Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A APRESENTAÇÃO DO EU
HA VIDA DE TODOS OS DIAS
erving gollman
R E L Ó G I O D 'Á G U A
A Apresentação do Eu
na Vida de Todos os Dias
<£*
*Ujl
Rua Sylvio Rebelo. n° 15
1000 Lisboa
Tel: 8474450 Fax: 8470775
© E rv in g G o ffrn an . 1959
P u blicado p o r aco rd o c n m a D o u b led ay , rep artição d a B antam
D o u b lc d a y D ell P u b lish in g G ro u p , In c.
© R e ló g io D Á g u a , 1993
C o m p o siç ã o e p a g in a ç ã o : R e ló g io D ’Á g u a E d ito re s
Im p re ss ã o : R a in h o & N e v e s, L d a ./S a n ta M a ria d a F eira
D e p ó sito leg al n? 6 8 0 6 1 /9 3
Erving Goffman
A Apresentação do Eu
na Vida de Todos os Dias
T ra d u ç ã o d e M ig u e l S e rra s P e rc ira
Antropos
As m á s c a ra s sâ o e x p re s s õ e s d e lib e ra d a s e e c o s a d m irá v e is do
s e n tim e n to , a o m e sm o te m p o fié is , d is c re ta s e s u p e rla tiv a s . A s
coisas: v ivas cm c o rn a d o corn o a r ad q u irem n ece ssa ria m en te u m a
cutícula» e não p o d em o s a c u s a r as cu tícu las p elo facto dc não serem
co raçõ es; co n tu d o há certo s filó so fo s q u e p a recem acu sa r as im ag en s
de n ão se re m c o isa s, e as p a la v ra s de n ào serem se n tim e n to s. A s
p a la v ra s e as im a g e n s sao c o m o c o n c h a s, p artes n ã o m en o s in te
g ran tes d a n atu reza do que as su b stâ n c ia s que p rotegem , m as m ais
d irig id as a o o lh a r e m ais e x p o s ta s à observ ação. N ão nie p a rec e q u e
p o ssam o s d izer q u e a su b stâ n c ia existe, p o r c au sa d a ap arên cia, ou os
rostos p o r c a u sa d a s m áscaras, o u as p aix õ es p o r c a u sa d a p o e sia e
da v irtu d e. N ã o há nada q u e a p areça na N a tu re za por c a u sa de o u tra
coisa q u alq u er; to d o s o s a sp e c to s e p ro d u to s p erten c em cm m edida
ig u a l ao ciclo da e x is te n c ia ...
G eo rg e S a n ta y a n a 1
papéis rep resen tad o s p elo s outros presen tes, sendo q u e e ste s outros
c o n stitu e m , ao m esm o lem p o . a assistên cia. O u tras in su fic iên c ias do
m o d elo te rã o o p o rtu n id ad e d e se m a n ife sta r m ais tarde.
O s m ateriais q u e este trab alh o expõe co m o ilu straçõ es são co m
pósito s: certo s excrnplos sao ex traídos d e resp eitáveis in v estig açõ es
em que as g e n e ra liz a ç õ e s ad ia n ta d a s se b a se ia m em re g u la rid a d es
c o n siste n te m e n te id en tificad as; o u tro s sã o to m ados de m iscelâ n ea s
de re c o rd a çõ e s in fo rm a lm e n te re d ig id a s p o r g ente m ais ou m enos
c u rio s a ; o u tro s a in d a , m u ito n u m e ro s o s , s itu a m -s e e n tre o s d o is
c a so s. A lé m d isso , u so fre q u e n te m e n te um e s tu d o q u e e u p ró p rio
re a liz e i s o b re u m a c o m u n id a d e c a m p o n e s a (e m re g im e de a g r i
c u ltu ra de su b s istê n c ia ) d a s ilh as S h e tla n d ’ . A ju s tif ic a ç ã o d este
m o d o d e p r o c e d e r (q u e p e n s o s e r ta m b é m a j u s tif ic a ç ã o a q u e
S im m el p ro c e d e ac e rc a do seu m étodo) e s tá n o facto d e o co n ju n to
do s e x e m p lo s a p re s e n ta d o s se a rtic u la r num q u a d ro c o e re n te , li
gan d o d iv e rso s elem en to s d a e x p e riê n c ia d o le ito r c forn ecen d o aos
interessad o s um g u ia que p o d e rá v aler a pena p ô r à p ro v a e m e s tu
d o s co n c re to s d o m o d o social de ex istê n c ia d as in stitu içõ es.
O q u a d ro de referên cia é ap re se n ta d o seg u n d o u m a o rd e m lógica.
A in tro d u ção e n e cessariam en te m u ito ab stracta, pod en d o o leitor, se
assim o entender, “saltar” as p áginas q ue a integram .
M as em to d o o c a so e v ito u o o lh a r de q u em q u e r q u e fo sse .
A n tes d o m ais, tin h a que d e ix a r claro ao s p o ten ciais c o m p a n h e iro s
d e fé ria s q u e s e d e s in te re s s a v a to ta lm e n te d a s su a s p e sso a s. O
o lh a r d e P reed y p assou p elo m e io deles, à volta d e le s, p o r cim a
d e le s — p erd id o no esp aço . D ir-se-ia q ue a p ra ia e sta v a d e serta.
Q u an d o p o r ac a so ap arecia u m a b o la la n çad a n a sua d irec çã o , ele
p arecia su rp reen d id o ; d eix aria d ep o is um so rriso d iv e rtid o ilu m i
nar-lh e o rosto (P reedy S im p á tic o ), olharia à volta, esp an ta d o p o r
haver p esso as na praia, d e v o lv e ria a bola co m um so rriso para si
p ró p rio q u e não seria um so rriso para n in g u ém , e d ep o is reto m aria
a s u a insp ecção d e sp re o c u p a d a e tran q u ila do esp aç o e m redor.
M a s e ra m h o ra s de p ro c e d e r a u m a p e q u e n a e x ib iç ã o , a
e x ib iç ã o d o P re e d y Ideal. C o m g e sto s su b tis d e ix o u à v is ta de
quem q u isesse o lh ar o títu lo d o livro q ue trazia — um a tra d u çã o
e s p a n h o la dc H o m e ro , um c lá s s ic o p o rta n to , m as n ad a d e
au d a c io so nem d c c o sm o p o lita — e a se g u ir fez c u id ad o sam en te
c o m o seu ro u p ão de praia a c o m o seu saco um ú n ico v o lum e,
p ro teg en d o -o s d a a re ia (P re e d y O rg an izad o e A tilad o ), erg u eu -se
le n ta m e n te p a ra d is te n d e r à v o n ta d e o c o rp o e n o rm e (P re e d y
4 W illard W aller. “The R ating and D ating C o m p lex ". A m erican S o cio lo g ica l
Review. II. p. 730.
Ifi Erving Goffman
■' 1’ode estabelecer-se deliberadam ente um a interacção como quadro tem poral e
espacial da expressão dc opiniões diferentes, mas em tais casos os participantes tem
de acordar entre si cuidadosamente r.ão- infringirem o tom dc voz. vocabulário e
grau de seriedade em que devem ser expressos todos os argumentos e definirem as
regras de respeito mútuo que os participantes ein desacordo deverão continuar a
m an ifestar entre eles. Esta d efinição em term os dc d eb ate ou acad ém ico s da
situ ação pode tam bém ser invocada d c súbito c ju d icio sam en te com o m eio dc
traduzir um conflito dc perspectivas serio num quadro em que a discussão possa
travar-se de maneira aceitável para todos os implicados.
Erving Goffman
^ W. F. W hyte. "W hen W orkers anil C ustom ers M eet". Cap. VII. Industry and
Society, cd. W. K W hyte. M cGraw-Hill, Nova Iorquc. 1946. pp. 132-133.
A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias 23
^ E n trev ista com um p ro fesso r c ita d a por H ow ard S. B cck cr. ' S ocial C lass
Variations in the Tcach.cr-l’upi! R elationship". Journal o f Educational Sociology,
XXV, p. 459
Ilaro k ! T ax e;. "A u th o rity S tru c tu re in a M en tal H osp ital W ard ” , (esc dc
Mestrado inedita. Department of Sociology, University o f Chicago, 1953.
24 Krving Goffman
' 1 Rsic* papel da testemunha que limita aquilo que o indivíduo pode ser tem sido
sublinhado pelos existencialistas como uma ameaça profunda à liberdade
individual. Ver Jean-Paul Sartre. L'Éire a le Ncam, trad. ing. de Hazel E. Barnes,
Being and Nothingness. Philosophical Library. Nova Iorque. 1956. p. 365 c segs.
A Apresentação do Eu na Vida dc Todos os Dias 25
ticas prev en tiv as co n stan tes c o n tra factos p erturbadores que nao foi
po ssív el ev itar co m sucesso. Q u a n d o o individuo e m p re g a essas es
tratég ias e tácticas a fim de s a lv a g u a rd a r as suas próprias projecções,
cham ar-lh es-em o s “ práticas d e fe n siv a s"; q u an d o um particip an te as
em p reg a p ara salv ag u ard ar a d e fin iç ã o da situação pro jectad a p o r um
o u tr o p a r tic ip a n te , fa la r e m o s d e “ p r á tic a s de p r o te c ç ã o " ou de
“lacio ” . C o n ju n tam en te, as p rá tic a s de d efesa e p rotecção incluem as
técnicas u tilizadas p ara sa lv a g u a rd a r a im pressão v isada por um in
d iv íd u o d u ra n te o seu en co n tro co m os outros. D eve acrescentar-se
que em b o ra adm itam os com facilid ad e q u e nenhum a im pressão visada
pelo indivíduo sob rev iv eria sem o uso d e práticas defensivas, talvez
ad m itam o s m enos facilm en te q u e p o u cas im p ressõ es so b rev iv eriam
se o s q ue recebem a im pressão n ã o recorressem , d u ran te a recepção,
àquilo a que cham ám os o seu “ tacto”
P ara lá d o facto dc serem to m ad as p recauções destin ad as a im pedir
a ru p tu ra das d e fin içõ es p ro je c ta d a s, p o d erem os tam bém n o tar que
um forte interesse p o r essas ru p tu ra s d esem p en h a por vezes um papel
de relevo na vida social do g ru p o . H á brin cad eiras e jo g o s so ciais que
rep re se n ta m situ açõ es d e e m b a ra ç o d e lib e ra d am en te urd id as e q u e
não d e v e m s e r lev ad as a s é r io 12. T ecem -se fan ta sia s q u e m ostram
situaçõ es de risco devastad o ras. C o n ta m -se um a e o u tra vez episó d io s
p assad o s — reais, d isto rcen d o a realid ad e ou inteiram ente fictícios —
que d escrev em m in u cio sam en te ru p tu ra s que de facto aco n teceram ,
ou que q u ase aco n teceram ou q u e , e m b o ra tenham acontecido, foram
a d m ir a v e lm e n te s o lu c io n a d a s . P a re c e n ã o e x is tir g ru p o q u e não
possua um fornecim ento com pleto destes jo g o s, fantasias e h istórias dc
prov eito e ex em p lo , u tilizado corn o reserva de hum or, escape c atá rti
c o d a ansied ad e e san ção d e stin a d a a le v a r os indivíduos a serem m o
desto s n as suas p reten sõ es e ra z o á v e is nas ex p ectativ as que p ro jec
tam . O in d iv íd u o p ode revelar-se em so n h o s nos quais alcan ça situ a
ções im possíveis. A s fam ílias fa la m dc o casiõ es em q u e um c o n v id a
d o tro c o u as d a ta s e a p a re c e u q u a n d o n em a c a s a n e m n in g u é m
e stav a c m co n d içõ es de o receber. Os jo rn a lista s referem -se a gralhas
terrív eis que co m p ro m etem , pelo rid ícu lo , a o bjectiv id ad e ou respei-
* T alvez o verdadeiro crim c do burlão não esteja no facto dc ele ficar com o
dinheiro das suas vítimas, mas em nos ferir ¿1 todos na ciença segundo a qual n-í
maneiras e aparência da classe media são urn exclusivo das pessoas da classt: média,
Um profissional desenganado pode ser cimcamcnlc hostil à relação que o público
espera dele; o burlão conscguc desvalorizar o mundo da "legitim idade" no scu todo.
A Apresentação do í¿u na Vida tic Todos ns Dias 31
N ã o é p ro v a v e lm e n te p o r u m s im p le s a c a s o h is tó ric o q u e a
p a la v ra “ p esso a”, na s u a a c e p ç ão de origem , d e sig n a u m a m ásca
ra. T raia-se an tes d o re c o n h e c im en to do facto d e to d a a g en te e sta r
sem p re e em to d a a parte, co m m a io r ou m enor c o n sc iên cia , a rc-
V er T axei, op. cit., p. à. H arry Slack. Sullivan sugeriu que o tacto dos actores,
institucionalizados pode tur.cionar tam bém em sentido contrario, resultando numa
saúde mental do tipo n oblesse oblige. V er a sua “Socio-Psychiatric R esearch“.
American Journal o f Psychiatry, X. pp. 987-88.
«U m escudo so b re as "re m issõ e s s o c ia is ” n o s n o ss o s g ra n d e s h o sp ita is
p siq u iá tric o s t;ns;nou-rne há alguns a n o s que os p acie n tes são m u itas v ezes
dispensados dc tratamento por terem aprendido a não manifestar os seus siniomns
perante as pessoas que os rodeiam; por outras palavras, integraram suficientemente
o am biente pessoal circu n d an te p ara ad o p tarem o p reconceito op o sto ãs suas
ilusões. Quase sc diria que se tinham tornado suficientemente avisados para seiern
tolerantes para com a imhecilidadi; que os rodeava, depois dc descobrirem que sc
tratava, de facto, não dc-. maldade, mas d c simples estupidez. Eram assim capazes dc
um co n tacto satisfatório com os o u tro s, ao m esm o tem po que continuavam a
responder a outras necessidades cm term os psicóticos.»
32 lirving G of finan
T r a ta - s e de u m p o n to q u e a v id a d e c o m u n id a d e d a ilh a d a s
S h etlan d p o d e e x e m p lific a r5. N os ú ltim o s q u a tro ou c in c o an o s, o
hotel d e tu rism o d a ilh a p e rte n c ia a, e era g e rid o por, um casal de
o rig em cam p o n esa. D esde o p rim e iro m o m en to , os d o n o s do hotel
fo ra m o b rig ad o s a p ô r d e p a rte as suas p ró p ria s co n c e p ç õ es so b re
c o m o se d e v e ria viv er, o rg a n iz a n d o no h o tel u m a la rg a g a m a de
serv iço s e a c e ssó rio s típ ico s da classe m éd ia. M ais ta rd e. co n tu d o ,
rev elo u -se que o s p atrõ es se tinham to m a d o m enos c ín ic o s cm rela
ç ã o a o seu d esem p en h o de ac to re s; eles p ró p rios se tra n sfo rm av a m
e m m e m b ro s d a c la s s e m é d ia , a p e g a n d o - s e c a d a v e z m a is às
p erso n alid ad es q u e os c lien tes lhes atrib u íam .
Out.ro exem plo seria o do recruta inexperiente que co m eça por obe
d ecer ao p rotocolo m ilitar para evitar punições físicas, m as m ais tarde
acaba p o r cu m p rir as reg ras para não en v ergonhar a organização a q u e
p ertence e para que os oficiais e os cam aradas de quartel o respeitem .
C o m o j á sugeri, o ciclo que vai d a d escren ça à crença p o d e ser per
co rrid o no sen tid o oposto, p artindo d a co n v icção ou de um a aspiração
in seg u ra e te rm in a n d o no c in ism o . C ertas p ro fissõ es q u e o público
co n tem p la com relig io so tem o r p erm item m u itas vezes que os seus
recrutas p erco rram o ciclo d este m odo, e m u itas vezes os se u s recru
tas perco rrem -n o assim não p o r co m p reen d erem pouco a pouco que
- Robert Ezra Park. Race and Culture. The Free Press. Glcncoe 111.. 3950. p. 2-19,
A_ Ibid., p. 250.
" r.sludo da ilha das Shetland.
A Apresentação do Eu no Vida de Todos os Dias 33
Fachada
'' A. f_.. Krocbcr. The N ature o f C ulture. U niversity o f C hicago Press, Chicago.
1952, p. 311.
A Apresentação du Hu nu Vida de Todos os Dias 35
s H. F. Dale, The Higher Civil Sen-ice o f G reat Britain. Oxford U niversity Press.
Oxford, 1941. p. 50.
9 D avid S o lo m o n . " C a re e r C o n tin g e n c ie s o f C h ic a g o P h y s ic ia n s '’, Ph. D.
dissertação inédita. D epartm ent o f Sociology, U niversity o f C hicago, C hicago,
1952. p. 74.
A Apresentação do Liu na Vida de Todos os Dias 37
fu n ç ã o d e s e m p e n h a d a p e la in fo rm a ç ã o q u e os e s tím u lo s c o r re s
p o n d e n te s veicu lam . A “ a p a rê n c ia ” d e sig n a rá esse s e stím u lo s cuja
função m o m en tân ea é c o m u n ic a r-n o s o e sta tu to social do actor. O s
m e sm o s e s tím u lo s in to rm a m -n o s ta m b é m so b re a s itu a ç ã o ritu a l
te m p o rá ria do in d iv íd u o , o u se ja . d iz e m -n o s se ele e stá a le v a r a
ca b o a lg u m a activ id ad e .social fo rm a l, a tra b a lh ar ou a e n treg a r-se a
um a p rá tic a recreativ a inform al, se e stá ou não a c eleb rar u m a n o v a
fase d o c ic lo d as estaçõ es ou d o se u ciclo vital. O "m o d o ” d esig n ará,
p e lo seu la d o . e sse s e s tím u lo s q u e m o m e n ta n e a m e n te fu n c io n a m
in f o r m a n d o - n o s d o p a p e l q u e o a c t o r c o n ta d e s e m p e n h a r n a
in tera c ç ão d a situ ação que se av iz in h a . A ssim , um m odo arro g a n te e
ag ressiv o d a rá a im pressão de q u e o a c to r esp e ra ser ele a in ic ia r a
in teracção verbal e a o rie n ta r o se u c u rso . U m m odo h u m ild e e re
c e o s o d a r á a im p re s s ã o d e q u e o a c to r se p re p a ra p a ra s e g u ir o
m o vim en to dos o u tro s ou de q ue p e lo m enos n ão será d ifícil lev á -lo
a fazer isso.
M u ita s v e z e s , e v id e n te m e n te , e s p e ra m o s q u e a re la ç ã o e n tre
a p a rê n c ia e m odo seja de c o n firm a ç ã o e c o n sistên cia; p re v e m o s que
as d ife re n ç as d e co n d ição social e n tre o s in teracto rcs se ex p ressem
d e a lg u m m o d o c o e re n te m e n te p o r d ife re n ç a s e n tre as in d ic a ç õ e s
relativ as ao p ap el e sp e ra d o na in te ra c ç ã o . R ste tip o de co e rê n cia da
fa c h a d a p o d e se r ilu stra d o p e la se g u in te d e sc riç ã o do c o n e jo q u e
ac o m p a n h a um m andarim ao lo n g o de u m a cid ad e chinesa:
' - V er Mervyn Jones. "W hite as a Sw eep". The 'Ne.w Statesman a m i Nation, 6 <le
Dezem bro de 1952.
54 A. R. R a d d iffe -B ro w n . :iT hc S o c ia l O rg a n iz a tio n o f A u stra lia n T rib e s ".
Oceania, I. 440.
40 Erving Goffman
15 Para uma abordagem «loba! do problema, ver Dan C. Lortic. “ Doctors without
Patients: T he Anesthesiologist, a New Medical Specialty" (tese dc M estrado inedita.
D epartm ent o f Sociology. U niversity o f C hicago 1950). V er tam bém dc Mark
M urphy, terccira parte. Perfil do Dr. R yvcnstine, “ A nesthesiologist", The. Wr-.v
Yorker. 25 dc Outubro. I dc N ovem bro c S dc Novembro dc 1947.
M Erving Goffman
R e a li z i iç ã o D n a n á ! ¡c a
’ V er Babe P in e llí, segundo Joe King. Mr. Uinp, Wcstmiri^icr P re s s , F ila d é lfia .
1953, p. 75.
A Apresentação do Eu na Vida dc Todos os Dins 45
O trab alh o das e n fe rm e iras d o s serv iço s clín ico s é tam b é m a lta
m ente q u a lific a d o ... O d ia g n ó stic o d o m edico tem que fic a r su jei
to a u m a e sc ru p u lo sa o b s e rv a ç ã o d o s sin to m a s à m e d id a que o
tem po vai passando, ao p a sso q u e o diag n ó stico do cirurgião d e
pende m uito m ais de coisas v isív eis. A falta de v isib ilid a d e c ria
pro b lem as clínicos. O p a c ie n te vê a sua en ferm eira p a ra r na ca m a
vizinha e co n v ersar d u ran te u m ou d o is m inutos c o m o paciente
que a ocupa. N ão sabe que e la está a o b se rv ar a p ro fu n d id ad e da
resp iração e a c o r e to n a lid a d e da p ele d o outro paciente. Pensa
q u e e stá sim p lesm en te a fa z e r-lh e u m a visita. In felizm en te, a m es
m a c o isa pode p en sar a fam ília d o p acien te que, n essa b ase, d e c i
dirá q u e as e n ferm e iras não s ã o de g rande c o m p etê n cia. S e a e n
ferm eira d em o rar m ais te m p o ju n to a u m a cam a v izin h a d o que
ju n to à su a, o p acien te p o d e rá , co m efeito , sentir-se ig n o ra d o ...
A s enferm eiras e stã o lia p e rd e r te m p o " a m enos que se p re c ip i
tem de um lado para o o u tro o c u p a d a s c o m coisas ta n g ív eis com o.
p o r ex em p lo , ap lic a r in je c ç õ e s 1S.
D e m o d o se m e lh a n te , o p ro p rie tá rio de um e s ta b e le c im e n to de
p restação de serviços p o d e a c h a r difícil d ram atizar aq u ilo q u e real
m en te está a ser feito p ara o p ú b lico , p o is os m em bros deste não são
capazes de “ver” as im posições g lobais do serviço que está a ser pres
tado. Os donos das agências fu n erarias têm assim que p edir m uito pelo
seu pro d u to bem visível — u m c a ix o te q u e foi tran sfo rm ad o n um a
um a — p orque m uitos dos o u tro s en carg o s relativos à organização de
um funeral não se p restam tanto a um a dram atização ta n g ív e l19. O s
- - Adam Smith. The Theory o f M orai Sentiments, lleno.1 B ohn. Londres, 18.53.
p. 75.
A Apresentação do llu na Vida dc To-dos os Dias 49
Ideal ização
S e n u n c a te n tá s s e m o s p a r e c e r u m p o u c o m e lh o re s d o q u e
so m o s, corn o seríam o s ca p a z es de nos to rn a r d e facto m elh o res ou
d e ‘‘a p re n d e r de fo ra para d e n tro " ? E o m e sm o im p u lso no sen tid o
d c m o stra rm o s ao m u n d o a p a rê n c ia m e lh o ra d a ou id ealizad a de
n ó s p ró p rio s surge co m u m a e x p re s s ã o o rg a n iz a d a nas d iv e rsa s
c la sse s e p rofissões, le n d o c a d a u m a d elas a té certo p o n to u m a gí
ria ou postura p róprias, q ue os se u s m em b ro s ad o p tam , o m ais das
v ezes, in co n scien tem en te, m as c u jo efeito se a sse m e lh a ao de um a
co n sp ira ç ã o d estin ad a a in d u z ir a c re d u lid a d e do resto do m undo.
H á u m a g íria não só d a te o lo g ia e d a filan tro pia, m as tam b ém do
d ir e ito , d a m e d ic in a , d o e n s in o e a té — ou s o b r e tu d o — da
c iê n c ia de hoje cm dia. u m a v e z q ue q u an to m ais <5 re co n h ecid a e
ad m ira d a um a certa fo rm a de m érito , m ais p rovável c q u e p esso as
in d ig n as dele tcnlcm u tiliz á -la .23
— C harles H. Cooley. Human N ature a n d the Socio! O rder. S crib n c r's. N ova
Iorque, 1922. pp. 352-53.
50 Hrving Coffman
“ ^ M. N. Srinivas. Religion and Society Am ong the Coorgs o f South India. Oxford
U niversity Press. Oxford. 1952, p. 30.
52 Erving Goffman
M arjorie Plant. The D om estic L ife in Sco tla n d in the E igh teen th C entury.
Edinburgh University Prc:ss. Edimburgo. 1952. pp. 96-97.
A Apresentação do Liu na Vida dc Todos os Dias 53
54 F.rving Gofíman
A tra vós de todos estes m eios, fica dem o n strada a superioridade natu
ral do sexo m asculino e é afirm ado o papel subalterno do sexo fem inino.
A nalo g am en te, os h ab itan tes d a ilha das S hetland d isse ra m -m e que
os seu s avós co stu m av am abster-se de m elh o rar a a p a rê n c ia das suas
casas de cam p o n eses para q u e o laird não p en sasse que e sse s m elho
ram en to s eram sinal de q u e eles estav am em condições dc p a g a r um a
ren d a m ais alta p e la s terras. E sta tradição co n h eceu u m ce rto retorno,
um pou co çin ligação co m as exib içõ es de p o b reza por vezes repre
sentadas peran te a assistên cia social local. M ais im p o rtan te ainda: há
hoje em dia hom en s d a ilha que ab an d o n aram há m uito a agricultura
de subsistência e os estritos critérios de um trabalho interm inável, com
o seu d esco n fo rto d e toda a esp écie e a su a dieta d e p eix e e batatas,
q u in h ã o tra d ic io n a l d o s ilh éu s; co n tu d o , o s m esm o s h o m e n s usam
fre q u en tem en te em p ú b lico a ja q u e ta de là e os botins d e b o rrac h a
q u e são sím b o lo s visíveis da co n d ição d e agricultor. A p resen tam -se
assim perante a co m u n id ad e c o m o p essoas que, à m argem de tudo, se
co n serv am leais à co n d ição dos seus co m p an h eiro s de ilha. Trata-se
de u m papel d e ro tin a que rep resen tam co m sin c erid ad e , c a lo ro sa
m ente, serv in d o -se d o d ialecto ap ro p riad o e d an d o m ostras d e grande
d e te rm in a ç ã o . P o rém , no refú g io d as c o z in h a s d e su as c a sa s, e sta
le a ld a d e a fro u x a e os m esm o s h o m en s p e rm item -se fru ir de c ertas
co m o d id ad es m odernas a q u e se foram en tretanto habituando.
O m e sm o g é n e ro de id ealização n e g a tiv a era freq u en te, sem d ú
vida. d u ra n te o p e río d o de d ep ressão nos E stad o s U nidos, q u a n d o as
co n d iç õ e s de p riv ação de u m a fam ília e ra m p o r vezes sub lin h ad as
pelo s s e u s m e m b ro s d ia n te d o s p ro fissio n a is d a a ss is tê n c ia , in d i
c a n d o q ue e m to d a a p a rte o n d e h a ja a v a lia ç ã o , h a v e rá ta m b é m ,
p ro v av elm en te, e x ib ição d a pob reza:
U m a in v e s tig a d o r a d o D P C re fe riu a lg u m a s e x p e r iê n c ia s
in teressan tes a e ste resp eito . E la era italiana, m as de pele clara e
28 ¡bid., p. 187.
A Apresentação do F.u na Vida dc Todos os Dias 55
c a b e lo lo u ro , d e c id id a m e n te d e um tip o p o u co n a c io n a l. O seu
irab alh o c o n sistia p rin c ip a lm e n te no e stu d o de fam ílias italianas
no q u a d ro F E R A . P elo facto d c não p a re c e r ita lia n a o u v ia c o n
versas e m italiano, rev elan d o a atitu d e d o s b e n eficiário s p e ra n te o
a u x ílio q u e llic s e ra p r e s ta d o . P o r e x e m p lo , e n q u a n to e s la v a
se n ta d a na saia a c o n v e rsa r c o m a m ãe de fam ília, e sta c h am av a
um d o s filhos para vir c u m p rim e n ta r a sen h o ra, m as av isa n d o -o de
q u e a n te s de a p a re c er d ev ia c a lç a r o s sa p a to s velhos. O u o u v ia a
m ã e o u o pai d izerem d as tra se ira s d a casa a alg u ém que esc o n
d esse o v in h o ou a co m id a a n te s de e la en trar.29
“tJ E. W ight üakke. The Unemployed Worker. Yule University Press. New Haven.
1940. p. 371.
^ J. B. R alph. “Thu Junk Business and the Junk Peddler", rd a trtrio de M. A.
inédito, Department o f Sociology, U niversity o f Chicago. 1950. p. 26.
56 Erving Goffman
c o m u m a s s e io e x c e p c io n a l, c o m a s c r ia n ç a s m o s tra n d o ro s to s
brilh an tes g ra ç a s a um a fina cam ad a dc sab ão e sp a lh a d a na peie co m
a aju d a de u m p ano m acio . D eixám os de a ssistir aos d esem p en h o s
nos q u a is u m h o m e m s e m in u se d e b a te c o m u m a c ô d e a d e p ão ,
p a re c e n d o n ã o ler fo rcas seq u er para a com er, ou às c en a s em que
um h o m em esfarrap ad o en x o ta um pardal d c um b o c a d o d c p ão, que
lim p a d e v a g a r c o m a m anga d o casaco, ten tan d o a se g u ir co m ê-lo ,
c o m o q u e in te ir a m e n te a lh e a d o d a p r e s e n ç a d o s e s p e c ta d o r e s .
Ig u a lm e n te , to rn o u -s e ta m b é m ra ro o “p o b re e n v e rg o n h a d o ” que
im p lo ra tim id a m e n te c o m os o lh o s a q u ilo q u e os seu s d e lic a d o s
se n tim e n to s p arecem im p ed i-lo de fo rm u la r p o r rneio de p alav ras.
D ig a -se d e p a ssa g e m q u e as cen as rep resen tad as pelos m endigos re
ce b eram u m a g ran d e v aried ad e de d esig n açõ es cm in g lês c o n to
d o v ig á rio , in tru jic e , n e g ó c io , e x to rs ã o , jo g a d a e a s s a lto (grifis,
dodges, lays, rackets , lurks, pitches, and capers) — , q u e nos fo rn e
cem te rm o s ad e q u a d o s tam b ém à d escrição dc d esem p e n h o s d o tad o s
d e m a io r licitu d e c m e n o r arte.-*1
S c u m in d iv íd u o q u iser rep resen tar um m o d elo ideal d u ra n te o seu
desem p en h o , te rá q ue p ô r d c lad o ou e sc o n d e r q u a lq u e r a c ção que se
rev ele in co n sisten te cm re la ç ã o aos co rresp o n d en tes critério s. Q u a n
do um co m p o rtam en to im próprio é n o u tro s te rm o s sa tisfa tó rio — ca
so b astan te fre q u e n te o in d iv íd u o o b te rá g eralm en te u m a esp éc ie
d e a p ro v a ç ã o tácita; n essas circu n stân cias, o ac to r p o d e rá a o m em o
tem p o g u a rd a r o b olo e co m ê-lo . P o r e x e m p lo , n a socied ad e a m e ri
ca n a vernos q u e as c ria n ç a s de o ito an o s de idade a firm a m o seu
d e sin teresse p elo s p ro g ram as telev isiv o s d e stin a d o s ¿ios cin co e seis
anos de idade, em b o ra m u itas vezes os v ã o d issim u la d am e n te aco m
p a n h a n d o .1" T am bém vem o s d o n as de c a sa da elasse m éd ia que por
v ezes se servem — dc m o d o secrelo e d issim u lad o — de su cedâneos
b arato s dc c a fé . g elad o de n atas ou m an teig a; d e ssa m aneira, con se-
11 Para mais dados a respeito dos mendigos, ver Henry M ayhcw, London Labour
and the London Poor (4 vols.. Griffin. Bohn. Londres. I (1861), pp. 415-17. e IV
(1862). pp. 404-38.
Relatórios dc investigação ineditos de Social Research, Inc.. Chicago. Agradeço
a autorização concedida para a utilização destes c doulros dados no presente estudo.
A Apresentação do Üu na Vida dc Todos os Dias 57
33 Idem.
3 ‘* Referido pelo professor W. I.. W arner da Universidade dc; Chicago durant«; o sim
sem inário de 1951
35 Abbe J. A. Dubois. Character, Manners, and Customs o f !he People o f India. 2
vols., M 'C arey & Son, ISIS, Filadélfia, I , p. 235.
36 Ibid., p. 237.
3^ Ibid.. p. 238.
3!* Conforme indicava Adam Smith, op. c it.. p. SS. Umio com o os Vícios, tam bém as
virtudes pod cm scr objccto dc dissimulação:
“Há hom ens vaidosos que se dão m u itas vezes ares de um desregram ento
elegante. embora no íntimo o não aprovem e nele tal ve/, não cheguem a incorrer.
G ostam de ser louvados por coisas que eles próprios não julgam dignas de louvor, e
têm vergonha das virtudes fora tíc m oda. que por vezes praticam cm segredo, por
cias alimentando secretam ente um maior ou m enor erau de veneração real."
58 Erving Goffman
A s re g ra s, re g u la m e n to s e o rd e n s m ais fa c ilm e n te a d o p ta d o s
são os que im p lic a m indícios tan g ív eis de o b e d iê n cia ou d e so b e
d iê n c ia . c o m o o s r e g u la m e n to s q u e e s tip u la m a lim p e z a d o s
p avilh õ es, as portas fe ch ad as, a a b stin ê n c ia de b eb id as alcoólicas
d u ran te o serv iço , a au sên cia de m ed id as co erciv as, etc.42
4^ Perrin Stryker, “How Executives Ge? Jobs-", Fortune, Agosio tie 1953, p. 1N2.
^ W illoughby, op. cit.. pp. 22-23.
1 ' Ver. por cxcmplo. W illiam Komhauscr. "The Negro Union Official: A Study of
Sponsorship and C ontrol” . Am erican J o u rn a l o f Sociology. LVU. pp. 443-52. c
Scott Greer. "Situated Pressures and Functional Role o f Hthnic Labour Leaders".
Social Forces, XXXII. pp. 41-45
64 Crving Goffman
'** W illiam James. The Philosophy o f William Jam es. Modern Library ed.. Random
House, Novci Iorque, s. d.. pp. I2S-29.
A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias 65
D o m e sm o m o d o . c o m o um e s tu d o a c tu a l s o b re os m éd ic o s dc
C h icag o indica, o c lín ic o geral fala d e um esp ecialista ao p a c ie n te co
m o d a p esso a m ais indicada em term o s de co m p etência técnica p a ra o
seu caso, m as a v e rd a d e é que o e sp e c ia lista p o d e em parte le r sido
escolh id o p o r ter sid o co leg a de e stu d o s do prim eiro m edico, ou e m
virtude de um a p artilh a de ganhos co m b in ad a en tre am bos, ou dev id o
a q u a lq u e r outro arran jo bem d efin id o e n tre os dois p ro fissionais51.
expressivas da perturbarão foram notadas mas não levadas a sério. Nesta ordem dc
ideias, o ensaio de Bergson sobre o riso pode ser considerado uma descrição dos
modos com o esperamos que o actor adopte a faculdade dc movimentos próprios da
humanidade, da tendencia dos espectadores no sentido de atribuírem desde o início
da in te ra c ç ã o essa fa c u ld a d e ao a c to r, c dos m o d o s co m o e ssa p ro je c ç ã o é
perturbada quando o actor se move de m aneira m enos humana. Analogamente, os
ensaios de Frcud sobre o dito de espírito c a psicopatologia da v id a quotidiana
podem, a certo nível, ser considerados um a descrição das maneiras corno esperamos
que os actores se reveiem na posse de certos critérios tíe tacto, modéstia e virtude, e
co m o u m a d e scrição tam b ém dos m o d o s c o m o e sia s p ro je c ç õ e s p odem ser
desm entidas por lapsos que. sendo em bora apenas hilariantes para o leigo, parecem
sintom áticos ao psicanalista.
M arccí G ranel, C hinesr C ivilization, trad, do francês por Innes e Brailsford.
Londres. Kcgar. Paul. 1930. p. 328.
70 Jirving Goffman
p o r t a n t e s , a m e s m a c o n g r u ê n c i a s e r á d e r i s o r. S i r F r e d e r ic k
P o n so n b y , c arn arciro j á falecid o d a c o n e d a G rã-B reta n h a, escrev e:
T a m b é m le v a n te i a q u e s tã o d a m ú sic a to c a d a p e la b a n d a d a
G uarda d c H o n ra d u ran te as in v estid u ras e e screv i ao m ais antigo
c h efe d a banda, o cap itã o R ogan, a esse resp eito . O que m e d e sa
g rad av a era v er h o m en s e m in e n te s serem arm ad o s c av a le iro s e n
q u a n to n o e x te rio r a b a n d a to c a v a c a n ç õ e s jo c o s a s ; d o m esm o
m o d o , q u an d o o m in istro d o In te rio r e sta v a a fa lar co m em o ç ão do
a c to esp e c ia lm e n te h eró ico dc alg u ém q ue se prep arav a p ara re ce
b e r a A lb ert M ed al, a b a n d a lá fora to cav a um two-step, que reti
rav a to d a a so len id ad e à cerim o n ia. S ug eri que se lo cassem nessas
a ltu ra s m úsica de óp era, co m um a nota de d ram a tism o , e a v er
dade é q u e ele se m o stro u p len am en te dc a c o rd o .. .56
Emile Dürkheim. The Elementary Forms o f the Religious Life. trad, inglesa dc J.
W. Swain. Allen & Unwin, Londres, 1926. p. 272.
A Apresentação do Liu na Vida de Todo5; o< Dia^ 73
O s n o sso s h áb ito s anim ais são transfo rm ados p ela co n sciên cia cm
leald ad e c dever, e n ó s to m am o -n o s “p essoas” ou m áscaras.60
M e sm o q u e ca d a m u lh er se v estisse se g u n d o a su a c o n d içã o , o
jo g o c o n tin u a ria a s c r jo g a d o : o a rtifício , co m o a a ite. p erten ce ao
rein o do im ag in ário . N ã o sc traia ap enas d o facto de as cintas, c o r
petes. p in tu ras e m aq u ilh ag en s d isfarçarem o corpo e o rosto; m as
do facto de até a m enos artificial d as m ulheres, d e p o is d c “ v es
tid a ". nào se ex p o r a si própria à o b serv ação ; é , co m o o q u ad ro , a
estátu a o u o a c to r em palco, um ag en te atrav és do qual se sugere
a lg u ém q ue não e stá p resen te, ou seja, a p erso n ag em que e la re
p re se n ta m as n ão é. É esta id en tificação com alg o d e irreal, de
fixo, de perfeito, co m o o heroi de um ro m anee, c o m o um retrato
ou um busto, q ue a g ratifica; ela e sfo rç a -se p o r se id e n tific a r co m
e ssa im ag em e assim su rg ir aos seus p ró p rio s olhos estab ilizad a,
ju stific a d a no seu esp len d o r.61
Falsa representação
p o d e m f ic a r c o m o n o m e d e s tr u íd o , p o is n u m e ro s a s a u d ie n c ia s
te n d e rã o a p e n sa r q ue a um in d iv íd u o c a p a z d c m en tir d e sc a ra d a
m ente urna vez, não se d e v e v o liar de fu tu ro a d ar crédito. C o n tu d o ,
h«1 m u itas “ m en tiras in o c e n te s” , p ro fe rid a s por m édicos, p o te n c ia is
c o n v id a d o s e o u tra s p e s s o a s , que se d e stin a m p re su m iv e lm e n te a
p ro te g e r os se n tim e n to s d a a u d ie n c ia a q u em são c o m u n ic a d a s , e
q u e, de u m m o d o geral, não m erecem um ju íz o d e m asiad o severo.
(S ã o m e n tira s q u e visam m ais p ro teg er os o u tro s do que b e n e fic ia r o
eu , e das q u a is v o ltarem o s a in d a a falar.) A lém d isso , na vid a q u o ti
d ia n a é g e ra lm e n te p o ssív e l a o a c to r c ria r in te n c io n a lm e n te q u a se
to d a a e s p é c ie de im p re s s õ e s fa ls a s sem se c o lo c a r c o m isso na
p o s iç ã o in d e fe n s á v e l d a p e s s o a q u e d iz u m a m e n tira re m a ta d a .
C e rta s té c n ic a s de c o m u n ic a ç ã o , c o m o a s in sin u açõ e s, a a m b ig u i
d ad e e stra té g ic a e as o m issõ e s d ecisiv as p e rm ite m ao falso in fo rm a
d o r b e n e f i c ia r d e u m e f e ito de m e n tir a s e m ter, te c n ic a m e n te ,
m en tid o . O s m eio s de c o m u n ic a ç ão de m assa têm a sua versão d esta
p rática, e d e m o n stra m q u e , atrav és de um trata m e n to d a im agem e
m e d ia n te a e s c o lh a de â n g u lo s d e f ilm a g e m a p r o p r ia d o s , u m a
re s p o s ta m ín im a a u m a c e le b rid a d e p o d e tornar-se em torrente que
tudo a rra sta 05.
O s c a m b ia n te s en tre m en tira e v erd ad e e as d ific u ld a d e s e e m
b a ra ç o s q u e p ro v o c a m , no c o n te x to sem reso lu çã o de c o n tin u id a
d e ern q u e a p a re c e m , tê m sid o o b je c to de a n á lis e s d e v id a m e n te
fo rm a liz a d a s . C e rta s o rg a n iz a ç õ e s , c o m o o s c o n s e lh o s im o b iliá
rio s. e la b o ra ra m c ó d ig o s e x p líc ito s d e fin in d o o grau em que é p o s
sív el p ro d u z ir im p re ssõ e s d u v id o s a s p o r m e io de e x a g e ro s, re d u
ç õ e s e o m is s õ e s 66. A a d m in is tra ç ã o p ú b lic a em In g la te rra a c tu a
b a s e a n d o -s e a p a re n te m e n te n u m m o d o se m e lh a n te de e n te n d e r as
c o isa s:
65 Uma boa ilustração do que dizem os since nnmn análise da chegada a Chicago de
M acArthur durante a Convenção Nacional R epublicana dc 1952. V er K. c G. Lung,
“The Unique Perspective o f Television and iis Effect: A Pilot Study". Am erican
Sociological Review. XVIII. pp. 3-12.
66 V er, por exemplo. E. C. H ughes. "Study o f a Secular Institution: The Chicago
Heal E state B oard", d issertação d e Ph. D. in é d ita . D uparim eni cif S ociology.
University o f Chicago, 1928, p. 85.
80 Erving Goffman
7 0 /hid., p. 728.
71
V er Harold D. McDowell. Osteopathy: Study o f a Semi-orihodnx ffeeling
Agency und ihr Recruitment n f its Clientele. Tvs;:1, do Mestrado inédita, Department
of Sociology, University o f C hicago. 1951.
Ver, por exemplo. D avid Dressier. "W hat D on't They I’cll Hach O ther". This
Week, 13 dc Setembro de 1953.
82 Erving Goffmait
M istificação
7' Devemos aqui m encionar uma excepção a esta analogia, ainda que sc trate dc
um a excepção pouco abonatória do ponto dc vista dos actores honestos. Conforme
anteriorm ente dissemos, os desempenhos legítimos habituais tendem a insistir até
ao exagero mi aspecto único de determinada representação dc uma prática de rotina.
P or o u tro lad o , d esem p en h o s de co n sid e rá v e l falsid a d e p o d erão a c e n tu a r a
dim ensão rotineira da sua prática cm vista dc não levantar suspeitas.
I lã outra razão ainda para que prestemos atenção aos desem penhos c Tachadas
mais flagrantemente lalsos. Quando vemos que antenas de televisão falsas são com
pradas por pessoas que não possuem aparelhos dc televisão. e embalagens de ró
tulos de bagagem exóticos por pessoas cue nunca saíram da terra, além d e acessó
rios especiais por condutores de automóveis banais que não podem servir-sc dessas
aquisições, som os confrontados alé à evidência com as funções im pressivas de
objectos supostamente instrumentais. Assim, quando estudámos a coisa real. ou se
ja. as pessoas com verdadeiras antenas dc televisão c aparelhos de televisão verda
deiros. eic., deparam os em numerosos casos com a dificuldade dc dem onstrar de
m aneira concludente a função im pressiva de objectos que nos serão apresentados
com o correspondendo a acções espontâneas ou pura e simplesmente instrumentais
A Apresentação do F.u na Vida de Todos os Dias 85
E s ta e s p é c ie d c te o ria , s e ja ou n ão c o rre c ta , te m c o m o c o n s e
q u ê n c ia ló g ic a e x tre m a p ro ib ir a au d iê n c ia d e o lh a r p a ra o a c to r in
d e p e n d e n te m en te «.las c irc u n stâ n c ias d a d a s, c d e facto é isso o que
se p assa nos caso s em que o a c to r c o n se g u e fa zer re c o n h e c e r um
m á x im o d e p re te n sõ e s relativ as a o s seus p o d e re s e q u a lid a d e s su-
p ra te rre n o s.
Sem dú v id a, no q u e se refere à m an u ten ção de um a d istâ n c ia so
cial. a p ró p ria au d ien cia m u itas vezes co o p erará nessa tarefa ao ag ir
d e m o d o re sp e ito so e ao c o n s id e ra r co m re v e re n c ia a in te g rid a d e
sa g rad a im p u tad a ao actor. C o m o e screv e S im m el:
The Sociology o f Georg Simmel, trad, e org. de Kurt H. WoltY. The Free Press,
Glencoe, III., 1950, p. 321.
Emile Dürkheim, Sociology a n d Philosophy, irad. D. F. Pococfc. Cohen & W est.
Londres. 1953, p. 37.
88 E rvins Goffman
R ealidade e A rtifício
V er R. K. M erton. S o c ia l T heory atid Social S tru ctu re, The Free P ress.
Cilcncoc. II!.. edição revista c aum entada. 1957. p. 265 e segs.
F sta c o n c e p ç ã o da h ip n o s e c c la ra n u ín ie e x p o s ta p o r T. R . S a rb in ,
“C ontributions to Role-Taking Theory. I: H ypnotic R ebaviour". P sychological
Review.. 57, pp. 255-70.
8-1
V er D, R. C rcssey, "T he D ifferential A ssociation Theory and C om pulsive
Crimes". Journal o f Criminal I jiw . Criminology a n d Police Science, 45, p£. 29--0.
92 Erving Goffnian
87 Ibid.. p. 24.
9-1 Ei'ving Gorfmun
sao critério s tic com p o rtam en to c o rre c to , co eren tes, e m b ele zad o s e
b em d efin id o s. D ese m p e n h a d o s co m à-v o n tad e ou em b araço , c o n s
c iê n c ia o u não. a rtifíc io ou b o a fé. estes m o d elo s sao se m p re alg o
q ue terá d c se r rep resen tad o e d escrito , alg o que será p reciso realizar.
S artre fo rn ece-n o s, a esle resp eito , um b om exem plo:
• V er Kar) Mannheim, Essays or, the Sociology o f Culture, Londres. Rout!edge &
Kogan Paul. 1956, p. 209.
A Apresentação ño Eu na Vida de Todos os Dias 103
N e s s a s c o m is s õ e s | re u n iõ e s d a C o m is s ã o do G a b in e te |. os
fu n c io n á rio s p ú b lic o s p a rtic ip a m nas d is c u s s õ e s e e x p rim e m
liv rem en te o s seus p o n to s d e vista, ap en as com a seg u in te reserva:
não d e v e m o p o r-s e d ir e c ta m e n te a o se u p r ó p rio m in is tr o . A
p o s s ib ilid a d e de um tal d e s a c o rd o e m te rm o s d e c la ra d o s ra r a
m e n te se co n fig u ra, e n ão d e v e co n fig u rar-se nunca: nove em d ez
c a s o s , o m in is tro c o f u n c io n á r io q u e p a r tic ip a c o m e le n o s
trab alh o s da c o m issão c o n c o rd a ra m an te c ip a d am e n te so b re a linha
a a d o p ta r. e, n o d é c im o c a s o . o f u n c io n á rio q u e d is c o r d a do
m in istro acerca de u m d ad o p ro b lem a n ã o p articip ará n a reunião
em q u e o p ro b lem a vai ser d iscu tid o .9
Q u an d o um in d iv íd u o se em p en h a no trab alho d a co m u n id ad e
se ja a que escala for, é rep etid am en te su b m e tid o à p re ssã o d aq u ilo
a que se p o d e ria c h a m a r o “p rin cíp io d e u n a n im id a d e” . N a altu ra
cm q u e os d irig e n te s c o m u n itá rio s ch e g a m fin alm en te à fo rm u la
ção de u m a política, a ssiste-se a um a ex ig ê n c ia im ed ia ta de e strita
c o n fo rm id a d e de o p in iõ e s . A s d e c is õ e s n ão sã o . de u m m o d o
geral, p re c ip ita d am en te to m a d a s. D isp õ e -se de m uito tem p o , so
b retu d o no q u e se re fe re a o s d irig en tes, p a ra a d isc u ssã o da m aio r
parte dos p rojectos antes de u m a linha de acção ser traçad a. O que
é v erd ad e para os p ro je c to s da com u n id ad e. M as qu an d o o tem po
reserv ad o à d isc u ssã o c h e g a a o fim e é d e fin id a u m a lin h a de ac-
1 n Floyd Hunter. C omm unity Power Structure. University of N orth Carolina Press,
Chape! Hill. 1953. p. 181. V er também p. 1 IS e p. 212.
' * Gerald Moore. The Unashamed Accompanist. Macmillan. Nova Iorque, 1944, p. 60.
A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias 109
qu e p re te n d e q u e as c o is a s m a is re a is e ra a is só lid a s d a v id a são
aq u elas so b re e u ja d e sc riç ã o o s in d iv íd u o s c o n c o rd am in d e p e n d e n
tem en te uns dos outros. T e n d e m o s a a ch ar q u e, se d o is particip an tes
d e um aco n tecim en to o p ta re m p o r ser tão h o n esto s q u a n to possível
na su a narração do q ue a c o n te c eu , en tão as v ersões que ap resentam
s e rã o r a z o a v e lm e n te s e m e lh a n te s e m b o r a e le s se n ã o te n h a m
c o n su lta d o um ao outro a n te s d e ex p o rem os factos. P re su m im o s,
a s s im , q u e a in te n ç ã o d c d iz e r a v e rd a d e to rn a d e s n e c e s s á r ia s
co n su lta s p re lim in a re s. E te n d e m o s ig u a lm e n te a a c h a r q u e, sc os
d o is in d iv íd u o s q u iserem m e n tir ou d isto rc e r a su a versão, então será
não só n ecessário q ue c o n fe re n cie m prev iam en te em v ista d e. com o
co stu m a dizer-se, “ c o m p o re m u m a h istó ria v ero sím il” , m as tam b ém
q u e esc o n d a m o facto d c q u e tiv e ra m en sejo d c c o n fe re n cia r os dois.
P o r o u tra s p alav ras, ao e n c e n a re m um a d e fin iç ã o da situ ação , será
n e c e s s á r io a o s d iv e r s o s m e m b ro s d a e q u ip a c o n s e g u ir e m u m a
un an im id ad e de posiçõ es e m an terem em seg redo o facto de a po
sição de ca d a um não te r sid o o b tid a in d ep en d en tem en te do s outros.
(D ig a -s e de p a s s a g e m q u e , se o s m e m b ro s d a e q u ip a e s tiv e re m
em p en h ad o s ao m esm o te m p o em m anterem um d ese m p en h o d e re s
peito p o r si próp rio s, será n ecessário a ca d a um d eles d e sc o b rir qual
vai s e r a lin h a a d o p ta d a e a s s u m i-la , se m a d m itir nem p e ra n te si
p ró p rio n em p e ra n te os o u tr o s q u e a p o s iç ã o a d o p ta d a n ão o foi
in d ep en d en tem en te d o s d e m a is — m as estes asp ectos lev am -n o s j á
p a ra lá d o d esem p en h o d e e q u ip a com o p o n to de re fe rê n cia fu n d a
m ental.)
D e v e m o s n o ta r q u e d o m e sm o m o d o q u e um c o m p a n h e iro de
e q u ip a e s p e ra rá p o r u m a d e c la ra ç ã o o fic ia l a n te s de d e fin ir a su a
posição , tam b ém a d e c la ra çã o o ficial terá d c lh e s c r ac essív el a fim
de lhe p e rm itir d e se m p e n h a r o seu papel na eq u ipa e sen tir-se p a rti
cip an te d esta últim a. P o r e x e m p lo , ao c o m e n ta r a m an eira co rn o al
gu n s c o m e rc ia n te s c h in e s e s e s ta b e le c e m o p re ç o d a s su as m e rc a
dorias cm função da ap a rê n c ia do cliente, um a u to r escreveu;
a m e n o s q u e sc sa ib a p o s itiv a m e n te q u e falou a p e n a s co m um
vendedor, n ão lent resp o sta daquele a q u em se dirigiu antes de ele
p e rg u n ta r a o u iro v e n d e d o r se já in d ic o u o p re ç o d o artig o em
q u estão ao clien te interessado. Se. co m o raras vezes aco n tece, esta
im p o r ta n te p r e c a u ç ã o fo r d e s c u r a d a , a q u a n tia in d ic a d a p o r
d iferen tes vendedores será quase invariav elm ente d iferente de caso
para caso, o que ilu stra o facto de nem todos eles terem avaliado
nos m esm o s term os a categ o ria ou co n d ição do c lie n te .1-
G o s ta ria a g o ra de a c re sc e n ta r um n o v o a sp e c to de o rd e m geral
acerca da d efesa da lin h a ad o p tad a ao longo do desem p en h o . Q uando
urn m em b ro d a e q u ip a co m ete um erro na p resen ça d a au d iência, os
o u tro s m em b ro s d a e q u ip a anulam m uitas vezes o d esejo im ediato
que sen tem de pun ir e co rrig ir o infractor, p e lo m en o s en q u a n to os
e s p e c ta d o r e s se m a n tiv e re m p re s e n te s . B em v is ta s as c o is a s , a
sa n ç ã o e c o rre c ç ã o im ed iatas, m u itas vezes se rv iria m ap en as para
pertu rb ar ain d a m ais a in teracção ou, c o n fo rm e j á foi su g e rid o atrás,
para d e ix a r q u e a au d iê n c ia se inteirasse d e alg o q u e d e v e perm ane-
Chester Holcombc* Tiie Real Ckinuman, Dodtí. Mond. Nova Iorque. 1895. p. 293.
1J Solomon, op. d l., p. 75.
A Apresentação do liu na Vida dc Todos os Dias
1
Exemplos extraídos de G eorge Rosenbaum. "A n Analysis o r Personalization in
Neighborhood Apparel Retailing", (esc dc M A. inédita. Department o f Sociology,
University of Chicago. 1953, pp. 86-87.
116 F.rving G offniuii
U m d o s f a c to r e s q u e c o n tr ib u i p a r a e s ta s e n s a ç ã o d a in
d ep e n d ê n c ia d o fa rm a c êu tic o relativ am en te à p rática m éd ica é a
p ró p ria fa rm á c ia . A f a r m á c ia faz, e m c e rto s e n tid o , p a rte do
fa rm a c ê u tic o . Tal c o m o N c p m n o <5 re p re s e n ta d o e m e rg in d o do
m e io d o m ar, e a o m e sm o te m p o , c o m o se n d o o p ró p rio mar,
a ssim e x is te o se n tim e n to é tic o d o fa rm a c ê u tic o , a firm a n d o -se
p o r entre as prateleiras, os v id ro s dos b alcõ es e os eq u ip am en to s,
a o m esm o tem po que p a rtic ip a d a essên cia d e tudo isso .2'S
D e p o is d e a c a b a r d e se v e s tir , te v e q u e se d e s lo c a r, c o m
W illem nos calcan h ares, atrav essan d o o q u arto c o n tíg u o , q u e de
m o m en to se en c o n tra v a v a z io , até ao s ap o sen to s v izin h o s, cu jas
portas dup las se a c h a v a m ab ertas. O qu arto , co m o K m uito bem
sabia, fora m uito re c e n te m e n te o cu pado p o r um a ce rta F räulein
B iirstncr, um a d ac tiló g ra fa, q u e saía ce d íssim o para o e m p re g o , e
26 F ran/ Kafka, The Triol, irad. ing., Knopf, Nova Iorque. 1948, pp. 14-15.
A Apresentação do Eu na Vida dc Todos os Dias 119
Warren M iller, The Sleep o f Reason, l.inie. Brown <ind Company. Boston. 1958.
Ç. 254.
Pinelli. op. cit.. p. 141.
A Apresenlação do Lu na Vida de Todos os Dias 121
os o u tro s m e m b ro s d a e q u ip a (p ro v a v e lm e n te p re o c u p a d o s c o m a
exibição q u e apresentam uns ao s outros bem com o com a ex ibição co
lectiv a que en d e re ç am à au d iên cia) terão para co m o d irc c io r um a
atitu d e d iferen te d a q u e têm p ara co m os d e m a is c o m p an h e iro s de
equipa. A lém disso, se a audiência co n sid erar que o desem penho tem
um d irecto r, te n d e rá a to rn á -lo m ais resp o n sá v el do q u e os outros
a c to re s p e lo s u c e s s o d o d e s e m p e n h o . P ro v a v e lm e n te , o d ire c to r
reag irá a e sta responsabilidade form ulando exigências dram atiírgicas
q u an to ao d esem p en h o q u e os actores não im poriam a si próprios. O
que p o d e rá c o n trib u ir p a ra a c e n tu a r a d istâ n c ia q u e o c o n ju n to da
equipa já sen te cm relação a ele. P o r isso, urn director de desem penho,
co m eçan d o e m b o ra p o r se r um dos m em bros da eq u ip a, p o d erá ser
co lo cad o pou co a pouco num papel m arginal entre a audiência e os
ac to re s, fic a n d o m e ta d e n u m c a m p o e m e ta d e n o u tro , c o m o u m a
esp é c ie de m en sag eiro m as sem a p rotecção de que os m ensageiros
habitualm ente gozam . O ch efe de secção d e urna fábrica fornece-nos
um exem p lo q ue tem sido um frequente tem a de an álises.--
Q uando estudam os um a prática de rotina cuja representação requer
um a equipa dc vários actores, vem os p o r vezes que um dos m em bros da
eq u ip a se to rn a estrela, líder ou centro das atenções. U m c aso extrem o
é o ilu strad o p e la vida de co rte trad icio n al, co m um a sala ch e ia de
co rtesão s q u e se ordenam à m aneira de um quadro vivo, d e tal m odo
que o olhar, seja qual fo r o p o n to da sala de que paita, será conduzido
a o c e n tro d e a te n ç ã o q u e a fig u ra re a l d e fin e . A e s tre la ré g ia do
d e se m p e n h o e sta rá v e stid a m ais v isto sa m e n te c se n ta d a n u m lu g ar
m ais alto d o q u e q u alq u er o utra pessoa presente. U m a orientação das
a te n ç õ e s a in d a m a is e s p e c t a c u l a r 6 a q u e n o s a p r e s e n t a m as
coreografias das grandes com éd ias m usicais, quando quarenta ou cin
q u en ta aitistas dc bailado se prosternam rodeando a heroína.
A e x tra v a g â n cia d o s d esem p en h o s q ue a c o m p an h am a e n tra d a em
c e n a d o s re is não nos d e v e c e g a r p ara a u tilid ad e dc u m co n c eito de
33 Evelyn Waugh, “An Open Letter", in Nancy Mitt'ord. org., Noblf.wc Oblige,
Hamisb Hamilton. Londres, 1956, p. 78.
124 E rv in g G olTm an
34 Ver David Riesinan, em colaboração com Rcucl Dcnn.y c Naihan G lazer. The
L o n ely C ro w d , Y ale U n iv c rsiiy P re ss. New H aven. 1950. "T h e A v o catio n al
Counselors” , pp.. 363-67.
126 E r v in g G o f filian
sim p les a c tiv id ad e c a sim p les rep resen tação. N um e x trem o , haverá
in d iv íd u o s q u e raram en te c o m p arecem dian te do s esp a cia d o res e que
se p reo cu p am p o uco co m as ap arên cias. N o outro extrem o, situarn-
-se a q u eles a q ue c h a m a m o s p o r vezes “ p apéis p u ra m en te c e rim o
n iais” . cu jo s a cto res sc p re o c u p a m so b retu d o co m a s a p arên cias, e
p raticam en te co m m ais nada. P o r ex em p lo , ta n to o p resid en te co m o
o d ire c to r d e in v estig ação de um sind icato d e âm b ito n acional passa-
m o b a s ta n te te m p o n a sed e p rin cip al d o sin d ic a to , m o stra n d o -se
vestid o s d a m aneira a p ro p riad a e falan d o d o rnodo m a is conveniente
— e m v is ta d e c o n f e r ir e m a o s in d íc a lo u m a fa c h a d a de re s p e i
tab ilid ad e. N o e n ta n to , será p o ssív e l virm o s d ep o is a a p u ra r q u e o
presid en te se co m ete tam b ém co m a lo m ad a de d ecisões im portantes
en q u a n to o d ire c to r de in v estig ação pou co te rá d e faz er alé m de se
m o stra r fisic a m e n te c o m o m em b ro d a c o m itiv a d o p re sid e n te . O s
fu n c io n á rio s d o s sin d ic a to s co n sid eram e ste s papéis p u ra m e n te ceri
m o n ia is c o m o “ d e c o r a ç ã o de f a c h a d a ” 35. A m e s m a d iv is ã o d o
tra b a lh o se n o s d ep ara no q u a d ro d om éstico, o n d e alg o m ais geral do
q u e a c a p a c id a d e p a ra o d e s e m p e n h o d e c e rla ta re fa d e v e rá ser
ex ib id o . O tem a m uito d iscu tid o d o co n su m o o sten ta tó rio refere-se à
m a n e ira c o m o os m aridos de u m a so cied ad e m o d ern a têm a ta re fa de
a d q u irir esta tu to so cio -eco n ó m ico . e as e sp o sas a tarefa d e re p resen
tar essa aq u isição . Hm te m p o s lig eiram en te m ais recu ad o s, o m or
d o m o fo rn e c ia um ex em p lo ain d a m ais e v id en te da m e sm a esp é c ie
de esp ecialização :
N o ta r-se -á a g o ra q u e um in d iv íd u o d e te n to r d c um p ap el p u ra
m e n te p ro to c o la r n ã o te m n e c e s s a ria m e n te q u e d e s e m p e n h a r um
papel d ra m a tu rg ic am e n (c d o m in a n te .
E r a d iv e r tid o a s s i s t i r à s ú b ita tr a n s f o r m a ç ã o q u e se d a v a
sem p re q ue c o rria a n o tíc ia de que o c h e fe e sta v a no c a sc o do
n a v io ou n a oficina, ou d e q ue se esp erav a a ch eg a d a de um ins-
A Apresentação dó F.u na Vida dc Todos os Dias 133
A s p e s s o a s e ra m e x tr e m a m e n te m in u c io s a s e m m a té r ia de
v isita s — p e n se m o s, p o r e x e m p lo , n esse p ro b le m a tal c o m o o
vem os p ô r-se em O M oinho à beira do Rio. A v isita e ra um d e v er
q u e d e v ia ser cu m p rid o a in icrv alo s reg u lares, de tal m odo que
q u ase se p o d ia saher d e an tem ão o d ia e m que se ria feita ou re tri
b u íd a u m a v isita. A cerim ó n ia co m p o rta v a um m o n tan te elev a d o
de fo rm alid ad es e sim u lação . P o r ex em p lo , nin g u ém d e v ia d eix ar-
-s e s u rp re e n d e r a tra b a lh a r fo s s e em q u e c o is a fo sse . R e in a v a
n e sta s fa m ília s d e p re te n sio so s co m p o u co s m e io s a fic ç ã o s e
g u n d o a q u a l as s e n h o ra s d a c a s a n a d a de ú til ou n e c e s s á rio
fa z ia m d ep o is do ja n ta r; a larde e ra su p o sta m e n te c o n sa g ra d a a
p asseio s, a v isitas e co n v ites ou a e le g a n te s ninharias d o m ésticas.
P o rta n to , se. q u an d o ap arecia um a visita, as rap arig as da fam ília
e s tiv e s s e m o c u p a d a s n a lg u m a a c tiv id a d e ú til. e s c o n d ia m o
trab alh o d eb aix o do sofá. e fin g iam e sta r a ler urn liv ro , a pintar, a
tricotar, ou entreg u es a um a c o n v ersação agradável c req u in tad a.
(>Sir Walter Bcsant. “Fifty Years Ago". The Graphic Jubilee Number, 188“. citado
por James Laver. Victorian Viste. Houghton Mifflin. Boston. 1955. p. 147.
136 E rving G offm an
e x p r e s s a r a lg u m a c o is a p a ra lá de si p ró p rio la b o rio s a m e n te se
co n stró i; é a í q ue são ab erta m e n te fa b ric a d as as ilu sõ es e im p res
sões. É aí q u e os acessó rio s de c e n a e os elem en to s da fa ch a d a pes
soal podem ser arm a z e n ad o s n u m a esp écie de con cen trad o de rep o r
tó n o s c o m p leto s de a c ç õ e s e c a ra c tere s7. H a í que d iv e rso s tipos de
eq u ip am en to protocolar, c o m o diferen tes g ên ero s de b e b id as ou de
roupa, p o d e m p e rm a n e c er d issim u lad o s a fim de q u e o s esp ectad o res
não te n h a m co n d iç õ e s de se in teirar do m odo co m o São tratad o s por
c o m p aração c o m outros tratam en to s possív eis. É a í q u e d isp o sitiv o s
c o m o o telefo n e são p ostos a recato , de m an eira a to m a r possível
um a su a u tilização "e sp e c ia l” . E 6 aí q u e o s trajes e o u tro s elem en to s
d a fa c h a d a pessoal p o derão ser aju stad o s e e x am in ad o s a fim de se
elim in a re m os aspecto.s ev en tu a lm e n te m en o s co n v en ien tes. A í. a
eq u ip a p o d erá re e x a m in a r o seu d esem p en h o, rep rim in d o as e x p re s
sõ e s o fe n siv a s na au sê n c ia dos e sp e c ta d o res p o te n c ia lm e n te o fe n
did o s por elas; e os m em b ro s m en o s co m p eten tes d a e q u ip a , em ter
m os de e fic á c ia ex p ressiv a, serão en sin ad o s a m elh o rar o seu d esem
pen h o ou afastad o s d a rep resen tação . E aí, de igual m aneira, o a cto r
p o d erá d esco n trair-se. p ô r de lado a sua fachada, in te rro m p er a e n
cen a ç ão e ab an d o n ar a p erso n ag em q u e no re sp ectiv o q u ad ro d e sem
pen h a. S im o n e d e B e a u v o ir p ro p o rc io n a -n o s u m a d e sc riç ã o e x tre
m am ente v iv a d e sta activ id ad e nos b astid o res ao referir-se a situ a
çõ es de o n d e os e sp ectad o res d o sex o m a scu lin o e stã o ausentes:
~ Como indica Méintux, op. cit.. p. 24. até mesmo a prática dos cultos vodu exige
recursos análogos:
Todos os casos de possessão tC-rr. o seu lado teatral, como vemos no que se refere
ao teraa dos disfarces. Os aposentos do santuário niío deixam dc sc assemelhar aos
bastidores de um teatro, c neles encontra o possesso os adereços adequados. A"
contrário do histérico, que revela a sua angústia c os seus desejos por meio dos
sintomas — moios dc expressão pessoais —. o ritual da possessão lem que
obedecer à imagem clássica de uma figura mítica.
A Apresentação do Eu na Vida dc Todos os Dins 137
o
De Rc.iuvoir, op. ci:.. p. 5-3 .
138 Erving Goffman A Apresentação do Liu na Vida de Todos os Dias 139
bastid o res lhes se ja esco n d id o . T rata-se de u m a técn ica m u itíssim o necessita de rep aração e não p erm an eça no e sta b ele cim en to a tlm de
difu n d id a de a d m in istra ç ã o das im p ressõ es v isadas, requ eren d o um a que o p rofissional p o ssa tra b a lh a r a sós. Q uando o c lie n te regressa
análise m ais detida. para le v a r o autom óvel — ou reló g io , ou p ar dc calças, ou aparelh o
C o m o é ó b v io , o c o n tro lo dos b astid o res d esem p en h a um papel de de rádio — . este é-lhe ap re sen ta d o em co n d içõ es, co n d iç õ e s q u e p o
relev o no p ro c e sso de “c o n tro lo d o tra b a lh o ” por m eio do qual os d erão esc o n d er o m o n tan te c o tip o de tra b a lh o q u e tiv eram d c ser
in d iv íd u o s ten tam d efen d er-se d o d eterm in ism o das im p o siçõ es que feitos, o n ú m ero d e erros c o m e tid o s antes do acerto fin al, e outros
o s cercam . Sc o o p e rá rio fabril q u ise r te r êxito na co n stru ção dc um asp e c to s d e que o c lie n te p re c is a ria de se in te ira r p ara a v a lia r da
a r dc quem e sfo rçad am en te trab alh a o dia todo. p recisará d e g o zar c o rre cção do p agam ento que a c a b a por lhe se r ex ig id o .
da p o ssib ilid a d e dc e sc o n d e r o e x p e d ie n te q u e Ihc p e rm ite vencer O pessoal q u e tra b a lh a n a á re a d as prestações dc se rv iç o s está tão
u m d ia de tra b a lh o c o m um esfo rço m e n o r d o que o e x ig iria um a h a b itu a d o a g o z a r d o d ir e ito d e m a n te r a a u d iê n c ia a f a s ta d a da
ap lic a ç ão de to d o s os in stan tes9 . P ara que a fa m ília e n lu tad a tenha a reg ião dos bastid o res que sã o o s casos em que e sta e stra té g ia não
ilu são de q ue o m o rto é a p e n a s a lg u é m q ue m erg u lh o u num sono pode se r a p lica d a os q u e m ais solicitam a atenção. P o r ex em p lo , o
p rofundo e tran q u ilo , o ag ente fu n erário terá de s e r c a p a z de m anter geren te am e rica n o de um a e s ta ç ã o dc se rv iç o v e r-se-á c o n fro n ta d o
o s m em b ro s d a fa m ília afastad o s da divisão de trab alh o o n d e os c a co m n u m ero so s p ro b lem as n e s te c a p ítu lo 11. Q u a n d o é n e c e ssá rio
d á v eres são esv aziad o s, em b alsam ad o s e m aquilhados, en q u a n to ele p ro c e d e r a a lg u m a re p a ra ç ã o , o s c lie n te s m o stra m m u ita s v e z e s
o s ap ro n ta para um d e rra d e iro d e se m p e n h o 10. Sc o p e sso a l dc um re lu tâ n c ia cm d eix ar o a u to m ó v e l na esta çã o dc se rv iç o , de um dia
h o sp ital p siq u iátrico q u ise r c a u sa r um a boa im p ressão do se rv iç o aos p a ra o o u tro ou d u ra n te u m d ia in te iro , ao c u id a d o d a e m p re sa ,
que o visitam p ara v erem fam iliares ou am ig o s in tern ad o s, será da c o m o faria m sc tiv essem lev ad o o autom óvel a um a g a ra g e m . M ais
m á x im a im p o rtân cia q u e c o n sig a b a rra r o acesso d o s v isitan tes às ainda, en q u a n to o m ecân ico p ro c e d e à rep aração ou ao a ju sta m e n to
e n ferm arias, sob retu d o d a s u n id ad es dc cró n ico s, lim itan d o o s seus d as peças, é m uito frequente q u e o s clientes se achem d e te n to re s do
m o v im en to s a salas esp ecialm en te c o n ceb id as p a ra serem visitadas, d ire ito de fic ar a a ssistir ao seu trabalho. Se se q u ise r p re sta r e c o
o n d e 6 viável a e x ib iç ã o de um m o b iliário rela tiv a m en te a g rad á v el e b ra r a p re sta ç ã o de um se rv iç o sim u la d o , este te rá de se r r e p r e
se p o d e g a ra n tir q u e to d o s os pacientes p resentes e stejam bem v e sti sen tad o , p o r co nseguinte, na p re se n ç a d a p e sso a que o d e v e rá pagar.
dos, b em lavados, o sten tan d o um a atitude c o rre cta e razo av elm en te N a re a lid a d e , os c lie n te s n ão só ig n o ra m o d ire ito do p e sso a l da
sen sata. D o m esm o m o d o ainda, em n u m ero sos ram o s d e prestação estaç ão de se rv iç o aos seus p ró p rio s bastidores, co m o m uitas vezes
d e s e rv iç o s, c o stu m a p ed ir-se ao clien te q u e d e ix e o o b je c to que d e fin e m a s itu a ç ã o g lo b a l, tr a n s f o r m a n d o as in s ta la ç õ e s n u m a
esp é c ie d c c id a d e ab erta m a s c u lin a — um lu g ar o n d e o ind iv íd u o
•' Ver Orvis Collins. Melville Dalton c Donald Roy. “Restriction of Output and
corre o risco d e su jar a ro u p a q u e ira z v estid a e o nde, p o rtan to , tem
Socia! Cleavage in Industry". Applied Anthropology {hoje Human Organization). tam b ém o direito d e e x ig ir a p le n itu d e dos p riv ilég io s da z o n a re
IV , pp. 1-14 . sobretudo p. 9. serv ad a. O s co n d u to res do í c x o m ascu lin o acham que p o d e m a n d a r
I(; Habenstcin. durante um seminário, afirmou que cm certos estados o agente na esta çã o de se rv iç o de u m lad o para o outro; p u x am o chapéu para
funerário tem o direito legal de impedir os parentes do defunto de entrarem na a nuca, co sp em , p raguejam e e x ig e m serv iço s ou co n selh o s g ralu i-
oficina onde os corpos são preparados. Provavelmente o quadro do que c feito ao
mono a fim de o tornar atraente seria uin choque demasiado intenso para os não
profissionais e especialmente para a família do defunto. Habenstein sugeriu também 1 ' Os casos seguintes são extraídos de utn estudo realizado por Social Research,
que a família poderá querer ser mantida longe da oficina do agente funerário por inc.. incidindo numa população de duzentos gerentes dc estabelecimentos de
recear a sua própria curiosidade mórbida a respeito do que se passa lá dentro. pequenas dimensões.
140 Erving CJoffnian
re n te la a la rg a d a , os e m p re g a d o s p a rtic ip a v a m no a c o n te c im e n to .
E ste m o d elo d c fa m ilia rid a d e e ig u ald ad e en tre a g e rê n c ia e o s tra
b a lh a d o re s d o h o tel n ã o c o n d iz ia co m a a p a rê n c ia q u e a m b a s as
p a rte s a ssu m ia m n a p re se n ç a d o s h ó sp ed es, d o m e sm o m o d o q u e
n ão co n c o rd a v a co m as n o ç õ e s d o s h ó sp ed es re la tiv a s à d istâ n c ia
social q u e d e v ia ex istir e n tre o fu n c io n á rio q u e se o c u p a v a d a sua
e s ta d a c o s p o rte iro s e c ria d a s q u e tra n s p o rta v a m a s m a la s, lim
p av am to d as as n o ites os sa p a to s dos h ó sp ed es e se o c u p a v am dos
seu s bacio s.
De m an eira parecida, na c o z in h a do hotel v ig o rav am as m aneiras
de m esa características d a ilha. Q u an d o h a v ia carn e, e ra o m ais das
vezes cozida. O peixe, m u ito freq u en te, co m ia-se tam bém co z id o ou
e ra s a lg a d o . A s b a ta ta s , in g r e d ie n te in d is p e n s á v e l d a re f e iç ã o
p rincip al d o dia, eram q u ase se m p re co zid as co m ca sca e c o m id a s
d e p o is à m oda d a ilha: ca d a um d o s co m e n sa is tira co m a m ão um a
batata d a trav essa que está n o c e n tro da m esa. depois e sp e ta -a c o m o
g arfo e d e scasca-a co m a faca, p o n d o as p eles u m a s em c im a das
o utras, em p ilh a d a s a o lado d o p ra to , p a ra se re m re co lh id as co m a
faca no fim d a refeição . U m o le a d o faz as vezes d e to alh a de m esa.
Q uase tod as as refeiçõ es são p reced id as dc urna tigela de sopa, e as
tig elas ten d em a ser u sad as de p referên cia aos p rato s p a ra c o m e r o
resto d a refeição. (U m a v ez q u e quase to d o s o s p rato s e ra m co zid o s,
tratava-se de um co stu m e b a sta n te prático.) O s g arfos c as facas são
fre q u en tem en te m ane jados c o m o p u n h o fechado, c o chá se rv id o em
c h á v e n a s s e m p ir e s . E m b o r a a d ie ta d a ilh a f o s s e so b m u ito s
asp ecto s ad eq u ad a e e m b o ra as m an eiras d e m esa p u d essem se r dc
g ra n d e c o rte sia c c irc u n sp e c ç ã o — e co m fre q u ê n c ia o fo ssem de
facto — . os h ab itan tes d a ilh a sab iam p erfeitam en te que o co n ju n to
do seu co m p o rtam en to n a c o z in h a e à m esa era não só d ifere n te dos
m o d elo s ad o p tad o s pelos in g leses dit classe m edia, c o m o c o n stitu ía
u m a esp écie de tran sg ressão d a s resp ectiv as reg ras. T alvez esta d ife
re n ç a en tre m odelos se to rn a sse m ais patente pelo facto dc a alim e n
tação fo rn ecid a aos h ó sp ed es ser a m esm a que. sc c o m ia na c o z in h a.
(O que não era in v u lg a r e só n ã o aco n tecia m ais vc/.es cm co n se
q u ê n c ia de m u itas v ezes o p e sso a l do hotel p re fe rir a a lim e n taç ão
tra d ic io n a l d a ilh a ao s p ra to s s e rv id o s na sa la d e ja n ta r . N e ssa s
142 Urving Goffman
O s m o ra d o re s a p e rc e b e m -s e de n u m e ro so s b a ru lh o s d a v iz i
nhança. que vão dos clam ores habituais d as festas d e aniversário
aos sons das práticas de ro tin a q u o tid ian as. O s n o sso s in terlocu
tores m en cio n am , p o r ex em p lo , o so m d o s aparelh o s de rádio, o
ch o ro n o ctu rn o d o s bebés, as to sses, os sap ato s q u e se tiram ao
deitar, as crian ças que co rrem nas escad as ou nos q uartos, a s teclas
do p ian o e os risos ou co n v ersas em voz m ais alta. N o q u a rto do
c a sa l, os ru íd o s q ue ch e g a m de casa d o v izin h o p o d e m s e r por
vezes chocan tes: “ A tó o s ouv im o s u rin a r no bacio; é insuportável.
T errível” ; ou in q uietantes: “O u ço -o s q u an d o brigam na cam a. U m a
pesso a pode e sta r co m vontade de ler. ou o u tra de dorrnir. É m uito
in c ó m o d o o u v ir e ste s b a ru lh o s q u a n d o se e stá d e ita d o , p o r isso
m udei a c a m a de s ítio " ... “G osto de ler na c a m a e ten h o o ouvido
A Apresentação do Hu na Vida de Todos os Dias
14 I.CI.1 Kupcr, “Blueprint for Living Together", in Leo KuDcr c outros. Living in
Towns,
1 The Cresset Press, Londres. 1953. pp.
r I —-35.
*- Ponsonby. op. dr.. p. 32.
140 Erving Coffman
A re fe rid a e m p re g a d a — c h a m a v a -s e A ddie» c o n fo rm e c o n
segui d e sc o b rir e as d u a s h o sp e d e ira s c o m p o rta v a m -se com o
q u e m re p re se n ta u m a peça. D e sliz a v a m p ara a c o z in h a co m o se
v iessem d o p alco para os b a stid o re s, com as trav essas bem no a r e
um a e x p re ssã o c o n tid a de a ltiv e z ainda n o rosto ; d esco n traíam -se
^ George Orwell. Down and Out in Paris nnd Ijyndon. S eeker and Warburg.
Londres. 1951, pp. 68-69.
148 E rving G offm an
IX
10 No quadro rit um seminário da Universidade dc Chicago.
A Apresentação do Hu na Vida dc Todos os Dias 151
^ 1’aut I.a Croix, Manners, Custom, and Dress during ’.he Middle Ages and during
¡he Renaissance Period, Chapman and Halt. Londres. 1876. p. 471.
152 ürving G o ff rn a n
P o ré m , a m esm a fo n te dc a c o n s e lh a m e n to e s ta b e le c e rá c e rto s
lim ites p a ra esta d efin ição d a situação nos b astidores:
J á s u g e r im o s q u e ns p e s s o a s q u e c o o p e ra m n a e n c e n a ç ã o do
rn esm o d e se m p e n h o d e e q u ip a ten d em a m an ter re la ç õ e s de fam i
liaridade e n tre si. F.sta fam iliarid ad e ten d e p o rem a ex p ressar-se ap e
nas q u an d o a a u d iê n c ia n ão se en co n tra p resen te, um a v ez q u e trans
m ite u m a im pressão do in d iv íd u o e d o seu co m p an h eiro d c equipa
h a b itu a lm e n te in c o n s is te n te c o m a im p re ssã o de si p ró p rio e do
co m p an h eiro dc e q u ip a q ue o indivíduo co n sid erad o visa m an te r p e
ran te a au d iên cia. C om o as traseiras ou b astidores se en co n tram por
d e fin iç ã o e de um m o d o g eral lo ra d o a lcan ce do s m em bros da au
d iê n c ia , é a í q u e pod em o s esp e ra r q u e seja u m a fam iliarid ad e re cí
proca a d e te rm in a r a a tm o sfe ra dos co n tacto s sociais. A n alogam ente,
é na reg ião de fach ad a que p rev em o s o p red o m ín io de um a a tm o s
fera protocolar.
N a s so c ie d a d e s o c id e n ta is, p o r to d a a parte, te n d e a a firm a r-se
urna lin g u a g e m e o m p o rta m e n ta l in fo rm al ou dc b a stid o re s e u m a
o u tra lin g u a g e m e o m p o rta m e n ta l. c a ra c te rístic a d o s m o m e n to s em
que é rep resen tad o c e n o desem p en h o . A linguagem dos bastid o res
inclu i um tra ta m e n to recíp ro co pelo p rim eiro n o m e, a to m a d a c o
le c tiv a d e d e c isõ e s, a irre v e rê n c ia , alu sõ e s se x u ais m a n ife sta s, as
q u e ix a s claram en te fo rm u lad as, a p o ssib ilidade de fum ar, um traje
in fo rm al, a u tilização de um a g íria ou m odo de fa la r “ o rd in ário ” , a
d e sc o n tra c ç ã o d a postura se n ta d a ou erecta, as b rin cad e iras a g re ssi
vas ou tro cistas, a d e sc o n sid e ra ç ão d o p a rc e iro em p eq u en o s gestos
do tad o s co n tu d o de c e rto alcan ce sim b ó lico , certos co m p o rtam en to s
físic o s m arg in ais c o m o zu m b ir, asso b iar, m a sc a r p a s tilh a e lástica ,
m o rd isc a r, a rro ta r ou e m itir g ases. A lin g u a g em da e n c e n a çã o da
fa c h a d a p o d e rá d efin ir-se p ela au sên cia de (e em certo se n tid o c o n
traste em relação a) tu d o isto. F m term os gerais, por co n seg u in te, o
c o m p o rta m e n to d o s b astid o res c aracteriza-se p o r p erm itir p eq u en o s
g e sto s q u e fa c ilm e n te se ria m to m a d o s c o m o a c to s s im b ó lic o s de
intim id ad e e falta de resp eito p elo s d em ais presen tes, ao p asso q u e o
co m p o rta m e n to da reg ião de fach ad a se o p õ e a esses g esto s ou actos
p o ten cialm en te ofen siv o s. N o iar-se-á aqui que o c o m p o rta m en to dos
b astid o res possui a q u ilo a q ue os p sicó lo g o s ch am aria m um c ará cter
“re g re ssiv o '1. A q u estão , sem du v id a, está em sa b e r se os b astidores
forn ecem ao s in d iv íd u o s ensejo de regred ir, ou se. pelo contrário, a
A Apresentação do Ru na Vida de Todos os Dias 155
N a s s u a s re la ç õ e s c o m as tr a b a lh a d o ra s , a m a io r p a rte d o s
hom en s h av ia-se m o strad o co rtês e ate g alan te. À m ed id a que as
tra b a lh a d o ras c o m e ç a ram a p e n e tra r nos casco s c nos barracõ es
m ais afastad o s d o estaleiro , os hom en s tiraram a m a v e lm en te das
in s ta la ç õ e s as su a s c o le c ç õ e s de n u s e im a g e n s p o rn o g rá fic a s,
g u a rd a n d o -a s nas c aix as d e ferram en tas. E m sin al de d e ferê n cia
para co m as “ sen h o ras" p resentes, m elh o raram as su as m aneiras,
p assaram a b arb ear-se co m m ais cu id ad o c m o deraram a lin g u a
gem . O tabu c o n tra as in co rrecçõ es v erb ais su cep tív eis d c serem
o u v id as pelas m u lh e re s e ra tão sev ero q ue c h e g a v a a sc r d ivertido,
e sp ecialm en te porque as m u lh eres fre q u en tem en te d e m o n stra v am
de m an eira aud ív el q u e as p alav ras p ro ib idas não e ram , p a ra elas.
nem d esco n h ecid as nem ch o can tes. A p esar disso, vi m uitas vezes
h o m en s, q ue se p rep arav am para d iz e r um palav rão (e co m bo n s
m o tiv o s p a ra tal), co rarem p reso s de um e m b araço sú b ito e refu
g ia re m -se n um m u rm ú rio ao notarem q u e e sta v a m peran te u m a
au d iê n c ia fem in in a. N o co n v ív io de trab alh ad o res e trab alh ad o ras
A Apresentação do Eu na Vida de lo d o s o s Dias 157
H m g r u p o s m is to s c u jo s m e m b ro s s e ja m te u s ig u a is (p o is
n e sse s g ru p o s todos são . até c e rto ponto, ig u ais), podes p erm itir-te
um m aio r à-v o n tad e e m a n e ira s m ais livres; m as sem p re, m e sm o
nesses caso s, d e n tro dos lim ite s d a bienséanwt. H á um certo re s
p e ito q u e . e m so c ie d a d e , s e re v e la se m p re n e c e ssá rio ; d e v e rá s
p ro p o r c o m m o d éstia o re m a d e co n v ersa, tendo o e x tre m o c u i
d ado , em q u a isq u e r c irc u n stâ n c ias, de ne ja m a is parier de. cardes
dans la maisoii d 'un pendu (d c n u n c a falares de co rd as cm casa de
en fo rcad o ). As tuas palav ras, g e sto s e atitudes p o d erão p erm itir-se
e m c am p o aberto, m as n u n c a a d esm esura. P odes d e ix a r as m ãos
nos bolsos, to m a r u m a p itad a d e rapé, e s ta r sentado, de pé, ou de
vez em q u an d o a n d a r de u m la d o para o oufro, co n fo rm e prefiras;
m as cre io q u e não terás p o r reco m en d áv el assobiar, p ô r o ch ap éu
na cab eça, d e sap ertar cin to s ou fivelas, re fa ste la re S -tc ou d eitares-
-te n u m a p oltrona co m o sc e stiv e sse s na cam a. E ssa s liberdades e
in co rrecçõ es, só as p o d em o s to m a r a sós; são o fen siv as p a ra os
s u p e r io r e s , c h o c a n te s ou d e s c o r te s e s p a ra o s ig u a is , b ru ta is e
hu m ilh a n te s para os in fe rio re s.24
té g ia , p o ré m . 6 p ro v á v e l q u e p o ssa m o s o b se rv a r os tra b a lh a d o re s
q u a n d o e ste s e x ib e m m o d o s de b astid o res, e im p ro v áv el que assis
ta m o s à m e s m a e x ib iç ã o p o r p a r te de lo r d e s . U m c a s o - lir n ite
in te re ssa n te d e sta situ a ç ã o 6 o q u e d e sc o b rim o s p a ssa r-se c o m os
ch efes de estad o , q u e. p elo seu e sta tu to , n ão têm co m p a n h e iro s de
eq u ip a . P o r vezes, o s in d iv íd u o s, que se acham c irc u n stâ n c ias que
ta is, se rv e m -se d e um g ru p o d e am ig o s íntim os, ao s q u ais por cor
te sia c o n c e d e m um a c o n d iç ã o d e co m p a n h e iro s d e eq u ip a , a fim de
s a tis f a z e r e m a s u a n e c e s s id a d e de d e s c o n tra c ç ã o m o m e n tâ n e a ,
sen d o tal facto um novo e x e m p lo d a fu n ç ã o de “c o m p a n h e irism o ’'
que atrás c o n sid e rá m o s. O s cam aristas de c o rte d ese m p en h am m u i
tas v ezes o papel de que e stam o s a falar, c o n fo rm e vem os na d escri
ção tra ç a d a p o r P on so n b y d a v isita d o rei E d u ard o , em 1904, à corte
d a D in am arca:
Herman Melville. White Jacke:, Grove Press, s. cl.. Nova Iorque, p. 277.
- Ver W einlein. op. ci:.. pp. 147-48.
A Apresentação do Eu na Vida dc Todos o.s Dias 165
' ' : V er L o u is e C o m in l. “The B orax House". 77ie American A'¡ercury. XVII. p. 172-
A Apresentação do Eli lia Vida de Todos os Dias 167
Papcis Discordantes
p ró p ria q u e a e q u ip a te n ta s u s te n ta r p e ra n te a su a a u d iê n c ia . O s
seg red o s in v io láv eis são. sem dú v id a, seg red o s duplos: um seg red o c
0 p ró p rio facto e sc o n d id o e outro é o facto de certos fa cto s de im
p o rtâ n c ia d e c isiv a n ã o te re m sid o a b e rta m e n te d e c la ra d o s. O s se
g red o s in co n fessáv eis foram a b o rd ad o s no C a p ítu lo T. na p a rte que
se- refere à fa lsa ap resen tação .
Hm se g u n d o lugar, há aq u ilo a que p o d eríam o s c h a m a r segredos
“ e s tra té g ic o s ”. E ste s re fe re m -se às in ten çõ es e q u a lid a d e s de um a
e q u ip a que as e sc o n d e d a su a au d iê n c ia a fim de a im p e d ir d e se
a d a p ta r c o m e fic á c ia ao esta d o d e co isas que a eq u ip a p la n eia susci-
tar. 0 > seg red o s estratég ico s são os u tilizad o s, p o r ex em p lo , no m un
d o dos n eg ó cio s e m ilitar na altu ra em que se d elin eiam as linhas da
a c ç ã o fu tu ra c o n tra o s c o n c o rre n te s ou in im ig o s. E n q u a n to u m a
e q u ip a não p re te n d e ser o g én ero de e q u ip a q u e n ão tem segredos
estra té g ic o s, os seus seg red o s estra té g ic o s não precisam d c se r in
co n fe ssá v e is. C o n tu d o , d ev e n o tar-se que. m esm o quan d o os se g re
dos estratég ico s de u m a e q u ip a não são se g re d o s in c o n fessáv eis, a
quebr;; ou rev elação d e sse s seg red o s co n tin u a a p e rtu rb a r o d e se m
p en h o d a eq u ip a, um a v ez q ue e sta se vê d e sú b ito e in e sp e ra d a m en
te n u m a situ ação e m q u e é inútil e d isp aratad o m a n ter as cautelas,
re se rv a s e am b ig u id ad es estu d ad as ex ig id as pela sua actu ação antes
da q u eb ra dos seg red o s em cau sa. D ev e acrescen tar-se tam bém que
os se g re d o s m e ra m e n te estratég ico s são m uitas vezes aq u eles que a
e q u ip a m ais tard e e fo rçad a a revelar, um a vez c o n su m a d a a acção
p re p a ra d a em .segredo — pelo co n trário , o s seg red o s in co n fessáv eis
ex ig e m um e sfo rç o d e stin a d o a m an tê-lo s d efin itiv am en te secreto s.
D o m e sm o m odo. a in fo rm ação c m u itas vezes reservada n ã o dev id o
à su a re le v â n c ia e stra té g ic a actu al, m as p o r se p en sa r que poderá vir
a ter m ais tarde esse tip o d e relev ân cia.
F.rri terceiro lugar, h á a q u ilo a que ch am arei o s seg red o s " in te r
n o s ” . S ão os s e g re d o s c u jo c o n h e c im e n to a ssin a la u m in d iv íd u o
co m o m e m b ro dc um g ru p o e c o n trib u i p ara q u e o g ru p o se sinta
se p arad o a d iferen te em relação ao s q u e “n ã o sa b e m " .1 O s segredos
in te rn o s c o n fe re m u m c o n te ú d o in te le c tu a l o b je c tiv o à d is tâ n c ia
s o c ia l su b je c tiv a m e n te se n tid a . N u m c o n te x to so c ia l d a d o , q u a se
to d a a in fo rm a ç ã o q u e lhe c o rre s p o n d e te m q u a lq u e r c o is a d e s ta
fu n ç ã o de e x c lu sã o , p o d e n d o , p o r isso, scr c o n sid e ra d a co rn o não
perten c e n d o esp e c ia lm e n te a n in g u é m .
O s se g re d o s in te rn o s p o d e m s e r de red u zid a im p o rtâ n c ia e stra
tégica e podem não ser e s p e c ia lm e n te incon fessáveis. Q u an d o é esse
o c a so , e s s e s s e g re d o s p o d e rã o s e r re v e la d o s ou q u e b ra d o s a c i
d e n ta lm e n te sem p ertu rb ação p ro fu n d a do d e se m p en h o da eq u ip a ; os
ac to re s só terão que tra n sfe rir p a ra outro tem a o seu p ra z e r sec re to .
S e m d ú v id a , os se g re d o s e s tra té g ic o s e/o u in c o n fe ssá v e is p o d e m
fu n c io n a r de m odo e x tre m a m e n te ad e q u a d o c o m o seg red o s internos,
e v em o s, de facto, q u e a q u a lid a d e estratég ica o u in co n fessáv el do s
seg red o s é m u itas vezes e x a g e ra d a p o r essa m esm a razã o . H c u rio so
n o ta r q u e o s líd e re s d e u m g r u p o social se v ê e m fre q u e n te m e n te
c o n fro n ta d o s co m um d ile m a a re s p e ito dos se g re d o s e stra té g ic o s
re le v a n te s . O s m e m b ro s d o g r u p o q u e n ã o s ã o p o s to s a p a r d o
seg red o se n te m -se ex clu íd o s e o fe n d id o s q u a n d o este ú ltim o acab a
p o r s c r q u e b ra d o ; p o r o u tro la d o , q u a n to m a io r f o r o n ú m e ro de
p esso as a c o n h e c e r o seg red o , m a is provável é q u e este seja — in
ten cio n al ou in v o lu n tariam en te - revelado.
O c o n h e c im e n to q ue u m a e q u ip a pode ter d o s seg red o s d e o u tra
fo rn ec e -n o s o critério q ue d e fin e o u tro s d o is tipos. Hm p rim e iro lu
gar, h á o s ch am ad o s seg red o s “ c o n fid e n c ia is". T rata-se de u m se g re
do que o seu d e te n to r d ev e g u a rd a r pois a isso o vin cu la a su a rela
ção co m a eq u ip a a que o se g re d o sc refere. Se um in d iv íd u o a q u e m
é c o n fia d o o segred o fo r a p esso a q u e diz ser. íerá q u e g u a rd ar o se
g redo, ain d a q ue este não se re fira à sua pessoa. A ssim , p o r e x e m
plo, se um ad v o g ad o re v e la r o s p ro ced im en to s incorrectos dos seus
c lie n te s , fic a rã o a m e a ç a d o s d o is d e se m p e n h o s b asta n te d ife re n te s
um do o u tro : a e x ib ição da in o c ê n c ia do clien te perante o trib u n al e a
ex ib içã o da relação de c o n fia n ç a ex isten te entre o a d v o g a d o e o seu
clie n te . D ev e n o ta r-se ain d a q u e o s seg red o s e stra té g ic o s de um a
eq u ip a, in co n fessáv eis ou não. s e rã o p rovavelm ente se g red o s d etidos
a títu lo co n fid en cial p elos m e m b ro s da eq u ip a, um a v ez que ca d a um
d eles te n d e rá p o r ce rto a a p re se n ta r-s e perante os seus c o m p an h eiro s
d e eq u ip a co m o alguém leal a to d o o conjunto.
172 Erving Cioffman
: Hans Speiür, Social O rder a n d t¡w Risks o f War. The Free Press. G lcncoc. 1952.
p. 264.
A Apresentação do Liu na Vida dc Todos os Dias 175
6 W . Fred Cottrell. The Railroader.; Stanford University Press. Stanford. ¡94U. p. 87.
^ J. M. M urtach e S;ir.i H arris. C a st th e h irst Stone. P ocket B ooks. C ardinal
Edition. Nova Iorque, I95S. p. 100: pp. 225-30.
178 F.rvine Golínia-i
i n s u s te n t á v e l c d e s p r o v i d a d e d i g n i d a d e , o s c ila n d o e n tr e u m
c o n ju n to d e a p a rê n c ias e le a id a d e s e outro co n ju n to de Icaklades e
ap a rê n c ias. E n q u a n to parte in te g ra n te de d u a s eq u ip a s, a o sc ila ç ã o
do in term ed iário to m a -se b a sta n te inteligível. O in term ed iário pode
s e r e n carad o m u ito sim p le sm e n te c o m o um dup lo cú m plice.
A lg u m a s in v e s tig a ç õ e s r c c c n te s so b re a s fu n ç õ e s d o c a p a ta z
ilu stra m b e m c e rto s a sp e c to s d o papel d e s e m p e n h a d o p e lo in te r
m e d iá rio . E ste tem n ã o só q u e e n d o s s a r o b rig a ç õ e s d c d irig e n te ,
o rien tan d o a e x ib ição d a p ro d u ção p eran te a au d iê n cia d o s a d m in is
tra d o res, c o m o ain d a de tra d u z ir o q ue sabe e o que os esp ectad o res
vêem em te rm o s v erb ais a c e itá v e is tanto p ela su a c o n sc iê n c ia c o m o
pelos espectadores.** O u tro e x e m p lo do papel de in te rm e d iário é o do
p r e s id e n te d e u m a a s s e m b le ia f o rm a lm e n te re u n id a . A s s im q u e
ch am a a a ten ção d o g ru p o e a p re s e n ta o o ra d o r q ue to m ará a p alavra,
esp era-se que passe a fu n c io n a r c o m o m odelo visível o fe rec id o aos
re sta n te s p re se n te s, ilu stra n d o p o r m eio de e x p re ssõ e s liv re m e n te
ex ag erad as o in teresse c a c o n sid e ra ç ã o que os o utros e sp ectad o res
d ev em e x ib ir tam b ém , e fo rn e c e n d o -lh es an te c ip a d am e n te as deix as
qu e in d icam co m o d e te rm in a d a s p alav ras d ev erão ser sau d ad as por
u m a a titu d e de g rav id ad e, p o r g a rg a lh a d a s ou riso s ab afa d o s. O s o ra
d o re s d is p õ e m - s e a a c e ita r o c o n v ite p a r a fa la re m p e ra n te um a
au d iên c ia na c o n v icção de q u e o p resid en te "to m ará c o n ta " d o s e s
p e c ta d o re s , o q u e e le fa rá tr a n s f o r m a n d o - s e . c o m o v im o s, n u m
o u v in te -m o d e lo e co n firm a n d o a o m áxim o a ideia seg u n d o a q u al o
d is c u r s o q u e e s tá a s e r p r o f e r i d o é r e a l m e n te im p o r ta n te . O
d esem p en h o d o p resid en te é e fic a z em parte porque o s e sp ectad o res
se se n te m o b rig a d o s p e ra n te e l e . v in c u la d o s p e la o b r ig a ç ã o de
c o n firm a re m q u a lq u e r d e fin iç ã o d a situ a ç ã o q ue te n h a o se u p a
trocínio . o que e q u iv ale a dizer, e m resum o, que ad o p tarão a m esm a
atitude de o u v in tes que ele fe?, su a . A incu m b ên cia d ram a tú rg ie a dc
g a ra n tir q ue o o rad o r p areça se r a p re c ia d o e q u e o s o u v in tes p a re ç a m
interessad o s n ão é. in d u b ita v e lm e n te , fácil, e m u itas vezes não deixa
ao p re s id e n te d a se s s ã o a m ín im a o c a siã o d e p e n s a r n a q u ilo que
o ste n siv a m e n te está a ouvir.
^ Para um a abordagem mais desenvolvida, ver Goffman, op. n r.. Cap. XVI.
A Apresentação do Bu na Vida de Todos os Dias 181
su p le m e n ta re s , im p lic a n d o , n o e s s e n c ia l, p e s s o a s q u e n ã o su e n
c o n tra m p r e s e n te s d u r a n te u m d e s e m p e n h o , m as q u e p o s s u e m
in fo rm a ç õ e s im p rev istas a c e rc a d e s te últim o.
E m prim eiro lugar, lia um papel im portante a q u e p o d em o s c h a m a r
o do “esp ecialista d e serviço” . É o c u p ad o p o r individuos especializa
dos na co n stru ç ã o , rep aração e m an u ten ção d o e sp e c tá c u lo q u e os
s e u s c lie n te s re p re s e n ta m p e r a n te o u tra s p e sso a s. A lg u n s d e ste s
p ro fissio n a is, co m o o s a rq u ite c to s ou o s c o m e rc ia n tes de p eç as de
m obiliário , têm o q u ad ro d o d e se m p e n h o co m o especialidade; outros,
c o m o o s d en tistas, cab eleireiro s e derm atologistas, ocupam -se da ta
c h a d a p e s s o a l; o u tro s ain d a, c o m o os e c o n o m ista s, c o n ta b ilis ta s ,
a d v o g a d o s e in v e s tig a d o re s fo r m u la m o s e le m e n to s fa c tu a is d e
d esem p en h o verbal d o oliente, ou seja, forn ecem as linhas orien tad o
ras d a arg u m en tação ou p o sição in telectu al da equipa.
A p a rtir dos d ad o s e m p íric o s d isp o n ív e is, d ir-se-ia q u e os e sp e
cialistas d e serviço d ificilm en te p o derão co rresp o n d er às necessid a
des d e um a c to r individual sem ad q u irir tantas ou m ais inform ações
d estru tiv a s d o q u e ele p ró p rio p o ssu i acerca de c e rto s a sp ecto s do d e
sem p en h o do in d iv íd u o c o n sid e ra d o . Os e sp ecialistas de se rv iç o são
com o que m em b ro s d a eq u ip a na m ed id a em q ue co n h ecem os segre
do s do esp ectácu lo e têm acesso à perspectiva que a região d o s b asti
dores so b re ele faculta. C o n tu d o , a o contrário dos m em bros d a e q u i
pa, o esp ecialista n ão c o m p a rtilh a dos riscos, dos sen tim entos de cu l
pa nem das satisfaçõ es ligadas à ap resen tação perante um a audiência
d o e sp e c tá c u lo p ara que o se u tra b a lh o co n trib u iu . F.. ao co n trá rio
ainda dos m em bros d a equipa, fic a na p o sse dos segredos de pesosas
q u e não ficam na posse de se g re d o s equivalentes a seu respeito. N este
c o n te x to , c o m p re e n d e m o s m e lh o r que a d e o n to lo g ia p ro fissio n a l
freq u en tem en te vincule o e sp e c ia lista a d a r m o stras d e “d isc riç ã o ” ,
q u er dizer, a não rev elar o s se g re d o s de um d e sem p en h o a que as suas
incum bên cias de trab alh o lhe d e ra m acesso. A ssim , por ex em p lo , os
psicoterap eu tas, que tão a m p la m e n te p articipam por pro cu ração nas
g u e rra s d o m é s tic a s do n o sso te m p o , sã o o b rig a d o s a c a la r o q u e
sabem dos c o m b ates havidos, e x c c p lo perante os seus supervisores.
Q uan d o o esp ecialista e de um estatu to social m ais elev ad o do que
o s in d iv íd u o s a q u e m p resta se rv iç o , a su a av a lia ção social global
184 E r v in g G o ffm n n
1 ; Ver Ray Gold. "The Chicago Flat Janitor", tese dc Mestrado inédita. Department
of Sociology. University o f C hicago. 1950 sobretudo o Cup. IV , 'T h e G arbage”.
' - West ley. op. dr.. p. 131.
186 Erving Go finían
Querida,
Quando info re chegar às mãos, eu já estarei onde nada da que
possas fa zer poderá magoar-me...
Q uando leres isto. nada do que fizeres terá já o p oder de me
fe r ir >4.
Quanto <i este t* outros asnéelos relativos ã índia, c por diversas sugestões ile
ordem geral, estou em dívida para com VlcKim Marriott.
* 1 W cinlcin. op. cit.. p. 106.
^ W illiam H. Hale. 'T h e Career Development o f the Negro Lawyer", dissertação
de Ph. D. inédita. Department o f Sociology. University o f Chicago. 1949. p. 72.
188 ürvinsj Goffinnn
n in teressan te o b se rv a r q u e , q u a n d o os c o m p a n h eiro s d e e q u ip a
en tram e m co n tacto c o m um e stra n h o q ue é um colega, ten d em m u i
tas vezes a c o n c e d e r te m p o ra ria m en te u m a esp écie d c lu g a r p ro to
c o la r c h o n o rário d e m em b ro d a equipa ao re cém -ch eg ad o . H á um
c o m p le x o d o visitante de m a rc a q u e faz co m q u e os c o m p an h e iro s
d c um a e q u ip a tratem o in d iv íd u o q u e os visita com o se de súbito
este se rev elasse lig ad o a eles p o r relaçõ es an tig as e de g ran d e in ti
m id a d e . I n d e p e n d e n te m e n te d a s s u a s p r e rro g a tiv a s a s s o c ia tiv a s
reais, o visitante ten d erá a ser in v e stid o de to d o s os d ire ito s do c lu
be. E sta s m a n ife sta ç õ es de c o rte s ia tê m so b retu d o lu g a r q u a n d o o
v isitan te o u h ó sp e d e re c e b e u a s u a fo rm ação no m e sm o e s ta b e le
c im en to q u e os c o leg a s que o a c o lh e m , ou a c o n seg u iu sob o rie n ta
ç ã o d o s m e sm o s p ro fe sso re s. O s d ip lo m a d o s p elo m e sm o q u a d ro
fam iliar, p e la m esm a esco la p ro fissio n a l, p ela m esm a pen iten ciária,
p e la m esm a u n iv e rsid a d e ou p e la m esm a p eq u en a cid ad e de p ro v ín
c ia são o u tro s tan to s c aso s ilu stra tiv o s. Q u an d o “ v e lh o s am ig o s” se
e n c o n tra m , p o d erá ser. e n tre ta n to , difícil re a n im a r as velh as b rin
c ad e ira s d e b a stid o re s, e o p ô r d e lado da a titu d e h ab itu al p o d e rá
tornar-se, p o r seu turno, u m a o b rig a ç ã o e u m a a titu d e estu d ad a, d ifi
cu ltan d o que se fa ç a se ja o que fo r d c diferente.
U m a co n seq u ên cia digna d c n o ta de tudo isto é um a equipa, q u e de
sem pen h a regularm ente as suas p ráticas de rotina para a m esm a a u
diência. poder, apesar disso, e s ta r so cialm ente m ais distante dessa a u
diência d o que d e um coleg a q u e m om entaneam ente en tra em co n tac
to co m a equipa. A ssim , os m e m b ro s da pequena nobreza da ilha das
S hetlan d conheciam m uito bem o s seus vizinhos agricultores das re
dondezas. tendo d esde a in fân cia desem p en h ad o perante eles o seu p a
pel dc m em bros d a pequena n o b reza. R todavia um fidalgote que visi
tasse a ilha, depois de exibir as s u a s credenciais c se apresentar do m o
do devido, poderia, no d eco rrer d c u m sim ples chá das cinco, tom ar-se
m ais íntim o da fam ília da p e q u e n a nobreza d a ilha do q u e no espaço
de u m a v id a inteira o poderia c o n se g u ir q u alq u er um dou agricultores
vizinhos. Porque um chá d o s fid a lg o s era urna actividade de b astid o
res nos term os d as relações p e q u e n a nobreza-agricultores em viagem
na ilha. D urante o chá dos fid alg o s, os cam poneses era m ridiculariza
dos, e as m aneiras com edidas h ab itu alm en te exibidas pelos prim eiros
194 Erving Goffman
perante os seg undos davam lugar às brincadeiras sem cerim ônia das
relações de co n v ív io próp rias dos m em bros da p eq u en a nobreza. N e s
sas o casiões o.s fidalgos confro n tav am -se co m o facto de serem pare
cidos co m o$ lavradores cm asp ecto s decisivos, e diferentes d eles sob
certos aspectos indesejáveis, ludo islo co m u m a secreta b o a d isp o si
ção q u e m uitos dos cam poneses estariam longe de su sp eitar neles.2 '
É ra zo áv el p e n sa r q u e a b o a vontade que cerim onial m en te nm c o
lega m o stra a o u tro ta lv e z seja u m a esp é c ie de oferta d e paz: “N ã o
d izes n ad a de nós e nós n ão d izem o s nada de ti.” Isio ex p lic a rá em
parte p orque é q u e os m édicos c co rn ereian les m u itas vezes fazem
fa v o re s p ro fis s io n a is ou d e sc o n to s n o s p re ç o s às p e sso a s q u e dc
a lg u m m o d o sc e n c o n tra m lig a d a s à m e s m a a c tiv id a d e q u e ele s
p ró p rio s. T rata-se. n o fundo, de um a espécie de “lu v as” p a g a s a in
d iv íd u o s q u e d isp õ em de in fo rm açõ es su fic ie n te s p ara sc tran sfo r
m arem em d en u n cian tes.
A n a tu re z a d a s relaçõ es en tre co leg as p e rm ite -n o s c o m p re e n d e r
ta m b é m a lg u m a c o is a a resp eito d e sse im p o rtan te p ro c e sso social
que é a e n d o g am ia. e atrav és d o q u al u m a fa m ília de d ete rm in ad a
c la sse , casta, p ro fissão , re lig iã o ou e tn ia ten d e a restrin g ir a s suas
alian ças m atrim o n iais a o co n ju n to das fam ílias de i den tica condição.
A s p e s s o a s q u e se u n e m p o r la ç o s de a f in id a d e a d q u ir e m u m a
p o sição que lhes p erm ite u m a o b serv ação m ú tu a para lá d a fachada;
o q ue é sem pre em b araço so , m as se to rn a m en o s e m b araço so se os
b a stid o re s d e o rig e m d o rc c é in -c h e g a d o forem c e n á rio d a m esm a
esp é c ie de e x ib iç õ e s e d o m esm o g én ero de d issim u la ç ã o d a s in
form açõ es d estru tiv as. U m casam en to em falso introduz nos b a sti
d ores e na e q u ip a a lg u é m que d e v e ria se r m a n tid o lo n g e d o d e sem
p en h o ou, n o m áx im o , lim itar-se a um lu g ar d c espectador.
D ev e n o tar-se q ue as p esso as q u e s ã o c o le g a s e m d e te rm in a d a
q u alid ad e, e se en co n tram p o r isso cm term os de fam iliarid ad e re-
*■- A pequena nobre/n da ilh;i falava por vezes da dificuldade dos seus contacto.-
sociais com os ouiros habitantes locais, dada a ausência de interesses comuns.
E:. embora mostrasse assim um a compreensão adequada do que aconteceria sc »in
dos cam poneses estivesse presente durante o cliá, parecia ler menos consciência <!o
grau em que o "espírito” da hora do chá dependia do facto de haver cam poneses que
não estavam presentes.
A Apresentação do Eu na Vida dc Todos os Dias 195
Comunicação Deslocada
Q u a n d o d u a s e q u ip a s sc e n c o n tra m c o m fins de in te ra c ç ã o , os
m em bros dc c a d a u m a d elas te n d e m a a d o p ta r u m a linha de acção
q u e su ste n ta q u e são o que p re te n d e m ser, e a a g ir em co n seq u ên c ia.
A fam iliarid ad e dos b astid o res é su p rim id a para que a inter-relação
d a s atitu d es n ão se d esag reg u e e to d o s os m em b ros possam integrar-
-se n a m e sm a equipa, sem q u e n in g u ém , p o r assim dizer, fiq u e de
fora. C a d a um d o s p a rtic ip a n te s n a in teracção te n ta h a b itu alm e n te,
c o n h e c e r e m an ter o seu lugar, ad o p ta n d o o eq u ilíb rio v ariável en tre
f o r m a l i d a d e e in f o r m a l i d a d e e s t a b e l e c i d o p a r a a i n te r a c ç ã o ,
e s te n d e n d o a o s s e u s c o m p a n h e ir o s de e q u ip a e s ta a titu d e . A o
m esm o tem po, c a d a u m a das e q u ip a s lende a su p rim ir a sua c o n c e p
ç ã o in g é n u a d e si p r ó p r ia e d a o u tr a e q u ip a , p r o je c ta n d o urna
d efin ição d e si p ró p ria e dos o u tro s relativam ente a c eitáv el p o r estes
ú ltim o s. E p ara g a ra n tir que a c o m u n ic a ç ão se p ro c e ssa rá atrav és do s
e s trito s c a n a is e s ta b e le c id o s , c a d a u m a d as e q u ip a s sc d is p o rá a
a u x il ia r a o u tr a , d e m o d o t á c i t o e c u id a d o s o , n o s u s t e n t a r d a
im p ressão q u e a o u tra v isa su scitar.
E v id en tem en te, em m o m e n to s d e grande crise, p o d e in te rv ir su
b ita m e n te u m n o v o c o n ju n to d e m otiv o s, ao m e sm o te m p o que a
d istân cia so cial estab elecid a e n tre a.s duas equipas au m en tará ou será
r e d u z id a d e m a n e ira s e n s ív e l. O b s e rv e m o s o s e g u in te e x e m p lo
ex tra íd o d o e stu d o sobre um s e rv iç o hosp italar onde estav a m a ser
trata d o s alg u n s p acien tes v o lu n tá rio s que so friam d e p ertu rb a çõ es de
m e ta b o lis m o a c e rc a d a s q u a is p o u c o sc s a b ia c p o u c o se p o d ia
200 F.rving Goffman
~ Mrs. Mark Clark (Mauritie Clark). C aptain's Rride, Gennral’s Ixtdy, YtcGraw-
-Hill. Nova Iorque. I‘>56, pp. 128-129.
202 Hrving Gofl'man
; Ver. por exemplo, o caso relativo a "Central I lalvenhishcry". in Robert Dübln. or¿r.
Human Relations in Administration, Prcntice-Hall. Nova Iorque. 1951. pp. 560-63.
A Apresentação do liu na Vida de T odos os Dias
& Ver Daniel Glaser, “ A Study o f Relations between British and American Enlisted
Men at S H A K P \ tcsc de .VIes Iratio incdita, Department o f Sociology, University of
C hicago. 19^7. G laser escreve. p. 16: "O termo lim ey, conform e o utilizam os
americanos cm ve/, de british, era geralmente aplicado com conotações depreciati
vas. Os americanos abstinham -sc dc o proferir na presença dos ingleses, em bora es
tes últim os habitualmente ignorassem o seu sentido ou não lhe atribuíssem qualquer
a c e p t o depreciativa. N a realidade, as cautelas dos americanos a este respeito lem
bram as dos brancos do Norte dos ElJA, que sc servem do termo nigger, mas abs-
tendo-se ríe o proferir diante dc negros. Este fenómeno relativo aos cognom es ¿ um
traço com um , sem dúvida, nos contactos entre etnias cm que prevalecem as relaçfles
entre categorias diferentes."
y David W. M aurer, Whiz -Mob. American Dialect Society. G ainesville. Florida.
1955, p. 113.
A Apresentação do F.u na Vida de T odos os Dias 207
A Conversa de Palco
■ Cf. Kenneth Burke. A Rhetoric o f M otives, p. 23-1 e segs.. incluindo uma análise
sociat do indivíduo que <í iniciado, na qual é fundamental a noção dc “ tormento"
(hazing).
A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias 209
A C onivência da Equipa
' - David G d lcr. “Lingo of the Shoe Salesm an”. A m anean Speech. IX. p. 2K.‘v
212 F.rvine Goflman
fo r o c a n to r, m a is v in c a d o s e, p o r c o n se g u in te , m ais e v id e n te s
terão que ser os sin ais a ele d e stin a d o s.19
19 ¡hid., p. 57.
Dille, op. cit., p. 141.
A Apresentação cío Fu na Vida dc Todos os Dias 21 7
Mrs. Roben I lenrçy, Madeleine Grown Up. Dutton, Nova Iorque. 1953. pp. ¿6-47.
A Apresentação do Bu na Vida de Todos os Dias 219
U rna v isita d e q u e se e s tá à e s p e ra d e v e s e r im e d ia ta m e n te
a n u n c ia d a . S c v o cê e s tiv e r c o m o u tra p e sso a , a s u a s e c re tá ria
in te rro m p ê -lo -á. d iz e n d o -lh e q u a lq u e r co isa c o m o : “E s tá aq u i o
se n h o r que tem e n c o n tro m a rc a d o con sig o p ara as três. P en so que
g o stará de o saber.” (A se c re ta ria n ão m en cio n ará o nom e do v isi
tante dian te de estranhos. Se v o c ê lhe d e r a e n te n d e r que não se
lem bra d e quem era que tin h a p a r a as três, e la e sc re v erá o nom e
d a pessoa num papel q u e em s e g u id a lhe e n tre g a rá e m m ão . ou
servir-sc-á d o seu telefo n e p riv a tiv o em v ez de u sa r o sistem a dc
in terco m u n icação q u e toda a g e n te pode o uvir.)26
Lady's Magazine, I7S9. XX, p. 235, ciliido por Hccht, <?/?. cit., p. 63.
226 Erving Goffman
Potter designa eMr. fenóm eno com o term o “one upm anship": nparf.ee rum o
“marcar pontos" (making points) cm H. Cioffimm. “On Faec-W ork". Psychiatry. IS.
221-22: com o “status forcing" e:n A. Strauss, Essay on Identity <no prcio). Em
certos m eios americanos, a expressão “deitar abaixo” alguém assume precisam ente
a mesma acepção. tn co n ira-se um a excelente aplicação desta ideia em relação ;i
uma forma de contacto social concrcta em Jay Haley. ‘T h e A rt o f Psychoanalysis".
ETC, X V . pp. 189-200.
A Apresentação do F.u na Vida dc Todos os Dias 227
•'2 “Team W ork and Performance in a Jewish Delicatessen'’, arligo incdito de Loui>
Hirsch.
A Apresentação do Eu na Vida de T odos os Dias 229
V er Dale. op. til., pp. IH2-S.1. pain m na ilustraban dos com prom issos lácticos
possíveis entre duas equipas oficialm ente inimigas. Vur também Yfelville Dalton,
"U nofficial Union-M anagement Relations” . American Sociological Review. XV. pp.
611-19.
232 F.rving Goffman
Q u a n d o o c o n s e n s o fu n c io n a l e s ta b e le c id o e n tre du a s e q u ip a s
im p lica a o p o sição declarad a, vem o s que a d iv isão do trab a lh o no in
te rio r d e c a d a e q u ip a p o d e rá em ú ltim a in stâ n c ia c o n d u z ir a rea-
linham cntos m o m en tân eo s dc um genero que nos d em o n stra que nao
s ã o a p e n a s o s e x é r c ito s a e o n fro n ta re m -s © c o m o p r o b le m a da
confratern ização . O esp ecialista de urna das eq u ip as p o d erá d escobrir
q u e tem m u ita coisa em co m u m com o m em bro que lhe co rresponde
da e q u ip a c o n tra ria e que am b o s falam u m a linguagem que tende a
fazê-lo s alin h ar de m odo a co n stitu írem u m a e q u ip a isolada cm opo
sição a todos os d em ais participantes. A ssim , durante as n eg o ciações
dos co n trato s de trab alh o , os adv o g ad o s de am bas as p artes por vezes
dão p o r si a tro car olhares de conivência quando o leigo de u m a das
duas equipas co m ete um erro ju ríd ic o estro n d o so. Q u an d o o s esp ecia
listas n ão são m em b ro s p erm an en tes d a equipa, m as contratados a p e
nas p ara o p eríodo d as n eg o ciaçõ es, á p ro v áv el qu e, so b c e rto s as
pectos, se m ostrem m ais leais à sua p rofissão e aos seus co leg as do
q ue à eq u ip a em que o casio n alm en te se integram . S e. p o r c o n seg u in
te. se pretende m an ter a im p ressão dc o p osição entre as equipas, as
leald ad es cru z a d a s d o s esp ecialistas terão que se r negadas ou de se
ex p ressar inviam ente. E p o r isso que os ad v o g ad o s, sentindo que os
seu s c lie n te s q u e re m v ê-lo s m a n ife sta r h o stilid ad e ao s c lie n te s da
p arte co n trária, ficam à esp era de um en co n tro nos bastidores co m o
coleg a, p erm itin d o -lh es que. en tão en tre coleg as, am b o s conversem
am ig av elm en te sobre o p rocesso em curso. Q u an d o an alisa o papel
d e s e m p e n h a d o p e lo s fu n c io n á rio s d e c a rre ira no s d e b a te s p a r la
m entares. D ale sugere igualm ente:
Jau cie H artos. A S a ilo r’s Life. Harper Biolfurrs, N ova Iorque. 1955, p. 355.
A Apresentação do Hu na Vida de Todos os Dias 235
■*- M axwell Jones. The Therapewic Community. Basic Books. Nova Iorque. 1953.
p. 40.
238 F .rv in e C o f f m a n
um n p r o f e s s o r a p r im á r ia f o r e x c e p c io n a lm e n te a le n ta a o s s e u s
alun o s, o u b rin car co m eles d u ran te os recaiio s, ou c o n ta c ta r de m u i
to p e rlo co m as crian ças de c o n d iç ã o so cial m a is baix a, as ou tras
p ro fe sso ra s sen tirão q ue a im p ressão q u e ten tam su sten ta r ace rc a do
q u e co n stitu i um tra b a lh o c o m o d ev e se r se en co n tra a m e a ç a d a .43
D e fa c to , q u a n d o c e rto s a c to re s a tra v e ssa m a lin h a q u e s e p a ra as
e q u ip a s , q u a n d o há u m in d iv íd u o q u e se to rn a e x c e s s iv a m e n te
fa m ilia r, e x c e s s iv a m e n te c o m p re e n s iv o o u e x c e s s iv a m e n te a n ta
gó n ico , é p re v isív e l a e m e rg ê n c ia de um circu ito de re v erb e raçõ e s
afe c ta n d o a e q u ip a s u b o rd in a d a , a e q u ip a su p e rio r e o s tra n sg re s
so res cm cau sa.
E n c o n tra m o s u m a ilu stração d e ste fenóm eno de rep e rc u ssõ e s em
c a d e ia n u m a recente in v estig ação sobre a m a rin h a m ercante, em que
o a u to r d e s c re v e c o m o , q u a n d o o s o f ic ia is d is c u te m p ro b le m a s
re la tiv o s à d is c ip lin a de b o rd o , o s m a rin h e iro s se s e rv e m d e s s a
o p o rtu n id a d e p a ra m a n ife s ta re m a s u a s o lid a rie d a d e p a ra c o m o
o fic ia l q u e c o n sid eram injustiçado:
T a lv e z e s ta s c ita ç õ e s n o s fa le m m a is d o s s e n tim e n to s s o c ia is
p arcia lm e n te e sc o n d id o s dos a u to re s d o q u e d o s p ro c esso s g lo b a is
q u e p o d em d escn v o lv er-sc q u a n d o alguém sai d a linha d e c o m p o r
tam en to e stab elecid a, nías, recc n tc m cm c , n u m trab a lh o de S tanton e
Schwartz., d ep aram o s corn um a d e s c riç ã o su ficien tem en te p recisa do
circu ito dc c o n se q u ê n c ia s que sc d e se n c a d e iam quan d o é tra n sp o sta
a linha q ue separa a s d u a s eq u ip a s.'1*
Já in d icám o s q u e, c m m o m en to s d e crise, as linhas d iv isó ria s po
d e m se r m o m e n ta n e a m e n te q u e b ra d a s , e n q u a n to os m e m b ro s das
eq u ip a s o p o stas e sq u e c e m m o m e n ta n e a m e n te os lugares p rescrito s
q u e d ev em m a n te r uns perante o s o u tro s. T am b ém in d ic á m o s que
c e r to s fin s sã o . a p a r e n te m e n te , c o n s e g u id o s c o m m a is e fic á c ia
q u an d o sc a b atem as barreiras e n tre as eq u ip as, pelo q ue, a fim de
c o n s e g u ire m c e rto s o b je c tiv o s , a s e q u ip a s s u p e rio re s p o d e m p o r
vezes m isturar-se c o in as in ferio res ou su b o rd in ad as. D ev em o s a g o ra
a c r e s c e n t a r q u e , n u m a e s p é c ie d e e a s o - l im ite . a s e q u ip a s em
in teracção p arecem p o r vezes d isp o sta s a d e sfazerem -se do cen ário
d ra m a tú rg ic o d a s su a s a c tiv id a d e s c a e n tre g a re m -s e p o r la rg o s
p e río d o s de tem p o a u m a orgia p ro m ísc u a dc análise clín ic a , re li
g io sa o u ética. T em os u m a v e rsã o d esag rad áv el d este p ro cesso nos
m o v im e n to s s o c ia is d e e v a n g e liz a ç ã o q u e u tiliz a m a c o n f is s ã o
p ú b lic a c o m o in stru m e n to . U m p e c a d o r, m u itas v ezes d e c la ra d a
m ente d esp ro v id o de q u alq u er e sta tu to d c d estaq u e, en tra e m c e n a e
conta a o s presentes to d o o tipo de c o isa s q ue h ab itu alm en te tentaria
esc o n d e r ou racio n alizar; sacrifica os seus seg red o s c a sua d ista n cia
d c au to d efesa em re la ç ã o aos o u tro s, e esse sacrifício tende a in d u zir
um a so lid aried ad e de bastidores e n tre o s circu n stan tes. As terapias
d c g ru p o e x ib e m um m ecan ism o a n á lo g o n o q ue se refere à fo rm a
ção d e um esp írito de e q u ip a e d e u m a so lid aried ad e de bastid o res.
A qui c um p e c a d o r p síq u ico q u e m se a p re se n ta e fala de si, c o n
v idan d o os o u tro s a falarem d ele e m te rm o s que seriam im p o ssív eis
n u m q u a d r o d e in te r a c ç ã o c o m u m . O r e s u lta d o te n d e a s c r a
so lid aried ad e in trag ru p al, e este tip o d c "ap o io so cial” , c o m o tem s i
do ch am ad o , possui p ro v av elm en te o seu v a lo r terap êu tico . (S eg u n
do o s c rité rio s d a v id a de to d o s os d ias. a única c o isa que d este m odo
o p acien te perde é o seu resp eito p o r si p ró p rio .) T alv e z ach em o s
(am bém um eco de aigo sem elh an te nas reu n iõ es entre m édicos e e n
ferm eiras q u e atrás citám o s.
E sta s p assag en s d a d istâ n c ia à intim id ad e podem dar-se em o c a
siõ e s de te n s ã o c ró n ic a . O u ta lv e z p o ssa m o s c o n s id e rá -la s c o m o
p a rte de um m o v im e n to so cial a n tid ra m a tiírg ieo . d e um cu lto da
co n fissão . T alvez o a b a te r das b arreiras rep resente u m a fase natural
do p ro cesso d e tran sfo rm ação social que faz c o m q u e u m a eq u ip a se
tran sfo rm e noutra; é p ro v áv el q u e as eq u ip as opostas neg o ceiem os
seus se g re d o s d e m o d o a p o d erem d esd e o in íc io re u n ir um novo
co n ju n to d e factos in co n fessáv eis q ue s e d estin am a se r n eg o ciad o s
m ais tarde. S e ja c o m o for. v em o s q u e há o casiões em q u e as eq uipas
co n trá ria s, na in d ú stria, no casam en to ou n o país, sc m ostram d is
p ostas n ão só a c o n ta r o s seus segredos ao m esm o e sp ecia lista , m as
tam b ém a p ro ced erem a tais rev elaçõ es n a p resença d o in im ig o .49
S u g erim o s a este pro p ó sito que u m dos m elh o res lugares d e o b
servação d as práticas de renlinham ento, sob retudo d as traições te m
porárias. talv ez não sejam as o rganizações h ierarquicam ente g o v er
nadas, m as a interacção em m oldes de co n v ív io inform al e n tre in d i
víduos relativ am en te iguais. De facto, a o co rrên cia auto rizad a de s e
m elhantes ag ressõ es p arece ser u m a d as características que d efin em a
n o ssa ex istên cia co n v iv en cial. H m uitas vezes de esp e ra r cm tais o c a
siões q ue d u as p essoas se em p en h em am b as n um a co n v ersa c o m e d i
d a q ue se d estin a ao s q ue a ou v em , tentan d o ca d a um a d elas, de m a
neira p o u co séria, refu tar a p o sição d efen d id a pela o u tra pesso a. I lá
situ açõ es de flir t em que os hom ens tentam d e stru ir a p o stu ra de ina
cessib ilid ad e virginal d as m ulheres, en q u an to estas se e sfo rç am p o r
S e h o u v e r a lg u é m d o g ru p o q u e n ã o c o n h e ça , te n h a c u id a d o
co m os seus e p ig ra m a s ou p eq u e n o s sa rc a sm o s. C a so c o n trá rio ,
co rre rá o risco de q u e re r m o stra r-se ex tre m a m en te esp iritu o so ao
falar d e c o rd a s a um h o m em c u jo pai foi en fo rcado. O p rim e iro
re q u isito d o seu ê x ito e n q u a n to c o n v e rsa d o r e c o n h e c e r b e m os
p re se n te s.-
A o e n c o n tra r u m a m ig o q u e nào v ê h á j á a lg u m te m p o , não
d isp o n d o de info rm açõ es e sp e c ia is ou recen tes sobre a situ a çã o e
h istó ria d a s u a fam ília, d e v e rá e v ita r p e rg u n tas ou alu sõ es a fa
m iliares p recisos, a té c o n s e g u ir ouvir a lg u m a co isa a seu respeito.
U n s p o d e m te r m o rrid o , o u tr o s p o d e m te r d a d o m au s p a s s o s ,
o u tro s ain d a ter-se-ão a fa s ta d o ou sid o a tin g id o s por d e sa stre s da
fo rtu n a .5
I teclil, op. cii.. p. 81. citação <ic The Mau.J-Senwii's Modest Defense dc; Defoe.
A Apresentação do L-u na Vida de Todos o> Dins 251
“ O m eu p rim o C h a rle s C a lh e a rt ja n to u c o n n o sc o e m c a sa de
L a d y S t o r m o n t : h a v ia l a c a i o s - s u r d o s . p e lo q u e a s n o s s a s
c o n v e rs a s não fo ra m o b rig a d a s a re s e rv a s d e s a g ra d á v e is
m o tiv ad as p ela p resen ça d o s c ria d o s."6
su a s d e v a s ta ç õ e s , c o m o tal v e z d e v a m o s c o m p re e n d e r a fe liz in
sen sib ilid ad e d o s b u rlõ es p o r r e f e r e n d a à sua so lid aried ad e social no
in te rio r d aq u ilo a q ue c h am am a “ m arg em da lei” e às su as fó rm ulas
de d e p re c ia çã o eficaz d o m u n d o “ leg al". É possível que este asp ecto
das co isas nos torne pelo m en o s e m parte inteligível por que é que os
g ru p o s a lie n a d o s d a c o m u n id a d e , ou in su fic ie n te m e n te in te g rad o s
nela, são tão su scep tív eis dc sc e n tre g a r a n egócios sujos ou d e se
o c u p a r d c p restaçõ es dc se rv iç o q u e im p licam a b u rla c o m o p rá tic a
de rotina.
O sin d icato trata d isso u m d e ste s dias. A s rap arig as não e stã o
n u m s ítio te m p o b a s ta n te p a ra c h e g a re m a c o n h e c e r bem seja
q u e m for. A s s im , h á m e n o s p ro b a b ilid a d e s d e u m a m iú d a se
a p a ix o n a r p o r um tip o q u a lq u e r, está a ver, c a u san d o escân d alo .
S eja c o m o for. a rap arig a que e s tá cm C h ic a g o e sta sem an a estará
cm S t. L o u is para a sem a n a , o u será m u d ada de sítio m eia d ú z ia
de v ezes na m esm a c id a d e , a n te s d e se r d e sp a c h a d a p a ra o u tra
qualq u er. F. nunca sabem com m u ita a n te c e d en cia para onde vão
se r m an d ad as a seguir.9
^ Charles Hamilton. Men o f ¡he Unden-.'orfd. Macmillan, Nova Iorque, 1952. p. 222.
A Apresentação do Hu na Vida <ic Todos os Dias 255
1'* E ste aspecto c abordado num com o dc Mary M cC arthy. "A Friend o f the
Family", reed, cm Mary M cCarthy, Cast a Cold !■>;*•. H arcoun 13race. Nova Iorque,
1950.
15 ßeckc-r. *'liie Teacher in the Authority Sistem o f the Public School", op. d r..
p. 1.19.
A Apresentação do En na Vida de Todos os Dias 259
para um lugar onde se ria m ais p rovável a p resença de esp ectad o res
assíd u o s21. Q u an d o os in sp ecto res têm facilid ad e de a ce sso ao lu g ar
onde u m a e q u ip a realiza o seu trabalho, en tão o m o ntante d a d e sc o n
tracção possível para a eq u ip a dependerá da eficácia e fiab ilid ad e do
seu s is te m a d e p re v e n ç ã o . D ev e n o ta r-se q u e u m a d e s c o n tra c ç ã o
co m p le ta p ressu p õ e não só um sistem a d e prevenção, m as igualm ente
um lapso de tem p o apreciável entre o aviso e a cheg ad a d o visitante.
P o r is s o . q u a n d o u m a p r o f e s s o r a p r im á r ia sa i d a a u la p o r urn
m o m e n to , o s a lu n o s p o d e m p e r m itir - s e p o s tu r a s d e s le ix a d a s c
co n v ersas em voz b aix a, p o is essas infracções p odem scr em en d ad as
nos poucos seg u n d o s que m ed eiam entre o aviso que os p rev in e de
que a p ro fesso ra vai v o lta r e a su a efectiv a en trad a n a aula; m as é im
p ro v á v e l que. o s a lu n o s a p ro v e ite m p a ra fu m ar, pois o c h e iro do
tab aco não d esap arece de um m o m en to para o outro. F. interessante
n o ta r q u e os a lu n o s , c o m o o s o u tro s a c to re s , “e x p e rim e n ta m os
lim ite s '’, d e slo c a n d o -se a le g re m e n te p ara lo n g e d a s su a s c a rte ira s,
m as não p ara além da d istân cia q ue lhes perm ita, qu an d o o sinal de
alarm e se faz ouvir, p recip itarem -se d esen fread am en te em d irecção
aos seus lu g ares, ocu p an d o -o s a tem po. A natureza do terreno, neste
ca so . to m a -s e e v id e n te m e n te relev an te. N a ilha d a s S h e tla n d , por
exem p lo , nào h av ia árvores q ue tapassem a vista e as aglom erações
re s id e n c ia is e ra m p o u c o d e n sa s. O s v iz in h o s tin h a m o d ire ito de
en tra r n o esp a ç o uns dos o u tro s q u a n d o m oravam perto, m as geral
m ente v ia-se o v isita n te a c a m in h o u n s b o n s m in u to s a n te s de ele
re a lm e n te c h e g a r. O s o m n ip re s e n te s c ã e s de g u a rd a d as q u in ta s
c o n trib u ía m p a ra re fo rç a r e ste s s in a is v isív e is d c p re v e n ç ã o , p o r
a ssim d iz e r, la d ra n d o à a p ro x im a ç ã o d e q u a lq u e r v isita n te . U rna
desco n tracção folgada to m av a-se assim possível um a vez q u e havia
se m p re uns ta n to s m in u to s de tré g u a s, p e rm itin d o p ô r o p alco em
co n d içõ es. Sem dúvida, d ad a a ex isten cia deste sistem a de alarm e, o
bate r à p o rta d e ix a ra de d e se m p e n h a r as su as p rin cip ais fun çõ es h ab i
tuais, e o s ag ricu lto res v izinhos não praticav am en tre si essa cortesia,
em bo ra alguns d eles co stu m assem lim p ar um pouco os pés antes de
entrarem , num sinal de aviso suplem en tar e final. O s apartam entos de
Práticas de Protecção
“ Ensina-se rmrilas vezes às criadas que entrem sern bater, ou que batam c entrem
sem esperar, o que presumivelmente se liaseia na teoria dc que aí criadas são não-
-pessoas em relação ás quais não há que i-i:u;ter as aparências nem a disponibilidade
interactiva habituais. As donas dc casa vizinhas, no caso de serem amigas, entrarão do
mesmo modo na cozinha uir.a da outra, com o ar dc nada terem a esconder entre si.
2 - Esquire Etiquette. op. d i., p. 73.
270 Erving Goffman
d is c r e ta m e n te c rn te rm o s d e s in te r e s s a d o s , d e m o d o a u s e n te ou
alhead o , pelo q u e ap e sa r d e n ão h a v e r p aredes ou d istan cia esp acial
a iso la r a in teracção d o seu exterior, e sse iso lam en to fic a g a ran tid o
p e la o b se rv â n c ia d as co n v en çõ es. F assim q u e, qu an d o dois grupos
d ife re n te * d c p e s s o a s fic a m e m c o m p a rtim e n to s p ró x im o s n u m
restau ran te, se c o n fia em q u e n enhum dos g ru p o s sc sirv a d o en sejo
efectiv o , q u e a situ ação lhe p ro p o rcio n a, de o u v ir as co n v ersas entre
o s m em b ro s d o outro.
A e tiq u e ta relativ a à d esa te n ç ã o p o r d isc riç ão e o grau de p riv a
cid ad e efectiv a q u e e la g a ra n te v ariam , sem d ú v id a, d e um a so c ied a
d e o u subcult.ura p ara out.ra. N a a tm o sfe ra so cial da c la sse m édia
a m e ric a n a, q u a n d o o in d iv íd u o se en c o n tra n um local p ú b lico , p re-
su m e-se q u e n ão se im iscu irá nas aciiv id ad es d as o u tra s p esso as e
trate ap en as d o q u e lh e d iz respeito. S ó quan d o u m a sen h o ra deixa
c a ir u m em b ru lh o , ou quan d o um c o n d u to r está p arad o no m eio da
rua, ou q u a n d o um b eb é so zin h o na cad eirin h a c o m e ça a chorar, as
p e sso a s d a c la sse m é d ia a c h a m a d m issív e l q u e b ra r m o m e n ta n e a
m ente as p ared es q ue e fic a z m e n te as isolam . N a ilha das S h etlan d
vigo ram regras d iferen tes. Q u an d o um h o m em se vê na p re sen ç a de
o u tro s, o cu p ad o s em c e rta tarefa, esp era-sc q ue o p rim eiro lh es dê
u m a m ão, so b retu d o se a tarefa fo r relativ am ente b reve e re lativ a
m ente pesad a. E ste au x ílio o casio n al era o lhado com o u m a co isa n a
tu ral, u m a sim p le s e x p re ssã o de s o lid a rie d a d e e n tre h a b ita n te s d a
m esm a ilha.
A n e c e ssid a d e de o b se rv a r um c o m p o rta m e n to d o ta d o d e ta c to
n ã o te rm in a q u a n d o a a u d ie n c ia te m a c e s s o a um d e s e m p e n h o .
D e sc o b rim o s que ex iste um a e tiq u e ta c o m p le x a por rneio d a q u a l os
in div íd u o s se o rien tam na su a q u alid ad e de m em bros da au d iência.
O que im plica: a p restação de um m ontante ad eq u ad o de alen ção e
interesse; a boa v o n tad e suscep tív el dc re fre a r o d ese m p en h o pessoal
d e m a n e ira a n ã o in tro d u z ir na situ a ç ã o u m n ú m e ro e x c e s s iv o de
co n trad içõ es, in terru p çõ es o u p ed id o s de aten ção; a in ib ição d e to
d o s os actos ou p alavras q ue p o ssam d a r o rig em a passos em falso:
c, ac im a de tudo, o d e se jo de e v ita r cen as. O tacto da a u d ie n c ia é um
asp ecto tão g en eralizad o que e sp erarem o s v ê-lo ex e rcid o até m esm o
por in d iv íd u o s co m um a re p u ta ç ã o p a rtic u la r de co m p o rtam en to in-
A Apresentação do Hu na Vida dc Todos os Dias 271
Ver Taxei, op. ri:., p. I ! S. Quando duas equipas têm conhecimento tlc uni facto
em haraçoso, sabendo cada uma das equipas que a out™ tambem sabe. mas sem quo
nenhuma das duas reconheça abertamente o que s;:hc, estam os ante um exem plo
daquilo a c;uc R oben Du bin chamou "Jicçftss organizacionais". V er Dubin. op. cii.,
pp. 341 -45
A ApresenLação do liu na Vida de Todos os Dias 273
A s v e z e s fa ç o -m e “d e s e n te n d id a ” n o c a p ítu lo d o s e n c o n tro s,
m as isso cau sa m á im p ressão . O s sentim en tos co m p lic am -se. U m a
p arte de m im g o s ta d e “e n g a n a r” um rapaz q u e não d e sco n fia d c
nad a. M as e s s a s e n sa ç ã o de su p e rio rid a d e so b re ele m istu ra -se
co m sen tim en to s de cu lp a d e v id o s à m inha hip o crisia. N a altu ra
m arcad a para o “e n c o n tro ” , s in to certo d esdém p o r ele, ao vê-lo
“le v a d o " pela m in h a técn ica, o u , se gostar do rapaz, sinto por ele
u m a e sp é c ie d e c o n d e s c e n d ê n c ia m a te rn a l. O u tra s v e z e s, fic o
re sse n tid a co m ele! P o r q u e é q ue ele n ão h á -d e se r su p e rio r a
m im , co m o um h o m em te m o b rig a ç ã o de saber ser, para m e d e ix a r
scr eu m esm a? Q ue estou eu a fazer aqui com ele? C arid ad e?
E o q u e tem g raça é q u e o rapaz, ach o eu. nern sem p re 6 tão
ingénuo co m o p arece. Talvez p ressin ta a v erd ad e e fique pouco à-
-v o n ta d e . “ Q u e a titu d e d e v o e u to m ar? E sta rá e la a rir-se para
c o n sig o ou a fa la r a sério q u a n d o m e e lo g ia ? F ic o u re a lm e n te
im p ressio n ad a co m o que eu d is s e ou te rá fin g id o ap enas que não
p e rc e b e nada dc p o lític a ? ” F d e vez em q u an d o a ch o q u e sou eu
q u e m faz figura de p arv a; elo d e te c ta os m eu s e stra ta g e m as c des-
p reza-m c p o r m e d e sc o b rir c a p a z de agir assim .29
O Quadro
n h a d a c a o p o s iç ã o d e ix a d a u m ta n to n a s o m b ra . O c o n s e n s o
funcio n al re su lta n te lende a se r d esm en tid o p ela atitu d e para c o m a
a u d iê n c ia e x p re s s a p e lo s a c to re s na a u sê n c ia d o s e s p e c ta d o re s e
p ela co m u n ic a ç ão d e slo c a d a , o b jecto de uni c o n tro lo aten to , que tem
lu g a r e n tre o s a c to re s n a p r e s e n ç a d a a u d iê n c ia . O b s e rv a m o s a
em erg e n c ia de p a p é is d isc o rd a n te s; a lg u n s dos in d iv íd u o s q u e a p a
ren te m e n te são c o m p a n h e iro s de eq u ip a , o u e sp e c ta d o re s , ou e le
m ento s e stra n h o s, ad q u irem in fo rm açõ es sobre o d ese m p e n h o e as
relaçõ es corn a eq u ip a que n ão sào im ed iatam ente ev id en tes e que
c o m p lic a m o p ro b lem a q u e 6 lev ar a cab o u m a ex ib ição . P o r v ezes
o c o rre m ru p tu ra s d ev id as a g esto s in v o lu n tário s, passos em fa lso e
c en as, e e sta s ru p tu ra s d e sm e n te m ou c o n tra d iz e m a d e fin iç ã o da
s itu a ç ã o q u e se d e v e m a n te r. A m ito lo g ia d a e q u ip a o c u p a r-s e -á
d e ste s facto res dc ruptura. V em os que os acto res, a au d iê n c ia c os e s
tra n h o s, to d o s e le s u tiliz a m té c n ic a s d e s a lv a g u a rd a d a e x ib içã o ,
q u e r ten tan d o e v ita r ru p tu ra s p rováveis q u er co rrig in d o as p e rtu rb a
ç õ e s q u e n ã o foi p o s s ív e l e v ita r, o u p e rm itin d o q u e o s o u tro s o
façam . P ara g a ra n tir q ue estas técnicas serão u tilizad as, a e q u ip a te n
derá a se le c c io n a r m em b ro s q u e sejam leais, d isc ip lin a d o s e c ir
c u n sp ecto s. e a e sc o lh e r u m a au d iê n c ia cap az d e tacto.
E stes traço s e e le m e n to s incluem , em seg u id a, o q u a d ro q u e co n
sid ero s e r c aracterístico de b o a parte d a in teracção so cial, tal co m o a
c o n h e c e m o s e m s itu a ç õ e s “ n a tu r a is ” na n o s sa s o c ie d a d e a n g lo -
a m e ric a n a . E ste q u a d ro é form al e ab stracto no sen tid o e m q u e pode
s e r a p lic a d o a q u a lq u e r fo rm a s o c ia l; c o n tu d o , n à o 6 u m a m e ra
c la s s if ic a ç ã o e s tá tic a . O q u a d ro d c r e f e r ê n c ia v is a o s a s p e c to s
d in âm ico s criados p e la m o tiv ação de su sten tar um a d e fin içã o d a si
tuação p ro jectad a d ian te do o u tra s pessoas.
O Contexto da Análise
co m o p a rte dc um a o rd e m d e fa c to s distinta — a o rd em d a in te g ra
çã o in stitu c io n a l. T al v ez se ja b o m te n ta rm o s s itu a r a p e rsp e c tiv a
ad o p ta d a p o r esta in v e stig a ç ã o n o co n te x to de o u tras p e rsp e ctiv as
q u e p arecem ser as m ais h a b itu a lm e n te utilizad as, d e m o d o im p lícito
Olí e x p líc ito , na in v e s tig a ç ã o d a s o rg a n iz a ç õ e s s o c ia is e n q u a n to
sistem as fech ad o s. In d icarem o s, a título p ro v isorio, q u a tro p ersp ec
tiv as d e sse tipo.
U m a o rg an ização p o d e se r o b se rv a d a “tecn icam en te” , em term os
d a su a e fic á c ia e in e fic á c ia e n q u a n to sistem a in ten c io n alm en te o r
g a n iz a d o dc a c tiv id a d e s e m v is ta d a re a liz a ç ã o d e o b je c tiv o s d e
an tem ão d efin id o s. U m a o rg a n iz a ç ã o pode se r c o n sid e ra d a "p o liti
ca m e n te ” . nos term o s d as a cçõ es q u e cada p articipante (ou classe de
p artic ip a n te s) p ode e x ig ir de o u tro s p articip antes, do s tipos de pri
v açõ e s e c o n cessõ es c o n ferid as e m função de tais e x ig ê n cia s, e dos
tip o s d e co n tro lo social q u e g o v e rn a m este ex ercício de co m an d o e
este u s o de sanções. U rna o rg a n iz a ç ã o pode ser o lh a d a “e stru tu ra l
m en te” . nos term o s d a s d iv isõ e s d e estatu to h o rizo n tais e v erticais e
d o s tip o s de relaçõ es so ciais q u e p õ e m os d iv ersos gru p o s em c o n
tacto u n s c o m os o u tro s. P o r fim , um a o rg an ização p o d e s e r v ista
“ c u ltu ra lm e n te ” , nos term o s d o s v alores m oráis q u e in flu e n c ia m a
sua a c tiv id ad e — re fe rindo-sc os v alores a m odas, ao s co stu m e s e a
q u estõ e s de gosto, à co rtesia e ao decoro, aos fins últim o s e às restri
çõ es n o rm ativ as d o s m eios e m p re g u e s, etc. D ev em o s n o ta r que to
dos o s factos qtic p o ssa m se r d e sc o b e rto s acerca de u m a o rg an ização
são relev an tes para cad a u m a d a s q uatro perspectivas traçad as, e n
q u an to cad a urna d elas atrib u i u m a prioridade e u m a ordem próprias
a cad a um d o s facto s em qu estão .
S e g u n d o creio, a a b o rd a g e m d ra m a tú rg ic a co n stitu irá u m a q u in ta
p ersp e c tiv a , q u e sc so m a às p e rsp e c tiv a s técnica, política, estrutural
c c u ltu ra l1. A p e rsp e c tiv a d ra m a tú rg ic a. com o cada um a das outras
q u a tro , p ode ser u tiliz a d a co m o p o n to term inal d a an álise, ou seja,
c o m o um a m o d alid ad e final de o rd e n a ç ã o dos factos. O que n o s le-
• C om pare-se este ponto de vista com u posição assum ida por O sw ald Hali cm
r d ação às perspectivas possíveis c investigação dc sistemas fcchados cm "M ethods
and Techniques o f Research in Human R elations" (Abril. 1952). in E. C. Hughes t:i
o'... Cases on Field Work (no prelo).
282 Hrving Goffman
v a rá a d e s c re v e rm o s a s té c n ic a s de a d m in istra ç ã o d a s im p re ssõ e s
u tiliz a d a s num a o rg an ização d ad a, os prin cip ais pro b lem as d e ad m i
nistração d as im p ressõ es n a o rg an ização , e a id en tid ad e e as inter-
-relaçõ es das d iv e rsa s equipas de d e sem p en h o q u e actu a m n a o rg a
nização . M as, tal co m o aco n tece co m os factos u tilizados por cada
um a d a s re sta n te s p e rsp e c tiv a s, os fa c to s q ue se re fe re m e s p e c ifi
c a m e n te à a d m in istra ç ã o d as im p ressõ es tam b ém têm o seu papel
n o s a s p e c t o s d e q u e se o c u p a m t o d a s a s o u tr a s p e r s p e c t i v a s
co n sid erad as. T alv ez s e ja útil q ue o ilustrem os resu m id am en te.
A s p e r s p e c tiv a s té c n ic a s e d ra m a ltírg ic a s c ru z a m -s e d e m o d o
ta lv e z esp e c ia lm e n te claro , no que se refere ao s critério s d e trab alh o .
P a ra am b a s as p ersp ectiv as, 6 im p o rtan te o facto de um co n ju n to de
in d ivíd u o s se p reo cu p ar com a verificação d as cara cterística s c q u a
lid a d e s n ão im e d ia ta m e n te m a n ife s ta s d o tra b a lh o p ro d u z id o p o r
outro c o n ju n to d e in d iv íd u o s, ao passo que e s te se g u n d o c o n ju n to
te n ta d a r a im p re ssã o de q u e o seu p ró p rio tra b a lh o in te g ra esses
atrib u to s o cu lto s. As p ersp ectiv as p o líticas e d ra m atú rg icas cru zam -
-se n itid a m e n te no q u e se re fe re às c a p a c id a d e s d e um in d iv íd u o
p a ra d irig ir a activ id ad e de o u tro . E m p rim eiro lugar, qu an d o um in
d iv íd u o q u er d irig ir a a c tiv id a d e d e outros, m u itas vezes a ch a rá útil
m an ter e sco n d id o s deíes c e rto s seg red o s estratég icos. A lém d isso , se
te n ta r d ir ig ir e s s a a c tiv id a d e d e o u tro s a tra v é s d o e x e m p lo , d o
esclarecim en to , d a p ersuasão, d a co m u n icação , d a m an ip u lação , d a
au to rid ad e, da am eaça, d o castig o ou da co erção , lerá n ecessid ad e,
in d e p en d en tem em te da su a posição, de lhes tra n sm itir co m eficácia
o q u e p re te n d e q u e se ja fe ito , o q u e e s tá d is p o s to a fa z e r p a ra
c o n s e g u ir q u e is s o s e ja f e ito e o q u e fa rá se isso n ã o fo r fe ito .
Q u a lq u e r tip o d e p o d e r d e v e rá re v e s tir-s e d o s m e io s q u e o m a
n ifestem , e os seus e fe ito s serão d iferen tes seg u n d o as re sp ec tiv as
dram atizaçõ es. (S em dúv id a, a c a p acid ad e de tra n sm issã o efica z de
um a d e fin iç ã o d a situ a ç ã o será de p o u c a u tilid a d e sc o ind iv íd u o não
e stiv e r e m co n d içõ es de fo rn e c e r um ex em p lo , urna retrib u ição , um
castig o , etc.) A ssim , a fo rm a m ais o b jectiv a d o p o d er nu, ou seja, a
co a cç ão física, n ão é m u itas vezes nem o b je c tiv a nem nua, fu n c io
n a n d o a n te s c o m o u m a r e p r e s e n ta ç ã o d e s tin a d a a p e r s u a d ir a
a u d ien cia; é m uitas vezes, p o r isso, m ais um m eio de co m u n ic ação
A Apresentação do Eu na Vida dc Todos os Dias 283
in te ra c ç ã o , p arece, a p e s a r d isso , n ão h av er in te ra c ç ã o na q u al os
p artic ip a n te s n ão ten h am u m a p o ssib ilid a d e razo áv el de fica r le v e
m e n te e m b a ra ç ad o s ou um a lev e possib ilid ad e de serem p ro fu n d a
m e n te h u m ilh a d o s. A v id a p o d e n ão sc r bem um jo g o , m as é -o a
in te ra c ç ão . A lém disso, n a m e d id a e m que o s in d iv id u o s se esforçam
p o r e v ita r ru p tu ras ou p o r c o rrig ir as q ue não foram e v itad as, esses
esfo rço s terão , lam bem eles, c o n se q u ê n c ia s sim u ltân eas a três níveis.
A q u i, p o r co n seg u in te, ternos um só m eio de articu lação dc três ní
veis d e a b stracção e três p e rsp e c tiv a s n p artir d as quais pode sc r e s
tu d a d a a vida social.
Comparações e Investigação
T a lv e z rne se ja c o n s e n tid a , a te rm in a r, um a n o la m o ra l. N e s te
trabalh o , o a sp e c to e x p re ssiv o da vida social foi a b o rd ad o en q u an to
orig em d e im p ressõ es d a d a s ou receb id as p elos o u tro s. H m c o n tra
p a rtid a . as im p re ssõ e s fo ra m tra ta d a s c o m o fo n te s de in fo rm a ç ã o
ac e rc a d e factos in ap aren tes e com o m eios a trav és dos q u ais o s d e s
tin atário s p o d em o rie n ta r a su a resp o sta perante q u e m o s in fo rm a,
sem terem que esp e ra r pelo fech o global d as a cçõ es do em issor. A
expressão , p o r co n seg u in te, foi ajbordada nos term o s do papel com u-
n icacio n al q u e d e se m p e n h a d u ran te a in te ra c ç ão so c ia l e n ão . p o r
A Apresentação do Hu na Vida de Todos os Dias 291
® Uma abordagem recente deslc tipo pode encontrar-se e n Talcoii Parsons. Roben
F. Haies e Edward A. Shils. W orking P apers in ihr. Theory o f A ction. The bree
Press. G lencou, 111 1953. Cap. II. "T2ie T heory Df S ym bolism in R elation to
A ction"
292 Erviiig Goffman
A Encenação e o Eu
dos» a c o n te c im e n to s lo c a is q u e o s to rn a in te rp re tá v e is p o r a q u e le s
q u e o s te s te m u n h a m . U m a c e n a c o r r e c ta m e n te e n c e n a d a e d e
se m p e n h a d a le v a a a u d ie n c ia a im p u ta r um eu a um a p erso n a g e m
d esem p en h ad a, m as essa im p u ta ç ã o — esse eu — é um produto da
c e n a a p r e s e n ta d a c n ã o a s u a ca u sa . 0 e u . p o r ta n to , e n q u a n to
perso n ag em d esem p en h ad a, n ã o é um a c o isa o rgânica, com u m a lo
calização d eterm in ad a, c u jo d estin o fu n d am en tal se resu m e cm ler
nascid o , a m ad u recer e m o rre r: é um efeito de o rd em d ram atú rg ic a
q u e r e s u lta d ifu s a m e n te d e u m a c e n a re p re s e n ta d a , e a q u e s tã o
d ec isiv a q ue se põe a seu resp eito , o seu p ro b lem a essen cial é o de
se r ou n ão ser acred itad o .
A o a n a lisa r o eu, a fa sta m o -n o s assim do seu titular, d a p esso a que
co m ele p e rd e ou gan h a, u m a vez que esta e o seu co rp o se lim ita m a
f o r n e c e r o c a b id e n o q u a l f i c a r á p e n d u r a d o p o r a lg u m te m p o
q u a lq u e r c o isa q ue re su lta de u m a p ro d u ção com um . O s m eios que
p ro d u z e m e m an têm os c u s não resid em no in terio r do cab id e; são
m eios q u e, de facto, se e n c o n tra m m u itas vezes g u ardados no in te
rio r d as o rg a n iz a ç õ e s ¿ o c iá is. E x istirá a ssim u m a região d c b a s ti
dores c o n te n d o os u ten sílio s que d ão fo rm a ao corpo, e urna reg ião
de fach ad a d isp o n d o de certo s apoios fixos. E x istirá um a e q u ip a de
p esso as c u ja activ id ad e e n c e n a d a , a rtic u la n d o -se nos su p o rte s d is
p o n ív e is, c o n stitu irá a c e n a a p artir d a q u al em erg irá o eu d a p e r
so n ag em d esem p en h ad a, e u m a o u tra eq u ip a, a au d iência, cu ja a c
tivid ad e d e in terp retação se re v e la n e cessária a e ssa em erg en cia. O
eu 6 um p ro d u to de to d as estas c o m b in a ç õ e s, e todas as su as partes
ex ib irã o as m arcas d essa origem .
O conjunto do m ecanism o da produção do eu é. sem dúvida, lento, e
por vezes falha, revelando os elem entos separados que o integram : co n
trolo dos bastidores; co n iv ên cia de equipa; tacto d a audiência; e assim
por diante. M as, quando bem lubrificado, perm ite que as im pressões
fluam a p artir d e si c o m a v elo cid ad e b a sta n te para nos c o lo c a r no
cam p o de um dos nossos tipos de realidade — o desem penho irá por
d ia n te e o eu e stá v e l c o n c e d id o a c a d a u m a d a s p e rso n a g e n s d e
sem penhadas parecerá e m a n a r de m odo intrínseco do seu actor.
P a s s e m o s a g o ra d o in d iv íd u o e n q u a n to p e rso n a g e m d e s e m p e
n h ad a ao in divíduo e n q u a n to actor. E ste tem a cap acid ad e d e apren-
296 lirving Goffman
9 Prefácio
11 Introdução
29 Desempenhos
97 Equipas
279 Conclusão
L iv ro s sa íd o s n e sta colecção
E rv in g G o ffm a n f l 9 2 2 -1 9 8 2 ) n a s
c eu no C a n a d á , fo rm an d o -se em so
c io lo g ia na U n iv ersid ad e de Toronto.
E sta b e le c eu -se d ep o is n o s E stados
U n id o s, e n s in a n d o na U n iv e rs id a d e
d e C h ic a g o e i n v e s tig a n d o p a r a o
N atio n a l Institut o f M ental H ealth.
D urante um ano viveu na m ais p e
q u e n a d as Ilhas S h etlan d , c u ja c o m u
n id ad e e stu d o u .
«A A p resen tação d o Eu n a V ida de
T o d o s os D ias» 6 um já c lá ssic o estu
d o d a « e n c e n a ç ã o d a v id a q u o tid ia
n a» , co n trib u in d o p ara a co m p reen são
de nós p ró p rio s ao a n a lis a r o
c o m p o rta m e n to h u m an o em situ ações
s o c ia is c o m re c u rs o a m e tá fo ra s do
m eio teatral.
ISBN-972-708-205-X