EDITORIAL

SUMÁRIO
AMOR PELA
JUNHO/JULHO 2022/05

CONSOLATA
T
iago Camisassa, Cofundador dos Missionários e
das Missionárias da Consolata tinha muito res-
peito e amor por Nossa Senhora, tanto quanto Imagem na capela da
o Fundador dos dois Institutos Missionários, Casa Regional das Irmãs
o Bem-aventurado José Allamano, a quem Missionárias da Consolata
em São Paulo.
“servia” lealmente. Esse ano de 2022 é colorido pela Foto: Cleber Pires
memória celebrativa de Camisassa, por isso publica-
mos matéria sobre seu relacionamento com Nossa
Senhora Consolata.
No mês de julho, o profeta da Amazônia, dom Cláudio
Hummes voltou à casa do Pai e o padre Júlio Caldeira
recorda sua atuação como profeta da Amazônia e dos
pobres. Padre Júlio teve a oportunidade de trabalhar  MISSÃO EM CONTEXTO-------------------------------03
Projeto Bolívia
com ele na Rede Eclesial Pan Amazônica (REPAM). Fa- Stefania Raspo
lando ainda em profecia, na rubrica Cidadania, a Leiga
 ATUALIDADE----------------------------------------------04
Missionária da Consolata, Fátima Bazeggio destaca a Tiago Camisassa e a Consolata
importância de ser profeta hoje. Stefano Camerlengo
Em junho, mês da Consolata, os missionários e as  ESPECIAL--------------------------------------------------06
Profeta da Amazônia
missionárias, leigos e professos, participaram do En- Júlio Caldeira
contro Internacional da Família Consolata, que ficou  INTENÇAO MISSIONÁRIA------------------------------09
conhecido como Muranga’2, resgatando os princípios Anyine Henry e Kennedy Odour
da histórica Conferência realizada em 1904, no Quênia,  ESPIRITUALIDADE----------------------------------------10
com os primeiros missionários enviados àquele país. Muranga'2
Gianfranco Graziola
Padre Gianfranco participou do Encontro on-line e
 TESTEMUNHO-------------------------------------------12
partilha conosco. Também na rubrica Formação, ana- A rede suspensa entre o céu e a terra
lisa a Carta Apostólica do papa Francisco, Desiderio e Mary Afnes Njeri Mwangi
Desideravi, que trata sobre liturgia.  FORMAÇÃO MISSIONÁRIA----------------------------14
Atualizando o trabalho da Família Consolata, temos Desiderio e Desideravi
Gianfranco Graziola
os testemunhos de irmã Mary Agnes Njeri Mwangi,
 FÉ EM AÇÃO---------------------------------------------16
vivendo com os Yanomamis, as irmãs que trabalham Somos feitos para a imensidão
na Bolívia, num projeto social que fornece alimenta- Nei Alberto Pies
ção para crianças e jovens que caminham duas horas  FAMÍLIA CONSOLATA-----------------------------------17
O trabalho e sua necessidade
para chegar à escola e ainda, a entrevista com Irmã Redação
Maria Conceição Nascimento da Silva, vice-superiora  MISSÕES RESPONDE-----------------------------------21
Geral das Missionárias da Consolata, que retrata os As principais causas de nulidade do casamento II
caminhos do Instituto das Missionárias. Edson Luiz Sampel

Na rubrica Institucional, as irmãs relatam a Visita  PRÓ-VOCAÇÕES----------------------------------------22

A decisão é sua
Canônica iniciada em junho, no Brasil. E ainda dentro da Ambrose Omeyo Ekitoi
caminhada da Família Consolata, tivemos a ordenação  DESTAQUE------------------------------------------------24
diaconal de três professos africanos, Wilson Gervace Precisamos fazer amanhecer
Luís Ventura
Mtali, Ambrose Omeyo Ekitoi e Richard Mutua Wambua.
 ENTREVISTA-----------------------------------------------28
O que acontece hoje reflete as bases de uma fun- Vocação é vida
dação dos Institutos calcada no amor à Consolata e à Maria Emerenciana Raia
Missão! Boa leitura.   VOLTA AO BRASIL-----------------------------------------30
Agência Brasil, CNBB

2 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES


Projeto Bolívia
Missionárias da Consolata em Vilacaya,
Bolívia, fornecem alimentação para
crianças e jovens que caminham duas
horas para chegar à escola.
de Stefania Raspo
N
a Bolívia, nas montanhas andinas, ir à escola
não é uma brincadeira. Crianças e jovens das
vilas mais pobres e distantes enfrentam até
duas horas de caminhada... E se quando che-
gam encontram algo de bom e quente para
comer, também o rendimento escolar ganha com isso.
Eis porque as irmãs da Consolata alargam a sua ‘rede
de mesas’.
Em Vilacaya, em 2014, as missionárias abriram a
mesa escolar que anos antes fora coordenada pelas
Irmãs Filhas de Jesus, que estavam então presentes na
Vila. No ano seguinte, o serviço da cozinha se estendeu
também ao Colégio do município de Uvila, situado em
uma das regiões mais pobres do vasto território da
paróquia na qual trabalham. E foi mesmo em Uvila que
constataram com os próprios olhos o quanto uma boa
alimentação incide sobre a saúde e sobre as potencia-
lidades pessoais: os jovens começaram a crescer mais
rápido e os professores viam melhorar visivelmente o
rendimento escolar. Nas repetidas visitas, as missioná-
rias notavam uma maior vivacidade nas crianças e nos
pré-adolescentes, que antes, ao invés, frequentemente
adormeciam nos bancos, depois de caminhar por duas
horas com estômago vazio.
Há diversos anos que, graças à solidariedade de pes-
soas amigas da missão de Vilacaya, as irmãs asseguram
cotidianamente uma refeição adequada aos estudantes
das escolas rurais desta zona.
Desde 2021 acrescentaram o projeto à Escola Ele-
mentar, Média e Superior de Suquicha, que conta com
um total de mais de 100 estudantes, uma bonita parcela
de juventude com uma grande necessidade de ser acom-
panhada. Esta escola encontra-se a 40 km de distância
da paróquia onde trabalham, no fim de uma estrada
de terra com muitas curvas que leva à Vila, uma zona
de difícil acesso, especialmente durante a estação das
chuvas. As Instituições muito frequentemente transcuram
os lugares remotos como este, enquanto deveriam ter o
dever de garantir uma refeição diária a cada estudante
MISSÃO EM CONTEXTO
ARQUIVO PESSOAL
inscrito nas escolas públicas. Ainda em 2021 levaram
adiante outra intervenção, que se fez necessária devido
à falta de chuva, que agravou como consequência a já
precária situação das famílias. Conseguiram alcançar
numerosas escolas, também aquelas com poucos alunos,
com a distribuição de arroz, macarrão, legumes, óleo e
sal, para garantir ao menos uma refeição ao dia para os
mais jovens. A gratidão das famílias e professores pelo
interesse para com eles é sempre sincera e evidente.
O projeto de apoio às escolas não está circunscrito à
alimentação: as irmãs estão em contínuo contato e em
colaboração com estes centros educativos, seja para a
formação dos docentes e dos estudantes como também
para a gestão de projetos que melhorem as condições
de vida. Mesmo se hoje estão assumidos por Institui-
ções públicas, mantém o estatuto de escolas paroquiais
de inspiração cristã, sendo que foram fundadas pelos
franciscanos há mais de um século.
Em Vilacaya as refeições são geridas diretamente
pelas irmãs missionárias: elas compram os alimentos
e distribuem as refeições, enquanto uma cozinheira é
encarregada da preparação do almoço. Para as outras
escolas é conferido um valor mensal que é administrado
por um professor juntamente com os pais membros do
Conselho Didático. Cada trimestre há uma prestação
de contas econômica detalhada, com um diálogo com
os responsáveis em vista de eventuais dificuldades. Na
realidade percebe-se em cada um destes encontros
como a gestão precisa estar atenta e economizar. No
fim do ano tem sempre uma “poupança” para poder
comprar uma panela ou materiais de uso para a cozinha;
há dois anos em Uvila compraram até um fogão a gás!
À medida que o tempo passa, o projeto se transforma
para adaptar-se às situações que se apresentam. 
Stefania Raspo, MC, é missionária na Bolívia. Matéria publicada na revista Andare,
edição de maio-junho de 2022.
JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 3
 MISSSÃO EM CONTEXTO
Tiago Camisassa
FOTO: CLEBER PIRES
e a Consolata
de Stefano Camerlengo
T
iago Camisassa, Cofunda-
dor dos Missionários e das
Missionárias da Consolata
tinha tanto respeito e amor
pela Consolata, como José
Allamano, o Pai Fundador dos dois
Institutos.
Uma vez que esse ano é co-
lorido pela memória celebrativa
do Cofundador, vamos recordar
alguns pontos importantes de
4 JUNHO/JULHO
JUNHO 2022 MISSÕES
2022 MISSÕES
sua vida e exemplo, que podem
se tornar exemplo também para Cofundador dos
Missionários e das
nós, hoje.
Tiago Camisassa era um jo-
vem sacerdote que aguardava Missionárias da
ansiosamente o momento de se Consolata tinha
dedicar plenamente ao ministério
pastoral e à pregação. Era dotado tanto respeito
de excelentes qualidades, e estava e amor pela
fazendo os últimos preparativos
para ir trabalhar como vice-pároco, Consolata, como
quando em setembro de 1880, José Allamano.
recebeu uma carta inesperada
e chocante do seu jovem diretor
espiritual, o teólogo José Alla-
mano, que tinha sido nomeado
Reitor do Seminário da Consolata:
um documento importante que
marcaria o destino de Camisassa
e por extensão, também o de
Allamano.
Frases e testemunhos
“Camisassa era um homem
muito devoto de Nossa Senhora.
Estava muito viva no seu coração a
devoção do bom Cônego a Maria
Santíssima: pode dizer-se dele
que a sua devoção filial, ardente
e terna à Virgem Consoladora,
era a luz que iluminava toda a sua
vida e guiava todas as suas obras,
todos os seus grandes empreen-
dimentos. O que é que ele não
teria feito pela Consolata? Lem-
bro-me que quando, por ocasião
da restauração do Santuário, ele
subia ao cimo dos andaimes para
observar e analisar tudo, àqueles
que lhe diziam para ter cuidado
para que não lhe acontecesse
alguma desgraça, ele respondia:
para a Consolata, tudo deve ser
feito, tudo, até, se necessário, dar
a vida!” (Teol. Bonada Giovanni)
“A Consolata deu-vos a mais
bela Missão do mundo, não há
missão que se compare com a
nossa. Pergunto-me frequente-
mente porque é que a Consolata
quis dar-nos uma Missão tão bela!
Mais o Senhor nos dá e mais nos
pedirá, mais correspondência,
mais sacrifício. Portanto, conti-
nuai de bom grado, tornai-vos
santas, rezai muito por todas as
necessidades, especialmente as do
nosso Instituto, que são tantas”.
(Palestra de Camisassa às Irmãs,
25 de julho de 1916)
“O Senhor Vice-Reitor... era um
verdadeiro filho devoto, amante de
Maria Santíssima Consolata, filho
e confidente; nas tristezas, pro-
vações e lutas, virava o seu olhar
para Maria Santíssima Consolata e
estava certo, com fé inabalável da
sua ajuda e proteção; recorria fre-
quentemente a ela com olhadelas
afetuosas, invocações frequentes
e, frequentes recomendações para
que nos concedesse as suas graças
e bênçãos maternas a nós e a todo
o Instituto. Sabeis bem que basta
um olhar para Maria Santíssima
Consolata para consertar tudo.
Ela é a nossa Mãe, está tudo dito.
Amemo-la, amemo-la na terra e
seremos felizes com ela no céu,
por toda a eternidade. E assim,
mesmo nesta vida de misérias,
devemos amá-la, tê-la por mãe e
viver para Ela, torná-la conhecida
e amada”. (Testemunho sobre Ca-
misassa dado pela Ir. Constantina
Mattalia).
Lições de vida para nós hoje
Humildade – a relação que
Camisassa tinha com a Consolata
estava marcada por um grande
sentido de humildade. Esta é uma
condição fundamental para ser
missionário hoje em dia. Allamano
já o tinha salientado claramente.
“A virtude da humildade é tão
necessária, que sem ela não po-
demos fazer nenhum bem, mas
faremos muito mal”.
A humildade pode ser definida
como uma espécie de coragem. É
a coragem de parecer diferente,
talvez um pouco estranho, mas no
seguimento constante dos valores
evangélicos em que acreditamos,
que nos incitam a colocar sempre
o Senhor e a sua vontade em pri-
meiro lugar, sem exceções. Maria
é a nossa grande mestra de hu-
mildade que, com o seu “sim” a
planos que são expressão do seu
amor por Deus, abandonou todas
as certezas, todas as seguranças,
todas as aspirações pessoais. O
seu “Magnificat” é um hino que
a coloca dentro do real, dentro
do cotidiano que Ela vive na pers-
pectiva de Deus.
Transferir todas estas atitudes
para uma dinâmica comunitária,
significa tornar-se progressiva-
mente consciente de pertencer
a uma “pequena” comunidade,
que sente a necessidade de “se
construir andando”, de realizar
uma conversão gradual e de criar
um ambiente em que cada pessoa
se sinta respeitada e nunca apon-
tada a dedo, e que está também
disposta a confiar os seus projetos,
os seus sonhos, as suas iniciativas
exclusivamente ao Senhor e à sua
vontade.
Amor
A força de Camisassa reside
precisamente em fazer as coisas
silenciosamente e com amor. Um
missionário que não ama não dá
frutos e permanece estéril. Alla-
mano afirmou fortemente este
conceito: “se não chegarmos a
amar mais o bem do outro do que
a nossa própria vida, podemos
ter o nome, mas não teremos a
substância do apóstolo”.
Missão
Toda a vida de Camisassa mar-
chou numa só direção, estava
impregnada de missão. O seu
coração estava cheio dela e a sua
atividade era um reflexo disso.
É isto que Allamano nos lembra
sempre: “missão na cabeça, nos
lábios e no coração”.
“Amor por Cristo” é o conteúdo
fundamental da missão. A expe-
riência deste amor é a primeira
e indispensável fase da missão.
A missão é ir, sair, encontrar-se,
mas acima de tudo testemunhar.
O verbo “ir” desencadeia, portan-
to, a energia e vitalidade da ação
missionária, expandindo o seu
horizonte geográfico, temporal
e espiritual. A missão, num certo
sentido, pede-nos para ir ‘além’.
Sempre! Sem “se” e sem “mas”.
O amor urgente nunca se sente
satisfeito, não conhece limites ou
fronteiras, está sempre pronto para
novas aberturas. É o amor urgente
da missão que a torna universal
e de dimensões cósmicas. 
Stefano Camerlengo é Superior Geral dos Missionários da
Consolata. Texto editado e extraído da mensagem aos
missionários por ocasião da festa da Consolata, 2022.
JUNHO/JULHO
JUNHO 2022 MISSÕES 5
 ESPECIAL
Profeta da Amazônia
Dom Cláudio
Hummes perdeu
a luta contra o
câncer e partiu
para o pai no dia 4
de julho de 2022.
Por Júlio Caldeira
H
omem da esperança, ale-
gria e simplicidade, sempre
inspirou pelo seu amor a
Jesus, à Igreja, à Amazônia e
aos pobres. Com profunda
esperança e convicção de fé, viveu
e ensinou o caminho rumo a Jesus,
com o anúncio do Reino de Deus
por meio de obras concretas.
Vida operosa
Nascido em Montenegro, atual
município de Salvador do Sul, RS,
no dia 8 de agosto de 1934, Aury
Afonso Hummes (nome civil de dom
Cláudio, como ele gostava de ser
chamado) fez sua profissão religiosa
em 1953, como Franciscano Menor
(OFM) e foi ordenado sacerdote
em 1958.
Em 1975 foi nomeado por Paulo
VI como bispo de Santo André, SP,
onde permaneceu 21 anos, acom-
panhando de perto o movimento
operário do Brasil, incluindo a greve
geral dos metalúrgicos do ABC no
final dos anos setenta, e no traba-
lho para combater a pobreza e o
desemprego. Nomeado em 1996
como arcebispo de Fortaleza, CE,
também se destacou no trabalho
com as famílias, especialmente as
mais pobres e em dificuldades.
Em 1998 foi nomeado arcebispo
6 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES
de São Paulo, a maior cidade do
país. É recordado pela sua constante
atuação na formação, evangelização,
administração e ação social para
atenuar os problemas causados
pela pobreza nas periferias e pelo
desemprego. Em 2001 foi designa-
do Cardeal pelo então papa João
Paulo II.
De 2006 a 2010 esteve como
Prefeito da Congregação para o
Clero, no Vaticano, onde afrontou
difíceis questões e esteve à frente
do Ano Sacerdotal 2009-2010.
Depois da renúncia pelo limite de
idade, regressou ao Brasil, onde em
2011 aceitou o desafio de presidir a
Comissão Especial para a Amazônia
brasileira, da CNBB. Nos anos se-
guintes foi decisivo para a criação
da Rede Eclesial Pan-Amazônica
(REPAM), em 2014, e Conferência
Eclesial da Amazônia (CEAMA), em
2020, das quais foi o primeiro presi-
dente. Em 2019 foi nomeado pelo
papa Francisco como relator geral
do Sínodo Amazônico.
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Nos seus últimos meses, já com
a saúde bem debilitada pelo câncer
no pulmão, levou uma vida de ora-
ção e depois de combater o bom
combate e guardar a santidade e a
fé, partiu para o encontro de Deus,
a quem amou e serviu. Faleceu em
sua casa, em São Paulo, no dia 4 de
julho de 2022, depois de uma longa
vida, exemplar e com muitas obras.
Não se esqueça dos
pobres
Dom Cláudio nos deixa um lega-
do de amor a Cristo, à Igreja e aos
pobres. É recordado como amigo
e quem inspirou a que o Cardeal
Mário Bergoglio tomasse o nome
de Francisco ao ser eleito papa
em 2014.
"Na eleição, eu tinha ao meu
lado o arcebispo emérito de São
Paulo, um grande amigo. Quando
a coisa começou a ficar um pouco
perigosa, ele começou a me tran-
quilizar. E quando os votos chega-
ram a 2/3, aconteceu o aplauso
esperado, pois, afinal, havia sido
eleito o Papa. Ele me abraçou, me
beijou e disse: ‘Não se esqueça dos
pobres’. Aquilo entrou na minha
cabeça. Imediatamente lembrei de
São Francisco de Assis".
Esse gesto não foi por acaso.
Como bom franciscano, Dom Cláu-
dio, no seu brasão episcopal fez
ecoar as palavras de Jesus vividas
por São Francisco de Assis: Omnes
vos fratres (Vós sois todos irmãos):
“Quando a pessoa adere a Jesus
Cristo, a consequência imediata é a
preocupação com os irmãos", dizia.
Sua vida sempre esteve marca-
da pela preocupação para com os
irmãos e irmãs, “especialmente
pelos nossos irmãos mais pobres e
desfavorecidos”. Seja nas cidades,
metrópoles e no interior da Ama-
zônia, seu pensamento, reflexão,
obra e oração sempre teve presente
a situação de tantos irmãos e irmãs
marginalizados, menos favorecidos
e “descartados”pela sociedade.
Compromisso com a
Amazônia e seus povos
Outro importante legado deixa-
do por Dom Cláudio é sua preocu-
pação e cuidado pela casa comum,
especialmente pela Amazônia e os
povos originários.
“Dom Cláudio mostrava-se como
um pastor simples e firme para ex-
pressar suas convicções de fé e suas
Obrigado, Dom
Cláudio! Seu legado
de amor a Jesus, à
Igreja, à Amazônia e
aos pobres seguem
vivos e dando
frutos.
escolhas claras em favor dos mais
pobres e esquecidos. Seu amor e
paixão eram por toda a criação de
Deus, na sua escolha preferencial
pela Amazônia e seus povos ori-
ginários” (Cardeal Pedro Barreto,
presidente da REPAM e CEAMA).
Nesse trabalho na Amazônia dos
nove países, sempre incentivou a
maior articulação e protagonismo
das comunidades e povos, a atuação
articulada da Igreja na escuta do
clamor dos povos e da natureza,
bem como na denúncia da violação
dos direitos da natureza, dos povos
e dos territórios amazônicos. Estas
estão plasmadas nas atividades
prioritárias da Rede Eclesial Pan-
-Amazônica e é recordada pelos
agentes de pastoral e por muitos
povos indígenas.
Gregório Mirabal, presidente
da COICA, confederação indígena
que coordena as organizações in-
dígenas da bacia pan-amazônica,
e que participou do Sínodo, ecoa
esse legado: “O cardeal Cláudio
Hummes, nos seus 87 anos, voou
alto, aliado das lutas dos homens e
mulheres da Amazônia. Suas lutas
fizeram tornar realidade o Sínodo
Amazônico, seu legado continua
sendo um caminho para toda a
humanidade”.
Seu ardor missionário, unido
ao sonho da Igreja e dos povos da
Amazônia, tornou possível que se
realizasse um Sínodo para a Região,
convocado pelo papa Francisco. Pela
primeira vez na história recente da
Igreja, se fez um amplo processo de
escuta que priorizou a voz dos povos
e do território. A união dos sonhos
de Dom Cláudio, do Papa Francisco
e de tantas pessoas, vem dando
os frutos para os novos caminhos
para a Igreja e para uma ecologia
integral, não só na Amazônia, mas
também para toda Igreja.
As palavras de Maurício López,
ex-secretário executivo da REPAM,
resumem muito do que se vem falan-
do do legado desse grande profeta:
“Não há palavras para agradecer
a Dom Cláudio por tudo o que foi
e seguirá sendo para aqueles que
trabalham por outro mundo pos-
sível, por uma Igreja mais sinodal,
encarnada e junto dos povos”.
Irmão universal
Nestas breves linhas, quis recor-
dar ao meu grande amigo, “irmão
maior” e mestre Dom Cláudio, que
tive a graça de conviver nesses ca-
minhos amazônicos desde 2011,
como esse amigo dos pobres e o
profeta da Amazônia.
Insistia sempre, com muita ale-
gria e convicção, que nunca é tarde
para alcançar seus sonhos, princi-
palmente quando está unido ao
projeto de Deus.
Obrigado, Dom Cláudio! Seu
legado de amor a Jesus, à Igreja,
à Amazônia e aos pobres seguem
vivos e dando frutos. Que daí do
céu siga intercedendo por nós. 
Júlio Caldeira, imc, coordenador de comunicações
da REPAM, trabalhou diretamente com Dom Cláudio
Hummes.
JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 7

João Paulo I é beatificado
Chuva e trovão marcaram o dia da beati-
ficação do papa João Paulo I, 4 de setembro
de 2022, no Vaticano, fazendo lembrar a
VOLTA AO MUNDO
brevidade do seu pontificado: uma passagem
relâmpago, mas inesquecível, de apenas 34
dias pelo trono de Pedro. A vida de Albino
Luciani – seu nome de batismo – foi mais
do que um risco de luz na história da Igreja.
Mais do que a efemeridade, a profundidade
foi a sua marca. Ficou conhecido como “Papa
Sorriso” por causa de sua notável simpatia e
afabilidade. O Bem-aventurado João Paulo I
foi eleito Sumo Pontífice em agosto de 1978
e teve um dos pontificados mais breves da
história, interrompido por uma morte sú-
bita, que os médicos da época atribuíram a
um infarto. João Paulo I, que escolheu esse
nome em homenagem a seus antecessores,
João XXIII e Paulo VI (ambos considerados
Santos pela Igreja), é lembrado com afeto
em todos os lugares por onde passou.
Milagre
O milagre reconhecido para a beatificação
foi o de uma menina curada sem explicação
científica, na Argentina. Candella Giarda, de
11 anos (hoje 22), tinha uma “grave ence-
falopatia inflamatória aguda”, segundo os
médicos. Trata-se de uma complicada infec-
ção no cérebro, que levava a menina a ter
convulsões, fortes dores de cabeça, vômito e
febre. Ela viveu doente por cerca de quatro
meses. Em 22 de julho de 2011, em Buenos
Aires, Candella foi diagnosticada com uma
infecção generalizada (choque séptico), e os
médicos falavam de uma “morte iminente”.
Porém, em 23 de julho, houve uma melhora
repentina e uma gradual recuperação da
menina. Em setembro do mesmo ano, ela
recebeu alta do hospital. As orações partiram
do padre José Dabusti, que atendia o hospital
8 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES
onde ela ficou internada. Ele incentivou a
família e outros fiéis a pedir a intercessão
do papa Luciani.
Biografia
Albino Luciani, que viria a se tornar o papa
João Paulo I, nasceu em 17 de outubro de 1912
numa família simples, na zona rural de Belluno,
pequena cidade no Nordeste da Itália. Filho
de Giovanni Luciani e Bortola Tancon, viveu
situações de precariedade desde o nascimen-
to. Entrou no seminário menor em 1923, em
Feltre, com apenas 11 anos, e depois passou
ao seminário maior, em Belluno. Foi ordena-
do diácono e presbítero em 1935. Estudou
Teologia em Roma, na Pontifícia Universidade
Gregoriana, onde fez mestrado e doutorado.
Seu ministério episcopal começou em 1958,
quando foi nomeado bispo de Vittorio Vene-
to pelo papa João XXIII. Sua participação no
Concílio Vaticano II, impactou seu ministério.
Falou sobre a colegialidade entre os bispos,
e o encontro com bispos de países mais po-
bres lhe despertou o interesse pelas missões.
Chegou a enviar missionários ao Burundi e ao
Brasil. Em seu discurso de posse como papa,
ele disse que não tinha nem a sabedoria de
João XXIII nem a “preparação e cultura” de
Paulo VI, mas buscaria servir a Igreja. João
Paulo I morreu de forma imprevista, mas
natural – reconhece a Igreja. Conforme os
relatórios médicos foi por volta das 23h de
28 de setembro de 1978. Ele foi encontrado
deitado, em sua cama, pelas religiosas que
viviam com ele.
Colômbia à esquerda
Apesar de uma campanha repleta de
ataques e discursos apocalípticos de am-
bos os lados, o segundo turno da eleição
presidencial na Colômbia transcorreu sem
maiores sobressaltos, consagrando como
vitorioso Gustavo Petro. Ele venceu o can-
didato populista Rodolfo Hérnandez por
um placar apertado de 50,4% a 47,3%, no
pleito mais acirrado dos últimos 28 anos.
Tendo disputado o cargo pela terceira vez,
o ex-prefeito de Bogotá vai se tornar agora
o primeiro líder de esquerda da história do
país sul-americano. Adicionalmente, conta
com uma mulher negra como vice, Francia
Márques. 
Fonte: Folha de S.Paulo, jornal O São Paulo.
 Intenção Missionária
Junho: Rezemos pelas famílias
cristãs de todo o mundo, para
que com gestos concretos vivam a
gratuidade do amor e a santidade
na vida cotidiana.
Julho: Rezemos pelos idosos,
que representam as raízes e
a memória de um povo, para
que a sua experiência e a sua
sabedoria ajudem os mais jovens
a olhar o futuro com esperança e
responsabilidade.
de Anyine Henry e Kennedy Odour
N
o coração da maioria de nós, a própria pa-
lavra “família” evoca sentimentos calorosos
e felizes. Especialmente em nossa cultura
oriental, isso parece revelar a própria es-
sência de nossa vida familiar. Uma família é
o “lar” da sociedade, esta noção de família implica
que a sociedade extrai de suas famílias sua luz, calor
e energia para sua própria existência; em outras
palavras, sem famílias não há sociedade. Embora
a cultura ocidental permaneça em sua maior parte
predominantemente familiar, as tendências anti-
-família não deixam de ter seus protagonistas.
Em sua exortação apostólica pós-sinodal, Christi
fideles laici, o papa João Paulo II reiterou o ensina-
mento conciliar com as seguintes palavras: “A pri-
meira e fundamental expressão da dimensão social
da pessoa, portanto, é o casal e a família […]. Esta
parceria entre homem e mulher constitui a primeira
forma de comunhão entre as pessoas [...]. A família é
a célula básica da sociedade. É o berço da vida e do
amor, o lugar onde o indivíduo “nasce” e “cresce”.
O novo Catecismo da Igreja Católica reitera
a mesma noção de família: “A família é a célula
originária da vida social. É a sociedade natural em
que marido e mulher são chamados a doar-se no
amor e no dom da vida”. Continuando suas refle-
xões sobre a família, o Santo Padre em sua Carta
às Famílias chama a família de “uma ‘célula’ viva
da grande ‘família’ universal da humanidade”, uma
“comunidade de pessoas… a primeira ‘sociedade’
humana”. Essas reflexões teológicas fornecidas
pelo Magistério da Igreja enfatizam um aspecto
importante da vida humana, ou seja, a pessoa é
o fundamento da sociedade, e a família, que é a
sociedade natural primordial, é a célula viva da
sociedade maior.
O papel social da família deve abranger também
a “intervenção política”. As famílias devem ser
as primeiras a tomar medidas para influenciar o
processo político através do qual a legislação e as
decisões políticas são tomadas em relação a ques-
tões que afetam a comunidade. A transformação de
uma sociedade saudável depende do envolvimento
vigoroso e entusiástico da família nos assuntos
políticos e sociais.
A família continua sendo a fonte de força e uni-
dade de uma sociedade e de uma nação. Como sua
célula viva, a família é, sem dúvida, a linha de vida
da sociedade. Portanto, a sociedade, e particular-
mente o Estado, deve perceber a importância de
seu princípio. Por um lado, a família deve contribuir
efetivamente para o bem-estar da sociedade, forta-
lecendo sua própria vida, bem como envolvendo-
-se nos processos sociopolíticos que, em última
análise, determinam a identidade da sociedade
ou nação. Por outro lado, a sociedade e o Estado
têm a inevitável tarefa de defender e promover
a vida familiar. Pode não ser exagero dizer que a
força moral e a prosperidade de uma sociedade e
de uma nação dependem do tipo de vida familiar
que ela promove e fomenta.
Por sua vez, os idosos também fazem parte da
família, no curso natural das coisas, os pais geram
filhos, que vão gerando outros filhos, ou seja, a
família vai envelhecendo e se renovando.
Portanto, nas intenções de junho e julho, o
Santo Padre pede que rezemos pelas famílias e,
consequentemente, pelos idosos, para que sejam
respeitados e valorizados em suas personalidades
e protagonismo. Uma sociedade que não reconhe-
ce o valor das pessoas mais velhas é fadada a se
tornar desumana e infeliz. A sabedoria das pessoas
mais velhas serve de inspiração para que os jovens
procurem adquirir conhecimento sobre a vida. Os
idosos dão testemunho de paciência e resiliência, o
que pode motivar os jovens a um futuro mais feliz.
Ouçamos a voz de Francisco e rezemos pelas
famílias e pelos idosos. 
Anyine Henry, imc, é professo da Consolata cursando 3º ano de teologia e Kennedy
Odour, imc, é professo da Consolata cursando 1º ano de teologia.
JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 9
 ESPIRITUALIDADE
Conferência
Internacional da
Família Consolata
on-line reuniu mais
de 600 missionários
(padres, irmãos, irmãs,
noviços, noviça, leigos
e leigas) entre os dias
13 e 16 de junho
de 2022, resgatando
os princípios da
histórica Conferência
realizada em 1904,
que ficou conhecida
como Conferência de
Muranga.
de Gianfranco Graziola
O
Encontro Internacional
da Família Consolata ao
qual foi dado o nome de
Muranga´2 com o fim de
reler à distância de tempo
a atualidade do momento histórico
vivido pelos primeiros missionários
em Muranga, no Quênia, refletin-
do e concretizando aquele intuito
carismático que o Allamano tinha
traçado nas suas grandes linhas e
que agora precisava ser encaixado
numa realidade social, cultural e
histórica concreta, viu a participa-
ção de um considerável número de
missionários, missionárias e leigos
e leigas da Consolata que, ajuda-
dos pela tecnologia se reuniram
virtualmente ao longo de três dias
ouvindo algumas relações seguidas
de grupos linguísticos que ecoaram
alguns aspectos da atualidade da
intuição carismática de José Alla-
mano, enriquecendo-a de novos
elementos que contribuam para
a sua revitalização e atualização.
10 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES
Muranga'2
O sonho carismático de
José Allamano
Afinal aquele sonho que o Alla-
mano tinha desenhado juntamente
com o seu fiel colaborador Tiago
Camisassa, a partir da experiência
eclesial de Turim e do Santuário
da Consolata, precisava, depois de
algum tempo de atividade intensa
e até frenética dos pioneiros da
missão consolatina nas terras de
África, ter uma parada e momento
de reflexão para avaliar o caminho
percorrido, seus acertos, seus erros
e falhas, a fim de encarnar melhor o
carisma no contexto e na realidade
vivida no encontro com o povo e a
cultura kykuyo.
Se isso valeu para os primeiros
missionários e missionárias que ti-
nham bebido à fonte do próprio
Allamano, e que naquele preciso
momento se confrontavam com a
restrita realidade do Quênia e dos
Kykuyos, quanto mais hoje, a família
consolatina confrontada e desafiada
por realidades ad intra e ad extra,
pela missão em diversas latitudes,
pelas culturas milenárias, saberes
e pela mudança de época, sentiu
a necessidade de voltar à fonte,
Dom Giovanni Crippa, imc, bispo de Ilhéus, BA.
às suas raízes, reatualizando numa
ótica e metodologia sinodal àquele
fato histórico para reler o caminho
que, mais que centenário vivido e
percorrido na vida, na história de
tantos homens e tantas mulheres
que, deixadas suas terras doaram e
consumaram a sua existência com a
missão de realizar o sonho allama-
niano de promoção e inculturação
do Evangelho entre povos e culturas.
Esse fato hoje é uma realidade
se pensarmos e olharmos a geo-
grafia, a constituição e composição
da família Consolata do século XXI,
onde culturas, raças, línguas, sabe-
res diferentes, compõem o variado
panorama de um caminho secular
constituindo ao mesmo tempo uma
riqueza e um desafio que precisa ser
escutado, refletido e revitalizado.
Por isso, porque não pensar em um
novo momento simbolicamente
chamado como “Muranga´2”, que
através da participação efetiva de
missionários, missionárias, leigos e
leigas missionárias refletisse o hoje
da missão da família Consolata como
volta às suas raízes para beber da
seiva do carisma para revigorar e
ressignificar a missão?
O carisma na missão
Ao longo dos três dias de jornada,
os membros da família consolatina
foram conduzidos pelos diversos
relatores a mergulhar na intuição
mística do Allamano que se enraíza
no mistério Trinitário e ao mesmo
tempo se concretiza em atitudes
históricas, de vida que marcaram
definitivamente a missão e a ação
dos filhos e filhas da Consolata.
É claro que embora o Allamano,
sacerdote da diocese sentisse desde
sua juventude um chamado parti-
cular e quase inato para a missão,
o fato de a saúde não lhe permitir
de partir para as missões fez assim
que ele possibilitasse para outros e
pela própria igreja diocesana a rea-
lização da vocação missionária que
não é só para alguns privilegiados,
mas faz parte do DNA da vocação
de todo cristão.
Um fato que é evidente na fala,
nas atitudes do Allamano com seus
filhos e suas filhas, é que a missão é
feita e codificada a partir das peque-
nas coisas do dia a dia, abrangendo
o que são os momentos fortes da
vida cristã quais sejam, a oração, os
momentos de adoração e particular-
mente a celebração eucarística na
qual ele já do tempo de seminário
participa comungando diariamente,
fato não habitual naquele tempo.
A isso se une uma forte e terna
devoção a Nossa Senhora e par-
ticularmente à Consolata que ele
sente como Mãe e até geradora
Ir. Simona Brambilla, Superiora Geral das Missionárias da Consolata.
do próprio Instituto. Essa vivência
mística da vida gera em Allamano
uma sensibilidade particular para
a questão humana dos povos, suas
culturas, sua vida que abraça o dia
a dia e que, ele transmite como
espírito vivo e encarnado primei-
ramente aos missionários e em
seguida às missionárias que ele
funda respondendo à necessidade
de que os missionários expressam
não tanto a partir da academia ou
de estudos teológicos e antropo-
lógicos, mas sim da própria vida.
Muranga´2 inspiração e vida
para a missão do século 21
Uma sensação ficou clara ao
concluir o Encontro da Família
Consolata: foi um momento mui-
to profundo e familiar que, na sua
simplicidade trouxe, mais uma vez,
a partir da vivência e da experiência
dos missionários e das missionárias,
um novo espírito abrasador que
reaviva a esperança e abre novos
caminhos para a missão desse nosso
tempo inspirada nas pequenas e
concretas realidades da vida vivida
na humildade, na fraternidade, no
serviço, na escuta de uma realidade
que desafia pela sua complexidade
e ao mesmo tempo nos faz sonhar
e esperançar, colocando-nos mais
uma vez a serviço do Ad Gentes.
E a partir disso desenhar uma
missão que, deixados os saudosis-
mos do passado, bebe da sua fonte,
e ao mesmo tempo, mesmo como
pequeno resto se coloca como fer-
mento na massa, tornando visíveis
os valores do Evangelho com a opção
preferencial pelos pobres, a ecologia
integral, a justiça e a paz, os direitos
humanos. Por isso a necessidade
de construir e constituir comuni-
dades menores, simples, fraternas,
orantes, que vivam a vida da gente,
mergulhem com simplicidade no
cotidiano, vivendo o testemunho,
a marturia, da qual surge a missão
capaz de mergulhar e se encarnar
cada dia mais na vida e caminhada
das pessoas. E esse é o espírito de
Muranga que continua se perpetu-
ando, renovando e atualizando o
sonho missionário allamaniano. 
Pe. Gianfranco Graziola, imc, assessor teológico e mem-
bro da coordenação Nacional da Pastoral Carcerária.
JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 11
 TESTEMUNHO
A rede suspensa
entre o céu e a terra
de Mary Agnes Njeri Mwangi
Q
uero propor o meu tes-
temunho falando de uma
rede. A rede, entre os
Povos Indígenas, é usada
como cadeira durante o
dia, serve de leito, faz às
vezes de mesa durante a condi-
visão das refeições, é espaço de
intimidade, lugar de silêncio físico
e de contemplação. Ao se deitar,
o corpo permanece suspenso em
equilíbrio, além de ser protegido
de animais rastejantes. A rede faz
parte da identidade e da cultura
Yanomami. Em qualquer aldeia
que você chega, as pessoas logo
perguntam: “Você trouxe a sua
rede?” Se eu digo que sim, ime-
diatamente o líder da comunidade
mostra-me o lugar onde a posso
pendurar. Levar a própria rede é
para mim análogo à disponibili-
dade de permanecer na “vinha
ARQUIVO PESSOAL
12 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES
Testemunho de Irmã
Mary Agnes Njeri
Mwangi, Missionária
da Consolata na
Amazônia, vivendo
com os Yanomamis
desde 2000.
do Senhor”: aqui aprendo a viver
e acolher os valores humanos e
religiosos do povo, dons preciosos
de Deus, Origem da Vida.
Fé e não doutrina
Em 2000 fui enviada à diocese
de Roraima, região da Amazônia
brasileira, uma missão com os po-
vos Yaroame, Yanomae e Waikas
da região do Médio Catrimani.
Eu pude compreender melhor a
dimensão missionária Ad Gentes
com as religiões tradicionais ‘não
cristãs’. Sobretudo pude reconhe-
cer o que Deus tinha já semeado
no meio de um povo milenário que
se autodefine ‘filhos de Omana’.
Este povo não fala de religião,
não professa uma doutrina religio-
sa escrita ou institucionalizada. A
sua organização e a sua cosmolo-
gia estão cheias de significados e
de respostas às interrogações da
existência humana.
O modo de ser do Povo Yanoma-
mi Kutaeni (autêntico Yanomami), a
sua visão do mundo, os seus ideais,
as suas esperanças no presente e
a sua visão de futuro, tudo revela
o caminho que percorre com a
intenção de alcançar uma felici-
dade verdadeira; e o próprio fato
de que o grupo dê um significado,
preciso e condividido, aos aconte-
cimentos da vida, torna evidente
o sentido profundo da sua fé e da
sua experiência religiosa.
Participo desta fé concreta.
Aquela, isto é, vivida nas circuns-
tâncias cotidianas de sofrimento
e de esperança, como na proxi-
midade e acompanhamento das
pessoas doentes, dos moribundos,
nos momentos de luto e nos reahu
(rituais fúnebres). São situações
que suscitam diálogos profundos
sobre a existência e o mistério
da vida.
Como morrem os filhos de
Omana
No dia 26 de outubro de 2016,
a comunidade Maama convidou
os parentes e familiares do tu-
xaua (chefe, líder) Adem, filho de
Mahuku, para estarem próximos
dele, porque rakamuthoku sai a
pirioma (estava tão mal que não
conseguia aquecer a sua rede), isto
é, estava muito mal. Nós participa-
mos deste ritual raamu taai, nomai
taai que durou um dia. De modo
alternado, cada um dos presentes
se aproximava da maca onde o do-
ente estava, e exprimia com gestos
e palavras o bem que ele tinha feito
em vida e imediatamente todos
se uniam no pranto melancólico
que acompanha o declínio de um
irmão. O pajé (médico tradicional
ou curandeiro), tendo os braços
levantados e chorando, repetia
aquilo que os espíritos diziam: wa
yaiperayoma, haho a yaperayoma
aeee aee... a ahete nomai, meu pai
está se tornando outro, aeee aee ...
está para morrer. Wa nomai tehe
ikirayu, yamaki reahumu: quando
você morrer, faremos para ti o
pranto fúnebre, faremos a festa
das cinzas fúnebres (linguagem
afetuosa que exprime o alto valor
da pessoa).
Fiquei surpresa e notei a alegria
de todos quando o tuxaua Adem –
filho de Mahuku, que não conseguia
mais comer, começou a beber o
leite que lhe era oferecido pelos
enfermeiros, lhe foi administrado
o soro com a solução fisiológica
e, no início da noite, apresentava
um melhoramento geral da saú-
de. Quatro dias depois, em 29 de
outubro de 2016, durante a noi-
te, os membros da comunidade,
desesperados reuniram de novo
os familiares, amigas e amigos de
longe, pois eles afirmavam que o
tuxaua Adem – filho de Mahuku
estaria morto ao amanhecer, pois,
o seu coração‘batia pouco’.
Para minha grande surpresa
alguns Yanomamae vieram me
informar que o tuxaua Adem - filho
de Mahuku estava vivo, se queixava
somente de sentir a cabeça um
pouco pesada ‘como uma bateria
solar’. O enfermo contou aos seus
familiares que se encontrou às por-
tas da morte, mas, quase atingindo
a meta tão esperada – Hutumosi
- encontrou a porta fechada. De-
clarou ainda que estaria ainda vivo
por apenas mais dez dias. Dentro
de mim eu me perguntava: mas,
como ele pode saber?
Este caso do tuxaua deixou to-
dos sem palavras diante do misté-
rio da vida e da morte. A equipe
sanitária, assim como os pajés
Yanomamae, não conseguiram
diagnosticar a sua patologia. Pe-
diam também a mim um parecer,
mas, eu não sabia o que responder.
Era melhor esperar até o término
dos dez dias que faltavam para
a sua morte, segundo o que ele
mesmo tinha dito.
Os extremos das redes usa-
das pelo tuxaua Adem – filho de
Mahuku foram ligados no dia 9 de
novembro de 2016 exatamente
como ele havia predito. Como que
ele conseguiu adivinhar a data da
própria morte?
Participar, com a comunidade
Yanomamae, num evento assim
doloroso e importante, ajudou-me
a compreender melhor o sentido
da minha presença no meio deles.
São eles mesmos a pedir-me para
fazer xapurimu (fazer o Espírito
descer), isto é, rezar.
Alguns, às vezes, se apresentam
para a oração em nossa pequena
capela, outros pedem somente
de falar com o nosso Deus e de-
pois transmitir as luzes que Ele
ofereceu.
De minha parte aprendi a ligar
a minha rede em meio àquelas das
pessoas, escutar a voz do Espírito
que guia à Vida Plena para todos:
viver o mistério de Deus assim
como se apresenta; oferecer a
palavra que consola; exercitar-se
na condivisão recíproca, na nar-
ração das histórias míticas, per-
guntas e respostas sobre a origem
da humanidade, o significado da
vida, o significado da verdadeira
felicidade, a esperança para além
da morte; exercitar a caridade
fraterna na visão carismática do
Bem-aventurado José Allamano
(alegrar-se com quem se alegra,
chorar com os que choram, abrir-
-se às possibilidades da correção
fraterna, cuidar as relações in-
terpessoais e a liberdade interior
em favor da vida); participar dos
espaços de reflexão e tomada de
consciência (encontros comuni-
tários, intercâmbios a nível local,
nacional e internacional).
É o caminho que a Igreja traçou
desde a sua origem. É, para mim,
a alegria de ver a presença do Es-
pírito em ação. São as ‘sementes
do Verbo’ que se tornam carne
na História.
A missão, portanto, não é logo
semear, mas recolher. Os povos Ya-
nomamae, Yaroame e Waiskas me
oferecem a sua teologia indígena:
a religião e a sabedoria com a qual
interpretam os enigmas novos e
os antigos da vida. Reconheço-me
como companheira de caminho
deste povo, aqui e agora na vida
terrena e amanhã, para além da
morte. Estou convencida que o
enviado que vive a missão como
“ceifador” daquilo que Deus já
semeou, realiza a troca de dons
no Espírito que conduz sempre
mais à verdade e ao bem. 
Mary Agnes Njeri Mwangi, MC. Matéria publicado na
revista Andare edição março-abril de 2022.
JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 13
 FORMAÇÃO
Desiderio e Desideravi
de Gianfranco Graziola
A
o ler e refletir sobre a Carta
Apostólica Desiderio e Desi-
deravi, do papa, é bom en-
tender que estamos diante
de uma visão clara e lúcida
de Francisco sobre um tema bas-
tante delicado e controverso como
aquele da liturgia, particularmente
num tempo em que se sobressaem
e manifestam expressões de into-
lerância fundamentalistas, indican-
do claramente quais são as linhas
mestras e os caminhos a seguir pelo
povo de Deus.
Osso de seus ossos e
carne de sua carne
A primeira convicção de Francisco
é que como povo de Deus todos
nós somos chamados a deixar que
a liturgia nos forme e nos ajude a
entrar dentro do mistério da gra-
tuidade de Deus. A partir disso ele
nos apresenta como texto-base
um versículo tirado do Evangelho
da comunidade de Lucas: “Desejei
ardentemente comer esta Páscoa
convosco, antes de sofrer”. (Lc 22,15)
Através deste único versículo,
Francisco desenha uma leitura di-
ferente do que deve ser a liturgia,
superando a preocupação do ru-
14 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES
bricismo, do normativismo, e do
legalismo, sem, porém, esquecer
que ela é uma arte que devemos
redescobrir cotidianamente em
toda a sua beleza. Por essa razão,
afirma claramente que a liturgia
é um verdadeiro encontro com o
Ressuscitado, caso contrário seria
declarar que a novidade do Verbo
feito carne se esgotou, porque a
fé cristã ou é um encontro com Ele
vivo, ou não existe.
A liturgia é, portanto, o que
garante tal encontro, e por isso,
Francisco insiste ao afirmar que
uma vaga lembrança da Última
Ceia não adiantaria. Precisamos
estar presentes nessa Ceia, para
poder ouvir a sua voz, comer o seu
Corpo e beber o seu Sangue. Nós
precisamos Dele.
Na Eucaristia e em todos os sa-
cramentos nos é garantida a pos-
sibilidade de encontrar o Senhor
Jesus e de fazer chegar até nós a
força do seu mistério pascal. E o
nosso primeiro encontro que marca
a vida é o Batismo, que é um ser-
mos mergulhados em sua paixão,
morte, ressurreição e ascensão, um
sermos mergulhados em seu ato
pascal. Em perfeita continuidade
com a Encarnação, nos é dada,
em virtude da presença e ação do
Espírito, a possibilidade de morrer
e ressuscitar em Cristo.
E Francisco coroa este seu pen-
samento sobre a liturgia, trazendo-
-nos a tradição dos padres e da
Igreja que nos apresentam como o
paralelo entre o primeiro Adão e o
novo Adão é notável: “assim como
do lado do primeiro Adão, depois
de tê-lo lançado em sono profundo,
Deus faz surgir Eva, assim também
do lado do novo Adão, adormecido
no sono da morte na cruz, nasce a
nova Eva, a Igreja”. O espanto para
nós está nas palavras que, podemos
imaginar o novo Adão tenha feito
suas ao contemplar a Igreja: “Aqui
está finalmente osso dos meus os-
sos e carne da minha carne”. (Gn
2, 23) Por termos acreditado em
Sua Palavra e descido às águas do
Batismo, nos tornamos osso de seus
ossos e carne de sua carne.
Antídoto para o veneno do
mundanismo espiritual
Francisco tem outra convicção
importante que expressa com certa
insistência ao afirmar nesta Carta
a necessidade da redescoberta da
liturgia no seu sentido teológico,
vendo nela “a fonte primária e in-
dispensável da qual os fiéis devem
derivar o verdadeiro espírito cristão”
(SC14). Ao mesmo tempo ele coloca
a liturgia como antídoto, podería-
Carta Apostólica
do papa Francisco
reflete sobre a
formação litúrgica
do povo de Deus.
mos dizer uma vacina contra o “mun-
danismo espiritual” alimentado por
duas heresias: o gnosticismo, que
reduz a fé cristã a um subjetivismo
que mantém a pessoa aprisionada
nos seus próprios pensamentos e
sentimentos. O neopelagianismo
que anula o papel da graça e “conduz
a um elitismo narcísico e autoritário,
pelo qual, em vez de evangelizar,
analisa e classifica os outros, e em
vez de abrir a porta à graça, esgota
as suas energias em inspecionando
e verificando”.
Se o gnosticismo nos intoxica
com o veneno do subjetivismo, a
celebração litúrgica nos liberta da
prisão de uma autorreferência ali-
mentada pelo próprio raciocínio e
pelo próprio sentimento. A ação da
celebração não pertence ao indiví-
duo, mas à Igreja-Cristo, à totalidade
dos fiéis unidos em Cristo.
É por isso que a liturgia nada tem
a ver com um moralismo ascético.
É o dom do Mistério Pascal do Se-
nhor que, recebido com docilidade,
renova a nossa vida. Não se entra
no cenáculo senão pelo poder de
atração de seu desejo de comer a
Páscoa conosco.
Redescobrindo a verdade
da celebração cristã
Continuando na sua reflexão,
Francisco nos convida a redescobrir
todos os dias a beleza da celebração
cristã. E isso acontece com a liturgia
que é o sacerdócio de Cristo, reve-
lado a nós e dado no seu mistério
pascal, tornado presente e ativo
por meio de sinais dirigidos aos
sentidos (água, óleo, pão, vinho,
gestos, palavras), para que o Espírito,
mergulhando-nos no mistério pas-
cal, transforme todas as dimensões
da nossa vida, conformando-nos
cada vez mais a Cristo.
Por isso a liturgia não é a busca
de uma estética ritual que se con-
tenta apenas com uma cuidadosa
observância exterior de um rito ou
se satisfaz com uma escrupulosa
observância das rubricas, mas uma
plena participação ao mistério de
Cristo. Eis a necessidade de recu-
perar a capacidade de viver plena-
mente a ação litúrgica superando a
fragmentação da pós-modernidade,
do individualismo e subjetivismo,
do espiritualismo abstrato que con-
tradiz a própria natureza humana,
pois a pessoa humana é um espírito
encarnado e, portanto, capaz de
ação simbólica e de compreensão
simbólica.
Uma formação litúrgica
séria, vital, existencial
O papa indica na formação litúr-
gica séria e vital um instrumento
por meio do qual a Igreja, unida
ao Concílio quis entrar em contato
com a realidade do mundo moder-
no reafirmando a sua consciência
de ser o sacramento de Cristo, a
Luz das nações (Lumen Gentium),
colocando-se à escuta da Palavra de
Deus (Dei Verbum) e reconhecendo
como suas as alegrias e as esperan-
ças (Gaudium et Spes) dos homens
e mulheres do nosso tempo.
Este compromisso existencial
acontece - em continuidade e consis-
tente com o método da Encarnação
- de forma sacramental. A liturgia é
feita com coisas que são exatamente
o oposto das abstrações espirituais:
pão, vinho, óleo, água, fragrâncias,
fogo, cinzas, pedra, tecidos, cores,
corpo, palavras, sons, silêncios,
gestos, espaço, movimento, ação,
ordem, tempo, luz. Toda a criação é
uma manifestação do amor de Deus,
e desde quando esse mesmo amor
se manifestou em sua plenitude na
cruz de Jesus, toda ela foi atraída. É
toda a criação que é assumida para
ser colocada a serviço do encontro
com o Verbo: encarnado, crucifica-
do, morto, ressuscitado, vivendo
junto ao Pai.
E Francisco cita o que escreve
Guardini: “Aqui se delineia a primei-
ra tarefa do trabalho de formação
litúrgica: o homem deve tornar-se
novamente capaz de símbolos”.
Esta é uma responsabilidade de
todos, tanto dos ministros ordena-
dos, como dos fiéis. A tarefa não é
fácil porque o homem moderno se
tornou analfabeto, não consegue
mais ler símbolos; é quase como se
nem sequer se suspeitasse de sua
existência. Isso acontece também
com o símbolo do nosso corpo.
Em conclusão de sua Carta,
o papa reafirma a necessidade e
convida a redescobrir aquilo que
é a primeira fonte e a riqueza dos
princípios gerais expostos nos pri-
meiros números da Sacrosanctum
Concilium, captando o vínculo íntimo
entre esta primeira das constitui-
ções conciliares e todas as outras.
É por isso que não podemos voltar
àquela forma ritual que os padres
conciliares, cum Petro et sub Petro,
sentiram a necessidade de reformar,
aprovando, sob a orientação do
Espírito Santo e seguindo sua cons-
ciência de pastores, os princípios
dos quais nasceram a reforma da
qual os santos pontífices São Paulo
VI e São João Paulo II.
Um desejo e uma
exortação
“Como já escrevi - afirma Fran-
cisco - pretendo que esta unidade
seja restabelecida em toda a Igreja
de Rito Romano. Gostaria que esta
Carta nos ajudasse a reavivar nossa
admiração pela beleza da verdade
da celebração cristã, a nos lembrar
da necessidade de uma autêntica
formação litúrgica e a reconhecer a
importância de uma arte de celebrar
que está a serviço da verdade do
mistério pascal e da participação
de todos os batizados nele, cada
um segundo a sua vocação. Aban-
donemos nossas polêmicas para
ouvirmos juntos o que o Espírito diz
à Igreja. Cuidemos da nossa comu-
nhão. Continuemos a nos maravilhar
com a beleza da liturgia. O mistério
pascal nos foi dado. Deixemo-nos
envolver pelo desejo que o Senhor
continua a ter de comer a sua Páscoa
conosco. Tudo isso sob o olhar de
Maria, Mãe da Igreja”. 
Gianfranco Graziola, imc. Assessor Teológico e membro da
Coordenação Nacional da Pastoral Carcerária.
JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 15
 FÉ EM AÇÃO
Somos feitos
para a imensidão
de Nei Alberto Pies
P
ara que definir o que somos? Por que se
perguntar sobre si mesmo e sobre nossas
potencialidades?
No vídeo O Rio, o diretor faz uma inte-
ressante analogia entre a trajetória de um
rio e a vida de um ser humano. Rio e ser humano
possuem razões que os fazem viver, existir. O rio, com
seu desejo de conhecer a imensidão do oceano. O
ser humano quer conhecer a felicidade, sua maior
razão de ser. Ambos, um caminho em aberto e por
construir, feito de obstáculos, companhias, medos,
frustrações, conquistas, fascínios, limites.
Todo rio sabe a água que tem e o sabor que ela
possui. Todo rio é capaz de acolher outras águas que a
ele desejam se agregar para conhecer o mar, mesmo
aquelas pequenas e franzinas. Somadas, essas forças
possibilitarão o sonho que é de todos: conhecer a
imensidão do oceano.
Os medos, dos rios e dos seres humanos, signifi-
cam a necessidade de proteção e cautela, pois viver é
sempre perigoso. Sim, pois “o novo, o desconhecido,
é sempre preocupante”. “O futuro, ah!, o futuro,
sempre dá medo.” Mas é “essa mistura de medo de
fascínio é que me impulsiona, que me faz buscar, que
não me deixa ficar parado”. O que é comum entre
os humanos: o desejo de felicidade. De cada um e
“Sou um rio que se abre
para a vida e que possui o
sabor de suas águas. Sinto-
me contente pela vida que
trago dentro de mim.”
(O Rio, diretor Décio Zandonade)
16 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES
cada uma, em particular, os sonhos, os objetivos,
as metas. E é bom que seja assim, pois são as dife-
renças que nos permitem a complementariedade.
A felicidade é sempre construída pelas pequenas
e grandes conquistas do cotidiano. E as conquistas
não esgotam, jamais, nosso desejo de felicidade. A
cada conquista, criamos novas necessidades e nos
desafiamos a concretizá-las.
E onde entra a tão discutida liberdade? Liberdade é
a possibilidade de exercermos nossas escolhas. Essas
escolhas, por sua vez, nos permitem os diferentes
caminhos. Livre é todo aquele que é capaz de assumir
todas as responsabilidades que recaem sobre seus
atos. Liberdade também se adquire conquistando
as coisas que a gente descobre e que a gente gosta,
mesmo aquelas mais perigosas.
São os jovens de hoje que sentem maiores difi-
culdades para projetar metas e sonhos, pessoais e
profissionais. No universo juvenil é recorrente a ideia
de que o futuro é um mundo com poucas perspecti-
vas. Essa ideia gera apatia, desinteresse e desilusão,
fazendo com que muitos percam a dimensão do
traçado de um rio, que vê no caminho a sua força, a
sua liberdade, a sua superação.
Tenhamos, todos, muita sorte ao desbravarmos
nossa própria imensidão. 
Nei Alberto Pies é professor da rede pública estadual e da rede municipal em Passo Fundo,
RS, e ativista de direitos humanos.

O trabalho
e sua necessidade
da Redação
O
trabalho é um dever. Não
só um dever, é também
uma honra, por ter sido
santificado pela Sagrada
Família. Jesus trabalhou
até os 30 anos, com São José,
exercendo a humilde profissão
de carpinteiro. A Santíssima Vir-
gem também não passou a vida
ajoelhada, rezando... Ela trabalhou
muito, ocupando-se dos afazeres
da casa de Nazaré.
O trabalho, além disso, é virtude;
portanto, meio de santificação.
Eis porque muitos desprezaram
honras, riquezas e empenharam
sua vida em humildes trabalhos
manuais.
O trabalho e os irmãos leigos.
Vós, irmãos leigos, considerai-vos
felizardos por poderdes cumprir
este dever. Não foi à toa que esco-
lhestes o dia de São José por vossa
festa particular. Não há melhor
modelo. Deveis sentir-vos santa-
mente orgulhosos por ter a Igreja
preferido e constituído, como seu
patrono universal, este santo não-
-sacerdote.
O presente fato vos leve a es-
timar o trabalho, a amá-lo, a vos
aplicardes a ele com gosto, para
poderdes assim corresponder à
vossa santa vocação. Quem sabe se
no céu um irmão leigo missionário
não supera em glória a muitos sa-
cerdotes! Quantos irmãos leigos se
santificaram por meio do trabalho!
O trabalho e os sacerdotes. Os
sacerdotes também devem sentir
o orgulho de poder trabalhar. Um
missionário sem esta preparação
não é um verdadeiro missionário.
Um missionário que dissesse: “Eu
só quero pregar e não trabalhar”
estaria errado. As missões devem
fazer o esforço de se arranjar sozi-
nhas. É mister pensar à própria sub-
sistência. Trabalhar para se manter
e para ajudar os outros. Vós não
Família
consolata
podeis dar esmolas em dinheiro,
mas cooperareis na salvação das
almas mediante o trabalho.
Não devemos ter medo de sujar
as mãos, e sim de não aprender
suficientemente bem as artes e
ofícios, os modestos trabalhos da
casa. Quem tem dificuldade de
desempenhar ofícios humildes,
não é talhado para ser missioná-
rio. Cada qual procure, portanto,
executar com gosto e humildade
os trabalhos manuais.
É preciso trabalhar sem perder
tempo, com vontade de aprender;
portanto, urge começar o trabalho
com pontualidade e trabalhar até
o fim. Quanto mais trabalho há,
mais se trabalha. Devemos ser ati-
vos e diligentes. Se nos advertem,
devemos ficar satisfeitos. Ademais,
ajudemo-nos mutuamente. O que
deve ser feito, façamo-lo todos
juntos. O importante é agir sempre
por amor de Deus! 
Extraído do livro A Vida Espiritual páginas 165 a 170.
JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 17
 Visita que
aquece e ilumina

ARQUIVO PESSOAL
Visita Canônica à
Região América,
Brasil.
de Benildes Clara Capellotto

P
odemos nos perguntar: o
que é uma Visita Canônica?
O próprio nome ‘canônica’
nos dá uma pista. Segundo
o Direito Canônico, o(a)
Superior(a) Geral de um Instituto
Religioso deve, no curso de seu
mandato, visitar uma vez cada
comunidade deste Instituto e en-
contrar-se pessoalmente com cada
um dos seus membros. E conforme
a nossa legislação interna, “é um
momento particular de renovação
espiritual e apostólica para as Irmãs
da Circunscrição”.
Assim, nesta realidade profunda-
mente marcada pelas consequên­
cias da pandemia da Covid-19, de
guerras e conflitos em tantas partes
do mundo, vivemos este momento
particular de renovação espiritual e
apostólica. Esta situação pode nos
ajudar a transformar este nosso
hoje em um Kairós, ou seja, um
tempo favorável para revermos
as nossas formas de presença e
serviço na Igreja Local, verificar a
autenticidade da nossa presença
missionária, dispostas a abrir-nos a
novas formas de inserção e anúncio.
Portanto esta Visita foi qualificada
como uma oportunidade de reno-
vação espiritual e apostólica, um
tempo favorável para consentir ao
Espírito de desenvolver Sua ação
regeneradora na Circunscrição e
em cada Irmã.
A Direção Geral nos propôs um
calendário para esta Visita que
teve inicio em 25 de junho com a
chegada da Superiora Geral e da
Vice-Superiora Geral, vindas de
Nepi, Itália, onde está a Sede Central
de nossa Família Missionária. De 27
de junho a 13 de agosto, a Visita foi
desenvolvida em São Paulo, Mato
Grosso, Brasília, Manaus e Roraima
atingindo ao todo 11 comunidades.
As fases foram: Preparação; Escuta
e diálogo pessoal com cada Irmã;
Condivisão, revisão e avaliação em
encontros comunitários; Eventuais
encontros nas Circunscrições e
Comunicação escrita por parte da
Direção Geral do Instituto sobre os
resultados.
O texto bíblico que nos iluminou
neste percurso da Visita Canônica
estava em Lc 1, 39-45 que nos apre-
senta a Visita de Maria Santíssima
à sua prima Isabel. Nesta que é a
única cena do Evangelho em que
as protagonistas são somente duas
mulheres, está inscrita a arte do
diálogo: Entrar – passar as portas,
dar passos para ir ao encontro
das pessoas. Aproximar-se, bater,
saudar.
Bendizer – Isabel exclamou ‘Ben-
dita és Tu entre as mulheres...’
Dizer a alguém ‘és bendito’ signi-
fica saudar Deus naquela pessoa;
Agradecer – Maria então disse
Magnificat a minha alma engran-
dece o Senhor. O diálogo com o
céu se abre com o ‘primado da
gratidão’. Assim guiadas por este
texto evangélico, vivenciamos esta
Visita Canônica. 
Benildes Clara Capellotto, MC, é missionária em São
Paulo, SP.

QUER
QUERSER MISSIONÁRIO?
SER MISSIONÁRIO? QUER
QUERSER MISSIONÁRIA?
SER MISSIONÁRIA?
TEL.: (11) 2238.4599 TEL.: (11) 2233.9330
E-mail: amv@consolata.org.br E-mail: mc@consolata.org.br

18 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES

 Novos Diáconos
FOTO: CLEBER PIRES

FOTO: CLEBER PIRES

FOTO: PEREZES JÚNIOR

Wilson, Ambrose de Santana, para seguir trabalhando teológicos, foi destinado a fazer o ano
e Richard foram com a mesma pastoral. de serviço na animação missionária
e vocacional de São Paulo com sede
ordenados em São Ambrose na Casa Regional dos Missionários
Paulo e Manaus, No dia 13 de agosto, o seminarista da Consolata, zona norte da capital
queniano Ambrose Omeyo Ekitoi foi paulista.
respectivamente. ordenado diácono pela imposição
das mãos de dom José Negri, PIME, Richard
de Redação bispo da diocese de Santo Amaro, São Na manhã do dia 14 de agosto,
Paulo, na Paróquia Nossa Senhora dom Tadeu Canavarros, bispo auxiliar
Aparecida, bairro do Grajaú. da Arquidiocese de Manaus, presidiu

N
o dia 7 de agosto de 2022,
o seminarista tanzaniano
Wilson Gervace Mtali foi
ordenado diácono na Pa-
róquia Cristo Ressuscitado,
em São Miguel Paulista, zona leste
da capital paulistana, pelas mãos
do bispo emérito de Passo Fundo,
dom Antônio Carlos Altieri. Em 10
de julho de 2022 havia feito a pro-
fissão perpétua de vida religiosa na
paróquia São Roque da Matina, em
Feira de Santana, BA.
Desde 2018 trabalhou na Paró-
quia de São Miguel Paulista, onde
os missionários da Consolata atuam
com a pastoral afro-brasileira. Wilson
trabalhou nesta pastoral por quatro
anos e depois foi destinado a Feira
No dia 30 de julho de 2022, Am-
brose havia professado seus votos
perpétuos em celebração presidida
pelo padre Moisés Facchini, vice-su-
perior da Região Brasil, na Paróquia
Nossa Senhora Consolata no Jardim
São Bento, também em São Paulo.
Ambrose fez a primeira profis-
são religiosa no Instituto Missões
Consolata dia 8 de julho de 2017
ainda em seu país natal. No dia 18
de outubro de 2017 chegou ao Brasil
para começar a formação teológica
e, de 2018 a 2021 fez a formação
no Seminário João Batista Bisio no
Ipiranga, São Paulo, fazendo o estudo
teológico na Pontifícia Universidade
Católica campus Ipiranga. Terminada
a formação de base com os estudos
a solenidade de ordenação diaconal
do seminarista queniano Richard
Mutua Wambua, imc.
A celebração foi realizada
na Comunidade Santa Bárbara,
pertencente à Área Missionária
Família de Nazaré – Região Epis-
copal Nossa Senhora Aparecida
– contando com a participação de
padres Missionários da Consolata,
além de familiares e amigos que
acompanharam de perto e de longe
mais esse passo na caminhada vo-
cacional do missionário queniano,
que escolheu como lema diaconal
“Assim como o Pai me enviou, eu
vos envio” (Jo 20, 21). 
Com informações da arquidiocese de Manaus.

JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 19

 Em solidariedade ao povo Yanomami
de Ana Margarete Silva enfraquecidos no reconhecimento Os Leigos Missionários da Conso-
e na luta histórica por seus direitos, lata (LMC) no Brasil em live, no dia 4

H
á décadas, os Yanomami
vêm sofrendo e enfrentan-
do desrespeito, degradação
e violência pela presença de
garimpeiros ilegais, causan-
do impactos ambientais, sanitários
e culturais nas terras indígenas. Nos
últimostrêsanos,aexpressivaeviolen-
ta invasão de garimpeiros na Missão
Catrimani e a consequente introdu-
ção de bebidas alcoólicas, drogas,
prostituição, cooptação de indígenas
com promessas, favores, benefício
e troca de objetos, tem aviltado a
dignidade e afetado a identidade
cultural dos Yanomami. Os jovens
são as maiores vítimas, pois, atraídos
pelas “benesses”, são induzidos a
desvalorizar sua própria cultura, são
sentem-se impotentes e incapazes
de se defender e assumir o protago-
nismo da própria vida. Em resposta
a estes desafios, nasceu o Projeto
de Capacitação e Conscientização
Cultural dos Jovens da Comunidade
da Terra Indígena Missão Cartimani,
coordenado por padre Bob Mulega,
imc, a fim de garantir a inserção ativa
dos jovens na caminhada da organi-
zação indígena, apoiá-los e ajudá-los
a assumir e afirmar sua identidade
cultural e étnica, bem como o seu
protagonismo.
O clamor dos Povos Indígenas
ressoou muito forte no Sínodo da
Amazônia e ainda ressoa em nossa
vida. Não podemos ficar indiferentes
a essa realidade.
de junho escutaram padre Bob, Irmão
Ayres Osmarin, imc, irmã Noemi Ma-
mani, MC e Luís Ventura, LMC-CIMI,
que partilharam aspectos da Missão
Catrimani e as ações governamentais
relativas às questões indígenas em
Roraima. A missão nos contagiou e
nos chamou à comunhão. Interpe-
lados por Jesus e incentivados pelas
palavras do Bem-aventurado José
Allamano “Tudo pelo Evangelho”,
unimo-nos enquanto Comunidade
LMC, para tecer uma rede de sensi-
bilização, apoio e ações colaborativas
de recursos, em solidariedade ao
povo Yanomami. 
Ana Margarete Silva é Leiga Missionária da Consolata (LMC)
em Boa Vista, Comunidade Bem-aventurado José Allamano, RR.

Ajude-nos e venha
fazer parte desta obra
Missões é o veículo de comunicação do Instituto Missões Consolata e retrata o trabalho missionário
de levar a consolação aos que sofrem, aos que andam tristes, aos que estão sem esperança.
Torne-se um missionário membro da família Consolata, mantendo o nosso trabalho,
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20 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES


As principais causas de
nulidade do casamento II
Erro de qualidade direta e principalmente desejada.
de Edson Luiz Sampel
À
s vezes, admiramos tanto uma pessoa ex-
clusivamente em virtude de determinada
característica de sua personalidade. A referida
característica ou nuança cria segunda natureza
na pessoa por nós amada. Por exemplo, é-nos
impossível conceber um São Francisco indelicado ou
um Santo Tomás de Aquino ignorante.
Nos relacionamentos entre um homem e uma mulher
ocorre o mesmo fenômeno. Assim, Ernesto e Sandra
(casal hipotético) namoraram e noivaram durante três
anos, ao longo dos quais Ernesto sobrexcedia-se em
polidez e urbanidade. Sandra amava-o e queria com
ele convolar as núpcias por causa dessa fineza super-
-requintada. Não lhe interessavam outros predicados,
como, por exemplo, a compleição física ou mesmo a
cultura. Aliás, sempre sonhou em se matrimoniar com
um homem educadíssimo. Ora, se depois do casamento
canônico, Ernesto passa a chutar o cachorro, cuspir
no chão, vociferar palavrões e insultar a esposa, entre
outros vezos, logicamente Ernesto mudou da água para
o vinho, conforme se diz coloquialmente. Não externa
mais a finesse direta e principalmente desejada por
Sandra como condição para se casar.
Vejamos o que preceitua a lei canônica a respeito
da situação ora ventilada. Com efeito, eis a tradução
do parágrafo 2.º do cânon 1097:
"O erro de qualidade de pessoa, embora seja causa
do contrato, não torna o matrimônio nulo, exceto se a
qualidade for direta e principalmente aspirada."
Ora, se Sandra apenas reconhecesse a extrema
amabilidade de Ernesto como virtude louvável, mas
não como o comportamento ao qual ela visava, não
se cogitaria de nulidade. No entanto, consoante nossa
história inventada, Sandra só se uniu matrimonialmente
a Ernesto em razão da extrema afabilidade dele. Desta
feita, o conúbio entre Sandra e Ernesto provavelmente
obterá sentença de nulidade em eventual processo
judicial no foro eclesiástico.
MISSÕES RESPONDE
O leitor perguntaria: como provar essas coisas todas,
vale dizer, as causas de nulidade de casamento sobre
as quais temos discorrido nos últimos dois artigos?
Basta a mera palavra dos cônjuges? Bem, hoje em
dia, depois da reforma processual estatuída pelo papa
Francisco, as versões concordes dos nubentes ganharam
valor de prova, se coerentes com outras informações
constantes dos autos do processo. De feito, nessa
espécie de processo, conta muito o depoimento das
testemunhas. A prova testemunhal se torna a mais
relevante. Há sempre confidentes do casal; o amigo
do marido, que ouvia as lamentações ou mesmo as
confissões: sempre traí minha mulher, desde o namo-
ro! Os parentes que visitam o casal e constantemente
deparam-se com brigas, desentendimentos de todo
tipo. Enfim, existem muitas maneiras de se produzir
prova robusta em juízo.
Deve-se reiterar que o casamento válido e consuma-
do é decerto indissolúvel. Infelizmente, na atualidade,
contraem-se milhares de casamentos inválidos. Alguns
deles, validam-se com o tempo, digamos assim. Por
exemplo, a mulher que não desejava parir quando se
casou, porém, com o transcorrer dos anos, mudou de
ideia e deu à luz três lindos filhos.
Vivemos numa sociedade hedonista e consumista.
Os contravalores pagãos infeccionaram o tecido social
e, consequentemente, a família, a principal instituição
humana. Neste diapasão, compreende-se o porquê de
os tribunais eclesiásticos se encontrarem abarrotados
de ações de nulidade de casamento.
O ideal é que, antes de recorrer ao divórcio de vínculo,
expediente tão facilitado hoje em dia, inclusive com
o serviço cartorial, os cônjuges católicos requeiram a
nulidade junto à corte eclesiástica competente, a fim
de que se salvaguardem também os direitos de Deus,
porquanto a indissolubilidade do casamento válido e
consumado – repetimos – consiste em postulado de
direito divino positivo. 
Edson Luiz Sampel Professor-doutor do Instituto Superior de Direito Canônico de Lon-
drina. Membro da Sociedade Brasileira de Canonistas (SBC). Traduziu o livro "A Virgem
Maria e os sacramentos". https://www.livrarialoyola.com.br/produto/a-virgem-maria-e-
-os-sacramentos-679051
JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 21
@FREEPIK
PRÓ-VOCAÇÕES
O chamado de Deus
para o ser humano é
espontâneo e dirigido a
todas as raças, idades
e gerações.

a essa pergunta, devo ter o conhecimento profundo

de que o envolvimento do meu ser no processo de
discernimento depende muito da minha convicção
de ser o sujeito principal neste processo, ou seja, a
decisão está em mim.
O chamado de Deus para o ser humano é espontâneo
e dirigido a todas as raças, idades e gerações. Neste
caso, cabe a nós a responsabilidade de buscarmos os
sinais principais que manifestam o chamado de Deus
dentro da nossa história de vida. Devemos chegar a um
nível de nos deixarmos guiar pela dinâmica do Espírito
Santo, assim como Maria fez, dizendo Sim ao chamado
de Deus após a visita do Anjo Gabriel na Anunciação.
O nosso Deus é fiel e permanece sempre no cami-

A decisão
nho que Ele mesmo colocou no coração de cada um
de nós. No caminho que percorremos a cada dia é
praticamente onde temos a possibilidade de conhecê-
-Lo na sua majestade, só que cabe a nós o compro-
misso de nos doarmos ao chamado que Ele colocou
livremente em nossas almas. Contudo, Deus criou o

é sua
ser humano cegamente; Ele como o Gênesis de tudo
que existe, tem o projeto para cada um, sabe o que
quer e chama cada pessoa a uma missão específica.
E com isso, Ele nos arma de tudo quando precisamos
para que possamos cumprir a nossa missão.
Quando aceitamos o nosso estado de ser, abrindo
para Deus tudo o que temos, somos inclinados a res-
ponder ao Seu chamado. No mundo, o agir de Deus se
manifesta naturalmente e os nossos olhos místicos nos
ajudam para responder retamente o chamado que Deus
plantou e continua regando dentro de coração de cada
ser humano. O importante é que estejamos abertos
porque somente Ele capacita os que são chamados.
Contudo, as decisões são baseadas nas necessidades
de cada pessoa. Assim também as responsabilidades
de Ambrose Omeyo Ekitoi
com as suas consequências cabem na mesma pessoa
que decide o que fazer naquela instância. Por isso, o
caminho vocacional depende muito dos passos que o
vocacionado faça ao longo da sua vida. A prova maior

A
lgumas vezes fui questionado por pessoas
que buscavam respostas sobre o que é vo-
cação. As decisões que fazemos dependem
muito do conhecimento profundo sobre o
que é a vocação para a vida do ser humano.
Portanto, podemos nos perguntar: quando começa
a experiência vocacional de cada um? Ao responder
é saber como lidar com todos os propósitos que se
manifestam nos caminhos da vida. Confiante na gra-
ça de Deus, temos a alegria de que o Senhor não vai
abandonar aquele que se lança na sua dinâmica de
formação, basta confiar. Por isso, a decisão é sua! 
Ambrose Omeyo Ekitoi, imc, é missionário da Consolata em São Paulo, SP.

22 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES

 Primeira visita canônica
em Madagascar
ARQUIVO IMC
Após várias tentativas adiadas por
causa da pandemia, o Superior
Geral, Padre Stefano Camerlengo e o
Conselheiro Geral para África, padre
Godfrey Msumange conseguiram
finalmente fazer a Visita Canônica
à grande ilha vermelha no Oceano
Índico, Madagascar, considerada
a quarta maior do mundo com
587.041km².
Por Jaime C. Patias
R
ealizada entre os dias 21 e 30 de julho e acompa-
nhada pelo padre Marco Marini, imc, missionário
na Etiópia, esta foi a primeira Visita Canônica ao
grupo de três missionários da Consolata que se
encontra naquele país desde 2019, os padres
Jared Makori, Jean Tuluba e Kizito Mukalaz.
“Por enquanto temos uma Missão em Beandrare-
zona, na região de Sofia, na província de Mahajanga,
distrito de Bealalana, a 1.124m acima do nível do mar.
Estamos na diocese de Ambanja a mil quilômetros ao
norte da capital em uma situação de missão Ad Gentes,
lugar de primeira evangelização”, conta o padre Godfrey
Msumange. A população é de aproximadamente 25.000
habitantes com 20 aldeias distantes umas das outras.
A Igreja em Madagascar
Em Madagascar há 22 circunscrições eclesiásticas,
sendo cinco arquidioceses e 17 dioceses. Os bispos
são atualmente 28, sendo um cardeal arcebispo na
ativa (Dom Désiré Tsarahzana), um núncio apostólico.
A organização pastoral conta com 438 paróquias e
mais de nove mil centros de atendimento pastoral. Os
sacerdotes são 1.747 (892 padres do clero secular e 855
religiosos), dois diáconos permanentes, 1202 seminaris-
tas, 735 irmãos, 133 membros de institutos seculares,
1703 missionários leigos, 5.006 religiosas consagradas,
14.395 catequistas. Com uma população de cerca de 25
milhões de habitantes, apenas 10% são cristãos.
Uma situação de missão Ad Gentes
PadreStefanodestacaque“aMissãodeBeandrarezona
onde estão os Missionários da Consolata é muito bonita
e desafiante. “É uma missão Ad Gentes com cerca de
20 comunidades (aldeias) e aproximadamente 25.000
habitantes que pela primeira vez tem uma presença
cristã estável com os padres. Antes a comunidade era
visitada a partir da paróquia vizinha. Nessa região encon-
tramos pobreza extrema”. Os missionários começaram
a construção de uma escola para dar aos jovens um
futuro. Devem ainda construir a casa para os padres e
uma capela, pois a atual é feita de barro e é pequena.
Alguns pontos importantes sublinhados na conclu-
são da Visita Canônica: o Instituto está contente com a
presença na missão Beandrarezona que é puramente Ad
Gentes. Reafirmamos a permanência; deve-se iniciar o
estudo para abrir uma nova presença em Madagascar;
a Direção Geral deverá enviar mais missionários para
o país a fim de reforçar a primeira presença; ajudar a
construir a casa para os missionários de Beandrarezona;
que o grupo de missionários retome o espírito da Carta
do Superior Geral escrita na ocasião da sua partida para
Madagascar em 2019 aonde se descreviam algumas
características de um missionário da Consolata para
melhor viver a missão. 
Jaime C. Patias, imc, é Conselheiro Geral para a América.
JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 23
WIRESTOCK/FREEPIK.COM
DESTAQUE
Precisamos fazer
amanhecer
Um novo dia para de Luís Ventura
que a violência
O
pare e o Brasil se s assassinatos do indi-
reencontre com genista Bruno Pereira e
do jornalista Dom Philips
o país plural que estremeceram o mundo.
somos. Durante semanas, e até
hoje, imagens dos dois ocuparam
espaço em redes sociais, jornais,
banners, camisetas e até em ôni-
bus de diversos lugares e países.
Lideranças indígenas, organizações
sociais, servidores públicos, meios
de comunicação, autoridades polí-
ticas, líderes religiosos e represen-
tantes de instâncias internacionais
manifestaram sua mais profunda
indignação e revolta diante das
mortes violentas de Bruno e Dom
e exigiram a imediata apuração
desses crimes. As forças policiais
demoraram mais do que o neces-
sário para coordenar a operação de
busca e sempre foram superadas em
determinação e organização pelos
indígenas da região. Essa demora
no início das buscas se contrapõe
à celeridade com que as mesmas
forças policiais anunciaram, 48 horas
depois de encontrar os corpos, que
não havia mandantes do assassinato.
Orientadas, talvez, pelas declarações
de autoridades do mais alto escalão
do governo federal, pensariam que
podiam administrar os tempos e
as informações para evitar reper-
cussões em nível internacional. No
entanto, como disse Beatriz Matos,
esposa de Bruno, se alguém pensava
que estas seriam mais duas mortes
24 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES
silenciadas e esquecidas cometeu
um erro, porque elas escancararam
para o mundo todo, o país em que
o Brasil se converteu nestes últimos
quatro anos, aprofundando ao má-
ximo a raiz estrutural e histórica
que herdou do processo colonial.
Noite escura
A chegada de Jair Bolsonaro
em janeiro de 2019 à presidên-
cia da República, com sua corte
de fundamentalistas e moralistas,
militares, milicianos e ruralistas,
conduziu o Brasil à mais escura
noite desde sua redemocratização.
Instalaram-se desde o poder público
um projeto de morte, uma política
destrutiva e uma retórica violenta.
Não foi omissão nem incompetên-
cia, mas a execução sistemática de
um plano que tinha como objetivo
a erosão do Estado, a ruptura da
convivência, a corrosão das políticas
públicas, a perseguição dos direitos
fundamentais, a exploração ilegal
dos bens naturais, a militarização
da vida pública e a legalização do
ilícito. A grilagem e o garimpo eram
incentivados enquanto a luta pelos
direitos territoriais dos povos indí-
genas era criminalizada. Em apenas
quatro anos, o Brasil multiplicou por
quatro a circulação de armas nas
mãos de civis, enquanto assistimos
a um embrutecimento impune das
forças policiais, acobertadas pela
ampliação da chamada “exclusão
de ilicitude”, a mais nova expres-
são para a licença para matar. Os
rios amazônicos são intoxicados
por mercúrio ao tempo que o solo
do campo brasileiro é envenena-
do permanentemente por novos
agrotóxicos liberados pelo Estado.
E nessa mesma seara, o ruralismo
agroexportador mata e desmata,
enquanto acumula recordes de safra
e de lucros em um país em que 33
milhões de pessoas são castigadas
pela fome. Este é o projeto, e seus
algozes, que sequestrou as insti-
tuições brasileiras desde 2017 e
instalou no seio da República uma
cultura de necropolítica. O resulta-
do disso só pode ser a morte, em
suas mais diversas faces, e este é
o cenário em que Bruno Pereira e
Dom Philips foram assassinados.
Vale do Javari
A Terra Indígena Vale do Javari,
homologada em 2001, é um dos
lugares de maior diversidade cultu-
ral e biológica, habitat de diversos
povos indígenas e o lugar onde
existe maior número de registros
de povos livres, em situação de
isolamento. Ao mesmo tempo, é um
dos territórios mais assediados pela
pesca e a caça ilegal, pelo tráfico e
o garimpo. O desmonte absoluto
da política de proteção territorial e
da fiscalização ambiental ampliou
nos últimos anos a vulnerabilidade
do território e a violência contra
seus legítimos donos. O governo
Bolsonaro dessangrou a FUNAI e
a colocou a serviço de terceiros,
desmantelou ou precarizou as Fren-
tes de Proteção Etnoambiental e
deixou os territórios indígenas à
mercê de usurpadores. É por causa
disto que Bruno foi exonerado de
sua responsabilidade na FUNAI; e
foi por causa disto que sua vida foi
dilacerada junto a de Dom Philips.
Como afirmava seu amigo Beto Ma-
rubo, em carta escrita recentemente
ao já falecido Bruno, “conseguimos
com sua passagem que o mundo
todo veja nossas mazelas”.
Meses antes destes assassinatos,
o mundo também estremeceu com
imagens de violência e de mortes
por desnutrição e malária na Terra
Indígena Yanomami, nos estados
de Roraima e Amazonas. Homo-
logado em 1992, este território é
lugar de vida dos povos Yanomami
e Ye’kuana. Após 30 anos de sua
homologação, vive desde 2017 um
novo momento de expansão do
garimpo com a presença de mais
de 20.000 garimpeiros e com o
aumento exponencial nos dados
de desmatamento, degradação am-
biental, contaminação por mercúrio
e casos de desnutrição e malária.
Em julho de 2022, a Corte Inte-
ramericana de Direitos Humanos
determinou que o Estado brasileiro
adote de forma imediata todas as
medidas para garantir aos povos
Yanomami e Ye’kuana o direito à
vida, à integridade física e à saúde,
à alimentação e à água, protegendo
as lideranças ameaçadas e prevenin-
do a exploração e violência sexual
contra mulheres e meninas destes
povos. Doze dias depois desta Re-
solução da Corte Interamericana,
a Hutukara Associação Yanomami
– HAY denunciava mais uma vez
em carta dirigida às autoridades do
Distrito Especial de Saúde Indígena
Yanomami e Ye’kuana a ausência de
medicamentos básicos nos postos de
saúde para o combate da verminose
ou da malária, a falta de equipa-
mentos básicos para detecção de
doenças endêmicas, a deficiência de
profissionais nas equipes médicas
e a falta de insumos alimentares
e proteicos para o enfrentamento
da desnutrição infantil. O descaso
do Estado brasileiro no caso da
Terra Indígena Yanomami, seja no
campo da proteção territorial ou do
atendimento à saúde, revela carac-
terísticas próprias de um processo
de genocídio a céu aberto, a olhos
de todo o mundo.
Contexto de violência
Bruno Pereira e Dom Philips
foram assassinados no início de
junho de 2022. Uma semana antes,
o jovem Alex López Guarani, de 18
anos, foi morto com disparos de
bala enquanto ia procurar lenha.
Semanas depois, ainda em junho,
o senhor Edivaldo Atikum faleceu
após ser golpeado e torturado por
policiais dentro de sua própria al-
deia, na Terra Indígena Atikum, no
estado de Pernambuco. E na última
semana de junho, uma série de ata-
ques violentos contra retomadas do
povo Guarani Kaiowá no estado de
Mato Grosso do Sul acabou com o
assassinato de Vitor Fernandes, de
42 anos, por disparos de policiais.
Essa mesma semana, fazendeiros se
reuniam e marchavam em carreata
no sul do estado de Bahia em direção
a uma retomada do povo Pataxó,
para “fazer o que está sendo feito
no Mato Grosso do Sul”.
Este é o resultado dos quatro
anos de noite escura que represen-
tou o governo de Jair Bolsonaro. Um
país em que os territórios são mais
invadidos e explorados ilegalmente,
agora com o incentivo explícito do
governo federal e de alguns gover-
nos estaduais. Um país em que a
violência anda solta e a impunidade
é a principal aliada de quem mata
e de quem manda matar.
Mas este é também o país em que
os povos indígenas permaneceram
mobilizados desde o primeiro mo-
mento e até hoje para enfrentar os
abusos do governo federal. Este é o
país onde permanecemos e perma-
neceremos em pé, sem parar e sem
calar, insistindo e resistindo. Com a
cabeça erguida, com o coração aper-
tado, mas com a esperança intacta
e com mais vontade que nunca de
continuar lutando. Precisamos fazer
acontecer a garantia dos direitos
dos povos indígenas e isso passa,
principalmente, por que o Supremo
Tribunal Federal supere de vez a tese
inconstitucional do marco temporal
e confirme os direitos originários dos
povos indígenas a seus territórios.
Precisamos fazer amanhecer um
novo dia para que a violência pare
e o Brasil se reencontre com o país
plural que somos. 
Luís Ventura é leigo e membro do Conselho Indigenista
Missionário, CIMI.
JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 25
 CIDADANIA

A voz do profeta
“Quero ver o direito brotar como
fonte e correr a justiça qual
riacho, que não seca”. (Am 5,24)
de Fátima Bazeggio
chagas em que vivem irmãos e irmãs em um universo
paralelo e esquecido.
Rever valores
O dia 11 de setembro de 2001 marcou a história
da humanidade e o que pensávamos que seria um
tempo de rever valores, de ressignificar a vida diante
da insensatez da violência, gerou mais ódio e mortes

O
profeta Amós deixa claro, o tipo de culto nas guerras que sucederam. Assim como a pandemia
desejado por Deus. Hoje vemos em todos os da Covid-19 nos levou a imaginar que, uma huma-
contextos sociais, práticas de corrupção, deso- nidade ferida, se voltaria a prática da fraternidade,
nestidade, injustiça, guerras, exercício indevi- do cuidado consigo e com o próximo, despertando
do do poder para a realidade de um
político e até mesmo planeta devastado, foi
corrupção religiosa. O ilusão. O que se apre-
profeta Amós critica senta agora, não são
toda sociedade cor- senão, sinais de indife-
rompida, onde os po- rença, individualismo e
bres estão sempre em de descarte social.
desvantagem, onde No tempo de qua-
não existe equilíbrio, resma, que nos chama
entre o necessário e à conversão, temos a
a força que se em- ousadia de dar nosso
prega para obtenção testemunho autêntico,
de lucros e vantagens como discípulos missio-
para uma minoria pri- nários de Jesus, Profeta
vilegiada. e Rei? Para que vejam
“Vivemos a cultura em nós a imagem da
do descartável! Pen- Igreja Missionária, que
sar que hoje as crian- caminha no terceiro
ças que não têm o milênio e que pretende
que comer, não fazem deixar de lado a fé de-
notícia. Isso é grave. sencarnada e mostrar
Não podemos ficar com a vida e obras, a
tranquilos. Não pode- face de Jesus, fonte da
mos ser aqueles cris- verdadeira paz, sabe-
tãos bem-educados, doria e compaixão?
que falam de coisas Em 2015, a encícli-
teológicas enquanto ca Laudato Si chegou
tomam chá, tranqui- fazendo ressoar um
los: não. Devemos nos profetismo histórico e
tornar cristãos corajosos e sairmos em busca daqueles global para revelar uma grave e urgente realidade so-
que são a carne de Cristo" (papa Francisco). cioambiental e climática que afeta toda a humanidade.
Logo após o encerramento do Concilio Ecumêni- O papa Francisco afirma ser necessário e urgente sair da
co Vaticano II a Igreja da América Latina, através de indiferença ou das hesitações para tomar as decisões
sucessivas assembleias eclesiais, se tornou profética, exigidas pela crise. Não se pode esperar mais tempo.
na defesa dos pobres e até hoje vem assumindo a É tempo de exercer a profecia. 
causa do oprimido, para transformar a realidade
vivida, à margem das mídias, em uma exposição das Fátima Bazeggio é LMC comunidade São Paulo, Joanópolis, SP.

26 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES

 BÍBLIA

Mansidão
e humildade
“Tomai sobre vós o meu jugo
e aprendei de mim que sou
manso e humilde de coração,
e vós encontrareis descanso,
pois, o meu jugo é suave e o
meu fardo, leve”. (Mt 11,29)
de Mauro Negro

E
sta palavra de Jesus, no Evangelho segundo
Mateus, está no contexto da missão que os dis-
cípulos devem viver. Jesus os escolheu, deu-lhes
muitas instruções, e os enviou. E enquanto eles
o acompanham, ele os ensina, corrige, exorta.
Aqui a sua palavra é de um profundo conforto.
O mês de junho é, tradicionalmente, associado ao
Coração de Jesus. Às vezes falta uma definição do que
é o Coração de Jesus, talvez pela própria realidade
que ele representa: o amor de Deus, sua vida doada,
a empatia divina pela humanidade, o perfeito senso
de justiça e misericórdia, equilibrados e potenciali-
zados ao máximo.
É claro que Jesus tem atitudes que vão até a raiz
dos fatos. São as atitudes radicais, que expressam as
mais fortes verdades e propostas para que o reinado
de Deus se estabeleça. Mas ele também tem estas
afirmações no título acima: “tomai o meu jugo”,
“aprendei de mim”, “sou manso e humilde”, “meu
jugo é suave e meu fardo, leve”.
Tantas vezes nós fugimos de Deus, ainda que de
modo disfarçado, pois julgamos que Ele nos exige muito.
E nos envolvemos com os fatos sociais, os projetos
políticos e econômicos; damos atenção aos nossos
desejos e sonhos, por eles lutando, nos envolvendo
com quem nos promete “mundos e fundos”. E, com
certa frequência, nos decepcionamos, ou nos envol-
vemos tanto que, depois, não conseguimos mais ser
nós mesmos, e sim aquilo ou aquele que seguíamos
impunha que fôssemos.
Aprender de Jesus é assumir o seu estilo, que é
mansidão, humildade. É também coerência, adesão
ao Pai, decisão de viver na justiça e na verdade. O
problema é que, muitas vezes, nós fantasiamos a Fé,
tornando-a um espetáculo, um conjunto de emoções
intensas e rápidas; ou uma sequência de ritos, de roupas
e de fórmulas, orações repetidas quase à exaustão.
Este único versículo de Mateus resume o “ser”
e o “agir” cristão. “Ser” porque é a identidade do
discípulo: tomar sobre si o jugo de Jesus, mergu-
lhar na sua identidade, no seu mistério. “Agir” em
Cristo, pois, é a consequência expressa na missão:
mansidão, humildade. Isso tudo ainda que em meio
às contradições da vocação de discípulo e da tarefa
de missionário.
Mais do que o amor e devoção a uma ideia, um
afeto ou uma imagem, o seguimento de Jesus é a
adesão ao seu Mistério. 
Mauro Negro, OSJ Biblista, PUC São Paulo mauronegro@uol.com.br

JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 27

 ENTREVISTA
Vocação é
vida!
Vice-superiora Geral
ARQUIVO
das Missionárias
da Consolata fala
de seu trabalho e
vocação.
de Maria Emerenciana Raia
I
rmã Maria Conceição Nascimen-
to da Silva é Vice-superiora Geral
das Missionárias da Consolata.
Natural de Jaguarari, BA, tem
28 anos de Vida Religiosa. Parte
de sua formação foi realizada na
Itália, onde concluiu os estudos e
logo depois, foi viver a missão nos
países africanos da Etiópia e Quênia.
Em entrevista exclusiva à revista
Missões, Ir. Conceição fala de sua
vocação e trabalho missionário.
Irmã Conceição, como se sente
sendo Vice-superiora Geral das
Missionárias da Consolata? Como
encara essa responsabilidade? Con-
te para os nossos leitores quais
suas expectativas e perspectivas,
por favor.
28 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES
Ao longo dos meus 28 anos de
Vida Religiosa, fui me identificando
sempre mais com o Carisma de
consolação Ad Gentes, de anúncio
da boa notícia do Evangelho aos
não cristãos. Através do meu sim
a Deus me coloquei disponível e
aberta a fazer aquilo que a minha
Congregação me propõe através
do diálogo e, com humildade e
simplicidade, procuro oferecer a
minha contribuição, o meu serviço,
naquilo que é para o bem da nossa
Família Missionária. Foi com essa
abertura de coração que aceitei o
serviço de ser membro da Direção
Geral como Vice-superiora. Cer-
tamente é uma responsabilidade,
porém, nos ajudamos mutuamente
em todos os passos ou processos
que fazemos. Procuramos envolver
todas as irmãs cultivando assim o
espírito de família, como bem queria
o nosso Fundador, o Bem-aventu-
rado José Allamano que se traduz
hoje como sinodalidade, caminhar
juntas, escutando, refletindo, re-
zando, acolhendo a colaboração de
todas. É isso que ajuda a discernir e
iniciar processos para viver o hoje
da Missão na realidade de Igreja e
de mundo. Portanto, é um serviço
que busco viver em fidelidade ao
meu chamado, à minha vocação.
Quais rumos o Instituto tem
definidos para os próximos anos?
O nosso Instituto desde alguns
anos, escutando os apelos do Espí-
rito Santo, refletindo sobre o futuro
da Missão, olhando para a realidade
da nossa Família Missionária assu-
miu com coragem um caminho de
redimensionamento e reestrutu-
ração das nossas presenças para
uma melhor qualidade do nosso
serviço missionário. Um dos grandes
passos realizados foi a unificação
de todas as nossas presenças no
Continente América em uma única
Região,“Região América”. O mesmo
se deu com os países da África,
constituindo a “Região África”. Outro
grande passo foi a abertura de duas
comunidades em países da Ásia
Central, Cazaquistão e Quirguistão
para ser fiel ao nosso Carisma de
anunciar o Evangelho aos não cris-
tãos. Portanto, queremos continuar
a vivenciar o caminho que a Mis-
são nos chama a trilhar hoje, nos
deixando interpelar pela realidade
interna e externa favorecendo a
comunhão, a colaboração e a co-
-responsabilidade. É um processo
que nos convida a renascer de ma-
neira pessoal, comunitária e como
Família Missionária. Seguimos assim
confiantes na proteção da nossa
Mãe e Padroeira, Nossa Senhora
Consolata, que sempre nos acom-
panha na nossa vida Missionária.
Comente, por favor, a Visita
Canônica realizada recentemente
no Brasil pela direção geral do
Instituto das Missionárias. O que
destaca como mais importante?
Juntamente com a nossa Madre
Geral, Irmã Simona Brambilla, esti-
vemos realizando a Visita Canônica
na Região América, mais precisa-
mente às comunidades presentes
no Brasil como São Paulo, Brasília
e Dourados/Mato Grosso do Sul e
na Amazônia às comunidades de
Boa Vista, Normandia, Catrimani e
Manaus. A Visita Canônica, como
bem afirmam os nossos Documen-
tos, é um momento particular de
renovação espiritual e apostóli-
ca para as Irmãs daquela Região.
Todas devem estar envolvidas na
sua preparação, na avaliação da
situação, no confronto do Carisma
e das possibilidades concretas com
as instâncias da Igreja local para
verificar a autenticidade da nossa
presença missionária, dispostas a
abrir-se a novas formas de inserção
e anúncio.
É um tempo muito esperado por
todas as Irmãs, porque é na verdade
um encontro de partilha da nossa
vida Missionária que oferece sempre
um novo impulso e ajuda também a
entrar em sintonia com a realidade
de cada Irmã, das comunidades e do
O primeiro
encantado com a
missão é o próprio
Deus, porque a
Missão é sua e
Ele quer viver e
partilhar a Missão
conosco.
serviço missionário que cada uma
vive e realiza. Devido à pandemia
tivemos que adaptar essas nossas
visitas de acordo com as possibili-
dades que este tempo oferece e,
portanto com uma metodologia
um pouco diferente. Conseguimos
realizá-las e encontramos muita
acolhida e participação das Irmãs.
Tivemos oportunidade de fazer uma
reflexão mais objetiva das nossas
presenças, olhando hoje aqui no Bra-
sil, os pontos de forças e os desafios
que a Vida Consagrada é chamada
a viver e como nós, Missionárias da
Consolata, podemos ser sempre
mais presença de Consolação e de
esperança, sobretudo neste tempo
tão provado de sofrimento causado
pela pandemia, que na verdade, só
veio tirar o véu de uma situação de
fragilidade em todos os níveis.
Como as Missionárias estão
trabalhando a questão vocacional?
Acredita que haja uma crise nesse
campo? Quais as dificuldades en-
frentadas para conquistar jovens
na sociedade atual? Ainda existe
quem queira ser missionária?
Antes de tudo, Vocação não é
uma questão a ser resolvida. Voca-
ção é vida, é chamado, é resposta,
é seguimento! É compromisso! É
doação! É missão! E Deus continua
chamando hoje, dentro da realidade
em que vivemos com todos os seus
desafios, neste contexto onde os
valores fundamentais estão em crise.
Tal situação toca todos os estados
de vida! Mas, a própria crise pode
ser uma oportunidade para uma
maior proximidade com os jovens e
as jovens e testemunhar com alegria
que vale a pena responder ao cha-
mado de Deus, vivendo a vocação
que Ele nos confiou. A realidade
complexa em que vivemos hoje
pode ser difícil, mas não impossível
em ajudar os jovens a descobrirem
o sentido da vida e da missão a que
são chamados a viver, e há jovens
respondendo ao chamado à vida
missionária e que se dedicam com
tanto amor e empenho.
Nós, Irmãs Missionárias da Con-
solata, iluminadas e interpeladas
pela realidade da juventude, de-
sejamos aproximar-nos dos jovens
para ouvi-los com sensibilidade, hu-
mildade, empatia, disponibilidade,
paciência, admiração, compaixão
e compreensão, para que em nos-
sos encontros com eles possamos
sussurrar o Evangelho de Jesus.
Estamos convencidas de que os
jovens desejam ser ouvidos, reco-
nhecidos e acompanhados em suas
escolhas. Sentimos a necessidade
de ser mais consistentes em nossas
ações para sermos testemunhas
credíveis, capazes de anunciar a
mensagem de Jesus Cristo.
Que recado deixaria para nossos
leitores? Ainda é possível se en-
cantar com o chamado vocacional
missionário?
Diria que não só é possível, mas
há pessoas encantadas com a voca-
ção missionária. Ainda digo, que o
primeiro encantado com a missão
é o próprio Deus, porque a Missão
é sua e Ele quer viver, partilhar a
Missão conosco, com o seu povo o
qual ama com um amor de predile-
ção. Portanto, é o amor e a certeza
da sua presença e do seu encanto
por cada um e cada uma de nós
seus filhos e filhas, que nos ajuda
a doar toda a nossa vida, para viver
esse encanto juntos, superando os
desafios e indo ao encontro de toda
criatura, e de toda a criação para
anunciar que Ele está vivo no meio
de nós. 
Maria Emerenciana Raia é editora da revista Missões.
JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES 29
 59ª Assembleia da CNBB
A CNBB comemora 70 anos em 2022: “Voltamos
ao Santuário Nacional de Aparecida para nos
encontrarmos e vivermos aquilo que é o mais
importante na Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil: a comunhão entre nós”. Assim, o
arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente
da CNBB, Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
definiu a realização da etapa presencial da 59ª
Assembleia Geral da entidade, entre os dias
28 de agosto e 2 de setembro.
Nos seis dias de encontro, foram refletidos,
debatidos, decididos e votados pelos 292 bis-
pos reunidos mais de dez temas relacionados
à evangelização e à organização da Igreja no
Brasil, entre os quais a aprovação das atualiza-
ções do estatuto da própria CNBB, a revisão da
tradução do Missal Romano, o Documento 114
e o itinerário para a instituição do Ministério
VOLTA AO BRASIL
dos Catequistas.
As novas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizado-
ra da Igreja no Brasil (DGAE) tinham previsão de
serem atualizadas no próximo ano, quando será
concluído o quadriênio iniciado em 2019. No
entanto, os bispos decidiram pela continuidade
do processo de escuta até 2025. Já em 2025,
no contexto do Ano Santo, será apresentada,
na 62º AG da CNBB, a nova redação do texto
das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora
da Igreja no Brasil. Após 18 anos de trabalho, o
episcopado brasileiro aprovou as últimas duas
partes da revisão da 3º edição típica do Missal
Romano, livro que contém os textos litúrgicos
da missa. O texto será submetido à confirmação
do Dicastério para o Culto Divino e a Discipli-
na dos Sacramentos, da Santa Sé. Os bispos
brasileiros aprovaram que o texto de Estudo
114, intitulado “‘E a Palavra habitou entre nós’
(Jo 1,14): Animação Bíblica da Pastoral a partir
das comunidades eclesiais missionárias”, torne-
-se um documento da CNBB. A estrutura do
documento está dividida em sete capítulos. O
primeiro apresenta a iluminação bíblica, a partir
da parábola do semeador; o segundo tem por
objetivo apresentar o que significa a animação
bíblica da pastoral; o terceiro capítulo trata dos
desafios a serem enfrentados pela animação
bíblica; o quarto capítulo fala dos agentes da
semeadura: os bispos, padres, diáconos, ca-
tequistas, leigos e leigas; o quinto apresenta
os tipos de terreno que acolhem a Palavra de
Deus, sendo elencados mais de dez tipos; o
sexto capítulo fala dos métodos de leitura da
Palavra de Deus, sendo os principais a Leitura
Orante da Palavra. Por fim, o sétimo capítulo
30 JUNHO/JULHO 2022 MISSÕES
traz propostas concretas para a implantação
de projetos da animação bíblica da pastoral
nos níveis nacional, regional, diocesano e de
comunidades eclesiais missionárias. Também
foi aprovado um subsídio da CNBB com os
critérios e itinerários para a instituição do Mi-
nistério de Catequistas. Como de costume, no
encerramento da Assembleia Geral da CNBB,
foi divulgada a mensagem da CNBB ao povo
brasileiro sobre o momento atual. Acesse a
íntegra da mensagem em: https://tinyurl.
com/2e7wm9ag
Grito dos Excluídos nos 200 anos de
independência
Sob o lema “Brasil: 200 anos de (in)dependência.
Para quem?”, o Grito dos Excluídos promoveu
a sua 28ª edição com manifestações em 51
cidades de 25 estados no dia 7 de setembro.
Organizado por movimentos populares e ur-
banos, centrais sindicais e pastorais da Igreja
Católica, o evento teve como reivindicações
trabalho, moradia, terra, comida e democracia.
Sob uma chuva persistente e um frio de 14ºC,
o Grito dos Excluídos ocupou a Praça da Sé em
São Paulo, no centro da capital. O ato começou
com uma ação de solidariedade aos moradores
de rua, por volta das 7h, com o oferecimento
de um café da manhã. “É um grito contra a
fome. Nós estamos na luta para que o enfren-
tamento da fome esteja no centro da política.
O Brasil não pode se conformar com tantas
pessoas passando fome”, disse Kelli Mafort,
da coordenação nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O Grito dos Excluídos reuniu representantes
de movimentos sociais, coletivos, sindicatos
e pastorais no centro da capital fluminense.
O ato foi encerrado com a leitura da Carta
dos Excluídos, no local de desembarque de
milhões de pessoas escravizadas trazidas da
África para o Brasil e tombado como Patrimônio
Histórico da Humanidade, para lembrar que a
escravidão no país só foi abolida 66 anos após
a Independência.
Os estados que tiveram atos do Grito dos
Excluídos foram Acre, Alagoas, Amapá, Bahia,
Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais, Pará,
Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do
Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São
Paulo, Sergipe e Tocantins. 
Fonte: Agência Brasil, CNBB
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