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RESUMO
O projeto propõe uma análise compreensiva (i) das estratégias utilizadas por familiares-vítimas de
abordagens policiais com resultado morte na busca por justiça e (ii) da relação que estabelecem com
o sistema de justiça. Portanto, empreende-se na presente proposta uma descrição dos caminhos
percorridos e das escolhas realizadas por pessoas que perderam entes queridos em ações policiais e
que entram assim em contato com o sistema de justiça. Através da metodologia qualitativa conhecida
como “estudo de casos múltiplos”, busca-se entender como se estabelecem as relações entre
familiares e sistema de justiça, notadamente em função de processos judiciais estabelecidos na
sequência das mortes. O estudo dos processos e das dinâmicas entre estes atores buscam produzir
resultados originais a respeito tanto das estratégias das famílias – eventualmente junto a organizações
sociais – quanto do funcionamento do próprio sistema de justiça no decorrer dessas interações. Além
da análise documental dos processos, a pesquisa mobilizará entrevistas semidirigidas com
“familiares-vítimas” e observações participantes de inspiração etnográfica, tanto de momentos
processuais quanto da atividade dos movimentos sociais.
1 Utilizo neste trabalho a expressão “familiares-vítimas” – e não “familiares de vítimas” - porque entendo que as
famílias das vítimas dos homicídios também são vítimas da ação policial, na medida em que os eventos
traumáticos lhes provocam, com frequência, problemas de saúde física e psíquica, tais como problemas
cardiovasculares, ansiedade, depressão, entre outros problemas de saúde mental. (PINHEIRO, 2019)
A polícia brasileira é considerada uma das que mais mata no mundo. Segundo o Fórum de
Segurança Pública de 2020, no ano de 2019 o Brasil contabilizou cerca de 6.357 mortes
decorrentes de intervenções policiais, o que representa um crescimento de 13,3% das mortes
violentas intencionais em relação ao ano de 2018. Somando as mortes entre os anos de 2013
a 2019, 27.805 pessoas morreram nessas condições. A distribuição dessas mortes concentra-
se na população negra, havendo no ano de 2019, 99,2% de vítimas do sexo masculino,
77,9% com idade entre 15 e 29 anos e 79,1% de pessoas negras nessa situação.
Diante desse cenário, pesquisadoras e pesquisadores do país têm investigado as situações e
condições que permitem a existência da letalidade policial. Os estudos sobre polícia no
Brasil são significativos, se levarmos em consideração os últimos trinta anos de produção
acadêmica, com pesquisas sobre a letalidade policial sob as mais diversas perspectivas,
observando tanto a atuação da própria Polícia quanto a dos órgãos judiciais que processam
os homicídios dos jovens – Poder Judiciário e Ministério Público.
O segundo grupo de pesquisas, por sua vez, focaliza as maneiras pelas quais outras
instituições, como Polícia Civil, Ministério Público e Judiciário, processam as mortes
decorrentes das intervenções policiais. Nesse grupo, destacam-se os trabalhos de Orlando
Zaccone (2015), Michel Misse (2011), Rafael Godoi et al (2020). Há em comum nestes
trabalhos a constatação segundo a qual as instituições atuam de forma a garantir a chancela
das ações policiais, por levar em conta, quase prioritariamente, a versão dos policiais, ou por
arquivar os processos sem a devida investigação. Alguns dos trabalhos, ainda que tenham
colocado alguns relatos dos familiares, não priorizam sua atuação.
Esses trabalhos destacam-se por lançar luz sobre a responsabilidade dos órgãos judiciais na
perpetuação da violência letal no Brasil.
É possível observar, portanto, que há uma diversidade de trabalhos acadêmicos sobre o tema,
variedade que se expressa nos atores estudados e nos pesquisadores que conduzem a
pesquisa– alguns são policiais –, o que tem reforçado a diversidade de estratégias para abrir
a caixa de pandora (FERREIRA, 2019), nos estudos da polícia que mata no Brasil.
Ainda no âmbito cível, quando se tratar de desaparecimento forçado 2 – uma das facetas da
violência Estatal – os familiares podem ingressar com Ação Declaratória de Morte
Presumida3, a qual pode dar direito à emissão de atestado de óbito por parte de um Cartório
de Registro Civil. O documento pode assegurar, em alguns casos, o direito à concessão de
pensão previdenciária a pais, mães, cônjuge e filhos e filhas da vítima.
Em relação à esfera administrativa, o processo disciplinar não é judicial, desenvolve pela
própria corporação. Assim, nesse caso os familiares só podem demandar de forma externa
atuando na pressão política (FERREIRA, 2019).
Na esfera penal, as mortes decorrentes de intervenções policiais podem ser consideradas
crime de homicídio, o que pode gerar diferentes percursos processuais, a depender da
definição do crime como culposo ou doloso. Também, os inquéritos podem ser arquivados
ou não. Embora nesses casos os familiares não sejam considerados atores no processo penal,
eles podem ser convocados a participar na condição de depoentes e atuam, geralmente, na
qualificação da biografia do seu ente querido morto pela polícia. Além disso, segundo
Poliana Ferreira (2020), os familiares, quando articulados aos movimentos sociais
organizados, tem uma importância na sobrevida de um processo de responsabilização por
morte decorrente da intervenção policial.
Na esfera criminal, embora a legitimidade ativa seja do Ministério Público, por ser uma ação
penal pública incondicionada, um familiar pode também atuar na condição de assistente de
acusação uma vez que o Código de Processo Penal 4prevê que a legitimidade para ser
2Embora não exista tipificação no Código Penal, há um debate legislativo impulsionado pelo movimento de
familiares-vítimas que resultou o Projeto de Lei do Senado de 236/2012 que pretende incluir a tipificação do
crime desaparecimento forçado
3 O artigo 7 do Código Civil prevê determina que pode ser declarada a morte presumida sem decretação de
ausência: I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; II – se alguém,
desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único: A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de
esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento
4Art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o
ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.
assistente de acusação é do ofendido, seu representante legal no caso de ser menor de 18
anos ou, ainda, dos sucessores em caso de morte ou ausência declarada: cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão. Nesse caso, a família pode ser representada por um advogado ou pela
Defensoria Pública, quando não há condições financeiras para custear um advogado.
Foi descrito aqui pelos menos três esferas possíveis de os familiares recorrerem ao sistema
de justiça brasileiro em decorrência de mortes provocadas por intervenções de policiais
militares. A este trabalho interessa menos entender a maneira pela qual o sistema de justiça
responsabiliza os policiais pelas mortes decorrentes de suas intervenções, e mais
compreender as formas peculiares pelas quais os familiares acessam o sistema de justiça para
responsabilizar os policiais. E, assim, observar o Estado entre outras modalidades de
mobilização do Direito ocorrendo nesses casos. Há, portanto, um interesse em estudar os
trânsitos dos familiares nas instituições que conduzem os processos ligados às mortes do
ente querido. Nesse intuito, o trabalho visa conhecer os percursos dos familiares nas
Delegacias, na Defensoria Pública, no Ministério Público, na Corregedoria e no Fórum, entre
outras instâncias, para compreender como se dá essa relação e quais as implicações dessa
interação na vida dos familiares e no próprio funcionamento do sistema de justiça.
5 A medida foi determinada pela Resolução Conjunta nº 2, de 13 de Outubro de 2015 do Conselho Superior de
Polícia e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil.
Dessa forma, investigar as maneiras que os familiares-vítimas se movimentam no sistema de
justiça é uma possibilidade de descrever e compreender as engrenagens do sistema de justiça
pelas suas lentes. Com isso é possível notar também uma maneira de compreender como as
instituições do Sistema de Justiça e os atores se mobilizam ou não para enfrentar as
violações de direitos fundamentais.
Do ponto de vista dos estudos de vitimização, a presente pesquisa pode oferecer contribuições
para o campo, não só por tratar empiricamente de uma modalidade específica de vítima, mas
por convidar a pensar a relação entre vítima e sistema de justiça a partir da atuação da
primeira. É uma forma de compreender também como as vítimas se articulam e produzem
efeitos no sistema de justiça brasileiro. Além disso, pode contribuir para o campo da
dogmática penal, ao propor uma nova forma de pensar a vítima em casos que envolvem
pessoas violadas pela ação estatal.
Assim, o projeto em tela tem a potencialidade de contribuir para os estudos sobre letalidade
policial, desta vez detendo-se sobre os olhares, os pensamentos e as ações dos familiares-
vítimas em relação ao sistema de justiça que, desta forma, aparece, literalmente, sob um
novo ponto de vista.
6 A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, foi protocolada no ano de 2019,
organizada por movimentos de moradores de favelas do Rio de Janeiro e os movimentos de familiares, com
destaque aos movimentos de mães, em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ)
e o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Essa ADPF discute formas de controle da atividade policial e o
estabelecimento de mecanismos de controle, a médio e longo prazo, da atividade policial nas favelas do Rio de
Janeiro.
familiares e de movimentos sociais para o fim das operações policiais nas favelas do Rio de
Janeiro.
Além disso, em pesquisa anterior, entre os anos de 2018 e 2019, (PINHEIRO, 2019) no
âmbito do programa de Iniciação Científica – PIBIC, junto a Escola de Direito da FGV, com
financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq,
realizei um trabalho que tinha como objetivo entender como o direito aparece nas narrativas
de familiares de vítimas da letalidade policial, na cidade de Feira de Santana 7. Em razão do
tempo breve, detive-me apenas sobre as representações que os familiares têm a respeito do
sistema de justiça, sem, contudo, explorar as maneiras através das quais os familiares se
relacionam com o sistema de justiça e suas estratégias jurídicas e políticas; ou seja, não
aprofundei as interações específicas entre os familiares e o sistema de justiça. Naquele
trabalho apareceram algumas questões que merecem serem agora exploradas e aprofundadas,
podendo, inclusive, beneficiar de uma maior habilidade com as técnicas de pesquisa e
dispondo de uma afinidade mais consolidada com o campo. Nesse sentido, além de dar
continuidade a uma agenda de pesquisa, o presente projeto justifica-se também por ter a
pretensão de dar continuidade a uma trajetória acadêmica.
Enfim, vale a pena justificar o trabalho por sua dimensão metodológica. A proposta de
pesquisa apresenta uma opção a nosso ver importante, uma vez que assume o papel de ouvir
os familiares-vítimas para compreender suas relações e influências no campo jurídico, algo
escasso nas pesquisas em Direito. Nesse sentido, o tema não será tratado apenas a partir da
visão dos órgãos judiciais. Trabalhar com familiares-vítimas da letalidade policial constitui
uma inovação do ponto de vista metodológico e epistemológico, tanto pelas técnicas
escolhidas – explicitadas a seguir – quanto pelos sujeitos da interlocução, suas percepções e
sua capacidade presumida de nos informar a respeito do Direito e do funcionamento das
instituições do sistema de justiça.
7A pesquisa resultou no relatório “A gente formiga e eles elefantes”: o direito nas narrativas de familiares
de vítimas da letalidade policial em Feira de Santana- Ba, o qual foi apresentado no 6º Encontro Anual de
Iniciação Científica do Direito Mackenzie – FGV; um artigo cujo título é A letalidade policial pelo olhar
dos familiares-vítimas: desafios e estratégias teórico-metodológicas (PINHEIRO, 2020), em que apresento
os desafios e estratégias metodológicas de pesquisar com familiares-vítimas da letalidade policial. Além
desses trabalhos, a pesquisa resultou em outro artigo, em fase de revisão, no qual apresento os resultados
gerais da pesquisa.
presentes nos dias de hoje. A observação das práticas das instituições legitimadas pelo
Estado de Direito para resguardar e tutelar o regime democrático no país, em âmbito
jurídico, nos permite compreender com mais precisão as conquistas e/ou os limites da nossa
frágil democracia. Estudar os processos judiciais relativos à letalidade policial, situações de
vitimização produzidas pelo próprio Estado e ouvir movimentos da sociedade civil pode nos
ajudar a pensar novas demandas e estratégias de enfrentamento, cabíveis no
desenvolvimento do Estado Democrático de Direito.
Além disso, o projeto pode ainda se alimentar das reflexões oriundas da pesquisa “Carandiru
não é coisa do passado”, desenvolvida no Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena da
FGV, desde 2014, ao mesmo tempo em que alimenta o debate sobre o impacto da violência
policial na esfera da vida privada das cidadãs e cidadãos, bem como no redimensionamento
das demandas por responsabilização da atuação policial ilegal.
Por isso, entende-se que os aportes das pesquisas inscritas na linha de pesquisa Instituições
do Estado Democrático de Direito e Desenvolvimento Político e Social, são fundamentais
para o desenvolvimento deste projeto, na medida em que a compreensão das articulações e
sentidos empregados pela sociedade civil, neste caso os familiares-vítimas da letalidade
policial, nos ajuda a refletir sobre os possíveis desajustes e entraves ao funcionamento das
instituições do Estado Democrático de Direito, valendo-se inclusive de seus pontos de vista.
2. OBJETIVOS
Objetivos Específicos
3. MATERIAL E MÉTODOS
Como método para alcançar os objetivos deste trabalho, elegeu-se o estudo de caso. O estudo
de caso é entendido como estratégia de “investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o
fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2001, p. 32).
A escolha do estudo de caso agrega a esta pesquisa na medida em que a questão orientadora
deste trabalho exige um modelo metodológico que não se limite a uma área específica do
direito, uma vez que interroga o próprio sistema de justiça. Nesse sentido, em razão do
estudo de caso convidar “os pesquisadores em direito a observar o sistema de justiça sem as
barreiras impostas pelas áreas jurídicas, a atentar às interações processuais e às suas
implicações ao desfecho do caso” (MACHADO, 2014. p. 14), o método permite que
estejamos estudando as diversas áreas do direito como direito criminal, administrativo e
cível. Esse modelo é adequado na pesquisa em tela porque as demandas e as movimentações
de um familiar podem atravessar as diversas áreas do direito e, no limite, extrapolá-las.
Primeiro é preciso definir o local que será conduzida esta pesquisa. O campo de trabalho
será em duas cidades distintas, Feira de Santana e São Paulo, por dois motivos: um externo à
pesquisa e um interno. O primeiro motivo de escolher duas cidades se dá em razão do
contexto emergencial da pandemia de Covid-19, motivo pelo qual as atividades
desenvolvidas pela Instituição que estou vinculado no Programa do Mestrado, a Escola do
Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, estão funcionando remotamente, o que
me permite cursar o mestrado e realizar o campo em Feira de Santana, ao menos no primeiro
semestre de 20218.
8Atualmente resido na cidade de Feira de Santana e, diante da aprovação no programa de mestrado, mudarei de
residência no segundo semestre de 2021.
Essa escolha é motivada também por razões metodológicas. A utilização de duas cidades em
regiões e com características muito distintas favorece a comparação entre os casos a serem
selecionados. E, desse modo, oferecerá elementos analíticos importantes para perceber as
implicações regionais nas incidências políticas e jurídicas dos familiares-vítimas no sistema
de justiça.
A realização de parte da presente pesquisa em Feira de Santana também ajuda a ampliar para
a região nordeste as produções acadêmicas sobre polícia no Brasil, uma vez que parte
significativa dos trabalhos sobre letalidade policial concentra-se na região sudeste do país,
especialmente nos estados do São Paulo e Rio de Janeiro, ficando, dessa forma,
invisibilizadas as maneiras pelas quais a questão é tratada nas cidades médias e interiorana
da região nordeste. Portanto, a realização do trabalho em duas regiões diferentes, por um
lado traz um ganho comparativo metodologicamente importante, por outro traz um ganho
político considerável.
Para iniciar o estudo de caso, será realizada a busca de colaboradores de pesquisa. Para
compor este grupo, pretendemos acessar movimentos organizados de familiares-vítimas e
familiares de vítimas que não estejam vinculados a nenhum movimento organizado. Minha
experiência anterior na Iniciação Científica apontou que a escolha dessas duas modalidades
distintas de colaboradores justifica-se pela distinção das maneiras de os familiares acessarem
o sistema de justiça e nas formas de eles perceberem o sistema de justiça. Além disso, esses
dois grupos diferentes ajudam a entender como a atuação de familiares pode ou não importar
no desfecho de um caso no sistema de justiça.
O movimento organizado escolhido para a pesquisa foi o “Mães de Maio” na cidade de São
Paulo, por ter uma atuação importante na luta pela redução da letalidade policial e na busca
de direitos das mães de vítimas da ação policial. No que diz respeito ao mapeamento dos
colaboradores de pesquisa do segundo grupo, pretende-se usar as mesmas estratégias da
pesquisa anterior (PINHEIRO, 2019), ou seja, os familiares serão identificados por meio do
contato com órgãos judiciais como Defensoria Pública, CREAS, Ministério Público e
Fórum, entre outros canais com os quais se relacionam os familiares. Esse processo de busca
é estratégico e produtivo, tanto para encontrar os familiares, quanto para compreender a
forma como as instituições e familiares se relacionam, permitindo inclusive encontrar
familiar que não ingressou e não mobilizou o sistema de justiça.
Após essa busca, pretende-se, no primeiro momento, escolher quatro casos: dois casos
acompanhados pelo Mães de Maio e dois casos que não tiveram acompanhamento de
nenhum dos movimentos. Para escolha dos casos, daremos prioridade àqueles que tiveram
maior contato com as esferas do sistema de justiça e em que os familiares são mais atuantes,
sempre levando em consideração o tempo de processamento, a maior multiplicidade de áreas
do direito que o caso tenha alcançado repercussão, bem como a quantidade de documentos
processuais disponíveis. Na esfera criminal, buscar-se-á casos em fases processuais distintas:
pré-processual; primeira fase do Júri e segunda fase do Júri. Essa é uma estratégia pensada
para acompanhar os processos em diversas fases, o que se mostra relevante tendo em vista
que o tempo de duração média de um processo decorrente de morte por intervenção policial
é 2511 dias, isto é, aproximadamente 6 anos, tempo bastante superior ao período disponível
para a pesquisa de mestrado (RIBEIRO; MACHADO, 2016). A tabela a seguir sintetiza os
critérios para seleção dos casos.
Penal + + + +
Civil + + + +
Adminis
+ + + +
trativo
A entrevista semidirigida é “um tipo de interação, estruturada e dirigida pelo pesquisador, que
permite ao entrevistado explorar suas percepções sobre determinado aspecto da realidade
social” (XAVIER, 2017, p. 125). Ou seja, é uma técnica que tem a potencialidade de
compreender as percepções dos familiares e dos atores do sistema de justiça.
A inspiração etnográfica foi realizada em pesquisa anterior, “A gente formiga e eles
elefantes”: o direito nas narrativas de familiares-vítimas da letalidade policial em Feira de
Santana” e pretende ser aprofundada aqui. Notamos que a entrevista do tipo semiestruturada
em contextos de pesquisas empíricas que envolvem familiares-vítimas do Estado precisa de
cuidados especiais, complementados por abordagens de inspiração etnográfica, já que a
utilização de entrevista tradicional pode implicar em um processo de revitimização dos
participantes da pesquisa em razão da carga emotiva que carrega essa interação (PINHEIRO,
2019). A entrevista tradicional de forma isolada é insuficiente para captar as respostas dadas
por familiares de vítimas da letalidade policial, uma vez que as respostas podem se apresentar
no não-dito, na forma de o pesquisador se aproximar aos colaboradores de pesquisa e no
modo de as interações acontecerem.
Nesse sentido, a utilização de observações participantes é uma saída porque a técnica tem a
vantagem de permitir “captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos
por meio de perguntas” (NETO, 2008, p. 60). Tal estratégia mostra-se mais potente porque
“quanto mais próximo chegarmos às condições nas quais tais pessoas atribuíram sentido aos
objetos e eventos, mais precisas serão as descrições de tais sentidos” (BECKER, 2014, p.
189).
É a partir dessa premissa metodológica que serão observadas as maneiras pelas quais
familiares-vítimas da letalidade policial se movimentam no sistema de justiça.
Além disso, como técnica complementar, utilizaremos a análise documental para adensar os
dados desta pesquisa. Entende-se como documentos “não apenas os registros escritos,
manuscritos ou impressos em papel, mas toda a produção cultural consubstanciada em alguma
forma material” (REGINATO, 2017, p.195). Assim, reuniremos documentos tanto produzidos
no interior de um processo, quanto aqueles usados extraprocessualmente. Assim serão
realizadas leituras dos autos dos processos judiciais, dos relatórios, ofícios, publicações e
demais documentos que foram produzidos pelos familiares a fim de interagir direta ou
indiretamente com o sistema de justiça.
9 O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 329/2020, regulamentou as audiências e atos
processuais por videoconferência, em processos penais e de execução penal, durante a pandemia do novo
coronavírus.
Além desses documentos produzidos pelos familiares, utilizaremos a doutrina nacional – aqui
também entendida como documento (REGINATO, 2017) – especialmente sobre o direito
penal e estudos sobre vítimas para compor o material empírico da pesquisa. A título
ilustrativo e não exaustivo, tem-se os seguintes materiais: Tutela da Vítima no Processo Penal
Brasileiro (RODRIGUES, 2014); Vítima no Processo Penal Brasileiro (FIGUEIRÊDO,
2020); Vitimologia e Direitos Humanos: O Processo Penal sob a Perspectiva da Vítima
(MAZZUTTI, 2012); Temas de Vitimologia: Realidades Emergentes na Vitimação e
Respostas Sociais (SANI, 2011); Vitimologia e Direito Penal: Crime Precipitado ou
Programado pela Vítima (OLIVEIRA, 2018), Breve Introdução à Vitimologia (ROBALO,
2019), entre outras produções científicas disponíveis em repositórios de artigos, dissertações e
teses. A utilização desses documentos visa construir um panorama sobre as formas pelas quais
a doutrina brasileira e a literatura incorporam ou não os familiares na categoria de vítima,
contribuindo também para construir a revisão bibliográfica proposta no objetivo específico
“a”.
No que diz respeito à viabilidade da pesquisa, o período de dois anos de trabalho é suficiente.
Isso porque o pesquisador já tem experiência com essa abordagem de trabalho, em razão de
pesquisa anterior na Iniciação Científica, o que conferiu as habilidades necessárias à condução
da pesquisa. Além disso, já foi estabelecido um contato com colaboradores de pesquisa, a
saber: Movimento Mães de Maio, movimento com atuação no sistema de justiça de São Paulo
e articulações em outros estados como Minas Gerais e Salvador e o Núcleo de Cidadania e
Direitos Humanos de São Paulo (NCDH), órgão da Defensoria Pública do Estado São Paulo
responsável na atuação de casos emblemáticos de letalidade policial.
Atividade/Meses 2021 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 1 1
0 1 2
Levantamento Bibliográfico x x x x x x
Mapeamento dos colaboradores de pesquisa e x x x x
seleção dos casos
Acompanhamento dos familiares e observação x x x x x x
das práticas forenses e administrativas junto aos
familiares em Feira de Santana
Acompanhamento dos familiares e observação x x x x x
das práticas forenses e administrativas junto aos
familiares em São Paulo
Acompanhamento dos familiares e observação x x x x x x x x
das práticas forenses e administrativas junto aos
familiares em São Paulo
Atividades/Meses 2022 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 1 1
0 1 2
Acompanhamento dos familiares e observação x x x x
das práticas forenses e administrativas junto aos
familiares
Análise dos casos x x x
Redação da dissertação x x x x x x x x
Entrega de relatório final x
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MACHADO, Maíra Rocha; MACHADO, Marta R. de Assis. (Org.) Carandiru não é coisa
do passado: um balanço sobre os processos, as instituições e as narrativas 23 anos após o
Massacre. São Paulo: FGV, 2015MISSE, Michel (org.). 2011. “Autos de Resistência”:
uma análise dos homicídios cometidos por policiais na cidade do Rio de Janeiro (2001-
2011)". Relatório Final de Pesquisa - Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflitos e Violência
Urbana.Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mimeo
OLIVEIRA NETO, Sandoval Bittencourt de. Sangue nos olhos: sociologia da letalidade
policial no estado do Pará. 2020. 397 f., il. Tese (Doutorado em Sociologia)—Universidade
de Brasília, Brasília, 2020.
OLIVEIRA JÚNIOR, Pedro. O peso dos mortos queridos: um estudo sobre vitimização
indireta por violência oficial. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Universidade
Federal da Bahia. Salvador, 2013.
PINHEIRO, Luciano Santana. “A gente formiga e eles elefantes”: o direito nas narrativas
de familiares de vítimas da letalidade policial em Feira de Santana- Ba. Relatório de
Pesquisa de Iniciação Cientifica. Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas. São Paulo,
2019.
YIN, Robert. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Tradução Daniel Grassi. 2 ed.
Porto Alegre: Bookman, 20
XAVIER, José Roberto Franco. O direito de punir rodeado por vítimas. Sobre sistema de
direito criminal, vítimas e suas interações numa sociedade democrática. Revista da Faculdade
Mineira de Direito, v. 22, n. 44, 2019. Disponível em:
http://periodicos.pucminas.br/index.php/Direito/article/view/21816. Acesso em: 16 mar. 2021.