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DIREITO PROCESSUAL PENAL

CAP. III - INQUÉRITO POLICIAL1

INQUÉRITO POLICIAL - PARTE I


1. DIREITO PROCESSUAL PENAL: O INQUÉRITO POLICIAL
2. O Estado Moderno e o Poder de Polícia
3. O Inquérito Policial
4. Polícia judiciária
5. Inquéritos extrapoliciais (artigo 4.º, parágrafo único, do código de processo
penal)
6. Valor probatório
7. Dispensabilidade
7.1. Juizados especiais
8. Incomunicabilidade
9. “notitia criminis”
9.1. Conceito
9.2. Espécies
10. Início
10.1. Nos crimes de ação pública incondicionada
10.2. Nos crimes de ação pública condicionada
10.3. Nos crimes de ação privada
10.4. Observações

INQUÉRITO POLICIAL- PARTE II


1. PROVIDÊNCIAS DA AUTORIDADE POLICIAL
1.1. Dirigir-se ao Local do Crime
1.2. Apreender os Objetos Relacionados com o Fato
1.3. Ouvir o Ofendido e as Testemunhas
1.4. Ouvir o Indiciado
1.4.1. Indiciamento
1.4.2. Interrogatório extrajudicial
1.4.3. Membro do Ministério Público
1.4.4. Indiciado menor
1.4.5. Identificação criminal
1.4.6. Incidente de insanidade mental
1.5. Reconhecimento de Pessoas e Coisas e Acareações
1.6. Exame de Corpo de Delito
1.7. Reprodução Simulada dos Fatos
1.8. Relatório
2. PRAZO PARA ENCERRAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL
2.1. Prazos Especiais
2.1.1. Justiça Federal
2.1.2. Tóxicos
2.1.3. Crimes contra a economia popular
3. ARQUIVAMENTO
Exercícios

INQUÉRITO POLICIAL - PARTE I


1
Segunda parte com base na obra do Prof. Fernando Capez.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

1 DIREITO PROCESSUAL PENAL: O INQUÉRITO POLICIAL2


O presente artigo pretende ser um instrumento a serviço do educando no estudo
do processo penal, mais especificamente no que se refere ao Inquérito Policial previsto
entre os artigos 4º e 23º do referido diploma legal. Certo é que, devido a sua natureza e
limite de espaço, servirá como direcionamento e base, na construção da disciplina de
direito processual penal I.
Para tanto, num primeiro momento voltar-se-á o estudo ao Estado Moderno e o
poder de Polícia, alavancando as bases teóricas onde se fundamenta o poder da polícia e
nela, o poder da polícia que legitima o Inquérito Policial.
Tendo feito tal fundamentação, o estudo tomará como meta o Inquérito Policial
mesmo, fazendo uma incursão acerca de sua conceituação, natureza jurídica, finalidade,
características e procedimento.

2 O ESTADO MODERNO E O PODER DE POLÍCIA

O Estado, assim considerado a Nação politicamente organizada, é o conjunto


orgânico do Território, Povo, Soberania e Governo. O Território é a base física do
Estado; o Povo o seu elemento humano; a Soberania o seu substrato político; o
Governo, o seu órgão diretivo.
O Estado, assim concebido, tem poderes para a sua organização, conservação,
determinação de seus objetivos e consecução de seus fins.
Todo poder estatal é poder político. Poder é a capacidade de decidir e impor a
decisão aos seus destinatários. Nesse sentido o poder se manifesta em todos os grupos e
comunidades, desde a família, que se apóia no poder familiar, até o Estado que se
sustenta no poder político, emanado da vontade popular, que é o sustentáculo da
Soberania Nacional. Assim, podemos conceituar a Soberania Nacional como o Poder
Supremo de autodeterminação do Estado, nela compreendida a faculdade de livre
organização, governo independente e defesa dos interesses nacionais.
Dentre os poderes administrativos do Estado, o poder de polícia abrange a
proteção do indivíduo, da sociedade, das instituições, do território e dos demais
interesses, bens e valores que cumpre ao Estado manter e preservar, segundo a ordem
jurídica estabelecida pela C.F.
Poder de polícia, portanto, é a faculdade discricionária de que dispõe a
Administração Pública em geral, para condicionar e restringir o uso e gozo de bens ou
direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.
Em linguagem menos técnica, pode-se dizer que o poder de polícia é o
mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública, para deter os abusos do
direito individual. Neste intento, há que se distinguir as funções da polícia
administrativa e da polícia judiciária. A principal distinção entre ambas é que, a Polícia
Administrativa restringe o exercício de atividades lícitas, reconhecidas pelo
ordenamento como direito dos particulares, isolados ou em grupo, enquanto que a
Polícia Judiciária visa impedir o exercício de atividades lícitas, vedadas pelo
2
Parte de capítulo do Livro “Visões Críticas do Direito Contemporâneo” de autoria de Jean Mauro
Menuzzi e Cláudia Taís Siqueira Cagliari.

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ordenamento. Assim poder de polícia judiciária é privativa dos órgãos auxiliares da


Justiça enquanto que o poder de polícia administrativa se difunde por todos os órgãos
administrativos, de todos os Poderes e entidades públicas.
Em outras palavras, poder de polícia, em seu sentido amplo, compreende um
sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado, não só garante a ordem
pública, mas também estabelece, para a vida de relações dos cidadãos, regras de boa
conduta e de boa vizinhança, necessárias para evitar conflito de direitos e para garantir a
cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, até onde for razoavelmente
compatível com os direitos dos demais.
Por fim, a Polícia Judiciária é notadamente repressiva. Enquanto a Polícia
Administrativa se rege pelo Direito Administrativo, a Polícia Judiciária se rege pelo
Direito Processual Penal. Com efeito, quando o ilícito penal é praticado, é a Polícia
Judiciária que age. A função da polícia judiciária, portanto, esta diretamente relacionada
à instrução do Inquérito Policial.

3 O INQUÉRITO POLICIAL

Desde a antiguidade as sociedades buscaram uma forma de investigar crimes,


criando um processo que, com o passar dos tempos, transformou-se e aprimorou-se cada
vez mais, vindo a assumir o caráter e a importância que hoje possui na apuração dos
delitos, suas circunstâncias e autores.3
Por outro lado, já de início, é preciso resguardar que, o inquérito policial é
considerado uma peça de informação do Processo Penal. Possui ele características
próprias e não segue um rito pré-estabelecido, sendo que o seu objetivo é apurar o fato
criminoso, elucidar a materialidade e a respectiva autoria, nos termos do artigo 4.º do
Código de Processo Penal4.
Tendo ocorrido o fato delituoso contrario a norma penal, nasce para o Estado o
direito de punir. É preciso, portanto, que o Estado-Administração leve a noticia do fato
delituoso ao conhecimento do Estado-Juiz, apontando-lhe o respectivo autor, a fim de
que esse, apreciando e analisando a noticia, declare a sua procedência ou
improcedência, dizendo se é fundada ou infundada a pretensão estatal 5. Vale destacar
que somente o Estado possui o jus puniendi, pois tomou para si o poder/dever da
aplicação da pretensão punitiva, que se realiza pela ação penal.

3.1 Conceituação

Partindo dos termos de Adilson Mehmeri6, pode-se conceituar o Inquérito


policial, em sentido estrito, como sendo um procedimento de investigação
administrativa, que, mediante a atuação da policia judiciária, guarda a finalidade de
apurar a materialidade da infração penal, cometida ou tentada, e a respectiva autoria, ou
co-autoria, para servir como embasamento, para a propositura da ação penal, ao titular
da ação penal condenatória.

3
MEHMERI, Adilson. Inquérito policial: dinâmica. São Paulo: Saraiva, 1992,.p. 3.
4
BRASIL. Código de processo penal. (Decreto-lei n. 3.689, de 3 de novembro de 1941) 15 ed. São
Paulo: Saraiva. 2009.
5
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 8 ed. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 27.
6
Ibid., p. 26.

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Fernando Capez conceitua o inquérito Policial como “o conjunto de diligências


realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria,
a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (artigo 4.º do Código de
Processo Penal)7.
Já Camargo Aranha em sua doutrina conceitua o inquérito policial em razão da
ação penal. São suas palavras:

[...] o inquérito policial pode ser definido como um procedimento


administrativo, elaborado pela policia judiciária, inquisitório, escrito e
sigiloso, cuja finalidade é a investigação do fato criminoso em sua
materialidade e na sua autoria, visando fornecer elementos para que o
titular da ação penal acuse o autor de ilícito penal.8

O que é comum na definição do Inquérito policial é que trata-se de um


procedimento administrativo- investigatório, persecutório e de instrução provisória, que
representa uma grande fonte de informações, algumas até de incontestável valor
probatório pelo fato de serem colhidas em momentos irrepetíveis, tornando-se difíceis
de serem deturpadas ou mesmo refeitos.
Além disso, para que se proponha a ação penal, é necessário que o Estado
disponha de elementos mínimos que indiquem a ocorrência da infração penal e sua
autoria. O meio mais comum para colheita de tais elementos é a apuração do inquérito
policial, embora, nos termos de Guilherme de Souza Nucci, 9 o inquérito policial não
seja o único e exclusivo sustentáculo da ação penal.

3.2 Natureza Jurídica

Em curtos termos, seguindo a doutrina de Capez, o inquérito policial é


procedimento persecutório de caráter administrativo e natureza inquisitiva instaurado
pela autoridade policial. É um procedimento, pois é uma seqüência de atos voltados a
uma finalidade. Persecutório porque persegue a satisfação do jus puniendi. Persecução
é a atividade estatal por meio da qual se busca a punição e se inicia, oficialmente, com a
instauração do inquérito policial, também conhecido como informatio delicti.10
Para Tourinho Filho, com base no disposto no artigo 9º do Código Penal, "Todas
as peças do Inquérito Policial serão, num só processo, reduzidas a escrito ou
datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade” 11. É, portanto, autentico
procedimento administrativo, presidido por autoridade policial, com objeto e
destinatários próprios.
Aury Lopes Jr., argumenta que a natureza administrativa do inquérito policial
deve-se ao fato de o procedimento ser levado a cabo por órgão estatal não pertencente
ao Poder Judiciário e, consequentemente, “[...] a atividade carece da direção de uma
autoridade com potestade jurisdicional, não podendo ser considerada uma atividade

7
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 69.
8
ARANHA, Adalberto Camargo apud BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito Policial. 5. ed. São Paulo:
Método, 2006. P. 26.
9
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8 ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais. 2008.
10
Vide mais sobre o tema em CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo:
Saraiva. 2009. p. 67 e seguintes.
11
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. 2001. p. 57.

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jurisdicional e tampouco de natureza processual” 12. Inclusive, o autor não exclui uma
possível intervenção do órgão jurisdicional, ao autorizar uma medida restritiva, por
exemplo13, embora esta seja contingente e limitada.

3. 3. Finalidade

Forte no disposto nos artigos 4.º e 12 do Código de Processo Penal, o inquérito


tem por finalidade a apuração da existência de infração penal e a respectiva autoria, para
fornecer ao titular da ação penal elementos mínimos para que ele possa ingressar em
juízo. Por apuração da infração penal entende-se a colheita de informações a respeito do
fato criminoso. Já apurar a autoria consiste nas atividade desenvolvidas pela autoridade
policial com intento de descobrir o verdadeiro autor da infração penal.
Partindo dessa idéia Fernando Capez aponta a finalidade do inquérito policial
como sendo a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria para
servir de base a ação penal ou às providencias cautelares.14
No mesma linha de posicionamento, Luciano Feldens e Andrei Zenkner Schmidt
afirmam que, como o Inquérito Policial visa dar subsídios a futura e eventual ação
penal a ser proposta pelo Ministério Público, ou pelo ofendido, sua finalidade é a
colheita de elementos tendentes à elucidação da autoria e da materialidade de
determinada infração penal.15
Portanto, a finalidade do inquérito é a apuração das infrações penais e das suas
respectivas autorias, para que o titular da ação penal, seja o Ministério Público, seja o
particular, possa, com base nessas investigações, dar inicio à persecutio criminis in
judicio, promovendo a ação penal.

3.4 Características

Primeiramente, o Inquérito Policial se caracteriza por ser escrito, conforme


determina o artigo 9.º do Código de Processo Penal: “Todas as peças do inquérito
policial serão, num só processo, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso,
rubricadas pela autoridade”16. Tendo em vista suas finalidades, não se concebe a
existência de uma investigação verbal, por isso, todas peças do inquérito policial
deverão ser reduzidas a termo ou datilografadas num só processo.17
É também um procedimento sigiloso, conforme fica estabelecido no artigo 20 do
Código de Processo Pena: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à
elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”. Tal sigilo se faz necessário
para que se tenha uma melhor apuração dos fatos, evitando-se que o indiciado tenha
informações que possam facilitar a ocultação ou destruição das provas, evitando-se, até

12
LOPES JÚNIOR, Aury, Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio: Lúmen Júris,
2001, p. 33.
13
Id., p.34
14
CAPEZ, Fernando, 2008, p. 74. Consulte-se, no mesmo sentido, Fernando da Costa Tourinho Filho, na
obra já mencionada no capítulo que trata sobre o tema.
15
FELDENS, Luciano; SCHMIDT, Andrei Zenkner. Investigação criminal e Ação penal. 1. ed. Porto
Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2005. p. 19.
16
BRASIL. Código de processo penal. (Decreto-lei n. 3.689, de 3 de novembro de 1941) 15 ed. São
Paulo: Saraiva. 2000.
17
Ibid., p. 77.

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mesmo, a sua influência no depoimento das testemunhas. Busca, também, salvaguardar


a intimidade do indiciado, resguardando-se, assim, seu estado de inocência.
Cabe destacar que o sigilo não se estende ao representante do Ministério
Público, nem à autoridade judiciária. Quanto ao Advogado, pode consultar os autos de
inquérito, mas, caso seja decretado judicialmente o sigilo, não poderá acompanhar a
realização de atos procedimentais.18
Como já destacado, trata-se de procedimento inquisitivo, pois as atividades
centram-se em uma única autoridade, que pode agir de ofício e discricionariamente para
esclarecer o crime e sua autoria. Como não há acusação nem defesa, conclui-se que não
há contraditório19. Também não há possibilidade de argüição de suspeição da autoridade
policial como ocorre com a autoridade judiciária20.
Alguns doutrinadores entendem que o pedido de diligencia estatuído no artigo
14 do Código de Processo Penal seria uma forma de contraditório, no entanto, a
autoridade policial poderá indeferi-los, com exceção do exame de corpo de delito por
força do artigo 184 do Código de Processo Penal.
Convém apontar, ainda, que o Inquérito Policial caracteriza-se por seguir os
princípios da Legalidade, da Oficiosidade, da Indisponibilidade, da Oficialidade 21 e da
Autoritariedade.22
No que se refere a oficiosidade e significa que a autoridade policial independe
de qualquer espécie de provocação, sendo a instauração do inquérito obrigatória diante
da noticia de uma infração penal. Portanto em ocorrendo crime de ação penal pública
incondicionada, a autoridade tem o dever de instaurar o inquérito policial de ofício,
conforme previsão do artigo 5.º, inciso I, do Código de Processo Penal. 23
No tocante a indisponibilidade, uma vez, realizada a sua instauração, a
autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito por força da previsão
do artigo 17 do Código de Processo Penal, sendo tal atribuição exclusiva do Ministério
Público. O Juiz também não pode determinar o arquivamento. Caso o Ministério
Público ofereça pedido de arquivamento e o juiz o negue, os autos serão encaminhados
à Procuradoria-Geral de Justiça. Se este insistir no arquivamento, os autos do inquérito
serão arquivados, nos termos do artigo 28 do Código de Processo Penal, caso contrário
o Procurador Geral de Justiça ofereça a denúncia o juiz é obrigado a recebê-la. Nesta
circunstância fica evidente que o arquivamento sempre fica condicionado à
manifestação do Ministério Público.24
Parte da doutrina entende que a incomunicabilidade também faz parte do rol de
características que integram o inquérito policial, e que serviria para impedir que a
comunicação do preso com terceiros deprecie a apuração dos fatos. Vale observar que a
incomunicabiblidade, de maneira nenhuma, irá se estender ao advogado, consoante
disposto no artigo 7º, III da Lei nº. 8.906, de 04 de julho de 1994 (Estatuto da OAB) que
assim estabelece:

18
Acerca do tema, consulte-se: Lei n. 8.906/94, artigo 7.º, incisos XIII a XV, e § 1.º.
19
Importa indicar que são exceções a esta regra, por apresentarem contraditório, o inquérito judicial e o
inquérito para expulsão de estrangeiro.
20
Artigo 107 do Código de Processo Penal. “Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos
autos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal”. Nesse sentido:
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, 2001, p. 352.
21
É uma atividade investigatória feita por órgãos oficiais dirigido pela autoridade policial.
22
Devido a exigência constitucional do artigo 144, § 4.º, deve ser, obrigatoriamente presidido por uma
autoridade pública.
23
Sobre o tema: CAPEZ, Fernando. 2008. p. 77/78.
24
Sobre o tema consulte-se: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. 2001. p. 72 e seguintes.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

Art. 7º São direitos do advogado:


[...]
III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente,
mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou
recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que
considerados incomunicáveis.25

Embora o sigilo do inquérito policial não atinge a figura do advogado, este, no


exercício de suas funções, é detentor de segredo profissional e tem o dever de guardá-lo,
sob pena de cometer grave infração disciplinar.26
Outros, a exemplo de Magalhães Noronha, entendem que a incomunicabilidade
do inquérito policial se assemelha com o próprio sigilo. Tratar-se-ia de espécie do
gênero. “O sigilo é a essência do inquérito policial. Não guardá-lo é, muitas vezes,
fornecer armas e recursos ao delinqüente para frustrar a atuação da autoridade na
apuração do crime e da autoria.”27

4. POLÍCIA JUDICIÁRIA

Quanto ao objeto, a polícia pode ser administrativa (preventiva) ou judiciária


(repressiva). A polícia judiciária tem a função de auxiliar a justiça, apurando as
infrações penais e suas respectivas autorias.
O artigo 4.º, caput, do Código de Processo Penal usava inadequadamente o
termo “jurisdição”. O termo jurisdição designa a atividade por meio da qual o Estado,
em substituição às partes, declara a preexistente vontade da lei ao caso concreto.
A Lei n. 9.043, de 9.5.1995, trocou o termo “jurisdição” por “circunscrição”
(limites territoriais dentro dos quais a polícia realiza suas funções).
O parágrafo único do citado artigo também contém uma impropriedade. Ao
dispor que “a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades
administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”, o legislador foi infeliz,
pois a autoridade policial não tem competência, mas sim atribuições. O termo
competência aqui empregado deve ser entendido como poder conferido a alguém para
conhecer determinados assuntos, não se confundindo com competência jurisdicional,
que é a medida concreta do Poder Jurisdicional.
Salvo algumas exceções, a atribuição para presidir o inquérito policial é
conferida aos Delegados de Polícia (artigo 144, §§ 1.º e 4.º, da Constituição Federal de
1988), conforme as normas de organização policial dos Estados. A atribuição pode ser
fixada, quer pelo lugar da consumação da infração (ratione loci), quer pela natureza da
mesma (ratione materiae).
A autoridade policial, em regra, não poderá praticar qualquer ato fora dos limites de
sua circunscrição, sendo necessário:
 se for em outro país: carta rogatória;
 se for em outra comarca: carta precatória;
Se for no Distrito Federal ou em circunscrição diferente dentro da mesma
comarca, a autoridade poderá ordenar diligências independente de precatórias ou
requisições (artigo 22 do Código de Processo Penal).O flagrante deve ser lavrado no
local em que se efetivou a prisão, mas se neste não houver Delegado de Polícia, deverá
o preso ser apresentado à circunscrição mais próxima (artigos 290 e 308, ambos do
25
Disponível em: <http://www.oab.org.br/Lei8906EstatutoOAB.pdf> acesso em 27/10/2009.
26
BARBOSA, Manuel, 2006, p. 48.
27
NORONHA, Magalhães, apud BARBOSA Manuel, 2006, p. 47.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

Código de Processo Penal). Concluído o flagrante, devem os atos subsequentes ser


praticados pela autoridade do local em que o crime se consumou.
Observação: tem-se entendido que a falta de atribuição da autoridade policial
não invalida os seus atos, ainda que se trate de prisão em flagrante, pois a Polícia, por
não exercer atividade jurisdicional, não se submete à competência jurisdicional ratione
loci. Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça,
o inquérito policial é peça meramente informativa, cujos vícios não contaminam a ação
penal.
O inciso LIII do artigo 5.º da Constituição Federal não se aplica às autoridades
policiais, pois estas não processam (promotor natural) nem sentenciam (juiz natural).
Assim, não foi adotado pelo referido dispositivo constitucional o princípio do
“Delegado Natural”.

5. INQUÉRITOS EXTRAPOLICIAIS (artigo 4.º, parágrafo único, do Código de


Processo Penal)

Em regra, os inquéritos policiais são presididos por Delegado de Polícia de


Carreira (artigo 144, § 4.º, da Constituição Federal), mas o parágrafo único do artigo 4.º
do Código de Processo Penal deixa claro que o inquérito realizado pela polícia
judiciária não é a única forma de investigação criminal.
Excepcionalmente, portanto, há casos em que são presididos por outras
autoridades e não pelo Delegado de Polícia, tais como:
 Comissões Parlamentares de Inquérito (artigo 58, § 3.º, da Constituição
Federal).
 Crime cometido nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado
Federal (Súmula n. 397 do Supremo Tribunal Federal – “O poder de polícia
da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido
nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em
flagrante do acusado e a realização do inquérito”).
 Inquérito civil (instaurado pelo Ministério Público, para proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos; conforme dispõe o artigo 129, inciso III, da Carta Magna).
 Inquérito policial militar.
 Magistrado (o delegado deve remeter os autos ao tribunal ou a órgão
especial competente para o julgamento).
 Membro do Ministério Público (os autos devem ser remetidos ao
Procurador-Geral de Justiça).

6. VALOR PROBATÓRIO

O inquérito policial tem conteúdo informativo; visa apenas fornecer elementos


necessários para a propositura da ação penal.
Tem valor probatório relativo, pois os elementos de informação não são colhidos
sob a égide do contraditório e da ampla defesa, tampouco na presença do Juiz de
Direito.

7. DISPENSABILIDADE

O inquérito policial é uma peça útil, porém não imprescindível. Não é fase
obrigatória da persecução penal. Poderá ser dispensado sempre que o Ministério Público

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

ou o ofendido (no caso da ação penal privada) tiver elementos suficientes para
promover a ação penal (artigo 12 do Código de Processo Penal).
O artigo 27 do Código de Processo Penal dispõe que qualquer pessoa do povo
poderá fornecer, por escrito, informações sobre o fato e a autoria, indicando o tempo, o
lugar e os elementos de convicção, demonstrando que quando as informações forem
suficientes não é necessário o inquérito policial.
Segundo o artigo 39, § 5.º, do Código de Processo Penal, o órgão do Ministério
Público dispensará o inquérito se com a representação forem oferecidos elementos que o
habilitem a promover a ação penal.
Atenção: o titular da ação penal pode abrir mão do inquérito policial, mas não
pode eximir-se de demonstrar a verossimilhança da acusação, ou seja, não se concebe
que a acusação careça de um mínimo de elementos de convicção.

7.1. Juizados Especiais


De acordo com o disposto nos artigos 69 e 77, § 1.º, da Lei n. 9.099/95, o
inquérito policial é substituído por um simples boletim de ocorrência circunstanciado,
lavrado pela autoridade policial (também pela Polícia Militar), chamado de termo
circunstanciado, no qual constará uma narração sucinta dos fatos, bem como a
indicação da vítima, do autor do fato e das testemunhas, em número máximo de três,
seguindo em anexo um boletim médico ou prova equivalente, quando necessário para
comprovar a materialidade delitiva (dispensa-se o laudo de exame de corpo de delito).
Lavrado o termo, este será encaminhado ao Juizado Especial Criminal.

8. INCOMUNICABILIDADE

Destinada a impedir que a comunicação do preso com terceiros venha a


prejudicar o desenvolvimento da investigação.
Mediante despacho fundamentado do juiz a partir de requerimento da autoridade
policial ou do Ministério Público, respeitadas as prerrogativas do advogado, poderá ser
decretada a incomunicabilidade do indiciado pelo prazo de até três dias, por
conveniência da investigação ou interesse da sociedade (artigo 21 do Código de
Processo Penal).
Entendemos que a incomunicabilidade não foi recepcionada pela nova ordem
constitucional. A Constituição Federal, em seu artigo 136, § 3.º, inciso IV, proíbe a
incomunicabilidade durante o estado de defesa. Assim, se é vedada em situações
excepcionais, com mais razão deve ser vedada em situações de normalidade. Em sentido
contrário, o Professor Damásio de Jesus entende que a proibição está relacionada com
crimes políticos ocorridos durante o estado de defesa.
A incomunicabilidade, de qualquer forma, não se estende ao advogado (Estatuto
da Ordem dos Advogados do Brasil, artigo 7.º, inciso III).

9. “NOTITIA CRIMINIS”

9.1. Conceito
É o conhecimento, espontâneo ou provocado, de um fato aparentemente
delituoso pela autoridade policial.

9.2. Espécies
 “Notitia Criminis” de cognição direta, imediata, espontânea ou
inqualificada: ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento direto

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

da infração penal por meio de suas atividades rotineiras. Exemplo:


policiamento, imprensa, pelo encontro do corpo de delito ou até pela delação
anônima. A delação anônima (apócrifa) é chamada notitia criminis
inqualificada.
 “Notitia Criminis” de cognição indireta, mediata, provocada ou
qualificada: ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento do
delito por meio de algum ato jurídico de comunicação formal, como por
exemplo a delatio criminis (comunicação de um crime feito pela vítima ou
por qualquer um do povo), a requisição do Ministério Público ou autoridade
judiciária e a representação do ofendido.
 “Notitia Criminis” de cognição coercitiva: ocorre no caso de prisão em
flagrante, em que a notícia se dá com a apresentação do autor do fato.
Observação: se for crime de ação pública condicionada ou de iniciativa
privada, o auto de prisão em flagrante somente poderá ser lavrado se forem
observados os requisitos dos §§ 4.º e 5.º do artigo 5.º do Código de Processo
Penal.

10. INÍCIO

10.1. Nos Crimes de Ação Pública Incondicionada


 De ofício: a autoridade tem a obrigação de instaurar o inquérito policial,
independente de provocação, sempre que tomar conhecimento imediato e
direto do fato, por meio de delação verbal ou por escrito, feito por qualquer
pessoa do povo (delatio criminis simples), notícia anônima (notitia criminis
inqualificada), por meio de sua atividade rotineira (cognição imediata), ou no
caso de prisão em flagrante. O ato de instauração é a portaria.
 Por requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público: não
obstante a hipótese prevista no artigo 40 do Código de Processo Penal, se
não estiverem presentes os elementos indispensáveis ao oferecimento da
denúncia, a autoridade judiciária poderá requisitar a instauração de inquérito
policial para a elucidação dos fatos. A autoridade policial não pode se
recusar a instaurar o inquérito, pois a requisição tem natureza de
determinação, de ordem, muito embora inexista subordinação hierárquica.
 Delatio criminis: é a comunicação de um crime feita pela vítima ou por
qualquer um do povo. Caso a autoridade policial indefira a instauração de
inquérito, caberá recurso ao Secretário de Estado dos Negócios da Segurança
Pública ou ao Delegado-Geral de Polícia (artigo 5.º, § 2.º, do Código de
Processo Penal). A delatio criminis pode ser simples (mera comunicação) ou
postulatória (comunica e pede a instauração da persecução penal). Trata-se
de faculdade conferida ao cidadão de colaborar com a atividade repressiva
do Estado. Contudo, há algumas pessoas que, em razão do seu cargo ou
função, estão obrigadas a noticiar a ocorrência de crimes de que tenham
tomado conhecimento no desempenho de suas atividades (artigo 66, incisos I
e II, da Lei das Contravenções Penais; artigo 45 da Lei n. 6.538/78; artigo
269 do Código Penal; artigos 104 e 105 da Lei de Falências).

10.2. Nos Crimes de Ação Pública Condicionada


 Mediante representação do ofendido ou de seu representante legal: a
representação é simples manifestação de vontade da vítima ou de seu
representante legal, não havendo exigência formal para a sua elaboração.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

 Mediante requisição do Ministro da Justiça: deve ser encaminhada ao chefe


do Ministério Público o qual poderá, desde logo, oferecer a denúncia ou
requisitar diligências à polícia.

10.3. Nos Crimes de Ação Privada


Nesses casos a instauração do inquérito policial depende de requerimento do
ofendido, de seu representante legal ou sucessores, conforme disposto no artigo 5.º, §
5.º, combinado com os artigos 30 e 31, todos do Código de Processo Penal.
O artigo 35 do Código de Processo Penal não foi recepcionado pela Constituição
Federal, por força do artigo 226, § 5.º, podendo a mulher casada requerer a instauração
do inquérito policial independentemente de outorga marital. Nada obstante, a Lei n.
9.520, de 27.11.1997, revogou expressamente a norma contida no artigo 35 do Código
de Processo Penal.

10.4. Observações
O inquérito policial também pode começar mediante auto de prisão em flagrante
nos três casos (ação penal pública incondicionada, condicionada e ação penal privada).
Nos crimes de ação pública condicionada e de ação privada, o ofendido deverá ratificar
o flagrante até a entrega da nota de culpa.
A autoridade policial não poderá instaurar o inquérito policial se não houver
justa causa (se o fato for atípico ou se estiver extinta a punibilidade). Porém, o
desconhecimento da autoria ou a possibilidade do sujeito ter agido sob a proteção de
alguma excludente da ilicitude não impede a instauração do inquérito.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

INQUÉRITO POLICIAL- PARTE II

1. PROVIDÊNCIAS DA AUTORIDADE POLICIAL

O inquérito policial não tem um procedimento rígido, ou seja, uma sequencia


imutável de atos. O artigo 6.º do Código de Processo Penal indica algumas providências
que, de regra, devem ser tomadas pela autoridade policial para a elucidação do crime e
da sua autoria.

1.1. Dirigir-se ao Local do Crime


A autoridade policial, se possível e conveniente, deve se dirigir ao local do crime
e preservar o estado das coisas até a chegada da perícia. Qualquer alteração no estado de
coisas pode comprometer as provas a serem produzidas (artigo 169 do Código de
Processo Penal).
Exceção: acidente automobilístico, em que os veículos devem ser deslocados
com a finalidade de desobstruir a via pública (artigo 1.º da Lei n. 5.970/73).

1.2. Apreender os Objetos Relacionados com o Fato


Deve também apreender os objetos e instrumentos do crime após liberação pela
perícia (artigo 11 do Código de Processo Penal – instrumentos e objetos do crime
apreendidos serão anexados ao inquérito policial).
Para essa apreensão, é necessária uma diligência denominada busca e apreensão,
que pode ser efetuada no local do crime, em domicílio ou na própria pessoa. A busca
domiciliar pode ser realizada em qualquer dia, porém devem ser respeitadas as garantias
de inviolabilidade domiciliar (artigo 5.º, inciso XI, da Constituição Federal).
À noite, é lícito entrar no domicílio alheio em quatro situações:
 a convite do morador;
 em caso de flagrante delito;
 para prestar socorro;
 em caso de desastre.
Durante o dia:
 nas quatro situações acima citadas;
 mediante prévia autorização judicial, corporificada em instrumento
denominado mandado de busca e apreensão.
Antes, a autoridade policial não precisava de autorização judicial, porém, mesmo
com esta, não podia entrar à noite. Aplicava-se o artigo 172 do Código de Processo
Civil por analogia, contudo, em dezembro de 1.994, esse artigo teve sua redação
alterada, não sendo mais possível sua aplicação.
Domicílio, nos termos do artigo 150, § 4.º, do Código Penal, é qualquer
compartimento habitado; aposento ocupado por habitação coletiva; compartimento não
aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Exemplos: o escritório de
advogado, na parte aberta ao público, não é domicílio, mas a sala do advogado sim
(observação: a busca em escritório de advocacia deverá ser acompanhada por um
representante da Ordem dos Advogados do Brasil); o mesmo entendimento se tem
quanto a bar, pois considera-se domicílio a área interna do balcão, onde é exercida a
atividade pelo proprietário ou seu funcionário, sendo que a parte externa, a freqüentada
pelo público, não; quarto de hotel etc. Automóvel não é domicílio.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

A busca pessoal é aquela feita na própria pessoa. Independe de mandado, desde


que haja fundada suspeita. Pode ser realizada a qualquer dia e a qualquer hora, salvo se
a pessoa estiver em seu domicílio.

1.3. Ouvir o Ofendido e as Testemunhas


Podem ser conduzidos coercitivamente se desatenderem, sem justificativa, a
intimação da autoridade policial (princípio da autoritariedade – artigo 201, parágrafo
único, do Código de Processo Penal). O ofendido e a testemunha faltosa podem
responder por crime de desobediência (artigo 219 do Código de Processo Penal e artigo
330 do Código Penal).
Se o ofendido ou a testemunha for membro do Ministério Público ou da
Magistratura deverá ser observada a prerrogativa de serem ouvidos, em qualquer
processo ou inquérito, em dia, hora e local previamente ajustados com a autoridade
competente.
A testemunha tem o dever de falar a verdade, sob pena de responder pelo crime
de falso testemunho (artigo 342 do Código Penal). O ofendido que mentir não comete
crime de falso testemunho.

1.4. Ouvir o Indiciado


Deverá a autoridade policial ouvir o indiciado, observando-se os mesmos
preceitos norteadores do interrogatório judicial (artigo 6.º, inciso V, do Código de
Processo Penal).

1.4.1. Indiciamento
Consiste na suspeita oficial acerca de alguém, ou seja, é a imputação a alguém,
no inquérito policial, da prática de ilícito penal, sempre que houver razoáveis indícios
de sua autoria. É um ato abstrato, um juízo de valor da autoridade policial que vai
reconhecer alguém como principal suspeito.

1.4.2. Interrogatório extrajudicial


O termo de interrogatório extrajudicial será assinado pelo delegado de polícia,
pelo escrivão, pelo interrogado e por duas testemunhas presentes à leitura do termo
(trata-se de testemunhas instrumentárias, que não depõem sobre fatos, mas sobre a
regularidade de um procedimento). Observe-se que as duas testemunhas não precisam
estar presentes ao interrogatório, mas à leitura do termo.
O interrogatório extrajudicial tem valor probatório relativo; só valerá se
confirmado por outros elementos de prova.
A Constituição Federal consagrou o direito de silêncio ao indiciado. A
autoridade policial, portanto, deve informá-lo desse direito (artigo 5.º, inciso LXIII, da
Constituição Federal), não podendo mais adverti-lo de que seu silêncio poderá
prejudicar sua própria defesa, pois o artigo 186 do Código de Processo Penal não foi
recepcionado pela Constituição Federal.
Embora tenha o direito de permanecer calado, o indiciado deverá atender à
intimação do Delegado de Polícia e comparecer ao ato, sob pena de condução coercitiva
(artigo 260 do Código de Processo Penal).
A autoridade policial não precisa intimar o defensor do indiciado para
acompanhar o ato, muito menos nomear-lhe um.

1.4.3. Membro do Ministério Público

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

Se o suspeito for membro do Ministério Público, a autoridade policial não pode


indiciá-lo, devendo encaminhar os autos do inquérito ao Procurador-Geral de Justiça.

1.4.4. Indiciado menor


Antes da entrada em vigor do novo Código Civil, no interrogatório do indiciado
maior de 18 e menor de 21 anos, a autoridade devia nomear-lhe um curador. Não
observada essa regra, a ação penal não era afetada, pois o inquérito policial é mera peça
informativa e seus vícios não contaminam aquela. No entanto, havia perda do valor
probatório do ato e no caso de prisão em flagrante, esta era relaxada por vício formal
(retira-lhe a força coercitiva).
Entendemos que o artigo 15 do Código de Processo Penal foi ab-rogado pelo
artigo 5.º do novo Código Civil, uma vez que não existe mais indiciado menor.
No interrogatório judicial, a ausência de curador gerava sua nulidade (artigo 564,
inciso III, alínea “c”, do Código de Processo Penal). Qualquer pessoa podia ser
nomeada curador. A jurisprudência fazia, no entanto, uma restrição em relação aos
policiais, pois estes têm interesse na investigação.
A alínea c foi derrogada, pois a hipótese não subsiste em face do artigo 5.º do
novo Código Civil. Fica, assim, superada a questão de ser absoluta ou relativa a
nulidade proveniente da ausência de nomeação de curador ao menor de 21 anos de
idade.

1.4.5. Identificação criminal


A autoridade policial deve proceder à identificação do indiciado pelo processo
datiloscópico, salvo se ele já tiver sido civilmente identificado (artigo 5.º, inciso LVIII,
da Constituição Federal).
Embora a Constituição Federal assegure que o civilmente identificado não será
submetido à identificação criminal, ressalva a possibilidade de o legislador
infraconstitucional estabelecer algumas hipóteses em que até mesmo o portador da
cédula de identidade civil esteja obrigado a submeter-se à identificação criminal. O
legislador já estabeleceu algumas hipóteses.
As hipóteses previstas na Lei n. 10.054/00, em seu artigo 3.º, são as seguintes:
 indiciamento ou acusação por homicídio doloso, crime contra o patrimônio
mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada,
crimes contra a liberdade sexual e falsificação de documento público;
 fundada suspeita de falsificação ou adulteração de documento de identidade;
 mal estado de conservação ou distância temporal da carteira de identidade,
quando impossibilitar a leitura dos dados essenciais;
 quando constar outros nomes ou apelidos dos registros policiais;
 quando houver registro de extravio da carteira de identidade;
 quando o acusado não comprovar em 48 horas a sua identificação civil.
Observações: na primeira hipótese, a regra nos parece inconstitucional por
ofensa ao princípio do estado de inocência, pois a simples razão de o agente
estar sendo acusado pela prática deste ou daquele crime não pode, por si só,
justificar o constrangimento, exceto no caso de envolvimento em quadrilhas
organizadas, capazes de forjar documentos falsos.
Por fim, há outra hipótese em que o portador da cédula de identidade civil está
obrigado a submeter-se à identificação criminal: trata-se da identificação criminal de
pessoa envolvida com ação praticada por organização criminosa (artigo 5.º da Lei n.
9.034/95).
A identificação criminal compreende a datiloscópica (impressões digitais) e a

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fotográfica.

1.4.6. Incidente de insanidade mental


Somente o juiz pode determinar a instauração. A autoridade policial não pode.

1.5. Reconhecimento de Pessoas e Coisas e Acareações


Poderão ser realizadas acareações (artigos 229 e 230 do Código de Processo
Penal) e reconhecimento de pessoas e coisas (artigos 226 a 228 do Código de Processo
Penal).
Quanto ao reconhecimento, caso haja receio de intimidação, a autoridade policial
providenciará para que o reconhecido não veja quem o está reconhecendo, mas, em
juízo, o reconhecimento terá de ser feito frente a frente com o acusado.
A acareação é o confrontamento de depoimentos divergentes prestados.
1.6. Exame de Corpo de Delito
Deverá ser determinada a realização do exame de corpo de delito sempre que a
infração tiver deixado vestígios, ou de quaisquer outras perícias que se mostrarem
necessárias à elucidação do ocorrido (artigos 158 a 184 do Código de Processo Penal).
1.7. Reprodução Simulada dos Fatos
O artigo 7.º do Código de Processo Penal dispõe sobre a reprodução simulada
dos fatos (reconstituição do crime), que não pode contrariar a moralidade e a ordem
pública.
O indiciado não pode ser obrigado a participar da reconstituição, o que violaria
seu direito ao silêncio e seu corolário, o de que ninguém está obrigado a produzir prova
contra si, mas pode ser obrigado a comparecer (artigo 260 do Código de Processo
Penal).
1.8. Relatório
Concluídas as investigações, a autoridade policial deve fazer minucioso relatório
do que tiver apurado no inquérito policial, sem, contudo, expender opiniões,
julgamentos ou qualquer juízo de valor, devendo, ainda, indicar as testemunhas que não
foram ouvidas, bem como as diligências não realizadas.
O relatório é a narração objetiva das diligências feitas pela autoridade. A
autoridade somente pode fornecer a classificação jurídica do fato, sem emitir qualquer
juízo de mérito, e a classificação não vincula o Ministério Público.
Encerrado o inquérito, os autos serão remetidos ao juiz competente.

2. PRAZO PARA ENCERRAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL

Deve ser encerrado no prazo de 30 dias, contados a partir da instauração


(recebimento da notitia criminis), se o indiciado estiver solto. Se o fato for de difícil
elucidação, a autoridade policial poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para
ulteriores diligências a serem realizadas no prazo fixado pelo juiz. Não obstante a
omissão do Código, entende-se que o juiz antes de conceder novo prazo deve ouvir o
titular da ação penal.
Se o indiciado estiver preso, o prazo para conclusão do inquérito será de 10 dias,
contados da data da efetivação da prisão, e não se admitirá qualquer prorrogação.
No caso de ser decretada a prisão temporária, o tempo de prisão será acrescido
ao prazo de encerramento do inquérito (Lei n. 7.960/90).
A contagem do prazo atende a regra do artigo 798, § 1.º, do Código de Processo
Penal. Despreza-se o dia inicial, incluindo-se o dia final. O decurso não acarretará a
perda do direito de punir, apenas o relaxamento da prisão.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

2.1. Prazos Especiais


2.1.1. Justiça Federal
Se o inquérito estiver tramitando perante a Justiça Federal, o prazo será de 15
dias, prorrogável por mais 15, se o indiciado estiver preso. Se o indiciado estiver solto,
o prazo será de 30 dias, com a possibilidade de prorrogação por mais 30 dias (artigo 66
da Lei n. 5.010/66).
No caso de tráfico internacional, aplica-se o prazo da Lei de Tóxicos (vide item
seguinte), adotando-se o princípio da especialidade.
2.1.2. Tóxicos
Lei 11.343/2006, art. 51: 30 dias se o indiciado estiver preso e 90 se estiver
solto.
2.1.3. Crimes contra a economia popular
No caso de crimes contra a economia popular, o prazo é de 10 dias, estando o
indiciado preso ou solto (Lei n. 1.521/51, artigo 10, § 1.º).

3. ARQUIVAMENTO
Só pode ser determinado pelo juiz se houver requerimento do Ministério
Público. Se o Juiz discordar do pedido de arquivamento, aplicará o disposto no artigo 28
do Código de Processo Penal, ou seja, remeterá os autos ao Procurador-Geral, que
poderá:
 oferecer a denúncia;
 designar outro órgão do Ministério Público para oferecer a denúncia: o
promotor ou procurador designado está obrigado a oferecer a denúncia, sem
que haja ofensa ao princípio da independência funcional, pois age em nome
da autoridade que o designou (por delegação) e não em nome próprio;
 insistir no arquivamento: neste caso, o Poder Judiciário não poderá discordar
do arquivamento.

O juiz, ao remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, exerce função


anormal, qual seja, a de fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal.
O delegado não pode arquivar o inquérito policial (artigo 17 do Código de
Processo Penal).
Arquivado o inquérito policial, não poderá ser promovida a ação privada
subsidiária, pois esta só é possível no caso de inércia do Ministério Público.
O inquérito policial, arquivado por falta de provas, só poderá ser reaberto se
surgirem novas provas (súmula n. 524 do Supremo Tribunal Federal).
O despacho que arquivar o inquérito é irrecorrível. Cabe recurso nas seguintes
hipóteses:
 em casos de crime contra a economia popular, caberá recurso de ofício
(artigo 7.º da Lei n. 1.521/51);
 no caso das contravenções previstas nos artigos 58 e 60 do Decreto-lei n.
6.259/44, quando caberá recurso em sentido estrito;
 do arquivamento determinado de ofício pelo juiz cabe correição parcial.
Se o tribunal der provimento a esses recursos, o inquérito policial será remetido
ao Procurador-Geral.
Se o promotor de justiça requerer a devolução dos autos à polícia para
diligências complementares, o juiz poderá, caso discorde, aplicar por analogia o artigo
28 do Código de Processo Penal. Se assim fizer, caberá correição parcial.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

O pedido de arquivamento feito pelo titular da ação penal privada significa


renúncia tácita (causa a extinção da punibilidade).
Por fim, salientamos a possibilidade de trancar o inquérito por meio de habeas
corpus quando houver indiciamento abusivo ou quando o fato for atípico.

EXERCÍCIOS

1. Em relação à eficácia temporal da lei processual penal, é válido afirmar:


a) à norma processual penal, com conteúdo predominantemente de direito penal, não
se aplicam os princípios da temporalidade das leis penais;
b) em razão do princípio da irretroatividade da lei mais severa, a norma processual
penal propriamente dita só retroagirá quando beneficiar o réu;
c) a norma processual penal propriamente dita, caso não haja disposição em contrário,
terá aplicação imediata, pouco importando se mais severa ou não;
d) a norma processual propriamente dita terá aplicação imediata, ficando prejudicados
os atos realizados sob a vigência da lei anterior;
e) a norma processual penal propriamente dita terá efeito retroativo, com a aplicação
dos princípios da temporalidade das leis penais.

2. Assinale a alternativa correta:


a) a lei processual penal é sempre retroativa;
b) a lei processual penal é de aplicação imediata, retroagindo nos processos em curso
apenas para beneficiar o réu;
c) a lei processual é de aplicação imediata, mas, nos processos em curso, não invalida
os atos praticados sob a vigência da lei anterior;
d) a lei processual penal só é aplicável aos processos iniciados após sua vigência.

3. Assinale a alternativa incorreta:


a) O inquérito policial deverá terminar em dez (10) dias se o indiciado estiver preso, e
no prazo de trinta (30) dias quando estiver solto;
b) Inquérito policial consiste nas diligências efetivadas para a elucidação de fato
delituoso e sua autoria, possibilitando o início da ação penal pelo respectivo titular;
c) O delegado de polícia tem jurisdição;
d) O inquérito policial não é imprescindível para o oferecimento da denúncia.

4.Assinale a alternativa correta:


a) no relatório, o delegado deve opinar sobre o mérito da infração penal;
b) o inquérito policial não pode ser sigiloso;
c) o inquérito policial é procedimento persecutório de caráter administrativo, com
natureza inquisitiva e conteúdo informativo;
d) n.d.a.

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