PÚBLICA E DA DEFESA SOCIAL POLÍCIA MILITAR DIRETORIA DE ENSINO CENTRO DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DA POLICIA MILITAR Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos - CAS/2021 Aspectos juridicos da bordagem - AJA
MODULO - I
CONCEITO DE ABORDAGEM POLICIAL
A tarefa do profissional da segurança publica consiste em oferecer à
sociedade a proteção suficiente para que todos estejam livres de riscos e perigos. E, para tanto, como representante do Estado, você detém o dever-poder de polícia, que lhe confere a capacidade de intervir nas liberdades individuais, respeitando os limites, sendo necessário submeter as pessoas ao procedimento de revista pessoal, a fim de garantir a segurança da comunidade, inclusive a da própria pessoa. Abordar é o ato de aproximar, alcançar, chegar, estar encostado, achegar- se em uma pessoa, com o propósito de lhe sondar a opinião ou tratar de qualquer assunto, começar a tratar de alguma coisa. Olhando para o conceito técnico, a abordagem policial constitui o procedimento de aproximação a uma pessoa, ou a um grupo de pessoas, ou ainda a um veículo ou residência, com o fim de confirmar um fato, a evidência de uma infração penal, bem como investigar, orientar, advertir, prender, assistir. Normalmente a busca em pessoas, veículos ou domicílios é realizada em função da necessidade de se identificar a existência de algum objeto que constitua corpo de delito (Código de Processo Penal, art. 244). Mas, pela definição construída anteriormente, é importante deixar bem claro que essa intervenção policial não somente ocorre diante da existência de uma infração penal. Vale dizer, a abordagem pode ser realizada também com o objetivo de orientar, advertir, assistir. Dentro dessa ideia, conforme já discutido acima, ela pode ser empregada também como critério de prevenção, sem que exista fundada suspeita. Abordagem representa um encontro entre a polícia e o público e os procedimentos adotados pelos policiais variam de acordo com as circunstâncias e com a avaliação feita pelo policial sobre a pessoa com quem interage, podendo estar relacionada ao crime ou não. Essa é uma ação policial proativa, que ocorre durante as atividades de policiamento, cujos procedimentos preveem a interceptação de pessoas e veículos na via pública e a realização de busca pessoal e revista veicular, com o objetivo de localizar algum objeto ilícito, como drogas e armas de fogo. A decisão de agir é exclusiva do policial e é respaldada por lei. A abordagem pode ser feita, em especial, com duas finalidades, quais sejam: a preventiva e a repressiva, sendo a situação fática e a aferição dessa situação feita pelo policial com base nos princípios e manuais que norteará o tipo de abordagem a ser realizada. Dentro desse contexto, observe as situações a seguir. Situação 01: Profissionais de segurança pública planejaram ações específicas para um evento esportivo, ocorrido nos últimos 10 anos. Nesse período, houve registros de roubo, furto, lesão corporal, tentativa de homicídio e homicídio consumado. Umas das estratégias adotadas na edição atual foi a de intensificar as atividades de busca em pessoas e veículos, em barreiras pré-determinadas, observada a mancha criminal. Após a realização do evento não houve registro de homicídio, nem de tentativa de homicídio. Houve sensível redução nos números de roubo, furto e lesão corporal. Situação 02: Uma viatura policial recebeu informações detalhadas, via Central de Operações, sobre um grupo de três pessoas armadas com pistolas, efetuando assaltado em uma padaria no centro da cidade. Ao chegar no local, a equipe obteve a confirmação da ocorrência com o proprietário do estabelecimento, o qual forneceu novas informações sobre os autores do fato, que se evadiram. Durante o patrulhamento, os policiais identificaram 03 (três) pessoas, cujas descrições e comportamento indicaram uma semelhança de características com os autores do roubo à padaria, conforme informações transmitidas pela Central de Operações e pela vítima. Importante! O policial, representante do Estado, protetor dos bens mais caros para a sociedade, deve ter o domínio sobre o que acontece no mundo dos fatos, a realidade das ruas. O policial deve empregar a técnica adequada durante sua atuação (necessária e razoável) e observar os fundamentos da ordem jurídica. Com esse ciclo, o seu comportamento será considerado legítimo. FUNDADA SUSPEITA
A primeira coisa que vem à mente de um policial sobre a justificativa
para se realizar uma abordagem é a chamada fundada suspeita. Ao se empregar os significados de um dicionário, a fundada suspeita seria o juízo de valor formulado sobre o comportamento de uma pessoa, ou sobre algo, com base (fundado) em elementos prévia e solidamente identificados, que levam a concluir sobre a existência de um ato irregular, ilícito e/ou criminoso. De imediato o fundamento legal citado é o do Código de Processo Penal:
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem para: [...] b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; [...] f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; [...] h) colher qualquer elemento de convicção. § 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.
Ao analisar a expressão fundada suspeita contida nos artigos citados,
Nucci (2005, p. 493) ensina:
Suspeita é uma desconfiança ou suposição, algo intuitivo e frágil, por
natureza, razão pela qual a norma exige fundada suspeita, que é mais concreto e seguro. [...] sendo crucial destacar que a autoridade encarregada da investigação ou seus agentes podem – e devem – revistar pessoas em busca de armas, instrumentos do crime, objetos necessários à prova do fato delituoso, elementos de convicção, entre outros, agindo escrupulosa e fundamentadamente.
Contudo, várias são as críticas sobre a formação da fundada suspeita.
Quem nunca ouviu a famosa pergunta sobre o que seria a fundada suspeita. Aqui reside grande parte da controvérsia sobre o emprego da discricionariedade do policial. Embora haja essa discussão, é bom que se diga que o problema não reside no suposto grau de discricionariedade ou na ausência de definições sobre o que seria a expressão “fundada suspeita”. Mas, na maioria das vezes, o problema encontra- se na correta aplicação das normas aqui discorridas, ou a dificuldade de se interpretar os fatos e o uso da técnica adequada ao caso concreto. Assim, para que seja assegurada uma convivência harmoniosa, um ambiente livre de riscos e perigos, o legislador conferiu aos policiais, independente de autorização judicial, a possibilidade de se realizar abordagens em pessoas, veículos e domicílios, bastando indício associado à fundada suspeita de que a pessoa esteja portando um objeto que esteja vinculado a uma infração penal. Daí surgem os manuais, os procedimentos operacionais, instruções, resoluções, que buscam detalhar e definir os critérios de atuação do profissional, isto é, complementando a cláusula geral da lei sobre indícios e fundada suspeita.
O DEVER-PODER DE POLÍCIA
Antes de discorrermos acerca do poder de polícia, é necessário
entendermos um pouco do conceito e desdobramentos do “ato administrativo”, o qual é uma manifestação de vontade (comportamento) proferida pelo Estado e externado por agente público, ou por quem lhe faça às vezes, a fim de criar, modificar ou extinguir direitos, perseguindo o interesse público. Vale dizer, essa manifestação de vontade (comportamento) está sujeita ao regime jurídico público, não tendo a mesma força da lei, sendo inferior e complementar à previsão legal. Para aferir sua legitimidade, pode se sujeitar ao controle do poder judiciário, no que diz respeito à legalidade, o qual determina a anulação, nos casos em que descumprido o interesse público. Essa manifestação de vontade muitas vezes cumpre uma determinação legal, sendo, portanto, vinculada. Em outras palavras, abre-se um leque de opções para se realizar a manifestação de vontade, abarcando a discricionariedade. E dentro desse contexto, surge o exercício do dever-poder de polícia. Existem elementos ou requisitos que são intrínsecos e necessários para a execução do ato administrativo, quais sejam:
Competência (Sujeito): trata-se da capacidade do agente público de praticar o
ato, conforme definido em legislação. Não havendo lei conferindo essa capacidade, o ato praticado é passível de nulidade. Nesse sentido, destaca-se a tarefa para realizar busca pessoal durante as ações de segurança pública. Em outras palavras, a lei confere aos agentes policiais essa atividade, não sendo admissível outro agente do Estado exercê-la. Forma: cuida-se da exteriorização da manifestação de vontade ou do comportamento. Em regra, é por escrito, salvo quando a lei autorizar de outra forma (ex.: gestos do agente de trânsito, gestos do policial durante uma intervenção). Motivo: para que o ato seja aperfeiçoado exige-se a exposição/demonstração dos fundamentos de fato (acontecimentos do dia-a-dia) e de direito (conforme previsto na ordem jurídica). Dentro da ideia de controle, o cidadão precisa saber das razões em que se basearam o comportamento do agente público, a fim de aferir o grau de cumprimento do interesse comum, como ocorre nas razões da realização de uma intervenção policial, seja para abordar ou para prender. Pode ser vinculado (conforme determina a lei) ou discricionário. Objeto: trata-se do conteúdo do ato, ou seja, aquilo sobre o que o comportamento dispõe (ex.: fiscalização, proteção de pessoas e bens). Finalidade: é o bem jurídico objetivado pelo comportamento do agente público (ex.: proteção de um bem da vida). Agora, passemos a falar do dever-poder de polícia, o qual dentro das cláusulas do contrato social, o dever-poder de polícia corresponde à permissão social dada à administração pública para restringir o exercício de direitos individuais em benefício de toda a sociedade. Empregado com responsabilidade, trata-se de verdadeiro instrumento posto à disposição do poder público para disciplinar o exercício desses direitos e liberdades ou ainda de contê- los, diante de eventuais excessos ou da necessidade de se disciplinar determinadas relações (ex.: interdição de via pública para promoção das ações de segurança). Lembre-se que normalmente esse dever-poder estabelece condições, ou impõe restrições e limitações. Dentro desse contexto, é muito comum os profissionais de segurança, durante a realização de suas atribuições exercer o dever-poder de polícia para realizar detenções, seja porque ocorreu um flagrante delito, seja porque a justiça expediu um mandado de prisão decorrente de uma condenação criminal. Vale ressaltar que você está estudando aqui o conceito desse instrumento de maneira ampla. Assim, para conferir clareza, precisão e ordem lógica, a matéria deve ser tratada de acordo com a atribuição de cada órgão policial. Com efeito, normalmente esse dever-poder vem descrito no ordenamento jurídico, como nos Códigos (de Trânsito, Penal, Processo Penal), legislação ambiental, de direito administrativo, ou ainda nas leis que dispõem sobre a organização de cada instituição. A título de exemplo, no exercício da atividade de policiamento ostensivo, essa previsão genérica do dever-poder de polícia é estabelecida no Decreto- Lei nº 667, de 02 de julho de 1969:
Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna
nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: (Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983) a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983) b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983) c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983) d) atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção, subordinando-se à Força Terrestre para emprego em suas atribuições específicas de polícia militar e como participante da Defesa Interna e da Defesa Territorial; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983) [...]
Importante! É através do dever-poder de polícia que a lei confere a
você, profissional de segurança pública, mecanismos para disciplinar a conduta das pessoas em sociedade. É dentro desse contexto que se fundamenta a atuação policial, instrumento que lhe permite alcançar um grau de ordem pública, de paz social, que se exige no cumprimento de seu mister (ocupação profissional, trabalho ou ofício).
ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA
PÚBLICA
Como profissional, você sabe que a atividade policial integra as ações
de segurança pública constitui-se como um aspecto da ordem pública, ao lado da tranquilidade e da salubridade pública. Tudo isso é concebido dentro de uma estrutura estatal para garantir uma convivência harmoniosa entre as pessoas. Segurança pública ou ordem pública?: Uma explicação usual diz que, em linhas gerais, a segurança pública é causa da ordem pública, que se traduz em um estado antidelitual, livre, portanto, da violação dos bens e valores mais importantes para a coletividade (vida, integridade física, liberdade, patrimônio, etc.) e, por isso, tutelados pelas leis, que regulam o comportamento de todos. Nesse sentido, existe ordem pública, e, consequentemente, segurança pública, quando, por exemplo, no dia-a-dia o cidadão tem a liberdade para ocupar espaços públicos, transitar nas ruas a qualquer hora, sem sofrer qualquer tipo de prejuízo, violação ou dano (ex.: furto, roubo, sequestro, lesão corporal, homicídio etc.). A segurança pública é resultado de um conjunto de ações dos órgãos especializados do Estado, precedido por escolhas feitas pela sociedade e reguladas por normas jurídicas (leis), tudo com a finalidade de garantir a ordem pública, sendo esta objeto daquela. É neste ponto em que nós, profissionais de segurança pública, devemos amparar nossas ações. Dentro dessa concepção, a preservação da ordem pública é feita pelos agentes públicos de segurança, por meio da manutenção e quando quebrada, do reestabelecimento da ordem pública. Vejamos o que se consolida com a leitura do Capítulo (III), “Da segurança pública”, no Título V, da CF/88, que cuida “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”. Em especial, o artigo 144 estabelece que o poder público, dentro de suas atribuições, tem a incumbência de promover a preservação da ordem pública e garantir a incolumidade das pessoas e do patrimônio:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares VI - polícias penais federal, estaduais e distrital. (RN EC nº 104/2019)
Para facilitar a compreensão do momento em que cada um dos órgãos
policiais, citados anteriormente, deve agir, para preservar a ordem pública, proteger pessoas e bens, faça o exercício a seguir: 1) Imagine o momento em que ocorre um evento da natureza (emergências, desastres, catástrofes, etc.) ou uma conduta humana – ação/omissão (crime/delito, contravenção penal, etc.). Diante de situações assim, o que se busca é assegurar um ambiente social livre de riscos e perigos, através de ações de prevenção ou de repressão (imediata e mediata) realizadas pelos os órgãos policiais, seja em razão dos acontecimentos da natureza, seja em função do comportamento do ser humano. As ações desenvolvidas pelos órgãos policiais buscam promover o controle social no sentido de evitar (prevenir) a perturbação da ordem pública, a mácula da paz social, a violação dos bens jurídicos tutelados (vida, integridade física, patrimônio, etc.). Quando essa prevenção não funciona, surgem os procedimentos de resgate da ordem pública e da paz social, mediante ações de repressão imediata, socorrendo a vítima, isolando o local do evento, prendendo o autor da conduta, instaurando procedimentos (ex.: inquérito policial) para esclarecer os fatos e colher elementos preliminares (autoria, materialidade e circunstâncias) para instruir eventual responsabilização (administrativa, civil ou penal).
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