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O Papel da Mulher Cabo-Verdiana no Pós-independência

Um depoimento de “Josefina Chantre”Combatente da Liberdade da Pátria

Josefina Chantre destaca o importante papel da mulher na construção de Cabo Verde. Na sua
opinião, “a mulher cabo-verdiana foi duplamente colonizada: primeiro foi explorada pelo
colonialista e depois pelo próprio homem”. Conforme argumenta, “no limiar da independência,
a participação da mulher cabo-verdiana na luta armada da libertação nacional não foi fácil,
mas mais difícil continuou a ser para mudar as mentalidades de muitos homens. Eu fui casada
com um dirigente e sofri na pele, tal como muitas outras, quando decidimos que a mulher cabo-
verdiana, pela sua situação de inferioridade, precisava de uma discriminação positiva. Cheguei a
Cabo Verde em 1980, mas um grupo de mulheres veio para o arquipélago mais cedo, logo a seguir à
independência, para tentar caracterizar e estudar a situação da mulher cabo-verdiana nas diferentes
áreas – social, política, económica e cultural – chegando à conclusão de que, mereciam realmente
atenção face à sua situação social”.
Contudo, o partido não partilhava dessa opinião. “Para eles, o desenvolvimento de Cabo Verde devia
ser global, no entanto, apercebemo-nos que essa ideia estava errada. Constituindo as mulheres mais
de metade da população, teria de haver uma força motora que trabalhasse especificamente a sua
problemática. Foi assim que nasceu a primeira organização das mulheres em Cabo Verde. O
problema que se colocava, relacionava-se com a criação de espaço afirmação na sociedade. Em Cabo
Verde, por exemplo, nem direito a voto tínhamos e havia profissões que estavam vedadas a qualquer
participação feminina; ao casar-se, a mulher tinha de usar o apelido do marido; era vista apenas como
fator de reprodução, confinada às lides domésticas. Apesar de tudo, já foi percorrido um longo
caminho”, desabafa.
Em relação à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na sociedade cabo-verdiana,
Zezinha Chantre atribui parte do mérito ao governo, “uma vez que este subscreveu todas as
convenções sobre a eliminação da desigualdade, contrariamente a certos governos africanos que,
apenas ratificam os acordos, porque isso lhes dá um certo índice de boa governação”, afirma.
“Temos trabalhado incansavelmente com a rede de mulheres parlamentares, fazendo pressão junto
dos nossos governos em prol da equidade feminina. Cabo Verde é um país bem posicionado em
termos de leis de proteção à mulher, mas o nosso grande desafio é levar essas mulheres a
apropriarem-se dessas leis, em proveito próprio. Por isso, o nosso trabalho tem sido o de sensibilizar,
divulgar e informar as mulheres cabo-verdianas dos seus direitos, ajudando-as na construção de um
país melhor, pleno de oportunidades para todos os cidadãos”.
Cabo Verde é atualmente um país de rendimento médio, que está a criar novos alicerces e a abrir-se
para o mundo, mas “tudo isso é também resultado da participação das mulheres cabo-verdianas, que
são mais de metade da nossa população. Cabral dizia-nos que a emancipação da mulher tem de ser
obra e fruto das próprias mulheres e para não pensarmos que os homens iriam trabalhar pelas
mulheres ou que iriam querer dar-nos tudo de mão beijada”, confidencia. “A mulher atual, quando
comparada com a mulher de 1975, é muito diferente. Hoje temos mulheres em todos os quadrantes
da sociedade cabo-verdiana através do seu mérito, temos mulheres aviadoras, mulheres ministras,
autarcas e administrativas altamente qualificadas, no entanto, os desafios ainda existem, porque ainda
temos a feminização da pobreza, os fenómenos da violência baseada no género, isto apesar da lei de
março de 2010, que criminaliza estes atos”, confessa.
Zezinha é da opinião que, nos dias de hoje, a luta deve-se centrar mais na mudança de mentalidades,
“porque a sociedade, outrora escravocrata, ainda tem resquícios desse fenómeno triste e longínquo.
Apesar das vitórias serem imensas, os desafios ainda são maiores, mas entendo que conseguiremos
atingir os nossos objetivos através de políticas, de projetos para a igualdade de géneros, por forma a
que possamos construir um país pleno de igualdade.”
O desenvolvimento não trouxe apenas aspetos positivos. Conforme salienta, “é evidente que a
família cabo-verdiana está extremamente fragilizada. Somos um país de emigração – os homens iam
e as mulheres ficavam, mas, a partir de um determinado momento, as mulheres também tiveram
necessidade de partir, de emigrar, perdendo o seu papel de educadoras e transmissoras dos valores
éticos pelos quais se devem guiar as sociedades equilibradas. A família cabo-verdiana está, neste
momento, bastante fragilizada, mas são consequências, como diz o camarada Pedro Pires, do
desenvolvimento. Nós, as mulheres, não podíamos ficar todo o tempo a lavar, a cozinhar e a pilar. A
mulher também precisa de se expandir e de se posicionar no mundo globalizado em que vivemos.
Também temos direito a ocupar o nosso lugar neste mundo global
Zezinha Chantre crê que, em primeiro lugar, “os jovens têm de amar o seu país, porque apesar de
Cabo Verde não ter ouro, petróleo ou diamantes, tem paz e estabilidade política, que são
fundamentais para o crescimento e são precisos manter. Temos de refletir nos valores que
cimentaram o posicionamento do cabo-verdiano desde o 5 de julho de 1975 até hoje, para que os
mais jovens possam abraçar os desafios que se colocam neste momento à sociedade cabo-verdiana.
Temos de ser capazes de elevar o desenvolvimento das nossas ilhas a um patamar mais alto,
construindo um país de paz, de harmonia, de mais inclusão social, de mais tolerância, e de menos
violência, pois é isso que caracteriza a humanidade”, conclui.
Fonte: https://nosgenti.com/josefina-chantre-o-contributo-das-mulheres-para-a-independencia/
Sugestão de Leitura:
https://expressodasilhas.cv/exclusivo/2015/04/02/mulheres-de-luta/44335

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