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O poder da linguagem
nos tribunais de jítrí
A sed u ç ão no d is c u r s o p ro p õ e
uma o rig inal ref lex ão , u ni av an ç ad o
p o n to d e v ista, n ão só ao s p ro f i ss i o n ai s
do D i r e i to , ruas a p r o f i s s i o n a i s d e d i
v ersas o u tras áreas q u e , d e u m a o u o u
tra m a n e i r a , v e n h a m a l id ar c o m q u e s
tõ e s p e r ti n e n te s à C o m u n i c a ç ã o , à S e
m i ó ti c a , à P s i c o l o g i a Ju ríd ic a.
To r n an d o c o m o p o n to d e p arti d a
o m icro co sm o c o m p o s to p elo tri b u n a l
d o jú ri, o n d e as e m o ç õ e s e p ai x õ e s h u
m an as e stão sem p re d ram ati c am e n te
c o n d e n s a d a s , o au to r e x p a n d e o a l c a n
ce de sua p cs q u i - s n , d esv end and o os
p ap é i s que' a s e d u ç ã o p o d e e d ev e e x e r
c e r na v e rti g i n o s a m u l t i p l i c i d a d e d as
re l a ç õ e s i n t e r p e s s o a i s e so c i ai s d e n o s
so te m p o .
O Íiv to aíu' :..a e d em o e .irra fi1:■ ■ o
p ro cesso em o cio na! da sed u ção n ão
depende d o rac i o c í n i o p u ro , d a d e m o n s
tr a ç ã o l ó g i c a, m as r e ú n e a isso e s t r a t é
g ias re tó ri ca s — p a l a v r a to m a d a a q u i
em se u s e n ti d o o r i g i n a ! e m a i s n o b r e ,
o u s e j a, d o s e l e m e n to s d a e l o q ü ê n c i a , a
arte d e b e i n ral ar e b em ai v u m e tú a r —
e al e g ó ri ca s que p ro c u ra rã o , alem de
ati n g i r o e n -a: l u i m te n to , i n v o l v e r m e n
tes e c o m o v e r c o r a ç õ e s . cx ;-.1 m e n te
e ss e e k - m e i i ti e n u k ; í o ü h ! , a c r e s c e n t a d o
à inte li g ênc i a, o t a ro r d e cav i v o p ai a c o n
v e n ce r os Cm > u f «1 1 d e te rm i n an te
p ara q u e a alc anç ar p le
n a m e n te st
Co m : a maio ria das
p esso as to m u ui d te , c o m base ern
p r e s s u p ô s to s p u ram e n te e m o c io nais,
d e s co n s i d e ra n d o co n h e ci m e n to s re e m e o s
A sedu ç ão no d is c u r s o p ro p õ e
uma o rig in al reflexão , um av an ç ad o
p o n to de v i sta, n ão só ao s p ro f i ssi o n ai s
do l)ireifo , m as a p ro f issio nais :ie d i
v e rs as o u t r a s á re a s q ue, de uma ou o u
tra m a n e i r a , v e n h a m a l i d ar c o m q u es
tõ e s p e r t i n e n t e s à C o m u n icação , à Se
m i ó t i c a , à P s i c o l o g i a ju r í d i c a .
T o r n a n d o c o r n o p o n to de p arti d a
o m ic ro c o sm o c o m p o sto p e lo tr i b u n a l
cio j ú n , o n d e as 'm o çõ es e p aix õ es h u
m an as e stão sem p re d ra m a ti ca m e n te
c o n d en sad as, o au to r e x p an d e o al c an
ce de su a p e sq u isa, d esv end and o os
p ap éis que a sed u ção p o d e e d ev e exer
cer n a v e rti g i n o s a m u l ti p l i c i d a d e , d as
r e l a ç õ e s i n t e r p e s s o a i s e s o c i ai s d e n o s
so te m p o .
O l i v ro a f i r m a e d e m o n s tr a q u e o
p ro c esso em o cio nal da sed u ç ão n ão
d e p e n d e d o r a c i o c í n i o p u ro , d a d e m o n s
tr a ç ã o l ó g i c a , m as re ú n e a isso e s tra té
g ias r e t ó r i c a s ^ — p al av ra to m a d a aqui.
em seu s e n ti d o o rig inal e m ais n o b re ,
o u s e ja, d o s e l e m e n to s d a e l o q ü ê n c i a , a
arte .d e b e m f al ar e b e m a r g u m e n ta r —
e aleg ó ric as que p ro c u rarão , além de
a ti n g i r o e n te n d i m e n to , e n v o l v e r m e n
te s e c o m o v e r c o r a ç õ e s . E e x a t a m e n t e
e sse e le m e n to e m o c io n al, ac re sc en tad o
à i n te l i g ê n c i a, o f ato r d e c i s i v o p ara c o n
v e n c e r o s o u v m t e s , o f ato r d e te r m i n a n te
p ara q u e a sed u ç ão p o ssa alc anç ar p l e
n a m e n te se u s o b je ti v o s .
Co nsc iente, d o f ato d e a m ai o ri a das
p e sso as to m a r suas d e c i sõ e s c o m b ase e m
p re s s u p o s to s p u ram e n te em o cio n ais,
d es c o nsi d e ran d o c o n h ec i m e n to s téc n i c o s
G ab rie l C halita
no discurso
O poder da linguagem
nos tribunais de jú r i
4- e d i ç ã o r e v is t a
2007
. ■ « to r a
P lls t Sa ra iv a
IS B N 9 7 8 -8 5 -0 2 0 -6 0 7 4 -6
D a d o s I n t e r n a c io n a is d e C a t a l o g a ç ã o n a P u b lic a ç ã o ( C IP )
( C â m a r a B r a s ile ir a d o L iv r o , SP, B r a s il)
C h a liía , G a b r í c s l
A s e d u ç ã o n o d is c u r s o : o p o d e r d a l i n g u a g e m nos
tr ib u n a is d e jú r i / G a b r ie l C h a l i t a . — 4 . e d . re v . — São
P a u lo : S a r a iv a , 2 0 0 7 .
1 . A n á l i s e r e t ó r i c a 2 . D i s c u r s o s fo r e n s e s 3 .
L in g ü ís t ic a f o r e n s e 4 . O r a t ó r ia f o r e n s e 5 . S e d u ç ã o I.
T it u lo .
06-8555 CDU-347.96E.45
í n d ic e p a ra c a t á lo g o s is t e m á t ic o :
1. S e d u ç ã o n o d is c u r s o : O r a t ó r ia f o r e n s e :
P ro c e s s o c iv il 3 4 7 .9 6 5 . 4 5
P - «««
S a ra i v a
F ilia is M IN A S G E R A IS
R u a A lé m P a r a í b a , 4 4 9 — L a g o i n h a
F o n e : (3 1 ) 3 4 2 9 -8 3 0 0 — F a x : (3 1 ) 3 4 2 9 - 8 3 1 0
A M A Z O N A S /R O N D Ó N IA /R O R A IM A /A C R E B e lo H o r iz o n t e
R u a . C o s ta A z e v e d o , 5 6 — C e n tr o P A R Á /A M A P Á
F o n e : (9 2 ) 3 6 3 3 -4 2 2 7 — F ax: (9 2 ) 3 6 3 3 -4 7 8 2 T r a v e s s a A p í n a g é s , 1 8 6 — B a t is t a C a m p o s
M anaus F o n e : (9 1 ) 3 2 2 2 -9 0 3 4 / 3 2 2 4 -9 0 3 8
B A H IA /S E R G IP E
F a x : ( 9 1 ) 3 2 4 1 - 0 4 9 9 — B e lé m
. R u a A g r ip i n o D ó r e a , 2 3 — B r o ta s
P A R A N Á /S A N T A C A T A R IN A
F o n e : (7 1 ) 3 3 8 1 -5 8 5 4 /3 3 8 1 - 5 8 9 5
R u a C o n s e lh e ir o L a u r í n d o , 2 8 9 5 — P r a d o V e lh o
F a x : ( 7 1 ) 3 3 8 1 - 0 9 5 9 — S a lv a d o r
F o n e / F a x : ( 4 1 ) 3 3 3 2 - 4 8 9 4 — C u r it ib a
B A U R U (S Ã O PAULO )
P E R N A M B U C O /P A R A ÍB A /R . G , D O N O R T E /A L A G O A S
R u a M o n s e n h o r C la r o , 2 - 5 5 / 2 - 5 7 — C e n t r o
R u a C o r r e d o r d o B is p o , 1 8 5 — B o a V is t a
F o n e : (1 4 ) 3 2 3 4 -5 6 4 3 — F a x: (1 4 ) 3 2 3 4 -7 4 0 1
F o n e : (8 1 ) 3 4 2 1 - 4 2 4 6 — F a x : (8 1 ) 3 4 2 1 - 4 5 1 0
B a u ru
R e c ife
C E A R Á /P IA U Í/M A R A N H Ã O
R IB E IR Ã O P R E T O (S Ã O PA U LO )
A v. F il o m e n o G o m e s , 6 7 0 — J a c a r e c a n g a
A v. F r a n c is c o J u n q u e ir a , 1 2 5 5 — C e n t r o
F o n e : (8 5 ) 3 2 3 8 -2 3 2 3 / 3 2 3 S -1 3 8 4
F o n e : ( 1 6 ) 3 6 1 0 - 5 8 4 3 — F a x : (1 6 ) 3 6 1 0 - 8 2 8 4
F a x : ( 8 5 ) 3 2 3 8 - 1 3 3 1 — F o r t a le z a
R ib e ir ã o P r e t o
D IS T R IT O F E D E R A L
R IO D E J A N E IR O /E S P ÍR IT O S A N T O
S IG Q D 3 B I. B - L o ja 9 7 — S e t o r I n d u s t r ia l G r á fic o
F o n e : (6 1 ) 3 3 4 4 -2 9 2 0 / 3 3 4 4 -2 9 5 1 R u a V is c o n d e d e S a n t a I s a b e l, 1 1 3 a 1 1 9 — V ila I s a b e l
F a x : ( 6 1 ) 3 3 4 4 - 1 7 0 9 — B r a s ília F o n e : ( 2 1 ) 2 .5 7 7 - 9 4 9 4 — F a x : ( 2 1 ) 2 5 7 7 - 8 8 6 7 / 2 5 7 7 - 9 5 6 5
G O í A S /T O C A N T IN S R io d e J a n e ir o
A v. in d e p e n d ê n c ia , 5 3 3 0 — S e t o r A e r o p o r t o R IO G R A N D E D O S U L
F o n e : (6 2 ) 3 2 2 5 -2 8 8 2 / 3 2 1 2 -2 8 0 6 A v. C e a r á , 1 3 6 0 — • S ã o G e r a l d o
F a x : ( 6 2 ) 3 2 2 4 - 3 0 1 6 — G o iâ n ia F o n e : (5 1 ) 3 3 4 3 -1 4 6 7 / 3 3 4 3 -7 5 6 3
M ATO G R O SSO DO SU U M ATO G RO SSO F a x : ( 5 1 ) 3 3 4 3 - 2 9 8 6 / 3 3 4 3 - 7 4 6 9 — P o r t o A le g r e
R u a 1 4 d e J u lh o , 3 1 4 8 — C e n t r o S ÃO PA U LO
F o n e : ( 6 7 ) 3 3 8 2 - 3 6 8 2 — F a x : (6 7 ) 3 3 8 2 - 0 1 1 2 A v . M a r q u ê s d e S ã o V ic e n t e , 1 6 9 7 — B a r r a F u n d a
C a m p o G ra n d e F o n e : P A B X ( 1 1 ) 3 6 1 3 - 3 0 0 0 — S ã o P a u lo
M areia A lv im , O rland o Bap tista e Paulo
A lexand re Barbo sa.
1. T e m p o cie m a t a r .............................................................. Z4
2. F i l a d é l f i a ................................................................ ........... 32
3. Q u e s t ã o d e h o n r a ........................................................... 36
4. A s s as s in at o e m p r im e i r o g r a u ..................................... 39
1. A ling u ag em ..................................................................... 60
2. A linguagem do s ilê n c io ......................................... 64
3. A rg u m entação .................................................... ........... 67
4. R e tó ric a........................................................................ . 73
5. D efeito s e falácias do d iscu rso ..................................... 81
6. Erro s......................................... ......................................... 83
7. Po sturas físicas eng ano sas ................. .......................... 84
8. O utro s erros do d iscu rso ........ ...................................... 87
9. O s d e b ate s...................... ................................................. 88
C ap ítu lo V — C o n d ícío n an tes d o d iscurso ju ríd ic o ....... 93
V III
Prefácio da primeira edição
X
fruto de in telig ên c ia, d e retó rica e de sed ução , atributo s que
em algumas pesso as p arecem ser inato s, mas que, co nfo rm e bem
o d em o nstra o auto r, p o d em ser trabalhad o s e ad quirid o s po r
qualquer um que se d isp o nha, co m d eterm inação e m éto d o , a
alcançá-lo s.
O auto r env ered a p elo exam e de asp ecto s da p raxe retó ri
ca, quand o trata d a p alav ra, das po sturas que d ev em o rientar o
orador, dos eng ano s que no rm alm ente são po r ele co m etid o s
em seus d iscurso s. Fala das c o nd icio n antes d o d iscurso ju ríd ico
e do d esenv o lv im ento desse d iscurso no tribu nal do jú ri. O tra
balho term ina co m a síntese entre o d iscurso e a sed ução .
A linguagem é esco rrei ta e a leitura, fácil e agrad ável. C o m o
são trabalhad o s exem p lo s retirad o s do cinem a, o liv ro g anha
interessante d inâm ica, p rend end o o leito r, que se v ê tentad o a
são p arar de ler, na ânsia d e d esc o b rir q ual o assunto o u o rac io
cínio que se seguirá.
A cred ito , sinceram ente, que a p u b licação d este liv ro en ri
q u ecerá ain d a m ais a lite ratu ra n ac io n al no s cam p o s da
Sem ió tica e d o D ireito e o p ú b lico leito r será b eneíiciad o e
p riv ilegiad o po r ter a o p o rtunid ad e de ver, m ais um a vez c o m
provado e d em o nstrad o , o talen to e a intelig ência de seu auto r.
N e l s o n N e r y Jr .
3
A d v o g ad o — Só há um a v erd ad e. A m inha v ersão . A q u ela
que crio nas m entes d o s doze ind iv íd uo s do jú ri. Se quiser,
p o d e cham ar isto de “ ilusão da verd ad e” .1
4
que d ev em ser feitas às premissas do D ireito , para que não se
jam interp retad as literalm ente. Isto ap arece co m m aestria no
trecho a seguir, de Jo sé Ro b erto Baraúna:
1. Delimitação d o o b j e t o d e p e s q u is a
5
os interesses ind iv id uais o u grupais, as no rm as d e co ex istên c ia,
a rep aração de m ales. Em o utras palav ras, o D ireito se d esd o bra
para atend er às d em and as m ais variad as que se ap resentam no
atend im ento dos im p erativ o s d a ju stiça.
N esse c o n texto tão variegad o , era preciso d esenv o lv er no s
sa pesquisa so bre a fala dos pro fissio nais do D ireito num cam p o
m eno s amplo . E assim que fizemos uma primeira d elim itação ,
o p tand o po r estud ar o d iscurso ju ríd ico d entro do D ireito Penal.
N este, é bastante ev id ente a relev ância que tem a sed ução por
m eio da palav ra so bre as d ecisõ es finais da ju stiça. A ap licação
do D ireito Penal nu nca se lim ita ao exam e das pro vas m ateriais e
técnicas dos caso s em co nsid eração . Seu exercício d ep end e so
bretud o da habilid ad e em argum entar de cad a uma das partes. O
D ireito Penal é essencialm ente d iscursivo . Isso não quer dizer
que em outras áreas do D ireito o discurso não tenha nenhum a
im p o rtância —- ad vo gar é sempre, de uma ou de o utra m aneira,
falar em lugar de alguém , em no m e de alguém; a d em arcação
pro po sta tem por o b jetiv o p ro p iciar uma visão mais clara so bre a
im p o rtância da sed ução no d iscurso , acim a de tudo.
Para um a segund a d elim itação do cam p o d e p esquisa, bus
cam o s, no interio r do p ro cesso p enal, o esp aço em que se po d e
p erceber da m aneira m ais clara o ex erc íc io d o p o d er d e p ersua
são e d e sed ução dos ad vo gad o s e p ro m o to res. D este m o d o , fo
mo s lev ad o s a co n cen trar a atenção ^so bre os d ebates entre acu
sação e d efesa no s tribunais d o jú ri, pois são neles, sem d úvid a,
que mais intensam ente se articu lam e se batem as habilid ad es
dos pro fissio nais do D ireito , env o lv id o s na tarefa de co nd uzir
um co rp o de jurad o s rum o a um a d eterm inad a d ecisão .
O co n v en cim en to po r m eio da sed ução é uma arte capaz
de v alid ar argum ento s b astante variad o s. N o caso do tribu nal
d o jú ri, o nú cleo d o d eb ate entre acusação e d efesa é p ro v ar se
o réu rep resenta ou não um risco à so cied ad e; c o n v en cer o júri
a d ecid ir de uma o u de o utra fo rm a é o o b jetiv o mais relev ante
no d iscurso de cad a p arte.
6
A ssim , po d em o s d em arcar as questõ es que trabalham o s
neste liv ro a p artir dos seg uintes elem ento s: a co nstru ção dos
d iscurso s d e acu s ação e d efesa, end ereçad o s ao júri.; os e l e m e i v
to s retó rico s que co m p õ em esse d iscurso ; o p eso d o d iscurso na
d ecisão , a fo rça de influ ência que o d iscurso tem so bre o ju lg a
m ento a ser realizad o p elo s jurad o s. D este m o d o , d urante a p es
quisa reco lhem o s arg um ento s d e p ro m o to res e ad v o gad o s, e x
p o nd o -o s aqui co m a finalid ad e de exp licitar seu po d er de p er
suasão e de sed ução — co m ênfase no ú ltim o , co m o m e n c io n a
mo s antes — no interio r d o p ro cesso p enal.
2 . S e d u ç ã o , o te m a
7
p o rm eno r tem sua relev ância esp ecífica e, aind a que às vezes
p areça d escuid ad am ente atirad o num a frase, rev este-se de sig
nificad o s pro fund o s. O cinem a, que rege as co nv ersas d o s p re
sos, perpassa to d o o liv ro : ali enco ntram o s, assim, o relato de
d ram alhõ es barato s, co m éd ias, ro m ances, film es reais e o utro s
que nu nca existiram , os m ais variad o s sím bo lo s e estereó tip o s
da sétim a arte. São to d o s elem ento s que Puig trab alha para
co m p o r o p ainel que rep resenta as duas existências ali ap risio
nad as.
Q uase to d o s os cap ítu lo s do ro m ance são d iálo g o s en tre os
d ois presos. N ão há d escriçõ es d etalhad as do am b iente, nem
narrativ as lo ngas. A o fund o , co m o su b texto , em erg e p ro g ressi
v am ente o c o n tex to so cio p o lítico e a p erso nalid ad e dos preso s,
am bo s v ítim as de um sistem a p enal, ju ríd ico e p o lític o v io le n
to , arbitrário , d esp ó tico e inquisicó rio . A m ed id a que a relação
entre os co m p anheiro s se estreita, eles m o stram grad ativ am ente,
um ao o utro , um p o uco de seus mund o s, suas crenças, seus rela
cio nam ento s amo ro so s. A nam o rad a de V alentin se cham a Inês,
e m ilita p ela rev o lução ; ele tem tam b ém um a am ante, M arta,
que p ertence à burg uesia, m as eles não se v êem há anos.. N o
início , V alentin o cu lta a v erd ad e e esco nd e suas em o çõ es; hesi
ta em falar so bre assunto s p riv ad o s. Ele só rev ela a M o lin a seus
v erd ad eiro s sentim ento s q uand o já estão b astante íntim o s. Po r
sua vez, M o lin a lhe fala so bre sua m ãe e c o n ta a histó ria d e sua
p aixão po r um g arço m , em o utro s tem p o s.
O ro m ance de Puig c ab e neste liv ro p o rque ilustra d e m a
neira exem p lar o p ro cesso d e sed ução p o r m eio das p alav ras.
M o lin a d eseja seduzir seu co m p anheiro de c ela e, para alcançar
essa m eta, utiliza a estratég ia de narrar histó rias co ntad as no
cin em a. D esta fo rm a, ele e x c ita a im ag inação d e V alen tin .
M o lin a usa e abusa dos artifício s d a sed ução . Fic a m uito claro
que ele estabeleceu um o b jetiv o a co nq u istar e execu to u um
p lano nitid am en te calcu lad o .
8
Em O b e i j o d a m u l h e r a r a n h a o co rre, p o r fo rça do d iscurso ,
a ap ro xim ação e o cho q u e en tre dois univ erso s pesso ais d ife
rentes. To d a a fo rça d ram ática e a estrutura da o bra se ap o iam
na pro fund a d isp arid ad e d e sentim ento s, crenças e id eais que
existe entre V alen tin e M o lin a. Para M o l in a, to d a co m u n ica
ção se dá no p lano da sensibilid ad e; V alen tin busca semp re es
quem as an alític o s p ara ap lic ar à realid ad e. O p rim eiro é
d etalhista ao se exp ressar; o segund o p refere a síntese. M o lina
simbo liza a em o ção , os sentim ento s, o d esejo ; V alen tin , a ra
zão, a d o utrina, a ética. M o lin a se entreg a à fantasia, quer se
d ed icar ao prazer, a suas ilusõ es am o ro sas; V alen tin é d o m inad o
pela ló g ica rígid a, entreg a sua vid a à rev o lu ção , a id eais p o líti
cos e so ciais, à uto p ia. M o lin a é co ração e co rp o ; V alen tin , c é
rebro e m ente. U m rep resenta o estereó tip o do univ erso fem i
nino , ap arentem ente mais sensív el e su b jetiv o ; o o utro , o do
universo m ascu lino , ap arentem ente mais c ien tífic o e o b jetiv o .
Perceb e-se, enfim , o q u anto estão d istantes, inicialm ente,
os seus univ erso s. A ind a assim, ap enas p o r m eio da fo rça da
estru tura d e seu d iscurso , M o lin a co nseg u e fazer c o m que
V alentin ingresse na sua realid ad e e so fra um a m ud ança rad ical
em seu co m p o rtam ento e em sua fo rm a d e encarar a realid ad e.
Seu univ erso se transfo rm a.
M uitas vezes, basta transp o rtar um a p esso a de um am b ien
te para o utro para que ela m ud e d e o p inião . Po d em o s, p o rtan
to , m arcar aqui a c o n cep ç ão de s e d u z ir co m o “ tirar do c am i
nh o ” , co m o faz M o lin a em relação ao seu co leg a de cela. O
emisso r seduz quand o transp o rta o recep to r para o seu univ er
so. Sed uzir é, em certo sentid o , d esv irtuar. E exatam ente isso
que M o lin a faz ao seduzir V alen tin : tira-o do cam inho que ele
hav ia estab elecid o para si e o co nd uz p elo cam inho d esejad o ,
aquele que p ro v o cará certo s sentim ento s, que o lev ará ao seu
universo . E é tam b ém o que ac o n tec e n o tribu nal do jú ri: o
f advo gad o ou p ro m o to r, para c o n v en cer os jurad o s de sua tese,
] d eve transp o rtá-lo s ao seu im ag inário , fazê-lo s enxerg ar o que
'\^ele quer que enxerg uem .
9:
V ejam o s ago ra co m o se d á esse len to e grad uai p ro cesso de
m ud ança d e atitud e em O b e ijo d a m u lh e r ar a n h a . A co m p anhar
essa transfo rm ação vai no s p erm itir d elim itar as características
mais im p o rtantes do d iscurso seduto r.
10
fas, há umas crianças co m a pro fesso ra, m as v ão em bo ra
depressa, não ag ü entam o frio .
— E ela não sente frio ?
— N ão , nem se lem bra d o frio , está co m o que em o utro
m und o , co ncentrad a, d esenhand o a p antera,
— Se está c o ncen trad a não está em o utro m und o . Isso 6
uma co ntrad ição .
— Sim , é verd ad e, está c o ncen trad a, m etid a no mund o
que existe d entro d ela p ró p ria, e m al c o m eç a a d esco bri-
lo . Está c o m as p ernas cruzad as, o s sap ato s são p reto s, de
salto alto e grosso, sem b ic o , ap arecem as unhas p intad as
de escuro . A s m eias são b rilhantes, d aquele tip o de m alha
cristal de seda, não se sabe se o co r-d e-ro sa é da carne, o u
d a m eia.
— D esculp a, mas lem bra d o que eu te falei, não faça d es
criçõ es eró ticas. N ão co nv ém , sabe.3
0 poder da imaginação
11
recep to r recrie era sua m ente as im agens e sensaçõ es transm iti
das p ela fala.
O d esafio d e quem busca seduzir atrav és d o d iscurso c o n
siste em fazer das palav ras im agens, o que se o b tém p o r m eio de
d escriçõ es de d etalhes que p rend em a aten ção d o recep to r, das
p equenas co isas que co m p õ em um cenário e que exercem atra
ção so bre quem o uve.
12
— Te p eç o , n ão faz rir.4
A linguagem kitsch
4 Idem, p. 101-103.
13
sejam co lo rid o s, não é? E co rtinad o de tule dos d o is lado s
d o d o ssel, entend e? E ela lev anta to d a ap aixo nad a e o lha
p ela jan e la, cai um a g aro a, v ai ao te le fo n e , lev an ta o
auricular e escuta sem querer ele faland o co m alg uém . Es-
tão d iscu tind o o castig o a ser d ad o a uns açam barcad o res e
m afio so s. E ela não po d e acred itar no que está o uv ind o
quand o ele diz que os co nd enem à p ena de m o rte, então
ela espera acabarem d e falar e quand o d esligam , ela tam
bém d esliga o ap arelho , para que não p ercebam que fico u
o uv ind o . D e rep ente ele ap arece no d o rm itó rio e a c o n v i
da para to m arem ju nto s o d esjejum . Ela está lind a, refleti
da no v id ro da jan e la to d o m o lhad o p o r causa d a garo a, e
p erg unta a ele se realm ente não tem m ed o d e ning uém ,
co m o d ev e ser o so ld ad o da no v a A lem an ha, o heró i de
quem falo u. Ele diz que pela p átria enfrenta q ualq uer d esa
fio . Ela p erg unta então se é por m ed o que se m ata um in i
migo ind efeso , p o r m ed o d e que num d ad o m o m ento os
papéis se inv ertam e tenham de enfrentá-lo , talv ez cara a
cara. Ele resp o nd e que não co m p reend e o que ela está d i
zend o . Então mud a de assunto . M as, naq u ele d ia, quand o
fica so zinha, d isca o nú m ero do telefo ne do cap ang a para
entrar em c o n tato co m alg uém dos maquis e c o n tar o se
gredo do arsenal. Po rque ao o uv ir que ele é capaz de c o n
d enar alguém à m o rte, ele se desmo ralizo u d iante d ela co m o
ho m em . E já vai ao en c o n tro de um cara dos m aquis, co m
ho ra m arcad a no teatro d ela, o nd e estão ensaiand o , para
d isfarçar, e ela av ista o ho m em que se ap ro xim a e ele faz o
sinal co m b inad o , quand o cheg a alg uém p elo co rred o r do
teatro vazio e cham a a senho ra Leni. E trazem um teleg ra
ma de Berlim e ela é co nv id ad a para estrelar um grand e
film e no s m elho res estúd io s d a A lem anha, e lá m esm o
quem traz o co nv i te é um o ficial do g o v erno de o cu p ação e
ela não p o d e falar nad a co m os m aquis, e tem que co m eçar
im ed iatam ente os p rep arativ o s r a Berlim . G o sta?
— N ão , e já esto u co m so no . C o n tinu am o s am anhã, está
bem ?
— N ão , V alentin, se não g o sta não c o n to mais nad a.
— G o staria de saber co m o acaba.
— N ão . S e n ão g o sta, p ara q u e... j á e s tá b e m assim . A té
am an hã.
— A m anhã co nv ersam o s.
— M as so bre o utra co isa.
— C o m o quiser, M o lina.
— A té am anhã.
— A té am anhã.5
Identificação e aproximação
5 Idem, p. 71-72.
15
cinem a, o p rim eiro film e co ntad o é real. Trata-se d e C a t p e o p l e ,
um clássico n o rte-am ericano , refilm ad o em 1982 co m o m es
m o títu lo (em po rtuguês, A m a r c a d a p a n t e r a ) .
D urante a narração desse film e, V alen tin d em o nstra esp e
c ial interesse p ela p e rs o n ag e m da arq u iteta, uma trabalhad o ra;
M o lina, po r sua vez, dá ênfase à p antera, po r quem cu ltiv a um
sen tim ento mais fo rte. Essas p re d il e çõ e s falam m uito so bre o s
afeto s dos dois preso s o u, em o utras p alav ras, so bre os asp ecto s
e co isas que mais to cam o esp írito de cad a um; elas rev elam , em
sum a, algo so bre o co ração d e cad a ho m em .
O trecho a seguir ilustra claram en te esta co nd ição :
— Está me o uvind o ?
— Sim , mas não sei po r quê, esta n o ite só faço p ensar em
o utra co isa,
— Em quê ?
— Em nad a, não co nsig o me co n centrar...
— V am o s, te abre um p o uco .
— Penso em. m inha co m p anheira.
— C o m o se cham a?
— N ão v em ao caso . O lh a, n u nca te falei d ela, mas p enso
sem p re nela.
— Po r que não escrev e ?
— C o m o é que v o cê sabe se ela não escrev e! Po sso te dizer
que receb o cartas de o u tra p esso a e são d ela. O u v o cê re
v ista as m inhas co isas na ho ra d o b anho ?
— Está lo u co . M as é que v o cê n u n ca m e m o stro u carta
d ela.
— Bem , é que eu nu nca quero falar nisso , mas não sei,
ag o ra tin h a v o ntad e de c o m en tar uma c o isa... que quand o
v o c ê co m eço u a c o n tar que a p antera seguia a arq u iteta
fiq u ei co m m ed o .
16
— D e quê ?
— N ão fiquei co m m ed o po r m inha causa, mas p ela m i
nha co m p anheira.
— A h ...
— Esto u m aluco , puxar um assunto desses.
— Po r quê? Fale se quiser...
— Q u and o v o cê co m eço u a co ntar que a p antera seguia a
m o ça, im ag inei que m inha co m p anheira estav a em p eri
go. E m e sinto tão im p o tente aqui, sem co nd içõ es de av i
sar que se cuid e, que não se arrisque d em ais.
— Te entend o .
— Bem , v o cê d eve im ag inar, se ela é m inha co m p anheira,
é p o rque tam bém está na luta. Em bo ra não d evesse te fa
lar, M o lina.
— N ão se p reo cup e.6
6 Idem, p. 33.
17
sa incluir algo co m que o o u v inte po ssa se id entificar, uma situ
ação em que ele possa se im aginar.
Esse pro cesso , que p erm ite ao recep to r se id entificar co m a
m ensag em do d iscurso , é m uito im p o rtante d entro d o tribunal
do júri. Para que o júri d eclare o réu in o c en te, o ad v o gad o d eve
p ro m o v er ajklen tific aç ão entre cad a um dos jurad o s e seu cii-
ente^ D a mesma fo rm a, cab e ao p ro m o to r fazer os jurad o s se
id entificarem co m a v ítim a e seus fam iliares, para que, d esta
fo rm a, co nd enem o réu.
A ind a a p artir d o trech o citad o , p ercebem o s que V alentin
c o m eça a co m p artilhar co m M o lina um p o uco de sua histó ria
pesso al. Percebe-se a ap ro xim ação que é p ro m o v id a entre eles,
graças à estratég ia de M o lina. A p artir desse instante da narra
tiv a, os perso nagens co m eçam a expo r, um ao o u tro , seu m u n
d o , suas p aixõ es e f ilo so f ias. V alentin co m eça a f alar so bre as
pesso as e co isas mais im p o rtantes de sua vid a: a co m p anheira, a
am ante, a mãe, a luta armad a. O discurso se encarreg o u de ap ro
xim ar dois universo s tão d istantes.
AS í1i f i i .• i,•lu.íuiiii
A o narrar um segund o film e, M o lin a inv enta a histó ria de
um a canto ra francesa que se ap aixo na po r um so ld ad o alem ão
em p lena Seg und a G u erra M und ial. O u seja, ela trata d o am o r
entre duas pessoas d e id eo lo g ias e visõ es de m und o c o m p leta
m ente d iferentes.
A tram a criad a p o r M o lin a é mais uma ev id ência de sua
estratég ia sed uto ra. Fica su bentend id o , no relato so bre o am o r
entre a francesa e o nazista, que o o b jetiv o de M o lin a é d e
m o nstrar a V alen tin que duas pessoas co m p letam ente d iferen
tes po d em se amar. Trata-se d e uma mensag em im p lícita. A q u ilo
que p o d eria ser feito p o r m eio da d em o nstração , po r m eio de
argum ento s ló g ico s que sustentassem a tese, é feito po r m eio de
um a narrativ a em que a tese está im p lícita. A narrativ a é a
18
pró pria arg um entação . É uma m ensag em trabalhad a p o r M o lina
para c o n v en cer V alen tin , p ara sed uzi-lo a ac eitar a c o n ju n ç ão
carnal co m ele. Trata-se de m ais um a das ferram entas do d is
curso d e sed ução .
19
no d iscurso , o c o n h ec im en to q ue já po ssui so bre a p erso nalid a
d e e o rep ertó rio d e'V alentin, seu recep to r. H á um a hibrid ização
da ling uag em , que M o lin a usa inv entand o cenas a p artir d o
c o n h ec im en to da p erso nalid ad e de V alen tin , co m o o b jetiv o
de seduzi-lo. M o lina m o d ifica a narrativ a para que esta se ad ap te
ao d iscurso , ou m elho r, para que ela sirv a m elho r aos p ro p ó si
to s d e sua fala.
N o en tan to , o efeito v isad o é fazer co m que V alen tin e n
care fro ntalm ente sua co nd ição . N ã o se trata mais de m era id en
tific ação , mas sim de refletir, p o r m eio da narrativ a, a pró pria
p erso nalid ad e d e V alentin, para que ele possa en xerg á-la co m
d istanciam ento . O resultad o é que, de to d as as tram as co ntad as
po r M o lina, esta é a que m eno s co nq u ista a atenção d e V alentin.
— G o sta d o film e?
— Esto u m eio d istraíd o . M as and a, acaba d epressa.
— Então v o cê não go sta.
— Diz em p o ucas p alav ras co m o acab a.8
0 desfecho
O tem p o passa, e um d ia M o lin a e V alen tin se u nem car
nalm en te. Entre eles ho u v e um a transfo rm ação fu nd am ental,
8 Iderrt, p. 106.
20
m uito além do sim p les ato sexual; há um a m ud ança rad ical de
co m p o rtam ento , de p o nto s d e v ista, tud o p ro v o cad o pelas su
cessiv as narraçõ es d e M o lin a. O exem p lo m ais g ritante d essa
co nv ersão se rev ela quand o V alentin d ecid e escrev er para M arta,
sua am ante, uma das m u lheres por quem fo i ap aixo nad o .9 A o
red igir a carta, V alen tin ad o ta uma ling uag em k it s c h , m elo d ra
m ática. M arxista ferrenho , ago ra ele clama, po r Deus. O ep isó
dio rep resenta sim b o licam ente a passagem de V alen tin para o
univ erso de M o lina.
V alen tin se entreg a ao d esejo quand o M o lin a co m p leta a
sua série de narrativ as co m um film e que se passa no H aiti. E
uma av entura c h eia d e rituais vod us, exp lo ração de escrav o s,
perip écias am o ro sas e carnais. V alen tin, ao o uv ir a histó ria, está
ago ra exclu siv am ente v o ltad o para enco ntrar o prazer ali m en
cio nad o , v iv er as em o çõ es narrad as.
N o fim do .ro m ance, Puig ratifica a transfo rm ação que os
p erso nagens so freram . M o lin a, que em o u tro m o m ento do li
vro p rev ira o p ró p rio sacrifício , entra na luta armad a e m o rre
em d eco rrência dos co nflito s em que ele e os rev o lucio nário s se
env o lv em . V alen tin , po r sua vez, co n tinu a preso . N o cárcere, é
to rturad o e d ro gad o ; em seus d elírio s, im ag ina estar na m esm a
praia do H aiti que ap arecia na h istó ria co ntad a po r M o lina. Ele
se refugia, assim, num p araíso im ag inário , mas m uito carnal,
lugar em que se d esenv o lv e o am o r entre ele e seu c o m p anh ei
ro de cela. A o co n clu ir d essa m aneira, Puig ressalta a co m p leta-
inv ersão dos univ erso s p esso ais de seus p erso nagens.
O b e ijo d a m u lh e r a r a n h a se co nstró i so b o sig no da teia.,
sím bo lo p o d ero so que não só o títu lo ev o ca, mas tam b ém o
pró prio m o d o co m o fo i narrad o o relacio nam ento entre os p ri
sio neiro s. O p ro cesso de M o lin a para seduzir V alen tin — o tra
balho de env o lv ê-lo em sua teia — é um a o bra de m inúcias,
9 Idem, p. 154.
21
v isand o um o b jetiv o am b icio so . A ssim co m o a teia de seu d is
curso env o lv e seu co m p anheiro de c ela, tam bém o d iscurso dos
ad vo gad o s e p ro m o to res no tribu nal d o jú ri d ev e env o lv er os
jurad o s em uma teia, m inu cio sam ente co nstruíd a, de gesto s,
palavras, inflexõ es e arg um ento s.
Para to rnar m ais clara esta id éia, reunim o s no cap ítu lo se
g uinte uma série de exem p lo s, to d o s retirad o s do cinem a, em
que o d iscurso ju ríd ico é p raticad o co nfo rm e o im p erativ o de
co n v en cer um grupo de jurad o s so bre a in o c ên c ia o u culp a de
um réu. A ind a que sejam aleg o rias, é m esm o po r esse caráter
que serão úteis p ara entend erm o s m elho r os elem ento s que
co nd icio nam a elab o ração d as falas d e ad v o gad o s e p ro m o to res
no tribu nal do jú ri. Talv ez o s leito res tenham v isto alguns ou
to d o s eles. Tem o s certez a de que, tend o o leito r assistid o à p ro
d ução de que estiv erm o s faland o , terá a serv iço de seu in telecto
o c o n ju n to de im pressõ es q u e tev e, as lem branças das im agens
que p resencio u , da trilha so no ra que ap recio u, das ev o caçõ es
estim ulad as pelas cenas v istas, na ép o ca e que asso m am n o v a
m ente no p resente, talv ez até ampliad as co m o passar do tem p o .
22
C a p í t u l o II
1. Tempo de matar
basead o em liv ro de Jo h n G risham . D i
Fi l m e : T e m p o d e m a t a r ,
reção de Jo el Schu m acher. Estad o s U nid o s, 1996.
E le n co :San d ra Bu llo c k , Sam u e l L . Ja c k s o n , M atth e w
M cC o nau g h ey e Kev in Sp acey .
É p o ca: d écad a de 1980.
L o c al: a p equena cid ad e de C an to n , no co nd ad o d e M ad iso n,
M ississip p i, no sul dos Estad o s U nid o s.
d ois jo v ens b ranco s, co n hecid o s arruaceiro s, entram
E n re d o :
nu m a m ercearia da zo na rural e co m p ram c erv eja. To d as as p es
so as que estão na m ercearia são neg ras. O s jo v en s ag em gro ssei
ram ente, d errubam m ercad o rias no ch ão , o fend em as pesso as,
e saem , em d ireção a um a fazend a, alco o liz ad o s, num a cam i
n h o n e te . N um a certa altura da estrad a rural que p erco rrem ,
d ep aram -se co m uma m enina neg ra, de dez ano s, lev and o c o m
pras p ara casa. Po r p ilhéria, atiram um a lata d e c erv eja na c a
b eça 'da g aro ta, co m o v eícu lo em m o v im ento . A m enina d es
m aia e a câm era d á um c l o s e no p aco te d e co m p ras caíd o na
24
estrad a, o vo s quebrad o s esp alhand o gemas e claras so bre a p o
eira av erm elhad a.
A c en a é co rtad a. A to m ad a seg uinte m o stra a m enina
send o am arrad a pelo s pés e p elas m ão s. O s d o is rapazes se rev e
zam para estup rá-la. D ep o is p end uram -na p elo p esco ço num a
árvo re, mas o enfo rcam ento falha, po is o g alho se quebra, e a
m enina fic a estatelad a no ch ão .
N o v o co rte para três m enino s negro s co rrend o para casa.
Enco ntraram as co m p ras atirad as na estrad a e fo ram av isar a
mãe que a irm ã sum ira.
C o rte. O p ai é cham ad o no trabalho . C heg a em casa q u an
do a m enina já tin h a sid o resgatad a — está m u ito ferid a, tem
co rtes no ro sto e nas p ernas, os pulsos estão m achucad o s. E um
trapo.
N o v a cena. O xerife, ho m em neg ro , co rp u lento e m al-
hum o rad o , lo caliz a a c am in h o n ete em frente a um bar. En c o n
tra um dos sap ato s, d a m enina na carro ceria. Prend e o s d o is
jo v ens, d epo is de um d iálo g o racista.
M ais um co rte. O pai p ro cura um ad v o g ad o , b ranco , co m
quem tem relaçõ es d e amizad e.
D i ál o g o i l u s tra ti v o :
25
C arl L ee — Jake, se eu ficasse en c ren c ad o v o cê me ajud a-
ria, não ajud aria?
Ja k e — C laro , C arl Lee. D e q u e e n c re n c a v o cê está fa
land o ?
C arl L ee — V o cê tem um a filha, jak e . O que v o cê faria?
26
Considerações
27
Ja c k Brig an c e (ad v o g ad o d e d efesa):
Eu p rep arei um b elo sum ário , c h eio de m anhas d e ad v o g a
d o , mas não v o u lê-lo . Esto u aqui para ped ir d esculp as.
So u jo v em e in exp eriente, m as v o cês não p o d em resp o n
sabilizar C arl Lee H ailey pelas m inhas d eficiências.
Em to d as essas m ano bras ju ríd icas algo se p erd eu... E o que
se perdeu fo i a v erd ad e. E no sso d ever, co m o ad v o gad o s,
não ap enas falar d a verd ad e, mas buscá-la, en c o n trá-la,
v iv ê-la. M eu pro fesso r me ensino u isto. To m em o s o dr. Bass,
po r exem p lo . Esp ero que acred item que eu não sabia d a
quela co nd en ação , mas qual é a verd ad e? Ele é um m e n ti
ro so d esg raçad o ? E se eu co ntasse que a m o ça que estav a
co m ele tin h a 17 ano s, ele tin h a 23 ano s, e que d ep o is eles
se casaram , tiv eram um filho , e co ntinu am casado s até ho je?
Isso muda o testem unho dele ? Faz do testem unho d ele mais,
ou m eno s, v erd ad eiro ?
Q u e p arte no ssa busca a verd ad e? N o ssa m ente o u no sso
co ração ?
Eu quis p ro v ar q ue um neg ro p o d ia ser julg ad o c o m ju stiç a
no sul d o s Estad o s U nid o s. Q u e so m o s to d o s iguais aos
o lho s d a lei.
M as não é v erd ad e, p o rque o s o lho s da lei são hum ano s.
O s seus. O s m eus. E m esm o qu e no s po ssam o s v er co m o
iguais, a ju stiç a n u n ca será im p arcial. Ela co ntinu ará sen
d o nad a mais que o reflexo dos no sso s p reco nceito s. En
tão , até que isto não seja ap erfeiço ad o , tem o s o d ever, p e
rante D eus, de buscar a v erd ad e. N ão co m no sso s o lho s,
n ão co m no ssas m entes, p o rque o m ed o e o ó d io fazem
surgir p reco nceito s d o co n v ív io , mas co m no sso s co raçõ es,
o nd e a razão não m and a.
Q u ero c o n tar um a histó ria. V o u p ed ir p ara que fech em os
o lho s enq u anto eu a c o n to . Q u ero que m e o uçam e o uçam
a si m esm o s.
28
Vam o s, fechem os o lho s, p o r favor.
É a histó ria d e um a g aro tinha que v o ltav a p ara casa num a
tard e enso larad a. Q u ero que im ag inem a g aro tinha. D e
rep ente surge uma p icap e. D o is ho m ens saem e a agarram .
Eles a lev am para uma clareira, am arranv na, arrancam -
lhe as ro upas e m o ntam n ela, p rim eiro um, d ep o is o o utro ,
estup rand o -a, d esp ed açand o tud o o que h á de in o cen te
co m suas arrerrutid as, num a név o a de h álito ébrio e suor.
E, ao acabarem , d epo is d e m atar aq u ele p eq u eno útero ,
tirand o -lhe a p o ssibilid ad e d e ter filho s, de p erp etuar a sua
v id a, eles co m eçam a usá-la co m o alv o , jo g and o latas de
c erv eja cheias nela. jo g am co m tan ta fo rça que co rtam sua
carne até o o sso . A í eles urinam so bre ela. En tão v em o
enfo rcam ento . Eles p egam um a co rd a e fazem um laço .
Im ag inem o laço ap ertand o , e co m um p uxão rep entino ,
ela é suspensa no ar, esp erneia e não en c o n tra o chão . O
g alho o nd e a p end uram não é fo rte. Ele quebra, e ela cai
de no v o n o c h ão . Eles a lev antam e a jo g am na p icap e.
D irig em p ara a p o nte de Fo ggy C reek e a jo g am po r cim a
d a m ureta. Ela cai de no v e m etro s d e altu ra até o fund o do
có rrego .
C o nseg u em v ê-la?
Seu co rp o estup rad o , esp ancad o , m assacrad o , m o lhad o da
urina e d o sêm en d eles, e d o p ró p rio sang ue, aband o nad o
p ara mo rrer.
C o nseg u em v ê-la?
- Q u ero que façam um a im ag em d essa g aro tinha.
(Pausa.)
A g o ra im ag inem que ela é b ranca.
A d efesa term ino u , M eritíssim o .
29
é natural que suas arg um entaçõ es sejam co nstruíd as de m o d o a
causar im p acto so bre os jurad o s. Send o o ú ltim o d iscurso o u v i
d o , p erm an ece m ais fresco e atu ante so bre a m em ó ria dos
julg ad o res leig o s. N o film e T e m p o d e m a t a r , a d efesa exp lo ra
esse fato , tentand o produzir uma im pressão d urad o ura so bre o
jú ri. A ssim , o ad v o gad o ap resento u uni p ro nu nciam ento pau
tad o pela in ten ç ão de ap ro xim ar-se g rad ualm ente a cad a um
dos jurad o s, trab alhand o um c r e s c e n d o d e em o tiv id ad e que
eclo d e num clím ax em que a situação narrad a, d e súbito , se
insinua co m o p o ssibilid ad e, fazend o -se sensiv elm ente real, pes
so al e p resente na v id a dos jurad o s. A in c itaç ão — “ ago ra im a
g inem que ela é b ranca” — d esp erto u, seg uram ente, d ois sen ti
m ento s d iferentes mas ig ualm ente d em o lid o res. N o s jurad o s
branco s, a súbita rev elação que, para eles, o crim e po d e ter
m eno s peso po rque a v ítim a m encio nad a era neg ra — o que
po d eria ter co ntrib u íd o para fazer em erg ir o sentim ento d o d e
ver, d a ju stiça e da so lid aried ad e. N o s jurad o s neg ro s, o im p ac
to de encarar uma realid ad e de d iscrim inação e estratificação
étn ic o -so cial que d ep lo ram — o que p o d eria ter co ntribu íd o
para ev o car um sentim ento de so lid aried ad e étn ic a e para ex a
cerbar um sentim ento de ju stiç a que co m p ensasse os negro s
po r o utro s acintes e achaques anterio res a este.
Para os b ranco s, o im p acto do co nstrang im ento . Para os
negro s, o im p acto d a hu m ilhação . Sen tim en to s que fo rço sa
m ente os d ois lado s rep ud iam e rep elem .
O b serv e-se que o fecho da arg u m entação fo i p reced id o de
uma pausa in ten c io n al. O u seja, o ad v o gad o estab eleceu —
atrav és das p alav ras, do to m de voz, do g estual, da d o lência da
narração — um c lim a em o tiv o fav o ráv el. A s pesso as, in c o n sc i
entem ente, esp erav am , d epo is da histó ria, um final feliz, co m o
num c o n to de fad as. N ão fo i à to a que o ad v o g ad o p ed iu-lhes
que fechassem os o lho s — ele o brigo u os jurad o s a to m ar c o n
tato co m o utra atm o sfera, d iferente d a v iv id a no am b iente frio
e fo rm al d o tribunal d o jú ri. A ind a no interio r d essa atm o sfera
30
d e “ fic ç ão ” , fo ram ch ico tead as pela in c itaç ão , p elo fecho mais
que infeliz, mais que tem ív el:
1. P o d i a t er s id o a m i n h a f i l h a !
O u:
2. V iu q u e is t o p o d e a c o n t e c e r c o m a s u a p r ó p r i a f i l h a l !
Racismo
31
g am ento e acabo u co nsid erad o in o c en te; no en tan to , fo i o b ri
gad o a pagar um a ind eniz ação im ensa à fam ília das v ítim as. A
d ecisão fo i co ntestad a larg am ente p ela o p inião p ú b lica e pela
im p rensa no rte-am ericana.
Um tex to do jo rn al Z e r o H o r a , de Po rto A leg re, retrata o
que p o ssiv elm ente ho uv e no ju lg am ento :
2. Filadélfia
Film e: F il a d é lfia , d irig id o p o r Jo n ath an D em m e. Estad o s U n i
d o s, 1993.
To m H anks, D enz el W ashing to n, Jaso n Ro bard s, M ary
El e n co :
Steenb u rg en, A n to n io Band eras.
32
Ep o ca: d écad a de 1990.
Lo cal: a cid ad e de Filad élfia, 110 estad o da Pensilv ânia, co sta
leste dos Estad o s U nid o s.
Fnred o : um jo v em e p ro m isso r ad v o gad o é d em itid o da firm a
Je ad v o cacia em que trabalhav a so b aleg ação de in co m p etên
cia, mas sabe que a v erd ad eira razão é po rque tem A ID S. D e
term inad o a d efend er sua d ignid ad e e rep utação p ro fissio nal,
A nd rew Be c k e tt co n trata o utro ad vo gad o , Jo e M iller, para p ro
cessar os p atrõ es po r d em issão injusta. Jo e relu ta em aceitar o
caso — ap esar de ter crescid o co nhecend o as d o res do p reco n
ceito racial, o ad v o g ad o neg ro nu nca tin h a antes encarad o seus
pró prio s p reco nceito s c o n tra o ho m o ssexualism o e a A ID S. O s
dois iniciam uma luta intensa co ntra a in to lerân c ia e a ig no
rância da so cied ad e.
33
co m p o rtam ento d eles p o d e lhes p arecer sensato . Eu acho
sensato . A final, a A ID S é um a d o ença m o rtal e incuráv el,
mas não o b stante a o p inião que tenh am d e W h ee ler e só
cio s em term o s m o rais e hum ano s, ao d esp ed irem Be c k ett
p o rque ele tin h a A ID S, eles v io laram a lei.
(ad vo gad a de d efesa, em p ro nunciam ento pre
D r a. G i l h n a n
lim inar) — Fato : o d esem p enho d e A nd rew Be c k ett em
seu tra b a lh o v a ria v a d e c o m p e te n te e b o m p ara,
freq ü entem ente, m ed ío cre, e até, às vezes, de uma in c o m
p etência flag rante.
Fato : ele se diz v ítim a d e m entiras e m alícia.
Fato : fo i A nd rew Be c k e tt quem m entiu , esfo rçand o -se ao
m áxim o para o cu ltar sua d o ença d o s chefes.
Fato : ele tev e sucesso nessa em p reitad a. O s só cio s da W y ant
W h eeler não sabiam que Be c k e tt tinha A ID S quand o o
d em itiram .
Fato : A nd rew Be c k e tt está m o rrend o .
Fato : A nd rew Be c k ett está co m raiv a, p o rque o seu estilo
de v id a, o seu co m p o rtam ento im p rud ente, encu rtaram a
sua vid a. E em sua raiv a, em sua rev o lta, está p artind o para
o ataque e quer fazer alg uém pagar.
S e g u n d o d iálo g o i l u s tra ti v o :
3. Questão de honra
Film e: Q u e s t ão d e h o n r a, d irigid o p o r R o b Reiner. Estad o s U n i
d o s, 1992.
Elen c o : ja c k N ic h o lso n , To m C ruise, D em i M o o re.
Ép o ca: d écad a de 1960.
Lo c al: W ashing to n, cap ital dos EU A , e a base m ilitar no rte-
am ericana de G u antánam o , em C uba.
Enred o : um so ld ad o fo i m o rto na base nav al no rte-am ericana
d e G u antán am o , em C u ba, d urante um tu rno de v ig ília, à n o i
te. D o is o utro s so ld ad o s são acu sad o s^ U m te n e n te , D an iel
Kaffee, é ind icad o para a d efesa dos do is soldado s acusad o s, co m
a aju d a d e d o is assistentes. E um jo v em b rilh an te que tem na
figura do p ai m o rto o m o d elo d e ad v o g ad o p erfeito .
D u rante as inv estig açõ es são d esco berto s ind ício s de que o
co m and o da base estaria o cultand o o que v erd ad eiram ente aco n
tecera e que tin h a causad o a m o rte d o so ld ad o . V erifico u -se,
po r m eio d e v ário s d ep o im ento s, que os so ld ad o s eram fo rçad o s
a o b ed ecer às o rd ens superio res acim a d e qualquer co isa, às v e
zes acim a d a p ró p ria d ig nid ad e.
36
D iálo g o ilu strativ o :
S o ld ad o a c u s a d o — O ten e n te o rd eno u que d éssemo s uma
lição em W illy.
(o te n e n te ind icad o para atuar na co rte m ar
D a n ie l K a f f e e
cial co m o ad v o g ad o d e d efesa, d u rante um ensaio , co m os
acusad o s) — Precisa resp o nd er m ais rápid o ! V o cê po d e
ap arentar ser um caip ira in o c en te, m as p arece estar tend o
dúvid as! E W illy é o “ so ld ad o San tiag o ” . C h am e-o W illy e
ele v ira uma pesso a c u ja m ãe está cho rand o .
(Pausa.)
D an ie l K a f f e e — O jü rí tem sete ho m ens e duas m ulheres.
C in c o são da M arin h a e quatro são fuzileiro s, to d o s o fic i
ais que já estiv eram em co m b ate. A s m ulheres não têm
filho s. Pena. M eu p ai d izia que um ju lg am ento é uma d is
tribu ição de culp as. Snntiág o está m o rto . A q uelas no v e
pesso as v ão fazer q uestão de. p ô r a culp a em alguém . A lei
não g anhará este caso , e sim os ad v o gad o s. Po r isso, lem
brem -se: é co m o u m j o g o de p ô quer; não pisquem d iante
do jú ru jSe algo d er errad o , não ab aixem a cab eça e nem se
^/ 'encolham. A jam com o se so ubessem tud o o que v ai aco n-
I tecer. A o p assarem d o cu m ento s, não d em o nstrem nerv o -
'■ sismo .
37
A o lo ng o das inv estig açõ es, os d efenso res d esco brem que
as p u niçõ es p ro m etid as — não ap enas sev eras, mas tam b ém
sum árias e ilegais, para quem d enu n cia o “ có d ig o v erm elho ” —
im p ed em o s acusad o s de fo rm aliz ar qualquer acu sação . O so b
dad o m o rto , po r exem p lo , tinha sid o subtraíd o em seu d ireito
de requerer transferência, o que era seu grand e so nho , po rque
d enu nciara o co m p o rtam ento ileg al p raticad o no q u artel, por
m eio de cartas ao co m and o geral. C o m m ed o d e ter o m esm o
d estino , os d ois so ld ad o s acusad o s se d ebatiam en tre d enu nciar
0 co m and ante, so frend o rep resálias duríssimas, o u calar e so frer
a p ena co m o culp ad o s.
Kaffee e sua auxiliar tentam d e tud o para co nseg uir que os
acusad o s d enu nciem o co m and ante. Q uase no fim d o ju lg a-
m ento , p ro nto para d esistir, ele tem uma id éia e reso lv e c o n v o
car o g eneral co m and ante para depor. Trav a-se en tão uma luta
v erbal p erigo sa para o ten e n te , que co m eça a insinuar acusa
çõ es co ntra o g eneral, seu superio r hierárq u ico . In ic ialm en te
to lerante, o g eneral g rad ualm ente ced e às instig açõ es d o te
nen te, e c o nfiante d e sua sup erio rid ad e de p atente e cie p rep aro
cultural, esbrav eja, tentand o subm eter o ten en te à o b ed iência
m ilitar que ele fazia im p erar d entro d a base de G u an tán am o .
O p ro cesso d e sed ução ap licad o p elo ten en te Kaffee é tão
ard ilo so e en v o lv ente que o m rnand ante acaba p o r co nfessar,
1>>uIto H icnu b por c o n sc iên c ia de culp a d o que p o r im ag inar-se
inating ív el. O recurso utilizad o p elo ad v o gad o é o d e se ap ro
v eitar d o tem p eram ento d o co m and ante e co nd uzir seu d iscur
so de fo rm a a irritá-lo . Kaffee utiliza-se de um dos estratag em as
ap o ntad o s p o r A rthu r Scho p enhau er num a o bra so bre co m o se
co m p o rtar num d ebate. N ela, o filó so fo p ro cura d em o nstrar
co m o v encer um d ebate e, para ele, a co nd ição necessária é a
de enco leriz ar o ad v ersário .
38
d o lh e algo francam en te inju sto , v exand o -o e, so bretud o ,
tratand o -o c o m in so lê n c ia.11
39
Ele n c o : C h ristian Slater, Kev in Bac o n , G ary O ld m an, Brad
D o urif.
É p o ca: d écad a de 1930.
Lo c al: cid ad e de São Francisco , estad o da C alifó rnia, co sta o este
dos Estad o s Unid o s,
En red o : Fíenri Young é um jo v em que ro uba c in co d ó lares de
uma lo ja, para co m prar co m id a para sisa irm ã meno r. A lo ja fun
cio nav a tam bém co m o co rreio , e ro ubar o co rreio , no s Estad o s
U nid o s, é co nsid erad o crim e federal. Ele acaba preso e co nd ena
do. Seu d estino é A lcatraz, cu jo d ireto r sabe que tem po d er para
d o m inar cruelm ente a vid a de todos. M as Yo ung reso lve env o l
ver-se em um fracassad o p lano de fuga, e po r isso é m and ad o para
a so litária po r três ano s — o m áxim o p erm itid o pela lei no rte-
am ericana é de 19 dias na so litária, para qualquer d etento .
Su rrad o d iariam ente p elo pró p rio d ireto r, que lhe co rto u a
nav alha o tend ão de A q u iles, aleijand o -o para sem pre; hu m i
lhad o e aterro rizad o , ele ap rend e a cu ltiv ar um sentim en to de
que jam ais se im ag inav a capaz: um ó d io m o rtal p elo co leg a de
c ela que o d elato u. A o sair d a so litária, Yo ung se v ing a, assassi
nand o o d elato r, enfiand o -lhe o cabo d e uma c o lh er na jugular,
d u rante o ho rário de alm o ço , d iante de 200 testem u nhas. Su a
v id a fic a nas m ão s do jo v em ad v o gad o Jam es Stam p hilL
Fíenri Yo ung, depois de três ano s na so litária, é quase um
bicho '. N ão fala, a não ser a tabuad a que p erm aneceu d eco rand o
para não enlo uquecer. Tid o co m o um caso perd id o , o p ro cesso de
ju lg am ento d e Yo ung vai p erm itind o ao ad v o g ad o d esco brir bar--'
barid ad es já co m etid as pelo d ireto r co ntra o s prisio neiro s.
P ro n u n c i a m e n to in icial p ara o j ú ri :
40
resp o nsabilid ad e, co m o jurad o s, lid ar co m a verd ad e. Rufus
M c C ain fo i assassinad o p o r H enri Yo ung . O sr. Stam p h ill,
o d efenso r p ú blico , ap elará à co m p aixão de v o cês. Usará
truques. Po r quê? Para ev itar a câm ara de gás. O s Estad o s
Unid o s d a A m érica exig em que o d eclarem culp ad o , para
que este... este anim al... receba a p u nição im p o sta p ela
Bíb lia. O lh o po r o lho . V id a por vid a. Se já ho uv e um ho -
mera culp ad o d e assassinato , este ho m em é H en ri Yo ung.
E se um ho m em m erece m o rrer p o r este crim e, este h o
mem é o acusad o .
(d efenso r p ú blico ) — M em bro s d o júri.
Ja m e s S t am p h ill
Q uand o eu era c rian ça, meus heró is não eram R u th ou
Lo u G eh rin g .13 Eram Darro w e Z o la.14 Em o utras palav ras,
esperei p o r isto a vid a to d a — ficar d iante d e doze jurad o s,
para d efend er um in o c en te, acusad o inju stam ente. Só que
ele co m eteu o crim e. Eu sei. O p ro m o to r M c N eil sabe.
H enri Yo ung não se lem bra, mas não neg a o que fez. To d as
as testem unhas d o p ro m o to r d irão que H enri Yo ung m a
to u Rufus M c C ain . Se sabem o s d isso , é só d eclará-lo c u l
pad o e asfixiá-lo , p o is é o que vai aco ntecer, não é, H enri?
Só uma co isa no s im ped e de co nclu ir isto d epressa: H enri
não agiu so z inho ; não p egaram to d o s os assassino s. H o uv e
um co nspirad o r. E po r causa desse co nspirad o r, H enri Young
é in o c en te d o crim e.
‘— A d efesa co nseg uirá provas d e que tenha hav id o
Ju i z
um co nsp irad o r?
S t am p h ill — N ão no m o m ento , M eritíssim o , mas no d ia
do ju lg am ento as terei.
P r o m o t o r — 1N ão
v ai ap resentar pro vas, p o is elas não exis
tem . Este ho m em passou três ano s na so litária. N esse tem
13 Jo g ad o res d e b eiseb o l.
14 Escrito res.
po, ning u ém o influ encio u p o rque não tin h a c o n tato co m
ning uém . Ele saiu da so litária. Fo i para o chuv eiro . Fo i
então co rtar o c ab elo e d ep o is d ireto para o refeitó rio . Lá,
um d etento lhe disse um a frase. Isso não o to rna uni co n s
pirador.
— Esto u inclinad o a co nco rd ar co m a p ro m o to na. A
Ju i z
m eno s que justifiq ue sua d efesa, v o u m anter a o b jeção da
p ro m o to ria.
S t am p h ill — M critíssim o , o p ro m o to r, co m suas próprias
palav ras, ju stifico u a m inha tese. D u rante três ano s, três
lo ng o s ano s, nad a e ning u ém influ encio u H enri Yo ung.
N ad a nem ning uém . Seu ú n ico crim e fo i ro ubar c in c o d ó
lares de um co rreio para alim entar sua irm ã fam inta. Q u an
do foi para A lcatraz , nu nca hav ia ro achu. i-1< > ou sequer
tentad o m achu car um >.cr D -": ir d o cala-
bo uço , era um m aníaco assassino . Um ho m em em co m a
p sico ló g ico . U m a ho ra após sair do inferno , fez o que ja
mais so nharia fazer três ano s antes. Jam ais! Só p ensav a em
m atar. Só queria m atar. Fo i isto que fez p rim eiro ! Ele p ró
prio era a arma, mas a m ão que o seguro u e enfio u na gar
g anta d e M c C ain era de o u tro . A p o n to p ara o d ireto r
G len n , para o d ireto r H um p so n, ap o nto p ara A lcatraz e
d ig o : “ Eu ac u so !” . A c u so -o s in d iv id u alm en te. A c u so
A lcatraz d e to rturar H enri Yo ung! E d o assassinato de
M c C ain ! H enri Yo ung não será o ú nico réu aqui! A lcatraz
será julgad a!
42
O advogado de d efesa enco ntra imensa d ificuld ad e em co n-
seguir o d ep o im ento de pesso as de d entro da prisão que tenham
co ragem de testem unhar co ntra os d irig entes d a institu ição .
To do s têm medo do que lhes possa ac o n tec er d ep o is d o ju lg a
m ento . A final co nsegue o d ep o im ento de um guarda que tinha
sido d em itid o e que d epõ e ad m itind o ter agred id o Fíenri Young
a m and o do d ireto r G len n . O p ró prio irmão do ad v o gad o , p res
sio nad o p elo FBI, c o n ta d etalhes d a d efesa, p erm itind o o c o n
tra-ataque da p ro m o to ria e d esqualificand o a testem u nha. A
d esp eito d e tud o isso, o in terro g ató rio do d ireto r-g ero l de
A lcatraz , Fíum p so n, d eixa claro que o sistem a p risio nal é só rd i
do, e o acusad o p o d e ter a acusação atenuad a para assassinato
em segundo grau (ho m icíd io in v o lu ntário ). Fíenri Yo ung fica
aterro rizad o co m a id éia de v o ltar para A lcatraz e p refere se
d eclarar culp ad o . Para ele é m elho r rnorrer na câm ara d e gás do
que passar mais dez ano s em A lcatraz . O d ebate entre ad v o g a
d o de d efesa e réu o co rre na cela.
A cartad a final do ad v o g ad o é co nv o car, para d ep o r, o p ró
p rio acusad o . Esta é a p arte em que o advo gad o jo g a to d o o seu
p o d er de sed ução , não d iretam ente para o jú ri, mas p rin cip al
m ente so bre o acusad o , para que ele m antenha a lin h a d e d efe
sa e enfrente o risco d e ser m and ad o de v o lta para A lcatraz .
D e p o im e n to :
43
isso co m ig o ? Po rq ue, se d eclarar-se culp ad o , será ex ec u ta
d o. V o cê m o rrerá!
Y ou n g— E daí? ( G r it a n d o ) Prefiro mo rrer a v o ltar para lá!
(Pausa.)
S t am p h ill — O que v o cê disse?
Y ou ng — D isse que p refiro m o rrer a v o ltar para A lcatraz .
.N ão entend e?
S t am p h ill — Po r que, H enri? Po r que quer mo rrer?
Y ou n g — Po rque... p o rque eu... ten h o m ed o d eles. Ten h o
m ed o de v o ltar para lá. Ten h o m ed o ! M ed o !
S t am p h ill — H enri, o lh e p ara m im . O lh e para m im . V o cê
estav a certo , eu estav a errad o . D esculp e. Esto u faland o co m
v o cê, e não co m o jú ri. Se quiser m o rrer, ap o iarem o s v o c ê.
M as juro que esses c an alh as não farão mais isso. V o cê não
m o rrerá à to a' A esco lh a é sua. O que quer fazer?
Y ou n g — Q u ero p arar de ter m ed o .
(Pausa. O acusad o c h o ra.)
— H enri Yo ung. É culp ad o do assassinato d e Rufus
S t am p h ill
M cC ain?
Y ou n g — Eu fui a arm a, m as não so u um assassino . O s as
sassino s são eles.
C o n s i d e ra çõ e s a c e rc a d o f il m e : co m o ap o io h istó ric o , m e n
c io n e-se que H enri Yo ung fo i d eclarad o culp ad o de h o m icíd io
inv o lu ntário e co nd enad o a cum p rir m ais três ano s de p ena em
A lcatraz . O júri reco m end o u aind a inv estig açõ es no sistem a
p risio nal. V árias irreg ularid ad es fo ram d esco bertas e o d ireto r
G le n n fo i exo nerad o . A s so litárias fo ram selad as e n u nca m ais
utilizad as até o fech am en to d e A lcatraz , em 1963.
H enri Yo ung fo i enco ntrad o m o rto em sua cela, d ias antes
da ap elação . N u nca se so ube q uem o m ato u.
44
A im p o rtância d o uso d este film e co m o exem p lo reside no
fato de que a sed ução , aqui, fo i vo ltad a para o questio nam ento de
uma cultura cristalizada env o lv end o a impressão que os no rte-
am ericano s, mais esp ecificam ente os que viviam, p ró xim o s a
A lcatraz, po ssuíam do seu p ró p rio sistem a p enal e p risio nal. O
advogad o, co m m uita habilid ad e e aind a mais so rte, o p to u po r
aplicar um esfo rço de env o lv im ento da co m unid ad e comi.) um
to d o , e não apenas do jú ri. Fo i dessa m aneira que acabo u por
seduzir os seus m em bro s, que se rend eram a uma co m o ção e x
p lícita no grupo so cial que o cercav a. G anho u d estaque n ac io
nal o caso , e a rep ercussão , que acabav a po r cheg ar aos o uvido s
dos jurad o s — no s d ep o im ento s de testem unhas, no s co m entá
rios de d efesa e acusação , nas co nsid eraçõ es do juiz — influ en
cio u a d ecisão dos integ rantes d o co nselho de sentença.
O títu lo d este cap ítu lo , para os caso s que ap o ntam o s co rno
exem p lo , p o d eria ter sid o “ A ficção d esfila d iante do jú ri” . Sim
p lesm ente p o rque as vid as que ind icam o s, acrescid as de ro m an
ce, jo go s m entais, sed ução , assumem ares d e literatura. Po d erí
amos relacio nar inúm eras o utras o bras que d em o nstram a im
p o rtância da sed ução no d iscurso , co m o o film e D o z e hom en s e
u m a s e n ten ç a, d irig id o p o r Sid ney Lu m et (Estad o s U nid o s,
1957). N esse film e, fica ev id ente uma estratég ia d e d efesa que,
se fosse utilizad a p o r um advo gad o , po d eria ser classificad a co m o
de não -rad icaliz ação . A histó ria ap resenta doze pessoas iso la
das de tud o , num a sala, para cheg arem ao v ered icto de um ju l
g am ento de ho m icíd io . O nz e d o s jurad o s estão certo s de que o
acusado é culp ad o . U m d eles tem d úvid as. Ele não afirm a, no
entanto , que o réu é ino c ente. Diz ter d úvid as e v ai aos po uco s
d estruind o , um a um, os arg um ento s acusató rio s de to d o s que
queriam co nd enar o p ro cessad o . O interessante é que se ele se
co lo casse no p ó lo o p o sto , teim and o p ela in o c ên c ia do réu, tal
vez não co nseg uisse co nv en cer os d em ais. A hum ild ad e fo i fun
d am ental p ara v encer parad igmas.
45
O s exem p lo s selecio nad o s ap o iam no ssa tese à exaustão , e
não estão d istantes d o que o co rre d iariam ente num trib u nal do
jú ri real. C o m o p o d erá ser fac ilm en te co m p ro v ad o p elo caso
brasileiro que d etalham o s no cap ítu lo que se segue.
46
C a pít u l o III
Um caso brasileiro
Resumo do julgamento
Su m ário
C o nsta dos auto s que, no d ia 22 d e ag o sto d e 1990, p o r
v o lta das 15 ho ras, n a Ru a Frag ata da C o n stitu iç ão , na
cid ad e de São Paulo , o senho r d esferiu um p ro jétil d e arm a
de fo go c o ntra Ed so n d e So uza Lo p es, p ro d uz ind o -lhe le
sões co rp o rais que fo ram a causa de sua naorte. Seg u nd o o
apurado , a v ítim a era cred o ra d o senho r na q u antia de
C R $ 15.000,00. N o d ia dos fato s, a v ítim a fo i à resid ência
do senho r, d isp o sta a receb er seu créd ito . C o m o o senho r
se mo strasse rec alc itran te em pagar a d ív id a, Ed so n reso l
veu lev ar um a g arantia d o créd ito . A o d eixar a resid ência
do senho r lev and o ao o m bro um a telev isão , Ed so n v iu-se
surpreend id o p elo c an o d e um a arm a d e fo g o que fo i d is
p arad a c o n tra a sua p esso a. Razão p ela qual o senho r está
aqui, d iante dos seus p ares. A resp eito d esses fato s, o que o
senho r g o staria d e dizer, o u de acrescentar?
48
am ed ro ntad o , fugira para a reg ião N o rte, o nd e a p risão fo i efe
tuada.
D ep o is de o uv ir o réu, o juiz relata o p ro cesso su cin tam en
te aos jurad o s. Ele d eixa b astante claro que o M inistério Pú b li
co acusa o réu d e ho m icíd io , co nfo rm e o artig o 121, parág rafo
2", inciso IV, do C ó d ig o Penal.
Para entend erm o s inteiram ente a acusação , rep ro d uzimo s
as co nsid eraçõ es feitas p o r C elso D elm anto :
H o m icíd io d o lo so q u alificad o
N o ç ão : ho m icíd io q u alificad o é aquele em c u ja p rática
o co rre algum a das hip ó teses enum erad as neste parágrafo
segundo .
D iv isão : as c ircu n stân c ias que q u alif ic am o h o m icíd io
p o d em ser d iv id id as em: a) m o tiv o s (p aga, p ro m essa de
reco m p ensa o u o utro m o tiv o to rp e e m o tiv o fútil — inciso s
I e II) ; b) m eio s (v eneno , fo g o , exp lo siv o , asfixia, to rtura
ou o utro m eio de que possa resultar perigo co m um — inciso
III); c ) m o d o s (traição , em bo scad a, m ed iante d issim ula
ção o u o utro recurso que d ificu lte o u to rne im p o ssív el a
d efesa do o fend id o — inciso IV ); d ) finalid ad e (p ara asse
gurar a execu ção , o c u ítação , imp unid ad e o u v antag em de
o utro crim e — inciso V ) .15
49
A s perguntas do d efenso r d ão ind icaçõ es de que a tese da
d efesa se baseia no co m entário , c o rrente no bairro o nd e m o ra
vam v ítim a e réu, segund o o qual o p rim eiro era uma esp écie de
ju sticeiro da reg ião . Ele sem pre and aria arm ad o , am eaçand o as
pessoas so bre as quais pesasse qualquer tip o de d enú ncia relati
va a transgressõ es da lei.
Encerrad o s os interro g ató rio s, a etap a seg uinte é o d ebate,
p ro p riam ente d ito , entre d efesa e acusação . A p ro m o to ra fala
em p rim eiro lugar. Ela co m eça co m um cum p rim ento ao juiz
p resid ente e um elo g io ao ad v o gad o do réu. Em seguida, d irig e-
se ao co nselho de sentença.
A cu sação
Senho res jurad o s. Sem p re esco lho fazer as m inhas saud a
çõ es aos jurad o s no m o m ento em que inicio a m inha fala,
ipara que eu po ssa m encio nar a im p o rtância que o jurad o
Item no sistem a ju ríd ico , ou no sistem a ju d iciário do no sso
/ país. É dada aos jurad o s, aos ho m ens do p o v o , às pessoas
integ rantes da co m unid ad e, a tarefa de ju lg ar os crim es
mais im p o rtantes do no sso Có d ig o Penal: os crim es d o losos
c o n tra a vid a. Então , ao s senho res é d ad a a fu nção de ju l-
j^gar os atentad o s c o n tra a vid a, que é o bem maio r. To d as
as d emais esp écies de crim e são julgad as pelo s juizes titu la
res, pelo s juizes que fazem uma faculd ad e de D ireito , p res
tam co ncu rso p úblico . N o en tan to , a lei reserv o u aos ju ra
dos po p ulares a tarefa d e julg ar a agressão ao bem m aio r: a
vida.' Então v ejam a im p o rtância d a tarefa que os senho res
y"d esem penham aqui nesta o p o rtunid ad e. Po r que é que os
( senho res são cham ad o s a p articip ar do Po d er ju d iciário ?
; Efètiv am ente p o rq u ejning u ém m elho r que os senho res,
i trazend o aqui as suas exp eriências de vid a, para aferir um
\ ju lg am ento ju sto nesta esp écie de crim e“jA ativ id ad e do
' jurad o é regularizad a p ela lei e o p rincip al req uisito é de
50
F '
; que a pesso a seja de rec o n h ecid a id o neid ad e,, N ão p ensem
que o s senho res estão aqui g ratu itam ente; que a esco lha
fo i feita de m aneira aleató ria. Nãoi|Sã.o selecio nad o s, pas-
j s am a in te g rar u m a lis ta d e ju rad o s q u e fic a aq u i arq u iv ad a
f no no sso tribunal do jú ri, e a p artir d esse m o m e n to são
C :. .j tid as co m o pesso as da m ais alta id o neid ad e. E p o r isso
j m esm o lhes é d efinid a a tare f a m ais im p o rtante de julgar.
Üf-v v i V ejam bem : eu sei que m uito s saem de suas resid ências,
: . / v ê m aqui para p ass ar uma tard e in teira, e po r isso m e s m o ,
f;/ n .co m o rep resentante da so cied ad e, eu só ten h o a agrad ecer,
1p o r v irem prestar essa co lab o ração para co m a Justiça.
Po r d ev er de lei, eu d ev o ler ao s senho res o que se cham a
lib elo -crim e acu sató rio .16
51
E aí, senho res jurad o s, nó s vam o s buscar o utro s elem ento s
im p o rtantíssim o s. O p rim eiro d eles: a p ro v a téc n ic a. O
laud o de exam e necro scó p ico é feito c o m base na p erícia
té c n ic a realizad a no co rp o da v ítim a. O lh em só: eles ap re
sentaram um g ráfico d o co rp o hu m ano que rev ela um
ferim ento mais ou m eno s atrás da o relha esquerd a da v íti
m a. M as, d o que exatam ente a v ítim a m o rreu? Seg u nd o o
laud o , a v ítim a v eio a falecer em v irtud e de traum atism o
c ran ien c efálic o m o tiv ad o po r ag ente p erfu ro co ntu nd ente
(b ala). O relato dessas testem unhas, o uv id as aqui h o je,
p restad o não co m base no que elas assistiram mas no que
elas o uv iram falar, mais a pro v a téc n ic a, d eixam co nclu ir
que a v ítim a estav a saind o co m uma telev isão quand o foi
ating id a p o r um tiro p elas co stas. U m a testem u nha disse
que o uviu quatro tiro s. U m dos tiro s v eio a ating ir a v íti
m a atrás da o relha esquerd a. Ü que o co rp o no s co nta? O
co rp o no s c o n ta uma histó ria. A v ítim a fo i ating id a co m
um tiro pelas co stas. N ó s não tem o s aqui (ap o nta o p ro
cesso ) nenhu m a ind icação de que ho u v e um a luta. N ó s já
tem o s então uma p ro v a téc n ic a que co nd iz co m o d ep o i
m ento das testem unhas que fo ram inquirid as. A irm ã do
rapaz diz que ele fo i lá arm ad o , e que ela to m o u c o n h e c i
m en to d o fato p o r m eio de o utras pesso as.
Sen h o res jurad o s, o que eu sinto é o seg uinte: se esse rapaz
fo i p ara lá arm ad o , quand o ele saiu d e lá, efetiv am en te já
estav a d esarm ad o . O réu, então , se é que essa arm a existia
e se fo i sacad a no m o m ento dos fato s, o réu co nseg uiu
d esarm á-lo . Se o tiro tiv esse sid o d ad o a cu rta d istância,
em situ ação de luta, o laud o no s d iria. M as não . O laud o
n ão relata a ex istên c ia de tiro p ró xim o .
A lg u ém p o d eria dizer assim: “M as, d o uto ra, é m uita b an a
lid ad e m atar po r causa d e uma d ív id a de C R $ 1 5 .0 0 0 ,0 0 !” .
M as é a banalid ad e, senho res jurad o s, co m que a v id a h u
m ana é tratad a, o que nó s, quase que d iariam ente, v em o s
n este trib u nal d o júri.
Q u e cred ibilid ad e nó s p o d em o s d ar à p alav ra d esse réu,
senho res jurad o s? Q u e h o je vem a m im cho rand o (faz tre-
jeito s d e hum ild ad e fo rçad a), d izend o que agiu em leg íti
ma d efesa, ele estav a lá cafd o , fo i só um acid ente, fo i um
tiro acid ental — o rev ó lv er disparou. A pessoa que age em
leg ítim a d efesa, senho res jurad o s, e isto não p recisa estar
escrito no C ó d ig o Penal — o C ó d ig o Penal, aliás, fo i feito
para atend er a no rm alid ad e do co m p o rtam ento hu m ano
— , ela c o n ta que m ato u, e exp lica p o r que o fez. A g o ra
v ejam , senho res jurad o s: a atitud e da fuga, e a atitud e de
quem v em aqui h o je c o n tar duas v ersõ es, a de que o tiro
fo i acid ental e a d e que só um tiro fo i d isp arad o . A teste
m u nha Jo ão falo u: “Eu o uv i q u atro ” . Essa arm a não fo i
enco ntrad a. Então , senho res jurad o s, é isto o que nó s p e
d im o s. Q u e os senho res, h o je, acatem o lib elo , acatem a
acu sação , e co nd enem o réu. M u ito o brig ad a,
53
ra. O ra, se fo i assim que realm ente ac o n tec eu , se a telev i
são não fo i d ad a, e sim tirad a, da m aneira co m o co nsta no
p ro cesso , é que hav ia realm ente uma d iscussão . Então , essa
d iscussão caracteriz aria, o u m e p erm itiria, c o m to d a a h o
nestid ad e, trazer, co m o vo u lev ar a Vossas Ex c elên c ias, o
p rim eiro ped id o : a tese de uma leg ítim a d efesa pró p ria. Eu
até extrap o lei um p o uquinho na m inha g esticuiação , q uan
do uma das pesso as estav a faland o , a irm ã da v ítim a, po r
que o d ep o im ento d ela v em ao enco n tro do que o réu d is
se aqui. e me disse anterio rm ente: que ele não tin h a arrua,
e que quem v eio armad a à sua casa fo i a p ró p ria v ítim a. A í
eu g esticu lei, fiz assim (c o lo c a as mão s po stas em p rece),
po rque era a ú nica c h an c e de p ro v ar que ele não estav a
m entind o . O réu d isse, num p rim eiro m o m ento , que esta
va em sua casa. C o rreu , esqueceu de um d etalhe im p o r
tante. M as, d ep o is, co m o a verd ad e sem pre aflo ra, então ,
essa verd ad e v eio , d e um a o utra fo rm a. Ele d isse que esta
va em sua casa, p o rque trabalhav a à n o ite — isto ele não
d isse aqui, mas disse para m im ; eu até p erg untei a ele po r
que não c o n to u isto ao juiz, e ele me exp lico u que estav a
m uito nerv o so . Eu p erg untei: “ Q u em estav a na sua casa?” ,
e ele resp o nd eu: “ A m inha espo sa e m inhas filhas, de três
e quatro ano s. Lu c sr-v a d o rm ind o po rque trabalhav a à
n o ite ” . Isto não co n sta d o p ro cesso ; eu esto u d izend o . E eu
sou um ho m em de 55 ano s de id ad e e jam ais v iria aqui
pára m entir e para d esresp eitar...
54
O ad v o gad o reto m a a d efesa, enq u anto a p ro m o to ra aind a
fala, co m o se não se im p o rtasse co m o que ela diz. E c o n tin u a,
d irig ind o -se ao júri:
55
.u .u u , acim o res, s>e ele lev o u um rev ó lver, ele jam ais ima-
g inav a que ia lev ar um tiro ? Ele sim p lesm ente d eixo u o re
v ó lv er pra lá, e carreg o u a telev isão , send o que o rev ó lv er
v aleria cinco , sete vezes mais do que a pró pria telev isão ?
En tã o n ó s jã te m o s aq u i, p ara V o ssas Ex c e lê n c ia s
m ensurarem , o fato d e que o rev ó lv er era da v ítim a e que a
v ítim a fo i armad a.
O ra, se o réu está em sua casa, co m sua fam ília, n o d escan
so do seu lar, apó s o trabalho , e se v ê am eaçad o , en tão aqui
é que Vossas Ex c elên c ias v ão dizer se ele estav a o u não em
d ireito de leg ítim a d efesa. A g iu ele em leg ítim a d efesa?
Estav a ele, ou não estav a, se d efend end o de uma agressão
grad ual, injusta, irrev erente ? Se Vossas Excelências en te n
d erem que o réu agiu em leg ítim a d efesa, Vo ssas Ex c e lê n
cias resp o nd erão s im .
56
ad v o g ad o d e d e fe sa re f o rç a a te se d e le g ítim a d e fe sa,
relembrand o que a v ítim a f o i a c i n t o s a m e n t e arm ad a à casa do
réu, para co b rard he uma d ív id a d e m o d o v io lento e injusto .
Ele tam bém tro uxe à co nsid eração d o s jurad o s a info rm ação de
que o réu tin h a sid o ho sp italiz ad o e que, em fu nção d isso , q u al
quer v estíg io d e ferim ento causad o pela luta co rp o ral teria sid o
elim inad o p ela p ró pria ação m éd ica.
Liílo s os quesito s, fo i co nv o cad o o co n selh o d e senten ça
para o v ered icto , e o juiz leu a sentença:
5?
esd rúxula que fo ra criad a: ura ho m em armad o inv ad e uma casa
de fam ília e am eaça a integ rid ad e d e um ho m em p o bre, d iante
de sua m ulher e de suas filhas p equenas. Esta im agem c erta
m ente peso u na d ecisão dos jurad o s — e po r que não dizer,
das ju rad as ? O ad v o g ad o f o i h áb il; carre g av a
p rin cip alm e n te ,
nas em o çõ es quand o entend eu ser p reciso , co nfro nto u a p ro
m o to ra quand o lhe p areceu co rreto , ad o ço u a voz em certo s
m o m ento s, end ureceu o to m em o utro s. .
A d espeito de uma tese tecnicam ente co rreta, a acusação
peco u ao d esm erecer pequeno s d etalhes da histó ria. A lém disso,
a pro m o to ra o pto u pela p o sição de superio rid ad e, o que parece
ter causad o um efeito ind esejad o so bre o júri. Exatam ente ao
co ntrário , o d efenso r se m antev e hum ild e, utilizou uma postura
v o cal suave e co ntrita. G anh o u a simpatia dos jurado s para a sua
tese, apo iad o no fato da v ítim a ter invad id o a privacid ad e da
casa do acusado, que não teria tid o o utra saíd a senão d efend er a
ho nra de sua fam ília. V enceu pela sed ução do env o lv im ento .
58
IV
C a p ít u l o
Ave, palavra
Palav ras escritas, p alav ras articulad as, p alav ras p ensad as.
Em to d as as suas fo rm as, a p alav ra tem um a im p o rtân c ia
m arcante. Isto é bastante v isív el quand o o uvim o s o u lem o s uma
exp ressão , urna frase esp ecífica que no s ating e, co rp o e alm a,
transp o rtand o -no s in stan tan eam en te d e um estad o m e n tal e
em o cio nal para o utro , O arreb atam ento que a bo a p o esia é c a
paz de produzir, po r exem p lo , o u as em o çõ es e as certezas que
um bo m d iscurso é capaz de ev o car em nó s.
Po r isso, não p o d eria faltar neste trab alho um a reflexão
esp ecífica so bre a p alav ra e os fato res que co m p õ em o c o n tex to
em que ela é p ro nunciad a, escrita, enfim , registrad a e p ublicad a:
os gesto s, as inflexõ es, a p o stura, as exp ressõ es faciais, etc . A
p alav ra é, em si, o elem en to m aio r da sed ução , o p rincip al re
curso à d ispo sição de ad vo gad o s e p ro m o to res p ara exercerem
suas funçõ es. Ela é, mais d o que p o r assim dizer, a ferram enta de
trabalho do p ro fissio nal d o D ireito .
Frases bem articulad as p o d em g arantir que os sig nificad o s
sejam transm itid o s c o rretam ente, no que diz resp eito à o b je ti
v id ad e. A palav ra é im p o rtante, sem d úvid a, p ara co m u nicar
fato s, id éias, pedido s o u o rd ens, racio cínio s, em suma, um sig
nificad o o b jetiv o , que p o d e ser co m p artilhad o p o r m eio d ela
entre d iferentes pesso as. N o en tan to , a c o m u nicação p ro p icia
d a p ela p alav ra e os efeito s pro d uzid o s po r ela não se restrin
gem aos co nteúd o s o b jetiv o s: os sig nificantes, em esp ecial no
âm b ito da o ralid ad e, fazem to d a a d iferença entre umas o u o u
tras co nseq ü ências que a p alav ra p ro nu nciad a po d e produzir.
D essa m aneira, é fund am ental lev arm o s em co nsid eração o to m
d e voz, o ritm o das frases e o m o d o co m o são articulad as p elo
falante — tud o co ntrib u i p ara em p restar à p alav ra 'alternativ as
d iferentes d e en tend im ento po r p arte d o aud itó rio . A nalisare
mos, neste cap ítu lo , as p rincip ais qualid ad es que fazem da p ala
vra o ral, esp ecialm ente num c o n te x to d e d eb ate, um po d ero so
elem ento d e sed ução . V am o s id entificá-las no s p rincip ais e le
m ento s env o lv id o s no ato d e falar a um d eterm inad o p úblico .
E co nstatarem o s, p o r exem p lo , que m esm o a ausência da
p alav ra p o d e ser um a m aneira extrem am ente eficaz de ap licar
a sed ução no s recep to res d o d iscurso . O silên cio , assim, entre
ás p alav ras, não po d e ser p o sto d e lad o co m o m eno s im p o rtan
te o u co m o urna neg ativ id ad e.
A n te s de pro sseguirmo s, v ale lem brar que a utiliz ação da
p alav ra, para o bter um ou o u tro o b jetiv o , é basead a em té c n i
cas que nasceram d a p ró p ria exp eriência dos falantes, dos seres
hum ano s, ao lo ng o de m ilênio s. Existem asp ecto s m uito im
p o rtantes das cap acid ad es d e exp ressão e de sed ução da p alav ra
que d eco rrem das m aneiras co m o se relacio nam as pesso as, e n
raizados em tem p o s m uito antig o s, mais v elho s que as pró prias
líng uas co nhecid as, bem m ais jo v ens que a p ró p ria cap acid ad e
d e falar.
A ssim , utilizar b em a ling uag em em to d o s os seus elem en
to s sig nifica p raticam ente g arantir a o b ten ç ão d e resultad o s e x
p ressiv o s; utiliz á-la m al, p o r o u tro lad o , po d e causar a co n d e
n aç ão d e quem p ro fere as p alav ras ou, pior, d aquele que d elas
d ev eria se beneficiar.
1. A linguagem
A grand e im p o rtância d a ling uag em po d e ser co nstatad a
p o r m eio d o estud o de d iv erso s asp ecto s d o p atrim ô nio cultural
60
da humanid ad e, além da p rática co tid iana do D ireito . Po r exém -
pio, a Bíblia c o n tém uma p o d ero sa aleg o ria a esse resp eito , em
que a p ró pria d iv ind ad e é id entificad a co m a p alav ra. Trata-se
dos verso s iniciais do Ev ang elho segund o São Jo ão :
61
pos de c o n h ec im en to e exp ressõ es de atitud es. A classificação
desses sistem as fo i esquem atiz ad a p o r d iferentes esp ecialistas.
D entre estes, p o d em o s c itar alguns brasileiro s: Reg in a To led o
D am ião e A n tô n io H enriq ues, D o m ing o s Pascho al C eg alla e
Jân io Q u ad ro s.1/
d a lín g u a p o r t u g u e s a e C u r s o p r á t i c o d a lín g u a p o r t u g u e s a .
62
A linguagem d o co rp o é, às v ez es, mais v eríd ica que a lin
guagem falad a p o rque é in c o n sc ien te e inco ntro lad a. N o r
m alm ente, as duas d ev em co m p letar-se m u tuam ente. Es
cu tar apenas uma d elas p o d erá ind uzir-no s em erro s de in
terp retação .
A p rend a a co m p reend er a linguagem do co rp o . O s gesto s.
O to m d a voz. O s m o v im ento s do co rp o para a frente, para
trás. A m aneira, natu ral o u d esajeitad a, de sentar-se. Tam
bém a m aneira d e sair d e um elev ad o r, de se co m p o rtar na
rua quand o só o u aco m p anhad o o u quand o en c o n tra c o
nhecid o s. A m aneira d e co m p o rtar-se numa reunião so cial.
A p rend a a rec o n h ecer o ho m em fo rte ou fraco , sincero o u
fing id o , seguro o u inseg uro d e si, sensív el ou insensív el,
aquele que se d eixaria d o m inar, aquele que reag iria, aq u e
le que nem p erceb eria o que está aco ntecend o .
Po r sua vez, o bserv e-se a si m esm o para só transm itir os
sinais que quer transm itir. Se ja um bo m ato r. (...)
Para os que se hab itu aram a o bserv á-lo s, os sinais rev elam
tu d o .19
63
2. A linguagem do silêncio
N ão resta d úvid a de que calar-se tam bém é uma m aneira
de se co m unicar. To d o s são capazes de reco rd ar situaçõ es em
que o silêncio de alguém fo i mais elo q ü ente do que m il d iscur
sos. D e íato , este recurso p o d e ser utilizad o m ag istralm ente para
seduzir um aud itó rio , co rno no trecho citad o do d iscurso do
ad v o g ad o Brig ance, no film e T e m p o d e m at ar , co m o intu ito de
p rep arar os jurad o s para o fec h o de o uro de sua fala, surp reen
d ente e co rtante.
Ed w ard Lopes, num belíssim o trabalho de sem ió tica, o b
serva:
64
úrxico do art. 186 d o C ó d ig o d e Pro cesso Pen al20'A, m o d ificad o
pela Lei 10.792/ 2003, afirm e exp ressam ente: “ o silêncio , que
não im p o rtará em co nfissão , não p o d erá ser interp retad o em
prejuízo d a d efesa” , fato é que o juiz, ao fo rm ar sua co n v ic ção ,
pode interp retar o silêncio inv o cad o pelo réu co m o susp eita de
ele ser realm ente o a u t o r do crim e.
A C o nstitu ição Fed eral d eterm ina, em seu artigo 5 S, inciso
LXIII, que 1'‘o preso será info rm ad o de seus d ireito s, entre os
quais o de p erm anecer calad o , send o d he assegurada a assistência
da fam ília e d e ad v o g ad o . Fo i c o m o ad v e n to d a c arta
co nstitu cio nal de 1988, bem co m o co m a p o lêm ica gerad a co m
o cho que ev id ente co m a antig a red ação do citad o art. 186, que
o leg islad o r infraco nstitu cio nal co lo co u um a “ pá d e c al” na
questão , p acificand o o entend im ento da g arantia d o silêncio
do acusad o , sem c o nd icio nar essa g arantia a nad a, o u seja, sem
que o réu possa ser p rejud icad o po r isso20'8.
65
co nseq ü ência natu ral para pesso as frágeis, em o cio nalm ente perturbad as ou
que não possuem a d evid a assistência juríd ica. N ão se neg a que no esp írito do
m ag istrad o o silên cio inv o cad o p elo réu p o d e gerar a susp eita de ser ele
realm ente o auto r d o crim e, em b o ra, aind a que tal se d ê, é d efeso ao magistrado
externar o seu p ensam ento na sentença. O ra , co m o to d a d e c i s ã o d e v e ser
fund am entad a, ' •silêncio jam ais d ev e co m p o r o c o n tex to de arg um ento s do
magistrad o para sustentar a c o n d e n a ç ã o d o acu s ad o . É p reciso abstrair, po r
co m p l e to , o silêncio d o réu, cas o o exerça, p o rq u e o pro cesso p en al d ev e ter
instru m ento s suficientes para co m p ro v ar a culp a d o acusad o , sem a m eno r
necessid ad e de se valer do pró prio interessad o para co m p o r o q u a d ro pro bató rio
da acusação ,-Se o Estad o aind a n ão atingiu m eio s d eterm inantes para tanto ,
/ to m and o imprescind ível o uvir (3 réu para fo rm ar sua culpa, é po rque se enco ntra
em nítid o d esco m passo , que p recisa ser co nsertad o p o r o utras vias, jam ais se
po d end o exigir que a ineficiência dos órgãos acusató rio s seja suprida pela defesa.
- “ ''Ê o que ig ualm ente sempre d efend eram A d a P e l l e g ri n i Grirto v er, A n to n io
M ag alhães G o m e s Fil h o , A n to n io S c a rrm c e F e rn a n d e s , V i c e n t e G r e c o F i l h o ,
crim e. O réu po d e p erm anecer ab so lu tam ente inerte, co m p arecer o u não aos
interro g ató rio s, respond er ou não , sem que essa co nd uta lhe prejudique a defesa.
N ão raro , aliás, o escriv ão de p o lícia ou a pró pria auto rid ad e p o licial sugere ou
induz o inv estig ad o a resp o nd er ap enas em juízo , isto pela lei d o m eno r esfo rço
ou po rque o utras autuaçõ es em flag rante o s aguard am’ (TJSP, A p . 286.117-3,
São Paulo , T C . de Férias d e Jan eiro de 2000, rei. C elso Lim o ng i, 12-1-2000,
v. u .). Para m aio res d etalhes so bre o tem a, v er d e no ssa auto ria O v a lo r i a
66
C o ntu d o , é tam bém verd ad e que m esm o ro d ead o de to d as
•éssas g arantias legais e co nstitu cio nais, po d e o co rrer de o juiz
co nv encer-se de que o acusad o é culp ad o p elo crim e do qual
está send o julgad o , p elo fato d e calar-se d iante de ev id ências
ou p erg untas que lhe sejam feitas d u rante o interro g ató rio .
M u ito em bo ra nenhu m m ag istrad o possa basear-se nesse fato
o u c o lo c ar esse arg u m en to em sua se n te n ç a, o seu liv re
c o n v en cim en to pod erá ser influ enciad o p elo silêncio inv o cad o
p elo réu.
O silêncio pred ispõ e. O silêncio acio n a um estad o d e aler
ta, para o bem ou para o m al. O silêncio acum p licia. O silêncio
env o lv e. O silêncio aco b erta. O silêncio fu ncio na, p o rtanto ,
co m o um sig no , co m sig nificad o s que v ariam de aco rd o co m o
c o n tex to , a fo rma e o m o m ento d o d iscurso em que se insere.
3. Argumentação
O s recurso s d isp o nív eis para c o n v en cer uma au d iência a
resp eito de um assunto qualquer são a a r g u m e n t a ç ã o e a retórica.
A p rim eira, d evemo s acrescentar o que A ristó teles cham o u de
pro v as d ialéticas.
A p alav ra d ialé t ic a serv iu, d u rante m uito s século s, para
no m ear a pró pria ló g ica. Isto ind ica o quão intim am ente estão
ligad as, histo ricam ente, a busca d a v erd ad e, a busca po r rac io
c ínio s co rreto s, por um lad o , e o d ebate entre as pesso as, a pes
quisa realizad a por m eio d o d iálo g o . E interessante fazer um
co n traste entre duas fo rm as d e rac io cín io , o -d ialético e o an alí
tic o , para co m p reend erm o s co m o a p alav ra é usada no s d iscur
sos no tribu nal do jú ri, no sentid o de seduzir os jurad o s para
um a d eterm inad a p o sição .
y O racio cínio d ialético é um a fo rm a p aralela ao rac io cín io
an alític o ; a p rincip al d iferença é que o p rim eiro trata d o que é
v ero ssím il, isto é, da razo abilid ad e dos elem ento s que o d iscurso
utiliza p ara se co nstruir e co m u nicar alg o , enq u anto o segund o
67
o p era a p artir de p ro p o siçõ es necessárias, quer dizer, d e afirm a
çõ es universais cu ja v alid ad e resid e ju stam ente no fato d e tra
tar de verdades g enéricas. D esta m aneira, co nstatam o s que o
m o d o d jalé tic iié a fo rm a d e linguagem que se esp era enco ntrar
no s discursos juríd ico s, p o is é em fu nção do aud itó rio que to d a
arg um entação d ev e se d esenv o lv er, e p o r sua p ró p ria natureza
um ju lg am ento d ep end e d a co nsid eração de elem ento s abso lu
tam en te ind iv id uais, já que está em jo g o a vid a d e pesso as cu jas
açõ es d ev em ser avaliad as por seus sem elhantes.
O d ebate, tal co m o o co rre no tribunal do júri, lev anta ques
tõ es so bre co m o ating ir a verd ad e dos ac o n tec im en to s ap resen
tad o s no pro cesso . Este p ro blem a fica claro nas reflexõ es de
D escartes a esse resp eito :
21 R e n é D escartes, R e g r as p a r a a d i r e ç ã o d o e s p ír it o , p. 105.
68
sobre a culp a o u in o c ên c ia de alguém que é acusad o de ter c o
metido um crim e. A ssim , no caso d elinead o po r D escartes, é
co mo se acusação e d efesa estiv essem am bas certas, o u ambas
erradas: de to d o m o d o , a arg um entação de cad a p arte p recisa
utilizar elem ento s de sed ução , já que se trata d e lev ar um grupo
de pessoas a v iv enciar, a se id entificar co m a subjetiv id ad e do
réu e suas razões, para então ju lg á-lo .
C haim Perelm an d estaca um p o nto fu nd am ental p ara essa
reflexão , que p õ e em xeque a p ró pria verd ad e, na abo rd agem
pro p iciad a p ela arg um entação :
Para os p artid ário s das ciên cias exp erim entais e ind utiv as,
o que c o n ta é m eno s a necessid ad e de p ro p o siçõ es d o que
a sua v erd ad e, s u a c o n f o rm id a d e c o m os f a t o s .22
70
isto é, na relação co m um fim d eterm inad o que o lo cu to r
visa o b ter no o u v in te.23
71
aud itó rio s p articu lares, não p retend end o ad quirir a u niv ersa
lid ad e da d em o nstração .
O filó so fo Scho p enh au er articula o p ro blem a em seus e x
trem o s:
24 A rth u r Sc h o p en h au er, C o m o v e n c e r u m d e b a t e s e m p r e c is ar t e r r a z ã o , p.
111 - 112 .
72
4. Retórica
A r e t ó r i c a po d e ser d efinid a, em term o s am p lo s, co m o a
arte d e falar bem , isto é, a arte de usar to d o s o s recurso s d a
linguagem co m o o b jetiv o d e p ro v o car um d e te rm in ad o efeito
no s o uv intes,
25 Q u in tilian o , In s t it u t io o r a t o r ia , p. 180.
73
Fedro, em que se ap resenta a id éia de persuad ir os deuses. A
esse resp eito , no entanto , o tratad o mais c o n h ec id o da A n ti
guidad e é a R e t ó r ic a , de A ristó teles. N essa o bra, o esta.gi.rita
caracteriz a a retó rica co m o uma arte co rretiv a, instrutiv a, su
g estiv a e d efensiv a.
Po sterio rm ente, entre os latino s, tam bém ho uv e impo r
tantes p ensad o res que se d ebruçaram so bre o tem a. U m d eles
fo i o ro m ano C ícero , que exp ô s sua d o utrina so bre a retó rica
em três liv ro s, co m a id éia central de que o o rad o r p erfeito seria
o ho m em p erfeito . A ssim , p ercebem o s que para esse mestre
hav ia um a co rrelação íntim a entre a v irtud e e a cap acid ad e de
se exp rim ir p ersuasiv am ente. U m p o nto de v ista sem elhante se
en c o n tra em Q u intilian o , o u tro m estre de retó rica de Ro m a,
cu jo tratad o intitulad o I n s t it u t in o r at c m a é a exp o sição mais co m
p leta e sistem ática do assunto .
A ristó teles, C íc ero e Q u in tilian o insp iraram to d o s os tra
tado s p o sterio res. D u rante a Id ad e M éd ia e a R en ascen ça, a
retó rica fazia p arte do t r iv iu m (ju n tam ente co m a g ram ática e a
ló g ica), co m o ind isp ensáv el requisito ed u cacio nal. O t r iv iu m
era uma esp écie de currículo b ásico , que d ev ia ser ensinad o a
fim de fu nd am entar o estud o d o q u a d r i v iu m (aritm ética, g eo
m etria, m úsica e astro no m ia); ju nto s, os d o is agrup am ento s for
m am as assim cham ad as ar t e s lib e r ais .
N o s século s p o sterio res, a retó rica se d esenv o lv eu aliad a a
d iferentes d iscip linas, co m o a ló g ica, e fo i subm etid a a d o utri
nas m ajo ritárias, co m o a relig ião cristã — esp ecialm ente, na
ed ucação — e a literatura. O uso que d ela fez o ro m antism o
literário , p o r exem p lo , lev o u a uma m ud ança que substituiu a
atitud e trad icio nal em relação à retó rica p o r um a ho stilid ad e
d eclarad a. Po r m uito tem p o , a p alav ra r e t ó r i c a serv ia para d e
signar, na linguag em co m um , um cuid ad o excessiv o e fo rçad o
co m os asp ecto s técnico s da língua e um exag ero dos elem ento s
fo rm ais e o rnam entais do d iscurso . D e to d o m o d o , esse sig nifi
cad o p ejo rativ o preciso u ser rev isto para que a retó rica renas
74
cesse num a p ersp ectiv a leg ítim a. Se , no passad o , a arte do c o n
v encim ento d ecid ia o d estino d o s cid ad ão s de um a co m unid a-
d e, no p resente sua im p o rtância é in c o n testáv el, à m ed id a que
enfrentam o s q u estõ e s b astante sem elhantes, que b asicam ente
dizem resp eito às d isputas entre o s seres h u m an o s .
A in d a que tenham o s enfatiz ad o , até aqui, o uso da retó ri
ca na reso lução de p ro blem as lig ad o s ao d esenco ntro entre in
teresses ind ivid uais, ela tam bém tem sid o utilizad a, ao lo ngo
d o tem p o , co m o um instru m ento de c o n tro le so cial e m anu
tenção do pod er. Po r exem p lo , M aq u iav el, em suas m ensagens
ao s M éd ici, d estacav a a im p o rtân c ia d e um c o n h e c im e n to
am p lo e p reciso da realid ad e para ed ificar os d iscurso s que ser
viam para ju stificar e m anter a fam ília no po d er. N o pro cesso
p enal m o d erno , esses elem ento s — o c o n v en c im en to ind iv i
d ual e o co ntro le da situ ação p o r m e io d o c o n h ec im en to d o s
fato s co ncreto s — aind a ap arecem . A retó rica, nesse c o n tex to ,
é ind isp ensáv el para o c o n v en cim en to .
■ Essa arte inclui algumas características de m anip ulação ,
po r exem p lo através do uso d e id éias larg am ente aceitas, ou
fato s que são narrad o s de m aneira a c o n d ic io n ar o aud itó rio a
p ercebê-lo s de uma m aneira b astante esp ecífica, sem flex ib ili
d ad e d e p o nto s de v ista. E assim que co nstatam o s, d entre o u
tras co isas, que as crenças mais só lid as são as que não só são
ad m itid as sem pro va, mas tam b ém , m u ito am iúd e, sem nem
sequer serem exp licitad as.
O que acabam o s de m en cio n ar po d e ser m ais bem e n te n
dido ao analisarm o s b rev em ente o fenô m eno da p r o p a g a n d a .
U m de seus fato res essenciais é o c o n d ic io n am en to do au d itó
rio atrav és de num ero sas e variad as técn icas que utilizam tud o
qu anto po d e influenciar o co m p o rtam ento . Essas técnicas exer
cem um efeito ineg áv el para p rep arar a au d iência, para to rná-
la mais acessív el ao s arg um ento s que lh e serão ap resentad o s.
N a p ublicid ad e m o d erna, o que im p o rta é co nq u istar o co nsu
m id o r — po r m eio de frases de efeito , hum o r, sátira, iro nia, ou
75
pelo im p acto da im ag em — e não necessariam ente exaltar as
qualid ad es do pro d uto . O pro d uto , às vezes, fic a em p lano se-
cund ário em relação à ap resentação que fo i estab elecid a para
ele. N a retó rica, a utiliz ação da linguagem é feita de m o d o se
m elhante. Se na exp o sição d em o nstrativ a a relação en tre os
fato s e as p ro p o siçõ es é essencial, na retó rica, p o r o u tro lad o , o
( q u e co n ta é a transp o sição dos f ato s em im ag ens, e não e m
jfrases analíticas.
A c itaç ão a seguir ilustra um p ro blem a sem elh an te, e n
frentad o p o r to d a pesso a que lançar m ão da retó rica num d is
curso :
76
• U m a razão ho m o g ênea e univ ersal, quer dizer, que ela
esteja d istribuíd a entre to d o s os seres hum ano s e que suas
co nd içõ es d e “fu ncio nam ento ” sejam unifo rm es.
• A necessid ad e d e co m p reensão , ou seja, um a d isp o sição
para aco m p anhar os argum ento s e ap reend ê-lo s.
• Urna o b jetiv id ad e sem suspeitas, isto é, q u e.não possa
ser q u estio nad a, desde que fund ad a so bre certezas só li
das, tais co m o d eterm inad as p elo m éto d o cartesiano .
Esses elem ento s fo ram rad icalm ente questio nad o s pelo s
pensad o res que Paul R ic o eu t d eno m inav a m e s t r e s d a s u s p e it a :
Sigm und Freud , Karl M arx e Fried rich N ietz sc h e .28 C o m eles, a
razão, a su bjetiv id ad e c o n sciente e os d eterm inantes so ciais do
ind iv íd uo fo ram d estrinçad o s sem apego a pressupo sto s so bre
os asp ecto s p sico ló g ico s da racio nalid ad e e do po d er de julg a
m ento hu m ano .
A ssim , o que po d em o s cham ar de “crise d a razão ” , que e x
plodiu na v irad a d o século X IX para o X X , se d esd o bro u ao
lo ngo dos últim o s cem ano s e, em bo ra não ten ha sido supera
do, esse p ro b lem a traz esclarecim ento s im p o rtantes so bre o uso
da retó rica. Se a fu nção da razão é p rincip alm ente fazer rep re
sentaçõ es do m und o na co nsciência, ela não fo rnece os meio s
ad equado s p ara exp rim i-lo .
D e to d o mo d o , aind a que não possa prescind ir dos d esenvo l
vimento s da retó rica ao longo dos séculos, o seu uso no discurso
juríd ico ev o ca e requer a aplicação do mesmo espírito que inspira
va os grandes auto res da A ntiguid ad e. C o m o afirma Q uintiliano :
77
tem p o to d as as perfeiçõ es d o discurso e a pró pria mo ralidade
do o rad o r, v isto que não se p o d e v erd ad eiram ente falar
bem sem ser um ho m em de b em .29
29 Q u in tilian o , In s t it u t io o r a t o r i a , p. 180.
30 C h aim Perelm an e Lu cie O l b re c h ts - T y te c a , T r a t a d o d a a r g u m e n t a ç ã o , p . 4-
78
uma p ro d uto ra de so fism as, ele su stenta que a p ersuasão te n
d ia a n ascer graças ao s efeito s d o estilo esco lh id o , que tan to
eram cap azes de pro d uzir sen tim en to s d e prazer q u an to de
ad esão . N este sentid o , c am in h a-se p ró xim o ao lim ite que se
p ara um a arg u m entação rac io n al da irracio nalid ad e. A beleza
de uma e l o cu çã o , que p ro p o rcio ne prazer e agrad e ao s o u v i
d os, tem m u ito mais a v er co m as em o çõ es que ev o ca, c o m os
sen tim ento s que m anip u la, d o que c o m a razão que p recisa
d irig i-la.
A esta altura, p o d em o s d esd o brar os sig nificad o s co ntid o s
na afirm ação de que a retó rica é a arte de b em falar. D esta fo r
ma, ela p ro cura:
79
. Para d eterm inar os co m p o nentes d e um d iscurso que é bo m
segund o a retó rica, até p ara co m p arar c o m a fo rm a d e sua ap li
cação no d iscurso ju ríd ico m o d erno , v am o s reco rrer a C íc ero ,
um dos m aio res o rad o res-d e to d o s os tem p o s:
80
• A narração d esd o bra o tem a em to d as as suas p o ssibilid a
des, d entro dos lim ites do discurso , exp o nd o -o de m a
neira fav o ráv el e clara; espera-se que a narração co nq u iste
o aud itó rio para a causa d efend id a e, assim , o p red isp o
nha a esco lher a so lução que é m o strad a p elo o rad or.
« A argumentação v em para sustentar a alternativ a alm e
jad a p elo o rad o r; nela, são ap resentad o s o s pró s e os co n -
tras de cad a o p ção , de m o d o a m o strar a resp o sta d eseja
da co m o a so lução co rreta para a questão .
* À pemraçãOf finalm ente, exo rta a au d iência a to m ar a
d ecisão d efend id a p elo o rad o r; ela d ev e rev elar co m o a
so lução p ro p o sta co rresp o nd e ao p ro blem a analisad o .
5 . D e f e it o s e f a l á c i a s d o d i s c u r s o
81
Para esclarecer o p ro blem a, vam o s dar exem p lo s que, em
bo ra p ro saico s, d em o nstram co m o a d ed ução e a ind ução são
utilizad as c o n ju n tam en te, o tem p o to d o , e será fácil ver então
co m o os erro s nesse p ro cesso p o d em s'e traduzir em d efeito s
discursivo s.
N o d ia-a-d ia, utilizam o s m o d elo s estab elecid o s para c o m
p reend er o m und o ao no sso red o r e para to m ar d ecisõ es. Em
o utras palav ras, utilizam o s co n hecim en to s g enérico s (afirm a
çõ es universais, o u premissas m aio res, para usar a linguagem da
ló g ica) para entend er fenô m eno s esp ecífico s (exp resso s em p re
missas m eno res, afirm açõ es p articulares). Isto p o d e ser c h am a
do, em term o s am plo s, de racio cín io d ed utiv o . A o m esm o tem
po , os c o nhecim ento s g enérico s se o rig inam de no ssa exp e
riência, isto é, de term o s exp erim entad o ou testem unhad o re
p etid as vezes o ac o n tec im en to de fenô m eno s ind iv id uais. A
p artir de o bserv açõ es d eliberad as o u de ap rend izad o sim ples,
p ercebem o s as regularid ad es desses fato s e so m o s capazes de es
tab elecer relaçõ es d e causa e efeito , etc. Isto é o que po d em o s
d eno m inar, tam bém em sentid o lato , de racio cín io ind utiv o .
Po r exem p lo , uma pesso a que m o ra a c in c o quilô m etro s
d o trabalho , e vai trabalhar usand o o carro , enfrenta uma ro ti
na que lhe p erm ite d efinir m o d elo s; po r esta razão, po d e passar
meses saind o d e casa quinze m inuto s antes do ho rário de c h e
gar ao escritó rio . Q uand o surge um buraco no v o na estrad a, ou
há um acid entç., ou cho v e m uito , o m o d elo d eixa de valer, a
ro tina muda, e ele se atrasa. Esta p esso a deduz, para sair de casa
em d eterm inad o ho rário , que tud o se dará naqu ele dia co m o
no s dias p reced entes; ela acred ita nisto p o rque, p o r ind ução ,
fo i lev ad a a crer que a realid ad e se m o stra sem pre da m esm a
m aneira, neste asp ecto p articular.
C h eg ar p rem atu ram en te a c o n c lu sõ e s, no rac io c ín io
ind utiv o , tam bém é uma fo nte freqüente de erro s. U m turista
d istraíd o que passar alguns dias na praia de C o p acab ana po d erá
estab elecer o m o d elo de que to das as pesso as do Rio .d e Janeiro
82
usam trajes de banho e vão à p raia. Esta g eneraliz ação seria
.feita a p artir de uma base d e exp eriências p equena d em ais para
um a c o n c lu são seg u ra, o q u e c o rresp o n d e a e s ta b e le c e r
esp ecificaçõ es para a re al id ad e sem o s u p o rte d o s fato s. Esses
d efeito s se mo stram tam bém s u ti l m e n te , m uitas vezes f az en d o
a d iferença entre o c o n v en c im en to que p o d e ser o b tid o po r
m eio das pro vas e aqu ele basead o tão -so m ente no c o n v e n c i
m ento em o cio nal do aud itó rio .
6. Erros
D e quantas m aneiras é p o ssív el errar, segund o a ló g ica, no
encad eam ento das id éias num d iscurso ? O th o n M . G arc ia afir
ma que são duas as p o ssibilid ad es:
32 O th o n M . G arc ia, C o m u n ic a ç ã o e m p r o s a m o d e r n a, p . 2 9 1 .
83
G arcia, aind a, fo rnece d ois exem p lo s que m en cio
p ar alo g is m o .
nam o s a seguir.
O so fism a im p lica m á-fé — “ To d o co m u nista lê M arx;
o ra, Jo aq u im C arap u ça lê M arx; lo g o , Jo aq u im C arap u ça é
c o m u n ista” . O rac io c ín io está errad o , p o rque não há term o
m éd io que liga a p rem issa m aio r à m eno r; lo g o , o silo g ism o
está errad o . A ind a que fo sse fo rm alm ente co rrig id o , no e n
tan to , a co nclu são aind a seria falsa, d ev id o à falsid ad e da p re
m issa maio r.
O paralo gism o , por sua vez, pressup õ e b o a-fé — “ To d o s os
p ro fesso res d ev em saber um p o uco de p sico lo g ia,p o rq u e o c o n
tato co m m entalid ad es em fo rm ação exig e d eles c erta c ap ac i
d ad e de co m p reend er o co m p o rtam ento e as reaçõ es dos jo v ens
p ara m elho r o rientá-lo s e ed ucá-lo s. O ra, v o cê é p ro fesso r; lo go ,
p recisa saber um p o uco de p sico lo g ia” . N este caso , em bo ra fo r
m alm ente co rreto , a co nclu são não é segura, p o rque a prem issa
m aio r é basead a no senso co m um e não tem necessariam ente
v alid ad e. Esse racio cínio po d e servir co m o recurso retó rico , mas
não p o d e ser sustentad o d iante de uma co ntrad ição ao s seus
term o s. Tam bém v ale acrescentar que esse tip o de p aralo g ism o
receb e o no m e de e p i q u i r e m a ,.d ev id o ju stam ente ao s seus fu n
d am ento s so bre uma p rem issa que po d e até m esm o ser p ro v á
v el, mas que não é certa.
7. P o s t u r a s f í s ic a s e n g a n o s a s
84
afirmaçõ es expressas po r o utra pesso a. À s vezes, esses gesto s
podem ser mais fo rtes do que d iscurso s inteiro s.
V ejam o s alguns exem p lo s d o que p o d eríam o s cham ar de
s o fi s m a g e s lu al, isto é,[interv ençõ es d urante a fala d e o utras p es
soas co m a finalid ad e de d esacred itá-la} em seus arg um ento s ou
em sua ind iv id ualid ad e, p ara d im inuir ev entu ais v antag ens
co nstruíd as pelo o utro p o r m eio de sua elo cu ção . Th ales N ilo
Trein dá alguns exem p lo s interessantes:
85
Trein lembra, aind a, que no im pacto da co m u nicação a esta
tística ap o nta para os seguintes número s no p lacar da eficácia:34
Palav ras: 7%
To m e v elo cid ad e d a fala: 38%
Fisio lo g ia (g esto s, face e o lho s): 55%
34 Id em, p. 79.
35 Edilberto de Campos Trovão, R e fl e x õ e s d e u m ap r e n d iz d e p r o m o t o r d e
no t r ib u n al d o jú r i, passim.
j u s t iç a
possui um grand e p o d er n a transm issão d e um a m ensag em e,
por co nseq ü ência, na sed ução d e um a au d iência. D aí a fo rça e
os perigos de um a p o stura física eng ano sa.
Mal-entendidos
U m a fala que ap resenta arg um entaçõ es basead as em m al
entend id o s p o d e co nd uzir a urna d ispersão , in ten c io n al o u não ,
das idéias. Isto po d e ser usado co m o um truque, p ro p o sitad a
m ente, quand o o d efenso r ou o p ro m o to r d eseja d esv iar a ate n
ção do jú ri de algum assunto o u das resp o stas de uma testem u
nh a interro g ad a no p lenário . U sad o c o n sc ien tem en te e co m
habilid ad e, esse v ício p o d e ser usado p ara a m anip u lação do
júri. Se o juiz p resid ente não estiv er m uito aten to ao s d etalhes
dos argum ento s ap resentad o s, o p ensam ento d o s jurad o s po d e
ser lev ad o a um cam inho eng ano so e inad equad o .
Preconceitos e prevenções
87
so cialm ente — e uma realid ad e interio r — p o is o p reco nceito
age enq u anto p arte do p siquism o . Esse fato p o d e ser usado a
fav o r dos interesses da p ro m o to ria o u d a d efesa, co nfo rm e a
d estreza de cad a um; de to d o m o d o , trata-se de um fenô m eno a
que as duas p artes d ev em estar b astante atentas, para que o
efeito dos p reco nceito s su bjetiv o s não se to rne p rejuízo o b je ti
vo para o réu ou a so cied ad e.
U m mo rad o r da zo na rural, acusad o de m atar para d efen
d er a ho nra da fam ília, p o r exem p lo , c ertam ente receb erá tra
tam ento d iferencial por p arte de um jú ri co m p o sto por seus
iguais, num a cid ad e p equena, que se o rganiza em to rno da vid a
no cam p o . O m esmo tratam ento seg uram ente não se ap licará
num a cid ad e de m aio r p o rte, mais urbanizad a, em que a cultura
c o n tra a m o rte p o r v ing ança ating iu estág io mais cristalizad o .
9. Os debates
A o co nsid erarmo s a utilização da palav ra no tribunal do júri,
não pod emo s perder de vista o fato de que as falas do advogado de
defesa e do p ro m o to r não exercem seu efeito so m ente através da
exp o sição de cad a um iso lad am ente; o p o d er de ação dos discur
sos tam bém se exercita através do d ebate, isto é, através de seu
co nfro nto . Em outras palavras, não pod emo s co nsid erar que d efe
sa e pro m o to ria vão sim p lesm ente ap resentar suas razões, cad a
um à sua vez, mas sim que as falas apresentad as vão se co ntrap o r
de m aneira d inâm ica, cho car-se m utuam ente em busca do c o n
v encim ento do co nselho d e.sentença. O co rre uma disputa co ns
tante, um em bate franco entre advogad o de defesa e promo tor,
em que o d esem p enho de cad a um é fund am ental para influenci
ar a d ecisão que o jú ri to mará. O d ebate no tribunal do júri não é
um m o v im ento d ialó gico em que ambo s os discursos alm ejam um
o b jetiv o em co m um — a verdade — mas uma co ntend a em que
não pod e hav er em p ate. C o m relação a esse asp ecto co ntencio so
do d ebate, Scho p enhauer tem uma reflexão precio sa:
M aq u iav el reco m end a que o Príncip e se ap ro v eite de cad a
instante de fraqueza de seu ad v ersário para o ap anhar: por-
que senão será este que p o d erá se ap ro v eitar d o instante
em que ele é fraco . Se reinassem a fid elid ad e e a leald ad e,
tud o seria d iferente: mas já que o ho m em não se d eixa
eng anar por elas, ele não as d ev e exercer, po is são m al re
co m p ensad as. O m esm o ac o n tec e nas d iscussõ es: se eu der
razão ao ad v ersário quand o ele p arecer ter razão, ele d ifi
c ilm en te fará o m esm o , quand o ac o n tec er o co ntrário : ele
irá, co m certeza, co ntinu ar a p ro ced er p e r f a s e t n e f a s : po r
tanto , é isto que eu tam bém d ev o fazer.36
89
saltand o essa o p o sição co m estrid ência, de m o d o que ele,
se não quiser p arecer co ntrad itó rio , tenh a de se d ecid ir
p ela no ssa tese, que, em co m p aração à o utra, se m o stra
. m uito mais p ro v áv el.37
3í Idem, p. 145.
38 Idem, p. 150.
90
d eseja apro v ad a p elo co nselho de sentença. N ão é d ifícil v er
que é im p o rtante que este recurso seja usado co m m u ita p reci
são e cau tela. C aso o s m em bro s d o jú ri d etectem a ten tativ a de
uso d essa tátic a, a cred ibilid ad e do ad v o g ad o será terriv elm en
te p reju d icad a ju nto a eles e, po r co nseq ü ência, estes ficarão
p red isp o sto s a d uvid ar de tud o o que ele diz.
Scho p enhau er relacio na, aind a, o utro s artifício s úteis para
v encer um d ebate;
j9 Idem, p. 151.
91
em duas d im ensõ es que, em bo ra d istintas, m anifestam -se c o n
ju ntam ente d urante a fala das p artes:
94
Q u atro meses m ais tard e, d u rante os p ro ced im ento s do
p ro cesso crim inal, a ju íz a San d ra de San tis M ello ab rand o u a
acusação d e ho m icíd io d o lo so p ara lesão co rp o ral seguid a de
m o rte; ela afirm av a qu e não h av ia ind icação de que o s jo v en s '
tinham in ten ç ão d e m atar. Su a d elib eração m o biliz o u a o p i
nião p ú blica, e ho uv e nu m ero so s p ed id o s para que a lei fo sse
ap licad a c o m m eno s brand ura n o caso . O d eb ate so bre a d eci-
são da juíza se d esd o bro u p o r v ário s d ias, em ed ito riais e m a
nifestaçõ es de leito res em jo rn ais de grand e c irc u laç ão , co m o
a F o l h a d e S . P a u l o e O E s t a d o d e S . P a u l o , e em c o m en tário s
d e p erso nalid ad es e p esso as co m u ns na telev isão e n o rád io ,
co m o a im p o rtante en trev ista c o n ced id a p elo c in easta e jo r
n alista A rnald o Jab o r a Jô So ares em seu p ro g ram a no tu rn o ,
que fo i ao ar pelo Sistem a Brasileiro de Telev isão em 16 d e
setem bro de 1997.
Em 15 de ago sto d e 1997, p o r exem p lo , o ad v o g ad o c rim i
nal Th ales C astelo Bran c o — que o cup o u a v ice-p resid ência
nacio nal da O A B de 1989 a 1991 — p ublico u um artig o que
co m entav a a d ecisão d a juíza:
95
inibisse a crim inalid ad e, serv isse de bo m exem p lo e fo sse
b en é fic o à so cied ad e.
Perg u nto -m e, estarrecid o e p erp lexo , se essa d iscussão
estap afúrd ia so bre um p ro cesso que nem c o n h ec em é ju s
ta. Ind ag o -m e se é étic a. Interro g o -m e se é co rreto julg ar
nas praças p úblicas e nas esquinas pesso as acusad as. E fico
atô n ito quand o v ejo ho m ens de caráter lim p o , d e bio g ra
fia sem jaç a, arreg açar as m angas co m o faiscad o res d e p e
dras p recio sas, garim pad as no lo d açal incerto das p o cilg as.
Ten h o certeza de que não o s anim a a m á-fé. Po rém quem
o usaria afirm ar que n ão d esserv em os v alo res que p reten
d em d efend er, ex atam en te a Ju stiça, cu ja cred ib ilid ad e re
pousa na im parcialid ad e, nas regras do d evid o pro cesso legal
e no p rincíp io da liv re c o n v ic ç ão do juiz?
N ão há o utra fo rma de fo rtalecer a Ju stiça e o Po d er ju d i
ciário se não resp eitarm o s as suas d ecisõ es, quand o elas
resultam do liv re c o n v en c im en to d o julg ad o r.
N ão me atrev i e nem m e atrev o a escrev er um a p alav ra
atacand o o u d efend end o esses rapazes que p raticaram um
ato realm ente rep ug nante e que ho rro riza a c o n sc iên c ia
d e qualquer ho m em m ed ianam ente civ iliz ad o .
M as d aí a critic ar a d ecisão ju d icial, exarad a num p ro cesso
que não c o n h eç o , há um a lo ng a cam inhad a. E não posso
m e arro g ar o d ireito de fazê-lo , so b p ena de ser inju sto . -
H o uv esse a juíza sid o subo rd inad a, ho uv esse passad o p o r
c im a das regras p ro cessuais d a susp eição , ho uv esse d esco n
fian ça d e que sua sen ten ç a tiv esse sid o resultad o de tráfico
d e influ ência, eu estaria nas p raças p úblicas e nas ruas —
co m o estiv e desde a m o cid ad e — , acicatand o os v en d i
lhõ es d o tem p lo que co nv erteram a casa d a Ju stiç a num a
v end o la.
Po rém nad a disso o co rreu . A o co ntrário : n o silêncio de
interm ináv eis no ites, essa juíz a d ev e ter p ensad o e rep en-
sad o na causa. Terá av ançad o em fluxo s de ind ig nação e
refluíd o , insp irad a p ela santid ad e da to g a, à m ed itação se
rena, à d ifícil av aliação d o elem ento su b jetiv o da co nd u ta
d e satin ad a e c ru e l d esses m o ço s. A té e x trair d a sua
criterio sa av aliação a d ecisão que a sua c o n sc iên c ia d ito u
co m o ju sta e necessária.
A ser ju sticeira — para relem brar o pad re A n tô n io V ieira
— terá p referid o ser ju sta. Teria ad icio nad o num dos p ra
to s da b alança da ju stiç a, sim bo lizad a p ela d eusa Têm is,
alguns gramas d e p ied ad e, tão pró pria d a m arav ilho sa c o
ragem das m ulheres? Terá se lem brad o d a ad v ertência se
v era e sábia de que o ho m em , quand o ju lg a o u tro ho m em ,
está usurp and o a fu nção d iv ina?
N ão sei. N ão c o n h eç o a juíza nem ten h o p ro curação para
d efend ê-la. A lo ng a e p eno sa vid a de ad v o g ad o crim inal é
que m e d esp erta para essa em p reitad a, p o uco me im p o r
tand o se a causa é im po pular.
Se ja co m o .for, não tenho v eleid ad e de to m ar nenhu m par-
. tid o , m esm o p o rque não estam o s julg and o um juiz d e fu te
bo l que atuo u em cam p o aberto , d iante d o s no sso s o lho s e,
inv o lu ntariam en te, p reju d ico u o no sso tim e.
A questão é m ais séria: o m ercad o dos p alp ites em o cio nais
não po d e querer d esestabilizar o d uplo grau d e ju risd ição ,
que é m arca reg istrad a d e to d o reg im e d em o crático .41
41 F o lh a d e S . P au lo , 15/ 8/ 1997, p. 3.
97
p õ em o co tid iano d a so cied ad e. N um tribu nal d o jú ri, é natural
que a m esm a questão se ap resente, p o is os jurad o s estão ig ual'
m ente sujeito s à influ ência d a o p inião p ú b lica so bre suas d eci
sões. A ssim é que, co m freq ü ência, os cid ad ão s co m u ns to m am
p artid o co m base em pressupo sto s p u ram ente em o cio n ais, sem
c o n h ec im en to dos fund am ento s téc n ic o s que co nd uzem a esta
ou aquela d ecisão ju d icial.
O d iscurso ju ríd ico d ev e ser exercitad o co m a d ev id a c o n
sid eração d esse fato r, o u seja, a um só tem p o ele p recisa ser
sensív el aos elem ento s em o cio nais que env o lv em cad a p ro ces
so e eleve fund am entar seus arg um ento s — em busca d e um
certo o b jetiv o , co m o a co nd enação o u a ab so lv ição d e um réu
— co nfo rm e os asp ecto s téc n ic o s do D ireito e segund o o d ever
d e fazer e preserv ar a ju stiça.
Para o rientar o trab alho dos p ro fissio nais d o D ireito , exis
tem p rincíp io s im p rescind ív eis para a ap licação d a ju stiça, fo r
m alizad o s num a série de no rm as, tais co m o reg istrad as po r
C h aim Perelm an. Estas co rresp o nd em a um a releitu ra das ba
ses ju ríd icas do D ireito ro m ano em term o s do cid ad ão co m um :
98
de sentença julg arão , de to d o m o d o , em m aio r o u m eno r grau,
de m aneira subjetiv a, é ó b v io que p ro m o to r e ad v o g ad o d e d e
fesa tentarão ap resentar arg um ento s sed uto res, co m a f in al id a
d e d e fazer v aler a tese que d em o nstram . C o m o d ev id o cu id a'
do, para ev itar o relativ ism o e a neg lig ência à o b jetiv id ad e da
lei, p o d e-se dizer, a resp eito do p ro cesso p enal, que é m u ito raro
p rev alecerem o s asp ecto s o b jetiv o s do d elito em questão ; quase
sempre se im p õ em as em o çõ es suscitad as p elo s ac o n tec im en to s
e pelas palav ras dos ad vo gad o s e p ro m o to res, ou seja, os e le -
m ento s subjetiv o s d o ju lg am ento .
Isto p o sto , vam o s exam inar ago ra im p o rtantes elem ento s
que p ertencem ao u niv erso do d iscurso ju ríd ico no trib u nal do
júri, asp ecto s que não são ab so lu tam ente o b jetiv o s mas que são
fund am entais no resultad o do ju lg am ento .
1. As atitudes do orador _
O d iscurso ju ríd ico é tam b ém um a rep resentação , em d ois
im p o rtantes sentid o s. Eitl p rim eiro lugar, p o rque reflete em p a
lavras os fato s e argum ento s o rganizad o s d e m aneira a d efend er
um certo p o n to de v ista, a fav o r o u c o n tra o réu; é, assim, um a
abstração do real em busca de sua verd ad e e d a ap licação d a
ju stiça, co nfo rm e as necessid ad es d a so cied ad e e d o réu. Po r
o utro lad o , é um a rep resentação d evid o -à exp ressão d e elem en
to s v erbais e não -v erb ais que são d ecisiv o s p ara o b ter a ate n
ção , a c o n fian ç a e a cred ibilid ad e da au d iência, no caso , o c o n
selho de sentença; estes fato res são cruciais p ara p ro m o to res e
d efenso res, à m ed id a que p o d em fazer a d iferença en tre a c o n
d enação o u a ab so lv ição de um réu.
É so bre este segund o asp ecto da rep resentação que v am o s
falar ago ra. Thales N ilo Trein m o stra claram ente co m o a “ e n
cenaç ão ” é um recurso v alio so p ara os p ro fissio nais d o D ireito ,
em busca d e estab elecer um a relação em p ática co m o s jurad o s
no tribu nal d o júri:
A o entrarm o s no p len ário , e lo g o que co m eçam o s a falar,
terem o s fo rm ad a um a o p inião p ro v isó ria dos jurad o s a
no sso resp eito , p o ssiv elm ente d entro d o s p rim eiro s c in
co m in u to s.43
Co m o é a nossa voz:
— É agrad áv el o u d esagrad áv el?
/ x
Co m o é o n o s so m o d o de fa la r :
Sobre o qu e estamos f a l a n d o :
— O assunto é interessante?
— Já estam o s cansad o s d e o uv i-lo ?
— Será fácil o u d ifícil de entend ê-lo ?
100
Co m o s ã o o s n o s s o s m o v im e n t o s e g e s t o s :
Co mo s e c o m p o r t a n o s s a fis io n o m ia:
Co mo é a n o s s a a p a r ê n c ia g e r al:
44 Idem, p. 158-159.
101
Fo rm ad a no ssa o p inião , a m ensag em d o d iscurso p ro p ria
m ente d ito p o d erá o b ter m aio r o u m eno r aten ç ão d o c o n
selho , as id éias p o d erão aind a ser po r ele q uestio nad as, ou
aceitas natu ralm ente, e ao final, aco lhid as o u recusad as
em d efinitiv o , tud o às vezes p o r um ú nico d etalh e, o u c o n
ju nto d e f ato s ap arentem ente inexp ressiv o s.41
2. Papéis
A s atitud es do o rad o r no tribu nal do jú ri são fu nd am en
tais p ara a transm issão de um a im ag em de c o n fian ç a e so b rie
d ad e e, por m eio d ela, para o b ter m aio res ch an ces n o c o n v en
cim ento do co nselho de sen ten ç a a resp eito de um a o u o utra
tese — da d efesa o u da acusação . U m o u tro elem ento im p o r
tan te na ap resentação do d iscurso ju ríd ico está intim am ente
relacio nad o co m as atitud es que m encio nam o s na seção an teri
or. Trata-se tam bém de um caráter de rep resentação , de “p a
p éis” d ram ático s a serem d esem p enhad o s p elo o rad o r. Em o u
tras p alav ras, atrav és do m esm o p ro cesso que co m entam o s, o
se m o stra quase co m o um a p erso nag em n o esp aço do
45 íde m, p. 159.
102
tribu nal d o jú ri, e quanto mais c o n v in c en te fo r a exp ressão dos
sentim ento s d e que está faland o , q u anto m ais ad equad a fo r a
sua p o stura em relação aos arg um ento s que ap resenta, m aio res
serão as chances de o b ter êx ito ju n to aos m em bro s do jú ri.
A b o a utilização dos papéis n o tribu nal do jú ri é um a ação
que se relacio na so bretud o co m as d úvid as que p o d em existir
co m relação ao crim e em q uestão e à p articip ação d o réu e suas
m o tiv açõ es. Vam o s refletir b rev em ente so bre a utilid ad e d a d ú
vid a segund o os p o nto s de v ista d a p ro m o to ria e da d efesa.
Para a acusação , é fu nd am ental não d eixar n en h u m es
p aço p ara que se su stentem d úv id as q u anto à au to ria do crim e
e à cu lp a do réu. O b te r a c o n d en aç ão d e alg uém no trib u nal
do jú ri é um o b jetiv o que só p o d e ser alc an çad o atrav és da
m an ifestação , por p arte dos jurad o s, de um a certez a. Isto d e
co rre d o sim p les d ireito fu nd am ental g arantid o a to d o s os c i
d ad ão s, a p resunção d e in o c ê n c ia salv o p ro v a em c o n trário e
o d ev id o p ro cesso ju d icial. Po r isso , o p ro m o to r p recisa usar
to d o s o s recurso s d isp o nív eis p ara tran sm itir ao s jurad o s não
ap enas a sua v o ntad e p esso al e suas c o n v ic ç õ e s rac io n ais po r
m eio d as p alav ras: d e c erta fo rm a, ele d ev e d esem p enhar o
p ap el d e um a p esso a qu e tem c ertez a d a c u lp a d o réu, e
m an ifestá-la p o r m eio de to d o s os recurso s exp ressiv o s à sua
d isp o sição .
D o p o nto de v ista da d efesa, no en tan to , o caso é rad ical
m ente d iv erso . A d úvid a sem p re m ilita em fav o r da d efesa. A
p resunção de in o c ên c ia se traduz, fo rm alm ente, na o brig ação
de que o réu só po d e ser d eclarad o culp ad o de um crim e q u an
do a senten ç a p enal co nd enató ria transita em julg ad o . A lém
disso, cab e à acusação o ô nus d a pro v a — isto é, a o brig ação de
prod uzir e ap resentar elem ento s o b jetiv o s que d em o nstrem a
culp a d o réu — e v ig o ra o p rincíp io de ín d u b i o p r o r e o , isto é, o
im p erativ o de julgar fav o rav elm ente ao réu quand o existem
d úvid as co nsistentes so bre sua culp abilid ad e.
103
N este c o n texto , fica ev id ente que — além de reunir e ap re
sentar num d iscurso c o eren te o s m elho res arg um ento s p o ssí
veis, e de se expressar tam b ém de m o d o a to car os co raçõ es da
aud iência — a d efesa d ev e, po r m eio das atitud es que po d em o s
d eno m inar de “p ap el” a se rep resentar^g erar co ntro v érsia a res
p eito de to d o s os fato s que a acusação ap resenta co m o ev id en
tes e certo s. Em o utras p alav ras, o d efenso r p recisa se em p e
nhar em sem ear a d úvid a en tre os jurad o s, a resp eito das c e rte
zas que o p ro m o to r p ro cura d em o nstrar serem v erd ad eiras.j A
m elho r ilustração para esta atitud e é o film e D o z e h o m e n s e u m a
s e n t e n ç a , de Sid ney Lu m et, que exam inam o s de passagem no
final d o cap ítulo II. A lc an ç ar essa m eta sig nifica, quase sem
pre, o b ter a abso lv ição do réu.
3 . 0 discurso e seus c o n d ic io n a n te s
104
remos p elo caráter ativ o d a ling uag em , d eixand o em segund o
plano as suas fu nçõ es p u ram ente co g nitiv as. Em o utras p ala
vras, vam o s analisar a ling uag em segund o o seu p o d er de ação
sobre o p ensam ento d o recep to r, so bre o seu co m p o rtam ento ,
sobre sua cap acid ad e de julgar.
Em p rim eiro lugar, v ale a p ena trazer à b aila o pró p rio ter
mo discurso. E nele e atrav és d ele, afinal, que a linguagem se
d esd o bra e, assim, age so bre os jurad o s. H aq uira O sakab e afir
ma, a esse resp eito :
105
O m o tiv o p rep o nd erante para esta situ ação se estabelecer
é que a linguag em se ex erc ita num univ erso em que agem si
m u ltaneam ente, de m o d o co m p lem entar, texto e c o n texto . Em
o utras palav ras, to d o d iscurso é d ecifrad o e produz efeito s a par
tir das palav ras pro ferid as — que se referem a co isas, pesso as e
fato s do m und o real — e d o s elem ento s co ncreto s que c o m
põ em a realid ad e que se m o stra d iante dos o lho s d o recep to r da
m ensagem .
Sev erin o Barbo sa e Em itia A m aral4' ap resentam uma re
flexão m uito feliz a resp eito d essa relação , quand o afirm am que,
í ao ler ou o uv ir um texto , nó s o recriam o s intim am ente, d e aco r
do co m os elem ento s do d iscurso que mais no s d esp ertam in te
resse e aguçam a sensibilid ad e, em m eio à massa g eral de v o c á
bulos...
Po d eríam o s, por exem p lo , a fim de esclarecer m elho r esse
p o nto , co nsid erar as palav ras co m o se fo ssem artefato s de clas
sificação e “ transp o rte” de o utras co isas, co ncretas ó u abstratas,
viv as ou não , racio cínio s o u em o çõ es. D este m o d o , é fu nd a
m ental exam inar o que estab elecem o s co m o co nteú d o da lin
guagem, e o que os o utro s estab elecem . Em o utras p alav ras, os
sig nificad o s que se alm eja transm itir p o r m eio das palav ras d e
p end em tam bém das in tençõ es dos falantes. O s sentid o s im p li
cad o s no d iscurso variam , assim, co nfo rm e o c o n texto , g anhan
d o unia o u o utra d ireção co nfo rm e g^d eco d ificação da m ensa
gem é realizad a de m aneira tan to mais o u tan to m eno s harm ô
n ic a co m o o b jetiv o do o rado r.
A id éia ap o nta, mais um a vez, para o caráter d e relação
entre pesso as,' acim a de tud o , que existe na elo cu ção de um
d iscurso . O u seja, ela ind ica que os co nteú d o s expresso s atrav és
da ling uag em d ep end em fu nd am entalm ente do relacio n am en
to que se estab elece entre em isso r e recep to r da m ensag em , de
4í E s c r e v e r é d e s v e n d ar o m u n do .
106
elem ento s que ultrap assam o s sig nificad o s literais transm itid o s
pelas palavras.
Esta reflexão co nv erg e co m o p ensam ento de vário s auto res
sobre o assunto . Em suma, o d iscurso é um fenô m eno esp ecífico
cujo s elem ento s o p o sicio nam mais além da abrang ência das ex-
p licaçõ es que a Ling üística po d e f o rn e ce r- O d is cu rs o , lo cal iz ad o
no p lano da ação , se su jeita ao s c o nd icio nam ento s inerentes a
ela — a m em ó ria, o tem p o , a im ag em d o o rad o r, etc .
D esta fo rm a, d ev em o s ir além da d elim itação d o d iscurso
segund o um quad ro fix o de reg ras ló g icas e retó ric as, para
entend ê-lo co m o r e alid ad e e m p ír ic a, tal co m o se ap resenta no
tribunal do júri.
107
esp ecífico , d efinind o -o c o m o seq ü ência articu lad a d e p ro p o si
çõ es o u arranjo de classes fo rm ais enunciad as nu m a d eterm ina
da o rd em . N o en tan to , sua o bra não sugere critério s para a d e
lim itação dos elem ento s co n stitu in tes do d iscurso .
Pro v o st d em o nstra co nco rd ar co m essa co n cep ç ão , mas
acrescenta dois o utro s fato res, a t o m a d a d a p a l a v r a p o r u m l o c u
t o r e o s ilê n c io . D estes, o segund o é m ais im p o rtante para p ensar
o cam p o de ação de um d iscurso sed uto r. O silêncio se refere a
“p arad as” no interio r das frases ou na estrutura m esm a do d is
curso . A ssim , no caso de um a p ro p o sição to m ad a iso lad am en
te, o silêncio é v isto co m o um o p erad o r p o liv alen te, em sua
d im ensão sem ântica, que p reen che e fo rm a o “esp aço ” que se
para a frase da anterio r o u d a subseqüente; nesses caso s, ele
po d e ser ind icad o ou su bstituíd o p o r uma c o n ju n ç ão . Se o bser
v am o s o d iscurso enq u anto reg istro escrito , co nstatam o s que
esta p o ssibilid ad e não existe, pois as interrup çõ es p resentes nas
frases não têm nenhu m sig nificad o no texto ; o ra, este quad ro é
co m p letam ente d iv erso q uand o analisam o s o d iscurso em sua
p erfo rm ance, isto é, enq u anto é ap resentad o o ralm ente para
uma aud iência. O s lim ites d o d iscurso , p o rtanto , co nstitu em
um p ro blem a que subsiste n o interio r do ap arelho en u n c iativ o
e que não po d e ser reso lv id o no âm b ito da interp retação d o
tex to , que ap enas sig nificaria exam inar a sup erfície da fo rm a e
do co nteú d o d o p ró p rio d iscurso . A saíd a, d esta m aneira, é c o n
sid erar a p o ssível natureza d o d iscurso , isto é, inv estig ar as c a
racterísticas do c o n tex to , m ais além d a interp retação de tex to ,
para in clu ir to d o s os recurso s de ap o io à p alav ra em sua fo rça
exp ressiv a e de c o n v en c im e n to — que tem o s ap resentad o ao
lo ng o d este liv ro , e que env o lv em d esd e a en to n aç ão até o uso
das pausas.
Em ile Benv en iste fo i talv ez o ling üista que m ais se d ebru
ço u so bre a questão ; ele estab eleceu duas co rrelaçõ es que p o
d em ser enco ntrad as na análise do d iscurso , enq u anto tex to e
en q u an to d esem p enho , a p artir .da análise da estrutura das fra
ses em term o s d a p esso a a qu e se referem os v erbo s:
1. A co rrelaçãQ de p esso alid àd e q u e o p õ e o c o n ju n to eu ~
tu (a p esso a) a e le {a não p esso a).
2. C o rrelação de su bjetiv id ad e entre eu e tu . Q u and o as
pessoas se opõem, entre si, send o eu o s u je it o da ação e tu o
109
N o c o n te x to dessas id éias, o auto r ap o nta p ara a d im ensão
em que a exp eriên cia v iv a se relacio na c o m o te x to em term o s
de seu reg istro e d a p o ssibilid ad e d e ap reend er o seu sentid o .
N o en tan to , ao co nsid erarm o s o d iscurso co m o cam p o de reali
zação das relaçõ es de pesso a, ele necessariam ente se restring irá
às m anifestaçõ es v erbais — enu nciad as p elo o rad o r — que efe
tiv am ente criam esse esp aço . Po r o utro lad o , o reg istro h istó ri
co se lim ita à líng ua escrita, e po r seu p ró p rio caráter h á um
o cu ltam en to do lo cuto r, que não rev ela até que p o n to está e n
v o lv id o p ela tram a estru tu rad a nas frases; o u se ja, h á um
o cu ltam ento d q p ro cesso d iscursiv o , mas sem a sua neg ação .
D o m iniq u e M aing uenau am p lia os asp ecto s que d izem res
p eito ao cam p o de atu ação d o d iscurso , ap o ntand o p ara im p o r
tantes elem ento s referentes à análise dos enu nciad o s. D esta
í o rrna:
110
0 auditório
p. 19- 20.
111
^ u jm u aen m r sem elhan te aud itó rio ? Será a pesso a que o
o rad o r interp ela p elo no m e? N em sem p re: o d ep utad o que,
no p arlam ento ing lês, d ev e d irig ir-se ao p resid ente, p o d e
estar p ro curand o c o n v en c er não só o s que o o uv em , mas a
o p inião p ú blica d e seu país. Será o c o n ju n to d e pesso as
que o o rad o r vê à sua frente quand o to m a a palav ra? N ão
necessariam ente. U m chefe de g o v erno , num d iscurso ao
p arlam ento , po d e renu nciar de antem ão a c o n v en cer os
m em bro s cia o p o sição e c o n ten tar-se co m a ad esão d e sua
m aio ria. Po r o utro lad o , quem c o n ced e um a entrev ista a
um jo rnalista co nsid era que seu aud itó rio é co nstituíd o mais
p elo s leito res do jo rn al d o que p ela p esso a que está à sua
fre n te .53
M Id em, p. 22.
112
fato , razões co n tra. O que se disser a fav o r de uma m ed id a,
aleg and o que ela é capaz de d im inuir a tensão so cial, le
v antará c o n tra tal m ed id a to d o s os que d esejam que o co r
ram d istúrbio s. O c o n h ec im en to d aqueles que se p retend e
co nq u istar é, p o is, uma co nd ição p rév ia d e q u alq uer argu
m entação eficaz .56
36 Id em , p . 35.
5/ M ax W erth eim e r, P r o d u c t i v e t h in k in g , p. 23.
113
Essa co nsid eração ap o nta para o m o d o co m o cad a aud itó
rio é co n d icio nad o segund o as o p iniõ es d o m inantes em seu
m eio , as c o nv icçõ es que não são subm etid as à c rític a, as p re
missas que são aceitas sem hesitação . Essas co n cep ç õ es se enra-
ízam na cultura dos m em bro s do jú ri, e o ad v o gad o que d eseja
co n v en cer e seduzir esse aud itó rio esp ecífico p recisa aju star sua
co nd u ta, enq u anto o rad o r, segund o as p articularid ad es de seus
esp ectad o res. E po r esse m o tiv o que no s d iscurso s b em realiz a
dos é p o ssív el enco ntrar, im p lícita ou ex p lic itam en te, elem en
to s da cultura pró pria dos aud itó rio s a quem eles fo ram d estina
dos. N ão é po r o utra razão que po d em o s c o n h ec er im p o rtantes
asp ecto s de civ iliz açõ es da A ntig u id ad e atrav és d a inv estig a
ção d o reg istro de d iscurso s p ro nu nciad o s em sua ép o ca.
V em o s, p o rtanto , que a p alav ra d ev e refletir as ex p e c tati
vas e tem o res do grupo so cial do qual se av alia ser p ro v eniente
o co rp o d e jurad o s. N este sentid o , a p alav ra d ev e ser tam bém
um retrato , na med id a em que se ad ap ta ao s elem ento s que
d eterm inam a cap acid ad e de ju lg am ento do júri.
Tem o s assim q u e je o brig ató rio para os ad vo gad o s aju star
seu d iscurso à realid ad e so cio cu ltu ral dos integ rantes d o c o n se
lho de sentença.^ E o p ro cesso d esenv o lv id o p elo p erso nag em
M o lina, em O b e i j o d a m u l h e r a r a n h a ; é o que fez n T •
...... -■ '■ *"-<** * 1 "pi^er-m no r,- c j- / 111, uconiüo em c-ai, 1 ad
io . N o s d ois caso s, os recep to res dos d iscurso s fo ram en v o lv i
d os, e sucum birajn à sed ução criad a pela palav ra.
Em alguns caso s, co nstatam o s a p resença de p reco nceito s
no d iscurso , refletind o a exp ectativ a de p reco nceito s alim en ta
dos p elo aud itó rio e que são p ercebid o s p elo o rado r. Em o utras
o casiõ es, enco ntram o s d ebates intelectualiz ad o s em m aio r ou
m eno r grau, co nfo rm e o que se p erceba d e um a m aio r ou m e
no r p rep aração dos o uv intes para receb er o d iscurso .
Em suma, o ad v o gad o o u o p ro m o to r que não p erceber
que seu d iscurso p recisa estar ad ap tad o ao s m em bro s d o júri
está fad ad o ao fracasso .
114
A verdade
É co m um dizermo s que m eia v erd ad e é um a m entira in tei-
ra. Se p ensam o s, por exem p lo , na p rática cie interro m p er um a
resp o sta d urante o d ep o im ento , típ ica da abo rd ag em ju ríd ica
nos interro g ató rio s, co nstatam o s que m uitas vezes isto im p ed e
que to d a a verd ad e v enha à to n a. Em o utras p alav ras, nessa
situ ação a verd ad e em erge ap enas p arcialm ente, o u m elho r,
surge co m um d eterm inad o feitio , que d epend e da m aneira co m o
ela é “ m o ld ad a” a p artir dos p ro ced im ento s e das p alav ras das
partes. O p ro m o to r o u o ad v o gad o de d efesa exig em , cad a um ,
que o d ep o ente ap resente ap enas a resp o sta que se en c aix e em
suas arg um entaçõ es, a fim de to m á-las c o n v in c en tes. D esta fo r
m a, ev id encia-se que a v erd ad e, no tribu nal do jú ri, se subm ete
a critério s que não são e x c lu siv am e n te basead o s n o c o n ju n to
de fatos o b jetiv o s que a co nstitu i, d ep end end o tam bém do m o d o
co m o as partes a utilizam para o b ter um c erto resultad o . A fi
nal, o aud itó rio é induzido e co nd uzid o , açõ es m o tiv ad as p elo
p ro cesso d a sed ução no d iscurso ju ríd ico .
V ejam o s co m o o p ensad o r Em m anu el K an t reflete so bre a
questão :
115
m eio , m eno s p ela c o n c o rd ân c ia c o m o s asp ecto s o b je tiv o s
— as p ro v as, fato s e d ep o im en to s — d o qu e atrav és d o ju íz o
que os m em bro s d o jú ri faz em a resp eito d esses m esm o s e le
m en to s, a p artir d o s d iscu rso s qu e p ro m o to ria e d efesa lhes
ap resentam .
A p licar o D ireito , no en tan to , não sig nifica criar verd ad es
arbitrárias a serem m anip ulad as no trib u nal d o jú ri. Su b jac en te
ao p ro blem a está a questão d a iguald ad e co m o alic erc e da ju sti
ça. M as não é a iguald ad e o que fu nd am enta a ju stiça, é ap lica
ção d e um a m esm a reg ra a to d o s os m em bro s de um a d eterm i
nad a categ o ria. Tratar as pesso as ig u alm ente não é, p o rtanto ,
senão uma co nseq ü ência ló g ica do fato de o bed ecerm o s à re
gra. Se a iguald ad e d em o nstra d esem p enhar um p ap el tão g ran
de, o co rre que a reg ra d ep end e d a quantid ad e d e ind iv íd uo s aos
quais ela é ap licáv el: a p ró p ria regra, p o rtanto , se fu nd am enta
num a relação entre o s m em bro s de um c erto c o n ju n to , o u seja,
na sua iguald ad e.
É assim que en c o n tram o s em C h aim Perelm an a o b ser
v ação de que ser ju sto não é ap licar c o rretam en te um a reg ra
d eterm inad a, mas sim o b ed ec er a um a reg ra que c ria a o b rig a
ção d e tratar d e c erto m o d o to d o s os integ ran tes d e uma c ate -
g o ria. 59 ■
A co nd ição de “ho m o g eneid ad e” entre o s m em bro s d o jú ri,
em bo ra im p o ssív el p len am en te, abre cam inho para o estab ele
c im en to d e um sentim en to d e grupo , um a p red isp o sição para
ju lg ar o s fato s e o s d iscurso s, que lhes são ap resentad o s, de uma
d eterm inad a m aneira. Para usufruir dessa tend ência^ o o rad o r
p recisa ter o cuid ad o d e não se im po r aos jurad o s, de não se
ap resentar co m o o ú n ico co n h ec ed o r d a v erd ad e p lena, d e ten
to r de to d a sabed o ria so bre a cultura./ Thales N ilo Trein fo rm u
la esta reco m end ação d a seg uinte m aneira:
116
O o rad o r d ev e exp o r a sua “ o p inião ” so bre o caso em ju l
g am ento e “p o stular” a m ed id a ju ríd ica que entend a ap li
c áv e l, nu m a lin g u ag em fác il e d ire ta, sem afe taç õ e s
v o cabulares.60
117
tante ad equad a, quand o co nsid eram o s o s d ebates no tribu nal
d o jú ri:
61 W i l l i a m Jam e s, “ W h a t p r a g m a t i s m m e an s” , i n E s s a y s o f p r a g m a t i s m ,
p. 155.
118
m
p. 151.
119
rep resentam , p o rtanto , cam inho s para en co n trar a verd ad e, mas
sim ferram entas de sed ução .
Este asp ecto fica aind a mais ev id ente quand o co nsid era
mo s qu e a elo cu ção d e d iscurso s, p o r m elho res que sejam , não
im p lica d iretam ente a ap licação de ju stiça. Q u em execu ta as
d eterm inaçõ es da 'ju stiça o u quem clam a po r ela d ev e p ensar
bem a resp eito das regras da ju stiç a no p lano d o co m p o rtam en
to dos ind iv íd uo s. Essas no rm as po d em scr sintetizad as nas se
g uintes p ro p o siçõ es: não fazer ao o utro o que não se d eseja que
ele faça a v o cê; agir em relação ao o u tro do m esm o m o d o que
se espera que ele aja co m v o cê; não exig ir d o o utro nad a além
d o que v o cê m esm o está p ro nto a fazer; aceitar o m esm o trata
m ento que fo r d estinad o ao o u tro p ara v o cê; agir co m o v o cê
d esejaria que to d o s se co m p o rtassem .
0 objeto
120
em m ente, além d o que é exp ressam ente estab elecid o po r suas
d eclaraçõ es; a não ser, natu ralm ente, que fo sse p o ssív el ler p en
sam ento s.
Po r sua vez, os ind ício s são , num sentid o estrito , o p in iõ e s , e
po r isso p o d em ser questio nad o s liv rem ente, p o r m eio da d úv i
da sobre suas co nclusõ es o u m esm o atrav és de recurso s retó rico s.
O s ind ício s são o p iniõ es po rque têm a fo rm a de hip ó teses que
ap o ntam p ara p o ssív eis lig açõ es entre d eterm inad as circu ns
tâncias e o crim e em questão ; d esta fo rm a, têm a m esm a n atu
reza das o p iniõ es enq u anto rep resentam p ro p o siçõ es a resp eito
de im p licaçõ es que não são ev id entes, co m o no s fato s.
A ssim , ind ício s p erm item ap enas cheg ar a certezas p arci
ais, relativ as, na m ed id a em que se referem a po ssibilid ad es, a
pro babilid ad es. Po d em ser usados num ju lg am ento , mas co m o
recursos ad icio nais de sed ução . Po r exem p lo , o p ro m o to r po d e
lançar m ão de ind ício s co m a finalid ad e de lev ar os jurad o s a
co nsid erar que o réu é um crim ino so ren iten te. D e to d o mo d o ,
é im p o rtante ressaltar que nu nca h á uma certez a abso luta no s
resultad o s d e um ju lg am ento que se baseo u tão -so m ente em
ind ício s. O co m entário de O th o n M . G arc ia é esclareced o r, no
que tang e ao uso d e fato s e ind ício s num trib u nal:
121
»8SP
122
o terceiro p o stulad o , o d a “ intelig ib ilid ad e do d iscurso ” ,
rec o n h e c e n o auto r d o d iscurso a ú n ica auto rid ad e para
dizer o que é que seu d iscurso sig nifica.65
A autoridade
65 Ed w ard Lo p es, D i s c u r s o , t e x t o e s i g n i f i c a ç ã o : u m a t e o r i a d o in t e r p r e t a n t e , p. 3.
123
— Q u and o e u uso uma p alav ra — H um p ty D um p ty disse,
num to m d e escárnio — ela sig nifica ap enas o que eu que-
ro que sig nifique; nem m ais nem m eno s.
— O p ro blem a — d isse A lic e — é se v o cê PO D E fazer as
palav ras sig nificarem co isas tão d iferentes.
—- O p ro blem a — disse H um p ty D um p ty — é quem m an
d a; isso é tud o .06
124
ciem os o uv intes; assim., o o rad o r d ev e co nsid erar a p o sição da
aud iência, d ev e se interessar e resp eitar o seu estad o de espírito .
Em p rim eiro lugar, é p reciso d isting uir a u t o r i d a d e de p o d e r .
A d efinição desses c o n ceito s rem o nta ã A ntig uid ad e, quand o
foram fo rmulad o s p ela p rim eira vez. A uto rid ad e, assim, é o re
co nhecim en to de que seu po ssuid o r po d e d irig ir e co m and ar,
p ro nunciar-se so bre qualq uer assunto de interesse p úblico e ser
o uvido co m o leg ítim o co nh eced o r das resp o stas aos d esafio s
que o co tid iano ap resenta. O po d er, por o utro lad o , é tão -so -
m ente o co n ju nto d e fo rças que p o d em ser utilizadas para o b ri
gar o utro s a agir d esta o u d aquela m aneira; está ligad o , so bretu
do, a qualquer recurso que se possa utilizar p ara co ag ir os o utro s.
A ssim co m p reend id a a auto rid ad e, uma pesso a que a tem
não a perd e m esmo que seja d esp o jad a de tud o que possui, de
todas as fo rças, de to d o seu po d er. O ra, 6 ev id ente, por isso, que
to d a auto rid ad e real é uma co nd ição m o ral — interio r, p o rtan
to , e exterio riz ad a p o r m eio d a co nd u ta ju sta. E m uito fácil e n
tend er po r que ter po d er não im p lica ter auto rid ad e; basta p en
sar, por exem p lo , no s d itad o res e m em bro s do crim e o rganizad o
— que co ntro lam e m anip ulam as pesso as po r m eio do abuso
de po d er ou das am eaças de v io lência.
O senad o ro m ano , na Id ad e A ntig a, é a institu ição que
m elho r d em o nstro u o sig nificad o da auto rid ad e. Em sentid o
amplo , era fo rm ad o p elo s mais v elho s da co m unid ad e, e rep re
sentav a, sim bó lica e m aterialm ente, os v alo res ligado s à fund a
ção de Ro m a. O senad o era co m o a p resentificação do passado,
a fo nte d e saber e sabed o ria que co nd uzia as d ecisõ es do p resen
te segundo os ideais que d av am razão de ser àquela so cied ad e.
N o en tan to , eram d espro v id o s d e pod er, que era exercid o pelo s
m ilitares.
Tend o recuad o no tem p o para enxerg ar mais claram ente
co m o surgiu a no ção de auto rid ad e, d istinta do pod er, ao v o l
tarmo s a refletir so bre os dias de h o je co nstatam o s que to d a
auto rid ad e real p recisa se relacio nar co m o po d er a fim d e exer-
125
c e t na p rática a sua cap acid ad e de julg ar e d ecid ir. C aso c o n trá
rio , a auto rid ad e será vazia e ineficaz. N o entanto -, qualquer
p o d er que se ex erç a sem ser a exp ressão d e um a auto rid ad e ju s
ta é iníq u o . Estar a auto rid ad e p o sta à p arte do p o d er é o m es
m o que agir a fo rça sep arad am ente da ju stiça.
V ejam o s então co m o se relacio na o c o n c e ito de au to rid a
d e co m a sua m anifestação p rática d urante a ap resentação d e
um d iscurso , esp ecificam ente no tribu nal do jú ri.
V iv em o s num m und o que se o rganiza em to rno d e inú m e
ras regras e leis, escritas o u não , p ertencentes à esfera d a o rd em
o ficial ou ao cam p o da c o n v iv ê n c ia co m u nitária e en tre os c i
d ad ãos co m uns, entre si. D a m esm a m aneira, há no rm as que
reg em co m o um a co nv ersa p o d e co m eçar e se d esenv o lv er, a
p artir d e uma esp écie de “ aco rd o p rév io ” basead o na vid a que
se co m p artilha so cialm ente.
N esse c o n tex to , tam b ém se en c aixa a auto rid ad e no d is
curso . O o rado r, para m anifestá-la, d ev e se q u alificar d e m o d o
a “ rep o usar” so bre ela e não im p ô -la, isto é, de m o d o que possa
ter um a atitud e co nfiáv el e ap resentar suas p o siçõ es co m o um a
p esso a que refletiu so bre os aco n tecim ento s em causa e a p artir
d e um a exp eriên cia — p ro fissio nal e, g enericam ente, de v id a
— que seja p alp áv el p ara o aud itó rio .
N esse sentid o , v ale c itar as palav ras de M au rício C ésar
D elam aro , que inv estig a mais além d a sim ples análise d o d is
curso p ara se referir à id éia d e au to rid ad e co m o c o n d iç ão
d eterm inante p ara a ap reensão racio nal d e seus co nteú d o s:
126
lação aos ho m ens imaturo s. Em o utras palav ras, só o h o
m em que exp erim ento u a abertura da alm a à Verd ad e trans
cend ente po d e to rnar-se o rep resentante d essa Verd ad e e
po d e em p reend er a crític a so cial e co m and ar a estruturação
das “co isas hum anas” co nfo rm e aquela Verd ad e.
Em suma, tal ex p eriên c ia — o ac o lh im en to da V erd ad e
transcend ente — é a fo n te da a u t o r i d a d e . 1'7
 emoção
G e t ú lio V ar g as , p. 3 9 i - 392.
69 E s s a y s o f p r ag m at is m . C f. seção “ A v erd ad e” , supra.
127
Jam es afirm av a que a em o ção é o no m e que receb e o c o n
ju n to d e p ro cesso s c o m p o rtam en tais e fisio ló g ic o s que são
d eflagrad o s no ind iv íd uo p o r algum estím u lo , que po d e ser in
terio r — co m o uma lem brança, p o r exem p lo , b o a ou ruim —
ou exterio r — co m o uma situ ação am eaçad o ra, um ac o n tec i
m ento agrad áv el, etc . O s p ro cesso s m encio nad o s são sem pre
reaçõ es exp ressivas o u m o to ras ao estím ulo . Fica ev id ente que,
segund o essa teo ria, em o cio nar-se sig nifica tão -so m ente sentir
esses p ro cesso s, que em últim a instância são sem p re ac o n te c i
m ento s fisio ló g ico s. O u tro asp ecto im p o rtante d essa d efinição
é o fato de que ela retira da em o ção o seu c aráter d e m o tiv ação
de co m p o rtam ento s, isto é, a sua p o tencialid ad e d e p ro v o car
um a d eterm inad a co nd u ta o u de c o n d ic io n ar o m o d o co m o ela
se d esd o bra.
D iv erg entes co m o são esses dois mod os de entend er a em o
ç ão , ain d a assim v alem p o r aq u ilo q u e têm em co m u m :
co m p reend ê-la co m o ' v iv ên c ia íntim a, inacessív el em sua es
sência ao s o utro s. E ó b v io que p o d em o s fazer estim ativ as da
intensid ad e das em o çõ es que um a p esso a v iv e, a p artir do que
o bserv am o s em seu co m p o rtam ento (riso s, lág rim as, enrubes-
c im en to , trem o res, e tc .), e até p o d em o s d ar no m e a elas e acer
tar co m alg um a p recisão . N o en tan to , é im p o ssív el co n h ec er
exatam en te qualquer em o ção , a não ser que a v iv enciem o s nó s
m esm o s — e m esm o nesse caso , nu nca é p o ssív el d eterm inar
c o m p letam en te a sua natureza.
A p artir de no ssa exp eriên c ia de v id a, d e ser su jeito de
em o çõ es ao lo ng o d e to d a a no ssa ex istên c ia e d e o bserv ar sua
m anifestação em o utras pesso as, é fácil enxerg ár que elas são
um a c o m p an h ia in se p aráv e l d o s seres h u m an o s, e um a
p o d ero síssim a energ ia que influ en cia d iretam ente no ssas atitu
d es, no ssa co nd u ta e no sso p ensam ento . N atu ralm ente, trata-
se tam b ém d e um elem en to cru cial para a sed ução n o d iscurso .
N o trib u nal d o jú ri, o ad v o gad o , cu jo o fício tam bém é o
de ser um o bserv ad o r das em o çõ es que ating em os seres hum a-
f no s, é capaz de co nstruir lig açõ es entre elas e o utro s tem as ou
aco ntecim ento s, a fim d e alc an çar um d eterm inad o o b jetiv o .
Precisam o s, no en tan to , d elim itar c ritic am en te essa realização ,
e para isso vam o s utilizar as reflexõ es d e D av id H u nie.70
C o nfo rm e o pensad o r esco cês, p o sto que é im po ssível ap re
end er exatam ente as em o çõ es tal co m o v iv id as interio rm ente
p o r um ind iv íd uo qualquer, é p reciso entend ê-las a p artir do
c o n ju n to de elem ento s circu nstanciais que a aco m p anham —
em o utras palavras, co m o p o d eríam o s afirm ar, h o je, trata-se de
Id en tific ar e co m p reend er as em o çõ es do o utro atrav és de suas
m anifestaçõ es co m p o rtam entais, de sua exp ressão facial e co r
po ral, seus gesto s, seu to m de voz, o c o n tex to m aterial em que
| está env o lv id o e as co nd içõ es que p o d em exp licar a em o ção
\ que id entificam o s, etc. Este p ro cesso po d e ser realizad o po r uma
pessoa co m um , a p artir d e sua p ró p ria exp eriência e c o n h e c i
m ento leig o das em o çõ es.
N esse c o n tex to , é im p o rtante lem brar que o critério para
d eterm inar o que é v erd ad eiro e o que é falso — tanto no que
co ncerne à id entificação co rreta das em o çõ es env o lv id as quanto
a resp eito dos assunto s que são d ebatid o s po r m eio do d iscurso
— é sem pre a razão. Para Hunae, é ela o que no s p erm ite exam i
nar a co nco rd ância ou d isco rd ância das id éias e afirm açõ es co m
as co isas e fato s que se ap resentam n o real. Po r co nseg u inte, a
algo que não po ssa ser co nfro ntad o co m a realid ad e segund o
este m éto d o não se po d erá^atribuir o v alo r v erd ad eiro nem fal
so , sim p lesm ente po r não p o d er ser um o b jeto da razão. Po rtan
to , as em o çõ es em si não p o d em ser av aliad as p ela razão e nem
po d em ser enu nciad as p ro p o siçõ es v erificáv eis a resp eito d elas.
D izend o de o utro m o d o , fo cand o no p lano da p ercep ção
dos ind iv íd uo s que estão num a d eterm inad a relação d iscursiva,
já que as circu nstâncias que aco m p anham um a em o ção são tão -
70 N a o b ra T r a í t é d e la n a t u r e h u m a i n e .
129
so m ente in d íc io s de sua m anifestação e v iv ência interio r, per
m an ecerá sem p re a d úv id a a resp eito d e hav er o u não um
co m p artilham ento em p ático das em o çõ es em q uestão e de qual
em o ção o o utro exp erim enta no m o m ento .
Tud o reunid o , cheg am o s à co nclu são de que para co m p re
end er as em o çõ es env o lv id as — e av aliar co m o suscitar aqu e
las que serão úteis para a d ev id a exp o sição de arg um ento s no
d iscurso e para p ro p o rcio nar as m elho res co nd içõ es para e n
v o lv er o aud itó rio no p ro cesso de sed ução — é p reciso usar a
sensibilid ad e pesso al mais d o que ten tar d eterm inar racio nal
m ente o que se passa interio rm ente na au d iência, em term o s
em o cio nais.
D e to d o m o d o , as em o çõ es transp arecem d urante os ev en
to s d o tribunal do jú ri. O bserv em o s o co m entário esc larec ed o r.
d e Th ales N ilo Trein a esse resp eito :
1 30
equilibrad o , de que é um a p esso a em quem não se po d e
co nfiar, que fica fo ra d e c o n tro le ao tratar d e co isas sérias,
que perd e a cab eça fac ilm en te, e tc .71
131
sem bléia. D ep o is, um a carg a d e cav alaria ju ríd ica d esaba
ruid o sa so bre o lib elo — inep to , inco ng ru ente, co ntrad i-
tó rio . A band eira de p riv ação dos sentid o s co b re este co n-
traband o m o ral. C itam -se auto res, italiano s, so bretud o . Se
fo i o sr. Ben jam in quem o rganizo u o c o nselho , p elo m eno s
num ap arte, surge a ind efectív el fo rça irresistív el. O jaim e
murmura, entre d esanim ad o e irô nico — é o caso . O ad
v o g ad o to m a, então , o pulso dos jurad o s, e se eles aind a
resistem , v o lta ao p atétic o , p ero ra c o m lágrim as so luçad as
na voz. A p o n ta para um c an to d a sala, d irig e-se a uma
v enerand a senho ra, co b erta de luto e d e p ranto , m o stra a
to d o s a sua figura d esm aiad a, o nd e um a d o r irrem ed iáv el
p ro sp era fu neream ente. E a m ãe do réu. O u v e-se um g rito
na sala, uns passos rápid o s, m ãe e filh o estão abraçad o s,
cho rand o . Senho ras nas tribunas cho ram , alguns jurad o s
têm os o lho s m o lhad o s e d isfarçam a co m o ção . D eb aixo
d essa pressão , retira-se o co n selh o à sala secreta e a ab so l
v ição é fatal.72
132
na situação de o u utilizar esses recurso s, co rrend o o risco de
m entir, o u ap resentar um d iscurso estritam ente téc n ic o , co r
rend o o risco de d eixar d e p raticar a am p la d efesa, p o d end o até
p rejud icar os d ireito s fu nd am entais do réu.
A imagem
73 Po r ex em p lo , em E le m e n t o s d e s e m io lo g ia.
133
C a p ít u l o V i
Júri, o auditório soberano do discurso
136
• o interro g ató rio
E o Sen h o r d isse a C aim : “ O n d e está teu irm ão A b el? ” .
A o que C aim resp o nd eu: “A c aso so u guard ião de meu
irm ão ?” . D isse o Sen h o r: “Q u e é que fizeste? A voz de
teu irm ão clam a d esd e a terra até M im ” .
• A sentença
“ A g o ra, po is, m ald ito serás so bre a terra, que abriu a sua
b o ca e receb eu o sangue d e teu irm ão . Q u and o tu a tiv e
res cu ltiv ad o , ela não d ará fruto s. Tu and arás v ag abun-
d eand o e fug itiv o so bre a terra.”
• O ped id o d e c lem ên cia
E C aim d isse ao Sen h o r: “ O m eu crim e é m uito grand e
para alcançar p erd ão . Tu me lanças h o je fo ra da terra e
eu serei o brig ad o a me esco nd er d iante d e Tua face e
ficarei v ag abund o e fug itiv o n a terra. O p rim eiro que me
enco ntrar, m atar-m e-á” .
• O caráter p rev entiv o da p ena
Resp o nd eu -lhe o Sen h o r: “N ão será assim, mas to d o que
m atar C aim será m o rto sete vezes” . Para que ning uém
que o enco ntrasse o m atasse.76
p r o m o t o r d e j u s t i ç a n o t r i b u n a l d o j ú r i, p. 18-19.
137
O atentad o co ntra a vid a po d e ser ilustrad o exem p larm ente
co m o film e A s s a s s i n a t o e m p r im e i r o g r a u , m o strad o em o utra
p arte d este liv ro . A p ro p ó sito d ele tecerem o s mais alguns c o
m entário s, ad iante, neste m esm o cap ítulo .
138
M as existem lim itaçõ es ind iv id uais n a o utra p o nta: se uma
fam ília fo i alvo d e um assalto à m ão arm ad a, tend o so frid o
graves am eaças e im p ied o sas ag ressõ es po r p arte dos c rim i
no so s, no rm alm ente seus m em bro s irão se co nstitu ir em
julg ad o res extrem am ente im p lacáv eis co m to d o s os acu
sados de d elito s v io lento s. E se ho u v er um ro ubo c o n exo
ao crim e de ho m icíd io , en tão nem se fala! A figura do
d efenso r ( “ p ro teto r dos b and id o s” , na v isão d eles) será
abo m inad a, no m ínim o antip atiz ad a, co m as co nseq ü ên
cias d aí resultantes no âm b ito da recep ção das m ensagens
que b ro tem d aquela tribu na.
Finalm ente, aind a p o d em o s lem brar que p articu larm ente
as jurad as m ulheres no rm alm ente po ssuem lim itaçõ es in
d iv id uais para o ju lg am en to de crim es de estupro . E, para
tanto , irão p recisam hav er passado realm ente por essa tris
te exp eriência. A razão d isso é que sim p lesm ente im ag i
nam o terro r que iriam v iv enc iar se estiv essem o cup and o
o lugar da v ítim a.
Se, em virtud e de um a restrição ind iv id ual, o réu passo u a
rep resentar uma v erd ad eira am eaça, não h á mais c o n fian
ça nele, nem ao m eno s p o d erá hav er sim p atia po r quem o
esteja d efend end o .77
139
2 . A n á iis e d e u m c r im e
140
tação e d efesa, co m eço u a ser p ercebid a ap enas quand o
H ip ó crates sustento u que a ep ilep sia era d o ença natu ral, e
não fruto d a ação so brenatural. A ssim , eis o d eriv ad o eq u í
v o co , até os sentim ento s de m elanco lia, hum o r, m ania,
etc ., eram de o rig em anato m o p ato ló g ica.
M u ito mais tard e, exp lo rand o co m sua reco nhecid a sensi
bilid ad e, W illiam Shalcesp eare carrego u de em o ção o ato
d e seus p erso nag ens. To d av ia, não ju stifico u a co nd u ta:
lim ito u -se a narrá-la.
O s seres superio res, m ítico s, os heró is, os d euses, eram c o
nhecid o s p o r seus ato s, e não po r suas d eliberaçõ es. D e sua
v io lên c ia d eco rriam a lo ucura e o au to -sacrifício . N ão fo i
co lh id a a m anifestação d e suas ép o cas, so cial e ju rid ica-
m en te co ns id erad as.
M as não se p erca de vista que os filó so fo s grego s, tão ap e
gados à racio nalid ad e, enfatizaram no seu m o m ento h istó
rico , p o sterio rm ente aos m itó lo g o s e ép ico s, antes do vate
inglês, o p o d er da fo rça inexp licáv el da p aixão , o p o sito ra
d a razão.
O s clássico s não superaram o impasse, mas tiv eram a v ir
141
Este m o d o d e abo rd ar a v io lê n c ia d o s crim es é im p o r
tan te p ara ap o ntar p ara as suas ju stific ativ as h istó ric as que
se su stentam so bre a relig ião . O jú ri, en q u an to am o stra de
in teg ran tes d e um a co m u nid ad e, se c o n stitu i c o m o um p e
q u eno grup o so c ial, e é p o r isso in flu en c iad o c u ltu ralm en te
de m aneira d e fin itiv a e in ten sa p ela relig io sid ad e e seus p re
c eito s. N o c o n te x to b rasileiro , um d o s c o n d ic io n an te s m ais
freq ü entes é o cristian ism o ; um dos p rin cíp io s d e sua fo rm a
p rim itiv a — reto m ad a sécu lo s d ep o is p o r Ro u sseau na fu n
d am en tação de suas reflexõ es so bre o b o m selv ag em — é o
de que p ensam ento s, p alav ras e açõ es bo as n asc em d e um
p ro cesso c o n sc ie n te , en q u an to o s m aus são p ro v en ien te s de
elem en to s in c o n sc ien tes.
O b v iam ente, isto ap o nta para m aneiras de refletir so bre o
m al enq u anto p ro blem a p sico ló g ico . N esse c o n tex to , A ram is
N assif se queixa que as relig iõ es, antes do ad v ento do cristia
nism o , não co ntribu íram para ajud ar na co m p reensão d a c o n
d uta v io lenta d e uma pesso a c o n tra o utra. Seg u nd o seu exam e
do p ro blem a, a estreiteza dos lim ites de reflexão nesse cam p o
po d e ser rep resentad a p ela antig a eq uação m aniq ueísta de bem
v ersu s m al.
Vam o s exam inar mais um p o uco do p ensam ento de N assif:
142
d iscip linad a, ou quand o o Estad o cuid av a d e realizar suas
p ersp ectiv as na eco no m ia d e m ercad o , m ais se im p unha a
necessid ad e de segregar o elem en to p erturbad o r.79
79 Id em , p. 52.
80 Jo sé O rte g a y G asset, E stu dos so b re o am o r, p. 133.
143
Essas co nsid eraçõ es v êm à lüz co m a finalid ad e de am p liar
a co m p reensão d o quão p ro fund am ente av anço u , em term o s
de tem p o ralid ad e e da cu ltu ra no rte-am ericana, o ad v o g ad o
Stam p h ill no film e A ssassinato em p r im e i r o g r au , quand o p ro cu
ro u d em o nstrar que o réu não tin h a c o n sc iên c ia d o que fazia
quand o m ato u um ho m em na cad eia. N aq u ela situação , a se
d ução se d esd o bro u em duas frentes. Po r um lad o , o ad v o g ad o
p recisav a c o nv en cer o jú ri, p o r o utro , d ev ia alcan çar o c o n
v en cim ento do pró p rio acusad o — que refutav a, aterro rizad o
co m po ssív eis retaliaçõ es, a hip ó tese de sustentar o p ro cesso de
incrim inação d o d ireto r d o p resíd io .
U m im p o rtante p esquisad o r da p sico lo g ia de no sso tem
po , Em ilio M y ra y Ló pez, afirm o u:
144
3. A composição do corpo de jurados
C o nfo rm e o C ó d ig o de Pro cesso Penal, qualquer cid ad ão
m aio r de 21 e m eno r d e 60, d e id o neid ad e co nhecid a, p o d e ser
jurad o num tribunal. O c a p u t d o artig o 439 d eterm ina, so bre o
pro cesso de seleção de jurad o s:
145
so rteiam -se no v am ente sete pesso as p ara co m p o r enfim o c o n -
selho de sentença.
N essa etap a, cad a uma das p artes — d efesa e acusação —
tem o d ireito de o b jetar até três no m es sem ap resentar ju stifi
cativ as, além das recusas que p o d em set feitas por “ im p ed im en
to ou susp eição ” , co nfo rm e p erm ite o artigo 459 do C ó d ig o de
Pro cesso Penal. O m ecanism o que p erm ite blo q uear alguns
d entre os so rtead o s é um dos asp ecto s fund am entais d o trib u
nal d o jú ri, po rque aju d a a g arantir que o réu não seja julg ad o
po r pesso as que o c o nd enariam de antem ão , sem co nsid erar em
nenhu m m o m ento a necessid ad e de ser im p arcial.
Ed ilso n M o u g eno t Bo nfim co m p leta:
146
de que lhe d o ta a lei de recurso s im p ed ientes de atuação
no jú ri, do jurad o cu ja id o neid ad e seja q u estio náv el. C u m
p re-lhe, fielm ente, zelar p elo ju sto p restíg io da in stitu i
ção . Culp ar-se o jurad o p ela má d ecisão é exp licação hip o
c ritam en te cô m o d a, quand o para ela po ssa ter co n trib u í
do o fiscal da lei não ajud and o no co rreto selecio nam ento
dos juizes leigo s. Tais cid ad ão s, urna vez galgad o s à função ,
sem critério s e to m ad o s “ Ex c elên c ias” no elo g io fácil das
lo as b aju lató tias, d ão vazão ao vazio po ssuíd o e p o r ele se
vai esbo ro and o a causa da ju stiça. Leig o s, sim, mas que
não sejam ap equenad o s na in telig ência, enco lhid o s de ra
c io c ín io e, tam p o uco , d ev ed o res m o rais.83
4. 0 julgamento
Q u and o ac o n tec e um ju lg am ento , as testem u nhas de acu
sação e de defesa são aco m o d ad as em lugares d istinto s, de o nd e
não é p o ssív el o uvir o que se passa na sala do p lenário : nem os
d ebates, nem os interro g ató rio s. N o in íc io , o réu é interro g ad o
p elo juiz; em seguida, o relató rio do p ro cesso , tal co m o estab e
lecid o p elo p resid ente do tribu nal, é lid o . Se um a das partes
assim o requerer, p o d em -se ler tam b ém as p eças dos auto s. Po s
terio rm ente, as testem u nhas são o uvid as, e p o r fim co m eçam
os d ebates entre acusação e d efesa. C ad a p arte tem então duas
ho ras para ap resentar seus discursos. D ep o is d o d iscurso d e cad a
um, a p ro m o to ria tem d ireito à rép lica e a d efesa, à trép lica,
co m m eia ho ra de prazo cad a. Este é o rito tal co m o ac o n tec e
no s julg am ento s em que h á so m ente um réu.
O C ó d ig o de Pro cesso Penal estab elece, n o seu artig o 481,
relativ am ente à p arte mais im p o rtante d o ju lg am ento , d epo is
dos d ebates:
83 Idem, p. 144-145.
147
Fechad as as po rtas, p resentes o escriv ão e d o is o ficiais de
ju stiç a, bem co m o o s acusad o res e os d efenso res, que se
co nserv arão no s seus lugares, sem interv ir nas v o taçõ es, o
co nselho , so b a p resid ência d o juiz, passará a v o tar os que-
sito s que lhe fo rem pro p o sto s.
Parág rafo ú nico . O nd e fo r p o ssív el, a v o tação será feita
em sala esp ecial.
5. Argüição d e n u iid a d e s
148
b) o exam e do co rp o de d elito no s crim es que d eixam v es
tígio s, ressalv ad o o d isp o sto no art. 167;
c ) a no m eação d e d efenso r ao réu p resente, que o não ti
ver, o u ao au sente, e de curad o r ao m eno r d e 21 (v inte e
um) ano s;
d ) a interv enção d o M inistério Pú blico em to d o s os. ter
mo s da ação p o r ele intentad a e no s d a intentad a pela par
te o fend id a, quand o se tratar de crim e de ação p ública;
e) a citação d o.réu para ver-se pro cessar, o seu interro g ató
rio , quand o p resente, e o s prazos co nced id o s à acusação e
à d efesa;
f) a sentença de p ro nú ncia, o libelo e a entreg a d a resp ec
tiv a có p ia, co m o rol de testem unhas, no s pro cesso s p e
rante o d rtbunal d o Júri;
g) a intim ação d o réu para a sessão de ju lg am ento , pelo
Tribunal d o Jú ri, quand o a lei não p erm itir o ju lg am ento à
rev elia;
h ) a intim ação das testem unhas arro lad as no lib elo e na
co ntraried ad e, no s term o s estabelecid o s p ela lei;
i) a p resença p elo m eno s de 15 (q u inz e) jurad o s para a
co nstitu ição d o jú ri;
j ) o so rteio dós jurad o s d o co nselho d e senten ç a em nú m e
ro leg al e sua inco .m unicabilid ad e;
k) o s quesito s e as resp ectiv as respo stas;
1) a acusação e a d efesa, n a sessão de ju lg am ento ;
m ) a sentença;
n ) o recurso d e o fício , no s caso s em que a lei o ten ha esta
b elecid o ;
o ) a intim ação , nas co nd içõ es estabelecid as p ela lei, para
c iên c ia d e sentenças e d esp acho s d e que caib a recurso ;
149
p) no Sup rem o Trib u nal Fed eral e no s Tribunais d e A p e
lação , o quó rum leg al p ara o ju lg am ento ;
IV — por o m issão de fo rm alid ad e que co nstitu a elem ento
essencial do ato .
p o r d e f iciê n
Parág raf o ú n ico . O co rre rá ain d a a n u lid ad e
cia dos quesito s o u das suas resp o stas e co n trad ição entre
estas.
6. Breve histórico
E am p lam ente aceito entre os pensad o res do D ireito que o
júri surgiu na Ing laterra, po r o casião da M ag na C arta d e 1215,
quand o o assim cham ad o “juízo de Deus” foi abo lid o . A ntes, os
acusados d eviam d em o nstrar sua ino cência por m eio d e testes
tais co m o cam inhar através de fo gueiras co m os pés d escalço s ou
segurar firm em ente barras de ferro aquecidas até a incand escência.
C aso superassem essas provas sem sofrer d ano s, teriam co m p ro
vad o a sua falta de culp a d iante do juízo d iv ino . O s dedos das
mãos seriam mais do que suficientes para co ntabilizar os v ered ic
tos de ino cente que po d iam se o bter naquele perío d o . O juízo de
Deus era, em outras palavras, to rtura impiedosa.
O quarto C o n c ilio de Latrão , que altero u alguns asp ecto s
do m o d o de atuação e interp retação das no rm as relig io sas, p ro
duziu co nd içõ es que se m o straram fav o ráv eis para estab elecer
S,'A “ Se a resp o sta a q ualq uer dos q u esito s estiv er em co n trad iç ão co m o u tra
o u o utras já p ro ferid as, o juiz , ex p lic an d o ao s ju rad o s em que co n siste a
c o n trad iç ão , su bm eterá n o v am en te à v o taç ão o s q uesito s a que se referirem
tais resp o stas” (C ó d ig o d e Pro cesso Pen al, artig o 48 9 ) .
150
os fund am ento s d a ação d e um jú ri. A ssim , p o d ia-se arg um en
tar que, d a m esm a m aneira que o Esp írito San to ilu nim o u os
co raçõ es dos ap ó sto lo s reunid o s em no m e d e C risto , doze h o
m ens de caráter lim p o , ju nto s so b a inv o cação d a p ro teção d i
v ina, enco ntrariam in e v i tav e l m e n te a v e rd ad e s o b re o ju lg a
m e n to em questão .
j u s t i ç a n o t r ib u n a l d o j ú r i , p. 9.
151
0 júri no Brasil
a) p lenitu d e de d efesa;
b ) sig ilo das v o taçõ es;
c ) so b erania dos v ered icto s;
d ) c o m p etên c ia para o ju lg am ento de crim es d o lo so s c o n
tra a v id a.85
152
Po r que ura ju lg am ento telev isio nad o m antém o ho m em ,
m esm o d urante um d ia d e sem ana, até altas ho ras aco rd a
do?
Po r que as lo cad o ras de v íd eo m antêm , co m o carro -chefe,
os film es que abo rd am a v io lência?
Po r que as brincad eiras de criança, em to d o s os tem p o s,
env o lv eram sem pre a v io lência?
Será que o ho m icíd io está grav ad o na c o n sc iên c ia da h u
m anid ad e? Será reflexo d o co m p o rtam ento dos no sso s an
cestrais, transm itid o c o n sc ien te ou inco n scien tem ente, d e
g eração a g eração ?
Será que, segund o o relato b íb lico , o ho m em m antém , ain
da, um a c erta p rev enção po r Deus ter sid o b en ev o len te
co m C aim , p erm itind o que cum p risse um a p ena lev e, g e
rand o a sua im punid ad e?
Será que, co m o m e d isse um m o to rista de táxi, o crim e
interessa ao ho m em p o rque, d iante de um a situ ação sem e
lhante, saberia co m o agir?
Será que existe, in c o n sc ien tem en te, no ser hu m ano , um
cu lto p erp étuo à v io lên c ia, herd ad o d o instinto de so b re
v iv ência de no sso s ancestrais?
Será que existe, efetiv am ente, no ser hu m ano , um lad o
mau que não o usam o s ad m itir?86
ju s t iç a n o t r ib u n al d o jú r i, p. 16-17.
153
feren ça entre n o tic iar o que atrai o interesse d a au d iência o u o
que é d o interesse p úblico . O que m ais atrairia o p ú blico ? M u-
lheres, crim es, acid entes. E o q ue é de interesse p úblico ? O rleu -
taçõ es úteis, p restação de serv iço s, ed ucação . U m a c o m b in a'
ção das duas frentes po d eria rep resentar um passo in ic ial rumo
à co bertu ra mais apro priad a e justa.
A nalo g am ente, o m esm o p ro b lem a se ap resenta para os
p ro fissio nais do D ireito , quand o em ação no tribu nal do jú ri.
N a sed ução buscad a pelo s d ebates finais, é p reciso refletir so bre
o que o ju rad o d e s e j a escutar, e o que o jurad o p r e c i s a escutar.
Tratar ap ro p riad am ente d essa d ico to m ia é um elem en to fu no V
m en tal da sed ução .
154
C a p ít u l o ¥11
Discurso e sedução t
ju lg am e n t o , p. 3 45.
88 A tese alte rn ativ a é u tiliz ad a q u and o , re c o n h e c id a a cu lp ab ilid ad e d o
réu , a d efesa te n ta o b te r o c u m p rim e n to d a p en a em c o n d iç õ e s m ais
p ro p ícias.
89 Ed ilb erto d e C am p o s Tro v ão , R e fle x õ e s d e u m ap r e n d iz d e p r o m o t o r d e
ju s t iç a n o t r ib u n al d o jú r i, p. 101.
156
imagem de um p ro fissio nal zelo so , em quem se po d e co nfiar,
interessad o so bretud o em co labo rar na ap licação da ju stiça, ten
do aceito a d efesa do réu ap enas po rque ju lg ara que ele lhe d is
sera a verd ad e quand o juro u ser ino c ente.
A o co m entar que o ad v o g ad o d esejav a “ transm itir a im
pressão ” desse caráter, fic a a sensação d e que o auto r da c itação
íez um ato falho . A fin al, a afirm ação p arece ser um rec o n h e c i
m ento de que o ad v o g ad o tenta, de certa fo rm a, eng anar o jú ri.
Ele m ente, quem sabe? N o m ínim o , ap lica uma pura sed ução .
Tro v ão pro ssegue relatand o o caso ; v ejam o s o utro trecho
do d iscurso do d efenso r no tribu nal do jú ri:
90 Idem, p. 101.
157
U m a d efesa ap elativ a, O p ro m o to r d e ju stiç a te tá co m o
tarefa, tão -so m e n te , d em o n strar q u al, e fe tiv am e n te , é
o o b je tiv o d a tese alte rn ativ a e o q u e irá ac o n te c e r co m
o réu se a tese fo r re c o n h e c id a! Enfim , d em o n strar que
o ad v o g ad o usou pura e sim p lesm en te uma té c n ic a de
p ersu asão !91
91 Id em , p. 101.
92 Id em , p. 1 02- 103.
158
M encio nam o s as co nju ntu ras estruturais, m o rfo ló g icas e
s e m ió tic a s d o d isc u rso ; an a lisa m o s o a u d itó rio c o m o
co nd icio nan te do teo r d o d iscurso ; buscam o s analisar o s fato s
que co nstituem o o b jeto do d iscurso ; d isco rrem o s acerca da
auto rid ad e d e quem ap lica o d iscurso ; d estacam o s o que talv ez
seja unid o s quesito s mais im p o rtantes, que é a em o ção co ntid a
e trabalhad a no d iscurso ; finalm ente, abo rd am o s a questão v i
sual, p lástica, de quem pro fere o d iscurso , e que imp ressão cau
sará a imagem em quem receb e e assim ila o d iscurso .
N enhu m a d úvid a p arece perd urar a resp eito d o p ap el d e
cisiv o e fund am ental que ex erc e a exp lo ração da sed ução no s
d ebates de um tribunal d o jú ri, tan to por p arte da d efesa q u an
to p o r p arte da acu sação . N enhu m a d úvid a p arece perdurar,
tam bém , acerca do fato de os ad vo gad o s utilizarem c o n sc ie n te
m ente essa ferram enta, às vezes, o que é de lam entar, co m in
tenção d eclarad a o u su b jacente de co nd uzir para o lad o inco r
reto a d ecisão do jú ri.
Esperamo s que este trab alho lev e a uma p ro fund a reflexão
os pro fissio nais do D ireito e, o xalá, estud antes que d esem p e
nharão no futuro tarefas d entro do D ireito , da C o m u nicação ,
da Sem ió tica, da Psico lo g ia ju d iciária. Esperam o s que eles c o n
sid erem a pesquisa que d esenv o lv em o s, em no m e do Bem , da
Verd ad e e da Ju stiça integ ral.
Po r fim , reco nhecem o s q ue um liv ro que ap reciasse, co m o
este ap recio u, o p o d er da p alav ra, p o d eria ter sid o escrito a res
p eito de qualquer ciência hum ana. N o entanto , preferimo s abo r
d ar a área da C o m u nicação e Sem ió tic a pela p o ssibilid ad e de
tratar o tem a co m m aio r ab rang ência e liberd ad e. O s sig no s, os
sím bo lo s, a linguagem o ral e gestual, a ling uag em da pausa, do
silêncio . A C o m u nicação co m o elem ento pro pulso r de um a tese
a ser ap resentad a d entro de um a c iên c ia trad icio nal co m o o
D ireito . O d iscurso analisad o em seus m eand ro s da em o ção e
da p aixão . Paixão que env o lv e, p aixão que d efine, p aixão que
d ecid e. O tribunal do júri não se restring e a asp ecto s p uram ente
159
ju ríd ico s. O d iscurso no tribu nal d o jú ri ap ro v eita elem ento s
da Literatu ra, da Po lítica, da M atem ática. E híbrid o . O trib u
nal d o jú ri é um p alco po r d efinição . U m p alco de sed ução . E a
p alav ra é a luz d a rib alta. Q u e faz a d iferença, básica e fu nd a
m ental, para p erm itir que um a v id a siga into cad a, ou, ao c o n
trário , ced a, esm o reça, sucum ba, so b o peso da co nd enação .
N ão ad ianta, em suma, o c o n h ec im en to afunilad o das té c
nicas e dos jarg õ es ju ríd ico s. D e nad a v ale a cultura p uram ente
ju ríd ica ou o am p lo c o n h ec im en to d o D ireito Penal e Pro ces-
sua 1Penal, ou aind a o d o m ínio so bre as leg islaçõ es extrav ag an-
tesCÉ p reciso mais: o po d er d a palav ra, o to q u e im p o nd eráv el e
in tang ív el d a sed ução / }
A in ten ç ão d este trabalho não fo i d estruir a institu ição do
jú ri e nem fazer a sua ap o lo g ia, mas d iscutir os instru m ento s de
que ela se v ale.
Im ag inam o s, co m o exem p lo , a situ ação de um a m ulher de
39 ano s, m o rad o ra d e um a p acata cid ad e d o interio r, acusad a
p elo assassinato de seu m arid o , ho m em im p o rtante e m uito
querid o p o r seus co ncid ad ão s.
Im ag inem o s que ela seja co nd enad a p elo jú ri a 26 ano s de
prisão , p o is é ho m icid a, po is infring iu as leis p enais, po is m ato u
um ho m em — e o d iscurso d o p ro m o to r co nd uziu os jurad o s a
essa v erd ad e.
Im ag inem o s ago ra que ela é abso lv id a, p o is a retó rica de
seu ad v o gad o fo i de tal fo rm a b em co nd uzid a que tro uxe à to na
no v o s elem ento s, que, aos o lho s d o jú ri, fo ram su ficientes para
c o n v en cê-lo s da inju stiça que estaria send o co m etid a caso fo s
se aq u ela m u lher env iad a à p risão . Im ag inem o s que esse ad v o
gado falo u ao s jurad o s so bre a histó ria do so frim ento das m u
lheres, so bre m achism o , so bre os esp ancam ento s c o nstantes e a
hu m ilhação a que esse marid o assassinado subm etia d iariam ente
sua espo sa. Im ag inem o s que ela realm ente m ato u o seu m arid o ,
mas em leg ítim a d efesa. D e sua v id a e d a v id a d o filh o que
160
carregava em seu v entre. N ão se trata, g arante o ad v o gad o , de
uma ho m icid a, mas d e uma v ítim a. V ítim a de uma histó ria de
hu m ilhação e so frim ento , de um sistem a m ilenar de o pressão .
Elem ento s retó rico s su ficientes pára trazer aos o lho s d o jú ri a
gravidade d a inju stiça que seria co m etid a ao se co nd enar tal
mulher.
H á que se dizer que, nessa segunda hip ó tese, o jú ri teria
sido eng anad o ? C ertam en te que não . O p ro cesso que to m a lu
gar no trib u n al d o jú ri não 6 um eng o d o , um a sim u lação
co nduzida po r advo gad o s e pro m o to res para eng anar o jú ri, c o n
duzi-lo ao erro , afastá-lo da verd ad e. Pelo co ntrário , advo gad o
e p ro m o to r, crem o s nó s, acred itam sinceram ente em sua v erd a
de e, ao ap resentarem a tese d e d efesa o u acusação , co lo cam
to do o talen to retó rico a serv iço dessa verd ad e.
C o m o já fo i v isto , o caráter sed uto r do d iscurso das partes
d esem p enha fu nção essencial para a ap licação d o D ireito , su
perand o em im p o rtância os testem unho s e as pro v as, à med id a
que co nd uz à verd ad e dos jurad o s e não à verd ad e dos auto s.
Cai, em tese, o axio m a ju ríd ico do D ireito Penal, da verd ad e
real. A verd ad e to rna-se filha d o d iscurso . O d iscurso fascina, o
d iscurso quer co m p ro m eter id eo lo g icam ente o recep to r/ D e
aco rd o co m a sua fo rm ação , p rep aro in telectu al, am b iência
cultural, o recep to r p o d e so frer influ ência d a sed ução ap licad a
p elo ad v o g ad o ou p elo p ro m o to r à sua fala, no s d ebates finaisj
A ju stiç a é, então , refém d o talento de cad a ind iv íd uo ,
porque o D ireito , já sabem o s, não é uma c iên c ia exata. E a v er
dade, sabem o s tam bém , não está circu nscrita a um b o tão id en
tificad o p elo seu no m e, ao q ual basta ap ertar p ara que surja,
límpid a, a quem clam o u p o r ela. Ela tem d e surgir das verdades
de cad a um, fo rm and o um p ainel d e verd ad es, um m o saico de
impressões que, reunid as, p erm item ao jú ri sustentar a d ecisão
de qual verd ad e é aquela que p riv ileg iará a ju stiça.
161
C o m o encerram ento ao trab alho , cab e aqui a inclusão de
um tex to d o p o eta C arlo s D rum m o nd de A nd rad e, que po d e
ilum inar co m m ag istral belez a o c am inho da reflexão que bus-
cam o s pro m o v er. Trata-se do p o em a intitu lad o “ V erd ad e” :
162
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168
c esp ecífico s, o auto r estud a d iferentes
alternativ as de linguagens — ap resen
tação p esso al, p o stura, pausas e silêiir
cio s, simulação d ramática, atitudes co r
po rais — q u e, reunid as à linguagem
v erbal, co m p o nente maio r da sed ução ,
sirvam de eficaz instrumento a todos bs
p ro fissio nais empenhad o s em co n v en
c e r seu p ú b lic o , cm transm itir-lhè.
d eterm inad as mensagens e co nteúd o s.
Escrito de maneira igualmente se
d uto ra, valend o -se dos d iscurso s da..ltr
teratura e do cinema numa demons®®-
ção prática da necessid ad e do co nheci
m ento da arte cm todos os campo s .-vi
tais, reunind o habilid o sam ente os e l e
m ento s d o sensív el ao estud o racio nal
d o tem a, A sedu ção no disc u rso e o bra
que enriq u ecerá não apenas a culturk
juríd ica de seus leito res, mas, exced eti-
i do seus lim ites, permitirá uma o p o rtu
nid ad e d e reflexão so b re a cultura
hum anística co ntem p o rânea. 1
*rt í £ iâ
Ed ito ra
\ ^ 4 P Sa ra iv a
mm
Trata-se de o bra que co nsegue amalgamar o s p receito s da Sem ió tica co m
o s d o D ireito , no cam inho myltid isciplinar da universalidad e da ciência e d o
co nhecim ento , o que me parece salutar, à med id a que é d em o nstração viva de
que a ciência nao é estanque nem pode ser o b jeto d e m o no p ó lio , mas é dinâ
m ica e plural p o r excelência. \ ^
%, . t s !’ \ .■ < .*■. \
- D ep o is d e ap resentar a sed ução co m o co fnp o nente histó rico d o D ireito
Penal, o auto r trabalha co m exerjiplos d e film es recentes, co m o o bjetiv o
p rectp uo d e d em p nstrar que a sed ução é utifé^d a,ho s d iscurso s d o s advoga
d o s e p ro m o to res d e justiça, co m a final idkdècíp p rp turàr co nv encer o s audi
tó rio s e o s tribunais das premissas pótveles déifehdidas '
\\ ■ ■i . '''• \ ^ i , -a p k m T ** •’ I• ••'
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