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O PROCESSO DE
SUBJETIVAÇÃO DO SER
AFRICANO E A FILOSOFIA
MODERNA
A subjetividade como dispositivo político na
construção do ser negro
1ª edição
2020
Cia do eBook
Copyright © 2020 João Paulo Ignacio
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PROJETO EDITORIAL
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ISBN
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Considerações finais
Referências bibliográficas
Sobre o autor
Introdução
O presente ensaio busca abrir uma discussão sobre os dispositivos
políticos e ontológicos que perpassam os modos de subjetivação ocidentais
sobre a população negra e seus impactos subjetivos decorrentes do processo
de colonização, exploração e estratificação racial. Visamos pensar os
processos de alienação incididos sobre os povos vindos da diáspora africana
até os sujeitos negros da atualidade, apontando como o racismo antinegro
moderno fixa estruturas físicas, geográficas e subjetivas que precisam ser
rompidas no processo de descolonização. Após compreender o processo de
alienação e subjetividade produzida na colonização, procuraremos fazer
uma análise sobre a construção da subjetividade do negro no ocidente, bem
como seus impactos no cenário político social contemporâneo.
Falar sobre a construção da subjetividade é ter que se reaver com uma
antiga questão que se arvora na tradição filosófica ocidental. Foucault
(2016), por exemplo, nos aponta que esta questão se resume na relação,
aparentemente, intrínseca que existe entre ‘subjetividade e verdade’, pois ao
que parece, historicamente, a verdade e o sujeito estão em franca
aproximação. O autor ainda afirma que além de um emparelhamento
conceitual e teórico, há, entre esses termos, uma aproximação
sociohistórica, o filósofo francês aponta que a subjetividade aparece
historicamente como um suporte à verdade.
Foucault (2016) abre a discussão introduzindo três questões
importantes, as quais duas são pertinentes ao presente trabalho: a primeira
questão é se há um conhecimento verdadeiro que contemple uma ideia de
sujeito geral; a segunda questão reside na possibilidade de se formular uma
verdade sobre a subjetividade; a terceira e última pergunta, visa questionar
quais são as consequências que um certo discurso, dito verdadeiro, produz
sobre a subjetividade.
As questões primeira e terceira levantadas por Foucault são
extremamente importantes aqui, pois elas serão a bússola que guiará o
presente ensaio na busca por novos questionamentos. Atentando-se, neste
momento, para a primeira questão, será prudente empreender uma
investigação histórica sobre esse desejo de uma verdade que conjure a
existência de um sujeito geral, ou seja, uma verdade que contemple a todos.
Vale ressaltar que para Foucault (2016) a verdade é definida como um
sistema de obrigações, desta forma, buscar uma verdade geral dos sujeitos,
ao que parece, é buscar um sistema de obrigações, as quais todos os sujeitos
devem se resignar.
Antes de iniciar a investigação sobre busca pela verdade para o sujeito
em geral, ou sujeito universal, é preciso estabelecer um ponto de partida.
Marton (2011) aponta que o nascimento da subjetividade é o ponto de
partida para os tempos Modernos e que tal entendimento chega a ser
consenso entre os diversos pensadores, segundo o autor. Para o filósofo
alemão Martin Heidegger (1889-1976), o que acontece com o nascimento
da subjetividade é uma atualização ôntica, ou seja, é a essência humana
sendo mudada e elevada à outra condição de Ser, é nesse cenário que nasce
um novo conceito de Ser humano. No prólogo do ‘haja luz’ da Modernidade
está a figura enigmática de René Descartes (1596 – 1650), o ponto de
partida desta investigação.
O nascimento do sujeito a partir da filosofia
moderna: investigações sobre a possibilidade
de uma verdade para um sujeito em geral
Segundo Ditchfield (2011), a partir de seu pensamento o filósofo
francês despertou equivocadas interpretações de diversos fenômenos,
todavia, o autor aponta que apesar das controvérsias, Descartes foi muito
importante no rompimento com o saber medieval e na fundação do saber
moderno. Pollo (2012), em seu livro ‘O medo que temos do corpo’, afirma
que umas das importâncias de Descartes para o Ocidente é que ele quebrou
o princípio de identidade existente entre saber e verdade. A partir desse
fundamento o filósofo procurou se desvencilhar do conhecimento
precedente aos tempos Modernos, ao qual ele mesmo foi instruído desde a
tenra infância. O feito de Descartes foi demonstrar que o conhecimento, até
então vigente, não era isento de equívocos, para isso ele se valeu da dúvida
metódica como princípio de sua investigação.
Ao que o filósofo afirma:
Da filosofia não direi nada, a não ser que quando vi que tinha sido cultivada por
muitas eras pelos homens mais distintos, e que ainda não há uma única questão
dentro de sua esfera que não esteja ainda em disputa, e nada então que não esteja
sob dúvida (...) sobre as outras ciências, já que estas tomam emprestado seus
princípios da filosofia, julguei que nenhuma superestrutura sólida poderia ser
criada em fundações tão fracas. (DESCARTES, 2011, p. 18)
“Há já algum tempo eu me apercebi de que desde meus primeiros anos, recebera
muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em
princípio tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de
modo que me era necessário tentar seriamente, desfazer-me de todas as opiniões
a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos,
se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências.”.
o pensamento é um atributo que me pertence; só ele não pode ser destacado de mim.
Sou, existo: isto é certo, mas por quanto tempo? O tempo que eu pensar, pois,
talvez, se eu deixasse de pensar eu poderei deixar de existir. (DESCARTES apud
QUINET, 2000, p. 11.)
“a principal característica dos negros é que sua consciência ainda não atingiu a
intuição de qualquer objetividade fixa como Deus, como leis, pelas quais o
homem se encontraria com a própria vontade, e onde ele teria uma ideia geral de
sua essência [...] O negro representa, como já dito o homem natural, selvagem e
indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e de tudo
o que chamamos de sentimento, para realmente compreendê-los. Neles, nada
evoca a ideia do caráter humano [...] a carência de valor dos homens chega a ser
inacreditável. (Hegel apud Andrade, 1999, p. 86-87).
“Os negros de África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se
eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único
exemplo em que um Negro tenha mostrado talentos, e afirma: dentre os milhões
de pretos e que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem
sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse
algo grandioso na arte ou na ciência, ou me qualquer outra aptidão; já entre
brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa,
adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons excelentes. Tão essencial é
a diferença entre essas duas raças humanas, que parece ser tão grande em relação
às capacidades mentais quanto à diferença de cores. [...] Os negros são muito
vaidosos, mas à sua própria maneira, e tão matraqueadores, que se deve dispersá-
los a pauladas.”. (Kant apud Andrade, 2017, p. 302).