EDITORIAL
SUMÁRIO
FINAL? MAS, COM
GOSTO DE COMEÇO!
O
Bem-aventurado José Allamano ensinava aos
seus missionários que o final do ano devia
servir para fazer um balanço, tal como é feito
em qualquer administração. O ano civil termina
contrastando com o ano litúrgico,uma vez que
em dezembro o calendário litúrgico propõe o novo ano,
com o tempo do Advento, que sinaliza a esperança que
nunca se acaba.
Na presente edição, no final de um ano em que a
Campanha de Fraternidade tratou da educação, ressal-
tamos que a preocupação pela educação indígena é de
lei e deve ser de todos: a educação escolar diferenciada
é assegurada aos Povos Indígenas. O que contrasta com
os graves retrocessos políticos, econômicos, trabalhis-
tas e sociais, dentro dos quais se impõem restrições
ao alcance dos direitos fundamentais. Não são poucas
as medidas administrativas, legislativas e judiciais que
impedem os Povos Indígenas e as demais comunidades
tradicionais de usufruírem dos direitos humanos no seu
cotidiano, em suas relações sociais, étnicas, culturais,
religiosas, nas atividades econômicas, no âmbito das
políticas públicas, nas ações assistenciais e garantias
territoriais.
Destaca-se o fato de os Povos Indígenas viverem
permanentemente a situação de insegurança jurídica.
Nunca como antes os promotores, os juízes, os tribunais,
a grande mídia e o fundamentalismo político e religioso
foram tão essenciais para a manutenção e segurança
da ordem estabelecida pelo sistema.
Por conta disso, a missão com emoção, experiência
de 19 missionários da Paróquia Santa Margarida Mártir,
da arquidiocese de Curitiba, entre os quais um padre e
18 leigos fizeram uma experiência missionária na Terra
Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Da missão,
ficou o gosto de sentir que as dificuldades impostas
pela situação pelo que passam muitas comunidades
indígenas são compensadas pela alegria do encontro.
Só assim acontece a esperada troca de experiências.
Missão é inversão de perspectivas em direção ao
outro. Terminamos como começamos: “O Advento é
tempo de inversão de perspectivas, no qual nos deixa-
mos maravilhar pela grandeza e misericórdia de Deus”.
Muito obrigado a todos que nos acompanharam
durante o ano que termina. Feliz Ano Novo e próspero
2023. 
2 DEZEMBRO 2022 MISSÕES
DEZEMBRO 2022/07
Carlos Acutis, protetor dos
Missionários e Missionárias
da Consolata 2023.
Foto: Divulgação / Arte: Cleber Pires
 ATUALIDADE----------------------------------------------03
O Natal e a Constituição da República
Edson Luiz Sampel
 MISSÃO EM CONTEXTO-------------------------------04
Missão com emoção
Andréa Sormas Damasceno
 ESPECIAL--------------------------------------------------06
Bento XVI mudou a história da Igreja
André Sampaio
 VOLTA AO MUNDO-------------------------------------08
Em 2022, 100 milhões de pessoas foram forçadas...
ACNUR
 ESPIRITUALIDADE----------------------------------------10
Do forte saiu doçura e a pluma se fez esgrima
Felipe de Azevedo Ramos
 TESTEMUNHO-------------------------------------------12
Descobrindo um outro mundo
Teresa Atieno
 FORMAÇÃO MISSIONÁRIA----------------------------14
Outros saberes: a Educação Indígena
Paulo Mzé
 EXTRA------------------------------------------------------16
Povos Indígenas e novo governo
Roberto Liebgott, Francisco Holanda, Ivan Cima
 FAMÍLIA CONSOLATA-----------------------------------17
Balanço Geral
Redação
 MISSÕES RESPONDE-----------------------------------21
Direito à vida
Edson Luiz Sampel
 FÉ EM AÇÃO---------------------------------------------22
O "revogaço"ambiental que o Brasil precisa
Mariana Helou e Marcus Eduardo de Oliveira
 DESTAQUE------------------------------------------------24
Original, não fotocópia
Redação
 CIDADANIA-----------------------------------------------26
Somos seres relacionais
Fátima Bazeggio
 BÍBLIA------------------------------------------------------27
O Reino de Deus está próximo!
Mauro Negro
 VOLTA AO BRASIL-----------------------------------------30
Portal TSE / Uol

O Natal e a Constituição
da República
de Edson Luiz Sampel
O
problema da sociedade hodierna é de índole
teológica e religiosa. Há setenta anos, o gran-
de Tristão de Ataíde discorria acerca dessa
vicissitude e pontificava: “Para a maioria dos
homens do nosso tempo, o céu não existe
ou, pelo menos, agimos como se o céu não existisse.
Tudo secularizamos, tudo reduzimos aos planos mais
imediatos e elementares da vida” (A Vida Sobrenatural
e o Mundo Moderno, p. 171).
Proponho que reflitamos sobre os valores cristãos
salvaguardados nas estruturas jurídicas do Estado. Afinal
de contas, a Constituição Federal, ou
seja, a lei mais importante de nosso
país, foi promulgada sob a prote-
ção de Deus. O Estado laico é, pois,
formalmente teísta!A laicidade não
exclui a crença na existência de Deus;
somente o Estado laicista, que não
é a condição da república brasileira,
elimina tal possibilidade, sob o vexilo
de deplorável materialismo.
Pelo que se depreende do conte-
údo da carta política, malgrado algu-
mas emendas descaracterizadoras,
ainda remanescem elementos que
denotam esses valores tão caros ao
povo brasileiro. Isto prova que o poder
constituinte originário, exercido no
fim da década de 1980 pela então
Assembleia Constituinte, chance-
lou os anelos cristãos da sociedade,
trabalhando aqueles deputados na perspectiva de que
realmente importa amar a Deus sobre todas as coisas.
A mesma atitude deveria ser adotada pelo chama-
do poder constituinte derivado (legislativo, executivo
e judiciário), laborando seus membros também sob o
lume do amor a Deus, uma vez que eles têm o múnus
de pôr em prática a mesma Constituição promulgada
em 1988 sob a proteção divina.
A questão crucial, observada por Tristão de Ataíde,
repousa no fato de que o sentido da vida humana,
ATUALIDADE
individual ou social, se encontra em Deus. Em 1950,
escrevia o eminente pensador católico: “A demo-
cracia começou a definhar porque lhe suprimiram o
fermento sobrenatural e pensaram poder substituí-lo
por elementos históricos e pragmáticos ou, quando
muito, de um moralismo kantiano e liberal insuficiente”
(A Vida Sobrenatural e o Mundo Moderno, p. 167).
Deveras, ensina o Compêndio do Catecismo da Igreja
Católica: “O homem foi criado para conhecer, servir
e amar a Deus” (n. 67).
“Não se pode mitificar a democracia, a ponto de
fazer dela o substituto da moralidade ou a panaceia
da imoralidade”, ensina São João Paulo II (Evangelium
Vitae, 70c). Sem embargo, no Brasil, os cristãos são
a maior parte do povo, consoante
atestam os últimos censos. Desta
feita, do ponto de vista da saudável
democracia, os brasileiros pode-
mos e devemos exigir que nossos
governantes, exercentes do poder
constituinte derivado, respeitem,
tutelem, – mais! – inculquem os
valores cristãos na sociedade, não
como verniz, mas nas entranhas
jurídicas. Dissertava o magistral
Ruy Barbosa: “Se a república veio
organizar o Brasil e não esmagá-lo, a
fórmula da liberdade constitucional
da república, necessariamente, há
de ser uma fórmula cristã” (Elogios
e Orações, p. 314).
Há mais de dois mil anos, Deus se
fez homem. Fundou a Igreja Católica,
como ensina o Concílio Vaticano II
(Lumen Gentium, 14a). Jesus Cristo, cujo nascimento
ora celebramos, atua máxime nos sacramentos que ele
mesmo instituiu, notadamente na eucaristia. Alumiados
pelo magistério da Igreja, sobretudo do amantíssimo
papa Francisco, atual vigário de Cristo, caminharemos
seguros e construíremos o Brasil fraterno e solidário,
bosquejado na Constituição Federal. 
Edson Luiz Sampel é Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico da 116ª
Subseção da OAB-SP. Professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina.
DEZEMBRO 2022 MISSÕES 3
 MISSÃO EM CONTEXTO
Missão com emoção
“Agora é tempo
de ser Igreja,
caminhar juntos,
participar”.
de Andréa Sornas Damasceno
A
ideia de realizar uma ex-
periência missionária en-
tre os povos indígenas de
Roraima, na qual atuam
os missionários da Conso-
lata, surge em 2020, partindo do
pároco da comunidade de Santa
Margarida, em Curitiba, padre
James Mwaura Mbugua que lança
a proposta e muitos leigos se ani-
mam. A pandemia neste mesmo
ano retarda os planos, porém,
não apaga o sonho. Em 2022, tem
início o planejamento da Missão.
Forma-se um grupo de 19 pessoas,
sendo 18 leigos e um padre, mis-
sionário da Consolata. Começam
os preparativos e as formações,
tanto presenciais, quanto on-line,
pelos padres que conhecem a
realidade daquele povo: Oscar
Liofo, Rosalino, James Murimi e
Jaime Patias. A data estabelecida é
de 11 a 17 de novembro, sendo o
destino Roraima, na Terra Indígena
4 DEZEMBRO 2022 MISSÕES
Raposa Serra do Sol e também em
Boa Vista, junto aos migrantes da
Venezuela.
Inspirados pela fala do papa
com relação à Amazônia, esta-
beleceu-se alguns objetivos no
grupo: conhecer a realidade vivida
pelos Povos Indígenas de Rorai-
ma; ser presença e compartilhar
experiências.
O grupo partiu de Curitiba,
PR, com destino à Boa Vista, RR
no dia 11 de novembro de 2022.
Foi recebido calorosamente pelos
padres missionários da Consolata
e Combonianos.
No dia seguinte, partiu para
a missão, divididos da seguinte
forma: duas pessoas na Área São
João Batista em Carana, quatro
na Missão Cantagalo em Surumu,
quatro na Missão Maturuca, em
Serras, quatro na Missão Camará,
em Baixo Cotingo; três na Missão
Raposa e duas em Normandia.
Como descrever a viagem? Daí
surge o nome: Missão com emo-
ção! Estradas de chão em péssimo
estado de conservação, ora com
crateras, que o motorista, no caso o
padre, precisava escolher o menor
buraco para passar, muitas pedras
soltas, e pequenos lagos permeiam
as estradas, com as águas que vêm
dos igarapés. Algumas com pro-
fundidade que poderiam atolar o
carro, caso o condutor não tivesse
bom conhecimento do local. No
meio do trajeto é comum ver ca-
minhonetes com algum problema
de mecânica. Vale destacar que o
acesso só se dá com caminhonete
ou moto. Outro grupo de missio-
nários teve o acesso ainda mais
complicado, pois só se chegava
de moto ou a pé.
A recepção nas comunidades
indígenas, não é possível expli-
car em palavras, só vivenciando
para saber. Todos reunidos no
Malocão, cada visitante é acolhi-
do pelo braço por uma pessoa e
conduzido à dança “Parixara”. De
repente, todos estão dançando:
crianças, jovens, adultos e idosos.
É muita alegria e entusiasmo e
não poderia deixar de mencionar:
é muita emoção! Recebemos as
boas-vindas do Tuxaua, bebemos
o famoso “caxiri”, e as crianças
pintaram nossos rostos, mostrando
um pouco da sua cultura. Embora
estivéssemos cansados da viagem,
não queríamos que aquela noite
acabasse.
A semana transcorreu rapida-
mente. As atividades tinham início
bem cedo e se encerravam tarde
da noite. Foram dias de muita ora-
ção, participação em assembleias,
visitas em comunidades, formação
(modo de vida dos Macuxis) e troca
de experiências. Este momento
de troca foi lindo! Dele resultou a
música Amani (na língua swahili),
ao ritmo da Parixara. Uma imensa
roda, com mãos de três culturas
diferentes, unidos pela paz, o amor
e a alegria.
Foram poucos dias de convi-
vência em meio ao povo Macuxi.
Ouvimos muito durante o plane-
jamento da viagem, que Missão
não se faz em tão pouco tempo.
Mas, nesse curto período, foi pos-
sível ver a face de Cristo no rosto
de cada irmão(a) indígena. Essa
breve convivência nos mostrou o
caminho a seguir, a partir de agora.
Conversando depois com os
diversos grupos, levantamos al-
guns pontos que foram comum
a todos, como reconhecer que o
povo é acolhedor, o sorriso vem
primeiro, a recepção é calorosa e
a alegria contagiante; nota-se uma
fé pura, Deus está presente nas
falas e atitudes; crianças e jovens
são engajados na Igreja, o cate-
quista é uma liderança forte nas
comunidades, vivem em harmonia
com a natureza, respeitam o meio
ambiente, não se vê lixo jogado e
nem sujeira nos espaços abertos,
o povo é unido na resistência e
luta. Invasão e terra estão sempre
presentes nas falas; a comunicação
dos Macuxis é fantástica, todas
as lideranças da comunidade se
expressam de forma clara e obje-
tiva; mostram-se bem organizados
enquanto comunidade. O projeto
“Bem Viver ou Uma Vaca para o
índio”, ajuda na alimentação, bem
como as roças que cultivam para
o auto-sustento. Também tem a
casa da mulher: local que vende
artesanato e suas produções; e o
Escritório Regional, para tratar as-
suntos gerais. A cultura indígena e
sua arte, nas diferentes linguagens
é de uma riqueza imensurável;
o “tempo” corre diferente. Não
há pressa; dedicação incansável
dos(as) missionários(as) da Conso-
lata. Estes são fonte de verdadeira
consolação para o povo indígena
e os missionários e as missioná-
rias são bem vistos e ponto de
referência para as comunidades.
Os missionários destacam os
desafios que enfrentam, como falta
de recursos básicos: atendimento
médico e escolas, acesso difícil à
cidade, falta de objetos simples
como violão e som para a igreja,
computador, impressora, papel;
as comunidades vivem a insegu-
rança de que a qualquer momento
podem ter suas terras invadidas
por garimpeiros e grileiros, áreas
indígenas estão abandonadas pelo
Estado; a presença dos migrantes
da Venezuela mostra um cenário
preocupante de um povo sem
perspectiva, e o número não pára
de crescer. Diariamente ingressam
no país, cerca de 700 pessoas,
falta de padres para atender as
comunidades e necessidade do
povo de ser ouvido.
Amizade
Que conclusão podemos tirar
da nossa primeira experiência
missionária? Em primeiro lugar,
é preciso destacar que para ser
cristão, é preciso ser presença
na vida dos irmãos que mais ne-
cessitam. É ir até eles, onde quer
que estejam. Às vezes, não são
necessárias grandes obras, mas
basta a presença amiga,
o sorriso, o escutar e di-
zer: - “Conte comigo”. Ser
cristão missionário é assu-
mir uma postura vigilante
contra todas as práticas de
desumanização.
Como definir a beleza
do encontro entre os mis-
sionários leigos de Curiti-
ba e o povo Macuxi? Eu
descreveria como uma imensa
ciranda, na qual pessoas de bem
se deram as mãos para criar um
novo laço de amizade. Isso mes-
mo, amigos que hoje conversam
e trocam experiências via redes
sociais. De tão longe, estamos
e vamos trabalhar em prol das
necessidades de lá, dentro das
nossas possibilidades. No dia da
nossa despedida, em Maturuca,
eu dei um anel para uma criança e
ela disse que agora nós tínhamos
feito uma aliança. Nós, pequenos
aprendizes de missionários, agora
temos uma aliança com o povo
Macuxi!
O grupo viu, testemunhou e
agora, o que fazer? Após reunião
de avaliação da Missão, ficou com-
binado que no início do próximo
ano, a experiência será partilhada
nas missas, pastorais, movimentos
e escolas... Enfim, levar adiante o
que vimos, ouvimos e testemunha-
mos. Há também o atendimento
às demandas de algumas comuni-
dades e já ficou pré-estabelecida,
uma nova missão em 2024.
Um agradecimento caloroso
aos leigos que se dispuseram a
embarcar nesta aventura, levando
cada qual, sua presença amiga,
seu conhecimento e muito amor
para partilhar. Jovens, adultos
e melhor idade, não mediram
esforços para que este momento
acontecesse. Um obrigado especial
ao padre James Mwaura Mbu-
gua que idealizou este projeto e
o fez acontecer. Agradecimento
também ao Reginaldo Sampaio,
coordenador do CCP da paróquia
Santa Margarida, o qual, mesmo
não partindo em missão, cuidou
com muita competência e dedica-
ção de toda a logística da Missão.
Para encerrar esse breve relato,
não há como não mencionar os
padres e irmãs da Consolata. Se o
Bem-aventurado José Allamano,
fosse artista, ele teria pintado
uma tela de cores, expressões
e movimentos que encantaria o
mundo por sua beleza, singeleza,
alegria e vida! Mas a arte que
ele um dia idealizou e colocou
em prática é a escultura viva de
homens e mulheres que deixam
sua terra, sua família, para ir ao
encontro do outro! 
Andréa Sornas Damasceno é leiga missionária em
Curitiba, PR.
DEZEMBRO 2022 MISSÕES 5
 ESPECIAL

Bento XVI
marcou a história
da Igreja
Bento XVI, o papa
mais longevo da
história da Igreja,
faleceu no dia 31 de
dezembro de 2022,
após uma longa
doença, um sofrimento
suportado como
manda Cristo: no
silêncio, na paciência,
mas, sobretudo, na
oração assídua e
constante.

de André Sampaio
mundo naquele dia significou para coisa errada”, e não teve medo de
Ratzinger “uma vocação, um pro- remar contra a maré: até a “renún-
grama de vida”. O grande teólogo cia” do pontificado, a mais inédita

A
gora que Joseph Ratzin-
ger alcançou a meta e o
cumprimento de toda a
sua vida – as palavras do
Salmo 27 colocadas como
epígrafe ao seu Jesus de Nazaré:
“A vossa face, Senhor, eu procuro.
Não me escondais a vossa face” –,
temos de voltar ao início, Marktl
am Inn, aldeia da Alta Baviera onde
nasceu a 16 de abril de 1927. O pai
era filho de camponeses; a mãe
trabalhava como doméstica. Era
um sábado santo. E ter vindo ao
que se tornou pontífice mediu-se
face ao “abismo do silêncio” da-
quela “terra de ninguém” entre
a crucificação na sexta-feira e a
ressurreição no domingo, o tempo
do “esconder-se de Deus”, o drama
do nosso tempo, “o mundo que
jaz em pedaços”.
Há aqueles que já nascem
póstumos, escreveu Nietzsche.
Ratzinger também estava “ultra-
passado”: “se um papa recebesse
apenas aplausos, teria de se per-
guntar se estava fazendo alguma
das reformas. A última “renúncia”
de um papa datava de 4 de julho
de 1415, feita por Gregório XI.
O gesto de Bento XVI não teve
precedente real em dois mil anos,
porque foi feito “em total liber-
dade”, sem influências externas.
“Ninguém tentou me chantagear.
Eu nem teria permitido isso”. O
papa Wojtyla estava morrendo e,
em 25 de março de 2005, menos
de um mês antes da eleição de
19 de abril, o cardeal Ratzinger
havia denunciado a “sujeira na

6 DEZEMBRO 2022 MISSÕES


Igreja” nos textos escritos para a
Via Crucis no Coliseu.
Eleito papa
Na missa de abertura de seu
pontificado, no dia 24 de abril,
resumiu na Praça de São Pedro
aos fiéis maravilhados: “Rezem
por mim, para que eu não fuja, por
medo, diante dos lobos”. Bento
XVI não fugiu, pelo contrário. O
comentário imediato do padre
Lombardi, em 11 de fevereiro de
2013, continua sendo o mais lúcido:
“É um grande ato de governo da
Igreja”. Naquele dia, às 11h41, dian-
te dos atônitos cardeais, ressoam
na Sala do Consistório as palavras
inéditas “declaro-me ministerio
renuntiare”, a renúncia ao ministé-
rio petrino a partir das 20h do dia
28 de fevereiro. Bento XVI explica
que “para conduzir a barca de São
Pedro e anunciar o Evangelho, são
necessárias também as forças do
corpo e da alma” que faltaram “nos
últimos meses”.
Depois de ter ensinado nas
faculdades teológicas mais pres-
tigiosas da Alemanha, em 25 de
março de 1977, São Paulo VI o
nomeou arcebispo de Munique e
Freising. Ratzinger recebeu a orde-
nação no dia 28 de maio seguinte
e depois de apenas um mês, em
27 de junho, Montini impôs-lhe o
barrete vermelho. São João Paulo
II o quis em Roma e, em 25 de
novembro de 1981, nomeou-o
prefeito da Congregação para a
Doutrina da Fé. O futuro papa foi
durante quase um quarto de século
um dos principais colaboradores
de Wojtyla. Em 30 de novembro
de 2002, ele também se tornou
cardeal decano e, nessa qualidade,
liderou a Sé Vacante de 2005 após
a morte do papa polonês, a quem
sucedeu assumindo o governo da
Igreja Católica.
Um legado muito pesado, aque-
le recebido de seu “predecessor
amado”, que para Ratzinger chegou
quando acabava de completar 78
anos. Ele foi forçado a carregar
muitas cruzes em seu pontificado:
desde o escândalo da pedofilia
do clero, até os diálogos muito
difíceis com os lefebvrianos, frus-
trados também pela negação do
Holocausto de alguns deles, pelos
desentendimentos com o mundo
islâmico pela famosa citação por
Manuel II Paleólogo sobre Maomé
na palestra de Regensburg, até o
escândalo Vatileaks 1 com a infi-
delidade de seu mordomo, Paolo
Gabriele, que passou documentos
confidenciais do papa alemão à
imprensa. Nada menos que 24
viagens ao exterior e 29 visitas
pastorais à Itália.
Renúncia
Como papa emérito, Bento
XVI decidiu viver no Vaticano,
no Mosteiro Mater Ecclesiae,
porque “aquele que assume o
ministério petrino não tem mais
privacidade. Pertence sempre e
totalmente a todos”. Ratzinger
também permanece na história
como aquele que, como carde-
al, denunciou “quanta sujeira
há na Igreja, e precisamente
também entre aqueles que, no
sacerdócio, deveriam pertencer
totalmente a Ele”. Bento XVI
também ficará na história pela
convivência inédita no Vaticano
com seu sucessor. Uma escolha
que, se no início suscitou muitas
perplexidades, viu os dois papas
também participarem juntos de
algumas celebrações públicas até
Ratzinger ter forças físicas. Bento
XVI, despojado de seu “guarda-
-roupa papal”, retribuiu o afeto
sincero que Francisco sempre
lhe demonstrou. Não se sabe
quem Ratzinger imaginou como
sucessor. No entanto, Bento XVI
prometeu “reverência e obedi-
ência incondicional” a qualquer
um que emergisse como papa
da Capela Sistina no último dia
de seu pontificado.
Joseph Ratzinger, grande te-
ólogo e cardeal, então bispo de
Roma com o nome de Bento XVI
por sete anos, dez meses e nove
dias (de 19 de abril de 2005 a 28
de fevereiro de 2013) e finalmente
papa emérito, chegou à casa do
Pai, após o período passado “no
monte” orando pela Igreja (assim
ele havia anunciado seu ministério
inédito, após sua “renúncia”). Ele
será lembrado (talvez acima de
tudo) como aquele que fez o gesto
revolucionário (e impensável até
um minuto antes do sensacional
anúncio em latim de 11 de feve-
reiro de 2013) de renúncia. 
Monsenhor André Sampaio é Vigário Episcopal para as
Irmandades e Prior da Ordem do Santo Sepulcro de
Jerusalém, Rio de Janeiro.
DEZEMBRO 2022 MISSÕES 7

Em 2022, 100 milhões
de pessoas foram
forçadas a se deslocar
VOLTA AO MUNDO
Assessoria de Imprensa
A
Guerra na Ucrânia e emergências
climáticas fizeram de 2022 um dos
anos mais desafiadores para pessoas
forçadas a se deslocar. Ao final de um
ano marcado por tantos momentos
impactantes, tiramos um momento para
lembramos de todas as pessoas que se
esforçaram para levar ajuda humanitária
aos quatro cantos do globo e todos aqueles
afetados por guerras, conflitos, perseguições
e violações de direitos humanos.
No dia 24 de janeiro, o congolês Moïse
Kabagambe foi brutalmente assassinado
em seu ambiente de trabalho no Rio de Ja-
neiro, com apenas 24 anos de idade. O caso
comoveu todo o Brasil, que se mobilizou
em solidariedade aos familiares do jovem
que chegou ao paíse em 2014 com a mãe e
os irmãos em busca de segurança contra a
violência que assola o país onde nasceu, a
República Democrática do Congo.
A Agência da Organização das Nações Unidas
para Refugiados (ACNUR) uniu-se à sociedade
civil em movimentos pela não discrimina-
ção de pessoas refugiadas, que resultou na
criação do Observatório da Violência contra
Refugiados, criada pelo Comitê Nacional
para Refugiados (CONARE).
Também no Rio de Janeiro, cerca de três
meses depois, 20 pessoas refugiadas de cinco
diferentes nacionalidades (Angola, Marrocos,
República Democrática do Congo, Síria e
Venezuela) conheceram o Brasil, o país que
os acolheu, sob uma perspectiva diferente:
8 DEZEMBRO 2022 MISSÕES
desfilando na Sapucaí em uma das principais
escolas de samba do carnaval carioca.
Ucrânia
O conflito com a Rússia deixou o mundo
em pânico com as perspectivas de uma
guerra nuclear, e em todo o globo os efei-
tos da guerra impactaram os preços de
combustíveis, alimentos e serviços. Mas
o maior custo foram as vidas impactadas
pela violência armada que forçou mais de
10 milhões de pessoas a fugirem de seus
lares em busca de proteção.
Em setembro de 2022, quase 18 milhões
de pessoas na Ucrânia precisavam de ajuda
humanitária, incluindo mais de seis milhões
deslocadas pelo conflito. Em novembro de
2022, mais de 7,8 milhões de refugiados da
Ucrânia foram registrados em toda a Europa.
Pelo 7° ano consecutivo, o mundo teste-
munha a curva crescente do número de
pessoas forçadas a se deslocar. Em junho,
os dados oficiais registraram a triste marca
de 100 milhões de refugiados, solicitantes
da condição de refugiado e deslocados
internos, ou seja, pessoas forçadas a se
deslocar por guerras, conflitos, perseguições
e violações de direitos humanos.
Parte do “acúmulo” dos números, ou a
razão pelas quais essas estatísticas apenas
crescem, deve-se não só ao surgimento
de novas crises, mas da não resolução de
crises antigas.
As mudanças climáticas estão reconfigu-
rando as formas e diretrizes de se pensar
deslocamento forçado e respostas emergen-
ciais, e em 2022 testemunhamos desastres
climáticos afetando gravemente populações
inteiras.
O caso mais emblemático foram as inun-
dações no Paquistão, que afetaram mais
de 33 milhões de pessoas – incluindo uma
parcela significativa de refugiados no país.
Entre Nigéria, Chade, Níger, Burkina Faso,
Mali e Camarões, já são 3,4 milhões de
pessoas afetadas também por enchentes
somente em 2022.
Estima-se que mais de 10 milhões no mundo
sejam apátridas, ou seja, não possuam na-
cionalidade, registro ou documentação que
comprovem sua existência, tornando essa
população especialmente marginalizada e
sem acesso a direitos básicos. 
Fonte: ACNUR
 Intenção Missionária
Pelas organizações de voluntariado.
Rezemos para que as organizações
de voluntariado e promoção
humana encontrem pessoas
desejosas de empenhar-se pelo
bem comum e procurem caminhos
sempre novos de colaboração a
nível internacional.
de Maria Emerenciana Raia
N
o mês de dezembro as pessoas ficam mais
suscetíveis à generosidade em função da
proximidade do Natal. O coração fica to-
cado, propenso a colaborar em ações de
voluntariado. Pensam com quem podem
contribuir e com quanto. Parece até que ficam mais
tocadas com as necessidades do irmão ou irmã.
Francisco pede que rezemos e atuemos em duas
intenções e direções: para que mais pessoas contri-
buam, seja com a mão na massa, ou financeiramen-
te. E ainda, que busquem ajuda em organizações
internacionais.
Mais que contribuição financeira, o que motiva
um voluntário é o engajamento e a empatia que a
causa produz, ou seja, a pessoa se identifica com
crianças que precisam ser cuidadas, idosos abando-
nados pela família, animais que se encontram em
situação de maus tratos ou vulnerabilidade, meio
ambiente que está sendo destruído, causando pro-
blemas ambientais que afetarão futuras gerações
etc. Encontramos Organizações Não Governamen-
tais (conhecidas como ONGs) para todos os perfis.
Importante que a pessoa que deseja contribuir de
alguma forma com essas Organizações, acompanhe
o trabalho. Procure uma ONG que seja séria, e que
realmente faça um trabalho de voluntariado que
ajude a causa que defende.
Rezemos para que sempre mais existam pessoas
que se deixem contaminar pelo “vício” do amor, e
possam empenhar-se pelo bem comum.
Organizações internacionais sérias podem aju-
dar ONGs que se encontram distantes, desde que
comprovem o engajamento efetivo com a causa
que defendem.
O Santo Padre destaca a importância da oração
para que o voluntariado seja fonte de solidariedade,
FREEPIK
carinho e responsabilidade, tanto para quem se
torna voluntário, como para quem recebe ajuda,
pois a finalidade de ambos é a mesma: tornar o
mundo mais humano e saudável, desenvolvendo
a generosidade, promovendo o bem comum. 
Maria Emerenciana Raia é editora da revista Missões.
DEZEMBRO 2022 MISSÕES 9
 ESPIRITUALIDADE

Do forte saiu doçura

e a pluma se fez esgrima

DIVULGAÇÃO
Quarto
centenário
da morte do
patrono dos
escritores e
jornalistas, São
Francisco de
Sales.

de Felipe de Azevedo Ramos

O
referido “forte” do título
deste artigo retoma o cé-
lebre enigma de Sansão
aos filisteus, aludindo
a um leão abatido pelo
herói e em cujo crânio formou-se
uma colmeia repleta de mel (Jz
14, 14). Símbolo da arte de escre-
ver, a pluma serve também para
“esgrimar” palavras, recordando
que os membros da renomada
Academia Francesa são conde-
corados com uma espada.
Tais atributos se aplicam intei-
ramente à personalidade de São
Francisco de Sales (1567-1622). O
santo savoia não tinha, por certo,
um temperamento forte e acerbo.
Pela virtude, porém, revestiu-o lação a desamparados, passando Francisco estudou com os je-
de doçura e benquerença: “Uma por exortações à prática da virtude suítas e formou-se em Direito
colher de mel – comentou certa até a apologética na defesa da fé Canônico e Civil na Universidade
vez – atrai mais do que um tonel e da verdade. Sua nota tônica, de Pádua. Deus, no entanto, o
de vinagre”. porém, era a constante caridade: chamava para a vida sacerdotal.
Além disso, muito “esgrimou” “A verdade – preconizou – que Após sua ordenação, foi desig-
com sua pena. Seu estilo literário não é caritativa procede de uma nado a uma missão em Chablais
percorreu desde cartas de conso- caridade não verdadeira”. (hoje território francês), onde

10 DEZEMBRO 2022 MISSÕES

calvinistas tinham rapidamente
conquistado a região.
Em 14 de setembro de 1594,
lançou-se numa épica aventu-
ra evangelizadora. Em Thonon,
pregou na única igreja que per-
maneceu católica. Com efeito, os
calvinistas, seja por medo, seja por
respeito humano, prometeram
que jamais o escutariam. Mas
nada o impediria de continuar
o seu apostolado, ainda que em
meio a calúnias – mais tarde o
acusariam de estar aliado a fei-
ticeiros... –, e até mesmo diante
de uma tentativa de assassinato.
Apostolado da imprensa
Eis que aqui nos deparamos
com o seu gênio: se o povo não
acorria a ele, devia o santo acudir
ao povo... Empenhou-se, então,
a transcrever seus sermões e a
distribuí-los de porta em porta,
à maneira de um periódico. De
fato, comentou o biógrafo Trochu:
“Se São Paulo vivesse em nossos
dias, ele seria um jornalista. Ora,
Francisco de Sales foi aquele que,
por primeiro, se tornou um deles.
Ele inaugurou o apostolado da
imprensa”.
Em seus vivazes artigos, pode-
-se notar algumas características
de um jornalista íntegro. Antes de
tudo, a sua incondicional busca
pela verdade, cuja transmissão
exige boa dose de perspicácia e
intrepidez. “A verdade – testemu-
nhou Santa Teresa de Jesus – nun-
ca desedifica ou causa dano”. Por
vezes, ele se utilizava do recurso
da ironia, sem, contudo, jamais
desvalorizar seu interlocutor. Pelo
contrário, até mesmo seus adver-
sários admitiam que ele primava
pela cordura.
Destarte, não escrevia “com o
fígado”, mas sim “com o coração”.
Contudo, se este estiver tomado
pela ira, ele propunha que a boca
fizesse logo um “pacto de silên-
cio”. Tal prudência é essencial a
escritores e jornalistas, pois evita
a transmissão de informações
Francisco de Sales nasceu em 21 de agosto de 1567 no Castelo
de Sales na nobre família dos Sales do Ducado de Saboia, terri-
tório onde hoje está Thorens-Glières, na Alta Saboia, na França.
Seu pai era François de Sales, senhor de Boisy, em Sales, e Novel.
Sua mãe era Françoise de Sionnaz, filha única de um proeminente
magistrado de linhagem nobre. O pai de Francisco queria que ele,
o primogênito de seis filhos, estudasse nas melhores escolas para
prepará-lo para a magistratura.
Em 1583, Francisco entrou para o Collège de Clermont (re-
batizado depois Lycée Louis-le-Grand) em Paris, uma instituição
jesuíta, para estudar retórica e humanidades. No ano seguinte,
esteve presente numa discussão teológica sobre predestinação e
se convenceu que estava condenado ao inferno, o que o colocou
numa profunda crise de desespero da qual só saiu em dezembro
de 1586. Durante este período, ficou tão doente a ponto de passar
um tempo na cama sem poder se levantar. No mês seguinte, em
janeiro de 1587, com grande dificuldade, visitou a antiga paróquia
de Saint-Étienne-des-Grès, em Paris, onde se ajoelhou em oração
perante uma famosa estátua de Nossa Senhora do Livramento (em
francês: Notre Dame de Bonne Délivrance), uma "Virgem Negra",
consagrou-se à Virgem Maria e decidiu dedicar sua vida a Deus
através de um voto de castidade. Em 1588, Sales completou seus
estudos em Clermont e matriculou-se na Universidade de Pádua,
na Itália, onde estudou direito e teologia. Seu diretor espiritual era
Antonio Possevino, um sacerdote da Companhia de Jesus, que o
ajudou em sua decisão de também ser ordenado padre.
precipitadas ou mesmo a deban- Seus textos foram compilados em
dada para puras murmurações. quase 30 volumes, destacando-
De fato, prognosticava o santo -se os livros Filoteia e Tratado do
que, se estas fossem expurgadas Amor de Deus. Sem embargo, a sua
da face da terra, um terço dos maior obra foi a sua própria vida.
pecados seria evitado... Morreu em 28 de dezembro
Instava ainda a evitar o supér- de 1622. Durante o seu embal-
fluo e a excessiva familiaridade no samento, a sua vesícula biliar foi
escrever. A pluma foi feita para encontrada cheia de cálculos, o
fazer voar os pensamentos, não que foi interpretado pela exímia
para se dedicar a futilidades; foi paciência ante os mais ásperos
feita, como sugere o título, para azedumes de sua vida. O seu co-
se transformar em florete quando ração, por sua vez, foi conservado
as circunstâncias exigem, sendo incorrupto, símbolo de seu amor
ele mesmo exemplo ao defender palpitante pela verdade.
os direitos eclesiásticos ante o Resta almejar que o santo pa-
Senado de Chambéry. droeiro dos escritores e jornalistas
Ordenado bispo em 1602, São continue a inspirá-los a desem-
Francisco de Sales dedicou-se por penhar o cume de sua missão, a
inteiro às ovelhas perdidas de saber, a falar de coração a coração
sua diocese, a ponto de ser cog- – cor ad cor loquitur –, conforme
nominado de “o Cristo amável o seu célebre aforismo. 
de Genebra”. O peso da púrpura
episcopal, entretanto, não o afas- Felipe de Azevedo Ramos é sacerdote e professor
tou das atividades de escritor. de Filosofia.
DEZEMBRO 2022 MISSÕES 11
 TESTEMUNHO
Descobrindo um
outro mundo
de Teresa Atieno
S
ou Teresa Atieno e cheguei
na Libéria, minha primeira
destinação missionária, em
9 de maio de 2022. Depois
de uma semana de minha
chegada, desenvolveu-se no país
a Visita Canônica da Direção Geral
do nosso Instituto às Comuni-
dades. Irmã Simona Brambilla,
Superiora Geral me encorajava e
me dava os conselhos para poder
começar bem esta missão. Ela me
sugeriu a imagem de um animal
muito particular, o camaleão, como
símbolo da missionária que entra
ARQUIVO PESSOAL
12 DEZEMBRO 2022 MISSÕES
Missionária da
Consolata brasileira
recebe primeira
destinação missionária
para a Libéria,
país do continente
africano.
em uma nova realidade. Achei
isso muito significativo para a
minha vida e para a missão que
estava começando. O camaleão
nos ajuda a compreender como
adaptar-se ao outro, como viver
o encontro entre diferentes cul-
turas e línguas e como acolher
o outro. Este animal tem muito
a nos dizer. Por exemplo, o seu
caminhar lento e compenetrado,
como se tivesse medo de estragar
o terreno que pisa e como se não
quisesse ofender nada e ninguém,
nos ensina que o descobrir e co-
nhecer o outro não é algo que se
realiza em uma semana ou num
mês. Essa descoberta e conheci-
mento requer tempo, espaço e
adaptação. O camaleão não perde
a própria identidade, assume a
cor do ambiente onde está, mas,
conserva a si mesmo: não deixa
de ser um camaleão!
O símbolo deste animal me
ajuda muito na aproximação da
realidade desta missão. Agradeço

muito as nossas irmãs que estão
me acompanhando na inserção
nesta realidade tão nova para
mim, sobretudo agradeço irmã
Abela que, durante alguns dias de
formação para a inculturação na
Libéria, me introduziu em ques-
tões muito profundas e delicadas
da cultura liberiana. Com ela tive
a oportunidade de encontrar-me
com alguns ‘chefes’ de aldeias não
muito afastadas de nossa casa,
e mantive com eles alguns mo-
mentos de condivisão muito rica.
Eles me ajudaram a compreender
as diversas culturas das diversas
etnias, por exemplo, a cultura da
comunidade “Bassa”, “Kpelle”,
“Kisii”... Eles me explicaram algu-
mas coisas que não devo fazer ou
dizer para não ofender as pessoas
e respeitar a sensibilidade local.
Ainda, condividiram comigo muitas
realidades íntimas e profundas
que se referem ao mundo espi-
ritual, aos rituais, aos mitos que
sustentam a visão do mundo e da
vida. Estes foram encontros muito
intensos, também desafiadores,
mas significativos e ricos.
Jornadas de formação
No mesmo dia, para conhecer
o ambiente e a cultura, irmã Abela
e eu fomos visitar uma aldeia e
encontramos algumas pessoas que
têm um papel espiritual na tradição
local. Também elas condividiram
muito sobre o seu mundo espiritual
e eu fiquei feliz porque compre-
endi coisas que eu não conhecia.
Eu fiquei verdadeiramente tocada
pela abertura destas mulheres e
homens que encontramos, pois,
condividiram o mais que podiam
sobre a sua cultura. Nós acolhemos
com respeito o fato de que nas
tradições das várias etnias existem
áreas mais profundas e secretas
que as pessoas não podem revelar.
A última destas jornadas de
formação foi enriquecida por um
encontro com Monsenhor Gabriel
Jubwe, Administrador Diocesano
da Arquidiocese de Monróvia, que
me fez conhecer em modo deta-
lhado a história da Igreja Católica
na Libéria, até os dias de hoje.
Nestas jornadas de formação
sobre a inculturação eu vivi mo-
mentos muito fortes e desafiado-
res, no confronto com coisas que
não sabia e com realidades que não
teria jamais imaginado de chegar
a conhecer, e momentos bonitos,
de maravilha e gratidão. Enfim,
posso verdadeiramente dizer que é
mesmo necessário uma formação
à inculturação e à interculturalida-
de para nós, especialmente antes
de empreender qualquer tipo de
atividade missionária num lugar
e entre um povo novo para nós.
Sinceramente estas jornadas
de formação e condivisão me
ajudam a compreender e a ler
mais em profundidade tudo o
que está acontecendo em nossa
missão. Agradeço ao Senhor por
esta oportunidade! Temos neces-
sidade de muita oração, porque
entrar em uma nova cultura e
conhecer os níveis mais profundos
desta realidade é uma coisa muito
séria e não fácil, e só a Graça de
Deus pode abrir o nosso coração
à reciprocidade. 
Teresa Atieno, Missionária da Consolata na Libéria, África.
DEZEMBRO 2022 MISSÕES 13
 FORMAÇÃO
Outros saberes:
a Educação Indígena
de Paulo Mzé
A
Constituição Federal de
1988 consagra em seu
Capítulo VIII – Dos índios
– dois potentes artigos, o
231 e o 232, nos quais há
a normatização de um conjun-
to de direitos fundamentais: os
direitos às diferenças étnicas e
culturais; direitos que asseguram
aos indígenas a condição de se-
rem sujeitos, rompendo-se com
a tutela. Afirmam-se ainda os di-
reitos territoriais por intermédio
da determinação de que a União
irá demarcar as terras – inclusive
com um prazo constitucional de
cinco anos, já vencido em 5 de
outubro de 1993.
Outro aspecto importante
a ser considerado, no contexto
das garantias constitucionais de
JAIME C. PATIAS
14 DEZEMBRO 2022 MISSÕES
Os Povos Indígenas
somam cerca de
900 mil brasileiros
espalhados em mais
de 118 milhões de
hectares demarcados.
1988, vincula-se à perspectiva
dos Povos Indígenas, seus aliados
e de alguns setores da sociedade
comprometidos com os direitos
humanos de buscar desconstruir,
no âmbito das políticas públicas,
as práticas racistas de integração e
assimilação dos Povos, a chamada
“Comunhão Nacional”.
Os direitos constitucionais em
vigor também receberam influên-
cias de normas jurídicas do passa-
do que procuraram, ao longo da
história, expressar que os povos
indígenas – primeiros habitantes
do Brasil – deveriam ser respei-
tados de algum modo. Assim se
tentou fazer da Carta Régia de 1680
e permanecendo, desta forma, ao
longo do período imperial com a
Lei de Terras, em 1850.
Depois, bem mais adiante, os
direitos foram sendo retomados e
referendados pelas Constituições
de 1934, 1937, 1946, 1967 e pela
emenda Constitucional de 1969.
Em 1973 institui-se a Lei 6001, o
Estatuto do Índio, onde se bus-
cou organizar e regulamentar os
direitos indígenas, ainda numa
perspectiva integracionista. Há que
se reafirmar, portanto que todas
as Constituições da era republi-
cana, ressalvada a Constituição
de 1891, que se omite quanto
à questão, abordam de algum
modo os direitos territoriais dos
Povos Indígenas: O ex-ministro do
STF Ayres Britto, no julgamento
do caso Raposa Serra do Sol-Pet
3388/RR trouxe os elementos do
indigenato para reafirmar os direi-
tos territoriais dos índios, dentre
os quais aquele que afirma: a
educação escolar diferenciada é
assegurada aos Povos Indígenas
(art. 210, parágrafo 2).
Vivemos nos últimos tempos
um período de profundos e graves
retrocessos políticos, econômicos,
trabalhistas e sociais, dentro dos
quais se impõem restrições ao al-
cance dos direitos fundamentais.
Não são poucas as medidas admi-
nistrativas, legislativas e judiciais
que impedem os Povos Indígenas
e as demais comunidades tradi-

ARQUIVO IMC
cionais de usufruírem dos direitos
humanos no seu cotidiano, em suas
relações sociais, étnicas, culturais,
religiosas, nas atividades econô-
micas, no âmbito das políticas
públicas, nas ações assistenciais
e garantias territoriais.
Mulheres e a luta por
uma educação escolar de
qualidade
As mulheres reunidas em Wa-
toriki, Roraima, passaram horas
avaliando a implementação de
processos de educação escolar em
suas comunidades, recordando
a história de sua implementação
nas aldeias e lamentando as con-
dições precárias atuais do ensino
que envolvem desde a ausência
de professores indígenas qua-
lificados/comprometidos até a
falta de material escolar básico,
como cadernos, lápis, quadro etc.
As indígenas afirmaram estar es-
perançosas com a possibilidade
de melhorias, dada a partir da
formação de um grupo de jovens
Yanomami no magistério Yarapiari
(aptos a partir da obtenção dos
seus diplomas, não apenas para
dar aulas para crianças, mas tam-
bém para serem contratados como
professores do Ensino de Jovens
e Adolescentes - EJA).
O barro e o giz
Célia Nunes Correa, 29 pós-
-graduanda no Mestrado Profis-
sional em Sustentabilidade da
Universidade de Brasília (UnB)
pesquisou as experiências de edu-
cação Xakriabá, um povo que vive
em 35 aldeias, com população
estimada em torno de 11 mil pes-
soas, cuja língua original pertence
ao tronco Macro Gê. Para isso, ela
trabalhou o conceito de memória
nativa, que é antiga, ancestral e
o de memória ativa, reativada a
partir de matrizes do passado, que
estão sendo permanentemente
atualizadas.
Na sua infância, quando não
existia escola na aldeia, Celinha
foi iniciada nas práticas culturais
por seus pais: dona Maria e o
líder indígena Hilário e pelo avô
José de Souza Freire, mestre na
linguagem cantada e na entoação
de versos – as loas. Esse foi “o
tempo do barro”.
Foram conhecimentos ad-
quiridos e experiências vividas
transmitidas pelos mais velhos
aos mais novos, importantes na
preservação e na construção da
identidade. As mãos que moldam
um pote ou uma panela de barro
trazem um pedaço do território
e toda a sua sabedoria. “A gente
aprendeu a plantar, coletar, fazer
artesanato, principalmente de
barro” – escreveu Célia.
O “tempo do giz” é marcado
pela chegada da escola, no início
uma ferramenta colonial de domi-
nação, que usou o apagador para
eliminar a memória indígena e para
suprimir os ancestrais processos
de aprendizagem. Com o quadro
assim apagado, o giz só escrevia
nele uma versão única da história
do Brasil.
Quando os Xakriabá percebe-
ram o caráter selvagem, truculento
e devorador da escola, decidiram
“amansá-la” para utilizá-la em
seu favor, com uma perspectiva
epistemológica singular, um ca-
lendário sociocultural próprio e
até o nome com que a escola era
batizada.
Antes, as escolas tinham nomes
de gente morta, de políticos, foi
uma conquista conseguir nomeá-
-la com uma palavra na língua
Xakriabá. Kanatyo Pataxó diz que
“as nossas escolas são lugares
de conhecimento vivo, por isso
não devem ter nome de pessoas
mortas, porque a escola tem que
inspirar a vida, assim o nosso co-
nhecimento também permanece
vivo. Foi assim que começamos a
amansar a escola”.
O secretário-executivo do Cimi
(Conselho Indigenista Missionário,
entidade vinculada à CNBB (Con-
ferência Nacional dos Bispos do
Brasil), Cleber Buzatto, conside-
rou, no ano passado, que os ex-
-candidatos, por exemplo, que ao
não tratar dos índios cometeram
“erro grave, ou desconhecem o
assunto ou não querem nenhum
compromisso”.
Destaca-se o fato de os Povos
Indígenas viverem permanente-
mente a situação de insegurança
jurídica. Convive-se afetivamente,
no que contrapõem ao governo e
suas políticas acabam sendo cri-
minalizadas. Nunca como antes os
promotores, os juízes, os tribunais,
a grande mídia e o fundamentalis-
mo político e religioso foram tão
essenciais para a manutenção e
segurança da ordem estabelecida
pelo sistema.
Paulo Mzé, imc, é Superior Regional dos Missionários da
Consolata no Brasil e diretor da revista Missões.
DEZEMBRO 2022 MISSÕES 15
 EXTRA

Povos Indígenas
e novo governo
Propostas dos Povos Indígenas rantindo saúde, educação, habitação e sustentabilidade
para o governo federal, que pela das comunidades; garantir assistência e proteção aos
indígenas em contextos urbanos; enfrentar, nas reservas
primeira vez na história, criou o indígenas, as violências internas em função das disputas
Ministério dos Povos Indígenas. de poder e pela exploração das terras; fortalecer, ou
retomar os programas de proteção aos defensores e
de Roberto A. Liebgott, Francisco E. Holanda e Ivan C. Cima defensoras de direitos humanos; enfrentar e combater
a violência, especialmente contra as mulheres.
Haverá, sem dúvidas, muita disposição para esse

O
governo Lula tem desafios enormes, mas preci-
sará, desde logo, apontar o caminho que deseja
seguir em relação aos Povos Indígenas. Durante
o processo de discussão, dentro do governo de
transição, os povos apresentaram uma série de
propostas que devem subsidiar o Ministério dos Povos
Indígenas, do qual Sônia Guajajara é a ministra.
Algumas das propostas
período de retomada das esperanças. Há um novo ardor
e sonhos que se mostram possíveis. Também haverá
disposição dos integrantes do novo governo – em relação
à causa indígena – e muitos caminhos possíveis estarão
estampados diante da governança. Alguns dos caminhos
se mostrarão alicerçados pelas espiritualidades, ances-
tralidades, diversidades, territorialidades, pelos direitos

DIVULGAÇÃO
discutidas e apontadas como
essenciais: fortalecimento do
órgão indigenista para que
reassuma as demandas de
demarcação, proteção e fisca-
lização das terras; revogação
dos obstáculos administrati-
vos, a exemplo das instruções
normativas01/2022,09/2020,
a Resolução 04/2021 da Fu-
nai e o Parecer 001 da AGU;
governo ser explícito quanto
à rejeição ao Marco Tempo-
ral e contra os projetos de
lei que restringem direitos
– PLs 191/2020, 490/2007
e PEC 215/2000; retomar as
demarcações de terras, com a
criação de um amplo grupo de
trabalho para analisar os procedimentos e identificar os humanos, justiça social e o Bem Viver. Outros estarão
encaminhamentos mais urgentes; enfrentar e comba- com as cores dos fascínios, das vaidades, privilégios e
ter as invasões de terras por madeireiros, garimpeiros, confortos dos cargos e palácios.
grileiros, fazendeiros e outros; romper com as práticas A escolha não é fácil, simples e sem sofrimentos.
de exploração das terras por arrendamentos; retomar Todavia, terá de ser feita. 
as ações de controle social em todas as instâncias, es-
pecialmente nas políticas de atenção à saúde, educação Roberto Antonio Liebgott, Francisco Eduardo Holanda e Ivan Cesar Cima são inte-
e gestão territorial; investir nas ações de assistência ga- grantes do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, Regional Sul.

16 DEZEMBRO 2022 MISSÕES

Balanço geral Família
consolata
da Redação

C
hegamos ao fim do ano
e, como em qualquer ad-
ministração, nós também
devemos fazer o nosso
balanço construtivo e pre-
ventivo. Hoje façamos o primeiro;
amanhã, o segundo. No balanço
construtivo, ponhamos o ativo e
o passivo.
O ativo – no ativo coloquemos
as graças recebidas, tanto na ordem
natural como sobrenatural.
Na ordem natural: a conserva-
ção, que é uma contínua criação.
Se Deus, por um instante apenas,
deixasse de pensar em nós, volta-
ríamos ao nada... No ano de 2022,
quantas pessoas passaram para
a eternidade! Depois, a saúde: Fim de ano e que passou. Somar, não subtrair.
quantos cegos, surdos, doentes!... Dai uma olhada no ano que
Se nós experimentamos algum começo de ano tendes pela frente. Que me acon-
sofrimento, este, aos olhos de nos lembra a tecerá este ano? Ignoro, mas sei
Deus, não foi um mal, mas uma que me acontecerá nada que não
graça... Todas essas são dádivas
importância de tenha sido previsto, regulado e
que recebemos e sobre as quais um balanço ordenado desde toda a eternidade.
nos devemos examinar.
Na ordem sobrenatural: a voca-
geral sobre Quero e aceito tudo sem colocar
restrições. Tal ato tem um grande
ção ao apostolado e a perseverança nossas atitudes e valor. Uniformemo-nos à vontade
nela. Um pouco de boa vontade em pensamentos. de Deus, não só em geral, mas
corresponder à vocação, alguma também nos mínimos detalhes e
vantagem na luta contra os defei- Creio que ninguém de nos poderá circunstâncias.
tos e sobretudo contra a paixão dizer isso, mas todos, certamente Eis como é importante fazer um
predominante, alguma mortifi- teremos algum déficit. A vontade bom planejamento! Se consagrar-
cação interna e externa... se algo que muitas vezes fraquejou... peca- mos a Nosso Senhor o começo da
pudermos realizar, agradeçamos dos graves, mas quantos pecados obra, ele nos ajuda a completá-la. O
a Nosso Senhor, porque, sem Ele, leves... Eis o nosso balanço consun- que formou e continua a formar os
nada podemos fazer, nem pouco tivo! As dívidas, talvez, superem as santos é a vontade, a boa vontade,
nem muito, nada! entradas; é preciso liquidá-las. é doar-se sem reserva ao serviço
O passivo – o passivo não con- de Deus. No serviço de Deus não
tém nada da parte de Deus. Mas, Ano Novo há excessos. Senhor, quero fazer
de nossa parte, quanta coisa! Que Dos 365 dias que Nosso Senhor tudo quanto mandardes, custe o
ninguém seja obrigado a dizer: Antes ainda me concede, já estamos nos que custar! 
eu era melhor! Que vergonha! Um primeiros. Contai se os méritos e
ano para quê? Um ano sem frutos! as virtudes aumentaram no ano Extraído de A Vida Espiritual, páginas 433 a 438.

DEZEMBRO 2022 MISSÕES 17

 60 anos de
Vida Religiosa
Parabéns irmãs atuou em vários hospitais onde as
irmãs trabalham, como Botucatu,
Rosa e Clotilde Votorantim (estado de São Paulo)
pelos 60 anos e Santa Catarina. Irmã Rosa nunca
trabalhou fora do Brasil.
dedicados à Na década de 80 do século
missão. passado, foi trabalhar em Roraima,
onde atuou em vários hospitais
da diocese, no interior, Surumu,
de Maria Emerenciana Raia área Wapichana e em Normandia,
onde trabalhou com sua compa-
nheira jubilar,
com malária. Passava dias fora.
Quando era perto, ia e voltava
no mesmo dia, duas vezes. A do-
ença dos Yanomami é diferente.
Eles acreditam que o espírito é
que manda a doença, então não
aceitam o remédio. Para malária,
levávamos biscoito salgado para
que tomassem junto”.
Em 1996, irmã Rosa presen-
ciou o tratamento do indígena
Sorino, atacado por uma onça,

A
s Irmãs Missionárias da irmã Clotilde que pode dar a José Allamano,
Consolata Rosa Áurea Orso (foto), o título de santo. “Eu sou teste-
Longo e Clotilde Orso ce- que comple- munha, quando ele chegou e foi
lebram 60 anos de Vida ta com ela 60 para Boa Vista, tinha uma parte do
Religiosa em 2023. anos de Vida crânio arrancada. Rezamos muito
Irmã Rosa Áurea (foto) atual- Religiosa esse por ele, pedindo ao Pai Fundador
mente mora no Jardim Consolata, ano. Na mis- que o curasse. Se ele morresse,
bairro da Cachoeirinha, zona nor- são do Catri- teríamos que sair de lá”.
te da capital, mani traba- Irmã Rosa afirma que ”nunca
São Paulo. lhou até 2001, se sentiu triste por ter escolhido o
Natural de 11 anos, com caminho da Vida Religiosa. Eu me
Erechim, RS, os Yanomami. realizei muito com o meu trabalho
irmã Rosa Por alguns problemas de saúde em Roraima, com os Yanomami.
nasceu dia foi para a área dos Macuxi onde Deus está me segurando com a
2 de janei- permaneceu até 2006, quando memória. Além de acompanhar as
ro de 1941 voltou para São Paulo, ainda por irmãs na questão da saúde, ajudo
e desde pe- problemas de saúde. com alguns outros trabalhos, as ce-
quena ma- “Na missão do Catrimani éra- lebrações de domingo, por exemplo.
nifestou o mos duas enfermeiras e atendí- Colaboramos em todos os sentidos
desejo de amos dia e noite os índios Ya- e necessidades. Meu apostolado
ser religiosa nomami. Eles não tinham mui- agora é em casa, rezando”.
missionária. tas doenças como os brancos, o Parabéns, Irmãs Rosa Áurea
Completou as etapas de sua for- mais comum eram tuberculose, e Clotilde Orso pelos 60 anos de
mação em sua cidade natal, em leishimaniose, viroses e malária. Vida Religiosa! 
Santa Catarina e São Paulo. Havia época em que íamos para
Fez o curso de enfermagem e o interior e todo o grupo estava Maria Emerenciana Raia é editora da revista Missões.

QUER
QUERSER MISSIONÁRIO?
SER MISSIONÁRIO? QUER
QUERSER MISSIONÁRIA?
SER MISSIONÁRIA?
TEL.: (11) 2238.4599 TEL.: (11) 2233.9330
E-mail: amv@consolata.org.br E-mail: mc@consolata.org.br

18 DEZEMBRO 2022 MISSÕES

 Missionários
Jubilares 2023
da Redação

A família
Consolata
celebrará o
ano de 2023
de maneira
especial por sete
missionários
jubilares! Seis
sacerdotes e um
irmão.

Dois sacerdotes festejam 50 anos de ordenação, são eles padres

Durvalino Condicelli (dia 9 de dezembro) e Célio Pedro Dornelles (dia
15 de dezembro).

O padre Giacomo Mena

e o Irmão Tarcisio Lot (sem
foto) celebram 60 anos de
profissão religiosa, ambos
no dia 2 de outubro.

Agradeçamos a Deus pela fi-

delidade desses missionários e
Três outros missionários celebram 50 anos de profissão religiosa. rezemos para que perseverem
São eles: padres Mário Alves Silva (9 de setembro), Moisés Roberto em sua vocação, contando com a
Facchini e Sérgio Weber (ambos em 22 de novembro). consolação de Nossa Senhora e do
Bem-aventurado José Allamano!

DEZEMBRO 2022 MISSÕES 19

 Advento, tempo de esperança
de Ana Margarete Silva diferença, limitando-se a dizer que escuta, amadurecer, orar, preparar,
é um tempo comum, que todo ano vigiar, esperança, perdão, recomeçar,

O
tempo de Advento sinaliza
que a esperança nunca se
acaba. É um momento forte
de mergulho na liturgia e
mística cristã.
Observando as pessoas nas co-
munidades humildes, despertou-me
a curiosidade em saber os pensa-
mentos e sentimentos delas, acerca
deste tempo litúrgico. Aproveitei a
oportunidade para tal, numa roda
de conversa. Com simplicidade e
sabedoria de vida, daquilo que ab-
sorveram nas homilias e nas novenas
em preparação ao Natal, a maioria
externou que o Advento é um tempo
especial para preparação do Natal
e de esperança de dias melhores.
Uma minoria demonstrou certa in-
é a mesma coisa, nada muda. Dona
Conceição, octogenária, rebateu e,
sabiamente, argumentou compa-
rando com a gravidez: nove meses
de preparação, cada uma diferente,
traz sua novidade, a expectativa de
nascer no tempo certo, sobre o sexo
do bebê; todos ao redor vivem esse
momento; não importa as dificulda-
des que a mãe enfrentou, o bebê será
motivo de alegria para a família. E
concluiu, Natal é preparar tudo de
coração e ter fé que Jesus virá. O
desenrolar da conversa foi acerca
das atitudes de espera e acolhimen-
to de Jesus no Natal, os desejos e
expectativas que se estendem até
a parusia. Palavras não definiriam,
mas resumo em: acreditar, mudar,
amor, caridade, respeito, renovação.
Que momento e tempo singular!
Pulsa no coração do povo a vontade
de viver, não lhe falta a esperança,
apesar das dificuldades impostas
pelosHerodesdehoje.Jesuscontinua
sendo boa notícia aos pequenos e
humildes. Advento é esperança que
temos na vida, esperança que se
renova, que nunca se acaba e nem
se apaga com o tempo. Com isto,
experimentei o que disse o papa
Francisco: “O Advento é tempo de
inversão de perspectivas, no qual nos
deixamos maravilhar pela grandeza
e misericórdia de Deus”. 
Ana Margarete Silva é Leiga Missionária da Consolata,
Comunidade Bem-aventurado José Allamano, Boa Vista, RR.

Ajude-nos e venha
fazer parte desta obra
Missões é o veículo de comunicação do Instituto Missões Consolata e retrata o trabalho missionário
de levar a consolação aos que sofrem, aos que andam tristes, aos que estão sem esperança.
Torne-se um missionário membro da família Consolata, mantendo o nosso trabalho,
contribuindo financeiramente.

Veja como é fácil:

DEPÓSITO BANCÁRIO

AG.: 545-2 AG.: 0355 AG.: 0386-7

C/C: 38163-2 C/C: 17759-3 C/C: 945-8

CHAVE: redacao@revistamissoes.org.br
Envie o Comprovante, junto com seu Nome,
Data de Nascimento, CPF, Endereço, Telefone e E-mail para:

Rua Dom Domingos de Silos, 110 - 02526-030 - São Paulo - SP - Telefax: (11) 2238.4595 - E-mail: redacao@revistamissoes.org.br

20 DEZEMBRO 2022 MISSÕES

 MISSÕES RESPONDE

Direito à vida
de Edson Luiz Sampel
Decisão equivocada do STJ
com relação às Católicas pelo

O
STJ, analisando recurso especial impetrado Direito de Decidir.
pela associação chamada Católicas pelo Direi-
to de Decidir, acaba de declarar que o Centro
Dom Bosco (CDB) não tem legitimidade para
postular em nome da Igreja. Assim, perde
efeito o veredicto do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo que, deferindo a petição do CDB, proibiu
que as abortistas usassem o nome “católicas”, haja
vista a cabal incompatibilidade entre o aborto e o
catolicismo.
Pelo que sei, o aborto ainda é crime no Brasil (Artigo
124 do código penal). Decidir o quê, então, podem
essas “católicas”? Existem três excludentes de antiju-
ridicidade, nas quais o delito de abortamento não é
punido; duas legais (“aborto sentimental” e “aborto
terapêutico”; artigo 128, I e II do código penal) e uma
jurisprudencial (aborto do feto anencefálico). Porém,
o ato perpetrado jamais perde o caráter infracional.
O legislador, numa ótica pragmática, ao excluir a an-
tijuridicidade, não pensou apenas nas hipóteses em
que, psicologicamente falando, não se consegue de
jeito nenhum manter a gravidez? Não vou aprofundar
esta nuança! Fiquemos com o problema da alegada
ilegitimidade processual do CDB.

Interesse de agir
Infelizmente, o egrégio tribunal superior não se
ateve ao Codex Iuris Canonici (código canônico), re-
conhecido pelo direito civil como espécie de estatuto
da Igreja Católica. Aliás, tudo indica que os eminentes
julgadores confundem Igreja com hierarquia eclesiás-
tica. Ora, o cânon 207, parágrafo 1º, reza que a Igreja
é composta de clérigos e leigos; não só clérigos. Eis
a tradução do referido dispositivo legal: “Por insti-
tuição divina, entre os fiéis há na Igreja ministros
sagrados, que no direito se denominam clérigos;
os demais se chamam leigos.” Desta feita, o Centro
Dom Bosco (CDB), malgrado o vezo tradicionalista,
ainda assim, a meu ver, teria o que no processo civil
se intitula “interesse de agir” e, por conseguinte,
fruiria de legitimidade para figurar no polo ativo da
demanda judicial.
Nada obstante, há algumas perguntas pendentes.
Ajuizou-se a ação contra a entidade Católicas pelo
Direito de Decidir na Comarca de São Paulo. Por que,
então, a Arquidiocese de São Paulo não postulou
como coautora ou não interveio na fase recursal
no Tribunal de Justiça? Este expediente atenderia
ao quesito da legitimidade processual. De qualquer
maneira, o CDB chegou a interpelar as autoridades
eclesiásticas, invitando-as e concitando-as para uma
liça jurídica que visava a coibir o uso absurdo do termo
“católicas”em empresa tão antagônica à moral? Afinal
de contas, qualquer diocese do país poderia encetar
o processo. Há decerto bispos que não titubeariam
um instante em integrar lide tão honorável. Por que
a conferência episcopal (CNBB) não participou do
feito já que, em uma nota pública veiculada em 2008,
exprobra tal associação feminista? 
Edson Luiz Sampel é Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico da 116ª
Subseção da OAB-SP. Professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina.

DEZEMBRO 2022 MISSÕES 21

 FÉ EM AÇÃO

O “revogaço” ambiental
que o Brasil precisa
Após quatro anos de desgoverno na área ambiental, é
necessária uma reversão total na política ambiental.

em pé e de colocar em ação uma

FOTOS: FREEPIK

de Marina Helou e Marcus Eduardo de Oliveira

verdadeira e consistente política
de sustentabilidade, valor capaz de

É
devolver o equilíbrio planetário.
chegado o momento de
reconstruir a política am- Medidas anti-ambientais
biental global, a partir da Nessa mesma direção, urge
necessária recuperação da revogar pelo menos 80 medidas
Floresta Amazônica (e seu anti-ambientais conduzidas por
imprescindível papel na manuten- um governo marcado pelo desa-
ção de serviços ecológicos) e de pego à realidade socioambiental.
práticas de desenvolvimento que Por exemplo: Adote um Parque,
dialoguem, protejam e respeitem política vazia que deixou a cargo
o meio ambiente, com participa- do setor privado a gestão de uni-
ção permanente com a socieda- dades de conservação, mas que,
de. Com efeito, talvez cada uma na prática, não aconteceu. Importa
dessas ações interligadas – isto é, ainda revogar em caráter de ur-
reconstrução e desenvolvimento gência normas que dificultaram a
social, humano, econômico - se- aplicação e a cobrança de multas
jam, entre tantas outras, as que ambientais por parte do Ibama.
mais clamam urgência no futuro Outro exemplo é o Programa Lixão
e tão desejado governo Lula 3. No Zero, que, apesar de apoiar estados
âmbito da questão ambiental, o e municípios para a melhoria da
compromisso-chave já está deline- gestão de resíduos sólidos, traz
ado: fazer um amplo “revogaço” suprimir de vez aquilo que os retrocessos imensos ao estimular a
ambiental logo de início. Quer ambientalistas (vozes que foram adoção de tecnologias obsoletas e
dizer, novas regulações, ajustes abafadas nesses últimos tempos) poluentes, abandonadas na Euro-
e mesmo revogação (reversão vêm chamando de “legado tóxico” pa e nos EUA, como a incineração
total) imediata. da política ambiental de Bolsonaro, dos resíduos para gerar energia.
A começar por resgatar o espa- o que inclui aumentar a proteção De tal forma que esse “revogaço”
ço da sociedade civil no Conselho da biodiversidade e instituir uma ambiental marcará triunfalmente
Nacional de Meio Ambiente (CO- nova relação com os povos ori- o início da nova gestão Lula e
NAMA) – de 11 cadeiras existentes, ginários e quilombolas. O outro Marina Silva (detalhe importan-
a dupla Bolsonaro-Salles reduziu nome disso, assim sabemos, é te: enquanto escrevemos essas
para apenas quatro. E não é só prosperidade inclusiva, e tem a linhas, a ex-Ministra ainda não
isso. É preciso voltar a fortalecer ver com novos valores e compor- foi oficialmente anunciada como
os órgãos de proteção ambiental, tamentos. titular da pasta que a consagrou
escandalosamente enfraquecidos Na prática, isso não é um mero como uma das principais lideran-
durante o desgoverno dos últimos detalhe. Estamos falando da saúde ças internacionais em matéria de
anos. É igualmente importante do planeta, de manter a floresta meio ambiente). Ademais, no rol

22 DEZEMBRO 2022 MISSÕES


de mais ações esperadas, a atuali-
zação (leia-se, uma nova diretriz)
do ICMbio (Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversida-
de) e do próprio Ibama (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e de
Recursos Naturais Renováveis)
contam com atenção especial.
Ainda assim, a ação/tarefa que
mais exige pressa diz respeito,
sobretudo, a organizar medidas de
segurança humana, de combate
às mudanças climáticas e de de-
fesa da maior floresta tropical do
mundo, cuja criminosa destruição
(queimadas e desmatamentos
que batem recordes ano após
ano) está em crescimento des-
de 2017 — foi de 73% a taxa de
desmatamento nos três primeiros
anos do governo Bolsonaro. Tema
central, inútil dizer às claras que
restaurar ecossistemas de alto
carbono, como é o caso de flores-
tas, é de fundamental importância
como iniciativa internacional para
mitigar as mudanças climáticas.
Para que se eliminem dúvidas, o
que estamos dizendo abertamente
diz respeito à regeneração do pla-
neta. Sob esse nobre sentimento,
recordemos a mensagem do papa
Francisco, anunciada em abril de
2021, mas sempre atual: “é pre-
ciso cuidar da natureza para que
ela cuide de nós”. Por isso, vale
observar com cuidado, organi-
zar uma força-tarefa envolvendo
outros ministérios, notadamente
o da Agricultura e da Segurança
Pública, e olhar com mais aten-
ção para os outros biomas do
país (especialmente o Cerrado
e o Pantanal), integra, de modo
prático, um conjunto de ações que
vise resgatar de vez o Brasil para
a condição que sempre ocupou e
que foi perdida diante da chegada
desastrosa de Bolsonaro ao poder:
protagonista da pauta ambiental
global. Está no radar das próximas
ações propositivas retomar as
negociações e “recuperar” o co-
legiado (comitê e grupo técnico)
que faz a gestão do Fundo Ama-
zônia, descongelando o montante
de R$ 3,6 bilhões repassados por
Noruega e Alemanha. Não menos
importante, é a questão urbana,
das cidades, onde vivem mais de
80% da população brasileira. É nas
cidades onde os efeitos negativos
das mudanças climáticas serão
mais sentidos - e, principalmente,
pela população que já se encontra
em situação de vulnerabilidade:
quem vive nas regiões periféricas
das grandes cidades. Aliás, pe-
las mãos de Marina Silva, já foi
encaminhado um pedido formal
a John Kerry (enviado especial
dos Estados Unidos para o clima)
para que o país liderado por Joe
Biden passe a contribuir com o
Fundo. Dinamizar esse Fundo,
bem sabemos, é tarefa-chave.
De 102 projetos apoiados pelo
Fundo Amazônia (criado em 2008),
apenas 47 já foram concluídos.
Há muito ainda por fazer e a hora
é essa. Por último, mas não por
fim, superando desafios inédi-
tos e sepultando de vez quatro
“trágicos” anos de escuridão de
governo Bolsonaro, alimentado
por uma militância extremista que
mais se assemelha a uma seita de
lunáticos que ajudou a transformar
a pauta ambiental doméstica em
agenda ideológica, o novo Bra-
sil de Lula e Marina, e de todos
os brasileiros que sustentaram a
frente ampla pela democracia,
volta a ter compromisso com a
realidade, e, mais do que isso,
volta a recuperar a imagem do
país, especialmente para a luta de
todos: o desmatamento zero na
Amazônia. Justamente por isso,
ao reinserir o Brasil na arena in-
ternacional, quem sabe sejamos
recompensados com a COP30 (em
2025) aqui em nosso pedaço de
chão, recebendo as nossas cores e
o nosso jeito especial de organizar
a questão ambiental. 
Marina Helou é Deputada Estadual pela REDE SUSTEN-
TABILIDADE (São Paulo). Eleita para o segundo mandato
(2023-2026). Formada em Administração Pública pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), com especialização
em negócios e sustentabilidade pela Fundação Dom
Cabral / Cambridge University.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista
ambiental. Especialista em Política Internacional pela
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
(FESP-SP). Mestre em Integração da América Latina
(PROLAM) pela Universidade de São Paulo (USP). Autor
de Civilização em Desajuste com os Limites Planetários”
(CRV, 2018), entre outros.
DEZEMBRO 2022 MISSÕES 23
 DESTAQUE

Original, não
O Bem-aventurado
Carlos Acutis foi
escolhido para
ser o protetor dos

fotocópia
Missionários e das
Missionárias da
Consolata em 2023.

de Redação

P
ara o ano de 2023, os mis-
sionários e as missionárias
da Consolata escolheram
o Bem-aventurado Carlos
Acutis como santo padroei-
ro. A razão que os levou a tal escolha
foi a sua vida simples e profunda, o
seu amor apaixonado pela Eucaristia,
a sua assídua frequência da Palavra,
a sua relação íntima e delicada com
Maria, a relevância da sua pessoa
e experiência, e a sua abordagem
frutuosa e madura do mundo da
comunicação como uma dimensão
a ser habitada e onde semear o
Evangelho.
Carlos, filho de Antónia Salzano
e André Acutis, membro de uma
conhecida família de Turim, nasceu
aos 3 de maio de 1991 em Londres
onde os seus pais viviam tempora-
riamente por razões de trabalho. Um
mês após o nascimento de Carlos
a família transfere-se para Milão
por causa do trabalho do pai, e aí o
pequeno Carlos frequenta a escola
primária das Irmãs Marcelinas e
depois o liceu clássico 'Leão XIII',
dirigido pelos jesuítas.

Curiosidade vivaz
Desde cedo, Carlos mostra uma
característica típica do seu caráter:
uma grande curiosidade sobre o
mundo que o rodeia, sobre o mis-
tério da vida e especialmente sobre
questões religiosas. Esta sua curio-
sidade induz a mãe a frequentar
um curso de teologia para poder
satisfazer as perguntas que o filho
lhe faz à medida que vai crescendo.

24 DEZEMBRO 2022 MISSÕES


FOTO: GREGORIO BORGIA/AP
A sua curiosidade é acompanhada
por uma inteligência viva e proativa.
Carlos apaixona-se pelo mundo da
informática, estuda-o, lê livros sobre
engenharia informática e, quando
consegue compreender os segredos
da rede, utiliza esses conhecimentos
para ajudar os seus amigos, especial-
mente os mais fracos. Toma como
modelos de vida alguns jovens san-
tos como os pastorinhos de Fátima,
Francisco e Jacinta Marto, Tarcísio,
Luís Gonzaga e Domingos Sávio.
Mesmo no estudo do catecismo,
Carlos destaca-se pela sua atenção
e mostra uma certa facilidade em se
familiarizar com o mistério de Deus.
Amor à Eucaristia
Aos sete anos de idade, faz a
Primeira Comunhão. A partir daí,
diz a sua mãe, "nunca faltou à Mis-
sa diária e à recitação do santo
Rosário". Estava tão fortemente
apaixonado pela Eucaristia que se
tornou um verdadeiro apóstolo
dela, não só para os seus amigos,
colegas e crianças, quando passou
a ser catequista, mas também para
a sua comunidade, manifestando
uma delicada sensibilidade cristã
que se tornou uma das caracterís-
ticas mais fascinantes da sua vida.
O adolescente Carlos Acutis, em
palavras simples, mas muito signi-
ficativas, gostava de repetir, como
um slogan: “A Eucaristia é a minha
auto-estrada para o céu”.
A doença fulminante
Infelizmente, a história terrena
do jovem Carlos não durou muito.
No início de outubro de 2006,
sentiu-se doente. Inicialmente
pensava-se que fosse uma simples
febre ou uma gripe normal, mas
a persistência dos sintomas e os
subsequentes testes médicos le-
varam a um diagnóstico sinistro:
leucemia 3 tipo M3, incurável.
Carlos foi internado no Hospi-
tal San Gerardo em Monza. Ao
entrar, disse à sua mãe: "Nunca
mais sairei daqui", afirmação feita
com uma profunda intuição pro-
fética. Nos dias que passou no
hospital, apesar das fortes dores
que o afligiam, Carlos nunca se
queixava, de fato, às enfermeiras
que lhe perguntavam como esta-
va, respondia sempre: "Bem, há
pessoas que estão pior do que eu.
Por favor, não acordem a minha
mãe que está cansada e se pre-
ocuparia". Agora consciente do
seu fim iminente, faz a sua última
oferta: "Ofereço ao Senhor os
sofrimentos que terei de suportar
pelo papa e pela Igreja, para não
ter de ir para o Purgatório e poder
ir diretamente para o Paraíso".
Aos 9 de outubro, pede a unção
dos enfermos e três dias depois,
no dia 12, falece pacificamente,
juntando-se àquele Cristo que
tanto tinha amado na sua curta
vida.
Original, não fotocópia
Carlos gostava de repetir: "O
nosso objetivo deve ser o infinito,
não o finito. O infinito é a nossa
pátria. Somos desde sempre es-
perados no Céu". E também dizia
frequentemente: "Todos nascem
como um original, mas muitos
morrem como uma fotocópia". A
fim de avançar para este objetivo
e não acabar por "morrer como
fotocópia", Carlos dizia que a nossa
bússola deve ser a Palavra de Deus,
com a qual temos de nos confrontar
todos os dias. Estava convencido de
que para um objetivo tão elevado,
tinham de ser empregues meios
muito especiais: os sacramentos
e a oração. Em particular, Carlos
colocava o sacramento da Eucaristia
no centro da sua vida.
O milagre
Aos 12 de outubro de 2010, en-
quanto se celebrava a comemoração
de Carlos na paróquia de Nossa Se-
nhora Aparecida em Campo Grande,
Brasil, no momento da bênção com
uma das suas relíquias, um homem
aproximou-se do celebrante com o
seu filho nos braços. O menino sofria
de pâncreas anular, uma doença
rara, que fazia com que a criança
vomitasse continuamente, mesmo
que só ingerisse líquidos. Chegando à
relíquia, o menino perguntou ao pai
o que devia dizer e este respondeu:
"Pede-lhe para deixar de vomitar".
Ao beijar a relíquia, a criança repetiu
as palavras "deixar de vomitar". A
partir desse momento, os vômitos
pararam permanentemente. Em
fevereiro de 2011, os pais subme-
teram a criança a novos exames
médicos e verificou-se que estava
total e inexplicavelmente cura-
da. Este milagre foi reconhecido
como válido pelas Comissões da
Congregação para as Causas dos
Santos em vista da beatificação de
Carlos, ocorrida em 10 de outubro
de 2020, em Assis. 
Com informações das Direções Gerais dos Institutos Missões
Consolata e Missionárias da Consolata.
DEZEMBRO 2022 MISSÕES 25
 CIDADANIA
Somos seres
relacionais
de Fátima Bazeggio
N
ascemos em uma família, que vive inserida em
uma sociedade, que em geral, pertence a algum
tipo de comunidade cultural, social, religiosa
ou política. Portanto somos seres relacionais; a
relação entre o indivíduo e a sociedade reflete
no desenvolvimento das pessoas, assim como trazem
mudanças significativas, como normas, hábitos e cos-
tumes. Viver em sociedade requer criar vínculos com
outras pessoas tanto na família como no trabalho e escola.
O avanço tecnológico e as redes sociais desfizeram
relações que antes eram sólidas e que se tornaram
vulneráveis, da mesma forma que amizade e amor
tomaram forma temporária e passageira.
Vivemos tempos que indicam o que temos que
observar para reavaliar a cultura do provisório e do
descarte que nos rodeia e propor questões vitais, para
seguir na busca do essencial, para ressignificar nossa
vida em vista do futuro.
O desprezo que assistimos pela preservação da natu-
reza e com o planeta, as guerras e a fome, a pandemia
e a falta de políticas públicas para levar dignidade ao
JCOMP NO FREEPIK
26 DEZEMBRO 2022 MISSÕES
O desprezo que
assistimos pela
preservação da
natureza e com o
planeta, as guerras e
a fome, a pandemia
e a falta de políticas
públicas para levar
dignidade ao pobre,
tudo isso demonstra
que vivemos uma
grande crise nas
relações humanas.
pobre, tudo isso demonstra que vivemos uma grande
crise nas relações humanas.
É incrível se pensar que depois dos anos de isolamento
social com suas graves consequências, as pessoas ainda
não se deram conta que a proximidade, a fraternidade,
a amizade, o respeito e os cuidados são e serão o único
caminho para sair de qualquer crise, seja ela existencial,
humanitária ou ecológica.
A Igreja no Brasil através da Campanha da Fraternidade
para o ano de 2023 vem alertar para a grave situação
da fome e a partir de um levantamento dessa triste
realidade, aponta saídas que só serão possíveis através
da união entre pessoas, grupos e sociedade em geral.
Temos visto o encontro de igrejas de diversas confis-
sões, que ainda hoje levantam sua voz, para denunciar
as fortes crises humanitárias e alertar para a necessidade
da união entre pessoas de boa vontade e povos para
que cessem as guerras, a violência e a fome.
O ser humano traz em si o germe do
amor e da bondade que constantemente
se revela, em atitudes solidárias e que não
só são admiradas, como também reprodu-
zidas e repassadas. Somos seres dotados de
inteligência e espiritualidade e essas duas
forças estão à nossa disposição, para nos
conectar com o mundo e com o sagrado,
na busca do sentido de nossa existência,
como sementes de vida e de esperança.
”O ser humano não se realiza nem se
desenvolve para encontrar sua plenitude a
não ser por um sincero dom de si mesmo
aos outros”. (GS 24) 
Fátima Bazeggio é Leiga Missionária da Consolata, comunida-
de São Paulo.
 BÍBLIA

O Reino de Deus
está próximo!
“Até a poeira da vossa cidade que

FREEPIK
se grudou aos nossos pés, nós a
sacudimos para deixá-la para vós.
Sabei, no entanto, que o Reino de
Deus está próximo”. (Lc 10,11)
de Mauro Negro

J
esus enviou os discípulos para serem apóstolos.
Discípulo é quem segue o Mestre. Apóstolo
é o seu anunciador, que vai à sua frente para
preparar os caminhos, declarando a sua che-
gada. É o missionário! A Igreja assumiu esta
dupla identidade de discípulos-missionários: as duas
realidades são uma coisa só, uma única expressão do
fato de ser cristão e viver na busca do Reino de Deus.
Neste versículo de Lucas nós lemos uma parte do
discurso dito aos discípulos enviados em missão. Eles
devem anunciar o Evangelho, propor a Salvação que
se inicia com uma decisão pessoal e se desenvolve
no estabelecimento de novos modos de vida, de ação
e de comportamento. Isso é chamado de “reino”
ou “reinado de Deus”. Algo difícil de entender, pois
facilmente confundido com um projeto político ou
ideológico. Na realidade, o Reino de Deus é algo para A liberdade implica conhecimento, comprometi-
além do tempo e da história, mas começa neste tem- mento com a vida. Se com a liberdade o ser humano
po e faz uma história. Em alguns momentos isso foi rejeita a providência de Deus, então ele é responsável
visível: situações em que o Evangelho foi estabelecido por isso. Talvez seja o sentido da palavra de Jesus: “Até
de fato na vida da sociedade ou de alguns grupos. a poeira da vossa cidade que se grudou aos nossos
Mas a dinâmica da história é de transformação: as pés, nós a sacudimos para deixá-la para vós”. É pos-
coisas, pessoas, lugares e processos mudam, e preci- sível reconhecer a Deus na história, mas nem sempre
sam sempre ser evangelizados, iluminados com uma é desejado reconhecê-lo e, menos ainda, aceitá-lo.
luz que vai além da história e do tempo. O “Reino de Deus está próximo!” Ele está nas
ações renovadas pelo Evangelho, nas gentilezas do
Proposta de caminhos cotidiano, nos pequenos heroísmos, na rejeição do
Jesus é objetivo na sua percepção: ele sabe que mal, da violência, da propaganda enganosa. Ele está
alguns aceitarão, outros não. Deus não impõe sua no desejo e nos esforços de tornar o mundo mais
vontade, o que seria um modo de “destino”, mas favorável para a esperança, para a misericórdia. E na
ele propõe caminhos, o que é “providência”. Ao ser decisão de lutar contra o mal, pela verdade. 
humano, ligado às suas realidades, cabe aceitar ou
não, com liberdade. Mauro Negro, OSJ Biblista, PUC São Paulo - mauronegro@uol.com.br

DEZEMBRO 2022 MISSÕES 27

 Lula eleito presidente do Brasil
pela terceira vez
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito
pela terceira vez como presidente da Re-
pública. Ele venceu Jair Messias Bolsonaro
(PL), que pleiteava a reeleição no segundo
turno das eleições gerais de 2022.
Às 19h56 do domingo, 30 de outubro,
com 98,91% das urnas apuradas, Lula foi
considerado eleito após receber 59.563.912
de votos (50,83% dos votos válidos), con-
tra 57.675.427 votos (49,17% dos votos
válidos) de Bolsonaro.
O número de votos válidos, até aquele
horário, foi de 117.305.567. Foram regis-
trados 1.751.415 votos brancos (1,43%) e
3.889.466 votos nulos (3,16%). A abstenção
VOLTA AO BRASIL
chegou a 20,90%.
Luiz Inácio Lula da Silva, 77 anos, é na-
tural de Garanhuns (PE) e concorreu pela
coligação Brasil da Esperança (formada por
FE Brasil (PT/PCdoB/PV) / Solidariedade /
Federação PSOL-Rede / PSB / Agir / Avan-
te / Pros). Presidente da República entre
2003 e 2010, ele é casado com Rosângela
Silva, Janja, e tem como vice-presidente
o médico e ex-governador de São Paulo,
Geraldo Alckmin.
Morre Pelé, o Rei do Futebol
No dia 29 de dezembro de 2022 morreu
Pelé, o maior jogador da história, aos 82
anos.
Aberto ao público, o velório foi realizado
das 10h do dia 2 de janeiro de 2023 até
10h de terça, na Vila Belmiro, em Santos,
SP. O enterro, restrito aos familiares, se
deu no Memorial Necrópole Ecumênica,
também em Santos, na terça, 3 de janeiro.
O Atleta do Século estava internado
desde 29 de novembro no hospital Al-
bert Einstein, em São Paulo. A interna-
ção ocorreu em virtude de uma infecção
respiratória após ele contrair Covid-19 e
para a reavaliação do tratamento de um
câncer no cólon.
O Hospital confirmou com pesar o fale-
cimento de Edson Arantes do Nascimento,
o Pelé, às 15h27, em decorrência da fa-
lência de múltiplos órgãos, resultado da
progressão do câncer de cólon associado
à sua condição clínica prévia. Pelé passou
por uma cirurgia no cólon em setembro de
28 DEZEMBRO 2022 MISSÕES
2021 e desde então vinha sendo submetido
a repetidas sessões de quimioterapia. No
início de 2022, foram detectadas metásta-
ses no intestino, no pulmão e no fígado.
Pelé teve sete filhos e estava casado
desde 2016 com Márcia Aoki. Do primeiro
casamento, com Rosemeri Cholbi, nasce-
ram Kely Cristina, Edinho e Jennifer. O ex-
-jogador também é pai dos gêmeos Joshua
e Celeste, de seu relacionamento com a
psicóloga Assíria Lemos. Além desses, Pelé
teve duas filhas fora do casamento: Sandra
Regina, que só obteve o reconhecimento
da paternidade pela Justiça e morreu em
2006, e Flávia.
Em toda a carreira, Pelé fez 1.282 gols
em 1.364 partidas na contabilização feita
pelo Santos. Nas redes sociais, o Rei dizia
ter feito um a mais, 1.283.
O garoto Edson ainda não tinha com-
pletado 10 anos quando viu o pai, Dondi-
nho, chorando ao lado do rádio. A seleção
brasileira havia acabado de ser batida pelo
Uruguai na dolorosa derrota do Maracanã,
na final da Copa de 1950, enterrando o
sonho de toda a nação de ser campeã do
mundo. Aquelas lágrimas levaram Dico,
como era chamado na casa dos Arantes do
Nascimento, em Bauru, a uma promessa:
ganharia um Mundial para o pai se ele
parasse de chorar.
Dico pouco depois se transformaria em
Pelé (apelido que surgiu em homenagem
a Bilé, goleiro do Vasco de São Lourenço
(MG), onde o pai jogou antes de chegar
a Bauru) e cumpriria aquele juramento:
venceria não só uma, mas três Copas. Com
sobras, ainda se tornaria o maior jogador
de futebol de todos os tempos, ícone má-
ximo de um esporte que, para muitos, é
religião. Virou Rei, conquistou o mundo,
e hoje seus súditos choram a sua morte,
aos 82 anos.
Levará consigo marcas que talvez nunca
sejam superadas. É o único tricampeão do
mundo – a primeira taça vencida ainda
como adolescente, aos 17 anos, na Suécia
–, contou 1.281 gols, 95 deles pela Seleção,
numa carreira de 21 anos que começou no
Santos, em 1956, e terminou no Cosmos,
de Nova York, em 1977. 
Fontes: Portal TSE, Uol
 Seja um mantenedor
desta Obra Missionária

Saiba mais

www.revistamissoes.org.br
colabore
Expediente
Diretor: Paulo Mzé Editora: Maria Emerenciana Raia Equipe de Redação: Benildes C. Capellotto, Fátima Bazeggio, José Brás
Colaboradores: Mauro Negro, Marcus E. de Oliveira, Nei A. Pies, Edson L. Sampel e Jaime C. Patias
Agências: Adital, Asia News, CIMI, CNBB, Ecclesia, Fides, POM, Misna e Vaticano
Diagramação e Arte: Cleber P. Pires Jornalista responsável: Maria Emerenciana Raia (MTB 17532)
Edição Digital - Administração: Sandro Dalanora Sociedade responsável: Instituto Missões Consolata
(CNPJ 60.915.477/0001-29) - Colaboração anual: R$ 75,00 BRADESCO - AG: 545-2 CC: 38163-2 Instituto Missões Consolata (a publicação anual de Missões
é de 10 números) MISSÕES é produzida pelos Missionários e Missionárias da Consolata - Fone: (11) 2238.4599 - São Paulo/SP / (11) 2233.9330
- São Paulo/SP / (95) 3224.4109 - Boa Vista/RR
Endereço: Rua Dom Domingos de Silos, 110 - 02526-030 - São Paulo - Fone/Fax: (11) 2238.4595
Site: www.revistamissoes.org.br - E-mail: redacao@revistamissoes.org.br