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Ser Mulher e Educar Meninas: Reflexões de uma Experiência

Nascer mulher é uma experiência específica e já existe uma diferenciação quando


são escolhidas roupas diferentes a depender do sexo; quando se resolve enfeitar a menina
furando uma orelha e não se faz isso com os meninos; quando se coloca um laço na cabeça
e não se vê necessidade desses acessórios nos meninos. Já somos tratadas como objetos
de usufruto desde a maternidade…

Resolvi escrever esse livro sobre ser mulher porque é uma condição que me
inquieta desde a infância, quando reparava que meu irmão podia ler o dia inteiro enquanto
nós tínhamos uma série de atividades domésticas a realizar… Quando reparava que os
meninos podiam brincar na rua e ter uma liberdade que não nos era concedida igualmente.
Ao me tornar adolescente reparava mais ainda nessas questões e na graduação e estudos
posteriores, resolvi estudar essa temática, principalmente na Especialização em História:
cultura urbana e memória, na qual escrevi a monografia, “Viver pra parir, labutar pra não
morrer: Cotidiano de trabalhadoras rurais da Vila de Uibaí, década de 1950”.

Mas perceber as discrepâncias de gênero e identificar as mesmas, lutando contra


elas, não é suficiente para que tenhamos uma vida com parâmetros mais tranquilizadores
que os impostos pelo patriarcado. Busquei novas leituras, experiências, terapia e aqui vai
um pouco do resultado de uma reflexão de quatro décadas sobre como lidar com ser
mulher no Brasil.

Estas são coisas que aprendi que me fazem viver de maneira mais leve e feliz hoje
do que nas décadas anteriores e quero compartilhar com quem, assim como eu, busca nas
experiências de outras mulheres aprender sem ter que sofrer as mesmas coisas.

Muitas vezes somos educadas sendo levadas a crer que nosso valor está atrelado
ao tipo de homem com o qual vamos constituir família ou à nossa capacidade de nos
manter belas pelo máximo de tempo possível.

Essa perspectiva defende que somos apenas objeto de usufruto masculino e um


troféu para homens bem-sucedidos e desconsidera nossa humanidade, capacidade,
individualidade e todas as qualidades que temos.
Precisamos valorizar o aspecto intelectual, criativo, independente das meninas. É
muito mais fácil mudar a educação que a mentalidade de adultos. Vamos fazer essa
revolução?

E mudar a educação passa por mudar a própria mentalidade e estilo de vida e só


podemos amar e respeitar verdadeiramente uma criança que estamos educando, se nos
amarmos e respeitarmos em igual medida e é isso que proponho aqui: uma revolução na
própria vida que terá impacto na sociedade tornando-a mesma menos machista, misógina
e cruel com todas nós.
Dedicatória

A Vívian Machado, Júlia Filgueira, Capitu Machado e Melissa Machado, meninas que
espero que minha geração possa oferecer uma vida de menos insegurança, exploração e
limites traçados por terem nascido mulheres.

Agradecimentos

A todas as mulheres que conviveram e convivem comigo, pois quando uma mulher
precisa realmente de ajuda, sempre é outra que a ampara.
Prefácio
Taiane foi a amiga que a universidade me deu de presente. Desde então, passei a
admirá-la cada dia mais, enquanto pessoa e profissional. Ao ler mais uma de suas obras,
me alegro por ela ter se tornado escritora e presentear o mundo com sua humanidade,
sensibilidade, força e conhecimento - científico e, principalmente, de vida.

Ser mulher, na sociedade atual, exige que lutemos diariamente para ocupar
espaços que, por direito são nossos, mas nos são negados todos os dias.

Nessa obra, que se apresenta com um toque diferente das anteriores, Taiane aborda
de forma leve e fluida, sobre os caminhos necessários, que nós mulheres precisamos
trilhar, para vivermos com maior qualidade de vida, leveza e alegria.

Confesso que sentei para ler alguns tópicos e não consegui parar até finalizar. É
uma leitura que toca e inspira qualquer mulher, pois apesar de vivermos experiências
únicas, a dor interna de termos a nossa voz abafada ao longo da história, é uma dor
coletiva. Fomos obrigadas, como Taiane diz, a cuidar de tudo e de todos, menos de nós
mesmas. Inconscientemente carregamos a culpa por não sermos perfeitas mães, filhas,
esposas, profissionais... Carregamos a imposição da sociedade machista de sermos “belas,
recatadas e do lar”.

Taiane nos alerta sobre o perigo de vivermos à mercê dessa sociedade, e que é
necessário reagirmos antes que seja tarde demais. Ela traz suas próprias vivências,
processos de desenvolvimento pessoal e aprendizagens da vida como exemplos de que é
possível trilharmos o caminho do bem-estar, de uma vida mais digna, apreciando a beleza
do caminho da nossa existência.

Essa leitura é necessária para todas as mulheres que desejam assumir sua
sabedoria, criatividade, força e capacidade de ser quem é, buscando evoluir todos os dias
e contribuir para um mundo melhor e mais justo para todas as meninas e mulheres do
mundo e, consequentemente para todos os seres humanos.

Leiam e vivenciem cada ensinamento aqui compartilhado por Taiane. Ser mulher
passa a ser mais leve quando tomamos as rédeas da nossa própria vida. Ao finalizar a
leitura dessa obra você saberá alguns preciosos caminhos, sua responsabilidade será
caminhar.

Ione Santos
Índice

1 – Somos a pessoa mais importante de nossa vida.

2 – Saúde – Se não cuidarmos por opção, cuidaremos por obrigação.

3 – Paz – a coisa mais importante da vida.

4 – Autoimagem - Não devemos aceitar que digam que não somos lindas,
inteligentes, capazes e maravilhosas.

5 – Relacionamento - O principal requisito de um companheiro é como ele nos faz


nos sentirmos.

6 – Ritmo - O tempo vai continuar voando, não precisamos nos apressar.

7 – Perspectiva - A vida não vai parar de nos surpreender.

8 – Visão de Mundo - conheçamos novos lugares e pessoas.

9 – Vivendo - Invistamos em experiências.

10 – Espiritualidade e Gratidão.

11 – Foco: dor e não sofrimento.

12 – Auto respeito.

13 – Autoconhecimento e Missão de Vida.

14 - Natureza e sua importância para o ser humano.

15 – Independência emocional.

16 – Organização.

17 – Façamos nossa própria lista ao construir nossa vida.

18 – A casa não é só nossa.

19 – Eduquemos com responsabilidade nossas meninas.


20 – Lutemos por um futuro melhor
1 – Somos a pessoa mais importante de nossa vida.

Parece óbvio, mas infelizmente não é. A maioria das mulheres não é prioridade
na própria vida e não para pensar que não vivemos sem nós...

Fomos ensinadas que viemos ao mundo para cuidar: dos filhos, dos pais, dos
maridos e ninguém cuida de nós.

Para fortalecer e encobrir essa exploração, criou-se as ideias que somos puro amor
e servidão, que somos todas maternais, que somos mais fortes que os homens e que
existimos para nos doar.

Mas isso tudo é apenas um argumento patriarcal, que faz com que aceitemos tudo
quietas e caladas e não busquemos o que é melhor para nós, nunca, porque não temos
tempo, porque estamos sempre olhando, cuidando e nos preocupando com a
sobrevivência dos homens e de todos os fragilizados do mundo. Mesmo quando uma
mulher acaba suas forças, quem cuida dela é outra mulher, enquanto o homem está
liberado para ter prazer, para crescer economicamente, para ser e buscar o que quiser com
alimentação e sobrevivência na mão, graças a alguma mulher.

Precisamos reconhecer a exploração e tomar o rumo de nossas vidas, tendo


autonomia econômica, intelectual, psicológica, para só aí, realizarmos o direito de cada
ser de cuidar de si mesmo antes de dar a mão ao outro...

Mesmo que nos ensinem desde a mais tenra infância que nascemos para cuidar,
para procriar, para ser troféus, nós somos as pessoas mais importantes de nossas vidas e
caso não nos amemos, ninguém amará e, pior, ninguém nos respeitará.

Para passarmos dos 30 e chegarmos aos 40, 50 e 60 com qualidade de vida e


autonomia, precisamos nos colocar em primeiro lugar, até porque se não fizermos isso,
seremos sugadas por nossa própria família e morreremos cedo, nos despedindo de uma
vida na qual nunca vivemos de verdade...

Um dos processos de dominação usados pelo patriarcado envolve justamente a


nossa mente e fraquezas construídas para que nos sintamos fragilizadas e dependentes
psicologicamente de homens.
A primeira ideia a abandonar é que precisamos provar nosso valor.

Não precisamos provar nada a ninguém mais que a nós mesmas. Precisamos nos
sentir capazes e que essas capacidades nos auxiliem a dar o próximo passo, mas não
precisamos provar aos homens que somos capazes de muitas coisas.

Outro instrumento do patriarcado é a comparação e competição entre mulheres.

Se estou sempre tentando ser melhor que a outra, não me solidarizarei a ela nem
compartilharei as experiências. Isso nos prejudica em demasia, pois ficamos sem aliadas.

Os homens se juntam, se apoiam e se juntam para benefício próprio e tentam nos


provar que somos inimigas umas das outras. Esse é um ponto central a ser eliminado.

Se nos juntamos nos compreendemos melhor. Nos apoiamos mais e crescemos


juntas. Sem depender de homem ou nos fragilizar.

Nesse processo de ser o ponto central da nossa vida é importante valorizarmos


tudo o que conquistamos. Mesmo que pareça que não foi tanto quanto um homem
próximo conquistou, mesmo que digam que não fizemos mais que a obrigação ou que não
precisamos disso.

Cada conquista é um passo em direção à nossa autonomia e liberdade, que inclui


querer trabalhar ou não, querer um homem em nossa vida ou não, querer andar super
produzida ou não, ter filhos ou não, seguir as tradições familiares e religiosas dos nossos
ou não, aprofundar estudos sobre a sociedade e a vida ou não...

Nesse processo de valorizar nossas conquistas, busquemos nos orgulhar de nós


mesmas. Esse reconhecimento de nossas qualidades nos blinda contra discursos e práticas
machistas que tentam nos desqualificar simplesmente por sermos mulheres.

Ao valorizar nossas conquistas, o processo de autoconhecimento se amplia e


passamos a reconhecer mais nossas qualidades e defeitos e aceitar os últimos como parte
da experiência humana. Assim como os homens, temos qualidades e defeitos e reconhecer
os mesmos auxilia na organização da vida e resolução de questões práticas e existenciais.

Nesse processo de reconhecer nossas qualidades e defeitos, podemos perceber que


somos únicas e maravilhosas, assim como todas as outras mulheres. Isso nos ajuda a
aprender a dizer não sem nos sentirmos culpadas por isso e respeitar a nós mesmas e cada
fase das nossas vidas, assim como as nossas antepassadas e descendentes.
2 – Saúde – Se não nos cuidarmos por opção, cuidaremos por obrigação.

Muitas pessoas são ensinadas que cuidar de si mesmas é egoísmo, vaidade, frescura
e vamos seguindo uma vida mecânica determinada pela tradição, pelo mercado, pela
propaganda, pela pressão das outras pessoas e ouvimos tudo, menos a nós mesmas e nosso
próprio corpo.

Mas nosso corpo fala, reclama, reage, grita, pede socorro e nos dizem que é assim
mesmo, que ser mulher é estar destinada ao sofrimento e que temos que aprender a
aguentar tudo e seguir a vida servindo aos outros como se nada estivesse acontecendo.

Apesar de a mulher ainda cuidar mais preventivamente de sua saúde que os homens,
muitas vezes faz exames, toma medicação; frequentemente afirma que não tem tempo de
fazer uma caminhada, de preparar uma alimentação mais saudável, de se dedicar mais a
si mesma e com isso a saúde fica de lado.

Faz parte desse autocuidado em saúde alimentar pequenos prazeres, como o de


preparar uma alimentação saudável e perceber que fez escolhas conscientes para cuidar
de si e dos seus, reduzindo o consumo de produtos alimentícios processados comprados
em supermercados que, na maioria dos casos, não são alimentos, mas guloseimas que só
fazem mal a saúde.

Tirar um tempo para realizar uma atividade física como caminhada, yoga, pilates,
corrida, musculação, dança, hidroginástica ou qualquer outra, além de elementar para a
saúde física, é importante para a saúde mental ao reduzir ansiedade e trazer uma sensação
de autocuidado que faz bem à nossa mente. Às vezes acreditamos que não temos tempo,
mas destinamos mais que esses 40 minutos a estar à disposição de marido, filhos ou
trabalho e achamos que eles merecem mais isso que nós. Esse é o maior problema.

Muitas vezes, nessa cultura patriarcal, sequer sabemos do que gostamos realmente, o
que nos traz pequenos prazeres e alívio ao dia-a-dia, por sermos forçadas a abandonar
isso devido a não prestarmos atenção em nós mesmas... Será que fico mais feliz com uma
caminhada na natureza ou uma corrida? Será que gosto mais de que tipo de literatura?
Será que prefiro qual tipo de ambiente: barzinho, restaurante, parque ou balada? Será que
gosto mais de jardinagem ou artesanato? Prefiro viajar para lugares mais agitados ou
paradisíacos? Qual o horário que tenho mais disposição para atividade física? Qual minha
comida preferia? (Já ouvi relatos de mulheres que sequer sabiam o que gostavam de
comer, pois depois que a família fazia o pedido, elas escolhiam o mais barato...). Que tipo
de compra me faz mais realizada: roupa, calçado, livro, experiência? Que tipo de
autocuidado ligado a beleza me faz sentir bem e não faço pelos outros, muito mais por
mim: cabelo, unha, sobrancelha, massagem, maquiagem, todos ou nenhum? Eu prefiro,
quando possível, dormir até mais tarde ou levantar para fazer coisas que gosto? Que tipo
de filme gosto de assistir?

Você consegue responder facilmente a maioria dessas perguntas? Se não consegue,


pode estar disponibilizando menos tempo para a sua saúde que o necessário.

Sobre a alimentação, é importante que pensemos na qualidade do que comemos, para


além da estética, pois essa nos é cobrada todos os dias, desde a infância... Somos
ensinadas a ser magras, mas não demais...; sermos sensuais, mas não demais...; cuidarmos
do corpo, mas não demais...; estarmos apresentáveis, mas sem deixar de sermos
produtivas, boas mães, filhas e esposas; sermos boas profissionais, mas sem descuidar do
“feminino” e da aparência...

As dietas, cirurgias plásticas, procedimentos estéticos milagrosos, roupas adequadas,


que muitas vezes acabam com qualquer possibilidade de conforto, atividades físicas
voltadas a estética e inúmeros outros serviços nos são apresentados com insistência
gigantesca todos os dias e se a gente os ignora completamente, somos vistas como
desleixadas e inadequadas.

A manutenção de um peso saudável muitas vezes está ligada a saúde. Eu por exemplo,
mesmo nunca estando em sobrepeso recebi indicações do ortopedista de diminuir o peso
devido a hérnia de disco e outros problemas; indicação da cardiologista para reduzir a
pressão, indicação do hepatologista por gordura no fígado e outros momentos por outras
questões.

Nós, mulheres, somos bem mais pressionadas que os homens a cuidar do peso e da
“aparência” e isso perpassa toda a sociedade. O autocuidado com preocupações estéticas
é interessante, desde que seja uma demanda nossa por algo que nos faça sentir bem, não
deveria estar atrelado a agradar os outros.

É interessante que o controle de peso esteja associado a uma alimentação saudável e


à realização de atividades físicas pela saúde física e mental, que são indissociáveis. Nesse
sentido uma reeducação alimentar é fundamental, não só para nós mulheres, mas para
toda a família, pois ensinar às crianças a se alimentar de forma saudável faz parte de uma
boa educação. É importante nesse processo considerar os alimentos do universo cultural
da família e a construção de uma memória emocional que priorize comida de verdade em
relação aos ultraprocessados. Nosso corpo é nossa fonte de vida e a forma como o
tratamos é o que define nosso adoecimento e nossa cura.

Poucos problemas de saúde são endógenos à pessoa quando nasce, a maioria é


resultante dos hábitos: como você se alimenta, que ar respira, os líquidos que ingere, os
pensamentos que alimenta, o quanto você descansa, a forma como você encara a vida.

Exercite, a cada dia, se cuidar como você faz com seus companheiros, filhos e
outras pessoas que passaram por sua vida.

Nesse processo de auto cura e autocuidado é importante aprendermos a ouvir


nossa respiração, perceber quando estamos muito ansiosas, quando precisamos
desacelerar, praticar meditação para não vivermos correndo tanto como a vida sempre nos
obrigou.

É fundamental que, caso tenhamos filhos e convivamos com pessoas em


formação, tentemos passar essas experiências a eles desde a infância, para que não
precisem incluir tudo isso em sua vida mais tarde e a construção da saúde para eles seja
um processo natural, inserido em sua criação.

Ao fazermos nossos exames médicos, é importante que sempre vejamos as coisas pelo
lado positivo do autocuidado. Muitas vezes fazemos dezenas de exames de sangue,
exames de imagem do corpo todo e ficamos desesperadas apenas porque foi encontrada
uma alteração em um desses exames.

O que está bem não conta? A oportunidade de tratar o que está desalinhado não é um
privilégio? Poder se prevenir de doenças, sabendo como fazer isso e diversos aspectos do
funcionamento do nosso corpo não é uma grande conquista da medicina moderna que
temos acesso?

Não posso dizer que sou um grande exemplo no que estou dizendo, pois já ouvi de
minha psicóloga que trata minha ansiedade que tenho propensão a hipercatastrofização
das coisas.... Infelizmente tenho essa tendência, mas estou trabalhando.
Muitas de nós veem qualquer nódulo ou cisto como um caminho para o câncer e
qualquer problema como um ultimato à nossa vida saudável e independente, mas não
precisa ser assim. A terapia com psicólogo pode ser uma grande aliada nesse momento,
como em todas as dificuldades que passarmos na vida.

Já busquei acompanhamento psicológico quando meu pai se suicidou para finalmente,


tratar alguns traumas da infância e viciei nessa maravilhosa possibilidade de melhorar
nossa qualidade de vida. Volto sempre à terapia e reflito sobre relacionamentos, trabalho,
ansiedade e qualquer coisa que me inquiete no momento.

Muitas vezes a terapia é dolorosa, nos traz mais demandas e questões a resolver, mas
a forma que nos encaramos depois dela e os benefícios que traz a tornam um dos melhores
investimentos que uma mulher pode fazer em sua vida e qualquer pessoa possa fazer por
sua família, especialmente por crianças e adolescentes. Sempre que possível, se permita
essa oportunidade...

Desde a minha adolescência planejava treinar numa academia, mas não tinha
dinheiro, depois não tinha tempo, depois achava que era futilidade deixar de me dedicar
a estudos e leitura para levantar peso, enfim, deixava para depois.

Até que as décadas foram passando e uma das minhas principais indicações médicas
passou a ser musculação. Com a diminuição da massa muscular e aumento da gordura
corporal, excesso de tempo sentada ou escrevendo no quadro, foram surgindo problemas
ortopédicos, até que fiquei sem conseguir andar. Saldo: dez dias de cama, onze injeções
e conhecimento de uma hérnia de disco na lombar, nervo ciático inflamado e desvios na
coluna.

Começaram as indicações de exercícios e passei a alternar períodos de grande


disciplina em academia e estúdio de pilates com períodos de pouca atividade. Já não podia
ficar sem nenhuma, pois não conseguia dormir com dores quando ficava o dia inteiro
sedentária.

Com o tempo vieram problemas no fígado com receita de atividade física; problemas
de pressão com receita de atividade física intensa e emagrecimento; problemas
psiquiátricos com receita escrita de meditação e atividade física de domingo a domingo,
além das indicações da nutricionista, psicóloga e fisioterapeuta.
Resultado: virei uma quase atleta que, conhecendo os resultados físicos e
principalmente emocionais, hoje prioriza a atividade física em sua rotina.

A longo prazo, a musculação e outros tipos de atividade física são fundamentais para
uma vida com qualidade e independência e como queremos dar conta de nós mesmas o
máximo de tempo possível, precisamos incluir isso em nossa rotina e ensinar a
importância disso a todas as pessoas em formação que conviverem conosco.

Após adulta, descobri também que não me sentava corretamente, não engolia
corretamente, não respirava direito, não bebia água nem caminhava o suficiente e passei
a aprender tudo isso com o auxílio de profissionais. Cada um desses detalhes, pode
interferir grandemente em nossa qualidade de vida.

Nisso tudo, é importante aprendermos a desacelerar, respirar, pensar, olhar para nós
mesmas, por fora e por dentro e buscar reconstruir essa saúde que muitas vezes foi negada
pelo excesso de exploração de nossos corpos para manutenção e reprodução da sociedade.

Por último, mas não menos importante, aprendi a incluir em minha rotina pequenas
atividades que me dão prazer, como a atividade física que libera os hormônios da
felicidade, mesmo na maioria das vezes eu não indo empolgada e uma leitura e/ou
conversa com alguém que amo ao final do dia. Isso é fundamental para que não passemos
a semana apenas lamentando o cansaço do trabalho e aguardando ansiosamente pelo final
de semana, por um feriado, pelas férias e passando estes angustiadas com a velocidade
que passam e nos com essa visão negativa da vida, apenas estamos, de forma triste, nos
aproximando cada vez da morte.
3 - Paz - coisa mais importante da vida.

Por mais que nossa sociedade não dê muito valor à paz, destacando mais o sucesso, o
poder, o dinheiro e o status, nada disso faz sentido se não for um instrumento para
encontrarmos paz e tranquilidade.

De que adianta ter dinheiro, poder, status e viver tensa, pressionada, preocupada,
enfim, destruindo nossa saúde física e mental?

Busquemos estratégias para alcançar o máximo da paz e tranquilidade nessa fase das
nossas vidas, ou nossa existência será rapidamente encurtada, já que um corpo cansado
tem muito menor resistência às pressões de uma vida desregrada.

Buscar a paz não significa alhear-nos da vida, mas mudar a postura diante da mesma.
Ter paz é ter saúde, física e mental, já que as duas são indissociáveis. É garantir os meios
básicos de sobrevivência, é não querer assumir responsabilidade que não é nossa. É não
nos comprometermos com os resultados das escolhas de outras pessoas. É termos a
consciência tranquila de que fizemos o melhor que podíamos em cada momento das
nossas vidas, com as condições que tínhamos.

Busquemos fazer coisas que gostamos como dançar, preparar ou apreciar uma boa
refeição, caminhar, ouvir uma música, pois assim nos lembraremos que estamos vivas.
Quando incluímos o que escolhemos e realmente amamos em nossa rotina, por menor
que seja o tempo, nos sentiremos leves ao final do dia e poderemos dormir com uma
sensação de alegria, que não vem apenas de saber que cumprimos todos os deveres que
foi possível aquele dia, mas de ter ciência que também cuidamos de nosso bem-estar.

Outro elemento importante na busca de paz é nos afastar de pessoas negativas, que
invejam cada conquista nossa, que desmerecem os nossos feitos, que criticam nossas
escolhas, que ocupam nosso tempo sem oferecer nada em troca. Avaliemos se somos
obrigadas a conviver com essas pessoas e, caso sejamos, vamos buscar reduzir ao máximo
essa convivência e os efeitos da negatividade delas sobre nós. Caso não sejamos obrigadas
a conviver, vamos comemorar e ser felizes com pessoas mais solidárias, empáticas e
positivas.

Nesse processo precisamos refletir mais também sobre nossos comportamentos e


práticas. Será que não somos a pessoa negativa, que reclama, que inveja, que suga a
energia dos outros, que faz drama por tudo que acontece e critica a tudo e todos a qualquer
momento? Reclamar só nos faz mal e não resolve nenhum problema. Precisamos repensar
sobre nossas práticas, pois nenhuma de nós é perfeita, ainda mais com as cargas que
recebemos da vida e buscar melhorar para todo que convivemos, inclusive nós mesmas.
Quanto mais melhorarmos nossas relações, mais seremos beneficiadas por isso, pois
amor, convivência e afeto nunca são demais.

Está aí também a necessidade de não nos ocuparmos com a vida dos outros e,
especialmente das outras; evitar fazer julgamentos e nos aproximar apenas quando
pudermos auxiliar, dando palpites e opiniões apenas quando solicitados, tentando não ser
agressivas em nossas falas. Quando cuidamos apenas das nossas vidas, conquistamos
muito mais coisas boas e nos livramos de muitas coisas ruins trazidas pelas más relações
e interpretações erradas que fazemos das vidas dos outros.

Importante também refletir sobre as críticas que recebemos. Já fui acusada de


controladora, palpiteira, mandona, autoritária, desagradável e tudo isso me fez ver que
essas características que muitas vezes manifestei e ainda posso manifestar são resultantes
de traumas de infância, de uma personalidade forte e muitas vezes do machismo da
sociedade não aceitar que uma mulher esteja na posição de se colocar e dizer o que
acredita que é certo, o que é considerado natural aos homens, mas aprendi a reconhecer
também que precisava trabalhar essas impressões que passava, especialmente às pessoas
que amo e que estudar comunicação não violenta, refletir e nomear as próprias emoções,
não tomar decisões ou discutir quando estiver com raiva, trazer as questões para a terapia,
são coisas que só trazem benefícios, nunca o contrário.

Existe também a necessidade de buscarmos sermos humildes, sabermos que nem


sempre estamos certas e o outro errado, que as verdades e posicionamentos são relativos,
que nossos hormônios interferem nas nossas reações aos acontecimentos, que também
temos responsabilidade em qualquer discussão ou embate e que, se somos humanos, é
importante que estejamos abertos a aprender até nosso último suspiro, porque é muito
lindo desfrutar dos conhecimentos, sensações, relações e experiências que esse planeta
maravilhosos nos oferece.
4 – Autoimagem - Não devemos aceitar que digam que não somos lindas,
inteligentes, capazes e maravilhosas.

Uma das estratégias de dominação da mulher é minar sua autoestima. Se nos achamos
pouco inteligentes, capazes ou bonitas independente da função social que exercemos,
vamos entender que sempre precisamos de um homem que nos dê qualidade de vida,
conquistas materiais, espaço social e segurança e tendemos a entrar em pânico quando
envelhecemos e as características naturais começam a denunciar que não somos mais tão
atraentes sexualmente quanto mulheres mais jovens.

Nossa beleza não deve ser baseada em uma imagem que nos vê com função de dar
prazer aos homens. Nossa beleza deve vir de nossa capacidade de administrar a vida e
aproveitar o que nos é permitido em cada fase, de todas as características que temos como
pessoas úteis ao mundo, tanto quanto qualquer homem e que amam pessoas e são amadas,
amor que vai muito além de sexo e imagem.

Nossa capacidade, tanto intelectual quanto de resolução de problemas em geral, não


está atrelada a nosso gênero e, devido a forma exigente que somos criadas,
frequentemente somos mais capazes de resolver problemas cotidianos e suportar pressões
que os homens, mas eles seguem propagando que somos pouco inteligentes e capazes e
precisamos da espécie masculina para viver bem ou até sobreviver.

Falando em sobrevivência, o lugar mais perigoso para uma mulher é próximo de


homens que ela deveria confiar, pois pesquisas mostram que as mulheres são mais
assassinadas e estupradas por pessoas próximas, homens de seu convívio, que por
desconhecidos.

Esse processo de construção da autoimagem é lento, difícil e doloroso justamente


porque precisamos abandonar imagens impostas na nossa educação desde que nascemos.
Ideias de que precisamos ser belas para sermos amadas e admiradas, que dependemos da
inteligência e habilidades masculinas e é nesses aspectos que precisamos criar as futuras
gerações de forma diferente, sem colocar a beleza como centro do processo e dando
possibilidades e a certeza da capacidade para nossas meninas desenvolverem suas
inteligências e capacidade da mesma forma que damos aos meninos, com liberdade e
autonomia e sem sobrecarga.
Faz parte do processo de nos amarmos como somos os itens que citamos
anteriormente e trataremos posteriormente, como o cuidado com alimentação, saúde,
atividade física, lazer, pois tudo isso irá nos propiciar manter a qualidade de vida nas
próximas décadas, afinal, nosso corpo e mente são nossa casa.

Quando não nos amamos como somos, acreditamos que precisamos da validação do
outro e passamos a depender desse outro, naturalmente, um homem, que geralmente é
menos capaz que nós para resolver problemas do dia-a-dia, sem mencionar outras coisas.

Quando não nos aceitamos, facilmente nos sujeitamos a dominação masculina e nos
submetemos a relacionamentos desfavoráveis à nossa saúde e qualidade de vida. Quando
não nos amamos nos tornamos instrumento do mercado capitalista e só trabalhamos para
nos arrumar e parecermos bonitas ou precisamos nos prostituir para nos mantermos bela
para o homem que irá nos usar. Não necessariamente nos prostituir no sentido estrito da
palavra, mas entendo que se uma mulher se relaciona com um homem unicamente em
troca do dinheiro que ele a oferece, de certa forma ela está vendendo não só seu corpo,
mas sua dignidade abrindo mão de sua liberdade, autonomia e independência.

Quando não nos amamos e aceitamos somos mais suscetíveis a violências por nos
expormos a relacionamentos abusivos, mesmo sendo independentes financeiramente, às
vezes aprendemos que somos sortudas por ter aquele homem que nos quis e somos
desencorajadas a seguir em frente, afinal somos apenas uma mulher, às vezes temos
filhos, muitas vezes somos mais velhas e acreditamos que não existe nada mais triste na
vida que uma mulher envelhecer ou criar filhos sozinha, pois isso é o que a sociedade nos
ensina. Mas a verdade é que muitas mulheres passam a juventude e a velhice sozinhas,
mesmo estando casadas e a maioria de nós cria os filhos sozinha, não só no sentido de
cuidado, educação e responsabilidade, até no sentido financeiro mesmo, apesar de
passarem a vida inteira casadas. Isso é justo?

E o homem? Este nunca estará sozinho, sempre terá a ex que foi maltratada a vida
inteira pronta para o perdoar, ou uma mãe que cuidará dele como se ainda fosse uma
criança, ou irmãs, primas, vizinhas... ele pode e deve aproveitar a vida até o fim, porque
nasceu com esse direito, isso é o que a sociedade patriarcal nos ensina...

Devemos nos amar como somos porque merecemos, porque somos dignas, como
qualquer outro ser humano, porque não precisamos nos moldar para satisfazer ninguém e
só devemos fazer procedimentos estéticos quando eles servirem a nossa própria satisfação
e nosso próprio desejo.

Nossa idade não nos diminui, muito pelo contrário. É importante que voltemos a
ser como as sociedades tradicionais no sentido de valorizar o aprendizado de uma vida
longa. Aprendi bastante entrevistando senhoras que viveram na década de 1950 quando
fiz uma pesquisa em minha Especialização em História, cuja monografia se chamou
“Viver pra parir, labutar pra não morrer. Cotidiano de Trabalhadoras Rurais da Vila de
Uibaí, Xique-Xique, década de 1950”.

Quem viveu mais, observou mais, conheceu mais, certamente tem muito a ensinar
às novas gerações e a sociedade da informação vem divulgando a falsa ideia de que os
jovens sabem mais que os adultos. Podem até ter mais informação ou conhecimento em
algumas áreas, mas a experiência de vida é sempre soberana e é uma bênção ter vivido e
visto muitas décadas de acontecimentos.

Nesse sentido é importante que nossas vidas não estejam focadas em voltar no
tempo ou rejuvenescer, pois além dos impactos físicos desses procedimentos, que muitas
vezes levam mulheres à morte ou sérios problemas de saúde, temos os inevitáveis
impactos psicológicos, pois não existe remédio ou tratamento para não envelhecer, caso
você continue viva e entendo que esse é nosso objetivo.

Nesse processo de construção de uma autoimagem positiva é importante que


busquemos nos distanciar da necessidade de provar o que somos às outras pessoas. Uma
vez fui caluniada publicamente e minha irmã fez um comentário que eu achei brilhante:
“Quem realmente importa para você, sabe que você não é nada daquilo”. Duas amigas
disseram que não fazia sentido aquilo ser voltado para mim, pois não tinha nada a ver
comigo. É isso que acontece com a imagem que as pessoas têm de nós: quem tem uma
imagem falsa, não tem aproximação suficiente para merecer que expliquemos o que quer
que seja. Quem nos conhece, não precisa de nenhuma representação a nosso respeito.

É importante que reconheçamos que somos maravilhosas, assim como todas as


meninas e mulheres por tudo que enfrentamos diariamente e pela luta histórica que temos
cotidianamente. Não devemos temer o fracasso, pois já deu para perceber que tudo é
superável, principalmente se só está em nossa cabeça.
Outro exercício importante é aprendermos a dizer não. Muitas vezes somos
convencidas que devemos ser boazinhas porque somos mulheres e isso é uma estratégia
importante para nos usar, controlar e subjugar. Não precisamos ser boazinhas,
principlamente se isso significar que devemos dar mais importância aos outros que a nós
mesmas. Não devemos aceitar sermos desrespeitadas, humilhadas ou exploradas só por
sermos mulheres.

Outra armadilha é a ideia de que precisamos ser perfeccionistas para sermos boas
mulheres. O perfeccionismo adoece, paralisa e nos impede de fazer muitas coisas boas
que poderíamos realizar, especialmente por nós mesmas.

Enfim, busquemos nos desenvolver dentro da nossa humanidade com as mesmas


oportunidades que os homens recebem e tentemos oferecer isso às nossas meninas, afinal
o amor de mulher por si mesma e pelas outras é revolucionário...
5 – Relacionamento - O principal requisito de um companheiro é como ele nos faz
nos sentirmos.

Nós mulheres somos muito ensinadas que devemos buscar um homem bem-sucedido
economicamente, que possa prover nossa família dando-nos segurança e estabilidade e
esse pensamento destrói muitas mulheres que não conseguem atingir esse objetivo. O
mais interessante é que cada uma de nós busque nosso próprio sustento e estabilidade,
pois isso é mais difícil de ser perdido do que um homem educado para querer uma mulher
enquanto ela for jovem e bela.

Quando já passamos por diversos relacionamentos, como é o meu caso, percebemos


algumas coisas difíceis de descobrir por quem teve apenas um relacionamento longo na
vida ou nenhum. A primeira coisa é que não existe ninguém que irá nos satisfazer e
preencher todas as nossas expectativas, até porque a gente mesmo não consegue fazer
isso por si, imagina o outro. Se conhecermos alguém parecido conosco, iremos nos
frustrar por ver nossos defeitos refletidos em outra pessoa e teremos dificuldade em lidar
com eles e se encontrarmos alguém muito diferente, o que é mais provável, vamos
precisar de bastante paciência para nos adaptar às diferenças culturais, hábitos familiares
diferentes dos nossos e a depender do nível de diferença nas visões de mundo, podemos
encontrar oposições inconciliáveis, que irão atrapalhar ou impossibilitar a relação.

Aprendi depois de muita terapia, meditação e chão pisado que num relacionamento o
que mais importa é a paz, o respeito, o amor que não aprisiona, enfim, a leveza.

Só o princípio de que cada um tem sua individualidade que deve ser respeitada e que
amor e presença são escolhas diárias podem salvar um relacionamento, na minha
experiência... Mas um relacionamento salvo não quer dizer que ele será necessariamente,
eterno, pois muitos casais vivem a vida inteira e são infelizes, vivem em conflitos.

Um bom relacionamento é aquele que oferece mais coisas boas que ruins e não
desfigura nenhum dos participantes, isso enquanto ele dura.

Precisamos destacar também que nenhuma mulher precisa de relacionamento, assim


como não precisamos necessariamente de filhos ou carreira para termos uma vida plena.
O importante é dividirmos nossa satisfação e existência com quem nos for interessante,
sem imposições ou regras.
Outra coisa que precisamos também desmistificar, no que diz respeito a nosso
relacionamento com outras pessoas, é o prazer. Muitas de nós fomos educadas em
famílias que nos ensinaram que nosso prazer não importa, que não é de bom tom a mulher
sentir prazer, que devemos nos envergonhar do nosso corpo, que devemos ser recatadas
e isso, infelizmente, tem um impacto negativo no prazer que poderemos sentir em nossas
relações futuras.

Assim como os homens, devemos aceitar o corpo que temos e saber que somos
capazes de dar e receber prazer, independentemente do formato que temos e que a
natureza nos dotou da capacidade de sentir tanto ou até mais prazer que os homens e
devemos aproveitar essa dádiva.

Nesse sentido é importante que conheçamos nosso corpo e a forma que sentimos
prazer e estejamos abertas a conversar sobre isso com nossos parceiros ou parceiras, pois
a comunicação eficaz é fundamental para um bom relacionamento, em todos os sentidos.

Caso optemos por estar em um relacionamento, independente dele ser com homem
ou mulher, é importante nos respeitar e colocar em primeiro lugar, não endeusar ninguém
e nos tratar bem, assim como aprendemos tão bem a fazer com os outros.
6 – Ritmo - O tempo vai continuar voando, não precisamos nos apressar.

É compreensível que uma criança ou adolescente se preocupe com a chegada do ano


seguinte, das novas experiências, nova escola, namoro, saída da casa dos pais,
independência, trabalho e renda, vida adulta... Mas é importante que não deixemos de
mostrar para eles o encanto de cada fase da vida, especialmente das que eles vivem...

Mas um adulto na faixa dos 30, 40 anos se apressar por aposentadoria, saída dos filhos
de casa, acúmulo de dinheiro, é um retrocesso, considerando tudo que podemos viver em
cada fase e o fato de que já temos idade para ter aprendido a desfrutar das belezas da vida.

Infelizmente a maioria das pessoas só reconhece a grandeza da vida quando corre o


risco de perdê-la, ao encarar um acidente, uma doença, uma perda de ente querido ou
mesmo na idade madura.

Vamos reconhecer a beleza de respirar hoje? A maravilha que é ter cada pessoa
querida perto de nós? O milagre que é podermos dar uma risada e não estarmos sentindo
nenhuma dor?

Vamos celebrar a beleza desse planeta. A grandeza de podermos sentir tantos prazeres
com nosso corpo e o milagre de termos um cérebro que nos mostra que exagerar nesses
prazeres fará com que tenhamos menos tempo para desfrutá-los?

Vamos valorizar cada momento difícil como aprendizado e não prolongar os


sofrimentos depois que as dores forem embora?

Vamos aproveitar a dádiva de estar vivos? Independente de nossas crenças que podem
nos dizer que só existe essa vida ou que ela é a preparação para a próxima. Não é incrível
a vida em qualquer uma dessas hipóteses?

Não vamos ter pressa por nos despedir, seja das crianças, do trabalho ou deste mundo,
pois assim estaremos mais preparados quando esses momentos chegarem e só existe uma
certeza: eles chegarão.
7– Perspectiva - A vida não vai parar de nos surpreender.

Por mais que nossa cabeça pouco mude, em linhas gerais, à medida que os anos
vão passando, o que a experiência nos ensina é que o que torna a vida bela é algo que
vale a pena se lutar para ter.

O adulto não tem infinitamente mais conhecimento que um jovem, mas tem a
tranquilidade de ter aprendido com as experiências suas e de outros e o encanto de
saber que jamais parará de aprender, mesmo que viva 200 anos. Essa é uma das
grandes belezas da vida.

O mundo muda, as pessoas, os lugares e cada geração tem muito a nos ensinar,
desde que estejamos abertos a ouvir, ver e vivenciar.

Aproveitemos cada nascer do sol e cada entardecer, aprendamos a olhar cada coisa
com um olhar novo. Aprendamos a ver o lado bom daquilo que nos angustia. Vejamos
a beleza do que nos entedia. Ouçamos as pessoas gratas. São as que tem mais a nos
ensinar...

Já observaram que muitas vezes as pessoas mais gratas e que tem mais a oferecer
são as que menos tem em bens materiais? Não é questão de romantizar a pobreza, mas
de perceber que uma pessoa não precisa de muito para agradecer por estar viva, ter
pessoas amadas a seu redor e saúde.

O hábito de reclamar não é proporcional às dificuldades que a pessoa tem na vida.


Muitas vezes é até o contrário. Muitas pessoas que conheço que são reclamonas e
invejosas nunca passaram necessidades, não tiveram grandes perdas na vida e não tem
nenhum problema grande com o qual lidar no momento presente. Muitas pessoas que
estão nessas situações estão tão concentradas em resolver as mesmas, que não tem
tempo nem energia para falar mal da vida.

Sejamos curiosas e animadas com o comum como uma criança pequena que brinca
com uma garrafa pet ou uma panela com mais satisfação que com o brinquedo caro
que muitas vezes a mãe ainda está pagando.

Encantemo-nos com o encontro de novas pessoas como o adolescente que vai à


escola nova pela primeira vez e só quer ser visto, aceito e aprender coisas novas.
Nos encaminhemos ao trabalho com a empolgação daquele que tem uma família
para sustentar e finalmente encontrou um emprego digno com direitos e
possibilidades.

Enfim, vejamos a vida com a curiosidade de uma criança e seremos felizes a cada
novo dia com cada nova coisa que observarmos e desfrutarmos.

Reconheçamos que o mundo é absolutamente espetacular e sejamos gratas por estar


nele e lembremos sempre de quando sonhávamos com muitas coisas que temos hoje e,
acima de tudo, reconheçamos o quanto temos a perder, caso precisemos interromper
repentinamente a existência....
8 – Visão de Mundo - conheçamos novos lugares e pessoas.

Quando ficamos sempre no mesmo ambiente, nossos olhos se adaptam às paisagens


e deixamos de ver a beleza que nos rodeia. Deixamos de valorizar as pessoas que estão e
sempre estiveram ali, como se fosse obrigação delas nos amar e apoiar
incondicionalmente.

Quando optamos por sair do lugar, isso nos abre para enxergar o novo e estarmos
atentas, já que isso é parte do nosso instinto de sobrevivência e passamos a enxergar
realmente novamente. Buscamos a beleza e a feiúra dos lugares, as características internas
e externas das pessoas e, com isso, acabamos descobrindo mais a nós mesmos...

Somos preenchidas e precisamos de preenchimento de humanidade, mas também de


natureza e cultura, essa é nossa essência.

Quando chegamos a um lugar novo, buscamos o que ele pode nos proporcionar de
bom e o que devemos evitar, para a nossa segurança. Isso aguça nossos sentidos,
inclusive, para vermos o lugar de onde viemos com outro olhar, um olhar de valorização
pelo acolhimento, um lugar de preenchimento pelo pertencimento, um lugar de paz pelo
amor que nos proporciona...

Conhecer novas pessoas nos permite perceber o que buscamos em outro ser humano,
possibilita que nos vejamos pelo olhar do outro e pensemos nas pessoas que convivemos
desde sempre sob outro viés. O viés da afinidade, da familiaridade, da escolha de
continuar perto...

Viajar também traz o desejo de voltar para casa, uma casa que fica em um lugar com
uma beleza diferente, mas que também é intensa, que tem pessoas com outras qualidades
e defeitos, mas que são parte de nós. Permite que sintamos saudades de coisas que não
valorizamos no dia-a-dia, como nossa cama, nosso travesseiro, nosso cuscuz de cada dia,
os animais e pessoas que convivem ao nosso redor.

Conhecer novas pessoas e lugares traz o desejo de viver mais, para poder conhecer os
inúmeros lugares e culturas que existem nesse mundo amplo, diverso, complexo e
encantador.
Minha avó paterna, pessoa de muitas experiências sempre dizia que devemos
aproveitar todas as oportunidades possíveis de conhecer um lugar novo e hoje, depois de
viajar para alguns lugares, vejo que muito da força e sabedoria dela vieram das andanças
que fez durante a vida e que isso lhe proporcionou mais clareza para realizar escolhas
difíceis e sabedoria para se despedir serenamente desse mundo.

Minha outra avó quase não viajou. As únicas saídas dela foram em uma cirurgia dela
e outra do esposo. Grande parte das histórias que ela contava eram desse tempo que
acompanhou meu avô no hospital, das coisas que aconteceram e de como ela gostou de
Xique-Xique. Ela não aceitava mais sair de casa, provavelmente devido ao hábito de uma
vida, mas quando estava se esquecendo das coisas e misturando passado e presente,
narrava o quanto ela andava e que conheceu muitos lugares, aconselhando as pessoas a
fazer o mesmo...

Tenho a impressão que isso foi um desejo dela e ficaria feliz se todas as mulheres
pudessem escolher conhecer lugares próximos e distantes e aproveitar todas as coisas que
essa experiência pode propiciar.

Viajar traz a viagem mais fantástica de todas, que é conhecer mais a si mesmo e o que
realmente faz sentido para nós, aquilo que realmente valorizamos e queremos repetir e a
necessidade de aproveitar essa vida de forma saudável, para que possamos viver mais,
aprender, experienciar e dividir mais com todos os inúmeros novos lugares e pessoas.
9 – Vivendo - Invistamos em experiências.

Investir em experiências tem tudo a ver com a reflexão anterior. Quando gastamos
com objetos temos um êxtase momentâneo e uma utilidade que muitas vezes é quase nula.

A não ser que realmente precisemos do objeto adquirido, ele se tornará muito mais
um entulho ou algo que nos afetará a consciência pelo gasto em algo desnecessário do
que algo que nos traga benefícios.

Quando investimos em experiências, investimos em nós. No nosso crescimento


pessoal. Muitas vezes temos vontade de aprender uma nova habilidade e evitamos pelo
tempo e dinheiro que poderemos gastar. Aprender um instrumento pode melhorar nossas
relações e experiências futuras, alargar nossas experiências com uma arte que é a música
e a arte nos permite sentir vivos e nos traz experiências, que é o sumo de viver.

Assistir a um filme, ouvir uma música que gostamos, assistir a um show de uma banda
que apreciamos, conhecer novas pessoas e lugares podem nos permitir ter sensações que
nunca teríamos em nossa rotina.

Se temos vontade de cultivar um jardim, amamos rosas, folhagens ou qualquer tipo


de planta, temos uma lição do que é a vida, seus ciclos, suas fases, a necessidade de
paciência, a beleza de cada etapa e o milagre que é a natureza e tudo isso enriquece
aqueles momentos que passarmos com nosso jardim.

Comprar livros que gostamos nos traz viagens que nunca conseguiríamos ter com
nossas experiências concretas, já que viajo com meu corpo e minha história e na literatura
viajo com a experiência do outro...

Experimentar novas comidas traz um mergulho nos sentidos e nos faz bem enriquecer
nossas experiências com as dos outros...

Imergir na natureza, meditar, caminhar longas distâncias, pescar, nadar, acampar,


tudo isso nos possibilita sair de nós mesmas ao mesmo tempo em que mergulhamos nas
nossas sensações, e isso não tem dinheiro que pague...

Permitamo-nos receber massagens, terapias alternativas, experimentar novos


esportes, aprender defesa pessoal se desejarmos, isso também é viver...
10 – Espiritualidade e Gratidão.

É importante trabalharmos nossa espiritualidade, afinal, é preciso lidar com as


próximas fases das nossas vidas e aceitar que todas nós iremos envelhecer e morrer, se
tivermos sorte.

Não estou falando aqui necessariamente de religião, existem muitas formas de


trabalhar a espiritualidade além das religiões. Se fazemos parte de uma comunidade
religiosa e isso nos faz bem, ótimo.

Se não nos identificamos com nenhuma religião, busquemos a espiritualidade


como forma de nos encontrar, estarmos presentes, nos conectar com algo maior, seja a
natureza, o universo ou qualquer coisa que nos faça sentir que a vida faz sentido.

A espiritualidade, através da fé e gratidão, nos auxiliam em momentos difíceis


como doenças e perdas. Facilita a aceitação e aumenta a positividade, o que diminui a
ansiedade e, consequentemente, melhora nossa saúde como um todo.

Quando enxergamos tudo como uma bênção, abrimos os olhos para as belezas do
mundo e reconhecemos o quanto somos privilegiadas por estar nele. Tudo que colocamos
nossa energia cresce, porque não colocarmos em coisas boas e belas? Por que não
olharmos a beleza do mar, ao invés do lixo que alguém deixou fora do lugar?

Quando vermos o lixo, podemos recolhê-lo e pensar na importância de educarmos


os outros nesse sentido, mas jamais deixarmos que a presença dele tire a beleza do lugar
ou a alegria do momento.

Quando reconhecemos a grandeza do universo aceitamos que coisas magníficas e


fora do nosso controle acontecem o tempo todo e vivemos mais relaxados diante de tudo.
Quando focamos na nossa melhoria pessoal, estamos, indiretamente, melhorando a
humanidade como um todo.

Se pensarmos que existe algo e existe muito além de nós, estaremos mais
preparadas para as adversidades e as enfrentaremos de forma menos desesperada.
11 – Foco: dor e não sofrimento.

Sabemos que a dor é inevitável e todos passaremos por ela em diversos momentos
de nossas vidas, mas como se diz muito por aí, o sofrimento é opcional... Mas como
assim?

Existe um nível de sofrimento na dor, mas muitas vezes sofremos antes da dor
chegar e depois que ela vai embora e aprendemos que viver é realimentar o sofrimento e
que nosso valor está associado ao quanto sofremos e seguimos em frente...

Mas o sofrimento não precisa ser nossa bagagem diária.

Quando remoemos coisas ruins, eliminamos o espaço de onde coisas boas


surgiriam.

Muitas vezes aprendemos que a mulher valorosa é aquela que carrega a carga dos
seus, que sofre por eles e que veio ao mundo ser a mártir... Mas não deve ser assim. O
mesmo direito que os homens têm ao prazer, ao sucesso, às descobertas, conquistas, ócio
e descanso nós temos...

Portanto, não precisamos disputar o tamanho das nossas cargas, ou o quanto nos
sacrificamos pelo outro, ou o quanto um acontecimento, abandono, destruiu nossa vida....

Tudo é relativo, superável e ultrapassável, ou passível de convivência, exceto a


morte.

Vamos ensinar e aprender a ter prazer, a ser livres, a aproveitar o que a vida tem
a oferecer, a relaxar, a nos abrir ao novo, ao belo, ao único e a felicidade...

Todas nós merecemos...


12 – Auto respeito.

Outra aprendizagem que nós mulheres precisamos adquirir no decorrer da vida é


o auto respeito. Respeitar nossos corpos, nossas limitações, cada fase de nossas vidas.
Aos homens é dada a possibilidade de se aceitar na puberdade, adolescência, vida adulta
e processo de envelhecimento.

A nós, é dada a obrigação de sermos sensuais desde sempre até o final da vida.
Isso é objetificação.

É importante que não passemos a semana sobrevivendo a um trabalho que


odiamos e ansiosas pelo final de semana que nem iremos aproveitar por ficar lamentando
o quanto ele passa rápido ou por estarmos mergulhadas em atividades de manutenção de
casa que não deveriam ser feitas apenas por nós.

Encontremos atividades que nos causem prazer e nos façam sentirmos vivas para
fazer todos os dias. Estou dedicando 11 horas do meu dia ao trabalho atualmente, mas
todos os dias tiro ao menos uma hora para atividade física que me faz sentir viva e me
deixa mais feliz, o que a ciência já comprova há muito tempo. Quando estou fazendo
atividades domésticas nesses dias, busco considerar que tudo aquilo é para contribuir para
meu bem estar e como não sou explorada por ninguém em minha casa e meu companheiro
divide todas as atividades domésticas comigo, a vida fica mais leve e inclusive fazemos
parte dessas atividades juntos, como cozinhar, já que nossas refeições da semana são
quase todas preparadas por nós.

Muitas vezes temos dias ruins, fases ruins e é aí que entra a importância de algo
que aprendemos desde cedo: resignação, paciência. Mas não a resignação de carregar o
mundo nas costas. A paciência com aquilo que não podemos mudar, como um dia ruim,
um acontecimento triste, uma doença e outras atribulações.

Nos dias e fases ruins, é importante que conheçamos nossas prioridades, pois não
daremos conta de todas as coisas que poderíamos dar em outras épocas. O que é muito
difícil adiar ou delegar? Filhos pequenos, trabalho, fazer minha própria comida, manter
disciplina no treino? Isso é diferente para cada pessoa e fase da vida e precisa ser definido
para que nesses momentos em que seja necessário recarregar as energias a gente consiga
efetivamente, fazer isso.
Faz parte desse auto respeito conhecer nossos desejos, nossas prioridades, nossos
talentos, nossas paixões e aquilo que não desejamos abrir mão, assim como o inverso. O
que me causa repulsa? Que tipo de ambiente me causa mal? Que tipo de pessoa não me
apetece conviver?

Conhecendo nossas prioridades e limitações temos mais condições de construir


uma vida digna de ser vivida.

Outro elemento importante é reconhecermos quando precisamos de ajuda e aceita-


la. Nenhum ser humano é uma ilha. Enquanto os homens são ensinados desde sempre a
aceitarem e até exigirem cuidados. Nós, mulheres, hesitamos em pedir ou aceitar auxílio
de homens e mulheres e precisamos superar isso.

Nesse processo lento e difícil de autoconhecimento e respeito por nós mesmas é


importante que reconheçamos cada pequeno progresso e vivamos um dia de cada vez.
Cada novo aprendizado será o combustível para o passo seguinte e nos fará conquistar
coisas que sequer sabíamos que realmente existiam, como a liberdade.

É importante também aprendermos a perdoar e seguir em frente. Se formos ficar


com ódio de toda opressão que nosso gênero foi submetido no decorrer de nossa
existência, não conseguiremos viver e conquistar os direitos que temos. Perdoar não
significa esquecer ou carregar quem nos oprimiu nas costas, mas pressupõe que não
levemos a mágoa conosco de forma a atrapalhar nossa saúde mental e leveza diária.

Pequenas coisas podem melhorar esse processo, como uma boa postura. Andar
curvado e se esconder revela uma condição de estar no mundo onde se acredita que não
mereceríamos estar ali. E merecemos, precisamos ser reconhecidas pela nossa
importância enquanto seres humanos e nos colocar como alguém que é digno do que
busca e do que possui, pois isso interfere na forma como o outro nos vê.

Busquemos arte, seja um filme, uma produção visual, uma produção literária ou
musical, enfim, algo que nos faça sentir prazer e fruir da existência, viajar e aproveitar a
vida sem sair do lugar, aprendendo inclusive a ser feliz com a gente mesma, afinal,
vivemos estatisticamente mais que os homens e filhos vão embora seguir suas próprias
vidas.

Aprendamos a desfrutar da nossa própria companhia e tenhamos prazer com as


pequenas coisas, cada uma dentro de suas preferências.
13 – Autoconhecimento e Missão de Vida.

O autoconhecimento não nos é apresentado até que precisemos ir


desesperadamente através dele. Nossa educação é focada no outro e quando se refere a
nós é sempre no sentido de autocontrole, autodisciplina e autoimagem, quase sempre
focando no que há de negativo.

Não somos educadas para nos conhecer nem fazemos isso na educação da crianças
e jovens, propondo uma busca para reconhecer nossos defeitos e qualidades e trabalhar
da melhor forma possível com os dois.

E esse reconhecimento dos defeitos precisa vir acompanhado de uma leveza e


aceitação, antes de se pensar em eliminação. Até porque nem sempre é possível nos
livrarmos deles e uma adequada convivência pode nos fazer melhorar como pessoas e na
relação conosco em todos os aspectos.

Nossas qualidades também precisam ser conhecidas e apreciadas, pois é a partir


delas também que nossa identidade será construída. Conhecendo nossas qualidades e
defeitos podemos melhorar nossa autoimagem, nossos relacionamentos, nossas escolhas
e até mesmo a forma como agimos profissionalmente e nossas buscas nesse sentido.

É aí que entra nossa missão de vida. Acredito que todos temos ao menos uma
missão que vai além da nossa relação conosco mesmas. Mas a forma como as relações de
gênero são construídas em nossa sociedade dá a entender que os homens tem papéis
familiares, sociais e profissionais importantes enquanto as mulheres seriam, em regra, as
responsáveis pelo lar e criação dos filhos e sua missão é ter uma família bem sucedida e
gerir a mesma da melhor forma.

Nada mais absurdo que isso, já que sabemos que nem todos os homens cumprem
papéis importantes com sua família, ou sociedade, ou vida profissional e que as mulheres
não se limitam apenas ao ambiente doméstico, nem mesmo quando isso era praticamente
obrigatório pela estrutura da sociedade patriarcal.

Mesmo do século XX para trás, temos inúmeros registros de mulheres se


destacando na ciência, na vida profissional, como escritoras e nos mais diversos âmbitos.
Restringir a mulher ao espaço doméstico ainda traz a cruel ideia de que se uma mulher
não se casa nem tem filhos, é uma fracassada.
Isso faz com que exista uma auto cobrança e isso faz com que muitas mulheres
aceitem relacionamentos abusivos e sejam tratadas de forma opressiva e mesmo assim
acreditem que é importante se manter em um relacionamento.

A ideia de que a mulher precisa ser mãe também é problemática porque tira dela
essa escolha e faz com que muitas mulheres tenham filhos sem consciência da
responsabilidade e compromisso que é educar uma criança e como não existe a mesma
cobrança social sobre os homens, é comum que eles abandonem os filhos e a mãe se torna
então sobrecarregada tendo que dar conta de casa, crianças e trabalho, tenho dificuldades
e muitas vezes ficando impossibilitada de cuidar de si mesma.

A romanização da maternidade leva muitas mulheres a ela que não teriam se


proposto a isso, caso tivessem real conhecimento do compromisso, entrega e dedicação
que criar e educar um ser humano exigem, por toda a vida da pessoa.

A missão de vida de cada uma está ligada muitas vezes a um papel familiar, mas
não só a isso; pode ser algo ligado a sociedade como um todo ou a um papel profissional.
Entendo que essa missão é algo que a pessoa se sente ligada, independentemente de
retorno financeiro ou identidade profissional, é algo que a gente faria mesmo que não
precisasse receber dinheiro em troca ou tivesse qualquer necessidade envolvida. Algo que
a gente faz porque sente desejo de fazer, mesmo que não tenha nenhuma obrigação.

Toda mulher deveria ter o direito de descobrir o que gosta de fazer a partir do
autoconhecimento e buscar essa atividade que lhe dá uma realização para além dos papéis
sociais atribuídos a ela.
14 – Natureza e sua importância para o ser humano.

Somos parte da natureza e a natureza faz parte de nós, um todo indivisível. Desde
que o ser humano passou a se afastar mais da natureza, subjugando-a, tem aumentado a
incidência de problemas que não eram tão corriqueiros antes, pois estão associados à fuga
de nossa essência, como doenças ligadas ao sedentarismo e questões emocionais como
isolamento, ansiedade e angústia existencial, todas doenças que tem como uma das
principais receitas médicas o movimento.

Viver em ambientes fechados, com excesso de barulho e sem o contato com outras
pessoas não é algo natural a nossa espécie, enquanto andarmos por ambientes naturais,
respirarmos ar puro e nos conectar com todos os seres vivos é algo essencialmente nosso.

Sou muito suspeita para falar sobre esse tema, pois fui criada em uma cidade que
fica ao sopé da Serra Azul e minha mãe era de um povoado onde meu avô possuía matas
e me levava para apresentar as diferentes plantas e suas características. Íamos tomar
banho na barragem, paquerar na cachoeira do coração, subíamos o Morro Branco na
Sexta-Feira Santa, íamos para o povoado de mãe, a dez quilômetros de nossa casa a pé,
colhíamos frutas na roça e brincávamos embaixo de árvores.

Isso tudo fez com que eu estabelecesse uma relação positiva com as árvores e os
ambientes naturais. Mas pesquisas vem mostrando que o contato com a natureza faz bem
ao desenvolvimento da criança e a saúde de adultos. Quando falo de natureza, estou
falando de outros seres humanos numa relação mais próxima, de animais, domésticos ou
não e de todas as espécies vegetais. Tudo isso nos beneficia, independente da rusticidade
do ambiente que tivermos inseridos.

Esquecemos muito de apreciar as estrelas, a chuva, o nascer e pôr do sol, a beleza


das flores, a leveza de um ar puro. Tudo isso é gratuito e nos recarrega para os outros
momentos do dia. O ser humano não vive sem a beleza.

Quando nos conectamos com a natureza, nos sentimos mais leves e próximos de
nossa essência; quando cultivamos plantas, ficamos menos ansiosos, focamos mais no
momento presente e podemos aprender com a natureza sobre o ritmo da vida e que
podemos aprender a cada dia e nos adaptar de acordo as necessidades que surjam.
É importante que plantemos árvores, não somente para nós, mas para as próximas
gerações e para compensar um pouco do que consumimos desse planeta tão lindo e
generoso. Quem planta uma árvore, cultiva esperança...
15 – Independência emocional.

Uma conquista difícil para nós mulheres, na sociedade patriarcal, é cultivar nossa
independência emocional. Somos educadas com a ideia de que sempre precisamos dos
homens, para ter segurança física e psicológica, para prover a existência e até para nos
sentirmos realizadas.

Precisamos superar essas questões e sermos, o máximo possível, capazes de ser


independentes e felizes e, só então, escolher entrar em relacionamentos ou não, conviver
com um homem ou não, nos apoiar somente em outras mulheres ou não.

É um processo longo que pode necessitar de terapia e muitas experiências ruins


de dependência emocional.

Nesse movimento é importante que não coloquemos ninguém a frente de nós, pois
até mesmo pessoas que dependam da gente como bebês, idosos e doentes, precisam que
estejamos bem para cuidar deles e é injusto que eles sejam responsabilidade apenas nossa,
já que geralmente existe um pai vivo, outros filhos e pessoas na sociedade e profissionais
que podem auxiliar.

Nossas amizades, especialmente as femininas, podem auxiliar bastante nesse


processo e geralmente são outras mulheres que nos apoiam em momentos mais difíceis
como doenças e velhice, então são pessoas que merecem mais nossa atenção durante toda
a vida.

Compartilhar experiências com outras mulheres também é bastante importante,


pois se não conversamos, pode parecer que apenas nós passamos por certos problemas, o
que não é a realidade.

Leituras de obras como livros sobre vivências, psicologia, literatura, enfim,


qualquer tipo de leitura, nos auxiliam em questões psicológicas, autoconhecimento,
aquisição de novos conhecimentos e conhecer experiências diversas é fundamental ao
nosso desenvolvimento enquanto mulher, seres humanos e sujeitos em construção.

Gosto particularmente da literatura, livros escritos por outras mulheres, literatura


africana, indiana e escritoras brasileiras tem prendido minha atenção ultimamente e essas
experiências nos ajudam a entender que não somos apenas nós que passamos por certas
vivências e sentimentos e que tudo pode ser ressignificado. A literatura nos ajuda também
a aprender com os erros de outros e isso não tem preço.

Precisamos também assumir a educação das mulheres das novas gerações para
que não passem por questões que historicamente passamos, pois nossa missão enquanto
seres humanos é, de alguma forma, melhorar a humanidade.

Devemos incentivar outras mulheres, auxiliar quando possível, ao menos com um


olhar compreensivo e sem julgamentos e sermos solidárias, não invejando as mais jovens
nem estimulando competições ou críticas entre nós.
16 – Organização.

Um importante privilégio masculino, historicamente, foi sua facilidade em se


organizar e obter sucesso, socialmente falando. Para que pudessem estudar, trabalhar e
progredir em suas carreiras, sempre receberam comida pronta, roupa limpa e organizada,
casa e cama limpas e arrumadas, fosse das mãos das mães, empregadas, irmãs ou esposas.

Isso facilita enormemente a vida de qualquer pessoa, pois quem já se propôs a


realizar essas tarefas sabe que elas ocupam uma pessoa todos os dias, durante toda a vida
e sem descanso, mas não recebe a valorização que deveria.

Nós mulheres, recebemos normalmente várias cargas que os homens não recebem,
como essa que citei de prover as necessidades básicas de subsistência, estarmos sempre
bonitas, termos autocontrole, ficarmos em nosso lugar...

Essa formação nos prepara melhor para as dificuldades que os homens, mas não
deveria ser assim. Precisamos de uma educação igual, um tratamento igual, uma cobrança
igual...

Dentro desse processo de luta por igualdade, é importante que busquemos um bom
nível de organização. Adaptar as atividades da casa, da família, com nossa formação, pois
é fundamental que tenhamos uma profissão que nos dê independência financeira para que
busquemos nossa liberdade de fato.

Caso optemos por não termos independência financeira, o que é uma


possibilidade, vamos precisar de circunstâncias favoráveis para que não sejamos
subjugadas pelo homem que trabalha fora para o sustento da família.

Para estudar e trabalhar, é necessário que exista um objetivo específico de


conquista, seja de uma formação, de independência financeira, de uma melhoria de
condições de vida, ou qualquer outro elemento que nos motive a seguir com essa difícil
experiência.

Eu comecei a trabalhar durante o Ensino Médio e cursei trabalhando até juntar


dinheiro para meu mestrado. Não é fácil, mas com foco, valerá a pena.
Para trabalhar e estudar é necessário não ficar obcecada por limpeza e
organização, ou seremos consumidas por isso. Façamos o necessário em limpeza,
alimentação e sigamos com descansos possíveis e adaptações necessárias.

Nesse processo de organização podemos e devemos usar a experiência de outras


pessoas, seja passada diretamente ou em livros e vídeos. Aprendi bastante sobre
alimentação saudável e como organizar marmitas para a semana com colegas e na
internet.

Aprendi bastante sobre educação financeira em leituras e páginas da internet.


Desenvolvi o hábito de realizar diferentes atividades físicas compartilhando com outras
pessoas. Enfim, juntas com outras mulheres poderemos administrar melhor nosso
dinheiro, nossa alimentação e nossa saúde como um todo.

Cada pequeno passo a nossa organização sem sobrecarga é um grande passo para
nossa saúde e realização.
17 – Façamos nossa própria lista ao construir a vida.

Conhecer a experiência de outras mulheres pode nos auxiliar bastante, mas


precisamos nos basear em nossa própria experiência para realmente organizarmos nossa
própria vida.

Cada uma de nós tem as próprias prioridades e em cada fase de nossas vidas temos
diferentes questões. O que é mais importante para você hoje? Trabalho? Família?
Autoconhecimento? Aproveitar a vida? Construir uma vida saudável? Se qualificar? É
importante ter isso em mente para eleger as prioridades e construir nossa vida a partir
disso.

Se for trabalho, precisamos buscar alternativas na sociedade atual para nos


desenvolver, como usar as tecnologias e redes sociais a nosso favor para divulgar seus
serviços ou aprender coisas novas. Sempre importante também nos qualificar o máximo
possível, já que como mulheres, somos vistas com desconfiança, em qualquer área. Se for
relacionamento, busquemos nos desenvolver emocional e psicologicamente para ter
relações e família saudável. Se for dinheiro, busquemos novas fontes de renda. Se forem
amigos, frequentemos lugares e espações virtuais que tenha coisas que a gente aprecia e
busquemos afinidades. Caso seja prazer, vejamos uma forma saudável de focar nesses
prazeres e podermos os desfrutar por muito tempo. Se forem hobbies, invistamos neles e
usufruamos toda leveza e alegria que eles possam proporcionar. Caso seja saúde,
busquemos conhecimento para não ficarmos sendo usadas por marcas que nos fazem
acreditar que ser saudável é consumir certos produtos ultraprocessados ou fazer
procedimentos estéticos, ou mesmo vivermos em ambientes de clínicas e pesando
alimentos.

Quaisquer que sejam nossas prioridades, busquemos conhecimentos e boas


relações ligadas e elas e com certeza teremos mais chances de ter mais momentos de
alegria e satisfação com as coisas que tivermos escolhido para nossas vidas.

Para construir essa lista, precisamos refletir sobre algumas mentiras que nos
contaram... Vamos pensar sobre cada uma delas.

- Não sabemos o que é melhor para nós.


Não só sabemos o que é melhor para nós e muitas vezes, até para o outro, que
administramos nossas vidas apesar de todos os preconceitos, discriminação e limitações
que nos são impostos, carregamos muitos homens nas costas e ainda vivemos mais do
que eles...

- Meninas são mais frágeis e mais tranquilas que meninos.

De frágil só temos a imagem que muitas vezes passamos para manipular os


homens e ganhar pela esperteza o que a força física ou social não nos permitem.
Aguentamos mais pressão psicológica, tanto que mulheres se suicidam menos que os
homens; aguentamos mais sobrecarga física como noites sem dormir para cuidar dos
outros e jornada tripla de trabalho e, se preparamos nosso corpo para tal, temos grande
resistência física, com diferença apenas do preparo do nosso corpo pelos hormônios
diferentes e focos diferentes para indivíduos do sexo masculino e feminino e, devido a
essas diferenças, é importante respeitar nosso ciclo hormonal e entender as características
de um corpo com menos testosterona, mas menos testosterona não nos faz mais frágeis,
psicologicamente ou socialmente falando.

- Não somos capazes de ser felizes e bem-sucedidas independentemente de


homens.

Não apenas somos capazes, como temos conseguido ser apesar deles e das
imposições da sociedade patriarcal.

- Mulheres devem estar bonitas para os homens e devem se cuidar para não ser
abandonadas pelos maridos e não para serem saudáveis e se sentirem bem consigo
mesmas.

Nós devemos ser bonitas para nós mesmas e dentro de nossas características e
possiblidades e precisamos mudar a cultura de que homem quando envelhece fica mais
bonito enquanto nós nos aproximamos de um final triste e solitário.
- Meninas devem usar rosa, laço, terem as orelhas furadas e se arrumar para serem
bonitas desde cedo.

Se não enfrentarmos essa mentira desde o início, nossas meninas crescerão já


aprendendo que precisam estar sempre bonitas e agradar com sua aparência e que isso é
o melhor que elas têm a oferecer. É importante deixar que a menina fure a orelha quando
e se quiser, que tenha liberdade de escolher usar acessórios no cabelo ou não e que não
passemos a infância da criança repuxando seus cabelos e as obrigando a andar
desconfortavelmente com imposições de arrumação e desconforto que não fazemos aos
meninos.

- Mulheres tem a obrigação de se pintar, se depilar para agradar aos homens.

Mulheres precisam ter a liberdade, assim como os homens têm, de se depilar ou


não e se produzir com estratégias estéticas ou não. Eu prefiro me depilar, mas nunca gostei
de maquiagem e os homens que escolheram ficar comigo tiveram que me aceitar de forma
mais natural, sem uso de maquiagens, saltos ou muitos acessórios de vestimentas. Faço
sobrancelhas, unhas e procedimentos estéticos quando e como quero, isso nunca
dependeu de gosto ou imposição masculina e é assim que precisa ser.

- Mulheres não podem envelhecer de forma aparente, pois enquanto o homem de


cabelos brancos é charmoso, mulher na mesma condição é desleixada.

Um mito que ainda estamos bem longe de quebrar. Tenho lidado com o
envelhecimento de forma sensível e sinto todas as pressões sociais e minha auto cobrança
nesse sentido. Não é fácil saber que se está envelhecendo e se aproximando da morte, mas
é importante que isso seja mais uma questão filosófica que uma imposição social por uma
aparência impossível, já que não existe possibilidade de não envelhecer, a não ser que
você morra.

Se submeter a inúmeros procedimentos estéticos e cirurgias, além de agressivo e


caro, é um fracasso certo, já que chegará um momento que isso não será suficiente e além
de lidar com as inevitáveis consequências físicas do passar do tempo a pessoa terá que
lidar com os resultados de cirurgias e procedimentos que a tornaram alguém às vezes até
distante da imagem natural do ser humano.
- Somos menos inteligentes e capazes de tratar qualquer assunto ou tema que os
homens.

Outra mentira grande, mas fácil de sustentar em momentos históricos onde as


mulheres passaram de proibidas a frequentar escolas a estudantes que tinham uma enorme
sobrecarga de trabalho e cuidados as quais os homens não eram submetidos.

Meu irmão sempre teve condições de ler mais que nós meninas porque não
precisava assumir nenhuma atividade doméstica e recebia nas mãos comida, roupas
limpas e não tinha responsabilidade com a casa, enquanto nós tínhamos que assumir tudo
isso desde muito novas enquanto mãe trabalhava para auxiliar no sustento da casa. Se eu
leio mais sobre um assunto e tenho mais tempo de me dedicar ao mesmo, é claro que terei
mais conhecimento e condições de defender o mesmo, mas isso não tem nada a ver com
gênero, no sentido de capacidade.

- Estamos aqui para satisfazer aos homens e não somos capazes de sentir muito
prazer sem eles e apesar deles.

Temos a mesma capacidade biológica de sentir prazer que os homens e muitas


mulheres que se livraram das amarras sociais estão aí para provar isso. O que dificulta
orgasmos em mulheres é uma educação punitiva e repressiva para nós e uma educação
para os homens, através inclusive da pornografia onde se prega que o prazer é um direito
exclusivamente deles e a função da mulher na cama é cumprir esse papel. Precisamos
acabar com essa tradição de sexo focada no homem e no prazer deles e educar as meninas
a conhecer o próprio corpo sem repressão ou função de dar prazer a outra pessoa além
dela mesma, compartilhando esse momento com o parceiro que escolher, de qualquer
gênero, se ela quiser um parceiro.

- Meninas não devem correr, brincar ao ar livre e conhecer todos os ambientes,


pois elas foram feitas para ficar em casa.

Ninguém foi feito para ficar só em casa, ninguém foi feito para viver só na rua...
É importante que todos os espaços sejam responsabilidade e possibilidade de todos.
Inclusive nossa espécie tem uma necessidade de natureza e verde que pode ser percebida
pela diminuição do stress quando convivemos com ambientes verdes e outros animais.
Quando somos obrigadas a viver somente no ambiente doméstico, nosso conhecimento
de mundo fica limitado e temos uma restrição no desenvolvimento de nossa inteligência
espacial, o que muitas vezes nos leva a ser dependentes de homens para nos localizar nos
espaços. Felizmente a tecnologia tem suprido um pouco essa ausência e conseguimos nos
localizar melhor sem depender do auxílio masculino.

- Mulheres têm menos habilidade para jogos, esportes, trabalhos em meio a


natureza, enfim, tudo que é bom e diferente de ser burro de carga de outras pessoas.

Temos habilidade para tudo que tivermos oportunidade de desenvolver, assim


como os homens. Que desenvolvamos essas habilidades de acordo com nossas
necessidades e desejos e que ninguém mais seja impelido a praticar nenhuma atividade
simplesmente por ter nascido com um sexo biológico....

Que tenhamos a mente aberta e nos desvencilhemos dos preconceitos.

Perceberam que tudo é um jogo para nos dominar e usar? Sempre foi sobre poder.
18 – A casa não é só nossa.

A mulher foi tradicionalmente delegada aos serviços domésticos para facilitar o


controle sobre ela e sua prole e por esse trabalho ser invisibilizado. Mas é um serviço que
precisa ser feito para a sobrevivência e manutenção da saúde de todos.

Ao ingressar no mercado do trabalho, as mulheres se viram obrigadas a se


desdobrar para trabalhar fora, cuidar de casa e criar e educar os filhos, geralmente com o
auxílio ou entregando esse trabalho a outras mulheres, que muitas vezes sequer podiam
acumular essas atividades com o da própria casa e deixavam essas e os filhos à própria
sorte.

De qualquer forma, tradicionalmente, aos homens foi dado o direito de trabalhar


e de descansar quando tiverem em casa, recebendo tudo nas mãos: comida pronta, roupa
lavada e passada, casa limpa, filhos educados...

Quando as mulheres têm a possibilidade de ficar em casa e dedicar-se a esses


cuidados, já tem uma gama grande de atividades e não é reconhecida por essas. Quando
a mulher precisa trabalhar fora o dia inteiro, como o homem e precisa dar conta disso tudo
quando chega, é um processo absurdo de exploração...

Nós mulheres, que estudamos mais que nossas antepassadas tiveram direito, que
tivemos opção de ter ou não ter filhos (nem todas), que pudemos entrar no mercado de
trabalho, mesmo ganhando menos e sofrendo todo tipo de assédio e desvalorização,
precisamos destacar a necessidade de uma revisão nas atividades domésticas para serem
responsabilidade de toda a família.

Crianças e adolescentes precisam aprender a limpar a própria sujeira, preparar o


próprio alimento e cuidar das próprias roupas, mesmo que não façam isso sozinhos ou
todos os dias.

Todo homem funcional deve saber cuidar de si mesmo e suas necessidades básicas
e deve buscar uma companheira para partilhar a vida, não para ser a cuidadora que sua
mãe foi e sempre será necessária.

Fazer essa revisão e corrigir essa injustiça passa por nossas práticas diárias com
as crianças e os companheiros e pela forma como vemos o mundo, encarando as outras
mulheres como parceiras e não julgando ou acusando as mulheres que não se matam pelos
outros como nós fazemos. Precisa ser uma mudança de mentalidade.

Nesse aspecto, é fundamental a atenção na educação das crianças. Se damos uma


vassoura de brinquedo ou panelas, fogões e bonecas às meninas, porque não dar aos
meninos também? Meu sobrinho ficava grande parte do tempo com o pai e via ele
cozinhando, adorava brincar com panelas e fogões, imitando o pai. Quando comprávamos
panelas e fogão para um menino, percebia as pessoas olharem torto, como se aquilo fosse
uma aberração e a mão de um homem fosse cair, caso ele cozinhasse. Os brinquedos, o
comportamento, a liberdade e a educação precisam ser semelhantes para meninas e
meninos, se queremos ter uma mudança real e diminuição na exploração e objetificação
das mulheres,

Uma mulher com qualidades não precisa necessariamente ser ótima em deixar
uma casa brilhando, ou cozinhar bem, ou cuidar dos outros de forma mais ampla. Homens
também precisam assumir esses papéis e é possível que uma mulher viva bem sem
precisar cozinhar ou limpar a própria casa inteira. Mas considero importante que estas,
assim como os homens, saibam fazer todas as atividades da casa e contribuam com as
mesmas desde pequenas.

Essas atividades precisam ser mais valorizadas, inclusive para quem precisa ou
deseja trabalhar nelas e passemos a um paradigma onde todos os trabalhos são valorizados
e não prescindem de perfil de gênero para a realização dos mesmos.

Nós mulheres precisamos abandonar também a exigência de que, além de


estarmos sempre bonitas, somos as responsáveis por manter tudo limpo, pois isso cria
uma sobrecarga sobre nós. Alguém deve ser responsabilizado pela limpeza, seja
contratado para tal ou uma divisão na família e todos os moradores da casa devem ser
responsáveis por manter essa limpeza e organização. Esse é o procedimento mais justo, a
meu ver...
19 – Eduquemos com responsabilidade nossas meninas.

Como educadora há mais de 20 anos, posso dizer que esse é um dos processos
mais importantes na construção de um mundo mais justo para as mulheres.

Refiro-me aqui tanto a educação formal, realizada em escolas e outras instituições,


quanto a informal, realizada em todos os espaços que não foram criados para fins
educacionais.

Na educação informal, podemos ensinar a nossas crianças cada item discutido aqui
nesse livro e onde se reflete sobre ser mulher e como melhorar essa experiência. Nesse
sentido, a prática é soberana.

Não adianta eu dizer a uma criança que uma mulher precisa realizar escolhas na
vida se nunca escolho nada; não adianta pregar independência e viver submissa. A criança
consegue identificar a falta de coerência e o processo educativo não ocorrerá.

Se tenho filhos e filhas, ensino a igualdade tratando ambos da mesma maneira.


Destinando o mesmo tipo de compromissos e responsabilidades, as mesmas tarefas, os
mesmos cursos extracurriculares, o acesso aos mesmos espaços, a mesma importância à
aparência, igual liberdade e oportunidades e as mesmas possibilidades de vivências. Isso
é educar para a igualdade de gênero.

Na educação formal é necessário mostrar os aspectos históricos de construção dos


papéis de gênero e refletir acerca do patriarcado, propondo mudanças e mostrando as
lutas, conquistas e avanços que ainda são necessários na construção da igualdade de
gênero.

Esse processo educativo precisa envolver também nossa relação com nossos
parceiros afetivos. Se me relaciono com um homem que não teve uma educação adequada
em casa para dividir as tarefas básicas do lar onde vive eu tenho duas escolhas: me afastar
ou negociar com ele para que aprenda e auxilie nesse processo. Não é nossa função educar
homens adultos, mas se a gente considera que é um relacionamento em que vale a pena
investir tempo e afeto, é melhor ensinar que carregar nas costas, isso é o que acredito e já
coloquei em prática.
Se o homem está aberto e disposto, não será muito grande o tempo nem o desgaste.
Muito pior é o casal sair pela manhã para trabalhar e voltar a noite e a mulher ser
responsável pelo café da manhã, jantar, lavagem e organização das roupas, limpeza da
casa, cuidado com os filhos e animais domésticos... Isso sim é absurdo, degradante,
exploratório e inaceitável.

Carregar um homem adulto nas costas no sentido de assumir as responsabilidades


dele, sejam de subsistência ou outras é que é um grande absurdo... Carregamos nas costas,
literalmente ou não, mas não sozinhas, crianças, idosos, pessoas doentes e com
necessidade de auxílio, mas isso deve ser feito por homens e mulheres, não só por nós.

Quando temos um filho do sexo masculino e não damos responsabilidades com


casa, suas roupas e itens pessoais, ensinamos sobre economia doméstica, cuidado com
crianças e outras pessoas, independência de locomoção, alimentação, cuidado com casa,
estamos negando uma autonomia a esses meninos e sobrecarregando outras pessoas que
precisarão, na melhor das hipóteses, ensinar tudo isso a eles na fase errada da vida.

Na minha família, oferecer direitos demais sem os deveres correlatos criando


adultos irresponsáveis e exploradores é chamado de colocar “o menino a perder”. Eduque
seu filho para respeitar todos igualmente, para não achar que alguém tem obrigação de
lhe dar as coisas na mão eternamente, para saber que ele é o principal responsável por si
mesmo, enfim, “não coloque os meninos a perder”...

Outra coisa que é importante na educação, tanto de meninos quanto de meninas é


ensinar resiliência, pois a vida nunca é só flores, alegrias e sucesso.

A resiliência é muitas vezes vista como um atributo feminino, pois as mulheres,


para muitos, precisam aprender a sofrer porque é natural e biológico, enquanto os homens
só precisam aprender a dominar e exercer poder.

Isso gera homens que não sabem lidar com os próprios sentimentos e tem
dificuldades em aceitar suas tristezas, angústias, ou até o tédio, que faz parte da vida.
Muitas vezes esses homens se tornam viciados em drogas, sexo e adrenalina, porque
foram ensinados que a vida é sempre um jogo, uma satisfação realizada ou serem servidos
e felizes. Acreditar nisso é estar fadado ao fracasso e colocar mulheres e crianças que
convivam com esses homens em uma espiral de tensão, exclusão e exposição a
circunstâncias agressivas, de abandono afetivo e até mesmo violência.
Precisamos educar nossos meninos para a vida real e ela inclui tédio, rotina,
responsabilidade, compromissos e escolhas mais que prazer e adrenalina. Isso fará bem à
sociedade como um todo.

Outra coisa prejudicial à educação dos filhos é quando a mãe entende que pode
gastar dinheiro, tempo e cuidados ilimitados com esses e nunca consigo mesma. Quando
a mãe tem essa prática está ensinando aos filhos que eles são o centro do mundo e que
sua mãe ou pais perderam a importância enquanto sujeitos após reproduzir e eles deverão
fazer o mesmo. A mãe ensina também que uma mulher adulta e mãe não merece cuidados,
autonomia e uma vida digna e isso é muito prejudicial às relações como um todo.

O mais adequado seria oferecer amor, cuidado, afeto, bens materiais aos filhos,
mas sem esquecer de si mesmo, mostrando a estes que seus pais têm importância como
sujeitos e que a idade ou outras condições não fazem as pessoas menos importantes. Um
progenitor com autoestima e autocuidado vai ensinar mais a uma criança que alguém que
vive para servi-la.

Outra coisa que é fundamental que seja destruída em nossa cultura é a imagem da
mulher como objeto masculino. Podemos ser belas para nós e até para o prazer de um
homem ou outra mulher, mas isso jamais deve se sobrepor ao fato que, ao invés de objetos
sexuais, somos seres capazes, individuais, com potencial para fazer qualquer coisa que
qualquer homem seja capaz de fazer.

Infelizmente isso não é óbvio.

Começamos a impor essa cultura quando passamos a focar o cuidado das meninas
na beleza das roupas e em brincadeiras que ensinem a ser mães e trabalhadoras domésticas
gratuitas, jamais como seres que vão se enfeitar se e quando quiserem, que podem
conquistar sucesso profissional independente de beleza, enfim, que podem mudar o
mundo tanto quanto qualquer homem.

Nós, mulheres, somos proibidas de envelhecer, enquanto para o homem, a velhice


é vista como um momento que ele tem mais poder porque tem mais dinheiro e pode
conquistar o que quiser mais facilmente que em qualquer época.

É necessário que eduquemos para que se cobre que o Estado assuma e estabeleça
a criação de políticas públicas para a construção da igualdade de gênero através da
igualdade salarial, da oferta de creches e escolas em tempo integral, da difusão de
campanhas de um processo de criação que os pais tenham as mesmas responsabilidades
e compromisso que as mães, enfim, é preciso educar nossas meninas para que sejam
iguais a seus irmãos, colegas de escola, parceiros afetivos e colegas de trabalho e não
aceitem menos que isso...
20- Lutemos por um futuro melhor

O primeiro passo para mudarmos o mundo é mudar a nós mesmas. Se alteramos


um pouquinho o que somos e como agimos com os outros e o mundo, já estaremos
melhorando este.

Uma das formas de melhorarmos a nós mesmas é revisarmos os preconceitos com


os quais fomos educadas, afinal, se somos preconceituosas, educaremos crianças
preconceituosas e essa é uma das principais mazelas do mundo em que vivemos, agir
como se conhecêssemos alguém sem o conhecer realmente.

A ignorância traz muitos prejuízos e o preconceito une a ignorância a arrogância,


pois agimos como se soubéssemos de algo a respeito do qual não sabemos nada.

Vamos ler sobre relações de gênero, sobre como nós mulheres fomos exploradas
pelo patriarcado, sobre a necessidade de uma educação com equidade de gênero para que
efetivamente tenhamos uma vida profissional e pessoal mais justa.

Vamos ler sobre racismo, entender o papel da população negra na construção do


país oferecendo seu trabalho e entender as injustiças cometidas por nosso país não só
escravizando pessoas, mas abandonando-as no pós abolição e excluindo-as
propositalmente de moradia, trabalho digno e educação e não reparando absolutamente
nada dos séculos de trabalho para enriquecer os brancos.

Entendendo essas injustiças passamos a ter um olhar mais real, justo e humano e
podemos lutar por um mundo onde ninguém precise ter medo do outro porque esse vive
com suas necessidades desrespeitadas e tem dificuldade em gerir sua vida sem se revoltar
com a exploração que sofre.

Lutar por um futuro melhor também é desperdiçar menos os recursos naturais


respeitando o meio em que vivemos e as próximas gerações. É ter um olhar mais sensível
a todos os seres.

Lutar por um mundo melhor é considerar que justamente por eu ter passado muitas
dificuldades, tenho condições de desejar que ninguém mais passe por aquilo, sendo esse
indivíduo meu descendente ou não.
Lutar por um mundo melhor é buscar valorizar as coisas simples e ensinar valores
as novas gerações que considerem a natureza, o outro, a si mesmos e as relações de forma
justa, leve e feliz...

Sonhemos com um dia que não precisaremos lutar para um mundo melhor para as
mulheres e lutemos por ele. Sonhemos, recomecemos e façamos valer a vida que temos
pela frente...

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