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Avaliação Psicológica Pericial em casos de Suspeita Abuso Sexual infanto-

juvenil: Uma análise da credibilidade do testemunho da vítima


Elaine Bedin dos Santos – ellabedin@hotmail.com
Especialização em Avaliação Psicológica
Instituto de Pós-Graduação - IPOG
Porto Velho, RO, 15 de julho de 2016.

Resumo
A avaliação psicológica no âmbito judicial se constitui uma importante participação da psicologia
na esfera jurídica, sendo que esta atuação quando voltada para os casos de suspeita de abuso
sexual assume uma conotação muito mais peculiar, haja vista que pode ser o único meio de prova
processual. Este artigo pretendeu analisar a forma como ocorre este tipo de perícia e quais são as
técnicas mais indicadas e utilizadas para responder o principal questionamento dos interessados
nesta perícia, se o crime ocorreu e quem cometeu? A partir de minha prática profissional, já pude
observar o quanto há dissenso entre os profissionais no que se refere ao modo de conduzir uma
perícia psicológica. Assim essa pesquisa intentou investigar o quanto a análise da credibilidade do
testemunho pode contribuir na conclusão de uma perícia em casos de crime sexuais que via de
regra só tem o relato da vítima como prova. Realizamos para tanto um levantamento bibliográfico
de pesquisas que versavam sobre o assunto. Desta pesquisa obtivemos achados que inferem que a
forma mais científica de realizar uma perícia psicológica com o intuito de afirmar ou não a
ocorrência de um abuso sexual, bem como que foi o perpetrador, é a avaliação da credibilidade do
testemunho, que pode ser realizada por meio da Statement Validity Assessment (SVA )uma técnica
criada por um alemão e que é reconhecida mundialmente e até aceita em alguns tribunais europeus.
Contanto que essa seja a forma mais indicada, após observarmos minuciosamente os estudos sobre
o tema, sopesamos por fim que esta técnica por si só não é suficiente para comprovar uma
ocorrência de violência sexual, entretanto pode contribuir de forma grandiosa na investigação de
crimes sexuais.

Palavras-chave: Avaliação psicológica. Perícia psicológica. Abuso sexual infantil. SVA. Avaliação
da credibilidade do testemunho.

1. Introdução
O testemunho das vítimas como fonte de prova no âmbito processual jurídico ainda é um tema que
gera bastante discussão. A credibilidade que se dá ao testemunho da vítima é, por vezes, algo
passível de inconsistências e variações, principalmente quando se trata de crianças e adolescentes na
condição de vítimas aviltadas. Dos casos mais recorrentes que necessitam do relato da vítima para a
instrução processual encontramos o abuso sexual, sendo que esta temática tem sido um alvo de
muita controvérsia, haja vista não haver uma padronização na forma de obtenção e coleta desse
testemunho, e também por muitos profissionais não se atentarem ao rigor da técnica que pode tornar
um testemunho válido e com um maior número de memórias reais.
Contanto que nos casos de abuso sexual a palavra da vítima é uma das poucas provas possíveis,
considerando que dificilmente algum terceiro presencia tal ato, que normalmente ocorre de forma
sigilosa e sob de ameaça, faz se necessário valorizar o relatos daqueles que supostamente sofrem
abuso sexual, em sua maioria crianças. (BUCK e cols apud GAVA, PELISOLO e DELL’AGLO,
2013) Valorizar no sentido de obter dados verídicos, mais detalhados e consistentes e que possam
colaborar posteriormente para o mais correto julgamento legal. Atrelamos à condição de o abuso
sexual ter pouca visibilidade, o fato dessa violência ser geralmente cometida por alguém próximo,
em quem a criança confia, o que infelizmente a literatura aponta gritantemente. De acordo com
dados da UNICEF, os principais abusadores são pessoas do sexo masculino, sobretudo pais,
padrinhos, avós, irmãos, tios, e o ambiente em que o abuso mais ocorre é o doméstico. Esse vínculo
familiar também contribui para que os dados sejam tão obscuros, pois o mesmo que agride é aquele
a quem a criança ama. Dessa forma, abuso sexual em família não é facilmente denunciado.
Acredita-se que no Brasil menos de 10% dos casos chegam às delegacias (RIBEIRO, FERRIAN e
REIS, 2004).
Além disso, como realidade hoje constatamos que tais vítimas quando intentam revelar seus
sofrimentos levando a denúncia ao judiciário, passam por inúmeras inquirições, as quais muitas das
vezes podem constrangê-las e até embaraçá-las, o que consequentemente tende a comprometer a
espontaneidade do discurso da criança vítima de abuso sexual. (ELOY, 2012)
O cenário acima exposto, também pode ser verificado em minha vivência profissional enquanto
psicóloga judiciária por quase três anos no TJ/RO, o que acabou gerando nessa técnica uma
inquietação de como se poderia colaborar de forma mais efetiva nos casos de violência sexual
infanto-juvenil, vez que o psicólogo é chamado por diversas vezes a realizar o procedimento técnico
de coleta e obtenção de informações com a vítima.
Neste diapasão nos propendemos a entender, a priori, o meio técnico mais utilizado para captação e
validação do testemunho dessas crianças e adolescente acometidas por tal violência; meio esse
apresentado como a perícia psicológica. Assim, realizaremos uma análise da perícia psicológica em
casos de suspeita de abuso sexual infanto juvenil com foco na investigação da técnica mais indicada,
entendendo tal como a mais válida e eficaz, para se utilizar nas avaliações psicológicas envolvendo
abuso sexual.
2. Entendendo a Avaliação Psicológica
A Avaliação Psicológica pode ser compreendida uma técnica própria e singular da Psicologia, sendo
também considerada uma das mais antigas formas de atuação.
Alchieri e Cruz (2004) entendem a Avaliação Psicológica como uma forma de captar e reconhecer
processos psicológicos nos indivíduos, utilizando-se para isso de procedimentos diagnósticos,
prognósticos e até testes psicométricos. No mesmo sentido temos também encontramos que esta
pode ser referida como “um conjunto de procedimentos que têm por objetivo coletar dados para
testar hipóteses clínicas, produzir diagnósticos, descrever o funcionamento de indivíduos ou grupos
e fazer predições sobre comportamentos ou desempenho em situações específicas” (HUTZ, 2009).
A fim de ampliar o conceito sobre avaliação psicológica trazemos a resolução do Conselho Federal
de Psicologia 007/2003 que doutrina a respeito dos documentos referente à avaliação psicológica
que concebe esta atuação como “processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e
interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da relação
do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas – métodos,
técnicas e instrumentos” (CFP, 2003).
A Lei no 4.119/62 traz em seu escopo que esta prática de avaliar fenômenos psicológicos bem como
utilizar instrumentos é restrita aos psicólogos no Brasil. Sabemos também que por se constituir de
um método científico que permite avaliar aspectos psicológicos de um sujeito, é um procedimento
muito utilizado em diversos contextos. Um dos contextos mais que mais requer este tipo de atuação
é o contexto jurídico, representada por meio da psicologia jurídica que é considerada uma
especialidade (CFP 2000) ou em uma nomenclatura mais específica, da psicologia forense. Segundo
Silva (2003) no âmbito judicial, a psicologia jurídica e a avaliação psicológica têm caminhado
juntas, se aperfeiçoando ao longo do tempo para acompanhar as demandas da justiça. Ainda no que
concerne à nomenclatura, trazemos uma concepção de Silva (2012) que apresenta uma descrição
mais didática trazendo uma sutil diferenciação entre Psicologia Forense: como uma vertente
específica que direciona a atuação nos processos criminais, nas Varas Criminais e nas Varas
Especiais da Infância e da Juventude, para tal pode fazer uso de métodos, técnicas e procedimentos
para avaliar aspectos da personalidade e o grau de periculosidade de agentes de condutas tipificadas
por lei como criminosas, e Psicologia Jurídica: atua nos processos civis, dentro (como peritos) ou
fora (como assistentes técnicos) da instituição judiciária, que de uma forma geral tende a analisar a
dinâmica familiar das pessoas envolvidas nos litígios nas Varas da Família e da Infância,
principalmente em casos de disputa de guarda. Todavia para este estudo, iremos utilizar as termos
como sinônimos.
O objetivo da psicologia forense é prestar um auxílio ao judiciário no que reportar-se à avaliação e
esclarecimentos de fenômenos e aspectos psicológicos do comportamento humano, de forma que
venha a subsidiar as tomadas de decisões jurídicas nos processos judiciais (JUNG, 2014). É uma
integração da psicologia com o direito. São várias as formas de atuação do psicólogo no Poder
Judiciário neste contexto, no entanto uma de maior destaque é perícia psicológica, ou seja, a
avaliação psicológica no âmbito judicial.
2.1 A Perícia Psicológica
A palavra perícia vem do latim “peritia” que significa: destreza, habilidade (ORTIZ, 1986).
Seguindo esse entendimento, em tese, somente um profissional que possua habilidade, um real
domínio da técnica e conhecimento correlacionado com a demanda poderia atuar como perito.
A perícia psicológica forense embasa-se de método e técnicas comuns à prática clínica, ou seja,
utiliza-se de procedimentos como: entrevistas, testes, observações, escuta, intervenções verbais
entre outros (CFP, 2003), entretanto no contexto judicial, trata-se de uma avaliação psíquica do
sujeito que visa esclarecer e fornecer ao solicitante da perícia (normalmente o juiz) informações
técnicas próprias da ciência psicologia (SHINE, 2005; IBANEZ e ÀVILA apud ROVINSKI, 2004).
Outra definição muito utilizada e aceita é que perícia psicológica consiste em um exame que se
caracteriza “pela investigação e análise dos fatos e pessoas, enfocando os aspectos emocionais e
subjetivos das relações entre as pessoas, estabelecendo uma correlação de causa e efeito das
circunstâncias, e buscando a motivação consciente e inconsciente para a dinâmica da personalidade
dos envolvidos” (SILVA, 2003).
Segundo Rovinski (2004) a perícia na área judicial é de fato um mecanismo de prova, e se
diferencia dos demais por ser desenvolvida por um especialista. Sendo uma prova pericial, ela
possibilita englobar nos autos informações técnicas desconhecidas pelo juiz e que é percebida pelo
profissional psicólogo forense. Com a finalidade de melhor especificar a perícia, observa que alguns
fatores a caracterizam, diferenciando da prática clínica, a saber, o cliente, a devolutiva, o sigilo e a
confiabilidade das informações do declarante (ROVINSKI, 2004). Além disso, outro detalhe
peculiar evidenciado no enquadre é que o perito deve respeitar prazos de entrega do laudo que é
realizado a pedido do juiz, que normalmente é de 30 dias.
Segundo o Art. 3º da resolução 010/2010 “Conforme a especificidade de cada situação, o trabalho
pericial poderá contemplar observações, entrevistas, visitas domiciliares e institucionais, aplicação
de testes psicológicos, utilização de recursos lúdicos e outros instrumentos, métodos e técnicas
reconhecidas pelo Conselho Federal de Psicologia” (CFP, 2010). Nesse sentido, o profissional
poderá e deverá atuar eticamente, sem prejuízo do princípio da autonomia teórico-técnica e ético-
profissional, informando o periciando acerca dos motivos, das técnicas utilizadas, datas e local da
avaliação pericial psicológica (MACHADO, 2007).
Contanto que não exista uma regra para a utilização de procedimentos e instrumentos
metodológicos, pois é necessário adequar as técnicas ao tipo e sujeito a ser analisado, bem como a
demanda a ser respondida, ainda assim Shine (2005) e Rovinski (2004) entendem alguns passos
como comuns na maioria das intervenções, sendo que a metodologia mais utilizada nas perícias
psicológicas seria uma combinação geralmente dos seguintes procedimentos:
a) leitura crítica dos autos processual para analise e conhecimento, tornando possível
identificar a demanda;
b) levantamento das hipóteses a partir dos dados fornecidos pelos autos e pelo pedido do
solicitante da perícia;
c) coleta de informações do avaliado bem como de seus responsáveis, ou de outras pessoas
ou instituições quando julgar necessário, através de entrevistas, observações e cruzamentos
de dados;
d) Planejamento de procedimentos psicométricos, ou seja, a testagem indicada para avaliar
o fenômeno a ser investigado, quando houver necessidade;
e) aplicação da bateria de testes;
f) Análise dos resultados obtidos nos testes e interpretação destes conseguintes aos dados
obtidos durante as entrevista e observação;
g) E por ultimo, elaboração do documento decorrente da perícia respondendo aso quesitos,
quando apresentados.

Cabe observar, ao mesmo tempo, que na perícia psicológica, todo o processo de avaliação desde a
obtenção dos dados através de instrumentos adequados, a análise dos dados até a comunicação dos
resultados deve ser direcionado aos objetivos judiciais (JUNG 2014).
Complementando também os passos descritos acima, que orientam o avaliador como seguir para
realizar sua intervenção psicológica no campo da produção da prova pericial, Melton (1997) traz
algumas questões devem ser observadas em casa etapa do processo. De modo que orienta algumas
condutas durante a avaliação que é assinalada por três etapas, assim:
1-Pré-avaliação- clarificar determinações ambíguas ou excessivamente genéricas certificar-
se de que o periciado foi informado de sua avaliação por seu advogado e avaliar a própria
competência para realizar a avaliação.
2-Durante a avaliação clínica- informar o periciado todas as questões legais envolvidas no
processo de avaliação e os limites da confidencialidade.
3-Pós-avaliação- a relevância dos dados para a questão jurídica deve orientar o relatório e
informar ao periciado se existirem fatores de risco, principalmente no caso de crianças e
adolescentes. (MELTON apud ROVINSKI, 2004).

Além de entendermos os passos deste processo avaliativo, igualmente se faz importante ressaltar
neste estudo a respeito da legitimação e da ampla previsão legal que há do profissional de
psicologia no contexto de perícias, sendo que tal previsão se dá precipuamente pelo Código de
Processo Civil, por meio da Lei nº 13.105/2015. Neste novo CPC, temos a elucidação da
necessidade do perito, assim no artigo 156, “O juiz será assistido por perito quando a prova do fato
depender de conhecimento técnico ou científico”. E mais adiante direciona para as vicissitudes da
atuação que o perito, por se considerado sujeito imparcial do processo, se sobrepõem os motivos de
impedimento e suspeição. Encontramos novamente convalidação da atuação do psicólogo como
perito pela Classificação Brasileira de Ocupação- CBO e regulamentação pelas resoluções 08/2010
e 017/ 2012 do Conselho de Federal de Psicologia-CFP que dispõem respectivamente “sobre a
atuação do psicólogo como perito e assistente técnico no Poder Judiciário e sobre a atuação do
psicólogo como Perito nos diversos contextos”.
3. Perícia psicológica em casos de suspeita de abuso sexual
Dentre as várias situações e demandas que solicitam ao psicólogo participar como perito tem a
perícia psicológica com crianças e adolescentes em casos de suspeita de abuso sexual. Este tipo de
atuação quando acontece no Judiciário, ocorre nas varas criminais, momento em que já houve a
denúncia e se tramita um processo judicial a fim de julgar a existência de crime que se provar-se
existente, deverá responsabilizar e punir os culpados.
A avaliação psicológica com este propósito pode ser realizada em dois momentos, na fase de
inquérito, normalmente por psicólogos de Institutos de Medicina Legal, ou quando já instaurado o
processo penal, por psicólogos do judiciário ou por peritos nomeados de confiança do juiz. A
respeito do momento em que se realiza a avaliação psicológica Consuelo Eloy (2012) entende que
dependendo da fase processual em que a perícia psicológica é realizada pode haver significativa
influência e até interferência no testemunho da vítima. Acredita ainda que quando a avaliação
psicológica ocorre como a primeira forma de tomada de dados a respeito do abuso, evita-se que haja
contaminação no discurso e até retaliações por familiares, ou até mesmo descréditos por
profissionais inexperientes. Eloy (2012) também constatou em sua pesquisa também que uma
intervenção inicial acolhedora e cuidadosa é primordial para que a criança se sinta segura e preste
uma informação clara, real e coerente além evitar revitimização por meio de diversas intervenções,
o que infelizmente ainda é comum.
Dadas às informações supras, podemos considerar que esta prática pericial possui importantíssima
função, pois tem o poder de dar voz a vítimas que por diversos motivos (entre eles, ameaças, medo,
vergonha, descrédito) não conseguem expressar fluidamente as violências supostamente sofridas.
Para tornar a situação mais delicada verificamos que o cenário que cerca a dinâmica do abuso é o
ambiente familiar, e segundo pesquisas que se dedicam à investigação das características desse
fenômeno, a prevalência da prática incestuosa é de 71,1% dos agressores eram pais biológicos das
vítimas e 11,5% eram padrastos, perfazendo um total de 82,6% (SAFFIOTI, 1995). No mesmo
sentido encontramos também na literatura mundial que a figura do pai biológico é aquela que mais
vitimiza sexualmente as crianças (97% dos casos). Ora, diante disto podemos ter uma triste
constatação relativa ao cenário do crime e seu perpetrador; ocorre preponderantemente o abuso e
cometido por familiares.
Destarte, a avaliação psicológica pericial torna-se de extrema relevância nos tribunais, pois tem a
capacidade de esclarecer ao magistrado a dinâmica do abuso sofrido e consequentemente
possibilitar a realização de um julgamento mais justo destes crimes sexuais, cominando assim na
proteção das vítimas e condenação de agressores.
Antes de nos aprofundarmos no mérito da perícia nessas situações específicas, tomaremos algumas
definições e preceitos de abuso sexual a fim de compreender melhor esse fenômeno que causa tanto
asco e revolta nos profissionais e população geral.
Tilman Furnisss (1993) psiquiatra e sociólogo alemão especialista no tratamento de crianças e
adolescentes que se dedicou a estudar a dinâmica do Abuso Sexual se refere a esse tipo de violência
como uma “exploração sexual que tem o envolvimento de crianças e adolescentes dependentes,
imaturos mentalmente, em atividades sexuais que eles não compreendem totalmente, às quais são
incapazes de dar um consentimento informado e que violam os tabus sociais dos papéis familiares, e
que objetivam a gratificação das demandas e desejos sexuais da pessoa que comete o abuso”. Para
Organização Mundial de Saúde- OMS, o abuso sexual é uma violência sexual infantil que se dá a
partir da interação entre a criança ou adolescente e alguém em estágio sexual de desenvolvimento
mais adiantado, que tenha por fim a satisfação sexual deste último. As interações podem variar
desde atos em que não se produz o contato sexual (voyeurismo, exibicionismo, produção de fotos)
até atos que incluem contato sexual com ou sem penetração (WHO, 1999, 2006 apud GAVA,
PELISOLO e DELL’AGLO, 2013).
Um terceiro conceito também colabora para a expansão do nosso conhecimento e para um olhar
reflexivo sobre a assimetria e desvantagem na dinâmica abusiva, onde segundo Deslandes (1994), a
violência sexual consiste em “Todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual cujo
agressor esteja em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o
adolescente com o intuito de estimulá-las sexualmente ou utilizá-las para obter satisfação sexual”
(apud RIBEIRO, 2004).
Ora, podemos observar a partir das definições acima que, nenhuma destas condiciona a ocorrência
da violência sexual à existência de violação ou marcas físicas, nessa acepção refletimos e
observamos que não é sequer necessário haver o contato físico entre perpetrador e vítima para que
um ato seja designado como sexualmente violento, de modo que não se deve esperar
necessariamente um indício corporal visível resultante da violência sexual para que esta seja
configurada.
Portanto, consideramos que a prova física nem sempre, ou melhor, em grande parte dos casos, é
possível, o que consequentemente justifica a constante recorrência às perícias psicológicas pelos
tribunais, visando tanto entender os fatos ocorridos e tentar descartar falas denúncias como para
preservar a vítima e valorizar seu relato.
Numa rápida análise das estatísticas quanto às denúncias que apresentam provas físicas passíveis de
serem aceitas nos tribunais verificamos uma baixa incidência de vestígios físicos encontrados nos
exames em casos de suspeita de abuso sexual cometido contra crianças. Gava, Pelisolo e Dell’aglo
(2013), bem nos ilustram esta problemática, apresentando diversos achados que corroboram com a
ideia de insuficiência da pericia física nos casos aqui estudados;
O objetivo pericial de comprovar a existência do fato delituoso é especialmente
problemático nos casos de crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes. Nesse
contexto, é comum que as perícias físicas não sejam capazes de detectar a materialidade do
fato (Buck, Warren, Betman, & Brigham, 2002; Echeburúa & Subijana, 2008; Welter &
Feix, 2010). No Brasil, por exemplo, um estudo realizado no Instituto Geral de Perícias do
Estado do Rio Grande do Sul constatou que, no período de janeiro de 2007 a dezembro de
2008, apenas 22,2% dos exames de conjunção carnal nos casos de suspeita de violência
sexual infanto-juvenil apresentaram resultados positivos, indicando a materialidade do
crime (Rios, 2009).
Diante dessas constatações é que novamente se considera a perícia psicológica como o meio mais
efetivo, muita das vezes o único, de alcançar e produzir prova nos autos processuais, neste ponto é
que nos compreendemos a imensa reponsabilidade que o profissional que realiza este tipo de
avaliação tem; é preciso eliminar as possibilidades de erros, pois tais podem ser fatais no sentido de
induzir a um julgamento errôneo. Além disso, trata-se não obstante não só de um compromisso
profissional, mas ético e social; não podemos deixar crianças ou adolescentes sendo submetidos a
estes tipos de abuso da mesma maneira que também não se pode consentir que um inocente seja
acusado e punido indevidamente.
A dinâmica do abuso sexual não algo simples de ser compreendido, Furniss (1993), nos fala de
algumas características que revestem esta problemática, sendo que a observação de tais
características devem se fazer presente no momento da análise desse tipo de violência, normalmente
familiar. Dois principais fenômenos apontados por este autor são: a síndrome do Segredo e
síndrome da Adição.
O fenômeno chamado síndrome do segredo é bastante comum, principalmente em casos de abuso
intrafamiliar. Consiste na ocultação da verdade dos fatos, tanto pela criança quanto pelos próprios
familiares (quando cientes), com o intuito velado de manter inalterada a rotina doméstica. A não
revelação, muitas vezes, por grande espaço de tempo, dá-se pelas mais diversas motivações. Alguns
fatores, identificados como fatores internos e externos tendem a favorecer a instalação dessa
síndrome, qual sejam: “a falta de evidências médicas e de elementos para comprovar o abuso sexual
infantil, a necessidade de acusação verbal por parte da criança, a falta de credibilidade ao menor, as
consequências da revelação, ameaças físicas e psicológicas, distorção da realidade, medo de
punição pela ação que participou, a culpa da criança, a negação e a dissociação.”
Já a síndrome da adição manifesta-se no abusador e é complementar à síndrome do segredo na
criança e na família. As pessoas que abusam sabem que isso é incorreto e prejudicial ao menor, mas
não têm autocontrole. Apesar de não proporcionar uma experiência prazerosa - apenas o alívio de
tensão -, o processo é conduzido pela compulsão à repetição. Há uma forte dependência psicológica,
ocasionando o impulso reiterado, semelhante ao que os viciados em entorpecentes têm quanto às
drogas. Aspectos de adição também ocorrem nas vítimas de abuso. São sintomas aditivos comuns a
drogadição, o uso precoce de álcool e cigarro e, algumas vezes, a dependência em tranquilizantes.
(FURNISS, 1993)
Quanto à demanda principal nos casos em que solicitam uma perícia psicológica em caso de
suspeita de abuso sexual cometido contra crianças e adolescentes, ou seja, o que normalmente se
quer é que seja respondida esclarecida, a questão se o abuso efetivamente ocorreu. Mas para
responder a essa pergunta, verificamos que não há um consenso de como realizar esta avaliação,
nem na esfera mundial e tampouco no âmbito no nosso nacional, e isso se estende à realidade
regional brasileira.
No Brasil os autores, Serafim e Saffi (2009) em “Psicologia investigativa nos casos de suspeita de
abuso sexual” são bastante detalhistas quando propõem uma perícia psicológica nos casos de sus-
peita de abuso sexual, elencando assim cinco etapas para a realização desta.
Assim o primeiro passo seria análise documental do caso, alguma questão que for pertinente já po-
derá ser questionada na próxima fase. A segunda etapa é a de entrevista, sendo que ai será estabele-
cido o contrato, ou seja, o enquadre do trabalho, explicando ao periciado o motivo de ele estar ali, a
quantidade de encontros necessários, a questão do sigilo que não é total e até assinatura de consen-
timento para realização da avaliação. Uma vez da anuência, inicia-se com o relato do ocorrido, em
seguida faz se necessário os dados de anamnese. A terceira etapa é a de avaliação cognitiva, que
consiste num exame das principais funções cognitivas, a fim de visualizar o funcionamento global
do periciado e se existe algum comprometimento na compreensão e julgamento. Na quarta etapa,
os autores propõem uma avaliação de personalidade que fornece informações tanto de característi-
cas estruturais como da dinâmica da personalidade, tal avaliação tende a esclarecer a forma como o
examinado interage com o mundo. Por derradeiro, na etapa de análise de dados e conclusão, são
considerados todos os dados levantados nas etapas anteriores e é elaborada uma conclusão sobre o
periciado, ou seja, o estado mental e afetivo deste e sobre o evento que está sendo em que ele está
envolvido.
Todavia no estudo de Gava, Pelisolo e Dell’aglio (2013) constatou-se uma diversidade de modos de
realização da perícia psicológica, analisando os descritos por diversos autores situados em variados
contextos do cenário mundial. Tal dado pode auxiliar o leitor na compreensão da complexidade
envolvida na avaliação pericial nos casos de abuso sexual. Não obstante, mesmo com toda essa he-
terogeneidade, alguns procedimentos foram comuns a todos, a saber, a exigência da entrevista com
a criança ou adolescente supostamente vítima e também a necessidade de entrevista com os respon-
sáveis. Diante de tal constatação iremos nos focar no modo de se realizar esta entrevista. Assim
verificamos que atualmente, um protocolo de entrevista investigativa bem estruturado e largamente
utilizado no contexto internacional é o NICHD que foi desenvolvido por pesquisadores do National
Institute of Child Health and Human Development (NICHD).
Este protocolo visa se reduzir o número de questões sugestivas, fechadas e de múltipla escolha, au-
mentando o número de questões abertas, em contrapartida apresenta questões específicas para o
treino de memória episódica, o que aumenta a efetividade da entrevista (LAMB et al., apud WILI-
ANS et al 2012). De forma básica, este protocolo envolve uma fase introdutória
com estabelecimento de confiança, seguida de avaliação sobre a capacidade de a criança distinguir
entre verdade e mentira, informações sobre a entrevista, possibilidade de dizer "não sei", avaliação
de desenvolvimento, perguntas abertas e neutras e encerramento.
Esta entrevista normalmente ocorre em um encontro só e também traz algumas limitações, pois em-
bora o protocolo NICHD auxilie o entrevistador a estabelecer o vínculo com a criança, facilitando a
emissão do relato abusivo, ele não oferece alternativas de manejo dos fatores motivacionais que
fazem com que as crianças não revelem o abuso (PIPE, LAMB, ORBACH, e CEDERBORG apud
WILIANS et al., 2012). Assim enaltecemos novamente a prática da perícia psicológica, pois nor-
malmente não se restringe somente a entrevista, mas pode fazer uso de outras técnicas que tendem a
trabalhar questões motivacionais, respeitando e sendo continente à suposta vítima entrevistada. Ca-
be ressaltar que este protocolo não é de uso exclusivo do psicólogo, mas é muito usado por estes
principalmente no âmbito judicial.
Após conhecermos um pouco deste instrumento de entrevista, finalizamos essa seção expondo ou-
tros dois aspectos que estão envolvidos nesses modos de fazer perícia e que merecem destaque pe-
las dificuldades que suas aplicações práticas suscitam. Trata-se, primeiramente, da avaliação relati-
va às possíveis alterações emocionais e comportamentais apresentadas pelo periciado na época do
suposto acontecimento, e em segundo lugar, da avaliação da credibilidade do relato fornecido pelo
periciado. “Considerando a importância desses aspectos, Machado (2005), ao fazer uma revisão
acerca de aspectos consensuais e controversos na realização da perícia psicológica nas alegações de
abuso sexual, aponta que a perícia é usualmente solicitada com vistas justamente à clarificação des-
tas duas questões” (apud G AVA, PELISOLO e DELL’AGLO, 2013).
Neste estudo iremos nos aprofundar somente na avaliação da credibilidade o testemunho por enten-
dermos, após uma revisão da literatura que a avaliação do impacto psíquico do suposto abuso sexual
na criança ou adolescente não é por si só, um caminho inteiramente adequado à produção de prova
pericial, pois trata-se de uma avaliação com direcionamento mais clínico que atende a outros objeti-
vos mas não o de comprovação de ocorrência da violência sexual .
Sabemos que há uma série de alterações psicológicas passíveis de ocorrer após a ocorrência do abu-
so, mas essas alterações podem ocorrer ou não, eis aí o perigo deste tipo avaliação. Salientamos
ainda que esse raciocínio de, uma vez ter constatado o dano psíquico, supõe-se a ocorrência do abu-
so, é extremamente falho do ponto de vista da produção da prova pericial, podendo prejudicar ou
mesmo deturpar os resultados de uma avaliação. (GAVA, PELISOLO e DELL’AGLO, 2013). Em
primeiro lugar, esse raciocínio é problemático por que; enquanto algumas vítimas desenvolvem
severos problemas emocionais ou psiquiátricos, outras apresentam consequências mínimas ou ne-
nhuma consequência aparente, e isso depende de vários fatores conjugados. E o mais grave, pode
advir de uma vítima não desenvolver, ou a avaliação não identificar, nenhum sintoma ou alteração,
portanto se a uma avaliação só procura este tipo dado é bem possível que conclua erroneamente a
respeito da ocorrência do fato.
Enfatiza-se que se basear somente na lógica de verificação e confirmação de traumas e seus danos
psíquicos pode se incorrer no perigo de por conta do falso positivo. Ademais não existe um sintoma
patognômico, nem uma sintomalogia psicopatológica específica que fosse comum a todos os casos
de abuso. Somado a isso temos também o problema do momento em que se avaliam os sintomas,
geralmente é bem distante do evento traumático, de modo que muita das vezes não há como fazer
uma ligação de causa e efeito. Desta feita, entendemos que não se pode concluir a ocorrência do
abuso sexual a partir da identificação de sintomas encontrados na perícia, pois estes podem ou não
estarem ligados ao evento abusivo (DAMMEYER, 1998) Por fim, ponderamos que, se houver
ausência de provas físicas, não há, mas nenhum um indicador específico que determine se uma
criança foi sexualmente abusada, ou seja, não nenhuma técnica ou teste psicológico.
Mesmo considerando essas proeminências, muitas vezes as perícias são realizadas a partir de uma
abordagem da psicologia clínica, com enfoque na presença ou ausência de sintomas que são
esperados nas vítimas, em decorrência da vivência desse tipo específico de trauma (Rovinski, 2004),
contudo já nos é sabido que há distinções bem definidas entre a de avaliação com finalidade clínica
e a forense, principalmente quanto aos objetivos.
No que concerne à avaliação em casos de suspeita de abuso não é diferente, enquanto que a
primeira tende à interpretação da experiência psicológica que a criança supostamente vítima
vivenciou, a segunda objetiva uma investigação com a finalidade de determinar se o fato ocorreu ou
não. Lembrando que na prática forense o direcionamento é para a comunicação da realidade
externa, ou seja, o que ocorreu de fato e não o que percebo da situação. (ROVINSKI, 2004) assim
o grande mote da investigação psicológica no contexto forense é a recuperação de fatos passados,
sendo que a ênfase seria em questões como; O que aconteceu? E quem fez?
Dada essa necessidade de recuperação de informações a respeito de fatos ocorridos no passado,
aquiescemos que na prática pericial a palavra da vítima ou testemunha adquire fundamental
importância para a resolução do processo judicial e o trabalho realizado na entrevista dirige-se à
obtenção destas informações Para Rovinski (2004), a técnica mais apropriada para a realização de
entrevista nesse enredo é a entrevista cognitiva.
4- Avaliação da credibilidade do testemunho.
A avaliação da credibilidade do testemunho pode ser realizada por algumas formas, no entanto
o Statement Validity Assessment (SVA) que consiste em um método compreensivo para a avaliação
dos relatos de testemunhos reconhecido como a técnica mais popular no mundo para medir a vera-
cidade de uma declaração verbal (VRIJ, 2000) .Esta técnica assenta na hipótese do alemão Undeus-
tch, segundo o qual um testemunho baseado numa experiência real difere em qualidade e conteúdo
em contraste de um testemunho baseado num acontecimento imaginado, acreditando assim que a
invenção de uma história convincente sobre uma suposta experiência pessoal requer do ponto de
vista cognitivo, outras e maiores exigências que a narração de uma história sobre um evento real-
mente experimento. Atualmente, o SVA é composto, atualmente, de três etapas, que podem ser
incrementadas, a saber:
a) entrevista estruturada;
b) análise de conteúdo baseada em critérios (Criteria-Based Content Analysis – CBCA),
em que são avaliados, de forma sistemática, o conteúdo e a qualidade dos dados obtidos a
partir da presença ou ausência de 19 critérios objetivos;
c) checklist de validade, no qual os resultados do CBCA são avaliados a partir de uma lista
de controle da validade dos critérios levantados;

Após estas etapas realiza-se a integração de todos os dados colhidos para então elaborar a conclu-
são, em termos probabilísticos, acerca da ocorrência do abuso (STELLER E BOYCHUK apud
GAVA, PELISOLO e DELL’AGLO, 2013).
Para Alonso-Quecuty (1999) o psicólogo deve realizar a avaliação da declaração a partir de sua
comparação a um perfil típico que deveria ser apresentado pela criança, considerando as caracterís-
ticas do desenvolvimento normal da memória para sua idade.
O momento da entrevista estruturada (fundamentada nos princípios da entrevista cognitiva) 1 é de
fundamental importância, uma vez que o desígnio maior desta parte do SVA é criar uma ligação e
acesso às capacidades cognitivas, comportamentais e sociais da criança, deixando esta bem a vonta-
de. Nessa etapa o entrevistador deve ser muito bem treinado a fim de evitar sugestionabilidade e
interrupções no relato da entrevistado, pois faz se necessário um relato completo e fluido para a
analise. É consenso que essa entrevista deve ser gravada. (ALONSO QUECCUTY, 1999).
O quadro a seguir fora extraído do livro Prova Testemunhal de Souza e é também utilizada nas
apresentações da Doutora em Psicologia Jurídica Sonia Rovinski.
Os 19 critérios do CBCA se aglomeram para favorecer uma detalhada a análise do conteúdo do re-
lato, de forma que observará se o relato é congruente com esperado. Por exemplo, o esperado num
discurso genuíno é que normalmente não haja uma estruturação total, ou ainda que haja admissão de
algumas falhas, pois o que se observa é que os discursos não verídicos possuem uma tendência a
rígida estruturação ou enorme convicção de lembrar com detalhe.

1
Entrevista cognitiva é um método criado em 1984 pelos s psicólogos americanos Ronald P. Fisher e
R. Edward Geiselman. Baseia-se em princípios psicológicos vastamente conhecidos sobre o armaze-
namento de memória e recuperação de informações Seu objetivo é ajudar o entrevistador a recordar o
maior número de informações, assim como gerar maior número de detalhes corretos sem aumentar o
número de detalhes incorretos ou fabricados.. O fundamento básico desse método reside em estruturar
a entrevista para ser mais compatível com a forma como o cérebro recupera memórias. A entrevista
cognitiva está dividida em cinco etapas: Planejamento e Preparação; Engajar e Explicar; Relato; Fe-
chamento e Avaliação. Os estudos científicos provam que essa técnica tem o mérito de ampliar signi-
ficativamente a quantidade e a qualidade das informações juridicamente relevantes em comparação
com uma entrevista padrão.
Características Gerais:
1-Coerência (estrutura lógica e solidez) - Um relato é considerado coerente se várias partes do que é
relatado combinam entre si de forma lógica, coerente e consistente (coerência espaciotemporal).
2-Produção verbal não estruturada ou espontânea - O relato é considerado espontâneo se ocorre de
modo não estruturado, desorganizado e sem constrangimentos na produção da descrição. Uma es-
trutura rígida é considerada de baixo nível de plausibilidade.
3-Quantidade de detalhes/suficiência dos detalhes - Um relato tem detalhes suficientes se o contexto
for suficientemente detalhado - descrição de lugares e tempos - e é descrita uma série de ocorrências
dentro do acontecimento.
Conteúdos Específicos:
4-Contexto envolvente - Quando existem descrições vocais, espaciais, temporais e pessoais nos
acontecimentos relatados.
5-Descrição de interações - Se estiveram mais pessoas presentes, é esperável a descrição de intera-
ções (pelo menos três) entre pessoas que assistiram ao mesmo acontecimento.
6-Reprodução de conversações - Quando são produzidos diálogos entre os elementos que assistiram
a determinado fenômeno, na sua forma original, salientando-se frases ou palavras não familiares.
7-Relato de complicações inesperadas durante o incidente - Sempre que são relatados acontecimen-
tos inesperados, ou por interromperem, complicações, ou dificuldades.
Características Específicas do Conteúdo:
8-Detalhes inabituais - Detalhes realistas mais notáveis ou extraordinários e não habituais ou, sim-
plesmente, não esperáveis dentro do contexto.
9-Elementos supérfluos ou periféricos - Sempre que são relatados elementos periféricos, ou seja,
não determinantes para os acontecimentos narrados, mas que lhe estão associados no momento em
que ocorrem os factos.
10-Detalhes dados que não são entendidos (especialmente crianças) - Aplica-se mais a crianças
porque as suas estruturas cognitivas ainda não estão suficientemente desenvolvidas. Detalhes evo-
cados, mas com uma interpretação errônea.
11-Relação com acontecimentos externos - Aqui são referidos elementos externos ao acontecimen-
to, embora sejam relacionados ao acontecimento. Por exemplo, recurso a outros acontecimentos
como forma de descrever o acontecimento em si (sons, sabores, etc.).
12-Dados sobre o estado subjetivo do sujeito - Se a testemunha descreve o seu estado emocional
vivenciado no momento do acontecimento.
13-Atribuição de um estado mental ao perpetrador - Referências a ideias, intenções, estados emoci-
onais, motivações, etc. daquele que comete o crime.
Conteúdos Relacionados com a Motivação:
14-Correções espontâneas - Sempre que a testemunha corrige espontaneamente durante a entrevista
ou testemunho informação dada durante o testemunho relatado que está a ser analisado ou em rela-
tos anteriores.
15-Admissão de falta de memória - Sempre que a vítima refere que há detalhes que não se lembra
de quando faz o relato espontaneamente.
16-Levantar dúvidas acerca do próprio testemunho - Sempre que a testemunha questiona o próprio
relato, pondo o que está a dizer em causa, etc.
17-Auto-desvalorização - Sempre que a testemunha se auto-desvaloriza durante o relato (eu não
devia ter feito isto ou aquilo, eu devia ter ido para casa, etc.), quer indicando sentimento de culpabi-
lidade quer repetindo o acontecimento como quem procura cognitivamente formas de que ele não se
volte a repetir.
18-Desculpabilização do perpetrador - É frequente as vítimas minimizarem a seriedade da ofensa.
Pode ser uma falha em culpar ou expressão de ambivalência para com o ofensor. (Foi inclusivamen-
te denominado de Síndrome de Estocolmo, quando a vítima se liga afetivamente ao agressor).
Elementos Específicos de Ofensa:
19-Detalhes característicos da ofensa - Quando são evocados detalhes que só podiam ser verificá-
veis na situação que está a ser relatada do crime e que são típicos da ofensa.
Após a análise do conteúdo a próxima etapa consiste em uma análise de critérios de validade com
os seguintes indicadores:
Checklist de validade:
Linguagem e conhecimento inapropriado – a vítima utiliza uma linguagem e um conhecimento que
vai além da capacidade normal para sua idade ou além do contexto de vitimização que foi capaz de
apreender pela experiência.
Afeto inapropriado – o afeto que apresenta não é apropriado à experiência traumática vivenciada.
Suscetibilidade à sugestão – deve-se observar durante a entrevista se a vítima demonstra ser susce-
tível a sugestões do entrevistador.
Entrevista sugestiva, conduzida ou coercitiva – deve ser avaliada a condução da entrevista realizada
com a vítima; se forem encontrados indícios quanto à indução de respostas por parte do entrevista-
dor, a Avaliação da Credibilidade da Declaração (SVA) não pode ser realizada.
Inadequação total da entrevista – além de condutas sugestivas, podem ser observados outros tipos
de inadequações, como por exemplo, não preparar a criança para que seja capaz de dizer que não
sabe a resposta a uma determinada pergunta ou que tenha esquecido se de certos detalhes.
Motivos questionáveis para a declaração - é importante observar os motivos que levaram a vítima a
realizar sua denúncia, bem como a relação que possui com o agressor e as consequências que irão
ocorrer a partir desta declaração.
Contexto questionável da revelação e da denúncia – este tópico está relacionado à origem da denún-
cia, mais especificamente ao momento em que foi realizado o primeiro comunicado; devem ser in-
vestigados elementos associados a este momento, se a denúncia foi voluntária ou induzida, e, neste
caso, por quem.
Pressão para realizar a falsa denúncia – observar se a vítima está sofrendo coação para realizar a
falsa denúncia ou para exagerar certos elementos que se encontram presentes na verdadeira experi-
ência
Inconsistência com a natureza das leis – este tópico se refere ao fato de que os eventos relatados
sejam impossíveis de acontecer.
Inconsistências com outras declarações – geralmente existe mais de uma declaração sobre o fato
ocorrido, devem ser observadas as contradições entre as declarações feitas pela própria vítima e as
contradições de sua versão com aquelas realizadas por outras pessoas.
Inconsistência com outras evidências – deve ser observado se elementos centrais da declaração são
contraditórios com outras evidências físicas confiáveis ou outras evidências concretas.
Apesar de ser uma técnica popular, alguns autores não há indicam para a fomentação de provas nos
tribunais mais sim na fase de inquérito policial. Contanto que alguns estudiosos acreditam na vali-
dade desse instrumento não se há um consenso sobre isso, a julgar por alguns estudos que apontam
a limitação da técnica. De modo que opiniões a respeito da utilização da técnica SVA em investiga-
ções não são consensuais. Raskin & Esplin, 1991; Zaparniuk, Yuille & Taylor, 1995 apud Gava,
Pelisolo e Dell’aglio , 2013 defendem que a validade do SVA já foi demonstrada e que, portanto,
este método deve ser amplamente utilizado, não obstante como já exposto não é a opinião maioritá-
ria. Até mesmo o próprio Steller, um dos criadores desse método semipadronizado, reconhece as
controvérsias relativas ao uso do seu SVA e propõe que este seja considerado não como a compro-
vação da validade geral da prova de credibilidade, mas como um método global para avaliar a cre-
dibilidade das declarações (STELLER & BOYCHUK, 1992 apud GAVA, PELISOLO E
DELL’AGLIO, 2013).
Para finalizarmos algumas observações devem ser expostas a respeito da SVA, tais como; o aporte
técnico da SVA é maior quando se busca identificar as declarações consideradas verdadeiras, e não
identificar as falsas declarações. Tem a possibilidade também de produzir falsos positivos, encai-
xando como verdadeira historia que na realidade não são. “Salienta-se o cuidado na avaliação de
declarações de crianças muito pequenas, pois a idade de 8 a 9 anos se constituía em um ponto de
corte no volume significativo de informações”. E por fim estudos têm demonstrado que estas decla-
rações podem se apresentar muito pobres e com isso não preencher os critérios descritos em relação
à quantidade de detalhes ou à meta-cognição. (ROVINSKI, 2004)
Ora, o que podemos extrair dos estudos que envolvem o SVA é que por mais que seja o instrumento
mais difundido para avaliar o testemunho, ainda não se constitui em um instrumento padronizado e
deve ser usado com cautela. O que nos leva a refletir mais uma vez que mesmo o profissional faça
uso de diversas técnicas ainda assim, deve compreender as limitações de sua atuação. Não existe
uma técnica 100% eficaz quando se trata de inferir se a vitima esta falando a verdade ou. Por isso
mesmo de Vrij (2005) orienta que essa técnica deve ser utilizada apenas na fase mais inicial da in-
vestigação do crime e não como prova única nos tribunais.
Considerações finais
Após percorrer este caminho entendendo a função do psicólogo como avaliador do comportamento
humano e dos fenômenos psicológicos, sobretudo no âmbito judiciário como perito, pôde-se
entender a dinâmica envolvida nessa interação Psicologia-Direito. Observamos também que nesse
cenário o psicólogo pode contribuir muito principalmente quando se trata de crimes sexuais e
necessitam de uma pericia psicológica para uma compreensão mais profunda dos fatos. Pela
particularidade do crime é muito raro haver testemunhos ou ainda prova física, assim o relato da
vítima acaba sendo, muita das vezes, o único meio de prova.
Nos estudos que examinamos sobre a pericia psicológica em casos de abuso sexual pudemos ter
contato com as dificuldades que o psicólogo pode se deparar nesse mister, e mais ainda tais
informações nos elucidaram que para o meio judicial a avaliação com foco somente nos sintomas
pode se induzir o profissional a se equivocar em sua conclusão. Como alternativa mais válida,
porém não excludente das outras, para responder ao que normalmente é solicitado nos tribunais,
encontramos avaliação da credibilidade do testemunho, através da técnica mais mundialmente
popular SVA.
Após analisarmos também esta técnica, verificamos que não existe como o psicólogo perito chegar
a uma conclusão irrefutável de verdade nesses casos. Mas sim trabalhar me termos de probabilidade
e assim chegar o mais perto possível da verdade, de tal modo que seu trabalho pericial pode
oferecer exclusão de hipóteses e probabilidades de ocorrência a partir das várias situações e
condições que foram avaliados. Ora, consideramos nesse mesmo diapasão que admitir tal limitação
não torna a avaliação psicológica menos confiável, ao contrário disso, traz cientificidade e
consciência de seu papel de avaliar e não dono da verdade.

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