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EDITORIAL

SUMÁRIO
FÉ, CONSCIÊNCIA OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023/03

E COMPROMISSO

N
esta edição, a Revista mergulha em temas
que ecoam a riqueza da experiência religiosa
e social, convidando-nos a refletir sobre a in-
terseção entre fé, consciência e compromisso
comunitário.
A XXVII Romaria Nacional da Pastoral Afro-brasileira,
realizada em Aparecida, iluminou o início das comemo- Na simplicidade da família,
rações do Dia da Consciência Negra, em novembro. Um encontramos a divina
essência do amor.
encontro que não apenas celebrou a fé, mas também
Foto: Freepik
reafirmou a importância da pluralidade étnica e do res-
peito à diversidade, convidando todos a honrar a história
e as contribuições da comunidade afrodescendente.
O terceiro Ano Vocacional brasieiro nos desafiou  ATUALIDADE----------------------------------------------03
Pastoral Afro e a Mãe Negra Aparecida
a reavivar em nossos corações o chamado de Cristo, Jacques Kwangala Mboma
convidando-nos a mergulhar mais profundamente no  ESPECIAL -------------------------------------------------04
seu Mistério. Foi uma oportunidade de reflexão sobre Entre os indígenas da Venezuela
nossa aceitação e compromisso com os ensinamentos Juan Carlos Greco
e valores que Ele nos oferece.  JUVENTUDE----------------------------------------------06
Quer uma Igreja jovem? Jovem, seja Igreja!
Refletimos também sobre a fome estrutural, tema Héctor Elias e Fabricio Garcia
crucial em nossa sociedade. No último artigo da série,  FÉ EM AÇÃO---------------------------------------------08
Roberto Malvezzi destacou o papel fundamental do Pensamentos de Natal
Márcio Mariano Moreira
Movimento Sem Terra e seus assentamentos de Reforma
Agrária na luta contra essa realidade. É um lembrete  ESPIRITUALIDADE----------------------------------------10
Vocação e adesão ao Mistério de Cristo
poderoso de que a justiça social é um componente Mauro Negro
essencial da vivência cristã.  TESTEMUNHO-------------------------------------------12
O mistério do Natal ressoa neste momento, mais Catequista e Mistagogo
Giuseppe D'Aleo
significativo do que nunca. Enquanto celebramos o
nascimento de Jesus, Ele representa a fé e a esperança  SÉRIE SOBRE A FOME----------------------------------14
Importância dos movimentos sociais - final
para aqueles cujas vidas foram abaladas por catástrofes Roberto Malvezzi (Gogó)
ou que enfrentam fronteiras fechadas ao fugir de sua  INTENÇÃO MISSIONÁRIA-----------------------------16
terra natal. É a lembrança da presença divina em meio Outubro/Novembro/Dezembro
Redação
às adversidades, sendo refúgio e salvação para aqueles
 FAMÍLIA CONSOLATA-----------------------------------17
que buscam abrigo e consolo em Deus. Sobre o Natal
Honramos os 110 anos da presença da Consolata Redação
na Etiópia, testemunhando o compromisso contínuo  MISSÕES RESPONDE-----------------------------------21
Quem é católico?
dos missionários nesse país. No último artigo da série, Edson Luiz Sampel
Marco Marini oferece um retrato dos últimos anos do  ÁFRICA - 100 ANOS DE ETIÓPIA---------------------22
trabalho missionário naquele país. O retorno na ponta dos pés - final
Marco Marini
E finalmente, a Campanha Missionária 2023, "Ide!
Da Igreja local aos confins do mundo", inspirada na  DESTAQUE ----------------------------------------------24
Campanha Missionária 2023
passagem bíblica dos discípulos de Emaús, convoca-nos Redação
a transcender fronteiras, levando a mensagem do amor  CIDADANIA-----------------------------------------------26
e da fé a todos. É um chamado à ação, convidando-nos Vigilância e Esperança
Fátima Bazeggio
a estender a mão para além de nossas comunidades
 BÍBLIA------------------------------------------------------27
locais, abraçando o chamado missionário que nos de- Vocação e eleição
safia a ser agentes transformadores. Mauro Negro
Feliz Natal a você, leitor, e a toda sua família!   ENTREVISTA-------------------------------------------------28
Pastoral Afro na prática
Maria Emerenciana Raia

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ATUALIDADE

Pastoral Afro e a Mãe


Negra Aparecida XXVII Romaria Nacional
da Pastoral Afro-
brasileira ao Santuário
de Jacques Kwangala Mboma de Aparecida dia 4 de
novembro de 2023 abriu

C
omunidades negras vindas de vários estados comemorações do Dia
do Brasil se reuniram no Santuário Nacional
de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida, da Consciência Negra.
SP, para celebrar a Eucaristia e relembrar a
memória de seu líder, Zumbi dos Palmares. de Feira de Santana, BA, referencial da Pastoral Afro
Para o povo negro, Zumbi é a marca viva e presente junto à CNBB, que presidiu a Santa Missa destacou
da resistência negra no Brasil. a importância da Igreja ser acolhedora aos mais ne-
O tema da XXVII Romaria foi a “Mãe Negra Apare- cessitados e aos excluídos, mostrando que são eles,
cida, leve o clamor do seu povo ao seu Filho Jesus”. negros e quilombolas que chegaram ao Santuário com
Este tema recorda a Campanha da Fraternidade de tambores e pandeiros para expressar a sua vivência
de fé em Jesus Cristo.
ARQUIVO PESSOAL

A celebração marcou um momento


significativo e de fraternidade entre os
padres negros e o bispo referencial da
Pastoral Afro. Ao celebrar o mês da cons-
ciência negra, a Pastoral Afro-brasileira
vem despertando o compromisso da
Igreja para acolher as culturas negras
na sua liturgia, entendida como ação
evangelizadora da Igreja, assim como
afirma o Vaticano II: “uma íntima trans-
formação dos autênticos valores culturais
mediante a sua integração no cristia-
nismo e a encarnação do cristianismo
nas várias culturas humanas”. Assim,
a Igreja será feliz quando acolher as
diferentes culturas. Portanto, sabemos
que as culturas negras no Brasil, em
suas diversas manifestações, como na
espiritualidade, hábitos, artes e costu-
mes sofrem discriminação, resultado do
1988: “Fraternidade e o negro”, com o lema: “Eu racismo institucional. Então, a Pastoral Afro-brasileira
vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o tem essa missão de despertar a consciência humana,
seu clamor por causa dos seus opressores; pois eu pela luta contra a exclusão e o racismo que atingem
conheço as suas angústias. Por isso eu desci a fim de essas culturas. Neste sentido, a Pastoral contribuiu
libertá-lo das mãos dos egípcios, e para libertá-lo eu também com o amplo trabalho de incentivo às políticas
vou fazê-lo subir a uma terra boa e vasta” (Ex 3, 7-8). públicas, voltadas à população negra, indígena e qui-
A eucaristia celebrada pelas comunidades negras lombola. Acreditamos que trazendo essa contribuição,
no Santuário marcou o momento fundamental do estamos realizando um trabalho de evangelização e de
povo negro de renovar a sua história e espiritualidade promoção humana. 
que, ao longo dos tempos passados, foram invisíveis.
Por este motivo, dom Zanoni Demettino, arcebispo Jacques Kwangala Mboma, imc, é missionário da Consolata em São Paulo e animador vocaional.

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ESPECIAL

Entre os indígenas
da Venezuela
Juan Carlos Greco, missionário da Consolata argentino,
trabalhou durante nove anos entre os Warao, povo indígena do
Delta Amacuro, na Venezuela.

de Juan Carlos Greco

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL


A
partir de 2023, estou em
Boa Vista, no estado de
Roraima, Brasil. Nos nove
anos precedentes vivi entre
os Warao da Venezuela,
quase sempre no seu habitat tra-
dicional: os canais do rio Orinoco
no estado do Delta Amacuro. Hoje,
os Warao podem ser encontrados
em países jamais pensados, lugares
que muitas vezes foram alcançados
após aventurosas viagens.
Os anos que transcorri no meio Warao não é assim idílica, pois os (pessoas semelhantes aos chamãs)
deles deixaram-me uma feliz re- problemas que devem enfrentar estão ainda atentos a manter viva
cordação e aqui evidencio alguns são muitos. A distância que separa a tradição porque são conscientes
pensamentos e sentimentos liga- uma vila da outra, a ausência de de que este é o único modo para
dos àquilo que eu chamo “os três água potável, a carência de ali- os Warao conservarem a própria
‘os’ dos Warao: oralidad, oyentes e mentos são apenas algumas das memória: o pensamento é como
orgullo, que em português quer di- dificuldades que eles enfrentam. um caderno, onde a história pode
zer: oralidade, ouvintes e orgulho. Alguém disse que é muito difícil ser “escrita” de modo que seja
escutar uma história ou recontá-la constantemente recordada. En-
O “caderno das quando se tem fome, e a fome, fim, embora a oralidade esteja
recordações” infelizmente caracteriza muitas perdendo terreno dia a dia, ela
A vida de um Warao tradicional comunidades Warao da Venezuela. permanece ainda um elemento
- morichalero, como dizem alguns É sempre menor o número central da cultura Warao.
- se desenvolve na imediatez, o dos anciãos que no fim do dia,
que implica uma maneira de con- sentam-se com os filhos ou netos O orgulho dos Warao
centrar-se no trabalho de cultivar para lhes contar histórias. Alguns Os Warao são orgulhosos de
o ocumo chinez, na extração dos recordam os mitos somente quan- sua capacidade de recordar coi-
produtos do moriche, na saída do chegam pessoas não indígenas sas e acontecimentos através da
em canoa para a pesca. Tudo isto que os estimulam a recordar. Cer- repetição de histórias e mitos.
poderia parecer algo de paradisí- tamente alguns aidamos (anciãos, Eles compõem narrativas, as mais
aco. No entanto, a realidade dos sobretudo homens) e os waisiratu variadas, para compreender e dar

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um significado “lógico” à própria do seu baú das recordações aquilo -lo nos olhos, com a compaixão
existência e às suas experiências. que é útil para a sua sobrevivência). que não gera paternalismo, mas,
As histórias narram o moriche São inumeráveis as experiên- consolação.
(árvore mãe), o morocoto (peixe cias que se vive escutando os mitos
preferido para a alimentação) a pela voz de homens e mulheres Meu desafio
janoko (a palafita que é a casa dos sábios que ainda os recordam, Cheguei na Venezuela em 2012.
Warao), o dia, a noite e os outros trazendo estes eventos para o “Emigrei” para o Brasil, no esta-
elementos da vida cotidiana. Mas aqui e agora, como se os fizesse do de Roraima, em 2023, para
as histórias e os mitos servem renascer. acompanhar os Warao neste novo
também para compreender a causa país. De fato, desde 2016 até hoje,
das necessidades atuais, além de Paternalismo x compaixão 15% deste povo imigrou de suas
confrontar o mundo Warao dos Parte da nossa missão será procu- próprias terras. Muitos estão em
tempos antigos com os atuais, rar de pensar, conforme o estilo dos viagem ou pensam sobre isso se-
repleto de mudanças e de circuns- Warao, que o nosso futuro depende, riamente ou ainda estão à espera
tâncias adversas que eles atribuem sobretudo, do nosso esforço, não dos recursos para uma aventura
a acontecimentos sobrenaturais, do acaso ou da intervenção divina que não tardará. Não posso qua-
a punições divinas, consequências e também não se pode esperar lificar todos os que aqui estão
das desobediências de algum in- passivamente as ações paternalistas como “imigrantes venezuelanos”,
divíduo ou de uma família. do Estado e das ONGs. sendo que muitos entre os Warao
Os mitos falam de personagens presentes em Roraima, os 25% já
fantásticos que são reais para o nasceram no Brasil.
narrador, assim como são perfeitos Nesta terra se prevê que para
o tempo e o espaço que, no sus- eles existe esperança, e a intenção
pense da narrativa são infinitos. é de permanecer aqui. Somente
O clima de atenção que se cria uma minoria dos Warao quer voltar
quando uma pessoa está narran- a viver na Venezuela. Eu, pesso-
do é extraordinário: os ouvintes almente, ainda estou nos meus
permanecem atentos à história, primeiros passos, mas intuo que
vivenciando cada um dos seus entre as exigências destas pessoas
detalhes. O silêncio no ambiente estão aquelas de salvaguardar as
é rompido somente pela voz do lembranças. Esta não é uma tarefa
narrador, através da qual cada fácil. Se para a alimentação e os re-
um dos personagens toma vida, médios é possível encontrar fundo
enquanto o público imagina vultos, e solidariedade, para os processos
vozes, gestos e ações. culturais é tudo muito mais difícil.
“Partindo dos três “os” faz-se E sem a sua cultura, sem os seus
Ouvintes necessário ajudar a compreender valores, os Warao acabarão por se
Quando visitávamos as comuni- que “culto não é aquele que lê tornar mão de obra a baixo preço
dades e exprimíamos o desejo de livros. Culto é aquele que está ou trabalhadores escravos.
escutar os seus mitos, aqueles que pronto a escutar o outro”, de unir Entre as tarefas que se nos
o faziam mostravam com orgulho o comunidade e família Warao nos apresentam, está aquela de fazer
seu conhecimento. A janoko onde assentamentos, ocupações e para crescer a sua autoestima, de modo
se realizava o encontro ficava cheia onde quer que estes tenham se que consigam tornar-se conhe-
de dezenas de crianças, jovens deslocado. cidos como uma riqueza que a
e até de anciãos que escutavam Missionariamente falando, é Venezuela está exportando. Por
atentamente a narrativa da histó- necessário compreender sempre isso, faz-se necessário procurar
ria. No final os ouvintes refletiam mais, assim como disse o escritor integrá-los nesta nova terra que
sobre tudo quanto tinham apre- uruguaio, “a caridade pode ser apresenta situações e contextos
endido, outros riam sobre algo de humilhante quando exercitada ver- muito diferentes daqueles em que
engraçado, outros se entristeciam ticalmente e do alto; a solidarieda- estavam habituados. E esta é a
por alguma história triste. Para os de é horizontal e supõe respeito nova Missão que me desafia. 
Warao, voltará na sua mente em recíproco”. Servir de apoio implica
um outro momento para tirar as ajudar o outro, considerando-o Juan Carlos Greco, imc, é missionário em Boa Vista,
conclusões ou fazer aplicações parceiro. Doar em uma perspectiva Roraima. Matéria traduzida da revista “Missioni”, julho
práticas (o sábio é aquele que tira de verdadeira caridade é olhá- de 2023, por Benildes Capelotto.

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JUVENTUDE

Quer uma Igreja jovem?


Jovem, seja Igreja!
Como um jovem
missão que Jesus nos deixou. nhada da Igreja. Esta é a nossa fé.
ou uma jovem Falar de jovens como você na Você talvez tenha feito algum
pode viver e Igreja é falar de uma Igreja dinâmi-
ca, viva, em movimento, que não se
dia a seguinte pergunta: “Senhor,
que queres que eu faça?” Essa
transmitir a fé conforma com respostas sem um
porque muito claro e coerente, que
pergunta, muito mais que em tem-
pos passados, carrega hoje uma
nos nossos dias? deve sempre ser iluminado pela complexidade nunca antes vista,
história, pela Palavra e pela cami- gerada por esse mundo que oferece
A verdade é que
todos sentimos

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL


dificuldade de
viver a fé cristã,
pois em formas
diferentes,
desafios sempre
existiram,
existem e vão
continuar a
existir.
de Héctor Elias e Fabrício Garcia

S
ei que ser um jovem cristão,
que assume ser discípulo
de Cristo, e ousa ser sal da
terra e luz do mundo (Mt
5, 13-14) neste século que
relativiza o certo e o errado, o que
é ou não ético, talvez seja um dos
seus maiores desafios. Mas creia
no que digo: você não está sozinho,
pois a Igreja entende e sabe que
necessita de você pra continuar a

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a você uma verdadeira overdose de trução da esperança no contexto
informações, deixando-o perdido juvenil atual? Propomos três coisas:
frente à sua vocação e missão. As A primeira: interprete o mundo
mídias sociais (WhatsApp, Insta- como essa imensa rede aonde o
gram, Tik Tok etc.), o bombardeiam nosso Pai, Deus, vai tecendo com a
diariamente com ideias, conceitos, nossa colaboração o mundo que Ele
hábitos e costumes, que não raras mesmo sonhou: um mundo unido,
vezes contêm valores contrários aos inclusivo, em paz, ordenado, sem
do Evangelho. O que fazer diante preconceito nenhum. Um mundo
dessa realidade que se apresenta? onde nos descobrimos todos co-
Em primeiro lugar, tenha co- nectados, pois filhos de um mesmo
ragem de ser original. Todos nós Pai somos intimados, portanto, a
nascemos originais, mas muitos colaborar na construção do Reino
infelizmente terminam suas vidas de Deus.
como cópias, indo na “onda” dos A segunda: descubra suas for-
outros, só para estar na moda. ças, juventude, alegria, coragem,
Não convém que seja assim. Se generosidade, fé e tantas outras.
você deseja ser um cristão que A Jornada Mundial da Juventude
experimenta verdadeiramente sua (JMJ) 2023 em Lisboa, Portugal foi
vocação e missão, seu critério de como essa rede. Congregou jovens
viver e ser deve ser Jesus Cristo; do mundo todo. Eles viajaram,
nenhum outro. Antes, portanto, cantaram, rezaram e sonharam
é preciso conhecê-Lo. Mas como junto ao papa esse novo mundo
conhecê-Lo? A resposta é simples: possível. Os jovens, mais uma vez,
posso conhecer a Deus pela oração, foram indicados como sinal de
pela Palavra (Bíblia) e pela expe- esperança para a Igreja e para o
rimentação do amor no encontro mundo. Essa é uma grande pro-
com o próximo. vocação para abandonar o lugar
de conforto.
Realidade mundial E a terceira: deixe que a reali-
Você, como todo jovem inteli- dade do nosso mundo confronte
gente e antenado está ciente da você. Ele precisa urgentemente do
triste realidade mundial: guerras, seu SIM a Deus.
fome, sede, doenças, miséria, falta Por onde começar? Aprovei-
de respeito para com a casa co- tando e planejando os encontros
mum e demais “desastres naturais” no grupo de jovens na paróquia,
espalhados por todo o planeta, na diocese, nas experiências mis-
que causam dor e sofrimento a sionárias, nos diferentes eventos
milhares de pessoas como nós, juvenis, através das redes sociais,
quando não a morte. Morte de sendo ativos e propositivos.
vidas humanas, tão preciosas ao Será possível sonhar o protago-
coração de Deus... Isso tudo pode nismo da juventude, interagindo
até lhe causar tristeza, desânimo no meio dessa imensa rede, par-
ou desesperança na humanida- nossos falecidos e ao longo do mês. ticipando e apontando cada um o
de e num mundo melhor e mais Mas no contexto da juventude, a seu dom predominante, para mais
fraterno. Mas, repito o que disse esperança não tem nada a ver com embelezá-la?
antes: jovem, tenha coragem de falecidos. Não é nesse sentido que Jovem, desafie seus medos e
ser original e não desistir do que a queremos contemplar. Ela é um mostre-se confiante na promessa
Deus sonhou pra você!! desafio, algo a trabalhar, a construir de Jesus: “Eis que estou convosco
Pensando, mas não chorando juntos por um mundo melhor e todos os dias, até o fim dos tem-
diante do que não é certo no mundo possível. Pois se a juventude na pos.” (Mt 28, 20). 
hoje, imagine o mês de novembro Igreja morrer, a própria Igreja já
como o mês dedicado à esperan- estará morta! Por isso, coragem! Héctor Elias, imc, é missionário da Consolata e Fabrício
ça, virtude da qual muito se fala Qual poderia ser a sua colabo- Garcia é da JUMA (Juventude Missionária Allamano),
e medita na comemoração dos ração como protagonista na cons- ambos em Brasília, DF.

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FÉ EM AÇÃO

Pensamentos
de Natal
Uma relação entre a Jornada Mundial da Juventude (JMJ)
e a sensação de ser um morador de rua.

de Márcio Mariano Moreira fome e me deste de comer, ou com navio da Itália para o Quênia. Não
sede e me deste de beber; eu era se aborda sobre religião enquanto
estrangeiro e me recebestes em não houver um mínimo de infraes-

Q
uem, entre o final de casa; eu estava nu e me vestistes. trutura. Não se fala de Deus antes
novembro e início de Todas as vezes que não fizerdes de providenciar condições básicas
dezembro, nunca ouviu a um desses pequeninos, foi a no que tange à fome, sede e ves-
falar ou foi convidado para mim que não o fizestes” (Mt 25, timenta. Maslow apontou isto em
contribuir com uma cesta 35-36.46a). suas hierarquias de necessidades.
de Natal ou uma sacolinha Suprir as necessidades bási- Cabe ressaltar que grande parte da
para vestir uma criança? Esta ação cas precede qualquer projeto de população sobrevive sem a garan-
está em sintonia com a leitura do evangelização. Assim foi a primeira tia destas condições e até podem
Evangelho de Mateus da Solenidade missão do Instituto Missões Conso- conseguir atingir a autorre­alização
de Cristo Rei “pois eu estava com lata (IMC) levando uma serraria em pregada pela teoria. Contudo, isto
FOTOS: FILIPA TRAQUEIA

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não significa que a falta de condi- Não era possível ter um sono governamentais para terem um
ções seja algo bom. repousante e, logo cedo, o acam- Natal mais feliz.
pamento deveria ser desmontado Na multiplicação dos pães descri-
Sentindo-se morador de rua para que as pessoas não pisassem ta por Mt 15, 29-37, Jesus realiza a
Durante a Jornada Mundial da nas coisas, pois, o Papa passaria cura em todas as dimensões dando
Juventude 2023 em Lisboa, Por- por ali. Tira-se o glamour da JMJ à multidão uma cura mais profun-
tugal, entre a vigília e missa de e a vivência concreta não foi mui- da e um alimento mais duradouro
encerramento, o peregrino viveu to diferente de um morador em que permanecesse mesmo sem
uma amostra da realidade de um situação de rua. O limiar da irri- a presença física d’Ele. O desafio
morador em situação de rua. Todos tação diminui e, gradativamente, atual é desenvolver um projeto
enfrentaram uma fila de quase o cristianismo começou a ceder de evangelização transformador
duas horas para receber um kit de lugar para o instinto agressivo de voltado para os pobres, cegos, ca-
alimentação. Um dos “contêine- sobrevivência. tivos e oprimidos, dando de comer
res” começou a ficar vazio e, para Jesus, em seu projeto de vida a quem tem fome, de beber a quem
alguns, deu a sensação de que a descrito por Lc 4, 14-21, veio tem sede, vestindo os que estão
comida iria acabar. Certamente, para os pobres, cegos, cativos e nus, dando abrigo aos peregrinos,
havia comida para todos. O pro- oprimidos. Ações como entregar assistindo aos enfermos, visitando
blema seria enfrentar nova fila uma cesta de Natal e/ou uma os presos e enterrando os mortos.

em outro ponto de distribuição, sacolinha com itens para criança Assim, o olhar cristão precisa ser
associado ao cansaço, mais calor são importantes e devem continu- dirigido a esta população não so-
de 40 graus. Aos que ficaram nos ar sendo realizadas. No entanto, mente nas datas comemorativas
setores “B”, “C” ou “D” tiveram não podemos parar nelas, uma e sim assumi-los como predileção
como local de acampamento um vez que elas acabam camuflando nas ações pastorais.
solo cheio de pedregulhos, logo, e escondendo uma desestrutura Que a chegada do Menino Deus
absolutamente desconfortável para social, gerando uma falsa sensação neste Natal seja inspiração de um
dormir, mesmo com os equipamen- de dever cumprido, protegendo, novo ardor missionário voltado aos
tos para acampamento. Na praça por conseguinte, a falta de políticas mais necessitados. 
havia refletores espalhados por públicas governamentais voltadas
todos os lados, o que atrapalhava a um programa de retirada desta Márcio Mariano Moreira é psicólogo e doutor em ciências
muito para dormir, acrescido do população da linha de pobreza, pela UNIFESP, Leigo Missionário da Consolada na Comu-
barulho constante das pessoas. a qual depende de ações não nidade São Paulo e Ministro Extraordinário da Comunhão.

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ESPIRITUALIDADE

Vocação e adesão
ao Mistério de Cristo
O Ano Vocacional
nos convidou a
reavivar o desejo de
Cristo a aceitação e
o mergulho no seu
Mistério.

de Mauro Negro

U
ma afirmação comum:
“vocação é um mistério”.
Por quê? Sobretudo por-
que entra no projeto de
Deus junto ao seu povo.
Também porque não é uma opção
lógica, muitas vezes não contex-
tual, isto é, porque ela surge em
situações em que não é esperada;
oportunamente, porque vem por
caminhos e tem influências sur-
preendentes. Mas, sobretudo, a
vocação é um Mistério porque é
um fato ligado à fé. Ela é, sempre,
um Mistério no sentido de que é Ele dizem respeito e nele encon- sequência da vocação. O Mistério
uma ação de Deus, que é, em si, “O tram sentido. Estas virtudes são da vocação é anterior a isso. Está
Mistério”. O Mistério da vocação a Fé, a Esperança e a Caridade. em entrar na vida da fé, em mer-
é que ela é um dom que vem de Isso parece, à primeira vista, gulhar em um mundo diferente,
Deus, que vai além da vontade algo muito simples, talvez até ób- com valores, com sentimentos,
da pessoa e de sua inteligência e vio, mas nem sempre é. O fato da com uma visão de mundo distinta.
afeto, e a envolve totalmente. Ela vocação é relacionado a assumir Simplificando, vocação não é fazer
ultrapassa os cálculos humanos, um caminho, ter uma conduta, algo ou realizar funções, mas ser,
ela está relacionada, diretamente, viver um papel na Igreja, seja este experimentar, “mergulhar” em
às virtudes que se chamam de papel o de Religiosa, de Religioso, um mundo diferente.
“teologais”, de “Theós”, Deus na de Presbítero, ou um Ministério, E este mundo não é o imedia-
língua grega. Elas vêm de Deus, a uma Missão etc. Mas esta é a con- to, aquele em que vivemos, com

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seus valores líquidos, “gaseifica- de vida tradicionais, com discursos “sonho” de Jesus Cristo. Um voca-
dos”, superficiais. Façamos uma moralistas, com fórmulas fechadas cionado continua sendo o que é,
comparação com a sociedade do e aparentemente precisas, ligados pois mantém sua personalidade
passado não tão distante: Há uns ou não (geralmente sim!) a ide- original, seus afetos, ordenados
trinta anos, talvez quarenta, ha- ologias políticas, sem medo de ou desordenados, suas reações.
via uma pré-disposição ao fato apresentar-se com armas de morte Mas agora ele tem um paradigma
religioso. As experiências da fé nas mãos, estes fazem sucesso. O diferente: não é moda cultural, o
eram possíveis de acontecer em que se acentua é um discurso de padre midiático, a devoção, mas
algumas famílias. De modo claro: moralidade rasa, pois se insiste sim o Cristo, Senhor e Salvador.
o fato religioso era possível, como em comportamentos de roupas, É preciso, então, falar de Deus,
ir à celebração da Eucaristia no em expressões devocionais, em falar de Jesus Cristo, falar da Igreja
domingo, ir à celebração do Natal, confortos pessoais, mas não em como comunidade dos que estão
buscar o Batismo para crianças transformações pessoais, em in- ao lado de Cristo. Isso se chama,
pequenas; dar aos filhos nomes serção missionária na sociedade. como indicado acima, “querigma” e
cristãos; considerar a possibilidade Não nego a validade de muitas “catequese”. É preciso ir ao encon-
de alguma participação na Igreja. destas expressões e de seus pro- tro, despertar, chamar a atenção de
Olhemos para hoje, desde uns dez positores, mas insisto que isso é quem não está predisposto a isso,
anos: o que conta é o tempo livre, a velha, muito antiga união com pois não está no ambiente propí-
é a ida ao shopping, é descer para o poder do mundo, as vantagens cio à fé. A Pastoral Vocacional, os
a praia no sábado e domingo, é ir da situação dominante. Isso se Serviços de Animação Vocacional
para lá no Natal. O Batismo não é chama de muitos modos, um deles, devem se reinventar, olhar com
essencial para crianças pequenas o mais clássico, é “cristandade”. novos olhares, aceitar os desafios
e, quando é buscado, não é bem Então, muitos jovens olham da modernidade que esvazia os
para fazer da pessoa um verdadeiro para os que estão na mídia, que- valores espirituais. É quase como
filho de Deus, mas para fugir de rem ser assim, se encantam com dizer que “a fé se transmite por
problemas de saúde ou ter alguma a vocação midiática. Isso tem algo contato!” Digamos então que “a
segurança com bons padrinhos. de bom, mas é superficial. vocação se transmite por contato!”
Seguir Jesus Cristo é questão de Outro desafio que temos pela
Questão de fé fé. É um processo de querigma e frente é a demora na resposta vo-
Outro desafio é o reacionarismo catequese. O Mistério da vocação cacional. Outras pastorais da Igreja
frente aos caminhos que a Igreja está em mergulhar em Jesus Cristo, têm uma resposta mais imediata a
propõe. Os padres e pregadores tomar sobre si, para dentro de si, curto ou médio prazo. A Pastoral
que propõem fórmulas e modos o fato, o afeto, o pensamento, o Vocacional tem respostas a longo
prazo e muitas decepções. É mais
fácil que a Pastoral Vocacional se
transforme, nos seus agentes, em
colaboradores práticos de almoços
e quermesses, ou em insistentes
orantes, o que é bom. Mas o que
se espera, hoje, é que o agente
de Pastoral Vocacional seja um
anunciador, que faça o querigma,
e um catequista que ensine, que
catequize.
Não é possível, aqui, fazer uma
“Teologia da Vocação”. Mas im-
porta apontar para o essencial: o
Mistério de Jesus Cristo, Senhor
e Salvador, presente na Igreja
que nos acolhe, educa, conduz
e missiona. É preciso ter o olhar
fixo nele. E crer! 

Mauro Negro, OSJ Biblista. PUC São Paulo


mauronegro@uol.com.br

OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES 11


TESTEMUNHO

Catequista
e Mistagogo
O leigo italiano Giuseppe D’Aleo dá seu
testemunho de vida e demonstra sua alegria por
pertencer a uma comunidade e ser atuante.

de Giuseppe D’Aleo

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL


Em 13 de junho de 1968 recebi

M
pela primeira vez a Eucaristia.
eu nome é Giuseppe Comecei também neste ano meu
D’Aleo sou atualmente caminho como coroinha na cidade
catequista da iniciação de Messina na Sicília, iniciando
cristã, batismo, colabo- meus primeiros passos de ser-
ro na Pastoral Familiar, viço a Jesus, na Paróquia Santo
Pastoral do Dízimo, Pascom como Antônio.
fotógrafo e coordeno a liturgia da Em 1970 houve uma grande
missa dominical das 10 h na Paró- mudança na minha vida, pois, em-
quia São Benedito, bairro Jaçanã, barquei num navio em Napoli na
São Paulo. Itália rumo à cidade de Santos,
Nasci numa ilha chamada Sicí- para morar em São Paulo.
lia na capital Palermo, Itália, por Isso mudou meu caminho, novo
coincidência cidade onde também mundo, nova língua, grandes de-
nasceu São Benedito, santo muito safios para eu realizar.
querido por mim, por sua humil- Com a idade de 13 anos, vivendo
dade, profundo conhecedor da na cidade de São Paulo e falando
Bíblia, sendo da ordem franciscana. ainda pouco o português me en-
Nasci no ano de 1958 e fui gajei como coroinha na Paróquia
batizado com apenas 20 dias de São João Evangelista no bairro da
vida pelos meus avós. Poucos anos Casa Verde.
depois, em 1962 o papa João XXIII Em 1976 cheguei no bairro
faria da Igreja Católica um navio de Vila Gustavo, e na igreja São
em viagem, iniciando o Concílio Camilo de Lelis participei do grupo
Vaticano II, fazendo a Igreja ca- de jovens, formado por 80 parti-
minhar com leigos e catequistas cipantes, sendo eu responsável
numa evangelização popular. Abriu pela evangelização e impressão
portas para eu ser um catequista e do jornal da comunidade, escrevia
mistagogo (encarregado em guiar). artigos sobre a atuação dos jovens

12 OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES


festado como o Sagrado, em
cada pessoa de fé.
Foi também uma época
de muitos diálogos com pro-
fessores e padres que ani-
maram meu trabalho de ser
um catequista e missionário.
Nesta época de faculdade
entre 2005 e 2011 partici-
pei de quatro Congressos
de Teologia em São Paulo
onde os mais importantes
temas teológicos e religio-
sos foram dialogados com a
participação de renomados
padres e teólogos entre eles,
padre Bogaz, dom Angélico
Bernardino e os professores
Fernando Altemeyer Jr. e
Afonso Ligório.
na paróquia, e sobre algumas men- do Menino Jesus do Jaçanã. Na Atualmente na Paróquia São
sagens, sendo meu foco também mesma paróquia fui coordenador Benedito e em outras paróquias
trechos dos livros e músicas do da Pastoral da Perseverança. onde sou convidado como catequis-
padre Zezinho. Em 2009 participei da formação ta, preparo pais e padrinhos para
Em 2004 fui convidado com na Escola da Palavra no Centro o batismo. Também participo na
minha esposa Maria a participar Pastoral Frei Galvão onde aprendi Pastoral da Família desenvolvendo
do Encontro de Casais com Cristo uma metodologia prática de falar de temas de catequese e evangeliza-
(ECC) na Paróquia Santa Terezi- Deus para as pessoas. A Exegese, a ção com as famílias, trabalhando
nha do Jaçanã. Participei das três Homilética, Hermenêutica, Oficina a Bíblia, a oração, o diálogo e uma
etapas do ECC, nas quais minha de Redação e Locução me ajudaram experiência de caminhada com
esposa me incentivou a caminhar nas minhas futuras evangelizações. Jesus. Mostrando a importância de
em águas mais profundas da fé e Também neste ano realizei no Cen- ver a Sagrada Família com exemplo
da minha evangelização. Iniciei a tro Pastoral Frei Galvão a Escola de de vivência no mundo.
preparação na formação de cate- Ministérios sobre a coordenação Sou fotógrafo e estou engaja-
quista, aprendendo a metodolo- do padre Humberto Robson de do na Pascom para divulgar com
gia de catequese por idade entre Carvalho. minhas fotos os eventos mais im-
2006 e 2007 administrada pelo Entre 2007 e 2008 participei portantes que acontecem no calen-
padre Paulo Cesar Gil na Escola da Pastoral da Criança junto com dário litúrgico da nossa paróquia
de Catequistas Sant’Ana. Ao final minha esposa Maria. e da Igreja Católica.
do curso iniciei um trabalho com Foi no ano de 2009 que meu mais Esta é minha fé, minha ca-
padre Gil na formação de novos importante estudo e aprendizado minhada, minha evangelização,
catequistas. iniciavam, ganhando uma bolsa de tendo Jesus como mestre do meu
Engajei-me na Escola de Teo- estudos nas Faculdades Integradas caminho que me revela a cada
logia para Leigos Sant’Ana, onde Claretianas para aprender Ciências dia Deus Pai, que me mostra que
em quatro anos até 2008 aprendi da Religião com duração de três o Espírito Santo me ilumina, em
minha formação bíblica. Foi muito anos. Foi nesta época que minha minhas ações e caminhos. Sei que
aprendizado teológico e de espiri- visão de Ecumenismo e Diálogo a palavra “Não tenhais medo!“ é
tualidade. Na conclusão do curso Inter-religioso abriu minha mente falada 370 vezes na Bíblia, para
um lema “Estando sempre pronto e me fez entender toda a grandeza eu seguir com coragem na cate-
a dar razão de vossa esperança (1 de ser católico. quese, na evangelização, na fé em
Pd 3, 15 )“. Nesta época conheci o Nestes anos de estudo conheci meu Deus, e no amor com o meu
bispo Dom Joaquin Justino Carreira, líderes judeus, budistas, islâmicos, próximo. 
com o qual tive vários encontros, e pentecostais, espíritas, mantendo
também em 2005 fui Crismado por um diálogo de acolhida e escuta, Giuseppe D’Aleo é leigo atuante na paróquia São
ele, na Paróquia Santa Terezinha aprendendo que Deus está mani- Benedito, Jaçanã.

OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES 13


SÉRIE SOBRE A FOME

Importância
dos movimentos
sociais No último artigo da série sobre a
Fome, Malvezzi analisa a importância
do Movimento Sem-Terra e seus
assentamentos de Reforma Agrária no
combate à fome estrutural do país.
de Roberto Malvezzi (Gogó)

O
FOTOS: DIVULGAÇÃO
s movimentos sociais que
lutam pela Reforma Agrá-
ria no Brasil, caso especial
do Movimento Sem-Terra
(MST), têm se dedicado
ostensivamente à produção de
alimentos sadios. O MST se tornou
o maior produtor de arroz orgânico
da América Latina. Porém, esse tem
sido um longo caminho de lutas e
de muita aprendizagem.
No início o lema era “ocupar,
resistir, produzir”. A ideia de ocupar
era em função de propriedades
de terra improdutivas nesse país,
tidas apenas como reserva de valor.
Então, o MST as ocupa para que
elas possam cumprir sua função ir para o mercado. O MST criou danosos ao meio ambiente e à
social, além de assentar famílias uma rede de cooperativas e agora saúde humana.
sem-terra em terras imobilizadas. de espaços de comercialização de Porém, o MST avançou na sua
O resistir vinha da sabida rea- seus produtos. Dessa forma, além leitura de mundo. Além de produzir,
ção de seus pretensos donos que, de alocar as famílias, de produzir incorporou o cuidado com terra,
mesmo sem produzir, fazem ques- para seu sustento, tornou-se efe- com as águas, com a biodiversidade,
tão de garantir essas terras como tivamente uma forma de ganhar entrando por uma produção agro-
patrimônio familiar ou empresarial. a vida a partir de uma agricultura ecológica e cooperativista. Não é
Finalmente, o produzir, como saudável. Os assentamentos do só uma questão de produção, mas
tantas vezes os dirigentes têm dito, MST nos dizem que uma agricultura de solidariedade e distribuição.
é em primeiro lugar para saciar as baseada na produção familiar e
necessidades básicas alimentares coletiva é possível, com alimentos Alimentos saudáveis!
das famílias – tantas vezes a fome sadios, sem utilização intensiva Alimentar-se, do ponto de vista
– e depois, produzindo excedentes, de agrotóxicos e outros insumos nutricional, não significa empan-

14 OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES


prova científica existe.
O caso coloca em evidência o
desafio de produzir alimentos sau-
dáveis em um ambiente saudável.
Ao preço da contaminação da água,
dos casos de cânceres, das mortes,
qualquer dirigente público respon-
sável encaminharia uma solução
diferenciada para uma questão tão
grave. Precisamos de alimentos e
águas sadios para podermos ter
saúde (FSP.UOL, 2022).

Fome e sua superação


A questão não é só constatar
turrar-se de comida. Consumir ovos e leites. A argumentação é em a fome, mas superá-la. Essa luta
o chamado lixo alimentar gera torno do sofrimento dos animais é árdua, contínua, sem trégua.
obesidade e outras doenças. Por e o respeito por essas formas de A fome sempre foi parte da do-
consequência, há muito se fala na vida. Inclusive, a justificativa atual minação política e consequên-
segurança alimentar e nutricional. de cuidado com o meio ambiente. cia das injustiças estruturais de
O lixo alimentar provém, sobre- Entretanto, não há unanimidade uma sociedade, mais ainda, de
tudo, dos alimentos industrializados. nessas filosofias alimentares. Os um modelo político-econômico-
São principalmente os embutidos, povos indígenas, inclusive, argu- -socioambiental.
mas também todo alimento que mentam que a cadeia alimentar Já citamos acima várias iniciati-
contém sódio, açúcar, gordura trans natural inclui o consumo de um vas de ordem estrutural necessárias
e conservantes em sua composição. animal por outro animal carnívoro no Brasil para superar a fome:
Daí a dificuldade não apenas de e que, portanto, o equilíbrio am- acesso à terra (Reforma Agrária),
acessar os alimentos, mas de acessar biental se dá na cadeia alimentar, garantia dos territórios das comu-
alimentos de qualidade. e não fora dela. nidades tradicionais, agroecologia
A dieta brasileira básica sempre Em todo caso, são tendências adequada à cada bioma, agricultura
foi considerada ótima do ponto de postas, que tem algum alcance familiar-camponesa, respeito aos
vista nutricional. A composição mundial e nos fazem pensar, en- hábitos alimentares de cada região,
do tradicional feijão-com-arroz, quanto sociedade humana, nos produção próxima aos consumido-
acompanhado de um pedaço de nossos hábitos alimentares e, ao res, assim por diante.
carne e uma salada contém pra- contrário da total industrialização Finalmente, a necessidade das
ticamente todos os nutrientes dos alimentos, como a ração dos políticas públicas. O Bolsa Famí-
necessários a um corpo humano pets, é possível sustentar a huma- lia, que tenha efetivamente uma
sadio todos os dias. E já tivemos os nidade com alimentos naturais e Renda Mínima, ou Renda Básica, é
pomares e as hortas nos quintais sadios. necessário e imprescindível numa
das casas para complementar essa sociedade capitalista que visa o
alimentação sadia, uma tradição Agrotóxicos lucro e não a satisfação das ne-
que praticamente deixou de existir Finalmente, um estudo reali- cessidades básicas das pessoas. Os
com a mercantilização de todos os zado pela UNIOESTE e pela Uni- Restaurantes Populares nos centros
alimentos, mas que volta de uma versidade Americana de Harvard, urbanos são muito importantes
forma consciente por quem busca conseguiu estabelecer o nexo para as pessoas que não tem pra-
uma alimentação sadia. causal entre o consumo de água ticamente renda para se alimentar
Há ainda tendências alimen- contaminada por agrotóxicos e a todos os dias. Eles precisariam ser
tares como os vegetarianos e os grande quantidade de câncer em multiplicados e permanentemente
veganos. O hábito de abandonar o pessoas que consumiram essa água. abertos para beneficiar as popula-
consumo de carnes é justificado em O estabelecimento do nexo causal ções necessitadas. É emergencial
defesa da saúde e do respeito aos sempre foi um grande gargalo para e é estruturante. A fome e a sede
animais. Os veganos desenvolvem denunciar, impedir e responsabili- têm soluções. 
uma filosofia ainda mais profun- zar as empresas produtoras desses
da, ao rejeitar o uso de todos os venenos pelo impacto cancerígeno Roberto Malvezzi (Gogó) é ativista ambiental e membro
derivados animais, como o couro, em pessoas humanas. Agora essa da Comissão Pastoral da Terra.

OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES 15


Intenção Missionária
Outubro: Por uma missão comum.
Rezemos para que a Igreja continue
a apoiar de todas as formas um
modo de vida sinodal, sob o signo da
corresponsabilidade, promovendo a
participação, a comunhão e a missão
partilhada entre sacerdotes, religiosos e
leigos.

Novembro: Por quem perdeu um filho.


Rezemos para que todos os pais que
choram a morte de um filho ou filha
encontrem apoio na comunidade e
obtenham do Espírito consolador a paz de
coração.

Dezembro: Pelos peregrinos da esperança.


Rezemos para que este Jubileu nos
reforce na fé, ajudando-nos a reconhecer
Cristo ressuscitado no meio das nossas
vidas, e nos transforme em peregrinos da
esperança cristã.

de Redação na Solenidade de Cristo Rei, em 26 de novembro de


2023, teve como tema central as palavras que São

O
Paulo dirige aos Romanos: "Alegres na esperança"
papa com a intenção de outubro exorta todos (Rm 12,12). O texto deu início a um ciclo de dois
os católicos que compõem a Igreja a rezar e anos de mensagens dirigidas aos jovens, ligadas
vivenciar a unidade e a comunhão na cons- pelo fio condutor da esperança que é o tema do
trução e manutenção da paz. Uma Igreja Jubileu de 2025: “Peregrinos de esperança”. Es-
sinodal é aquela que caminha unida e firme, sas mensagens acompanharão os jovens em seu
dividindo a responsabilidade de anunciar Jesus Cristo caminho para celebrar o Jubileu dos Jovens em
ressuscitado, presente na vida de toda a humanidade. Roma em 2025.
O papa se solidariza com os pais que choram a Em mensagem, o Papa Francisco lembra aos
morte de um filho ou filha, pedindo que as comu- jovens que eles são "a alegre esperança de uma
nidades cristãs apóiem essas pessoas nos momen- Igreja e de uma humanidade sempre em caminho";
tos de dor. O Espírito Santo é portador de paz. A propõe que meditem juntos sobre a alegria e a
Ele devemos rezar para que console as vítimas da esperança, que brotam do mistério pascal; lembra
violência, das guerras e do desamor. que essa esperança "não é um otimismo fácil e
A mensagem do Papa Francisco aos jovens para nem uma panaceia para os simplórios: é a certeza,
a XXXVIII Jornada Mundial da Juventude, que foi enraizada no amor e na fé, de que Deus nunca nos
celebrada nas Igrejas particulares de todo o mundo deixa sozinhos". 

16 OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES


Sobre Família

o Natal
consolata
“Exorto-vos, pois, que leveis
uma vida digna da vocação à
qual fostes chamados”. (Ef 4,1)
FREEPIK

de Redação

N
osso Senhor, certa feita,
fez a seguinte revelação
a Santa Gertrudes: reuni-
ria todas as homenagens
que se lhes oferecessem
na novena e teceria uma coroa
de pedras preciosas, para com ela
cingir a cabeça de seus devotos, no
dia de Natal. Nós não necessitamos
de uma revelação especial; apren-
demos a amar este mistério desde
pequenos. Com que entusiasmo
fazíamos a novena de Natal!
O Natal, não é uma festa so-
mente para crianças, mas também
para nós. Para entrar no reino dos
céus é mister tornar-se pequeno.
Que espera de nós a Igreja na
novena? O mistério de Natal é todo
mistério de amor.
O amor, porém, reclama corres-
pondência de amor. Santo Agosti-
nho afirma que o divino Redentor
“quis nascer Menino porque quer
ser amado. São Bernardo, por sua
vez, assim se exprime: Jesus se fez Animemo-nos todos, queiramos como as faltas de correspondências
pequeno, para se tornar amável. Por bem ao Menino Jesus para sermos aos apelos e às graças de Deus.
isso, São Francisco de Assis, grande amados por ele. Façamos tudo por Em terceiro lugar praticar atos de
e autêntico devoto do Menino seu amor. virtude, utilizar-se dos sacrifícios;
Jesus, alegrava-se por ter nascido A novena de Natal serve para durante o dia há ocasião de fazê-
ele também num estábulo, e repe- exprimirmos o nosso amor a Jesus. -los numerosos, numerosíssimos!
tia: Amemos o Menino de Belém, Como amá-Lo? Com muitos suspi- E em quarto lugar: exercitemo-nos
amemos o Menino de Belém!” ros no coração, não só quando à nas virtudes específicas do santo
Portanto, o céu quer que o ame- noite cantamos as lindas antífonas, Menino: simplicidade e humildade.
mos. A Igreja também; os santos mas repetindo-as também durante Assim, viveremos um feliz e san-
nos dizem que Jesus veio mendigar o dia. Em segundo lugar, é preciso to Natal todos os dias do ano! 
o nosso amor; e nós permanecere- remover os obstáculos, que são
mos frios como gelo? Oh! Isso não! os pecados, também pequenos, Extraído do livro A Vida Espiritual, páginas 428 a 431.

OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES 17


Ide... da Igreja local
até os confins
do mundo!
de Márcio Mariano Moreira e Maria Schmitz

A
equipe de Animação Mis-
sionária Vocacional iniciou
um novo modo de fazer
missão neste terceiro ano
vocacional da Igreja do
Brasil com o lema: “Corações ar- Batismo, somos catequistas por cristãos, mas alguém precisa tomar
dentes e pés a caminho”. Ir. Maria excelência e missionários. Foi um a iniciativa e lançar-se! Responder
Schmitz, Missionária da Consolata momento muito rico e de espe- ao chamado de Jesus e anunciar a
e o casal Janusa e Márcio Moreira, rança para a Igreja local. todos que Jesus é o grande Con-
Leigos Missionários da Consolata, Além disso, os missionários solador enviado do Pai.
Comunidade São Paulo, estiveram estiveram presentes em todas Não diferente de toda missão,
de 28 de setembro a 6 de outu- as celebrações eucarísticas como a equipe missionária retornou
bro de 2023 em Santa Efigênia também visitaram as diversas co- enriquecida, trazendo na baga-
de Minas, região de Governador munidades rurais. gem muita troca de experiência
Valadares, MG, a convite do pá- Foram ainda visitadas mais com a comunidade local e, felizes
roco local, padre Marcos Romão, de 40 famílias da paróquia. Com pela linda parceria realizada em
para anunciar o Evangelho com o elas partilharam a fé, celebraram comunhão entre as Missionárias e
carisma da Consolata. a vida e se confraternizaram. Um Leigos Missionários da Consolata
A equipe missionária, acompa- dos missionários do grupo, ao e a Paróquia de Santa Efigênia na
nhada também da jovem Janaina, final de cada encontro, fazia uma diocese de Governador Valadares.
visitou quatro escolas, um lar para oração apresentando a Deus as Rezemos a Deus sob a interces-
idosos e participou de um momen- necessidades e situação da famí- são de Nossa Senhora Consolata
to especial com a juventude da lia, suplicando à Mãe Consolata e dos nossos Bem-aventurados
catequese de Primeira Eucaristia e Santa Efigênia intercessão e José Allamano, Irene Stefani e
e da Crisma. Neste encontro, foi consolo para todos. Leonella Sgorbati para que esta
dado reinício ao grupo de jovens Ao concluir a visita missionária parceria seja frutífera. 
na Paróquia. da Paróquia de Santa Efigênia, na
Outro momento importante foi Diocese de Governador Valadares, Márcio Mariano Moreira é Doutor em Ciências pela
o encontro com os Ministros Extra- deixaram o grande desafio mis- UNIFESP e Leigo Missionário da Consolata – Comunidade
ordinários da Sagrada Comunhão e sionário: ide da Igreja local até os São Paulo.
com os catequistas. Foi ressaltado confins do mundo; a responsabi- Ir. Maria Schimitz é Missionária da Consolata atualmente
neste encontro que todos, pelo lidade missionária é de todos os em Dourados, MS.

QUER
QUERSER MISSIONÁRIO?
SER MISSIONÁRIO? QUER
QUERSER MISSIONÁRIA?
SER MISSIONÁRIA?
TEL.: (11) 2238.4599 TEL.: (11) 2233.9330
E-mail: amv@consolata.org.br E-mail: mc@consolata.org.br

18 OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES


Missão na mente,
boca e coração
de Redação Também estiveram presentes avançando no caminho da con-
os padres James Lengarim, supe- tinentalidade à luz do XIV Capí-
rior geral e os Conselheiros Gerais tulo Geral e das novas intuições

E
ntre os dias 21 e 24 de no- Michelangelo Piovano, Matews sinodais da Igreja”.
vembro, os missionários Odhiambo, Juan Pablo de los
da Consolata estiveram Ríos e Erasto Mgalama. Como Projeto Missionário
reunidos na Casa Regio- membros da família Consolata O Projeto Missionário Conti-
nal, São Paulo, SP, para participaram as irmãs missioná- nental dos Missionários da Con-
a Assembleia Pós-Capitular do rias da Consolata Gabriela Bono solata na América foi elabora-
Continente América, sob o lema: e Maria da Graça, superiora e do na Assembleia Pré-Capitular
“Effathá: A missão na mente, na administradora da Região Améri- realizada em 2017 em Bogotá
boca e no coração”. ca, e o leigo missionário Márcio e aprovado pelo XIII Capítulo
Participaram da Assembleia Moreira. Geral (maio-junho 2017), com a
representantes dos missionários, O principal objetivo da As- finalidade de partilhar o caminho
missionárias e leigos missionários sembleia Continental foi oferecer de continentalidade e orientar a
provenientes de cinco circuns- uma vivência sinodal “em espírito vida e a missão do Instituto no
crições da América: Argentina, de família”, como Missionários da Continente.
Brasil, Canadá-Estados Unidos- Consolata, para que “possamos Foram definidas como opções
-México, Colômbia-Equador-Peru discernir juntos como projetar o missionárias prioritárias: Ama-
e Venezuela. próximo sexênio (2023-2029), zônia, Jovens, Povos Indígenas,

FOTOS: JAIME C. PATIAS

OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES 19


faz 86 anos, com a chegada do
padre Giovanni Batista Bisio ao
Brasil. Nas décadas sucessivas se
expandiu para Argentina (1946),
Estados Unidos (1946), Canadá
(1947), Colômbia (1948), Vene-
zuela (1970), Equador (1992),
México (2008) e Peru (2010).
Atualmente está organizado
na América em cinco circunscri-
ções: as Regiões Argentina, Brasil
e Colômbia (Equador e Peru), e
as Delegações Venezuela e DCMS
(Canadá, Estados Unidos e México).
Em abril de 2023 eram 63 comu-
Pastoral Afro, Pastoral Urbana e Cuidado da Criação, Diálogo nidades locais com 239 missioná-
Periferias Existenciais, Migran- Inter-religioso e Pedagogia do rios trabalhando ou estudando
tes e Refugiados. Também se Cuidado. Também se confirmou o no Continente (106 africanos, 93
destacaram os seguintes ser- trabalho em unidade de intentos americanos, 38 europeus e dois
viços missionários: Formação com as Irmãs Missionárias e os asiáticos), sendo 185 sacerdotes,
de Base e Contínua, Animação Leigos Missionários da Consolata. cinco bispos, cinco irmãos, quatro
Missionária, Juvenil e Vocacional diáconos, 37 estudantes professos
(AMJV), Economia para a Missão, Missionários na América e três noviços. 
Educação e Comunicação. O Instituto Missões Consolata
Foram indicados como valo- (IMC) está presente no Continen- Paulo Mzé, imc, é Superior Regional dos Missionários da
res transversais: Justiça e Paz, te América desde 1937, ou seja, Consolata e diretor da revista Missões.

Ajude-nos e venha
fazer parte desta obra
Missões é o veículo de comunicação do Instituto Missões Consolata e retrata o trabalho missionário
de levar a consolação aos que sofrem, aos que andam tristes, aos que estão sem esperança.
Torne-se um missionário membro da família Consolata, mantendo o nosso trabalho,
contribuindo financeiramente.

Veja como é fácil:


DEPÓSITO BANCÁRIO

AG.: 545-2 AG.: 0355 AG.: 0386-7


C/C: 38163-2 C/C: 17759-3 C/C: 945-8

CHAVE: redacao@revistamissoes.org.br
Envie o Comprovante, junto com seu Nome,
Data de Nascimento, CPF, Endereço, Telefone e E-mail para:

Rua Dom Domingos de Silos, 110 - 02526-030 - São Paulo - SP - Telefax: (11) 2238.4595 - E-mail: redacao@revistamissoes.org.br

20 OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES


MISSÕES RESPONDE

Quem é católico? Lula e Bolsonaro são


católicos! A seu modo.

de Edson Luiz Sampel

P
artamos de um fato concreto, para explicarmos
como se processa a pertença de uma pessoa
à Igreja Católica. Por ocasião do conclave de
2005, que elegeu o papa Bento XVI, um repórter
perguntou ao cardeal Scheid, do Rio de Janeiro,
se Lula era católico. Respondeu jocosamente o prelado:
“Lula não é católico, é caótico”. Dias depois, inquirido
pela imprensa com o mesmo questionamento, dom
Hummes, de São Paulo, replicou: “Lula é católico sim, a
seu modo”. Esclareçamos que dom Scheid, eclesiástico
assaz culto, não se referia ao liame jurídico-canônico
que liga o presidente Lula à Igreja Católica; o purpurado
do Rio de Janeiro quis tão somente frisar seu ponto Na verdade, para alguém deixar de ser católico
de vista acerca do modo como Lula pratica a religião. (Deus nos livre e guarde!), não é nada fácil. É mister
Assim, dom Hummes enfatizou o aspecto canônico, manifestar tal desejo por escrito à autoridade ecle-
afirmando, categoricamente, que Lula é um membro siástica competente. Explana a professora Maria J.
da Igreja Católica e, como qualquer católico, vive o Roca: “Requer-se que o ato (de abandono da Igre-
catolicismo com algumas peculiaridades (sentido da ja) seja manifestado pelo interessado por escrito,
expressão teológica “a seu modo”). Acalmem-se os diante da autoridade competente da Igreja, isto é,
bolsonaristas! Conforme registrado no título deste o ordinário (bispo) ou pároco, que deve julgar sobre
artigo, o ex-presidente Bolsonaro também é católico, a autenticidade do referido ato de vontade, com
isto é, integra ele a Igreja Católica. averbação no livro de batizados, a teor do cânon,
Devemos deitar por terra a odiosa rotulação 535, §2º, com a expressão explícita de que ocorreu
dos fiéis. Católico “praticante”, por exemplo, é uma a defectio ab Ecclesia catholica actu formali (defec-
fórmula que pode implicar a acepção de pessoas, ção da Igreja católica por ato formal)” (Diccionário
atitude proscrita no Novo Testamento (Tg 2, 9). Ir de General de Derecho Canónico, Universidade de
à missa todo domingo é essencial, mas não torna Navarra, vol. I, p. 67).
necessariamente quem vai melhor de quem não vai. Os portugueses mimosearam-nos com o maior
Todo católico, em primeiríssimo lugar, necessita ser dos tesouros: a religião católica. Leigos e clérigos in-
praticante das boas obras. tegramos a Igreja que Cristo fundou há dois mil anos.
Como alguém se torna católico? Exatamente Aprendamos a respeitar as idiossincrasias de cada
como os presidentes da república citados acima se um (não existe, neste mundo, um católico perfeito!).
tornaram católicos: através da recepção do batismo Esforcemo-nos por edificar uma sociedade em que
na Igreja Católica (cânon 96). Ambos provavelmente haja vida abundante para todos os brasileiros, com a
receberam o augustíssimo sacramento quando crian- extirpação da fome e da miséria, prenúncio do reino
ças, em tenra idade. de Deus. 
Posto isto, exemplificando, o indivíduo dado à
frequência esporádica do espiritismo ou candomblé, Edson Luiz Sampel é advogado. Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico
juridicamente falando, é católico. Católico incoerente, da 116ª Subseção da OAB-SP. Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade
porém, ainda assim católico. Lateranense, do Vaticano. Professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina.

OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES 21


ÁFRICA

O retorno na
ponta dos pés
Na última matéria da série sobre os 110 anos de presença
da Consolata na Etiópia, o jornalista Marco Marini relata o
trabalho atual e mais recente dos missionários naquele país.
FOTO: SABINA

Missionário da Consolata em Gambo, Etiópia.

de Marco Marini missões (Meki e Shashemane) no padre Giovanni De Marchi, que, em


vicariato de Harrar, centro oeste 1971, com padre Lorenzo Ori, abrem
do país. o Centro de Meki. Ali se contam 600
Ao final de junho daquele ano, o mil habitantes, metade muçulmana,

M
esmo com a expulsão dos superior geral, padre Mario Bianchi, 250 mil fiéis de religiões tradicionais,
missionários da Conso- encontra o vigário apostólico de 50 mil coptas, 2.500 protestantes
lata do país, conforme Harrar, monsenhor Urbani Marie e apenas 150 católicos.
vimos nas matérias ante- Person, para firmar um acordo so- Em 1975 os missionários da Con-
riores, o sonho do Bem- bre a presença dos missionários solata são 10, coordenados pelo
-aventurado José Allamano pela da Consolata em Meki, no meio padre De Marchi, e trabalham em
Etiópia continua vivo e em 1970 do caminho entre Addis Abeba e Meki, Addis Abeba, em Shashe-
eles retornam com discrição, sob Awasa. Os padres combonianos mane, aberta em 1972 e em 1973
o nome de Fatima Fathers (pais estão trabalhando naquela área. em Gambo (missão com leprosário
de Fatima), assumindo algumas Pelas negociações, é indicado que hospeda outros 100 leprosos)

22 OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES


e Gighessa (missões e centro para

FOTO: ARQUIVO MC
crianças com poliomielite).

Tempos difíceis
O trabalho missionário na Etiópia
não é fácil, também pela exigência
e contínuo controle do governo, o
qual, mais do que de missionários,
necessita de pessoas espertas em
promoção humana e impõe uma
pesada burocracia.
Em Meki, a missão dedicada a
Nossa Senhora de Fátima é bem
iniciada e organizada, com casas
para os padres e para as irmãs, Irmã Luisa Filipe missionária da Consolata moçambicana em missão na Etiópia.
capela, escola, laboratório técnico,
carpintaria e hospital. para a formação da comunidade São 15 os missionários da Con-
Em 1980 em Meki criam uma cristã. solata de origem etíope. Oito jovens
nova prefeitura apostólica, que vem seminaristas estão estudando teo-
confiada ao Instituto. É nomeado O grupo hoje logia nos vários seminários interna-
administrador padre Giovanni Bon- Hoje, os missionários da Con- cionais do IMC e serão ordenados no
zanino e não obstante seja destinado solata que trabalham na Etiópia próximo ano. No seminário prope-
a se tornar bispo, os missionários são 17, dos quais dez etíopes, três dêutico de Modjo são dez jovens em
favorecem um padre local, e assim italianos e quatro quenianos. discernimento vocacional e outros
Yohannes Woldegiorgis se torna o Como de costume, a atividade tantos no seminário de Addis Abeba
primeiro bispo de Meki (1981). missionária compreende o cuidado que estão estudando filosofia.
A Prefeitura apostólica de Meki pastoral da comunidade cristã, com
abrange uma área de 156 mil km2 atividades de desenvolvimento so- Falta de unidade
(a metade da Itália) com uma po- cial e humano. A Etiópia é um país rico de re-
pulação de mais de três milhões de Os missionários, em colaboração cursos naturais e humanos, com
habitantes, oito mil católicos. Os com duas congregações femini- tradições e cultura milenares, não
missionários da Consolata são 19, nas, trabalham com dois asilos, obstante raramente tem havido
dos quais só um é etíope, e ocupam em Modjo e Shambu, e duas clí- períodos de paz nos últimos cem
nove missões. nicas médicas com maternidade, anos.
Alem da evangelização, se de- em Weragu e Modjo. Em Modjo ao Como em qualquer situação
dicam ao serviço dos mais pobres: lado do seminário propedêutico, os humana, muitos dos problemas
em Gambo gerenciam um hospital missionários administram um cen- deste país referem-se à pobreza
e um centro de controle de lepra; tro de animação e espiritualidade de suas lideranças. Não existe uma
em Gighessa e em Assella cuidam missionária, muito apreciado para consciência nacional enquanto na-
de dois Centros para crianças com retiros ou convenções. ção. As tensões são muito fortes
problemas físicos e mentais; em Uma das características dos mis- entre os vários grupos étnicos. O
Shashemane dirigem uma escola sionários da Consolata no país é maior desafio para os políticos do
para cegos, leprosos e desabilitados. sua presença em zonas habitadas presente e do futuro é criar um senso
Em Meki dirigem uma pequena com predominância da popula- de unidade nacional. A corrupção,
escola técnica a nível acadêmico. ção de fé muçulmana e pequenas como em tantos outros países do
A concessão agrícola em Gambo, comunidades de católicos. Esse é continente é bastante ativa.
propriedade da diocese é coloca- um desafio grande, seja do ponto Embora com tantos desafios,
da à disposição da missão para o de vista da evangelização, quanto os missionários da Consolata con-
sustento de todas as atividades. O financeiro. Não obstante a gene- tinuam presentes em sua missão,
terreno agora é em grande parte rosidade da comunidade cristã, o tentando proporcionar um futuro
floresta e somente 100 hectares exíguo numero e pobreza dos seus melhor, seja para o país, como para
são cultiváveis. membros, é difícil o auto-sustento a Igreja. 
Os missionários operam entre das missões. Sem ajuda proveniente
dois setores: o social, que carac- dos benfeitores da Itália e de outros Marco Marini é jornalista. Matéria editada e traduzida da
teriza sua presença e o pastoral países, é impossível gerir-se. revista Missioni Consolata, edição junho de 2023.

OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES 23


DESTAQUE

Campanha
Missionária 2023
Ide! Da Igreja local aos
confins do mundo.
de Redação o lema bíblico permaneceu em A construção da arte
sintonia com a realização do 3º “Corações ardentes, pés a
Ano Vocacional que a Igreja do caminho” foi o lema da mensa-

"I
de! Da Igreja local aos con- Brasil celebrou. gem do papa Francisco para o
fins do mundo” foi o tema No ano passado, foi celebrado Dia Mundial das Missões. O texto
da Campanha Missionária o Ano Jubilar Missionário que ani- focaliza a atenção sobre o encon-
de 2023, cuja inspiração mou a caminhada missionária da tro com Jesus Ressuscitado como
bíblica, baseada no texto Igreja do Brasil. Em 2023 as ações a motivação central do ser e agir
dos discípulos de Emaús foi “Cora- missionárias foram voltadas para a missionários. Os pés dos discípu-
ções ardentes, pés a caminho” (cf. preparação do 5º Congresso Mis- los – fincados em uma realidade
Lc 24,13-35). Após três anos refle- sionário Nacional, que aconteceu bem determinada – se põem a
tindo sobre a natureza missionária em Manaus nos dias 10 a 15 de caminho somente porque antes,
da Igreja e sobre o “ser missão”, novembro de 2023, tendo como os corações se inflamaram no
o tema deste ano ajudou a apro- horizonte o 6º Congresso Missio- encontro com Jesus que os ouviu,
fundar a relação entre Igreja local nário Americano (CAM6) que será caminhou com eles, explicou-lhes
e a missão Ad Gentes, enquanto realizado em Puerto Rico em 2024. a Escritura e ficou com eles para

24 OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES


ARQUIVO POM
a partilha do pão. A Campanha locais deste nosso imenso Brasil, mas também sobre transpor barrei-
Missionária deste ano colocou aprofundando a compreensão da ras culturais, sociais e linguísticas.
em evidência que cada Igreja local responsabilidade missionária e Cada missionário, ao dar um passo
tem o dever de evangelizar toda da necessária conversão pastoral, rumo ao desconhecido, carrega
pessoa e todos os povos até os possam assumir, com mais vigor, em suas mãos uma mensagem de
confins da terra. Destaca-se que o chamado e o mandato de Jesus esperança, amor e compreensão.
este élan missionário nasce da Cristo, nas diferentes atividades da Além de partir com uma bíblia ou
experiência do amor de Cristo que única missão da Igreja que é evan- ensinamentos, leva-se o desejo
cativa e impulsiona cada cristã, gelizar até os confins do mundo. genuíno de aprender, compreender
cada cristão. O mês missionário nos recor- e conectar-se ao outro.
A construção da arte da Cam- dou que podemos colaborar con- Quando uma criança em uma
panha Missionária de 2023, em cretamente com o movimento aldeia do continente africano rece-
sintonia com o 5º Congresso Mis- missionário através da oração e be cuidado e atenção; quando um
sionário Nacional, nos lembrou o da ação, com ofertas de dinheiro grupo de pessoas doa seu tempo
coração que pulsa na realidade e de sofrimento, com o próprio para fazer pães, buscando arrecadar
local e os pés que nos impulsionam testemunho. Por isso, em todas fundos para a missão; ou quando
à animação missionária em todo as Igrejas do mundo no penúltimo comunidades rezam e ajudam os
o mundo. O coração trouxe, de domingo de outubro (21 e 22) missionários além-fronteiras, cada
maneira especial, a arte da cultura realizou-se a coleta missionária, um desses momentos é uma vitória
indígena amazônica, marcado pela destinada integralmente para a missionária.
cruz que nos identifica. Esse símbolo missão universal. Diante de uma era de divisões
nos motiva para viver novos cami- Desde os tempos antigos, o cha- profundas e desafios globais, o
nhos de atuação missionária a partir mado missionário tem inflamado chamado missionário permane-
da experiência evangelizadora da corações e guiado passos rumo aos ce como lembrete pungente de
Igreja na Amazônia. O pé apresen- cantos mais distantes do mundo. O sermos todos interconectados. E,
tou as cinco cores, representando mês missionário deste ano, quando afinal de contas, é a compaixão,
os cinco continentes e o chamado nos convidou a refletir sobre o tema a empatia e o desejo de criar um
para a missão até os confins do “Ide! Da Igreja local aos confins mundo melhor que nos une. 
mundo. A arte expressou também do mundo”, não se referia apenas
o desejo que a rede das 279 igrejas sobre cruzar fronteiras geográficas; Com informações das POM e CNBB.

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CIDADANIA

Vigilância e Esperança
Vamos despertar do sonambulismo espiritual e vigiar nestes tempos tão
cheios de significado, para seguir rumo à meta de encontrar o Senhor.

de Fátima Bazeggio Apocalipse como se fosse uma profecia descritiva dos


finais dos tempos, além dos religiosos de plantão que
anunciam a segunda vinda de Cristo como iminente
para fundamentar suas teorias. É possível viver sem

A
o se aproximar as festas de fim de ano, são esperança?
frequentes o envio de mensagens esperanço- “Movo-me na esperança enquanto luto e se luto
sas, com votos de paz, saúde e prosperidade. com esperança, espero” (Paulo Freire)
O desejo expresso nos votos que enviamos e “Por que não olhar para os sinais de esperança do
recebemos tem enfrentado cada vez mais apelos universo habitado e dessa forma alimentar em nós
e desafios na realidade atual. A capacidade humana uma atitude de vigilância e de conversão? É fácil ouvir
para alimentar e manter a esperança, independente o barulho do carvalho que cai e porque não ouvimos
da cultura ou da crença religiosa é determinada pelo o ruído da floresta que brota?” (J. Yves Leloup)
esforço de trazer sentido às vidas vividas em um tempo O tempo de Advento chega pondo à prova a nossa
e espaço cada vez mais fragilizados. capacidade de continuar esperando além de toda e
Este século teve início com acontecimentos históri- qualquer expectativa, pela chegada do Emanuel, Deus
cos sem precedentes, que afetaram e ainda afetam a conosco.
vida humana, social, política, econômica e ecológica. Este tempo litúrgico vem nos convidar a silenciar e
A crise da pandemia da Covid-19 no início parecia ter olhar com atenção o nosso interior e além dos muros
reorientado a humanidade, para diante da fragilidade que nos cercam, as marcas de ódio e de dor, para levar
da vida, aplicar os bons e velhos valores. E agora o que inspiração, esperança e perdão.
percebemos na atualidade? Vamos despertar do sonambulismo espiritual e
Vivemos cenários de guerras e crises geradas com vigiar nestes tempos tão cheios de significado, para
finalidades lucrativas que buscam atender interesses seguir rumo à meta de encontrar o Senhor que vem
de grande corporações e potências mundiais em uma salvar o seu povo.
insana corrida pela dominação e poder. A natureza Queremos seguir e perseguir a nossa vocação de
colapsa diante da desenfreada exploração de seus resistir e avançar, em busca de novas saídas, de com-
recursos naturais e não se tem tempo para escutar bater a estagnação e sair para transformar, a partir de
os gemidos da Criação, porque a cultura do consumo nós mesmos, o mundo que necessita ser humanizado
corre solta, adentrando o mais íntimo de cada pessoa para esperar a chegada do Ser divino que se fez Homem
como se não houvesse outra saída. por amor. 
Junto aos desastres naturais que estão aconte-
cendo, surgem vozes querendo interpretar o livro do Fátima Bazeggio é Leiga Missionária da Consolata, Comunidade São Paulo.

26 OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES


BÍBLIA

Vocação
e eleição
Irmãos, procurai com mais gera um sentimento de conforto psicológico frente
ao sofrimento econômico e sanitário. Então, nossa
diligência consolidar a vossa sociedade aceita a ação da Igreja como ajuda aos
vocação e eleição… (2 Pedro 1,10) sofredores, mas não a proposta de um modo de ser e
viver a partir do Evangelho e suas consequências. Ora,
isso é a vocação: o chamado a um modo novo de ser.
Pedro une dois conceitos importantes: a vocação,
de Mauro Negro
que é o chamado, e a eleição, que é a escolha. É um
modo diferente de indicar uma máxima evangélica

A
segunda Carta de Pedro apresenta expressões apresentada na parábola do banquete nupcial, em
interessantes, próximas do pensamento de Mateus 22,1-14. A ideia é “Muitos são chamados,
Paulo que estava ligado à vida com os valores mas poucos são escolhidos” (versículo 14). Muitos
cristãos em uma sociedade que se opunha recebem a vocação, ouvem o chamado, mas poucos
a isso. Vemos a Fé em Jesus como Cristo escolhem o seguimento, ou são tomados por ele, por
crescendo e se confrontando com todo tipo de con- este modo de ser e viver.
tradição, o que deveria causar muitas dificuldades, Isso tem implicações práticas, sendo a primeira o
como medos, inseguranças e até isolamentos sociais. fato de que os discípulos do Cristo nunca serão uma
Mas os primeiros cristãos entendiam que isso era maioria real. Podem ser uma maioria convencional, pois
parte da vocação ou chamado. Talvez não seja tão é fácil “ir na onda” do momento, e se a Fé em Cristo
evidente tal situação para nós, hoje, mas conside- é o forte, então embarca-se nela. Mas uma decisão
ramos a nossa “sociedade líquida”, como se diz. Ela clara, intensa e consequente apresenta dificuldades
não aceita os valores objetivos do Cristianismo, mas e desafios nem sempre fáceis de ser assumidos. A
apenas os convencionais como a filantropia, o que eleição, então, é uma resposta numérica menor do
que a vocação.
DIGITALSKILLET

Pedro escreve sua carta para fiéis que sentem


o peso da escolha em seguir a Cristo e os exorta a
redescobrir o valor que isso implica. A vida passa
a ter uma qualidade nova, o olhar para si mesmo e
para os mais próximos tem um sentido diferente. Se
possíveis consequências difíceis podem vir, podem
vir também percepções novas, certezas que geram
tranquilidades e seguranças que antes eram difíceis
e até impossíveis.
A eleição é o mais notável resultado da vocação
para a qual somos chamados. É estarmos com Cristo,
experimentando já a nova história. 

Mauro Negro, OSJ Biblista, PUC São Paulo - mauronegro@uol.com.br

OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES 27


ENTREVISTA

Pastoral Afro
na prática

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL


de Maria Emerenciana Raia

A
Pastoral Afro foi instalada
na arquidiocese de Feira
de Santana, BA, em 2021
a partir de um curso de
formação nacional. Padre
Ibrahim Muinde Musyoka, mis-
sionário da Consolata ordenado
em 2022, começa seu trabalho na
Paróquia São Roque de Matinha
dos Pretos no mesmo ano e entre
o diálogo com a comunidade e a
arquidiocese, estrutura a pastoral. des católicas em Maringá sobre A visão que os negros trazem
Em São Paulo, para participar a Pastoral Afro. Isso me ajudou do Sagrado. Não houve incultu-
da XXVII Romaria Nacional da a compreender a opção do IMC, ração no processo de escravidão.
Pastoral Afro-brasileira ao San- pela Pastoral Afro. Tanto em São A Pastoral tenta resgatar isso?
tuário de Aparecida, realizada Paulo, quanto no trabalho do con- Padre Ibrahim e Francisca
no dia 4 de novembro de 2023, tinente. Manifestei meu desejo Fonseca - É um estudo integral,
padre Ibrahim concedeu entrevis- de trabalhar com essa pastoral. completo, de como vivenciar essa
ta à revista Missões, juntamente A questão da pastoral é o existir realidade. Nos anos 80 do século
com Cássia Patrícia, quilombola, realmente, colocar em prática, não passado, temos articulação do
secretária da Pastoral na Paróquia apenas a teoria. É uma pastoral movimento negro, uma articu-
São Roque de Matinha e com difícil, que em si desafia a fé da lação externa, civil, forte, pelos
Francisca Fonseca, quilombola, pessoa, é uma proposta da Igreja direitos dos negros. Os negros
desde 2021, agente da Pastoral. que muitas vezes não é entendida. têm direitos, voz e vez. Esse mo-
A Pastoral Afro-brasileira é uma vimento negro surge pelo fim da
Uma das opções do Instituto resposta do bom pastor à realida- ditadura civil e militar. A Igreja
Missões Consolata (IMC) é tra- de do negro e da negra no Brasil. também acolhe esse movimento.
balhar com a Pastoral Afro. Você Não é uma criação, uma atividade Com a Constituição de 88, nasce
teve uma preparação para isso? para quem não tem o que fazer. a Pastoral Afro de acordo com a
Como começou seu trabalho? É uma busca, um olhar para a Campanha da Fraternidade “ouvi
Padre Ibrahim - No seminário realidade, não se compara com o clamor desse povo”. Surge a
em São Paulo fiz meus estudos de outras. O negro está à margem, é pastoral no contexto do Brasil. Não
teologia e fui trabalhar em São excluído da participação na Igreja, é desligada do processo social.
Miguel Paulista, SP. Em quatro fisicamente e espiritualmente. Em 1988 se celebra o cente-
anos passei por muitos momen- A Pastoral Afro está fazendo um nário da “suposta abolição da
tos e experiências... participei da trabalho de resgate dessa história. escravidão”. A Igreja não está
primeira conferência das entida- É o Evangelho para todos. alheia ao processo sócio-histórico

28 OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES


de formação da história do Brasil. Padre Ibrahim e Cássia Patrí- São 13 comunidades na paróquia
A sociedade se movimenta ao cia - A Pastoral Afro é mais forte São Roque de Matinha e levamos
clamar por justiça e igualdade. nas regiões Centro e Sul do país, formação e projetos. Dentre eles:
A Igreja apóia o pedido. do que no Nordeste. O ataque Cinema na Praça, com filmes que
foi mais forte onde a população retratam a realidade do povo ne-
Dificuldades da Pastoral Afro negra se concentrou. O negro se gro disponíveis para as pessoas. As
na Paróquia. E o que já consegui- encontra na Pastoral. Convivemos pessoas se encontram nesses filmes.
ram realizar? com negros que não querem ouvir Levamos formação nas escolas, so-
Padre Ibrahim e Francisca sobre a Pastoral Afro. Houve um bre a realidade do povo negro. Aulas
Fonseca – Dificuldade maior é processo de demonização. E o de capoeira toda sexta-feira. Projeto
a própria definição, história. Há próprio negro não leu o Vaticano II. Miss e Mister Quilombola Matinha.
um olhar preconceituoso, de- É difícil de qualquer jeito. O difícil Retratamos a vivência sobre a rea-
sonesto com os negros. Muita é apresentar a pastoral. Não dá lidade onde vivem. Muitos não se
crueldade. Olhar que vem na sua pra fazer Pastoral Afro onde não aceitam, têm baixa autoestima e ela
história. Começa na escravidão – existem negros. Os negros que é aumentada através do projeto.
olhar negativo, preconceituoso se encontram em ambientes de Não é só um concurso de beleza,
de sua própria cultura. Ele tem branco (Sul, por exemplo), conse- é a recuperação da dignidade dos
que abraçar a cultura dos outros guem uma articulação mais forte. participantes.
para ser bom, esquecendo da Escolas públicas – apresenta-
própria história. Momentos de mos projetos, questão de cons-
criminalização. Olhar negativo trução de identidade. Como a
com relação à sua religião. Igreja escola pode estar dialogando. A
dos senhores brancos e dos ne- proposta da Pastoral é de forma-
gros. Não era permitido entrar na ção para professores e alunos.
igreja. As religiões africanas são Fizemos a primeira experiência
excluídas. Entre as religiões que de pré-vestibular, criando uma
existem no mundo, não temos turma de jovens para o vestibular.
tanta perseguição, como temos Parceria com universidade. Igreja
como as religiões de matrizes se apresentando como parceira
africanas. do povo.
A Pastoral Afro se preocupa Temos um projeto de visita
com tudo isso, com esse olhar a lugares históricos. A primeira
diferente. Entre suas caracterís- viagem que fizemos foi para Ca-
ticas estão a valorização dessa choeira, maior concentração de
cultura afro brasileira. Procura engenhos de cana na Bahia e onde
preservar suas tradições; o com- A articulação da Pastoral Afro houve concentração de escravos.
bate ao racismo. O racismo é um em Santa Catarina é forte, po- As celebrações eucarísticas.
sofrimento que acaba ferindo o rém é minoria. Quem está lá não Tínhamos comunidades que se
que Deus fez; o diálogo inter- tem opção de não participar da sentiam acuadas porque usavam
-religioso. Estamos nos tornando Pastoral. Agora mesmo, estamos atabaque, por exemplo. Com a
uma minoria em alguns lugares. chegando em três pessoas do Nor- Pastoral Afro, se sentem mais à
Estamos vivendo a intolerância deste para participar da Romaria vontade porque tem respaldo para
religiosa. A Pastoral busca dar a (em Aparecida), Santa Catarina usar o instrumento, ou inserir
conhecer a religiosidade, para que está com um ônibus! símbolos afros.
as pessoas percam os preconcei- Não podemos perder de vista Gostaríamos de destacar a
tos. Partilhar o seu sagrado, com o processo de aculturação pelo participação de quatro membros
conhecimento do outro. qual os negros passaram. A pri- da Pastoral Afro da diocese, na
meira coisa que aconteceu foi que Jornada Mundial da Juventude
Como vocês atuam na paró- tentaram tirar a sua cultura. Se 2023, em Lisboa. Participamos da
quia? A população da paróquia eu tiro a cultura, eu tiro a identi- Conferência Nacional das Entida-
é negra? Vocês acham mais fácil dade. O processo foi muito forte. des Negras Católicas (CONENC)
trabalhar com os negros, ou seria Dificuldade de compreender o e do Encontro da Pastoral Afro
mais difícil trabalhar numa região que é cultural e o que é religioso. (EPA) a cada dois anos. 
de maioria branca? A conscien- Houve apropriação da cultura
tização dos negros é mais fácil? negra pelos brancos. Maria Emerenciana Raia é editora da Revista Missões.

OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES 29


Gaza Natal de 2023
Na terra da Palestina, berço original do Messias,
O cenário é de fogo, disparos e escombros,
Explosões de bombas se fazem sentir por toda parte,
Casas estão destruídas, ruas e praças obstruídas.
Atordoados e perplexos, sem teto e sem rumo,
Grupos anônimos correm de um lado para outro
Toda a cidade está em chamas e arruinada...

Há crianças inocentes com os olhos esbugalhados:


O medo é maior que a fome que mora neles;
E há outras com membros ensanguentados:
Inermes nos braços de adultos tomados pelo terror
Outras, ainda, com as faces distorcidos:
Órfãs e sós, não sabem mais para quem apelar
Enfim, meninos e meninas paralisados,
Com a sede a devorar-lhes as entranhas!...

Pelo chão, estendem-se corpos imobilizados:


Mortos e feridos que se contam às dezenas e centenas;
Os primeiros à espera de sepultura, os segundos de cura.
Outros corpos, dobrados sobre familiares e amigos,
Gritam, gesticulam, batem no peito, clamam aos céus
Enquanto muitos adultos tentam descobrir sobreviventes!...

O céu se cobre de estranhos projéteis e sombria fumaça,


Armas, soldados, tanques e artefatos de guerra
Avançam implacavelmente sobre tudo e todos;
Quem está mais ao norte, corre para o lado contrário;
E quem está mais ao sul, tenta fazer o mesmo;
Multiplicam-se os tropeços entre gente amiga!...

Entretanto, chega o advento e logo a Festa de Natal,


Jesus renasce, desta vez não numa gruta e manjedoura,
Na presença de Maria e José, ao calor dos animais.
Nasce em meio às cinzas e ruínas do fogo feroz e brutal,
E em meio à indiferença de tantos povos e nações!...

Mais do que nunca, o Menino representa fé e ESPERANÇA,


Dos que, tragados por catástrofes, têm a vida por um fio,
Ou que, em fuga da terra natal, encontram fechadas as fronteiras;
O divino-humano irrompe na história humano-divina,
ESPERANÇA de quem só em Deus pode encontrar abrigo e salvação!

Alfredo J. Gonçalves, cs,


Assessor do SPM – Serviço de Proteção ao Migrante – São Paulo

30 OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO 2023 MISSÕES


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