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Resolvi escrever esse livro sobre ser mulher porque é uma condição que me
inquieta desde a infância, quando reparava que meu irmão podia ler o dia inteiro enquanto
nós tínhamos uma série de atividades domésticas a realizar… Quando reparava que os
meninos podiam brincar na rua e ter uma liberdade que não nos era concedida igualmente.
Ao me tornar adolescente reparava mais ainda nessas questões e na graduação e estudos
posteriores, resolvi estudar essa temática, principalmente na Especialização em História:
cultura urbana e memória, na qual escrevi a monografia, “Viver pra parir, labutar pra não
morrer: Cotidiano de trabalhadoras rurais da Vila de Uibaí, década de 1950”.
Estas são coisas que aprendi que me fazem viver de maneira mais leve e feliz hoje
do que nas décadas anteriores e quero compartilhar com quem, assim como eu, busca nas
experiências de outras mulheres aprender sem ter que sofrer as mesmas coisas.
Muitas vezes somos educadas sendo levadas a crer que nosso valor está atrelado
ao tipo de homem com o qual vamos constituir família ou à nossa capacidade de nos
manter belas pelo máximo de tempo possível.
A Vívian Machado, Júlia Filgueira, Capitu Machado e Melissa Machado, meninas que
espero que minha geração possa oferecer uma vida de menos insegurança, exploração e
limites traçados por terem nascido mulheres.
Agradecimentos
A todas as mulheres que conviveram e convivem comigo, pois quando uma mulher
precisa realmente de ajuda, sempre é outra que a ampara.
Prefácio
Taiane foi a amiga que a universidade me deu de presente. Desde então, passei a
admirá-la cada dia mais, enquanto pessoa e profissional. Ao ler mais uma de suas obras,
me alegro por ela ter se tornado escritora e presentear o mundo com sua humanidade,
sensibilidade, força e conhecimento - científico e, principalmente, de vida.
Ser mulher, na sociedade atual, exige que lutemos diariamente para ocupar
espaços que, por direito são nossos, mas nos são negados todos os dias.
Nessa obra, que se apresenta com um toque diferente das anteriores, Taiane aborda
de forma leve e fluida, sobre os caminhos necessários, que nós mulheres precisamos
trilhar, para vivermos com maior qualidade de vida, leveza e alegria.
Confesso que sentei para ler alguns tópicos e não consegui parar até finalizar. É
uma leitura que toca e inspira qualquer mulher, pois apesar de vivermos experiências
únicas, a dor interna de termos a nossa voz abafada ao longo da história, é uma dor
coletiva. Fomos obrigadas, como Taiane diz, a cuidar de tudo e de todos, menos de nós
mesmas. Inconscientemente carregamos a culpa por não sermos perfeitas mães, filhas,
esposas, profissionais... Carregamos a imposição da sociedade machista de sermos “belas,
recatadas e do lar”.
Taiane nos alerta sobre o perigo de vivermos à mercê dessa sociedade, e que é
necessário reagirmos antes que seja tarde demais. Ela traz suas próprias vivências,
processos de desenvolvimento pessoal e aprendizagens da vida como exemplos de que é
possível trilharmos o caminho do bem-estar, de uma vida mais digna, apreciando a beleza
do caminho da nossa existência.
Essa leitura é necessária para todas as mulheres que desejam assumir sua
sabedoria, criatividade, força e capacidade de ser quem é, buscando evoluir todos os dias
e contribuir para um mundo melhor e mais justo para todas as meninas e mulheres do
mundo e, consequentemente para todos os seres humanos.
Leiam e vivenciem cada ensinamento aqui compartilhado por Taiane. Ser mulher
passa a ser mais leve quando tomamos as rédeas da nossa própria vida. Ao finalizar a
leitura dessa obra você saberá alguns preciosos caminhos, sua responsabilidade será
caminhar.
Ione Santos
Índice
4 – Autoimagem - Não devemos aceitar que digam que não somos lindas,
inteligentes, capazes e maravilhosas.
10 – Espiritualidade e Gratidão.
12 – Auto respeito.
15 – Independência emocional.
16 – Organização.
Parece óbvio, mas infelizmente não é. A maioria das mulheres não é prioridade
na própria vida e não para pensar que não vivemos sem nós...
Fomos ensinadas que viemos ao mundo para cuidar: dos filhos, dos pais, dos
maridos e ninguém cuida de nós.
Para fortalecer e encobrir essa exploração, criou-se as ideias que somos puro amor
e servidão, que somos todas maternais, que somos mais fortes que os homens e que
existimos para nos doar.
Mas isso tudo é apenas um argumento patriarcal, que faz com que aceitemos tudo
quietas e caladas e não busquemos o que é melhor para nós, nunca, porque não temos
tempo, porque estamos sempre olhando, cuidando e nos preocupando com a
sobrevivência dos homens e de todos os fragilizados do mundo. Mesmo quando uma
mulher acaba suas forças, quem cuida dela é outra mulher, enquanto o homem está
liberado para ter prazer, para crescer economicamente, para ser e buscar o que quiser com
alimentação e sobrevivência na mão, graças a alguma mulher.
Mesmo que nos ensinem desde a mais tenra infância que nascemos para cuidar,
para procriar, para ser troféus, nós somos as pessoas mais importantes de nossas vidas e
caso não nos amemos, ninguém amará e, pior, ninguém nos respeitará.
Não precisamos provar nada a ninguém mais que a nós mesmas. Precisamos nos
sentir capazes e que essas capacidades nos auxiliem a dar o próximo passo, mas não
precisamos provar aos homens que somos capazes de muitas coisas.
Se estou sempre tentando ser melhor que a outra, não me solidarizarei a ela nem
compartilharei as experiências. Isso nos prejudica em demasia, pois ficamos sem aliadas.
Muitas pessoas são ensinadas que cuidar de si mesmas é egoísmo, vaidade, frescura
e vamos seguindo uma vida mecânica determinada pela tradição, pelo mercado, pela
propaganda, pela pressão das outras pessoas e ouvimos tudo, menos a nós mesmas e nosso
próprio corpo.
Mas nosso corpo fala, reclama, reage, grita, pede socorro e nos dizem que é assim
mesmo, que ser mulher é estar destinada ao sofrimento e que temos que aprender a
aguentar tudo e seguir a vida servindo aos outros como se nada estivesse acontecendo.
Apesar de a mulher ainda cuidar mais preventivamente de sua saúde que os homens,
muitas vezes faz exames, toma medicação; frequentemente afirma que não tem tempo de
fazer uma caminhada, de preparar uma alimentação mais saudável, de se dedicar mais a
si mesma e com isso a saúde fica de lado.
Tirar um tempo para realizar uma atividade física como caminhada, yoga, pilates,
corrida, musculação, dança, hidroginástica ou qualquer outra, além de elementar para a
saúde física, é importante para a saúde mental ao reduzir ansiedade e trazer uma sensação
de autocuidado que faz bem à nossa mente. Às vezes acreditamos que não temos tempo,
mas destinamos mais que esses 40 minutos a estar à disposição de marido, filhos ou
trabalho e achamos que eles merecem mais isso que nós. Esse é o maior problema.
Muitas vezes, nessa cultura patriarcal, sequer sabemos do que gostamos realmente, o
que nos traz pequenos prazeres e alívio ao dia-a-dia, por sermos forçadas a abandonar
isso devido a não prestarmos atenção em nós mesmas... Será que fico mais feliz com uma
caminhada na natureza ou uma corrida? Será que gosto mais de que tipo de literatura?
Será que prefiro qual tipo de ambiente: barzinho, restaurante, parque ou balada? Será que
gosto mais de jardinagem ou artesanato? Prefiro viajar para lugares mais agitados ou
paradisíacos? Qual o horário que tenho mais disposição para atividade física? Qual minha
comida preferia? (Já ouvi relatos de mulheres que sequer sabiam o que gostavam de
comer, pois depois que a família fazia o pedido, elas escolhiam o mais barato...). Que tipo
de compra me faz mais realizada: roupa, calçado, livro, experiência? Que tipo de
autocuidado ligado a beleza me faz sentir bem e não faço pelos outros, muito mais por
mim: cabelo, unha, sobrancelha, massagem, maquiagem, todos ou nenhum? Eu prefiro,
quando possível, dormir até mais tarde ou levantar para fazer coisas que gosto? Que tipo
de filme gosto de assistir?
A manutenção de um peso saudável muitas vezes está ligada a saúde. Eu por exemplo,
mesmo nunca estando em sobrepeso recebi indicações do ortopedista de diminuir o peso
devido a hérnia de disco e outros problemas; indicação da cardiologista para reduzir a
pressão, indicação do hepatologista por gordura no fígado e outros momentos por outras
questões.
Nós, mulheres, somos bem mais pressionadas que os homens a cuidar do peso e da
“aparência” e isso perpassa toda a sociedade. O autocuidado com preocupações estéticas
é interessante, desde que seja uma demanda nossa por algo que nos faça sentir bem, não
deveria estar atrelado a agradar os outros.
Exercite, a cada dia, se cuidar como você faz com seus companheiros, filhos e
outras pessoas que passaram por sua vida.
Ao fazermos nossos exames médicos, é importante que sempre vejamos as coisas pelo
lado positivo do autocuidado. Muitas vezes fazemos dezenas de exames de sangue,
exames de imagem do corpo todo e ficamos desesperadas apenas porque foi encontrada
uma alteração em um desses exames.
O que está bem não conta? A oportunidade de tratar o que está desalinhado não é um
privilégio? Poder se prevenir de doenças, sabendo como fazer isso e diversos aspectos do
funcionamento do nosso corpo não é uma grande conquista da medicina moderna que
temos acesso?
Não posso dizer que sou um grande exemplo no que estou dizendo, pois já ouvi de
minha psicóloga que trata minha ansiedade que tenho propensão a hipercatastrofização
das coisas.... Infelizmente tenho essa tendência, mas estou trabalhando.
Muitas de nós veem qualquer nódulo ou cisto como um caminho para o câncer e
qualquer problema como um ultimato à nossa vida saudável e independente, mas não
precisa ser assim. A terapia com psicólogo pode ser uma grande aliada nesse momento,
como em todas as dificuldades que passarmos na vida.
Muitas vezes a terapia é dolorosa, nos traz mais demandas e questões a resolver, mas
a forma que nos encaramos depois dela e os benefícios que traz a tornam um dos melhores
investimentos que uma mulher pode fazer em sua vida e qualquer pessoa possa fazer por
sua família, especialmente por crianças e adolescentes. Sempre que possível, se permita
essa oportunidade...
Desde a minha adolescência planejava treinar numa academia, mas não tinha
dinheiro, depois não tinha tempo, depois achava que era futilidade deixar de me dedicar
a estudos e leitura para levantar peso, enfim, deixava para depois.
Até que as décadas foram passando e uma das minhas principais indicações médicas
passou a ser musculação. Com a diminuição da massa muscular e aumento da gordura
corporal, excesso de tempo sentada ou escrevendo no quadro, foram surgindo problemas
ortopédicos, até que fiquei sem conseguir andar. Saldo: dez dias de cama, onze injeções
e conhecimento de uma hérnia de disco na lombar, nervo ciático inflamado e desvios na
coluna.
Com o tempo vieram problemas no fígado com receita de atividade física; problemas
de pressão com receita de atividade física intensa e emagrecimento; problemas
psiquiátricos com receita escrita de meditação e atividade física de domingo a domingo,
além das indicações da nutricionista, psicóloga e fisioterapeuta.
Resultado: virei uma quase atleta que, conhecendo os resultados físicos e
principalmente emocionais, hoje prioriza a atividade física em sua rotina.
A longo prazo, a musculação e outros tipos de atividade física são fundamentais para
uma vida com qualidade e independência e como queremos dar conta de nós mesmas o
máximo de tempo possível, precisamos incluir isso em nossa rotina e ensinar a
importância disso a todas as pessoas em formação que conviverem conosco.
Após adulta, descobri também que não me sentava corretamente, não engolia
corretamente, não respirava direito, não bebia água nem caminhava o suficiente e passei
a aprender tudo isso com o auxílio de profissionais. Cada um desses detalhes, pode
interferir grandemente em nossa qualidade de vida.
Nisso tudo, é importante aprendermos a desacelerar, respirar, pensar, olhar para nós
mesmas, por fora e por dentro e buscar reconstruir essa saúde que muitas vezes foi negada
pelo excesso de exploração de nossos corpos para manutenção e reprodução da sociedade.
Por último, mas não menos importante, aprendi a incluir em minha rotina pequenas
atividades que me dão prazer, como a atividade física que libera os hormônios da
felicidade, mesmo na maioria das vezes eu não indo empolgada e uma leitura e/ou
conversa com alguém que amo ao final do dia. Isso é fundamental para que não passemos
a semana apenas lamentando o cansaço do trabalho e aguardando ansiosamente pelo final
de semana, por um feriado, pelas férias e passando estes angustiadas com a velocidade
que passam e nos com essa visão negativa da vida, apenas estamos, de forma triste, nos
aproximando cada vez da morte.
3 - Paz - coisa mais importante da vida.
Por mais que nossa sociedade não dê muito valor à paz, destacando mais o sucesso, o
poder, o dinheiro e o status, nada disso faz sentido se não for um instrumento para
encontrarmos paz e tranquilidade.
De que adianta ter dinheiro, poder, status e viver tensa, pressionada, preocupada,
enfim, destruindo nossa saúde física e mental?
Busquemos estratégias para alcançar o máximo da paz e tranquilidade nessa fase das
nossas vidas, ou nossa existência será rapidamente encurtada, já que um corpo cansado
tem muito menor resistência às pressões de uma vida desregrada.
Buscar a paz não significa alhear-nos da vida, mas mudar a postura diante da mesma.
Ter paz é ter saúde, física e mental, já que as duas são indissociáveis. É garantir os meios
básicos de sobrevivência, é não querer assumir responsabilidade que não é nossa. É não
nos comprometermos com os resultados das escolhas de outras pessoas. É termos a
consciência tranquila de que fizemos o melhor que podíamos em cada momento das
nossas vidas, com as condições que tínhamos.
Busquemos fazer coisas que gostamos como dançar, preparar ou apreciar uma boa
refeição, caminhar, ouvir uma música, pois assim nos lembraremos que estamos vivas.
Quando incluímos o que escolhemos e realmente amamos em nossa rotina, por menor
que seja o tempo, nos sentiremos leves ao final do dia e poderemos dormir com uma
sensação de alegria, que não vem apenas de saber que cumprimos todos os deveres que
foi possível aquele dia, mas de ter ciência que também cuidamos de nosso bem-estar.
Outro elemento importante na busca de paz é nos afastar de pessoas negativas, que
invejam cada conquista nossa, que desmerecem os nossos feitos, que criticam nossas
escolhas, que ocupam nosso tempo sem oferecer nada em troca. Avaliemos se somos
obrigadas a conviver com essas pessoas e, caso sejamos, vamos buscar reduzir ao máximo
essa convivência e os efeitos da negatividade delas sobre nós. Caso não sejamos obrigadas
a conviver, vamos comemorar e ser felizes com pessoas mais solidárias, empáticas e
positivas.
Está aí também a necessidade de não nos ocuparmos com a vida dos outros e,
especialmente das outras; evitar fazer julgamentos e nos aproximar apenas quando
pudermos auxiliar, dando palpites e opiniões apenas quando solicitados, tentando não ser
agressivas em nossas falas. Quando cuidamos apenas das nossas vidas, conquistamos
muito mais coisas boas e nos livramos de muitas coisas ruins trazidas pelas más relações
e interpretações erradas que fazemos das vidas dos outros.
Uma das estratégias de dominação da mulher é minar sua autoestima. Se nos achamos
pouco inteligentes, capazes ou bonitas independente da função social que exercemos,
vamos entender que sempre precisamos de um homem que nos dê qualidade de vida,
conquistas materiais, espaço social e segurança e tendemos a entrar em pânico quando
envelhecemos e as características naturais começam a denunciar que não somos mais tão
atraentes sexualmente quanto mulheres mais jovens.
Nossa beleza não deve ser baseada em uma imagem que nos vê com função de dar
prazer aos homens. Nossa beleza deve vir de nossa capacidade de administrar a vida e
aproveitar o que nos é permitido em cada fase, de todas as características que temos como
pessoas úteis ao mundo, tanto quanto qualquer homem e que amam pessoas e são amadas,
amor que vai muito além de sexo e imagem.
Quando não nos amamos como somos, acreditamos que precisamos da validação do
outro e passamos a depender desse outro, naturalmente, um homem, que geralmente é
menos capaz que nós para resolver problemas do dia-a-dia, sem mencionar outras coisas.
Quando não nos aceitamos, facilmente nos sujeitamos a dominação masculina e nos
submetemos a relacionamentos desfavoráveis à nossa saúde e qualidade de vida. Quando
não nos amamos nos tornamos instrumento do mercado capitalista e só trabalhamos para
nos arrumar e parecermos bonitas ou precisamos nos prostituir para nos mantermos bela
para o homem que irá nos usar. Não necessariamente nos prostituir no sentido estrito da
palavra, mas entendo que se uma mulher se relaciona com um homem unicamente em
troca do dinheiro que ele a oferece, de certa forma ela está vendendo não só seu corpo,
mas sua dignidade abrindo mão de sua liberdade, autonomia e independência.
Quando não nos amamos e aceitamos somos mais suscetíveis a violências por nos
expormos a relacionamentos abusivos, mesmo sendo independentes financeiramente, às
vezes aprendemos que somos sortudas por ter aquele homem que nos quis e somos
desencorajadas a seguir em frente, afinal somos apenas uma mulher, às vezes temos
filhos, muitas vezes somos mais velhas e acreditamos que não existe nada mais triste na
vida que uma mulher envelhecer ou criar filhos sozinha, pois isso é o que a sociedade nos
ensina. Mas a verdade é que muitas mulheres passam a juventude e a velhice sozinhas,
mesmo estando casadas e a maioria de nós cria os filhos sozinha, não só no sentido de
cuidado, educação e responsabilidade, até no sentido financeiro mesmo, apesar de
passarem a vida inteira casadas. Isso é justo?
E o homem? Este nunca estará sozinho, sempre terá a ex que foi maltratada a vida
inteira pronta para o perdoar, ou uma mãe que cuidará dele como se ainda fosse uma
criança, ou irmãs, primas, vizinhas... ele pode e deve aproveitar a vida até o fim, porque
nasceu com esse direito, isso é o que a sociedade patriarcal nos ensina...
Devemos nos amar como somos porque merecemos, porque somos dignas, como
qualquer outro ser humano, porque não precisamos nos moldar para satisfazer ninguém e
só devemos fazer procedimentos estéticos quando eles servirem a nossa própria satisfação
e nosso próprio desejo.
Nossa idade não nos diminui, muito pelo contrário. É importante que voltemos a
ser como as sociedades tradicionais no sentido de valorizar o aprendizado de uma vida
longa. Aprendi bastante entrevistando senhoras que viveram na década de 1950 quando
fiz uma pesquisa em minha Especialização em História, cuja monografia se chamou
“Viver pra parir, labutar pra não morrer. Cotidiano de Trabalhadoras Rurais da Vila de
Uibaí, Xique-Xique, década de 1950”.
Quem viveu mais, observou mais, conheceu mais, certamente tem muito a ensinar
às novas gerações e a sociedade da informação vem divulgando a falsa ideia de que os
jovens sabem mais que os adultos. Podem até ter mais informação ou conhecimento em
algumas áreas, mas a experiência de vida é sempre soberana e é uma bênção ter vivido e
visto muitas décadas de acontecimentos.
Nesse sentido é importante que nossas vidas não estejam focadas em voltar no
tempo ou rejuvenescer, pois além dos impactos físicos desses procedimentos, que muitas
vezes levam mulheres à morte ou sérios problemas de saúde, temos os inevitáveis
impactos psicológicos, pois não existe remédio ou tratamento para não envelhecer, caso
você continue viva e entendo que esse é nosso objetivo.
Outra armadilha é a ideia de que precisamos ser perfeccionistas para sermos boas
mulheres. O perfeccionismo adoece, paralisa e nos impede de fazer muitas coisas boas
que poderíamos realizar, especialmente por nós mesmas.
Nós mulheres somos muito ensinadas que devemos buscar um homem bem-sucedido
economicamente, que possa prover nossa família dando-nos segurança e estabilidade e
esse pensamento destrói muitas mulheres que não conseguem atingir esse objetivo. O
mais interessante é que cada uma de nós busque nosso próprio sustento e estabilidade,
pois isso é mais difícil de ser perdido do que um homem educado para querer uma mulher
enquanto ela for jovem e bela.
Aprendi depois de muita terapia, meditação e chão pisado que num relacionamento o
que mais importa é a paz, o respeito, o amor que não aprisiona, enfim, a leveza.
Só o princípio de que cada um tem sua individualidade que deve ser respeitada e que
amor e presença são escolhas diárias podem salvar um relacionamento, na minha
experiência... Mas um relacionamento salvo não quer dizer que ele será necessariamente,
eterno, pois muitos casais vivem a vida inteira e são infelizes, vivem em conflitos.
Um bom relacionamento é aquele que oferece mais coisas boas que ruins e não
desfigura nenhum dos participantes, isso enquanto ele dura.
Assim como os homens, devemos aceitar o corpo que temos e saber que somos
capazes de dar e receber prazer, independentemente do formato que temos e que a
natureza nos dotou da capacidade de sentir tanto ou até mais prazer que os homens e
devemos aproveitar essa dádiva.
Nesse sentido é importante que conheçamos nosso corpo e a forma que sentimos
prazer e estejamos abertas a conversar sobre isso com nossos parceiros ou parceiras, pois
a comunicação eficaz é fundamental para um bom relacionamento, em todos os sentidos.
Caso optemos por estar em um relacionamento, independente dele ser com homem
ou mulher, é importante nos respeitar e colocar em primeiro lugar, não endeusar ninguém
e nos tratar bem, assim como aprendemos tão bem a fazer com os outros.
6 – Ritmo - O tempo vai continuar voando, não precisamos nos apressar.
Mas um adulto na faixa dos 30, 40 anos se apressar por aposentadoria, saída dos filhos
de casa, acúmulo de dinheiro, é um retrocesso, considerando tudo que podemos viver em
cada fase e o fato de que já temos idade para ter aprendido a desfrutar das belezas da vida.
Vamos reconhecer a beleza de respirar hoje? A maravilha que é ter cada pessoa
querida perto de nós? O milagre que é podermos dar uma risada e não estarmos sentindo
nenhuma dor?
Vamos celebrar a beleza desse planeta. A grandeza de podermos sentir tantos prazeres
com nosso corpo e o milagre de termos um cérebro que nos mostra que exagerar nesses
prazeres fará com que tenhamos menos tempo para desfrutá-los?
Vamos aproveitar a dádiva de estar vivos? Independente de nossas crenças que podem
nos dizer que só existe essa vida ou que ela é a preparação para a próxima. Não é incrível
a vida em qualquer uma dessas hipóteses?
Não vamos ter pressa por nos despedir, seja das crianças, do trabalho ou deste mundo,
pois assim estaremos mais preparados quando esses momentos chegarem e só existe uma
certeza: eles chegarão.
7– Perspectiva - A vida não vai parar de nos surpreender.
Por mais que nossa cabeça pouco mude, em linhas gerais, à medida que os anos
vão passando, o que a experiência nos ensina é que o que torna a vida bela é algo que
vale a pena se lutar para ter.
O adulto não tem infinitamente mais conhecimento que um jovem, mas tem a
tranquilidade de ter aprendido com as experiências suas e de outros e o encanto de
saber que jamais parará de aprender, mesmo que viva 200 anos. Essa é uma das
grandes belezas da vida.
O mundo muda, as pessoas, os lugares e cada geração tem muito a nos ensinar,
desde que estejamos abertos a ouvir, ver e vivenciar.
Aproveitemos cada nascer do sol e cada entardecer, aprendamos a olhar cada coisa
com um olhar novo. Aprendamos a ver o lado bom daquilo que nos angustia. Vejamos
a beleza do que nos entedia. Ouçamos as pessoas gratas. São as que tem mais a nos
ensinar...
Já observaram que muitas vezes as pessoas mais gratas e que tem mais a oferecer
são as que menos tem em bens materiais? Não é questão de romantizar a pobreza, mas
de perceber que uma pessoa não precisa de muito para agradecer por estar viva, ter
pessoas amadas a seu redor e saúde.
Sejamos curiosas e animadas com o comum como uma criança pequena que brinca
com uma garrafa pet ou uma panela com mais satisfação que com o brinquedo caro
que muitas vezes a mãe ainda está pagando.
Enfim, vejamos a vida com a curiosidade de uma criança e seremos felizes a cada
novo dia com cada nova coisa que observarmos e desfrutarmos.
Quando optamos por sair do lugar, isso nos abre para enxergar o novo e estarmos
atentas, já que isso é parte do nosso instinto de sobrevivência e passamos a enxergar
realmente novamente. Buscamos a beleza e a feiúra dos lugares, as características internas
e externas das pessoas e, com isso, acabamos descobrindo mais a nós mesmos...
Quando chegamos a um lugar novo, buscamos o que ele pode nos proporcionar de
bom e o que devemos evitar, para a nossa segurança. Isso aguça nossos sentidos,
inclusive, para vermos o lugar de onde viemos com outro olhar, um olhar de valorização
pelo acolhimento, um lugar de preenchimento pelo pertencimento, um lugar de paz pelo
amor que nos proporciona...
Conhecer novas pessoas nos permite perceber o que buscamos em outro ser humano,
possibilita que nos vejamos pelo olhar do outro e pensemos nas pessoas que convivemos
desde sempre sob outro viés. O viés da afinidade, da familiaridade, da escolha de
continuar perto...
Viajar também traz o desejo de voltar para casa, uma casa que fica em um lugar com
uma beleza diferente, mas que também é intensa, que tem pessoas com outras qualidades
e defeitos, mas que são parte de nós. Permite que sintamos saudades de coisas que não
valorizamos no dia-a-dia, como nossa cama, nosso travesseiro, nosso cuscuz de cada dia,
os animais e pessoas que convivem ao nosso redor.
Conhecer novas pessoas e lugares traz o desejo de viver mais, para poder conhecer os
inúmeros lugares e culturas que existem nesse mundo amplo, diverso, complexo e
encantador.
Minha avó paterna, pessoa de muitas experiências sempre dizia que devemos
aproveitar todas as oportunidades possíveis de conhecer um lugar novo e hoje, depois de
viajar para alguns lugares, vejo que muito da força e sabedoria dela vieram das andanças
que fez durante a vida e que isso lhe proporcionou mais clareza para realizar escolhas
difíceis e sabedoria para se despedir serenamente desse mundo.
Minha outra avó quase não viajou. As únicas saídas dela foram em uma cirurgia dela
e outra do esposo. Grande parte das histórias que ela contava eram desse tempo que
acompanhou meu avô no hospital, das coisas que aconteceram e de como ela gostou de
Xique-Xique. Ela não aceitava mais sair de casa, provavelmente devido ao hábito de uma
vida, mas quando estava se esquecendo das coisas e misturando passado e presente,
narrava o quanto ela andava e que conheceu muitos lugares, aconselhando as pessoas a
fazer o mesmo...
Tenho a impressão que isso foi um desejo dela e ficaria feliz se todas as mulheres
pudessem escolher conhecer lugares próximos e distantes e aproveitar todas as coisas que
essa experiência pode propiciar.
Viajar traz a viagem mais fantástica de todas, que é conhecer mais a si mesmo e o que
realmente faz sentido para nós, aquilo que realmente valorizamos e queremos repetir e a
necessidade de aproveitar essa vida de forma saudável, para que possamos viver mais,
aprender, experienciar e dividir mais com todos os inúmeros novos lugares e pessoas.
9 – Vivendo - Invistamos em experiências.
Investir em experiências tem tudo a ver com a reflexão anterior. Quando gastamos
com objetos temos um êxtase momentâneo e uma utilidade que muitas vezes é quase nula.
A não ser que realmente precisemos do objeto adquirido, ele se tornará muito mais
um entulho ou algo que nos afetará a consciência pelo gasto em algo desnecessário do
que algo que nos traga benefícios.
Assistir a um filme, ouvir uma música que gostamos, assistir a um show de uma banda
que apreciamos, conhecer novas pessoas e lugares podem nos permitir ter sensações que
nunca teríamos em nossa rotina.
Comprar livros que gostamos nos traz viagens que nunca conseguiríamos ter com
nossas experiências concretas, já que viajo com meu corpo e minha história e na literatura
viajo com a experiência do outro...
Experimentar novas comidas traz um mergulho nos sentidos e nos faz bem enriquecer
nossas experiências com as dos outros...
Quando enxergamos tudo como uma bênção, abrimos os olhos para as belezas do
mundo e reconhecemos o quanto somos privilegiadas por estar nele. Tudo que colocamos
nossa energia cresce, porque não colocarmos em coisas boas e belas? Por que não
olharmos a beleza do mar, ao invés do lixo que alguém deixou fora do lugar?
Se pensarmos que existe algo e existe muito além de nós, estaremos mais
preparadas para as adversidades e as enfrentaremos de forma menos desesperada.
11 – Foco: dor e não sofrimento.
Sabemos que a dor é inevitável e todos passaremos por ela em diversos momentos
de nossas vidas, mas como se diz muito por aí, o sofrimento é opcional... Mas como
assim?
Existe um nível de sofrimento na dor, mas muitas vezes sofremos antes da dor
chegar e depois que ela vai embora e aprendemos que viver é realimentar o sofrimento e
que nosso valor está associado ao quanto sofremos e seguimos em frente...
Muitas vezes aprendemos que a mulher valorosa é aquela que carrega a carga dos
seus, que sofre por eles e que veio ao mundo ser a mártir... Mas não deve ser assim. O
mesmo direito que os homens têm ao prazer, ao sucesso, às descobertas, conquistas, ócio
e descanso nós temos...
Portanto, não precisamos disputar o tamanho das nossas cargas, ou o quanto nos
sacrificamos pelo outro, ou o quanto um acontecimento, abandono, destruiu nossa vida....
Vamos ensinar e aprender a ter prazer, a ser livres, a aproveitar o que a vida tem
a oferecer, a relaxar, a nos abrir ao novo, ao belo, ao único e a felicidade...
A nós, é dada a obrigação de sermos sensuais desde sempre até o final da vida.
Isso é objetificação.
Encontremos atividades que nos causem prazer e nos façam sentirmos vivas para
fazer todos os dias. Estou dedicando 11 horas do meu dia ao trabalho atualmente, mas
todos os dias tiro ao menos uma hora para atividade física que me faz sentir viva e me
deixa mais feliz, o que a ciência já comprova há muito tempo. Quando estou fazendo
atividades domésticas nesses dias, busco considerar que tudo aquilo é para contribuir para
meu bem estar e como não sou explorada por ninguém em minha casa e meu companheiro
divide todas as atividades domésticas comigo, a vida fica mais leve e inclusive fazemos
parte dessas atividades juntos, como cozinhar, já que nossas refeições da semana são
quase todas preparadas por nós.
Muitas vezes temos dias ruins, fases ruins e é aí que entra a importância de algo
que aprendemos desde cedo: resignação, paciência. Mas não a resignação de carregar o
mundo nas costas. A paciência com aquilo que não podemos mudar, como um dia ruim,
um acontecimento triste, uma doença e outras atribulações.
Nos dias e fases ruins, é importante que conheçamos nossas prioridades, pois não
daremos conta de todas as coisas que poderíamos dar em outras épocas. O que é muito
difícil adiar ou delegar? Filhos pequenos, trabalho, fazer minha própria comida, manter
disciplina no treino? Isso é diferente para cada pessoa e fase da vida e precisa ser definido
para que nesses momentos em que seja necessário recarregar as energias a gente consiga
efetivamente, fazer isso.
Faz parte desse auto respeito conhecer nossos desejos, nossas prioridades, nossos
talentos, nossas paixões e aquilo que não desejamos abrir mão, assim como o inverso. O
que me causa repulsa? Que tipo de ambiente me causa mal? Que tipo de pessoa não me
apetece conviver?
Pequenas coisas podem melhorar esse processo, como uma boa postura. Andar
curvado e se esconder revela uma condição de estar no mundo onde se acredita que não
mereceríamos estar ali. E merecemos, precisamos ser reconhecidas pela nossa
importância enquanto seres humanos e nos colocar como alguém que é digno do que
busca e do que possui, pois isso interfere na forma como o outro nos vê.
Busquemos arte, seja um filme, uma produção visual, uma produção literária ou
musical, enfim, algo que nos faça sentir prazer e fruir da existência, viajar e aproveitar a
vida sem sair do lugar, aprendendo inclusive a ser feliz com a gente mesma, afinal,
vivemos estatisticamente mais que os homens e filhos vão embora seguir suas próprias
vidas.
Não somos educadas para nos conhecer nem fazemos isso na educação da crianças
e jovens, propondo uma busca para reconhecer nossos defeitos e qualidades e trabalhar
da melhor forma possível com os dois.
É aí que entra nossa missão de vida. Acredito que todos temos ao menos uma
missão que vai além da nossa relação conosco mesmas. Mas a forma como as relações de
gênero são construídas em nossa sociedade dá a entender que os homens tem papéis
familiares, sociais e profissionais importantes enquanto as mulheres seriam, em regra, as
responsáveis pelo lar e criação dos filhos e sua missão é ter uma família bem sucedida e
gerir a mesma da melhor forma.
Nada mais absurdo que isso, já que sabemos que nem todos os homens cumprem
papéis importantes com sua família, ou sociedade, ou vida profissional e que as mulheres
não se limitam apenas ao ambiente doméstico, nem mesmo quando isso era praticamente
obrigatório pela estrutura da sociedade patriarcal.
A ideia de que a mulher precisa ser mãe também é problemática porque tira dela
essa escolha e faz com que muitas mulheres tenham filhos sem consciência da
responsabilidade e compromisso que é educar uma criança e como não existe a mesma
cobrança social sobre os homens, é comum que eles abandonem os filhos e a mãe se torna
então sobrecarregada tendo que dar conta de casa, crianças e trabalho, tenho dificuldades
e muitas vezes ficando impossibilitada de cuidar de si mesma.
A missão de vida de cada uma está ligada muitas vezes a um papel familiar, mas
não só a isso; pode ser algo ligado a sociedade como um todo ou a um papel profissional.
Entendo que essa missão é algo que a pessoa se sente ligada, independentemente de
retorno financeiro ou identidade profissional, é algo que a gente faria mesmo que não
precisasse receber dinheiro em troca ou tivesse qualquer necessidade envolvida. Algo que
a gente faz porque sente desejo de fazer, mesmo que não tenha nenhuma obrigação.
Toda mulher deveria ter o direito de descobrir o que gosta de fazer a partir do
autoconhecimento e buscar essa atividade que lhe dá uma realização para além dos papéis
sociais atribuídos a ela.
14 – Natureza e sua importância para o ser humano.
Somos parte da natureza e a natureza faz parte de nós, um todo indivisível. Desde
que o ser humano passou a se afastar mais da natureza, subjugando-a, tem aumentado a
incidência de problemas que não eram tão corriqueiros antes, pois estão associados à fuga
de nossa essência, como doenças ligadas ao sedentarismo e questões emocionais como
isolamento, ansiedade e angústia existencial, todas doenças que tem como uma das
principais receitas médicas o movimento.
Viver em ambientes fechados, com excesso de barulho e sem o contato com outras
pessoas não é algo natural a nossa espécie, enquanto andarmos por ambientes naturais,
respirarmos ar puro e nos conectar com todos os seres vivos é algo essencialmente nosso.
Sou muito suspeita para falar sobre esse tema, pois fui criada em uma cidade que
fica ao sopé da Serra Azul e minha mãe era de um povoado onde meu avô possuía matas
e me levava para apresentar as diferentes plantas e suas características. Íamos tomar
banho na barragem, paquerar na cachoeira do coração, subíamos o Morro Branco na
Sexta-Feira Santa, íamos para o povoado de mãe, a dez quilômetros de nossa casa a pé,
colhíamos frutas na roça e brincávamos embaixo de árvores.
Isso tudo fez com que eu estabelecesse uma relação positiva com as árvores e os
ambientes naturais. Mas pesquisas vem mostrando que o contato com a natureza faz bem
ao desenvolvimento da criança e a saúde de adultos. Quando falo de natureza, estou
falando de outros seres humanos numa relação mais próxima, de animais, domésticos ou
não e de todas as espécies vegetais. Tudo isso nos beneficia, independente da rusticidade
do ambiente que tivermos inseridos.
Quando nos conectamos com a natureza, nos sentimos mais leves e próximos de
nossa essência; quando cultivamos plantas, ficamos menos ansiosos, focamos mais no
momento presente e podemos aprender com a natureza sobre o ritmo da vida e que
podemos aprender a cada dia e nos adaptar de acordo as necessidades que surjam.
É importante que plantemos árvores, não somente para nós, mas para as próximas
gerações e para compensar um pouco do que consumimos desse planeta tão lindo e
generoso. Quem planta uma árvore, cultiva esperança...
15 – Independência emocional.
Uma conquista difícil para nós mulheres, na sociedade patriarcal, é cultivar nossa
independência emocional. Somos educadas com a ideia de que sempre precisamos dos
homens, para ter segurança física e psicológica, para prover a existência e até para nos
sentirmos realizadas.
Nesse movimento é importante que não coloquemos ninguém a frente de nós, pois
até mesmo pessoas que dependam da gente como bebês, idosos e doentes, precisam que
estejamos bem para cuidar deles e é injusto que eles sejam responsabilidade apenas nossa,
já que geralmente existe um pai vivo, outros filhos e pessoas na sociedade e profissionais
que podem auxiliar.
Precisamos também assumir a educação das mulheres das novas gerações para
que não passem por questões que historicamente passamos, pois nossa missão enquanto
seres humanos é, de alguma forma, melhorar a humanidade.
Nós mulheres, recebemos normalmente várias cargas que os homens não recebem,
como essa que citei de prover as necessidades básicas de subsistência, estarmos sempre
bonitas, termos autocontrole, ficarmos em nosso lugar...
Essa formação nos prepara melhor para as dificuldades que os homens, mas não
deveria ser assim. Precisamos de uma educação igual, um tratamento igual, uma cobrança
igual...
Dentro desse processo de luta por igualdade, é importante que busquemos um bom
nível de organização. Adaptar as atividades da casa, da família, com nossa formação, pois
é fundamental que tenhamos uma profissão que nos dê independência financeira para que
busquemos nossa liberdade de fato.
Cada pequeno passo a nossa organização sem sobrecarga é um grande passo para
nossa saúde e realização.
17 – Façamos nossa própria lista ao construir a vida.
Cada uma de nós tem as próprias prioridades e em cada fase de nossas vidas temos
diferentes questões. O que é mais importante para você hoje? Trabalho? Família?
Autoconhecimento? Aproveitar a vida? Construir uma vida saudável? Se qualificar? É
importante ter isso em mente para eleger as prioridades e construir nossa vida a partir
disso.
Para construir essa lista, precisamos refletir sobre algumas mentiras que nos
contaram... Vamos pensar sobre cada uma delas.
Não apenas somos capazes, como temos conseguido ser apesar deles e das
imposições da sociedade patriarcal.
- Mulheres devem estar bonitas para os homens e devem se cuidar para não ser
abandonadas pelos maridos e não para serem saudáveis e se sentirem bem consigo
mesmas.
Nós devemos ser bonitas para nós mesmas e dentro de nossas características e
possiblidades e precisamos mudar a cultura de que homem quando envelhece fica mais
bonito enquanto nós nos aproximamos de um final triste e solitário.
- Meninas devem usar rosa, laço, terem as orelhas furadas e se arrumar para serem
bonitas desde cedo.
Um mito que ainda estamos bem longe de quebrar. Tenho lidado com o
envelhecimento de forma sensível e sinto todas as pressões sociais e minha auto cobrança
nesse sentido. Não é fácil saber que se está envelhecendo e se aproximando da morte, mas
é importante que isso seja mais uma questão filosófica que uma imposição social por uma
aparência impossível, já que não existe possibilidade de não envelhecer, a não ser que
você morra.
Meu irmão sempre teve condições de ler mais que nós meninas porque não
precisava assumir nenhuma atividade doméstica e recebia nas mãos comida, roupas
limpas e não tinha responsabilidade com a casa, enquanto nós tínhamos que assumir tudo
isso desde muito novas enquanto mãe trabalhava para auxiliar no sustento da casa. Se eu
leio mais sobre um assunto e tenho mais tempo de me dedicar ao mesmo, é claro que terei
mais conhecimento e condições de defender o mesmo, mas isso não tem nada a ver com
gênero, no sentido de capacidade.
- Estamos aqui para satisfazer aos homens e não somos capazes de sentir muito
prazer sem eles e apesar deles.
Ninguém foi feito para ficar só em casa, ninguém foi feito para viver só na rua...
É importante que todos os espaços sejam responsabilidade e possibilidade de todos.
Inclusive nossa espécie tem uma necessidade de natureza e verde que pode ser percebida
pela diminuição do stress quando convivemos com ambientes verdes e outros animais.
Quando somos obrigadas a viver somente no ambiente doméstico, nosso conhecimento
de mundo fica limitado e temos uma restrição no desenvolvimento de nossa inteligência
espacial, o que muitas vezes nos leva a ser dependentes de homens para nos localizar nos
espaços. Felizmente a tecnologia tem suprido um pouco essa ausência e conseguimos nos
localizar melhor sem depender do auxílio masculino.
Perceberam que tudo é um jogo para nos dominar e usar? Sempre foi sobre poder.
18 – A casa não é só nossa.
Nós mulheres, que estudamos mais que nossas antepassadas tiveram direito, que
tivemos opção de ter ou não ter filhos (nem todas), que pudemos entrar no mercado de
trabalho, mesmo ganhando menos e sofrendo todo tipo de assédio e desvalorização,
precisamos destacar a necessidade de uma revisão nas atividades domésticas para serem
responsabilidade de toda a família.
Todo homem funcional deve saber cuidar de si mesmo e suas necessidades básicas
e deve buscar uma companheira para partilhar a vida, não para ser a cuidadora que sua
mãe foi e sempre será necessária.
Fazer essa revisão e corrigir essa injustiça passa por nossas práticas diárias com
as crianças e os companheiros e pela forma como vemos o mundo, encarando as outras
mulheres como parceiras e não julgando ou acusando as mulheres que não se matam pelos
outros como nós fazemos. Precisa ser uma mudança de mentalidade.
Uma mulher com qualidades não precisa necessariamente ser ótima em deixar
uma casa brilhando, ou cozinhar bem, ou cuidar dos outros de forma mais ampla. Homens
também precisam assumir esses papéis e é possível que uma mulher viva bem sem
precisar cozinhar ou limpar a própria casa inteira. Mas considero importante que estas,
assim como os homens, saibam fazer todas as atividades da casa e contribuam com as
mesmas desde pequenas.
Essas atividades precisam ser mais valorizadas, inclusive para quem precisa ou
deseja trabalhar nelas e passemos a um paradigma onde todos os trabalhos são valorizados
e não prescindem de perfil de gênero para a realização dos mesmos.
Como educadora há mais de 20 anos, posso dizer que esse é um dos processos
mais importantes na construção de um mundo mais justo para as mulheres.
Na educação informal, podemos ensinar a nossas crianças cada item discutido aqui
nesse livro e onde se reflete sobre ser mulher e como melhorar essa experiência. Nesse
sentido, a prática é soberana.
Não adianta eu dizer a uma criança que uma mulher precisa realizar escolhas na
vida se nunca escolho nada; não adianta pregar independência e viver submissa. A criança
consegue identificar a falta de coerência e o processo educativo não ocorrerá.
Esse processo educativo precisa envolver também nossa relação com nossos
parceiros afetivos. Se me relaciono com um homem que não teve uma educação adequada
em casa para dividir as tarefas básicas do lar onde vive eu tenho duas escolhas: me afastar
ou negociar com ele para que aprenda e auxilie nesse processo. Não é nossa função educar
homens adultos, mas se a gente considera que é um relacionamento em que vale a pena
investir tempo e afeto, é melhor ensinar que carregar nas costas, isso é o que acredito e já
coloquei em prática.
Se o homem está aberto e disposto, não será muito grande o tempo nem o desgaste.
Muito pior é o casal sair pela manhã para trabalhar e voltar a noite e a mulher ser
responsável pelo café da manhã, jantar, lavagem e organização das roupas, limpeza da
casa, cuidado com os filhos e animais domésticos... Isso sim é absurdo, degradante,
exploratório e inaceitável.
Isso gera homens que não sabem lidar com os próprios sentimentos e tem
dificuldades em aceitar suas tristezas, angústias, ou até o tédio, que faz parte da vida.
Muitas vezes esses homens se tornam viciados em drogas, sexo e adrenalina, porque
foram ensinados que a vida é sempre um jogo, uma satisfação realizada ou serem servidos
e felizes. Acreditar nisso é estar fadado ao fracasso e colocar mulheres e crianças que
convivam com esses homens em uma espiral de tensão, exclusão e exposição a
circunstâncias agressivas, de abandono afetivo e até mesmo violência.
Precisamos educar nossos meninos para a vida real e ela inclui tédio, rotina,
responsabilidade, compromissos e escolhas mais que prazer e adrenalina. Isso fará bem à
sociedade como um todo.
Outra coisa prejudicial à educação dos filhos é quando a mãe entende que pode
gastar dinheiro, tempo e cuidados ilimitados com esses e nunca consigo mesma. Quando
a mãe tem essa prática está ensinando aos filhos que eles são o centro do mundo e que
sua mãe ou pais perderam a importância enquanto sujeitos após reproduzir e eles deverão
fazer o mesmo. A mãe ensina também que uma mulher adulta e mãe não merece cuidados,
autonomia e uma vida digna e isso é muito prejudicial às relações como um todo.
O mais adequado seria oferecer amor, cuidado, afeto, bens materiais aos filhos,
mas sem esquecer de si mesmo, mostrando a estes que seus pais têm importância como
sujeitos e que a idade ou outras condições não fazem as pessoas menos importantes. Um
progenitor com autoestima e autocuidado vai ensinar mais a uma criança que alguém que
vive para servi-la.
Outra coisa que é fundamental que seja destruída em nossa cultura é a imagem da
mulher como objeto masculino. Podemos ser belas para nós e até para o prazer de um
homem ou outra mulher, mas isso jamais deve se sobrepor ao fato que, ao invés de objetos
sexuais, somos seres capazes, individuais, com potencial para fazer qualquer coisa que
qualquer homem seja capaz de fazer.
Começamos a impor essa cultura quando passamos a focar o cuidado das meninas
na beleza das roupas e em brincadeiras que ensinem a ser mães e trabalhadoras domésticas
gratuitas, jamais como seres que vão se enfeitar se e quando quiserem, que podem
conquistar sucesso profissional independente de beleza, enfim, que podem mudar o
mundo tanto quanto qualquer homem.
É necessário que eduquemos para que se cobre que o Estado assuma e estabeleça
a criação de políticas públicas para a construção da igualdade de gênero através da
igualdade salarial, da oferta de creches e escolas em tempo integral, da difusão de
campanhas de um processo de criação que os pais tenham as mesmas responsabilidades
e compromisso que as mães, enfim, é preciso educar nossas meninas para que sejam
iguais a seus irmãos, colegas de escola, parceiros afetivos e colegas de trabalho e não
aceitem menos que isso...
20- Lutemos por um futuro melhor
Vamos ler sobre relações de gênero, sobre como nós mulheres fomos exploradas
pelo patriarcado, sobre a necessidade de uma educação com equidade de gênero para que
efetivamente tenhamos uma vida profissional e pessoal mais justa.
Entendendo essas injustiças passamos a ter um olhar mais real, justo e humano e
podemos lutar por um mundo onde ninguém precise ter medo do outro porque esse vive
com suas necessidades desrespeitadas e tem dificuldade em gerir sua vida sem se revoltar
com a exploração que sofre.
Lutar por um mundo melhor é considerar que justamente por eu ter passado muitas
dificuldades, tenho condições de desejar que ninguém mais passe por aquilo, sendo esse
indivíduo meu descendente ou não.
Lutar por um mundo melhor é buscar valorizar as coisas simples e ensinar valores
as novas gerações que considerem a natureza, o outro, a si mesmos e as relações de forma
justa, leve e feliz...
Sonhemos com um dia que não precisaremos lutar para um mundo melhor para as
mulheres e lutemos por ele. Sonhemos, recomecemos e façamos valer a vida que temos
pela frente...