Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
METAFÍSICA II
Caderno de Referência de Conteúdo
Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2012 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013
110 K91m
ISBN: 978-85-67425-74-0
CDD 110
Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Cecília Beatriz Alves Teixeira
Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
Patrícia Alves Veronez Montera Eduardo de Oliveira Azevedo
Rita Cristina Bartolomeu Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Simone Rodrigues de Oliveira Luis Antônio Guimarães Toloi
Raphael Fantacini de Oliveira
Bibliotecária Tamires Botta Murakami de Souza
Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Wagner Segato dos Santos
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer
forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na
web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do
autor e da Ação Educacional Claretiana.
CRC
Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Principais problemas metafísicos a partir da proposta crítica de Kant e as tenta-
tivas posteriores da superação das restrições transcendentais do kantismo por
parte do idealismo alemão. As críticas da metafísica advindas da corrente feno-
menológica e a proposta ontológico-fundamental de Martin Heidegger.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
1. INTRODUÇÃO
Toda História da Filosofia desde os pré-socráticos até os dias
de hoje, pode ser compreendida, antes de tudo, como história da
metafísica. Essa importância primordial da metafísica deve-se à
sua origem – a época em que os primeiros pensadores empreen-
deram a pergunta pelo sentido do ser. Se o espanto é a origem da
filosofia, ela também é antes de tudo espanto diante da existência,
o espanto de que ser é e não ser não é. Portanto, o fio condutor e
diretor da especulação filosófica é, essencialmente, a metafísica.
10 © Metafísica II
Abordagem Geral
Neste tópico, apresentamos uma visão geral do que será es-
tudado neste CRC. Aqui, você entrará em contato com os assuntos
principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportu-
nidade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade.
Desse modo, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conheci-
mento básico necessário a partir do qual você possa construir um
referencial teórico com base sólida – científica e cultural – para
que, no futuro exercício de sua profissão, você a exerça com com-
petência cognitiva, ética e responsabilidade social. Vamos come-
çar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos princípios
básicos que fundamentam este CRC.
Primeiras considerações sobre a Metafísica II
O CRC Metafísica II enfatiza o período que se estende entre
o criticismo kantiano e a contemporaneidade, onde o maior desta-
que cabe a Ontologia Fundamental de Martin Heidegger.
Não se trata, porém de analisar esse período de um ponto
histórico-filosófico em que a principal preocupação cabe ao estu-
do e ao reconhecimento das concepções metafísicas dos filósofos
deste período. Trata-se, sim, de enfocar esse itinerário conclusivo
da metafísica do ponto de vista de uma análise genealógica que
revele os movimentos internos que subjaz à própria gênese da me-
tafísica.
O criticismo kantiano – primeiros obstáculos da metafísica
Com o criticismo kantiano, inaugura-se uma etapa nova nas
especulações em torno da metafísica. Na sua obra-prima – Crítica
da razão pura – Kant investiga a possibilidade da metafísica tornar-
se uma ciência rigorosa. Esta, para atender os requisitos de ciên-
cia rigorosa, deve ao mesmo tempo ampliar os limites do conhe-
© Caderno de Referência de Conteúdo 15
Essa nova posição que surge por meio das concepções histó-
ricas e dialéticas é perfeitamente evidente nas obras dos grandes
idealistas Fichte, Schelling e Hegel. Com este último, a filosofia, en-
quanto metafísica, realiza as possibilidades da razão, chega ao seu
pleno acabamento. A metafísica, como Heidegger nos convence,
com Hegel chega ao fim.
Após o fim enunciado por Hegel, fim no sentido de realiza-
ção integral da metafísica, surgem novas correntes filosóficas que
se configuram como oposições à poderosa metafísica. Correntes
tais com o voluntarismo de Schopenhauer e Nietzsche, o positi-
vismo de Comte e o materialismo dialético de Feuerbach e Marx.
A importância dessas correntes filosóficas para o nosso estudo se
justifica pelas críticas que elas dirigem à metafísica. O que nos in-
teressa é a posição crítica de tais doutrinas.
Materialismo e positivismo
O materialismo dialético surge como contraponto ao idea-
lismo hegeliano e tende a ressaltar a impossibilidade de o Espírito
hegeliano ser o protagonista legítimo do processo histórico.
O Espírito, segundo os materialistas dialéticos, por si mesmo,
sem a força material do homem, não faz nada. A sua dialética não
procede. Ela só se efetiva no solo material. Assim, o Deus da meta-
física é substituído pelo homem, e mais exatamente, pelo gênero
humano (Gattung), que toma em suas mãos a tarefa de aterrissar
o pensamento filosófico em seu verdadeiro âmbito – o âmbito das
relações materiais.
Analogicamente, o positivismo expulsa do domínio das suas
investigações quaisquer instâncias e objetos metafísicos, configu-
rando assim o campo das ciências. Todavia, nem o materialismo
dialético nem o positivismo conseguem se desprender definitiva-
mente das garras da metafísica.
O materialismo dialético, utilizando-se do mecanismo essen-
cialmente metafísico – a dialética, substitui a dialética do espírito ins-
pirado pelo idealismo, com a dialética da matéria, cometendo assim
© Caderno de Referência de Conteúdo 19
Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados no CRC Metafísica II. Veja, a se-
guir, a definição dos principais conceitos:
1) A priori e a posteriori: a distinção entre a priori e a pos-
teriori refere-se aos modos pelos quais conhecemos. A
priori é um tipo de conhecimento que é independente
da experiência, por exemplo: "7 + 3 = 10"; "todo solteiro
é não casado". Não é necessário comprovar empirica-
mente que "7 + 3 = 10" ou que "todo solteiro é não casa-
© Caderno de Referência de Conteúdo 27
IDEALISMO ALEMÃO
Superação dos limites do criticismo ao
desenvolvimento pleno da metafísica
Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como re-
lacioná-las com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma
de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a resolução de
questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando
para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma
maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir
uma formação sólida para a sua prática profissional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-
to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões
autoavaliativas de múltipla escolha.
© Caderno de Referência de Conteúdo 37
Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.
Dicas (motivacionais)
O estudo deste CRC convida você a olhar, de forma mais apu-
rada, a Educação como processo de emancipação do ser humano.
É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas
e científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem
como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com-
partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se
descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a
notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto,
uma capacidade que nos impele à maturidade.
1
[...] as obras de Kant [...] elas mesmas louvarão seu mestre e, mes-
mo que talvez não vivam em letra, com certeza viverão para sem-
pre em espírito sobre a face da terra (Arthur Schopenhauer, Crítica
da filosofia kantiana, p. 524).
1. OBJETIVOS
• Conhecer os principais aspectos do pensamento de Im-
manuel Kant no que diz respeito à metafísica.
• Analisar as partes principais da Crítica da razão pura.
• Avaliar as consequências da revolução copernicana no que
diz respeito à questão do transcendentalismo kantiano –
as possibilidades da metafísica como ciência rigorosa.
2. CONTEÚDOS
• Juízos sintéticos a priori, sintéticos a posteriori e analíti-
cos a priori.
40 © Metafísica II
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
De Platão a Kant, a figura da metafísica desenvolve-se relativa-
mente sem grandes abalos ou impactos, o que quer dizer que a cisão
metafísica entre o físico e aquilo que vai para além do físico se man-
tém intacta. A grande ruptura acontece com Kant e a sua filosofia crí-
tica. Justamente por isso, para a compreensão integral do destino da
metafísica a partir de Kant, torna-se necessária uma análise pormeno-
© U1 - Kant e os Problemas da Metafísica 41
6. A PERGUNTA TRANSCENDENTAL
Encontrando, a partir dos juízos sintéticos a priori, um cri-
tério firme para definir o que é ciência rigorosa, Kant parte para a
fundamentação de tais juízos no âmbito especulativo. É aí que en-
tra a originalidade da concepção transcendental. A questão trans-
cendental ocupa um lugar privilegiado no projeto crítico de Kant,
na medida em que deve esclarecer: o que, num juízo sintético, é a
priori e o que, em geral, é a priori?
Esta pergunta, a partir de Kant, foi formulada como pergunta
transcendental. Para entendermos esta pergunta, inicialmente te-
mos que esclarecer a noção de transcendental. Na Crítica da razão
pura, o filósofo define a noção de transcendental:
Denomino transcendental todo conhecimento que em geral se ocu-
pa não tanto com objetos, mas com o nosso modo de conhecimen-
to de objetos, na medida em que ele deva ser possível a priori. Um
sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcendental
(KANT, 1973, p. 33).
A revolução copernicana
Com isso, a pergunta transcendental remete ao sujeito, ou
seja, analisa a estrutura cognitiva do sujeito humano que, confor-
me a noção de transcendental, antecede o conhecimento e o torna
possível. Nesse sentido, esclarece Kant na Crítica..., o conhecimen-
to não se origina apenas da posição passiva (percepção) do sujeito
diante do objeto, mas também de uma função ativa por parte do
sujeito para a constituição do objeto. Isso requer que a explicação
sobre o objeto deve partir do sujeito – a posição que inverte a rela-
ção cognitiva entre o sujeito e o objeto. Agora, não é o objeto que
determina o sujeito, mas o contrário: é o sujeito que determina o
objeto. Essa ruptura com a visão representacionista entra em vigor
a partir da Revolução Copernicana:
Até agora [afirma Kant] se supôs que todo nosso conhecimento de-
veria regular-se pelos objetos; porém todas as tentativas de estabe-
lecer algo a priori sobre ele através de conceitos, por meio dos quais
o nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sob essa pressu-
posição. Por isso, tente-se ver uma vez se não progredimos melhor
nas tarefas da metafísica admitindo que os objetos devam regular-se
pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a desejada
possibilidade de um conhecimento a priori deles, o qual deve estabe-
lecer algo sobre os objetos antes de eles nos serem dados. O mesmo
aconteceu com os primeiros pensamentos de Copérnico, que, depois
de não ter conseguido ir adiante com a explicação dos movimentos
celestes ao admitir que todo o corpo de astros girava em torno do
espectador, tentou ver se não seria melhor deixar que o espectador
se movesse em torno dos astros imóveis (1973, p. 12).
7. ESTÉTICA TRANSCENDENTAL
Referente à descoberta das condições formais do sujeito hu-
mano que, conforme a sua natureza transcendental, antecedem
o conhecimento humano e o tornam possível, Kant serve-se do
método redutivo transcendental. Esse método toma como pon-
to de partida o fato (o objeto empiricamente dado) e remonta às
suas condições formais, com outras palavras, retorna àquilo que o
torna possível...
Este procedimento norteia-se pelo princípio de que todo co-
nhecimento é síntese do múltiplo. O múltiplo, segundo a copreen-
são kantiana, é o material desordenado das impressões sensíveis
que os nossos sentidos fornecem em seu contato com a realidade
externa. Esse material desordenado é levado à unidade, consti-
tuindo a integralidade do objeto, por meio da função sintética da
intuição sensível pura. Trata-se, grosso modo, de ordenar o múl-
tiplo resultante das impressões em certas relações, uma vez que
toda síntese do múltiplo pressupõe um princípio a priori por meio
do qual resulta a unificação do múltiplo.
Justamente por isso, todo ato cognitivo deve ser determina-
do por formas a priori que, na realidade, exercem função sintética
e unificadora. Essa função é válida tanto para a intuição sensível
8. LÓGICA TRANSCENDENTAL
Vimos que a intuição sensível configura a faculdade pura de
sermos afetados pelos objetos à base do espaço e do tempo. Mas
o conhecimento, no sentido forte da palavra, surge da união entre
a intuição sensível e o entendimento, pois, como Kant nota:
Dedução transcendental
A questão referente à relação entre as categorias e a experiên-
cia é colocada por Kant na seção sobre dedução transcendental. O
filósofo toma emprestada a palavra "dedução" da terminologia jurí-
dica. A demonstração não de um fato (quid facti), mas de um direito
(quid júris) se denomina dedução (aqui, o vocábulo "direito" deve ser
entendido em termos de base, fundamento, origem ou condição).
No caso de Kant, a pergunta norteia-se pela competência ou
legitimidade das categorias puras do juízo:
[...] denomino dedução transcendental a explicação da maneira
como conceitos a priori podem relacionar-se com objetos, e distin-
go-a da dedução empírica, que indica a maneira como um conceito
foi adquirido mediante experiência e reflexão sobre a mesma, e diz
respeito, portanto, não a legitimidade, mas ao fato pela qual a pos-
se surgiu (KANT, 1973, p. 76).
Esquematismo Transcendental
A resposta para a questão anterior Kant encontra a partir da
noção do Esquematismo Transcendental, que deve explicar como
é possível uma síntese a priori puramente isenta de conteúdo em-
pírico entre a intuição pura e o entendimento puro e que pudesse
servir como condição e fundamento do conhecimento empírico,
pois a síntese empírica só é possível a partir de uma síntese pura
que a antecede e a torna possível, conforme exige a noção de
transcendental.
O pensamento puro e a intuição pura são duas faculdades for-
mais bem distintas uma da outra. A primeira caracteriza-se pela sua
espontaneidade e a segunda, pela receptividade. Torna-se impres-
cindível, portanto, a inclusão de uma faculdade intermediária que
possa vincular ambas. Tal faculdade mediadora Kant encontra na fa-
culdade transcendental de imaginação. Ela deve vincular as catego-
rias puras do entendimento com a forma pura do tempo, realizando
© U1 - Kant e os Problemas da Metafísica 55
Apercepção Transcendental
A síntese suprema do todo conhecimento Kant encontra no
caráter puramente formal do Eu Penso, chamada por ele de aper-
cepção transcendental. Desde a época de Leibniz, o termo "aper-
cepção" designa a autoconsciência, diferenciando-a da percepção
que revela os atos da consciência. Utilizando-se dessa noção, Kant
considera três funções de "Eu", a saber: Eu Empírico, Eu Transcen-
dental e Eu Metafísico.
9. DIALÉTICA TRANSCENDENTAL
A Dialética Transcendental é a segunda parte da seção sobre
a Lógica Transcendental e ocupa-se, sobretudo, com a análise da
faculdade superior do sujeito, ou seja, a razão pura e a possibilida-
de da Metafísica Especialis.
De acordo com a questão fundamental: como é possível a
metafísica como ciência rigorosa, que encaminhou o projeto crí-
tico, Kant, nas primeiras duas partes, tratou a Metafísica Genera-
lis não enquanto a doutrina do ser, mas enquanto a doutrina dos
princípios do conhecimento. Ela servia para o exame da "meta fi-
nal": a possibilidade da Metafísica Especialis e seus temas princi-
pais – Deus, alma e mundo.
A distinção operada por Kant entre entendimento e razão,
respectivamente entre a Analítica Transcendental e a Dialética
Transcendental remonta às velhas distinções inauguradas desde a
época de Platão e Aristóteles, conforme as quais o entendimento
constitui a faculdade inferior do intelecto e a razão – faculdade
superior, que estende seu conhecimento além da esfera do con-
creto e do finito, ou seja, além daquilo que possa ter referência
na experiência. Vale lembrar aqui que a função do entendimento
na concepção kantiana é referida somente no âmbito da experiên-
cia possível. Em contrapartida, a função da razão é de transcender
essa experiência.
Na seção sobre a Dialética Transcendental, Kant analisa cri-
ticamente os temas principais da Metafísica Especialis. As ideias
da razão, conforme tal análise, envolvem o conhecimento huma-
Gabarito
1) b.
2) a.
3) b.
4) c.
5) d.
11. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você teve contato com a crítica kantiana e suas im-
plicações mais importantes na questão de se a metafísica poderia se tor-
nar uma ciência rigorosa. Sua Crítica da razão pura é a obra fundamental
que marca o pensamento filosófico dos séculos 18 e 19. Logo, sua leitura
é fundamental para que você possa acompanhar as discussões que esta
obra irá suscitar nos debates filosóficos da contemporaneidade.
Assim como a compreensão do assunto tratado nesta unida-
de é fundamental para que, nas outras unidades, você possa dis-
cernir claramente de que maneira os filósofos procuraram supe-
rar as teses kantianas sobre a metafísica. Ora partindo do próprio
Kant, ora se opondo radicalmente à Kant, todos os filósofos que
iremos estudar são devedores de Kant em algum sentido.
12. E-REFERÊNCIAS
Lista de figuras
Figura 1 Immanuel Kant. Disponível em: <http://www.cdcc.usp.br/ciencia/artigos/
art_26/sartre.html>. Acesso em: 02 maio 2011.
2. CONTEÚDOS
• Reinhold e as tentativas de unificação sistemática da filo-
sofia de Kant: a tese da consciência.
• Schulze e a crítica cética aos pontos fracos da filosofia de
Kant.
Reinhold
Reinhold tentara reformular toda a filosofia crítica a partir de um princípio funda-
mental. Este princípio diz que a consciência é essencialmente um "representar"
de algo, referindo-se sempre a algum objeto através de uma representação. Se-
gundo Reinhold, toda a filosofia kantiana pode ser vista como uma abordagem
acerca das implicações da estrutura representacional da consciência. Como con-
seqüência deste projeto, Reinhold analisa também a autoconsciência como um
caso particular de representação: na autoconsciência, o sujeito representante
representa a si mesmo através de uma representação (KLOTZ, 2010, p. 135).
Schulze
Schulze retoma no Enesidemo a objeção de Jacobi, apontando a petição de princípio
que está no fato de Kant ter admitido, sem provas, a proposição de que todo conhe-
cimento humano começa com a ação de objetos sobre nossos sentidos, sendo que
tais objetos "fornecem a ocasião para que a mente se exteriorize". Para Schulze há
uma contradição entre as premissas e os resultados da Crítica: os resultados da De-
dução transcendental das categorias mostram que as categorias de causa e realida-
de só se aplicam a intuições empíricas. Ora, o objeto que afeta nossa sensibilidade
teria de ser algo diverso e independente dela e, portanto, não se pode aplicar-lhe as
categorias de causa e realidade. Se a dedução estiver correta, um dos mais impor-
tantes princípios da Crítica,"o de que todo o conhecimento começa com a atividade
de objetos sobre nossa mente é incorreto e falso" (CACCIOLA, 2007, p. 138).
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Certamente, a filosofia crítica de Kant causa fortes impactos
na figura metafísica e na sua tendência de realizar todas as potên-
cias da razão. Surge, portanto, a necessidade de novas propostas
especulativas e tentativas que visam superar os limites diante da
razão colocados por Kant.
Aqui vale perguntarmos: o que torna urgente a superação da
prisão transcendental, por assim dizer, que Kant impôs, ou melhor,
por que afinal é necessária a superação do criticismo kantiano?
É claro que essa resposta não pode partir de uma compreen-
são restrita, mas deve enfocar, sobretudo, quais são os obstáculos
metodológicos que Kant coloca diante da razão, que tradicional-
mente anseia ao Absoluto.
© U2 - Os Pós-kantianos e o Retorno da Metafísica 67
Reinhold
A posição de Reinhold referente à filosofia kantiana é bas-
tante favorável; com efeito, dos pós-kantianos, Reinhold é o filóso-
fo que segue quase em pormenores o criticismo. Todavia, ele en-
xergou a possibilidade de fazer algumas pequenas correções que
acarretariam um grande impacto na filosofia posterior.
Segundo Reinhold, a Crítica..., na sua parte teórica, especu-
lava sobre a experiência e na sua parte prática – sobre a moral. Fal-
tava, portanto, um fio condutor, ou princípio unitário que pudesse
vincular as duas partes irreconciliáveis e constituir um sistema uni-
tário do qual tudo possa derivar. Tal princípio Reinhold encontra
na consciência.
Na consciência, nota Reinhold, a representação mostra-se
distinta tanto do representado (objeto) como do representante
(sujeito), todavia, referindo-se a ambos. Sendo assim, conforme o
filósofo, a representação enraíza-se ao mesmo tempo no objeto e
no sujeito. No elemento que se radica no sujeito, Reinhold encon-
tra a forma, e no elemento que se radica no objeto – a matéria. As-
sim, Reinhold aproxima-se bastante da posição kantiana, segundo
a qual toda representação consiste na união de matéria e forma.
De acordo com isso, o aspecto formal é produzido pela consciên-
cia, ao passo que o aspecto material é dado a ela. Isso significa que
a consciência possui a faculdade tanto de produzir forma como de
receber matéria. Nesse sentido, podemos dizer que a represen-
Schulze
Apesar das correções que Reinhold realiza referente à filo-
sofia crítica de Kant, ele permanece um kantiano devoto. Não é
o mesmo caso de Schulze. Entre os pós-kantianos, Schulze assu-
me uma posição crítico-cética diante do criticismo kantiano. Ele
ataca a filosofia kantiana em seu núcleo mais essencial, a saber,
6. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade, ou seja, do impacto que a filosofia de Immanuel Kant
causou em sua recepção, dos prós e dos contras dos filósofos pós-
kantianos.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Segundo Reinhold, Kant teria produzido as duas Críticas, mas não teria pro-
duzido um sistema unitário. Reinhold pretende encontrar o princípio do qual
é possível derivar o sistema todo:
a) Na representação.
b) No representante.
c) No representado.
d) Na consciência.
e) Na imaginação.
2) Por que, segundo Schulze, Kant se coloca contra si mesmo?
a) Pelo uso ilegítimo da categoria "substância".
b) Pelo uso ilegítimo da categoria "comunidade".
c) Pelo uso ilegítimo da categoria "totalidade".
d) Pelo uso ilegítimo da categoria "causalidade".
e) Pelo uso ilegítimo da categoria "entendimento".
Gabarito
1) d.
2) d.
3) a.
4) a.
7. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você pôde conhecer alguns dos principais
problemas que a filosofia crítica de Immanuel Kant suscitou em
sua primeira aparição. A filosofia de Kant logo se tornou o principal
objeto de investigação dos filósofos do século 18 e 19.
Alguns filósofos colocaram-se a favor da teoria de Kant e
tentaram encontrar o elo de unificação que garantiria a unificação
entre a Crítica da razão pura, a Crítica da faculdade de julgar e a
Crítica da razão prática.
© U2 - Os Pós-kantianos e o Retorno da Metafísica 75
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CACCIOLA, M. L. O "eu" em Fichte e Schopenhauer. Doispontos, Curitiba, São Carlos, vol.
4, n. 1, abril, 2007.
HARTMANN, N. A filosofia do idealismo alemão. 2 ed. Lisboa: Fundacao Calouste
Gulbenkian, 1960.
JACOBI, F. Scritti e testimonianze. Turim, 1966.
KANT, I. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores)
______. Kritic der reinen vernunft. Hamburg: Felix Meiner, 1976.
______. Crítica da razão pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/d.
KLOTZ, H. C. Subjetividade no idealismo alemão. Inquietude. Goiânia, vol. 1, n° 1, jan/
jul, 2010.
ROVIGHI, S. V. História da filosofia moderna. São Paulo: Loyola, 1999.
SCIACCA, M. F. História da filosofia do humanismo a Kant. São Paulo: Mestre Jou, 1968.
2. CONTEÚDOS
• O idealismo de Fichte e o Eu absoluto.
• Schelling e a superação do solipsismo de Fichte.
• Hegel e a realização da metafísica.
Fichte
Contemporâneo de acontecimentos decisivos da histó-
ria da Europa (revolução francesa, revolução industrial,
guerras napoleônicas, a emergência dos primeiros na-
cionalismos…), o seu pensamento soube captar como
poucos o espírito da época e transportá-lo para o debate
filosófico. A sua irrupção no panorama alemão na década
de 90 polarizou os debates em torno da sua obra e da
interpretação da herança kantiana, estabelecendo assim
as bases para os sistemas idealistas que se sucederam.
Foi em 1794, ao ocupar a cátedra de Reinhold, que a
sua figura ficou célebre e captou os entusiasmos de uma
jovem geração de filósofos que acorriam a Jena com o
intuito de ouvir as suas aulas, para as quais publicou um manual intitulado Grundlage
der gesammten Wissenschafstlehre (Fundamentação de toda a Doutrina da Ci-
ência). Esta última expressão – "doutrina da ciência" – serviu daí em diante para
nomear a sua filosofia (MARÍN, 2007. Imagem: disponível em: <http://www.mar-
xists.org/subject/philosophy/german.htm>. Acesso em: 21 mar. 2011).
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Conforme vimos na unidade anterior, as posições referentes
à filosofia kantiana podem ser resumidas em duas:
1) Aquelas que seguem fielmente o kantismo, propondo le-
ves correções da teoria original, como faz Reinhold, por
exemplo.
2) Aquelas que tentam encontrar as contradições internas
da teoria kantiana, sem ter qualquer pretensão de ela-
borar uma nova teoria, como é o caso de Schulze.
Basicamente, com tais tendências se esgota o período inter-
mediário entre Kant e o Idealismo. Todavia, as discussões travadas
deste período engendraram as possibilidades para tornar possível
a especulação dos idealistas Fichte, Schelling e Hegel, os quais ire-
mos conhecer a seguir. Acompanhe!
5. FICHTE
6. A METAFÍSICA DE SCHELLING
Como você pôde ver, o idealismo de Fichte privilegia a ati-
vidade produtora do Eu em detrimento da realidade objetiva (o
Não-eu). Schelling, por sua vez, mostra-nos uma valorização signi-
ficativa da realidade objetiva, que constitui o ponto de partida da
especulação schellinguiana. Trata-se da Filosofia da Natureza.
A natureza, conforme essa nova concepção, encarna o Espí-
rito, que ainda não passou pelo processo de se reconhecer como
tal e, nesse sentido, é considerada por Schelling como inteligência
petrificada. Essa inteligência adormecida (a natureza), por meio
de um processo dialético, vai-se elevar até ao ponto em que toma-
[...] na série das coisas, cada uma é um membro limitado que supõe
já a série inteira, assim como supõe a identidade. É apenas a pre-
ponderância do sujeito ou do objeto que constituem a natureza da
finitude (1960, p. 159)
7. HEGEL
Com a filosofia hegeliana, a metafísica encontra sua plena
realização. Hegel ensina que tudo é Razão, desde os graus inferio-
res da realidade até os superiores, mas, para encontrar a si mes-
ma, a razão deve percorrer um percurso dialético. O absoluto só no
final – afirma Hegel – será o que ele é na realidade. Neste percurso
todo modo particular é apenas um aspecto finito da infinidade do
Absoluto:
Toda a forma fenomenal do Espírito cujos graus se desenvolvem na
fenomenologia é apenas um aspecto parcial do verdadeiro e encon-
tra o seu complemento ou a realização total fora, ou antes acima de
si mesmo: em primeiro lugar no grau imediatamente superior, de-
pois, visto que este também tende a elevar-se – em todos os graus
superiores da cadeia e, finalmente, na autopenetração do Espírito
Absoluto. Deste modo o Absoluto é infinito no finito. E cada grau do
ser se penetra na sua verdadeira essência, volta a encontrar-se em
todos os outros. Mais ainda: tem de encontrar-se, porque o simples
ser-em-si necessita elevar-se até o ser-para-si. E o ser para si con-
siste na apreensão de si mesmo o qual não é inerente ao modo de
manifestar-se mas à essência (HARTMANN, 1960, p. 319).
8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) No que consiste a crítica que Fichte dirige a Reinhold.
a) De que a representação nunca pode ser algo original.
b) De que a consciência nunca pode ser um fato, mas somente ação pura.
c) De que a Razão Prática nunca pode ser direito da Razão Teórica.
d) De que a Razão Teórica nunca pode ser direito da Razão Prática.
e) De que a receptividade nunca pode ser espontânea.
2) Como se dá a dialética entre o Eu e o não-Eu (objeto), segundo Fichte?
a) O Eu prático põe para si mesmo um não-Eu, para engendrar e estimular o
Eu teórico que, em seguida supera (conhece) o não-Eu. Assim se realiza o
movimento dialético de constante superação, em que o Eu teórico toma
consciência do seu caráter absoluto.
b) O Eu teórico põe um não-Eu, para que o Eu prático se supere. Assim, o Eu práti-
co tende a superar (conhecer) o não eu, realizando o movimento dialético.
c) O Eu prático, por ser finito, põe um não-Eu, para que o Eu teórico o supe-
re. Assim, o eu teórico tende a superar (conhecer) o não-Eu, realizando
o movimento dialético.
d) O Eu teórico, por ser infinito, põe um não-Eu, para que o Eu prático o
supere. Assim, o Eu teórico tende a superar (conhecer) o não-Eu, reali-
zando o movimento dialético.
e) O Eu teórico, utilizando-se da imaginação produtiva, põe a si mesmo um não-
Eu, para o conhecer e assim superá-lo. Nisso se dá a dialética fichteana.
Gabarito
1) b.
2) a.
3) b.
4) d.
5) b.
© U3 - A Metafísica do Idealismo Alemão 97
9. CONSIDERAÇÕES
O período do Idealismo Alemão é considerado um dos gran-
des períodos históricos da filosofia. Ele representa o ápice de um
esforço de pensamento da metafísica em direção à superação dos
limites impostos pelo criticismo kantiano.
O primeiro movimento desta superação se dá com Fichte, o
grande propositor do Idealismo Alemão, com o qual há uma mu-
dança no paradigma na compreensão do Eu. Em Kant, como vi-
mos, o Eu era entendido como a condição do conhecimento; com
Fichte, o Eu é entendido como ação, fundamento e produtor de
toda a realidade, o que acaba fazendo de sua filosofia um solipsis-
mo absoluto, em que a realidade se torna pura ilusão, (produto do
Eu) para sua autossuperação e autopossessão.
A importância de Schelling está no próprio movimento de
superação do solipsismo, em que a filosofia de Fichte caia inevita-
velmente. Como você pôde acompanhar, com o idealismo propos-
to por Schelling, há uma união entre objetivo e subjetivo, e a Natu-
reza ganha o mesmo status ontológico do Espírito. Trata-se de um
desenvolvimento gradual, um processo por meio do qual o Espírito
ainda inconsciente na natureza empreende uma longa trajetória
até tomar consciência de si e retornar à sua identidade absoluta.
Essa identidade absoluta Schelling encontra na intuição estética,
na obra de arte do gênio, em que a matéria é espiritualizada, onde
o objetivo e o subjetivo encontram-se em identidade absoluta.
Já com Hegel, a metafísica alcança o seu ponto mais alto. A
razão desenvolve todas as suas potências e a filosofia torna-se o
saber absoluto. É no conceito que todas as contradições são su-
peradas. Hegel desenvolve uma filosofia capaz de sintetizar todo
o conhecimento humano em sua dialética, o Espírito Absoluto
encontra-se consigo mesmo e realiza-se no mundo. O desenvol-
vimento histórico da humanidade seja na esfera do direito, seja
na da filosofia, seja na arte, seja na religião, são sintetizados na
10. E-REFERÊNCIAS
MARÍN, V. S. Biographie Fichte Portugiesisch. Tradução de Teresa Gomes Pedro. Madrid,
marzo de 2007. Disponível em: <http://www.fichte-gesellschaft.de/phpfusion/viewpage.
php?page_id=91>. Acesso em: 23 mar. 2011.
MARXISTS INTERNET ARCHIVE. G. W. F. Hegel. Disponível em: <http://www.marxists.org/
portugues/hegel/index.htm>. Acesso em: 23 mar. 2011.
4
1. OBJETIVOS
• Compreender a crítica de Nietzsche ao pensamento me-
tafísico ocidental.
• Analisar os pressupostos que configuram a metafísica na
análise de Nietzsche.
• Conhecer o período de esgotamento do pensamento me-
tafísico.
• Comparar as categorias filosóficas da metafísica com as
categorias que possibilitariam um novo começo para o
pensamento filosófico na filosofia da vontade de poder.
• Avaliar a possibilidade de um novo projeto filosófico a
partir da crítica à metafísica de Friedrich Nietzsche.
100 © Metafísica II
2. CONTEÚDOS
• A compreensão de Nietzsche sobre a metafísica.
• O problema da metafísica e a sua decadência.
• O fim da metafísica e a proposta de uma nova forma de
filosofar.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Segundo Heidegger (1991), com a filosofia hegeliana, a fi-
gura da metafísica encontra-se plenamente realizada. Lembremos
que, movida por uma necessidade interna, ou por uma enteléquia
da razão, a metafísica, desde Platão, desenhou uma figura em que
cada um dos filósofos metafísicos deixou a sua marca e contribuiu
para o preenchimento dessa figura.
Vimos que o desenho da figura metafísica foi interrompido
pela filosofia crítica de Kant. Todavia, a sua necessidade interna e
seu destinamento exigiram rápida superação do obstáculo kantia-
no, realizada pelos idealistas e, sobretudo, por Hegel. Mas aí surge
uma pergunta: se a filosofia é, sobretudo, metafísica e se a meta-
física chegou ao fim, isto é, realizou todas as potências da razão, o
que então se pode esperar da filosofia? Afinal, qual o destino da
filosofia após ela ser realizada por completo?
Mas o que essas frases podem nos revelar? Entre muitas ou-
tras coisas, revelam que o intelecto ou a razão não operam na vida
em que a soberana lei é a do devir, eles transcendem a vida. Para
essa missão mais vasta – como Nietzsche diz – o intelecto produz
seus artefatos metafísicos a partir da sua principal ferramenta –
o princípio da não contradição, cuja missão é imobilizar o devir,
o que significa: transcender a vida, ou dito mais acertadamente:
transcender o abismo nadificante da vida. Vamos observar, então,
esse demiurgo metafísico e seus artefatos conceituais?
Registramos, inicialmente, que os produtos da razão, molda-
dos pelo princípio da não contradição, constituem a camada me-
tafísica, descartando a phisis, uma vez que esta é contraditória. Em
contrapartida, a razão, com seu caráter não contraditório, assume
a importância de critério lógico de existência, conforme o qual o
verdadeiramente existente não pode ser contraditório. Aqui nos
aparece a face moral da razão por meio da crença explícita de que
o não contraditório se conservará.
Justamente essa face moral é a marca registrada da funda-
mental disposição racional da metafísica. Nessa solução teórica,
explicitamente aparece a dicotomia "existência – morte", que de-
termina e conduz as especulações metafísicas. Estas, cuja história
se estende de Platão a Hegel, são protagonizadas pela razão e seus
artefatos conceituais.
A seguir, iremos nos deter sobre tais artefatos representa-
dos pela concepção antropológica, a concepção epistemológica, a
concepção moral e a concepção pedagógica. Por ora, deixaremos
de lado a natureza da arte, acreditando que ela realiza, a partir de
Nietzsche, a ruptura com a metafísica.
dades eternas, uma vez que apenas as ideias estão de acordo com
o princípio de não contradição. Este é critério lógico que deve ates-
tar o que realmente existe e o que é apenas sombra da verdadeira
realidade. Nesse primeiro ponto, observamos ainda que o acesso
às verdades eternas é reservado para o sábio, pois somente este é
capaz de agarrar a dialética e ascender a tais verdades.
Diferente do primeiro ponto em que se frisa a possibilidade
de acesso às verdades eternas pelo sábio, o segundo ponto já re-
cusa esse acesso, considerando-o apenas uma promessa que se
cumprirá para o devoto, o virtuoso, para o pecador que faz peni-
tência:
O verdadeiro mundo, inalcançável por ora, mas prometido ao sábio,
ou devoto, ao virtuoso (ao pecador que faz penitência). Progresso
da idéia: ela se torna mais refinada, mais cativante, mais implacável
– ela vira mulher, ela se torna cristã.
8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Por que é possível afirmar que, com a introdução da Vontade de Poder de
Nietzsche, a metafísica se encontra impossibilitada de operar?
a) Porque a Vontade de Poder entendida como "vontade plural" implica no
perspectivismo, que, por sua vez, rejeita a visão universalista implícita
em cada metafísica.
b) Porque a Vontade de Poder implica no esquecimento do ser que é, por
sua vez, o objeto privilegiado da metafísica.
c) Porque a Vontade de Poder rompe com as relações de forças típicas de
cada metafísica
d) Porque a Vontade de Poder rompe com o perspectivismo e estabelece
uma visão unitária.
2) O que ocorre com a noção de verdade a partir do perspectivismo operado
por Nietzsche?
a) Ocorre a relativização da verdade, de modo tal que não se pode falar
mais de verdade universal.
b) Ocorre a universalização das verdades.
c) Ocorre a objetivação das verdades particulares.
d) Ocorre a objetivação das eternas verdades.
3) Qual, segundo Nietzsche, é a implicação da verdade para a moral?
a) A verdade contrapõe-se à moral.
b) A verdade e a moral se excluem mutuamente.
c) As verdades são formas disfarçadas da moralidade.
d) A verdade é o meio de se escapar da transitoriedade.
Gabarito
1) a.
2) a.
3) d.
9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você entrou em contato com alguns dos pon-
tos de oposição da filosofia de Friedrich Nietzsche em relação ao
10. E-REFERÊNCIA
BRITO, F. de L. Dar-se uma vida: autobiografia como metodologia filosófica no jovem
Nietzsche. Cadernos de Ética e Filosofia Política. São Paulo, 2008. p. 21-38. Disponível
em: <http://www.fflch.usp.br/df/cefp/Cefp12/britto.pdf>. Acesso em: 31 mai. 2011.
______. O fim da filosofia e a tarefa do pensamento. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os
Pensadores)
NIETZSCHE, F. Sobre verdade e mentira num sentido extra moral. São Paulo: Nova
Cultural, 1991. (Os Pensadores)
______. Crepúsculo dos ídolos ou a filosofia a golpes de martelo. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 2006.
KRASTANOV, S. V. Nietzsche: pathos artístico versus consciência moral. Jundiaí: Paco,
2011.
2. CONTEÚDOS
• Heidegger X Husserl: essência x existência.
• Heidegger e o problema da metafísica ocidental.
• A análise fenomenológica do Dasein.
Martin Heidegger
Martin Heidegger nasceu em 1889 em Messkirch e
morreu em 1976 em Friburgo, na Alemanha. Dono de
conhecimento filosófico bastante profundo, reflete em
sua obra a influência de Husserl, Max Scheler, Kierkegaard
e Dilthy, além dos excelentes conhecimentos de língua
grega e da filosofia de Aristóteles, Platão, Santo Agos-
tinho, Descartes, Hegel e Bergson.
Leão (1977) assim o define:
[...] como pensador, ele é a linguagem do pensamento.
É um pensamento tão originário que não se deixa clas-
sificar. Parece estar fora de uma história crescente de
conformismo e progressiva imposição de estereótipos
imposta pela civilização ocidental.
Considerado, ao lado de Nietzsche, o mais socrático e
trágico dos pensadores modernos, nada mais foi que
um ser simples, pobre e sensível que, durante os seus
86 anos de vida, viveu a angústia do homem diante de
um mundo quebrado; a inquietação de um espírito diante do mistério do ser; do
homem esmagado pelas coisas.
As figuras mais comuns em suas meditações são lenhadores, camponeses e
artesãos, demonstrando sua identidade com a terra, sua tradição e linguagem
natal.
Heidegger foi professor de filosofia da Universidade de Marburg, Friburgo e Ber-
lim e, então, desenvolveu uma terminologia própria e muito pessoal para expres-
sar seus pensamentos, o que torna complicada a compreensão de suas idéias.
Chegou a ser reitor da Universidade de Friburgo. Foi amigo de Karl Jaspers e
discípulo de Hurssel. Foi também severamente visado pelo partido nazista e en-
viado, no último ano de guerra, para trabalhar nas escavações de trincheira no
norte do Reno.
Em Heidegger, os nomes não bastam para nomear as coisas, pois para ele a
nomenclatura não é senão uma profusão de significados arrumados em prate-
leiras conceituais. Esclarecendo melhor esta sua visão, explica que há mais de
dois milênios o pensamento humano desenvolve a representação num processo
inversamente proporcional à omissão da presença do ser.
Mas é na palavra, na linguagem que as coisas para ele, chegam a ser. No fazer-
se linguagem do ser, o homem vem a si mesmo e o mundo vem ao homem. Por-
tanto, a linguagem é para ele, ao mesmo tempo, um velar-se e um desvelar-se
© U5 - Martin Heidegger: Ontologia Fundamental 123
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
6. CRÍTICA À METAFÍSICA
Antes de tudo e primordialmente, a filosofia surge como per-
gunta pelo sentido do ser, isto é, como ontologia. Aberta pelo gê-
nio grego a pergunta pelo ser, segundo Heidegger, ofereceu várias
possibilidades de ser respondida.
A concepção teórica inaugurada, sobretudo por Platão e Aris-
tóteles, elegeu o caminho da razão e fundou a metafísica clássica
na base racional. Circunscreveu-se, assim, a figura da metafísica
que, ao longo do seu percurso, tende ao preenchimento. Confor-
me Courtine (2006), preenchimento que, determinado por uma
necessidade da própria filosofia, por uma enteléquia da razão, ten-
de a chegar ao fim (Bedürfnis), isto é, no sentido positivo assim
como Heidegger a entende, realizar as suas potências:
'A destinada' [diz Courtine ao comentar a posição heideggeriana]
no sentido que a metafísica descreveu em sua história a figura de
um único e mesmo destino, ou melhor, destinamento ('Geschick')
(COURTINE, 2006, p. 21).
algo surge [...]' (HEIDEGGER, 2004, p. 219). Esse 'algo surge' remon-
ta a um processo em que algo se engendra, aparece, algo vem a
ser, enfim, em que algo se cria. Esse 'algo' é a filosofia e ela se cria
nesse pathos.
Aristóteles também confirma esse significado: "Pelo espanto (pa-
thos por excelência) os homens chegam agora e chegaram à ori-
gem imperante do filosofar" (ARISTÓTELES, 2001, I, 2, 982 b 12).
Até mesmo Platão atribuiu ao pathos a origem da filosofia: "É ver-
dadeiramente de um filósofo este pathos, o espanto; pois não há
outra origem imperante da filosofia que este" (PLATÃO, 2005, 155
d) (KRASTANOV, 2011, p. 15).
7. A FENOMENOLOGIA
Tomando como referência a interpretação feita por Heide-
gger dos dois termos que compõem a palavra "fenomenologia",
podemos afirmar que a fenomenologia significa "des-coberta" do
que se mostra por si mesmo e a partir de si mesmo. Ou para dizer
de modo mais acertado com as palavras próprias de Heidegger, a
fenomenologia é "[...] deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que
se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo" (2000, p. 65).
Aqui, surge a necessidade de explicarmos a peculiaridade de qual-
quer "mostração".
Mas aqui surge a dúvida: quem será então, entre todos os exis-
tentes, aquele ente capaz de receber e interpretar o significado desta
mostração? A dificuldade poderia ser facilmente removida, uma vez
verificado que, realmente, não há senão um único ser privilegiado que
é capaz de se interrogar sobre o sentido do ser. Este ente privilegiado
Heidegger chama de Dasein, isto é, ser-aí do homem. A esta conclu-
são fundamental Heidegger chega por meio da análise da pergunta.
Cada pergunta, qualquer que ela seja, envolve três momentos:
1) Para que se pergunta (Gefragtes)? – sempre para o sen-
tido de ser (das Sein).
2) Aquilo que se pergunta (Befragtes) – é o Dasein (ser-aí
do homem) sendo ele primado ôntico – isto é, essência
do homem reside na sua existência. Ele é também pri-
mado ontológico – uma vez que somente o homem se
interroga sobre o sentido do ser.
3) O resultado da pergunta (Erfragtes) – é o próprio Dasein,
pois o resultado surge a partir da estrutura existencial
© U5 - Martin Heidegger: Ontologia Fundamental 133
8. QUESTÃO AUTOAVALIATIVA
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Qual a principal crítica que Heidegger dirige à Metafísica?
a) Inautenticidade dos filósofos ao tratarem as questões metafísicas.
b) De esquecer que a origem da problemática metafísica se encontra na
própria razão humana.
c) De esquecer o sentido do ser como problema fundamental da metafísi-
ca, transformando-o em ente.
d) De ignorar Deus e, com isso, "assassinar" a metafísica.
Gabarito
1) c.
9. CONSIDERAÇÕES
Como você pôde acompanhar, nesta unidade foi possível
identificar as principais temáticas da estrutura da ontologia fun-
damental de Heidegger. Nessa análise, você conheceu alguns as-
pectos essenciais para a compreensão do pensamento de Martin
Heidegger no que diz respeito à questão da metafísica. Para isso,
analisamos as principais diferenças entre a concepção da fenome-
nologia como Husserl a entendia e a concepção fenomenológica
de Heidegger. Um destaque cabe à questão existencial, que com
Husserl deveria ficar entre parênteses para que se possam encon-
trar as essências das coisas em si mesmas, mas para Heidegger a
questão fundamental da filosofia não são as essências, mas a exis-
tência mesma, isto é, o ser.
Essa compreensão heideggeriana da fenomenologia faz com
que Heidegger olhe para a história da metafísica, como para a his-
tória do esquecimento do ser. Heidegger acusa toda a tradição de
ter esquecido o verdadeiro objeto de análise da filosofia, isto é, o
ser. Então, propõe que o fundamental da análise filosófica não é se-
não a pergunta pela própria existência, ou seja, a pergunta pelo ser
que está no fundamento de toda a questão, no fundamento de tudo
aquilo que é. Mas, afinal, por que existe o ente e não o nada?
______. Carta sobre o humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores)
______. Que é isto - a filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os Pensadores)
______. Sobre a essência do fundamento. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os
Pensadores)
______. Nietzsche. Tradução de Pierre Klossowski. Paris: Gallimard, 1961.
______. Sobre a essência do fundamento. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os
Pensadores)
______. O fim da filosofia e a tarefa do pensamento. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os
Pensadores)
KRASTANOV, S. V. Nietzsche: pathos artístico versus consciência moral. Jundiaí: Paco,
2011.
PLATÃO. Teeteto. Lisboa: Fundação Caloust Gulbenkian, 2005.
ROVIGHI, S. V. História da filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1999.
SLEUTJES, M. H. Pós-modernidade em Heidegger. Rev. Univ. Rural, Sér. Ciênc. Humanas.
Vol. 23(2): 189-193, jul./dez. 2001.
STEGMÜLLER, W. A filosofia contemporânea. São Paulo: EPU, 1977.
6
1. OBJETIVOS
• Compreender a análise do ente que se pergunta pelo sen-
tido do ser: analítica existencial.
• Analisar a questão do tempo e da finitude como espaço
privilegiado para o Dasein.
• Conhecer os principais conceitos na questão do tempo e
do espaço heideggeriana: tempo autêntico e inautêntico.
2. CONTEÚDOS
• Essentia versus existentia.
• Temporalidade e finitude: "ser-para-morte".
• Autenticidade e inautenticidade.
• Espacialidade do ser-aí: "ser-com" ou "ser-entre".
• A questão do nada: por que, afinal, existe o ente e não
antes o nada?
138 © Metafísica II
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nossa aventura pela metafísica, que se iniciou no CRC Meta-
física I, está prestes a terminar. Você percorreu um longo caminho,
ou melhor, acompanhou o longo percurso da aventura filosófica
em busca da resposta para aquela pergunta originária sobre a ar-
ché, ou princípio de todas as coisas, a pergunta pelo ser, tão pro-
priamente inaugurada pelos filósofos pré-socráticos.
De Platão e Aristóteles, passando pelo período medieval e pela
modernidade, foram várias as tentativas de responder à pergunta que
tinha sido inaugurada pelo gênio grego. No entanto, vimos que o ca-
minho percorrido pela filosofia neste longo percurso teve como guia,
© U6 - Heidegger: Analítica Existencial 139
5. ANALÍTICA EXISTENCIAL
Partindo do pressuposto de que a pergunta pelo sentido do
ser requer uma análise daquele ente que pergunta pelo sentido
do ser descrevemos a especulação heideggeriana sobre a estrutu-
ra do primado ôntico e ontológico que se expressa em termos de
analítica existencial.
O homem é primado ôntico e, por isso mesmo, é também
primado ontológico. Mas em que sentido ele é primado ôntico?
A principal causa dessa primazia é a descoberta de que a es-
sência do Dasein reside na sua existência (2000, p. 42). A análise
existencial, portanto, deve descrever os modos do ser do homem
como ser no mundo. A realidade humana, Heidegger definirá como
Dasein – literalmente – ser-aí.
O ser-aí do homem dissolve totalmente a sua essência, re-
jeitando qualquer distinção entre alma, corpo e espírito, negando,
para suas possibilidades, fazendo seu próprio modo de ser, cuja con-
dição é a temporalidade humana fixada pelo horizonte da finitude.
7. ESPACIALIDADE DO SER-AÍ
Assim como o homem é temporal, mas não está no tempo,
do mesmo modo o homem é espacial. Novamente aqui aparece
a herança kantiana ressoando na especulação ontológica funda-
mental de Heidegger. Kant concebeu o espaço junto com o tempo
como sendo a condição formal da intuição sensível. Assim como o
tempo, também o espaço não possui uma determinação objetiva,
no sentido de estar fora do sujeito humano. Partindo dessa cons-
tatação kantiana, Heidegger afirma que o homem é espacial. Com
efeito, ele nasce num mundo espacialmente configurado que, po-
rém, no interior do qual o homem se projeta espacialmente. Ele
não é como um copo que está na mesa, não possui um lugar fixo,
ele é um constante projetar-se criando o seu espaço.
A espacialidade do Dasein é determinada pela preocupação e
não pela proximidade ou distanciamento físico. Assim se pode com-
preender que a leitura que me preocupa e é importante para mim
está mais perto do que os óculos com os quais eu efetuo a leitura.
Meu espaço, portanto, configura-se por meio das minhas preocu-
Ser-no-mundo
O aspecto absolutamente constituinte da analítica existen-
cial de Heidegger é a noção de ser-no-mundo. Evidentemente essa
noção se aplica ao ser-aí do homem e envolve três aspectos:
• O mundo.
• O ser do existente.
• O ser-em.
O aspecto "mundo" é compreendido por Heidegger em sua
ideia de mundanidade. Essa ideia possui caráter a priori, uma vez
que não se refere aos objetos concretos, mas ao mundo do ser-aí.
No seu mundo circundante, o homem é cercado por utensílios dos
quais ele dispõe, ou seja, serve-se. Essa primeira compreensão é
prática e utilitária. As coisas do mundo tornam-se úteis à medida
que são utilizadas pelo homem, uma vez que somente este con-
fere aos objetos utilidade. O mundo, assim, configura-se como o
âmbito das possibilidades do ser-aí e, dessa maneira, os utensílios
são projeções dessas possibilidades.
O ser do existente, por sua vez, refere-se ao próprio ser-aí do
homem enquanto posto na cotidianidade, enquanto se ocupa com
© U6 - Heidegger: Analítica Existencial 147
Ser-com
Ser-com é um dos modos constituintes do ser-no-mundo.
Esse modo de ser do ser-aí expressa a relação entre o ser-aí com
os outros homens.
Os outros [diz Stegmüller ao comentar essa ideia de Heidegger] não
são nem utensílios, nem presenças, mas estão também aí com os
outros. O mundo do homem é um mundo com-os-outros, seu ser
é um ser-com-outros, o ser-por-si dos outros é um estar-aí-com-
outros. Eles não são objetos de cuidado como os utensílios, mas
são objetos de solicitude (STEGMÜLLER, 1977, p. 139).
Autenticidade
Segundo Heidegger, a possibilidade de ser autêntico ou inau-
têntico do Ser-aí do homem enraíza-se no fato de que o Dasein
(Ser-aí) é sempre meu. Sendo meu, posso perdê-lo ou conquistá-lo.
Posso perdê-lo na ocupação. Nesse caso ele é absorvido pelo mun-
do, torna-se coisa do mundo. Esse estado de queda, como vimos,
é a existência inautêntica. Ser-aí está sempre ligado ao mundo e,
como tal, sempre preocupado. Essa preocupação Heidegger cha-
ma de "cuidado". À medida que nós estamos preocupados é que
nós cuidamos, estamos em alerta. O que nós cuidamos, porém, é
do nosso Dasein. Esse cuidado com o que virá, isto é, cuidado com
© U6 - Heidegger: Analítica Existencial 151
O nada
Como podemos entender esse "véu" dos entes que é o pró-
prio nada? Essa é a pergunta que Heidegger tenta responder no
seu ensaio O que é metafísica?. Na vida cotidiana, o homem ocu-
pa-se com objetos do mundo ou relações com os outros. Assim,
ele vive como coisa entre as coisas. Todavia, encontra obstáculos,
como no fracasso, na perda de um ente querido etc., ele se depara
com o sentimento da situação originária, uma vez que ele é aque-
le que sente esse sentimento. O sentimento angustiante de estar
sozinho com seu futuro, ou de ser abandonado, faz com que as
coisas do mundo com as quais ele se ocupava antes percam seus
traços, percam o poder atrativo. Como se o nada os velasse.
Retirado da ocupação com as coisas, o homem começa a se
interrogar sobre o ser: "afinal, qual o sentido do ser?" O ser-para-
morte, a extrema possibilidade, a mais segura e incontestável é a
certa anulação das outras possibilidades; é a possibilidade da im-
possibilidade. O nada parece brotar da preocupação com a morte.
E esse nada é a condição de abertura para o ser. Vejamos o que
Heidegger nos diz a respeito: "Somente na clara noite do nada da
angústia surge a originária abertura do ente enquanto tal: o fato
de que é ente – e não nada" (HEIDEGGER, 1973a, p. 239).
Ao que parece, para Heidegger, o nada é revelador do ser e a
origem da transcendência, por meio da qual o acessamos:
© U6 - Heidegger: Analítica Existencial 153
8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Qual das seguintes afirmações descreve o Dasein da melhor maneira?
a) Dasein é presença do Ser, por meio da existência humana, enquanto esta
é abertura e possibilidade de compreender o Ser.
b) Dasein é a existência epistemológica do homem em que se prepara epis-
temologicamente a questão sobre o sentido do ser.
c) Dasein é abertura para os entes em sua concreta essência.
d) Dasein é uma forma inautêntica de existência.
2) A frase heideggeriana de que a essência de Dasein está na sua ek-sistencia
quer dizer o quê? Aponte a alternativa que melhor responda tal questão.
a) Quer dizer que o homem é um ser cuja essência e a existência coinci-
dem.
b) Quer dizer que o essencial do homem é não ter essência determinada,
pois ele sempre está fora de si.
c) Quer dizer que a sua existência é essencialmente determinada.
d) Quer dizer que o em-si do homem está no seu para-si.
3) Que tipo de problema nos revela a concepção heideggeriana de Nada?
Aponte a alternativa correta.
a) É um problema da ciência.
b) É um problema do budismo.
c) É um problema da epistemologia.
d) É um problema da metafísica.
© U6 - Heidegger: Analítica Existencial 155
Gabarito
1) a.
2) b.
3) d.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos ao fim de nosso curso de metafísica. Neste CRC,
Metafísica II, você entrou em contato com os principais problemas
metafísicos de Kant a Heidegger. Nossa intenção foi a de expor,
ao longo dos CRCs Metafísica I e Metafísica II, o movimento filo-
sófico que pretendeu alcançar a "verdade" sobre o ser, por meio
do pensamento racional. O desenho metafísico que se desenvolve
de Platão a Hegel, a tentativa de responder à questão do ser teve
um acabamento, mas também engendrou uma abertura para uma
nova possibilidade de responder à questão.
Com isso, o objetivo foi o de, juntamente com você, com-
preender o movimento da metafísica. No entanto, era necessário
deixar em aberto a questão metafísica, para que nós ainda pudés-
semos ter a possibilidade de se envolver no problema mais pro-
priamente filosófico de todos: por que existe algo?
A pergunta continua aberta e, como vimos no decorrer desta
unidade, somente o homem, o ente que escuta o chamado do ser,
pode se colocar a questão, só ele pode tentar respondê-la. Agora é
com você, alea jacta est – "a sorte está lançada"!
______. O que é metafísica?. São Paulo: Abril Cultural, 1973a. (Os Pensadores)
______. O que é metafísica?. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores)
______. Carta sobre o humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1973b. (Os Pensadores)
______. Que é isto - A Filosofia?. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os Pensadores)
______. Sobre a essência do fundamento. São Paulo: Abril Cultural, 1973c. (Os
Pensadores)
______. Nietzsche. Tradução de Pierre Klossowski. Paris: Gallimard, 1961.
KRASTANOV, S. V. Filosofia da linguagem. Batatais: Ação Educacinal Claretiana, 2011.
______. Nietzsche: pathos artístico versus consciência moral. Jundiaí: Paco, 2011.
PLATÃO. Teeteto. Lisboa: Fundação Caloust Gulbenkian, 2005.
ROVIGHI, S. V. História da filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1999.
STEGMÜLLER, W. A filosofia contemporânea. São Paulo: EPU, 1977.