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Vale da Páscoa,

um convite à oração e à contemplação

S
e você procura por um lugar tranqüilo, longe da confu-
são e do barulho das grandes áreas urbanas, porém
próximo de São Paulo, um lugar que convida à oração
e à contemplação, este espaço é o Vale da Páscoa.
Em meio a uma exuberante vegetação em Parelheiros,
você pode hospedar-se em aconchegantes chalés e
celebrar a vida junto aos monges e monjas Servos da Esperança,
que vivem e servem no Mosteiro da Esperança, localizado no
próprio Vale.
A característica dos Servos da Esperança, testemunhada
primeiro por seu fundador, o monge Ir. Bernardo da Esperança,
- Fradão como é mais conhecido - juntamente com Ir. Estevão
da Esperança, primeiro sacerdote ordenado na Comunidade, é
a generosa acolhida dada a cada pessoa que os procura. Os
Servos da Esperança têm apoiado a Catolicanet como orienta-
dores espirituais, propiciando momentos de reflexão e formação
para os missionários.
Durante o ano, no Vale da Páscoa, são oferecidos cursos
sobre temas variados e orientação vocacional, além de retiros
espirituais.
Ir. Bernardo da Esperança, e Ir. Estevão da Esperança estão
todo sábado, das 8h00 às 9h00 na Rádio 9 de Julho, 1.600 kHz
no quadro “Falando sobre Esperança e Vida”, um programa
realizado por ambos na área da saúde, através da prevenção
ao uso de drogas, acolhimento e recuperação de dependentes
químicos, inclusive soropositivos. Se você tem algum familiar
Contato Vale da Páscoa
ou conhece alguém que sofre com dependência química ou
Fone: (11) 5920.8823 alcoólica, e quer obter orientação sobre como lidar com ele, ou
www.mosteirodaesperanca.com.br encaminhá-lo para tratamento, converse com Ir. Fradão na Rádio
9 de Julho através do telefone (11) 3932.3691.

Humor
EDITORIAL
páscoa indígena
SUMÁRIO
ABRIL 2007/03

V
ivenciar a Quaresma significa fazer um esforço para
mudar de vida, em busca de uma conversão que
realmente transforme o coração “duro como pedra”
(cf. Ez 36, 26) em fonte de esperança e amor. Somos
convidados pela Igreja, durante o tempo quaresmal,
a praticar a caridade, o jejum e a oração. Celebrar a
ressurreição de Cristo na Páscoa é o ápice da religião católica, é 1 - Menina Yanomami preparando-se
para uma festa, em Roraima.
mostrar a autoridade de Deus sobre a morte! Não cremos em um Foto: Silvano Sabatini
Deus distante, o Ressuscitado caminha conosco, é presença e
certeza na dura realidade da vida. 2 - Padre Zezinho.
Além da Páscoa, em abril a sociedade comemora o Dia do Índio, Foto: Arquivo Pessoal
Arte: Cleber Pires
data institucionalizada para apaziguar consciências, como tantas
outras. Antes, uma comemoração exótica limitada às escolas e aos
motivos infantis como fantasias, pinturas e estereótipos. Hoje existe
a Semana dos Povos Indígenas, promovida pelo CIMI (Conselho  MURAL DO LEITOR--------------------------------------04
Indigenista Missionário), com temas pertinentes à caminhada indí- Cartas
gena. O tema da Semana deste ano é Economias Indígenas: Vida  OPINIÃO--------------------------------------------------05
compartilhada. Nota de Repúdio
CIMI Regional Norte I
Muitos desafios estão à espreita dos povos indígenas. Desde os
Yanomamis, que lutam para não sucumbirem às doenças e ao assédio  PRÓ-VOCAÇÕES----------------------------------------07
do branco que quer suas ricas Sobra conhecimento, falta sabedoria
Rosa Clara Franzoi
Silvano Sabatini

terras, até os Guarani-Kaio-


wás, em Mato Grosso do Sul,  VOLTA AO MUNDO-------------------------------------08
que estão morrendo, vítimas Notícias do Mundo
Fides / Radioagência NP / ZENIT
da desnutrição e depressão
por falta de espaço.  ESPIRITUALIDADE----------------------------------------10
Páscoa: fonte de Missão
A nossa missão, como Patrick Gomes Silva
cristãos que somos, é viven-
ciar a verdadeira Páscoa,  TESTEMUNHO-------------------------------------------12
Missionário anti-drogas
transformando nosso modo Giovanni Formolo
de vida e mudando nossos
paradigmas, ou seja, algo novo  FÉ E POLÍTICA -------------------------------------------14
Funcionamento dos partidos políticos
deve acontecer, algo diferen- Humberto Dantas
te. Não podemos nos alegrar
 FORMAÇÃO MISSIONÁRIA----------------------------15
com a experiência da Páscoa Pelos caminhos da América - Ad Gentes
sem termos passado por um Estevão Raschietti
processo de conversão, de
 MISSÃO HOJE-------------------------------------------19
mudança. Que tal aproveitar- Um bispo dos pobres
mos esta oportunidade que Deus nos proporciona mais uma vez e Ramón Cazallas Serrano
agirmos em favor dos nossos irmãos indígenas? O que será que  DESTAQUE DO MÊS -----------------------------------20
estaremos comemorando daqui a 50 anos em abril, além de uma Semana dos Povos Indígenas
provável Páscoa cristã? Será que teremos ainda algum remanescente Conselho Indigenista Missionário
indígena, ou ele fará parte de uma espécie extinta, semelhante aos  ATUALIDADE----------------------------------------------22
dinossauros que desapareceram e hoje são estudados pela ciência? Projeto Pindorama forma universitários indígenas
Que legado indígena deixaremos para nossas futuras gerações? Benedito Prezia
Além de nomes de ruas, receitas culinárias e de algumas palavras  INFÂNCIA MISSIONÁRIA-------------------------------24
incorporadas ao nosso vocabulário, será que gostaríamos de saber Infância violada
que os índios foram apenas “uma civilização que existiu?” Roseane de Araújo Silva
Cabe a todo cristão lutar para que isso não aconteça. Oxalá as  JUVENTUDE MISSIONÁRIA ----------------------------25
previsões não se realizem. Sejamos otimistas! Lutemos com e pelos Perfil do jovem missionário
Vitor Menezes
nossos irmãos indígenas enquanto há tempo. “Bem-aventuradas as
minorias, porque delas é o Reino dos céus!”, diria Jesus se fosse  ENTREVISTA-----------------------------------------------26
possível proclamar o sermão das bem-aventuranças novamente. Padre Zezinho: 40 anos de vida sacerdotal
Jaime Carlos Patias
Bem-aventurados os nossos irmãos indígenas, que são guerreiros,
lutando incessantemente pela dignidade e pelo direito de sobreviver  AMAZÔNIA-----------------------------------------------28
num território que sempre foi deles! Consolai, consolai meu povo!
Ezio Roattino
Que Páscoa vamos desejar uns aos outros este ano? Que
Páscoa haverá para os Yanomamis, Guaranis-Kaiowás e tantos  volta ao brasil---------------------------------------30
Notícias do Brasil
outros povos indígenas?  CNBB / O Estado de S. Paulo

- Abril 2007 3
Mural do Leitor
Ano XXXIV - Nº 03 Abril 2007 Inculturação inspire todos os que atuam nesse impor-
tante trabalho de formação e informação
Diretor: Jaime Carlos Patias Parabenizo o padre Antônio de Assis missionárias.
Ribeiro (Bira), pelo brilhantismo de sua
Editor: Maria Emerenciana Raia explanação, (Missões, edição março de Fátima Manoela Pastor de A. Pires,
2007 – Atitudes de inculturação - rubrica Professora e Coordenadora do Núcleo de Pastoral do
Amazônia) pela diversidade, pela identi- Colégio Consolata - SP
Equipe de Redação: José Tolfo,
dade do outro, enfatizando que a evange-
Ramón Cazallas, Patrick Gomes Silva e
lização não é nem deve ser um processo Sou leitora da Revista Missões há
Rosa Clara Franzoi
de alienação, de colonização (negação alguns anos. Num primeiro momento,
constante da existência de alguma cultura fiquei intrigada com a expressão “a missão
Colaboradores: Vitor Hugo Gerhard,
que não seja a de seu colonizador). Os no plural”. Pouco a pouco, porém, fui me
Lírio Girardi, Luiz Balsan, Joaquim F.
tempos atuais obrigam a nos debruçar- deparando com as realidades, próximas
Gonçalves, Roseane de Araújo Silva, mos sobre textos do gênero. Em 1995, e distantes que a revista trazia, de uma
Humberto Dantas, Luiz Carlos Emer, quando o Vaticano decidiu fazer o sínodo missão compromissada com a verdade.
Camilo Solano africano em virtude das intervenções dos Fui descobrindo, que mais do que notícias
teólogos da inculturação, a Igreja como ou mensagens, as realidades descritas são
Agências: Adital, Adista, CIMI, um todo, ganhou muito, pois foi possível um chamado à reflexão, e num segundo
CNBB, Dom Hélder, IPS, MISNA, compreender o processo de romaniza- momento, são um convite a viver esta
Pulsar, Vaticano ção e de colonização que a instituição missão no plural, seja na minha família,
ainda desempenhava. A ala que temia a no meu trabalho, na faculdade, no meu
Diagramação e Arte: Cleber P. Pires abertura dos cultos e celebrações com- círculo de amigos, enfim no meu meio
preendeu então que a Igreja progredia na social, que vai mesmo além-fronteiras.
Jornalista responsável: sua verdadeira missão do diálogo entre os Fazer essa descoberta é estar conven-
Maria Emerenciana Raia (MTB 17532) filhos do mesmo Pai, com todas as suas cida de que eu também faço parte dessa
singularidades temperamentais. missão. É entender que ficar alheia aos
Administração: Eugênio Butti Mais uma vez, parabéns pelo texto. problemas que nos cercam e se acomodar,
Faço esta observação como ex-semina- não é uma atitude cristã, missionária; e
Sociedade responsável: rista africano, presidente da LAEA - Liga mesmo que seja pouco o que eu possa
Instituto Missões Consolata dos Amigos e Estudantes Africanos e fazer, eu devo agir e não ficar de braços
(CNPJ 60.915.477/0001-29) ativista dos direitos humanos. Farei um cruzados. Deus não nos pede coisas
bom proveito deste material. impossíveis, mas nos pede, que façamos
Impressão: Editora Parma bem o que devemos fazer, como nos
Fone: (11) 6462.4000 Abdu Ferraz diz o Bem-aventurado José Allamano:
Presidente da LAEA “o ordinário de maneira extraordinária”.
Colaboração anual: R$ 40,00 Exemplos dessa missão no plural não
BRADESCO - AG: 545-2 CC: 38163-2 Revista Missões faltam. Como membro do Grupo LMC
Instituto Missões Consolata O meu contato com Missões é de muito (Leigos Missionários da Consolata), sou
(a publicação anual de Missões é de 10 números) tempo. Posso perceber o crescimento que testemunha da missão belíssima que o
houve por parte da Redação, no tratamento casal Dalgi e Orestes fez na Guiné-Bissau,
dado às informações e o trabalho jorna- África, a convite das irmãs da Consolata
Missões é produzida pelos
lístico que há por trás de cada artigo. As que lá trabalham. Dalgi e Orestes perma-
Missionários e Missionárias da Consolata
fotos e o próprio material no qual a revista neceram três meses na região, dedican-
Fone: (11) 6256.7599 - São Paulo/SP
é impressa, muito contribuem para a sua do-se à capacitação dos professores. Ao
(11) 6231.0500 - São Paulo/SP
qualidade. Como professora no Colégio regressarem da experiência, trouxeram na
(95) 3224.4109 - Boa Vista/RR
Consolata, continuo próxima da revista. bagagem uma grande riqueza da missão,
Recebemos sempre vários exemplares, que foi compartilhada e sentida pelo grupo
Membro da PREMLA (Federação de Imprensa que são lidos pela nossa equipe de pro- todo dos LMC. A sensação que tivemos,
Missionária Latino-Americana) e da UCBC fessores. Alguns artigos são utilizados no foi a de ter vivido, com eles, “a missão
(União Cristã Brasileira de Comunicação Social) preparo das reuniões de planejamento no plural”. Estes sentimentos só vêm a
e às vezes nas próprias aulas com os confirmar a importância da atuação da
Redação alunos, de acordo com o tema, a lingua- revista Missões, ao nos revelar que ser
Rua Dom Domingos de Silos, 110 gem e abordagem dos mesmos; outros missionário, perto ou longe, é vocação de
02526-030 - São Paulo são utilizados para aprofundar notícias, todos: minha e sua também.
Fone/Fax: (11) 6256.8820 apresentadas na programação da nossa
Site: www.revistamissoes.org.br Rádio Escolar. Aproveito para parabeni- Fabrícia Paes,
E-mail: redacao@revistamissoes.org.br zar a todos da redação, especialmente Estudante de Direito, membro do Grupo LMC
pelo último número. Que o Espírito Santo Comunidade Sto. Alfredo

4 Abril 2007 -
Nota de Repúdio

OPINIÃO
CIMI desmente série de reportagens “Amazônia em Perigo”, publicada no Jornal do Brasil.

compara à propriedade privada,


Lírio Girardi

como as adquiridas por grandes


empresas, grileiros ou pelo la-
tifúndio. O ato da demarcação,
atendendo a esse dispositivo, é
a confirmação do reconhecimento
pelo Estado Brasileiro ao direito
dos indígenas muito antes da
formação do estado nacional.

Mentiras e
preconceitos
Tanto quanto falsos e ten-
denciosos, vários trechos das
reportagens são carregados de
preconceito. Os indígenas são
apresentados como “brabos” (JB,
25/02/07, editorial – País), indolen-
tes ou “guerrilheiros”. Pior ainda
é que a reportagem reproduz o
Tuxaua Jacir de Souza na festa de homologação da Área Indígena Raposa Serra do Sol, RR. discurso de conhecidas lideranças
políticas de Roraima, que constantemente ocupam as páginas
Conselho Indigenista Missionário – CIMI-Norte I dos jornais para difamar qualquer pessoa ou instituição aliada
às organizações e comunidades indígenas. Chega a ser um

A
preconceito e ignorância brutal a suposição de que os indígenas
violência e a mentira têm sido as armas usadas fre- não queiram, nem devam saber quais são e para qual finalidade
qüentemente por políticos e empresários de Roraima existem órgãos governamentais, como o Conselho Nacional do
contra os indígenas e a população. Nos últimos 25 Meio Ambiente (CONAMA).
anos, mais de 20 indígenas naquele estado foram É lamentável e digno de repúdio o comportamento de meios
assassinados e nenhum dos autores e mandantes de de comunicação que perseguem a ética do capital em detrimento
tais crimes foi condenado. As agressões acontecem da ética profissional, que não se pautam pela precisa apuração
cotidianamente e fazem parte da estratégia para enfraquecer, dos acontecimentos e sua correta divulgação. Ainda mais quando
dividir as comunidades e favorecer a ocupação das terras indí- se prestam ao serviço de manipular a opinião pública nacional
genas por pessoas com interesses econômicos. com mentiras.
Ao mesmo tempo em que sofrem ataques pessoais e contra A sociedade brasileira espera muito mais dos meios de
seu patrimônio, os indígenas e a opinião pública são bombardeados comunicação. A imprensa, de um modo geral, tem contribuído
por informações falsas, tendenciosas e preconceituosas - como enormemente para a consolidação da democracia no Brasil,
as publicadas em uma série de reportagens veiculadas na última atuando de forma vigilante quanto aos interesses nacionais,
semana de fevereiro pelo Jornal do Brasil. Tal como ocorreu em acompanhando de perto os passos dos administradores públicos,
outras ocasiões, quando a questão indígena em Roraima esteve revelando fatos obscuros que atentam contra o patrimônio do
em destaque na imprensa nacional, os alvos dessa guerra de povo brasileiro e, na maioria das vezes, servindo de porta-voz
contra-informação são indígenas, missionários, ONGs, Fundação de todos os cidadãos e cidadãs.
Nacional do Índio e outros aliados dos indígenas. Por isso mesmo toda e qualquer forma de manipulação das
É falsa e tendenciosa, por exemplo, a informação de que “o informações, divulgação de fatos notadamente tendenciosos e
governo vai entregar mais um pedaço do Brasil para as tribos preconceituosos receberá sempre o repúdio da sociedade, como
indígenas” (JB, 25/02/07, pág.2 – editoria País). A inverdade as notícias levianas contra os povos indígenas e seus aliados
consiste no fato de que o governo não está entregando nada aos no estado de Roraima veiculadas pela série de reportagens
indígenas. Está, sim, atendendo a determinação constitucional “Amazônia em Perigo” pelo Jornal do Brasil.
de demarcar, proteger e fazer respeitar todos os bens das terras “E conhecereis a verdade, e ela vos libertará” (Jo 8, 32). 
tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, segundo os
preceitos do artigo 231 da Constituição Federal. As terras são da Manaus, Amazonas, 2 de março de 2007.
União, destinadas à posse permanente dos índios e em nada se Conselho Indigenista Missionário – CIMI Regional Norte I - AM

- Abril 2007 5
Roosewelt Pinheiro/ABR

Caro presidente Lula,


Paz e Bem!

Escrevo-lhe hoje, dia em que a Igreja do Brasil lança a


Campanha da Fraternidade 2007 sobre a vida da Amazônia e
toda a sua riqueza humana e natural.
O objetivo desta carta, amiga e fraterna, é retomar o diálogo
que assumimos juntos por ocasião de nosso encontro no dia
15 de dezembro de 2005 em sua sala de trabalho no Planalto.
Agradeço pelas oportunidades que nós, os representantes da
sociedade brasileira e os representantes do governo tivemos, de
iniciar o debate sobre assuntos tão importantes como: Projeto
de Revitalização do Rio São Francisco, Projeto de Transposição
de Águas do Rio São Francisco, Projeto de Desenvolvimento
Alternativo para o Semi-Árido brasileiro, na busca de um consenso
que só é possível acontecer numa sociedade democrática.
Retomo o diálogo justamente quando a humanidade, estar-
recida, toma consciência das conseqüências do aquecimento

Transposição do
Rio São Francisco
Carta de Dom Luiz Flávio Cappio ao presidente Lula
global, com impacto em todo o planeta, particularmente na vida populações mais necessitadas, e custaria 3,6 bilhões de reais,
de bilhões de seres humanos, inclusive na já historicamente portanto, mais baratas, mais abrangentes, mais eficientes que
oprimida e humilhada população nordestina. qualquer obra de transposição hídrica. Em nosso encontro,
Retomo o diálogo quando o Rio São Francisco, mais asso- acima referido, o senhor me disse que “não seria louco de levar
reado, sofre uma grande cheia e sua população ribeirinha, a essa obra à frente se apresentássemos uma alternativa melhor”.
quinhentos metros do rio, passa sede. Agora, somando as obras propostas pela ANA juntamente com
Retomo o diálogo quando uma menina morreu afogada em as iniciativas de captação, armazenamento e manejo de água
um dos canais que supre os perímetros irrigados de Petrolina, de chuva desenvolvidos pela Articulação do Semi-Árido (ASA),
em Pernambuco, por ter ido “roubar” água para matar sua o senhor tem uma chance de escolha muito melhor, pela qual
sede e de sua família. Retomo o diálogo quando o senhor fala seu governo ficará marcado para sempre na história do Nordeste
em iniciar as obras de transposição que irão consumir inicial- brasileiro, sua terra natal.
mente 6,6 bilhões de reais, mais de 50% de todo o orçamento Não faltam alternativas. Falta uma decisão política mais lúci-
destinado a recursos hídricos no Programa de Aceleração de da. Nosso pedido, senhor presidente, é que se retome o diálogo
Crescimento (PAC). e que se garanta que seja amplo, transparente, verdadeiro e
Retomo o diálogo quando o Tribunal de Contas da União participativo, incluindo toda a sociedade do São Francisco e do
(TCU) afirma publicamente, em seu relatório, que o Projeto de Semi-Árido, conforme foi pactuado em Cabrobó em outubro de
Transposição de Águas do São Francisco não beneficia o número 2005 e renovado através de pedido formal por carta protocolada
de municípios e de pessoas que afirma atingir. Retomo o diálogo em 6 de fevereiro último.
quando o mesmo Tribunal, através do acórdão 2020/2006 de- Senhor presidente, sempre vestimos sua camisa. Ainda
terminou ao Ministério da Integração e ao Ministério da Defesa estamos vestidos nela. Nossa contribuição de fiel militante da
que não utilizem recursos públicos para execução de obras de causa do povo é para que o senhor seja verdadeiramente aquilo
transposição enquanto não houver decisão definitiva sobre a que se propôs, o de ser o presidente de todo o povo brasileiro,
validade de licença prévia concedida pelo IBAMA. especialmente dos pobres deste país, por serem os que mais
Retomo o diálogo quando a Agência Nacional de Águas necessitam de sua atenção.
(ANA), organismo de Estado, criado para a gestão estratégica Receba nossa saudação amiga e fraterna, com os votos de
do uso da água no Brasil, propõe 530 obras para solucionar uma Feliz e Santa Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo.
os problemas de abastecimento hídrico até 2015 em todos Barra, 21 de fevereiro de 2007 - Quarta-feira de Cinzas. 
os núcleos urbanos acima de 5.000 (cinco mil) habitantes do
Semi-Árido brasileiro até 2015. Essas obras beneficiariam as Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM, Bispo Diocesano de Barra, Bahia.

6 Abril 2007 -
Sobra conhecimento,

pró-vocações
falta sabedoria
Divulgação

Aprender a parar, estabelecer metas e investir


nelas, eis um caminho para viver a vocação.
O light (o mais fácil)
É que tudo ao nosso redor é dispersivo, aponta para muitas
direções, múltiplos interesses; e como não se tem o hábito da
reflexão, facilmente se cai no embalo daquilo que brilha mais,
daquilo que mais satisfaz o nosso ego. Conseqüência: perde-
se tudo aquilo que nos ajudaria no processo da descoberta dos
caminhos que levam à realização de um futuro acertado. Não
costumamos conceder a nós mesmos tempo para sonhar... E
sabemos que os sonhos de hoje, bem sonhados e orientados,
serão as realizações de amanhã. Quem não sabe parar, escolher
de Rosa Clara Franzoi
metas e investir nelas, está correndo atrás de nada para chegar

A
a lugar nenhum. Está vivendo as diversas dimensões da vida,
tecnologia é algo muito bem-vindo à humanidade. Ela (trabalho, escola, relacionamentos, amizade, religião...) como
tem o mérito de proporcionar descobertas incríveis em gavetas, separadas. Conforme a conveniência abre-se uma,
que superam inúmeros limites. Porém, também nos fecha-se a outra, sem nexo entre elas. É urgente, descobrir o
apresenta um grande alerta. Explico: observando o jeito de juntá-las. A vida não é feita de pedaços; ela é um todo.
comportamento humano, percebe-se que, em muitas A correria, não pode ser pretexto para viver uma vida desorga-
pessoas, ela impede o desenvolvimento daquelas nizada e sem rumo certo.
qualidades que são imprescindíveis para a vida, desde o desa-
brochar até a sua plenitude. Diante de tanta coisa já pronta, a A arte de pensar e decidir
pessoa se acomoda, e de certa forma, vai em frente empurrada Conta uma lenda, que um mestre indiano foi visitar um amigo
pela multidão, como um robô. A sociedade, que afinal somos europeu. O encontro foi uma festa. O amigo europeu pensou em
todos nós, hoje carece daquilo que denominamos os frutos da presenteá-lo com demoradas visitas a lugares turísticos daquela
verdadeira sabedoria: saber parar, bem pensar para bem decidir. cidade, o que muito agradou ao indiano. Certo dia, andando os
A muitos, hoje, sobra conhecimento e falta sabedoria. O poeta dois, em meio a um barulho infernal de carros, aproximaram-se
Goethe afirma: “não é sabedoria, o que se acumula em vastos de um jardim. O mestre indiano parou, aguçou o ouvido e disse:
conhecimentos e ciências; mas aquilo que se adquire no observar, “Pare, vamos apreciar esta música”. O amigo europeu espantado
no ouvir, no calar e no confronto com a realidade”. olhou para ele e argumentou: “Não há nenhuma música aqui,
a não ser esse barulho irritante”. “Não”, replicou o mestre. “Um
grilo está nos brindando com o seu agradável canto, vamos
Quer ser um missionário/a? apreciá-lo”; e imóvel se pôs a ouvir com atenção aquilo que
o amigo europeu jurava não estar ouvindo. Depois de algum
Irmãs Missionárias da Consolata - Ir. Dinalva Moratelli tempo, meio impaciente disse o amigo europeu: “Realmente,
Av. Parada Pinto, 3002 - Mandaqui vocês orientais, têm grandes dons, raros em nós do ocidente.
02611-001 - São Paulo - SP Vocês têm uma mente e um ouvido muito apurados”. “Você se
Tel. (11) 6231-0500 - E-mail: rebra@uol.com.br engana”, rebateu o mestre. “Quer ver?” Tirou do bolso uma
pequena moeda e a deixou cair. Várias pessoas se voltaram
Centro Missionário “José Allamano” - Pe. José Tolfo para ver de onde vinha aquele som. O mestre prosseguiu: “Você
Rua Itá, 381 - Pedra Branca
02636-030 - São Paulo - SP reparou? O tinir da moeda, bem mais suave do que o canto do
Tel. (11) 6232-2383 - E-mail: secretariamissao@imconsolata.org.br grilo, as pessoas perceberam, apesar do barulho ensurdecedor
dos carros. Depende muito da capacidade de concentrar-se
Missionários da Consolata - Pe. César Avellaneda no essencial, no mais importante”. A sabedoria brota mais do
Rua da Igreja, 70-A - CXP 3253 coração do que da inteligência (Peter Rosegger). 
69072-970 - Manaus - AM
Tel. (92) 624-3044 - E-mail: amimc@ibest.com.br
Rosa Clara Franzoi é missionária e animadora vocacional.

- Abril 2007 7
Vaticano
Eucaristia: sacramento do amor
“Sacramento do amor” (Sacramentum caritatis) é
o título do segundo documento mais importante do
pontificado de Bento XVI, depois de sua encíclica “Deus
é amor”, no qual recolhe as conclusões do Sínodo
de bispos do mundo celebrado em outubro de 2005
sobre a Eucaristia. No sacramento da presença real
de Jesus, explica a exortação apostólica pós-sinodal,
“manifesta-se o amor “maior”, aquele que impulsiona
a dar a vida pelos próprios amigos”, afirma o papa.
“O cristão leigo em particular, formado na escola da
Eucaristia, está chamado a assumir diretamente a
própria responsabilidade política e social”, declara. A
conclusão constata: “Quantos santos fizeram autêntica
a própria vida graças a sua piedade eucarística!”.
Entre estes, menciona três beatos, Madre Teresa de
Calcutá, o jovem desportista e engenheiro italiano
VOLTA AO MUNDO

América Latina Piergiorgio Frassati (1901-1925) e o jovem professor


Indígenas e pobreza extrema croata Ivan Mertz (1896-1928). “A santidade teve
Uma publicação lançada no dia 28 de fevereiro pelo sempre seu centro no sacramento da Eucaristia”,
Banco Mundial avaliou a difícil situação dos indígenas conclui a exortação.
na América Latina. O relatório apontou que mais de
80% dos 28 milhões de indígenas latino-americanos Hong Kong
vivem na pobreza extrema. A análise relata que, Fórum juvenil
embora representem menos de 5% da população, os Mais de 130 jovens de Hong Kong participaram
povos indígenas em todo o mundo constituem 15% do Fórum juvenil intitulado “Encontro de um jovem
dos pobres. Na América Latina a análise foi feita na com a Igreja”, que foi promovido pela Comissão da
Bolívia, Equador, Peru, México e Guatemala. Pastoral Juvenil da diocese de Hong Kong e realizado
No Equador, por exemplo, enquanto metade da no Centro Pastoral Diocesano no final de fevereiro.
população do país tem carteira assinada, apenas 8% De acordo com o Kong Ko Bao (boletim diocesano
de todos os indígenas possuem emprego formal. Na em chinês), o Fórum se articulou em três partes, com
Guatemala, menos de 50% da população indígena vive os respectivos temas: “diálogo sincero”, “a missão
nas áreas urbanas do país e é assalariada, contra 65% social” e “relação entre homem e mulher”. O padre
dos não-indígenas. Mesmo assim grande parte deste Renzo Milanese, do Pime, declarou: “Os jovens de-
povo concentra-se nas áreas rurais, o que segundo o vem enfrentar os desafios da vida, mas sempre têm
estudo reduz as oportunidades. Para o Banco Mun- necessidade de confirmações. Portanto, a diocese
dial, o baixo nível de educação impede os indígenas e a Igreja em geral devem cuidar deles, e os jovens
de conseguirem empregos melhor remunerados e a devem levar em consideração tudo aquilo que pos-
falta de crédito para investir em máquinas agrícolas suem. Também isso é parte da formação e do diálogo
se torna um obstáculo para aumentar a atividade sincero”. Depois do Ano da Família, que se celebra
agropecuária. este ano em Hong Kong, a diocese está avaliando a
No Brasil além da exclusão social e da dificuldade idéia de dedicar a pastoral do próximo ano ao serviço
em obter a demarcação de suas terras, a violência é social, com a convocação do Ano do Serviço Social,
apontada como um dos maiores problemas dos índios. de modo a promover a participação ativa dos fiéis na
Um relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), vida social, fazendo com que a Igreja se torne “sal e
de 2006, mostra que entre 1995 e 2002 o número de luz do mundo”. O presidente e a secretária-executiva
assassinatos entre índios por ano era de 20. Já de da Comissão da Pastoral Juvenil, padre Philip Chan
2003 a 2005, o número dobrou para 40. e Mo Jing Yi, falaram do próximo Dia Diocesano da
Juventude, que se realizará em agosto em Hong Kong.
Sugestões para o CELAM Segundo o padre Chan “o Fórum foi uma iniciativa
Há quase dois meses do início da V Conferência que partiu do Dia da Juventude Asiática. Esperemos
Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, que tenha ajudado os jovens a entender, aprofundar
o Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) e compartilhar a vida e a fé”. Mo Jing Yi disse: “Os
lançou uma pesquisa on-line para que todos os fiéis jovens puderam expressar sua opinião no Fórum
do continente possam oferecer idéias para a grande aos responsáveis da Igreja local. E a diocese pode
missão continental que seguirá ao encontro episcopal. receber as melhores sugestões do Fórum. Estamos
Toda informação proveniente da pesquisa será entregue trabalhando para que, no futuro, se possa celebrar
ao grupo de especialistas que se reunirá em Bogotá todos os anos o Dia Diocesano da Juventude. Este
para preparar o documento sobre as missões que será ano, será celebrado em 5 de agosto, e estamos nos
visto em maio no Brasil pelos bispos participantes da preparando intensamente para este encontro”. 
V Conferência Geral.
Quem quiser participar da pesquisa, basta acessar:
http://br.celam.info/encuestas/index Fontes: Fides, Radioagência NP, ZENIT.
8 Abril 2007 -
INTENÇÃO MISSIONÁRIA
de Vitor Hugo Gerhard A fim de que aumente o número
de vocações sacerdotais e

O
mundo insular, ou seja, aquelas comunidades que
habitam nas ilhas, onde quer que se localizem, per-
religiosas na América Setentrional
manece como um ilustre desconhecido aos nossos
olhos e consciências cristãs. Fala-se constantemente
e nos países do Oceano Pacífico,
na necessidade de evangelização da África e da Ásia,
mas as populações que vivem na imensidão de ilhas espalhadas
para responder adequadamente
pelo mundo são quase esquecidas. Talvez porque não tenham
papel importante na economia ou na geopolítica dos interesses
às exigências pastorais e
missionárias daquelas populações.
Divulgação

rico em suas culturas e, em grande parte, já cristão.


Quem são seus povos? Como se constitui a sociedade civil
nestas ilhas? Como se organiza a Igreja Católica por estes
quadrantes do mundo? Quem são seus bispos e padres? Como
e onde são formados? E as comunidades cristãs, com seus
leigos, catequistas e outros tantos ministérios que certamente
o Espírito do Senhor haverá de ter suscitado por lá, como se
constituem?
Mais do que respostas, o que temos são perguntas a serem
Crianças de Papua Nova Guiné.
respondidas, não para matar nossa curiosidade, mas para nos
colocar em comunhão com a Igreja, lá onde ela se implantou
dos blocos assim chamados de G-8 e G-20, ou mesmo outros e onde, certamente, o Bom Pastor que cuida de Seu rebanho,
“gês” menos conhecidos. haverá de estar atento e vigilante.
Entretanto, vale a pergunta: o que sabemos sobre o arqui- A vocação fundamental para a vida cristã e todas as demais
pélago localizado na América Central, o Caribe, ou Madagascar vocações específicas para os serviços e ministérios, na Igreja e
na África, ou Açores e Madeira, ou as Ilhas Canárias, ou a Ilha no mundo, já foram plantadas pelo Senhor da história. Compete
de Páscoa? E mesmo da imensidão de ilhas, todas elas nações a nós identificá-las e fazê-las crescer, para que o povo de Deus
livres e independentes situadas em todos os recantos do mundo, não fique como ovelhas sem pastor, disperso e desorientado. Isso
seja nos oceanos Pacífico, Índico ou Atlântico? Alguém saberia é tarefa para ser discernida na oração, no empenho apostólico
dizer alguma coisa sobre Papua Nova Guiné, Galápagos, Nova e na formação exigente. 
Caledônia ou as Ilhas Marshall, Samoa, Tonga ou Ryukyu? Não
passamos de solenes desconhecedores deste mundo diverso, Vitor Hugo Gerhard é sacerdote e coordenador de pastoral da Diocese de Novo Hamburgo, RS.

Ciclone e chuva castigam Moçambique


N
o dia 22 de fevereiro, “Fávio”, um violento ciclone, o mesmo cenário de destruição
Divulgação

abateu-se sobre algumas localidades da Província de das habitações de construção


Inhambane, região sul de Moçambique. As rajadas de precária onde vive quase a to-
vento chegaram a atingir 180 km por hora. A cidade talidade da população. A fúria do
mais danificada foi Vilankulos distante 720 km de Maputo, onde ciclone vem juntar-se a outras
trabalham os missionários da Consolata e as irmãs dominicanas. calamidades de que são vítimas
As habitações tradicionais foram em grande parte destruídas as populações ribeirinhas do
e centenas de pessoas ficaram desabrigadas. Na paróquia a grande rio Zambeze, um pouco
estrutura da casa dos missionários manteve-se de pé, mas a mais ao norte. As fortes chuvas que se verificaram nos países
força do vento e da água arrombou portas e janelas. Uma parte vizinhos do Zimbábue e Malauí obrigaram a barragem de Cahora
da Igreja ficou sem janelas e cobertura. Na cidade os telhados Bassa à emissões de água acima da média, provocando inunda-
de muitas construções em alvenaria foram levados pela fúria ções das margens. Cerca de 285 mil pessoas foram deslocadas
do vento. Entre estas o hospital, as escolas e os internatos de pelas inundações, e pelo menos 45 morreram. Quase 122 mil
estudantes. O socorro chega lentamente. das 285 mil pessoas afetadas correm ainda o risco de enfrentar
Mais no interior na Missão de Mapinhane, onde também trabalham uma situação de fome face à perda das colheitas.
as irmãs agostinianas, os danos foram menores, mas, repetiu-se Fontes: Revista Missões e Zenit

- Abril 2007 9
Páscoa
espiritualidade

fonte de Missão

Sabah Arar
A Boa Nova da Páscoa
Discípulos e missionários Creio que só mesmo o mandato lan-

não podem partir para


çado por Jesus poderia ter feito tal mis-
sionário cometer esta ousadia: “Ide por

anunciar sem antes fazer a todo o mundo e pregai o Evangelho a


toda criatura” (Mc 16, 15). Foi após esta

experiência da Páscoa. ordem que os discípulos e, depois deles,


milhares de missionários e missionárias
partiram pelo mundo afora para anunciar
a Boa Nova. Mas qual é essa notícia?
de Patrick Gomes Silva
A Boa Nova de Jesus bem poderia se
resumir à Páscoa, quando celebramos

E
sua morte e ressurreição. Na verdade
m busca de inspiração para es- o seu mandato só tem sentido depois
crever este artigo, resolvi subir até desse momento central da sua vida. Os
Igreja da Virgem Maria, Bagdá, Iraque.
o mirante da Pedra Grande, no discípulos têm plena consciência de quem
Parque Estadual da Cantareira, Ele é e, portanto, querem levá-lo a todo o de Jesus) é a fonte de onde nasce toda a
cidade de São Paulo, de onde mundo. São Paulo nos ajuda a entender atividade missionária. Ou ainda em outras
é possível contemplar a grande perfeitamente a importância da Páscoa palavras, o que levou o tal missionário a
metrópole, numa visão extraordinária. O de Jesus na sua carta aos Coríntios, na chegar ao que hoje chamamos de cidade
dia estava lindo, o céu azul, o sol brilhava qual sugere que alguns tentaram colocar de São Paulo, foi a Páscoa de Jesus.
e podia-se vislumbrar no horizonte os em dúvida a ressurreição: “Se Cristo não
principais edifícios da capital paulistana. ressuscitou, é vã a nossa pregação, e Experiência de Emaús
Um verdadeiro encanto para os olhos. também é vã a vossa fé” (1Cor 15, 14). E Com o acontecimento da Páscoa,
Este pano de fundo me fez pensar que acrescenta: “...se Cristo não ressuscitou, é os discípulos de Jesus partiram para
esta imensidão de prédios, ruas, aveni- inútil a vossa fé, e ainda estais em vossos anunciar a Boa Nova, mas antes tiveram
das e mais de 10 milhões de habitantes, pecados” (1Cor 15, 17). que passar pela experiência da Páscoa
tudo isso começou com a chegada de O apóstolo conclui que, se colocamos a também eles. Hoje acontece o mesmo:
um missionário. O que o teria levado a nossa esperança em Cristo somente nesta ninguém pode partir sem antes vivenciar
chegar até aqui? O que o teria motivado a vida, somos os seres mais miseráveis de a passagem da morte e ressurreição de
deixar sua terra natal e vir para este país todos (1Cor 15, 19). Isso nos leva a entender Cristo. Para melhor entender, basta olhar
estrangeiro? O que o teria feito trocar a que a Páscoa é o elemento fundamental para o episódio dos discípulos de Emaús
segurança do seu mundo conhecido pela da nossa fé e a instituição da experiência (Lc 24, 13-53). Desiludidos e frustrados
insegurança do desconhecido? O que o missionária. Assim, poderíamos mesmo com o que tinha acontecido naqueles dias
teria levado a ter tanta coragem? dizer que a Páscoa (morte e ressurreição em Jerusalém após a morte de Jesus na

10 Abril 2007 -
Jaime C. Patias
cruz, eles estavam se afastando da cidade.
Porém, o Mestre se aproxima sem que o
pudessem reconhecer, e caminha com
eles, explica as escrituras, abre os seus
olhos ao partir o pão, até que finalmente,
eles entendem que aquele estranho que os
acompanhara era o próprio Cristo. Aquele
que eles acreditavam estar morto estava
ao lado deles. Este episódio revela bem o
que é a experiência da Páscoa. Trata-se
de descobrir na própria vida a presença do
Ressuscitado, que hoje se revela na Palavra
de Deus e na Eucaristia. Tal passagem
é necessária para aqueles que desejam
partir em Missão, mas não só. Todos os
que participam das atividades paroquiais,
nas pastorais e movimentos, que fazem
parte da vida da paróquia têm que fazer
esta experiência da Páscoa de Jesus.
Os discípulos de Emaús se afastavam
de Jerusalém, mas após a revelação do
Mestre, regressam à cidade, lugar onde
aconteceu a Páscoa histórica de Jesus, e
é dali que partem para o mundo. No fundo,
as Escrituras parecem mesmo nos indicar
que temos primeiro que ir a Jerusalém, Celebração na comunidade São Marcos, São Paulo, SP.
para depois poder partir para o mundo. missionário. É um ciclo que nunca termina, lado, caminha conosco, mesmo se nossos
Ou seja, primeiro precisamos fazer esta isto é, fazemos a experiência da Páscoa olhos parecem incapazes de reconhecer
experiência da Páscoa de Jesus para de Jesus e enviados em Missão, fazemos sua presença. No entanto, na partilha
depois partir. Ninguém pode tirar água com que outros façam o mesmo. Estes, da Palavra de Deus e no partir do pão,
do poço se ele estiver seco. Sem água é por sua vez, após fazerem a experiência nossos olhos novamente se abrem para
impossível dar água aos outros. A Páscoa da Páscoa também se sentem enviados reconhecê-lo e novamente nos lançamos
de Jesus engloba dois momentos funda- em Missão e partem... na Missão. Partimos de “Jerusalém”, mas
mentais: acompanhá-lo até à cruz (onde o nosso destino é os confins do mundo,
ele se oferece pelos nossos pecados) e Partida e chegada ir àqueles que ainda não conhecem a
com Ele ressuscitar na manhã de Páscoa. Páscoa e Missão, eis um binômio Páscoa de Jesus. Assim, nunca podemos
Então, estaremos cheios da alegria e de inseparável. A Páscoa é o ponto de par- esquecer a nossa experiência da Páscoa.
entusiasmo para anunciar a todos os cantos tida da Missão, mas também é o ponto Ela tem que ser renovada continuamen-
do mundo quem é o Ressuscitado. de chegada. De um lado, tudo começa te, pois é a garantia da continuação da
A experiência feita pelos discípulos com a morte e ressurreição de Jesus, nossa Missão.
de Emaús foi marcante, a ponto de os de outro, é o ponto culminante de toda Somos discípulos de Jesus, enviados
fazer mudar de caminho. Assim, acontece a atividade missionária, fazer com que por Ele, a Missão é Dele, somos as mãos
com os missionários e missionárias, após aqueles que ainda desconhecem Jesus e os pés, dos quais Ele se serve para levar
terem feito a passagem, sentem a força, a façam a experiência da Páscoa. a Páscoa ao mundo inteiro. Boa Páscoa
coragem e a ousadia de ir pelo mundo. A Nesta tarefa temos uma grande certeza: e Boa Missão a todos nós! 
experiência feita é de tal maneira forte, que a presença contínua do Ressuscitado (Mt
não conseguem ficar parados, sentem o 28, 20). Ele é a força que nos ajuda em Patrick Gomes Silva é missionário.
impulso de ir e anunciar quem é este Jesus. nossa Missão. Por vezes, somos tentados
Seu desejo é levar outros a participarem, a desistir como os discípulos de Emaús,
ou seja, que outros façam a experiência frustrados e desiludidos pelas nossas Para reflexão
da Páscoa de Jesus e também se tornem fraquezas e pelas fraquezas das nossas
1. Você já havia feito esta relação entre Páscoa e
missionários à sua volta. Quem faz a comunidades, porém, nesses momentos é
Missão? Concorda com as idéias apresentadas ou não?
experiência de Jesus, não deixa de ser que o Ressuscitado se apresenta ao nosso
Por quê?
2. Leia Lc 24, 13-53 (Emaús) e reflita com sua
comunidade ou grupo: em que nos parecemos com
os discípulos de Emaús? Em que situações do nosso
dia-a-dia não reconhecemos a presença de Jesus no
meio de nós?

- Abril 2007 11
Missionário
testemunho

Nessa luta, a Igreja não usa armas de fogo.


Usa a fé e a conscientização.

de Giovanni Formolo
anti-dr

Arquivo Pessoal
N
o coração da floresta amazô-
nica colombiana, a Igreja trava
uma luta acirrada para pôr
fim às grandes injustiças que
derivam do cultivo e do tráfico
da droga. Não o faz com armas
de fogo, nem com promessas ilusórias e
mentirosas de uma política corrupta; o faz
com as armas da fé e da conscientização,
porque acredita profundamente, que é só
através da justiça e da promoção humana,
que os pobres chegarão a conhecer e viver
a sua dignidade e conseqüentemente, a
paz tão esperada.

Um lutador
O padre Jacinto Franzoi é um mis-
sionário da Consolata que combate esta
guerra na linha de frente. Ele é filho da
guerra e como tal, sabe muito bem qual
é o preço da paz. Jacinto nasceu na
Itália em 1943, quando na sua região - o
Trentino - ecoavam os estouros das bom-
bas e dos morteiros da Segunda Guerra
Mundial. Incertezas, fome e miséria foram Padre Jacinto com irmãs em Remolino, Caguan, Colômbia.
suas companheiras, nos primeiros anos
de infância. Perdeu a mãe quando tinha 1973, ordenou-se sacerdote, na igreja pa- para conhecer e entender melhor o povo
apenas quatro anos, vítima de bronco- roquial de sua terra natal, em Sporminore. que ali habitava. Começou a confrontar a
pneumonia fulminante. A experiência do Após alguns anos de aprendizado para a realidade com tudo o que havia lido sobre
pós-guerra e a vida dura das montanhas Missão, na Itália, foi enviado à Colômbia, a história do lugar e sobre a Teologia da
imprimiram nele um caráter forte e cora- precisamente em Cartagena Del Chairà, Libertação, tão propagada na época. São
joso. Bem cedo, ainda na adolescência, no Caquetà, região sul do país. palavras dele: “sobre esse assunto, eu li
começou a sentir que a vida missionária toda a Carta de Nicarágua e de El Sal-
era do seu feitio. Para se certificar, entrou Encontro com a Missão vador. Eu era jovem e estava chegando
no Seminário da Consolata, de Rovereto. Ele jamais esquecerá dos 45 dias de cheio de entusiasmo missionário e não
Ali, sentiu-se bem. Foi acolhendo a graça viagem num navio cargueiro! Mas, enfim, nego, também um pouco de espírito re-
que trabalhava no seu coração e foi dando estava chegando à tão sonhada Missão. volucionário. Eu estava convencido, que
a sua resposta positiva. Mesmo que isso Aquela era agora, a sua terra de adoção. lutar ao lado dos pobres, para ajudá-los a
lhe custasse dificuldades que são inerentes Não perdeu tempo. Começou a estudá- vencer a pobreza e a miséria, era a melhor
à escolha que fizera. Foi avançando. Em la e a percorrê-la em todas as direções, maneira de testemunhar o Evangelho;

12 Abril 2007 -
Rodrigo Arangua
rogas
Camponês trabalha em cultivo de coca, em Hormiga, Putumayo, a 800 quilômetros de Bogotá.

e se o fizesse, estaria co-dividindo com Ter que recomeçar – padre Jacinto recebeu, em 2004, o
aquele povo sofrido a beleza dos valores Por motivos de saúde, padre Jacinto Prêmio Nacional da Paz.
cristãos e evangélicos. Aos poucos fui teve que passar um período na Itália. Ao
entendendo que, infelizmente, a coisa regressar, cinco anos depois, a situação Outras iniciativas
ali não era bem assim. A guerrilha era da guerrilha havia piorado em toda a Padre Jacinto ainda não se deu por
forte e não respeitava nenhum desses Colômbia. Remolino, onde ele seria o satisfeito. Segundo ele, estava faltando
valores; a vida, não valia mesmo nada. pároco, havia se transformado num ver- ainda muita coisa para proporcionar aos
O quê e como fazer? Todos os livros que dadeiro caos. A vila tinha sido elevada plantadores de cacau um pouco mais de
eu tinha lido para me preparar, não me à capital do Caguan, administrada pelos respiro. Iniciou a construção de uma modesta
preveniram sobre o que eu encontrei guerrilheiros, fundada sobre o comércio fábrica de marmelada, aproveitando assim
no Caquetà: coca e guerra. O primeiro da droga. Padre Jacinto não desanimou; os frutos da floresta. E com a utilização do
grande dissabor que me atingiu, em foi à luta, começando tudo de novo. Era micro-crédito, deu às famílias a possibilida-
meio à grande tensão que assolava a urgente defender e promover a vida de de adquirir algumas cabeças de gado,
região, foi ver dois dos meus catequis- daqueles camponeses, que não sabiam Também, brevemente, uma escola abrirá
tas fuzilados pelo comando das FARCS mais a quem apelar. Ele não hesitou as portas a 60 jovens, que poderão fazer o
(Forças Armadas Revolucionárias da em lançar um desafio, arriscado e que ensino superior, sem ter que sair do lugar.
Colômbia). Um segundo, veio do Exército beirava aos limites da utopia. Apresentou E tem mais: apesar dos seus quase 64
colombiano, poucos meses depois. De o projeto, condensado neste slogan: “não anos, continua na luta. Remolino precisa
repente, um helicóptero despejou, bem à coca, sim ao cacau”. Em resumo, era de água potável. É o projeto que está em
no centro da praça principal, os corpos todo um trabalho de conscientização andamento, com a finalidade de garantir
de três guerrilheiros, capturados e en- para convencer os camponeses a trocar a estabilidade ao povo, pois sem água,
forcados numa Operação Militar. Aquilo o cultivo da coca por outras plantações muitos precisam se deslocar.
me atingiu profundamente. Fui ter com alternativas, cujos produtos seriam asse- A tarefa do missionário é trabalhar
as autoridades e pedi que me cedessem gurados por uma cooperativa, garantindo para que “os povos tenham vida e vida
os corpos; porém o Exército agiu mais a subsistência das famílias. Não foi fácil. em abundância” (Jo, 10,10), como fez
rápido e na manhã seguinte eles haviam Quem iria deixar o certo pelo duvidoso? Jesus. Assim, através desses projetos
desaparecido. Apenas me deixaram um Após um árduo trabalho de base, quase e de toda essa luta, apoiado por todos
recado: aqueles homens eram bandidos todo corpo-a-corpo, começaram as pri- aqueles que acreditam nos milagres da
e não mereciam uma sepultura. Como meiras adesões. Mais de cem famílias Missão, padre Jacinto é o missionário
não reagir? Começamos a procurá-los assumiram o projeto. Foi fundada, então, da consolação para esse povo, que aos
na vizinhança, embrenhando-nos nos a ASOPROBACA - Associação dos Pro- poucos, vai descobrindo a sua dignidade
terrenos cultivados. No terceiro dia de dutores do Baixo Caguan. Ela recebia o de filhos e filhas de Deus. 
intensa busca, os corpos foram encon- produto, beneficiava e vendia o chocolate,
trados, perto de um pequeno aeroporto que começou a ser muito apreciado. Por Artigo publicado em outubro de 2006
desativado”. esta invenção – a fábrica de chocolate no Jornal “Il Trentino”.

- Abril 2007 13
fé e política

Luiz Inácio Lula da Silva reúne-se com membros do


Ricardo Stuckert/PR

Partido Progressista no Palácio do


Planalto.

O ministro Enrique

Valter Campanato/ABr
Levandowski, do Supremo
Tribunal Federal (STF),
recebe parlamentares
para discutir a cláusula
de barreira, que limita a
atuação de partidos
pequenos.

Funcionamento dos
partidos políticos
O restante agiria regionalmente. Assim, é muito difícil para o

O problema brasileiro com relação à política eleitor paulistano entender o que leva o PT (Partido dos Tra-
balhadores) e o PP (Partido Progressista) a anunciarem que

não é institucional, e sim moral. políticos inimigos como Marta Suplicy (PT) e Paulo Maluf (PP)
estariam juntos nas eleições municipais de 2008. Sob o ponto
de vista da nacionalização dos partidos tal questão é básica:
as duas legendas apóiam o governo federal, e seria mais que
de Humberto Dantas
natural essa aliança. Tal comportamento também se verifica no
sentido inverso: como compreender que o PSDB (Partido da

D
Social Democracia Brasileira) e o PT – adversários nacionais
izem as leis no Brasil que os partidos políticos são – se entendem na Bahia? tÉ possível notar que assim como
organizações nacionais e, portanto devem preencher os planos nacionais distorcem realidades locais, as realidades
uma série de características que comprovem que não locais se sobrepõem às questões nacionais. Nossos partidos
agem e nem representam apenas acordos locais. Segue- estão longe de ser organizações de fácil compreensão. O grande
se a esse princípio uma série de determinações que problema, nesse caso, é que essas instituições são as únicas
reforçam o caráter nacional das legendas brasileiras. responsáveis pelo lançamento de candidaturas aos milhares de
Alguns exemplos podem ajudar nossa compreensão. A fundação cargos eletivos no país. Assim, sob uma desordem que muitas
de um partido requer assinaturas e adesões em pelo menos vezes foi chamada de pré-história partidária, se escondem
nove estados brasileiros – um terço do total. Os programas não interesses ilegais que se sobrepõem aos anseios e direitos da
podem citar qualquer plano que desestruture o estado brasileiro. sociedade brasileira. Assustar-se com a aliança entre Marta e
O dinheiro público encaminhado aos partidos, chamado de Fundo Maluf é olhar para a realidade paulista. Entender como normal é
Partidário, é contabilizado com base nas eleições nacionais para mirar a realidade nacional. Mas é difícil aceitar que precisamos
a Câmara dos Deputados, assim como o tempo de propaganda pensar diferente as realidades nacional, estadual e municipal
partidária e eleitoral no rádio e na televisão – mesmo nas eleições quando tudo deveria ser Brasil.
municipais. Para tornar ainda mais clara essa tendência nacional, Diante de tamanha confusão o que o eleitor deve fazer? Estu-
o TSE determinou nas eleições de 2002 e 2006 a chamada verti- dar política é uma alternativa interessante, uma vez que fomenta
calização das coligações, que impedia os partidos de se aliarem o espírito crítico. Mas, além disso, devemos esperar de nossos
a adversários federais no plano estadual – idéia derrubada pelas representantes uma postura mais ética e, no caso dos nossos
próprias legendas na forma de uma emenda constitucional que partidos, uma coerência nacional de longo prazo. Tal questão
valerá para as eleições de 2010. não depende de regras e imposições, mas de um espírito crítico
construído em cada eleitor capaz de julgar acordos e acertos.
Reforma política A verdadeira reforma política, como já comentamos aqui, não
Diante de alguns exemplos e do princípio maior, os partidos requer mudanças nas regras do jogo e sim na mentalidade dos
devem ser vistos como organizações nacionais. No entanto, a jogadores. O problema brasileiro não é institucional e sim mo-
cultura política brasileira coloca em cheque essa questão. Isso ral. Representantes, representados e partidos políticos fazem
porque o emaranhado político-partidário brasileiro confunde o parte de algo que chamamos de sociedade. E a construção e
eleitor e enfraquece as próprias legendas no plano nacional. estabilidade política no Brasil requer conscientização. 
Enquanto a regra prevê a nacionalização, argumentos da ciência
política nacional tentam comprovar, sob esforço quase artificial, Humberto Dantas é cientista político, professor do Centro Universitário São Camilo e coordenador
a existência de raros partidos que se comportam nacionalmente. de Cursos de Formação Política na Região Episcopal Lapa e na Diocese de Osasco, SP.

14 Abril 2007 -
FORMAÇÃO mISSIONÁRIA

Pelos caminhos da América

Onde está a

Mauricio Lima
Missão Ad Gentes?
Jaime C. Patias

Uma análise sobre o


Documento de Síntese que
servirá como instrumento
de trabalho para os bispos
participantes da V Conferência
Geral do Episcopado Latino-
Americano, a ser realizada em
maio, em Aparecida.
15º Congresso Eucarístico Nacional, maio de 2006, Florianópolis, SC.

de Estevão Raschietti participação mais ampla possível nesta para a redação do Documento de Sín-
etapa de preparação dessa hora de tese que servirá como instrumento de

R
graça e orientação pastoral”. trabalho para os bispos participantes
ecebemos nestes dias, em Aconteceu de fato uma grande da V Conferência.
primeira mão, as sínteses dos participação. Na sede do Conselho Epis-
aportes para a V Conferência copal Latino-Americano (CELAM) em Evangelização
Geral do Episcopado Latino- Bogotá, Colômbia, chegaram aportes A apresentação desse texto, feita por
Americano, a ser realizada no de 21 Conferências Episcopais, que já dom Andrés Stanovnik, Secretário-Geral
Brasil, em Aparecida, SP, de eram sínteses vindas das paróquias e do CELAM, evidencia que a “preocupa-
13 a 31 de maio. Esses aportes vie- das dioceses. Ao todo “chegaram 2.400 ção fundamental” da Conferência Geral,
ram das comunidades, das paróquias, páginas com valiosas contribuições, que em continuidade com as anteriores, é
das pastorais e dos movimentos que enriqueceram a reflexão, enfrentando com a evangelização do continente.
estão atuando em todos os países do grandes temas que não apareciam Dos aportes recebidos das diversas
continente. suficientemente tratados no Documento regiões, resultou um texto bem mais
Em setembro do ano passado, foi de Participação”. rico e articulado que o Documento de
lançado um Documento de Participação Os aportes recebidos foram clas- Participação, que retoma de maneira
com o título “Rumo à V Conferência sificados tematicamente, estudados mais aprofundada e decidida temas
do Episcopado da América Latina e por uma comissão especial de bispos, como o Reino, a opção pelos pobres,
do Caribe”. Esse documento tinha teólogos, biblistas e pastoralistas no- o método ver-julgar-agir, a eclesiologia
como propósito “expor o tema da V meados pela presidência do CELAM. conciliar. O documento faz uma leitura
Conferência Geral e buscar suscitar a Uma vez estudados, formaram a base da realidade que denuncia os impactos

- Abril 2007 15
negativos da globalização sobre os
pobres e excluídos, como também as “a Missão é um
deficiências eclesiais do clericalismo,
do moralismo, de uma espiritualidade problema de fé, é
individualista, do escasso espaço dado
aos leigos e às mulheres e da falta de a medida exata da
engajamento da Igreja nas questões
que dizem respeito à cidadania. nossa fé em Cristo e
Contudo, não é um texto particu-
larmente contundente. Ressente ainda no Seu amor por nós”
de um linguajar um pouco intimista e (RM 11).
desencarnado, que insiste demasia-
damente no vínculo com a pessoa de de seguimento é o próprio “corpo” de
Jesus vivo. O que isso significa con- Cristo, no sentido que “torna carne” o
cretamente? O texto fala de diversas Verbo e torna visível o rosto de Deus
presenças do Senhor ressuscitado. O no momento em que assume o compro-
reconhecemos nos irmãos de fé, na misso concreto de transformar o mundo
Palavra, nos Sacramentos, nos pobres, segundo o anúncio do Reino.
na cultura, na arte, na história, na luta Essa tensão introspectiva da fé cristã
por um mundo mais justo e fraterno, atinge também, e de maneira perigosa,
no discípulo que procura fazer própria a visão e a dinâmica missionária do
a existência de Jesus. Particularmente, instrumento de trabalho da Conferência
Ele se encontra com a participação Geral. Com efeito, a dimensão Ad Intra,
pessoal à missa dominical. subjetiva, voltada para si, prejudica a
Tudo isso torna a experiência cristã dimensão Ad Extra da vida cristã, aquela
algo de muito subjetivo, como se a voltada para os outros sem restrições e
presença de Cristo fosse detectada sem fronteiras. É uma forma mascarada
e, de alguma forma, tornada real pe- de egoísmo, aquele pecado contra o
las percepções de cada um de nós. qual devemos sempre lutar porque nos
Certamente, o contato pessoal com torna escravos. documento ser em função da evange-
Jesus ressuscitado é parte primor- Apesar do documento almejar no- lização do continente. A universalidade
dial da experiência cristã, esse Verbo vas sínteses integradoras entre cau- não aponta em primeiro lugar a uma
encarnado e glorificado que continua sas locais e nacionais e a abertura tarefa específica, mas para a própria
manifestando-se de maneira misteriosa da América Latina ao mundo, nunca essência da Missão. João Paulo II em
na história da humanidade. Mas não fala da missão Ad Gentes. A dimen- sua encíclica missionária afirma: “Sem a
podemos esquecer que o encontro são universal da Missão é a grande Missão Ad Gentes, a própria dimensão
com Cristo acontece concretamente esquecida do documento. Será que missionária da Igreja ficaria privada do
na comunidade que faz memória dele, foi esquecida mesmo pelos aportes seu significado fundamental e do seu
servindo os outros até as últimas con- vindos dos vários países? Seria ainda exemplo de atuação” (RM 34).
seqüências. Essa comunidade de fé e mais grave. Não justifica o enfoque do
Missão continental?
Ainda na Redemptoris Missio se
Arquivo

afirma que a “Missão Ad Gentes é


uma atividade primária e essencial da
Igreja”. Com efeito, a Igreja “não pode
eximir-se da Missão permanente de
levar o Evangelho a quantos — e são
milhões e milhões de homens e mu-
lheres — ainda não conhecem Cristo,
o Redentor do ser humano. Esta é a
tarefa mais especificamente missionária
que Jesus confiou e continua cotidia-
namente a confiar à Sua Igreja” (RM
31). E continua: “torna-se necessário
precaver-se contra o risco de nivelar
situações muito diferentes, e reduzir ou
até fazer desaparecer a Missão e os
missionários Ad Gentes”. A afirmação
de que toda a Igreja é missionária
“não exclui a existência de uma es-
Comunidade de Monte Santo , BA. pecífica Missão Ad Gentes” (RM 32).

16 Abril 2007 -
FORMAÇÃO mISSIONÁRIA

João Paulo II adverte mais uma vez: reservar só para elas as riquezas imen- sinal dos tempos. Ele não desgruda sua
“É preciso evitar, por isso, que esta sas do seu patrimônio cristão. Devem atenção sobre a situação mundial que
tarefa especificamente missionária Ad levá-lo ao mundo inteiro e comunicá-lo já traçava os distintos perfis do que hoje
Gentes se torne numa realidade diluída a quantos ainda o ignoram. Trata-se de chamamos de globalização, e declara,
na Missão global de todo o Povo de muitos milhões de homens e mulheres em sua mensagem radiofônica um mês
Deus, ficando desse modo descurada que, sem a fé, padecem da mais grave antes da solene abertura do Concílio:
ou esquecida” (RM 34). das pobrezas. Diante de tal pobreza, seria “a sua razão de ser [do Concílio Vati-
Os bispos são os primeiros a es- um erro deixar de promover a atividade cano II] é a continuação, ou melhor, a
quecê-la, provavelmente sufocados evangelizadora fora do continente com o retomada mais enérgica da resposta
pela angústia que trazem os problemas pretexto de que ainda há muito para fazer do mundo inteiro, do mundo moderno
caseiros diante dos quais os limites na América, ou à espera de se chegar ao testamento do Senhor, formulado
entre o cuidado pastoral dos fiéis, a primeiro a uma situação, fundamental- naquelas palavras pronunciadas com
nova evangelização e a atividade mis- mente utópica, de plena realização da divina solenidade, as mãos estendidas
sionária Ad Gentes não são realmente Igreja na América” (EA 74). Onde está rumo aos confins do mundo: Ide e fazei
identificáveis. Contudo, recorda João então o compromisso missionário Ad discípulos entre todas as nações”. O
Paulo II, “não se pode perder a tensão Gentes, renovado no último Sínodo grande mandato de Jesus às nações é
para o anúncio e para a fundação de das Américas, em Roma, de “apoiar o grande lema bíblico do Vaticano II: o
novas Igrejas entre povos ou grupos uma maior cooperação entre as Igrejas trecho do Evangelho mais citado.
humanos, onde elas ainda não existem, irmãs; enviar missionários (sacerdotes, Essa preocupação com a dimensão
porque esta é a tarefa primária da Igreja, consagrados e fiéis leigos) para dentro universal da Missão permeia como um
que é enviada a todos os povos, até e fora do continente; revigorar ou criar respiro todo evento conciliar desde a
os confins da terra” (RM 34). Afinal, institutos missionários; favorecer a di- composição dos participantes (três mil
“a Missão é um problema de fé, é a mensão missionária da vida consagrada bispos do mundo inteiro, um “espetáculo
medida exata da nossa fé em Cristo e e contemplativa; dar maior impulso à de universalidade” segundo Paulo VI),
no Seu amor por nós” (RM 11). animação, formação e organização até as questões candentes da agenda
Afirmações fortes que contrastam missionária” (Propositio 86)? (com o compromisso fundamental com
com o absoluto silêncio do documento a paz no mundo e o diálogo com todos),
para a V Conferência Geral. O principal Missão no Vaticano II para chegar, enfim, aos textos. É só
propósito deste evento é impulsionar Para responder a essa pergunta é considerar o título e o primeiro número
uma grande Missão continental. Mas, só retomar com vigor, como expressa do principal documento do Concílio,
como a fé, também o amor não tem o sincero propósito do Documento de Lumen Gentium (Luz dos Povos), para
e não pode ter fronteiras. O amor é Sínteses dos aportes recebidos em vista perceber logo de cara a importância
universal e não continental, dirigido a da V Conferência Geral, o espírito do da dimensão universal da Missão: “as
todos sem excluir ninguém. Assim é Concílio Vaticano II e das Conferências presentes condições do mundo torna-
o amor de Deus, que tem compaixão Gerais anteriores, particularmente a de ram ainda mais urgente este dever da
para com todo ser vivo e não apenas Puebla (1979). Igreja [a Misssão], a fim de que todos
para com o seu próximo (Ecl 18, 12). Em primeiro lugar, o Concílio Vati- os homens, hoje mais intimamente
Numa época de globalização como cano II traz como sua inspiração fun- ligados por vínculos sociais, técnicos
a nossa, pensar em nível paroquial, damental um olhar de amor sobre a e culturais, alcancem também unidade
nacional ou continental é pensar pe- realidade mundial. João XXIII intuiu total em Cristo”.
queno demais. o alvorecer de uma nova etapa na Também na eleição da Igreja local
Pensar grande é pensar como Deus, caminhada da humanidade como um como sujeito da Missão, o Concílio se
no mundo todo, e não apenas no pró- refere a ela como protagonista da Mis-
prio umbigo, numa experiência de fé são universal, e não apenas da Missão
Divulgação

apenas subjetiva. contextual. O adjetivo local não significa


Os esforços do papa para empurrar uma restrição da universalidade, mas
essa América, fechada em si mesma, indica o lugar no qual a universalidade
para fora dos próprios rincões, não pa- deve concretamente mostrar-se: “como
ram por aqui. Na Exortação Apostólica o Povo de Deus vive em comunidades,
Ecclesia in America, suas palavras se sobretudo diocesanas e paroquiais, e
tornam ainda mais contundentes: “o é nelas que, de certo modo, se torna
programa de uma nova evangelização visível, pertence a estas dar também
no continente, objetivo de muitos projetos testemunho de Cristo perante as na-
pastorais, não pode limitar-se a revitalizar ções.
a fé dos crentes habituais, mas deve A graça da renovação não pode
também procurar anunciar Cristo nos crescer nas comunidades, a não ser
ambientes onde Ele é desconhecido. que cada uma dilate o campo da sua
Além disso, as Igrejas particulares da caridade até os confins da terra e tenha
América são chamadas a estender este igual solicitude pelos que são de longe
ímpeto evangelizador para além das como pelos que são seus próprios
fronteiras do seu continente. Não podem membros” (AG 37).
Papa João XXIII.

- Abril 2007 17
FORMAÇÃO mISSIONÁRIA

Dar da pobreza (P 368) Em seguida, Puebla indica dois e apoio no compromisso pela missão
Essa solicitude fundamental do aspectos fundamentais da evangeli- universal’ – RM 2” (DSD 125).
Concílio Vaticano II chega à América zação: primeiro, tem de calar fundo Santo Domingo aponta ainda para
Latina só em 1979, com a III Conferência no coração das pessoas e dos povos; alguns desafios pastorais, em vista da
Geral de Puebla, México. 11 anos antes, segundo, há de estender-se a todos tentação de nos “fecharmos em nossos
na histórica Conferência de Medellín, os povos. Profundidade e extensão: próprios problemas locais, esquecendo
Colômbia, a dimensão universal da “ambos aspectos são de atualidade nosso compromisso apostólico com o
Missão passou quase despercebida. para evangelizar hoje e amanhã a mundo não-cristão” (DSD 126). São eles:
Também não houve uma reflexão or- América Latina” (P 362). a introdução da animação missionária
gânica sobre a realidade dos povos Para terminar, as Conclusões da na pastoral ordinária; a formação mis-
indígenas e suas culturas. Contudo, III Conferência Geral apontam para as sionária para presbíteros e religiosos;
Medellín, com a famosa “opção pelos tarefas essenciais da Missão: primeiro, a promoção da cooperação missionária
pobres”, traça o eixo central de toda a formar comunidades eclesiais vivas e de todo o povo de Deus; e o envio de
Missão da Igreja na América Latina, maduras em sua fé; segundo, atender missionários e missionárias Ad Gentes
fundamento essencial para um futuro situações que mais precisam de evan- (cf. SDS 128).
impulso além-fronteiras. gelização (situações permanentes,
A questão missionária em Puebla novas e particularmente difíceis). E Conclusão
deslancha de vez através de uma refle- por último: “Finalmente chegou para O que foi feito de toda essa rique-
xão muito bem articulada. O segundo a América Latina a hora de intensificar za? Sem dúvida, ela não poderá ser
capítulo da segunda parte tem como os serviços recíprocos entre as Igrejas desvinculada de um longo processo de
título: “O que é evangelizar?” Logo particulares e de elas se projetarem amadurecimento e de personalização
no primeiro tópico: “Evangelização: para além de suas próprias fronteiras. da Igreja latino-americana. Abre-se
dimensão universal e critérios”, faz-se É certo que nós próprios precisamos Ad Gentes uma Igreja que está cons-
brevemente o ponto da situação com de missionários, mas devemos dar ciente de sua própria identidade e dos
os principais desafios. Descreve-se de nossa pobreza ...” (P 368). Essas valores que pode entregar aos outros
de maneira sucinta, mas muito eficaz, palavras estamparam-se na caminhada como contribuição própria. Enquanto
o ministério da evangelização e seu eclesial latino-americana como um uma Igreja não atinge esta experiência
dinamismo: em primeiro lugar vem o marco indelével. 13 anos mais tarde, personalizante de seu próprio ser e dos
testemunho de vida; depois o anúncio em Santo Domingo, a IV Conferên- conteúdos que pode transmitir, delega
da Boa Nova mediante a palavra; cia Geral retoma o texto profético de seu compromisso Ad Gentes à esfera
em seguida, há o caminho de con- Puebla à luz da Encíclica de João das coisas que se aceitam, mas não
versão; a quarta etapa é o ingresso Paulo II Redemptoris Missio: “Reno- se vivem.
e a participação na comunidade; e vamos este último sentido da Missão, Mas é exatamente por este mo-
por último o envio em Missão. Não sabendo que não pode haver Nova tivo que uma Conferência Geral não
termina o processo de evangelização Evangelização sem projeção para o pode esquecer desse compromisso
até que a pessoa ou a comunidade mundo não-cristão, pois, como nota primordial: sem fazer memória dele,
convertida não é enviada em Missão o papa: ‘A Nova Evangelização dos nunca a Igreja latino-americana che-
(cf. P 356-360). povos cristãos encontrará inspiração gará a cumpri-lo. E se não cumprir esta
evangelização aos outros povos nunca
será verdadeiramente Igreja, pois o
Jaime C. Patias

âmago do Evangelho é o anúncio de


um Reino que não têm confins, para
todos: não só continental, mas universal.
“A Igreja particular não pode fechar-
se em si mesma, mas, como parte
viva da Igreja universal, deve abrir-se
às necessidades das outras Igrejas.
Portanto, a sua participação à Missão
evangelizadora universal não é deixada
ao seu arbítrio, mesmo se generoso,
mas deve ser considerada como uma
lei fundamental de vida; o seu impulso
vital diminuiria, com efeito, se ela se
fechasse às necessidades das outras
Igrejas, concentrando-se unicamente
sobre seus próprios problemas” (Con-
gregação para o Clero, Notas diretivas
Postquam Apostoli, 14). 

Estevão Raschietti é missionário, assessor do Comina e diretor


Comunidade São Caetano, Três de Maio, RS.
do Centro Xaveriano de Animação Missionária - CXAM.

18 Abril 2007 -
missão
Arquivo

Dom Jairo era bispo em Bonfim. Homem que viveu sua vocação

daHoje
em função dos menos favorecidos, faleceu em janeiro.

Missão
história
Um bispo
dos pobres
Podemos afirmar que dom Jairo aprendeu a ser bispo caminhan-
do com o povo que lhe fora confiado. Lembro-me que uma vez
me disse: “quando cheguei eu tinha uma idéia de ser bispo e
quantas vezes tive que mudá-la segundo as circunstâncias que
Deus mandava”.

Homem que acompanha e é solidário


Ele nunca procurou o conflito, como bom afro-descendente
de Ramón Cazallas Serrano era homem de paz e harmonia. Mas soube acompanhar e estar
presente onde surgia a discórdia e a Igreja estava presente.

N
Mesmo não entendendo muitas vezes a razão dos problemas
o dia 12 de janeiro de 2007 foi chamado para a Casa ele estava ali, acompanhando o padre, a irmã, o animador ou
do Pai dom Jairo Rui Matos da Silva, bispo, pastor animadora. A presença de dom Jairo era sempre solidária. Nunca
e pai da diocese de Bonfim, em pleno sertão da encontrei uma palavra dura nele para o agente de pastoral que
Bahia. Serviu essa Igreja durante mais de 32 anos. É se encontrava em situação de conflito. Uma vez me confiava
verdade que todos os bispos, pela missão confiada, pessoalmente: “quantas vezes tive que ir ao fórum ou na dele-
devem ser pastores e pais, só que uns o demonstram gacia sem saber os motivos e sem conhecer a causa!”
mais que outros. E se todo bispo é pai dos pobres, ele o foi em
tempo integral para a população menos favorecida do interior Homem aberto ao novo
sertanejo. Dom Jairo foi uma figura eminentemente poliédrica: Era um grande incentivador de todas as idéias que surgiam
orador, escritor, poeta, comunicador de rádio e imprensa, mas, para melhorar a situação do povo e promover a fé cristã. Apoia-
sobretudo e acima de tudo, bispo da sua igreja de Bonfim. va, insinuava e dava o seu palpite desde as grandes obras até
Nesta breve página quero sublinhar alguns destaques da vida as coisas novas que surgiam nas últimas comunidades rurais.
e missão de dom Jairo. Alegrou-se pela última capelinha construída numa longínqua
comunidade rural, da mesma maneira quando se constituiu
Homem que olha e escuta a Faculdade de Teologia. Há dez anos entrou para a Pastoral
Ele chegou com 44 anos de idade como bispo, no ano de Afro. Alguém escreveu sobre ele que era o padre espiritual
1974. A Igreja de Bonfim, como toda a Igreja universal, vivia dessa Pastoral.
momentos fortes de renovação eclesial provocados pelo Concílio Por tudo isto e por muitas outras coisas, dom Jairo ganhou
Vaticano II e a II Conferência Latino-Americana de Medellín. Dom o coração do povo. Conhecia por nome e sobrenome todas as
Jairo encontrou-se com uma Igreja em plena efervescência que comunidades rurais da diocese e era conhecido até pelos mais
queria viver as opções desses dois grandes eventos. Olhou para pobres do território. Era um pastor bem unido à Roma, admira-
a realidade do seu povo: marginalizado, empobrecido e escravo dor do papa, mas, não era um eclesiástico que aparecia com
do latifúndio. Escutou os gritos que surgiram das “caatingas” insígnias de poder que podiam separá-lo do povo. Quando o
e das periferias das cidades pedindo terra, água, educação e vi pela última vez, o convidei para vir a São Paulo e descansar
infra-estrutura. Ele olhou essa situação e escutou todas essas onde me encontro. A resposta foi: “agora não posso, mas irei a
vozes. E nessa realidade teve que pregar o Evangelho e fazer São Paulo em maio para conhecer o papa e ficarei um tempi-
crescer a Igreja de Jesus. Era uma Igreja que vivia intensamente nho com você”. Deus tinha outros planos. As longas conversas
o conflito e que foi adubada com o sangue de alguns mártires. sobre teologia, pastoral e espiritualidade que de vez em quando
O olhar e escutar de dom Jairo era uma característica da sua tínhamos, serão realizadas em outro Céu e em outra Terra.
vida. Olhava e escutava a todos, mesmo que isto criasse incom­ Dom Jairo do Sertão, rogai por nós! 
preensões em algumas partes. O modelo de Igreja não estava
no exterior, ia-se construindo com as situações que o povo vivia Ramón Cazallas Serrano é missionário e diretor do
e com a generosidade e doação de muitos agentes de pastoral. Centro Missionário José Allamano em São Paulo.

- Abril 2007 19
Semana dos
Destaque do mês

Povos Indígenas
de Conselho Indigenista Missionário

P
ara além de serem lembra-
dos como povos do passado,
representados como grupos
idílicos e por desenhos que nem
sempre correspondem ao seu
cotidiano real, grande parte dos
231 povos indígenas que vive no Brasil
tem aproveitado as atenções que recebe
durante o mês de abril, para apresentar
à sociedade brasileira temas que são
importantes em sua caminhada.
Conhecedores de pelo menos 180
línguas, com culturas e modos de vida
distintos, estes povos são atores políticos
com capacidade de apresentar propostas
e de dialogar com o poder público. Um
símbolo disto tem sido a realização do
Acampamento Terra Livre, desde 2004, na
Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
O primeiro Acampamento aconteceu Nestes quatro anos de governo algu- são privados de outros direitos básicos,
pouco mais de seis meses após a posse mas terras importantes foram demarcadas, como alimentação, educação e segurança.
do presidente Lula, em junho de 2003. entre elas a Raposa Serra do Sol, em A conseqüência mais clara deste problema
Cerca de 50 lideranças dos povos Kain- Roraima, que ainda continua com ocu- pode ser vista no estado de Mato Grosso
gang, Guarani e Xokleng acamparam em pantes não-índios. Outro ponto importante do Sul. Até março deste ano, foram sete
frente ao Ministério da Justiça para cobrar foi a promulgação da Convenção 169 da mortes de crianças por desnutrição e,
os compromissos de campanha. Organização Internacional do Trabalho em 2006, o estado concentrou 21 dos 41
Os manifestantes buscavam uma au- que, entre outras coisas, garante o direito assassinatos registrados pelo Conselho
diência com o ministro para tratar da ime- dos povos à participação nas decisões Indigenista Missionário (CIMI).
diata regularização de terras que estavam referentes às questões que lhes dizem
com o processo de demarcação atrasado respeito. Economias Indígenas
nos estados de Santa Catarina, Paraná e No entanto, durante todo este período Outro movimento importante na vida
Rio Grande do Sul. Também pediram um do governo Lula, o número de terras de- dos indígenas brasileiros é a Semana
posicionamento claro do governo acerca claradas indígenas foi baixo: uma média dos Povos Indígenas organizado há 25
dos rumos da política indigenista do país. de 7,25 por ano, contra 11 no governo anos pelo CIMI. A Semana propõe um
Em 2004, o Acampamento foi a primeira Fernando Henrique e 13 na época de tema diferente a cada ano, para debate
mobilização nacional no governo Lula. Em Collor. Outro problema central é que mui- em escolas e pastorais. Em 2007 o tema
2006, o Terra Livre reuniu 550 pessoas. tas terras continuam com os processos é “Economias Indígenas: Vida Compar-
parados no Ministério da Justiça. Do total tilhada”. O CIMI ressalta que os povos
Os desafios continuam de cerca de 850 terras indígenas no Brasil, indígenas sempre tiveram formas próprias
Neste abril de 2007, quatro anos depois, menos da metade (48,95%) tiveram sua de desenvolver as relações econômicas
as pautas principais do Acampamento demarcação concluída. Outros 24,27% entre pessoas, famílias e comunidades, e
que está sendo planejado, seguem a estão em processo e outras 226 terras busca apontar o que podemos aprender
mesma linha: participação dos povos na reivindicadas, ou 26,58% do total, nem com as experiências destes povos.
definição da política indigenista do país são consideradas pela Funai. Onde as Na base das relações econômicas no
e demarcação de terras. terras não estão demarcadas, os povos interior das comunidades indígenas está

20 Abril 2007 -
Priscila D. Carvalho/ Arquivo Cimi

O 19 de abril já foi celebrado, sobretudo nas


escolas, como o dia em que as crianças se
pintavam com tintas coloridas e vestiam colares
de penas. Nos últimos anos, o movimento indígena
tem conseguido mudar o sentido desta data.

tudo. Em função destes povos optarem povos. Por causa disso, às vezes alguns
por uma existência livre de imposições indivíduos indígenas acabam entrando em
externas, eles têm o direito de serem negociações escusas na venda de madeira
protegidos e de terem as suas terras ou de suas terras, o que é ilegal.
demarcadas, asseguradas e fiscalizadas Exemplo marcante é o que ocorreu
pelo poder público. no Sul e no Sudeste do País na primeira
Existem também os povos que man- metade do século 20, quando as terras
Acampamento Terra Livre, 2006, Brasília, DF. têm contatos esporádicos com a nossa indígenas foram devastadas pelas ma-
sociedade e que vivem de suas economias deireiras. Os povos perderam a terra,
a noção de reciprocidade, ou seja: dar e tradicionais. A base das suas relações co- seus recursos naturais, e comprometeram
receber. Em grande parte das comunidades, merciais é a troca ou a venda de produtos suas possibilidades de um futuro com
a finalidade das atividades produtivas é o confeccionados nas suas aldeias, como autonomia. Hoje, lutam para recuperar
bem-viver de todos, e não o lucro indivi- farinha, artesanato e alimentos oriundos parte desses territórios.
dual. A convivência é a idéia-chave. Nas da caça e coleta. Nesta relação, eles E há também casos de reconstrução
atividades se integram crenças, saberes, adquirem sal, açúcar, roupas, produtos da vida e das economias dos povos. Há
tradições, religiosidade e as visões de industrializados. E, como não se trata de dezenas de comunidades que tiveram toda
cada povo sobre o mundo. As práticas de dependência do mercado, mas de uma sua terra invadida e sua economia destruída
produção, circulação e consumo de bens relação autônoma, as práticas econômicas e hoje têm que reconstruir suas formas de
são marcadas por rituais e festas. Apesar internas se mantêm, muitas vezes sem a trabalho e distribuição de riqueza.
deste princípio comum, atualmente, existem circulação de dinheiro. Um exemplo interessante é o do povo
povos indígenas em diferentes situações Xukuru. Todas as sextas-feiras, 14 produ-
sociais, culturais e econômicas. Influências do capitalismo tores saem às 4h00 de suas aldeias para
Pelo menos 40 povos na região ama- Existem povos que convivem com a ir à Feira Orgânica Xukuru, na cidade de
zônica se mantêm distanciados do contato exploração intensa de recursos naturais, Pesqueira, Pernambuco. Desde maio de
com nossa sociedade. Vivem suas econo- minerais e hídricos, em suas terras ou nas 2006, o grupo vende farinha de mandioca,
mias em sentido pleno, sem interferências proximidades delas. São atividades que frutas, legumes e hortaliças. Os vegetais
da lógica capitalista, em que o lucro e a tendem a causar a destruição da nature- são criados com técnicas ancestrais de
acumulação de dinheiro estão acima de za, a gerar pobreza e dependência dos cultivar a terra e produzidos de uma ma-
neira “ecologicamente correta”, ou seja,
sem o uso de agrotóxicos.
Pietro Ruffolo/ Arquivo Cimi

Desde a década de 90, o povo Xukuru


luta para poder viver em seu território, que
estava invadido. Houve muitos conflitos com
a população local, principalmente com os
donos de terras. Conta o Xukuru Edgar de
Almeida: “a Feira é uma experiência con-
creta e atual dos Xukurus, que administram
seus recursos econômicos e naturais. Isto
aumenta o respeito da população regional
para com o nosso povo”.
Estas realidades nos desafiam a pensar
estratégias para a garantia e recuperação
dos territórios, para o controle dos recursos
neles gerados, para a recuperação das
áreas degradadas e para a construção
de projetos auto-sustentáveis.
Assim, os indígenas brasileiros têm
muitos desafios pela frente, além da sim-
ples comemoração do 19 de abril. 

O Conselho Indigenista Missionário é um organismo vinculado


Povo Awa-Guajá, MA. à CNBB e foi criado em 1972.

- Abril 2007 21
Projeto Pindorama
Atualidade

forma universitários
indígenas
Arquidiocese de São Paulo, universidade e
Fotos: Ronaldo Franco

associação indígena coordenam projeto que


traz à tona os desafios da inserção indígena
no mundo do trabalho.

Em janeiro de 2002, Foi uma das coisas mais importantes da


matriculavam-se na minha vida”.
PUC de São Paulo,
26 estudantes de Semente que brotou
três etnias (Panka- Para ter um acompanhamento melhor,
Grupo dos primeiros estudantes formados. raru, Guarani Mbyá a partir do ano seguinte a PUC passou
e Xavante). Preparados pelo cursinho a conceder apenas 12 bolsas. As etnias
de Benedito Prezia
pré-vestibular da Poli, surpreenderam a triplicaram. Vieram jovens Atikum, Guarani
própria reitoria, que prometera bolsa a Nhandeva, Kaingang, Krenak, Pankararé,
todos que tivessem sido aprovados. Pataxó, Potiguara e Terena, todos mora-

"D
O grupo era composto na sua maioria dores da capital e da Grande São Paulo.
eus quer, o homem sonha e por jovens da etnia Pankararu, alguns Nesses cinco anos passaram pelo projeto
a obra nasce”. Esta frase do deles nascidos em São Paulo. Para vários 75 indígenas.
poeta português Fernando Pes- indígenas, o fato de obter uma bolsa foi Os cursos foram os mais diversos:
soa, reproduzida no convite de uma surpresa, e motivo de sentirem-se Letras (português, inglês, espanhol),
formatura dos 16 formandos orgulhosos de sua origem étnica, como Pedagogia, Geografia, Serviço Social,
do Projeto Pindorama (nove confessou Adilson Barros: “nasci em São Fonoaudiologia, Enfermagem, Turismo,
da primeira turma e sete da segunda), Paulo, ficando na aldeia só quatro meses. Direito, Administração, Ciências Contábeis,
ocorrida no dia 14 de dezembro de 2006, Mas me assumo como indígena. Quando Tecnologia em Mídias Digitais, Multimeios,
sintetiza o coroamento de muitos esforços houve a reunião na USP sobre o cursi- Ciência da Computação, Matemática, En-
e parcerias durante cinco anos. nho, eu fui, representando a comunidade. genharia Elétrica e Física Médica. Neste
Em 2001 nascia tímido e, ao mesmo Quando falei, na frente dos estudantes e último vestibular foram aprovados alunos
tempo, robusto, um projeto que seria pio- professores, senti um orgulho muito grande! também para os cursos de Ciências So-
neiro no ensino universitário paulistano. Era ciais, História e Artes do Corpo.
fruto da conjunção do sonho da psicóloga Como era de se esperar, alguns ficaram
e professora da Pontifícia Universidade pelo caminho, desistindo dos estudos,
Católica de São Paulo (PUC), Ana Maria pelas mais diversas causas. Outros in-
Battaglin, dos esforços do jovem Xavante terromperam pelas dificuldades do curso,
Hiparindi Toptiro, da antropóloga e também como os de Engenharia Elétrica e Física
professora da PUC, Lúcia Helena Rangel, Médica, mas duas alunas conseguiram
do empenho da Pastoral Indigenista da Ar- ir para o curso de Direito, enfrentando
quidiocese de São Paulo e da colaboração grande concorrência. Como observou a
da Associação Indígena SOS Pankararu. Grupo de crianças que se apresentou na cerimônia.
professora Ana Battaglin, “alguns apresen-

22 Abril 2007 -
taram dificuldades em razão da formação para preservar a ri-
básica precária, mas muitos superaram queza de suas raízes
essas dificuldades e alguns apresentaram e, ao mesmo tempo,
desempenho superior ao da média de saber enfrentar os
seus cursos”. Este foi o caso de Elena desafios do mundo
Gomes, que se formou em Pedagogia e moderno”.
que recebeu um prêmio por seu trabalho Regiane Apareci-
de iniciação científica sobre a educação da da Silva, Pankara-
infantil. O mesmo se pode falar de Edcar- ru, cursando o quarto
los Pereira do Nascimento, do curso de ano de Direito quer
Serviço Social, e morador da favela do especializar-se em di-
Real Parque, situada no sofisticado bairro reitos humanos, para
do Morumbi. Sua elogiada monografia de atuar em defesa dos
final de curso versou sobre as políticas povos indígenas, já
públicas para indígenas na cidade. Não se que os problemas de-
pode esquecer de dois outros alunos que les são grandes, não
estão partindo em fevereiro para Cuba, só em Pernambuco,
onde cursarão medicina. de onde veio e onde
as terras estão inva-
Objetivos e desafios didas por posseiros,
Um dos objetivos do projeto, além mas também em São Paulo, onde a maioria jovens indígenas estão encontrando um
da capacitação profissional, é formar o dos Pankararu - quase 1.500 pessoas - vive espaço em nossa sociedade, coloca o
indígena como pessoa e membro de um nas favelas. Como diz ela, “o importante problema que de sua inserção profissional
grupo étnico, pois muitos estavam dis- é que a instrução recebida servirá para no mercado de trabalho.
tantes de suas comunidades de origem. auxiliar no processo de emancipação de “A Universidade que para mim, en-
Mensalmente há uma reunião, da qual nossos povos, marginalizados há tantos quanto indígena era um sonho - revela
todos devem participar e, uma vez ao ano, séculos”. o mesmo Edcarlos Nascimento - hoje é
é realizado um encontro de dois dias, para Os desafios ao longo desses anos uma grande realidade, principalmente
convivência e estudo, numa chácara. foram muitos, sobretudo o financeiro, pois se analisarmos a situação financeira de
Muitos sabem que os desafios são a manutenção recebida da Funai - R$ cada um de nós, que não dispúnhamos
grandes, como é o caso de Aílton Xarim 75,00 mensais -, mal dava para pagar de dinheiro nem para pagar a inscrição
Mendes, cuja mãe, Kaingang, viveu até o transporte. Uma das alunas chegou a do vestibular. A educação universitária
os 18 anos numa aldeia na região de dizer, que algumas vezes tinha que es- significa para nós uma forma de luta, para
Bauru, no interior de São Paulo. Vindo colher entre fazer um xerox ou comer um revelarmos nossas potencialidades, que
para a capital, casou-se com um não- lanche. Infelizmente as parcerias foram sempre foram colocadas em questão, e
índio, nascendo-lhe três filhos. Aílton, o tímidas. Convém assinalar o apoio do derrubarmos por terra os preconceitos
segundo deles, trabalha como analista Colégio Santa Cruz, que assumiu duas históricos acerca dos povos indígenas,
financeiro numa empresa no centro de bolsas integrais e o de Furnas-Centrais de que sempre foram “paus mandados”.
São Paulo, e procura fazer essa ligação Elétricas, que há três anos atrás pagou Não queremos ser gerentes de bancos, de
entre o mundo urbano, em que vive, e seus a matrícula dos formandos, que sempre multinacionais... Buscamos apenas nossos
parentes: “Minha avó ainda vive na aldeia é bastante cara. direitos enquanto indígenas, e o estudo
e sei que muitas pessoas lá necessitam do Se por um lado a formatura dos alunos é fundamental para nos prepararmos e
meu apoio. Precisamos preparar o índio das duas primeiras turmas mostra que os conquistarmos nossos objetivos, com
uma visão crítica e construtiva”. Depois
de um ano de formado, com uma ponta de
tristeza, pergunta: “O que adianta estudar
quatro anos, sendo que o mercado não
oferece oportunidades para quem tem
ensino superior? Imagine os que não
têm ensino fundamental?! Ao ingressar
na universidade pensava que depois de
formado poderia fazer muito mais para o
meu povo, mas hoje me encontro de mãos
atadas, pois estou desempregado. Mas
de uma coisa estou ciente, ainda tenho
uma dívida com o meu povo”.
O emprego pode demorar um pouco,
mas o Brasil para esses jovens indígenas
já não é mais o mesmo. A resposta para
construir um outro país dependerá de
cada um deles. 

Benedito Prezia é coordenador da Pastoral Indigenista de São


Paulo (colaborou com a matéria o jornalista Walter Faucetta
Toré, com participação de alunos, nas dependências do TUCA.
- PUC-SP).

- Abril 2007 23
Infância
Missionária
Infância violada de Roseane de Araújo Silva
“Criançada faça a roda, [...] vamos em frente,

V
amos falar de um problema grave que - segundo o
abrir caminhos, nova história quer chegar”.
Ministério da Justiça - atinge 16,88% dos municípios (Zé Vicente)
brasileiros, e que é, mais uma vez, colocado em foco
nesta nossa página da Infância Missionária. Trata-
se da prostituição infantil, expressão erroneamente
utilizada porque não é a criança que se prostitui. Sugestão para
Ela é prostituída por adultos, que abusam dela sexualmente.
Este estudo aponta que das 5.551 cidades pesquisadas, 937
o grupo
carregam a triste marca da exploração sexual infantil. Deste Acolhida
total, a situação mais grave encontra-se na Região Nordeste Motivação (objetivo): refletir sobre a realidade perversa da
com 31,8%, seguida da Sudeste com 25,7%, Região Sul 17,3%, prostituição infantil, uma marca profunda junto às crianças e
Centro-Oeste 13,6% e Região Norte 11,6%. Sobre estes dados, adolescentes da nossa sociedade.
destacam-se entre os estados São Paulo com 93 cidades citadas, Oração: Rezemos ao Deus da Vida por todas as crianças e
Minas Gerais, com 92 e Pernambuco, com 70. São milhares de adolescentes que, desde cedo, são forçados a vender o próprio
corpo em razão da desigualdade social que vivemos. Que Deus
crianças e adolescentes tolhidos do direito de estudar, impedidos
oriente este nosso encontro e as nossas reflexões.
de brincar, pular, correr e viver este período da vida. Partilha dos compromissos semanais.
Recentemente várias reportagens nos meios de comunica- Leitura da Palavra de Deus: Evangelho de Marcos 9, 33-37
ção apresentaram inúmeras situações de exploração sexual de Quem é o maior?
crianças e adolescentes, onde os adultos foram punidos e em Compromissos missionários: Depois de atravessar a Galiléia
algumas das situações, graças às denúncias anônimas. Consi- com os seus discípulos, Jesus percebe uma dúvida entre eles:
deradas em muitos casos como peças-chave, estas denúncias saber quem é maior. Ele nos convida a servir aos nossos irmãos
e esse é um caminho diferente para todos nós. Ser aquele ou
tornaram-se um diferencial em nossos dias. Não podemos mais
aquela que serve os demais, sem hesitar. Como poderemos
silenciar diante desta realidade de exploração sexual das nossas acolher as crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual
crianças e adolescentes. Faz-se necessário a denúncia, bem ou outros crimes sexuais? Em sua cidade funciona o Conselho
como a atuação junto aos Conselhos Tutelares (inexistentes em Tutelar? Convidem um conselheiro tutelar do seu bairro para
muitos dos municípios pesquisados), participando e cobrando uma conversa com o grupo, esclarecendo as ações que são
uma maior presença junto às crianças e adolescentes em feitas junto às crianças e adolescentes vítimas de exploração
situação de risco. Há indícios de ações conjuntas dos vários sexual, se existe parcerias, etc. Organizar com os novos amigos
uma tarde de atividades recreativas. Vamos começar e tornar
programas sociais, como o Bolsa-Família, por exemplo, visando este mundo diferente?
a prevenção e uma maior atenção às vítimas de crimes sexuais. Momento de agradecimento ao Deus Pai Criador pela pre-
As dificuldades em cortar este mal pela raiz são a impunidade, sença em nossas vidas e na vida das crianças e adolescentes
deste continente.
Canto e despedida.
Pe. Néo

a pobreza e a conseqüente desigualdade social. No tempo de


Jesus, a sociedade também se baseava na riqueza e no poder,
e de que lado Ele estava? Jesus se identificava com os pobres
e marginalizados da sua época, propondo hoje uma atitude dife-
rente com todas as vítimas de exploração (Mt 25, 41-46). Como
missionárias e missionários, somos chamados a agir em favor
destes pequeninos, acolhendo-os com amor e solidariedade,
defendendo-os e protegendo-os com justiça e igualdade. Jesus
caminha conosco e nos encoraja a perseverar: “Vocês são o
sal da terra. Ora, se o sal perde o gosto, com que poderemos
salgar? [...] Vocês são a luz do mundo” (Mt 5, 13a-14a). No
6º Mandamento da Criança Missionária vimos que a “criança
missionária é alegre e solidária no serviço aos irmãos”, dessa
maneira nos tornamos amigos de Jesus. De todas as crianças
do mundo – sempre amigas!

Grupo da IM no Centro Missionário José Allamano, São Paulo, SP. Roseane de Araújo Silva é missionária leiga e pedagoga da Rede Pública do Paraná.

24 Abril 2007 -
Perfil do jovem
missionário

Jaime C. Patias
Membros da Infância Missionária
crescem, tornam-se adolescentes e
jovens e anseiam por seguir na mesma
linha de formação e ação, agora em
grupos de Juventude Missionária.
de Vitor Menezes

A
Juventude Missionária (JM) animada pelas Pontifícias
Obras Missionárias – (POM) possui metodologia,
perfil e identidade próprios e distintos. Foi a partir da
caminhada da Infância Missionária que o processo Jovens no 11º Intereclesial das CEbs, Ipatinga, MG.
foi “gestado” e amadurecido, e hoje se torna uma
opção de crescimento na caminhada missionária de tualidade sacramental centrada na Eucaristia, como fonte e
muitos jovens que querem viver a fundo a vocação principal de ponto de chegada da Missão;
batizados: Evangelizar! E, para o jovem que se dispõe a viver o 10. Caminha participando da Missão da Igreja, vivendo a
perfil e a identidade da JM/POM, a noção do termo “evangelizar” riqueza da fraternidade, a exemplo do testemunho das primeiras
toma proporções universais. Ele aprende na teoria e na prática comunidades cristãs;
que a Missão não possui nenhum limite, pois o missionário é 11. Ama sua cultura, respeita e valoriza a dos outros;
chamado a ir além de todas as fronteiras: “Ide pelo mundo inteiro 12. Com sua alegria, simplicidade e responsabilidade é
e anunciai a Boa Nova a toda criatura!” (Mc 16,15). testemunha de esperança, capaz de assumir novos desafios,
A seguir, conheça o perfil e a identidade da JM/POM e veja se em um mundo em constante mudança.
é possível colocá-los em prática em sua comunidade, paróquia,
diocese, enfim, em sua vida. Identidade da Juventude Missionária:
- A JM deverá engajar-se na caminhada eclesial (pastoral
Perfil do Jovem Missionário: de conjunto);
1. Possui o sentido de pertença às Pontifícias Obras Missio- - A JM não é um movimento nem uma pastoral, é um grupo
nárias (POM), conhece-as, difunde-as e está disposto a levar a de jovens missionários vinculados à Obra Pontifícia da Propa-
outros a dimensão missionária que oferecem; gação da Fé;
2. Descobre sua vocação missionária que leva a viver ple- - A Obra Pontifícia da Propagação da Fé poderá viabilizar
namente a universalidade do mandato missionário de Cristo (Mt projetos para o envio de jovens à Missão além-fronteiras;
28,16); - A JM seja reconhecida e faça parte dos Conselhos Mis-
3. Possui uma experiência viva e profunda de Cristo, está sionários: COMIPA, COMIDI ou COMIRE;
disposto a apresentá-lo a quem não o conhece; - Os frutos da cooperação missionária destinam-se à ani-
4. A exemplo de Maria, vive e anuncia a Boa Nova da Sal- mação missionária além-fronteiras;
vação; - Faz parte da espiritualidade da JM a oração, o sacrifício,
5. Tem visão universal, disposto a cumprir o mandato de a solidariedade concreta;
Cristo “vão e anunciem o Evangelho a todos os povos” (Mt 28), - O grupo da JM deverá buscar sua auto-sustentação
fazendo o possível para que chegue a todas as pessoas; financeira;
6. É capaz de conhecer, aceitar e transformar sua realidade - Os padroeiros da JM são Francisco Xavier e Santa Tere-
pessoal e social à luz do Evangelho; sinha do Menino Jesus.
7. Vive um processo de crescimento e formação integral E agora jovem, é possível identificar alguma dessas carac-
missionária; terísticas na sua vida ou no seu grupo? 
8. Assume responsavelmente seu compromisso missionário
de batizado; Vitor Menezes é sacerdote diocesano de Jequié, BA, e Secretário Nacional da Obra da Propagação
9. É testemunha autêntica de vida, a partir de uma espiri­ da Fé e Juventude Missionária.

- Abril 2007 25
Padre Zezin
Entrevista

40 anos de vida
“Nunca assumi o
adjetivo cantor. Cunhei a
expressão: não sou padre
Fotos: Arquivo Pessoal
porque canto: canto
porque sou padre!"

de Jaime Carlos Patias

J
osé Fernandes de Oliveira, ou me viu falando ou cantando, gostou e me Cristo histórico e o Cristo da fé. Fiz umas
padre Zezinho, scj, 65 anos, é convidou. Eu consultei meus superiores, 20 canções mostrando os dois enfoques.
o pioneiro da canção religiosa. aceitei e fui aprendendo. Nunca fiz mar­ “Um certo Galileu” foi a que mais caiu
Possui 117 álbuns gravados no keting, nem procurei a mídia. A mídia me no agrado do povo e das mais diversas
Brasil e no exterior, totalizando procurou e ainda procura. igrejas. É ecumênica!
mais de 1.600 canções, algumas
com versões em cinco línguas. Como Por que o título do primeiro LP O senhor sofreu censura ou repre-
escritor, padre Zezinho publicou 84 livros “Estou pensando em Deus”? sália durante a ditadura militar?
e escreveu pelo menos 1,2 mil artigos em Era uma das canções mais cantadas Dentro e fora da Igreja recebi ameaças
jornais e revistas. Calcula-se que tenha se pelos jovens na paróquia. Achei que seria e, por fim, ordem de prisão. Sou grato a
apresentado em mais de dois mil shows um bom começo. Continuo fazendo uma dom Paulo Evaristo Arns e a dom Eugênio
e conferências, além de atuar em vários catequese que ajude a pensar. Canto mais Salles, que me defenderam. Eu falara e
programas de rádio e televisão. para a cabeça do que para a emoção, em- cantara em Belo Horizonte num “Dia da
bora algumas canções arranquem lágrimas. Bíblia” em favor do voto, das eleições
Como começou sua carreira de Quase 40 anos depois, continuo cantando livres e da volta à democracia. Tive logo a
cantor e compositor? “Sentado e pensativo” e “Eu penso em seguir, cerca de 12 canções censuradas.
Não houve projeto nem sonho. Quando Jesus”. Um dos meus livros mais recentes A maioria delas, do musical “Oferenda”,
estudava nos Estados Unidos em 1964, se chama: “Cada vez que eu penso em declaradamente político e contra a ditadura,
compus um Pai Nosso em inglês e, mais Deus”. Para mim, crer supõe sentir, mas o só foi publicada posteriormente quando
tarde, algumas canções em português que bem-sentir depende do bem-pensar. a censura abrandou. Falava em favor do
agradaram. Os jovens da paróquia-san­ voto, dos índios e contra o latifúndio e a
tuário São Judas Tadeu, no Jabaquara, em “Um certo Galileu” conta a vida e a tortura. No auge das ameaças, fiquei um
São Paulo, onde comecei meu ministério missão de Jesus. Com qual objetivo o tempo na Espanha e na Itália. Mas não
no Brasil, passaram a tocá-las, coreografá- senhor escreveu essa canção? tocaram em mim. Frei Betto, sim, sofreu
las e cantá-las em missas e encontros. A Lembra o Jesus histórico e o Jesus da mais. Ele era muito mais da Libertação.
gravadora das Paulinas ouviu falar. Irmã fé. Na mesma época, fiz outras canções Sempre o respeitei. Diz o que pensa! Padre
Maria Nogueira, a diretora, me convidou que falavam de Jesus de Nazaré, o rabino Leão Dehon, fundador da Congregação
a gravar as canções que ouvira numa das assassinado e do Cristo de Deus, o Filho Sagrado Coração de Jesus, da qual faço
missas, e o resto já se sabe. Passei a ressuscitado. Estudei Teologia nos Estados parte, foi um advogado e sociólogo ousado,
caminhar nessa direção. Deu-se o mesmo Unidos lendo Hans Küng, Tillich, Bultman, defensor dos sindicatos de patrões e de
com o rádio, livros e televisão. Alguém Barth e Rahner. Discutia-se muito sobre o trabalhadores, que também dizia o que

26 Abril 2007 -
nho Sacerdote, compositor, cantor
e escritor que ajudou a
transformar a comunicação.

a sacerdotal E as revistas?
As revistas chegam a menos gente,
mas com mais conteúdo. Custam mais
barato do que o rádio e a televisão, en-
pensava, mas propunha a busca do diálo- E a canção católica, vai bem? volvem menos pessoas e saem uma vez
go, por mais difícil que fosse. Eu também. Vai e não vai. Temos bons cantores e por mês; por tudo isso é mais fácil serem
Infelizmente, naqueles dias pedir diálogo bons maestros, mas acho que a maioria profundas e ricas de conteúdo. O que
e democracia soava como ser neutro. das letras e das melodias deveria passar mata a televisão e o rádio é a urgência do
Respirava-se clima de confronto. Diálogo por análise de professores de português, cotidiano e o número de comunicadores.
dói e eu sabia o que propunha, mas fui de teólogos e de liturgistas. Poderiam ser Por isso as revistas católicas se renovaram
chamado em livro de um teólogo, a quem melhores, se os compositores lessem mais com mais acerto.
só tenho elogios, como “modernizante e os grandes teólogos e os documentos da
não transformador”. Modernizantes não Igreja. Os temas e as melodias são muito A fama pode ofuscar e desviar o
fazem história. A canção não é profecia repetitivos. Giram em torno de não mais pregador? E o dinheiro afetou sua
maior. Escolhi ser profeta menor. Não foi por de 50 palavras-chave. Ainda ontem ouvi, vida?
acaso que adotei o nome de padre Zezinho, no rádio, uma canção que dizia: “Jesus Quem aceita subir no telhado que aceite
scj. Sou uma daquelas velas pequenas te ama e o seu coração está sofrendo”. os aplausos, mas também as perguntas
perto de duzentos círios pascais. Que coração está sofrendo: o de Jesus e a controvérsia. Acho que nunca fui nem
ou o do fiel? Outra dizia: “Que Jesus sou famoso a este ponto. Por isso mesmo
O senhor defende a música que possa te abençoar”. Por que: “possa”? não assinei contratos que pudessem me
ajuda a pensar. Hoje temos mais de É claro que ele pode! Outra canção dá a levar à fama. Ser famoso a este ponto é
duas mil bandas católicas no país e Maria um título que só a Jesus pertence: para quem tem essa vocação, é bom de
muitos padres cantores. A sua atuação medianeira de todas as graças. Isso dá estômago e quer esta exposição. Nada
teve influência neles? a entender que antes de orar a Jesus é contra. Se alguém acha que pode enfrentar
É o que me dizem. Mas não sei até preciso orar a Maria. A Igreja não ensina o holofote sem ficar cego, que o enfrente.
onde isso é verdade. A maioria surgiu da isso! No catecismo não há a palavra “todas”. Eu peço que o desviem para o povo porque
vertente do louvor e eu segui a sociopo- Nem Maria quer tal exagero. Uma coisa é quando o jogam em mim não vejo mais
lítica, do cotidiano da fé. Minhas canções cantar por ária a Jesus, outra é acentuar nada, nem as letras do texto que preparei
são quase sempre calcadas na doutrina, sempre por Maria a Jesus. O erro está para aquela hora. Meus superiores e os
nos documentos da Igreja, no catecismo. nas palavras toda e sempre. São peque- cantores cuidam dos outros detalhes. Eu
Eles privilegiam o louvor e o culto, o que nos detalhes que levam a grandes erros cuido da pregação. Não tenho guarda-
também é necessário. Fujo da expressão cantados por milhares ou até milhões de costas, nem preciso.
“padre cantor”. É coisa da mídia, mas não pessoas porque um compositor não pediu
da Igreja. No Antigo Testamento havia ajuda a quem sabe teologia. Eu estudei Com 40 anos de sacerdócio sente-se
sacerdotes e levitas que cuidavam da e componho há mais de 40 anos, mas realizado ou tem ainda algum objetivo
Arca da Aliança (Js 3, 8-17, 4, 9-18), do ainda peço ajuda. a atingir?
sacrário e do altar. Também havia os que Peça aos leitores da sua excelente
cuidavam da liturgia e do canto. Estes, O que pensa dos oito canais de TV publicação que orem por mim, porque
sim, eram sacerdotes cantores. Mas na católica no Brasil? ainda não sei montar este cavalo cha-
nossa Igreja não há esse tipo de ministério Estamos aprendendo. Temos os ins- mado “mídia”. Sem espiritualidade, sem
para o padre. Bispo nenhum ordenou um trumentos e gente boa, mas trabalhamos diretor espiritual e sem diálogo com todos
padre para cantar ou instituiu o ministério na insegurança. Vivemos de pedir. Se os segmentos da Igreja é perigoso subir
do leigo cantor. A Renovação Carismática mudar o humor da economia e o humor ao palco e falar apenas em favor de um
usa esta expressão, mas cantar ainda não do povo, teremos que fechar. Mídia custa pequeno grupo ou gostar demais daquelas
é um ministério oficial na Igreja. A meu ver caro. Poderíamos transmitir mais progra- luzes. O erro começa quando comunicar-se
não existe padre cantor, e sim padres que mas juntos, mas ainda não conseguimos fica mais importante do que repercutir a
eventualmente cantam. É um serviço para- trabalhar e transmitir em cadeia para comunicação da Igreja, ou quando subimos
lelo. Não é missão! Nesse sentido, sou um gastar menos. Não é muito fácil juntar ao telhado (Mt 10, 27), não tanto para que
padre que leciona comunicação, compõe, pregadores de cabeças e enfoques dife- mais gente nos ouça, mas para que mais
faz arranjos musicais, forma cantores, rentes. Também temos muitos amadores gente nos veja. É bom que padres e leigos
prepara e suscita leigos maestros e usa que estão nesta mídia, mas ainda não saibam disso! Excesso de imagem pode
da música para aprofundar a catequese. entenderam a sua linguagem. Televisão prejudicar a mensagem! 
Nunca assumi o adjetivo cantor. Cunhei a é um veículo muito complexo. É como
expressão: não sou padre porque canto: cavalo xucro, derruba. Não é lugar para Jaime Carlos Patias é missionário, mestre em comunicação e
canto porque sou padre! improvisos. diretor da revista Missões.

- Abril 2007 27
Consolai, consolai m
amazônia

de Ezio Roattino

Silvano Sabatini
H
á uma grande diferença entre ler sobre os Yanomamis
e passar três semanas com eles. Foi uma “experiên-
cia” original a aventura no mês de outubro de 2006:
um encontro cultural com diferenças milenares, uma
esperança humana e espiritual que quebra esquemas.
Esta iniciativa e outras que se seguirão são frutos da
decisão tomada nos últimos Capítulos Gerais dos missionários
e missionárias da Consolata, de organizar na América Latina,
uma releitura da realidade. Participaram do trabalho: a equipe
da Missão Catrimani, em Roraima, padres Laurindo Lazzaretti
e Carlos Alarcón, irmãs Mary Agnes Njeri e Felicidade Maria
de Lurdes Luís, o casal de leigos de Málaga, Manuel de Jesús
Ferrer e Paola Jaurgui, e Diana, leiga brasileira. Acompanharam
a equipe o padre Fernando Rocha e Irmã Irilda Motter, provinciais
dos missionários e missionárias da Consolata, além do padre
Ricardo Castro, assessor de antropologia e missiologia.

Ontem e hoje
Os Yanomamis são caçadores, pescadores e coletores
parcialmente nômades. Recentemente passaram à agricultura,
sem uso de arado e tração animal. Ocupam uma área fronteiriça
entre o Brasil e a Venezuela, num território de aproximadamente
200.000 km2. São originários da Serra Parima, no Alto Orinoco.
De lá, no início do século XIX, em migrações sucessivas, se
espalharam por diferentes lugares da floresta, também para
fugir da investida dos colonizadores. Entre 1940 e 1965 consti-
tuíram-se os primeiros contatos permanentes em seu território,
onde se estabeleceram os centros do SPI (Serviço de Proteção
ao Índio) e a presença missionária católica e protestante. Em rodovias durante a ditadura militar, provocaram o exílio e a morte
outubro de 1965, os missionários da Consolata Bindo Meldolesi deste povo indígena.
e João Calleri fundaram uma Missão entre os Yanomamis, na A construção da estrada Perimetral Norte, projetada para uma
margem esquerda do rio Catrimani, distante aproximadamente extensão de 3.000 km, entrou na área da Missão do Catrimani
300 km em linha reta de Boa Vista. em 1974, deixando centenas de mortos em conseqüência de
O “encontro” com a civilização ocidental teve um custo muito doenças contagiosas como sarampo, malária e tuberculose. Nos
alto para este povo da floresta, transformando seu caminho anos de 1987 e 1988, 40 mil garimpeiros (catadores de ouro)
milenar numa via crucis ainda em curso. A extraordinária rique- invadiram a área dos Yanomamis. Não é preciso muita imagi-
za em minério no solo de Roraima, a exploração da Amazônia nação para compreender os desastres humano, social e ecoló-
deflagrada pela Transamazônica, o Projeto Calha Norte e outras gico. Ainda hoje se curam feridas e traumas. Em 24 de agosto
de 1987, a equipe missionária foi expulsa da área pela Funai,
Lírio Girardi

organismo do governo para a defesa do índio. Os missionários


regressaram 18 meses depois por decisão da Justiça Federal
que considerou indispensável a presença dos missionários.
Embora o território dos Yanomamis tenha sido homologado pelo
presidente Fernando Collor, em 1992, atualmente, as invasões,
a pesca por parte dos brancos nos rios reservados aos índios
e a presença dos garimpeiros continuam. Os líderes indígenas
que protestam são ameaçados de morte. Continua também
os desaparecimentos seletivos e as denúncias permanecem
na impunidade. Enquanto isso, em Brasília, no Ministério das
Minas e Energia existem pedidos de exploração de minérios por
parte de empreiteiras nacionais e multinacionais, que cobrem
60% do território Yanomami. Até quando será possível conter
Davi Yanomami e professor Bruno.
esta pressão?

28 Abril 2007 -
meu povo!
Os índios Yanomamis entre a
mitologia e a história. Um caminho a
ser percorrido e inventado

Lírio Girardi
Desafios do presente
Os Yanomamis vêem à frente um horizonte
novo que muitas vezes os apavora e, sobretudo,
os fascina. Neste momento, os missionários agem
como intermediários para os contatos. É preciso
estabelecer comunicação, sobretudo aprender
bem as duas línguas. Reforçar os valores da
própria identidade, procurando integrar outros
através da consciência crítica e ética. Em suma,
criar um diálogo intercultural e inter-religioso ba-
seado nos valores éticos em tempos de mudança
e transformação.
Existe um grupo de professores Yanomami,
que pediu aos missionários ajuda para aprender
a língua portuguesa e a matemática, pois entre
eles são poucos os que falam um português
razoável. A matemática é importante para o
Alunos Yanomamis aprendendo a ler e escrever português e yanomami.
manuseio do dinheiro. Alguns recebem salário,
outros vendem produtos de artesanato e outros trabalham em espíritos e a celebração da festa onde se consome as cinzas
fazendas. Conhecendo o valor do dinheiro, evita-se a exploração. dos mortos para reforçar a fé na sua sobrevivência.
A matemática serve também para saber o dia do mês, quando Existem propostas da ética cristã neste diálogo? Podemos
viajar ou participar de uma assembléia. Passar do tempo mito- citar algumas: a reconciliação e o diálogo; a universalidade do
lógico ao tempo histórico significa fazer, em poucos anos, aquilo amor que extrapola a família e os aliados; a gratuidade além da
que outros levaram séculos para realizar. Significa mudar de reciprocidade; a opção pelo frágil e pela pessoa limitada no seu
categoria, passando da lógica mágica à lógica crítica. físico, ou social. Este é um diálogo em progresso no caminho
Na convivência com os Yanomamis pudemos apreciar atitudes para a floresta, em Boa Vista, em Caracarai ou em Manaus. O
e comportamentos cheios de sentido e valor: a alegria de viver, contato com a cidade e as novas tecnologias já são uma rea-
o dom da palavra, o riso espontâneo, a luta pela sobrevivência lidade entre os Yanomamis. Os perigos devem ser previstos e
na caça e na pesca, a destreza e a astúcia, a autonomia das antecipados: encontrar-se sem fazer desaparecer e sem eliminar
crianças, o gosto pela brincadeira e o jogo, a organização da o outro. Encontrar-se sem modificar significados e funções da
família, do clã e das alianças, a generosidade para com os estrutura social, sem quebrar o espírito comunitário. Mudanças
parentes e os aliados, como uma defesa contra a acumulação, seguramente ocorrerão e já são visíveis. Professores que já
a luta contra as doenças e a morte mediante a invocação dos sabem um pouco da língua portuguesa decidem mais do que o
Conselho dos Anciãos.
O caminho está traçado, os atalhos se descobrem e se expe-
Silvano Sabatini

rimentam em sintonia com o tempo e circunstâncias. Um caminho


que nasce de nossa fé e que respeita a autonomia da religião
Yanomami. A liberdade e a consciência dos indígenas decidirão
o caminho que é exigente, fascinante e tem seu preço: assume e
vive a hora presente. Intensifica e readapta o diálogo intercultural
e inter-religioso iniciados na primeira hora do encontro. O conhe-
cimento da língua e da cultura exige novos estudos e releituras.
Dom Franco Masserdotti, bispo de Balsas, Maranhão e presidente
do CIMI, que partiu para o Pai no ano passado, vítima de um aci-
dente, foi promotor do diálogo das culturas e religiões indígenas
com o Evangelho: “No caminho da autonomia, do diálogo e do
anúncio, a Teologia Índia entra como uma partilha da experiência
de Deus. Esta experiência, muitas vezes, é codificada em mitos
e ritos que são uma resposta aos desafios históricos de cada
povo”. Eis uma referência essencial na avaliação das práticas
missionárias. Fazer uma opção a favor da cultura e defender o
pluralismo de experiências com a divindade exige de todos força
para superar o pensamento único. 

Ezio Roattino é missionário na Colômbia.

- Abril 2007 29
Canonização de Frei Galvão prêmios de comunicação da CNBB. Para o ano de
O papa Bento XVI autorizou a canonização de Frei 2007, o Microfone de Prata contemplará três categorias:
Antônio de Sant’Ana Galvão e marcou a cerimônia para 1) Programa Jornalístico - Programas com formato
o dia 11 de maio em São Paulo, durante a celebração jornalístico, conteúdo de notícias e reportagens do co-
que realizará no Campo de Marte. Junto com Frei Galvão tidiano ou da Igreja. Duração mínima de cinco minutos;
foram autorizadas as canonizações de: Jorge Preca, 2) Programa Religioso - Programas com conteúdos
sacerdote maltês, fundador da Sociedade da Doutrina religiosos, reflexivos, filosóficos e educativos. Duração
Cristã; Simão da Lipnica, sacerdote da Ordem dos Frades mínima de cinco minutos; 3) Programa Entretenimento
Menores; Carlos de Santo André, sacerdote holandês - Programas de variedades com conteúdo variado,
da Congregação da Paixão de Nosso Senhor Jesus como clube de ouvintes, rádio revista, musicais, etc.
Cristo e Maria Eugênia de Jesus, francesa, fundadora Duração mínima de uma hora. O prêmio também é
do Instituto das Irmãs das Assunção da Bem-aventurada aberto a programas de produção independente e para
Virgem Maria.Acerimônia de canonização destes últimos emissoras comunitárias, desde que se enquadrem no
será no dia 3 de junho de 2007 em Roma. regulamento do prêmio. As inscrições vão até o dia
Frei Antônio de Sant’Anna Galvão nasceu em Gua- 30 de abril. O regulamento encontra-se no site: www.
ratinguetá, no Estado de São Paulo, em 1739. Batizado rcrunda.com.br . Informações: (11) 2578-4866.
com o nome de Antônio Galvão de França, depois de ter
estudado com os padres da Companhia de Jesus, na Belo Horizonte
Bahia, entrou na Ordem dos Frades Menores em 1760. Seminário sobre Missões Populares
VOLTA AO BRASIL

Foi ordenado sacerdote em 1762 e passou a completar Com o tema “Memória, Projeto, Seguimento - A
os estudos teológicos no Convento de São Francisco, Igreja missionária da América Latina e do Caribe rumo
em São Paulo, onde viveu durante 60 anos, até a sua à Conferência de Aparecida”, a Comissão Episcopal
morte, ocorrida a 23 de dezembro de 1822. Pastoral para a Ação Missionária e Cooperação Inte-
A vida de Frei Galvão foi marcada pela fidelidade à reclesial e o Conselho Missionário Nacional (COMINA)
sua consagração como sacerdote e religioso franciscano, realizaram em Belo Horizonte, o 2º Seminário sobre
e por uma devoção particular e uma dedicação total à Santas Missões Populares. O Seminário teve como
Imaculada Conceição, como “filho e escravo perpétuo”. objetivo fazer memória para conhecer os diversos
Além dos cargos que ocupou dentro da sua Ordem rostos das Santas Missões Populares; atualizar o
e na Ordem Terceira Franciscana, ele é conhecido, projeto de comunhão para aprofundar os fundamentos
sobretudo, como fundador e guia do Recolhimento de bíblico-teológicos da missão e de traçar metas con-
Nossa Senhora da Conceição, mais conhecido como juntas “neste momento em que a Igreja nos convida
“Mosteiro da Luz”, do qual tiveram origem outros nove ao seguimento de Jesus, como discípulos e missio-
mosteiros. Além de fundador, Frei Galvão foi também o nários, para que Nele nossos povos tenham vida”.
projetista e construtor do Mosteiro que as Nações Unidas Na primeira parte dedicada à memória das Missões
declararam patrimônio cultural da humanidade. Populares, foram ouvidas experiências do Nordeste
(Ceará, Pernambuco, Sergipe), do Rio Grande do Sul,
Prêmio Microfone de Prata de Minas Gerais, de São Paulo e do Pará. Também
A UNDA Brasil, com o apoio da CNBB, promove deram sua contribuição, nesse momento, as Comu-
a 16ª edição do Prêmio Microfone de Prata. O obje- nidades Eclesiais de Base, a Infância e Adolescência
tivo é prestigiar e estimular a produção de progra- Missionária e a Pastoral da Juventude.
mas evangelizadores, premiando a criatividade e o Os padres Paulo Suess, Estevão Raschietti e Sérgio
bom gosto dos profissionais das emissoras católicas Bradanimi discorreram sobre o projeto de comunhão das
comprometidas com os fundamentos da missão de Santas Missões Populares com vistas à V Conferência
comunicar. A entrega do prêmio ocorrerá no dia 20 Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe que
de junho, em Brasília, junto com a entrega dos outros acontecerá de 13 a 31 de maio, em Aparecida (SP). 

Morte por desnutrição de Guarani-Kaiowás


Carta aberta ao Ministro da Justiça: da Funai, por quase quatro anos, um homem que disse
Acredito que o senhor tenha ouvido falar sobre as que os índios têm terra demais, que o Censo inventa
mortes, por desnutrição, de crianças Guarani-Kaiowás, índios, que afirma não ter dinheiro para identificar as
no Mato Grosso do Sul. Já foram três (até o fechamento terras tradicionais dos povos indígenas. Um presidente
da edição chegavam a sete) este ano, entre elas, a do que ignora a existência de mais de cem terras tradi-
garoto Cleison Lopes, no dia 25 de fevereiro. Talvez o cionais Guarani. Senhor ministro da Justiça, não sei
senhor considere tudo normal e até se pergunte: – Por se o senhor está saindo de seu cargo. Por favor, não
que alguém iria inquirir um ministro a esse respeito? deixe o Ministério com a consciência pesada de nada
Acontece, senhor ministro, que essa situação é só a ter feito para estancar esse processo genocida contra
ponta de um problema. Há centenas de mortos deste os Guarani-Kaiowás no Mato Grosso do Sul! 
povo, por desnutrição, fome, assassinatos, suicídios,
atropelamentos. O senhor deve saber que os Guarani- Egon Heck é coordenador do CIMI no Mato Grosso do Sul.
Kaiowás do Mato Grosso do Sul são o povo com um Carta publicada no Suplemento Aliás, do jornal O Estado de S. Paulo,
dos menores índices de terra por pessoa e enfrentam em 4 de março de 2007.
o maior índice de violência no país. – E daí?, o senhor
pode perguntar. O senhor manteve, como presidente Fontes: CNBB, O Estado de S. Paulo.
30 Abril 2007 -
Centro Missionário
José Allamano ATENDEMOS:
Congregações e grupos
Casa de Retiros e Encontros religiosos, movimentos,
paróquias, empresas,
Atividades do mês de Abril Atividades do mês de Maio
Dia 06: Retiro Mensal
associações e outros.
Dia 01: Retiro Mensal
Dia 20 a 22: Escola Missionária Dia 19: Formação Missionária
Dia 29: Encontro para jovens Dia 27: Encontro para jovens

PARA MAIS INFORMAÇÕES:


Rua Itá, 381 - Pedra Branca - 02636-030 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 6232-2383 - E-mail: secretariamissao@imconsolata.org.br
www.centromissionario.org.br

Pontifícias Obras Missionárias (POM)

Livro para a Juventude Missionária


O jovem necessita de formação para cumprir eficazmente a Missão que recebeu no batismo.
Por isto oferecemos este subsídio, que não deverá substituir as iniciativas e a criatividade dos
grupos, mas irá ajudá-los a manter e amadurecer a sua identidade de missionários que vivem
como verdadeiros apóstolos da vida, da solidariedade, do Evangelho, pela Missão Ad Gentes.

PONTIFÍCIAS OBRAS MISSIONÁRIAS


Caixa Postal 03670 - CEP 70084-970 - Brasília, DF
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