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FAMILIARES DE VÍTIMAS DA LETALIDADE POLICIAL NO SISTEMA DE

JUSTIÇA: UMA RELAÇÃO COMPLEXA

RESUMO

O projeto propõe uma análise compreensiva (i) das estratégias utilizadas por familiares-vítimas de
abordagens policiais com resultado morte na busca por justiça e (ii) da relação que estabelecem com
o sistema de justiça. Portanto, empreende-se na presente proposta uma descrição dos caminhos
percorridos e das escolhas realizadas por pessoas que perderam entes queridos em ações policiais e
que entram assim em contato com o sistema de justiça. Através da metodologia qualitativa conhecida
como “estudo de casos múltiplos”, busca-se entender como se estabelecem as relações entre
familiares e sistema de justiça, notadamente em função de processos judiciais estabelecidos na
sequência das mortes. O estudo dos processos e das dinâmicas entre estes atores buscam produzir
resultados originais a respeito tanto das estratégias das famílias – eventualmente junto a organizações
sociais – quanto do funcionamento do próprio sistema de justiça no decorrer dessas interações. Além
da análise documental dos processos, a pesquisa mobilizará entrevistas semidirigidas com
“familiares-vítimas” e observações participantes de inspiração etnográfica, tanto de momentos
processuais quanto da atividade dos movimentos sociais.

Palavras-chave: Familiares-vítimas; Letalidade Policial; Sistema de Justiça; Pesquisa Qualitativa;


Estudo de caso; Violência Estatal.

1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA COM SÍNTESE DA BIBLIOGRAFIA


FUNDAMENTAL
Apresenta-se uma proposta de pesquisa empírica no âmbito do Direito cujo objetivo é
compreender como os familiares-vítimas1 da letalidade policial têm se relacionado com o
Sistema de Justiça, notadamente na mobilização de estratégias de responsabilização de
policiais militares, assim como, os efeitos dessa relação no interior do sistema de justiça, em
especial ao longo de processos judiciais. Ou seja, trata-se de um projeto que busca entender,
por meio dos familiares das vítimas da ação policial, suas formas de mobilizar o sistema de
justiça e as repercussões de suas iniciativas no funcionamento desse sistema.

1 Utilizo neste trabalho a expressão “familiares-vítimas” – e não “familiares de vítimas” - porque entendo que as
famílias das vítimas dos homicídios também são vítimas da ação policial, na medida em que os eventos
traumáticos lhes provocam, com frequência, problemas de saúde física e psíquica, tais como problemas
cardiovasculares, ansiedade, depressão, entre outros problemas de saúde mental. (PINHEIRO, 2019)
A polícia brasileira é considerada uma das que mais mata no mundo. Segundo o Fórum de
Segurança Pública de 2020, no ano de 2019 o Brasil contabilizou cerca de 6.357 mortes
decorrentes de intervenções policiais, o que representa um crescimento de 13,3% das mortes
violentas intencionais em relação ao ano de 2018. Somando as mortes entre os anos de 2013
a 2019, 27.805 pessoas morreram nessas condições. A distribuição dessas mortes concentra-
se na população negra, havendo no ano de 2019, 99,2% de vítimas do sexo masculino,
77,9% com idade entre 15 e 29 anos e 79,1% de pessoas negras nessa situação.
Diante desse cenário, pesquisadoras e pesquisadores do país têm investigado as situações e
condições que permitem a existência da letalidade policial. Os estudos sobre polícia no
Brasil são significativos, se levarmos em consideração os últimos trinta anos de produção
acadêmica, com pesquisas sobre a letalidade policial sob as mais diversas perspectivas,
observando tanto a atuação da própria Polícia quanto a dos órgãos judiciais que processam
os homicídios dos jovens – Poder Judiciário e Ministério Público.

Em uma breve revisão bibliográfica, podemos classificar em duas perspectivas: os estudos


voltados para o conhecimento da polícia que mata e os estudos das maneiras pelas quais os
órgãos judiciais processam as mortes decorrentes de intervenção policial.

No primeiro grupo destacam-se as pesquisas de Samira Bueno (2018), Frederico Soares


(2020), Sandoval Oliveira de Neto (2020) e Adilson Paes de Souza (2020). Em linhas gerais,
os trabalhos buscam entender as condutas letais, por exemplo, o que motiva os policiais a
matarem; os sentidos de justiça que os policiais atribuem às suas ações e as “determinantes
sociais, institucionais e subjetivas da letalidade policial” (2020, p. 24). Os trabalhos, para
além de dados estatísticos, em sua maioria se desenvolvem a partir de entrevistas e dão
prioridade ao ponto de vista dos interlocutores policiais.

O segundo grupo de pesquisas, por sua vez, focaliza as maneiras pelas quais outras
instituições, como Polícia Civil, Ministério Público e Judiciário, processam as mortes
decorrentes das intervenções policiais. Nesse grupo, destacam-se os trabalhos de Orlando
Zaccone (2015), Michel Misse (2011), Rafael Godoi et al (2020). Há em comum nestes
trabalhos a constatação segundo a qual as instituições atuam de forma a garantir a chancela
das ações policiais, por levar em conta, quase prioritariamente, a versão dos policiais, ou por
arquivar os processos sem a devida investigação. Alguns dos trabalhos, ainda que tenham
colocado alguns relatos dos familiares, não priorizam sua atuação.
Esses trabalhos destacam-se por lançar luz sobre a responsabilidade dos órgãos judiciais na
perpetuação da violência letal no Brasil.

É possível observar, portanto, que há uma diversidade de trabalhos acadêmicos sobre o tema,
variedade que se expressa nos atores estudados e nos pesquisadores que conduzem a
pesquisa– alguns são policiais –, o que tem reforçado a diversidade de estratégias para abrir
a caixa de pandora (FERREIRA, 2019), nos estudos da polícia que mata no Brasil.

Apesar das inúmeras estratégias metodológicas e abordagens nos estudos da letalidade


policial, existe uma carência de estudos no campo do Direito com enfoque específico nos
familiares de vítimas da ação letal da Polícia.
Tal perspectiva existe, contudo, em outras áreas de conhecimento. Em estudos realizados no
campo da saúde coletiva (COSTA; NJAINE; SCHENKER, 2017), as pesquisadoras
constatam que as mortes causadas por jovens podem ocasionar em seus familiares
problemas, tais como a insônia, ansiedade, depressão, tentativa de suicídio, dor no peito,
hipertensão, aumento do colesterol, problemas gástricos, problemas cardíacos, distúrbios na
tireoide, perda/aumento de peso e desenvolvimento de cânceres nas mulheres. Ou seja, as
mortes têm efeitos concretos na vida dos familiares, especialmente em companheiras e mães
das vítimas.
Nesse sentido, a ação da polícia não tem provocado apenas mortes, mas também sofrimento
e mobilização de familiares relacionadas a inúmeras demandas, como reparação,
responsabilização do policial, a busca pela investigação, debate sobre segurança pública e
controle da atividade policial. Prova disso é o número expressivo de movimentos de
familiares envolvidos com a problemática, tais como os grupos Mães de Maio, Mães da Sé,
Mães de Manguinho, Organização Política Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto, Mães
de Acari, Associação das Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado do Espírito
Santo etc. Ou seja, os familiares de vítimas, reunidos em associações ou movimentos,
constituem um importante agente político no debate sobre a letalidade policial no Brasil.
Apesar disso, os estudos acadêmicos, especialmente no âmbito do Direito, não têm dado a
devida importância aos familiares e a suas perspectivas, nos estudos relativos à polícia que
mata.
No campo das Ciências Sociais e da Antropologia esse quadro é um pouco diferente,
havendo pesquisas importantes que se detêm na realidade dos familiares. Nesse sentido,
destacam-se os trabalhos de Adriana Vianna e Juliana Farias (2011), Fábio Araújo (2012),
Pedro de Oliveira (2013) e Pedro Lagatta (2017). Esses trabalhos, em áreas distintas,
procuram compreender a relação entre Estado e familiares, bem como as maneiras pelas
quais os familiares utilizam politicamente os órgãos judiciais para conseguir garantia de
direitos e pressionar o Estado a investigar as mortes familiares.

Os trabalhos são importantes por tratarem os familiares como colaboradores de pesquisa e


pensarem sobre os efeitos da ação da polícia na vida privada e pública de quem fica. A
mesma tendência não é percebida no campo do direito: esses trabalhos não empreendem
investigações no sentido de compreender como as engrenagens jurídicas se movimentam a
partir da atuação dos familiares. Diante dessa lacuna no campo jurídico, esta pesquisa propõe
um estudo da relação entre os familiares de vítimas da letalidade policial e o sistema de
justiça, nas suas diversas modalidades e repercussões.

Nesse sentido, pretende-se assentar a investigação a partir da seguinte pergunta de partida:


Como os familiares-vítimas da letalidade policial têm se relacionado com o sistema de
justiça e como essa relação tem produzido impactos no sistema? Esta questão pode ser
desdobrada em outras questões: como os familiares mobilizam o sistema de justiça nas
esferas civil, administrativa e penal para responsabilizar ou não os policiais pela morte dos
seus entes queridos? Quais as estratégias jurídicas empreendidas pelos familiares nesse
processo? Quais sentidos os familiares atribuem ao sistema de justiça e à relação que
estabelecem com seus órgãos e com as pessoas que neles atuam? Como a questão racial é
tematizada pelos familiares de vítimas, em sua maioria negros? Qual o lugar atribuído pelo
sistema de justiça aos familiares das vítimas? Quais as influências dos familiares no processo
de responsabilização do policial ou da instituição? E, ainda, a atuação de um familiar
repercute de forma semelhante nas três esferas do sistema de justiça? Em que medida a
atuação de um familiar influencia a interdependência nas demais esferas?

Em outras palavras, o projeto visa compreender as estratégias políticas e jurídicas utilizadas


pelos familiares-vítimas da letalidade policial, não só para produzir respostas à perda de um
ente querido, mas também para compreender sua percepção do sistema de justiça e aquilo
que podem nos ensinar sobre ele.

Cabe apresentar de forma panorâmica e breve as possibilidades de percurso no sistema de


justiça, para um familiar de vítima da letalidade policial que pretende mobilizar o sistema de
justiça. Existem, pelo menos, três desdobramentos possíveis no interior do sistema de justiça
brasileiro: nas esferas civil, administrativa e penal.
Na esfera civil, os familiares podem recorrer a uma ação de indenização de danos morais e
materiais, para reparar os danos que os familiares entendem ter sofrido decorrentes da ação
que resultou na morte de um parente. Essas ações acontecem junto à Fazenda Pública e,
geralmente, por meio da Defensoria Pública ou de um advogado particular. Além do pleito
de indenização individual, há possibilidade de buscar indenização coletivamente, por meio
de uma Ação Civil Pública, regulada pela Lei nº 7.347/1985.

Ainda no âmbito cível, quando se tratar de desaparecimento forçado 2 – uma das facetas da
violência Estatal – os familiares podem ingressar com Ação Declaratória de Morte
Presumida3, a qual pode dar direito à emissão de atestado de óbito por parte de um Cartório
de Registro Civil. O documento pode assegurar, em alguns casos, o direito à concessão de
pensão previdenciária a pais, mães, cônjuge e filhos e filhas da vítima.
Em relação à esfera administrativa, o processo disciplinar não é judicial, desenvolve pela
própria corporação. Assim, nesse caso os familiares só podem demandar de forma externa
atuando na pressão política (FERREIRA, 2019).
Na esfera penal, as mortes decorrentes de intervenções policiais podem ser consideradas
crime de homicídio, o que pode gerar diferentes percursos processuais, a depender da
definição do crime como culposo ou doloso. Também, os inquéritos podem ser arquivados
ou não. Embora nesses casos os familiares não sejam considerados atores no processo penal,
eles podem ser convocados a participar na condição de depoentes e atuam, geralmente, na
qualificação da biografia do seu ente querido morto pela polícia. Além disso, segundo
Poliana Ferreira (2020), os familiares, quando articulados aos movimentos sociais
organizados, tem uma importância na sobrevida de um processo de responsabilização por
morte decorrente da intervenção policial.

Na esfera criminal, embora a legitimidade ativa seja do Ministério Público, por ser uma ação
penal pública incondicionada, um familiar pode também atuar na condição de assistente de
acusação uma vez que o Código de Processo Penal 4prevê que a legitimidade para ser

2Embora não exista tipificação no Código Penal, há um debate legislativo impulsionado pelo movimento de
familiares-vítimas que resultou o Projeto de Lei do Senado de 236/2012 que pretende incluir a tipificação do
crime desaparecimento forçado
3 O artigo 7 do Código Civil prevê determina que pode ser declarada a morte presumida sem decretação de
ausência: I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; II – se alguém,
desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único: A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de
esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento
4Art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o
ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.
assistente de acusação é do ofendido, seu representante legal no caso de ser menor de 18
anos ou, ainda, dos sucessores em caso de morte ou ausência declarada: cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão. Nesse caso, a família pode ser representada por um advogado ou pela
Defensoria Pública, quando não há condições financeiras para custear um advogado.

Além dessas implicações no processo penal, as vítimas ou movimentos de vítimas, no


interior do sistema penal podem ser: reivindicar nos sistemas políticos; no sistema de direito
criminal entre outros “elementos de irritação para o sistema de direito criminal”(XAVIER,
2020, p.2). No Brasil, por exemplo, há uma série de mobilizações no sistema legislativo
encabeçada por movimentos de vítimas da letalidade policial. A abolição da nomenclatura
genérica como “auto de resistência” e “resistência seguida de morte” em registros policiais,
boletins de ocorrência, inquéritos policiais e notícias de crime é resultado da ação política
dos movimentos sociais, especialmente de familiares-vítimas da violência Estatal5.

A atuação dos familiares-vítimas ao redor do sistema de justiça é fundamental para a


produção de dados, especialmente, envolvendo casos de violações de direitos humanos. No
episódio conhecido publicamente como “Crimes de Maio”, a atuação das mães que tiveram
seus filhos executados pela ação da polícia foi determinante na elucidação dos fatos e tem
contribuído para a produção acadêmica em diversas áreas do conhecimento.

Foi descrito aqui pelos menos três esferas possíveis de os familiares recorrerem ao sistema
de justiça brasileiro em decorrência de mortes provocadas por intervenções de policiais
militares. A este trabalho interessa menos entender a maneira pela qual o sistema de justiça
responsabiliza os policiais pelas mortes decorrentes de suas intervenções, e mais
compreender as formas peculiares pelas quais os familiares acessam o sistema de justiça para
responsabilizar os policiais. E, assim, observar o Estado entre outras modalidades de
mobilização do Direito ocorrendo nesses casos. Há, portanto, um interesse em estudar os
trânsitos dos familiares nas instituições que conduzem os processos ligados às mortes do
ente querido. Nesse intuito, o trabalho visa conhecer os percursos dos familiares nas
Delegacias, na Defensoria Pública, no Ministério Público, na Corregedoria e no Fórum, entre
outras instâncias, para compreender como se dá essa relação e quais as implicações dessa
interação na vida dos familiares e no próprio funcionamento do sistema de justiça.

5 A medida foi determinada pela Resolução Conjunta nº 2, de 13 de Outubro de 2015 do Conselho Superior de
Polícia e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil.
Dessa forma, investigar as maneiras que os familiares-vítimas se movimentam no sistema de
justiça é uma possibilidade de descrever e compreender as engrenagens do sistema de justiça
pelas suas lentes. Com isso é possível notar também uma maneira de compreender como as
instituições do Sistema de Justiça e os atores se mobilizam ou não para enfrentar as
violações de direitos fundamentais.

Do ponto de vista dos estudos de vitimização, a presente pesquisa pode oferecer contribuições
para o campo, não só por tratar empiricamente de uma modalidade específica de vítima, mas
por convidar a pensar a relação entre vítima e sistema de justiça a partir da atuação da
primeira. É uma forma de compreender também como as vítimas se articulam e produzem
efeitos no sistema de justiça brasileiro. Além disso, pode contribuir para o campo da
dogmática penal, ao propor uma nova forma de pensar a vítima em casos que envolvem
pessoas violadas pela ação estatal.
Assim, o projeto em tela tem a potencialidade de contribuir para os estudos sobre letalidade
policial, desta vez detendo-se sobre os olhares, os pensamentos e as ações dos familiares-
vítimas em relação ao sistema de justiça que, desta forma, aparece, literalmente, sob um
novo ponto de vista.

O presente trabalho justifica-se em uma perspectiva empírica porque contribui para


descrever as formas através das quais os familiares de vítimas se movimentam no sistema de
justiça, bem como para identificar as estratégias jurídicas e políticas que os familiares usam
para garantir a sobrevida de um processo criminal, ou entender os sentidos do uso das
esferas civil e administrativa para obter respostas à perda de um ente querido. Assim a
contribuição em termos empíricos é ajudar a preencher parcialmente a lacuna que existe no
âmbito jurídico de trabalhos que tratem sobre a letalidade policial sob o prisma dos
familiares das pessoas violadas pelo Estado.
Ademais, há de se considerar a relevância deste trabalho em um contexto político-social em
que a ação letal da polícia tem ganhado visibilidade no debate público, como em casos
recentes, em âmbito internacional e nacional, como a morte de George Floyd por policiais
brancos nos Estados Unidos e das mobilizações referentes à ADPF 3656, ou conhecida
também como “ADPF das favelas”, que envolvem articulação política e jurídica de

6 A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, foi protocolada no ano de 2019,
organizada por movimentos de moradores de favelas do Rio de Janeiro e os movimentos de familiares, com
destaque aos movimentos de mães, em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ)
e o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Essa ADPF discute formas de controle da atividade policial e o
estabelecimento de mecanismos de controle, a médio e longo prazo, da atividade policial nas favelas do Rio de
Janeiro.
familiares e de movimentos sociais para o fim das operações policiais nas favelas do Rio de
Janeiro.

Além disso, em pesquisa anterior, entre os anos de 2018 e 2019, (PINHEIRO, 2019) no
âmbito do programa de Iniciação Científica – PIBIC, junto a Escola de Direito da FGV, com
financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq,
realizei um trabalho que tinha como objetivo entender como o direito aparece nas narrativas
de familiares de vítimas da letalidade policial, na cidade de Feira de Santana 7. Em razão do
tempo breve, detive-me apenas sobre as representações que os familiares têm a respeito do
sistema de justiça, sem, contudo, explorar as maneiras através das quais os familiares se
relacionam com o sistema de justiça e suas estratégias jurídicas e políticas; ou seja, não
aprofundei as interações específicas entre os familiares e o sistema de justiça. Naquele
trabalho apareceram algumas questões que merecem serem agora exploradas e aprofundadas,
podendo, inclusive, beneficiar de uma maior habilidade com as técnicas de pesquisa e
dispondo de uma afinidade mais consolidada com o campo. Nesse sentido, além de dar
continuidade a uma agenda de pesquisa, o presente projeto justifica-se também por ter a
pretensão de dar continuidade a uma trajetória acadêmica.

Enfim, vale a pena justificar o trabalho por sua dimensão metodológica. A proposta de
pesquisa apresenta uma opção a nosso ver importante, uma vez que assume o papel de ouvir
os familiares-vítimas para compreender suas relações e influências no campo jurídico, algo
escasso nas pesquisas em Direito. Nesse sentido, o tema não será tratado apenas a partir da
visão dos órgãos judiciais. Trabalhar com familiares-vítimas da letalidade policial constitui
uma inovação do ponto de vista metodológico e epistemológico, tanto pelas técnicas
escolhidas – explicitadas a seguir – quanto pelos sujeitos da interlocução, suas percepções e
sua capacidade presumida de nos informar a respeito do Direito e do funcionamento das
instituições do sistema de justiça.

Por fim, é preciso demonstrar a adequação da presente proposta ao programa de mestrado no


qual está inserida. Sabe-se que ausência de políticas públicas sobre mortes decorrentes de
intervenções policiais e a atuação da polícia militar são resquícios da ditadura militar ainda

7A pesquisa resultou no relatório “A gente formiga e eles elefantes”: o direito nas narrativas de familiares
de vítimas da letalidade policial em Feira de Santana- Ba, o qual foi apresentado no 6º Encontro Anual de
Iniciação Científica do Direito Mackenzie – FGV; um artigo cujo título é A letalidade policial pelo olhar
dos familiares-vítimas: desafios e estratégias teórico-metodológicas (PINHEIRO, 2020), em que apresento
os desafios e estratégias metodológicas de pesquisar com familiares-vítimas da letalidade policial. Além
desses trabalhos, a pesquisa resultou em outro artigo, em fase de revisão, no qual apresento os resultados
gerais da pesquisa.
presentes nos dias de hoje. A observação das práticas das instituições legitimadas pelo
Estado de Direito para resguardar e tutelar o regime democrático no país, em âmbito
jurídico, nos permite compreender com mais precisão as conquistas e/ou os limites da nossa
frágil democracia. Estudar os processos judiciais relativos à letalidade policial, situações de
vitimização produzidas pelo próprio Estado e ouvir movimentos da sociedade civil pode nos
ajudar a pensar novas demandas e estratégias de enfrentamento, cabíveis no
desenvolvimento do Estado Democrático de Direito.

Além disso, o projeto pode ainda se alimentar das reflexões oriundas da pesquisa “Carandiru
não é coisa do passado”, desenvolvida no Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena da
FGV, desde 2014, ao mesmo tempo em que alimenta o debate sobre o impacto da violência
policial na esfera da vida privada das cidadãs e cidadãos, bem como no redimensionamento
das demandas por responsabilização da atuação policial ilegal.
Por isso, entende-se que os aportes das pesquisas inscritas na linha de pesquisa Instituições
do Estado Democrático de Direito e Desenvolvimento Político e Social, são fundamentais
para o desenvolvimento deste projeto, na medida em que a compreensão das articulações e
sentidos empregados pela sociedade civil, neste caso os familiares-vítimas da letalidade
policial, nos ajuda a refletir sobre os possíveis desajustes e entraves ao funcionamento das
instituições do Estado Democrático de Direito, valendo-se inclusive de seus pontos de vista.

2. OBJETIVOS

Objetivos Geral: Compreender como os familiares-vítimas da letalidade policial se


relacionam com o sistema de justiça e como essa relação repercute no sistema.

Objetivos Específicos

a Apresentar uma revisão bibliográfica oferecendo um panorama sobre atuação da


sociedade civil no sistema de justiça em caso de violações de direitos humanos;

b Elaborar um método de observação replicável que permita observar as maneiras pelas


quais vítimas se relacionam como o sistema de justiça e que permita entender os efeitos
decorrentes desta relação;

c Compreender as justificativas dos familiares ao utilizarem ou não o sistema de justiça na


busca de respostas para morte do ente querido;
d Identificar as estratégias político-jurídicas dos familiares-vítimas ao se mobilizarem
perante o sistema de justiça na busca pela responsabilização dos agentes policiais e das
instituições;

e Identificar as distinções existentes em tais estratégias, quando os familiares atuam ou não


junto a um movimento social na busca por respostas jurídicas;

f Compreender os sentidos de justiça para os familiares-vítimas da letalidade policial;


compreender as formas de o sistema de justiça incorporar (ou não) as investidas dos
familiares.

3. MATERIAL E MÉTODOS
Como método para alcançar os objetivos deste trabalho, elegeu-se o estudo de caso. O estudo
de caso é entendido como estratégia de “investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o
fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2001, p. 32).

A escolha do estudo de caso agrega a esta pesquisa na medida em que a questão orientadora
deste trabalho exige um modelo metodológico que não se limite a uma área específica do
direito, uma vez que interroga o próprio sistema de justiça. Nesse sentido, em razão do
estudo de caso convidar “os pesquisadores em direito a observar o sistema de justiça sem as
barreiras impostas pelas áreas jurídicas, a atentar às interações processuais e às suas
implicações ao desfecho do caso” (MACHADO, 2014. p. 14), o método permite que
estejamos estudando as diversas áreas do direito como direito criminal, administrativo e
cível. Esse modelo é adequado na pesquisa em tela porque as demandas e as movimentações
de um familiar podem atravessar as diversas áreas do direito e, no limite, extrapolá-las.

Primeiro é preciso definir o local que será conduzida esta pesquisa. O campo de trabalho
será em duas cidades distintas, Feira de Santana e São Paulo, por dois motivos: um externo à
pesquisa e um interno. O primeiro motivo de escolher duas cidades se dá em razão do
contexto emergencial da pandemia de Covid-19, motivo pelo qual as atividades
desenvolvidas pela Instituição que estou vinculado no Programa do Mestrado, a Escola do
Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, estão funcionando remotamente, o que
me permite cursar o mestrado e realizar o campo em Feira de Santana, ao menos no primeiro
semestre de 20218.

8Atualmente resido na cidade de Feira de Santana e, diante da aprovação no programa de mestrado, mudarei de
residência no segundo semestre de 2021.
Essa escolha é motivada também por razões metodológicas. A utilização de duas cidades em
regiões e com características muito distintas favorece a comparação entre os casos a serem
selecionados. E, desse modo, oferecerá elementos analíticos importantes para perceber as
implicações regionais nas incidências políticas e jurídicas dos familiares-vítimas no sistema
de justiça.

A realização de parte da presente pesquisa em Feira de Santana também ajuda a ampliar para
a região nordeste as produções acadêmicas sobre polícia no Brasil, uma vez que parte
significativa dos trabalhos sobre letalidade policial concentra-se na região sudeste do país,
especialmente nos estados do São Paulo e Rio de Janeiro, ficando, dessa forma,
invisibilizadas as maneiras pelas quais a questão é tratada nas cidades médias e interiorana
da região nordeste. Portanto, a realização do trabalho em duas regiões diferentes, por um
lado traz um ganho comparativo metodologicamente importante, por outro traz um ganho
político considerável.

Para iniciar o estudo de caso, será realizada a busca de colaboradores de pesquisa. Para
compor este grupo, pretendemos acessar movimentos organizados de familiares-vítimas e
familiares de vítimas que não estejam vinculados a nenhum movimento organizado. Minha
experiência anterior na Iniciação Científica apontou que a escolha dessas duas modalidades
distintas de colaboradores justifica-se pela distinção das maneiras de os familiares acessarem
o sistema de justiça e nas formas de eles perceberem o sistema de justiça. Além disso, esses
dois grupos diferentes ajudam a entender como a atuação de familiares pode ou não importar
no desfecho de um caso no sistema de justiça.

O movimento organizado escolhido para a pesquisa foi o “Mães de Maio” na cidade de São
Paulo, por ter uma atuação importante na luta pela redução da letalidade policial e na busca
de direitos das mães de vítimas da ação policial. No que diz respeito ao mapeamento dos
colaboradores de pesquisa do segundo grupo, pretende-se usar as mesmas estratégias da
pesquisa anterior (PINHEIRO, 2019), ou seja, os familiares serão identificados por meio do
contato com órgãos judiciais como Defensoria Pública, CREAS, Ministério Público e
Fórum, entre outros canais com os quais se relacionam os familiares. Esse processo de busca
é estratégico e produtivo, tanto para encontrar os familiares, quanto para compreender a
forma como as instituições e familiares se relacionam, permitindo inclusive encontrar
familiar que não ingressou e não mobilizou o sistema de justiça.
Após essa busca, pretende-se, no primeiro momento, escolher quatro casos: dois casos
acompanhados pelo Mães de Maio e dois casos que não tiveram acompanhamento de
nenhum dos movimentos. Para escolha dos casos, daremos prioridade àqueles que tiveram
maior contato com as esferas do sistema de justiça e em que os familiares são mais atuantes,
sempre levando em consideração o tempo de processamento, a maior multiplicidade de áreas
do direito que o caso tenha alcançado repercussão, bem como a quantidade de documentos
processuais disponíveis. Na esfera criminal, buscar-se-á casos em fases processuais distintas:
pré-processual; primeira fase do Júri e segunda fase do Júri. Essa é uma estratégia pensada
para acompanhar os processos em diversas fases, o que se mostra relevante tendo em vista
que o tempo de duração média de um processo decorrente de morte por intervenção policial
é 2511 dias, isto é, aproximadamente 6 anos, tempo bastante superior ao período disponível
para a pesquisa de mestrado (RIBEIRO; MACHADO, 2016). A tabela a seguir sintetiza os
critérios para seleção dos casos.

Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4

Acompanhamento de Não acompanhamento de


Movimentos Sociais. Movimentos Sociais

Penal + + + +
Civil + + + +
Adminis
+ + + +
trativo

Entre as vantagens do estudo de caso está a possibilidade de mobilização de diversas técnicas


para coleta de dados. Por isso, esta proposta contempla a entrevista semiestruturada (PIRES,
2010; XAVIER, 2017) com abordagem inspirada na observação participante, além da análise
documental (REGINATO, 2017).

A entrevista semidirigida é “um tipo de interação, estruturada e dirigida pelo pesquisador, que
permite ao entrevistado explorar suas percepções sobre determinado aspecto da realidade
social” (XAVIER, 2017, p. 125). Ou seja, é uma técnica que tem a potencialidade de
compreender as percepções dos familiares e dos atores do sistema de justiça.
A inspiração etnográfica foi realizada em pesquisa anterior, “A gente formiga e eles
elefantes”: o direito nas narrativas de familiares-vítimas da letalidade policial em Feira de
Santana” e pretende ser aprofundada aqui. Notamos que a entrevista do tipo semiestruturada
em contextos de pesquisas empíricas que envolvem familiares-vítimas do Estado precisa de
cuidados especiais, complementados por abordagens de inspiração etnográfica, já que a
utilização de entrevista tradicional pode implicar em um processo de revitimização dos
participantes da pesquisa em razão da carga emotiva que carrega essa interação (PINHEIRO,
2019). A entrevista tradicional de forma isolada é insuficiente para captar as respostas dadas
por familiares de vítimas da letalidade policial, uma vez que as respostas podem se apresentar
no não-dito, na forma de o pesquisador se aproximar aos colaboradores de pesquisa e no
modo de as interações acontecerem.

Nesse sentido, a utilização de observações participantes é uma saída porque a técnica tem a
vantagem de permitir “captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos
por meio de perguntas” (NETO, 2008, p. 60). Tal estratégia mostra-se mais potente porque
“quanto mais próximo chegarmos às condições nas quais tais pessoas atribuíram sentido aos
objetos e eventos, mais precisas serão as descrições de tais sentidos” (BECKER, 2014, p.
189).

Assim, através dessa técnica serão acompanhadas as audiências públicas, as audiências de


instrução, as visitas dos familiares nas Delegacias de Homicídios, as reuniões dos
movimentos, os eventos organizados pelos familiares, o Plenário do Júri, os atos públicos e
entre outras atividades organizadas pelos familiares e pelos movimentos. Para o registro
desses momentos serão utilizados, mediante a autorização prévia dos interlocutores, o
gravador de voz e o caderno de campo.

Embora priorizamos entrevista com os familiares, também realizaremos entrevistas com


atores jurídicos que atuem em casos de mortes decorrentes de intervenções policiais, tais
como advogados, defensores públicos e promotores públicos na tentativa de entender como
são elaboradas as estratégias jurídicas no processo e como os familiares desempenham papel
importante ou não nesse processo.
É preciso informar que, em razão da pandemia de Covid-19, parte das atividades acima
descritas poderão ser realizadas em ambientes online, uma vez que alguns atos processuais e
audiências passaram a acontecer por videoconferência.9
Assim, o ambiente online é entendido aqui como parte do próprio campo. Obviamente, esse
contexto impõe certos cuidados na realização da observação participante, mas não a ponto de
impedir as técnicas mobilizadas na pesquisa. Como observa Christine Hine, “a etnografia é
sempre adaptável em sua escolha de métodos e podemos esperar que isso aconteça novamente
frente às condições apresentadas pela Internet” (HINE, 2015, p.5), logo é possível realizar
ajustes nas técnicas escolhidas.
É preciso pensar que a etnografia não “requer uma forma localizada de presença” (2020, p. 5),
já que convida a focalizar na experiência metodológica que “pode ser desenvolvida de
múltiplas maneiras, incluindo, dentro de suas atribuições, várias formas mediadas de
experiência” (HINE, 2020, p. 4), o que inclui pode incluir o ambiente online. Isto aponta para
a possibilidade de se valer da observação participante ainda que seja na Internet, na medida
em que “há continuidade de princípios metodológicos entre os tipos de etnografia que
podemos aplicar à internet e os tipos que usamos em qualquer outro domínio cultural, embora
algumas das técnicas possam diferir”(HINE, 2015, p. 170). Nesse sentido, os atos processuais
e as mobilizações políticas e jurídicas de familiares que acontecem através de
videoconferência podem ser observados pelas técnicas da observação participante.

É a partir dessa premissa metodológica que serão observadas as maneiras pelas quais
familiares-vítimas da letalidade policial se movimentam no sistema de justiça.

Além disso, como técnica complementar, utilizaremos a análise documental para adensar os
dados desta pesquisa. Entende-se como documentos “não apenas os registros escritos,
manuscritos ou impressos em papel, mas toda a produção cultural consubstanciada em alguma
forma material” (REGINATO, 2017, p.195). Assim, reuniremos documentos tanto produzidos
no interior de um processo, quanto aqueles usados extraprocessualmente. Assim serão
realizadas leituras dos autos dos processos judiciais, dos relatórios, ofícios, publicações e
demais documentos que foram produzidos pelos familiares a fim de interagir direta ou
indiretamente com o sistema de justiça.

9 O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 329/2020, regulamentou as audiências e atos
processuais por videoconferência, em processos penais e de execução penal, durante a pandemia do novo
coronavírus.
Além desses documentos produzidos pelos familiares, utilizaremos a doutrina nacional – aqui
também entendida como documento (REGINATO, 2017) – especialmente sobre o direito
penal e estudos sobre vítimas para compor o material empírico da pesquisa. A título
ilustrativo e não exaustivo, tem-se os seguintes materiais: Tutela da Vítima no Processo Penal
Brasileiro (RODRIGUES, 2014); Vítima no Processo Penal Brasileiro (FIGUEIRÊDO,
2020); Vitimologia e Direitos Humanos: O Processo Penal sob a Perspectiva da Vítima
(MAZZUTTI, 2012); Temas de Vitimologia: Realidades Emergentes na Vitimação e
Respostas Sociais (SANI, 2011); Vitimologia e Direito Penal: Crime Precipitado ou
Programado pela Vítima (OLIVEIRA, 2018), Breve Introdução à Vitimologia (ROBALO,
2019), entre outras produções científicas disponíveis em repositórios de artigos, dissertações e
teses. A utilização desses documentos visa construir um panorama sobre as formas pelas quais
a doutrina brasileira e a literatura incorporam ou não os familiares na categoria de vítima,
contribuindo também para construir a revisão bibliográfica proposta no objetivo específico
“a”.

No que diz respeito à viabilidade da pesquisa, o período de dois anos de trabalho é suficiente.
Isso porque o pesquisador já tem experiência com essa abordagem de trabalho, em razão de
pesquisa anterior na Iniciação Científica, o que conferiu as habilidades necessárias à condução
da pesquisa. Além disso, já foi estabelecido um contato com colaboradores de pesquisa, a
saber: Movimento Mães de Maio, movimento com atuação no sistema de justiça de São Paulo
e articulações em outros estados como Minas Gerais e Salvador e o Núcleo de Cidadania e
Direitos Humanos de São Paulo (NCDH), órgão da Defensoria Pública do Estado São Paulo
responsável na atuação de casos emblemáticos de letalidade policial.

4.FORMA DE ANÁLISE DOS RESULTADOS


Após a coleta de dados, cada caso será organizado de modo agrupar em seus respectivos
casos, compondo dessa forma a unidade de análise (YIN, 2001) Nesse sentido, as entrevistas,
as anotações de caderno de campo e o material documentado serão reunidos em seus
respectivos casos para compor a unidade de análise do estudo de caso múltiplo. Em razão da
pesquisa ter um caráter prevalentemente indutivo, não utilizaremos hipóteses previamente
definidas a serem testadas ou refutadas, mas construiremos hipóteses a partir desses dados
coletados.
As entrevistas serão transcritas e, em seguida, codificadas com o uso de software Atlas.ti para
que possam ser articuladas com as anotações do caderno de campo. O material será analisado
com a construção de categorias, tendo como inspiração a Teoria Fundamentada em Dados
(CAPPI, 2017), num processo de caráter prevalentemente indutivo, ou seja, um movimento
que parte dos dados coletados e dialoga com discussões teóricas existente no campo da
criminologia, das ciências sociais e da teoria do direito. Dessa maneira, sempre atribuindo um
protagonismo às falas dos familiares e os documentos produzidos, a análise permitirá gerar
categorias e hipóteses, num movimento de vai e vem entre dados e conceitos, que possibilite
produzir formulações sobre o modo como os familiares interagem com o sistema de justiça.

Na presente pesquisa, a ideia central é compreender os casos e entender as maneiras pelas


quais os familiares transitaram. Assim, cada caso será observado individualmente – e em
comparação com os demais casos. A comparação permitirá observar quais estratégias foram
utilizadas, quais dessas tiveram êxito ou não e quais fatores contribuíram para isso. As
conclusões que emergirem dos casos serão categorizadas e sistematizadas.

5. PLANO DE TRABALHO E CRONOGRAMA DE SUA EXECUÇÃO

Atividade/Meses 2021 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 1 1
0 1 2
Levantamento Bibliográfico x x x x x x
Mapeamento dos colaboradores de pesquisa e x x x x
seleção dos casos
Acompanhamento dos familiares e observação x x x x x x
das práticas forenses e administrativas junto aos
familiares em Feira de Santana
Acompanhamento dos familiares e observação x x x x x
das práticas forenses e administrativas junto aos
familiares em São Paulo
Acompanhamento dos familiares e observação x x x x x x x x
das práticas forenses e administrativas junto aos
familiares em São Paulo

Atividades/Meses 2022 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 1 1
0 1 2
Acompanhamento dos familiares e observação x x x x
das práticas forenses e administrativas junto aos
familiares
Análise dos casos x x x
Redação da dissertação x x x x x x x x
Entrega de relatório final x
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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corpos: violência, sofrimento e política entre familiares de vítima de desaparecimento
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em Direito, v. 1, n. 2, 31 jul. 2014.

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transformações e novos desafios. Revista Matrizes. V.9 - Nº 2 jul./dez. 2015. Pp. 167-173.
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CAPPI, Riccardo. A ‘teorização fundamentada nos dados’: um método possível na


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