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MARCELLA GODOY EVANGELISTA DA ROCHA

O JORNAL CORREIO BRAZILIENSE NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA


CULTURA DE BRASÍLIA: DAS ORIGENS AO DIA 21 DE ABRIL DE 1961

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação Stricto Sensu em
Comunicação da Universidade Católica
de Brasília, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Comunicação.
Orientadora: Doutora Florence Marie
Dravet.

Brasília
2016
R672j Rocha, Marcella Godoy Evangelista da.
O jornal Correio Braziliense no processo de construção da cultura de
Brasília: das origens ao dia 21 de abril de 1961. / Marcella Godoy
Evangelista da Rocha – 2016.
158 p.; il.: 30 cm

Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2016.


Orientação: Profa. Dra. Florence Marie Dravet.

1. Jornalismo. 2. Cultura. 3. História. 4. Correio Braziliense. 5. Pioneiros.


6. Brasília. I. Dravet, Florence Marie, orient. II.Título.

CDU 070

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB


Ao meu amado e saudoso avô, João
Nascimento Godoy, cujo incentivo,
vibração e apoio incondicional aos meus
sonhos, ainda permanecem vivos em
minha memória e em meu coração.

Ao meu querido pai Jair Evangelista da


Rocha pelos valiosos ensinamentos e por
me oportunizar mais esta vitória.

Ao Bernardo Fernandes Rocha, o mais


novo brasiliense da família, com todo o
meu amor e carinho.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus e a Nossa Senhora, por mais esta vitória


alcançada.
Agradeço à Profª Drª Florence Marie Dravet, por sua valiosíssima orientação
durante esta pesquisa. Agradeço sua paciência, delicadeza e, sobretudo, pelas
palavras sempre encorajadoras nos momentos de incertezas.
Agradeço a todos os professores do Mestrado em Comunicação da
Universidade Católica de Brasília e, em especial, à Profª Drª Sofia Cavalcanti
Zanforlin e ao Prof. Dr. Robson Borges Dias, pelas dicas, sugestões e observações
durante a banca qualificadora.
Agradeço aos meus amados pais, Jair Evangelista da Rocha e Jane Godoy
Evangelista da Rocha, por tão generosamente me viabilizarem a realização de mais
este projeto de vida. A eles, o meu amor, admiração e gratidão eternos.
Agradeço aos meus irmãos, Régis Godoy Evangelista da Rocha, Bruno Sávio
Godoy Evangelista da Rocha, aos cunhados, Mariana Alves Fernandes Rocha, Luiz
Cesar de Miranda, e à Venina de Fátima Santos, nossa segunda mãe, pelo incentivo
e apoio.
Agradeço à Mafalda e à Dinorah, minhas fiéis companheiras, pelo amor
incondicional, pela presença e dedicação constantes durante as longas horas em
que permaneci escrevendo.
Agradeço aos amigos queridos, Ana Cristina Façanha de Albuquerque, Ana
Paula Tomazzetti Pinheiro, André Luís Cesar Ramos, Carla Rosane, Eugênia Foloni
Azevedo, Fabiani Gattai, Gabriela Viana, Hyldegard Mello, Lílian Rose Lemos
Rocha, Marcia Dias Diniz Costa, Marcia Lima, Maria Cristina Mc’Dowel, Mônica
Lopes, Norma D’Albuquerque Augusto, Renata Aragão, Renata Bittencourt de
Carvalho, Renata Oliveira da Costa, Ricardo Ken Fujihara, Rodrigo Costa Barroso
Pais, Tatiana Rehbein, Tatyanna Castro e Viviane Lopes pela sempre valiosa troca
de ideias, pelas palavras de incentivo, pela paciência e alento nos momentos de
nervosismo e angústia, pela torcida e pela generosa compreensão de minhas
ausências, como amiga, nos últimos meses.
Às amadas primas Daniella Evangelista, Eliane Ramos de Vasconcelos e
Vânia Soares Fróes, agradeço também pelo incentivo, carinho e preocupação,
mesmo à distância.
Aos tios queridos, Elinor Watson Moren e Oscar Mendes Moren, agradeço
pelo carinho e apoio de uma vida inteira, por sempre acreditarem em mim e no valor
desta pesquisa e, é claro, pela linda entrevista concedida.
Aos demais pioneiros entrevistados para esta pesquisa, Adirson Vasconcelos,
Afonso Heliodoro, Elza Nardelli, José Alonso Souto, Marilda Porto, Odilo Arlindo
Philippi e Wílon Wander Lopes, agradeço pelos ricos e belos depoimentos tão
generosamente concedidos, e pela delicadeza de me receberem em seus lares com
tanto entusiasmo. A eles, o meu respeito e admiração por terem “enfrentado” uma
Brasília ainda rude e desafiadora, com tanta coragem, bravura e desprendimento.
Nossa capital tornou-se o que é também pela contribuição de todos vocês, grandes
guerreiros.
“Ao surgir no deserto qual miragem
Que se fez realidade à flor da terra
Brasília ufana se ergue na paisagem
Que o coração de nossa pátria encerra!
Obra hercúlea de esforço e coragem
Éden lendário que o Brasil descerra
neste planalto de esplendor selvagem
áureo tesouro de no chão se enterra!
Bandeirantes modernos, destemidos,
Revivem agora num milagre,
Esta epopeia audaz dos tempos idos...
Em permanente e cívica vigília
A Deus roguemos que abençoe e
consagre este orgulho do século –
Brasília! “

Nestor Guimarães
Poema publicado na edição
comemorativa pelo primeiro ano de
Brasília, no Correio Braziliense, em
21/4/1961.

"Tratava-se agora de construir: e construir um ritmo novo".


Para tanto, era necessário convocar todas as forças vivas da Nação, todos os
homens que, com vontade de trabalhar e confiança no futuro, pudessem erguer,
num tempo novo, um novo Tempo.
E, à grande convocação que conclamava o povo para a gigantesca tarefa
começaram a chegar de todos os cantos da imensa pátria os trabalhadores: os
homens simples e quietos, com pés de raiz, rostos de couro e mãos de pedra, e que,
no calcanho, em carro de boi, em lombo de burro, em paus-de-arara, por todas as
formas possíveis e imagináveis, começaram a chegar de todos os lados da imensa
pátria, sobretudo do Norte; foram chegando do Grande Norte, do Meio Norte e do
Nordeste, em sua simples e áspera doçura; foram chegando em grandes levas do
Grande Leste, da Zona da Mata, do Centro-Oeste e do Grande Sul; foram chegando
em sua mudez cheia de esperança, muitas vezes deixando para trás mulheres e
filhos a aguardar suas promessas de melhores dias; foram chegando de tantos
povoados, tantas cidades cujos nomes pareciam cantar saudades aos seus ouvidos,
dentro dos antigos ritmos da imensa pátria...”
Sinfonia da Alvorada – A chegada dos Candangos
Vinícius de Moraes, 1960.
“[...] E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou um boiadeiro com quem foi falar
E o boiadeiro tinha uma passagem
Ia perder a viagem, mas João foi lhe salvar
Dizia ele - Estou indo pra Brasília
Nesse país lugar melhor não há
Tô precisando visitar a minha filha
Eu fico aqui e você vai no meu lugar...”

Faroeste Caboclo
Renato Russo, 1987

“Deste Planalto Central, desta solidão que


em breve se transformará em cérebro das
altas decisões nacionais, lanço os olhos
mais uma vez sobre o amanhã do meu
país e antevejo esta alvorada com fé
inquebrantável e uma confiança sem
limites no seu grande destino”.
Juscelino Kubitschek de Oliveira,
21 de abril de 1960.
RESUMO

ROCHA, Marcella Godoy Evangelista. O jornal Correio Braziliense no processo


de construção da cultura de Brasília: das origens ao dia 21 de abril de 1961.
2016. 2 vol. 423 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Universidade Católica
de Brasília, Brasília, 2016.

Este trabalho tem como objetivo identificar as contribuições do Jornal Correio


Braziliense para a formação da cultura de Brasília, durante o primeiro ano após sua
inauguração, de 21 de abril de 1960 a 21 de abril de 1961. No mesmo dia em que foi
inaugurada a cidade, veiculou-se a primeira edição do jornal. Dessa forma, a partir
da pesquisa documental realizada no acervo do Centro de Documentação dos
Diários Associados em Brasília – CEDOC, o conteúdo publicado foi analisado com
vistas à identificação e à categorização dos assuntos relacionados aos
acontecimentos ocorridos na cidade durante o primeiro ano da nova Capital do
Brasil. Inicialmente, contemplou-se a história do jornal, desde sua fundação por
Hipólito José da Costa, em Londres, ainda no século XIX, até seu ressurgimento em
Brasília. Observou-se, igualmente, a gradual estruturação editorial do jornal, ainda
como o único veículo de comunicação impresso de Brasília no decorrer desse
período, assim como sua contribuição efetiva para as atividades culturais da cidade
de modo geral, a partir da identificação dos costumes e rotinas adquiridos pelos
pioneiros na capital recém-inaugurada. Para tal, foram realizadas entrevistas com
pioneiros contemplando sua relação com o jornal à época. Finalmente, as categorias
utilizadas para a constituição e análise do corpus foram as atividades culturais,
religiosas, de lazer e entretenimento; o comércio e serviços em geral - incluindo
programação de rádio e TV; a educação e o esporte. Como resultado da pesquisa,
identificou-se que a cultura dificilmente pode ser categorizada e que uma concepção
complexa do processo cultural é mais adequada aos objetivos do trabalho. Recorre-
se, portanto, à percepção de Edgar Morin (2005) sobre cultura para se entender o
processo de retroalimentação entre o jornal e a vida na cidade na formação cultural
de Brasília.

Palavras-chave: Jornalismo. Cultura. História. Correio Braziliense. Pioneiros.


Brasília.
ABSTRACT

This study aims to identify the forms which the newspaper Correio Braziliense
contributed to the formation of Brasilia’s cultural identity during the first year after its
opening (April 21, 1960 to April 21, 1961). The newspaper’s first edition was
published on the same day the city was inaugurated. This research was carried out
at Brasilia’s Documentation Center of Associated Journals – CEDOC, and aims to
analyze and identify issues related to events that happened in the city during it’s first
year as the new capital of Brazil. Initially, the newspaper’s story was considered,
since its founding by Hipólito José da Costa in London, in the nineteenth century,
until its revival in Brasilia. The newspaper's structure (the only printed media in
Brasilia during this period), its contribution to the formation of the cultural identity of
the city, the customs and routines acquired by the pioneers of the city, were also
analyzed in this research. To this end, interviews were conducted with pioneers
considering their relationship with the newspaper at the time. Finally, the categories
used for the establishment and corpus analysis were: Cultural, religious, leisure and
entertainment activities; Trade and services in general - including radio and TV
programming; Education and Sport. As a result of the research, we identified that
culture can hardly be categorized and that a complex design of the cultural process is
best suited to the objectives of the work. We therefore appealed to Edgar Morin’s
(2005) perception on culture in order to understand the process of feedback between
the newspaper and the life in the city in the cultural formation of Brasilia.

Keywords: Journalism. Culture. History. Correio Braziliense. Pioneers. Brasilia.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 Índio, durante as solenidades de inauguração de


Brasília, segura a edição do jornal Gazeta do
Triângulo, publicado na cidade de Araguari, Minas
Gerais, trazida à cidade pelo promotor de justiça,
jornalista e editor-chefe do jornal, João Nascimento
Godoy, autor da foto..................................................... 16

Ilustração 2 Cabeçalho Correio Braziliense de 21/4/1960............... 75

Ilustração 3 Destaque da 1a edição................................................. 76

Ilustração 4 Servir o Brasil............................................................... 77

Ilustração 5 O Globo........................................................................ 80

Ilustração 6 O Estado de São Paulo................................................ 81

Ilustração 7 Folha de São Paulo...................................................... 82

Ilustração 8 O precursor Correio Braziliense................................... 83

Ilustração 9 Inauguração do Cine Brasília....................................... 84

Ilustração 10 Coluna “Sociais de Brasília”......................................... 86

Ilustração 11 Primeiras listas telefônicas da cidade, publicadas no


jornal............................................................................. 87

Ilustração 12 Anúncio do produto Gelol............................................. 88

Ilustração 13 Anúncio do produto Chá de Hamburgo Xavier............. 89

Ilustração 14 Anúncio do produto Pílulas Xavier............................... 89

Ilustração 15 Coluna “Ronda da cidade”........................................... 90

Ilustração 16 Tirinhas de quadrinhos................................................ 91

Ilustração 17 Anúncio para a primeira venda de títulos do Jockey


Clube de Brasília......................................................... 92

Ilustração 18 Programação de Cinemas da cidade........................... 93


Ilustração 19 Anúncio sobre os primeiros espetáculos de Ballet em
Brasília......................................................................... 94

Ilustração 20 Eventos realizados pelas primeiras paróquias


instaladas em Brasília.................................................. 94

Ilustração 21 Notícia sobre o surgimento das primeiras escolas de


música de Brasília....................................................... 95

Ilustração 22 Coluna “Visto, Lido e Ouvido”, do jornalista e


pioneiro, Ary Cunha..................................................... 96

Ilustração 23 Exemplo de anúncio de serviços médicos na cidade,


na coluna “Indicador Profissional”................................ 97
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13

1 A SAGA DE BRASÍLIA: DAS CRÍTICAS HISTÓRICAS À CONSTRUÇÃO DA


CIDADE E FORMAÇÃO DE SUA CULTURA ...................................................... 31

1.1 O DESAFIO DA INTERIORIZAÇÃO DA CAPITAL DO BRASIL: DA REJEIÇÃO


HISTÓRICA À CONSOLIDAÇÃO DA PROMESSA DE JK ................................... 31

1.2 BRASÍLIA: OS MITOS E A REALIDADE DE SUA CONSTRUÇÃO E


POVOAMENTO .................................................................................................... 40

1.3 A VIDA NA CIDADE LIVRE: OS DESAFIOS ENCONTRADOS NO CERRADO,


CONTRAPOSTOS PELA SOLIDARIEDADE ........................................................ 43

1.4 A VIDA DOS PIONEIROS, EM 1960: CRÍTICAS E ELOGIOS A UMA CIDADE


DIFERENTE E DESAFIADORA ............................................................................ 46

1.5 ELEMENTOS QUE CONSTITUEM A ORIGEM DAS ATIVIDADES


CULTURAIS EM BRASÍLIA .................................................................................. 52

1.6 A IMPLANTAÇÃO DAS PRIMEIRAS CIDADES-SATÉLITES: TAGUATINGA,


SOBRADINHO E GAMA ....................................................................................... 54

2 ORIGENS, RESSURGIMENTO E A ESTRUTURAÇÃO DO CORREIO


BRAZILIENSE EM BRASÍLIA .............................................................................. 58

2.1 AS ORIGENS DO CORREIO BRAZILIENSE – DE HIPÓLITO JOSÉ DA


COSTA A CHATEAUBRIAND ................................................................................ 58

2.1.1 A Saga de Hipólito José da Costa – O Primeiro Jornalista do Brasil,


Fundador do Correio Braziliense. ................................................................... 58

2.1.2 A “Era Chateaubriand” e o ressurgimento do Correio Braziliense na


nova capital do Brasil, 137 anos depois ......................................................... 69

2.1.3 Os Diários Associados em Brasília ........................................................ 72

2.2 O LAYOUT E OS ASPECTOS DE EDITORAÇÃO DO CORREIO


BRAZILIENSE EM 1960, COMPARATIVAMENTE AOS OUTROS PRINCIPAIS
JORNAIS CIRCULANTES À ÉPOCA .................................................................... 77
2.3 A EVOLUÇÃO EDITORIAL DO JORNAL EM FUNÇÃO DO CRESCIMENTO
DA CIDADE. .......................................................................................................... 81

3 O JORNAL APRESENTA A CULTURA SE ESTRUTURANDO NA CIDADE ...... 98

3.1 A TENTATIVA DE CATEGORIZAÇÃO DO CONTEÚDO ENCONTRADO NO


CORREIO BRAZILIENSE, NO PERÍODO PESQUISADO................................... 102

3.2 A RELAÇÃO DOS PIONEIROS COM O JORNAL ENTRE 1960 E 1961 ...... 134

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 141

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ...................................................................... 149

ANEXO A ROTEIRO DE ENTREVISTAS PARA A DISSERTAÇÃO..................158

ANEXO B CORPUS ............................................................................................160


13

INTRODUÇÃO

Este trabalho de pesquisa objetiva mostrar a significativa relação estabelecida


entre a nova capital do Brasil durante seu primeiro ano de existência, e um jornal
que nasceu exatamente no mesmo dia que a cidade, e que para ela se tornou um
importante aliado na organização de sua vida cultural, durante o primeiro ano de
vida de ambos, entre 21 de abril de 1960 e 21 de abril de 1961.

21 de abril de 1960, quinta-feira: neste dia, era inaugurada Brasília, a nova


capital do Brasil. A cidade surgia, após três anos e cinco meses de obras que
provocaram o deslocamento para o Planalto Central, de milhares de trabalhadores
vindos dos quatro cantos do país. De novembro de 1957 - início das obras de
construção da cidade, ao dia em que seriam comemorados os 168 anos da morte de
Tiradentes, a região árida e seca, outrora pertencente ao estado de Goiás, tornara-
se a Capital da Esperança do Brasil e de Juscelino Kubitschek de Oliveira.

A escolha pelo dia 21 de abril para a inauguração de Brasília deu-se em


homenagem ao alferes Joaquim José da Silva Xavier - inconfidente mineiro
reconhecido como a maior figura da conspiração de Minas Gerais em prol da
independência do Brasil e que, a partir de 1789, tornou-se o principal responsável
pelo projeto de transferência da capital do Brasil para a cidade de São João Del-
Rey, no interior. (VASCONCELOS, 2007)

Após Tiradentes, o jornalista uruguaio Hipólito José da Costa Pereira Furtado


de Mendonça, tornou-se mais um baluarte em defesa do ideal de mudança da
capital brasileira para o interior do país. E, lutando pela independência política do
Brasil, Hipólito fundou, em 1808, em Londres, na Inglaterra, o jornal Correio
Braziliense, tendo como uma de suas principais bandeiras a defesa da criação de
uma nova capital que deveria ser plantada no interior brasileiro, entre os paralelos
15 e 20, “onde seriam lançados os fundamentos do mais extenso, ligado, bem
definido e poderoso império possível”, que chamou de “paraíso terreal”.
(VASCONCELOS, 2007)

Mais tarde, em 1891, o então Presidente da República, Floriano Peixoto,


atendeu à determinação constitucional desse mesmo ano que ordenava a mudança
da capital do Brasil para o chamado interior central, e seguiu a proposta do senador
piauiense, Nogueira Paranaguá, para que fosse estabelecida uma comissão a fim de
14

tornar efetiva a determinação da Carta Magna. Naquele mesmo ano, Floriano


Peixoto fez cumprir a decisão legislativa, criando a Comissão Exploradora do
Planalto Central que seria chefiada pelo cientista Luiz Cruls, diretor do Observatório
Astronômico do Rio de Janeiro – a chamada Comissão Cruls, cuja missão era
estudar e demarcar a área destinada à instalação da futura capital do Brasil nas
regiões interioranas.

A Comissão Cruls realizou ao longo de dezoito meses um trabalho completo


de estudos e observações científicas sobre as regiões do planalto goiano,
culminando com a demarcação prevista da área de 14.400 Km2 (quatorze mil e
quatrocentos quilômetros quadrados) destinada à nova capital brasileira, sob a
forma de um quadrilátero que passou a figurar no mapa do Brasil, a partir de 1893,
como o “Futuro Distrito Federal”. (VASCONCELOS, 2007)

Depois de Floriano Peixoto, oito presidentes passaram pela história do Brasil


sem que mais nada fosse feito em prol do cumprimento ao preceito fundamental da
primeira Constituição Republicana de 1891, que determinou a mudança da capital
para o Planalto Central.

Somente em 1922, num gesto simbólico pelo centenário da independência


brasileira, o presidente Epitácio Pessoa, dando cumprimento a uma lei do
Congresso, mandou que fosse afixada a pedra fundamental da futura capital
brasileira, na área do quadrilátero escolhida e demarcada trinta anos antes por Luiz
Cruls. (VASCONCELOS, 2007)

Com a convocação da Assembleia Constituinte em 1946 e da edição da


terceira Carta Magna da República do Brasil, o ideal de interiorização da capital do
país voltou a ser contemplado com a fixação, inclusive, do prazo para o início dos
estudos de sua localização, consolidando, assim, o que havia sido determinado 55
anos antes, na Constituição de 1891 e parcialmente ratificado na Constituição de
1934: a capital do País seria realmente transferida para o Planalto Central. E, dentre
as localidades aventadas àquela época para receberem o grande projeto, estavam o
Triângulo Mineiro, a recém-construída cidade de Goiânia e o até então denominado
“Quadrilátero Cruls”, outrora demarcado em meio à aridez do cerrado.

Dos trabalhos da Assembleia Constituinte que, enfim, determinou a mudança


da capital, o período no qual ela deveria acontecer e para onde, participaram
15

destacadamente grandes expoentes da história polítca do Brasil no século XX: Artur


Bernardes, Café Filho, João Abreu, Pedro Ludovico, Juscelino Kubitschek de
Oliveira, Israel Pinheiro, Diógenes Magalhães, Dario Cardoso, Benedito Valadares e
Daniel de Carvalho. (VASCONCELOS, 2007)

Indagado pela população em comício eleitoral realizado na cidade de Jataí,


no estado de Goiás, sobre a efetivação ou não, da ideia de transferência da capital
para o interior do país durante seu mandato como Presidente da República,
Juscelino Kubitschek afirmou que “sendo a mudança um preceito constitucional, o
seu governo daria sim os primeiros passos para a concretização desse projeto.” E a
promessa feita em Jataí ficou marcada no espírito do presidente empossado em 31
de janeiro de 1956 que, ao assumir o governo, manifestou ao Congresso Nacional a
necessidade de que houvesse a construção da nova capital do Brasil no Planalto
Central.

A partir desse dia, JK tratou de criar a Companhia Urbanizadora da Nova


Capital do Brasil, aprovada em setembro de 1956, com o nome de NOVACAP,
tornando-se esse o primeiro passo objetivo para a consolidação da construção de
Brasília, que teve seu início em novembro de 1956, sendo inaugurada em 21 de abril
de 1960, no último ano da gestão de Juscelino, como o 21º Presidente do Brasil.

Nesse mesmo dia 21 de abril de 1960, o então promotor de justiça da


comarca de Araguari, no Triângulo Mineiro, também jornalista e diretor do jornal
Gazeta do Triângulo, João Nascimento Godoy, desembarcava em um avião teco-
teco na recém-inaugurada pista de pouso do aeroporto de Brasília, acompanhando
uma comitiva de políticos e ilustres daquela região que vieram prestigiar as
festividades da inauguração da nova capital da República.

Dr. João, como era conhecido, foi um homem à frente de seu tempo e grande
entusiasta dos planos futuristas de JK para Brasília e, sobretudo, para o Brasil.
Acreditava tanto que Brasília seria o que se tornou que não hesitou em registrar as
primeiras horas de vida da cidade, logo após sua inauguração, na crônica que
escreveu a partir da cobertura realizada por ele e a pequena equipe que o
acompanhava, formada por um fotógrafo e outro jornalista. Daquele dia, inclusive,
16

existe o registro de um índio 1 segurando um exemplar da Gazeta do Triângulo, cuja


tiragem daquele dia, Dr. João trouxera para sua distribuição entre os presentes às
festividades que marcariam o primeiro dia de vida da nova capital do Brasil, daquela
que já se tornara a Capital da Esperança.

Ilustração 1 Índio, durante as solenidades de inauguração de Brasília, segura a edição do jornal


Gazeta do Triângulo, publicado na cidade de Araguari, Minas Gerais, trazida à cidade pelo promotor
de justiça, jornalista e editor-chefe do jornal, João Nascimento Godoy, autor da foto.

Fonte: Acervo da família Godoy.

Esse registro representa o encontro de culturas, embora hoje possa parecer


folclórico, vivido em Brasília desde sua inauguração: nesse caso, especificamente, a
do povo indígena, já pertencente às terras do Planalto Central desde antes dos
tempos do descobrimento do Brasil pelos chamados homens brancos.

Segundo Chaim (1983, p. 48)

Antes de sua ocupação pelo homem branco, o território era habitado por
índios da tribo dos Cataguá e por negros fugitivos das minas de Paracatu e
de Goiás. Os primeiros registros de ocupação de origem europeia da região,
onde hoje se localiza a região administrativa de Ceilândia, datam do século
XVIII, e mostram que, como tradicionalmente ocorreu em outras regiões
brasileiras, os primeiros povoamentos de origem europeia foram

1
Registro do encontro de culturas – pessoas que vieram de diferentes localidades do país para
prestigiar a inauguração de Brasília e conhecer a cidade, tiveram contato com outras culturas que
aqui existiam.
17

estimulados pela busca de metais preciosos e pela atividade agropecuária.


Com a transferência da capital do Brasil do Rio de Janeiro para o atual
Distrito Federal, as terras dessa região foram desapropriadas pelo Governo
de Goiás, no período de 1956 a 1958, sob responsabilidade da Comissão
Goiana de Cooperação para a Mudança da Capital do Brasil, tendo, por
presidente, Altamiro de Moura Pacheco.

Em suas longas narrativas sobre o evento, Dr. João sempre citava


entusiasmado que, logo no primeiro dia de existência da cidade, já circulava entre a
população presente, a primeira edição do jornal Correio Braziliense – aquele mesmo
veículo fundado em 1808, por Hipólito José da Costa, no mesmo ano em que a
família real portuguesa se transferia para o Rio de Janeiro, fugitiva das invasões
napoleônicas na Europa.

Naquele mesmo dia 21 de abril de 1960, duas histórias paralelas tinham início
e se lançariam pelas próximas décadas, fundindo-se em um mesmo caminho: a de
Brasília, a nova Capital da República e a do Jornal Correio Braziliense que, a partir
daquela data histórica, se tornaria um dos maiores e mais importantes veículos de
comunicação impressos da cidade que nascia.

Como a grande maioria das histórias dos personagens que constituíram a


existência de Brasília, outra se funde com a da cidade, a partir da chegada em 1967,
de Jair Evangelista da Rocha, médico recém-formado pela Faculdade de Medicina
do Triângulo Mineiro, para se tornar residente de Pediatria do então Hospital Distrital
de Brasília, hoje denominado Hospital de Base, tendo como seu preceptor, o
pioneiro Dr. Oscar Mendes Moren.

Em 1969, já casado com a bacharel em Direito e jornalista, Jane Godoy, filha


do citado jornalista João Nascimento Godoy, ambos constituíram em Brasília um
projeto de vida, assim como milhares de outros brasileiros. Cidadãos estes que,
acompanhados ou não de suas famílias, desde 1956 haviam se instalado em meio
ao cerrado para construir fisicamente e, depois, habitar Brasília, passando a
participar da constituição da cidade não só em seu aspecto arquitetônico e físico,
mas também em sua dimensão cultural, tornando-a gradativamente uma
comunidade.

Nesse momento, já se utiliza o termo “comunidade” para Brasília, a partir de


uma das tendências expostas por Bauman (2003), na qual apresenta esse conceito
18

desde a formação das chamadas “cidades modelo”, nas quais havia a preocupação
de que seus habitantes (trabalhadores) se sentissem bem entre os demais.

Segundo Bauman (2003),

As cidades modelo constituídas em torno das fábricas estavam equipadas


com moradias decentes, mas também com capelas, escolas primárias,
hospitais e confortos sociais básicos – todos projetados pelos donos das
fábricas junto com o resto do complexo de produção. A aposta era na
recriação da comunidade em torno do lugar de trabalho e, assim, na
transformação do emprego na fábrica numa tarefa para “toda a vida”.

E, a partir desse conceito, pode-se perceber claramente a semelhança com a


ideia socialista de Juscelino Kubistchek para a concepção de Brasília como a mais
nova cidade modelo do Brasil, construída não em função de uma fábrica
propriamente dita, mas em função de toda a máquina governamental e
administrativa que fora deslocada do Rio de Janeiro para o Planalto Central,
trazendo consigo milhares de trabalhadores para a sua construção, além de outros
milhares de funcionários públicos que se viram obrigados a se transferir para Brasília
por pertencerem aos órgãos governamentais que, a partir da inauguração da cidade,
passaram a funcionar aqui. No caso da nova Capital do Brasil, os “donos das
fábricas” eram representados por Juscelino Kubitschek (JK) e todos os demais
políticos envolvidos no projeto de concepção da cidade e, sobretudo, da ousada
decisão de se transferir a sede do governo do Brasil para Brasília.

Ainda de acordo com Bauman (2003), os chamados filantropos, que


associavam o sucesso do trabalho de um determinado grupo ao “sentir-se bem”
entre os trabalhadores, eram vistos por seus contemporâneos como “socialistas
utópicos” e, por isto mesmo, aplaudido por alguns como pioneiros da reforma moral,
vistos por outros com suspeitas e postos no ostracismo por subversão – o que
acabou por ocorrer a JK durante a ditadura militar, quando foi condenado ao
ostracismo do exílio, assim como o grande arquiteto de Brasília, Oscar Niemeyer,
dentre outros.

A partir dessa conceituação de “comunidade”, a Brasília dos primeiros anos


se encaixava sim à ideia utópica e socialista da “cidade modelo”, meticulosamente
arquitetada, construída e urbanizada para que os trabalhadores da fábrica do
governo que para cá vieram, aqui constituíssem suas vidas, suas famílias e, acima
de tudo, seu futuro, vivendo de forma organizada e confortável.
19

Sendo assim, desde o início de sua construção em novembro de 1957,


Brasília passou a ser sim, uma nova e promissora comunidade, na qual o casal Jane
e Jair Rocha, citados anteriormente, e outros tantos pioneiros apostaram suas vidas
e seu futuro.

E, como parte desse projeto de vida escolhido por eles em Brasília, aqui
tiveram filhos que cresceram, se formaram e se estabeleceram como cidadãos
brasilienses.

As primeiras gerações nascidas na nova Capital, acompanharam seu


crescimento a partir da década de 60. Viram a cidade se organizar em diferentes
aspectos, ano após ano, enquanto assistiam, em inúmeras ocasiões, à resistência
de colegas de escola em relação a Brasília, cujos pais haviam sido transferidos para
cá por motivos profissionais. Gradativamente, tal resistência se transformou em
grande carinho e apego pela mesma cidade outrora considerada “estranha”, sem
praias, sem esquinas, constituída de longas distâncias e entremeada por largas
avenidas. A Brasília por eles tão criticada, por seus endereços esquisitos formados
por letras e números, obediente a uma lógica matemática e delimitada por asas e
quadrantes, pouco a pouco, foi ganhando seus corações e tornou-se, também, seu
lar definitivo.

Aqui, seus colegas igualmente cresceram, se formaram e construíram suas


famílias, hoje constituídas de pequenos brasilienses, filhos da mesma cidade que
antes lhes causara tanto estranhamento.

E, foi exatamente essa capacidade que Brasília sempre teve de suscitar


sentimentos diversos entre aqueles que para cá vieram desde os seus primórdios -
sentimentos esses de admiração ou repúdio, desde quando a cidade era apenas um
enorme e poeirento canteiro de obras, que incentivou o desenvolvimento desta
pesquisa sobre o primeiro ano de Brasília como a nova Capital de um Brasil ávido
por mudanças, pela modernidade e progresso.

Desde então reconheceu-se o valor de Brasília para o País e, sobretudo, a


admirou-se a ousadia e determinação de JK, assim como a de todos os candangos
e pioneiros que fizeram com que a cidade surgisse em meio à vastidão do cerrado,
cuja terra vermelha era a causadora de assustadores redemoinhos.
20

Intrigante, ainda, compreender como uma cidade construída no interior


distante do Brasil, onde, no passado, havia apenas antigas fazendas, quilombos e
comunidades indígenas, tornou-se o que é nos dias de hoje. De alguma forma,
pairava entre as primeiras gerações o dever de conhecer e reverenciar a riqueza
cultural da cidade, nascida da mescla de diferentes outras culturas, vindas de norte
a sul do País. Culturas essas que, convergidas para Brasília, enriqueceram
sobremaneira a história de brasilienses.

Assim sendo, refletindo-se sobre a saga da construção de Brasília, percebeu-


se que a contribuição de um veículo de comunicação para a organização da vida da
cidade e para a ambientação de seus pioneiros teria sido, provavelmente, relevante.
Por isso, dentre a Rádio Nacional, a TV Brasília e o jornal Correio Braziliense, cuja
primeira edição, como narrado por Dr. João Godoy, havia sido veiculada no dia
exato da inauguração da cidade, escolheu-se o jornal que, desde então, passou a
fazer parte da vida da cidade e da construção da cultura de sua população, e dela
participa até os dias atuais, como seu principal veículo impresso de comunicação.

Entendeu-se ser imprescindível pesquisar a atuação do jornal como o


propagador das novidades estruturais que a nova Capital oferecia aos seus
habitantes, ao longo do primeiro ano após sua inauguração. Também questionou-se
sobre qual teria sido a real contribuição do Correio Braziliense para a promoção e a
cobertura dos eventos culturais realizados na cidade àquela época.

Após essas reflexões surgidas no âmbito da comunicação, buscou-se um


tema para este projeto de mestrado que conduzisse a pesquisa na elucidação de
tais questões, ao mesmo tempo em que proporcionaria conhecer mais sobre a
riqueza da conjunção cultural, sobre a qual a cidade vem sendo esculpida ao longo
de seus 56 (cinquenta e seis) anos de existência como Capital do Brasil. A cidade
que é o lar de tantos brasilienses, de nascença, ou de coração.

Neste momento, portanto, torna-se inevitável citar o envolvimento pessoal dos


brasilienses com o jornal, por ser este publicado diariamente, desde a sua primeira
edição em Brasília no dia 21 de abril de 1960.

Portanto, uma vez escolhido o contexto a ser abordado nesta pesquisa,


definiu-se o tema da dissertação como “O jornal Correio Braziliense no processo de
construção da cultura de Brasília: das origens ao dia 21 de abril de 1961”, partiu-se
21

em busca de um elemento pertencente à área de comunicação social que tivesse


participação fundamental e efetiva na formação da cultura e do sentimento de
comunidade do povo brasiliense. Pois, segundo Bauman (2005), a questão da
identidade só surge com a exposição às “comunidades” formadas por ideias ou por
uma variedade de princípios – sendo exatamente o que ocorreu na formação da
comunidade brasiliense, logo no primeiro ano de existência da cidade, retratado no
jornal.

E, também sobre a relação do homem moderno com os jornais, Anderson


(2008, p. 68), cita:

Hegel observou que os jornais são, para o homem moderno, um substituto


das orações matinais – é paradoxal. Ela é realizada no silêncio da
privacidade, nos escaninhos do cérebro. E, no entanto, cada participante
dessa cerimônia tem clara consciência de que ela está sendo repetida
simultaneamente por milhares (ou milhões) de pessoas cuja existência lhes
é indubitável, mas cuja identidade lhe é totalmente desconhecida. Além
disso, essa cerimônia é incessantemente repetida a intervalos diários, ou
duas vezes por dia, ao longo de todo o calendário. Podemos conceber uma
figura mais clara da comunidade imaginada secular, historicamente
regulada pelo relógio? Ao mesmo tempo, o leitor do jornal, ao ver réplicas
idênticas sendo consumidas no metrô, no barbeiro ou no bairro em que
mora, reassegura-se continuamente das raízes visíveis do mundo
imaginado na vida cotidiana. (HEGEL apud ANDERSON, 2008).

A partir dessa reflexão, Anderson atesta a força da influência exercida por um


jornal no comportamento diário de toda comunidade que o lê e que, a partir de suas
notícias, vive e revive cenas de seu cotidiano, assim como do grupo social ao qual
pertence. Assim sendo, e por também acreditar na relevante dimensão dessa
influência, decidiu-se pela utilização do jornal como base para a realização da
pesquisa sobre os hábitos e a vida cotidiana da população brasiliense nos primeiros
tempos da capital recém-inaugurada. No entanto, faz-se muito importante ressaltar
que foi levado em consideração o fato de que, apenas e tão somente, a população
letrada 2 existente à época, seria, de fato, atingida pelo jornal. Denomina-se
“população letrada”3 a população não só alfabetizada, mas que possui,

2
O perfil do analfabetismo no Brasil começou a sofrer alteração significativa entre 1950 e 1960: o
percentual de 50,5% em 1950 caiu para 39,6 % em 1960, segundo dados do IBGE (apud
INSTITUTO ETHOS, 2005, p. 21). A importância desse dado se deve ao fato de que, do ano de
1900 ao ano de 1950, se, em termos percentuais, verificou-se um avanço no alfabetismo da
população. (Cronologia do Analfabetismo no Brasil. In: Retrato do Analfabetismo no Brasil, 2010).
3
Entende-se por letramento o processo em que o individuo é visto em atividade desenvolvendo suas
habilidades de escrita e leitura com perfeição ou ao menos com bastante facilidade. Um indivíduo
letrado é capaz de associar diversos assuntos distintos, por exemplo, sobre cultura, sociedade,
política, economia, tecnologia e outros inúmeros assuntos que estão em contato diário. (Diferença
22

efetivamente, condições de ler e apreender o conteúdo da leitura. Em 1960, entre os


candangos, por exemplo, havia muitos que não eram letrados e que, portanto, não
dispunham de condições para a leitura do jornal. No entanto, dentre a população
mais carente à época, havia os que liam o jornal em Taguatinga, por exemplo, pois
este era exposto em uma espécie de varal na porta da única banca de jornal e
revistas daquela cidade satélite, localizada na esquina de onde, hoje, está a Praça
do Relógio e a Administração Regional.

Definido o veículo a ser pesquisado, logo veio o desejo inicial de que o


trabalho fosse referente à primeira década da cidade e do jornal, ou seja, entre 21
de abril de 1960 e 21 de abril de 1970. Mas, logo nos primeiros contatos com o
acervo a ser pesquisado, constatou-se um grande volume de material disponível
para a pesquisa relativo a esse período - o que inviabilizaria o cumprimento do
trabalho no prazo estipulado para a sua conclusão, com vistas às bancas
qualificadoras e de defesa final da dissertação.

Decidiu-se, portanto, que a delimitação da pesquisa seria o primeiro ano de


Brasília e do jornal, ou seja, de 21 de abril de 1960 a 21 de abril de 1961. Assim,
trataria do nascimento e da estruturação da cidade em seu primeiro ano de vida,
refletidos nas páginas do jornal, uma vez que foi percebida a relação intrínseca entre
ela e o jornal durante o primeiro ano de existência de ambos: de Brasília como a
nova Capital da República e do Correio Braziliense como o mais novo jornal do
Brasil e o primeiro veículo impresso dessa nova Capital. Relação essa que é
claramente apresentada por Canclini (2008). Segundo ele:

O que é uma cidade? Até meados do século XX o pensamento urbano


respondia a essa pergunta segundo a configuração física: cidade é o oposto
do campo, ou um tipo de agrupamento extenso e denso de indivíduos
socialmente heterogêneos. Nas últimas décadas, tentam-se caracterizar o
urbano levando em conta também os processos culturais e os imaginários
dos que o habitam. As cidades não existem só como ocupação de um
território, construção de edifícios e de interações materiais entre seus
habitantes. O sentido e o sem sentido do urbano se formam, entretanto,
quando o imaginam os livros, as revistas e o cinema; pela informação que
dão a cada dia os jornais, o rádio e a televisão sobre o que acontece nas
ruas. Não atuamos na cidade só pela orientação que nos dão os mapas ou
o GPS, mas também pelas cartografias mentais e emocionais que variam
segundo os modos pessoais de experimentar as interações sociais. Dizia
Luis García Montero, referindo-se a seu lugar, Granada, que “cada pessoa
tem uma cidade que é uma paisagem urbanizada de seus sentimentos"

entre Alfabetização e Letramento. In: http://www.luis.blog.br/diferenca-entre-alfabetizacao-e-


letramento.aspx)
23

(GARCÍA MONTERO, 1972; p. 71 apud CANCLINI in COELHO, 2008, p.


15).

Assim sendo e, partindo também dessa importante definição relativa ao


período da pesquisa, foi-se, então, em busca do corpus, cuja única e exclusiva
forma de obtenção seria a partir de visitas in loco ao Centro de Documentação dos
Diários Associados em Brasília - CEDOC, localizado no subsolo da sede do jornal
Correio Braziliense, no Setor de Indústrias Gráficas, na Asa Sul, em Brasília, onde
foram pesquisadas todas as edições publicadas pelo jornal no período anteriormente
citado.

Nelas, foram encontrados anúncios e matérias jornalísticas veiculados no


jornal, que informavam a população recém-chegada e instalada em Brasília, acerca
das atividades promovidas pelos clubes já em funcionamento na cidade, dos
eventos religiosos, das programações dos cinemas existentes, das peças de teatro,
dos saraus, dos shows e noites dançantes promovidos pelos restaurantes e casas
noturnas, bailes de réveillon e carnaval e dos concursos de misses, dentre outras
atividades oferecidas na cidade desde os seus primeiros dias de vida.

Ao todo, foram minuciosamente analisadas e selecionadas 264 (duzentas e


sessenta e quatro) páginas que podem ser contempladas no Anexo B, constituindo o
Corpus desta dissertação.

Paralelamente ao processo da pesquisa documental descrita acima e prevista


na metodologia aplicada ao trabalho, foi também realizada a pesquisa bibliográfica
por meio da qual foram identificadas algumas das principais publicações existentes
sobre os temas análise de conteúdo, cultura, identidade, comunidade, jornalismo
cultural, a história de Brasília, a história de Juscelino Kubitschek de Oliveira e a
história do Correio Braziliense.

Além das pesquisas bibliográfica e documental, também foram realizadas


entrevistas com pioneiros que residiam, à época, tanto no Plano Piloto, quanto no
Núcleo Bandeirante e em Taguatinga, objetivando analisar se os habitantes das
primeiras cidades-satélites do Distrito Federal também tinham acesso ao jornal e o
utilizavam para se inteirar das atividades culturais e eventos realizados durante o
primeiro ano da cidade. Todas essas pessoas chegaram à nova capital antes de sua
inauguração ou, no máximo, até o final do primeiro ano de sua existência como a
nova capital do País.
24

Dentre elas estão alguns dos primeiros médicos que a cidade recebeu, e suas
esposas, um advogado que é também escritor, jornalista, administrador e historiador
e um dos homens de confiança do presidente Juscelino Kubitschek. Nomes esses
que serão conhecidos no decorrer da dissertação, assim como suas biografias.

No material coletado no CEDOC, em uma primeira análise de caráter ainda


exploratório, foram destacadas características específicas demonstradas pelo jornal
desde a primeira edição publicada em 21 de abril de 1960, até a edição
comemorativa do primeiro ano de vida da capital em 21 de abril de 1961.

E, após a definição de todas essas questões, chegou-se ao problema para


esta dissertação de mestrado em Comunicação, que versará sobre quais as
contribuições do jornal Correio Braziliense para a formação da vida cultural de
Brasília entre 1960 e 1961, tendo como objetivo geral, analisar o conteúdo cultural
publicado pelo Correio no primeiro ano de Brasília, que corroborou para a
organização da vida na cidade.

No que tange aos objetivos específicos, foram estipulados:

• Fazer o levantamento do conteúdo cultural divulgado no primeiro ano do


jornal Correio Braziliense.
• Analisar o conteúdo de cultura identificado nas edições do primeiro ano da
cidade.
• Estudar como as atividades culturais divulgadas pelo jornal no primeiro ano
da cidade, contribuíram para a formação cultural do povo brasiliense.
• Avaliar se houve efetivamente a contribuição do jornal, como veículo de
comunicação, para a formação da cultura da nova população constituída por
diferentes grupos de pioneiros.
Determinados tais objetivos, deu-se início ao processo de pesquisa para a
produção desta dissertação, que teve como foco principal, mostrar o nascimento e o
crescimento da vida cultural de Brasília nos primeiros doze meses da cidade que
nasceu planejada e que acolheu em seu imenso canteiro de obras, sessenta mil
trabalhadores brasileiros oriundos das mais diferentes localidades do País, e que
trouxeram consigo um riquíssimo e variado legado cultural que também se enraizou
no cerrado, outrora, com escassa vida humana, tornando-se dele parte integrante,
25

com o auxílio do único veículo de comunicação impresso existente à época e que


também nascera junto com Brasília, o jornal Correio Braziliense. (COUTO, 2011)

E, no intuito de enriquecer a análise a ser feita sobre a contribuição do jornal


Correio Braziliense para a divulgação da cultura em Brasília no primeiro ano após a
inauguração da cidade, assim como a contribuição do jornal para o acolhimento e
ambientação dos seus pioneiros foram realizadas entrevistas com pessoas que se
transferiram para cá, mesmo antes de sua inauguração, que permaneceram em
Brasília durante seu primeiro ano como a Capital do Brasil e continuam vivendo na
cidade. Procurou-se contemplar na escolha dos entrevistados, uma variedade
cultural em relação às suas regiões de origem, assim como diferentes perfis
socioeconômicos.

Alguns vieram convidados pela equipe de Juscelino Kubitschek para a


prestação de serviços especializados à comunidade, outros para atuarem em cargos
administrativos e, outros, como a grande maioria, vieram para buscar sozinhos, ou já
com suas famílias, melhores condições de vida e oportunidades profissionais que,
àquela época, no Brasil, apenas uma cidade ainda em formação poderia lhes
oferecer.

Dentre os nove entrevistados, estão um médico carioca e três esposas de


médicos que vieram para atuar no ainda precário sistema de saúde da cidade,
sendo elas uma americana, da cidade de Nova Iorque, uma carioca e uma goiana,
da cidade de Rio Verde. Há um contador, mineiro, da cidade próxima de Paracatu,
considerado candango, pois trabalhou diretamente nas obras da construção da
cidade, depois tornou-se escriturário em uma das construtoras que aqui atuavam.
Há também um jornalista e historiador cearense que, aos 21 anos, foi incumbido
pelos Diários Associados de fazer a cobertura das obras da cidade e da inauguração
de Brasília para os demais jornais do grupo. Um advogado catarinense recém-
formado, que deixou seu emprego em São Paulo, decidindo tentar a sorte na cidade
e deixando a noiva a esperá-lo até que tivessem um lugar “digno” para morar em
Brasília. Outro entrevistado era o braço direito e homem de extrema confiança de JK
e, por último, um adolescente mineiro e pioneiro da primeira cidade satélite de
Brasília, Taguatinga, hoje também advogado, jornalista e escritor.
26

As entrevistas foram realizadas tendo como foco principal, a relação desses


pioneiros com o Correio Braziliense e suas percepções acerca das contribuições
prestadas pelo jornal às origens da cultura de Brasília no primeiro ano após a sua
inauguração, de 21 de abril de 1960 a 21 de abril de 1961.

Como será apresentado no primeiro capítulo deste trabalho, o jornal passou a


circular em Brasília no dia de sua inauguração, cumprindo a promessa feita por
Assis Chateaubriand a JK de que a nova Capital do Brasil teria um jornal próprio já
no dia 21 de abril de 1960.

Na estrutura deste trabalho, além desta introdução, serão apresentados mais


três capítulos.

O primeiro discorrerá sobre as dificuldades enfrentadas pelos entusiastas da


transferência da capital do Brasil para o interior do País, ao longo da história do
Brasil. O conteúdo do capítulo corrobora, em si, que a promessa feita por Juscelino
Kubitschek de Oliveira durante o comício realizado na cidade goiana de Jataí, não
era apenas mais um de seus ousados projetos políticos, caso fosse eleito presidente
do Brasil. Por trás das palavras de JK, em resposta ao questionamento de um dos
cidadãos presentes ao comício sobre essa questão, existia toda uma saga
entremeada por interesses políticos e financeiros que se estendeu por várias
décadas até o início das obras para a construção de Brasília, no Planalto Central.

O segundo capítulo versará sobre a origem, o ressurgimento e a estruturação


do Correio Braziliense em Brasília, apresentando a história do jornal, assim como a
origem de seu nome, desde sua fundação por Hipólito José da Costa, em Londres,
até sua reimplantação em Brasília, pelo fundador dos Diários Associados, o
jornalista Assis Chateaubriand.

Ainda no segundo capítulo, será retratada a construção do jornal em paralelo


ao crescimento da cidade. Será tratado de forma mais específica, o surgimento das
primeiras colunas dos mais variados assuntos e o conteúdo por elas apresentado
relacionado à cidade e suas atividades, assim como os demais referentes às
diversas regiões do Brasil e demais países. Nesse momento, toda a atenção será
dada ao jornal como o único veículo de comunicação impresso existente na cidade,
que teve sua edição de número um, vinculada às primeiras horas de Brasília, uma
vez que cobrira e noticiara as festividades de sua inauguração. Aos poucos, o jornal
27

vai ganhando identidade própria e se encorpando já repleto de notícias geradas na e


pela própria cidade. Ambos nascem juntos e crescem juntos, na relação simbiótica e
de retroalimentação estabelecida desde os primórdios dos dois.

No capítulo três, será realizada a análise cultural do conteúdo do jornal por


meio de categorias. Esse mesmo capítulo abordará, também, e de forma mais
específica, a relação dos pioneiros entrevistados para esta dissertação, com o
Correio Braziliense. Será observado como o jornal, em suas edições publicadas ao
longo do período entre 21 de abril de 1960 e 21 de abril de 1961, assumiu o papel
de guia de informações sobre todos os estabelecimentos comerciais e instituições
instaladas na cidade à época, assim como as opções de produtos e serviços que
Brasília passava a oferecer. Demonstrar-se-á, também, por meio dos depoimentos
obtidos junto aos pioneiros, o quanto o jornal assumiu o importante papel de
colaborador e entusiasta das atividades culturais já existentes na nova capital, logo
em seu primeiro ano, assim como das opções de entretenimento desde sempre
oferecidas aos seus habitantes.

A proposta para a elaboração desses três capítulos pôde ser vislumbrada, a


partir da leitura exploratória e analítica do material coletado na pesquisa documental
realizada no Centro de Documentação dos Diários Associados, cujo corpus
encontra-se anexo.

Mas, antes de encerrar esta introdução, ainda se faz importante e necessário


ressaltar o quão complexa se apresentou a tentativa de definição do que, de fato,
representaria o termo “conteúdo cultural” para este trabalho. Tal dificuldade se
apresentou claramente durante a constituição e a análise do corpus e, sobretudo,
quando da identificação das notícias que nele se apresentavam sobre os mais
diversos temas que poderiam ser, ainda que não diretamente, relacionados à
cultura.

Realizando a análise, tornou-se inevitável o surgimento das seguintes e


cruciais questões: o que poderia ser considerado o “conteúdo cultural do jornal”?
Pois, uma vez que não havia nele, ainda, a definição de uma sessão específica de
cultura, tampouco um espaço determinado em sua diagramação destinado a tal
assunto, como seria possível identificar, com exatidão esse conteúdo? Poderia ser
considerado “cultura”, apenas o conteúdo relativo às atividades culturais promovidas
na cidade, à época, e que contemplavam as apresentações de teatro e dança, a
28

programação de cinema, os saraus de literatura e poesia, assim como as


exposições de artes plásticas, já ocorridas ao longo do ano de 1960 e o início de
1961? E o que dizer sobre as atividades voltadas ao lazer e ao entretenimento da
população? Em qual categoria poderiam ser alocadas, por exemplo, as matérias
referentes ao Zoológico de Brasília, os parques infantis e os clubes sociais já
dotados de relevante programação? E como seriam classificados os eventos
religiosos promovidos pelas paróquias e pontualmente noticiados pelo Correio
Braziliense? O que, afinal, definiria cada um deles?

Outro questionamento suscitado pela pesquisa: em uma perspectiva


antropológica, a cultura poderia ser também o conjunto formado por crenças, pela
religião e seus ritos, e pelas práticas cotidianas?

Enfim, na tentativa de elucidar tais dúvidas e buscar o melhor caminho para o


que poderia resultar na categorização do conteúdo encontrado no jornal, recorreu-se
a Morin que, em seu livro “O Método 4 – as ideias” se refere à cultura da seguinte
maneira:

Efetivamente, tradição, educação, linguagem são os componentes


nucleares da cultura e formam, em conjunto, os ídolos da sociedade “tribo”.
[...] A cultura, que caracteriza as sociedades humanas, é organizada /
organizadora via o veículo cognitivo da linguagem, a partir do capital
cognitivo coletivo dos conhecimentos adquiridos, das competências
aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica, das crenças
míticas de uma sociedade. Assim se manifestam “representações coletivas”,
“consciência coletiva”, “imaginário coletivo”. E, dispondo de seu capital
cognitivo, a cultura institui as regras / normas que organizam a sociedade e
governam os comportamentos individuais. As regras / normas culturais
geram processos sociais e regenera globalmente a complexidade social
adquirida por essa mesma cultura. Assim, a cultura não é nem
“superestrutura” nem “infraestrutura”, termos impróprios em uma
organização recursiva onde o que é produzido e grado torna-se produtor e
gerador daquilo que o produz ou gera. Cultura e sociedade estão em
relação geradora mútua; nessa relação não podemos esquecer as
interações entre indivíduos, eles próprios portadores / transmissores de
cultura, que regeneram a sociedade, a qual regenera a cultura. Se a cultura
contém um saber coletivo acumulado em memória social, se é portadora de
princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão de
mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a
cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: é uma máquina
cognitiva com práxis cognitiva. (MORIN, 2005, p.15 e p.19.)

Recorreu-se também a Laraia (1986) que afirma que, tomado em seu amplo
sentido etnográfico, a cultura é todo o complexo que inclui conhecimentos, crenças,
arte, moral, leis, costumes, ou qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pelo
homem como membro de uma sociedade.
29

Também de acordo com Laraia (1986), as culturas são sistemas que servem
para adaptar as comunidades humanas, cujo modo de vida inclui tecnologias e
linhas de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento
social e organização política, crenças, práticas religiosas e assim por diante.

Kuper (2002) igualmente define que a cultura inclui belas artes, literatura e
conhecimentos das ciências humanas, mas abrange também as chamadas “artes
negras da mídia” e a esfera vagamente demarcada da cultura popular - um misto
que costumava ser chamado de folclore e arte proletária, mais os esportes.

Bauman (2012), fala sobre a inexorável ambiguidade do conceito de cultura.


Segundo ele:

Bem menos notória é a ideia de que essa ambiguidade provém nem tanto
da maneira como as pessoas definem a cultura quando da
incompatibilidade das numerosas linhas de pensamento que se reuniram
historicamente sob o mesmo termo. De modo geral, os intelectuais são
sofisticados o suficiente para perceber que a similaridade de termos é um
guia frágil quando se trata de estabelecer a identidade ou diversidade de
conceitos. Ainda assim, a autoconsciência metodológica é uma coisa, a
magia das palavras, outra. [...] Esse debate é um exemplo evidente da
situação em que o aceite do termo por alguns e sua rejeição por outros,
pode levar ambos os lados a enxergar as peculiaridades conceituais que
por ventura os separem, sejam elas quais forem. De forma inversa, fissuras
conceituais muito mais profundas tendem a ser negligenciadas ou
subestimadas quando ocultas por trás de termos correlatos. Sintomático
dessa tendência é o fato de que a maioria dos intelectuais que tentam
colocar alguma ordem no vasto espectro de contextos em que o termo
“cultura” aparece costuma abordar sua tarefa como, em primeira instância, a
necessidade de “classificar as definições aceitas”. Na maioria dos casos,
presume-se de maneira tácita, quando não explícita, a superposição (se não
a identidade) de campos semânticos. O que supostamente se deixa para
conciliar são as preocupações divergentes de escolas ou autores com um
ou outro aspecto do campo. (BAUMAN, 2012, p. 83 e 85)

E, partindo de todas essas concepções, tornou-se possível estabelecer que,


havendo no Correio Braziliense, conteúdos sobre a vida em Brasília ao longo do
primeiro ano após sua inauguração, semelhante aos conceitos de cultura
enunciados por Morin (2005), Laraia (1986) e Kuper (2002), na medida em que
foram identificados no corpus da pesquisa importantes referências às atividades com
tais características, anunciadas e posteriormente noticiadas pelo jornal, pode-se
determinar que, desde sua primeira semana como a nova Capital do País, a cidade
já oferecia conteúdos culturais que abasteciam o jornal.

E, a partir especificamente da leitura sobre a reflexão de Morin, na qual ficou


clara a relação geradora mútua entre a cultura e a sociedade, corroborando a ideia
30

de retroalimentação já citada anteriormente nesta introdução, cabe citar que, num


sentido mais complexo, conclui-se que todo o conteúdo encontrado no jornal durante
o período pesquisado, ou seja, de 21 de abril de 1960 e 21 de abril de 1961, poderia
ser considerado como “cultura”, pois toda a movimentação de cunho cultural
produzida pela sociedade de pioneiros existente àquela época subsidiava o jornal
para a produção de notícias, assim como o Correio Braziliense, por meio das
notícias que publicava sobre tais eventos, contribuía de forma direta para a
propagação dessas ações culturais, auxiliando igualmente na constituição e no
fortalecimento das relações entre a sociedade e o jornal.

Posto isso, almejando a condução mais acertada desta pesquisa e,


igualmente, na tentativa de se alcançar uma melhor organização do trabalho e da
análise a ser feita, coube optar pelo apontamento de algumas categorias, escolhidas
por se apresentarem de forma mais objetiva e clara no material pesquisado,
enquanto as demais se desenhavam de forma difusa e misturada no conteúdo do
corpus.

Assim sendo, as categorias determinadas no primeiro momento foram


especialmente operacionais na construção do corpus, e acabaram sendo
questionadas e reconsideradas ao longo do trabalho, conforme demonstrado no
capítulo três e nas considerações finais.
31

1 A SAGA DE BRASÍLIA: DAS CRÍTICAS HISTÓRICAS À CONSTRUÇÃO DA


CIDADE E FORMAÇÃO DE SUA CULTURA

1.1 O DESAFIO DA INTERIORIZAÇÃO DA CAPITAL DO BRASIL: DA REJEIÇÃO


HISTÓRICA À CONSOLIDAÇÃO DA PROMESSA DE JK

Eleito em 1955, após uma desafiadora corrida eleitoral que definiria o


sucessor de Getúlio Vargas (1882 – 1954), morto em 24 de agosto de 1954, após ter
cometido suicídio em seus aposentos, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro,
Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902 – 1976), aos 53 anos, tornou-se o 19º
presidente do Brasil e o mais votado da história presidencial, até então, com 36%
dos votos, tendo como seu vice-presidente, João Goulart (1918 – 1976).

Juscelino era reconhecido como dinâmico e otimista desde a sua campanha


eleitoral, durante a qual, além de apresentar sua plataforma de governo baseada no
slogan “cinquenta anos de progresso em cinco anos”, propunha uma modificação do
modelo de desenvolvimento econômico, passando pela adoção de uma política de
industrialização por substituição das importações. (VIDAL, 2009)

Além dessa política revolucionária e futurista apregoada por JK, outro antigo
projeto de grande ousadia que vinha permeando relevantemente a história do Brasil,
desde antes da proclamação de sua independência da coroa portuguesa, tornou-se
também o maior e mais ousado projeto de Juscelino, caso fosse eleito presidente do
Brasil – a transferência da capital para o interior do País.

E é fato que, ao longo da história brasileira, a interiorização da capital tornou-


se uma das decisões de maior impacto dentre as pautas já discutidas pelo
Congresso Nacional e que começou a ser escrita na Província do Rio de Janeiro, em
17 de abril de 1823, quando foi aberta a Primeira Sessão Preparatória da
Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império. Desde antes da
proclamação da independência do Brasil, por Dom Pedro I, em 1822, José Bonifácio
de Andrada e Silva (1763 – 1838), ainda em 1821, já havia proposto um projeto para
a transferência da capital para uma região central do País, quando redigiu um
documento aos deputados paulistas que participaram das Cortes de Lisboa naquele
ano. No documento, Bonifácio sugere que a nova capital deveria ser a cidade de
32

Petrópolis, localizada na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, ou que essa


deveria passar a chamar-se Brasília. O principal argumento de José Bonifácio, que
ficou conhecido como o "Patriarca da Independência", após 1822, era o de que a
cidade do Rio de Janeiro corria constante risco de sofrer invasões, saques e
pilhagens realizadas pelos corsários franceses na costa brasileira e de outras
colônias na América do Sul e Central. No entanto, mesmo com tantos argumentos
consistentes que favoreciam o projeto, a primeira Assembleia Constituinte foi
dissolvida, e a Constituição de 1824, outorgada pelo Imperador D. Pedro I, não
incorporou a tese da interiorização da capital. (VIDAL, 2009)

De 1839 a 1877, Francisco Adolfo de Varnhagen (1816–1878), um historiador


e diplomata nascido em São Paulo e depois tornado Visconde de Porto Seguro,
trabalhou arduamente para provar a eficácia da ideia de se fundar a nova capital no
Planalto Central do País. Em 1839, prometeu estudos sobre a geografia física do
País, no intuito de indicar os lugares mais propícios para a construção da nova
capital. Em 1845, Varnhagen afirmou que o Rio de Janeiro não possuía as mínimas
condições de segurança para ser a capital permanente do Brasil. Entre 1849 e 1851,
publicou, em Madrid, na Espanha, sua obra “Memorial Orgânico”, na qual analisava
e defendia a necessidade da interiorização da sociedade nacional. Em 1877,
Varnhagen finalmente publicou seu trabalho mais aplaudido, a obra denominada “A
questão da capital: marítima ou interior?”. Nesse trabalho, o Visconde de Porto
Seguro reforça a ideia de que a capital poderia não permanecer no Rio de Janeiro,
já que houvera a invasão de René Duguay Trouin (1673–1736), em 1711, e que
tinha novamente servido de alerta ao governo sobre os perigos existentes por estar
a capital localizada na costa marítima. Varnhagen apoiou-se em exemplos europeus
ocorridos em Londres, Paris, Berlim e Viena, para demonstrar que as capitais
seguras deveriam estar sim, localizadas ao longo de rios, e não na costa oceânica,
pois, as cidades oceânicas, como Constantinopla, Lisboa, Nápoles e outras, já
estavam acostumadas às humilhações das recorrentes invasões estrangeiras.
(FARRET, 1985)

Ainda segundo o estudo de Varnhagen, entre os critérios a serem seguidos


para a construção da nova capital, deveriam estar incluídos:

• fácil acesso aos portos costeiros por ferrovias;


33

• uma intensificação das transações econômicas internas entre as diferentes


regiões, centralizadas pela capital a ser construída; por isso, a nova cidade
deveria conter também atividades industriais, mais do que meramente
funções administrativas;

• distante de áreas de clima tropical, como o Rio de Janeiro;

• localização no interior, para evitar invasões de estrangeiros; livre do trabalho


escravo, dessa forma, apta a estimular a civilização moderna; e

• localização no Planalto Central do Brasil, equidistante do Rio de Janeiro,


Bahia, Oeiras, no Piauí, e Cuiabá, no Mato Grosso, em uma área que
possuísse ar saudável e estivesse próxima de fontes hídricas.

Tal localização central deveria também ter condições de ligar os vales do


Amazonas, do Rio da Prata e do São Francisco, conforme as explicações de
Varnhagen:

O Rio de Janeiro seria uma boa localização para a capital do Brasil se o


Brasil tivesse de absorver a África, do mesmo que Cuiabá seria uma boa
capital se estivéssemos propensos a nos expandir para o oeste ou mesmo
Bagé, no Rio Grande do Sul, se estivéssemos prontos a ameaçar os países
do Cone Sul [...]. Mas, se a nossa missão é conservar nosso território
intacto e melhorá-lo, a nova capital deve ser um lugar central e defensável.
(VARNHAGEN, 1978, pp. 156–157)

Com a implantação da República, em 1889, a mudança da capital ganhou


força constitucional por meio da Carta Magna de 1891. Os textos posteriores da
Carta, datados de 1934 e 1946, também determinavam a transferência da capital
para o interior do País. Porém, tantas eram as divergências regionais sobre o
projeto, que foram registradas várias propostas acerca do tema, antes da decisão
final pelo que se chamaria de Distrito Federal. Primeiramente, Café Filho (1899 –
1970), ex-presidente do Brasil, sugeriu que a mudança ocorresse para a cidade de
Goiânia, a capital do Estado de Goiás, fundada em 1942. Benedito Valadares (1892
– 1973), político do PSD de Minas Gerais, propôs a transferência para o Triângulo
Mineiro, região de Minas Gerais. E, além dessas duas propostas, havia também o
chamado “Retângulo Cruls”, sugerido em 1892, por Louis Ferdinand Cruls,
responsável pela coordenação da missão exploradora do Planalto Central,
encomendada pelo então Presidente da República, Floriano Peixoto (1839–1895).
(VIDAL, 2009)
34

Corroborando, ainda, a importância dada ao estudo dessa possibilidade em


governos passados, também durante o primeiro mandato de Getúlio Vargas (1930–
1945), logo ao final da Segunda Guerra Mundial e quando o Brasil iniciou seu
processo de democratização findando o chamado “Estado Novo”, foi convocada uma
Assembleia Constituinte, em 1945, durante a qual foram retomados os debates
sobre a interiorização da capital. A Constituição foi finalmente adotada em 18 de
setembro de 1946, na qual o artigo 4º das disposições transitórias estipulava
particularmente que “a capital da União seria transferida para o Planalto Central do
país”. (VIDAL, 2009)

A nova constituição relançou a atividade das comissões de localização da


nova capital, assim como em 1891, quando da determinação da Comissão Cruls.
Agora, o trabalho deveria ser desenvolvido em duas etapas: a primeira trataria da
localização do futuro Distrito Federal para que fosse, finalmente, escolhido o local
exato para a construção da cidade. Assim sendo, o presidente da república à época,
Eurico Dutra, nomeou em 19 de novembro de 1946, uma nova comissão de estudo
para a localização da futura capital do Brasil, cuja direção foi entregue ao general e
engenheiro curitibano, Djalma Polli Coelho (1892-1954), que, por sua vez, presidiu o
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 1951 a 1952. O relatório
entregue pela chamada “Comissão Polli”, em 1948, manteve a solução inicial
proposta pela Comissão Cruls, porém ampliando, consideravelmente, a área outrora
proposta, agora no sentido norte, sobre a Bacia Amazônica, proporcionando o
aproveitamento das bacias fluviais daquela região, “dando-lhe limites já demarcados
pela natureza [...]” (VIDAL, 2009).

O relatório de Polli estipulava que o território definido para o assentamento da


nova capital cobriria uma área correspondente a 77.000 km², e adiantou os
princípios necessários para o bom desenrolar da mudança:

Essa não deve se efetivar às pressas (vários anos, talvez mais de dois
lustros sejam necessários); o Distrito Federal compreenderá a cidade capital
propriamente dita e cidades-satélites, encarregadas do comércio, da
agricultura e do abastecimento da cidade, acolherão em torno de 50 mil
habitantes; um novo estado de espírito, despojado dos métodos tradicionais
de “colonização” e de espoliação dos recursos naturais, será necessário
para “insuflar entre a população oficial, desde a mudança da capital, o amor
à cidade e às regiões." (VIDAL, 2009. p. 166).

O general Polli Coelho justificou seu posicionamento por meio da análise


geopolítica do Estado Brasileiro e da localização de sua capital. (VIDAL, 2009)
35

Mas, o projeto de interiorização da capital ainda sofreria vários


questionamentos e críticas, uma vez que fora submetido a outras análises de
políticos e militares e, dentre as mais relevantes, consta a do deputado da Bahia,
Eunápio Queiros, que, em seu relatório lido na sessão de 7 de dezembro de 1948,
propôs tratar a questão por outro ângulo, criticando os principais argumentos
sustentados ao longo dos anos e que justificariam a mudança da capital para uma
região central do País. Segundo seu parecer, a melhor localização para se construir
uma nova capital para o Brasil, já não se tratava de remediar graves inconvenientes
da sede atual do governo, no Rio de Janeiro, que estariam prejudicando os
supremos interesses da Nação, e, sim, de satisfazer a tradicional aspiração dos
brasileiros de terem sua capital localizada no interior do País e, mais
especificamente, no Planalto Central. Eunápio Peltier de Queiros também foi muito
crítico quanto ao direcionamento dado à questão pela Comissão Polli Coelho.
Abordando novamente os motivos que determinariam a mudança da localização da
capital, Queiros interroga-se sobre as funções essenciais que uma capital deve
exercer: seria a função colonizadora, política, administrativa, geopolítica ou
estratégica? E, ainda segundo o deputado, a função colonizadora não seria de sua
competência, e afirmou:

Na realidade, o que se necessita é de estradas, assistência educativa e


sanitária, energia elétrica e eficiente política agrária. Na desconfiança de
obterem tais benefícios por outros meios, procura-se um artifício que force
sua extensão para o interior do Planalto, que é a transferência da Capital.
[...] Estamos convencidos de que a função colonizadora de uma capital é de
pequena significação, e, para prová-lo, aí estão os exemplos da própria
capital federal, de várias capitais de estados e sedes municipais, que nem
sempre conseguiram incentivar o progresso em torno de si, a tal ponto que
os maiores progressos se encontram muitas vezes em regiões distantes e,
até mesmo isoladas. (VIDAL, 2009. pp. 169-170)

Após a publicação do relatório de Eunápio de Queiros, o Congresso tentou


minimizar o debate sobre o tema, mais uma vez bloqueando o andamento das
discussões, alegando as suscetibilidades regionais consecutivas à determinação da
nova localização da capital do Brasil. No entanto, os geógrafos e militares, por meio
de outros relatórios elaborados pelo Estado Maior, continuaram classificando a
mudança da capital como uma necessidade urgente, sobretudo para que os
problemas relacionados aos desequilíbrios econômicos, demográficos e as questões
pertinentes à segurança nacional pudessem ser sanados pela interiorização. E, após
todas as críticas, análises, relatórios e pareceres, somente cinco anos depois, em 5
36

de janeiro de 1953, a Lei nº 1.803 sancionou os resultados da Comissão Polli


Coelho, rejeitando as conclusões apresentadas pela comissão parlamentar e,
finalmente, autorizando o Poder Executivo a realizar os estudos definitivos
necessários à implantação a nova capital na região do Planalto Central, delimitada
por Polli Coelho, que seria relativa a uma superfície de 52.000 km², denominado
"Retângulo do Progresso". (VIDAL, 2009)

Sete anos mais tarde, após o relatório de Eunápio Queiros, ao proferir seu
discurso na cidade de Jataí, no sudoeste do estado de Goiás, no dia 4 de abril de
1955, Juscelino, então, prometeu aos eleitores a transferência da capital do País
para o Planalto Central como o maior e mais importante projeto de sua candidatura à
presidência do Brasil, deflagrando, definitivamente, o processo que daria origem à
construção de uma nova cidade em meio ao vasto cerrado, outrora demarcado pela
Comissão Cruls e corroborado pela Comissão Polli.

Em 1955, após a eleição de Juscelino, apesar da insistência do IBGE, em


apresentar a mudança da capital como uma medida urgente para o desenvolvimento
do Brasil, o tema não chamou a atenção dos constituintes, que sequer o citaram na
consolidação do anteprojeto de Constituição gerado nesse ano, não por
desinteresse, mas por ser o tema uma grande ameaça aos inúmeros interesses
políticos e econômicos regionais. (VIDAL, 2009)

No entanto, apesar das muitas críticas ao projeto registradas ao longo dos


anos, e dos mais diversos interesses econômicos e políticos que seriam
prejudicados pela transferência da capital para o Planalto Central, Juscelino decidiu
por adotar as determinações da Comissão Cruls, iniciando sua empreitada em prol
da construção de Brasília, em novembro de 1956, quando nomeou o engenheiro
Israel Pinheiro (1896 – 1973) como diretor da Companhia Urbanizadora da Nova
Capital, a NOVACAP. (VIDAL, 2009)

Em suas memórias, Juscelino afirma que, até a ocasião de seu discurso em


Jataí, não havia se preocupado com a questão da transferência da capital. Porém,
ao receber a inesperada pergunta proferida, segundo ele, por Antonio Carlos
Soares, conhecido como “Toniquinho”, sobre o assunto, contida no texto abaixo,
percebeu a grande importância do tema para a população do Estado de Goiás. E,
assim sendo, em sua biografia, ao responder à pergunta “Como nasceu Brasília?”,
Juscelino disse:
37

A resposta é simples. Como todas as grandes iniciativas, surgiu de quase


nada [...]. Tudo teve início da cidade de Jataí, em Goiás, a 4 de abril de
1955, durante minha campanha como candidato à Presidência da República
[...]. No discurso que ali pronunciei, referindo-me à agitação política que
inquietava o Brasil e contra a qual só via um remédio eficaz – o respeito
integral às leis -, declarei que, se eleito, cumpriria rigorosamente a
constituição [...]. Foi, nesse momento, que uma voz forte se impôs, para me
interpelar: “O senhor disse que, se eleito, irá cumprir rigorosamente a
Constituição. Desejo saber, então, se pretende por em prática o dispositivo
da Carta Magna que determina, nas suas Disposições Transitórias, a
mudança da Capital Federal para o Planalto Central” [...]. A pergunta era
embaraçosa. Já possuía o meu Programa de Metas e, em nenhuma parte
dele, existia qualquer referência àquele problema. Respondi, contudo, como
me cabia fazer na ocasião: “Acabo de prometer que cumprirei, na íntegra, a
Constituição, e não vejo razão para que esse dispositivo seja ignorado. Se
for eleito, construirei a nova capital e farei a mudança da sede do governo”.
Essa afirmação provocou um delírio de aplausos. Desde muito, os goianos
acalentavam aquele sonho e, pela primeira vez, ouviram um candidato à
Presidência da República assumir, em público, tão solene compromisso.
(VIDAL, 2009. p. 191).

Ainda sobre esse episódio, segundo Vidal (2009), há controvérsias que


indicam que, durante a Constituinte de 1946, Juscelino houvera pronunciado um
longo discurso inspirado em um estudo feito pelo engenheiro mineiro, Lucas Lopes
(1911 – 1994), em favor da inscrição da mudança da capital no texto da
Constituição, sendo favorável também, à época, à escolha da região do Triângulo
Mineiro para abrigar o que seria o novo Distrito Federal do Brasil. (VIDAL, 2009).

Apesar de todos os estudos e conjecturas acerca do destino geográfico a ser


dado à nova capital do Brasil segundo Vidal (2009), lenda ou realidade, não se pode
negar que a decisão final sobre a construção de Brasília foi, de fato, tomada durante
a campanha eleitoral de JK, e não antes, por ser Juscelino um grande entusiasta da
ideia do nacionalismo desenvolvimentista do qual Brasília tornou-se símbolo durante
sua construção e após sua inauguração. Símbolo esse do qual Juscelino fez uso
como o principal argumento para a mobilização e recrutamento de milhares de
brasileiros, de todas as classes sociais, em prol de um projeto de futuro, desviando-
os dos problemas econômicos e sociais da época. (VIDAL, 2009)

Novamente segundo Farret (1985), argumentos nunca faltaram para justificar


a necessidade da transferência da capital para o interior do território brasileiro.
Sintetizando-os, em uma retrospectiva complementar aos parágrafos anteriores,
primeiro havia a tentativa de apagar todos os vestígios e símbolos do período de
dominação portuguesa, como era, no caso, a cidade do Rio de Janeiro. Um segundo
argumento era o de que a interiorização da capital seria uma medida destinada a
38

transformar o Brasil num país unificado, ao invés de um grande número de enclaves.


O terceiro tratava das razões ligadas à segurança e defesa nacionais, uma vez que,
permanecendo na região litorânea a capital seria, sempre, altamente vulnerável aos
ataques estrangeiros. Um quarto motivo referia-se à possibilidade de criação e
promoção de novos padrões de eficiência do serviço público. O quinto apostava na
transformação da nova capital interiorizada, em um instrumento ideológico capaz de
criar, junto às massas, um espírito de identidade nacional mais arraigado. O sexto
versava sobre a capital se tornar um centro de crescimento, capaz de promover o
desenvolvimento regional da região Centro-Oeste, até então, muito pouco
reconhecida e, portanto, excluída dos investimentos governamentais e da iniciativa
privada. Portanto, a nova capital, sendo construída nessa região tão pouco
explorada, favoreceria a criação de um significativo mercado consumidor, além da
introdução de importantes inovações tecnológicas, econômicas e sociais. O sétimo
acreditava ser a capital uma porta de entrada à ocupação econômica das fronteiras
do oeste e norte do país.

O pensamento de JK era o de que a construção de Brasília, por si mesma,


impulsionaria a autocolonização e a autoconquista do território nacional,
promovendo um novo ciclo bandeirante. Também provocaria, segundo as
expectativas de políticos e lideranças nacionais, uma enorme onda de modernização
na região central do País, constituindo-se como um passo essencial no
deslocamento do eixo econômico da Região Sudeste para a região central do Brasil.
Assim, Juscelino definia sua meta-síntese:

O grande desafio da nossa história estava ali: seria forçar-se o


deslocamento do eixo do desenvolvimento nacional. Ao invés do litoral - que
já havia alcançado certo nível de progresso -, povoar-se o Planalto Central.
O núcleo populacional, criado naquela longínqua região, espraiar-se-ia
como uma mancha de óleo, fazendo com que todo o interior abrisse os
olhos para o futuro grandioso do país. Assim, o brasileiro poderia tomar
posse do seu imenso território. E a mudança da Capital seria o veículo. O
instrumento. O fator que iria desencadear um novo ciclo bandeirante.
(DOURADO, 2000, p. 21)

No livro “Comunidades Imaginadas”, Anderson (2008) também corrobora a


necessidade das terras colonizadas de se desvincularem das amarras
características do período colonial ao qual foram submetidas, cada qual em sua
região e época. Segundo Anderson (2008):
39

Nas políticas de construção da nação dos novos estados, vemos, com


frequência, tanto um autêntico entusiasmo nacionalista popular, quanto uma
instilação sistemática, e até maquiavélica, da ideologia nacionalista através
dos meios de comunicação de massa, do sistema educacional, das
regulamentações administrativas, e assim por diante. O que eu não
supunha em minha visão limitada, era que o nacionalismo oficial dos
mundos colonizados da Ásia e da África vinha diretamente modelado sobre
o nacionalismo oficial dos estados dinásticos europeus do século XIX. [...] À
primeira vista, essa conclusão pode surpreender, dado que os estados
coloniais eram tipicamente antinacionalistas, muitas vezes de forma
violenta. Mas, se olharmos, sob as ideologias e políticas coloniais, a
gramática em que elas se apresentaram desde os meados do século XIX,
essa linhagem se torna decididamente mais clara. [...] As três instituições, o
censo, o mapa e o museu, juntas, moldaram profundamente a maneira pela
qual o Estado Colonial imaginava o seu domínio – a natureza dos seres
humanos por ele governados, a geografia do seu território e a legitimidade
do seu passado. (ANDERSON, 2008, p. 226)

Contudo, corroborando os fatos históricos também já expostos anteriormente


neste capítulo, faz-se necessário ressaltar que a questão fundamental relacionada à
necessidade da transferência da capital para o interior do Brasil foi muito
negligenciada pelos analistas que sobre ela se debruçaram. E, ao questionamento
sobre os motivos que levaram a construção de Brasília acontecer apenas nos anos
1950, quando sua ideia original persistia ao longo da história do Brasil, desde 1789,
tendo ocupado a agenda legislativa desde 1822 e sendo finalmente incorporada às
diversas constituições republicanas a partir de 1899, foram, curiosamente,
elaboradas diferentes versões, representando várias vertentes. Por exemplo, uma
vertente explicativa, centrada numa curiosa combinação de ufanismo com
misticismo, coloca a nova capital como o produto de uma epopeia de bandeirantes
modernos “cumprindo os desígnios eternos manifestados na visão profética de Dom
Bosco” (SILVA, 1971, p.7). Outra, mais realista, aponta para a ocupação da
chamada hinterlândia, que vem a ser um território afastado do litoral, das margens
dos grandes rios ou dos centros industriais e comerciais, e no interior, como vital à
soberania e ao desenvolvimento nacional. (FARRET in PAVIANI, 2010).

No entanto, ambas as vertentes permitem a formulação de outra nova


questão: por que, para tais desígnios, haveria a real necessidade de se construir
uma nova capital, e não apenas um centro urbano simplesmente? A resposta parece
situar-se no âmbito da construção de um novo centro político nacional, que seria
crucial para a configuração estatal e territorial do país, e por meio do qual seria
também constituído um novo modelo de sociedade. (FARRET in PAVIANI, 2010).
40

E, muito embora Juscelino demonstrasse em seus discursos políticos o


desejo de realmente constituir um novo modelo de sociedade progressista em seu
governo, também a partir da interiorização da capital, cabe lembrar que a decisão
acerca da construção de Brasília e o programa do nacionalismo desenvolvimentista
não foram invenções de Kubitschek, mas correspondiam, sim, a um estado das
forças políticas, das capacidades econômicas e técnicas, assim como a uma nova
concepção de um Brasil moderno que nascia entre os intelectuais e as elites
políticas, desde o início dos anos 1950. E Juscelino detinha em si a capacidade,
como estadista, de sintetizar e canalizar as aspirações e expectativas da população
naquele momento, no qual o Brasil era marcado pela recomposição dessas elites
políticas, iniciada ainda na década de 1930, de acordo com o sociólogo Octávio
Ianni (1971). (VIDAL, 2009).

Com a construção de Brasília, Juscelino desejava fazer com que o Brasil


ultrapassasse o estágio de “país novo” e atingisse o patamar de “país em vias de
desenvolvimento”. Ideia essa que não só corroborou para a sua eleição à
presidência do Brasil, assim como para o convencimento de seus eleitores sobre a
importância e a necessidade de que uma nova capital fosse, então, construída em
meio ao Planalto Central e, sobretudo, bem aceita pelo povo brasileiro. (VIDAL,
2009)

1.2 BRASÍLIA: OS MITOS E A REALIDADE DE SUA CONSTRUÇÃO E


POVOAMENTO

De acordo com Bicca in Paviani (2010), são muitos os mitos que envolvem a
construção de Brasília, na tentativa de protegê-la de todo e qualquer tipo de crítica
da população, dos políticos e das forças empresariais que ainda desaprovavam a
construção da cidade e, mais ainda, a ideia da transferência da capital do Brasil, da
maravilhosa, litorânea e tropical cidade do Rio de Janeiro, para o inóspito, deserto e
nada atraente cerrado do Planalto Central, no meio do inexpressivo e pouco
valorizado, até então, estado Goiás.
41

Segundo Marilda Porto 4, pioneira, em entrevista concedida em 12 de


novembro de 2015:

Brasília se tornou a grande esperança do povo goiano, que sonhava com o


desenvolvimento da região, antes considerada esquecida pelos governos
anteriores ao de JK. Meu pai era dentista e fazendeiro em Rio Verde e,
como outros da região, se tornou um grande entusiasta da construção da
nova capital aqui, pois o estado de Goiás era muito sofrido. Não havia
estradas, não havia nenhum desenvolvimento, nenhuma estrutura. Para
chegar à fazenda da família, por exemplo, meu pai precisava ir a cavalo. E
nós sabíamos que, a partir da construção de Brasília, a nossa região se
desenvolveria muito. A gente acreditava e queria acreditar cada vez mais
que Brasília daria certo. Juscelino se tornou o nosso “salvador da pátria”, o
salvador do povo goiano, pois concretizou o nosso sonho de ver o estado
de Goiás melhorar.

A começar pelo mito da comunhão que teria existido, ao menos no período


inicial de sua construção, no qual, por meio de seu trabalho, homens teriam deixado
suas marcas na “terra virgem” sobre a qual Brasília foi erguida. Afinal, brasileiros das
mais variadas regiões e das mais distintas condições sociais deslocaram-se para o
Planalto Central do Brasil e, mesmo que os mais diferentes trabalhos e funções
objetivadas durante a construção fossem conflitantes entre si, mas, nem por isso, à
época, Brasília teria, mesmo que hipoteticamente, deixado de ser o símbolo da
“unidade nacional”. Como sempre dizia Lúcio Costa (1902 – 1998), “a construção de
Brasília não foi um gesto gratuito de vaidade, pessoal ou política, à maneira do
Renascimento, mas o coroamento de um grande esforço coletivo tendo em vista o
desenvolvimento nacional...” (COSTA, 1968, p. 35) E, fazendo coro com Costa, o
político pernambucano, Mário Pedrosa (1901 – 1981), afirma:

A revolução que Brasília implicaria, ou deveria simbolizar, era a


de criar raízes, descer às infraestruturas sociais para surgir aos
olhos do povo e das elites, como obra sua (e não capricho do
presidente), obra coletiva, capaz de representar amanhã, um
tournant na história política, social e cultural do Brasil.
(PEDROSA, 1981, p. 338).

São também muitos e diferentes os interesses que tiveram e continuam a ter


Brasília como palco, e em relação a eles são criados certos mitos, entre os quais,
aquele que procura nos fazer crer que, ao menos originalmente, e, conforme a
proposta de Lúcio Costa estariam sendo contrariados os interesses diretamente
vinculados aos empreendimentos imobiliários, responsáveis, hoje, por aspectos
marcantes e nefastos da paisagem das grandes cidades. Mas, aqueles que assim

4
Marilda Porto, natural de Rio Verde, Goiás, veio para Brasília em julho de 1958. É esposa do
“primeiro” médico pediatra da cidade, Edson Porto. Dr. Edson é da cidade de Araguari, no Triângulo
Mineiro, e veio para se tornar diretor do primeiro hospital de Brasília, ainda na Cidade Livre.
42

pensavam ou pensam, ignoram, entretanto, que, em Brasília, pelas suas


características singulares, esses mesmos interesses poderiam realizar-se, como de
fato se realizaram, sem necessariamente repetir, do ponto de vista da morfologia
urbana, as mesmas experiências levadas a cabo nas chamadas cidades
tradicionais. Deduzir, portanto, que a essa diferença formal corresponde uma
diferença essencial significa, no mínimo, fazer vistas grossas ao que, de fato,
Brasília sempre representou como possibilidade, talvez ímpar, de realização do
capital imobiliário e de todos os demais que concorreram para a sua construção,
assim como a das cidades-satélites. (BICCA in PAVIANI, 2010).

Portanto, a consolidação de Brasília como a nova capital do Brasil,


congregava em si, concomitantemente, sentimentos conflituosos naqueles que se
transferiram para o Planalto Central, por vontade própria, ou não, para construí-la.
Apesar de ousada e, agora, já devidamente respaldada pelos vários estudos que
justificavam técnica, geográfica, econômica e politicamente a necessidade de sua
construção e implantação como a nova capital do País, a ideia da transferência para
o cerrado inóspito, seco e poeirento, distante do belo e húmido litoral do Rio de
Janeiro, passou a atemorizar a grande massa de servidores públicos que, formada
em sua grande maioria por cariocas, passaram a relutar sobre a necessidade de
aceitar Brasília como seu novo lar.

Inicialmente, para erguer literalmente a cidade, para cá vieram os chamados


“candangos” – homens e mulheres oriundos dos quatro cantos do País, mas, em sua
grande maioria do Nordeste, em busca de oportunidades de trabalho e uma vida
mais digna, uma vez que fugiam da miséria e da seca que, então, já assolava o
sertão nordestino. Além dos candangos, também vieram os engenheiros, arquitetos
e demais profissionais responsáveis pelas funções administrativas e burocráticas
existentes nos inúmeros canteiros de obras da cidade. Faz-se, ainda, importante,
ressaltar que a denominação, “candango”, dada às pessoas que vieram para
construir literalmente a cidade, não as exclui do reconhecimento como pioneiros. “Os
candangos foram os pioneiros que vieram para colocar a mão na massa, nos tijolos
e no cimento”, como afirma o jornalista e também pioneiro, Adirson Vasconcelos
(1936-).

De acordo com Costa In Barroso e Costa (2015):


43

No tempo em que vivemos, considerado por muitos estudiosos como a pós-


modernidade, não é comum pensarmos o passado da cidade. Brasília, em
geral, nos é apresentada como uma ação racionalizada e planejada, como
se fosse um produto distante do cotidiano e remoto no tempo. Durante sua
construção e estendendo-se ao primeiro ano após sua inauguração, período
este estudado no presente trabalho, a nova capital, segundo seus pioneiros,
tornou-se um espaço no qual a esperança, a solidariedade e a coragem se
fizeram presentes entre os que para cá vieram, seja para construí-la, de
fato, seja para servir, de alguma forma, aos que a estavam construindo.
(COSTA in BARROSO e COSTA, 2015, p. 30).

Dessa forma, para abordar a relação dos pioneiros de Brasília com o jornal
Correio Braziliense, durante o primeiro ano da cidade como capital do Brasil, fez-se
necessário, inicialmente, identificá-los, compreendê-los e, sobretudo, conhecer seu
modo de vida, seu comportamento, costumes, anseios, dúvidas e expectativas em
relação à nova cidade que, aos poucos, se desenhava no que já fora chamado,
remotamente, de Retângulo Cruls.

1.3 A VIDA NA CIDADE LIVRE: OS DESAFIOS ENCONTRADOS NO CERRADO,


CONTRAPOSTOS PELA SOLIDARIEDADE

Ainda segundo Costa In Barroso e Costa (2015), o número de pessoas no


espaço da futura capital aumentara muito no fim dos anos 1950 e, com isso,
providências precisaram ser tomadas para a população já estabelecida no grande
canteiro de obras. Por exemplo, para a facilitação do complexo abastecimento
alimentar foi criado o primeiro núcleo de comercialização, conhecido como Cidade
Livre 5, atualmente chamada de Núcleo Bandeirante, tendo sido o primeiro núcleo
urbano da nova capital.

De acordo com os relatos obtidos nas entrevistas realizadas com pioneiros


para este trabalho, e que corroboraram os depoimentos encontrados no Arquivo
Público do Distrito Federal, nos finais de semana, a Cidade Livre era muito alegre.
Pelas ruas, entre os barracos de madeira, transitavam carros de som tocando baião
nordestino, samba e outros gêneros musicais das mais variadas regiões do País,
além da veiculação de notícias sobre a chegada de mantimentos e outras
mercadorias às pequenas lojas ali existentes, nas quais os candangos e pioneiros

5
Idealizada por Bernardo Sayão, em 1957, para ser um centro comercial e recreativo para os
trabalhadores que construíam a capital. Os produtos alimentares que abasteciam a cidade
chegavam de diferentes estados do País, e isto tornava os preços elevados. Então, para facilitar o
abastecimento, o comércio se tornou isento de impostos, ou seja, livre. Assim sendo, o primeiro
núcleo comercial de Brasília foi chamado de Cidade Livre.
44

abasteciam as despensas de suas casas. Além disso, após a jornada exaustiva de


trabalho nas obras, os trabalhadores enchiam as ruelas com cantorias ao violão e,
muito embora houvesse a lei seca, segundo os relatos, a cachaça estava sempre
presente nesses momentos, como uma forma de amenizar o cansaço provocado
pela jornada diária de até 15 ou mais horas de trabalho nas proximidades da
inauguração de Brasília, ou na tentativa de minorar a saudade dos familiares
daqueles que vieram desacompanhados, como era o caso da grande maioria.
(COSTA in BARROSO e COSTA, 2015).

De acordo com a pioneira, Solam Kozak, de 85 anos, em seu depoimento à


pesquisadora Cléria Botêlho Costa, para a concepção do artigo “Nos jardins da
memória: Brasília nos anos 1960 e 1970”:

As casas da Cidade Livre eram de madeira, em construções provisórias e,


por este motivo, muito suscetíveis aos incêndios, que aconteciam com certa
frequência. Nas imediações, era comum serem encontrados animais
silvestres da região, como as cobras, jacarés e lobos guarás. As ruas eram
de terra batida e, no período da seca, eram comuns os temidos
redemoinhos de poeira que obrigavam os moradores a fechar
imediatamente portas e janelas para que suas casas não fossem tomadas
por uma espessa quantidade de terra vermelha. Mas, apesar de todas
essas dificuldades e da considerável “aventura” que era viver naquele local
e naquelas condições, entre os moradores da Cidade Livre imperava
sempre a solidariedade, a ajuda mútua e o companheirismo – elementos
esses que, segundo os pioneiros entrevistados, foram os responsáveis pela
permanência de muitos, a despeito das tantas diversidades existentes.
(COSTA in BARROSO e COSTA, 2015, p. 37).

A vida na Cidade Livre era essencialmente comunitária e pautada no


entrelaçamento de interesses solidários. Solidariedade esta, certamente forjada
pelas inúmeras privações e dificuldades enfrentadas no dia a dia pelos pioneiros,
seja por não terem suas famílias por perto, ou por outras quaisquer, os primeiros
moradores de Brasília não somente dividiam o espaço comum, mas o forjavam à
medida que partilhavam o sonho de construção da nova capital do Brasil e
alimentavam o sentimento de pertencimento àquela obra e de identificação com o
novo Brasil prometido por JK. Além disso, todas as dificuldades aqui elencadas,
somadas às muitas privações sofridas por esses trabalhadores, originaram as lutas
pela conquista de uma moradia digna e, sobretudo, de melhores condições de vida e
de trabalho em Brasília. (COSTA in BARROSO e COSTA, 2015).

Dentre os habitantes da Cidade Livre, além dos chamados “candangos”, que


eram os trabalhadores das gigantescas obras que erguiam a cidade, estavam
também pessoas que atuavam em atividades administrativas, além de médicos,
45

enfermeiros, advogados, policiais, professores, engenheiros, arquitetos,


administradores, comerciantes, mecânicos, cozinheiros e muitos outros que
trabalhavam para garantir o bem-estar e a sobrevivência dos candangos, assim
como de todos os demais responsáveis pelas obras.

Ainda em seu relato obtido para este trabalho, em 12 de novembro de 2015,


Marilda Porto cita:

O exemplo do quanto existia, de fato, um sentimento de solidariedade e


confiança entre os pioneiros e candangos na Cidade Livre, era o que minha
sogra fazia: em 1958, ela vinha de Araguari, no Triângulo Mineiro, para
visitar o meu marido, médico, que, à época, ainda era solteiro e morava na
Cidade Livre. Ao chegar aqui, sempre ficava muito consternada ao ver a
solidão dos trabalhadores que para cá vieram sem suas famílias. E, em uma
atitude carinhosa, próximo ao horário em que os candangos retornariam das
obras, ela fazia centenas de biscoitos mineiros e, com eles, enchia grandes
potes, além de várias garrafas de café fresquinho. Feito isso, deixava a
porta da cozinha aberta e ia cuidar de outras coisas. Daí, os candangos,
gente que ela nem conhecia, já sabiam que podiam passar por ali, entrar na
cozinha, sentar à mesa e tomar um cafezinho com biscoitos depois de mais
um dia duro de trabalho. Com isso, minha sogra era conhecida na Cidade
Livre, como a “mãe” de todos.

E, segundo José Alonso Souto 6, candango e pioneiro, em entrevista


concedida para este trabalho, em 20/1/2016:

A Cidade Livre e Brasília representavam a conjunção das expectativas de


todos os brasileiros que para cá vieram em busca de trabalho e de melhores
condições de vida. Nós, os pioneiros da Cidade Livre, fomos os causadores
do progresso do Brasil. Fomos nós que unimos o Brasil pobre, do norte e do
nordeste, ao Brasil rico, do sul e do sudeste, aqui no Centro Oeste. Nós
ajudamos a construir um Brasil mais feliz. Quando cheguei a Brasília, me
senti muito melhor aqui do que quando cheguei a São Paulo, apesar de
Brasília ser, àquela época, apenas um grande canteiro de obras. Me senti
mais acolhido aqui do que pelas pessoas em São Paulo. Lá eu era o capiau
do interior, o homem do campo. Aqui, eu era mais um dos que apostavam
que Brasília se tornaria a capital que se tornou.

Além dos pioneiros brasileiros, havia também estrangeiros7. Ao saberem


sobre as obras da construção de Brasília e, vislumbrando as boas oportunidades
que a nova capital poderia lhes oferecer, também se transferiram para cá em busca
de trabalho, trazendo consigo importantes traços culturais relacionados,

6
José Alonso Souto, mineiro de Paracatu, veio de São Paulo para Brasília, em 1957, por
“curiosidade” e depois de trabalhar nas obras da cidade como candango passou a atuar como
escriturário em uma das empresas que conduziram as obras da cidade. Era responsável pelo
pagamento aos funcionários. Maratonista, representou Brasília na corrida de São Silvestre, em
1965.
7
Segundo SARDINHA (2014), 1.216 estrangeiros residiam em Brasília durante sua construção,
representando 2,1% do total, aparecendo os espanhóis em maior número, seguido dos italianos,
portugueses, japoneses e gregos.
46

principalmente, à música, à culinária e à religião, que até os dias atuais, em 2016,


enriquecem a miscigenação cultural que caracteriza Brasília. E, ainda na entrevista
concedida à pesquisadora, Cléria Botêlho da Costa (1953-), a imigrante de origem
árabe, Dona Solam Kozak, afirmou: “Brasília me ajudou a gostar do Brasil”. (COSTA
in BARROSO e COSTA, 2015).

1.4 A VIDA DOS PIONEIROS, EM 1960: CRÍTICAS E ELOGIOS A UMA CIDADE


DIFERENTE E DESAFIADORA

Segundo Ítalo Calvino (1990, p.22):

Cada pessoa constrói e reconstrói sua cidade criativamente pelo seu modo
de ver o mundo, de interesses específicos, pelos valores de sua cultura.
Desse modo, temos cidades imaginadas do ponto de vista do trabalho, do
lazer, da religião, das praias, etc., ou seja, múltiplas cidades imbricadas
numa mesma cidade formando um palimpsesto.

Após as festividades de inauguração, em 21 de abril de 1960, a cidade


passou a multiplicar-se, e seus espaços outrora tão vazios, cediam lugar às
chamadas superquadras. O barro vermelho, aos poucos, foi dando lugar ao asfalto e
começaram a se deslocar para cá com suas famílias, os funcionários públicos vindos
da antiga capital, no Rio de Janeiro, além de outros vários profissionais liberais que,
convidados ou não para se transferirem para Brasília, decidiram pela tentativa de
melhorar suas vidas e de suas famílias, a partir das novas possibilidades e
oportunidades existentes na recém-inaugurada capital. Assim, a cidade foi
emergindo e, simbolicamente, seus novos moradores renascendo para uma nova, e
não menos desafiadora vida, daquela levada pelos candangos, responsáveis
efetivamente pela construção da cidade, atuando diretamente nos canteiros de
obras e erguendo literalmente os prédios de Brasília, e dos demais pioneiros, que
vieram para trabalhar em funções administrativas na NOVACAP 8 ou em diversas
outras atividades ligadas ao comércio e à prestação de serviços de toda ordem
destinados à população que aqui se instalara, desde 1956. (COSTA in BARROSO e
COSTA, 2015).

8
A Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) foi criada através de lei, em 19 de
setembro de 1956, pelo então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira. A finalidade
única era gerenciar e coordenar a construção da nova Capital do Brasil.
47

O ex-colunista internacional do Correio Braziliense, Manuel Mendes 9 (1911 –


1982), em seu livro “Meu testemunho de Brasília” descreve as condições de trabalho
e moradia dos candangos e demais pioneiros de Brasília, explicando, também, a
diferença entre as denominações dadas aos cidadãos que, vindos de diferentes
regiões do Brasil, se transferiram para o imenso canteiro de obras, à época da
construção da nova capital. Mendes explica, claramente, quem eram os “candangos”
e quem eram os “pioneiros”. Segundo ele:

Os anos pioneiros da construção de Brasília guardam muitas histórias


curiosas e situações próprias da época e das circunstâncias criadas pelas
condições de trabalho e de vida. Nos acampamentos, por exemplo, existiam
duas classes de pessoas perfeitamente distintas: os candangos e os
doutores. Os candangos eram os operários, do servente ao mestre de
obras, em sua grande maioria, gente humilde que chamavam de doutores a
todos os que trabalhavam no escritório, fossem engenheiros ou simples
escriturários. A própria disciplina dos acampamentos concorria para essa
separação. Os funcionários tinham sua cantina, seu alojamento e até casas
para os casados, tudo construído com relativo conforto e esmero. O
candango andava de caminhão; o funcionário, de jipe. Os alojamentos dos
operários eram construídos de tábuas brutas e os quartos abrigavam de 6 a
8 pessoas, em cama beliche, com colchão de capim. Seu refeitório, um
galpão grande, aberto, com longas mesas rústicas. Mesmo assim, a
situação era aceita com naturalidade e muito respeito. (MENDES, 2006, p.
55),

Na medida em que as áreas residenciais de Brasília iam sendo concluídas, o


local de moradia dos novos migrantes, denominados como “os pioneiros”, ou seja,
os profissionais que desempenhavam funções técnicas e administrativas durante a
construção da cidade e após sua inauguração, tornaram-se as superquadras,
constituídas por conjuntos de edifícios residenciais organizados por números, onde
havia prédios sobre pilotis, com, no máximo, seis andares e chamados de “blocos”,
identificados por letras. Os blocos eram cercados por jardins arborizados, formando
um espaço de, aproximadamente, 280 x 280 metros, contrapondo-se ao conceito
dos conhecidos condomínios existentes em outras cidades, como área fechada e
privativa. (LYNCH, 1999)

Ali, as sombras das pequenas árvores já serviam de abrigo para jardins,


assim como a grama verde que neles crescia, conferia ao espaço público da
superquadra, a síntese do mais moderno fenômeno de idealização urbana até
àquela época. (COSTA in BARROSO e COSTA, 2015).
9
Manuel Mendes, jornalista pernambucano, nascido na cidade de Bom Jardim, transferiu-se para
Brasília, em 1957, onde atuou como freelancer para vários jornais brasileiros, acompanhando a
construção da nova capital e escrevendo artigos sobre o tema. Posteriormente, em 1964, tornou-se
responsável pela coluna “Correio Diplomático”, no jornal Correio Braziliense.
48

E, nela, segundo a pioneira entrevistada para este trabalho, Elza Nardelli 10:

Nas quadras, as crianças brincavam livres, podendo ser observadas por


seus pais das janelas de seus apartamentos. No interior das superquadras,
havia também escolas destinadas às crianças que ali viviam e, contíguas às
áreas residenciais, estavam as áreas comerciais com açougues, padarias,
mercearias e farmácias que serviam à comunidade que ali residia. As
quadras eram consideradas como lugares divertidos e abertos, onde as
crianças jogavam bola livremente e aproveitavam suas brincadeiras,
enquanto seus pais trabalhavam. Além disso, Brasília oferecia aos pais a
tranquilidade de saberem onde seus filhos adolescentes estavam, pois a
cidade era considerada muito calma e segura comparativamente ao Rio de
Janeiro, por exemplo. (Elza Nardelli, em entrevista concedida em
28/10/2015).

Também segundo Costa In Barroso e Costa (2015), na quadra, como em todo


o resto da cidade, não havia a delimitação por muros ou portões. As residências de
Brasília, no plano inicial de urbanismo elaborado por Lúcio Costa, eram contornadas
apenas por cercas vivas, o que concedia à cidade que nasceu e cresceu
acompanhando a vastidão do Planalto Central, uma aparente igualdade
socioespacial.

A partir dessa configuração absolutamente diferente de todas as demais


cidades brasileiras, muitos são os relatos sobre a maneira como os pioneiros e suas
famílias viam Brasília. Alguns a amavam e outros a odiavam. Dentre as impressões
dos entrevistados sobre o primeiro ano da cidade, estavam: “era muita poeira, muita
lama e não tinha praia”, ou “Brasília é uma cidade linda, mas já nasceu partida.” Este
relato, por exemplo, projeta uma imagem da nova capital do Brasil como a “cidade
partida” que havia excluído de seus limites, ou seja, de seu Plano Piloto, seus
próprios construtores, apesar de ter tido entre seus arquitetos, Oscar Niemeyer, um
declarado socialista. (COSTA in BARROSO e COSTA, 2015).

Por outro lado, muitos são os relatos de pioneiros que se transferiram para a
cidade, ainda durante a sua construção, ou logo após a sua inauguração, que a
descrevem como acolhedora e, sobretudo, como a grande possibilitadora de seus
sonhos e anseios por uma vida melhor e com boas oportunidades de crescimento
profissional e melhoria financeira. Portanto, Brasília, como toda e qualquer cidade,
suscitou sentimentos negativos e positivos a seu respeito, mas, faz-se muito
importante ressaltar que muitos foram os pioneiros que para cá vieram sozinhos ou

10
Esposa do médico ginecologista e pioneiro, Ítalo Nardelli, que se transferiu do Rio de Janeiro para
Brasília, com o marido e seis filhos, em dezembro 1960. Na nova capital teve seu o sétimo filho,
onde também nasceram e cresceram seus netos e, agora, bisnetos.
49

com suas famílias já constituídas, ainda na década de 50, ou em 1960, durante o


ano de inauguração da cidade, que aqui permanecem até os dias de hoje, em 2016,
tendo a cidade abrigado seus filhos, netos e até bisnetos.

E, reforçando o quanto muitos desses pioneiros, de fato, apostaram nas


possibilidades de crescimento profissional e financeiro que Brasília poderia oferecer,
segue o depoimento do advogado catarinense, Odilo Arlindo Philippi 11, 82 anos,
obtido em 7/1/2016, sobre sua decisão de se transferir para a nova capital, logo
após ter obtido o diploma de bacharel em Direito, em Florianópolis:

Cheguei a Brasília no dia 11 de janeiro de 1960, aos 27 anos, logo após me


formar em Direito. Desci no aeroporto, onde hoje é a Base Aérea que,
naquela época, possuía apenas um barraco de madeira. Ali era o porto de
chegada. Vim, porque acreditei no sonho de Dom Bosco. Não sabia muito
sobre Brasília, mas acreditei que seria, sim, um lugar de oportunidades para
quem desejava começar a vida e crescer. Além disso, em viagem à
Argentina, depois da minha formatura, fiquei impressionado com a
quantidade de divulgação que lá encontrei sobre a construção da nova
capital do Brasil. A construção desta cidade se tornou o maior veículo de
divulgação do nosso país, como nunca havia acontecido. Vim para trabalhar
como advogado e logo fui contratado por um escritório de advocacia, na
Segunda Avenida do Núcleo Bandeirante, próximo aos Correios. Em 17 de
dezembro de 1960, após me casar, trouxe minha esposa, Walda, que
morava em Tubarão, Santa Catarina. Passamos a morar em um único
cômodo ao lado do escritório onde eu trabalhava. O pai dela, inclusive,
disse que éramos loucos, malucos. Mas, mesmo assim, ela veio comigo.
Nós acreditamos que Brasília cresceria e se tornaria uma grande capital.
Um tempo depois, Walda se tornou professora em uma escola também no
Núcleo Bandeirante. Em seguida, nos mudamos para Taguatinga e ela
passou a ser professora lá. Naquela época, nós gostávamos de ir aos bailes
promovidos pelo Palace Hotel e pelo Hotel Nacional, pois, mesmo no meio
de tanta poeira, a cidade nos proporcionava momentos de diversão com os
amigos. Tinha gente que reclamava da cidade, e tinha gente que a adorava.
Foi um tempo bom. Apreendemos a gostar de Brasília e aqui ficamos.
Nossos filhos nasceram e se criaram aqui.

Também no prefácio do livro do ex-colunista internacional do Correio


Braziliense, Manuel Mendes (2006), “Meu testemunho de Brasília”, a escritora Dinah
Silveira de Queiroz (1911 – 1982), membro da Academia Brasileira de Letras e que
residiu por vários anos em Brasília na companhia do marido, o embaixador e
também escritor, Dário Castro Alves (1927 – 2010), introduz a obra de Mendes,
reverenciando a riqueza das experiências vividas pelos candangos e pelos
pioneiros, durante a construção da Capital. Em seu texto, diz:

11
Odilo Arlino Philippi, natural da cidade de Palhoça, Santa Catarina. Advogado formado em
Florianópolis, vive em Brasília com sua esposa, Walda Philippi, desde 1960. Aqui nasceram seus
três filhos e os netos.
50

Mas, vamos às experiências desta Brasília ainda na confusão de seus


acampamentos abertos a um Brasil novo que aqui se vinha estabelecer; aos
candangos, esses excepcionais operários brasileiros que levantaram uma
capital sem ter a experiência de trabalho e o fizeram com a dignidade e a
admiração que hoje o Brasil inteiro a eles dedica. A visão de Brasília
nascente se confunde com a de seu fundador, Juscelino. (QUEIROZ, apud
MENDES, 2006, p.13).

Ainda sobre as experiências vividas pelos chamados “pioneiros” e os


“candangos”, em meio às obras da cidade, Mendes (2006, p.125) cita:

Quero deixar aqui registrado o afeto especial que sinto pela SQS 208 e as
saudades daqueles anos iniciais nessa quadra pioneira na história da nova
capital. Com minha mulher e meu filho, fomos os primeiros moradores da
quadra, antes mesmo que a fundação de seu primeiro bloco de
apartamentos tivesse sido feita. Assisti à construção da minha casa de
madeira, dentro do galpão do almoxarifado, em 1957, até a sua derrubada,
em 1965,quando me transferi, com a família, para o bloco I, na mesma
quadra e quase ao lado do antigo galpão [...] Viver dentro de um canteiro de
obras com uma criança de 11 meses não era uma tarefa fácil, com riscos de
caminhões manobrando por todos os lados, carga e descarga de toneladas
de material, barulho de serras, betoneiras e motores acelerados e, em volta,
lama ou poeira. [...] Éramos, então, a única família a residir na SQS 208. Os
demais funcionários ocupavam casas no acampamento erguido na área
verde da SQS 207 e o alojamento dos operários ficava na SQS 206.

Uma vez inaugurada a cidade, o cotidiano e o modus vivendi nas quadras


residenciais de Brasília constitui um dos traços marcantes da cultura da cidade,
desde 1960. As peculiaridades comportamentais da população alocada nas
superquadras residenciais, seja em relação ao próprio espaço da quadra e seus
arredores, assim como a construção das relações de amizade, tornaram-se tema de
estudos desenvolvidos nas áreas da arquitetura, da sociologia e da psicologia, como
os intitulados “Urbanidade nas superquadras de Brasília” 12, “Os blocos de
superquadra: um tipo da modernidade”13 e “A síndrome de Brasília – cidade para
pessoas” 14, por exemplo. Tais estudos abordam como a disposição dos blocos
dentro das quadras residenciais e o próprio planejamento urbanístico das quadras
desenhavam, e desenham até os dias atuais, uma dinâmica de relações muito
diferente entre os vizinhos residentes no mesmo prédio, ou na mesma quadra, ou
nas quadras adjacentes. Tanto, que a relação de pertencimento aos espaços de
cada quadra, passou a ser utilizado pelo brasiliense para sua própria identificação
nos grupos aos quais pertenciam nas escolas, nos clubes, nas igrejas, ou nos

12
Artigo de autoria de Manuela Souza Ribeiro e Frederico de Holanda.
13
Artigo publicado na revista MDC Arquitetura e urbanismo. Autoria de Carlos Henrique Magalhães.
14
Texto publicado no blog “Planeta Sustentável”, em 29/02/2012. Autora: Natália Garcia.
51

lugares de lazer. Ou seja, tornaram-se comuns as frases: “sabe o fulano(a) de tal, lá


na 304 sul?”, ou “meu nome é fulano de tal, e moro na 115 norte.”

E, ilustrando essa relação de pertencimento e afetividade dos moradores das


quadras residenciais, ainda em 1960, o farmacêutico, Manoel Carvalho evocou uma
paródia de um canto infantil do cancioneiro popular, sobre a sua infância, na quadra
107 sul, que representa não somente a nostalgia de um tempo feliz na infância, que
se foi, mas, expressa, sobretudo, a sensibilidade quanto ao companheirismo dos
amigos, as brincadeiras coletivas no espaço público da quadra e, sem dúvida, o
amor pela cidade onde nasceu e cresceu.

“Se essa quadra, se essa quadra fosse minha, meu desejo era o tempo não
passar. Só para ver meus amigos lá na quadra, nunca mais, nunca mais se afastar.”
(CARVALHO apud COSTA in BARROSO e COSTA, 2015).

Segundo Kuyumijian e Mello (2008) In Barroso e Costa (2015), as


peculiaridades de Brasília, cidade moderna e conhecida como espaço do poder,
sugeriram e ainda sugerem, a construção da sua percepção como uma cidade
planejada, construída em tempo recorde e nascida com a missão de “representar o
país para si mesmo”, conforme exposto em documento da Seplan 15. Texto este que
alude à cidade como um marco nacional permanente, comparável ao Hino Nacional
ou à Bandeira do Brasil, sendo os cidadãos brasilienses “os moradores do símbolo”.

São esses cidadãos que construíram não somente a cidade fisicamente,


dando formas ao concreto de seus prédios, mas passaram a construí-la, sobretudo,
culturalmente, fazendo pulsar o cotidiano da cidade por meio das inúmeras
atividades que começaram a desenvolver aqui, com suas famílias, vizinhos e
colegas de trabalho. Atividades essas voltadas tanto para a cultura, quanto para o
entretenimento e lazer. E, desde a data de sua fundação, os pioneiros passaram a
contar com o apoio, divulgação e valorização de todas essas manifestações, por
meio das matérias e fotos publicadas pelo jornal Correio Braziliense.

15
Secretaria de Estado de Planejamento do Distrito Federal – GDF, 1978, v. 1, pp.10-11.
52

1.5 ELEMENTOS QUE CONSTITUEM A ORIGEM DAS ATIVIDADES CULTURAIS


EM BRASÍLIA

Novamente, segundo Kuyumijian e Mello (2008) In Barroso e Costa (2015), a


história cultural reconhece a experiência cotidiana como acontecimento histórico e
com sua vocação interdisciplinar, oferece diferentes leituras possíveis de um mesmo
acontecimento, externando sentidos vários que os seres humanos atribuem ao que
fazem. E, ainda de acordo com Brito (2008, p.33): “As representações constroem
sentidos para a realidade e, por sua natureza social, são sempre plurais, muitas
vezes contraditórias, representativas dos interesses dos grupos de lutam para dar à
realidade o sentido resultante de sua leitura do mundo social.”

Assim sendo, complementando as reflexões sobre o conceito de cultura já


expostas na introdução deste trabalho, recorre-se a mais uma definição do conceito
de cultura, agora oferecida por Pesavento (2004, p. 15):

A cultura é ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se


faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às
palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais, se apresentam de forma
cifrada. Portanto, já é um significado e uma apreciação valorativa.

A construção da cultura de Brasília, nessa concepção, não pode ser


entendida como a implantação de uma simples repartição pública. A capital
estrategicamente interiorizada e moderna, idealizada por Dom Bosco, José
Bonifácio, Juscelino Kubistchek de Oliveira, Lúcio Costa, Israel Pinheiro, Bernardo
Sayão, Oscar Niemeyer e por todos os candangos e pioneiros que a tornaram
realidade, seja trabalhando nas obras que a ergueram, seja atuando como
profissionais especializados em funções técnicas e administrativas tornou-se,
efetivamente, o novo lar de todos esses trabalhadores que não aceitaram a sua
retirada da região. Para cá vieram e aqui decidiram fincar suas raízes juntamente
com suas famílias, humanizando, dia a dia, a cidade planejada e por eles erguida, a
partir do concreto cinza e dos arrojados projetos arquitetônicos que a transformaram
em um marco da arquitetura e urbanismo modernos, detentora da maior área
tombada inscrita pela UNESCO na lista de bens do Patrimônio Mundial, em 7 de
dezembro de 1987, sendo o único bem contemporâneo a merecer essa distinção,
com a maior área tombada do mundo – 112,25 km².
53

Contrariamente à ideia de deixar Brasília e regressar às suas regiões de


origem, os pioneiros criaram movimentos pró-fixação e urbanização das localidades
que passaram a habitar. Posto isso, ficou claro o engano cometido pelo poder, ao
acreditar que Brasília comportaria apenas funcionários públicos, como também o de
desconsiderar que grupos oriundos dos malsucedidos projetos de industrialização do
País, também recorreriam a Brasília em busca de melhores condições de vida e de
trabalho. (KUYUMIJIAN e MELLO, 2008 in BARROSO e COSTA, 2015).

No entanto, para acolher todos os trabalhadores que para cá se deslocaram,


desde a sua inauguração, Brasília anunciou uma característica segregacionista em
sua distribuição espacial, compreendida pelos estudiosos Pedro Andrade (2008) e
Aldo Paviani (2010). Segundo Andrade (2008), o Plano Piloto foi destinado ao
funcionalismo público e à classe média, enquanto as cidades-satélites passaram a
existir em razão do grande fluxo migratório para Brasília. Ou seja, foram cidades
construídas como espaços para a população que se encontrava à margem do
planejamento urbano concebido para a cidade. O centro de Brasília, por sua vez,
estruturado e planejado, afasta-se das satélites, não idealizadas e, neste sentido,
consideradas desorganizadas.

Quando indagado, em entrevista, sobre a construção das cidades-satélites,


Lúcio Costa (1957, p. 5), afirmou:

Ao contrário do que andaram dizendo, os operários que construíram Brasília


não foram abandonados. Eles se transformaram, da noite para o dia, em
proprietários, em detrimento de Brasília, que teve muita despesa para levar
estradas de acesso, luz e todas essas facilidades para cada um daqueles
núcleos. Esses operários instalaram-se e cresceram porque não tinham
nenhuma restrição, ao contrário dos residentes de Brasília, que tinham que
obedecer a uma série de critérios para manter a unidade da cidade. Nessas
cidades-satélites não havia nada disso e, por isso, de lá surgiram
milionários, gente que enriqueceu muito. As favelas que foram surgindo
eram formadas por gente nova, que vinha atraída por aquela miragem da
capital. Talvez não fosse uma solução civilizada em termos europeus, mas
uma solução que deu certo. Essa gente mora lá e, dentro de seus limites, é
feliz.

Embora preconceituosa, desastroza e infeliz, a última frase que compõe a


declaração de Lúcio Costa (1957, p. 5) representa o pensamento tacanho,
segregacionista e retrógrado, ainda adotado por políticos da atualidade, quanto à
alocação estratégica das populações carentes em áreas distantes dos grandes
centros urbanos.
54

1.6 A IMPLANTAÇÃO DAS PRIMEIRAS CIDADES-SATÉLITES: TAGUATINGA,


SOBRADINHO E GAMA

Conforme Ribeiro (2008, p.242):

Desde junho de 1958, o território da construção de Brasília havia recebido


uma leva enorme de retirantes nordestinos que se instalaram ao lado da
Cidade livre, no lado direito da estrada Brasília- Goiânia. E, com a intenção
de atenuar a provável repressão que sofreriam, denominaram essa nova
grande “invasão” de Vila Sarah Kubitschek. Para lá foi também uma grande
quantidade de pessoas que se encontrava à espera de uma residência.

Também sobre a constituição da Vila Sarah Kubitschek, Ernesto Silva 16,


diretor da NOVACAP, à época da construção de Brasília, relata:

A cada dia, novas levas de trabalhadores aqui desembarcavam. A


construção de acampamentos de madeira não podia mais atender à
demanda. Passou, então, essa multidão a se alojar em torno dos
acampamentos, ao longo da avenida W3 e nas imediações do Núcleo
Bandeirante. Era um sábado, Juscelino estava em Brasília e fora convidado
a jantar no restaurante JK, na Cidade Livre. Ao cair da tarde, soubemos que
uma grande massa popular, que estimamos em torno de 4 mil pessoas,
empunhavam cartazes com as frases “Queremos ficar onde estamos”, “Viva
o Presidente Juscelino” e “Fundamos a Vila Sarah Kubitschek”, se postava
a frente do restaurante, onde, às 20 horas, jantaria o presidente. A
excitação era enorme. Israel Pinheiro nos pediu que fôssemos ao local.
Estivemos lá. Ambiente de expectativa, de exaltação. Subimos em um
caixote de madeira e dirigimos a palavra aos manifestantes. Dissemos-lhes
que a Novacap já providenciara a criação de uma cidade satélite, a 25
quilômetros do Plano Piloto, e que, nesse local, cada trabalhador teria seu
próprio lote e poderia adquiri-lo por preço acessível, a longo prazo.
Combinamos com a comissão de representantes da já batizada Vila sara
Kubitschek, uma reunião para o dia seguinte, quando mostraríamos a planta
da nova cidade planejada e estudaríamos o modo pelo qual seria feita a
mudança. (SILVA, 1971, p. 230-231)

E, da Vila Sarah Kubitscheck, surgiu Taguatinga, fundada em 5 de junho de


1958. As forças sociais que se encontravam no território da construção de Brasília
fizeram ruir o projeto inicial de Lúcio Costa que previa a construção de cidades-
satélites apenas quando o Plano Piloto estivesse completo, com uma população de
500 mil habitantes. A partir desse momento, estabeleceu-se a ausência do
operariado da área do Plano Piloto. Mais tarde, passariam a surgir outras cidades-

16
Ernesto Silva, médico pediatra, era chamado de o "Pioneiro do Antes", pois foi um dos primeiros
homens a vir para o Planalto Central, antes mesmo de Juscelino Kubitschek. Ao lado do Marechal
José Pessoa, participou da Comissão de Localização da Nova Capital Federal, entre 1954 e 1956,
e presidiu a Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal. Naquela
época, carregava na bagagem o desejo de ver surgir a tão sonhada Brasília. Desde então, dedicou-
se inteiramente à cidade e viveu até o fim de sua vida no solo que ajudou a desbravar.
55

satélites, como Sobradinho e Gama, ambas resultantes de processos semelhantes


de retiradas de acampamentos ou das chamadas “invasões”. (RIBEIRO, 2008)

Ainda sobre a implantação de Taguatinga, o pioneiro Wílon Wander Lopes 17,


cita mais um depoimento de Ernesto Silva, em seu livro “Cidade Cidadã – A
cidadania do Distrito Federal começou em Taguatinga”:

A desobediência civil dos candangos pioneiros resultou na implantação de


Taguatinga contra a vontade dos governantes. [...] Em dez dias, foram
alojadas cerca de quatro mil pessoas em Taguatinga: desmontamos
barracões, transferimo-los, reconstruímo-los, transportamos móveis,
utensílios, homens, mulheres, crianças. Construímos quase mil fossas, uma
para cada terreno. Demarcamos todos os lotes de modo que cada qual
ocupasse o seu. Instalamos rede provisória de água, sabe Deus como.
Instituímos o transporte diário dos trabalhadores em caminhões da
NOVACAP e das empresas construtoras. Asseguramos o mínimo de
assistência médica. (SILVA apud LOPES, 2015, p.30.).

E, além dos estudos realizados pelas áreas já citadas anteriormente, de


acordo com Machado (2001), Brasília também é objeto de pesquisas que enfatizam,
principalmente, o aspecto peculiar de cidade planejada, sua configuração urbana e
os monumentos modernos que a consagraram como patrimônio da humanidade. E,
ainda segundo Machado (2001), o patrimônio é também expressão de cultura e da
construção de identidades sociais, assim como o cotidiano, o modo de vida de seus
habitantes e suas manifestações culturais ao longo de sua história.

E, tendo sido formada pela multiplicidade de identidades sociais e a


coexistência de múltiplas memórias também sociais, de memórias alternativas –
familiares, locais, regionais e nacionais, de classes sociais e diferentes identidades
culturais – a origem da cultura de Brasília nos coloca diante dos diversos usos que a
recordação pode assumir vários grupos sociais e que podem ter pontos distintos
quanto ao que se considera significativo ou “digno” de ser lembrado, esquecido, ou
contabilizado como mais uma memória cultural. Afinal, a memória é um elemento
importante para o sentimento de continuidade de uma pessoa ou de um grupo
social, possibilitando a percepção da reconstrução de identidades culturais, assim
como a compreensão da história local. (MACHADO, 2001)

Pollak (1992, p. 5), enfatiza que existe uma ligação estreita entre a memória e
o sentimento de identidade: “A memória é um elemento constituinte do sentimento

17
Wílon Wander Lopes, advogado, jornalista e escritor, mudou-se para Brasília no final de 1959, com
seus pais e irmãos. Morou até 1960 na Cidade Livre, onde lançou o primeiro jornal estudantil de
Brasília. No final de 1960, mudou-se para Taguatinga, onde fundou o jornal “Satélite”.
56

de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que é um fator


extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma
pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si".

E, dentre os inúmeros relatos existentes sobre a vida em Brasília, está o do


escritor Clemente Luz, que fala sobre a história da cidade desde o período da sua
criação. Sendo cronista exemplar, nada se perdeu no seu olhar minucioso sobre a
nova capital. Clemente foi transferido para Brasília ainda em 1958, como redator da
Rádio Nacional e correspondente da Agência Nacional. Segundo ele, no dia da
inauguração da cidade, em 21 de abril de 1960, já possuía crônicas que retratavam
os vários ângulos dos canteiros de obras: o trabalho árduo do candango, o ritmo das
máquinas possantes, o entusiasmo, os costumes, o tédio, o lazer, a vida dos
pioneiros na cidade que nascia. Sobre esse período, escreveu o livro “Invenção da
Cidade”, editado em 1968 e que recebeu elogios de JK. (MACHADO, 2001)

A imagem da cidade em formação pode ser encontrada não apenas em


crônicas, como nos demais gêneros literários, a partir das antologias feitas desde o
início da capital, revelando como a cidade vem sendo retratada, assim como o
imaginário social construído ao longo da sua história. E, dentre as obras assinaladas
pela sua representatividade na literatura sobre a história e identidade cultural de
Brasília, estão “Diário de um candango”, de José Marques da Silva, publicado em
1963 e “O ventre da Baleia”, de Esdras de Nascimento (1934 – 2015). (MACHADO,
2001)

Assim como Clemente, José Marques da Silva e Esdras do Nascimento, os


jornalistas que vieram para Brasília para atuar no Correio Braziliense foram imbuídos
por Chateaubriand de sua mais importante função, que seria a de retratar e noticiar
o pulsar da vida social, cultural e política em Brasília, logo no primeiro ano de sua
existência como a nova capital do Brasil. Dentre eles, estão Ary Cunha, responsável
pela coluna “Visto, lido e ouvido”, Talita Aparecida de Abreu, a Katucha, que
assinava a coluna “Sociais de Brasília” e José Araújo, autor da coluna “Ronda
Diária”. E, além dessas colunas mais específicas, desde as suas primeiras edições,
o Correio Braziliense procurou anunciar e cobrir os eventos culturais promovidos
pelos pioneiros assim como noticiar as implementações estruturais que eram
gradativamente feitas à cidade, e que a tornavam mais habitável e mais acolhedora,
conforme análise do conteúdo do jornal apresentada no Capítulo três deste trabalho.
57

Atualmente, 56 anos após a sua inauguração, Brasília está consolidada como


uma cidade que já possui sua própria história para contar pelo cruzamento de
múltiplos olhares e significações. Embora suas características retratadas, no período
inicial após a sua inauguração, tenham sido modificadas em função das inúmeras
transformações ocorridas ao longo de mais de cinco décadas, a cidade apresenta
uma organização espacial e cultural resultante da multiculturalidade de seus
habitantes oriundos de várias regiões do país e do exterior. Portanto, a nova capital
do Brasil tornou-se uma metrópole completamente diferente daquela descrita
durante os anos de sua construção e primeiro ano de existência como cidade
inaugurada. (MACHADO, 2001)
58

2 ORIGENS, RESSURGIMENTO E A ESTRUTURAÇÃO DO CORREIO


BRAZILIENSE EM BRASÍLIA

2.1 AS ORIGENS DO CORREIO BRAZILIENSE – DE HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA


A CHATEAUBRIAND

Em Brasília, a história do jornal Correio Braziliense se confunde com a da


cidade, uma vez que ambos passaram a existir oficialmente no dia 21 de abril de
1960, quando a nova capital do Brasil foi inaugurada, e a primeira edição do jornal
circulou entre os candangos, pioneiros e visitantes que vieram conhecer a cidade e
participar das festividades de sua inauguração, como fez o então advogado e
jornalista, João Nascimento Godoy, que, conforme citado anteriormente, fez parte de
uma comitiva formada na cidade de Araguari, no Triângulo Mineiro, que veio
prestigiar a tão esperada inauguração da nova Capital do Brasil.

2.1.1 A saga de Hipólito José da Costa – o primeiro jornalista do Brasil,


fundador do Correio Braziliense.

Faz-se muito importante ressaltar neste trabalho, que o Correio Braziliense


não teve sua origem em Brasília. O jornal, na verdade, já possuía sua própria
trajetória que teve início em 1808, em Londres, na Inglaterra, fundado pelo colonial
exilado, Hipólito José da Costa.

Em 1808, ou seja, 152 anos antes da inauguração de Brasília, outra revolução


importante acontecia em função da chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil,
abrindo seus portos às nações amigas, concedendo, assim, alguma autonomia a
então colônia que seria depois elevada à condição de reino unido, para conquistar,
por fim, em 1822, contra a vontade da metrópole, a tão sonhada independência
política em relação a Portugal. (CARNEIRO, 1999).

A vinda da Família Real e as limitadas concessões que foi obrigada a fazer à


Colônia – inclusive para justificar sua presença aqui, não satisfizeram os dissidentes,
os inconformados e os membros da Internacional Liberalista que, desde o
Iluminismo e a Revolução Francesa, percorriam o mundo denunciando e ajudando a
subverter o absolutismo monárquico. Um desses liberais, maçom, nascido no Brasil,
59

mas exilado no exterior, combatia o colonialismo lusitano e precisava disseminar


suas ideias a partir da Inglaterra, em razão da total impossibilidade de fazê-lo no
Brasil, sua terra natal. Daí a razão pela qual nasceu em Londres, no dia 1 de junho
de 1808, a imprensa brasileira, a partir da publicação da primeira edição do jornal
que se chamaria Correio Braziliense, por obra e risco do colonial exilado Hipólito
José da Costa. A partir dessa data, passou a publicar sem descontinuidade, 175
edições do veículo pioneiro, deixando de fazê-lo em dezembro de 1822 por
considerar cumprida sua missão, por ocasião da proclamação da independência do
Brasil em setembro daquele mesmo ano, por Dom Pedro I (CARNEIRO, 1999).

À sua missão oficial em Londres, Hipólito José da Costa procurou ligar os


negócios particulares da Maçonaria 18 e conseguir a proteção da Maçonaria Inglesa
para as lojas portuguesas. Desejavam os maçons portugueses, filiados às lojas
“Amor” e “Razão”, ”Virtude”, “Concórdia” e “União”, praticar ritos valendo-se da
bandeira inglesa, obtendo, dessa forma, a proteção da Inglaterra. Como maçom,
ligou-se, então, ao revolucionário e também maçom, Domingos José Martins (1781 –
1817) que, por sua vez, era um homem dotado de grande capacidade de resolução
e que se destacou na Revolução Pernambucana 19, ocorrida em 1817, emergindo de
maneira brilhante e singular. (CASTRO, 1985 e BAHIENSE, 1974 in Humanidades,
2015).

18
Maçonaria é uma sociedade discreta e universal, onde suas ações são reservadas e interessa
apenas àqueles que dela participam. Seus membros cultivam o aclassismo, humanidade, os
princípios da liberdade, democracia, igualdade, fraternidade e aperfeiçoamento intelectual. A
maçonaria é, portanto, uma sociedade fraternal que admite todo homem livre e de bons costumes,
sem distinção de raça ou religião, ideário político ou posição social. Suas principais exigências são
que o candidato acredite em um princípio criador, tenha boa índole, respeite a família, possua um
espírito filantrópico e o firme propósito de ir sempre em busca da perfeição, aniquilando seus vícios
e trabalhando para a constante evolução de suas virtudes. Os maçons estruturam-se e reúnem-se
em células autônomas, designadas por oficinas, ateliers ou, como são mais conhecidas e
designadas, as lojas.
19
A chegada da Família Real Portuguesa, em 1808, estabeleceu uma série de transformações por
meio das quais os comerciantes portugueses foram beneficiados com regalias que ampliavam os
lucros da chamada “nobreza da terra”. Tais medidas chegaram à região de Pernambuco no
momento em que os produtores sofriam com a flutuação do açúcar e do algodão no mercado
internacional. Mediante essa questão econômica, grande parte da população tinha muita dificuldade
para pagar os impostos estabelecidos pela Coroa Portuguesa. Isso tudo ocorria em um tempo no
qual os ideais de liberdade e igualdade do iluminismo rondavam alguns quadros da elite intelectual
da época. Nesse contexto, os proprietários de terra e outros brancos livres pobres organizaram o
movimento que eclodiu em março de 1817. Após derrotarem as tropas de Portugal, os revoltosos
formaram um governo provisório e difundiriam o movimento em outras capitanias do Brasil e
algumas nações europeias.
60

Filho de Félix da Costa Furtado de Mendonça, um oficial de Intendência,


Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça nasceu em 25 de março de
1774, na Colônia de Sacramento, hoje território do Uruguai, na então fronteira
brasileira com o Rio da Prata, quando essa região pertencia à Coroa Portuguesa.
Seus estudos secundários foram realizados em Porto Alegre e no Rio de Janeiro,
passando depois a Coimbra, em Portugal, onde se doutorou em Direito e Filosofia,
em 1798. Dotado de inteligência brilhante, Hipólito foi logo mobilizado pelo Ministro
de Estado, Dom Rodrigo de Souza Linhares (1755 – 1812), para estudar nos
Estados Unidos as culturas do fumo, do cânhamo, do algodão, entre outras, pois o
objetivo do governo era utilizá-lo como quadro de elite na Colônia Brasileira, que
também aproveitaria seus conhecimentos para a preparação de pastagens,
construção de pontes, moinhos, máquinas hidráulicas, pesca de baleia e preparação
de peixe salgado, sendo seu estágio de dois anos na América do Norte igualmente
proveitoso para o Conde de Linhares, que também lhe encomendou estudos
políticos e administrativos (CARNEIRO, 1999).

Todas essas especializações adquiridas por Hipólito, no entanto, não foram


aproveitadas em sua pátria de origem, o Uruguai. Sua experiência acadêmica e
passagem pelos Estados Unidos, a então livre Nação americana, foram
fundamentais para reforçar sua opção pela Franco-Maçonaria, 20 cuja adesão era
muito comum entre os jovens de sua época. Porém, desde sua passagem por
Coimbra e por todos os demais locais, o jovem Hipólito sempre esteve a serviço da
defesa da autonomia não só do Uruguai e do Brasil, mas de todos os demais países
vizinhos colonizados. Causa essa que o levou a filiar-se, durante sua primeira
estada em Londres, na Inglaterra, à Grande Loja Maçônica dos Lautaros, fundada
pelo também revolucionário latino-americano, Francisco Miranda (1750 – 1816), e

20
A Franco-Maçonaria é a sociedade maçônica estabelecida na França. Em um primeiro momento, a invenção
foi transplantada pelos ingleses que haviam se exilado, os Jacobitas e, sendo uma corte completa, exigiu outra
formatação da invenção, que acomodasse os diferentes níveis de “aristocracia” e que satisfizessem os egos
dos nobres escoceses. Modificaram a formatação para o que conhecemos como Rito Escocês. O Craft, como
se chama a franco-maçonaria no mundo saxão, passou a ser um instrumento da expansão imperial da
Inglaterra, onde os aventureiros ingleses encontravam suporte fora da Inglaterra e também cooptavam as
lideranças locais no interesse da Coroa. Com a eclosão da Revolução Francesa, que alguns franco-maçons
atribuem à franco-maçonaria quando, pelo contrário, as lojas francesas eram extremamente conservadoras,
como são normalmente as lojas até hoje. Ainda que alguns revolucionários fossem franco-maçons, a franco
maçonaria francesa absorveu os ideais revolucionários, recuperou a formatação original de 1717 e se
transformou em um forte elemento constituinte da vida social e política francesas. Este momento foi um divisor
de águas. De um lado ficou a franco-maçonaria francesa, viva, influente, relevante, progressista, envolvida
com as lutas sociais, os anseios libertários que herdou do ideário da Revolução Francesa. Do outro lado, ficou
o Craft e seus sucedâneos, como uma instituição engessada e dedicada ao controle social, abrigo de
conservadores, retrógrada e considerada alienada pelos integrantes da Franco-Maçonaria.
61

que tinha como objetivos políticos a disseminação dos ideais libertadores nas
colônias latino-americanas dominadas pelos países europeus, atuando também
como grande articuladora no movimento em prol da independência do Brasil, por
meio dos patriotas José Bonifácio de Andrada e Silva (1763 – 1838) e Joaquim
Gonçalves Ledo (1781 – 1847) (CARNEIRO, 1999).

Ao retornar a Lisboa, Hipólito José da Costa foi nomeado pelo Conde de


Linhares para assumir a direção literária da Imprensa Real, em 1801. E, no
desempenho desse cargo, viajou novamente a Londres com a missão de adquirir
máquinas para a gráfica da Corte, assim como livros para a Biblioteca Real,
realizando, concomitantemente, importantes missões maçônicas e traduções de
livros ingleses. Em 1802 fez outra viagem a Londres e, quando quis voltar a Lisboa,
contra a vontade de seu benfeitor, que a essa altura já tomara conhecimento de
suas atividades ligadas à sociedade secreta detestada pelo reino português, foi
denunciado pelo próprio Linhares que, certamente temendo ser acusado de
favorecer um adversário da Corte, o fez sob o argumento de que Hipólito viajara sem
passaporte (CARNEIRO, 1999).

Durante seis meses, enquanto detido na prisão de Limoeiro, Hipólito foi


interrogado e negou-se a confessar sua participação nos movimentos
revolucionários promovidos pela Maçonaria – razão pela qual foi transferido para os
calabouços utilizados pelo movimento da Inquisição onde permaneceu por três anos,
quando, em 1805, conseguiu fugir atravessando para a Espanha e fixando-se em
Londres, onde ministrou aulas, atuou como tradutor, escreveu um capítulo sobre a
História de Portugal, uma gramática e cartas sobre as atividades da Maçonaria, além
de sua obra em dois volumes, intitulada “Narrativa da Perseguição” (CARNEIRO,
1999).

Mas, apesar de toda sua produção intelectual e literária, sua maior obra viria a
seguir, com o lançamento de um jornal que iria representar o marco inicial da
imprensa brasileira. Hipólito desejava editá-lo no Brasil, mas, sendo isto impossível
tendo em vista suas questões conflituosas junto ao governo de Portugal, decidiu
imprimi-lo em Londres “para poder, à sombra de sua sábia lei, dizer verdades, que é
necessário que se publiquem, para a confusão dos adversários e esclarecimento
dos vindouros...” (HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA, 1808 apud CARNEIRO, 1999, p.33).
62

Um exemplo claro da ditadura lusitana, que tolhia toda e qualquer


possibilidade de desenvolvimento da cultura e do acesso à informação na colônia
brasileira e, portanto, da necessidade iminente de que um jornal voltado às questões
verdadeiramente brasileiras deveria finalmente existir, foi o fato do intendente geral
da polícia da Corte joanina, no Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Viana (1758 –
1821), ter baixado um edital, a 30 de maio de 1809, determinando que todos os
avisos, anúncios e notícias de livros à venda, estrangeiros ou nacionais, só deveriam
ser publicados após a devida aprovação policial. (SODRÉ, 1999)

Assim sendo, apenas três meses após a chegada da Família Real Portuguesa
e da Corte Lusitana ao Brasil, fugitivas da invasão das tropas napoleônicas que
haviam tomado Lisboa, Hipólito José da Costa editava, na capital do Reino Unido,
no dia 1º de junho de 1808, publicou o primeiro número do jornal Correio Braziliense
ou “Armazém Literário”, como foi também denominado à época. Nessa primeira fase,
o jornal era publicado no formato de fascículos mensais, com cerca de 80 páginas.
Até 1822, quando foi extinta sua edição, o jornal havia produzido 175 fascículos. A
publicação foi proibida de circular no Brasil e em Portugal, devido aos artigos que
pregavam a liberdade de expressão e defendiam a independência do Brasil, além de
condenar a aristocracia parasitária do Reino e a exploração econômica de Portugal
em relação ao Brasil. E, em função dos artigos que criticavam a política do governo
português, a veiculação tornou-se ilegal, circulando de forma clandestina, mesmo no
Brasil, assim como em Portugal (MUSEU DA COMUNICAÇÃO / HIPÓLITO JOSÉ
DA COSTA, 2015).

Segundo o diplomata Mário Gibson Barbosa (1918-2007), “em suas colunas


Hipólito começou defendendo a autonomia do Brasil dentro da comunidade luso-
brasileira, evoluindo depois para a pregação da independência, chegando a criticar
veementemente o Tratado de Comércio de 1810, que considerou ato de
subserviência aos interesses britânicos.” (MÁRIO GIBSON BARBOSA, apud
CARNEIRO, 1999, p. 33).

E, na edição de outubro de 1808, Hipólito José da Costa, considerado o


primeiro jornalista brasileiro, explicou o sentido do seu trabalho, utilizando-se de
linguagem absolutamente libertária, uma vez que denomina os brasileiros da colônia
como “companheiros brazilienses”, quando a regra para os coloniais era serem
alcunhados de “portugueses”:
63

O mundo talvez se admire que eu vá enunciar como uma grande novidade


que se pretende estabelecer uma imprensa no Brasil, mas tal é o fato.
Começou o século XIX e ainda os pobres brazilienses não gozam dos
benefícios que a imprensa trouxe aos homens, nem ainda agora lhes seria
permitido esse bem, se o Governo, que lho o proibia, acossado na Europa,
não se visse obrigado a procurar asilo nas praias da Nova Luzitânia.
Devemos repetir agora, de que tarde, desgraçadamente tarde, mas enfim,
apareceram tipos no Brasil, e eu, de todo o meu coração, dou os parabéns
aos compatriotas brazilienses. Por hora nada mais digo, mas esta matéria é
de suma importância, para que eu deixe de tornar a falar sobre ela, logo que
tenha lugar. (HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA apud CARNEIRO, 1999, p. 34).

O programa editorial do Correio Braziliense consubstanciava ideias próprias


de Hipólito José da Costa, assim como outras inspiradas na Maçonaria, que, por sua
vez, eram: monarquia constitucional, liberdade de opinião, abolição da escravatura,
defesa da imigração, criação do júri popular, instituição da universidade, mudança
da capital para a região central do País e a independência do Brasil (CARNEIRO,
1999).

Muito embora alguns historiadores pretendam situar como órgão pioneiro da


imprensa brasileira o “Diário Oficial”, lançado pela Corte em 10 de setembro de
1808, sob o título de “Gazeta do Rio de Janeiro”, então dirigida pelo Frei José
Tibúrcio da Rocha (1776-1840), é igualmente relevante a afirmação de
pesquisadores de que o jornalismo, de fato, relativo ao Brasil e ao povo brasileiro, foi
feito pelo “Correio Braziliense” que, ainda sendo editado fora do País, na Inglaterra,
possuía todo o seu conteúdo e circulação destinados à então Colônia lusitana nas
Américas (CARNEIRO, 1999 e LARANJEIRAS, 2011).

A “Gazeta do Rio de Janeiro”, por sua vez, era inicialmente publicada apenas
aos sábados e, posteriormente, também às terças e quintas. Foi dirigida até 1812
pelo frei Tibúrcio José da Rocha, que foi então substituído pelo coronel Manuel
Ferreira de Araújo Guimarães e por Francisco Ferreira Goulart. A Gazeta tinha como
característica tratar muito pouco ou quase nada do Brasil, se atendo ao relato
insípido de fatos ocorridos na Europa, não possuindo variação de pauta, pois fora
criado para informar sobre fatos administrativos do reino e sobre a movimentação
social da Corte (OLIVEIRA in BRASILIANA/FIOCRUZ, 1997) – razão pela qual, a
proposta de Hipólito José da Costa por meio do “Correio Braziliense” tornara-se mais
reconhecida como sendo a verdadeira representação dos interesses do povo
brasileiro, tanto na colônia, como na Europa (CARNEIRO, 1999).
64

Segundo Nelson Werneck Sodré, a Gazeta do Rio de Janeiro era conhecida


como um jornal oficial, mas nada nele constituía atrativo para o público da colônia
brasileira, e tampouco era esse o objetivo dos que o haviam concebido, menos
ainda dos que o escreviam. Segundo o historiador inglês, John Armitage (1807–
1856), em uma análise sobre o jornal:

Por meio dela, só se informava ao público, com toda a fidelidade, o estado


de saúde de todos os príncipes da Europa e, de quando em quando, suas
páginas eram ilustradas com alguns documentos de ofício, notícias dos
dias natalícios, odes e panegíricos da família reinante. Não se manchavam
essas páginas com as efervescências da democracia, nem como a
exposição de agravos. A julgar-se o Brasil pelo seu único periódico, deveria
ser considerado um paraíso terrestre, onde nunca se tinha expressado um
só queixume. (SODRÉ, 1999, apud ARMITAGE, 1836, p. 20).

Esse suposto pioneirismo da Gazeta foi institucionalizado por mais de um


século, com o “Dia da Imprensa”, comemorado a 10 de setembro. No entanto, em
1999, graças ao projeto do Deputado Nelson Marchesan e sancionado pelo então
Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, o evento passou a ser
comemorado no dia 1º de junho, data que marca o lançamento do “Correio
Braziliense” em Londres, fundado e dirigido por um autêntico jornalista que
disseminava os ideais de autonomia junto ao povo brasileiro por meio da
comunicação que ensejou o primeiro acesso da então colônia portuguesa, à
liberdade de expressão. (CARNEIRO, 1999)

Segundo o jornalista e poeta, Ézio Pires (1927), que se transferiu para


Brasília, em 1960, como assessor de imprensa do Superior Tribunal Federal – STF,
o “Correio Braziliense” ou “Armazém Literário” foi o primeiro periódico nacional
publicado por um brasileiro e livre de censura. Era mais doutrinário que informativo,
“revelando a preocupação básica de um formador da opinião pública da época”. O
jornal possuía, logo em 1808, sessões dedicadas à política, ao comércio, às artes, à
literatura e às ciências, além de uma miscelânea recheada de polêmicas, bem como
outra coluna chamada “Reflexões”, e mais uma denominada “Correspondência”, que
hoje corresponderia à sessão chamada “Carta dos Leitores” (CARNEIRO, 1999).

Faz-se igualmente interessante citar que o próprio Hipólito admitia que o


jornal foi criado com o fim de “preparar o Brasil para as instituições liberais e
melhores costumes políticos”, mas, admitia, também, que “evidentemente, não foi
fundado para pregar a independência e, por este motivo, não a pregou”.
(SODRÉ,1999, apud DOURADO, 1957, p. 23)
65

Estruturalmente, o Correio Braziliense de Hipólito era uma brochura mensal


constituída por mais de cem páginas, geralmente em torno de 140 (cento e
quarenta). Possuía a capa na cor azul escuro e era considerado um jornal
doutrinário, muito mais que informativo, cujo preço era muito mais alto que as
demais publicações da época (SODRÉ, 1999).

Um detalhe curioso foi a escolha de Hipólito José da Costa pela utilização da


letra “Z” na palavra “Brasil”, como um artifício para diferenciar os leitores aos quais
se dirigia, que eram os nascidos na Colônia, dos portugueses da metrópole que
utilizavam da grafia com “S”, além de ser a grafia com “Z” a utilizada pelos ingleses
para denominarem o Brasil na Inglaterra.

A história de Hipólito José da Costa ainda seria marcada por inúmeros fatos
inéditos citados pela historiadora, geógrafa, escritora e pesquisadora brasileira,
Therezinha de Castro (1930 – 2000), tais como uma nova perseguição a ele movida
pelo antigo protetor e depois feroz amigo, o onipresente Conde de Linhares, então
residente no Rio de Janeiro que, em aviso datado de 27 de março de 1809, proibiu a
circulação do Correio Braziliense no Brasil. Segundo Therezinha, constava do aviso,
“que a referida publicação, vinda de Londres, continha atrozes falsidades contra
várias pessoas e as maiores absurdidades sobre a economia política, constituindo,
assim, uma obra cheia de veneno e falsidade, e que podia iludir gente superficial e
ignorante, além de ser um verdadeiro libelo. “ (CARNEIRO, 1999, apud CASTRO,
1985. p. 35).

No entanto, a “gente ignorante” foi quem fez prosperar o jornalista que, no


segundo semestre de 1818, já pode dotar seu jornal de oficina própria e, o Governo
português não tendo condições de proibi-lo na fonte, subvencionou a publicação,
também em Londres, de uma revista intitulada “O Investigador Português ou Jornal
Literário”, de julho de 1811 a fevereiro de 1819, tendo como redator-chefe, José
Liberato Freire de Carvalho (1772 – 1855) e mais dois colaboradores, Vicente Pedro
Nolasco da Cunha (1775 – 1844) e Bernardo José de Abranches (1771 – 1833), que
recebiam pensão para escrever o veículo. A Corte tratou de estimular a leitura desse
órgão oficioso, para contrapor um noticiário oficial ao veiculado por Hipólito. O
Conde de Galvêas, em nome de Sua Majestade Real e o Príncipe Regente, mandou
uma circular aos governadores das capitanias da Bahia, Pernambuco, Rio Grande
do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Pará e Maranhão, recomendando-lhes procurar
66

leitores para o “Investigador Português”, “sem dar a perceber que recebiam ordens
para fazê-lo”. (CARNEIRO, 1999, p. 36)

Tal circular, que era um documento curioso e típico de política de estado,


depois de afirmar que o jornal era recebido “debaixo dos auspícios de Sua Alteza
Real, porque estimulava sentimentos de lealdade e patriotismo contra sinistras
ideias e insinuações que possam acreditar” (CARNEIRO, 1999, p. 36) recomenda a
cada governador ter cuidado “de promover nessa capitania o maior número possível
de subscritores, procurando indiretamente insinuar e persuadir a sua utilidade sem
parecer que o faz por positivas ordens que para isto teve” (CARNEIRO, 1999, p. 36).

Aos poucos, a corte brasileira reconhecia que Hipólito da Costa tinha ideias
semelhantes às de José Bonifácio sobre a época apropriada para a independência
brasileira. Hipólito temia que ela se desse prematuramente, pois “poderia vir a
esfacelar o Brazil” (CARNEIRO, 1999, p. 36). Defendia, assim, a unidade brasileira
e, de certo modo, preconizava a futura união dos povos da América Latina para uma
defesa comum contra a ingerência das potências europeias. Em um segundo
momento, já ligado à Maçonaria Azul, 21 o jornalista tornou-se contrário à ideia
republicana, apesar de ter intermediado a aquisição de armas para os líderes
separatistas da América Espanhola, como Francisco de Miranda (1750–1816) e
Simón Bolívar (1783–1830), que não aceitavam a permanência da monarquia nas
colônias espanholas (CARNEIRO, 1999).

E, mais uma vez segundo a historiadora, Therezinha de Castro, Hipólito José


da Costa se opôs às revoluções republicanas em 1817, em Portugal e em
Pernambuco, repudiando ainda mais a segunda, dado ao seu caráter separatista e
funesto à integridade do Brasil. Ainda segundo Therezinha, Hipólito, em vários de
seus artigos, chamou a atenção de Dom João VI para a “grandeza do Brasil uno e
indivisível”, comparando-o ao “divisionismo da América Espanhola”. Outra
importante bandeira levantada por Hipólito José da Costa era justamente a
transferência da capital do então mundo lusíada para o interior do Brasil, “em um

21
A maçonaria divide-se em dois ramos básicos: o rito azul ou escocês, e o rito vermelho ou francês.
Embora compartilhem conhecimentos esotéricos, divergem na fórmula de aplicá-los na prática. O
ramo azul prega a monarquia constitucional, segundo a fórmula de governo da Inglaterra, enquanto
o vermelho é republicano. Na sua origem, essa foi a cor escolhida pelos maçons que, no século
XVIII, criaram, na Inglaterra, a Grande Loja de Londres. Nesse tempo, havia apenas um rito
praticado e a cor que o identificava, a cor principalmente usada nos artefatos dos maçons, era o
azul.
67

ponto pouco mais ou menos de 15 graus, em sítio sadio, ameno, fértil e regado por
algum rio navegável, talvez nas cabeceiras do Rio São Francisco”. E, a partir de
1960, a capital brasileira, Brasília viria a ser localizada a 16 graus (CARNEIRO,
1999).

Quando o Correio Braziliense deixou de circular, em dezembro de 1822, por


ter alcançado o seu objetivo com a proclamação da independência do Brasil por
Dom Pedro I, no dia 7 de setembro daquele mesmo ano, o propósito da vida de
Hipólito José da Costa também se extinguiu. Tinha apenas 46 anos quando faleceu,
no dia 11 de setembro de 1823, sendo sepultado na Igreja de St. Mary the Virgin, na
cidade de Hurley, no Condado de Berskhire, onde seu sogro possuía uma
propriedade. Sua lápide possui uma inscrição simples, que o identifica como
“Encarregado de Negócios do Imperador do Brasil”, havendo também outra placa,
assinada pelo seu amigo e protetor, o Duque de Sussex, muito mais expressiva em
sua homenagem a Hipólito:

Dedicada à memória do Comendador Hipólito José da Costa, um homem


não menos distinto pelo vigor de seu intelecto e eficiência na literatura,
como na integridade de suas maneiras e caráter. Descendia de nobre
família do Brasil e, na Inglaterra, residiu nos últimos 18 anos, durante os
quais, por seus numerosos e valiosos escritos, difundiu entre os habitantes
daquele extenso império, o gosto pelos conhecimentos e a afeição às artes
que embelezam a vida, o amor à liberdade constitucional fundamentada na
obediência às leis salutares, bem como aos princípios de mútua
benevolência e de boa vontade. Um amigo, que conheceu e admirou suas
virtudes, assim as recorda para a posteridade. (CARNEIRO, 1999. p. 37)

Em 1957, sob inspiração da Anglo-Brazilian Society e, sendo Assis


Chateaubriand (1892 – 1968) embaixador do Brasil na Inglaterra, foi mandado
colocar no túmulo de Hipólito José da Costa, uma nova placa pela nossa
representação diplomática à época, contendo o seguinte texto: “Aqui jaz Hipólito
José da Costa – 1774/1823 – Patriota Brasileiro e Fundador da Imprensa Brasileira.
Por meio do Correio Braziliense, publicado de 1808 a 1822, teve participação
decisiva no processo da Independência do Brasil – In Memoriam – The Anglo-
Brazilian Society.” (CARNEIRO, 1999).

A participação de Chateaubriand não se restringiria a apenas essa passagem


na história de Hipólito José da Costa e do Correio Braziliense. Ao saber que o então
Presidente da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira planejava inaugurar
Brasília a 21 de abril de 1960, o fundador dos Diários Associados prometeu, ainda
em 1956, que a nova capital do Brasil contaria com um jornal daquela organização a
68

partir da transferência da capital. E, tomada essa decisão, o passo seguinte foi


pensar em qual seria o título do jornal, inicialmente imaginado com um nome
convencional, como “Diário de Brasília”, até que um veterano companheiro
associado, chamado Francisco Martins de Oliveira, sugeriu o nome definitivo que
seria “Correio Braziliense”, com o intuito de se dar continuidade ao passado do jornal
(CARNEIRO, 1999).

Mesmo estando o título do primeiro jornal da nova capital da República em


domínio público, Assis Chateaubriand, antes de providenciar seu registro em nome
dos Diários Associados, procurou a família de Hipólito da Costa na Inglaterra,
trazendo seus descendentes ao Brasil, para obter sua anuência quanto ao
ressurgimento do jornal extinto em 1822, assim como vinculá-los à campanha já
então constituída em prol da interiorização da capital que seu antepassado
defendera ainda no início do século XIX e que agora se tornava realidade por meio
do Presidente Juscelino Kubitschek. (CARNEIRO, 1999)

E, assim, o “Correio Braziliense” renasceu em 21 de abril de 1960, resgatando


do esquecimento o título e a legenda de Hipólito José da Costa em favor do Brasil,
colocando-o sob a bandeira dos “Diários Associados” e tornando-se o veículo de
comunicação impresso mais influente da Capital da República. (CARNEIRO, 1999)

O ressurgimento do jornal em Brasília, logo na data de sua inauguração,


consolidou também a semelhança entre os pensamentos de Hipólito José da Costa
e Assis Chateaubriand, pois ambos desejavam a manutenção da integridade do
Brasil e a preservação de sua unidade, opondo-se a qualquer ideia separatista.
Ambos defendiam, ainda que em séculos diferentes, a liberdade de imprensa
mediante a ampla circulação de jornais e periódicos nacionais e estrangeiros que,
segundo Hipólito, “constituíam, à medida que os olhamos como base da evolução do
caráter nacional, o sentido formador da opinião da atividade do jornalista.”
(CARNEIRO, 1999. p. 38).

Hipólito José da Costa foi também o primeiro jornalista a exercer influência na


formação da mentalidade de Assis Chateaubriand, que, já no século XIX, procuraria
aplicar o que escreveu o fundador do “Correio Braziliense”, no editorial de
apresentação do jornal, então publicado em Londres:
69

O primeiro dever do homem em sociedade é ser útil aos membros dela; e


cada indivíduo deve, segundo suas forças físicas e morais, administrar, em
benefício da mesma, os conhecimentos ou talentos que a natureza, a arte
ou a educação lhe prestou. O indivíduo que abrange o bem geral de uma
sociedade vem a ser o membro mais distinto dela: as luzes que ele espalha
tiram das trevas ou da ilusão aqueles que a ignorância precipitou no
labirinto da apatia, da inépcia e do engano. Ninguém mais útil, pois, do que
aquele que se destina a mostrar, com evidência, os acontecimentos do
presente e aclarar as sombras do futuro. Tal tem sido o trabalho dos
redatores das folhas públicas, quando estes, munidos de uma crítica sã e
de uma censura adequada, representam os fatos do momento, as reflexões
sobre o passado e as sólidas conjecturas sobre o futuro. (HIPÓLITO JOSÉ
DA COSTA, 1808 apud CARNEIRO, 1999, p. 38)

2.1.2 A “Era Chateaubriand” e o ressurgimento do Correio Braziliense na nova


capital do Brasil, 137 anos depois

Até a data em que o Correio Braziliense ressurgiu juntamente com o


estabelecimento da nova capital do Brasil, no dia 21 de abril de 1960, o forte desejo
de que a cidade prosperasse e a articulação política de um homem então
considerado tão visionário quanto era o presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira,
foram imprescindíveis para que Brasília recebesse, logo às primeiras horas do dia
de sua inauguração, a primeira edição do jornal que se tornaria o principal veículo
impresso da cidade e um importante disseminador da cultura e do desenvolvimento
da sociedade que nela se organizaria ao longo do ano de 1960. Esse homem
chamava-se Francisco de Assis Chateaubriand de Mello, mais popularmente
conhecido como Assis Chateaubriand, como assinava seus artigos, ou Chatô, para
os de convívio mais próximo.

Segundo Adirson Vasconcelos em seu livro “Chatô e seu tempo”, quando se


escrever a história do Século XX, no Brasil, principalmente sobre o período difícil de
sua consolidação como nação livre, sempre terá registro especial e destacado o
nome de Assis Chateaubriand. Além de jornalista, professor, empresário, intelectual,
animador cultural, político, diplomata e divulgador apaixonado do Brasil,
Chateaubriand era, também, líder de muitas campanhas nacionalistas
(VASCONCELOS, 2011).

Natural de Umbuzeiro, na Paraíba, filho de Francisco José e Maria Carmem,


trazia Chateaubriand no nome em razão de uma extravagância cultural, em meio ao
agreste, de seu avô paterno, José Bandeira de Mello. Plantador de algodão, o avô
batizara uma escola recém-comprada em São João do Cariri, também na Paraíba,
70

com o nome do poeta e pensador que admirava – Colégio François René


Chateaubriand e, na vulnerabilidade e simplicidade dos cartórios daquela região, o
nome Chateaubriand foi, por esse motivo, agregado ao nome da família. (DE LUCA
E MARTINS, 2015).

No período entre 1924 e 1968, ano de sua morte, Assis Chateaubriand atuou
no jornalismo de forma destacada, influindo, ao longo de quase meio século, na vida
nacional, por meio de seus artigos publicados em diferentes jornais.

A atuação jornalística mais destacada de Assis Chateaubriand deu-se,


inicialmente, nas páginas de “O Jornal”, no Rio de Janeiro, em 1924. Em seguida,
atuou no “Diário da Noite”, de São Paulo e, com o passar do tempo em outros
jornais que instalou ou adquiriu em outras cidades, de norte a sul do Brasil.
(VASCONCELOS, 2000).

Durante os anos 50, sua influência se fez presente nas páginas coloridas da
revista “O Cruzeiro”, que possuía grande projeção nacional e internacional. E, de
forma indireta, por meio também das emissoras de rádio e pelas estações de TV que
implantou por todo o Brasil que, juntamente aos jornais, passaram a formar a cadeia
de veículos de comunicação denominada como “Diários Associados”, Chateaubriand
se tornou uma importante referência para a comunicação do País, sendo também
proprietário da Agência Meridional de Notícias (DE LUCA E MARTINS, 2015).

Autor de mais de doze mil artigos publicados durante uma fase tão
significativa da história do Brasil, examinou de forma aprofundada e cuidadosa, as
grandes questões brasileiras relacionadas à política e ao desenvolvimento social,
econômico e cultural, relatando-as e discutindo-as diante de seus leitores,
contribuindo para a formação de uma massa crítica de brasileiros que, por meio do
conhecimento de suas ideias, tornavam-se mais aptos a questionar os caminhos
tomados pela política e economia brasileiras. Nesses artigos, Chateaubriand sempre
procurava apresentar propostas práticas e soluções concretas para os problemas
enfrentados pela Nação, assim como análises realísticas dotadas de grande visão
de futuro. (VASCONCELOS, 2011)

Em suas publicações de artigos, chegou a se utilizar de pseudônimos, como


“Macaco Elétrico” e “A. Raposo Tavares”. Para manter a imagem empreendedora
dos “Diários Associados”, lançou, em 1938, a “Campanha Nacional da Criança”, na
71

qual inaugurou postos de puericultura pelo Brasil e, em 1940, deu início à


“Campanha Nacional de Aviação Civil” para formar aviadores civis e a frota de
aviação do País (DE LUCA E MARTINS, 2015).

Em 1957, Brasília já se tornara assunto em todos os jornais do Brasil. Israel


Pinheiro (1896 – 1973) comandava milhares de homens e máquinas nos cerrados
do Planalto Central, em Goiás, e Oscar Niemeyer (1907 – 2012) arquitetava as
principais obras que comporiam a estrutura física da nova capital. Lúcio Costa (1902
– 1998) traçava o projeto urbanístico do que seria o Plano Piloto de Brasília,
enquanto Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta (1890 – 1982) celebrava a
primeira missa campal em pleno canteiro de obras, simbolizando o batismo espiritual
daquela que seria a grande epopeia no interior do Brasil destinada à construção de
sua nova capital, conforme o sonho de Dom Bosco, em 1883.

Ainda em 1957, o Congresso Nacional aprovou a lei que estipulava a data de


21 de abril de 1960, para a inauguração de Brasília e, nesse mesmo ano, Assis
Chateaubriand, que havia recebido o título de Doutor Honoris Causa em Leis,
concedido pela Universidade de Georgetown, renunciou ao seu mandato como
Senador da República e aceitou o convite do então Presidente Juscelino Kubitschek
de Oliveira, para assumir a chefia da representação diplomática do Brasil na
Inglaterra. E, segundo relatos da época, logo no dia da entrega das credenciais ao
corpo diplomático naquele País, Assis Chateaubriand conquistou a simpatia da
Rainha Elizabeth II. (VASCONCELOS, 2011)

Segundo Barreto Leite Pinto, foi Chateaubriand que introduziu a separação


completa entre os conceitos de informação e comentário. A opinião era emitida em
editoriais, em artigos dele, ou em cartas, no máximo. Ele lia toda matéria importante
do jornal e, se houvesse alguma que ele não aprovasse, por exemplo, por sua
objetividade, costumava chamar o jornalista responsável e lhe chamava a atenção
(BARBOSA, 2007).

Chateaubriand tornou-se o grande homem da comunicação no Brasil, tendo


fundando, além do Correio Braziliense, em Brasília, em 21 de abril de 1960, a TV
Tupi, em São Paulo, uma década antes, no dia 18 de abril de 1950, à qual, de início,
era o canal 3, mais tarde, canal 4, sendo a primeira emissora de TV da América
Latina. Outro feito seu de grande relevância para a cultura, foi a criação do Museu
de Arte de São Paulo – MASP, contando com a consultoria técnica do jornalista e
72

marchand romano, Pietro Maria Bardi (1900 – 1999). Chateaubriand era também
conhecido como o “Imperador do Papelão” – alcunha dada pelo também jornalista e
secretário de redação do jornal “Última Hora”, de São Paulo, Josimar Moreira de
Melo (1905 – 1965), o “Mandarim” (DE LUCA E MARTINS, 2015).

2.1.3 Os Diários Associados em Brasília

No dia 28 de março de 1960, os Diários Associados lançaram um movimento


nacional de solidariedade e apoio às 200 mil pessoas do Vale do Jaguaribe, no
Ceará, que haviam sido atingidas pela inundação causada pelo rompimento do
açude de Orós. Essa era mais uma participação da rede nos momentos aflitivos do
Brasil enquanto, no Sudeste e Centro-Oeste, acontecia uma epopeia sem
precedentes no mundo da comunicação brasileira em função da construção de
Brasília, cuja data de inauguração se aproximava. E, assim, em 17 de abril de 1960,
os Diários associados integraram, pela televisão, o eixo Rio - São Paulo – Belo
Horizonte e, no dia 21, inauguraram oficialmente a TV Brasília e o Jornal Correio
Braziliense, cuja primeira edição circulou logo às primeiras horas do dia da
inauguração da cidade. Sob a liderança das rádios Tupi e Difusora, 74 emissoras de
todo o País transmitiram, no dia 21 de abril, todas as solenidades de inauguração de
Brasília, inclusive duas manifestações importantes: o presidente Juscelino
Kubitschek lamentando a ausência de Assis Chateaubriand, declarando “O grande
cacique deveria estar aqui hoje, junto às câmeras, para ver de perto, mais uma vez,
como frutificaram suas realizações maravilhosas, os seus sonhos ousados de
grandeza e de progresso, as suas ideias pioneiras!” ao que o Marechal Odílio Denys
(1892 – 1985), comandante do 1º Exército, completou: “O embaixador Assis
Chateaubriand tem sido o pioneiro das realizações que marcam o progresso da
nacionalidade.” (CARNEIRO, 1999).

Naquela data histórica para o Brasil, graças à capacidade e à criatividade dos


técnicos Associados, milhões de telespectadores do Rio, São Paulo, Belo Horizonte,
Juiz de Fora, Ribeirão Preto e áreas vizinhas puderam assistir em suas casas às
solenidades de inauguração da Nova Capital. As emissoras Associadas de TV, além
de implantarem num prazo recorde uma enorme cadeia de postos de micro-ondas
unindo essas cidades do centro-sul à nova capital, estariam prontas a resolver
qualquer defeito que viesse a prejudicar a transmissão das solenidades. Além disso,
73

estava à disposição dos Diários Associados, uma esquadrilha de aviões civis e


militares, da Força Aérea Brasileira e da VASP – Viação Aérea São Paulo S/A,
sobrevoando continuamente a região para levarem, em caráter alternativo, os sinais
até os transmissores das emissoras Tupi, do Rio de Janeiro e de São Paulo, e a TV
Itacolomi, de Belo Horizonte. A transmissão, que cobriu uma extensão de 2.200 km,
funcionou por meio de um sistema de micro-ondas montado em 23 estações
retransmissoras, inclusive em lugares desertos ou em meio à mata virgem,
aconteceu perfeitamente, na cobertura inédita para a televisão em todo o Brasil e
para o mundo. (CARNEIRO, 1999)

É sabido que, na verdade, Assis Chateaubriand não era um entusiasta da


transferência da capital. Em um de seus encontros com Juscelino Kubitschek, no
segundo semestre de 1959 e ouvindo o presidente referir-se com grande entusiasmo
a Brasília, prometeu-lhe: “Se o senhor inaugurá-la mesmo em 21 de abril saiba que
lá encontrará um jornal Associado.” Em seguida, dobrou a promessa afirmando que
também haveria na data da inauguração de Brasília, uma emissora de televisão. O
presidente duvidou, mas foi surpreendido com a inauguração, há exatos cem dias
após a promessa feita por Chateaubriand, um jornal e uma televisão no Planalto
Central do Brasil. (CARNEIRO, 1999).

Ari Cunha (1927) afirma que Chateaubriand não era “apaixonado” por
Brasília, mas desenvolveu uma postura diferente em relação à ideia da transferência
da capital. Segundo ele, “vendo o que era o Planalto Central e observando o
progresso que Brasília oferecia, Chateaubriand soube antever que daqui sairia
verdadeiramente a conquista de todo o vasto território do interior do Brasil.” Cunha
declarou:

Aos poucos foi aceitando a ideia até compreender que o Planalto central
reunia vertentes para todos os quadrantes, e a implantação de Brasília
mostrava que o País se modificava na sua concepção. Não se tornou um
adesista, mas certa vez chegou a recomendar ao Correio Braziliense que
comprasse uma boa gleba de terra para a criação de gado e a plantação de
soja. (...) Chateaubriand concluiu que, a partir de Brasília, seria possível,
inclusive, concretizar um dos seus velhos sonhos, que ele divulgara muito
antes de ser iniciada a construção da nova capital: a utilização de nossos
rios como hidrovias, chegando a prever até um porto perto de Brasília, para
ligar a Bacia Amazônica ao Centro-Oeste, com transporte barato e útil. Era
um homem de grandes visões e, quando pensava no Rio são Francisco
chegando perto de Brasília, era porque queria ver o pulsar da cidade como
ponto de convergência de todo o Brasil. Ele não chegou a nos visitar, mas
ficou entusiasmado quando soube que, daqui, da Lagoa das Águas
Emendadas, saía a contribuição para as bacias do Prata, Amazonas e São
Francisco (CARNEIRO, 1999, p. 422).
74

E, confirmando a análise de Ari Cunha, Chateaubriand, em artigo publicado


nos Associados, a 26 de abril de 1961, um ano após a inauguração da nova capital,
escreveu que Brasília, para sobreviver, teria que ser também a capital do oeste
(CARNEIRO, 1999).

Exatamente como Hipólito José da Costa havia defendido, no início do século


XIX, que a capital do mundo lusíada deveria ser transferida para o interior do Brasil,
Brasília se consolidou e o jornal criado por Hipólito, ainda no século XIX, foi trazido
pelos Diários Associados à nova capital do Brasil cumprindo o plano surgido ainda
em 1956, de instalação de um diário no planalto. Conforme a indicação de Geraldo
Teixeira da Costa (1910–1965) fizeram evoluir seu projeto quando, por sugestão de
Francisco Martins Filho, imaginaram fazer renascer o primeiro órgão da imprensa
brasileira, cujo último número circulara em Londres, em dezembro de 1822. E foi
assim que o Correio Braziliense renasceu em Brasília, 137 anos depois de ter tido
sua circulação interrompida, apresentando agora, em seu cabeçalho, a informação:
Ano CLII (2ª fase) (Corpus, Anexo B, p. 1).

Ilustração 2 Cabeçalho Correio Braziliense de 21/4/1960

Fonte: Correio Braziliense de 21/4/1960.

No editorial de apresentação, sua direção prometia dar continuidade ao


mesmo objetivo fixado por Hipólito José da Costa e relembrado por ele na derradeira
edição no exterior – servir o Brasil:

Provando que nada se perde na vida dos povos, como na natureza, reata-
se hoje a existência do jornal, fundado e impresso em Londres, mas para
advogar a causa da independência brasileira, as ideias liberais e o
constitucionalismo, que eram as grandes aspirações do tempo. Podemos
dizer que, ao reabrir o novo ciclo de existência do Correio Braziliense,
fazemo-lo com o mesmo impulso que moveu Hipólito José da Costa:
advogar a causa do Brasil, na hora revolucionária da mudança de sua
capital, dentro dos mesmos princípios democráticos e constitucionais que o
conduziram. Como a Hipólito, preocupa-nos fundamentalmente a
consolidação da unidade nacional e se, entre os sonhos do grande
jornalista, já em 1813, figurava a transferência do governo para o interior, é
75

que estava convencido de que seria essa uma forma de garantir melhor a
integridade política do país... Brasília não será apenas a sede do governo
federal, mas um poderoso centro de atração das forças que se
desenvolvem no litoral para as grandes regiões que se acham ainda
desertas e das quais é imprescindível que a nação tome posse, se deseja
integrar-se a sim mesma e oferecer a seu povo, que rapidamente se
multiplica, uma pátria materialmente digna de seu alto destino... Os Diários
Associados têm a mesma origem de idealismo e de crença de Brasília. Na
verdade, os nossos objetivos foram sempre os mesmos do Correio
Braziliense: sustentar a independência, consolidar a união das províncias;
soldar as regiões, alcançar, dentro da democracia e da liberdade, o
aperfeiçoamento social e cultural que nos possam assegurar, dentre os
povos civilizados, uma posição compatível com a nossa grandeza territorial
(CARNEIRO, 1999, p. 424).

E, na capa da primeira edição do jornal, no dia da inauguração de Brasília, no


dia 21 de abril de 1960, foi estampada a chamada “O “Correio Braziliense” volta a
circular depois de 137 anos”, com o subtítulo “solenemente inauguradas, ontem, as
instalações do mais novo órgão dos “Diários Associados”, sendo madrinha, a Sra.
Sarah Kubitschek, com a benção do Cardeal Motta e discursos do Sr. José Maria
Alkmim e da primeira dama do País.” (CORREIO BRAZILIENSE, 1960) (Corpus,
Anexo B, p. 1).

a
Ilustração 3 Destaque da 1 edição

Fonte: Correio Braziliense de 21/4/1960.

E, ainda nessa mesma matéria de capa, o Correio Braziliense faz referência à


primeira edição do jornal que fora publicada em 1808, por Hipólito José da Costa,
em Londres, e interrompida em 1822. Assim sendo, logo à primeira edição que
marcou o seu ressurgimento, agora em Brasília, o Correio Braziliense deixa
registrado junto aos leitores que, muito antes de se estabelecer como o primeiro e
único veículo de comunicação impresso de Brasília, já figurava como elemento-
chave da história e do desenvolvimento do jornalismo no Brasil, assim como da
propagação da cultura brasileira em terras europeias.
76

Ilustração 4 Servir o Brasil

Fonte: Correio Braziliense de 21/4/1960


77

2.2 O LAYOUT E OS ASPECTOS DE EDITORAÇÃO DO CORREIO BRAZILIENSE


EM 1960, COMPARATIVAMENTE AOS OUTROS PRINCIPAIS JORNAIS
CIRCULANTES À ÉPOCA

Conforme a promessa feita por Assis Chateaubriand a Juscelino, em 1959, de


fato, em 21 de abril de 1960, data da inauguração de Brasília, a nova capital já
contou com a circulação de um jornal que se tornou, então, a mais nova publicação
sob a chancela dos Diários Associados. E, homenageando a saga e os ideais
libertários e progressistas de Hipólito José da Costa, em Londres, ainda no século
XIX, o novo jornal da nova capital do Brasil foi denominado “Correio Braziliense”,
também com a letra “z”, tal qual seu precursor em terras britânicas, em 1808. E,
como Chateaubriand havia também prometido ao então chamado “Presidente Bossa
Nova”, o jornal em nada deixaria a desejar perante os demais que circulavam àquela
época, sendo esses pertencentes, ou não, ao Grupo Associados. Assim sendo,
desde a sua primeira edição, o Correio Braziliense obedeceu ao que havia de mais
atual e adequado às características de layout e diagramação encontrados nos
grandes jornais que veiculavam em 1960, tais como “O Globo”, no Rio de Janeiro,
“O Estado de São Paulo” e a “Folha de São Paulo”, em São Paulo.

E, a partir da análise comparativa de edições dos quatro jornais – o “Correio


Braziliense”, “O Globo”, “O Estado de São Paulo” e a “Folha de São Paulo”, em
diferentes datas ao longo do ano de 1960, foram identificadas características
marcantes e comuns aos quatro veículos. Percepção essa que corrobora a
informação obtida junto aos pioneiros entrevistados para este trabalho de que,
apesar do Correio Braziliense publicado em Brasília, em 1960, ser um jornal
absolutamente novo em relação aos demais existentes naquele mesmo período, em
outras capitais do País, sua diagramação, apesar de desordenada e confusa,
comparada aos padrões atuais, em 2016, acompanhava exatamente as tendências
jornalísticas e de layout adotadas pelos principais jornais no Brasil, como os
elencados acima, no início da década de 1960.

As características comuns a esses jornais são:

• diagramação com mínimo espaçamento entre as matérias e a


utilização de corpo de letra pequeno. Em algumas páginas, são encontradas
matérias sobre os mais diversos assuntos, não obedecendo a um critério de
78

ordenação ou separação por assuntos. Já se pode sim observar a definição


de editorias, mas estas são, via de regra, apresentadas aleatoriamente ao
longo das edições, não havendo, ainda, a definição de um local fixo para elas
na apresentação do jornal;
• em algumas edições do Correio Braziliense, por exemplo, pode-se
identificar a existência de cadernos e sessões, vez por outra introduzidos por
cabeçalhos bem definidos e destacados e, em outras, não. Na edição de 05
de outubro de 1960, no jornal “O Estado de São Paulo”, já pode ser
identificado o caderno “Agrícola”;
• nas edições analisadas percebe-se que, em uma mesma página,
podem ser encontradas notícias sobre os mais variados assuntos, sobre
política ou cultura, até às de foro policial, não havendo um critério claro de
organização e separação por temas;
• a editoria melhor definida em todos os exemplares analisados é a de
esportes, por apresentar uma organização gráfica de qualidade superior; e
• as notícias de foro nacional, muitas vezes são misturadas às de foro
internacional.

Os jornais pesquisados, além do Correio Braziliense, são:

• O Globo – data: 30 de setembro de 1960; (ilustração 5)


• O Estado de São Paulo – data: 21 de abril de 1960; (ilustração 6)
• Folha de São Paulo – data: 1o de junho de 1960. (Ilustração 7)

Dessa forma, foi possível constatar que, apesar de reeditado em Brasília


concomitantemente à inauguração da cidade, o Correio Braziliense já se
apresentava aos seus leitores, como um dos principais jornais circulantes nos
principais centros do Brasil.
79

Ilustração 5 O Globo

Fonte: O Globo, edição de 30 de setembro de 1960.


80

Ilustração 6 O Estado de São Paulo

Fonte: Estado de São Paulo, edição de 21 de abril de 1960.


81

Ilustração 7 Folha de São Paulo

o
Fonte: Folha de São Paulo, edição de 1 de junho de 1960.

2.3 A EVOLUÇÃO EDITORIAL DO JORNAL EM FUNÇÃO DO CRESCIMENTO DA


CIDADE.

Como em uma das chamadas contidas na página de número 04 (quatro), no


primeiro caderno da segunda edição do jornal, publicada em 22 de abril de 1960,
que diz “O Correio Braziliense foi um precursor da mudança da capital”, o jornal,
desde então, se estabeleceu como o principal e mais procurado veículo de
82

comunicação da cidade, sendo consultado pela população que para cá se transferiu


desde a construção da cidade.

Ilustração 8 O precursor Correio Braziliense

Fonte: Correio Braziliense de 21/4/1960

Segundo o jornalista e historiador, Adirson Vasconcelos 22 (1936), entrevistado


para este trabalho, os pioneiros recorriam ao Correio Braziliense para se inteirarem
do que acontecia no mundo, na política e na cultura do País, buscando, igualmente,
informações sobre as novidades de toda ordem que iam surgindo na capital recém-
inaugurada. Novidades essas, relativas tanto aos inúmeros serviços já oferecidos
pelas empresas aqui instaladas logo ao primeiro ano após a inauguração da capital,
quanto em relação às atividades ligadas à cultura e ao entretenimento existente à
época.
22
Natural de Santana do Acaraú, no Ceará, e nascido em 16 de julho de 1936, Adirson Vasconcelos é
autor de vários livros sobre o tema Brasília. Pioneiro, participou da epopeia da construção da nova
capital no interior do Brasil. É jornalista, historiador, advogado e administrador, tendo chegado a
Brasília em 1958, como correspondente dos Diários Associados.
83

Em 23 de abril de 1960, sábado, o jornal trouxe sob o título “Enamorados de


Brasília – todos que aqui vieram”, depoimentos de diferentes pessoas dos mais
variados ramos e níveis da sociedade, desde os trabalhadores que participaram da
construção da nova capital, até os prestadores dos primeiros serviços oferecidos,
até ilustres convidados para as festividades de inauguração da cidade. Todos
possuíam uma ideia e uma opinião pré-concebida sobre o que fora o desafio da
construção da cidade e, a partir de sua inauguração, passaram a nutrir a esperança
sobre o que Brasília se tornaria no futuro daqueles que para cá se transferiram, com
ou sem suas famílias.

Na mesma edição, também foi noticiada a inauguração, no dia 22 de abril, do


que seria o primeiro espaço destinado à cultura da nova capital, e que se
consolidaria como o mais importante local para a exibição de filmes do circuito Cult,
nacional e internacional, existente até os dias de hoje – o Cine Brasília.

Ilustração 9 Inauguração do Cine Brasília

Fonte: Correio Braziliense de 21/4/1960


84

Outras curiosidades destacadas nas primeiras edições do jornal são a


realização da primeira missa em Brasília, a inauguração do primeiro campo de
futebol da cidade que “tinha cheiro de raiz cortada”, assim como a ocorrência do
primeiro nascimento de uma criança no novo Distrito Federal.

Dentre tantas outras características encontradas logo à primeira análise do


vasto corpus encontrado, são assinaladas, desde as primeiras edições do jornal, a
presença do colunismo social, por meio da coluna “Sociais de Brasília”, assinada
pela também pioneira, Talita Aparecida de Abreu, cujo apelido era Katucha, e as
colunas “Pelos Estados” e “Notícias da Capital”, que não possuíam assinaturas,
além da coluna “Ronda Diária”, assinada por José Araújo, contemplando diferentes
fatos, políticos ou não, ocorridos em Brasília e no Brasil.

Na coluna “Pelos Estados”, especificamente, os leitores tinham acesso às


principais manchetes publicadas nos jornais de seus estados de origem, uma vez
que cem por cento da população residente em Brasília, àquela época, haviam sido
transferidas de outras localidades do País e do mundo.

Além dessas, havia também as colunas “Carrossel de Brasília”, assinada por


Queirós Campos, com temas relacionados às questões políticas e administrativas
específicas de Brasília e a coluna “Literatura”, de Valdemar Cavalcanti, que trazia
notícias relacionadas ao tema, além de teatro e música em geral, em Brasília, no
Brasil e no mundo.
85

Ilustração 10 Coluna “Sociais de Brasília”

Fonte: Correio Braziliense de 21/4/1960


86

Foram igualmente percebidas na estrutura do jornal, algumas peculiaridades


inéditas, típicas de uma cidade recém-inaugurada, como, por exemplo, a publicação
no jornal, das primeiras listas telefônicas da cidade, tanto comerciais quanto de
pessoas físicas. Curiosamente, essas primeiras listas já apresentavam cerca de 150
números.

Ilustração 11 Primeiras listas telefônicas da cidade, publicadas no jornal

Fonte: Correio Braziliense de 26/4/1960.


87

Logo ao final da primeira semana após a inauguração da cidade, já são


também identificadas publicações voltadas ao entretenimento da população, como a
coluna do horóscopo, o espaço destinado às palavras cruzadas e outros destinados
à publicação de crônicas e poesias de autoria de jornalistas ou colaboradores do
jornal.

Os anúncios de produtos e serviços vão se multiplicando com o passar dos


dias, demonstrando a força da publicidade e a relação intrínseca e de
interdependência entre os veículos de comunicação e seus anunciantes, já
acontecendo em uma cidade em plena formação estrutural e populacional. São,
portanto, recorrentes os antológicos e caricatos anúncios produzidos a canetas de
nanquim, das famosas “Pílulas Xavier”, destinadas aos “homens desanimados” e do
vermífugo chamado “Licor de Cacau Xavier”. Havia também anúncios do “Iofoscal”,
que prometia auxiliar no crescimento e desenvolvimento intelectual das crianças,
além do “Chá de Hamburgo Xavier”, recomendado para o tratamento dos sintomas
causados pela tensão pré-menstrual, sob a hilária chamada que dizia “Uma mulher
perigosa... para si mesma!” e do até hoje famoso produto para aliviar dores
causadas por traumas físicos, o “Gelol”.

Ilustração 12 Anúncio do produto Gelol

Fonte: Correio Braziliense de 27/4/1960.


88

Ilustração 13 Anúncio do produto Chá de Ilustração 14 Anúncio do produto Pílulas


Hamburgo Xavier Xavier

Fonte: Correio Braziliense de 5 e 6/5/1960. Fonte: Correio Braziliense de 26/4/1960.

No que se referia aos assuntos voltados às atividades culturais da cidade,


desde a primeira semana após sua inauguração, já eram anunciados os principais
restaurantes e clubes de dança existentes na cidade, com suas programações
voltadas ao entretenimento da população, como, por exemplo, o restaurante
“Macumba”, em homenagem à Praia da Macumba, no Rio de Janeiro, a famosa
“Churrascaria do Lago”, assim como as várias atividades sociais promovidas pelo
“Hotel Nacional”.

Outra característica fortemente observada pela sua presença marcante em


todas as edições pesquisadas, desde os primórdios da cidade e do próprio jornal,
são os assuntos relacionados ao futebol, uma vez que já existiam clubes esportivos
organizados e estabelecidos em Brasília, que promoviam, inclusive, disputados
campeonatos que contavam com a participação de candangos e pioneiros em suas
equipes.

Aos poucos foi possível observar o crescimento da coluna de classificados do


jornal, com uma diversidade cada vez maior de anúncios relacionados à compra e
89

venda de automóveis e utensílios em geral, prestação de serviços e oferta de


empregos, por exemplo.

A coluna intitulada “Ronda da Cidade”, já presente na edição de 24 de abril


de 1960, trazia pequenas notícias sobre eventos de foro político e acontecimentos
envolvendo personalidades da cidade. (Corpus, Anexo B, p.18)

Ilustração 15 Coluna “Ronda da cidade”

Fonte: Correio Braziliense de 24/4/1960


90

Tirinhas de quadrinhos também vão se somando à estrutura do jornal, com os


famosos personagens da época, como o “Fantasma”, “Pinduca”, “Mandrake”,
“Popeye”, “Roy Rogers”, “Pato Donald”, “Flash Gordon”, “Jim Gordon” e a hilária
dona de casa, “Lalá”, com suas peripécias e confusões na vida cotidiana das
mulheres da década de 1960. (Corpus, Anexo B, p. 39)

Ilustração 16 Tirinhas de quadrinhos

Fonte: Correio Braziliense de 12/5/1960


91

Havia também colunas curiosas voltadas para a informação sobre diferentes


serviços como, por exemplo, a que relacionava todos os horários de chegada e
partida dos voos no aeroporto de Brasília, além de notícias sobre a movimentação
dos políticos e ilustres da sociedade brasiliense nas dependências do aeroporto.

São igualmente destacados os inúmeros anúncios e editais de convocação


para a formação e organização administrativa dos primeiros clubes sociais de
Brasília, como o "Jockey Clube de Brasília", o “Cota Mil Iate Clube”, o “Iate Clube de
Brasília” e o “Clube Náutico de Brasília, hoje denominado “Motonáutica”. (Corpus,
Anexo B, pp. 53, 91, 100, 101, 223 e 231).

Ilustração 17 Anúncio para a primeira venda de títulos do Jockey Clube de Brasília

Fonte: Correio Braziliense de 2/6/1960


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Ilustração 18 Programação de Cinemas da cidade

Fonte: Correio Braziliense de 20/10/1960

E dentro do que já se poderia atribuir a uma editoria específica de cultura,


ainda que precariamente, constava a programação dos já inaugurados e operantes
cinemas “Cine Brasília”, no Plano Piloto, do “Cine Bandeirantes”, no Núcleo
Bandeirante, e do “Cine Teatro Brasília”, na W3, além da programação de cinema da
vizinha cidade de Goiânia. Ainda nessa mesma “Editoria de Cultura”, era também
encontrada a programação oferecida pela recém-inaugurada “TV Brasília”, canal de
TV pertencente aos “Diários Associados” e vinculada ao jornal até os tempos atuais.
A programação de rádio era também oferecida à população pelo jornal. (Corpus,
Anexo B, pp. 1, 5, 16, 34, 37, 126, 128, 138, 144, 166, 193, 238, 256 e 258)
93

Nesse mesmo espaço destinado às atividades culturais, se destacavam os


anúncios e as coberturas jornalísticas de eventos relacionados à música, cinema,
dança, literatura, artes em geral, festas religiosas e folclóricas realizadas na cidade
que, em sua grande maioria, eram organizadas pela própria população, como
manifestações representativas das origens de cada um dos grupos de pioneiros que
compunham a mescla de culturas que haviam convergido para Brasília. (Corpus,
Anexo B, pp. 13, 23, 24, 36, 47, 49, 67, 75, 79, 83, 126, 130, 132, 134 e 137)

Ilustração 19 Anúncio sobre os primeiros Ilustração 20 Eventos realizados pelas


espetáculos de Ballet em Brasília primeiras paróquias instaladas em Brasília

Fonte: Correio Braziliense de 18/10/1960 Fonte: Correio Braziliense de 10/7/1960


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Ilustração 21 Notícia sobre o surgimento das primeiras escolas de música de Brasília

Fonte: Correio Braziliense de 24/7/1960

Em outubro de 1960, passa a existir a coluna de serviços denominada


“Informações Várias”, na qual eram disponibilizados avisos sobre os mais variados
setores e interesses, desde os horários de voos de todas as companhias que
operavam para Brasília (agora esse serviço passara a integrar essa coluna),
horários dos ônibus interestaduais, serviços de carros de aluguel ou táxis, hotéis
95

disponíveis na cidade, excursões, o horário de funcionamento e a localização de


restaurantes, boates, mercados, mercearias, frutarias, peixarias, farmácias, etc. E,
por fim, nela eram disponibilizados os principais telefones úteis da cidade. Dentre
eles, estavam o do aeroporto, do Hospital Distrital e de toda a parte administrativa
da cidade, como o “Palácio do Planalto” e dos chamados “Grupos de Trabalho” que,
à época, representavam os ministérios. Curiosamente, era igualmente publicado no
jornal o telefone do “Palácio da Alvorada”, residência oficial do Presidente da
República que, à época, era Juscelino Kubitschek.

A coluna denominada “Visto, lido e ouvido”, assinada pelo jornalista Ary


Cunha, era publicada diariamente e trazia reflexões, comentários e críticas sobre a
vida política da cidade, sua movimentação e influências no cotidiano da nova capital.
(Corpus, Anexo B, p. 48)

Ilustração 22 Coluna “Visto, Lido e Ouvido”, do jornalista e pioneiro, Ary Cunha

Fonte: Correio Braziliense de 20/10/1960


96

Muito interessante também foi o surgimento gradativo de anúncios sobre as


atividades culturais promovidas e oferecidas à população pela “Escola–Parque de
Brasília”, situada, até hoje, entre as quadras residenciais SQS 307 e SQS 308 sul,
que incluíam apresentações teatrais, musicais e saraus.

Aos poucos foram surgindo anúncios publicitários dos serviços que já podiam
ser encontrados em Brasília, prestados por diversos profissionais autônomos que já
atuavam na cidade, tais como: médicos, advogados, dentistas, contadores,
mecânicos entre outros. Tais anúncios eram encontrados na curiosa coluna
denominada “Indicador Profissional”. Nela, foram publicadas algumas “pérolas” da
redação publicitária dos anos 50 e 60, como a chamada do anúncio “Para moléstias
de senhoras – partos, cirurgias e clínica médica, procure o Dr. Eurico Leal”.

Ilustração 23 Exemplo de anúncio de serviços médicos na cidade, na coluna “Indicador


Profissional”

Fonte: Correio Braziliense de 31/12/1960

Outra característica que muito chama a atenção, é o fato de que o jornal,


desde a sua primeira edição, contou com inúmeras fotos de Brasília e suas
principais obras, como que para mostrar que a cidade já existia de fato e que havia
mesmo uma vida política e social aqui, mesmo que em uma cidade ainda em franca
formação e estruturação.

Paulatinamente vão surgindo os anúncios e as coberturas jornalísticas sobre


os concursos de misses, pois a Miss Brasília foi eleita logo em 1960, após inúmeras
seletivas organizadas no Plano Piloto e nas cidades satélites já existentes naquele
período, como Taguatinga e Núcleo Bandeirante. E, no início de 1961, foram
97

organizados e realizados os primeiros bailes carnavalescos nos clubes da cidade,


exaustivamente anunciados pelo jornal, todos os dias, até a data do evento.

Assim, a vida política, social e cultural de Brasília ia se fundindo à do jornal, e


a do jornal à da cidade, como em uma relação simbiótica e de retroalimentação, uma
vez que a comunidade que se constituía em Brasília dependia diretamente do jornal
para se inteirar sobre o que acontecia na capital, obtendo, por meio dele,
informações cruciais à sua adaptação e sobrevivência, como nos exemplos citados
ao longo deste subitem do capítulo.

Por meio do jornal, a população foi também informada acerca da inauguração


de escolas, igrejas, bibliotecas, parques infantis, outros espaços destinados à cultura
e ao lazer, como também das novas implementações urbanísticas realizadas na
cidade durante o período abordado neste trabalho.

O interessante é que tais informações não eram publicadas no formato de


anúncios publicitários, com cunho meramente comercial. Elas eram apresentadas
como notícias da mais absoluta importância para uma população ávida por mais
infraestrutura na capital que surgira no meio do nada e construída em apenas três
anos. Portanto, o Correio Braziliense, neste momento em que essa população
recém-transferida necessitava de todo o apoio possível, tornou-se, além do único
veículo impresso à época, um guia de serviços, de informações gerais e das
atividades culturais que começavam a surgir, pouco a pouco na cidade.

O jornal foi logo reconhecido nos primeiros tempos de Brasília, como o


veículo “amigo dos pioneiros”, conforme relatado por alguns dos que foram
entrevistados para este trabalho. Segundo os interessantes relatos que serão
apresentados ao longo do trabalho, e mais detalhadamente no capítulo 03, o jornal
permitia a conexão diária dos pioneiros com seus estados de origem, ao mesmo
tempo em que os auxiliava em sua desafiadora ambientação em Brasília, nos
primórdios da nova Capital do Brasil.
98

3 O JORNAL APRESENTA A CULTURA SE ESTRUTURANDO NA CIDADE

A partir do conceito de Bauman (2003) sobre a formação das cidades modelo,


citada na introdução deste trabalho, a consolidação de Brasília como a nova capital
do Brasil não se deu em torno de uma ou várias fábricas, mas, sim, a partir da
máquina governamental e administrativa federal que se transferiu do Estado do Rio
de Janeiro para o Planalto Central a partir do dia 21 de abril de 1960, quando da
inauguração de Brasília.

Segundo Juscelino Kubitschek de Oliveira, o Presidente JK, a construção e a


consolidação da capital foi a mais dura batalha de sua vida. (COUTO, 2011). Afinal,
o imenso canteiro de obras da nova capital chegou a absorver sessenta mil
trabalhadores entre novembro de 1956 – início da construção da cidade, até sua
inauguração. (PACIEVITCH, 2015)

E, além dos chamados “Candangos”, nome dado aos trabalhadores que


construíram Brasília, para a área geográfica no Estado de Goiás, outrora
denominada de “Quadrilátero Cruls” pela comissão exploradora criada pelo ex-
presidente Floriano Peixoto e conduzida por Luiz Cruls, em 1892, foram transferidos
os três poderes da Nação, Legislativo, Executivo e Judiciário. Com eles, um
considerável quantitativo de servidores públicos que, para aceitarem o desafio de
viver com suas famílias em uma cidade recém-construída e, ainda, sem muitos
recursos e infraestrutura, a eles foi oferecida a possibilidade de moradia de boa
qualidade, além de relevantes benefícios financeiros que muito os auxiliaram a
atingir patamares de vida acima do que obteriam permanecendo no Rio de Janeiro.
(VASCONCELOS, 2007)

A partir desses dois grupos, a população que se formou em Brasília ao longo


do seu primeiro ano de vida foi fruto da miscigenação de diversos grupos oriundos
de diferentes partes do Brasil. (VASCONCELOS, 2007).

Desde o início das obras que deram origem à cidade, foi registrada a chegada
de trabalhadores vindos dos quatro cantos do País. Muitos já com suas famílias em
busca de melhores condições de vida e novas oportunidades. Com eles, vieram
suas culturas, suas crenças e, sobretudo, um pouco da história de suas regiões de
origem. Brasília se tornou, logo em seu primeiro ano de vida, a confluência de todas
99

as características regionais que compõem o País de dimensões continentais e dono


de uma rica diversidade cultural.

Os meses que antecederam à inauguração de Brasília foram de febril


atividade no enorme canteiro de obras em que se transformou a futura capital
brasileira, pois muito havia de ser feito para que a cidade fosse inaugurada e
entregue à população na data prometida por JK. E, para tal, os engenheiros,
arquitetos e, sobretudo, os Candangos, davam tudo de si, em uma jornada de
trabalho diário de até dezoito horas. Era a energia humana em muitos sonhos, em
muitas esperanças e em muita vontade de entregar ao Brasil o que a imprensa
internacional chamou de “a obra do século”. (VASCONCELOS, 2007)

E, segundo Monteiro (1975), a partir de 21/04/1960, com a transferência da


capital para Brasília, além do Correio Braziliense, surgiram os órgãos oficiais “Diário
Oficial”, “Diário do Congresso” e “Diário da Justiça”.

Para a Capital da Esperança também vieram, ao longo do ano de 1961


algumas representações diplomáticas. De acordo com os registros encontrados no
jornal Correio Braziliense, na edição de 16 de abril de 1961, “o prefeito do Distrito
Federal Sr. Paulo determinou a reserva de lotes na Avenida das Nações para a
construção das embaixadas dos novos países afro-asiáticos, com os quais o Brasil
manterá relações diplomáticas”. Dentre esses países, os da África e Ásia que
“estariam se libertando à época do jugo colonialista”. E foi a dos Estados Unidos a
primeira a escolher o terreno onde construiria sua sede, proporcionando à cidade
que nascera há tão pouco tempo, o contato com culturas e línguas estrangeiras.
Contato este que, até os dias atuais, confere à Brasília um interessante e facilitado
acesso ao conhecimento de inúmeros idiomas, à gastronomia e demais
características culturais de nações do mundo inteiro.

E, para que todo esse contingente, toda essa população que se deslocara
para Brasília pudesse, enfim, construir efetivamente sua vida aqui, na cidade que
surgira em meio à aridez quase desértica do Planalto Central, a cidade foi tomando
sua própria forma, muito além das casas, prédios residenciais e públicos já
construídos pelos urbanistas e engenheiros responsáveis pela concepção do projeto
da cidade planejada e sonhada por JK.
100

Aos poucos, e logo durante seu primeiro ano de existência, Brasília foi
ganhando vida na medida em que a população precisou extrapolar a convivência
nas superquadras residenciais em busca de outros espaços de alteridade e vivência
coletiva. A humanização da cidade erguida a partir do concreto das obras de
Niemeyer se fazia premente. Os pioneiros e suas famílias precisavam, acima de
tudo, estabelecer o quanto antes uma relação de pertencimento com a cidade.
Fazia-se urgente a transformação de Brasília em uma comunidade (ANDERSON,
2008 e BAUMAN, 2003) de fato, tornando-se acolhedora e realmente receptiva à
população que crescia, a cada dia, com a constante chegada de novos servidores
públicos, profissionais liberais, comerciantes e outros tantos migrantes que deixaram
seus Estados de origem em busca de melhores oportunidades de vida após a
inauguração da cidade.

Brasília era promissora. Haja vista ter sido logo denominada, ainda durante
sua construção, como a “Capital da Esperança”, dadas as inúmeras novas
oportunidades oferecidas pela cidade em formação, pois muito pouco existia aqui e
a transferência para a nova Capital do Brasil significava, necessariamente, começar
do nada, auxiliando na transformação da cidade em um lugar habitável em todos os
sentidos.

A cidade estava pronta em sua estrutura física. As equipes de arquitetos,


urbanistas e engenheiros comandados por Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, pelo já
falecido, à época, Bernardo Sayão e por Israel Pinheiro, juntamente com os
candangos, haviam cumprido a meta estabelecida por JK de que, em 21 de abril de
1960, a cidade estaria pronta e habitável. E, antes mesmo dessa data, a chamada
Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante, uma espécie de acampamento fixo do corpo
técnico responsável pelas obras, assim como dos Candangos, já demonstrava
características claras da mescla de culturas oriundas dos quatro cantos do País,
representadas pelos grandes grupos que se deslocaram de suas regiões para
trabalhar na construção da cidade. Nas ruas e no comércio da Cidade Livre, já se
podiam encontrar diferentes produtos das mais variadas regiões do Brasil e, nos
bares e cantinas frequentados pelos candangos e seus líderes, aconteciam
cantorias e saraus com as músicas típicas dos Estados e a Literatura de Cordel
vinda da região Nordeste, assim como eram servidos pratos típicos da culinária
101

oriunda dos quatro cantos do País. Enfim, o Brasil já se encontrava na Cidade Livre
antes mesmo de Brasília ser inaugurada.

Na Cidade Livre, mesmo esta sendo considerada como um acampamento


provisório para a acomodação dos Candangos, também foram erguidas, além das
casas de madeira, dos bares e das cantinas já citados, as populares vendas nas
quais podiam ser encontrados quitutes e iguarias de diferentes regiões do Brasil,
além do comércio dos mais variados serviços, tais como costureiras, borracheiros,
eletricistas e bombeiros, por exemplo. Já havia uma farmácia para os primeiros
socorros, assim como uma pequena capela para a prática religiosa da população
que ali se constituía. Brasília, então, cumpria um dos seus objetivos estadísticos – o
de interligar e fazer interagir os vários “Brasis” do norte, do sul, do leste e do oeste,
mesclando e hibridando diferentes culturas e histórias.

O País de sabidas dimensões continentais encontrava-se no seu interior


central, enquanto Brasília, gradativamente, se consagrava como centro irradiador e
polarizador da vida e da cultura nacional. (VASCONCELOS, 2007)

Segundo Canclini (2013), entende-se por hibridação os processos


socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma
separada, se combinam para gerar novas estruturas. E, na formação da sociedade
de Brasília, desde seus primórdios, a hibridação de diferentes culturas, raças e
credos deu o tom definitivo na constituição da comunidade brasiliense, desde a
construção da cidade.

Ainda de acordo com Canclini (2013), os estudos sobre as narrativas


identitárias com enfoques teóricos que levam em conta os processos de hibridação,
mostram que não é possível falar das identidades como se tratasse apenas de um
conjunto de traços fixos. E, no caso da nova Capital do Brasil, a hibridação dos
diferentes legados trazidos pelos pioneiros tornou-se, portanto, a característica da
nova sociedade que aqui se formava, ganhando seus traços próprios, a partir da
diversidade cultural que para cá foi convergida, dando origem a uma comunidade
cuja pluralidade representa, até os dias atuais, a riqueza cultural, religiosa e étnica
do País.

Na medida em que Brasília se consolidava em meio ao seu imenso canteiro


de obras, se tornava também e, cada vez mais, o retrato do multiculturalismo
102

democrático que caracterizou o Brasil desde o período de sua colonização, pois, a


partir do conceito de Ortiz (2012), o brasileiro é conhecido como um povo sincrético,
produto do cruzamento de três culturas distintas: a branca, a negra e a indígena,
constituindo-se de uma grande miscigenação cultural.

O conceito de democracia racial cunhada por Gilberto Freyre (1998) em seu


livro Casa Grande e Senzala, é muito controverso e, em Brasília, não seria diferente.
É importante lembrar que a miscigenação racial, aqui se deu de forma também
conflituosa e, em muitas ocasiões, também conturbada, como ocorreu em todo o
restante do País, desde o seu descobrimento pelos portugueses, em 1500.

Independente disso é fato que foi a partir de toda essa miscigenação,


sobretudo regional, no encontro de povos, credos e histórias distintas, que Brasília
passou a existir com todas as suas características e peculiaridades que, desde
sempre, a diferenciaram das demais capitais do Brasil.

Miscigenação essa que contribuiu para que a cidade fosse se organizando e


estruturando de forma a atender às mais diversas necessidades culturais, religiosas,
de educação, de lazer, de saúde, de diferentes serviços, de entretenimento e de
consumo. E, foi por meio também do jornal Correio Braziliense que a cidade foi
tomando forma perante a população que a habitava, crescendo e apresentando-se,
dia após dia, mais palpável pelas páginas do jornal, durante o seu primeiro ano de
existência.

3.1 A TENTATIVA DE CATEGORIZAÇÃO DO CONTEÚDO ENCONTRADO NO


CORREIO BRAZILIENSE, NO PERÍODO PESQUISADO.

Para auxiliar na pesquisa sobre como a cidade foi tomando sua forma,
também retratada por meio do jornal, foi realizada uma tentativa de categorização
dos assuntos abordados nos anúncios e matérias jornalísticas publicadas ao longo
do período do qual trata este trabalho, que é de 21 de abril de 1960 a 21 de abril de
1961.

Nessa tentativa, foram encontrados os seguintes assuntos abordados com


frequência pelo jornal, na medida em que a cidade ia se constituindo como um lugar
mais adequado para se viver e, concomitantemente, formando sua própria
sociedade: a) comércio e serviços em geral - incluindo programação de rádio e TV;
103

b) atividades culturais, religiosas, de lazer e entretenimento; c) esporte; e d)


educação.

a) Comércio e serviços (incluindo rádio e TV):

Durante a pesquisa nos arquivos do jornal Correio Braziliense e,


posteriormente, na avaliação do corpus obtido junto ao Centro de Documentação
dos Diários Associados em Brasília – CEDOC foram identificadas, desde a primeira
edição do jornal publicada em 21 de abril de 1960, data da inauguração de Brasília,
anúncios de casas comerciais que já haviam se instalado no denominado Núcleo
Bandeirante, antes Cidade Livre, e que já ofereciam à população inúmeros produtos
e serviços, como, por exemplo, a Casa Cruzeiro do Sul que oferecia de
eletrodomésticos a bicicletas e acessórios, a Sociedade São Marcos, que oferecia
os famosos isolantes da marca Eucatex, a Casa Faroeste e a Casa Príncipe, que
ofereciam roupas feitas e produtos de armarinho, o Salão Marietta e seu famoso
cabelereiro “Peppe”, vindo de São Paulo para cuidar dos cabelos das “senhoras
elegantes” de Brasília, a loja Materco que oferecia ladrilhos hidráulicos e os típicos
cobogós feitos de cerâmica, tão amplamente utilizados na arquitetura dos prédios
das superquadras residenciais, a Brascar, que oferecia aluguel de carros, a até hoje
famosa “Peixe e Gelo”, peixaria e distribuidora de gelo na W4 sul, a Novabrás
Comercial S.A, fornecedora de tintas, o Chaveiro Universal, que já atendia a
domicílio, dentre inúmeras outras casas que ofereciam serviços e produtos que, aos
poucos, se estabeleceram na cidade para oferecer maior conforto aos recém-
chegados moradores de Brasília, assim como contribuíram para a consolidação da
economia do novo Distrito Federal.

E, além de todos esses serviços e estruturas comerciais, logo no dia 21 de


abril de 1960, concomitante à inauguração de Brasília, foram inaugurados o jornal
Correio Braziliense e a TV Brasília pelo Dr. Gilberto Chateaubriand, filho do fundador
dos Diários Associados, Assis Chateaubriand e diretor-presidente dos Diários
Associados. A nova emissora TV Brasília teve como madrinha a Sra. Shelagh
Parmell, vinda diretamente de Londres especialmente para a cerimônia. Shelagh era
editora da revista feminina “She” e esposa do banqueiro Charles Edward Parnell.
Adjetivada pela matéria do jornal como ‘lindíssima e extremamente fotogênica’,
viajou de Londres para Brasília somente para cortar o laço inaugural. Tamanha
deferência fez com que os Diários Associados lhe prestassem homenagem à altura,
104

oferecendo-lhe, como mimo de recordação do Brasil, um colar com cinco águas-


marinhas, 100 quilates de brilhantes e 300 pedras preciosas. (Corpus, vol. 2, p. 5)

No que tangia à área de comunicação na cidade, assim como o Correio


Braziliense, a Imprensa Nacional também começou a funcionar no dia 21 de abril de
1960. Segundo uma pequena nota publicada na mesma Edição Comemorativa, a
Imprensa Nacional passou a funcionar normalmente a partir daquele dia, muito
embora seu prédio se encontrasse apenas com o teto e o piso construídos. A
rotativa e os linotipos funcionariam por meio de geradores, pois a energia ainda não
havia sido ligada. E, como o gerador era de pequena capacidade, funcionariam
parcialmente as diversas sessões encarregadas da impressão do Diário Oficial.
(CORREIO BRAZILIENSE, 1960) (Corpus, Anexo B, p. 6).

A TV Brasília, que ocupou inicialmente o canal 5 e posteriormente o canal 6


nas poucas televisões já existentes na cidade, tornou-se, juntamente com o Correio
Braziliense, uma importante fonte de informação e entretenimento para a população,
contribuindo também para a divulgação das atividades culturais da nova Capital,
haja vista a constante publicação de anúncios contendo sua programação em todas
as edições do Correio Braziliense durante o primeiro ano de Brasília. (Corpus, Anexo
B, pp. 1 e 5)

Em 18 de novembro de 1960, o jornal noticia que a TV Brasília teria o


programa chamado “Ponto e contraponto”, no qual seriam discutidas as falhas
identificadas na estrutura da nova Capital, assim como as dificuldades enfrentadas
pela população no primeiro ano de Brasília. Na matéria, o jornal avisa que a TV
Brasília aceitaria sugestões sobre os temas a serem abordados e as perguntas a
serem formuladas aos entrevistados pelo programa que teria o comando de Aloísio
Chaves. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

Nessa mesma edição, é noticiada a realização da peça “O sorriso de pedra”,


de Pedro Bloch, que seria apresentada às 21 horas do dia 19 de novembro de 1960,
por Madame Morineau, nos “salões da Escola-Parque”. O espetáculo seria realizado
em benefício das crianças desamparadas do DF e, também, em homenagem ao
Presidente da República Juscelino Kubistchek, contando com a participação
especial de Delorges Caminha e de Simone de Moura, com cenários de Fernando
Pamplona. Segundo a matéria, o texto de “O sorriso de pedra” focaliza o conflito
máximo com que se pode deparar uma mulher e, nessa apresentação, Madame
105

Morineau atingiu a maior interpretação de sua já gloriosa vida artística. (CORREIO


BRAZILIENSE, 1960)

Ainda sobre a TV Brasília, como fonte de cultura e entretenimento, cuja


programação era divulgada pelo jornal que, diariamente, lembrava à população que
poderia assisti-la inicialmente no canal 5 e, depois, pelo canal 6. O jornal também
disponibilizava a programação das Rádios Tamoio e Tupi, que veiculavam as
famosas novelas radiofônicas à época, como a intitulada “Duas vidas e um futuro”,
de Nelson Jair dos Santos, transmitida, diariamente, às 11h30. Com seleções
musicais de Hoy Hamilton, a Rádio Tamoio apresentava todos os dias, às 6 horas, o
programa “Motivos mil deste Brasil”. E, às 8h da manhã, ia ao ar pela Rádio Tamoio
o programa “Parada do Dia”, com seleções feitas por Paulo Costa. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)

Ainda por meio do jornal, a população era informada sobre os endereços dos
órgãos públicos e autarquias já estabelecidas na cidade, assim como seus telefones,
todos publicados em quadros específicos e destacados em meio à diagramação
para facilitar a visualização e consulta dos leitores. Como um exemplo dessa prática,
logo à primeira edição do Correio Braziliense publicada no dia 21 de abril de 1960, o
jornal já disponibilizava o que chamou de “localização provisória dos ministérios”.
Nesta listagem, constavam os ministérios da Fazenda, Educação e Cultura,
Aeronáutica, Agricultura, Guerra, Marinha, Trabalho, Indústria e Comércio, Viação e
Obras Públicas, Justiça e Negócios Interiores, Saúde, Relações Exteriores, o
Tribunal Superior Eleitoral, o Tribunal Federal de Recursos e a Justiça Local.
(Corpus, Anexo B, p. 2)

Nas edições dos dias 26 e 27 de abril de abril de 1960, o jornal trouxe em


destaque o que se poderia denominar de “agenda telefônica” da nova capital – um
quadro em ordem alfabética de A a W, contendo 229 números de telefones. Dentre
os disponibilizados, constavam alguns residenciais, de escritórios, autarquias e
órgãos governamentais já instalados, assim como dos inúmeros serviços com os
quais a população contava desde a inauguração da cidade, tais como o Banco do
Brasil, Banco de Crédito Brasileiro, Banco de Crédito Real, Banco do Estado de
Goiás, Banco Lavoura Minas Gerais e o Banco Nacional. Nessa mesma primeira
lista, os chamados “pioneiros” também já podiam encontrar os telefones do Hospital
Distrital de Brasília, do Hotel Brasília Palace – primeiro hotel de luxo inaugurado na
106

cidade, da Fundação Casa Popular, do Corpo de Bombeiros, do Departamento de


Correios e Telégrafos, Departamento Imobiliário, da Divisão de Comunicações e
Transportes Aéreos, da Escola Parque, da Embaixada Americana, do Instituto de
Previdência e Assistência aos Servidores do Estado – IPASE, do Instituto de
Aposentadorias e Pensões dos Bancários – IAPB, da Igreja Nossa Senhora de
Fátima, a Igrejinha, da Inspetoria de Trânsito, das empresas aéreas Varig e VASP,
da já instalada Rádio Nacional, da Polícia, do Pronto Socorro e novamente dos
ministérios e tribunais estabelecidos. E torna-se muito importante ressaltar, que toda
essa infraestrutura se estabeleceu ainda durante o período de construção da cidade
e, portanto, já pode ser registrada pelo jornal logo em suas primeiras edições
publicadas nos cinco primeiros dias após a inauguração de Brasília. (p. 19 do corpus
anexo)

E Brasília seguia adquirindo, cada vez mais, ares de uma grande cidade, uma
verdadeira capital. Aos poucos, o Plano Piloto estava crescendo e se tornando
autônomo, com a instalação de lojas já famosas no País, que ofereciam produtos e
serviços à população pioneira de Brasília, como as Lojas Riachuelo, cuja instalação
foi noticiada pelo Correio Braziliense na edição do dia 10 de dezembro de 1960. A
chamada da notícia que, na verdade, era um informe publicitário, afirmava “centenas
de lojas inauguram-se na área definitiva do Plano Piloto, que tem a preferência das
donas de casa, a exemplo das Lojas Riachuelo.” Na edição de 4 de julho de 1960, o
jornal noticiou a inauguração das Casas Pernambucanas, no Setor Comercial Local
da Super Quadra 108, na Asa Sul, com a presença de Israel Pinheiro e do ministro
Armando Falcão, que cortou a fita simbólica. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

Assim como as Lojas Riachuelo e as Casas Pernambucanas, vários outros


estabelecimentos comerciais voltados à oferta de produtos e serviços também foram
sendo instalados na cidade ao longo de seu primeiro ano. Alguns, como citado
anteriormente, já existiam desde a época da construção de Brasília, ainda na Cidade
Livre, ou Núcleo Bandeirante, como é denominado até os dias atuais.

Brasília, em seus primeiros dias de vida, já possuía lojas, bares, restaurantes


e hotéis para o acolhimento dos turistas e dos cidadãos que vinham à cidade a
trabalho. E, em alguns desses bares e restaurantes, por exemplo, eram oferecidos
shows de música de vários artistas como uma alternativa de entretenimento
oferecida à população.
107

Como prova da existência desses estabelecimentos na cidade que acabara


de nascer, na edição comemorativa da inauguração de Brasília, em 21 de abril de
1960, o “Cinédia Bar e Hotel”, localizado na Avenida Central, nº 880, no Núcleo
Bandeirante, “congratulava-se com o Brasil e todos os brasileiros pelo nascimento
da mais moderna capital do mundo”, de acordo com o anúncio publicado na página
04, do 2º caderno.

Ainda na primeira edição do Correio Braziliense, a matéria intitulada “Milagre


do século: Candangos ouvem clássicos e assimilam a civilização enquanto fazem pé
de meia”, publicada na página 15 do 2º caderno, o motorista da NOVACAP, Paulo
Pires, revela à reportagem do jornal que no King’s Bar, o bar dos candangos em
Brasília, também localizado na Cidade Livre, só se tocava música clássica. Segundo
Pires, nada de sambas, boleros ou foxes. De brasileira, só “Casinha Pequenina”, de
Haeckel Tavares, ou “Luar do Sertão”, de Catulo da Paixão Cearense. Pires também
ressalta "Dá gosto ver dezenas de candangos aproveitando o momento de folga
para, em meio a uma cerveja ou água mineral, ouvir com devoção religiosa Lizst,
Chopin, Beethoven, Schubert, Debussy ou Tchaikovsky". Diz ainda a matéria, que
Paulo Pires havia se mudado para Brasília em 1958 e “tomou conta da cidade”, pois
conhecia cada construção erguida e contava sua história, incluindo conhecimentos
sobre os empreiteiros, o valor da construção e o tempo gasto para edificá-la. Pires
havia se misturado aos Candangos – “o prodigioso material humano que veio de
outras paragens para construir a nova capital brasileira”, e também dizia conhecer
suas lutas, lamúrias, anseios, vitórias e derrotas. Segundo a matéria, foi de Paulo
Pires, um motorista humilde, mas que tinha a “bossa” de autêntico pesquisador e
sociólogo, que os jornalistas do Correio Braziliense haviam obtido, espantados, as
mais impressionantes revelações sobre a construção de Brasília e sobre a vida de
seus Candangos. (CORREIO BRAZILIENSE, 1690)

Havia inúmeros outros registros no jornal, de estabelecimentos que ofereciam


serviços de lazer e entretenimento aos pioneiros. Dentre eles, podem ser elencados
a famosa Churrascaria do Lago, o Buffet e Restaurante Presidente, o Luca’s Bar,
que, segundo anúncio publicado no dia 28 de agosto de 1960, estava “sempre às
ordens” para seus frequentadores, o restaurante Candango’s que prometia o maior
réveillon de Brasília e trouxe à cidade o show de Sílvio Caldas – o seresteiro do
Brasil, o restaurante “Macumba”, considerado o primeiro “night-club” de Brasília que,
108

como já citado anteriormente, recebera esse nome em homenagem à praia da


Macumba no Rio de Janeiro e oferecia um cardápio de cozinha internacional, além
de realizar vários shows “em um ambiente de alta categoria”, como o do músico
“Pernambuco” e seu conjunto e do Cantor Cauby Peixoto, a Boite Pillango e o até
hoje reconhecido Restaurante Roma, localizado na W3 sul, na quadra 511, no
mesmo local onde se estabeleceu em 1960. E, localizado no eixo Monumental,
estava o Restaurante Monumental, que oferecia jantares dançantes aos sábados.
(CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

Complementando o setor de serviços em geral oferecidos aos pioneiros entre


os anos de 1960 e 1961, foram identificados durante a pesquisa como anunciantes
assíduos do Correio Braziliense, a Padaria e Confeitaria Royal, o Chaveiro
Universal, a VARIG, a Organização Santo Antônio – Panificação e Confeitaria, a
Farmácia Minas Brasília, na W3 Sul, o Brasília Bazar, no Núcleo Bandeirante, onde
se encontravam “os mais finos e sugestivos artigos para presentes e lembranças da
Nova Capital”, a Boutique Ma-Griffe, a Casa dos Pneus Itália, a Real Aerovias
Brasília, as Drogarias Econômica e Leão, na W3 Sul, A Fábrica de Carimbos do
Núcleo Bandeirante e a Casa do Atleta, também na W3 Sul, a Brastemp –
revendedora e assistência técnica, as Persianas Planalto, os Móveis Planalto, A Loja
do Livro – primeira livraria do Plano Piloto, localizada na Superquadra 104, junto à
Folha de São Paulo, a Panair do Brasil, as floriculturas Flora Brasil e Brasília, o
Expresso Mineiro, a Joalheria H. Stern, localizada no Brasília Palace Hotel, a Galeria
de Louças e Cristais, na W3, o Hospital e Clínica Veterinária Dom Bosco, a Escola
Paroquial Nossa Senhora do Carmo, o Auto Posto Cascão e o Automóvel Clube de
Brasília, a Casa Cruzeiro do Sul, anteriormente citada como loja de eletrodomésticos
e variedades e, até hoje, existente e muito conhecida, Pioneira da Borracha,
inaugurada em março de 1961, além dos anúncios classificados de serviços de
advocacia, consultórios dentários, médicos, engenheiros, arquitetos, dentre outros
vários serviços já disponíveis na cidade.

Assim como em outras cidades no Brasil, as feiras livres também aconteciam


em Brasília, como mais uma alternativa para o comércio de alimentos à população.
No entanto, segundo a matéria publicada em 29 de abril de 1960, apenas oito dias
após a inauguração da cidade, essas feiras estariam representando um grave
problema na medida em que, ignorados pelas autoridades sanitárias, os feirantes
109

estariam erguendo as feiras em vários pontos considerados inadequados na Capital.


Segundo a matéria intitulada “Feiras imundas estão invadindo Brasília”, durante a
construção da Capital, os vendedores ambulantes tiveram seu papel e colaboraram
no abastecimento dos acampamentos, levando aos candangos mercadorias que não
se encontravam nos armazéns das companhias construtoras e que, para serem
adquiridas no Mercado da NOVACAP, tomariam grande tempo dos trabalhadores.
Porém, com a inauguração de Brasília, surgiram vários estabelecimentos comerciais
que ofereciam produtos à população, contribuindo “para dar alma à cidade”,
paralelamente pagando impostos e tributos para o seu funcionamento, ao passo que
os feirantes atuavam de forma irregular e não prezavam pela conservação da
higiene nos locais onde aconteciam as feiras. Surgia ali, portanto, logo em seus
primórdios como grande centro urbano, o primeiro de vários outros problemas que
Brasília enfrentaria em relação à atividade ambulante. (CORREIO BRAZILIENSE,
1960)

Brasília continuava se consolidando em todos os setores, sempre retratada


pelo jornal que se tornava um grande e valioso guia do que encontrar e fazer na
cidade. Aos que desejassem visitar Brasília em um futuro breve e se hospedar em
um hotel pertencente a uma rede internacional, já poderiam aguardar pela
inauguração do Hilton Hotel, cuja pedra fundamental foi lançada pelo proprietário da
famosa rede, Conrad Hilton, no dia 22 de abril de 1960, com registro do jornal na
edição do dia seguinte. À cerimônia, segundo o jornal, compareceu o Presidente JK,
sua esposa, Dona Sara Kubitschek, a filha do casal, Márcia e o prefeito de Brasília,
Sr. Israel Pinheiro. Na ocasião, Juscelino teria lembrado a Conrad Hilton que o prazo
máximo para as obras em Brasília era de apenas um ano, tendo obtido a garantia do
empresário de que o hotel estaria concluído dentro desse prazo. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)

Outro importante e histórico integrante da rede hoteleira que se formava em


Brasília, era o Palace Hotel, considerado pelos pioneiros o “salão de visitas” da nova
capital, pois, muito antes da inauguração oficial da cidade, o Brasília Palace Hotel já
era reconhecidamente o melhor e mais elegante espaço disponível para a realização
de reuniões de grandes personalidades nacionais e internacionais para tratar de
assuntos relacionados à política, negócios, ou apenas para “saborear aperitivos e
trocar impressões sobre a majestosa cidade”. Cita a notícia publicada em 15 de
110

maio de 1960, que banqueiros, industriais, políticos, jornalistas, artistas e homens


públicos de grande projeção eram ali diariamente encontrados, desfrutando da
“cordialidade impar” que constituía a principal característica da equipe treinada e
administrada pelo Sr. Maurício Fernandes, dirigente do Hotel à época.

Nessa mesma matéria, há um interessante relato a respeito dos motivos que


levaram Maurício Fernandes a se transferir para Brasília com sua família, ainda
durante as obras de construção da cidade:

Maurício Fernandes e sua esposa, Dona Chiquinha, seu braço direito e uma
das pessoas mais procuradas em Brasília – vivem felizes na Capital da
República. Até fins de 1957, possivelmente jamais pensaram em residir em
Brasília. Tudo aconteceu no aniversário natalício do Sr. Israel Pinheiro, em
04 de janeiro de 1958, quando o Sr. Maurício veio à futura Capital da
República cumprimentar Israel Pinheiro e se impressionou com as obras da
cidade que ainda estavam em começo. Confiou, desde logo, no Presidente
da República, e para aqui se transferiu com sua família, abandonando seus
interesses em São Paulo, para tomar parte no belo sonho de Juscelino
Kubitschek de Oliveira, que ele, Maurício, tinha certeza de que se tornaria
realidade. Pré-inaugurou o hotel e até hoje continua em sua direção,
esforçando- se para dar o máximo aos que são seus hóspedes. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)

A vida financeira na cidade também se organizava com a instalação das


principais instituições bancárias do País, ainda em 1960. Dentre elas, estavam o
Banco de Crédito da Amazônia S.A, o Banco de Crédito Real de Minas Gerais S.A, o
Banco da Lavoura de Minas Gerais S/A, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica
Federal, o Banco Francês e Italiano para a América do Sul S.A, Banco Hipotecário e
Agrícola do estado de Minas Gerais S.A, o Banco Agrícola Mercantil S/A e o Banco
Novo Mundo S.A.

Em suas edições diárias, desde a sua inauguração concomitante à


inauguração da cidade, o Correio Braziliense servia à população com informações
imprescindíveis sobre o funcionamento de autarquias, do comércio, de serviços e,
ao que se refere o objeto deste trabalho, das atividades culturais que davam ainda
mais vida a uma Brasília com apenas meses de vida.

O jornal também noticiou a estruturação da cidade ao longo de seu primeiro


ano em vários outros setores básicos, como segurança, saúde e transporte público,
por exemplo. Nas edições datadas de 10 de julho e 14 de setembro de 1960,
respectivamente, foram publicadas notícias sobre a constituição da Academia de
Polícia de Brasília e das providências tomadas pela Prefeitura de Brasília e pela
111

NOVACAP, com vistas ao policiamento à volta do Lago Paranoá. Também na edição


de 14 de setembro consta notícia sobre a extensão de linhas de ônibus já existentes.
Foi também noticiado o encerramento das obras do Hospital Distrital de Brasília,
inaugurado no dia 12 de setembro de 1960, data de aniversário do presidente e
também médico, Juscelino Kubitschek de Oliveira, hoje denominado como Hospital
de Base de Brasília. Em 1960 Brasília também ganhou seu primeiro Posto de
Saúde, igualmente noticiado pelo jornal. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

Logo nos primeiros dias após sua inauguração, Brasília já oferecia atividades
e infraestrutura voltadas às crianças, conforme matéria publicada na capa da edição
de 23 de abril de 1960, terceira edição do Correio Braziliense, ou seja, apenas dois
dias após a entrega oficial da cidade à população. Segundo a notícia, as crianças já
teriam “tomado de assalto” os parques infantis da cidade ainda no dia anterior, 22 de
abril, antes mesmo da inauguração oficial desses espaços. Dentre eles, havia o
parque localizado na Avenida W3 Sul, junto ao Núcleo Residencial da Caixa
Econômica Federal, que tinha capacidade para o acolhimento de 150 crianças, de
cinco a dez anos de idade que, para frequentá-lo, deveriam inscrever-se na Divisão
de Educação do Núcleo de Educação da NOVACAP (Companhia Urbanizadora da
Nova Capital). O parque possuía uma piscina de 20 metros de comprimento por 11
metros de largura, com profundidade entre 80 cm a 1,20m, tendo sido projetada
exclusivamente para a utilização infantil. A matéria é finalizada com a informação
minuciosa de que o parque também contava com gangorras, balanços,
escorregadores, “giradores” e barras para Educação Física. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)

b) Atividades culturais, religiosas, lazer e entretenimento:

Brasília também se estruturava, durante seu primeiro ano de existência, em


relação à cultura. Gradativamente, a cidade ia proporcionando os mais diversos
eventos e atividades culturais à população que, desde os primeiros dias após sua
inauguração, já foram noticiados nas edições do jornal Correio Braziliense. Na
edição de 8 de março de 1961 foi publicada a notícia sobre as apresentações das
escolas de samba Mangueira e Viradouro, do Rio de Janeiro, que seriam realizadas
no dia 23 de abril, como um dos eventos comemorativos pelo primeiro aniversário de
Brasília. A edição do dia 19 de abril de 1961 noticiou o espetáculo “Em moeda
corrente do País”, de Abílio P. de Almeida, no Teatro Cacilda Becker, que se
112

localizava “junto à plataforma monumental”, com estreia programada para o dia 21


de abril de 1961. Nessa mesma edição, foi também publicada a notícia de que um
novo grupo de teatro havia sido fundado em Brasília. Tratava-se do Grupo Teatral
Candango amador que se chamaria “Teatro Popular de Brasília”, formado por
jornalistas, advogados, professores, estudantes, dentistas, médicos e, como não
podia deixar de ser, a atriz Silvia Ortoff, que já havia sido companheira de Cacilda
Becker no TBC de São Paulo. O primeiro espetáculo do grupo foi a peça “O Auto da
Compadecida”, de Ariano Suassuna que, segundo a matéria, viria a Brasília para
prestigiar a apresentação de sua peça pelo grupo no “pequeno” auditório do Teatro
Nacional que, à época, já estava quase pronto. (CORREIO BRAZILIENSE, 1961)

Quanto às opções de entretenimento oferecidas aos Candangos e pioneiros,


na Cidade Livre, por exemplo, existiam dois pequenos cinemas que, de acordo com
as primeiras queixas e reclamações publicadas pelo jornal, na edição de 26 de abril
de 1960, “encontravam-se em péssimas condições”. Segundo a nota publicada pelo
jornal, “os leitores do Correio Braziliense pediam para que o jornal reclamasse das
más condições e do desconforto em que se encontravam as duas “casas exibidoras
de filmes do Núcleo Bandeirante”. Ainda segundo a nota, "as programações
semanais eram ruins e os filmes exibidos eram velhos". Além disso, o ingresso ao
preço de trinta cruzeiros era muito caro”. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960) (Corpus,
Anexo B, p. 19)

Contudo, apesar das queixas e problemas detectados logo na primeira


semana após a inauguração da cidade, Brasília já possuía uma vida cultural
bastante agitada e diversificada desde antes de sua inauguração, uma vez que, na
mesma Cidade Livre ou Núcleo Bandeirante, ainda durante o período das obras de
construção da cidade, os Candangos realizavam os mesmos festejos religiosos de
suas terras natais, assim como promoviam diferentes festas para as quais eram
produzidos pratos típicos de suas regiões de origem, e cujas músicas e danças eram
também regionais. (VASCONCELOS, 2007)

Outra grande preocupação dos pioneiros e candangos, ainda durante a


construção da cidade, foi a formação das chamadas agremiações sociais e de
classe que, segundo nota publicada no jornal em 21 de abril, na ocasião da
inauguração de Brasília, já possibilitavam um ambiente alegre e festivo aos
113

habitantes da nova capital, assim como aos que trabalharam em sua edificação.
(CORREIO BRAZILIENSE, 1960) (Corpus, Anexo B, p. 2).

Àquela época, não somente os funcionários da Companhia Urbanizadora da


Nova Capital haviam construído seu clube, denominado Paranoá, como assim
fizeram aqueles que aqui chegaram logo no início da construção da cidade. Ainda
segundo o relato do jornal, “as atenções dos pioneiros não teriam se voltado apenas
para o andamento das obras. Por eles foram fundadas associações de classe,
clubes dançantes e esportivos e, logo após a inauguração da cidade, já se iniciava a
criação e estruturação de clubes para a prática de esportes aquáticos, às margens
do Lago Paranoá”. Segundo o jornal, era o lago artificial que “adornava” a nova
capital brasileira. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960) E a primeira regata à vela
realizada no Lago Paranoá aconteceu na tarde do dia 23 de abril de 1960, tendo
sido promovida pelo Iate Clube de Brasília. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)
(Corpus, Anexo B, p. 17).

Na nota publicada na edição comemorativa de 21 de abril de 1960 pelo


Correio, foram citados o Cota Mil Iate Clube, O Iate Clube de Brasília e o Jangada
Club, como sendo os clubes que congregariam os membros da alta sociedade local,
constituída pelos pioneiros mais abastados, grupo este constituído pelos
funcionários públicos do alto escalão do governo que haviam se transferido com
suas famílias do Rio de Janeiro para Brasília, assim como por empresários dos mais
variados setores e profissionais liberais autônomos de diferentes áreas. (Corpus,
Anexo B, p. 2)

Além da TV e do rádio, que categorizamos como “serviços”, os pioneiros já


podiam contar com uma programação diária de cinema, no Cine Brasília. Projetado
por Oscar Niemeyer e inaugurado no dia 22 de abril de 1960, segundo o jornal, que
disponibilizava diariamente sua programação, o cinema localizava-se, à época e
localiza-se até os dias atuais, nas proximidades dos conjuntos de apartamentos do
IAPE, ou seja, entre as superquadras 106 e 107, na Asa Sul. Desde sua
inauguração, o Cine Brasília sedia o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. (47º
FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO, 2014).

Outras importantes fontes de atividades culturais que foram surgindo na


cidade logo em seus primeiros dias de existência, eram as associações dos Estados
fundadas na nova capital. A mais antiga de que se tem notícia por meio do jornal, é
114

a Casa do Ceará no Planalto. De acordo com matéria publicada em 27 de abril de


1960, na página dois do primeiro caderno, 16.000 cearenses tornaram-se
candangos em Brasília e, para melhor acolhê-los na cidade, estavam sendo
“lançadas” as primeiras ações para o clube à beira do Lago Paranoá, que se
chamaria “Casa do Ceará”. Fundado no dia 03 de abril daquele ano de 1960, no
clube seriam oferecidos trabalho e recreação, onde os cearenses poderiam ouvir a
boa música nordestina que traria lembranças da jangada, do mar e do sertão para a
alma nostálgica do cearense. E, por serem os cearenses o maior núcleo nordestino
dentre os que vieram para construir a Capital, nada mais justo que fosse fundada
uma sociedade que pudesse congregar toda essa gente, homenageando e
disseminando sua linda e rica cultura. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

A cidade já oferecia, nos primeiros meses após sua inauguração, pontos


turísticos e de entretenimento que, até os dias atuais, fazem parte da rotina do povo
brasiliense e dos turistas que visitam a Capital. Dentre eles, está o Zoológico de
Brasília, cuja fundação foi noticiada pelo Correio Braziliense na página oito da
edição do dia 4 de maio de 1960. Sob o título “Zoológico de Brasília oferece ótimo
recanto para se passear”, a matéria rebate as críticas da população de que a cidade
não teria lugares propícios ao lazer, propondo-se a apresentar sistematicamente,
reportagens sobre “recantos belíssimos onde a população poderá deleitar-se nos
momentos disponíveis.” Ainda segundo o texto da matéria “Existem na nova capital
vários logradouros onde se pode levar a família, a noiva ou a namorada, quando não
os amigos e parentes, e se passar momentos de grande alegria, distraindo-se
salutarmente.” (CORREIO BRAZILIENSE, 1960).

E o Jardim Zoológico era um desses lugares, apesar de, à época, possuir


apenas instalações provisórias, nas proximidades do Núcleo Bandeirante, onde se
localiza até os dias atuais. Segundo a matéria, o Zoo de Brasília prometia ser um
dos maiores do mundo quando estivesse concluído, sendo que, até aquela data,
ainda se mostrava “acanhado”, contando com 350 animais entre aves, mamíferos e
répteis de mais de 70 espécies diferentes. Dentre os animais lá existentes, o jornal
destacou onças, antas, um Lobo-Guará, araras e macacos. Inaugurado ainda
durante as obras da construção de Brasília, em 06/12/1957, o Zoológico já ocupava
uma área de quase cinco alqueires e mantinha também, como até os dias atuais, em
2016, uma seção de Botânica, onde existiam culturas de vegetais, legumes e
115

diversos alimentos destinados à alimentação dos animais. A matéria orienta a


população sobre a necessidade de que sejam solicitados “cicerones” (funcionários
do Zoológico) para as visitas, pois estes já se encontravam “profundamente
integrados àquelas dependências da NOVACAP” e, por isto, estariam devidamente
habilitados a orientar a população durante a visita ao Zoo. Na ocasião, a reportagem
do Correio teria sido acompanhada pelo próprio administrador do Zoológico, o
Zoonaturalista José Boitone. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

Hoje, o Zoológico leva o nome do Sargento Sílvio Delmar Hollembach que,


em agosto de 1977, morreu alguns dias após salvar um menino de 13 anos que
havia caído no fosso do viveiro das ariranhas. O militar, heroicamente, conseguiu
retirar a criança do local, mas sofreu um grave ataque dos animais que, segundo os
biólogos responsáveis, temiam por suas crias recentes. (FUNDAÇÃO ZOOLÓGICO
DE BRASÍLIA, 2014).

E as atividades relacionadas à cultura e ao entretenimento iam, cada vez


mais, se disseminando pela nova capital com o passar dos meses após a sua
inauguração. Aos poucos, a população de pioneiros já podia contar com diferentes
oportunidades para a apreciação de exposições como, por exemplo, a de 80 obras
incaicas noticiada pelo Correio Braziliense na edição do dia 11 de maio de 1960.
Tratava-se de uma exposição permanente patrocinada pela Biblioteca Visconde de
Porto Seguro e organizada na própria residência do artista plástico peruano Felix
Alejandro Barrenechea Avilés, o mesmo que oferecia aulas de artes nessa mesma
residência localizada em uma superquadra da Asa Sul. (CORREIO BRAZILIENSE,
1960).

E em 20 de setembro de 1960, o Correio noticiou que, em celebração à


amizade entre Brasil e Peru, seria inaugurada no Hall do Ministério da Aeronáutica,
no fim daquela semana, a exposição de pinturas do artista peruano Jorge Leon
Linares que se encontrava em Brasília a convite do Ministro da Aeronáutica,
Francisco de Assis Correia de Melo (FAB, 2016), e realizaria também exposições em
São Paulo e no Rio de Janeiro. A exposição era composta por quadros do artista
Jorge Leon Linares e de fotografias documentárias da cultura Mochica, da qual o
artista era representante. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

Nessa mesma edição e na mesma página, o jornal registra a realização do


primeiro casamento celebrado na sede provisória da Igreja Nossa Senhora
116

Aparecida, Catedral de Brasília. Segundo o jornal, o ato religioso foi oficiado no


enlace matrimonial de Waldir de Souza Fonseca e Elza Godoi de Santana. A
cerimônia teve como celebrante o Pe. Geraldo do Nascimento Lúcio, pároco da
Catedral, tendo como auxiliar o Pe. José Duque de Oliveira, secretário particular da
Arquidiocese de Brasília. Segundo a nota do jornal, teria “explicado” a santa missa o
Pe. João Carlos Horta Duarte, chanceler do arcebispo de Brasília. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960) E é interessante ressaltar, que toda a liturgia da cerimônia
religiosa do casamento foi transcrita pelo jornal, incluindo as falas dos celebrantes.

Como mais um exemplo do papel decisivo exercido pelo jornal no incentivo à


realização e ao fortalecimento das atividades culturais na cidade em seu primeiro
ano de existência, na edição do dia 24 de julho de 1960, em matéria assinada pelo
cronista Esaú de Carvalho, é ressaltada a entrevista realizada com o pianista
Arnaldo Estrela que acabara de apresentar com grande sucesso, seu segundo
recital na nova Capital da República. Segundo Esaú, Arnaldo Estrela teria declarado
que Brasília possuía “um campo muito bom para a vida musical intensa”, tendo em
vista o sucesso de seus recitais realizados no auditório da Escola-Parque.

Ainda segundo o cronista, o pianista teria também ressaltado a rica


diversidade cultural apresentada pela plateia composta por cariocas, paulistas,
mineiros e goianos, mas também nordestinos, nortistas e sulistas. De acordo com a
matéria, Arnaldo Estrela classificou seu público em Brasília como sendo uma “plateia
brasileira” e ainda ressaltou o fato de várias pessoas o terem procurado ao final da
apresentação interessadas no estudo da música. À época, Brasília já contava com a
Academia de Música Lorenzo Fernandes e, segundo Estrela, outras escolas
deveriam surgir em breve na Capital.

Arnaldo Estrela também teria comentado com Esaú de Carvalho sobre o


funcionamento da Orquestra Filarmônica de Brasília, criada pelo Maestro Eleazar de
Carvalho. Disse o pianista na ocasião, que considerava a Orquestra Sinfônica como
a espinha dorsal da vida musical de uma grande cidade, e que Brasília se tornaria
uma brevemente.

E Esaú de Carvalho encerra a matéria com a seguinte declaração:


117

Aí estão algumas ideias que nem são do cronista, mas de um nome


eminente da música brasileira, homem de larga experiência. Alguém deve,
portanto, tomar o encargo de começar a organizar tudo o que for essencial
em Brasília, para que o movimento musical corresponda à nossa condição
de Capital da República. O Ministério da Educação e a Prefeitura hão de ter
a sua parte decisiva. Ajam ou deem apoio pelo àqueles que, especializados,
estão desejosos de fazer alguma coisa por Brasília. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)

Em setembro do mesmo ano, Esaú de Carvalho cobriu a apresentação da


pianista húngara, Lili Kraus, trazida a Brasília pela já constituída Associação
Brasiliense de Arte.

E a cultura em Brasília continuava a receber reforços em todos os setores,


sempre apoiada pelo jornal. Desta vez, era a dança clássica que tomava seu espaço
na vida cultural da Capital por meio de um espetáculo beneficente. Na edição de 18
de outubro de 1960, foi publicada a notícia de que a professora de ballet, a carioca
Emid Sauer, e suas alunas viriam a Brasília para realizar uma apresentação em
benefício da construção da Catedral, da Casa do Candango e do Seminário. E, por
se tratar de um evento beneficente, no intervalo da apresentação aconteceria o
sorteio de prêmios entre os que adquirissem os programas numerados. Na ocasião,
um grupo de rapazes da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
chamado “Os Magnatas”, tocariam músicas típicas. Era importante ressaltar que os
ingressos para os espetáculos que aconteceriam nos dias 22 e 23 de outubro de
1960, no auditório da Escola-Parque, poderiam ser adquiridos com uma das
patronesses do evento, a Senhora Conceição Soares Dutra, pelo número de
telefone 2-0358. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

Esaú de Carvalho, o principal cronista cultural da cidade à época, igualmente


noticiou a vinda da cantora coreana Joy Kim. Segundo Carvalho, apesar da chuva
que assolou a cidade no dia em que aconteceu a apresentação sem data definida na
matéria, foi “boa a plateia que admirou a graciosa artista” que interpretou as
Bachianas Brasileiras de Heitor Villa-Lobos e, como número extra, a canção “O
Coco de minha terra”, do compositor Heckel Tavares. Ainda na matéria, Carvalho
ressalta que aquela era mais uma demonstração do que podia fazer a ainda
“desprotegida” Associação Brasiliense de Arte, que tinha como mentora Clara Melro
que, segundo o jornalista, "vinha lutando sozinha para a consolidação da
Associação, necessitando do apoio da sociedade brasiliense". (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)
118

Os espetáculos teatrais da cidade eram transmitidos à população pela TV


Brasília que, como já citado anteriormente, tinha sua programação diariamente
publicada no jornal. Como exemplos dessa atividade da TV, nas edições de 04 e 12
de novembro de 1960, foram noticiadas, respectivamente, as apresentações do
“Grande Teatro”, com a peça “Terras do sem fim”, baseada no romance do escritor
Jorge Amado, com produção e direção de Sérgio Brito, e a peça “A revolta dos
brinquedos”, de Pernambuco de Oliveira, com direção de Maria José Braga, que
seria apresentada pelo Teatro do Estudante de Brasília, pertencente ao Clube de
Teatro do centro de Educação Média de Brasília. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

Enquanto a cidade se estruturava a adquiria vida própria, o jornal ia


cumprindo o seu papel diário como disseminador das informações sobre as
novidades que surgiam dia após dia em Brasília, assumindo enquanto meio de
comunicação, sua função de fazer circular informações de utilidade pública.

Como mais um incentivo à consolidação da cultura em Brasília, em 8 de


dezembro de 1960, em matéria de capa, o jornal traz a notícia de que novas casas
de espetáculo seriam entregues à população. Segundo o texto, o Sr. Pery da Rocha
França, presidente da NOVACAP (Companhia Urbanizadora da Nova Capital do
Brasil), teria declarado que no próximo dia 13 de dezembro seriam concluídas as
reformas do auditório da Rádio Nacional, tendo sido este adaptado para se tornar
um teatro com capacidade para 600 pessoas. De acordo com Pery, todos os dias o
salão seria ocupado por companhias teatrais e, dentro de alguns dias, já sediaria as
apresentações do II Festival de Arte de Brasília. Nessa mesma entrevista, o
presidente da NOVACAP também revelou que já estaria sendo elaborado um
estatuto para uma fundação que seria encarregada dos assuntos culturais e
recreativos da cidade, a Fundação Cultural de Brasília. E, ainda nessa matéria, Pery
revelou que, em breve, seria inaugurado o Teatro Nacional de Brasília, na Asa
Norte, com duas grandes “salas de exibição”, com capacidade para 1200 e 700
pessoas respectivamente. Àquela época, as salas seriam batizadas como Carlos
Gomes (sala destinada a óperas) e Villa-Lobos (a sala destinada aos concertos). Em
seguida, o presidente da NOVACAP avisa que o Teatro estaria sendo construído em
tempo recorde, pois, em três meses e meio já teria sua cobertura pronta, tendo sido
aplicados na construção 8.000 metros cúbicos de concreto. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)
119

As obras do Teatro Nacional de Brasília tiveram início em 30 de julho de 1960


e a conclusão de sua estrutura aconteceu em 30 de janeiro de 1961. Mas o espaço
ainda não estava totalmente pronto e suas obras foram interrompidas por cinco anos
e, após retomadas, foram finalmente concluídas em 21 de abril de 1981, quando o
Teatro atingiu sua capacidade plena de funcionamento. O Teatro Nacional de
Brasília foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e leva o nome do Maestro
Claudio Santoro, cujas salas de espetáculos são denominadas como Villa-Lobos (a
principal), Martins Pena e Alberto Nepomuceno. (SECRETARIA DE CULTURA DO
DF, 2016).

Claudio Santoro, nascido em Manaus, em 1919, era violinista e maestro


virtuoso. Foi professor no Departamento de Música da UnB entre 1962 e 1965. Fez
seu primeiro recital aos 12 anos de idade e, três anos mais tarde, o então
governador do Amazonas assinou um decreto-lei autorizando que as despesas de
sua formação fossem pagas pelo governo. Aos 19 anos, recém-formado pelo
Conservatório de Música do Distrito Federal, assumiu o cargo de professor-
assistente de violino no mesmo conservatório, localizado no Rio de Janeiro, antigo
Distrito Federal, até a inauguração de Brasília. Claudio Santoro teve suas 600
composições gravadas em cerca de 130 CDs e LPs. Foi casado com a renomada
professora de Ballet, Gisele Santoro, e faleceu em março de 1989, vítima de um
ataque cardíaco, durante os ensaios de um espetáculo em homenagem ao
bicentenário da Revolução Francesa. É considerado por muitos, um dos maiores
compositores da música contemporânea brasileira - motivo pelo qual se deu a
escolha de seu nome para batizar o Teatro Nacional de Brasília. (UNIVERSIDADE
DE BRASÌLIA, 2016).

Como importante aspecto cultural de uma comunidade, as festividades


religiosas também tiveram papel fundamental na formação da cultura de Brasília em
seu primeiro ano de existência. Desta forma, foram retratados pelo Correio
Braziliense, diversos eventos de cunho religioso ocorridos na nova capital entre abril
de 1960 e abril de 1961.

Na edição de 10 de julho de 1960, lê-se a notícia de que a imagem de Nossa


Senhora de Fátima percorreria todas as paróquias de Brasília, “em preparação para
as festas de 13 de outubro, quando são comemoradas pelos católicos as aparições
da Virgem de Fátima às crianças e pastoras portuguesas Lúcia de Jesus, Francisco
120

e Jacinta Marto, na Cova da Iria, local próximo à atual cidade de Fátima, em


Portugal." (PORTAL DO SANTUÁRIO DE FÁTIMA, 2016).

De acordo com a matéria, o arcebispo de Brasília, Dom José Newton de


Almeida Batista, conclamava toda a população a prestigiar a visita da imagem às
igrejas da cidade, disponibilizando a programação definida para as paróquias já
existentes em Taguatinga, Núcleo Bandeirante, no Lago (hoje Lago Sul), na Avenida
W5, na Catedral de Brasília e na própria Igreja de Nossa Senhora de Fátima, a
Igrejinha, que até os dias atuais se localiza entre as superquadras 307 e 308 sul.

As paróquias já existentes no Plano Piloto à época e que foram relacionadas


na matéria eram: Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Nossa Senhora do Carmo,
Nossa Senhora de Fátima (Igrejinha), Igreja de Santa Rita, Igreja de Santa Cruz,
Capela de Nossa Senhora do Sagrado Sacramento e a Catedral de Brasília, além
das paróquias no Núcleo Bandeirante e Taguatinga que não foram denominadas.

E, como parte das festividades religiosas dedicadas a Nossa Senhora de


Fátima, no dia 13 de outubro de 1960, aniversário da última aparição da santa aos
pastores em Portugal, seria realizada uma missa de comunhão geral, além de uma
“grandiosa procissão de Nossa Senhora de Fátima”, terminando com a consagração
da Arquidiocese de Brasília ao Coração Imaculado de Maria. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)

Na edição de 04 de agosto de 1960, o Correio traz nova entrevista com o


arcebispo de Brasília, Dom José Newton de Almeida Batista, que ressalta o
montante de 16 milhões de cruzeiros que haviam sido arrecadados junto à
comunidade de paroquianos em Brasília para a construção do Seminário de Brasília,
da Catedral e da Casa do Candango que, segundo a declaração do arcebispo ao
Correio “seria uma instituição de ação social arquidiocesana”, que iria proporcionar
às classes mais necessitadas, jardim de infância e creche, aulas de corte e costura e
economia doméstica, assistência médica em geral e secretariado de orientação e
encaminhamento. Concluindo a matéria, Dom José declara, sobre a necessidade de
que sejam construídas outras paróquias com a ajuda do povo de Brasília, para que
estas possam também congregar os pioneiros da nova capital: “Brasília é o Brasil.
Isto em todos os sentidos, inclusive porque seus atuais habitantes são provenientes
dos quatro cantos do País.” (CORREIO BRAZILIENSE, 1960).
121

Em 1º de novembro de 1960, na capa da edição, foi publicada a notícia de


que o primeiro Dia de Finados, após a inauguração de Brasília, seria celebrado por
meio de uma programação especial de missas em todos os acampamentos e
demais paróquias onde já eram celebradas missas aos domingos, segundo aviso
baixado pela Cúria Arquidiocesana da cidade. A nota informa que, no dia seguinte, 2
de novembro de 1960, seria então celebrada a primeira santa missa no cemitério
(Campo Santo) de Brasília. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

O cemitério de Brasília foi batizado como “Campo da Esperança”, em


homenagem à negra Esperança, escrava alforriada que viveu nesta região muitos
anos antes da construção de Brasília. De acordo com a história, no local onde
viveram Dona Esperança, seus filhos e os demais negros do quilombo fundado por
ela, foram construídos o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo
Tribunal Federal. Dona Esperança faleceu vítima de Hanseníase (Lepra) e, por este
motivo, os fazendeiros da região não permitiram que ela fosse sepultada nos
cemitérios de suas fazendas, levando seu corpo para uma área distante. Segundo
os habitantes das fazendas que constituíam a região onde Brasília seria futuramente
construída, Dona Esperança tornou-se milagreira. Reza a história, que várias
pessoas costumavam visitar sua sepultura para fazerem orações em busca de curas
e milagres. No lugar “distante” escolhido pelos fazendeiros para o sepultamento de
Dona Esperança, foi então construído o cemitério de Brasília onde, junto à escrava
alforriada, repousam muitos pioneiros e cidadãos de Brasília. (MELCHIOR, 2016)

O Natal de 1960, o Réveillon que trouxe o ano de 1961, assim como o


Carnaval desse mesmo ano, os primeiros passados em Brasília, ao contrário do que
muitos possam pensar, foram sim muito comemorados pela população de pioneiros
com festividades e bailes organizados pelos clubes e restaurantes da cidade. O
primeiro Natal comemorado após a inauguração da capital, segundo declaração de
JK ao Correio Braziliense, na edição de 25 de dezembro de 1960 significava “a
síntese da crença nacional”, por representar a confluência dos costumes religiosos
dos quatro cantos do País. Juscelino desejava que o primeiro Natal dos candangos
e pioneiros na cidade fosse realmente um momento de confraternização entre os
vários grupos que para cá se transferiram, deixando para trás suas cidades-natais e
seus costumes. Por isso, foi organizado pela Prefeitura Municipal de Brasília o “Natal
Popular”, que aconteceu no dia 25 de dezembro, na Plataforma da Rodoviária
122

Central de Brasília, com a presença de Israel Pinheiro, prefeito da cidade, e do


próprio Presidente Juscelino. No local, segundo o jornal, foi “erigida” uma grande
árvore de natal no terraço superior da plataforma. Foi também organizada pela
Professora Cecília de Queiroz Campos, no antigo auditório da Rádio Nacional,
localizado na Avenida W3, uma exposição natalina que contava com um belo
presépio e árvore de natal que já havia sido visitada por centenas de pessoas.
(CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

Para as festividades do Réveillon, o Cota Mil Iate Clube, o Iate Clube de


Brasília, o Candango’s Bar e Restaurante e o Brasília Palace Hotel anunciaram
belas festas que seriam oferecidas à população. E, segundo título publicado na
edição do dia 30 de dezembro, todos os hotéis de Brasília estariam lotados no dia 31
de dezembro. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

O Carnaval de 1961 foi igualmente celebrado pelos clubes da cidade cujos


bailes anunciados, segundo o Correio Braziliense, em nada deixariam a desejar para
os realizados no Rio de Janeiro. Além dos repetidos anúncios sobre os bailes que
estavam sendo organizados, foram realizados vários “Gritos de Carnaval” nas
cidades-satélites e no Plano Piloto, incluindo bailes infantis. O do Guará, por
exemplo, recebeu os parabéns do jornal na edição de 24 de janeiro de 1961 por ter
sido um sucesso. No evento houve, inclusive, a coroação do primeiro Rei Momo da
cidade. Na edição de 7 de fevereiro, foi noticiada a coroação da “Rainha do
Carnaval” na Rodoviária em uma “monumental noite carnavalesca”, segundo o
anúncio publicado na capa da edição de 9 de fevereiro.

Na edição de 02 de abril de 1961, o Correio publicou a notícia sobre as


celebrações religiosas em virtude da primeira Semana Santa ocorrida após a
inauguração da nova capital. Dentre as atividades, foram realizadas missas
especiais, além da típica Malhação de Judas em pontos específicos da cidade.

No que tangia à área de lazer e cultura, foram igualmente observados


registros de anúncios e notícias periódicas no jornal durante o período
compreendido entre 21 de abril de 1960 e 21 de abril de 1961, de atividades
realizadas pelo Jockey Clube de Brasília, Iate Clube de Brasília, Cota Mil Iate Clube,
do Brasília Country Club, o Clube do Congresso, inaugurado em 21 de abril de 1961
e dos clubes sociais Soroptmista e Lions Clube de Brasília.
123

Há também registros de anúncios periódicos das programações de cinema,


além do Cine Brasília, do Cine Teatro Cultura, na W3 Sul, do Cine Teatro Brasília e
do Cine Paranoá, na já fundada cidade satélite de Taguatinga e do Cine
Bandeirante, no Núcleo Bandeirante.

Por meio da edição de 20 de abril de 1961, a população foi informada sobre a


“elegantíssima avant-première” do filme Psicose, de Alfred Hitchcock, em
comemoração ao primeiro aniversário de Brasília, em uma seção única, apenas para
convidados, no Cine Brasília. O Cine-Teatro Cultura também anunciava no mesmo
dia a exibição do filme franco-italiano “O sol por testemunha”, escrito por René
Clément e Paul Gégauff e dirigido por René Clément, e do filme soviético, “Balada
do soldado”, de Grigori Chukhrai.

E as atividades culturais continuavam a ganhar cada vez mais espaço na


cidade por meio da realização de diferentes espetáculos teatrais e até mesmo
circenses. Na edição de 5 de agosto de 1960, encontra-se o anúncio para a
divulgação da primeira temporada do Circo Húngaro de Revistas Mágicas Tihany,
intitulado “Folias Mágicas”. Dizia o anúncio que o circo estaria “magistralmente”
armado na 3ª Avenida atrás do Mercado. Em 14 de setembro de 1960, o jornal
noticiou o desembarque em Brasília da equipe de atores e atrizes do Teatro de
Arena de São Paulo que vieram à Nova Capital para apresentar as peças “Eles não
usam black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, “Chapetuba F.C”, de Oduvaldo Viana
Filho, e “Pintado de Alegre”, de Flávio Migliaccio, no Teatro da NOVACAP, na
avenida W3. A matéria informa, ainda, que a peça “Pintado de alegre” seria
apresentada em benefício da creche da Casa do Candango em uma campanha
filantrópica realizada pela Sra. Paulo de Tarso. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

A Nova Capital seguia conquistando sua importância no cenário nacional


como celeiro de atividades relacionadas à cultura. Para tal, os pioneiros procuravam
reproduzir aqui, na medida do possível e logo nos primeiros meses de vida da
cidade, os mesmos eventos que aconteciam em suas terras-natais e em outros
grandes centros, como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e as
demais capitais do País. Como exemplo dessa tentativa, ainda em maio de 1960,
apenas um mês após a inauguração de Brasília, os clubes já instalados na cidade
começaram a realizar concursos de beleza com a participação das jovens da cidade
para a escolha de suas representantes para o desafio maior, que elegeria a primeira
124

Miss Brasília. Na edição de 15 de maio de 1960, o jornal anuncia, por exemplo, que
o Guará e o Grêmio Esporte Clubes, o Jockey Clube de Brasília e o Clube do
Departamento de Força e Luz da cidade, estariam organizando concursos internos
para a escolha de suas belas representantes, na esperança de que uma delas
pudesse conquistar o cetro, o manto e a coroa da primeira mais bela mulher da nova
capital que, eleita, disputaria, então, o título de Miss Brasil, a grande coqueluche
estética da época.

O Concurso de Miss Brasil acontecia no Rio de Janeiro e era organizado


pelos “Diários e Emissoras Associados” e patrocinado pelos tecidos “Flamezin”. Em
Brasília o concurso foi realizado no dia 04 de junho de 1960, nos salões do Brasília
Palace Hotel, quando as representantes das agremiações esportivas desfilariam
perante o júri e, segundo o jornal, um grande público.

Às vésperas do concurso, as candidatas foram convidadas a fazer um


passeio turístico pela cidade, visitando os pontos mais interessantes da capital. E,
dentre as candidatas acompanhadas pela reportagem do Correio Braziliense durante
o passeio, estavam jovens oriundas do Ceará, Paraná e Minas Gerais, que haviam
se transferido com suas famílias para Brasília durante a construção da cidade. E,
escolhida por um júri composto por 12 personalidades, a representante do Iate
Clube de Brasília, a bela loira Magda Pereira Pfrimer, nascida no Norte de Goiás,
tornou-se a primeira Miss Brasília. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

A cidade também passou a receber, no período compreendido entre 1960 e


1961, algumas das principais representações diplomáticas no Brasil. Foram aqui
constituídas nessa fase, por exemplo, as embaixadas dos Estados Unidos e dos
países afro-asiáticos, a partir da escolha dos terrenos na área designada pela
prefeitura da cidade para a construção das embaixadas que até os dias atuais se
localizam na chamada Avenida das Nações.

E como prova do reconhecimento da importância de Brasília para o mundo


diplomático e a sua representatividade já adquirida no cenário internacional como a
capital do País, a Prefeitura de Roma, por intermédio da Embaixada da Itália no
Brasil, presenteou a cidade com a estátua da “Loba Romana”, hoje situada à frente
do Palácio do Buriti, sede do Governo do Distrito Federal. Na matéria de capa da
edição de 23 de dezembro de 1960, o Correio Brasiliense conta que, desde a sua
fundação, a cidade de Roma ostenta em uma de suas praças, sobre uma bela
125

coluna no estilo Jônico, e estátua de uma loba amamentando duas crianças que,
segundo a lenda, seriam Rômulo e Remo, os fundadores da cidade. Conforme
informa ainda a matéria, a Embaixada da Itália encarregou-se de trazer uma réplica
do monumento à Capital, fazendo questão de erguê-lo na então chamada “Praça
Principal”, localizada próxima à sede do Correio Braziliense. Na ocasião, como as
obras da Praça ainda não se encontravam concluídas, a estátua só foi
definitivamente afixada no local, na ocasião de sua inauguração. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)

c) Esportes:

Brasília também se descortinava como um campo livre para os esportes e,


por isso, chamava a atenção e despertava o interesse dos dirigentes dos principais
clubes paulistas e cariocas. Assim, logo à primeira edição do jornal, no primeiro dia
da cidade, foi publicada a notícia de que já circulava no Rio de Janeiro a notícia de
que o Vasco da Gama e o Fluminense já teriam comprado terrenos em Brasília para
aqui constituírem as representações de seus clubes. Segundo a notícia, os clubes
construiriam sedes modernas de acordo com o “modernismo estonteante” da nova
capital. Pensavam também em trazer profissionais para disputar um campeonato
com as agremiações de Goiânia e Anápolis, cidades do Estado de Goiás e muito
próximas a Brasília. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960) (Corpus, Anexo B, p. 2)

Ainda sobre as atividades esportivas já existentes na cidade, na página 19 da


Edição Comemorativa pela inauguração da cidade, uma matéria sob o título
“Primeiro campo de futebol tinha cheiro de raiz cortada”, o jornal conta que a vida
esportiva em Brasília, que já tivera seu início ainda no período de sua construção,
“chegou à maturidade”, segundo os candangos, em março de 1959, quando foi
fundada a Federação Desportiva de Brasília e realizado o primeiro campeonato local
de futebol, segundo depoimento ao Correio de Carlos Magno Dias, um dos
dirigentes do Grêmio Alvorada, vencedor do campeonato. (Corpus, Anexo B, p. 10)

E, a criação do Lago Paranoá tinha como objetivo primordial melhorar os


baixos índices de humidade desde sempre registrados na região árida do Cerrado
do Planalto Central, escolhida para acolher a cidade, além de suprir a falta que fazia
o mar aos milhares de pioneiros oriundos do Rio de Janeiro e Nordestinos do litoral.
Mas, além de contribuir para o bem-estar da população que sofria e sofre até hoje
126

com o clima seco da região, o Lago se tornou uma das principais fontes de lazer do
Brasiliense desde os primeiros dias após a inauguração da cidade. Tanto que, na
capa da edição do dia 24 de abril de 1960, foi publicada a foto da primeira regata de
barcos à vela promovida pelo Iate Clube de Brasília, na tarde do dia 23 de abril, da
qual participaram competidores das classes “Snipes” e “L’equipe”. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960)

No dia 4 de junho de 1960, em uma ‘bela e ensolarada manhã de sábado’, foi


lançada à água a lancha motor, “pioneira” da cidade, pelo Iate Clube de Brasília.
Relata o texto da notícia publicada na edição do dia 07 de junho de 1960 que o
acontecimento foi de grande relevância para a vida socioesportiva da Capital
Federal. A “pioneira”, conforme denomina a matéria, pesava quatro toneladas e tinha
capacidade para vinte passageiros, podendo desenvolver até 20 milhas por hora,
por meio de seus motores de 120 cavalos cada, medindo 10 metros de comprimento
por três de largura. Foi trazida do Rio de Janeiro ao Distrito Federal por terra em
uma grande carreta, e foi lançada ao lago a partir de uma rampa especial preparada
por técnicos em frente ao Brasília Palace Hotel. A matéria ainda cita que os
trabalhos para o lançamento da primeira lancha ao Lago Paranoá, foram
organizados pelos Senhores Geraldo Carneiro e Sílvio Pedrosa, presidente e vice-
presidente do Iate Clube de Brasília respectivamente, à época, que receberam a
bordo, o prefeito de Brasília, Israel Pinheiro e sua comitiva, que participaram do
primeiro passeio da lancha no Lago. Na ocasião, Sílvio Pedrosa anunciou aos
presentes que o Iate Clube disporia seu cais provisório para os pioneiros que
quisessem também trazer seus barcos para Brasília. A matéria é concluída com a
declaração de que aquela primeira viagem pelo Lago Paranoá tornara-se histórica
para os anais desportivos do Distrito Federal. Portanto, iniciava-se por meio desses
dois eventos históricos, o entusiasmo do povo brasiliense pelas atividades náuticas,
assim como por outros tantos esportes praticados às margens do grande e lindo
lago artificial de Brasília. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960)

d) Educação:

O acesso à educação aos filhos dos candangos e pioneiros também já era


proporcionado pela cidade ainda durante o período de sua construção. Portanto,
logo na primeira semana após a inauguração de Brasília, oitenta alunos já podiam
frequentar a primeira Escola de Artes Plásticas da cidade, criada pelo artista
127

peruano Felix Alejandro Barrenechea Avilez. Instalada na área de serviço de um


apartamento na asa Sul, a escola era subsidiada pela NOVACAP e dirigida pelo
artista, que ministrava aulas de artes aos filhos dos pioneiros. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960) (Corpus, Anexo B, p. 13).
No dia 15 de maio de 1960, foi inaugurada a primeira escola particular de
Brasília, o Colégio Salesiano Dom Bosco, localizado na Avenida W3. A escola
ofereceria os ensinos primário, secundário e colegial em três turnos (matutino,
vespertino e noturno) e, de acordo com o jornal, contaria com instalações modernas
e seria uma escola muito bem equipada.

A notícia da inauguração foi publicada pelo Correio na página três do primeiro


caderno do jornal, na edição datada de 26 de abril de 1960. Ainda segundo a notícia,
os padres salesianos, fundadores do colégio, chegaram ao canteiro de obras de
Brasília em 1956 e, já na Cidade Livre, construíram uma escola de madeira e nela
ofereceram educação de qualidade aos filhos dos candangos durante o período de
construção da Capital. Desde então, o Colégio Dom Bosco tornou-se uma das
escolas religiosas mais tradicionais de Brasília, existindo até os dias atuais, em
2016, no mesmo local e conservando o mesmo prédio que, ao longo de suas cinco
décadas de existência, foi submetido a reformas internas sem, no entanto, alterar a
estrutura original da construção inaugurada em 1960. (Corpus, Anexo B, p. 20)

Ainda sobre a consolidação da área educacional em Brasília, logo em 1960, o


Correio Braziliense tornou-se o principal arauto das boas novas à população
estabelecida na nova capital. Na página três do primeiro caderno da edição de 27 de
abril de 1960, logo ao início da página, encontramos a chamada “Reiniciadas as
aulas em Brasília”, seguida do título da matéria “Brincam juntos no jardim da infância
filhos de deputados e de candangos”. A matéria tratava da reabertura das aulas no
Jardim de Infância 21 de Abril, primeiro jardim de infância da cidade que, até os dias
de hoje, está localizado entre as quadras 708 e 908 sul.

A escola que fora inicialmente construída para acolher os filhos dos


funcionários da Caixa Econômica, acabou tornando-se a principal escola infantil da
cidade à época, na qual estudavam tanto os filhos dos deputados como dos
candangos que, de acordo com a matéria, “ali brincavam juntos, no ambiente mais
sadio possível e contando com a distribuição gratuita de lanches”. Dirigia a escola, a
professora e pioneira paraibana, Maria Teresa de Medeiros Falcão, que chegara a
128

Brasília em 1957 e, em 1960, tornou-se a responsável pedagógica pelo Jardim de


Infância por já ter lecionado em uma escola-modelo em sua cidade natal. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1960). (Corpus, Anexo B, p. 24)

Na edição de 15 de maio de 1960, o jornal avisa novamente à população


sobre mais um início das aulas em Brasília. Segundo a notícia, as atividades dos
cursos primário, ginasial, clássico, científico e normal seriam iniciadas no dia
seguinte, dia 16 de maio. Para o início das aulas, a Comissão de Administração do
sistema Educacional de Brasília – CASEB tomara todas as providências para a
alocação dos inscritos. A notícia convocava os alunos que haviam aplicado para os
cursos Ginasial, Comercial, Científico, Clássico e Normal para se apresentarem no
dia 16 de maio, às 8 horas da manhã, no Centro de Educação Média, no CASEB,
para que tomassem conhecimento de suas turmas.

Na mesma nota foram relacionados centenas de nomes dos alunos


convocados. Mais uma vez, o jornal é percebido na pesquisa como um meio de
comunicação que cumpre sua função de utilidade pública, informando a população
sobre o que ia se constituindo na nova cidade, e auxiliando na disseminação de
informações úteis para quem havia se estabelecido em uma cidade que acabara de
ser inaugurada. (Corpus, Anexo B, p. 41)

Aos poucos, a educação em Brasília ia se consolidando, tanto por meio das


escolas privadas, quanto pelas públicas que, àquela época, também eram
consideradas de alto nível acadêmico, uma vez que existia toda uma preocupação
de Juscelino Kubitschek quanto à qualidade do ensino a ser oferecido aos filhos dos
candangos e pioneiros, já que as possibilidades relativas à educação e formação
das crianças e jovens que aqui passaram a viver, estavam entre as maiores
preocupações das milhares de famílias que para cá se transferiram, desde os
primórdios da construção da cidade.

Dessa forma, a promessa feita por Juscelino à população de que Brasília


ofereceria sim uma educação de qualidade às suas crianças e jovens, aconteceu até
mesmo antes da inauguração oficial da cidade e se confirmou logo em seus
primeiros meses de existência, como afirma a Revista EAPE – Estudos sobre a
Educação Pública, sobre a criação das escolas públicas de Brasília:
129

A rede pública de ensino do Distrito Federal tem sua origem com a criação
de suas primeiras escolas. Foram erguidas e organizadas visando ao
atendimento das demandas por educação dos brasileiros (operários,
servidores públicos, comerciantes...) que para o Planalto Central vieram
participar da fundação de Brasília. As escolas pioneiras, construídas “no
coração” da Capital federal, o Plano Piloto, destacadamente a partir de
1960, estabeleceram um roteiro ou percurso de significado histórico que
abrangia um espaço geográfico e que contribuiu para a efetivação da utopia
da “escola brasiliense” em vigor no período. Este roteiro localiza-se no meio
da Asa Sul do Plano Piloto de Brasília e compreende, fundamentalmente,
quatro escolas: o CASEB, o Elefante Branco, a Escola-Parque 307/308 Sul
e a Escola Normal de Brasília, hoje Escola de Aperfeiçoamento de
Profissionais da Educação (EAPE, 2016).

E como mais um projeto em prol da disseminação da educação e da cultura


em Brasília, no dia 19 de maio de 1960, menos de um mês após a inauguração de
cidade, a edição de número 25 do Correio Braziliense, em seu segundo caderno,
trouxe a notícia de que a população de Brasília já contava com uma biblioteca
pública – a Biblioteca Visconde de Porto Seguro, administrada pela NOVACAP e
localizada em uma das residências da Caixa Econômica Federal, na Avenida W3. A
Biblioteca possuía, àquela época, cinco mil volumes e oferecia também aos seus
usuários uma discoteca com trezentos discos de música clássica. O acervo foi
formado a partir de doações feitas por embaixadas, instituições culturais, ministérios,
instituições privadas, outras bibliotecas, escritores e intelectuais diversos. Segundo o
texto da matéria, a escolha pela homenagem ao Visconde de Porto Seguro como
patrono da primeira biblioteca da nova capital, se deu em função de ter sido Porto
Seguro, título concedido a Francisco Adolfo de Varnhagen, um ilustre historiador e
diplomata brasileiro, defensor da interiorização da capital do Brasil e grande
sertanista. Varnhagen nasceu em São João de Ipanema, no Estado de São Paulo,
em 17 de fevereiro de 1816. Além de ser Patrono da Cadeira nº 39 da Academia
Brasileira de Letras, é também atribuída a Porto Seguro a publicação do
“Cancioneiro da Ajuda” – uma coleção de canções de amor trovadorescas datada da
Idade Média e considerada o mais antigo cancioneiro de Portugal. Varnhagen foi
ministro do Brasil em vários países da América Latina e embaixador em Viena, na
Áustria, onde veio a falecer em 26 de junho de 1878. (CORREIO BRAZILIENSE,
1960) (Corpus, Anexo B, p. 49).

Gradativamente, a educação em Brasília ia se estruturando cada vez mais,


com a chegada de novas escolas tradicionais existentes em outras capitais
brasileiras, muitas delas pertencentes a congregações religiosas, como foi o caso do
Colégio Marista, da Congregação francesa fundada pelo Beato Marcelino
130

Champagnat, em 1817. Na edição de 3 de agosto de 1960, o Correio Braziliense


noticia que, em breve, seria instalado na Asa Norte uma unidade do tradicional
colégio que ofereceria os cursos primário, ginasial, colegial e comercial. E, em 8 de
janeiro de 1961, o jornal trouxe a notícia de que Brasília teria o Colégio Marista que
funcionaria na L2 Sul, onde se encontra até os dias atuais.

O jornal noticia que os Irmãos Júlio Bilibio e Lino Moresco informaram que o
colégio teria capacidade inicial para acolher 300 alunos e, futuramente, atenderia até
1000 alunos, oferecendo os cursos primário e ginasial. (Corpus, Anexo B, p. 101)

Nessa mesma edição e na mesma página de número 8, no segundo caderno,


o jornal também destaca o título “Falta de vagas escolares no DF será solucionada”.
Nessa matéria encontram-se relacionadas todas as escolas que tiveram suas
atividades iniciadas no dia anterior, primeiro de agosto de 1960, com uma palestra
oferecida aos pais dos alunos e a distribuição dos alunos em suas classes. O jornal
também tranquiliza a população com a informação de que as escolas localizadas no
setor “suburbano” e rural teriam seu funcionamento garantido para as próximas
semanas, por estarem apenas aguardando a chegada das novas professoras
selecionadas. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960) (Corpus, Anexo B, p. 101).

Ainda sobre a formação do setor da educação em Brasília, na matéria


assinada pelo jornalista Esaú de Carvalho, na página de número 7, do primeiro
caderno, na edição de 2 de novembro de 1960, sob o título “Brasília terá
Universidade Modelo”, o Correio Braziliense traz ao conhecimento da população as
providências que já estavam sendo tomadas em prol da estruturação da
Universidade de Brasília – UnB.

No conteúdo da matéria, destaca-se a fala do Professor Darcy Ribeiro, mentor


da estruturação da Universidade, cujo campus leva seu nome:

A Universidade terá um Conselho-Diretor, o reitor que será o presidente da


Fundação Universidade de Brasília e o vice-reitor. Terá mais: uma
Coordenação Geral, uma Coordenação de Cultura, uma Coordenação
Administrativa e a Prefeitura Universitária. Terá oito institutos centrais: de
Matemática, Física, Química, Biologia, Geologia, Ciências Humanas, Letras
e Artes. Serão 22 as faculdades: de Serviço Público, Diplomacia, Direito,
Educação, Ciências Econômicas e Administração de Empresas. No campo
das Ciências Médicas: Medicina, Odontologia, Farmácia e Enfermagem.
Haverá o curso de Agronomia, Veterinária, Zootecnia e Engenharia Florestal
e outros ramos, como Arquitetura e Urbanismo, Comunicação Visual. No
ramo da tecnologia: Engenharia Civil, Mineração, Metalurgia, Mecânica,
Eletricidade, Eletrônica, Química e Hidráulica. (p. 139 do corpus anexo)
131

Ainda sobre a fundação da Universidade de Brasília, na edição do dia 30 de


agosto de 1960, foi publicada matéria com o título “DF terá Universidade:
Exposição”, na qual é noticiado que o Professor Darcy Ribeiro faria naquele dia,
perante a Comissão de Educação da Câmara Federal, uma exposição sobre a
Universidade de Brasília. A matéria traz a informação de que o Professor Darcy era,
à época, diretor substituto do INEP e integrante da comissão criada para organizar a
Universidade de Brasília – UnB. (Corpus, Anexo B, p. 91)

Durante a exposição, segundo a matéria, o Professor Darcy Ribeiro explicaria


os motivos da criação de uma nova universidade situada em Brasília. Na ocasião,
ele acentuaria que os alunos seriam recrutados em todo o Brasil e que, enquanto a
universidade fosse sendo construída, entre 1961 e 1963, o pessoal docente seria
preparado para servir à Universidade por meio de cursos de especialização no
exterior ou “no estrangeiro”, conforme o texto. E, a esse programa de formação e
preparação dos professores, seria atribuída maior importância do que às obras em
si. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960) (Corpus, Anexo B, p. 91)

A notícia ainda ressalta que entidades culturais norte-americanas e de outros


países também estariam sendo solicitadas a contribuir, custeando o programa de
bolsas para a especialização dos professores. A estrutura da Universidade seria
baseada em moldes inteiramente novos, baseados em institutos centrais que
ministrariam o ensino fundamental a todos os alunos antes de encaminhá-los à
Universidade. A Universidade de Brasília seria voltada, principalmente, para a
formação de profissionais e pesquisadores, segundo um programa planejado para
atender especificamente às necessidades do desenvolvimento econômico e cultural
do País. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960) (Corpus, Anexo B, p. 91).

Na mesma página dessa edição do dia 30 de agosto de 1960, há também a


chamada “Alunas da Escola Normal expõem os seus trabalhos”, noticiando que, no
dia 28 de agosto, teria ocorrido o encerramento do primeiro período letivo do curso
Normal, com a realização de um encontro entre professores e pais de alunos, com
“interessante programa festivo”. Ao evento comparecera o diretor executivo do
Centro de Ensino Fundamental – CASEB, Armando Hidelbrand e a diretora da
Escola Normal, Professora Maria Geny Ferreira, que teceu considerações sobre o
ensino de Brasília. Na ocasião, aconteceu a inauguração de exposição com
trabalhos das alunas do terceiro ano normal que, concluindo o curso naquele ano, se
132

tornariam as primeiras professoras formadas em Brasília. (CORREIO BRAZILIENSE,


1960) (Corpus, Anexo B, p. 91)

Como mais uma contribuição do jornal para a disseminação de informações


relativas aos serviços voltados à educação e instituições de ensino já existentes em
Brasília naquele primeiro ano após a inauguração da cidade, na edição de 3 de
dezembro de 1960, foi publicado um pequeno anúncio à população, no qual a
diretora da Escola Normal do Centro de Educação Média de Brasília comunicava
aos interessados, que as matrículas (para ambos os sexos e portadores de curso
ginasial) estariam abertas do dia primeiro de dezembro de 1960, até o dia 30 de
janeiro de 1961. Era a rotina escolar se instaurando cada vez mais no dia a dia da
capital recém-inaugurada, como em qualquer outra cidade do País. (Corpus, Anexo
B, p. 163)

Também em seu primeiro semestre de existência, Brasília já oferecia a opção


de cursos de extensão universitária, como o promovido pela Universidade do Brasil,
na Escola Parque. Em 6 de julho de 1960, por exemplo, o Correio Braziliense
publicou o anúncio de que o Professor Pedro Calmon 23 proferiria uma conferência
com o tema “O Planalto Central e Brasília”, às 21 horas, na Escola Parque,
localizada entre a 307 e 308 sul. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960) (Corpus, Anexo
B, p. 67).

Como fundador de Brasília e grande entusiasta da educação, o então


Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira fazia questão de prestigiar
pessoalmente as atividades promovidas pela área educacional em Brasília, a qual
acompanhava de perto, pois acreditava que, dentre os principais pilares do
crescimento e consolidação da nova capital no cenário nacional e internacional,
estavam, sem dúvida, os da educação e da cultura (VASCONCELOS, 2007). Sendo
assim, Juscelino demonstrando seu grande entusiasmo em relação à oferta de
novas oportunidades para a educação na nova capital, fez questão de participar da
solenidade de entrega dos diplomas às primeiras professoras formadas em Brasília,
na primeira turma de normalistas do CASEB, escola considerada como modelo de
ensino na cidade. Dentre as normalistas, estava a professora, artista plástica e
23
Pedro Calmon era advogado, escritor e político baiano. Ocupou a cadeira de número 16 na
Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Gregório de Matos e tornou-se, posteriormente,
presidente da casa, em 1945. É autor de inúmeras publicações no ramo da História e das Ciências
Jurídicas. (FUNDAÇÃO PEDRO CALMON, 2016)
133

documentarista Maria Coeli de Almeida Vasconcelos, entrevistada pelo Correio


Braziliense, na edição de 05/12/2009, na qual conta sua trajetória desde a chegada
com a família em Brasília para a inauguração da cidade e suas experiências como
estudante nos primeiros tempos de Brasília, além de sua paixão pela capital de
Juscelino. (CORREIO BRAZILIENSE, 1960 e 2009) (Corpus, Anexo B, p. 180).

A edição de 28 de janeiro de 1961 traz o título “Será monumental a Escola


Média do DF”, referindo-se à construção da escola conhecida pelo brasiliense como
“Elefante Branco”, tendo sido assim apelidada pelos estudantes à época, em função
de sua grande e rara estrutura, de cor branca, cuja construção foi bastante morosa.
Segundo a matéria, a Escola Média do DF deveria ter ficado pronta na inauguração
de Brasília, mas suas obras sofreram o atraso de um ano. Atraso este que obrigou o
ensino “colegial” de Brasília a funcionar em um galpão de madeira apelidado de
“Sibéria”, por ser muito frio e que, após a inauguração da nova estrutura, seria
destinado à instalação de uma escola de aplicação para normalistas, na qual seriam
realizadas as práticas relacionadas à didática. (CORREIO BRAZILIENSE, 1961)
(Corpus, Anexo B, p. 194).

Ainda de acordo com a matéria, o “Elefante Branco” seria uma escola modelo
e abrigaria, em seus 4.500 metros quadrados de área construída na Avenida W5
Sul, 70 salas de aula, com capacidade para acolher 1.100 alunos, oferecendo os
cursos Científico, Clássico, Normal, os cursos técnicos de Eletrônica, Edificações,
Administração, Comércio e Secretariado, além de quadras de esportes e recreação,
incluindo uma piscina. Essas informações foram fornecidas pelos professores
Aparício Branco, Roberto Leobons e Reginaldo Carvalho, responsáveis pela escola
à época. Segundo os professores, além das salas de aula, a Escola Média do
Distrito Federal, também ofereceria aos alunos cinco laboratórios para as disciplinas
Física, Química e História Natural, além de sala para canto-coral e outra sala para a
“apreciação musical com som estereofônico”, sala para instrumentos de corda e um
salão para bandas de música, ritmo e orquestra sinfônica. Em 22 de abril de 1961,
‘sem qualquer pompa’, foi então inaugurado o Centro de Ensino Médio Elefante
Branco (CEMEB), como acabou sendo batizado oficialmente. (CORREIO
BRAZILIENSE, 1961 e 2011) (Corpus, Anexo B, p. 194)
134

Com a inauguração do “Elefante Branco”, termina em abril de 1961, o período


de estruturação do setor educacional público e privado em Brasília, durante o
primeiro ano de existência da nova capital.

E Brasília se tornara, em apenas um ano, uma cidade de verdade. Cheia de


vida, de opções de lazer, entretenimento, cultura, esportes e educação. Em muito
pouco tempo, o lugar que outrora era o retrato da aridez do cerrado, sem vida e sem
perspectivas, aos poucos foi se tornando o lar de milhares de brasileiros que nela,
assim como JK, também depositaram seus sonhos de uma vida e de um Brasil
melhor.

Na última página analisada, pertencente à edição de 21 de abril de 1961,


exatamente um ano após a inauguração da cidade, o jornal trouxe a chamada
“Brasília integrada na cultura do País.” Esta frase corroborou a escolha pelo desafio
de realizar a análise do conteúdo que registrou a formação da cidade e de sua
consolidação como uma verdadeira comunidade e da construção de sua cultura por
meio das páginas do Jornal Correio Braziliense. E, ao longo desse processo, foi
encantador perceber a força e a determinação de um presidente e de seu povo que,
em meio ao nada, no coração vazio do Brasil, fizeram surgir dia a dia, a cidade que
para muitos, até hoje, é a Capital da Esperança.

3.2 A RELAÇÃO DOS PIONEIROS COM O JORNAL ENTRE 1960 E 1961

Conforme citado anteriormente, nove pioneiros foram entrevistados para este


trabalho. Entre eles, estão pessoas que vieram para Brasília ainda durante o período
de sua construção e logo após sua inauguração, ou ao longo do ano de 1960, até o
dia 21 de abril de 1961, quando a cidade completou um ano de existência como a
nova capital do Brasil.

Os que vieram ainda durante as obras de construção da cidade, entre


novembro 1956 e abril 1960, ofereceram relatos muito ricos sobre a vida na Cidade
Livre, a relação com os candangos, as dificuldades e desafios enfrentados para sua
adaptação e de suas famílias, assim como as perspectivas de uma vida melhor e
propiciadora de melhores oportunidades de crescimento profissional e financeiro.
135

Os que chegaram após a inauguração da cidade, relataram sua adaptação a


uma Brasília completamente diferente de suas cidades de origem. Segundo a
grande maioria dos relatos, havia aqui grandes espaços sem construções, cobertos
por uma terra avermelhada que causava gigantescos redemoinhos pitorescamente
batizados de “Lacerdinhas”, em uma alusão às ferrenhas e tumultuosas críticas
feitas pelo então jornalista e político da União Democrática Nacional, a UDN, Carlos
Frederico Werneck Lacerda (1914 – 1977), principal adversário político de Juscelino
Kubitschek e crítico contumaz à construção de Brasília.

Nos relatos são contempladas as experiências vividas nas superquadras, nos


clubes e demais espaços destinados ao lazer e ao entretenimento, além do já
considerável número de eventos relacionados à cultura proporcionados pela nova
capital àquela época.

No roteiro elaborado para as entrevistas, procurou-se contemplar, em um


primeiro momento, os motivos pelos quais essas pessoas se transferiram para
Brasília, assim como suas primeiras impressões sobre a cidade e as experiências
por elas vividas, com ou sem suas famílias, nos primórdios da nova capital. E, num
segundo momento, os entrevistados responderam sobre sua relação com o Correio
Braziliense, relatando, em seus depoimentos, qual fora a relevância do jornal para a
construção da cultura em Brasília ao longo de seu primeiro ano.

Além disso, foi amplamente abordada a contribuição dada pelo jornal ao


melhor acolhimento e ambientação dos pioneiros à rotina da cidade, assim como o
papel de guia de serviços e informações de utilidade pública assumido pelo veículo,
facilitando, assim, o conhecimento da população acerca do que Brasília passava a
oferecer, gradativamente, em termos de infraestrutura, serviços, e atividades
relacionadas ao lazer, ao entretenimento e acerca das atividades ligadas à cultura
de modo geral.

Em entrevista concedida no dia 27/10/2015, o casal Oscar e Elinor Moren 24


destacou que a leitura do Correio Braziliense para eles, era diária. Segundo o
Senhor e a Senhora Moren:

24
Oscar Mendes Moren, nascido na cidade do Rio de Janeiro, é médico neuropediatra. Veio para
Brasília em setembro de 1960, a convite de médicos que já viviam aqui, para atuar como pediatra
no então Hospital Distrital de Brasília. Sua esposa, a enfermeira americana, Elinor Watson Moren,
veio de Nova Iorque, sua cidade natal, para Brasília, em 1961. Aqui tiveram suas duas filhas e
136

O jornal era o nosso grande aliado nas descobertas sobre a cidade. Era o
nosso guia, assim como de nossos amigos, tanto em relação aos novos
serviços que a cidade passava a oferecer, como às opções de lazer e
cultura disponíveis naquela época. Sempre fomos cinéfilos e, por isto,
acompanhávamos a programação oferecida pelo Cine Brasília e pelos
demais cinemas, publicada no jornal. Íamos muito ao Cine Teatro Cultura
também, que ficava na W3. Por meio do Correio Braziliense,
acompanhávamos o crescimento da cidade e nos sentíamos mais
ambientados. Quando tivemos “as meninas”, era no jornal que
encontrávamos dicas de onde levá-las para passear, para fazer programas
diferentes com elas. O jornal trazia notícias sobre a vida social na cidade,
por meio da coluna da Katucha. E eu, como estrangeira que sou, sempre
gostei muito de ler as notícias sobre outros países e sobre o corpo
diplomático na cidade, pois sempre tivemos muitos amigos diplomatas.
Como sempre apreciamos muito a culinária, também utilizávamos o jornal
para descobrir novos restaurantes que eram inaugurados na cidade. E,
especialmente para mim e para outros estrangeiros que para cá viemos
sem saber falar uma única palavra de Português, o Correio Braziliense
contribuiu muito para o nosso aprendizado do idioma, pois precisávamos
saber o que acontecia na cidade, no restante do país e do mundo e, para
tal, durante a leitura, tínhamos de recorrer ao dicionário para sabermos o
significado de certas palavras utilizadas pelo jornal, e isso enriquecia muito
o nosso vocabulário. Aprendi muito o Português com a ajuda do Correio
Braziliense. A leitura do jornal era parte do nosso dia a dia. O Correio foi um
grande aliado nosso que havíamos acabado de chegar à cidade.

Elza Nardelli, 92 anos, já foi citada anteriormente neste trabalho. É leitora


assídua do Correio Braziliense até os dias atuais. Carioca, é viúva do médico
ginecologista, Ítalo Nardelli e mãe de 7 filhos, avó de 22 netos e possui 14 bisnetos.
Seu sétimo filho é nascido em Brasília, e cujo apelido é “Candango” por este motivo.
Dona Elza conta que gostava muito dos concertos oferecidos pela Escola Parque e
que os acompanhava por meio do Correio Braziliense. Também frequentava muito
as festas promovidas pela Casa do Candango, em 1960, que originaram a grande
“Festa dos Estados”, na qual ela se tornou responsável pela barraca do Estado da
Guanabara. Segundo ela, o Correio ajudava muito na divulgação dessas festas que
recebiam muitas contribuições a partir das notícias publicadas pelo jornal. Em seu
relato, ela cita:

Cheguei em Brasília em dezembro de 1960, e o Correio Braziliense me


ajudou a permanecer em Brasília. Todos os dias, eu lia o jornal para saber o
que acontecia na cidade até para poder levar as crianças. Meu marido,
médico, trabalhava o dia inteiro e, sendo assim, eu gostava de pesquisar o
que acontecia na cidade para saber o que fazer com a meninada. Além das
apresentações na Escola Parque, eu também adorava os concertos da
pianista Neusa França e os teatros de fantoches. Todas essas
programações eu descobria por meio do Correio e ainda avisava as minhas
amigas. Eu e o Ítalo sempre fomos muito religiosos e, também por meio do
jornal, nós acompanhávamos as festividades promovidas pelas paróquias

nunca pensaram e deixar a cidade, nem para regressar ao Rio de Janeiro, tampouco para Nova
York.
137

que já existiam em Brasília naquela época. Meus filhos estudaram no


Elefante Branco, no CASEB, no Colégio Dom Bosco, no Colégio Nossa
Senhora do Rosário e, depois, na UnB. Eu lia diariamente a coluna da
Katucha, pois eu sempre gostei de acompanhar as notícias sobre as festas
e acontecimentos sociais da cidade. Sempre adorei cinema também. Eu ia
ao Cine Brasília todos os dias. Era muito perto da minha casa. Então, eu
levava as crianças para a escola e corria para o cinema com a minha irmã,
durante a tarde. Ao Cine Teatro Cultura, na W3, eu só ia quando o filme era
muito bom, pois esse cinema era mais longe e eu precisava ir de carro.
Aquele era um tempo muito bom! Nós íamos muito ao Iate e ao Country
Clube. Adorávamos ir às festas promovidas por eles e muitas delas eram
noticiadas pelo jornal. Sempre acreditei em Brasília! O Ítalo quis se mudar
para cá depois de ter vindo visitar a irmã dele que já morava aqui. Quando
viu a cidade em obras, ficou louco! No mesmo dia, decidiu que queria vir
para cá com toda a família. No Rio ele já trabalhava como médico, mas a
nossa vida era difícil, com seis filhos para criar, e Brasília oferecia grande
oportunidades, inclusive financeiras. No começo fui resistente à ideia de
mudarmos para cá, pois sempre vivi no Rio e gostava muito de lá. Afinal, eu
morava na Avenida Atlântida! Lá, eu via o mar e, aqui, eu só via terra.
Quando me mudei para Brasília, percebi o quanto a cidade seria ideal para
criar meus filhos, pois, àquela época, Brasília ainda nos proporcionava
muita segurança e, sobretudo, sabíamos onde as crianças estavam. Aos
poucos, fui gostando de Brasília e aqui criei raízes. Conheci muitas pessoas
e logo me envolvi em vários trabalhos assistenciais, como bandeirante que
sou. E, também no âmbito assistencial, o Correio Braziliense sempre nos
ajudou muito, divulgando e cobrindo os eventos que promovíamos e
promovemos até hoje. O Correio sempre incentivou muito a vida cultural da
cidade. O jornal sempre foi “amigo” dos pioneiros e uma importante
referência para todos nós que aqui chegamos sem saber de nada sobre a
cidade, sem conhecer nada. O jornal me ajudou muito e ajudou também à
minhas amigas, esposas de outros médicos, engenheiros e profissionais
que, como nós, apostaram em Brasília, como nós. Se tivesse de dar uma
nota ao Correio pelos seus serviços à comunidade da cidade, sem dúvida
eu daria 10!
O Jornalista, advogado, administrador e historiador, Adirson Vasconcelos,
correspondente dos Diários Associados em Brasília, desde 1958, relata em
entrevista concedida em 12/11/2015:

O Correio teve muito valor para a construção da sociedade de Brasília como


um todo. O jornal era um entusiasta da capital e auxiliou muito na política de
retenção na cidade, das pessoas que haviam se transferido para cá, desde
antes de sua inauguração, ou depois do dia 21 de abril. O Correio assumiu,
desde sempre, o papel de grande informante da população sobre o que
Brasília oferecia em todos os aspectos. Se abria uma escola, o Correio
noticiava. Se inauguravam uma nova igreja, o jornal avisava, e assim por
diante. Chateaubriand sempre fez questão de que o jornal não fosse apenas
o propagador de notícias relacionadas à política e o que acontecia nos
outros estados. Isso também era amplamente mostrado pelo jornal, sem
dúvida. Mas, Chateaubriand também queria que o jornal fosse bem visto e
bem aceito pela população de pioneiros e, assim, exigiu que tivesse
também uma utilidade pública, tanto para a estruturação da cidade, quanto
para a parte cultural, pois Juscelino queria muito ver Brasília crescer
culturalmente também, e o jornal, ao meu ver, executou muito bem essa
tarefa, essa missão que também lhe foi dada por JK, em pedido feito a
Assis Chateaubriand no dia da inauguração de Brasília. E assim foi feito. O
Correio sempre assumiu esse importante papel na cidade. Afinal, mesmo
não existindo ainda no jornal uma editoria específica de cultura, como existe
hoje, as notícias sobre esse tema sempre tiveram destaque nas edições do
138

Correio Braziliense, no primeiro ano da cidade. E, quanto às cidades


satélites, o jornal nunca as segregou. Em Taguatinga, desde sempre houve
um escritório do Correio, comandado por Alberto Bahouth Júnior e Fabiano
Fidellis, que dava toda a cobertura aos eventos culturais e à vida de
Taguatinga. Não houve qualquer segregação feita pelo jornal entre o Plano
Piloto e as cidades-satélites.
Também segundo o pioneiro Wílon Wander Lopes, em entrevista concedida
no dia 06/1/2016, nas dependências da Administração Regional de Taguatinga:

Em Taguatinga, diferentemente do Plano Piloto, todas as pessoas eram


iguais. Aqui não havia políticos de outros estados, não havia gente famosa.
Lá, no Plano, as pessoas recebiam tudo do governo: casas, apartamentos,
calçada, parque, rua, tudo. Em Taguatinga, nós fazíamos tudo e, muitas
vezes, contra o próprio governo. Todas as pessoas eram iguais e possuíam
as mesmas necessidades e dificuldades. Taguatinga sempre foi uma cidade
comum, como qualquer outra cidade do Brasil, coisa que não acontecia no
Plano Piloto. O Correio Braziliense, por sua vez, sempre foi nosso aliado e
deu uma cobertura muito importante e positiva à criação da identidade de
Taguatinga como essa cidade comum, tipicamente brasileira. Antes,
achava-se que Taguatinga seria apenas uma cidade dormitório, uma mera
vila operária para todo o sempre. Mas, a cidade cresceu e criou alma
própria, por meio do trabalho e da dedicação dos operários e de toda a
gente que veio morar aqui. Em Taguatinga ninguém precisava de crachá
para nada, não havia relações hierárquicas como acontecia em Brasília, em
função dos cargos públicos. Aqui, éramos todos iguais e a solidariedade
imperava, assim como aconteceu na Cidade Livre. Quem não tinha
condições de comprar o Correio Braziliense na banca, por exemplo, o lia do
mesmo jeito, pois o jornal ficava exposto, pendurado na frente da banca e
acessível a todos. Era até engraçado! Não havia segregação alguma por
parte do Correio Braziliense em relação à população que veio para
Taguatinga, Sobradinho e para o Gama, à época. Nunca houve! Quem diz
isso está mentindo! O jornal se preocupava sim em dar toda a importância
ao que acontecia aqui, por meio de seus representantes, Alberto Bahouth
Júnior e Fabiano Fidellis, que abriram um escritório de representação do
jornal em Taguatinga. Até hoje o Correio tem grande importância para nós.
Para mim, que tenho um jornal, o Correio é um grande concorrente, pois,
quando as pessoas aqui precisam anunciar alguma coisa, acabam por dar
preferência ao Correio e não aos jornais de Taguatinga. Naquela época,
havia também outras pessoas que representavam o Correio Braziliense
junto às cidades-satélites. O jornal possuía, sim, uma representação
significativa aqui e dava muita cobertura positiva ao que acontecia em
Taguatinga naquela época.

Em seus relatos, Odilo Arlindo Philippi e José Alonso, entrevistados nos dias
07/1/2016 e 20/1/2016, respectivamente, ressaltaram, em comum, a importância do
Correio Braziliense para o desenvolvimento de Brasília como um todo e, sobretudo,
para a representatividade da nova capital perante o restante do Brasil, ao mesmo
tempo em que noticiava o que acontecia no Brasil para o povo de Brasília.

Segundo o mineiro de Paracatu, José Alonso, candango, que chegou a


Brasília, em 1958:
139

Era por meio do Correio Braziliense que ficávamos sabendo sobre tudo o
que acontecia em Brasília e no restante do país. O Correio ajudava muita
gente a conseguir trabalho e a encontrar novas oportunidades em Brasília.
Era o jornal “amigo do povo”. O jornal veio para ficar. Para tudo o que
precisávamos, a gente recorria ao Correio, pois era a forma mais fácil e
rápida de saber o que a cidade já oferecia para a população, em termos de
serviços, de escolas, de lazer, de comércio, de esportes, de tudo. Eu
gostava muito de ler o Correio Braziliense, como faço, todos os dias, até
hoje. Eu ia sempre ao Cine Brasília e ao Motonáutica, que eram também
“mostrados” no jornal. Quando fui morar em Taguatinga com a família,
íamos muito ao Cine Paranoá também. Todos os cinemas eram citados pelo
Correio Braziliense. Eu gostava de morar em Taguatinga e não me senti
segregado de ter sido encaminhado para morar lá. Em Taguatinga eu tinha
minha própria casa, no meu próprio terreno. Todos nós, candangos,
sabíamos que não moraríamos no Plano Piloto após a inauguração da
cidade, pois sabíamos que os prédios que construímos eram para os
funcionários públicos e outros profissionais que vieram para trabalhar em
outros serviços. Em Taguatinga, nós tínhamos acesso ao Correio
Braziliense também. O jornal tomava conta da cidade.

Já o Coronel Afonso Heliodoro 25, assessor, braço direito e homem de extrema


confiança de Juscelino Kubitschek, e que se transferiu para a nova capital junto com
o presidente, em 1960, do alto de seus 100 anos, afirmou nunca ter tido tempo de ler
o jornal, pois a jornada extremamente rígida de trabalho não permitia. Segundo ele:

Quem lia o jornal era o Juscelino. Todos os dias, logo pela manhã, eu o
acordava e já entregava o jornal na mão dele. Ele lia sempre, mas eu não.
Não tinha tempo para ler nem o jornal, pois nossa rotina no início de Brasília
era muito corrida e nós trabalhávamos demais! Mas eu sabia, até pelo que
ele (Juscelino) me contava, que o jornal noticiava tudo sobre a cidade e
sobre o Brasil. Juscelino lia o Correio Braziliense todos os dias. Sinto muita
saudade daquele tempo e do meu grande amigo...

A partir desses depoimentos, tornou-se possível verificar a real importância


assumida pelo Correio Braziliense na vida e na ambientação dos pioneiros em
Brasília e, sobretudo, as contribuições dadas pelo jornal à vida cultural da cidade

25
Afonso Heliodoro, nascido em Diamantina – MG, em 17 de abril de 1916, é considerado a história
viva de Brasília e do Brasil. O coronel da Reserva da Polícia Militar de Minas Gerais, bacharel em
Direito pela antiga Faculdade Nacional de Direito, do Rio de Janeiro, membro de várias academias
de Letras e tantos outros trabalhos. Quando Juscelino assumiu o governo de Minas Gerais, foi
chefe do Gabinete Militar (1951-1956), aprofundando, então, uma amizade que duraria até a morte
de Juscelino, em 1976. O coronel da Polícia Militar exerceu na Presidência da República o cargo de
subchefe do Gabinete Civil (1957-1961), dirigiu o Serviço de Verificação das Metas Econômicas do
Governo (1957-1961) e o Serviço de Interesses Estaduais (1956-1961). Heliodoro esteve ao lado
de Juscelino na construção do Palácio das Mangabeiras – residência oficial do governo de Minas
Gerais após o fechamento da área residencial do Palácio da Liberdade, na idealização do Museu
da República, no Rio de Janeiro, nas diferenças enfrentadas pelo presidente na época da revolução
e do golpe militar e no exílio, em Paris, mais de duas vezes. Participou das campanhas eleitorais de
Juscelino para a Presidência da República, em 1955, e para o Senado, em 1961, pelo Estado de
Goiás. Fundou o Movimento JK – 65. Atuou, principalmente, como um legítimo pioneiro na vinda ao
planalto, onde seria erguida a nova capital, participando, então, de todas as etapas da construção.
De Juscelino sabe todas as histórias, das mais engraçadas às mais íntimas, os fatos oficiais e as
lembranças de momentos de grande tristeza do ex-presidente, como a época do exílio em Paris.
140

recém-inaugurada. Já em 1960, as atividades relacionadas à cultura já pulsavam em


Brasília, ainda que em meio à precariedade das estruturas existentes na cidade. Por
meio da fala dos pioneiros ouvidos, não foi difícil perceber que as atividades
relacionadas ao cinema, à música, ao teatro, às festividades religiosas, ao esporte e
ao lazer de crianças e adultos, por exemplo, eram sim encontradas pela população
por meio das notícias publicadas no jornal e da cobertura dada por ele a tais
acontecimentos. Nas palavras dessas pessoas, já bem idosas, em sua grande
maioria, foi igualmente identificada certa gratidão ao veículo, pelo importante papel
de acolhedor e agregador por ele assumido. O Correio Braziliense, sem dúvida,
auxiliou de forma marcante na construção da rotina daqueles que deixaram para trás
suas cidades natais e passaram a viver aqui, na poeira vermelha do cerrado, uma
história de lutas, desafios e grandes conquistas, para eles, e para o Brasil.
141

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo da presente pesquisa era a partir do levantamento do conteúdo


cultural divulgado no primeiro ano de existência do jornal Correio Braziliense em
Brasília, durante o período de 21 de abril de 1960 a 21 de abril de 1961, realizar a
análise de todo o conteúdo de cultura identificado em suas edições publicadas ao
longo do primeiro ano da cidade. Além disso, objetivou-se estudar de que forma as
atividades de cunho cultural, divulgadas pelo jornal nesse período, contribuíram para
a formação da cultura do povo brasiliense. Por fim, avaliar qual foi, efetivamente, o
papel do Correio Braziliense, como veículo de comunicação, para a propagação e o
fortalecimento da cultura na nova capital do Brasil, constituída por diferentes grupos
de pioneiros, que para cá se transferiram, obrigados por suas funções no governo,
ou por escolha própria e em busca de novas oportunidades de trabalho e melhores
condições de vida e moradia, desde a época da construção da cidade, ou logo após
a sua inauguração, e que permaneceram em Brasília.

Ao longo da pesquisa documental realizada nas 365 edições publicadas pelo


Correio Braziliense, desde a data de inauguração da cidade até as comemorações
do seu primeiro ano como a nova capital do Brasil, foram identificados no jornal,
diferentes anúncios e matérias relacionadas à estruturação da cidade em vários
aspectos, inclusive, no que poderia ser classificado como “atividades culturais”. E,
tendo em vista melhor compreensão desse conteúdo, foi realizada uma tentativa de
classificação dos assuntos encontrados, obedecendo à análise do conteúdo de cada
um dos anúncios e matérias selecionados durante a pesquisa.

Para refletir sobre o que é cultura, para além da preocupação com sua
categorização, recorreu-se à visão de complexidade sistêmica apresentada por
Edgar Morin em seu livro “O Método 4 – as ideias”, no qual são abordadas as
questões relativas ao habitat, à vida, aos costumes e à organização das sociedades.

Segundo Morin (2005, p. 101), em seu princípio hologramático:

A parte não está somente no todo; o próprio todo, está, de certa maneira,
presente na parte que se encontra nele. Assim sendo, a sociedade e a
cultura estão presentes enquanto “todo” no conhecimento e nos espíritos
cognoscíveis, assim como é presente no mito comunitário que lhe é
consubstancial.
142

Ou seja, a partir do pensamento de Morin (2005), tornou-se possível, durante


a análise das edições do jornal, a percepção de que, de fato, os assuntos
relacionados às atividades de cunho cultural permeiam suas edições, do início ao
fim, pois não havia, ainda, àquela época, uma editoria de cultura definida, ou seja,
uma área determinada na organização do jornal que fosse destinada à publicação
exclusiva de assuntos relacionados às atividades culturais, como existe nos dias
atuais.

A presença constante das notícias referentes às diversas atividades culturais


promovidas e produzidas pela população, durante o primeiro ano após a
inauguração de Brasília e os relatos obtidos nas entrevistas, demonstram
claramente a relação defendida por Morin (2005), de retroalimentação e de
interdependência estabelecida entre a sociedade e o veículo de comunicação, na
medida em que a primeira gerava o conteúdo necessário para alimentação do
segundo, enquanto este devolvia à sociedade o resultado dessa troca, por meio da
divulgação e posterior cobertura tanto dos eventos e atividades relacionadas à
cultura, assim como das mudanças e ganhos infraestruturais que a cidade ia
recebendo no período delimitado para esta pesquisa.

Assim, foi construída a relação de Brasília com o Correio Braziliense, ao longo


do primeiro ano de existência de ambos: da cidade, que se constituía como a nova
capital do País, e do jornal, como seu primeiro veículo impresso, cuja primeira
circulação ocorreu na mesma data em que a cidade fora inaugurada e, desde então,
ambos passaram a desenvolver uma relação simbiótica inerente a uma sociedade e
um veículo de comunicação.

Retomando o pensamento de Morin (2005), reitera-se o conceito de que a


cultura e a sociedade estão em relação geradora mútua, na qual não se pode,
sobretudo, desconsiderar a importância das interações entre os indivíduos, pois são
eles próprios os portadores e transmissores dos conteúdos culturais criados e
adquiridos ao longo dos anos de existência da sociedade à qual pertencem.
Conteúdos esses, que alimentam e regeneram essa mesma sociedade que, por sua
vez, também regenera a cultura, e assim por diante. Pois a cultura é constituída pelo
saber coletivo acumulado na memória social desses grupos de indivíduos, e assim
aconteceu em Brasília, a partir da memória social gerada pelos pioneiros, desde os
primórdios da construção da cidade, até os dias atuais. Memória essa que foi e tem
143

sido perpetuada por meio dos registros encontrados no Correio Braziliense, desde o
período analisado neste trabalho, ou seja, de 1960 a 1961.

Portanto, ainda segundo Morin (2005), se a cultura contém o saber coletivo de


uma sociedade e, por este motivo, torna-se a portadora de modelos, de princípios,
do conhecimento e da linguagem dessa sociedade, acaba por ser também a
geradora da visão de mundo adotada por essa mesma sociedade, e que será
propagada pelos veículos de comunicação que servem a ela. Morin (2005), também
afirma que os homens de uma determinada cultura, pelo seu modo de
conhecimento, são os responsáveis pela produção dessa mesma cultura que será
propagada aos demais de sua geração, assim como às outras gerações vindouras.
E, para tal, necessitam de instrumentos que registrem os conteúdos de cultura
gerados e que viabilizem tal propagação.

E foi essa missão de propagador da cultura e da história de Brasília à própria


população da cidade, ao restante do Brasil e ao mundo, que foi assumida pelo
Correio Braziliense logo durante o primeiro ano da inauguração da nova capital do
Brasil, principalmente, pelo fato de que a circulação do jornal, ocorrida exatamente
no dia 21 de abril de 1960, consolidava a promessa feita por seu recriador no Brasil,
o jornalista Assis Chateaubriand, a Juscelino Kubitschek, durante as obras da nova
capital. E Chateaubriand, ao fazer tal promessa, certamente, antevia a importância
que o jornal assumiria diante da sociedade que aqui se estabeleceria, atuando como
o veículo impresso que auxiliaria de forma marcante na informação da população,
acerca do modus vivendi da cidade que se organizava gradativamente e, de maneira
ainda mais significativa, no que tange à informação sobre o que já eram oferecidos
ao povo em termos de atividades culturais, entretenimento e atividades religiosas,
assim como o que já era ofertado em termos de serviços relacionados à saúde,
outros serviços em geral, ao comércio e às atividades voltadas ao esporte.

E, conforme citado anteriormente, utilizou-se como metodologia para a


concepção deste trabalho, além da pesquisa bibliográfica, da pesquisa documental
no Centro de Documentação dos Diários Associados em Brasília e da pesquisa de
campo, por meio das entrevistas realizadas junto aos pioneiros da cidade, a tentativa
de categorização de todo o conteúdo encontrado no jornal, relacionado aos assuntos
acima elencados, exatamente no período compreendido entre 21 de abril de 1960 e
21 de abril de 1961, apresentados nas 365 edições pesquisadas.
144

Nessa tentativa de categorização, percebeu-se que, na verdade, o conteúdo


que poderia ser classificado como “cultura” assumiu uma relevante complexidade,
uma vez que se encontra “pulverizado” em todas as páginas das edições
pesquisadas e, como já mencionado anteriormente, não existia, àquela época, a
definição de uma editoria específica de cultura e, assim sendo, os anúncios e
matérias sobre os eventos culturais se confundiam com os relacionados ao
entretenimento, às festas religiosas e ao lazer.

O que foi claramente percebido, tanto na análise do corpus, quanto durante


as entrevistas realizadas com os pioneiros que tinham acesso ao jornal, é que, uma
mesma notícia sobre a programação do Cine Brasília, por exemplo, poderia ser
classificada tanto como sendo um assunto de foro cultural, como de entretenimento
e de lazer ao mesmo tempo, uma vez que a própria abordagem do jornal dava essa
conotação e a percepção dos entrevistados também demonstrou que a ação de ir ao
cinema para eles, por exemplo, não se tratava necessariamente de buscar
informação, conhecimento, prazer estético ou de ir em busca da reflexão que o
cinema pode trazer ao público, mas, sim, de usufruir de um momento de lazer e de
entretenimento, tanto para os adultos, quanto para as crianças e adolescentes.

Quanto à categorização, importante ressaltar que ficou patente que o item TV


e Jornal, alocado na categoria de serviços, poderia estar em lazer e entretenimento
(programação). Isso porque os meios de comunicação cumprem várias funções o
que torna difícil classificá-los: a) os que prestam serviços de informação relativos à
utilidade pública; e b) os que são meios de entretenimento da população, fornecendo
a ela toda a programação desse segmento, existente na cidade.

Foram consideradas atividades culturais as relacionadas ao teatro, dança,


música clássica, ballet e cinema por representarem o que já foi chamado de “cultura
clássica”, “alta cultura” ou “cultura de elite”. No entanto, coube classificar como
cultura, a partir da abordagem feita pelo jornal sobre tais eventos, o que também
denominamos “cultura popular”, incluindo as apresentações circenses os
espetáculos de rua, os shows de música popular, etc. Assim sendo, julgou-se
adequado alocar nesse mesmo “grupo” de cultura, as atividades consideradas
populares, ou de massa, tais como a programação de cinema, TV e rádio.

Sendo assim, fica clara a não pertinência dessas categorias ao conceito


clássico de cultura, no caso específico do conteúdo encontrado no jornal. O que foi
145

percebido, é que a população pode se interessar pelas atividades consideradas por


certa tradição na reflexão sobre cultura, como sendo de elite, tanto quanto por
produtos da cultura de massa ou da cultura popular, transitando de uma para a
outra, assim como as pessoas transitam de um meio socioeconômico para outro em
sua vida cotidiana. Isso torna complexa e não estanque a categorização daquilo que
se pode chamar de cultura.

As atividades e eventos relacionados à religião foram alocados na categoria


“Atividades culturais, lazer e entretenimento” por apresentarem, em sua
configuração, elementos representativos da cultura brasileira e, de forma mais
específica, do folclore das regiões das quais vieram os organizadores de tais
eventos religiosos. Como exemplo, pode se citar a chegada da imagem de Nossa
Senhora de Fátima à paróquia que culminou na realização de uma procissão e
adoração à Santa, sendo essa uma manifestação festiva muito característica da
cultura brasileira.

Outro exemplo a ser citado como um evento de cunho religioso, mas com um
forte componente cultural em sua prática, é a chamada “malhação de Judas” que, ao
ser realizada pela população durante a primeira Semana Santa ocorrida em Brasília,
tornou-se também uma representação dos rituais de malhação do boneco que
representa a figura do apóstolo Judas, normalmente realizada nas cidades do
interior dos estados de Minas Gerais e do Nordeste, principalmente.

A terceira demonstração do quanto os acontecimentos religiosos estão muito


ligados à questão cultural, na abordagem feita pelo jornal, foi a publicação da notícia
da celebração do primeiro casamento realizado em Brasília, cuja liturgia foi transcrita
na íntegra pelo Correio Braziliense, representando a importância dada pela
sociedade a rituais como o de um casamento. E essa relação, dentro da análise do
corpus, acabou por deixar clara a representação cultural de eventos como esse.

Outra importante questão a ser analisada na conclusão deste trabalho, no que


tange às matérias relacionadas aos eventos religiosos publicadas pelo jornal, é a
percepção da total ausência de notícias sobre as festas e celebrações realizadas por
outras religiões que não a Católica. E essa é também uma característica cultural e
comportamental da sociedade brasileira, entre os anos 50 e início dos anos 60, de
uma não aceitação em relação às demais religiões existentes, senão a Católica que,
à época, era considerada a religião oficial do País, constando essa informação,
146

inclusive, nos antigos livros de história do Brasil e da já extinta matéria chamada


“Educação Moral e Cívica”. E essa mentalidade foi evidenciada pelo jornal na
medida em que, apesar da diversidade de culturas e credos existentes em Brasília
desde os primórdios da cidade, as outras religiões, infelizmente, não recebiam a
mesma atenção do jornal. É fato, portanto, o quão seletivo foi o Correio Braziliense
em relação a essa questão.

Após todas essas considerações, conclui-se, sobretudo, que o jornal Correio


Braziliense, representou, de fato, o papel de importante aliado da população de
pioneiros, auxiliando-a em seu maior entrosamento e ambientação na cidade que,
aos poucos, se estabelecia e se fortalecia como a nova capital do Brasil. Além disso,
a partir dos depoimentos colhidos junto aos pioneiros entrevistados e da análise do
conteúdo selecionado dentre as edições do jornal publicadas ao longo do primeiro
ano da cidade, fica clara a atuação do jornal também como apoiador do projeto de
Juscelino, por meio de seu discurso sempre ufanista e entusiasmado sobre as
novidades que surgiam na cidade e das novas opções de cultura, de lazer, de
entretenimento, de educação, de comércio e serviços e de esportes. Por meio das
páginas do Correio Braziliense, Brasília foi cada vez mais humanizada e, aos
poucos, transformou-se em muito mais que a capital do Brasil. A cidade tornou-se,
verdadeiramente, o lar definitivo de muitos de seus pioneiros e, hoje, 56 anos após
sua inauguração, é a cidade natal de 1,7 milhão de brasilienses, de acordo com o
Censo Demográfico de 2010 26, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2016).

Nos tempos atuais, em 2016, o jornal Correio Braziliense ainda ocupa um


lugar de destaque junto à população da cidade, por continuar sendo considerado um
dos mais importantes e tradicionais veículos impressos da Capital, muito embora já
tenham sido constituídos inúmeros outros jornais que hoje circulam em Brasília,
contemplando, inclusive, segmentações de público muito diferenciadas e fazendo-
lhe concorrência.

E, em função dessa nova realidade, apesar de sua tradição histórica como o


primeiro veículo impresso de Brasília, o Correio, nos últimos anos, se viu obrigado a
adequar-se aos novos tempos em que a concorrência causada pelos meios digitais,

26
Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas - DPE - Coordenação de População e Indicadores Sociais -
COPIS.
147

há muito impingiu nova configuração ao mercado jornalístico, tanto no Brasil quanto


no exterior.

Além disso, é sabido que a realidade vivida pelo jornal dos anos 1960, logo
após o seu ressurgimento em Brasília, constituiu um contexto muito específico e
completamente diferente da conjuntura atual, em Brasília e no Brasil. Àquela época,
o momento histórico vivido na nova capital, e no País, era norteado pelo sentimento
de esperança, entusiasmo e ufanismo em função das perspectivas de crescimento
vislumbradas pelo plano de governo de Juscelino Kubitschek. Acreditava-se,
piamente, tal qual o sonho de Hipólito José da Costa, em 1808, que o Brasil, liberto
das amarras do colonialismo e do subdesenvolvimento, continuaria crescendo e
finalmente atingiria, irreversivelmente, patamares altíssimos nas estatísticas
relacionadas ao crescimento socioeconômico e cultural de seu povo.

E o jornal, naquele momento, em seu papel de disseminador desse


sentimento nacionalista, tornou-se o arauto de todas as realizações e conquistas
obtidas pelo País em todos os sentidos. E Brasília, a partir dos relatos dos pioneiros
entrevistados, dos registros encontrados nas edições do jornal e da pesquisa
bibliográfica realizada para este trabalho, representou, sem dúvida, a maior e mais
significativa delas.

Assim sendo, acredita-se que a maior função ou valor deste trabalho de


pesquisa seja, exatamente, a de mostrar o que fora considerado um tempo áureo na
história do Correio Braziliense, sobretudo, pelo seu ressurgimento na nova capital da
República e por sua reconhecida contribuição ao acolhimento dos pioneiros e dos
candangos, assim como à consolidação da cultura na e da cidade.

Cabe também citar nas considerações finais desta dissertação, a valiosa


experiência vivida durante o processo de pesquisa no arquivo do Centro de
Documentação dos Diários Associados em Brasília – CEDOC. Cada uma das
edições observadas representou uma rica experiência histórica, tanto em relação à
vida da cidade durante o ano de sua inauguração, como em relação à história
jornalística, econômica, política e cultural de Brasília e do Brasil, retratadas pelo
Correio Braziliense ao longo do ano de 1960.

E, a partir do cuidado com que as pesquisas documental, bibliográfica e de


campo, por meio das entrevistas com os pioneiros, foram realizadas para subsidiar
148

da melhor maneira possível esta dissertação de Mestrado em Comunicação,


acredita-se que este trabalho se consubstanciará em um material de relevante valor
para outras pesquisas vindouras.
149

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157

ANEXO A

ROTEIRO DE ENTREVISTAS PARA A DISSERTAÇÃO:

1. Em 1960 o senhor (a) já estava em Brasília?


2. De qual cidade o senhor (a) veio?
3. Qual o motivo da sua transferência para a nova capital?
4. Em que órgão do governo ou empresa privada o senhor (a) e / ou seu cônjuge
trabalhavam?
5. Sua família veio com o senhor (a) nessa mesma época?
6. O senhor (a) já possuía filhos naquela época? Quantos?
7. Seus filhos eram ainda crianças, ou já adolescentes?
8. Onde residiam em Brasília?
9. Quais as primeiras impressões que o senhor (a) teve sobre a cidade?
10. O senhor (a) se sentia confortável na cidade naquele ano?
11. E sua família, aprovou a mudança?
12. O senhor (a) fez amigos com facilidade à época?
13. Quais os lugares onde mais frequentava com sua família?
14. O senhor (a) buscava atividades culturais na cidade?
15. O senhor (a) buscava locais de lazer para sua família?
16. Quais os locais de lazer que o senhor (a) mais frequentava com sua esposa /
marido, ou com seus filhos?
17. Como era a estrutura desses locais? Eram locais agradáveis?
18. O senhor (a) tinha acesso ao jornal Correio Braziliense?
19. Se sim, onde o senhor (a) o adquiria?
20. Com que frequência lia o jornal?
21. Como o senhor classifcaria a importância do jornal para a população de
Brasília àquela época?
22. O senhor (a) costumava recorrer ao jornal para se informar sobre as atividades
culturais promovidas na cidade durante o ano de 1960?
23. Quais as atividades culturais que mais lhe interessavam e que eram divulgadas
pelo jornal naquele ano?
24. O Senhor (a) também via o jornal como um guia sobre a cidade?
158

25. Além dos eventos culturais, o senhor (a) costumava lançar mão do jornal para
se informar sobre as opções de comércio e serviços que a cidade já oferecia
naquele ano de 1960?
26. O jornal contribuiu de alguma forma para a sua melhor ambientação e
acolhimento, assim como o de sua família, em Brasília?
27. Como o senhor (a) classificaria a importância do jornal para a população de
Brasília em 1960?
28. O senhor (a) acredita que o jornal foi, de fato, um aliado para o crescimento
das atividades culturais oferecidas na cidade em 1960?
29. O senhor (a) se recorda de algum evento cultural do qual tenha participado a
partir de sua divulgação no Correio Braziliense?
30. O senhor (a) costumava acompanhar a repercussão dos eventos culturais
ocorridos, por meio do jornal?
31. Como o senhor classificaria a importância do jornal para a formação da
identidade cultural da cidade ao longo do ano de 1960?
32. O senhor (a) concederia ao jornal, em 1960, o título de “aliado” da cultura e do
desenvolvimento de Brasília nos primeiros doze meses após a sua
inauguração?

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