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EDITORIAL

As várias exclusões
SUMÁRIO
Janeiro/Fevereiro 2006/01

A
Missões mudou! Buscando ser um
modernidade fez crescer tudo, menos o tempo. O conheci- veículo sempre dinâmico, a revista
apresenta um logotipo moderno,
mento científico está sendo usado para o bem e para o mal
com o nome suportando o mundo
do ser humano, desde a célula mais ínfima até às bombas e vice-versa, significando que
nucleares. Cresceu o poder de eliminação de vários tipos Missões quer cons­cientizar para a
de vírus mortais e cresceram os sistemas de dominação de universalidade da Missão.
algumas nações sobre as outras. Cresceu até a capacidade
de se falar mentira, com tamanho disfarce que todos acreditam ser Cartaz Oficial da Campanha
verdade absoluta. Entre avanços e recuos, há um crescimento que da Fraternidade 2006
nos preocupa profundamente: o fenômeno da exclusão globalizada. Foto1: Júlio César Costa.
Esse não é um fenômeno único da modernidade, mas, pelas propor- Mulher ladakhi, Índia.
ções que já alcançou, começa a ter as dimensões de uma bomba Foto2: Nicole Roitberg
generalizada. Sempre existiu na história a exclusão social, política,
cultural, religiosa e econômica, mas a tomada de consciência do seu  MURAL DO LEITOR--------------------------------------04
significado não é geral. Isso porque a globalização ainda se apresenta Cartas
com uma roupagem messiânica, prometendo bem-estar a todos. A  OPINIÃO--------------------------------------------------05
espera e a paciência estão presentes na vida dos excluídos. Eucaristia: encontro com Jesus
A exclusão paradoxalmente se compreende hoje a partir de duas João Pedro Baresi
janelas muito simples. Há dois encontros mundiais que acontecem  PRÓ-VOCAÇÕES----------------------------------------07
no começo de cada ano: o Fórum Econômico realizado em Davos, Cansados do Evangelho?
Suíça e o Fórum Social Mundial, este ano realizado em várias Rosa Clara Franzoi
partes do mundo. Para  VOLTA AO MUNDO-------------------------------------08
Vanessa Alves, MSU

as Américas a sede foi Notícias do Mundo


Fides / Zenit
Caracas, Venezuela. São
dois grupos de concepção  ESPIRITUALIDADE----------------------------------------10
de mundo em contrapo- Levanta-te e vem para o meio!
Hilário Cristofolini
sição. Davos constituído
por pessoas engravata-  CIDADANIA-----------------------------------------------12
das, cercadas por forte A CPI e as verdades limitadas
Humberto Dantas
esquema de segurança e
tomando banho de sauna.  testemunho-------------------------------------------13
Vida missionária na selva amazônica
O Fórum Social consti­ Cristina Noskoski
tuído por alguns intelec-
tuais, movimentos sociais  testemunho-------------------------------------------14
A coragem que vem de Deus
representando uma va- MSU (Movimento dos Sem-Universidade), SP. Cecília Clara Zamboni
riedade de segmentos e pessoas tomando banho a céu aberto,
mas acreditando num outro mundo possível. Gente que acredita  FORMAÇÃO MISSIONÁRIA----------------------------15
Evangelii Nuntiandi
na união de forças, na utopia, que tem esperança e não sofre da Luiz Balsan
síndrome do medo.
A Campanha da Fraternidade (CF) 2006 também proporciona  MISSÃO HOJE-------------------------------------------19
O hoje da Missão
uma profunda reflexão sobre a exclusão. Ela propõe como tema Francisco Lerma Martinez
Fraternidade e Pessoas com Deficiência, seguido de um convite
 DESTAQUE DO MÊS------------------------------------20
evangélico: Levanta-te, vem para o meio! (Mc 3, 3). Num ambiente Educação globalizada: a história de Ladakh
cultural que tende a marginalizar e excluir os que têm menos capacida- Nicole Roitberg
de individual de competir com os outros, as pessoas com deficiência,
 ATUALIDADE----------------------------------------------22
com fre­qüência, são vítimas de preconceito e discriminação. Diante Fraternidade e pessoas com deficiência
dessa dura realidade, a CF é ocasião para uma grande tomada de Maria Emerenciana Raia
consciência em favor da inclusão.  INFÂNCIA MISSIONÁRIA-------------------------------24
A caminhada rumo à inclusão é penosa e demorada. Já no Antigo Queremos um mundo de paz
Testamento, Deus nos adverte sobre essa questão, afirmando que é Roseane de Araújo Silva
necessário cuidar em primeiro lugar do órfão, da viúva e do estrangeiro.  CONEXÃO JOVEM--------------------------------------25
Jesus ensina que no mundo não há espaços reservados para gente E aí galera?!
de primeira e de segunda classe. “Quem tem duas túnicas tem que Júlio César Caldeira Ferreira
repartir” (Lc 3, 11). A exclusão tem raízes profundas em preconceitos  ENTREVISTA MARCELO GUIMARÃES-----------------26
históricos que dão suporte a sistemas injustos. Ela se apresenta, Cultura de paz: uma construção coletiva
Joaquim Gonçalves
muitas vezes em situações aparentemente pequenas, mas com
grande significado. Temos hoje dois exemplos evidentes: o muro da  AMAZÔNIA-----------------------------------------------28
Cisjordânia e o muro da Califórnia. Quaisquer muros, sejam eles de Seca: questão para uma teologia ecológica
Ricardo Castro
concreto ou de ferro, podem ser demolidos se soubermos juntar a
força do Evangelho com a dos excluídos.   Volta ao Brasil---------------------------------------30
Notícias do Brasil
Adital / CNBB

- Jan/Fev 2006 3
Mural do Leitor
Ano XXXIII - no 01 Jan/Fev 2006

Elvira Pessin
Diretor: Jaime Carlos Patias
A Pastoral da Promoção Humana da Paró-
Editor: Maria Emerenciana Raia quia Nossa Senhora Consolata do Jardim
São Bento, São Paulo, preparou o Natal
solidário para 1.300 crianças atendidas
Equipe de Redação: Joaquim F.
pelas creches do Jardim Peri, periferia
Gonçalves, Cristina Ribeiro Silva e Rosa
da Zona Norte da capital.
Clara Franzoi
No dia 17 de dezembro, 300 kits foram
distribuídos para as crianças da Paróquia
Colaboradores: Vitor Hugo Gerhard,
Natividade do Senhor, no Jardim Fontales,
Lírio Girardi, Luiz Balsan, Marinei Ferra-
e 50 cestas básicas para famílias socorridas
ri, Roseane de Araújo Silva, Júlio César, Natal solidário pela comunidade.
Manoel Aparecido Monteiro, Humberto A comunidade Nossa Senhora Consolata No dia 20 de dezembro, cerca de 800
Dantas de Itapevi, São Paulo, celebrou o Natal crianças receberam seus kits contendo
no dia 17 de dezembro de 2005, na rua brinquedos, roupas, calçados e produtos
Agências: Adital, Adista, CIMI, da alegria, trazendo aos mais pobres e de higiene, numa festa com churrasco
CNBB, Dom Hélder, IPS, MISNA, pequeninos, paz, esperança e fraternida- organizado pelos paroquianos. Foram
Pulsar, Vaticano de. Jesus ao nascer foi colocado em uma contempladas as crianças das creches
manjedoura na periferia da cidade. Por isso Bernardo Gora, Jardim Antártica, Jardim
Diagramação e Arte: Cleber P. Pires nós quisemos celebrar o “Natal de Rua” Peri e Espaço de Gente Jovem (EGJ), todos
com as crianças para que o Menino Deus localizados no bairro do Jardim Peri.
Jornalista responsável: sentisse todo o amor que temos para com

Arquivo Pessoal
Maria Emerenciana Raia (MTB 17532) estes pequeninos, seus prediletos.
Maria queria apresentar à humanidade a
Administração: Cláudio Cobalchini verdadeira consolação – Jesus. Ele fez-se
pobre em meio aos pobres para que os
Sociedade responsável: pequeninos se sentissem atraídos.
Instituto Missões Consolata A exemplo de Jesus somos impulsionados
(CNPJ 60.915.477/0001-29) a sair de nós mesmos, do nosso egoísmo
e irmos ao encontro do Deus Menino
Impressão: Edições Loyola com a nossa pobreza, com o nosso des-
Fone: (11) 6914.1922 pojamento, com o nosso sacrifício para
entendermos melhor os que Ele nos confiou
Colaboração anual: R$ 40,00 nesta Missão.
BRADESCO - AG: 545-2 CC: 38163-2 Hoje constatamos que milhares de crianças No dia 27 de dezembro, outra festa, com
Instituto Missões Consolata são esquecidas, marginalizadas e maltra- as Irmãs de Caridade Madre Teresa de
(a publicação anual de Missões é de 10 números) tadas pelas autoridades, pelas pessoas Calcutá, ainda no Jardim Peri. Desta vez,
de melhores condições e até por seus 200 crianças e 100 idosos, entre homens
pais. E Cristo se faz presente nesses e mulheres, receberam seus kits.
Missões é produzida pelos
pobres, nessas crianças abandonadas, Foram distribuídos ainda cerca de 50 kits de
Missionários e Missionárias
órfãs e doentes. adulto para os portadores do vírus HIV do
da Consolata
A comunidade Nossa Senhora Consolata, Lar Betânia e colaboradores. Mais de 3.000
Fone: (11) 6256.7599 - São Paulo/SP
junto com pessoas voluntárias e generosas quilos de alimentos foram arrecadados,
(11) 6231.0500 - São Paulo/SP
de Itapevi e Jandira, dedicou seu tempo sendo distribuídos entre asilos, seminário e
(95) 3224.4109 - Boa Vista/RR para recolher fundos e donativos a fim de pessoas mais necessitadas. Ser missionário
alegrar, neste gesto de solidariedade, as é também sair dos limites geográficos da
Membro da PREMLA (Federação de 1.300 crianças que estavam presentes. Foi paróquia e socorrer os que mais precisam.
Imprensa Missionária Latino-Americana) uma imensa recompensa ver nos olhos Este trabalho vem sendo realizado há quase
daqueles pequeninos, ao receber um dez anos, atendendo cada vez mais pes-
Redação simples brinquedo, a alegria de celebrar soas. A paróquia agradece todos os que
Rua Dom Domingos de Silos, 110 o Natal do Menino Deus. O Natal, que colaboram, pois esse gesto de solidariedade
02526-030 - São Paulo era triste em outros anos, tornou-se um envolve muita gente comprometida com a
Fone/Fax: (11) 6256.8820 momento de felicidade extrema. construção do Reino de Deus.
Site: www.revistamissoes.org.br
E-mail: redacao@revistamissoes.org.br Irmãs Erminângela e Elvira Pessin Alete Helena Maggi Quartiero
Missionárias da Consolata, Itapevi, SP. Jardim São Bento, SP.

4 Jan/Fev 2006 -
Eucaristia

OPINIÃO
encontro com Jesus
Nas conclusões do Sínodo sobre a Eucaristia

Jaime C. Patias
falta o “cheiro” do povo.
de João Pedro Baresi

E
xpressar opiniões sobre documentos do papa e dos
bispos é sempre uma tarefa espinhosa. O ar que se
respira é que o campo está aberto só para a aprova-
ção. Pontos de vista diferentes (conhecidos como “de
crítica”) são encarados com suspeita, como se nossa
fé fosse tão frágil a ponto de não resistir ao diálogo, a
partir de posições não completamente submissas. É triste ver
como a maioria dos católicos se proíbe de pensar nos assuntos
de sua fé. Por várias razões: insegurança diante dos questio-
namentos que a vida pessoal, comunitária e social faz nascer
dentro da cabeça e do coração; sentimento de incompetência
em assuntos reservados a poucos; medo das reprimendas de
quem tem poder dentro da Igreja. O resultado é a passividade,
a obediência estéril, sem a riqueza dos dons que o Espírito
espalha em todo batizado.
Depois dessa premissa, e sabendo que se trata de uma
simples opinião, vou centralizar minha reflexão sobre um as-
pecto, sem dúvida de muita importância. Posso defini-lo como
aspecto pastoral, a partir de minha experiência de 30 anos junto
às comunidades populares.
Minha opinião é que nas conclusões do Sínodo sobre a
Eucaristia falta o “cheiro” do povo. Há declarações que falam
do respeito ao povo, mas são frias, dominadas pela teologia,
engessadas com normas. A legítima preocupação de preservar
o caráter sagrado do mistério leva a diminuir a importância do
povo que o celebra, junto com o sacerdote (“Orai irmãos e irmãs
para que o nosso sacrifício...”). Sua participação espontânea,
expressando maneiras diferentes de ser e de sentir, é encarada
como perigosa e por isso deve ser normatizada nos pormeno-
res. O resultado é o triste espetáculo de assembléias de fiéis
espectadores, sem uma consciência profunda de que todos Encontro Diocesano das CEBs, São José dos Campos, SP.
estão no centro da Eucaristia, como proclamam as palavras da emana toda a sua força” (SC, 10). Muito se comentou sobre o
consagração: “Isto é o meu Corpo que é entregue por vós”, e: cimo e a fonte, menos sobre a recíproca interferência entre a
“Este é o cálice do meu sangue derramado por vós”. ação da Igreja e a fonte e o cimo que a fecundam e a orientam.
Jesus não veio ao mundo para instituir a Eucaristia; a instituiu Como deve ser vivido e celebrado o mistério da Eucaristia pela
para realizar a missão que o trouxe ao mundo. Se isso não for comunidade cristã que vive e atua encarnada na história e nas
colocado em evidência, o culto eucarístico torna-se ponto final culturas, solidária com "as alegrias e as esperanças, as tristezas
e não caminho missionário. Parece-me que o documento do e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres?" (GS,
Sínodo não vai ajudar suficientemente para superar o perigo, 1). Nesse questionamento há muitas sementes que, superada a
sempre presente no meio do povo, de encarar a hóstia como estação fria das normas, farão florescer a primavera do encontro
presença mágica. de amor de Jesus com o seu povo. 
O Concílio Vaticano II diz que “a liturgia é o cimo para o qual
se dirige a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde João Pedro Baresi é missionário comboniano.

- Jan/Fev 2006 5
mISSIONÁRIOS além-fronteiras
N
Fotos: José Roberto Garcia

o dia 17 de dezembro de 2005, na


Paróquia São Paulo, Cascavel, PR,
foi ordenado sacerdote Cláudio Mo-
ratelli, que em breve, partirá para a
Venezuela como missionário. Nascido
aos 16 de fevereiro de 1974, em
Cascavel, Cláudio é o quinto filho de Arcanjo (in
memorian) e Marlene Moratelli. Entrou no Semi-
nário em 1996, fez os estudos de Filosofia em
Curitiba, o Noviciado em Buenos Aires, Argentina,
e os estudos de Teologia no ITESP (Instituto São
Paulo de Estudos Superiores).
No dia 14 de janeiro de 2006, em Pinhal Grande, RS, foi
Fotos: Jaime C. Patias

ordenado sacerdote Sandro Lago Dalanôra, segundo filho de


Ladinir Dalanora e Maria Lago Dalanora. Nascido aos 20 de junho
de 1973 na mesma cidade, Sandro ingressou no Seminário Dio-
cesano em Santa Maria, RS, em 1995. Prosseguiu seus estudos
de Filosofia com os missionários da Consolata em Curitiba, PR.
Fez o Noviciado em Buenos Aires e Teologia na Universidade
Javeriana, em Bogotá, Colômbia. Em breve, Sandro partirá para
a Etiópia, África, onde atuará como missionário. 

Comprometer-se com a Missão


O
Noviciado é uma etapa de grande importância em Agora entendemos melhor
nossa vida de religioso, fundamentada num ponto a obrigação que temos de
de partida e de chegada da caminhada formativa, testemunhar e propor, com
ou seja, é um período que reservamos para estudar nossa vida missionária, a
e aprofundar o carisma da Congregação a qual construção de um novo tipo
pertencemos, a vida religiosa em todas suas dimen- de sociedade, fundamentada
sões e a vida missionária. Buscamos fazer uma experiência de nos valores universais: paz,
Deus para colocar-nos a serviço da Missão. Nós, missionários fraternidade, justiça, liberdade
da Consolata, realizamos esta etapa em um ano. O Noviciado e solidariedade.
latino-americano fica em Buenos Aires, Argentina. No ano de 2005 Avocação missionária é aquela
iniciamos no dia 15 de janeiro, com 12 jovens, provenientes da em que a pessoa deixa seu
Colômbia, Venezuela, Argentina e Brasil, tendo como mestre o pequeno mundo para viver
padre Daniel Bertea, argentino. Sete desses noviços fizeram sua em outros espaços, em diálogo com todos os povos e culturas.
primeira profissão religiosa no dia 31 de dezembro. Seus sonhos e desejos se juntam aos de outros irmãos e irmãs
Cremos que a convivência com pessoas de diversos países para construir um mundo mais humano. Por isso é necessário
nos ajudou a entender melhor os caminhos da Missão no que trabalhar em solidariedade, esperança e gratuidade, engajan-
diz respeito à internacionalidade e o respeito à cultura do outro. do-se na luta pela justiça, paz e igualdade, sem perder de vista
a utopia.
Fotos Arquivo Pessoal

Com a profissão religiosa nós abraçamos a Vida Consagrada,


com tudo o que ela representa na sociedade, sinal de con-
tradição perante a antivalores que sufocam e matam a vida,
deixando-nos guiar por Jesus e aceitando um estilo de vida
comunitário, onde devemos ter a capacidade de transformar
a história. Vamos continuar nosso caminho de formação com
o estudo da Teologia em outros países como Quênia, Roma,
Congo, Colômbia e Brasil. 

João Batista Amâncio dos Santos, seminarista da Consolata.

6 Jan/Fev 2006 -
pró-vocações
Cansados A sabedoria Oriental
é a Boa Nova de muitos.

do Evangelho...?
de Rosa Clara Franzoi Uma audiência com o Criador
Uma lagosta insatisfeita chegou à conclusão de que o Criador
havia cometido um erro a seu respeito. Pediu uma audiência

S
para discutir a questão. Na data combinada, assim falou: “Com
urpreende o exagerado interesse que muitas pessoas têm todo respeito, eu vim à sua presença para reclamar do modo
hoje pelas artes e a sabedoria do Oriente: a meditação zen como o Senhor me projetou. Veja, mal me acostumo com este
do Japão, o Kung-Fu e o Tai-Chi da China, a meditação meu invólucro, logo tenho que abandoná-lo por outro. Acho isso
de Yoga e a astrologia da Índia. Hoje, os “gurus”, das mais muito incômodo e uma enorme perda de tempo”. Deus replicou:
diversas tendências, são muito procurados por adultos e “Ah! Entendo! Mas, você não percebe que é justamente esta
especialmente pela juventude, em busca de orientação troca que lhe dá a possibilidade de crescer?” A lagosta insistia
espiritual, de trilhas para encontrar a realização e a felicidade. O em seu ponto de vista. Então Deus disse: “Bem, já que você diz
que se pode deduzir disso tudo é que Jesus, o Caminho, a Verdade estar certíssima de que o erro foi meu, de hoje em diante, não
e a Vida para nós, cristãos, não tem mais nada de novo a oferecer. mudará mais a casca; ficará com a mesma, do nascimento até
As “igrejas e ideologias modernas”, a morte”. A lagosta saiu da audiência

Jaime C. Patias
parecem estar apresentando caminhos radiante, achando ter ganho a causa.
mais interessantes, de maneira que os Daí por diante, tudo seria só alegria.
ensinamentos de Jesus, as suas pro- Mas, passado não muito tempo, a
postas, quando muito, podem competir lagosta começou a se sentir prensada
com as supracitadas “doutrinas”, nada por todos os lados. Resolveu voltar ao
mais... Para nós, que professamos Jesus Criador. Disse-lhe: “Com todo respei-
Cristo como “resposta” às profundas to, venho protestar porque o Senhor
aspirações e anseios do ser humano, não cumpriu o que prometeu”. “Como
o problema não deixa de ter seu peso. não”, respondeu o Criador. E ela: “O
Há muita gente hoje, que já se cansou Senhor disse, que eu ficaria sempre
do Evangelho de Jesus. Parece que o com a mesma casca e isto não está
que ele propõe é simples demais, quase acontecendo; o Senhor não vê que
banal, para uma humanidade que se quase não consigo respirar, que es-
acha superavançada, pois ele trata tou sendo sufocada?” E Deus disse:
quase sempre das coisas corriqueiras “Percebeu agora, que a mudança era
da vida. Embora a psicologia explique, necessária para você poder crescer
de vários modos, esse fenômeno, o e se desenvolver? A sua casca é a
que se percebe é que bem no fundo, toda essa busca insaciável, mesma”, respondeu o Criador; “quem está mudando é você”. A
nada mais é do que o intrínseco desejo que o ser humano tem, lagosta, muito envergonhada, retirou a palavra, por entender que
de entrar em contato com o divino e com o mistério, através da era mesmo aquele o caminho que deveria percorrer para chegar
experiência do sensível... à realização, ainda que às vezes incômodo e lento.

As novidades podem apenas nos iludir


Quer ser um missionário/a? Jovem! Percebeu como a gente é? Nunca estamos satis-
feitos com o que temos e com o que somos. Nosso coração
Irmãs Missionárias da Consolata - Ir. Dinalva Moratelli é insaciável. Passamos o tempo todo procurando novas
Av. Parada Pinto, 3002 - Mandaqui doutrinas, filosofias, novidades, que tragam satisfação ao
02611-011 - São Paulo - SP nosso espírito; algo que nos dê certezas.... Lembre-se, que
Tel. (11) 6231-0500 - E-mail: rebra@uol.com.br o caminho é um só: você só será feliz e se sentirá realizado
quando tiver encontrado o seu lugar, como pessoa humana,
Centro Missionário “José Allamano” - Pe. Manoel A. Monteiro (Néo) como cristão, como alguém chamado a desenvolver uma
Rua Itá, 381 - Pedra Branca
02636-030 - São Paulo - SP tarefa específica no mundo, na sociedade, na Igreja; uma
Tel. (11) 6232-2383 - E-mail: secretariamissao@imconsolata.org.br tarefa-missão que ajude o Reino de Deus a se concretizar.
Preste atenção: Deus é fiel e se manifesta nas mediações.
Missionários da Consolata - Pe. César Avellaneda As muitas novidades podem apenas nos iludir.O texto de Hb
Rua da Igreja, 70-A - CXP 3253 13, 5-9 pode ajudar na nossa reflexão. 
69072-970 - Manaus - AM
Tel. (92) 624-3044 - E-mail: amimc@ibest.com.br
Rosa Clara Franzoi é irmã missionária e animadora vocacional.

- Jan/Fev 2006 7
diálogo inter-religioso, com visitas a locais de culto
e líderes budistas e muçulmanos. Segundo padre
Joseph Virasak Vanarotsuvit, Diretor Nacional das
Pontifícias Obras Missionárias na Tailândia, o Ano
da Evangelização representa uma oportunidade para
revitalizar a consciência do papel missionário dos
fiéis e para dar uma contribuição de paz e harmonia
à sociedade tailandesa.
Libéria
Posse da nova presidente Índia
“Um momento positivo para todos os liberianos Evangelizar através do cinema
VOLTA AO MUNDO

e de reflexão sobre o futuro da nação”, afirma o pa- As novas fronteiras do cinema mundial passam
dre Mauro Armanino, missionário da Sociedade das por “Bollywood”, o centro cinematográfico no qual são
Missões Africanas, na capital liberiana, Monróvia, produzidos filmes indianos e de outras nações asiáticas:
onde em 16 de janeiro tomou posse oficialmente também ali, é preciso levar a mensagem de Cristo,
Ellen Johnson-Sirleaf como nova Chefe de Estado. evangelizando através do cinema, um dos meios de
“A população participou com alegria da cerimônia, comunicação mais importantes de nossa época. É o
que se realizou diante do Parlamento”, afirma o mis- que afirma o católico C.D. Jebasingh, presidente da
sionário, que ouviu também algumas reações dos Galilean International Films and Television Services,
participantes. Um jovem disse: “Agora sim, a Libéria casa de produção cinematográfica ativa no contexto
volta a ser a doce terra da liberdade”, referindo-se ao indiano. O produtor da casa - que no acrônimo inglês
hino nacional. “As mulheres usavam roupas com o “gifts” significa “dons” - afirma: “é o momento da Igreja
rosto da presidente, com o slogan: “Temos orgulho de decidir utilizar o cinema como instrumento para difundir
ser mulher”, afirma Armanino. No seu discurso, Ellen a Boa Nova. Existem na Índia mais de 13 mil salas
Johnson-Sirleaf convidou os dirigentes da oposição a de cinema, freqüentadas por 15 milhões de pessoas
unirem-se ao governo para reconstruir o país, e nomeou semanalmente, enquanto são produzidos mais de
os primeiros membros da sua administração. Depois 900 filmes por ano”. Por isso, a Gifts está disponível
do juramento, a senhora Johnson-Sirleaf, dirigiu-se a colocar-se a serviço da comunidade católica, para
a uma multidão de milhares de pessoas reunidas concretizar esta idéia.
em Monróvia na praça diante do Parlamento e se
comprometeu a responder “às suas necessidades e Vaticano
às suas preocupações sobre o desenvolvimento do Nova Encíclica
país. O meu governo estende a mão da amizade e No dia 18 de janeiro o Santo Padre anunciou a
da solidariedade aos dirigentes de todos os partidos publicação de sua primeira encíclica com o título “Deus
políticos”, declarou diante do adversário derrotado Caritas est” (Deus é Amor). “O tema não é diretamente
nas eleições, o ex-jogador George Weah, que não ecumênico, mas o contexto e o pano de fundo são
assistiu à cerimônia de juramento. ecumênicos, pois Deus e nosso amor são a condição
da unidade dos cristãos, são a condição da paz no
Tailândia mundo. Com esta encíclica gostaria de mostrar que
Ano da Evangelização “eros”, é um dom do amor entre homem e mulher e
2006 será para a Igreja tailandesa o “Ano da procede do mesmo manancial da bondade do Criador, e
Evangelização”. Os bispos tailandeses informam que deve transformar-se em “ágape”, caridade, percorrendo
será um ano de sensibilização, e que a Igreja local um caminho de purificação. Tento demonstrar também
quer empenhar-se em criar “uma consciência mais que o ato totalmente pessoal que nos vem de Deus é
forte e um espírito de evangelização”, num país de um único ato de amor. Tem de se expressar também
maioria budista, no qual os católicos são 0,4% numa como um ato eclesial, organizativo. Se é realmente
população de mais de 63 milhões de pessoas. Para os verdade que a Igreja é expressão do amor de Deus,
fiéis, “não é suficiente freqüentar a missa dominical”: é desse amor que Deus tem por sua criatura humana,
mais importante “levar a luz de Cristo aos outros”, pois tem de ser também verdade que o ato fundamental
“todo cristão é missionário”. A Conferência Episcopal da fé, que cria e une a Igreja e nos dá a esperança
sugere às dioceses 12 temas a serem aprofundados da vida eterna e da presença de Deus no mundo,
ao longo dos 12 meses do ano, através de encontros gera um ato eclesial. Ou seja, inclusive como Igreja,
específicos, a serem organizados localmente. Os como comunidade, de maneira institucional, tem que
bispos também exortaram as diversas realidades amar”, explicou Bento XVI. 
locais - paróquias, movimentos e associações - a
promover iniciativas públicas de testemunho e evan-
gelização. Nas dioceses, haverá encontros sobre o Fontes: Fides e Zenit.
8 Jan/Fev 2006 -
INTENÇÃO MISSIONÁRIA
Para que nas missões os cristãos sintam a necessidade de servir o próprio país também com um
maior empenho na vida política e social.
de Vitor Hugo Gerhard A qualidade da nossa presença no mundo é um critério objetivo
para verificar a força do cristianismo, para a transformação da
realidade e sua adequação ao Plano de Deus.

O
Tenho dito, com relativa freqüência, que a nota mais forte
s meses de janeiro e fevereiro, para nós do hemisfério dos tempos de hoje é o fato de vivermos mergulhados numa
sul, representam um tempo mais ameno nas atividades humanidade ferida, machucada, às vezes perdida nos longos
e no corre-corre do ano, tempo para algum repouso caminhos da história, incapaz de perceber os sinais de insani-
merecido, mas também tempo para um olhar mais dade que se abatem sobre ela. Mesmo com todo o otimismo
calmo sobre as coisas que acontecem à nossa volta que a cruz de Cristo nos inspira, não podemos fechar os olhos
e que precisam ser revisadas. para a dura realidade em que vivem tantos povos e nações,
Neste sentido, a intenção missionária proposta para fevereiro raças e línguas.
nos coloca diante da realidade social, com todos os seus desafios A tarefa fundamental dos cristãos leigos, originada de sua
e provocações e nos faz a seguinte pergunta: “como vai nossa fé e adesão ao Evangelho, é a capacidade de, mergulhados no
presença na realidade que nos rodeia?” Já escutei pessoas caldeirão da realidade, serem capazes de, pela palavra e pelas
dizerem que seremos julgados, não pela fé que professamos atitudes, gerarem estruturas novas, norteadas por valores que
ou pela prática religiosa que realizamos, mas pela presença que permanecem. Não existe neutralidade política ou ideológica.
tivermos no tecido da sociedade civil, como “sal, fermento e luz”. Todas as nossas opções serão sempre reflexo de nossa visão de
mundo, de nossa concepção de pessoa e de nossas escolhas,
e terão sempre um preço a ser pago. A neutralidade já é uma
Jaime C. Patias

opção. Se formos capazes de, estando no mundo, pensarmos


e agirmos como se não fôssemos dele, como nos diz São Paulo
(estar no mundo e não ser do mundo), então nossa intervenção
na sociedade humana poderá ser benéfica, no sentido de iluminar,
com os critérios do Evangelho, os melhores caminhos a serem
trilhados. Pelo fato mesmo de sermos cristãos, somos insis-
tentemente convidados a exercer a função política, própria dos
seres humanos, entendendo-se aqui por política, a capacidade
humana de participar nas decisões, pequenas ou grandes da
sociedade humana, na condução do seu destino, até o final da
história. E tudo isso vale para a “missão de além-mar” e para a
missão “além da porta da minha casa”. 
Representantes da CRB se manifestam em favor da paz, Catedral da Sé, SP.
Vitor Hugo Gerhard é sacerdote e coordenador de pastoral da Diocese de Novo Hamburgo, RS.

Missão nas montanhas de Mindanao, Filipinas


A imensa ilha de Mindanao, habitada por cristãos, muçulmanos e tência, e é necessário ensinar-lhes novas técnicas agrícolas.
indígenas lumads, é uma terra de missão em que alguns sacerdotes, Os missionários Oblatos ocupam-se também da assistência médi-
religiosos e leigos levam a Boa Nova. Eles chegam até as aldeias mais ca, sanitária, e da instrução destes povos, atuando principalmente no
remotas, na floresta ou nos montes, habitados por grupos indígenas distrito montanhoso de Kidapawan. A escola primária de Pangipasan foi
que nunca ouviram falar de Jesus Cristo. construída em 1977, e hoje, funciona com professores em tempo integral,
Pe. José Aduana, dos Oblatos de Maria Imaculada é um deles. e 177 alunos da tribo dos manobos. Anteriormente no local havia uma
Dirige uma escola primária na aldeia Montana de Pangipasan, e vive escola primária pública, que foi fechada pela impossibilidade de encontrar
em contato com estas populações, divididas em pequenas tribos, que professores dispostos a ensinar em áreas tão remotas.
não receberam influência da civilização ocidental nem da islâmica. Antes Hoje, graças à obra dos missionários, a vida dos índios de Kidapawan
de tudo, os missionários ajudam e sustentam os índios na campanha melhorou, e seu desenvolvimento humano, social e cultural prossegue
de conservação de suas terras, que muitas vezes, no passado, foram em harmonia com sua cultura e suas tradições. Através da promoção
expropriadas por motivos políticos ou econômicos, para serem dadas em humana e colocando em prática o processo de “inculturação” da fé cristã,
concessão a empresas exploradoras de recursos minerais e naturais. A os missionários anunciam aos índios de Mindanao a mensagem de amor
proteção da terra, explica o missionário, é a garantia fundamental para a de Deus e a redenção do homem em Jesus Cristo.
sobrevivência dos povos indígenas. Em segundo lugar, os índios lutam
todos os dias pela sobrevivência, pois vivem de agricultura de subsis- Fonte: Fides

- Jan/Fev 2006 9
Levanta-te e vem
espiritualidade

para o meio!

Fotos: Jaime C. Patias


A Igreja do Brasil, através da Campanha da
Fraternidade 2006, reza pelas pessoas com
algum tipo de deficiência.
de Hilário Cristofolini

S
abendo que a Campanha da Fra-
ternidade deste ano vai se dedicar
às pessoas com deficiência, com
o lema “Levanta-te, vem para o
meio”, um jovem que há tempos
me conhece como “cadeirante”,
brincando perguntou: “quer dizer que neste
ano você vai levantar da cadeira de rodas
e andar, é isso?”
Quase isso - brinquei, e pensando nos
muitos colegas com deficiência, garanti:
seguiremos na luta contra este preconceito
nosso, de pessoas deficientes e também
de muita gente que continua inaugurando
lugares públicos e até igrejas(!), sem
pensar numa rampinha que tanto facili-
taria nossa inclusão na sociedade pelo
Padre Zachariah King’aru e Hilário Cristofolini.
trabalho e lazer.
Um senhor fisicamente “perfeito”, um poucos descobrem que este Seu amor de nós e é nosso maior amigo! E sabem
dia se desculpou assim: “não foi por má apaixonado por nós continua. A Igreja nos por que é o maior? Porque sabe tudo a
vontade que não construí a rampa. É que convida a ler Marcos 3, 2-6. Narra-se aí a nosso respeito e, mesmo assim, ainda
não pensei, não lembrei...” Nós, então, entrada de Jesus na Sinagoga onde seus pensa e gosta de nós! E sabem por que
amargamos a conclusão: pior que a falta inimigos tinham preparado uma armadilha nem se esforça para que os outros seus
de rampa, é saber que se esqueceram de para O flagrar, pois era sábado. Se Ele filhos fisicamente “perfeitos” se lembrem
nós e continuamos esquecidos... curasse aquele aleijado da mão seca de nós e construam rampas? Porque aos
seria acusado de desobedecer à lei do poucos nos vai fazendo entender que,
O Evangelho de Jesus sábado. Se não o curasse diriam que Ele para chegar a Ele não precisamos nem
Sempre que o Evangelho apresenta não era de nada e, pior ainda: que não se de escadarias, nem de rampas...
cegos, surdos, mudos, doentes, paralíti- interessava por nós.
cos, ficamos felizes porque temos aí mais Nós não sabemos se o colega estava Ajuda para carregar a cruz
provas de que o Senhor Jesus sempre se lá como convidado dos que prepararam a Que nos desculpem os santos este
lembrava dos nossos colegas daqueles armadilha. Neste caso temos certeza que nosso tipo de espiritualidade de, às vezes,
tempos e não gostava de ver ninguém ele não sabia de nada! Nem nos interessa parecer que nos esquecemos deles e va-
assim. Sempre que encontrava um cego, saber se estava lá com vergonha por ser mos diretamente ao tribunal de instância
surdo, mudo, aleijado, curava-o. E quan- aleijado; interessa saber que estava lá. superior. É que são tantas e superiores e
do encontrava um cara assim como eu, Encolhido num canto, meio escondido, mas tão graves nossas necessidades que só
não gostava nadica de nada! Mandava-o estava. E o que nos comove na leitura é Ele pode dar jeito.
levantar e ir embora... que Jesus não só o viu, mas olhou para Sempre que falamos assim de nosso
As pessoas com deficiência, que cos- ele, o chamou e curou. amigo, alguém pergunta: “por que esse
tumam ler o Evangelho de Jesus, aos Ora, Ele sempre pensa em nós, gosta Jesus que gosta tanto de vocês, não dá

10 Jan/Fev 2006 -
forças às pernas secas de vocês, como até Ele”. O aleijado resmungou: “não,
fez com a mão seca do aleijado da Sina-
goga?” E mais: “por que lhes diz: levantem
e venham para o meio e não lhes dá ao
Você sabia? não vou! Se o tal Jesus não pode vir até
aqui, é sinal que é vontade de Deus que
eu não ande mais”. E eles: “que vontade
menos uma cadeira de rodas para que Há 25 milhões de brasileiros com de Deus, que nada! Vamos levar você
possam fazer isso?” algum tipo de deficiência física, lá”. “Não, não! É muito longe!” Mesmo
Ora, ora, amigos, lentamente Ele nos assim, saíram com ele por aí. Lá adiante
motora, sensorial ou mental. Esse
faz entender que não veio ao mundo para viram a casa de Pedro com mais gente
tirar a cruz das costas de ninguém, mas número corresponde a 14,5% da ainda. Dando e recebendo cotoveladas,
para nos ajudar a carregá-la. E nisso mostra população. os quatro chegaram lá. Mas que pena! A
uma disposição infinitamente maior que Os gastos com órteses e próteses porta era estreita: a maca não passava!
a do Cireneu quando o ajudou a carregar correspondem, respectivamente, a Mas os quatro eram ótimos! Um ficou
a sua. Com Sua ajuda, então, vamos 2% e 1% das despesas ambulato- cuidando do aleijado, outro foi comprar
descobrindo o valor imenso de nosso riais realizadas no sistema público cordas, e os outros subiram no telhado e
pequeno sofrimento quando aliado ao destelharam um buraco bem em cima de
de saúde.
Seu, na subida de nosso calvário. onde estava Jesus pregando e curando.
Os homens sofrem mais de distúr-
Quanto ao fato de não dar sequer Amarradas as cordas nos cantos da
uma cadeira de rodas a muitos que não bios mentais, físicos e auditivos. maca, desceram o amigo bem na frente
tem, isso Ele não dá mesmo e sabem por As mulheres são as mais afeta- do Mestre! O resmungão assustado se
quê? Porque esta é uma das missões que das com as dificuldades visuais e viu diante de Cristo e nem sabia o que
deu a muitos de Seus filhos fisicamente motoras. dizer; mas não precisou dizer nada. O
“perfeitos”... como aquela que confiou aos Os rendimentos das pessoas com nosso amigo, encantado com o trabalho
quatro amigos do paralítico de Cafarnaum... deficiência também são desiguais: dos quatro, olhou para cima e viu seus
Vale a pena reler: Marcos 2, 3-5. rostos confiantes. E, sabendo que tinham
31,87% recebem até um salário
feito a sua parte, fez a Sua. Vendo a
mínimo por mês e 30,96% não têm
Voluntário faz a diferença confiança e a fé mostrada pelos quatro,
Os amigos chegaram à cama do qualquer rendimento. curou o amigo deles.
paralítico dizendo: “nós ouvimos falar Conforme o Censo 2000, as maio- Parabéns aos colegas voluntários que
de um tal Jesus que anda pela Pales- res percentagens de pessoas com pelo Brasil, mesmo com deficiências físi-
tina curando todo mundo. Amanhã Ele deficiência estão nas regiões Norte cas graves, levantaram a cabeça, vieram
estará em nossa cidade e decidimos (16,1%) e Nordeste (17,7%). O para o meio, se incluíram na sociedade...
trazê-Lo aqui para curar você”. O alei- Estado com maior proporção é a e agora, sempre que podem, visitam ro-
jado não mostrou entusiasmo porque já dapés onde sofrem outros colegas. Deus
Paraíba (18,8%); São Paulo é o de
não tinha esperança de cura; mas, para os abençoe, irmãos!
não desagradar aos amigos, concordou
menor incidência, com 11,4%.
com eles. No dia seguinte foram buscar Com suas famílias, as pessoas com CF 2006
Jesus na casa de Pedro. Mas havia deficiência representam diretamente Que ótimo ver a Igreja de Jesus na
muita gente lá com doentes. Eles viram 25% da população brasileira. Campanha da Fraternidade deste ano
que era impossível chegar até Ele. E O percentual de pessoas com de- dedicar orações e reflexões sobre esta
decidiram: já que não podemos levar ficiência com ocupação (38,62%) é obscura fatia de 14,5% da população
Jesus ao amigo, vamos levar o amigo menor quando comparado ao da brasileira com deficiência. Ela verá em
a Jesus! Compraram um tipo de maca, tantas casas muitíssimos colegas: crianças,
população em geral (47,94%).
foram à casa do aleijado dizendo: “Jesus jovens, adultos, idosos, que aguardam sua
não pode vir, então vamos levar você visita. Ela saberá que muitos desses filhos
amados de Deus, não foram lembrados,
nem talvez para o batismo. E se o foram,
chegaram à Igreja pelos braços dos padri-
nhos... e depois, com o passar do tempo,
a deficiência física foi tomando conta de
seus corpos e lhes faltam agora braços de
voluntários para voltarem à Igreja.
Bendita a Igreja que se faz Fraterni-
dade! Que ela nos olhe com o olhar de
Jesus. E se não nos puder abrir caminho
de inclusão para esta sociedade, que
nos inclua em suas orações para que
um dia, após a rodada final, sejamos
incluídos na sociedade do Amigo. Ele
sabe que nossa Campanha de Fraterni-
dade começou há muito tempo e só tem
tempo de terminar quando chegarmos
definitivamente a Ele. 

Hilário Cristofolini é escritor, autor de Seguimos seus passos,


Lançamento do texto-base da CF 2006 na APAE, Vila Mariana, São Paulo, SP. sobre a vida de Pierina Morosini, entre outros.

- Jan/Fev 2006 11
A CPI
cidadania

e as verdades limitadas
Ser cidadão também é tomar consciência do que ocorre no Poder Legislativo. Ultimamente, as
CPIs têm sido palco para políticos artistas e inescrupulosos.
de Humberto Dantas

José Cruz/ABr.
A
o longo da história, as constituições brasileiras “aper-
feiçoaram” e trataram de garantir a existência das
Comissões Parlamentares de Inquérito. Desde a Pro-
clamação da República existem prerrogativas legais
que sugerem a investigação de determinados fatos
pelos membros do Poder Legislativo. Recentemente,
a força desse instrumento consolidou-se com a Constituição de
1988 e a CPI de PC Farias, que resultou no impeachment de
Fernando Collor, em 1992.
Ao longo dos últimos 13 anos assistimos a outros vários
exemplos de Comissões de Inquérito. Não apenas no Congresso
Nacional, mas também nos legislativos municipais e estaduais.
Em inúmeros exemplos, também testemunhamos tentativas
frustradas de instalações de Comissões que esbarraram na
força impeditiva de alguns agentes. Em 2003, por exemplo, o Deputados membros da CPI do Mensalão durante trabalho em Brasília, DF.
presidente do Senado, José Sarney, conseguiu manobrar suas posição na televisão para lembrar de seu eleitorado. O interesse
forças e vetar a CPI dos Bingos, que por força das ocorrências, da nação é constantemente deixado de lado, em nome de um
emergiu dois anos depois. conjunto de legisladores que, ao invés de agir pelo país, atua como
Diante dos exemplos citados, nos resta uma simples pergunta: classe consolidada.
o que representa uma CPI para a nação? Falamos de que tipo de Quem não se lembra dos dizeres de um vereador paulista-
inquérito? O brasileiro já é capaz de amadurecer a idéia de que no que, ao ver seu mandato ameaçado pela CPI dos Fiscais,
tais comissões têm um papel importante para o país, mas por trás bradou: “vejam bem o que os senhores decidirão sobre meu
de suas ações se escondem algumas questões fundamentais. futuro. Eu tenho alguns de vocês nas minhas mãos”. Quando
Por que tais comissões encerram seus trabalhos, ou desviam assuntos pessoais transcendem o interesse público, o Estado
suas atenções, quando o quadro investigado aponta para uma está fadado à falência. É o que dizia o filósofo Jean-Jacques
realidade mais “absurda” e abrangente do que se supunha? Por Rousseau, e o que parece ocorrer entre nossos representantes.
que certos personagens parecem intocáveis? A CPI do Mensalão, Qualquer CPI, nesse caso, nos remete à fábula da raposa que
por exemplo, deixou de interessar quando supôs que a quantidade toma conta do galinheiro.
de envolvidos transcendia uma ou duas legendas partidárias. A sociedade necessita de uma postura mais ativa diante dos
A CPI dos Correios, apesar de prorrogada, esteve fadada ao fatos trazidos. Seja por meio do voto, de manifestações ou de
fim quando parlamentares das bases governista e oposicionista ações consistentes, precisamos deixar de aceitar passivamente
votaram por seu término. A CPI da Terra transformou-se em pal- que as verdades tenham limite. Nosso momento é tão delicado,
co de disputas entre ruralistas e partidários da reforma agrária, e exige tamanha reflexão, que as recentes CPIs passaram a
quando seu objetivo era completamente diferente. considerar comum crimes como o “caixa 2”, utilização da máqui-
na pública para fins privados e compra de votos. Num universo
Interesses individuais em que a regra é desrespeitada por quem a constrói, parece
Parece razoável supor que a relevância de uma CPI tem esbar- possível falarmos em falência do Estado. 
rado constantemente nos interesses individuais dos parlamentares.
A forma como os depoimentos são colhidos, por exemplo, priorizam Humberto Dantas é cientista político, coordenador do Curso de Formação Política da Assembléia
a capacidade teatral de alguns argüidores - que aproveitam a ex- Legislativa e assessor da Pastoral Fé e Política em São Paulo.

12 Jan/Fev 2006 -
Vida missionária

Testemunho
na selva amazônica
Ir. Cristina Noskoski relata o seu

Arquivo Pessoal
trabalho de evangelização na
Prelazia de Coari, Amazonas.
de Cristina Noskoski

N
asci em Getúlio Vargas, Rio Grande do Sul. Meus pais
eram agricultores. Desde criança estive em contato
com a natureza, aprendendo o respeito e o amor pelo
meio ambiente. Talvez por isso, o carisma franciscano
tenha me atraído. Meu pai demonstrava um apreço
especial pelos missionários. Todos os dias ao rezar
o terço em família ele colocava uma intenção por eles. Quando
os padres vinham à comunidade, ou os missionários, sempre
se hospedavam em nossa casa. Eu e meus irmãos crescemos duas vezes ao ano, através de visitas da Equipe Pastoral Paro-
familiarizados com a Igreja. A minha irmã Antônia, e eu optamos quial. Mesmo não havendo sacerdote permanente na paróquia,
pela Vida Religiosa, ambas na mesma Congregação. durante todos estes anos, as irmãs realizaram regularmente
essas visitas, levando a Palavra de Deus, ministrando os Sacra-
Opção missionária mentos, orientando sobre cidadania, saúde preventiva, formando
Em 1980, a convite de Dom Gutenberg Freire Régis, bispo lideranças e organizando as comunidades.
da Prelazia de Coari, Amazonas, a Congregação decidiu forta-
lecer e ampliar a nossa presença missionária naquela região, Experiência de Deus
abrindo mais uma casa na mesma Prelazia, desta vez, em Be- Em 1999, senti em mim um pequeno desânimo, proveniente
ruri, no rio Purus. Na época, Beruri era distrito de Manacapuru, de vários fatores: cansaço físico, saudades da família e meus
tornando-se município em 1982. Com a chegada das irmãs a pais que, com certa idade, pediam o meu retomo. Na Igreja do
Beruri, foi instalada a Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré. Brasil preparava-se a celebração dos 500 anos de evangelização.
Dom Gutenberg a entregou aos cuidados das Irmãs Francis- Uma réplica da cruz da 1ª Missa no Brasil peregrinava em todas
canas Missionárias de Maria Auxiliadora. Elas administraram a as paróquias de cada Regional. Eu me preocupei em motivar
paróquia durante 24 anos, até 2004, quando chegou o primeiro o povo e preparar bem a celebração para que este aconteci-
pároco, padre José Orlando da Cruz, da Igreja Irmã de Mogi mento se tornasse um momento forte de evangelização. Em
das Cruzes, São Paulo. nenhum instante pensei em mim, mas no povo. Eis a surpresa!
A paróquia abrange 14 mil quilômetros quadrados. No início Ao aproximar-se o barco do porto de Beruri trazendo a pequena
havia apenas uma comunidade urbana e cinco comunidades cruz de bronze, acompanhada da imagem de Nossa Senhora
rurais. Hoje, após 25 anos, há cinco comunidades urbanas e 53 Aparecida, senti em mim algo inexplicável! Olhando para aquela
rurais. Destas, algumas são bastante organizadas e outras em cruz, pequena e corroída pelo tempo, parecia ouvir Jesus me
formação. As rurais são todas ribeirinhas. É o povo das águas! dizer: “Cristina, olhe para mim e veja!” A partir daquele dia tudo
Beruri não possui estradas. A locomoção é feita por vias fluviais. mudou em mim. Voltou a alegria de continuar me doando ao
A distância da sede paroquial até a última comunidade é de 30 povo, que se assemelhava àquela cruz! Ao me despedir no
horas de barco-motor. Nas vias fluviais as distâncias são medidas final do ano 2004, pude afirmar com tranqüilidade que ali doei
em horas e não em quilômetros. os melhores anos de minha vida.
Nos primeiros anos de paróquia, as irmãs assumiram a orga- Agora me encontro em minha terra natal, o Rio Grande do
nização e coordenação, não só do trabalho pastoral paroquial, Sul. Vejo este tempo como um período de graça, para recompor
mas também da educação e saúde de todo o município. As as forças físicas e uma oportunidade de atualização e apro-
comunidades rurais não possuíam escola. Mesmo assim ainda fundamento espiritual. O meu coração, no entanto, continua
hoje há comunidades ribeirinhas sem professor e sem escola. Em palpitando por um trabalho de doação missionária em terras
algumas, as aulas são ministradas em capelas ou residências e mais desprovidas de agentes pastorais. 
os alunos escrevem no chão, porque não há carteiras.
O atendimento religioso às comunidades ribeirinhas é feito Cristina Noskoski é irmã Franciscana Missionária de Maria Auxiliadora.

- Jan/Fev 2006 13
A coragem que vem de Deus
Testemunho

Ir. Cecília conta sua experiência missionária no Quênia e no Estados Unidos.

de Cecília Clara Zamboni Consolata. Era o dia 5 de novembro de 1959 e eu tinha 20


anos. O diploma universitário só consegui depois de ter feito a

M
Profissão, em maio de 1962. Especializei-me em Sociologia e
eu nome de batismo é Maria Augusta. Sou italia- Psicologia. Quando fui trabalhar no Quênia, África, o governo
na, nasci no ano de 1939, em Bologna, histórica estava montando uma escola para assistentes sociais e eu
cidade da Itália sententrional. Meu pai, formado precisei do diploma para que ela pudesse ser reconhecida.
em legislatura, sempre trabalhou na administração A minha vocação manifestou-se aos 15 anos, durante uma
pública municipal. Por 40 anos ocupou-se também visita a um hospital de pacientes incuráveis, assistido pelas Irmãs
do setor de Assistência em Bologna e na provín- do Cottolengo, em Turim. Ali o Senhor fez-me sentir claramente
cia de Milão, no pós-guerra. Minha mãe, professora, passou a que me queria para si. Minha primeira resposta foi que eu era
ocupar-se apenas do lar e da família depois do nascimento da ainda muito jovem para pensar em coisa tão séria; porém, co-
segunda filha. Aos treze anos, quando estava para iniciar o que mecei a me esforçar para fazer melhor todos os meus deveres,
chamamos de Ensino Médio, meu pai me fez duas propostas: na escola e em casa e a ser mais atuante na Ação Católica.
continuar os estudos, sendo que ele faria qualquer sacrifício
para custeá-los, porém, eu teria que abrir mão de todo luxo e Como vivo a Missão
regalias ou começar a trabalhar, porque os irmãozinhos eram Parti para os Estados Unidos em agosto de 1963. Lá, apren-
muitos e ele sozinho não podia sustentar as minhas vaidades. di a fazer um pouco de tudo, além do estudo. Em seguida, fui
Escolhi continuar a estudar. Aos 15 anos comecei a participar trabalhar no Quênia. Ali fiz minha Profissão Perpétua, na capela
da Ação Católica. de Getoro, onde lecionava. Uma das estudantes de então, me
escreveria anos mais tarde, dizendo-me que a sua vocação
Vida acadêmica e opção vocacional religiosa para ser irmã da Anunciação, nasceu naquela ocasião.
Escolhi formar-me como Assistente Social. Antes de iniciar Isto me deu uma grande alegria.
o segundo ano, decidi entrar no Instituto das Missionárias da O que sempre me deu muita força é a consciência de que
a evangelização é obra do Espírito e os tempos e o modo de
concretizá-la são seus. Convenci-me de que o meu empenho
Jaime C. Patias

deve ser o de dar espaço e tornar-me cada vez mais aquela


criatura que Deus pensou desde toda a eternidade. Assim,
ele me ensinou como chegar a um equilíbrio humano e a
considerar tempo perdido o perfeccionismo e a competição.
Ensinou-me a superar os meus desânimos, a acalmar o meu
temperamento e criar espaço para a reflexão e a oração. Não
que eu já tenha chegado, mas, estou a caminho. Aprendi que
isto é o mais importante. O que mais me emociona nesta
estrada é a fidelidade de Deus. Ele a demonstra muitas e
muitas vezes, quer diretamente, ou através da bondade e da
compreensão das minhas irmãs e das pessoas com as quais
me relaciono, especialmente os pobres. Neles encontro Jesus,
vivo e verdadeiro.
“Se o grão de trigo caindo na terra não morre, permanece
só; mas se morre, produz muito fruto” (Jo 12, 24); “Quem per-
de a sua vida por mim vai encontrá-la” (Mt 10, 39), são frases
do Evangelho que alimentam o meu viver e fortalecem o meu
caminhar. Muitas vezes fico pensando em tantas pessoas
que procuram desesperadamente o sucesso e a felicidade.
Infelizmente ainda não sabem quanta alegria se esconde na
doação da própria vida a Deus e a serviço do Evangelho. Neste
sentido, há 18 anos esse Deus fiel, iniciou-me num caminho de
paz e não-violência. Ele me chama cada dia a fazer escolhas
decisivas, de um jeito novo. Estou convencida que para poder
“denunciar é preciso antes ter a coragem, que nos vem somente
de Deus, de denunciar a nós mesmos”. Assim diz um profeta
da paz, Thomaz Merton. 

Cecília Clara Zamboni é irmã missionária da Consolata nos Estados Unidos.

14 Jan/Fev 2006 -
Formação Missionária

Evangelii Nuntiandi
A Exortação ressalta a importância da evangelização, levando em Sim: a pregação, a proclamação verbal de
uma mensagem, permanece sempre como

conta as circunstâncias de tempo, lugar, cultura, meios e agentes. algo indispensável. Nós sabemos bem que
o homem moderno, saturado de discursos,
se demonstra muitas vezes cansado de
Jaime C. Patias

ouvir e, pior ainda, como que imunizado


contra a palavra. Conhecemos também
as opiniões de numerosos psicólogos e
sociólogos, que afirmam ter o homem
moderno ultrapassado já a civilização da
palavra, que se tornou praticamente ineficaz
e inútil, e estar a viver, hoje em dia, na
civilização da imagem. Estes fatos deveriam
levar-nos, como é óbvio, a pôr em prática
na transmissão da mensagem evangélica
os meios modernos criados por esta civili-
zação. Já foram feitos, de resto, esforços
muito válidos neste sentido. Nós não temos
senão que louvar as iniciativas tomadas
e encorajá-las para que se desenvolvam
ainda mais. O cansaço que hoje provocam
tantos discursos vazios, e a atualidade de
muitas outras formas de comunicação não
devem no entanto diminuir a permanente
validade da palavra, nem levar a perder
a confiança nela. A palavra continua a
ser sempre atual, sobretudo quando ela
for portadora da força divina. (70) É por
este motivo que permanece também com
atualidade o axioma de São Paulo: “A fé
vem da pregação”, (71) é a Palavra ouvida
que leva a acreditar (EN 42).
Celebração de encerramento do CAM 2 - COMLA 7, Guatemala.

de Luiz Balsan sempre atual, pois os modos variam de melhor boa vontade as testemunhas do
acordo com as circunstâncias de tempo, que os mestres (...) ou então se escuta os

C
de lugar e de cultura; 3. aos pastores da mestres, é porque eles são testemunhas”
om a Exortação Apostólica Igreja cabe o cuidado de remodelar com (41). Será, antes de mais nada, pelo seu
Evangelii Nuntiandi o papa ousadia e com prudência os processos, comportamento, pela sua vida, que a Igreja
Paulo VI quis dar continuidade tornando-os o mais possível adaptados há de evangelizar este mundo.
à reflexão do Concílio Ecumê- e eficazes para comunicar a mensagem
nico Vaticano II que buscava evangélica aos homens do nosso tempo. Uma pregação viva
tornar a Igreja mais capaz de Em seguida, o papa apresentou algumas A importância do testemunho, po-
anunciar o Evangelho na sociedade vias de evangelização que, por algum rém, não deve levar a menosprezar
contemporânea. Consciente de que motivo se revestem de uma importância a necessidade da pregação. “Como
sua reflexão se inseria numa época de fundamental. poderiam crer naquele que não ou-
profundas transformações culturais, viram? E como poderiam ouvir sem
partiu de algumas convicções impor- Testemunho de vida pregador? ... pois a fé vem da prega-
tantes: 1. a atenção dada ao conteúdo Uma vida autenticamente cristã, ção” (Rm 10, 14.17). Este princípio,
da evangelização não nos deve levar a entregue nas mãos de Deus, dedicada estabelecido outrora pelo apóstolo
esquecer a importância das vias e dos ao próximo com um zelo sem limites, é Paulo, conserva, ainda hoje, todo o
meios da evangelização; 2. o problema o primeiro meio de evangelização. “O seu vigor. O fato de estarmos hoje
do “como evangelizar” apresenta-se homem contemporâneo escuta com vivendo a civilização da imagem deveria

- Jan/Fev 2006 15
Formação Missionária

ção eucarística. Convida os pastores a


Fotos: Jaime C. Patias

dedicarem-se a ela com amor e afirma


que os fiéis “esperam muito desta pre-
gação e dela poderão tirar fruto abun-
dante, contanto que ela seja simples,
clara, direta, adaptada, profundamente
aderente ao ensinamento evangélico
e fiel ao magistério da Igreja, animada
por um ardor apostólico equilibrado
que lhe advém do seu caráter próprio,
cheia de esperança, nutriente para a fé
e geradora de paz e de unidade. Muitas
comunidades paroquiais ou de outro
tipo vivem e consolidam-se graças à
homilia de cada domingo, quando ela
tem as qualidades apontadas” (43).

A catequese
A catequese é uma das vias que
não pode ser descuidada no proces-
so de evangelização. As crianças e
adolescentes, precisam aprender, de
forma sistemática, o conteúdo vivo da
verdade que Deus nos quis transmitir,
e que a Igreja procurou exprimir de
maneira cada vez mais rica, ao longo
11º Intereclesial das CEBs, Ipatinga, MG. da sua história. No momento em que
nos motivar a usar os meios modernos pregação, é a Palavra ouvida que leva o papa escreve esta exortação, há
criados por ela. Isto, porém, não nega a acreditar (42). uma grande valorização da dimensão
o valor do anúncio pela palavra. De existencial. A forte valorização da ex-
forma análoga, o papa afirma que o Liturgia da Palavra periência parecia negar a importância
cansaço que hoje provocam muitos A pregação evangelizadora pode do conteúdo. Por isso ele manifesta
discursos vazios e a atualidade de assumir uma diversidade quase infinita a preocupação que não se passe ao
muitas outras formas de comunicação de formas. A Liturgia da Palavra, seja outro extremo: dar tanta importância ao
não devem diminuir a permanente va- na celebração eucarística ou em outro existencial ao ponto de menosprezar
lidade da palavra, nem levar a perder momento, é um meio privilegiado de a compreensão racional da fé. Ambos
a confiança nela. A palavra continua a evangelização. A atenção do papa se devem caminhar juntos. Para que a
ser sempre atual, sobretudo quando centraliza, de modo particular, sobre a catequese alcance o êxito esperado,
ela for portadora da força divina. É homilia, à qual reconhece um grande porém, é necessário que os textos
por este motivo que permanece atual potencial evangelizador e recomenda sejam apropriados e atualizados com
o princípio de São Paulo: a fé vem da que não seja usada apenas na celebra- prudência e com competência; os
métodos sejam adaptados à idade, à
cultura e à capacidade das pessoas;
os catequistas sejam bem preparados
nesta arte do ensino religioso. Não
menos importante é a catequese para
adultos, que pouco a pouco desco-
brem o rosto de Cristo e mostram o
desejo de segui-lo mais de perto (44).

Os meios de
comunicação social
Neste século tão marcado pelos
meios de comunicação social (MCS)
o primeiro anúncio, a catequese ou
o aprofundamento ulterior da fé, não
podem deixar de se servir deles. “Pos-
tos a serviço do Evangelho, tais meios
(...) fazem com que a Boa Nova che-
gue a milhões de pessoas. A Igreja
Grupo de missionários atuantes no Brasil, Argentina, Venezuela e Colômbia. viria a sentir-se culpável diante do

16 Jan/Fev 2006 -
Formação Missionária

E é por isto que, ao lado da


proclamação geral para todos
do Evangelho, uma outra forma
da sua transmissão, de pessoa
a pessoa, continua a ser válida
e importante. O mesmo Senhor
a pôs em prática muitas vezes,
por exemplo as conversas com
Nicodemos, com Zaqueu, com a
Samaritana, com Simão, o fari-
seu, e com outros, atestam-no
bem, assim como os apóstolos.
E vistas bem as coisas, haveria
uma outra forma melhor de
transmitir o Evangelho, para
além da que consiste em co- Celebração durante Assembléia Continental dos Missionários da Consolata, SP.
municar a outrem a sua própria a uma adesão, um compromisso real- seus esforços, auxiliá-las a reerguer-
experiência de fé? Importaria, mente pessoal (45). se se porventura caíram e assisti-las
pois, que a urgência de anun- continuamente, com discernimento e
ciar a Boa Nova às multidões Indispensável disponibilidade (46).
de homens, nunca fizesse es- contato pessoal
quecer esta forma de anúncio, São memoráveis os encontros pes- O papel dos
pela qual a consciência pessoal
soais de Jesus – com a Samaritana, sacramentos
Zaqueu, Simão... O papa se pergunta A evangelização não se esgota com
de um homem é atingida, toca-
se haveria uma outra forma melhor de a pregação. Pelo contrário, a evange-
da por uma palavra realmente transmitir o Evangelho do que comuni- lização exprime toda a sua riqueza,
extraordinária que ele recebe car ao outro a própria experiência? A quando ela realiza uma ligação e melhor
de outro. Nós não poderíamos urgência de anunciar a Boa Nova às ainda, uma intercomunicação entre a
dizer nunca e enaltecer bas- multidões não deve levar a menospre- Palavra e os sacramentos. Nos anos 70,
tante todo o bem que fazem zar esta forma de anúncio. De modo havia uma atitude crítica diante de uma
os sacerdotes que, através do particular, o texto se centraliza naqueles prática eclesial que supervalorizava os
sacramento da Penitência ou
através do diálogo pastoral, se
demonstram dispostos a orien-
tar as pessoas pelas sendas
do Evangelho, a ajudá-las a
firmarem-se nos seus esforços,
a auxiliá-las a reerguer-se se
porventura caíram, enfim, a
assisti-las continuamente, com
discernimento e com disponibi-
lidade (EN 46).

seu Senhor, se ela não lançasse mão


destes meios potentes que a inteli-
gência humana torna cada dia mais
aperfeiçoados. É servindo-se deles
que ela ‘proclama sobre os telhados’, a
mensagem de que é depositária” (45).
Paulo VI, porém, adverte que não
Paróquia São José, Pinhal Grande, RS.
basta atingir grande quantidade de
pessoas; é preciso profundidade: a aspectos do ministério sacerdotal que sacramentos em prejuízo de uma séria
mensagem evangélica deverá chegar propiciam um encontro pessoal com os formação na fé. Com seu equilíbrio, Paulo
sim às multidões, mas, com a capacida- fiéis, como o sacramento da penitência, VI quer evitar que agora se passe ao
de de penetrar na consciência de cada o diálogo pastoral, a orientação pessoal. outro extremo: valorizar tanto a formação
uma das pessoas, de se depositar nos Através destes, os sacerdotes podem na fé menosprezando a importância
corações de cada um deles, levando ajudar as pessoas a se firmarem nos dos sacramentos. Por isso alerta: “Num

- Jan/Fev 2006 17
Formação Missionária

Jaime C. Patias
No nosso século tão marcado
pelos “mass media” ou meios
de comunicação social, o pri-
meiro anúncio, a catequese ou
o aprofundamento ulterior da fé,
não podem deixar de se servir
destes meios conforme já tive-
mos ocasião de acentuar.
Postos a serviço do Evangelho,
tais meios são susceptíveis de
ampliar, quase até ao infinito, o
campo para poder ser ouvida a
Palavra de Deus e fazem com
que a Boa Nova chegue a mi-
lhões de pessoas. A Igreja viria
a sentir-se culpável diante do
seu Senhor, se ela não lançasse
mão destes meios potentes que
Encontro Diocesano das CEBs, São José dos Campos, SP.
a inteligência humana torna
cada dia mais aperfeiçoados. grande parte, da sua eficácia. O papel dedicação, devoção etc. Em virtude
É servindo-se deles que ela da evangelização é precisamente o de destes aspectos, nós a denominamos,
educar de tal modo para a fé, que esta de bom grado, “piedade popular”, no
“proclama sobre os telhados”,
depois leve cada um dos cristãos a viver sentido de religião do povo, em vez de
(72) a mensagem de que é
– e a não se limitar a receber passiva- religiosidade. É preciso, portanto, tratá-
depositária. Neles encontra uma mente, ou a suportar – os sacramentos la com caridade pastoral; ser sensível
versão moderna e eficaz do como eles realmente são, verdadeiros em relação a ela, dar-se conta das
púlpito. Graças a eles consegue sacramentos da fé” (48). suas dimensões interiores e dos seus
falar às multidões. inegáveis valores, estar disposto a
Entretanto, o uso dos meios Religiosidade popular ajudá-la a superar os seus limites. Bem
de comunicação social para a Seja nas igrejas de antiga tradição, orientada, esta religiosidade popular,
evangelização comporta uma seja nas mais recentes, subsistem ex- pode vir a ser cada vez mais, para o
exigência a ser atendida: é que pressões particulares da busca de Deus e povo, um verdadeiro encontro com
da fé. Estas expressões, por muito tempo, Deus em Jesus Cristo. 
a mensagem evangélica, atra-
foram, de certa forma, desprezadas.
vés deles, deverá chegar sim Hoje, porém, mais ou menos em toda a Luiz Balsan é missionário, professor de Espiritualidade e
às multidões de homens, mas parte são objeto de uma redescoberta. doutor em Teologia.
com a capacidade de penetrar Num primeiro momento a Evangelii
na consciência de cada um Nuntiandi alerta para alguns limites da
desses homens, de se depositar religiosidade popular: não raro, está Para reflexão
nos corações de cada um deles, aberta à penetração de superstições e
como se cada um fosse de fato corre o risco de permanecer apenas a 1. Na Igreja, houve um tempo em que se valorizou
o único, com tudo aquilo que um nível de manifestações cultuais, sem muito os sacramentos, esquecendo-se da importân-
expressar ou determinar uma verdadeira cia de uma séria formação na fé. Como você avalia
tem de mais singular e pessoal,
adesão de fé. a formação da fé na Igreja hoje?
a atingir com tal mensagem e Mas, ao mesmo tempo, é rica de
do qual obter para esta uma 2. Em sua paróquia existe grupo missionário de
valores: ela traduz em si uma certa evangelização?
adesão, um compromisso real- sede de Deus, que somente os pobres
mente pessoal (EN 45). e os simples podem experimentar; ela 3. No seu modo de ver, a forte migração de
predispõe as pessoas à generosidade e uma denominação cristã para outra revela uma
ao sacrifício até ao heroísmo, quando se fragilidade na evangelização?
certo sentido há um equívoco em con- trata de manifestar a fé; ela comporta um 4. O projeto nacional de evangelização da CNBB
trapor, como já algumas vezes se fez, apurado sentido dos atributos profundos (2004-2007) no nº 72 apresenta três grandes
a evangelização à sacramentalização. de Deus: a paternidade, a providência, metas da evangelização: a) Formação da digni-
É bem verdade que uma certa maneira a presença amorosa e constante... Ela dade da pessoa; b) Renovação da comunidade; c)
de administrar os sacramentos, sem suscita atitudes interiores que raramente Participação na construção de uma sociedade justa
um apoio sólido na catequese destes se observam alhures no mesmo grau: e solidária. Como podemos ou estamos enfrentando
mesmos sacramentos e numa cateque- paciência, sentido da cruz na vida coti- este desafio a nível pessoal e comunitário?
se global, acabaria por privá-los, em diana, desapego, aceitação dos outros,

18 Jan/Fev 2005 -
O hoje

missão
Atualmente não se fala mais

daHoje
em territórios de Missão, mas

Missão
história
em situações humanas, em
processos sociais, em contextos
socioculturais que precisam da
da missão iluminação do Evangelho.

de Francisco Lerma Martinez crentes e não crentes, entre cristãos e seguidores de outras
religiões, uma luta de toda a humanidade, de todos os que se
sentem filhos deste mesmo e único planeta.

C
omeçamos a nossa reflexão invertendo a ordem das Os desafios
palavras da rubrica desta página: o hoje da Missão. Nós, cristãos, somos enviados a essa Missão universal. E
Foi assim que aconteceu com a ação de Deus na é nesse contexto generalizado que tem sentido a Missão hoje.
história da humanidade. O povo escravizado clamou A tal contexto chamamos os novos aerópagos da Missão, que
por libertação e Deus enviou um Salvador. Foi assim a superam o conceito geográfico. Já não falamos mais de terri-
primeira Missão na história. Mais tarde foram os pobres tórios de Missão, mas de situações humanas, de processos
que gritaram e Deus escutou, e assim por diante, até os nossos sociais, de contextos socioculturais que precisam da iluminação
dias. Por isso podemos afirmar que a Missão nasce também hoje do Evangelho.
no contexto concreto do povo sofrido.

ArquivoPessoal
As perspectivas da Missão
Estamos vivendo um tempo de mudanças, como
nunca se viu antes. Um mundo globalizado que faz
da Terra uma aldeia; um mundo caracterizado pelas
altas tecnologias da comunicação que encurtaram
as distâncias no tempo e no espaço. O imediato é
tido em alta consideração, pois o passado já não nos
pertence e o futuro ainda não está ao nosso alcance;
a movimentação das pessoas por causa das migra-
ções, turismo, comércio e cooperação internacional
aproximou povos e culturas; a crise da democracia
formal, das instituições civis e religiosas está criando
o desajustamento das instituições comunitárias que
regiam a sociedade.
Contemporaneamente aparecem novas depen-
dências e novas exclusões: o aumento da diferença
entre ricos e pobres, os mais ricos sempre mais ricos
Irmã Elvira Pessin, Itapevi, SP.
e os mais empobrecidos sempre em maior número;
o comércio humano que humilha profundamente a dignidade Entre todos os desafios que a situação atual do mundo nos
de crianças, jovens e mulheres; os movimentos migratórios apresenta, indico alguns, considerados como mais urgentes pela
como nunca aconteceram em toda a história, sem conseguirem sua incidência nos mais variados âmbitos da vida: a pobreza
processos culturais de integração das diversidades; as culturas nas suas duas vertentes, econômica e social; a cultura, com os
desprezadas ou marginalizadas no contexto da globalização; a processos mais generalizados da identidade cultural e da inter-
pandemia do vírus HIV e doenças endêmicas na maioria dos culturalidade, com todas as suas implicações na construção do
países ao sul do hemisfério; os equilíbrios sociopolíticos frágeis futuro da humanidade; e o diálogo intercultural e inter-religioso.
que facilmente degeneram em conflitos armados sem solução; As religiões só encontrarão a sua unidade, não na conversão
guerras esquecidas na África e Ásia; terrorismo generalizado em dos membros de uma confissão religiosa para a outra, nem no
qualquer parte do mundo; e auto-afirmação de fundamentalismos abandono das próprias convicções mais íntimas. Não é esse o
culturais e religiosos. caminho, mas sim, o compromisso na luta pela justiça, paz e
Este nosso mundo - a natureza, as pessoas - sofre as do- conservação da natureza, isto é, na luta contra tudo o que oprime
res do parto. A crise em si mesma considerada não é má nem os homens e as mulheres deste planeta e neste tempo. Amar o
boa. Trata-se simplesmente de um processo de gestação de nosso tempo, partilhar as suas dores e anseios mais profundos
algo novo. É um momento que faz possível o ressurgir de um por um futuro melhor e comprometer-se nas lutas justas pela
mundo novo, desde que as pessoas assim o entenderem e se sua libertação integral, eis as perspectivas da Missão hoje. 
empenharem em consegui-lo. É o grande desafio de todos e
da Missão em concreto. Trata-se de uma ação comum entre Francisco Lerma Martinez é missionário, antropólogo e secretário para a Missão.

- Jan/Fev 2006 19
Destaque do mês

Educação globa
a história de Ladakh
de uma região remota e de difícil acesso.
Permaneceu praticamente inalterada até
1962 quando, em resposta ao conflito no
Tibete, o exército indiano construiu uma
estrada para ligar a região com o restante
do país. Em 1975, foi aberta ao turismo
internacional. Conectada ao sistema global,
a região mudou para sempre sua paisagem
física e mental. Chegaram turistas, produtos
de consumo, burocracia governamental,
economia monetária e escolas.

Educação oficializada
O governo tornou-se o condutor do
sistema educacional. Hoje, a grade cur-
ricular básica é uma imitação daquilo que
é ensinado em outras partes da Índia, que
por sua vez, é uma imitação arcaica da
educação colonial britânica. As crianças
aprendem em livros didáticos escritos por
pessoas que nunca estiveram no país. As
cartilhas estão cheias de imagens estra-
nhas ao habitat (navios, elefantes e famílias
loiras cozinhando com seus utensílios
ocidentais). O currículo, desconectado
da realidade, reduziu o aprendizado à
memorização de informações abstratas,
compartimentadas em disciplinas, horas e
faixas etárias. A educação, antes acostu-
mada a ser dinâmica e abraçando todas as
facetas da vida, hoje tem caráter passivo
Texto e fotos de Nicole Roitberg auto-subsistência formada por estruturas e hierárquico.
econômicas, agrárias e sociais baseadas na A ênfase ocidental no individualismo,

P
adaptação com o ambiente montanhês. na competição, em títulos e critérios de
assei o ano de 2004 na Índia, Até 1961, os monastérios eram a avaliação, contrasta fortemente com a
buscando compreender a in- principal fonte de educação e a aprendi- reciprocidade e colaboração familiar tão
fluência do desenvolvimento zagem ocorria no relacionamento íntimo comum aos ladakhis. Sendo budistas, a
global na educação em áreas dos ladakhi com o seu ecossistema. As vida é vista de forma holística. Seu mundo
remotas. A jornada levou-me a crianças aprendiam com a família, os inclui tanto a mente quanto a alma, o visível
Ladakh, uma região elevada do amigos e o mundo natural. As gerações e o invisível. Qualidades como compaixão,
deserto, aninhada na Cordilheira do Hima- mais velhas interagiam com as mais novas, generosidade e renúncia são critérios
laia. Lá, tive a oportunidade de trabalhar desenvolvendo um sentido de respon- essenciais de avaliação. No entanto, as
em um projeto desenvolvido pelo ISEC sabilidade e cuidado. A educação local imposições tecnológicas tornaram irrele-
(Sociedade Internacional para Ecologia e permitia às crianças o conhecimento e as vante esse tipo de sabedoria milenar.
Cultura), uma ONG que promove soluções habilidades necessárias para que usassem A escolarização não é feita na língua
sociais, ambientais e econômicas com as os recursos disponíveis de uma maneira ladakhi, mas sim em urdu e hindi. As es-
comunidades locais. Os ladakhis vivem eficaz e sustentável. colas ensinam todas as suas disciplinas
em comunidades predominantemente Ladakh havia sido ignorada pela Ingla- em urdu até o que chamamos de Ensino
budistas que se estabeleceram há mil terra durante a época colonial, e mais tarde Fundamental (oitava série) e, daí em
anos e, apesar da hostilidade da região, pelo próprio governo indiano, por possuir diante, em inglês. A maioria dos alunos
aprenderam a viver em uma economia de baixo potencial econômico, tratando-se acaba semi-analfabeta nos dois idiomas,

20 Jan/Fev 2006 -
alizada
de agricultura industrial se tornam mais
vulneráveis ao ataque, as monoculturas
culturais também se tornam insustentáveis
e ameaçadas de extinção.

Instrumentos de poder
As escolas estão formalizando relacio-
namentos do tipo colonizado-colonizador
em países emergentes. Fazer da educação
O processo desenvolvido na região de Ladakh, Índia, retrata alguns um “bem de consumo”, e prepará-la para
a produção de mão-de-obra ditada por
dos problemas educacionais impostos pela globalização. mercados ocidentais é a mesma lógica
que força os países mais pobres aos pro-
e analfabeta em sua própria língua. Como a educação das crianças num estilo de gramas de ajuste estrutural do FMI, com
resultado, 95% dos alunos das escolas vida consumista. seu drástico corte nos serviços públicos.
governamentais são reprovados todos os Surpreendentemente, o discurso de- A educação se transformou em um ele-
anos e, portanto, privados de ingressarem senvolvimentista tem sido calorosamente gante instrumento de poder que consiste
no ensino superior. Hoje, a língua materna bem-vindo por nações no mundo inteiro. em manter um véu diante dos olhos dos
dos ladakhis é restrita ao espaço doméstico Esse “colonialismo moderno” teve suas subordinados sem deixá-los sentir o que
e informal, enquanto o urdu é usado na grandes vitórias, não tanto pela força os está guiando.
esfera do comércio e do mercado. militar mas, pela habilidade de criar um Qual preço as gerações futuras pagarão
novo cenário mental incompatível com a pela maneira com que nós estamos sendo
Globalização da educação ordem tradicional. Essa hierarquia prome- educados? Toda educação é ambiental,
O que estamos testemunhando aqui tia uma nova configuração que parecia pois somos parte do mundo natural. Nós
não é exclusivo de Ladakh, mas sim um com a resolução sobre a erradicação da devemos urgentemente reconhecer a falha
movimento mundial impulsionado pela pobreza e a criação de um mundo mais da educação com relação à ampla rede de
força de um discurso desenvolvimentista. justo. A globalização – a colonização do sistemas ecológicos. Infelizmente, não é
Este discurso, que a princípio derivou século XXI – revela um panorama psíqui- somente a falha em reconhecer nossa inex-
seu vigor da expansão do mercado e das co complexo porque libera forças dentro tricável ligação com sistemas naturais, mas é
transnacionais, vem influenciando todos os das sociedades para que alterem suas também uma falha no processo educacional
aspectos da vida. Quando a ONU percebeu prioridades culturais para sempre. para unir intelecto, afeição e lealdade às
que era inadequado medir o bem-estar Há uma diferença notável entre culturas ecologias de lugares específicos.
social de um país unicamente pela sua e comunidades que se submetem à mu- O que acontece quando nos despimos
habilidade em competir no mercado global, dança natural com a passagem do tempo desta experiência bioestética do mundo?
passou a publicar (em 1990) o Relatório de e entre a homogeneização universal de As escolas fazem pouco para exercitar
Desenvolvimento Humano, comissionado sociedades inteiras causadas pela impo- a imaginação, motivar ou criar sistemas
pelo Programa das Nações Unidas para sição de uma única “cultura” de economia democráticos. Nossa grade de ensino frag-
o Desenvolvimento (PNUD). de mercado. Essa para funcionar, exige a mentou o mundo em pedacinhos chamados
O censo para este novo cenário glo- desvalorização de todas as outras formas de “disciplinas”, alienadas umas das outras.
bal reconheceu a educação como fator existência social.As necessidades pessoais, Como conseqüência, a maioria de nós sai
chave no desenvolvimento humano e na a autonomia, as experiências e a identi- da escola sem um sentido integrado das
justiça social, tornando-a um pré-requisito dade do indivíduo desaparecem através coisas e do mundo. Apesar da natureza nos
para as nações que queiram alcançar da mediação do mercado. Assim como ser apresentada como um aglomerado de
progresso. A globalização transformou as vastas extensões de uma monocultura experiências sensoriais, temos uma edu-
cação organizada para uma conveniência
intelectual de maneira antagônica àquela
que nós realmente vivenciamos.
A história dos ladakhis com certeza
questiona o que vale a pena ser ensinado
nesse mundo. Se queremos efetivamente
mudar os padrões auto-destrutivos que
criamos e começar a preparar um tipo
responsável de humanidade, devemos
começar pela transformação de todo nosso
sistema educacional. As escolas, em sua
natureza alienante, ajudam a formar seres
humanos incompletos. Deveríamos parar
de ensinar o conhecimento para o lucro
e começar a criar o conhecimento para a
totalidade, como plenitude do ser humano.
Para os ladakhis e talvez para o resto do
mundo, é a única forma de garantir um
futuro seguro, ético e sustentável. 

Nicole Roitberg é antropóloga e educadora ambiental.

- Jan/Fev 2006 21
Fraternidade e Pessoas com
atualidade

A Campanha da Fraternidade 2006 tem como tema Fraternidade e pessoas com deficiência e
como lema Levanta-te, vem para o meio!, inspirado no Evangelho de Mateus (Mt 3,3).
de Maria Emerenciana Raia, com informações do texto-base da CNBB.

Cartaz da Campanha

É
fácil perceber como a fraternidade da Fraternidade

Júlio César Costa.


e a solidariedade estão implicadas
na questão do trato das pessoas “Levanta-te, vem para o meio!”
com deficiência. Com freqüência, (Mc 3,3). A frase de Jesus, dirigida
elas são vítimas de preconceito ao homem com a mão atrofiada,
e discriminação, sobretudo num
representa o convite feito a todas
ambiente cultural que tende a marginalizar
e excluir os que têm menos capacidade as pessoas com deficiência para
individual de competir com os outros e de que se sintam acolhidas e valo-
se afirmar social e economicamente. rizadas. O lema traduz também
A Campanha da Fraternidade (CF) as ações positivas propostas
é ocasião para uma grande tomada de pela Campanha de 2006 para a
consciência sobre as condições geral- inclusão fraterna desses nossos
mente difíceis vividas pelas pessoas com
deficiência e para desencadear muitas
irmãos e irmãs. Essa atitude
iniciativas de valorização efetiva delas. fraterna é indicada pelo gesto de
A Conferência Nacional dos Bispos do acolhida e pelo sorriso dos dois
Brasil espera que a CF leve a atitudes de jovens. Desta Campanha ninguém
verdadeira fraternidade cristã em relação deverá ficar de fora.
a esses irmãos e irmãs e aprofunde na As cores claras e alegres mos-
sociedade a cultura da solidariedade em
Cartaz da CF-2006: Criação: Equipe
tram que a deficiência não é,
relação a eles.
Prospecto: Alexandre Yuki Ogusu- por si, causa de tristeza. Ao
Os números da discriminação ku, Maryam Morandi Silva, Letícia mesmo tempo, a Campanha aju-
A deficiência não é uma doença, mas Guarnieri, Jefferson Luiz Bonfim da a tomar consciência sobre as
da Costa, Marcelo Pires de Oliveira
o preconceito, sim. A Organização Mundial condições quase sempre difíceis
– alunos da Agência Experimental
de Saúde (OMS) calcula que no mínimo vividas pelas pessoas com defi-
em Publicidade e Propaganda da
350 milhões de pessoas com deficiência ciência. O fundo azul transmite
PUC Campinas – Mode­los: Daniele
Sawaya, Victor Andreucci. calma e tranqüilidade. Lembra
que Deus está presente na vida
vivem em regiões carentes, sem os servi- dessas pessoas.
ços necessários para ajudá-las a superar Victor é um jovem com síndrome
suas limitações. de Down. Ele estuda, trabalha
Na maioria dos países, de cada dez numa lanchonete e faz academia.
pessoas, uma tem algum tipo de defi­ciência,
Permitir e favorecer que pessoas
que repercute em pelo menos 25% de
toda a população. Na América Latina e com deficiência possam se de-
Caribe, segundo dados do Banco Mundial, senvolver é um desafio para os
existem mais de 50 milhões de pessoas vários setores da sociedade e da
com deficiência. Isso significa cerca de 10 Igreja. A imagem é um apelo forte
milhões da população regional. para que deixemos a condição
Outros fatores tornam essa situação
de espectadores. Vamos nos
ainda mais difícil: apenas 20% a 30% das
crianças com deficiência estão matriculadas
envolver com ações que resga-
na escola; cerca de 80% a 90% das pessoas tem a dignidade das pessoas
com deficiência estão desempregadas, ou, com deficiência! Vamos construir
pior, nem fazem parte da força de trabalho; uma cultura de solidariedade com
Dona Liliana Dias de Pastore com a filha Natália Dias quem trabalha, ganha mal – isso quando
Pastore durante lançamento do texto-base da CF
esses irmãos e irmãs!
recebe salário; não há serviço de saúde,
2006 na APAE, Vila Mariana, SP.

22 Jan/Fev 2006 -
m Deficiência
é impossível chegar aos hospitais; as se-
guradoras de saúde rejeitam clientes com
Informações importantes
deficiência; os poucos dados disponíveis A Coordenadoria Nacional para a Integra- de dados completo. As informações são
revelam que menos de 20% dos incapaci- ção da Pessoa Portadora de Deficiência gratuitas. Há dados completos sobre
tados recebem benefícios de seguro. (Corde), da Secretaria Especial dos equipamentos e utensílios destinados
Direitos Humanos tem a função de im- a melhorar a qualidade de vida dessas
Novas conquistas plementar políticas públicas relacionadas pessoas, informações sobre órgãos públi-
Em 1975, a Organização das Nações
Unidas (ONU) proclamou duas resoluções: às pessoas com deficiência. O Corde cos e organizações não-governamentais,
a Declaração de Direitos do Deficiente mantém uma das mais amplas fontes eventos, livros e muito mais.
Mental e a Declaração dos Direitos das de informação no país: o Sistema de
Pessoas Deficientes. Também nessa época Informações da Coordenadoria Nacional Para acessar:
começou a se formar o movimento People para Integração da Pessoa Portadora www.presidencia.gov.br/sedh ou via
First (Pessoas em Primeiro Lugar), de de- de Deficiência (Sicorde), com um banco e-mail: corde@mj.gov.br.
fesa da pessoa com deficiência mental.
O Brasil também fez sua parte: iniciou
o sistema Sorri-Brasil, com um plano de foram de ganhos. Basta conferir as con- A solidariedade em ação
ação para reabilitação de ex-pacientes quistas: 1981 foi o Ano Internacional das Acabar com os preconceitos e aceitar,
de hanseníase, que tinham seqüelas Pessoas Deficientes e, por determinação integralmente, a pessoa com deficiência é
físicas, mentais, auditivas, visuais e da ONU, de 1983 a 1992 foi a Década tarefa de todos. É preciso agir, de forma so-
sociais. Ampliou o atendimento feito das Nações Unidas para as Pessoas lidária e responsável, para destruir os muros
nos serviços de reabilitação da Legião com Deficiência. A partir daí, foram de- que separam os não deficientes daqueles
Brasileira de Assistência (LBA). Promul- zenas de resoluções e compromissos que têm alguma deficiência. Alimentados
gou, em 1996, a Emenda Constitucional internacionais que contemplam educa- pela fé, todos devem colocar a mão na
n.12, que previa garantias à pessoa com ção especial, atendimento às mulheres massa. Essa tarefa envolve os setores da
deficiência, desde a educação especial e com deficiência, garantia de emprego e Igreja – grupos de oração, movimentos,
gratuita até a possibilidade de acesso a trabalho, melhor atendimento de saúde círculos bíblicos, grupos ecumênicos, grupos
edifícios públicos. Para as pessoas com e políticas públicas específicas para as de setores e quarteirões, escolas, redes
deficiência, as décadas de 1980 e 1990 pessoas com deficiência. de comunidades e a força transformadora
das diversas pastorais. Um dos frutos mais
bonitos da Campanha da Fraternidade é
Fotos: Jaime C. Patias

o gesto concreto. Trata-se da Coleta da


Solidariedade, que este ano destinará os
recursos a vários projetos, como os de
formação de agentes, realização de seminá-
rios e encontros, produção de materiais de
divulgação, fortalecimento dos conselhos e
fóruns de defesa dos direitos da pessoa com
deficiência, atividades profissionalizantes
e de geração de trabalho e renda etc. As
doações serão realizadas nacionalmente
Lançamento texto-base da CF 2006, SP. no dia 9 de abril, Domingo de Ramos.
Mas também podem ser feitas em toda
a Quaresma e durante o ano. Do total
arrecadado, 40% constituem o Fundo
Os vários tipos de deficiência Nacional de Solidariedade (FNS), que é
administrado pela Cáritas Brasileira. Os
Físicas ou motoras – diversas razões da visão, da audição e da fala. Mentais outros 60% ficam nas dioceses, formando o
impedem a locomoção, a execução ou – diferente de doença mental (que diz Fundo Diocesano de Solidariedade (FDS),
a coordenação parcial ou total dos movi- respeito a transtornos da mente). Trata-se para o atendimento a projetos locais. 
mentos, causando deficiências físicas ou de uma condição na qual o cérebro está
motoras. Dentre elas estão as seqüelas de impedido de atingir seu pleno desenvolvi- Mais informações:
poliomielite, paralisia cerebral, acidentes mento, prejudicando a aprendizagem e a Cáritas Brasileira
vasculares, lesões medulares, amputa- integração social. Pode ser caracterizada SDS – Bloco P – Ed. Venâncio III – Sala 410
Brasília – DF fones (61) 3325.2261 ou 3325.7473
ções, malformações congênitas e aciden- por graus e natureza variadas, desde um
tes traumáticos diversos. Sensoriais – são déficit intelectual e cognitivo leve até uma
Maria Emerenciana Raia é jornalista,
as que provocam perda total ou parcial deficiência mental profunda. editora da revista Missões.

- Jan/Fev 2006 23
Queremos um mundo
Infância
“Lutai por um mundo de irmãos;
Fazei a vontade do Pai
O chão é de todos e o pão!”
de PAZ
Missionária Reginaldo Veloso Raquel chora por seus filhos!
Jesus criança, recém-nascido em Belém, ao receber a visita
dos três Reis Magos incomoda profundamente Herodes, que
decide “matar todos os meninos de Belém e do território ao redor,
de Roseane de Araújo Silva
de dois anos para baixo (...). Ouviu-se um grito em Ramá, choro

I
e grande lamento: é Raquel que chora seus filhos, e não quer ser
niciamos o novo ano desejando que a paz tão sonhada consolada porque eles não existem mais” (Mt 2, 16-18). A criança
aconteça em nosso meio, em nosso mundo. Dessa vez em sua fragilidade é alvo fácil para malfeitores e aliciadores em
não foi diferente, começamos 2006 “forçando” o nosso nossas ruas. Sem defesa, ela é explorada pelos vários Herodes
olhar para os acontecimentos que estão por vir. Trata-se de hoje, no roubo e no tráfico, violando indiscriminadamente
de um período de grandes compromissos: Copa do Mun- sua infância. Há muitas mães que choram a morte dos seus
do, eleições presidenciais... Porém,

Jaime C. Patias
renovam-se sempre as esperanças de um
mundo de paz.

Crianças de rua ou na
rua?
Retomamos a nossa página da Infância
Missionária com a realidade das crianças
que moram ou estão nas ruas. Segundo
o UNICEF (Fundo das Nações Unidas
para a Infância), há cerca de 100 milhões
de crianças de rua no mundo, desse total
40% só na América Latina, 30% na Ásia,
10% na África. Em nosso país, o índice de
crianças e adolescentes mendigando nas
ruas é altíssimo. Temos dois exemplos a
apresentar: primeiro Belém, na Região Norte,
e em seguida São Paulo, maior cidade do
país. Na capital do Pará, uma pesquisa
detectou 2.328 crianças e adolescentes
de rua, dos quais 79% trabalhavam; 12,9%
perambulavam e dormiam nas ruas; 2,6%
esmolavam, 2,3% se prostituíam e outros
3,2% encontravam-se em outras situações,
incluindo os drogados e alcoolizados.
Segundo um estudo recente realizado Infância Missionária, Paróquia Santa Margarida, Curitiba, PR.
em São Paulo existem em torno de 1.030 crianças e adolescentes filhos: crianças que junto com seus pais migram por melhores
(dados preliminares) sobrevivendo nas ruas, não incluindo neste condições de vida, em nosso país, na Europa, enfrentando até
total as crianças que trabalham ou esmolam. Estima-se que 3.000 mesmo conflitos étnicos.
crianças e adolescentes vivem nas ruas paulistas. Eles passam Assim como Raquel que chorou pelos seus filhos, a Infância
um bom tempo cometendo pequenos delitos, utilizando drogas e Missionária é chamada também a gritar pelas crianças e ado-
pedindo esmolas. Esta pesquisa revelou ainda, que 90% destas lescentes que sofrem e morrem a cada dia nas ruas brasileiras,
crianças sabem quem são os seus pais e optam pela vida nas da mesma maneira que diante do clamor das crianças chinesas,
ruas. A pesquisa resultará na integração dos pais destas crianças mobilizou toda a Europa para defendê-las. A paz que queremos
e adolescentes em programa socioeducativos. Dessa maneira, começa com crianças e adolescentes vivendo com dignidade.
São Paulo integra-se a outras capitais brasileiras que desenvolvem Pedimos a benção de Maria, mãe missionária e mãe de Deus
campanhas contrárias à esmola, buscando desestimular a doação que caminha conosco em busca de paz, lembrando o 10º Com-
de dinheiro e prestação de serviços de crianças e adolescentes promisso da Criança Missionária: “a criança missionária sempre
que trabalham na rua, integrando-os em programas sociais. Como pensa em Nós”. Das crianças do mundo – sempre amigas! 
cantou um dia Luiz Gonzaga, “uma esmola ou mata de vergonha
ou vicia o cidadão”. Roseane de Araújo Silva é missionária leiga e pedagoga da Rede Pública do Paraná.

24 Jan/Fev 2006 -
E aÍ Galera?!...

conexão jovem
Na primeira edição do ano, abrimos nosso espaço para
sugestões que despertem interesse nos nossos leitores jovens.
de Júlio César Caldeira Ferreira a página seja um instrumento de interação”. Para Wendson, “a
busca por uma vida melhor faz com que as pessoas deixem,
muitas vezes, até a sua razão pensando somente em si mes-

E
ncerramos 2005 com a nossa página Conexão Jovem mas, esquecendo-se que muito próximo pode estar alguém que
tratando de vários temas: sexualidade, meios de comu- necessita de uma palavra que o conforte”. Wendson propõe que
nicação social, consumismo, religião, experiências de a página narre expe­riências de jovens.
jovens... Agora desejamos perguntar aos nossos leitores: “Cada ano que se inicia é como um renascer de esperanças
“e aí galera?!” Vamos partir de uma experiência concre- e oportunidades. É primordial que paremos para refletir e pensar
ta: em preparação às festas de final de ano e início de em estratégias que modifiquem aquilo que não atende às nossas
2006, no Rio de Janeiro, a partir de um bate-papo com expectativas”, afirma Andréia. Patrícia observa que “para muitas
um grupo de jovens que estavam preparando com dedicação pessoas a palavra juventude é sinônimo de ‘irresponsabilidade,
as atividades que lhes foram confiadas, surgiram questões que imaturidade’. Mas o fato é que tudo muda quando o Espírito Santo
gostaríamos de citar, pois demonstram expectativas e sonhos, é revelado aos corações e as vocações florescem através de uma
desilusões e esperanças que nos são próximas. formação profunda, objetiva e com a ‘cara’ do jovem”. Neste aspec-
to, Rodrigo diz que “pode-se perceber uma crescente descrença
Depoimentos com relação à ‘comunidade jovem’. Por isso, é necessário que
O jovem Joel disse que “existem infinitas atividades como existam pastores, que com suas experiências de vida incentivem
shoppings, boates e festas, que dão apenas uma satisfação essa canalização da juventude para o bem. Não é utopia tentar
passageira. Por isso deveríamos ter lugares, pontos de encontro convergir força e sabedoria para o mesmo objetivo”.
para que nós jovens possamos trocar idéias e que nos renove
e nos dê ânimo para enfrentar as dificuldades. Proponho que Desafio
E aí galera?! Neste mês queremos convocá-
los a debater com o seu grupo ou com outros
Jaime C. Patias

jovens os temas que deveriam ser tratados pela


nossa página Conexão Jovem, que busca ser
um canal de interação, informação e formação,
de jovem para jovem.
Gostaríamos de encerrar deixando a men-
sagem do papa Bento XVI para a XX Jornada
Mundial da Juventude, realizada em Colônia,
Alemanha, em agosto de 2005: “Amados jovens,
a Igreja precisa de testemunhas autênticas
para a nova evangelização: homens e mulhe-
res cuja vida seja transformada pelo encontro
com Jesus; homens e mulheres capazes de
comunicar esta experiência aos outros. A Igreja
precisa de santos. Todos somos chamados à
santidade, e só os santos podem renovar a
humanidade. Sobre este caminho de heroísmo
evangélico foram muitos os que nos precederam
e exorto-vos a recorrer com freqüência à sua
intercessão”. 

Galera, é isso! Estamos esperando as su-


gestões, que podem ser enviadas pelo e-mail:
conexaojovem@revistamissoes.org.br ou pelo
end.: Conexão Jovem, CXP. 12.015
CEP 82.021-970 - Stª Felicidade - Curitiba - PR.

Júlio César Caldeira Ferreira é seminarista em Curitiba, PR.


Participante do Acampamento da Juventude, V FSM, Porto Alegre, RS.

- Jan/Fev 2006 25
Cultura de Paz
entrevista

uma construção coletiva

Arquivo Pessoal
O monge e professor
Marcelo Guimarães
explica o processo de
construção de uma
cultura de paz, que
envolve todos os seres
humanos.
de Joaquim Gonçalves

A
pesar de vivermos o decênio
da paz, proposto pela UNESCO
em 2000, o começo do milênio
está marcado por novos tipos de
violência. No início de cada ano,
governos, Organizações Não
Governamentais, igrejas, movimentos e
associações articulam seus discursos em
torno do sonho de paz que todo ser huma-
no carrega. Os sonhos têm a capacidade
de concentrar e mobilizar energias para
concretizar valores fundamentais, como
a paz. Quando se fala em paz, a memória
coletiva recorda figuras importantes da
construção de sua cultura: Francisco de
Assis, Gandhi, Luther King, Mandela, Isaac
Rabin... Para nós, cristãos, a paz, além de O que o levou a se interessar pela causa Na sua opinião, o resultado negativo do
ser um sonho, é dom e chamado de Deus da justiça e paz? referendo sobre o controle de armas é
para que caminhe junto com a justiça. Inegavelmente o Evangelho, lido na fruto de uma campanha mal conduzida
Talvez porque a mídia enfoca demasiado perspectiva do ensino social da Igre- ou da convicção de muitos católicos
as situações de guerra e de violência, ja, este imenso patrimônio pacifista que de que é melhor estar armado?
apresentando-as como espetáculo, aca- nós temos hoje: as mensagens papais Houve alguns erros graves, mas eu gos-
bamos por ficar com a sensação de que pelo Dia Mundial da Paz, as encíclicas e taria de ver este resultado numa perspectiva
a violência é natural e que a paz é fruto as declarações pacifistas do magistério. maior de processo de construção de paz em
da ordem estabelecida. Entrevistamos o Também o contato com os movimentos terras brasileiras. Um dos elementos que
monge Marcelo Guimarães, co-autor do sociais, como os de direitos humanos, ou influenciou foi a ausência de um movimento
livro “O Dia do Senhor”. Professor da Pon- a campanha contra as minas terrestres. pacifista estruturado como em outros países;
tifícia Universidade Católica do Rio Grande A estadia no Mosteiro da Anunciação, não temos ainda, neste campo, “massa
do Sul e membro do Conselho Editorial em Goiás, foi um fator catalisador, que crítica” capaz de produzir conhecimento
do Journal of Peace Education, ele tem possibilitou contato com pacifistas do e de sustentar uma argumentação. Neste
se tornado um incansável minerador de mundo inteiro e experiências como vigílias campo discursivo, necessitamos reconhecer
caminhos para a paz, através da reflexão, semanais pela paz. A rotina de orar pela a nossa limitação: nossos argumentos ainda
da pesquisa e do ensino. paz e pela justiça foi fundamental! são inconsistentes e pouco persuasivos.

26 Jan/Fev 2006 -
Temos sérias dificuldades para pensar a as campanhas pelo desarmamento, enfim,
paz como um projeto consistente, além “A violência é mais profunda em os que insistem em se contrapor ao poderio
das boas e românticas idéias. nós do que imaginamos”. da indústria bélica e desejam acabar com o
Também precisamos reconhecer a força escândalo de gastarmos 25 mil dólares por
da doutrina da guerra justa na mentalidade
“Shalom, paz em hebraico, segundo em armas. Não esqueçamos os
católica. No cristianismo primitivo, a paz tinha implica saúde, felicidade, pão na milhares de educadores que, nas escolas
uma força inequívoca. Muitas comunidades mesa, terra para todos”. e fora delas, protagonizam esforços de
não aceitavam batizar soldados porque educação para a paz, tais como a década
estes matavam. Alguns testemunhos da “A paz é um esforço coletivo; para uma cultura de paz e não-violência
época patrística proclamam claramente: mais do que uma idéia ou uma para as crianças do mundo, a campanha
“Em Deus não há violência”, “Depois que mensagem”. mundial para incluir educação para a paz
Jesus tirou a espada de Pedro, nos torna- no currículo escolar, a campanha contra
mos em Cristo filhos e filhas da paz”. Mas brinquedos de guerra e a capacitação dos
por volta do século V, esta posição sofreu cristãos foram encontrando outras visões jovens para atuarem pela paz e resolverem
mudanças e os cristãos começaram a de paz e se deixando influenciar, como a conflitos de forma não-violenta. Tenhamos
aceitar a possibilidade da violência para visão romana, mais centrada na segurança presente, também, todos os que se empe-
alguns fins, bons e justos. Assim, cresceu e na força (paz romana era o nome do nham na resolução das diversas situações de
entre nós, a doutrina da guerra justa, isto exército romano!), ou como a visão estóica, conflito no mundo e manifestam solidariedade
é, da possibilidade de fazer a guerra com enfocando a serenidade e a tranqüilidade com o povo do Timor, Chiapas, Colômbia,
a finalidade de promover a paz. Só há bem da alma. Talvez seja esta a tragédia do Oriente Médio etc. Todo este movimento
pouco tempo, depois do Concílio Vaticano cristianismo: ter perdido esta visão cósmica pela paz nos ensina que ela, mais do que
II, é que se começou a rever isto. e ter se contentado em trocar “o novo céu a inexistência de guerras, é a afirmação da
e a nova terra” do Apocalipse pelo “salva justiça; mais do que um estado, é uma cons-
Por que entre nós as manifestações em tua alma”. Estou apenas enfatizando a ne- trução; mais do que um atributo individual,
favor da paz ainda mobilizam pouco cessidade de não ficarmos apenas restritos é um esforço coletivo; mais do que uma
as pessoas? à dimensão intimista. idéia ou uma mensagem, é uma agenda e
Nossa cultura tem uma visão da his- uma pauta que pedem um engajamento e
tória muito verticalista, individualista e Quais as iniciativas em favor da justiça e um compromisso.
androcêntrica, enquanto os processos de da paz que merecem destaque hoje?
construção da paz são mais coletivos, de Embora sejamos expostos às mais Como os meios de comunicação po-
baixo para cima e liderados por mulheres. diversas faces da violência, o fato é que dem contribuir mais para uma cultura
Creio que o dia 15 de fevereiro de 2003, estamos vivendo um período de muito de paz?
quando milhões no mundo inteiro saíram interesse, criatividade e empenho na luta Os meios de comunicação têm uma
às ruas para dizer “não” a uma guerra, pela paz. Em todos os cantos do mundo, ambigüidade que toda instituição e toda
foi um acontecimento incomparável que protagonizadas por pequenos grupos ou pessoa tem. Os meios de comunicação não
ainda não conseguimos avaliar correta- por grandes instituições, multiplicam-se são diferentes das igrejas, por exemplo,
mente. Jamais isto tinha acontecido na iniciativas de toda a ordem. Lembremos, que ao mesmo tempo que anunciam a
história da humanidade! Então, há um em primeiro lugar, os que lutam contra toda paz, apresentam também elementos de
movimento social pela paz inequívoco, forma de armamentismo: o movimento pela intolerância. Ou como a família que possui
que acontece ao mesmo tempo em que abolição das armas nucleares, a campanha elementos fundamentais de socialização,
emergem novas formas de violência. É contra as minas terrestres, a rede contra as mas que também produz cultura de violên-
claro que os nossos condicionamentos armas leves, a coalizão pelo fim das crian- cia, quando diz: “Olha, meu filho, apanhou,
por uma cultura de violência possuem ças-soldado, os esforços pela redução e bateu…”; “Em briga de marido e mulher
força. Aprendemos a violência desde as eliminação das armas químicas e biológicas, ninguém mete a colher”. Tais afirmações
cantigas infantis – “sambalelê precisava é mostram essa ambigüidade, de forma que
de umas boas lambadas!” – até os rituais os meios de comunicação não fogem a
Jaime C. Patias

do cotidiano (a entrada de um escritor na essa regra humana. Um adolescente de


Academia Brasileira de Letras é ritualizada 14 anos já assistiu a 11 mil assassinatos
pela entrega de uma espada!), passando pela TV, e isso contribui um pouco para
por elementos diversos, como os nomes a questão da banalização da violência
de ruas, onde as batalhas e os atos violen- como mais um ingrediente do cotidiano.
tos merecem registro. A violência é mais Precisamos mudar isso, e precisamos
profunda em nós do que imaginamos, do mudar discutindo o papel dos meios de
ponto de vista cultural. comunicação na produção da cultura de
paz. Nunca existiram tantos grupos traba-
Entre nós, católicos, a paz não terá se lhando pela não-violência e pela paz. Mas
reduzido a uma dimensão espiritualista isso não veicula com força na publicidade
e individualista demais a despeito de - está aí o papel fundamental da mídia. O
um compromisso de educação social seu papel seria de veicular aquilo que o
interativa para a paz? papa João Paulo II chamou, em uma de
A visão bíblica de paz é mais coletiva suas mensagens para o Dia Mundial da
e pública. “Shalom”, paz em hebraico, Paz, de “visões de paz”. 
tem uma conotação social: implica saúde,
felicidade, pão na mesa, terra para todo Joaquim Gonçalves é missionário
mundo etc. No seu progredir histórico, os Marcha Pela Paz, Av. Paulista, SP. e membro da Comissão Justiça e Paz.

- Jan/Fev 2006 27
Seca na Amazô
amazônia

questão para uma teolo


de Ricardo Castro

M
uito se falou ao longo dos
últimos meses sobre a de-
vastadora seca que atingiu
algumas áreas da Amazô-
nia. Além do terrível destino
que se abateu sobre milha-
res de espécies de peixes e animais, o
sofrimento humano não foi menor. A prática
teológica de nosso tempo se alimenta
de um constante olhar sobre a história
e seus eventos, tanto cotidianos como
extraordinários. Nossa pretensão neste
momento é refletir à luz da fé, sobre esta
seca peculiar. Um acontecimento que
para muitos não passa de um fenômeno
normal nos ciclos de vida da natureza, ou
um sinal de alerta planetário com relação
ao meio ambiente?
Nossa pretensão não é responder
tais questões a partir de uma análise
científica. Estes aspectos já foram bem
Incêndios e desmatamentos agravam a situação da seca na Amazônia.
articulados nos meios de comunicação
e nas revistas especializadas. Nosso com a terra e a natureza aumentou com a este fenômeno? Estamos diante do início
enfoque parte daquilo que sentimos ser imposição da supremacia da mente e da do fim do planeta ou ainda temos tempo
o papel fundamental de quem crê, refletir razão, fragmentando e destruindo o próprio de repensar e recriar nossa relação com
criticamente sobre a história e criar atitu- meio ambiente. A ruptura do contato com este mundo?
des e práticas que motivem nossa luta a terra cria o divórcio entre mente e corpo, Para algumas leituras religiosas esse
em movimentos, redes e comunidades que gera uma deteriorização progressiva é um momento apocalíptico, predito nas
de fé, em favor da vida. das capacidades humanas, tais como suas interpretações de textos sagrados.
percepção, discernimento e criatividade. Para uma leitura teológica mais sóbria,
Distanciamento da terra A tecnologia embrutece nossos sentidos, estes fenômenos são um kairós, uma crise
Nosso processo evolutivo passa de incapacitando-nos para compreender e que quer dizer momento de escolha, mo-
uma total dependência da terra para uma interpretar corretamente a realidade. O que mento de reconciliação, de cura, de tecer
busca de compreensão e conquista do vemos são imagens distorcidas, produzidas novas relações, de descobrir caminhos
meio ambiente. A dependência da terra pelas câmaras fotográfica ou televisiva, alternativos. Aprendemos com as práticas
e de seus fenômenos nos levou a uma pelos frigoríficos, comidas rápidas e ma- populares que grandes transformações
relação de temor para com a natureza. teriais industrializados. começam com gestos cotidianos que
Mesmo nossos deuses, rituais e mitos O progresso e o afastamento das pes- constróem uma nova sociedade. Salvar
religiosos brotavam das forças da natu- soas do contato com a terra se torna real os rios, os peixes e a vida aquática cer-
reza e do cosmos. Essa percepção nos nas estruturas econômicas e políticas e tamente depende de políticas nacionais
fez tribais, cíclicos e nômades, compre- começa a se tornar perceptível nos níveis e compromissos internacionais, depende
endendo nossa transitoriedade, morte e de poluição, na devastação da floresta para de leis rigorosas que punam indústrias e
ressurreição, exuberância e decadência. fins do agronegócio, doenças incuráveis e projetos multimilionários que poluem os
O distanciamento e o estranhamento para por fim, na seca da Amazônia. Como ler rios e as águas. Contudo, todas estas

28 Jan/Fev 2006 -
ônia O fenômeno da seca na região
amazônica suscita uma leitura
teológica, já que está cercado de

ogia ecológica elementos míticos e ecológicos.

políticas somente se tornam eficazes na um belo rapaz, deixando as águas para são presentes como se estivessem acon-
Angelo Costalonga

medida em que mudamos nossa menta- levar uma vida normal na terra. Para que tecendo naquele momento, ali mesmo.
lidade e atitudes de consumo, exploração se quebrasse o encanto de Honorato era Nos mitos e símbolos da Amazônia, rios e
e relação com a natureza. Devemos ser preciso que alguém tivesse muita coragem águas são fontes de vida e morte, devem
a mudança que queremos fazer. Nosso para derramar leite na boca de Boiúna e ser reverenciados, temidos e com estes se
consumo diário deve ser coerente com fazer um ferimento em sua cabeça até deve tecer uma relação amorosa e afetiva.
as lutas pela defesa e preservação da sair sangue. Ninguém tinha coragem de Todavia, as grandes migrações ribeirinhas
vida natural. enfrentar o enorme monstro. Até que um dia e indígenas para as cidades, a poluição dos
um soldado conseguiu libertar Honorato da rios pelas embarcações e pelas indústrias
Resgate dos símbolos maldição. Ele deixou de ser cobra d’água da Zona Franca de Manaus, matam não
Nas culturas tradicionais dos povos se para viver na terra com sua família. Em somente rios e peixes, mas a alma do
fez uso por um longo período dos símbolos nossa região, as serpentes tornaram-se amazonense.
e ritos para inserir um membro da comu- seres sobrenaturais e formam um conjunto
nidade nas complexas relações sociais, de imagens conflituosas: ora inspiram Leitura teológica
espirituais e naturais. Esses símbolos e proteção, ajuda; ora escancaram o medo, É importante construir este caminho
mitos estavam estreitamente ligados ao a angústia. Observamos pela narrativa reflexivo a partir de alguns pressupostos:
contexto, à terra em que se vivia, fonte que é exatamente esse sentimento que resgatar a relação humanidade-terra,
primeira de sustento e orientação social. transparece na história de Honorato; um terra sagrada que somos todos, dom de
No contexto amazônico não é diferente, sentimento que é também uma crença, já Deus. Tal relação se dará principalmente
rios e águas são os símbolos básicos de que nosso sentir expressa nossa fé, ou na compreensão, valorização e resgate
inserção na vida complexa desta teia de melhor, nossa capacidade de acreditar. Na de nossa identidade religiosa indígena
relações e biodiversidade. Estamos apenas passagem que narra a metamorfose de e afro. Com a cultura cabocla ribeirinha
começando a aprender a natureza ama- Honorato, na qual ele aparece ora bicho, temos que aprender a nos tornarmos uma
zônica e seu entrelace de vida. Hoje, mais ora homem, percebemos uma intrigante sociedade sustentável, ou seja, que produz
que nunca, precisamos assimilar e inserir metáfora que retrata muito bem a vida o suficiente para si e para os seres dos
em nossas práticas de vida estas lições. A de nosso ribeirinho, o homem-réptil; ele ecossistemas onde se situa; que toma da
Amazônia com sua complexidade é uma oscila entre viver fincado na terra úmida natureza somente o que ela pode repor;
grande parábola para as diversas relações, ou misturado, engolido e inebriado pelas que mostra um sentido de solidariedade
que somos chamados como humanidade, correntezas dos rios. A água-terra-natu- generacional ao preservar para as so-
a construir ao longo de nossa jornada. reza fica entranhada na pele, na alma, ciedades futuras os recursos naturais de
Vejamos um exemplo deste poder na fé desse homem. Ser cobra ou ser que precisarão. Com as populações da
simbólico das águas, rios e florestas: gente tanto faz, são símbolos de uma periferia da cidade que se organizam em
Em uma tribo da Amazônia, uma índia, mesma vida. movimentos, partidos, pastorais sociais,
grávida de Boiúna (cobra grande, sucuri), Ainteração permanente do amazonense temos que lutar juntos pela superação da
deu à luz a duas crianças gêmeas, que com as águas gerou a chamada civilização lógica do capital, de sistemas econômicos
na verdade eram cobras. Um menino, ribeirinha, na qual os rios, lagos, igarapés que olham somente para o lucro e não
que recebeu o nome de Honorato ou e igapós são fontes da vida, da morte e do para a humanidade e para o planeta. Nas
Nonato, e uma menina, chamada Maria imaginário regional. São caminhos, refe- nossas expressões religiosas, espirituais,
Caninana. Para ficar livre dos filhos, a rências e habitat naturais dos que vivem celebrativas e místicas temos que valorizar
mãe jogou as duas crianças no rio. Lá, ou viveram, durante séculos, às margens as formas mitológicas de nosso povo, os
como cobras, se criaram. Honorato era do grande rio Amazonas e de seus inu- rituais que nos ajudam na valorização
bom, mas sua irmã era muito perversa. meráveis tributários, herança cultural que do corpo e da terra, que nos lembrem
Prejudicava os outros animais e também recebemos de nossos ancestrais indígenas constantemente o valor sagrado de todos
as pessoas. Eram tantas as maldades e portugueses. Mas a relação do caboclo os tipos de vida e de nossa dependência
praticadas por ela, que o irmão acabou com os rios não é apenas uma conjunção da terra e dos outros seres. 
por matá-la. Honorato, em algumas noites física e conjuntural, vai muito além do campo
de luar, perdia o seu encanto e adquiria material, é sensível e presente. Nunca suas Ricardo Castro é sacerdote e professor doutor
a forma humana, transformando-se em histórias são contadas no tempo passado, em Teologia Dogmática.

- Jan/Fev 2006 29
Brasília e às antigas oligarquias rurais do país”, afirma Saulo
44ª Assembléia Geral da CNBB Feitosa, vice-presidente do Cimi. Feitosa lembra que
A Evangelização da Juventude será o tema central existe no Senado Federal uma proposta de emenda
da 44ª Assembléia Geral da Conferência Nacional constitucional que propõe limitar a extensão de terras
dos Bispos do Brasil (CNBB), em maio de 2006. “Não indígenas por estado brasileiro, de autoria do senador
existem dúvidas sobre a importância de uma intensa Mozarildo Cavalcanti, que tem histórica atuação contra a
e eficaz evangelização dos jovens: deles, depende o demarcação de terras indígenas. Mércio Gomes chega
futuro da vida e da missão da Igreja. A evangelização a afirmar que o Brasil deveria servir de exemplo para
da juventude é importante principalmente porque outros países. “Retiramos terras indígenas de fazendei-
eles têm o direito de se encontrar com Jesus Cristo e ros que estavam ali havia duas gerações. Quem mais
receber o seu Evangelho”, é o que afirma Dom Odilo faz isso?” Simplesmente ignora os direitos originários
Pedro Scherer, Secretário-Geral da CNBB, explicando dos indígenas às terras que, tradicionalmente, ocupam,
porque a 44ª Assembléia Geral da entidade, entre os garantidos pela Constituição Federal de 1988.
dias 9 e 17 de maio, terá como centro dos trabalhos a
prioridade da “Evangelização da Juventude: desafios Florianópolis
e perspectivas pastorais”. Faz-se necessário colocar 15º Congresso Eucarístico Nacional
em discussão os métodos aplicados, as propostas Florianópolis foi a cidade escolhida pela CNBB para se-
de envolvimento em iniciativas eclesiásticas, e os diar o 15º Congresso Eucarístico Nacional e prepara-se
espaços reservados à juventude nos programas de para ser, de 18 a 21 de maio de 2006, o altar do Brasil.
VOLTA AO BRASIL

evangelização e pastoral, que se revelaram insufi- Cerca de 100 mil peregrinos deverão visitar a capital
cientes. “As iniciativas de evangelização da juventude catarinense e participar deste importante evento. Um
- afirma o Secretário da CNBB - já existentes, são Congresso Eucarístico é uma demonstração publica
frequentemente dirigidas a pequenos grupos, e não de fé pessoal: “Anunciamos sua morte e proclamamos
alcançam a maioria dos jovens. A juventude é a fase sua ressurreição! Vinde, Senhor Jesus!” Desse modo,
da vida que merece uma atenção especial por parte reafirma-se a certeza de vida eterna para além dos
das iniciativas missionárias. A preocupação com os horizontes da história! A partir dessa profissão explícita
jovens que freqüentam a Igreja, e seu envolvimento de fé na Eucaristia, o Congresso Eucarístico busca
em atividades da vida eclesiástica e social é uma as conseqüências práticas de gesto tão sublime!
coisa boa, mas não se pode ignorar os numerosos “Adorareis o Senhor em espírito e verdade”. Durante
jovens batizados que vivem distantes da fé e da quatro dias, grandes concentrações populares, shows
vida eclesial”. artísticos e culturais, além do Congresso Teológico
irão movimentar a cidade.
Goiás
Inculturação da Liturgia Brasília
e Povos Indígenas Frei Galvão pode ser
Entre os dias 17 e 19 de março, ocorrerá o IV Se- primeiro santo brasileiro
minário sobre Inculturação da Liturgia no Meio dos Médicos legistas da Itália reconheceram oficialmente
Povos Indígenas, com o tema “Símbolos cristãos e a cura de um doente, que seria o segundo milagre
símbolos nas culturas indígenas: caminhos e pers- atribuído ao Frei Antônio de Sant’Anna Galvão. Com
pectivas de inculturação”. O evento será realizado isso, o religioso deve se tornar o primeiro santo nascido
em Luziânia, Goiás. Destina-se a pessoas que atuam no Brasil - a primeira santa nacional é Madre Paulina,
nas comunidades indígenas, pessoas que animam a que nasceu na Itália e trabalhou aqui. A informação
pastoral no meio dos índios, pastoralistas, liturgistas, foi divulgada ontem, mas o milagre será mantido em
teólogos, antropólogos, entre outros. As inscrições sigilo até que seja confirmada a canonização. Para
vão até 1º de março. Informações: nacional@cimi. isso, faltam as assinaturas de teólogos, cardeais e
org.br ou liturgia@cnbb.org.br ou pelos telefones: do Papa Bento XVI. Segundo irmã Claudia Hodecker,
(61) 2106-1650/2103-8300. que trabalha no processo, a resolução pode levar três
meses. A postuladora da causa, ou seja, a advogada
Brasília do beato junto ao Vaticano, é irmã Célia Cadorin,
Direito dos indígenas à terra a mesma que conseguiu a canonização de Madre
Segundo a agência de notícias Reuters, o presidente Paulina. Nascido em Guaratinguetá, no interior de
da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira São Paulo, em 1739, Frei Galvão entrou aos 21 anos
Gomes, teria questionado o direito dos indígenas às para o Noviciado da Ordem dos Frades Franciscanos
terras que tradicionalmente ocupam. “É terra demais”, Menores, no Convento de São Boaventura, no Rio.
teria dito ele. “Até agora, não há limites para suas Depois de ordenado sacerdote, foi transferido para
reivindicações fundiárias, mas estamos chegando a o Convento de São Francisco, em São Paulo. Em
um ponto em que o Supremo Tribunal Federal terá de 1774, fundou o Recolhimento de Nossa Senhora da
definir um limite”, disse Gomes. O Conselho Indige- Conceição da Divina Providência, hoje Mosteiro da
nista Missionário (Cimi) rechaça essas declarações. Imaculada Conceição da Luz. É lá que está enterrado
A imposição de limites para a demarcação das terras o corpo do frei, padroeiro dos arquitetos, e que são
indígenas no país, é uma das reivindicações antigas distribuídas as pílulas milagrosas dele - pequenos
dos setores antiindígenas. “Isso revela o atrelamento pedaços de papel com orações. 
de Mércio Gomes e do governo Lula ao agronegócio

Fontes: Adital, CNBB.


30 Jan/Fev 2006 -
Campanha de Reconstrução
Missão Surumu, Roraima
A Diocese de Roraima continua com a Campanha de solidariedade e recons-
trução da Missão Surumu que foi invadida, saqueada e queimada na madrugada
de 17 de setembro de 2005. O ataque foi protagonizado por um grupo de pessoas
contrárias a presença da Igreja Católica junto aos povos indígenas e ao direito da
terra que lhes é garantido pela Constituição. A Missão Surumu, criada em 1909
é um marco histórico na educação e formação de lideranças, catequistas, pro-
fessores e auxiliares de enfermagem. Do ano de 1997 para cá tem sido o berço
da organização indígena e da luta pela garantia de seus direitos, tornando-se
um patrimônio cultural e histórico de referência.

“Queimaram as paredes,
mas não destruíram o sonho!”
A Revista Missões apóia a Campanha de Reconstrução da Missão Surumu
e convoca os leitores, as comunidades, paróquias, organismos e amigos das
missões a participar com coletas e gestos de solidariedade para garantir a con-
tinuação da Escola Indígena e do Hospital São Camilo.

ENTREGUE SUA DOAÇÃO:


No Estado de Roraima:
Catedral Cristo Redentor – praça do centro cívico
Igreja São João Batista – Av 16 – Bairro Caranã
Igreja São Francisco – na rotatória da Av. Capitão Julio Bezerra
Igreja Consolata – Av. Villy Roy, próxima a rodoviária
Na secretaria da Diaconia Missionária – Rua Arnaldo Nogueira

Para o restante do Brasil:


Faça o seu depósito na conta:
Diocese de Roraima 8848 – x Agência: 2617 – 4 - Banco do Brasil
1) Hospital São Camilo
Mais informações:
Tels.: (95) 3224 4109 – Boa Vista, RR. 2) Igreja São José - Missão Surumu
(11) 6256 7599 – São Paulo, SP.
3) Dormitório dos alunos com estrutura
Email: redacao@revistamissoes.org.br para amarrar as redes para dormir.


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ORAÇÃO DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2006
Ó Pai de misericórdia,
nós vos louvamos e agradecemos porque,
pela morte e ressurreição de vosso Filho
e pela ação do Espírito Santo,
nos reconciliais convosco e entre nós.
Abri nossos olhos
para reconhecermos em cada ser humano
a dignidade de filhos benditos vossos.
Convertei nosso coração
para acolhermos a todos com amor fraterno,
de maneira especial as pessoas com deficiência.
Ajudai-nos a promover a autonomia
e a plena realização desses nossos irmãos e irmãs,
na família, na sociedade e na Igreja.
Ensinai-nos que o segredo da felicidade está em fazer
o bem
e em partilhar alegrias e sofrimentos.
Tornai-nos solidários em relação às pessoas com
deficiência:
que elas ocupem o centro de nossas atenções.
Ao lado delas estaremos mais perto de Vós
e receberemos muito mais do que oferecemos.
Ó Maria, Mãe querida,
Jesus nos confiou a Vós como filhos e filhas.
Confortai os que se dedicam com amor
àqueles que um dia, felizes,
nos receberão na casa do Pai.
Amém!

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