , refletind o a exp ectativ a de p reco nceito s alim en ta­
dos p elo aud itó rio e que são p ercebid o s p elo o rado r. Em o utras
o casiõ es, enco ntram o s d ebates intelectualiz ad o s em m aio r ou
m eno r grau, co nfo rm e o que se p erceba d e um a m aio r ou m e­
no r p rep aração dos o uv intes para receb er o d iscurso .
Em suma, o ad v o gad o o u o p ro m o to r que não p erceber
que seu d iscurso p recisa estar ad ap tad o ao s m em bro s d o júri
está fad ad o ao fracasso .

114
A verdade
É co m um dizermo s que m eia v erd ad e é um a m entira in tei-
ra. Se p ensam o s, por exem p lo , na p rática cie interro m p er um a
resp o sta d urante o d ep o im ento , típ ica da abo rd ag em ju ríd ica
nos interro g ató rio s, co nstatam o s que m uitas vezes isto im p ed e
que to d a a verd ad e v enha à to n a. Em o utras p alav ras, nessa
situ ação a verd ad e em erge ap enas p arcialm ente, o u m elho r,
surge co m um d eterm inad o feitio , que d epend e da m aneira co m o
ela é “ m o ld ad a” a p artir dos p ro ced im ento s e das p alav ras das
partes. O p ro m o to r o u o ad v o gad o de d efesa exig em , cad a um ,
que o d ep o ente ap resente ap enas a resp o sta que se en c aix e em
suas arg um entaçõ es, a fim de to m á-las c o n v in c en tes. D esta fo r­
m a, ev id encia-se que a v erd ad e, no tribu nal do jú ri, se subm ete
a critério s que não são e x c lu siv am e n te basead o s n o c o n ju n to
de fatos o b jetiv o s que a co nstitu i, d ep end end o tam bém do m o d o
co m o as partes a utilizam para o b ter um c erto resultad o . A fi­
nal, o aud itó rio é induzido e co nd uzid o , açõ es m o tiv ad as p elo
p ro cesso d a sed ução no d iscurso ju ríd ico .
V ejam o s co m o o p ensad o r Em m anu el K an t reflete so bre a
questão :

A verd ad e repousa no aco rd o co m o o b jeto e, po r co n se­


guinte, co m relação a tal o b jeto , os juízos de qualquer e n ­
tend im ento d evem estar de aco rd o . To d a c rença o b jetiv a
po d e co m unicar-se po is é v álid a para a razão de to d o h o ­
m em . A p enas um a asserção assim pod e ser afirmad a, ou seja,
expressa co m o um juízo necessariam ente válid o para to d o s.58

Se transp o m o s esse rac io c ín io p ara o cam p o d o s d e b a­


tes ju ríd ic o s, v am o s p e rc eb er qu e a v erd ad e é d efin id a, nesse

58 Em m anu el K an t, C r ít ic a d a r a z ã o p u r a e o u t r o s t e x t o s filo s ó fic o s , p. 86.

115
m eio , m eno s p ela c o n c o rd ân c ia c o m o s asp ecto s o b je tiv o s
— as p ro v as, fato s e d ep o im en to s — d o qu e atrav és d o ju íz o
que os m em bro s d o jú ri faz em a resp eito d esses m esm o s e le ­
m en to s, a p artir d o s d iscu rso s qu e p ro m o to ria e d efesa lhes
ap resentam .
A p licar o D ireito , no en tan to , não sig nifica criar verd ad es
arbitrárias a serem m anip ulad as no trib u nal d o jú ri. Su b jac en te
ao p ro blem a está a questão d a iguald ad e co m o alic erc e da ju sti­
ça. M as não é a iguald ad e o que fu nd am enta a ju stiça, é ap lica­
ção d e um a m esm a reg ra a to d o s os m em bro s de um a d eterm i­
nad a categ o ria. Tratar as pesso as ig u alm ente não é, p o rtanto ,
senão uma co nseq ü ência ló g ica do fato de o bed ecerm o s à re­
gra. Se a iguald ad e d em o nstra d esem p enhar um p ap el tão g ran­
de, o co rre que a reg ra d ep end e d a quantid ad e d e ind iv íd uo s aos
quais ela é ap licáv el: a p ró p ria regra, p o rtanto , se fu nd am enta
num a relação entre o s m em bro s de um c erto c o n ju n to , o u seja,
na sua iguald ad e.
É assim que en c o n tram o s em C h aim Perelm an a o b ser­
v ação de que ser ju sto não é ap licar c o rretam en te um a reg ra
d eterm inad a, mas sim o b ed ec er a um a reg ra que c ria a o b rig a­
ção d e tratar d e c erto m o d o to d o s os integ ran tes d e uma c ate -
g o ria. 59 ■
A co nd ição de “ho m o g eneid ad e” entre o s m em bro s d o jú ri,
em bo ra im p o ssív el p len am en te, abre cam inho para o estab ele­
c im en to d e um sentim en to d e grupo , um a p red isp o sição para
ju lg ar o s fato s e o s d iscurso s, que lhes são ap resentad o s, de uma
d eterm inad a m aneira. Para usufruir dessa tend ência^ o o rad o r
p recisa ter o cuid ad o d e não se im po r aos jurad o s, de não se
ap resentar co m o o ú n ico co n h ec ed o r d a v erd ad e p lena, d e ten ­
to r de to d a sabed o ria so bre a cultura./ Thales N ilo Trein fo rm u­
la esta reco m end ação d a seg uinte m aneira:

59 C h aim Perelm an, É t ic a e D ir e it o , p. 46.

116
O o rad o r d ev e exp o r a sua “ o p inião ” so bre o caso em ju l­
g am ento e “p o stular” a m ed id a ju ríd ica que entend a ap li­
c áv e l, nu m a lin g u ag em fác il e d ire ta, sem afe taç õ e s
v o cabulares.60

D esta fo rm a, o o rad o r p recisa ap resentar seu d iscurso de


modo a não transm itir nenhu m a imp ressão de estar num su­
po sto lugar p riv ileg iad o , o u seja, d ev e se p ô r no m esm o n ív el e
na co m p anhia de seu aud itó rio . Isto , para p ro m o v er um rela­
cio nam ento a ser estab elecid o em grupo e co m ele. Essa relação
grupai é a e m p at ia, que é o cam p o m esm o d e articu lação dos
pro blem as relativ o s ao agrad o o u desagrad o do aud itó rio leig o
quanto à figura do ad v o g ad o , assim co m o à filtrag em em m aio r
ou m e n o r g rau d as id éias q u e e le p ro c u ra c o m u n ic ar e
d emo nstrar.
A em p atia, assim, é fund am ental para o estab elecim ento da
verdade no s d ebates d o tribunal do jú ri. Em term o s gerais, en ­
tend e-se por em p atia o pro cesso de id entificação subjetiv a em
que uma pesso a, po r m eio d e suas capacid ad es racio nais e em o ­
cio nais, se co lo ca no lugar.d e o utra, no sentid o de entend er suas
em o çõ es e o p iniõ es a p artir d o p o nto d e v ista do o utro , da
alterid ad e. A trav és d a em p atia, so m o s capazes de vislum brar o
mundo e a nó s mesmo s segund o o m o d o co m o o o utro os vê.
C o lo car-se no lugar do.o utro sig nifica rev o gar a supo sição
de que um discurso é capaz de co nquistar alguém sem que o o ra­
dor esteja co nsciente do univ erso d o o uv inte. Este fenô m eno é
freqüente no s tribunais do jú ri, assim co m o é co m um que o ad­
vogado que não se rev este dessa hum ild ad e p erca as disputas.
A esta altura, cab e m en cio n ar a seg uinte d efinição , de
W illiam Jam es, a resp eito d a relativ id ad e da v erd ad e. Ela é bas­

60 T h ales N ilo Tre in , Jú r i — a s lin g u a g e n s p r a t i c a d a s n o p l e n á r i o , p. 69.

117
tante ad equad a, quand o co nsid eram o s o s d ebates no tribu nal
d o jú ri:

O v erd ad eiro é o no m e de tud o o que p ro v ar ser b o m à


guisa da crença, e bo m tam bém po r razões d eterm ináv eis
d efinid as.01

N este cam inho , os artifício s que p ro m o to res e d efenso res


têm à d isp o sição -— e são efetiv am en te utilizad o s — v ão além
dos recurso s para estab elecer uma relação intersu b jetiv a e das
técnicas retó ricas. Para co nd uzir os m em bro s do co nselho de
sen ten ç a para a s u a v erd ad e, as p artes lançam m ão ig u alm ente
de falácias. Po r isso, v am o s fazer algumas co nsid eraçõ es a res­
p eito , além das que já tecem o s no cap ítu lo IV.
O so fism a, o u falácia, é um arg um ento — entend id o co m o
encad eam ento de duas p ro p o siçõ es das quais se deduz uma ter­
ceira, a co nclu são — ap arentem ente v álid o , isto é, cu ja fo rm a
é co rreta mas um a ou am bas as premissas são falsas, o u um argu­
m ento cujas p remissas são verd ad eiras mas sem uma articu la­
ção ló g ica co rreta d o p o nto de v ista fo rm al. Em qualquer d o s
caso s, o p ro blem a resid e no encad eam ento d o rac io cín io , mais
do que na falsid ad e o u v eracid ad e da co nclu são . Su a u tiliz ação
tem sem p re o o b jetiv o dé induzir um aud itó rio , ind iv id ual o u
c o letiv o , a um a d eterm inad a o p inião .
Eíisto ricam ente, v em o s que o uso e o estud o dos so fismas
se estend eu p o r m uito s século s para além da A ntig u id ad e, p o r
exem p lo , co m o um a das p artes mais cultiv ad as p elo s p ensad o ­
res d a ló g ica na Id ad e M éd ia. C o m a m o d ernid ad e, no en tan to ,
a d o u trina das falácias perd e quase to talm en te sua relev ância,
cad a vez mais exclu íd a dos d ebates no cam p o filo só fico .

61 W i l l i a m Jam e s, “ W h a t p r a g m a t i s m m e an s” , i n E s s a y s o f p r a g m a t i s m ,
p. 155.

118
m

C o nfo rm e as id éias d e Barb ara C assin, os so fistas se d esta-


cam da filo so fia enq u anto ab and o nam as reflexõ es o nto ló g icas
e se d ed icam à ed ucação , na m ed id a em que se to m am co m o
'que p ro fesso res itinerantes de ló g ica, cultura e sabed o ria. Os
so fistas, segund o a auto ra:

São tam bém ho m ens de po d er, que sabem co m o persuad ir


juizes, co m o v er um a assem bléia, execu tar b em um a em ­
baixad a, d ar suas leis a uma cid ad e no v a, fo rm ar p ata a
d em o cracia, em suma, fazer o b ra p o lítica.62

Essa leg itim ação d o uso d e so fism as em d ebates c u jo o b je ­


tiv o env o lv e, em m aio r 011 m eno r grau, a v id a em so cied ad e,
p erm ite que se co m p reend a o seu uso co m o um dos estratag e­
mas d ialético s que Sc h o p c n h au er reco m end a ao o rad o r ap li­
car. O filó so fo afirm a m esm o que o esp aço d ialó g ico d o d ebate
é o cam p o o nd e p referencialm ente co m p arecem o s arg u m en­
to s so fístico s, até m esm o em co ntrap o sição entre si:

Q u and o no s v em o s d iante d e um arg um ento ad v ersário


que é m eram ente ap arente o u so fistico , p o d em o s liquid á-
lo ao d esv end arm o s seu caráter cap cio so e ilusó rio . M as é
aind a m elho r se o co m b atem o s e d esp acham o s co m um
arg um ento ig u alm ente so fistico e ap arente. Po is aqui não
se trata d a verd ad e, mas da v itó ria.63

So fism as co nd uzem um a p o sição n o d ebate à v itó ria co m


mais facilid ad e do que d etalhad as exp o siçõ es racio nais. N ão

62 Barb ara C assin, E n s aio s s o fís t ic o s , p. 7.


63 A rth u r Sc h o p c n h au e r, C o m o v e n c e r u m d e b a t e s e m p r e c is a r t er r az ã o ,

p. 151.

119
rep resentam , p o rtanto , cam inho s para en co n trar a verd ad e, mas
sim ferram entas de sed ução .
Este asp ecto fica aind a mais ev id ente quand o co nsid era­
mo s qu e a elo cu ção d e d iscurso s, p o r m elho res que sejam , não
im p lica d iretam ente a ap licação de ju stiça. Q u em execu ta as
d eterm inaçõ es da 'ju stiça o u quem clam a po r ela d ev e p ensar
bem a resp eito das regras da ju stiç a no p lano d o co m p o rtam en­
to dos ind iv íd uo s. Essas no rm as po d em scr sintetizad as nas se­
g uintes p ro p o siçõ es: não fazer ao o utro o que não se d eseja que
ele faça a v o cê; agir em relação ao o u tro do m esm o m o d o que
se espera que ele aja co m v o cê; não exig ir d o o utro nad a além
d o que v o cê m esm o está p ro nto a fazer; aceitar o m esm o trata­
m ento que fo r d estinad o ao o u tro p ara v o cê; agir co m o v o cê
d esejaria que to d o s se co m p o rtassem .

0 objeto

Vam o s inv estig ar agora o o b jeto d o d iscurso ju ríd ico e co m o


este d ev e ser d esenv o lv id o p ara que as p ro p o siçõ es ap resenta­
das n ão sejam vazias de sig nificad o . O ra, os elem ento s so bre os
quais se co nstro em os d iscurso s no trib u nal do jú ri são o s fatos e
OSindícios.
O s fato s são ind iscutív eis, já que p o d em ser p ro v ad o s. O
fato é um resultad o acabad o , um a ação realizad a, um fenô m eno
que fo i o bserv ad o e co m p ro v ad o . A co nsid eração d e um fato
— d ev id am ente v erificad o — po d e lev ar a um a certez a, cujas
fro nteiras são d elim itad as p elo s elem ento s m esm o s que o co ns-
tituem .
N ão exced er os lim ites d o fato é um a atitu d e fu nd am ental
p ara ev itar que p ro p o siçõ es sem fu nd am ento sejam lev antad as
a p artir d e esp eculaçõ es vazias. Po r exem p lo , é p o ssív el p ro v ar
que um a p esso a afirm o u d eterm inad as id éias, se tiv erm o s uma
g rav ação d e sua voz co m as frases co rresp o nd entes. N o e n tan ­
to , é im p o ssív el provar o que exatam en te esse ind iv íd uo tin h a

120
em m ente, além d o que é exp ressam ente estab elecid o po r suas
d eclaraçõ es; a não ser, natu ralm ente, que fo sse p o ssív el ler p en­
sam ento s.
Po r sua vez, os ind ício s são , num sentid o estrito , o p in iõ e s , e
po r isso p o d em ser questio nad o s liv rem ente, p o r m eio da d úv i­
da sobre suas co nclusõ es o u m esm o atrav és de recurso s retó rico s.
O s ind ício s são o p iniõ es po rque têm a fo rm a de hip ó teses que
ap o ntam p ara p o ssív eis lig açõ es entre d eterm inad as circu ns­
tâncias e o crim e em questão ; d esta fo rm a, têm a m esm a n atu ­
reza das o p iniõ es enq u anto rep resentam p ro p o siçõ es a resp eito
de im p licaçõ es que não são ev id entes, co m o no s fato s.
A ssim , ind ício s p erm item ap enas cheg ar a certezas p arci­
ais, relativ as, na m ed id a em que se referem a po ssibilid ad es, a
pro babilid ad es. Po d em ser usados num ju lg am ento , mas co m o
recursos ad icio nais de sed ução . Po r exem p lo , o p ro m o to r po d e
lançar m ão de ind ício s co m a finalid ad e de lev ar os jurad o s a
co nsid erar que o réu é um crim ino so ren iten te. D e to d o mo d o ,
é im p o rtante ressaltar que nu nca h á uma certez a abso luta no s
resultad o s d e um ju lg am ento que se baseo u tão -so m ente em
ind ício s. O co m entário de O th o n M . G arc ia é esclareced o r, no
que tang e ao uso d e fato s e ind ício s num trib u nal:

O s fato s em si m esm o s às vezes não bastam : para que p ro ­


v em é p reciso que sua o bserv ação seja acurad a e que eles
pró prio s sejam ad equad o s, relev antes, típ ico s o u c arac te­
rístico s, su ficientes e fid ed ig no s.64

O p ro blem a do o b jeto d o d iscurso se refere d iretam ente à


questão da análise dos sig nificad o s de um a p releção qualquer.
Em geral, p o d em ser d efinid o s, nas d iferentes teo rias sem ânti­
cas, três p o stulad o s que sem pre co n d icio n am esse pro cesso :

64 O th o n M . G arc ia, C o m u n ic a ç ã o e m p r o s a m o d e r n a, p. 279.

121
»8SP

1. A m ensag em é sensata, isto é, tem p elo m eno s um sen­


tid o .
2. O s sentid o s de um a m ensag em têm um caráter o culto .
uma m ensag em são intelig ív eis, ap e sar
3 . O s s e n tid o s d e
d o estab elecid o no segund o item .

O ling üista e escrito r Ed w ard Lo p es exp lica de m aneira


ex c elen te o sig nificad o d esses pressupo sto s:

O p rim eiro p o stulad o , o da “ sensatez da m ensag em ” , afir­


ma que o d iscurso tem um sentid o . M as é ló g ico que tal
asserção não é para ser entend id a ao pé d a letra, p o is se o
d iscurso co ntiv esse algum sentid o im anente, não hav eria
interp retação . O fato d e q u e p ara
n e ce s s id ad e d e n e n h u m a
cap tar seu sentid o p recisem o s interp retá-lo sig nifica, pelo
m eno s, que o sentíd o .d o d iscurso está fo ra d ele. A ssim tam ­
bém Peirce e Saussure no s ensinaram a v er a p ro p ried ad e
hetero d esig nativ a do sig no : o sentid o de um sig no é o utro
signo que o traduz mais exp licitam ente.
O segund o p o stulad o , o d o “caráter o cu lto d o sig nificad o ” ,
frisa que o sentid o é alg o que se p ro cura. A fastad a a h ip ó ­
tese da falta de sentid o no d iscurso , afirm a-se, ago ra, em
c o nseq ü ência, um excesso d eles. A ssim é que a teo ria se­
m ântica de to d o s os tem p o s reco n heceu co m o axio m ática
a m u ltissig nificação do d iscurso . Tud o se passa co m o se,
assim co m o a flo resta esco nd e a árv o re, um a p luralid ad e
de sentid o s o cultasse um sentid o ú nico . O b jeto s aleg ó ri­
co s, a flo resta e o d iscurso seriam mo d o s da m anifestação
fig u rativ a d e um “ n ão sab er” que é e m in e n te m e n te
p erturbad o r.
O d iscurso p erturba p o rque ele é do o utro (que é, v irtu al­
m ente, um o p o n e n te ), è po rque ele é, co m o “ o u tro ” , en ig ­
m ático , co nstitu ind o um p ro blem a a reso lv er. ( ...) A ssim ,

122
o terceiro p o stulad o , o d a “ intelig ib ilid ad e do d iscurso ” ,
rec o n h e c e n o auto r d o d iscurso a ú n ica auto rid ad e para
dizer o que é que seu d iscurso sig nifica.65

A o inv estig arm o s cuid ad o sam ente a c o m u n icaç ão entre


duas pesso as, so mo s capazes de d elinear algo co m o uma teo ria
do co m p o rtam ento v erbal, no âm b ito das influ ências so bre a
co nd u ta; quer dizer, é p o ssív el en tão d em o nstrar co m o o uso
das palav ras p o d e servir para lev ar alg uém a realizar certas açõ es
ou a p ensar d e uma d eterm inad a m aneira. O estud o dos m o d o s
de d o m inação que o ser hu m ano v em utiliz and o ao lo ng o dos
século s, no relacio nam en to co m o s o utro s, rev ela que o mais
eficien te d e to d o s tem sido utilizar a p alav ra p ara m anip ular os
sentid o s d o d iscurso . Q u em se p õ e nessa p o sição to rna-se co m o
um juiz c ateg ó rico no interio r — e acim a — da co m u nid ad e de
que faz p arte, d ecretand o para o au d itó rio o que tem v alo r e o
que é execráv el. A o m ano brar os sentid o s d o d iscurso , ele d e­
m arca as m etas a serem alcançad as, seja qual fo r a ativ id ad e em
questão , im p õ e no rm as de co nd u ta ind iv id uais, d istribui c asti­
gos e p rêm io s.
Essa co nd ição , aleg o ricam ente ap resentad a, d ep end e no
en tan to da ap resentação de pro v as c o n v in c en tes, d a u tiliz ação
d e fato s inco ntestáv eis no d iscurso . N o trib u nal d o jú ri, os fa­
to s d ev em ser sp-beranos, não os ind ício s; eles d ev em ser o v er­
d ad eiro o b je to d o d iscurso ju ríd ico .

A autoridade

V am o s abrir esta seção co m o trecho d e um d o s m ag istrais


d iálo go s que Lew is C arro ll crio u em A t r a v é s d o e s p e l h o , p ara sua
m em o ráv el p erso nag em A lic e:

65 Ed w ard Lo p es, D i s c u r s o , t e x t o e s i g n i f i c a ç ã o : u m a t e o r i a d o in t e r p r e t a n t e , p. 3.

123
— Q u and o e u uso uma p alav ra — H um p ty D um p ty disse,
num to m d e escárnio — ela sig nifica ap enas o que eu que-
ro que sig nifique; nem m ais nem m eno s.
— O p ro blem a — d isse A lic e — é se v o cê PO D E fazer as
palav ras sig nificarem co isas tão d iferentes.
—- O p ro blem a — disse H um p ty D um p ty — é quem m an­
d a; isso é tud o .06

A atitud e jo co sa de H um p ty D um p ty ap o nta para o p o ssí­


v el caráter p rep o tente de um o rad o r d iante d a A ud iência. Este é
um p o nto b astante d elicad o , e se refere à auto rid ad e d o d iscur­
so. E fund am ental, d isting uir o que é p rep o tência d o que é a
seg urança de exp ressar o s arg um ento s que p ro cu ram c o n v en ­
cer o s o u v intes a resp eito d a verd ad e que se buscai) Para isso,
d ev em o s c o n h ec er o sig nificad o d e auto rid ad e, p o r p arte do
o rado r.
A busca p o r c o n v en cer uma p esso a atrav és d e um d iscur­
so, d e uma arg u m entação qualquer, d ep end e sem p re d e uma
certa m o d éstia p o r p arte d e q u em fala. N enhu m o rad o r, p rin c i­
p alm ente no trib u nal do jú ri, p o d e se arro gar a po sse d a p alav ra
co m o se fo sse o p ro feta d a v erd ad e. N ing u ém d isp õ e de uma
auto rid ad e que o co nstitu a árb itro inq u estio náv el nem que o
to rne capaz de co nq u istar um a ad esão im ed iata e in c o n d ic io ­
nal p o r p arte d o aud itó rio . Esse tip o de auto rid ad e só p o d e se
m anifestar em situaçõ es em que o grupo está env o lv id o , d entre
o utras situ açõ es,,co m o nas relig iõ es; assim é a auto rid ad e que a
d o u trina c ató lic a reserv a ao papa, p o r exem p lo , que, segund o a
Ig reja, é infalív el e x c a t h e d r a .
A auto rid ad e d o o rad o r co m um , nu m a situ ação d e in te ­
resse c iv il, p recisa se lim itar à co nd ição em que ele po ssui a
cap acid ad e d e persuad ir, d e p rep arar arg um ento s que influ en­

66 Lew ts C arro ll, T h r o u g h t h e l o o k i n g g la s s , cap , V I.

124
ciem os o uv intes; assim., o o rad o r d ev e co nsid erar a p o sição da
aud iência, d ev e se interessar e resp eitar o seu estad o de espírito .
Em p rim eiro lugar, é p reciso d isting uir a u t o r i d a d e de p o d e r .
A d efinição desses c o n ceito s rem o nta ã A ntig uid ad e, quand o
foram fo rmulad o s p ela p rim eira vez. A uto rid ad e, assim, é o re­
co nhecim en to de que seu po ssuid o r po d e d irig ir e co m and ar,
p ro nunciar-se so bre qualq uer assunto de interesse p úblico e ser
o uvido co m o leg ítim o co nh eced o r das resp o stas aos d esafio s
que o co tid iano ap resenta. O po d er, por o utro lad o , é tão -so -
m ente o co n ju nto d e fo rças que p o d em ser utilizadas para o b ri­
gar o utro s a agir d esta o u d aquela m aneira; está ligad o , so bretu­
do, a qualquer recurso que se possa utilizar p ara co ag ir os o utro s.
A ssim co m p reend id a a auto rid ad e, uma pesso a que a tem
não a perd e m esmo que seja d esp o jad a de tud o que possui, de
todas as fo rças, de to d o seu po d er. O ra, 6 ev id ente, por isso, que
to d a auto rid ad e real é uma co nd ição m o ral — interio r, p o rtan­
to , e exterio riz ad a p o r m eio d a co nd u ta ju sta. E m uito fácil e n ­
tend er po r que ter po d er não im p lica ter auto rid ad e; basta p en­
sar, por exem p lo , no s d itad o res e m em bro s do crim e o rganizad o
— que co ntro lam e m anip ulam as pesso as po r m eio do abuso
de po d er ou das am eaças de v io lência.
O senad o ro m ano , na Id ad e A ntig a, é a institu ição que
m elho r d em o nstro u o sig nificad o da auto rid ad e. Em sentid o
amplo , era fo rm ad o p elo s mais v elho s da co m unid ad e, e rep re­
sentav a, sim bó lica e m aterialm ente, os v alo res ligado s à fund a­
ção de Ro m a. O senad o era co m o a p resentificação do passado,
a fo nte d e saber e sabed o ria que co nd uzia as d ecisõ es do p resen­
te segundo os ideais que d av am razão de ser àquela so cied ad e.
N o en tan to , eram d espro v id o s d e pod er, que era exercid o pelo s
m ilitares.
Tend o recuad o no tem p o para enxerg ar mais claram ente
co m o surgiu a no ção de auto rid ad e, d istinta do pod er, ao v o l­
tarmo s a refletir so bre os dias de h o je co nstatam o s que to d a
auto rid ad e real p recisa se relacio nar co m o po d er a fim d e exer-

125
c e t na p rática a sua cap acid ad e de julg ar e d ecid ir. C aso c o n trá­
rio , a auto rid ad e será vazia e ineficaz. N o entanto -, qualquer
p o d er que se ex erç a sem ser a exp ressão d e um a auto rid ad e ju s­
ta é iníq u o . Estar a auto rid ad e p o sta à p arte do p o d er é o m es­
m o que agir a fo rça sep arad am ente da ju stiça.
V ejam o s então co m o se relacio na o c o n c e ito de au to rid a­
d e co m a sua m anifestação p rática d urante a ap resentação d e
um d iscurso , esp ecificam ente no tribu nal do jú ri.
V iv em o s num m und o que se o rganiza em to rno d e inú m e­
ras regras e leis, escritas o u não , p ertencentes à esfera d a o rd em
o ficial ou ao cam p o da c o n v iv ê n c ia co m u nitária e en tre os c i­
d ad ãos co m uns, entre si. D a m esm a m aneira, há no rm as que
reg em co m o um a co nv ersa p o d e co m eçar e se d esenv o lv er, a
p artir d e uma esp écie de “ aco rd o p rév io ” basead o na vid a que
se co m p artilha so cialm ente.
N esse c o n tex to , tam b ém se en c aixa a auto rid ad e no d is­
curso . O o rado r, para m anifestá-la, d ev e se q u alificar d e m o d o
a “ rep o usar” so bre ela e não im p ô -la, isto é, de m o d o que possa
ter um a atitud e co nfiáv el e ap resentar suas p o siçõ es co m o um a
p esso a que refletiu so bre os aco n tecim ento s em causa e a p artir
d e um a exp eriên cia — p ro fissio nal e, g enericam ente, de v id a
— que seja p alp áv el p ara o aud itó rio .
N esse sentid o , v ale c itar as palav ras de M au rício C ésar
D elam aro , que inv estig a mais além d a sim ples análise d o d is­
curso p ara se referir à id éia d e au to rid ad e co m o c o n d iç ão
d eterm inante p ara a ap reensão racio nal d e seus co nteú d o s:

A teo ria p o lítica, seja para Platão o u A ristó teles, é um a te n ­


tativ a de fo rmular o sentid o da existência. A ristó teles reco ­
n h ec e to d as as im p licaçõ es dessa teo ria: só o h o m e m m a d u ­
r o , que fo rm o u seu caráter no exercício das virtud es in tele c ­
tuais e éticas, é que possuí as co nd içõ es de d eter o po d er
p o lítico . Isto po rque ele atingiu a “vid a teo rética” , o que
sig nifica um pro cesso de d iferenciação de sua psique em re­

126
lação aos ho m ens imaturo s. Em o utras palav ras, só o h o ­
m em que exp erim ento u a abertura da alm a à Verd ad e trans­
cend ente po d e to rnar-se o rep resentante d essa Verd ad e e
po d e em p reend er a crític a so cial e co m and ar a estruturação
das “co isas hum anas” co nfo rm e aquela Verd ad e.
Em suma, tal ex p eriên c ia — o ac o lh im en to da V erd ad e
transcend ente — é a fo n te da a u t o r i d a d e . 1'7

 emoção

Para inv estig arm o s o p ap el d este elem ento n o d iscurso que


se ap resenta no trib u nal do jú ri, v am o s c o m eçar analisand o o
c o n c e ito de em o ção tal co m o d efinid o p o r um b o m d ic io n á­
rio .68 A ssim , enco ntram o s a em o ção d escrita co m o uma c o n d i­
ção su bjetiv a de ex c itaç ão em que estão env o lv id o s sen tim en ­
tos ou sensaçõ es v iv enciad o s interio rm ente, num m o m ento ap e­
nas ou co m um a d uração m ais estend id a. É um a situ ação in te n ­
sa, e se relacio na co m a m o tiv ação para realizar uma ativ id ad e
ou se co m p o rtar de um a c erta m aneira. A s em o çõ es, d esta fo r­
ma, são co nceb id as co m o um fato r d eterm inante das açõ es que
um ind iv íd uo v em a realizar e, em sentid o g eral, d o m o d o co m o
ele se co nd uz d urante um ev en to qualquer.
Essa d efinição ressalta o asp ecto feno m eno ló g ico d a em o ­
ção , isto é, a d efine em term o s d e sua m anifestação tal co m o é
passív el de o bserv ação . Bastan te m o d erna, mas c aren te d e um a
co m p lem entação , que p o d em o s enco ntrar, p o r exem p lo , no
p ensam ento sem inal de W illiam Jam es, p ensad o r que já m en ­
cio nam o s em o utra p arte d este liv ro .69

61M au rício C ésar D elam aro , P a r a a lé m d a m o d e r n id ad e d as c o is as , p. 48-50.


68 D ic io n á r io d e c iê n c ias s o c ia is d o In s t it u t o d e D o c u m e n t a ç ã o d a F u n d a ç ã o

G e t ú lio V ar g as , p. 3 9 i - 392.
69 E s s a y s o f p r ag m at is m . C f. seção “ A v erd ad e” , supra.

127
Jam es afirm av a que a em o ção é o no m e que receb e o c o n ­
ju n to d e p ro cesso s c o m p o rtam en tais e fisio ló g ic o s que são
d eflagrad o s no ind iv íd uo p o r algum estím u lo , que po d e ser in­
terio r — co m o uma lem brança, p o r exem p lo , b o a ou ruim —
ou exterio r — co m o uma situ ação am eaçad o ra, um ac o n tec i­
m ento agrad áv el, etc . O s p ro cesso s m encio nad o s são sem pre
reaçõ es exp ressivas o u m o to ras ao estím ulo . Fica ev id ente que,
segund o essa teo ria, em o cio nar-se sig nifica tão -so m ente sentir
esses p ro cesso s, que em últim a instância são sem p re ac o n te c i­
m ento s fisio ló g ico s. O u tro asp ecto im p o rtante d essa d efinição
é o fato de que ela retira da em o ção o seu c aráter d e m o tiv ação
de co m p o rtam ento s, isto é, a sua p o tencialid ad e d e p ro v o car
um a d eterm inad a co nd u ta o u de c o n d ic io n ar o m o d o co m o ela
se d esd o bra.
D iv erg entes co m o são esses dois mod os de entend er a em o ­
ç ão , ain d a assim v alem p o r aq u ilo q u e têm em co m u m :
co m p reend ê-la co m o ' v iv ên c ia íntim a, inacessív el em sua es­
sência ao s o utro s. E ó b v io que p o d em o s fazer estim ativ as da
intensid ad e das em o çõ es que um a p esso a v iv e, a p artir do que
o bserv am o s em seu co m p o rtam ento (riso s, lág rim as, enrubes-
c im en to , trem o res, e tc .), e até p o d em o s d ar no m e a elas e acer­
tar co m alg um a p recisão . N o en tan to , é im p o ssív el co n h ec er
exatam en te qualquer em o ção , a não ser que a v iv enciem o s nó s
m esm o s — e m esm o nesse caso , nu nca é p o ssív el d eterm inar
c o m p letam en te a sua natureza.
A p artir de no ssa exp eriên c ia de v id a, d e ser su jeito de
em o çõ es ao lo ng o d e to d a a no ssa ex istên c ia e d e o bserv ar sua
m anifestação em o utras pesso as, é fácil enxerg ár que elas são
um a c o m p an h ia in se p aráv e l d o s seres h u m an o s, e um a
p o d ero síssim a energ ia que influ en cia d iretam ente no ssas atitu ­
d es, no ssa co nd u ta e no sso p ensam ento . N atu ralm ente, trata-
se tam b ém d e um elem en to cru cial para a sed ução n o d iscurso .
N o trib u nal d o jú ri, o ad v o gad o , cu jo o fício tam bém é o
de ser um o bserv ad o r das em o çõ es que ating em os seres hum a-
f no s, é capaz de co nstruir lig açõ es entre elas e o utro s tem as ou
aco ntecim ento s, a fim d e alc an çar um d eterm inad o o b jetiv o .
Precisam o s, no en tan to , d elim itar c ritic am en te essa realização ,
e para isso vam o s utilizar as reflexõ es d e D av id H u nie.70
C o nfo rm e o pensad o r esco cês, p o sto que é im po ssível ap re­
end er exatam ente as em o çõ es tal co m o v iv id as interio rm ente
p o r um ind iv íd uo qualquer, é p reciso entend ê-las a p artir do
c o n ju n to de elem ento s circu nstanciais que a aco m p anham —
em o utras palavras, co m o p o d eríam o s afirm ar, h o je, trata-se de
Id en tific ar e co m p reend er as em o çõ es do o utro atrav és de suas
m anifestaçõ es co m p o rtam entais, de sua exp ressão facial e co r­
po ral, seus gesto s, seu to m de voz, o c o n tex to m aterial em que
| está env o lv id o e as co nd içõ es que p o d em exp licar a em o ção
\ que id entificam o s, etc. Este p ro cesso po d e ser realizad o po r uma
pessoa co m um , a p artir d e sua p ró p ria exp eriência e c o n h e c i­
m ento leig o das em o çõ es.
N esse c o n tex to , é im p o rtante lem brar que o critério para
d eterm inar o que é v erd ad eiro e o que é falso — tanto no que
co ncerne à id entificação co rreta das em o çõ es env o lv id as quanto
a resp eito dos assunto s que são d ebatid o s po r m eio do d iscurso
— é sem pre a razão. Para Hunae, é ela o que no s p erm ite exam i­
nar a co nco rd ância ou d isco rd ância das id éias e afirm açõ es co m
as co isas e fato s que se ap resentam n o real. Po r co nseg u inte, a
algo que não po ssa ser co nfro ntad o co m a realid ad e segund o
este m éto d o não se po d erá^atribuir o v alo r v erd ad eiro nem fal­
so , sim p lesm ente po r não p o d er ser um o b jeto da razão. Po rtan ­
to , as em o çõ es em si não p o d em ser av aliad as p ela razão e nem
po d em ser enu nciad as p ro p o siçõ es v erificáv eis a resp eito d elas.
D izend o de o utro m o d o , fo cand o no p lano da p ercep ção
dos ind iv íd uo s que estão num a d eterm inad a relação d iscursiva,
já que as circu nstâncias que aco m p anham um a em o ção são tão -

70 N a o b ra T r a í t é d e la n a t u r e h u m a i n e .

129
so m ente in d íc io s de sua m anifestação e v iv ência interio r, per­
m an ecerá sem p re a d úv id a a resp eito d e hav er o u não um
co m p artilham ento em p ático das em o çõ es em q uestão e de qual
em o ção o o utro exp erim enta no m o m ento .
Tud o reunid o , cheg am o s à co nclu são de que para co m p re­
end er as em o çõ es env o lv id as — e av aliar co m o suscitar aqu e­
las que serão úteis para a d ev id a exp o sição de arg um ento s no
d iscurso e para p ro p o rcio nar as m elho res co nd içõ es para e n ­
v o lv er o aud itó rio no p ro cesso de sed ução — é p reciso usar a
sensibilid ad e pesso al mais d o que ten tar d eterm inar racio nal­
m ente o que se passa interio rm ente na au d iência, em term o s
em o cio nais.
D e to d o m o d o , as em o çõ es transp arecem d urante os ev en ­
to s d o tribunal do jú ri. O bserv em o s o co m entário esc larec ed o r.
d e Th ales N ilo Trein a esse resp eito :

O co rp o expressa essas em o çõ es, ind ep end entem ente da


no ssa v o ntad e, isso co stu m a não ser bo m no jú ri, p rin c i­
p alm ente em situaçõ es esp eciais que reco m end am eq u ilí­
brio ou entusiasm o . Po r exem p lo , a id éia d e d esinteresse
co m a causa, transm itid a p ela fad iga, po d e tam bém ser
fo rnecid a pelo s ev entu ais sinto m as d epressiv o s do orador.
Para o jurad o , a tristeza p o d e estar relacio nad a ao p ro cesso
em ju lg am ento ou não . M as e le v ai acabar entend end o , ao
lo ng o de um d iscurso de duas ho ras, p elo ab atim ento geral
e pela voz acanhad a d o p ro m o to r ou d o d efenso r, que es­
tes, além d e tristes, tam b ém d ev em estar trabalhand o c o n ­
trariad o s, sem fé, co nstrang id o s co m a causa, talv ez. Já
quand o estam o s co m raiv a, ou co m o v id o s co m algo , tais
estad o s causam não só d ificuld ad es ao d iscurso o ral, co m o
tam bém escancaram o s gesto s e po sturas co rp o rais c arac ­
terísticas, no tad am ente a resp iração pro fund a e tensa e a
fisio no m ia alterad a. E seg uram ente não é nad a interessan­
te ao o rad o r transferir ao s jurad o s a id éia de que não está

1 30
equilibrad o , de que é um a p esso a em quem não se po d e
co nfiar, que fica fo ra d e c o n tro le ao tratar d e co isas sérias,
que perd e a cab eça fac ilm en te, e tc .71

Enco ntrarem o s no m esm o au to r um a reflexão p o sitiv a


qu anto às em o çõ es que se ap resentem no trib u nal d o jú ri. E
verd ade que as em o çõ es p o d em interferir na co nstru ção d a im a­
gem d o s advogad os no p lenário , e assim ev en tu alm ente p reju ­
d icar o réu ou o interesse p ú b lico , mas elas tam bém p o d em ser
b enéficas no m esm o c o n te x to . Seu s efeito s p o sitiv o s se dão
quand o elas exp õ em e refo rçam , em estág io s d ecisiv o s e fund a­
m entais do d iscurso , a sincerid ad e e a d ram aticid ad e das p ala­
vras mais fo rtes do o rad o r. Em vez d e passar ao jú ri a id éia de
fraqueza, m o strand o -se abatid o , ele p o d e estar transm itind o a
d mpressão de um p ro fissio nal p ro fund am ente to cad o p elo fato
em d iscussão , e que, p o rtanto , é franco , é hu m ano . N o en tan ­
to , para co m unicar co rretam ente é necessário “ expressar-se” co m
..clareza, po r m eio dos gesto s, p o stura, etc.
U m a m atéria p u b licad a no jo rn al A N o t íc ia, no in íc io d o
século X X , ataca a m alv ersação d as em o çõ es n o p lenário , e faz
críticas so bre a abso lv ição d e m atad o res d e m ulheres:

N o s lábio s de um ad v o gad o co m o o sr. Ev aristo d e M o raes,


a d efesa, em caso s tais, surge hab ilid o sam ente. Prim eiro a
p atrulha do sentim entalism o faz o seu rec o n h ec im en to .
Se o réu é so ld ad o , faz em -no heró i: d efend eu a Pátria, cur­
tiu agruras eno rm es n o cam p o d e b atalh a, c o m o sabre na
m ão e o am o r d e sua Pátria n o p eito ; tem cicatriz es — são
as grã-cruzes d o s heró is esquecid o s.
N ão lanceis, senho res, na laje úm id a d o cárcere um so ld a­
d o v alente que a g ló ria co ro o u . U m fr is s o n arrep ia a as­

71 T h ale s N ilo Treirx, Jú r i — a s lin g u a g e n s p r a t i c a d a s n o p l e n á r i o , p. 78.

131
sem bléia. D ep o is, um a carg a d e cav alaria ju ríd ica d esaba
ruid o sa so bre o lib elo — inep to , inco ng ru ente, co ntrad i-
tó rio . A band eira de p riv ação dos sentid o s co b re este co n-
traband o m o ral. C itam -se auto res, italiano s, so bretud o . Se
fo i o sr. Ben jam in quem o rganizo u o c o nselho , p elo m eno s
num ap arte, surge a ind efectív el fo rça irresistív el. O jaim e
murmura, entre d esanim ad o e irô nico — é o caso . O ad ­
v o g ad o to m a, então , o pulso dos jurad o s, e se eles aind a
resistem , v o lta ao p atétic o , p ero ra c o m lágrim as so luçad as
na voz. A p o n ta para um c an to d a sala, d irig e-se a uma
v enerand a senho ra, co b erta de luto e d e p ranto , m o stra a
to d o s a sua figura d esm aiad a, o nd e um a d o r irrem ed iáv el
p ro sp era fu neream ente. E a m ãe do réu. O u v e-se um g rito
na sala, uns passos rápid o s, m ãe e filh o estão abraçad o s,
cho rand o . Senho ras nas tribunas cho ram , alguns jurad o s
têm os o lho s m o lhad o s e d isfarçam a co m o ção . D eb aixo
d essa pressão , retira-se o co n selh o à sala secreta e a ab so l­
v ição é fatal.72

M as seduzir não é — não d ev e ser — m entir. N em sem p re


os ad vo gad o s sim ulam estar em o cio nad o s, aco m p anhand o o es­
tad o — ev entu alm ente — p assio nal d o s ju lg ad o res. À s vezes,
acred itam p iam ente que o réu é um h eró i inju stiçad o .
H á os que m entem . M as m entir a resp eito das em o çõ es
sig nifica lid ar co m o p lenário co m o se fo sse um a ó p era bufa. E,
infeliz m ente, os tribunais d o jú ri estão cheio s de ato res e atrizes
sim ulad o res da em o ção . O o b jetiv o desses am antes d o d isfarce
é alcançar, co ntam inand o o s jurad o s, um a d ecisão p assio nal.
A am p la d efesa in c ita a que os ad v o g ad o s lancem m ão de
nu m ero so s recu rso s p ara satisfaz er o s interesses d o réu. A
d ualid ad e está em que freq ü entem ente o ad v o gad o se enc o n tra

72 R e latad o p o r M arina C o rrêa, O s c r im e s d a p a ix ã o , p. 5 2 - 5 3 .

132
na situação de o u utilizar esses recurso s, co rrend o o risco de
m entir, o u ap resentar um d iscurso estritam ente téc n ic o , co r­
rend o o risco de d eixar d e p raticar a am p la d efesa, p o d end o até
p rejud icar os d ireito s fu nd am entais do réu.

A imagem

U m ju lg am ento m o strad o em film e, co m o os que m o stra-


mos no cap ítu lo II, tem to d o o supo rte da im ag em , na d ialética
d o texto e da im ag em que Ro land Barthes p reg av a.'3 E não só a
im ag em , m as a im ag em trab alh ad a, ilu m in ad a, c o lo rid a,
co m o v ente, em o tiv a. A o lad o d o enred o , a im ag em fo rm ula o
texto que a c o n tém e o tex to que o esp ectad o r lhe dá.
N um a c en a d e ju lg am ento real, co m o aquelas m o strad as
no cap ítulo III, se não há esse en c an tam en to cinem ato g ráfico ,
há a p ersp ectiv a v isual, a m ensag em dos gesto s, a en to nação
das vozes, o to m , o ritm o , a harm o nia o u a d esarm o nia. U m a
no v a d ialética é exercitad a.
Tanto num caso q u anto no utro , é a d ialética texto -im a-
gem o que co m p õ e a m ensagem . E po r isso que tecem o s tantas
co nsid eraçõ es a resp eito d o gestual, d a p o stura, d a exp ressão ,
dos recurso s visuais — g ráfico s, exib ição d e trecho s de v íd eo s,
etc. N o tribu nal, v alid am -se to d as as ressalv as já citad as so bre
o uso d a im ag em ju n to co m o d iscurso .

73 Po r ex em p lo , em E le m e n t o s d e s e m io lo g ia.

133
C a p ít u l o V i
Júri, o auditório soberano do discurso

A d ecisão so bre a cu lp a o u a in o c ê n c ia d e um réu, no


Brasil, só rec ai so bre um jú ri q u and o se trata de ju lg ar crim es
d o lo so s c o n tra a vid a. Essa o rg aniz ação é d iv ersa, p o r e x e m ­
p lo , d o m o d elo de ju stiç a d o s Estad o s U nid o s, em que trib u ­
nais d o jú ri são cham ad o s a exam inar u m a g rand e v aried ad e
de crim es grav es, co rno estup ro , seq ü estro e lesão co rp o ral,
além de d ecid irem tam b ém em q u estõ es cív eis em causas re ­
lacio nad as a crim es.
C o m o se d á a co m p o sição d o jú ri em no sso país? O s ju ra­
dos são cid ad ão s co m uns, so rtead o s a p artir de um cad astro de
eleito res da co m unid ad e lo cal, p ara cum p rir a fu nção d e juizes
leig o s. N esse caso , sua resp o nsabilid ad e se c o n c en tra n o p ro ­
n u nciam en to so bre os elem ento s m ateriais e os d iscurso s a eles
ap resentad o s d urante um ju lg am ento ; o juiz, que p resid e o tri­
b u nal, é o resp o nsáv el, a p artir d a d ecisão do co nselho de sen­
te n ç a, p o r o rg anizar e m and ar cu m p rir a lei, c o n fo rm e os
p arâm etro s adequados.
Essa o rg anização dos tribunais do jú ri v em d esd e o que fo i
d eterm inad o p ela antig a C o n stitu iç ão d o Im p ério , d e 25 de
m arço de 1824. Prim eira C arta M ag na d o país, ela d eterm ina
m esm o que o jú ri é um dos ram o s do Po d er Ju d iciário :

O Po d er Ju d icial é in d ep en d en te, e será co m p o sto de


Juizes e Jurad o s, o s quais terão lugar assim n o C ív e l co m o
n o C rim e, no s caso s e p elo m o d o que os C ó d ig o s d eter­
m in arem ./4

A C o nstitu ição v ig ente, d e 1988, tam bém d eterm ina o


jú ri co m o um dos instru m ento s para p ro teg er d ireito s e g aran­
tias fund am entais, reafirm a a auto rid ad e e a ind ep end ência dos
v ered icto s e traça lim ites p ara a c o m p etên c ia m ínim a dos
julg ad o res, restring ind o -a ao s crim es d o lo so s c o ntra a vid a. Isto
ap arece no artig o 5", inciso X X X V III75.
A d im ensão d esse v alo r po d e ser ilustrad a, p o r exem p lo ,
po r m eio d a co nstatação de que o ho m icíd io é co nd enad o co m
v eem ência p o r d iversas culturas, em suas relig iõ es e co rrentes
d e p ensam ento , m ísticas ou não . A ssim no jud aísm o , c ristia­
nism o , bud ism o , esp iritism o , hind uísm o , herm etism o , no an ti­
go zo ro astrism o ...
Ed ilberto Tro v ão no s fo rnece uma reflexão m uito ilustrativ a
a resp eito do ho m icíd io , usand o co m o aleg o ria a m o rte d e A b el
tal co m o relatad a p ela trad ição b íb lica e referenciand o o e x a­
m e da q uestão no p receito cristão de que nenhu m ser hu m ano
tem o d ireito de pô r fim à v id a d e um sem elhante, p o rque a
vid a seria uma criação d iv ina. A inv estig ação do crim e d e C aim
é feita então co m o se fo sse um a questão ju d iciária:
• O crim e ^
D isse C aim a seu irm ão A b el: “ Saiam o s fo ra” . E, quand o
am bo s estav am nô cam p o , inv estiu C aim c o n tra seu ir­
m ão A b el, m atand o -o .

H C o n stitu iç ão d e 1824, artig o 151.


75 ‘‘X X X V 1I1 - é re c o n h e c id a a in stitu iç ão d o jú ri, c o m a o rg aniz ação q ue
lhe d er a lei, asseg urad o s: a) a p lenitu d e da d efesa; b) o sig ilo d as v o taç õ es;
c) a so b eran ia d o s v ered icto s; d) a c o m p e tê n c ia p ara o ju lg am en to d o s
crim es d o lo so s c o n tra a v id a” (C o n stitu iç ão Fed eral, artig o 5 S).

136
• o interro g ató rio
E o Sen h o r d isse a C aim : “ O n d e está teu irm ão A b el? ” .
A o que C aim resp o nd eu: “A c aso so u guard ião de meu
irm ão ?” . D isse o Sen h o r: “Q u e é que fizeste? A voz de
teu irm ão clam a d esd e a terra até M im ” .
• A sentença
“ A g o ra, po is, m ald ito serás so bre a terra, que abriu a sua
b o ca e receb eu o sangue d e teu irm ão . Q u and o tu a tiv e­
res cu ltiv ad o , ela não d ará fruto s. Tu and arás v ag abun-
d eand o e fug itiv o so bre a terra.”
• O ped id o d e c lem ên cia
E C aim d isse ao Sen h o r: “ O m eu crim e é m uito grand e
para alcançar p erd ão . Tu me lanças h o je fo ra da terra e
eu serei o brig ad o a me esco nd er d iante d e Tua face e
ficarei v ag abund o e fug itiv o n a terra. O p rim eiro que me
enco ntrar, m atar-m e-á” .
• O caráter p rev entiv o da p ena
Resp o nd eu -lhe o Sen h o r: “N ão será assim, mas to d o que
m atar C aim será m o rto sete vezes” . Para que ning uém
que o enco ntrasse o m atasse.76

D e aco rd o co m o atual C ó d ig o Penal, diz Tro v ão , C aim


teria p erp etrad o o crim e tip ificad o n o artigo 121, parágrafo 2e,
inciso IV (m ed iante recurso que to rno u im p o ssív el a d efesa da
v ítim a — d issim ulação e surp resa), assim co m o o d escrito no
artigo 61, inciso II, alínea e (c o n tra irm ão ) e artigo 211, c ap u t

(o cu ltação de cad áv er).

76 C o n fo rm e Ed ilb erto d e C am p o s T ro v ão , R e fle x õ e s d e u m a p r e n d iz de

p r o m o t o r d e j u s t i ç a n o t r i b u n a l d o j ú r i, p. 18-19.

137
O atentad o co ntra a vid a po d e ser ilustrad o exem p larm ente
co m o film e A s s a s s i n a t o e m p r im e i r o g r a u , m o strad o em o utra
p arte d este liv ro . A p ro p ó sito d ele tecerem o s mais alguns c o ­
m entário s, ad iante, neste m esm o cap ítulo .

1. Análise da culpabilidade presumida


A lg uns m em bro s do co nselho de sentença, po r terem m e­
m ó rias de v iv ências m uito pesso ais e o p iniõ es extrem am ente
subjetiv as a resp eito , p o d em se co m p o rtar co m o v erd ad eiras
caixas d e resso nância viv as, e por isso ficar p red isp o sto s a se­
rem influenciad o s po r vário s d etalhes que p o d em se ap resentar
no s d iscurso s d o tribunal. A ssim , as fo rm as o rató rias esco lhid as
para os d ebates d evem ser exercitad as co m cuid ad o , p o rtanto ,
para não m o bilizar o que p o d eríam o s d eno m inar, m etafo rica­
m ente, de teras em o cio nais d o rm entes. Po r exem p lo , co m o
m encio na T h ales N ilo Trein, se o p ro m o to r assevera en erg ic a­
m ente que “o réu sem pre se caracteriz o u p ela co v ard ia, b astan­
do dizer que v iv ia agred ind o a co m p anheira” , talv ez esteja c o n ­
sid erand o que to d o s os jurad o s so rtead o s resp eitam a espo sa.
A firm a o auto r:

Se estiv er c erto , aind a teria que co nsid erar que o p ai, o


irm ão , o u o filho dos ju lg ad o res (qu e, n atu ralm en te, eles
prezam tan to ), tam b ém não sejam agressivo s c o n tra suas
m ulheres. E se fo rem ? Bem . To d o s o uv iram o p ro m o to r:
cham o u essas pesso as d e co v ard es, tam b ém ! Sab em m u i­
to bem o que ac o n tec e nesses caso s: o sistem a lím b ic o
d os resp ectiv o s ju rad o s v ai im ed iatam en te resp o nd er:
“N ão g o sto m uito desse p ro m o to r!” . O resultad o tam b ém
é c o n h ec id o : o céreb ro dos referid o s ju lg ad o res filtrará
grand e p arte das info rm açõ es e m ensag ens d aq uele p ro ­
fissio nal v erd ad eiram ente an t ip át ic o .

138
M as existem lim itaçõ es ind iv id uais n a o utra p o nta: se uma
fam ília fo i alvo d e um assalto à m ão arm ad a, tend o so frid o
graves am eaças e im p ied o sas ag ressõ es po r p arte dos c rim i­
no so s, no rm alm ente seus m em bro s irão se co nstitu ir em
julg ad o res extrem am ente im p lacáv eis co m to d o s os acu ­
sados de d elito s v io lento s. E se ho u v er um ro ubo c o n exo
ao crim e de ho m icíd io , en tão nem se fala! A figura do
d efenso r ( “ p ro teto r dos b and id o s” , na v isão d eles) será
abo m inad a, no m ínim o antip atiz ad a, co m as co nseq ü ên ­
cias d aí resultantes no âm b ito da recep ção das m ensagens
que b ro tem d aquela tribu na.
Finalm ente, aind a p o d em o s lem brar que p articu larm ente
as jurad as m ulheres no rm alm ente po ssuem lim itaçõ es in ­
d iv id uais para o ju lg am en to de crim es de estupro . E, para
tanto , irão p recisam hav er passado realm ente por essa tris­
te exp eriência. A razão d isso é que sim p lesm ente im ag i­
nam o terro r que iriam v iv enc iar se estiv essem o cup and o
o lugar da v ítim a.
Se, em virtud e de um a restrição ind iv id ual, o réu passo u a
rep resentar uma v erd ad eira am eaça, não h á mais c o n fian ­
ça nele, nem ao m eno s p o d erá hav er sim p atia po r quem o
esteja d efend end o .77

A s o bserv açõ es m inu cio sas que acabam o s de m encio nar


ap arecem , de fo rmas e a p artir de fo ntes d iv ersas, ao lo ng o d es­
te liv ro . O assunto , de fato , está lo ng e de ser esgo tad o , e sua
im p o rtância para o estab elec im en to d a verd ad e é eno rm e. A s­
sim, o uso da culp abilid ad e p resum id a p recisa ser m uito b em
p lanejad o , no c o n texto das info rm açõ es que o o rad o r tenha
co nseg uid o reunir so bre o caráter e a v id a dos jurad o s, a p artir
de suas próprias o bserv açõ es.

11 Tliales N ilo Trein, Jú ri — as lin g u ag e n s | rrat ic adas n o p l e n á r i o , p. 234-235.

139
2 . A n á iis e d e u m c r im e

N as histó rias que co m p õ em a m ito lo g ia da G ré c ia A n tig a,


os co m p o rtam ento s v io lento s são m uitas vezes asso ciad o s à lo u­
cura, à insensatez, à perd a da razão. C o m o não têm po r que se
ju stificar d iante d e nenhu m m o rtal, os d euses afinal p o d iam se
entreg ar a quaisquer ativ id ad es m o tiv ad as p o r grand es p aixõ es,
ciúm es, inv eja, ressentim ento , e assim exerciam sua fúria à v o n­
tad e, so bre os hum ano s o u o utro s d euses d esafeto s.
N o p lano dos m o rtais, n o en tan to , a co isa é d iferente, à
m ed id a que as açõ es v io lentas po d em — e d ev em — gerar c o n ­
seq ü ências que recaem so bre o p ró prio auto r. M u ito tem p o d e­
p o is que o s m ito s gregos já tinham fo rm ad o um c o n ju n to mais
o u m eno s fixo , transm itid o o ralm ente ao lo ng o das g eraçõ es,
p o d em o s enco ntrar algo sem elhante a uma av aliação p síquica
d o co m p o rtam ento v io len to nas tragéd ias, p o r exem p lo , na
trilo g ia teb ana red igid a p o r Só fo cles (496? -406 a .C .), o nd e o
p erso nag em Ed ip o , ato rm entad o , po d e ser co n h ec id o e julg ad o
p o r m eio de m o tiv açõ es interio res, num a relação sim u ltanea­
m en te au tô no m a e d ep end ente q u anto ao s d esíg nio s d o d esti­
no , c o n h ec id o apenas p elo s d euses.
A ssim , uma fúria ap aixo nad a não p o d e ju stificar, sem m e­
d iaçõ es, ato s de v io lên c ia so bre o u trem , em bo ra po ssa co m
ju stiç a ab so lv er um réu em d eterm inad as c o n d iç õ es; n atu ral­
m en te, segund o o ju lg am en to d e seus pares d o c o n selh o de
sen ten ç a.
Q u and o m o stram o s o caso ju ríd ico en c en ad o n o film e
fizemo s uma análise d o crim e e n ­
A s s a s s i n a t o e m p r im e i r o g r a u ,
q u an to fe n ô m e n o p sic o sso c ial. Esse c o rte e p istem o ló g ic o
transp arece m uito bem nas reflexõ es de A ram is N assif:

A inv estig ação do sen tim ento que não resultasse d e um


co m p o rtam ento m eram ente anim al, d estinad o à alim en-

140
tação e d efesa, co m eço u a ser p ercebid a ap enas quand o
H ip ó crates sustento u que a ep ilep sia era d o ença natu ral, e
não fruto d a ação so brenatural. A ssim , eis o d eriv ad o eq u í­
v o co , até os sentim ento s de m elanco lia, hum o r, m ania,
etc ., eram de o rig em anato m o p ato ló g ica.
M u ito mais tard e, exp lo rand o co m sua reco nhecid a sensi­
bilid ad e, W illiam Shalcesp eare carrego u de em o ção o ato
d e seus p erso nag ens. To d av ia, não ju stifico u a co nd u ta:
lim ito u -se a narrá-la.
O s seres superio res, m ítico s, os heró is, os d euses, eram c o ­
nhecid o s p o r seus ato s, e não po r suas d eliberaçõ es. D e sua
v io lên c ia d eco rriam a lo ucura e o au to -sacrifício . N ão fo i
co lh id a a m anifestação d e suas ép o cas, so cial e ju rid ica-
m en te co ns id erad as.
M as não se p erca de vista que os filó so fo s grego s, tão ap e­
gados à racio nalid ad e, enfatizaram no seu m o m ento h istó ­
rico , p o sterio rm ente aos m itó lo g o s e ép ico s, antes do vate
inglês, o p o d er da fo rça inexp licáv el da p aixão , o p o sito ra
d a razão.
O s clássico s não superaram o impasse, mas tiv eram a v ir ­

t u de d e t o r n ar h u m a n a a v io lê n c ia. Rep ro d u z iram -na, no


en tan to , a duas so luçõ es p aralelas: o u resultav a de m ald a­
d e o u d e d o ença m ental.
A exclusão resum ia-se na v io lência em no m e d a ho nra.
A verd ad e é que o ho m em , até então , não se d esp o jav a d a
herança d a filo so fia grega, mas eng atinhav a, p o r o utro lado ,
para d esfazer-se da pressão da racio nalid ad e e, tam bém ,
dos lim ites m éd ic o -c ien tífic o s.78

78 A ram is N assif, Jú r i — in s t r u m e n t o d a s o b e r a n ia p o p u lar , p. 51- 52. G rifo


no sso .

141
Este m o d o d e abo rd ar a v io lê n c ia d o s crim es é im p o r­
tan te p ara ap o ntar p ara as suas ju stific ativ as h istó ric as que
se su stentam so bre a relig ião . O jú ri, en q u an to am o stra de
in teg ran tes d e um a co m u nid ad e, se c o n stitu i c o m o um p e­
q u eno grup o so c ial, e é p o r isso in flu en c iad o c u ltu ralm en te
de m aneira d e fin itiv a e in ten sa p ela relig io sid ad e e seus p re­
c eito s. N o c o n te x to b rasileiro , um d o s c o n d ic io n an te s m ais
freq ü entes é o cristian ism o ; um dos p rin cíp io s d e sua fo rm a
p rim itiv a — reto m ad a sécu lo s d ep o is p o r Ro u sseau na fu n ­
d am en tação de suas reflexõ es so bre o b o m selv ag em — é o
de que p ensam ento s, p alav ras e açõ es bo as n asc em d e um
p ro cesso c o n sc ie n te , en q u an to o s m aus são p ro v en ien te s de
elem en to s in c o n sc ien tes.
O b v iam ente, isto ap o nta para m aneiras de refletir so bre o
m al enq u anto p ro blem a p sico ló g ico . N esse c o n tex to , A ram is
N assif se queixa que as relig iõ es, antes do ad v ento do cristia­
nism o , não co ntribu íram para ajud ar na co m p reensão d a c o n ­
d uta v io lenta d e uma pesso a c o n tra o utra. Seg u nd o seu exam e
do p ro blem a, a estreiteza dos lim ites de reflexão nesse cam p o
po d e ser rep resentad a p ela antig a eq uação m aniq ueísta de bem
v ersu s m al.
Vam o s exam inar mais um p o uco do p ensam ento de N assif:

N em o R en ascim ento , nem o Ilum inism o , nem a rev o lu ­


ção c ien tífic a lo g raram av aliar o co m p o rtam ento do h o ­
m em no seu ím p eto d e matar.
A im p o sição da razão co bro u seu p reço na m ed id a em que
o brigo u o p ensad o r ao pro cesso da exclusão . O estig m a da
id io tia era o d estino de quem ousasse criticar, da iniciativ a
de p ráticas não -o rto d o xas o u de co nd u ta ano rm al.
À m ed id a que a so cied ad e se to m av a mais exig ente no
co m p o rtam ento ind iv id ual, subd ivid id a em classes e bem

142
d iscip linad a, ou quand o o Estad o cuid av a d e realizar suas
p ersp ectiv as na eco no m ia d e m ercad o , m ais se im p unha a
necessid ad e de segregar o elem en to p erturbad o r.79

Sin ais de que a co nd u ta v io lenta e suas ev entu ais relaçõ es


co m a alienação saltam à v ista, p o r exem p lo , co m o s relato s de
N assif, que co m enta co m o , ao lo ng o dos século s X V II a X IX ,
p rincip alm ente na Euro pa, as p risõ es p ro liferam e se assem e-
lham terriv elm ente a m anicô m io s. Fo i um lo ng o p erío d o , em
que d o m inav a a ig no rância, o d esinteresse e o d escaso co m re­
lação a co m p reend er d ev id am ente os ato s em o cio nais. U m a
p esso a incrim inad a, naquelas co nd içõ es, era p ro ntam ente es­
tig m atizad a co m o an ti-so cial e inim ig o da ju stiça, e p o rtanto
era uni elem ento perigo so para a so cied ad e e o Estad o ; por isso,
restav a-lhe ser iso lad o , a fim d e sup o stam ente p ro teg er as o u­
tras pesso as.
A o fim do p erío d o m encio nad o , d esenv o lv iam -se fin al­
m ente num ero sas inv estig açõ es — m uito mais sérias, se c o m ­
paradas co m as p ráticas anterio res — d a co nd u ta ind iv id ual
segund o os exam es de natureza p sico sso cial que se d esenv o lv i­
am então . A ssim é que en co ntrarem o s, b astante tem p o d epo is,
a seg uinte afirm ação d e O rteg a y G asset:

O m áxim o erro d esd e o Ren ascim en to , até no sso s d ias, fo i


acred itar, co m D escartes, que v iv em o s d e no ssa c o n sc iên ­
cia, d aquela b rev e p o rção de no sso ser que v em o s clara­
m ente e em que no ssa v o ntad e o p era. D izer que o ho m em
é racio nal e liv re me p arece uma exp ressão bem p ró xim a a
ser falsa.80

79 Id em , p. 52.
80 Jo sé O rte g a y G asset, E stu dos so b re o am o r, p. 133.

143
Essas co nsid eraçõ es v êm à lüz co m a finalid ad e de am p liar
a co m p reensão d o quão p ro fund am ente av anço u , em term o s
de tem p o ralid ad e e da cu ltu ra no rte-am ericana, o ad v o g ad o
Stam p h ill no film e A ssassinato em p r im e i r o g r au , quand o p ro cu ­
ro u d em o nstrar que o réu não tin h a c o n sc iên c ia d o que fazia
quand o m ato u um ho m em na cad eia. N aq u ela situação , a se­
d ução se d esd o bro u em duas frentes. Po r um lad o , o ad v o g ad o
p recisav a c o nv en cer o jú ri, p o r o utro , d ev ia alcan çar o c o n ­
v en cim ento do pró p rio acusad o — que refutav a, aterro rizad o
co m po ssív eis retaliaçõ es, a hip ó tese de sustentar o p ro cesso de
incrim inação d o d ireto r d o p resíd io .
U m im p o rtante p esquisad o r da p sico lo g ia de no sso tem ­
po , Em ilio M y ra y Ló pez, afirm o u:

O ho m em em estad o p rim itiv o o u selv ag em , o H om o


n at u r a, é p rincip alm ente m o v id o pelo s ing entes impulso s
d e p reserv ação e d e exp ansão d e seu ser, o s quais c o n stitu ­
em o s c o m p le x o s d isp o sitiv o s d e fe n siv o -o fe n siv o s e
p ro criad o res v u lg arm ente co nh ecid o s co m o in s t in t o s d e
c o n se rv aç ão e r e p r o d u ç ão . Estes se rev elam em nó s a cad a
m o m ento , p rim eiro so b a fo rm a de lev es d e s e jo s , d ep o is d e
claras ân s ias e, m ais tard e, se não satisfeito s, de im p e r i o s a s
e in c o n t id a s n e c e s s i d a d e s d e f u g a , d e a t a q u e o u d e p o s s e . 81

U m exam e do crim e e d o acusad o , do p o nto d e v ista p si­


co ló g ico , não po d e p o rtanto ser p reterid o . N a v erd ad e, este é
um dos passos mais exig entes e co m p licad o s que ad vo gad o s e
p ro m o to res p recisam dar, no p ro cesso de sed ução d o jú ri.

81 C o n fo rm e sua o b ra O s q u a t r o g ig an t e s d a a lm a . M y ra y Ló p ez trata, nesse


liv ro , d o s q u atro im p ulso s p rim ais q u e, seg und o seus estud o s em p sico lo g ia
e so cio lo g ia, m o v em a hu m anid ad e: am o r, m ed o , ira e d ev er.

144
3. A composição do corpo de jurados
C o nfo rm e o C ó d ig o de Pro cesso Penal, qualquer cid ad ão
m aio r de 21 e m eno r d e 60, d e id o neid ad e co nhecid a, p o d e ser
jurad o num tribunal. O c a p u t d o artig o 439 d eterm ina, so bre o
pro cesso de seleção de jurad o s:

A nu alm ente, serão alistad o s p elo juiz -p resid ente do jú ri,


so b sua resp o nsabilid ad e e m ed iante esco lha po r c o n h e c i­
m ento pesso al o u info rm ação fid ed ig na, 30 0 (trez ento s) a
5 0 0 (q u in h e n to s) ju rad o s n o D istrito Fed eral e nas
co m arcas de mais d e 100.000 (cem m il) hab itantes, e 80
(o iten ta) a 300 (trez ento s) nas co m arcas o u no s term o s de
m eno r p o p ulação . O juiz po d erá requisitar às auto rid ad es
lo cais, asso ciaçõ es de classe, sind icato s p ro fissio nais e re­
p artiçõ es p úblicas a ind icação de cid ad ão s que reúnam as
co nd içõ es legais.

D e aco rd o co m o p ro ced im ento estab elec id o p elo artig o


m encio nad o , esse cad astro p assa p o r um a análise p relim inar
pelas m ão s d o M in istério Pú b lico , o b rig ação tam b ém o rd ena­
da p ela lei. Essa in stitu ição , assim , d ev e p ed ir ao juiz a retira­
da da lista dos no m es que não p assem p elo c riv o da “ n o tó ria
id o neid ad e” . O c rité rio tem m u ito d e su b jetiv id ad e, mas se
su stenta so bre o p ressup o sto leg al d e que q u alq u er tip o de
en v o lv im en to em p ro cesso s p enais — não necessariam ente
co m o réu co nd enad o -— ju stific a a saíd a d a relação d e jurad o s
p o tenciais.
Em seguida, a lista resu ltante é to m ad a p ública, e os n o ­
mes são inscrito s em cartõ es id êntico s que d ev em ficar so b a
guarda d o juiz. Sem p re que p reciso , so rteiam -se 21 no m es d en­
tre esse c o n ju n to , em sessão ab erta à co m unid ad e, e c o n v o ­
cam -se os cid ad ão s p o r m eio de ed ital. D en tre os 21 no m es,

145
so rteiam -se no v am ente sete pesso as p ara co m p o r enfim o c o n -
selho de sentença.
N essa etap a, cad a uma das p artes — d efesa e acusação —
tem o d ireito de o b jetar até três no m es sem ap resentar ju stifi­
cativ as, além das recusas que p o d em set feitas por “ im p ed im en­
to ou susp eição ” , co nfo rm e p erm ite o artigo 459 do C ó d ig o de
Pro cesso Penal. O m ecanism o que p erm ite blo q uear alguns
d entre os so rtead o s é um dos asp ecto s fund am entais d o trib u ­
nal d o jú ri, po rque aju d a a g arantir que o réu não seja julg ad o
po r pesso as que o c o nd enariam de antem ão , sem co nsid erar em
nenhu m m o m ento a necessid ad e de ser im p arcial.
Ed ilso n M o u g eno t Bo nfim co m p leta:

Talv ez, tão im p o rtante seja a recusa, que co nstitu a, p elo


critério seletiv o dos jurad o s p erm itid o às p artes, o m aio r
elo g io da institu ição , p o rquanto é a única o p o rtunid ad e,
na ju stiça o rganizad a, que ten h a o pró p rio acusad o — ■ e o
acusad o r — de esco lher, selecio nand o , o julg ad o r.82

O m esm o autor, pro ssegue, num a reflexão m u ito feliz, a


resp eito da co nd ição dos jurad o s no tribunal:
-

A ssim , seja exercitand o o co ntro le p rév io da lista, o u, em


p lenário , v ia da recusa p erem p tó ria, tem o s que o p ro tó ti-
■ po do bo m jurad o — co m o do bo m juiz — é o ser hu m ano
no rm al mas que ev id encie virtud es; seja “ju sto ” , fu nção
p ara a qual a ind ep end ência m o ral e a co rag em se fazem
necessárias. (...) C o ntu d o , po rque sua missão é m u ito mais
abrang ente, não se d escure o rep resentante da so cied ad e

62 Ed ilso n M o u g en o t Bo n fim , Jú r i — d o in q u é r it o a o p le n ár io , p. 143.

146
de que lhe d o ta a lei de recurso s im p ed ientes de atuação
no jú ri, do jurad o cu ja id o neid ad e seja q u estio náv el. C u m ­
p re-lhe, fielm ente, zelar p elo ju sto p restíg io da in stitu i­
ção . Culp ar-se o jurad o p ela má d ecisão é exp licação hip o ­
c ritam en te cô m o d a, quand o para ela po ssa ter co n trib u í­
do o fiscal da lei não ajud and o no co rreto selecio nam ento
dos juizes leigo s. Tais cid ad ão s, urna vez galgad o s à função ,
sem critério s e to m ad o s “ Ex c elên c ias” no elo g io fácil das
lo as b aju lató tias, d ão vazão ao vazio po ssuíd o e p o r ele se
vai esbo ro and o a causa da ju stiça. Leig o s, sim, mas que
não sejam ap equenad o s na in telig ência, enco lhid o s de ra­
c io c ín io e, tam p o uco , d ev ed o res m o rais.83

4. 0 julgamento
Q u and o ac o n tec e um ju lg am ento , as testem u nhas de acu ­
sação e de defesa são aco m o d ad as em lugares d istinto s, de o nd e
não é p o ssív el o uvir o que se passa na sala do p lenário : nem os
d ebates, nem os interro g ató rio s. N o in íc io , o réu é interro g ad o
p elo juiz; em seguida, o relató rio do p ro cesso , tal co m o estab e­
lecid o p elo p resid ente do tribu nal, é lid o . Se um a das partes
assim o requerer, p o d em -se ler tam b ém as p eças dos auto s. Po s­
terio rm ente, as testem u nhas são o uvid as, e p o r fim co m eçam
os d ebates entre acusação e d efesa. C ad a p arte tem então duas
ho ras para ap resentar seus discursos. D ep o is d o d iscurso d e cad a
um, a p ro m o to ria tem d ireito à rép lica e a d efesa, à trép lica,
co m m eia ho ra de prazo cad a. Este é o rito tal co m o ac o n tec e
no s julg am ento s em que h á so m ente um réu.
O C ó d ig o de Pro cesso Penal estab elece, n o seu artig o 481,
relativ am ente à p arte mais im p o rtante d o ju lg am ento , d epo is
dos d ebates:

83 Idem, p. 144-145.

147
Fechad as as po rtas, p resentes o escriv ão e d o is o ficiais de
ju stiç a, bem co m o o s acusad o res e os d efenso res, que se
co nserv arão no s seus lugares, sem interv ir nas v o taçõ es, o
co nselho , so b a p resid ência d o juiz, passará a v o tar os que-
sito s que lhe fo rem pro p o sto s.
Parág rafo ú nico . O nd e fo r p o ssív el, a v o tação será feita
em sala esp ecial.

Para isso, d epo is dos d ebates o juiz d ev e co nsu ltar o s m em ­


bro s do jú ri se co nsid eram -se ap to s para ju lg ar o u se p recisam
d e mais esclarecim ento s. Em seguid a, o p resid ente o rd ena que
o réu seja co nd uzid o para o utro lugar e co nv id a o aud itó rio a
d eixar a sala do p lenário . O co nselho d e sen ten ç a en tão se reti­
ra para um a sala iso lad a, co nfo rm e m and a a lei, o nd e d ev em
resp o nd er os quesito s referentes à culp abilid ad e o u ino cência
do réu e itens relacio nad o s, questõ es essas que são elabo rad as
p elo juiz. Essas resp o stas co nstituirão , o v ered icto , e a p artir d e­
las o juiz p o d erá elabo rar a sentença.

5. Argüição d e n u iid a d e s

Existem situaçõ es em que a sentenç a p o d e ser anulad a,


p rev istas p elo C ó d ig o d e Pro cesso Penal. A s co nd içõ es para
isso são esp eçjficad as no artig o 564:

. A nulid ad e o co rrerá no s seg uintes caso s:


I — p o r inco m p etência, susp eição o u subo rno do juiz;
II — p o r ileg itim id ad e de p arte;
III — p o r falta das fó rm ulas o u dos term o s seg uintes:
a) a d enú ncia o u a queixa e a rep resentação e, no s p ro ces­
sos de c o ntrav ençõ es p enais, a p o rtaria o u o auto de prisão
em flag rante;

148
b) o exam e do co rp o de d elito no s crim es que d eixam v es­
tígio s, ressalv ad o o d isp o sto no art. 167;
c ) a no m eação d e d efenso r ao réu p resente, que o não ti­
ver, o u ao au sente, e de curad o r ao m eno r d e 21 (v inte e
um) ano s;
d ) a interv enção d o M inistério Pú blico em to d o s os. ter­
mo s da ação p o r ele intentad a e no s d a intentad a pela par­
te o fend id a, quand o se tratar de crim e de ação p ública;
e) a citação d o.réu para ver-se pro cessar, o seu interro g ató ­
rio , quand o p resente, e o s prazos co nced id o s à acusação e
à d efesa;
f) a sentença de p ro nú ncia, o libelo e a entreg a d a resp ec­
tiv a có p ia, co m o rol de testem unhas, no s pro cesso s p e­
rante o d rtbunal d o Júri;
g) a intim ação d o réu para a sessão de ju lg am ento , pelo
Tribunal d o Jú ri, quand o a lei não p erm itir o ju lg am ento à
rev elia;
h ) a intim ação das testem unhas arro lad as no lib elo e na
co ntraried ad e, no s term o s estabelecid o s p ela lei;
i) a p resença p elo m eno s de 15 (q u inz e) jurad o s para a
co nstitu ição d o jú ri;
j ) o so rteio dós jurad o s d o co nselho d e senten ç a em nú m e­
ro leg al e sua inco .m unicabilid ad e;
k) o s quesito s e as resp ectiv as respo stas;
1) a acusação e a d efesa, n a sessão de ju lg am ento ;
m ) a sentença;
n ) o recurso d e o fício , no s caso s em que a lei o ten ha esta­
b elecid o ;
o ) a intim ação , nas co nd içõ es estabelecid as p ela lei, para
c iên c ia d e sentenças e d esp acho s d e que caib a recurso ;

149
p) no Sup rem o Trib u nal Fed eral e no s Tribunais d e A p e­
lação , o quó rum leg al p ara o ju lg am ento ;
IV — por o m issão de fo rm alid ad e que co nstitu a elem ento
essencial do ato .
p o r d e f iciê n ­
Parág raf o ú n ico . O co rre rá ain d a a n u lid ad e
cia dos quesito s o u das suas resp o stas e co n trad ição entre
estas.

Para o caso m encio nad o no parágrafo ú nico acim a, o C ó ­


d igo de Pro cesso Penal, em seu artigo 489, fala em rep etir a
v o tação S3'A.

6. Breve histórico
E am p lam ente aceito entre os pensad o res do D ireito que o
júri surgiu na Ing laterra, po r o casião da M ag na C arta d e 1215,
quand o o assim cham ad o “juízo de Deus” foi abo lid o . A ntes, os
acusados d eviam d em o nstrar sua ino cência por m eio d e testes
tais co m o cam inhar através de fo gueiras co m os pés d escalço s ou
segurar firm em ente barras de ferro aquecidas até a incand escência.
C aso superassem essas provas sem sofrer d ano s, teriam co m p ro ­
vad o a sua falta de culp a d iante do juízo d iv ino . O s dedos das
mãos seriam mais do que suficientes para co ntabilizar os v ered ic­
tos de ino cente que po d iam se o bter naquele perío d o . O juízo de
Deus era, em outras palavras, to rtura impiedosa.
O quarto C o n c ilio de Latrão , que altero u alguns asp ecto s
do m o d o de atuação e interp retação das no rm as relig io sas, p ro ­
duziu co nd içõ es que se m o straram fav o ráv eis para estab elecer

S,'A “ Se a resp o sta a q ualq uer dos q u esito s estiv er em co n trad iç ão co m o u tra
o u o utras já p ro ferid as, o juiz , ex p lic an d o ao s ju rad o s em que co n siste a
c o n trad iç ão , su bm eterá n o v am en te à v o taç ão o s q uesito s a que se referirem
tais resp o stas” (C ó d ig o d e Pro cesso Pen al, artig o 48 9 ) .

150
os fund am ento s d a ação d e um jú ri. A ssim , p o d ia-se arg um en­
tar que, d a m esm a m aneira que o Esp írito San to ilu nim o u os
co raçõ es dos ap ó sto lo s reunid o s em no m e d e C risto , doze h o ­
m ens de caráter lim p o , ju nto s so b a inv o cação d a p ro teção d i­
v ina, enco ntrariam in e v i tav e l m e n te a v e rd ad e s o b re o ju lg a­
m e n to em questão .

En tretanto , existem ind ício s de que ho u v era, século s an ­


tes, co rpo s sem elhantes a júris em ativ id ad e em o utras partes
da Euro pa. A ssim , enco ntram o s as referências ao s heliastas na
G réc ia A ntig a, cid ad ão s reunid o s so b a p resid ência de um m a­
gistrad o e que julg av am , de fato e de d ireito ; na Ro m a A ntig a,
tam bém hav ia os j u d i c e s j u r a t i, o u tribunais p o p ulares. Ed ilberto
Tro v ão , a título d e curio sid ad e, info rm a que fo i um trib u nal de
heliastas quem co nd eno u o filó so fo Só crates à m o rte por cícu ta,
pelo s crim es de im p ied ad e e co rrup ção d e jo v en s.84
A partir da Inglaterra, o júri evo luiu em suas práticas e orga­
nização ao longo das gerações. N o século X V III, depois da Rev o ­
lução Francesa, a instituição do júri se espalho u po r várias regiões
européias. N a França e na Itália, por exem plo , assumiu uma forma
mista, send o co mp o sto por leigos e juizes togados. N o s Estados
Unid o s, ex-co lô nia inglesa, o júri adquiriu características mais
populares e amplas, até mesmo co m o fo rma de o p o sição ao mo d e­
lo do Reino Unid o , apro ximand o -se assim do m o d elo francês.
Em term o s am p lo s, co existerrí no m und o atu alm ente duas
fo rmas de júri. U m a é a b ritânica, em que o s m em bro s do jú ri
d ecid em “ de fato e de d ireito ” , co m a o brig ação d e resp o nd er a
um ú nico quesito fu nd am ental — g u ilt y ou n o t g u ilt y (culp ad o
ou in o c en te). A o utra é a francesa, na qual os jurad o s d ecid em
so m ente “d e fato ” ; a ap licação do D ireito , basead a no s vo to s
dos. julg ad o res leig o s, é resp o nsabilid ad e do juiz to g ad o .

84 Ed ilb erto d e C am p o s Tro v ão , R e fle x õ e s d e u m a p r e n d iz d e p r o m o t o r d e

j u s t i ç a n o t r ib u n a l d o j ú r i , p. 9.

151
0 júri no Brasil

N o Brasil, a fo rm a ad o tad a p ara o trib u n al d o jú ri


co rresp o nd e ao m o d elo francês. Isso o co rreu p o u co tem p o an ­
tes d a p ro clam ação da ind ep end ência, em 18 d e ju n h o d e 1822,
p o r m eio d o en tão reg ente D o m Ped ro , m o tiv ad o p ela n ecessi­
d ad e d e restring ir certo s excesso s co m etid o s p ela im p rensa n a­
c io n al. D e lá para cá, o sistem a fo i b astante alterad o , inclu siv e
tend o sid o sup rim id o p ela C o n stitu ição de 1937.
A tu alm en te, a C o n stitu ição estab elece o jú ri en tre os d i­
reito s e g arantias fu nd am entais, co nfo rm e se lê no seu artig o 5,
inciso X X X V III. H erm ínio A lb erto M arques Po rto info rm a que
os elem ento s essenciais para um d esem p enho ap ro p riad o do
jú ri, tais co m o d efinid o s p ela C arta, são os seg u intes:

a) p lenitu d e de d efesa;
b ) sig ilo das v o taçõ es;
c ) so b erania dos v ered icto s;
d ) c o m p etên c ia para o ju lg am ento de crim es d o lo so s c o n ­
tra a v id a.85

Ed ilb erto Tro v ão estab eleceu um co n ju n to d e questõ es que


v isam d eb ater o p ro blem a d a fascinação que o c rim e p o d e exer­
c er so bre as pessoas. Depo is de tecer co nsid eraçõ es so bre a grande
p enetração dos liv ro s de suspense entre o p ú blico , co m o as o bras
d e A g ath a C h ristie, e so bre a circu lação d e p erió d ico s ad ep to s
d a d esg raça, co m o a T r ib u n a d o P a r a n á , de C u ritib a, o auto r
elab o ra as suas p erguntas:

85 H e rm ín io A lb e rto M arq u es Po rto , Jú r i — p r o c e d im e n t o s e as p e c t o s d o


ju lg am e n t o , p. 32 5 .

152
Po r que ura ju lg am ento telev isio nad o m antém o ho m em ,
m esm o d urante um d ia d e sem ana, até altas ho ras aco rd a­
do?
Po r que as lo cad o ras de v íd eo m antêm , co m o carro -chefe,
os film es que abo rd am a v io lência?
Po r que as brincad eiras de criança, em to d o s os tem p o s,
env o lv eram sem pre a v io lência?
Será que o ho m icíd io está grav ad o na c o n sc iên c ia da h u ­
m anid ad e? Será reflexo d o co m p o rtam ento dos no sso s an ­
cestrais, transm itid o c o n sc ien te ou inco n scien tem ente, d e
g eração a g eração ?
Será que, segund o o relato b íb lico , o ho m em m antém , ain ­
da, um a c erta p rev enção po r Deus ter sid o b en ev o len te
co m C aim , p erm itind o que cum p risse um a p ena lev e, g e­
rand o a sua im punid ad e?
Será que, co m o m e d isse um m o to rista de táxi, o crim e
interessa ao ho m em p o rque, d iante de um a situ ação sem e­
lhante, saberia co m o agir?
Será que existe, in c o n sc ien tem en te, no ser hu m ano , um
cu lto p erp étuo à v io lên c ia, herd ad o d o instinto de so b re­
v iv ência de no sso s ancestrais?
Será que existe, efetiv am ente, no ser hu m ano , um lad o
mau que não o usam o s ad m itir?86

C ertam en te, trata-se d e questõ es que já aflig iram m uito s


advogados e p ro m o to res, esp ecialm ente na situação criad a p elo
tribunal do jú ri. Ig u alm ente, p ro fissio nais de o utras áreas já se
viram às v o ltas co m o s m esm o s p ro blem as — co m o da im p ren­
sa, po r exem p lo ; aqui, o d ebate se co n cen tra na questão da d i­

86 Ed ilb erto d e C am p o s Tro v ão , R e fle x õ e s d e u m ap r e n d iz d e p r o m o t o r d e

ju s t iç a n o t r ib u n al d o jú r i, p. 16-17.

153
feren ça entre n o tic iar o que atrai o interesse d a au d iência o u o
que é d o interesse p úblico . O que m ais atrairia o p ú blico ? M u-
lheres, crim es, acid entes. E o q ue é de interesse p úblico ? O rleu -
taçõ es úteis, p restação de serv iço s, ed ucação . U m a c o m b in a'
ção das duas frentes po d eria rep resentar um passo in ic ial rumo
à co bertu ra mais apro priad a e justa.
A nalo g am ente, o m esm o p ro b lem a se ap resenta para os
p ro fissio nais do D ireito , quand o em ação no tribu nal do jú ri.
N a sed ução buscad a pelo s d ebates finais, é p reciso refletir so bre
o que o ju rad o d e s e j a escutar, e o que o jurad o p r e c i s a escutar.
Tratar ap ro p riad am ente d essa d ico to m ia é um elem en to fu no V
m en tal da sed ução .

154
C a p ít u l o ¥11
Discurso e sedução t

O s d ebates no trib u nal do jú ri g eralm ente são , em si m es­


mo s, intenso s co nfro nto s, e seus instru m ento s c o m b inam tan ­
to a razão quanto em o çõ es m uito fo rtes. Seu m o d o d e ser, po r
o utro lad o , tam bém su scita fo rtes em bates ap aixo nad o s, entre
os seus crítico s e seus d efenso res.
A esta altura, em que no s ap ro xim am o s d o fin al da c am i­
nhad a que rep resenta este liv ro , que paragens alcançam o s? A s
co nclu sõ es p o d eriam se resum ir à co n statação de que a ju stiça
so fre g rand em ente a in flu ên c ia d a sed u ção , v o lu n tária o u
inv o lu ntária, dos cid ad ão s asso ciad o s a um p ro cesso p enal.
Q u and o co m eçam o s no ssa reflexão so bre o assunto , afirm am o s
que o D ireito não é um a c iên c ia exata. A busca da realid ad e
dos aco n tecim en to s, d e sua v erd ad e, tal co m o se o b jetiv a o b ter
no p ro cesso p enal, p recisa se subm eter à v erd ad e d o ind iv íd uo
— e sup erá-la, a fim d e m anifestá-la p lenam ente — e a v erd a­
de laten te, mas o cu lta so b a ap arência d e 'm entira, p recisa ser
trazid a à luz.
Q u em seduz induz. Q u em seduz co nd uz. Q u em seduz d e­
duz. Q u em seduz aduz.
A s exp eriências viv id as no tribu nal do jú ri d em o nstram
que tam bém ali v ale o p rincíp io g eral d e que o s seres hu m ano s
agem so bre o am b iente, transfo rm and o - o , e n o d eco rrer dessa
m esm a ativ id ad e os ag entes so frem m ud anças, o casio nad as p e­
las co nseq ü ências d a p ró p ria ação in ic ial. N esse c o n te x to ,
H erm ínio A lb erto M arques Po rto arg um enta:
N a sessão d e ju lg am ento m arcantem ente p ú b lica e so lene,
o réu p o d erá so frer co nstrang im ento s v ind o s d o ato p ro ­
cessual que o env o lv e, tud o a m o tiv ar reflexo s que p o d e­
rão lesar interesses da d efesa téc n ic a ou p erturbar a fo rm a­
ção d o c o n v en c im en to p elo s jurad o s, tud o isso ao lad o de
flag elo s que p o d em ser im p o sto s ao réu esp ecialm ente no
co rrer d e d ebates o rais.a7

E b astante ev id ente, p o rtanto , que d ev em o s supo r que a


sed ução po d e acarretar efeito s fav o ráv eis o u co ntrário s para al­
can çar um a d eterm inad a d ecisão . A o exam inar a q uestão da
ap licação d e tese alternativ a,88 Ed ilberto Tro v ão reflete so bre
um exem p lo — d o qual relatam o s um trec h o a seguir — que
ajud a a entend er o que estam o s ad v o gand o :

Jo ão , v o cê v ai m e d esculp ar, mas eu não po sso , não quero


e nem d ev o faltar co m a v erd ad e. N ão d efend o a im p u ni­
d ad e. N ão co m p actu o c o m o crim e. M e p erd o em , tam ­
bém , o s fam iliares, mas o Jo ão p ratico u um crim e e tem
que pagar p elo que fez. E d uro , eu sei, dizer tud o isto a v o cê
e, m ais aind a, na frente d e sua fam ília, mas a verd ad e tem
que ser d ita. D isso eu não abro m ão .89

Em seus co m entário s, Tro v ão arg um enta que o ad v o g ad o


p retend ia co m essas palav ras co m u nicar aos m em bro s do jú ri a

87 H erm ín io A lb e rto M arq u es Po rto , Jú r i — p r o c e d im e n t o s e as p e c t o s d o

ju lg am e n t o , p. 3 45.
88 A tese alte rn ativ a é u tiliz ad a q u and o , re c o n h e c id a a cu lp ab ilid ad e d o
réu , a d efesa te n ta o b te r o c u m p rim e n to d a p en a em c o n d iç õ e s m ais
p ro p ícias.
89 Ed ilb erto d e C am p o s Tro v ão , R e fle x õ e s d e u m ap r e n d iz d e p r o m o t o r d e
ju s t iç a n o t r ib u n al d o jú r i, p. 101.

156
imagem de um p ro fissio nal zelo so , em quem se po d e co nfiar,
interessad o so bretud o em co labo rar na ap licação da ju stiça, ten ­
do aceito a d efesa do réu ap enas po rque ju lg ara que ele lhe d is­
sera a verd ad e quand o juro u ser ino c ente.
A o co m entar que o ad v o g ad o d esejav a “ transm itir a im ­
pressão ” desse caráter, fic a a sensação d e que o auto r da c itação
íez um ato falho . A fin al, a afirm ação p arece ser um rec o n h e c i­
m ento de que o ad v o g ad o tenta, de certa fo rm a, eng anar o jú ri.
Ele m ente, quem sabe? N o m ínim o , ap lica uma pura sed ução .
Tro v ão pro ssegue relatand o o caso ; v ejam o s o utro trecho
do d iscurso do d efenso r no tribu nal do jú ri:

M as, senho res, afin al d e c o n tas, p elo que, realm ente, o


Jo ão d ev e pagar? Pelo crim e, na fo rm a em que fo i acusa­
do? N ão ! O Jo ão tem que pagar p elo q u e efetiv am en te
fez: nem m ais, nem m eno s. Tem que p ag ar p elo que d ev e!
Está p ro v ad o no s auto s que a v ítim a o fend eu a h o n ra da
m ãe do Jo ão . O qu e é que os senho res fariam se a ho nra
d e sua m ãe fo sse o fend id a? N ão ficariam rev o ltad o s? Po is
é: o Jo ão n ão sup o rto u aquelas o fensas e fico u transto r­
nad o , co m o os senho res ficariam . O u n ão ficariam ? Ele
p ratico u sim o crim e de h o m ic íd io , mas p ratico u no m o ­
m ento em que estav a transto rnad o . Pratico u o crim e so b
o d o m ínio d a v io le n ta em o ção , lo g o após^a inju sta p ro ­
v o cação d a v ítim a.90

O auto r co m enta, então , que essa d efesa p o d eria ser esten­


dida até que se o btiv esse dos jurad o s a reação ap ro priad a. Tra-
ta-se, enfim , d e “uma d efesa, b asicam ente, d e cu nho em o cio ­
nal” , ele afirm a na p ág ina 101. E co ntinu a:

90 Idem, p. 101.

157
U m a d efesa ap elativ a, O p ro m o to r d e ju stiç a te tá co m o
tarefa, tão -so m e n te , d em o n strar q u al, e fe tiv am e n te , é
o o b je tiv o d a tese alte rn ativ a e o q u e irá ac o n te c e r co m
o réu se a tese fo r re c o n h e c id a! Enfim , d em o n strar que
o ad v o g ad o usou pura e sim p lesm en te uma té c n ic a de
p ersu asão !91

P ara re f o rçar no ssas id éias so bre a sed ução no d iscurso ,


enco ntram o s no pró p rio Ed ilberto T ro v ão um arg um ento fav o ­
ráv el, em seguida:

Se o ad v o gad o so ube ap licar bem a téc n ic a; se fo i feliz no


seu uso-, é bem p ro v áv e l q u e algurn dos jurad o s esteja nu­
trind o um a certa s im p ati a p e lo ad v o g ad o e p e lo acu s ad o ,
aceitand o a tese alternativ a. A tac an d o -o de fo rm a exag e­
rad a, o ad v o g ad o passará à co nd ição de “ v ítim a” de um
p ro m o to r insensív el! A sim p atia será refo rçad a!92

O que rep ro d uzim o s aqui p o d eria estar so b o títu lo esp ecí­


fico de M a n u a l da sed u ç ão n u m t r ib u n al d o j ú r i. Exem p lo s de
atitud es de sed ução , p o sitiv as o u neg ativ as, fo ram d issem ina­
dos ao lo ng o d este liv ro . A v erificação p rática do p o d er d ajse-
d ução em tribunais d o jú ri é sim ples e co rriqueira. Po d eríam o s,
co m o reco m end av a o grand e p ensad o r d a cu ltu ra e escrito r
M ário de A nd rad e, utilizar a “ téc n ic a da d issem inação e rec o ­
lh a” , trazend o p ara este cap ítu lo as co nsid eraçõ es to d as que fo ­
ram feitas ao lo ng o do trab alho . Po r am o r à co ncisão , vam o s
so m ente relem brar o que d etalham o s anterio rm ente.

91 Id em , p. 101.
92 Id em , p. 1 02- 103.

158
M encio nam o s as co nju ntu ras estruturais, m o rfo ló g icas e
s e m ió tic a s d o d isc u rso ; an a lisa m o s o a u d itó rio c o m o
co nd icio nan te do teo r d o d iscurso ; buscam o s analisar o s fato s
que co nstituem o o b jeto do d iscurso ; d isco rrem o s acerca da
auto rid ad e d e quem ap lica o d iscurso ; d estacam o s o que talv ez
seja unid o s quesito s mais im p o rtantes, que é a em o ção co ntid a
e trabalhad a no d iscurso ; finalm ente, abo rd am o s a questão v i­
sual, p lástica, de quem pro fere o d iscurso , e que imp ressão cau ­
sará a imagem em quem receb e e assim ila o d iscurso .
N enhu m a d úvid a p arece perd urar a resp eito d o p ap el d e­
cisiv o e fund am ental que ex erc e a exp lo ração da sed ução no s
d ebates de um tribunal d o jú ri, tan to por p arte da d efesa q u an­
to p o r p arte da acu sação . N enhu m a d úvid a p arece perdurar,
tam bém , acerca do fato de os ad vo gad o s utilizarem c o n sc ie n te ­
m ente essa ferram enta, às vezes, o que é de lam entar, co m in ­
tenção d eclarad a o u su b jacente de co nd uzir para o lad o inco r­
reto a d ecisão do jú ri.
Esperamo s que este trab alho lev e a uma p ro fund a reflexão
os pro fissio nais do D ireito e, o xalá, estud antes que d esem p e­
nharão no futuro tarefas d entro do D ireito , da C o m u nicação ,
da Sem ió tica, da Psico lo g ia ju d iciária. Esperam o s que eles c o n ­
sid erem a pesquisa que d esenv o lv em o s, em no m e do Bem , da
Verd ad e e da Ju stiça integ ral.
Po r fim , reco nhecem o s q ue um liv ro que ap reciasse, co m o
este ap recio u, o p o d er da p alav ra, p o d eria ter sid o escrito a res­
p eito de qualquer ciência hum ana. N o entanto , preferimo s abo r­
d ar a área da C o m u nicação e Sem ió tic a pela p o ssibilid ad e de
tratar o tem a co m m aio r ab rang ência e liberd ad e. O s sig no s, os
sím bo lo s, a linguagem o ral e gestual, a ling uag em da pausa, do
silêncio . A C o m u nicação co m o elem ento pro pulso r de um a tese
a ser ap resentad a d entro de um a c iên c ia trad icio nal co m o o
D ireito . O d iscurso analisad o em seus m eand ro s da em o ção e
da p aixão . Paixão que env o lv e, p aixão que d efine, p aixão que
d ecid e. O tribunal do júri não se restring e a asp ecto s p uram ente

159
ju ríd ico s. O d iscurso no tribu nal d o jú ri ap ro v eita elem ento s
da Literatu ra, da Po lítica, da M atem ática. E híbrid o . O trib u ­
nal d o jú ri é um p alco po r d efinição . U m p alco de sed ução . E a
p alav ra é a luz d a rib alta. Q u e faz a d iferença, básica e fu nd a­
m ental, para p erm itir que um a v id a siga into cad a, ou, ao c o n ­
trário , ced a, esm o reça, sucum ba, so b o peso da co nd enação .
N ão ad ianta, em suma, o c o n h ec im en to afunilad o das té c ­
nicas e dos jarg õ es ju ríd ico s. D e nad a v ale a cultura p uram ente
ju ríd ica ou o am p lo c o n h ec im en to d o D ireito Penal e Pro ces-
sua 1Penal, ou aind a o d o m ínio so bre as leg islaçõ es extrav ag an-
tesCÉ p reciso mais: o po d er d a palav ra, o to q u e im p o nd eráv el e
in tang ív el d a sed ução / }
A in ten ç ão d este trabalho não fo i d estruir a institu ição do
jú ri e nem fazer a sua ap o lo g ia, mas d iscutir os instru m ento s de
que ela se v ale.
Im ag inam o s, co m o exem p lo , a situ ação de um a m ulher de
39 ano s, m o rad o ra d e um a p acata cid ad e d o interio r, acusad a
p elo assassinato de seu m arid o , ho m em im p o rtante e m uito
querid o p o r seus co ncid ad ão s.
Im ag inem o s que ela seja co nd enad a p elo jú ri a 26 ano s de
prisão , p o is é ho m icid a, po is infring iu as leis p enais, po is m ato u
um ho m em — e o d iscurso d o p ro m o to r co nd uziu os jurad o s a
essa v erd ad e.
Im ag inem o s ago ra que ela é abso lv id a, p o is a retó rica de
seu ad v o gad o fo i de tal fo rm a b em co nd uzid a que tro uxe à to na
no v o s elem ento s, que, aos o lho s d o jú ri, fo ram su ficientes para
c o n v en cê-lo s da inju stiça que estaria send o co m etid a caso fo s­
se aq u ela m u lher env iad a à p risão . Im ag inem o s que esse ad v o ­
gado falo u ao s jurad o s so bre a histó ria do so frim ento das m u­
lheres, so bre m achism o , so bre os esp ancam ento s c o nstantes e a
hu m ilhação a que esse marid o assassinado subm etia d iariam ente
sua espo sa. Im ag inem o s que ela realm ente m ato u o seu m arid o ,
mas em leg ítim a d efesa. D e sua v id a e d a v id a d o filh o que

160
carregava em seu v entre. N ão se trata, g arante o ad v o gad o , de
uma ho m icid a, mas d e uma v ítim a. V ítim a de uma histó ria de
hu m ilhação e so frim ento , de um sistem a m ilenar de o pressão .
Elem ento s retó rico s su ficientes pára trazer aos o lho s d o jú ri a
gravidade d a inju stiça que seria co m etid a ao se co nd enar tal
mulher.
H á que se dizer que, nessa segunda hip ó tese, o jú ri teria
sido eng anad o ? C ertam en te que não . O p ro cesso que to m a lu­
gar no trib u n al d o jú ri não 6 um eng o d o , um a sim u lação
co nduzida po r advo gad o s e pro m o to res para eng anar o jú ri, c o n ­
duzi-lo ao erro , afastá-lo da verd ad e. Pelo co ntrário , advo gad o
e p ro m o to r, crem o s nó s, acred itam sinceram ente em sua v erd a­
de e, ao ap resentarem a tese d e d efesa o u acusação , co lo cam
to do o talen to retó rico a serv iço dessa verd ad e.
C o m o já fo i v isto , o caráter sed uto r do d iscurso das partes
d esem p enha fu nção essencial para a ap licação d o D ireito , su­
perand o em im p o rtância os testem unho s e as pro v as, à med id a
que co nd uz à verd ad e dos jurad o s e não à verd ad e dos auto s.
Cai, em tese, o axio m a ju ríd ico do D ireito Penal, da verd ad e
real. A verd ad e to rna-se filha d o d iscurso . O d iscurso fascina, o
d iscurso quer co m p ro m eter id eo lo g icam ente o recep to r/ D e
aco rd o co m a sua fo rm ação , p rep aro in telectu al, am b iência
cultural, o recep to r p o d e so frer influ ência d a sed ução ap licad a
p elo ad v o g ad o ou p elo p ro m o to r à sua fala, no s d ebates finaisj
A ju stiç a é, então , refém d o talento de cad a ind iv íd uo ,
porque o D ireito , já sabem o s, não é uma c iên c ia exata. E a v er­
dade, sabem o s tam bém , não está circu nscrita a um b o tão id en­
tificad o p elo seu no m e, ao q ual basta ap ertar p ara que surja,
límpid a, a quem clam o u p o r ela. Ela tem d e surgir das verdades
de cad a um, fo rm and o um p ainel d e verd ad es, um m o saico de
impressões que, reunid as, p erm item ao jú ri sustentar a d ecisão
de qual verd ad e é aquela que p riv ileg iará a ju stiça.

161
C o m o encerram ento ao trab alho , cab e aqui a inclusão de
um tex to d o p o eta C arlo s D rum m o nd de A nd rad e, que po d e
ilum inar co m m ag istral belez a o c am inho da reflexão que bus-
cam o s pro m o v er. Trata-se do p o em a intitu lad o “ V erd ad e” :

A p o rta da verd ad e estav a aberta, .


mas só d eixav a passar
m eia pesso a de cad a vez.

A ssim não era p o ssív el ating ir to d a a verd ad e,


p o rque a m eia pesso a que entrav a
só trazia o p erfil de m eia verd ad e.
E su a segund a m etad e
v o ltav a ig ualm ente c o m o m esm o perfil.
E os m eio s perfis não co incid iam .

A rreb entaram a p o rta. D errubaram a p o rta.


C heg aram ao lugar lum ino so
o nd e a verd ad e esp lend ia seus fo gos.
Era d iv id id a em m etad es
d iferentes um a da o utra.

C heg o u -se a d iscutir qual a m etad e m ais bela.


N enhu m a das duas era to talm en te bela.
E c arecia o ptar. C ad a um o p to u co nfo rm e
seu cap richo , sua ilusão , sua m io p ia.93

y3 C arlo s D ru m m o nd d e A nd rad e, “ V erd ad e” , in C orpo.

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c esp ecífico s, o auto r estud a d iferentes
alternativ as de linguagens — ap resen­
tação p esso al, p o stura, pausas e silêiir
cio s, simulação d ramática, atitudes co r­
po rais — q u e, reunid as à linguagem
v erbal, co m p o nente maio r da sed ução ,
sirvam de eficaz instrumento a todos bs
p ro fissio nais empenhad o s em co n v en ­
c e r seu p ú b lic o , cm transm itir-lhè.
d eterm inad as mensagens e co nteúd o s.
Escrito de maneira igualmente se­
d uto ra, valend o -se dos d iscurso s da..ltr
teratura e do cinema numa demons®®-
ção prática da necessid ad e do co nheci­
m ento da arte cm todos os campo s .-vi­
tais, reunind o habilid o sam ente os e l e ­
m ento s d o sensív el ao estud o racio nal
d o tem a, A sedu ção no disc u rso e o bra
que enriq u ecerá não apenas a culturk
juríd ica de seus leito res, mas, exced eti-
i do seus lim ites, permitirá uma o p o rtu­
nid ad e d e reflexão so b re a cultura
hum anística co ntem p o rânea. 1

G ab rie l C h al ita é bacharel em . f i ­


lo so fia, mestre cm Ciências Sociais, dou­
to r em D ireito e em C o m u nicação è
m ió tica p ela Po ntifícia Universidade
tó lica de São Paulo. É pro fesso r titulár
Faculdade dc Direito d o Mackcn/ ie," c
o fesso r no s pro gramas de grad uação
e p ó s-g rad u ação da PÜ C SP, além tfe
ensinar em o urras faculd ad es. E autf§r
dc d iversas o bras nas áreas de D ireitq,

*rt í £ iâ

Capa: Daniela Carvalho Diegoli e flí

Ed ito ra
\ ^ 4 P Sa ra iv a
mm
Trata-se de o bra que co nsegue amalgamar o s p receito s da Sem ió tica co m
o s d o D ireito , no cam inho myltid isciplinar da universalidad e da ciência e d o
co nhecim ento , o que me parece salutar, à med id a que é d em o nstração viva de
que a ciência nao é estanque nem pode ser o b jeto d e m o no p ó lio , mas é dinâ­
m ica e plural p o r excelência. \ ^
%, . t s !’ \ .■ < .*■. \
- D ep o is d e ap resentar a sed ução co m o co fnp o nente histó rico d o D ireito
Penal, o auto r trabalha co m exerjiplos d e film es recentes, co m o o bjetiv o
p rectp uo d e d em p nstrar que a sed ução é utifé^d a,ho s d iscurso s d o s advoga­
d o s e p ro m o to res d e justiça, co m a final idkdècíp p rp turàr co nv encer o s audi­
tó rio s e o s tribunais das premissas pótveles déifehdidas '
\\ ■ ■i . '''• \ ^ i , -a p k m T ** •’ I• ••'
.k .

O s filmes Ycmpn de matar, l !iladé!jici, Qtwltta Je honra e Assassinato empri­


meiro grau são trabalhad o s co m maestria c ri ,iuttir i o nsegue d em o nstrar o nd e '
se enco ntram , no s referid o s film es, os po m o s p im ap áts d o d iscurso d o s ad ­
v o g ad o s e p ro m o to res d e justiça, que cárai'teri/ am,,,em últimá instância, ú r
retó rica ind icativa da sed ução daqueles d iscurso s^Ô jto d er de co nv encim ento
■ d o s d iscurso s p ro ferid o s em tribunais d o júri í fru to de inteligência, d e íeíó r
ca e d e sed ução , atributo s que em a l g u m , p e r n a s p arecem ser inato s, nr#

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