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Lín
gua e Literatura, n. 2 2 , p . 8 9 -1 0 5 , 1 9 9 6 .
Ire n e A . M a c h a d o * *
O T E X T O E SEU ESPA Ç O D IA LÓ G IC O
N ã o fo i p a ra c ria r d e s a ju s te s e p o lê m ic a s c o m a c iê n c ia da lin g u a
g e m d e se u te m p o q u e M ik h a il B a k h tin fo rm u lo u te o ria s c o m v ista s à c o n s
titu iç ã o d o q u e c o n h e c e m o s , h o je , p o r ciência do discurso. O im p e ra tiv o
m a io r, se m d ú v id a , foi a n e c e s s id a d e d e v a lo riz a r as fo rm a ç õ e s só c io -d is-
c u rsiv a s c o m o elo s d a c a d e ia c u ltu ra l, re sp o n sá v e is p e lo m o v im e n to d as
sig n ific a ç õ e s n o p ro c e s s o c o m u n ic a tiv o . P ara o m u n d o dos sig n o s c ria d o s
p e lo h o m e m , fo n te d o s m a is v a ria d o s te x to s d a c u ltu ra , se d irig iu o o lh a r
d e s s e in q u ie to te ó ric o . T a lv e z se u g ra n d e tru n fo te n h a sid o a d e sc o b e rta de
a lg u m a s fra g ilid a d e s d a in v e s tig a ç ã o lin g ü ístic a , ca re n te , até o m o m e n to de
su a s in v e s tig a ç õ e s , d e in s tru m e n to s c a p a z e s d e d a r c o n ta das m a n ife s ta
ç õ e s d o m u n d o v e rb a l e m su a re a lid a d e te x tu a l cro n o tó p ic a . A o v o lta r-se
p a ra o s m a is d iv e rs o s a s p e c to s d a en u n cia çã o , B a k h tin n ão só d e fin iu se u
O P R O C E SSO C O M BIN A TÓ R IO NO T E X T O -T E C ID O
D e n tre os m u ito s a s p e c to s d e su a a b o rd a g e m , d e s ta c a m o s a q u e le
q u e p ro p õ e o e n te n d im e n to d a c o m p o siç ã o te x tu a l, n ã o e m su a s fo rm a s
e s p e c ífic a s o u e stá v e is d a lin g u a g e m , m a s n o s p ro c e s so s d e co m b in a çã o
de u m a d iv e rsid a d e de fo rm a s, v e rb a is e n ã o -v e rb a is. O rie n ta n d o -s e p e la
m e ta lin g ü ístic a , B a k h tin to m a o e n u n c ia d o - p a rte c o n s titu in te d o p ro c e s s o
e n u n c ia tiv o o u d a e n u n c ia ç ã o —c o m o a u n id a d e e le m e n ta r d e o rg a n iz a ç ã o
d as fo rm a s lin g ü ístic a s p ro d u to ra s d o d is c u rs o -lín g u a e m c irc u n s tâ n c ia s
e s p e c ífic a s d a in te ra ç ã o v e rb o -so c ia l, v a le d izer, c ro n o tó p ic a s , v is to q u e as
M A C H A D O , Ire n e A .. T e x to c o m o e n u n c ia ç ã o . A a b o rd a g e m d e M ik h a il B a k h tin . Lín- 9 1
gua e L iteratura, n. 2 2 , p . 8 9 -1 0 5 , 1 9 9 6 .
te x to p re s s u p õ e u m a lín g u a , u m p ro c e s s o d e in te ra ç ã o p e la lin g u a g e m , q u e
in tro d u z o te x to n a e s fe ra d o sig n o , im p e d in d o -o de se r c o n fu n d id o c o m
fe n ô m e n o n a tu ra l. S e, c o m o d iz B a k h tin , p o r trás de to d o te x to está u m a
lín g u a , o e s tu d o d o te x to fa v o re c e d ire ta m e n te a v a lo riz a ç ã o d a lín g u a h is
tó ric a , re g is tra d a n a h is tó ria d e se u s te x to s. E is a in e stim á v e l c o n trib u iç ã o
d e B a k h tin p a ra a te o ria d o te x to , q u e d ia lo g a d ire ta m e n te c o m o tra b a lh o do
p o e ta c o m p ro m e tid o c o m a ta re fa d e v e n c e r a lín g u a , re c ria n d o -a e n q u a n to
o b je to e s té tic o e m te x to c ria tiv o .
T E X T O S TEX TO S TEXTOS
m a ld ita s p la c a s fe n íc ia s
c o b e rta s d e risc o s ra b isc o s
c o m o m e d e ix a ste s os o lh o s p isc o s
a m e n te to rta de m a líc ia s
c isc o s
P a u lo L e m in sk i 4
d a lín g u a , m a s n o s e n u n c ia d o s c o n c r e to s e la b o r a d o s n o p r o c e s s o d a
in te ra ç ã o s ó c io -h is tó ric a ; ao v in c u la r o s g ê n e ro s d is c u rs iv o s , n ã o às e s
tru tu ra s lin g ü ís tic a s , m a s a o s e n u n c ia d o s , e s fe ra d e u s o d a lín g u a , te r r itó
rio d o s a to s h u m a n o s fu n d a d o re s d a s re la ç õ e s in te ra tiv a s a g e n c ia d o ra s
d e o u tra s re la ç õ e s c o m b in a tó ria s , q u e se m a n ife s ta m e m fo rm a d e te x to .
S e ria m u ito in g ê n u o a c re d ita r q u e os te x to s se lim ita m às p a la v ra s . C o m o
n o s a d v e rte s a b ia m e n te P ú c h k in :
“Todas as p a la v r a s estã o no léxico,
m as os livros qu e su rg em a cada m o m en to não sã o re p etiç ã o do lé x i
co ”5 D is s o e n te n d e o p o e ta , o a rtis ta p ro s a d o r, o e s te ta d a p a la v r a q u e
o p e ra m n a fro n te ira e n tre o lin g ü ís tic o e o e s té tic o . P o r iss o , B a k h tin
re c o n h e c e q u e “ a língua, em su a d eterm in a ç ã o lin g ü ística , n ã o in g re s
sa no in te r io r d o o b je to e sté tic o , p e r m a n e c e à su a m a rg e m , p o is o
p ró p rio o b je to e sté tic o c o n stitu i-se a p a rtir de um c o n te ú d o
a rtistic a m e n te fo rm a liz a d o (ou de um a fo rm a a rtístic a p le n a
d e co n te ú d o ). O e n o rm e tra b a lh o do a rtista com a p a la v r a tem p o r
o b jetivo f i n a l a su a su p eração, p o is o o b jeto estético c re sc e n a s f r o n
teira s das p a la v ra s, nas fr o n te ir a s da lín g u a en q u a n to tal; (...) o a rtista
lib e rta -se da lín g u a na su a d eterm in a ç ã o lin g ü ístic a n ã o ao n eg á -la ,
m a s g r a ç a s a o s e u a p e r f e i ç o a m e n t o i m a n e n t e : o a r tis ta co m o
q u e ven ce a língua g ra ç a s ao p ró p rio in stru m en to lin g ü ístic o e, aper-
fe iç o a n d o -a lin g ü isticam ente, o b rig a -se a su p e ra r a s i p ró p ria . (...) A
estética da obra literária não d eve p a s s a r p o r cim a da lín g u a lin g ü ísti
ca, m as fa z e r uso de todo o tra b a lh o da lin g ü ístic a p a r a c o m p re e n d e r
a t é c n i c a da cria çã o p o é tic a a p a rtir de um a co m p re e n sã o co rreta do
lu g a r do m a te ria l na o b ra d e arte, p o r um lado, e d a e s p e c ific id a d e
do o b je to esté tic o p o r o u tro ”6 O s g ê n e ro s lite r á r io s e d is c u r s iv o s n ã o
e s tã o fo ra d e s s e p r o c e s s o , p e lo c o n trá rio , e n te n d e m o s q u e s ã o e le s os
n ú c le o s f u n d a m e n ta is d a a n á lis e e s té tic a e, s o b r e tu d o , d o c a r á te r s íg n ic o
d o te x to .
T E X T U A L ID A D E E G Ê N E R O S D IS C U R S IV O S
q u e c o n s titu e m se u s e n u n c ia d o s . O e n u n c ia d o é a u n id a d e re su lta n te d as
c o m b in a ç õ e s d o s g ê n e ro s d is c u rs iv o s - fo rm a s e s p e c ífic a s d e u so s d as
v a rie d a d e s v irtu a is d e u m a lín g u a . A ssim , a n o ç ã o de te x tu a lid a d e q u e v e
m o s e s b o ç a d a n a te o r ia b a k h tin ia n a d o e n u n c ia d o - e n u n c ia ç ã o n ã o se
d e s v in c u la d a n o ç ã o d e g ê n e ro s d isc u rs iv o s , p e lo c o n trá rio , se os e n u n c ia
d o s sã o o e lo n a c a d e ia d a c o m u n ic a ç ã o v e rb a l, os g ê n e ro s c e rta m e n te são
as c o rre ia s q u e m o b iliz a m o flu x o d as re la ç õ e s d ia ló g ic a s. A ssim se m a n i
fe s ta B a k h tin : “ o texto com o e n u n c ia ç ã o . O p ro b le m a das fu n ç õ e s do
texto e d o s g ê n e ro s textuais. D o is a sp ecto s definem o texto com o um a
e n u n c ia ç ã o : s e u p r o je to (a in te n çã o ) e a re a liza ç ã o d esse p ro je to . A
in ter-rela çã o d in â m ica d esses aspectos, a luta entre eles, ê que d eterm i
na a n a tu reza do te x to ”1 A ó tic a d a a b o rd a g e m b a k h tin ia n a traz u m a sé rie
d e im p lic a ç õ e s n ã o s o m e n te te ó ric a s , m a s d e c isiv a s p a ra o p ro c e s so de
a n á lis e d a p ro d u ç ã o te x tu a l.
O s e n u n c ia d o s se d e fin e m p e lo s g ê n e ro s d is c u rs iv o s em u s o n a
lín g u a n a s m a is v a r ia d a s e s fe ra s d a c o m u n ic a ç ã o so c ia l, q u e B a k h tin d is
tin g u e e m d o is c o n ju n to s : o s g ê n e ro s p rim á rio s e g ê n e ro s se c u n d á rio s . O s
g ê n e ro s p r im á r io s c o r r e s p o n d e m a u m e s p e c tro d iv e rs ific a d o da a tiv id a d e
lin g ü ís tic a h u m a n a r e la c io n a d a c o m os d is c u rs o s da o ra lid a d e em se u s
m a is v a r ia d o s n ív e is (d o d iá lo g o c o tid ia n o ao d is c u rs o f ilo s ó f ic o o u
s o c io p o lític o ) . O s g ê n e ro s s e c u n d á rio s (d a lite ra tu ra , d a c iê n c ia , da filo s o
fia, d a p o lític a ) , e m b o ra e la b o ra d o s p e la c o m u n ic a ç ã o c u ltu ra l m a is c o m
p le x a , p r in c ip a lm e n te e s c rita , c o rre s p o n d e m a u m a in te rfa c e d o s g ê n e ro s
p r im á r io s , c o m o e x a m in a B a k h tin e m su a te o ria d a e n u n c ia ç ã o : “ d u ra n te
o p r o c e s s o d e su a fo r m a ç ã o , os g ê n e ro s se c u n d á rio s a b so rvem e a s
sim ila m o s g ê n e ro s p r im á r io s (sim ples) q u e se constitu íra m na co m u
n ic a ç ã o d isc u rsiv a im ed ia ta . O s g ê n e ro s p rim á rio s, ao in teg ra rem os
g ê n e r o s se c u n d á r io s , tra n s fo rm a m -se e a d q u irem um a c a ra c te rístic a
p a r tic u la r : p e r d e m su a re la çã o im ed ia ta com a rea lid a d e dos e n u n c i
a d o s a lh e io s ”*. O p r o c e s s o d e e x p a n s ã o d a lín g u a em su a d im e n s ã o o ral
e e s c r ita r e s u lta d e s s e m o v im e n to d e in c o rp o ra ç ã o de g ê n e ro s q u e d e f i
n e m o e n r e d a m e n to d ia ló g ic o d o e n u n c ia d o , to m a n d o -o u m a u n id a d e n ã o
p o r s e r ú n ic o , m a s p o r s e r “ z/m elo na ca d eia com plexa de o utros en u n
c ia d o s ”9, o u , c o m o d iz o p o e ta :
vozes a mais
vozes a menos
a máquina em nós que gera provérbios
é a mesma que faz poemas,
somas com vida própria
que podem mais que podemos
E m n e n h u m m o m e n to de su a in v e stig a ç ã o , B a k h tin se p a ra o s g ê n e
ro s p rim á rio s d o s g ê n e ro s se c u n d á rio s q u a n d o se tra ta d e e m p re e n d e r a
a n á lise esté tic a . P ro v é rb io s, p o e m a s, as p e q u e n a s e as g ra n d e s fo rm a ç õ e s
g e n é ric a s d e s e m p e n h a m u m a fu n ção p re c isa n a a n á lis e c ro n o tó p ic a d o d is
cu rso : c ria ç ã o d o s se n tid o s. V ejam o s c o m o s itu a r e sse s a s p e c to s te ó ric o s
n a a n á lise d isc u rsiv a d as o b ras lite rá ria s, c o n s id e ra n d o , fu n d a m e n ta lm e n te ,
as c o m b in a tó ria s d o s g ê n e ro s lite rá rio s e d isc u rsiv o s.
G Ê N E R O S E R ED ES D ISCURSIVAS
M e a le m b ro , v in h a a n d a n d o e a g o ra e ra q u e eu p e g a v a
a p e n s a r liv re e so lto R o s a ’u a rd a , lin d a s p e rn a s as lin d a s g ro s
sas, ela n o v e stid o de n a n z u q u e , n u n c a h a v ia de se r p a ra m e u
reg alo . D u m m o d o sen ti, co m o m e re c o rd e i, d e p o is, te m p o s,
q u a n d o foi arte se c a n ta r u m a c a n tig a :
Isso , m a s to ta lm e n te ; às v e z es.
A o q u e , d ig o ao sen h o r, p e rg u n to : e m su a v id a é a ssim ?
N a m in h a , a g o ra é q u e v e jo , as c o isa s im p o rta n te s, to d a s, em
c a s o c u rto d e a c a s o foi q u e se c o n s e g u ira m - p e lo p u lo fin o de
se m v e r se d a r - a so rte m o m e n te ira , p o r c a b e lo p o r u m fio,
u m c lim d e c lim a d e c a v a lo . A h , e se n ã o fo sse, ca d a a c aso ,
n ã o tiv e s s e sid o , q u a l é e n tã o q u e te ria sid o o m e u d e stin o
s e g u in te ? C o is a v ã , q u e n ã o c o n fo rm a re sp o sta s. À s v e z e s
e s s a id é ia m e p õ e su sto . M a s, o s e n h o r v eja: c h e g u e i em c a sa
d o M e s tre L u c a s, ele m e sa u d o u , tão n a tu ra l. A c h e i ta m b é m
tu d o o n a tu ra l, eu e s ta v a e ra c a n sa d o . E , q u a n d o M e stre L u c a s
m e p e rg u n to u se eu v in h a era de p a sse a ta , o u de re c a d o da
fa z e n d a , e x p liq u e i q u e n ão : q u e eu tin h a m e re c id o lic e n ç a de
m e u p a d rin h o , p a ra c o m e ç a r v id a p ró p ria em C u rra lin h o ou
a d ia n te , a fito d e d e s e n v o lv e r m a is estu d o s e a p u ra m e n to só
d e c id a d e . D iz e n d o o q u e d isse , eu m e sm o ju ra v a q u e M e stre
L u c a s n ã o ia a c re d ita r. M a s a c re d ito u , até m elh o r. S ab e o s e
n h o r p o r q u ê ? P o rq u e , n a q u e le d ia, ju s to , ele e sta v a re m e x id o
n o m e io d e u m a ssu n to , q u e p re p a ra v a o d e se jo d ele p a ra aí
m e a c re d ita r. D ig o : ele m e o u v iu , e d isse:
- “ R io b a ld o , p o is v o c ê c h e g a e m feita o c a s iã o !” 12
O re la to e n u n c ia d o p e la v o z d o ja g u n ç o é u m te x to c o n stitu íd o p o r
u m a p lu ra lid a d e d is c u rs iv a d e d isc u rs o s a rm a z e n a d o s n a m e m ó ria : v e rso s
te c id o s p o r o u tra s v o z e s , c a so s, tro c a d ilh o s, m á x im a s - tu d o b e m ao g o sto
d o d is c u rs o c o tid ia n o . N a c o n v e rs a , e sse s g ê n e ro s se m is tu ra m n o m o n ó lo
g o d ia ló g ic o : a p e rg u n ta e n c a m in h a a re sp o sta e am a rra os c a so s - caso
cu rto d e aca so . D a í q u e o to m p re d o m in a n te d o fra g m e n to se ja o caso :
e n u n c ia d o p e la fa la d e u m , re to m a e re e la b o ra fala de o u tro s - q u e p o d e m
se r a té in v e n ta d a s . U m m o n ó lo g o p o te n c ia lm e n te d ia lo g iz a d o p o r re d e s d is
c u rs iv a s .
O TATO E A P L U R A L ID A D E D A S F O R M A S P R O S A IC A S
c a c h a ç a - u m a u tê n tic o q u a d ro d a m o r te a le g r e q u e B a k h tin e x a m in a e m
se u e stu d o so b re o g ro te sc o . A ssim Q u in c a s é tra n s p o rta d o p e lo s a m ig o s à
v ia g e m post-m ortem q u e lh e re se rv a m as á g u a s d o m ar.
S e n ta ra m -s e n o s d e g ra u s d a Ig re ja d o L a rg o , e n q u a n to
e sp e ra v a m . H a v ia u m a g a rra fa p o r ac a b a r. Q u in c a s d e ito u -s e ,
o lh a v a o céu , so rria so b o luar.
C u rió v o lto u a c o m p a n h a d o p o r u m g ru p o ru id o s o , a d a r
v iv a s e h u rra s. R e c o n h e c ia -s e fa c ilm e n te , à fre n te d o g ru p o , a
fig u ra m a je sto sa d e Q u ité ria d o O lh o A rre g a la d o , to d a d e n e
g ro , m a n tilh a n a c a b e ç a , in c o n s o lá v e l v iú v a , s u s te n ta d a p o r
d u as m u lh e re s.
- C a d ê ele ? C a d ê ele ? - g rita v a , e x a lta d a .
C u rió a p re sso u -se , tre p o u n o s d e g ra u s d a e s c a d a ria , p a
re c ia u m o ra d o r d e c o m íc io c o m se u fra q u e ru ç a d o , e x p lic a n
do:
- T in h a o c o rrid o a n o tíc ia d e q u e B e rro D á g u a b a te u as
b o ta s, ta v a tu d o d e lu to - Q u in c a s e o s a m ig o s rira m . - E le tá
aq u i, m in h a g en te, é d ia do a n iv e rsá rio d e le , ta m o s fe ste ja n d o ,
v ai te r p e ix a d a no sa v e iro d e M e stre M a n u e l.
Q u ité ria do O lh o A rre g a la d o lib e rto u -s e d o s b ra ç o s s o
lid á rio s d e D o ra lic e e d a g o rd a M a rg ô , te n ta v a p re c ip ita r-s e
e m d ire ç ã o a Q u in c a s, a g o ra se n ta d o ju n to ao N e g ro P a s tin h a
n u m d e g ra u d a Ig re ja . M a s, d e v id o , se m d ú v id a , à e m o ç ã o
d a q u e le m o m e n to su p re m o , Q u ité ria d e s e q u ilib ro u -s e e c a iu
d e b u n d a n as p e d ra s. L o g o a le v a n ta ra m e a ju d a ra m -n a a a p ro -
x im ar-se:
- B a n d id o ! C a c h o rro ! D e sg ra ç a d o ! Q u e é q u e tu fez
p ra e s p a lh a r q u e ta v a m o rto , d a n d o su sto n a g e n te ?
S e n ta v a -se ao la d o d e Q u in c a s s o rrid e n te , to m a v a -lh e a
m ã o , c o lo c a n d o -a so b re o se io p u ja n te p a ra q u e e le se n tis s e o
p a lp ita r do se u c o ra ç ã o a flito 20.
E sse é u m m o m e n to so le n e: a c e le b ra ç ã o d a m o rte d á lu g a r à c e le
b ra ç ã o d a v id a : um m o m en to s u p r e m o . O c h o ro c e d e lu g a r a o s g rito s
fe s tiv o s ; o s la m e n to s , às in jú ria s e à s fo rm a s g r o s s e ir a s d e a f e to . A s
21 A. Risério, 1993.
104 M A C H A D O , Ire n e A .. T e x to c o m o e n u n c ia ç ã o . A a b o rd a g e m d e M ik h a il B a k h tin . Lín
gua e L iteratura, n. 2 2 , p. 8 9 -1 0 5 , 1996.
ta e é p o r m e io d a fo rm a q u e e x p re ssa se u am o r, su a c e rte z a , su a a d e sã o .
T ra ta -se d e u m uo p ro cesso de realização do o b jeto estético é um p r o
cesso de tra n sfo rm a çã o sistem á tica de um co n ju n to v e rb a l, c o m p re e n
d id o lin g ü ístic a e c o m p o sic io n a lm e n te , no to d o a r q u ite tô n ic o d e um
e v e n to e s te tic a m e n te a c a b a d o ”22
G ra ç a s à c a p a c id a d e tra n s fo rm a d o ra /c ria d o ra , o s g ê n e ro s p r o m o
v e m d e s c o b e rta s sig n ific a tiv a s so b re os h o m e n s e su a s a ç õ e s n o te m p o e
n o e s p a ç o d as c iv iliz a ç õ e s.O s g ê n e ro s, a ssim e n te n d id o s, to m a m -s e u n id a
d es e sté tic a s e c u ltu ra is, se m v in c u la ç ã o m e c â n ic a c o m o te m p o p re se n te ,
c o m o e q u iv o c a d a m e n te se te m c o lo c a d o u ltim a m e n te . P a ra B a k h tin o g ê
n e ro v iv e d o p re se n te m a s re c o rd a se u p a s sa d o , se u c o m e ç o . É o re p re s e n
ta n te d a m e m ó ria c ria tiv a n o p ro c e sso d e d e s e n v o lv im e n to lite rá rio . A v id a
d o g ê n e ro é m a rc a d a p e la c a p a c id a d e d e r e n o v a r-s e e m c a d a e ta p a do
d e s e n v o lv im e n to d a lite ra tu ra e em ca d a o b ra in d iv id u a l. P a ra B a k h tin , os
g ê n e ro s d isc u rsiv o s c ria m v e rd a d e ira s c a d e ia s q u e , p o r se re p o rta re m a u m
g ra n d e te m p o , a c o m p a n h a m a v a ria ç ã o d e u so s d a lín g u a n u m d e te rm in a d o
m o m e n to .
Tal é o c o n te x to do c o n c e ito de g ê n e ro e m B a k h tin , q u e n ã o se c o n
fu n d e c o m p ro c e d im e n to s , c o m h ie ra rq u ia s, c o m c a te g o ria s fo rm a is o u co m
e stru tu ra s, p o is n ele c o e x iste m d iv e rsific a d a s fo rm a s d e se p e n s a r o m u n d o
e a h istó ria h u m a n a . O s g ê n e ro s d isc u rs iv o s, p o r m o b iliz a re m d ife re n te s
e sfe ra s d a e n u n c ia ç ã o , re p re se n ta m u n id a d e s a b e rta s d a c u ltu ra . S ão d e
p o sitá rio s de fo rm a s p a rtic u la re s d e v e r o m u n d o , d e c o n s u b s ta n c ia r v isõ e s
de m u n d o de é p o c a s h istó ric a s. “A q u ele que usa a língua não é o p rim e i
ro fa la n te que rom peu p ela p rim e ira vez o eterno silên cio de um m u n
do m udo. E le p o d e c o n ta r não a p en a s com o s is te m a da lín g u a q u e
utiliza, m as tam bém a existên cia dos e n u n c ia d o s a n te r io r e s ”... “ca d a
en u nciado é um elo na cadeia com plexa e o rg a n iza d a de o u tro s e n u n
c ia d o s ”23 É a id é ia de g ê n e ro c o m o re d e d isc u rs iv a o g ra n d e sa ld o d as
fo rm u la ç õ e s p a ra as te o ria s d as te x tu a lid a d e s c o n te m p o râ n e a s . N o g ê n e ro
se e n tre c ru z a m p o n to s de v ista q u e n ão se re p o rta m p u ra m e n te ao n ív e l
v e rb a l, m as à to ta lid a d e da e n u n c ia ç ã o c o n s titu íd a p e lo s a to s v e rb a is e os
B IB L IO G R A F IA
ro s. R io de Ja n eiro , Im ag o , 1993.
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lite r a iy g e n re s.