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Saudações!
Nós, comunidade do Povo de Dola, viemos agradecer a vossa visita, realizada no último dia 10
de dezembro, uma data tão significativa para o mundo, especialmente para o povo negro
deste país e desta cidade. O Dia Internacional dos Direitos Humanos celebra tudo que temos
direito e queremos reafirmar: a vida, o reconhecimento da diferença, a superação das
desigualdades, e a participação ativa na construção dos nossos destinos.
Sabemos o quanto essa sociedade nos deve. Somos herdeiras e herdeiros de pessoas que
nunca se curvaram à escravidão, ao racismo e à morte. Em nossa história, desenvolvemos
resistentes formas cotidianas de reafirmarmos a vida. O Beco de Dola é um espaço de
resistência, um território negro mantido na força das mulheres e da ancestralidade. Somos a
África viva! Somos a Conquista Africana!
Temos uma trajetória coletiva de uma família extensa negra que, juntamente às trajetórias de
tantas mulheres negras, é parte fundamental da história de Vitória da Conquista. Estamos na
origem do Bairro das Pedrinhas. Quebramos pedras, carregamos água do Poço Escuro,
lavamos roupa, cuidamos de casas e famílias do centro, e batemos tambores para o nosso
sagrado nos amparar. Nossa mais velha, Dona Zita, filha de Vó Dola, é a expressão viva de
nossa história, de nossas lutas. O Terreiro de Xangô de Mãe Fátima, da Nação Angola, hoje
conduzido por sua filha, Mãe Eliane, é nosso maior patrimônio imaterial, e também da cidade
e da Bahia.
Participamos dos antigos blocos, afoxés e escolas de samba dos carnavais de rua. No Beco,
pulsa a cultura afroconquistense dos músicos percussionistas que originaram o Abadaba, o
Grupo de Bate-lata Marujada Mirim, o Samba de Roda Negras do Beco. Neste ano, nosso
grande passo é a Biblioteca Comunitária Kilombeco, com sede inicial no próprio barracão do
Terreiro de Xangô, com o objetivo de ser um espaço de incentivo à leitura e ao
empoderamento de nossas crianças, adolescentes e jovens. Participamos de editais, formamos
parcerias, construímos redes.
Receber a primeira prefeita mulher desta cidade, e sua equipe, é sabermos que, nós,
mulheres, somos as que administramos a vida. Na periferia desta cidade, cuidar da vida do
nosso povo é o centro da nossa vida. Atravessamos décadas de processos de vulnerabilização a
que está submetida a população negra deste país. Durante a pandemia da Covid-19, ficamos
por nossa própria sorte, com as panelas vazias, com as nossas crianças sem condições de
acompanhar as aulas remotas, sem material escolar, sem merenda, sem máscaras, sem cestas
básicas. A morte teima em rondar com políticas públicas que, ao reforçar um modelo
colonizador da ação “para”, ao invés, da ação política “com”, menos geram perspectivas, e
mais reproduzem os ecos dos impactos das balas do braço armado do Estado a abreviar a vida
dos jovens das Pedrinhas e das periferias do Brasil. Convivemos com uma realidade da
necropolítica e da morte, mas resistimos reinventando a vida.
Por isso, através deste documento, representamos as principais demandas que temos
acumuladas há décadas, e solicitamos da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, através
de Vossa Senhoria, das respectivas secretarias municipais e das coordenações municipais de
políticas públicas, o compromisso de buscar atendê-las, sempre em diálogo direto com a
comunidade.
Solicitamos que nossas crianças sejam amparadas com transporte escolar no percurso para a
escola provisória que substitui a Escola Municipal Antônia Cavalcante, há mais de um ano
destruída. Dezenas de crianças das Pedrinhas estão sem estudar, por conta dos perigos e da
distância do percursos aumentado com a escola provisória, depois da Praça Gerson Sales.
Solicitamos apoio para a viabilidade de projetos de geração de renda para as nossas jovens e
mulheres.
Por fim, esperamos novas visitas da senhora prefeita e de suas coordenações e equipes
técnicas municipais. Estamos de braços abertos para construirmos cada passo desse processo
de fortalecimento e emancipação comunitária.