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EDITORIAL

SUMÁRIO
CELEBRAR JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024/01

A VIDA!

A
primeira edição da revista Missões de 2024
traz como destaque a Campanha da Frater-
nidade (CF), com um tema relevante para a
sociedade atual: a amizade social e como lema
“Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8). As
reflexões do tema resumem-se na frase da advogada
Cartaz da Campanha da
Janice Oliveira, Leiga Missionária da Consolata: “A CF Fraternidade 2024.
é sobre você e eu, é sobre nós nos encontrarmos de Fonte: CNBB
novo!” Nos encontrarmos de novo significa a retomada
do encontro com o irmão, do cuidado, do carinho, do
comprometimento com o ser responsável por promover
o bem-estar do outro. Nos encontrarmos com o outro  ATUALIDADE----------------------------------------------03
Fraternidade e Amizade Social
significa aceitá-lo com suas limitações, defeitos e ne- Daniella Almeida
cessidades. A amizade social proposta pela Campanha  JUVENTUDE ---------------------------------------------04
é alargar a tenda e celebrar a vida do outro! Renovação pessoal
Também nessa edição, publicamos o primeiro artigo Jacques Kwangala Mboma
da série sobre a Teologia da Libertação, texto do padre  PASTORAL AFRO-----------------------------------------05
Pastoral Afro visita Quilombo dos Palmares
Alfredo J. Gonçalves, vice-presidente do Serviço de Ibrahim Muinde
Proteção ao Migrante (SPM), numa análise interessante  MISSÃO EM CONTEXTO-------------------------------07
sobre suas origens, desenvolvimento, crise e futuro. Solidariedade para com os Yanomami
Bob Mulega
Vários artigos dos missionários da Consolata nos
dão conta do trabalho desenvolvido com a Pastoral  ESPIRITUALIDADE----------------------------------------10
Oração e Libertação
Afro, juventude, yanomami, e o próprio caminhar dos Márcio Oliveira Elias
missionários em suas Conferências Regionais, discutindo  TESTEMUNHO-------------------------------------------12
o futuro do Instituto. As missionárias também realiza- O Sínodo da Pequena Semente
Simona Brambilla
ram sua Conferência Regional em São Paulo. Análises
e reflexões importantes!  SÉRIE SOBRE A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO-------14
Gênese, crise e novos desafios
Ainda destacando o Dia Internacional da Mulher, Alfredo J. Gonçalves
publicamos um artigo sobre a situação das mulheres  FÉ EM AÇÃO---------------------------------------------16
na Ucrânia, além da reflexão teológica sobre a mulher Emergência climática
Marcus Eduardo de Oliveira
encurvada, realidade de muitas ainda hoje. Na rubrica
 FAMÍLIA CONSOLATA-----------------------------------17
Testemunho, irmã Simona Brambilla, ex-Superiora Geral Protetor 2024
das Missionárias da Consolata e escolhida pelo papa Redação
Francisco como Secretária do Dicastério para a Vida  MISSÕES RESPONDE-----------------------------------21
Uma década de Faculdade
Consagrada, Vaticano, relata sua experiência na pri- Edson Luiz Sampel
meira sessão da XVI Assembleia do Sínodo dos Bispos,  EXTRA------------------------------------------------------22
ocorrida em outubro de 2023. A mulher encurvada
Alfredo J. Gonçalves
Vale a pena destacar ainda que o Bem-aventurado
José Allamano foi escolhido pelos missionários e pelas  DESTAQUE ----------------------------------------------24
Somos todos irmãos e irmãs!
missionárias da Consolata para ser seu protetor pelos Janice Oliveira
próximos três anos, já que em 2026 completam-se 100  CIDADANIA-----------------------------------------------26
anos de seu falecimento. Inteligência Artificial
Fátima Bazeggio
Que a Virgem Consolata nos acompanhe e abençoe
 BÍBLIA------------------------------------------------------27
em nossa caminhada missionária, em nossos trabalhos Água da vida que transforma
e ações! Boa leitura a todos e uma ótima Páscoa! Cele- Mauro Negro
bremos a Vida!   ESPECIAL GUERRA NA UCRÂNIA-----------------------28
Como está a vida das mulheres na Ucrânia
Márcio Martins

2 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


ATUALIDADE

Fraternidade
e Amizade Social de Daniella Almeida

A
Campanha da Fraternidade 2024 tem o tema
Fraternidade e Amizade Social e o lema "Vós
sois todos irmãos e irmãs" (Mt 23,8). O lan-
çamento da Campanha foi na Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em
Brasília, na Quarta-feira de Cinzas, 14 de fevereiro, dia
que marca o início da Quaresma para nós, católicos.
O período, com duração de 44 dias, com fim na
Quinta-feira Santa, é considerado de reflexão e reco-
lhimento até a Páscoa, data da ressurreição de Jesus
Cristo, depois de seu sofrimento e morte.
Este ano, a Campanha da Fraternidade completa
60 anos ininterruptos. Nesta edição, foi inspirada na
Carta Encíclica Fratelli Tutti assinada em outubro de
2020, na cidade italiana de Assis, pelo papa Francisco.
Durante a cerimônia de lançamento da iniciativa,
foi apresentado um vídeo do papa sobre a Campa-
nha deste ano. Na mensagem, Francisco convida os
brasileiros, durante a Quaresma, ao reconhecimento
da vontade de Deus de que todos sejam irmãos e
irmãs, em uma fraternidade universal.
“Lembro da necessidade de alargar os nossos
círculos para chegarmos àqueles que, espontanea-
mente, não sentimos como parte do nosso mundo
de interesses, de estender o nosso amor a todo ser
vivo, vencendo fronteiras e superando as barreiras
da geografia e do espaço”, disse o papa.
Campanha da
60 anos a serviço do próximo
Já o secretário-executivo de Campanhas da CNBB, Fraternidade completa
padre Jean Poul Hansen, esclareceu que o tema e
lema foram escolhidos há dois anos pelos religiosos
60 anos em 2024.
brasileiros. “Em 2022, tocava o coração dos nossos
bispos a realidade do povo brasileiro dividido, polari-
zado, onde cresce a indiferença, o ódio e a violência. compromisso de cuidado com outras pessoas, ou
Mas também tocava o coração dos nossos bispos o seja, “o próximo”.
rico magistério do amado papa Francisco, que na sua A Campanha da Fraternidade teve início em 1962, na
Encíclica Fratelli Tutti nos apresentou o remédio para arquidiocese de Natal e, a partir de 1964, estendeu-se
esse mundo: a amizade social”. a todo o Brasil. Naquele ano, o tema foi "Lembre-se:
O secretário-geral da CNBB, dom Ricardo Hoepers, você também é Igreja". 
ainda enfatizou que a Campanha da Fraternidade
2024 ocorre em um momento de fortalecimento do Daniela Almeida é repórter da Agência Brasil.

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 3


JUVENTUDE

Renovação pessoal
Retiros de Carnaval na Paróquia Senhor do Bonfim em
Engenheiro Pedreira, RJ mobilizam jovens.

de Jacques Kwangala Mboma

À
s vezes muitas pessoas me
perguntam: o que é retiro
de carnaval? É normal asso-
ciar o conceito de carnaval
com as coisas espirituais? A
resposta não é tão simples, mas o
que eu sei é que a Igreja aproveita
esse período para oferecer às pes-
soas reflexão, descanso, meditação
e renovação pessoal. Geralmente,
envolve se afastar da rotina diária
e das distrações do mundo para se concentrar em que é o motor da nossa transformação. Adão trouxe
questões espirituais, emocionais ou pessoais. elementos como honestidade e o perdão como fonte
Este ano, aproveitei para participar dos dois reti- da nossa espiritualidade no mundo.
ros de carnaval realizados em Engenheiro Pedreira, Na comunidade Nossa Senhora Aparecida, o
Paróquia Senhor do Bonfim, onde os missionários palestrante apresentou o tema da Campanha da Fra-
da Consolata trabalham, no Rio de Janeiro. ternidade deste ano sobre a amizade social. Segundo
Foram duas comunidades que realizaram retiro: ele, a verdadeira amizade deve ser incondicional, sem
Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora Apa- medida e nem recíproca. A amizade social fortalece
recida. Na comunidade Sagrado Coração de Jesus os laços afetivos e cria vínculos entre os membros
houve diferentes formas e objetivos de expressar do mesmo grupo. O retiro naquela comunidade foi
a fé, entre outras, as palestras dos dois diáconos encerrado com a Santa Missa celebrada pelo padre
permanentes, Anselmo e Adão. Os dois trouxeram Jacques e o do Sagrado pelo padre Urbanus, con-
suas contribuições em relação à Palavra de Deus celebrada por padre Jacques. O que foi importante
neste último retiro foi a participa-
ção de muitos jovens, o testemu-
nho da irmã Vanessa, membro da
Congregação Filhas da Caridade.
Houve também a participação do
ministério de música, um grupo
que veio da Paróquia Santa Cruz da
diocese de Duque de Caxias. Estes
retiros contribuíram como espaço
para animar missionariamente as
vocações na Igreja. 

Jacques Kwangala Mboma, imc, é responsável pela


animação missionária e vocacional.

4 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


PASTORAL AFRO

Pastoral Afro
visita Quilombo
dos Palmares
De 8 a 11 de dezembro de 2023, a Pastoral Afro das
arquidioceses de Feira de Santana e Salvador, BA visitaram o
primeiro quilombo constituído no Brasil.
FOTOS: PASCOM PAROQUIA SÃO ROQUE, MATINHA

de Ibrahim Muinde Quilombola Muquém, todos localizados em União


dos Palmares.

A
A viagem foi encerrada com uma celebração, com
Pastoral Afro brasileira das arquidioceses de partilha da experiência de cada um durante a visita.
Feira de Santana e Salvador, BA, promoveu Participaram da viagem a Miss e o Mister Quilombola
a viagem anual da Pastoral para lugares da Matinha 2023, ganhadores da primeira edição do
que marcaram a vida dos negros. De 8 a 11 concurso, realizado na Paróquia São Roque da Ma-
de dezembro estiveram no Quilombo dos tinha, diocese de Feira de Santana. Eles ganharam a
Palmares, em Alagoas. viagem como prêmio para aprofundar mais a vivência
O Quilombo dos Palmares foi o primeiro quilombo como quilombola. Foram acolhidos pela Miss Beleza
a ser constituído no Brasil, por Zumbi dos Palmares e Negra da comunidade quilombola de Muquém, AL,
se tornou referência para todos os escravos negros. quando participaram de uma noite cultural e roda
Quarenta e quatro participantes visitaram qua- de conversa, no sábado, 9 de dezembro. 
tro lugares de destaque: Mercado de Artesanato,
Museu Maria Maria, Parque Memorial Quilombo Ibrahim Muinde, imc, coordenador arquidiocesano da Pastoral Afro, Feira de
dos Palmares (Serra da Barriga) e a comunidade Santana,BA.

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 5


ESPECIAL

Belo documento!
Missionários da
Consolata refletem
sobre trabalho
e ação para os
próximos anos.
de Paulo Mzé

N
ão restam dúvidas de que
os capítulos gerais primei-
ramente são desafiados a
apresentar aos demais mis-
sionários, no nosso caso, algo novo. mesmo tempo que cada um de nós assume novas
Diante do novo, se permitirmos, entre os indi- responsabilidades.
ferentes existem sempre os integracionistas e os Os temas apresentados nos Atos Capitulares foram:
apocalípticos. Os primeiros recebendo os Atos Ca- o missionário em comunidade, identidade, carisma e
pitulares do XIV Capítulo Geral, celebrado em Roma formação; a nossa missão Ad Gentes; a nossa organi-
de 22 de maio a 24 de junho de 2023, diriam: “que zação, e a nossa economia para a missão.
belo documento”. Enquanto, os segundos diriam, O padre Geral afirmou ainda que existem dois
por sua vez com uma certa dose de desilusão: “são pilares que caracterizam a visão dos Atos Capitulares:
sempre as mesmas coisas que deveríamos ter feito, o específico do nosso Ad Gentes e a formação, bem
mas nunca conseguimos”. como o cuidado do missionário. O primeiro, a ser
A sensação que fica presente quando devemos vivido, cada vez e mais radicalmente, enquanto o se-
ler os Atos Capitulares é que hoje o grande desafio gundo a ser realizado ao longo da vida do missionário.
presente é acolher, integrar e interiorizar em nossa O Superior Geral destacou que para conduzir-nos
vida e missão, as mudanças de época presentes no a um salto qualitativo na vivência do Ad Gentes e no
mundo e no Instituto a fim de que nossa família mis- cuidado de missionários e da sua formação, os Atos Ca-
sionária continue significativa, como foi no passado, pitulares devem encarnar-se em diversas dimensões de
também seja no presente e futuro. nossa vida e assim em diferentes contextos da missão.
A experiência do Capítulo permitiu olhar-nos em Com o título: “Tudo faço por causa do Evangelho”
verdade e fraternidade, para melhor identificarmos (1 Cor 9,23), porque exprime de forma clara o sentido
as dificuldades que nos impedem de caminhar no último de tudo o que somos e fazemos, como Paulo,
serviço à Igreja em missão, dividimos uns com os ou- somos chamados a dar o primado a Jesus Cristo na
tros a beleza, o bem e o conhecimento de que muitos evangelização.
missionários vivem e sustentam o nosso Instituto de “Fazer tudo por causa do Evangelho” significa,
forma dinâmica, criativa e entusiástica. antes de mais nada, que o Evangelho não seja consi-
O Superior Geral na carta de apresentação dos derado um livro, nem uma ideia, mas uma pessoa que
Atos Capitulares afirmou que os mesmos contém deve ter o primado sobre qualquer outra estratégia
orientações e disposições, oriundos de um cuida- missionária. Nesse sentido, a missão é testemunhar
doso discernimento a partir de diversas mudanças o encontro pessoal com Jesus Cristo. 
que estão acontecendo no mundo, na Igreja e no
Instituto e que exigem da nossa parte conversão, ao Paulo Mzé, imc, é Superior Regional do Brasil e diretor da revista Missões.

6 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


MISSÃO EM CONTEXTO

Solidariedade
para com os Yanomami
Missionários e missionárias Informações para Doação:
da Consolata em Roraima PIX: 60.915.477/0005-52
Instituto Missões Consolata
fazem apelo pelos yanomami, Alimentos Básicos:
• Arroz
que estão sofrendo com • Farinha de mandioca
• Sal
incêndios em suas terras. • Açúcar
• Macarrão
de Bob Mulega
Outras Necessidades:
• Material de pesca

A
• Calças para homens adultos
Missão Catrimani, onde os missionários da • Terçados (Facão)
Consolata trabalham, em Roraima, está en- • Lima
frentando uma crise devastadora devido aos • Fio de lã vermelha para as mulheres fazerem
incêndios que assolam a região. Mais de mil suas pesmaki
yanomami residem na área e estão sendo • Redes
• Sabão
afetados pela destruição causada pelo fogo.
Por mais de uma semana, incêndios assolaram a
área da Missão Catrimani, resultando na perda de completamente destruídas e sete plantações foram
residências e recursos vitais para a comunidade. O danificadas, incluindo a sede da Missão.
clima seco, com ventania, tem contribuído para a Os padres e as irmãs da Consolata, membros da
propagação desses incêndios. equipe missionária, estão se esforçando incansavel-
A situação é tão grave que a comunidade enfren- mente para fornecer assistência e apoio aos afetados
ta uma iminente escassez de alimentos, já que as pela crise. Neste momento de urgência, eles fazem
plantações estão sendo consumidas pelas chamas. um apelo por ajuda, seja por meio de orações ou
Cerca de 1.170 yanomami vivem na área da Missão, contribuição financeira para garantir suprimentos
distribuídos em 29 comunidades. básicos como alimentos, redes e materiais de pesca,
A devastação se estende por uma vasta área fundamentais para a sobrevivência do povo yanomami.
florestal, que leva horas de viagem, rio acima e rio A generosidade da comunidade fará toda a di-
abaixo, para ser percorrida. Três residências foram ferença para aqueles que estão enfrentando essa
terrível adversidade. As doações podem ser feitas
para o Instituto Missões Consolata, garantindo que a
ajuda chegue rapidamente aos necessitados. Expres-
samos nosso antecipado agradecimento pelo apoio
e solidariedade neste momento difícil.
A Revista Missões, pertencente ao Instituto Mis-
sões Consolata, está mobilizada em prol desta causa
e disponibiliza suas instalações localizadas na Rua
Dom Domingos de Silos, 110, CEP 02526-030, São
Paulo, SP, para receber doações materiais. 

Bob Mulega, imc, faz parte da Equipe Missionária da Consolata em Roraima.

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 7


Intenção Missionária
Janeiro: Pelo dom da diversidade na Igreja.
Rezemos para que o Espírito ajude a reconhecer o dom dos
diferentes carismas nas comunidades cristãs e a descobrir a riqueza
das diferentes tradições rituais no seio da Igreja Católica.

Fevereiro: Pelos doentes terminais.


Rezemos para que os doentes na fase terminal das suas vidas, e as
suas famílias, recebam sempre os cuidados e o acompanhamento
necessários, tanto do ponto de vista médico como humano.

Março: Pelos novos mártires.


Rezemos para que aqueles que em várias partes do mundo
arriscam as suas vidas pelo Evangelho contagiem a Igreja com a
sua coragem e o seu impulso missionário.

Senhora de Lourdes, lembrou que “há duas palavras


que, quando alguns falam de doenças terminais, as
confundem: incurável e in-cuidável. E não são a mesma
coisa. Curar se é possível, cuidar sempre”, afirma o
papa Francisco referindo-se a São João Paulo.
Curar e cuidar parecem sinônimos, mas não o são.
Francisco o explica claramente: inclusive quando há
poucas possibilidades de cura, “todos os doentes têm
direito ao acompanhamento médico, ao acompanha-
mento psicológico, ao acompanhamento espiritual,
ao acompanhamento humano”. E continua: “Nem
sempre se consegue a cura. Porém sempre podemos
cuidar do doente, acariciar o enfermo”.
de Maria Emerenciana Raia Em nossa cultura do descarte, não há lugar para
os doentes terminais. E não é por acaso que, nas

C
últimas décadas, a tentação da eutanásia tenha ga-
ientes de que a obra de Deus não depende nhado terreno em muitos países. Contrariamente a
tão somente do que somos e temos, de- isso, o papa Francisco nos convida a olhar o doente
pende essencialmente Dele, o papa pede com amor – a compreender, por exemplo, que o
nas intenções de janeiro, que rezemos para contato físico pode ajudar muito, inclusive a quem já
que o Espírito Santo nos ajude a reconhecer não é capaz de falar e parece já não reconhecer seus
os carismas e dons de cada um. Um semeia, outro próprios familiares – e a acompanhá-lo do melhor
colhe, mas a glória de tudo pertence a Deus. Todos modo possível, durante todo o tempo que necessite.
nós temos obrigação de nos esforçarmos para superar Já na intenção de março, o papa nos exorta a rezar
toda e qualquer questão que venha comprometer a pelos mártires de hoje, os missionários que dão a
unidade da Igreja. O Espírito Santo pode nos ajudar vida pelo Evangelho, estejam onde estiverem. Reze-
neste propósito, desde que não impeçamos a Sua mos de maneira especial por todos os missionários
ação entre nós. da Consolata, que deixam sua pátria, família e vida
O Santo Padre na intenção de oração no mês de social, e partem para anunciar Jesus Cristo, Deus e
fevereiro, em que a Igreja celebrou a Jornada Mundial Senhor do universo. 
do Enfermo, convocada desde 1992 por São João Paulo
II no dia 11 de fevereiro, memória litúrgica de Nossa Maria Emerenciana Raia é editora da revista Missões.

8 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


ÁFRICA

Sinodalidade
de seis anos
Avaliar e planejar a Missão Ad Gentes para os
próximos seis anos. Este foi o principal objetivo
da XII Conferência Regional dos Missionários da
Consolata na Tanzânia. O encontro ocorreu de 2 a
9 de fevereiro de 2024 no Consolata Mission Centre
Bunju, em Dar es Salaam.

de Paulino Madeje
fundo para a formação, com a colaboração de todos

A
os missionários em termos de sustentabilidade econô-
Conferência Regional dos Missionários da mica, a construção de um novo Seminário Filosófico.
Consolata na Tanzânia contou com a par- O setor de formação continuada listou uma série de
ticipação de 35 missionários de diferentes resultados, como alguns missionários que realizaram
comunidades, com a presença do Superior cursos de formação permanente (Bunju, Sagana, Itália)
Geral, padre James Lengarin, do Conselhei- como parte do plano do Instituto. Além disso, foram
ro Geral para a África, padre Erasto Mgalama, e do fornecidos materiais adequados e realizadas algumas
Administrador Geral, padre Fredrick Agalo. conferências sobre o Biênio da Pessoa. A Conferência
As reflexões foram guiadas pelos Atos do XIV aderiu ao plano proposto pelo XIII Capítulo Geral, ten-
Capítulo Geral, pelo Projeto Missionário Continental tando entender como concretizá-lo. Além disso, algu-
(PMC) e pelo Documento da Assembleia Continental mas das questões que ainda exigem atenção especial
Pós XIV Capítulo Geral. Antes deste encontro, foi re- são a vida comunitária, a importância da língua local
alizada uma pesquisa para elaborar um Instrumento para os novos missionários, o acompanhamento dos
de Trabalho (Instrumentum Laboris) que servisse missionários em dificuldades e de grupos específicos
como documento orientador. Para essa avaliação, com base nos anos de profissão religiosa ou sacerdócio.
foram criadas quatro comissões correspondentes às A Conferência propôs abrir uma nova presença
seguintes dimensões: Formação Básica, Formação Ad Gentes nos próximos seis anos. Além disso, su-
Continuada, Evangelização e Promoção do Espírito geriu o emparelhamento de paróquias, para que as
Missionário e Economia para a Missão. As mesmas paróquias economicamente estáveis possam apoiar
comissões compartilharam entre si uma experiência as mais necessitadas. Da mesma forma, as atividades
enriquecedora e, ao mesmo tempo, desafiadora. de "consolação", como o hospital de Ikonda, são va-
liosas e, portanto, considerou-se necessário continuar
Formação mantendo-as. A contribuição dos leigos é importante
Do setor de formação básica, foram comunicadas para a evangelização e, portanto, é necessário formá-
algumas notícias positivas, como o aumento do número -los e envolvê-los na missão. Como benfeitores locais,
de jovens interessados em ingressar no Instituto. A podem ser de grande ajuda. 
Conferência propôs um Plano de Formação que pre-
vê a disponibilidade de formadores qualificados, um Paulino Madeje, imc, é diretor da revista Enendeni.

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 9


Oração
ESPIRITUALIDADE

e Libertação
Aprofundemos a Precisamos pontuar que existe
uma agressividade contraditória às
compreensão do expressões “libertação” e “oração”
que significam no discipulado cristão católico,
como se estes fossem movimentos
a libertação e antagônicos e excludentes entre si.
a oração no Fiéis leigos e leigas, como também
clérigos, tomam os termos “liber-
projeto salvífico, tação” e “oração” como caminhos
considerando de sentidos opostos, imprimindo
o contexto da preconceitos que somente podem
ser explicados pela ignorância te-
vontade caridosa ológica, ou por uma conveniência
da Trindade ideológica nocente, fragilizando
as consciências imaturas na fé e
Criadora para as na caridade.
suas criaturas. Em Gn 1,26-27 vemos a cria-
ção do ser humano à imagem de
Deus Trino; corpo e espírito que
de Márcio Oliveira Elias destacam a dignidade e o valor
da vida humana, significando o
propósito divino do amor e da
liberdade. Indica que Deus é pes-


Senhor, eu espero a tua soal e relacional, e deseja ter um
libertação!” (Gn 49,18). relacionamento íntimo com cada
Contemplamos esse breve ser humano, respeitando a sua
versículo sob a importân- individualidade e autonomia.
cia da liberdade para o Em Ex 3,7.9 o Senhor afirma: “Eu
servo do Senhor, desde o prin- vi a aflição de meu povo que está
cípio dos tempos bíblicos. Con- no Egito, e ouvi os seus clamores
templamos, também, o processo por causa de seus opressores. Sim,
orgânico da oração na vida do eu conheço seus sofrimentos.
servo do Senhor, nesta mesma (...) Agora, eis que os clamores
perspectiva, elevando seu desejo dos israelitas chegaram até mim,
à Omnisciência Divina. Podemos, e vi a opressão que lhes fazem
assim, aprofundar a compreensão os egípcios”. A liberdade é um
do que significam a libertação e a bem de valor incomensurável, e
oração no projeto salvífico, con- a oração se apresenta como um
siderando o contexto da vontade canal propício de comunicação
caridosa da Trindade Criadora para transcendente entre o humano
as suas criaturas. e o divino.

10 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


Em Dt 3,23-25, Moisés ensina mos a verdade, e a verdade nos e sua orientação ao acolhimento
o povo liberto a orar e agradecer. libertará (Jo 8,32); portanto, se a dos mais necessitados, descrito
Observamos mais adiante, em sua Palavra é libertação, nós de em detalhes no texto evangélico
Dt 15,7-11, o Criador instruindo fato seremos livres em plenitude (Lc 11,1-13). Jesus ensina que
sobre o próximo necessitado, nos no seu seguimento (Jo 8,36). No devemos nos preocupar com os
direcionando à uma atitude de texto de João 17 apreciamos o pobres e oprimidos, pois ajudar
generosidade compassiva e de Cristo orante por seus discípulos, os necessitados é fundamental
libertação do egoísmo. mas também por todos que se para as doutrinas bíblicas.
O primado da caridade vemos dispuserem a viver a liberdade do Certamente o discurso evan-
nos textos de Dt 6,5 e Lv 19,18, Amor Criador (Jo 17,1-2): “Jesus gélico onde “oração” e “liber-
que resumem o “mandamento levantou os olhos ao céu, e disse: tação” estão em sintonia fina é
do amor” inserto no coração do Pai, é chegada a hora; glorifica teu o “Sermão da Montanha” (Mt
povo de Israel em sua formação Filho, para que teu Filho glorifique 5-7). Nesta extensa passagem,
identitária: “Amarás o Senhor, a ti; e para que, pelo poder que lhe Jesus fala sobre a natureza do
teu Deus, com todo o teu cora- conferiste sobre toda criatura, Ele Reino de Deus e ensina sobre a
ção, com toda a tua alma e com postura ética cristã em sociedade,
todas as tuas forças” (Dt 6,5); incluindo as bem-aventuranças,
“Não te vingarás; não guardarás O Espírito do o papel do discipulado no mun-
rancor contra os filhos de teu Senhor está do e o cumprimento compassivo
povo. Amarás o teu próximo como dos mandamentos divinos. Ensi-
a ti mesmo. Eu sou o Senhor” (Lv sobre mim, na sobre as prioridades corretas
19,18).O diálogo com Deus se dá porque ele me para o bem viver, exortando a não
num ambiente de oração e de
libertação gratificantes.
ungiu para colocar a confiança nas ilusões
terrenas, que são passageiras e
Essas breves passagens do Pen- pregar boas- podem corromper o coração; os
tateuco são uma singela constata- novas aos melhores tesouros são do céu,
ção de que “oração” e “libertação” que são eternos. Jesus destaca a
andam aos abraços no Antigo pobres. Ele me importância de não servir a dois
Testamento, pois a tradição he- enviou para senhores (ao Senhor Deus e às
braica orienta os fiéis ao exercício riquezas), mas sim a dedicar-se
de uma liberdade orante, ou de
proclamar inteiramente ao serviço fraterno e
uma oração libertadora (como liberdade aos justo, querido pelo Santo Criador
se queira expressar); demonstra presos e vista de todo o universo.
que a postura do justo deve ser Jesus de Nazaré, o Cristo Re-
concentrada em atitudes de amor aos cegos. dentor, é a libertação e a oração
ao próximo, sob o discernimento “in persona”; é o amor em co-
que a oração lhe traz no seu ca- dê a vida eterna a todos aqueles munhão com a vontade de Deus
minhar vivencial. que lhe entregaste”. Pai, que livremente abre mão da
“O Espírito do Senhor está sobre eternidade para se doar à hu-
Novo Testamento mim, porque ele me ungiu para manidade. Suportou em oração
O Novo Testamento é literal- pregar boas-novas aos pobres. Ele a tão penosa cruz, que estava
mente ‘pródigo’ na simbiose en- me enviou para proclamar liber- predisposta no pecado e no ódio
tre “oração” e “libertação”. Mt dade aos presos e recuperação dos incrédulos; desmascarando os
5,17 nos afirma que Jesus diz: da vista aos cegos, para libertar desejos indignos e as mentiras dis-
“Não julgueis que vim abolir a os oprimidos”, esta é uma ponte simuladas dos eruditos arrogantes
Lei ou os profetas. Não vim para entre o Antigo Testamento (Is 61,1) e desumanizados. A libertação e
os abolir, mas sim para levá-los e a Boa Notícia que o evangelista a oração são sinônimos do amor
à perfeição”. Nesta perspectiva, Lc (4,18-19) nos traz, enfatizando humanizante em Cristo:“Eu sou
o Messias consolida a tradição a tradição de liberdade e oração o Caminho, a Verdade e a Vida”
hebraica, que orienta os crentes hebraica, proclamada na sinagoga (João 14,6). 
ao exercício da liberdade orante, de Nazaré por Jesus, o Cristo.
ou da oração libertadora, como O evangelista Lucas, médico Márcio Oliveira Elias é advogado, Professor de Teologia
se queira a contento denominar. grego e único nominado autor não Pastoral. Atua na formação permanente de agentes
Jesus de Nazaré, o Logos en- judeu nas Sagradas Escrituras, nos pastorais e fiéis leigos na Diocese de Cachoeiro de
carnado, declara que conhecere- mostra o ensino orante de Jesus Itapemirim/ES. E-mail: moelias@terra.com.br

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 11


TESTEMUNHO

O Sínodo da Pe-
quena Semente
Irmã Simona Brambilla, Missionária da Consolata
dá testemunho de presença na Assembleia do
Sínodo dos Bispos, no Vaticano.
CNS/L'OSSERVATORE ROMANO

de Simona Brambilla

A
Sala Paulo VI no Vaticano
parece um grande cená-
culo. As mesas redondas
estão dispostas ao redor
da Palavra e da imagem da
Mãe, a Salus popoli romani que,
como em Caná, observa com aten-
ção e discrição o desenvolver-se
do banquete, protegendo a comu-
nhão, a alegria, a festa. Sentados
à mesa da Palavra, que ressoa na
Escritura e na voz do outro, mais
de 400 pessoas vindas dos cinco acontecimento! Uma graça com- cotidiana simples e cuidada, o
continentes e das mais diversas pletamente inesperada, que aos clima de oração, de respeito e de
experiências de Igreja – cardeais, poucos eu acolhi na sua dimensão acolhimento cordial, o diálogo riti-
bispos, padres, diáconos, consa- de novidade, de benção, de luz, à mado pela “conversação no Espíri-
grados e consagradas, leigos e medida que os trabalhos sinodais to”, com seus espaços de silêncio,
leigas – unidos por aquilo que os aconteciam. de escuta reverente do outro e de
faz profundamente irmãos e irmãs, A Vigília de Oração Ecumênica meditação pessoal, favoreceram o
para além de cada papel, título, TOGETHER, realizada na Praça São conhecimento recíproco, a liber-
função, serviço, responsabilidade: Pedro em 30 de setembro de 2023, dade de expressão, a reflexão e a
o Batismo, a imersão em Cristo, a os dias de Retiro em Sacrofano da reelaboração da própria vivência
vocação cristã! tarde de 30 de setembro a 3 de e da própria maneira de pensar
Eis a imagem da primeira sessão outubro, e as celebrações eucarís- que foi tocada, iluminada e provo-
da XVI Assembléia do Sínodo dos ticas na Basílica de São Pedro no cada pela vivência e pensamento
Bispos que aconteceu no Vaticano início da Assembleia, a introdução do outro, consentindo assim no
de 4 a 28 de outubro de 2023. Foi de cada novo módulo temático e a desenvolver-se de um processo
uma graça poder participar neste conclusão dos trabalhos, a liturgia de discernimento que conduziu

12 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


FOTO: REUTERS – REMO CASILLI

progressivamente a Assembleia
a individuar convergências, ques-
tões para enfrentar e propostas,
aprovadas com grande maioria.
Para além dos conteúdos apro-
vados, que foram oferecidos por
todo o Povo de Deus como material
para continuar o discernimento
no período que nos separa da
segunda sessão da Assembléia
(outubro 2024), o clima humano
e espiritual que se criou entre os
participantes do Sínodo ao lon-
go deste mês de trabalho juntos
constituem, por si só, um dom
extraordinário, que merece, sem a contribuição de cada grupo e natureza, nos gestos do trabalho,
dúvida, de ser contemplado, as- daqueles que desejavam condivi- nos fatos do cotidiano - as imagens
similado, aprofundar e frutificar dir com todos uma contribuição para revelar o mistério de Deus.
no coração de quem o recebeu e pessoal. Juntos com papa Francis- Assim Ele nos disse que o Reino nos
em toda a Igreja. A comunhão é co, sentado em uma das mesas, transcende, mas não nos é estra-
dom do Alto, que pede humilde- durante a Assembleia plenária, nho. Ou nós o vemos nas coisas do
mente de ser acolhido no terreno escutando, escutando, escutando... mundo ou não o veremos nunca.
do nosso coração e das nossas e oferecendo em algum momen- Em uma semente que cai na terra,
relações. Este dom desceu. Como to a sua palavra breve, incisiva, Jesus viu alí representado o seu
uma pequeníssima semente. Sem sóbria, clara, encorajadora. Junto destino. Aparentemente um nada
rumor. Como a brisa ligeira; como com tantos irmãos e irmãs na dor destinado a apodrecer, no entanto
neblina; como luz lunar que refres- por causa da guerra, de dinâmicas habitado por um dinamismo de vida
ca, unifica e consola, sem fazer absurdas, violentas e malignas que insuperável, imprevisivel, pascal.
barulho. A um certo ponto, nós procuram a todo custo de arrancar Um dinamismo destinado a dar
nos tornamos conscientes, com dos corações e das relações as se- vida, a se tornar pão para muitos.
surpresa comovida: a semente mentes do Bem. Nós os trouxemos Destinado a se tornar Eucaristia.
estava ali, dentro de nós e entre conosco na oração, na condivisão Hoje, em uma cultura da luta
nós, e se manifestava nos sorrisos e na solidariedade com os irmãos pela supremacia e da obsessão pela
sinceros, nas palavras respeito- e irmãs sinodais que vem de lu- visibilidade, a Igreja é chamada
sas e, de verdade, nas balas que gares e situações particularmente a repetir as palavras de Jesus, a
alguém trazia e era distribuída marcadas por estas dinâmicas de fazê-la reviver em toda a sua força.
pelos participantes nas mesas, morte. Sabemos que a pequena A que podemos comparar o
no começar espontaneamente a semente do Reino possui em si Reino do céu? Esta pergunta do
nos chamar pelo nome de Batis- mesma a extraordinária teimosia Senhor ilumina o trabalho que agora
mo, deixando um pouco de lado da ressurreição, a força do Cordeiro nos espera. Não se trata de nos
os títulos, funções, papéis etc. que atravessa a morte e a vence dispersarmos em muitas frentes,
que talvez indicam os diversos e a partir de dentro, a humilde po- seguindo uma lógica de eficiência e
essenciais serviços de cada um de tência do pequeno grão que caído processual. Trata-se antes de tudo
nós mas não identificam a pessoa na terra e sepultado morre para de colher, entre as muitas palavras
no seu núcleo mais profundo. doar fruto. e propostas desta Relação, aquilo
Batizados e batizadas em Cristo que se apresenta a nós como uma
que se reconhecem, se escutam, Relação de Síntese pequena semente, mas carregada
comunicam e, embora sentados ao Na página conclusiva da Relação de futuro, e nos imaginar lançando
redor desta mesa toda particular, de Síntese da primeira sessão, à terra que a fará amadurecer para
caminhamos juntos. Juntos nos a Assembléia Sinodal assim se a vida de muitos”. 
grupos de trabalho (círculos me- exprime:
nores, tecnicamente), diversos por “Para anunciar o Reino, Jesus Simona Brambilla, MC, Secretária do Dicastério para a
cada um dos Temas que o Instru- escolheu falar em parábolas. Ele Vida Consagrada, Vaticano. Artigo publicado na revista
mentum laboris propunha. Juntos provou a experiência fundamental Andare Alle Genti Nov/dez 2023- Tradução de Benildes
na Assembleia plenária escutamos da vida do homem - nos sinais da Clara Capellotto.

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 13


TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Gênese, crise
e novos desafios
Há sinais evidentes de que a Teologia da Libertação (TdL) se
encontra hoje em um momento de pronunciada crise histórica.
Publicamos uma série de artigos sobre a questão, de autoria do
padre Alfredo J. Gonçalves. A seguir, o primeiro artigo.
de Alfredo J. Gonçalves

A
Teologia da Libertação (TdL)
nasce na América Latina e
Caribe num contexto his-
tórico bem definido. Em
termos abrangentes, pode-
mos afirmar que causas externas e
internas à Igreja Católica aceleram
e consolidam seu surgimento. Ex-
ternamente, os regimes de exceção
com suas ditaduras militares, ajuda-
ram a redescobrir o binômio bíblico
opressão-libertação. Internamente,
os avanços do Concílio Vaticano II,
por um lado, e das Conferências
do Episcopado Latino-americano
e Caribenho, por outro, oferecem dos países periféricos do Terceiro Deus, antigo e novo Testamentos,
os métodos e os horizontes para Mundo, bem como entre estes e com destaque para o Livro do Êxo-
a ação sócio-transformadora. Três os países centrais. do e a prática de Jesus, “o profeta
ordens de fatores e cinco caracte- Em segundo lugar, desde uma itinerante de Nazaré”.
rísticas eclesiais, entre tantas outras perspectiva científica, o instru- A terceira ordem de fatores que
motivações, marcam e explicam mental de análise social marxista ajuda a entender o surgimento
sua gênese e seu desenvolvimento. jogava luz sobre essa realidade de da TdL está vinculada ao campo
domínio político e econômico. Na da vivência eclesial e pode ser
Fatores e aspectos eclesiais medida em que disseca a partir de desdobrada em cinco aspectos
Primeiramente, numa perspec- suas entranhas o funcionamento complementares e convergentes.
tiva socioeconômica e política, da acumulação capitalista, a teoria Primeiro, a experiência da Ação
grande parte dos países latino- marxista põe a nu as contradições Social Católica nos anos 50 e 60,
-americanos e caribenhos, sofria do liberalismo econômico. Convém especialmente entre a classe ope-
sob o peso da ditadura militar. não esquecer, porém, que os auto- rária francesa. A difusão do método
Acrescida da dependência eco- res da TdL recorrem a essa matriz VER-JULGAR-AGIR mergulha aí suas
nômica em relação ao Primeiro teórica muito mais para entender raízes, ajudando a entender os
Mundo, os regimes de exceção a gênese da opressão social, do problemas sociais através de uma
contribuem poderosamente para que na busca de um projeto social pedagogia crítica, por um lado, e
agravar as desigualdades sociais alternativo. Neste caso, a orientação de uma prática transformadora,
que se verificavam no interior e a luz partem antes da Palavra de por outro.

14 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


Depois, temos a realização fidelidade criativa ao Evangelho.
do Concílio Ecumênico Vaticano A Teologia da Por outro lado, as motivações
II (1962-1965), como tentativa Libertação (TdL) sociopolíticas e os aspectos eclesiais
bem-sucedida de a Igreja entrar nasce e se acima apresentados não podem se
em diálogo aberto com os desafios desvincular do intercâmbio dinâ-
do mundo moderno. A metáfora desenvolve como mico e fecundo com outros atores
de abrir as janelas do Vaticano uma reflexão crítica sociais do campo e da cidade como,
para novos ares, cunhada pelo por exemplo, o Movimento dos
então papa João XXIII, ilustra
a partir da prática Trabalhadores Rurais Sem Terra
brilhantemente essa tentativa. libertadora dos (MST); os movimentos sindicalista,
Tratava-se, em poucas palavras, cristãos. Desenrola- estudantil e de direitos humanos;
de afinar o compasso com as os movimentos ambientalista e
descobertas da ciência e com o se em inúmeros feminino, as organizações não go-
progresso tecnológico. grupos, movimentos vernamentais (ONGs), bem como
O terceiro aspecto refere-se à e pastorais sociais, as pesquisas dos acadêmicos e
II Conferência dos Bispos da Amé- intelectuais em geral. Do ponto
rica Latina e Caribe, realizada na num segundo de vista da CNBB (Conferência Na-
cidade de Medellín, Colômbia, no momento, desenvolve cional dos Bispos do Brasil), não
ano de 1968. Estamos em plena podemos deixar de sublinhar as
vigência das ditaduras militares. a reflexão teórica. atividades combinadas da Caritas
O tema – La Iglesia en la actual Brasileira, do CIMI, da Comissão
transformación de la América La- de Justiça e Paz, do IBRADES, do
tina, a la luz del Concílio Vaticano Círculo hermenêutico e CERES, sempre em sintonia com
II – retrata um contexto de grande parcerias a CRB (Conferência dos Religiosos
efervescência social e política. As três ordens de fatores e os do Brasil).
Os bispos cunham a expressão cinco aspectos eclesiais, combi- Ainda no âmbito da CNBB, regis-
“violência institucionalizada” para nados entre si, estão na raiz da tra-se o surgimento da Campanha
sublinhar que “um surdo clamor Teologia da Libertação. Esta nasce da Fraternidade (a partir de 1964)
brota de milhões de homens, como e se desenvolve como uma reflexão e das Pastorais Sociais (nas décadas
injustiça que clama aos céus”. crítica a partir da prática liberta- de 1970-80), ligadas à luta pela
Falam também da “vigência de dora dos cristãos. Ou seja, num terra, ao mundo do trabalho e da
estruturas inadequadas e injustas” primeiro momento desenrola-se moradia, à realidade da saúde, da
que pesam duramente sobre os em inúmeros grupos, movimen- mobilidade humana, da criança e
povos do continente. tos e pastorais sociais a luta pela do menor abandonado, dos grupos
O aspecto de número quatro libertação; só depois, num segundo afro-brasileiros, do povo da rua, dos
representa a prática libertadora momento, é que se desenvolve a pescadores, dos encarcerados!... O
das Comunidades Eclesiais de Base reflexão teórica. Esta, no decorrer fato é que, entre o final da ditadura
(CEBs) em vários países da América do tempo torna-se simultaneamen- e o início da democracia, cresce
Latina e do Caribe. Inspiradas no te causa e efeito de novas lutas e exponencialmente a consciência da
método Ação Católica, por uma novas sínteses reflexivas. ação sócio-transformadora, seja no
parte, e por outra, estimuladas Esse esquema de dupla face – interior da Igreja Católica, seja nas
pelas conclusões do Vaticano II práxis transformadora e reflexão relações com o CONIC (Conselho
e do Documento de Medellín, as teórica – ganhou impulso sob as Nacional de Igrejas Cristãs). Convém
comunidades cristãs passam a uma botas dos militares. Não é à toa ter presente, ainda, as Semanas
militância ativa pela transformação que a perseguição política e o Sociais Brasileiras (SSBs), a partir
das estruturas sociais injustas. martírio acompanharam de per- dos anos de 1990, os plebiscitos
E chegamos assim ao quinto e to essa nova forma de viver a fé populares que levaram milhões
último aspecto a ser lembrado: um cristã. Militantes de base, agentes de cidadãos às ruas e às urnas,
discurso social fortemente comba- pastorais e teólogos, às dezenas e os Fóruns Sociais Mundiais e as
tivo, acompanhado de uma prática centenas, sofreram no corpo e na mobilizações em torno do grande
consequente, seja por parte de alma o peso e o impacto da ação Jubileu do ano 2000. 
algumas conferências episcopais repressiva. Não foram poucos os Continua na próxima edição.
latino-americanas e caribenhas, mártires que tombaram devido ao
seja por parte de alguns bispos compromisso com a ação social Alfredo J. Gonçalves, cs, é vice-presidente do Serviço de
isolados. e transformadora, derivada da Proteção ao Migrante (SPM), São Paulo.

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 15


FÉ EM AÇÃO

Emergência Climática
Estamos aumentando os

FREEPIK
impasses ecológicos de nossa
civilização e modificando
radicalmente o planeta que
nos acolhe.
de Marcus Eduardo de Oliveira

F
az tempo que pressionamos as “fronteiras
planetárias”, ou seja, os limites vitais. Sobre
isso, a ciência segue nos avisando: o planeta
está agora “bem fora do espaço operacional
seguro para a humanidade”.
Nesse contexto, antes de mais nada, é triste re-
conhecer que já atingimos um ponto amplamente
conhecido em que não dá mais como disfarçar: das espécies poderão desaparecer até a metade do
tal qual se apresenta nosso antropocentrismo do- corrente século".
minador - força impulsionadora da devastação do O outro nome disso é crise de extinção em massa.
meio ambiente – muito bem combinado à práticas O detalhe pernicioso é que nem mesmo conseguimos
capitalistas (economias hiperglobalizadas), custos e perceber o básico: “ao atacarmos a biodiversidade”,
riscos impactantes tanto à própria sociedade humana, como ensinou ninguém menos que Edward O. Wilson
quanto à natureza em si, se proliferam com muito (1929-2021), “atacamos a nós mesmos”.
mais rapidez, e nos mostram, em geral, o que há de Moral da história: a partir do uso que fazemos
pior no mundo em termos da destruição da natureza. desse conhecido modelo econômico dominante
Em particular, o saldo é desfavorável à causa am- que opera fora do limite planetário, aumentamos (e
biental, uma vez que já fomos longe demais com a muito) as adversidades hostis à vida. Tudo indica que
quebra de equilíbrio na relação sociedade-natureza. nos especializamos em fazer o planeta todo arder.
Agora mesmo, empurrados pela globalização Sem cerimônias, o Serviço de Mudanças Climáticas
contemporânea que vincula o alcance de bem-estar do observatório europeu Copernicus avisa: o planeta
ao que se compra e se consome, pela primeira vez Terra teve o mês de setembro (2023) mais quente
estamos nos limites da biosfera, ferindo o ecossiste- já registrado na história. Muito provavelmente, o
ma finito. E nem mesmo conseguimos aliviar nossa ano de 2023 quebrará os recordes de temperatura
pegada ecológica, o que dificulta sobretudo a defesa atingidos em 2016.
da vida (de todas as formas de vida conhecidas). Medindo as avaliações e pensando o futuro do
Serve de exemplo: com a destruição de redutos da planeta, mudar essa lógica hoje dominante é a con-
vida selvagem, já é estarrecedora a escala de perda dição exigida para a nossa sobrevivência e para tudo
de biodiversidade. Isso significa esclarecer que, na aquilo que se entende por qualidade ambiental. Por
mesma Casa Comum onde compartilhamos a vida com fim, tocando na ferida, precisamos entender que não
milhões de espécies catalogadas, incluindo popula- há mais tempo. 
ções selvagens, raças de plantas, animais domésticos
e assim por diante, 10% dessas formas de vida são Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Autor de Economia Des-
eliminadas a cada década; e, hoje sabemos, "30% trutiva (CRV, 2017) e Civilização em Desajuste com os Limites Planetários (CRV, 2018).

16 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


Família
consolata

Protetor
2024
de Redação

A
partir do presente ano até
2026, as duas direções ge-
rais, portanto, dos missio-
nários e das missionárias
da Consolata apresentaram
como protetor o Bem-Aventurado
José Allamano. Entre as motiva- “Exorto-vos, pois, que leveis uma vida digna
ções que animaram esta escolha da vocação à qual fostes chamados”. (Ef 4,1)
está aquela que nos oferecerá “a
oportunidade de viver um momen-
to privilegiado de contato com o empenhar-se-ão em caminhar à Rezemos ao Fundador pela
Fundador como verdadeiros filhos. luz do nosso Pai e Fundador, o humanidade e pelos nossos Insti-
Estamos certos de que o Fundador Bem-Aventurado José Allamano. tutos, na esperança de podermos
está vivo e presente entre nós, na Empenhar-nos-emos em ESCUTAR em breve, justamente com toda
nossa história, na missão, e conti- e VIVER a sua palavra. Escutemo-lo a Igreja, venerá-lo como “Santo”,
nuará a dar-nos o seu espírito se a encorajar-nos para que sejamos termina a mensagem.
permanecermos em comunhão cada vez mais como ele nos quis, Que a bênção do Fundador nos
com ele”. Em 2026 celebraremos o REZEMOS para que ele faça de nós envolva e nos acompanhe nesta
centenário da sua morte. Por conta uma família missionária chamada caminhada.
disso, “queremos continuar a rezar- a anunciar o Evangelho e a viver a Bem-Aventurado, José Allamano,
-lhe para que ele nos transmita o caridade a todo custo”. rogai por nós! 
seu espírito, o seu zelo, para que
da fonte dos seus ensinamentos
e do seu exemplo continuem a Oração
brotar irmãos e irmãs capazes de Ó Pai, fonte de todo bem,
se doarem a Deus e a cada pessoa.” suba até Vós o nosso hino de louvor pelos dons
As direções gerais dizem, “acre- que concedestes ao Bem-Aventurado José Allamano.
ditamos que o nosso Fundador Sacerdote da nova aliança,
ainda tem muito a dizer-nos, que ele foi na Vossa Igreja um ministro de consolação,
pode iluminar a nossa vida de con- guia sábio e prudente das almas na busca da Vossa vontade.
sagrados e que nos pode ajudar a Solícito pela vinda do Vosso Reino,
viver em profundidade a vida, tanto tornou-se pai e guia de famílias consagradas à Missão,
de nossas comunidades como do para que, com Maria, a primeira missionária do Evangelho,
nosso Instituto”. anunciassem por todo o mundo Cristo Salvador.
As direções gerais concluem Concedei-nos, Senhor, a graça de imitar os seus exemplos,
a mensagem de apresentação e cooperar na obra da Redenção,
do protetor anual dizendo: “... para que todos tenham vida, em plenitude.
neste triênio, os dois Institutos Por Cristo, nosso Senhor. Amém!

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 17


Missionárias
em Conferência
“Somos uma Familia, Irmãos e Irmãs, e devemos
amar-nos” José Allamano, Conferência 11.4.1915

ARQUIVO MC
de Benildes Clara Capellotto

E
sta exortação de nosso Fun-
dador, o Bem-Aventurado
José Allamano é a força
que nos guia e ilumina nos
caminhos da Missão. Jesus
também exorta os seus discipulos,
antes mesmo de lhes confiar a
missão de ir pelo mundo todo:
“Amai-vos como eu Vos amei” (Jo
13, 34). Atentas a este chamado
de Jesus e à exortação de nosso Brasil. Também esteve presente conosco entre os dias 8 e 12 de
Fundador, ao longo de nossa ca- toda a Direção Geral: Superiora e fevereiro para o seu Retiro Espiri-
minhada missionária, acontecem Conselheiras Gerais. Nestes dias, tual e elaboração do PCV 2024. A
também momentos especiais de as Irmãs participantes seguiram nossa Comunidade sente-se enri-
encontros que chamamos de Con- uma programação diária de ati- quecida por todos os momentos
ferência ou Capítulo. Nestes even- vidades muito empenhativas que de convivência fraterna, seja nas
tos, a partir de uma programação as conduziu a uma programação celebrações litúrgicas como nos
diária, abrem-se espaços para que conjunta contemplando diversas momentos da refeição em comum
as muitas vivências missionárias áreas na atividade missionária e quando pudemos partilhar a ami-
possam ser partilhadas e acolhidas, de Comunidade. Esta programação zade e o conhecimento recíproco.
tornando-se assim a base para a está projetada para os próximos Agradecemos profundamente
Programação conjunta da Missão seis anos. Ao final da Conferência a Deus pela Graça que nos con-
como Família. foram eleitas as irmãs que com- cedeu no início deste ano, estes
Entre os dias 7 e 23 de janeiro põem a Direção Regional América dois acontecimentos vividos na
deste ano, a nossa Comunidade também para os próximos seis fraternidade e no amor, abrindo
da Casa Regional em São Paulo anos. assim para cada uma de nós o
acolheu a realização da Conferên- Iluminadas pelas palavras de horizonte da amizade e convívio
cia Regional, da qual participaram nosso Fundador, acolhemos com fraterno que é o grande tema da
33 Irmãs que representavam as amor fraterno nossos Professos CF 2024: “Vós sois todos Irmãos
nossas Comunidades Missionárias do Seminário Teológico Interna- e Irmãs” (Mt 23,8). 
dos Estados Unidos, Venezuela, cional dos Missionários da Con-
Colômbia, Bolívia, Argentina e solata – São Paulo, que estiveram IBenildes Clara Capellotto, MC, São Paulo, SP.

QUER
QUERSER MISSIONÁRIO?
SER MISSIONÁRIO? QUER
QUERSER MISSIONÁRIA?
SER MISSIONÁRIA?
TEL.: (11) 2238.4599 TEL.: (11) 2233.9330
E-mail: amv@consolata.org.br E-mail: mc@consolata.org.br

18 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


Festa do Bem-aventurado
José Allamano
No dia 16 de
fevereiro, os
missionários e as
missionárias da
Consolata celebram
a festa de seu
fundador, o Bem-
aventurado José
Allamano.
de Maria Emerenciana Raia

M
issionários e Missio-
nárias da Consolata,
Leigos Missionários,
professos e amigos dos
Institutos fundados por honra ao Bem-aventurado José de um delicioso lanche, os pre-
José Allamano festejaram na Casa Allamano, no dia 16 de fevereiro. sentes foram motivados a refletir
Regional dos Missionários, no Com uma celebração eucarís- sobre santidade e missão, duas
Jardim São Bento, zona norte da tica às 16h, presidida pelo padre dimensões essenciais da mesma
cidade de São Paulo, a festa em Gianfranco Graziola, imc, seguida vocação. Allamano sonhava com

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 19


Hoje, os missionários
e as missionárias
estão presentes nos
continentes africano,
asiático, europeu
e americano, com
pouco mais de 1.000
e 800 membros,
respectivamente.
a missão, especialmente na Áfri-
ca, sonho que foi plenamente
realizado, com missionários e
missionárias atuantes em 26
países africanos, atualmente.
José Allamano é o fundador
dos Institutos dos Missionários
da Consolata e das Missionárias pouco mais de 1.000 membros anunciar ao mundo a Verdadeira
da Consolata, respectivamente e as missionárias da Consolata Consolação: Jesus Cristo.
em 1901 e 1910, na Itália. pouco mais de 800. Ambos são
Hoje os missionários e as provenientes de diversos países Viva o Bem-aventurado José Alla-
missionárias estão presentes e culturas. mano! Viva a Consolata! 
nos continentes africano, asiá- A missão dos missionários e
tico, europeu e americano, com das missionárias da Consolata é Maria Emerenciana Raia é editora da revista Missões.

Ajude-nos e venha
fazer parte desta obra
Missões é o veículo de comunicação do Instituto Missões Consolata e retrata o trabalho missionário
de levar a consolação aos que sofrem, aos que andam tristes, aos que estão sem esperança.
Torne-se um missionário membro da família Consolata, mantendo o nosso trabalho,
contribuindo financeiramente.

Veja como é fácil:


DEPÓSITO BANCÁRIO

AG.: 545-2 AG.: 0355 AG.: 0386-7


C/C: 38163-2 C/C: 17759-3 C/C: 945-8

CHAVE: redacao@revistamissoes.org.br
Envie o Comprovante, junto com seu Nome,
Data de Nascimento, CPF, Endereço, Telefone e E-mail para:

Rua Dom Domingos de Silos, 110 - 02526-030 - São Paulo - SP - Telefax: (11) 2238.4595 - E-mail: redacao@revistamissoes.org.br

20 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


MISSÕES RESPONDE

Uma década
de Faculdade
de Edson Luiz Sampel
Em 2024, a Faculdade
de Direito Canônico
São Paulo Apóstolo, da

É
importante destacar um personagem nessa Arquidiocese de São
história, que não começa em 2014, mas 15
anos antes, em 1999, com a ereção do Instituto
Paulo, completa 10
de Direito Canônico Pe. Dr. Giuseppe Benito anos de atuação.
Pegoraro. O destaque merecidíssimo vai para
o Prof. Cônego Dr. Martin Segú Girona, nosso querido e leigos. Ao largo da história do Direito Canônico na
Cônego Segú, como sempre o chamamos. Arquidiocese de São Paulo, Cônego Segú, expoente
Cônego Segú é quase o único responsável pela fa- máximo, também contou com o auxílio de outro emi-
culdade que hoje serve o povo de Deus em São Paulo nente canonista, o Prof. Dr. Pe. Arroba, decano na PUL,
e no Brasil! Em 1990, quando conheci esse brilhante recentemente desaparecido, que muito contribuiu na
canonista, homem de coração de ouro, indefesso vigá- estruturação do primevo instituto e na implantação
rio judicial, ele já acalentava o sonho do mestrado em da atual faculdade.
São Paulo (havia somente no Rio de Janeiro). Sozinho, Em nome dos seus inúmeros alunos, que o amam
envidou todos os esforços para que se criasse um ins- deveras – estou certo que todos compartilham da
tituto na Arquidiocese de São Paulo. Em Roma, logrou mesma gratidão – vocifero, com voz embargada: mui-
Cônego Segúa agremiação com a prestigiada Pontifícia to obrigado, Cônego Segú, pelo seu empenho e por
Universidade Lateranense (PUL), possibilitando-se, suas aulas saborosas e inesquecíveis! Suas “criaturas
assim, que o instituto paulistano outorgasse diplomas institucionais”, quais sejam, o instituto e a faculdade,
de mestrado com validade canônica. medraram e avançaram graças ao seu impulso viril
Foi a sã “teimosia” desse espanhol brasileiríssimo, como insigne fundador! 
de personalidade enérgica, que culminou na faculdade
que ora chega ao décimo aniversário. Desta feita, sem Edson Luiz Sampel é advogado. Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico
sombra de dúvida, Cônego Segú faz jus a todos os da 116ª Subseção da OAB-SP. Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade
encômios, aos agradecimentos e aplausos dos bispos Lateranense, do Vaticano. Professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina.

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 21


EXTRA

A mulher
encurvada
Não são poucas as mulheres encurvadas na sociedade
contemporânea, subjugadas pelo patriarcalismo e o machismo.

de Alfredo J. Gonçalves imediatamente a mulher se endi- interiorizadas.


reitou, e começou a louvar a Deus” Uma vez mais, Jesus não teme
(Lc 13, 10-13). Lucas é o único que romper com a rígida legislação ju-

P
assemos a palavra a um dos reporta esse episódio da mulher daica – “o sábado foi feito para o
evangelistas: “Jesus estava encurvada. Mulher encurvada que, homem, e não o homem para o
ensinando numa sinagoga de alguma forma, representa a con- sábado” – e com o toque de suas
em dia de sábado. Havia aí dição das mulheres no contexto da mãos recoloca a mulher de pé, nova-
uma mulher que, fazia de- época, encurvadas pelo peso de mente em condições de se levantar
zoito anos, estava com um espírito uma sociedade patriarcal, precon- e caminhar com as próprias pernas.
que a tornava doente. Era encurvada ceituosa e de forte marginalização. Mulher anônima, junto à qual se
e incapaz de se endireitar. Vendo-a, Encurvada também pela sensação podem acrescentar tantas outras
Jesus dirigiu-se a ela e disse: ‘Mulher, de culpabilidade e pecado diante pessoas nas mesmas condições,
tu estás livre de tua enfermidade’. da lei religiosa intolerante e da mas que recebem a oportunida-
Jesus colocou as mãos sobre ela e opinião pública, ambas facilmente de de endireitar o próprio corpo,

22 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


erguer a cabeça, olhar em frente,
e endireitar igualmente a vida em
direções alternativas. E uma vez
mais, a religião é usada como uma
espécie de apoio, um trampolim,
uma plataforma para que todo e
qualquer ser humano possa retomar
sua existência, renovada pela fé e
esperança em Deus.

Contexto atual
O texto se aplica aos dias de hoje
como a precisão de uma luva. Não
são poucas as mulheres encurva-
das na sociedade contemporânea.
Subjugadas pelo patriarcalismo e
o machismo, que se desdobram
perversamente na violência do-
méstica, uma das mais comuns,
porque protegida e inviabilizada,
devido à inviolabilidade da casa/lar/
família. Mas subjugadas também
pelas duplas jornadas de trabalho
e/ou pelos salários inferiores aos
dos homens, no desempenho de
tarefas absolutamente idênticas.
E subjugadas, ainda, pela ameaça rer das contaminações e mortes, Nosso planeta, com efeito, não
dos seus companheiros (sejam estes mas também no período que se suporta o ritmo enlouquecido e
namorados, noivos, maridos ou seguiu, até os dias atuais. Ainda endiabrado do modelo político e
amantes) quando se arriscam a um desta vez, mulheres encurvadas, econômico imposto pela fatia mais
“não” perante um relacionamen- e com possibilidades mínimas de rica e poderosa da humanidade.
to malsucedido. Isso para sequer dizer um sonoro “não”. O lucro e a acumulação de ca-
abordar, neste espaço reduzido, as A metáfora da mulher encurvada, pital não podem seguir sendo os
consequências nocivas do medo, entretanto, poderia se estender à motores da relação entre Natureza,
da vergonha, da difamação e da “nossa casa comum”, na expressão de um lado, e Humanidade, de
dependência econômica – peso do papa Francisco. A mãe Terra, efe- outro. Outros tipos de relação são
que com grande frequência recai tivamente, representa nos tempos possíveis e positivos, como nos
sobre as mulheres, encurvando-as que correm um organismo vivo, ensinam numerosas experiências
e paralisando-as, impossibilitando- sem dúvida, mas encurvado. As ao redor do globo. Mais do que a
-lhes novas relações. mudanças climáticas se abatem exploração até as últimas possibi-
Desnecessário acrescentar que sobre ela com uma violência e uma lidades do solo, subsolo, água, ar e
a pandemia do Covid-19, ao le- rapidez cada vez mais devastadoras. florestas e animais, além da força de
var ao desgaste inúmeras ligações A alternância sempre mais irre- trabalho humana, torna-se urgente
amorosas devido ao convívio diário gular e imprevista de frio e calor cultivar a convivência e o cuidado
e compulsório pela obrigação do levados ao extremo revelam um com as coisas e as diversas formas
isolamento social, não raro agravou organismo agitado e febril, que de vida, a biodiversidade. A Terra
a situação de muitas mulheres. Estas caminha a passos acelerados para está encurvada! Qual o papel da
viam-se forçadas a uma proximidade um aquecimento global tantas vezes fé em geral, e de cada religião em
24 horas por dia com aquele que, previsto e denunciado. Sucessivos particular, para contribuir com a cura
mesmo sendo seu companheiro (ou furacões, ciclones, estiagens e inun- dessa enfermidade, devolvendo ao
justamente por sê-lo), se achava dações, entre outras catástrofes, planeta o direito e o dever de ser
no direito de dispor do seu corpo fazem com que a Terra, mãe que mãe? 
e da sua vida. Basta constatar o deve ser fonte de vida e cuidado
aumento da violência familiar e com sua continuidade, venha a se Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do Serviço de
dos feminicídios não só no decor- tornar lugar de fuga e de morte. Proteção ao Migrante (SPM), São Paulo.

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 23


DESTAQUE

Somos todos
irmãos e irmãs
Ide! Da Igreja local aos confins do mundo.
de Janice Oliveira

A
Campanha da Fraternida-
de (CF) completa 60 anos
de existência em 2024 e
traz como tema Fraterni-
dade e Amizade Social e
como lema "Vós sois todos irmãos
e irmãs". (Mt 23,8)
O objetivo geral desta CF é des-
pertar para o valor e a beleza da
fraternidade humana, promoven-
do e fortalecendo os vínculos da
amizade social para que, em Jesus
Cristo, a paz seja realidade entre
todas as pessoas e povos.
No dia 2 de dezembro de 2013,
a arquidiocese de São Paulo promo-
veu um encontro de formação para
agentes de pastoral das Regiões
Episcopais da capital paulistana
na Paróquia Nossa Senhora Au-
xiliadora, região Central da cida-
de, contando com a presença de
religiosos, religiosas e leigos, a
fim de promover a Campanha da
Fraternidade na cidade.
O encontro contou com a par-
ticipação da equipe de Coordena-
dores da Campanha da Fraterni-
dade, padre Andrés Marengo,
Coordenador Arquidiocesano,
Claudio Vieira, Coordenador do
Regional Sul 1 e dom Rogério Au-
gusto das Neves, bispo auxiliar da
arquidiocese de São Paulo. Dom
Rogério após dar as boas-vindas
agradeceu aos agentes, os quais
realmente fazem a Campanha

24 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


Formação para Agentes Promotores da Campanha da Fraternidade 2024 em Brodowski, SP.

acontecer. Acrescentou que o tema social nasce da solidariedade, e um ao outro, nós pertencemos à
da CF 2024 é oportuno, porém, esta é uma escolha. Igreja. O não pertencimento leva
é impossível fazer qualquer ação Claudio Vieira chamou à reflexão ao hiperindividualismo que leva à
na Campanha se não se acredita do tema a partir do percurso dos alterofobia, palavra que representa
no que se faz, ou seja, é preciso 60 anos da CF que é espelho da o medo, o nojo, o ódio do outro, e
estar convencido de que somos sociedade, reflete os problemas tudo leva à síndrome dos dias de
verdadeiramente irmãos e que a que afetam a ela e aos irmãos, isso é hoje, a Síndrome de Caim.
polarização, fenômeno mundial, fraternidade. A CF é pelas pessoas e O diálogo que precisamos ter
que não considera o que o outro não contra as pessoas. É por Cristo, com o mundo de hoje é o da não
está dizendo, não tem chance de com Cristo e em Cristo. A partir do negação, para que não o enxer-
dar certo, portanto, não devemos método pastoral latino-americano guemos a partir do nosso próprio
gastar energia com quem faz cam- do ver, iluminar e agir, o texto-base umbigo. O negacionismo, no dizer
panha contra a Campanha. Enfim, nos convida a fazer um diagnóstico do papa Francisco leva à globaliza-
devemos entender que a CF é da realidade, a partir do texto bíblico ção da indiferença e faz com que
propositiva, e que devemos nos de Gn 4,9, sobre os irmãos Caim e vivamos uma guerra fragmentada,
convencer dela, buscar a conversão Abel. Caim mata Abel porque ele é em partes.
e multiplicar essa reposta. amado. Acaso sou eu o guardião do É necessário assumir o texto
meu irmão? Nasce então a Síndrome da Campanha, pois se não acredi-
Texto-base de Caim, que nos torna indiferen- tarmos na compaixão e na cultura
Após apresentar o hino oficial da tes, intolerantes e competidores. do encontro, não adianta fazer
Campanha, padre Andrés explicou É, na verdade, a Síndrome de não encontro. Precisamos alargar a
que a letra resume o texto-base e prestar atenção ao outro. Amizade tenda indo ao encontro de todos
traz um conteúdo a ser rezado. Que social é a capacidade de alargar o os vizinhos e não só daqueles es-
devemos ser motivadores para che- meu círculo e chegar àqueles que colhidos, nós precisamos celebrar a
gar à Palavra,deixando-nos conduzir espontaneamente não sinto como vida do outro. A CF é sobre você e
ao deserto e, após, fazer o caminho parte do meu mundo de interesses eu, é sobre nós nos encontrarmos
pascal, do deserto à liberdade, e (Fratelli Tutti). de novo! 
então fazer a pergunta: onde está Vivemos uma crise de perten-
teu irmão, tua irmã? Somos cha- cimento – as pessoas não querem Janice Oliveira é advogada e Leiga Missionária da
mados a entender que a amizade pertencer a nada. Nós pertencemos Consolata.

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CIDADANIA

Inteligência Artificial
A I.A. é um ramo da computação
que usa de mecanismos
tecnológicos para simular e chegar
o mais próximo possível do que
seria a inteligência humana.

de Fátima Bazeggio

H
á muitos anos o cinema e a literatura vem explo-
rando ideias e temas futuristas, que oferecem
uma visão diferente do que hoje é conhecido.
Já está batendo à nossa porta, a surpreendente
e polêmica I.A., ou seja, inteligência artificial.
A palavra inteligência vem do latim intelligere que
significa “escolher entre” ou seja, a capacidade de um
indivíduo escolher entre várias opções que lhe são
oferecidas. Assim deduzimos que entre as capacidades reconhecimento facial, praticamente todos segmen-
intelectuais de um ser humano está a faculdade de tos usam a I.A. Ao lado dos muitos benefícios da I.A é
raciocinar, interpretar, entender e analisar, e usar sua assustador pensar nos riscos e no mau uso que essa
inteligência para avaliar e decidir pelo que é melhor, mais ferramenta pode causar para favorecer interesses de
moral e mais ético. Além de todas essas atribuições, o poderosos e de grandes empresas, para o comércio,
ser inteligente também faz uso das faculdades de imagi- política e até na área militar.
nação, reflexão, memória, julgamento, discernimento e
crítica, entre outros. Um conhecido psicólogo de nome Ética e Inteligência Artificial
Howard Gardner apresentou uma teoria, onde segundo Aqui se apresenta uma questão fundamental: como
seus estudos, haveria pelo menos oito diferentes tipos regulamentar uma novidade tão complexa como essa?
de inteligência dentro do cérebro humano. Seriam elas: Muitos organismos mundiais, assim como a Orga-
inteligência linguística, lógico-matemática, espacial, nização das Nações Unidas (ONU) já se manifestaram
motora, musical, interpessoal, intrapessoal e natura- a respeito das implicações éticas que a I.A. pode
lista. Temos ainda a inteligência emocional dentro da desencadear e de colocar parâmetros para regulação
psicologia, que determina quando o indivíduo é capaz dessa prática, a fim de seja aplicada apenas para fins
de identificar suas emoções, de controlar impulsos, de pacíficos, levando em conta acima de tudo os aspectos
expressar gratidão e desenvolver empatia. humanos, de forma a contribuir para o bem-estar da
A I.A. é um ramo da computação que usa de me- população e garantir seus direitos fundamentais.
canismos tecnológicos para simular e chegar o mais É urgente saber usar o que há de positivo na
próximo possível do que seria a inteligência humana. inteligência artificial, de forma responsável para o
Nesse caso temos uma máquina armazenando infor- serviço da vida, da justiça e do direito, protegendo
mações em seu banco de dados através de algoritmos e cuidando do ser humano e também da nossa casa
(conjunto de regras que um programa de computador comum, todo o universo habitado. Esse é o desejo do
usa para realizar uma tarefa). Por exemplo: um aplica- papa Francisco e de todos os homens e mulheres de
tivo alimentado com informações de trânsito é capaz boa vontade, comprometidos com o Reino de Deus
de indicar caminhos para os motoristas a partir de que já está no meio de nós. 
exemplos verificados pelos algoritmos. Hoje desde a
medicina, a educação, o agronegócio, o marketing, o Fátima Bazeggio é Leiga Missionária da Consolata, Comunidade São Paulo.

26 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


BÍBLIA

Água da vida
que transforma em movimento, e assim se dizia que estava viva.
Que o sedento venha, e receba Movimento é sinal de vida, de transformação, su-
a água da vida! (Cf. Ap 22,17) peração. A água que Jesus oferece, no Apocalipse, e
que também citou no contexto narrativo de João, é
uma presença transformadora, aliás, salvadora. Esta
de Mauro Negro água não precisa ser conquistada, mas sim aceita,
acolhida. Talvez seja aqui que possamos falar de
Graça, de abertura de inteligência e de afeto para a

C
onhecemos o texto de João 4,1-44, chama- transformação.
do de “encontro com a samaritana”. Nele, A água da vida, apresentada em João e proposta
Jesus está em Samaria, no poço de Jacó, e no Apocalipse, é o sinal da ação de Deus na História.
chega uma mulher, da qual não sabemos o Ele não age de forma mágica, ou forçando os fatos,
nome. Jesus se dirige a ela e pede: “Dá-me obrigando as pessoas, mas sim na liberdade da in-
de beber!” (versículo 7). Jesus não pede água, mas teligência e do afeto, no interno da pessoa. É assim
pede para que a mulher lhe dê de beber. A mulher se que a História vai se modificando: na medida em que
surpreende e começa um dos mais impressionantes o Ser humano se configura a Cristo Jesus, o Senhor,
diálogos com Jesus nos Evangelhos. a água que transforma.
É interessante que no Apocalipse, o último livro da A Missão, seja nos interiores, nas periferias
coleção do Novo Testamento, a última oferta de Jesus urbanas ou nos mundos culturais, é a soma de
é de uma água da vida. Lemos assim: “Que o sedento desafios que, às vezes, parecem insuperáveis. As-
venha, e quem o deseja, receba gratuitamente água sim era também o Império Romano nos primeiros
da vida” (Ap 22,17). séculos de nossa era. E a Fé Cristã transformou
Água, fonte, sede, beber… Estas realidades são muitas coisas, criando possibilidades de vida e
fundamentais na natureza e na experiência humana, uma nova História.
a ponto de serem metáforas indicadoras de situações Como a água, que tem a forma do lugar que a
e superações, de procuras, de esforços, de dons. Se contém, a História também não está definida, mas
no Evangelho segundo João é Jesus quem pede para sempre sendo criada, mudada, transformada. Assim
que a mulher lhe dê de beber, no Apocalipse é Ele é que cada mulher e homem devem tomar da água
quem oferece uma água que é viva. da vida e permitir-se transformar. 
Esta ideia de “água da vida” tem a ver com alguns
ritos judaicos que envolviam água. Ela deveria estar Mauro Negro, OSJ, é Superior dos Oblatos de São José e professor de teologia.

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ESPECIAL - GUERRA NA UCRÂNIA

Como está a vida das


mulheres na Ucrânia
© AP IMAGES

Em março, comemoramos o Dia Internacional grupos que sofrem perseguição


e opressão religiosa e social, ou
da Mulher, (8) e destacamos esposas, irmãs, que estejam em necessidade)
mães e religiosas corajosas que estão ajudando conheceu e ouviu os testemunhos
a manter viva a fé e a esperança na Ucrânia de mulheres na rotina da guerra,
ajudando os deslocados, pres-
devastada pela guerra. tando assistência, trabalhando
de Márcio Martins
com vítimas de trauma ou sim-
tidianas sozinhas, carregando não plesmente tentando passar por
apenas o fardo de criar filhos ou mais um dia.

A
guerra na Ucrânia não cuidar de parentes, mas também
é apenas um ataque a o imenso peso do sofrimento que Choro sem lágrimas
uma nação independente, vem de não saber se seus filhos Tragicamente, não faltam his-
lutando para sobreviver, ou maridos voltarão seguros para tórias de viúvas na Ucrânia hoje.
é também uma guerra casa ou sabendo que nunca mais Nadiya, de Lviv, perdeu o marido
contra a família, como apontou voltarão. no primeiro ano da guerra. Ela
o arcebispo ucraniano Sviatoslav Durante uma visita à Ucrânia, lembra como o apoio dos capelães
Shevchuk em fevereiro. Em uma uma delegação da ACN - Ajuda à militares foi importante para ela.
situação em que muitos homens Igreja que Sofre (uma Fundação "Eles sempre estiveram lá para
estão lutando na linha de frente, Pontifícia que auxilia a Igreja por mim. Uma vez por mês, até agora,
as mulheres muitas vezes têm meio de informações, orações e nos reunimos em um momento de
que enfrentar as dificuldades co- projetos de ajuda a pessoas ou oração. As pessoas choram sem

28 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


lágrimas, gritam sem voz. Através
do apoio e da oração que recebi,
Tragicamente, tristeza. Sempre me preocupo com
o que posso dizer a essas mulheres,
agora posso ajudar outras viúvas. não faltam mas depois fico espantada com o
Todo mundo é herói aqui", explicou.
Outra dessas mulheres cora-
histórias de quanto elas mudam em tão pouco
tempo, recuperando a coragem
josas é Olha. Seu marido foi re- viúvas na de enfrentar a vida e começar a
crutado em 2014 e permaneceu construir redes." O programa de
até a invasão em grande escala Ucrânia, hoje. cinco dias que dirige decorre com
de 2022, quando foi designado a ajuda dos frades capuchinhos
para Kharkiv. "A última ligação todos estão carregando um fardo e inclui um momento de refle-
dele veio às 23h, e eu falei para – todos os meus amigos, minha xão chamado Cappuccino com os
ele: 'Me liga amanhã, porque família; Não quero causar-lhes Capuchinhos, com momentos de
você está muito cansado agora'. mais tristeza." reflexão, partilha e oração.
Ele morreu na manhã seguinte, Ela encontrou o acompanha-
às 6h30. O prédio em que ele mento que precisa na Casa da Oração como defesa
estava foi incendiado, ele sofreu Misericórdia, fundada pela Ar- Lviv está bem longe do front,
um ferimento na cabeça e lutou quidiocese de Lviv. "Aqui não mas recebeu muitos deslocados
pela vida por 40 minutos." me sinto sozinha, posso falar dos quando a Rússia começou sua
Olha ficou com dois filhos. "Eles meus medos. Vir para cá me dá invasão em grande escala. Com
passaram por um período muito estabilidade, para o meu bem e ajuda da ACN, as irmãs albertinas
difícil, e os capelães os ajudaram. para o meu marido. Está ajudando já vinham trabalhando na constru-
Dois deles, especialmente, cuidam a me proteger contra a loucura e ção de um abrigo para ajudar os
tão bem de nós que meus filhos me sinto mais forte como resul- desabrigados, que agora é mais
agora dizem que têm três pais", tado. Permitiu-me voltar a uma útil do que nunca. "Realmente es-
disse Olha à delegação da ACN. vida normal. Eu estava vagando colhemos o momento mais difícil
como um espírito perdido." possível para uma obra. Primeiro
Esposa de soldado Em Kiev, a psicóloga Lyudmila a pandemia, depois a guerra",
Histórias como essas são o que também trabalha com famílias de disse a Irmã Hieronyma. "Mas
mantém Nataliya, outra jovem militares, especialmente aquelas é exatamente quando a casa é
mãe, acordada à noite. "Ser es- cujos filhos morreram ou, o que mais necessária do que nunca,
posa de um soldado na linha de pode ser ainda pior, estão de- e é como um milagre que seja
frente significa muito sofrimento. saparecidos. "As mulheres que construída agora."
A única coisa que você quer é perderam um filho se isolam e Quarenta mulheres desabriga-
que seu marido sobreviva. Mas, colocam suas famílias sob pressão das, incluindo as que têm bebês
neste momento, parece-me que porque não conseguem superar a recém-nascidos terão abrigo, ex-
plicou o bispo Mieczyslaw Mokr-
© BEATA ZAWRZEL/NUR PHOTO VIA GETTY IMAGES

zycki enquanto apontava, com um


sorriso, que a capela na casa das
mulheres é maior do que a do
mosteiro dos homens, "porque
as mulheres rezam mais".
O poder da oração não deve ser
subestimado. Irmã Klara, superio-
ra das beneditinas, também em
Lviv, recebe pedidos frequentes
de oração de soldados ucrania-
nos. "O que mais nos ajuda não
são os sistemas de defesa contra
foguetes, mas a oração. Essa é a
nossa arma mais forte. E quando
pergunto aos soldados o que eles
precisam, eles dizem a mesma
coisa: suas orações." 

Marcio Martins, marcio.martins@coworkcom.com.br

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES 29


OPINIÃO

Projeto civilizatório

FONTE: SSVPCMBH
A fraternidade e a amizade social,
neste momento crítico da história,
em que há um pipocar de conflitos
mundiais, como frequentemente
denuncia o Papa Francisco, passa
a ser um ‘projeto civilizatório’.

de Matias Soares

A
humanidade padece de paz. Em muitos recantos
do globo há nações que vivem em estado de (cf. 1Jo 4,8). A temática abordada é uma proposta de
beligerância. O lucro com a venda de armas humanismo solidário e de realização da existência
é uma questão ética, que nos diz muito sobre humana. Não é o ódio que leva o ser humano à feli-
a preponderância do poder econômico sobre cidade; mas é no amor que a sua vida ganha sentido
a dignidade da pessoa humana. Essa, por sinal, desde e plenitude. Num mundo marcado por tantos sinais
os ultrajes da Segunda Guerra Mundial, tem sido cada de violências, simbólicas, físicas e digitais, a chamada
vez mais violentada, tendo como objetos os seres hu- de atenção que a Igreja promove é uma ação neces-
manos em situação de vulnerabilidade. Cabe destacar sária, que está em consonância com a sua missão de
o fomento da cultura do descarte, que coloca os idosos ‘perita em humanidade’ (Paulo VI), que atende aos
e embriões concebidos em situação de cancelamento ensinamentos do nosso Mestre e Senhor (cf. Mt 5, 9).
e abandono. A fraternidade e a amizade social, neste momento
O objetivo geral da Campanha da Fraternidade 2024 crítico da história, em que há um pipocar de conflitos
é “despertar para o valor e a beleza da fraternidade mundiais, como frequentemente denuncia o papa Fran-
humana, promovendo e fortalecendo os vínculos da cisco, passa a ser um ‘projeto civilizatório’. O patrocínio
amizade social, para que, em Jesus Cristo, a paz seja dos países sempre mais ricos à custa da promoção da
realidade entre todas as pessoas e povos”. A partir colonização ideológica e política de outras nações é
desta perspectiva geral, são propostas várias finalidades algo que clama aos céus.
específicas, com o olhar voltado aos desafios reais que A Campanha da Fraternidade é uma bússola para
nos interpelam enquanto ‘seres sociais’, chamados à que muitas luzes sejam postas nos caminhos de todas
amizade social. Há uma proposta de civilização, que as camadas sociais do nosso país. Com sua capilari-
gere a cultura da paz entre os povos, nas relações dade, a Igreja se propõe a ser missionária da justiça e
humanas e no mundo; já que, existem ‘guerras em da paz neste contexto de polarizações e desmandos
pedaços’ em tantos lugares e periferias geográficas relacionais.
e existenciais. Deste modo, os nossos caminhos exigem e esperam
A Campanha deste ano traz consigo “o convite a de todos nós a coragem ao discernimento e o encan-
um amor que ultrapassa as barreiras da geografia e tamento pelas causas do evangelho. É uma exigência
do espaço, nos interpela à comunhão e solidariedade, do ser cristão a nossa compaixão pelos sofrimentos
mostrando que a conversão passa pela experiência do Outro (cf. FT, cap. II). A Campanha da Fraternidade
da humildade, da aceitação do outro e da alegria do é isso: evangelização em palavras e ação. Precisamos
encontro que vem da ressurreição, como Jesus que avançar! 
pergunta a Pedro: ‘Simão, filho de João, tu me amas
mais do que estes?’ e Pedro responde: ‘Sim, Senhor, Matias Soares, mestre em Teologia Moral (Gregoriana), pós-graduado em Teologia
tu sabes que te amo” (cf. Jo 21, 15). Pastoral (PUC-Minas), membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral (SBTM), coor-
A proposta da fraternidade para o cristianismo tem denador Arquidiocesano da Pastoral Universitária e pároco da paróquia de Santo Afonso
o amor Ágape na sua base, cuja fonte é o amor de Deus M. de Ligório, Natal-RN.

30 JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2024 MISSÕES


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