EDITORIAL

SUMÁRIO
MUDAR PRA QUÊ?
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023/02

P
ara procurarmos entender o mundo à nossa
volta, uma das chaves de leitura é o processo
de constante mudança no qual ele está subme-
tido. Em épocas não tão distantes, a sociedade
pensava em mudanças de 25 em 25 anos. É o
que era chamado de mudanças de geração. Hoje em
dia, elas são muito mais velozes. Mais do que podemos
pensar. Aliás, a encíclica do papa Francisco sobre Eco-
logia, Laudato Si, fala do processo de “rapidização” em
que o mundo está inserido. Missionários da Consolata
realizam XIV Capítulo Geral.
Na presente edição traze- Foto: Júlio Caldeira
JÚLIO CALDEIRA

mos matérias que nos instigam

para iniciarmos o processo de
mudança nas instituições da
Igreja da qual fazemos parte.  INFÂNCIA MISSIONÁRIA-------------------------------03
A missão se faz em comunhão
Isso nos leva a constatar que Garotada Missionária
a Igreja também é uma insti-  PRÓ-VOCAÇÕES----------------------------------------04
tuição feita para mudanças, ou Vocação: graça e missão
seja, hoje somos chamados a Jacques Kwangala Mboma
iniciar os processos de mudan-  MISSÃO EM CONTEXTO-------------------------------06
Yanomami e malária
ças; mudanças estas que são Filbert Nkanga
compreendidas quando falamos de Igreja em estado  TESTEMUNHO-------------------------------------------08
permanente de Missão. Queniana quase brasileira
Lourdes Bonapaz
A Infância Missionária da diocese de São Miguel
Paulista, SP, trouxe sua experiência de trabalho e refletiu  ESPIRITUALIDADE----------------------------------------10
O toque e o olhar
sobre o tema “A missão se faz em comunhão”. Tendo Alfredo J. Gonçalves
em conta o terceiro ano vocacional, congregações  ESPECIAL--------------------------------------------------12
religiosas se reuniram em Campinas, SP, para refletir Festa da Consolata movimenta paróquia em SP
Maria Emerenciana Raia
sobre os desafios vocacionais no Brasil e propuseram
algumas mudanças.  SÉRIE SOBRE A FOME----------------------------------14
Agronegócio e agricultura familiar - parte 2
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Roberto Malvezzi (Gogó)
na sua 60ª Assembleia, escolheu sua nova presidência.  FÉ EM AÇÃO---------------------------------------------16
O mesmo foi feito pelos missionários e pelas missioná- Nos limites da Biosfera
Marcus Eduardo de Oliveira
rias da Consolata, que escolheram as suas respectivas
 FAMÍLIA CONSOLATA-----------------------------------17
direções gerais para os próximos seis anos, em seus São Pedro e São Paulo (29 de junho)
Capítulos Gerais realizados em Roma, Itália, entre os Redação
meses de maio e junho. Agradecimentos especiais à  MISSÕES RESPONDE-----------------------------------21
Nossa Senhora sabia que era imaculada?
direção anterior pelo trabalho realizado, nas pessoas Edson Luiz Sampel
do padre Stefano Camerlengo e da irmã Simona Bram-  ÁFRICA - 100 ANOS DE ETIÓPIA---------------------22
billa, que estiveram à frente dos Institutos nas gestões Os comerciantes da Providência
Marco Bello
anteriores.
A edição traz também testemunhos de missionários  DESTAQUE------------------------------------------------24
CNBB realiza 60ª Assembleia Geral
e de missionárias e revisitam desafios sempre presentes Redação
na Igreja missionária do Brasil.  CIDADANIA-----------------------------------------------26
Com certeza, os desafios e as perguntas na Missão Comunicação, um longo caminho
Fátima Bazeggio
continuarão as mesmas. No entanto, exigem de nossa
 BÍBLIA------------------------------------------------------27
parte, respostas à altura de nossa realidade. Essa ati- Jesus, sinal de contradição
tude nos parece necessária na Missão. Boa Missão e Mauro Negro
boa leitura a todos!   ENTREVISTA-------------------------------------------------28
Para mim, tudo isto é uma grande novidade
Luís Miguel Modino

2 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES

 INFÂNCIA MISSIONÁRIA

A missão se faz
em comunhão
Diocese de São Miguel Paulista
celebrou 11ª Jornada Nacional da
Infância e Adolescência Missionária
em maio de 2023.

Foto e texto de Garotada Missionária

N
o dia 21 de maio, domingo, a Infância e Ado-
lescência Missionária (IAM) da diocese de São
Miguel Paulista, bairro de São Paulo, SP, reali-
zou sua 11ª Jornada Nacional, que teve como
tema “A missão se faz em comunhão” e lema
“Corações ardentes, pés a caminho”.
Este momento festivo, que celebrou os 180 anos
de fundação da Obra da IAM, envolveu os grupos pre-
sentes na diocese, que se reuniram na Paróquia de São
Francisco de Assis dos Pequeninos, no bairro de Artur
Alvim, na capital paulista.
Uma celebração eucarística abriu a Jornada, momento
em que os participantes renovaram sua consagração e
ofertaram seus cofrinhos missionários que, neste ano,
serão destinados ao trabalho missionário no continente
africano. Em seguida, as crianças e adolescentes, assim
como seus assessores e familiares, saíram em procis-
são pelas ruas do bairro, anunciando Jesus Cristo e a
alegria de pertencer à Obra da Infância e Adolescência
Missionária.

30 anos sabíamos muito bem o que era a Infância Missionária,

O evento ocorrido naquele domingo também abriu
as celebrações dos 30 anos de implantação da Infância
e Adolescência Missionária na diocese de São Mi-
guel Paulista. A Obra teve seu início na diocese após
a participação de duas leigas no primeiro Encontro
Latino-Americano da Infância Missionária, realizado na
Colômbia, no ano de 1993.
Leonor Onishi, que participou do Congresso e foi
uma das primeiras assessoras da Obra na diocese, parti-
cipou da Jornada e deu seu testemunho: “No início não
mas retornamos ao Brasil com a missão de animar
as comunidades e iniciar o trabalho. Ainda em 1993
realizamos os primeiros encontros, gestos concretos e
convivências missionárias entre os grupos. Participar
desta Jornada é ver, de forma concreta, os frutos das
sementes lançadas há trinta anos.”
Atualmente a IAM na diocese de São Miguel Paulista
conta com 14 grupos atuantes em cinco paróquias. 
Fonte: www.blogspotgarotadamissionaria

ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 3

 PRÓ-VOCAÇÕES

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Vocação:
graça e missão Entre os dias 19 e 21 de maio foi realizado o
3º Seminário Vocacional Nacional em Itaici, SP,
com o tema: “Vocação: graça e missão”.

de Jacques Kwangala Mboma tes aprofundarem temas como: das pelos participantes foi de que
problematização da realidade da a Igreja no Brasil está com falta de

O
3º Seminário Vocacional
Nacional, realizado de 19
a 21 de maio de 2023,
em Itaici, São Paulo, foi
um momento de graça e
oportunidade para os participan-
juventude, olhar teológico e an-
tropológico da vocação e outros.
O Encontro foi organizado pela
Conferência dos Religiosos do
Brasil (CRB) e teve participação
de pessoas de todas as regiões do
Brasil. Uma das avaliações realiza-
vocações religiosas e consagradas.
Durante o Seminário, várias
questões foram levantadas, como
a vocação adulta, afro e indígena,
pois a vocação deve acompanhar a
mudança de época. O próprio ser
humano muda constantemente.

4 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES

Os animadores precisam desper-
tar e animar continuamente os
que desejam se lançar na Vida
Religiosa.
Processo formativo
Foi questionado também em
vários momentos sobre o processo
formativo. Não existe uma relação
entre o perfil atual dos jovens
com o estilo de formação. Há uma
tendência de infantilização na
caminhada vocacional. Os tempos
atuais geram incerteza, vazio e
ruptura abrupta com a realida-
de da juventude. A palestrante,
irmã Clotilde Prates, membro do
Instituto de Pastoral Vocacional
(IPV) afirmou que “a Igreja precisa
abrir-se para outro horizonte de
vocações, como afro ou indígena”,
mas para que isso aconteça, é
preciso trazer essas pessoas para
os ambientes das congregações
e escutá-las. Assim também foi
apresentada a importância de
acompanhar as vocações adultas,
mas o coordenador da animação
missionária e vocacional dos je-
suítas, o leigo Carlos Eduardo,
afirmou que se deve ter como
mínimo, um preparo para essa
categoria que exige a mudança
das nossas estruturas tradicionais
e históricas.
Outro questionamento surgiu
durante o Seminário: por que os
jovens manifestam interesse vo-
cacional e depois se distanciam
da Vida Religiosa? Às vezes por
falta de testemunho por parte dos
religiosos ou por não se identificar
com o carisma das Congregações.
Preferem ir embora. Diante dessa
hipótese, pode-se perguntar: que
modelo de Igreja nós queremos
construir a fim de promover a
cultura vocacional?
Algumas igrejas se preocupam
mais com estética paramental do
que com o Evangelho. A vocação
não se confunde com aparência
em troca de compensação. Ela é
um dom único e especial do ser
humano, chamado por Deus. Por
este motivo, não pode ser transfe-
rida para outras pessoas. A Igreja
é de natureza missionária, assim
a vocação é para ser utilizada
como missão na Igreja, a fim de
fazer com que assumamos a nossa
responsabilidade. 
Jacques Kwangala Mboma, imc. Coordenador da
Animação Missionária e Vocacional, SP.
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 5
ARQUIVO
MISSÃO EM CONTEXTO

Yanomami e malária

A juventude da Missão Catrimani, em Roraima, se

encontrou para discutir sobre surto de malária.
de Filbert Nkanga Yanomami conta com um número a consciência e responsabilidade
elevado de jovens e de crianças. no controle da malária nas suas

A
Missão Catrimani está
situada na Terra Indígena
Yanomami, em Roraima,
e é composta por aproxi-
madamente mil pessoas,
com 29 malocas, sob o pastoreio
dos missionários da Consolata
desde 1965. Hoje a população
Entre os dias 10 e 12 de abril
de 2023, os jovens da Missão
Catrimani, outros jovens das re-
giões Xihopi e Maxakapiu e os
representantes da associação
Yanomami (Hutukura) se reuni-
ram no centro de formação da
Missão com o objetivo de ampliar
Malocas. Para a melhoria nas
condições de saúde da população
residente no pólo base Missão
Catrimani, pois devido à crise
humanitária e saúde do povo
Yanomami, é imprescindível o
controle da transmissão da ma-
lária e da desnutrição infantil,

6 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES

doenças que surgiram como con-
sequência da invasão do garimpo
ilegal. O resultado foi uma grande
devastação por falta de controle
por parte do governo federal
anterior, que causou surtos de
doenças como a malária, que
levou à morte muitos Yanomami.
O encontro tratou sobre a ma-
lária, focando na sua causa, a
sua transmissão, sintomas, a sua
medicação, métodos preventivos,
enfim, as conseqüências dessa
doença na vida do ser humano
quando chega a um estado grave.
Conscientizando os participan-
tes sobre medidas preventivas,
foi importante lembrar da limpe-
za ao redor das malocas, o que
impede o nascimento rápido de
mosquitos que causam a malária.
Os jovens foram alertados sobre
a importância de comparecer
ao posto de saúde para fazer o
diagnóstico e depois acompa-
nhar o tratamento na Maloca,
insistindo-se na importância de
terminar o remédio prescrito
pelo agente de saúde. Muitos
Yanomami tiveram dificuldade de
terminar o remédio e o jogaram
no mato. No depoimento sobre
as suas experiências de malária
alguns jovens se manifestaram:
“Nós, Yanomami, acreditamos
que a malária seja uma doença
transmissível, por isso quando uma
pessoa fica doente se não trata,
espalha logo. Também quando
o paciente faz um tratamento
incompleto, corre o risco de so-
frer as consequências da doença
tais como anemia, desnutrição,
problema de fígado, fraqueza etc.
Nós também quando recebemos
o medicamento, algumas vezes
o jogamos no mato, mas agora
aprendemos a importância de
tomá-lo até acabar, mesmo que
seja amargo, porque é para o nosso
bem, pois estamos cientes de que
quando a nossa terra fica doente,
nós também ficamos doentes, por
isso temos a responsabilidade de
cuidar da nossa terra.”
Além da malária, o povo Ya-
nomami sofre de outras doenças,
como desnutrição infantil, que
precisa também de atenção. Mui-
to importante a formação com
pessoas especialistas no assunto,
para que os Yanomami possam
viver com saúde. 
Filbert Nkanga, imc, é missionário na Missão
Catrimani.
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 7
 TESTEMUNHO

Queniana
FOTOS: ARQUIVO MC

quase brasileira

de Lourdes Bonapaz
“Procurei caminhar lado a lado
com os povos e etnias diferentes,

A
missionária da Consola-
ta, Maria Theresa Thuka-
ni, queniana, chegou ao
Brasil em 1987, bem jo-
vem ainda, como Irmã
professa e aqui viveu e trabalhou
por 35 anos.
Durante todo esse tempo
exerceu várias atividades, mas,
a principal foi na área da saúde,
especialmente com os Indígenas da
Área Raposa Serra do Sol onde fiquei
mais tempo”. (Ir. Maria Theresa Thukani)
sendo ela enfermeira de profis- Bahia na Pastoral da Saúde, por
são. Assim, esteve no Hospital pouco tempo.
Santo Antônio de Votorantim, Em 1992 passou a trabalhar
SP; depois, foi para Monte Santo, na Região Amazônica no Hospital

8 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES

São Camilo da diocese de Rorai-
ma. Permaneceu um tempo em
Boa Vista para se preparar bem
para atender uma área de mui-
ta malária. Fez curso e recebeu
o Certificado Nacional de Mi-
croscopista, que a ajudou muito
no diagnóstico, seja da malária
como de verminoses etc.! Então
sim, iniciou uma grande atividade
ensinando os indígenas, agentes
comunitários, nos socorros bá-
sicos de saúde das mães e seus
recém-nascidos; sendo eles agora
os protagonistas no cuidado da
saúde do seu povo. Os agentes
conseguiram também o Certifi-
cado Nacional de Saúde como
microscopistas e podiam atuar
com segurança!
Organizou programa de vaci-
nação sistemática com o apoio
da Fundação Nacional de Saú-
de, estando em Boa Vista e foi
também chamada para fazer a
campanha de vacinação na área
Indígena Yanomami.
Em 2001 passou a integrar um
grupo de trabalho com os portado-
res de Hanseníase; mas aí também
iniciou a Pastoral da Saúde e a
Farmácia de Terapia Alternativa,
na Paróquia, dedicando grande
parte de seu tempo e cuidados, na
Pastoral de três
co m u n i d a d e s :
São Mateus, Sa-
grado Coração de
Jesus e Nossa Se-
nhora Consolata.
Foi um trabalho
intenso e muito
rico onde sem-
pre teve apoio
do povo local e
da comunidade.
Tudo isso em 10
anos! Depois
disto, passou
novamente na
área indígena,
Raposa, sempre
bem integrada
na Pastoral com
Cursos de Cate-
quese, preparação dos Pais e
Padrinhos e no acompanhamento
dos Remédios Fitoterápicos.
Assim testemunha a Irmã
Maria Theresa: “Durante os 35
anos de trabalho missionário no
Brasil, por onde passei e traba-
lhei sempre fui bem aceita e me
senti bem com todos. Respeitei
os costumes, a linguagem, as
culturas, o ritmo do povo e a di-
versidade de alimentos, de cada
lugar. Procurei caminhar lado a
lado com os povos e etnias di-
ferentes, especialmente com os
Indígenas da Área Raposa Serra
do Sol onde fiquei mais tempo.
No meio deles, me sentia em
casa, porque eles têm muitas coi-
sas em comum com o meu povo
Kikuyu do Quênia. Por exemplo:
cozinhar com fogo a lenha e na
panela de barro, apanhar água
nos rios e igarapés, trabalhar
no campo manualmente, digo:
plantar, colher e tantas outras
coisas etc. Com as minhas Irmãs
de comunidade, me empenhei
muito no respeito recíproco, na
escuta fraterna e aproximação
com simplicidade”. 
Lourdes Bonapaz é missionária da Consolata, em
São Paulo, SP.
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 9
 ESPIRITUALIDADE

O toque e o olhar
A oração de quem já experimentou e esgotou todas
as fórmulas de cura para seus males faz-se olhar
que penetra no coração e na alma, toque que
representa o bálsamo da proximidade.

de Alfredo J. Gonçalves dos santos, para um instante de cura, não deixa de ser uma
pessoal e silencioso de oração. forma de enxergar com a mão

Q
uinze minutos na Capela
Santa Cruz das Almas
dos Enforcados, situada
na Praça da Liberdade,
238, bairro Liberdade,
centro de São Paulo.
Iluminada por discretas luzes,
a pequena igreja mantinha-se
numa penumbra que convidava
à meditação. Nesse curto espa-
ço de tempo, pelo menos dez
pessoas, ao entrar, se dirigiram
aos corredores da direita ou
da esquerda da nave, onde se
localizam os diversos nichos
Passavam-no olhando fixamente
para a respectiva imagem, to-
cando nela com uma ou ambas
as mãos, benzendo-se às vezes
repetidamente e, após sentar
mais alguns minutinhos num
dos bancos, deixavam o recinto
e ganhavam a rua.
Linguagem do toque e do
olhar, os quais, não raro, são
intercambiáveis. Um olhar, de-
pendendo do brilho e da inten-
sidade, pode converter-se em
um toque com os olhos; e in-
versamente, um toque, quando
marcado pela dor e pela ânsia
ou a ponta dos dedos. Um e
outro, prenhes de fé e esperan-
ça, pesados de penas e fardos
mal resolvidos, imploram alívio.
Ambos, por vezes, veem regados
por furtivas lágrimas, algumas
sequer chegando a cair.
É a linguagem silenciosa de
quem muito amou ou muito
sofreu. Quem vivenciou uma
dessas experiências, ou conhe-
ceu momentos em que uma
agrava reciprocamente a ou-
tra, aprende que o sentido e a
salvação da existência passam
necessariamente pelo olhar e

10 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES

pelo toque de outrem. Não é pre-
ciso ir muito longe. Basta fazer
uma retrospectiva da trajetória
pessoal para perceber que, nas
situações-limite da vida – como
doença, morte, amor não cor-
respondido, separação, fracasso,
medo ou angústia, e outras que
tais – a mão amiga no ombro
ou o encontro olhos-nos-olhos
podem nos arrancar do “fundo
do poço”. Amor ou sofrimento,
quando atingem os limites do
desespero, abrem feridas tão
profundas que necessitam des-
ses gestos concretos, tal como
o tumor oculto necessita do
bisturi do cirurgião.
Cura para seus males
Então a oração de quem já
experimentou, e esgotou todas
as fórmulas de cura para seus
males faz-se olhar que penetra
no coração e na alma, toque
que representa o bálsamo da
proximidade. Uma rápida vi-
sita às igrejas onde acorrem
as multidões, especialmente
a população de menos posses,
bastará para ver como rezam
essas pessoas: com as mãos e
com os olhos; mas também com
os joelhos, percorrendo metros e
metros pelo chão bruto, ou com
os pés, caminhando quilômetros
e quilômetros em peregrinação,
no sentido de solicitar a cura e o
auxílio do além. Particularmente
nos santuários, como os de Apa-
recida, Juazeiro do Norte, Senhor
do Bonfim, Divino Pai Eterno,
Fátima, Lourdes, Guadalupe,
Santigo de Compostela, (e poder-
-se-ia elencar muitos outros),
os peregrinos costumam gastar
muita sola de sapato, rasgam
até o sangue a pele dos joelhos,
deixam suas digitais nos pés e
mãos das imagens, dirigem seu
olhar ansioso ao santo, à santa,
a Maria ou a Jesus na tentativa
de tirar dos ombros o peso de
longo sofrimento.
Cabe aqui uma palavra so-
bre o encontro de Jesus com a
mulher que há 12 anos sofria
de fluxo de sangue (Mc 5, 25-
34). Escreve o evangelista que
a pobre mulher “muito sofrera
nas mãos de vários médicos,
tendo gasto tudo o que possuía
sem nenhum resultado”. Tendo
ouvido falar de Jesus – prossegue
ainda a narrativa evangélica –
a enferma “aproximou-se dele
(Jesus), por trás, no meio da
multidão, e tocou-lhe a roupa
(...). “E logo estancou a hemor-
ragia”.
“Alguém me tocou”, dis-
se Jesus, ao dar-se conta que
“uma força saíra dele”. Mas
foi além! Chamou-a para perto
de si, olhou-a e disse: “Minha
filha, a tua fé te salvou; vai
em paz e estejas curada desse
teu mal”. Esse episódio, porém,
não foi nem o primeiro nem
o último em que o Senhor se
deixa envolver nessa dinâmica
da relação. Como Mestre, bem
sabia Ele o valor e o poder do
toque – materno/paterno – para
a cura. Cura que se expressa
como afeto e atenção, carinho
e ternura, cuidado e salvação.
No transcorrer de outros rela-
tos, são frequentes às vezes em
que Jesus toca e se deixa tocar.
Tem plena consciência dessa
linguagem diretamente ligada
aos sentimentos e emoções,
revestida de compaixão e mi-
sericórdia.
Mais do que a explicação cien-
tífica e a racionalidade lógica, é
a relação eu-tu (Martin Buber)
que abre os caminhos da cura.
Da mesma maneira que a relação
negativa destila veneno, sendo
capaz de cavar fundas feridas e
retardar a cicatrização, por outro
lado, a relação positiva destila
empatia, trazendo junto com
ela o remédio mais raro e mais
caro para a saúde definitiva e
salvífica. 
Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do Serviço
de Proteção ao Migrante (SPM), São Paulo, SP.
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 11
 ESPECIAL

Festa da Consolata
movimenta paróquia
em São Paulo
A Paróquia Nossa Senhora Consolata do Jardim São Bento, na
zona norte da capital paulistana celebrou a padroeira, entre os
dias 10 e 20 de junho de 2023 com novena e quermesse.

FOTOS: AQUIVO PARÓQUIA CONSOLATA

de Maria Emerenciana Raia

A
Paróquia Nossa Senhora
Consolata do Jardim São
Bento, São Paulo, celebrou
sua padroeira entre os dias
10 e 20 de junho de 2023
com novena e quermesse.
No dia 10, uma celebração
eucarística às 18h, animada pelos
professos da Consolata, do Seminá-
rio Internacional João Batista Bísio
abriu oficialmente as comemora-
ções da festa de Nossa Senhora.
Essa celebração foi presidida pelo
padre Maurício Guevara, formador tantes como a anunciação, a visita nossa fé, estudando. A Paróquia
dos mais de 20 seminaristas que à prima Isabel, o nascimento de promove esse ano na Escola da Fé
estão estudando no Seminário, Jesus, a adoração dos Reis Magos, o estudo do Evangelho de Mateus.
de nacionalidades internacionais o encontro de Jesus no templo, Ainda no dia 13, às 15h houve
diversificadas (africanos em sua Maria que vê Jesus Ressuscitado uma celebração com unção dos
grande maioria). e sua Coroação no céu. enfermos para os doentes aten-
No domingo, (11) em todas Na terça-feira, dia de Santo didos pela Paróquia, organizada
as missas a festa da Consolata Antônio, 13, uma celebração eu- pela Pastoral da Saúde.
foi lembrada, no segundo dia de carística presidida pelo Frei agosti- Na quarta-feira, dia 14, a Pasto-
novena. niano Reginaldo Abreu, professor ral da Iniciação Cristã (catequese)
Na segunda-feira, dia 12, a da Escola da Fé na Paróquia, e foi a responsável pela liturgia da
equipe de liturgia preparou a cele- concelebrada pelo pároco, pa- celebração eucarística presidida
bração das sete alegrias de Nossa dre Cláudio Cobalchini, exortou pelo pároco, padre Cláudio, com
Senhora, lembrando fatos impor- a importância de aprofundarmos as crianças, pais e paroquianos,

12 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES


numa linda missa, com homena-
gens preparadas pelas crianças.
Na quinta-feira, dia 15, um
terço missionário luminoso fez
os presentes refletirem sobre a
importância de sermos todos mis-
sionários e rezarmos pelo mundo,
simbolizado nas cores missioná-
rias, lembrando os diversos con-
tinentes: a África (dezena verde),
as Américas (dezena vermelha),
a Europa (dezena branca), a Ásia
(dezena amarela) e a Oceania
(dezena azul). No terço missioná-
rio, rezamos pelos missionários
e pelas missionárias espalhados
pelos continentes, enfatizando
a importância da Igreja Católica
na evangelização do mundo e na
assistência social, principalmente
na questão da saúde e educação.
O terço missionário amplia nossos
horizontes.
Na sexta-feira, dia 16, os jovens
encenaram a história da Consolata,
a descoberta do quadro pelo cego
Jean Ravais e o bispo que promo-
veu um tríduo de oração quando
o quadro foi encontrado, debaixo
de escombros. Após a encenação,
a reza de um terço completou a
oração e reflexão da noite.
No sábado, dia 17, a celebração
eucarística das 18h foi organizada
pela comunidade Santa Gertrudes,
com músicas sertanejas. A comu-
nidade Santa Gertrudes é muito
presente na paróquia e sempre
se manifesta carinhosamente em
momentos como esse.
Após a missa, a tradicional quer-
messe que não era realizada desde
a pandemia lotou o pátio da igreja,
e demais dependências. Deliciosos
quitutes juninos foram oferecidos,
como milho, bolos, churrasco, pas-
tel, canjica, arroz doce, caldo verde,
alheira (linguiça), pastel de Belém,
maçã do amor, vinho quente, quen-
tão, cachorro quente... Brincadeiras
e bingo animaram as crianças e os
adultos.
No domingo, após a celebração
eucarística das 18h, o segundo dia
da quermesse foi bem parecido
com o primeiro, no sábado!
No dia 19, segunda-feira, houve
duas missas, às 7h30 e 16h.
Dia da Consolata
Na terça-feira, dia 20 de junho,
uma celebração eucarística presi-
dida por dom Jorge Piorezan, bispo
auxiliar da arquidiocese de São
Paulo, Região Santana, fechou com
chave de ouro as comemorações
em honra à Nossa Senhora.
A missa foi concelebrada pelos
padres Cláudio Cobalchini, páro-
co, Jacques Mboma, animador
missionário e vocacional de São
Paulo, Victor Wafula, todos mis-
sionários da Consolata e pelo frei
Reginaldo Abreu, agostiniano e
professor da escola da fé. A igreja
estava lotada e dom Jorge em sua
homilia destacou o trabalho dos
missionários e das missionárias da
Consolata ao redor do mundo, a
importância da presença consola-
dora de Nossa Senhora junto aos
indígenas e afrodescendentes,
a prioridade da evangelização
e o ideal do fundador, o Bem-
-aventurado José Allamano.
A Paróquia Nossa Senhora Con-
solata promoveu, ao longo de toda
a semana, uma mini quermesse
após as celebrações para toda a
comunidade, com doações recebi-
das dos paroquianos e na noite do
dia 20, um delicioso caldo verde
foi oferecido ao bispo, celebrantes
e toda a comunidade.
Com boa participação em todas
as celebrações e festa, a Paróquia
procurou homenagear Nossa Se-
nhora e fazer com que todos rea-
vivassem sua fé e aprofundassem
sua devoção.
Viva Nossa Senhora Consolata!
Viva o Bem-aventurado José Alla-
mano e todos seus missionários
e missionárias espalhados pelo
mundo! 
Maria Emerenciana Raia é editora da revista Missões.
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 13
 SÉRIE SOBRE A FOME
Agronegócio
e agricultura
familiar
de Roberto Malvezzi (Gogó)
V
amos às razões estruturais
da fome no Brasil. Esse
país optou por um mode-
lo de produção agrícola,
de larga escala, que se
autodenomina agronegócio. Essa
expressão não é uma atribuição
externa ao setor, mas uma au-
todenominação. E essa autode-
nominação se faz em oposição a
uma atividade humana que tem
aproximadamente dez mil anos,
a agricultura. Porém, o marketing
do agronegócio entende que é
preciso se distinguir da agricultu-
ra, porque ela significa o atraso,
enquanto o agronegócio significa
a modernidade no campo. Por isso
“o agro é tech, é pop, é tudo”, no
que dizem de si mesmos.
A área cultivada no Brasil é de
64 milhões de hectares. Porém,
a maior parte concentrada em
grandes extensões pertencen-
tes ao agronegócio. Ele precisa
de grandes áreas, baseia-se em
monoculturas, particularmente
aquelas apreçadas nas Bolsas de
Mercadoria do agribusiness global.
São poucos produtos, mas cotiza-
dos em dólar: soja, carne, milho,
madeira etc. Mas, pode ocupar
14 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES
Segundo artigo da série sobre a fome,
escrito por Roberto Malvezzi (Gogó), reflete
sobre agronegócio, agricultura familiar e
agroecologia.
vastas áreas com cana para pro-
duzir etanol, com eucalipto para
produzir madeira, com seringais
para produzir borracha, assim
por diante. O agronegócio, na
sua própria origem, na sua alma,
não precisa se dedicar à produ-
ção de alimentos. Mas, ocupa o
espaço do campo para produzir
suas commodities.
Esse tipo de atividade precisa
de muito espaço e não sabe con-
viver com outras formas de vida.
Então, para existir, precisa suprimir
as florestas, a vegetação nativa,
precisa expulsar as comunidades
ribeirinhas, indígenas, quilombo-
las, tradicionais, assim por diante.
Ao suprimir as florestas, elimina
os espaços dos animais selvagens,
rompe a cadeia alimentar, elimina
a biodiversidade, erode os solos,
contamina as águas e solos com
seus venenos e alcança a produção
que objetiva em seus métodos. Ao
eliminar o habitat dos animais,
promove a fome neles. Ao ocupar
o espaço de produção alimentar,
produz a fome humana. Tanto é
que, nesse momento, com toda
produção que o agronegócio diz
ter, temos os números assombro-
sos de 61 milhões de pessoas em
insegurança alimentar, grande
parte em fome crônica. Quanto
mais avança o agronegócio, mais
avança a fome! É um fato!
Uma das afirmações do agro-
negócio, uma de suas justificativas
para avançar sobre os territórios
das comunidades tradicionais, é
que produz alimentos, que índios e
outros tradicionais ocupam muitas
terras e nada produzem, enquanto
o agronegócio fica aprisionado
em poucas terras para alimentar
o povo brasileiro e o mundo.
A verdade é que, se a agricul-
tura ocupa cerca de 64 milhões de
hectares no Brasil, o gado ocupa
180 milhões de hectares para um
rebanho de 210 milhões de cabe-
ças. E a pecuária é parte integrante
do agronegócio. Então, somados,
pecuária e áreas agrícolas, a ocu-
pação de 260 milhões de hectares
pelo agronegócio significa a ocupa-
ção de 1/4 do território brasileiro.
Essa é uma área gigantesca em
qualquer país do mundo.
Parte do leão
O agronegócio é um produ-
tor e exportador de commodities
agrícolas, mas não é um produtor
de alimentos. Claro que há vincu-
lações entre ambas, por ambas
atuarem na terra, mas é a agri-
cultura familiar que abastece a
mesa dos brasileiros com cerca
de 70% dos alimentos produzidos,
principalmente os hortifrutigran-
jeiros. Mesmo quando se trata
da produção da carne confinada,
principalmente frangos e suínos,
é a agricultura familiar que está
como unidade na base produtiva.
As grandes empresas compram a
produção dos pequenos, benefi-
cia e depois lhe dá o nome dos
grandes conglomerados da carne.
São os chamados “integrados”,
porque tem que obedecer a pa-
drões impostos pelas empresas,
com muito trabalho na produção
e ganhos controlados. As grandes
empresas levam a parte do leão.
Agora, com a guerra na Ucrânia,
fica óbvio que é uma atividade
com dependências internacionais,
inclusive dos insumos básicos para
o solo, importados principalmente
da Rússia. Portanto, um tipo de
atividade no campo que pode ser
suprimida a depender das con-
veniências desses fornecedores.
O custo da guerra se transferiu
para o custo dos insumos e desses
para os preços dos produtos do
agronegócio.
Por outro lado, a agricultura
familiar, às vezes de cunho legi-
timamente camponês, está por
detrás de uma produção pouco
valorizada e pouco estimulada. Os
investimentos governamentais na
agropecuária em 2022-2023 estão
CATEGORIAS
ÁREAS DESTINADAS À PRESERVAÇÃO DA
VEGETAÇÃO NATIVA CADASTRADAS NO
CAR (MUNDO RURAL – PECUÁRIA, 218.245.801
AGRICULTURA, SILVICULTURA,
EXTRATIVISMO....)
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO INTEGRAL
TERRAS INDÍGENAS
VEGETAÇÃO NATIVA EM TERRA
DEVOLUTA E NÃO CADASTRADA
PASTAGENS NATIVAS
PASTAGENS PLANTADAS
LAVOURAS
FLORESTAS PLANTADAS
INFRAESTRUTURAS, CIDADES E OUTROS
TOTAL
estimados em R$ 340,8 bilhões,
sendo que destes, R$ 53,61 bilhões
estariam sendo destinados ao
Programa Nacional da Agricultura
Familiar - PRONAF (gov.br, 2022).
Um estudo a partir do Censo Agro-
pecuário destaca que, “em termos
de número de estabelecimentos
agrícolas, a maior parte continua
sendo da agricultura familiar, cerca
de 77%. Agora, ao se analisar pela
extensão, a maioria das terras está
nas mãos do agronegócio, cerca de
77%” (Reporter Brasil, 2019). Além
do mais, o agronegócio ocupa o
espaço agrícola para plantar cana
para etanol, eucalipto, seringuei-
ras etc., enquanto a agricultura
familiar ocupa pouco para produzir
70% dos alimentos básicos dos
brasileiros. Fica óbvio que, com
um pouco mais de investimento,
teríamos maior abundância de
alimentos, o que desoneraria o
preço no mercado, facilitando o
acesso da população brasileira aos
alimentos mais sadios inclusive
nas cidades. Aí está clara uma das
razões da fome no Brasil e está claro
também um caminho estruturante
de superação da fome.
ÁREA (ha) % DA ÁREA DO BRASIL (2018)
25,6
88.429.181 10,4
117.338.721 13,8
139.722.327 16,5
68.022.447 8,0
112.237.038 13,2
66.321.886 7,8
10.203.367 1,2
29.759.821 3,5
850.280.588 100
Um dado importante nas causas
estruturais da fome no Brasil é a di-
minuição do espaço ocupado para
plantar alimentos em detrimento
da soja ou outra monocultura.
Ainda mais, se considerarmos
as especificidades regionais no
Brasil, caso se deseje implantar po-
líticas estruturantes de superação
da fome, uma política de incentivo
de produção de alimentos teria que
considerar a produção de açaí no
Norte; de feijão de corda, milho,
mandioca e caprinos no Nordeste;
do peixe na região Amazônica;
da carne na região sul e sudeste,
além dos hortifrutigranjeiros em
todo o território nacional. Essa
não é uma atitude secundária,
é o respeito pelas culinárias e
hábitos alimentares regionais de
todo o país. Essa produção local,
além de satisfazer o hábito, de
produzir alimentos, torna-o mais
próximo de seus consumidores,
barateando custos de transporte
e de conservação. (CONTINUA NA
PRÓXIMA EDIÇÃO)
Roberto Malvezzi (Gogó) é ativista ambiental e membro
da Comissão Pastoral da Terra.
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 15
 FÉ EM AÇÃO
Nos limites da Biosfera
Nenhuma área do planeta está
a salvo da ação destruidora do
homem.
de Marcus Eduardo de Oliveira
C
laramente determinada pela ação antrópica,
não há como negar: seguimos produzindo
uma lista de riscos ecológicos já extensa e em
avançado curso. E para começo de conversa,
vale lembrar: extinção em massa de espécies,
erosão de biodiversidade, fragmentação de habitats
(especialmente em zonas tropicais), poluição químico-
-industrial, aniquilação biológica, destruição da camada
de ozônio, emissões de carbono, atmosfera poluída,
ciclo de chuvas irregulares, crescimento do consumo
e da descartabilidade, planeta plastificado.
Ponto de partida, agora mesmo, diante de um meio
ambiente empobrecido biologicamente falando e de
ciclos ecológicos do planeta (o ciclo da água, do carbono,
do oxigênio, do nitrogênio) cada vez mais afrontados
pelo antropocentrismo dominador, estamos batendo
no teto da capacidade biofísica do sistema terrestre,
próximos de exceder os limites da natureza. De toda
forma, nunca, antes, estivemos tão perto de matar as
zonas oceânicas por excesso de nitrogênio. Com efeito,
jamais havíamos abalado os alicerces de todo o sistema
vida; e nem mesmo destruído espaços vitais da natureza,
16 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES
como estamos fazendo agora, a ponto de transformar
boa parte da estrutura geológica (a face) da Terra.
Nesse contexto, todos sabem, um terço das terras
aráveis do mundo estão improdutivas. Foi constatado:
três quartos do ambiente terrestre e 66% do ambiente
marinho sofreram severas modificações, quer dizer,
consolidou-se, na prática, enorme déficit ecológico
global. Serve de exemplo: de 1980 para cá, metade da
vida selvagem já morreu. De forma ilegal e criminosa - e
o caso da Amazônia, a maior fronteira de recursos natu-
rais que o planeta concebeu, é altamente significativo
-, mais de 80 mil quilômetros quadrados de floresta
desapareceram de nosso campo de visão. Seja como for,
isso nos ajuda a entender o momento atual. No ponto
ecologicamente insustentável que nos encontramos, em
meio às acirradas mudanças climáticas e a mais gritante
perda de biodiversidade, “maldições gêmeas”, como
gosta de dizer a consagrada primatologista britânica Jane
Goodall, pesa-nos admitir que nunca derrubamos tantas
árvores e queimamos tantas áreas florestais (onde vivem
80% de todos os animais, plantas e insetos, e a maior
parte encontra-se ameaçada) como nesse momento.
De modo próprio, fazendo breve resumo, nenhu-
ma área conhecida está a salvo das consequências de
nossas ações produtoras de complexos problemas de
degradação do planeta. Resultado: pela primeira vez
estamos nos limites da biosfera. 
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Autor de Civiliza-
ção em Desajuste com os Limites Planetários, (CRV, 2018), entre outros.
São Pedro
e São Paulo
(29 de junho)
da Redação
Q
ue lições podemos apren-
der dos Santos Pedro e
Paulo? São os dois pri-
meiros missionários, “os
alicerces da Igreja”. Eles
nos ensinam muitas coi-
sas. Aceno particularmente a duas
virtudes, que brilharam neles mais
que as outras: a fé e a caridade.
Fé
Que fé viva a de São Pedro!
Quando Nosso Senhor perguntou
aos apóstolos: “No dizer do povo,
quem é o Filho do Homem?” res-
ponderam-lhe: “Uns afirmam que
és João Batista, outros Jeremias
etc.” E Jesus acrescentou: que os
homens pensem assim, está bem:
mas vós, vós que não sois homens
comuns quem dizeis que eu sou?
São Pedro respondeu: “Tu és o
Cristo, Filho de Deus vivo!” (Mt 16,
16). Que estupenda profissão de
fé! Declarou-o publicamente ver-
dadeiro Filho de Deus. Entao Jesus
lhe prometeu que o constituiria
pedra fundamental de sua Igreja,
conferindo-lhe o poder supremo
de atar e desatar sobre a terra.
E São Paulo? Tinha uma fé im-
pressionante! Fé que ele queria
anunciar “ao mundo inteiro”. E
dizia: “Quero viver de fé”. Não
somente fé, mas vida de fé.
Portanto, eles são para nós um
exemplo na virtude e na vida de
fé. Devemos imitá-los.
Caridade
São Pedro vivia abrasado de
amor por Jesus. Após a ressurrei-
ção, Nosso Senhor lhe perguntou:
“Amas-me mais do que estes?” (Jo
21,15). Ele lembrando-se de que
o havia negado, não ousava mes-
mo dizer que o amava mais que
os outros, e respondeu apenas:
“Senhor, apelo ao teu coração. Tu
sabes que eu te amo” (Jo 21,17)
Foi esse amor que suscitou nele
o empenho, o zelo de tornar Jesus
conhecido e amado; foi esse amor
que o tornou capaz de sustentar
todas as fadigas do apostolado e
por fim também o martírio.
E São Paulo? O Coração de
Paulo era o coração de Jesus
Família
consolata
Cristo! Uma mesma chama... Eu
me consumirei e me tornarei a
consumir, farei o possível e o
impossível, contanto que Jesus
Cristo seja amado! Trabalhava
unicamente por esta finalida-
de: amar Nosso Senhor e fazê-lo
amar... Nós também, tudo o que
fazemos, devemos fazê-lo para
que Jesus Cristo seja amado e
glorificado por todos.
Eis a dupla lição que devemos
aprender dos dois apóstolos: fé
viva e amor ardente. Aqueçamos
o nosso coração através da vene-
ração destes dois grandes santos,
crescendo na devoção para com
o Papa, especialmente nós, que
professamos singular obediência
à Cátedra de São Pedro. 
Extraído do livro A Vida Espiritual, páginas 441 a 444.
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 17
 Nova Direção Geral das
Missionárias da Consolata

ARQUIVO MC
O XII Capítulo
Geral do Instituto
das Irmãs
Missionárias da
Consolata elegeu
no final de maio de MENSAGEM ÀS IRMÃS DA CONSOLATA ENVIADA
2023 o seu novo PELOS MISSIONÁRIOS DA CONSOLATA REUNIDOS NO
Conselho Geral
para o período XIV CAPÍTULO GERAL:
Os missionários da Consolata como Consolata e Consoladora, nos
2023-2029. enviaram saudações à nova Su- inspira e ilumina em nosso estar
periora Geral MC próximo e ao lado das pessoas,
Roma, 27 de maio de 2023 especialmente das mais pobres.
de Redação Querida Madre Lucia Borto- O que nos une é o desejo de
lomasi e Irmãs Capitulares MC, continuar a ser essa família de
Neste tempo de graça em que irmãos e irmãs que se amam e
estamos celebrando os Capítulos que fazem desse “espírito” um

I
rmã Lucia Bortolomasi, italiana,
foi eleita Superiora Geral. Era
Conselheira Geral na gestão
anterior, de 2017-2023 e traba-
lhou na Mongólia. As irmãs que
a acompanharão nas comunidades
nos próximos seis anos são:
Joan Agnes (Quênia): Superiora
da Região África; Maria Conceição
(Brasil): Vice-superiora geral 2017-
2023. Foi missionária na Guiné-
-Bissau; Lina Kessy (Tanzânia):
missionária no Brasil, onde foi
Conselheira da Região América e
Stefania Raspo (Itália): missionária
na Bolívia.
Rezemos por todas, para que
dirijam o Instituto com sabedoria!
Gerais de nossos Institutos Mis-
sionários, queremos agradecer-
-lhes, em primeiro lugar, por sua
mensagem, proximidade e oração.
À Irmã Lucia, que acaba de ser
eleita Superiora Geral, os nossos
mais calorosos votos com as pa-
lavras do nosso Pai Fundador:
“Coragem e Adelante in Domino”,
e à Madre Simona, o nosso sincero
agradecimento.
Compartilhamos a paixão pela
missão, recebida como uma vo-
cação do Senhor, por meio de
Allamano, nosso pai e fundador.
Estamos unidos pelo desejo de
servir à Igreja e à missão no estilo
simples e discreto de Maria que,
testemunho vivo e profético.
Enquanto esperamos estar jun-
tos, vivendo e celebrando essa
comunhão, também rezamos por
vocês e desejamos que este XII
Capítulo Geral lhes confirme como
missionárias desejadas pelo Pai
Fundador, presentes onde Cristo
deve ser proclamado, acolhido e
consolado.
Que as Bem-aventuradas Irene
e Leonella, intercedam e sejam
uma inspiração para vocês e para
nós.
Com afeto e gratidão,
Os Missionários do XIV Capí-
tulo Geral

QUER
QUERSER MISSIONÁRIO?
SER MISSIONÁRIO? QUER
QUERSER MISSIONÁRIA?
SER MISSIONÁRIA?
TEL.: (11) 2238.4599 TEL.: (11) 2233.9330
E-mail: amv@consolata.org.br E-mail: mc@consolata.org.br

18 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES

FOTOS: JÚLIO CALDEIRA
XIV Capítulo IMC
Os missionários da Consolata realizaram entre os dias 22 de maio e 24
de junho de 2023 o seu XIV Capítulo Geral, em Roma, Itália.
da Redação
N
ova Direção Geral foi eleita
para comandar o Instituto
Missões Consolata (IMC)
nos próximos seis anos:
padres James Bhola Len-
garin, Superior Geral, Michelan-
gelo Piovano, Vice-Superior Geral,
Odhiambo Mathews Owuor, Juan
Pablo de los Ríos Ramírez e Erasto
Colnel Mgalama, os três Conse-
lheiros Gerais.
Sobre o Superior
Padre James nasceu em 15 de
abril de 1971 em Maralal, Quênia, e
em 1997 emitiu a Profissão Perpé-
tua no Instituto Missões Consolata,
tendo sido ordenado saerdote em
1999, em Wamba, Quênia. Iniciou
os estudos de Teologia em Londres,
concluindo em Roma, em 1999,
com a licenciatura em Missiologia.
De 1999 a 2004, foi animador mis-
sionário na Itália e em seguida no-
meado vice-formador do Seminário
Teológico de Roma-Bravetta, onde
foi depois Reitor, de 2006 a 2008.
Destinado ao Quênia, foi mestre
dos noviços nos anos 2008-2009 e
em seguida, nomeado diretor da
escola de línguas em Nairóbi por
um ano. De 2010 a 2012 foi Rei-
tor do Santuário da Consolata em
Nairóbi, cargo que deixou quando
foi nomeado Administrador da Re-
gião do Quênia em junho de 2012,
trabalhando até 2017. Em 2017
MENSAGEM FINAL: GRATIDÃO, PAIXÃO E ESPERANÇA
Trinta e três dias vividos juntos,
um só corpo! Missionários que vie-
ram de diferentes lugares de Missão,
empenhados em conhecer-se, com-
partilhando suas histórias pessoais
e das de muitos que representavam,
compartilhando seus belos caminhos
e os percursos que ainda os desafiam
a ir “além”.
A diversidade de procedências, no
entanto, logo deu lugar à capacidade
participou do Capítulo Geral que o
elegeu Vice-Superior Geral, cargo
no qual serviu o IMC nos últimos
seis anos. No Capítulo deste ano, foi
eleito e aceitou ser o responsável
pelo Instituto como Superior Geral,
pelos próximos seis anos.
Agradecendo padre Stefano
Camerlengo pelo duplo mandato
que concluiu como Superior Geral,
entregamos o padre James Lengarin
nas mãos da Virgem Consolata,
com nossas preces.
Publicamos a Mensagem divul-
gada no final dos trabalhos do XIV
Capítulo Geral dos Missionários da
Consolata. Confiram:
de reconhecer-se, todos, Missionários
da Consolata.
Sim, foi fácil reconhecer-se e dizer
uns aos outros que somos irmãos
além de todas as diferenças: irmãos
na inspiradora, nossa Mãe Consola-
ta; irmãos no inspirador, nosso Pai
e Fundador, o Bem-aventurado José
Allamano; irmãos na inspiração, no
carisma Ad Gentes, novidade que não
se desvanece.
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 19
 O Capítulo, de fato, quis confirmar
mais uma vez a escolha da missão Ad
Gentes, na sua especificidade e na
múltipla fantasia do amor que se doa.
Ad Gentes, que nestes dias escu-
tamos com emoção nas palavras e
no testemunho daqueles que, entre
lágrimas, nos falaram de seu povo
na Venezuela que não tem o que co-
mer, ou daqueles que no Congo, em
Moçambique e na Ucrânia continuam
morrendo e sofrendo violência por
causa de guerras onde não se vê mais
o fim. Daqueles que, como refugiados,
chegam ao Marrocos cansados, feridos
e exaustos após uma longa jornada.
E, como esses, tantos outros sofri-
mentos nas realidades que estamos
presentes, sendo chamados a parar
para escutar, sentar-se ao lado, servir
com simplicidade e ser presença que
proclama Jesus com gestos de vida,
com a escuta e a palavra.
Várias vezes dissemos a nós mes-
mos que devemos também “cuidar”
de cada missionário ao longo de sua
vida com um projeto de formação
contínua. Precisamos ajudar cada um
a caminhar em direção à sua plenitu-
de de vida e doação, partindo de um
relacionamento vivo com Cristo, para
“ser” antes de “fazer”, onde santidade
e missão se unem e expressam nossa
identidade e carisma.
Com gratidão, voltamos nosso
olhar para o passado de nossa vida
e história escrita com a dedicação
e o sacrifício de tantos de nossos
coirmãos e daqueles que hoje con-
tinuam a ser para nós um estímulo
e exemplo “completando na carne o
que falta nas tribulações de Cristo, a
favor do seu corpo, que é a Igreja”
(Cl 1,24).
Com vocês, olhamos para o presen-
te com paixão e com aquela alegria
que o Papa nos pediu para caminhar,
em comunidades chamadas a ser
“em saída” e no meio do povo com
a força do nosso carisma e a riqueza
das nossas culturas, e em comunhão
com as Missionárias da Consolata e
os Leigos.
Também olhamos para o futuro
com esperança de ainda ver tantos
jovens dispostos a dar suas vidas pelo
anúncio do Evangelho, e tantos outros
dos quais queremos cuidar no serviço
pastoral e na animação missionária
e vocacional.
A solenidade do nascimento de
São João Batista, o precursor, é uma
ocasião propícia para concluir este
nosso XIV Capítulo Geral. Com ele e
como ele, saibamos acolher o Evan-
gelho porque anelamos por justiça e
liberdade. Com ele e como ele, não nos
colocamos como o exemplo perfeito
a ser seguido, mas permanecemos
abertos para o futuro, apontando
para ele: Jesus Cristo.
Roma, 24 de junho de 2023
Os Capitulares

Ajude-nos e venha
fazer parte desta obra
Missões é o veículo de comunicação do Instituto Missões Consolata e retrata o trabalho missionário
de levar a consolação aos que sofrem, aos que andam tristes, aos que estão sem esperança.
Torne-se um missionário membro da família Consolata, mantendo o nosso trabalho,
contribuindo financeiramente.

Veja como é fácil:

DEPÓSITO BANCÁRIO

AG.: 545-2 AG.: 0355 AG.: 0386-7

C/C: 38163-2 C/C: 17759-3 C/C: 945-8

CHAVE: redacao@revistamissoes.org.br
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Data de Nascimento, CPF, Endereço, Telefone e E-mail para:

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20 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES

 MISSÕES RESPONDE

Nossa Senhora
sabia que
era imaculada?
Sim! Maria Santíssima conhecia essa
sublime e quase única condição entre
os seres humanos: a concepção sem
o pecado original.

de Edson Luiz Sampel

A
penas quatro pessoas foram criadas imunes do
pecado da origem: Jesus, na sua humanidade;
Maria; Adão e Eva. Os dois últimos cometeram
o pecado original. São João Batista, malgrado
concebido com o pecado original, “nasceu”
sem esta nódoa. Situação diferente.
Mas, como podemos afirmar que Santa Maria sabia
que era uma criatura imaculada desde a concepção
no ventre de Santa Ana? Ora, a saudação do anjo fê-la
refletir profundamente: “Alegra-te, cheia de graça,
o Senhor está contigo!” (Lc 1, 28) “Ela ficou intriga-
da com esta palavra e pôs-se a pensar qual seria o
significado da saudação” (Lc 1, 29). Com base nestas
perícopes a Igreja declarou o dogma da Imaculada
Conceição. Igualmente estribou-se a Santa Igreja
neste dito de Maria Santíssima sacado do Magnicat:
“O Todo-Poderoso fez grandes coisas por mim” (Lc
1, 49). Se, historicamente, Maria proferiu mesmo as
palavras que compõem o Magnificat, isto pouco im-
porta, pois, como explica frei Clodovis Boff, São Lucas,
em fase posterior, apresenta-nos um texto burilado e
literário (“Mariologia Social”, Paulus, p. 326), porém,
absolutamente fiel aos acontecimentos, principalmente
pelo fato de o autor do terceiro Evangelho sinótico
destacar-se como meticuloso historiador.
Vociferar que Nossa Senhora veio a saber somen-
te no céu que era imaculada, data maxima venia,
parece-me ilação desprovida de fundamento histórico
e teológico. No mínimo, caberia aqui o silêncio obse-
quioso. Com efeito, “(...) parafraseando Heráclito: dos
grandes Mistérios de Deus se deve falar baixo, pondo
a mão na boca e com a máxima verecúndia, como
recomendava o próprio Aristóteles” (Clodovis Boff,
“Experiência de Deus”, Paulus, p. 149). Os teólogos
que ousam este tipo de asserção marial também não
insistiriam na tese cristológica heterodoxa de que
Jesus não sabia que era Deus e soube-o somente
depois da Páscoa?
No mais, atenhamo-nos ao que preceitua o Có-
digo Canônico e fortaleçamos, destarte, o amor e a
devoção a Nossa Senhora: “Com o fim de promover
a santificação do povo de Deus, a Igreja recomenda a
particular e fiel devoção dos fiéis a bem-aventurada
virgem Maria, mãe de Deus, a quem Cristo constituiu
mãe de todos os homens (...)” (tradução do cânon
1186). 
Edson Luiz Sampel é advogado. Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico
da 116ª Subseção da OAB-SP. Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade
Lateranense, do Vaticano. Professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina.

ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 21

DIVULGAÇÃO
ÁFRICA

Os comerciantes
da Providência
A Missão na Etiópia era um sonho de José Allamano, que desde o
início, viu no cardeal Massaia (foto) uma inspiração. As dificuldades
eram muitas e seus primeiros missionários partiram para o Quênia em
1902. Dez anos depois ele tenta novamente e, sua tenacidade, aliada à
escolha de pessoas certas, proporciona a abertura de algumas missões
em um território hostil. Inicia-se assim uma história apaixonante que
será influenciada pelos eventos mundiais.

de Marco Bello
país, porém, fazem com que os da Propaganda Fide (o órgão da
quatro primeiros missionários cúria romana para as missões). A
partam para o Quênia em 1902. nova prefeitura faz limite ao sul

D
esde a fundação do Ins-
tituto Missões Consolata
(IMC), o Bem-aventurado
José Allamano pensa de
mandar os seus missioná-
rios para a Etiópia, para continuar a
obra do cardeal Guglielmo Massaia
(1809-1889), missionário capuchi-
no na região da Galla (sudoeste).
As dificuldades para entrar naquele
Mas o sonho da Etiópia per-
maneceu vivo, assim dez anos
depois, o fundador inicia uma
intensa obra diplomática, ajuda-
do por Giacomo Camisassa e por
Filippo Perlo (responsável pelo
grupo no Quênia) que culmina
na criação da prefeitura de Kaffa
em 28 de janeiro de 1913 (área
etíope no sudoeste) por parte
com o Quênia, onde a Consolata
já estava presente. Para cuidar
dela é escolhido padre Gaudenzio
Barlassina, que há dez anos era
missionário no país.
Um país difícil
O contexto é complexo e com
muitos impedimentos. A Etiópia
faz divisa com uma zona governada

22 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES

por chefes locais que se definem
como imperadores, com a capital
em Addis Abeba. A morte do im-
perador Menelik II, em agosto de
1913, aumenta a instabilidade e a
luta pela sucessão. Por outro lado,
as potências coloniais da época,
França, Inglaterra e Itália, têm
interesse em expandir-se nos seus
territórios. Os capuchinhos france-
ses guiados pelo monsenhor Andre
Jarousseau, vigário apostólico de
Harar, são hostis ao ingresso dos
missionários italianos numa zona
tradicional de sua competência,
da qual estavam usufruindo (o
mesmo bispo havia barrado o
primeiro projeto de Allamano).
Enfim, o clero da igreja copta,
dominante no império, é contrário
a uma expansão do catolicismo.
Os representantes italianos em
Addis Abeba exprimem para eles
um parecer contrário (e não tar-
dam a interferir negativamente
em sua rota).
Não obstante tudo, Camisassa
de Turim e Perlo do Quênia, tra-
balham para organizar a chegada
dos missionários da Consolata e
a abertura das missões em Kaffa.
Trabalham com a hipótese de en-
trar pelo Quênia, atravessando
Moyale, cidade de fronteira, sob
controle britânico.
É em novembro de 1914 que
uma caravana coordenada pelo
padre Angelo Dal Canton parte
de Nyeri, no Quênia, para iniciar
a primeira tentativa aventureira
de conduzir uma expedição ex-
ploratória. Monsenhor Barlassina,
já nomeado prefeito apostólico é
mantido fora.
A dificuldade começa ao norte
do Quênia, ao atravessar 500 km
de zona deserta e sem estação
de reabastecimento. Dal Canton
e mais dois irmãos, Aquilino Ca-
neparo e Anselmo Jeantet, sete
carregadores, camelos e mulas
carregadas de água e provisão
partem. A caravana não tem per-
missão para entrar no país. Os
missionários, porém, obtém uma
Instituto Missões
Consolata celebra
100 anos de
presença na
Etiópia, África.
Sonho de Allamano
realizado.
permissão de trânsito, como co-
merciantes.
Os riscos e as dificuldades são
elevados, não obstante a tenacida-
de dos missionários. A caravana,
ao conseguir entrar na Etiópia, é
forçada a recuar para o Quênia
um ano depois.
Em seguida, se pensa em uma
segunda caravana pelo sul, que
não partirá nunca. As indicações
das fontes diplomáticas italianas,
que tem interesse nas instalações
de colonização em Kaffa, são, de
fato, de obter uma permissão não
só de trânsito, mas de estabelecer
sede de comércio para mercadores
missionários, excluindo propa-
gandas religiosas ou proselitismo.
Mas José Allamano quer que os
seus entrem de peito aberto, sem
esconder a própria identidade de
missionários.
Pela via mais simples
A este ponto é Barlassina que,
depois de ter esperado e ficar
fora da primeira tentativa, toma
a iniciativa. Em outubro de 1916
do Quênia se move para Djibu-
ti passando para Mogadiscio, e
depois chega em Achachi e em
seguida, no dorso de uma mula,
no papel de um turista, chega em
Addis Abeba em 25 de dezembro
e instala-se no melhor hotel da
cidade, o Bollolakos. Ali mantém
a máxima discrição para perma-
necer incógnito. Avisa monsenhor
Jarosseau, que não o vê com bons
olhos, mas é apoiado pela Propa-
ganda Fide, que estava avisada.
Monsenhor Barlassina, agora
longe de Kaffa, inicia seu trabalho
de diplomacia e conhecimento do
país. Se faz conhecer e se faz bem
querido, como era seu caráter.
Obtém um encontro com o
herdeiro do trono, Il rãs Tafari, em
março do ano seguinte. Diz a ele
sobre seus objetivos: “explicar a
nossa atividade e ser útil à popu-
lação. Ser útil ao desenvolvimento
intelectual do povo com colhei-
tas e comércio”. Entre os dois se
aprofundará um conhecimento
recíproco e um respeito que serão
muito úteis. O herdeiro do trono é
condicionado ao bispo copta e ao
seu clero. Não podem saber que
está tratando com os católicos. A
autoridade etíope diz não a uma
missão católica.
Monsenhor Barlassina com-
preende a questão: fará um mis-
sionário a seu modo, vestindo-se
como um mercador. O governo
italiano, entretanto, multiplica a
pressão para a fundação de uma
sociedade comercial porque quer
obter vantagens com a presença
dos missionários em seu territó-
rio. Monsenhor Perlo, do Quênia,
sustenta essa ideia. Mas, enquanto
essa estrada é a opção que parece
existir, aparece o homem da pro-
vidência: o senhor Felice Gullino,
um comerciante verdadeiro en-
contrado em Addis por Barlassina.
Gullino, circula bem entre o priva-
do, sem, entretanto, o interesse da
representação italiana, e obtém a
permissão necessária para abrir
duas concessões da Sociedade
Felice Gullino e companhia, que
outra coisa não será, que os pri-
meiros missionários da Consolata
na Etiópia. Enquanto Barlassina,
argumentando que “a nossa obra a
princípio será só moral e material,
mas sempre benéfica e eficaz”,
obtém a permissão de proceder
de Turim e da Propaganda Fide,
recebendo felicitações desta úl-
tima pelo tato e sua prudência e
os resultados obtidos. (CONTINUA
NA PRÓXIMA EDIÇÃO) 
Marco Bello é jornalista.
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 23
ARQUIVO CNBB
DESTAQUE
CNBB realiza
60ª Assembleia Geral
Assembleia da
Conferência Nacional
dos Bispos do
Brasil elegeu nova
presidência, além
de discutir sobre as
Diretrizes Gerais da
Ação Evangelizadora
da Igreja no Brasil.
de Redação
D
e 19 a 28 de abril de 2023
realizou-se a 60ª Assem-
bleia Geral da Conferên-
cia Nacional dos Bispos
do Brasil (AG CNBB), no
Centro de Convenções Padre Vítor
Coelho de Almeida do Santuário
Nacional de Aparecida, em Apare-
cida (SP). Estiveram reunidos 326
bispos, entre titulares e eméritos,
além dos administradores apostóli-
cos e diocesanos e os monsenhores
que ainda serão ordenados bispos,
num total de 342 participantes. O
encontro do episcopado brasilei-
ro teve 22 sessões ao longo das
duas semanas. A pauta incluiu um
tema central (Avaliação Global da
Caminhada da CNBB (Art. 141 do
24 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES
Regimento em vigor) e seis temas
prioritários (Doutrina da Fé, Litur-
gia, Regimento da CNBB, Relatório
do Quadriênio, Relatório Econô-
mico, Textos Litúrgicos – CETEL).
A atualização das Diretrizes Ge-
rais da Ação Evangelizadora da Igre-
ja no Brasil (DGAE) – 2019/2023
– estava contida dentro do tema
central. Para as atuais diretrizes,
estava previsto uma atualização
em 2023, ano em que encerra o
quadriênio. A escolha do episco-
pado, no entanto, foi pela conti-
nuidade do processo de escuta e
incorporação dos resultados do
Sínodo sobre a Sinodalidade, cuja
primeira sessão será em outubro
deste ano e a última em outubro
de 2024. Neste sentido, a atuali-
zação das novas DGAE da Igreja
no Brasil será construída num
caminho sinodal.
Outros temas
Da programação constaram
ainda outros temas diversos:
Acordo Brasil Santa Sé, Análise
de Conjuntura Social e Eclesial,
Gestão, Campanha da Fraterni-
dade, Conselho Episcopal Latino-
-Americano, Comissão Comunhão
e Partilha, Comissão Episcopal
para a Amazônia, Fundo Nacional
de Solidariedade e Jubileu 2025,
pesquisa “Saúde Integral do Clero”,
Sínodo 2023-2024, visita do bispo
auxiliar da diocese de Maiduguri
(Nigéria), dom John Bogna Bake-
ni, região que sofre perseguição
(ACN – Ajuda à Igreja que Sofre)
e 15º Intereclesial das CEBs.
Entrevista coletiva
No último dia da 60ª Assem-
bleia Geral da CNBB, os mem-
bros da presidência, que foram
recém-empossados, concederam
entrevista coletiva à imprensa.
Na ocasião, o arcebispo de Porto
Alegre (RS) e presidente da CNBB,
dom Jaime Spengler, saudou a to-
dos os presentes e fez um resumo
das atividades realizadas ao longo
dos dez dias de Assembleia.
O novo presidente da CNBB
ressaltou que, “cada Assembleia
Geral é um pentecoste, é uma
experiência muito bonita de fra-
ternidade, de comunhão entre os
bispos; e disposição para servir da
melhor forma possível a Igreja que
está no Brasil e ao nosso povo, a
nossa gente”.
Dom Jaime salientou que to-
dos os dias da Assembleia foram
marcados por temas pertinentes à
vida da Igreja e também do povo.
“Nós tivemos uma agenda bastante
complexa, eu diria, e também as
eleições para a presidência, para
as comissões, delegados para o
CELAM e delegados para o Síno-
do. Esse processo exigiu muito de
nós”, disse.
O arcebispo afirmou que, como
presidência, todos estão com dis-
posição de corresponder àquilo
que a Assembleia outorgou e pede
que se leve adiante. “Que Oxalá os
próximos quatro anos sejam para
nós um tempo de trabalho vigoroso
e, certamente, os tempos que se
delineiam diante de nós trazem
sim uma complexidade que vai
exigir de todos nós discernimen-
to, bom senso e capacidade de
colaborar para deixar as nossas
comunidades, a nossa Igreja e
também o nosso Brasil um pouco
melhor para as futuras gerações”,
enfatizou.
Tempo de polarizações
Questionado pelos jornalistas
como a Igreja pode colaborar nesse
tempo de polarizações, dom Jaime
concordou que o tecido social bra-
sileiro se encontra extremamente
desgastado e que é preciso que
os bispos promovam um trabalho
no seio da Igreja de conciliação,
comunhão. “Nós temos famílias,
comunidades e expressões do
clero divididas, portanto é um
trabalho desafiador e complexo
ao mesmo tempo”.
Na ocasião, ele recordou o tema
da Campanha da Fraternidade de
2024, que traz à luz a questão da
fraternidade e da amizade social,
e que tem como base a Encíclica
Fratelli Tutti, do papa Francisco.
“Esperamos que consigamos pro-
mover a necessidade preemente
no seio da sociedade”, disse. “Nós
precisamos e devemos lutar por
aquilo que fazemos e temos como
referência Jesus Cristo e o Evan-
gelho; é isso que pauta as nossas
decisões, as nossas escolhas, é
isso que promove vida e vida em
abundância”, afirmou.
Nova diretoria da CNBB:
Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre (RS)
Presidente
Dom João Justino de Medeiros Silva, arcebispo de Goiânia (GO)
Primeiro Vice-presidente
Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa, bispo de Garanhuns (PE)
Segundo vice-presidente
Dom Ricardo Hoepers, bispo de Rio Grande (RS)
Secretário-geral
Dom Ângelo Ademir Mezzari, bispo auxiliar de São Paulo (SP)
Presidente da Comissão Episcopal para os Ministérios Ordenados e a Vida
Consagrada
Dom Giovane Pereira de Melo, bispo de Araguaína (TO)
Presidente da Comissão Episcopal para o Laicato
Dom Maurício Silva Jardim, bispo de Rondonópolis-Guiratinga (MT)
Presidente da Comissão Episcopal para a Ação Missionária e a Cooperação
Intereclesial
Dom Leomar Antonio Brustolin, arcebispo de Santa Maria (RS)
Presidente da Comissão para a Animação Bíblico-Catequética
Dom Joel Portella Amado, bispo auxiliar da arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ)
Presidente da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé
Dom Hernaldo Pinto Farias, bispo de Bonfim (BA)
Presidente da Comissão Episcopal para a Liturgia
Dom Teodoro Mendes Tavares, bispo de Ponta de Pedras (PA)
Presidente da Comissão Episcopal para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-Religioso
Dom José Valdeci Santos Mendes, bispo de Brejo (MA)
Presidente da Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora
Dom Gregório Paixão, bispo de Petrópolis (RJ)
Presidente da Comissão Episcopal para a Cultura e a Educação
Dom Bruno Elizeu Versari, bispo de Campo Mourão (PR)
Presidente da Comissão Episcopal para a Vida e a Família
Dom Vilsom Basso, bispo de Imperatriz (MA)
Presidente da Comissão Episcopal para a Juventude
Dom Valdir José de Castro, bispo de Campo Limpo (SP)
Presidente da Comissão Episcopal para a Comunicação
Dom Jaime relembrou ainda O segundo aspecto, salientado
que todos devem ser “sal da terra por dom Jaime, é que não existe
e luz do mundo”, em vista de uma um projeto de nação que, verda-
sociedade mais integrada, inte- deiramente, paute para além de
gradora para as futuras gerações. quem esteja no governo decisões
E completou: “onde a vida não é e escolhas. O terceiro elemento,
cuidada, o discípulo de Jesus não citado por ele, é o espírito dos
pode permanecer indiferente”. brasileiros, que apesar de todos
Dom Jaime argumentou que o os desafios, estão “dispostos a
Brasil é riquíssimo e capaz de pro- encontrar meios a fim de fazer
duzir para toda a população, mas frente a isso que talvez hoje quase
que hoje não estava conseguindo que grita por justiça aos céus”.
ir ao encontro da necessidade do Por fim, segundo dom Jaime, a
povo. “Isso significa que na nossa missão da nova presidência é “dar
estrutura política e econômica continuidade a um trabalho que
alguma coisa não está bem; e já vem sendo feito, seja numa di-
detectar o que não está indo bem mensão mais interna, de promoção
envolve um trabalho de diálogo, de da sinodalidade, de comunhão,
construção, de ética e também que participação e missão”. 
leve em consideração a Doutrina
Social, grande tradição da Igreja”. Com informações da CNBB.
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 25
 CIDADANIA
Comunicação,
um longo caminho
Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2023 propôs reflexão sobre o
tema “Falar com o coração. Testemunhando a verdade no amor.” (Ef 4,15)
de Fátima Bazeggio
E
m 1817 foi tornada pública a carta escrita à mão
por Pero Vaz de Caminha, no ano de 1500, rela-
tando ao rei de Portugal detalhes da terra em que
acabavam de aportar e as suas peculiaridades.
Durante longos períodos, as correspondên-
cias demoravam mais de três meses para chegar ao
seu destino. No início do século 19, a imprensa escrita
lançou os primeiros exemplares de jornais e revistas,
muito embora, poucos desfrutaram dessa novidade, já
que a maioria da população era analfabeta.
A sociedade moderna assiste hoje às rápidas trans-
formações, na área das comunicações, quase sem ter
tempo para compreender e assimilar essa influência,
que interfere no comportamento humano em casa, no
trabalho, na escola e na sociedade em geral. Podemos
afirmar que a comunicação nasceu da necessidade de
transmitir ensinamentos, expressar desejos, ideias e
sentimentos. O ser humano, em sendo fundamental-
mente um ser relacional, precisa dos meios que facilitam
a comunicação, mas não pode se deixar instrumentalizar
pela engrenagem da mídia, que hoje rege não só as
leis do mercado, mas também influencia e manipula a
opinião pública, causando sérios danos na construção
da sociedade.
O cidadão, dotado de direitos fundamentais e huma-
nos, quando se deixa usar como massa de manobra, é
iludido em nome de valores morais e cristãos, causando
grande prejuízo a uma enorme parcela da sociedade. As
ferramentas virtuais podem trazer imensos benefícios,
desde que não provoquem o distanciamento das pessoas,
26 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES
que ao se isolarem uma das outras, ficam vulneráveis
e prisioneiras das tecnologias.
Comunicação na Trindade
Na comunhão entre o Pai e o seu Filho Jesus Cristo
através da ação do Santo Espírito, temos a voz dos
profetas e dos patriarcas que transmitiram o projeto de
Deus para a humanidade. Pela sua encarnação, Jesus se
fez imagem do Deus invisível e do perfeito comunicador
da mensagem do Reino para nós. A transmissão da Boa
Nova que se dava dentro dos templos, hoje também
acontece através de redes sociais, chegando diretamente
a lugares inimagináveis, unindo pessoas e realidades
tão diferentes em uma só família globalizada pelo amor.
Celebramos o 57º Dia Mundial das Comunicações
Sociais e neste ano de 2023, o tema proposto foi tirado
da carta aos Efésios 4, 15: “Falar com o coração. Teste-
munhando a verdade no amor.” Em seu pronunciamento
por ocasião dessa comemoração assim se expressou o
papa Francisco: “Sonho com uma comunicação eclesial
que saiba deixar-se guiar pelo Espírito Santo, gentil e
ao mesmo tempo profética, capaz de encontrar novas
formas e modalidades para o anúncio maravilhoso que é
chamada a proclamar no terceiro milênio. Uma comuni-
cação que coloque no centro a relação com Deus e com
o próximo, especialmente o mais necessitado, e esteja
mais preocupada em acender o fogo da fé do que em
preservar as cinzas de uma identidade autorreferencial.
Uma comunicação, cujas bases sejam a humildade no
escutar e o desassombro no falar e que nunca separe
a verdade do amor. 
Fátima Bazeggio é Leiga Missionária da Consolata, Comunidade São Paulo.

Jesus,
sinal de contradição
“Eis que este menino foi
colocado para a queda e para
o soerguimento de muitos em
Israel, e como um sinal de
contradição” (Lc 2,34).
de Mauro Negro
E
stas afirmações de Lucas capítulo 2, vêm de
Simeão, um idoso sábio que acolheu a Maria
e José, quando ambos apresentaram Jesus no
Templo. O Evangelho segundo Lucas afirma
que ele tomou Jesus nos braços e louvou ao
Deus de Israel. É célebre a prece que ele disse e o
Evangelho segundo Lucas apresenta com o título de
“nunc dimites”, que pode ser traduzido por “agora
soltes”. A ideia ali expressa é que Deus cumpriu as
promessas e fez acontecer a Salvação, esperadas por
Israel e por Simeão. Ele viu esta Salvação no pequeno
Jesus e ora a Deus, dizendo que “agora podes soltar”
ou “despedir teu servo”, que é ele mesmo, Simeão.
É um louvor e uma gratidão pela ação de Deus na
história. Mas não para aqui!
Depois deste episódio, Simeão faz algumas afir-
mações. Primeiro, que o Menino, que é Jesus, será
colocado para a queda e o levantamento de muitos
em Israel. Depois, que Ele, Jesus, será um “sinal de
contradição”. E, finalmente, que uma espada de dor
transpassará a alma da Mãe de Jesus, Maria (Lucas
2, 34-35). Tudo isso tem muito sentido quando visto
BÍBLIA
na história que se seguiu. Queremos aqui destacar
Jesus como “sinal de contradição”.
“Contradição” tem vários sentidos. A própria Pessoa
de Jesus gera um mundo de sentimentos, impressões,
reações que de um lado completam o que se sente
e pensa, mas de outro deixam à mostra os erros e
equívocos. Se Jesus é seguido na sua raiz, isto é, de
modo radical, muito do que se tem e se vive deve
ser mudado.
Jesus é a Palavra de Deus, é a sua presença. Sua
Pessoa e a Boa-Nova proposta gera conforto e acei-
tação, mas também dificuldades, incompreensões e
rejeições. Ele surpreende os seus contemporâneos
de modo positivo e negativo. Sendo o Caminho, a
Verdade e a Vida, como afirmado em João 14,6, Ele
deixa à mostra o que há no mundo, na história e nas
pessoas. Quando olhamos isso tudo pelos olhos de
Jesus e por suas palavras no Evangelho, muito que
se tem por certo ou errado pode ser mudado. Além
disso, Jesus surpreende, vai além e, constantemente,
apresenta outros lados que antes não eram claros.
Jesus é sinal de contradição também porque
muitos, das mais diferentes índoles e pensamentos,
encontram nele inspiração, significado. E é legítimo
que seja assim, pois Jesus é a presença de Deus na
história, o que se chama Encarnação. Embora Ele
tenha se encarnado no povo de Israel, Ele não é de
um povo ou de outro: é da humanidade. O desafio
para a humanidade é a aceitação disto e a vivência
da multiplicidade ou contradição do Mistério. 
Mauro Negro, OSJ Biblista, PUC São Paulo - mauronegro@uol.com.br
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 27
ARQUIVO CNBB
ENTREVISTA

Para mim, tudo isto

é uma grande
novidade
Caribe está lhe confiando. Como
o senhor se sente?
Eu cheguei em Porto Rico para a
Assembleia do CELAM totalmente
inocente. Vim com dificuldade
para conseguir o visto, mas ao
de Luis Miguel Modino mesmo tempo com um empenho
muito grande por parte da Con-
ferência Nacional dos Bispos do

D
om Jaime Spengler foi
Dom Jaime eleito no dia 17 de maio
Spengler, novo novo presidente do Con-
selho Episcopal Latino-
presidente -Americano e Caribenho
do CELAM: para o quadriênio 2023-2027.
Poucas horas depois de sua elei-
“um processo ção, o arcebispo de Porto Alegre,
de renovação que foi eleito presidente da Con-
ferência Nacional dos Bispos do
inaugurado Brasil (CNBB), nos contou suas
com tanto primeiras impressões diante da
missão que a Igreja do continente
empenho por está lhe confiando.
parte de muitos
Uma novidade para o senhor
precisa ter assumir esta nova missão que
continuidade”. a Igreja da América Latina e do
Brasil, até porque nós tivemos
as nossas eleições para a CNBB
há quinze dias e também não
esperava ser eleito, e diante da
situação que se criou, nós tive-
mos que agilizar. Seja o processo
para obter um visto para chegar
para essa Assembleia, mas sem
nenhuma expectativa. Para mim
tudo isto é uma grande novidade.
Por tanto estamos aí para aquilo
que a Igreja nos pede, e quando
hoje me foi perguntado se acei-
tava a escolha, eu disse que eu
fazia em nome da obediência.
Uma obediência aos membros
da Assembleia e disposição para
servir da melhor forma possível o

28 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES

próprio Conselho Episcopal Latino-
-Americano.
O senhor fala de surpresa, po-
deríamos dizer que essa surpresa
é um sinal de Deus em sua vida
que espera do senhor poder apor-
tar a partir da sua caminhada,
como frei franciscano, como bispo
auxiliar de Porto Alegre, depois
como arcebispo, sua bagagem à
caminhada da Igreja da América
Latina e do Caribe?
Quando eu assumi essa for-
ma de vida, há mais de 30 anos
atrás, eu prometi para mim mes-
mo jamais dizer não àquilo que
a Igreja viesse a me pedir. E ao
longo da minha caminhada, da
minha história de vida consegui
manter essa palavra. É verdade
que teve momentos muito difí-
ceis, e confesso também, com
muita simplicidade, a causa de
alguns pedidos que me foram
feitos ao longo da vida, eu chorei,
mas depois com o tempo, aquela
solicitação se mostrou salutar.
Então, é com essa disposição,
com cordialidade, na fé, que nós
acolhemos esta indicação agora
para este serviço em favor da Igreja
Latino-Americana e Caribenha.
Uma Igreja que escuta é um
dos grandes desafios que o papa
Francisco está propondo para a
atual caminhada da Igreja, evi-
dentemente também na Igreja
da América Latina e do Caribe.
Como a Igreja do continente pode
aprender a escutar ainda melhor?
Se faz necessário sempre de
novo retornar ao Evangelho, é a
partir do Evangelho, com o Evan-
gelho na mão, que nós vamos
percebendo, resgatando e to-
mando sempre mais ciência da
atitude própria de Nosso Senhor.
E quando nós lemos e rezamos o
Evangelho, nós vemos que essa
atitude de escuta, de proximidade,
de acolhida, está por assim dizer,
na base do próprio anúncio. Se nós
queremos avançar no processo de
evangelização da América Latina,
não podemos não estar atentos
a essas indicações que nos vem
do próprio Evangelho. É com o
Evangelho na mão, promovendo
espírito de comunidade, promo-
vendo processos de iniciação à
vida cristã que nós poderemos
promover certamente a obra da
evangelização neste momento
histórico da caminhada da Igreja
no continente.
Como presidente do Conselho
Episcopal Latino-Americano e
Caribenho, o que o senhor pede
dos bispos do continente para
poder realizar melhor essa missão
que a Igreja está lhe confiando?
Em primeiro lugar, é realmente
o cultivo, a promoção do espírito
de comunhão. Nós somos um
corpo, e nós temos uma missão
específica como bispos: proximi-
dade com o nosso povo, disposição
para escutar o nosso povo, a nossa
gente, o tempo atual, a cultura, e
ao mesmo tempo, a atenção ao
Evangelho e à rica e bela Tradição
da Igreja. Se nós conseguirmos
manter em sincronia esses dois as-
pectos, certamente nós podemos
avançar. Me recordo de uma figura
usada num curso de Teologia, onde
dizia que a caminhada da Igreja
e nossa de bispos, é semelhante
a um andar de bicicletas, a roda
da frente é o tempo, a cultura, o
momento que nós estamos viven-
do, as nossas realidades. A roda
de trás da bicicleta é a Sagrada
Escritura, a Tradição Bíblica, a
Tradição da Igreja. Na medida
em que estas duas rodas podem
desenvolver o que lhes é próprio
de forma sincrônica, ela avança.
Esse é o grande desafio, como
conjugar esses dois aspectos. Para
nós bispos, isso nos toca de uma
forma toda particular.
O senhor fala de conjugar,
como conjugar a Presidência da
CNBB, o maior episcopado do
mundo, com a Presidência do
Conselho Episcopal Latino-Ame-
ricano e Caribenho, que engloba
22 conferências episcopais?
Se alguém tivesse uma resposta
objetiva, eu pediria até que me
ajudasse a compreender, mas
eu acredito que quando nós nos
dispomos a realizar um caminho
na fé, não nos falta também a
graça necessária. O empenho
pessoal, a disposição pessoal,
o espírito de colaboração e a
abertura para a graça de Deus,
certamente haverão de nos dar
o vigor, a força, a iluminação, o
discernimento necessário para
desenvolver o trabalho que nos
é pedido. É um grande desafio,
eu fui eleito para a Conferência
brasileira duas semanas atrás,
também uma grande surpresa. É
verdade que estava como primeiro
vice-presidente na gestão anterior,
mas não esperava a eleição para
a presidência, e muito menos a
eleição no CELAM. Como conjugar
essas duas presidências, com o
apoio dos irmãos, a oração e a
graça de Deus.
A gente perguntava o que
pede para os irmãos bispos, mas
o que o Senhor pede para Deus,
qual será sua oração nos próxi-
mos dias?
O dom do discernimento. O
dom do discernimento para mim
é algo fundamental, e o dom do
discernimento segundo a tradição
pressupõe ao menos três coi-
sas: primeiro ter presente o que
está em jogo, aquilo que envolve
propriamente o nosso trabalho;
segundo, a disposição para rezar
isto; o terceiro aspecto a abertu-
ra para o diálogo entre irmãos.
Quando temos esses três aspectos,
conseguimos desenvolver esses
três aspectos, nós encontramos
os caminhos certamente que o
Espírito de Deus inspira e pede
de nós para o tempo presente. 
Luis Miguel Modino é sacerdote e membro da Equipe
de Comunicação do CELAM.
ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES 29
 Intenção Missionária

DIVULGAÇÃO
Abril: Por Uma cultura da não
violência. Rezemos pela maior
difusão de uma cultura da não
violência, que implica um cada vez
menor recurso às armas, seja da
parte dos Estados, seja da parte
dos cidadãos.
Maio: Pelos movimentos e grupos
eclesiais. Rezemos para que os
movimentos e grupos eclesiais
redescubram cada dia a sua
missão evangelizadora, pondo os
próprios carismas a serviço das
necessidades do mundo.
Junho: Pela abolição da tortura.
Rezemos para que a comunidade
internacional se empenhe
concretamente na abolição da
Os grupos eclesiais precisam refletir sobre sua mis-
tortura, garantindo apoio às são evangelizadora, que passa pelas duas questões das
vítimas e aos seus familiares. intenções, tanto de abril quanto de junho: incentivar
a cultura da não violência (abril) e a abolição da tor-
tura (junho). São responsabilidades que os católicos,
de Maria Emerenciana Raia como Igreja viva de Cristo devem defender. Incentivar
a cultura de paz, não de violência.
Cristo recriminou seu apóstolo quando este tentou

A
sequência da Intenção Missionária dos meses
de abril, maio e junho que o papa Francisco
nos incentivou a rezar tem coerência e relação
entre si.
Na sociedade moderna em que os valores
parecem estar sendo invertidos, ou seja, individua-
lismo ao invés de coletivismo, egoísmo ao invés de
solidariedade, violência ao invés de paz, ódio ao invés
de amor, Francisco exalta a difusão da cultura da não
violência, e consequentemente, o não uso de armas.
O Estatuto do Desarmamento é uma lei que foi
promulgada em dezembro de 2003 para contribuir com
a cultura da não violência. Arma na mão não resolve
problemas, ao contrário, pode criá-los. Discussões no
trânsito ou na rua podem terminar em tragédia com
arma na mão de pessoa em estado de nervosismo e
agitação.
defendê-lo dos soldados romanos, cortando a orelha
de um deles. Mesmo num momento tenso, Ele se
entregou sem oferecer resistência. Assim, quis ensinar
a todos nós, que a violência só gera mais violência.
A tortura é uma prática abominável de líderes que
na verdade não o são. Torturar alguém é ferir a digni-
dade desse alguém. Existem vários tipos de tortura,
não só a física, mas a psicológica, moral, sexual. Todas
ferem a pessoa no íntimo e deixam marcas, às vezes
indeléveis.
Por isso, o papa Francisco pediu nossa oração du-
rante o mês de junho sobre essa questão.
Enquanto comunidade eclesial, fiquemos atentos
na defesa da cultura da não-violência, e na extinção
da tortura. Agindo assim, estaremos evangelizando. 
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30 ABRIL/MAIO/JUNHO 2023 MISSÕES

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