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O livro ne g ro do c ristia nism o

Do is m il a no s de c rim e s e m no m e de De us

Ja c o po Fo , Sé rg io To m a t, La ura Ma luc e lli

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Sum á rio

INTRO DUÇ ÃO

O s c ristã o s c o m e m c ria nc inha s?

de Ja c o po Fo

Je sus a m a va a s m ulhe re s

Luta s fra tric ida s

Um a e spira l po ssíve l

He re g e s

O s e xé rc ito s c ristã o s

A Ig re ja e sc ra vista

PRIMEIRA PARTE

O C RISTIANISMO : DE SEITA SUBVERSIVA A RELIG IÃO DO IMPÉRIO

C APÍTULO 1- O s prim e iro s c ristã o s e o a dve nto de Pa ulo

Je sus, pro fe ta jude u

O s prim e iro s c ristã o s

A do utrina de Pa ulo

C APÍTULO 2 C o nsta ntino e a Ig re ja im pe ria l

No ta s b io g rá fic a s

O c ristia nism o de C o nsta ntino

O prim e iro C o nse lho de Nic é ia e a s he re sia s

A m ilita riza ç ã o do c ristia nism o

O s pe rse g uido s se to rna m pe rse g uido re s: a re pre ssã o a o pa g a nism o

C APÍTULO 3 - As he re sia s a ntig a s

O q ue é um a he re sia ?

Arg um e nto s re lig io so s q ue c usta ra m m ilha re s de m o rto s

O s b ispo s nã o pa g a m im po sto s

C o m e ç a a c a ç a a o s he re g e s

O a ria nism o de po is de C o nsta ntino

O s b ispo s pe de m a c a b e ç a do s he re g e s

A he re sia ne sto ria na e o c o nc ilio q ue te rm ino u e m rixa


A he re sia m o no fisista e o "la tro c ínio de Éfe so "

O s pa ulic ia no s

O s b o g o m ilo s

SEG UNDA PARTE

C APÍTULO 4 Justinia no , o s m a ssa c re s e m no m e da fé

As re pre ssõ e s de Justinia no

O pa pa pre so

A he re sia m o no te lista

O s c ristã o s de stro e m im a g e ns sa c ra s

Ic o no c la stia

Na sc e o Esta do Po ntifíc io

As "Do a ç õ e s de C o nsta ntino "

C APÍTULO 5 C a rlo s Ma g no , a s c o nq uista s e o s c rim e s

O pa pa a g ra c ia do c o m o m ila g re

O s súdito s de C a rlo s

C a rlo s Ma g no sa nto

A c o rrupç ã o do po de r: a po rno c ra c ia ro m a na

C APÍTULO 6 - As C ruza da s: duze nto s a no s de g ue rra s, ro ub o s e c rim e s e m

no m e de De us

A a m e a ç a turc a e o a pe lo à C ruza da

A C ruza da do s "Me ndig o s"

O s jude us e a C ruza da do Pa to Sa g ra do

A C ruza da do s Prínc ipe s e do s C a de te s

O m a ssa c re de Je rusa lé m

O s re ino s c ruza do s

A Se g unda C ruza da

Sa la dino e ra um c a va lhe iro

A C ruza da q ue e rro u o c a m inho

As C ruza da s da s C ria nç a s

O utra s C ruza da s

As o rde ns c a va lhe ire sc a s


O s Te m plá rio s

O s C a va le iro s Te utô nic o s

C APÍTULO 7 As he re sia s m e die va is

O s po b re s irro m pe m na histó ria

O s m o vim e nto s re fo rm ista s

O s "po b re s" he re g e s e o s c a tó lic o s

As c ida de s- Esta do

Um pa no ra m a da s he re sia s m e die va is

"O u b e ije a c ruz, o u se jo g ue no fo g o ": o s he re g e s de Mo nfo rte

O s pa ta rino s

O s pe tro b rusia no s

Ta nc he lm o e Arna ldo de Bré sc ia

O s c á ta ro s

O s va lde nse s

As Pá sc o a s Pie m o nte sa s

O e xílio e o g lo rio so re pa tria m e nto ,

O s ste ndig s e o s fra nc isc a no s

Ja c o po ne de To di

Fre i Dulc ino

Ja n Hus, o Lute ro da Bo ê m ia

Jo a na d'Arc , b ruxa , he re g e e sa nta

Je rô nim o Sa vo na ro la

TERC EIRA PARTE MO DERNIDADE E REPRESSÃO

C APÍTULO 8 O s c ristã o s e ra m pro ib ido s de le r a Bíb lia

A Bíb lia do s Se te nta e a Vulg a ta

Bíb lia = he re sia

A inve nç ã o da pre nsa e a s no va s pro ib iç õ e s

A Bíb lia na fo g ue ira

C APÍTULO 9 A Inq uisiç ã o

A Inq uisiç ã o e spa nho la

O s jude us c o nve rtido s e o s m o urisc o s


A Inq uisiç ã o ro m a na

Ho m o sse xua lida de

C APÍTULO 10 A c a ç a à s b ruxa s

Bruxa ria e he re sia

O Ma rte lo da s fe itic e ira s

A lo uc a e ng re na g e m da Inq uisiç ã o

O pro c e sso

A to rtura

O rdá lio

O s b e m - a nda nte s, o s b ruxo s "b o ns"

Xa m ã s e uro pe us

C APÍTULO 11 A sa lva ç ã o de Lute ro e a Re fo rm a Pro te sta nte

A ve nda de indulg ê nc ia s

Ma rtinho Lute ro

Jo ã o C a lvino

He nriq ue VIII e a Re fo rm a ing le sa

Ma ria , a Sa ng uiná ria , e Elisa b e te I

Purita no s e a ng lic a no s

Na Irla nda , o s c a tó lic o s se re b e la m

C APÍTULO 12 A G ue rra do s Trinta Ano s

A c a m inho da g ue rra

A g ue rra (1618- 1648)

C APÍTULO 13 C o lo nia lism o e e sc ra vidã o

As Am é ric a s

Um a c o nq uista "le g a l"

O s m issio ná rio s e o a ssa ssina to da a lm a

Am é ric a do No rte

As e ta pa s da o pre ssã o

Q UARTA PARTE

A IDADE C O NTEMPO RÂNEA


EPÍLO G O

Silê nc io , o m issã o , se g re do s, m e ntira s..

Pe q ue no Esta do , g ra nde Im pé rio

A Ig re ja e o na zism o

A Ig re ja e a s dita dura s

A Arg e ntina

O C hile

A Te o lo g ia da Lib e rta ç ã o

A Ig re ja e o s ne g ó c io s

O e sc â nda lo da pe do filia

O pus De i

Ho je

APÊNDIC ES

O utro s he re g e s

G uilhe rm ina da Bo ê m ia (c e rc a de 1269- 282)

O s a po stó lic o s

Be g uina s e b e g a rdo s

Jo hn Wyc liffe e o s lo la rdo s

APÊNDIC E 2 A to rtura

O c a so de Fra nc he tta Bo re lli de Trio ra

Jo ha nne s Junius

APÊNDIC E 3 O se q üe stro do s c o rpo s

O c le ro c o nc ub iná rio

O s b a tism o s fo rç a do s

APÊNDIC E 4 A do utrina na é po c a da Re fo rm a

Huldre ic h Zwing li

Bro wnista s o u b a rro wista s

O s a na b a tista s

Tho m a s Müntze r, o te ó lo g o da re vo luç ã o

Unita rista s o u a ntitrinitá rio s

Mig ue l Se rve to e a s fo g ue ira s pro te sta nte s


O s a m inia nista s

O s q ua c re s

G io rda no Bruno

G a lile u G a lile i

Pa ulo Sa rpi

O s re fo rm a do re s c a tó lic o s

O m uro da C o ntra - Re fo rm a

APÊNDIC E 5 A pe rse g uiç ã o a o s "a ntig o s c re nte s"

No ta s

Bib lio g ra fia

INTRO DUÇ ÃO
O s c ristã o s c o m e m c ria nc inha s?

d e Ja c o p o Fo
Ac ho q ue , e m p a rte , d e ve mo s ta m b é m a o c ristia nism o o fa to d e ho je o
mund o p a re c e r me no s d e suma no , sá d ic o e vio le nto d o q ue no p a ssa d o .
Po r d o is mil a no s, milhõ e s d e c re nte s te nta ra m d e to d a s a s ma ne ira s
te ste munha r a p a la vra d e p a z e a mo r q ue Je sus p re g a va . Via m-se c re nte s na s
c a b e c e ira s d o s d o e nte s, re c o lhe nd o ó rfã o s p e la s rua s, c ura nd o o s fe rid o s d e p o is
d a s b a ta lha s e sa q ue s.
Ha via c ristã o s, c o m o Sã o Fra nc isc o , q ue d a va m c a sa e c o nfo rto a o s q ue
e ra m d e vo ra d o s p e la le p ra e c o mid a a q ue m mo rria d e fo m e . E m uito s c o mo e le
a tra ve ssa ra m a s linha s d e fre nte d a s b a ta lha s p a ra p ro mo ve r a p a z e ntre o s
e xé rc ito s. Existia m muito s fié is q ue so c o rria m o s so b re vive nte s d a s inund a ç õ e s, d o s
te rre mo to s, d a s fo me s. Ha via a ind a c ristã o s q ue te nta va m im p o r um limite à
b ruta lid a d e c o ntra o s e sc ra vo s e se rvo s d a g le b a o p rimid o s p e lo s p o sse sso re s.
Existira m c ristã o s q ue se e xp use ra m a b e rta me nte a fim d e o b te r a g ra ç a p a ra um
ino c e nte c o nd e na d o se m p ro va s, a p e na s p o r fa na tismo re lig io so .
Vira m-se sa c e rd o te s q ue c o nstruíra m c o munid a d e s d e índ io s e mo rre ra m
c o m e le s q ua nd o o s c o nq uista d o re s c a tó lic o s d e c id ira m q ue se a g rup a r e m
c o m unid a d e s ig ua litá ria s e nã o p a g a r im p o sto s c o nstituía um c rim e c o ntra De us e
a C o ro a . Existira m sa c e rd o te s q ue fund a ra m c o o p e ra tiva s e e sc o la s p a ra
tra b a lha d o re s, q ue o rg a niza ra m c a ixa s d e a ssistê nc ia mútua e a jud a ra m jud e us e
c ig a no s p e rse g uid o s a fug ir... Ma s e ssa s p e sso a s, q ue p o r d o is milê nio s c o ntrib uíra m
e no rme me nte p a ra me lho ra r a c o nd iç ã o huma na e c ivil d o s ma is fra c o s,
ra ra me nte fa zia m p a rte d o s vé rtic e s d a Ig re ja .
C o mo a c o nte c e u c o m to d a s a s re lig iõ e s d o mund o q ue se to rna ra m
"c ulto s d o Esta d o ", o s c e ntro s d e p o d e r d a s p rinc ip a is ig re ja s c ristã s fo ra m
c o nq uista d o s p o r ind ivíd uo s ine sc rup ulo so s e ma lic io so s, d isp o sto s a usa r a fé e o
mistic ism o c o m o únic o o b je tivo d e o b te r riq ue za e a uto rid a d e .
É c la ro q ue nã o se p o d e g e ne ra liza r: e xistira m ho me ns re lig io so s c o m
g ra nd e s inc umb ê nc ia s na e sfe ra e c le siá stic a , q ue a g ira m c o m justiç a e no tá ve l
ho ne stid a d e , e q ue so b re tud o e ra m p a rtid á rio s — c o lo c a nd o e m risc o a té me smo
a p ró p ria vid a — d o d ire ito à d ig nid a d e e à so b re vivê nc ia d o s p o b re s, g o lp e a nd o ,
c o m p a la vra s e a to s c o nc re to s, "o s ric o s b e m nutrid o s e p o d e ro so s, inimig o s d e
C risto e d o s ho me ns" (d e uma ho milia d e Sa nto Amb ró sio ). Ma s ta mb é m é
ve rd a d e q ue , p o r sé c ulo s, o s p a p a s c o ntinua ra m ve nd e nd o o s c a rg o s re lig io so s a
q ue m o fe re c ia ma is, e p a ra se r o rd e na d o b isp o b a sta va p a g a r, nã o e ra
ne c e ssá rio ne m se r p a d re . Po r d inhe iro , Júlio II c o nsa g ro u c a rd e a l um ra p a zinho d e
16 a no s. Assim, no fina l d a s c o nta s, muito s e ng a na d o re s c o nse g uira m a té c he g a r a
se r e le ito s p a p a s e ma c ula ra m sua s vid a s c o m c rime s ho rre nd o s.
O p a p a Wo ityla p e d iu p e rd ã o a De us p e lo s p e c a d o s c o me tid o s no
p a ssa d o p o r a q ue le s q ue re p re se nta va m a o u p e rte nc ia m à Ig re ja . Ma s, p o r ma io r
q ue se ja a lista d o s a to s ne fa sto s c o me tid o s, nã o p o d e mo s p re te nd e r q ue e la se ja
e xa ustiva .
Entã o , d e mo -no s o tra b a lho d e re unir o ma io r núme ro d e d o c ume nto s
q ue p ro d uza m uma id é ia me no s va g a d o "p e c a d o " q ue ma c ulo u a Ig re ja . Ao
re a liza r e sta p e sq uisa , d e p a ra mo -no s c o m um q ua d ro d e tra ç o s c ho c a nte s,
p o vo a d o c o m um núme ro ina c re d itá ve l d e e p isó d io s p o r ve ze s g ro te sc o s, ma s
se mp re trá g ic o s.
As histó ria s q ue c o nta re mo s nã o se e nc o ntra m e m to d o s o s livro s. Ao
c o ntrá rio , o s te xto s q ue na rra m e sse s fa to s (sa lvo ra ra s e xc e ç õ e s) fo ra m c o lo c a d o s
no limb o p o r e sp e c ia lista s.
Ma s p o r q ue e mb a rc a mo s e m ta l a ve ntura ? De c e rto , nã o p o r um
a ntic le ric a lismo d o e ntio . Ho je , a té me smo no c le ro ina ug uro u-se um d e b a te muito
fé rtil so b re a p e sq uisa histó ric a d o p e rc urso d a s re lig iõ e s. Em to d a p a rte , na sc e m
g rup o s d e fié is q ue te nta m p ô r e m p rá tic a a p a la vra d e Je sus e c o nstro e m
so lid a rie d a d e , lib e rd a d e , p a z, sup e ra nd o o b stá c ulo s q ue a ind a se inte rp õ e m à
c ria ç ã o d e um mund o o nd e a vid a a nte rio r à mo rte ta mb é m se ja d ig na d e se r
vivid a . Ma s, p a ra q ue e ssa re no va ç ã o se ja p ro fíc ua , é ind isp e nsá ve l me rg ulha r
p ro fund a me nte no c lima histó ric o , p o lític o e re lig io so q ue d e te rmino u o sa c rifíc io
d e ta nto s má rtire s, vítima s d a p a rte c o rrup ta e a uto ritá ria d o c le ro , muita s ve ze s
c o m o a uxílio d o s g rup o s no p o d e r.
Aq ue la c o nsc iê nc ia e a q ue la c ultura , c a p a ze s d e imp e d ir q ue ta is
ho rro re s se re p ita m , só p o d e m se r c o nstruíd a s p o r me io d a a ná lise e do
d isc e rnime nto d a na ture za e g ra vid a d e d o s a b uso s.
Este livro é d e d ic a d o a to d o s o s c ristã o s e a o s ho me ns d e b o a vo nta d e
d a s o utra s c re nç a s. Ta mb é m é d e d ic a d o a o s a te us, q ue , e xa ta me nte p o r nã o
a c re d ita re m , tê m a o b rig a ç ã o mo ra l d e p o ssuir um p ro fund o se nso re lig io so d a
vid a .
Je sus a m a va a s m ulhe re s

Je sus p re g a va o a mo r, a fra te rnid a d e e a p ie d a d e e m uma é p o c a e m


q ue e sse s se ntime nto s m uita s ve ze s e ra m c o nsid e ra d o s infa m e s sina is d e fra q ue za .
O s Eva ng e lho s no s c o nta m q ue , d e ntre se us ma is e stima d o s se g uid o re s, na
p rime ira fila e sta va m a s mulhe re s. O s e va ng e lista s ta mb é m na rra m c o mo Je sus
d e sp re za va a riq ue za e c o nd e na va ve e me nte me nte a q ue le s q ue te nta va m fa ze r
d a fé uma me rc a d o ria .
Esta filo so fia ra p id a me nte c o lo c o u o s c ristã o s c o ntra a c ultura e o s
p o d e ro so s d a é p o c a , e a s p e rse g uiç õ e s lo g o c o me ç a ra m. Ma s a p e na s trê s
sé c ulo s a p ó s a c ruc ific a ç ã o d o Me ssia s, o c ristia nism o se to rno u a re lig iã o o fic ia l d o
Im p é rio Ro ma no , o q ue sig nific a q ue ne nhum súd ito p o d ia p ro fe ssa r o utra c re nç a ,
so b p e na d e c rue l p e rse g uiç ã o e , muita s ve ze s, o p a tíb ulo .
C o mo é p o ssíve l q ue o me smo Im p é rio q ue c ruc ific a ra Je sus te nha
d e c id id o q ue o c ristia nismo se ria a re lig iã o d o Esta d o a p e na s tre ze nto s a no s
d e p o is? É um sa lto a b issa l.
Pa ra e nte nd e r isso , é p re c iso a na lisa r a lg uma s c a ra c te rístic a s d o Im p é rio
Ro ma no .
A e sc o la e nc he u no ssa s c a b e ç a s d e histó ria s so b re g e ne ra is g e nia is e
le g isla d o re s b rilha nte s. Ma s Ro ma ta mb é m e ra o utra c o isa . As mulhe re s e ra m
c o nsid e ra d a s a nima is d e p ro p rie d a d e d o s p a is e ma rid o s, q ue tinha m o d ire ito d e
b a te r ne la s e ma tá -la s. Uma mulhe r ro ma na d ig na e ra a q ue la q ue , a sse d ia d a p o r
um ma lfe ito r, tira va a p ró p ria vid a . Nã o ta nto p a ra sa lva r a p ró p ria ho nra , m a s
p a ra g lo rific a r a d o ma rid o .
As c ria nç a s, na e sc o la , c o nhe c ia m b e m o c hic o te e o s p ro fe sso re s
tinha m e xe mp la re s d e vá ria s fo rma s e ta ma nho s p e nd ura d o s na sa la d e a ula .
C o mo a c o nte c e a ind a ho je e m a lg uns lug a re s d o p la ne ta , e m Ro ma ,
ta mb é m, o s b e b ê s re c é m-na sc id o s d o se xo fe minino muita s ve ze s e ra m sufo c a d o s
o u a b a nd o na d o s. As re c é m-na sc id a s a b a nd o na d a s c o m ma is so rte , muita s ve ze s,
e ra m p e g a s p o r ve nd e d o re s d e e sc ra vo s, q ue a s c ria va m e , a o s 5 o u 6 a no s,
c o me ç a va m a p ro stituí-la s.
Júlio C é sa r nã o p o d e , no e nta nto , se r c o nsid e ra d o o inve nto r d o
e xte rmínio e m ma ssa — a nte s d e le , c o nhe c e mo s o utro s ma ta d o re s e xtra o rd iná rio s
(hitita s, a ssírio s, b a b ilô nio s) —, m a s o d ivino Júlio c o m c e rte za p o d e se r e le ito o
a p e rfe iç o a d o r e mé rito d o g e no c íd io o rg a niza d o . Em De Be llo G a llic o , e xp lic a
c o mo o rg a nizo u e la nç o u a ho rd a d e b a nd id o s g a ule se s e g e rmâ nic o s c o ntra o
p o vo e b uro ne , c ulp a d o d e nã o q ue re r se suje ita r a o Im p é rio , o fe re c e nd o a o s
c rimino so s a silo e p ro te ç ã o e m se us a c a mp a m e nto s fo rtific a d o s. O futuro
im p e ra d o r d e p o is na rra , c o m c e rto p ra ze r, c o mo c o nse g uiu a p lic a r to d a e sp é c ie
d e infâ mia s, tra iç õ e s e a rma d ilha s, a té e limina r d e finitiva me nte d a fa c e d a Te rra a
ra ç a d o s e b uro ne s.1 Fo i o p rime iro c o ma nd a nte a ma ta r to d o s o s ha b ita nte s d e
uma c id a d e , inc luind o c ria nç a s, p a ra p uni-lo s p o r te r re sistid o 2 (Mo isé s, p e lo
me no s, d e p o is d e c o nq uista r a c id a d e d e Ma d ia n, p o up o u a s mulhe re s virg e ns).3
Po r sé c ulo s, o s ro ma no s se d ive rtira m ve nd o p risio ne iro s d e g ue rra
luta nd o e ntre si no s c irc o s. Em um únic o mê s, o imp e ra d o r Dio c le c ia no fe z
q ua re nta mil ho me ns se ma ta re m no C o lise u, m a is d e mil p o r d ia , e nq ua nto uma
multid ã o e xa lta d a b e b ia vinho mistura d o c o m me l e c humb o , fuma va ó p io , fa zia
ne g ó c io s e c o p ula va c o m p ro stituta s e p ro stituto s, na ma io ria p ré -a d o le sc e nte s. A
q ua ntid a d e d e sa ng ue e d e ó rg ã o s e sq ua rte ja d o s nã o o s inc o mo d a va e e m p a rte
e ra c o b e rta p e lo fe d o r d e vô mito , já q ue o s ro ma no s, p a ra c o ntinua r se e nc he nd o
d e c o mid a e b e b id a , tinha m o há b ito d e e nfia r d o is d e d o s na g a rg a nta p a ra
vo mita r o q ue a c a b a va m d e ing e rir.
O c ristia nismo fo ra ma ltra ta d o c rue lme nte e so fria ha via ma is d e um
sé c ulo a s p e rse g uiç õ e s d o p o d e r imp e ria l. O s c ristã o s e ra m a rra sta d o s a té a s
a re na s, o nd e e ra m ma ssa c ra d o s e ntre o s g rito s e a s risa d a s d e uma multid ã o d e
a p a ixo na d o s p e lo g e no c íd io lúd ic o . Entã o , d e re p e nte , o s p e rse g uid o re s se
to rna m p a la d ino s d a Ig re ja . Te o lo g ia , ritua is, inte rp re ta ç õ e s d o Eva ng e lho sã o
c uid a d o sa me nte tra nsfo rma d o s e a d a p ta d o s à ling ua g e m e a o p e nsa me nto d o
p o d e r ro m a no . O c ristia nismo nã o re d im e q ue m ha via m a rtiriza d o o s p rime iro s
c ristã o s, e sim se limita a se rvir a e le s.
As histó ria s so b re a s c o nve rsõ e s d o s im p e ra d o re s q ua se se mp re sã o fe ito s
c o lo ssa is. C o nsta ntino é a q ue le q ue a d o ta o c ristia nism o c o m o re lig iã o o fic ia l d o
Im p é rio . O me smo imp e ra d o r q ue ma nd o u ma ta r o p ró p rio filho , a m ulhe r, o so g ro
e o c unha d o . Re za a le nd a q ue Je sus a p a re c e u p a ra e le e lhe p ro m e te u vitó ria na
b a ta lha e m tro c a d a a d o ç ã o d o c ristia nismo c o mo únic a re lig iã o d o "m und o
c iviliza d o " e d o uso d o símb o lo d a c ruz, a lç a d o d e fo rma triunfa nte na b a ta lha .
Na tura lme nte , ne m to d o s o s se g uid o re s d e Je sus c o nc o rd a ra m c o m e sse p a c to ,
q ue im p lic a va uma ve rd a d e ira re núnc ia a o s va lo re s c ristã o s fund a me nta is. E,
e ntã o , um d o s p rime iro s g e sto s c ristã o s d e C o nsta ntino fo i p e rse g uir to d o s o s
c ristã o s q ue se g uia m o Eva ng e lho lite ra lme nte e , a ssim , fo rç o sa me nte , e sta va m
e m c o nflito c o m o s d e vo to s d o p o d e r. Um se m -núm e ro d e le s fo i mo rto , o utro s
ta nto s a c a b a ra m no e xílio , d e sp ro vid o s d e q ua lq ue r b e m , o utro s fo ra m re d uzid o s à
e sc ra vid ã o .
Luta s fra tric ida s

O s p rim e iro s sé c ulo s d o c ristia nismo sã o ma rc a d o s p o r c o ntínua s


inve stid a s c o ntra o s c ristã o s q ue nã o a c e ita ra m o s a juste s e a s inte rp re ta ç õ e s d o s
d ita m e s d o Filho d e De us. A e la s se a lte rna m luta s p e la d ivisã o d o p o d e r e ntre
p a p a s e im p e ra d o re s, p a p a s e a ntip a p a s, p a p a s e b isp o s, b isp o s e b isp o s, e m um a
suc e ssã o d e c o nsp ira ç õ e s, c isma s e luta s q ue nã o e xc luía m a fo rç a físic a . É q ua se
imp o ssíve l re unir to d o s o s a c o nte c ime nto s sa ng uiná rio s q ue p rim e iro a sso la ra m a
Euro p a e , d e p o is, o mund o , e q ue na sc e ra m d e c o nflito s p e lo p o d e r no s q ua is a
Ig re ja se inte rp ô s e ntre a s fo rç a s c o mb a te nte s. Milhõ e s d e p e q ue na s c o nsp ira ç õ e s,
g ue rrinha s e a me a ç a s q ue ning ué m nunc a c o nto u.
Ne ste livro , limita mo -no s a c ita r o s e ve nto s ma is imp o rta nte s, m a s
c o nfia mo s na ima g ina ç ã o d o le ito r p a ra c o mp le ta r o q ua d ro d a situa ç ã o d a fé
na q ue la é p o c a . O s níve is má ximo s d e fúria e ra m a ting id o s e xa ta me nte q ua nd o se
d e via sufo c a r o re na sc im e nto d a s id é ia s o rig ina is d e Je sus. Ela s nunc a d e ixa ra m d e
a c o rd a r a s p e sso a s p a ra a d ig nid a d e e a c e le b ra ç ã o d o va lo r c o le tivo d o a mo r
c ristã o .
O q ue te ste munha e sse p o d e r e xtra o rd iná rio d a p a la vra d e Je sus é o
surg ime nto , d ura nte sé c ulo s a p ó s se us e nsina me nto s, d a s inc ríve is uto p ia s so c ia is e
c o munitá ria s, q ue func io na va m muito b e m a té a c he g a d a d o s so ld a d o s d o p a p a
e d o imp e ra d o r, e xc e p c io na lm e nte re unid o s p a ra ma ssa c ra r o s c ristã o s q ue vivia m
e m c o munid a d e , se m a uto rid a d e o u imp o sto s.
No a no de 476, o Im p é rio Ro m a no do O c id e nte , há te m p o s já
c o rro mp id o e d e va sta d o p e la s luta s d e p o d e r, d e ixa d e e xistir a té o fic ia lm e nte . O s
"b á rb a ro s" zinho s, c o nfia nte s e m se u va lo r e m sua ho mo g e ne id a d e so c ia l, c he g a m
e m o nd a s, ma s lo g o sã o a rre b a ta d o s p e la fe b re d a tra iç ã o e d a d e sc o nfia nç a .
Ne nhum imp é rio re siste muito te mp o .
Ma s e ntre a s luta s re lig io sa s e p o lític a s, a mp lific a d a s p e la s inva sõ e s
"b á rb a ra s", p o d e a c o nte c e r q ue um re i tra íd o p o r se us súd ito s e a b a nd o na d o
p e lo s me rc e ná rio s d e c o rra a o s c a mp o ne se s, o fe re c e nd o a e le s lib e rd a d e e a
p ro p rie d a d e d a te rra , e o b te nd o e m tro c a e xé rc ito s inve nc íve is.4 O e nvo lvime nto
d o s c a mp o ne se s na p o lític a , a e xp lo sã o d o a rte sa na to , d a s ma nufa tura s, d a
c ultura d o s o fíc io s e d a inve nç ã o d e no va s té c nic a s le va m o p o vo a a ma d ure c e r
uma id é ia ma is d ig na d e si p ró p rio e um se nso d e justiç a ma is p ro fund o .
Assim, p o r vo lta d o a no mil, e ste no vo mo d o d e c o nc e b e r e vive r o
mund o se fund e a o q ue re sta d a s id é ia s d o c ristia nism o p rimitivo . De se nvo lve m -se
mo vime nto s q ue une m a id é ia d o re to rno a o c ristia nismo p uro e a vo nta d e d e
o rg a niza r uma so c ie d a d e se m re i, g e ne ra is o u e sc ra vid ã o . Ba sic a me nte , a
p o p ula ç ã o d o s fra c o s c o me ç a a se re b e la r c o ntra o p o d e r sa g ra d o e a b e nç o a d o
d o s no b re s p a trõ e s, insp ira d o s p e lo ind isp e nsá ve l c le ro . Ele s ta mb é m d e sc o b re m
q ue o s p o d e ro so s, c o mo g ue rre iro s p ro fissio na is, nã o sã o muito va lo ro so s: o s
a rte sã o s e c a mp o ne se s re unid o s na c o muna , a rma d o s d e la nç a s e b e m tre ina d o s,
muita s ve ze s c o nse g ue m a b a tê -lo s c o mo a fa nto c he s.
He re g e s

E já q ue o s no b re s nã o se rve m p a ra na d a , p o r q ue nã o se livra r d e le s? E
p a ra q ue se rve m o s p a d re s, q ue muita s ve ze s sã o b isp o s e c o nd e s a o me smo
te m p o ? Ning ué m ma is a c re d ita na sa ntid a d e d e le s, já q ue , so b a s vista s d e to d o s,
c o me te m to d o tip o d e p e c a d o .
E a ssim na sc e a id é ia d e q ue o s sa c ra me nto s, se a d ministra d o s p o r
p e sso a s ind ig na s, nã o tê m ne nhum va lo r. "Ig no re m o ind ig no e xe mp lo d e le s", g rita
lo g o um te ó lo g o "sig a m o q ue d ize m o s ministro s d e De us, nã o o q ue e le s fa ze m".
No sé c ulo X, c o m e ç a m a na sc e r e m to d a a Euro p a g rup o s d e fié is q ue
p re g a m e a p lic a m a c o munid a d e d o b e m , a fra te rnid a d e , e re c usa m a
a uto rid a d e e c le siá stic a . C o mb a te nd o e sse s mo vime nto s, as hie ra rq uia s
e c le siá stic a s e no b re s (q ue muita s ve ze s sã o a me sma c o isa ) se o rg a niza m p a ra
e xte rmina r o s ha b ita nte s d e re g iõ e s inte ira s, c o nd e na nd o o s so b re vive nte s a o
sup líc io p úb lic o . No á p ic e d e ssa p e rse g uiç ã o , muita s p e sso a s sã o to rtura d a s e
a ssa ssina d a s d e fo rm a s ho rre nd a s a p e na s p o r te re m a p o ia d o a te se d e q ue Je sus
e o s a p ó sto lo s nã o p o ssuía m riq ue za s o u b e ns ma te ria is. O me ro fa to d e te r uma
Bíb lia e m c a sa já b a sta va p a ra le va nta r a s susp e ita s d e se se r um inimig o d a Ig re ja .
Se e ssa Bíb lia a ind a fo sse tra d uzid a p a ra o la tim vulg a r, o u se ja , uma líng ua
e nte nd id a p e lo p o vo , e nã o tive sse a uto riza ç ã o , a c o nd e na ç ã o p o r he re sia e ra
c e rta .
O s c ristã o s c o m unitá rio s q ue ria m se insp ira r no Eva ng e lho , se m
inte rm e d iá rio s. E m uita s, m uita s ve ze s, p a g a ra m p o r isso c o m a p ró p ria vid a . Um
ma rtírio q ue e nfra q ue c e a q ue le d o s p rime iro s c ristã o s so b o Im p é rio Ro ma no .
C o ntra o s he re g e s, e m d a d o mo me nto , c he g o u a se r inve nta d o um
instrume nto re p re e nsivo d e p e rfe iç ã o d ia b ó lic a : a Inq uisiç ã o . O s inq uisid o re s e ra m ,
a o me smo te mp o , p o lic ia is, c a rc e re iro s, a c usa d o re s e juíze s. Q ua lq ue r b e ste ira já
e ra sufic ie nte p a ra a c a b a r e m sua s g a rra s: um b o a to , um a c a rta a nô nima , um
c o mp o rta me nto lig e ira me nte d ife re nte d o no rma l. Até se r d e vo to d e ma is e ra
c o nsid e ra d o c o mp o rta me nto d uvid o so . O susp e ito e ra c o nsid e ra d o c ulp a d o se
nã o c o nse g uisse p ro va r a p ró p ria ino c ê nc ia . E q ue m te ste munha va e m fa vo r d e
um sup o sto he re g e p o d ia , p o r sua ve z, to rna r-se susp e ito e so fre r um p ro c e sso . Na
ve rd a d e , a s p e rse g uiç õ e s a o s he re g e s c o me ç a m lo g o d e p o is d a c ria ç ã o d a
Ig re ja d e Esta d o e te rmina m no sé c ulo XVIII, c o m a s última s o nd a s d e c a ç a à s
b ruxa s. As histó ria s d o s p ro c e sso s e d a s p e rse g uiç õ e s re a liza d a s p e la o rg a niza ç ã o
e c le siá stic a e p e lo "Sa nto Trib una l" sã o tã o a b surd a s e c o ntra d itó ria s q ue nã o no s
p e rmite m ne nhuma a ná lise ve ro ssímil. É imp o ssíve l fa ze r um b a la nç o c o nfiá ve l
d e ssa s g ue rra s e p e rse g uiç õ e s, e d e c e rto milhõ e s d e p e sso a s fo ra m a ssa ssina d a s
e m ma is d e mil a no s d e c rue ld a d e d e suma na .
O s e xé rc ito s c ristã o s

E, c o mo se nã o b a sta sse , fo ra m o s p a p a s q ue o rd e na ra m a s C ruza d a s e ,


p o ste rio rme nte , a c o lo niza ç ã o d a s "te rra s no va s" e o s ma ssa c re s q ue se
suc e d e ra m.
Ma s ve ja m o s e m o rd e m . Prim e iro , fo ra m a s te nta tiva s d e inva d ir a
Pa le stina , o Líb a no e a Síria , c o m o p re te xto d e lib e rta r o Sa nto Se p ulc ro . Em Sto ric i
a ra b i a lle c ro c ia te ,5 G a b rie li re úne o s te ste munho s d e vá rio s c ro nista s m e d ie va is no
O rie nte Mé d io . Po r me io d e ssa s d e c la ra ç õ e s, p ud e mo s sa b e r q ue , a té d e p o is d a
me ta d e d o sé c ulo XII, o u se ja , a nte s d o c o me ç o d a s inva sõ e s d o s fra nc o -c ruza d o s,
milha re s d e c ristã o s visita va m livre me nte a Pa le stina e to d o s o s lug a re s o nd e Je sus
C risto vive ra e p re g a ra . As C ruza d a s fo ra m um p ro je to c rimino so e m to d o s o s
a sp e c to s, e , ma l no s q ue stio na mo s so b re a suc e ssã o d e fa to s q ue le va ra m à Te rra
Sa nta turb a s d e se nfre a d a s a o s g rito s d e "Assim q ue r De us!", fina lm e nte ve mo s
a flo ra r a re a l mo tiva ç ã o d a c a mp a nha q ue le vo u Sã o Fra nc isc o a ta l ind ig na ç ã o
a p o nto d e e xc la ma r: "Vim c o nve rte r o s infié is e d e sc o b ri q ue o s q ue p re c isa m d e
fé e no ç ã o d e p ie d a d e nã o sã o o s g ue rre iro s muç ulma no s, ma s o s so ld a d o s d e
C risto e , a nte s d e ma is na d a , o s b isp o s q ue o s c o nd uze m !".6 Alé m d o m a is, o s
"e xé rc ito s d e De us" ta lve z te nha m ma ta d o ma is c ristã o s d o q ue infié is. O s e xé rc ito s
c ristã o s q ue se d irig ia m à Pa le stina tinha m um lo ng o c a minho a p e rc o rre r, se m
p ro visõ e s o u a c a mp a me nto s o rg a niza d o s. Po rta nto , tinha m c o mo c o stume o b te r o
q ue p re c isa va m sa q ue a nd o a s c id a d e s c ristã s p e la s q ua is p a ssa va m d ura nte a
via g e m. Po r e xe mp lo , a fa mo sa "C ruza d a d o s Me nd ig o s", e m 1096, q ue c a uso u o
ma ssa c re d e q ua tro mil p e sso a s a p e na s na c id a d e húng a ra d e Ze mun.
No me smo a no , o c o nting e nte g uia d o p e lo no b re a le mã o G o ttsc ha lc k
truc id o u ma is d e d e z mil p e sso a s c ulp a d a s d e te re m-se d e ixa d o d o mina r p e lo s
sa q ue s. Alg uns ho me ns p a rtira m p a ra a s C ruza d a s se g uind o o s p a sso s d e um p a to !
Este s d e vo to s a c a b a ra m se unind o a uma C ruza d a g uia d a p o r um ilustre sa lte a d o r
c ha ma d o Emic h, q ue nunc a c he g o u à Te rra Sa nta , limita nd o -se a um to ur d ura nte
o q ua l ma ssa c ro u milha re s d e jud e us, e sp o lia nd o -o s d e se us b e ns.
Ma s o utro s c ruza d o s, q ue p a rtic ip a ra m de e xp e d iç õ e s se g uinte s,
ta mb é m d e c id ira m se p re p a ra r p a ra a g ue rra c o ntra o s infié is m uç ulma no s
c o me ç a nd o a ma ssa c ra r infié is jud e us d e sa rma d o s. Em 1212, trinta mil me nino s d a
Euro p a C e ntra l p a rtira m p a ra a s C ruza d a s so zinho s e se m a rma s. A ma io r p a rte
d e sse "e xé rc ito " e mb a rc o u e m Ma rse lha a c re d ita nd o p a rtir p a ra lib e rta r o Sa nto
Se p ulc ro . Em ve z d isso , o s g a ro to s (p e lo me no s o s q ue so b re vive ra m a o s
c o ntra te mp o s d a via g e m ) fo ra m ve nd id o s a o s turc o s c o mo e sc ra vo s.
A Q ua rta C ruza d a , re a liza d a em 1202, o p e ro u uma p e q ue na
d e va sta ç ã o e , e m ve z d e ir a té a Te rra Sa nta , to mo u d e a ssa lto a p e rfe ita me nte
c ristã C o nsta ntino p la , c o nq uista d a p o r m e io d e sa q ue s e d o ma ssa c re d a
p o p ula ç ã o . No fina l d a s c o nta s, q ue m g a nho u c o m a s C ruza d a s, c o m c e rte za ,
nã o fo ra m o s so ld a d o s e se us c a p itã e s, e sim o s me rc a d o re s d a s Re p úb lic a s
Ma rítima s ita lia na s e a Ig re ja d e Ro ma .
A vo lta d a s C ruza d a s ta mb é m fo i uma a ve ntura trá g ic a . O s c ruza d o s
muita s ve ze s tinha m q ue e ntre g a r a o s tra nsp o rta d o re s to d o o fruto d e se us sa q ue s
e ro ub o s.
Sa b e -se , ta mb é m, q ue o s c ruza d o s, a té p e la fo rma c o mo e ra m
re c ruta d o s, nã o e ra m b rilha nte s e m te rm o s d e d isc ip lina e o rg a niza ç ã o . Se us
a c a mp a me nto s e ra m e rg uid o s se m ne nhum c uid a d o e strutura l. Em p o uc a s
p a la vra s, e le s nã o tinha m á re a s d e hig ie ne , nã o e xistia m e nfe rma ria s ne m mé d ic o s
o rg a niza d o s, e a c a d a c huva a s b a rra c a s e ra m ine vita ve lm e nte c a rre g a d a s p e la s
á g ua s mistura d a s à urina e a o e sté re o . Re sumind o : De us nã o e sta va c o m e le s e o s
c a stig o u ma ta nd o vá rio s d e c ó le ra , infe c ç ã o g a stro inte stina l e d o e nç a s ve né re a s
lo c a is e e xó tic a s. A p ro p ó sito , nã o p o d e mo s e sq ue c e r a g ra nd e q ua ntid a d e d e
p ro stituta s q ue se g uia m o e xé rc ito . A isso a c re sc e nte mo s o fa to d e q ue o s
c ruza d o s nã o c o stuma va m to ma r ma is d o q ue d o is b a nho s p o r a no e muito s
fize ra m a p ro me ssa d e nã o to ma r b a nho a té a lib e rta ç ã o d o Sa nto Se p ulc ro .
Ig no ra nd o a s le is a lime nta re s d o s p o vo s q ue já vivia m há a no s na q ue le
c lim a , e nc hia m-se d e c a rne s d e p o rc o a ssa d a o u sa lg a d a e se e mb e b e d a va m d a
ma nhã a té a no ite . O re sulta d o fo i q ue , à s e p id e mia s no rma is e m vo g a ,
a c re sc e nta ra m-se o utra s a ind a ma is d e va sta d o ra s. Alé m d isso , c o mo já
le m b ra m o s, o s p o b re s c o ita d o s e ra m tra ta d o s p o r mé d ic o s e c irurg iõ e s c uja
ig no râ nc ia só se ig ua la va a se u fa na tismo . O re sulta d o e ra q ue se r fe rid o e m
b a ta lha o u c o ntra ir uma d o e nç a g ra ve g a ra ntia , d e p o is d o tra ta m e nto mé d ic o , a
c e rte za d a mo rte ine vitá ve l.
So b re e sse a ssunto , tra nsc re ve mo s o c o me ntá rio d e um mé d ic o o rie nta l
c ristã o d ura nte a c o nsulta d e um c a va le iro fe rid o e d e uma mulhe r d o e nte :
...Ap re se nta ra m-me um c a va le iro q ue tinha um a b sc e sso e m uma p e rna
e uma d o na a flita p e lo d e finha me nto . Fiz um e mp la stro no c a va le iro , e o a b sc e sso
a b riu e me lho ro u; p re sc re vi uma d ie ta p a ra a mulhe r, c o m p o uc o te mp e ro .
Q ua nd o e is q ue c he g o u um mé d ic o fra nc o , q ue d isse : "Esse a í nã o sa b e c ura r
ning ué m". E, d irig ind o -se a o c a va le iro , p e rg unto u: "O q ue p re fe re , vive r c o m uma
só p e rna o u mo rre r c o m d ua s p e rna s? " Te nd o e ste re sp o nd id o q ue p re fe ria vive r
c o m uma só p e rna , o rd e no u: "Tra g a m-me um c a va le iro c o ra jo so e um ma c ha d o
a fia d o ". C he g a ra m o c a va le iro e o ma c ha d o , e e u e sta va a li p re se nte . O mé d ic o
c o lo c o u a p e rna so b re um p e d a ç o d e ma d e ira e d isse a o c a va le iro : "De sç a -lhe
uma ma c ha d a d a , p a ra c o rta r d e p ro nto !" E, d ia nte d e me us o lho s, d e u a p rim e ira
ma c ha d a d a e , nã o c o nse g uind o a rra nc a r a p e rna , d e u a se g und a ; a me d ula d a
p e rna jo rro u e o p a c ie nte mo rre u na ho ra . Ap ó s e xa mina r a mulhe r, e le d isse : "Essa
a í te m o d e mô nio na c a b e ç a , a p a ixo na d o p o r e la . C o rte m-lhe o s c a b e lo s",. Fo ra m
c o rta d o s, e e la vo lto u a c o me r o a lime nto d e le s, c o m a lho e mo sta rd a , e o
d e finha me nto a ume nto u. "O d ia b o e ntro u na c a b e ç a d e la ", se nte nc io u e le , e
p e g o u a na va lha e a b riu a c a b e ç a d e la e m fo rm a d e c ruz, e xtirp a nd o o c é re b ro
a té a p a re c e r o o sso d a c a b e ç a , no q ua l e sfre g o u sa l... e a mulhe r mo rre u na
me sma ho ra . Na q ue le mo me nto , p e rg unte i: "Aind a p re c isa m de mim ? "
Re sp o nd e ra m q ue nã o e fui e mb o ra , d e p o is d e a p re nd e r o q ue ig no ra va d a
me d ic ina d e le s.7
Ac re sc e nte -se a isso o fa to d e q ue muito s c ruza d o s e ra m a ve nture iro s
d isp o sto s a e ntre g a r a rma s e p ro visõ e s a o inimig o e m tro c a d e d inhe iro , a ve nd e r
a mulhe r p a ra p a g a r d ívid a s d e jo g o , a truc id a r c o mp a nhe iro s p a ra d e rrub á -lo s.
Muito s fo ra m o b rig a d o s a p a rtir p a ra a Pa le stina , m a is d o q ue p o r um ro m p a nte d e
fé , p e la lâ mina q ue p e nd ia so b re sua s c a b e ç a s junto c o m uma se nte nç a d e
e nfo rc a me nto .
E a s sua s nã o e ra m c a b e ç a s q ua isq ue r. Muita s ve ze s, tra ta va -se d e
no b re s fa lid o s e a mb ic io so s q ue tinha m c o mo únic o o b je tivo a riq ue za p e sso a l e
q ue nã o se d e tinha m d ia nte a ne nhuma to rp e za d e sd e q ue c o nc re tiza sse m se us
inte nto s. Vira m-se b a ta lha s e ntre e xé rc ito s d e c ruza d o s riva is p e la p o sse d e um a
c id a d e , a lia nç a s e ntre p rínc ip e s c ristã o s e e mire s turc o s. Muito s no b re s c ruza d o s
p e rmitira m q ue se us c o mp a nhe iro s d e a rma s fo sse m truc id a d o s se m le va nta r um
d e d o , p o r q ue stõ e s d e riva lid a d e .
O mo d e lo d a s c ruza d a s tinha fe ito e sc o la . E, a ssim , q ua nd o o p a p a
Ino c ê nc io III d e c id iu d e te r a he re sia c a ta ra e va ld e nse , d e c re to u e m 1209 uma
ve rd a d e ira c ruza d a no sul d a Fra nç a , q ue d uro u vinte a no s e ma ssa c ro u d e ze na s
d e milha re s d e p e sso a s. O s c á ta ro s e ra m c ulp a d o s d e p ro p a g a r uma vid a
c o munitá ria p a c ífic a e so lid á ria , re sp e ita nd o o s e nsina me nto s d e Je sus e
re c usa nd o -se a re c o nhe c e r "o p o d e r p o r vo nta d e de De us" d a Ig re ja . O
p o ntific a d o d e Ino c ê nc io III ma rc a ta mb é m o a ug e d o p o d e r te mp o ra l d o
p a p a d o . O p a p a p a ssa va a se r um so b e ra no p a ra to d o s o s e fe ito s, e o Esta d o d a
Ig re ja to rna -se uma ve rd a d e ira p o tê nc ia e uro p é ia . C o mo to d o s o s so b e ra no s, o
b isp o d e Ro ma p o ssuía te rritó rio s e e xé rc ito s, d e c la ra va g ue rra e re a liza va
a lia nç a s. Vá rio s re ino s se re c o nhe c ia m c o mo va ssa lo s d a Sa nta Sé e p a g a va m
c o nsp íc uo s trib uto s a Ro ma .
Alé m d isso , o p a p a utiliza va o p ró p rio p o d e r e sp iritua l p a ra o rie nta r a
p o lític a d o s Esta d o s a e le a linha d o s. Se um re i e ra e xc o mung a d o , p e rd ia
a uto ma tic a me nte o d ire ito d e c o b ra r o b e d iê nc ia d o s súd ito s e va ssa lo s. Po d e -se
c o nc luir, a ssim, q ue o s so b e ra no s c ristã o s p e nsa va m d ua s ve ze s a nte s d e p isa r no
p é d a Sa nta Sé . Em suma , o p a p a d o a c o lhe u p o r c o mp le to a he ra nç a c rimino sa
d o Im p é rio Ro m a no . Ho uve a té um p a p a , Júlio II, q ue e nc o me nd o u uma
a rma d ura p a ra c o nd uzir se us p ró p rio s e xé rc ito s na s b a ta lha s.
A Ig re ja e sc ra vista

C he g a nd o a e ste p o nto , a Ig re ja , fa minta p o r e xp a nsã o , p a sso u a


d e d ic a r-se à s c o nq uista s c o lo nia is. Sã o o s sa c e rd o te s o s p rime iro s c o lo niza d o re s d a
Áfric a ne g ra . Enc o ntra mo s p a d re s, a o la d o d o s c o nq uista d o re s e sp a nhó is, q ue
ma ssa c ra ra m o s índ io s d a Amé ric a . Fo ra m o s p a d re s q ue o rg a niza ra m o c o mé rc io
d e e sc ra vo s.
Na ve rd a d e , fo i o p ró p rio Esta d o d a Ig re ja q ue o rd e no u, e m 1344, a
c o nq uista d a s Ilha s C a ná ria s. E, p ro va ve lm e nte , fo i o b isp o De La s C a sa s, a p ó s a
c o nq uista d a Amé ric a , q ue sug e riu q ue o s ind íg e na s, q ue nã o sup o rta va m o
tra b a lho ma ssa c ra nte e a s d o e nç a s le va d a s p e lo s c o lo no s, fo sse m sub stituíd o s p o r
a fric a no s.8 Assim , d e sd e o iníc io d e 1500, o s missio ná rio s d a Áfric a c o m e ç a ra m a
o rg a niza r a e xp o rta ç ã o d e e sc ra vo s p a ra a Am é ric a , e q uip a nd o o s na vio s
"missio ná rio s" p a ra ta l fim. Fa la -se d e d e ze na s d e milhõ e s d e a me rínd io s mo rto s e m
b a ta lha o u a p risio na d o s, e xte rmina d o s p o r d o e nç a s e p e lo c a nsa ç o . O d e sa stre
fo i ta ma nho q ue se c a lc ula q ue , só no Mé xic o , a p o p ula ç ã o te nha p a ssa d o d e 25
milhõ e s d e índ io s, e m 1520, a me no s d e um milhã o e me io e m 1595.
C a lc ula r o ma ssa c re o c o rrid o com o c o mé rc io de e sc ra vo s é
imp e nsá ve l. Fa la -se d e p e lo me no s vinte milhõ e s d e p e sso a s le va d a s p a ra a
Amé ric a . A e xp e c ta tiva d e vid a d e la s, a p a rtir d o mo me nto d o d e se mb a rq ue , e ra
d e se te a no s. Ma s, p a ra c a d a ne g ro q ue c he g a va à Amé ric a c o mo e sc ra vo , no ve
p risio ne iro s m o rria m d ura nte a c a p tura , a via g e m a té o p o rto d e e m b a rq ue o u a
tra ve ssia .' Po rta nto , p o d e -se fa la r e m 190 milhõ e s d e mo rto s. Ma s a c o nta é b e m
ma is d ra má tic a : a s c o ntínua s inc ursõ e s d o s e sc ra vista s p o r q ua se tre ze nto s a no s
d e struíra m a e c o no mia d e va sta s á re a s d a Áfric a , p riva nd o p o p ula ç õ e s inte ira s d e
sua me lho r mã o -d e -o b ra , o q ue fe z milhõ e s d e p e sso a s mo rre re m d e fo me ,
e p id e mia s e e xa ustã o . Era p o ssíve l p e rc o rre r c e nte na s d e q uilô me tro s e m m e io à s
ruína s d o q ue um d ia fo ra m c iviliza ç õ e s b rilha nte s e c ultura lme nte e vo luíd a s e nã o
e nc o ntra r um únic o so b re vive nte , a p e na s o sso s q ue b rilha va m so b o so l.
O ho rro r d o c o lo nia lism o te ve no s missio ná rio s se us m a is fe ro ze s
d e fe nso re s. Este s se d e d ic a ra m a e xtirp a r a s re lig iõ e s tra d ic io na is d o s p o vo s
sub jug a d o s c o m a vio lê nc ia e a to rtura . C he g a ra m a té a imp e d ir q ue a s c ria nç a s
fa la sse m sua líng ua -mã e , p unind o -a s c o m c a stig o s c o rp o ra is.
E p a ra e nte nd e r c o mo o s p a d re s b ra nc o s p o d ia m se r d e suma no s, b a sta
le mb ra r q ue muita s ve ze s e ra m e nvia d o s à s missõ e s sa c e rd o te s ma nc ha d o s p o r
c rime s g ra ve s e q ue e ra m c o nsid e ra d o s ind ig no s p a ra re a liza r se u o fíc io na Euro p a .
Ele s a b e nç o a ra m to d a s a s fo rma s ma is infa me s d e a p a rthe id . Em muito s p a íse s d a
Áfric a , p o r e xe mp lo , o s ne g ro s e ra m p ro ib id o s d e c o me rc ia liza r c o m o s b ra nc o s o u
d e c ultiva r ho rta liç a s o u c e re a is na s á re a s e m q ue a m o no c ultura d o s la tifund iá rio s
b ra nc o s e ra o b rig a tó ria . Pla nta r a b ó b o ra s c usta va um a d a s m ã o s na p rim e ira ve z,
um p é na se g und a e , na te rc e ira , a c a b e ç a . A ra zã o d e ta nta b ruta lid a d e e ra
sim p le s: a ssim , o s na tivo s e ra m o b rig a d o s a se d e d ic a r à mo no c ultura e a ve nd e r
se u p ro d uto a o s p a trõ e s b ra nc o s e m tro c a d e c o mid a . Entã o , se q uise sse m
so b re vive r, te ria m d e ve nd e r a o s b ra nc o s se m p o d e r d isc utir o p re ç o . O u
a c e ita va m o u m o rria m . E se a na lisa rm o s a s c o nd iç õ e s e m q ue muito s p a íse s d o
Te rc e iro Mund o se e nc o ntra m ho je , nã o p o d e re mo s d e ixa r d e ve r, na misé ria e na
vio lê nc ia a tua is, a ma rc a d e sé c ulo s d e e xp lo ra ç ã o . Na e sc o la , nã o a p re nd e mo s
na d a so b re o c o lo nia lismo e o p a p e l d a Ig re ja ne le .
O s ing le se s, p o r e xe mp lo , e sp e c ia liza ra m-se no trá fic o de d ro g a s,
ve nd e nd o e no rme s q ua ntid a d e s d e ó p io à C hina . Po r trê s ve ze s, o im p e ra d o r
c hinê s p ro ib iu e ste c o m é rc io e, po r trê s ve ze s, c a nho ne iro s ing le se s
b o mb a rd e a ra m o s p o rto s c hine se s p a ra imp o r sua lib e rd a d e d e ve nd e r d ro g a .
Fo ra m a s fa mo sa s G ue rra s d o Ó p io : e m 1848, e m 1856 e e m 1858. E te nha m
c e rte za d e q ue o c humb o d o s c a nhõ e s e ra a b e nç o a d o .
Fina lm e nte , nã o p o d e mo s no s c a la r a re sp e ito d o p a p e l q ue a Ig re ja
te ve a o a p o ia r o na zismo , o fa sc ismo , o e xte rmínio d o s jud e us, o s ma ssa c re s d a
G ue rra Esp a nho la , e d o sup o rte d a d o p o r b o a p a rte d o c le ro c ristã o a to d a s a s
m a is infa m e s d ita d ura s d o p la ne ta . Sa c e rd o te s c a tó lic o s a b e nç o a ra m os
to rtura d o re s e o s e sq ua d rõ e s d a mo rte no C hile , na G ré c ia , no Bra sil, no Pe ru, na
Bo lívia , na Arg e ntina , na Ind o né sia . E me smo o p a p a Wo ityla ma nd o u c a rta s
d e mo nstra nd o a p re ç o e b ê nç ã o s a d ita d o re s sa ng uiná rio s c o mo Pino c he t (q ue
c o nhe c e u p e sso a lme nte d ura nte uma d e sua s vá ria s via g e ns).
De dic o e ste livro a o me u p a i, q ue d e sd e q ue e u e ra p e q ue no me
c o nta va a s lo uc ura s d o s c ruza d o s e q ue a judo u e no rme me nte na re a liza ç ã o
de ste livro .

C APÍTULO 1

O s prim e iro s c ristã o s e o a dve nto de Pa ulo

Je sus, pro fe ta jude u

Se Je sus, o "C risto ", e ra re a lme nte o Me ssia s e sp e ra d o p e lo s jud e us, o


De us fe ito Ho me m, c o mo c rê e m o s c ristã o s, é uma q ue stã o d e fé p a ra a q ua l nã o
é p o ssíve l d a r uma re sp o sta o b je tiva e d e finitiva .
O ho me m Je sus p ro va ve lme nte e ra um p ro fe ta jud e u, um d o s ta nto s
p re g a d o re s q ue , na Pa le stina d o sé c ulo I d .C , a nunc ia va e e sp e ra va o a d ve nto d o
Re ino d e De us.1 O te rmo "Re ino d e De us" nã o e ra uma me tá fo ra : Je sus e o utro s
p re g a d o re s re a lme nte a c ha va m q ue De us, o u um e nvia d o se u, d e sc e ria à Te rra e
c ria ria um no vo o rd e na me nto p o lític o -so c ia l, vira nd o d o a ve sso o q ue nó s ho je
c ha ma mo s d e "re la ç õ e s d e c la sse " ("O s p rim e iro s se rã o o s último s, e o s último s
se rã o o s p rim e iro s.").2
Trê s e le m e nto s imp o rta nte s, p e lo me no s d e a c o rd o c o m o s e va ng e lho s
c a nô nic o s, d ife re nc ia va m Je sus d e o utro s p ro fe ta s e p re g a d o re s d e se u te mp o , e
ta lve z a té d e a lg uns d e se us p ró p rio s se g uid o re s: o fa to d e q ue Je sus nã o p re g a va
a luta a rma d a ; a imp a c iê nc ia c o m re la ç ã o à e xa g e ra d a me nte ríg id a o b se rvâ nc ia
e xte rio r d o s p re c e ito s jud a ic o s, à q ua l se c o ntra p ô s um e sta d o d e p ure za inte rio r —
"O q ue e ntra p e la b o c a nã o to rna o ho me m im p uro , m a s sim o q ue sa i d a b o c a ,
isto é q ue to rna o ho me m imp uro !"3 —; a a c e ita ç ã o d a s mulhe re s e ntre se us
se g uid o re s, c o isa imp e nsá ve l na s e sc o la s ra b ínic a s d a é p o c a .4
O s prim e iro s c ristã o s

O s d isc urso s d e Je sus tinha m e vid e nte s im p lic a ç õ e s so c ia is. Ele e xa lta va
o s d e sfa vo re c id o s, o s p o b re s, fa la va p a ra Pe sso a s q ue o s jud e us c o nse rva d o re s
c o nsid e ra va m "into c á ve is": c o le to re s d e im p o sto s, a d últe ra s, p a g ã o s, sa ma rita no s
(o s sa ma rita no s ha via m re a liza d o uma e sp é c ie d e c isma d e ntro d o jud a ísmo e ,
p o rta nto , e ra m o d ia d o s p e lo s jud e us).
O s a p ó sto lo s e o s p rime iro s se g uid o re s d e C risto vivia m e m c o munid a d e :
"To d o s a q ue le s q ue se to rna ra m c re nte s fic a va m junto s e tinha m tud o e m c o mum ;
q ue m p o ssuía p ro p rie d a d e s e b e ns o s ve nd ia e d ivid ia c o m to d o s, d e a c o rd o c o m
a s ne c e ssid a d e s d e c a d a um".5
De a c o rd o c o m a s Sa g ra d a s Esc ritura s, o ric o c o nve rtid o Ana nia s
e ntre g o u a o s a p ó sto lo s a p e na s uma p a rte d e se us b e ns, e sc o nd e nd o o re sta nte .
Po r e ste g ra ve p e c a d o , e le te ria mo rrid o no me smo insta nte .6
A do utrina de Pa ulo

O c ristia nismo p ro va ve lme nte te ria uma histó ria b e m d ife re nte d a q ue
nó s c o nhe c e mo s se nã o tive sse c ruza d o se u d e stino um p e rso na g e m c o mp le xo e
miste rio so .
Sa ulo d e Ta rso , c ha ma d o d e Pa ulo na C ilíc ia , e ra a o me smo te mp o
jud e u e se g uid o r d a c o rre nte d o s fa rise us, d isc íp ulo d o g ra nd e me stre G a ma lie l e
c id a d ã o ro ma no d e sd e o na sc im e nto .7
De iníc io , e ra um p e rse g uid o r c o nvic to d o s c ristã o s, a p ro va nd o o
a p e d re ja me nto d o p rim e iro má rtir, Estê vã o . Entã o , fo i "ilumina d o na e stra d a p a ra
Da ma sc o " e se c o nve rte u, trilha nd o um a rá p id a c a rre ira d e ntro d a inc ip ie nte
Ig re ja c ristã , a té o b te r o título d e "a p ó sto lo ".
Se g und o a lg uns e stud io so s, Pa ulo fo i o inve nto r d o c ristia nismo , a q ue le
q ue d e turp o u o s e nsina me nto s d o p ro fe ta jud e u Je sus e o s tra nsfo rmo u e m uma
re lig iã o unive rsa l.8
C o m c e rte za , Pa ulo c o ntrib uiu ma is d o q ue q ua lq ue r o utro p a ra a
d ifusã o d a no va re lig iã o , a té me smo e ntre o s nã o -jud e us e no inte rio r d a s p rime ira s
c o munid a d e s c ristã s, o p o nd o -se vig o ro sa me nte a o s jud e us-c ristã o s, o u se ja ,
à q ue le s q ue c o nsid e ra va m a o b se rvâ nc ia d a le i mo sa ic a re q uisito fund a me nta l
p a ra q ue a lg ué m se to rna sse c ristã o .
Na Ep ísto la a o s G á la ta s, e le e sc re ve u: "Nã o e xiste m a is jud e u o u g re g o ,
nã o e xiste ma is e sc ra vo o u lib e rto ; nã o e xiste ma is ho me m o u mulhe r, p o is vo c ê s
to d o s sã o um só e m Je sus C risto ".9 O e sc ra vo O né simo le vo u a sé rio ta is p a la vra s,
fug iu d e se u me stre Filê mo n, ric o p ro p rie tá rio c o nve rtid o e xa ta me nte p o r Pa ulo , e
b usc o u re fúg io c o m o a p ó sto lo . Ma s Pa ulo o ma nd o u d e vo lta a o "re me te nte ",
a c o mp a nha d o d e uma c o mo ve nte c a rta e m q ue c ha ma va O né simo d e "filho " e
c o nvid a va Filê mo n a tra tá -lo c o mo "irmã o ".10 Nã o sa b e mo s se o ric o Filê mo n
a c e ito u o c o nvite o u se m a to u o p o b re O né simo . Aliá s, e sta e ra a p e na p re vista
p a ra o s e sc ra vo s fujõ e s.
C o m c e rte za , Pa ulo c o nsid e ra va p e rfe ita m e nte a d missíve l q ue um ric o
se nho r d e e sc ra vo s a d e risse a o c ristia nismo se m p a g a r o imp o sto d a re núnc ia a o s
b e ns te rre no s.
A ig ua ld a d e q ue p re g a va va lia no níve l e sp iritua l, o u p e lo me no s se
o p e ra ria no fina l d o s te m p o s, q ue m uito p ro va ve lme nte c o nsid e ra va imine nte . Na
Te rra e no p re se nte , a s d ife re nç a s c o ntinua va m a e xistir, e e ra justo q ue a ssim
fo sse .
Na Prim e ira Ep ísto la a o s C o ríntio s (7, 20-24), Pa ulo se nte nc ia : "Q ue c a d a
um fiq ue no e sta d o e m q ue fo i c ha ma d o . Fo ste c ha ma d o se nd o e sc ra vo ? Nã o te
d ê c uid a d o ; ma s se a ind a p o d e s to rna r-te livre , a p ro ve ita a o p o rtunid a d e ! Po is
a q ue le q ue fo i c ha ma d o no Se nho r, me smo se nd o e sc ra vo , é um lib e rto d o
Se nho r; e a ssim ta mb é m , o q ue fo i c ha ma d o se nd o livre , e sc ra vo é d e C risto . Po r
p re ç o fo ste s c o mp ra d o s; ma s vo s fa ç a is e sc ra vo s d e ho me ns!"
O c o nc e ito é re p e tid o e m Efé sio s 6, 5: "Esc ra vo s, o b e d e c e i a o s vo sso s
se nho re s c o m d e vo ç ã o e te mo r, se rvi c o m so lic itud e , c o mo se se tra ta sse d o
p ró p rio Se nho r, e nã o d e ho me ns".
O q ue va lia p a ra o s e sc ra vo s ta mb é m va lia p a ra a s mulhe re s: "As
mulhe re s se ja m sub missa s a se us ma rid o s c o mo a o Se nho r, p o is o ma rid o é o c he fe
d a mulhe r, c o mo C risto é o c he fe d a Ig re ja , a q ue le q ue é o sa lva d o r d e se u c o rp o .
E c o mo a Ig re ja é sub missa a C risto , a ssim ta mb é m o se ja m e m tud o a s mulhe re s a
se us ma rid o s".11
"C o m o e m to d a s a s c o m unid a d e s d e fié is, q ue a s mulhe re s se c a le m na s
a sse m b lé ia s, p o is nã o lhe s é p e rmitid o fa la r; q ue e ste ja m sub missa s, c o m o d iz a le i.
Se q uise re m a p re nd e r a lg o , q ue p e rg unte m e m c a sa , a se us ma rid o s, p o is nã o
c o nvé m a uma mulhe r fa la r na a sse mb lé ia ."12 Se o s p rim e iro s a p ó sto lo s tive sse m se
c o mp o rta d o a ssim, a s mulhe re s d ific ilme nte o s te ria m a visa d o d a re ssurre iç ã o d e
C risto .
E o c o nc e ito se re p e te na Prime ira Ep ísto la a Tim ó te o (2, 11-15): "A m ulhe r
a p re nd a e m silê nc io c o m to d a a sub missã o . Po is nã o p e rmito q ue a mulhe r e nsine
ne m te nha d o mínio so b re o ho me m, m a s q ue e ste ja e m silê nc io . Po rq ue p rime iro
fo i fo rm a d o Ad ã o , d e p o is Eva . E Ad ã o nã o fo i e ng a na d o , ma s a mulhe r, se nd o
e ng a na d a , c a iu e m tra nsg re ssã o ; sa lva r-se -á , to d a via , d a nd o à luz filho s, se
p e rma ne c e r c o m so b rie d a d e na fé , na c a rid a d e e na sa ntific a ç ã o , c o m
m o d é stia ."
Pa ulo , q ue p a ra o utro s a sp e c to s c o nsid e ra va a le i jud a ic a sup e ra d a (p o r
e xe mp lo , a s p ro ib iç õ e s a lime nta re s), no c a so d a s mulhe re s, a b riu uma e xc e ç ã o e
re to mo u há b ito s jud a ic o s, c o mo o c o stume d e c o b rir a c a b e ç a na s c e rimô nia s.
"O ho me m nã o d e ve c o b rir a c a b e ç a , p o is é a ima g e m e g ló ria d e De us;
a mulhe r, e m c o mp e nsa ç ã o , é a g ló ria d o ho me m. E, d e fa to , o ho me m nã o
d e riva d a mulhe r, ma s a mulhe r d e riva d o ho me m ; ne m fo i o ho me m c ria d o p e la
mulhe r, ma s a mulhe r c ria d a p e lo ho me m. Po r isso , a mulhe r d e ve usa r na c a b e ç a
um sina l d e sua d e p e nd ê nc ia , p o r c a usa d o s a njo s [...] Julg a i e ntre vó s me smo s: é
c o nve nie nte q ue uma mulhe r o re a De us c o m a c a b e ç a d e sc o b e rta ? Nã o vo s
e nsina a p ró p ria na ture za q ue é ind e c o ro so p a ra um ho me m d e ixa r o c a b e lo
c re sc e r, e nq ua nto , p a ra a mulhe r, o c a b e lo c o mp rid o é uma g ló ria ? Po is a
c a b e le ira fo i-lhe d a d a no lug a r d o vé u. Ma s se a lg ué m q uise r c o nte sta r, nã o te mo s
e sse c o stume , ne m a s Ig re ja s d e De us."13
No q ue d iz re sp e ito a o utro s a sp e c to s d a d o utrina d e Pa ulo , é p o ssíve l
e xa mina r o hino à c a rid a d e , ta lve z sua p a ssa g e m ma is c o nhe c id a , q ue d iz:
Aind a q ue e u fa la sse a s líng ua s d o s ho m e ns e d o s a njo s, se nã o tive sse
c a rid a d e , e u se ria c o mo o b ro nze q ue so a o u um sino q ue to c a . E a ind a q ue e u
tive sse o d o m d a p ro fe c ia e c o nhe c e sse to d o s o s misté rio s e to d a a c iê nc ia , q ue
p o ssuísse a p le nitud e d a fé c a p a z d e mo ve r mo nta nha s, se nã o tive sse c a rid a d e ,
e u na d a se ria . E a ind a q ue d istrib uísse to d a minha fo rtuna e e ntre g a sse me u c o rp o
p a ra se r q ue ima d o , se nã o tive sse a c a rid a d e , na d a d isso me a d ia nta ria . A
c a rid a d e é p a c ie nte , é b e nig na a c a rid a d e ; a c a rid a d e nã o é inve jo sa , nã o se
va ng lo ria , nã o te m so b e rb a , nã o fa lta c o m o re sp e ito , nã o b usc a se us inte re sse s,
nã o se irrita , nã o g ua rd a ra nc o r, nã o se a le g ra c o m a injustiç a , e sim se re jub ila
c o m a ve rd a d e . Tud o so fre , tud o c rê , tud o e sp e ra , tud o sup o rta ."14
E a té um hino d e sinte re ssa d o p o d e , na ve rd a d e , c o nte r se g und a s
inte nç õ e s. Pa ulo o inse re d e ntro d e uma d isse rta ç ã o so b re o s "d o ns d o e sp írito " (o u
"c a risma s"), a o s q ua is d á uma e sp é c ie d e c la ssific a ç ã o , d e ixa nd o e m último lug a r
um miste rio so "d o m d a s líng ua s".
O q ue sig nific a ria ? Pa ra e nte nd ê -lo , d e ve mo s vo lta r um p a sso a trá s.
Se g und o o s Ato s, ve ja m o s o q ue a c o nte c e a o s a p ó sto lo s no d ia d e Pe nte c o ste s,
c inq üe nta d ia s d e p o is d a Pá sc o a d a re ssurre iç ã o : "De re p e nte ve io d o c é u um
ruíd o , c o mo se so p ra sse um ve nto imp e tuo so , e e nc he u to d a a c a sa o nd e
e sta va m se nta d o s. Ap a re c e ra m-lhe s e ntã o uma s e sp é c ie s d e líng ua s d e fo g o , q ue
se re p a rtira m e re p o usa ra m so b re c a d a um d e le s. Fic a ra m to d o s c he io s d o Esp írito
Sa nto e c o me ç a ra m a fa la r e m o utra s líng ua s, c o nfo rme o Esp írito Sa nto lhe s
c o nc e d ia q ue fa la sse m."15
Nã o fic a c la ro o q ue se ria e xa ta me nte o d o m d a s líng ua s: no s Ato s, é
d e sc rito c o mo a c a p a c id a d e d e e nte nd e r e se e xp re ssa r e m to d a s a s líng ua s d o
mund o , m a s ta mb é m c o mo uma fa la inc o mp re e nsíve l, d e "e mb ria g a d o s".16 O utra s
p a ssa g e ns d o No vo Te sta me nto le va m a p e nsa r e m um e sta d o d e tra nse , q ue
c o nte mp la va a e missã o d e so ns e p a la vra s d e sig nific a d o o b sc uro . Q ua lq ue r q ue
se ja a inte rp re ta ç ã o c o rre ta , na é p o c a , ta l a c o nte c ime nto e ra c o nsid e ra d o a lg o
e xtra o rd iná rio .
Pa ulo , q ue nã o fa zia p a rte d o g rup o d o s p rime iro s a p ó sto lo s, nã o
re c e b e u o d o m.
C o mo e sc re ve u o e stud io so G ilb e rto Pre ssa c c o : "Na ve rd a d e , Pa ulo , q ue
b usc a va e q ue ria um re c o nhe c im e nto o fic ia l e g e ra l d e sua na ture za d e
'a p ó sto lo ', nã o p o d ia a firma r ne m se va ng lo ria r p o r e sta r e ntre a q ue le s q ue
re c e b e ra m o Esp írito no Pe nte c o ste s, o s q ua is se to rna ra m a s p e d ra s viva s q ue
suste nta ra m o p ila r d a Ig re ja p rimitiva . Ele p o d ia , no má ximo , se g a b a r d a
e xp e riê nc ia vivid a na e stra d a d e Da ma sc o , um a re ve la ç ã o so litá ria , p a rtic ula r e ,
ta lve z, d úb ia p a ra a q ue la Ig re ja q ue e le p o r ta nto te mp o p e rse g uira (a s
Pse ud o c le me ntina s c he g a m a insinua r q ue se tra ta va d e uma re ve la ç ã o d o
d ia b o , e nã o d e C risto ).
De finitiva me nte , a ho stilid a d e d e Sã o Pa ulo só p o d e c o nfirma r uma
d o lo ro sa se nsa ç ã o de infe rio rid a d e em ra zã o da nã o -p a rtic ip a ç ã o no
a c o nte c ime nto fund a me nta l d a Ig re ja , no q ua l fo ra d a d o um d o m q ue e le nã o
p o ssuía e q ue , no e nta nto , e ra fre q üe nte e ntre o s p rime iro s c ristã o s."17
Po r isso , Pa ulo e xa lta va o a mo r c o mo a ma io r d e to d a s a s virtud e s. Ma s,
a p e sa r d isso , e le p a re c ia te r p é ssimo g ê nio : d ura nte uma via g e m missio ná ria ,
b rig o u c o m o c o mp a nhe iro Ba rna b é d e ta l fo rma q ue o s d o is p ro sse g uira m e m
d ire ç õ e s d ife re nte s; Ba rna b é , p o r ma r a té C hip re , e Pa ulo , p o r te rra , p e la Síria e a
C ilíc ia .18 E na s c a rta s nã o fa lta m a lfine ta d a s no s o utro s a p ó sto lo s.
Ele c he g o u a a c usa r p ub lic a me nte d e hip o c risia Pe d ro , o c he fe d a
Ig re ja .
Q ue m na rra o e p isó d io é o p ró p rio Pa ulo : "Ma s q ua nd o C e fa (Pe d ro )
c he g o u a Antió q uia , e u me o p us a b e rta me nte a e le , p o is é e vid e nte q ue e sta va
e rra d o . De fa to , a nte s q ue c he g a sse m a lg uns a mig o s d e Tia g o , e le fa zia a s
re fe iç õ e s junto c o m o s p a g ã o s; ma s d e p o is q ue e ste s c he g a ra m , c o me ç o u a
e vitá -lo s e a se ma nte r a fa sta d o , p o r me d o d o s c irc unc id a d o s. E o utro s jud e us
ta m b é m o imita ra m na simula ç ã o , a ta l p o nto q ue a té Ba rna b é d e ixo u-se a tra ir
p e la sua hip o c risia . Q ua nd o vi q ue nã o se c o mp o rta va m c o rre ta me nte , se g und o
a ve rd a d e d o e va ng e lho , d isse a C e fa , na p re se nç a d e to d o s: 'Se vo c ê , q ue é
jud e u, vive c o mo o s p a g ã o s, e nã o à ma ne ira d o s jud e us, c o mo p o d e o b rig a r o s
p a g ã o s a vive r à ma ne ira d o s jud e us? '"19
Aq ui se a c e na o c o nflito e ntre o s jud e us-c ristã o s, q ue c o nsid e ra va m um
d e ve r se g uir a le i mo sa ic a (q ue , e ntre o utra s c o isa s, tinha re g ra s muito ríg id a s
a c e rc a d o s a lime nto s e sua p re p a ra ç ã o ), e a q ue le s q ue , a o c o ntrá rio ,
c o nsid e ra va m ta l le i sup e ra d a . Na p rá tic a , Pa ulo c ritic a va Pe d ro p o r fic a r e m c ima
d o muro , te nta nd o nã o d e sa g ra d a r ne nhuma d a s d ua s fa c ç õ e s.
Ma s o p ró p rio Pa ulo , e m o utra s o c a siõ e s, se c o mp o rta d e ma ne ira
a ná lo g a : ma nd a c irc unc id a r um se g uid o r se u;20 q ua nd o o s jud e us-c ristã o s o
a c usa m d e te r a b a nd o na d o a le i mo sa ic a , re a g e a c e ntua nd o g e sto s e xte rio re s d e
o b se rvâ nc ia a o s p re c e ito s jud a ic o s;21 p ro íb e q ue se c o ma c a rne p ro ve nie nte d e
sa c rifíc io s p a g ã o s (m uito imp ura p a ra o s jud e us p ra tic a nte s) se o a to "e sc a nd a liza r"
o s o utro s c o me nsa is.22 Fina lme nte c o nfe ssa : "Eu a g i c o mo jud e u e ntre o s jud e us
p a ra g a nha r o s jud e us; c o m a q ue le s q ue o b e d e c e m à le i [jud a ic a ], to rne i-me
a lg ué m o b e d ie nte à le i, me smo nã o o se nd o , c o m o p ro p ó sito d e g a nha r a q ue le s
q ue o sã o . C o m a q ue le s q ue nã o tê m le i, to rne i-m e a lg ué m se m le i, me sm o nã o
se nd o a lhe io à le i d e De us, o u m e lho r, se g uind o a le i d e C risto , p a ra g a nha r
a q ue le s q ue nã o tê m le i. To rne i-me fra c o c o m o s fra c o s, p a ra g a nha r o s fra c o s; fui
tud o p a ra to d o s, p a ra sa lva r a lg ué m a to d o c usto ."23
Ap e sa r d e se u ze lo e d e se u a tivismo , a s mulhe re s a ind a fa la ria m p o r
muito te mp o na s a sse mb lé ia s e , e m a lg uns c a so s, te ria m a té "d ita d o le is". Muito s
c ristã o s nã o tive ra m d e e sp e ra r o juízo unive rsa l p a ra te nta r c ria r uma so c ie d a d e
ma is justa .
Em p o uc o m a is d e c e m a no s, o c ristia nism o se d ifund iu p o r to d a p a rte ,
no Im p é rio Ro ma no e a lé m. Ha via c o munid a d e s c ristã s na Euro p a , na Ásia e na
Áfric a .
O s p rim e iro s c ristã o s e ra m e sc ra vo s, lib e rto s (o u se ja , a lfo rria d o s),
mulhe re s, tra b a lha d o re s e a rte sã o s, na ma io ria d a s ve ze s d e o rig e m o rie nta l e d e
líng ua g re g a . Ma s e m sua s c o munid a d e s nã o fa lta va m inte le c tua is, p e sso a s d e
p o sse s e a té e xp o e nte s d a s fa mília s p a tríc ia s.24 Po r c o e rê nc ia c o m a p ró p ria fé ,
nã o a d o ra va m o u o fe re c ia m sa c rifíc io s à s d ivind a d e s ro ma na s. O s p rim e iro s
c ristã o s se c o nsid e ra va m c id a d ã o s d o Re ino d o s C é us e "e stra ng e iro s" ne sta
Te rra .25 Tã o e stra ng e iro s, q ue muito s c o nsid e ra va m p e c a d o e xe rc e r funç õ e s
p úb lic a s.
"Pe rg unte -se so b re o tra b a lho d o s c a te c úme no s", e sc re via , p o r e xe mp lo ,
Sã o Hip ó lito d e Ro ma , "se a lg um é d e sfruta d o r d e mulhe re s, o u sa c e rd o te d e
íd o lo s, o u g la d ia d o r, o u ma g istra d o c o m g lá d io e ma nto , q ue d e ixe a p ro fissã o o u
se ja a fa sta d o [d a Ig re ja ] ".26 Va le no ta r q ue a p ro fissã o d e ma g istra d o é c o lo c a d a
no me smo p a ta ma r q ue a d o s q ue d e sfruta m d a p ro stituiç ã o o u d o s c o mb a te s
lúd ic o s.
É im p o ssíve l e sta b e le c e r c o m e xa tid ã o o p e rc e ntua l d e c ristã o s e ntre o s
súd ito s d o Im p é rio , m a s c e rta m e nte d e via se tra ta r d e um fe nô me no d e g ra nd e s
p ro p o rç õ e s.
Te rtulia no , um d o s p rim e iro s e sc rito re s la tino s d o sé c ulo II, a ssim re p ro va va
o s ma g istra d o s ro ma no s: "Po d e ría mo s te r luta d o se m a rma s c o ntra vo c ê s, se m no s
re b e la rmo s, ma s a p e na s c o m no sso d isse nso , c o m a ho stilid a d e d e uma se c e ssã o .
Se , d e fa to , no s se p a rá sse mo s e m g ra nd e núme ro d e vo c ê s p a ra no s re fug ia rmo s
e m a lg um c a nto re mo to d a Te rra , a p e rd a d e ta nto s c id a d ã o s mina ria sua
d o mina ç ã o , p unind o -a c o m a ruína to ta l. Entã o te ria m te rro r d e sua so lid ã o , d o
silê nc io d a na ture za e d o e stup o r d e um mund o já mo rto , p ro c ura ria m q ue m
ma nd a , ma s te ria m ma is inimig o s d o q ue c id a d ã o s."27 Um e xa g e ro , é c la ro , ma s
c o m um fund o d e ve rd a d e .
As a uto rid a d e s ro ma na s re p uta va m sub ve rsivo q ua lq ue r mo vime nto q ue
a g re g a sse lo ng e d e se u c o ntro le g rup o s p o p ula re s e e xp o e nte s d a a risto c ra c ia .28
Alé m d isso , c o nsid e ra va m a ma nute nç ã o d o s c ulto s tra d ic io na is um e le me nto d e
e sta b ilid a d e ind isp e nsá ve l à p ró p ria vid a d o Esta d o , ta nto q ue o sa c rilé g io e a
nã o -o b se rvâ nc ia d o s rito s c o nstituía m um c rime c o mp a rá ve l à tra iç ã o . Enfim ,
te mia m d e fo rma e xtre ma o s p e rig o s d a se c e ssã o : "Ro ma nunc a c o nse g uiu se
re c up e ra r d o susto d a se c e ssã o d o s p le b e us no p e río d o re p ub lic a no . O te rro r d a
se c e ssã o e m Ro ma é uma c o nsta nte p sic o ló g ic a q ue d e se mp e nha um p a p e l
histó ric o d e no tá ve l re le vâ nc ia ."29
O s c ristã o s re unia m a s c a ra c te rístic a s q ue o p o d e r im p e ria l te mia , o q ue
e xp lic a a s p e rse g uiç õ e s p e rió d ic a s d a s q ua is fo ra m vítima s no c urso d e d uze nto s
a no s, d e 112 a té 311.
O utro e le me nto c a ra c te riza va o s c ristã o s, p e lo me no s no s d o is p rime iro s
sé c ulo s: a e sp e ra d e um a p o c a lip se imine nte . De us d e sc e ria so b re a Te rra e fa ria
justiç a . Ele s, o s p e rse g uid o s, iria m se se nta r e m tro no s à d ire ita d o Pa i, e d e lá
a ssistiria m a o sup líc io d e se us d o mina d o re s.
Ma is uma ve z, é p re c iso d ize r q ue e sta e o utra s visõ e s d e sc rita s p o r
a uto re s d e o rig e m c ristã nã o e ra m uma me tá fo ra , ma s d e ve ria m se r lid a s
lite ra lm e nte .™
O nã o -c um p rim e nto das p ro fe c ia s a p o c a líp tic a s e a suc e ssiva
"c o nsta ntiniza ç ã o " d o c ristia nismo (ve r o s p ró ximo s c a p ítulo s) tra nsp o rta ria m e ssa s
e sp e ra nç a s p a ra muito lo ng e no te mp o e no e sp a ç o , a um lo c a l to ta lme nte
d e slig a d o d e ste mund o .
Ma s, a p e sa r d isso , nunc a se c o nse g uirá "no rma liza r" c o mp le ta me nte o
c ristia nismo . Em c a d a p e río d o , ha ve rá p e sso a s o u mo vime nto s, o s "he re g e s", q ue
se o p o rã o à tra nsfo rma ç ã o d a Ig re ja e m um a p a ra to o p re ssivo d e p o d e r e q ue
te nta rã o imp la nta r a q ui na Te rra o "Re ino d o s C é us", c ria nd o ve rd a d e ira s Ig re ja s
a lte rna tiva s.

C APÍTULO 2

C o nsta ntino e a Ig re ja im pe ria l

No ta s b io g rá fic a s

C o nsta ntino na sc e e m Me sia (a a tua l Sé rvia ), p o r vo lta d e 274. Se u p a i,


C o nsta nd o C lo ro , e ra um o fic ia l d e c a rre ira ; sua mã e , Flá via He le na , c o nc ub ina d e
C o nstâ nc io , e ra uma a lb e rg ue ira , o u se ja , uma sub se rvie nte func io ná ria d a
e sta la g e m d a e sta ç ã o p o sta l.
C o nstâ nc io C lo ro d e p o is re p ud io u He le na p a ra se c a sa r c o m Te o d o ra ,
filha d o imp e ra d o r Ma ximilia no , e , no a no d e 293, e ntro u na te tra rq uia (g o ve rno d e
q ua tro ) c ria d a p o r Dio c le c ia no , p rim e iro c o m o título d e "c é sa r" (vic e -imp e ra d o r),
e , e m se g uid a , e m 305, c o m o d e "a ug usto " (imp e ra d o r p le no ).1
C o nsta ntino p a rtic ip o u d e vá ria s c a mp a nha s milita re s d ura nte o s a no s
d e juve ntud e , p rime iro a se rviç o d e Dio c le c ia no , d e p o is d e G a lé rio e , fina lme nte ,
d e se u p a i.
Q ua nd o C o nstâ nc io mo rre u, em 306, os so ld a d o s a c la ma ra m
C o nsta ntino "a ug usto ", d e so b e d e c e nd o as d isp o siç õ e s e ma na d a s de
Dio c le c ia no ,2 d a nd o um ve rd a d e iro g o lp e d e Esta d o . Se g uira m -se se is a no s d e
g ue rra c ivil e ntre o s vá rio s p re te nd e nte s a o título d e im p e ra d o r, e ntre me a d a p o r
luta s tra va d a s p a ra le va r o s b á rb a ro s a té a s fro nte ira s.
Pa ra c o nso lid a r se u p o d e r, C o nsta ntino d e sp o so u Fa usta , filha d e
Ma ximilia no , e sta b e le c e nd o c o m e le uma a lia nç a p a ra re ina re m junto s no
O c id e nte . Ma s o c a sa me nto e o p a c to nã o o im p e d ira m d e a ta c a r e m a ta r
Ma ximilia no e m 310.
No m e smo a no , d e a c o rd o c o m um e sc rito c o me mo ra tivo d a é p o c a ,
C o nsta ntino visito u um te mp lo d e Ap o io , na G á lia , o nd e o p ró p rio d e us a p a re c e u
e c o lo c o u ne le uma c o ro a d e lo uro s.3 O me smo e sc rito c ria uma g e ne a lo g ia q ue
e sta b e le c ia q ue C o nstâ nc io , p a i d e C o nsta ntino , nã o e ra ho me m d e o rig e m
humild e , ma s filho d o im p e ra d o r C lá ud io II.
Em 311, o s p re te nd e nte s a o título d e "a ug usto " e ra m q ua tro : C o nsta ntino
e Ma g ê nc io , filho d e Ma ximilia no , no O c id e nte , e Va lé rio Lic ínio e Ma ximino Da ia
no O rie nte . C o nsta ntino se a lio u a Lic ínio , c o nc e d e nd o -lhe a mã o d e sua irmã ,
C o nstâ nc ia , e ma rc ho u rumo à Itá lia c o ntra Ma g ê nc io . Em 312, na q ue la q ue é
le mb ra d a c o mo a Ba ta lha d a Po nte Mílvio , ma s q ue na ve rd a d e se inic io u e m
Sa xa Rub ia , C o nsta ntino d e rro to u Ma g ê nc io , q ue mo rre u d ura nte a re tira d a ,
to rna nd o -se , a ssim, únic o se nho r d o O c id e nte . Em 313, e le e Lic ínio p ro mulg a ra m o
Ed ito d e Milã o , q ue a sse g ura va lib e rd a d e d e c ulto a o s c ristã o s e tra nsfo rma va o
c ristia nismo e m um a d a s re lig iõ e s o fic ia is d o Im p é rio Ro m a no . Inic ia va -se o
p ro c e sso d e inte g ra ç ã o d o s c ristã o s à so c ie d a d e ro ma na e à o rg a niza ç ã o d o
Esta d o .
A lib e rd a d e d e c ulto d a d a a o s c ristã o s se ria o p re te xto p a ra a luta p e lo
c o ntro le d o O rie nte e ntre Ma ximino (p e rse g uid o r d o s c ristã o s) e Lic ínio (q ue ,
m e sm o nã o se nd o b a tiza d o , a g ia c o m o d e fe nso r d o s c ristã o s). A g ue rra no
O rie nte se e nc e rra c o m a vitó ria d e finitiva d e Lic ínio e o suic íd io d e Ma ximino .
Em 314, C o nsta ntino c o nvo c o u o C o nc ilio d e Arie s, q ue c o nd e no u
d e finitiva me nte a he re sia d o na tista (um mo vime nto c ristã o d e rig o r e xc e ssivo q ue ,
e m 311, e m C a rta g o , e le g e u um b isp o a lte rna tivo à q ue le o fic ia l e a p o ia d o p o r
C o nsta ntino ) e p e rmitiu q ue o s c ristã o s o c up a sse m c a rg o s p úb lic o s, o q ue a té
e ntã o e ra c o nsid e ra d o p e c a d o .4
Em se g uid a , a b a fo u vio le nta me nte o p ro te sto d o s a g o nista s, o u
c irc unc e liõ e s, q ue , p o r trá s d e mo tiva ç õ e s re lig io sa s, e sc o nd ia uma ve rd a d e ira
g ue rra d e c la sse s.
No me smo a no , Lic ínio se re vo lto u c o ntra C o nsta ntino . Surg iu, a ssim, uma
g ue rra q ue te ve C o nsta ntino c o mo ve nc e d o r. C o mp e lid o à re nd iç ã o , Lic ínio fo i
o b rig a d o a lhe c e d e r q ua se to d a s a s p ro vínc ia s o rie nta is, ma nte nd o a p e na s a
Trá c ia .
Em 323-324, Lic ínio se re b e lo u no va me nte e d e no vo fo i d e rro ta d o . De ssa
ve z, fo i p re so e mo rto , a p e sa r d a s súp lic a s fe ita s p o r C o nstâ nc ia a o irmã o
C o nsta ntino . A p a rtir d e e ntã o , d e sa p a re c e q ua lq ue r re síd uo d a te tra rq uia c ria d a
p o r Dio c le c ia no , e C o nsta ntino d o mina c o mo um mo na rc a to d o o Im p é rio
Ro ma no .
Em 325, a c o nte c e o fa mo so C o nc ilio d e Nic é ia , o p rime iro c o nc ilio
e c umê nic o d a Ig re ja C a tó lic a . De le p a rtic ip a ra m c e rc a d e tre ze nto s b isp o s e
p re la d o s, na ma io ria o rie nta is, se nd o p re sid id o p o r O sio , um ho me m d e c o nfia nç a
d o im p e ra d o r. As p rinc ip a is q ue stõ e s a b o rd a d a s fo ra m o d o g ma d a Trind a d e , a
re a firma ç ã o d a o rig e m d ivina d e C risto e a c o nd e na ç ã o à he re sia a ria na .
Em 326, C o nsta ntino ma nd a ma ta r se u filho p re fe rid o , o p rim o g ê nito
C risp o (c o nc e b id o c o m uma c o nc ub ina ), e , e m se g uid a , a mulhe r Fa usta .
Se g und o d iz a le nd a , Fa usta te ria a c usa d o fa lsa me nte o e nte a d o d e a sse d iá -la , e
C o nsta ntino só te ria d e sc o b e rto a ve rd a d e d e p o is.
No me smo a no , c o nd e no u à mo rte ta mb é m Lic inia no , filho d e sua irmã
C o nstâ nc ia e d e Lic ínio .
Em 330, C o nsta ntino tra nsfe riu a c a p ita l p a ra a c id a d e g re g a d e
Bizâ nc io , re b a tiza d a de C o nsta ntino p la , a p ó s se r a mp lia d a e re c o nstruíd a .
Dé c a d a s a nte s, o s im p e ra d o re s ro ma no s já tinha m tra nsfe rid o o c e ntro d e
c o ma nd o p a ra fo ra d e Ro ma , p o r mo tivo s lo g ístic o s e milita re s. C o nsta ntino fe z
a lg o a ma is: c rio u uma se g und a Ro ma , c o m o me sm o núme ro d e p a lá c io s, um
Se na d o e b e ne fíc io s ig ua is a o s d o s c id a d ã o s ro ma no s p a ra se us ha b ita nte s (c o mo
a d istrib uiç ã o g ra tuita d e trig o ). Ta lve z C o nsta ntino se se ntisse m a is se g uro e
p ro te g id o no O rie nte , p re va le nte me nte c ristã o , d o q ue e m Ro ma , o nd e o g rup o
d e se na d o re s ho stis a e le a ind a tinha muito p o d e r e influê nc ia , e q uise sse q ue se us
suc e sso re s g o ve rna sse m o Im p é rio a p a rtir d e uma no va c a p ita l, "livre " d o s a ntig o s
ra nç o s.
C o nsta ntino mo rre u e m 337. Só fo i b a tiza d o à b e ira d a mo rte , p o r um
b isp o a ria no .
A Ig re ja O rto d o xa G re g a a té ho je o ve ne ra c o mo sa nto .
Po uc o d e p o is d e sua mo rte , fo ra m e limina d o s se us me io s-irmã o s
Da lmá c io e Anib a lia no , e o Im p é rio fo i d ivid id o e ntre se us trê s filho s le g ítimo s:
C o nsta ntino II, C o nstâ nc io II e C o nsta nte .
C o nsta ntino II fo i a ssa ssina d o e m 340, e m um a e m b o sc a d a , p o uc o
d e p o is d e te nta r usurp a r o s d o mínio s d o irm ã o C o nsta nte , q ue , p o r sua ve z, fo i
mo rto a lg uns a no s d e p o is, p o r um ma ta d o r d o usurp a d o r Ma g ê nc io .
C o nstâ nc io II mo rre d e fe b re e m 346, na vé sp e ra d e um c o mb a te c o ntra
o so b rinho e riva l Julia no .
O c ristia nism o d e C o nsta ntino
Se g und o a tra d iç ã o , na vé sp e ra d a Ba ta lha d e Po nte Mílvio , C o nsta ntino
te ve uma visã o (o u ta lve z um so nho p ro fé tic o ), d ura nte a q ua l re c e b e u um b ra sã o
mila g ro so e a o rd e m c e le ste d e re p ro d uzi-lo no s e sc ud o s, p a ra o b te r a vitó ria . Esse
b ra sã o , d e p e nd e nd o d a fo nte , p o d e ria se r um "X a o c o ntrá rio , c o m a s p o nta s
d o b ra d a s" o u a s inic ia is g re g a s d o no me d e C risto , x (c hi) e p (ro ), e ntre c ruza d a s.
Muito s histo ria d o re s c o lo c a ra m e m d úvid a o u re d im e nsio na ra m a
ve ra c id a d e d o e p isó d io . Ta lve z o s so ld a d o s d e C o nsta ntino , p ro ve nie nte s d a
G á lia , usa sse m um símb o lo so la r no e sc ud o , q ue p o d e ria se r c o nfund id o c o m a
c ruz c ristã ;5 o u C o nsta ntino p o d e te r ma nd a d o g ra va r o mo no g ra ma a p e na s p a ra
d isting uir sua s tro p a s d a s d e Ma g ê nc io .6
C o m c e rte za , C o nsta ntino , na é p o c a , já tra va ra c o nta to c o m a mb ie nte s
c ristã o s. Po r e xe mp lo , o b isp o O sio , d e C ó rd o b a , já fa zia p a rte d e se u sé q uito .
É p o ssíve l ima g ina r q ue C o nsta ntino te nha a p ro ve ita d o a o c a siã o p a ra
te sta r a e fic á c ia d a no va re lig iã o e , te nd o visto q ue func io na va ,, d e c id id o a d o tá -
la , tra nsfo rma nd o o De us d o s c ristã o s e m se u p ro te to r p e sso a l.
Em se g uid a , C o nsta ntino c o nc e d e u c re sc e nte s fa vo re s, fina nc ia me nto s
e re c o nhe c im e nto s a o c ulto c ristã o . O s b isp o s, p o r e xe mp lo , fo ra m ise nto s d o
p a g a me nto d o s imp o sto s, to rna ra m-se func io ná rio s imp e ria is e a té juíze s d e
a p e la ç ã o .7 Em tro c a , o b te ve uma ing e rê nc ia c a d a ve z ma io r no s a ssunto s inte rno s
d a Ig re ja , d a q ua l se c o nsid e ra va "b isp o e xte rno ".
Ao me smo te mp o , e le a sse g uro u p o r muito s a no s, p e lo me no s
a p a re nte m e nte , a p rá tic a d o s tra d ic io na is c ulto s ro ma no s: a ssumiu o e nc a rg o d e
"Po ntífic e Má ximo ", o u se ja , g ra nd e sa c e rd o te d o c ulto p o lite ísta ro ma no ; a c e ito u
a re a liza ç ã o d e jo g o s e sa c rifíc io s a o s d e use s e m sua ho me na g e m ; ma nd o u
c unha r mo e d a s c o m a ima g e m d o So l Invic tus, o So l Invic to ; e to rno u fe ria d o o Die s
So lis, o Dia d o So l, no sso "d o ming o ". O So l Invic to e ra uma d ivind a d e a d o ra d a p o r
muito s p o vo s d o Imp é rio e p e lo p ró p rio C o nsta ntino , a nte s d a c o nve rsã o .8 Ao
me smo te mp o , e ntre ta nto , a e sfe ra so la r p o d ia se r c o nsid e ra d a um símb o lo d o
De us d o s c ristã o s e d e o utra s re lig iõ e s mo no te ísta s d o Im p é rio .
O utro sina l d o e mp e nho d e C o nsta ntino fo i a p ro m ulg a ç ã o d e le is mo ra is
muito ríg id a s. Um e xe mp lo é a se g uinte , e ma na d a e m 320.
O ho me m q ue to ma r uma mo ç a , c o m o u se m se u c o nse ntime nto , se m
a nte s te r e sta b e le c id o um a c o rd o c o m se us p ro g e nito re s [...] nã o te rá na re sp o sta
d a mo ç a ne nhuma va nta g e m d a d a p e lo d ire ito a ntig o , e a p ró p ria mo ç a se rá
c o nsid e ra d a c ulp a d a d e c ump lic id a d e no d e lito . E c o m o m uita s ve ze s a vig ilâ nc ia
d o s p a is é b urla d a p e lo s d isc urso s e c o mp o rta me nto s c a tiva nte s d a s nutrize s, q ue
so b re e la s [...] re c a ia a a me a ç a d o se g uinte c a stig o : a a b e rtura d e sua b o c a e d e
sua g a rg a nta , q ue e mitira m sug e stõ e s a rra sa d o ra s, se rá fe c ha d a c o m a ing e stã o
d e c humb o d e rre tid o . Se fo r ve rific a d o o c o nse ntime nto vo luntá rio d a virg e m, q ue
e sta se ja p unid a c o m a me sma rig id e z q ue se u ra p to r, e nã o se rá c o nc e d id a
imunid a d e ne m à s mo ç a s q ue fo re m ra p ta d a s c o ntra sua vo nta d e , p o is p o d e ria m
te r p e rma ne c id o e m c a sa a té o d ia d o c a sa me nto , e se a p o rta ho uve r sid o
a rro mb a d a p e la a ud á c ia d o ra p to r, e sta s p o d e ria m te r p e d id o a jud a a o s vizinho s
c o m se us g rito s e se d e fe nd id o a to d o c usto . Ma s, p a ra e sta s mo ç a s, c o mina mo s
uma p e na ma is le ve e o rd e na mo s q ue se ja m d e se rd a d a s p o r se us p ro g e nito re s [...]
Se o s p ro g e nito re s, p a ra q ue m a ving a nç a p e lo c rim e d e ve ria se r uma
p re o c up a ç ã o p a rtic ula r, m o stra re m to le râ nc ia e re p rimire m sua d o r, se rã o
c a stig a d o s c o m a d e p o rta ç ã o .9
Os histo ria d o re s c o nte mp o râ ne o s g a ra nte m q ue a a d e sã o ao
c ristia nismo d e C o nsta ntino fo i c o nvic ta e sinc e ra , e é p ro vá ve l q ue se ja ve rd a d e ,
se le va rmo s e m c o nsid e ra ç ã o q ue a s c o nc e ssõ e s re lig io sa s d e um o fic ia l ro ma no
d a é p o c a e ra m b e m d ife re nte s d a s no ssa s: "...a funç ã o d o im p e ra d o r é a d e se
c o lo c a r c o mo suje ito c o le tivo q ue re p re se nte to d a a c id a d e e to d o o mund o
( o rb is), na q ua lid a d e d e Imp e ra to r o rb is. De fa to , o p rim e iro e nc a rg o q ue Aug usto
re se rva a si me smo é o d e Po ntife x Ma ximus, re p re se nta nte junto à d ivind a d e q ue
c o nstitui o p a c to d a a lia nç a [...] E isso c o ntinua e m vig o r a té C o nsta ntino . Ro ma ,
p o rta nto , a tra vé s d e se us sa c e rd o te s, d e se us instituto s, d e se us c o lé g io s
c o le tiva me nte re p re se nta d o s p e lo imp e ra d o r, p e d e à d ivind a d e trê s c o isa s:
1. a fe rtilid a d e d a s mulhe re s (ta nto mã e s q ua nto Mulhe re s, p o is, p a ra o s
ro ma no s, ha via p o uc a d istinç ã o );
2. a vitó ria d o s e xé rc ito s;
3. a p a z so c ia l.
Em tro c a , o fe re c ia m o c ulto à s d ivind a d e s.
O d ire ito p e na l ro ma no te m p e na s a tro ze s p a ra o s tra nsg re sso re s d o
c ulto , p o is d e sre sp e ita r o c ulto sig nific a va d e sre sp e ita r o p a c to [...] e a
c o nse q üê nc ia d a c ha ma a p a g a d a p e la nã o -o b se rvâ nc ia d e uma ve sta l e ra a
infe rtilid a d e d a s mulhe re s, a d e rro ta d o e xé rc ito e a d e so rd e m so c ia l. Esse é o
e sq ue ma com b a se em q ue Ro ma age da Re p úb lic a a té C o nsta ntino .
C o nsta ntino , q ua nd o p ro c la ma o Ed ito d e Milã o , re a liza uma o p e ra ç ã o muito
simp le s: c o mo o s ve lho s d e use s nã o func io na va m ma is, p e nsa e m sub stituir o ve lho
Pa nte ã o p e lo d e us d o s c ristã o s, e , a o p e rc e b e r q ue o mo to r vo lta a func io na r a
p le no va p o r e se c o nve rte [...] C o nsta ntino c o ntinua p a g ã o , o u se ja , lig a d o à
me nta lid a d e re lig io sa c lá ssic a , a té sua mo rte ."10
O p rime iro C o nse lho d e Nic é ia e a s he re sia s
Po r vo lta d e 314, a o me no s d o is g ra nd e s mo vime nto s he ré tic o s surg id o s
no no rte d a Áfric a , o nd e se e nc o ntra va m a s c o munid a d e s c ristã s ma is nume ro sa s
e ric a s d o Im p é rio , p re o c up a va m C o nsta ntino .
O p rim e iro fo i o c ism a d o s d o na tista s, um m o vim e nto rig o rista , c o ntrá rio
a o s c o mp ro misso s c o m o p o d e r im p e ria l, q ue c o nta va c o m muito s p ro sé lito s e
q ue , e m 311, c he g o u a e le g e r e m C a rta g o um a ntib isp o , e m c o ntra p o siç ã o a o
le g ítimo .
C o nsta ntino , a p ó s te nta r uma me d ia ç ã o , a c a b o u a p o ia nd o o b isp o
le g ítimo C e c ilia no , sub ve nc io na nd o a Ig re ja "o fic ia l", p ro ib ind o q ue o s d o na tista s
usa sse m o s lo c a is d e c ulto e ne g a nd o o a silo p a ra a lg uns d e se us líd e re s. Em
se g uid a , se u filho C o nsta nte p ro mo ve u uma p e rse g uiç ã o a ind a ma is c rue l e
sa ng uiná ria c o ntra e le s.11
O o utro mo vime nto e ra muito ma is p e rig o so : tra ta va -se d o s a g o stinia no s,
um ve rd a d e iro e xé rc ito d e g ue rre iro s e m no me d e C risto .
Os a g o stinia no s e ra m e xp o e nte s de c la sse s p o p ula re s com
re ivind ic a ç õ e s p o lític a s e so c ia is, c o m o a lib e rta ç ã o d o s e sc ra vo s, o p e rd ã o d a s
d ívid a s e o fim d o s usurá rio s.
Ele s se o rg a niza va m e m b a ta lhõ e s a rma d o s q ue re a liza va m inc ursõ e s
a va ssa la d o ra s na s g ra nd e s p ro p rie d a d e s, inc e nd ia nd o c a sa s e ma ta nd o a s
fa mília s d o s la tifund iá rio s ma is o d ia d o s.
Fo ra m ma ssa c ra d o s p e la s tro p a s imp e ria is.
Na é p o c a d e C o nsta ntino , o utra g ra nd e d isp uta d ivid ia o c ristia nismo .
Princ ip a lme nte no O rie nte , o s c ristã o s ha via m se d ivid id o e ntre p a rtid á rio s e
a d ve rsá rio s d e Ário , um p re sb íte ro d a d io c e se d e Ale xa nd ria .
Ário e se us se g uid o re s a firma va m q ue o Filho d e De us, a o c o ntrá rio d o
Pa i e te nd o sid o p o r Ele c ria d o , te ve um iníc io ; p o rta nto , C risto re p re se nta va uma
d ivind a d e d e se g und o p la no . Fo i p a ra re so lve r e ssa q ue stã o q ue C o nsta ntino
c o nvo c o u, e m 325, e m Nic é ia (na a ntig a Turq uia ), a q ue le q ue fic o u na histó ria
c o m o o p rim e iro c o nc ilio g e ra l d a Ig re ja C a tó lic a . De le p a rtic ip a ra m m a is d e 300
b isp o s e p re la d o s, c o m e xc e ç ã o do b isp o de Ro ma , q ue ma nd o u d o is
re p re se nta nte s.
As c o nc lusõ e s d e sse p rime iro c o nc ilio fo ra m muito imp o rta nte s p a ra a
histó ria d a Ig re ja . A g ra nd e ma io ria d o s p a d re s a p ro vo u um C re d o , no q ua l se
a firma va q ue o Filho fo ra g e ra d o , e nã o c ria d o , c o m a me sma sub stâ nc ia d o Pa i
(e m g re g o , ho mo o üsio n, q ua nd o , p a ra o s a ria no s, e ra a p e na s ho mo io úsio n, o u
se ja , "d e sub stâ nc ia simila r"). Pe la p rim e ira ve z, fo i p ro c la m a d o d o g m a , o u se ja ,
ve rd a d e re ve la d a , um te rmo q ue nã o e sta va c o ntid o na s Esc ritura s (e m ne nhuma
p a ssa g e m, o No vo o u o Antig o Te sta me nto a firma m q ue o Filho é c o nsub sta nc ia i
a o Pa i).
Alé m d isso , o s Pa d re s C o nc ilia re s d e c la ra ra m sua c re nç a no Esp írito
Sa nto , tra d uç ã o d o he b ra ic o rua h, q ue e ra , no e nta nto , d e g ê ne ro fe minino .12 A
Trind a d e p ro c la ma d a p e lo C o nc ilio e ra c o nstra ng e d o ra me nte simila r à tría d e d a s
re lig iõ e s p o lite ísta s. E, p a ra surp re sa , a té o s b isp o s a ria no s a p ro va ra m o no vo
C re d o , sa lvo p o r d o is d e le s, q ue lo g o fo ra m e xila d o s.
No C o nc ilio d e Nic é ia , fo ra m to ma d a s o utra s d e c isõ e s muito im p o rta nte s
p a ra a vid a d a Ig re ja : p o r e xe mp lo , fic o u e sta b e le c id o q ue a p e na s o utro s b isp o s,
e nã o ma is a s c o munid a d e s q ue re unia m to d o s o s fié is, p o d e ria m c o nsa g ra r um
no vo b isp o . O te rritó rio d a c rista nd a d e ta mb é m fo i d ivid id o e m zo na s d e
influê nc ia , suje ita s a o p o d e r, re sp e c tiva me nte , d o s b isp o s d e Ro ma , Antió q uia e
Ale xa nd ria , q ue p a ssa ra m a se c ha ma r me tro p o lita s. A le g itima ç ã o d a a uto rid a d e
na Ig re ja nã o vinha ma is d e b a ixo p a ra c ima , ma s d e c ima p a ra b a ixo .
O C o nc ilio nã o ma rc o u o fim d o a ria nismo . Entre 327 e 328, C o nsta ntino
re a b ilito u Ário e a lg uns d e se us se g uid o re s, e no me o u c o mo c o nse lhe iro o b isp o
a ria no Eusé b io d e Nic o mé d ia , q ue o b a tiza ria e m se u le ito d e mo rte . Pe lo
c o ntrá rio , a p a rtir d e 326 fo ra m e xila d a s d e ze na s d e b isp o s a ntia ria no s.13
Suc e d e ra m-se vá rio s c o mb a te s e ntre fa c ç õ e s, c o m muito s mo rto s e
fe rid o s; c o nc ílio s e c o ntra c o nc ílio s, q ue c o nd e na va m o ra uma te se , o ra o utra ; d e
e xílio s e d e re to rno s; d e p e rse g uiç õ e s p o r p a rte d e imp e ra d o re s "a ria no s" e
"nic e ia no s".
To d o s o s histo ria d o re s c o nc o rd a m q ue C o nsta ntino nã o e nte nd ia na d a
d e q ue stõ e s d o utriná ria s. A únic a c o isa q ue lhe inte re ssa va e ra to rna r o c ristia nismo
uma c re nç a ho mo g ê ne a , se m nua nc e s, se m a mb ig üid a d e , livre d e c o nflito s
inte rno s p e rig o so s.
Tira nd o isso , a unid a d e e ra uma o b se ssã o sua : unid a d e d o p o d e r p o lític o
e m to rno d e sua p e sso a e d ina stia ; unid a d e d a s p o p ula ç õ e s suje ita s a Ro ma ,
a ma lg a ma d a s p o r uma re lig iã o únic a , na q ua l c o nfluía m e le m e nto s c ultura is d e
o rig e ns d ife re nte s; e unid a d e d a Ig re ja , o b tid a imp o nd o -se a to d o s o s c re nte s a
o p iniã o d a ma io ria , o u p e lo me no s d a m a io ria d o s a mig o s d o imp e ra d o r, e se
e ste s mud a va m, mud a va ta mb é m a p o lític a re lig io sa d o imp e ra d o r.
As mo tiva ç õ e s d e o rd e m p o lític a e so c ia l e ra m e vid e nte s na re p re ssã o
a o s d o na tista s e a o s a g o stinia no s.
A histó ria d a he re sia a ria na , no e nta nto , fo i ma is c o mp lic a d a . Ne m a s
te se s trinitá ria s ne m a s a ria na s c o lo c a va m e m risc o o p ro je to im p e ria l d e
he g e mo nia , ma s a c o ntro vé rsia e m si re p re se nta va um p e rig o .
Nã o se p o d e m o b te r e sta b ilid a d e e p a z so c ia l c o m um a re lig iã o p a rtid a
e m fa c ç õ e s q ue se c o nd e na m e re ne g a m re c ip ro c a me nte a a uto rid a d e e
le g itimid a d e da o utra . Esc o lhe r sig nific a va , c o ntud o , um "m a l m e no r".
Pro va ve lme nte , o q ue fe z a b a la nç a p e nd e r p rim e iro p a ra uma p o siç ã o , d e p o is
p a ra o utra , fo ra m c o nsid e ra ç õ e s muito p ra g má tic a s: a c a d a ve z, a e fe tiva fo rç a
d e uma o u o utra c o rre nte o u a utilid a d e d e se us d e fe nso re s.
A milita riza ç ã o d o c ristia nismo
Je sus e nsina va a "d a r a o utra fa c e ", a "a ma r o s p ró p rio s inimig o s",
ma nd o u Pe d ro d e vo lve r a e sp a d a à b a inha e o re p ro vo u: "Q ue m c o m a e sp a d a
fe re c o m a e sp a d a p e re c e " (Ma te us, 26, 52).
Ta lve z ne m to d o s o s p rim e iro s c ristã o s e stive sse m d isp o sto s a "d a r a o utra
fa c e " e a sa c rific a r a vid a , ma s, c o m c e rte za , e ntre e le s e ra muito d ifund id o um
se ntime nto d e re p úd io à s a rma s.14 Te ó lo g o s e b isp o s, ve ne ra d o s a ind a ho je c o mo
sa nto s, e sc re ve ra m p á g ina s ine q uívo c a s so b re o a ssunto .
Nó s, c ristã o s, nã o e rg ue mo s ma is a e sp a d a c o ntra uma na ç ã o , nã o
a p re nd e mo s ma is a a rte milita r.
O fa to é q ue no s to rna mo s filho s d a p a z, g ra ç a s a Je sus C risto , q ue é
no sso Se nho r, e d e se rta mo s d e c he fe s a q ue m se rvira m no sso s a nte p a ssa d o s: se
a c e itá sse mo s sua s o rd e ns, nó s no s to rna ría mo s e stra nho s à p ro me ssa d ivina .15 Q ue
se d ig a a o so ld a d o p a ra nã o m a ta r. Se re c e b e r o rd e m p a ra ma ta r, q ue se re c use .
Do c o ntrá rio , q ue se ja a fa sta d o [d a Ig re ja ]. Se um c a te c úme no o u fie l q uise r se rvir
c o mo so ld a d o , q ue se ja a fa sta d o , p o is d e sp re za De us. O c ristã o nã o p o d e se
to rna r so ld a d o vo lunta ria me nte . Q ue m c a rre g a uma e sp a d a d e ve p re sta r
a te nç ã o p a ra q ue nã o fa ç a e sc o rre r sa ng ue . Se o fize r, nã o p o d e rá p a rtic ip a r d o s
misté rio s."
Q ua nd o a lg ué m c o me te ho mic íd io , fa la -se d e c rim e ; ma s q ua nd o é o
Esta d o q ue o e nc o me nd a , c ha ma -se "a to d e c o ra g e m". Ao s c ristã o s nã o é
p e rmitid o ma ta r o utre m ; a o c o ntrá rio , q ue d e ixe m q ue a ssa ssine m a e le .17
Alg uns c ristã o s c he g a ra m a e nfre nta r o ma rtírio p o r se re c usa re m a o
se rviç o milita r, c o mo o jo ve m Ma ximilia no . C o nvo c a d o e m 295, d e c la ro u: "Nã o me
é líc ito p re sta r se rviç o milita r, p o is so u c ristã o ", e fo i d e c a p ita d o .
As c o isa s mud a ra m c o m a c he g a d a d e C o nsta ntino .
O C o nc ilio d e Árie s, d e 314, e xc o m ung o u o s c ristã o s q ue d e se rta ra m e m
te mp o s d e p a z.18
O C o nc ilio d e Nic é ia p a re c e u re to ma r o s ve lho s c o stume s, ta nto q ue o
c â no ne 12, ne le a p ro va d o , d isp õ e : "Aq ue le s q ue , se ntind o -se c ha ma d o s p e la
g ra ç a , e p o r ze lo a a b a nd o na ra m a d ivisa , m a s lo g o d e p o is, c o m o c ã e s, vo lta ra m
a trá s, c he g a nd o a o fe re c e r d inhe iro e p re se nte s p a ra se re m a c e ito s no va me nte
a o e xé rc ito , d e ve m p e rma ne c e r e ntre o s p e nite nte s p o r tre ze a no s..." Dura nte o
re ina d o d e Te o d ó sio I, a o c o ntrá rio , fo ra m e xc o mung a d o s o s re luta nte s e o s
d e se rto re s.
O s p e rse g uid o s se to rna m p e rse g uid o re s: a re p re ssã o a o p a g a nismo
O s c ristã o s, q ue a ind a e xib ia m na c a rne o s sina is d a s p e rse g uiç õ e s,"
to rna ra m -se p e rse g uid o re s.
Dura nte o s último s a no s d e vid a d e C o nsta ntino , vá rio s te m p lo s p a g ã o s
fo ra m d e mo lid o s, so b re tud o no O rie nte . O utro s te mp lo s c o ntinua ra m em
a tivid a d e , ma s fo ra m d e sp o ja d o s d e tud o q ue tinha m d e p re c io so : e stá tua s,
o b je to s p re c io so s, re ve stime nto s d e o uro e p ra ta , p o rta s d e b ro nze . Muita s o b ra s
d e a rte fo ra m le va d a s p a ra e mb e le za r a no va c a p ita l: C o nsta ntino p la .20
As fe sta s tra d ic io na is p a g ã s, c o m se us jo g o s c irc e nse s e a s luta s e ntre
g la d ia d o re s, e ra m c a d a ve z me no s to le ra d a s, c o m e xc e ç ã o d a q ue la s e m
ho me na g e m a o imp e ra d o r e à sua fa mília .
Só e m Ro ma o s te mp lo s e a ntig o s c ulto s c o ntinua ra m ínte g ro s.
Em 341, C o nsta nte te nto u p ro ib ir o s sa c rifíc io s c o m um e d ito .21 Ma s a
p o lític a a ntip a g ã d o s suc e sso re s d e C o nsta ntino b a te u d e fre nte c o m um g ra nd e
d e sc o nte nta me nto p o r p a rte d o p o vo .22
Em 361, sub iu a o p o d e r o imp e ra d o r Julia no , a p e lid a d o d e "a p ó sta ta "
p e lo s histo ria d o re s. Ele te nto u re o rg a niza r a a ntig a re lig iã o p o lite ísta e c rio u
e strutura s d e a ssistê nc ia a o s p o b re s, q ue c o nc o rria m c o m a q ue la s c ristã s. Ao
me smo te mp o , a sse g uro u a lib e rd a d e d e c ulto a to d a s a s re lig iõ e s d o Im p é rio ,
inc lusive a o jud a ísmo e à s c o munid a d e s c ristã s he re g e s.
Julia no mo rre u a p ó s a p e na s d o is a no s d e re ina d o , e se us suc e sso re s
re to ma ra m a p o lític a a ntip a g ã .
Em 392, o imp e ra d o r ro ma no Te o d ó sio I p ro ib iu ma is uma ve z to d o s o s
sa c rifíc io s e c ulto s p a g ã o s, fo sse m p úb lic o s o u p riva d o s, so b p e na d e c o nfisc a r o s
lo c a is o u te rre no s e m q ue e ra m re a liza d o s. O s te mp lo s fo ra m a b a nd o na d o s.
Muito s fo ra m d e mo lid o s, o utro s fo ra m tra nsfo rma d o s e m ig re ja s c ristã s.
O s p a g ã o s d e sfila va m e m ve rd a d e iro s c o rte jo s d e p ro te sto s, e xib ind o
sua s ima g e ns sa g ra d a s. Essa s ma nife sta ç õ e s, p o r sua ve z, d e se nc a d e a ra m a
re a ç ã o d o s c ristã o s e p ro vo c a ra m sa ng re nto s tumulto s.23
O imp e ra d o r Te o d ó sio II (408-450) m a nd o u p unir a lg uma s c ria nç a s,
c ulp a d a s d e b rinc a r c o m re sto s d e e stá tua s p a g a s. E, d e a c o rd o c o m o s e lo g io s
d o s c ristã o s, Te o d ó sio "se g uia c o nsc ie nc io sa me nte c a d a e nsina me nto c ristã o ".24
Em 415, e m Ale xa nd ria , uma turb a d e fa ná tic o s c ristã o s linc ho u a
ma te má tic a , a strô no ma e filó so fa ne o p la tô nic a Hip á c ia , imp o rta nte e xp o e nte d a
c ultura p a g ã .25
No s sé c ulo s q ue se se g uira m , a s a ntig a s re lig iõ e s p ré -c ristã s se to rna ra m
c ulto s c a d a ve z ma is d iminuto s, a ind a p ra tic a d o s e m a lg um vila re jo c a mp o nê s
p e rd id o (a p a la vra "p a g a nismo " d e riva , na ve rd a d e , d o la tim p a g us, "vila re jo ") o u
e m g ra nd e se g re d o p o r a lg uns inte le c tua is ne o p la tô nic o s.
Ma s o p a g a nismo nã o mo rre ria c o mp le ta me nte . Ele "...re vive na s
m a nife sta ç õ e s litúrg ic a s lig a d a s à vid a d o d ia -a -d ia , na s lib a ç õ e s sa g ra d a s e no
uso c a d a ve z ma is d ifund id o d o inc e nso , no c ulto a o s sa nto s e à s re líq uia s, q ue
to ma m o lug a r d o s íd o lo s, na ve ne ra ç ã o a a lg um a s á rvo re s, a nim a is, fo nte s e
fe nô me no s na tura is, q ue vive a ind a no s d ia s d e ho je ".26

C APITULO 3

As he re sia s a ntig a s

O q ue é um a he re sia ?

"Um c ínic o p o d e ria d e finir a he re sia c o mo a o p iniã o e xp re ssa p o r um


g rup o mino ritá rio q ue uma ma io ria sufic ie nte me nte p o d e ro sa p a ra p o d e r p uni-lo
c o nsid e ra ina c e itá ve l [...] De us [...] e stá d o la d o d a ma io ria : a o rto d o xia , p o d e -se
a c re sc e nta r, é a q uilo q ue d ize m De le [d e De us]."1
O sig nific a d o q ue ho je d a m o s a o te rmo "he re sia ", o u se ja , "o p iniã o
e rra d a ", é uma ino va ç ã o tip ic a me nte c ristã . O p rim e iro a usá -lo c o m e sta
a c e p ç ã o fo i Sã o Pa ulo , e m G a ia ta s, 5, 20.
O te rmo "he re sia " d e riva d o g re g o hà ire sis, "e sc o lha ",2 e d e sig na va
a q ue le s q ue p e rte nc ia m a uma e sc o la filo só fic a p o r e sc o lha . He re g e s e ra m,
p o rta nto , o s e stó ic o s, o s c é tic o s, o s e p ic urista s, ma s ta mb é m , no mund o he b ra ic o ,
o s fa rise us, o s sa d uc e us e o s e ssê nio s.3
A Ig re ja , d e sd e o iníc io , p re sta va uma a te nç ã o d o e ntia à te rmino lo g ia
re lig io sa . Muito s e ra m o s q ue se se ntia m o s únic o s d e p o sitá rio s d a ve rd a d e . E,
a ssim, um te rmo q ue ind ic a va a p lura lid a d e d a s e sc o la s d e p e nsa me nto a ssumiu o
sig nific a d o ne g a tivo q ue c o nhe c e mo s ho je .
Ma s nã o é fá c il ma nte r uma ve rd a d e . Dura nte a histó ria , ho uve
c o ntínua s re visõ e s e c o rre ç õ e s. Um a a firma ç ã o d e c la ra d a he ré tic a p o r um
c o nc ilio e ra d e rrub a d a p o r o utro e vic e -ve rsa . O e xe mp lo ma is c o nhe c id o ta lve z
se ja o d e Jo a na d 'Arc , q ue ima d a na fo g ue ira e m 1431 e sa ntific a d a e m 1920. O
b isp o Te o d o ro d e Mo p sué stia , q ue m o rre u e m 428 e m p a z c o m a Ig re ja , fo i
d e c la ra d o he re g e e c o nd e na d o 125 a no s d e p o is d e sua mo rte . O s b isp o s Estê vã o ,
d e Ro ma 254-257), e C ip ria no , d e C a rta g o (248-258), fe rre nho s a d ve rsá rio s so b re
q ue stõ e s d o utriná ria s q ua nd o e m vid a , sã o a mb o s ve ne ra d o s c o mo sa nto s.
Arg um e nto s re lig io so s q ue c usta ra m m ilha re s de m o rto s

O s p rime iro s sé c ulo s d o c ristia nismo re g istra m d isp uta s inte rminá ve is p a ra
e sta b e le c e r se C risto e ra "d a me sma sub stâ nc ia d o Pa i" o u a p e na s "muito
p a re c id o ", o u q ua nta s na ture za s c o e xistia m e m Je sus C risto . Disp uta s e ssa na s
q ua is a s o p iniõ e s c o nsid e ra d a s e q uivo c a d a s nã o e ra m a p e na s um e rro , ma s um
p e c a d o . Q ue m se o b stina va e m d e fe nd e r a s p ró p ria s o p iniõ e s c o me tia um c rime
a tro z, d ig no d e uma p e na se ve ra .
So b re tud o q ua nd o o c ristia nism o se to rno u re lig iã o de Esta d o , o s
"p e rd e d o re s" na s d isp uta s te o ló g ic a s p o d ia m se r p unid o s c o m o e xílio , a to rtura e a
mo rte , a me no s q ue se tra nsfo rma sse m e m p e rse g uid o re s, q ua nd o o ve nto
so p ra va a se u fa vo r.
As te nta tiva s d e imp o r à fo rç a a "d o utrina ve rd a d e ira " a p o p ula ç õ e s
inte ira s p o d ia m e nse ja r re b e liõ e s, ving a nç a s, ma ssa c re s e g ue rra s.
Ma s d ive rg ê nc ia s te o ló g ic a s a c e rc a d a Trind a d e justific a m c o nflito s q ue
d ura ra m sé c ulo s e fize ra m milha re s d e mo rto s? Q ua nto s d o s p a rtic ip a nte s d o
C o nc ilio d e Nic é ia , p o r e xe mp lo , tinha m re a l c a p a c id a d e d e c o mp re e nd e r to d a s
a s nua nc e s filo só fic a s d o e m b a te e ntre a ria no s e trinitá rio s? C o m c e rte za , o s
p rime iro s p e nsa d o re s c ristã o s se e nc o ntra va m d ia nte d e p ro b le ma s te ó ric o s na d a
p e q ue no s: p re c isa va m c o nc ilia r o ríg id o mo no te ísmo he rd a d o d o s jud e us c o m sua
fé e m De us fe ito ho me m, se m se c o nfund ir ne m c o m a s tra d ic io na is mito lo g ia s
p a g ã s (le m b re mo s d a s tra nsfo rma ç õ e s d e Júp ite r), ne m c o m o s c ulto s místic o s
c o nc o rre nte s e a s d o utrina s a g nó stic a s, se g und o a s q ua is c a d a ho m e m q ue
ultra p a sse um d e te rmina d o p e rc urso inic iá tic o p o d e se to rna r d e us.
O s b isp o s nã o p a g a m im p o sto s
Ma s ha via q ue stõ e s d o utriná ria s q ue d izia m re sp e ito a e le me nto s d e
im p o rtâ nc ia c o nc re ta p a ra a vid a q uo tid ia na d a s p rime ira s c o munid a d e s c ristã s:
p o r e xe mp lo , e ra p re c iso d e finir se o s fié is q ue ha via m re nunc ia d o à fé na s
p e rse g uiç õ e s d e ve ria m se r re a d mitid o s o u se o s sa c ra me nto s c e le b ra d o s p o r
sa c e rd o te s ind ig no s d e ve ria m se r va lid a d o s.
E, na tura lme nte , ha via ta mb é m o s b a sta nte c o nc re to s inte re sse s
ma te ria is d a s na sc e nte s e lite s c ristã s.
Po uc o ma is d e c e m a no s a p ó s a mo rte d e Je sus, já e xistia m mo vime nto s
q ue la me nta va m a c o rrup ç ã o e a d e c a d ê nc ia d a Ig re ja , c o mo o s mo nta nista s.
Este s p e rte nc ia m a um mo vime nto q ue na sc e ra na Fríg ia no sé c ulo II. Ele s se
c o nsid e ra va m p uro s, p rivile g ia va m a re la ç ã o d ire ta c o m o Esp írito , e a s mulhe re s
fig ura va m e m p rim e iro p la no . O p ró p rio Mo nta no , e m sua missã o , e ra la d e a d o p o r
d ua s mulhe re s: Prisc ila e Ma ximília . O s mo nta nista s fo ra m p e rse g uid o s p o r sé c ulo s.4
C o nsta ntino , q ue tra nsfo rmo u o s b isp o s e m func io ná rio s d o Im p é rio e lhe s
ise nto u d o p a g a me nto d e imp o sto s, a p e na s a c e le ro u uma te nd ê nc ia já e m c urso
no p ró p rio c o rp o d e Ig re ja . O s b isp o s há muito tinha m d e ixa d o d e se r simp le s
p o rta -vo ze s d a s c o munid a d e s c ristã s e le ito s p e la s Ig re ja s, o u se ja , p e la s
a sse mb lé ia s d e fié is, to rna nd o -se ve rd a d e iro s se nho re s q ue a d ministra va m a se u
b e l-p ra ze r o s b e ns d a Ig re ja , o rd e na va m o c le ro me no r d e a c o rd o c o m a s p ró p ria s
c o nve niê nc ia s e , muita s ve ze s, "tra nsmitia m " se u título a o s filho s e irmã o s. O c a rg o
de b isp o a c a b o u se to rna nd o muito d e se ja d o p o r me mb ro s d a s fa mília s
a b a sta d a s.5
Ap e sa r d a s d isp o siç õ e s c o ntrá ria s d o C o nc ilio d e Nic é ia , a lg uns ho me ns
fo ra m no me a d o s b isp o s a nte s me smo d e se re m b a tiza d o s, c o mo o filó so fo
ne o p la tô nic o (a d e p to d e um a c o rre nte d e p e nsa me nto inc o mp a tíve l c o m o
c ristia nismo ) Siné sio d e C ire ne . O p ró p rio Sa nto Amb ró sio , já func io ná rio imp e ria l,
fo i no me a d o b isp o p o uc o s d ia s d e p o is d e se r b a tiza d o .6
Q ua nd o o c ristia nismo se to rno u re lig iã o d e Esta d o , a s a c usa ç õ e s d e
he re sia e a s d isp uta s te o ló g ic a s se to rna ra m p re te xto s p a ra jo g o s d e p o d e r no s
q ua is a a p o sta e ra muito te rre na : o c o ntro le d e d io c e se s "ric a s", o mo no p ó lio d e
re c urso s e ma té ria s-p rima s imp o rta nte s, a e limina ç ã o d e riva is e a d ve rsá rio s, e a
d ivisã o d o s p o sto s na s c o rte s imp e ria is.
Po r ve ze s, d e ma ne ira a ind a ma is p e rve rsa , q ue m a c re d ita va d e
ma ne ira fa ná tic a na p ró p ria ve rd a d e p o d ia usa r o p o d e r e a influê nc ia d e q ue
d isp unha p a ra im p ô -la a o s o utro s. Ale xa nd re , b isp o d e Ale xa nd ria , p o r e xe mp lo , fo i
a c usa d o d e sa b o ta r a s p ro visõ e s d e trig o e m C o nsta ntino p la p a ra le va r o
imp e ra d o r a a ssumir uma p o siç ã o d e c isiva c o ntra o a ria nismo .7
No e sp a ç o e no te mp o , a m e sma d o utrina d a ria c o b e rtura a p ro je to s
p o lític o s b e m d ife re nte s e ntre si. De ntre o s se g uid o re s d e Ário , e sta va m
im p e ra d o re s ro ma no s q ue p e rse g uia m o s re b e ld e s e o re i g o d o To tila , lib e rta d o r
d o s e sc ra vo s.
Vá rio s imp e ra d o re s b iza ntino s a d e rira m à d o utrina mo no fisista , ma s
m uito s o utro s inc e ntiva ra m re b e liõ e s p o p ula re s c o ntra a a uto rid a d e de
C o nsta ntino p la . E a s a p a re nte s c o ntra d iç õ e s p o d e ria m c o ntinua r.
Na tura lme nte , a muito c o mp le xa a ve ntura d o c ristia nismo nã o se e xp lic a
a p e na s c o m fa to re s p o lític o s, so c ia is e e c o nô mic o s; há ta mb é m e le me nto s
imp o nd e rá ve is d o p o nto d e vista ra c io na l.
Em é p o c a s d e g ra nd e ta xa d e a na lfa b e tismo , q ua nd o nã o e xistia m
te le c o munic a ç õ e s e a s p e sso a s se lo c o mo via m no lo mb o d e um b urro p o r
e stra d a s ma l c o nse rva d a s, um únic o p re g a d o r d o ta d o d e c o ra g e m e e ne rg ia
p o d ia c o nse g uir, c o m se u c a risma e e lo q üê nc ia , a c o nve rsã o d e p o p ula ç õ e s
inte ira s.
Q ua nd o a s te se s d e Lute ro se d ifund ira m no no rte d a Euro p a , m uito s
p a íse s a s a c o lhe ra m , c o nse rva nd o , no e nta nto , c o stume s c a tó lic o s, c o mo a
c o nfissã o , q ue e ra m to ta lme nte e stra nho s à d o utrina lute ra na .
É p ro vá ve l q ue o s b ra vo s c ristã o s sue c o s e isla nd e se s nã o se im p o rta sse m
c o m a s d ive rg ê nc ia s te ó ric a s, q ue só q uise sse m te r a o se u la d o p a d re s q ue
fa la sse m sua líng ua , q ue fo sse m c a p a ze s d e lhe s e xp lic a r a s Esc ritura s, q ue
p re g a sse m a mo ra lid a d e se nd o o s p rime iro s a d a r b o m e xe mp lo e nã o o s
d e ssa ng ra sse m c o m d ízimo s.
C o m e ç a a c a ç a a o s he re g e s

Ta lve z o p rim e iro c a so d e c o ntro vé rsia re lig io sa d irimid a p o r inte rmé d io


d a le i te nha sid o o d e Pa ulo d e Sa mó sa ta , b isp o d e Antió q uia (260-272). Ele e ra um
mo na rq uia nista , o u se ja , se g uid o r d a s d o utrina s q ue nã o re c o nhe c ia m a trind a d e
d e De us.
Um síno d o d e b isp o s c o nvo c a d o e m 268 c o nd e no u sua s d o utrina s e o
d e p ô s. Em se g uid a , o s b isp o s p e d ira m a o im p e ra d o r Aure lia no q ue e xe c uta sse
sua s d e c isõ e s, e sta b e le c e nd o , a ssim, o p e rig o so p re c e d e nte d a inte rve nç ã o d o
p o d e r te mp o ra l na s q ue stõ e s e c le siá stic a s. Tud o isso a c o nte c ia e m uma é p o c a
e m q ue o s c ristã o s a ind a e ra m p e rio d ic a me nte p e rse g uid o s.
O im p e ra d o r d e c re to u a d e p o siç ã o d e Pa ulo , q ue c o ntinuo u e m se u
p o sto g ra ç a s a o s fa vo re s d e Ze nó b ia , ra inha d e Pa lmira , so b c uja influê nc ia se
e nc o ntra va a d io c e se d e Antió q uia , q ue im p use ra uma p o lític a a nti-ro ma na . '
Só e m 272, q ua nd o o e xé rc ito d e Ze nó b ia fo i d e rro ta d o p e lo d o
imp e ra d o r Aure lia no , Pa ulo p re c iso u a b a nd o na r sua c a d e ira .8
O a ria nism o de po is de C o nsta ntino

O C o nc ilio d e Sá rd ic a (So fia ), e m 343, q ue se e nc e rro u c o m a re ite ra ç ã o


d o q ue fo i d e lib e ra d o e m Nic é ia , fo i a b a nd o na d o p e lo s b isp o s o rie nta is, q ue
o rg a niza ra m um c o ntra c o nc ílio e m Filip ó p o lis.
Em C o nsta ntino p la , d ura nte o e p isc o p a d o d e Jo ã o C risó sto mo (345-407),
irro mp e ra m-se vio le nto s c o nflito s e ntre a ria no s e nic e ia no s9 q ue d e ixa ra m um
sa ld o d e vá rio s mo rto s.
Em 353, C o nstâ nc io II, únic o imp e ra d o r, im p ô s a s d o utrina s filo -a ria na s e m
to d o o te rritó rio d o Im p é rio . O s a ria no s, e ntã o , p a ssa ra m a d e fe nd e r a te se d e q ue
a Ig re ja d e ve ria se sub me te r a o Esta d o , e nq ua nto o s nic e ia no s luta va m p o r
a uto no mia .
Em 357, o b isp o o rto d o xo Ó sio , já c e nte ná rio , fo i o b rig a d o , p o r me io d e
to rtura , a sub sc re ve r a s te se s a ria na s d o C o nc ilio d e Sírmio .
Em 361, c o m a a sc e nsã o a o tro no d e Julia no , o Ap ó sta ta , q ue te nto u
re sta ura r o p a g a nismo , fo i d a d a a nistia g e ra l a to d o s o s c ristã o s p e rse g uid o s
a c usa d o s d e he re sia , p ro va ve lme nte e mitid a c o m o o b je tivo d e e nfra q ue c e r o
c ristia nismo .
O imp e ra d o r Te o d ó sio I, q ue sub iu a o tro no e m 378, lo g o c o nd e no u a s
d o utrina s a ria na s no s te rritó rio s d o O rie nte . No O c id e nte , e ntre ta nto , o nd e d e fa to
re ina va a a ria na Justina , a to le râ nc ia fo i g a ra ntid a .
Em 386, o b isp o d e Milã o , Amb ró sio , a p ó s ne g a r a Justina a c e ssã o d e
uma ig re ja p a ra re a liza r o c ulto a ria no , o rg a nizo u uma vig ília e m sua p ró p ria
b a sílic a p a ra d e fe nd ê -la d o s a ta q ue s d o s e missá rio s im p e ria is.
O s p ró p rio s a ria no s, p o r sua ve z, e sta va m d ivid id o s e m vá ria s c o rre nte s.
Em 362, e m Antió q uia , ha via c inc o c o munid a d e s c ristã s se p a ra d a s, c a d a q ua l
c o m se u p ró p rio b isp o e ho stil à s d e ma is. Q ua nd o Te o d ó sio a mp lio u se us d o mínio s
a o s te rritó rio s o c id e nta is, o a ria nismo fo i b a nid o p o r c o mp le to d o te rritó rio d o
Imp é rio , e o c ristia nismo nic e ia no se to rno u a re lig iã o o fic ia l d o mund o ro ma no .
Na tura lme nte , o d e c re to nã o sig nific o u a e xtinç ã o a uto má tic a d a
he re sia a ria na , q ue so fre ria , m a is d e um sé c ulo d e p o is, p e rse g uiç õ e s p o r p a rte d e
Justino e , d e p o is, d e Justinia no .10
O c ristia nismo , e m sua ve rsã o a ria na , fo i d ifund id o e ntre o s p o vo s
"b á rb a ro s" d o no rte g ra ç a s à s p re le ç õ e s d e Áud io , b isp o d e vid a e xe mp la r, e ,
so b re tud o , d e Wulfila (345-407), o b isp o q ue , p o r vo lta d e 375, tra d uziu p a ra o
g o d o o Antig o e o No vo Te sta me nto s.
Fo i g ra ç a s a e ssa tra d uç ã o q ue a c re nç a a ria na c o nse g uiu se d ifund ir
e ntre o s visig o d o s, o s o stro g o d o s, o s sue vo s, o s vâ nd a lo s, o s b urg únd io s e o s
lo mb a rd o s.
"Ao c o ntrá rio d o s p o vo s q ue vivia m na Itá lia e q ue p ra tic a me nte nã o se
e xp re ssa va m e m la tim , o s b á rb a ro s tinha m a g ra nd e va nta g e m d e a p re nd e r o
Eva ng e lho e m sua líng ua fa la d a . O s g o d o s, a ssim , e sta va m mil a no s à fre nte d e
Ma rtinho Lute ro ."11
Em 525, o re i o stro g o d o Te o d o ric o inte rve io e m d e fe sa d o s a ria no s d e
C o nsta ntino p la , o p rimid o s p e lo im p e ra d o r Justino . Pa ra ta nto , e nvio u à c id a d e um
e mb a ixa d o r e xtra o rd iná rio , o p a p a Jo ã o I, o b rig a d o a a p re se nta r a o imp e ra d o r
sua s so lic ita ç õ e s. C o mo o p a p a vo lto u a Ro ma no a no se g uinte se m na d a te r
c o nse g uid o , Te o d o ric o ma nd o u p re nd ê -lo , e Jo ã o I mo rre u p o uc o s d ia s d e p o is.12
É ó b vio q ue muita s ve ze s o s so b e ra no s a ria no s p e rse g uia m o s nic e ia no s.
Po r e xe mp lo , d ura nte a d o mina ç ã o d o s vâ nd a lo s na Áfric a , e ste s so fre ra m vá rio s
to rme nto s. O a ug e fo i no p e río d o e ntre 483 e 484, q ua nd o uma le i o b rig o u to d o s o s
c a tó lic o s d o re ino va nd á lic o a se c o nve rte re m a o a ria nismo . Milha re s d e c lé rig o s
fo ra m e xila d o s no d e se rto junto c o m se us b isp o s. Muito s c a tó lic o s fo ra m
c o nd e na d o s a to rtura s o u à p e na d e mo rte .'3
No e nta nto , a té a s p o p ula ç õ e s b á rb a ra s a c a b a ra m se c o nve rte nd o a o
c a to lic ismo . No fina l d o sé c ulo VIII, o a ria nism o já ha via d e sa p a re c id o , e a c re nç a
nic e ia na triunfo u c o mo únic a Ig re ja ve rd a d e ira .
O s b ispo s pe de m a c a b e ç a do s he re g e s

É no tó rio q ue o s imp e ra d o re s nã o e ra m muito sutis q ua nd o se tra ta va d a


e limina ç ã o d o s d issid e nte s, ma s, e m d e te rmina d o mo me nto d a histó ria c ristã ,
fo ra m o s p ró p rio s b isp o s q ue so lic ita ra m a c o nd e na ç ã o à mo rte d o s he re g e s.
O p rim e iro a so fre r a s c o nse q üê nc ia s d o no vo c o stume fo i o b isp o
e sp a nho l Prisc ilia no , e m 385. C o nd e na d o e b a nid o p o r d o is c o nc ílio s re g io na is,
Prisc ilia no , q ue tinha um g ra nd e sé q uito p o p ula r, fo i to rtura d o e c o nd e na d o p e lo
im p e ra d o r Má ximo , a p e d id o d o s p ró p rio s b isp o s. Junto c o m e le , mo rre ra m se is d e
se us d isc íp ulo s, d e ntre o s q ua is uma mulhe r.
Na re a lid a d e , a s a c usa ç õ e s infund a d a s d e he re sia e a c o nd e na ç ã o à
mo rte p a re c ia m se rvir a p ro p ó sito s e sse nc ia lme nte p o lític o s.14 O e p isó d io c a uso u
ho rro r e m vá rio s p re la d o s c a tó lic o s q ue nã o c o nc o rd a va m c o m a s he re sia s
d o utriná ria s. O p a p a Siríc io c o nd e no u a s mo rte s.
O b isp o Ma rtino d e To urs (321-401) e xc o mung o u to d o s o s b isp o s q ue
suja ra m a s mã o s c o m a q ue le sa ng ue . Só ma is ta rd e a c e ito u se re c o nc ilia r c o m
e le s, a p e d id o d o imp e ra d o r, e a p e na s p a ra sa lva r a vid a d e o utro s "p risc ilia nista s"
c o nd e na d o s à mo rte . Até me smo o b isp o Amb ró sio , d e Milã o , re c uso u-se a te r
c o nta to c o m o s b isp o s e nvo lvid o s na mo rte d e Prisc ilia no .
Na q ue la é p o c a , "a c o nsc iê nc ia d a Ig re ja a ind a nã o e sta va a c o stuma d a
a c o nsid e ra r o d e rra ma me nto d e sa ng ue uma e xp re ssã o d o a mo r p re g a d o p o r
Je sus C risto ".15
O a ssa ssina to d e Prisc ilia no nã o p ô s fim a o mo vime nto , p e lo c o ntrá rio .
Se us se g uid o re s p a ssa ra m a ve ne rá -lo c o mo má rtir, d a nd o vid a a um mo vime nto
"p risc ilia nista " q ue d ura ria ma is d e um sé c ulo .16
A he re sia ne sto ria na e o c o nc ilio q ue te rmino u e m rixa
O ne sto ria nismo d e ve se u no me a Ne stó rio , b isp o d e C o nsta ntino p la q ue ,
p o r vo lta d e 428, c o nte sto u a q ua lid a d e d e "Mã e d e De us" a trib uíd a a Ma ria .17 Na
é p o c a , o c ulto ma ria no já e ra muito d ifund id o , e a s te se s d e Ne stó rio d e ra m vid a a
ve rd a d e iro s tumulto s. C o ntra e le se o p ô s c o m vio lê nc ia a té me smo C irilo , b isp o d e
Ale xa nd ria (d io c e se q ue luta va c o ntra a d e C o nsta ntino p la p e lo c o ntro le d o
O rie nte ).
Em 431, o imp e ra d o r Te o d ó sio II c o nvo c o u um c o nc ilio e c umê nic o e m
Éfe so p a ra d irimir a q ue stã o .
Na q ue la é p o c a , via ja r e ra muito d ifíc il, e , p o r e ssa ra zã o , o s b isp o s
c he g a ra m e m mo me nto s d ife re nte s. Prim e iro , fo ra m o s a d ve rsá rio s d e Ne stó rio ,
a p ro xima d a me nte d uze nto s b isp o s lid e ra d o s p e lo d e Ale xa nd ria , C irilo . De c id ira m
d a r lo g o iníc io a o c o nc ilio , se m e sp e ra r o s q ue a p o ia va m a p a rte c o ntrá ria o u o s
e nvia d o s d o p a p a . Ne stó rio fo i o b rig a d o a se a p re se nta r e , c o mo se re c uso u a
e ntra r a nte s q ue se us se g uid o re s c he g a sse m , te ve d e d e p o r "in c o ntuma c ia ". O
b isp o d e Éfe so , Mê mno n, c he g o u a inc ita r a multid ã o c o ntra Ne stó rio . Po uc o s d ia s
d e p o is, c he g a ra m c e rc a d e q ua re nta b isp o s ne sto ria no s, g uia d o s p o r Jo ã o d e
Antió q uia , q ue fo rma ra m um c o ntra c o nc ílio no q ua l d e c la ra ra m he re g e s e
e xc o mung a ra m C irilo e Mê mno n.
C he g a ra m , e ntã o , o s e nvia d o s d o p a p a , q ue re a b rira m o c o nc ilio
"o fic ia l" e e xc o mung a ra m Jo ã o d e Antió q uia .
O s tra b a lho s d o c o nc ilio se c o mp lic a ra m a ind a ma is c o m a inte rve nç ã o
d e a lg uns func io ná rio s imp e ria is, a s te nta tiva s d e c o rrup ç ã o e o s e m b a te s
p o p ula re s e ntre p a rtid á rio s d a s d ua s fa c ç õ e s. No fina l, o imp e ra d o r Te o d ó sio II
e nc e rro u a a sse mb lé ia c ritic a nd o d ura me nte o s p a rtic ip a nte s e e xilo u ta nto
Ne stó rio q ua nto C irilo .18
De rro ta d o no te rritó rio im p e ria l, o c ristia nism o ne sto ria no d ifund iu-se na
Ásia , c he g a nd o à C hina , à índ ia e à Mo ng ó lia . Em 486, o s c ristã o s d a Pé rsia
a d o ta ra m a s te se s ne sto ria na s e e mp re e nd e ra m uma fe ro z p e rse g uiç ã o c o ntra o s
c a tó lic o s. Pa ra o re i d a Pé rsia , e ra muito c ô mo d o a p o ia r uma "Ig re ja na c io na l" q ue
nã o d e p e nd e sse d e a uto rid a d e s re lig io sa s d e um p a ís a d ve rsá rio , c o mo o b isp o d e
C o nsta ntino p la .19
A he re sia m o no fisista e o "la tro c ínio de Éfe so "

A d o utrina mo no fisista d e ve se u no me a o g re g o mo no s, únic o , e p hisis,


na ture za , e na sc e c o mo uma re a ç ã o a o ne sto ria nismo . O s mo no nsista s a firma va m
q ue Je sus C risto p o ssuía uma únic a na ture za d ivina e ne nhuma na ture za huma na .
O líd e r d a d o utrina fo i Eutiq ue s, mo ng e d e C o nsta ntino p la q ue , p o r sua s
id é ia s, so fre u vio le nto s a ta q ue s, se nd o p ro ib id o d e re a liza r o s rito s sa c e rd o ta is.
G ra ç a s a se us c o nhe c im e nto s na c o rte imp e ria l d o O rie nte , no e nta nto , sua s
d o utrina s g a nha ra m o a p o io d o imp e ra d o r Te o d ó sio II, q ue , e m 449, c o nvo c o u um
c o nc ilio e c umê nic o e m Éfe so p a ra d isc utir a q ue stã o .
A a sse mb lé ia fo i fo rte me nte d ire c io na d a d e mo d o a d a r g a nho d e
c a usa à s te se s mo no nsista s. As tro p a s im p e ria is se la nç a ra m c o m fo rç a c o ntra o s
a d ve rsá rio s d e Eutiq ue s, q ue nã o tive ra m p e rmissã o ne m p a ra to ma r a p a la vra .
Um d o c ume nto e nvia d o p e lo p a p a ne m fo i lid o , e a té me smo o re me te nte fo i
e xc o mung a d o . O b isp o d e Ale xa nd ria , Fla via no , le vo u uma surra tã o g ra nd e q ue
mo rre u p o uc o te mp o d e p o is.
O p a p a Le ã o Ma g no d e u a o e ve nto o no me d e "la tro c ínio d e Éfe so ".20
Na tura lme nte , fo i a p e na s o iníc io d e uma lo ng a histó ria . Po r vá ria s ve ze s,
e m uma intrinc a d a tra ma d e c o m p lô s, ho mic íd io s, a lia nç a s e ntre fa c ç õ e s,
a sc e nsõ e s a o tro no d e imp e ra d o re s a nti o u p ró -e utiq uia no s, o s c a tó lic o s e o s
m o no fisista s se re ve za ra m no s p a p é is d e p e rse g uid o re s e p e rse g uid o s, d e vítima s e
c a rra sc o s.21
As p e rse g uiç õ e s nã o d e te ria m a p ro p a g a ç ã o d o m o no fisism o . Ao
c o ntrá rio , g ra ç a s à s p re le ç õ e s d e Tia g o o u Ja c ó Ba ra d a i, b isp o d e Ed e ssa , e m 542,
e fund a d o r d a Ig re ja Ja c o b ita , p a íse s c o mo Eg ito e Síria d e ra m vid a a Ig re ja s
na c io na is p ró p ria s, e m c o ntra p o siç ã o à a uto rid a d e imp e ria l. Ma s ne m Tia g o
c o nse g uiu imp e d ir a c isã o d e sua p ró p ria Ig re ja . Po r e xe m p lo , e m 556, a se d e
e p isc o p a l d e Ale xa nd ria tinha c inc o p re te nd e nte s: q ua tro mo no fisista s d e d ive rsa s
c o rre nte s e um c a tó lic o .
A Ig re ja e tío p e é a té ho je mo no fisista . No sé c ulo XVI, a Ig re ja ro ma na
c o nto u c o m o s p o rtug ue se s p a ra le va r a o rto d o xia à Etió p ia , ma s a o p e ra ç ã o
fa lho u e m ra zã o d e uma fo rte re a ç ã o na c io na lista q ue c a uso u a e xp ulsã o d e
to d o s o s missio ná rio s e a rup tura d a s re la ç õ e s c o m Ro ma . Ma is re c e nte me nte , a
Itá lia fa sc ista te nto u imp o r o c a to lic ism o à s sua s c o lô nia s, ma s a Ig re ja e tío p e
re sistiu. Aind a ho je , no Eg ito , e xiste m d ua s Ig re ja s mo no fisista s: a c o p ta e a
me lq uita . Na Síria e na Me so p o tâ mia , a ind a e xiste m ja c o b ita s, e na Armê nia se
p ro fe ssa uma c o nfissã o mo no fisista .
O s pa ulic ia no s

Se ita d e p ro vá ve l o rig e m ma niq ue ísta o u a g nó stic a ,22 q ue surg iu na Ásia


Me no r p o r vo lta d o sé c ulo VIL Tinha e ssa d e sig na ç ã o p o r c a usa d a p e c ulia r
ve ne ra ç ã o a o s e sc rito s d e Sã o Pa ulo .2'
Sua d o utrina d ife re nc ia va c la ra me nte um De us c ria d o r d o e sp írito e um
De us se nho r e c ria d o r d a ma té ria . O s p a ulic ia no s ne g a va m a Enc a rna ç ã o e
c o nsid e ra va m C risto um a njo d e De us. Ac e ita va m c o mo te xto s sa g ra d o s a p e na s
o s Eva ng e lho s e a s C a rta s d e Pa ulo e re c usa va m o s sa c ra me nto s, a s ima g e ns
sa g ra d a s, a hie ra rq uia e c le siá stic a e a vid a m o ná stic a . Em ve z d a m issa ,
c e le b ra va m o á g a p e (fe sta d o a mo r).24
O s p a ulic ia no s ta mb é m fo rma va m um mo vime nto d e p ro te sto p o lític o ,
so c ia l e d e re vo lta c o ntra o d e sp o tismo b iza ntino e b úlg a ro .
So fre ra m vá ria s p e rse g uiç õ e s p o r p a rte d o Im p é rio Biza ntino , q ue o s
c o nd e no u o fic ia lm e nte e m 687. Ele s, e ntã o , se o rg a niza ra m c o mo Esta d o
ind e p e nd e nte e e mp unha ra m a rma s e m sua d e fe sa , a té a d e rro ta milita r
d e finitiva , e m 752. Ma s a d e rro c a d a nã o sig nific o u o fim d o mo vime nto . Há p ro va s
d e q ue fo ra m p e rse g uid o s p e lo Im p é rio d e C o nsta ntino p la a ind a e m 840. Alg uns
d e le s a c a b a ra m se mud a nd o p a ra a s te rra s d o e mir d e Me lite ne e luta nd o e ntre
o s á ra b e s.
O utro ra mo d o mo vime nto , se d ia d o na Trá c ia , te ria so b re vivid o a té o
sé c ulo XIII e insp ira d o o mo vime nto he ré tic o b úlg a ro d o s b o g o milo s.
O s b o g o m ilo s

Mo vime nto d ua lístic o q ue surg iu na s p rime ira s d é c a d a s d o sé c ulo X e


q ue g a nho u e ste no me g ra ç a s à s p ro fe c ia s d o p a d re b úlg a ro Bo g o mil.
Pa ra o s b o g o milo s, ha via uma c la ra a ntíte se e ntre De us, c ria d o r d o
e sp írito , e o d e mô nio , c ria d o r d a ma té ria . Ele s a c re d ita va m na s me sma s te o ria s
q ue o s p a ulic ia no s e p re g a va m a ig ua ld a d e so c ia l e o a fa sta me nto d o s p o b re s d o
d o mínio d o c le ro e d a no b re za . O b o g o milismo se d ifund iu no s sé c ulo s se g uinte s
no s Bá lc ã s e a té a s fro nte ira s d e Bizâ nc io . Fo rte me nte p e rse g uid o s p e lo s so b e ra no s
b úlg a ro s e p e lo s imp e ra d o re s b iza ntino s, o s b o g o milo s se e sp a lha ra m p o r to d a a
Euro p a C e ntra l e O c id e nta l, o nd e fo ra m a lvo d e re p re ssã o d a s a uto rid a d e s
c a tó lic a s.25
Em 1203, o re i d a Fra nç a , Ro b e rto , o Pio , a p e d id o d a Ig re ja , ma nd o u
q ue ima r na fo g ue ira , e m O rle a ns, um a d e ze na d e he re g e s "ma niq ue ísta s",
p ro va ve lme nte b o g o milo s ma is a va nç a d o s o u, ta lve z, o s p rime iro s c á ta ro s.26 Um
e p isó d io a ná lo g o o c o rre u e m Milã o p o r vo lta d e 1208.27
Na Bó snia , o b o g o milismo c he g o u a se to rna r re lig iã o d e Esta d o . Em 1203,
no e nta nto , o so b e ra no Kulin só c o nse g uiu se ma nte r no p o d e r a o c o nc o rd a r e m
tro c a r a d o utrina b o g o milista p e la c a tó lic a ro ma na e a c a ta r a tute la húng a ra .28
C APÍTULO 4

Justinia no , o s m a ssa c re s e m no m e da fé

O im p e ra d o r d o O rie nte , Justinia no (527-565),1 c o nse g uira c o nso lid a r o


p ró p rio p o d e r g ra ç a s a o a uxílio d e um "e sq ua d rã o d a mo rte " tre ina d o p o r e le
p ró p rio . Na p rá tic a , tra ta va -se d e um b a nd o d e sa ng uiná rio s q ue a ssa ssina va
to d o s o s se us riva is na c o rrid a p e lo tro no : o g e ne ra l Vita lia no , o e unuc o Amá zio e
um núm e ro im p re c iso d e a risto c ra ta s.2
Uma te ste munha d a é p o c a c o me nto u: "Até me smo a mã o d e De us,
g uia d a p e lo Pa tria rc a , p ro te g e sua s inic ia tiva s d e e rra d ic a r o s inimig o s d a fé ".3 De
se u lo ng o re ina d o , fic a ra m o ime nso C o rp us iuris c ivilis, c ó d ig o q ue o rd e na e m um
únic o c o njunto d e le is o rg â nic a s to d a a jurisp rud ê nc ia ro ma na , e a d e c id id a
p o lític a d e re c o nq uista milita r d o s te rritó rio s o c up a d o s p e lo s b á rb a ro s. Ma s nã o se
p o d e e sq ue c e r o ma ssa c re d e Nika , e m ja ne iro d e 532. Dura nte a p a rtid a d e uma
c o rrid a d e b ig a s no im e nso hip ó d ro mo d e C o nsta ntino p la , o im p e ra d o r Justinia no
e sua mulhe r, Te o d o ra , fo ra m va ia d o s p e la multid ã o q ue re c la ma va d a s e xc e ssiva s
o b rig a ç õ e s fisc a is. O p ro te sto tra nsfo rmo u-se e m um ve rd a d e iro tum ulto , q ue te ve
c o mo insó lito s a lia d o s líd e re s d e fa c ç õ e s d e g rup o s p o p ula re s e d e a risto c ra ta s.
Justinia no p re c iso u se re fug ia r e m se u p a lá c io , ta l fo i o a ssé d io d o s re vo lto so s.
O imp e ra d o r, e ntã o , o fe re c e u d o a ç õ e s e m d inhe iro a o s líd e re s e
c o nvo c o u o p o vo to d o p a ra uma a sse mb lé ia p úb lic a no hip ó d ro mo , o nd e
a nunc ia ria im p o rta nte s no vid a d e s.
O s re vo lto so s, d e ssa fo rma , se re unira m no e stá d io , o nd e , e m ve z d o
imp e ra d o r, e ntra ra m so ld a d o s d o g e ne ra l Na rse te , q ue a ssa ssina ra m o s p re se nte s.
C a lc ula -se q ue trinta mil p e sso a s te nha m sid o mo rta s.
O utro e p isó d io fa mo so fo i a vio le nta re p re ssã o a o s re b e ld e s sa ma rita no s,
q ua nd o fo ra m mo rta s ma is d e c e m mil p e sso a s.
Ta lve z me no s c o nhe c id a se ja a p ra g má tic a d isp o siç ã o d e 554, q ue
e ste nd e u a le g isla ç ã o imp e ria l à Itá lia "lib e rta " d o s b á rb a ro s e q ue imp ô s a
re stituiç ã o d e to d o s o s b e ns d e sa p ro p ria d o s p e lo s g o d o s a o s a risto c ra ta s e à
Ig re ja .
De ntre a s p ro p rie d a d e s a se re m re stituíd a s, ha via ta mb é m e sc ra vo s e
se rvo s d a g le b a q ue o s "b á rb a ro s" ha via m a lfo rria d o e q ue , a ssim, p e rd e ria m se u
sta tus d e ho me ns livre s.4
O p ro g ra m a d e Justinia no p o d e se r re sumid o p e lo se g uinte le m a : "Um só
Esta d o , um a só le i, uma só Ig re ja ".5
A le g isla ç ã o imp e ria l re g ula me nta va c a d a a sp e c to d a vid a d o Im p é rio ,
inc lusive o re lig io so . O s b isp o s e ra m , e m to d o e q ua lq ue r a sp e c to , func io ná rio s d o
Esta d o , c o m d e ve re s d e func io ná rio s p úb lic o s, "a ssiste nte s so c ia is" e ma g istra d o s.6
Uma sé rie d e le is re g ula va , d e ma ne ira minuc io sa , p ra tic a me nte c a d a d e ta lhe d a
vid a d o c le ro e d o s mo ng e s, inc luíd a s a í a s p rá tic a s litúrg ic a s, c o mo a e nto a ç ã o
d o s trê s c â ntic o s p rinc ip a is d o d ia no s m o ste iro s (m a tutino , la ud e e ve sp e rtino ).
Alé m d isso , a s p e na s p re vista s p a ra o s tra nsg re sso re s e ra m se ve ra s: p o r e xe mp lo ,
uma d ia c o nisa q ue se c a sa sse p o d e ria se r p unid a c o m a mo rte a o la d o d o
ma rid o , e um mo ng e q ue a b a nd o na sse o há b ito e ra c o nvo c a d o p e lo e xé rc ito .7
As re p re ssõ e s d e Justinia no
Justinia no fo i um te na z d e fe nso r d a o rto d o xia (é c la ro q ue e ra e le q ue m
d e c id ia o q ue e ra "o rto d o xo " e o q ue nã o e ra ) e um imp la c á ve l p e rse g uid o r d o s
he re g e s e p a g ã o s.
Um e d ito d e 529 o b rig a va o s súd ito s a ind a nã o c o nve rtid o s a se
b a tiza re m e se "instruíre m na ve rd a d e ira fé d o s c ristã o s". O s d e so b e d ie nte s se ria m
p unid o s c o m o c o nfisc o d e to d o s o s b e ns e a p e rd a d e to d o s o s d ire ito s; o s
b a tiza d o s q ue vo lta sse m a se r p a g ã o s se ria m p unid o s c o m a mo rte .8 C o ntra o s
he re g e s ma niq ue ísta s,' e ra m p re vista s me d id a s a ind a ma is g ra ve s: a mo rte e o
c o nfisc o d o s b e ns. A p e na d e mo rte ta mb é m e ra a p lic a d a a o s e x-ma niq ue ísta s
q ue vo lta sse m a p ro fe ssa r sua ve lha re lig iã o , q ue se re la c io na sse m c o m o s a ntig o s
c o mp a nhe iro s d e fé se m d e nunc iá -lo s o u q ue g ua rd a sse m e sc rito s d a q ue la se ita ,
e m ve z d e e ntre g á -lo s à s a uto rid a d e s.10
Q ua nd o a s tro p a s b iza ntina s re c o nq uista ra m a Áfric a e a Itá lia , Justinia no
c o nfisc o u o s te mp lo s d e d o na tista s e a ria no s e ma nd o u se us c lé rig o s p a ra o e xílio .
É a trib uíd a a e le a fra se : "Pa ra e le s, já b a sta vive r!"11 A re p re ssã o
p ro vo c o u uma re b e liã o d e milita re s a ria no s na Áfric a , ma s q ue fo i c o ntid a a p ó s
p o uc o s me se s d e luta .
Em uma é p o c a e m q ue o s c ulto s p a g ã o s a ind a so b re vivia m e o s c ristã o s
e sta va m d ivid id o s e m infinita s c o rre nte s d o utriná ria s, é ó b vio q ue nã o e ra d ifíc il
e nc o ntra r um tra ç o q ua lq ue r e m a lg um a d ve rsá rio p o lític o q ue o to rna sse "inimig o
d a fé ". De fa to , nã o p o uc o s e xp o e nte s d a a lta no b re za , a c usa d o s d e p a g a nism o
o u he re sia , fo ra m p re so s, to rtura d o s, mo rto s o u se suic id a ra m.12
O utra s ig re ja s mo nta nista s fo ra m d e struíd a s p e lo s missio ná rio s d e
Justinia no na s d é c a d a s q ue se se g uira m. O s o sso s d o s fund a d o re s d a se ita ,
g ua rd a d o s e ve ne ra d o s c o mo re líq uia s, fo ra m inc ine ra d o s.13
Co m o s jud e us, no e nta nto , Justinia no m a nife sto u uma re la tiva
to le râ nc ia . De ixo u-o s livre s p a ra p ra tic a r se u c ulto , a ind a q ue e le s fo sse m
jurid ic a me nte infe rio re s a o s c ristã o s. Po r e xe mp lo , um jud e u nã o p o d ia
te ste munha r c o ntra um c ristã o ne m p o ssuir e sc ra vo s c ristã o s.
Se us rito s ta mb é m e ra m d isc ip lina d o s p e la le i: o s jud e us nã o p o d ia m
c e le b ra r sua Pá sc o a se e sta a c o nte c e sse a nte s d a c ristã , ne m d isc utir o u
inte rp re ta r a s p a ssa g e ns d a Bíb lia . Po r le i, d e via m a c re d ita r na re ssurre iç ã o d o s
mo rto s, na e xistê nc ia d o s a njo s e no juízo unive rsa l.14
O im p e ra d o r, p o r o utro la d o , fo i im p ie d o so c o m o s sa ma rita no s, o s
"c ismá tic o s" d o jud a ísmo : p rivo u-lhe s d o d ire ito d e te ste munha r e d e he rd a r, e
ma nd o u d e struir sua s sina g o g a s.
A p e rse g uiç ã o fe z e c lo d ir uma ve rd a d e ira re vo lta na Pa le stina ; e m
re p re sá lia , muito s c ristã o s fo ra m mo rto s, e ig re ja s, inc e nd ia d a s. "Se g uiu-se uma
vio le ntíssima re p re ssã o : vila re jo p o r vila re jo , c o lina p o r c o lina , o p a ís fo i
re c o nq uista d o e m 529 e 530. Ma is d e c e m mil sa ma rita no s fo ra m mo rto s, muito s
fug ira m p a ra a Pé rsia , o utro s se c o nve rte ra m."15 Em 555, uma se g und a re vo lta fo i
c o ntid a d e fo rma ig ua lme nte d ura .
Po rta nto , q ua nd o se tra ta va d e d e fe nd e r a "fé ve rd a d e ira ", Justinia no
nã o o lha va no s o lho s d e ning ué m. Ma s a b riu uma e xc e ç ã o p a ra o s mo no fisista s,
p o is sua mulhe r ta mb é m e ra m o no fisista . E, c o m o e la , m uito s o utro s súd ito s,
so b re tud o no Eg ito , um d o s "c e le iro s" d o im p é rio . Te ve p a ra c o m e le s um
c o mp o rta me nto q ue o sc ila va e ntre re p re ssã o e te nta tiva s d e re c o nc ilia ç ã o .
No p e río d o e ntre 527 e 544, a lte rna ra m-se c o nc ílio s, ma nife sta ç õ e s e m
p ra ç a s, e xílio s, re inte g ra ç ã o d e b isp o s e te ó lo g o s mo no nsista s, inte rve nç õ e s d e
tro p a s p a ra tira r b isp o s e sa c e rd o te s he re g e s d e se u p o sto , e d ito s d o g má tic o s (o u
se ja , d e c re to s q ue imp unha m p o siç õ e s d o utriná ria s p o r le i).16
Em 544, Justinia no e m a no u um e d ito q ue a c o lhia , a o me no s e m p a rte , a s
te se s mo no fisista s. O te xto , c o nhe c id o c o mo "A c o nd e na ç ã o d o s trê s c a p ítulo s",
d e c la ra va he ré tic a s a s d o utrina s d e Te o d o ro d e Mo p sué stia (mo rto ma is d e um
sé c ulo a nte s); Te o d o re to , te ó lo g o ; e Ib a s d e Ed e ssa , a c usa d o d e ne sto ria nismo .
Na s p rim e ira s d é c a d a s d o sé c ulo XX, o le ma d e um p o lític o vie ne nse q ue
e mb a rc a ra no c a rro d o a nti-se mitismo e ra : "De c id o e u q ue m é jud e u o u nã o ".17 O
le m a d e Justinia no (m a s ta m b é m d e m uito s o utro s re is e im p e ra d o re s c ristã o s a nte s
d e le ) p o d e ria te r sid o : "De c id o e u q ue m é he re g e o u nã o ".
O pa pa pre so

O p a p a Virg ílio (537-555) se re c uso u a a ssina r o e d ito imp e ria l. As tro p a s


d e Justinia no re a g ira m tira nd o -o d e Ro ma p a ra le vá -lo à p re se nç a d o so b e ra no .18
A isso so b re ve io um lo ng o p e río d o d e "to ma -e -d á ", d e infla ma d a s
c o nve rsa ç õ e s e ntre o imp e ra d o r e o p a p a , q ue d uro u a no s. Até q ue , e m 551,
Justinia no , im p a c ie nte , m a nd o u p re nd e r o p a p a . "Uma tro p a a rma d a o s c e rc o u e
a rra nc o u o p a p a e o s b isp o s q ue e sta va m c o m e le d a ig re ja na q ua l ha via m se
re fug ia d o . Virg ílio , q ue o s so ld a d o s te nta ra m p e g a r p e la b a rb a e p e lo s p é s,
a g a rro u-se a uma c o luna d o a lta r, q ue se q ue b ro u, e a me sa d o a lta r o te ria
e sma g a d o , se se us c lé rig o s nã o a tive sse m se g ura d o . O s g rito s ho stis d a m ultid ã o
fize ra m a tro p a b a te r e m re tira d a , o b rig a nd o Justinia no a ne g o c ia r. No d ia
se g uinte , Virg ílio , c o nfia nd o na p ro me ssa so le ne d o im p e ra d o r d e q ue nã o lhe
se ria fe ito ne nhum ma l, c o nc o rd o u e m vo lta r a o p a lá c io d e Pla c íd ia , ma s lo g o fo i
fe ito p risio ne iro , fic a nd o im p o ssib ilita d o de re c e b e r se us c lé rig o s e se nd o
sub me tid o a vá ria s ve xa ç õ e s."19
Virg ílio c o nse g uiu fug ir d o p a lá c io -p risã o e se re fug io u na b a sílic a d e
Sa nta Eufê mia , na C a lc e d ô nia . Ve io o utro p e río d o d e ne g o c ia ç õ e s e "a c id e nte s
d e p e rc urso " (a s tro p a s imp e ria is e ntra ra m e m Sa nta Eufê mia e p re nd e ra m o s
c o la b o ra d o re s d o p a p a ), a o fina l d o q ua l o p o ntífic e c o nc o rd o u e m c o nvo c a r um
c o nc ilio e c umê nic o p a ra d irimir a q ue stã o .
O c o nc ilio se re uniu e m C o nsta ntino p la e m 553. Virg ílio nã o c o mp a re c e u
e m p ro te sto , p o is o s b isp o s o c id e nta is e sta va m sub -re p re se nta d o s.
No fina l, o s b isp o s p re se nte s a p ro va ra m a s te se s imp e ria is e c e nsura ra m
o s a to s d o p a p a .20
Te o d o ro d e Mo p sué stia , mo rto 125 a no s a nte s, fo i d e c la ra d o "ímp io ",
"he re g e " e e xc o mung a d o p o st-mo rte m. O s c lé rig o s ro ma no s q ue a p o ia va m o
p o ntífic e fo ra m e xila d o s o u p re so s.21 As c o nc lusõ e s d o c o nc ilio fo ra m im p o sta s p o r
le i, e o s he re g e s q ue vo lta sse m a trá s d a re tra ta ç ã o se ria m c o nd e na d o s à mo rte .22
A va lid a d e d o II C o nc ilio d e C o nsta ntino p la a ind a é re c o nhe c id a p e la Ig re ja
C a tó lic a e p e la o rto d o xa . Virg ílio a p ro vo u, c o m re lutâ nc ia , a C o nd e na ç ã o d o s
Trê s C a p ítulo s e mo rre u, ta lve z e nve ne na d o , no c a minho d e vo lta .23
A no va c o nfissã o d e fé , q ue d e ve ria te r c o nc ilia d o a s vá ria s a lma s d a
c rista nd a d e , a c a b o u d e sc o nte nta nd o a to d o s. No Eg ito e na Síria , a s Ig re ja s
mo no fisista s p ro sse g uira m e m sua s e stra d a s. Muito s b isp o s, mo ng e s e c lé rig o s
c a tó lic o s d issid e nte s fo ra m p re so s e a ç o ita d o s. O no vo b isp o d e Ro ma , Pe lá g io ,
e nfre nto u a ho stilid a d e g e ra l d o s c ristã o s d e Ro ma e só p ô d e vo lta r à c id a d e c o m
a a jud a d a s tro p a s imp e ria is.
Na Itá lia , c he g o u a ha ve r um c ism a : o b isp o de Aq uilé ia se
a uto p ro c la mo u p a tria rc a e d e u vid a , c o m o utro s b isp o s d o no rte d a Itá lia e d a
Da lmá c ia , a uma Ig re ja a utô no ma q ue d ura ria ma is d e um sé c ulo .24
A he re sia m o no te lista

O imp e ra d o r d o O rie nte , Erá c lio (610-641), na te nta tiva d e d a r fim à s


d isp uta s e m to rno d a na ture za d e C risto , q ue a ind a d ivid ia m e e nfra q ue c ia m a
c rista nd a d e , e nq ua nto a e xp a nsã o á ra b e -islâ mic a já p re ssio na va o Im p é rio , c rio u,
junto com o p a tria rc a de C o nsta ntino p la , Sé rg io , um a no va d o utrina , o
m o no te lism o , im p o sto p o r le i.
De a c o rd o c o m e ssa d o utrina , C risto tinha d ua s na ture za s, d ivina e
huma na (fa to so b re o q ua l nã o se insistia muito , p a ra nã o d e sa g ra d a r o s
m o no fisista s), m a s um a só vo nta d e , a d ivina . O c e rne d a q ue stã o te o ló g ic a e sta va
e m um c a mp o c a p a z d e e nc o ntra r a d e p to s ta nto p o r p a rte d o s m o no fisista s
q ua nto d e se us a d ve rsá rio s.
A d o utrina mo no te lista fo i a c e ita p e lo p a p a O nó rio I, ma s re je ita d a p o r
se us suc e sso re s. Pa ra o s b isp o s e te ó lo g o s d a Ig re ja d e Ro m a , a trib uir a C risto
a p e na s uma na ture za d ivina sig nific a va re d uzir a huma nid a d e e , p o rta nto , d iminuir
o va lo r d a Pa ixã o .
Essa d e c isã o c usto u a o p a p a Se ve rino o sa q ue d o Pa lá c io d e La trã o
p e la s tro p a s b iza ntina s, a lé m d o b a nime nto d e to d a a c o rte p a p a l d e Ro ma .25 Em
648, o imp e ra d o r b iza ntino C o nsta nte II la nç o u um e d ito p ro ib ind o to d a s a s
c o nte nd a s a re sp e ito d a vo nta d e d e C risto .
O papa Ma rtinho I re a g iu c o nd e na nd o o e d ito im p e ria l e
e xc o mung a nd o o p a tria rc a d e C o nsta ntino p la , e ta mb é m p a g o u p o r sua
insub o rd ina ç ã o : fo i p re so e m 653 so b a a c usa ç ã o d e c o nsp ira r c o ntra o Im p é rio ,
le va d o a C o nsta ntino p la , a rra sta d o p e la c id a d e nu e a c o rre nta d o , p re so e ,
fina lme nte , ma nd a d o p a ra o e xílio na C rimé ia , o nd e m o rre u e m c o nse q üê nc ia
d a s p riva ç õ e s so frid a s e m 655.26
O utro a d ve rsá rio d o mo no te lism o , o mo ng e g re g o Má ximo , o C o nfe sso r,
fo i p re so , to rtura d o , mutila d o e d e p o is e xila d o .27
Ap e na s e m 681, c o m o VI C o nc ilio Ec umê nic o d e C o nsta ntino p la ,
e nc e rra ra m-se a s c o ntro vé rsia s so b re a p o siç ã o d o Filho na Trind a d e .
O s c ristã o s de stro e m im a g e ns sa c ra s

No sé c ulo VII, o s c ristã o s se d ivid e m a c e rc a d a q ue stã o d o c ulto d a s


ima g e ns e se ina ug ura um sé c ulo d e g ue rra s, inva sõ e s milita re s, p e rse g uiç õ e s,
re vo lta s p o p ula re s.
De um la d o , e stã o o s mo ste iro s, d o no s d e ime nsa s riq ue za s, c o m g ra nd e
a p o io p o p ula r g ra ç a s e xa ta me nte a o c ulto d a s ima g e ns sa c ra s. De o utro , e stã o o s
ic o no c la sta s, q ue c o nd e na m a s ima g e ns sa g ra d a s c o mo íd o lo s e sup e rstiç õ e s.
O s im p e ra d o re s d o O rie nte te me m o p o d e r e a influê nc ia d o s mo ste iro s
e , a ssim , se a lia m a o s ic o no c la sta s. Q ue m se re b e la c o ntra a no va c o rre nte é
p e rse g uid o e mo rto . Ne m o s b isp o s d e Ro ma , tã o d ista nte d e C o nsta ntino p la ,
c o nse g ue m e sc a p a r. Enfre nta m vá ria s c o njura ç õ e s e a té me smo e xp e d iç õ e s
milita re s.
Ma s a fro ta ma nd a d a p o r Bizâ nc io p a ra suje ita r o p a p a a fund a e m uma
te mp e sta d e . De us a p ó ia o c ulto d a s ima g e ns? 28
Ic o no c la stia

A ic o no c la stia (d o g re g o e iko n, im a g e m , e kla e in, q ue b ra r) c o nsiste e m


um a mp lo mo vime nto q ue se d e se nvo lve u no s te rritó rio s d o Im p é rio Biza ntino , a p ó s
o s se rm õ e s d e Se ra nta p ic o d e La o d ic é ia (c e rc a d e 723). O s ic o no c la sta s se
re me tia m à s Sa g ra d a s Esc ritura s e , e m p a rtic ula r, a o se g und o dos dez
ma nd a me nto s: "Nã o fa rá s p a ra ti íd o lo s ne m fig ura a lg uma d o q ue e xiste e m c ima ,
no s c é us, ne m e mb a ixo , na Te rra , ne m d o q ue e xiste na s á g ua s, d e b a ixo d a
te rra ..."29
O s im p e ra d o re s d e C o nsta ntino p la , d e ime d ia to , a p o ia ra m o mo vime nto
p a ra g a nha r a simp a tia d a s c o munid a d e s o rie nta is, p ró xim a s d o inva so r
muç ulma no , e p a ra limita r o p o d e r d o s mo ste iro s.
No a no d e 725, o imp e ra d o r Le ã o III se d e c la ro u c o ntrá rio à ve ne ra ç ã o
d a s ima g e ns e p ub lic o u a lg uma s d isp o siç õ e s q ue limita va m se u c ulto . Vá rio s b isp o s
o rie nta is a d e rira m à s d ire tiva s im p e ria is, ma s a o p o siç ã o d o s mo ng e s p ro vo c o u,
e m C o nsta ntino p la e e m o utra s c id a d e s, re vo lta s p o p ula re s re p rimid a s d e ma ne ira
sa ng uiná ria .
A p o lític a ic o no c la sta d o s imp e ra d o re s d e C o nsta ntino p la c o ntinua ria
p o r ma is d e se sse nta a no s, p e río d o e m q ue o s a d o ra d o re s d a s ima g e ns se ria m
d e p o sto s, p e rse g uid o s, to rtura d o s e mo rto s se m p ie d a d e , e e m q ue a q ue stã o d a s
ima g e ns te ria se rvid o d e p re te xto a té p a ra uma sa ng re nta g ue rra c ivil.
Em 786, a im p e ra triz Te o d o ra c o nvo c o u um c o nc ilio e m C o nsta ntino p la ,
c o m a a p ro va ç ã o d o p a p a , p a ra re sta ura r o c ulto à s ima g e ns. A a sse mb lé ia , no
e nta nto , te ve d e se r d isso lvid a p e la re b e ld ia d e a lg uma s tro p a s ic o no c la sta s.
O c o nc ilio se re uniu d e p o is e m Nic é ia , o nd e c o nfirmo u a va lid a d e d o
c ulto à s ima g e ns (787). Ma s a ic o no c la stia se ria re c rud e sc id a , p rime iro d ura nte o
b re víssimo re ina d o d e C o nsta ntino IV (d e p o sto e c e g a d o p e la p ró p ria m ã e , Ire ne ),
e d e p o is, c o m ma io r e sta b ilid a d e , so b o im p e ra d o r Le ã o V, q ue sub iu a o tro no e m
813, e se us suc e sso re s. A a d o ra ç ã o à s im a g e ns fo i re sta ura d a d e finitiva m e nte e m
843.
A ic o no c la stia d e te rio ro u g ra ve me nte a s re la ç õ e s e ntre o Im p é rio
Biza ntino e a Ig re ja d e Ro ma . O s p a p a s se o p use ra m o rg ulho sa me nte a e ssa
d o utrina e re sistira m à s re p ro va ç õ e s d e C o nsta ntino p la , q ue te nto u e m vã o
sub me te r a Ig re ja la tina a tra vé s d e c o njura ç õ e s, a ta q ue s-surp re sa e e xp e d iç õ e s
milita re s. As d ive rg ê nc ia s e ntre o p a p a e o imp e ra d o r a c a b a ra m a fa sta nd o to ta l e
d e finitiva me nte a c id a d e d e Ro ma d o c o ntro le d a a d ministra ç ã o b iza ntina .
UMA PEQ UENA C RO NO LO G IA

723 - Po r vo lta d e sse a no , c o m o s se rmõ e s d e Se ra nta p ic o d e La o d ic é ia ,


g a nha e sp a ç o e ntre o s á ra b e s uma d o utrina q ue c o nd e na a a d o ra ç ã o à s
ima g e ns sa g ra d a s: e m b re ve , a ic o no c la stia irá se p ro p a g a r a té C o nsta ntino p la .
726 - O imp e ra d o r Le ã o III se p ro nunc ia c o ntra ria me nte à a d o ra ç ã o à s
ima g e ns e ma nd a re tira r a ima g e m d e C risto d e c ima d a p o rta d e b ro nze d o
p a lá c io imp e ria l. A o rd e m d á e nse jo a um p ro te sto p o p ula r d ura me nte re p rimid o .
Em Ro ma , o p a p a G re g ó rio II c o nd e na o e d ito d e Le ã o III e c o nvid a o s fié is d a
Ig re ja d e Ro ma a nã o se g ui-lo .
727 - Ap ro ve ita nd o a s d ive rg ê nc ia s q ue o p õ e m G re g ó rio III e o
im p e ra d o r Le ã o III, e a s re b e liõ e s p o p ula re s q ue e c lo d e m e m vá ria s c id a d e s
b iza ntina s, o re i lo mb a rd o Liutp ra nd o o c up a Sutri e Ra ve na , le va nd o o e xa rc o (o
g o ve rna d o r) Esc o lá stic o a fug ir. Sutri, d e p o is, é c e d id a a o p a p a . Essa d o a ç ã o é
p o r muito s c o nsid e ra d a a c e rtid ã o d e na sc ime nto d o Esta d o Po ntifíc io .
Em Ro ma , e xé rc ito s fié is a Bizâ nc io te nta m ma ta r G re g ó rio II, ma s sã o
d e rro ta d o s p e lo p o vo ro ma no ; o e xa rc o Pa ulo te nta c a p tura r o p a p a , ma s sua
te nta tiva fra c a ssa c o m a o p o siç ã o d a s milíc ia s ro ma na s.
728 - O e xa rc o Pa ulo se d irig e a Ro ma , ma s é d e rro ta d o e mo rto p e lo s
a ntiic o no c la sta s. No me smo a no , Ro ma se re b e la c o ntra o no vo e xa rc o Eutíq uio ,
no me a d o p e lo im p e ra d o r Le ã o III, se p a ra nd o -se d e finitiva me nte d e Bizâ nc io . O s
b iza ntino s, no e nta nto , c o nse g ue m re c o nq uista r Ra ve na e te nta m o c up a r
Bo lo nha , ma s sã o d e rro ta d o s p e lo s lo mb a rd o s. Liutp ra nd o , re i d o s lo m b a rd o s, p o r
sua ve z, c o mo d e fe nso r d a fé o rto d o xa e d o p a p a d o , to ma d o s b iza ntino s a
c id a d e d e C la sse e vá rio s te rritó rio s na Emília .
729 - Ac o rd o e ntre o e xa rc o Eutíq uio e o re i lo mb a rd o Liutp ra nd o .
Eutíq uio a jud a Liutp ra nd o a suje ita r o s d uq ue s d e Sp o le to e Be ne ve nto , q ue , a té
e ntã o , g o za va m d e uma q ua se c o mp le ta a uto no mia , e m tro c a d e a uxílio p a ra
re c o nq uista r Ro ma . O s d o is e xé rc ito s, e ntã o , d irig ira m-se a Ro ma , ma s a nte s d o
a ta q ue d e c isivo o p a p a G re g ó rio II c o nse g uiu c o nve nc e r Liutp ra nd o a d e sistir d a
e mp re ita d a .
730 - Ap ó s o fra c a sso d a s te nta tiva s c o m o c le ro c o ntrá rio à ic o no c la stia ,
o im p e ra d o r b iza ntino Le ã o III p ub lic a um e d ito e m q ue o rd e na a d e struiç ã o d e
to d a s a s ima g e ns c ultua d a s, d e p o nd o o p a tria rc a G e rma no , q ue se re c usa a
a p ro vá -lo . Pa ra b o ic o ta r a ig re ja itá lic a a ntiic o no c la sta , e le sub me te a Sic ília e a
C a lá b ria à jurisd iç ã o d o p a tria rc a d o d e C o nsta ntino p la .
731 - O p a p a G re g ó rio II se re c usa a re c o nhe c e r G e rma no , o suc e sso r
ic o no c la sta d o p a tria rc a d e C o nsta ntino p la , m a s p o uc o te mp o d e p o is fa le c e .
Suc e d id o p o r G re g ó rio III, q ue d e p ro nto c o nd e na a d o utrina ic o no c la sta ; m a s o s
me nsa g e iro s e nc a rre g a d o s d e le va r a d e c isã o a C o nsta ntino p la sã o p re so s p e lo
c o ma nd a nte Sé rg io na Sic ília .
742 - O no vo imp e ra d o r C o nsta ntino V, e m me io à c a mp a nha c o ntra o s
á ra b e s, é a ta c a d o e d e rro ta d o p o r se u c unha d o Arta va sd e , q ue se p ro c la ma
im p e ra d o r, a p re se nta nd o -se c o mo o c a mp e ã o d a "a d o ra ç ã o à s ima g e ns", e é
c o ro a d o e m C o nsta ntino p la . Enq ua nto o c ulto à s ima g e ns é re sta ura d o na
c id a d e , C o nsta ntino V fo g e e o b té m o a p o io inc o nd ic io na l d e a na tó lic o s e
trá c io s.
743 - C o nsta ntino V re to ma o p o d e r p e la s a rma s, ma nd a c e g a r
Arta va sd e e se us d o is filho s, e se ving a d e se us se g uid o re s.
753 - O re i d o s lo mb a rd o s, Asto lfo , imp õ e um trib uto p e sso a l a o s ro ma no s,
a título d e p ro te to ra d o . Sua re c usa a susp e nd e r a a p lic a ç ã o d o trib uto le va o
p a p a a so lic ita r o a uxílio d e C o nsta ntino p la p a ra d e fe nd e r Ro ma , ma s o
imp e ra d o r C o nsta ntino V se re c usa a inte rvir. C o m a rup tura d a p a z, o s lo mb a rd o s
d irig e m -se a Ro m a vind o s d e vá ria s d ire ç õ e s, p a ra b lo q ue a r to d a s a s via s d e
a c e sso à c id a d e . Dia nte d o p e rig o lo mb a rd o , o p a p a e nvia um p e re g rino a o re i
d o s fra nc o s, Pe p ino , p e d ind o sua a jud a . Ma s o re i Pe p ino nã o inte rvé m, o p a p a
d e ixa a Itá lia e , no s p rim e iro s d ia s d o a no se g uinte , junta -se a o re i d o s fra nc o s e m
Ve try.
754 - No p a lá c io imp e ria l d e Hie ria , na c o sta a d riá tic a d o Bó sfo ro , re úne -
se um c o nc ilio d e b isp o s fa vo rá ve is à ic o no c la stia ("síno d o a c é fa lo "), q ue c o nd e na
a a d o ra ç ã o d a s ima g e ns. Ap ó s a a sse mb lé ia , e m to d a p a rte a s ima g e ns sa g ra d a s
sã o d e struíd a s e sub stituíd a s p o r p intura s d e te ma s p ro fa no s. O s d issid e nte s sã o
p e rse g uid o s se m tré g ua .
756 - Asto lfo ma is uma ve z c e rc a Ro ma . O p a p a ma nd a o utro s
e mb a ixa d o re s a Pe p ino , p a ra p e d ir a jud a . O s fra nc o s d e sc e m a té a p e nínsula ,
d e rro ta m o e xé rc ito lo mb a rd o e imp õ e m a Asto lfo um no vo tra ta d o . O re i
lo mb a rd o e ntre g a o p a p a a Pe ntá p o lis e C o ma c c hio e a c e ita p a g a r um trib uto
a o re i d o s fra nc o s. Pe p ino d á a o p o ntífic e o s te rritó rio s, q ue se to rna m o fic ia lm e nte
"p a trimô nio d e Sã o Pe d ro ", re c usa nd o -se a a c e ita r o p e d id o d o s e mb a ixa d o re s
b iza ntino s q ue re q ue ria m a re stituiç ã o d o e xa rc a d o d e Ra ve na .
760 - Tre ze nto s na vio s b iza ntino s c he g a m à Sic ília p a ra a ta c a r a Pe nínsula
Itá lic a , e nq ua nto a d ip lo ma c ia d e C o nsta ntino p la tra b a lha fe rvo ro sa me nte p a ra
iso la r o p a p a .
767 - Em C o nsta ntino p la , a o p o siç ã o à ic o no c la stia se re úne e m to rno d o
abade Estê vã o de Auxe ntio s, q ue , no e nta nto , é a ssa ssina d o p e lo p o vo ,
e nc o ra ja d o p e lo imp e ra d o r.
768 - Sé rg io , filho d e C ristó vã o , no c o ma nd o d o s lo mb a rd o s, mo nta
a c a mp a me nto na c o lina d e G ia nic o lo . O p a p a C o nsta ntino é p re so , e , p a ra
o c up a r se u p o sto , é e le ito o p a d re Fe lip e . Ma s C ristó vã o inte rvé m e fa z o p o vo
ro ma no e xp ulsa r Fe lip e , le va nd o a uma no va e le iç ã o re g ula r, na q ua l é e sc o lhid o
Estê vã o III. A e le iç ã o é a c o mp a nha d a p o r no va s d e so rd e ns e uma sé rie d e
ving a nç a s.
775 - O imp e ra d o r o rie nta l C o nsta ntino V mo rre d ura nte uma e xp e d iç ã o
c o ntra o s b úlg a ro s. É suc e d id o p e lo filho Le ã o IV, ma is mo d e ra d o e fo rte me nte
influe nc ia d o p e la mulhe r, Ire ne , a d e p ta d o c ulto à s ima g e ns.
780 - A mo rte p re ma tura d e Le ã o IV le va a o tro no se u filho , C o nsta ntino
VI, d e a p e na s 10 a no s. A mã e , Ire ne a ssume a re g ê nc ia e se o p õ e vito rio sa me nte
a uma te nta tiva d e usurp a ç ã o p o r p a rte d o s tio s p a te rno s d e C o nsta ntino ,
o b rig a nd o -o s a se to rna re m p a d re s.
784 - Na ig re ja d o s Sa nto s Ap ó sto lo s e m C o nsta ntino p la é a b e rto um
c o nc ilio p a ra re sta ura r a a d o ra ç ã o à s ima g e ns, ma s a inte rve nç ã o d o s so ld a d o s
d a g ua rd a , e m um p rim e iro m o m e nto , p ro vo c a a d isp e rsã o d a a sse mb lé ia . A
imp e ra triz Ire ne a fa sta a s tro p a s ic o no c la sta s d a c a p ita l c o m o p re te xto d e uma
c a mp a nha c o ntra o s á ra b e s e c ha ma p a ra C o nsta ntino p la tro p a s trá c ia s, fié is a o
c ulto à s ima g e ns.
786 - Inic ia -se , na ig re ja d o s Sa nto s Ap ó sto lo s, e m C o nsta ntino p la , um
c o nc ilio p a ra re to ma r a a d o ra ç ã o à s ima g e ns, ma s a inte rve nç ã o d o s so ld a d o s d a
g ua rd a , e m um p rime iro mo me nto , d isso lve a a sse mb lé ia . A imp e ra triz Ire ne e ntã o
a fa sta a s tro p a s ic o no c la sta s d a c a p ita l, c o m o p re te xto d e uma c a mp a nha
c o ntra o s á ra b e s, e c o nvo c a tro p a s trá c ia s, fié is a o c ulto à s ima g e ns, p a ra o c up a r
C o nsta ntino p la .
787 - Fina lme nte é re a liza d o e m Nic é ia um c o nc ilio c o nvo c a d o p e la
im p e ra triz b iza ntina Ire ne , q ue re to m a d e finitiva me nte — nã o se m o p o siç ã o — o
c ulto à s ima g e ns.
790 - Ec lo d e , e m C o nsta ntino p la , um a g ra nd e d ive rg ê nc ia e ntre o
im p e ra d o r C o nsta ntino VI e sua mã e , Ire ne , q ue g e ra uma re b e liã o de
ic o no c la sta s c o ntra a im p e ra triz, q ue , no e nta nto , c o nse g ue sufo c á -la . Ire ne ,
e ntã o , te nta le g a liza r o p ró p rio p o d e r a b so luto , a p o ia d a p e la s tro p a s d a c a p ita l,
ma s a d e c isiva inte rve nç ã o d o e xé rc ito d a Ásia Me no r p ro c la ma C o nsta ntino IV o
únic o mo na rc a .
797 - O imp e ra d o r b iza ntino C o nsta ntino VI, q ue ne sse me io -te m p o
g a nho u o a p o io d o s o rto d o xo s e d o s ic o no c la sta s, mo rre a p ó s te r sid o c e g a d o p o r
o rd e m d e sua mã e , Ire ne , q ue se to rna a únic a g o ve rna nte d o Im p é rio . Ire ne é a
p rim e ira imp e ra d o ra d e Bizâ nc io e , p a ra c o nse rva r a simp a tia d a p o p ula ç ã o ,
c o nc e d e ise nç õ e s fisc a is, e m e sp e c ia l a o s m o ste iro s, le va nd o o siste m a fina nc e iro
d o Esta d o a o c a o s.
802 - Pa ra re so lve r o p ro b le ma d a c o ro a ç ã o d o imp e ra d o r C a rlo s p o r
p a rte d e Bizâ nc io , sã o e nvia d o s a C o nsta ntino p la e mb a ixa d o re s d o p a p a e d o
imp e ra d o r d o O c id e nte , c o m a missã o d e p e d ir a mã o d a im p e ra d o ra d o O rie nte ,
Ire ne , d e fo rma a unific a r o s d o is te rritó rio s. C o ntud o , p o uc o te mp o d e p o is d a
c he g a d a d o s e mb a ixa d o re s, uma re vo lta p a la c ia na depõ e Ire ne , q ue é
d e p o rta d a p a ra Prinkip o s e , p o ste rio rme nte , p a ra Le sb o s, o nd e mo rre .
815 - De p o is d a Pá sc o a , te m inic io e m C o nsta ntino p la um síno d o q ue
a nula o Se g und o C o nc ilio d e Nic é ia e vo lta à ic o no c la stia , re to ma nd o a s
p e rse g uiç õ e s c o ntra o s fié is a o c ulto d a s ima g e ns.
820 - O imp e ra d o r d e Bizâ nc io , Le ã o , o Armê nio , é mo rto p o r se g uid o re s
d e um a ntig o c o mp a nhe iro se u d e a rma s, Mig ue l, o Armo ria no , q ue a sc e nd e a o
tro no so b o no me d e Mig ue l II. Dura nte se u re ina d o , a s d ive rg ê nc ia s re lig io sa s tê m
um mo me nto d e tré g ua , já q ue e le p ro íb e q ua lq ue r d isc ussã o a re sp e ito d o c ulto
à s ima g e ns.
829 - So b e a o tro no d e Bizâ nc io o filho d e Mig ue l II, Te ó filo , último
e xp o e nte d a ic o no c la stia . Em se u re ina d o , a a rte b iza ntina flo re sc e no ta ve lme nte .
837 - Jo ã o , o G ra má tic o , tuto r d o im p e ra d o r Te ó filo e c he fe d o s
ic o no c la sta s, to rna -se p a tria rc a d e C o nsta ntino p la e d á iníc io a um a se ve ra
p e rse g uiç ã o a o s a d o ra d o re s d e im a g e ns.
842 - Mo rre o im p e ra d o r d e Bizâ nc io , Te ó filo , e a ic o no c la stia , já p o uc o
p o p ula r, rui d e finitiva me nte .
843 - O p a tria rc a Jo ã o , o G ra má tic o , é d e p o sto e m C o nsta ntino p la .
Me tó d io é e le ito p a ra a ssumir se u lug a r, e um síno d o re a liza d o e m ma rç o
p ro c la ma so le ne me nte a re sta ura ç ã o d o c ulto à s ima g e ns.
Na sc e o Esta do Po ntifíc io

Po uc o d e p o is d a mo rte d e Justinia no , a sse nta ra m-se na Itá lia vizinho s


inc o nve nie nte s p a ra o s b isp o s d e Ro ma : o s lo mb a rd o s, q ue e m vá ria s o c a siõ e s
o c up a ra m b o a p a rte d a p e nínsula .
Em 728, o re i d o s lo mb a rd o s, Liutp ra nd o , te nto u tira r va nta g e m d o
c o nflito q ue o p unha a Ig re ja d e Ro ma e o Im p é rio Biza ntino a c e rc a d a q ue stã o d a
ic o no c la stia e , so b o p re te xto d e d e fe nd e r o p a p a , inva d iu o s te rritó rio s b iza ntino s
d o e xa rc a d o d e Ra ve na e d a Pe ntá p o lis (c o mp o sta p o r Rimini, Pe sa ro , Fa no ,
Se nig a llia e Anc o na ).30 No m e sm o a no , d o o u à Sa nta Sé o s c a ste lo s d e Sutri,
Bo ma rzo , O rte e Amé lia (o e p isó d io é c o nhe c id o c o mo a "Do a ç ã o à Sa nta Sé "). O s
te rritó rio s e m si nã o tinha m g ra nd e va lo r e stra té g ic o , ma s fo ra m o p rime iro núc le o
d o q ue d e p o is se to rna ria o Esta d o d a Ig re ja .
Na s d é c a d a s suc e ssiva s, e ntre ta nto , o re ino lo mb a rd o se to rno u uma
a me a ç a c o nc re ta à ind e p e nd ê nc ia d e Ro ma . Assim , o s p a p a s so lic ita ra m a a jud a
d o s fra nc o s, um p o vo g e rmâ nic o q ue vivia há sé c ulo s na a ntig a G á lia .31 No b iê nio
755-756, o re i d o s fra nc o s, Pe p ino , d e sc e u à Itá lia a p e d id o d o p a p a Estê vã o II,
d e rro to u o s lo mb a rd o s q ue sitia va m Ro ma e p re se nte o u a Ig re ja c o m Ra ve na , a
Pe ntá p o lis e C o ma c c hio . O a to d o re i fra nc o nã o fo i uma d o a ç ã o d e sinte re ssa d a ,
e sim o p a g a me nto d e uma d ívid a . Alg uns a no s a nte s, na ve rd a d e , Pe p irio e ra um
sim p le s ministro p a la c ia no (o q ue ho je c ha m a mo s d e "p rim e iro -ministro ") d o re i
Q uild e ric o III. De u um ve rd a d e iro g o lp e d e Esta d o , c o m a a p ro va ç ã o p ré via d o
p a p a . O p ró p rio Estê vã o II fo i à G á lia p a ra c o ro á -lo re i, ung ind o -o c o m ó le o
sa g ra d o , e m um rito tira d o d a Bíb lia .32
C a rlo s Ma g no , filho d e Pe p ino , a mp lia ria o s te rritó rio s d a q uilo q ue , p a ra
to d o s o s e fe ito s, e ra um Esta d o , d a nd o -lhe a fo rma q ue ma nte ria p o r ma is d e um
milê nio .
As "Do a ç õ e s de C o nsta ntino "

To d o s O s te rritó rio s tã o g e ne ro sa m e nte p re se nte a d o s p o r Pe p ino e ra m ,


na ve rd a d e , p ro p rie d a d e d o im p e ra d o r d e Bizâ nc io , q ue , furio so , p ro te sto u c o ntra
o furto . Pro vid e nc ia lm e nte , tiro u d o na d a um a ntig o d o c ume nto , na d a me no s q ue
o te sta me nto a ssina d o d o imp e ra d o r C o nsta ntino I. De a c o rd o c o m o d o c ume nto ,
C o nsta ntino , c ura d o d a le p ra g ra ç a s à a jud a d o p a p a Silve stre , já ha via d o a d o à
Ig re ja d e Ro ma nã o só o s te rritó rio s re c o nq uista d o s p o r Pe p ino , ma s to d a a
Pe nínsula Itá lic a e o p rima d o so b re a s ig re ja s me tro p o lita na s d e Antió q uia ,
C o nsta ntino p la , Ale xa nd ria e Je rusa lé m. Eis a ra zã o p o r q ue , e m d a d o mo me nto ,
C o nsta ntino se mud o u p a ra C o nsta ntino p la : p o rq ue d e ra Ro ma a o p a p a .
O d o c ume nto , c o nhe c id o c o mo "Do a ç ã o d e C o nsta ntino " e ra fa lso , ma s
p o r d o is sé c ulo s to d o s o a c re d ita ra m ve rd a d e iro , inc lusive o s a d ve rsá rio s d o p a p a .
A d o a ç ã o justific a ria o p o d e r te mp o ra l d o p o ntífic e d ura nte to d a a Id a d e Mé d ia .
No s sé c ulo s se g uinte s, e ntre a lto s e b a ixo s, a Ig re ja inc re me nta ria sua s p o sse s e sua
influê nc ia so b re a vid a p o lític a e uro p é ia .
O s p a p a s G re g ó rio VII (1073-1085) e Ino c ê nc io III (1198-1216) c he g a ria m
a te o riza r a te o c ra c ia , o u se ja , a sup re ma c ia d o p o d e r d a Ig re ja so b re o d o s re is e
imp e ra d o re s. Só em 1440, o huma nista Lo re nzo Va lia c o nse g uiria p ro va r
d e finitiva me nte q ue a d o a ç ã o e ra uma fra ud e , e m se u tra ta d o De fa lso c re dita e t
e me ntita C o nsta ntini Do na tio ne .

C APÍTULO 5

C a rlo s Ma g no , a s c o nq uista s e o s c rim e s

C a rlo s Ma g no (c e rc a d e 742-814) e ra o filho p rimo g ê nito d e Pe p ino , o


Bre ve , ung id o re i p e lo p a p a Bo nifá c io , na p re se nç a d o s b isp o s fra nc o s. Em 754,
a jo e lho u-se d ia nte d o p a p a p a ra re c o nhe c e r p o r c o mp le to sua c o nd iç ã o d e
súd ito e a uto rid a d e . O p a p a , e m tro c a d o g e sto d e sub missã o , o ung iu re i e lhe
c o nfe riu o título d e p a tro no d o s ro ma no s.
C o m a mo rte d e Pe p ino , e m 768, o re ino fo i d ivid id o e ntre o s filho s C a rlo s
e C a rlo ma no , q ue mo rre u trê s a no s d e p o is. O irm ã o , e ntã o , a p o sso u-se d e to d o o
re ino fra nc o , e xp ulsa nd o se us so b rinho s, q ue se re fug ia ra m, junto c o m a mã e , no
re ino d o s lo mb a rd o s, na Itá lia .1
Em 773, p a ra so c o rre r o p a p a d o , tra d ic io na l a lia d o d o s fra nc o s, C a rlo s
d e sc e à Itá lia p a ra luta r c o ntra o s lo mb a rd o s e to ma to d a a Pla níc ie Pa d a na .
C o mo c a usa d ire ta d a d e rro ta milita r, o s súd ito s d o d uq ue lo mb a rd o d e Sp o le to e
o s ha b ita nte s d e Anc o na , O simo , Fe rmo e C ittà d i C a ste llo se d e c la ra ra m súd ito s
do papa.
Em 774, C a rlo s fo i a Ro ma p a ra a Pá sc o a , te nd o sid o triunfa lme nte
re c e b id o p e lo p a p a e p e lo p o vo . No s a no s se g uinte s, d e sc e u m a is d ua s ve ze s à
Itá lia p a ra c o nte r a re b e liã o lo mb a rd a . C o m a s no va s c a mp a nha s, a p o d e ro u-se
d o Friuli e suje ito u o d uq ue d e Be ne ve nto , d e struind o , d e finitiva me nte , o d o m ínio
lo mb a rd o na Itá lia . O utra d ire triz d a e xp a nsã o fra nc a fo i a Euro p a se te ntrio na l,
d o mina d a p e lo s sa xõ e s, c o ntra q ue m C a rlo s se mo stro u um c o nq uista d o r
imp ie d o so . Em 772, e sta b e le c e u o s p rime iro s a nte p o sto s e m te rritó rio sa xã o e
ma nd o u c o nstruir mo ste iro s p a ra fa c ilita r o tra b a lho d o s missio ná rio s (o s sa xõ e s
e ra m p a g ã o s). Era o p rim e iro p a sso d e um c o nflito q ue d ura ria ma is d e vinte a no s.
A g ue rra c o ntra o s sa xõ e s fo i lo ng a e c a nsa tiva : o s e xé rc ito s fra nc o s
p e ne tra va m o s no vo s te rritó rio s, d e sm a nte la va m o s a c a mp a me nto s inimig o s e
c o nstruía m fo rtific a ç õ e s.
O s sa xõ e s, p o r,sua ve z, re o rg a niza va m-se e d e struía m a s fo rta le za s
fra nc a s. Ma s C a rlo s te imo sa me nte re c o nq uista va o te rre no p e rd id o , ma nd a va
re c o nstruir o s a nte p o sto s e , q ua nd o p o d ia , c ria va no vo s e m p o siç õ e s ma is
a va nç a d a s. "Era um mé to d o e xte nua nte d e fa ze r g ue rra [e q ue c usta c a ro e m
te rmo s d e vid a s huma na s] e q ue nã o tra zia g ra nd e s suc e sso s; m a s, c o m o te m p o ,
o s re c urso s huma no s e e c o nô mic o s d o inva so r, a lta me nte sup e rio re s, e sta va m
d e stina d o s a p re va le c e r." (Ale ssa nd ra Ba rb e ro , 2000, p . 56.)
"A sub missã o d a Sa xô nia fo i, e m última a ná lise , re sulta d o d e se u le nto
e stra ng ula me nto , c o m a c o nstruç ã o d e uma re d e d e b a se s fo rtific a d a s c a p a ze s
d e d a r a p o io uma s à s o utra s, d e b lo q ue a r to d o s o s rio s, d e ma nd a r c o mp a nhia s
d e so ld a d o s d e va sta re m o s te rritó rio s inimig o s, e sp a lha nd o o te rro r e sub me te nd o
o s ha b ita nte s, e nq ua nto o s fo rte s e rg uid o s p e lo inimig o e ra m to ma d o s d e a ssa lto e
d e struíd o s, um a p ó s o o utro , le nta me nte , ma s d e ma ne ira e fic a z." (Ale ssa nd ra
Ba rb e ro , 2000, p . 57.)
O fic ia lme nte , a g ue rra se d e u p o r q ue stõ e s fro nte iriç a s, ma s C a rlo s
a c re sc e nto u a e la s ta mb é m mo tiva ç õ e s re lig io sa s, c o mo a p ro te ç ã o dos
missio ná rio s c ristã o s e a c o nve rsã o d o s p a g ã o s. O b a tismo fo rç a d o e ra im p o sto
a o s sa xõ e s q ue se re nd ia m , e o s q ue nã o a c e ita sse m e ra m c o nd e na d o s à mo rte .2
Em 782, e c lo d iu uma re p e ntina e vio le nta re b e liã o sa xô nic a . O s
re vo lto so s e xte rmina ra m uma e xp e d iç ã o milita r e nvia d a p a ra d o miná -lo s,
ma ta nd o a ind a a lg uns c o la b o ra d o re s p ró ximo s d e C a rlo s. O re i d o s fra nc o s, e m
re p re sá lia , e ntro u na Sa xô nia c o m um no vo e xé rc ito , o b rig o u a s tro p a s re b e ld e s a
se re nd e re m e e ntre g a re m a s a rma s e ma nd o u d e c a p ita r 4.500 re b e ld e s e m um
únic o d ia .3 A p a rtir d e e ntã o , C a rlo s Ma g no c o nd uziu uma ve rd a d e ira g ue rra d e
d e va sta ç ã o , q ue só te rmino u e m 785, c o m a re nd iç ã o d o s sa xõ e s, a sso la d o s p e la
fo m e , e o b a tism o d o s último s líd e re s re b e ld e s.
Na me sma é p o c a , fo i p ub lic a d o o C a p itula re de p a rtib us Sa xo nia e , um a
le i q ue p unia c o m a mo rte q ue m o fe nd e sse a re lig iã o c ristã e se us sa c e rd o te s.
De ntre a s "o fe nsa s" p unid a s c o m a mo rte , ha via fa lta s me no re s, c o mo a nã o -
o b se rvâ nc ia d o je jum d e se xta -fe ira .4
Em 793, e c lo d iu a última g ra nd e re b e liã o d o s sa xõ e s. C a rlo s, d e ssa ve z,
o rd e no u a d e p o rta ç ã o e m ma ssa d a p o p ula ç ã o d a s p ro vínc ia s re b e ld e s,
sub stituíd a p o r c o lo no s fra nc o s e e sc ra vo s. Entã o , a me nizo u a s me d id a s re p re ssiva s
a ntip a g ã s e se re c o nc ilio u c o m o s no b re s sa xõ e s so b re vive nte s.
A e xp a nsã o fra nc a ta mb é m c he g o u à Esp a nha , q ue na é p o c a e sta va
so b o d o mínio d o e mir á ra b e d e C ó rd o b a . C o m a c ump lic id a d e d e a lg uns
d ig nitá rio s muç ulma no s c o ntrá rio s a o e mir, C a rlo s o rg a nizo u d ua s e xp e d iç õ e s
milita re s e m 778 e 797. A p rim e ira fo i um fra c a sso , e , d ura nte a re tira d a , a
re ta g ua rd a d a s tro p a s imp e ria is fo i ma ssa c ra d a p e lo s b a sc o s. A se g und a le vo u,
e m 799, à c o nq uista d e Vic hy. O utra s e xp e d iç õ e s d e c o nq uista a mp lia ra m o s
d o mínio s ib é ric o s d o s fra nc o s, a té q ue , e m 810, o e mir d e C ó rd o b a firmo u um
tra ta d o d e p a z re c o nhe c e nd o o d o mínio fra nc o na Esp a nha se te ntrio na l.
Fina lm e nte , fa le mo s d a e xp a nsã o p a ra o le ste , na Pa nô nia (a tua l
Hung ria ). Aq ui, C a rlo s luto u c o ntra o p o vo p a g ã o d o s á va ro s, c o ntra q ue m la nç o u
uma g ue rra d e e xte rmínio . O s histo ria d o re s d a é p o c a fa la m d e um núme ro tã o
a lto d e vítima s q ue d e ixo u a Pa nô nia "d e se rta ".5 O s te rritó rio s a ssim e sva zia d o s
te ria m sid o e ntã o o c up a d o s p o r c o lo no s fra nc o s e g e rmâ nic o s.
O pa pa a g ra c ia do c o m o m ila g re

Em 795, Le ã o III é e le ito p a p a . Sa c e rd o te d e o rig e m humild e e re p uta ç ã o


d uvid o sa , e ra ma lvisto p e la no b re za . O p ró p rio C a rlo s d uvid a va de sua
mo ra lid a d e , te nd o e m vista q ue , e m uma c a rta c ump rime nta nd o -o p e la e le iç ã o ,
p e d ia q ue o no vo b isp o d e Ro ma se g uisse e sc rup ulo sa me nte o s c â no ne s e a s
C o nstituiç õ e s d o s Pa is d a Ig re ja ; a lé m d isso , e nc a rre g a va o a b a d e Ang ilb e rto d e
g a ra ntir p e sso a lme nte q ue o no vo p a p a "vive sse ho ne sta me nte ".6 Em 799, Le ã o III
fug iu d ura nte uma re vo lta d e no b re s ro ma no s e se re fug io u na c o rte d e C a rlo s.
Ne sse me io -te mp o , e sp a lho u-se o b o a to d e q ue o p o b re p a p a te ve o s o lho s
a rra nc a d o s e a líng ua c o rta d a . Essa e ra uma p rá tic a c o mum p a ra o s b iza ntino s,
p a ra to rna r ino fe nsivo um a d ve rsá rio p o lític o se m se ma nc ha r c o m o p e c a d o d o
ho mic íd io .
Na ve rd a d e , Le ã o III p e rma ne c e u inc ó lume e c o nto u q ue sua líng ua e
se us o lho s vo lta ra m a c re sc e r p o r mila g re .7
Ao te rritó rio d e C a rlo s c he g a ra m ta mb é m o s a d ve rsá rio s d o p a p a , q ue o
a c usa ra m d e p e rjúrio e a d ulté rio . C a rlo s e ntre g o u a q ue stã o a uma e sp é c ie d e
c o missã o d e e rud ito s q ue d e via a va lia r a ve ra c id a d e d a s a c usa ç õ e s c o ntra o
p o ntífic e . Um d o s inte g ra nte s, o b isp o Arno d e Sa lisb urg o , p e rso na lid a d e d e
p re stíg io e a c ima d a s p a rte s, e nvio u à c o rte um ve rd a d e iro re la tó rio , c uja s
c o nc lusõ e s nã o d e via m se r muito fa vo rá ve is a o p a p a . Ta nto q ue Alc uíno ,
c o nse lhe iro d e C a rlo s, d e struiu o d o c ume nto e re sp o nd e u a o p re la d o usa nd o o
fa mo so le ma e va ng é lic o : "Q ue m nã o tive r p e c a d o , q ue a tire a p rime ira p e d ra ."8
No fina l, C a rlo s d e c id iu to ma r p a rtid o d o p a p a e o ma nd o u d e vo lta a Ro ma
e sc o lta d o p o r um e xé rc ito . Po uc o d e p o is, e m 23 d e no ve mb ro d e 800, e le m e smo
d irig iu-se a Ro ma e fo i re c e b id o triunfa lme nte p e lo c le ro .
Em 1° d e d e ze mb ro , "C a rlo s, a g ind o c o m o um no vo C o nsta ntino ,
ina ug uro u o s tra b a lho s d o c o nc ilio q ue , na b a sílic a va tic a na , d e ve ria se
p ro nunc ia r a re sp e ito d a s a c usa ç õ e s fe ita s a o p a p a . Àq ue le p o nto , no e nta nto ,
to d o s sa b ia m q ue se tra ta va d e um p ro c e sso p o lític o e q ue Le ã o sa iria d e le ile so : a
a sse mb lé ia c o nfirmo u q ue , te c nic a me nte , ning ué m p o d e ria julg á -lo e p e rmitiu q ue
se d e sc ulp a sse d a s a c usa ç õ e s, jura nd o so le ne me nte so b re o s Eva ng e lho s a
p ró p ria ino c ê nc ia , o q ue o p a p a tra to u lo g o d e fa ze r" (Ba rb e ro , 2000, p . 101). Le ã o
III a té ho je é a d o ra d o p e la Ig re ja C a tó lic a c o mo sa nto .
Em 23 d e d e ze mb ro , Le ã o p re sto u o jura m e nto d e p urific a ç ã o re la tivo à s
a c usa ç õ e s q ue lhe fo ra m imp o sta s, e se us a d ve rsá rio s fo ra m e xila d o s.
Do is d ia s d e p o is, d ura nte a missa d a no ite d e Na ta l, Le ã o III c o ro o u
C a rlo s Ma g no im p e ra d o r e "a ug usto " d o Sa c ro Imp é rio Ro ma no . O c írc ulo se
fe c ha va : p o r um la d o , o p a p a c o rta va q ua lq ue r re la ç ã o c o m o Im p é rio Biza ntino
(q ue c o nsid e ra va Ro ma sua e xte nsã o ) e c ria va p a ra si um im p e ra d o r so b me d id a ,
c o m q ue m se ria muito ma is fá c il se e nte nd e r e d e q ue m se ria a ind a ma is fá c il
o b te r a jud a . Po r o utro la d o , C a rlo s se to rna va o ve rd a d e iro c he fe d a c rista nd a d e
no O c id e nte e via fo rma lme nte le g itima d o e justific a d o o p o d e r q ue já d e tinha d e
fa to . C a rlo s (c o mo C o nsta ntino a nte s d e le ) e nte nd e u p e rfe ita me nte a fo rmid á ve l
funç ã o a g re g a d o ra e d e instrume nto d e d o mínio e sp iritua l q ue o c ristia nism o tinha
e m uma Euro p a a ind a d e sunid a e c o m a s fro nte ira s a ind a a me a ç a d a s p e la s
p o p ula ç õ e s "b á rb a ra s" p a g ã s. Po r e ssa ra zã o , a nte s d e se r c o ro a d o im p e ra d o r,
a d o ta ra uma p o lític a d e c isiva d e c ristia niza ç ã o d o s p o vo s a e le sub me tid o s.
"Em se us c a b e ç a lho s, se intitula va 'p o r g ra ç a s d e De us e p o r c o nc e ssã o
d e sua mise ric ó rd ia , re i e re ito r d o re ino d o s fra nc o s e d e vo to d e fe nso r e humild e
se rvo d a Sa nta Ig re ja , ma s nã o no s d e ixe mo s e ng a na r p o r se u to m.
A a jud a q ue o re i d a va à Ig re ja c o nsistia e m no me a r o s b isp o s e a b a d e s,
e m vig ia r se ve ra me nte se u c o mp o rta me nto e re uni-lo s e m c o nc ilio q ua nd o
julg a sse o p o rtuno , d e te rmina nd o p e sso a lme nte a o rd e m d o d ia e p ro mulg a nd o a s
c o nc lusõ e s; to d a s a s re sp o nsa b ilid a d e s q ue a c o stuma mo s a ve r lig a d a s a o p a p a ."
(Ba rb e ro , 2000, p . 107.)
Pa ra a d ministra r e c o ntro la r me lho r o Imp é rio , C a rlo s d ivid iu se u a mp lo
d o mínio e m re ino s, p o r sua ve z fra g me nta d o s e m uma sé rie d e p e q ue no s d istrito s
c ha ma d o s c o nd a d o s. C a d a c o nd a d o e ra e ntre g ue a um c o nd e , q ue c e ntra liza va
o s p o d e re s milita r, jud ic iá rio e e c o nô mic o . Na s re g iõ e s d e fro nte ira , p o r ra zõ e s
milita re s, o s c o nd a d o s e ra m re a g rup a d o s e m unid a d e s ma io re s, o s ma rq ue sa d o s,
so b o g o ve rno d e ma rq ue se s o u d uq ue s, o nd e so b re vivia m o s título s lo mb a rd o s.
Um g ra nd e núme ro de func io ná rio s im p e ria is, o s missi d o minic i, e m g e ra l
e c le siá stic o s, via ja va m d e um c o nd a d o a o utro le va nd o a s o rd e ns d o imp e ra d o r e
c o ntro la nd o o tra b a lho d o s va ssa lo s.9
C a rlo s mo rre u e m 814. Se u imp é rio d ura ria me no s d e um sé c ulo ,
e sfa c e la d o p e la s g ue rra s e ntre se us so b rinho s e p e la s a mb iç õ e s d o s g ra nd e s
fe ud a tá rio s.
O s súdito s de C a rlo s

Q ue m p a g a va a c o nta d a s c a mp a nha s d e C a rlo s? Q ua nd o le mo s a


re sp e ito d e e xé rc ito s e m ma rc ha e c a mp a nha s d e c o nq uista s q ue d ura ra m a no s,
te mo s q ue p e nsa r q ue , na é p o c a , a s tro p a s nã o le va va m se us p ro vime nto s
c o nsig o , to ma nd o d a s p o p ula ç õ e s lo c a is tud o a q uilo q ue p re c isa va m: c o mid a ,
c a va lo s, b o is, fo rra g e m p a ra o s a nima is, le nha p a ra o fo g o e tc . A p a ssa g e m d e
um e xé rc ito tinha c o mo c o nse q üê nc ia q ua se ine vitá ve l d e va sta ç õ e s e e sc a sse z.
Na Itá lia a rra nc a d a d o s lo mb a rd o s, p o r e xe mp lo , a e sc a sse z tinha
c he g a d o a níve is ta is q ue muito s ve nd e ra m se us te rre no s a p re ç o s ínfimo s e
c he g a ra m a ve nd e r a si me smo s e a s p ró p ria s fa m ília s c o mo e sc ra vo s a o s
me rc a d o re s g re g o s, e mb a rc a nd o e m se us na vio s. O fe nô m e no a ting iu p ro p o rç õ e s
ta ma nha s q ue a la rmo u o p a p a e o p ró p rio C a rlo s. Ta nto q ue , no fina l, o im p e ra d o r
d e c re to u uma le i e xtra o rd iná ria a nula nd o a re d uç ã o à c o nd iç ã o d e e sc ra vo e a s
a lie na ç õ e s re a liza d a s e m e sta d o d e ne c e ssid a d e .10
Ma s ta mb é m e m te mp o s d e p a z, p a ra o s p o vo s c o nq uista d o s, to rna r-se
súd ito d o s fra nc o s nã o d e via se r g ra nd e ne g ó c io . To d o s o s súd ito s, a o s 12 a no s,
d e via m fa ze r um jura me nto d e fid e lid a d e a o imp e ra d o r, q ue d izia e xp re ssa me nte
q ue o fie l d e via se rvir a De us, o b e d e c e r a o s ma nd a me nto s d a Ig re ja , p re sta r
se rviç o milita r e , d e p e nd e nd o d e sua situa ç ã o e c o nô mic a , p a g a r o s im p o sto s.
Alé m d o s trib una is o rd iná rio s, e xistia m o s e p isc o p a is, p a ra o s c rim e s d e na ture za
re lig io sa .
O s func io ná rio s e o s e xé rc ito s q ue o s vig ia va m a m a nd o d o imp e ra d o r
tinha m o d ire ito d e se ho sp e d a r o nd e q uise sse m e re q uisita r c a va lo s, a nim a is,
c a rro s, fo rra g e m e c o mid a . Te o ric a me nte , ta is o b rig a ç õ e s re c a ía m so b re to d o s o s
súd ito s livre s, ma s, na ve rd a d e , o s ma is p re jud ic a d o s e ra m o s p o b re s.11 Muita s
ve ze s, c o nd e s, d uq ue s e ma rq ue se s c ria va m , p o r inic ia tiva p ró p ria , im p o sto s e
se rviç o s o b rig a tó rio s, a ind a q ue a le i, te o ric a me nte , p ro ib isse isso .
Um a re c la ma ç ã o d e a lg uns súd ito s istria no s, q ue a nte s se sub me tia m a o
Imp é rio Biza ntino , e xp re ssa b e m a id é ia d o níve l d e ve xa ç õ e s à s q ua is e ra m
sub me tid o s: "Na é p o c a d o s g re g o s, nunc a p a g a mo s p e la fo rra g e m;12 nunc a
tra b a lha mo s d e g ra ç a na s e mp re sa s p úb lic a s; nunc a a lime nta mo s o s c ã e s; nunc a
c o le ta mo s imp o sto s, c o mo fa ze mo s a g o ra ; nunc a p a g a mo s p e la ma té ria -p rim a ,
c o mo fa ze mo s a g o ra , e ntre g a nd o to d o s o s a no s o ve lha s e c a rne iro s; e a ind a
d e ve mo s p re sta r o se rviç o d e tra nsp o rte a té Ve ne za , Ra ve na , na Da lm á c ia , e a o
lo ng o d o s rio s, o q ue nunc a fize mo s a nte s. Q ua nd o o d uq ue p re c isa p a rtir p a ra a
g ue rra d o imp e ra d o r, p e g a no sso s c a va lo s e le va c o nsig o a fo rç a d e no sso s filho s,
fa ze nd o -o s g uia r o s c a rro s e d e p o is to ma nd o -lhe s tud o e ma nd a nd o q ue vo lte m
p a ra c a sa a p é ; e no sso s c a va lo s fic a m lá na Fra nç a o u sã o e ntre g ue s a se us
ho me ns. Na é p o c a d o s g re g o s, e ntre g á va mo s, p o r a no , se ne c e ssá rio p a ra o s rito s
im p e ria is, um a o ve lha a c a d a c e m , q ue m a s tive sse ; a g o ra , a o c o ntrá rio , q ue m
te m ma is d e trê s d e ve e ntre g a r uma p o r a no . E fa ze mo s to d a s e ssa s p re sta ç õ e s e
p a g a me nto s à fo rç a , p o rq ue no sso s p a is nunc a o s fize ra m ; e no sso s p a re nte s e
vizinho s rie m d e nó s e m Ve ne za e na Da lmá c ia , a ssim c o mo o s g re g o s, q ue no s
g o ve rna va m a nte s." (Ba rb e ro , 2000, p . 215.)
Ma s o s b ra vo s súd ito s istria no s ta mb é m re c la ma ra m d a s a uto rid a d e s
e c le siá stic a s: "Prime iro , a Ig re ja p a g a va me ta d e d e to d o s o s imp o sto s re c o lhid o s
p a ra o Im p é rio , a g o ra nã o ma is. No ma r p úb lic o , o nd e to d o o p o vo p e sc a va junto ,
nã o o usa mo s ma is p e sc a r, p o is o s ho me ns d a Ig re ja no s p e g a m a p a ula d a s e
c o rta m no ssa s re d e s." (Ba rb e ro , 2000.)
C a rlo s Ma g no sa nto

De p o is d e sua mo rte , na sc e u um ve rd a d e iro c ulto à im a g e m d e C a rlo s.


Em 1165, Fre d e ric o Ba rb a -Ruiva ma nd o u sua "c ria tura ", o a ntip a p a Pa sc o a l III,
sa ntific á -lo o fic ia lme nte .
Pa re c e q ue já na q ue la é p o c a a lg uns e c le siá stic o s le va nta va m o
p ro b le ma d e sua vid a p a rtic ula r, p o r na d a irre p re e nsíve l, d ivid id a e ntre ma ssa c re s
p ro mo vid o s p o r ving a nç a e uma e no rm e q ua ntid a d e d e c o nc ub ina s (e nã o se
e nte nd e b e m q ua l d o s d o is p e c a d o s e ra c o nsid e ra d o o ma is g ra ve ). Até ho je , a
Bib lio the c a Sa nc to rum, te xto o fic ia l da Ig re ja C a tó lic a , mo stra a lg um
c o nstra ng ime nto a o d e line a r sua b io g ra fia :
A vid a p a rtic ula r d e C a rlo s fo i a b so luta me nte de p lo rá ve l, e nã o se
p o d e m d e c e rto e sq ue c e r d o is re p úd io s e muita s c o nc ub ina s, ne m o s
ma ssa c re s justific a do s a p e na s p e la ving a nç a o u a to le râ nc ia p a ra c o m a
lib e rda de do s c o stume s da c o rte . Nã o fa lta va m, c o ntudo , ind íc io s de sua
se nsib ilid a d e p a ra a c ulp a e m um p e río d o p re d o mina nte me nte rud e e
c o rrup to . Se u b ió g ra fo Eg ina rdo info rma q ue C a rlo s nã o g o sta va do s jo ve ns,
muito e mb o ra c o nvive sse c o m e le s, e e mb o ra sua vida re lig io sa p e sso a l no s
se ja de sc o nhe c ida , sa b e mo s q ue fa zia q ue stã o de o b se rva r o s rito s litúrg ic o s
q ue ma nd a va c e le b ra r e sp e c ia lme nte e m Aq uisg ra na (a tua l Aa c he n) c o m
ho nra s suntuo sa s.13
Ho je , o c ulto a C a rlo s Ma g no é c e le b ra d o o fic ia lm e nte a p e na s na
d io c e se d e Aa c he n e é "to le ra d o p o r ind ulto d a Sa nta C o ng re g a ç ã o d o s Rito s"
ta mb é m e m Me tte n e Münste r.14
A c o rrupç ã o do po de r: a po rno c ra c ia ro m a na

O b se rva nd o a so le nid a d e e a re tid ã o d o s c o nc la ve s a tua is, é d ifíc il


ima g ina r q ue , no s p rim e iro s sé c ulo s d o c ristia nismo , a s e le iç õ e s d o s b isp o s d e Ro ma
a c o nte c e sse m e m um c lima b e m d ife re nte : c o m b rig a s, c o nfro nto s e m p ra ç a
p úb lic a , c o nte sta ç ã o de re sulta d o s, e le iç õ e s d e c o ntra b isp o s. Q ua nd o o
c ristia nismo se to rno u re lig iã o d e Esta d o , e o c a rg o d e b isp o d e Ro ma p a sso u a se r
um d o s ma is c o b iç a d o s d o Im p é rio , a s luta s e ntre a s fa c ç õ e s d o s c a nd id a to s riva is,
p o r ve ze s, c he g a ra m a níve is sa ng re nto s. Dura nte a e le iç ã o e p isc o p a l d e 336, p o r
e xe mp lo , o s c o nfro nto s e ntre o s q ue a p o ia va m Da m a so , d e b a se p o p ula r, e o s
q ue a p o ia va m se u riva l Ursino , a a risto c ra c ia , d e ixa ra m um sa ld o d e 136 mo rto s e m
um únic o d ia . O p ró p rio Da ma so , e le ito p a p a , fo i intima d o p a ra re sp o nd e r no
trib una l p e la a c usa ç ã o d e ho mic íd io , ma s fo i a b so lvid o .15
O s sé c ulo s se g uinte s p re se nc ia ra m uma situa ç ã o a p a re nte me nte
p a ra d o xa l: o p a p a d o a ume nta va c a d a ve z ma is se u p o d e r e sua influê nc ia , p e lo
me no s no O c id e nte . Ma s justa me nte p o r isso , m uito s tinha m inte re sse e m c o lo c a r
no tro no d e Pe d ro um ho me m d e sua c o nfia nç a . No b re s ro ma no s, g ra nd e s
se nho re s fe ud a is itá lic o s, p re la d o s a mb ic io so s, imp e ra d o re s le g ítimo s e se us riva is...
c a d a um jo g a va c o m a s p ró p ria s c a rta s, q ue p o d ia m se r intrig a , ho mic íd io ,
re vo lta s p o p ula re s o u inva sõ e s milita re s. No s 130 a no s e ntre a e le iç ã o d e Jo ã o VIII
(873) e a mo rte d e Silve stre II (1003), ho uve 33 p a p a s ma is q ua tro a ntip a p a s. De z
d e le s mo rre ra m a ssa ssina d o s. Muito s fo ra m p re so s o u e xila d o s. Po uc o s g o ve rna ra m
p o r muito te mp o , muito s fic a ra m me no s d e um a no o u a té p o uc o s d ia s. No b re s
ro ma no s e g ra nd e s se nho re s fe ud a is itá lic o s, imp e ra d o re s le g ítimo s e se us riva is:
to d o s p ro c ura va m c o lo c a r no tro no d e Pe d ro um ho me m d e sua c o nfia nç a .
Ta lve z isso p o ssa e xp lic a r o q ue o s histo ria d o re s c ha ma m d e p e río d o d a
p o rno c ra c ia (o u se ja , d o "g o ve rno d a s p ro stituta s"),16 um d o s ma is ne g ro s d a
histó ria d a Ig re ja .
De fa to , p o r d é c a d a s, o p o d e r d e Ro ma e ste ve na s mã o s d a s mulhe re s
d a p o d e ro sa fa mília Te o fila tto , q ue te ve g ra nd e influê nc ia so b re a vid a p úb lic a e o
p a p a d o , utiliza nd o c o mo instrume nto d e p o d e r q ua lq ue r me io à sua d isp o siç ã o ,
inc luind o o s ilíc ito s e im o ra is. Aq ui no s limita re mo s a na rra r a s sa liê nc ia s d e a lg uns
p a p a s c uja c o nd uta p o d e se r d e finid a c o mo lic e nc io sa .
Jo ã o VIII fo i e nve ne na d o e m 882, ma s c o mo o ve ne no nã o surtiu o e fe ito
d e se ja d o , se us inimig o s a c a b a ra m q ue b ra nd o -lhe a c a b e ç a a g o lp e s d e ma rte lo .
Um d e se us a d ve rsá rio s e ra Fo rmo so , q ue se to rno u p a p a e m 891. Se u suc e sso r,
Estê vã o VI (896-897), q ue p e rte nc ia a um a fa c ç ã o o p o sta , e xumo u se u c o rp o e m
p utre fa ç ã o , p a ra q ue fo sse julg a d o e c o nd e na d o p o r um c o nc ilio , ma nd a nd o
jo g á -lo na s á g ua s d o Tib re . Estê vã o , p o r sua ve z, fo i p re so e e stra ng ula d o .
Le ã o V e o a ntip a p a C ristó vã o fo ra m d e stro na d o s, p re so s e a ssa ssina d o s.
Sé rg io III (904-911) fo i a ma nte d e Ma ro zia Te o fila tto , mulhe r d o c o nd e Alb e ric o d i
Tusc o lo , c o m q ue m te ve a té um filho , o futuro p a p a Jo ã o XI (931-935). Jo ã o X (914-
928), inic ia lme nte a p o ia d o p o r Ma ro zia , d e mo nstro u-se ind e p e nd e nte d e ma is d a
fa mília Te o fila tto e a c a b o u p re so e sufo c a d o c o m um tra ve sse iro .
É p ro vá ve l q ue o p o d e r ilimita d o d e Ma ro zia te nha d a d o vid a à le nd a d a
p a p isa Jo a na , q ue p re sumive lme nte na sc e u d a sá tira a ntip a p a l. De a c o rd o c o m a
le nd a , uma mulhe r ve stid a c o m ro up a s ma sc ulina s fo i e le ita p a ra o tro no d e Pe d ro
e m 17 d e julho d e 855. A p a p isa , e ntre ta nto , fic o u g rá vid a e , d ura nte uma
p ro c issã o , no m e io d a m ultid ã o , c a iu d e q ua tro e c o me ç o u o tra b a lho d e p a rto .
Re ve la d a a ve rd a d e ira id e ntid a d e "d o p a p a ", a multid ã o e nfure c id a e sq ua rte jo u
Jo a na . A le nd a fe z c o m q ue ne nhum o utro p a p a p a ssa sse p o r a q ue le c a minho e
q ue o suc e sso r d a p a p isa re tira sse o no me d e sua p re d e c e sso ra d o s re g istro s
histó ric o s.
Vo lta nd o a Ma ro zia , ne sse me io -te mp o e la ha via a tiç a d o a multid ã o d e
Ro ma c o ntra o p ró p rio c o nso rte Alb e ric o , q ue fo i linc ha d o , d e ixa nd o -a , a ssim,
viúva e livre p a ra se c a sa r c o m o c o nd e G uid o , d a To sc a na .
Em 931, o filho d e Ma ro zia to rna -se o p a p a Jo ã o XI. Este , a lia d o a o me io -
irmã o Alb e ric o (filho d o c o nd e linc ha d o p e la multid ã o ), ma nd o u p re nd e r a mã e e
e xp ulso u d e Ro ma se u te rc e iro ma rid o , o re i d a Itá lia , Ug o . Fo i insta ura d a na
c id a d e uma re p úb lic a a risto c rá tic a . O p o ntífic e mo rre u na p risã o e m 936.
O a no d e 955 p re se nc io u a e le iç ã o d e Jo ã o XII, d e 20 a no s (955-964,
p rim e iro p a p a a a lte ra r o no me d e b a tism o ), filho d a q ue le Alb e ric o q ue se to rno u
o c he fe d e Ro ma . Jo ã o e ra um jo ve m a p a ixo na d o p o r fe sta s e p e la c a ç a , e
to ta lme nte a lhe io à liturg ia . Ele tra nsfo rmo u Sã o Jo ã o d e La trã o e m um b o rd e l e fo i
a c usa d o d e a d ulté rio e fo rnic a ç ã o . Fo i d ura nte se u p o ntific a d o q ue o im p e ra d o r
O to ne I sa nc io no u o Privile g ium O tho nis, o u se ja , o d ire ito d o im p e ra d o r d e ra tific a r
a e le iç ã o d o s p a p a s e e xig ir sua fid e lid a d e . De p o sto p o r O to ne , sub stituíd o p e lo
a ntip a p a Le ã o VIII, Jo ã o re to mo u a p o sse d o tro no p o ntifíc io e m 864. Mo rre u no
me smo a no (ta lve z a ssa ssina d o ), na c a ma d e uma mulhe r c a sa d a .
As d é c a d a s se g uinte s vira m a luta e ntre a fa c ç ã o im p e ria l e a q ue la
lig a d a à no b re za ro ma na . Vá ria s ve ze s a c á te d ra d e Pe d ro fic a ria va g a o u se ria
re ivind ic a d a c o nte mp o ra ne a me nte p o r d o is o u m a is riva is.
Em 965, Jo ã o XIII fo i e xp ulso d e Ro m a p o r uma re vo lta d e no b re s e
re c o lo c a d o no tro no p o r O to ne I. Em 974, Be nto VI fo i p re so no C a ste lo d e
Sa nt'Ang e lo p e la fa c ç ã o ro ma na a ntig e rmâ nic a e e stra ng ula d o no c á rc e re . Jo ã o
XIV ta mb é m mo rre u no c á rc e re (984), ta lve z m o rto p e lo fio d e uma e sp a d a , ta lve z
d e fo me . Jo ã o XV fo i e xila d o e re c o lo c a d o no tro no p e lo im p e ra d o r O to ne III. O
a ntip a p a Bo nifá c io VII mo rre u e nve ne na d o e m 984, e se u c a d á ve r nu nã o fo i
e nte rra d o . O a ntip a p a Jo ã o XVI fo i to rtura d o p o r so ld a d o s imp e ria is e tra nc a d o
e m um mo ste iro , o nd e mo rre u e m 998.
Em 996, o im p e ra d o r O to ne III, e ntã o c o m 16 a no s, fo i a Ro ma e fe z se u
p rim o d e 23 a no s se r e le ito p a p a , so b o no me d e G re g ó rio V. Assim q ue O to ne
p a rtiu, uma no va re b e liã o e c lo d iu e m Ro ma , o p a p a fo i e xp ulso , e fo i e le ito um
a ntip a p a , Jo ã o XVI. O imp e ra d o r e ntã o vo lto u a Ro ma , ma nd o u mutila r o
a ntip a p a e d e c a p ito u C re sc ê nc io , líd e r d a fa c ç ã o a ntig e rmâ nic a . E a histó ria
p o d e ria c o ntinua r...
Na me ta d e d o sé c ulo XI, o p a p a d o c he g o u a se u p o nto d e d e c a d ê nc ia
má xima c o m Be nto IX (1032-1045). C o nta m q ue e le vive u d a ma ne ira ma is lib e rtina
p o ssíve l, a ind a q ue , d o p o nto d e vista te o ló g ic o , fo sse e xtre ma me nte o rto d o xo . Fo i
e xp ulso d e Ro ma p o r um b re ve p e río d o d e te m p o e sub stituíd o p o r Silve stre III.
Me smo vo lta nd o e m a b ril d e 1045, a p ó s e xp ulsa r o usurp a d o r, Be nto a b d ic o u e m
ma io , q uiç á p a ra se c a sa r, ve nd e nd o se u p o ntific a d o a Jo ã o G ra c ia no , se u
p a d rinho (p ro va ve lm e nte p o r 1.000 ta le nto s d e o uro ), q ue se to rno u o p a p a
G re g ó rio VI. Ta lve z a rre p e nd id o d a ve nd a , Be nto vo lto u a Ro ma trê s a no s d e p o is,
p a ra re ivind ic a r o tro no d e Pe d ro . O im p e ra d o r He nriq ue III d e sc e u à Itá lia e m
1046, p a ra d irimir a c o ntro vé rsia a c e rc a d o p a p a d o . Na ve rd a d e , trê s p o ntífic e s
e le ito s (o d e missio ná rio Be nto IX, G re g ó rio VI e Silve stre III) luta va m a o me smo
te mp o p e lo c a rg o d e b isp o d e Ro ma .
He nriq ue III c o nvo c o u, e m Sutri, um c o nc ilio q ue d e p ô s ta nto G re g ó rio VI
q ua nto o riva l Silve stre III (e m se g uid a , um síno d o e m Ro ma d e p ô s ta mb é m Be nto
IX) e fe z e le g e r o b isp o sa xã o C le me nte II, q ue , no Na ta l, o c o ro o u im p e ra d o r. Ma s
a inte rve nç ã o p a c ific a d o ra d o im p e ra d o r tinha um p re ç o : o c o ntro le imp e ria l
so b re o p a p a d o (a o me no s e m te o ria ) to rno u-se a b so luto .17

C APÍTULO 6

As C ruza da s: duze nto s a no s de g ue rra s,

ro ub o s e c rim e s e m no m e de De us

Je rusa lé m c a iu na s m ã o s d o s infié is e p re c isa va se r lib e rta d a . "De us q ue r"


e ra o le ma d o s c ruza d o s. Se g uira m-se a o me no s d uze nto s a no s d e g ue rra s p a ra
lib e rta r o s lug a re s sa g ra d o s. Duze nto s a no s d e g ue rra s inúte is: no fina l, Je rusa lé m
p e rma ne c e u na s mã o s dos muç ulma no s. As C ruza d a s d e te rio ra ra m
irre me d ia ve lme nte a s re la ç õ e s e ntre o O rie nte o rto d o xo e o O c id e nte c a tó lic o e ,
e m última a ná lise , fa c ilita ra m a e xp a nsã o turc a .1
A a m e a ç a turc a e o a pe lo à C ruza da

Em 1070, o s turc o s, p o vo de o rig e m muç ulma na , c o nq uista ra m


Je rusa lé m, a c id a d e sa g ra d a d o s c ristã o s, me ta d e p e re g rina ç ã o d e vá rio s d e le s.
Na ve rd a d e , ha via sé c ulo s q ue Je rusa lé m e sta va so b o d o mínio d o s á ra b e s, q ue
to le ra va m, no e nta nto , a p re se nç a c ristã .
Na p rim e ira m e ta d e d o sé c ulo XI, a s re la ç õ e s d ip lo má tic a s e ntre o s
d o mina d o re s á ra b e s d a c id a d e e o Im p é rio Biza ntino e ra m b a sta nte c o rd ia is. Ma s
o s no vo s c o nq uista d o re s turc o s, a lé m d e to rna re m ma is d ifíc il a p e re g rina ç ã o ,
re p re se nta va m uma a me a ç a à inc o lumid a d e d o Im p é rio C ristã o d o O rie nte e à
p ró p ria Euro p a .
Em 1095, o p a p a Urb a no II, re sp o nd e nd o a o p e d id o d e a jud a d o
im p e ra d o r b iza ntino a me a ç a d o p e la inva sã o turc a , c o nvid o u to d o o O c id e nte a
inte rvir milita rme nte . Ao s vo luntá rio s d a Ig re ja , p ro m e tia a d e la ç ã o d o p a g a me nto
d o s d é b ito s, a a nula ç ã o d e e ve ntua is c o nd e na ç õ e s p e na is, a re missã o d o s
p e c a d o s c o m a s ind ulg ê nc ia s p le ná ria s e o utro s p rê mio s.
De a c o rd o c o m c ro nista s d a é p o c a , o d isc urso d o p a p a fo i: "Ric o s e
p o b re s d e ve ria m ig ua lme nte p a rtir, d e ve ria m p a ra r d e se ma ta r uns a o s o utro s e ,
e m ve z d isso , luta r uma g ue rra justa , re a liza nd o a o b ra d e De us; e De us o s g uia ria .
Q ue m mo rre sse e m c o mb a te re c e b e ria a a b so lviç ã o e a re missã o d o s p e c a d o s.
Aq ui, a vid a e ra mise rá ve l e ma lva d a c o m ho me ns q ue se e ntre g a va m
a té d e struir o p ró p rio c o rp o e a p ró p ria a lma ; a q ui, e le s e ra m p o b re s e infe lize s, lá ,
se ria m fe lize s, ric o s e ve rd a d e iro s a mig o s d e De us." (Runc ima n, 1996, p . 94.)
O s e uro p e us lo g o se la nç a ra m a o fe ito , c o nve nc id o s d e q ue a c o nq uista
d o s p a íse s me d ite rrâ ne o s o rie nta is se ria fá c il, p o is e ra sa b id o q ue o d o mínio turc o
e sta va d e sp e d a ç a d o e m e mira d o s ho stis e ntre si, e xa ta me nte c o mo o s se nho re s
fe ud a is d a Euro p a .
O s b iza ntino s lo g o se d isso c ia ria m d o s fe ito s d o s c ruza d o s, se ja p o rq ue
e ste s, d ura nte sua p a ssa g e m, sa q ue a ra m ta mb é m c id a d e s c ristã s, se ja p o rq ue a
id é ia d e uma "g ue rra sa nta " c o m ta nto s b isp o s, a b a d e s e mo ng e s a rma d o s d e
tud o e ra e stra nha à sua me nta lid a d e .
A C ruza d a d o s "Me nd ig o s"
O a p e lo d o p a p a Urb a no II o b te ve , a o me no s d e iníc io , uma re sp o sta
b e m mo rna p o r p a rte d o s so b e ra no s e d o s g ra nd e s se nho re s fe ud a is, ma s, a o
c o ntrá rio , uma a d e sã o e ntusia sta , sup e rio r à s p re visõ e s, na s c la sse s ma is b a ixa s.
Pre g a d o re s q ue via ja va m p e la Euro p a a nunc ia nd o a C ruza d a o b tinha m muito
suc e sso junto a o s a ve nture iro s, ho me ns d e a rma s mise rá ve is e c a mp o ne se s
fa minto s q ue so nha va m e m mud a r d e vid a .
A Prim e ira C ruza d a (1096 1099) fo i c ha ma d a a d o s "me nd ig o s", p o is e ra
c o mp o sta p rinc ip a lme nte p o r p e sso a s muito p o b re s e fa mília s c a mp o ne sa s
p ro ve nie nte s, na ma io ria , d a Fra nç a , Ale ma nha e Itá lia , q ue e sp e ra va m e nc o ntra r
no O rie nte a lib e rd a d e d a o p re ssã o d o s se nho re s fe ud a is e no va s te rra s o nd e se
e sta b e le c e r.
Po r vo lta d e 20 d e a b ril d e 1096, a nte s me smo q ue a C ruza d a "o fic ia l"
e stive sse p ro nta , um e xé rc ito d e vinte mil p e sso a s g uia d a s p e lo mo ng e e p re g a d o r
Pe d ro , o Ere mita , p a rtiu d e C o lô nia . Se m p ro visõ e s o u d inhe iro , o s c ruza d o s,
d ura nte sua lo ng a via g e m, re a liza va m p ilha g e ns. Ao c he g a r à c id a d e húng a ra d e
Ze mun, um tumulto inic ia d o p o r uma d isc ussã o b a na l se tra nsfo rmo u e m uma
ve rd a d e ira b a ta lha . O s c ruza d o s a ta c a ra m a c id a d e , sa q ue a ra m-na e ma ta ra m
q ua tro mil húng a ro s (to d o s c ristã o s), e p o r isso fug ira m à s p re ssa s c o m me d o d a
c he g a d a d o e xé rc ito . Em se g uid a , d e struíra m um c o nting e nte milita r d e turc o s fié is
a o im p e ra d o r e sa q ue a ra m e inc e nd ia ra m Be lg ra d o .
Ao c he g a r a o s a rre d o re s d a c id a d e se rvia d e Nis, o s se g uid o re s d e Pe d ro
p ro vo c a ra m o utro s inc id e nte s, o b rig a nd o a s tro p a s d o g o ve rna d o r c ristã o Nic e ta s
a luta r c o ntra e le s. Muito s c ruza d o s fo ra m truc id a d o s, o utro s fo ra m p re so s
(inc luind o mulhe re s e c ria nç a s) p e lo re sto d a vid a .2 Ap ó s muita s tra ve ssia s, o s
so b re vive nte s fina lm e nte c he g a ra m a C o nsta ntino p la . O imp e ra d o r Ale ixo I
C o mne no p e rd o o u o s c ruza d o s p e lo s c rime s c o me tid o s e c o nvid o u Pe d ro p a ra
uma a ud iê nc ia na c o rte .
"Ale ixo , c o m sua e xp e riê nc ia , julg a va a e xp e d iç ã o muito p o uc o e fic a z e
te mia q ue , se p a ssa sse p e la Ásia , fo sse d e struíd a p e lo s turc o s. Po r o utro la d o , a
ind isc ip lina d o s p e re g rino s o o b rig o u a a fa stá -lo s o q ua nto a nte s d o s a rre d o re s d e
C o nsta ntino p la . O s o c id e nta is c o me tia m furto s se m fim , fa zia m irrup ç õ e s e m
p a lá c io s e na s c id a d e s d o s sub úrb io s, ro ub a va m a té o c hum b o d o s te lha d o s d a s
ig re ja s." (Runc ima n, 1996, p . 112.)
Em 8 d e a g o sto , o s c ruza d o s fo ra m e m b a rc a d o s p a ra a lé m d o e stre ito
d e Bó sfo ro . Dura nte sua b re ve c a mp a nha , a b a nd o na ra m-se a fe ro ze s sa q ue s,
ma ssa c ra nd o e to rtura nd o a té me smo o s ha b ita nte s c ristã o s d a á re a . Dize m q ue
a lg uns c ruza d o s c he g a ra m a a ssa r c ria nç a s e m e sp e to s.
Ma s no s p rim e iro s g ra nd e s c o mb a te s milita re s c o ntra o e xé rc ito turc o , o s
"me nd ig o s" fo ra m e xte rmina d o s. Alg uns se sa lva ra m re nunc ia nd o a o c ristia nismo ;
o utro s, m ulhe re s e c ria nç a s, fo ra m p o up a d o s p o r te re m b e la fisio no mia e fo ra m
ve nd id o s c o mo e sc ra vo s. A últim a b a nd e ira d o s so b re vive nte s fo i sa lva p o r uma
e xp e d iç ã o d e so c o rro b iza ntina .
A e xp e d iç ã o d e Pe d ro nã o fo i a únic a d o tip o "fa ç a vo c ê me smo ".
O utra s c ruza d a s me no re s p a rtira m na me sma é p o c a . Po r e xe mp lo , G a utie r Sa ns-
Avo ir, um p e q ue no d o no d e te rra s fra nc ê s, p a rtiu d e C o lô nia c o m a lg uns milha re s
d e se g uid o re s p o uc o s d ia s a nte s d e Pe d ro e e ntro u no s te rritó rio s d o Im p é rio
Biza ntino , e nc o ntra nd o a s a uto rid a d e s to ta lm e nte d e sp re p a ra d a s p a ra sua
c he g a d a . Em Be lg ra d o , p ilho u o s c a mp o s p ró ximo s e luto u c o ntra a g ua rniç ã o d a
c id a d e , sa ind o ve nc e d o r. Muito s c ruza d o s fo ra m mo rto s e m c o mb a te , o utro s
fo ra m q ue ima d o s vivo s d e ntro d e uma ig re ja . O e xé rc ito d e G a utie r fo i se g uid o e
e sc o lta d o a té C o nsta ntino p la , o nd e se junta ria a o d e Pe d ro , o Ere mita , d ivid ind o
c o m e le o d e stino trá g ic o .
O s jude us e a C ruza da do Pa to Sa g ra do

O c lima g e ra l d e ho stilid a d e p a ra c o m o s infié is m uç ulma no s nã o p o d ia


nã o a ting ir o utra c a te g o ria d e infié is p re se nte s na Euro p a ha via ma is d e um
milê nio : o s jud e us.
"Pa ra um c a va le iro , e ra c a ro se e q uip a r p a ra uma C ruza d a , e [...]
p re c isa va p e d ir d inhe iro e mp re sta d o a o s jud e us. Ma s e ra justo q ue , p a ra luta r p e la
c rista nd a d e , fo sse ne c e ssá rio c a ir na s g a rra s d a ra ç a q ue c ruc ific a ra C risto ? O
c ruza d o ma is p o b re muita s ve ze s já tinha d ívid a s c o m o s jud e us: e ra justo q ue fo sse
imp e d id o d e c ump rir c o m se u d e ve r c ristã o e m ra zã o d e o b rig a ç õ e s c o m a lg ué m
q ue p e rte nc e sse à q ue la ra ç a ímp ia ? A p re g a ç ã o e va ng é lic a d a C ruza d a
e vid e nc ia va p a rtic ula rme nte Je rusa lé m, lo c a l d a c ruc ific a ç ã o , e ine vita ve lme nte
c ha ma va a a te nç ã o p a ra o p o vo q ue ha via fe ito Je sus C risto so fre r. O s
muç ulma no s e ra m o s inimig o s d o mo me nto [...] ma s o s jud e us c o m c e rte za e ra m
p io re s, p o is ha via m p e rse g uid o o p ró p rio C risto ." (Runc ima n, 1996, p . 121.)
As vá ria s c o munid a d e s jud a ic a s d a Euro p a , p o r vo lta d e 1095, e sta va m
muito a la rma d a s: c o me ç a va a c irc ula r um b o a to d e p e rse g uiç ã o e ma ssa c re s
c o ntra e la s. Dizia -se q ue o p ró p rio G o d o fre d o d e Bulhã o (futuro "lib e rta d o r" d e
Je rusa lé m) tinha jura d o ving a r a mo rte d e C risto c o m o sa ng ue d o s jud e us. Assim,
a s c o munid a d e s jud a ic a s d e C o lô nia e Ma g o nza lhe o fe re c e ra m uma
c o ntrib uiç ã o e sp o ntâ ne a d e mil mo e d a s d e p ra ta p a ra fina nc ia r a C ruza d a .
G o d o fre d o a g ra d e c e u d e b o m g ra d o e a c a lmo u o s d o a d o re s a re sp e ito d e sua s
inte nç õ e s.
Pe d ro , o Ere mita , p e d iu aos jud e us fra nc e se s uma c a rta de
a p re se nta ç ã o c o nvid a nd o a c o munid a d e jud a ic a d e to d a a Euro p a a a c o lhê -lo e
a a b a ste c e r se us se g uid o re s c o m to d a s a s p ro visõ e s q ue tive sse m p e d id o . Se nã o
c o nc o rd a sse m, se ria d ifíc il se g ura r se us ho me ns... O b via me nte , o p e d id o fo i
a te nd id o .
O im p e ra d o r He nriq ue IV, p o r sua ve z, ma nd o u o s g ra nd e s se nho re s
fe ud a is g a ra ntire m a inc o lumid a d e d e to d o s o s jud e us e m sua s te rra s.
Ma s e ssa s b o a s inte nç õ e s nã o inte rro mp e ra m o ma ssa c re . Em a b ril d e
1096, o c o nd e a le mã o Emic h d e Le insing e n, já c o nhe c id o no p a ssa d o p o r se us
a to s d e va nd a lismo , fing iu te r g a nha d o o s e stig ma s e se fe z c ruza d o , re unind o um
e xé rc ito q ue c o nta va c o m a lg uns no b re s e vá rio s p e re g rino s e ntusia sta s. Entre e le s,
ha via um p a to e uma d e ze na d e se g uid o re s, c o nve nc id o s d e q ue o a nima l e ra
insp ira d o d ire ta me nte p o r De us e q ue o s c o nd uziria se m p a ra r a té a Te rra Sa nta .
Emic h re so lve u ina ug ura r sua c ruza d a no d ia 3 d e m a io , c o m um a ta q ue
c o ntra a c o munid a d e jud a ic a d e Sp ira . Ma s o s jud e us d e lá p e d ira m p ro te ç ã o a o
b isp o , p ro te ç ã o e sta q ue , o b via me nte , c usto u c a ro , e a ssim o s c ruza d o s
c o nse g uira m truc id a r "a p e na s" 12 d e le s, q ue ha via m se re c usa d o a a b jura r, a lé m
d e uma mulhe r q ue se suic id o u p a ra fug ir d o e stup ro . Alg uns a ssa ssino s fo ra m
d e p o is c a p tura d o s p e la s fo rç a s d o b isp o e tive ra m a s mã o s a rra nc a d a s.
Em Wo rms, os c ruza d o s, junta me nte com a lg uns ha b ita nte s e
c a mp o ne se s lo c a is, c o nse g uira m fa ze r me lho r. De ze na s d e jud e us fo ra m mo rto s
p e la s rua s. Nã o sa tisfe ito s, o s fa ná tic o s inva d ira m o p a lá c io do b isp o e
ma ssa c ra ra m o utro s c inq üe nta jud e us lá re fug ia d o s.
Em Ma g o nza , o s se g uid o re s d e Emic h e nc o ntra ra m a s p o rta s d a c id a d e
fe c ha d a s p o r o rd e m d o a rc e b isp o Ro tha rd . Ma s, a p ó s a lg uns tumulto s a nti-se mita s,
a lg uns c id a d ã o s a b rira m a s p o rta s p a ra d e ixa r o s "p e re g rino s" e ntra re m. O s jud e us,
sitia d o s na sina g o g a , e nvia ra m d o a ç õ e s e m d inhe iro a o a rc e b isp o e a o se nho r
la ic o lo c a l p a ra q ue o s ho sp e d a sse m e m se us re sp e c tivo s p a lá c io s, a lé m d e se te
lib ra s d e o uro a o p ró p rio Emic h, q ue p ro me te u p o up a r a c id a d e , ma s fo i d inhe iro
jo g a d o fo ra . Emic h a ta c o u d e surp re sa o p a lá c io e p isc o p a l, p ro vo c a nd o a fug a
d e Ro tha rd e d e sua c o rte , e truc id o u to d o s o s jud e us lá re fug ia d o s. De p o is, a te o u
fo g o a o p a lá c io d o p ro te to r la ic o , o b rig a nd o o s o c up a nte s a e va c uá -lo . Muito s
jud e us sa lva ra m a vid a re ne g a nd o a p ró p ria re lig iã o . To d o s o s o utro s fo ra m mo rto s.
Alg uns d o s q ue ha via m a b jura d o se ma ta ra m p o r re mo rso . Um d e le s inc e nd io u a
sina g o g a , p a ra q ue nã o fo sse p ro fa na d a . O ra b ino C a lo nymo s se re fug io u c o m
c e rc a d e c inq üe nta c o mp a nhe iro s e m Rud e she im , o nd e o a rc e b isp o a p ro ve ito u a
situa ç ã o p a ra te nta r c o nve rtê -lo . O ra b ino re a g iu c o m um g e sto q ue c usto u a vid a
d e le e d e se us se g uid o re s. O b a la nç o fina l d o ma ssa c re d e Ma g o nza fo i a mo rte
d e p e lo m e no s mil jud e us.
De p o is d e Ma g o nza , fo i a ve z d e C o lô nia . Aq ui, o s jud e us já ha via m
fug id o o u e sta va m e sc o nd id o s na s c a sa s d e c ristã o s c o nhe c id o s. Emic h p re c iso u
se c o nte nta r e m q ue ima r a sina g o g a e truc id a r um c a sa l d e jud e us q ue nã o q uis
a b jura r. A inte rve nç ã o d o a rc e b isp o imp e d iu o utro s a ssa ssina to s. A e sse p o nto
(e sta mo s e m 2 d e junho ), Em ic h d e c id iu fina lme nte d e ixa r a Re nâ nia e c o ntinua r
sua via g e m e m d ire ç ã o à Te rra Sa nta . Um g rup o d e se g uid o re s o a b a nd o no u e
c o ntinuo u o q ue p o d e ría mo s c ha ma r d e "c ruza d a a nti-se mita " no s va le s d o Mo se l.
Em Tre viri, o g ro sso d a c o munid a d e jud a ic a se re fug io u no p a lá c io d o a rc e b isp o ,
ma s a lg uns, e m p â nic o , jo g a ra m-se no rio e se a fo g a ra m. Em Me tz, fo ra m mo rto s
22 jud e us. O s c ruza d o s e ntã o vo lta ra m a C o lô nia , d e o nd e p a rtira m p a ra
ma ssa c ra r o s jud e us d e vá ria s o utra s lo c a lid a d e s e d e p o is se d isp e rsa ra m.
Alg uns vo lta ra m p a ra c a sa , o utro s se unira m à c ruza d a o fic ia l d e
G o d o fre d o d e Bulhõ e s.
No e nta nto , Emic h e o g ro sso d a tro p a ha via m e ntra d o na Hung ria , o nd e
nã o fo ra m b e m a c o lhid o s. Ap ó s uma sé rie d e e mb a te s, se u e xé rc ito fo i d e struíd o
q ua se p o r c o mp le to . Te nd o p o r so rte se sa lva d o , e le vo lto u p a ra c a sa , o nd e
p e q ue no s se nho re s fe ud a is se unira m à s e xp e d iç õ e s se g uinte s. "O e sfa c e la me nto
d a c ruza d a d e Emic h [...] imp re ssio no u p ro fund a me nte a c rista nd a d e o c id e nta l.
Pa ra muito s b o ns c ristã o s, p a re c e u um c a stig o inflig id o d o a lto a o s a ssa ssino s d o s
jud e us; o utro s, q ue c o nsid e ra va m inse nsa to e iníq uo to d o o mo vime nto c ruza d o ,
vira m no s d e sa stre s a a b e rta d e sa p ro va ç ã o d e De us." (Runc ima n, 1996, p . 126.)
O utra s c ruza d a s a nti-se mita s fo ra m a s g uia d a s p o r Vo lkma r (um d isc íp ulo
d e Pe d ro , o Ere mita ) e p o r G o ttsc ha lk. Vo lkma r, q ue p e rse g uira c e rc a d e d e z mil
ho me ns, no d ia 30 d e junho ma ssa c ro u o s jud e us d e Pra g a . Sua s file ira s e ntã o
fo ra m fe ita s e m p e d a ç o s p e lo e xé rc ito húng a ro . G o ttsc ha lk, q ue tinha um e xé rc ito
um p o uc o ma is nume ro so , se d isting uiu p e lo ma ssa c re d o s jud e us d e Ra tisb o na .
C he g a nd o à Hung ria , p rime iro fo i tra ta d o c o m b e ne vo lê nc ia ; e ntã o , q ua nd o se us
ho me ns d e ra m iníc io a o s sa q ue s e e mp a la ra m um jo ve m d o lo c a l, a s tro p a s
húng a ra s o b rig a ra m o s c ruza d o s a e ntre g a r a s a rma s e o s a ta c a ra m, ma ta nd o d o
p rim e iro a o último .
A C ruza da do s Prínc ipe s e do s C a de te s

A p rim e ira C ruza d a "o fic ia l", q ue p a rtiu ta mb é m e m 1096, e ra c o mp o sta


d e c a va le iro s b e m a rma d o s e b e m e q uip a d o s, c o mo G o d o fre d o d e Bulhõ e s e se u
irmã o Ba ld uíno . Em sua ma io ria , e ra m c a va le iro s c a d e te s, o u se ja , no b re s se m
te rra s q ue p e rd e ra m o d ire ito d e suc e ssã o e e ra m p a rtic ula rme nte a mb ic io so s e
á vid o s p o r te rra s. Muito s d e le s já tinha m tra b a lha d o c o mo me rc e ná rio s, a lg uns a té
c o mo p ira ta s.
Este s c ruza d o s ta mb é m , c o mo se us a nte c e sso re s "me nd ig o s", tive ra m
a lg uns a c id e nte s d e p e rc urso d ura nte a via g e m. Po r e xe mp lo , Ba ld uíno , e m
C o nsta ntino p la , c a p turo u se sse nta p e c he ne g ue s q ue te nta va m fre a r o s ro ub o s
d o s c ruza d o s e ma to u vá rio s o utro s. O p ró p rio G o d o fre d o te ve d e se nte nd ime nto s
c o m a s tro p a s imp e ria is d e Bizâ nc io , a té q ue c e d e u e a c e ito u jura r fid e lid a d e a o
im p e ra d o r.
Um ra mo d a c ruza d a , q ue ha via se g uid o o utro c a minho , e nc o ntro u um
vila re jo d e he re g e s p a ulic ia no s na e stra d a e q ue imo u a s c a sa s c o m o s mo ra d o re s
d e ntro .
De q ua lq ue r fo rm a , o s c ruza d o s p ro va ra m se u va lo r no c a mp o d e
b a ta lha . C o nq uista ra m Nic é ia (d ura nte o a ta q ue , o s so ld a d o s c ristã o s c o rta ra m a s
c a b e ç a s d e muito s c a d á ve re s inimig o s e jo g a ra m-na s d o o utro la d o d a s mura lha s,
p a ra e nfra q ue c e r o mo ra l d a g ua rniç ã o turc a ), q ue se e ntre g o u, no e nta nto , à s
tro p a s b iza ntina s, e vita nd o um p ro vá ve l m a ssa c re . Em se g uid a , e xp ug na ra m Ta rso ,
e a q ui c o me ç a ra m se us d e se nte nd ime nto s. A c id a d e fo ra "lib e rta d a " p e lo s
c a va le iro s d e Ta nc re d o , m a s Ba ld uíno , c he g a nd o com um e xé rc ito ma is
num e ro so , o b rig o u-o s a ir e m b o ra e d e ixo u d o la d o d e fo ra d a s m ura lha s um
d e sta c a me nto d e tre ze nto s c a va le iro s vind o s ne sse m e io -te m p o p a ra a jud a r o s
ho me ns d e Ta nc re d o .
Ap e sa r d a s súp lic a s, Ba ld uíno nã o o s d e ixo u e ntra r, e o s c a va le iro s fo ra m
to d o s ma ssa c ra d o s d ura nte a no ite p e la s fo rç a s turc a s q ue c o rria m p e lo s c a mp o s.
De p o is d e Ta rso , fo i a ve z d e Ed e ssa , c id a d e ha b ita d a na ma io ria p o r
a rmê nio s c ristã o s, o nd e o s c ruza d o s fund a ra m se u p rim e iro e sta d o . Aq ui, Ba ld uíno
d e ixo u q ue uma re vo lta lo c a l ma ta sse o g o ve rna d o r le g ítim o , Tho ro s, q ue o ha via
a d o ta d o c o mo um filho e m uma c e rimô nia p úb lic a , e tra nsfo rmo u a c id a d e e m
um c o nd a d o d e se u d o mínio . A se g uir, utilizo u o te so uro d e Ed e ssa p a ra c o mp ra r
e m d inhe iro o e mira d o d e Sa mo sa ta , o c up a nd o a c id a d e d e Sa ruj e m no me d o
p rínc ip e muç ulma no Ba ra k (na p rá tic a , e le ha via se to rna d o um me rc e ná rio p a g o
p o r um "infie l"), m a s a to m o u p a ra si.
Em Antió q uia (c o nq uista d a g ra ç a s à tra iç ã o d e um o fic ia l a rm ê nio ), o s
c ruza d o s nã o p a ra ra m a té te re m a ssa ssina d o o último turc o , fo sse e le ho me m o u
mulhe r. Fa la -se d e milha re s d e mo rto s. Na c o nfusã o , ta mb é m fo ra m mo rto s muito s
c ristã o s. To d a s a s c a sa s d o s c id a d ã o s, c ristã o s o u muç ulm a no s, fo ra m p ilha d a s.
G ra nd e p a rte d a s riq ue za s, d a s p ro visõ e s e d a s a rma s e nc o ntra d a s fo i
inc o nsc ie nte me nte d e struíd a .
O c a va le iro Bo e mund o , futuro p rínc ip e da Antió q uia , c o mp ro u a
c a b e ç a d o e mir Ya g hi-Siya n, q ue um c a mp o nê s lhe le va ra c o mo tro fé u d e c a ç a .
"Nã o se p o d ia a nd a r na rua se m p isa r e m um c a d á ve r, e to d o s lo g o e ntra va m e m
p utre fa ç ã o no c a lo r d o ve rã o , ma s Antió q uia e ra c ristã d e no vo ." (Runc ima n, 1996,
p . 202.)
O utro ma ssa c re a c o nte c e u na c id a d e d e Ma a ra t a n-Numa n. Q ua nd o
e ntra ra m, o s c ruza d o s ma ta ra m to d o s q ue e nc o ntra ra m e sa q ue a ra m e
inc e nd ia ra m a s c a sa s. Bo e mund o p ro me te ra inc o lumid a d e a to d o s q ue se
re nd e sse m e se re fug ia sse m e m uma g ra nd e sa la p ró xima d a p o rta p rinc ip a l. Ma s
a s c o isa s nã o a c o nte c e ra m b e m a ssim: o s ho m e ns fo ra m truc id a d o s, e a s mulhe re s
e a s c ria nç a s fo ra m ve nd id a s c o mo e sc ra vo s.
O m a ssa c re , de Je rusa lé m

O filme se re p e te , ma s e m ma io re s d ime nsõ e s, e ntre 14 e 15 d e julho d e


1099, c o m a c o nq uista d e Je rusa lé m. O s únic o s muç ulma no s a se sa lva re m fo ra m
o e mir Iftikha r e se us ho me ns, p o is fo ra m e sc o lta d o s p o r Ra imund o d e To ulo use
p a ra fo ra d a c id a d e , e m tro c a d e uma p o lp ud a so ma e m d inhe iro . To d o s o s o utro s
fo ra m truc id a d o s.
"O s c ruza d o s, e nlo uq ue c id o s c o m uma vitó ria tã o e xulta nte [...] se
la nç a ra m p e la s rua s, na s c a sa s e na s me sq uita s, ma ta nd o to d o s a q ue le s q ue
e nc o ntra va m , fo sse m ho me ns, mulhe re s o u c ria nç a s, se m d istinç ã o . O ma ssa c re
c o ntinuo u p o r to d a a ta rd e e to d a a no ite ." (Runc ima n, 1996, p . 247.) Ne m um
g rup o d e muç ulma no s p ro te g id o s p e lo s ho me ns d e Ta nc re d o , re unid o s e m uma
me sq uita e nc im a d a p o r se u e sta nd a rte , se sa lvo u.
Q ua nd o Ra imund o d e Ag uile r, ma is ta rd e na q ue la ma nhã , visito u a á re a
d o te mp lo , p re c iso u a b rir c a minho e ntre o s c a d á ve re s e o sa ng ue q ue c he g a va a
se us jo e lho s. Ne m o s jud e us d e Je rusa lé m, a c usa d o s d e te re m a jud a d o o s
muç ulma no s, fo ra m p o up a d o s. A sina g o g a e m q ue ha via m se re fug ia d o fo i
inc e nd ia d a , e to d o s mo rre ra m.
"O ma ssa c re d e Je rusa lé m imp re ssio no u muito to d o o mund o . Ning ué m
p o d e d ize r q ua nta s fo ra m a s vítima s, ma s a c id a d e fo i e sva zia d a d e se us
ha b ita nte s muç ulma no s e jud e us. Muito s c ristã o s ta mb é m fic a ra m ho rro riza d o s [...]
e , p a ra o s muç ulma no s [...] d a li e m d ia nte na sc e u a c e rte za d e q ue o s o c id e nta is
d e ve ria m se r e xp ulso s. Aq ue la sa ng re nta d e mo nstra ç ã o d e fa na tismo c ristã o
re a c e nd e u o fa na tismo islâ mic o . Q ua nd o , e m se g uid a , o s la tino s ma is sá b io s d o
O rie nte se e sfo rç a ra m p a ra e nc o ntra r uma b a se q ua lq ue r p a ra a c o la b o ra ç ã o
e ntre c ristã o s e muç ulma no s, a le mb ra nç a d o ma ssa c re se mp re se c o lo c o u no
c a minho ." (Runc ima n, 1996, p . 248.)
Ma is d e se sse nta mil p e sso a s fo ra m mo rta s.
C o m o ma ssa c re d e Je rusa lé m , e nc e rra -se a Prime ira C ruza d a q ue tiro u
a vid a d e ma is d e um milhã o d e p e sso a s.
A no tíc ia d a to ma d a d e Je rusa lé m d e vo lve u o â nim o a muito s c a va le iro s
a ve nture iro s q ue a nd a va m e m b usc a d e fo rtuna .
Em 1100, p a rtiu p a ra a Te rra Sa nta um a e xp e d iç ã o d e no b re s lo mb a rd o s,
e c le siá stic o s e fa m ília s inte ira s d e c a m p o ne se s fa minto s. Essa no va C ruza d a e ra
tra g ic a me nte p a re c id a c o m a d e Pe d ro , o Ere mita . E a c a b o u e m um d e sa stre
se me lha nte . C o mo se us a nte c e sso re s, e ste s c ruza d o s c ria ra m vá rio s p ro b le ma s d e
o rd e m p úb lic a e m C o nsta ntino p la .
Assim q ue c he g a ra m à Te rra Sa nta , e m ve z d e c ump rir sua missã o
(re sta b e le c e r o s me io s d e c o munic a ç ã o e ntre o Im p é rio Biza ntino e a Síria ), o s
lo mb a rd o s q uise ra m se g uir a p ró p ria c a b e ç a e e ntra ra m na Ana tó lia , no me io d o
te rritó rio turc o , le va nd o c o nsig o ta mb é m o s e sta nd a rte s d e c ruza d o s a le m ã e s e
fra nc e se s.
No p rime iro g ra nd e a ta q ue d o s turc o s, o s c a va le iro s lo mb a rd o s fug ira m
to ma d o s d e p â nic o , a b a nd o na nd o a infa nta ria . C o ub e , e ntã o , a o s fra nc e se s
c o nte r o a ta q ue e re a g rup a r a e xp e d iç ã o .
Nã o sa tisfe ito s, o s lo mb a rd o s insistira m e m c o ntinua r a ma rc ha e m
te rritó rio ho stil, e m ve z d e b usc a r a sa lva ç ã o na re g iã o c o ste ira . E, c o m o lá
e sta va m, sa q ue a ra m ta mb é m um p o vo a d o c ristã o .
Pró xim o à c id a d e d e Me rsiva n, ho uve uma b a ta lha c a mp a l e ntre o s
turc o s e o s c ruza d o s, na q ua l o s último s le va ra m a p io r. "O s lo mb a rd o s p e rd e ra m a s
c a b e ç a s b e m rá p id o e , c o m se u c o ma nd a nte , o c o nd e d e Bia nd ra te , à fre nte ,
fug ira m a b a nd o na nd o sua s mulhe re s e o s p a d re s." (Runc ima n, 1996, p . 302.)
A re tira d a p ro vo c o u a q ue d a ta mb é m d o s me rc e ná rio s turc o s. Assim, o s
c ruza d o s fra nc e se s e a le mã e s, d e sg ua rne c id o s, tive ra m q ue c a p itula r. No fina l,
a p e na s o s ho me ns a c a va lo c o nse g uira m e sc a p a r. A infa nta ria fo i ma ssa c ra d a ,
junto c o m c ivis e mulhe re s id o sa s. "O s lo mb a rd o s, c uja o b stina ç ã o fo ra a c a usa d o
d e sa stre , fo ra m a niq uila d o s, c o m e xc e ç ã o d o s líd e re s. As p e rd a s fo ra m e stima d a s
e m q ua tro q uinto s d e to d o o e xé rc ito . G ra nd e s q ua ntid a d e s d e o b je to s d e va lo r e
d e a rma s c a íra m na s mã o s d o s turc o s, e o s ha ré ns e me rc a d o s d e e sc ra vo s d o
O rie nte se e nc he ra m d e mo ç a s e c ria nç a s c a p tura d a s na q ue le d ia ." (Runc ima n,
1996, p . 302.)
O s re ino s c ruza do s

As d é c a d a s se g uinte s ve ria m a a mp lia ç ã o d o s d o mínio s c ruza d o s c o m a


c o nq uista d e imp o rta nte s c id a d e s c o ste ira s, c o mo Be irute e Tríp o li. Ne sta última , o s
c ruza d o s ita lia no s d e ra m iníc io a um ma ssa c re g e ne ra liza d o , a nte s q ue o
so b e ra no d e Je rusa lé m c o nse g uisse fre á -lo s. Na s te rra s c o nq uista d a s, o s c ruza d o s
c ria ra m Esta d o s; o ma is imp o rta nte e ra o Re ino d e Je rusa lé m, no mo d e lo d o s
fe ud o s e uro p e us. O s Esta d o s e ra m ind e p e nd e nte s e ntre si (a liá s, nã o fa lta ra m
b a ta lha s e ntre o s so b e ra no s c ruza d o s, c o m tro p a s mista s turc o -c ristã s) e nã o
re c o nhe c ia m a jurisd iç ã o d o Im p é rio d e C o nsta ntino p la . O s súd ito s d o s re ino s
c ruza d o s tinha m o b rig a ç õ e s p e sa d a s: o s se rvo s d a g le b a , á ra b e s e sírio s, tinha m
q ue p a g a r a o p ro p rie tá rio d e sua s te rra s um im p o sto d e q ua se 50% d a c o lhe ita . O s
c a mp o ne se s livre s e ra m sub me tid o s c o m o uso d a fo rç a .
Na s c id a d e s c o ste ira s, o c o mé rc io e sta va na s mã o s d o s g e no ve se s,
ve ne zia no s e ma rse lhe se s, q ue ha via m o b tid o o p rivilé g io d e p o d e r c o nstituir sua s
c o lô nia s. O s c ruza d o s nã o le va ra m ne nhum e le me nto no vo à vid a e c o nô mic a d o s
p a íse s c o nq uista d o s, simp le sme nte p o rq ue , na é p o c a , a s fo rç a s p ro d utiva s e a
riq ue za c ultura l d o O rie nte e ra m muito sup e rio re s à s o c id e nta is.
Ele s, na m a io ria d a s ve ze s, c o mp o rta ra m-se c o mo la d rõ e s e o p re sso re s, o
q ue e xp lic a a c o nsta nte ho stilid a d e d a s p o p ula ç õ e s lo c a is,
No q ue c o nc e rne à re lig iã o , o s c o nq uista d o re s te nta ra m sub stituir o c le ro
b iza ntino e o á ra b e p o r se us p re la d o s e rito s, d e iníc io , a té m e sm o c o m o uso d a
vio lê nc ia . Po r e xe mp lo , no d ia se g uinte a o d a c o nq uista d e Je rusa lé m , fo i
no me a d o um no vo a rc e b isp o la tino , o into le ra nte e c o rrup to Arno lfo . Uma d e sua s
p rime ira s me d id a s fo i to rtura r o s sa c e rd o te s o rto d o xo s q ue e sc o nd ia m o p e d a ç o
ma io r d a Ve ra C ruz (a re líq uia ma is sa g ra d a d a c id a d e ) p a ra q ue a e ntre g a sse m.
C o mo o s sa c e rd o te s re luta ra m, ma nd o u to rturá -lo s.
Pa ra d e fe nd e r o s lo c a is sa g ra d o s e p ro te g e r o s p e re g rino s, fo ra m c ria d a s
a s O rd e ns C a va lhe ire sc a s (a d o s Te m p lá rio s, d e o rig e m fra nc e sa ; a d o s Te utô nic o s,
d e o rig e m a le mã ; e a d o s Jo a nita s, o u Ho sp ita lá rio s, ma is c o nhe c id o s c o mo
C a va le iro s d e Ma lta ). Era m o rd e ns re lig io sa s a rma d a s c ujo s me mb ro s, a lé m d o s
vo to s re lig io so s d e c a stid a d e , p o b re za e o b e d iê nc ia , ta mb é m jura va m d e fe nd e r
o s lug a re s sa g ra d o s c o ntra o s infié is e d e p e nd ia m d ire ta me nte d o p a p a . De p o is,
a s o rd e ns re c e b e ra m ig ua lme nte a inc umb ê nc ia d e c o nq uista r no vo s te rritó rio s e
re a liza r a c ristia niza ç ã o fo rç a d a d a s p o p ula ç õ e s na tiva s.
A Se g und a C ruza d a
A Se g und a C ruza d a te ve o rig e m na q ue d a d e Ed e ssa (1144). Na é p o c a ,
e m Ro m a , fo i re a liza d o o Se g und o C o nc ilio d e La trã o (1139), q ue ha via p ro ib id o o
uso d a b a le stra , so b p e na d e e xc o munhã o , p o is a a rma c a usa va fe rid a s ho rríve is.
Ma s se u uso fo i a d mitid o na g ue rra c o ntra o s infié is. O p a p a d o c o nse g uiu
c o nve nc e r o re i d a Fra nç a e o im p e ra d o r g e rmâ nic o a se la nç a re m c o ntra o s
turc o s. C o mo na é p o c a d a Prime ira C ruza d a , a e mp o lg a ç ã o c o ntra o s infié is, d e
inic io , m iro u o s jud e us. O a b a d e d e C luny, Pe d ro , o Ve ne rá ve l, p ro te sto u p o rq ue
e ste s nã o ve rsa va m uma c o ntrib uiç ã o p a ra fina nc ia r a C ruza d a .
Na Ale ma nha , o mo ng e c iste rc ie nse Ro d o lfo instig o u a m ultid ã o a
ma ssa c ra r o s jud e us e só fo i c a la d o a p ó s a inte rve nç ã o d e c isiva d e Be rna rd o d e
C hia ra va lle . C o mo a s o utra s C ruza d a s, e sta ta mb é m te ve se us "a c id e nte s d e
p e rc urso ". Em Filip ó p o lis, p o r e xe mp lo , o s c ruza d o s inc e nd ia ra m um mo ste iro e
truc id a ra m se us o c up a nte s.
Sa la dino e ra um c a va lhe iro

A Te rc e ira C ruza d a fo i c a usa d a p e la q ue d a d e Je rusa lé m (1187), p o r


o b ra d o g ra nd e c o ma nd a nte islâ mic o Sa la d ino , q ue já e ste nd e ra se u d o mínio a o
Eg ito e à Ará b ia O c id e nta l. Ao c o ntrá rio d o s c ruza d o s, Sa la d ino nã o p ro mo via
ma ssa c re s na s c id a d e s q ue c o nq uista va . O s c ristã o s tinha m a c ha nc e d e ir
e mb o ra se p a g a sse m um re sg a te e m o uro (p a ra um ho me m , d e z d ina re s; p a ra
uma mulhe r, c inc o ). Q ue m nã o p a g a sse e ra fe ito e sc ra vo . O s no b re s c ristã o s
c a p tura d o s p o d ia m b a ra te a r a lib e rd a d e c o m a e ntre g a d a s fo rta le za s a e le s
d e sig na d a s. Assim, a c o nq uista a c o nte c ia d e ma ne ira fá c il e ind o lo r.
Emb o ra o s re is d a Ing la te rra e d a Fra nç a , b e m c o mo o im p e ra d o r
g e rmâ nic o , p a rtic ip a sse m d a C ruza d a , se us re sulta d o s fo ra m irre le va nte s (o
imp e ra d o r Fre d e ric o Ba rb a -Ruiva c he g o u a mo rre r na é p o c a , e ne m fo i e m
c o mb a te ) e m ra zã o d a s d ive rg ê nc ia s inte rna s.
Je rusa lé m p e rma ne c e u na s mã o s d o s turc o s, a ind a q ue o s c ristã o s
tive sse m lib e rd a d e d e a c e sso . O únic o re sulta d o útil fo i d e te r, p e lo me no s
mo me nta ne a me nte , o a va nç o turc o .
A C ruza da q ue e rro u o c a m inho

O p a p a Ino c ê nc io III o rd e no u a Q ua rta C ruza d a (1202-1204), p ro c ura nd o


a p ro ve ita r a mo rte d e Sa la d ino (1193). O s c ruza d o s e ntra ra m e m a c o rd o c o m a
Re p úb lic a d e Ve ne za p a ra p o d e re m usa r sua p o d e ro sa fro ta . O p la no e ra
d e se mb a rc a r no Eg ito , c o nq uistá -lo e , d e lá , c he g a r a Je rusa lé m. Ma s Ve ne za ,
q ue tinha b o a s re la ç õ e s c o me rc ia is c o m o Eg ito , c o nse g uiu d e svia r a C ruza d a
c o m a a stúc ia .
Pa ra c o me ç a r, o s ve ne zia no s p use ra m o s c ruza d o s e m uma p o siç ã o d e
infe rio rid a d e . "Ac a mp a d o s na p e q ue na ilha d e Sã o Nic o la u d o Lid o , a to rme nta d o s
p o r me rc a d o re s ve ne zia no s c o m q ue m ha via m c o ntra íd o d ívid a s, ma ntid o s so b a
a me a ç a d e te re m susp e nsa s to d a s a s p ro visõ e s se nã o d e se mb o lsa sse m d inhe iro
[...] o s c ruza d o s e sta va m d isp o sto s a a c e ita r q ua lq ue r c o nd iç ã o ." (Runc ima n, 1996,
p . 728.) E a c o nd iç ã o d o s ve ne zia no s e ra a se g uinte : o s c ruza d o s só p o d e ria m
p a rtir se a nte s a c e ita sse m c o nq uista r, p a ra a Se re níssima , a c id a d e c ristã d e Za ra ,
e m Istria . Em p o uc o s d ia s, Za ra fo i a ta c a d a , c o nq uista d a e sa q ue a d a .
Ind ig na d o , Ino c ê nc io III e xc o mung o u o s c ruza d o s, ma s lo g o d e p o is lhe s
c o nc e d e u o p e rd ã o , na e sp e ra nç a d e q ue , fina lme nte , se la nç a sse m c o ntra o s
turc o s.
Enq ua nto o s c ruza d o s inve rna va m e m Za ra , c he g o u a o a c a mp a me nto o
filho d o imp e ra d o r d e C o nsta ntino p la p a ra a nunc ia r q ue o p a i ha via sid o b a nid o
p e lo irmã o . Se o a jud a sse m a re to ma r o tro no , o s c ruza d o s g a nha ria m g ra nd e s
so ma s e m d inhe iro e a sub missã o d a Ig re ja g re g a a Ro ma .
O s c ruza d o s, e ntã o , se d irig ira m a C o nsta ntino p la , o nd e e nc o ntra ra m a
re sistê nc ia d o s c id a d ã o s, q ue nã o q ue ria m sa b e r d o s la tino s. O im p e ra d o r d e p o sto
e c e g a d o fo i re c o lo c a d o no tro no se m q ue fo sse d e rra ma d o sa ng ue no b re , p o is o
irmã o usurp a d o r já ha via fug id o d a c id a d e . O s c ruza d o s e xig ira m q ue o filho fo sse
c o ro a d o ao la d o do imp e ra d o r, c o m o me smo título , p a ra g a ra ntir o s
c o mp ro misso s fe ito s e m Za ra .
O te so uro d e C o nsta ntino p la , to d a via , e sta va va zio . O p a tria rc a e o
p o vo se re c usa va m a re c o nhe c e r o p a p a c o mo c he fe d a Ig re ja Unive rsa l, e nã o
tinha m a me no r inte nç ã o d e p a g a r a s d ívid a s d o im p e ra d o r ne m d e c o nc e d e r
p rivilé g io s a o s c ruza d o s e a o s ve ne zia no s. Po r e ssa ra zã o , a p o p ula ç ã o b iza ntina se
re b e lo u, ma ta nd o o im p e ra d o r, o filho e a lg uma s c e nte na s d e so ld a d o s.
Os c ruza d o s inva d ira m no va me nte a c id a d e e a sa q ue a ra m
te rrive lme nte , p ro c la ma nd o o Im p é rio La tino d o O rie nte e se e sq ue c e nd o d e
Je rusa lé m.
"O sa q ue a C o nsta ntino p la nã o te ve p a ra le lo s na histó ria . Po r no ve
sé c ulo s, a g ra nd e c id a d e fo i c a p ita l d a c iviliza ç ã o c ristã . Era c he ia d e o b ra s d e
a rte d e ixa d a s p e la Antig a G ré c ia e d e o b ra s-p rima s d e se us p ró p rio s e e xc e le nte s
a rte sã o s. O s ve ne zia no s c o nhe c ia m e fe tiva me nte o va lo r d e ta is o b je to s e , o nd e
p ud e ra m , a p o d e ra ra m-se d o s te so uro s p a ra a d o rna r a s p ra ç a s, a s ig re ja s e o s
p a lá c io s d e sua s c id a d e s. Ma s o s fra nc e se s e o s fla me ng o s e sta va m á vid o s p e la
d e struiç ã o . La nç a va m-se furio so s e g rita nd o p e la s rua s e p e la s c a sa s, a rra nc a nd o
tud o q ue b rilha va e d e struind o tud o q ue nã o p ud e sse m tra nsp o rta r, p a ra nd o
a p e na s p a ra a ssa ssina r o u vio le nta r, o u p a ra a rro mb a r a s a d e g a s e ma ta r a se d e
c o m vinho . Nã o p o up a va m ne m mo ste iro s, ne m ig re ja s, ne m b ib lio te c a s. Na
p ró p ria [b a sílic a d e ] Sa nta So fia , via m-se so ld a d o s b ê b a d o s a rra nc a nd o a s
ta p e ç a ria s e q ue b ra nd o a s ic o nó sta se s d e p ra ta , p isa nd o no s livro s sa g ra d o s e no s
íc o ne s. Enq ua nto b e b ia m a le g re me nte d o c á lic e d o a lta r, um a p ro stituta se se nto u
no tro no d o p a tria rc a e c o me ç o u a c a nta r uma c a nç ã o o b sc e na fra nc e sa . Muita s
fre ira s fo ra m vio le nta d a s e m se us p ró p rio s c o nve nto s. Pa lá c io s e c a b a na s fo ra m
ig ua lm e nte inva d id o s e d e struíd o s. Mulhe re s e c ria nç a s fe rid a s ja zia m mo rib und a s
p e la s rua s. Po r trê s d ia s, a s te rríve is c e na s d e sa q ue e d e rra ma me nto d e sa ng ue
c o ntinua ra m , a té q ue a ime nsa e ma g nífic a c id a d e fo i re d uzid a a um ma ta d o uro .
Até o s sa rra c e no s te ria m sid o ma is mise ric o rd io so s, e xc la mo u o histo ria d o r Nic e ta , e
c o m ra zã o ." (Runc ima n, 1996, p . 792.)
No c o ma nd o d a Ig re ja b iza ntina , fo i c o lo c a d o um no vo p a tria rc a q ue
p ro c uro u fa ze r um jo g o q ue fo sse va nta jo so , a p ro xima nd o a p o p ula ç ã o lo c a l, a
g re g a e a e sla va d o c a to lic ismo . O p a p a c o nd e no u o fic ia lm e nte o ma ssa c re ,
ma s, q ua nd o viu q ue o imp e ra d o r e le ito e o p a tria rc a re c o nhe c ia m sua
sup re ma c ia so b re to d a a Ig re ja c ristã d o O rie nte e d o O c id e nte , d e c id iu a c e ita r o
fa to .
Ma is a ind a q ue o p a p a d o o u o s se nho re s fe ud a is, fo i Ve ne za q ue tiro u
ma io r va nta g e m d a c o nq uista d o Im p é rio Biza ntino . O s me rc a d o re s ve ne zia no s,
e m e sp e c ia l, c o nse g uira m o b te r ise nç ã o fisc a l p a ra sua s me rc a d o ria s e m to d o s o s
p a íse s d o Imp é rio .
O Im p é rio La tino ruiu e m 1261, so b o g o lp e c o njunto d o s b úlg a ro s, d o s
a lb a ne se s e d o s b iza ntino s, a jud a d o s p e lo s g e no ve se s, q ue te mia m a p re se nç a
ve ne zia na no s Bá lc ã s.
O Imp é rio d e Bizâ nc io so b re vive ria p o r o utro s d uze nto s a no s, ma s nunc a
ma is vo lta ria a se u a ntig o e sp le nd o r.
As C ruza da s da s C ria nç a s

O s a p e lo s d e Ino c ê nc io III p a ra a p a rtid a d e uma C ruza d a "ve rd a d e ira "


(já q ue a Q ua rta C ruza d a ha via sid o d e svia d a p a ra C o nsta ntino p la ) o b tive ra m ,
e m uma Euro p a inc e ssa nte me nte p e rc o rrid a p o r p re g a d o re s to ma d o s p o r uma
e sp é c ie d e histe ria c o le tiva c o ntra o s infié is d e to d a e sp é c ie (muç ulma no s e
he re g e s; na é p o c a ha via ta mb é m a C ruza d a c o ntra o s c á ta ro s), um e fe ito
c urio so . Infla ma d o s p e la p ro p a g a nd a d a é p o c a , milha re s d e c ria nç a s d a Fra nç a e
Ale ma nha fo rma ra m ve rd a d e iro s e xé rc ito s e ma rc ha ra m e m d ire ç ã o à Te rra
Sa nta .
Em ma io d e 1212, Estê vã o , um p a sto r d e 12 a no s p ro ve nie nte d a c id a d e
d e C lo ye s, e m O rle a ns, a p re se nto u-se à c o rte d o re i Fe lip e d a Fra nç a . Ele a firma va
q ue , e nq ua nto c o nd uzia a s o ve lha s a o p a sto , C risto e m p e sso a a p a re c e u e o
ma nd o u c ha ma r o s fié is p a ra a C ruza d a , e ntre g a nd o -lhe uma c a rta p a ra o re i.
O re i d a Fra nç a ma nd o u o m e nino vo lta r p a ra c a sa , m a s e ste nã o se
d e ixo u a b a te r e c o me ç o u a p re g a r e m p úb lic o d ia nte d a p o rta d a a b a d ia d e
Sa int-De nis. Pro me te u q ue a q ue le s q ue se junta sse m à C ruza d a ve ria m o s ma re s se
a b rire m, c o mo o Ma r Ve rme lho p a ra Mo isé s, e q ue c he g a ria m a p é a té a Te rra
Sa nta .
O ra p a z "tinha o d o m d e uma e lo q üê nc ia e xtra o rd iná ria ; o s a d ulto s se
imp re ssio na va m, e a s c ria nç a s re sp o nd ia m em ma ssa ao se u c ha ma d o "
(Runc ima n, 1996, p . 806). Estê vã o c o me ç o u sua via g e m p e la Fra nç a re unind o
p ro sé lito s e p e d ind o a a jud a d e se us c o nve rtid o s no s se rmõ e s.
To d o s o s g a ro to s se re unira m e m Ve nd ô me p o r vo lta d o fina l d e junho .
O s c ro nista s d a é p o c a fa la va m e m p e lo me no s trinta mil jo ve ns, ne nhum d e ma is
d e 12 a no s. Era m na ma io ria ó rfã o s, filho s d e p a is d e sc o nhe c id o s o u p e q ue no s
c a mp o ne se s c ujo s p a is via m a p a rtid a c o mo um a lívio , livra nd o -se , a ssim , d e m a is
uma boc a p a ra a lime nta r. Ma s ha via ta mb é m d e sc e nd e nte s d a no b re za
fo ra g id o s d e c a sa e a lg uma s mo ç a s.
Ao s "p e q ue no s p ro fe ta s", c o mo o s c ha ma va m o s c ro nista s d a é p o c a ,
junta ra m-se a lg uns p e re g rino s a d ulto s e a lg uns jo ve ns p a d re s, ta lve z inc e ntiva d o s,
e m p a rte , p e la c o mp a ixã o p a ra c o m a q ue le s me nino s, e m p a rte , p e la e sp e ra nç a
d e re c e b e r a lg uns d o s d o na tivo s q ue c ho via m so b re o s ra p a ze s.
Estê vã o d ivid iu a ho rd a e m b a nd o s, c a d a um g uia d o p o r um c he fe q ue
le va va uma a urifla ma , o e sta nd a rte d o re i d a Fra nç a . No fina l, a C ruza d a p a rtiu
e m d ire ç ã o a Ma rse lha : o s p e q ue no s c a mp o ne se s ma rc ha va m a p é ; o s p e q ue no s
no b re s, a c a va lo , a o la d o d e se u p ro fe ta ; e Este vã o , so b re um c a rro d e c o ra d o ,
e nc im a d o p o r um b a ld a q uim p a ra p ro te g ê -lo d o so l. "Ning ué m se re sse ntiu d o fa to
d e q ue o insp ira d o p ro fe ta via ja va c o nfo rta ve lm e nte , m a s, a o c o ntrá rio , to d o s o
tra ta va m c o m o um sa nto e g ua rd a va m c huma ç o s d e se us c a b e lo s e p e d a ç o s d e
sua s ro up a s c o mo p re c io sa s re líq uia s." (Runc ima n, 1996, p . 807.)
Na q ue le a no , o ve rã o fo i á rid o , a se c a c a uso u e sc a sse z d e c o mid a e d e
á g ua , e via ja r a p é p e la s e stra d a s d a é p o c a nã o e ra fá c il. Muita s c ria nç a s
mo rre ra m p e la e stra d a , o utra s a b a nd o na ra m a C ruza d a e te nta ra m vo lta r p a ra
c a sa . Ma s, no fina l, o g ro sso d a e xp e d iç ã o c he g o u a Ma rse lha , o nd e o s me nino s
fo ra m a c o lhid o s c o rd ia lm e nte p e lo s ha b ita nte s. O s p e q ue no s c ruza d o s c o rre ra m
p a ra o p o rto p a ra ve r o ma r se a b rir, ma s c o mo o mila g re nã o a c o nte c ia , a lg uns
se re vo lta ra m c o ntra Estê vã o , a c usa nd o -o d e tê -lo s e ng a na d o , e fize ra m o
c a minho d e vo lta .
Muito s, no e nta nto , p e rma ne c e ra m à b e ira d o ma r, e sp e ra nd o o mila g re
p o r ma is a lg uns d ia s, a té q ue d o is me rc a d o re s ma rse lhe se s lhe s o fe re c e ra m uma
"c a ro na d e g ra ç a " no na vio p a ra a Pa le stina . Estê vã o a c e ito u d e b o m g ra d o e
to d o o c o nting e nte d e jo ve ns p a rtiu a b o rd o d e se te b a rc o s.
Só e m 1230 se re c e b e ria m no tíc ia s d e le s, d a d a s p o r um e x-me mb ro d a
e xp e d iç ã o q ue , p o r so rte , vo lta ra à Euro p a . Do is d o s se te na vio s a fund a ra m p o r
c a usa d e uma te mp e sta d e , e to d o s o s se us o c up a nte s mo rre ra m a fo g a d o s. O s
so b re vive nte s fo ra m e ntre g ue s a o s sa rra c e no s p e lo s me rc a d o re s d e Ma rse lha ,
p a ra se re m ve nd id o s c o mo e sc ra vo s. Em Ba g d á , 18 d e le s fo ra m ma rtiriza d o s p o r se
re c usa re m a a b ra ç a r o isla mismo . De a c o rd o c o m o s re la to s d o e x-me mb ro , no
mo me nto e m q ue e le p a rtira , d o s trinta mil c o mp o ne nte s d a e xp e d iç ã o q ue
sa íra m d e Ve nd ô me , só re sta va m a p ro xima d a me nte se te c e nto s.
A no tíc ia d o s se rmõ e s d e Este vã o lo g o se e sp a lho u p e la Euro p a ,
infla ma nd o a ima g ina ç ã o d e m uito s jo ve ns d a sua id a d e . Po uc a s se ma na s a p ó s
sua p a rtid a , na Ale ma nha , surg iu o utro p e q ue no p re g a d o r: c ha ma va -se Nic o la u e
p ro vinha d e um vila re jo à b e ira d o Re no . C o me ç o u sua o b ra no sa ntuá rio d o s Trê s
Re is Ma g o s, e m C o lô nia . Ele ta mb é m a nunc ia va q ue o s jo ve ns p o d ia m fa ze r
me lho r q ue o s a d ulto s e q ue o ma r se ria a b e rto na fre nte d e le s. Ma s, a o c o ntrá rio
d e Estê vã o , Nic o la u a nunc ia va q ue a s c ria nç a s nã o c o nq uista ria m a Te rra Sa nta
c o m a s a rma s, ma s c o m a c o nve rsã o d o s infié is.
Nic o la u, a uxilia d o p o r o utro s p e q ue no s p re g a d o re s se us d isc íp ulo s, re uniu
e m C o lô nia um ve rd a d e iro e p ró p rio e xé rc ito . O s me nino s a le mã e s d e via m se r um
p o uc o ma is ve lho s q ue se us c o le g a s fra nc e se s; e ntre e le s ta mb é m ha via ma is
mo ç a s e um c o nting e nte d e d e sc e nd e nte s d e no b re s ma is nume ro so . Ta m b é m
nã o fa lta va m va g a b und o s e p ro stituta s.
A e xp e d iç ã o se d ivid iu e m d o is g rup o s, q ue se d irig ia m p a ra a Itá lia
(o nd e o ma r d e ve ria se a b rir p a ra p e rmitir q ue c he g a sse m a p é à Te rra Sa nta ): um
p a ra o la d o d o Ma r Tirre no , o utro p a ra o Ad riá tic o . O p rime iro c o nting e nte , d e
vinte mil unid a d e s, g uia d o p e lo p ró p rio Nic o la u, a tra ve sso u a Suíç a e o s Alp e s,
so fre nd o p e rd a s c o nsid e rá ve is d ura nte o d ifíc il p e rc urso . Me no s d e um te rç o d o s
ra p a ze s sa íd o s d e C o lô nia c he g o u a G ê no va , e m 3 d e a g o sto . Lá , a s a uto rid a d e s
(q ue te mia m um c o mp lô a le mã o ) p e rmitira m q ue d e sc a nsa sse m a p e na s uma
no ite , ma s o fe re c e ra m a to d o s o s q ue q uise sse m a p o ssib ilid a d e d e se e sta b e le c e r
d e finitiva me nte na c id a d e .
O s c ruza d o s a le mã e s ta mb é m c o rre ra m p a ra a b e ira d o ma r no d ia
se g uinte , e sp e ra nd o q ue e le se a b risse , e ma is uma ve z ho uve muita d e silusã o
q ua nd o o mila g re nã o a c o nte c e u. Muita s c ria nç a s a c e ita ra m a o fe rta d a s
a uto rid a d e s g e no ve sa s, ma s Nic o la u e o g ro sso d o c o nting e nte c o ntinua ra m a
via g e m: se o ma r nã o se a b riu e m G ê no va , ta lve z p ud e sse fa zê -lo e m o utro lug a r.
Po uc o s d ia s d e p o is, c he g a ra m a Pisa , o nd e d o is na vio s a c a minho d a Pa le stina
c o nc o rd a ra m e m a c e ita r vá rio s ra p a ze s a b o rd o . Nunc a m a is se te ve no tíc ia s
d e le s.
C o ntud o , Nic o la u p e rma ne c e ra e m te rra , junto c o m se us ma is fié is
se g uid o re s, p o is a ind a e sp e ra va o mila g re . O s ra p a ze s q ue so b re vive ra m se
d irig ira m a Ro ma , o nd e fo ra m re c e b id o s p e lo p a p a Ino c ê nc io III. "Ele fic o u
c o mo vid o c o m a d e vo ç ã o d e le s, ma s c o nfuso c o m sua lo uc ura . C o m g e ntil
firme za , d isse q ue d e ve ria m vo lta r p a ra c a sa ; q ua nd o c re sc e sse m , p o d e ria m
c ump rir sua s p ro me ssa s e c o mb a te r p e la c ruz." (Runc ima n, 1996, p . 808.) Ao s
g a ro to s só re sto u p e g a r o c a minho d e vo lta . Muito s d e le s, e m e sp e c ia l a s mo ç a s,
c a nsa d o s c o m a s lo uc ura s d a via g e m , d e tive ra m-se na Itá lia . Ap e na s p o uc o s
d e b a nd a d o s vo lta ra m à Re nâ nia na p rima ve ra se g uinte , e nã o é c e rto q ue
Nic o la u e stive sse e ntre e le s. O p a i d o p e q ue no p ro fe ta , a c usa d o de te r
e nc o ra ja d o o filho e m sua o b ra va ng lo rio sa , fo i p re so p e lo s p a is d o s ra p a ze s
d e sa p a re c id o s e e nfo rc a d o .
Ne m o ra mo "a d riá tic o " d o s jo ve ns a le mã e s te ve so rte . C a nsa d o s d a
via g e m re a liza d a e m c o nd iç õ e s p re c á ria s, o s p e q ue no s c ruza d o s c he g a ra m a
Anc o na , o nd e e sp e ra ra m inutilme nte p e lo mila g re d a a b e rtura d o ma r. Entã o ,
c o ntinua ra m via g e m a té Brind isi. Lá , a lg uns e mb a rc a ra m e m na vio s q ue za rp a va m
p a ra a Pa le stina , ma s a ma io r p a rte re c uo u, b a te nd o e m re tira d a p a ra c a sa .
De sd e e ntã o , a p e na s um g rup o d e sa p a re c id o d e fa to vo lto u.
O utra s C ruza d a s
A Q uinta , a Se xta , a Sé tima e a O ita va C ruza d a s nã o tive ra m muita
im p o rtâ nc ia , se nã o p e lo núme ro d e mo rte s q ue c a usa ra m: o s c ruza d o s so fre ra m
o utra s d e rro ta s, a p e sa r d a a d e sã o d o s mo ng ó is c o ntra o s turc o s e o s á ra b e s.
O im p e ra d o r Fre d e ric o II c he g o u a e ntra r e m a c o rd o c o m o s turc o s se m
a o me no s luta r. O fa to é q ue , d e p o is d a Q ua rta C ruza d a , nã o ha via ma is q ua se
ning ué m no O c id e nte d isp o sto a p a rtic ip a r d e e xp e d iç õ e s d ista nte s e p e rig o sa s, e
p o r isso o s c ruza d o s e nfre nta va m d ific uld a d e s e nunc a c o nse g uia m a a jud a e o s
re fo rç o s re q ue rid o s.
No s sé c ulo s XII-XIII, na Euro p a , ve rific o u-se um no tá ve l a ume nto d a
p ro d uç ã o a g ríc o la . As té c nic a s d e c ultivo ha via m se a p e rfe iç o a d o , a s c id a d e s
ha via m se d e se nvo lvid o . O a ume nto d a s á re a s c ultiva d a s e d o p ro d uto d a s
c o lhe ita s fe z o s c a mp o ne se s p e rd e re m o inte re sse d e e mig ra r. O s me rc a d o re s se
c o nte nta ra m c o m o s re sulta d o s d a s p rim e ira s q ua tro C ruza d a s, q ue ha via m
a sse g ura d o a e limina ç ã o d a funç ã o me d ia d o ra e ntre le ste e o e ste e xe rc ita d a
p e lo Im p é rio Biza ntino . O s c a va le iro s, p o r sua ve z, tive ra m a p o ssib ilid a d e d e
ing re ssa r na s tro p a s me rc e ná ria s d a s mo na rq uia s na c io na is e uro p é ia s, c ujo p o d e r
só c re sc ia .3
Ma s nã o ho uve a p e na s C ruza d a s p e la re c o nq uista d e lug a re s sa g ra d o s
na Te rra Sa nta : ho uve C ruza d a s c o ntra o s he re g e s,4 C ruza d a s c o ntra re is e
imp e ra d o re s c a tó lic o s, e o utra s q ue se d irig ira m a o no rte e a o le ste d a Euro p a
(vid e se ç ã o so b re o s C a va le iro s Te utô nic o s).
As o rde ns c a va lhe ire sc a s

O s Te mp lá rio s
A o rd e m milita r re lig io sa d o Te mp lo (Pa up e re s C o mmilito ne s C hristi
Te mp liq ue Sa lo mo nis, Po b re s C a va le iro s d e C risto e d o Te mp lo d e Sa lo mã o ) fo i
fund a d a e m 1119, e m Je rusa lé m , p o r Hug o d e Pa ye ns, p a ra d e fe nd e r o s lug a re s
sa g ra d o s e p ro te g e r o s p e re g rino s. De 1128 e m d ia nte , fo i c ria d o um re g ula me nto
p ró p rio , insp ira d o e m Be rna rd o C hia ra va lle , fund a d o r d a O rd e m C iste rc ie nse . A
e strutura inte rna p re via uma c la sse d e c a va le iro s, uma d e e sc ud e iro s e uma d e
c a p e lã e s; no á p ic e , e sta va o g rã o -m e stre , a uxilia d o p o r a lg uns d ig nitá rio s. O
símb o lo d a o rd e m e ra a c ruz ve rme lha so b re fund o b ra nc o p a ra o s c a va le iro s, e
so b re fund o ma rro m p a ra o s e sc ud e iro s. O s Te m p lá rio s se d e sta c a ra m p o r se u va lo r
e p e lo s vá rio s e p isó d io s d e g ue rra c o ntra o s á ra b e s (Ba ta lha s d e Ac re , e m 1189;
G a za , e m 1244; a l-Ma nsura , e m 1250), e se u núme ro a ume nto u no ta ve lme nte no
O rie nte e no O c id e nte .
Enriq ue c e nd o , p o r c a usa d a s vá ria s d o a ç õ e s e se to rna nd o uma
p o d e ro sa fo rç a fina nc e ira , ind e p e nd e nte d o re ino c ruza d o d e Je rusa lé m , a o rd e m
a tra iu a ho stilid a d e d o s so b e ra no s. Fe lip e IV (o Be lo ) d a Fra nç a , e m e sp e c ia l, e m
1307, p e d iu a o p a p a C le me nte V a p ro ib iç ã o d a o rd e m , d a nd o iníc io a uma fe ro z
c a ç a a se us me mb ro s a tivo s na Fra nç a , muita s ve ze s to rtura d o s e c o nd e na d o s à
m o rte , c o m a s m a is va ria d a s e fa nta sio sa s a c usa ç õ e s: he re sia , b ruxa ria , so d o mia
(o la c re d o s Te m p lá rio s m o stra va d o is c a va le iro s, ma s um só c a va lo , o q ue , d e ntre
o utra s c o isa s, fo i utiliza d o p a ra a c usá -lo s d e so d o mia ). C o nta -se q ue d o is mil
Te mp lá rio s fo ra m p re so s e to rtura d o s, e c e nte na s fo ra m q ue ima d o s. Em 1312, c o m
a b ula Ad p ro vida m, o p a p a d e c re to u o fic ia lme nte a d isso luç ã o d a o rd e m e a
tra nsfe rê nc ia d e se us b e ns p a ra o s je ro so limita no s.
O s C a va le iro s Te utô nic o s
Esta o rd e m , na sc id a ta mb é m na Te rra Sa nta a p a rtir d e 1200, fo i utiliza d a
p e la Ig re ja C a tó lic a e p o r re is e imp e ra d o re s c ristã o s p a ra c o nq uista r no vo s
te rritó rio s no Bá ltic o e no s p a íse s e sla vo s, luta nd o c o ntra p o vo s p a g ã o s o u d e
re lig iã o o rto d o xa g re g a . O s Te utô nic o s e o s o utro s c ruza d o s d o no rte fo ra m
c o nq uista d o re s e d o mina d o re s im p ie d o so s, simila re s a se us c o le g a s na Te rra
Sa nta .5
C o mo re c o mp e nsa p e lo s se rviç o s p re sta d o s, a O rd e m Te utô nic a g a nho u
g ra nd e p a rte d o s te rritó rio s c o nq uista d o s e m fo rm a d e fe ud o . Em um se g und o
mo me nto , no e nta nto , e sse s te rritó rio s fo ra m milita rm e nte re d ime nsio na d o s p e lo re i
d a Po lô nia , e o s c a va le iro s tive ra m d e se c o nte nta r c o m a Prússia O rie nta l. Ele s
te nta ra m e ste nd e r se us d o mínio s a té a Rússia , m a s luta ra m c o ntra um inimig o
na tura l inve nc íve l (Na p o le ã o , Musso lini e Hitle r o c o nhe c e m b e m ). Le mb re mo s
uma b a ta lha e sp e c ia l d o s C a va le iro s Te utô nic o s:
A b a ta lha no g e lo (1242)
O no b re Ale xa nd r Ne vsky re unira um e xé rc ito d e c a mp o ne se s p a ra
d e fe nd e r a Rússia d a s inc ursõ e s d o s C a va le iro s Te utô nic o s... O b via me nte , e ste s
e sta va m c o nvic to s d a sup e rio rid a d e d a s a rma d ura s p e sa d a s q ue lhe s c o b ria m o
c o rp o e o s c a va lo s.
Na fre nte d e sse e xé rc ito d e g ue rre iro s p ro fissio na is, d e d ic a d o s à s o ra ç õ e s
e a o s sa q ue s, e sta va a ho rd a d e p o b re s ma lve stid o s e m sua p rim e ira p rima ve ra na
g é lid a Rússia . O p la no e ra simp le s. Aliá s, m uito sim p le s. O s russo s inic ia ra m a
b a ta lha na b o rd a d o la g o Pe ip us. O la g o e sta va c o ng e la d o , tud o e sta va c o b e rto
d e ne ve , e nã o se p o d ia p e rc e b e r o nd e te rmina va a te rra firme e o nd e
c o me ç a va o la g o . Q ua nd o o s C a va le iro s Te utô nic o s a ta c a ra m a s file ira s d o no b re
Ale xa nd r, o s russo s, a p ó s uma le ve re sistê nc ia , fug ira m a b a nd o na nd o a s a rma s.
O s c a va le iro s, to ma d o s d e e xc ita ç ã o , e sp o re a ra m se us c a va lo s e
c o rre ra m a trá s d o s so ld a d o s e m fug a . O s russo s o s a tra íra m p a ra c ima d o la g o ,
o nd e o g e lo e ra ma is fino . Em d a d o mo me nto , e le c o me ç o u a c e d e r c o m o p e so
d a c a va la ria te utô nic a , q ue mo rre u na á g ua g e la d a .
Fo ra m ne c e ssá rio s p o uc o s se g und o s p a ra q ue , d o e xé rc ito , só re sta sse m
a s p e g a d a s d o s c a va lo s na ne ve .
Fo i a última ve z q ue o s C a va le iro s Te utô nic o s a p a re c e ra m.6
As o rd e ns c a va lhe ire sc a s c o ntinua ra m a o b ra d e d e struiç ã o a ind a p o r
um b o m te mp o . Dura nte o c e rc o a Be lg ra d o , e m 1456, o ite nta mil muç ulma no s
fo ra m mo rto s. Na Po lô nia , no sé c ulo XV, o s mo ng e s g ue rre iro s sa q ue a ra m 1019
ig re ja s e 18 mil p o vo a d o s.
C APÍTULO 7

As he re sia s m e die va is

O s p o b re s irro mp e m na histó ria


C á ta ro s, p a ta re us, a lb ig e nse s, fra d e s, a p o stó lic o s, d ulc inista s, b e g uino s...
Ta nto s no me s, ta nta s fa c e ta s d e um g ra nd e fe nô me no . Um g ig a nte sc o
mo vime nto d e p e sso a s q ue re ivind ic a va m um a Ig re ja livre d a s ré d e a s d o p o d e r e
se c ho c a va m c o m a p re p o tê nc ia d o s no b re s. C o ntra e le s, a re sp o sta d o re i e d o s
p re la d o s se rá im p ie d o sa : to rtura s, e xe c uç õ e s e a té ve rd a d e ira s g ue rra s.
C o mo vimo s no s c a p ítulo s a nte rio re s, o s a no s e ntre o s sé c ulo s X e XI vira m
a e xtre ma d e c a d ê nc ia d o p a p a d o , a sub missã o d a s hie ra rq uia s e c le siá stic a s à
a uto rid a d e im p e ria l e uma c o rrup ç ã o g e ra l d a Ig re ja . A simo nia (p e c a d o q ue
c o nsiste na c o mp ra e ve nd a de a b so lviç õ e s, ind ulg ê nc ia s e b e ne fíc io s
e c le siá stic o s e e m se u uso p a ra e nriq ue c ime nto p e sso a l) e o c o nc ub ina to d o c le ro
fo ra m um g ra nd e p ro b le ma p a ra a Ig re ja , ta nto q ue , e m d a d o m o m e nto , um
c o nse lho d e c la ro u o s e c le siá stic o s sim o nía c o s (1075).
O utro e le me nto d e c o rrup ç ã o d a Ig re ja e ra a instituiç ã o d o s b isp o s-
c o nd e s. C o mo já fo i d ito a nte s, o Im p é rio Ro ma no d o O c id e nte (o u o q ue re sta va
d e le ) e vá rio s re ino s c ristã o s ha via m re p a rtid o se us p ró p rio s d o m ínio s e m fe ud o s
(ma rq ue sa d o s, c o nd a d o s, d uc a d o s e tc .), c o nfia d o s a o s va ssa lo s o u se nho re s
fe ud a is. Te o ric a me nte , o s va ssa lo s e ra m a p e na s func io ná rio s, q ue p o d ia m se r
e xo ne ra d o s d e sua s funç õ e s a q ua lq ue r mo me nto . C o m o te mp o , no e nta nto ,
p rinc ip a lm e nte o s se nho re s fe ud a is ma io re s te nd ia m a se c o nsid e ra r d o no s
a b so luto s d o te rritó rio a e le s d e sig na d o s e tinha m c o nq uista d o o d ire ito d e p a ssá -
lo s a o s filho s.
Os im p e ra d o re s re so lve ra m o p ro b le ma c o nfia nd o fe ud o s aos
e c le siá stic o s, q ue , fa ze nd o vo to d e c a stid a d e , nã o p o d ia m te r d e sc e nd e nte s
le g ítimo s. Ma s q ue m o rd e na va o s b isp o s? Ho je , a re sp o sta p a re c e ó b via : o s b isp o s
sã o no me a d o s p e lo p a p a o u uma a uto rid a d e e c le siá stic a . Mil a no s a trá s, a
q ue stã o nã o e ra tã o simp le s. Na Ale ma nha e no no rte d a Itá lia , o s b isp o s e ra m
inve stid o s p e lo imp e ra d o r, p o r c o stum e a ntig o . O b via me nte , e ste e sc o lhia o s
c o la b o ra d o re s ma is c a p a ze s e c o nfiá ve is. Nã o é ne c e ssá rio d ize r q ue o s b isp o s-
c o nd e s se c o mp o rta va m ma is c o mo a d ministra d o re s d e p a trimô nio s d o q ue c o mo
p a sto re s d e a lma s, e q ue e ra m ma is fié is a o im p e ra d o r d o q ue à Ig re ja .
No sé c ulo XI, c o me ç o u uma q ue d a -d e -b ra ç o e ntre o p a p a d o e o
Im p é rio , q ue e ntro u p a ra a histó ria c o m o no me d e "Luta p e la Inve stid ura " e q ue
d ura ria q ua se um sé c ulo , te rmina nd o a p e na s c o m a vitó ria d a Ig re ja d e Ro ma .
O c o ntra ste e ntre o s d o is p o te nta d o s se a c e nd e u ma is so b o p o ntific a d o
d e G re g ó rio VI (1073-1085), e le ito g ra ç a s ta mb é m à p re ssã o d e uma re vo lta
p o p ula r. Exp o e nte d o s mo vime nto s re fo rmista s, G re g ó rio im p ô s a d o utrina d a
a uto no mia e d a a uto rid a d e a b so luta s d o p a p a so b re to d a a Ig re ja e d a sub missã o
de to d o s o s c ristã o s, re is e ta mb é m imp e ra d o re s à a uto rid a d e e sp iritua l.
C o nse q üe nte me nte , nã o só o p o d e r d e c o nsa g ra r o s b isp o s e ra uma p re rro g a tiva
a b so luta d o p a p a , b e m c o mo o s b e ns te mp o ra is p o r e le s a d ministra d o s d e ve ria m ,
d e a lg um mo d o , p a ssa r p a ra a jurisd iç ã o d a Ig re ja d e Ro ma .
O im p e ra d o r He nriq ue IV, e m 1076, c o nvo c o u e m Wo rms um c o nc ilio d e
b isp o s a le mã e s, q ue d e c la ra ra m a d e stituiç ã o do p a p a . Este re sp o nd e u
e xc o mung a nd o o imp e ra d o r e ise nta nd o se us súd ito s d a o b rig a ç ã o d e fid e lid a d e .
O s p rínc ip e s a le mã e s lo g o a p ro ve ita ra m a o c a siã o p a ra se re b e la r, e o imp e ra d o r
fo i o b rig a d o a p e d ir o p e rd ã o p a p a l.
Em 1077, e nq ua nto se ho sp e d a va no c a ste lo d e C a no ssa , G re g ó rio VII
re c e b e u a visita d o im p e ra d o r, q ue te ve d e e sp e ra r p o r trê s d ia s d o la d o d e fo ra
d a s mura lha s, c o m ro up a s d e p e nite nte . O p a p a c o nc e d e u o p e rd ã o , ma s o a to
nã o p ô s fim à re b e liã o .
De rro ta d o p e la s tro p a s re b e ld e s e ma is uma ve z e xc o mung a d o ,
He nriq ue IV jo g o u c o m tud o q ue tinha . C o m o s so ld a d o s q ue lhe p e rma ne c e ra m
fié is, d e sc e u a té a Itá lia , o c up o u Ro ma milita rme nte (1084) e no me o u um
a ntip a p a , C le me nte III, q ue , p o r sua ve z, o c o ro o u im p e ra d o r.
Po uc o d e p o is, c he g a ra m a Ro ma a s tro p a s no rma nd a s, a lia d a s a o
p a p a , q ue e xp ulsa ra m a s imp e ria is, ma s c a usa ra m ta nta d e va sta ç ã o à c id a d e
q ue o s ro ma no s se re b e la ra m c o ntra o p ró p rio p o ntífic e , q ue mo rre u no e xílio no
a no se g uinte .
He nriq ue IV mo ve u se us e xé rc ito s ta mb é m c o ntra o p a p a Urb a no VIII
(1088-1099) e Pa sc o a l II, se nd o , e m a mb o s o s c a so s, d e tid o p o r uma re b e liã o : a
p rim e ira , so b lid e ra nç a d e se u p rim o g ê nito , C o nra d o ; a o utra , d e se u se g und o
filho , He nriq ue V.
Este , a o suc e d e r o p a i, d e sc e u à Itá lia e m 1110, o c up o u Ro ma , ma nd o u
p re nd e r o p a p a Pa sc o a l II (1099-1118), junto c o m o s c a rd e a is, e o o b rig o u a c o ro á -
lo im p e ra d o r.
A luta p e la inve stid ura só te rmino u c o m a c o nc ó rd ia d e Wo rms, d e 1122.
O im p e ra d o r re nunc ia va a o d ire ito d e no me a r o s b isp o s, ma s ma ntinha o d e
p re se nc ia r sua e le iç ã o e d e g a ra ntir-lhe s o s b e ne fíc io s fe ud a is. Era re c o nhe c id a
fo rma lme nte a sup re ma c ia e sp iritua l d o p o ntífic e , e nq ua nto , na p rá tic a , o
im p e ra d o r a ind a p o ssuía a mp lo p o d e r d e inte rve nç ã o na e sc o lha d o s b isp o s.
O s m o vim e nto s re fo rm ista s

Em re a ç ã o c o ntra a c o rrup ç ã o na Ig re ja , surg ira m d o is mo vime nto s


re fo rmista s d e o rig e m d ive rsa , um d o tip o mo ná stic o , o utro p o p ula r. O mo vime nto
mo ná stic o e ra o c lunia c e nse , c ujo no me p ro vé m d o m o ste iro fra nc ê s d e C luny,
fund a d o e m 910, q ue e nvo lve u a s o rd e ns re g ula re s d o s b e ne d itino s, d o s
c iste rc ie nse s, d o s c a rtusia no s, d o s c a má ld ulo s, a lé m d e b o a p a rte d o c le ro e
muito s le ig o s. O s c lunia c e nse s luta va m p e lo re na sc ime nto d a mo ra l d a Ig re ja e
p e la sua vo lta à q ua lid a d e d e g uia e sp iritua l. Ac re d ita va m q ue p o d e ria m o b te r o
re sulta d o d e se ja d o re fo rç a nd o a a uto no mia e a a uto rid a d e d o p a p a d o .
Alé m d e sse , ha via um mo vime nto p o lític o -re lig io so d e o rig e m p o p ula r
q ue luta va c o ntra o e xc e sso d e p o d e re s d o s fe ud a tá rio s e c le siá stic o s e p o r uma
Ig re ja ma is p ró xim a d o s p o b re s. Em Milã o , e le c rio u o fe nô me no d a "p a ta ria ", d o
q ua l fa la re mo s ma is a d ia nte . O te rm o "p o p ula r" nã o d e ve susc ita r ma l-e nte nd id o s:
na é p o c a , o "p o vo " e ra fo rma d o p e lo s me mb ro s d a s c la sse s q ue ho je p o d e mo s
c o nsid e ra r b urg ue sa s. Po d e mo s, p o rta nto , ima g ina r q ue nã o lhe s fa lta sse m
e le me nto s d o ta d o s d e inic ia tiva , c ultura e me io s e c o nô mic o s.
O inimig o c o mum d o s c lunia c e nse s e p a ta rino s e ra m o s b isp o s-c o nd e s,
ind e p e nd e nte s d e ma is e m re la ç ã o ao papa e d e p e nd e nte s d e ma is d o
imp e ra d o r. E fo i c o ntra e ste último a d ve rsá rio q ue se c rio u uma a lia nç a iné d ita . Em
Milã o , e xp o e nte s d o c le ro (d e ntre e le s o futuro p o ntífic e Ale xa nd re II) e ntra ra m na
p a ta ria . Em Flo re nç a , o s mo ng e s re fo rmista s instig a ra m uma re b e liã o c o ntra o
b isp o simo nía c o Pie tro Me zza b a rb a . "O s c id a d ã o s se tra nsfo rma ra m d e c o rd e iro s
e m fe ra s", o b se rva va , d e sc o nso la d o , o b isp o d e Alb a . Ma s o s mo ng e s re fo rmista s
nã o ig no ra va m o s "p la no s e le va d o s": muito s b rilha nte s me mb ro s d o mo vime nto se
p la nta ra m na c o rte p a p a l.
O so nho d o s c lunia c e nse s fo i c o ro a d o c o m a e le iç ã o d e um d e le s p a ra
p a p a : G re g ó rio VII (1073-1085). G re g ó rio , q ue fo ra e le ito g ra ç a s ta mb é m à p re ssã o
d o p o vo d e Ro ma , te o rizo u e te nto u c o lo c a r e m p rá tic a a a uto rid a d e a b so luta d o
p a p a no c o rp o d a Ig re ja , a lé m d a p rima zia d o p o d e r e sp iritua l so b re o te mp o ra l.
A p a ta ria e o s mo vime nto s a fins fo ra m um instrume nto útil p a ra sub tra ir o
p o d e r d o s b isp o s-c o nd e s e re fo rç a r a a uto rid a d e c e ntra l d a Ig re ja d e Ro ma . Ma s
a g o ra q ue o o b je tivo fo ra a lc a nç a d o , a "ra lé " nã o tinha ma is utilid a d e e d e via
vo lta r a o se u lug a r, p o r b e m o u p o r m a l. Ap ó s um p rim e iro m o m e nto d e
mo ra liza ç ã o e a p ro xima ç ã o , a Ig re ja se a fa sto u a ind a m a is d o s p o b re s, q ue , e m
te o ria , d e ve ria te r d e fe nd id o .
Em 1200, o p a p a já ha via se to rna d o um so b e ra no so b to d o s o s
a sp e c to s, ta lve z um d o s ma is p o d e ro so s so b e ra no s e uro p e us, q ue , c o mo to d o s o s
o utro s re g e nte s, tinha p re te nsõ e s te rrito ria is, firma va tra ta d o s, fa zia e d e sfa zia
a lia nç a s. Um so b e ra no q ue , c o m a s C ruza d a s, p o d ia ma nd a r e xé rc ito s p a ra a
g ue rra e influe nc ia r p e sa d a me nte o s re is e im p e ra d o re s c a tó lic o s c o m a a rma d a
e xc o munhã o (q ue na é p o c a inc luía , ta mb é m , a p e rd a d e to d o s o s d ire ito s).
O s b isp o s-c o nd e s, a ind a q ue no me a d o s e m Ro ma , c o ntinua va m a d e te r
na s p ró p ria s mã o s a p a sto ra l, símb o lo d o p o d e r e sp iritua l e o c e tro d o p o d e r
fe ud a l, e p o ssuía m e m sua s d e p e nd ê nc ia s e xé rc ito s, va ssa lo s e se rvo s d a g le b a .
O s c o nve nto s e ra m p ro p rie tá rio s d e ime nsa s riq ue za s e la tifúnd io s, q ue g e ria m c o m
a mp la a uto no mia c o m re la ç ã o a o p o d e r e sta ta l, ve rd a d e iro s Esta d o s d e ntro d o s
Esta d o s (a lg uma s o rd e ns, c o mo a d o s C a va le iro s d e Ma lta , g o za m a ind a ho je d a
e xtra te rrito ria lid a d e e m se us p a lá c io s). Nã o e ra inc o mum q ue a lto s e c le siá stic o s
a ssumisse m funç õ e s d e d e sta q ue na s d e p e nd ê nc ia s d o s vá rio s so b e ra no s
e uro p e us.
Tud o isso só p ro vo c a va uma c re sc e nte c o rrup ç ã o d o c le ro , c a d a ve z
ma is o c up a d o c o m a g e stã o d o s p ró p rio s b e ns te mp o ra is e se mp re me no s a te nto
à p ró p ria missã o d e g uia e sp iritua l, to rna nd o a c a rre ira e c le siá stic a a tra e nte p a ra
a s p e sso a s e rra d a s e p e lo s mo tivo s e rra d o s. A situa ç ã o nã o e ra me lho r no c le ro
me no r, fo rma d o nã o ra ro p o r p e sso a s rud e s, ig no ra nte s e c o rrup ta s, à s ve ze s a té
a na lfa b e ta s e c e rta me nte me no s e lo q üe nte s e me no s fié is à s Esc ritura s d o q ue
muito s p re g a d o re s "he re g e s".1
Ap e na s p a ra e nte nd e r q ua l e ra o fe rme nto d a é p o c a c o ntra o c le ro , e is
o q ue e sc re ve Pie rre C a rd e na l, p o e ta d o sé c ulo XIII, so b re o s e c le siá stic o s.

Sua p o b re za nã o e ra d e e sp írito :
g ua rd a m o q ue é se u e p e g a m o q ue é me u.
Pa ra túnic a s, usa m te c id o s d e lã ing le sa ,
d e ixa m o c ilíc io muito á sp e ro .
E nã o divide m sua s ve ste s
c o mo fa zia Sã o Ma rtinho .
Ma s a s e smo la s c o m a s q ua is se ma nté m
a g e nte p o b re , q ue re m to da s p a ra e le s.
C o m ro up a s le ve s e la rg a s, c o m a c a p a p a ssa d a ,
fina no ve rã o , g ro ssa no inve rno ,
c o m sa p a to s d e lic a d o s — d e so la s fra nc e sa s
q ua nd o fa z frio — d e c o uro ma rse lhê s,
se mp re a ma rra d o s c o m ma e stria —
p o is ma l-a ma rra do é imp e rdo á ve l —
vã o p re g a nd o , c o m se u sutil sa b e r,
q ue p a ra se rvir a De us d e ve mo s da r o c o ra ç ã o e o s b e ns.
Se fo sse ma rido , e u te ria me do
se um ho me m se m me ia s se se nta sse p ró ximo à minha mulhe r...2
As C ruza d a s, q ue na é p o c a já p ro vo c a va m o ho rro r d e muito s c re nte s,
a fe ta ra m a c rista nd a d e c o m o utro ve ne no p o d e ro so : o c o nc e ito d e G ue rra Sa nta ,
a id é ia d e q ue ma ta r um infie l e ra nã o só um a to líc ito , c o mo ta mb é m
a b e nç o a d o p o r De us. Q ua lq ue r um q ue p re g a sse o re to rno a uma Ig re ja ma is
simp le s, ma is p o b re , nã o c o mp ro me tid a c o m o p o d e r, c o rria o risc o d e se ve r,
a p e sa r d e tud o , d e c la ra d o he re g e e inimig o d a Ig re ja .
Po r to d o s e sse s mo tivo s, uma ma ssa c re sc e nte d e p e sso a s se a fa sto u d a
instituiç ã o e c le siá stic a p a ra se a p ro xima r d o s mo vime nto s he ré tic o s, c ujo s líd e re s
e ra m o s p rime iro s a c o lo c a r e m p rá tic a o s p re c e ito s d a p o b re za e d a c a rid a d e
q ue p re g a va m. As he re sia s me d ie va is, e m muito s c a so s, e ra m ve rd a d e iro s
mo vime nto s p o p ula re s q ue unia m , a o s se rmõ e s re lig io so s, a p rá tic a d e um e stilo d e
vid a so lid á rio e ig ua litá rio .
Em a lg uns c a so s, o s he re g e s p ro fe ssa va m e fe tiva me nte uma d o utrina
d ife re nte d a "o fic ia l", ma s, e m o utro s, a a c usa ç ã o d e he re sia tinha a p e na s
fina lid a d e s p o lític a s, c o mo no c o nhe c id o c a so d e Jo a na d 'Arc .
O s "p o b re s" he re g e s e o s c a tó lic o s
"O q ue inic ia lm e nte d isting uia Sã o Fra nc isc o d e Pie rre Va ld o ? Amb o s
q ue ria m se d e sfa ze r d o s p ró p rio s b e ns e d e vo lve r à Ig re ja sua simp lic id a d e
p rimitiva , ma s um é ve ne ra d o e m to d a s a s ig re ja s d o mund o c a tó lic o , e nq ua nto o
o utro fo i ta c ha d o d e he re g e ."3
Ta lve z o p o ntific a d o d e Ino c ê nc io III (1198-1216) te nha ma rc a d o o á p ic e
d o p o d e r p o lític o d o p a p a d o na Euro p a . Um p a p a d o q ue , no e nta nto , p re c iso u
e nfre nta r uma g ra ve a me a ç a : o s p re g a d o re s c á ta ro s e va ld e nse s q ue o b tinha m
um suc e sso c re sc e nte . O s c á ta ro s (a p o ia d o s p e lo s no b re s lo c a is) c he g a ra m a
c ria r, no sul d a Fra nç a , uma Ig re ja a lte rna tiva , q ue c o rria o risc o d e sup e ra r a
o fic ia l. Pa ra c o nte r o p e rig o , Ino c ê nc io III a tuo u e m d ua s fre nte s: p rim e iro a c o lhe u
na Ig re ja mo vime nto s c o mo o d o s fra nc isc a no s, q ue c ria ra m sua p ró p ria re g ra d e
p o b re za , d e sd e q ue se sub me te sse m à a uto rid a d e d o p o ntífic e ; c rio u uma
c o ng re g a ç ã o d e "p o b re s c a tó lic o s" riva l à d o s va ld e nse s. "Uma d a s ma io re s
instituiç õ e s d e Ino c ê nc io III fo i a c o mp re e nsã o d e q ue a c a p a c id a d e d e c o nse g uir
a d e p to s junto a o s c á ta ro s e ra e xa ta me nte a vid a humild e , e sc o nd id a , p o b re .
Q ua nd o o p a p a se viu d ia nte d o s fe nô me no s fra nc isc a no e d o minic a no , intuiu
q ue o c a minho d a p o b re za p o d ia 'sa lva r a Ig re ja ', e nq ua nto tinha ta mb é m o
p o d e r d e d e struí-la . Se o p o d e r e c le siá stic o e ra a c usa d o d e nã o a b ra ç a r ma is o
ma nd a me nto d a p o b re za d e C risto [...] o a p a re c im e nto d e ho me ns fié is à s
instituiç õ e s e c a p a ze s d e re to ma r a g e nuinid a d e d a s o rig e ns p o d ia lhe d e vo lve r a
c re d ib ilid a d e ." (Be na zzi D'Amic o , 1998, p . 33.)
Ao me smo te mp o , e le p uniu imp ie d o sa me nte a s he re sia s, e nc o ra jo u
Do ming o s d e G usm ã o (o futuro Sã o Do ming o s) a p re g a r c o ntra e la s no sul d a
Fra nç a e o rd e no u q ue o s b isp o s p ro c ura sse m o s he re g e s e o s re c o nd uzisse m a o
se io d a Ig re ja o u o s p unisse m d e fo rma e xe mp la r. Ino c ê nc io III fo i o p ro mo to r d a
fa mo sa C ruza d a c o ntra o s c á ta ro s.
C o m o p a ssa r d o te mp o , o s vé rtic e s d a Ig re ja a c a b a ra m c o nsid e ra nd o
p e rig o so o p ró p rio c o nc e ito d e "p o b re za e va ng é lic a ". Se Ino c ê nc io III e Ho nó rio III
re c o nhe c e ra m a s Re g ra s d a s O rd e ns me nd ic a nte s (fra nc isc a no s e d o minic a no s),
um sé c ulo d e p o is, Jo ã o XXII d e c re to u he ré tic a a a firma ç ã o d e q ue "C risto e se us
a p ó sto lo s na d a p o ssuía m".4
As c ida de s- Esta do

De ntre a s mud a nç a s a nunc ia d a s d a no va é p o c a , há uma q ue c o m


c e rte za nã o é me no s im p o rta nte : um c re sc e nte núme ro d e c a mp o ne se s d e ixa va
a c o nd iç ã o d e se rvo s d a g le b a e inc re me nta va a p o p ula ç ã o e a d isp o nib ilid a d e
d e mã o -d e -o b ra d a s c id a d e s, o nd e se a firm a va um a no va c la sse d e me rc a d o re s,
a rte sã o s, p ro fissio na is. Este s g rup o s, a lia d o s a a lg uns e xp o e nte s d a p e q ue na
no b re za , d a ria m vid a , p o r vo lta d o fina l d o sé c ulo XI, a uma no va c iviliza ç ã o , a d a s
c id a d e s-Esta d o .
As c id a d e s-Esta d o e ra m ve rd a d e ira s re p úb lic a s a utô no ma s q ue , a o s
p o uc o s, se lib e rta va m d o d o mínio d o s fe ud a tá rio s, le ig o s o u e c le siá stic o s, e
imp unha m um o rd e na me nto q ue p o d e mo s d e finir c o mo d e mo c rá tic o (a ind a q ue
o s e xp o e nte s d a s c la sse s ma is humild e s e a s mulhe re s fo sse m e xc luíd o s d a vid a
p o lític a ). So fre nd o c o m a ing e rê nc ia e a s p re te nsõ e s imp e ria is, lo g o surg ira m
c id a d e s-Esta d o no s te rritó rio s p a p a is. A c id a d e -Esta d o d e Ro ma , q ue na sc e u e m
1145, c he g o u a e xp ulsa r o p o ntífic e d e se us d o mínio s. O d e sc o nte nta me nto
p o p ula r se d e via a o c a nsa ç o d e c o rre nte d a s c o ntínua s g ue rra s re a liza d a s p e lo
Esta d o p o ntifíc io e p e la o p re ssã o d a s c la sse s no b iliá ria s.
A re vo luç ã o d a s c id a d e s-Esta d o nã o fo i a p e na s p o lític a e so c ia l, ma s
ta mb é m c ultura l. Se no s sé c ulo s a nte rio re s a tra nsmissã o d a c ultura fo i mo no p ó lio
d o c le ro , a no va é p o c a viu o na sc ime nto d a s unive rsid a d e s, a sso c ia ç õ e s
a utô no ma s na sc id a s p o r inic ia tiva d o s p ró p rio s e stud a nte s e p ro fe sso re s (só d e p o is
a Ig re ja to ma ria o c o ntro le d e ssa s no va s instituiç õ e s, a tra vé s d a infiltra ç ã o e m
ma ssa d e d o c e nte s d o minic a no s e fra nc isc a no s).
Na s c id a d e s na sc ia , e m núme ro c a d a ve z m a io r, um no vo g rup o
inte le c tua l d e func io ná rio s e p ro fissio na is d e fo rma ç ã o "le ig a ". No s a to s p úb lic o s e
c o me rc ia is, ma s ta mb é m na p ro d uç ã o a rtístic a , o "vulg a r" (o u se ja , a líng ua d o
p o vo ) e ra c a d a ve z ma is d ifund id o , e m d e trime nto d o la tim (líng ua e sc rita d o s
d o uto s, d o c le ro e d o s jurista s).
A ind e p e nd ê nc ia p o lític a , e c o nô mic a e c ultura l d a s c id a d e s-Esta d o
p e rmitiu ta m b é m um g ra nd e g ra u d e to le râ nc ia p a ra c o m o s m o vim e nto s e
p re g a d o re s he re g e s (d e sd e q ue nã o c o nte sta sse m o p o d e r d a s no va s c la sse s
d irig e nte s) e uma ma io r lib e rd a d e d e p e nsa me nto e d e e xp re ssã o . E no mo me nto
e m q ue a ing e rê nc ia p a p a l e ra vista c o mo um p e rig o , a lg uma s a d o ta ra m sé ria s
re striç õ e s c o ntra a Ig re ja , c he g a nd o me sm o a p ro ib ir q ue se us c id a d ã o s tive sse m
re la ç õ e s c o m o b isp o .
O he re g e Arna ld o d e Bré sc ia p re g o u se r inc o mo d a d o na c id a d e -e sta d o
d e Ro ma . O p a p a Ho nó rio III (1216-1227) d e finira Bre sc ia c o mo "a se d e d a he re sia ",
e Milã o e ra "um fo sso c he io d e he re g e s". A c id a d e d e G ê no va fo i c o nd e na d a p e lo
b isp o d e To ulo use p o r se re c usa r a intro d uzir no p ró p rio o rd e na m e nto le is c o ntra o s
he re g e s.
Um pa no ra m a da s he re sia s m e die va is

Ap re se nta re mo s, a se g uir, um a lista d e a lg uns d o s m a is sig nific a tivo s


p e rso na g e ns e mo vime nto s he re g e s d a Id a d e Mé d ia . A lista nã o p re te nd e se r
c o mp le ta , ma s p e rmite re c o nstruir, g ra ç a s ta mb é m à b ib lio g ra fia e sp e c ia liza d a e
a o s e xe mp lo s re tra ta d o s no a p ê nd ic e , o c lima g e ra l d a é p o c a .
"O u b e ije a c ruz, o u se jo g ue no fo g o ": o s he re g e s d e Mo nfo rte
O s he re g e s d e Mo nfo rte , p a ra a Ig re ja , e ra m c ulp a d o s d e g ra ve s c rime s:
p ra tic a va m a c a stid a d e , suje ita va m-se a o je jum e e ra m ve g e ta ria no s. Ma s a c o isa
ma is e sc a nd a lo sa e ra q ue se us b e ns e ra m c o muns a to d o s. C e nte na s d e le s fo ra m
q ue ima d o s.
Po r vo lta d e 1028 (a d a ta nã o é p re c isa ), o a rc e b isp o e fe ud a tá rio d e
Milã o , Arib e rto , visito u a d io c e se d e Turim, q ue na é p o c a e ra d e p e nd ê nc ia sua . Lá ,
so ub e d o surg ime nto d e um mo vime nto he ré tic o no c a ste lo d e Mo nfo rte , na
d io c e se d e Asti. Pre o c up a d o , c ha mo u um ho me m d a c o munid a d e p a ra te r
info rm a ç õ e s a re sp e ito d e sua s a tivid a d e s. Ap re se nto u-se , e ntã o , um ta l G e ra rd o ,
q ue ilustro u a vid a d a c o munid a d e : e le s d a va m g ra nd e va lo r à c a stid a d e , ha via
p e sso a s c a sa d a s q ue fa zia m vo to d e virg ind a d e p e rp é tua ; nunc a se a lim e nta va m
d e c a rne e re a liza va m ip ium c o ntinua me nte . O s ma io re s se re ve za va m na s re za s
d ura nte o d ia "p a ra q ue nunc a ho uve sse um insta nte se m o ra ç õ e s".5 Fina lm e nte ,
se us b e ns e ra m to d o s c o munitá rio s.6
As d e c la ra ç õ e s d e G e ra rd o so b re a Trind a d e e ra m he te ro d o xa s, ma s o
q ue c ha mo u a a te nç ã o d o a rc e b isp o fo i q ue , a o se r p e rg unta d o so b re a fé na
Ig re ja d e Ro ma , G e ra rd o re sp o nd e u q ue e le s nã o a c re d ita va m no b isp o d e Ro ma ,
ma s e m se u p ró p rio p o ntífic e , "q ue to d o s o s d ia s visita o s irm ã o s e sp a lha d o s p e lo
mund o ".7 No fina l d o inte rro g a tó rio , o a rc e b isp o ma nd o u se us so ld a d o s a o c a ste lo
d e Mo nfo rte c o m a o rd e m d e p re nd e r to d a s a s p e sso a s q ue a li e nc o ntra sse m.
De ntre o s p risio ne iro s, e sta va a c o nd e ssa Be rta , se nho ra do c a ste lo , q ue
d e mo nstra ra simp a tia p e lo mo vime nto .
O s he re g e s d e Mo nfo rte fo ra m le va d o s a Milã o , o nd e o a rc e b isp o
p re te nd ia vig iá -lo s d e p e rto e te nta r, c o m c a lma , fa zê -lo s c a ir e m si. Ma s o tiro sa iu
p e la c ula tra : o s inte g ra nte s c o me ç a ra m a p re g a r ta mb é m e m Milã o , e a c a d a d ia
a tra ía m multid õ e s d e p e sso a s d a c id a d e e d o s c a mp o s p ró xim o s.
O s no b re s lo c a is, e ntã o , d e c id ira m re c o rre r à fo rç a . Em uma g ra nd e
p ra ç a , fo ra m insta la d a s uma c ruz e uma fo g ue ira , e to d o s o s he re g e s d e Mo nfo rte
tive ra m d e e sc o lhe r: o u a b ra ç a r o s p é s d a c ruz e vo lta r à Ig re ja C a tó lic a , o u se
jo g a r no fo g o . Alg uns a b ra ç a ra m a c ruz e a b jura ra m, ma s a ma io ria (a lg uma s
c e nte na s) c o b riu o ro sto c o m a s mã o s e se jo g o u no fo g o . Até p o uc o s a no s a trá s,
a p ra ç a o nd e a e xe c uç ã o fo i re a liza d a se c ha ma va Pia zza Mo nfo rte .
De a c o rd o c o m o s c ro nista s d a é p o c a , a d e c isã o d e ma ta r o s he re g e s
fo i to m a d a p o r le ig o s no tá ve is d a c id a d e (fe ud a tá rio s d o s c a m p o s mila ne se s e
a d ministra d o re s d o s b e ns d a Ig re ja ), imp o nd o -se a o p ró p rio a rc e b isp o , q ue te ria
p re fe rid o c o ntinua r a o b ra d e p e rsua sã o e c o nve rsã o . O q ue a ssusta va o s
se nho re s lo c a is nã o e ra ta nto a he re sia d o utriná ria , ma s a me nsa g e m d e
ig ua ld a d e q ue o s "mo nfo rte nse s" p re g a va m.
É p ro vá ve l q ue a q ue la te nha sid o uma d a s p rime ira s c o munid a d e s
c á ta ra s, um mo vime nto he re g e q ue , no s d o is sé c ulo s se g uinte s, a ting iu p ro p o rç õ e s
g ig a nte sc a s e a m e a ç o u, e m vá ria s re g iõ e s d a Euro p a , a p ró p ria he g e m o nia d a
Ig re ja d e Ro ma .
O s pa ta rino s

A p a ta ria fo i um mo vime nto so c ia l e re lig io so q ue se d e se nvo lve u e m


Milã o p o r vo lta d o iníc io d o sé c ulo XI. O s p a ta rino s luta va m c o ntra o s d e sma nd o s
d o a rc e b isp o G uid o , se nho r d e Milã o e no me a d o p e lo im p e ra d o r, e d e se us
va ssa lo s e c o ntra um c le ro p ro fund a m e nte c o rrup to (e m Milã o , p o r e xe mp lo ,
e xistia um ve rd a d e iro ta rifá rio d a s p re sta ç õ e s e c le siá stic a s). O no me "p a ta ria " se
d e ve a o me rc a d o mila nê s d e te c id o s, e o s se g uid o re s d o mo vime nto fo ra m
p e jo ra tiva me nte c ha ma d o s d e "p a ta rino s" o u "e sfa rra p a d o s".
O líd e r d a re vo lta fo i o d iá c o no Aria ld o , a o la d o d e um p a d re , Anse lmo
d e Ba g g io (o futuro p a p a Ale xa nd re II, 1061 -1073), e d e um c lé rig o , La nd o lfo .
Aria ld o e La nd o lfo , e xc o mung a d o s p e lo a rc e b isp o p a ra nã o se a p re se nta re m
d ia nte d e um c o nc ilio c o nvo c a d o p e lo p ró p rio G uid o , re c o rre ra m a o p a p a ,
a me a ç a nd o c he g a r, se ne c e ssá rio , a um c ism a d a Ig re ja mila ne sa . Ro m a inte rve io
a fa vo r d o s p a ta rino s e , e m 1066, e xc o mung o u o a rc e b isp o G uid o .
G uid o , q ue c o nta va c o m a p o io d o imp e ra d o r, re je ito u a e xc o m unhã o e
a c uso u o s p a ta rino s d e q ue re r a a uto no mia d a Ig re ja mila ne sa , suje ita nd o -a à
ro ma na . Ec lo d ira m tumulto s e e mb a te s e ntre o s a d e p to s d a s d ua s fa c ç õ e s.
Aria ld o , o b rig a d o a fug ir d e Milã o , fo i c a p tura d o e mo rto p e lo s ma ta d o re s d o s
no b re s fe ud a is.
Erle mb a ld o , irmã o de La nd o lfo , a ssumiu, a ssim , a lid e ra nç a do
mo vime nto , e xp ulsa nd o G uid o d a c id a d e e se ving a nd o furio sa me nte e m se us
se g uid o re s. G uid o , c o nsid e ra d o o ma nd a nte d o ho mic íd io d e Aria ld o , fo i o b rig a d o
a se e xo ne ra r e m 1067.
O c o nflito se re a c e nd e u q ua nd o o imp e ra d o r He nriq ue IV d a Ale ma nha ,
a ta c o u o sub d iá c o no G o d o fre d o , d o a rc e b isp a d o .
Em 1072, o s p a ta rino s e le g e ra m um b isp o a lte rna tivo , o c lé rig o Antã o . O
p a p a Ale xa nd re II (d e o rig e m p a ta rina ) c o nfirmo u a no me a ç ã o , e o mo vime nto
c o nse g uiu im p e d ir a e ntra d a d o b isp o im p e ria l na c id a d e . O p a p a G re g ó rio VII,
q ue suc e d e u Ale xa nd re II e m 1072, c o nse g uiu e ntra r e m a c o rd o c o m He nriq ue
p a ra d a r uma so luç ã o p a c ífic a à q ue stã o . Ma s um inc ê nd io d e sa stro so q ue
a c o nte c e u e m Milã o na q ue le a no , e q ue fo i a trib uíd o a o s p a ta rino s, fe z e c lo d ire m
no vo s tumulto s, no s q ua is fo i mo rto Erle mb a ld o , ma rc a nd o , a ssim , o d e c línio d o
mo vime nto .
Ma rg ina liza d a so b o p o nto de vista p o lític o -so c ia l, a p a ta ria fo i
d e rro ta d a ta mb é m no â mb ito d o utriná rio . Se o s p a ta rino s a firma va m q ue
sa c ra me nto s d a d o s p o r sa c e rd o te s ind ig no s nã o e ra m vá lid o s, a Ig re ja d e Ro ma
a d o to u o fic ia lm e nte uma p o siç ã o c o nc ilia tó ria : c o nfirmo u a c o nd e na ç ã o d o s
c o mp o rta me nto s simo nía c o s, ma s a d mitiu a va lid a d e d o s sa c ra me nto s, a ind a q ue
c e le b ra d o s p o r o fic ia nte s c o rrup to s.
Um sé c ulo d e p o is, o s c á ta ro s ta mb é m a c a b a ra m p o r re c e b e r a
d e no mina ç ã o p e jo ra tiva d e "p a ta rino s", q ue se to rno u, p a ra to d o s o s e fe ito s,
sinô nimo d e "he re g e s"
O s pe tro b rusia no s

O no me ve m d e Pe d ro d e Bruys, p re g a d o r d o iníc io d o sé c ulo XII, q ue


re je ita va o b a tism o d e c ria nç a s (o s a d e p to s d e se u mo vime nto e ra m re b a tiza d o s
q ua nd o a d ulto s), a e uc a ristia e a s liturg ia s c o mo a missa e a o ra ç ã o p a ra o s
d e funto s. Alé m d isso , o p unha -se fo rte me nte à a d o ra ç ã o d a c ruz: p a ra e le , a p a rtir
d o mo me nto e m q ue e la fo i instrume nto d a mo rte d e Je sus, o s c ristã o s d e ve ria m
o d iá -la , e m ve z d e ve ne rá -la .8 Ele e se us se g uid o re s fo ra m a c usa d o s d e p ro fa na r
ig re ja s e q ue ima r c ruze s. Mo rre u q ue ima d o vivo p o r vo lta d e 1135.
Ta nq ue lm o e Arna ldo de Bré sc ia

O ho la nd ê s Ta nq ue lmo a firma va q ue a a uto rid a d e d o p a p a nã o e ra


a b so luta e q ue o s sa c ra me nto s nã o e ra m vá lid o s se c e le b ra d o s p o r c lé rig o s
c o rrup to s. Fo i a c usa d o (ma s p ro va ve lme nte e ra c a lúnia ) d e p ro p a g a r o a mo r livre .
Fo i p re so p e lo a rc e b isp o d e C o lô nia e mo rto e m 1115, d ura nte uma te nta tiva d e
fug a .9
Arna ld o d e Bré sc ia , sa c e rd o te d e vid a e xe mp la r, a firma va q ue ne nhum
me mb ro d o c le ro d e ve ria p o ssuir b e ns o u e xe rc ita r p o d e r te mp o ra l. Ele ta mb é m
e ra c o ntrá rio a o b a tismo d e c ria nç a s e d e c la ra va invá lid o s o s sa c ra me nto s
c e le b ra d o s p o r sa c e rd o te s ind ig no s.
Po r c a usa d e sua s id é ia s, fo i b a nid o vá ria s ve ze s e p re c iso u va g a r p e la
Euro p a . Em 1145, c he g o u a Ro ma e , g ra ç a s a se u c a risma e e lo q üê nc ia , to rno u-se
um d o s c o nse lhe iro s p o lític o s e e sp iritua is d a c id a d e -Esta d o d e Ro ma , so rte a d o
a lg uns a no s a nte s p a ra a funç ã o d e a ntip a p a . De a c o rd o c o m um c ro nista d a
é p o c a , Arna ld o "c ritic a va a b e rta me nte o s c a rd e a is, d ize nd o q ue sua s a sse mb lé ia s
[...] nã o e ra m a Ig re ja d e De us, ma s um me rc a d o e uma e sp e lunc a d e la d rõ e s [...]
Ne m o p a p a e ra o q ue d izia se r, ho me m a p o stó lic o e p a sto r d e a lm a s, m a s um
ho me m sa ng uiná rio c uja a uto rid a d e tinha p o r b a se inc ê nd io s e ho mic íd io s,
to rtura d o r d a s ig re ja s, p e rse g uid o r d a ino c ê nc ia , q ue no mund o só se rvia p a ra
e nve rg o nha r a s p e sso a s, e nc he nd o o p ró p rio c o fre e e sva zia nd o o s d o s o utro s"
(Me rlo , 1989, p . 35).
Sua p o p ula rid a d e lhe p e rmitiu a tua r p o r a no s e m Ro ma se m se r
p e rturb a d o , a té q ue , e m 1155, o p a p a Ad ria no IV c o nse g uiu ma nd á -lo a o e xílio
c o m a a me a ç a d e p ub lic a r um "inte rd ito " c o ntra a c id a d e , um a e sp é c ie d e
"e mb a rg o re lig io so " q ue susp e nd ia a s a tivid a d e s e c le siá stic a s so b re se u te rritó rio . O
inte rd ito a me a ç a va tira r d a c id a d e o luc ra tivo me rc a d o d e p e re g rino s.
Enq ua nto fug ia d e Ro ma , Arna ld o fo i c a p tura d o p e la s tro p a s d e
Fre d e ric o Ba rb a -Ruiva , q ue o e ntre g o u a o p a p a . Fo i e nfo rc a d o , e , p o r me d o d e
q ue surg isse um c ulto p o p ula r e m to rno d e se us re sto s mo rta is, se u c o rp o fo i
c re ma d o , e a s c inza s, jo g a d a s no Tib re . Se us se g uid o re s, o s a rna ld ista s,
c o ntinua ra m , no e nta nto , a a rre b a nha r a d e p to s p o r a no s, a té se junta re m a o s
va ld e nse s.
O s c á ta ro s

Emb o ra c o nhe c id o s p o r vá rio s no me s — a lb ig e nse s, p a ta rino s,


c o nc o rre nzzia no s10 —, p re fe ria m se r c ha ma d o s d e "c á ta ro s", o s "p uro s", d o g re g o
ka tha ro s. Era m a sc e ta s e p a c ifista s, e se us sa c e rd o te s nã o p o ssuía m riq ue za s. O s
c á ta ro s tinha m uma c o nc e p ç ã o d ua lista d o mund o , he rd a d a d o s b o g o milo s:11 o
e sp írito é o b e m e a ma té ria é o ma l. Re je ita va m a d o utrina d a e nc a rna ç ã o (já
q ue a ma té ria é má , De us nã o p o d ia se r Je sus e nc a rna d o ), o ma trimô nio , a
p ro c ria ç ã o , e o b se rva va m lo ng o s e rig o ro so s je juns. Pra tic a va m uma e sp é c ie d e
b a tismo e sp iritua l c o m a imp o siç ã o d a s mã o s. Tinha m um "c le ro " p ró p rio fo rma d o
p o r "ma io re s" (b isp o s), p re sb íte ro s (p a d re s) e d iá c o no s. Alé m d isso , d isting uia m
e ntre "p e rfe ito s" (o s p le na me nte a d e p to s à se ita , c o m to d a s a s o b rig a ç õ e s
vinc ula d a s) e "c re nte s" (uma e sp é c ie d e "simp a tiza nte s" a q ue m o s c á ta ro s
p e rmitia m a a d e sã o fo rma l a o s rito s d a Ig re ja C a tó lic a ).
A he re sia c á ta ra e ra muito d ifund id a na Fra nç a me rid io na l, a p o nto d e
q ua se p re va le c e r so b re o c a to lic ismo . Vá ria s c o munid a d e s e sta va m p re se nte s
ta mb é m na Itá lia e na Esp a nha se te ntrio na l, no s te rritó rio s e sla vo s e em
C o nsta ntino p la . O s c á ta ro s (c o mo o s p rim e iro s c ristã o s) e sta va m p re se nte s
so b re tud o no s c e ntro s urb a no s. A p o p ula ç ã o e ra c o nq uista d a p o r se u a sc e tism o e
mo ra lid a d e , muito ma io r d o q ue a d o c le ro o rto d o xo . Ac e ita va m a p e na s uma
p a rte d a s Sa g ra d a s Esc ritura s e c o nsid e ra va m a Ig re ja d e Ro ma uma c ria tura d o
d e mô nio . Assim, e m 1167, fund a ra m uma ve rd a d e ira Ig re ja a lte rna tiva , c o m um
c o nc ilio inte rna c io na l num e ro so no sul d a Fra nç a .12 O s c á ta ro s g o za va m d o a p o io
d o s no b re s p ro ve nç a is, q ue so nha va m e m se a p o d e ra r d o s b e ns d a Ig re ja e
te mia m se u p o d e r.
Em 1179, o Te rc e iro C o nc ilio d e La trã o e ste nd e u o s b e ne fíc io s p re visto s
p a ra o s c ruza d o s d a Te rra Sa nta a q ue m e mp unha sse a rma s c o ntra o s he re g e s d o
sud o e ste d a Fra nç a . Era a p rim e ira ve z q ue se o rd e na va uma C ruza d a c o ntra o s
c ristã o s.13
Em 1208, o p a p a Ino c ê nc io III, p re o c up a d o c o m o c re sc ime nto c o ntínuo
d a influê nc ia d o s c á ta ro s, re no vo u o c ha ma d o à C ruza d a , p ro me te nd o d e no vo
a s me sm a s ind ulg ê nc ia s e o s me smo s p rivilé g io s c o nc e d id o s a o s c ruza d o s.14
Assim , d o is a no s d e p o is, fo i fo rm a d o um e xé rc ito d e d uze nto s mil
c ruza d o s, na ma io ria no b re s d o no rte d a Fra nç a a nsio so s p o r c o nq uista r te rra s e
me rc a d o ria s à s c usta s d e se us c o le g a s d o sul. "Po r vinte a no s, a p a rte ma is
c iviliza d a d a Euro p a — e , se g und o a lg uns, ta m b é m ma is fe liz —, a te rra d o s
tro va d o re s, fo i d e va sta d a p o r sa q ue s e d e struiç õ e s e m la rg a e sc a la ." (C hristie -
Murra y, 1998, p . 155.)
A C ruza d a te ve e p isó d io s d e g ra nd e fúria , c o m o o m a ssa c re d e Bé zie rs,
e m 1209. Q ua nd o o s c ruza d o s c o nq uista ra m a c id a d e e p e rg unta ra m a o
re p re se nta nte d o p a p a c o mo p o d e ria m d ife re nc ia r o s c a tó lic o s d o s he re g e s, e ste
re sp o nd e u: "Ma te m to d o s. De us re c o nhe c e rá o s se us." "A c id a d e d e Bé zie rs fo i
d o mina d a , e c o mo no sso s ho me ns nã o d isting uira m d ig nid a d e , se xo o u id a d e ,
q ua se vinte mil ho m e ns mo rre ra m so b a e sp a d a ... a c id a d e fo i sa q ue a d a e
q ue ima d a : a ssim a a ting iu o a d mirá ve l c a stig o d ivino ." (C hristie -Murra y, 1998, p .
155.) Assim e sc re ve ra m o s re p re se nta nte s d o p o ntífic e , e m um re la tó rio o fic ia l a o
p a p a so b re o s a c o nte c ime nto s.
O ma ssa c re d e Bé zie rs c a uso u o a utê ntic o re p úd io d a o p iniã o p úb lic a
d a é p o c a . Eis o q ue e sc re ve o tro va d o r p ro ve nç a l G uilhe m Fig ue ira , e m se u
"Sirve nte c o ntra Ro ma ", c o mp o sto p o r vo lta d e 1227:
Ro ma ...
Se ria b o m p rivá -la
De c é re b ro ,
p e la ve rg o nha q ue c a rre g a no c ha p é u,
vo c ê e se us C ite a ux — q ue m a ssa c ra ra m
Bé zie rs, e a ssusta d o ra me nte !15
Ap ó s Bé zie rs, suc e d e u-se a c o nq uista d e C a rc a sso ne , Na rb o nne e
To ulo use . A C ruza d a se e nc e rro u e m 1229, c o m a to ma d a d e To ulo n e o tra ta d o
d e Me a ux, no q ua l o c o nd e Ra imund o VII, d e To ulo use , re c o nhe c e u o d o mínio d o
re i d a Fra nç a , q ue lhe c e d e u p a rte d o s p ró p rio s te rritó rio s, e se re c o nc ilio u c o m a
Ig re ja C a tó lic a . O tra ta d o ta m b é m e q uip a ro u o c rim e d e he re sia a o d e le sa -
ma je sta d e . Pa ra p ro va r sua b o a vo nta d e , e m se g uid a , o c o nd e ma nd o u
p e sso a lme nte 80 he re g e s à fo g ue ira e m Ag e n, e m 1249.
O s c á ta ro s so b re vive nte s se re fug ia ra m p a rte na Itá lia se te ntrio na l, p a rte
no s Bá lc ã s, o nd e inc re me nta ra m a s file ira s d e uma Ig re ja d ua lista a utô no ma
he g e mô nic a na Bó snia -He rze g ó vina , q ue fo i d e struíd a p e la inva sã o turc a d o fina l
d o sé c ulo XV.
Em 1244, o a rc e b isp o d e Na rb o nne , "se g uind o a s d ire trize s a p o stó lic a s"
(o u se ja , a s o rd e ns d o p a p a Ino c ê nc io IV), m a nd o u p a ra a fo g ue ira m a is d e
d uze nto s he re g e s d e a mb o s o s se xo s c a p tura d o s a p ó s um a no d e sítio à fo rta le za
d e Mo ntsé g ur. Enq ua nto isso , a Ig re ja d e se nvo lve u uma le g isla ç ã o p a ra e nc o ra ja r
o "a rre p e nd im e nto ". Em Milã o , p o r e xe mp lo , o p e río d o d e no vic ia d o p a ra o s e x-
he re g e s q ue q uise sse m e ntra r p a ra a o rd e m d o s d o minic a no s fo i re d uzid o . E ho uve
e x-c á ta ro s q ue se to rna ra m inq uisid o re s e p e rse g uid o re s d e he re g e s, c o mo o
d o minic a no Ra nie r Sa c c o ni. No iníc io d o sé c ulo XIV, "a q ue stã o c á ta ra já e sta va
re so lvid a : o s fo c o s d e re sistê nc ia se ria m fa c ilme nte d e b e la d o s p e lo s inq uisid o re s".
(Me rlo , 1989, p . 98.)
O s va lde nse s

Este s d e ve m se u no me a Pie rre Va ld o (o u Va ld e nse ), ric o me rc a d o r d e


Lyo n, q ue a b riu mã o d e se us b e ns, d o a nd o -o s a o s ne c e ssita d o s, e , e m 1176, re uniu
um g rup o d e p a up é rrimo s p re g a d o re s e rra nte s. G o sta va m d e se r c ha ma d o s d e
"Po b re s d e Lyo n" o u "Po b re s no Esp írito ", e a o me no s no iníc io p ud e ra m c o nta r c o m
c e rta simp a tia p o r p a rte d o s me io s e c le siá stic o s.
O s va ld e nse s a ta c a va m a c o rrup ç ã o na Ig re ja ro ma na e a trib uía m o
sa c e rd ó c io a to d o s o s fié is, ho me ns o u mulhe re s. Pa ra e le s, to d o b o m c ristã o tinha
o d ire ito d e p re g a r, a b so lve r d o s p e c a d o s e ministra r o s sa c ra m e nto s. Re je ita va m a
c o munhã o , a s o ra ç õ e s p e lo s mo rto s, a s ind ulg ê nc ia s, a c o nfissã o , a p e nitê nc ia , o s
hino s c a nta d o s, a re c ita d e la d a inha s e m la tim e a a d o ra ç ã o a o s sa nto s. Pa ra
e le s, o ho mic íd io e a me ntira , q ua lq ue r q ue fo sse , e ra m p e c a d o s mo rta is, p o rta nto ,
e ra m p e c a d o re s ta mb é m o s p ro mo to re s d a s C ruza d a s.
O s p a sto re s va ld e nse s se c o nsa g ra va m a o c e lib a to e à p o b re za e se
d e d ic a va m a o s se rm õ e s. G ra ç a s a o ze lo missio ná rio , sua c re nç a se e sp a lho u p o r
vá rio s p a íse s d a Euro p a O c id e nta l. Se u suc e sso p re o c up o u o s vé rtic e s d a Ig re ja ,
q ue p a ssa ra m da to le râ nc ia re la tiva à re p re ssã o . O p ró p rio Va ld o fo i
e xc o mung a d o e m 1184.
O p a p a Ino c ê nc io III p e rc e b e u a p o p ula rid a d e d o s "Po b re s d e Lyo n" e ,
e m 1208, te nto u c ruza r se u c a minho , instituind o o s "Po b re s C a tó lic o s", q ue , so b o
c o ntro le d a Ig re ja , tinha m p e rmissã o p a ra o b se rva r to d a s a s p rá tic a s va ld e nse s
julg a d a s o rto d o xa s.
A c o nd uta d o s va ld e nse s e ra irre p re e nsíve l: e ra m tra b a lha d o re s
o p e rá rio s e humild e s, ve stia m-se d e fo rm a simp le s, e sq uiva va m-se d o s a ta q ue s d e
ra iva e e vita va m a s fo rm a s d e p ra ze r te rre no , c o mo a d a nç a o u a re uniã o e m
ta b e rna s. Ma s sua vid a p a c ífic a e p o p ula rid a d e nã o c o nse g uira m sa lvá -lo s. Alg uns
a c a b a ra m na fo g ue ira e m Estra sb urg o , e m 1212. O C o nc ilio d e La trã o o s
c o nd e no u d e finitiva me nte e m 1215, e e m se g uid a tive ra m d e e nfre nta r ta mb é m
o s a ta q ue s d a Inq uisiç ã o , q ue p re nd e u c e nte na s d e le s. Em 1393, fo ra m q ue ima d o s
na fo g ue ira 150 va ld e nse s e m um únic o d ia . Dizima d o s, re fug ia ra m-se no s Alp e s,
e ntre a Fra nç a e a Sa vó ia .
Em 1484, C a rlo s I d e Sa vó ia e mp re e nd e u uma ve rd a d e ira g ue rra c o ntra
e le s, ma s a p ó s a s p rim e ira s b a ta lha s, ve nc id a s p e lo s "he re g e s", e ntro u e m a c o rd o
c o m e le s. Trê s a no s d e p o is, o p a p a c o nvo c o u uma C ruza d a c o ntra o s va ld e nse s.
O e mp re e nd im e nto te ve g ra nd e suc e sso , e sp e c ia lme nte no la d o
fra nc ê s: o s p o vo a d o s va ld e nse s fo ra m inc e nd ia d o s, a s fa mília s q ue ha via m se
re fug ia d o na s g ruta s fo ra m re tira d a s e ma ssa c ra d a s. Em uma c a ve rna , d e ze na s d e
ho me ns, mulhe re s e c ria nç a s fo ra m q ue ima d o s vivo s.16 Ma s a re p re ssã o nã o
c o nse g uiu a c a b a r c o m e le s.
Dura nte a Re fo rma Pro te sta nte , o s va ld e nse s to ma ra m p a rtid o d o s
c a lvinista s, c he g a nd o , c o m se us se rmõ e s, a té a Suíç a . Re a nima d o s p e lo no vo
c lim a , re no va ra m a ve rve m issio ná ria , a tra ind o p a ra si o utra s p e rse g uiç õ e s.
Em 1545, o re i d a Fra nç a , Fra nc isc o I, o rg a nizo u uma fe ro z re p re ssã o
c o ntra e le s, na q ua l milha re s d e p e sso a s fo ra m mo rta s e p o vo a d o s inte iro s fo ra m
d e struíd o s. Entre 1560 e 1561, Ma nue l Filib e rto d e Sa vó ia c o nd uziu uma d ura g ue rra
c o ntra o s va ld e nse s. Este s, c o mo o utro s "he re g e s" a nte s d e le s, p a ra d e fe nd e r sua s
id é ia s, so fre ra m uma tra nsfo rma ç ã o : d e p ro fe ta s d e sa rma d o s a há b e is g ue rre iro s.
O s ha b ita nte s d a s p la níc ie s fo ra m a b a tid o s, ma s a q ue le s q ue se e nc o ntra va m no s
va le s c o nse g uira m re sistir e , e m 1561, o b tive ra m o d ire ito d e e xe rc ita r o p ró p rio
c ulto , a o me no s e m lo c a is iso la d o s, d ista nte s d o s c a tó lic o s.17 O no vo c lima g e ra d o
p e la C o ntra -Re fo rma , no e nta nto , ma is uma ve z d ific ulta rá sua s vid a s.
As Pá sc o a s Pie m o nte sa s

O p e río d o e ntre o fim d o sé c ulo XVI e a p rim e ira me ta d e d o sé c ulo XVII


viu c re sc e nte s p re ssõ e s e ve rd a d e ira s p e rse g uiç õ e s c o ntra o s va ld e nse s. O á p ic e
o c o rre u e m a b ril d e 1653, c o m o ma ssa c re d a Via Pe llic e , c o nhe c id o c o mo
"Pá sc o a Pie mo nte sa ".
Em 24 d e a b ril d a q ue le a no , um e xé rc ito d e m a is d e q ua tro mil so ld a d o s
a rma d o s so b o c o ma nd o d o ma rq uê s d e Pia ne zza o c up o u o s va le s va ld e nse s e
sa q ue o u o s p o vo a d o s d e Sa n G io va nni e To rre , se m e nc o ntra r q ua lq ue r re sistê nc ia .
Ap e sa r d o s a to s d e sub missã o d o s "he re g e s" (q ue a c e ita ra m a lo ja r a s tro p a s
c a tó lic a s e m sua s p ró p ria s c a sa s), Pia ne zza p ô s a fe rro e fo g o o s p o vo a d o s d e Pra
d e l To rno , Villa r e Bo b b io . As c a sa s fo ra m sa q ue a d a s, o s ha b ita nte s q ue nã o
c o nse g uira m fug ir a te mp o fo ra m to rtura d o s e mo rto s. Ao fina l d o s ma ssa c re s, e m
3 d e ma io , Pia ne zza c o nvo c o u uma c e rimô nia so le ne d ura nte a q ua l, na p re se nç a
d e se us ho me ns e d a p o p ula ç ã o so b re vive nte , ma nd o u finc a r no c hã o uma c ruz.
No s d ia s se g uinte s, o e xé rc ito c a tó lic o a ta c o u o utro s p o vo a d o s d a re g iã o , a p e sa r
d a re sistê nc ia a rma d a d e a lg uns c id a d ã o s.
Em 1655, o s Sa vó ia fo ra m o b rig a d o s a d e vo lve r a o s va ld e nse s p e lo
me no s uma p a rte d o s d ire ito s a e le s sub tra íd o s, so b p re ssã o d a o p iniã o p úb lic a
inte rna c io na l e de uma g ue rra c o ma nd a d a p e lo líd e r c a mp o nê s G io suè
G ia na ve llo (q ue e m se g uid a e sc re ve rá um ma nua l d a g ue rrilha ).
O e xílio e o g lo rio so re pa tria m e nto

Ap ó s a re vo g a ç ã o d o Ed ito d e To le râ nc ia d e Na nte s (18 d e o utub ro d e


1685), q ue c o lo c a ra fim à sé rie d e g ue rra s re lig io sa s na Fra nç a e re g ula riza ra a
p o siç ã o d o s hug ue no te s, o s va ld e nse s fo ra m a ta c a d o s c o njunta me nte po r
e xé rc ito s d e fra nc e se s e p ie m o nte se s. Pe lo me no s d o is mil mo rre ra m e m c a mp o .
O utro s 8.500 fo ra m c a p tura d o s e a g lo me ra d o s na s p risõ e s e m c o nd iç õ e s
d e suma na s, o nd e milha re s mo rre ra m. O s so b re vive nte s e sta va m d e stina d o s a se r
ve nd id o s c o mo e sc ra vo s. O utro s trê s mil a b jura ra m sua fé e fo ra m d e p o rta d o s
p a ra o Ve rc e lle se . Ap e na s um núc le o iso la d o d e irre d utíve is re sistia fo rtific a d o no s
va le s.
G ra ç a s à me d ia ç ã o d o s suíç o s, o s p risio ne iro s so b re vive nte s p ud e ra m se r
e xp a tria d o s, e o s último s b a nd o s a rma d o s p ud e ra m se re fug ia r no s va le s (m a s o s
p a sto re s fo ra m ma ntid o s p re so s). C e nte na s d e le s mo rre ra m o u se p e rd e ra m a o
lo ng o d o c a minho p a ra o s Alp e s.
O s e xila d o s re a liza ra m , e m 1689, o G lo rio so Re p a tria me nto , q ue o s le vo u
d e vo lta à s sua s mo nta nha s. Em g ra nd e se g re d o , na no ite e ntre 16 e 17 d e a g o sto
d e 1689, um e xé rc ito misto d e milha re s d e so ld a d o s va ld e nse s e hug ue no te s
a rma d o s a tra ve sso u o la g o d e G e ne b ra . Em 27 d e a g o sto , a tra ve ssa ra m a
fro nte ira sa b o ia na e , c o m um a ma rc ha rá p id a , e m 9 d ia s c he g a ra m a se u va le
na s mo nta nha s p ie mo nte sa s, p e g a nd o d e surp re sa a s tro p a s d o d uq ue d e Sa vó ia .
Dura nte o s p rime iro s e mb a te s, o s va ld e nse s le va ra m a me lho r, a p e sa r d a
e sma g a d o ra sup e rio rid a d e numé ric a d o a d ve rsá rio . Ao fina l, e ntre b a ixa s e m
c o mb a te e d e rro ta s, a p e na s um e sta nd a rte d e tre ze nto s ho me ns c o nse g uiu p a ssa r
o inve rno e m se us va le s. Um a no d e p o is, e ste s me smo s c o mb a te nte s c o nse g uira m
e sc a p a r d o s tiro s d e c a nhã o e d o s a ta q ue s d e um e xé rc ito d e q ua tro mil d ra g õ e s.
O d uq ue d e Sa vó ia , e ntã o , a lio u-se à Ing la te rra p ro te sta nte , lib e rto u o s
p a sto re s p re so s e p ub lic o u um e d ito d e to le râ nc ia . O s va ld e nse s súd ito s d e Sa vó ia
p re c isa ra m e sp e ra r, e ntre ta nto , a té 1848 p a ra ve r re c o nhe c id a a ig ua ld a d e to ta l
d e d ire ito s c o m se us c o nte rrâ ne o s c a tó lic o s.
Já no iníc io d o sé c ulo XIV, um núc le o d e va ld e nse s d o Pie mo nte ha via se
tra nsfe rid o à s mo nta nha s d a p ro vínc ia d e C o se nza . A c o munid a d e nã o p a ro u d e
c re sc e r c o m a s suc e ssiva s c he g a d a s. O utro núc le o d e va ld e nse s se e sta b e le c e u
na Pug lia , e m C a p ita na ta , no iníc io d o sé c ulo XVI.
Sua e xistê nc ia , a té e ntã o p a c ífic a e to le ra d a , to rno u-se b rusc a me nte
ma is d ifíc il q ua nd o , a p ó s sua a d e sã o à Re fo rma , d e c id ira m d a r no vo imp ulso à
p re g a ç ã o p úb lic a d o Eva ng e lho , c ha ma nd o p re g a d o re s e xte rno s. Este a tivismo
re no va d o a b riu o s o lho s d a Inq uisiç ã o . Do is p re g a d o re s fo ra m p re so s e , a p ó s se re m
le va d o s a Ro ma , q ue ima d o s na fo g ue ira .18 To d o s o s o utro s tive ra m d e a b jura r.
O s va ld e nse s d e G ua rd iã e Sa n Sisto , se m a inte nç ã o d e a b jura r, p e d ira m
p a ra e mig ra r p a ra te rra s ma is ho sp ita le ira s, ma s nã o o b tive ra m o c o nse ntime nto .
Ele s, e ntã o , p e g a ra m e m a rma s p a ra se d e fe nd e r e , e m a b ril d e 1561, e nfre nta ra m
e le va ra m a me lho r so b re a s tro p a s d o Re ino d e Ná p o le s. A re a ç ã o nã o ta rd o u:
e m 28 d e ma io , a s tro p a s g o ve rna me nta is a ta c a ra m o s vila re jo s va ld e nse s c o m
p e rmissã o p a ra ma ta r im p une me nte ho me ns, mulhe re s e c ria nç a s q ue re sistisse m à
c a p tura . O s p o vo a d o s fo ra m sa q ue a d o s e q ue ima d o s; g ra nd e p a rte dos
p risio ne iro s fo i m o rta no lo c a l, d e g o la d a o u jo g a d a d e uma to rre . O s so b re vive nte s
a c a b a ra m d ia nte d e um trib una l misto c o mp o sto d e juíze s re a is e e c le siá stic o s q ue
c ulmino u e m 86 c o nd e na ç õ e s à mo rte , lo g o e xe c uta d a s.
O b a la nç o fina l d a p e rse g uiç ã o , re d ig id o c o m me tic ulo sid a d e p e lo vic e -
re i Alc a là , fa la d e d o is mil mo rto s e 1.600 p re so s. De ste s, 150 fo ra m c o nd e na d o s à
mo rte . Alé m d isso , a s tro p a s ra stre a ra m e justiç a ra m o utro s c e m va ld e nse s
d e b a nd a d o s no s c a mp o s. O s d a Pug lia , me no s "milita nte s" e ma is "a c o mo d a d o s",
tive ra m um d e stino me lho r, ta lve z ta mb é m p o r mé rito d o s se nho re s fe ud a is d o
lug a r, q ue nã o via m c o m b o ns o lho s uma inte rve nç ã o milita r q ue o s p riva ria d e sua
p re c io sa mã o -d e -o b ra . Ma s, a o fina l, e ste s ta mb é m fo ra m o b rig a d o s a a b jura r.
O s ste ndigs e o s fra nc isc a no s

O s ste ndig s e ra m uma p o p ula ç ã o g e rmâ nic a q ue vivia à s ma rg e ns d o rio


We se r. Re c usa ra m-se a re c o nhe c e r a jurisd iç ã o te mp o ra l d o a rc e b isp o d e Bre me n
e , p o r e sta únic a re b e liã o , fo ra m d e c la ra d o s he re g e s (na ve rd a d e , nã o c o nsta
q ue p ra tic a sse m he re sia s d o utriná ria s). O p a p a G re g ó rio IX (1227-1241) la nç o u
c o ntra e le s uma C ruza d a e m 1234. Fo ra m a ta c a d o s p e la s fo rç a s c o njunta s d o
d uq ue d e Bra b a nte e d o s c o nd e s d a Ho la nd a e d e C le ve s, q ue inve stira m c o ntra
e le s c o m uma fro ta d e tre ze nto s na vio s. De q ua tro mil a c inc o mil ste nd ig s fo ra m
mo rto s e m c o mb a te . O re sta nte d a p o p ula ç ã o e m p a rte mo rre u a fo g a d a no
We se r, e m p a rte se d isp e rso u. O b a la nç o fina l g ira e m to rno d e 11 mil vítima s.
Ne m a s o rd e ns re c o nhe c id a s p e la Ig re ja e sc a p a ra m d a a c usa ç ã o d e
he re sia . Ante s me smo d a mo rte d e se u sa nto fund a d o r, o s fra nc isc a no s se d ivid ia m
e m d ua s c o rre nte s: o s c o nve ntua is, fa vo rá ve is a uma fle xib iliza ç ã o d a re g ra d e
p o b re za , e o s e sp iritua is, ta mb é m c ha ma d o s d e ze lo so s, fié is à re g ra o rig ina l e
fo rte me nte c rític o s e m re la ç ã o à Ig re ja .
Ap ó s a mo rte d e Fra nc isc o (1226), a s p o siç õ e s e ntre a s d ua s c o rre nte s
a c a b a ra m se c rista liza nd o , a té p ro d uzire m um ve rd a d e iro c o nfro nto . Em 1274, um
g rup o d e fre is d a re g iã o d e Ma rc he , a la rma d o s p e la fa lsa no tíc ia d e q ue a re g ra
fra nc isc a na se ria mo d ific a d a p a ra p e rmitir q ue a o rd e m p o ssuísse b e ns, d e u vid a a
uma re b e liã o . O mo vime nto lo g o se e sp a lho u p o r to d a a Umb ria e p e la To sc a na .
Em se g uid a , a lg uns re b e ld e s fo ra m c o nd e na d o s à p risã o p e rp é tua , te nd o sid o
a g ra c ia d o s muito s a no s d e p o is.
Em 1294, o p a p a C e le stino V c o nc e d e u a o s e xtre mista s a p e rmissã o d e
c ria r uma o rd e m se p a ra d a . Bo nifá c io VIII (1294-1303) re vo g o u a d isp o siç ã o e o s
p e rse g uiu.
Do s e sp iritua is fra nc isc a no s d e rivo u ta mb é m o mo vim e nto he ré tic o d o s
"fra tic e lli", d ifund id o e sp e c ia lme nte no c e ntro e no sul d a Itá lia .
Sua he re sia c o nsistia em p re g a r a s p ro fe c ia s a p o c a líp tic a s q ue
c irc ula va m no m e io fra nc isc a no , m a s p rinc ip a lm e nte na inte rp re ta ç ã o e xtre ma d a
re g ra d a p o b re za . A a firma ç ã o d e q ue "C risto e o s a p ó sto lo s nã o p o ssuía m
ne nhum b e m" c usto u a fo g ue ira a no ve d e le s d ura nte o p o ntific a d o d e Urb a no IV
(1261-1264).19
A p a rtir d e 1316, o p a p a Jo ã o XXII (1316-1334), c o nd e na d o p e lo s
"fra tic e lli" c o mo o a ntic risto , o rd e no u sua p e rse g uiç ã o . Em 1322, a a sse mb lé ia g e ra l
d o s fra d e s me no re s (o s fra nc isc a no s e sp iritua is) a ssumiu sua p o siç ã o no d e b a te
te o ló g ic o , d e c la ra nd o q ue "C risto e o s a p ó sto lo s ha via m vivid o e m p o b re za
a b so luta ". No a no se g uinte , o p o ntífic e d e c la ro u he ré tic a s a s te se s fra nc isc a na s e
o rd e no u q ue a Inq uisiç ã o p e rse g uisse q ue m q ue r q ue a s d e fe nd e sse . No s a no s
suc e ssivo s, vá rio s fre is c a tó lic o s a c a b a ra m na fo g ue ira (Da vid C hristie -Murra y, 1998,
p . 160).
Ja c o po ne de To di

É um d o s ma is ilustre s p e rso na g e ns d a c o rre nte e sp iritua l, m ístic o e p o e ta .


Alio u-se , junto a o utro s e xp o e nte s e sp iritua is fra nc isc a no s, à p o d e ro sa fa mília
C o lo nna , a c irra d a inimig a d e Bo nifá c io VIII, e fo i um d o s sig na tá rio s d o Ma nife sto
d e Lung he zza (10 d e ma io d e 1297), q ue d e c la ra va ile g ítima a no me a ç ã o d o
p a p a e p e d ia a c o nvo c a ç ã o d e um c o nc ilio p a ra no me a r um no vo p o ntífic e .
Exc o mung a d o junto a o utro s se g uid o re s e m 1298, fo i e nc a rc e ra d o . As c o nd iç õ e s
d a d e te nç ã o e ra m muito ríg id a s: a c o rre nta d o d ia e no ite no s frio s e úmid o s
sub te rrâ ne o s d e um c o nve nto o nd e d e se mb o c a va uma tub ula ç ã o d e e sg o to , a
p o uc a c o mid a q ue re c e b ia e ra p o r me io d e uma c e sta la nç a d a d o a lto , e só
c o nse g uia se me xe r o q ue o s fe rro s p e rmitia m.
Em vã o , p e d iu a o p a p a q ue a o me no s a e xc o munhã o fo sse re vo g a d a ,
ma s o p o ntífic e , a p e sa r d e te r c o nc e d id o uma ind ulg ê nc ia p le ná ria p o r o c a siã o
d o p rime iro Ano Sa nto (1300), furto u-se a p e rd o á -lo . Só d e p o is d a mo rte d e
Bo nifá c io VIII (1303), Ja c o p o ne , já c o m ma is d e 70 a no s, viu-se livre d a p risã o e d a
e xc o munhã o e vo lto u a o c o nve nto . Dize m q ue já nã o c o nse g uia a nd a r, p o is se us
jo e lho s ha via m se c a lc ific a d o e m d e c o rrê nc ia d a p o siç ã o e m q ue fo i o b rig a d o a
fic a r p o r a no s. Mo rre u e m 1306.
Fre i Dulc ino

Ta lve z o ma is fa mo so he re g e me d ie va l ita lia no . Em 1300, Dulc ino to rno u-


se líd e r c a rismá tic o d o s a p o stó lic o s, uma se ita he ré tic a p a up e rista q ue c o nte sta va
a c o rrup ç ã o d a Ig re ja e c ujo s p re g a d o re s g o za va m d e g ra nd e s fa vo re s junto a o
p o vo d e p o is q ue se u fund a d o r, G he ra rd o Se g a le llo , fo i mo rto q ue ima d o .
Este e nvio u a o s se g uid o re s um a p e lo d e to ns p ro fé tic o s: a e ra d o ma l
e sta va p o r a c a b a r, e m b re ve o im p e ra d o r Fre d e ric o III d e Ara g ã o d e rrub a ria o
fa lso p a p a Bo nifá c io VIII e , c o m e le , to d o o c le ro c o rrup to . Ad viria , e ntã o , uma e ra
d e p a z unive rsa l, c o m a e le iç ã o d e um p a p a sa nto . Enq ua nto isso nã o a c o nte c ia ,
o s a p o stó lic o s e ra m o b rig a d o s a vive r na c la nd e stinid a d e p a ra fug ir d a s
p e rse g uiç õ e s d a fa lsa Ig re ja , q ue p e rse g uia e mo rd ia , c o mo c ã e s, o s ve rd a d e iro s
fié is.20
E fo i p o r inc e ntivo d e Dulc ino q ue o s a p o stó lic o s se tra nsfo rma ra m, d e
mo vime nto a ná rq uic o e e sp o ntâ ne o , em uma o rg a niza ç ã o "sub ve rsiva "
c la nd e stina q ue c rio u uma fe rvo ro sa p ro p a g a nd a a ntic le ric a l q ue se d ifund iu e m
g ra nd e p a rte d a Itá lia . O s p re g a d o re s p o d ia m c o nta r c o m a ho sp ita lid a d e e a
c ump lic id a d e d e um g ra nd e núme ro d e p e sso a s d e vá rio s e xtra to s so c ia is,
a d mira d a s c o m o c o mp o rta me nto d e sse s "ho me ns b o ns" e c o m o c a risma
p ro fé tic o d e Dulc ino . To d a via , c o mo e ste p re vira , a Inq uisiç ã o c o me ç a va a
p e rse g uir o s a p o stó lic o s: o s vila re jo s fo ra m p e ne ira d o s à p ro c ura d e he re g e s e d a s
fa mília s q ue o s p ro te g ia m. Em 1303, Za c c a ria d e Sa n'Ag a ta , q ue a firma va q ue a
Do a ç ã o d e C o nsta ntino fo ra a ve rd a d e ira c a usa d a ruína d a Ig re ja , fo i q ue ima d o
na fo g ue ira .
Em Bo lo nha , fo i a ve z d e Ro la nd ino d e O llis, Pie tro d a l Pra , o e re mita
Ba rto lo me o Pe tri Rub e y e G io va nni G e ra rd ini (e ste sa lvo ro c a mb o le sc a me nte
vá ria s ve ze s d a c a p tura ) a c a b a re m na fo g ue ira o u p e g a re m p risã o p e rp é tua .
Muita s o utra s p e sso a s, me smo a no s d e p o is d o s a c o nte c ime nto s, fo ra m a lvo d a s
a te nç õ e s d a Inq uisiç ã o p o r te re m ho sp e d a d o o s a p o stó lic o s. Alg uma s d e la s fo ra m
c o nd e na d a s, o utra s e sc a p a ra m a b jura nd o o u d e c la ra nd o q ue a g ira m d e b o a -fé
e fo ra m e ng a na d a s; "p a re c ia m ho me ns b o ns" se rá a d e fe sa d e muito s. E o p ró p rio
Dulc ino ha via d e c la ra d o q ue nã o e ra p e c a d o p re sta r fa lso te ste munho a o s
inq uisid o re s p a ra sa lva r a p ró p ria vid a o u a d e c o mp a nhe iro s.
Em 1304, Dulc ino se re fug io u e m No va ra , e sta b e le c e nd o -se , junto c o m
se us se g uid o re s, na s te rra s e ntre Se rra va lle e G a ttina ra . Lá , fund o u uma
c o munid a d e c uja s b a se s e ra m a ig ua ld a d e e va ng é lic a e a c o munhã o d e b e ns. A
p o p ula ç ã o re c e b e u, c o m a le g ria , a p re se nç a d o s a p o stó lic o s, ma s a inte rve nç ã o
d a s milíc ia s e sta ta is, c o nd uzid a s p e lo inq uisid o r p a d re Em a nue le , o b rig o u o s
d ulc inista s a se re fug ia r, no ve rã o d e 1305, no mo nte Pa re te C a lva , e m Va lse sia ,
uma e sp é c ie d e fo rta le za na tura l intra nsp o níve l. No mo nte , Dulc ino re a lizo u a
se g und a tra nsfo rma ç ã o d e se u mo vime nto : d e p re g a d o re s p a c ífic o s a g ue rre iro s,
ho me ns e mulhe re s d isp o sto s a d e fe nd e r c o m a s a rma s a p ró p ria ind e p e nd ê nc ia .
Pa ra se ma nte r, o s d ulc inista s e mp re e nd e ra m ve rd a d e ira s inc ursõ e s a rma d a s no
va le , sa q ue a nd o e ro ub a nd o a s d e sp e nsa s d o s se nho re s fe ud a is, fa ze nd o ric o s d e
re fé ns e tro c a nd o -o s p o r c o mid a . O s c ruza d o s a nti-he re g e s, p o r sua ve z,
a ta c a va m to d o s o s susp e ito s d e a jud a r o s re b e ld e s e e mb o sc a va m o s d ulc inista s
q ue d e sc ia m a mo nta nha . Alé m d isso , o nd e o s inq uisid o re s nã o c he g a va m ,
c he g a va m o rig o r d o frio d o inve rno e uma tre me nd a e sc a sse z. O e xé rc ito d e
Dulc ino fo i d izima d o p e la fo me , p e lo c a nsa ç o e p e lo s e mb a te s milita re s. Ao fina l,
q ua nd o a s c o nd iç õ e s d e vid a se to rna ra m p ro ib itiva s, o s a p o stó lic o s so b re vive nte s
(c e rc a d e mil), na p rima ve ra d e 1306, p a rtira m e m no vo ê xo d o : a tra vé s d e
p a ssa g e ns ina c e ssíve is, c he g a ra m à re g iã o d o mo nte Rub e llo (o u se ja , "re b e ld e ",
q ue g a nho u e ste no me p e la p re se nç a d o s re b e ld e s d ulc inista s), o nd e c o nstruíra m
uma ve rd a d e ira c id a d e fo rtific a d a . Lá , a luta c o ntra e le s fo i c o nd uzid a
d ire ta me nte p e lo b isp o e inq uisid o r Ve rc e lli Ra nie ro Avo g a rd o , q ue re uniu tro p a s
d a Inq uisiç ã o , milíc ia s e sta ta is, a lé m d a s fo rç a s d o a rc e b isp o d e Milã o e d o d uq ue
d e Sa vó ia , c o nvo c a d a s a p e d id o d o p ró p rio p a p a C le me nte V. To d o s o s a c e sso s
a o mo nte fo ra m b lo q ue a d o s e , a p e sa r d e uma surtid a d o s re vo lto so s, o a ssé d io
ve nc e u e g re g ia me nte . De b ilita d o s p e la fo me (d e a c o rd o c o m o s re la to s d a
é p o c a , c he g a ra m a o p o nto d e se a lime nta r d o s c o rp o s d o s c o mp a nhe iro s
m o rto s), o s d ulc inista s nã o c o nse g uira m o p o r re sistê nc ia q ua nd o , e m 23 d e ma rç o
d e 1307, a s tro p a s d e c o a lizã o d o a rc e b isp o fize ra m o a ta q ue fina l. C e nte na s d e
he re g e s mo rre ra m e m c o mb a te o u a fo g a d o s na to rre nte q ue na sc e no mo nte .
De le s, 140 (d e ntre o s q ua is o p ró p rio Dulc ino e sua c o mp a nhe ira , Ma rg he rita )
fo ra m c a p tura d o s vivo s e p o up a d o s inte nc io na lm e nte , p a ra q ue sua c o nd e na ç ã o
se rvisse d e e xe mp lo .
A Inq uisiç ã o e o trib una l e c le siá stic o luta ra m p e la ho nra d e p re sid ir o
p ro c e sso , q ue se e nc e rro u ra p id a me nte c o m uma se nte nç a já e xe c uta d a . Na
p risã o , Dulc ino e se us se g uid o re s fo ra m to rtura d o s lo ng a e c rue lme nte p a ra q ue
a b jura sse m , ma s se m ê xito .
E, a ssim , e m 1o d e junho d e 1307, fo i q ue ima d o vivo e m Ve rc e lli, a p ó s
so fre r um g ra nd e sup líc io . O c a rro q ue o le vo u a o p a tíb ulo fe z vá ria s p a ra d a s, e
c a d a uma c o rre sp o nd ia a uma to rtura d o p úb lic o : p rim e iro , sua c a rne fo i
a rra nc a d a (usq ue a d o ssa , o u se ja , a té c he g a r a o o sso , p e lo q ue d iz um c ro nista
d a é p o c a ) c o m a lic a te q ue nte , d e p o is se u na riz fo i q ue b ra d o , e fina lme nte lhe
fo ra m a rra nc a d o s o s g e nita is. Ante s d e sub ir na fo g ue ira , viu o "e sp e tá c ulo " d e sua
c o mp a nhe ira , Ma rg he rita , se nd o d e sp id a e q ue ima d a viva . Se us re sto s fo ra m
jo g a d o s no rio .21
To d o s o s c o mb a te nte s q ue a jud a ra m a lo c a liza r Dulc ino fo ra m
a g ra c ia d o s c o m o no me d e "c ruza d o s" e g o za ra m d e b e ne fíc io s e sp e c ia is e
ind ulg ê nc ia s.
O c o mp o rta me nto d e Dulc ino , q ue nã o se e ntre g o u a súp lic a s e g rito s
d e se sp e ra d o s ne m d ura nte o sup líc io ne m no fo g o , susc ito u c o m e ntá rio s d e
a d mira ç ã o a té me smo d o s c ro nista s e re la to re s c a tó lic o s. A fig ura d e Ma rg he rita ,
e m uma é p o c a nã o muito g e ntil c o m a s mulhe re s, ta mb é m fo i tra ta d a c o m
re sp e ito p e lo s e sc rito re s e c le siá stic o s, q ue nã o he sita ra m e m d ifa ma r, d e to d a s a s
fo rma s, a me mó ria d e Dulc ino e d e se us se g uid o re s.
Assim , o líd e r d o s d ulc inista s sa iu d a histó ria p a ra e ntra r no mito . Po r um
la d o , a le nd a ne g ra : d izia m q ue fo ra um b ruxo p o d e ro so e q ue só a ma g ia p o d ia
e xp lic a r a e xc e p c io na l re sistê nc ia a rma d a d e um b a nd o d e re b e ld e s p o b re s
d ia nte d a s a rma d ura s e má q uina s d e g ue rra d o e xé rc ito d o a rc e b isp o . Dizia m q ue
o s e sp írito s d o s re b e ld e s a ind a va g a va m p e lo s a rre d o re s d o mo nte Rub e llo , e o s
b o a to s e ra m tã o insiste nte s q ue c o nve nc e ra m a s a uto rid a d e s e c le siá stic a s a
e rg ue r, e m 1308, um sa ntuá rio d e d ic a d o a Sã o Be rna rd o , p a ra e xo rc iza r a á re a d a
p re se nç a d o s e sp írito s ma lig no s e c o me mo ra r sua lib e rta ç ã o d a "p e ste he ré tic a ".
Ao me smo te mp o , na sc e ta mb é m uma le nd a b ra nc a , q ue c o nsid e ra va Dulc ino e
Ma rg he rita q ua se d o is sa nto s. Ao he re g e fo ra m a trib uíd o s, a p ó s sua mo rte ,
ve rd a d e iro s mila g re s.
Ja n Hus, o Lute ro da Bo ê m ia

Ja n Hus (c e rc a d e 1373-l415) fo i o p re c urso r d a Re fo rma na Bo ê mia .


Sa c e rd o te d e vid a irre p re e nsíve l, to rno u-se d ire to r d a Fa c uld a d e d e Filo so fia e
re ito r d a Unive rsid a d e d e Pra g a . Insp ira d o p e la s te se s d e Wyc lif, Hus e ra fa vo rá ve l
à inte rp re ta ç ã o p a rtic ula r d a s Esc ritura s e d e fe nd ia o d ire ito d e se re b e la r c o ntra a
a uto rid a d e (c ivil o u re lig io sa ) p a ra a g ir d e a c o rd o c o m a c o nsc iê nc ia .22
Pa ra to rna r a s Esc ritura s a c e ssíve is a o ho me m c o mum, p re g a va e m
tc he c o , a lé m d o la tim , a lim e nta nd o um se ntime nto c re sc e nte d e na c io na lismo
b o ê mio .
Hus e ra p o p ula r e ntre a s ma ssa s, na a risto c ra c ia (c he g o u a se to rna r o
c o nfe sso r d a ra inha ) e e ntre o s e stud a nte s d a Unive rsid a d e d e Pra g a , o nd e , p o r
um p e río d o , sua s te se s d o mina ra m . Pre g o u c o ntra a c o rrup ç ã o d o c le ro e m to d o s
o s níve is e ne g o u a va lid a d e d o s sa c ra me nto s ministra d o s p o r sa c e rd o te s ind ig no s.
Fe z vá rio s a ta q ue s vio le nto s c o ntra a Ig re ja d e Ro ma .23 Um d e se us último s a to s fo i
a d e núnc ia d o c o mé rc io d e ind ulg ê nc ia s p o r p a rte d o s re p re se nta nte s d o p a p a
p a ra fina nc ia r uma C ruza d a c o ntra o re i d e Ná p o le s.24 E fo i e sta a última e fa ta l
b a ta lha : e xc o mung a d o p e lo p a p a e inte rd ita d o p o r Pra g a , Hus c o ntinuo u a
p re g a r a o a r livre a p o ia d o p e lo p úb lic o .25
C o nd e na d o p e lo C o nc ilio d e C o nsta nza , fo i e xp ulso d o c le ro e , e m 6 d e
julho d e 1415, ma nd a d o p a ra a fo g ue ira . No a no se g uinte , fo i a ve z d e um
d isc íp ulo se u, Je rô nimo d e Pra g a . Hus já tinha se to rna d o , a o s o lho s d o s b o ê mio s,
um má rtir e a utê ntic o he ró i na c io na l. De se us se rmõ e s, na sc e o mo vime nto hussita ,
d ivid id o e m d ua s ve rte nte s: um a m o d e ra d a , c o m p o sta p re va le nte m e nte p o r
a risto c ra ta s, e o utra e xtre m ista , m a is d ifund id a e m m e io s p o p ula re s.
Em 1418, a a la ra d ic a l fe z e c lo d ir uma re b e liã o p o p ula r q ue e nvo lve u
ta nto a c id a d e d e Pra g a q ua nd o o s c a mp o s vizinho s.26
O im p e ra d o r Sig ismund o p e rc e b e u q ue a g ue rra re lig io sa e ra ta mb é m
uma g ue rra d e ind e p e nd ê nc ia e , e m 1420, inva d iu a Bo ê mia . Ma s se u e xé rc ito fo i
e sma g a d o p e lo s c a mp o ne se s tc he c o s, q ue utiliza ra m té c nic a s d e c o m b a te
ino va d o ra s. O s a no s se g uinte s p re se nc ia ra m a d ifusã o d a s d o utrina s hussita s na
Áustria , Ale ma nha , Fra nç a e Hung ria . Po r vo lta d e 1430, a a la mo d e ra d a e a
e xtre mista se c o nfro nta ra m e m uma ve rd a d e ira g ue rra c ivil, p e rd id a p e lo s ra d ic a is.
De to d o mo d o , o s hussita s c o nse g uira m o b te r, p e lo me no s na Bo ê mia , lib e rd a d e
d e c ulto . De p o is, a ma io r p a rte d e le s p a sso u p a ra a ig re ja c a lvinista .
Jo a na d'Arc , b ruxa , he re g e e sa nta

Em 30 d e ma io d e 1431, Jo a na d 'Arc fo i c o nd e na d a p o r b ruxa ria e


he re sia , e ma nd a d a p a ra a fo g ue ira . So b o p o nto d e vista d o utriná rio , sua "he re sia "
nã o e ra muito d ife re nte d a d e Hus: e la c o lo c a ra o juízo p e sso a l à fre nte d o o fic ia l
d a Ig re ja . Sé c ulo s d e p o is, e sta a d mitiu imp lic ita me nte se u e rro e a p ro c la mo u
sa nta e m 9 d e ma io d e 1920.
Je rô nim o Sa vo na ro la

Je rô nimo Sa vo na ro la (1452-1498) e ra um fre i d o minic a no q ue


c o nd e na va o s p e c a d o s e a va id a d e , e q ue d e nunc ia va o s ma le s d a Ig re ja .
C o me ç o u a p re g a r e m Flo re nç a p o r vo lta d e 1491, a nunc ia nd o o imine nte fim d o
mund o . O s a c o nte c ime nto s d e 1494, c o m a inva sã o d e Flo re nç a p o r p a rte d o re i
d a Fra nç a e a e xp ulsã o d a fa mília Me d ie i, p a re c ia m c o nfirma r sua s p ro fe c ia s.
De ssa fo rm a , c o nq uisto u o c a risma d e um p ro fe ta d ia nte d o s flo re ntino s e e xe rc e u
g ra nd e influê nc ia so b re o na sc e nte g o ve rno d a c id a d e -e sta d o . Po r inc e ntivo se u,
a re p úb lic a flo re ntina d e u vid a a uma le g isla ç ã o intra nsig e nte e into le ra nte nã o só
c o ntra a usura e a c o rrup ç ã o , ma s ta mb é m c o ntra o luxo e a "imo ra lid a d e ".
Um d o s a lvo s d o s se rmõ e s d e Sa vo na ro la e ra o p o ntífic e d a é p o c a ,
Ale xa nd re VI Bó rg ia , q ue , p o r sua ve z, o d ia va o p re g a d o r e o s flo re ntino s, q ue
a tra p a lha va m sua p re te nsa he g e mo nia so b re a Itá lia c e ntra l.
Em ma io d e 1497, Sa vo na ro la fo i e xc o mung a d o . Ele , e ntã o , a p e lo u a
to d o s o s Esta d o s e uro p e us p a ra q ue c o nvo c a sse m um c o nc ilio e c umê nic o p a ra
d e p o r Ale xa nd re VI. Ma s o b e d e c e u à s o rd e ns d e se us sup e rio re s d o minic a no s e
inte rro mp e u o s se rm õ e s. Um fra nc isc a no o d e sa fio u a se sub me te r a um o rd á lio
(p a ssa r a tra vé s d o fo g o , p a ra d e mo nstra r se r p ro te g id o p o r De us), ma s e le re c uso u
a p ro va , q ue fo i a c e ita p o r um se g uid o r se u. Ta lve z a re c usa te nha d iminuíd o se u
p re stíg io , ta lve z o fim d o a p o io fra nc ê s a o g o ve rno flo re ntino te nha to rna d o se us
a d ve rsá rio s ma is a g re ssivo s, ta lve z simp le sme nte o s flo re ntino s nã o te nha m
a g üe nta d o m a is sua rig id e z m o ra lista , m a s o fa to é q ue , e m 7 d e a b ril d e 1498, o
d ia p re visto p a ra o o rd á lio , o p o vo d e Flo re nç a se re vo lto u c o ntra Sa vo na ro la . O
p a p a p ô d e , a ssim, c a p turá -lo e p ro c e ssá -lo . So b to rtura , c o nfe sso u se r c ulp a d o d e
he re sia e d e vá rio s o utro s c rime s e , e m ma io d e 1498, fo i q ue ima d o na fo g ue ira
junto c o m d o is se g uid o re s.
Re c e nte me nte , fo i b e a tific a d o .

TERC EIRA PARTE


Mo d e rnid a d e e re p re ssã o

C APÍTULO 8
O s c ristã o s e ra m p ro ib id o s d e le r a Bíb lia
Ina c re d itá ve l, ma s ve rd a d e iro . Em a lg uns p e río d o s, tra d uzir a Bíb lia p a ra
uma líng ua c o mp re e nsíve l p e lo p o vo e ra um c rime q ue p o d ia c usta r a vid a . Te r o
Eva ng e lho e m c a sa e ra p ro ib id o a q ue m nã o fo sse sa c e rd o te .
Jud e us, c ristã o s e muç ulma no s sã o c ha ma d o s ta mb é m d e "p o vo s d o
Livro ", p o is b a se ia m a p ró p ria fé , o s p ró p rio s p re c e ito s e há b ito s e m te xto s d ita d o s
(o u insp ira d o s) p o r De us. De a c o rd o c o m e ssa s re lig iõ e s, o fie l nã o só te m o d ire ito ,
c o mo o "d e ve r" d e le r, e stud a r e e nte nd e r a s Esc ritura s. Po r e xe mp lo , no mund o
p ro te sta nte , a le itura e o c o nhe c im e nto d a Bíb lia re p re se nta m uma tra d iç ã o . Já
no mund o c a tó lic o , a p e na s há a lg uma s d é c a d a s o s a lto s e sc a lõ e s d a Ig re ja
le va nta ra m a q ue stã o d e uma "a lfa b e tiza ç ã o b íb lic a " d o s fié is. Essa s d ife re nç a s
c ultura is tê m c a usa s histó ric a s p re c isa s.
O p ro b le ma d a s re lig iõ e s b a se a d a s e m uma re ve la ç ã o e sc rita é a líng ua .
O q ue a c o nte c e q ua nd o uma c re nç a d e sse tip o se d ifund e e ntre o utro s p o vo s o u
q ua nd o , no p ró p rio lo c a l e m q ue na sc e , a e vo luç ã o na tura l no d e c o rre r d o s
sé c ulo s fa z a ling ua g e m mud a r? Ac o nte c e , d e fo rma b a na l, q ue a Re ve la ç ã o
c o rre o risc o d e nã o ma is se r c o mp re e nd id a p e la ma io r p a rte d o s c re nte s.
A Bíb lia d o s Se te nta e a Vulg a ta
Ante s me smo d o na sc ime nto d e C risto , o s jud e us, q ue tinha m vá ria s
c o munid a d e s e sp a lha d a s p o r to d o o o rie nte he lê nic o , p re c isa va m e nfre nta r e sse
e xa to p ro b le ma . A Bíb lia (b ib lia , q ue , e m g re g o , sig nific a "livro s"), se nd o na ma io r
p a rte e sc rita e m he b ra ic o ,1 nã o e ra d e fá c il c o mp re e nsã o p a ra muito s jud e us,
p rinc ip a lm e nte o s d e se g und a o u te rc e ira g e ra ç ã o , q ue nã o d o mina va m ma is a
líng ua d e se us a nte p a ssa d o s.
Alé m d isso , ha via muito s "g e ntio s" (o u se ja , "nã o -jud e us") d e líng ua g re g a
q ue se a p ro xima va m c o m c urio sid a d e d o c ulto jud a ic o . Assim , no sé c ulo III a .C , a
c o munid a d e jud a ic a d e Ale xa nd ria , no Eg ito , tra d uziu a s Esc ritura s d o he b ra ic o
p a ra o g re g o , p ro d uzind o a ve rsã o c o nhe c id a c o mo "Bíb lia d o s Se te nta ", p o is
se te nta e rud ito s te ria m tra b a lha d o e m sua tra d uç ã o , p e lo q ue d iz a tra d iç ã o .
Sé c ulo s d e p o is, e m Ro ma , q ua nd o o c ristia nismo já e sta va d ifund id o no
O c id e nte e tinha se to rna d o re lig iã o d e Esta d o , surg iu o me smo p ro b le ma . A Bíb lia
d o s c ristã o s (o u p e lo me no s d o s a d e p to s d a Ig re ja "o fic ia l") e ra c o mp o sta p e lo
"Antig o Te sta me nto " (o u se ja , a ve lha Bíb lia jud a ic a , já tra d uzid a p a ra o g re g o ) e o
"No vo Te sta me nto ", uma c o le ç ã o d e vá rio s te xto s (Eva ng e lho s d e Ma te us, Ma rc o s,
Luc a s e Jo ã o , Ato s d o s Ap ó sto lo s, Ep ísto la s, Ap o c a lip se d e Jo ã o ) e sc rito s e m
g re g o .
Sã o Je rô nimo (347-420) tra d uziu p a ra o la tim — a líng ua ma is d ifund id a
no s te rritó rio s o c id e nta is d o Im p é rio Ro ma no — a Bíb lia c ristã . Aind a ho je , a ve rsã o
p o r e le tra d uzid a é c o nhe c id a c o m o no me d e Vulg a ta (o u se ja , "p o p ula r",
"a c e ssíve l", "d ivulg a d a ").
Sã o Je rô nimo viu-se d ia nte d e q ue stõ e s c o mp le xa s e p e rig o sa s d e tip o
filo ló g ic o e te o ló g ic o , c o mo a adoç ão do c â no ne . De fa to , o s jud e us
c o mp le ta ra m o c â no ne b íb lic o sé c ulo s a p ó s a tra d uç ã o d o s Se te nta , e xc luind o
vá rio s livro s já p re se nte s na e d iç ã o a le xa nd rina (To b ia s, Jud ite I e II, Ma c a b e us,
Ba ruc e La me nta ç õ e s d e Je re mia s, Sa b e d o ria , Ec le siá stic o , p a rte s d e Este r e d e
Da nie l). No fina l, Je rô nimo d e c id iu inc luir e m sua tra d uç ã o o s livro s já p re se nte s na
tra d uç ã o d o s Se te nta , e mb o ra nã o c o nsid e ra nd o to d o s e le s c a nô nic o s.
A q ue stã o d o c â no ne b íb lic o e stá e m a b e rto a té ho je . O s c a tó lic o s
(a p e na s d o p a re c e r c o ntrá rio d e Je rô nimo ) c o nsid e ra m sa g ra d o s to d o s o s livro s
c o ntid o s na Vulg a ta . O s p ro te sta nte s, p o r o utro la d o , c o nsid e ra m o Antig o
Te sta me nto c o mo c â no ne s b íb lic o s ma is re strito s, e , d e a c o rd o c o m a s vá ria s
c re nç a s, o u ma ntive ra m livro s nã o c a nô nic o s c o mo "a p ó c rifo s" o u o s a rra nc a ra m
d e sua s Bíb lia s.
Ma is o u me no s no s me smo s a no s, o b isp o a ria no Wulfila re a lizo u um fe ito
p a re c id o , inve nta nd o um no vo a lfa b e to p a ra tra d uzir a Bíb lia p a ra o g o d o e to rná -
la , a ssim , a c e ssíve l a o s p o vo s g e rmâ nic o s. Um sé c ulo d e p o is, Sã o Pa tríc io d ifund iu
o Eva ng e lho e m líng ua c e lta , p a ra c ristia niza r a Irla nd a .2 Muito ma is ta rd e , Sã o
C irilo siste m a tizo u o a lfa b e to g la g o lític o , a nte p a ssa d o d o a tua l c irílic o , p a ra
d ifund ir sua fé e ntre o s p o vo s e sla vo s.
C o m a q ue d a d o Im p é rio Ro ma no d o O c id e nte , o la tim fo i c a ind o e m
d e suso e , na Euro p a , na sc e ra m a s c ha m a d a s líng ua s "vulg a re s", d a s q ua is d e riva m
no ssa s a tua is líng ua s na c io na is. No iníc io d o sé c ulo XI, na Euro p a , o la tim só e ra
fa la d o d e fa to p o r d o uto re s e jurista s, uma líng ua d e sc o nhe c id a p e la s p e sso a s
c o muns.
Bíb lia - he re sia
Pa re c e ria ló g ic o , p o rta nto , q ue a Ig re ja da épo c a p ro mo ve sse
e ne rg ic a me nte a tra d uç ã o d a Bíb lia p a ra a s no va s líng ua s na c io na is, d e mo d o
q ue o s fié is p ud e sse m , se nã o e stud á -la s (p o uq uíssimo s sa b ia m le r e e sc re ve r), p e lo
me no s o uvi-la e m uma líng ua c o mp re e nsíve l. Ma s nã o . Pe lo c o ntrá rio , a p a rtir d o
sé c ulo XIII, to d a s a s te nta tiva s d e to rna r a s Esc ritura s c o mp re e nsíve is p a ra o p o vo
fo ra m c o nd e na d a s e se us a rtífic e s fo ra m p e rse g uid o s. Po r q uê ? O s he re g e s e
a q ue le s q ue c o nte sta va m o p o d e r d a Ig re ja utiliza va m a s Sa g ra d a s Esc ritura s p a ra
d e mo nstra r p a ra o p o vo c o mo a Ig re ja o fic ia l ha via se d ista nc ia d o do
ma nd a me nto e va ng é lic o o rig iná rio d e p o b re za e humild a d e .
Em 1199, o p a p a Ino c ê nc io III (o p ro mo to r d a C ruza d a c o ntra o s c á ta ro s)
la nç o u-se c o ntra o s le ig o s, ho me ns e mulhe re s, q ue "e m re uniõ e s se c re ta s
c ha ma ra m p a ra si o d ire ito d e e xp o r o s e sc rito s e p re g a r uns a o s o utro s".3 Em 1229,
o C o nc ilio de To ulo use , c o nvo c a d o no sul d a Fra nç a , o nd e ha via m sid o
e xte rmina d a s d e ze na s d e milha re s d e he re g e s, p ro ib iu q ue o s le ig o s p o ssuísse m e
le sse m a Bíb lia , e sp e c ia lme nte a q ue la e m líng ua vulg a r, c o m e xc e ç ã o d o s Sa lmo s
e d o s p a sso s c o ntid o s no s b re viá rio s a uto riza d o s.4
De fa to , o e stud o e a p re g a ç ã o d a Bíb lia e ra m a tivid a d e s re se rva d a s a o
c le ro . O s q ue o usa va m infring ir o sta tus q uo c o rria m o risc o d e se r a c usa d o s d e
he re sia e ma nd a d o s p a ra a fo g ue ira . É p o ssíve l a té a firma r q ue , a p a rtir d e ssa
é p o c a , nã o ho uve ma is p ro c e sso c o ntra he re g e s e m q ue o s ré us nã o fo sse m
a c usa d o s ta mb é m d e "tra d uç ã o e le itura nã o a uto riza d a d o s Eva ng e lho s".
A inve nç ã o d a p re nsa e a s no va s p ro ib iç õ e s
Em me a d o s d o sé c ulo XV, G ute nb e rg inve nto u a p re nsa d e tip o s mó ve is,
e a p rim e ira o b ra a se r p ro d uzid a c o m o no vo siste ma fo i e xa ta me nte a Bíb lia . "A
inve nç ã o d a p re nsa e o uso d o p a p e l c o ntrib uíra m p a ra a ume nta r a d ifusã o d o s
livro s, to rna nd o a he re sia ma is d ifíc il d e se r c o ntro la d a . De fa to , e nq ua nto q ue ima r
um ma nusc rito he ré tic o p ro d uzid o a tra vé s d e um c a nsa tivo tra b a lho d e c ó p ia q ue
d ura va se m a na s o u m e se s p o d ia sig nific a r a a nula ç ã o c o mp le ta d a q ue la
e xp re ssã o d e p e nsa me nto he te ro d o xo e sp e c ífic o — e sp e c ia lme nte se , junto c o m
o ma nusc rito , se u d o no ta mb é m a c a b a va na fo g ue ira —, d e struir to d a s a s c ó p ia s
d e uma e d iç ã o fe ita na p re nsa p a re c ia q ua se imp o ssíve l."5
Em 1492, o s b a sta nte c ristã o s re is d a Esp a nha p ro ib ira m a tra d uç ã o d a
Bíb lia e m líng ua vulg a r. No iníc io d o sé c ulo XVI, uma tra d uç ã o fra nc e sa d o No vo
Te sta me nto fe z ta nto suc e sso q ue a la rmo u a Fa c uld a d e d e Te o lo g ia d e Pa ris e
le vo u o Pa rla me nto , e m 1526, a o rd e na r, p o r fo rç a d e le i, a a p re e nsã o d e to d a s a s
tra d uç õ e s b íb lic a s e a p ro ib ir q ue o s tip ó g ra fo s a s im p rimisse m no futuro .6
Q ua nd o Lute ro c o me ç o u a tra d uzir a Bíb lia e m a le mã o (e o utro s,
a nima d o s c o m se u e xe mp lo , fize ra m o me smo na s vá ria s líng ua s na c io na is), o a lto
c le ro c a tó lic o o a c uso u d e g o lp e . Eis o q ue e sc re ve u uma c o missã o d e p re la d o s
so b re o a ssunto , e m um re la tó rio e nvia d o a o p a p a e m 1553:
É p re c iso fa ze r to d o s o s e sfo rç o s p o ssíve is p a ra q ue a le itura d o
Eva ng e lho ' se ja p e rmitid a o mínimo p o ssíve l... O p o uc o q ue se lê na missa já
b a sta , q ue le r ma is d o q ue a q uilo nã o se ja p e rmitid o a q ue m q ue r q ue se ja .
Enq ua nto o s ho me ns se c o nte nta ra m c o m a q ue le p o uc o , o s inte re sse s d e Vo ssa
Sa ntid a d e p ro sp e ra ra m , ma s q ua nd o se q uis le r ma is, c o me ç a ra m a fic a r
p re jud ic a d o s.
Em sum a , a q ue le livro [o Eva ng e lho ] fo i o q ue , m a is q ue q ua lq ue r o utro ,
susc ito u c o ntra nó s a q ue le s turb ilhõ e s e te mp e sta d e s e m q ue p o r p o uc o nã o no s
p e rd e mo s inte ira me nte .
E se a lg ué m o e xa mina r inte ira e c uid a d o sa me nte e d e p o is c o mp a ra r a s
instruç õ e s d a Bíb lia c o m o q ue se fa z na s no ssa s ig re ja s, p e rc e b e rá lo g o a s
d ive rg ê nc ia s e ve rá q ue no ssa d o utrina muita s ve ze s é d ife re nte e , ma is a ind a ,
c o ntrá ria a o te xto : o q ue q ue r q ue o p o vo e nte nd e sse , nã o p a ra ria d e re c la ma r
d e nó s a té q ue tud o fo sse d ivulg a d o , e e ntã o no s to rna ría mo s o b je to d e d e sp re zo
e d e ó d io d e to d o o mund o .
Po r isso , é p re c iso tira r a Bíb lia d a vista d o p o vo , ma s c o m g ra nd e
c a ute la , p a ra nã o d a r e nse jo a tumulto s.7
Estra nha me nte , a Itá lia d a é p o c a e sta va e m c o nd iç õ e s me lho re s d o q ue
o utro s p a íse s e uro p e us. Lá , no fina l d o sé c ulo XV, já ha via m se d ifund id o vá ria s
d ivulg a ç õ e s d o s livro s sa g ra d o s, a nte c ip a nd o -se à s tra d uç õ e s e m a le mã o e
fra nc ê s, e o utra s fo ra m la nç a d a s na s d é c a d a s se g uinte s, e nc o ntra nd o um no tá ve l
suc e sso d e p úb lic o .8
De p o is d a e xp lo sã o d o c ism a lute ra no , a s a uto rid a d e s e c le siá stic a s
a d o ta ra m um c o mp o rta me nto a mb iva le nte so b re a s tra d uç õ e s ita lia na s d a s
Esc ritura s. De um la d o , to le ra va m-na s c o m re se rva , te nd o e m vista a g ra nd e
re q uisiç ã o d o s fié is (a té o s a na lfa b e to s p o d ia m c o nhe c e r se u c o nte úd o , p e d ind o
q ue a lg ué m o le sse ). Do o utro , a p o sse e a le itura d e uma Bíb lia e m líng ua vulg a r
p o d ia m le va nta r susp e ita s d e he re sia . Fo i, p o r e xe mp lo , o c a so d o p into r Ric c a rd o
Pe ruc o lo , c o nd e na d o p e la Inq uisiç ã o , q ue c o nfe ssa ra c a lm a me nte a o juiz q ue lia
o No vo Te sta me nto p a ra e nte nd e r me lho r o s se rmõ e s d o p a d re .
As tra d uç õ e s d o Antig o e d o No vo Te sta me nto fize ra m ta nto suc e sso
e ntre o p o vo e a s mulhe re s d e to d a s a s c o nd iç õ e s so c ia is q ue a la rma ra m a s
a uto rid a d e s e c le siá stic a s. "Q ua lq ue r um d e nó s q ue r a s c o nd iç õ e s, se ja fê me a o u
m a c ho , id io ta (a na lfa b e to ) o u le tra d o , p a ra e nte nd e r a s mui p ro fund a s q ue stõ e s
d a te o lo g ia e d a e sc ritura d ivina ", e sc re ve u, e sc a nd a liza d o , uma te ste munha d a
é p o c a . E o utro inte le c tua l la me nta q ue "a o s imp uro s, so ld a d o s, ve nd e d o re s d e
fe rro -ve lho , a ç o ug ue iro s, tinture iro s, b a te d o re s d e lã , p e d re iro s e fe rra d o re s
[c o nfe risse m , junto c o m a s mulhe re s, o d ire ito d e ] e xp o r a Esc ritura , fa la r d e a lg o
tã o imp o rta nte e le r p a ra o s p re la d o s d a Ig re ja " (Fra g nito , 1997, p . 73).
A Bíb lia na fo g ue ira
Em 1558, o inq uisid o r d e Ve ne za p ro ib iu q ue o s tip ó g ra fo s d a c id a d e
im p rimisse m tra d uç õ e s d a Bíb lia e m líng ua vulg a r.
O Índ e x (lista d e livro s q ue o s c a tó lic o s e ra m p ro ib id o s d e le r o u p o ssuir,
sa lvo c o m p e rmissã o e sp e c ia l d a a uto rid a d e e c le siá stic a ), d e 1559, ve d a va d e
fo rma p e re mp tó ria q ue q ua lq ue r p e sso a imp rimisse , le sse o u p o ssuísse uma Bíb lia
tra d uzid a e m q ua lq ue r líng ua vulg a r, sa lvo se p e rmitid o p e la Sa nta Inq uisiç ã o d e
Ro ma . Ed iç õ e s p o ste rio re s d o Índ e x re vo g a ra m p e lo me no s p a rte d a p ro ib iç ã o ,
q ue fo i ma ntid a , no e nta nto , p o r p re la d o s ma is ze lo so s.
Em 1571, o b isp o d e C a g li e Pe rg o la p ro ib iu q ue a s c la rissa s d o mo ste iro
d e Mo nte luc e le sse m a Bíb lia e m ita lia no .
O no vo Índ e x, d e 1596, re va lid o u a p ro ib iç ã o . "A Ig re ja te nta va , c o m
uma o p e ra ç ã o se m p re c e d e nte s, sup rimir q ua lq ue r tra ç o re sid ua l d o te xto
sa g ra d o e m ita lia no ." (Fra g nito , 1997, p . 197.) Na s d é c a d a s q ue se suc e d e ra m ,
c e nte na s d e Bíb lia s e Eva ng e lho s p ro ib id o s fo ra m re c o lhid o s e m ig re ja s, c o nve nto s
e re sid ê nc ia s p riva d a s, e q ue ima d o s. Tra ta va -se nã o só d e o b ra s e sc rita s p o r
he re g e s e p ro te sta nte s, ma s ta mb é m d e tra d uç õ e s a p ro va d a s e c o me nta d a s p o r
e c le siá stic o s c a tó lic o s.
Em 1605, o e mb a ixa d o r ve ne zia no Fra nc e sc o C o nta rini, d e fe nd e nd o a
c a usa d a Se re níssima , a me a ç a d a p o r um inte rd ito p a p a l, a firmo u q ue o s te ó lo g o s
ve ne zia no s nã o a ta c a va m a Sa nta Sé e m se us se rmõ e s, ma s se limita va m a e xp o r
p a ssa g e ns d a s Esc ritura s. O p a p a Pa ulo V e ntã o re b a te u: "Nã o sa b e is (c o mo ) a
le itura d a Esc ritura e stra g a a re lig iã o c a tó lic a ? " (Fra g nito , 1997, p . 130.)
Se ria p re c iso e sp e ra r a té 1758 p a ra re ve r na Itá lia tra d uç õ e s d a s
Sa g ra d a s Esc ritura s e m líng ua vulg a r.
C APITULO 9
A Inq uisiç ã o
Entre o s sé c ulo s XI e XII, a s p e na s d e mo rte p a ra o s he re g e s nã o e ra m
m a is um fa to iné d ito , m a s a m a io ria d o c o rp o e c le siá stic o a ind a re luta va e m
a c e ita r a situa ç ã o . Pie r Da mia ni (1007-1072) a firmo u o rg ulho sa me nte q ue o s sa nto s
e stã o d isp o sto s a sa c rific a r a p ró p ria vid a p e la fé , ma s nã o ma ta m he re g e s.
Em 1144, Wa zo , b isp o d e Liè g e , sa lvo u a vid a d e a lg uns c á ta ro s q ue a
multid ã o q ue ria jo g a r na fo g ue ira .1 O a rc e b isp o d e Milã o ta mb é m p ro te sto u
c o ntra a multid ã o q ue ha via linc ha d o a lg uns he re g e s. Be rna rd o d e C hia ra va lle ,
q ue c o ntrib uiu p a ra p re nd e r vá rio s he re g e s, d e c la ro u, no e nta nto , q ue e ste s
d e ve ria m se r c o nq uista d o s c o m a ra zã o , e nã o c o m a fo rç a . Em 1162, o p a p a
Ale xa nd re III (1159-1181), julg a nd o o c a so d e a lg uns c á ta ro s, d e c la ro u q ue "e ra
me lho r p e rd o a r o c ulp a d o d o q ue tira r a vid a d e um ino c e nte ". Em 1165, e m
Na rb o nne , um d e b a te p úb lic o p a c ífic o e xp lic o u a d ife re nç a e ntre c a tó lic o s e
c á ta ro s.2 Em sum a , na Ig re ja , o b se rva va m -se vá ria s te nd ê nc ia s so b re c o mo lid a r
c o m o s he re g e s.
Na ve rd a d e , fo i o p ró p rio "c le me nte " Ale xa nd re III q ue d e u um p a sso
m uito im p o rta nte p a ra o na sc im e nto d a futura Inq uisiç ã o . Usa nd o a s d e lib e ra ç õ e s
d o Te rc e iro C o nc ilio d e La trã o , e le d a ria a o s b isp o s o rd e ns e xp re ssa s p a ra
inve stig a r so b re o s he re g e s, me smo c o m b a se e m me ra s susp e ita s. Ao p o d e r le ig o
fo i re se rva d o o papel de sub o rd ina d o do b ra ç o e xe c utivo da instituiç ã o
e c le siá stic a .3 Ino c ê nc io III (1198-1216), c o m o s d e c re to s Lic e the li, d e 1199, e
Q ua lite r e t q ua nd o , d e 1206, e sta b e le c e u q ue a a c usa ç ã o d e he re sia p o d ia se r
fo rma liza d a me sm o c o m b a se e m "fa ma p úb lic a ", o u se ja , no s b o a to s q ue c o rria m
so b re d a d a p e sso a .4
Em 1229, um c o nc ilio re unid o e m To ulo use , e m uma re g iã o q ue re to ma ra
a "ve rd a d e ira fé " c o m a s a rma s e o e xte rm ínio , c rio u o fic ia lm e nte o Trib una l d a
Sa nta Inq uisiç ã o . Ma is ta rd e , o p a p a G re g ó rio IX (1227-1241) tiro u d o s b isp o s o
c o ntro le d o s p ro c e sso s c o ntra o s he re g e s e o s c o nfio u a c o missá rio s e sp e c ia is
e sc o lhid o s e ntre d o minic a no s e fra nc isc a no s.5 Justa me nte o s me mb ro s d a s o rd e ns
me nd ic a nte s, q ue ha via m sid o a c usa d a s d e he re sia , to rna ra m-se o s ma is fe rre nho s
p e rse g uid o re s d e q ue m p ro fe ssa va id é ia s nã o o rto d o xa s. Muito s c o nve nto s
fra nc isc a no s fo ra m d o ta d o s d e p risõ e s p a ra o s he re g e s, ma s ta mb é m p a ra o s
fra d e s c ulp a d o s d e re b e liõ e s.
A p a rtir d e sse mo vime nto , a Inq uisiç ã o a d q uiriu uma e strutura a utô no ma ,
to rna nd o -se uma ve rd a d e ira p o líc ia d a Ig re ja , c o m ta re fa s d e inve stig a ç ã o e
re p re ssã o . O s inq uisid o re s tinha m p le no s p o d e re s, inc lusive o d e d e p o r e ma nd a r
p re nd e r e c le siá stic o s q ue d e fe nd e sse m he re g e s.
O q ua d ro fo i c o mp le ta d o p o r Ino c ê nc io IV (1243-1254), q ue d e lib e ro u o
re c urso à to rtura p a ra "p ro mo ve r a o b ra d e fé d e ma ne ira ma is ve rd a d e ira ".6 Esta
d e ve ria se r re a liza d a p o r a uto rid a d e se c ula r, ma s d e p o is, p o r q ue stõ e s p rá tic a s, o s
inq uisid o re s e se us a ssiste nte s ta mb é m re c e b e ra m p e rmissã o p a ra "suja r a s mã o s",
c o m a p o ssib ilid a d e d e d a re m a a b so lviç ã o uns a o s o utro s.7
Alé m d a p o lític a de re p re ssã o , a Inq uisiç ã o uso u ta m b é m a de
"c o la b o ra ç ã o ". Aind a Ino c ê nc io IV, e m 1426, a uto rizo u q ue fo sse re d uzid o o
p e río d o d e no vic ia d o p a ra o s c á ta ro s c o nve rtid o s q ue q uise sse m e ntra r p a ra a
o rd e m d o s d o minic a no s e se to rna r inq uisid o re s. Bo nifá c io VIII (1294-1303) p e rmitiu
"q ue no p ro c e sso inq uisitó rio c o ntra a m a ld a d e he ré tic a se a g isse d e m a ne ira
simp le s e e xtra jud ic ia l, lo ng e d a c o nfusã o d o s a d vo g a d o s e d o p ro c e d ime nto
jud ic iá rio ".8
O s te rritó rio s d a c rista nd a d e fo ra m d ivid id o s e m d istrito s, c o rre sp o nd e nte s
à s Pro vínc ia s d a s O rd e ns Me nd ic a nte s. Pa ra c a d a d istrito , e ra d e sig na d o um
inq uisid o r junto c o m um sé q uito d e p o lic ia is, e sp iõ e s e to rtura d o re s. O s trib una is d a
Inq uisiç ã o e ra m itine ra nte s. O te rre no e ra p re p a ra d o p o r um p re g a d o r, q ue
p e rc o rria a s vá ria s c id a d e s e p o vo a d o s a lg uns d ia s a nte s d o inq uisid o r e c o nc e d ia
ind ulg ê nc ia s a to d o s q ue a b jura sse m a e ve ntua is c o nvic ç õ e s he ré tic a s e d e sse m o
no me d e o utro s p e c a d o re s.9 C o nte mp o ra ne a me nte , o p o d e r te mp o ra l ta mb é m
c o ntrib uiu p a ra a luta c o ntra a s he re sia s. Alé m d isso , um Esta d o c ristã o q ue
to le ra sse a he re sia p o d e ria re c e b e r e xc o munhã o , inte rd ito s, a lé m d e c o rre r o risc o
d e se r a lvo d e uma C ruza d a . Fre d e ric o Ba rb a -Ruiva , e m 1184, d e c la ro u o s he re g e s
ile g a is. Em 1197, Pe d ro d e Ara g ã o o s c o nd e no u à fo g ue ira .
C o mo já le mb ra mo s, o Tra ta d o d e Me a ux, d e 1229, q ue suc e d e u a
C ruza d a a ntic á ta ro s, e q uip a ra va o c rim e d e he re sia a o d e le sa -ma je sta d e , d e lito
p uníve l c o m a p e na d e mo rte . O imp e ra d o r Fre d e ric o II e ma no u, e ntre 1220 e
1239, uma sé rie d e e d ito s c a d a ve z ma is c rué is, c o m o s q ua is c o nd e no u o s he re g e s
a o c o nfisc o d o s b e ns, a o e xílio , à p risã o p e rp é tua e , fina lme nte , à fo g ue ira .10
Na Fra nç a , a c o nd e na ç ã o à fo g ue ira , já a p lic a d a d e fa to , to rno u-se le i
p a ra to d o s o s e fe ito s e m 1270. Na Ing la te rra , só fo i a p ro va d a e m 1401, c o m o
e sta tuto q ue tinha o e stra nho no me d e Da ha e re tic o c o mb ure ndo .11
A a lia nç a e ntre tro no e a lta r p a ra fre a r um fe nô me no q ue a me a ç a va
ta nto a a uto rid a d e c ivil q ua nto a re lig io sa se to rno u um d o s tra ç o s c o nstitutivo s d a
Inq uisiç ã o ta mb é m no s a no s se g uinte s à sua c ria ç ã o . O s trib una is d a Inq uisiç ã o
e mitia m sua s c o nd e na ç õ e s, ma s e ra o "b ra ç o se c ula r" q ue a s e xe c uta va .
Po rta nto , uma d e núnc ia a nô nima o u a susp e ita d e he re sia já e ra m
sufic ie nte s p a ra se r inve stig a d o ; susp e ita e ssa q ue p o d ia se r "le ve ", "ve e me nte " o u
"vio le nta ", d e a c o rd o c o m o juiz.12 Até me smo a p rá tic a a ssíd ua d e ma is d a o ra ç ã o
e d o je jum p o d ia le va nta r susp e ita s.
Dia nte d o s trib una is d a Inq uisiç ã o , um susp e ito e ra c o nsid e ra d o c ulp a d o ,
a me no s q ue c o nse g uisse p ro va r a p ró p ria ino c ê nc ia . "Pa ra a Ig re ja , se r
inve stig a d o e q uiva le a se r le g itima me nte susp e ito . O inq uisid o r p o d e rá (o u me lho r,
d e ve rá ) inve stig a r e julg a r, p a rtind o se mp re d a p re sunç ã o d e q ue o im p uta d o —
o u se ja , o ré u — [...] é c ulp a d o , e , c o nse q üe nte me nte , d e ve c o nfe ssa r a p ró p ria
c ulp a , o q ue sig nific a q ue o inq uisid o r nã o d e ve rá julg a r c o m b a se no fa to o u fa to s
p ro va d o s, ma s na susp e ita ; nã o no q ue re té m d o s a to s, m a s no q ue susp e ita se r."
(Me re u, 1200, p . 187.) Esse p ro c e d im e nto se c o ntra sta va b a sta nte c o m o d ire ito
ro ma no e c o m o g e rmâ nic o , d e o rig e m b á rb a ra , a mb o s d e tip o a c usa tó rio (o u
se ja , o a c usa d o r d e ve fo rne c e r a s p ro va s d o q ue a firma , e nã o o c o ntrá rio ) e
b a se a d o s na p re sunç ã o d e ino c ê nc ia .
As p ro va s e o s d e p o im e nto s e ra m c o lhid o s se c re ta me nte , se m o
c o nhe c ime nto d o imp uta d o . A c o nstruç ã o d a a c usa ç ã o nã o e ra na d a sutil:
p o d ia m se r c o lhid o s d e p o ime nto s d e mulhe re s, c ria nç a s, he re g e s, e xc o mung a d o s,
"a rre p e nd id o s", inimig o s p e sso a is, me ntiro so s d e c la ra d o s e c rimino so s. O s p a trõ e s
p o d ia m te ste munha r c o ntra o s e mp re g a d o s, e o s e mp re g a d o s c o ntra o s p a trõ e s.
Na tura lme nte , ta mb é m e ra m vá lid a s a s d e c la ra ç õ e s c o nse g uid a s p o r me io d e
to rtura .
O susp e ito d e he re sia e ra c o nvo c a d o p e lo s inq uisid o re s se m sa b e r a s
mo tiva ç õ e s, e q ua nd o se a p re se nta va , a nte s d e tud o , e ra -lhe p e rg unta d o se tinha
id é ia d a ra zã o p o r q ue fo ra c ha ma d o . Entã o , a s a c usa ç õ e s e ra m lid a s d e fo rma
sumá ria . O ré u nã o tinha d ire ito d e sa b e r q ue m o a c usa va ne m d e c o nfro nta r o s
a c usa d o re s o u le r to d o s o s a to s q ue lhe d izia m re sp e ito . Eve ntua is te ste munha s d e
d e fe sa c o rria m o risc o d e , p o r sua ve z, se re m a c usa d a s d e c ump lic id a d e . Aq ue le s
q ue c o la b o ra va m c o m o s inq uisid o re s, a jud a nd o -o s a p e g a r um susp e ito , p o r
e xe mp lo , o b tinha m , e m c o mp e nsa ç ã o , a s me sma s ind ulg ê nc ia s q ue o s p e re g rino s
q ue ia m à Te rra Sa nta .
O s p ro c e sso s d a Inq uisiç ã o nã o a c a b a va m nunc a com a to ta l
a b so lviç ã o . Me smo q ua nd o nã o e ra c o nd e na d o , o imp uta d o d e via a b jura r a
he re sia d a q ua l e ra a c usa d o . Em to d o s o s c a so s, a instruç ã o c o ntra e le p o d ia se r
a b e rta a q ua lq ue r mo me nto . O m e ro fa to de se r susp e ito de he re sia o
tra nsfo rma va a uto ma tic a me nte e m re inc id e nte e m c a so d e no vo p ro c e sso .
O Ma nua l do inq uisido r, d e Eyme ric h, d e sc re ve uma sé rie d e "ma líc ia s"
d o s a c usa d o s no s p ro c e sso s: d a r re sp o sta s e lusiva s, d ize r q ue nã o sa b e o u fing ir-se
d e lo uc o . C o mo d ife re nc ia r a lg ué m ve rd a d e ira me nte lo uc o d e q ue m fing e sê -lo ?
Eyme ric h nã o te m d úvid a s: "Pa ra te r c e rte za , se rá p re c iso to rtura r o lo uc o , se ja e le
fa lso o u re a l. Se nã o fo r lo uc o , d ific ilm e nte c o ntinua rá sua fa rsa se to ma d o d e
d o r."13 Po r le i, a to rtura só p o d ia se r inflig id a uma ve z, ma s na ve rd a d e e ra re p e tid a
e nq ua nto o inq uisid o r a c ha sse ne c e ssá rio , c o m a d e sc ulp a d e se tra ta r d e uma
únic a se ssã o c o m vá rio s "inte rva lo s".
Se a instruç ã o , a to rtura e o s d e b a te s a c o nte c ia m e m se g re d o , a
se nte nç a e a sub se q üe nte e xe c uç ã o me re c ia m o má ximo d e p ub lic id a d e . C o mo
e xp lic a um e c le siá stic o d o sé c ulo XVI: "É p re c iso le mb ra r q ue o p rinc ip a l e sc o p o d o
p ro c e sso e d a c o nd e na ç ã o à mo rte nã o é sa lva r a a lma d o ré u, ma s b usc a r o
b e m p úb lic o e a te rro riza r o p o vo ... Nã o re sta d úvid a d e q ue instruir e a te rro riza r o
p o vo c o m o p ro fe rim e nto d a s se nte nç a s... se ja uma b o a a ç ã o ."14
"As se nte nç a s [...] e ra m e xe c uta d a s a o s d o ming o s, d ura nte a g ra nd e
missa na c a te d ra l, c o m a p a rtic ip a ç ã o d a s a uto rid a d e s c ivis. O s susp e ito s
c o nfe ssa va m se us e rro s e a b jura va m p ub lic a me nte a nte s d e se sub me te r à
p e nitê nc ia (nunc a c ha ma d a d e p e na o u p uniç ã o ), q ue p o d ia ir d e te mp o d e
re c lusã o à mo rte , p a ssa nd o p e la fla g e la ç ã o o u a p e re g rina ç ã o so b c o a ç ã o .15
Aq ue le s q ue p e rma ne c e sse m o b stina d a me nte fié is a sua s p ró p ria s p o siç õ e s o u
q ue re c a ísse m na he re sia e ra m c o nd uzid o s p a ra fo ra d a ig re ja e e ntre g ue s a o s
ma g istra d o s c o m a re c o me nd a ç ã o de se re m c a rid o so s e nã o c a usa re m
d e rra ma me nto d e sa ng ue . A sup re ma hip o c risia d e tud o isso e sta va no fa to d e
q ue , se o ma g istra d o nã o ma nd a sse a s vítima s p a ra a fo g ue ira no d ia se g uinte ,
se ria p ro c e ssa d o d e c o -a uto ria e m he re sia ."16
To d a via , ne m se mp re a s e xe c uç õ e s p úb lic a s c o nse g uia m c o nc re tiza r
sua inte nç ã o d e intimid a r o p o vo . Às ve ze s, o b tinha m a té o e fe ito c o ntrá rio . Em
1279, p o r e xe mp lo , a multid ã o q ue a ssistia à e xe c uç ã o d a he re g e O livia d e Frid o lfi,
e m Pa rma , fic o u tã o re vo lta d a c o m a c rue ld a d e d o e sp e tá c ulo (p a re c e q ue fo i
q ue ima d a "e m fo g o le nto ") q ue d e u iníc io a um tumulto . O c o nve nto d o minic a no
vizinho , q ue ta mb é m ho sp e d a va o Trib una l d a Inq uisiç ã o , fo i inva d id o e
sa q ue a d o . O s fra d e s q ue lá se e nc o ntra va m fo ra m e xp ulso s a p a ula d a s.17
Ne m o s mo rto s e sc a p a va m d a fo g ue ira . Vá rio s no tá ve is e e c le siá stic o s
(ma is a d ia nte fa la re mo s d o c a so d e Wyc liffe ) fo ra m d e c la ra d o s he re g e s a p ó s a
mo rte , e se us c o rp o s fo ra m e xuma d o s e e ntre g ue s à s c ha ma s. O p rime iro a to d a
Inq uisiç ã o e sp a nho la me d ie va l, p o r e xe mp lo , fo i a e xe c uç ã o p ó stuma d o c o nd e
Ra ymo nd d e Fo rc a lq uie r, e m 1257. A p rá tic a d a c o nd e na ç ã o p ó stuma nã o tinha
a p e na s um va lo r simb ó lic o : a e xc o munhã o e ra re tro a tiva e p re via o c o nfisc o d o s
b e ns p e rte nc e nte s a o s c o nd e na d o s, p re jud ic a nd o o s he rd e iro s le g ítimo s.
Em to d a a histó ria d a Ig re ja , c o mo já vimo s, nã o fa lta ra m c o ntra d iç õ e s,
c rime s, p e rse g uiç õ e s e a té g ue rra s p o r mo tivo s d e fé . Ma s, muita s ve ze s, e ra m
d e c o rre nte s d o fa na tismo o u d a a mb iç ã o d e so b e ra no s o u p o ntífic e s, d o c lima
histó ric o d e o utra s é p o c a s o u d a histe ria c o le tiva . Po d ia -se fa la r d e "luze s e
so mb ra s" d e um fe nô me no c o mp le xo e a rtic ula d o .
A o rg a niza ç ã o da Inq uisiç ã o d e te rmino u um ve rd a d e iro sa lto de
q ua lid a d e d e ntro d o s a p a ra to s b uro c rá tic o s: a e strutura inte rna e c le siá stic a se
mo ld o u e a d a p to u p a ra me lho r re a liza r a o b ra d o s q ue e sta va m e nc a rre g a d o s d e
re ve la r e d e struir o s he re g e s. O s b isp o s fo ra m sup e ra d o s e m sua s p re rro g a tiva s; a
d e la ç ã o , a c o nfissã o e xtra íd a c o m to rtura , o re c urso a sup líc io s p úb lic o s e
e xe c uç õ e s c a p ita is "p a ra d a r o e xe mp lo " se to rna ra m p rá tic a s ha b itua is e a c e ita s,
se nã o a b e nç o a d a s. E c ritic a r o u o b sta r o tra b a lho d o s inq uisid o re s e ra
c o nsid e ra d o d ia b ó lic o .
Ma s, a lé m d isso , a o s p o uc o s c a iu uma p e sa d a c a p a so b re to d a s a s
p rá tic a s re lig io sa s. Po d ia -se re za r e m g rup o , m a s só na s fo rma s e ma ne ira s
c o nse ntid a s p e la Ig re ja . Po d ia -se le r o Eva ng e lho , ma s só c o m uma a uto riza ç ã o
e sc rita . Po d ia m-se ve ne ra r o s sa nto s, ma s a p e na s o s "o fic ia is"; o s mo rto s c o m
"c he iro de sa nto ", nã o re c o nhe c id o s p e la Ig re ja , p o d ia m se r e xuma d o s e
q ue ima d o s p a ra e vita r o na sc ime nto d e c ulto s p o p ula re s inc o ntro lá ve is.18
O se xo e ra p e c a d o , me smo no se io d o ma trimô nio , ma s o c ristã o c a sa d o
q ue fize sse vo to d e c a stid a d e p o d e ria se r susp e ito d e he re sia . Em suma , tud o q ue
nã o e ra p ro ib id o e ra o b rig a tó rio . O u me lho r, à s ve ze s o p ro ib id o e o o b rig a tó rio
c o inc id ia m .
A Inq uisiç ã o me d ie va l c he g o u a o á p ic e d e sua a tivid a d e na me ta d e d o
sé c ulo XIV, p a ra c he g a r a uma le nta d e c a d ê nc ia no s 150 a no s suc e ssivo s, e m
e sp e c ia l na Itá lia .19 O s mo tivo s d o d e c línio re sid ia m p a ra d o xa lme nte no suc e sso d e
sua o b ra , ma s ta mb é m na vulne ra b ilid a d e d a s na sc e nte s mo na rq uia s na c io na is a
q ua lq ue r fo rma d e inte rfe rê nc ia e xte rna .
A histó ria q ue c a uso u o c isma d e Lute ro , p o r e xe mp lo , é tra ta d a p o r
c a na is d ife re nte s d o s inq uisito ria is. Só d e p o is d a d ifusã o d a Re fo rma e m to d a a
Euro p a , a C úria ro ma na re la nç o u a Inq uisiç ã o , c o m a inte nç ã o d e imp e d ir a
d ifusã o d a s id é ia s p ro te sta nte s e m to d o s o s te rritó rio s q ue a ind a p e rma ne c ia m so b
o c o ntro le d a Sa nta Sé .
A Inq uisiç ã o e spa nho la

A Inq uisiç ã o e sp a nho la fo i re to ma d a p o r vo lta d e 1482, p o r inic ia tiva d o


re i Fe rd ina nd o . Sua p rinc ip a l c a ra c te rístic a e ra a c ria ç ã o d e um o rg a nismo c e ntra l
c ha ma d o "C o nse lho d a Sup re ma e G e ra l Inq uisiç ã o ", q ue tinha a ta re fa d e
o rg a niza r e c o o rd e na r o s vá rio s trib una is d istrita is, re ve r o s p ro c e sso s p re sid id o s
p e la s c o rte s lo c a is, julg a r p e sso a lme nte o s c a so s ma is g ra ve s e inve stig a r o s
p ró p rio s inq uisid o re s.
O s me mb ro s d a "Sup re ma " e ra m no me a d o s fo rma lme nte p e lo p a p a ,
ma s q ue m o s e sc o lhia e d irig ia e ra o re i d a Esp a nha . O p ró p rio no me d e
"C o nse lho ", d a d o a o no vo o rg a nism o , já o c a ra c te riza : na é p o c a , o s c o nse lho s
e ra m ó rg ã o s d o g o ve rno q ue e q uiva lia m a o s no sso s ministé rio s (e xistia um
C o nse lho d e Esta d o , um d a Ec o no mia e tc .). O p rim e iro p re sid e nte d a "Sup re ma ",
Die g o Esp ino za , ta mb é m e ra p re sid e nte d o C o nse lho d e C a ste la .20 E a ind a ma is
p o lític a s d o q ue re lig io sa s e ra m a s fina lid a d e s d a no va Inq uisiç ã o : "O m o tivo
(a p a re nte ) d e d e fe sa da fé no s re ino s e sp a nhó is d o sé c ulo XVI e sta va
p e rfe ita me nte c o ne c ta d o à q ue stã o (re a l e ve rd a d e ira ) d a re c o nstruç ã o d a
unid a d e p o lític a e so c ia l d o te rritó rio , d ivid id o e m d o is re ino s (C a ste la e Ara g ã o ),
p e rturb a d o p e la p re se nç a inva so ra muç ulma na (q ue irá se e nc e rra r c o m a
re to ma d a d e G ra na d a ), tra nsto rna d o c o m a s g ue rra s c ivis fina nc ia d a s p e lo s
no b re s e fa lid o , p o r c a usa d e tud o isso , so b o p o nto d e vista e c o nô mic o ."21 A
c o nta mina ç ã o mútua e ntre Ig re ja e Esta d o e o uso d a re lig iã o c o mo instrume ntum
re g ni se to rna ra m c a d a ve z ma is e vid e nte s.
O m a is fa m o so inq uisid o r e sp a nho l fo i, se m d úvid a , o d o minic a no To m á s
d e To rq ue ma d a (1420-1498), filho d e jud e us c o nve rtid o s, ho me m d e vid a e xe mp la r
e irre p re e nsíve l c ujo no me p a re c ia já a ssina la r um d e stino (e m e sp a nho l, to rq ue
sig nific a "e nfo rc a d o ", e q ue ma da , "q ue ima d a "). O re i Fe rd ina nd o q ue ria a
Inq uisiç ã o , m a s fo i To rq ue m a d a q ue a o rg a nizo u m a te ria lm e nte , instituind o um a
um o s trib una is d a s vá ria s p ro vínc ia s d o re ino e re d ig ind o um ve rd a d e iro c ó d ig o
p a ra d isc ip lina s à a ç ã o .
O d o minic a no , no e nta nto , e nc o ntro u o p o siç õ e s vio le nta s à sua o b ra .
Muita s ve ze s, na s c id a d e s p o r q ue p a ssa va , a uto rid a d e s e c id a d ã o s se re c usa va m
a a c o lhê -lo , e a p o p ula ç ã o o insulta va d ura nte se us se rm õ e s p úb lic o s. Fo i, p o r
e xe mp lo , e xp ulso p e la p o p ula ç ã o d e Ba rc e lo na e re je ita d o d a s C o rte s (c o nse lho s
munic ip a is) d e Va lê nc ia e Ara g ã o .
Ap e sa r d e sse s inc id e nte s d e p e rc urso , To rq ue ma d a ma nd o u ma is d e d e z
mil he re g e s à fo g ue ira , a Inq uisiç ã o se ra mific o u p o r to d a a Esp a nha e a s "c o rte s"
d e itine ra nte s se to rna ra m e stá ve is: trib una is e m to d o s o s se ntid o s.
C o mo já fo i d ito , ning ué m e sta va a sa lvo d a s inve stig a ç õ e s d a
Inq uisiç ã o . C o m c e rte za nã o o s no b re s, p a ra o s q ua is e sta va m p re vista s p uniç õ e s
e sp e c ífic a s, c o mo a p ro ib iç ã o d e se ve stir c o m e le g â nc ia , a nd a r a c a va lo e p o rta r
a rma s. Ne m o s p ró p rio s inq uisid o re s, c o ntra o s q ua is a té p e sso a s p o r e le s me smo s
c o nd e na d a s p o d ia m te ste munha r. Q ua lq ue r um p o d e ria utiliza r a e strutura d a
Inq uisiç ã o p a ra a ting ir e ve ntua is riva is, ma s ta mb é m p o d ia se r vítima , e m uma
e sp é c ie d e ving a nç a se m fim. O inq uisid o r d e C ó rd o b a , Luis d e C a p o ne s, p o r
e xe mp lo , viu-se a c usa d o d e 106 d e lito s. Essa situa ç ã o c rio u um c lim a d e m e d o e
susp e ita s g e ra is, e m q ue um d e sc o nfia va d o o utro , d a nd o va nta g e m a o p o d e r d o
re i, únic o á rb itro d e q ua lq ue r p ro c e sso .
Ao c o ntrá rio d o q ue se p o d e ria p e nsa r, a Inq uisiç ã o e sp a nho la tra to u
m uito p o uc o d a s d ita s "b ruxa s". O e p isó d io ma is sig nific a tivo d e p e rse g uiç ã o
a ntife minista d izia re sp e ito à s "ilusa s", c la rivid e nte s itine ra nte s q ue "se fa zia m p a ssa r
p o r sa nta s" e q ue e ra m p unid a s c o m o a ç o ite na s c id a d e s e m q ue p re g a va m.
O s p ro c e sso s p o r b ruxa ria muita s ve ze s se c o nc luía m c o m o q ue ho je
c ha ma mo s d e d e c la ra ç ã o d e d o e nç a me nta l. Ta lve z ta nta "b e ne vo lê nc ia "
e sc o nd e sse uma sub e stima ç ã o d a mulhe r, tã o d e sp re za d a p e la so c ie d a d e
e sp a nho la d a é p o c a q ue nã o e ra c o nsid e ra d a um p e rig o re a l. "Assim, o Sa nto
O fíc io e sp a nho l fe z d a b ruxa uma va rie d a d e d e 'ilusa ', nã o m a is te mid a e
p o d e ro sa , ma s lo uc a e b urra [...] e c o ntrib ui ha b ilme nte p a ra fa ze r q ue a s
mulhe re s so fra m d e a fa sia histó ric a ." (Be na ssa r, 2005, p . 209.) O u ta lve z e xistisse m
na so c ie d a d e e sp a nho la da épo c a o utra s c a te g o ria s d e p e sso a s q ue já
d e se mp e nha va m muito b e m o p a p e l d e b o d e e xp ia tó rio no lug a r d a s b ruxa s,
c o mo jud e us c o nve rtid o s e mo urisc o s, o s muç ulma no s c o nve rtid o s.
O s jude us c o nve rtido s e o s m o urisc o s

G ra nd e p a rte d o te rritó rio e sp a nho l fo ra o c up a d a p o r muito te mp o p e lo s


e mira d o s muç ulma no s, e a p e na s e m 1492 o d o mínio c ristã o se e ste nd e u p o r to d a
a Pe nínsula Ib é ric a . De ntro d o s limite s d o s re ino s c ristã o s, ha via nã o só uma
q ua ntid a d e sig nific a tiva d e muç ulma no s, ma s ta mb é m uma g ra nd e c o munid a d e
jud a ic a , muito flo re sc e nte d o p o nto d e vista e c o nô mic o e c ultura l. Na ve rd a d e , o s
re g ime s islâ mic o s d a é p o c a tinha m p o r há b ito d a r a o s jud e us c o nd iç õ e s me lho re s
d o q ue a s d o s c ristã o s. O suc e sso e c o nô mic o , o e sp írito e mp re e nd e d o r e o
p re stíg io de muito s e xp o e nte s d a c o munid a d e jud a ic a (q ue se to rna ra m
c o nse lhe iro s ta nto na s c o rte s c ristã s q ua nto na s muç ulma na s) a c a b a ra m a tra ind o
c o ntra e le s o ó d io d a p o vo e a inve ja d a no b re za .22
Po r vo lta d o fina l d e sé c ulo XIV, a ho stilid a d e p o p ula r c o ntra o s jud e us
(c ha ma d o s p e jo ra tiva me nte d e "ma rra no s", "p o rc o s") se ma nife sto u a tra vé s d e
ve rd a d e iro s p o g ro m (ma ssa c re s ind isc rimina d o s). Muito s se sa lva ra m fug ind o ,
o utro s se c o nve rte nd o e p ra tic a nd o sua ve rd a d e ira re lig iã o à s e sc o nd id a s. O s q ue
o usa va m fa zê -lo vivia m e m um e sta d o d e a me a ç a c o nsta nte , a ssim c o mo o s
c ristã o s, q ue re je ita va m p ub lic a me nte a p ró p ria re lig iã o , ma s c o ntinua va m a
c e le b ra r se us rito s e m se g re d o : e ra m a c usa d o s d e c rim e d e a p o sta sia e muita s
ve ze s e ra m p unid o s c o m a mo rte .
Em 1391, e m Se vilha , q ua tro mil jud e us fo ra m mo rto s e m uma únic a no ite .
Em 1412, ho uve vá rio s c a so s d e e xp ulsã o , a lg uns e xe c uta d o s p o r "c o nve rtid o s"
c o nd e na d o s p e lo p o ntífic e Nic o la u V. Em 1477, d o is jud e us c o nve rtid o s fo ra m
q ue ima d o s na fo g ue ira e m Lle re na . Um a inve stig a ç ã o c o nd uzid a à é p o c a p o r um
d o minic a no a p uro u q ue q ua se to d o s o s jud e us c o ntinua va m p ra tic a nd o sua
re lig iã o e sc o nd id o s. Essa d e sc o b e rta fo i o p re te xto p a ra no va s p e rse g uiç õ e s a nti-
se mita s e p a ra a vo lta d a Inq uisiç ã o a C a ste la .
Em 1481, fo i c e le b ra d o o p rime iro a uto -d e -fé , no q ua l mo rre ra m se is
c o nhe c id o s c o nve rtid o s. O a uto -d e -fé e ra uma c o nd e na ç ã o à fo g ue ira
e xe c uta d a e m p úb lic o e o rito juríd ic o ma is imp re ssio na nte e so le ne usa d o p e la
Inq uisiç ã o e sp a nho la . O c o nd e na d o e ra a rra sta d o p o r e ntre a multid ã o c o m o s
c a b e lo s ra sp a d o s e ve stid o c o m sa c o s, e ra fe ita uma o ra ç ã o p o r e le e a se nte nç a
e ra c ump rid a . As ima g e ns na s ve ste s e sp e lha va m a p e na : um a c ruz d e Sa nto
And ré , se o ré u ho uve sse se a rre p e nd id o a te mp o d e e vita r o sup líc io ; me ia c ruz, se
ta mb é m tive sse re c e b id o uma multa ; c ha ma s se , a rre p e nd id o in e xtre mis, d e ve sse
se r e stra ng ula d o e d e p o is q ue ima d o ; e d ia b o s e d ra g õ e s e ntre c ha ma s se nã o
tive sse re ne g a d o a p ró p ria p o siç ã o . Q ue m c o nfe ssa va re c e b ia p e na s infe rio re s,
c o mo p e re g rina ç õ e s, p e na s p e c uniá ria s, a ç o ite e m p úb lic o o u a o b rig a ç ã o d e
c o stura r c ruze s e m sua s ro up a s. O s fa lso s a c usa d o re s e ra m o b rig a d o s a c o stura r
na s ro up a s d ua s líng ua s e m te c id o ve rme lho .
Em 1482, Xisto IV p o sic io no u-se c o ntra a lg uns e xc e sso s d a Inq uisiç ã o
e sp a nho la , ma s se us p ro te sto s p e rma ne c e ra m c o mo p a la vra s a o ve nto . O s
d o minic a no s ha via m se to rna d o c o nse lhe iro s d a c o rte , c o nq uista nd o um p a p e l
muito p a re c id o c o m o d e se mp e nha d o p e lo s jud e us e m se u te mp o . Em 1485,
a lg uns jud e us c o nve rtid o s a ssa ssina ra m o inq uisid o r Pe d ro Arb ué s, o q ue c a uso u
um re c rud e sc ime nto d a re p re ssã o . Em Sa ra g o za , no p e río d o e ntre 1486 e 1490, 307
p e sso a s mo rre ra m na fo g ue ira . Em Ma io rc a , no s a no s e ntre 1488 e 1499, fo ra m
e xe c uta d a s 129 se nte nç a s d e mo rte . Em Ba rc e lo na , e m 1491, fo ra m c o mina d a s
129 se nte nç a s, d a s q ua is 126 e m c o ntumá c ia .
Em 31 d e d e ze mb ro d e 1492, um e d ito re a l sub me te u o s jud e us a uma
e sc o lha d rá stic a : o e xílio o u a c o nve rsã o . O p ro vime nto a ting iu ta mb é m um d o s
p a tro c ina d o re s d a e xp e d iç ã o d e C ristó vã o C o lo mb o .
Tra ta me nto simila r fo i re se rva d o aos mo urisc o s, os muç ulma no s
c o nve rtid o s. Em 1492, um tra ta d o firm a d o e ntre o re ino c ristã o e o último so b e ra no
muç ulma no d e G ra na d a p re via , e m tro c a d e sua re tira d a , a g a ra ntia d e
lib e rd a d e d e c ulto p a ra o s islâ mic o s. De z a no s d e p o is, no e nta nto , a ra inha Isa b e l
d e C a ste la sub me te u o s muç ulma no s a o me sm o d ile ma d o s jud e us: o u se
c o nve rte o u va i e mb o ra . Na tura lme nte , muito s á ra b e s re so lve ra m se c o nve rte r e
se mp re fo ra m susp e ito s d e fa lsa c o nve rsã o .
Em G ra na d a , e ntre 1550 e 1580,780 mo urisc o s fo ra m c o nd e na d o s a
vá ria s p e na s. Em Ho rna c ho s (p o vo a d o d e se te mil ha b ita nte s), no b iê nio 1590-
1592, fo ra m julg a d o s 133 p ro c e sso s. Em g e ra l, o s muç ulm a no s c o nve rtid o s fo ra m
c o nd e na d o s a p e na s re la tiva me nte ma is le ve s d o q ue o s jud e us. Era m na ma io ria
c o nfisc o s, multa s o u d e c re to s d e e xp ulsã o . No g e ra l, fo i uma g ue rra é tnic a
fe rre nha q ue e xp ro p rio u b e ns d e á ra b e s e jud e us a b a sta d o s.
A Inq uisiç ã o ro m a na

Em 1542, o p a p a Pa ulo III (1534-1549), c o m a d e mo nstra ç ã o d e e fic á c ia


d a Inq uisiç ã o e sp a nho la , d e c id iu imitá -la p a ra im p e d ir a d ifusã o d a s d o utrina s
p ro te sta nte s.
Fo ra m instituíd o s trib una is te rrito ria is c o m jurisd iç ã o e xc lusiva p a ra to d o s
o s c a so s d e he re sia . Ac im a d e le s, fo i fund a d o um o rg a nismo c e ntra l c o m se d e e m
Ro m a c o m p o sto d e se te c a rd e a is e so b o c o ntro le d ire to d o p o ntífic e , q ue
p a rtic ip a va d e to d a s a s se ssõ e s. O o rg a nismo p o d ia inve stig a r ta mb é m o utro s
p re la d o s e tinha jurisd iç ã o e m to d o o te rritó rio c ristã o , ma s na ve rd a d e tra to u
p rinc ip a lm e nte d a s q ue stõ e s ita lia na s.
O p a p a Júlio III (1550-1555) m a nd o u q ue ima r a s c ó p ia s d o Ta lmud e (um
d o s te xto s sa g ra d o s d o jud a ísmo . Ao c o ntrá rio da To ra , o Ta lm ud e só é
re c o nhe c id o p e lo s jud e us e c o nsiste e m uma c o le tâ ne a d e d isc ussõ e s o c o rrid a s
e ntre sá b io s e me stre s — ra b ino s — so b re o s sig nific a d o s e a s a p lic a ç õ e s d o s
p a sso s d a To ra ) e m mã o s d o s jud e us d e Ro ma 23 e inc luiu a b la sfê mia e ntre o s
c rim e s inve stig a d o s p e la Inq uisiç ã o . O s p le b e us b la sfe m o s e ra m p unid o s c o m a
p e rfura ç ã o d a líng ua , o a ç o ite e o s re mo s p o r trê s a no s. O s b la sfe mo s no b re s, a o
c o ntrá rio , re c e b ia m uma multa , p e rd ia m o título , d ig nid a d e e b e ne fíc io s; e ra m
p ro ib id o s d e fa ze r te sta me nto e re c e b e r he ra nç a ; e ra m c o nsid e ra d o s inc a p a ze s
d e te ste munha r; e e xila d o s d e Ro ma p o r trê s a no s.
Pa ulo IV (1555-1559) to rno u a p ro p o r o c rime d e "he re sia simo nía c a ", q ue
c o nsistia ta mb é m e m o rd e na r me no re s d e id a d e e m tro c a d e d inhe iro , e utilizo u a
inq uisiç ã o p a ra ma nd a r p re nd e r c a rd e a is a d ve rsá rio s se us. Pio IV (1559-1565)
ma nd o u a b so lve r o s c a rd e a is p re so s p o r se u a nte c e sso r p o r d e c re to inq uisito ria l e
o rd e no u a p risã o d e c a rd e a is d a fa c ç ã o c o ntrá ria , junto c o m se us c o la b o ra d o re s
e fa milia re s. Em se g uid a , o s no vo s p re la d o s p re so s fo ra m c o nd e na d o s à mo rte ,
na tura lm e nte , a p ó s um p ro c e sso .2'
Pa ulo IV, Pio IV e se u suc e sso r, Pio V (1565-1572), fo rm a ra m o q ue o s
histo ria d o re s c ha ma m d e "trind a d e d o te rro r, nã o p o rq ue e ra m e sp e c ia lme nte
'm a us', m a s p o rq ue utiliza ra m c o m muito ze lo to d o s o s e xp e d ie nte s ne c e ssá rio s
p a ra luta r sua b a ta lha se m q ue ne nhum g o lp e fo sse e xc luíd o . De Pio V, se rá d ito
q ue o ze lo o fe z se r p ro c la ma d o sa nto [...] A sa ntid a d e fa z fro nte ira c o m o s
mé to d o s p o lic ia is, q ue se to rna um mé rito " (Me re u, 2000, p . 84).
G re g ó rio XIII (1572-1585), a o c o ntrá rio , c o nq uisto u junto a o s b ió g ra fo s a
fa ma d e p o ntífic e "mo d e ra d o ", p o r te r p e rmitid o q ue o s c o nd e na d o s à fo g ue ira
usa sse m uma ro up a c o mum, no lug a r d a q ue la c o m a s c ha ma s q ue e ra m
o b rig a d o s a usa r.
Xisto V (1585-1590) d ivid iu a a d ministra ç ã o p o ntifíc ia em 15
c o ng re g a ç õ e s, c uja p rinc ip a l e ra a d a Sa nta Inq uisiç ã o d a He ré tic a Pra vid a d e ,
d ire ta me nte p re sid id a p o r e le .
Ho m o sse xua lida de

O p a p a Júlio III (1550-1555), a m a nte d o s b a nq ue te s, d a s fe sta s, d a c a ç a


e d a s a p re se nta ç õ e s te a tra is, o rd e no u c a rd e a l um ra p a z d e 17 a no s, q ue o s
e sc rito s d a é p o c a d e finia m p ud ic a me nte c o mo "d e svia d o ". A c o isa p ro vo c o u
p ro te sto s ve e me nte s d e a lg uns a lto s p re la d o s.25
O g e sto d e Júlio III c e rta me nte fo i a g o ta d ’ á g ua , p rinc ip a lm e nte p o r te r
o c o rrid o d ura nte o C o nc ilio d e Tre nto , q ue to rno u a ind a ma is ríg id a a mo ra l se xua l
d a Ig re ja , ma s é fa to q ue , a c e rc a d a ho m o sse xua lid a d e , ha via , se nã o d o utrina s,
a o me no s p rá tic a s d ife re nte s.
É p re c iso re ve r a c ro no lo g ia d o p e c a d o d a so d o mia . O s c o nc e ito s d o
q ue e ra "na tura l" o u "c o ntra a na ture za " se mp re mud o u d e a c o rd o c o m a é p o c a e
o lug a r. O q ue p a re c ia "na tura l" e m uma c iviliza ç ã o e ra c o nd e na d o p o r o utra e
vic e -ve rsa .
Se g und o o mito g re g o e xp o sto p o r Pla tã o no Simp ó sio , e m sua o rig e m , a
huma nid a d e e ra fo rma d a p o r trê s tip o s d e se re s c o mp le to s: o p rim e iro e ra
c o mp o sto p o r d o is ho me ns fund id o s e m um só ; o se g und o , p o r d ua s mulhe re s; e o
te rc e iro , p o r um c a sa l d e ho me m e mulhe r. Pa ra c a stig á -lo s, o s d e use s d ivid ira m
e sse s se re s sup e rio re s, d a nd o vid a à huma nid a d e a tua l, fo rma d a p o r ho me ns e
mulhe re s q ue va g a m p o r a í inc o mp le to s e m uma e te rna b usc a p e la "c a ra -
me ta d e ". De a c o rd o c o m e ssa visã o d a na ture za huma na , p o rta nto , ta nto a s
e sc o lha s he te ro sse xua is q ua nto a s ho mo sse xua is sã o c o mp le ta me nte le g ítima s e
"na tura is". A rig o r, o únic o c o mp o rta me nto q ue va i "c o ntra a na ture za " é o
c e lib a to .
O c ristia nism o tiro u se u d e sp re zo p e la ho mo sse xua lid a d e d o jud a ísmo . A
c ultura jud a ic a (a ssim c o mo a g re g a e a ro ma na ) ta mb é m e ra re sulta d o d e uma
so c ie d a d e p a tria rc a l e g ue rre ira , ho stil à s mulhe re s, c o nsid e ra d a s infe rio re s, e à
fe minilid a d e .
O ho mo sse xua l, q ue se c o mp o rta va "c o mo uma mulhe r", e ra d ig no d e
p ro fund o d e sp re zo e a te nta va c o ntra a o rd e m d o Unive rso d e se ja d a p e lo p ró p rio
De us ("De us c rio u o ho me m à sua im a g e m [...] c rio u-o s ma c ho e fê me a .") 26 Alé m
d isso , d e sp e rd iç a r o sê me n p a ra fins d ife re nte s a o re p ro d utivo e ra c o nsid e ra d o um
g ra ve p e c a d o , c o mo mo stra o e p isó d io d e O na n.
Sã o Pa ulo , q ue c o nsid e ra va sup e ra d a s as rig o ro sa s p ro ib iç õ e s
a lime nta re s jud a ic a s, le vo u p a ra o c ristia nismo o s p re c e ito s c o ntra a s mulhe re s e o s
"so d o mita s". Q ua nd o , no fina l d o sé c ulo IV, o c ristia nismo se to rno u a únic a re lig iã o
d e Esta d o d o Im p é rio Ro ma no , um d o s p rime iro s e fe ito s d a no va é p o c a fo i uma le i
d e 390 q ue p re via a mo rte na fo g ue ira p a ra q ue m p ra tic a sse o ho mo sse xua lismo .27
O im p e ra d o r d o O rie nte , Justinia no , ma nd o u e xe c uta r p ub lic a me nte d o is
b isp o s ho mo sse xua is. Ma s a p e rse g uiç ã o a o s "so d o mita s" só se a c irro u q ua nd o a
Ig re ja C a tó lic a , a p ó s o sé c ulo XI, re a firmo u c o m vig o r o p rinc íp io d o c e lib a to
e c le siá stic o . Era uma te nta tiva d e a sse xua liza r a s re la ç õ e s e ntre o s ho me ns d e
De us e m uma so c ie d a d e (a Ig re ja ) to ta lme nte ma sc ulina . Ma s se a Ig re ja tive sse
im p o sto o c e lib a to se m p unir a so d o mia , o s fié is te ria m e nte nd id o e sse a to c o mo a
d e mo nstra ç ã o d e q ue a instituiç ã o e ra c o mp o sta d e misó g ino s ho mo sse xua is. De
to d o mo d o , p o r sé c ulo s, d ife re nte s o rie nta ç õ e s c o nvive ra m junta s d e ntro d a Ig re ja .
Po r o utro la d o , o p e nite nc ia l d e G re g ó rio III (sé c ulo VIII) im p unha uma
p e nitê nc ia d e 160 d ia s p a ra o le sb ia nismo , d e um a no p a ra a so d o mia e d e trê s
a no s p a ra o p a d re q ue fo sse à c a ç a .28 No sé c ulo XI, d ua s te nd ê nc ia s o p o sta s se
c o nfro nta m so b re e sse a rg ume nto . De um la d o , Sã o Pe d ro Da miã o c ritic o u o s
c lé rig o s q ue se e ntre g a va m à s p rá tic a s ho mo sse xua is e luto u (inutilme nte ) p a ra
q ue fo sse m b a nid o s d a Ig re ja . O a b a d e Ae lre d d e Rie va ux, p o r o utro la d o , te nto u
d e fe nd e r o a mo r e ntre o s ho me ns (a ind a q ue , no fina l, te nha re c o me nd a d o a
c a stid a d e ).
A mo ra l se xua l d a Ig re ja to mo u uma d ire ç ã o ma is c la ra c o m o C o nc ilio
d e La trã o d e 1179, q ue d e te rmino u q ue o s re lig io so s ho mo sse xua is fo sse m
re d uzid o s a o e sta d o le ig o o u à re c lusã o no mo ste iro , p a ra o s c lé rig o s, e à
e xc o m unhã o , p a ra o s le ig o s. De to d o m o d o , nunc a ho uve uma C ruza d a c o ntra o s
ho mo sse xua is ne m uma p e rse g uiç ã o siste má tic a p o r p a rte d a Inq uisiç ã o , c o mo
a c o nte c e u c o m a s he re sia s. A Ig re ja , na ve rd a d e , nunc a re c o nhe c e u o s
ho mo sse xua is c o mo um g rup o , limita nd o -se a c o nd e na r o s c o mp o rta me nto s, ma s
p e d ind o a o s g o ve rno s "le ig o s" q ue o s p unisse m.
A p a rtir d o sé c ulo XIII, vá rio s p a íse s e uro p e us a d o ta ra m le g isla ç õ e s muito
se ve ra s c o ntra a s p rá tic a s ho mo sse xua is. Po r e xe mp lo , na Fra nç a , um c ó d ig o
p re via a fo g ue ira p a ra q ue m re inc id isse no c rime d e so d o mia , p e na q ue a ting ia
ta mb é m a s mulhe re s. E p a re c e q ue o te rm o "fino c c hio ", q ue e m ita lia no sig nific a
func ho e é usa d o p e jo ra tiva me nte p a ra d e sig na r ho mo sse xua is, d e riva d o
c o stume d e q ue ima r p la nta s a ro má tic a s na s fo g ue ira s, p a ra e nc o b rir o fe d o r d a
c a rne . O c o nfisc o d e b e ns e m fa vo r d o so b e ra no e ra uma d a s p e na s a c e ssó ria s, o
q ue , e m a lg uma s é p o c a s, e nc o ra ja va o s mo na rc a s a fa ze r d e tud o p a ra
c o mb a te r o ho mo sse xua lismo .
Muita s ve ze s, o c rime d e so d o mia e ra c o lo c a d o no me smo c a ld e irã o
q ue o s d e he re sia e b ruxa ria . Po r e ssa ra zã o , nã o é simp le s q ua ntific a r o núme ro
e xa to d e vítima s.
Um e stud o re c e nte 29 so b re p ro c e sso s p o r so d o mia julg a d o s e m Bo lo nha
no sé c ulo XVI, re ve lo u d a d o s muito inte re ssa nte s. De o ito p ro c e sso s d e so d o mia
c o ntra 11 a c usa d o s, c inc o e ra m e c le siá stic o s. Do s o ito a c usa d o s le ig o s, trê s fo ra m
c o nd e na d o s à mo rte (p o r e nfo rc a me nto o u d e c a p ita ç ã o ), c inc o fo ra m b a nid o s
p e lo re sto d a vid a . Do s c inc o e c le siá stic o s, a p e na s um fo i c o nfina d o no c o nve nto
p o r trê s a no s. Pa ra o s o utro s q ua tro , o p ro c e sso nã o se g uiu e m fre nte o u fo i
e nc e rra d o se m c o nd e na ç ã o . Nã o se p o d ia a d mitir q ue no inte rio r d o c le ro , tã o
ríg id o na ho ra d e re g ula me nta r o s c o stume s se xua is d o s o utro s, ho uve sse
"so d o mita s". Alé m d isso , se o p o d e r sa g ra d o d o c le ro se b a se a va na c a stid a d e ,
c o lo c á -la e m q ue stã o a me a ç a va sua le g itimid a d e .

C APÍTULO 10

A c a ç a à s b ruxa s

Do r se m c o nse lho , sa c o se m fund o , fe b re c o ntínua q ue nunc a te rmina ,


b e sta insa c iá ve l, fo lha le va d a p e lo ve nto , b a stã o va zio , lo uc a d e sva ira d a , m a l
se m ne nhum b e m , e m c a sa um d e mô nio , na c a ma uma va d ia , na ho rta uma
c a b ra , ima g e m d o Dia b o .
Em g e ra l, fa la r d e c a ç a à s b ruxa s sig nific a vo lta r à é p o c a me d ie va l. A
p e rse g uiç ã o e m ma ssa e o s ma ssa c re s, no e nta nto , c o ntinua ra m muito d e p o is
d e sse p e río d o . As g ra nd e s o nd a s re p re ssiva s c o ntra a s b ruxa s e o s he re g e s
a c o nte c e ra m , na ve rd a d e , d e 1480 a 1520, p e río d o a o q ua l suc e d e ra m uma
re la tiva p a usa e uma no va o nd a d e p e rse g uiç õ e s d e 1580 a 1670.
Aq ue la q ue na Id a d e Mé d ia fo ra uma g ue rra a b e rta c o ntra p o p ula ç õ e s
inte ira s q ue ha via m e sc o lhid o uma vid a c o munitá ria (c o mo o s c á ta ro s e
d ulc inista s) se tra nsfo rmo u e m uma p e rse g uiç ã o d e e stilo p o lic ia l e m la rg a e sc a la
d e stina d a a e xtirp a r a e rva d a ninha d a d e so b e d iê nc ia ,
A le g isla ç ã o c ristã lo g o p a sso u a c uid a r d a b ruxa ria , a sso c ia nd o -a a o
p a g a nismo e c o nsid e ra nd o -a uma fo rma de he re sia . "A mo tiva ç ã o e ra
tip ic a me nte te o ló g ic a : q ue m usa a s a rte s d a m a g ia re je ita o p o d e r livre e
lib e rta d o r d o De us d e Je sus, e nq ua nto te nta e sta b e le c e r uma e sp é c ie d e d o mínio
so b re re a lid a d e s te rre na s [e ] so b re a vid a huma na e m si." (Be na zzi, D'Amic o , 1998,
p . 258-9.)
O s p rim e iro s ma nd a nte s d o fe nô me no e ra m muito c é tic o s a c e rc a d a
re a l e xistê nc ia d o s p o d e re s so b re na tura is d a s b ruxa s e ma g o s. O C â no ne
Ep isc o p a l, um d o c ume nto e c le siá stic o d o sé c ulo XIX, d iz: "Nã o no s e sq ue ç a mo s
d a s mulhe re s d e sve ntura d a s q ue se o fe re c e ra m a Sa ta ná s, se ssõ e s d e
e nc a nta me nto e fa nta sma s d e o rig e m d ia b ó lic a , a firma ra m te re m mo nta d o
a nima is d ura nte a no ite junto à d e usa p a g a Dia na e fize ra m isso c o m vá ria s o utra s
mulhe re s... Muita s se d e ixa ra m e ng a na r p o r e ssa s c o isa s e a c ha m q ue tud o é
ve rd a d e , a fa sta nd o -se d a ve rd a d e ira fé [...] Ma s q ue m p o d e se r tã o to lo a p o nto
d e c re r q ue tud o isso a c o nte c e [...] e c o rp o ra lme nte ? "2
Enfim, q ue m p ra tic a va b ruxa ria c o me tia um p e g a d o g ra ve , ma s a s a rte s
má g ic a s e m si nã o re p re se nta va m um p e rig o .
A p a rtir d o sé c ulo XI e a té a m e ta d e d o XIII, a a te nç ã o d a Ig re ja se
c o nc e ntra va ma is na s he re sia s, c o mo a s d o s c á ta ro s e va ld e nse s, e o mund o d o
o c ultismo fo i, e m p a rte , ig no ra d o .
Bruxa ria e he re sia

As c o isa s c o me ç a ra m a mud a r d e p o is d o na sc ime nto d a Inq uisiç ã o . O


d e slo c a me nto d a p e rsp e c tiva e ntre a s p rime ira s e b ra nd a s p e rse g uiç õ e s e a s
suc e ssiva s, ma is siste má tic a s, é fund a m e nta l. Se g und o e ssa no va visã o , na
ve rd a d e , o De mô nio se to rna um se r físic o , q ue p o d e p o ssuir e te r a lia d o s na Te rra ,
q ue te m um e xé rc ito p ró p rio e uma Ig re ja . A b a ta lha e ntre o b e m e o ma l se
c o nc re tiza tra nsfo rma nd o -se e m uma g ue rra e m se ntid o físic o , a lé m d o me ta físic o .
Em 1258, Ale xa nd re IV c o nd e no u a s p rá tic a s má g ic a s. Em 1320, Jo ã o XXII
e nc a rre g o u o s inq uisid o re s d e To ulo use d e inte rvir c o ntra o s b ruxo s. Em 1436, o juiz
C la ud e Tho lo sa n d e c la ro u q ue o s ma g o s e b ruxa s nã o tinha m d ire ito a
ind ulg ê nc ia s da Ig re ja e c o nsid e ro u susp e ita s a té p rá tic a s p o p ula re s
a p a re nte me nte inó c ua s, c o mo a c o lhe ita d a s p la nta s d ura nte a fe sta d e Sa nto
Antô nio . Em 1451, Nic o la u V e xo rto u o s inq uisid o re s a p unir o s a d ivinho s me smo
q ua nd o nã o ho uve sse uma c o nd iç ã o e vid e nte d e he re sia : a Inq uisiç ã o p o d ia ,
a ssim, a ting ir ta mb é m a sup e rstiç ã o p o p ula r.3 Po r vo lta d o fina l d o sé c ulo XV, o
b isp o d e Pa ris d e te rmino u a e xc o munhã o a q ua lq ue r um q ue le sse a s mã o s.
Dura nte to d o s o s sé c ulo s XIV e XV, suc e d e ra m-se , c o m p re o c up a nte
a ume nto , vá rio s tra ta d o s so b re b ruxa ria e inte rve nç õ e s d e jurista s so b re o a ssunto .
Se rá d ito q ue , no insta nte e m q ue a c e ita m te r re la ç õ e s c o m o De mô nio , a s b ruxa s
se ma nc ha m c o m o c rim e d e he re sia . O u me lho r, e la s c he g a m a c o nstituir uma
ve rd a d e ira se ita q ue luta p e la d e struiç ã o d a Ig re ja .
Ao s he re g e s ta mb é m sã o a trib uíd o s ma le fíc io s e p a c to s d ia b ó lic o s. O s
Te mp lá rio s fo ra m a c usa d o s d e he re sia , b ruxa ria e d e a d o ra ç ã o a um íd o lo
c ha ma d o Ba fo me to . O s va ld e nse s d e Arra s, p ro c e ssa d o s d ura nte o sé c ulo XV,
c o nfe ssa ra m , so b to rtura , a filia ç ã o a uma se ita d e a d o ra d o re s d o d ia b o . Ele s ia m
vo a nd o a o s sa b á s, o nd e a b jura va m a re lig iã o c ristã e b la sfe ma va m c o ntra De us,
a Trind a d e e No ssa Se nho ra .4
O s c á ta ro s fo ra m a c usa d o s d e te r o no me d e riva d o d e C a to , d e mô nio
q ue a d o ra va m.
O o b je tivo d e ta is c o mp a ra ç õ e s é c la ro : se a s b ruxa s e ra m p o r d e finiç ã o
he re g e s, e ntã o he re g e s ta mb é m e ra m o s ma g o s. Assim, b ruxa s e he re g e s
c o nstituía m um únic o g ra nd e inimig o c o mum d o p o d e r e sp iritua l e d o c ivil. Se m
c o nta r q ue o ró tulo d e "ma g o " c o ntrib uía p a ra q ue ima r a te rra e m vo lta d o s
p re g a d o re s he ré tic o s e to rna va ma is fá c il a tiç a r o ó d io d o p o vo c o ntra e le s.
A b ula p a p a l Summis d e sid e ra nte a ffe c tib us, p ro mulg a d a p o r Ino c ê nc io
VIII, e m 5 d e d e ze mb ro d e 1484, ma rc o u a d a ta d e iníc io d a q uilo q ue se to rno u um
ve rd a d e iro e xte rmínio e m ma ssa d e mulhe re s e ho me ns a c usa d o s d e b ruxa ria .
Ne sse d o c ume nto , o p a p a , a la rma d o p e la s no tíc ia s p ro ve nie nte s d o no rte d a
Ale ma nha , o nd e p a re c ia q ue o s c ulto s sa tâ nic o s e a b ruxa ria tinha m muito s
a d e p to s, d a va a o s inq uisid o re s p le no s p o d e re s p a ra e xtirp a r o fe nô me no .5
Do is a no s d e p o is, fo i o p o d e r le ig o q ue inte rve io . O im p e ra d o r
Ma ximilia no d a Áustria e m a no u uma o rd e m na q ua l c o nvid a va to d o s o s b o ns
c a tó lic o s a a jud a r o s inq uisid o re s e m sua o b ra .
O Marte lo das fe itic e iras

No me smo a no , sa iu o Ma lle us Ma le fic a rum (Ma rte lo da s fe itic e ira s), um


ve rd a d e iro tra ta d o re p ro d uzid o a tra vé s d a no va té c nic a d a p re nsa inve nta d a p o r
G ute nb e rg , q ue d e sc re via p o r c o mp le to o mund o d a s b ruxa s, se us ma le fíc io s,
c o mo re c o nhe c ê -la s e c o mo c o nd uzir o s inte rro g a tó rio s. A te se d o Ma lle us e ra q ue
a b ruxa ria e xistia e q ue e ra uma fo rm a d e he re sia , a ssim c o mo ne g a r sua
e xistê nc ia e ra um c o mp o rta me nto he ré tic o . Se us a uto re s, Krä me r (vulg o Instito ris) e
Sp e ng le r, sã o d o is te ó lo g o s d o minic a no s. Krä me r, e m e sp e c ia l, e ra um c o nhe c id o
e inc a nsá ve l inq uisid o r inte rna c io na l, fa m o so p o r p e rse g uir o s va ld e nse s, hussita s e
a s b ruxa s. Sua c o nd uta na Ale ma nha me rid io na l a tra iu p a ra si o d e sp re zo d o s
e c le siá stic o s lo c a is e o ó d io d a p o p ula ç ã o , q ue c he g o u a um p a sso d a re vo lta . Ele
a tuo u ta mb é m na d io c e se d e Bre ssa no ne , ma s o b isp o G e o rg G o lse r o a fa sto u e m
ra zã o d e sua c rue ld a d e e a rb itra rie d a d e , q ue m a is uma ve z c o ntrib uíra m p a ra
a tra ir a ira d o p o vo . O Ma rte lo da s fe itic e ira s, q ue fo i imp re sso a té 1669, to rno u-se
um ve rd a d e iro b e st-se lle r na é p o c a .
Muito s o utro s "c a ç a d o re s d e b ruxa s" e sc re ve ra m d isse rta ç õ e s so b re o
a ssunto , d e ntre o s q ua is Je a n Bo d in, o b stina d o inq uisid o r e p e rse g uid o r q ue , p o r
sua ve z, fo i a c usa d o d e he re sia , e He nry Bo g ue t, inq uisid o r suíç o q ue e ntro u p a ra a
histó ria p o r p e d ir a c o nd e na ç ã o à mo rte d e a lg uma s c ria nç a s a c usa d a s d e
b ruxa ria .6
As á re a s ma is a ting id a s p e la c a ç a à s b ruxa s fo ra m Arto is, Fla nd re s,
Hina ut, C a mb ré sis, Bra b a nte , Luxe mb urg o , Lo re na , Re nâ nia , a s re g iõ e s d o sul d a
Ale ma nha , a Bo rg o nha , o s Pa íse s Ba sc o s e o Pie mo nte .7
De c e rto p o nto d e vista , a c a ç a à s b ruxa s to rno u-se uma g ig a nte sc a
g ue rra d o p o d e r ma sc ulino c o ntra a s mulhe re s e c o ntra a s última s fo rma s d e
ma tria rc a d o .
Po r e xe mp lo , fo i tira d o d o g ê ne ro fe minino o "p o d e r" d e c ura r o s ma le s e
a ssistir no p a rto , e ntre g a nd o -o s a o mo no p ó lio d a c a sta ma sc ulina d o s mé d ic o s. O
Ma lle us Ma le fic a rum a firma c la ra me nte q ue "ning ué m p re jud ic o u ma is a Ig re ja d o
q ue a s p a rre ira s". Nã o é p re c iso se e sfo rç a r m uito p a ra e nc o ntra r na lite ra tura , na
te o lo g ia , ma s ta mb é m no s tra ta d o s d e m e d ic ina d a é p o c a , a firma ç õ e s d e fo rte
d e sp re zo , se nã o d e ó d io , à s mulhe re s. Um e xe m p lo d e La ure nt Jo ub e rt, mé d ic o
d o sé c ulo XVI, a firm a : "Po r si m e sm o ind ife re nte é o sê me n... e ste muita s ve ze s
d e g e ne ra na fê me a p o r c a usa d a frie za e d a umid a d e ... e p e la a b und a nte
p re se nç a d e sa ng ue me nstrua l c ru e ind ig e sto ."8 Po r o utro la d o , To m m a so
C a mp a ne lla e sc re ve u: "As mulhe rzinha s, q ue c o nso me m um p é ssimo a lime nto , o u
p e lo sa ng ue me nstrua l, o u p e lo s e xc re me nto s re tid o s no úte ro to ma d o d e va p o re s
d a c o nc e p ç ã o , a c a b a m p e rturb a d a s e re a liza nd o a to s p a ra re c e b e re m o s
d e mô nio s."9
Ho me ns e p e rso na lid a d e s d e a lta e stirp e ta mb é m fo ra m c o nd e na d o s à
fo g ue ira , m a s isso nã o im p e d e q ue a g ra nd e m a io ria d a s vítim a s fo sse d e mulhe re s
p o b re s, muita s ve ze s à ma rg e m d a so c ie d a d e . Às ve ze s, a fig ura d a b ruxa
p a rte ira / c ura nd e ira se c o nfund ia c o m a d a p ro stituta . Entã o , re a p a re c ia um
p e rso na g e m so c ia l d e g ra nd e p o d e r q ue a ind a p o ssuía a linfa d a s sa c e rd o tisa s
d o s c ulto s ma tria rc a is. Nã o sa b e mo s q ua nto d isso e ra re a l e q ua nto e ra uma
fa nta sia d o s inq uisid o re s. É ve rd a d e , no e nta nto , q ue , e m a lg uma s lo c a lid a d e s
(p o r e xe mp lo , no s te rritó rio s e sla vo s), o s c ulto s ma tria rc a is q ue re mo nta va m a
q ua tro , c inc o mil a no s a nte s d e C risto so b re vive ra m p o r muito te m p o , a té d e p o is
d o sé c ulo XVII, à s ve ze s c a mufla d o s d e rito s c ristã o s, à s ve ze s p ra tic a d o s p e lo p o vo
à s e sc o nd id a s — c o mo a c o nte c e u p o r muito te mp o c o m o s rito s ma tria rc a is d o s
e sc ra vo s ne g ro s na s Amé ric a s.
A lo uc a e ng re na g e m da Inq uisiç ã o

No fina l d o sé c ulo XV, a Inq uisiç ã o já e ra uma má q uina b e m lub rific a d a


e ro d a d a p a ra e limina r o s he re g e s. O suc e sso e a c a rre ira d o s inq uisid o re s
d e p e nd ia m d o núme ro d e p ro c e sso s julg a d o s e d a s c o nd e na ç õ e s e xe c uta d a s.
Ta mb é m se a c re d ita va q ue o p o vo d e via se se ntir c o nsta nte me nte a me a ç a d o
p e la visã o d o s c a stig o s e xe mp la re s, p a ra nã o o usa r sa ir d o re c into d a ve rd a d e ira
fé . As fo g ue ira s e a s mo rte s e m p ra ç a p úb lic a se rvia m d e e xe mp lo .
Po r so rte , nã o fa lta ra m p e sso a s q ue se o p use ra m a o c lima d a é p o c a ,
c o mo o filó so fo e ma te má tic o Nic o la u d e C usa . Em 1457, e le julg o u, na q ua lid a d e
d e b isp o d e Bre ssa no ne , o c a so d e d ua s mulhe re s q ue ha via m c o nfe ssa d o te r sid o
tra nsp o rta d a s a um sa b á p o r uma miste rio sa mulhe r c ha ma d a Ric he lla , a p ó s
te re m a b a nd o na d o a fé c ristã e te re m visto ho me ns d e vo ra nd o c ria nç a s nã o
b a tiza d a s.
De C usa e nc e rro u o c a so c o mo se fo sse um so nho e c o nd e no u a s
mulhe re s a uma simp le s p e nitê nc ia . A c re nç a na b ruxa ria , d e a c o rd o c o m o
ra c io c ínio d o b isp o , a lime nta va na s p e sso a s o me d o d o d ia b o , a p o nto d e fa zê -la s
a c re d ita r q ue e ste fo sse ma is p o d e ro so q ue o p ró p rio De us.10
Em 1489, Urlic h Mülle r d e c la ro u q ue a s b ruxa s nã o e ra m na d a a lé m d e
mulhe re s p o b re s d o mina d a s p o r uma ilusã o d ia b ó lic a . No iníc io d o sé c ulo XVI, o
fre i Sa mue l De C a ssinis c he g o u a a c usa r o s inq uisid o re s d e he re sia , p o is
a c re d ita va m no s sa b á s, e luto u p a ra q ue o s trib una is d e vo lve sse m a o s p a re nte s
d a s b ruxa s e xe c uta d a s o s b e ns q ue ha via m c o nfisc a d o . O huma nista And ré a
Alc ia to , e m 1544, a firmo u a inutilid a d e d a p e rse g uiç ã o à s b ruxa s. Em 1553, o
mé d ic o Jo ha nn We ye r a firmo u q ue a s b ruxa s e ra m a p e na s p o b re s mulhe re s
vítima s d e a luc ina ç õ e s. Po r c a usa d e ssa te o ria , fo i a ta c a d o vio le nta me nte p e lo s
te ó lo g o s c a tó lic o s e p ro te sta nte s.11 Em 1594, Re g ina ld Sc o t p ub lic o u um livro
c o ntra o s e xc e sso s c o me tid o s d ura nte a c a ç a à s b ruxa s. As c ó p ia s d o vo lume
fo ra m q ue ima d a s p o r o rd e m d o re i d a Esc ó c ia .
No iníc io d o sé c ulo XVII, o re na no C o rne lius Lo o s te nto u inutilme nte
ma nd a r imp rimir uma o b ra e m q ue a c a b a va c o m a fa nta sia d o s sa b á s, d a s
c a va lg a d a s no turna s e d a s ne g o c ia ç õ e s so m o d e mô nio . Ele fo i o p rim e iro a
id e ntific a r na s b ruxa s uma c ultura a lte rna tiva à d o mina nte e muito a rra ig a d a e ntre
o s p o b re s. Po r sua s id é ia s, fo i c o nd e na d o à fo g ue ira , m a s mo rre u d e p e ste na
p risã o a nte s d a e xe c uç ã o .
Em 1631, o je suíta a le mã o Frie d ric h vo n Sp e e , e m se u tra ta d o C a utio
C rimina lis, se u d e p ro c e ssib us c o ntra sa g a s, a firmo u: "Enve rg o nho -me d e c o nfe ssa r
q ue , p rinc ip a lme nte na Ale ma nha , e ntre c a tó lic o s e o p o vo , e stã o p re se nte s
sup e rstiç õ e s ina c re d itá ve is [...] q ue [...] re c a e m ma is so b re a s p o b re s mulhe re s. [...]
C o m a to rtura , um inq uisid o r c o nse g uiria fa ze r a té o p a p a c o nfe ssa r-se b ruxo ."12
To d a via , a té a me ta d e d o sé c ulo XVII, e sse s tip o s d e ma nife sta ç õ e s e ra m se mp re
iso la d o s.
O pro c e sso

O p ro c e sso p o r b ruxa ria a c o nte c ia p a ra le la me nte a o d e he re sia e p o d ia


se r instruíd o c o m b a se e m uma me ra susp e ita (o u simp le sme nte "a p a re c e r no
so nho " d e o utra p e sso a ). As d e la ç õ e s a nô nima s ta mb é m va lia m. Na s ig re ja s,
c he g o u a se r c o lo c a d a uma urna p a ra a s d e núnc ia s, p a re c id a c o m a d a s o fe rta s.
Assim q ue a a ud iê nc ia c o me ç a va , a sup o sta b ruxa e ra c o nvid a d a a
c o nfe ssa r e a b jura r o d e mô nio ; se nã o o fize sse , e ra to rtura d a . Entre a s p ro va s d a
p o sse ssã o d ia b ó lic a e sta va a p re se nç a d e sina is e sp e c ífic o s no c o rp o d a b ruxa .
Po d ia se r uma ma nc ha na p e le , uma ve rrug a , um c a lo o u q ua lq ue r "imp e rfe iç ã o ".
Aq ue la e ra a ma rc a d e ixa d a p e lo Dia b o . O utro e le me nto d e a va lia ç ã o e ra o
O rd á lio . No c a so d e susp e ita , ve r a ré c ho ra nd o o u la c rime ja nd o já b a sta va p a ra
o s juíze s (a c re d ita va -se q ue a s b ruxa s nã o p o d ia m c ho ra r, ma s q ue o Dia b o p o d ia
simula r a s lá g rima s). No s c a so s ma is g ra ve s, re c o rria -se à p ro va d a á g ua : a
a c usa d a (muita s ve ze s a ma rra d a a uma g ra nd e p e d ra ) e ra jo g a d a na á g ua . Se
a fund a sse , e ra ino c e nte . Se , a o c o ntrá rio , b o ia sse , q ue ria d ize r q ue e ra c ulp a d a ,
se nd o p ro te g id a p o r um so rtilé g io d o d e mô nio . O s inte rro g a tó rio s e ra m re a liza d o s
e m me io a p e rg unta s e a rma d ilha s c ria d a s e sp e c ia lme nte p a ra c o nfund ir o
imp uta d o . Po r e xe mp lo , d ia nte da p e rg unta "Vo c ê a c re d ita e m b ruxa s? ",
re sp o nd e r "nã o " sig nific a va ne g a r a p ró p ria e xistê nc ia d o Dia b o e , a ssim, a ssumir o
c rime d e he re sia . Re sp o nd e r "sim" o c a sio na va o utra s p e rg unta s d o s juíze s, c o mo :
"Q ua nta s b ruxa s vo c ê c o nhe c e ? " e a ssim p o r d ia nte .
As b ruxa s, p o r sua ve z, e sp o nta ne a me nte o u so b to rtura , muita s ve ze s
a c usa va m o utra s p e sso a s q ue sup o sta me nte te ria m p a rtic ip a d o c o m e la s d o s
sa b á s e q ue a c a b a ra m p ro c e ssa d a s. Às ve ze s, a s a c usa d a s, p o r ving a nç a , d a va m
o s no me s d o s p ró p rio s a c usa d o re s, c ria nd o , a ssim, uma lúg ub re re a ç ã o e m c a d e ia
q ue p o d ia d ura r a no s e e nvo lve r c e nte na s d e p e sso a s.
Ma s o p ro c e sso p o r b ruxa ria tinha uma d ife re nç a muito imp o rta nte e m
re la ç ã o à q ue le p o r he re sia . O he re g e q ue c o nfe ssa sse e a b jura sse ime d ia ta me nte
d ia nte d o s juíze s p o d ia se r a b so lvid o lo g o o u, no má ximo , re c e b e r uma le ve
p uniç ã o (c o nsta nd o d o s a uto s q ue , se fo sse no va me nte p ro c e ssa d o , a mo rte se ria
c e rta ). A b ruxa q ue c o nfe ssa sse "e sp o nta ne a me nte " se ria a b so lvid a d a a c usa ç ã o
d e he re sia , ma s o s juíze s ma nd a ria m se u c a so a o trib una l "le ig o " p a ra q ue so fre sse
o s e fe ito s "c ivis" d e sua s a ç õ e s.13
As p e na s p o r b ruxa ria va ria va m d e c a stig o s c o rp o ra is e p e río d o s d e e xílio
a , no s c a so s ma is g ra ve s, p risã o p e rp é tua o u a fo g ue ira . Às ve ze s, c o mo g e sto d e
c le mê nc ia , a b ruxa e ra e stra ng ula d a a nte s d e se r q ue ima d a . Às ve ze s, e ra m
q ue ima d o s junto c o m a b ruxa o s a uto s d o p ro c e sso , c o mo a to d e p urific a ç ã o . Po r
isso , ta mb é m , nã o há c o mo d o c ume nta r o núme ro e xa to d e b ruxa s e xe c uta d a s,
a p e na s a p ro xima d a me nte .
As e stima tiva s ma is p rud e nte s d ã o , p a ra o p e río d o e ntre o fina l d o sé c ulo
XIV e o fina l d o sé c ulo XVII, um b a la nç o q ue o sc ila e ntre 70 e 320 mil vítima s. Ma s
há q ue m fa le d e milhõ e s d e mo rto s.14 A e ste s, a c re sc e nte m-se a s p e sso a s mo rta s,
ta lve z a no s d e p o is, e m c o nse q üê nc ia d a s to rtura s so frid a s; a s mo rta s d e fo me p o r
c a usa d o e xílio o u p o r te re m sid o iso la d a s d a so c ie d a d e a p ó s se re m "ma rc a d a s"
c o mo b ruxa s; e o s fa milia re s d o s "he re g e s b ruxo s", c o nd e na d o s à misé ria e m
c o nse q üê nc ia d o c o nfisc o d o s b e ns. E sa b e -se lá e m q ua nto s p o vo a d o s p e q ue no s
e iso la d o s, a p ó s uma c o lhe ita ruim o u a mo rte d e a nim a is, o s p ró p rio s ha b ita nte s
p ro c e ssa ra m e ma ta ra m "c o m a s p ró p ria s mã o s" uma sup o sta b ruxa , se m q ue
te nha mo s q ua lq ue r te ste munho p o r e sc rito .
A to rtura

A p rim e ira to rtura e ra p sic o ló g ic a : a sup o sta b ruxa e ra le va d a à sa la d e


inte rro g a tó rio , o nd e e ra m e xp o sto s to d o s o s instrume nto s d e sup líc io . Em se g uid a ,
e ra d e sp id a d ia nte d o ma g istra d o , d e p ila d a e c o b e rta c o m um le nç o l.
A to rtura ma is b ra nd a e ra m a s c hib a ta d a s. De p o is ha via a "c o rd a ": o s
b ra ç o s e ra m a ma rra d o s a trá s p o r uma c o rd a p re sa à p o lé ; a vítima e ra iç a d a ,
p ro vo c a nd o o d e slo c a me nto d o o mb ro . Aind a ma is c rue l q ue a p o lé e ra o c a va lo
d e e stira me nto , um p e d a ç o d e ma d e ira tria ng ula r c o m a p o nta vira d a p a ra c ima :
"O c o rp o d a to rtura d a e ra d e ita d o e a ma rra d o a p e rta d o à p o nta , q ue lhe
p e ne tra va na c a rne , d o p e sc o ç o a o s g lúte o s. Entã o e m sua s mã o s e p e rna s e ra m
a ma rra d o s p e so s c a d a ve z ma is p e sa d o s; o u c o rd a s lig a d a s a uma ro d a q ue
g ira va c o m a a jud a d e uma ma nive la . Puxa nd o a s c o rd a s, to d o o c o rp o e ra
e stic a d o , e o s me mb ro s, a p ó s a lg uma s ho ra s, so lta va m-se d o c o rp o ."'5 O utra
p rá tic a e ra a d e a c e nd e r uma fo g ue ira so b o s p é s d a vítima . E ha via a s te na ze s,
c ujo uso d e ixa mo s a c a rg o d a sua ima g ina ç ã o , e muito s o utro s instrume nto s.
Te o ric a me nte , a to rtura d e ve ria d ura r um te mp o limita d o , e um mé d ic o
sup e rvisio na va a s o p e ra ç õ e s p a ra g a ra ntir q ue o imp uta d o nã o c o rre sse risc o d e
vid a o u so fre sse d a no s g ra ve s à sa úd e . Ma s, na ve rd a d e , o sup líc io c o ntinua va a o
sa b o r d o inq uisid o r, e nã o e ra m ra ro s o s c a so s d e mulhe re s mo rta s o u e stro p ia d a s
d e fo rma irre ve rsíve l e m ra zã o d a s se víc ia s so frid a s.
UMA BREVE LISTA

Fa ze mo s a q ui uma lista d e a lg uns d o s ma io re s p ro c e sso s p o r b ruxa ria q ue


ta lve z p o ssa m d a r uma id é ia d e c o mo d e via se r o d ia -a -d ia na é p o c a d a c a ç a à s
b ruxa s.
C o mo , 1416: a o lo ng o d o a no , tre ze nta s b ruxa s fo ra m q ue ima d a s na
fo g ue ira .
Sio n, 1420: se te c e nto s sup o sto s a d e p to s d e uma se ita q ue a d o ra va o
d ia b o , e m fo rma d e urso o u b o d e , fo ra m p ro c e ssa d o s. De le s, c e m c o nfe ssa ra m
so b to rtura e fo ra m q ue ima d o s vivo s.
Ro ue n, 1430: Jo a na d 'Arc mo rre na fo g ue ira p o r he re sia e b ruxa ria . No
se u c a so , sã o e vid e nte s a s mo tiva ç õ e s p o lític a s d a se nte nç a .
C o mo , 1484: se sse nta b ruxa s sã o q ue ima d a s na fo g ue ira .
Mira nd o la , 1522-1523: o p ro c e sso "d e Mira nd o la " a ting e c o m firme za
c e nte na s d e c id a d ã o s, a p o nto d e se r le mb ra d o c o mo o "p o g ro m d e Mira nd o la ".
A vio lê nc ia c o m q ue o s a c usa d o s fo ra m tra ta d o s fo i ta l q ue fe z o s c id a d ã o s q ue
a ssistia m à e xe c uç ã o e xc la ma re m: "Nã o é justo q ue e sse s ho me ns se ja m mo rto s
d e ma ne ira tã o c rue l."
G e ne b ra , 1513: e m trê s me se s, q uinhe nta s b ruxa s fo ra m q ue ima d a s.
C o mo , 1514: tre ze nta s b ruxa s fo ra m justiç a d a s c o mo "re inc id e nte s o u
imp e nite nte s". Fo nte s d a é p o c a fa la m d e uma mé d ia d e c e m b ruxa s e xe c uta d a s
p o r a no ta mb é m no s a no s suc e ssivo s, a p o nto d e o inq uisid o r se r re p re e nd id o p e lo
e xc e sso d e ze lo .
No rue g a , 1544: na lute ra na Dina ma rc a , o s c a tó lic o s fo ra m e q uip a ra d o s
à s b ruxa s. Só ne ste a no , 52 p e sso a s fo ra m e xe c uta d a s.
La ng ue d o c (Fra nç a ), 1557: o p a rla me nto lo c a l ma nd o u q ue ima r
q ua tro c e nta s p e sso a s.
Pa ris, 1565-1640:1.119 p e sso a s fo ra m julg a d a s e m 75 a no s. Fo ra m
e xe c uta d a s c e m se nte nç a s d e mo rte , q ua se se mp re d e p e sso a s a b a sta d a s.
G e nf, 1571: 21 mulhe re s fo ra m q ue ima d a s e m ma io .
Lo re na , 1576-1606: o juiz Nic o la s Re my se va ng lo rio u d e te r ma nd a d o à
fo g ue ira e ntre d ua s mil e trê s mil b ruxa s no p e río d o (uma mé d ia d e c e rc a d e d ua s
p o r se ma na ).
Bo rd e a ux, 1577: q ua tro c e nta s b ruxa s sã o ma nd a d a s à mo rte p e la c o rte
so b e ra na d e Bo rd e a ux.
Ale ma nha , 1560 (a p ro xima d a me nte ): os p rínc ip e s p ro te sta nte s
p ro c e ssa ra m , to rtura ra m e c o nd e na ra m à fo g ue ira a lg uma s c e nte na s d e b ruxa s.
Ing la te rra , 1560-1600: so b o re ina d o d e Elisa b e te I, 314 vítima s fo ra m
q ue ima d a s na fo g ue ira , na ma io ria mulhe re s.
Tre viri, 1587-1593: so b a s o rd e ns d o a rc e b isp o -e le ito r Jo ha nn Vo n
Sc hö ne b urg , lig a d o a o s je suíta s, fo ra m q ue ima d a s viva s 368 b ruxa s e m 22
p o vo a d o s. Em d o is d e le s, a p e na s uma mulhe r fo i d e ixa d a viva . De ntre a s vítima s
d o a rc e b isp o , ha via ta mb é m p ro te sta nte s e jud e us, a lé m d o ultra c a tó lic o re ito r d a
unive rsid a d e e ma g istra d o Die tric h Fla d e . Este , a c usa d o d e te r sid o c le me nte
d e ma is p a ra c o m a s b ruxa s, fo i p re so , to rtura d o , e stra ng ula d o e q ue ima d o .
Ne sse s me smo s a no s, a c a ç a à s b ruxa s p ro vo c a ria a d e struiç ã o d e
p o vo a d o s inte iro s na Suíç a e a e xe c uç ã o d e 311 b ruxa s na re g iã o fra nc e sa d o
Va ud .
Trio ra (Lig úria ), 1588: a re sp o nsa b ilid a d e d e uma p e sa d a e sc a sse z fo i
a trib uíd a à s b ruxa s. Na ve rd a d e , c o mo se d e sc o b riria d e p o is, nã o ho uve ne nhuma
e sc a sse z, o s influe nte s lo c a is é q ue se a p o d e ra ra m d o fruto d a s c o lhe ita s p a ra
ve nd ê -lo s a p re ç o s a lto s. Enq ua nto isso , a inte rve nç ã o d a Inq uisiç ã o ma nd o u
p re nd e r e to rtura r d e ze na s d e mulhe re s e um sup o sto b ruxo , to d o s a c usa d o s
ta mb é m d e se re la c io na r c o m p ro te sta nte s. Tre ze mulhe re s mo rre ra m to rtura d a s,
se is fo ra m c o nd e na d a s à mo rte e uma se suic id o u na p risã o p a ra e sc a p a r d a s
se víc ia s.
Va l Me so lc ina , 1593: o c a rd e a l C a rlo s Bo rro me u (sa ntific a d o e m 1610)
fa vo re c e a c o nd e na ç ã o d e vá ria s mulhe re s. O ito b ruxa s fo ra m a ma rra d a s d e
c a b e ç a p a ra b a ixo e jo g a d a s no a lto na fo g ue ira .
Ao lo ng o d e to d o o sé c ulo XVI, so ma m-se a o me no s mil e xe c uç õ e s na
Dina ma rc a , q ua ntid a d e a ná lo g a na Esc ó c ia , e q ua se d uze nta s fo g ue ira s e rg uid a s
na No rue g a .
Ale ma nha , 1600, (a p ro xima d a me nte ): o c a ç a d o r d e b ruxa s Ba ltha sa r
Ro ss d e u iníc io a uma a tivid a d e p ró p ria . Ele c he g a va d e surp re sa no s p o vo a d o s
c o m um trib una l itine ra nte . As b ruxa s e ra m p re sa s, p ro c e ssa d a s, to rtura d a s c o m
no vo s instrume nto s inve nta d o s p o r e le , c o nd e na d a s e q ue ima d a s. Em trê s a no s d e
tra b a lho , e le c o nse g uiria ma ta r 250 mulhe re s e se ria a mp la me nte re c o mp e nsa d o
p e lo p rínc ip e e p e la s a uto rid a d e s lo c a is.
Ing la te rra , 1600 (a p ro xima d a me nte ): o a rc e b isp o d e Sa int And re w,
a c a ma d o p o r uma g ra ve d o e nç a , ma nd a c ha ma r a c ura nd e ira Aliso n Pe irso un.
Esta o c ura e e le , e m c o mp e nsa ç ã o , ma nd a q ue se ja p re sa , to rtura d a e ,
fina lme nte , c o nd e na d a à mo rte .
Mâ ntua , 1603: o d uq ue d e Mâ ntua ma nd o u a fixa r um d e c re to no q ua l
p re via uma re c o mp e nsa d e 50 e sc ud o s p a ra q ue m d e nunc ia sse uma b ruxa .
Za g a rra murd i (Pa íse s Ba sc o s), 1614: a p ó s um p ro c e sso q ue d uro u q ua tro
a no s e um inte rro g a tó rio d e 300 te ste m unha s, fo ra m c o nd e na d a s 12 b ruxa s. Se te
fo ra m q ue ima d a s viva s, a s o utra s c inc o mo rre ra m d ura nte o p ro c e sso e fo ra m
q ue ima d a s "e m e fíg ie " (o u se ja , um re tra to se u fo i jo g a d o na s c ha ma s).
Würtzb urg , 1623-1631: o p rínc ip e c a tó lic o Filip e vo n Ehre nb urg ma nd o u
no ve c e nta s p e sso a s à fo g ue ira , d e ntre a s q ua is o so b rinho , 19 c a rd e a is c a tó lic o s
c o nd e na d o s p o r so d o mia e a lg uma s c ria nç a s d e 5 a 7 a no s a c usa d a s d e te r tid o
re la ç õ e s se xua is c o m o De mô nio .
O p p e na u, 1631-1632: um p ro c e sso ma nd o u à fo g ue ira 8% da
p o p ula ç ã o .
Ing la te rra , 1645-1647: o c a ç a d o r d e b ruxa s Ma tthe w Ho p kins via ja va
p e la s c id a d e s e p o vo a d o s c o b ra nd o uma lib ra e ste rlina p o r c a d a b ruxa q ue
c o nse g uisse fa ze r c o nd e na r. Só na p ro vínc ia d e Suffo lk, e le c o nse g uiu fa ze r
e nfo rc a r 98 mulhe re s. O p ró p rio Ho p kins c o nd uzia o s inte rro g a tó rio s e se vo lta va
p rinc ip a lm e nte c o ntra mulhe re s jo ve ns, q ue to rtura va a p ó s vio le nta r re p e tid a s
ve ze s.
Po lô nia , 650-1700 (a p ro xima d a me nte ): c a lc ula -se q ue o núme ro d e
vítima s d a c a ç a à s b ruxa s se ja e m to rno d e d e z mil p e sso a s.
Sa le m (Ma ssa c huse tts), 1692: uma e sc ra va ne g ra c o nfe sso u te r ind uzid o
a s mo ç a s d a c id a d e a p a rtic ip a r d e uma d a nç a no turna c o m p rá tic a s d e ma g ia e
d á o no me d e a lg uns me mb ro s imp o rta nte s d o lo c a l. Te m iníc io uma e sp é c ie d e
histe ria c o le tiva q ue le va ria à mo rte vá ria s p e sso a s. Um to ta l d e 155 me nina s,
mo ç a s e jo ve ns mulhe re s se ria m p ro c e ssa d a s, e 20 d e la s a c a b a ria m na fo g ue ira .
Suíç a , 1782: a última b ruxa é q ue ima d a na fo g ue ira .
Po lô nia , 1793: a última b ruxa é q ue ima d a na fo g ue ira .
O rdá lio

O te rmo "o rd á lio " d e riva d o a ng lo -sa xã o "o rd e a l", "juízo ". Sua d e finiç ã o
té c nic o -juríd ic a é : p ro c e d ime nto e m q ue "fo rç a s so b re na tura is se ma nife sta m
d a nd o se u p ró p rio juízo so b re uma q ue stã o q ue p ro vo c a uma c o nse q üê nc ia
juríd ic a ."16
Alg uns e stud io so s a firma m q ue o "juízo d e De us" já e ra me nc io na d o na
Bíb lia .17 Entre ta nto , a té ho je , é d ifíc il sa b e r se a Ig re ja a p ro va va o s o rd á lio s, uma
ve z q ue o Q ua rto C o nc ilio d e La trã o (1215) o s ve to u e xp lic ita me nte .
Na ve rd a d e , o "juízo d e De us" nã o fo i ve ta d o d e fa to . Po r ve ze s, fo i
utiliza d o a té p o r e re mita s e mo ng e s na te nta tiva d e to rna r De us te ste munha d e
sua s p ró p ria s ra zõ e s, p a ssa nd o p o r c ima d a s instituiç õ e s e c le siá stic a s.
No s p rime iro s sé c ulo s d o c ristia nismo , muito s e re mita s e missio ná rio s
c ristã o s utiliza ra m d e vá ria s fo rm a s a p ro va d o fo g o p a ra te ste munha r a p ró p ria fé
o u se r a b so lvid o s d e a c usa ç õ e s infa me s.
O missio ná rio Bo nifá c io , d ia nte d o s e xé rc ito s russo e a le mã o , sub me te u-
se à p ro va d o fo g o e m no m e d e De us. C o nta -se q ue o s e sp e c ta d o re s, a o ve r q ue
se u c o rp o nã o q ue ima va , c o nve rte ra m-se a o c ristia nismo .
A Ig re ja C a tó lic a d o sé c ulo XIII, já e sta tiza d a e hie ra rq uiza d a , nã o p o d ia
p e rmitir q ue ho uve sse o utra s fo nte s d e le g itima ç ã o e sp iritua l e d e sa ntific a ç ã o
a lé m d a s b ula s p ro ve nie nte s d a Sa nta Sé .18 Ma s o instituto d o o rd á lio so b re vive u
d e fa to a ind a p o r sé c ulo s e fo i re intro d uzid o d ura nte o s p ro c e sso s p o r b ruxa ria .
O p rime iro o rd á lio , surg id o na Ale m a nha , fo i a p ro va d a fo g ue ira , q ue
c o nsistia e m fa ze r uma p e sso a ve stid a c o m uma c a miso la c o b e rta d e c e ra p a ssa r
p o r e ntre d ua s file ira s d e g a lho s e m c ha ma s. Em 1098, um c a mp o nê s d a re g iã o d a
Pro ve nç a , Pie rre Ba rthé le my, sub m e te u-se e sp o nta ne a me nte à p ro va ,
c o nse g uind o p a ssa r inc ó lume a tra vé s d a s d ua s file ira s d e o live ira s e m c ha m a s
c o lo c a d a s a uma d istâ nc ia d e p o uc o ma is d e um p é uma s d a s o utra s.
O utro o rd á lio e ra a p ro va d o fe rro d e ma rc a r, q ue d e via se r se g ura d o na
mã o c o mo se fo sse um b uq uê d e flo re s. O ma nusc rito Sa xo G ra ma tic us fa la d e
Po p p us, q ue se sub me te u à p ro va p a ra d e mo nstra r a ve rd a d e d o c ristia nismo .
O rd á lio se me lha nte é o d a á g ua fe rve nte : a p e sso a sub me tid a à p ro va
d e via p e g a r um o b je to d e ntro d e um c a ld e irã o c he io d e á g ua o u ó le o fe rve nte .
Dize m q ue uma e sc ra va te uto a a c uso u a a ma d e infid e lid a d e , e a mb a s p a ssa ra m
p e la p ro va .
A a ma e nfio u a mã o e c o nse g uiu p e g a r o o b je to , e nq ua nto a e sc ra va se
q ue imo u e fo i mo rta c o m um b a nho d e á g ua fe rve nte .
O utro o rd á lio , a ind a , e ra o d a á g ua fria (usa d a nã o p o r a c a so c o ntra a s
b ruxa s). O e xa mina d o e ra sub me rso e m uma b a nhe ira d e á g ua fria c o m o p o le g a r
d a mã o e o ind ic a d o r d o p é a ma rra d o s. Se a fund a sse , e ra ino c e nte ; se b o ia sse
(p o r a o me no s c inc o minuto s) e ra c ulp a d o .
O último o rd á lio d e q ue fa la re mo s é a p ro va d a Bíb lia . O a c usa d o sub ia
so b re o p ra to d e uma b a la nç a , e nq ua nto d o o utro la d o e ra c o lo c a d a uma Bíb lia .
Se se u p e so fo sse infe rio r a o d o livro , e ra c o nd e na d o . As Bíb lia s d a é p o c a
p e sa va m c e rc a d e 25kg .
O s b e m - a nda nte s, o s b ruxo s "b o ns"

Po r vo lta d o fina l d o sé c ulo XVI, o s inq uisid o re s d o Friuli vira m -se d ia nte d e
c a so s d e b ruxa ria q ue nã o se e nc a ixa va m no s e sq ue ma s c o nhe c id o s.
Alg uns c a mp o ne se s e ra m c o nhe c id o s na s re d o nd e za s p o r sua
c a p a c id a d e d e c ura r a s p e sso a s a ting id a s p o r ma le s. Um d e le s, c o mo d isse um
p á ro c o a o inq uisid o r d a d io c e se d e Aq uilé ia e m 1575, d e c la ra ra se r um "b e m -
a nd a nte " e se va ng lo ria ra d e "va g a r p e la no ite c o m b ruxo s e g no mo s".19
O inq ué rito , d e iníc io , a va nç o u le nta me nte (fo i inte rro mp id o e m 1575 e
re to ma d o a p e na s e m 1580), ma s no fina l c he g o u a c o nfirma r a p re se nç a d e um
fe nô me no muito d ifund id o . Se g und o a le nd a , o s "b e m-a nd a nte s", ho me ns e
mulhe re s, d ura nte o so no e ntra va m e m uma e sp é c ie d e tra nse d ura nte o q ua l a
a lma sa ía d o c o rp o e m fo rma d e "fuma ç a ", ra to s o u o utro s p e q ue no s a nima is.
C o mo a s b ruxa s, e le s c he g a va m a o lug a r d e e nc o ntro (o s c a mp o s d o Vê ne to o u
d o Friuli, ma s ta mb é m o va le b íb lic o d e Jo sa fá ) vo a nd o , so zinho s o u c a va lg a nd o
so b re p e q ue no s a nima is, e , c o mo a s b ruxa s, re unia m-se c o m se us se me lha nte s
p a ra re a liza r fe ito s má g ic o s. Ao c o ntrá rio d a s b ruxa s, no e nta nto , o s b e m-a nd a nte s
nã o utiliza va m ung üe nto s p a ra vo a r, nã o p a rtic ip a va m d e o rg ia s, nã o a b jura va m
a fé c a tó lic a e nã o a d o ra va m o d ia b o . Ao c o ntrá rio , e le s a firma va m q ue luta va m
'e m no me d a re lig iã o e d e C risto ' c o ntra a s b ruxa s e ma g o s ma us, e p a ra d e fe nd e r
a c o lhe ita .
Ning ué m se d izia b e m-a nd a nte , ma s na sc ia a ssim. To d a s a s c ria nç a s q ue
vie sse m a o mund o d e "c a misa ", o u se ja , c o b e rta s p o r uma p e líc ula p la c e ntá ria ,
c o mo se fo sse uma ro up a , e ra m p o te nc ia is b e m-a nd a nte s, d e sd e q ue
g ua rd a sse m a me mb ra na e a le va sse m se mp re c o nsig o . Em g e ra l, o s futuro s
xa mã s e ra m a visa d o s d o futuro q ue lhe s e sp e ra va p o r sua s mã e s o u p o r um b e m-
a nd a nte "a nc iã o ", q ue o visita va p e sso a lme nte o u e m so nho . Po r vo lta d o s 20
a no s, na s no ite s d e q uinta -fe ira d a q ua rta tê mp o ra ,20 e le s e ra m c ha ma d o s e m
so nho p o r um "c a p itã o " o u a njo . Q ua nd o c ha ma d o s, se u e sp írito a b a nd o na va o
c o rp o e vo a va c o m o c a p itã o . O d e stino e ra um c a mp o o nd e lhe e sp e ra va uma
luta c o ntra b ruxa s e ma g o s ma lva d o s. O s b ruxo s b o ns luta va m c o m ra mo s d e
func ho , o s ma us, c o m g a lho s d e so rg o . C a so o s p rim e iro s ve nc e sse m , a c o lhe ita
d a q ue le a no se ria b o a ; se fo sse m o s se g und o s, o a no se ria p é ssimo .
O s b e m-a nd a nte s e ra m vinc ula d o s c o m o má ximo se g re d o a sua s a ç õ e s
e a o s no me s d e se us c o mp a nhe iro s e d o s b ruxo s a d ve rsá rio s, so b p e na d e
re c e b e re m p a ula d a s "e m so nho " d ura nte a no ite . Na ve rd a d e , m uita s ve ze s
fa la va m d e sua s a tivid a d e s, p o r o rg ulho ing ê nuo o u p a ra tira r a lg uma va nta g e m.
A e le s e ra a trib uíd a a c a p a c id a d e d e c ura r p e sso a s a ting id a s p o r e nc a nta me nto s
e d e re c o nhe c e r uma b ruxa à p rim e ira vista . As mulhe re s na sc id a s c o m a "c a misa "
p o d ia m fa la r c o m o s mo rto s. To d o s e sse s e ra m d o ns q ue p o d ia m tra ze r a lg uma
va nta g e m e c o nô mic a .21
O s inq uisid o re s, d ura nte o s inte rro g a tó rio s, te nta va m insinua r ha b ilme nte
a susp e ita d e q ue "o a njo " visto p e lo s b e m-a nd a nte s e ra ning ué m me no s q ue o
De m ô nio d isfa rç a d o e inc luir no s re la to s d o s ma lfa d a d o s xa mã s e le me nto s típ ic o s
d o "sa b á " d a s fe itic e ira s, c o mo a p re se nç a d e "b e la s c a d e ira s", utiliza d a s p e lo
Dia b o c o mo tro no , e d e d a nç a s e "d ive rsõ e s".
O s c a mp o ne se s c o ntinua ra m re p e tind o q ue a p e na s a s b ruxa s se
e ntre g a va m a "d ive rsõ e s", e nq ua nto e le s se re unia m p a ra p ro mo ve r o b e m . Ma s,
no fina l, c e d e ra m à p re ssã o p sic o ló g ic a e à s a rma d ilha s d a s p e rg unta s c a p c io sa s
e a d mitira m , a ind a q ue re ne g a nd o a p ró p ria fé , te re m sid o vítima s d o Ma lig no .
O s a uto s d o s p ro c e sso s c o ntra o s q ue na sc e ra m c o m a "c a misa "
re g istra ra m uma e vo luç ã o a o lo ng o d o s a no s. O re tra to d o b e m-a nd a nte se
a fa sto u c a d a ve z ma is d a q ue le d o "b ruxo b o m" p a ra a ssumir o a sp e c to d e b ruxo
ma lva d o , a p ó sta ta d a fé e a d o ra d o r d e Sa ta ná s. O q ue imp re ssio na é o fa to d e
m uito s inq uisid o re s inve stig a re m c uid a d o sa me nte a s p e sso a s q ue o s b e m-
a nd a nte s a firma va m te r visto e m so nho . De q ua lq ue r mo d o , ne nhum fo i
c o nd e na d o p e lo simp le s "c ha ma d o e m so nho ".
As c o nd e na ç õ e s d a Inq uisiç ã o c o ntra o s b e m-a nd a nte s e ntre 1581 e
1705 fo ra m , so ma nd o tud o , le ve s: muito s fo ra m re p re e nd id o s o u tive ra m d e a b jura r
p ub lic a me nte , a lg uns fo ra m d e tid o s po r p o uc o s me se s ou b a nid o s
te mp o ra ria me nte . Ap e na s d o is d e 16 c o nd e na d o s fo ra m e xila d o s p a ra se mp re .22
O b e m-a nd a nte Mic he le So p p e mo rre u na p risã o a nte s d a se nte nç a , ta lve z p e la s
p é ssima s c o nd iç õ e s d a d e te nç ã o .23
Muito s p ro c e sso s fo ra m inte rro mp id o s, muito s sup o sto s b e m-a nd a nte s
c o nsid e ra d o s ine nc o ntrá ve is nã o fo ra m p ro c ura d o s. É p ro vá ve l q ue a Inq uisiç ã o
e stive sse ma is p re o c up a d a c o m a infiltra ç ã o d a s te se s lute ra na s, c ujo s a d e p to s
fo ra m id e ntific a d o s e p e rse g uid o s c o m e fic iê nc ia e ra p id e z.
Alé m d isso , e ntre o fina l d o sé c ulo XVI e a m e ta d e d o sé c ulo XVII, o
inte re sse d o s inq uisid o re s p e lo s sa b á s d iminuiu, e nq ua nto a ume nto u se u c e tic ismo .
Ma s a ind a q ue nã o te nha sid o uma tra g é d ia ma te ria l, o fim d o s b e m-a nd a nte s
re p re se nto u um c rim e c ultura l e sig nific o u a d e struiç ã o d a vid a p a ra m uito s
a c usa d o s, o b rig a d o s a vive r à ma rg e m d a so c ie d a d e .
Xa m ã s e uro pe us

O s b e m-a nd a nte s nã o e ra m o s únic o s "b ruxo s b o ns" p re se nte s na Euro p a .


Em 1692, na Le tô nia , Thie ss, um ho me m d e ma is d e 80 a no s, d e c la ro u a o s juíze s
q ue e ra um lo b iso me m e q ue trê s no ite s p o r a no (Sa nta Lúc ia , Pe nte c o ste s e Sã o
Jo ã o ) o s lic a ntro p o s se tra nsfo rma va m e m lo b o s e se d irig ia m a o Infe rno p a ra
p e g a r d o s d ia b o s e d o s b ruxo s ma us o s g rã o s d a c o lhe ita q ue e ste s ha via m
ro ub a d o . O s lic a ntro p o s b a tia m no s b ruxo s c o m a ç o ite s d e fe rro , e nq ua nto e ste s,
p o r sua ve z, o s e xp ulsa va m c o m c a b o s d e va sso ura .24
Thie ss, irrita d o c o m a s p e rg unta s d o s inq uisid o re s, re p e tiu vá ria s ve ze s q ue
o s lo b iso me ns e ra m "c ã e s d e De us", q ue e xp ulsa va m o Dia b o c o m to d a s a s sua s
fo rç a s e q ue , se m e le s, e ste ro ub a ria to d o s o s fruto s d a Te rra . O s lo b iso m e ns russo s
e a le mã e s fa zia m o me smo . Thie ss, q ue nã o vo lta va a trá s d e sua s d e c la ra ç õ e s, fo i,
p o r fim , c o nd e na d o a d e z c hib a ta d a s.
As se me lha nç a s c o m o s b e m-a nd a nte s d o Friuli sã o e vid e nte s. Ta lve z o s
"na sc id o s c o m a c a misa " e o s lic a ntro p o s le tõ e s re p re se nta sse m o s último s
re ma ne sc e nte s d e um c ulto xa ma nista p ré -c ristã o a nte s d ifund id o e m vá ria s á re a s
d a Euro p a e q ue so b re vive ra e m a lg uma s zo na s ma rg ina is, c o mo o s c a mp o s d o
Friuli e o e xtre mo no rte . Até ho je , na Istria o u na Da lm á c ia , há te ra p e uta s e
"a ntib ruxo s" na sc id o s c o m a "c a misa ".25
No c a so e sp e c ífic o d o s b e m-a nd a nte s, ta lve z ha ja um e le me nto a ma is
d e o rig ina lid a d e . Se g und o d o m G ilb e rto Pre ssa c c o (1945-1997), se us rito s re uniria m
ta mb é m e le me nto s d a tra d iç ã o e stá tic a d o s Te ra p e uta s d e Ale xa nd ria , ve ic ula d a
no Friuli a tra vé s d o s se rmõ e s d e Erma g o ra , d isc íp ulo d e Sã o Ma rc o s (d e o rig e m
a le xa nd rina ) e fund a d o r d a Ig re ja d e Aq uilé ia .26 Assim c o m o o s lo b iso me ns,
o rig ina lme nte b o ns, fo ra m tra nsfo rma d o s p e la tra d iç ã o c ristã e m se re s ne g a tivo s,
o s b e m-a nd a nte s a c a b a ra m se nd o id e ntific a d o s c o m o s p ró p rio s d e mô nio s q ue
c o mb a tia m.

C APÍTULO 11

A sa lva ç ã o de Lute ro e a Re fo rm a Pro te sta nte

A ve nda de indulg ê nc ia s
No q ue c o nsistia a d o utrina d a s ind ulg ê nc ia s? "Ac re d ita va -se q ue C risto
e m p e sso a , a Virg e m Ma ria e muito s sa nto s tive sse m g a nha d o , d ura nte sua vid a ,
um surp lus d e mé rito q ue p o d e ria se r d istrib uíd o e ntre o s c ristã o s me no s p ra tic a nte s
d a fé e q ue ha via m , a o c o ntrá rio d e le s, a c um ula d o um d é fic it e m ra zã o d o s
p e c a d o s c o me tid o s, e , p a ra e xp iá -lo s, d e ve ria m p a ssa r um lo ng o p e río d o d e
te mp o no Purg a tó rio . O s p a p a s, d e p o sitá rio s, a tra vé s d e Pe d ro , d a s c ha ve s d a
Ig re ja , tinha m a c e sso a e sse te so uro e p o d ia m e ste nd ê -lo a o s p e c a d o re s q ue
p re c isa sse m d e uma d iminuiç ã o na p e na . Este s p o d ia m, a ssim, p riva r-se d e p a rte
d a s riq ue za s a c umula d a s d ura nte a vid a te rre na e re c e b e r e m tro c a a riq ue za
e sp iritua l d o s sa nto s. Me smo nã o se nd o p o ssíve l c o mp ra r a sa lva ç ã o , p o d ia -se , no
e nta nto , p a g a r p e la re missã o (me smo to ta l) d a p e na ." (Da vid C hristie -Murra y,
1998, p . 169.)
O a ug e d e ssa p rá tic a se d e u d ura nte o p o ntific a d o d e Jo ã o d e Me d ie i,
o Le ã o X (1513-1521), q ue la nç o u uma a b e rta p o lític a d e ve nd a d e ind ulg ê nc ia s.
Ve rd a d e iro s ma sc a te s p e rc o rre ra m a Euro p a ve nd e nd o "c a rta s d e ind ulg ê nc ia ",
q ua se b ô nus-Pa ra íso , q ue p o d ia m se r c o mp ra d o s se m ma io re s fo rm a lid a d e s, ma s
d e sc o nc e rta nd o muito s c re nte s g e nuíno s.
Em 1517, fo i d ivulg a d a a Ta xa C a ma ra e , uma lista d a s ind ulg ê nc ia s
p re vista s p a ra o s vá rio s p e c a d o s, c o m um ta rifá rio a e la s re fe re nte s, re p o rta d o a
se g uir:
1. O e c le siá stic o q ue inc o rre r e m p e c a d o c a rna l, se ja c o m fre ira s, p rim a s,
so b rinha s, a filha d a s o u, e nfim , c o m o utra mulhe r q ua lq ue r, se rá a b so lvid o
me d ia nte o p a g a me nto d e 67 lib ra s e 12 so ld o s.
2. Se o e c le siá stic o , a lé m d o p e c a d o d e fo rnic a ç ã o , p e d ir p a ra se r
a b so lvid o d o p e c a d o c o ntra a na ture za o u d e b e stia lid a d e , d e ve rá p a g a r 219
lib ra s e 15 so ld o s. Ma s se tive r c o me tid o p e c a d o c o ntra a na ture za c o m c ria nç a s
o u a nima is, e nã o c o m uma mulhe r, p a g a rá a p e na s 131 lib ra s e 15 so ld o s.
3. O sa c e rd o te q ue d e flo ra r uma virg e m p a g a rá 2 lib ra s e 8 so ld o s.
4. A re lig io sa q ue q uise r se r a b a d e ssa a p ó s te r se e ntre g a d o a um o u
ma is ho me ns simultâ ne a o u suc e ssiva me nte , d e ntro o u fo ra d o c o nve nto , p a g a rá
131 lib ra s e 15 so ld o s.
5. O s sa c e rd o te s q ue q uise re m vive r e m c o nc ub ina to c o m se us
p a re nte s p a g a rã o 76 lib ra s e 1 so ld o .
6. Pa ra c a d a p e c a d o d e luxúria c o me tid o p o r um le ig o , a a b so lviç ã o
c usta rá 27 lib ra s e 1 so ld o .
7. A m ulhe r a d últe ra q ue p e d ir a a b so lviç ã o p a ra se ve r livre d e
q ua lq ue r p ro c e sso e se r d isp e nsa d a p a ra c o ntinua r c o m a re la ç ã o ilíc ita p a g a rá
a o p a p a 87 lib ra s e 3 so ld o s. Em um c a so a ná lo g o , o m a rid o p a g a rá o m e sm o
mo nta nte ; se tive re m c o me tid o inc e sto c o m o p ró p rio filho , a c re sc e nta r-se -ã o 6
lib ra s p e la c o nsc iê nc ia .
8. A a b so lviç ã o e a c e rte za d e nã o se r p e rse g uid o p o r c rim e d e ro ub o ,
furto o u inc ê nd io c usta rã o a o c ulp a d o 131 lib ra s e 7 so ld o s.
9. A a b so lviç ã o d e ho mic íd io sim p le s c o me tid o c o ntra a p e sso a d e um
le ig o c usta rá 15 lib ra s, 4 so ld o s e 3 d e ná rio s.
10. Se o a ssa ssino tive r ma ta d o d o is o u ma is ho me ns e m um únic o d ia ,
p a g a rá c o mo se tive sse a ssa ssina d o um só .
11. O m a rid o q ue inflig ir ma us-tra to s à m ulhe r p a g a rá à s c a ixa s d a
c ha nc e la ria 3 lib ra s e 4 so ld o s; se a mulhe r fo r mo rta , p a g a rá 17 lib ra s e 15 so ld o s; e
se a tive r ma ta d o p a ra se c a sa r c o m o utra , p a g a rá ma is 32 lib ra s e 9 so ld o s. Q ue m
tive r a jud a d o o ma rid o a p e rp e tra r o c rime se rá a b so lvid o me d ia nte o p a g a me nto
d e 2 lib ra s p o r c a b e ç a .
12. Q ue m a fo g a r o p ró p rio filho p a g a rá 17 lib ra s e 15 so ld o s (o u se ja , 2
lib ra s a ma is q ue a q ue le q ue ma ta r um d e sc o nhe c id o ), e se p a i e mã e o tive re m
ma ta d o d e c o mum a c o rd o , p a g a rã o 27 lib ra s e 1 so ld o p e la a b so lviç ã o .
13. A mulhe r q ue d e struir o filho q ue c a rre g a no ve ntre e o p a i q ue
c o ntrib uir p a ra a re a liza ç ã o d o c rime p a g a rã o 17 lib ra s e 15 so ld o s c a d a . Aq ue le
q ue fa c ilita r o a b o rto d e uma c ria tura q ue nã o fo r se u filho p a g a rá 1 lib ra a me no s.
14. Pe lo a ssa ssina to d e um irmã o , um a irm ã , m ã e o u p a i, p a g a r-se -ã o 17
lib ra s e 5 so ld o s.
15. Aq ue le q ue ma ta r um b isp o o u p re la d o d e hie ra rq uia sup e rio r p a g a rá
131 lib ra s, 14 so ld o s e 6 d e ná rio s.
16. Se o a ssa ssino tive r m a ta d o m a is sa c e rd o te s e m vá ria s o c a siõ e s
p a g a rá 137 lib ra s e 6 so ld o s p e lo p rime iro ho mic íd io e a me ta d e p e lo s se g uinte s.
17. O b isp o o u a b a d e q ue c o me te r ho mic íd io p o r e mb o sc a d a , a c id e nte
o u e sta d o d e ne c e ssid a d e p a g a rá , p a ra c o nse g uir a a b so lviç ã o , 179 lib ra s e 14
so ld o s.
18. Aq ue le q ue q uise r c o mp ra r a nte c ip a d a me nte a a b so lviç ã o p o r
q ua lq ue r ho mic íd io a c id e nta l q ue p o ssa vir a c o me te r no futuro p a g a rá 168 lib ra s
e 15 so ld o s.
19. O he re g e q ue se c o nve rte r p a g a rá , p e la a b so lviç ã o , 269 lib ra s. O
filho d o he re g e q ue tive r sid o q ue ima d o , e nfo rc a d o o u e xe c uta d o d e q ua lq ue r
o utra fo rm a p o d e rá se r re a d mitid o a p e na s me d ia nte o p a g a me nto d e 218 lib ra s,
16 so ld o s e 9 d e ná rio s.
20. O e c le siá stic o q ue , nã o p o d e nd o p a g a r o s p ró p rio s d é b ito s, q uise r se
livra r d e se r p ro c e ssa d o p e lo s c re d o re s e ntre g a rá a o p o ntífic e 17 lib ra s, 8 so ld o s e 6
d e ná rio s, e a d ívid a lhe se rá p e rd o a d a .
21. Se rá c o nc e d id a a lic e nç a p a ra a insta la ç ã o d e p o sto s d e ve nd a d e
vá rio s g ê ne ro s so b o s p ó rtic o s d a s ig re ja s me d ia nte o p a g a me nto d e 45 lib ra s, 19
so ld o s e 3 d e ná rio s.
22. O d e lito d e c o ntra b a nd o e fra ud e a o s d ire ito s d o p rínc ip e c usta rá 87
lib ra s e 3 d e ná rio s.
23. A c id a d e q ue q uise r q ue se us ha b ita nte s o u sa c e rd o te s, fre is o u
mo nja s o b te nha m lic e nç a p a ra c o me r c a rne e la tic ínio e m é p o c a s e m q ue é
p ro ib id o p a g a rá 781 lib ra s e 10 so ld o s.
24. O mo ste iro q ue q uise r va ria r a re g ra e vive r c o m me no s a b stinê nc ia
d o q ue a p re sc rita p a g a rá 146 lib ra s e 5 so ld o s.
25. O fra d e q ue , p o r c o nve niê nc ia p ró p ria o u g o sto , q uise r p a ssa r a vid a
e m um e rmité rio c o m uma mulhe r d a rá a o te so uro p o ntifíc io 45 lib ra s e 19 so ld o s.
26. O a p ó sta ta va g a b und o q ue q uise r vive r se m o b stá c ulo s p a g a rá ig ua l
q ua ntia p e la a b so lviç ã o .
27. Ig ua l mo nta nte p a g a rã o o s re lig io so s, se ja m e le s se c ula re s o u
re g ula re s, q ue q ue ira m via ja r e m tra je s d e le ig o .
28. O filho b a sta rd o d e um sa c e rd o te q ue q ue ira p re fe rê nc ia p a ra
suc e d e r o p a i na c úria p a g a rá 27 lib ra s e 1 so ld o .
29. O b a sta rd o q ue q ue ira re c e b e r o rd e ns sa g ra d a s e g o za r d e se us
b e ne fíc io s p a g a rá 15 lib ra s, 18 so ld o s e 6 d e ná rio s.
30. O filho d e p a is d e sc o nhe c id o s q ue q ue ira e ntra r p a ra a s o rd e ns
p a g a rá a o te so uro p o ntifíc io 27 lib ra s e 1 so ld o .
31. O s le ig o s fe io s o u d e fo rma d o s q ue q ue ira m re c e b e r o rd e na me nto s
sa g ra d o s e te r b e ne fíc io s p a g a rã o à c ha nc e la ria a p o stó lic a 58 lib ra s e 2 so ld o s.
32. Ig ua l q ua ntia p a g a rá o ve sg o d o o lho d ire ito , e nq ua nto o ve sg o d o
o lho e sq ue rd o p a g a rá a o p a p a 10 lib ra s e 7 so ld o s. O s e strá b ic o s b ila te ra is
p a g a rã o 45 lib ra s e 3 so ld o s.
33. O s e unuc o s q ue q ue ira m e ntra r p a ra a s o rd e ns p a g a rã o a q ua ntia
d e 310 lib ra s e 15 so ld o s.
34. Aq ue le q ue , p o r simo nia , q ue ira c o mp ra r um o u muito s b e ne fíc io s se
d irig irá a o s te so ure iro s d o p a p a , q ue lhe ve nd e rã o o s d ire ito s a p re ç o s mó d ic o s.
35. Aq ue le q ue , te nd o d e sc um p rid o um jura m e nto , q ue ira e vita r
q ua lq ue r p e rse g uiç ã o e se livra r d e q ua lq ue r tip o d e infâ mia p a g a rá a o p a p a 131
lib ra s e 15 so ld o s. Alé m d isso , d a rá 3 lib ra s p a ra c a d a um q ue o uviu o jura me nto .1
Nã o ha via c rim e , ne m o ma is c rue l, q ue nã o p ud e sse se r p e rd o a d o
me d ia nte p a g a me nto .
Na q ue le s a no s, o d o minic a no Te tze l p e rc o rre u a Ale ma nha ve nd e nd o
c a rta s d e ind ulg ê nc ia . Ma is ta rd e , Lute ro d e sc re ve ria sua o b ra d a se g uinte fo rm a :
"Se us p o d e re s e g ra ç a fo ra m a mp lia d o s d e ta l fo rma p e lo p a p a q ue , se a lg ué m
vio la sse o u e ng ra vid a sse a Virg e m Ma ria , e le te ria p e rd o a d o a q ue le p e c a d o a ssim
q ue uma q ua ntia d e d inhe iro sufic ie nte fo sse c o lo c a d a e m sua b o lsa ... Ele re d imiu
ma is a lma s c o m a s ind ulg ê nc ia s d o q ue Sã o Pe d ro c o m se us se rmõ e s; q ua nd o e ra
c o lo c a d o e m sua b o lsa um d inhe iro p e lo Purg a tó rio ... a a lma se e le va va
ime d ia ta me nte p a ra o Pa ra íso ; nã o ha via ne c e ssid a d e d e c o mp ro va r d o r o u
a rre p e nd ime nto p o r um p e c a d o se e ra p o ssíve l c o mp ra r ind ulg ê nc ia s o u c a rta s d e
ind ulg ê nc ia . Te tze l ve nd ia a té o d ire ito d e p o d e r p e c a r no futuro ... q ua lq ue r c o isa
e ra g a ra ntid a e m tro c a d e d inhe iro ."2
A ve nd a d e ind ulg ê nc ia s e ra a p e na s a p o nta d o ic e b e rg d e um
fe nô me no g e ra l d e c o rrup ç ã o na Ig re ja d a é p o c a . O s a lto s p re la d o s a c umula va m
ma is e nc a rg o s e a s re la tiva s p re b e nd a s. O s b isp o s nã o re sid ia m na s se d e s a e le s
d e sig na d a s: p o r e xe mp lo , um no b re d e Fe rra ra p o d ia se r no me a d o a rc e b isp o na
Hung ria e nunc a sa ir d e sua c a sa , limita nd o -se a re c e b e r o d ízimo d o s fié is d e c uja s
a lma s d e via c uid a r.
O título d e c a rd e a l (q ue e ra o "p rínc ip e ", ta mb é m e m se ntid o te rre no )
muita s ve ze s nã o e ra re sulta d o d e um lo ng o p e rc urso e sp iritua l, ma s d a ve nd a o u
c o nc e ssã o d o p a p a a p a re nte s e a mig o s. Q ue m p o d ia se p e rmitir o c o mp ra va
p a ra o filho c a ç ula o u ile g ítimo , p o r ve ze s a d o le sc e nte , c o mo uma re nd a vita líc ia .
O p ró p rio Le ã o X (1513-1521) se to rna ra c a rd e a l a o s 13 a no s.
O s p o ntífic e s e ra m, e m to d o s o s a sp e c to s, so b e ra no s re na sc e ntista s.
C o m o o s re is, e lim ina va m o s a d ve rsá rio s e se c e rc a va m d e ho me ns d e c o nfia nç a .
C o mo o s re is, usa va m a intrig a e o ho mic íd io p o lític o , c o mo o p a p a Ale xa nd re VI
Bó rg ia (1492-1503), p o r e xe mp lo , e se u filho C é sa r. C o mo o s re is, d e c la ra va m
g ue rra c o ntra se us inimig o s e c o nd uzia m a s tro p a s na b a ta lha ; o p a p a Júlio II
(1503-1513) fo i re tra ta d o e m a rma d ura .3 C o mo o s re is, tinha m c o nc ub ina s e filho s
b a sta rd o s. E, c o mo o s re is, a ma va m a s a rte s e p ro te g ia m o s a rtista s. Ma s o s
c uid a d o s c o m a s a lma s na d a tinha m a ve r c o m tud o isso .
Ma rtinho Lute ro

Lute ro (1483-1546) fo i o rd e na d o sa c e rd o te e m 1507, a p ó s te r c o nc luíd o


b rilha nte s e stud o s unive rsitá rio s. Ato rme nta d o c o m o se ntid o d o p e c a d o , sua â nsia
o le vo u a e la b o ra r uma no va d o utrina d a Sa lva ç ã o , e m c o ntra p o siç ã o à c a tó lic a .
Pa ra Lute ro , a a b so lviç ã o d o p e c a d o d e riva va d e uma re la ç ã o d ire ta e ntre De us
e o fie l, q ue p o d e ria se r o b tid a a p e na s a tra vé s d a p ró p ria fé , nã o p o r me io d e
o b ra s e , m uito m e no s, c o m a c o m p ra d e ind ulg ê nc ia s o u a inte rve nç ã o d e um
c o nfe sso r.4
Lute ro d e fe nd e u o d ire ito q ue c a d a fie l te m d e le r e inte rp re ta r a s
Esc ritura s, ne g o u a a uto rid a d e jurisd ic io na l d o p a p a , d a nd o iníc io a uma vig o ro sa
p o lê mic a c o ntra a c o rrup ç ã o d a Ig re ja d e Ro ma , e c o nte sto u o p o d e r te mp o ra l
d o c le ro . Ne g o u ta mb é m a va lid a d e d e a lg uns sa c ra me nto s e o va lo r d o c e lib a to
e c le siá stic o .
Em 31 d e o utub ro d e 1517, a fixo u na p o rta d e uma ig re ja a s "95 te se s
p a ra e sc la re c e r a e fic á c ia d a s ind ulg ê nc ia s", q ue susc ita ra m g ra nd e s p o lê mic a s e
tive ra m a mp la d ifusã o e m to d a a Ale ma nha .
Em 15 d e junho de 1520, uma b ula p a p a l c o nd e no u a lg uma s
p ro p o siç õ e s lute ra na s, o rd e na nd o q ue fo sse m q ue ima d a s. Lute ro , em
c o mp e nsa ç ã o , q ue imo u, d ia nte d e uma multid ã o q ue o a p la ud ia , o q ue e le
me smo c ha ma va d e "e xe c rá ve l b ula a ntic risto ".
Em 1521, a p re se nto u-se à Die ta d e Wo rms c o m o sa lvo -c o nd uto d o
im p e ra d o r C a rlo s V. Ao fina l d e uma a c irra d a d isc ussã o te o ló g ic a , Lute ro d e c la ro u
q ue nã o p o d ia se re me te r à a uto rid a d e d o p a p a e d o s c o nc ílio s, a té p o rq ue e ste s
muita s ve ze s se c o ntra d izia m, ma s a p e na s à d a s Sa g ra d a s Esc ritura s.
Exc o mung a d o p e la Ig re ja e b a nid o p e lo imp e ra d o r, c o ntinuo u sua s
a tivid a d e s o u, a o me no s, d e u iníc io a um p ro je to a mb ic io so : a tra d uç ã o d a s
Esc ritura s p a ra o a le m ã o . Lute ro , c o m g ra nd e p ro b a b ilid a d e , sa lvo u-se d a fo g ue ira
p o r um c o njunto d e fa to re s d e lic io sa me nte p o lític o s: o fa vo r d e a lg uns p rínc ip e s
a le mã e s, d e ntre o s q ua is e sta va o e le ito r d a Sa xô nia , q ue o e sc o nd e u no c a ste lo
d e Wa rtb urg e nc e na nd o um fa lso ro mp im e nto ; a d e sc o nfia nç a d o p a p a c o m
re la ç ã o a C a rlo s V, c uja influê nc ia se to rna ra p re p o nd e ra nte na Itá lia ; o fa to d e
q ue o p ró p rio C a rlo s V, no s a no s se g uinte s, e stive sse o c up a d o d e ma is c o m g ue rra s
c o ntra turc o s, fra nc e se s, ve ne zia no s e o p ró p rio Esta d o Po ntifíc io .
As te se s lute ra na s e ra m p o p ula re s e ntre o s p rínc ip e s a le mã e s, q ue
d e se ja va m se a p o d e ra r d o s b e ns d o s g ra nd e s e c le siá stic o s: la tifúnd io s e no rm e s
c o m vá rio s se rvo s d a g le b a e q ue g o za va m d e a mp lo s p rivilé g io s fisc a is, q ua se
Esta d o s d e ntro d o s Esta d o s.
Lute ro ta mb é m g o za va d e g ra nd e a d mira ç ã o e ntre o p o vo , q ue
re c o nhe c ia e m a lg uma s d e sua s d e c la ra ç õ e s a s p ró p ria s a sp ira ç õ e s d e justiç a
so c ia l. Ma s a s e xp e c ta tiva s d e muito s, so b e sse p o nto d e vista , nã o fo ra m
a ting id a s.
Em 1524, e c lo d iu no s te rritó rio s d o Im p é rio uma g ig a nte sc a re b e liã o
c a mp o ne sa . Ba nd o s a rma d o s c o mp o sto s d e c e rc a d e tre ze nto s mil c a mp o ne se s
sa q ue a ra m ig re ja s, c a ste lo s e c id a d e s. Lute ro , d e p o is d e te nta r inutilme nte uma
me d ia ç ã o , e sc re ve u o tra ta d o C o ntra o s b a nd o s a rrua c e iro s e a ssa ssino s d o s
c a mp o ne se s, uma e sp é c ie d e c a rta a b e rta a o s p rínc ip e s a le mã e s p e d ind o p a ra
c o nte r o s re b e ld e s. "Esta é a é p o c a d a ira e d a e sp a d a , nã o a d a g ra ç a [...] Po r
isso , c a ro s se nho re s [...] ma te m , e sg a ne m , e stra ng ule m q ue m p ud e re m [...] e se
a lg ué m julg a r tud o isso d uro d e ma is, p e nse q ue a se d iç ã o é insup o rtá ve l e q ue a
c a d a mo me nto é p re c iso e sp e ra r a c a tá stro fe d o mund o ."5
Os p rínc ip e s c a tó lic o s e p ro te sta nte s a c o lhe ra m o c o nvite e
ma ssa c ra ra m o s re b e ld e s. Um a d a s c a ra c te rístic a s d a Ig re ja Lute ra na fo i o d ire ito
d e e nvo lvime nto d o s p rínc ip e s na g e stã o e c le siá stic a . O so b e ra no d e um Esta d o
se to rna va o c he fe d a Ig re ja na c io na l.
O s e sc rito s d e Lute ro tive ra m a m p la d ifusã o na Euro p a , c o m e xc e ç ã o ,
ta lve z, a p e na s d a Itá lia , o nd e d e se nc a d e a ra m uma se ve ra re p re ssã o . O s se rmõ e s
lute ra no s se d ifund ira m e m muito s p a íse s e uro p e us, e m a lg uns c a so s fo rne c e nd o
c o mb ustíve l p a ra a s fo g ue ira s, e m o utro s, c o m suc e sso , tra nsfo rma nd o a Re fo rma
e m re lig iã o d e Esta d o (q ue p e rse g uiu, p o r sua ve z, o s c a tó lic o s).
A Dina ma rc a se to rno u p ro te sta nte c o m o re ina d o d e C ristia no III (1534-
1559). O s b isp o s c a tó lic o s fo ra m p re so s e sub stituíd o s p e lo s lute ra no s, a s
p ro p rie d a d e s e c le siá stic a s fo ra m c o nfisc a d a s e utiliza d a s p a ra ma nte r o Esta d o e
fina nc ia r a c ultura . O re i e ra o c he fe d a Ig re ja . A Bíb lia fo i tra d uzid a p a ra o
d ina m a rq uê s.
Po ste rio rme nte , C ristia no III e ste nd e u a p ró p ria so b e ra nia ta mb é m so b re
a No rue g a e a Sué c ia . Na No rue g a , o s so ld a d o s lute ra no s d e mo lira m a lg uma s
ig re ja s c a tó lic a s, e to d o s o s b isp o s fo ra m e xp ulso s, c o m e xc e ç ã o d e d o is q ue se
c o nve rte ra m a o lute ra nismo . Na Sué c ia , a s d o utrina s re fo rma d a s p e ne tra ra m d e
ma ne ira ma is sua ve e "e m d iá lo g o " c o m Ro ma . A rup tura só a c o nte c e u e m 1523,
q ua nd o o p a p a se re c uso u a ra tific a r a no me a ç ã o d e q ua tro b isp o s sue c o s
e nq ua nto nã o se p a g a sse m a s a no na s (um d o s ta nto s trib uto s q ue o s re ino s
c ristã o s d e via m à Sa nta Sé ). O re i d a Sué c ia re sp o nd e u q ue o p a ís e ra p o b re
d e ma is p a ra p a g a r e no me o u e le p ró p rio o s b isp o s.
Do s p a íse s e sc a nd ina vo s, o lute ra nismo se p ro p a g o u p e la s re g iõ e s
b á ltic a s. Na Finlâ nd ia , to rno u-se re lig iã o d e Esta d o . A Islâ nd ia , no sé c ulo XVI,
e sta va sub o rd ina d a à Dina ma rc a , e o lute ra nismo c he g o u c o m o s me rc a d o re s e
d o uto s q ue tinha m e stud a d o no c o ntine nte (a Unive rsid a d e d e Witte mb e rg
to rna ra -se um imp o rta nte c e ntro de d ifusã o c ultura l), ma s so b re tud o p e la
influê nc ia d e C ristia no III, c o nte sta d a e m vã o p o r um b isp o lo c a l e se us d o is filho s.
O s p re la d o s c a tó lic o s fo ra m d e p o sto s, e se us b e ns, c o nfisc a d o s. C o ntud o , a Ig re ja
Re fo rma d a ma nte ve vá ria s p rá tic a s c a tó lic a s, c o mo a d a c o nfissã o e a a d o ra ç ã o
a a lg uns sa nto s lo c a is.
Na Bo ê mia , a Re fo rma se d ifund iu g ra ç a s a o s e stud a nte s hussita s
fo rma d o s e m Witte mb e rg . O s a le mã e s d a Bo ê mia se to rna ra m lute ra no s; o s
e sla vo s, c a lvinista s, m a s d e p o is a s d ua s c o rre nte s e la b o ra ra m uma c o nfissã o d e fé
unitá ria p a ra e nfre nta r me lho r o s so b e ra no s c a tó lic o s, o q ue d e u e nse jo a uma
vio le nta re a ç ã o d o s c a tó lic o s e m g e ra l e d o s je suíta s e m p a rtic ula r. Até o fina l d o
sé c ulo XVI, c a lc ula -se q ue 90% d o s b o ê mio s fo sse m p ro te sta nte s.
Na Hung ria , a Re fo rma ta mb é m se d ifund iu a tra vé s d e d ire trize s "é tnic a s":
a le mã e s e e sla vo s se vo lta va m p re fe rive lme nte a o lute ra nismo ; o s m a g ia re s, c o m
a lg uma s e xc e ç õ e s, ao c a lvinismo . Vá rio s fa to re s a jud a ra m a o b ra dos
re fo rma d o re s.
Em p rime iro lug a r, a c o rrup ç ã o q ue se e sp a lho u e ntre o c le ro e o s le ig o s
c a tó lic o s. O s hussita s e (p ro va ve lm e nte ) o s va ld e nse s a b rira m o c a minho .
A inva sã o turc a à Hung ria , e m 1541, a uxilio u na instituiç ã o d a Re fo rma
ta nto ind ire ta (muito s líd e re s c a tó lic o s fo ra m mo rto s e m c o mb a te c o ntra o s turc o s)
q ua nd o d ire ta me nte : a s fo rç a s d e o c up a ç ã o turc a s fa vo re c e ra m o s p ro te sta nte s
e m d e trime nto d o s c a tó lic o s, ma is te mid o s p o r sua p ro p e nsã o à s C ruza d a s e sua
lig a ç ã o c o m o im p e ra d o r.6
Na Tra nsilvâ nia , a lg uns d e c re to s d e 1568 e 1571 g a ra ntira m d ire ito s ig ua is
a c a tó lic o s, c a lvinista s, lute ra no s e unita rista s.
Jo ã o C a lvino

C a lvino (1509-1564), fra nc ê s, fo i o fund a d o r d a Ig re ja C a lvinista , o utro


g ra nd e c ulto re fo rma d o q ue se e sp a lho u p e la Euro p a ta lve z c o m um suc e sso
a ind a ma io r q ue o lute ra no . Pa ra C a lvino , o p e c a d o o rig ina l tra nsmitid o p o r Ad ã o
a to d a a huma nid a d e to rno u o s ho me ns inc a p a ze s d e re d e nç ã o . Ap e na s o s
e le ito s, q ue ha via m re c e b id o uma g ra ç a e sp e c ia l d e De us, p o d e ria m se sa lva r;
to d o s o s o utro s e sta va m p re d e stina d o s à d a na ç ã o .7
C o m b a se ne ssa a firma ç ã o , ning ué m a lé m d e De us p o d ia sa b e r c o m
c e rte za q ue m e ra m o s e le ito s, e mb o ra a p ro fissã o d e fé , uma vid a c o rre ta e a
o b se rvâ nc ia d o s sa c ra me nto s fo sse m p ro va s e vid e nte s d o fa vo r d ivino . Existe m,
a ssim , d ua s Ig re ja s: um a invisíve l, fo rm a d a p e lo s e le ito s vivo s e mo rto s e c o nhe c id a
a p e na s p o r De us; e uma visíve l, c o mp o sta ta mb é m d e ho me ns ind ig no s,
imp e rfe ita , ma s p a ssíve l d e me lho ra s, e o s c ristã o s d e ve ria m re sp e ita r sua
a uto rid a d e .8 O b via m e nte , q ua nd o fa la va d e "Ig re ja visíve l", C a lvino se re fe ria
à q ue la fund a d a p o r e le p ró p rio . A Ig re ja e o Esta d o e ra m p a rte s inte g ra nte s d a
me sma c o munid a d e sa g ra d a . Entre o s d e ve re s d o Esta d o , ha via o d e d e fe nd e r a
re lig iã o e e vita r a s o fe nsa s c o ntra e la . A p e na c a p ita l e , d a d a s a s c o nd iç õ e s, a
g ue rra e ra m c o nsid e ra d a s p rá tic a s le g ítima s e a d missíve is p a ra um c ristã o .
G ra ç a s à sua influê nc ia , a Re p úb lic a d e G e ne b ra se tra nsfo rmo u e m um
re g ime te o c rá tic o , o q ue lhe c o nfe riu um inc ríve l im p ulso p a ra o c o m é rc io , o s
inve stime nto s e a e d uc a ç ã o . Um c o nse lho e c le siá stic o c uid a va d a mo ra lid a d e
d o s c id a d ã o s, c o mina nd o p e na s se ve ra s a té me smo p a ra p e q ue na s infra ç õ e s, e
se o c up a va d o s c rime s d e he re sia .9
C o nsid e ra d o he re g e e b a nid o d a Ig re ja d e Ro ma , C a lvino , p o r sua ve z,
te ve um c o mp o rta me nto muito d uro c o m o s d issid e nte s d e sua d o utrina .10
O c a lvinism o se d ifund iu e m vá rio s p a íse s, à s ve ze s e m d e trim e nto d o
lute ra nismo , c o mo e m Estra sb urg o , o nd e muito s re fo rma d o s a d e rira m à no va
c re nç a , inc e ntiva d o s p e la intra nsig ê nc ia d o s lute ra no s ma is ra d ic a is. No
Pa la tina d o , to rno u-se re lig iã o d e Esta d o , e o g o ve rno p e rse g uiu c a tó lic o s e
lute ra no s.11
O s hug ue no te s

Na Fra nç a , a Re fo rma se d ifund iu so b re tud o no sul d o p a ís, o nd e trê s


sé c ulo s a nte s p re g a va m o s c á ta ro s e o s va ld e nse s. O s c a lvinista s fra nc e se s e ra m
a p e lid a d o s d e "hug ue no te s". A d isc ip lina e a mo ra l ríg id a q ue o s c a ra c te riza va m
lhe s p e rmitira m e xe rc e r g ra nd e influê nc ia na vid a p úb lic a fra nc e sa , e mb o ra
re p re se nta sse m uma p e q ue na mino ria d e ntro d e um p a ís q ua se to ta lme nte
c a tó lic o .
As a uto rid a d e s fra nc e sa s a d o ta ra m uma p o lític a q ue se a lte rna va e ntre
to le râ nc ia e re p re ssã o a o s c a lvinista s e o utra s mino ria s re lig io sa s. A re p re ssã o nã o
p o up o u ne m o s se g uid o re s d o b isp o c a tó lic o re fo rmista d e Me a ux, G uilla ume
Briç o nne t (1492-1549), c o nfe sso r d e Ma rg a rid a , irmã d o re i, q ue fo ra m la nç a d o s à
fo g ue ira . A So rb o nne p ro ib iu livro s d e re fo rmista s, o Pa rla me nto o s b a niu e
d e c re to u a d e struiç ã o d e muita s c id a d e s ha b ita d a s p o r c o munid a d e s he re g e s.
Em 1535, p a ra ving a r uma sup o sta p ro fa na ç ã o d a hó stia sa g ra d a , fo ra m
q ue ima d o s se is he re g e s, um p o r c a d a uma d a s e sta ç õ e s q ue c o mp unha m a
so le ne p ro c issã o d o C o rp us Do mini.12
O a no d e 1572 p a re c e u p re se nc ia r um p e río d o d e p a z na luta e ntre
c a tó lic o s e hug ue no te s. As núp c ia s e ntre a c a tó lic a Ma rg a rid a , irmã d o re i d a
Fra nç a , e o p ro te sta nte He nriq ue , re i d e Na va rra , e sta va m p re vista s p a ra o d ia 28
d e a g o sto . Ma s na no ite d e Sã o Ba rto lo me u (24 d e a g o sto ), e m Pa ris, o s so ld a d o s
d o re i d a Fra nç a e ntra ra m na s c a sa s d o s hug ue no te s e o s ma ta ra m e m
e mb o sc a d a s. Po uc o s e nc o ntra ra m a b rig o , to d a s a s rua s ha via m sid o b lo q ue a d a s.
No s d ia s q ue se se g uira m, o ma ssa c re se e ste nd e u ta mb é m a o utra s c id a d e s
fra nc e sa s e a o s c a mp o s. C a lc ula -se q ue , e m Pa ris e a rre d o re s, fo ra m mo rto s e ntre
25 mil e 35 mil hug ue no te s.
O p a p a G re g ó rio XIII (1572-1585), a ssim q ue fo i info rma d o d o ma ssa c re ,
o rd e no u q ue o a c o nte c ime nto fo sse c o me mo ra d o c o m fe sta s so le ne s e c e le b ro u
um jub ile u "no q ua l o s fié is d e ve ria m a g ra d e c e r a De us p e la d e struiç ã o d o s
hug ue no te s e p e d ir q ue a b so lve sse , p o r c o mp le to a Fra nç a c a tó lic a ".13
Fina lm e nte , e nc a rre g o u Va sa ri d e imo rta liza r o fe ito e m um a fre sc o na Sa la Re g ia
d o Va tic a no .
As c o nte nd a s re lig io sa s, q ue se mistura ra m à s d iná stic a s p e lo tro no d a
Fra nç a , só tive ra m fim e m 1594, q ua nd o He nriq ue IV se to rno u re i d o s fra nc e se s, um
p ro te sta nte c o nve rtid o a o c a to lic ismo . "Pa ris va le uma missa ", fra se q ue lhe fo i
a trib uíd a , d iz tud o so b re a s re la ç õ e s e ntre p o lític a e re lig iã o .
Em 1598, fo i p ro m ulg a d o o Ed ito de Na nte s, q ue g a ra ntia aos
hug ue no te s a lib e rd a d e d e c ulto e o c o ntro le , a título d e g a ra ntia , d e a lg uma s
c id a d e s fo rtific a d a s. Ap e sa r d isso , a s p e rse g uiç õ e s nã o c e ssa ra m.
Em 1621, o s hug ue no te s a ssina ra m, na c id a d e fo rtific a d a d e La Ro c he lle ,
uma ve rd a d e ira d e c la ra ç ã o d e ind e p e nd ê nc ia . A c id a d e fo i to ma d a e m 1628,
a p ó s um lo ng o sítio . O s re fo rmista s p e rd e ra m , a ssim , sua c id a d e e fo ra m o b rig a d o s
a p a g a r p e sa d a s ta xa s, se nd o e xc luíd o s p o r le i d o e xe rc íc io d e a lg uma s p ro fissõ e s.
Em 1680, no va s p e rse g uiç õ e s se inic ia ra m (Luís XIV, o Re i So l, nã o to le ra va
ne nhuma fo rma d e a uto no mia no p ró p rio re ino ). Alg uns p ro te sta nte s e mig ra ra m ,
o utro s se c o nve rte ra m à fo rç a , p o r me io d e missio ná rio s e sc o lta d o s p o r b a nd e ira s
d e d ra g õ e s (a s fo rç a s fra nc e sa s ma is fe ro ze s). Dize m q ue , e m trê s d ia s d o a no d e
1684, fo ra m c o nve rtid o s se sse nta mil hug ue no te s.
Em 1685, o Ed ito d e Na nte s fo i a b -ro g a d o , p ro vo c a nd o um no vo ê xo d o
d e p ro te sta nte s. Na s mo nta nha s d e C e ve nne s, um g rup o d e trê s mil re fo rmista s
g uia d o s, a o q ue p a re c e , p o r a lg uns "p ro fe ta s-me nino s", d e sa fio u um c o nting e nte
d e se is mil so ld a d o s d o e xé rc ito fra nc ê s.
He nriq ue VIII e a Re fo rm a ing le sa

A Ig re ja Ang lic a na na sc e g ra ç a s a He nriq ue VIII"(1509-1547), c o nhe c id o


p o r te r tid o se is mulhe re s (d ua s re p ud ia d a s, d ua s d e c a p ita d a s e uma mo rta no
p a rto ). He nriq ue inic ia ra se u re ina d o c o m o ma rc o d a o rto d o xia c a tó lic a :
se g uid o re s d a s te se s lute ra na s, c o mo o e stud io so Tho ma s Bilne y e o sa c e rd o te
Willia m Tynd a le , q ue tra d uziu p a ra o ing lê s o No vo e g ra nd e p a rte d o Antig o
Te sta me nto , a c a b a ra m na fo g ue ira . Ele p ró p rio e sc re ve u (o u ma nd o u e sc re ve r)
um lib e lo a ntip ro te sta nte e fo i no me a d o De fe nso r Fid e i (d e fe nso r d a fé ) p e lo
p a p a . Em 1509, c a so u-se c o m C a ta rina d e Ara g ã o , viúva d e se u irmã o ma is ve lho ,
Artur, a p ó s te r o b tid o uma d isp e nsa e sp e c ia l d o p a p a (a s le is d a é p o c a p ro ib ia m
c a sa me nto e ntre c unha d o s).
Po r vo lta d e 1527, nã o ha ve nd o tid o ne nhum filho ho me m d e sua uniã o e
d e se jo so d e um he rd e iro p a ra sua d ina stia , He nriq ue te nto u o b te r d o p a p a a
a nula ç ã o d o c a sa me nto , p a ra p o d e r se c a sa r c o m Ana Bo le na . O p a p a ind e fe riu
o p e d id o , p ro va ve lme nte p o rq ue te mia o fe nd e r o im p e ra d o r C a rlo s V, so b rinho d e
C a ta rina , q ue já ha via sa q ue a d o Ro ma c o m sua s tro p a s.
He nriq ue e ntro u e m c o ntro vé rsia c o m a Ig re ja C a tó lic a . Em 1531, a
a sse mb lé ia g e ra l d o c le ro o no me o u "c he fe sup re mo d a Ig re ja na Ing la te rra " e
d o o u uma no tá ve l q ua ntia e m d inhe iro à C o ro a . Em se g uid a , o Pa rla me nto
d e c re to u q ue o s imp o sto s re lig io so s nã o fo sse m ma is p a g o s a o p a p a , ma s a o re i, e
q ue a Ig re ja Ang lic a na p o d ia d e lib e ra r so b re a s p ró p ria s q ue stõ e s inte rna s, se m
re c o rre r a Ro ma .
Q ua nd o o p a p a e xc o mung o u He nriq ue , o p a rla me nto ing lê s a b -ro g o u o
c ha ma d o "Ó b o lo d e Pe d ro ", uma ta xa p a p a l imp o sta a to d a s a s fa mília s p e la
Ig re ja d e Sã o Pe d ro , e p ro c la mo u o re i o "únic o c he fe sup re mo e m Te rra d a Ig re ja
na Ing la te rra ". Q ua lq ue r re fe rê nc ia a o p a p a fo i tira d a d a s missa s.
Fo re st, um fre i p ra tic a nte , d e fe nso r d a a uto rid a d e a b so luta d o p a p a na s
q ue stõ e s d e fé , fo i a c usa d o d e he re sia e q ue ima d o na fo g ue ira junto c o m um
íd o lo d e ma d e ira ve ne ra d o e m G a le s. Tho ma s Mo o re e o b isp o Fishe r ta mb é m
fo ra m d e c a p ita d o s p o r sua fid e lid a d e a Ro ma .
Em to d a s a s ig re ja s, a p a re c e ra m uma Bíb lia e m la tim e uma e m ing lê s,
p a ra q ue o s le ig o s le sse m d ire ta me nte a s Esc ritura s e ve rific a sse m c o mo muita s
d o utrina s e c o stume s c a tó lic o s nã o c o rre sp o nd ia m a o s te xto s sa g ra d o s. O s
m o ste iro s fo ra m sa q ue a d o s e d e struíd o s, e se us b e ns fo ra m c o nfisc a d o s e
ve nd id o s.
A rup tura c o m Ro ma nã o sig nific o u a a uto má tic a a d e sã o à s d o utrina s
lute ra na s, muito p e lo c o ntrá rio . He nriq ue VIII e m p e sso a , junto c o m se us b isp o s,
julg o u o c a so d o lute ra no Jo hn Nic ho lso n, q ue fo i c o nd e na d o e ma nd a d o à
fo g ue ira a p e sa r d e se u p e d id o d e p e rd ã o .
So b o re ina d o d e He nriq ue e o b re ve g o ve rno d e Ed ua rd o VI, o s a rtig o s
d a fé d a Ig re ja Ang lic a na fo ra m re e sc rito s vá ria s ve ze s, a lte rna nd o p o siç õ e s
re fo rmista s e "c a tó lic a s", à s ve ze s c o m re sulta d o s tra g ic ô mic o s. Em 1539, fo ra m
p ro mulg a d o s o s Se is Artig o s, q ue re fo rmula va m vá rio s a sp e c to s d a d o utrina
c a tó lic a , c o mo o c e lib a to e c le siá stic o . As infra ç õ e s se ria m p unid a s c o m a fo g ue ira
o u c o m o e nfo rc a me nto . O a rc e b isp o C ra nme r, q ue se c a sa ra , te ve d e e sc o nd e r
a mulhe r. Em 1543, se is p e sso a s fo ra m e xe c uta d a s num únic o d ia : trê s q ue ima d a s
p o r he re sia e trê s e nfo rc a d a s p o r ne g a re m a sup re ma c ia re lig io sa d o re i.
Ma ria , a Sa ng uiná ria , e Elisa b e te I

Em 1553, a re a ç ã o c a tó lic a le vo u a o p o d e r Ma ria I (c ha ma d a ta mb é m


d e Ma ria , a C a tó lic a ; o u Ma ria , a Sa ng uiná ria ), filha d e He nriq ue VIII e d e C a ta rina
d e Ara g ã o .
Dura nte se u b re ve re ina d o , e la a b -ro g o u to d o s o s p ro vime nto s d e
He nriq ue VIII e Ed ua rd o e re to mo u a s le is c o ntra o s he re g e s. Muito s p ro te sta nte s
fug ira m d o p a ís e o s b isp o s c a tó lic o s re to ma ra m a p o sse d e sua s se d e s. Fo ra m
instituíd a s c o missõ e s e sp e c ia is c o m a ta re fa d e e nc o ntra r e p ro c e ssa r o s he re g e s
e m to d o o te rritó rio d o re ino . Em c inc o a no s, 282 p e sso a s fo ra m mo rta s p o r he re sia .
Elisa b e te I (1558-1603) e sc o lhe u o me io -te rmo , c ria nd o uma ig re ja
a utô no ma c ujo s a rtig o s d e fé re p re se nta va m um c o mp ro misso e ntre instâ nc ia s
c a tó lic a s, lute ra na s e c a lvinista s e c o nte nta ra m g ra nd e p a rte d o s c ristã o s d a
Ing la te rra . Ela c o nse rvo u a o p o siç ã o a o e xtre mismo : d e um la d o , a o s je suíta s, q ue
o rd e na ra m vá rio s c o mp lô s c o ntra a ra inha ; d e o utro , a o s p urita no s.
Em 1570, Elisa b e te fo i o fic ia lme nte e xc o mung a d a p o r Ro ma (le mb re m o s
q ue e sse a to , q ue e xc luía o s súd ito s d a o b rig a ç ã o d e fid e lid a d e , re p re se nta va um
g ra ve p e rig o p a ra a a uto rid a d e e a p ró p ria vid a d o mo na rc a ), a o q ue re sp o nd e u
p e rse g uind o , se m he sita r, o s c a tó lic o s. Da s 187 p e sso a s mo rta s d ura nte se u
re ina d o , 123 e ra m sa c e rd o te s c a tó lic o s o u je suíta s.
Purita no s e a ng lic a no s

A Ig re ja d a Ing la te rra fo ra d ivid id a e m d ua s: d e um la d o , o s p urita no s,


inte g ra lista s d a re lig iã o , q ue re je ita va m liturg ia s e hie ra rq uia s e c le siá stic a s, m a s
e ra m imp ie d o so s c o m o s "p e c a d o re s"; d e o utro , o s a ng lic a no s, p a rtid á rio s d o
p o d e r, m a is to le ra nte s c o m o p e c a d o , ma s imp ie d o so s c o m o s p urita no s.
O s p urita no s (ró tulo q ue na ve rd a d e e ng lo b a va uma c o nste la ç ã o d e
mo vime nto s muito d ife re nte s e ntre si) p ro fe ssa va m o sa c e rd ó c io unive rsa l,
d e fe nd ia m a ig ua ld a d e d e to d o s o s ministro s d o c ulto c o ntra a hie ra rq uia d o s
b isp o s e c o nd e na va m c o mo "id o la tra s" a missa e o utro s ritua is a ng lic a no s
a d a p ta d o s d o s c a tó lic o s. Se u p ro g ra ma "p o lític o -so c ia l" p re via p uniç õ e s se ve ra s
c o ntra b la sfe mo s, c a lunia d o re s, p e rjuro s, fo rnic a d o re s e a lc o ó la tra s, a lé m d a p e na
d e mo rte "se m sa lva ç ã o " p a ra o s a d últe ro s. O Pa rla me nto ing lê s a p o io u se us
p e d id o s. Se us a d ve rsá rio s e ra m a mo na rq uia e o c le ro instituc io na l. A luta e ntre
uma Ig re ja Alta , a lia d a a o p o d e r re a l, e um a Ig re ja Ba ixa , m uito influe nte no
Pa rla me nto , d ura ria q ua se um sé c ulo , inte rc a la nd o -se c o m o s vá rio s fa to s histó ric o s
d a é p o c a .14
O s a ng lic a no s e ma na ra m le is muito se ve ra s c o ntra o s p urita no s: q ue m
nã o p a rtic ip a sse d a missa se ria p unid o c o m o e xílio . Q ue m fa zia "re uniõ e s re lig io sa s
p a rtic ula re s" e ra c o nd e na d o a p e na s g ra ve s (o p re g a d o r Jo hn Bunya n fo i p re so
p o r 12 a no s). O s e sc rito re s e p re g a d o re s p urita no s c o rria m o risc o d e se r c o lo c a d o s
na b e rlind a , a ç o ita d o s, ma rc a d o s c o m fo g o o u te r o na riz e a s o re lha s a rra nc a d o s.
A g ue rra c ivil e o p e río d o d o C o mmo nwe a lth (1649-1659) ma rc a ra m um
b re ve triunfo d o s p urita no s, q ue c o nse g uira m a b o lir a instituiç ã o d o s b isp o s. Ma s a
suc e ssiva re sta ura ç ã o vo lto u a fa ze r a b a la nç a p e nd e r p a ra o la d o dos
a ng lic a no s, q ue re insta ura ra m à fo rç a a hie ra rq uia e c le siá stic a . Só o s c a tó lic o s
nunc a tive ra m se u insta nte d e triunfo e fo ra m c uid a d o sa me nte p e rse g uid o s
d ura nte to d o o sé c ulo XVII, a c usa d o s d e c o njura s ve rd a d e ira s (c o mo a d o s p ó s)
o u inve nta d a s, e e xc luíd o s d o s c a rg o s p úb lic o s. Em 1689, um Ato d e To le râ nc ia
g a ra ntiu lib e rd a d e d e c ulto a b a tista s, p re sb ite ria no s, c o ng re g a c io na lista s e
q ua c re s, ma s nã o a o s c a tó lic o s e unita rista s.
Na Irla nda , o s c a tó lic o s se re b e la m

Ap e sa r d o c isma d e He nriq ue VIII, o s irla nd e se s c o ntinua ra m te na zme nte


a nc o ra d o s p e la Ig re ja C a tó lic a . O a rc e b isp o d e Ama g h d e c la ro u q ue "e sta ilha
nã o p e rte nc e a ning ué m a lé m d o b isp o de Ro ma , q ue a e ntre g o u a o s
a nte p a ssa d o s d o so b e ra no ". Em to d a s a s d io c e se s, e nfre nta ra m-se d o is b isp o s
riva is, no m e a d o s re sp e c tiva me nte p e lo p a p a e p e lo re i.
A d e struiç ã o d o s mo ste iro s re ve lo u-se uma ve rd a d e ira c a tá stro fe p a ra o
p o vo irla nd ê s, já q ue e ra m o s únic o s c e ntro s d e d ifusã o d a c ultura e d a
a ssistê nc ia . A d e struiç ã o d a s ima g e ns sa g ra d a s g e ro u o ho rro r d o s fié is. Bisp o s e
e c le siá stic o s a ng lic a no s c o m p o rta ra m -se c o m g ra nd e a rro g â nc ia e m re la ç ã o a o s
irla nd e se s, nã o se p re o c up a nd o ne m e m c o nve rtê -lo s. O s ha b ita nte s d a ilha ,
a p o ia d o s p e lo s je suíta s a p a rtir d e 1542, re a g ira m c ria nd o a Lig a C a tó lic a , p a ra se
d e fe nd e r d a o b rig a ç ã o d e fre q üe nta r a s ig re ja s p ro te sta nte s e p a ra d ifund ir a
instruç ã o . A e xistê nc ia d e uma o p o siç ã o c a tó lic a o rg a niza d a re p re se nta ria um
o b stá c ulo d ura nte to d o o re ina d o d a ra inha Elisa b e te .

C APÍTULO 12

A G ue rra do s Trinta Ano s


A Re fo rma Pro te sta nte ha via d ivid id o a Euro p a e m d ua s: d e um la d o , o s
Esta d o s c a tó lic o s; d e o utro , o s p ro te sta nte s.
A d ivisã o p e rc o rria o p ró p rio Sa c ro Imp é rio Ro ma no : a ma io r p a rte d o s
Esta d o s a le mã e s se te ntrio na is to rno u-se lute ra na o u c a lvinista , e nq ua nto os
me rid io na is c o ntinua ra m c o m Ro ma .
O s p rínc ip e s c a tó lic o s q ue ria m q ue fo sse g a ra ntid a lib e rd a d e d e fé a
se us c o rre lig io ná rio s m e sm o no s te rritó rio s d o mina d o s p e lo s re fo rmista s, ma s nã o
tinha m ne nhuma inte nç ã o d e c o nc e d e r a me sma lib e rd a d e a o s se us súd ito s
p ro te sta nte s.
Na sc e ra m, a ssim , d ua s c o a lizõ e s c o ntrá ria s d e Esta d o s: a Lig a d e
Ra tisb o na (c a tó lic a ), e m 1524, e , d o is a no s d e p o is, a Alia nç a de To rg a u
(p ro te sta nte ). Po r vá rio s a no s, o s d o is p a rtid o s se e nfre nta ra m, a lte rna nd o
intra nsig ê nc ia e te nta tiva s d e c o nc ilia ç ã o , a té q ue , e m 1530, o im p e ra d o r C a rlo s V
o rd e no u q ue o s p rínc ip e s lute ra no s se sub me te sse m à re lig iã o c a tó lic a . Este s
re sp o nd e ra m c ria nd o a Lig a d e Sma lc a ld a , uma a lia nç a p o lític o -milita r q ue
e sta b e le c e u a c o rd o s ta mb é m c o m a Fra nç a e o utra s p o tê nc ia s ho stis a o
im p e ra d o r.
Suc e d e ra m-se trinta a no s d e g ue rra s e tré g ua s a lte rna d a s, a té q ue , e m
1555, C a rlo s V, d e rro ta d o p o r uma a lia nç a q ue re unia a Fra nç a c a tó lic a e o s
Esta d o s re fo rma d o s, fo i o b rig a d o a fa ze r um a c o rd o c o m se us a d ve rsá rio s.
Em 1555, C a rlo s V e o s p rínc ip e s re fo rma d o s firma ra m a Pa z d e Aug usta .
Pe la p rime ira ve z, d e sd e se u na sc ime nto , to mo u fo rma a id é ia d e q ue d ua s
re lig iõ e s c ristã s d ife re nte s p o d e ria m c o e xistir no Sa c ro Im p é rio Ro ma no .
O tra ta d o c o ntinha , no e nta nto , d o is p rinc íp io s re stritivo s:
1) il c uius re g io e ius re lig io : o s súd ito s d e um Esta d o d e via m se a d e q ua r à
re lig iã o d e se u p rínc ip e , fo sse e le c a tó lic o o u p ro te sta nte , o u, c a so c o ntrá rio ,
e mig ra r; e
2) il re se rva tum e c c le sia stic um: a Ig re ja C a tó lic a re nunc ia ria a re ivind ic a r
o s b e ns e c le siá stic o s c o nfisc a d o s a nte s d e 1552; e m c o mp e nsa ç ã o , d e ve ria
re c e b e r d e vo lta a q ue le s sub tra íd o s a p ó s e ssa d a ta (o s p rínc ip e s tra ta ra m d e
ho nra r e sse c o mp ro misso ).
Alé m d isso , o s p re la d o s c a tó lic o s q ue se c o nve rte sse m a o lute ra nismo
te ria m d e re nunc ia r- a to d o s o s b e ne fíc io s e b e ns q ue p o ssuía m e m virtud e d e se u
c a rg o , d e vo lve nd o -o s à Ig re ja C a tó lic a .
Po uc o te mp o d e p o is, C a rlo s V a b d ic o u, d ivid ind o e m d o is se u ime nso
te rritó rio . O irmã o Fe rna nd o I fic o u c o m o Im p é rio e a Bo ê mia ; se u filho Filip e II
g a nho u a Esp a nha , o s Pa íse s Ba ixo s, g ra nd e p a rte d a Itá lia e o s te rritó rio s d o No vo
Mund o .
A c a m inho da g ue rra

A p a z d uro u p o uc o . Muito s e le me nto s c o ntrib uíra m p a ra d e mo lir o


e d ifíc io d o Im p é rio e re vo luc io na r a o rd e m e uro p é ia :
1) a ve rve e xp a nsio nista d o s turc o s o to ma no s, q ue a me a ç a va m
d ire ta me nte o s d o mínio s d e fa mília d o s Ha b sb urg o e q ue , no a ug e d e sua
e xp a nsã o , c he g a ra m a sitia r Vie na ;
2) a re vo lta d o s no b re s d o s Pa íse s Ba ixo s, q ue le vo u, no iníc io d o sé c ulo
XVII, a o na sc ime nto d e um a re p úb lic a p ro te sta nte ho la nd e sa ind e p e nd e nte d a
Esp a nha ;
(3) a s no va s ro ta s c o me rc ia is a tra vé s d o Atlâ ntic o e m d ire ç ã o à s
Amé ric a s e à Ásia , q ue fa vo re c ia m na ç õ e s c o mo a Ing la te rra , a Ho la nd a e a
Fra nç a , e m d e trime nto d a s Re p úb lic a s Ma rina ra s, d e slo c a d a s no Me d ite rrâ ne o ,
q ue se to rna ra um ma r q ua se p e rifé ric o ;
4) o a p a re c im e nto , no c e ná rio e uro p e u, de no va s m o na rq uia s
a g re ssiva s, c o mo a sue c a , q ue im p ô s se u p re d o mínio so b re o Bá ltic o (c o ntro la r o s
ma re s sig nific a va d e te r a s ro ta s c o me rc ia is e o tra nsp o rte d e ma té ria s-p rima s);
5) a g ra ve c rise e c o nô mic a e p o lític a d a Esp a nha ;
6) o fa to d e q ue a C o ntra -Re fo rma , d e um la d o , e a p ro p a g a ç ã o d a
Re fo rm a c a lvinista (so b m uito s a sp e c to s, m a is ríg id a , intra nsig e nte e a uto ritá ria ), d e
o utro , tinha m d ivid id o a Euro p a e m d o is b lo c o s c o ntrá rio s. É c la ro q ue se tra ta va
d e d o is g rup o s inte rna me nte b e m d ife re nte s (p o r e xe mp lo , na nista s), ma s isso nã o
imp e d iu q ue a te nd ê nc ia g e ra l te nha sid o a d e p ro c ura r a lia nç a s, a c o rd o s
d iná stic o s, a p o io s e inte re sse s c o muns, e m e sp e c ia l c o m Esta d o s e m q ue
vig o ra va m c re nç a s re lig io sa s a fins; e
7) um a d e c isiva o fe nsiva d ip lo m á tic a e milita r p o r p a rte d a Fra nç a p a ra
re d ime nsio na r o p o d e r d o riva l imp é rio d o s Ha b sb urg o . O c a rd e a l Ric he lie u e se u
c o la b o ra d o r, o fre i Jo sé , fra nc isc a no b a sta nte o rto d o xo , fize ra m tud o q ue e sta va a
se u a lc a nc e p a ra a ume nta r a d ura ç ã o e a d e strutivid a d e d o c o nflito .1
Ne m o s so b e ra no s p ro te sta nte s ne m a fé c a tó lic a na Fra nç a nã o
he sita ria m e m se a lia r a té me smo c o m "o infie l" p o r d e finiç ã o : o Imp é rio Turc o
O to ma no .
A d ivisã o e ntre c a tó lic o s e p ro te sta nte s c o rria o risc o d e c ria r uma c rise
na p ró p ria suc e ssã o d iná stic a d o s Ha b sb urg o no g o ve rno d o Im p é rio . Na é p o c a , o
título d e imp e ra d o r nã o p a ssa va a uto ma tic a me nte d e p a i p a ra filho ; e ra
c o nfe rid o p o r um c o lé g io d e G ra nd e s Ele ito re s, c o mp o sto p o r b isp o s e g ra nd e s
se nho re s fe ud a is c a tó lic o s, c o mo o re i d a Bo ê mia , o u p ro te sta nte s, c o mo o d uq ue
d a Sa xô nia e o c o nd e d e Pa la tina to .
Em 1608, o s Esta d o s d o Im p é rio se a g rup a ra m e m d ua s c o a lizõ e s o p o sta s:
a Lig a C a tó lic a , g uia d a p o r Ma ximilia no d a Ba vie ra (q ue , na ve rd a d e , d e fe nd ia
m a is o s inte re sse s d a Sa nta Sé d o q ue o s d o imp e ra d o r), e a Uniã o Eva ng é lic a ,
lid e ra d a p e lo Ele ito r Pa la tino (q ue , se nd o c a lvinista , te ria sid o b o ic o ta d o p e lo s
p rínc ip e s lute ra no s)-
As d ive rg ê nc ia s re lig io sa s d a ria m vid a a um c o nflito a ssusta d o r c o m
milhõ e s d e mo rto s, c o mp a rá ve l à s d ua s G ue rra s Mund ia is.
A g ue rra (1618- 1648)

O p re te xto p a ra inic ia r o c o nflito fo i d a d o p e la Bo ê mia , o nde a m a io ria


da po pula ç ã o , p ro te sta nte , e ra o p rimid a p o r um mo na rc a c a tó lic o .

Em 1618, o s b o ê mio s se re b e la ra m, jo g a nd o p e la ja ne la d o C a ste lo d e


Pra g a o s lug a re s-te ne nte s d o im p e ra d o r e c ha ma nd o e m se u so c o rro o p rínc ip e
Pa la tino .
Ente nd e r to d o s o s inte re sse s e c o nô mic o s e g e o p o lític o s e m jo g o e to d a s
a s a lia nç a s, mud a nç a s d e fre nte , intrig a s e riva lid a d e s inte rna s e ntre a s c o a lizõ e s
o p o sta s e m um c o nflito q ue d uro u trinta a no s e q ue e nvo lve u, d e uma ma ne ira o u
d e o utra , to d a a Euro p a , é a lg o q ue va i b e m a lé m d o o b je tivo d e ste livro .2
Aq ui só no s c a b e sub linha r o fa to d e q ue p ra tic a me nte nã o ho uve p a ís
e uro p e u q ue nã o te nha sid o a ting id o p e la g ue rra d ura nte uma fa se o u o utra d o
c o nflito , d ire ta o u ind ire ta me nte . Alé m d e q ue o e le me nto d o fa na tism o re lig io so
d e se mp e nho u um p a p e l fund a me nta l na lo ng a d ura ç ã o e na d ure za d o c o nflito .
Pro va ve lme nte , um a g ue rra no rma l p a ra re d e finir fro nte ira s e á re a s d e
influê nc ia te ria te rmina d o a nte s d e le va r à re p e tid a a niq uila ç ã o d e e xé rc ito s
inte iro s, a o p e sa d o e nd ivid a me nto d e p rínc ip e s e re is, à to ta l e d e lib e ra d a
d e struiç ã o d e p a íse s inva d id o s, q ua nd o , p e lo c o ntrá rio , um c o nq uista d o r te ria
to d o o inte re sse d e q ue se us no vo s d o mínio s fo sse m ric o s e p ró sp e ro s.
As c o nse q üê nc ia s so b re a p o p ula ç ã o fo ra m q ua se inima g iná ve is. Po r
d é c a d a s, e xé rc ito s d e d ime nsõ e s ime nsa s a tra ve ssa ra m o s te rritó rio s d a Euro p a
c e ntra l, a rra sa nd o tud o q ue e ra p o ssíve l, imp o nd o c o m a fo rç a a p ró p ria fé ,
c a tó lic a o u p ro te sta nte , e q ue ima nd o tud o p a ra im p e d ir q ue o s e xé rc ito s inimig o s
tive sse m p ro visõ e s. Às ve ze s, junto c o m o s sa q ue s, e ra m le va d o s e mb o ra ta mb é m
ho me ns e mulhe re s c o mo e sc ra vo s.3 O ma is imp o ne nte d e sse s e xé rc ito s e ra o d e
Wa lle nste in, q ue p o r a no s fo i c a p itã o a se rviç o d a c a usa c a tó lic a . C o nta nd o ,
a lé m d o s so ld a d o s, c o m o sé q uito d e viva nd e iro s, c o me rc ia nte s a mb ula nte s,
p ro stituta s e tra b a lha d o re s, c a lc ula -se q ue se u e xé rc ito fo sse c o mp o sto d e
c e nte na s d e milha re s d e p e sso a s.
"Se u e xé rc ito [...] e ra o ma io r e ma is b e m o rg a niza d o e mp re e nd ime nto
p a rtic ula r já visto na Euro p a a nte s d o sé c ulo XX. To d o s o s o fic ia is tinha m
p a rtic ip a ç ã o fina nc e ira e o b tinha m um g ra nd e p ro ve ito d e se u inve stime nto
(p ro ve ito e sse q ue d e riva va d e sa q ue s); a s tro p a s re unid a s e m q ua lq ue r p a rte d a
Euro p a e inc a p a ze s d e mo stra r so lid a rie d a d e e ra m p a g a s d e ma ne ira irre g ula r, o
q ue le va va a uma rá p id a sub stituiç ã o d a fo rç a d e tra b a lho ."4
Dura nte a Die ta Im p e ria l e m Ra tisb o na , e m 1630, o s súd ito s d a
Po me râ nia se a p re se nta ra m c o m uma p e tiç ã o p a ra o fim d a g ue rra .
"No a no a nte rio r, o s e xé rc ito s d e Wa lle nste in e sp o lia ra m d e ta l mo d o o
p a ís q ue d e sd e e ntã o a s p e sso a s c o me ç a ra m a mo rre r d e fo me . Muito s, na
ve rd a d e , mo rre ra m , e o s so b re vive nte s c o mia m e rva s e ra íze s, b e m c o mo a s
c ria nç a s e d o e nte s, a lé m d e c a d á ve re s há p o uc o e nte rra d o s [...] O im p e ra d o r e
o s e le ito re s o uvira m c o mo vid o s o s p o me râ nio s, mo stra ra m se u p ro fund o inte re sse e
d e ixa ra m a s c o isa s c o mo e sta va m. Da d o o siste m a p o lític o e m q ue vivia m e
e xe rc ia m sua s funç õ e s, d a d a a me nta lid a d e e o se ntime nto e ntã o vig e nte s no s
c írc ulo s p rinc ip e sc o s, nã o se p o d ia e sp e ra r ma is d e le s. Alé m d isso , d ura nte a
G ue rra d o s Trinta Ano s, ne nhum se nho r a le mã o p a sso u fo me fo sse p o r um d ia [...]
A g e nte c o mum p o d ia mo rre r d e fo me o u se a lim e nta r, d e fo rma o b sc e na , d e
c a rne huma na , m a s na s sa la s d e b a nq ue te d o im p e ra d o r, d o s e le ito re s e d o s
b isp o s o a ntig o c o stume a le mã o d e se e mp a nturra r e d e b e b e r nunc a fo i
a b a nd o na d o . C he io s d e b ife s e vinho , o s p rínc ip e s p o d ia m sup o rta r o s so frime nto s
d o s súd ito s c o m g ra nd e fo rç a ." (Huxle y, 1966, p . 242-3.)
A Po me râ nia e ra a p e na s o iníc io . O utra s re g iõ e s d o Im p é rio , no s a no s
suc e ssivo s, so fre ra m uma "[...] e sc a sse z q ue fe z mo rre r d e ze na s d e milha re s d e
p e sso a s e tra nsfo rmo u e m c a nib a is muito s d o s so b re vive nte s. O s c a d á ve re s, a ind a
p e nd ura d o s, d o s ma lfe ito re s e ra m tira d o s d a s fo rc a s p a ra q ue se rvisse m d e
a lime nto na s me sa s, e q ue m ho uve sse p e rd id o a lg um fa milia r re c e nte me nte e ra
o b rig a d o a mo nta r g ua rd a no s c e mité rio s, p a ra imp e d ir a a tivid a d e d o s la d rõ e s d e
c a d á ve re s" (Huxle y, 1966, p . 279).
Muita s ve ze s, q ua nd o um e xé rc ito e ra d e rro ta d o , os so ld a d o s
d e b a nd a d o s va g a va m a e sm o c o m o a nima is, p ro c ura nd o d e se sp e ra d a me nte
a lg o p a ra c o me r, e se nã o e nc o ntra va m o q ue p ilha r, mo rria m à s c e nte na s.
A Pa z d e We stfá lia (1648) m a rc o u o fim d a g ue rra . Sué c ia , Fra nç a e
Bra nd e mb urg o o b tive ra m imp o rta nte s c e ssõ e s te rrito ria is. A Esp a nha re c o nhe c e u a
ind e p e nd ê nc ia d a Ho la nd a . O s p rínc ip e s a le m ã e s, c a tó lic o s e p ro te sta nte s,
o b tive ra m a ind e p e nd ê nc ia d e fa to , e nq ua nto a a uto rid a d e imp e ria l se to rna va
p o uc o ma is q ue uma fo rma lid a d e .
Te o ric a me nte , fo i re c o nhe c id o a to d o s o s súd ito s d o s vá rio s p rinc ip a d o s o
d ire ito d e p ro fe ssa r e m p a rtic ula r a re lig iã o q ue p re fe risse m , ma s e sta c lá usula , p o r
muito te mp o , se ria a p e na s le tra mo rta .
Do p o nto d e vista e c o nô mic o , so c ia l e huma no , a s c o nse q üê nc ia s fo ra m
d e sa stro sa s.
Em 1618, a Ale ma nha p o ssuía c e rc a d e 21 milhõ e s d e ha b ita nte s. Em
1648, a p o p ula ç ã o c a íra p a ra 13 milhõ e s.
"Em um p e río d o e m q ue o s índ ic e s d a p o p ula ç ã o e m to d a a Euro p a
mo stra va m um ritmo a sc e nd e nte , a s te rra s a o rie nte d o Re no p e rd e ra m ma is d e
um te rç o d e sua p o p ula ç ã o e m c o nse q üê nc ia d o s ma ssa c re s, d a e sc a sse z, d a s
p riva ç õ e s e d a s d o e nç a s." (Huxle y, 1966, p . 301.)
Alg uma s d a s á re a s ma is a ting id a s, c o mo a Bo ê mia , tinha m p e rd id o a té
50% d a p o p ula ç ã o .
Se g und o Po lise nsky, le va nd o e m c o nta a a lta mo rta lid a d e infa ntil e a
b a ixa e xp e c ta tiva d e vid a na é p o c a , e nvo lve ra m-se no c o nflito nã o me no s d e
c e m milhõ e s d e p e sso a s! O s p o b re s so fre ra m a s c o nse q üê nc ia s d a g ue rra muito s
a no s d e p o is q ue e la a c a b o u.
O e sc rito r Ald o us Huxle y no s d á um vivid o re tra to d a q ue le p e río d o : "No
sé c ulo XVII, nã o ha via p ro d uç ã o e m ma ssa d e e xp lo sivo s, e e ste s nã o e ra m muito
e fic a ze s [...] Só se d e struiu o q ue p o d ia se r q ue ima d o c o m fa c ilid a d e , o u se ja , a s
c a sa s e p rinc ip a lm e nte a s c a b a na s d o s p o b re s. C id a d e s e c a mp o s so fria m d e
mo d o q ua se ig ua l e m d e c o rrê nc ia d a g ue rra : o s ha b ita nte s fo ra m e sp o lia d o s d e
se u d inhe iro e p e rd e ra m se u c o mé rc io ; o s c a mp o ne se s fo ra m e sp o lia d o s d e se us
p ro d uto s e p e rd e ra m sua s c a sa s, fe rra me nta s, se me nte s e a nima is. A p e rd a d e
b o vino s, o vino s e suíno s fo i e sp e c ia lme nte g ra ve [...] um p a trim ô nio zo o té c nic o
d e p a up e ra d o re q ue r um te mp o b e m lo ng o p a ra se r re c o nstruíd o . Dua s o u trê s
g e ra ç õ e s se p a ssa ra m a nte s q ue na tura lm e nte se p re e nc he sse m o s va zio s
d e ixa d o s p e la s d e p re d a ç õ e s..."
O s e xé rc ito s d e b a nd a d o s ta mb é m re p re se nta va m um p ro b le ma . O s "[...]
a no s d e g ue rra [...] tinha m c ria d o e m to d a a Euro p a um a c la sse d e a ve nture iro s
d a s a rma s, se m te rra , se m c a sa , se m fa mília , se m ne nhum se ntime nto na tura l d e
p ie d a d e , se m re lig iã o o u e sc rúp ulo , se m sa b e r ne nhum o fíc io a lé m d o d a g ue rra e
só c a p a ze s d e d e struir [...] A d e smo b iliza ç ã o fo i g ra d ua l e se e ste nd e u p o r um
d a d o p e río d o d e a no s; ma s ne m a ssim fa lta ra m c o nfusõ e s, e muito s me rc e ná rio s
nunc a ma is vo lta ra m à vid a e m so c ie d a d e , ma nte nd o , c o mo b a nd id o s, rufiõ e s e
a ssa ssino s p ro fissio na is, o c a rá te r d e p a ra sita s a d q uirid o d ura nte o s lo ng o s a no s d e
g ue rra ". (Huxle y, 1966, p . 270.)
As c id a d e s e o s Esta d o s e sta va m g ra nd e me nte e nd ivid a d o s c o m o s
b a nq ue iro s, e e ssa s d ívid a s a ting ira m a s p o p ula ç õ e s a ind a p o r muito s a no s, so b
fo rma d e trib uto s e c o nfisc o s.

C APÍTULO 13

C o lo nia lism o e e sc ra vidã o


Ante s d e 1492, o s Esta d o s c ristã o s d o O c id e nte luta va m e ntre si d e ntro
d e uma b a c ia b e m re strita : a Euro p a , a Áfric a d o No rte e a s te rra s b a nha d a s p e lo
Me d ite rrâ ne o . Ap ó s a fa ç a nha d e C o lo mb o , e ssa s luta s se e sp a lha ra m p e lo
mund o to d o , c o m a b ê nç ã o d a s vá ria s Ig re ja s. O p ró p rio C ristó vã o C o lo mb o (q ue ,
nã o no s e sq ue ç a mo s, ina ug uro u a d e sc o b e rta d o no vo c o ntine nte c o m a c a p tura
d e a lg uns e sc ra vo s) so nha va q ue , c o m o o uro d a s índ ia s, o re is d a Esp a nha
p o d e ria m re a liza r uma C ruza d a p a ra lib e rta r a Te rra Sa nta .1 Fo i um p o ntífic e ,
Ale ssa nd ro VI Bó rg ia (1492-1503), q ue d ivid iu, c o m a b ula Inte r C a e te ra , o g lo b o
te rre stre e ntre a s na sc e nte s p o tê nc ia s c o lo nia is c a tó lic a s. Um a linha d e a lto a
b a ixo d ivid ia e m d o is o m a p a : m e ta d e e ra re se rva d a à Esp a nha , o utra , a Po rtug a l.
Q ua nd o C o lo mb o d e se mb a rc o u e m C ub a , a p o p ula ç ã o d a ilha so ma va
c e rc a d e o ito milhõ e s d e ha b ita nte s. Q ua tro a no s d e p o is, e sta va m a is d o q ue
d izima d a . De p o is q ue o s c ub a no s e m p a rte fo ra m e xte rmina d o s, o s e sp a nhó is
c o me ç a ra m a imp o rta r e sc ra vo s d e o utra s ilha s d o C a rib e . Assim , "milhõ e s d e
a utó c to ne s d a re g iã o c a rib e nha fo ra m e fe tiva m e nte liq uid a d o s e m me no s d e um
q ua rto d e sé c ulo ".2
O tra b a lho d e c o nq uista , e xp lo ra ç ã o e suje iç ã o d a s p o p ula ç õ e s d o
c o ntine nte a me ric a no fo i le va d o a d ia nte p e lo s c o nq uista d o re s, c o ma nd a nte s d e
e xé rc ito s a se rviç o d o s re is d a Esp a nha e d a fé c a tó lic a . Este s tinha m a o se u la d o
c o ra jo so s sa c e rd o te s. He rná n C o rtê s, Fra nc isc o Piza rro , He rna nd o De So to , Pe d ro
d e Alva ra d o e c e nte na s d e o utro s, a p ro ve ita nd o -se d a sup e rio rid a d e te c no ló g ic a
e milita r d e q ue g o za va m, d e struíra m flo re sc e nte s c iviliza ç õ e s c o mo a inc a , a ma ia
e a a ste c a . As c o nse q üê nc ia s d a s c o nq uista s fo ra m milhõ e s d e mo rto s e um
e sta d o d e d e p e nd ê nc ia e vid e nte a té ho je .
As Am é ric a s

De sd e o iníc io , o ma ssa c re d o s na tivo s a me ric a no s fo i "a b e nç o a d o p o r


De us". No s "C o nto s Aste c a s so b re a C o nq uista ",3 c o lhid o s p e lo c le ro fra nc isc a no , lê -
se q ue C o rtê s e ra a p o ia d o p e lo Esta d o Po ntifíc io : "Esta e ra a vo nta d e d o p a p a ,
q ue d e ra se u c o nse ntime nto à vind a d e le s". Alé m d isso , sa b e mo s q ue o fa mo so
c o nq uista d o r a nd a va se mp re c o m um sa c e rd o te d o la d o .
Ma s q ua nto s mo rto s a c o nq uista a usp ic ia d a p o r De us e c o nd uzid a p e la s
mã o s d o s c o nq uista d o re s d e ixo u? No Mé xic o , só a título d e e xe mp lo , a p o p ula ç ã o
p a sso u d e 12 milhõ e s, e m 1519, a me no s d e 1,3 milhã o na me ta d e d e 1600.
No ve nta p o r c e nto d a p o p ula ç ã o lo c a l ha via sid o e xte rmina d a .4, No iníc io d o
sé c ulo XVI, a p o p ula ç ã o na tiva d o c o ntine nte c e ntro e sul-a me ric a no g ira va e m
to rno d e se te nta milhõ e s d e p e sso a s. Na me ta d e d o sé c ulo XVII, ha via sid o
re d uzid a a se te milhõ e s.5 E e m p a íse s c o mo o Bra sil, a G ua te ma la o u a re g iã o
me xic a na d o C hia p a s a d izima ç ã o d o s índ io s a c o nte c e a té ho je .
O s c o nq uista d o re s nã o e ra m muito sutis. Se um p o vo a d o re sistia ,
a va nç a va m ma ta nd o to d o s o s ha b ita nte s q ue e nc o ntra va m no c a minho . As
c rô nic a s d a é p o c a fa la m d e "inc o ntá ve is c a d á ve re s" e sp a lha d o s p o r to d a p a rte e
d e se u fe d o r "p e ne tra nte e p e stile nto ".6 Muito s re la to s a c e rc a d a s a tro c id a d e s
vie ra m d o s p ró p rio s missio ná rio s e d o s func io ná rio s im p e ria is o u m e smo d o s
c o nq uista d o re s.
Pa ra e nte nd e r q ue m e ra m, b a sta c ita r a lg uns e p isó d io s. C o rtê s, p a ra
c o ib ir uma re b e liã o p o p ula r, c o nvo c o u se sse nta c a c iq ue s (d ig nitá rio s a ste c a s) e
o rd e no u q ue c a d a um le va sse c o nsig o o p ró p rio he rd e iro . Entã o , ma nd o u q ue imá -
lo s vivo s na p re se nç a d e se us p a re nte s e a d ve rtiu o s he rd e iro s p a ra q ue
c o nhe c e sse m a inc o nve niê nc ia d e d e so b e d e c e r o s e sp a nhó is.
Um p o vo na tivo , g uia d o p e lo c he fe ind íg e na Ha tue y, te nto u se re b e la r
c o ntra a e sc ra vid ã o . Te nta ra m uma fug a e m m a ssa , m a s fo ra m no va m e nte
c a p tura d o s p e lo s e sp a nhó is. Ha tue y fo i q ue ima d o vivo . "Q ua nd o o a ma rra ra m a o
p a tíb ulo , um fra d e fra nc isc a no im p lo ro u insiste nte m e nte p a ra q ue a b risse se u
c o ra ç ã o a Je sus, d e mo d o q ue sua a lma p ud e sse sub ir a o s c é us, e m ve z d e se
p re c ip ita r na p e rd iç ã o . Ha tue y re sp o nd e u d ize nd o q ue se o C é u e ra o lug a r
re se rva d o a o s c ristã o s, e le p re fe ria d e lo ng e ir p a ra o Infe rno ."7
Se u p o vo ta mb é m te ve uma so rte p a re c id a : "O s e sp a nhó is g o sta va m d e
ima g ina r to d o tip o d e a tro c id a d e a ind a nã o c o me tid a [...] C he g a ra m a c o nstruir
fo rc a s e no rme s e m q ue o s p é s ma l to c a va m o c hã o (p a ra e vita r o sufo c a me nto ) e
p e nd ura ra m e m c a d a uma — e m ho nra d o re d e nto r e d o s 12 a p ó sto lo s — g rup o s
d e 13 ind íg e na s, c o lo c a nd o e mb a ixo le nha e b ra sa s e q ue ima nd o -o s vivo s."
Em o c a siõ e s p a re c id a s, inve nta ra m o utra s g ra c inha s: "O s e sp a nhó is
a rra nc a va m o b ra ç o d e um, a p e rna o u a c o xa d e o utro , p a ra a rra nc a r d e um só
g o lp e a c a b e ç a d e a lg ué m , d e mo d o nã o muito d ife re nte d e c o mo fa z um
a ç o ug ue iro , q ue e sq ua rte ja a s o ve lha s p a ra o me rc a d o . Se isc e nta s p e sso a s,
inc luind o c a c iq ue s, fo ra m e sq ua rte ja d a s c o mo a nima is fe ro ze s... Va sc o d e Ba lb o a
fe z q ua re nta d e la s se re m d e vo ra d a s p e lo s c ã e s." (Sta nd a rd , 2001.)
Às ve ze s, a s mo rte s nã o tinha m ne nhuma fina lid a d e p rá tic a , ma s e ra m
um simp le s a to a rb itrá rio . Po r e xe mp lo , e m 1517, na s ilha s c a rib e nha s, "a lg uns
c ristã o s e nc o ntra ra m uma índ ia q ue se g ura va uma c ria nç a e m um b ra ç o , d a nd o -
lhe d e ma ma r. C o mo o s c ã e s q ue o s a c o mp a nha va m e sta va m fa minto s, tira ra m o
m e nino d o s b ra ç o s d a m ã e e o jo g a ra m vivo c o m o a lim e nto p a ra o s c ã e s, q ue o
fize ra m e m p e d a ç o s d ia nte d o s o lho s d a mulhe r [...] q ua nd o ha via mulhe re s q ue
ha via m p a rid o há p o uc o e ntre o s p risio ne iro s, se o s re c é m-na sc id o s c o me ç a sse m
a c ho ra r, p e g a va m-no s p e la s p e rna s e o s b a tia m c o ntra a s p e d ra s o u o s jo g a va m
e m p la nta s e sp inho sa s p a ra q ue a c a b a sse m d e mo rre r" (To d o ro v, 1997, p . 169).
O utro g ra ve e p isó d io fo i o ma ssa c re d e C a o na o , e m C ub a , p re se nc ia d o
p e lo me smo La s C a sa s. Um a c e nte na d e e sp a nhó is a rma d o s, p a ra ve rific a r se sua s
e sp a d a s e sta va m b e m a fia d a s, "c o me ç a ra m a e strip a r, p e rfura r e ma ssa c ra r
o ve lha s e c o rd e iro s, ho me ns e mulhe re s, id o so s e c ria nç a s q ue e sta va m
tra nq üila me nte se nta d o s a li p e rto , o b se rva nd o ma ra vilha d o s o s c a va lo s e o s
e sp a nhó is". Nã o c o nte nte s c o m o ma ssa c re a o a r livre , e ntra ra m e m uma c a sa
g ra nd e e "c o me ç a ra m a a ssa ssina r, c o rta nd o e fura nd o to d o s a q ue le s q ue a li se
e nc o ntra va m: o sa ng ue e sc o rria p o r to d a p a rte , c o mo se um re b a nho d e va c a s
tive sse sid o mo rto ... A visã o d a s fe rid a s q ue c o b ria m o s c o rp o s d o s mo rto s e d o s
mo rib und o s e ra um e sp e tá c ulo ho rríve l e a ssusta d o r... o s g o lp e s so b re o s c o rp o s
c o mp le ta me nte nus e so b re a q ue la s c a rne s d e lic a d a s ha via m p a rtid o a o me io um
ho me m c o m um únic o g o lp e " (To d o ro v, 1997, p . 172).
O via ja nte Pie tro Ma rtire a ssim d e sc re ve a e xp e d iç ã o d e Va sc o Nune z d e
Ba lb o a : "Assim c o mo o s a ç o ug ue iro s c o rta m e m p e d a ç o s a c a rne d o s b o is e d a s
o ve lha s p a ra ve nd ê -la p e nd ura d a e m g a nc ho s, o s e sp a nhó is a rra nc a va m c o m
um só g o lp e o tra se iro d e um , a c o xa d e o utro , a s c o sta s d e o utro a ind a .
C o nsid e ra va m-no s a nim a is ise nto s de ra zã o ... Va sc o ma nd o u os c ães
e sq ua rte ja re m q ua re nta d e le s".8
Aind a e m 1550, o mo ng e Je rô nimo d e Sa n Mig ue l d e nunc io u q ue o s
e sp a nhó is "q ue im a ra m vivo s a lg uns índ io s, a rra nc a ra m mã o s, na riz, líng ua e
me mb ro s d e o utro s; o utro s fo ra m jo g a d o s a o s c ã e s; mulhe re s tive ra m o s se io s
c o rta d o s..." O b isp o d e Yuc a tá n, Die g o d e La nd a , d isse te r visto "uma g ra nd e
á rvo re c o m g a lho s o nd e um c a p itã o ha via e nfo rc a nd o vá ria s índ ia s; e e m se us
to rno ze lo s p e nd ura ra , p e la g a rg a nta , se us filho s. [...] E se d ura nte o tra nsp o rte o s
ind íg e na s, a rra sta d o s c o m a c o rd a no p e sc o ç o , nã o a nd a sse m a nima d o s c o mo
se us c o mp a nhe iro s, o s e sp a nhó is c o rta va m sua c a b e ç a , p a ra nã o p re c isa r p a ra r
p a ra d e sa ma rrá -lo ".9
Um c ro nista d e 1570 fa la d e um "o id o r" (juiz) "q ue a firm a va e m p úb lic o ,
d e c ima d e se u ta b la d o e e m vo z a lta , q ue se fa lta sse á g ua p a ra irrig a r a s
fa ze nd a s d o s e sp a nhó is, se ria utiliza d o o sa ng ue d o s ind íg e na s".
Um a c o nq uista "le g a l"

A b a se "le g a l" d a c o nq uista e ra o Re q ue rimie nto , um d o c ume nto q ue o s


func io ná rio s e sp a nhó is lia m , o b via me nte e m e sp a nho l, a o s p o vo s q ue p re te nd ia m
sub me te r a nte s d e d a r iníc io a o s c o mb a te s. O d o c ume nto c o me ç a va c o m uma
b re ve histó ria d a hum a nid a d e , na q ua l surg ia um a fig ura c e ntra l, C risto , d e finid o
c o mo o "c he fe d a e stirp e huma na ". C risto tra nsmitiu se u p o d e r a Sã o Pe d ro , e e ste ,
a o s p a p a s, se us suc e sso re s. Um d e sse s p a p a s d e u o c o ntine nte a m e ric a no a o s
e sp a nhó is, q ue e ra m se us le g ítimo s g o ve rna nte s. Se o s "índ io s" se sub m e te sse m a o s
e sp a nhó is "d e b o a vo nta d e ", ma nte ria m o sta tus d e ho me ns livre s, d o c o ntrá rio
se ria m c a p tura d o s c o mo e sc ra vo s. "C o m isso , g a ra nto e juro q ue , c o m a a jud a d e
De us e c o m a no ssa fo rç a , p e ne tra re mo s e m sua s te rra s e fa re mo s g ue rra c o ntra
vo c ê s [...] p a ra sub me tê -lo s a o jo g o e a o p o d e r d a Sa nta Ig re ja [...], c a usa nd o -lhe s
to d o p re juízo p o ssíve l e d e q ue so mo s c a p a ze s, c o mo c o nvé m a va ssa lo s
o b stina d o s e re b e ld e s q ue nã o re c o nhe c e m se u se nho r e nã o q ue re m o b e d e c e r,
ma s se o p o r a e le ." (Sta nd a rd , 2001, p . 66.)
Em 1550, o c o nq uista d o r Pe d ro d e Va ld ívia e nvio u uma re la ç ã o so b re a
g ue rra c o ntra o s a ra ua q ue s, na tivo s d o C hile , a o re i d a Esp a nha . Ne la se lê , e ntre
o utra s c o isa s: "Ma nd e i c o rta r o na riz e a s mã o s d e d uze nto s d e le s, p a ra p uni-lo s p o r
sua insub o rd ina ç ã o ".10 O c o nq uista d o r O vie d o c he g a rá a a firma r: "Q ue m irá ne g a r
q ue usa r a p ó lvo ra c o ntra o s p a g ã o s é c o mo o fe re c e r inc e nso a No sso Se nho r? "11
As g ue rra s d e c o nq uista , a lé m d e a ssa ssina to s, p ro vo c a va m a mo rte d e
vá rio s índ io s e m d e c o rrê nc ia d a e sc a sse z q ue se so b re ve io a e la s. Dura nte a
g ue rra p a ra a c o nq uista d a C id a d e d o Mé xic o , o s e sp a nhó is d e struíra m a s
c o lhe ita s e se vira m a p o nto d e te r e le s p ró p rio s p ro b le ma s c o m a s p ro visõ e s d e
milho .
G ra nd e p a rte da p o p ula ç ã o na tiva fo i re d uzid a à e sc ra vid ã o
d ire ta me nte , c a p tura d a p e lo s e sp a nhó is, o u ind ire ta me nte , nã o c o nse g uind o
p a g a r o s p e sa d o s trib uto s imp o sto s p e lo s no vo s d o mina d o re s. Eis o q ue e sc re ve um
c ro nista d a é p o c a : "O s imp o sto s q ue re c a ía m so b re o s índ io s e ra m tã o a lto s q ue
muita s c id a d e s, nã o c o nse g uind o p a g á -lo s, ve nd ia m a o s usurá rio s a s te rra s e o s
filho s d o s p o b re s; m a s c o mo o s e mp ré stimo s e ra m fre q üe nte s d e ma is, e o s índ io s
nã o p o d ia m se livra r ne m ve nd e nd o tud o q ue tinha m , a lg uma s c id a d e s se
e sva zia ra m c o mp le ta me nte e o utra s p e rd e ra m p a rte d a p o p ula ç ã o ."12
O g o ve rna d o r d a C id a d e d o Mé xic o , Nino d e G uzmà n, e sc ra vizo u d e z
mil na tivo s e m uma p o p ula ç ã o to ta l d e 25 mil. O s so b re vive nte s a b a nd o na ra m o s
vila re jo s p o r me d o d e te r a me sma so rte . Muita s ve ze s, a q ue le s q ue nã o
c o nse g uia m p a g a r o s im p o sto s e ra m p unid o s c o m a to rtura o u o c á rc e re .
O s índ io s e sc ra viza d o s, e m e sp e c ia l no s p rime iro s a no s d a C o nq uista ,
e ra m tra ta d o s c o mo a nima is d e ma ta d o uro . La s C a sa s d e nunc io u e p isó d io s d e
e sp a nhó is q ue d a va m a c a rne d e índ io s truc id a d o s a o s a nima is no p a sto e a o s
c ã e s; na tivo s e ra m a b e rto s p a ra q ue se e xtra ísse sua g o rd ura (à q ua l se a trib uía m
q ua lid a d e s m e d ic ina is) o u tinha m a s e xtre mid a d e s ho rre nd a me nte mutila d a s
(na riz, m ã o s, se io s, líng ua , ó rg ã o s g e nita is).13
O utro e p isó d io ta mb é m d e nunc ia d o p o r La s C a sa s mo stra q ue o s na tivo s
e ra m e m to d o s o s a sp e c to s tra ta d o s c o m o a nima is: um "ho m e m ind ig no se
va ng lo rio u e se ja c ta nc io u — se m mo stra r ne nhuma ve rg o nha —, d ia nte d e um
re lig io so , d e te r fe ito d e tud o p a ra e ng ra vid a r muita s mulhe re s índ ia s, a fim d e
c o nse g uir um p re ç o me lho r a o ve nd ê -la s c o mo e sc ra va s g rá vid a s".14
O s na tivo s nã o p e re c ia m só p e la e sp a d a o u p e la p ó lvo ra , ma s ta mb é m
p e la s c o nd iç õ e s d e vid a d e suma na s imp o sta s p e lo s c o nq uista d o re s. Turno s d e
tra b a lho ma ssa c ra nte s, d e snutriç ã o , d o e nç a s tra zid a s p e lo s c o nq uista d o re s, à s
q ua is se u o rg a nismo nã o e sta va a c o stuma d o . To d a s e ssa s c a usa s fize ra m ma is
vítima s d o q ue g ue rra s o u ma ssa c re s junto s.
Ta mb é m fo i g ra nd e o núme ro d e ind íg e na s mo rto s d ura nte o tra b a lho d e
c o nstruç ã o d a C id a d e d o Mé xic o e d e d e mo liç ã o d o s "te mp lo s d o Dia b o ", o u
se ja , te m p lo s d e sua re lig iã o tra d ic io na l. Ho uve q ue m c a ísse d o s a nd a ime s, q ue m
fo sse e sma g a d o p o r tra ve s o u q ue m fic a sse e m b a ixo d e p ré d io s d e mo lid o s. O s
índ io s e mp re g a d o s no tra b a lho d e d e mo liç ã o nã o só nã o e ra m re mune ra d o s,
c o mo tinha m q ue p ro c ura r so zinho s se us ma te ria is.
A e xp e c ta tiva d e vid a p a ra q ue m e ra o b rig a d o a tra b a lha r na s mina s d e
o uro e ra d e 25 a no s. O s se rviç o s d e a p ro visio na me nto na s mina s ta mb é m e ra d e
um c a nsa ç o e xte nua nte . O s índ io s e nc a rre g a d o s d o tra b a lho p e rc o rria m a p é ,
so b re c a rre g a d o s d e p e so , d istâ nc ia s d e q ua se 100 q uilô me tro s. Muita s ve ze s, sua s
p ró p ria s p ro visõ e s te rmina va m a nte s d e c he g a re m a o d e stino , e , q ua nd o
c he g a va m , p o d ia m se r p e g o s p a ra tra b a lha r na s mina s p o r vá rio s d ia s se m
re c e b e r ne nhuma a lime nta ç ã o sup le me nta r. Muito s mo rria m d e fo me e d e
c a nsa ç o na s mina s o u na e stra d a d e vo lta .
"O s c o rp o s d o s índ io s e d o s e sc ra vo s m o rto s na s mina s p ro d uzia m um a
e xa la ç ã o tã o fé tid a q ue d e le s na sc e u uma p e stilê nc ia , so b re tud o na s mina s d e
G ua xa c a . Até um ra io d e me ia lé g ua d e d istâ nc ia , e p o r g ra nd e p a rte d a e stra d a ,
nã o se fa zia na d a a lé m d e c a minha r so b re c a d á ve re s o u mo nte s d e o sso s, e o s
b a nd o s d e p á ssa ro s e c o rvo s q ue c he g a va m p a ra d e vo rá -lo s e ra m tã o g ra nd e s
q ue ta p a va m o so l. Assim , muito s p o vo a d o s se e sva zia ra m a o lo ng o d a e stra d a e
no s a rre d o re s."15
As tra nsfe rê nc ia s d e mã o -d e -o b ra p o r na vio d e um lo c a l d e tra b a lho
e xte nua nte a o utro ta mb é m nã o e ra m livre s d e vítima s. "To d a ve z q ue o s índ io s
e ra m tra nsfe rid o s, ta nto s mo rria m d e fo me d ura nte a tra ve ssia q ue o ra stro
d e ixa d o p e lo s c o rp o s se ria sufic ie nte — a c re d ita mo s — p a ra g uia r o utra
e mb a rc a ç ã o a té o p o rto . [...] De p o is q ue ma is d e o ito c e nto s índ io s e ra m
tra nsfe rid o s a um p o rto d a q ue la ilha c ha ma d o Po rto d e Pla ta , e sp e ra va m-se d o is
d ia s a nte s d e fa zê -lo s d e sc e r d a c a ra ve la . De le s, se isc e nto s m o rria m e e ra m
jo g a d o s no ma r: b o ia va m c o mo g ra nd e s tá b ua s d e ma d e ira ." (To d o ro v, 1997, p .
166.)
O b via me nte , e ntre o s a b uso s d a q ue le s q ue o s vig ia va m e sta va m o s
se xua is. Fa la nd o d a c o nd iç ã o d o s o p e rá rio s e m uma mina , um c ro nista no to u q ue
c a d a c a p a ta z "tinha a d q uirid o o há b ito d e ir p a ra a c a ma c o m a s índ ia s q ue
d e p e nd ia m d e le , se o a g ra d a sse m , fo sse m e la s virg e ns o u c a sa d a s. Enq ua nto o
c a p a ta z e sta va c o m uma índ ia na c a b a na , o ma rid o e ra e nvia d o p a ra e xtra ir
o uro na s mina s; d e no ite ; q ua nd o o p o b re vo lta va p a ra c a sa , nã o só o c a p a ta z o
e nc hia d e p a ula d a s o u c hic o ta d a s p o r nã o te r p e g o b a sta nte o uro , c o mo muita s
ve ze s a ma rra va sua s mã o s e p é s e o jo g a va d e b a ixo d a c a ma c o mo um c ã o ,
e nq ua nto se d e ita va e m c ima , c o m a mulhe r".16
O s m issio ná rio s e o a ssa ssina to da a lm a

C o m a c o nq uista e a c ristia niza ç ã o fo rç a d a , o s índ io s nã o fo ra m mo rto s


a p e na s fisic a me nte , ma s ta mb é m mo ra lme nte . So b e sse a sp e c to , é e xe mp la r o
c a so d o p o vo d o s luc a ia no s, d e p o rta d o s e m ma ssa p e lo s e sp a nhó is c o m se u
e ng o d o . O s c o nq uista d o re s, c o m a c ump lic id a d e d o s p a d re s, c o nse g uira m
c o nve nc ê -lo s d e q ue o s e sta va m le va nd o p a ra uma Te rra Pro me tid a , o nd e
e nc o ntra ria m to d o s se us p a re nte s já mo rto s.
"C o mo o s p a d re s o s e nc he ra m d e fa lsa s c re nç a s e o s e sp a nhó is a s
c o nfirma ra m , a b a nd o na ra m sua p á tria p a ra c o rre r a trá s d a q ue la vã e sp e ra nç a .
Tã o lo g o e nte nd e ra m q ue tinha m sid o e ng a na d o s, já q ue nã o e nc o ntra ra m ne m
se us p a is, ne m o utra s p e sso a s q ue q ue ria m re e nc o ntra r, e nq ua nto e ra m o b rig a d o s
a a tura r c o nd iç õ e s e xte nua nte s e tra b a lho s p e sa d o s c o m o s q ua is nã o e sta va m
a c o stuma d o s, se d e se sp e ra ra m. O u se suic id a va m , o u d e c id ia m se d e ixa r mo rre r
d e fo me e fa zia m je jum, re c usa nd o -se a c o me r a q ua lq ue r c usto ." (To d o ro v, 1997,
p . 166.)
O b isp o d e Zuma rra g a e sc re ve u a o re i d a Esp a nha q ue o s na tivo s "nã o
p ro c ura m ma is a s mulhe re s p a ra nã o g e ra r e sc ra vo s". La s C a sa s d e nunc ia va q ue
"ma rid o e mulhe r nã o fic a va m junto s ne m se via m p o r o ito o u d e z m e se s o u p o r um
a no inte iro ; q ua nd o no fina l se e nc o ntra va m, e sta va m tã o c a nsa d o s e p ro stra d o s
d e fo me e d o s tra b a lho s, tã o a c a b a d o s e e nfra q ue c id o s, q ue m a l se im p o rta va m
e m te r re la ç õ e s c o njug a is. Assim , p a ra ra m d e p ro c ria r. O s re c é m-na sc id o s mo rria m
lo g o , p o is a s mã e s — c a nsa d a s e fa minta s — nã o tinha m le ite p a ra a lime ntá -lo s.
Q ua nd o e stive e m C ub a , se te mil c ria nç a s mo rre ra m e m trê s me se s p o r e sse
mo tivo . Alg uma s mã e s a fo g a va m o s filho s p o r d e se sp e ro ; o utra s, a o p e rc e b e r q ue
e sta va m g rá vid a s, a b o rta va m c o m o a uxílio d e a lg uma s e rva s q ue fa ze m p a rir
filho s na timo rto s. Tra ta -se ... d e um a ssa ssina to e c o nô mic o , e o s c o lo niza d o re s tê m
to d a a re sp o nsa b ilid a d e " (To d o ro v, 1997, p . 166).
Missio ná rio s a b e nç o a ra m o s ma ssa c re s e a s tra g é d ia s, e o s re is d a
Esp a nha instituíra m na Amé ric a , a lé m d a s missõ e s, trib una is d e Inq uisiç ã o
d e stina d o s a p unir to d o s o s ind íg e na s q ue insistisse m e m se g uir se us p ró p rio s c ulto s
tra d ic io na is. Filip e II c he g o u a o p o nto d e instituir um a inq uisiç ã o "d e g a le ra s", um
trib una l itine ra nte c o m o o b je tivo d e d e sc o b rir e p unir o s he re g e s no s na vio s
d ura nte a s lo ng a s tra ve ssia s o c e â nic a s.17
Po r o utro la d o , nã o fa lta va m sa c e rd o te s q ue se inte re ssa va m
g e nuina me nte p e la s c o nd iç õ e s d e vid a d o s ind íg e na s e d e nunc ia ra m c o m fo rç a
o s a b uso s, a s a tro c id a d e s e o s ma ssa c re s. O c a so ma is fa mo so fo i p ro va ve lme nte
o d o b isp o Ba rto lo mé De La s C a sa s, q ue e sc re ve u vá rio s livro s so b re a s c o nd iç õ e s
d e vid a d o s na tivo s a me ric a no s e d e fe nd e u sua c a usa junto a o s re is d a Esp a nha .
Sa b e nd o c o m q ue m e sta va lid a nd o , La s C a sa s e o s o utro s sa c e rd o te s
a p e la ra m nã o só a o s se us se ntime nto s, ma s ta mb é m à utilid a d e e c o nô mic a d e
uma p o lític a d e c le mê nc ia . La s C a sa s, e m um re la tó rio , a firmo u q ue a re a liza ç ã o
d e sua s p ro p o sta s se ria "d e g ra nd e p ro ve ito p a ra Sua Alte za , c ujo s re nd im e nto s
a ume nta ria m p ro p o rc io na lme nte ". E o e c le siá stic o Mo to linia e sc re ve u: "O s
e sp a nhó is nã o p e rc e b e m q ue , se nã o fo sse m o s fra d e s, nã o te ria m ma is
e mp re g a d o s e m sua s c a sa s e e m sua s te rra s, p o is te ria m ma ta d o to d o s, c o mo
a c o nte c e u e m Sa nto Do ming o e em o utra s ilha s, o nd e o s índ io s fo ra m
e xte rmina d o s." Ma s se o s na tivo s nã o p o d ia m m a is se r utiliza d o s e m funç õ e s
p e sa d a s, q ue m tra b a lha ria na s p la nta ç õ e s e na s mina s, q ue m c o nstruiria a s c a sa s
d o s no vo s d o mina d o re s?
O s c o nq uista d o re s e nc o ntra ra m uma so luç ã o p io r q ue o m a l: im p o rta r
d a Áfric a e sc ra vo s ne g ro s.
O s sa c e rd o te s "b o ns" ta mb é m se p re o c up a ra m e m a p re nd e r a líng ua e
o s c o stume s d o s na tivo s, p a ra to rna r ma is e fic a z sua o b ra d e c o nve rsã o e
tra nsfo rma r o s ind íg e na s e m p e rfe ito s c ristã o s.
O fra nc isc a no Be rna rd ino d e Sa ha g ün, d o c e nte d e um c o lé g io d e
Tla te lo lc o d e stina d o a o s d e sc e nd e nte s d a a ntig a no b re za a ste c a , o b té m
re sulta d o s e xtra o rd iná rio s no e nsino d o la tim. De iníc io , c o mo e le me smo c o nta , o s
e sp a nhó is e o s mo ng e s d a s o utra s o rd e ns c a ç o a ra m d e se us e sfo rç o s, p o is o s
índ io s e ra m c o nsid e ra d o s a nima is, "o b tuso s c o mo a sno s". Ma s q ua nd o
p e rc e b e ra m q ue o g rup o de e stud a nte s tinha fe ito g ra nd e s p ro g re sso s,
a la rma ra m-se : "Pa ra q ue lhe s e nsina r a g ra má tic a ? Nã o c o rria m o risc o d e se
to rna r he re g e s? Dizia m ta mb é m q ue le nd o a s Sa g ra d a s Esc ritura s c o nsta ta ria m
q ue o s a ntig o s p a tria rc a s tinha m muita s mulhe re s, e xa ta me nte c o mo e le s".18 Um
func io ná rio d e C a rlo s V e sc re ve u: "É b o m q ue e le s se ja m c a te q uiza d o s, ma s sa b e r
le r e e sc re ve r é tã o p e rig o so q ua nto se a p ro xima r d o Dia b o ".
Em sum a , instruir o s índ io s e ra p o sitivo , ma s a té c e rto p o nto . Po r um la d o ,
o s na tivo s nã o tinha m d ire ito d e se g uir a s p ró p ria s tra d iç õ e s e a p ró p ria c ultura , p o r
o utro , nã o lhe s e ra p e rmitid a ne m a p o ssib ilid a d e d e se inte g ra re m à no va
so c ie d a d e e se to rna re m "p a re s" d o s e sp a nhó is.
Em 1579, e m uma p e tiç ã o à Inq uisiç ã o , o s sup e rio re s d a s o rd e ns
a g o stinia na , d o minic a na e fra nc isc a na p e d ira m q ue fo sse p ro ib id a a tra d uç ã o d a
Bíb lia na s líng ua s ind íg e na s.19
Am é ric a do No rte

O sc rip t se re p e te , c o m p o uc a s va ria ç õ e s, na c o nq uista ing le sa d a


Amé ric a do No rte . Lá ta mb é m o s c o lo no s justific a ra m a inva sã o com a
ne c e ssid a d e d e le va r o Eva ng e lho e d e "e d ific a r um b a stiã o c o ntra o re ino d o
a ntic risto ".20 O s b ra nc o s lo g o c o me ç a ra m a e xp ulsa r o s na tivo s d e sua s te rra s, e isso
a p e sa r d e o s p rime iro s c o lo niza d o re s te re m c o nse g uid o so b re vive r a o inve rno
rig o ro so g ra ç a s à a jud a d o s "índ io s". Ta m b é m lá , a s g ue rra s, m a ssa c re s,
p re p o tê nc ia e e p id e mia s e xte rmina ra m g ra nd e p a rte d o s p o vo s ind íg e na s. De 10
a 12 milhõ e s d e na tivo s q ue p o vo a va m o a tua l te rritó rio no rte -a me ric a no a nte s d a
c o lo niza ç ã o , só re sta ra m 250 mil.21
A e p id e mia d e va río la , q ue e xte rmino u c e rc a d e d o is te rç o s d a
p o p ula ç ã o ind íg e na , fo i vista p e lo s c o lo niza d o re s c o mo um d o m d ivino . Eis o q ue
e sc re ve , e m 1634, o g o ve rna d o r d e Ma ssa c huse tts: "Q ua nto a o s ind íg e na s, q ua se
to d o s mo rre ra m d e va río la , e a ssim o Se nho r c o nfirmo u no sso d ire ito d e c o ntinua r o
q ue fa ze mo s".22
Pa ra o s na tivo s d a Amé ric a d o No rte , a g ue rra nã o e ra um fe nô me no
d e sc o nhe c id o , ma s o s c o mb a te s e ntre a s trib o s d e p e le s-ve rm e lha s nunc a
a ssumira m a c rue ld a d e d o s e mb a te s e ntre o c id e nta is. O s p a d re s p e re g rino s (o s
p rim e iro s c o lo niza d o re s q ue d e ra m o rig e m a o s Esta d o s Unid o s d a Amé ric a )
no ta va m c o m e stup o r q ue "sua s g ue rra s nã o sã o ne m d e lo ng e tã o c rué is" q ua nto
a s e uro p é ia s, e a c o nte c ia a té "d e g ue rre a re m p o r se te a no s se m q ue se te ho me ns
p e rd e sse m a vid a ". Alé m d isso , o s índ io s, no c o mb a te , p o up a va m mulhe re s e
c ria nç a s d o a d ve rsá rio .
Be m d ife re nte s e ra m o s c o stume s d o s "c iviliza d o re s" c ristã o s: "Q ua nd o um
índ io e ra a c usa d o p o r um ing lê s d e ro ub a r uma xíc a ra e nã o a d e vo lvia , a re a ç ã o
ing le sa e ra lo g o vio le nta : a ta c a va m o s índ io s a te a nd o fo g o a o p o vo a d o to d o ".23
C ite mo s, p o r e xe mp lo , d e ntre a s inúme ra s g ue rra s índ ia s q ue o c o rre ra m e ntre 1600
e 1800, a d o s p e q uo ts, a ntig o s ha b ita nte s d o a tua l Ma ssa c huse tts.
De iníc io , o s c o lo no s e ntra ra m e m g ue rra c o m o utro p o vo , o d o s
na rra g a nse tt, re sp o nsá ve is, ta lve z, p e la mo rte d e um ing lê s. Ma s, c o m o te mp o ,
e nc o ntra ra m a trib o d o s p e q uo ts, q ue ta mb é m e ra m inimig o s d o s na rra g a nse tt, e
e m ve z d e re unir fo rç a s c o ntra um inimig o e m c o m um , o s c ristã o s o s a ta c a ra m e
d e struíra m se us p o vo a d o s. Ta lve z te nha m p e nsa d o q ue um índ io va lia p o r o utro . O
c o ma nd a nte d o s p urita no s, Jo hn Ma so n, a ssim d e sc re ve u um d o s ma ssa c re s: "O
O nip o te nte inc utiu ta nto te rro r a sua s a lma s, q ue fug ira m d ia nte d e nó s se jo g a nd o
na s c ha ma s, o nd e muito s p e re c e ra m... De us a b ria a s a sa s so b re e le s e e sc a rne c ia
d e se us inimig o s, o s inimig o s d e se u p o vo , to rna nd o -o s e sta c a s a rd e nte s... Assim o
Se nho r c a stig o u o s p a g ã o s, a linha nd o se us c o rp o s: ho me ns, mulhe re s e c ria nç a s.
Assim o Se nho r q uis d a r um c hute no tra se iro d e no sso s inimig o s, d a nd o -no s, e m
c o mp e nsa ç ã o , sua s te rra s."24
O utro p urita no ,25 Und e rhill, c o nta q ue "o e sp e tá c ulo sa ng uiná rio fo i
imp re ssio na nte p a ra o s jo ve ns so ld a d o s", ma s lo g o le mb ra : "Às ve ze s a Sa ntíssima
Trind a d e o rd e na q ue a s c ria nç a s p e re ç a m c o m se us p a is".
O ma ssa c re c o ntinuo u a té q ue o s p e q uo t fo ra m e xte rmina d o s q ua se p o r
c o mp le to . Muita s o utra s trib o s so fre ra m a me sm a so rte . Vá rio s na tivo s c a íra m
vítima s d e c a mp a nha s d e e nve ne na me nto , a lg o te rrive lme nte p a re c id o c o m a s
"d e sra tiza ç õ e s" a tua is. O s c o lo no s c he g a ra m a a d e stra r c ã e s p a ra fa re ja r o s índ io s,
a rra nc a nd o o s p e q ue no s d o s b ra ç o s d a s mã e s e d e stro ç a nd o -o s. Pa ra usa r sua s
p ró p ria s p a la vra s: "C ã e s fe ro ze s p a ra c a ç á -lo s e c ã e s p o lic ia is ing le se s p a ra o
a ta q ue ".
Q ua nd o a s mulhe re s e c ria nç a s e ra m p o up a d a s, e ra a p e na s p a ra se re m
ve nd id a s c o mo e sc ra va s no s me rc a d o s d a s Antilha s o u d a Áfric a d o No rte , d e
o nd e nunc a ning ué m vo lto u. A utiliza ç ã o d e jo ve ns ind íg e na s c o mo e sc ra va s e ra
um ve rd a d e iro símb o lo d e sta tus. Se a lg uma d e sg ra ç a d a te nta va fug ir, e ra
ma rc a d a c o m fo g o .
O p a sto r Ro g e r Willia ms, p o r te r o usa d o d e c la ra r q ue a o s o lho s d e De us a
fé d o s na tivo s va lia ta nto q ua nto a q ue la d o s b ra nc o s e p o r te r c o m p ra d o a te rra ,
e m ve z d e to ma r p o sse d e la , fo i e xp ulso d e sua c o lô nia junto c o m uma d úzia d e
se g uid o re s.
Um a insc riç ã o no túm ulo d e um p urita no d o sé c ulo XVII re sum e b e m o
c lim a d a é p o c a : "Em me mó ria d e Lynn S. Lo ve , q ue , d ura nte sua vid a , ma to u 98
índ io s q ue o Se nho r lhe d e stina ra . Ele p re te nd ia e le va r o núme ro a 100 [...] q ua nd o
d o rmiu no s b ra ç o s d e Je sus".26
HEC ATO MBE

Em Ne w Ha mp shire e e m Ve rmo nt, a nte s d a c he g a d a d o s ing le se s, a


p o p ula ç ã o d e a b e na kis so ma va 12 mil p e sso a s. Me no s d e c inq üe nta a no s d e p o is,
re sta va m a p e na s 250.
O p o vo d o s p o c umtuc k c he g a va a 18 mil. Dua s g e ra ç õ e s d e p o is, se u
núme ro ha via c a íd o p a ra 920.
O s q uirip i-unq ua c ho g e ra m p e lo me no s trinta mil a nte s d a c he g a d a d o s
ing le se s. Ele s ta mb é m fo ra m e xte rmina d o s no inte rva lo d e d ua s g e ra ç õ e s: o s
so b re vive nte s nã o so ma va m ma is d e 1.500.
A p o p ula ç ã o na tiva d e Ma ssa c huse tts, inic ia lm e nte c o m p o sta d e p e lo
me no s 44 mil p e sso a s, c inq üe nta a no s d e p o is e sta va re d uzid a a a p e na s se is mil
c o mp o ne nte s.
E a ho rríve l lista p o d e ria c o ntinua r... Te nha mo s e m me nte q ue a
c o lo niza ç ã o a me ric a na e sta va a p e na s c o me ç a nd o . A g ra nd e e p id e mia d e
va río la d o b iê nio 1677/ 78 a ind a nã o tinha c he g a d o , ne m a e p o p é ia d o Fa ro e ste .
C a lc ula -se q ue e ntre 1500 e 1900, na s d ua s Amé ric a s, 150 milhõ e s d e p e sso a s
p e rd e ra m a vid a . De sta s, d o is te rç o s p o r c a usa d e e p id e mia s (a p a rtir d e 1750,
muita s ve ze s p ro vo c a d a s inte nc io na lm e nte , a tra vé s d e p re se nte s infe c ta d o s), e
c inq üe nta milhõ e s d ire ta me nte p o r a to s d e vio lê nc ia d o s c o nq uista d o re s, e m
d e c o rrê nc ia d a e sc ra vid ã o o u d e tra ta me nto s d e suma no s.
O s e xte rmina d o re s p a rtilha va m se us re la tó rio s so b re o s ma ssa c re s c o m
e ntusiá stic o s b o le tins d e g ue rra e c ita nd o a s Esc ritura s: "É a vo nta d e d e De us, q ue ,
no fina l d a s c o nta s, no s d á mo tivo s p a ra e xc la ma r: 'C o mo é g ra nd io sa sua
b o nd a d e ! E c o mo é e sp lê nd id a sua g ló ria !'" E a ind a : "Até q ue no sso Se nho r Je sus o
ma nd o u inc lina r-se d ia nte d e le e la mb e r a p ó lvo ra !"
Em 1703, o p a sto r Sa lo mã o Sto d d a rd , uma d a s ma is influe nte s
a uto rid a d e s re lig io sa s na No va Ing la te rra , fe z um p e d id o fo rma l a o g o ve rna d o r d e
Ma ssa c huse tts p a ra q ue se e ste nd e sse m a o s c o lo niza d o re s a s c o ntrib uiç õ e s
e c o nô mic a s p a ra "a d q uirir g ra nd e s ma tilha s d e c ã e s e p a ra a d e strá -lo s p a ra
c a ç a re m índ io s c o mo o fa ze m c o m o s urso s".27
Em 1860, o re lig io so Rufus And e rso n c o me nto u a re sp e ito d o b a nho d e
sa ng ue , q ue a té e ntã o ha via e xte rmina d o p e lo me no s 90% d a p o p ula ç ã o
a utó c to ne d a s ilha s d o Ha va í, d e finind o -o c o mo um fa to na tura l, c o mp a rá ve l à
"a mp uta ç ã o d a s me mb ra na s d o e nte s d e um o rg a nismo ".
O s p e le s-ve rme lha s e ra m c o nsid e ra d o s me no s d o q ue huma no s e
ning ué m tinha o b rig a ç ã o d e re sp e ita r a p a la vra d a d a a e le s. O s tra ta d o s d e p a z
e ra m e stip ula d o s já c o m a inte nç ã o d e se re m vio la d o s. Po r e xe mp lo , o C o nse lho
d e Esta d o d a Virg ínia d e c la ro u q ue , se o s na tivo s "fic a m ma is c a lm o s d e p o is q ue
um tra ta d o é firm a d o , te m o s nã o só a va nta g e m d e p e g á -lo s d e surp re sa , c o mo
d e ro ub a r se u milho ".28
Em 1851, fo ra m instituíd a s a s "Re se rva s Ind íg e na s", q ue e ra m ve rd a d e iro s
c a mp o s d e c o nc e ntra ç ã o o nd e o s p o vo s na tivo s e ra m p re so s.
De sd e e ntã o , p a ssa ra m-se 150 a no s, ma s a ind a ho je , na s Re se rva s, a s
c o nd iç õ e s d e vid a sã o te rríve is. No fina l d o s a no s 1990, a lg uma s re g istra va m uma
mo rta lid a d e ne o na ta l d e 10%, e nq ua nto e ntre o s b ra nc o s a ta xa e ra d e 8,1 p o r mil
na sc ime nto s. Aind a na s Re se rva s, uma c ria nç a a c a d a trê s mo rria a té o s se is
me se s. E a e xp e c ta tiva d e vid a d e um na tivo e ra c la ra me nte infe rio r à d e um
b ra nc o (63 a no s c o ntra 76). O p e rc e ntua l d e suic íd io s e ntre o s na tivo s e ra o d o b ro
d a q ue le d a p o p ula ç ã o b ra nc a , a lé m d e 75% d e le s so fre re m d e p ro b le ma s d e
d e snutriç ã o .25
Áfric a , Ásia e O c e a nia

A p rim e ira c o nq uista c o lo nia l d o te rritó rio a fric a no o c o rre u e m 1344,


q ua nd o o a lmira nte d e la C e rd a c o nq uisto u a s Ilha s C a ná ria s. O fe ito fo i o rd e na d o
p e lo p a p a C le me nte VI. De p o is, p o r vo lta d e 1400, o s p o rtug ue se s c o me ç a ra m a
p e ne tra r na s c o sta s d e Ang o la e d a G uiné . C o nse g uira m o fe ito g ra ç a s a
"tra ta d o s" c o m a s p o p ula ç õ e s lo c a is, lud ib ria d a s p e lo s missio ná rio s.
To d a s a s inte rio riza ç õ e s se g uinte s se inic ia ra m a ssim , c o m o s missio ná rio s
ina ug ura nd o a s c o nq uista s e uro p é ia s. Se o s a fric a no s nã o c e d e sse m , o s p ró p rio s
re lig io so s info rma ria m a o s c o nq uista d o re s q ue c he g a ra o mo me nto d e re c o rre r à s
a rma s. Fo i o q ue a c o nte c e u, p o r e xe mp lo , e m Kilwa , e m 1505. O s ha b ita nte s d a s
c id a d e s nã o p e rmitira m a c ria ç ã o d e missõ e s no s a rre d o re s, p o is sa b ia m muito
b e m q ue e ra m um p re te xto p a ra o e sta b e le c ime nto d e a nte p o sto s milita re s.
Entã o , o s missio ná rio s fra nc isc a no s info rma ra m o s p o rtug ue se s, q ue d e struíra m
to ta lme nte a c id a d e . O s missio ná rio s a b e nç o a va m o s ma ssa c re s, ma s lo g o
p e rc e b e ra m q ue nã o ha via c o mp a ra ç ã o e ntre s a s riq ue za s q ue o s p o rtug ue se s
c o nse g uia m a c umula r na Áfric a e a s mig a lha s q ue m a nd a va m à Sa nta Sé . Assim ,
e le s a rre g a ç a ra m a s ma ng a s e tra ta ra m d e c o nse g uir, no iníc io d o sé c ulo XVI, se us
p ró p rio s e sc ra vo s. O p a p a te nto u a té a c o nq uista milita r d a Áfric a (p o r e xe mp lo ,
e m 1540, o e xé rc ito d e De us a ta c o u o e ntã o re ino e tío p e ), ma s c o nsid e ro u ma is
c o nve nie nte se r o inte rm e d iá rio d a c o nq uista , g a nha nd o , c o m isso , e sc ra vo s e
la tifúnd io s.
Lo g o o trá fic o d e e sc ra vo s d a Sa nta Sé se inte nsific o u. Em 1650, a
C o mp a nhia d e Je sus p o ssuía ta l q ua ntid a d e d e e sc ra vo s, q ue im p re ssio na va a té
o s p o rtug ue se s, e utiliza va sua p ró p ria fro ta , a d a p ta d a a o se u tra nsp o rte .
O s na tivo s fize ra m e c lo d ir ve rd a d e ira s re vo lta s a ntimissio ná ria s, e o s
sa c e rd o te s se vira m "o b rig a d o s" a d e mo nstra r d e te rmina ç ã o . Q ua nd o o s e sc ra vo s
o usa va m se re b e la r, e ra m to rtura d o s p ub lic a me nte . Em 1707, e sto uro u uma re vo lta
d e e sc ra vo s e m Ma d a g a sc a r. O s missio ná rio s, no c a so c a lvinista s, to rtura ra m o s
re b e ld e s e m p ra ç a p úb lic a e e stra ng ula ra m uma e sc ra va .
Na Áfric a d o Sul, a Ig re ja ta mb é m se c o lo c o u se m p re a o la d o d o s b ô e re s
(c o lo niza d o re s b ra nc o s d e o rig e m ho la nd e sa ). Ta nto q ue , q ua nd o e m 1837 o s
zulus se insurg ira m c o ntra o ro ub o d e sua s te rra s, o s m issio ná rio s a jud a ra m o s
b ra nc o s a c he g a r p e rto d e se us p o vo a d o s. Fo ra m ma ssa c ra d o s q ua tro c e nto s
a fric a no s, so b re tud o mulhe re s, id o so s e c ria nç a s.
Em c o mp e nsa ç ã o p e la a tivid a d e e p re c io sa p a rtic ip a ç ã o missio ná ria na
c o nq uista d a Áfric a , a s p o tê nc ia s c o lo nia is d o a ra m à Ig re ja e no rme s la tifúnd io s e
e ntre g a ra m à s missõ e s o mo no p ó lio d a e d uc a ç ã o e d a sa úd e .
A Áfric a , a nte s d a c he g a d a d o s b ra nc o s, p o ssuía um siste m a a mp lo d e
a ssistê nc ia sa nitá ria . Nã o ha via p o vo a d o e m q ue um te ra p e uta tra d ic io na l nã o
p ud e sse c ura r, c o m mistura s d e e rva s e miné rio s mo íd o s, q ue m q ue r q ue p e d isse .
To d a s e ssa s p rá tic a s e re mé d io s fo ra m to rna d o s ile g a is, p a ra g a ra ntir o mo no p ó lio
sa nitá rio d a s missõ e s. Ma s c o mo e sta s nã o e sta va m a mp la me nte d ifund id a s no
te rritó rio , a ma io r p a rte d o s vila re jo s a fric a no s fic o u se m p o ssib ilid a d e de
tra ta me nto . Fo i um ma ssa c re . No q ue d iz re sp e ito à e d uc a ç ã o , fo ra m a p a g a d o s
milê nio s d e histó ria a fric a na p a ra e d uc a r o s ne g ro s à sup e rio rid a d e b ra nc a . As
missõ e s e nsina va m a histó ria d a Euro p a e a p a la vra d e De us. C o m o b a stã o e o
c hic o te , e xting uiu-se a c ultura d e um c o ntine nte .
As e ta pa s da o pre ssã o

Em 1341, uma e xp e d iç ã o íta lo -p o rtug ue sa fund o u um p o vo a d o na s Ilha s


C a ná ria s. Esta s e ra m ha b ita d a s p o r um p o vo d e o rig e m a fric a na , o s g ua nc ho s.
Se u núme ro , a nte s d o d e se mb a rq ue d o s e uro p e us, fo ra c a lc ula d o e m c e rc a d e
o ite nta mil ind ivíd uo s. Em 1344, o p a p a C le me nte VI o rd e no u q ue o a lmira nte
fra nc ê s d e o rig e m e sp a nho la Lo uis d e la C e rd a c o nq uista sse a s C a ná ria s.
Fo i o p rime iro a to c o nsc ie nte d e c o lo nia lism o e uro p e u a p ó s a s C ruza d a s,
e o s g ua nc ho s fo ra m o p rime iro p o vo a se r to ta lm e nte e xte rmina d o . Em 1496, um
ind íg e na fe z sina l p a ra o s so ld a d o s c ristã o s se a p ro xim a re m , e sua s p a la vra s
e ntra ra m p a ra a histó ria : "Nã o há ning ué m ma is p a ra c o mb a te r: e stã o to d o s
mo rto s".
Em 1441, Antô nio G o nç a lve s, d e vo lta d o Rio d e O ro , o fe re c e u d e z
e sc ra vo s a fric a no s a He nriq ue , infa nte d e Po rtug a l. Este o s o fe re c e u a o p a p a
Ma rtinho V, q ue , p o r sua ve z, c o nc e d e u a Po rtug a l a "so b e ra nia " so b re a Áfric a a o
sul d o C a b o Bra nc o . A a c e ita ç ã o d o s e sc ra vo s p o r p a rte d o p o ntífic e e sua
suc e ssiva c o nc e ssã o d e ra m a He nriq ue a p ro va d o c o nse ntime nto d o p a p a
q ua nto a o trá fic o d e e sc ra vo s.
Em 1460, o s je suíta s c o nve nc e ra m Ng o la , re i a ng o la no -c o ng o lê s d o p o vo
q uim b und o , a c o nc e d e r a Dia z d e No va is, o na ve g a d o r, a p e rmissã o p a ra
c a p tura r e sc ra vo s e le vá -lo s p a ra Lisb o a . O s re ino s d e Ang o la e d o C o ng o
c o me ç a ra m a se se p a ra r p o r c a usa d o tra ta d o . Entre 1480-1500, o s p o rtug ue se s
e ntra ra m na G uiné g ra ç a s a tra ta d o s d o g ê ne ro , fe ito s a tra vé s d e lo g ro s e ntre o s
missio ná rio s e o s c he fe s trib a is d a G uiné e d e Ang o la .
Em 1490, um c e rto Uo ulo f le vo u o c he fe trib a l a e xp ulsa r to d o s o s
missio ná rio s. O s so ld a d o s p o rtug ue se s o ma ta ra m p o r isso , ma s a re sistê nc ia
c o ntinuo u a a g ir e imp e d iu o e sta b e le c ime nto d e o utro s missio ná rio s.
Em 1505, a c id a d e d e Kilwa re sistiu a o s missio ná rio s e à c o nq uista . Fo i
sa q ue a d a e d e struíd a e nq ua nto o s missio ná rio s a b e nç o a va m o ma ssa c re . Em
1508, o s missio ná rio s e nvia d o s a o C o ng o c ria ra m um c o mé rc io p ró p rio d e
e sc ra vo s. Em 1529, o s p o rtug ue se s inc e nd ia ra m e p ilha ra m Mo mb a ç a , e m
re p re sá lia à s re vo lta s p o p ula re s c o ntra inva so re s e missio ná rio s. O trá fic o d e
e sc ra vo s e sva zio u a s re g iõ e s d o C o ng o .
Em 1534, Sã o To mé , se d e p rinc ip a l d o c o mé rc io , fo i d e c la ra d a c id a d e e
a rc e b isp a d o sub misso a o s missio ná rio s b ra nc o s. Em 1540, o Esta d o d a Ig re ja te nto u
uma c o lo niza ç ã o milita r d o e ntã o re ino e tío p e d e Amb a ra -G a lla -Ha ra r.
Em 1553, uma no va missã o je suíta c he g o u a Mb a nza , no C o ng o , o nd e se
o c up o u ta mb é m d o trá fic o d e e sc ra vo s. Em 1600, Fra nc isc o d e Alme id a , o s je suíta s
e o s c o lo no s e ra m o s d o no s a b so luto s d a s c o sta s d e Ang o la , ma s nã o a ind a d o
inte rio r. Em 1628, o s missio ná rio s a mp lia ra m a p ró p ria influê nc ia e g a nha ra m d a
re sistê nc ia a fric a na . Fo ra m c o nq uista d o s no vo s te rritó rio s na Áfric a o rie nta l.
Em 1633, o c a rd e a l Ric he lie u c o nc e d e u à C o mp a nhia Se ne g a le sa d e
Die p p e e Ro ue n o mo no p ó lio d o c o mé rc io d e e sc ra vo s p o r d e z a no s. Em 1650, o s
missio ná rio s d a Za mb é sia fo ra m d e smo ra liza d o s p e la p ro lo ng a d a re sistê nc ia
a fric a na . O s d o minic a no s d isp unha m d e e no rme s p ro p rie d a d e s imo b iliá ria s e d a
mã o -d e -o b ra e sc ra va . O s je suíta s inte nsific a ra m sua p a rtic ip a ç ã o no c o mé rc io d e
e sc ra vo s e m Ang o la e se to rna ra m la tifund iá rio s, c o mo e m Mo ç a mb iq ue . A
C o mp a nhia d e Je sus p o ssuía uma fro ta d e na vio s p a rtic ula re s p a ra o tra nsp o rte
d o s e sc ra vo s.
Em 1660, o s c a p uc hinho s e sta b e le c id o s na s c o lô nia s p o rtug ue sa s fa la ra m
d e uma a mp la ho stilid a d e d o s a fric a no s p a ra c o m e le s. Só e m G o ré é , no s
d uze nto s a no s se g uinte s, fo ra m "e xp o rta d o s" vinte milhõ e s d e e sc ra vo s.
Em 1676, a s re vo lta s c o ntra o s missio ná rio s la tifund iá rio s e e sc ra vo c ra ta s
o b rig a ra m o s b isp o s p o rtug ue se s a a b a nd o na r Sã o Sa lva d o r, na Ang o la
se te ntrio na l. Em 1694, a ma io r p a rte d a s ig re ja s d o p a ís ha via sid o d e mo lid a p e la
re sistê nc ia a ntie sc ra vista a fric a na .
Em 1700, o s e sc ra vista s e o s missio ná rio s re to ma ra m Ang o la , ma s a p a rte
se te ntrio na l d o p a ís e Sã o Sa lva d o r e ra m p ra tic a me nte d e se rta s e d e sp o vo a d a s,
p o r c a usa d o c o mé rc io d e e sc ra vo s. C a lc ula -se q ue , d e sd e o iníc io d o trá fic o ,
fo ra m ma ssa c ra d o s 25 milhõ e s d e a fric a no s. O s missio ná rio s, c o m no tá ve l p re c isã o ,
a trib uíra m o d e c línio mo ra l e ma te ria l d o c o ntine nte ne g ro à re sistê nc ia a fric a na .
Em 1707, na Áfric a d o Sul, um e sc ra vo inic io u uma re vo lta . O s missio ná rio s
ho la nd e se s, a título d e d e mo nstra ç ã o , to rtura ra m q ua tro re b e ld e s c o m a ro d a e
e stra ng ula ra m uma e sc ra va c o m a s mã o s.
Em 1721, na Áfric a d o Sul, o s missio ná rio s ho la nd e se s o b rig a ra m a s
c ria nç a s na tiva s a se re m b a tiza d a s, ma s p ro ib ira m q ue o s e sc ra vo s, p a is d a s
c ria nç a s, p re se nc ia sse m a c e rimô nia .
Em 1781, o s b a nto s xho sa s e o s kho i-kho in, g uia d o s p e la ra inha Ho ho ,
re b e la ra m-se c o ntra o ro ub o d e se us a nima is e d e sua s te rra s. Re sistira m p o r a lg uns
a no s, ma s, no fina l, o e xé rc ito b ra nc o , d e g ra nd e s d ime nsõ e s, o s d e rro to u. O s
so b re vive nte s, e m 1792, fo ra m c o nd uzid o s à missã o d e Ba via a nsklo o f, a p a rtir d e
o nd e fo ra m d istrib uíd o s c o mo e sc ra vo s a o s c a mp o ne se s b ra nc o s.
Em 1800, o missio ná rio Va n d e r Ke mp fund o u a missã o d e Be the lsd o rp ,
q ue se rviu d e b a se milita r p a ra o s ing le se s.
Em 1805, o s irmã o s Alb re c ht, missio ná rio s a le mã e s a ng lic a no s, d e ra m
iníc io à c o nq uista a le mã , fund a nd o uma missã o e m Wa rmb a d , no sud o e ste d a
Áfric a .
Em 1815, o missio ná rio a le m ã o Sc hne le n, c o m a c o nc o rd â nc ia d a Ig re ja
e d e se u g o ve rno , fund o u a missã o d e Be tâ nia , no te rritó rio d o s na ma s, d e stina d a
a d e se nvo lve r um p a p e l fund a me nta l no p e río d o d a s c o nq uista s.
Em 1818, c o m o a uxílio d o s missio ná rio s, o s ing le se s d o C a b o a ta c a ra m
Ma ka nd a , g e ne ra l d o s nd la mb e s.
Em 1819, na C id a d e d o C a b o , o missio ná rio se g re g a c io nista Jo hn Philip
p ro p ô s a fo rma ç ã o d e uma "c a d e ia d e Esta d o s". Se u g o ve rno te ria c o mo b a se a s
missõ e s. O p o vo se re b e lo u, ma s o s missio ná rio s e ntra ra m e m um a c o rd o c o m o
g o ve rno e o s milita re s a p la c a ra m a s re vo lta s c o m o sa ng ue . O s c a nhõ e s ing le se s
a b a te ra m trê s mil xho sa s q ue luta va m p a ra d e fe nd e r a p ró p ria te rra .
Em 1823, o s missio ná rio s o c up a ra m o s te rritó rio s b a ra lo ng e c ria ra m
c he fe s fa nto c he s p a ra c o ma nd a r a g ue rra c o ntra Mo she sh e o s re b e ld e s.
Em 1828, o s re la tó rio s d o missio ná rio Jo hn Philip re ve la va m o s p la no s d o s
missio ná rio s a ng lic a no s, q ue p re te nd ia m a d o ta r c rité rio s se g re g a c io nista s p a ra
e sc o la s, lo c a is p úb lic o s e re se rva s e utiliza r um "siste ma d e tra ta d o s" p a ra
c o nq uista r e suje ita r o s a fric a no s.
Em 1829, a missã o d e Philip to n e ra a b a se milita r b ritâ nic a , junta me nte
c o m a missã o d e G la sg o w e m Ba lfo ur. O missio ná rio me to d ista Sha w a rmo u e sitio u
g rup o s d e b ra nc o s e m Alb a ny e na zo na o rie nta l d o C a b o . O s c o lo no s d e Alb a ny
a ta c a ra m o s ne g ro s p a ra a mp lia r se us la tifúnd io s.
Em 1834, o missio ná rio Philip a c o nse lho u o g o ve rna d o r a a ne xa r o
Xho sa la nd e a re c o rre r a o g o ve rno ind ire to c ria nd o c he fe s fa nto c he s. Ma s o s
xho sa s re sistira m a o a ta q ue c o mb ina d o d e uma fo rç a d e vinte mil ho me ns
c o mp o sta d e ing le se s, b ô e re s e missio ná rio s c a tó lic o s, we sle ya no s e a ng lic a no s.
Em ja ne iro de 1835, o s xho sa s fo ra m d e rro ta d o s p e la s tro p a s d o
missio ná rio Philip . O s o utro s missio ná rio s se g uira m se u e xe mp lo .
Em 1837, g ra ç a s a o a p o io d o s missio ná rio s c a tó lic o s e we sle ya no s, o s
b ô e re s ma ssa c ra ra m , e m Mo se g a , q ua tro c e nto s zulus, e xc lusiva me nte mulhe re s,
ve lho s e c ria nç a s.
Em 1844, o s missio ná rio s fra nc e se s "Pa is d o Esp írito Sa nto " fund a ra m a
missã o d e Sa nta Ma ria d o G a b ã o e e xto rq uira m "tra ta d o s" d o s c he fe s d a s trib o s,
q ue p e rmitira m q ue o s fra nc e se s sitia sse m o e stuá rio d o G a b ã o .
Em 1853, Da vid Living sto ne a tra ve sso u a Áfric a e c he g o u à s ma rg e ns d o
la g o Nia ssa , o nd e fund o u uma missã o q ue tra nsfo rmo u uma b a se c o ntra o s
na tivo s, p re p a ra nd o o te rre no p a ra o s c o lo no s ing le se s.
Em 1868, o c ha nc e le r a le mã o Bisma rc k p e d iu à Ing la te rra p a ra p ro te g e r
o s missio ná rio s d o sud o e ste da Áfric a . O g o ve rna d o r d o C a b o , Sir Philip
Wo d e ho use , re sp o nd e u a o a p e lo d o imp é rio p russia no , a uxilia d o p e la missã o d o
d o uto r Ha hn, e a ta c o u o p o vo d o s na ma s. Este s re sistira m e nq ua nto p ud e ra m ,
ma s, no fina l, fo ra m e xte rmina d o s q ua se p o r c o mp le to . Se u c he fe fo i p unid o p e lo s
missio ná rio s.
Em 1894, no d ia 6 d e ja ne iro , na Drill Ha ll d a C id a d e d o C a b o , Rho d e s
a g ra d e c e u p ub lic a me nte à s missõ e s a ng lic a na s e c a tó lic a s, a o Exé rc ito d a
Sa lva ç ã o , a o Mo vime nto d o s Jo ve ns Exp lo ra d o re s d e Ba d e n Po we ll e à So c ie d a d e
Ab o lic io nista p o r te re m c o ntrib uíd o p a ra a "lib e rta ç ã o " d a Ro d é sia d o s re b e ld e s
a fric a no s.
Em 1914, a ma io r p a rte d o te rritó rio a fric a no p e rte nc ia à s p o tê nc ia s
c o lo nia is e uro p é ia s, q ue c o nfia ra m o c o ntro le d a e d uc a ç ã o a o s missio ná rio s
c ristã o s.
Em 1920, a Alia nç a d a s So c ie d a d e s Missio ná ria s no Q uê nia p e d iu à
C o missã o d a Áfric a O rie nta l p a ra nã o p e rmitir a s c o ntra ta ç õ e s livre s e ntre
e mp re g a d o s e p a trõ e s.
Em 1921, no C o ng o Be lg a , Kimb a ng u lid e ro u o mo vime nto
a ntic o lo nia lista . Se g uid o r d e G a nd hi, e le p re g a va a nã o -vio lê nc ia . O utro
mo vime nto d e re sistê nc ia fo i lid e ra d o p o r Simo n N'Tua la ni. O s missio ná rio s c a tó lic o s
p e d ira m a o g o ve rno b e lg a p a ra p e rse g uir o s d o is líd e re s e se us g rup o s, p o is se
re c usa va m a tra b a lha r e p a g a r imp o sto s a o s c o lo niza d o re s. Kimb a ng u fo i p re so ,
to rtura d o e mo rto . N'Tua la ni, p o r sua ve z, c o nse g uiu fug ir, ma s o s missio ná rio s
c o nsp ira ra m c o m o g o ve rno c o lo nia l p a ra p re nd ê -lo . N’ Tua la ni fo i e ntã o
c a p tura d o , junto c o m 38 mil p e sso a s, to rtura d o e ma ntid o e m c á rc e re a té sua
mo rte .
Em 1926, a C o nfe rê nc ia Missio ná ria Inte rna c io na l c o nd e no u a s Ig re ja s
a fric a na s "e tío p e s" se p a ra tista s.
Em 1940, e m ma io , fo i firma d a uma c o nc o rd a ta e ntre Po rtug a l e o
Va tic a no q ue inc luiu uma "o rie nta ç ã o " missio ná ria c a tó lic a na s c o lô nia s
p o rtug ue sa s.
Em 1946, e m Ug a nd a , fo i fund a d o o p a rtid o Ba ta ka , c ujo p ro g ra ma
e ng lo b a va a re q uisiç ã o d e te rra s p a ra o s c a mp o ne se s e o s d ire ito s d e c id a d a nia
p a ra o s ne g ro s. O s missio ná rio s p ro ib ira m o s me mb ro s d o p a rtid o d e e ntra r na s
ig re ja s.
Em 1950, na sc e o mo vime nto na c io na lista ug a nd e nse , c ujo p ro g ra ma
a ntimissio ná rio p re via a re d istrib uiç ã o d a te rra e um g o ve rno p ró p rio .
Em 1953, no Q uê nia , o s missio ná rio s, g uia d o s p o r C re y la nç a ra m uma
c a mp a nha ra c ista c o ntra a s p o p ula ç õ e s kikuyu e ma u ma u (o s g ue rre iro s
q ue nia no s ind e p e nd e ntista s). Fo i e stip ula d a a p e na d e mo rte p a ra q ue m p re sta sse
o jura me nto ma u-ma u.
Em 1955, g ra ç a s a o mo no p ó lio e d uc a c io na l d a s missõ e s, o C o ng o nã o
fo rmo u um só e ng e nhe iro o u a d vo g a d o a fric a no .
Em 1960, na s c o lô nia s p o rtug ue sa s, ha via ma is d e c e m missõ e s c a tó lic a s.
As a tivid a d e s "d id á tic a s e e d uc a c io na is", c o ntro la d a s p o r e ssa s missõ e s e p o r
o utro s q uinhe nto s missio ná rio s p ro te sta nte s, e ra m d o tip o se g re g a c io nista : nã o
e xistia m unive rsid a d e s p a ra o s ne g ro s, e g ra nd e p a rte d a s c ria nç a s e m id a d e
e sc o la r nã o fre q üe nta va a s a ula s. A a ssistê nc ia sa nitá ria , ta mb é m c o ntro la d a
p e lo s missio ná rio s, e ra só p a ra o s b ra nc o s. Em Ang o la , a mo rta lid a d e infa ntil e ra d e
50%, ha via um mé d ic o p a ra c a d a d e z mil ha b ita nte s, e q ua se to d o s a se rviç o d o s
g rup o s e uro p e us. Q ua nd o a p o p ula ç ã o d a Áfric a d o Sul se insurg iu c o ntra a
se g re g a ç ã o , a te o u fo g o a muita s ig re ja s c a tó lic a s.
Em 1964, d e p o is d a ind e p e nd ê nc ia e d o fim d o mo no p ó lio d a s missõ e s
no c a mp o e d uc a c io na l, a ta xa d e a na lfa b e tismo e m G a na c a iu d e 85% p a ra 25%.
Em 1977, na Áfric a d o Sul, p e la p rime ira ve z no sé c ulo , a s e sc o la s
"b ra nc a s" c a tó lic a s, a ng lic a na s e me to d ista s a d mitira m nã o -e uro p e us, a tra vé s d e
c rité rio s se le tivo s e limita d o s e com o c o nse ntime nto tá c ito do g o ve rno ,
o b je tiva nd o "d e sintrinc a r" a situa ç ã o p ó s-So we to .

Q UARTA PARTE

A Ida de C o nte m po râ ne a

EPÍLO G O

Silê nc io , o missã o , se g re d o s, m e ntira s...


Fa la r d a s p o siç õ e s (e a ç õ e s) d a Ig re ja d ura nte o sé c ulo XX é uma ta re fa
á rd ua , p o is o s fa to s a ind a sã o re c e nte s e e stã o e nc o b e rto s p o r muito s misté rio s,
silê nc io s o missõ e s.
Po r e xe mp lo , e xiste um e nvo lvime nto d a Ig re ja no s c rim e s p e rp e tra d o s
d ura nte a d ita d ura na zista , m a s se u p a p e l no e xte rmínio d e jud e us e ho mo sse xua is
a ind a p re c isa se r re c o nstruíd o c o m p re c isã o .
De ixa nd o d e la d o se u p a p e l a tivo , a fa lta d e c o nd e na ç ã o já d iz
b a sta nte so b re a p o siç ã o id e o ló g ic a d a Sa nta Sé . No q ue d iz re sp e ito à s ma is
sa ng uiná ria s d ita d ura s sul-a me ric a na s, a Ig re ja se mp re o p to u p o r a d o ta r p o siç õ e s
instrume nta is e o p o rtunista s.
To d o s se le mb ra m d o a b ra ç o e ntre Pino c he t e o p a p a Wo ityla , b e m
c o mo d a o p o siç ã o à Te o lo g ia d a Lib e rta ç ã o . A a p ro va ç ã o o u p a rtic ip a ç ã o a tiva
d e re lig io so s no s ma ssa c re s me re c e ria se r tra ta d a e m um livro inte iro , c o m tre c ho s
d e d ic a d o s à s c a usa s e re vira vo lta s g e o p o lític a s e m p a rte a ind a nã o q ue stio na d a s.
Aind a nã o c o nhe c e mo s (a o me no s nã o o fic ia lme nte ) q ua l fo i a
ve rd a d e ira c a usa d a mo rte d e Alb ino Luc ia ni, Jo ã o Pa ulo I, mo rto c o m a p e na s 33
d ia s d e p o ntific a d o .
E a ind a há a g ra nd e e c o ntro ve rsa histó ria d a s q ue stõ e s e c o nô mic a s e
fina nc e ira s d o Va tic a no : o Instituto d e O b ra s Re lig io sa s, o c a so d o Ba nc o
Amb ro sia no , a histó ria d e Ro b e rto C a lvi, ma s ta mb é m a d e Mic he le Sind o na e ,
p rinc ip a lm e nte , d e Pa ul Ma rc inkus, e ntã o p re sid e nte d o Ba nc o d o Pa p a . Um a
histó ria d e mo rte s, furto s e la va g e m d e d inhe iro .
Até ho je nã o se c o nhe c e m o s ve rd a d e iro s ma nd a nte s e o ve rd a d e iro
mo tivo d o a te nta d o c o ntra o p a p a e sua s c o nse q üê nc ia s inte rna c io na is, d o
d e sa p a re c ime nto d e Ema nue la O rla nd i e Mire lla G re g o ri, e d a mo rte d o s g ua rd a s
suíç o s, p a ssa nd o p o r a sp e c to s o b sc uro s d e instituiç õ e s c o mo a O p us De i.
No s último s trinta a no s, o Va tic a no a c umulo u uma infinid a d e d e se g re d o s
e misté rio s d ific ilm e nte d e c ifrá ve is.
Ne ste e p ílo g o , q ue nã o se p re te nd e e m a b so luto e xa ustivo , te nta re mo s
na rra r a lg uns d o s ma is c o ntro ve rso s e p isó d io s, d e ixa nd o o s a p ro fund a me nto s p a ra
um p ró ximo livro to ta lme nte d e d ic a d o a o s último s c e m a no s d e histó ria .
Pe q ue no Esta d o , g ra nd e Im p é rio
O Va tic a no é ho je um Esta d o minúsc ulo , d e a p e na s 0,44 q uilô me tro s
q ua d ra d o s, inse rid o no c o ra ç ã o de Ro ma e c o m p e lo me no s o ito c e nto s
ha b ita nte s. Esta mo s b e m lo ng e d a e xp a nsã o te rrito ria l d e p o uc o s sé c ulo s a trá s,
ma s o p e q ue no Esta d o , ho je , te m ma is p o d e r d o q ue nunc a , p o is c o ntro la um
b ilhã o d e fié is e m to d o o mund o . Na c a b e ç a d e ste Imp é rio e stá o p a p a , um
ve rd a d e iro mo na rc a la d e a d o p e la C úria c o mp o sta d e 2.300 p e sso a s q ue c uid a m
d e to d o s o s inte re sse s d a Sa nta Sé no mund o . Um a te o c ra c ia a b so luta .
O Va tic a no p o ssui ra mific a ç õ e s e e missá rio s e m to d a p a rte . Está
e nvo lvid o nã o só na histó ria e sp iritua l d o p la ne ta , ma s ta mb é m na s d e c isõ e s
p o lític a s e na s e sc o lha s o p e ra c io na is, o ra a p o ia nd o , o ra o b struind o o s vá rio s
p o d e re s q ue se a lte rna m. Se us o b je tivo s se mo stra m p o ntua lm e nte utilita rista s.
A Ig re ja e o na zismo
No s último s te mp o s surg iu uma no va d isc ussã o so b re a fig ura d o p a p a Pio
XII (1939-1958) e d e se u p o ssíve l e nvo lvime nto no na zismo e no e xte rmínio d e
jud e us.
No fina l d e no ve mb ro de 2005, uma c o missã o c a tó lic o -jud a ic a
inte rna c io na l, c ria d a e m o utub ro d e 1999 e c o mp o sta p o r se is histo ria d o re s (trê s
jud e us e trê s c a tó lic o s), nã o fo i c a p a z d e d a r uma re sp o sta sa tisfa tó ria ,
fo rmula nd o , a o c o ntrá rio , 47 p e rg unta s so b re o p o ntific a d o d o p a p a Pa c e lli.
De ntre e la s: p o r q ue o Va tic a no nã o c o nd e no u o p o g ro m na zista d e 1938 c o ntra
o s jud e us? O p a p a tinha c o nhe c im e nto d o e xte rmínio d e jud e us? C o mo o s fund o s
c o lo c a d o s à d isp o siç ã o p o r uma o rg a niza ç ã o jud a ic a a me ric a na a c a b a ra m
se nd o usa d o s p e la Ig re ja p a ra sa lva r jud e us c o nve rtid o s, e nã o to d o s o s
p e rse g uid o s? E q ua nto a o s c ig a no s, ne g ro s e ho mo sse xua is? A fa lta d e d e sc ulp a s
d a Ig re ja a e sta s mino ria s é uma a p ro va ç ã o a o ma ssa c re .
É ve rd a d e q ue o p a p a d e u sua a p ro va ç ã o a o a nti-se mitism o d e Pé ta in
e m Vic hy? Po r q ue d ura nte o fa mo so d isc urso d o Na ta l d e 1942 o p a p a c o nd e no u
a s vio lê nc ia s na zista s, ma s se m fa ze r me nç ã o a o s jud e us? Po r q ue a Sa nta Sé se
o p ô s à tra nsfe rê nc ia d o s jud e us p a ra a Pa le stina ?
Se g und o um re la tó rio se c re to re d ig id o p e lo e ntã o e mb a ixa d o r
a me ric a no junto à Sa nta Sé , Ha ro ld Tittma nn, so b re sua a ud iê nc ia c o m o p a p a e m
30 d e d e ze mb ro d e 1942, Pa c e lli lhe re ve lo u q ue c o nsid e ra va e xa g e ra d a s a s
no tíc ia s so b re a s a tro c id a d e s na zista s c o ntra o s jud e us.
No e nc o ntro d e 40 minuto s, o p a p a d isse nã o e sta r d isp o sto a d e nunc ia r
e xp lic ita me nte o s na zista s. Ele d e mo nstro u "te me r" q ue a s no tíc ia s so b re a s
a tro c id a d e s p ud e sse m te r fund a me nto , ma s "ta mb é m me d e ixo u e nte nd e r q ue
e sta va c o nve nc id o de q ue o s Alia d o s ha via m e xa g e ra d o p o r ra zõ e s d e
p ro p a g a nd a ", o d ip lo ma ta a me ric a no c o nto u no re la tó rio d e q ua tro p á g ina s,
c a rimb a d o c o mo to p se c re t e a p e na s re c e nte me nte re ve la d o p e lo s a rq uivo s
p úb lic o s a me ric a no s.1 A Ig re ja a ind a ho je re sp o nd e a e ssa s p e rg unta s c o m o
silê nc io , c he g a nd o a p e rmitir, iro nic a me nte , q ue a c o missã o só c o nsulte o s
a rq uivo s va tic a no s a té 1922. O utra re sp o sta sig nific a tiva a e ssa s p e rg unta s fo i a
c a no niza ç ã o d o p a p a Pio XII p o r p a rte d e Jo ã o Pa ulo II.
A Ig re ja e a s dita dura s

Uma c o nsta nte na o rie nta ç ã o p o lític a d a Ig re ja C a tó lic a , e d e muita s


o utra s c re nç a s c ristã s no sé c ulo XX, fo i a g ra nd e a ve rsã o a o ma rxismo e à s
d o utrina s so c ia lista s d e ma ne ira g e ra l. Ave rsã o e ssa q ue muita s ve ze s le vo u a
hie ra rq uia e c le siá stic a a a p o ia r re g ime s c o nse rva d o re s e d ita d ura s d e d ire ita ,
e mb o ra tive sse c o nhe c im e nto d o s c rime s p o r e la s p e rp e tra d o s.
Po r e xe mp lo , e m 1933, na Ale ma nha , o Pa rtid o C a tó lic o d e Ze ntrum
vo to u a fa vo r d e le is e sp e c ia is q ue c o nfe risse m p le no s p o d e re s a Hitle r. Em tro c a , o
no vo g o ve rno na zista , p o uc o s me se s d e p o is, a ssino u uma c o nc o rd a ta c o m a
Sa nta Sé .
Muito s o utro s p re la d o s a d e rira m id e o lo g ic a me nte a d o utrina s d e tip o
na zifa sc ista o u c o nsid e ra ra m e ste tip o d e re g ime um ma l me no r.
As d ita d ura s d e d ire ita fo ra m c o nsid e ra d a s um "fe nô me no tra nsitó rio "
d ia nte dos to ta lita rismo s c o munista s, q ue , ao c o ntrá rio , te nd ia m a se
a uto p e rp e tua r e a sub tra ir o "c uid a d o c o m a s a lma s" d o c o ntro le d a instituiç ã o
e c le siá stic a .
Do is e xe mp lo s re c e nte s d e sse c o mp o rta me nto c o nd e sc e nd e nte d a
Ig re ja c o m a s d ita d ura s d e d ire ita sã o a Arg e ntina e o C hile .
A Arg e ntina
A d ita d ura a rg e ntina d e Vid e la (1976-1983) fo i uma d a s ma is c rué is d a
histó ria re c e nte d o c o ntine nte sul-a me ric a no , lig a d a a um fe nô me no triste me nte
fa m o so , o s d e sa p a re c id o s.
C a lc ula -se q ue , no s p o uc o s a no s d e d ita d ura , c o m a d e sc ulp a d a luta
c o ntra o te rro rismo , na ve rd a d e um fe nô me no ma rg ina l na é p o c a , p e lo me no s
trinta mil p e sso a s d e sa p a re c e ra m. As vítima s e ra m o p o sito re s p o lític o s, inte le c tua is,
e stud a nte s, sind ic a lista s, tra b a lha d o re s, re lig io so s e a té c ria nç a s. To d a s e ssa s
p e sso a s fo ra m ile g a lme nte se q üe stra d a s, to rtura d a s, mo rta s o u sumira m d o na d a .
A re p re ssã o fo i p a rte d e um p la no ile g a l, p re d e te rmina d o e siste má tic o
re a liza d o p e lo s milita re s.
A tra g é d ia d e ntro d a tra g é d ia fo ra m o s filho s d a s d e sa p a re c id a s,
na sc id o s na s p risõ e s e no s c a mp o s d e c o nc e ntra ç ã o , p o r ve ze s c o nc e b id o s e m
a to s d e vio lê nc ia se xua l d o s milita re s. Sub tra íd o s d o s p a is, fo ra m d a d o s e m a d o ç ã o
a o s to rtura d o re s, m a te ria lme nte re sp o nsá ve is p e la mo rte d o s p a is.
Pe lo me no s no ve mil p re so s p o lític o s so fre ra m to rtura s, e c a lc ula -se q ue
15 mil te nha m sid o mo rto s p e la s rua s, inc luind o a í p a d re s e re lig io sa s.
De sd e o iníc io , o re g ime milita r a rg e ntino , q ue ta mb é m p e rse g uiu muito s
c a tó lic o s, fo i mo ra lme nte a c o b e rta d o p e lo s e xp o e nte s d a Ig re ja d o p a ís.2 O
núnc io a p o stó lic o (e mb a ixa d o r d o Esta d o Va tic a no ), mo nse nho r Pio La g hi, e m 27
de junho de 1976, a p e na s trê s me se s a nte s d o g o lp e , d e u o se g uinte
p ro nunc ia me nto : "O p a ís te m uma id e o lo g ia tra d ic io na l, e q ua nd o a lg ué m
p re te nd e imp o rta r id é ia s d ife re nte s o u e stra nha s, a Na ç ã o re a g e c o mo um
o rg a nismo , c o m a ntic o rp o s, c o ntra o s g e rme s, e a ssim na sc e a vio lê nc ia . O s
so ld a d o s c ump re m se u d e ve r p rim e iro d e a ma r De us e a Pá tria , q ue e stá e m
p e rig o . Po d e -se fa la r nã o só d e inva sã o d e e stra ng e iro s, c o mo d e inva sã o d e
id é ia s q ue c o lo c a m e m risc o va lo re s fund a me nta is. Isso p ro vo c a uma situa ç ã o d e
e me rg ê nc ia , e , ne ssa s c irc unstâ nc ia s, p o d e m-se a p lic a r a s id é ia s d e Sã o To má s d e
Aq uino , q ue e nsina q ue , e m c a so s d o g ê ne ro , o a mo r p e la Pá tria se e q uip a ra a o
a mo r p o r De us."
Pio La g hi, q ue e m se g uid a se to rno u c a rd e a l, tinha uma re la ç ã o c o rd ia l
c o m o a lto o fic ia la to g o lp ista . Po r e xe mp lo , jo g a va tê nis c o m o a lmira nte Emilio
Ma sse ra , um d o s c o mp o ne nte s d a junta milita r q ue d e u o g o lp e , te nd o c e le b ra d o
o c a sa me nto d e se u filho e b a tiza d o um ne to se u.
A c o la b o ra ç ã o e ntre a Ig re ja C a tó lic a e a d ita d ura se to rno u
o p e ra c io na l p o r inte rmé d io d e c a p e lã e s milita re s na s p risõ e s p o lític a s, q ue d e via m
nã o só c o nfo rta r e sp iritua lme nte o s a uto re s d o s g e no c íd io s e o s to rtura d o re s, c o mo
ta mb é m, p o r me io d a c o nfissã o , c o la b o ra r c o m o Exé rc ito e xtra ind o info rm a ç õ e s
d o s d e te nto s.
Muita s ve ze s, o s c a p e lã e s, o b rig a d o s a o se g re d o a c e rc a d e to d a s a s
a tro c id a d e s d a s q ua is e ra m te ste munha s, p re se nc ia va m ta mb é m a s se ssõ e s d e
to rtura , to rna nd o -se c úmp lic e s d a to rtura p sic o ló g ic a . Po r e xe mp lo , a o s p re so s q ue
re c la ma sse m d o s ma us-tra to s so frid o s, a re sp o sta d o s c a p e lã e s e ra p e d ir q ue
c o la b o ra sse m p a ra a c a b a r c o m o so frime nto a e le s imp o sto (e ssa p rá tic a le mb ra
o s m é to d o s d a Inq uisiç ã o ). Alé m d isso , usa va m a s info rm a ç õ e s re c e b id a s no
c o nfe ssio ná rio p a ra fa vo re c e r a c a p tura d o s "sub ve rsivo s".
Um d e le s fo i o sa c e rd o te C hristia n vo n We rnic h, a tua lme nte p re so e
p ro c e ssa d o p o r c rime s c o me tid o s d ura nte a d ita d ura . Ele fo i um a tivo re p re sso r
q ue p a rtic ip o u d e se ssõ e s d e to rtura e d e e xe c uç õ e s no s c e ntro s d e d e te nç ã o
c la nd e stino s (a p ro xima d a me nte 340 e m to d o o p a ís, e sc o nd id o s d a míd ia
inte rna c io na l e d a s o rg a niza ç õ e s huma nitá ria s e g e rid o s p e la junta milita r). A um
p re so q ue im p lo ro u q ue nã o o d e ixa sse mo rre r, re sp o nd e u: "A vid a d o s ho me ns
d e p e nd e d e De us e d a sua c o la b o ra ç ã o ."
Ele a ind a b a tiza va o s re c é m-na sc id o s q ue vinha m a o mund o no s c e ntro s
d e d e te nç ã o e a jud o u na c a p tura d e sub ve rsivo s re ve la nd o se g re d o s d e
c o nfissã o .
Em ma io d e 1997, a Asso c ia ç ã o d a s Mã e s d a Pra ç a d e Ma io a p re se nto u
à ma g istra tura ita lia na uma d e núnc ia c o ntra Pio La g hi — q ue ha via vo lta d o a o
Va tic a no e se to rna ra Pre fe ito d a C o ng re g a ç ã o p a ra a Ed uc a ç ã o C a tó lic a — p o r
c ump lic id a d e c o m o re g ime milita r a rg e ntino .
Se g und o a s Mã e s, o núnc io "c o la b o ro u a tiva me nte c o m me mb ro s
sa ng uiná rio s d a d ita d ura milita r e c o nd uziu p e sso a lme nte uma c a mp a nha c ujo
o b je tivo e ra o c ulta r ta nto d e ntro q ua nto fo ra d o p a ís o ho rro r, a mo rte e a
d e struiç ã o . O mo nse nho r Pio La g hi tra b a lho u a tiva me nte p a ra d e sme ntir a s
inc o ntá ve is d e núnc ia s d o s fa milia re s d a s vítima s d o te rro rismo d e Esta d o e o s
re la tó rio s d e o rg a niza ç õ e s na c io na is e inte rna c io na is d e d ire ito s huma no s."3
Ele ta mb é m é a c usa d o d e "te r c a la d o a s d e núnc ia s inte rna c io na is so b re
o d e sa p a re c ime nto d e ma is d e trinta sa c e rd o te s e a mo rte d e b isp o s c a tó lic o s. Pio
La g hi p ro vid e nc io u, c o m a a jud a d e me mb ro s d o e p isc o p a d o a rg e ntino , a
no m e a ç ã o d e c a p e lã e s milita re s, d a p o líc ia e d a s p risõ e s q ue g a ra ntisse m o
silê nc io a re sp e ito d a s e xe c uç õ e s, to rtura s e e stup ro a q ue a ssistisse m. Ta is
c a p e lã e s d e via m nã o só c o nfo rta r e sp iritua lme nte o s a uto re s d o s g e no c íd io s e o s
to rtura d o re s, c o mo ta mb é m, p o r me io d a c o nfissã o , c o la b o ra r c o m o e xé rc ito
e xtra ind o info rma ç õ e s d o s d e te nto s".
A d e núnc ia e ra a c o mp a nha d a d e um g ra nd e d o ssiê c o m te ste m unho s
d e a ntig o s p re so s p o lític o s e d e p a re nte s d o s d e sa p a re c id o s. O s d e p o ime nto s
fa la m d o e mp e nho p e sso a l d o mo nse nho r La g hi p a ra o b te r a so ltura e a
e xp a tria ç ã o d e vá rio s p re so s p o lític o s, ma s ta mb é m d e mo nstra m q ue o núnc io
e sta va to ta lme nte a p a r d a s to rtura s e mo rte s, e q ue a té visito u a lg uns d o s c a mp o s
d e c o nc e ntra ç ã o .
O d o ssiê ta mb é m tra zia o s te ste m unho s c o nsta nte s d o s a uto s d e um
p ro c e sso re a liza d o e m 1985 na Arg e ntina , q ue se e nc e rra ra c o m a c o nd e na ç ã o à
p risã o p e rp é tua d o s d ita d o re s Vid e la e Misse ra (m a is ta rd e so lto s g ra ç a s a o ind ulto
c o nc e d id o p e lo p re sid e nte Me ne m ).
O utro d o c ume nto re le va nte é a c o nfissã o d o c a p itã o -d e -c o rve ta Ad o lfo
Sc iling o , se g und o a q ua l [...] a d e c isã o q ue d e te rmino u q ue o s p re so s
d e sa p a re c id o s d e ve ria m se r jo g a d o s vivo s no ma r d o a lto d e a viõ e s d a Ma rinha fo i
c o munic a d a p e lo e x-c o ma nd a nte d e O p e ra ç õ e s Na va is, o vic e -a lmira nte Luis
Ma ria Me nd ía , e m uma g ra nd e re uniã o d e o fic ia is d a Ma rinha na b a se na va l d e
Pue rto Be lg ra no . Sc iling o a firma q ue as a uto rid a d e s e c le siá stic a s fo ra m
c o nsulta d a s e a p ro va ra m o mé to d o c o mo 'uma fo rma d e mo rte c ristã '. “ Isso
a c o nte c e u so b o c o ma nd o d o e x-c o ma nd a nte -e m-c he fe Emilio Ma sse ra , a mig o
íntimo d e Pio La g hi e se u c o mp a nhe iro d a s p a rtid a s d e tê nis ma tina is” .4
O d o ssiê a ind a re unia uma e xte nsa lista d e p e sso a s c ujo s d e p o im e nto s
p o d e ria m se r úte is e m um e ve ntua l p ro c e sso c o ntra Pio La g hi.
He b e d e Bo na fini, a tivista d a Asso c ia ç ã o d a s Mã e s, d e c la ro u e m uma
e ntre vista : "Nó s, mã e s, so fre m o s o d e sp re zo d a Ig re ja , c uja s a uto rid a d e s c he g a ra m
à d e c isã o , q ue ta lve z ta mb é m d e p e nd e sse d e La g hi, d e q ue nã o p o d e ría mo s
re c e b e r a c o munhã o , 'p o is e stá va mo s c he ia s d e ó d io '. Na Arg e ntina e e m to d a a
Amé ric a La tina , e xiste m d ua s Ig re ja s: a q ue luta junto a o p o vo e a o s se to re s ma is
p o b re s, e a q ue la a risto c rá tic a , d irig id a p e la O p us De u q ue e sta b e le c e a lia nç a s
c rimino sa s c o m o s d ita d o re s d a ve z."
É ó b vio q ue , na Itá lia , nunc a ho uve um p ro c e sso p a ra a p ura r a ve rd a d e
so b re e ssa s a c usa ç õ e s, a té p o rq ue La g hi fo i p ro te g id o p e la c id a d a nia va tic a na e
p o r se u sta tus d e d ip lo ma ta . O e x-núnc io se d e fe nd e u d a s a c usa ç õ e s c o m um
p e q ue no c o munic a d o to rna d o p úb lic o p e la a sse sso ria d e imp re nsa d o Va tic a no .
"As a firma ç õ e s d e sse g rup o de mulhe re s a rg e ntina s sã o a p e na s
d ifa ma tó ria s e d e stituíd a s d e q ua lq ue r c o nte úd o e fund a me nto , se ja no q ue d iz
re sp e ito a o s fa to s, se ja d o p o nto d e vista é tic o e juríd ic o . Me u tra b a lho c o mo
núnc io a p o stó lic o na Arg e ntina , d e julho d e 1974 a té o fina l d e d e ze mb ro d e 1980,
e stá to d o d o c ume nta d o ta nto junto a o "b isp a d o a rg e ntino q ua nto na Se c re ta ria
d e "Esta d o . O s d o c ume nto s e stã o to d o s na s mã o s d e le s. Na q ue le p e río d o , re c e b i
d o s b isp o s d a Arg e ntina , d o s líd e re s d a c o munid a d e jud a ic a , d e sa c e rd o te s,
re lig io so s e fié is uma infinid a d e d e d e c la ra ç õ e s e sc rita s d e so lid a rie d a d e e d e
re c o nhe c ime nto p e lo q ue p ud e fa ze r na é p o c a p a ra d e fe nd e r — c o mo e le s
me smo s d ize m — c o m g ra nd e re sp o nsa b ilid a d e e d e d ic a ç ã o to d o s o s so fre d o re s
q ue e nc o ntre i e m minha lo ng a missã o a se rviç o d a Sa nta Sé e m vá rio s p a íse s d o
mund o ."
O d o c ume nto c o ntra d iz a si p ró p rio , já q ue , no p rim e iro p a rá g ra fo , o e x-
núnc io a p o stó lic o ne g a sa b e r d e q ua lq ue r c o isa , a o p a sso q ue , no último ,
me nc io na se u tra b a lho e m d e fe sa d o s "so fre d o re s", o u se ja , a s vítima s d a d ita d ura ,
o q ue imp lic a , a o me no s e m linha s g e ra is, o c o nhe c ime nto d a re p re ssã o .
A p a rte c e ntra l d o c o munic a d o é p a rtic ula rme nte inte re ssa nte , p o is Pio
La g hi b a sic a me nte a firma nã o te r a g id o a título p e sso a l, c o m se u tra b a lho te nd o
sid o a p ro va d o p e la Sa nta Sé . O c a so La g hi e xe mp lific a b e m o p a p e l d a Sa nta Sé
na histó ria re c e nte d e to rtura s e ma ssa c re s na Arg e ntina . E é e mb le má tic a
ta mb é m e m ra zã o d a d ific uld a d e d e a ná lise d o s fa to s re c e nte s.
O C hile

Ma is o u me no s na me sma é p o c a , uma re la ç ã o ig ua lme nte c o rd ia l


lig a va o núnc io a p o stó lic o no C hile , mo nse nho r Âng e lo So d a no , no me a d o e m
1977, e o d ita d o r Aug usto Pino c he t, a lç a d o a o p o d e r no g o lp e milita r d e 1973,
q ue , a liá s, se mp re o ste nto u se u c a to lic ismo .
So d a no , futuro c a rd e a l e se c re tá rio d e Esta d o d o Va tic a no , c he g o u a
d e c la ra r a re sp e ito d o re g ime c hile no : "Até a s o b ra s-p rima s tê m a lg uma s má c ula s.
C o nvid o vo c ê s a nã o se d e te re m ne la s e a o b se rva re m o c o njunto , q ue é
ma ra vilho so ."5
Me no s c o rd ia is e ra m a s re la ç õ e s e ntre a nunc ia tura e o a rc e b isp o d e
Sa ntia g o , Ra ul Silva He nriq ue z, d e c id id o o p o sito r a o re g ime , c ujo s p o sic io na me nto s
p úb lic o s a ntid ita d ura p o r vá ria s ve ze s irrita ra m o s a mb ie nte s d ip lo má tic o s
va tic a no s.6
Em a b ril d e 1987, o p a p a Jo ã o Pa ulo II, d ura nte via g e m à Amé ric a
La tina , visito u o C hile e e nc o ntro u o d ita d o r Pino c he t. A visita fo i fruto d o e mp e nho
c o njunto d e So d a no e d a O p us De i, o rg a niza ç ã o à q ua l p e rte nc ia m ta nto o a tua l
p o rta -vo z d o Va tic a no , Jo a q uín Na va rro Va lls, q ua nto ministro s d o g o ve rno
c hile no , c o mo Fra nc isc o Ja vie r C ua d ra .
O p o ntífic e visito u o p a lá c io p re sid e nc ia l (um a fo to q ue fic o u na histó ria
re tra ta Wo ityla e Pino c he t c ump rime nta nd o a multid ã o la d o a la d o , na sa c a d a d o
La Mo ne d a ), ma s nã o a se d e d a Vic a ria d e Ia So lid a rid a d , e strutura d a d io c e se d e
Sa ntia g o utiliza d a p a ra a ssistir à s vítima s d a re p re ssã o , limita nd o -se a c ump rime nta r
se us d irig e nte s d o la d o d e fo ra .
A c he g a d a d o p a p a re uniu uma multid ã o d e d e ze na s d e milha re s d e
p e sso a s. Ma s muito s e ra m c a tó lic o s vind o s p a ra p ro te sta r c o ntra o q ue p a re c ia um
a va l d a Ig re ja à d ita d ura c hile na e p a ra d e nunc ia r p ub lic a me nte o s c rime s d o
re g ime . Na me sma no ite d a visita a o p a lá c io , o s c o nfro nto s e ntre p o lic ia is e
ma nife sta nte s le va ra m à mo rte d e um d e ste s.
Jo ã o Pa ulo II visito u vá rio s lug a re s no C hile ; e nc o ntro u-se com
re p re se nta nte s d a o p o siç ã o , inc lusive p re so s p o lític o s q ue a ind a tra zia m no c o rp o
a s ma rc a s d o s ma us-tra to s so frid o s; e fe z vá rio s d isc urso s p úb lic o s. O p a p a , p o r um
la d o , c o nvid o u Pino c he t a re sp e ita r o s d ire ito s huma no s e d e c la ro u q ue a d ita d ura
e ra "um e ve nto tra nsitó rio ". Po r o utro , c o nd e no u a ing e rê nc ia d a c o munid a d e
inte rna c io na l no s a ssunto s inte rno s d e um Esta d o so b e ra no e p e d iu q ue o s
o p o sito re s a o re g ime nã o re c o rre sse m nunc a , p o r ne nhuma ra zã o , à luta a rma d a .
Se o c o mp o rta me nto d a Ig re ja e m re la ç ã o a o re g ime milita r c hile no , d e
a lg um mo d o , p o d ia se r e nte nd id o c o mo "ra zã o d e Esta d o ", me no s c o mp re e nsíve is
sã o o utra s d e mo nstra ç õ e s d e a p o io à p e sso a d e Aug usto Pino c he t, m e smo d e p o is
d a q ue d a d a d ita d ura .
"Vinte a no s d e p o is d o g o lp e ", e sc re ve G ia nni Pe rre lli no L'Esp re sso d e 10
d e d e ze mb ro d e 1998, "a le g itima ç ã o ma is c a lo ro sa a o d ita d o r Aug usto Pino c he t
c he g o u d a s sa la s d o Va tic a no . Em 18 d e fe ve re iro d e 1993: a muito p a rtic ula r
o c a siã o d e sua s b o d a s d e o uro fo i c o m e m o ra d a c o m d ua s c a rta s e m e sp a nho l,
e sc rita s d e p ró p rio p unho , q ue e xp re ssa va m a miza d e e e stima e tra zia m na p a rte
d e b a ixo a a ssina tura d o p a p a Wo ityla e d o se c re tá rio d e Esta d o Âng e lo So d a no .
Ao g e ne ra l Aug usto Pino c he t Ug a rte e à sua d ig níssima e sp o sa , se nho ra Lúc ia
Hiria rd e Pino c he t, p o r o c a siã o d e sua s b o d a s d e o uro e e m sina l d a s a b und a nte s
g ra ç a s d ivina s', e sc re ve o p o ntífic e , se m c o nstra ng ime nto . 'É c o m g ra nd e p ra ze r
q ue c o nc e d o , ta mb é m a se us filho s e ne to s, uma b ê nç ã o a p o stó lic a e sp e c ia l.
Jo ã o Pa ulo II? ' Aind a ma is c a lo ro sa fo i a me nsa g e m d e So d a no . "O c a rd e a l
e sc re ve q ue re c e b e u d o p o ntífic e 'a ta re fa d e e nvia r à Sua Exc e lê nc ia e à sua
d ig níssima e sp o sa o a utó g ra fo p o ntifíc io , a q ui inc luíd o , e m sina l d e e sp e c ia l
b e ne vo lê nc ia . E a c re sc e nta : 'Sua Sa ntid a d e g ua rd a a c o mo vid a le mb ra nç a d e
se u e nc o ntro c o m o s me mb ro s d e sua fa mília p o r o c a siã o d a e xtra o rd iná ria visita
p a sto ra l a o C hile .' E c o nc lui a firma nd o a o se nho r g e ne ra l a e xp re ssã o d e minha
ma is a lta e d istinta c o nsid e ra ç ã o ? '
Aind a e m 1998, q ua nd o a ma g istra tura e sp a nho la p e d iu a e xtra d iç ã o d e
Pino c he t, a c usa d o d o ho mic íd io d e c id a d ã o s e sp a nhó is, a Se c re ta ria d e Esta d o
va tic a na se o p ô s à e xtra d iç ã o p o r "ra zõ e s huma nitá ria s", p ro vo c a nd o p ro te sto s
no s c írc ulo s c a tó lic o s p ro g re ssista s.
A Te o lo g ia d a Lib e rta ç ã o
Ne m to d a a Ig re ja C a tó lic a c o nc o rd a va com a s d ita d ura s sul-
a me ric a na s. Ao c o ntrá rio . Em 1968, d ura nte uma c o nfe rê nc ia e p isc o p a l na
Amé ric a d o Sul, na sc e u uma c o rre nte d e p e nsa me nto d e no mina d a "Te o lo g ia d a
Lib e rta ç ã o ". Alg uns a lto s e xp o e nte s d a hie ra rq uia e c le siá stic a a ssumira m uma
p o siç ã o d e c id id a a fa vo r d o s e xtra to s m a is d e sfa vo re c id o s d a so c ie d a d e la tino -
a me ric a na e d e sua luta . No Bra sil, a Te o lo g ia te ve o a p o io d o c a rd e a l d e Sã o
Pa ulo , Pa ulo Eva risto Arns, e d o b isp o He ld e r P. C â ma ra .
Na Nic a rá g ua , vá rio s sa c e rd o te s e le ig o s c a tó lic o s p a rtic ip a ra m d a luta
a rm a d a c o ntra a d ita d ura d e So m o za , e , e m se g uid a , sa c e rd o te s c o m o Erne sto
C a rd e na l e Mig ue l D'Esc o to c he g a ra m a fa ze r p a rte d o g o ve rno sa nd inista . Ma s a
te rc e ira re uniã o d a c o nfe rê nc ia e p isc o p a l, q ue a c o nte c e u e m Pue b la , no Mé xic o ,
e m 1979, p re se nc io u a e me rg ê nc ia d e uma fo rte o p o siç ã o à s te se s d a Te o lo g ia d a
Lib e rta ç ã o , le va d a a d ia nte p e lo s se to re s c o nse rva d o re s. Essa o p o siç ã o fo i
re fo rç a d a no s a no s 1980, g ra ç a s a o a p o io d o p o ntífic e Jo ã o Pa ulo II. O s p rinc ip a is
a rtífic e s d a Te o lo g ia da Lib e rta ç ã o fo ra m p ro g re ssiva me nte a fa sta d o s d a s
c a ma d a s hie rá rq uic a s sup e rio re s e se u c a mp o d e a ç ã o , a o s p o uc o s, fo i se nd o
re d uzid o .
O p a p a Be nto XVI ta mb é m se p ro nunc io u vá ria s ve ze s c o ntra a Te o lo g ia
d a Lib e rta ç ã o , e m e sp e c ia l no c o nfro nto c o m um d e se us ma is a c irra d o s
d e fe nso re s, o p a d re fra nc isc a no Le o na rd o Bo ff.
Em 6 d e a g o sto d e 1984, o e ntã o c a rd e a l Ra tzing e r e sc re ve u o p rime iro
d o c um e nto va tic a no "So b re a lg uns a sp e c to s d a Te o lo g ia d a Lib e rta ç ã o ".
Po uc o s d ia s d e p o is, e m 7 d e se te m b ro , te ve se u p rim e iro e nc o ntro c o m
Le o na rd o Bo ff, c o nvo c a d o p e lo Va tic a no p a ra um a "re uniã o " no g a b ine te d a
C o ng re g a ç ã o p a ra a De fe sa d a Fé . Dura nte a "c o nve rsa ", o c a rd e a l Ra tzing e r e o
fre i Bo ff fa la ra m d e "a lg uns p ro b le ma s surg id o s d a le itura d o livro Ig re ja : c a risma e
p o de r", p a ra "d a r a o fre i Bo ff a o p o rtunid a d e d e e sc la re c e r a lg uns a sp e c to s d o
livro q ue susc ita ra m d ific uld a d e ". Ma s no a no se g uinte , e m 20 d e ma rç o d e 1985,
uma "no tific a ç ã o " d a me sma C o ng re g a ç ã o , a ssina d a p e lo c a rd e a l Jo se p h
Ra tzing e r e a p ro va d a p e lo p a p a Wo ityla , a firmo u q ue o livro c o ntinha "o p ç õ e s
q ue c o lo c a va m e m p e rig o a re a l d o utrina d a fé ". Fo i imp o sto a o te ó lo g o
fra nc isc a no um a no d e silê nc io .
Alg uns d ia s d e p o is, Ra tzing e r, re fe rind o -se a Bo ff p a ra a lg uns jo rna lista s,
a firmo u c o mb a te r sua te se . Bo ff la rg a ria a b a tina .7
A Ig re ja e o s ne g ó c io s

A Sa nta Sé to rno u-se uma p o tê nc ia fina nc e ira q ue a d ministra fo rtuna s


tã o c o lo ssa is q ua nto d isc re ta s na e c o no mia mund ia l.
C o m o s Pa c to s d e La trã o d e 1929, e ntre o g o ve rno d o Duc e e a Sa nta
Sé , re so lve u-se o c o nte nc io so c o m o Esta d o ita lia no p e la a ne xa ç ã o d o s te rritó rio s
a nte s suje ito s a o Esta d o Po ntifíc io .
O a c o rd o fina nc e iro liq uid a va a s p e nd ê nc ia s e c o nô mic a s e ntre a s d ua s
p a rte s me d ia nte um c o nsp íc uo p a g a me nto fe ito p e lo g o ve rno ita lia no e a c e ssã o
d e uma b o a q ua ntid a d e d e a ç õ e s, a título d e ind e niza ç ã o p e lo s d a no s c a usa d o s
à Sa nta Sé c o m a a ne xa ç ã o d o s a ntig o s Esta d o s Po ntifíc io s à Itá lia e a
c o nse q üe nte liq uid a ç ã o d e g ra nd e p a rte d o s b e ns p a trimo nia is e c le siá stic o s.
Na o c a siã o , o Esta d o g a ra ntiu a o Va tic a no um sub síd io a nua l d e
3.250.000 lira s.
Po uc o d e p o is, o Esta d o ita lia no re c o nhe c e u a o Esta d o Va tic a no uma
ulte rio r ind e niza ç ã o una ta ntum d e um b ilhã o e 750 milhõ e s d e lira s d a é p o c a ,
e ntre d inhe iro e título s.
Pa ra a d ministra r e sse im e nso p a trim ô nio , a Sa nta Sé c o nfio u e m um le ig o ,
Be rna rd ino No g a ra , e x-vic e -p re sid e nte d o Ba nc o C o me rc ia l Ita lia no , q ue a c e ito u
so b a c o nd iç ã o d e te r to ta l lib e rd a d e p a ra inve stir e m to d o s o s lug a re s d o mund o
e d e to d a s a s ma ne ira s q ue c o nsid e ra sse o p o rtuna s, d e fo rma "c o mp le ta me nte
livre d e q ua lq ue r c o nsid e ra ç ã o re lig io sa o u d o utriná ria ".8
Atua lme nte , a C id a d e d o Va tic a no te m trê s instituiç õ e s fina nc e ira s: a
"Ap sa ", q ue func io na c o mo b a nc o c e ntra l; o "Ministé rio d a Ec o no mia "; e o "Io r".
O Io r (Instituto d e O b ra s Re lig io sa s) é o b a nc o d o p a p a (o p a p a é se u
únic o a c io nista ) e é c o m p le ta m e nte ind e p e nd e nte , p o is nã o te m
re sp o nsa b ilid a d e p a ra com o s o utro s d o is instituto s. Te m trê s c o nse lho s
a d ministra tivo s: o p rime iro é c o nstituíd o p o r c a rd e a is d e a lto níve l; o se g und o , p o r
b a nq ue iro s inte rna c io na is q ue c o la b o ra m c o m func io ná rio s d o b a nc o va tic a no ; e
o te rc e iro e último é fo rm a d o p o r um c o nse lho d e a d ministra ç ã o q ue c uid a d o s
ne g ó c io s d o d ia -a -d ia .
De sd e se u na sc ime nto , o Io r e ste ve no c e ntro d e g ra nd e s p o lê mic a s
a lime nta d a s ta mb é m p e la e xc e ssiva c o nfid e nc ia lid a d e d e se us ne g ó c io s. Existe m
d o c ume nto s, ta nto na Ale ma nha q ua nd o no s Esta d o s Unid o s, q ue p a re c e m
d e mo nstra r a s tra nsfe rê nc ia s d e fund o s na zista s d o Re ic hsb a nk e d e b a nc o s suíç o s
c o ntro la d o s p e lo s na zista s p a ra o Io r.
O Io r p o d e ria se r um d o s ma io re s c úmp lic e s d o d e sa p a re c ime nto d o
te so uro d a C ro á c ia ind e p e nd e nte (um Esta d o -fa nto c he a le mã o ), a va lia d o e m
c e rc a d e 200 milhõ e s d e d ó la re s e m 1945. O s na zista s c ro a ta s, o s usta sa s, e ra m
na c io na lista s fe rre nho s c o m um ó d io inc a lc ulá ve l p e lo s se rvo s c ristã o s o rto d o xo s, a
p o nto d e ma ta r ma is d e q uinhe nto s mil d e le s junto c o m d e ze na s d e milha re s d e
jud e us e c ig a no s.
Q ua nd o , e m 1945, o d ita d o r Ante Pa ve lic fug iu, junto c o m se u g a b ine te
e q uinhe nto s re lig io so s c a tó lic o s, e nc o ntro u re fúg io e m Ro ma , o nd e vive u p o r trê s
a no s e sc o nd id o no C o lle g io d i Sa n G iro la mo d e g li Illiric i. Le vo u c o nsig o o o uro , a s
jó ia s e o s título s ro ub a d o s d a s vítima s. O Va tic a no , e ntã o , a jud o u-o a fug ir p a ra a
Arg e ntina , e m 1949, ve stid o c o m ro up a s d e p a d re e munid o d e um p a ssa p o rte
vá lid o .
C o m a me sma , mo b ilid a d e , a Sa nta Sé a jud o u na fug a d e d uze nta s
usta sa s e c inc o mil c rimino so s na zista s, a a risto c ra c ia d o c rime , d e ntre o s q ua is
e sta va o Dr. Me ng e le , Wa lte r Ra uff, Ad o lf Eic hma nn, Eric k Prie b ke e Fra nz Sta ng l.
No c o ma nd o d a o rg a niza ç ã o d e so c o rro d o Va tic a no , q ue o s a lia d o s
c ha ma ra m d e "ra t line ", c a minho d o s ra to s, e sta va m Dra g a no vic , m o nse nho r e e x-
c o ro ne l usta sa ; e o b isp o Alo is Hud a l, titula r d a ig re ja d e Sa nta Ma ria d a s Alma s e m
Ro ma e ho me m d e c o nfia nç a d o p a p a Pa c e lli. As me mó ria s d e Hud a l, p ub lic a d a s
e m a le mã o a p ó s sua mo rte , re p re se nta m a ma is d e ta lha d a d o c um e nta ç ã o d o
c a minho d o s ra to s: "Tra b a lho re a liza d o p e lo Va tic a no ", c o m o e le a firma .
Em 1998, o De p a rta me nto d e Esta d o a me ric a no ind ic o u, no re la tó rio
c o nhe c id o c o mo "O d e stino d o te so uro d o s usta sa s", o Va tic a no c o mo p o ssíve l
lo c a l o nd e p ro c ura r a s re sp o sta s. A Se c re ta ria d e Esta d o va tic a na , e ntã o d irig id a
p e lo c a rd e a l So d a no , o p ô s-se ve e me nte me nte a to rna r p úb lic o s o s a rq uivo s
re la tivo s à Se g und a G ue rra Mund ia l e e nvio u a o g o ve rno a me ric a no uma no ta
d ip lo má tic a e m q ue lhe p e d ia p a ra p re ssio na r a Justiç a p a ra a rq uiva r o c a so . O
De p a rta me nto d e Esta d o se re c uso u, e a q ue stã o a ind a e sp e ra uma d e c isã o .
Em 1968, d e z a no s d e p o is d a mo rte d o e ng e nhe iro Be rna rd ino No g a ra ,
no me a d o p e lo p a p a c o mo a d ministra d o r e sp e c ia l d a Sa nta Sé , e q ua re nta a no s
d e p o is d o s Pa c to s d e La trã o , a s vá ria s p a rtic ip a ç õ e s d o Va tic a no na ind ústria , na s
fina nç a s e no s se rviç o s fo ra m e stima d a s e m o ito b ilhõ e s d e d ó la re s.
De p o is d e No g a ra , o Va tic a no re c o rre u a o s se rviç o s d e Sind o na , e ,
q ua nd o e ste nã o fo i ma is c o nfiá ve l, a o s d e Ro b e rto C a lvi. Se ria p re c iso e sp e ra r a
fa lê nc ia d o Ba nc o Amb ro sia no , a p ó s a mo rte d e C a lvi, p a ra d e sc o b rir o
g ig a nte sc o e nvo lvime nto d o Va tic a no no s ne g ó c io s ilíc ito s o p e ra d o s p o r Sind o na
e C a lvi.
Ro b e rto C a lvi se to rna ra p re sid e nte d o Ba nc o Am b ro sia no e m 1975. Era
a p e lid a d o d e "Ba nq ue iro d e De us", p o r sua p ro ximid a d e c o m o Io r d e Pa ul
Ma rc inkus.
C a lvi c rio u uma re d e d e e strutura s a d ho c fo rma d a p o r filia is o ff-sho re
na s Ba ha m a s, um a ho lding e m Luxe mb urg o , e mp re sa s-p ira ta na Amé ric a C e ntra l
e c o fre s na Suíç a . Ao lo ng o d o s a no s, c rio u um im p é rio q ue se d e se nvo lve u
e xtra o rd ina ria me nte e q ue se to rno u p o nto c e ntra l nã o só d e la va g e m d e d inhe iro
d o c rim e o rg a niza d o , c o mo d e o p e ra ç õ e s inte rna c io na is d e vá rio s g ê ne ro s: d o
trá fic o d e a rma s p a ra a G ue rra d a s Ma lvina s e a p o io à d ita d ura d e So mo za a o
fina nc ia me nto d o sind ic a to c a tó lic o p o lo nê s So lid a rie d a d e . Q ua nd o a p o siç ã o d o
"Ba nq ue iro d e De us" fic o u insuste ntá ve l, o Io r e a O p us De i se re tira ra m , tira nd o -lhe
q ua lq ue r a p o io . C a lvi fo i p re so e , a p ó s a so ltura , fug iu p a ra Lo nd re s e m b usc a d e
a mp a ro inte rna c io na l e a me a ç o u d ivulg a r d o c ume nto s b o mb á stic o s e m se u
p o d e r.
Em 17 d e junho d e 1982, fo i e nc o ntra d o mo rto e nfo rc a d o so b a p o nte d e
Bla c k Fria rs, e m Lo nd re s. A p o líc ia ing le sa a rq uivo u o c a so c o mo "suic íd io ". Ap e na s
e m 1988, d ura nte um p ro c e sso c ivil, o trib una l ita lia no d e c la ro u sua mo rte c o mo
ho mic íd io , a p ó s a s a na lise s ra d io g rá fic a s d o c a d á ve r te re m mo stra d o a usê nc ia
d a s le sõ e s ó sse a s na re g iã o c e rvic a l muito p ro vá ve is e m c a so d e mo rte p o r
e nfo rc a me nto , e m ra zã o d o c o ntra g o lp e d a d o q ua nd o a c o rd a se e stic a . Alé m
d isso , o e xa me d a s unha s e d a s mã o s d e C a lvi c o mp ro va ra m q ue e le nunc a
e nc o sto u no s tijo lo s e nc o ntra d o s e m se us b o lso s o u na e strutura q ue suste nta a
p o nte d e Bla c k Fria rs. Po rta nto , o b a nq ue iro fo i a ssa ssina d o (a o q ue tud o ind ic a , a
100 me tro s d a p o nte , e m um c a nte iro d e o b ra s), e d e p o is fo i e nc e na d o se u
"suic íd io ".
O p ro c e sso p e na l a ind a nã o te rmino u.
A se c re tá ria p e sso a l d e C a lvi mo rre u 12 ho ra s d e p o is d e le , "jo g a nd o -se "
d a ja ne la d e se u e sc ritó rio no Ba nc o Amb ro sia no . Mic he le Sind o na (me nto r d e
C a lvi), a p ó s e nc e na r o p ró p rio se q üe stro , fo i p re so e mo rre u na c a d e ia e m 1986,
a p ó s to ma r um c a fé c o m a rsê nic o . Sind o na , e m um ina c re d itá ve l d o ssiê d e 27
vo lume s re d ig id o p e lo FBI, a p a re c e re p e tid a s ve ze s lig a d o a o Va tic a no .
O b isp o Pa ulo Hnilic a , q ue ta mb é m p e rte nc ia a o Io r, fo i p re so a p ó s
te nta r c o mp ra r o c o nte úd o d a ma le ta d e sa p a re c id a d e C a lvi.
Ma rc inkus invo c o u c o m suc e sso a imunid a d e d ip lo má tic a e a c a b o u se
to rna nd o c he fe d a se g ura nç a e b ra ç o -d ire ito d e Jo ã o Pa ulo II a p ó s a mo rte
p re ma tura d e Jo ã o Pa ulo I. Ele a tua lme nte é p á ro c o e m Pho e nix, no Arizo na .
O e sc rito r inve stig a tivo Da vid Ya llo p , e m se u livro In G o d s Na me (Em
no me d e De us), fo rmulo u a hip ó te se d e q ue Jo ã o Pa ulo I te nha sid o e nve ne na d o
(a Sa nta Sé nã o a uto rizo u a a utó p sia ) ta mb é m p o r se u e mp e nho e m fe c ha r o u
limp a r o Ba nc o d o Va tic a no .
O e sc â nda lo da pe do filia

O siste ma se c re to q ue p ro te g e o s c rim e s se xua is d o s e c le siá stic o s


re mo nta p e lo me no s a o iníc io d o sé c ulo XVII, q ua nd o o fund a d o r d a o rd e m d o s
Pia rista s, p a d re Jo se p h C a la sa nz, p ro ib iu q ue a s vio lê nc ia s se xua is p ra tic a d a s p o r
se us sa c e rd o te s c o ntra c ria nç a s fo sse m d ivulg a d a s a o p úb lic o . E e sse siste m a ,
a p ro va d o p o r sé c ulo s e va lo riza d o p o r to d o s o s p a p a s, e stá d e sd e e ntã o na b a se
d o e sc â nd a lo d a s última s d é c a d a s.
Só o me d o , a a rro g â nc ia e ta lve z o se nso d e imp unid a d e d a hie ra rq uia
va tic a na p o d e m e xp lic a r c a so s c o mo o d ó p a d re Mic ha e l Ba ke r, q ue , e m 1985,
c o nfe sso u e sp o nta ne a me nte ao e ntã o a rc e b isp o Ma ho ny q ue mo le sta va
c ria nç a s. A re sp o sta fo i c a la r a to d o s, a fa stá -lo d e sua p a ró q uia , p ro ib ir q ua lq ue r
c o nta to se u c o m c ria nç a s e sub me tê -lo a uma sé rie d e se ssõ e s c o m p siq uia tra s e
p sic ó lo g o s, o q ue nã o o im p e d iu d e c o ntinua r c o m se us há b ito s.
Existe m , p e lo me no s, d e z c a so s d o c ume nta d o s d e c ria nç a s g ra ve me nte
vio le nta d a s p o r e le a p ó s sua "re a b ilita ç ã o " e , c o m c e rte za , e sse núme ro é b e m
ma io r, te nd o e m vista o p ud o r e a ve rg o nha q ue imp e d ira m muita s vítima s d e
se g uir a d ia nte . Fo i p re c iso e sp e ra r a té 2000, 15 a no s a p ó s sua c o nfissã o , p a ra q ue
e le fina lme nte fo sse d e stituíd o d a c o nd iç ã o d e p a d re e e xp ulso d a Ig re ja .
E e ste é a p e na s um e xe mp lo . Em muito s c a so s, a vio lê nc ia nã o se limita
à s c ria nç a s, a ting ind o ta mb é m mulhe re s (m e no re s o u ma io re s d e id a d e ) e fre ira s.
A Ig re ja se mp re te nto u imp o r o silê nc io e a b a fa r o s e sc â nd a lo s,
tra nsfe rind o o s p a d re s inc rimina d o s p a ra o utra s d io c e se s e , no s c a so s ma is g ra ve s,
o fe re c e nd o ind e niza ç õ e s e m d inhe iro (p a re c e q ue o p rime iro c a so d a ta d e 1935).
C o m o fund o d e c o mp e nsa ç ã o d e 120 milhõ e s d e d ó la re s a nunc ia d o
p e la d io c e se d e C o ving to n, no Ke ntuc ky, e m junho d e 2005, d e 1950 a té ho je , a
Ig re ja C a tó lic a a me ric a na já p a g o u 1,06 b ilhã o de d ó la re s a título de
re ssa rc ime nto a ma is d e 11.500 vítima s d e p a d re s p e d ó filo s.
No s último s trê s a no s, a s d io c e se s a me ric a na s p a g a ra m p e lo s me no s 378
milhõ e s d e d ó la re s. E a q ua ntia d e ve a ume nta r, ha ja vista a s c e nte na s d e
a c usa ç õ e s a ind a p e nd e nte s.
O instituto d a s ind e niza ç õ e s a um e nta c o ntinua me nte , g ra ç a s ta mb é m
a o d e sta q ue q ue o s c a so s tive ra m na imp re nsa . Po r e xe mp lo , e m d e ze mb ro d e
2004, a d io c e se c a lifo rnia na d e O ra ng e a c e ito u p a g a r 100 milhõ e s d e d ó la re s a 87
vítima s d e a b uso s. Um a no a nte s, a a rq uid io c e se d e Bo sto n c o nc o rd o u e m p a g a r
85 milhõ e s a 552 vítima s. E o e sc â nd a lo nã o d iz re sp e ito a p e na s a o Esta d o s Unid o s;
Irla nd a , Esp a nha , Amé ric a La tina e Filip ina s sã o a lg uns d o s lug a re s d e o nd e
c he g a m d e núnc ia s q ua se d iá ria s d e vio lê nc ia se xua l d e p a d re s c o ntra me no re s.
Entre ta nto , a s a uto rid a d e s e c le siá stic a s p a re c e m nã o a p re nd e r a liç ã o .
Em 2001, e m c a rta e nvia d a a to d o s o s b isp o s c a tó lic o s, o e ntã o c a rd e a l Ra tzing e r,
a tua l p a p a Be nto XVI, o rd e no u q ue o s b isp o s inve stig a sse m se c re ta me nte , so b
p e na d e e xc o munhã o , a s a c usa ç õ e s d e a b uso s se xua is d e me no re s. O s re sulta d o s
d a s inve stig a ç õ e s c o ntinua ria m e m se g re d o a té d e z a no s a p ó s a vítima te r
a ting id o a ma io rid a d e .9
Opus De i
A O p us De i é uma o rg a niza ç ã o c a tó lic a c o m me mb ro s e m to d o s o s
p a íse s d o mund o . Aind a q ue ho je e m d ia te nha re la tiva me nte p o uc o s a d e p to s
(d e se sse nta a o ite nta mil p e sso a s), sua influê nc ia é no tá ve l.
A O p us De i ne g a se r uma o rg a niza ç ã o se c re ta (o se g re do se ria
te o ric a me nte p ro ib ido p e la Ig re ja ), ma s se re c usa a fo rne c e r a lista d e se us
me mb ro s. Te nd o a finid a d e p o lític a c o m a e xtre ma d ire ita , fo i fund a d a e m 1928
p o r um sa c e rd o te e sp a nho l, mo nse nho r Jo se ma ria Esc rivá d e Ba la g ue r, e se us
me mb ro s sã o , na ma io ria , le ig o s.
Se us a d e p to s sã o c a tó lic o s inte g ra lista s q ue p ra tic a m a a uto fla g e la ç ã o
e usa m um c ilíc io . As mulhe re s nunc a c he g a m a d e se mp e nha r p a p é is imp o rta nte s
na hie ra rq uia , e a e d uc a ç ã o d o s no vo s me mb ro s é muito ríg id a .
Se g und o e le s p ró p rio s se d e fine m , "a O p us De i te m p o r o b je tivo c o ntrib uir
com a missã o e va ng e liza d o ra da Ig re ja , p ro m o ve nd o um e stilo de vid a
p le na me nte c o e re nte c o m a fé no d ia -a -d ia d o s fié is c ristã o s d e q ua lq ue r
c o nd iç ã o , e sp e c ia lme nte a tra vé s d a sa ntific a ç ã o d o tra b a lho ".10
De fa to , a o rg a niza ç ã o é fo rma d a p o r p e rso na lid a d e s tã o p o d e ro sa s
q ua nto e sc o nd id a s q ue se infiltra m so b re tud o na míd ia e p ro p õ e m uma mud a nç a
na p e rc e p ç ã o e na o p iniã o d a s p e sso a s. O o b je tivo fina l p a re c e se r uma e sp é c ie
d e g o lp e q ue le ve re vira vo lta s à p ró p ria Sa nta Sé , já q ue fo ra m re je ita d a s a s
d e c isõ e s d o C o nc ilio Va tic a no II.
Em 1982, a O p us De i o b te ve d e Jo ã o Pa ulo II o sta tus d e p re la zia p e sso a l,
nã o e sta nd o ma is so b a jurisd iç ã o d a e strutura mund ia l d o b isp a d o . A o rg a niza ç ã o
p o d e a g ir c o mo p re fe rir, ig no ra r a s c o nte sta ç õ e s d a s d io c e se s e re sp o nd e r a p e na s
a se u líd e r, q ue ho je é o ma d rile no Xa vie r Ec he va rria , e , a tra vé s d e le , a o p a p a .
Mo nse nho r Jo se ma ria Esc rivá d e Ba la g ue r fo i b e a tific a d o e m 1992 e c a no niza d o
e m o utub ro d e 2002.
Pa ra ma io re s info rma ç õ e s so b re a a tivid a d e d a O p us De i, a c o nse lha mo s
a le itura d o livro Do la do de de ntro : uma vida na O p us De i,11 d e Ma ria C a rme n d e l
Ta p ia , se c re tá ria p a rtic ula r d e Esc rivá p o r se is a no s e o rg ulho sa o p o sito ra à sua
c a no niza ç ã o .
Ho je

Enq ua nto e sc re ve mo s, no tro no d e Pe d ro e stá o p a p a Jo se p h Ra tzing e r,


q ue a ssumiu c o m o no me d e Be nto XVI. Sua e le iç ã o nã o fo i b e m-re c e b id a p e la
a la p ro g re ssista d a Ig re ja C a tó lic a . Ra tzing e r fo i, p o r m uito s a no s, p re fe ito d a
C o ng re g a ç ã o p a ra a De fe sa d a Fé , o a ntig o Sa nto O fíc io , a nte s c o nhe c id o c o mo
Sa nta Inq uisiç ã o , e nã o é c o nhe c id o p o r sua s id é ia s p ro g re ssista s.
Po d e mo s ta mb é m p re sc ind ir de a lg uns a sp e c to s nã o muito
re c o nfo rta nte s d o p a ssa d o d o a tua l p o ntífic e , ma s a tua is sã o sua s re ite ra d a s
c rític a s à c o munhã o p a ra c a sa is c a tó lic o s d ivo rc ia d o s, a o c a sa me nto d o s p a d re s,
a o sa c e rd ó c io d a s mulhe re s, b e m c o mo a o ho mo sse xua lismo e à c o ntra c e p ç ã o .
A g ra nd e luta d a Ig re ja na Itá lia d ura nte o s re fe re nd o s so b re o d ivó rc io ,
e m 1974, e o a b o rto , e m 1981, é c o nhe c id a . Há p o uc o te mp o , ma is uma ve z e la
c o nte sto u inc a nsa ve lme nte o re fe re nd o so b re a fe c und a ç ã o a ssistid a .
Ta l c o mp o rta me nto le vo u e le va a Sa nta Sé p a ra c a d a ve z ma is lo ng e
d a vid a c o tid ia na , se ja le ig a o u c le ric a l, e e sva zia a s ig re ja s, e mb o ra a g ra nd e
m á q uina mid iá tic a d o Va tic a no c o ntinue no s mo stra nd o g ra nd e s multid õ e s a
c a d a via g e m d o p a p a p e lo m und o .
APÊNDIC ES

APÊNDIC E 1

O utro s he re g e s

G uilhe rmina d a Bo ê mia (c e rc a de 1269-1282)


G uilhe rmina , a Bo ê mia , p o r a lg uns c o nsid e ra d a filha d o re i b o ê mio
O to c a ro I Pre mysl (a ind a q ue muito s histo ria d o re s c o nte ste m e ssa p o ssib ilid a d e ),
e ra uma mulhe r muito re lig io sa q ue , c o m se u c a rism a , a tra iu vá rio s se g uid o re s,
ma is ta rd e s c ha ma d o s d e "g uilhe rmino s" (nã o c o nfund ir c o m a o rd e m ho mô nima
d o s e re mita s se g uid o re s d e Sã o G uilhe rme d e Ma la va lle ). Em 1260, to rno u-se
"o b la ta ", o u se ja , le ig a q ue mo ra va e m c o nve nto , e m C hia ra va lle (Milã o ), o nd e
p a sso u a vive r d e a c o rd o c o m o s d ita me s d o Eva ng e lho e d o a mo r c ristã o .
G uilhe rmina p a sso u a p re g a r a inutilid a d e d o s sa c ra me nto s e a re c usa a o
so frime nto c o mo via d e sa lva ç ã o . Q ua nd o mo rre u, se u c o rp o fo i se p ulta d o no
mo ste iro d e C hia ra va lle , e e m vo lta d e sua fig ura surg iu um c ulto a lime nta d o p e lo s
p ró p rio s re lig io so s.
Do is d e se us se g uid o re s, And ré a Sa ra mita e Ma nfre d a d e Piro va no ,
c he g a ra m a a firma r q ue G uilhe rmina e ra o Esp írito Sa nto e m fo rma d e mulhe r. Esse
mila g re c o rre sp o nd ia , p a ra e le s, à p ro fe c ia d o místic o c a la b rê s Jo a q uim d e Fio re ,
p a ra q ue m uma mulhe r se to rna ria p a p isa , re fo rma ria a Ig re ja e , a p ó s sua mo rte ,
ha ve ria uma a p o c a tá sta se (re c o nc ilia ç ã o e sa lva ç ã o d e to d a a c ria ç ã o ), q ue
lib e rta ria to d a a huma nid a d e , inc lusive o s jud e us e muç ulma no s.1
A a d o ra ç ã o a G uilhe rmina p a sso u a se r muito p o p ula r e c o me ç o u-se a
fa la r a té d e sa ntific a ç ã o . Ma nfre d a so nha va e m re c e b e r sua he ra nç a e to rna r-se
"p a p isa ", ma s se e sq ue c e u d a Inq uisiç ã o . Em 1300, o s inq uisid o re s a rra nc a ra m a
c o nfissã o d e a lg uns se g uid o re s, q ue te ste munha ra m c o ntra e la , a c usa d a d e
c e le b ra r uma missa so le ne no d ia d e Pá sc o a d a q ue le a no . O s inq uisid o re s
o rd e na ra m q ue G uilhe rmina fo sse d e c la ra d a he re g e p o st-mo rte m e q ue se us
re sto s mo rta is e ima g e ns fo sse m q ue ima d o s. No me smo a no e m q ue se u c o rp o fo i
e xuma d o e e ntre g ue à s c ha ma s, And ré a Sa ra mita e Ma nfre d a d e Piro va no
mo rre ra m na fo g ue ira .
O s a po stó lic o s

Era m se g uid o re s de G e ra ld o Se g a le llo de Pa rma (1240-1300,


a p ro xima d a me nte ). Este , c o mo Sã o Fra nc isc o a no s a nte s, re nunc io u a to d o s o s
b e ns e , a p ó s se r re je ita d o p e la O rd e m Fra nc isc a na , c o me ç o u a p re g a r so zinho p o r
vo lta d o a no 1260. Em p o uc o te mp o , um a mp lo mo vime nto se fo rm o u a o se u
re d o r (d o q ua l e le , no e nta nto , nunc a q uis se r c ha ma d o d e "líd e r") e se d ifund iu
nã o só na Itá lia se te ntrio na l e c e ntra l, má s ta mb é m na Da lm á c ia , Áustria , Fra nç a ,
Ale ma nha e Ing la te rra .2
O s a p o stó lic o s te nd ia m a se o rg a niza r e m c o m unid a d e : p o vo a d o s o nd e
tra b a lha va m e p o ssuía m a te rra c o le tiva me nte , c o nstituind o re se rva s c o muns d e
a lime nto s e o utro s b e ns, a s c ha ma d a s "c re d ê nc ia s".
C o mo o s fra nc isc a no s, p ra tic a va m a p o b re za e p re g a va m e m q ua lq ue r
lug a r: na s p ra ç a s, na s rua s, ma s ta mb é m na s ig re ja s c e d id a s p o r e c le siá stic o s
simp a tiza nte s. Ao c o ntrá rio d o s p rime iro s, no e nta nto , c o nte sta va m o d ízimo
(p a g a me nto o b rig a tó rio q ue o s fié is d e via m p a g a r à Ig re ja e q ue o ne ra va m
b a sta nte a re nd a d o s c a mp o ne se s p o b re s) e o p o d e r d o c le ro , c o nsid e ra va m a
Ig re ja d e Ro ma irre me d ia ve lme nte p ro fa na d a , p ra tic a va m o b a tism o d o s a d ulto s,
nã o jura va m ne m p re g a va m a so lid ã o .3 Alé m d isso , d e c la ra va m q ue e ra me lho r
vive r se m vo to s d o q ue p re g á -lo s a p e na s d e ma ne ira fo rma l.4
De ntre o s se g uid o re s d e Se g a le llo , e sta va m vá ria s mulhe re s, q ue
a ssumia m o p o sto d e "irmã s" d o s a p o stó lic o s o u, a té me smo , "p ro fe tisa s".
Ane d o ta s e le nd a s d a s ma is va ria d a s surg ira m e m to rno d o s fe ito s d e
Se g a le llo e d e se us se g uid o re s, e ho je é p ra tic a me nte imp o ssíve l d ife re nc ia r o q ue
é ve rd a d e iro d o q ue é fa lso . Pa ra o p o vo , Se g a le llo e ra um sa nto q ue re a liza va
mila g re s, um "Fra nc isc o re ssusc ita d o ", c a p a z d e c a minha r so b re a s á g ua s c o mo
Sã o Pe d ro . Pa ra se us d e tra to re s, c o mo o fra nc isc a no Sa limb e ne d e Pa rma ,'e ra
a p e na s um le ig o d e me ra s o rig e ns c a mp o ne se s, um "ile tra d o ", um "id io ta ", e se us
se g uid o re s na d a ma is e ra m q ue "p a sto re s d e p o rc o s e b o is", "o b tuso s", "b á rb a ro s e
p a tife s". Sa limb e ne a trib uía a Se g a le llo e a se us se g uid o re s vá ria s "b urric e s": o
p ro fe ta a p o stó lic o te ria o há b ito d e d o rmir c o m uma mo ç a nua p a ra te sta r a
p ró p ria c a stid a d e e te ria ing re ssa d o na vid a p úb lic a a o a p a re c e r so b re uma
c ha rre te ma ma nd o d o s se io s d e uma se g uid o ra , c o mo se fo sse uma c ria nç a . Ma s
a s ma ssa s nã o c o nsid e ra va m a s p a la vra s d e fre i G e ra ld o tã o rud e s a ssim , já q ue o
p ró p rio Sa limb e ne fo i o b rig a d o a a d mitir q ue , na Emília , o s p re g a d o re s a p o stó lic o s
tinha m um sé q uito b e m ma io r d o q ue o s fra nc isc a no s.
Até me smo a s c ria nç a s p re g a va m, e , d e ntre e la s, ha via um ve rd a d e iro
me nino -p ro d íg io q ue , q ua nd o c o lo c a d o so b re o tro no d e uma c a te d ra l, a tra ía um
g ra nd e p úb lic o e c o nse g uia vá ria s c o nve rsõ e s. Q ua nd o p re g o u e m Fe rra ra ,
a c o nte c e u o se g uinte :
Um d ia , o fre i Bo a ve ntura p re g a va no c o nve nto d o s Fra d e s Me no re s e m
Fe rra ra e p e rc e b e u q ue a lg uns d e se us o uvinte s se le va nta ra m d e re p e nte e
sa íra m c o rre nd o . Ele fic o u muito surp re so ... Pe rg unto u, e ntã o , p o r q ue sa ía m
c o rre nd o . Aq ue le s q ue fic a ra m re sp o nd e ra m: "Po r q ue um infa nte d o s a p o stó lic o s
e stá p re g a nd o na ig re ja mã e d o b e a to Jo rg e . É lá q ue o p o vo se re úne . E é p o r
isso q ue vã o e mb o ra c o rre nd o : p a ra c o nse g uir p e g a r lug a r.5
Em 1280, na re g iã o d e Re g g io Emilia , ho uve um ve rd a d e iro le va nte
p o p ula r c o ntra o c le ro p o r c a usa d o s d ízimo s. A c ulp a p o r te r inc ita d o o p o vo
re c a iu so b re Se g a le llo e se us se g uid o re s, q ue p ro fe ria m d isc urso s c o m o se g uinte
te o r: "Ai d e vo c ê s, q ue e xig e m o d ízimo d a c o lhe ita e ne g lig e nc ia m a justiç a e a
c a rid a d e ... Ai d e vo c ê s, g uia s c e g o s, p o is d ize m e nã o fa ze m, e e xig e m o s
p rime iro s lug a re s e o s c ump rime nto s na s p ra ç a s, ma s so b re c a rre g a m o s o utro s d e
um fa rd o insup o rtá ve l no s q ua is ne m e nc o sta m um d e d o ..."
Fre i G e ra ld o fo i p re so e e nc a rc e ra d o p e lo b isp o d e Pa rma , O b izzo
Sa nvita li. Inic ia lm e nte , fo i p a ra uma c e la d o b isp a d o , d e p o is lhe fo i c o nc e d id a
uma e sp é c ie d e lib e rd a d e c o nd ic io na l d e ntro d o p a lá c io b isp a i (o b isp o se
d ive rtia o uvind o sua s p a la vra s, c o mo se fo sse um jo g ra l).
Ap ó s q ua tro a no s d e c á rc e re , fo i so lto . É p ro vá ve l q ue o b isp o o
c o nsid e ra sse um p e rso na g e m inó c uo , e nã o fo i a ve nta d a a susp e ita d e q ue o
he re g e se tive sse fe ito d e lo uc o p a ra c o nse g uir a lib e rd a d e .
Ma s a c o rd a d a e strutura e c le siá stic a se a p e rta va c a d a ve z ma is e m
vo lta d o s a p o stó lic o s. Em 1285, o p a p a Ho nó rio IV o rd e no u q ue d e p use sse m o
há b ito c a ra c te rístic o (um ma nto a c inze nta d o o rna d o d e uma c a p a b ra nc a ) e
e ntra sse m na s o rd e ns re g ula re s d a Ig re ja C a tó lic a . Po uc o s a c e ita ra m o c o nvite . O s
a p o stó lic o s fo ra m, e ntã o , e xp ulso s d a s ig re ja s d a c id a d e d e Pa rma .
Em 1290, vie ra m a s fo g ue ira s: q ua tro a p o stó lic o s, d o is ho me ns e d ua s
mulhe re s, fo ra m e xe c uta d o s e m Pa rma . O utro s o s se g uira m no s a no s se g uinte s. Em
18 d e julho d e 1300 (a no d o p rime iro jub ile u d a Ig re ja C a tó lic a ), o p ró p rio G e ra ld o
Se g a le llo fo i q ue ima d o na fo g ue ira .
Be g uina s e b e g a rdo s

As b e g uina s e ra m p re va le nte me nte mulhe re s le ig a s c a ra c te riza d a s p o r


um fo rte e sp írito re lig io so . Me sm o nã o se nd o a filia d a s a ne nhuma o rd e m
re c o nhe c id a , le va va m uma vid a mo ná stic a e m sua s re sid ê nc ia s na s p e rife ria s d a s
c id a d e s e c ria ra m ve rd a d e ira s c o m unid a d e s, a s "b e g uina ria s". A p rim e ira surg iu
e m 1170, e m Liè g e , e sp a lha nd o -se e ntã o p o r to d a a Fra nç a , Ale m a nha e Pa íse s
Ba ixo s. É p ro vá ve l q ue o p rime iro núc le o fo sse fo rma d o p o r mulhe re s d e e xtra to s
so c ia is ma is b a ixo s re je ita d a s p e lo s c o nve nto s, o nd e tinha m p rio rid a d e a s no viç a s
d e fa mília no b re . O rie nta d a s p o r a lg uns re lig io so s, a s mulhe re s p o b re s c ria ra m ,
e ntã o , uma "o rd e m fa ç a -vo c ê -me smo " q ue ac abou p o r se to rna r uma
c o munid a d e d e d ic a d a a le va r suste nto e c a rid a d e a o utra s mulhe re s so zinha s nã o
a c e ita s no s c o nve nto s. C o m o nã o e ra m fre ira s, a s b e g uina s p o d ia m vo lta r à s sua s
vid a s no rm a is a q ua lq ue r mo me nto . Alé m d isso , nã o p e d ia m e smo la s; c uid a va m
d e sua s p ro p rie d a d e s o u tra b a lha va m.
O s b e g a rd o s, a o c o ntrá rio , e ra m um g rup o d e p re g a d o re s e rra nte s q ue
d e nunc ia va m a s c o rrup ç õ e s d o c le ro e p re g a va m uma vid a fie l a o Eva ng e lho e à
e xp e riê nc ia d o s p rime iro s a p ó sto lo s. A a uto no mia d o mo vime nto fo i vista c o m
g ra nd e p re o c up a ç ã o p o r p a rte d a s a uto rid a d e s e c le siá stic a s, e m e sp e c ia l d e p o is
q ue se a lia ra m a o s Irmã o s d o Esp írito Livre e a o s Fra nc isc a no s Esp iritua is.6
O s inq uisid o re s d e ixa ra m d e d isting uir e ntre o s g rup o s, a p e sa r d e uma
p rim e ira te nta tiva d e se p a ra r o s "b o ns" d o s "ma us". C le me nte V, p rime iro , e Jo ã o
XXII, p o ste rio rme nte , p e rse g uira m-no s e o s c o nd e na ra m e m um únic o p ro c e sso
c o mo he re g e s a p a rtir d e 1311. Muito s te rmina ra m na fo g ue ira , ho me ns e
mulhe re s.
Jo hn Wyc liffe e o s lo la rdo s

Jo hn Wyc liffe (1324-1383), te ó lo g o e e c le siá stic o , fo i o p re c urso r ing lê s d a


Re fo rma Pro te sta nte . C o nd e no u a riq ue za d o c le ro e d e fe nd e u a a b o liç ã o d o
d ízimo : p a ra e le , a Ig re ja d e ve ria se ma nte r c o m a s d o a ç õ e s vo luntá ria s. Ta mb é m
d e fe nd ia uma e sp é c ie d e sa c e rd ó c io unive rsa l d o s "e le ito s", p a ssa nd o p o r c ima d a
hie ra rq uia c a tó lic a , e re p ud ia va a p rá tic a d a s ind ulg ê nc ia s, a a d o ra ç ã o a o s
sa nto s e à s re líq uia s, e a p e re g rina ç ã o . Wyc liffe ta mb é m c o nte sto u a lg uns
sa c ra me nto s, e m e sp e c ia l a c risma e a e uc a ristia , p o r re futa r o c o nc e ito d e
tra nsub sta nc ia ç ã o . Em se us último s a no s d e vid a , tra d uziu p a ra a líng ua ve rná c ula
vá ria s p a ssa g e ns d a s Esc ritura s. Se us e sc rito s insp ira ra m um mo vime nto de
p re g a d o re s itine ra nte s, o s lo la rd o s.7 Este s tive ra m o a p o io d o re i Ric a rd o II e d e
b o a p a rte d a no b re za ing le sa . C o nse g uira m a té a p re se nta r uma p ro p o sta d e
re fo rma d a Ig re ja na Ing la te rra .
C o m He nriq ue IV, a s c o isa s mud a ra m d ra stic a me nte : o re i, te nd o c a íd o
na s g ra ç a s d a Ig re ja C a tó lic a , d e u iníc io a uma ve rd a d e ira p e rse g uiç ã o b a se a d a
no De He re tic u C o mb ure nd o (So b re q ue ima r he re g e s), q ue p e rmitia q ue o s b isp o s
to rtura sse m e q ue ima sse m a q ue le s q ue fo sse m c o nsid e ra d o s he re g e s. Em 1409, p o r
o c a siã o d o Síno d o d e Lo nd re s, a lg uns mo rre ra m na fo g ue ira . Em 1411, se ntind o -se
a me a ç a d o s, o s lo la rd o s o rg a niza ra m um a insurre iç ã o a rma d a p a ra se q üe stra r
He nriq ue IV, te nta nd o inc ita r uma re vo luç ã o c a mp o ne sa . Ma s a c ha ma d a à s
a rma s fo i um fra c a sso : 37 lo la rd o s mo rre ra m e nfo rc a d o s, o utro s se te , q ue ima d o s.
Em 1428, a s te o ria s d e Wyc liffe fo ra m c o nsid e ra d a s he ré tic a s e se us re sto s fo ra m
e xuma d o s, q ue ima d o s e jo g a d o s no rio p o r o rd e m d o p a p a . O m o vime nto d o s
lo la rd o s, no e nta nto , c o nse g uiu so b re vive r a té o iníc io d o sé c ulo XVI.
APÊNDIC E 2

A to rtura

O c a so de Fra nc he tta Bo re lli de Trio ra


Fra nc he tta Bo re lli vivia e m Trio ra , uma p e q ue na c id a d e no s Pre a lp e s, na
p ro vínc ia d e Im p é ria , fro nte ira c o m a Fra nç a . Tinha 65 a no s q ua nd o fo i sub me tid a
a d ua s se ssõ e s no c a va lo d e e stira m e nto . Uma d uro u 15 ho ra s ininte rrup ta s, a
o utra , 23. Ap e sa r d a d o r a tro z, a mulhe r d e mo nstro u uma fo rç a d e e sp írito
e xc e p c io na l. Em d a d o mo me nto , p ro va ve lme nte p a ra te nta r se d istra ir d o s
so frim e nto s físic o s, c o me ç o u a b rinc a r e c o nve rsa r c o m o c o missá rio e o s
c a rra sc o s.
Ab a ixo tra nsc re ve mo s, q ua se na ínte g ra , se u se g und o d ia de
inte rro g a tó rio , c o m o e stá re la ta d o no s d o c ume nto s o rig ina is c o nse rva d o s no
Arq uivo d o Esta d o d e G ê no va , no Arq uivo Bisp a i d e Alb e rg a e no Arq uivo
Pa ro q uia no d e Trio ra .
Fo i p e rg unta d o à a c usa d a se e sta va d e c id id a a d ize r a ve rd a d e , e e la
re sp o nd e u: "Se nho r, já d isse to d a a ve rd a d e ."
Fo i p e rg unta d o se e ra m ve rd a d e ira s a s c o isa s q ue ha via c o me ç a d o a
c o nfe ssa r d ura nte o último inte rro g a tó rio , e e la re sp o nd e u: "Eu e sta va c o m fe b re e
nã o sa b ia o q ue e sta va d ize nd o ."
Te nd o e m vista a o b stina ç ã o e a a ud á c ia d a a c usa d a , fo i e ntã o
o rd e na d o q ue fo sse d e sp id a e ve stid a c o m um c a misã o d e lo na b ra nc a , q ue lhe
fo sse m ra sp a d o s o s c a b e lo s e p ê lo s p ub ia no s e q ue , fina lm e nte , fo sse c o lo c a d a
so b re o c a va lo d e e stira me nto , p a ra se r sub me tid a à to rtura . Entã o e la d isse :
"Julg a i-me , Se nho r; a jud a i-m e , De us To d o -Po d e ro so , ma nd a i-me a jud a e c o nfo rto .
O Se nho r De us me a jud a rá ... C a le m-me , p o is d isse a ve rd a d e ... Se nho r De us,
lib e rta -me d o s fa lso s te ste munho s. Vó s sa b e is q ue m so u, o s juíze s d o mund o nã o
p o d e m sa b ê -lo ... Se a p e rta r o s d e nte s, d irã o q ue rio ...
Ai, me us b ra ç o s... Ajud a i-me , Se nho r, e nã o me a b a nd o na is, p o is só
te nho c o nfo rto e m Vo s...
C a le m-me . Se nã o d isse a ve rd a d e , q ue De us nunc a me a c e ite no
Pa ra íso . Fa lta -me c o ra ç ã o . Se nho r, ma nd a i-m e o a njo d o c é u, p a ra q ue me
p ro te ja e d e fe nd a ... C a le m-me , e u d isse a ve rd a d e . Se nã o me c a la re m a g o ra ,
c a la r-me -ã o mo rta ; fa lta -me o fô le g o . Se nho r, ma nd a i-m e o a njo d o c é u. C risto ,
q ue p o d e is ma is d o q ue o s fa lso s te ste m unho s, a rra nc a i-m e a a lma d o c o rp o e a
ma nd a i p a ra o nd e d e ve ir." Entã o e la se c a lo u e d isse : "Me u c o ra ç ã o e stá
e xp lo d ind o . O Se nho r nã o me d e ixa rá c he g a r a o a ma nhe c e r, p o is c ha ma rá p a ra
Si minha a lma . Se nho r c o missá rio , d ê -m e um p o uc o d e vina g re o u d e vinho ."
Be b e u um c o p o d e vinho e d isse : "Mise ric ó rd ia , p e ç o mise ric ó rd ia . Tire m -m e d a q ui
e me d ê e m d e b e b e r."
Fo i-lhe d a d o o utro c o p o d e vinho , e d e p o is d isse : "Se nho r c o missá rio ,
q ue ria c o me r um o vo ."
E a ssim lhe fo i d a d o um o vo . Já fa zia c inc o ho ra s q ue e sta va so b to rtura ,
e na d a d isse ne m se la me nto u, a té a 11ª ho ra , q ua nd o fa lo u: 'Ajud e -me q ue m
p ud e r." E a p ó s um te mp o d isse : "Ai, m e u c o ra ç ã o ; a í, minha c a b e ç a . Q ue r me
fa ze r d e sc e r um p o uc o , se nho r c o missá rio ? ” E q ua nd o o c o missá rio d isse q ue a
fa ria d e sc e r se fa la sse a ve rd a d e , e la re sp o nd e u: "O ra , e u já fa le i."
E c a lo u-se . E a p ó s d o ze ho ra s d isse : "Esto u se nd o e sc a lp e la d a . Ai, me u
p e sc o ç o ."
E a p ó s tre ze ho ra s d isse : "Dê e m-me um p o uc o d e á g ua , q ue e sto u
mo rre nd o d e se d e ."
Fo i-lhe p e rg unta d o se q ue ria vinho , e e la d isse q ue nã o ; e a ssim fo i-lhe
d a d a á g ua p a ra b e b e r, e c a lo u-se . E d e p o is: "Nã o e sto u e nxe rg a nd o b e m , e sto u
c o m d o r na s mã o s e nã o e sto u ma is ve stid a ." E q ua nd o o c o missá rio d isse q ue nã o
d e via se p re o c up a r c o m a ro up a , ma s e m d ize r a ve rd a d e e c uid a r d a a lma ,
re sp o nd e u: "A a lma ve m a nte s d e q ua lq ue r o utra c o isa . Tire -me d a q ui."
E q ua nd o o c o missá rio d isse q ue , se d e c la ra sse a ve rd a d e , se ria
d e sa ma rra d a e tira d a d e lá , re sp o nd e u: "Já d isse a ve rd a d e . Nã o c o nsig o ma is
se g ura r a urina . A ve rd a d e , e u já d isse ; se p ud e sse ve r a minha a lma ..."
Ap ó s q ua to rze ho ra s d e to rtura , se u irmã o tro uxe -lhe o vo s fre sc o s, q ue
e la b e b e u, d e p o is d ize nd o : "Nã o p o sso ma is usa r me us b ra ç o s; e ve ja ta mb é m
c o mo e stá minha líng ua ... Nã o a g üe nto ma is... Pe lo a mo r d e De us, fa ç a m-me
d e sc e r um p o uc o , p a ra q ue e u, p e lo me no s, c o nsig a re sp ira r." E e ntã o fo i-lhe
o rd e na d o d ize r a ve rd a d e ; d e p o is se ria so lta e p o d e ria re sp ira r o q ua nto q uise sse .
E e la re sp o nd e u: "Me u se nho r, d e sç a -m e d a q ui, p o is já d isse a ve rd a d e . Alg ué m
me a jud e , se p o ssíve l; nã o a g üe nto ma is, sinto me u c o ra ç ã o e xp lo d ir. Fa ze is q ue
me a jud e m , Se nho r; já d isse a ve rd a d e . Ah, c o mo sã o c rué is. Se rá p o ssíve l q ue
ning ué m q ue r me d a r uma c o lhe r p a ra e nfia r na g a rg a nta ? Se nho r, a te ie fo g o a o s
me us p é s, ma s me tire d a q ui."
E q ua nd o o c o m issá rio d isse q ue , se nã o d e c la ra sse a ve rd a d e ,
a c e nd e ria o fo g o , e la re sp o nd e u: "Fa ç a -me q ue ima r, p o is já d isse a ve rd a d e , m a s
me tire d a q ui, p o is nã o re sistire i ma is. Nã o me d e ixe a ind a ma is d e se sp e ra d a .
Ac e rte -me c o m um ma rte lo na c a b e ç a e a c a b e m c o m minha fa lta d e a r. Já d isse
a ve rd a d e . Virg e m Ma ria , fa ze i q ue me so lte m e ma nd a i-me a lg uma a jud a ."
E q ua nd o o c o missá rio d isse q ue , se d e c la ra sse a ve rd a d e , ma nd a ria
so ltá -la e d e sc ê -la , e la re sp o nd e u: "Eu d isse a ve rd a d e . Ai, mã e , fa lta -me c o ra ç ã o .
Em Ro m a , o c a va lo nã o d ura m a is d o q ue o ito ho ra s. Eu já e sto u a q ui há uma
no ite e muita s ho ra s d o d ia . Q ue m me c o nto u fo i um ha b ita nte d e Trio ra q ue
c he g o u d e Ro ma a nte o nte m, q ua nd o e u e sta va e m G ê no va ... Esto u c o m frio no s
p é s."
E fo i-lhe d ito q ue , se d e c la ra sse a ve rd a d e , o c o missá rio ma nd a ria so ltá -
la . E e la re sp o nd e u: "Nã o me a to rme nte m ma is; e u já d isse a ve rd a d e e nã o
p re c iso d izê -la d e no vo . Mo rro d e frio no s p é s. Te nha p ie d a d e , se nho r c o missá rio , e
ma nd e tra ze r um p o uc o d e b ra sa p a ra me e sq ue nta r."
E a ssim, p o r o rd e m d o c o missá rio , fo i c o lo c a d a a b ra sa so b o s p é s d a
a c usa d a , e e la se c a lo u. Dua s ho ra s d e p o is, d isse : "Me us p é s e stã o g e la d o s."
E ma is uma ve z, p o r o rd e m d o c o missá rio , fo i c o lo c a d a a b ra sa , e e la
d isse : "Se nho r, fa ç a -me d e sc e r d a q ui. De z ho ra s a ma is o u a me no s nã o fa ze m
d ife re nç a ... E o q ue vê a q ui é um ra to ..."
E o lha va o c o missá rio , ma s na d a via . A a c usa d a e ntã o c o me ç o u a fa la r
intima me nte c o m to d o s, c o mo se e stive sse se nta d a e m uma c a d e ira , d ize nd o ,
e ntre o utra s c o isa s: "Em Trio ra , a s c a sta nha s ma rro ns sã o tã o b o nita s!"
E ve nd o um d o s a ssiste nte s re me nd a nd o a s m e ia s, c o m e ç o u a fa la r: "Em
tro c a d o s se rviç o s q ue me p re sta , q ua nd o sa ir d a q ui, vo u re m e nd a r sua s m e ia s."
E a ssim fa lo u vá ria s ve ze s na p re se nç a d o c o missá rio e d e se us fa milia re s
p o r q ua se uma ho ra [...] E, d irig ind o -se a o c o missá rio , d isse : "Se nho r, p e rmite q ue
me p re p a re m uma so p a e me d e sç a m p a ra q ue e u p o ssa to má -la ? "
E te nd o o c o missá rio d e c id id o q ue d e ve ria to má -la se m sa ir d o c a va lo ,
e la d isse : "To ma re i ig ua lm e nte se m d úvid a , ma s nã o fic a rá muito b o a , c o m e ste
to rme nto [...]"
C a lo u-se , p o is p a re c ia rir d o c o missá rio e d e q ue m a c e rc a va [...].
Ap ó s vinte e trê s ho ra s d e to rme nto , se m d a r o me no r susp iro , o
c o missá rio lhe d isse : "Fra nc he tta , nã o lhe imp o rta se fic a rá p re sa a q ui ma is uma o u
d ua s ho ra s, nã o é ve rd a d e ? " Ela , e ntã o , vo lto u-se p a ra e le e o s a ssiste nte s e d isse ,
rind o : "De via te r me d e sc id o d ua s ho ra s a trá s, ma s a c he i q ue nã o e sta ria d e
a c o rd o ."
Ap ó s e ssa última g a lho fa , o sup líc io fina lm e nte fo i susp e nso . Se u c a so fo i
ma nd a d o a o trib una l d e G ê no va , q ue nã o p ô d e fa ze r na d a a lé m d e a b so lvê -la .
Trio ra fo i o p a lc o d e uma ve rd a d e ira c a ç a à s b ruxa s q ue le vo u 13
mulhe re s à mo rte , a lg uma s d e 12 o u 13 a no s. O utra s mo rre ra m e m d e c o rrê nc ia
d a s to rtura s so frid a s, e nq ua nto muita s fo ra m tra nsfe rid a s p a ra a p risã o d e G ê no va ,
o nd e mo rre ra m d e fo me e p e la s te rríve is c o nd iç õ e s e m q ue e ra m o b rig a d a s a
vive r.
O c o missá rio q ue c o nd uziu a s p e rse g uiç õ e s, G iulio Sc rib a ni, é le mb ra d o
c o mo um ho me m te rríve l e imp ie d o so , te nd o sid o e xc o mung a d o e m ra zã o d e sua
fúria , ma s lo g o re a b ilita d o p o r q ue stõ e s d e c o nve niê nc ia p o lític a . Uma d a s
"sup o sta s b ruxa s" d isse : "Se o Dia b o e xiste , se m d úvid a mo ra no c o rp o d a q ue le juiz
q ue p a ssa d o is d ia s se m c o me r e se m d o rmir, a lim e nta nd o -se d o s ho rro re s d a
to rtura ."
Jo ha nne s Junius

Em 1628, o b urg o me stre d e Ba mb urg o ; Jo tia nne s Junius, fo i a c usa d o e


p ro c e ssa d o p o r b ruxa ria .
Esta é a c a rta q ue e sc re ve u à filha a nte s d e se r mo rto , um d o s ma is
imp o rta nte s te ste munho s d a s p e rse g uiç õ e s:
C e m mil ve ze s b o a no ite , minha a d o ra d a filha Ve rô nic a . Ino c e nte , fui
p re so , ino c e nte , fui to rtura d o , ino c e nte , d e vo mo rre r. Po is q ue m q ue r q ue se ja
tra nc a fia d o na p risã o d a s b ruxa s é to rtura d o a té se d e c id ir a inve nta r uma
c o nfissã o q ua lq ue r. Na p rim e ira ve z e m q ue fui sub me tid o à to rtura , lá e sta va m o
d o uto r Bra un, o d o uto r Kö tze nd ö rffe r e o utro s d o is e stra nho s. O d o uto r Bra un me
p e rg unto u: "Amig o , p o r q ue e stá a q ui? " E e u re sp o nd i: "Po r fa lsa s a c usa ç õ e s e
d e sg ra ç a ." "Esc ute ", d isse e le , "vo c ê é um b ruxo . Q ue r c o nfe ssa r
e sp o nta ne a me nte ? Se nã o tra re mo s a s te ste munha s e o c a rra sc o ".
Eu d isse : "Nã o so u um b ruxo , e minha c o nsc iê nc ia e stá tra nq üila c o m
re la ç ã o a isso . Ne m mil te ste m unha s p o d e m me a ssusta r." Entã o c he g o u, De us d o
C é u, te nd e p ie d a d e , o c a rra sc o , q ue e sma g o u me us p o le g a re s c o m a s mã o s
a ma rra d a s, d e fo rma q ue o sa ng ue jo rra va d a s unha s e d e to d o lug a r, e nã o p ud e
usa r a s mã o s p o r q ua tro se ma na s, c o mo p o d e ve r p e la minha le tra . Entã o me
d e sp ira m , a ma rra ra m minha s mã o s na s c o sta s e me c o lo c a ra m na p o lé . Pe nse i
q ue C é u e Te rra tive sse m c he g a d o a o fim; o ito ve ze s fui e rg uid o e so lto , te nd o
so frid o te rrive lme nte . E a ssim c o nfe sse i, ma s e ra tud o me ntira . Ag o ra , q ue rid a
me nina , c o nto o q ue c o nfe sse i p a ra fug ir d a d o r e d a s to rtura s q ue nã o te ria
c o nse g uid o sup o rta r [...]
Eu d e ve ria d ize r q ue m tinha visto no sa b á . Disse q ue nã o ha via
re c o nhe c id o ning ué m.
"Ve lho a rg uto , vo u c ha ma r d e vo lta o c a rra sc o . Dig a -me , nã o e sta ria lá o
c ha nc e le r? " Entã o e u d isse q ue sim, q ue e sta va . "E q ue m ma is? " Eu nã o
re c o nhe c ia ning ué m. Entã o e le d isse : "Sig a uma rua d e p o is d a o utra , c o me ç a nd o
p e lo me rc a d o , p a ssa nd o p o r to d a uma rua e vo lta nd o p e la se g uinte ." Fui
o b rig a d o a d a r o no me d e vá ria s p e sso a s. Entã o c he g o u a rua c o mp rid a . Nã o
c o nhe c ia ning ué m q ue a li mo ra sse , ma s p re c ise i d a r o no me d e o ito p e sso a s. E
a ssim c o ntinua ra m p o r to d a s a s rua s, a ind a q ue e u nã o p ud e sse ne m q uise sse
d ize r ma is na d a . Entã o me e ntre g a ra m a o c a rra sc o , m a nd a ra m q ue e le me
d e sp isse e ra sp a sse to d o me u c o rp o e me sub me te sse à to rtura .
E tive d e c o nfe ssa r o s c rime s q ue c o me ti. Eu na d a d isse . "Le va nte m e sse
me ntiro so !".
Entã o e u d isse q ue d e ve ria te r ma ta d o me us filho s, ma s ma te i um
c a va lo .
Nã o a d ia nto u na d a [...] Eu ta mb é m d isse te r p e g o uma hó stia
c o nsa g ra d a e tê -la p ro fa na d o .
Q ua nd o d isse isso , d e ixa ra m-m e e m p a z.
Q ue rid a m e nina , g ua rd a e sta c a rta e m se g re d o , o u so fre re i o utra s
te rríve is to rtura s, e m e us c a rc e re iro s se rã o d e c a p ita d o s [...].
Bo a no ite , p o is te u p a i, Jo ha nne s Junius, nã o te ve rá ma is.

APÊNDIC E 3

O se q üe stro do s c o rpo s

A p a rtir d o sé c ulo XI, a Ig re ja C a tó lic a d e u iníc io a um p o d e ro so e sfo rç o


d e mo ra liza ç ã o d a p o p ula ç ã o , p a ra te nta r mud a r a visã o d a se xua lid a d e , a ind a
muito lig a d a à c o nc e p ç ã o p a g a d a vid a .
O s a lvo s c e ntra is d e ssa te nta tiva fo ra m o s b a nho s p úb lic o s. Era m lug a re s
fo rma d o s p o r b a nhe ira s d e á g ua q ue nte , sa una s e sa la s o nd e se c o rta va m
c a b e lo s, a rra nc a va m-se d e nte s o u se fa zia m ma ssa g e ns. No s b a nho s p úb lic o s
me d ie va is (a o c o ntrá rio d o q ue a c o nte c ia na Ro m a Antig a ), a c a d a d o ming o
ho me ns e mulhe re s se b a nha va m junto s. To d o s se ve stia m a p e na s c o m ro up a s
rústic a s e ve lha s, fo sse m p o b re s (p o rq ue nã o tinha m o utra c o isa ) o u ric o s, p o r
me d o d e q ue lhe s ro ub a sse m a s ro up a s me lho re s.
Essa p ro misc uid a d e so c ia l e se xua l e ra a g ra va d a p e lo fa to d e q ue , e m
a lg uma s re g iõ e s, to d o s se b a nha va m junto s nus, e nq ua nto e ra m se rvid a s b e b id a s.
O c le ro se p re o c up a va c o m ta nta p ro misc uid a d e e d e c id iu inte rvir. Nã o
fo i fá c il c o nve nc e r o s e uro p e us d e q ue a s te rma s p úb lic a s e ra m a lg o ruim . A id é ia
d a Ig re ja fo i sim p le s: im p e d ir q ue m ulhe re s ho ne sta s fre q üe nta sse m o s b a nho s,
tra nsfo rma nd o -o s e m ve rd a d e iro s b o rd é is. Assim fo i p o ssíve l se p a ra r o b e m d o ma l
d e fo rma c la ra .
Fo ra m ne c e ssá rio s p e lo me no s trê s sé c ulo s p a ra tra nsfo rma r b o a p a rte
d o s b a nho s e m c a sa s d e to le râ nc ia e fe c ha r o s o utro s. Ma s a fina l fo i fe ito . As
te rma s e ra m fre q üe nta d a s a p e na s p o r p ro stituta s e se us c lie nte s, e se mo stra r nu
to rno u-se c a d a ve z ma is ve rg o nho so .
E fina lme nte a Ig re ja c o nse g uiu re a liza r o q ue te nta va p re g a r há um
milê nio . No sé c ulo XIV, Sã o Je rô nimo já a c o nse lha va q ue a s jo ve ns no b re s nã o
fo sse m a o s b a nho s q ua nd o c re sc id a s e q ue nã o se b a nha sse m c o m e unuc o s o u
m ulhe re s g rá vid a s, p o is o s p rim e iro s c o nse rva ria m o instinto m a sc ulino , e a s
se g und a s o fe re c e ria m um e sp e tá c ulo "to rp e ". E, c he g a nd o à fa se a d ulta , a s
mulhe re s d e ve ria m re nunc ia r c o mp le ta me nte a o s b a nho s, te r ve rg o nha d e si
me sma s e nã o sup o rta r se ve re m nua s.1 O s únic o s q ue re sistira m fo ra m o s p o vo s
nó rd ic o s, p a ra o s q ua is re nunc ia r à sa una e ra imp o ssíve l, p o r c a usa d o frio .
O s p rime iro s fruto s d e sse "a c ha d o " p a p a l nã o d e mo ra ra m a se r c o lhid o s:
a p ro stituiç ã o a ume nto u, junto c o m a s d o e nç a s ve né re a s e to d o s o s ma le s q ue a
suje ira e a d e snutriç ã o tra ze m.2 Esta s última s c o ntrib uíra m p a ra e sp a lha r a s
e p id e mia s d e p e ste ne g ra q ue , a p a rtir d e 1347, d e va sta ra m a Euro p a c o m
re c o rrê nc ia c íc lic a a té a se g und a me ta d e d o sé c ulo XVII. O b a la nç o e stima d o fo i
d e um a p e rd a re p e tid a d e 30 a 40% d a p o p ula ç ã o e uro p é ia so b re um to ta l d e
o ite nta milhõ e s d e ha b ita nte s. Só no sé c ulo XVI, a p o p ula ç ã o vo lto u a o níve l
numé ric o q ue tinha e m 1340. E q ua nd o a p e ste d e sa p a re c e u, fo i sub stituíd a p o r
o utra s d o e nç a s, c o mo o tifo .
O c le ro c o nc ub iná rio

Uma d e c isiva me d id a d e mo ra liza ç ã o fo i a imp o siç ã o d e finitiva d e


c e lib a to a o c le ro . Ma s c o mo muita s ve ze s a c o nte c e q ua nd o a mo ra l é imp o sta
p o r fo rç a d e le i, e m ve z d e a ume nta r a mo ra lid a d e , a ume nto u a hip o c risia .
As m ulhe re s fo ra m sub stituíd a s p o r c o nc ub ina s o u p ro stituta s, e fo ra m
ne c e ssá rio s sé c ulo s d e d ura s imp o siç õ e s a nte s q ue o c le ro a ssumisse um a
a p a rê nc ia d e c a stid a d e . O s a lto s p re la d o s d a C úria ro ma na e ra m o s p rim e iro s a
nã o d a r b o m e xe mp lo . Pa ra e nte nd e r me lho r c o mo e ra a situa ç ã o , b a sta le r o s
te ste munho s q ue c he g a va m d e d e ntro d a c o rte p o ntifíc ia . O se c re tá rio a p o stó lic o
d o p a p a Bo nifá c io IX, Po g g io Bra c c io lini (1380-1459), fo i uma fig ura d e e xtre m a
imp o rtâ nc ia , e nc a rre g a d o , e ntre o utra s c o isa s, d e e sc re ve r o s d isc urso s d o
p o ntífic e . Q ua nd o q ue ria re la xa r, ia c o m o s a mig o s p a ra uma sa la d o p a lá c io
a p o stó lic o c ha ma d a d e "Bug ia le " (d a me ntira ), o nd e se c o nta va m a s última s
p ia d a s e fo fo c a s d o c le ro . Bra c c io lini d e u-se o tra b a lho d e a no ta r a lg uma s
histo rinha s e , a o se mud a r p a ra o c a mp o , e m 1450, e sc re ve u um livro c o m o s
"fe ito s", o q ua l se ria tra d uzid o e m to d a a Euro p a .
Sã o 273 a ne d o ta s q ue c o nta m fa to s e b o a to s d e c unho se xua l. O
vo lume é uma e sp é c ie d e "b e ste iro l e c le siá stic o ". Po r e xe mp lo , um p a d re d e Tívo li,
fa la nd o d o a d ulté rio , to ma d o p e lo c a lo r d o se rmã o , g rito u d o p úlp ito q ue "e ste
p e c a d o e ra tã o g ra ve q ue e le p re fe ria a ma r d e z virg e ns a a ma r uma únic a mulhe r
c a sa d a ".
Há , a ind a , a histó ria d o fre i Pa ulo , q ue , d ura nte um se rm ã o c o ntra a
luxúria , d e nunc io u, e sc a nd a liza d o , q ue ha via ma rid o s q ue , p a ra se ntir ma is p ra ze r
d ura nte o c o ito , c o lo c a va m um tra ve sse iro so b o tra se iro d a m ulhe r: "É inútil d ize r
q ue a p o siç ã o , d e sc o nhe c id a p a ra a lg uns, a g ra d o u e q ue , e m c a sa , fo i lo g o
c o lo c a d a e m p rá tic a ."3
Da s histó ria s d e Bra c c io lini, e me rg e o re tra to d e um a lto c le ro muito ma is
o c up a d o c o m a p o lític a e a luta p e lo p o d e r d o q ue c o m a g ue rra e a luxúria . O s
p ró p rio s func io ná rio s d a C úria e ra m ho me ns "d o mund o ", p e sso a s c ulta s e
re q uinta d a s q ue ria m e le g a nte me nte d o b ig o tism o se xua l d o c le ro me no r. Na d a
o s d ife re nc ia va d o s d ip lo ma ta s d o s g o ve rno s "le ig o s". De re sto , e ntre o s sé c ulo s XV
e XVI, e ra fre q üe nte ve r c a rd e a is (a lg uns o rd e na d o s na a d o le sc ê nc ia ) c o m
"mulhe re s", filho s (muita s ve ze s ta mb é m d e stina d o s à c a rre ira e c le siá stic a ) e
a ma nte s.
Ne m o s p a p a s e ra m c a mp e õ e s d e c a stid a d e . Pio II (1458-1464),
inte le c tua l "ne o p a g ã o ", q ua nd o jo ve m e ra c o nhe c id o p o r e sc re ve r p o e sia s e
c o nto s e ró tic o s. É ve rd a d e q ue , q ua nd o p o ntífic e , o ste nto u g ra nd e so b rie d a d e ,
ma s a b so luta me nte d uvid a d a p o r se us c o nte mp o râ ne o s.4 De ntre se us suc e sso re s,
ha via p e rso na g e ns c o mo Ale xa nd re IV Bó rg ia , c uja c rue ld a d e e ra bem
c o nhe c id a , o u Júlio II, o p a p a g ue rre iro , q ue d ize m te r tid o trê s filho s a nte s d e
a sc e nd e r a o tro no p o ntifíc io .
Q ua nd o fa la mo s d e p ro misc uid a d e e tra nsg re ssã o à s re g ra s d o c e lib a to ,
te mo s d e to ma r c uid a d o p a ra nã o c o nfund ir fe nô me no s b e m d ife re nte s. Uma
c o isa é a tra nsg re ssã o ind ivid ua l d o ho me m so lte iro q ue nã o c o nse g ue se a d a p ta r
à mo ra l imp o sta e q ue ta lve z viva sua c o nd iç ã o d e "p e c a d o r" c o m um se ntime nto
d e c ulp a . O utra é uma c o nc e p ç ã o b e m d ife re nte d a se xua lid a d e ve ic ula d a a
a lg uma s d o utrina s he ré tic a s.
Ma is o u me no s d ura nte to d a a histó ria d o c ristia nism o , m o vim e nto s
he ré tic o s d e c o nte úd o simila r na sc e ra m e m p e río d o s c íc lic o s. Ha via q ue m
a firma sse q ue a p ure za e ra um e sta d o infe rio r e q ue to d a s a s a ç õ e s e xte rna s d e
uma p e sso a p ura , inc luind o a s re la ç õ e s se xua is, ta mb é m e ra m p ura s p o r
d e finiç ã o . O utro s mo vime nto s, c o mo o s Irmã o s d o Esp írito Livre , insp ira va m-se e m
c o nc e p ç õ e s p a nte ístic a s e d izia m q ue o Re ino d o s C é us já ha via d e sc id o so b re a
Te rra , to rna nd o líc ito tud o o q ue a nte s e ra p ro ib id o . Fa la -se a té d e g ra nd e s
mo ste iro s tra nsfo rma d o s e m c o munid a d e s o rg iá stic a s, p ro va ve lme nte se g uind o a
o nd a d e ssa s d o utrina s e se to rna nd o uma a me a ç a nã o só p a ra a Ig re ja , m a s
ta mb é m p a ra a o rd e m so c ia l. Um c a so c o nhe c id o fo i o da Ab a d ia de
Mo nte l'Ab a te , p e rto d e Pe rúg ia , o nd e p o uc o d e p o is d o a no 1000 mo ng e s e fre ira s
vivia m e m ta l e sta d o d e p ro misc uid a d e q ue o p a p a no me o u um p rio r c o m
a uto rid a d e d e b isp o e uma c o mp a nhia d e ho me ns a rma d o s p a ra c uid a r d o
a ssunto . A o rd e m fo i re sta b e le c id a , ma s o p rio r-b isp o p re c iso u c o nstruir um c a ste lo
e ma nte r uma g ua rniç ã o p a ra g a ra ntir o c o ntro le d a situa ç ã o .
Co m a C o ntra -Re fo rma , tud o mud o u. O s mo ste iro s e c o nve nto s
d e ixa ra m d e se r lug a re s d e a na rq uia se xua l. Po uc o se sa b e d e c o mo se re a lizo u
e ssa mo ra liza ç ã o inte rna , p o is a Ig re ja nã o d e ixo u q ue ning ué m se infiltra sse , ma s
c o m c e rte za d e u re sulta d o , p o is o s e xc e sso s se to rna ra m e xc e ç ã o à re g ra .
A lo uc ura d a Inq uisiç ã o ta mb é m influiu ne sse p ro c e sso . Ao to rna re m-se
fe ro ze s re p re sso re s d o s c o mp o rta me nto s he ré tic o s, sa tâ nic o s e p a g ã o s, o s p a d re s
se vira m vo lta nd o se u ze lo p e rse c utó rio c o ntra o s p ró p rio s c o le g a s.
O s b a tism o s fo rç a do s

Na Id a d e Mé d ia e d a Id a d e Mo d e rna , o s jud e us d a Euro p a e ra m


c o nsid e ra d o s c id a d ã o s d e se g und a c la sse . Q ue m p ro fe ssa va a re lig iã o jud a ic a
nã o p o d ia e xe rc e r p ro fissã o lib e ra l ne m p o ssuir b e ns, ne m e sc o lhe r livre me nte
o nd e vive r, se nd o o b rig a d o a mo ra r no s g ue to s, muita s ve ze s sup e rp o vo a d o s, e a
usa r sina is d e re c o nhe c im e nto q ue o s d isting uisse m d o s c ristã o s.
O s ritua is jud a ic o s d e via m se r c e le b ra d o s d e ma ne ira re se rva d a , se m
ne nhuma so le nid a d e e se m a p re se nç a d e ne nhum c ristã o , e m uita s ve ze s a s
c ó p ia s d o Ta lmud e , a c o mp ila ç ã o histó ric a d e c o me ntá rio s so b re a s Esc ritura s,
e ra m o b je to d e a p re e nsã o e d e struiç ã o . O s jud e us ta mb é m e ra m p ro ib id o s d e
d isc utir so b re a p ró p ria re lig iã o c o m o s c ristã o s, e sua s re la ç õ e s c o m e ste s e ra m
limita d a s p o r le is ríg id a s, so b re tud o c o m o s e x-c o rre lig io ná rio s c o nve rtid o s. As
a uto rid a d e le ig a s e e c le siá stic a s p ro m o via m d e ma ne ira d e c isiva a c o nve rsã o
d e le s a o c ristia nismo , c o m to d o s o s me io s p o ssíve is.
O s jud e us d isp o sto s a se b a tiza r tinha m a g a ra ntia d e fa c ilid a d e p a ra
e nc o ntra r tra b a lho , sub síd io s e m d inhe iro , ise nç õ e s trib utá ria s, a re missã o d a s
d ívid a s e a a nula ç ã o d e e ve ntua is c o nd e na ç õ e s p e na is. Pa ra muito s, a c o nve rsã o
re p re se nta va a únic a a lte rna tiva p o ssíve l à mo rte d e fo me .
Em 1543, fo i c ria d a e m Ro ma a C a sa d o s C a te c úme no s, um instituto
d e stina d o a a c o lhe r (muita s ve ze s c o ntra a vo nta d e ) "infié is" c o nve rtid o s o u a
se re m c o nve rtid o s, c uja s d e sp e sa s d e ma nute nç ã o e ra m d e sc o nta d a s d a
c o m unid a d e jud a ic a .
De ntre o s hó sp e d e s d o instituto , ha via c ria nç a s jud ia s b a tiza d a s à s
e sc o nd id a s o u c o ntra a vo nta d e d o s p a is, sub tra íd a s à s fa mília s p a ra q ue
re c e b e sse m uma e d uc a ç ã o c ristã . Aind a ho je , o c â no ne 868 d o C ó d ig o d e Dire ito
C a nô nic o tra z o p a rá g ra fo 2: "O filho d e p a is c a tó lic o s e a té nã o c a tó lic o s q ue
e ste ja e m risc o d e vid a se rá b a tiza d o lic ita me nte me smo c o ntra a vo nta d e d o s
p a is."
O utro tip o d e hó sp e d e s e ra m o s jud e us "d e nunc ia d o s". A d e núnc ia e ra a
"p rá tic a so c ia l c o m q ue c ristã o s o u c o nve rtid o s d e nunc ia va m fo rma lme nte à s
a uto rid a d e s a q ue le s q ue , se g und o se u te ste munho , a ind a q ue susp e ito o u
inte re ssa d o , te nha e xp re ssa d o , e m p úb lic o o u p a rtic ula r, a vo nta d e d e se
c o nve rte r, so zinho o u c o m to d a a fa mília ."5 O s d e nunc ia d o s e ra m le va d o s à fo rç a
à C a sa d o s C a te c úme no s, o nd e e ra m inc e ssa nte me nte sub me tid o s a c o e rç õ e s
p sic o ló g ic a s p a ra se c o nve rte r. Te o ric a me nte , nã o p o d e ria m se r p re so s p o r ma is
d e 12 d ia s, ma s na ve rd a d e a p e rma nê nc ia d ura va muito ma is. O s q ue se
d e mo nstra sse m "irre me d ia ve lme nte o b stina d o s" e ra m ma nd a d o s d e vo lta a o
g ue to e c o nd e na d o s a p a g a r o s c usto s d e to d o o te mp o p a ssa d o no instituto .
Um c a so ma rc a nte fo i o d o ra b ino -c he fe d e Ro ma , Jo sué Asc a re lli: "Em
no ve mb ro d e 1604, e le fo i p re so no s C a te c úme no s c o m a mulhe r e o s q ua tro filho s.
Ap ó s 43 d ia s, o ra b ino Asc a re lli, 'o b stina d o ' c o m sua p ro fissã o d e fé , fo i
lib e ra d o junto c o m a mulhe r. O utro d e stino fo i re se rva d o a se us filho s: C a mila , d e
12 a no s, a p ó s d e z d ia s d e se g re g a ç ã o , c o nve rte u-se ; Be lluc c ia , d e 8 a no s, c e d e u
a p ó s o ito d ia s; e Ma no e llo , d e a p e na s 4 a no s, a p ó s q ua tro d ia s, 'd isse q ue q ue ria
se r b a tiza d o '. O s q ua tro lo g o fo ra m fe ito s c ristã o s e tira d o s d o s p a is, q ue nunc a
m a is o s vira m ."6
O s q ue fug ia m d a C a sa d o s C a te c úme no s e ra m p unid o s c o m c inc o
a no s d e p risã o , se fo sse m ho me ns, o u o a ç o ite e o c o nfisc o d o s b e ns,, se mulhe re s.
No sé c ulo XVIII, fo ra m c o mina d a s p e na s se ve ra s ta mb é m p a ra o s jud e us q ue se
a p ro xima sse m d o instituto , p o r te me r-se q ue influe nc ia sse m ne g a tiva me nte o s
b a tiza nd o s.7
De ntre o s c a te c úme no s, ha via ta mb é m o s "o fe re c id o s": um jud e u
c o nve rtid o p o d ia "o fe re c e r" à Ig re ja o s p a re nte s so b sua g ua rd a . Po r e xe mp lo , o
p a i o u a mã e p o d ia m le va r à C a sa d o s C a te c úme no s o s filho s, a ind a q ue o o utro
p ro g e nito r fo sse c o ntrá rio à id é ia .
O p a p a Be nto XIV (1740-1758) a p ro vo u uma le g isla ç ã o q ue inte rp re ta va
d e ma ne ira a mp la me nte e xte nsiva o c o nc e ito d e "tute la ". Po r e xe mp lo , o a vô o u
a vó p a te rna c o nve rtid o p o d ia o fe re c e r o s ne to s, me smo c o ntra a vo nta d e d o s
p a is le g ítimo s; o tio p a te rno p o d ia o fe re c e r o s so b rinho s ó rfã o s d e p a i, me smo
c o ntra a vo nta d e d a mã e ; e d a í p o r d ia nte .8
Até o ma rid o p o d ia o fe re c e r a mulhe r. Se e sta , a p ó s uma e sta d ia
fo rç a d a na C a sa d o s C a te c úme no s, nã o a c e ita sse se g uir o c ô njug e na no va fé ,
p e rd ia a g ua rd a d o s filho s, e o vínc ulo ma trimo nia l e ra d e c la ra d o e xtinto . Ma s o
c a sa me nto c o ntinua va se nd o c o nsid e ra d o vá lid o na c o munid a d e he b ra ic a , já
q ue o ma rid o c o nve rtid o nã o p o d ia ma is re p ud ia r a e sp o sa d e a c o rd o c o m o s
c o stume s jud a ic o s, e a mulhe r e ra c o nd e na d a a uma vid a d e so lid ã o .
Alg uns ne ó fito s (jud e us c o nve rtid o s) c o nse g uia m o b te r ta mb é m a
se g re g a ç ã o d e mulhe re s c o m q ue m nã o tinha m q ua lq ue r la ç o d e p a re nte sc o ,
d e c la ra nd o te re m se c a sa d o e m se g re d o .9
As d isc rimina ç õ e s a nti-se mita s d ura ra m to d a a Id a d e Mo d e rna . Só e m
1791, a Fra nç a re vo luc io ná ria re c o nhe c e u a p le na ig ua ld a d e juríd ic a aos
c id a d ã o s d e re lig iã o jud a ic a . Em se g uid a , o s e xé rc ito s na p o le ô nic o s "e xp o rta ra m"
a ig ua ld a d e d e d ire ito s p a ra o re sto d a Euro p a . Ma s c o m o Im p é rio Na p o le ô nic o e
a suc e ssiva re sta ura ç ã o , a s me d id a s d isc rimina tó ria s to rna ra m a vig o ra r.
No Esta d o Po ntifíc io , a s le is a nti-se mita s fo ra m re sta b e le c id a s c o m
p e c ulia r rig id e z: o s jud e us fo ra m ma is uma ve z re le g a d o s a o s g ue to s e o b rig a d o s a
usa r símb o lo s a ma re lo s na s ro up a s. Ta mb é m fo ra m e xp ulso s d o se rviç o p úb lic o e
d a s unive rsid a d e s, e sp o lia d o s d o s b e ns imó ve is lo c a liza d o s fo ra d o b a irro jud e u e
o b rig a d o s a fe c ha r a s lo ja s q ue ha via m a b e rto fo ra d o g ue to .10
No s a no s suc e ssivo s, fo ra m a d o ta d a s me d id a s a ind a ma is se ve ra s. O
p a p a Le ã o XII (1823-1829) re intro d uziu o Edito so b re o s jude us, e ma na d o p o r Pio VI
e m 1775: "Tra ta -se [...] d e 'um mo nstruo so c ó d ig o d e re je iç ã o a q ua lq ue r
d ig nid a d e hum a na c o m p o sto d e 48 a rtig o s q ue p re vê e m, d e ntre o utra s c o isa s, a
p ro ib iç ã o d e le r e e xp lic a r o Ta lmud e e a o b rig a ç ã o , p a ra a a uto rid a d e re lig io sa ,
d e p e rmitir q ua lq ue r o utro livro [...] a o b rig a ç ã o d e só c e le b ra r o s rito s fúne b re s na
sina g o g a o u no c e mité rio , se m q ue ne nhum c o rte jo fúne b re se g uisse o c a ixã o e
ne nhuma lá p id e ma rc a sse a tumb a . Era p ro ib id o q ua lq ue r c o nta to c o m o s
c o nve rtid o s, e o s jud e us nã o p o d ia m c he g a r a me no s d e 150 me tro s d a C a sa d o s
C a te c úme no s. Q ua lq ue r lic e nç a d e e xe rc íc io p ro fissio na l fo i re vo g a d a , c o m
e xc e ç ã o d a d e ve nd e d o r d e p a no . Ele s fo ra m le mb ra d o s d e q ue e ra m p ro ib id o s
d e p e d ir a jud a a p a rte ira s o u a ma s, se rva s o u la va d e ira s c ristã s. Era p ro ib id o
c o nvid a r o u p e rmitir o a c e sso d e c ristã o s na sina g o g a , c o nve rsa r c o m e le s na rua ,
c o me r c o m e le s e m q ua lq ue r lug a r, p e rno ita r fo ra d o g ue to e ir a o utra c id a d e
se m uma p e rmissã o e sp e c ífic a . Era p ro ib id o usa r c a rro ç a , e o s ra b ino s nã o p o d ia m
usa r ro up a s q ue o s d isting uisse m. Ta mb é m fo i re sta b e le c id o o o d io so c o stume d o s
se rmõ e s fo rç a d o s, a ntig o to rme nto c e le b ra d o p o r p a d re s d o minic a no s na ig re ja
d e Sa n'Ang e lo e m Pe sc hie ra , a o s q ua is to d o s o s jud e us d e ma is d e 18 a no s
d e ve ria m a ssistir." (Sc a lise , 1997, p . 31.) O s jud e us e ra m p ro ib id o s d e se tra ta r e m
ho sp ita is, o s mo rib und o s nã o p o d ia m re c e b e r o c o nfo rto d e um ra b ino , e to d a a
c o munid a d e e ra o b rig a d a a ho me na g e a r p e rio d ic a me nte o ma g istra d o e o
se na d o r d e Ro ma d ia nte d a s zo mb a ria s e insulto s d a p o p ula ç ã o .
As c o nd iç õ e s d o b a irro jud a ic o d e sme ntia m c la ra me nte o e ste re ó tip o d o
"jud e u ric o ". O g ue to d e Ro m a e ra um lug a r e sc uro , sujo , sufo c a nte no ve rã o e
g é lid o no inve rno . Do s 3.500 jud e us a li re unid o s, q ua se me ta d e vivia e m um e sta d o
d e c o mp le ta ind ig ê nc ia , e a p e na s q ua tro tinha m re nd a sufic ie nte p a ra p a g a r o s
im p o sto s. O b a irro e ra c e rc a d o p o r muro s c o m o ito p o rtõ e s q ue e ra m fe c ha d o s
p o r um g ua rd iã o c ristã o c ujo sa lá rio e ra c o b ra d o d a c o munid a d e jud a ic a .
Em 1843, a Sa nta Inq uisiç ã o e m a no u um e d ito b a sta nte ríg id o .
Ne nhum isra e lita re sid e nte e m Anc o na e Sinig a g lia p o d e rá ma is d a r c a sa
o u c o mid a a o s c ristã o s o u re c e b e r c ristã o s p a ra tra b a lha r e m sua c a sa , so b p e na
d e se r p unid o d e a c o rd o c o m o s d e c re to s p o ntifíc io s.
To d o s o s isra e lita s d o Esta d o tê m trê s me se s p a ra ve nd e r se us b e ns
m ó ve is e im ó ve is, d o c o ntrá rio se rã o ve nd id o s e m le ilã o .
Ne nhum isra e lita p o d e rá mo ra r e m q ua lq ue r c id a d e se m a a uto riza ç ã o
d o g o ve rno ; e m c a so d e c o ntra ve nç ã o , o s c ulp a d o s se rã o re c o nd uzid o s a se us
re sp e c tivo s g ue to s.
Ne nhum isra e lita p o d e rá p a ssa r a no ite fo ra d o g ue to .
Ne nhum isra e lita p o d e rá te r re la ç õ e s a mig á ve is c o m o s c ristã o s.
O s isra e lita s nã o p o d e rã o c o me rc ia liza r o rna me nto s sa g ra d o s o u livro s d e
q ua lq ue r e sp é c ie , so b p e na d e c e m e sc ud o s d e multa e se te a no s d e p risã o .
O s isra e lita s, a o se p ulta r se us mo rto s, nã o d e ve m c e le b ra r q ua lq ue r
c e rimô nia . E nã o p o d e m usa r ve la s, so b p e na d e c o nfisc o .
O s q ue vio la re m a s d isp o siç õ e s a c ima so fre rã o o s c a stig o s d a Sa nta
Inq uisiç ã o .
A p re se nte me d id a se rá c o munic a d a a o s g ue to s e p ub lic a d a na s
sina g o g a s."
O p a p a Pio IX (1846-1878), q ue inic ia lme nte g o za va d a simp a tia d o s
a mb ie nte s lib e ra is, a d o to u uma p o lític a o sc ila nte e se m p re c o nc e ito s c o m re la ç ã o
a o s jud e us, a lte rna nd o g e sto s d e re la tiva c le mê nc ia c o m fe rre nha s re p re ssõ e s. Po r
e xe mp lo , em 1846, p e rm itiu q ue a lg uma s fa mília s jud a ic a s mud a sse m
te mp o ra ria me nte p a ra fo ra do g ue to de Ro ma p o r c a usa do risc o de
tra nsb o rd a me nto d o Tib re .
Em 1849, e m c o mp e nsa ç ã o , p a ra p unir o s jud e us, q ue fig ura va m e ntre o s
re sp o nsá ve is p e lo s le va nte s q ue no a no a nte rio r insta ura ra m a Re p úb lic a d e Ro ma ,
ma nd o u a s tro p a s fra nc e sa s d e mo lire m o b a irro he b re u. Po r d o is d ia s, a s c a sa s
fo ra m d e va sta d a s, muito s ho me ns fo ra m p re so s, o s mé d ic o s e a s p a rte ira s fo ra m
imp e d id o s d e a ssistir o s d o e nte s e p a rturie nte s e ne nhum jud e u p ô d e d e sc e r à s
rua s p a ra c o mp ra r c o mid a .
No sé c ulo XIX, a p o lític a d o b a tismo fo rç a d o nã o fo i a lte ra d a , te nd o
a um e nta d o na p rim e ira m e ta d e d o sé c ulo . C a lc ula -se e m p e lo me no s 196 o s
c a so s d e "c o nve rsã o " e ntre 1813 e 1869, na ma io ria c ria nç a s b a tiza d a s à s
e sc o nd id a s e tira d a s d e sua s fa mília s o u jo ve ns a fa sta d o s d e c a sa em
c irc unstâ nc ia s miste rio sa s e p re so s no s C a te c úme no s, se m vo lta r ma is p a ra se u la r.
O c a so d e b a tismo fo rç a d o ma is fa mo so fo i o d e Ed g a rd o Mo rta ra ,
na sc id o e m Bo lo nha (c id a d e q ue , na é p o c a , fa zia fro nte ira c o m o Esta d o
Po ntifíc io ), e m 1851. Na no ite d e 23 d e junho d e 1858, a lg uns g ua rd a s se
a p re se nta ra m à c a sa d a fa mília Mo rta ra c o m uma o rd e m firma d a p e lo p a d re
inq uisid o r d e Bo lo nha p a ra re a liza r "a p risã o e se q üe stro d o ra p a z Ed g a rd o Mo rta ra
Isra e lita ". O me nino p a sso u a no ite e m c a sa , vig ia d o p e lo s g ua rd a s p a p a is. Assim
q ue a ma nhe c e u, fo i tira d o d a fa mília e le va d o d e c a rro a té Ro ma , p a ra a
fa mig e ra d a C a sa d o s C a te c úme no s. Lá , se u b a tismo fo i "a p e rfe iç o a d o " e fo i-lhe
d a d o o no me d e Pio , e m ho me na g e m a o p a p a re g e nte .
Só d e p o is d o se q üe stro , o p a i d e sc o b riu q ue me se s a nte s, à to ta l re ve lia
d o s inte re ssa d o s, o b via m e nte , fo ra julg a d o um p ro c e sso re g ula r d a Inq uisiç ã o , no
q ua l o s p a is fo ra m re p re se nta d o s p o r um jurista . Dura nte a fa se d e instruç ã o , Anna
Mo risi, c ristã q ue tra b a lha ra p a ra a fa mília Mo rta ra e fo ra d e mitid a , d e c la ro u te r
b a tiza d o o p e q ue no Ed g a rd o , à é p o c a g ra ve me nte d o e nte , se m q ue o s p a is
so ub e sse m.
O p a i d e Ed g a rd o d irig iu-se a Ro ma e te nto u inutilme nte re c o rre r junto à
Sa nta Sé . Um me mo ra nd o e nvia d o p e lo se c re tá rio d e Esta d o , c a rd e a l G ia c o mo
Anto ne lli, tiro u-lhe q ua lq ue r e sp e ra nç a :"[...] e xiste p ro va c a nô nic a d o b a tismo , nã o
ha ve nd o ma is ra zã o o u d ire ito p a ra c ha ma r o filho a o p á trio p o d e r [...] A Ig re ja ,
mã e , me stra e so b e ra na d o s ho me ns nã o o fe nd e ne nhum d ire ito , nã o c a rre g a
ne nhum tip o d e ve rg o nha , ma s c ump re sua missã o Divina a o tute la r se us filho s
b a tiza d o s, tira nd o -o s d o p e rig o d a a p o sta sia ."
O q ue fic a ria na histó ria c o mo o "c a so Mo rta ra " lo g o se to rno u um
e sc â nd a lo inte rna c io na l. As c o munid a d e s jud a ic a s p ie m o nte sa , fra nc e sa e ing le sa
to ma ra m p ro vid ê nc ia s p a ra q ue o c a so fo sse c o nhe c id o p e la o p iniã o p úb lic a e se
c o nse g uisse a lib e rta ç ã o d e Ed g a rd o , p re ssio na nd o o s re sp e c tivo s g o ve rno s. A
imp re nsa lib e ra l e a ntic le ric a l ta mb é m se inte re sso u p e lo fa to , d a nd o um g ra nd e
d e sta q ue a e le .
O s jo rna is c a tó lic o s, p o r o utro la d o , d e fe nd e ra m a s d e c isõ e s d a Sa nta Sé ,
p ro te sta nd o c o ntra a intrusã o d a s a uto rid a d e s c ivis e m uma q ue stã o re lig io sa ,
c ulp a nd o o s p a is d o g a ro to p e lo "c rim e " d e te r c o ntra ta d o uma mulhe r c ristã ,
c a usa d e to d o s o s se us p ro b le ma s se g uinte s, o u d e fe nd e nd o a no tíc ia , to ta lme nte
fa lsa , d e q ue a s a uto rid a d e s e c le siá stic a s tinha m te nta d o um a c o rd o c o m a
fa mília Mo rta ra , te nd o d e c id id o p e g a r o me nino a p e na s q ua nd o o s p a is se
re c usa ra m a e d uc á -lo se g und o a re lig iã o c ristã . O s d ip lo m a ta s fra nc e se s,
p ie mo nte se s e ing le se s p re ssio na ra m o g o ve rno p o ntifíc io p a ra o b te r a lib e rta ç ã o
d e Ed g a rd o Mo rta ra , ma s se us e sfo rç o s fo ra m e m vã o .
O p ró p rio Pio IX d e fe nd e u c o m vig o r a e sc o lha d o se q üe stro . C he g o u
a té a se d e c la ra r p ub lic a me nte "p a i e p ro te to r" d e Pio Ed g a rd o Mo rta ra , q ue fo ra
d e stina d o à c a rre ira e c le siá stic a e c o nfia d o a o C o lé g io d a O rd e m d o s C a nô nic o s
d e La trã o .
Em 20 d e se te mb ro d e 1870, o s a tira d o re s d o Re ino d a Itá lia e ntra ra m e m
Ro ma e p use ra m um fim a o p o d e r te mp o ra l d o p a p a . Po uc o s d ia s d e p o is,
c he g a ra m à c id a d e o p a i e um d o s irm ã o s d e Ed g a rd o , já c o m 19 a no s, p a ra le vá -
lo p a ra c a sa . Ma s o s a no s d e d o utrina me nto e c o e rç ã o p sic o ló g ic a d e ra m
re sulta d o , e o ra p a z se re c uso u a a c o m p a nhá -lo s. Pio r, te me nd o se r se q üe stra d o
p e lo s fa milia re s, e m 22 d e o utub ro fug iu d e Ro ma à p a isa na , a jud a d o p e lo s
me mb ro s d e sua O rd e m , e se re fug io u e m Bre ssa no ne . Do is a no s d e p o is, m ud o u-se
p a ra a Fra nç a , p a ra Be a uc hê ne , o nd e fo i o rd e na d o .
Pio Ed g a rd o Mo rta ra nunc a a b juro u a re lig iã o c a tó lic a , to rna nd o -se um
missio ná rio ze lo so e ho nra nd o se mp re a me mó ria d e Pio IX. Dura nte to d a sua lo ng a
vid a , fo i a to rme nta d o p o r g ra ve s c rise s d e p re ssiva s e e sta d o s d e ve rd a d e ira
p a ra nó ia , q ue re p e tid a s ve ze s p re jud ic a ra m sua re la ç ã o c o m o s irmã o s d e O rd e m.
Mo rre u c o m q ua se 89 a no s, no d ia lº d e ma rç o d e 1940, na Ab a d ia d e Bo uha y, na
Bé lg ic a .
APÊNDIC E 4

A do utrina na é po c a da Re fo rm a

Lute ro mo ve ra uma mo nta nha , e d e la irro mp e u um rio e m c he io .


Te ó lo g o s e sa c e rd o te s a d e rira m à Re fo rma , à s ve ze s inse rind o ne la sua s p ró p ria s
ino va ç õ e s d o utriná ria s, o utra s ve ze s d a nd o vid a a Ig re ja s a utô no ma s. Pe nsa d o re s
o rig ina is e nc o ntra ra m c o ra g e m p a ra e xp o r a s p ró p ria s te se s. Antig a s mino ria s
re lig io sa s, c o mo o s va ld e nse s, e nc o ntra ra m no vo vig o r.
A se g uir, d a mo s uma lista e m na d a e xa ustiva d a s vá ria s d o utrina s e
c o rre nte s de p e nsa me nto , re me te nd o -no s à b ib lio g ra fia p a ra os
a p ro fund a me nto s.
Huldre ic h Zwing li

Sa c e rd o te suíç o , d e mo nstra va fo rte s te nd ê nc ia s d e mo c rá tic a s e uma


g ra nd e a d mira ç ã o p e lo huma nismo . Em 1520, p re g o u a ne c e ssid a d e d e a b o lir a s
no me a ç õ e s vita líc ia s e fe z c irc ula r o s e sc rito s d e Lute ro . De c la ro u-se c o ntra a vid a
mo ná stic a , o c e lib a to d o c le ro , a inte rfe rê nc ia d o s sa nto s, a e xistê nc ia d o
Purg a tó rio e o a sp e c to sa c rific a tó rio d a missa ; ma s d ife re nte s c o nc e p ç õ e s d a
Euc a ristia o se p a ra va m d e Lute ro . O p a p a o fe re c e u a Zwing li "q ua lq ue r c o isa , c o m
e xc e ç ã o d o tro no p a p a l", p a ra q ue e le se sub me te sse a Ro ma , c o ntud o a
te nta tiva d e c o rrup ç ã o nã o te ve suc e sso . Zwing li te nto u fo rm a r uma a lia nç a e ntre
o s c a ntõ e s suíç o s re fo rma d o s p a ra o b rig a r o s c a tó lic o s a c e ssa r a s p e rse g uiç õ e s
a o s p ro te sta nte s, p o ré m a te nta tiva fa lho u e xa ta me nte p o r c a usa das
d ive rg ê nc ia s e ntre e le e Lute ro . Q ua nd o o c a ntã o c a tó lic o d e Sc hwyz ma nd o u
p a ra a fo g ue ira um p re g a d o r d e Zuriq ue , nã o he sito u e m d e c la ra r a g ue rra , se nd o
o p rim e iro a p e g a r e m a rma s p a ra d e fe nd e r a p ró p ria fé . Mo rre u na b a ta lha d e
Ka p p e l (1531).1
Bro wnista s o u b a rro wista s

Era m se g uid o re s d e Ro b e rt Bro wne e d e se u d isc íp ulo Ba rro w. Afirma va m


q ue q ua lq ue r tip o d e e strutura e c le siá stic a re p re se nta va uma a b o mina ç ã o e q ue
o siste ma d a Ig re ja e ra uma fa lá c ia .
Pa ra e le s, a té me smo a Ig re ja Ang lic a na a ind a c o nse rva va muito s
re síd uo s d o p a p ismo c a tó lic o .
Po r sua s te o ria s e p e la irre d utib ilid a d e c o ntra o po der da Ig re ja
Ang lic a na , Bro wne fo i p re so 32 ve ze s. Fina lm e nte , a o s 80 a no s, fo i sub me tid o à
a uto rid a d e d o a rc e b isp o d e C a nte rb ury. Ba rro w, se u c o la b o ra d o r, c o mp a rtilha va
c o m e le m uita s id é ia s, m a s a m b o s d ive rg ia m e m um p o nto e sp e c ífic o : o d a
vo lunta rie d a d e d o fie l. Pa ra Ba rro w, le va r a p a la vra d e De us a o s p ro fa no s e ra
d e ve r d o s p rínc ip e s. Fo i a c usa d o d e se r a uto r d e a lg uns lib e lo s a nô nimo s
a ntia ng lic a no s e e xe c uta d o junto c o m d o is se g uid o re s. Em 1583, o utro s d o is
b a rro wista s fo ra m mo rto s p o r p ub lic a r o s e sc rito s d e Bro wne .
O s a na b a tista s

Pa ra a lg uns c ristã o s, o s b a tismo e ra um a c o isa sé ria , e p o r isso só p o d ia


se r c e le b ra d o e m a d ulto s c o nsc ie nte s q ue sa b ia m o q ue fa zia m, c o mo a c o nte c ia
no s p rim ó rd io s d a Ig re ja a p o stó lic a . O s ma is e xtre mista s ta mb é m p re te nd ia m vive r
e m p a z e m sua s c o munid a d e s, o nd e p ra tic a va m a c o munhã o d o s b e ns.
O s g rup o s e mo vime nto s q ue re je ita va m o b a tism o d a s c ria nç a s, a ind a
q ue b e m d ife re nte s e ntre si, fo ra m c ha ma d o s d e "a na b a tista s".
Um d e se us e xp o e nte s ma is fa mo so s fo i o ho la nd ê s Me nno Simo ns (1496-
1561). Pa d re c a tó lic o , fic o u tã o imp re ssio na d o c o m o ma rtírio d e um p re g a d o r
a na b a tista q ue c o me ç o u a e stud a r a Bíb lia e a c a b o u vira nd o , e le p ró p rio , um
p a sto r a na b a tista , se nd o p e rse g uid o p o r c a tó lic o s e lute ra no s. Se u mo vime nto se
e sp a lho u p e la Ale ma nha , Pa íse s Ba ixo s e Suíç a .
Em 1553, a c id a d e d e Münste r se re b e lo u c o ntra o b isp o -fe ud a tá rio e
a d e riu à Re fo rma .
Lá , o p a sto r a na b a tista Be rnha rd Ro thma nn, e ntã o p a d re c a tó lic o , sa iu
ve nc e d o r d e uma d isp uta p úb lic a c o m c a tó lic o s e lute ra no s a re sp e ito d o b a tismo
d o s a d ulto s. A p a rtir d a q ue le mo me nto , a c id a d e se to rno u re fúg io dos
a na b a tista s, q ue insta ura ra m um re g ime te o c rá tic o .
Lute ra no s e c a tó lic o s e sp a lha ra m p o r Mimste r o s ma is fa nta sio so s b o a to s,
na te nta tiva d e d e sa c re d ita r o s a na b a tista s: q ue o instituto d a p ro p rie d a d e
p riva d a se ria a b o lid o , q ue o s mo ra d o re s se to rna ria m p o líg a mo s, e q ue o s
a na b a tista s ma ta ria m se m p ie d a d e o s fié is d e o utra s c re nç a ? . No Fina l, o s
lute ra no s lute ra no s e o a rc e b isp o c a tó lic o se a lia ra m p a ra re c o nq uista r a c id a d e
p e la s a rma s, e o s líd e re s c o ntrá rio s fo ra m e xe c uta d o s.
Ja c o b Hutte r fund o u uma se ita q ue p ra tic a va a c o munhã o d o s b e ns. Fo i
e xe c uta d o e m 1536. Ha via muito s hute rita s na Mo rá via , ma s o mo vime nto so fre u
g ra nd e s p e rd a s d ura nte a G ue rra d o s Trinta Ano s. O s q ue so b re vive ra m se
re fug ia ra m na Hung ria e , ma is ta rd e , na Rússia .
O ita lia no Be rna rd ino O c hino (1487-1546), sup e rio r d a O rd e m d o s
C a p uc hinho s, re c e b e ra d o p a p a a p e rmissã o p a ra e stud a r o s livro s p ro te sta nte s, a
fim d e re futá -lo s. Ma s, a o c o ntrá rio , fo i c o nve rtid o e a d e riu a o c a lvinismo . Ap ó s
inúme ra s tra ve ssia s e p e re g rina ç õ e s, te rmino u se us d ia s na Mo rá via , c o mo
hó sp e d e d e uma c o munid a d e hute rita .
O e x-mo ng e b e ne d itino Mic ha e l Sa ttle r, e m 1527, tra b a lho u p a ra c ria r
uma fe d e ra ç ã o d e c o ng re g a ç õ e s a na b a tista s a utô no ma s. Fo i to rtura d o e mo rto
c rue lme nte .
Muita s c o ng re g a ç õ e s a na b a tista s só e nc o ntra ra m re fúg io c o ntra a s
p e rse g uiç õ e s c o m a e mig ra ç ã o p a ra a Am é ric a , o nd e se e nc o ntra m a té ho je .
Tho m a s Müntze r, o te ó lo g o da re vo luç ã o

O p ro te sta nte ra d ic a l Tho m a s Müntze r ta mb é m re c e b e u o ró tulo d e


a na b a tista . Ele fund o u a Lig a d o s Ele ito s, uma c o munid a d e se m p a d re s o u
p ro p rie d a d e p riva d a . A Lig a lo g o a ssumiu o a sp e c to d e um g rup o sub ve rsivo
c o ntra o p o d e r d o s p a d re s e d a Ig re ja . Müntze r e ra um a utê ntic o p ro fe ta d
re vo luç ã o e a ssumiu a lid e ra nç a d a re vo lta c a mp o ne sa c ritic a d a p o r Lute ro .
Pa rtic ip o u d a b a ta lha d e Fra nke nha use n, e m 15 d e ma io d e 1525, na q ua l a s
tro p a s a lia d a s d e p rínc ip e s c a tó lic o s e lute ra no s c e rc a ra m e ma ssa c ra ra m c o m a
a rtilha ria um e xé rc ito d e o ito mil c a mp o ne se s. Fo i c a p tura d o , to rtura d o e
e xe c uta d o .2
Unita rista s o u a ntitrinitá rio s

É o no me d a d o a uma miría d e d e mo vime nto s q ue ne g a va m o d o g ma


d a Trind a d e e a d ivind a d e d a p e sso a d e C risto .
O mo vime nto a ntitrinitá rio d e ma io r influê nc ia ta lve z te nha sid o o
so c ia nism o , q ue d e ve se u no m e a o a d vo g a d o Lé lio So c ini, na tura l d e Sie na , e d e
se u so b rinho , Fa usto . Lé lio So c ini le vo u uma vid a e rra nte , e ntre a Itá lia e a Suíç a ,
q ue , g ra ç a s à Re fo rma , se to rna ra um re fúg io p a ra o s a ntitrinitá rio s ita lia no s.
Po ste rio rme nte , a s te se s unita rista s ta mb é m fo ra m d e c la ra d a s ile g a is.
O s so c ia nista s e ra m a fa vo r d a lib e rd a d e d e c ulto e re je ita va m ta nto a
id é ia d e imp o r a p ró p ria id é ia a o s o utro s q ua nto a b usc a d e lib e ra d a d o ma rtírio . O
so c ia nismo fe z a d e p to s na Tra nsilvâ nia (o nd e o mo vime nto a ntitrinitá rio e ra m uito
influe nte ), na Uc râ nia , Ho la nd a e Po lô nia , o nd e g a nho u g ra nd e imp o rtâ nc ia e
so fre u p e rse g uiç õ e s p o r p a rte d o s so b e ra no s Sig ismund o III (1566-1632) e Jo ã o
C a simiro (1609-1672), je suíta e c a rd e a l.
O s unita rista s ta mb é m e nc o ntra ra m re fúg io na Amé ric a .
Mig ue l Se rve to e a s fo g ue ira s pro te sta nte s

O utra d o utrina a ntitrinitá ria fo i a de Mig ue l Se rve to , na sc id o em


Villa nue va , Esp a nha , p o r vo lta d e 1510. Filó so fo , te ó lo g o , mé d ic o , g e ó g ra fo ,
a stró lo g o , filó lo g o d e g ra nd e c ultura c lá ssic a , c re sc id o no c lima d e g ra nd e fe rvo r
c ultura l d o Re na sc ime nto , e le a sp ira va a uma re lig iã o unive rsa l q ue unific a sse nã o
só o s c ristã o s, ma s ta mb é m o s o utro s "p o vo s d o Livro ": o s jud e us e o s muç ulma no s.
Pa ra o b te r e sse re sulta d o , p ro p ô s uma so luç ã o a p a re nte me nte simp le s: a a b o liç ã o
d o s d o g ma s d a Trind a d e , q ue nã o e stá na s Esc ritura s.
Em a lg uns e sc rito s, c he g o u a a firm a r q ue , no p rime iro C o nc ilio d e Nic é ia ,
a Ig re ja tra iu a si p ró p ria e a o Eva ng e lho . Sua s id é ia s a tra íra m p a ra si o ó d io d o s
p ro te sta nte s suíç o s e d o s c a tó lic o s.
Ap e sa r d a s p e rse g uiç õ e s e d e um p ro c e sso no q ua l fo i c o nd e na d o ,
Se rve to a ind a p a sso u vá rio s a no s via ja nd o p e la Euro p a c o m no me fa lso ,
e stud a nd o , e sc re ve nd o e p ub lic a nd o tra ta d o s a nô nimo s.
Em 1546, c o me ç o u a se c o rre sp o nd e r c o m C a lvino , p rá tic a q ue lo g o fo i
inte rro m p id a e m m e io a insulto s re c íp ro c o s.
Em 1553, o inte le c tua l e sp a nho l fo i p re so e p ro c e ssa d o p e lo trib una l d a
Inq uisiç ã o d e Vie nne (Fra nç a ). Pa ra e sc a p a r d a mo rte , te nto u e sc o nd e r a p ró p ria
id e ntid a d e , d ize nd o se c ha ma r Mig ue l Villa no va nus. Ma s C a lvino e nvio u à
Inq uisiç ã o c a tó lic a ma te ria is c o mp ro me te d o re s, o q ue p e rmitiu sua id e ntific a ç ã o .
Se rve to c o nse g uiu fug ir e se re fug io u e m G e ne b ra , se mp re usa nd o no me fa lso . Lá
fo i re c o nhe c id o e , a c usa d o p ub lic a me nte , se mp re p o r C a lvino , so fre u um
p ro c e sso muito p a re c id o c o m o d a Inq uisiç ã o . C o nd e na d o à fo g ue ira e m 1553, fo i
e xe c uta d o no d ia se g uinte a o p ro fe rime nto d a se nte nç a .
Alg uns me se s d e p o is, fo i e nc e rra d o ta mb é m o p ro c e sso c a tó lic o , c o m
uma c o nd e na ç ã o p ó stuma p o r he re sia . Sua e fíg ie fo i e stra ng ula d a e q ue ima d a
e m fo g o le nto .
O s a rm inia nista s

De to d o s o s he re g e s, o s a rminia nista s e ra m d e lo ng e c o nsid e ra d o s o s


p io re s. Afirma va m q ue q ua lq ue r um tinha o d ire ito d e p ro fe ssa r a re lig iã o e m q ue
ma is a c re d ita sse , se m se r p e rse g uid o .
Ja c ó Armínio (1560-1609), p ro fe sso r d e Te o lo g ia na Unive rsid a d e d e
Le id a , e ra um d e fe nso r d o livre -a rb ítrio e d a to le râ nc ia p a ra c o m a s mino ria s
re lig io sa s. Alé m d isso , re futa va to ta lme nte a d o utrina c a lvinista d a p re d e stina ç ã o .
Um síno d o inte rna c io na l d e re fo rmista s, na ma io ria c a lvinista s, re a liza d o e m Do rt,
e m 1618-1619, c o nd e no u o a rminia nismo .
Po uc o s d ia s d e p o is, um d e se us líd e re s fo i d e c a p ita d o e o utro fo i
c o nd e na d o à p risã o p e rp é tua .
Na Ho la nd a , o s a rminia nista s, ta mb é m c ha ma d o s d e a rminia no s, c ria ra m
uma Ig re ja se p a ra d a .
O s q ua c re s

Ta mb é m c ha ma d o s d e "a mig o s", e ra m c o nd uzid o s p e lo a p ó sto lo Jo hn


Fo x, ho me m inc ulto , ma s p a c ifista , q ue p re g a va a p re se nç a d e De us e m to d o s o s
ho me ns e a c re d ita va se r p o ssíve l a p ro xima r-se De le se m sa c ra me nto s, sa c e rd o te s
o u c e le b ra ç õ e s e sp e ta c ula re s.
O q ua c rismo p ro mo via um no vo e stilo d e vid a q ue te nd ia a fa vo re c e r a
simp lic id a d e d a s re la ç õ e s e a ig ua ld a d e d e se xo , ra ç a e c la sse . Fo x d ifund iu o
mo vime nto e sp e c ia lme nte e m G a le s e na Ing la te rra , e nq ua nto o utro s fié is
p re g a ra m na Ho la nd a , na Po lô nia e e m Ma ssa c huse tts. A re p re ssã o p urita na
o c o rrid a d ura nte o C o mmo nwe a lth (1649-1659) ma to u c e rc a d e 3.170 q ua c re s.
G io rda no Bruno

Te nd o vivid o e ntre 1548 e 1600, fo i o he re g e ma is fa mo so d o sé c ulo XVII.


Sa c e rd o te e fre i d o minic a no , fo rma d o e m Te o lo g ia e m 1575, fug iu d a p risã o
"a p e rta d a e ne g ra d o c o nve nto " e a d o to u uma vid a nô ma d e p e la Euro p a .
To rno u-se "ma g o ", a stró lo g o e e sc rito r. Re ivind ic o u p a ra si a te o ria
he lio c ê ntric a d e C o p é rnic o (é a Te rra q ue g ira e m vo lta d o So l, e nã o o c o ntrá rio )
e a firmo u q ue a s e stre la s d o firm a me nto ta mb é m sã o só is e m vo lta d o s q ua is
o rb ita m mund o s p a re c id o s c o m o no sso .
Entre g ue à Inq uisiç ã o e m 1592, so fre u um p ro c e sso q ue d uro u o ito a no s.
Ac a b o u a b jura nd o p a rte d e sua s c o nvic ç õ e s. Ma s q ua nd o o o b rig a ra m a
c o nd e na r to d a s a s sua s id é ia s, inc lusive a s q ue nã o fo ra m a na lisa d a s c o mo
he ré tic a s p e lo trib una l, G io rd a no Bruno ne g o u-se , re sistind o a té à to rtura , e e m 20
d e ja ne iro d e 1600 fo i c o nd e na d o à mo rte .
"Ta lve z vo c ê s te nha m ma is me d o d e p ro nunc ia r minha se nte nç a d o q ue
e u te nho d e re c e b ê -la !" fo ra m a s p a la vra s c o m q ue o uviu o ve re d ic to .
Em 17 d e fe ve re iro d e 1600, a e xe c uç ã o fo i fina lme nte re a liza d a . O
filó so fo fo i q ue ima d o vivo e m Ro ma , no C a mp o d e l'Fio ri. Ante s, fo i-lhe e nfia d a na
b o c a uma mo rd a ç a , instrume nto d e ma d e ira q ue imp e d ia q ue o c o nd e na d o
me xe sse a líng ua , p o r c a usa d o s "p a la vrõ e s q ue d izia , se m q ue re r o uvir q ue m o
c o nfo rta sse o u o utra s p e sso a s".
G a lile u G a lile i

Vive u e ntre 1564 e 1642. Fo i um d o s p a is d a c iê nc ia mo d e rna . Po r te r


re ivind ic a d o a s te o ria s d e C o p é rnic o , m a s p rinc ip a lme nte p o r te r a firma d o q ue a s
Esc ritura s e ra m infa líve is no s a ssunto s d e fé , ma s nã o no s c ie ntífic o s, G a lile u
a c a b o u na mira na Inq uisiç ã o . Sub me tid o à p risã o e à to rtura , me smo se nd o id o so
e e sta nd o g ra ve me nte d o e nte , no fina l, o c ie ntista a b juro u to d a s a s sua s
c o nvic ç õ e s.
Pa ulo Sa rpi

Histo ria d o r e te ó lo g o ve ne zia no (1552-1623). Entro u p a ra a O rd e m d o s


Se rvita s e m 1566, e to rno u-se se u p ro c ura d o r-g e ra l e m 1585. Ap ó s uma e sta d a e m
Ro ma , o nd e e ste ve e m c o nta to c o m a C úria (1585-1588), e sta b e le c e u-se e m
Ve ne za .
C o nsulta d o c o mo e sp e c ia lista so b re uma q ue stã o juríd ic a q ue o p unha a
Re p úb lic a d e Ve ne za à Sa nta Sé , Pa ulo Sa rp i d e fe nd e u Ve ne za c o m uma sé rie d e
e sc rito s q ue lhe p ro p o rc io na ra m g ra nd e fa ma , ma s ta mb é m a e xc o munhã o e
uma te nta tiva d e a ssa ssina to p o r p a rte d o s je suíta s.
Em 1619, p ub lic o u e m Lo nd re s a histó ria d o C o nc ilio d e Tre nto , c o m o
p se ud ô nimo d e Pie tro So a ve Po la no .
A o b ra d e fe nd ia a te se se g und o a q ua l o C o nc ilio d e Tre nto re p re se nto u
o á p ic e d e um p ro c e sso se c ula r d e d e c a d ê nc ia mo ra l d a Ig re ja e q ue sua s
d e lib e ra ç õ e s fo ra m re sulta d o s d e e mb a te s p o lític o s, e nã o c o nse q üê nc ia d e
a utê ntic o s d e b a te s so b re a fé . Sa rp i ta mb é m jo g a va so b re o p a p a d o a g ra ve
re sp o nsa b ilid a d e d e te r to rna d o irre vo g á ve l o c isma c o m o s p ro te sta nte s.
O s re fo rm a do re s c a tó lic o s

Ante s m e sm o d o c ism a d e Lute ro , ho uve inte le c tua is e e c le siá stic o s q ue


te nta ra m re fo rma r a Ig re ja C a tó lic a d e d e ntro . Te ó lo g o s e stud a ra m c o m e sc rúp ulo
e rig o r filo ló g ic o a Pa la vra d e De us. Filó so fo s e e c le siá stic o s te nta ra m d ifund ir, c o m
se rmõ e s e tra ta d o s, um c ristia nismo ma is ma d uro ta mb é m junto a o p o vo ,
p ro c ura m e vita r q ue p rá tic a s re lig io sa s c o mo o c ulto a o s sa nto s e à s re líq uia s se
tra nsfo rma sse e m sup e rstiç õ e s e id o la tria . Fina lme nte , a lg uns fund a ra m no va s
o rd e ns re lig io sa s q ue te nta va m re sta ura r a s re g ra s p rimitiva s d e p o b re za e
simp lic id a d e .
O m uro da C o ntra - Re fo rm a

O suc e sso d a Re fo rma Pro te sta nte na Euro p a c rio u na Ig re ja C a tó lic a


muito s p ro b le ma s d e c unho p o lític o , e c o nô mic o , a d ministra tivo e d o utriná rio . O s
p ró p rio s p re la d o s c a tó lic o s ha via m se d ivid id o a re sp e ito d o c o mp o rta me nto a
a d o ta r c o m re la ç ã o a o s re fo rmista s: a lg uns b usc a va m a re c o nc ilia ç ã o , a o me no s
c o m o s lute ra no s "mo d e ra d o s", o utro s d e fe nd ia m uma p o siç ã o intra nsig e nte e
a ntilute ra na .
Era p re c iso um mo me nto d e c la re za q ue le va sse a uma p ro fund a
re o rg a niza ç ã o d a instituiç ã o e c le siá stic a . Po r e ssa s ra zõ e s, o p a p a Pa ulo III
c o nvo c o u um c o nc ilio e c umê nic o q ue te ve iníc io e m Tre nto e m 13 d e d e ze mb ro
d e 1545. O s tra b a lho s d a a sse mb lé ia se e ste nd e ra m , e ntre inte rrup ç õ e s e
tra nsfe rê nc ia s d e se d e , p o r q ua se vinte a no s, se nd o c o nc luíd o s a p e na s e m 14 d e
d e ze mb ro d e 1563. Q ua lq ue r p o ssib ilid a d e d e d iá lo g o e nc o ntra va o b stá c ulo s p o r
p a rte d o s p a p a s, q ue te mia m q ue o c o nc ilio to m a sse um a fe iç ã o "d e m o c rá tic a "
d e ma is, o q ue p re jud ic a va sua a uto rid a d e .
A c o rre nte intra nsig e nte e a ntilute ra na a c a b o u triunfa nd o , a lia d a a
se to re s q ue re ivind ic a va m uma re fo rma mo ra l d o c le ro e uma ma io r d isc ip lina . O
c o nc ilio se e nc e rro u c o m a a p ro va ç ã o d e a lg uma s a firma ç õ e s d o utriná ria s: a
tra d iç ã o histó ric a (o u se ja , o c o njunto d e d o g ma s, re g ra s e rito s intro d uzid o s a o
lo ng o d o s sé c ulo s e q ue nã o tinha m ne nhuma re la ç ã o c o m a s Esc ritura s) tinha o
me smo p e so q ue a Bíb lia ; a únic a ve rsã o a uto riza d a d o s te xto s sa g ra d o s e ra a
Vulg a ta d e Sã o Je rô nimo ; a únic a inte rp re ta ç ã o c o rre ta d a s Sa g ra d a s Esc ritura s
e ra a q ue la d a d a p e la Ig re ja ; to d o se r huma no na sc ia tra ze nd o e m si a má c ula d o
p e c a d o o rig ina l, q ue só p o d ia se r a p a g a d a c o m o b a tismo , c e le b ra d o na s fo rma s
e sta b e le c id a s p e la Ig re ja ; ta mb é m fo ra m c o nfirma d o s o núme ro e a va lid a d e d o s
sa c ra me nto s; e a c a ra c te rístic a sa g ra d a d o ministé rio sa c e rd o ta l, q ue nã o p o d ia
se e ste nd e r a to d o s o s fié is.
Na p rá tic a , fo ra m re futa d o s to d o s o s a rg ume nto s d e fé p ro te sta nte .
As a firma ç õ e s d o c o nc ilio c o nstituía m a ve rd a d e da fé e e ra m
fo rmula d a s d e fo rma a nã o d e ixa r ma rg e m a d úvid a s o u a mb ig üid a d e s. O funil d a
o rto d o xia se to rna va c a d a ve z ma is e stre ito . Ta mb é m fo ra m to ma d a s me d id a s d e
re o rg a niza ç ã o e mo ra liza ç ã o d o c le ro . O s b isp o s fo ra m o b rig a d o s a re sid ir no
te rritó rio d a s p ró p ria s d io c e se s, fo i p ro ib id o o a c úmulo d e b e ne fíc io s e c le siá stic o s e
c o nfirma d o , c o m vig o r, o c e lib a to . Fo ra m c ria d o s o s se miná rio s d io c e sa no s, q ue
d e ve ria m fo rm a r um c le ro ma is instruíd o , c a p a z d e fa ze r fre nte a o s p re g a d o re s
he re g e s.
Na sc e u o Índ e x, um a lista , a tua liza d a c o ntinua me nte , d e p ub lic a ç õ e s
c o nd e na d a s p e la Ig re ja , q ue um c a tó lic o só p o d e ria le r c o m a uto riza ç ã o .
Fo i re c o nhe c id a a fa c uld a d e d o p a p a d e a p ro va r e ra tific a r a s d e c isõ e s
d o s c o nc ílio s, o q ue c o nfirma va o p rinc íp io d a a uto rid a d e a b so luta d o p o ntífic e .
APÊNDIC E 5

A pe rse g uiç ã o a o s "a ntig o s c re nte s"

No sé c ulo XVII, na Rússia , e ra p re c iso p re sta r muita a te nç ã o a o


fa ze r o sina l-d a -c ruz. Q ue m e rra sse c o rria o risc o d e a c a b a r na fo g ue ira .
O p e río d o e ntre 1598 e 1613 é c o nhe c id o na histó ria russa
c o mo o "Te mp o d a s Dific uld a d e s". No b re ve e sp a ç o d e 15 a no s,
suc e d e ra m-se le va nte s p o p ula re s, inva sõ e s, g ue rra s c ivis, e sc a sse z. A
p ró p ria Ig re ja O rto d o xa Russa viu-se a me a ç a d a p e lo p ro se litismo d o s
missio ná rio s c a tó lic o s e lute ra no s.
As "d ific uld a d e s" c he g a ra m a o fim c o m uma re vo lta p o p ula r
q ue lib e rto u Mo sc o u d o s e stra ng e iro s e c o m a a sc e nsã o d a d ina stia
Ro ma no v a o tro no .
Em 1619, Fila re t, p a i d o c za r Mikha il Fe d o ro vic h, q ue c uid o u d a
re o rg a niza ç ã o a d ministra tiva d a Ig re ja , fo i no me a d o p a tria rc a d a Ig re ja
d e Mo sc o u (o u se ja , líd e r d a Ig re ja Russa ). Essa c e ntra liza ç ã o fa milia r d o
p o d e r p o lític o e e sp iritua l nã o fo i c a sua l. Na ve rd a d e , a p ró p ria
c o nc e p ç ã o d a re lig iã o e d a so c ie d a d e russa s p re via um Esta d o e um a
Ig re ja unid o s e m simb io se . "O Esta d o mo sc o vita — o u se ja , se u so b e ra no ,
o c za r — e ra inc o nc e b íve l fo ra d a mo ld ura e c le siá stic a , se m a
c o m p a nhia d a hie ra rq uia d a Ig re ja e , e m m a is a lto g ra u, d e se u
p a tria rc a ."1
Os a no s q ue se suc e d e ra m aos "d ifíc e is" ta mb é m
te ste munha ra m o na sc ime nto d e um no vo m o vim e nto re lig io so , o d o s
"Amig o s d e De us", lid e ra d o p e lo p o p e (te rmo russo q ue sig nific a
sa c e rd o te ) Iva n Ne ro vo v. O utro e xp o e nte d e re le vo d o mo vime nto fo i o
a rc e b isp o Awa kum , a uto r d e uma fa mo sa a uto b io g ra fia .
O s "Amig o s" e ra m um g rup o d e p a d re s q ue p re g a va m e m
russo , me sm o fo ra d a s ig re ja s; luta va m p e la mo ra liza ç ã o d o c le ro e d a
vid a p úb lic a ; o p unha m-se a o s c o stume s imp o rta d o s d o e xte rio r (c o mo
ra sp a r a b a rb a ), e à s d ive rsõ e s "p a g ã s".
A c o nfra te rnid a d e q ue ria imp o r "um c ristia nismo d e uma
a uste rid a d e mo ná stic a q ue [...] b a nisse q ua lq ue r a le g ria e q ua lq ue r
d istra ç ã o . Em ve z d e a d a p ta r o se rviç o d ivino d o s súd ito s mo ng e s à s
ne c e ssid a d e s d o s le ig o s, imp unha a milita re s, c a mp o ne se s, a to d a uma
p o p ula ç ã o , rito s d e q ua tro o u c inc o ho ra s na ig re ja ".2 O s p o p e s d a
c o nfra te rnid a d e d o s "Amig o s" tive ra m muito s d e se nte nd ime nto s c o m a s
a uto rid a d e s lo c a is fo rte me nte c o ntrá ria s à sua o b ra d e mo ra liza ç ã o . O
p ró p rio Awa kum fa la , e m sua a uto b io g ra fia , q ue um p o d e ro so a tiro u
c o ntra e le p o r "e xa sp e ra ç ã o p e la d e mo ra e xc e ssiva d a liturg ia ".
O p o vo ma is humild e ta mb é m se d e se sp e ra va c o m o rig o r e
ma is d e uma ve z o s e xp ulso u d a s p a ró q uia s. Ma s o s "Amig o s" se mp re
c o nse g uia m se sa fa r, e ntre o utra s c o isa s, p o rq ue c o nta va m c o m a
a miza d e e p ro te ç ã o ta nto d o c za r q ua nto d o p a tria rc a d e Mo sc o u.
Em 1652, Niko n, g ra ç a s ta mb é m a o a p o io d o s "Amig o s d e
De us", fo i e le ito p a tria rc a d e Mo sc o u. Ma s e le a c a b o u lo g o c o m a s
e xp e c ta tiva s d e se us p a rtid á rio s. O s re fo rmista s so nha va m c o m um a
re g e ne ra ç ã o e sp iritua l d a Rússia q ue e nvo lve sse to d o o c le ro e g rup o s
so c ia is.
Ma s Niko n, q ue o s histo ria d o re s c o mp a ra ra m a uma e sp é c ie
d e Ino c ê nc io III russo , q ue ria c ria r uma Ig re ja te o c rá tic a , sub missa à s
vo nta d e s d o p a tria rc a , q ue imp use sse sua p ró p ria a uto rid a d e a o c za r e
e ste nd e sse sua influê nc ia à s o utra s Ig re ja s o rto d o xa s d o O rie nte .
E ta lve z p a ra d a r à Ig re ja um a ima g e m ma is "e c umê nic a " e
a uto ritá ria , e le te nha d e c id id o e limina r d a liturg ia russa a lg uns
e le me nto s na c io na is e to rná -la ma is p a re c id a c o m a s o utra s c re nç a s d e
rito g re g o , e m e sp e c ia l a d e Je rusa lé m.
Niko n ma nte ve b o a s re la ç õ e s c o m o p a tria rc a o rto d o xo d e
Je rusa lé m, Pa isio s, nã o o b sta nte o se u e nvo lvime nto no a ssa ssina to d e
se u riva l fo sse c o nhe c id o na c o rte e a p e sa r d e e le te r p e rso na g e ns
d uvid o so s e ntre se us e missá rio s a Mo sc o u, c o mo o re lig io so Arsê nio , um
a ve nture iro inte rna c io na l q ue tro c a ra d e re lig iã o trê s o u q ua tro ve ze s
d ura nte sua s p e re g rina ç õ e s.
As d ife re nç a s m a is e vid e nte s e ntre o s c o stume s g re g o s e russo s
e sta va m no sina l-d a -c ruz (o s g re g o s o fa zia m c o m trê s d e d o s, o s russo s,
c o m d o is), no b a tismo (o s g re g o s o re a liza va m p o r infusã o , c o m o o s
la tino s, o s russo s, p o r ime rsã o trip la ) e na c o nta g e m d o s a no s a p a rtir d a
c ria ç ã o d o mund o (5500 p a ra o s g re g o s, 5508 p a ra o s russo s).
Niko n d e c id iu a d o ta r os rito s g re g o s, e rra d a me nte
c o nsid e ra d o s ma is "p uro s" e a ntig o s. Ta mb é m fo ra m intro d uzid a s o utra s
mud a nç a s, c o mo a g ra fia d o no me Je sus, q ue mud a va d e Isus p a ra
lisus. Muito s nã o a a c e ita ra m , p o is p a ra e le s p a re c ia q ue C risto e ra
sub stituíd o p o r o utra d ivind a d e o u a té me smo p e lo a ntic risto .
O p a tria rc a d e Mo sc o u intro d uziu sua s re fo rma s d e ma ne ira
b ruta l e a uto ritá ria , se m ne nhuma me d ia ç ã o o u g ra d ua lismo . Sua s
ino va ç õ e s p ro vo c a ra m a ng ústia no s fié is russo s, q ue d e um d ia p a ra o
o utro se vira m p ro ib id o s d e p ra tic a r o q ue lhe s p a re c ia m as
m a nife sta ç õ e s "na tura is" d e re lig io sid a d e , sub stituind o -a s p o r c o stume s
e stra nho s à sua c ultura e tra d iç ã o .
Na tura lme nte , o s "Amig o s d e De us" fo ra m o s p rim e iro s a
p ro te sta r c o ntra a s mud a nç a s, ma s Niko n re sp o nd e u c o m a re p re ssã o .
Em 1653, ma is d e se sse nta o p o sito re s à s re fo rma s, d e ntre o s
q ua is Ne ro no v e Awa kum , fo ra m p re so s. Este último fo i tra nc a d o no
mo ste iro d e Sa nt'And ro nic o , e m Mo sc o u, o nd e te nta ra m sub jug á -lo ,
inutilme nte , p e la fo me . Ne ro no v, a o c o ntrá rio , c e d e u a o sup líc io e
a b juro u.
Awa kum (g ra ç a s à inte rve nç ã o d o c za r, q ue o p o up o u d e
p e na s b e m p io re s) fo i e xila d a na Sib é ria c o m to d a a fa mília p o r d e z
a no s.
Em 1654, Niko n c o nvo c o u um c o nc ilio e m Mo sc o u p a ra
ra tific a r sua re fo rma . O a rc e b isp o d e Ko lo mna Pa ve l, q ue c o nte sto u a s
c o nc lusõ e s d a a sse mb lé ia , fo i d e p o sto , p re so se c re ta me nte e , a o q ue
p a re c e , q ue im a d o na fo g ue ira .
No me smo a no d o c o nc ilio , e c lo d iu na Rússia um a e p id e mia
d e p e ste , q ue muito s fié is tra d ic io na lista s inte rp re ta ra m c o mo uma
p uniç ã o p e la tra iç ã o c o m a q ua l o c le ro russo se suja ra .
Em 1655, Niko n p ro ib iu o sina l-d a -c ruz; c o m d o is d e d o s e , no
a no se g uinte , p a sso u a p unir c o m a e xc o munhã o q ue m c o ntinua sse a
fa zê -lo . "Aq ue le sina l-d a -c ruz, q ue a g ra nd e ma io ria d o s russo s ha via
visto o s p a is e a vó s fa ze nd o , a g o ra e ra c o nsid e ra d o he re sia , e q ue m
insistisse e m re a lizá -lo e ra a fa sta d o d a Ig re ja ." (Pia Pe ra , 1986, p . 36.)
Fo i na q ue le s a no s q ue surg iu o c isma d o s "a ntig o s c re nte s" na
Ig re ja russa , q ue p e rd ura a té ho je . Um a Ig re ja p o p ula r, p ró xim a à s
c la sse s humild e s e p re sa à s tra d iç õ e s se c o ntra p unha a uma a uto ritá ria
e vo lta d a p a ra a s c la sse s a lta s.
Em 1657, trê s a rte sã o s d e Ro sto v, inimig o s d a s ino va ç õ e s,
fo ra m to rtura d o s e e xila d o s p o r o rd e m d o c za r.
Muito s "a ntig o s c re nte s", q ue re je ita va m ta nto a a uto rid a d e d o
Esta d o q ua nto a d a Ig re ja , fug ira m d o s vila re jo s e d a s c id a d e s p a ra se
e sta b e le c e r no s e sp a ç o s a b a nd o na d o s e q ua se ina b ita d o s d o Ba ixo
Vo lg a , d o Do n, d o s Ura is e d a Sib é ria . Alg uns e xtre mista s, c o nve nc id o s
d e q ue o mund o e sta va d o mina d o p e lo a ntic risto , d e ixa ra m-se mo rre r
d e fo me o u a te a ra m fo g o a o p ró p rio c o rp o .
O s mo ng e s d o mo ste iro d e So lo vki se re b e la ra m c o ntra a no va
liturg ia e fo ra m a ta c a d o s p e la s tro p a s d o c za r, q ue só c o nse g uira m
to ma r o c o nve nto a p ó s um a ssé d io d e o ito a no s.
"No g e ra l, a re fo rma d e Niko n te ve o e fe ito d e a fa sta r d a
Ig re ja uma p a rc e la c o nsid e rá ve l d o p o vo russo ." (Pia Pe ra , 1986, p . 37.)
Em 1666, um no vo c o nc ilio d e p ô s Niko n, ma s c o nfirmo u to d a s
a s sua s ino va ç õ e s d o utriná ria s (q ue tinha m a a p ro va ç ã o d o c za r).
Awa kum , q ue p a rtic ip a ra d o s tra b a lho s d o c o nc ilio p a ra
d e fe nd e r a c a usa d a "ve rd a d e ira " fé russa , fo i d e c la ra d o d e p o sto e
p re so . Trê s d isc íp ulo s se us tive ra m um p e d a ç o d a líng ua c o rta d o .
A se ssã o se c o nc luiu e m 2 d e julho , c o m a c o nd e na ç ã o
so le ne d a a ntig a fé e a d e se us a d e p to s.
Em 1667, Awa kum fo i e xila d o e m Pusto zë rsk junto c o m a lg uns
se g uid o re s. De lá , c o ntinuo u g uia nd o o s "a ntig o s c re nte s" q ue
p e rma ne c e ra m na Rússia .
Em 1670, fo ra m re a liza d a s o utra s p e rse g uiç õ e s sa ng uiná ria s.
Alg uns d isc íp ulo s d e Awa kum fo ra m e nfo rc a d o s, e sua mulhe r e se us
filho s (q ue e le nã o via há q ua tro a no s) fo ra m p re so s e m um c a la b o uç o .
Trê s a mig o s se us, q ue c o m e le c o mp a rtilha va m a e xp e riê nc ia d o e xílio ,
tive ra m um p e d a ç o da líng ua c o rta d o e fo ra m p re so s e m um
c a la b o uç o junto c o m se u p a i e sp iritua l.
Em 1682, fo i re a liza d o um e né simo c o nc ilio , q ue o rd e no u q ue
a s a uto rid a d e s c ivis e re lig io sa s p ro c ura sse m a tiva me nte o s a ntig o s
c re nte s e a c irra sse m a s p e rse g uiç õ e s. Ta mb é m fo i d a d a o rd e m p a ra
q ue ima r vivo s o s q ua tro sa c e rd o te s irre d utíve is.
E, a ssim , e m 14 d e a b ril d e 1682, o s q ua tro c re nte s Awa kum ,
La za r, Ep ifa nij e Fé d o r fo ra m m a rtiriza d o s p o r insistire m e m fa ze r o sina l-
d a -c ruz c o m d o is d e d o s, e m ve z d e trê s.
Ante s d a e xe c uç ã o , Awa kum e sc re ve ra , no c á rc e re , uma
a uto b io g ra fia q ue e ntro u p a ra a histó ria c o m o título d e A vid a d o
a rc e b isp o Avva kum, e c irc ulo u d e fo rma c la nd e stina e ma nusc rita p o r
c e rc a d e d o is sé c ulo s, a nte s d e se r imp re ssa .

No ta s
INTRO DUÇ ÃO O s c ristã o s c o me m c ria nc inha s?
1. C a io Júlio C é sa r, De b e llo G a llic o , tra d . S. G ia m e tta , Ta sc a b ili
Bo mp ia ni, livro VI, p a rá g ra fo s 34 e 35.
2. A c id a d e é Ava ro . Júlio C é sa r, o p . c it, p a rá g ra fo 28.
3. C f. Núme ro s, c a p . 31.
4. O p rime iro a a p lic a r e sta e stra té g ia e a d e se nvo lve r se u
func io na me nto , d ita nd o re g ra s re vo luc io ná ria s, se ja so b o p o nto d e
vista té c nic o -le g a l o u d a so lid a rie d a d e huma na , fo i o re i g o d o To tila , e m
451. A e sse p ro p ó sito , vid e Da rio Fo , La ve ra sto ria di Ra ve nna , Ed ito ra
Fra nc o C o simo Pa nini, Mo d e na , 1999.
5. Fra nc e sc o G a b rie li (c o o rd e na d o p o r). Sto ric i a ra b i a lle C ro c ia te .
Eina ud i, Turim, 2002.
6. Da rio Fo , o p . c it.
7. Fra nc e sc o G a b rie li (c o o rd e na d o p o r). O p . c it, p . 76/ 77.
8. Alg uns a uto re s a firma m q ue De La s C a sa s e ra c o ntrá rio à e sc ra vid ã o
d o s ne g ro s. A e sse p ro p ó sito , ve r Fe rna nd o O rtiz, C o ntra p ue nto c ub a no
de i to b a c o y de l a zuc a r, Bib lio te c a Aya c uc ho , Ve ne zue la , 20/ 10/ 78.
9. Ve r ta m b é m Ja c o p o Fo , La ura Ma luc e lli, Sc hia ve ríb e li. 500 a nni d i
vitto rie a fric a ne c e nsura te da i lib ri di sto ria , Nuo vi Mo nd i Ed izio ni,
Pe rug ia , 2001, o nd e se c o nta , e ntre o utra s c o isa s, c o mo o s ne g ro s
a lg uma s ve ze s c o nse g uira m d e rro ta r o s b ra nc o s e c o mo a no ssa id é ia
d a Áfric a e d a e sc ra vid ã o é uma c o nc e p ç ã o e rrô ne a , c ulp a d a d e
d iminuir a g ra vid a d e d o s ho rro re s c o me tid o s p e lo s e uro p e us.
PRIMEIRA PARTE

O C RISTIANISMO : DE SEITA SUBVERSIVA A RELIG IÃO DO IMPÉRIO

C APÍTULO 1 O s p rim e iro s c ristã o s e o a d ve nto d e Pa ulo


1. Ric c a rd o C a lima ni, G e sú Eb re o , Mo nd a d o ri, 1998. A te se d o
e stud io so é a d e q ue Je sus e ra "a p e na s" um ra b ino d e tra d iç ã o jud a ic a ,
e q ue o c ristia nismo na sc e u d e um e q uívo c o .
2. A Bíb lia Sa g ra da , ve rsã o o fic ia l C EI, 1999, Eva ng e lho se g und o Sã o
Ma te us, 19, 30. Pa ra um a le itura "p o lític a " d o s se rmõ e s d e Je sus, c f.
Re mo C a c itti, Da l G e sú a o c ristia ne simo imp e ria le - Pe rc o rsi d e ntro Ia
sto ria de lle o ríg ini c ristia ne , Pa o lo G a sp a ri Ed ito re , Ud ine , 1999, e m
e sp e c ia l c a p ítulo s V e VI.
3. A Bíb lia Sa g ra da , Eva ng e lho se g und o Sã o Ma te us, 15,11.
4. C f. Re mo C a c itti, o p . c it, p . 127-53.
5. A Bíb lia Sa g ra da , ve rsã o o fic ia l C EI, 1999, Ato s do s Ap ó sto lo s, 2,44-45.
6. A Bíb lia Sa g ra da , A to s do s Ap ó sto lo s, 5,1-15.
7. Ato s d o s Ap ó sto lo s, c a p . 22, ve rsíc ulo s 1 -5 e 25-28.
8. Ric c a rd o C a lima ni. Pa o lo - l'e b re o c he fo nd ò il c ristia ne simo .
Mo nd a d o ri, Milã o , 1999.
9. Ep ísto la a o s G á la ta s, 3,28.
10. Ep ísto la a Filê mo n.
11. Ep ísto la a o s Efé sio s, 5,22-24.
12. Prime ira Ep ísto la a o s C o ríntio s, 14,34-35.
13. Prime ira Ep ísto la a o s C o ríntio s, 11, 7-10; 13-16.
14. Prime ira Ep ísto la a o s C o ríntio s, 13,1 -7.
15. Ato s do s Ap ó sto lo s, 2, 2-4. 16. Ato s d o s Ap ó sto lo s 2, 5-13.
17. G . Pre ssa c c o , R. Pa luzza no , Via g g io ne lla no tte d e lia C hie sa
d iAq uile a . G a sp a ri, Ud ine , 1998.
18. Ato s d o s Ap ó sto lo s, 15,36-40.
19. Ep ísto la a o s G a ia ta s. 2,11 -14.
20. Ato s d o s Ap ó sto lo s, 16,1 -3.
21. Ato s d o s Ap ó sto lo s, 21,17-26.
22. Prime ira Ep ísto la a o s C o ríntio s, c a p . 8.
23. Prime ira Ep ísto la a o s C o ríntio s, 9,20-22.
24. Ad a lb e rt G . Ha mma n, La vita q uo tidia na de i p rimi c ristia ni. Rizzo li,
Milã o , 1998.
25. Re mo C a c itti, o p . c it, p . 67-8.
26. Hip ó lito d e Ro m a , La tra dizio ne a p o stó lic a , Ro ma , Ed izio ni Pa o line ,
1979. Hip ó lito (235-6 a p ro xima d a me nte ) fo i um te ó lo g o e e sc rito r d e
o rig e m g re g a . G ra nd e a d ve rsá rio d e muita s d o utrina s c o nsid e ra d a s
he ré tic a s, a ind a é ve ne ra d o c o mo sa nto p e la Ig re ja C a tó lic a , a ind a
q ue te nha sid o o p rime iro a ntip a p a .
27. Te rtulia no , Ap o lo g e tic o .
28. Em 168 a .C , o Se na d o ro ma no re p rimiu c o m rig o r o s c ulto s b á q uic o s,
o nd e se mistura va m p e rig o sa m e nte a risto c ra ta s e g rup o s p o p ula re s. C f.
Re mo C a c itti, o p . c it, C o no sc e re Ia sto ria p e r inse g na re Ia p a c e - Da
O me ro a l Rua nd a , Ed izio ni Pe tra , Ud ine , 1996, p . 32.
29. R. C a c itti, o p . c it, p . 86.
30. Ib id, p . 62-3, c f. ta mb é m p . 101 -3.
C APÍTULO 2 C o nsta ntino e a Ig re ja imp e ria l
1. Dio c le c ia no , im p e ra d o r d e 284 a 305, c rio u uma te tra rq uia
c o mp o sta p o r d o is "a ug usto s" (e le e Ma ximia no ) e d o is "c é sa re s"
(C o nstâ nc io e G a lé rio ). Assim , o s im e nso s te rritó rio s d o Im p é rio Ro ma no
e sta va m d ivid id o s e m q ua tro á re a s, c a d a uma c o m um c o m a nd a nte -
e m-c he fe q ue p o d ia re p rimir te mp e stiva me nte re b e liõ e s e inva sõ e s.
2. Po r d ire ito , a suc e ssã o c a b e ria a Flá vio Se ve ro .
3. Arna ld o Ma rc o ne , C o sta ntino , il G ra nd e , La te rza , Ro ma -Ba ri, 2000, p .
22-24.
4. Re m o C a c itti, To lle ra nza , into lle ra nza , o b ie zio ne di c o sc ie nza ne l
c ristia ne simo de i p rimi se c o li. In: C IDI C a rnia -G e mo ne se (o rg a niza d o
p o r), C o no sc e re Ia sto ria p e r inse g na re Ia p a c e - Da O me ro a l Rua nda ,
Ed izio ni Pe tra , Ud ine , 1996, p . 49.
5. Am b ro g io Do nini, Sto ria de l c ristia ne simo - da lle o ríg ini a G iustinia no ,
Te ti e d ito re , Milã o , p . 235.
6. Arna ld o Ma rc o ne , o p . c it, p . 40-1.
7. Ib id , p . 61.
8. Amb ro g io Do nini, o p . c it, p . 232.
9. C ó dig o Te o do sia no , IX 24,1.
10. R. C a c itti, o p . c it, p . 88-89.
11. Vid e a p ro fund a me nto no Ap ê nd ic e .
12. R, C a c itti, o p . c it, p . 128.
13. Da vid C hristie -Murra y, I p e rc o rsi de lle e re sie , Rusc o ni, Milã o , 1998, p .
82.
14. Pro va ve lme nte , ne m Je sus ne m o s p rim e iro s c ristã o s e ra m p a c ifista s
"se m ma is ne m me no s"; e le s simp le sme nte e sp e ra va m q ue De us fize sse
justiç a p o r e le s, d e ma ne ira ta mb é m m uito c rue l, e c o nsid e ra va m um
sa c rilé g io re a liza r a ç õ e s q ue c a b ia m a Ele .
15.0rig e ne , C o ntro C e lso , 5, 33. O rig e ne (185-253, a p ro xima d a me nte ) fo i
ta lve z o ma io r e stud io so d a a ntig üid a d e c ristã e a té ho je é c o nsid e ra d o
um d o s Pa is d a Ig re ja , a ind a q ue muita s d e sua s p ro p o siç õ e s, d e p o is,
te nha m sid o c o nsid e ra d a s he ré tic a s.
16. Hip ó lito d e Ro m a , La tra dizio ne a p o stó lic a , Ro ma , Ed izio ni Pa o line ,
1979. Hip ó lito (235-6 a p ro xima d a me nte ) fo i um te ó lo g o e e sc rito r d e
o rig e m g re g a . G ra nd e a d ve rsá rio d e muita s d o utrina s c o nsid e ra d a s
he ré tic a s, a ind a é ve ne ra d o c o mo sa nto p e la Ig re ja C a tó lic a , a ind a
q ue te nha sid o o p rime iro a ntip a p a .
17. C ip riã o d e C a rta g o , re ito r e b isp o d e C a rta g o , má rtir e sa nto . A
c ita ç ã o fo i e xtra íd a d a Le tte ra l,6.
18. Re mo C a c itti, o p . c it, p . 49.
19. 0 b isp o Pa fnuzio , p o r e xe mp lo , um d o s p a rtic ip a nte s d o C o nc ilio d e
Nic é ia , fo i c e g a d o d e um o lho
e p e rd e u um p é d ura nte a p e rse g uiç ã o d e Dio c le c ia no , c f. R. C a c itti,
o p . c it, p . 104. 20. And re a s Alfo ld i, C o sta ntino tra p a g a ne simo e
c ristia ne simo . La te rza , Ro ma -Ba ri, 1976, p . 91-94. 21.b / d , p . 91-94.
22. Am b ro g io Do nini, o p . c it, p . 277.
23. Ib id, p . 287.
24. K. De sc hne r, Ab e rma ls krà hte de r Ha hn, Stuttg a rt, 1962, p . 469.
25. Am b ro g io Do nini, o p . c it, p . 287.
26. Ib id, p . 287.
C APÍTULO 3 As he re sia s a ntig a s
1. Da vid C hristie -Murra y, I p e rc o rsi de lle he re sie , Rusc o ni, Milã o , 1998, p .
21.
2. Até no s Ato s do s Ap ó sto lo s 5,17 e 26,5, ta is te rmo s c o nse rva m se u
sig nific a d o o rig ina l.
3. É p re c iso le mb ra r, a e sse re sp e ito , q ue , no m und o jud a ic o , e ra
a d mitid a uma d ive rg ê nc ia de o p iniã o imp e nsá ve l na s futura s
so c ie d a d e s c ristã s. Po r e xe mp lo , fa rise us e sa d uc e us d isc utia m d e fo rma
infla ma d a so b re uma q ue stã o imp o rta ntíssima : se e xistia o u nã o
re ssurre iç ã o d e p o is d a mo rte . Ma s ne nhuma d a s d ua s fa c ç õ e s se se ntia
no d ire ito d e e xc o mung a r a o utra .
4. Vid e Ap ê nd ic e .
5. Am b ro g io Do nini, Sto ria de l c ristia ne simo - da lle o ríg ini a G iustinia no ,
Te ti e d ito re , Milã o , p . 261.
6. Ib id, p . 261.
7. Ib id.
8. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 75.
9. C o m e ste te rm o , sã o d e sig na d o s o s d e fe nso re s d a s d e c isõ e s d o
Prim e iro C o nc ilio d e Nic é ia .
10. Pa ra uma histó ria c o mp le ta d o a ria nism o , c f. Da vid C hristie -Murra y,
o p . c it, p . 77-91; Am b ro g io Do nini, o p . c it, p . 258-275.
11. Da rio Fo , La ve ra sto ria di Ra ve nna , Fra nc o C o simo Pa nini Ed ito re ,
Mo d e na , p . 78.
12. C ro no lo g ia unive rsa l, UTET, Turim , 1979. C f. ta mb é m Amb ro g io Do nini,
o p . c it, p . 324.
13. AAW, Sto ria de i c ristia ne simo , vo l. 3, Bo rla / C ittà Nuo va , Ro ma , 2002,
p . 256-257.
14. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 128.
15. Am b ro g io Do nini, o p . c it, p . 251.
16. Ib id, p . 251-252.
17. Vid e Ap ê nd ic e .
18. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 102-103; Amb ro g io Do nini, o p . c it, p .
318.
19. Ib id, p . 104-106. Pa ra um a p ro fund a me nto so b re o ne sto ria nismo ,
vid e Ap ê nd ic e .
20. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 108-109.
21. Vid e Ap ê nd ic e .
22. Vid e Ap ê nd ic e .
23. Se g und o o utra s fo nte s, p o rq ue se re me tia m a o s e nsina me nto s d o s
e sc rito s d e Pa ulo d e Sa mo sa ta .
24. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 121.
25. Am b ro g io Do nini, o p . c it
26. Vid e C a p ítulo 7.
27. Vid e p a rá g ra fo so b re o s he re g e s d e Mo nfo rte , no C a p ítulo 7, so b re
a s he re sia s me d ie va is.
28. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 121.
SEG UNDA PARTE A IDADE MÉDIA

C APÍTULO 4 Justinia no , o s ma ssa c re s e m no me d a fé


1. C o lo c a mo s e ntre p a rê nte se s o s a no s d o e fe tivo re ina d o .
2. Da rio Fo , La ve ra sto ria di Ra ve nna , Fra nc o C o simo Pa nini Ed ito re ,
Mo d e na .
3. Ib id, p . 208.
4. Am b ro g io Do nini, Sto ria d e i c ristia ne simo - da lle o ríg ini a G iustinia no ,
Te ti e d ito re , Milã o , p . 331.
5. Ib id , p . 331.
6. G iuse p p e Alb e rig o - Je a n Ma rie Ma ye ur, o p . c it, p . 375.
7. Ib id., p . 374-6.
8. Ib id , p . 377.
9. Vid e Ap ê nd ic e .
10. G iuse p p e Alb e rig o - Je a n Ma rie Ma ye ur, o p . c it, p . 381.
11. Ib id.
12. Ib id., p . 378-381.
13. Ib id., p . 381. O utra s info rma ç õ e s so b re o s mo nta nista s no Ap ê nd ic e .
14. Ib id., p . 379.
15. Ib id., p . 380. 16.Ib id ., p . 382-96.
17. Willia m L Shire r, Sto ria de l Te rzo Re ic h, vo l. 1, Eina ud i, Turim , 1962 (o u
1971), p . 36-38.
18. G iuse p p e Alb e rig o - Je a n Ma rie Ma ye ur, o p . c it, p . 397. 19.Ib id ., p .
399
20. Ib id., p . 400-3. 21.Ib id ., p . 403.
22. Da vid C hristie -Murra y, I p e rc o rsi de lle e re sie , Rusc o ni, Milã o , 1998, p .
113-4.
23. Am b ro g io Do nini, o p . c it., p . 330.
24. G iuse p p e Alb e rig o - Je a n Ma rie Ma ye ur, o p . c it, p . 403-4.
25. C ro no lo g ia Unive rsa le UTET.
26. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 116.
27. Ib id., p . 115-6.
28. Vid e p a rá g ra fo so b re ic o no c la stia .
29. A Bíb lia Sa g ra da , De ute ro nô mio , 5,8.
30. Este s te rritó rio s fo rma m, a p ro xima d a me nte , o a tua l te rritó rio d e
Ma rc he e d a Emília -Ro ma na .
31. O s fra nc o s fo ra m e va ng e liza d o s d ire ta me nte p o r missio ná rio s
c a tó lic o s, a o c o ntrá rio , p o r e xe mp lo , d o s g o d o s a ria no s.
32. Ale ssa nd ro Ba rb e ro , C a rio Ma g no : un p a d re d e ll'Euro p a , La te rza ,
Ro ma -Ba ri, 2000, p . 22-24.
C APÍTULO 5 C a rlo s Ma g no , a s c o nq uista s e o s c rime s
1. Ale ssa nd ro Ba rb e ro , C a rio Ma g no : un p a d re d e ll'Euro p a , La te rza ,
Ro ma -Ba ri, 2000, p . 26-27.
2. Ib id., p . 49.
3. Ib id ., p. 49.
4. Ib id ., p . 51-2.
5. Ib id ., p . 78-81.
6. AAVV, Enc ic lo p é dia de i p a p i, Istituto d e ll'Enc ic lo p e d ia Ita lia na , p .
695.
7. Ale ssa nd ro Ba rb e ro , o p . c it, p . 99-100.
8. Ale ssa nd ro Ba rb e ro , o p . c it, p . 100-101.0 e p isó d io d a d e struiç ã o d a
c a rta ta mb é m é c ita d o e m Bib lio te c a Sa nc to rum, vo l. VII, Istituto
G io va nni XXIII, d a Po ntifíc ia Unive rsid a d e d e La trã o , Ro ma , 1966, c o l.
1288.
9. O te rm o 'Va ssa lo " o rig ina ria m e nte sig nific a va "se rvo ", m a s p a sso u a
d e sig na r c o nd e s e ma rq ue se s q ue e ra m , na ve rd a d e , "se rvo s"d o
im p e ra d o r.
10. Ale ssa nd ro Ba rb e ro , o p . c it, p . 39-40. 11.Ib id ., p . 211.
12. Na p rá tic a , o s p a sto re s e ra m o b rig a d o s a p a g a r uma ta xa p a ra
c o nd uzir o re b a nho no s p a sto s p úb lic o s.
13. Bib lio te c a Sa nc to rum, vo l. III, o p . c it, c o l. 857-58.
14. Ib id., c o l. 861.
15. Am b ro g io Do nini, Sto ria de i c ristia ne simo - da lle o ríg ini a G iustinia no ,
Te ti e d ito re , Milã o , p . 306-7.
16. C f. Sto ria d e lia C hie sa (sé c . I-XII), Je sus: d ue mila a nni d i a ttua lità , vo l.
III. Ed izio ni SAIE, Turim, 1981, p . 196-7.
17. A re sp e ito d o s fa to s q ue na rra mo s, c f. Sto ria d e lia C hie sa (sé c . I-XII),
Je sus: d ue mila a nni d i a ttua lità , vo l. III. Ed izio ni SAIE, Turim, 1981, p . 196-7.
C f. ta mb é m C ro no lo g ia Unive rsa le , UTET.
C APÍTULO 6 As C ruza d a s: d uze nto s a no s d e g ue rra s, ro ub o s e c rime s e m no me d e
De us
1. Ste ve n Runc im a n, Sto ria de lle C ro c ia te , Eina ud i, Turim , 1966, p . 94.
2. Ste ve n Runc im a n, o p . c it, p . 110.
3. Em p a rte d e ve mo s e ste p a rá g ra fo a o c o mp ê nd io so b re a s C ruza d a s d e
"G a la ric o , il b á rb a ro ", ho sp e d a d o no se rvid o r d o C RIAD d a Unive rsid a d e d e g li Stud i
d i Bo lo g na : URL http :/ / www.c ria d .unib o . it/ g a la ric o /
4. Ste ve n Runc im a n, o p . c it, p . 810.
5. C f. a o b ra d e Eric C hristia nse n, Le C ro c ia te de l No rd, il Bá ltic o e Ia fro ntie ra
c a tto lic a (1100-1525), Il Mulino , Bo lo nha , 1983.
6. Ja c o p o Fo & C , La ve ra sto ria de i mo ndo , De me tra e d izio ni, 1987, Ve ro na .
C APÍTULO 7 As he re sia s me d ie va is
1. Da vid C hristie -Murra y, I p e rc o rsi de lle e re sie . Milã o , Rusc o ni, 1998, p . 152.
2. C ita d o e m R. Ne lli, Sc ritto ri a ntic o nfo rmisti de l Me dio e vo p ro ve nza le , Te rra e
p o litic i II, Milã o , Luni, 1996, p . 229-31.
3. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 13.
4. Ib id .,p . 160-1.
5. AAW, Sto ria di Mila no , vo l. III, Milã o , Fo nd a zio ne Tre c c a ni d e g li Alfie ri, 1954, p . 65.
6. Alg uns e stud io so s le va nta ra m a hip ó te se d e q ue e ssa fra se p o d e ria sig nific a r
q ue e le s c o nsid e ra va m se us b e ns c o muns a to d a a huma nid a d e , c f. AAW, Sto ria d i
Mila no .
7. Ib id.
8. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 148-9.
9. Ib id., p . 147.
10."Alb ig e nse " d e riva d e Alb i, c id a d e d a Fra nç a me rid io na l; "c o nc o re nzzia no s", d e
C o nc o re zzo , c id a d e à s p o rta s d e Milã o ; a mb a s lo c a lid a d e s o nd e e vid e nte me nte
ha via g ra nd e s núc le o s d e c á ta ro s.
11. Na re a lid a d e , d o p o nto d e vista d o utriná rio , e ste s ta mb é m se d ivid ia m e m
vá ria s c o rre nte s, c f. Me rlo G ra d o G io va nni, Ere tic i e d e re sie me die va le , Bo lo nha , Il
Mulino , 1989, p . 39-45 e p . 92-98.
12. G .G . Me rlo , Ere tic i e d e re sie me die va l!, Bo lo nha , Il Mulino , 1989, p . 46.
13. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 154-5.
14. Be na zzi, D'Am ic o , / / lib ro ne ro d e ll'inq uisizio ne . La ric o struzio ne d e i g ra nd i
p ro c e ssi, C a sa le Mo nfe rra to , Ed izio ni Pie m m e , 1998, p . 29.
15.Ib id .,p .30.
16. G io rg io To urn, / va lde si: La sing o la re vic e nd a d i un p o p o lo -c hie sa . Turim ,
C la ud ia na , 1999, p . 84-86.
17.lb id.
18. Ro ma no C a no sa , Sto ria de ll'Inq uisizio ne in Itá lia , vo l. 5, Ro m a , Sa p e re 2000,1990,
p . 54.
19. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 160.
20. Be na zzi, D'Amic o , o p . c it, p . 50.
21. Eug ê nio Ana g nine , Do lc ino e il mo vime nto e re tic a le a ll'inizio de l Tre c e nto , La
Nuo va Itá lia , Flo re nç a , 1964, p . 191-2.
22. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 167-8.
23. Le mb re mo s q ue , d ura nte o s se rmõ e s d e Hus, a c o nte c ia o c ha m a d o "C isma d o
O c id e nte ", q ue a ssistia à c o ntra p o siç ã o d e d o is p a p a s no me a d o s p e lo me smo
c o lé g io d e c a rd e a is. Em se g uid a , o C o nc ilio d e C o nstâ nc ia c o m p lic a ria a ind a
ma is a s c o isa s, no me a nd o um te rc e iro p a p a , Ma rtinho V.
24. Sim, o utra C ruza d a . Da d o o suc e sso d a s C ruza d a s c o ntra o s infié is na Te rra
Sa nta , o s p a p a s re so lve ra m la nç a r a lg uma s ta mb é m c o ntra o s mo na rc a s c ristã o s
q ue nã o a p o ia sse m o p o d e r p a p a l. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 168-9.
25. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 169. 26.Ib id ., p . 171.
TERC EIRA PARTE MO DERNIDADE E REPRESSÃO
C APÍTULO 8 O s c ristã o s e ra m p ro ib id o s d e le r a Bíb lia
1. C o m e xc e ç ã o d o Livro d a Sa b e d o ria e d o Livro d o s Ma c a b e us, q ue sã o e m
g re g o , m a s sã o c o nsid e ra d o s a p ó c rifo s p e lo p o vo jud e u.
2. Do nini, Sto ria de i c ristia ne simo - da lle o rig ine a G iustinia no , Milã o , Te ti e d ito re ,
1977, p . 322-3.
3. Ep ísto la C um e x iniunc to , d e 12 d e julho d e 1199.
4. Da vid C hristie -Murra y, I p e rc o rsi de lle e re sie , Milã o , Rusc o ni, 1998, p . 156.
5. G ig lio la Fra g nito , La Bib b ia a i ro g o : Ia c e nsura e c c ie sia stic a e i vo lg a rizza me nti
d e lia Sc rittura (1471-1605), Il Mulino , Bo lo nha , 1997, p . 24.
6. Ib id
7. Avvisi rig ua rdo a ime zzip iü o p p o rtuni p e r so ste ne re Ia C hie sa ro ma na , Bo lo nha ,
20 d e o utub ro d e 1553. Bib lio te c a Na c io na l d e Pa ris, fo lha B, n. 1088, vo l. Il, p .
641/ 650.
8. G ig lio la Fra g nito , o p . c it, p . 25-74.
C APÍTULO 9 A Inq uisiç ã o
1. Po r isso fo ra m intro d uzid a s a s p e na s d a fo g ue ira e a d isp e rsã o d a s c inza s p a ra
a s b ruxa s e o s he re g e s. "Ante s q ue o s c e mité rio s fo sse m le va d o s p a ra fo ra d a s
mura lha s, c o mo e ra há b ito e ntre o s ro ma no s, o s mo rto s re p o usa va m so b o c hã o
d e sua s c a sa s. Era m o s la re s, o s p ro te to re s d o lug a r. Assim, o ritua l d a fo g ue ira e d a
d isp e rsã o d e he re g e s e b ruxa s c o nstituía , na é p o c a , um a to tra umá tic o , p o is
ro mp ia a 'c o nvivê nc ia ' e ntre vid a e mo rte , e ntre 'c o rp o e a lma '" Va nna De Ang e lis,
Le Stre g he Ro g hi, p ro c e ssi, riti e p o zio ni, C a sa le Mo nfe rra to , Ed izio ni Pie m m e , 1999,
p . 155.
2. To d o s o s e xe mp lo s a q ui c ita d o s e stã o re p o rta d o s e m Da vid C hristie -Murra y, I
p e rc o rsi d e lle e re sie , Milã o , Rusc o ni, 1998.
3. íta lo Me re u, Sto ria de lla 'into lle ra nza in Euro p a , Milã o , Bo mp ia ni, 2000, p . 121.
4. Na ta le Be na zzi, Ma tte o D'Amic o , Il lib ro ne ro d e ll'lnq uisizio ne . La hc o struzio ne
de i g ra ndi p ro c e ssi, C a sa le Mo nfe rra to , Ed izio ni Pie m m e , 1998, p . 40.
5. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 156-7.
6. Ib id ., p . 15.
7. Ib id.
8. íta lo Me re u, o p . c it, p . 173.
9. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 157.
10. Be na zzi, D'Amic o , o p . c it, p . 32.
11. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 158.
12. íta lo Me re u, o p . c it, p . 124.
13. Nic o la u Eyme ric h, Fra nc isc o Pe na , Il Ma nua le d e ll'lnq uisito re . O rg a niza d o p o r
Luis Sa la -Mo lins, Ro ma , Fa nuc c i Ed ito re , 2000.
14. Nic o la u Eyme ric h, Fra nc isc o Pe na , o p . c it
15. Um a d a s p e nitê nc ia s q ue p o d ia c o nsistir na o b rig a ç ã o d e usa r p e lo re sto d a
vid a a lg uns sina is o u ro up a s e sp e c ia is, o s "sa nb e nito s"(sa c o s), q ue visive lme nte
ma rc a va m o p e c a d o r a o s o lho s d a c o munid a d e .
16. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 157-158.
17. Rino Fe rra ri, Fra G he ra rdo Se g a re llo lib e rtá rio di Dio , Q ua d e rni d o lc inia ni, Bie lla ,
C e ntro d i Stud i Do lc inia ni, p . 40.
18.G .G . Me rlo , Ere tic i e d e re sie me die va li, Bo lo nha , Il Mulino , 1989.
19. Ro ma no C a no sa , Sto ria d e lllnq uisizio ne in Itá lia , vo l. 1, Ro m a , Sa p e re 2000,1986,
p . 7.
20. Be na zzi, D'Amic o , o p . c it, p . 97.
21. Ib id.
22. Be na zzi, D'Amic o , o p . c it, p . 101
23. íta lo Me re u, o p . c it, p . 77 24./ 6/ d ,p .81-2.
25. íta lo Me re u, Sto ria de lllnto lle ra nza in Euro p a , Milã o , Bo m p ia ni, 2000, p . 75.
26. A Bíb lia Sa g ra da , G ê ne sis, 2,27.
27. Uta Ra nke -He ine m a nn, Eunuc hip e r il re g no de i c ie li, Milã o , Ro zzo li.
28. Je a n Ve rd o n, Il p ia c e re ne l Me dio e vo , Milã o , Ed ito re Ba ld ini & C a sto ld i, 1999, p .
62.
29. Ug o Zuc c a re llo , Pro c e ssi p e r so d o mia a Bo lo g na tra XVI e XVII se c o lo ,
mo no g ra fia d e c o nc lusã o d o c urso d e Histó ria Mo d e rna d e fe nd id a e m 25 d e
no ve mb ro d e 1998 junto à Unive rsid a d e d e Bo lo nha , a q ue m a g ra d e c e mo s.
C APÍTULO 10 A c a ç a à s b ruxa s
1. De um c â ntic o me d ie va l p o p ula r so b re a mulhe r, e xtra íd o d e Va nna De Ang e lis,
Le Stre g he . Ro g hi, riti,
p ro c e ssi e p o sizio ni. C a sa le Mo nfe rra to , Ed izio ni Pie mme , 1999, p . 161. 2.. J.M.
Sa llma nn, Le stre g he : a ma nti di Sa ta na . Pa ris, Unive rsa le Ele c ta G a llima rd , 1995.
3. Be na zzi, D'Amic o . Il Lib ro Ne ro d e lllnq uisizio ne . La ric o struzio ne d e i g ra nd i
p ro c e ssi. C a sa le Mo nfe rra to , Ed izio ni Pie mme , 1998, p . 263-5.
4. Ib id .,p .261.
5. ib id ., p . 256-7.
6. Ib id., p . 268.
7. J.M. Sa llma nnm, o p . c it, p . 81.
8. Va nna De Ang e lis, o p . c it, p . 269.
9. To mma so C a mp a ne lla , De l se nso d e lle c o se e d e lia ma g ia c ita d o e m Be na zzi,
D'Am ic o , o p . c it, p . 268.
10. Be na zzi, D'Amic o , o p . c it, p . 251-3.
11. Va nna De Ang e lis, o p . c it, p . 382-3.
12. C ita d o e m Be na zzi, D'Amic o , o p . c it, p . 268.
13. A Ig re ja julg a va se uma b ruxa e sta va ma is o u me no s p o ssuíd a p e lo d e mô nio ,
ma s se sua b ruxa ria tive sse c a usa d o d a no s a p ro p rie d a d e s o u p e sso a s, e la e ra
julg a d a p o r um trib una l c ivil.
14. Be na zzi, D'Amic o , o p . c it, p . 269.
15. Va nna De Ang e lis, o p . c it, p . 28-29.
16. C . De Ve sme , O rd a lie , ro g hi e to rture , G ê no va , Fra te lli Me lita Ed ito ri, 1987.
17. Pro vé rb io s XVI, 33.
18.G .G . Me rlo , Ere tic i e d e re sie me die va li, Bo lo nha , Il Mulino , 1998.
19. C a rio G inzb urg , I b e na nda nti: stre g o ne ria e c ulti a g ra ri tra C inq ue c e nto e
Se ic e nto . Tunm, Eina udi, 1966, p .4.
20. C ha ma m-se tê mp o ra s o s trê s d ia s d e je jum p re sc rito s p e lo c a le nd á rio
e c le siá stic o na p rime ira se ma na d a Q ua re sma ( tê mp o ra d e p rim a ve ra ), na o ita va
d e Pe nte c o ste s (tê mp o ra d e ve rã o ), na te rc e ira se ma na d e se te mb ro (tê mp o ra
d e o uto no ) e na te rc e ira se ma na d o Ad ve nto (tê mp o ra d e inve rno ).
21. Pa ra um ma io r a p ro fund a me nto so b re o fe nô me no d o s b e m-a nd a nte s,
re p o rta mo -no s à s se g uinte s o b ra s: C a rio G inzb urg , / b e na nda nti: stre g o ne ria e c ulti
a g ra ri tra C inq ue c e nto e Se ic e nto , Eina ud i, Turim, 1966. Fra nc o Na rd o n, Be na nd a nti
e inq uisito ri ne l Friuli de i Se ic e nto , Ed izio ni Unive rsità d i Trie ste , Trie ste ,1999.
22. Fra nc o Na rd o n, o p . c it, p . 138.
23. C a rio G rinzb urg , o p . c it, p . 181.
24. Ib id .,p . 47-51.
25. Fra nc o Na rd o n, o p . c it, p . 94.
26. Ra ffa e lla Pa luzza no e G ilb e rto Pre ssa c c o , Via g g io ne lla no tte de lia C hie sa di
Aq uilé ia , Ud ine , G a sp a ri Ed ito re , 1998.
C APÍTULO 11 A sa lva ç ã o d e Lute ro e a Re fo rma Pro te sta nte
1. Pe p e Ro d rig ue z, Ve rità e me nzo g ne de lia C hie sa C a tto lic a , Ro m a , Ed ito ri Riuniti,
1998, p . 263-266.
2. Da vid C hristie -Murra y, I p e rc o rsi de lle e re sie , Milã o , Rusc o ni, 1998, p . 180.
3. Um a sá tira d e Era smo d e Ro tte rd a m im a g ina va q ue o d e funto Júlio II, sub ind o
a o s c é us, fo i d e ixa d o d o la d o d e fo ra d o Pa ra íso . Ele , e ntã o , te nto u to ma r
milita rme nte o Re ino d o s C é us.
4. Pa ra um a p ro fund a me nto so b re a d o utrina d e Lute ro e so b re a Re fo rma , c f.
Luise Sc ho rn-Sc hütte , La Rifo rma p ro te sta nte . Bo lo nha , Il Mulino , 1998.
5. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 202.
6. Ib id ., p . 203.
7. Ib id., p .205.
8. íta lo Me re u, Sto ria de ll'lnto le ra nza in Euro p a , Milã o , Bo m p ia ni, 2000, p . 89.
9. Da vid C hristie -Murra y, o p . c it, p . 247.
10. Ib id., p . 247-8. 11.Ib id .,p .212.
12. Ib id., p . 212.
13. Ib id., p . 213.
14.0 re i Ja ime d a Ing la te rra a d o to u uma p o lític a re lig io sa "c e ntrista ": d isc rimino u
ta nto c a tó lic o s q ua nto e xtre mista s p urita no s, a tra ind o p a ra si o ó d io d e a mb a s a s
fa c ç õ e s. Em 1605, a lg uns no tá ve is c a tó lic o s o rg a niza ra m uma c o nsp ira ç ã o p a ra
ma ta r o re i: uma c â ma ra sub te rrâ ne a lo c a liza d a e mb a ixo d a C â ma ra d o s Lo rd e s
fo i c he ia d e b a rris d e p ó lvo ra e b a rra s d e fe rro . A id é ia e ra e xp lo d ir o p a lá c io
q ua nd o o re i Ja ime lá e ntra sse , junto c o m se us he rd e iro s. No último mo me nto , uma
d e núnc ia a nô nima ma nd o u o p la no p e lo s a re s. G uy Fa wke s, q ue d e ve ria te r sid o o
e xe c uto r ma te ria l d o c rim e , nã o fo i a visa d o p o r se us c úmp lic e s e , a ssim , e m 15 d e
no ve mb ro , d irig iu-se à c e la sub te rrâ ne a c o m uma to c ha e fo i p re so p e lo s a g e nte s
re a is q ue lá e sta va m. Fa wke s fo i e nfo rc a d o e m 1606, junto c o m trê s sup o sto s
c úmp lic e s. O 5 d e no ve mb ro é c e le b ra d o a té ho je p e lo s c a tó lic o s irla nd e se s, e
Fa wke s é le mb ra d o c o rno uma e sp é c ie d e má rtir.
C APÍTULO 12 A G ue rra d o s Trinta Ano s
1. Ald o us Huxle y, L'Emine nza g rig ia , Mo nd a d o ri, Milã o , 1966.
2. Pa ra a p ro fund a me nto s, re c o me nd a mo s a le itura d a o b ra d e Jo se f Po lise nsnky,
La G ue rra de i Tre nt'a nni: da un c o nflito lo c a le a una g ue rra e uro p e a ne lla p rima
me ta d e l Se ic e nto , Eina ud i, Turim,. 1982.
3. Huxle y, o p . c it., p . 263.
4. Vic to r G . Kie rna n, Sta te & so c ie ty in Euro p e : 1550-1650, O xfo rd , Bla c kwe ll, 1980.
C APÍTULO 13 C o lo nia lismo e e sc ra vid ã o
1. Tzve ta n To d o ro v, La c o nq uista de ll'Ame ric a . Il p ro b le ma d e ll'"a ltro ". Turim ,
Eina ud i, 1997, p . 12-14.
2. Da vid E. Sta nna rd , O lo c a usto a me ric a no : Ia c o nq uista de i nuo vo mo ndo . Turim ,
Bo lla ti Bo ring hie ri, 2001.
3. Tzve ta n To d o ro v, G e o rg e s Ba ud o t, Ra c c o nti a zte c hi de lia c o nq uista , Turim ,
Eina ud i, 1988, p . 121.
4. AAVV, / / Lib ro ne ro d e l c a p ita lismo . Ma rc o Tro p e a Ed ito re , Milã o , 1999, p . 409.
5. Ib id.
6. D. Sta nna rd , o p . c it., p . 72-3.
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