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Por onde andei

O filho ensina a mãe e os Vasconcellos

No clã dos Vasconcellos eu sou a tetraneta de


André Joaquim e Maria Alexandrina, bisneta
de Antônio Pinto e Maria Clara, neta da
Damascena e Antônio José, filha mais nova do
Cica e Lucy, a Dendeca - Ana Oliveira.
Junto com meus familiares e amigos fazemos
parte da História do Brasil.

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

São tantos tios, tias, primos, primas

Que vale a pena escrever, rimar

Vale a pena dar o meu recado

O tempo passa, ele irá ficar…

Página solta, folha amarela

Tempo passando…
(Parte do poema da Nadir de Vasconcellos, escrito em 06/03/1978, no
livro Guardados de Marjaína)

Senhor do Tempo, 43 anos


depois desse escrito, em 09 de março
de 2021, conheço o livro de Marjaína,
Nadir de Vasconcellos, com poemas
dedicados a cada membro da família.
Meu coração até doeu, quando eu
comecei a ler. E ao assistir à gravação
de um vídeo, enviado por sua filha
Marta, tive um acesso de choro, eu a
reconheci dos meus delírios, estava
com a roupa igual a dela, vermelha e
branca.
Partes dos livros “Guardados de Marjaína” e “Rumo as 7 vidas” de Nadir
de Vasconcellos Baptista, autorizada a publicação por sua filha, Marta
Baptista em 12/03/2021.

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Todos os direitos reservados.

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autorização da autora.

Texto fixado conforme as regras do novo acordo ortográfico


da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo n°. 54, de 1995)
Editor responsável: Ana Oliveira
Revisão literária: Janusa Gomez
Revisão histórica: Paulo Cruz
Capa - Desenho: Marcelo Coelho
Capa – Ilustração: Abigail Guimarães Gomez
Contracapa – Foto Ana Teresa
Oliveira, Ana, 1968
Por onde andei … o filho ensinar a mãe e os Vasconcellos
2.ed.
Série: Por onde andei
Brasil, 2021
ISBN 9798670666107
1. Relacionamento familiar, 2. Jovem negro, 3. Os
Vasconcellos, 4. Racismo, 5. Cultura e samba, 6. Depoimento,
7. Educação
CDD 640
CDU 347.635
364.24
Direitos da autora
E-mail: anaacervos@gmail.com

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Lista de abreviaturas e siglas
CIEP - Centros Integrados de Educação Pública

EUA – Estados Unidos da América

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura
MNU - Movimento Negro Unificado

“Não sou nem otimista, nem pessimista. Os


otimistas são ingênuos, e os pessimistas
amargos. Sou um realista esperançoso. Sou
um homem da esperança. Sei que é para
um futuro muito longínquo. Sonho com o
dia em que o sol de Deus vai espalhar
justiça pelo mundo todo.”

Ariano Suassuna

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

SUMÁRIO
PRÓLOGO
Em plena pandemia, COVID-19, para passar o tempo resolvi escrever os
diálogos entre eu e o meu filho adolescente, apresento-o do nascimento aos
questionamentos realizados na cozinha.
POR ONDE ANDEI
Com 14 anos, meu filho já tinha fixado residência em dois países (BR e PT),
três cidades entre Rio e São Paulo e seis moradias.
BRASIL É MAIS PRETO DO QUE GOSTARIA DE SER
Será que com as redes sociais, resgatamos e conhecemos as histórias
individuais e construímos uma nova realidade sociológica?
REPRESENTAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO
É importante para o negro sentir-se representado na arte e na comunidade,
e conhecer homens e mulheres que se destacaram. Uma construção de
identidade positiva.
ATRAVESSARAM-NOS PELO OCEANO ATLÂNTICO
A escravidão negra no Novo Continente – As Américas, homenagem feita ao
italiano, Américo Vespúcio (1454 – 1512).
EXISTE UMA DÍVIDA COM OS NEGROS?
Tudo começa com as legislações, mas digo, não tem Ubuntu (oo-buun-too)
nessa história.
EDUCAÇÃO PARA TODOS
A reação do meio acadêmico ao tema racial - do Projeto Unesco até as cotas.
MOVIMENTOS SOCIAIS
A união da raça negra e seus movimentos com reivindicações e agremiações.
KARL MARX
O homem que mudou a história, para Nemo foi um vagabundo; para sua
mãe, um revolucionário.
QUEM SÃO?
Uma curtíssima biografia de algumas pessoas citadas aqui no livro.
MÃE DO NEMO
Conto um pouco da minha caminhada, a composição da escrita e revelo o
Nemo.
NOSSA ANCESTRALIDADE
A história oral a partir do século XIX dos VASCONCELLOS, minha parte
paterna. e as famílias que se agregam por laços consanguíneos ou de alma,
são os Abreu, Costa, Meira, Monteiro, Nascimento, Patrocínio, Pereira,
Rocha e Souza.
ANEXOS – I.Álbum de Família, II.Para as telas, III.Árvore Genealógica dos
Vasconcellos.

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Agradecimentos

Nessa caminhada de escritora, o melhor de tudo são as


pessoas, me sinto contectada, veja que vida boa: Viagem,
História e Gente.
Chadwick, protagonista do filme Pantera Negra, disse:
"Eu não existiria como ator sem o financiamento de meus
estudos por Denzel Washington".
Sempre falo para Janusa Gomez, minha revisora literária:
“A escritora, Ana Oliveira não existe sem você”.
E, como aprendiz de escritora, também não existiria sem
a inspiração do professor de História, César Silva.
Ao sairmos de sua aula, uma colega de turma com seus
75 anos comentou: "Como esse menino cresceu
intelectualmente em dez anos. Lembro dele a entregar
currículo no colégio onde eu trabalhava". Eu pensei, "quero ser
igual". Então, tenho mais oito anos pela frente.
E o professor de filosofia, Paulo Cruz, me orientando e
dando dezenas de livros para ler, que, junto com meu filho, me
provocaram para o crescimento intelectual. Estou sendo
reconstruída e solidificada na nova carreira, com muita ajuda.
Mas o inesperado, que chegou com vento e pelo senhor
dos tempos, foi o reencontro com a minha prima Néia Daniel,
com seus livros, pesquisas e memórias. Somos uma família de
escritoras.
Ainda tenho a benevolência dos amigos: FinoLivro (Diego
Fiais e Ilmara Nolasco) que divulgam meus livros; Sofia e
Abigail me ajudam com a mídia; a Márcia Colella, com a
escrita; Izabel, dando uma direção e uns puxões de orelha; e a
professora Bruna Milheiro pelas suas correções e palpites –
tive uma resistência inicial.
A transcendentalidade diz para mim, com autoridade:
“Você não tem capacidade de saber como será seu futuro”.
Só sei que junto desse povo será com estudo e escrita.

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

NOTA DO AUTORA
Esse livro não tem sequência de leitura, são partes
históricas que lidas dará ao leitor uma noção da resistência do
clã da minha família, mostro que as dificuldades nos forjaram
competência, dignidade e respeito.
Fui criada e crio o meu filho sendo mãe, não amiga,
essa relação é com amor, dor e decepção de ambas as partes.
Nossa cultura e História com narrações e memórias familiares
desde o século XIX.
Viajei no tempo, abri caminho para os meus diversos
sentimentos com essas lembranças, serviu como uma terapia,
e escrevendo tenho a impressão de eternizar o meu amor pela
ancestralidade.
As redes sociais é um livro eletrônico, só que com
muitas imagens e pouca escrita. Uma nova era, mas eu vou
andar na contramão.
Descobri pelas histórias orais da família que João
Cândido, imortalizado na canção “O Mestre Sala dos Mares”
de Aldir Blanc, João Bosco e Vinícius fez parte da amizade da
família, e o vestido da filha do presidente Juscelino
Kubitschek… Ah! você precisa ler e contribuir na construção do
livro.
Agradecimento especial as coautoras desse livro Nadir
(in memoriam) e a mãe das FF, só jogava as informações, como
migalhas de pão pelo caminho e eu faminta a seguir. Ela é
educadora sabia que eu pegaria o fio da meada. Na segunda
onda codiviral em Portugal me fez feliz todos os dias. Valeu
Néia!
Na divulgação desse livro, eu notei um desprezo de
imediato, ao informar que eu não desejava vendê-lo, e sim,
doar. Foi tipo … então não precisa.
Eu preciso precisar? Quero incentivar as pessoas
escreverem a suas histórias.

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Texto de Bert Hellinger, um elo desse livro com de


Eveline Souza.
Gratidão queridos pais, avós e demais ancestrais por
terem tecido o meu caminho, imensa gratidão pela imensidão
dos seus sonhos que, de alguma forma, são hoje a minha
realidade.
A partir deste ponto e com muito amor, dou luz à
tristeza que houve nas gerações passadas, dou luz à raiva, às
partidas prematuras, aos nomes não ditos, aos destinos
trágicos.
Dou luz à flecha que cortou caminhos e tornou a
calçada mais fácil para nós.
Dou luz à alegria, às histórias repetidas várias vezes.
Dou luz ao não dito e aos segredos de família.
Dou luz às histórias de violência e ruptura entre casais,
pais e filhos e entre irmãos e que seja o tempo e o amor que
volte a unir.
Dou luz a todas as memórias de limitação e pobreza, a
todas as crenças desestruturantes e negativas que permeiem
o meu sistema familiar.
Aqui e agora semeio uma nova esperança, alegria,
união, prosperidade, entrega, equilíbrio, ousadia, fé, força,
superação, amor, amor e amor.
Que todas as gerações passadas e futuras sejam agora,
neste instante cobertas com um arco-íris de luzes que curem e
restaurem o corpo, a alma e todos os relacionamentos.
Que a força e a bênção de cada geração alcance
sempre e inunde a geração seguinte.
Assim seja.
Assim, é.

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

PREFÁCIO
... Tempo, tempo, tempo, tempo...
Por seres tão inventivo
e pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo
és um dos deuses mais lindos
Tempo, tempo, tempo, tempo...”
ORAÇÃO AO TEMPO – Caetano Veloso
...E de repente, a gente abre a velha "gaveta
esperança" e encontra velhas fotos de família. Alguém sopra
em nosso ouvido... é necessário juntar os pedaços dessa
colcha de retalhos e recontá-la. Talvez, para que os mais novos
a conheça e continuem contando. E principalmente, se
orgulhando dessa gente simples. Essa é a história real de uma
família negra como a de tantas no Brasil...
Em 2011, abri a velha “gaveta esperança” e encontrei
velhas fotos da família e resolvi fazer um vídeo caseiro
contando a história dos Vasconcellos, tendo por base a estória
contada tantas vezes por Totonha, a forma carinhosa como eu
chamava minha mãe, e por uma fita cassete recebida de
Elenira, minha prima, com relatos de Tia André. Dez anos
depois, o vídeo viraliza entre os familiares e promove o
reencontro da família espalhada pelo Rio de Janeiro, São
Paulo, Bahia e ... Portugal.
Ana Oliveira, neta de minha tia Damascena, a menina
com asas nos pés, fazia algum tempo que morava no Porto, em
Portugal com seu filho adolescente. A menininha que conheci
e que chamávamos de Dendeca havia crescido, se
transformando em uma grande mulher, dona de seu próprio
destino, e que ganhou o mundo, por acreditar em seus sonhos.
Descobri sua grande vocação em registrar sua escrevivência, e
que, o próprio presidente de Portugal já conhecia uma de suas
publicações.
Que orgulho, ao saber de sua trajetória, e
principalmente de sua coragem ao abraçar o mundo e contar
a vivência de pessoas tão simples, tão importantes e

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

principalmente tão iguais a tantas famílias brasileiras regidas


principalmente por afeto, amor e coragem.
É necessário contarmos as nossas estórias através de
nossos próprios olhos, ou como bem colocou o poeta britânico
William Ernest Henley, e repetido por Nelson Mandela “Não
importa o quão estreito seja o portão e quão repleta de
castigos seja a sentença, eu sou o dono do meu destino, eu sou
o capitão da minha alma”. E como capitã de sua própria alma,
cabe a Ana Oliveira recontar, recontar e recontar.
Em nossas conversas, quase diárias através das redes
sociais, em meio a trágica pandemia que assolava o planeta,
comecei a ler os seus escritos, através de seu livro “O Filho
Ensina a Mãe” em que conta para Nemo suas alegrias e
incertezas; a própria história negra no mundo, e a história de
seu próprio núcleo familiar. Mais uma consciência. Durante a
década de 1990 escrevi e deixei guardada na minha gavetinha
de sonhos, “Aos Nossos Filhos - conversando sobre cultura
negra”, que não chegou a ser publicado.
Coincidências? Não acredito. Nosso reencontro não foi
mero acaso. Precisamos, precisamos, precisamos fazer ouvir
as nossas vozes e “O Filho Ensina a Mãe” nos permite isso.
Lembrar e recontar é preciso! E Ana, como as colchas de
retalhos que nossa avó Diamantina pacientemente fazia, foi
pegando os pequenos retalhos e unindo-os pedacinho por
pedacinho.
Ao lembrar de Damascena, de Antônia, de André, de
Jair, das primas, de Paulo de Barra Mansa, de Claudecy, de
Lucy, Claudelucia, Cristiane e Clarinha, de Vó Dantina... As boas
lembranças voltaram aos borbotões.
Lembrei de minha mãe, brigando com Tio Natanael e
ele, cantando um calango pra ela que dizia:
Antônia, chuí, chui,
Chiquinha, chuí, chuá
Antônia não quer que eu beba
Chiquinha compra e me dá
Do café com pão-doce nas tardes de domingo na casa
de Vovó Dantina. De Tia Benedita Vitória trançando meus
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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

cabelos com as mãos tão leves que me fazia adormecer. Ou da


piada contata por Tio Jair e eu criança, ria e ria. E de Tia
Damascena me ensinando o tempo certo do cozimento do
macarrão. De Tio André me acalmando pouco antes de
entramos na igreja no dia de meu casamento. Quantas
lembranças!
Agradecida Ana, por ter me permitido, através de seus
escritos, agradecer a todos os ancestres presentes neste
trabalho, capazes de nos fazerem chorar, sorrir e constatar
que temos muito orgulho em ser como somos e ter a história
que temos.
Fazer a “viagem de volta” era necessário.
Revivi um texto da Conceição Evaristo em seu livro
“Becos da Memória” e transcrevo para você.
- Menina, o mundo, a vida, tudo está aí! Nossa gente
não tem conseguido quase nada. Todos aqueles que morreram
sem se realizar, todos os negros escravizados de ontem, os
supostamente livres de hoje, libertam-se na vida de cada um
de nós que consegue viver, que consegue se realizar. A sua
vida, menina, não pode ser só sua. Muitos vão se libertar, vão
se realizar por meio de você. Os gemidos estão sempre
presentes. É preciso ter os ouvidos, os olhos e o coração
abertos1.

Néia Daniel

1
Evaristo, Conceição. Becos da Memória, Belo Horizonte, Maza Edições, 2006,
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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

PRÓLOGO
Faz parte da minha rotina escutar aulas de história em
vídeos disponibilizados na internet durante os afazeres de
casa, adicionado a esses momentos, meu filho adolescente
começou a me questionar sobre alguns personagens e fatos
históricos.
Começou com Zumbi dos Palmares, “ele não me
representa como consciência negra”; depois foi Karl Marx, “ele
era um vagabundo, nem sustentava os filhos”; mais tarde,
Nelson Mandela, “sabia que ele era um terrorista?”. Por certo
são desafios aos meus conhecimentos, e gostei disso.
Também mostrou o interesse na cidade natal, apreciar
imagens do Rio antigo, nossa origem africana, se posicionando
contra as cotas raciais, assim percebi as transformações de
seus valores culturais.
Seu presente de Natal 2020 foi o teste de DNA
MyHeritage – Etnicidade e Genealogia, que revelou sua
ascendência e etnia.
Nemo, pseudônimo do meu filho, adora me provocar,
questionando as ações dos vultos históricos, ou temas do meu
interesse. As sabatinas realizadas na cozinha, pelo meu ponto
de vista, tornaram-se constantes, até que comecei a ler um
pouco mais sobre os assuntos. As perguntas e as respostas
compuseram uma boa parte desse livro.
Sartre, filósofo e escritor, nos diz que “escolhemos a
resposta ao escolher quem responderá nossa dúvida”, eu não
sou a pessoa com a capacidade das respostas para as
provocações e curiosidades históricas do Nemo, mas, diante
da demanda, aprendo com suas perguntas. E vivendo dentro
do paradoxo socrático “sei que nada sei” ou o dito popular
“vivendo e aprendendo e morrendo sem saber nada”.
Há dois anos, os questionamentos eram outros, uns
dos motivos que me fez morar fora do Brasil, com a intenção
de fazê-lo enxergar novos horizontes.
Ao comentar que escreveria um livro sobre nossas
conversas, ele logo falou:
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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Eu não quero meu nome nisso.


- Mas você pode prefaciar o livro, veja que bacana.
- Não.
Eu, sentada de frente para o computador, inclinei a
cabeça para cima e olhei naquela carinha preta injuriada:
- Calma! Então, usarei um pseudônimo.
- Você só tem um filho, todos saberão que sou eu.
- Verdade. O que acha de eu ter um diálogo com um
filho imaginário no livro?
Levei uma olhada fulminante, e, pela torção dos lábios
e o afastamento com resmungos, significou discordância.
Respeitando a opinião do protagonista, não usarei
nem seus apelidos, Zito (diminutivo do seu nome) chamado
pela sua prima Aline ou Kunta, pela prima Lúcia. A gravidez foi
de alto risco, o livro de cabeceira no período acamado,
“Raízes” de Alex Haley, o personagem principal é Kunta Kinte.
Pensei… eis que surge o Nemo, a origem do nickname
é do desenho animado com o pequeno e simpático peixe-
palhaço chamado Nemo, que, após uma briga com seu pai, é
capturado por um mergulhador, e assim começa uma
aventura por terra e mar.
Na época da gravidez, eu morava em Muriqui – RJ, o
condomínio com muitas crianças, elas viviam na minha casa,
nos finais de semana sempre tinha umas oito no quarto
comigo. Para mim, funcionou como uma fonte de energia para
o nascimento do meu filho. Na hora de assistirmos a um vídeo,
os miúdos pediam sempre o mesmo em coro e voz alta:
“Procurando Nemo”.
E também uma homenagem ao escritor francês Júlio
Verne2, sem nunca ter saído da França escreveu aventuras e
ficções, com o Capitão Nemo. E por eu desejar que o Meu

2
Júlio Verne (1828-1905) foi um escritor do século XIX, precursor da moderna literatura
de ficção científica. Autor das obras:"Viagem ao Centro da Terra", "A Volta ao Mundo
em Oitenta Dias", entre outras. Previu com grande precisão em seus relatos fantásticos
a aparição de alguns inventos criados com os avanços tecnológicos do século XX, entre
eles, o helicóptero e as naves espaciais.
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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Nemo faça faculdade na França, mentalmente já programo os


logaritmos, energias, vibrações … para o país.
Bom, para saber o verdadeiro nome do meu filho tem
duas charadas:
1º Não conheço no mundo ocidental nenhuma pessoa
com esse nome, mas no livro “O Caçador de Pipas” (The Kite
Runner), romance do escritor afegão-americano Khaled
Hosseini, publicado em 2003, descobri que seu nome significa
“pão” em árabe.
2º Na tradição da família, os nomes dos meus pais
compuseram dos filhos, então o verdadeiro nome do Nemo
tem as mesmas letras do meu.
Trabalhei com uma livreira chamada Hanna,
provavelmente seria o nome se fosse menina. Ao saber que
era menino, gostei de Noah - na tradição islâmica, é
considerado um dos primeiros profetas enviados por Deus
para a humanidade. Adaptei ao meu nome, pois seria
maravilhoso ter um profeta da misericórdia em minha vida.
NASCIMENTO DO NEMO
Em 2004, no IFF – Instituto Fernandes Figueiras,
pertencente à Fundação Oswaldo Cruz, no Rio. Ficou internado
por dois meses para atingir o peso ideal.
Meu útero não aguentava o peso do bebê, então fiz
cerclagem uterina - procedimento realizado por meio de uma
cirurgia, em que o colo uterino é costurado para evitar o
nascimento antes da hora.
Não deu o resultado esperado, gestação só de 5
meses, nasceu com 1.060 gramas. Na primeira semana de vida,
o peso chegou a 980 gramas, chamava-o de meu “quilinho de
açúcar mascavo”.
Tenho um diário dos meus
sentimentos e monólogos a cada
dia ao lado daquela incubadora,
recorte de jornais com as notícias
da semana de seu nascimento. Dias difíceis! Dito popular, “o
que não mata fortalece”.

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Não amamentei, pois o bebê com pouco peso tende a


perder mais peso ao se esforçar para sugar o peito da mãe,
então usamos o banco de leite materno, um trabalho realizado
com ajuda do CBERJ - Corpo de Bombeiro do Estado do Rio de
Janeiro, que busca o leite nas casas das mães doadoras e levam
ao banco de leite do IFF.
Na alta da maternidade, as médicas alertaram sobre a
possibilidade de algumas dificuldades devido a prematuridade
e por permanecer muito tempo no oxigênio.
Nemo teve acompanhamento no Instituto até os doze
anos, pela pediatra Dra. Rosane Mello
(foto), para pesquisas e estatísticas do
desenvolvimento dos prematuros. A
recomendação foi estimulá-lo na
escola, na cultura e no desporto.
Dezesseis anos depois do
nascimento, reencontro Rosânea (foto),
técnica de enfermagem do Follow up do IFF,
já aposentada, e ainda lembra com carinho e
fala “Nxxx (Fº de Ana Lucia Oliveira)” -
identificação no prontuário.
O nascimento do Nemo se deu em
um momento difícil, sem emprego e sem saúde gestacional, e
os bens conquistados, até então, dissolvidos pelas
circunstâncias, mas reconstruídos. Com ele crescido e no início
de sua adolescência, aconteceu novamente, por opção, em
busca da tal qualidade de vida em outro país lusófono.
Eu sempre escuto uma voz ao pé do ouvido dizendo uma
só palavra: “imaginável”. Realmente, escrever sobre o negro-
Nemo e sua ancestralidade fez surgir novos desafios, além de
sua criação.
Tenho a despretensão de ser um livro de História3, as
escritas são conversas cotidianas que digitei no computador.

3
História não é um livro, uma página, um parágrafo, uma frase, - a disciplina exige
estudos sistemáticos e complexos (geopolíticas, temporalidade…), sem anacronismo.
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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

A capacidade ilimitada da minha ignorância, em me


basear na sabedoria pelas minhas experiências: compreensão
do mundo até onde o meu bom senso pode alcançar, vê até
onde meu olhar pode atingir, e o excedente, geralmente
ignoro. Estou disposta a ampliar o meu entendimento da
cultura do povo guerreiro e do Guerreiro.
Há o tema do negro e há a vida do negro. Como tema, o negro
tem sido, entre nós, objeto de escalpelação perpetrada por
literatos e pelos chamados "antropólogos" e "sociólogos".
Como vida ou realidade efetiva, o negro vem assumindo o seu
destino, vem se fazendo a si próprio, segundo lhe têm
permitido as condições particulares da sociedade brasileira.
Mas uma coisa é o negro-tema; outra, o negro-vida.
O negro-tema é uma coisa examinada, olhada, vista, ora como
ser mumificado, ora como ser curioso, ou de qualquer modo
como um risco, um traço da realidade nacional que chama a
atenção.
O negro-vida é, entretanto, algo que não se deixa imobilizar; é
despistador, profético, multiforme, do qual, na verdade, não se
pode dar versão definitiva, pois é hoje o que não era ontem e
será amanhã o que não é hoje (Guerreiro Ramos, 1955, p. 215).

POR ONDE ANDEI


Meu filho não tinha completado um ano de idade
quando nos mudamos para Mogi Mirim, interior de São Paulo.
Retornei para aquele emprego que não queria.
Os vizinhos tomavam conta da criança para eu
trabalhar e estudar para concurso público, o preço era a
solidariedade. O casal Iara e Vanderlei, era um desses, e todas
as vezes que Nemo entrava no apartamento deles, o Tio
Vanderlei contador e cantor, recebia o com a música de
Vicente Celestino – O Ébrio. Até hoje Nemo sabe essa canção,
acho que não esquecerá.
Tornei-me um ébrio na bebida, busco esquecer

Precisa de profissional, pesquisador, anos de dedicação… não se refaz a história com a


leitura de dois ou três livros ou diversos pdf divulgados em redes sociais. Só um autor
não escreve a história, no máximo, manipula.
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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou


Apedrejado pelas ruas vivo a sofrer
E Teca, a vizinha que se tornou família, do andar de
baixo, saía da sua cama às 4 horas da manhã para entrar na
minha cama, nos dias em que eu trabalhava na Capital
Paulista, 180 km de distância. Tempos difíceis!
No aniversário de três anos do Nemo, a amiga
Alexandra, que morava na Capital, foi até o interior para
conhecer meu bebê, e comentei sobre o concurso que tinha
passado em São Paulo, mas não tinha certeza da posse, por
não ter onde morar, nem quem cuidasse do menino. Ela de
imediato, ofertou o apartamento do Sérgio, o namorado, que
estava “vazio”, um empurrão para consolidação do
casamento.
Vó Cema, Iracema, que se deslocou de Rio das Ostras
– RJ, para comemoração do niver, estendeu sua estadia no
solo paulistano, para ajudar na mudança e cuidar do miúdo, e
na semana seguinte estávamos de “mala e cuia” no
apartamento do rapaz.
Do nascimento do Nemo até seus 15 anos já moramos
em dois países (BR e PT), três cidades entre Rio e São Paulo e
seis residências, e a caminho do terceiro país.
As dificuldades podem vir com lamento, ou com força,
depende da escolha de cada um. Recriei nosso caminho, meu
e do Nemo, uma trajetória anormal pelas mudanças de
cidades (caça ao trabalho) e mudança de país (caça à qualidade
de vida).
Meu filho cresceu com muita responsabilidade, não
era preciso eu pedir para lavar louça, tirar o lixo; quando eu
recolhia roupa na corda, já estava ele ao lado ajudando a
carregar. Eu tinha um infanto empreendedor dentro de casa,
cada susto que levei.
Comprou pão doce para revender aos vizinhos. E dizia:
“Mãe, eles são velhinhos. E o dinheiro é para te ajudar”.
Um dia, cheguei do trabalho e tinha um dinheiro em
cima da mesa, perguntei, que dinheiro e esse?

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Nemo: - Eu vendi os refrigerantes em lata. Mãe, as


mães dos meus amiguinhos não deixam eles irem na rua,
então como eu posso, eu compro coisas para eles, e eles
compram os meus refrigerantes.
Também fez e vendeu sacolé (geladinho, gelinho) e
balas caramelizadas para os
amiguinhos do condomínio. Certa
feita, fiz uma reunião no salão de
festa, para umas quinze amigas
vizinhas, e fez sua apresentação
de doce gourmet, isso tudo ele tinha entre nove e doze anos.
Ao chegar de carro, caso estivesse brincando na
quadra, sempre vinha ao meu encontro no estacionamento
para ajudar a carregar as bolsas e/ou dizer que estava tudo
bem, o condomínio era grande e eu não iria ficar à sua procura.
A regra era clara, não entrar no apartamento de ninguém.
Muitas das vezes, eu chegava com as compras e ele já
tinha ido ao mercado da esquina, comprávamos as mesmas
coisas. Falei, acho melhor deixar as compras por sua conta.
Entrando na adolescência tudo mudou, o aborrecente.
Era raro, mas às vezes, eu precisava viajar a trabalho,
quando eu chegava em casa, nada fora do lugar, nada a
reclamar. Meu Nemo demonstrava que eu podia confiar.
Dona Lindinha, vizinha que olhava ele para mim:
- Nossa! Esse menino não dá trabalho, só não sorri.
O “nego” era emburrado, melhorou um pouquinho.
Uma tarde, ao chegar do Amapá, viagem para trabalho
por três dias. Quando entrei em casa, Nemo apareceu de cara
sisuda, complementou e já saiu. Interpretei, “Putz, ela já
voltou!”.
Quando olhei pela janela, ele no playground sentado
sozinho.
Nesse dia caiu a ficha, pois era só eu e ele, até que
ponto trabalhar de forma intensa e desgastante, para mim,
garantiria um bom futuro para o meu filho, sem a minha
supervisão?

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Um bom futuro não passaria de ilusão, sem minha


presença, e corria o risco de perder o que tentava construir,
ele estava com 13 anos e eu com 49. Não podia ser covarde,
tinha que sair de vez dessa situação.
Revi meus conceitos de qualidade de vida, pois estava
sempre cansada, com a pressão alta, mal-humorada, com as
despesas fixas que consumia todo meus rendimentos. E o
pensamento estoico, acreditando que a vida tem algo mais
que sobreviver, a partir daquele momento planejei minha
aposentadoria antecipada - viver com menos é mais.
Precisava cuidar do meu filho, dar atenção, estar em
casa quando ele chegasse da escola, comida fresca. O simples
também é bacana. Os amigos começaram a comentar sobre a
qualidade de vida e educação escolar de Portugal.
O período entre a decisão e a mudança para o exterior
foi de dois anos. Quando Nemo percebeu que de fato
mudaríamos de país, pediu para ficar com os familiares no Rio
de Janeiro antes de ir para europa, lá moram o pai, a madrinha
e os primos…
Já estávamos cansados de São Paulo, até por ter a
opção, no meio do ano de 2018, fomos para o Rio e no ano
seguinte para Portugal, no fim do inverno europeu.
Quando chegamos no Rio, tudo mudou. Nemo criou
“asas” em uma semana, de canário para morcego. Gente, a
criança era outro ser!
Uma amiga falou, “ele não tem maturidade para isso”.
Fui avisada por diversas pessoas, inclusive a psicóloga, “muita
mudança para um adolescente”, quando fui fazer a matrícula
no colégio do Rio a secretária escolar repetiu. Rebatia na hora,
“Nossa, ele é responsável e confio nele!”.
Ao mudar para o Rio, fiquei com pendências em São
Paulo, então, fiquei nesse vai e vem. Na semana seguinte,
retornei para o Rio, Nemo mal falou comigo, eu cheguei e ele
já foi direto para casa da tia, achei estranho, mas tudo bem.
Fiquei observando e nada estava me agradando. A postura de
andar, o olhar, a preguiça, nenhuma tarefa de casa feita.

19
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Não levei em conta as inúmeras advertências e


contrastes da vida que tínhamos em São Paulo, lá a influência
era só minha, e passou a ser diversificada no Rio. Sem contar
que eu sou muito mal vista pelos familiares, e não tinha noção.
Ao mexer na mochila dele para arrumar, três bilhetes
da escola solicitando o comparecimento do responsável pelos
horários atrasados de quase duas horas, entrada às sete da
manhã e chegava depois das oito horas.
Em São Paulo, nunca faltou, nem chegava atrasado.
Muitas das vezes, eu saía primeiro de casa para trabalhar,
Nemo sempre acordou sozinho.
Depois de ver os bilhetes, ainda bem que ele não
estava em casa, fiquei no portão à sua espera. Ao me ver, ele
já me olhou e pensou “Vixi, é o capeta!”.
Era mesmo. Olhei nos olhos dele e perguntei quem era
aquele, que postura era aquela. Nemo me encarava com ódio
e eu com mais ódio ainda.
Não foi por chegar atrasado, e sim, por não pedir ajuda
para acordar, pelos bilhetes ocultados e mentiras. Tudo
inédito, até aquele
momento, no
comportamento dele.
Conversei bastante e deu Dito africano:
uma “melhoradinha”.
EM PORTUGAL Por mais que a
fonte da água seja
O Nemo vê o meu
quente, não
interesse por História e
cozinha seu arroz.
Viagens como qualquer um
que tenha contato comigo. As
minhas saídas de casa
sozinha para entretenimento, eventos e palestras, geralmente
têm relação com História.
Na adolescência do meu filho, nossos diálogos foram
reduzidos, mas encontramos uma maneira simpática de nos
entrosarmos, ele me atiçando e eu escrevendo sobre suas

20
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

provocações, uma aproximação entre mãe e filho através de


fatos e personagens do passado.
Dizem que “paixão dá e passa”, a minha não passou,
sempre prestei atenção em Ciências Humanas e, ao longo da
jornada, reconheci as minhas emoções e sentimentos nas
dissertações de Aristóteles, que disse que o ser humano
“tende ao conhecimento”.
Tenho êxtase com história, tanto em aula, leitura,
museus, visitas a templos religiosos antigos, assistir canais
especializados é a sensação de transformar o momento em
belo. O filósofo prussiano4, Kant, diz que o belo está entre o
que sentimos e a imaginação, ele se refere a estética, mas vou
adaptar aos meus momentos com a História.
Troquei os programas de TV por aulas e palestras no
YouTube e podcast, a licenciatura incompleta em história foi
por optar em fazer cursos livres na área.
Em plena pandemia do covid-19, acordei angustiada
em uma manhã. Entrei na cozinha e a pia estava com louça,
antes de dormir sempre deixo tudo arrumado. Nemo já
acordado na sala a conversar no celular, intervi e pedi para ele
lavar a louça. Passados uns minutos, chegou e reclamou em
um tom de voz grosseiro.
Eu comecei a chorar e fui para o quarto menor, na
pandemia eu me senti muito maltratada por ele, sempre
pensava “faço tanto e ele sempre com respostas rebeldes e
agressivas”. Coloquei freios com conversa, puxão de orelha e
imposições. Melhorou, mas sempre retomando.
Ao retornar para cozinha, ele não se conteve e
perguntou:
- Por que está chorando?
Com lágrimas ainda escorrendo na face, tentei explicar
minha sensibilidade pelo momento:
- São tantas mortes pelo mundo; meus amigos do
antigo emprego no Brasil foram demitidos em massa; me sinto

4
Immanuel Kant (1724-1804) morreu antes da Prúsia ser anexada a Alemanha no século XIX.
21
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

maltratada com as suas respostas; nossa situação financeira,


que era estável, mudou com a alta do euro. Soluçando,
continuei:
- Vocês jovens não prestam atenção nas mortes e no
limite que a pandemia trouxe, simplesmente pararam de ir
para escola.
Eu não sentia desespero, mas angústia, a economia do
Brasil estava ruim com tendência a piorar, meus rendimentos
para subsistência em Portugal vêm do Brasil. Quando comecei
o planejamento de moradia no exterior, a cotação do euro era
de 3,80 reais e já estava próximo a R$ 7,00.
Maurição, um amigo carioca, veio me visitar e, com a
pandemia, ficou retido em Portugal, por não ter voo para
retornar ao Brasil. O passeio previsto para trinta dias, já estava
entrando no terceiro mês, e sem previsão de terminar. Como
ele, muitos pelo mundo.
Explicando para o Nemo minha angústia, comecei a
chorar novamente, ele interveio fazendo carinho na minha
cabeça e falou:
- Eu não gosto muito de mostrar meus sentimentos,
isso é ruim?
Balancei a cabeça fazendo um gesto de não saber, ele
prosseguiu:
- Conhece a Revolta dos Boxers na China?
Fiz um gesto de negação.
Com seu corpo em direção oposta ao meu, meio de
lado, encostado na pia, lavando as louças, ele explicou:
– Foi um grupo de chineses que não queriam a
administração dos europeus, e se deram mal, por não se
adaptarem aos novos tempos.
Parou de lavar a louça, e aproximou-se para mexer
novamente nos meus “dreads” e continuou:
- Os Boxers formaram uma sociedade secreta,
praticavam ações de vandalismo contra o patrimônio chinês,
perseguição aos cristãos, estrangeiros e até ao seu próprio
povo que tinha produtos importados, tudo isso para manter a

22
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

tradição chinesa nos territórios perdidos na guerra contra o


Japão.
Dei um sorriso, como feedback, por entender a
analogia do conto. Me olhando, ele falou:
- A senhora fica apegada ao passado e não se adapta à
nova realidade, vai sucumbir. Eu já vou começar a trabalhar
para te ajudar.
Aquela carinha me dando conselhos filosóficos com
analogia histórica, deixou meu rosto todo iluminado,
suavemente respondi:
– Filho, não estou com medo do novo, quando decidi
morar aqui também senti a mesma angústia e a tensão da
mudança.
- Sei que não é o mesmo assunto, mas o que quero
dizer, é que eles não se adaptaram às novas regras.
Acalmando a mãe com história, acontecimento
inimaginável. Escutei um suspiro no meio da fala, não consegui
distinguir o seu pensamento. Voltou aos afazeres e à conversa:
- Com as tribos indígenas nos Estados Unidos
aconteceu a mesma coisa. Os brancos chegaram e queriam dar
um pedaço de terra para os índios, mas não aceitaram, com o
discurso de que chegaram primeiro e que tudo era deles,
então foram eliminados.
A comparação do Nemo com a saga dos índios
americanos é sociologicamente imperfeita, comparada à
minha angústia, mas adaptável. Porém, entre o extermínio de
uma comunidade e o direito de adequação, não é ofertado
tempo pelo dominante.
A história das guerras entre indígenas e colonizadores
em solo americano é tão ou mais complexa quanto a brasileira.

23
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em 1830, o “Indian Removal Act”, a política de


remoção dos índios, obrigou os
nativos a deslocarem-se para os
“territórios indígenas” ou
“reservas”. Uma estimativa
aponta mais de vinte milhões de
índios da América do Norte e cerca
de dois mil idiomas falados. No
final das “guerras indígenas”
restaram apenas dois milhões.
Os adjetivos pejorativos dados pelo homem branco
aos índios americanos: seres “maus”, “selvagens” ou
“incivilizados” e “foras de lei”, e protagonizada nos westerns
cinematográficos a frase "índio bom é índio morto" – na
verdade, o autor da frase é do general do exército
estadunidense, Philip Sheridan. A hostilidade com o propósito
de obter as terras indígenas que cobria quatro estados,
trocadas por reservas pequenas. Tudo feito em benefício do
progresso imposto ao outro.
E, quanto a Revolta dos Boxers5 na China (1899-1900),
citada também na conversa, ela se deu no enfrentamento da
China e Japão em 1885, pelo controle da Coreia. A China
derrotada passou territórios ao Japão, logo se abriram quatro
portos para o desenvolvimento do comércio japonês, que
foram ocupados por estrangeiros e missionários cristãos.
O grupo secreto nacionalista chinês, denominado
"Sociedade dos Punhos Harmoniosos e Justiceiros", um
movimento xenófobo e tradicionalista contra o domínio
estrangeiro na China, teve apoio velado pelas autoridades
conservadoras locais.
Tropas estrangeiras aliadas ao Japão cederam
soldados para lutarem contra os Boxers, que foram
derrotados, essa perda levou o governo chinês, por meio da
assinatura no Protocolo de Pequim, pagar indenização em

5 O termo “Boxer” foi dado pelos estrangeiros em analogia ao esporte boxe,


ironizando a palavra “punho” no nome da seita.
24
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ouro, importar armamentos. Nas décadas seguintes, com a 1ª


Guerra Mundial e outras dezenas de motivos, se deu o fim da
dominação estrangeira na China.

BRASIL É MAIS PRETO DO QUE GOSTARIA DE SER


A quantidade não tem
importância, são números de vidas
e gerações sofridas, pois os doze
milhões em migrações forçadas,
três milhões mortos em genocídios,
dez milhões mortos de fome… o
homem destrói pela cor, pela
religião, pelo belo, pela riqueza,
pela pobreza, pelos seus delírios, e na história, quando ele não
faz com as próprias mãos, ou comando, incentiva o outro a
fazer.
Eu, na beira do fogão, fazendo o jantar, não sou muito
disso, mas alguém precisa preparar a refeição, antes feito do
que perfeito. E vem o garoto dando uns golpes, pelo visto ele
acha que seu treino na academia se estende ao meu corpinho
em formato de saco de boxe.
O garoto já deu soco no vidro para ver se tinha força
para quebrá-lo, levou cinco pontos na mão. Cada uma que
apronta!
Ele nem conheceu o avô, que foi lutador profissional,
mas o estilo é semelhante. Só lembro do meu pai na exibição
do telequete – luta show – luta livre, simulando que está
batendo e o outro finge que está apanhando.
Em vez de abraços e beijos, ganho socos e golpes,
assim sei quando ele está com saudades e/ou bem comigo. Eu
chego da rua e ganho uma queda de braço, é o aconchego do
meu filho.
Nemo permaneceu em colégio integral dos oito meses
aos sete anos, eu deduzo que esses golpes à minha pessoa é
sua vingança, pois chorava e dizia que não queria ficar na
escola das 7 às 19 horas.

25
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Eu e Nemo nos identificamos com o seriado “Cidade


dos Homens”, com os protagonistas Laranjinha (Darlan Cunha)
e Acerola (Douglas Silva), um deles ligava para mãe no trabalho
porque ficava só e estava com saudade e/ou fome.
Em cima da cadeira, na lavanderia, tinha uns livros de
autores brasileiros, que ganhei do meu professor de História,
e o primeiro da pilha era do Gilberto Freyre, “Casa Grande &
Senzala”. Perguntei ao Nemo:
- Quer ler? - E comecei a comentar da polêmica causada
pelo livro em relação a críticas de que o Freyre foi muito sutil
no conto entre a relação do senhor e o escravo, mas com isso
colocou a divisão social no centro das discussões.
- Deixa aí. - Ele disse, e completou: - Aposto que confunde
os intelectuais, Gilberto Freyre com Paulo Freire.
Eu ri tanto, que saí me mijando para o banheiro, pelo jeito
sarcástico dele falar e conhecer a mente confusa de sua mãe.
Eu realmente embaralho todos os nomes, e, do corredor,
gritei:
- Nada disso. Gilberto Freyre com Gilberto Gil.
- Não duvido.
Gilberto Freyre, apoiante do colonialismo de Salazar,
quando visitou Angola em 1951, foi um crítico do que viu,
um sistema excessivamente racista e autoritário, que
transformavam os trabalhadores em prisioneiros, se
referindo a Diamang - Companhia de Diamantes de Angola6.
O apartheid não declarado na Angola, com a extração
diamantífera que perdurou até finais da década de 60.
É só mais um conto da negra-vida
Nemo, aos oito anos, fez terapia com fonoaudióloga,
atividade cansativa para nós dois, por sair do trabalho, pegá-
lo no colégio integral e ir para sessões de fono intercalada com
a psicopedagoga ao anoitecer.
Para amenizar e estimular, falei que ele poderia escolher
um presente para concluir as sessões, ele escolheu estudar
japonês, nem sei de onde tirou esse desejo, mas lá foi a mãe

6
Acessado em janeiro 2021 Diamang, Um Estado dentro do Estado (rtp.pt)
26
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

procurar escola de idiomas, como sempre nas zonas nobres


que têm a diversidade cultural, e não era próximo à nossa
moradia.
Estudou quase um ano, aulas
particulares da língua japonesa. Nessa
época, iniciou como lobinho em um
Grupo Escoteiro Hokkaido, que por
coincidência era de uma colônia japonesa,
na Vila Mariana na Capital paulistana.
Frequentamos por uns cinco anos, os pais
eram convidados a permanecer na
associação e participarem das diversas
tarefas programadas para a família. Ainda
tenho contato com a presidente do GE Hokkaido,
Marly Sasaki, primeira mulher a presidir o grupo de
escoteiro. Pensa em um povo festeiro, são aqueles japoneses.
Entrando na pré-adolescência, Nemo desistiu de
frequentar o grupo de escoteiro, eu fiquei um pouco
desapontada. Não consegui convencê-lo a continuar, uns dos
motivos da saída foi por ser o único negro no meio da
japonesada. Eu me sentia tão querida entre eles.
Quando tinha 13 anos, pediu para sair do colégio
alegando que sofria bullying, por ser uns dos poucos alunos
negros. Demonstrava que se sentia constrangido pela cor de
sua pele, foram muitas conversas sem resultado. O professor
particular de física que me chamou para conversar, então dei
mais atenção às reclamações do meu filho e levei o assunto à
coordenação do colégio.
No colégio, me pus à disposição para fazer um trabalho
em conjunto sobre as diversas descendências. A coordenadora
deu pouca atenção ao caso, mas eu me dei por satisfeita. Dois
dias depois, o ápice da agressão que Nemo sentia foi
externado com um nocaute (um soco feroz) no menino que o
chamou de negrão de forma pejorativa.
Isso ocorreu na hora do intervalo, próximo às mesas de
vidro. Gente! Se o menino bate a cabeça e morre?

27
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Uma coisa eu sei, os adolescentes são irritantes, o


combustível da brincadeira é a insatisfação do outro. Nemo é
assim comigo, quanto mais falo que não gosto, mais provoca.
Não sabia mais o que falar, mas depois daquele soco a
fisionomia dele mudou, tipo um alívio, descarregou toda a
fúria, se sentiu seguro e respeitado. Mas a minha mente fez o
contrário, a agressão não é esquecida por quem sofre. Conheci
de perto casos que ocorreram na infância e quando a pessoa
se tornou adulta se vingou de forma mortal.
No primeiro instante, pensei em escrever ou ligar para os
pais do aluno e pedir desculpas, mas filhos mal-educados, pais
mal-educados. Talvez defenderiam o filho deles e culpariam o
meu, ficar agredindo verbalmente uma criança por semestres
para muitos é só uma brincadeira.
Só o meu filho foi suspenso, enviei um e-mail para a
diretora do colégio pedindo a suspensão do outro menino, ela
me convidou para uma conversa e nesse dia informou que os
pais transferiram o aluno de escola no dia seguinte ao soco.
Em menos de três meses, mudaríamos de cidade, então tolerei
as desculpas.
Um conselho que dou para todos, qualquer reclamação
quanto ao preconceito de religião, biotipo… deverá ser feita
por escrito à instituição, e, com amigos de trabalho dar um
alerta educadamente por e-mail. Isso eu nunca fiz e me
arrependo. Deixar as ofensas sem registros, é um erro, e não
ajuda.
Conversei muito, pois mudar de colégio não adianta, as
pessoas gostam de definir o outro, precisamos nos educar para
combater. Tenho consciência que para criança é mais difícil,
mas muitos de nós, pais, somos tolerantes aos maus tratos aos
nossos filhos. Como eu fui.
As brincadeiras ou piadas com a minha cor de pele, nunca
combati para não ser taxada de complexada, de intolerante e
cheia de mi mi mi – uma cilada de adjetivos para ser ocultado
o racismo. Não era um silêncio barulhento por dentro, com
revolta, encarava como algo natural. Hoje não tolero.

28
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Eu mantenho uma experiência direta quanto ao


preconceito, por estar no ponto da extremidade receptiva do
racismo. Não basta ter o orgulho da negritude, é preciso ter
consciência, conhecimento histórico e legislativo, sabedoria
para desnudar a intolerância.
Em 1980, meus pais foram para turistar em Buenos Aires,
na época Argentina era o país com segundo mais alto Índice de
Desenvolvimento Humano e o PIB per capita em paridade do
poder de compra na América Latina e membro do G20 maiores
economias. O país era classificado como de renda média alta
ou de um mercado emergente pelo Banco Mundial. Nas ruas
da capital minha mãe contava que os argentinos passavam por
eles falando “negros brasileiros, macacos”.
Ela contava isso rindo, era ofensa sem importância, a
intolerância vem com esclarecimento, desnaturalizar o que
não deve ser natural.
As orientações familiares quanto ao preconceito racial
eram das mais diversas. A tia Euridice7, “estuda para não
trabalhar de negrinha na casa dos outros”. Enquanto do meu
pai militar, “precisa manter uma boa aparência”. E minha mãe,
“aproveita a oportunidade para ser alguém na vida”.
Eu escuto sempre “você é muito esforçada” traduzindo a
gentileza: para você chegar até aqui, em uma instituição ou
ambiente escolar com poucas pessoas negras você se superou
(exceder, suplantar, ultrapassar, passar, sobrepujar,
sobrelevar, avantajar-se). Não superei nada, só exerci meu
direito de estar ali.
Eu dei mais atenção à intolerância racial com a dificuldade
que meu filho enfrentou de se posicionar confortável na
sociedade. Além dele me alertar, a palavra não é bem essa, me
cutucar para eu me inclinar aos problemas sociais.
MEMÓRIAS DO POVO PRETO
Preciso exaltar os homens de construção da história
negra, como: Os Rebouças, Dr. Juliano Moreira, José do

7
Eurydes Cordeiro da Silva (1918-1996)
29
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Patrocínio, Ernesto Carneiro Ribeiro, Caetano Lopes de Moura,


Luiz Gama, Francisco de Paula Brito, Ferreira de Menezes,
Francisco Gê Acayaba de Montezuma, Theodoro Sampaio,
Lima Barreto, Machado de Assis, Tobias Barreto e muitos
outros.
Em um minuto, fiquei a pensar sobre os protagonistas
negros nas mídias que fizeram parte da minha infância. As
memórias refrescam-se, em todas as manhãs era a voz de
“Antônio Carlos. Sou eu” na Rádio Globo, e os programas
preferidos eram o “Sítio do Pica-Pau Amarelo” versão do livro
do escritor Monteiro Lobato8 com os personagens do saci-
pererê - lenda folclórica do jovem negro peralta, Tio Barnabé -
o preto velho conselheiro e Tia Anastácia - a cozinheira fofinha,
e “Os Trapalhões” com Mussum, mas esse era da família.
Assistir a comédia brasileira, “O Auto da Compadecida9”
em vê o Deus negro, e ao ler “A Cabana10” do escritor
canadense William Paul Younga, em que Deus, era uma
negrona. O meu espanto não é preconceito, e sim, a falta de
expansão dos meus pensamentos, destituir o constituído e
imposto como verdade.
Eu e Maurição conversando e
saboreando a clássica rabanada da
Cafeteria Majestic, tradicional e
elegante ambiente do século XX no
Porto, perguntei:
- Quais são suas memórias de juventude com
personagens negros na mídia brasileira?

8
José Renato Monteiro Lobato (1882-1948) nasceu em Taubaté, foi pintor, promotor
público, fazendeiro, editor e escritor brasileiro pré-modernista. Destaca-se nos gêneros
conto e fábula, sua obra mais conhecida é “O Sítio do Picapau Amarelo” composta de
23 volumes.
9
O Auto da Compadecida, o filme é baseado na peça teatral de 1955 de Ariano
Suassuna, recebeu as premiações de melhor diretor, melhor roteiro, melhor
lançamento em 2000 e melhor ator.
10
The Shack, título nos EUA, aborda a questão recorrente da existência do mal através
da história de Mackenzie Allen Phillips, um homem que vive sob o peso da experiência
de ter sua filha Missy, de seis anos, raptada durante um acampamento de fim de
semana.
30
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Ele, dez anos mais velho, com um sorriso de boas


lembranças, respondeu de imediato:
- Muitas. E sem pestanejar: - Aroldo Costa, comentarista;
Ruth de Souza, Milton Gonçalves.
E com aquela voz estrondosa, ele que é do ramo da
música, não parou mais:
- Tony Tornado, Tim Maia, Jorge Ben Jor, Gilberto Gil,
Carlos Dafé, Pixinguinha, Milton Nascimento, Ivone Lara,
Martinho da Vila, Jamelão, Emílio Santiago, Clementina de
Jesus, Leci Brandão, Jair Rodrigues, Elza Soares, Candeia,
Djavan...
O assunto da tarde foi brindado com as canções de Wilson
Simonal, o cantor que se sentiu “o cara” nos anos 60, diferente
dos demais cantores, por ser um homem show, um cantor
romântico, negro fora do samba, canta rock, cha-cha-cha ...
Comandava a plateia, não falava inglês, mas cantava, e a
naturalidade dele no palco cantando com Sarah Vaughan, é só
colocar no Youtube e perceber a época de ouro do Wilson
Simonal.
A estrutura finge que nos dá liberdade, mas te deixa ir até
não incomodar, não é inveja, é não suportar. Com a
popularidade de igual a do Pelé, Simonal era o garoto
propaganda da Shell, porém, se envolveu em um caso
complexo de armação com agentes da DOPS - Departamento
de Ordem e Política Social, órgão de repressão do governo do
regime de Ditadura Militar, que resultou na sua condenação,
cinco anos e quatro meses. Ao qual cumpriu em liberdade,
porém repudiado e esquecido pelo público.

“Ainda hoje é insuportável no Brasil que um negro seja


arrogante, famoso, rico e genial” (O ator Fabrício Boliveira, no
papel do filme como Wilson Simonal)

Mais recente, temos a extermínio de Marielle Franco,


socióloga e política brasileira. E a saída de cena o ex-ministro
Joaquim Barbosa, membro do Ministério Público Federal de
1984 até 2003 e presidente do Supremo Tribunal Federal, de
31
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

2012 a 2014. Barbosa em 2013, forças ocultas ou cansaço, o


fez aposentar. Em seu perfil no Twitter ao sair do serviço
público: “Alívio, finalmente!”
As redes sociais alteram o poder da fala, mas o efetivo das
colocações no ambiente político, eu, negra-Ana, tenho a
impressão que estamos na estratégia do caramujo de
Machado de Assis, pois demostrar a intelectualidade igual ou
maior que do branco no ambiente de seu domínio, geralmente
é convidado a se retirar: por educação ou por imposição ou
por ameaça11.
Machado denunciava o sistema de dentro. A “estratégia de
caramujo” de Machado é, portanto, uma singularidade de
um gênio produzida por nossas maiores chagas: a
escravidão e o racismo, velado ou não. (Observatório da
imprensa, 2020)
Em nossa cultura brasileira, temos diversas ferramentas
para relembrar os personagens da nossa história, uma delas é
o samba. A Unidos da Tijuca exaltou, em 1982, o mulato pobre,
jornalista e escritor Lima Barreto, o poder da musicalidade não
nos deixa esquecê-lo, nem sua literatura.
Vamos recordar Lima Barreto
Mulato pobre, jornalista e escritor
Figura destacada do romance social
Que hoje laureamos neste Carnaval
O mestiço que nasceu nesta cidade
Traz tanta saudade em nossos corações
Seus pensamentos, seus livros
Suas ideias liberais
Impressionante brado de amor pelos humildes
Lutou contra a pobreza e a discriminação
Admirável criador, ô ô ô ô
De personagens imortais
Mesmo sendo excelente escritor...
É só mais um conto da negra-vida

11
Na correção histórica do livro, o professor Paulo Cruz, cita:
Opinião pessoal: não concordo integralmente com essa afirmação. Isso ocorreu, por
exemplo, com André Rebouças, mas não com Theodoro Sampaio. Provavelmente
ocorreu com Guerreiro Ramos, mas não com Milton Santos.
32
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Há 35 anos, nas viagens ou retorno das festas nas


madrugadas, com meu pai; sempre éramos parados nas blitz
policiais, na época não tinha abordagem falsa de policiais. O
negro-vida em um bom carro.
NIGER, NIGRESCERE, NIGRARE
Os meus debates com
Nemo geralmente se iniciam
na cozinha, além dos
afazeres domésticos, é o
meu cantinho da escrita,
pois mantenho o notebook,
regras gramaticais e dicas de
escrita coladas na parede, as
amostras das capas dos
meus livros, uma foto com o presidente da república de
Portugal, Marcelo Rebello, segurando o meu primeiro livro. E
também é a parte mais quente da casa.
A decisão de morar em Portugal surgiu do imaginário de
qualidade de vida, que não tinha ideia como seria na prática.
O embarque para o país lusitano foi de São Paulo, temia que
Nemo no dia da viagem fugisse, de tanta raiva que
demonstrava.
Entrou no avião chorando, nem deixou eu tocá-lo. A
amiga Ercília que viajou conosco para visitar sua filha,
amenizou o clima, por ser muito brincalhona e falar palavrões,
conseguia tirar sorrisos dele.
O desembarque e moradia foi na cidade dos ilustres e
intelectuais do monarca D. Pedro IV, que é o nosso imperador
brasileiro D. Pedro I, do escritor Camilo Castelo Branco e
Congressista e poeta Almeida Garrett, estava no paraíso
histórico.

33
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Dito e feito, as aulas de História


na Casa da Cultura de Paranhos,
uma das fontes da minha satisfação
em morar no Porto, a cidade de
Portugal de maior ligação com os
brasileiros, desde a toponímia ao
comércio dos “brasileiros de torna-
viagem12”.
O apartamento alugado por dois anos, atrasou a reforma,
então na primeira semana ficamos no alojamento local, bem
confortável: sala, cozinha, quarto e quintal, tudo bem
compacto e harmônico, com uma vista bonita para Rio Douro.
No segundo dia no país, a fisionomia carrancuda de Nemo
mudou, aquele semblante pesado foi desfeito. Ufa! No
terceiro dia me beijou e falou que gostou. Ao ver os africanos
descendo a avenida dos Aliados falando francês se identificou
no ato.
Eu sentada de frente ao computador, vem ele e coloca um
vídeo no celular do ator Babu Santana, que estava confinado
no Big Brother Brasil 2020 – programa de reality show.
No vídeo, o ator conversava com um grupo de meninas e
abordava o assunto sobre a origem da palavra “negro”, que
surgiu como atribuição aos povos de cor escura (africanos), ou
como atribuição ao preto, o escuro (como ausência de luz).
Ao terminar o vídeo, Nemo perguntou:
- Gostou?
Balancei a cabeça como um gesto positivo:
- Interessante.
Com cara e postura de reprovação:
- Tudo mentira. Não é nada disso, é isso que a esquerda
faz, fala de uma maneira que faz com que o povo acredite.
O sentido de falar da esquerda, não entendi, a oratória é
umas das ações de convencimento no campo da política. É

12
Portugueses da região norte pressionados pela carência e baixos salários agrícolas, mais de
um milhão de homens, entre 1855 e 1914, atravessaram o oceano Atlântico, e retornaram ricos,
espírito burguês, empreendedor e filantrópico.
34
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

usada tanto na esquerda como na direita. Então, fui às


pesquisas para compor uma clareza melhor no assunto.
Na explicação do ator Babu, a semântica da palavra está
absolutamente incorreta, mas a interpretação é subjetiva e
carregada de crenças.
A diferença entre preto, pardo e negro:
Preto e pardo são dois dos cinco grupos de cor e raça
definidos pelo IBGE. Isto junto com brancos, amarelos e
indígenas.
O termo preto toma como referência a ascendência
oriunda de nativos da África. Independentemente de seu
território ou construção social, pelo fenótipo manifestado por
sua pele de cor escura.
Negro é definido13 pelo Estatuto da Igualdade Racial
como conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e
pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo IBGE, ou
que adotam autodefinição análoga.
O INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira, usa indistintamente os termos
"negro", "preto" e "pardo" para se referir às etnias. Nos
Estados Unidos a palavra “nigger/nigga” é usada na
comunidade negra, mas fora dela é ofensivo, igualmente na
Angola, "negro", se tornou preconceituoso, mas entre os
indivíduos de etnia negra é permitido o uso.
Não devemos esquecer que a linguagem é dinâmica,
neologismos surgem de acordo com as necessidades e
atualização das palavras, integrada ao dicionário do país.
A palavra de origem latina “negro” (quem tem a pele
escura), relacionada com as do mesmo radical: niger (adjetivo
que significa negro, preto ou escuro), nigrescere e nigrare
(verbos que têm o sentido de tornar negro ou escurecer),
nigricolor, nigritia e nigritudo (de cor preta, negro e negritude).
Além do “teclado consciente” da Tim, operadora de
telefonia, para banir do dia a dia expressões racistas, a minha

13
https://www.diferenca.com/preto-pardo-e-negro/
35
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

revisora literária, Janusa Gomez, também substituiu a palavra


“denigro” em dois parágrafos, e justificou, “hoje em dia, se
evita usar o verbo denegrir (tornar negro), pois ele é pejorativo
e preconceituoso”.
Em um dos meus livros, a divulgadora do FinoLivro pediu
para eu alterar a palavra “mulatas” no texto:
Com o voo de madrugada ainda tinha a noite para perambular;
passeando pelo comércio decidi fazer uma tatuagem de henna
na mão. Os indianos têm um talento para arte impressionante,
ficou muito bonita. O tatuador, quando soube a minha
nacionalidade, colocou no Youtube samba e as mulatas a
dançar.
Sua justificativa, por ser considerado, atualmente, um
termo racista, porque, etimologicamente, a palavra descende
de mula, ou seja, animal híbrido, estéril, produto do
cruzamento do cavalo com a jumenta.
Penso em Sargentelli14 lendo isso!
Uma amiga que estuda pós-doutorado na Alemanha
conta que nos seus textos acadêmicos não pode usar black
people (pessoas negras), recomendado os termos people with
dark skin (pessoa de pele escura) ou Colored people (pessoas
de cor). Aqui cabe “Poema para meu irmão branco” do escritor
senegalês, Léopold Senghor.
Meu irmão branco...
Quando eu nasci, eu era negro
Quando eu cresci, eu era negro
Quando eu vou ao sol, eu sou negro
Quando eu estou com frio, eu sou negro
Quando eu estou com medo, eu sou negro
Quando eu estou doente, eu sou negro
Quando eu morrer, eu serei negro

E Você Homem Branco...


Quando você nasceu, era rosa
Quando você cresceu, era branco.
Quando você vai ao sol, fica vermelho.

14 Oswaldo Sargentelli (1924-2002), produtor cultural, empresário e apresentador de


TV, que foi afamado com as Mulatas do Sargentelli.
36
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Quando você fica com frio, fica roxo.


Quando você está com medo, fica branco.
Quando você fica doente, fica verde.
Quando você morrer, ficará cinza.
Depois de tudo isso Homem Branco, você ainda tem o topete de
me chamar de homem de cor?

E por aí segue a crença de que deixar de falar, teclar ou


escrever, altera comportamento do ser humano, porque
deixar de chamar negro, para passar a chamar de preto, de
judeu para israelita ou cristão novo, de gordo para acima do
peso, de bicha para homossexual, de protestante para
evangélico, de favela para comunidade, passadas décadas
essas palavras vão se tornando pejorativas.
Rubens Alves, educador, escritor infantil e psicanalista,
em uns de seus cursos nos anos 80 foi interrompido por usar a
palavra “engravidar”, estava usando uma expressão sexista. A
palavra “seio” já foi proibida nos poemas na Itália. Essa
poliutopia passa. A liberdade não é conseguida pelo consenso.
O preconceito não é abolido com mudança de palavras e
sim por meio da educação cultural, incentivo à tolerância ou
simplesmente aceitar que o outro merece respeito.
O professor José Maria da Costa do site “Migalhas” fez
uma excelente explanação:
Observe-se, num primeiro aspecto, que, nos idiomas em geral,
os nomes ou apelidos pelos quais as pessoas passam a ser conhecidas
originam-se às vezes de suas características físicas, e isso não
necessariamente com intento de zombaria ou depreciação, mas
como facilitação para seu reconhecimento e identificação. Assim,
Laura significa loura, Flávio também quer dizer loiro, e Nívea é aquela
da cor da neve. Cláudio, em latim, quer dizer manco (daí o verbo
claudicar na etimologia, hoje com o significado de tropeçar), e esse
não era o nome do imperador romano, que assim ficou conhecido,
porque tinha um defeito na perna. De igual modo, Paulo não era
nome, mas significava, apenas e tão somente, pequeno. O apóstolo,
de nome Saulo, bem possivelmente, recebeu esse apelido em razão
de sua estatura. E Cícero também não era o nome nem o sobrenome
de Marco Túlio, mas significa grão-de-bico e tinha sido dado como
apelido a um antepassado seu, em razão de uma verruga no nariz,

37
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

semelhante ao mencionado vegetal. Ao entrar na vida pública,


sugeriram a Marco Túlio que se abstivesse de usá-lo. Ele se negou, e
foi com ele que se celebrizou para a posteridade.
Ainda como real apelido, nas décadas de sessenta e setenta do
século passado, falava-se que, na noite anterior, o Santos ganhara
mais um jogo, e o Negrão havia feito dois gols. Todos sabiam que o
termo se referia ao maior jogador de futebol de todos os tempos. E
todos também sabiam que o termo era falado com orgulho e como
sinal de distinção entre todos os demais, mesmo pelos torcedores dos
times adversários, sem conotação de xingamento, depreciação ou
racismo. E também não parece haver alguém que veja alguma
conotação de xingamento, ironia ou diminuição, quando se fala em
Dia da Consciência Negra.
Por outro lado, pela observação da natureza, verifica-se que a
um dia claro, de sol brilhante, contrapõe-se uma noite escura, ou
nuvens carregadas, ou um mar tempestuoso e plúmbeo. E todas
essas são situações de características físicas advenientes da
coloração, que fazem com que se diga noite negra, ou nuvens negras,
ou mar negro. Ou seja: mera oposição de circunstâncias físicas, e só
há de ver racismo nesse modo de falar quem esteja predisposto a
tanto.
Além disso, no sentido figurado, a uma situação límpida e clara,
em que os elementos de raciocínio podem ser entrevistos de modo
bastante preciso e cristalino, contrapõe-se um outro quadro de
confusão, em que não se podem distinguir as ideias, nem direcionar
o modo de pensar. Na primeira situação, diz-se que o raciocínio é
claro, enquanto na segunda, que tudo está escuro. Tão difícil como
encontrar um outro modo de expressar com tanta felicidade o que se
quer dizer numa situação como essa é acreditar que essa última
forma de concluir seja depreciativa e racista.
Mas não é só. Se alguém difama outrem, costuma-se dizer que
denegriu sua honra. É que uma mancha ou nódoa traz ínsita em si a
ideia de parte que indevidamente se põe em coloração diferente do
restante. Nessa acepção é que se diz mancha de sangue, mancha da
pele, ou mesmo mancha branca em superfície escura. E, assim, em
sentido figurado, quando se diz que alguém denigre a honra de
outrem, o que se quer significar é que a limpidez da honra de alguém
recebeu uma mácula, uma nódoa, uma mancha, decorrente da ação
do ofensor. E, para que a coloração dessa mancha tenha sentido no
contexto de uma honra límpida, clara e cristalina, deve trazer em si a
38
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ideia de algo escuro em relação à cor original. Por isso se emprega o


verbo denegrir. Querer, todavia, mais uma vez, entrever conotação
racista ou pejorativa no emprego desse verbo, na situação referida,
é ir longe demais nesse assunto.
O antagonismo entre luz e sombra tem origem na própria
natureza e nos mitos, negativo - sombra, escuro sem forma
definida, enquanto luz - claro, o caminho; então para os que
desejam fazer analogia de tudo, o preto e branco configuram-
se como o bem e o mal.
Ser chamada de negra ofende? - A mim, não. E se tiver um
tom pejorativo, também não, mas isso é muito pessoal e
complexo, tem muitas coisas por trás, sentimental,
educacional, legislativa, temperamento.
A palavra negro não existe no grego, são chamados de
etíopes, são os aethiopia da terra dos negros. E nekros não tem
nada a ver com negros, com significado de morte, morto,
cadáver. Do latim niger e nigur, negro vem a significar: preto,
sombrio, tenebroso, tempestuoso, infeliz, de mau agouro,
enlutado, fúnebre, triste, maldito, infeliz, melancólico, mau,
perverso, malévolo, pérfido.
Para o músico e ativista ganês, radicado no Brasil, Nabby
Clifford15, “preto” é o único termo aceitável. Talvez em Gana,
mas para os brasileiros não é preciso cultivar denominações
diferentes, pois para os predispostos a ofensa qualquer
palavra irá ofender na boca ou no ouvinte racista. Censurar o
emprego de termos como negro ou preto, para designar os
afrodescendentes não resolve, pelo poder da corrupção das
palavras pelo homem.
Jorge Ben gravou “Negro é lindo” em 1971 e o MNU –
Movimento Negro Unificado criado em 1978 resolveu não só despojar
o termo “negro” de sua conotação pejorativa, mas o adotou

15
Nabby conhecido como embaixador do reggae no Brasil (título concedido por
“Perfeito Fortuna, um dos maiores agitadores culturais do Rio de Janeiro e Mentor do
Extinto Circo Voador”), não parou mais: Foram palestras em escolas, clubes,
universidades, shows nas praias, e nas mais conceituadas casas de espetáculos do Rio
de Janeiro e do Brasil, como no extinto Circo Voador, Scala, Morro da Urca, Jazzmania,
Zoom e Bally bar.
39
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

oficialmente para designar todos os descendentes de africanos


escravizados no Brasil.
Sou “nega”, sou negra, sou preta e não tem palavra
bendita ou maldita, pois o meu caráter e a minha conduta
conseguem apagar qualquer semântica.
DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Esse dia foi instituído através da Lei nº 10.639, O
calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra".
O sentimento de inferioridade foi cultivado por séculos,
para o negro-tema, por meio de omissão dos valores, ausência
de referências positivas, sem história da África, privações
básicas institucionais, de atribuições pejorativas, de
desqualificação da mão de obra, desvalorização das
características físicas....
Saber a origem do povo preto é muito mais motivo de
orgulho do que de sentir depreciado por palavras racistas.
Estamos de pé, lutando pela educação, igualdade,
reestruturação da sociedade justa. Eu, que ando pelo mundo
literário, me deparo com cada voz negra, que atua sem gritar
e chega ao pódio. A negra-Ana na caminhada encontra do
adolescente ao sênior exercendo a intelectualidade, e não é
raridade e, sim oportunidade.
O ideal é termos consciência da importância do ser
humano, entretanto, a Consciência Negra é um
desenvolvimento a ser alcançado, são degraus de maturidade,
de renúncia com ousadia. Entender e combater a estruturação
da desigualdade, da violência e dos variados preconceitos.
OS BANTUS
Depois do banho e da conversa que confunde “os
Freyires”, retornei, e fui recebida com a brutalidade em forma
de carinho, Nemo pergunta:
- Sabe quem são os bantus?

40
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Comecei a picar cebolas e alhos,


com um olhar indiferente e fiz um gemido
“Hum!”.
Com insistência, questiona minha
percepção:
- Mas você esteve na África do Sul e
não viu nenhum, impossível.
Não me atentei que estava falando
de povos, fazer jantar e falar de história,
nem sempre há um conectivo, então eu
parei o que estava fazendo e dei atenção:
- Ah! Tá. Mas não sei muito bem sobre eles, na verdade
nada sei. Tenho aquela foto com um guerreiro no Soweto
(foto).
- Então, ele é bantu?
- Não sei.
E, ele, demonstrando seu conhecimento de Geografia:
- Os bantus vivem no continente África, a partir do
centro para o sul. Então provavelmente ele é bantu.
Eu, com cara de paisagem, nada sabia sobre o povo
bantu, no livro do Darcy Ribeiro na formação do “O Povo
Brasileiro” ele escreve sobre os bantus, mas não recordo tudo
que leio, nem o que comi ontem.
Para salvar minha pele fui para o campo da etimologia:
- Sei que quilombo origina-se do idioma dos povos
bantus...
O passeio no solo sul africano foi especial, muito
emocionante, gratificante e divertido o contato com seu povo,
ou melhor, meu povo. A civilização africana é de três mil anos
antes do império romano no Egito, essa é uma parte da
história esquecida.
Tanta riqueza cultural por esse mundo afora, a negra-
Ana está descobrindo aos poucos. A história do continente
africano está cheia de contos marcantes com revoltas, guerras,
conspirações, mas também com progresso, inovações,
devoções, empenho, comemorações. Mas para entender tudo

41
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

isso precisamos conhecer o passado de glória e decadência,


nos induziram a conhecer somente o declínio.
Estudamos os diversos impérios europeus e temos
pouco conhecimento dos impérios africanos, como também
não estudamos o indiano, as dinastias japonesas e outros. Por
que estudar África?
Pela diáspora africana, somos 50% da formação da
nação brasileira. O preconceito sobre a África se dá pelo
desconhecimento da sua história, fora da religiosidade com os
orixás, a diáspora forçada negra e a colonização europeia.
A Lei Federal 10.639/2003, estabelece as diretrizes
curriculares e bases da educação nacional (escolas públicas e
privadas) em seu artigo 26-A, torna obrigatória a inclusão do
estudo das “Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana.
SEM A ÁFRICA, MUITOS PAÍSES DO “PRIMEIRO MUNDO”
CAIRIAM DA CLASSIFICAÇÃO
O continente africano com seus vastos recursos naturais
e selvagem, paisagens belíssimas, seus grandes tesouros, com
a primeira faculdade em estilo ocidental, inaugurada em 1827,
na África Central está em Serra Leoa. Por que os povos
possuidores das maiores reservas de riqueza são os mais
pobres do mundo?
A exploração de platina, ilmenita, rutilo… e a tantalita
que é usada nos celulares e computadores, esses minérios
extraídos do solo africano para diversas áreas da indústria,
depois de transformados em bens de consumo e na fase
inutilizáveis, retornam para o solo africano como lixo
eletrônico16 - acordos lastimáveis entre países.
A resposta do parágrafo acima tem diversas teorias, só
que o poder do capitalismo e da corrupção, ainda é o mais
forte, enquanto a minha é simples: é ofertado o mínimo para
sobrevivência, assim consegue servir aos interesses
corporativos e pessoais.

16Lixo tóxico depositado na África será enviado de volta à Europa | Notícias internacionais e
análises | DW | 19.10.2006
42
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Fui muito longe para falar da exploração da terra. A


mineração17 no Brasil também é avassaladora, enriquecendo
os empresários e empobrecendo a comunidade e o ambiente.
Foto Viomundo

Não freamos a evolução, mas necessitamos de


implantar a consciência da NÃO DEPREDAÇÃO.
Na história da África, temos o Império Mali, abundante
em riquezas naturais, com grutas ourives, seu reino englobava
o território atualmente formado pela Mauritânia, Senegal,
Gâmbia, Mali, Guiné, Burkina Faso, Níger, Nigéria e Chade.
O Império atingiu seu auge no século XIV, seu rei Mansa
Musa (Mansa era o título de rei dos reis) foi o homem mais rico
da terra. Sua fortuna, comparada aos dias de hoje, englobaria
os cinco mais ricos do mundo. Ele governou por vinte cinco
anos até falecer em 1337, mas deixou um enorme legado de
mesquitas, escolas, bibliotecas e museus que persiste por
muitas gerações.
Temos no século XIX, o Califado de Sokoto, sobre
orientação islâmica sua prioridade era educação para todos,
composto por mais de vinte milhões de pessoas, hoje sua
localização seria no norte da Nigéria e partes do Níger e o
norte dos Camarões.
Ngungunhane, o rei moçambicano que lutou contra a
ocupação portuguesa, e colocou os ingleses contra os
portugueses. As “estórias” são ocultadas, deturpadas,
inventadas… precisamos cavucar com a intenção de liberdade
em desfrutar do conhecimento.
Na semana seguinte, eu também quis dar uma
provocadinha. Ele no corredor, em voz alta perguntei:

17 https://domtotal.com/noticia/1343677/2019/03/mineracao-e-o-desequilibrio-do-meio-
ambiente
43
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

– Ei! Sabe sobre os núbios?


Com uma cara de pouco caso veio até a porta:
- Tá falando da Núbia ou Namíbia no sudoeste da África?
- Estou falando da primeira grande civilização negra no
continente africano.
A Núbia é a região situada no vale do rio Nilo, dividida
pelo Egito e pelo Sudão, onde desenvolveu a mais antiga
civilização negra da África.
No tom de voz alta do outro cômodo da casa e com
orgulho:
- Núbia corresponde atualmente aos países Egito e
Sudão.
Ele adora me corrigir, é
prazeroso, a mãe não sabe nada.
Nemo gosta de mapa, na verdade,
eu gosto de cartografia, tenho uma
coleção de mapas. E qual foi minha
escolha de papel de parede para o
quarto da criança? O mapa mundi.
E ficávamos brincando de quais os países que visitaríamos,
então ele aprendeu rápido a localização geográfica e acho que
sabe quase todas as capitais dos países.
Quando pergunto qual a língua que é falada em
determinado país na África, ele responde com o país europeu
que o colonizou. Acho tão engraçado.
Eu, sentada no sofá do quarto recortando o mapa do
continente africano para confeccionar a capa desse livro, ele
mandando eu apontar a bandeira da Angola, depois de
Moçambique, Gana… eu nada acertava.
Nemo, com seu tom presunçoso:
- Já perguntei faz cinco minutos e não responde,
estudou história, mas não sabe nada.
Eu comecei a rir. Esse meu sorriso sem resposta, não
diz nada, não cria nada e destrói nossa conversa.
É que o tom de voz dele de imposição, me faz anulá-
lo, para não ficar brigando e me impondo com mãe. A conversa

44
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

que pode ser agradável vira um desconforto, então solto um


sorriso, nem faço esforço de pensar.
Minha viagem pela África foi como uma leitura rápida
para poder completar o conjunto do lazer, o continente
moldado pela desertificação do Saara, pela colonização e a
expansão Bantu, que é uma civilização que conserva a sua
unidade e foi desenvolvida por povos pretos, mas também
carrega a influência do islamismo, o horror da escravidão,
consegue manter seus encantos.
Com as conversas com Nemo fui à leitura sobre os bantus,
ao ler sobre a história da África, fora das teorias
pseudocientíficas europeias descobrimos outra África, a
existência da Idade do Ferro na África Central e Austral pela
civilização bantu nos primeiros séculos depois da era comum,
o êxito das migrações dos povos pela organização político-
social…
De Alberto da Costa e Silva, autor do “A enxada e a lança
- África antes dos portugueses”, o livro é excelente para nosso
esclarecimento. As centenas de páginas não foram um mundo
desconhecido para mim, e sim, esquecido ou desconectado
com o tempo, não tinha colocado como parte da minha
história. Para os que têm preguiça de ler, sugiro o programa
“leitura em voz alta”, enquanto está no transporte ou afazeres
escuta o livro.
Vamos aos bantus…
Os bantus não se definem como um grupo étnico ou
unidade racial, sua formação e migração originou uma enorme
variedade de cruzamentos, resultando numa civilização com
mais de 400 grupos étnicos.
O idioma bantu é formado por um grupo linguístico
diversificado com mais de seiscentos e cinquenta línguas
bantus, que reúnem mais de trezentos milhões de pessoas; os
grupos mais importantes são: o zulu, o sotho, o shona e o
suaíli.
A influência cultural e o contato colonial de outros povos
determinaram a formação da língua suaíli, língua banta com

45
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

cento e oitenta milhões de falantes, um quarto de seus


vocábulos com origem árabe. Curiosidade é que a difusão das
línguas europeias no continente africano, a linguística banta,
não desapareceu, continuou a ser falada pelas populações.
Os povos Bantus têm nível linguístico parecido,
mantiveram uma base de crenças, rituais e costumes similares;
sua base cultural mantém características idênticas, e
específicas, que os tornam semelhantes. O radical ''ntu''
comum em muitas línguas Bantus significa homens, seres
humanos e "Ba" é prefixo que indica o plural, comum a muitas
das línguas bantas.
A expansão bantu originou-se perto de 2.000 ac - antes
da era comum, que vivem em mais de vinte quatro países,
entre Camarões e a Somália; na África Central, na África
Oriental e na África Austral (também chamada de África
Meridional, parte sul da África). As provas arqueológicas
indicam a presença dos bantus a sul do Rio Limpopo e no
Transvaal entre os séculos III e IV, pela existência da
metalurgia entre 200 a 450 dc – depois da era comum.
Os bantus, no processo de expansão, caminhando sempre
em direção ao sul, armados, mataram, expulsaram ou se
fundiram às populações nativas. Organizados e jovens,
venceram e fizeram escravos os indefesos pigmeus e os
bochimanes, grupos étnicos fora dos bantus, que são
tradicionalmente caçadores-coletores que vivem nas florestas
tropicais em toda a África central.
Um dos povos mais antigos do planeta, não faz parte dos
bantus, Khoisan ou Coissã da África Meridional, vive como
nômade com o tom da pele mais amarelada e cabelo mais
crespo. Um homem coissã foi protagonista do filme “Os
Deuses devem estar loucos”, lançado em 1980,.eu assisti no
cinema, dei boas risadas:
Uma comédia que conta sobre uma garrafa de coca-cola
que é jogada do avião e cai em uma tribo no deserto da
África e o líder da tribo decide devolver o estranho objeto
aos deuses.

46
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Construíram grandes muralhas de pedra, palácios e


dominaram o comércio entre a África Austral. Apoiando-se nas
inovações tecnológicas, na criação de animais domésticos, na
prática da agricultura e na existência de instituições políticas e
sociais.
A grande maioria dos 11 milhões de habitantes que
formam a população de Angola são de origem Bantu, são nove
as nações bantus de Angola, correspondendo cada uma delas
a uma língua diferente.
Uma das funções do samba dentro da cultura negra é a
divulgação das histórias ausentes da literatura brasileira.
Vivia no litoral africano18
Uma régia tribo ordeira cujo rei era símbolo
De uma terra laboriosa e hospitaleira
Um dia, essa tranquilidade sucumbiu
Quando os portugueses invadiram
Capturando homens
Para fazê-los escravos no Brasil
Na viagem agonizante
Houve gritos alucinantes
lamentos de dor
Ô, ô, ô adeus, Baobá, ô, ô, ô
Ô, ô, ô adeus, meu Bengo, eu já vou
Ao longe, Minas jamais ouvia
Quando o rei mais confiante
Jurou à sua gente que um dia os libertaria
Chegando ao Rio de Janeiro
No mercado de escravos...

REPRESENTAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO

Era uma noite fria em Porto, e eu estava preparando um


chá de canela. E vem o garoto me dando um golpe reto com
punhos cerrados nas costas, já encaro como beijo ou abraço, e
depois que fiz rastafári, colocar a ponta do cabelo dentro do
meu ouvido também faz parte dos momentos carinhosos.

18
Samba-Enredo do Salgueiro 1964, CHICO REI, compositores: Geraldo Babão,
Djalma Sabiá e Binha

47
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Gostaria de saber se a maioria dos meninos adolescentes


têm esse tratamento simpático de irritar a mãe.
O dito popular “Ser mãe é padecer no paraíso”, então
começam os socos e as perguntas:
- A senhora sabe o que foi o "one-drop rule"?
- Regra de “uma gota de sangue” nos Estados Unidos. –
Respondi.
Lá vai eu buscar as lembranças, e quando falou em inglês
só entendi rule (regra). Pior que eu só lembro de tudo
vagamente. Rebobinando a mente e acrescentei:
- Li alguma coisa, o princípio da "negritude invisível", será
que é desse princípio que se origina a ideia que no Brasil não
tem branco, e que todos têm o pé na África?
E ele com uma cara de quem quer mais assunto, continua
me questionando:
- Uma gota de sangue suficiente para discriminar. Como
assim? nem havia DNA.
Classificação racial nos Estados Unidos no século XX que
afirmava que qualquer pessoa com ascendência africana
subsaariana é considerada negra.
- DNA sim, o exame laboratorial não.
E com isso, revelou:
- Mãe, qual profissão que a senhora acha parecida
comigo?
- Não tenho a mínima
ideia, sei que gosta de história para
me atormentar e crítico de arte
para dar nota aos meus desenhos.
- Eu quero ser
Antropólogo.
- Nossa! Que maravilha! Eu
estudei Antropologia Cultural, com
o professor Gilson Aguiar. Foi o
auge da minha satisfação na faculdade de História, porém a
estrela dele apagou todos os outros professores, não tinha

48
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

comparação pela excelência de segurança pedagógica e


oratória fabulosa.
E com um ar orgulhoso Nemo fala:
- Gostaria de ajudar os negros como Martin Luther
King.
- Eu não tenho estilo filantrópico, mas ajudar as
pessoas independente da cor da pele é um ato nobre,
aprendizagem e servir ao próximo.
No começo das conversas, Nemo jogava a polêmica e
saía, agora senta e quer debater. E pior, tem muito mais
argumento do que eu. Ele perguntou:
- Luther King lutava pelos direitos civis dos negros?
- Sim, acho que ficou conhecido com o caso da Rosa
Parks.
- A do ônibus?
Gente! Mãe tem que saber tudo. Então, vamos lá:
- Essa mesma. Se recusou a levantar e dar o seu
assento a um homem branco. Foi presa e isso gerou revolta.
E Nemo olhando fixo para eu falar mais:
- O pastor protestante e ativista, Martin Luther King, já
tinha popularidade com sua oratória e por defender
publicamente Parks, ficou mais popular. A partir desse
episódio, King organizou diversas manifestações contra a
segregação e lutou pelos direitos civis dos negros.
- Durou um tempão essa manifestação... – replicou
Nemo
- Essa temporalidade eu não sei.
- O boicote durou 382 dias.
Pesquisei na hora, no computador, e estava certo,
então já aproveitei e completei a fala:
- A Suprema Corte Americana declarou ilegal a
discriminação racial em transportes públicos.
Eu pergunto para Nemo:
- Sabe o que Gandhi inspirou em Martin e Mandela?
Nos seus métodos pacíficos e na teoria da desobediência civil.
- Eu não gosto do Mandela.

49
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Nem quis questionar o porquê.


Nemo interveio na minha fala e colocou no celular o
discurso do Obama no National Mall em homenagem a Martin
Luther King.

Discurso de Martin Luther King Jr. em 28 de agosto de 1963,


em frente ao Monumento Abraham Lincoln, em
Washington, DC, durante uma demonstração histórica
diante de mais de 200 mil pessoas pelos direitos civis dos
negros nos Estados Unidos:
…Tenho orgulho de conhecê-lo hoje, no que será antes da
história a maior demonstração de liberdade na história de
nosso país.
Cem anos atrás, um grande americano, cuja sombra
simbólica nos abriga hoje, assinou a Proclamação de
Emancipação. Este decreto importante foi um grande raio
de luz e esperança para milhões de escravos negros,
chamuscados pelas chamas da injustiça…

Depois que terminou o vídeo, eu pedi o celular e


coloquei Wilson Simonal cantando “Tributo a Martin Luther
King19”.
La la la la la la la...
Sim, sou um negro de cor
Meu irmão de minha cor
O que te peço e luta sim, luta mais
Que a luta esta no fim
La la la la la la la... (uohh-oh-oh)
Cada negro que for
Mais um negro vira
Para lutar
Com sangue ou não
Com uma canção
Também se luta irmão
Ouvir minha voz
Oh yes

19 Wilson Simonal parceira com Ronaldo Bosco dedicou essa música ao seu filho,
em 1966. King ainda era vivo nessa época.
Acessado em junho 2020 https://www.youtube.com/watch?v=FH0Ws4Sw0ZE

50
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Lutar por nós


Luta negra demais
E Lutar pela paz
Luta negra demais
Para sermos iguais
E comento, mais uma vez minhas confusões, sobre os
cantores Wilson Simonal com Jair Rodrigues, e mostrei um
vídeo de cada.
E continuamos a conversa.
- São poucas pessoas no mundo que conseguem ter
esse espírito pacífico de liderar, Martin se inspirou no Gandhi,
mas sou fã do Malcolm.
Nemo se expressou de maneira desanimadora:
- É preciso inteligência e carisma. Pode ser treinado?
- Acho que sim, leitura, disciplina, vontade... São
combustíveis para atingirmos nossos objetivos. A exemplo do
Malcom X.
Eu não sou carismática, estou mais para brincalhona,
enquanto Nemo é comediante, adora imitar as pessoas e os
famosos.
A conversa sobre os negrões não cessava, ele sempre
puxava mais um assunto:
- MMM, o Malcolm, não ganhou medalha nenhuma
por sua rebeldia e ataques, que não ficou atrás de Mandela,
mas Mandela entrou para história.
Claro que ele tinha que expressar sua implicância com
Nelson Mandela, ignorei e completei a conversa:
- Os MM (Martin e Mandela) ganharam o prêmio
Nobel da Paz e a Medalha Presidencial da Liberdade, mas acho
que foi póstuma.
- King ganhou também a “Medalha de Ouro” do
Congresso americano, em 2004.
E, complementando o assunto, começamos a falar da
influência estadunidense como referência das lutas contra o
racismo, e ele sempre quer saber o que já li:

51
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Já leu sobre os Las Pantas Negras20, fora do filme


hollywodiando?
- Já. Eles andavam armados.
- E, quando fala em armas, o que você lembra?
- AMAAAAN! - Nemo fala com um ar entediado.

O interesse em Nemo brincar com armas me


incomodava, levei-o diversas vezes para passear na AMAN -
Academia Militar das Agulhas Negras, localizada em Resende
no Rio de Janeiro, pois como viajávamos entre Rio e São Paulo,
a academia fica na Rodovia Dutra no caminho, então
parávamos para almoçar e visitar, tentado despertar interesse:
- Se gosta de armas, o lugar é aqui
. Em umas das visitas, ele disse que iria estudar lá. Mas
chorei tanto.
Fazia caminhada na Vila Militar em Marechal
21
Hermes , sempre falando a mesma coisa, “quem gosta de
armas trabalha aqui”. Incentivei-o a se candidatar para estudar
o Ensino Fundamental II no Colégio da Polícia Militar do Estado
de São Paulo22. Passou nas provas e na primeira entrevista,
mas não efetivei a matrícula pela distância, seria muito
cansativo para ele e para mim.
Para aguçar a conversa, perguntei:

20 Os Panteras Negras
21
Marechal Hermes, o bairro em homenagem ao presidente do Brasil (1910-1914), Hermes
Rodrigues da Fonseca (1855-1923). Ele teve uma amante no bairro, que morava no “Palacete”,
ficava a uns 200 metros da casa de meus pais, em frente o Colégio Irineu Marinho, onde estudei.
Nos anos 70 a casa abandonada e mal-assombrada ainda existia, lembro do loteamento da área.
Saiba mais em (saibahistoria.blogspot.com)
22
Colégio Militar de São Paulo - CMSP (concursosmilitares.com.br)
52
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Qual era a luta dos Panteras Negras?


E ele com um ar muito simples e centrado:
- A mesma que a minha, autodeterminação do povo
negro, direitos básicos para uma boa sobrevivência e o fim da
violência contra os negros.
- Nem sabia que você tinha uma luta.
- Não falei que vou fazer antropologia?
- Ah! Sim.
- The Black Panther nasceu dois anos antes da
senhora.
Dando uma risada, eu falei:
- Então, o partido é novinho.
É muita desigualdade nessa humanidade, quem não
quer terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz? Mas
infelizmente, os governantes acham que isso não é para todos.
Essas eram as reivindicações dos Panteras.
Não sou a favor da Violência Revolucionária pela ética,
entretanto no processo histórico ela funciona, e valida a
chance da possibilidade de qualquer evolução na etapa social.
Já que a conversa geograficamente era do pessoal lá
de cima do continente, puxei a sardinha para o meu lado,
então com um largo sorriso no rosto, falei:
- Faltou um, protagonizado por
Denzel Washington, que rendeu o Oscar
de melhor ator para meu fofinho.
Malcolm X, o filme norte-americano de 1992,
do livro The Autobiography of Malcolm X, com
roteiro de Arnold Perl.
- A senhora acha essa cara bonito? Nemo perguntou e
emendou: -E se ele aparecesse na sua frente?
- Primeira coisa que faria seria instalar o google
tradutor para conversar com ele. Hoje estava na rua tentando
bater papo com um guineense, entendi muito pouco seu
inglês.
Caímos na risada.
- Sabe que o porquê do "X" do Malcolm? – Nemo
perguntou.
53
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Sei tudo sobre o Al Hajj Malik Al-Shabazz23 e suas


mudanças ideológicas, querido. O X simboliza sua identidade
desconhecida. Seu sobrenome foi dado aos seus ancestrais por
aqueles que os escravizaram, então recusou a usá-lo.
- Não me chama de querido, que não gosto.
Ele é assim, não pode fazer um mimo. E comentei:
- Através dos filmes estadunidense, fiquei fã do
Malcolm X, e vendo a entrevista dele com Dr. Payson olhei
para o lado, e questionei, cadê os meus?
Dr.Payson, professor universitário afro-americano24
questinou: – Mas é um negro que te faz a pergunta.
Ao que Malcolm X respondeu: – Quem chamaria você de
negro com diploma de formação superior? E o que os
brancos te chamam? É preciso entender o raciocínio, e para
isso, é necessário saber que, historicamente, havia duas
espécies de escravos: o negro da casa e o do campo. O
negro da casa vivia junto do senhor, na senzala ou no sótão
da casa grande. Vestia-se, comia bem e amava o senhor.
Amava mais o senhor que o senhor o amava a ele. Se o
senhor dizia: “Temos uma bela casa”. Ele respondia: “Pois
temos”. Se a casa pegasse fogo, o negro da casa corria para
apagar o fogo. Se o senhor adoecesse, dizia “estamos
doentes”. Se um escravo do campo lhe dissesse: “vamos
fugir desse senhor”, ele respondia: “existe uma coisa
melhor do que o que temos aqui?”. “Não saio daqui.” O
chamávamos de negro da casa. É o que lhe chamamos
agora, porque ainda há muitos pretos de casa.

- Desses personagens negros o que mais tenho


interesse é o X por sua história com o islã e sua transformação.
Nemo respondeu:

23
Nome muçulmano de Malcolm X
24
Na revisão histórica, o professor Paulo Cruz cita:
O contexto apresentado por Malcolm X é outro aqui, de uma alienação tal
que o escravo/negro (e aqui ele está, muito equivocadamente, se referindo
ao Dr. Martin Luther King Jr.) não percebe que está trabalhando para garantir
o sucesso do seu inimigo, que ele considera o seu também. Não sei se esse é
o seu caso, mas penso que não.
54
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Não acredito nesse negócio de religião.


- Tô sabendo... Mas quando tinha dois anos rezava o
“Pai Nosso” tão bonitinho.
Nemo esquentou sua comida no microondas e sentou-
se na mesa da cozinha. É sinal que deseja prolongar a
conversa. Mas comeu calado e mexendo no celular, e colocou
um som da minha época de baile. Ele disse:
- A senhora e o Maurício falavam do movimento Black
Power? ... Eu gostaria de viver na época do Malcolm.
Nemo com a mente fresca guarda tudo, enquanto
minha memória social é vaga.
- O Black Power, até pouco tempo eu não tinha noção
que isso era só no Rio. Os cabelos alvoroçados e ao natural
faziam referência ao movimento, lembro dos amigos, das
nossas vestimentas estilizadas em uma moda própria do povo
preto nos bailes, as músicas negras americanas, uma
identificação com os movimentos estadunidense, orgulho de
ser negro.
O nome do movimento Soul, depois batizado de Black
Rio, pela reportagem da jornalista Lena Frias, publicada no
extinto Jornal do Brasil. A matéria intitulada “O orgulho
(importado) de ser negro no Brasil”.

Black Rio, o movimento negro na ditadura militar,


manifestação musical de jovens negros nos anos 1970/80 na
cidade do Rio de Janeiro - inspirado nos Estados Unidos - e
sua interferência na luta pela democracia no Brasil.
Repressão política, ascensão social vetada a jovens
diplomados, ativismo nos Estados Unidos e o som
estadunidense, emergiu a ideia com Dom Filó, e passou a
produzir bailes em clubes da periferia da capital carioca.
(Oliveira, 2016, p.46)

Em São Paulo, quando saía para os bailes da saudade


com minha amiga, não me identificava com nenhuma música,
agora que entendi o porquê.
Eu comecei a dançar como nos velhos tempos, e disse:
55
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Os blocos baianos têm sua fundação pelos


participantes do povo dessa época, até hoje não tem quem
fique indiferente ao som de James Brown com a música I Feel
Good. Eu acho que o nome do cantor baiano, Carlinhos Brown,
é dessa origem.
Ele, com aquela cara de não querer ver a mãe
dançando, para provocá-lo cada vez mais me agitava, eu
sugeri:
- Quando terminar sua faculdade de antropologia faz
a sua monografia em algum movimento negro no Brasil. E
comece pelo sociólogo do negro de Guerreiro Ramos.
- A senhora pode comprar o livro “A Autobiografia de
Malcolm X”?
Malcolm X conduziu uma parte do movimento
negro nas décadas de 50 e 60, foram três pontos
fundamentais: o islamismo, a autodefesa – ainda
que fazendo uso de violência – e a autonomia
econômica do negro.
- Eu já tenho eletrônico. Se entrosa com o pessoal de
divulgação literária FinoLivro, da Bahia, e tem a prima Néia,
eles têm um bom conhecimento sobre a militância negra.
Nemo fica indignado com os personagens da história
de bandido a mocinho, e expressa:
- Ele foi traficante de drogas, cafetão, chamado de
demônio, depois de tudo isso virou “o cara”.
- É filho, o poder da religião, a ideologia, a mudança de
vida, isso cabe a todos. E, nesse caso do Malcolm, foi a
influência ideológica do Elijah Muhammad, esse que era “o
cara” e foi o seu mentor. Muhammad dizia, "O negro
americano deve ser reeducado. O Islã dará a ele as
qualificações para sentir orgulho, e não vergonha ao ser
chamado de negro."
Com um ar feliz por eu ter terminado de dançar, ele
diz:
- Não acredito muito nisso, mas gosto da polêmica. -
Malcolm desacreditava da campanha não-violenta de Martin
Luther King. O violento e o não-violento foram para o saco.
56
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Assunto encerrado, Nemo sumiu da cozinha.


Wallace Fard Muhammad (1877- desapareceu em
1934), e, desde então, não houve informação sobre seu
paradeiro, foi um líder religioso estadunidense e fundador da
organização islâmica afro-americana Nação do Islã.
Wallace cria e dissemina na África a história de Yakub,
de que o “homem branco é o demônio” e que “Deus é negro e
se chama Alá” e esse ensinamento ressurge com Elijah
Muhammad, mentor do malcolm X, ativista
negro dos Estados Unidos da América, líder
do grupo Nação do Islã, pregava uma nova
forma de Islã adaptada às necessidades e
problemas dos negros americanos.
Mas o Elijah também teve seu
mentor, o Edward Wilmot Blyden (1832-
1912) o pai do pan-africanismo, adotou o islã e influenciou
muitas pessoas no século XX.
É só mais um conto da negra-vida
Estava trabalhando há duas semanas em uma
empresa no Brasil, um rapaz que trabalhava nos serviços gerais
me abordou com um sorriso simpático:
- Fiquei tão contente em te ver por aqui.
A princípio, fiquei espantada, pois não o reconheci e
não queria ser indelicada.
Ele completou:
- Nossa! Não tem nenhum negro trabalhando nesse
andar. E ver uma negra no seu cargo é muito bacana, mostra
o potencial da nossa raça.
Havia mais de trezentas pessoas naquele andar, a
única mulher negra era eu.

Representantes negros NA ARTE

Depois da obsessão pelo Txutxucão, o cão personagem do


programa infantil da apresentadora Xuxa, Nemo gostou dos
seriados estadunidense “Arnald” - dois meninos negros do
57
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Harlem, eles perderam a mãe e foram morar com a família do


empresário rico Philip Drummond e aprendem várias lições de
vida. E “Maluco no Pedaço” uma comédia com Will Smith
estreado nos anos 90. A mãe envia o Will para morar com os
tios ricos Phil e Vivian em Bel-Air, lá ele se divertia e aprontava
com todos os familiares.
As histórias em quadrinhos eram nosso divertimento em
algumas noites, gostávamos de imitar o som dos animais.
Maurício de Souza e suas histórias fazem parte do imaginário
de muitas crianças, começando pela representação negra com
o Pelezinho em 1976.
E publicado em 2018, Jeremias Pele, que vê sua vida
mudar ao encarar pela primeira vez o preconceito racial e a
superação. Escrito por Rafael Calça e desenhado por Jefferson
Costa, publicado em 2018, pela Panini Comics como parte do
selo Graphic MSP.
A ausência de referências positivas nos rouba o
direito de imaginar, estabelece um teto para nossos
sonhos. Minhas lágrimas correram pelo rosto ao ler
Jeremias – Pele. Eu a vivi inteira tantas vezes... (Emicida).
Pelas ruas de Porto, encontrei e me encantei com a
escritora baiana, contadora de história, com seus 71 anos, ex-
aluna de Paulo Freire, carregando uma bagagem intelectual
explosiva e na mão sua obra prima.
E escutei seus relatos e lembranças conta da ausência
de crianças negras nas histórias infantis, e como professora
inseriu a cultura e as tradições baiana e africana nas suas aulas
e virou escritora de contos infantis com miscigenação da raça
e dos clássicos para a realidade baiana. O resultado é
esplendoroso.
Essa semana, Nemo veio me mostrar uma entrevista
falando sobre a atração dos jovens pelo crime, por estar
próximo à realidade deles. A arte é uma das melhores
ferramentas para quebrar a violência. Cada criança merecia
escrever seu livro, com seus cantos e desencantos.

58
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

As revistas em quadrinhos estão em alta com o


Universo Cinematográfico Marvel. Resgataram os heróis
negros, como o Luke Cage, o primeiro super-herói a ter uma
revista própria “Hero for Hire”, em junho de 1972, agora tem
série no serviço via streaming.
O Pantera Negra aparece pela primeira vez em julho
de 1966, o super-herói negro que tinha sua identidade secreta
da nação africana fictícia de Wakanda. Da história em
quadrinhos para telas de cinema com sucesso.
A ficção revelada no reino de Wakanda e suas cinco
tribos, um pouco diferente da realidade do século XIII dos
impérios africanos pela tecnologia, o filme estadunidense
estrelado em 2018, “Pantera Negra” foi o primeiro com super-
heróis da pele preta de civilização avançada, população rica,
com conhecimento técnico e científico superior ao povo
branco. O filme foi indicado ao Oscar e ganhador da estatueta
de melhor elenco no prêmio do Sindicato de Atores de
Hollywood.
Refletindo sobre tudo isso, insisti com Nemo:
- Veja a importância da arte na sociedade.
- Sabe qual a ligação do Magneto do X-Men com
Malcolm X? - ele respondeu com a pergunta.
Eu respondi:
- X. E ele, irritado comigo:
- Para de bobeira.
- Eu escutei isso semana passada em uma palestra25 no
História online com o doutor em História Rubens Menezes.
- O que ele falou? - Nemo pareceu interessado, mas
estava no horário para aula online.
- Fala você, que iniciou.
Comendo um pão e caminhando pelo corredor com o
notebook na mão, ainda responde:

25 Arte e Sociedade - https://www.youtube.com/watch?v=mTWbKtG3pzw


59
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Na edição de uma revista em quadrinhos do X-Men


nos anos 80; o Magneto e Malcolm X pregavam a
superioridade da raça.
Nemo se retirou de cena e anotei de imediato no meu
caderninho para eu não ficar no vácuo, ler sobre o assunto.
Stanley Martin Lieber26, escritor e publicitário da
revista da Marvel Comics, revista em quadrinhos americana,
em setembro de 1963, lançou o X-Men, os adolescentes
mutantes liderados pelo professor Xavier, agora fazem parte
do estrelato da produção hollywoodiana.
No gibi dos X-Men de 1980, “Deus Ama e o Homem
Mata” (God loves, man kills), o conflito de uma raça. A história
mostra o conflito dos X-Men contra o pastor William Stryker,
que pretendia provocar uma guerra entre a humanidade e os
mutantes. Nesta edição, Magneto é o mutante contra a
sociedade, convicto de que a sociedade não tinha mais chance
para uma união, a mesma pregação de Malcolm X. Enquanto o
Martin Luther King27, que se assemelha ao professor Charles
Xavier, queria a junção de uma sociedade, acreditava que
mutantes e não-mutantes poderiam conviver juntos em prol
da humanidade. A arte na história refletindo na estória.
Mas também tivemos a representação pejorativa na
revista em quadrinhos nos anos quarenta, “TinTim no Congo”
o jovem repórter belga Tintim e seu cachorro Milu são
enviados para o Congo Belga (a grande colônia da Bélgica na
época) para denunciar os acontecimentos no país. E nos
quadrinhos, o jornalista reflete os pensamentos paternalistas

26 Stan Lee (1922-2013) criadores de histórias em quadrinhos dos super-


heróis e vilões da Marvel Comics, como: Homem-Aranha, Thor, Hulk, Pantera
Negra, o Demolidor, Homem de Ferro e Quarteto Fantástico.
27
O Malcom X e o Martin Luther King tinham posicionamentos opostos em
relação a luta do negro por seus direitos. Enquanto o primeiro apoiava a
resistência violenta, o segundo era adepto da não-violência. O primeiro
acusava o segundo de colaboracionismo com o opressor, por isso
provavelmente essa analogia entre o negro da casa e o negro do campo.
60
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

de seu país, dizendo que os negros são preguiçosos, selvagens


e que não deveriam estar naquele território.
A história da Bélgica com os nativos foi de mutilação,
genocídio e estupro, Rei Belga, Leopoldo II não ficou atrás do
Hitler na perversidade, mas como foi na África, com os negros,
não ganhou notoriedade como os outros genocidas da
História.

Representantes negros NA COMUNIDADE

Viver junto com a nossa comunidade, nosso clã, nem


sempre é possível. A minha juventude com familiares negros
fez a diferença, pois eu me reconhecia no grupo e via exemplos
bons dentro da minha família.
Nemo joga culpa em mim pela ausência de convívio
mais próximo da família, mas não agarro, sempre falo que fiz
o que podia e sabia, e digo:
- Terá a liberdade de fazer melhor para si, por isso que
invisto nos seus estudos.
Nemo tem momentos de crueldade comigo na fala. O
pensamento é livre, mas a expressão não. Eu sou a mãe,
respeito e limite ordenam aqui em casa. Nosso
relacionamento de mãe e filho está longe de ser perfeito, mas
não é ruim, acho distante, com pouco carinho e beijinhos. Mas
a história de vida é que nos une.
Lembro que ele assistia a um blog ou uma página no
Facebook, “Fala Gari”, que descreve a realidade do profissional
de limpeza urbana do Rio de Janeiro e sua comunidade.
Não menosprezo, mas nas redes sociais a vida é como
uma novela, cada um escrevendo seu roteiro, isso é
maravilhoso e/ou fantasioso, mas não podemos esquecer que
há diversas realidades, negro-tema e negro-vida.
Em uns dos vídeos do Gari, ele comparava a turma da
limpeza de seu trabalho com a maioria de pessoas negras,
enquanto a formação de uma turma de medicina com maioria
branca.
61
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Com um olhar real e insatisfeita pela comparação, por


haver diversos fatores sociais e econômicos, além da cor da
pele, perguntei para o Nemo:
- Caso as duas funções tenham salário de dez mil reais
mensais, uma precisa fazer faculdade integral de seis anos e a
outra nem precisa do ensino superior, qual a sua opção de
trabalho?
E ele respondeu de pronto:
- Gari
Ciente da estruturação social que engloba a questão
da meritocracia, reconheço que são duas pontas essenciais
para o coletivo da saúde pública; não tem, ou não deveria ter,
um cidadão melhor que o outro nesse contexto. Mas para o
jovem negro-vida, quero aguçar a visão do esforço, valorizar as
pessoas e ideias, não pelo tom de pele.
Muitas das vezes eu observava e não sabia o que falar,
também pela minha limitação em entendê-lo, sugeri: escute o
“Fala Gari”, mas também escute a fala do professor de
Filosofia Paulo Cruz que é negro e conhecido no meio virtual e
com credibilidade.
Como revanche ele me apresentou o cantor de rap e
compositor Emicida, e fiquei apaixonada; por ele gostar de
capoeira apresentei as músicas de Candeia. E ficamos nessa
troca de referências, tornou-se bacana.
A potência do Emicida no documentário “AmarElo – É
tudo pra ontem”, e o questionamento e curiosidade da
juventude negra, pois a releitura do Nemo é semelhante.
Com o tempo, o “Fala Gari” perdeu espaço nas
audições de Nemo e entrou o professor Paulo Cruz, que é um
divulgador da história de André Rebouças e outros diversos
negros bem-sucedidos financeiramente e intelectualmente
nos séculos passados.
Um ano depois de estarmos morando em Portugal
perguntei para o Nemo:
- Por que seu comportamento inferiorizado em São
Paulo?

62
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

– Eu só tinha um amigo negro, eu me sentia diferente


em conviver só com amigos brancos. Talvez para senhora isso
não tenha importância, mas para nós jovens, sim.
Ele estava falando de uma forma encabulada:
- Então, eu passei a gostar e ter afinidade por rap
porque tem pessoas da minha cor.
Temos amigos multicor, mas na cabeça de Nemo não
foi registrado. Uma das minhas melhores amigas é branca e a
outra deficiente física, não nos olhamos e decidimos ser
amigas. O tempo encarrega de deixar a pessoa próxima ou
afastá-la, eu não me permito distinguir amizade pelo tom da
pele.
Uma música para tirar a tensão da conversa, Banda
Copa 7, composição de Leci Brandão - Amigo Branco.
Meu amigo branco
Muito mais que branco
Meu recado vou lhe dar
Não existe nada neste mundo, meu amigo
Que nos possa separar
Preconceito existe, eu não sei ei ei
Preconceito existe, eu não sei …
Quando eu estava escrevendo o livro, aconteceu o
episódio que levou à morte do George Floyd, de 46 anos, em
maio de 2020, nos Estados Unidos. O agente policial, após a
prisão, desnecessariamente asfixiou Floyd com o joelho, por
suspeitar dele passar uma nota falsa. O mundo repudiou o ato
racista e imprudente.
Com esse incidente o movimento ativista
internacional BLM28 - Black Lives Matter (Vidas Negras
Importam), com origem na comunidade negra nos Estados
Unidos, que luta contra a violência às pessoas negras ganhou
seguidores por todo o mundo.
Quantas violências como essa ocorrem diariamente
sem ir para as telas? Existe alguma mãe negra que não pensou

28
BLM começou em 2013, com o uso da hashtag #BlackLivesMatter em mídias sociais,
após a absolvição de George Zimmerman que atirou fatalmente no adolescente negro
Trayvon Martin. O movimento ficou conhecido nacionalmente por suas manifestações
de rua após a morte, em 2014, de dois afro-americanos.
63
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

no seu filho ao ver aquela cena? São perguntas com resposta


unânime – muitas e todas.
A música rap também tem esse papel, de expor a
realidade social, não desabono o estilo musical, eu escutava,
nos anos 90, Mano Brown, a voz dos Racionais MCs que
despertou os jovens da periferia e boicotou a mídia. Assisti à
entrevista do mestre de cerimônia, MC Rashid, produtor e
empresário que expressa bastante o seu
olhar para a sociedade. Entendi a
identificação do Nemo.
O valor cultural do hip hop é imenso
e intenso, alguns investigam a história para
suas composições, mas ao ver meu filho
escutando uma apologia violenta, meninos
com armas, usando drogas, que é uma
realidade que não pode ser ignorada, eu tento influenciá-lo a
ter o olhar cultural, é minha função.
“É som de preto, de favelado, mas quando toca
ninguém fica parado”.
O que é esse som de preto? É a nossa música, nossa
fala, nossa escrita, nosso jeito escuro de ser.
As ruas oferecem armas para os jovens como
condição para quem precisa de uma identidade e um
sentido. Mas é a Escola que tem a função de dar sentido.
Eu sou do samba, então lembro da música na voz de
Elza Soares e Jorge Aragão:
Malandro
Eu ando querendo falar com você
Você tá sabendo que Zeca morreu,
Por causa de brigas que teve com a lei?

Malandro
Eu sei que você nem se liga no fato
De ser capoeira, moleque mulato
Perdido no mundo morrendo de amor

Malandro
Sou eu que te falo em nome daquela
Que na passarela é porta-estandarte
64
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

E lá na favela tem nome de flor …

O pau que bate em Chico, não bate no Dr. Francisco


Quem está
de fora não imagina
o que é estar dentro,
a violação fazendo
parte do cotidiano,
matar para manter a
ordem. A violência
se comunica com a
própria violência,
uma falência do estado de direito.
A segurança privada contrata muito mais que a
pública. Seguradoras afortunadas, comprar um carro zero ou
seminovo sem seguro é uma coragem para poucos nas capitais
brasileiras; seguros diversos e título de capitalização atrelados
aos empréstimos bancários e cartão de crédito.
Jornalismo banalizado na insegurança da população,
na morte dos jovens, o famoso “CPF CANCELADO” do
apresentador Siqueira Júnior.
Escutei uma senhora falando no “Quebrando Tabu29”,
para um grupo de mulheres em uma comunidade, pela sua
postura e desenvoltura, provavelmente é líder comunitária.
Sua orientação era sobre o uso da internet para o
conhecimento da lei de execução penal, assim as mães e
esposas dos encarcerados saberiam conduzir os argumentos
dentro da lei; ler o regulamento prisional; em caso de violação
com o preso, o familiar saberá fazer denúncia no Ministério
Público e pedir a garantia de vida do apenado.
“Ninguém cria filho para ser criminoso”, diz ela para
aquelas dez mulheres no meio da rua. Uma realidade ignorada
até aquele momento pela negra-Ana.
...É melhor deixar vender essas drogas na farmácia, para
recolher imposto e deixar esses empresários se matando. Por

29
https://www.facebook.com/quebrandootabu/videos/791529411586119/
65
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

que nossos filhos vendem e matam por causa das drogas, e


nós, mães, não temos dinheiro para livrá-los das drogas ou
pagar um advogado.
Legaliza isso, porque não há vagas nos presídios, todos
lotados, meu marido está dormindo no chão tem um ano e meu
filho também está preso e dormindo na beirada do boi.
Quando cria uma vaga, tem dez na fila para ocupar.
Essa vaga criada para os nossos familiares presos,
também serve para nossa geração futura. O Estado tinha que
construir creches para podermos trabalhar e não deixar nossos
filhos jogados na comunidade. O dinheiro gasto em cadeia
deveria ser direcionado para primeira infância.
O jovem começa a vender droga para comprar um
tênis, depois é uma calça, celular e evolui o desejo para carro
e aí não sai do tráfico. E vão parar no cárcere.
A metade dessa culpa é do Estado, que não dá
condições para criarmos as nossas crianças.
Precisamos lutar por escola, profissionalização dos
nossos familiares. Lutar pelos nossos direitos, com sabedoria e
determinação.
Quando essa desconhecida cita o Estado como
responsável pelo envolvimento das crianças no ilícito, pego um
exemplo, aqui do meu ladinho, na França, a campeã europeia
com proteção social, gasta 35% do PIB. Os investimentos para
combater a pobreza, como auxílio-família, moradia e seguro-
desemprego, as mães ganham para permanecer junto ao filho
e por cada filho.
30
De acordo com o artigo L. 512-1 do Código de Segurança
Social, «Toda a pessoa francesa ou estrangeira residente em
França que tenha a seu cargo uma ou mais crianças com
residência em França recebe prestações familiares por estas
[...]».
Têm direito às prestações familiares as pessoas que, de
modo efetivo e permanente, tenham a cargo (sustento,
casa, vestuário) filhos legítimos, naturais, adotivos ou até

30
https://www.cleiss.fr/docs/regimes/regime_france/pt_4.html
66
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

simplesmente crianças acolhidas, cujos limites etários se


situam a: 20 anos (regra geral), relativamente a todas as
crianças que não trabalham ou exercem atividade cuja
remuneração líquida mensal não excede 55 % do Smic
(943,44 €).
Para uns, assistencialismos é incentivo para
“vagabundice”, para outros, inclusão social. Sempre
dependerá de quem dá e quem recebe. E os que não fazem
parte de nenhuma das pontas, julgam as duas.
BRASIL E O DESAFIO DA INCLUSÃO SOCIAL
Em 2020, o Brasil figura na posição 84ª entre 189
países, com 0,765 de IDH31 - Índice de Desenvolvimento
Humano, indicador que envolve variáveis (as principais:
Educação, Saúde e Renda), que mede e demostra o
desenvolvimento humano básico em um país, e parâmetro
global de desenvolvimento social.
IDH, varia de 0 a 1
Muito baixo: 0 a 04,99
Baixo: 0,500 a 0,599
Médio: 0,600 a 0,699
Alto: 0,700 a 0,799
Muito alto: 0,800 a 1
O IDH alto embaça minha visão sobre o contexto da
inclusão social, sei que é complexo e gigantesco, desde as
legislações aos costumes.
Temos investimentos, diversas políticas públicas,
riqueza do solo, recursos naturais, ações para redução e
combate a pobreza, acesso ao crédito, programa renda
mínima, geração de renda e emprego, serviços básicos,
erradicação do trabalho infantil … tudo isso apontado em
relatórios governamentais para aumento do IDH, contudo o
pobre tem dificuldade de sair da pobreza.
A complexidade e fragilidade da estrutura, a
marginalização da pobreza, empurrada para a periferias com a

31
A utilização de um indicador que envolvesse outras variáveis que não somente a
questão econômica ocorreu pela primeira vez em 1990, pelo PNUD - Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento. Esse indicador foi criado pelo paquistanês
Mahbub Ul Haq e pelo indiano Amartya Sen.
67
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ditadura, e ocupação dos morros pelos operários de fábricas


próxima ao Centro da cidade e trabalho.
Complexo da Maré com 16 favelas e 150.000
habitantes no Rio de janeiro e a ausência do poder público na
infraestrutura de escolas, geração de empregos, hospitais,
segurança pública, saneamento básico…
Imagine e/ou pesquise como funciona essa mesma
infraestrutura no norte do país. A coisa é bem maior que preto
e branco.
Dentro do meu clã e no subúrbio do RJ, os terrenos
que eram dos avós, ocupados por todas as gerações seguintes,
com construção de mais uma casa, que geralmente é uma obra
irregular, isso acontece também em diversos apartamentos
populares da Cohab - Companhia de Habitação com os
puxadinhos.
A ausência de fiscalização do Estado é a sua admissão
da inexistência de uma política habitacional.

Representantes negros COM ELES

Em 2012, Néia Daniel através da exibição de mais um


vídeo prestar uma singela homenagem a estes nossos heróis
e heroínas, companheiros e companheiras, que dignificam e
dignificaram a luta e combate aos crimes de racismo, à
violência urbana, à violência doméstica contra a mulher, à
homofobia e a intolerância religiosa e sempre acreditaram no
sonho de construção de uma sociedade mais justa, igualitária
e democrática, bem como, ratificar nosso compromisso de
que a luta continua. Sim, nós acreditamos que é possível uma
sociedade de oportunidades iguais para todos.

Acessado em fevereiro 2021: https://www.youtube.com/watch?v=CUWYrWfzxms

Os negrões brasileiros à frente da sua época, o meu


patriarcado também incluso na história.
68
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

PAULO BRITO (1809-1861), Francisco de Paula Brito,


deu início ao movimento editorial brasileiro. Homem negro de
origem modesta e sem instrução formal foi o precursor da
imprensa e do mercado literário no Brasil. Tipógrafo, livreiro e
poeta, tornou-se o editor preferido da elite carioca e o
principal editor da sua época. Sua livraria foi associada ao
Movimento Romântico. Reuniam-se em sua loja os
romancistas Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de
Almeida, José de Alencar, Gonçalves Dias, o compositor do
hino nacional brasileiro Francisco Manuel da Silva, Casimiro de
Abreu, atores como João Caetano, os jornalistas Firmino
Rodrigues e Joaquim de Saldanha.
JULIANO MOREIRA (1872-1933), o psiquiatra negro
que revolucionou o tratamento das doenças mentais no Brasil.
O médico psiquiatra baiano, fundador da disciplina
psiquiátrica no Brasil. Com apenas 18 anos, ele estava formado
e era um dos primeiros médicos negros do país, segundo a
Academia Brasileira de Ciências.
GRANDE OTELO (1915-1993), Sebastião Bernardes de
Souza Prata, nasceu em Uberlândia, Minas Gerais foi um dos
mais destacados atores brasileiros do século XX. Fez comédia,
drama e crítica social em peças e filmes. Em parceria com
Oscarito32 estrelou em grandes sucessos do cinema.
ALEIJADINHO (1738(?)-1814) - Antônio Francisco de
Lisboa, escultor e arquiteto, filho de português e de sua
escrava, o Aleijadinho, foi alforriado pelo pai. Cresceu num
ambiente de arte e pôde receber educação formal junto aos
seus meios-irmãos.
MESTRE VALENTIM (1745-1813), Valentim da Fonseca
e Silva, paisagista e arquiteto, filho de um contratador de
diamantes e uma negra. Nasceu em Serro, Minas Gerais.
ESTÊVÃO SILVA (1845-1891) - Nascido no Rio de
Janeiro, Estêvão formou-se como pintor na Academia Imperial
de Belas Artes. A Academia recebia um grande número de

32
Nascido em Málaga, na Espanha, no dia 16 de agosto de 1906, filho dos artistas Oscar e
Clotilde Teresa, descendentes de famílias com tradição circense de 400 anos,
69
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

negros e filhos de alforriados e Estêvão Silva é considerado o


maior de todos eles.

FAMÍLIA REBOUÇAS
Eu na cozinha entre livros e panelas, entra Nemo com
um ar de quem quer conversar.
- Mãe, há um movimento nas redes sociais que
apresenta André Rebouças como o verdadeiro espírito de
resistência do povo negro.
- Eu sou simpática a essa abordagem.
Nemo parece um adulto falando com voz grossa e
altivo:
- Precisamos sair da referência do passado escravista
(que é a representação de Zumbi) e lutar contra o atual
preconceito social.
- Isso eu concordo. Respondi e completei. - Essa
mudança de referência também vem acompanhada por um
redirecionamento da educação e da cultura, aproximando da
geração atual, um representante com o status social como de
André Rebouças, e abafando a escravidão que é Zumbi.
- A senhora não acha que o contexto de luta agora é
outro?
Essa cobrança de posicionamento constante me faz
pensar e isso cansa. Vamos lá:
- A nova geração, independente do tom da pele, não
tem as mesmas ambições da minha.
E continuo: - Rebouças e Nabuco apresentam o
esforço da cultura e a intelectualidade do negro, enquanto,
Zumbi a resistência ao cativo. A história tem a função desse
resgate de acordo com a política da época.
Nemo balança a cabeça com gesto negativo e
comenta:
- A sua analogia entre o Zumbi dos Palmares e André
Rebouças, não sei não.
E deu espaço para eu complementar meu raciocínio.
70
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- As lutas deles (Rebouças e Zumbi) em tempos


diferentes, e nas escolhas de representação, também. A
mentalidade do brasileiro no século XX é diferente da do
século XXI. Com o conhecimento da história temos a liberdade
de ter afinidade com novos símbolos e representações.
Nemo manifestou incisivamente a discordância e saiu.
Essa mudança de representação faz parte do nosso
cotidiano, exemplo, as eleições. No campo filosófico temos o
condicionamento histórico-cultural: o ser humano é uma
unidade bio-psico-socio-cultural e sua existência é
coexistência situada (no espaço) e data (no tempo) e as
referências são mutantes também.
OS IRMÃOS REBOUÇAS – OS JOVENS
Eu já tinha visto uns vídeos do professor Paulo Cruz há
uns quatro anos e acompanhei-o por um período, assinava a
série Brasil Paralelo, então eu conhecia sua militância pela
História da família Rebouças.
Quando fiz uns dos passeios a pé ao Centro do Rio, o
prédio pouco conservado da Companhia das Docas de D.
Pedro II, obra de André Rebouças, ali na frente foram
exaltados seus feitos.
E na época da universidade, a travessia diária pela obra
do Engenheiro Antônio Russell Raposo, que conecta
diretamente as zonas Norte e Sul, sem passar pelo Centro da
Cidade, o Túnel Rebouças, essa travessia era realizada sem dar
importância ao nome, até então.
A ilustre família Rebouças, o mais famoso foi André,
mas também tem seu pai, seu irmão e os tios. André Pinto
Rebouças (1838-1898) foi professor, abolicionista e
monarquista brasileiro – junto com seu irmão Antônio, se
formou pela Escola Militar.
Os irmãos baianos, Antônio Pereira Rebouças Filho
(1839-1874) e André Rebouças são os primeiros engenheiros
negros, falavam inglês e francês, dois dos maiores engenheiros
do Brasil no século XIX.

71
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Formados no Brasil e tendo passado uma temporada


de estágio na Europa – que, mesmo tendo sido preteridos de
um direito à época, para quem se formasse com distinção, o
pai lhes proporcionou com muito custo –, os dois irmãos
retornam para o Brasil em fins de 1862, eles se especializaram
na construção de estradas, mas há outros inúmeros grandes
feitos, como a primeira canalização de água potável de
Curitiba, o chafariz na Praça Zacarias; eles projetaram e foram
os responsáveis pela construção da ponte de ferro sobre o rio
Piracicaba no estado de São Paulo (a primeira em concreto
armado do país).
A iniciativa do primeiro grande investimento
madeireiro no Paraná se deve aos irmãos Rebouças — que
organizaram a Companhia Florestal Paranaense, instalada nas
margens da Estrada da Graciosa em 1873. Foi a primeira
indústria do Paraná a utilizar a energia de máquina a vapor;
André foi o primeiro a propor a criação do Parque Nacional do
Iguaçu.
Homenagens aos irmãos Rebouças no Rio de Janeiro
na Praça José Mariano Filho: foram erguidos bustos para
lembrar a contribuição dos Rebouças. Em Curitiba, os irmãos
têm nomes em ruas e o bairro Rebouças; em São Paulo, existe
a Av. Engenheiros Rebouças.
A história da Abolição da escravatura no Brasil foi uma
luta longa, complexa e tortuosa, durante o processo de
abolição, principalmente na década de 1880, André Rebouças
e Joaquim Nabuco contribuíram substancialmente nas
discussões políticas sobre os rumos dos escravos e ex-
escravos.
A historiografia da abolição no Brasil acabou por
eleger a Princesa Isabel como a única redentora, pelas leituras
da família real, eles não eram escravistas, temos relatos de D.
Pedro II indo contra os poderosos fazendeiros, recebia a elite
negra em suas festas, não tinham escravos.

72
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Só que a história oficial ocultou outros tantos nomes


nos livros escolares, que ativamente fizeram parte do processo
conjuntural e estrutural que levou à assinatura da Lei Áurea.
O professor de filosofia, Paulo Cruz, no site Gazeta do
Povo33, com o título "Consciência e liberdade", expressa:
…Na ocasião, conversando, ao final, com um dos
palestrantes…, perguntei por que o Movimento Negro ignora
André Rebouças, e por que, quando mencionam
abolicionismo, citam José do Patrocínio e Joaquim Nabuco,
mas não Rebouças? A resposta foi surpreendente e mais ou
menos assim: “porque ele era chapa-branca [sim, essa foi a
palavra]; seu pai era rico e eles tinham amizade com a família
imperial”. Pois é, caríssimo leitor, fiquei espantado com a
afirmação do ativista, pois Rebouças mergulhou na causa
antes de todos aqueles que compuseram a Confederação
Abolicionista. Em 1867 – treze anos antes, portanto, do
momento culminante, que se iniciou em 1880, com a
associação dele a Patrocínio e Nabuco, ele já havia iniciado um
projeto de emancipação e participado de algumas ações nesse
sentido. Foi praticamente o mentor dessa última fase
abolicionista – digo última fase porque, em 1850, já havia um
movimento pujante na Bahia, liderado por Abílio César Borges,
e mesmo na época de D. João VI, algumas iniciativas isoladas
já ocorriam.
Joaquim Nabuco fala de André Rebouças:
André foi matemático e astrônomo, botânico e geólogo,
industrial e moralista, higienista e filantropo, poeta e
filósofo.
Rebouças foi aquele que Nabuco eternizou seu “Minha
Formação”, dizendo que, apesar de não ter o ímpeto
popular de Patrocínio e, por isso, um papel de destaque, de
linha de frente, teve o mais belo de todos, e calculado por
medidas estritamente interiores, psicológicas, o maior, o
papel primário, ainda que oculto, do motor, da inspiração
que se repartia por todos… não se o via quase, de fora, mas

33 https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/paulo-cruz/consciencia-e-liberdade/
73
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

cada um dos que eram vistos estava olhando para ele,


sentia-o consigo, em si, regulava-se pelo seu gesto invisível
à multidão… sabia que a consciência capaz de resolver todos
os problemas da causa só ele a tinha, que só ele entrava na
sarça ardente e via o Eterno face a face.
OS IRMÃOS REBOUÇAS - OS VELHOS
Antônio Pereira Rebouças (1798-1880) era conhecido
como “Rebouças, o velho” por ser o pai do conhecido e ilustre
André Rebouças.
O velho Rebouças, baiano de Maragogipe, filho do
alfaiate português Gaspar Pereira Rebouças com uma liberta
(ex-escrava), autodidata em Direito. Em 1846, por notório
saber, a Câmara dos Deputados concedeu-lhe licença para
advogar em todo o País.
Aos 16 anos, Antônio Pereira Rebouças muda-se para
Salvador e consegue emprego como assistente de escrevente
em cartório e passou a estudar, sozinho, política, leis e
jurisprudência.
Em 1821, foi concedida, pelo Tribunal do Desembargo
do Paço, permissão para advogar, uns dos poucos advogados
negros a ocupar um alto posto hierárquico e político na época
do Brasil Imperial, tendo se tornado conselheiro de D. Pedro II.
O irmão de Antônio, José Pereira Rebouças, mestre
em Harmonia e Contraponto pela Universidade de Bolonha,
trabalhou também em cartório, serviu como militar e estudou
piano e violino e música em Paris com ajuda financeira de seu
irmão, Antônio Rebouças.
Manoel Maurício Rebouças, o outro irmão, médico,
também foi militar. Em 1824, foi para Paris com ajuda de
Antônio e formou-se em medicina. Ocupou por 25 anos a
cadeira de Botânica e Zoologia da Escola de Medicina de
Salvador.
E ainda tem o Manoel Pereira, foi o único dos irmãos
que permaneceu como assistente de escrevente.
ZUMBI DOS PALMARES

74
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Eu, na cozinha/escritório, assistindo reprise34 do


Programa Roda Viva da TV Cultura, Darcy Ribeiro lançava dois
novos livros: “O povo brasileiro” e “O Brasil como problema”.
Entra o Nemo, e pergunto:
- Sabe quem é esse?
- Não.
- É o Darcy Ribeiro.
- Maior mentiroso.
Nemo e sua implicância natural com personagem
histórico:
– Mãe, sabe a verdadeira história do Zumbi? Uns
dizem que ele nunca existiu, que é um mito.
- Geralmente os mitos são construídos. Percebi o
interesse, pois sentou e ficou fixo olhando para minha cara. E
continuei:
- O ser humano precisa ter uma outra referência da
mesma espécie, temos como exemplo a construção de Jesus
Cristo como filho de Deus, Tiradentes para exaltar a República,
Zumbi para exaltar a luta negra.
- Para com isso. Nemo parecia irritado, e completou: -
já falei que essa história do Zumbi é mentira. Ele sequestrava
mulheres, tinha escravo, executava os que fugiam do
quilombo.
- Colocaram o Zumbi como símbolo da resistência dos
afrodescendentes no Brasil. E a escravidão era algo comum na
época, inclusive entre os negros.
História oficial sobre Zumbi dos Palmares, nascido em 1655,
comanda o quilombo após a morte do antigo líder, Ganga
Zumba. Durante a sua liderança, Palmares enfrentou

34
Negro-Nemo faz isso comigo, me joga para o passado em busca de mais
informações. Assisto ao programa Roda Viva pela implicância dele com Darcy
Ribeiro e me deito na intelectualidade daquele homem, uma metralhadora
do saber. Em 1991, Darcy fala na entrevista sobre a opressão dos
muçulmanos e Saddam Hussein como um Santo Guerreiro e compara-o
como a representação de São Jorge, para o povo brasileiro. E fala de muitas
das problemáticas da política brasileira que perpetuam até os dias atuais. E
caio na risada com a rivalidade de Darcy com o Estado de São Paulo.
75
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

diversas batalhas para defender o território e a liberdade


dos negros no quilombo. Em 1694 o Quilombo dos Palmares
foi destruído pelo governo durante uma expedição
comandada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho. Na
resistência foi capturado e assassinado e decapitado em 20
de novembro de 1695.
- Inventam um mito e todo mundo aceita, replicou
Nemo indignado.
- Os mitos também podem ser desconstruídos, tudo de
acordo com a política da época e local. Se ninguém quer mais
o Zumbi como representante cria-se outro. Não tem o
movimento do André Rebouças?
- A senhora estuda história e não sabe de nada.
Referente ao apontamento de Nemo com os escravos
de Zumbi, farei analogia com o contemporâneo: costumes que
com a rejeição sociedade tomaram ilícito pela legislação.
O homem bater em mulher, abandono de idoso, os
pais espancarem seus filhos. Um exemplo de cativo, há uns 40
anos, as famílias da cidade grande pegarem meninas do
interior, com idade de 10 a 15 anos, para ajudarem nos
afazeres de casa e com as crianças, em troca de estudo e
moradia. Antes não havia denuncia, e uma família achava que
estava ajudando e não explorando.
E recentemente as empregadas domésticas tiveram
direitos a carteira assinada, como o último resquício da
escravidão no Brasil.
Mesmo assim, os fiscais do trabalho ainda combatem
explorações e privações dos empregados domésticos e rurais.
Os costumes com a distância do tempo, o normal e sem
questionamento por um período, com a consciência dos
direitos civis e sociais se tornam crimes.
- Querido, sou fruto da ideologia do Ministro Jarbas
Passarinho, na junção História, Geografia e OSPB35, resumindo,
os Estudos Sociais.
- Tá falando de que.

35
OSPB – Organização Social e Política Brasileira
76
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Eu tenho você agora para me estimular, pois a minha


deficiência é antiga e sabe como sou lenta.
Nemo quer que eu fique indignada, mas não tenho o
porquê, entendo a criação de referência.
Comecei a falar sobre os santos católicos, como uma
comparação de criação de mito:
- Alguns homens de boa prática dentro da religião, mas
muitos combateram a descrença com a sentença de morte.
Nenhum teve sua vida 100% virtuosa ou imaculada, e sim,
projetam-se na gestão publicitária de sua imagem pessoal
idealizada pelo Episcopado católico.
Nemo balançava a cabeça com gesto de negação,
então, retornei o tema para o Zumbi.
- A representação do monumento na Praça Onze, só a
cabeça, porque o Zumbi foi decapitado e a sua cabeça foi
exposta em uma praça de Recife.

Monumento do Zumbi36 – Praça Onze – RJ Evento cívico em 2007,


produzido pela Néia Daniel, assessora da Secretaria de Estado de Cultura

Néia, Nemo implica com os mortos, com o


comunismo… e ela conta sobre o evento:

36 Acessado em fevereiro 2021 Rio Zumbi 2007.


https://www.youtube.com/watch?v=i-AiW6lBjjo

77
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Durante esse evento de Zumbi, o grupo chegou e me


pediu se podia protestar. É claro que eu deixei, afinal, o evento
era para o povo. No vídeo, tem um outro grupo formado por
alunos de um pré-vestibular para carentes. A frente vem um
rapaz vestido de marinheiro em homenagem a João Cândido e
todos eles saíram do evento, direto para o HEMORIO para
doarem sangue. Uma outra foto que você colocou é a abertura
do evento com um ato inter-religioso com a presença de pais
de santo, ciganos, pastor evangélico, messiânicos, católicos...
Cada um proferindo a sua fé, em união. Foi muito lindo!
E Nemo começa a falar de Darcy Ribeiro e comenta:
- Ele que veio com essa história de Zumbi37.

Para representar o mártir do Quilombo de Palmares, Darcy


Ribeiro não delegou a um pesquisador a missão impossível
de descobrir a verdadeira fisionomia do guerreiro nem
instituiu um concurso para seleção da melhor proposta de
sua imagem ideal. Embora a placa comemorativa da
inauguração do monumento atribua sua criação ao
arquiteto João Filgueiras Lima, o verdadeiro mentor da obra
foi o vice‐governador, que decidiu configurar o herói
segundo uma imagem já existente. A iconografia de Zumbi
não proveio de Alagoas, estado no qual estão localizados os
remanescentes do Quilombo de Palmares, ou de outra
parte do Brasil. Darcy Ribeiro se apropriou da forma de uma
escultura pertencente ao acervo do Museu Britânico,
deslocou‐a para outro continente, mandou ampliá‐la de 36
centímetros para três metros, fundiu‐a em 800 quilos de
bronze e a instalou numa das principais vias públicas da
cidade do Rio de Janeiro (CANDURA, 2007, p.14).

Dei uma gargalhada tão alta! Fico pensando, de onde


ele tira essas leituras dinâmicas? mantive o diálogo:
- Tenho uma piadinha para essa sua indignação: Dois
historiadores conversando, um vira e pergunta para o outro,

37
Praticamente todos os dados sobre Zumbi são especulações e/ou inventadas.
78
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

“Você não está preocupado com o futuro?”. O outro, “Não, me


preocupo com o passado que está sempre mudando”.
Fingi que não vi a cara brava e continuei:
- Eu lembro do dia da inauguração do monumento do
Zumbi dos Palmares erigido na Praça Onze, próximo ao
Sambódromo, em 1986.
Essa questão sobre o Zumbi é citada pelo jornalista
Leandro Narloch, conhecido como caçador de mito histórico,
ele é polêmico. Cada nova publicação em seu blog causa furor
nas redes sociais, também é criador de uma das séries mais
bem-sucedidas do mercado editorial brasileiro “Guia
Politicamente Incorreto da História do Brasil”. Provavelmente,
essa deve ser umas das fontes do Nemo na sua implicância
histórica.
Falando e rindo da fisionomia pesada de Nemo,
continuei a contar minhas lembranças:
- Por ser desconhecida a aparência de Zumbi, eu
lembro da polêmica em que Darcy Ribeiro se meteu para
representar a verdadeira fisionomia do guerreiro na cabeça de
bronze. E completei:
- Mas você quer ser antropólogo, é a mesma profissão
de Darcy.
Com um tom de reprovação, ele respondeu:
- Só que irei fazer o certo, não ficarei inventando nada.
Levantei, passei a mão em sua cabeça, e fui para meu
curso.
Em um ano morando em Portugal, Nemo já se
comunica em francês e inglês, se impos como negro, a música
estilo rap dividiu espaço com debates políticos, curiosidades
históricas.
Conseguiu trabalho aos finais de semana ganhando
vinte cinco euros ao dia em um restaurante na Ribeira, em
frente ao Rio Douro, ponto turístico de Porto. A maioria da
mão de obra desse estabelecimento era de africanos, pois
pagava menos e trabalhava mais horas, enquanto os outros

79
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

restaurantes pagavam em torno de trinta euros e oito horas


de trabalho.
Acho que foi uma boa experiência para o Nemo,
trabalhar nas férias e o dinheiro ajudava com as despesas da
casa, ao sair do trabalho passava no mercado e trazia seus
doces, pão e refrigerante.
Chegava em casa e reclamava da exploração
influenciados pelos companheiros de trabalho, o discurso
altivo dele me fazia rir, a certeza de tudo, as atitudes do Nemo
comigo é o “espelho”, a fruta não cai longe do pé.
Ele entendeu que existia algo a mais, meu filho não é
minha propriedade, mas muitas vezes eu agia como se fosse,
mas também estou aqui para evoluir com meus pensamentos
e atitudes. Hoje, o filho ensina a mãe.
Tenho a convicção que quebrei um pouco sua infância
com as responsabilidades que não cabiam a uma criança, mas
não tinha opção, e o resultado está sendo favorável:
responsabilidade, honestidade, conhecimento e
autossustento.
Nas minhas andanças em Porto conheci o africano
Abdu Abejide, não tenho certeza se está correto o nome,
estava com um ar cansado, aparentava uns 45 anos, chegara
de São Tomé naquele dia, trabalha para uma ONG com projeto
de bolsa de estudo para jovens africanos. Lembro bem de suas
palavras: “Quero que esses jovens ao chegarem em Portugal
não se sintam inferiorizados, quero que tenham dignidade,
tenham bom lugar para morar e boas condições para se
dedicar aos estudos”.

NELSON MANDELA
- Mãe, o que a senhora acha de Nelson Mandela?
Não adianta, com o Nemo é assim, gosta de me
cutucar, acho que espera me pegar desprevenida:
- Sou fã dele, eu respondi e completei, - primeiro líder
negro sul-africano, foi importante para seu país. Apaziguou as
80
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

tensões raciais, teve um papel decisivo. Lembra que te falei


que tem monumentos dele por toda a parte?
Estava me referindo à viagem que fizera à terra de
Mandela.
Nemo anuiu, sinalizando que lembrava e retrucou:
- Nelson Mandela foi o primeiro presidente negro da
África do Sul, mas matou diversos “irmãos”, tinha minas de
diamante, foi o responsável por numerosos atentados
violentos. Não foi nenhum bonzinho.
Com ar de espanto e sabendo das provocações de
Nemo, fico a pensar, de onde ele tira esses comentários? Mas
mantive a conversa:
- Sabia que ele foi lutador de boxe?
Demonstrando um raciocínio rápido, ele retrucou:
- Sabia que foi guerrilheiro? Viajava para outros países
da África aprendendo técnicas de guerrilhas e treinamento
armado?
- De guerrilheiro ao líder de um país, que precisava de
um líder negro.
Ele demonstrou um olhar curioso. Eu continuei:
- Quem é bonzinho nesse mundo? Eu nem acredito
que o velhinho de cabelos grisalhos carismático e sorridente
era guerrilheiro.
- Ah! Nem sei por que converso com você. Fica de
bobeira. Ele foi preso como uns dos homens mais perigosos da
história da África do Sul.
- E ganhou o Nobel da Paz de 1993.
- Então a senhora acha certo ele ser um mito? Mas na
realidade “o cara” foi um sacana.
- Precisa entender a mudança e o contexto social. E a
guerra que foi travada.
- Mas não justifica ele ir contra os irmãos.
- Verdade… Respondi pensando, sem saber o que falar
para o Nemo, que estava com um olhar de cobrança sobre
meu posicionamento e justificativa para os atos bárbaros de

81
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Mandela. Comecei a contar a minha recordação sobre o


Mandela:
- Lembro da reportagem quando ele ganhou a
Medalha da Liberdade38, do presidente dos EUA, Bill Clinton.
- Esse outro mulherengo. Tá me enrolando...
Dei uma risada, que concordava com o pensamento
dele, mas não me abalei, continuei meu argumento:
- A história é um campo da irracionalidade, construída
por pessoas comuns, que erram e acertam. Dependendo da
ideologia aplicada e a propaganda necessária da época, é
construído o personagem ao longo do tempo.
- Mas a senhora acha isso certo? O Mandela enaltecido
no mundo como um homem que dedicou toda a sua vida à paz
não é o mesmo homem, que no final dos anos cinquenta,
defendia acirradamente a luta armada a fim de conduzir a
África à via marxista.
- Não é certo, mas ele passou vinte sete anos preso,
pagou sua dívida com a sociedade.
- Que horror! Nemo falou e balançava a cabeça,
indignado com minha fala.
- Mandela simbolizou para os negros sul-africanos,
depois do regime do apartheid, uma autoestima da nação e o
país teve uma nova visibilidade mundial. Eu expliquei.
Nemo levantou e saiu, sem comentar.
Nelson Mandela tornou-se um ícone global e a África
do Sul um país de esperança.
Embora tenha estado preso, a sua visão do mundo
foi além das quatro paredes onde se encontrava, o
que é uma lição para todos nós que, de uma forma
ou de outra, vivemos também presos: na prisão da
pobreza, na prisão da desigualdade. (Sello Hatang,
diretor executivo da Fundação Nelson Mandela da
África do Sul)

38 Medalha Presidencial da Liberdade - é concedida pelo Presidente dos Estados


Unidos "por contribuições especialmente meritórias à segurança ou interesse nacional
dos Estados Unidos ou à paz mundial ou a empreendimentos culturais ou outros
interesses públicos ou privados"
82
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

A autoestima, para o negro, é muito importante, no


início da adolescência o interesse cultural do Nemo não me
agradava. E não havia ninguém por perto, que eu saiba, para
influenciá-lo dessa forma, seu estilo musical rap de apologia à
violência; as conversas sempre com curiosidade sobre armas e
comunidades, vídeos com agressividade cultural.
Estava difícil desconstruir esses apreços, aparentava
autoestima baixa, não se achava bonito, talvez pelo meio que
vivia com poucas referências negras, sua fisionomia era dura,
levei- o ao psicólogo, mas nada mudou. Não entendia só pelo
olhar periférico.
Nemo retornou, ganhei um golpe de braço, putz! e
sentou:
- Eu não entendo como os brancos detinham poder
perante imensa maioria negra. Comenta Nemo.
- Na época eu também me questionava. Acho que
todos. A conversa tomou um bom tom, pois, nem sempre é
assim, parecia uma aula e continuei a falar:
- Armas, poder econômico, adoção de uma visão
equivocada da biologia humana, expressa pelo conceito de
“raça”, destituição material e cultural, ser levado à pobreza,
mas nada é instalado de uma hora para outra. A coisa é
construída devagar e com estratégia. Um dia aprovou uma lei,
depois instalou um costume, outro mês aprovou uma lei que
substitui outra retirando direitos, depois de uns anos o cenário
está mudado. E as pessoas nem perceberam.
E completei:
- Regimes totalitários são assim, como o fascismo,
nazismo, comunismo.
- Caraca! Fala de uma coisa e já puxa outro assunto.
E continua com sua implicância com Mandela:
- Fala aí, o que Mandela fez de bom justifica o que fez
de ruim?
Essa pressão de querer uma posição minha é
constante, ele me acha pacífica.

83
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Acho que primeiro precisa entender o que foi o


apartheid, para entender a luta de Mandela. Nenhum lado é
santo nessa história.
Torceu o bico, mudou de assunto, começamos a falar
de finanças e contas a pagar, bebeu algo da geladeira e, disse
que depois continuava a conversa. Que bom!
Nelson Rolihlahla Dalibhunga Mandela (1918-2013),
seu pai era chefe da tribo Thembu, do povo xhosa. Nelson
Mandela começou a estudar Direito na universidade para
negros de Fort Hare, mas foi expulso por liderar uma greve
estudantil. Em Joanesburgo, estagiou num escritório de
advocacia e fez o curso de Direito por correspondência. Em
1942, graduou-se pela Universidade de Pretória.
Em 1952, Mandela abriu o primeiro escritório de
advocacia para negros de Joanesburgo, uma ousadia
tremenda, num país em que o regime diminuía, a cada dia, os
direitos da população de cor. A situação política interna
escalou de tal maneira que, em 1960, a polícia abriu fogo
contra os que participavam de uma grande manifestação em
Shaperville. Saldo da violência: 69 mortos e centenas de
feridos. O governo decretou estado de exceção e mandou
prender vários militantes, entre os quais, Nelson Mandela.
Na minha visita à África do Sul, no bairro Soweto em
Joanesburgo, um marco de luta contra o Apartheid na história,
eu dei de cara com a miséria, o racismo, e a continuidade da
luta pela África esperançosa.
Fiz algumas leituras sobre a vida de Mandela há uns
meses para escrever sobre as minhas viagens, e nas pesquisas
não tive o olhar semelhante ao do negro-Nemo. O lado
sombrio de Mandela realmente existiu. Ele foi considerado um
terrorista devido seu modo operacional e agressivo contra
civis inocentes, assassinato de negros não alinhados à sua
causa, incêndios, coerção e tortura. Lembrando que terrorista
é uma classificação dada pelo inimigo.
Envolvido politicamente com o partido CNA -
Congresso Nacional Africano, o qual foi classificado como

84
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

grupo terrorista por diversas agências de inteligência pelo


mundo, inclusive Estados Unidos. Os membros do partido
instalaram minas terrestres, destruíram casas de negros não
filiados ao partido; também foram alvo do poder de destruição
ônibus, escolas, templos, carros e estabelecimento comerciais.
O ex-presidente da África do Sul fazia parte de uma das
alas mais radicais de resistência dentro do CNA e, junto com
outros colegas, foram detidos e sentenciados. Mandela foi
preso em 1962, e em 1964 foi condenado à prisão perpétua.
Em fevereiro de 1990, o chefe de governo Frederik Willem de
Klerk cancelou a interdição do ANC, revogou algumas leis
racistas e libertou os presos políticos.
A justificativa desses atos era combater o apartheid,
iniciado em 1910, com uma política de discriminação salarial
que decretava a obrigatoriedade de salário maior para os
brancos.
A partir de 1948, os negros e as outras etnias não
descendentes de europeus perderam o direito ao voto. Nesse
momento o regime de segregação apartheid é oficialmente
adotado na África do Sul.
Com uma política arrochada, os negros foram
proibidos de adquirir terras na maior parte do país, obrigando
a viver em zonas residenciais segregadas, casamentos e
relações sexuais somente entre pessoas de mesmas etnias.
Havia os veículos de transporte para brancos e para negros,
assim como nos pontos de ônibus, nas praças, nos parques e
nas praias, nas bibliotecas, nos restaurantes e nos bares. Todas
essas regras faziam parte da legislação proposta pelo Estado.
O marco do fim do apartheid foi em 1994, quando
Nelson Mandela ascendeu ao cargo de Presidente da África do
Sul. Apesar de muitas questões terem sido resolvidas, os
desafios políticos e econômicos continuam, a insatisfação da
população pelo contexto socioeconômico ainda é grave no
país, pela corrupção, desigualdade social e racismo.
Mandela tinha um sonho muito romântico de uma nação
onde todos são iguais, onde as pessoas têm acesso aos seus
direitos básicos, econômicos, sociais e culturais. Mas a
85
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

África do Sul é um país onde a qualidade de vida não


melhorou para a maioria da população em 25 anos, com
questões como racismo ainda em primeiro plano. (Shenilla
Mohamed, diretora executiva da Amnistia Internacional na
África do Sul).

Representantes negros COM ELAS

Ser mulher… As pessoas não nos conhecem, não


sabem nossos nomes, deduzem a nossa origem e nos
discriminam. Isso ocorre em diversos meios sociais,
independente do país, algumas mais e outras menos. Eu
enfrento os preconceitos de raça, religião, gênero, nos últimos
anos, xenofobia também. Tô firme!
As mulheres negras, por circunstâncias que ignoramos
(que pode ser uma historiografia “racista”, uma maior
acomodação da mulher escravizada etc.,
não sabemos) – foram célebres nas mais
variada áreas. Exemplo dos penteados, as
escravas reuniam-se nos pátios para
pentear seus cabelos, através das tranças
era possível identificar seu estado civil. Ao
trançar seus cabelos e das crianças
desenhavam mapas - caminhos de rota de fuga, esconder
sementes e outros fins.
O apagamento das mulheres na história se ascende
com o resgate:
• TIA CIATA (1854-1924), Hilária Batista de Almeida, baiana,
nasceu no mesmo ano, que é aprovada a Lei Nabuco de
Araújo que complementava a lei de 1850, prevendo
sanções para as autoridades que encobrissem o
contrabando de escravos.
• Cozinheira e mãe de santo ficou conhecida por ceder o
quintal para a reunião de diversos artistas que deram
origem ao samba, tornando-se um dos maiores nomes da
cultura brasileira do início do século XX.
86
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

• DONA IVONE LARA (1922-2018), passou pelo Serviço


Social, Enfermagem e pelo Samba, cantora e primeira
mulher a compor um enredo de escola de samba: Os Cinco
Bailes Tradicionais da História do Rio, em 1965, para a
Império Serrano.
• ÂNGELA DAVIS nascida em 1944, professora, filósofa
socialista estadunidense, e ativista que luta contra a
segregação racial nos EUA.
• CAROLINA MARIA DE JESUS (1914-1977), catadora de
papel, compositora, poetisa brasileira, e escritora -
escreveu sobre seu dia a dia em um diário. Receberá post
mortem o título de Doutora Honoris Causa pela UFRJ.
• TEREZA DE BENGUELA, viveu no século XVII, líder do
Quilombo Quariterê.
• RUTH DE SOUZA (1921-2019), primeira atriz negra a atuar
no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com a peça
Imperador, em 1945.
• JANAINA DE OLIVEIRA Doutora em história. Desde 2009,
realiza pesquisas centradas nas cinematografias negras e
africanas. Fundadora e coordenadora do Fórum Itinerante
do Cinema Negro (FICINE).
Conversando com a empresária,
educadora e palestrante, advogada,
EVELINE SOUZA39 funcionária pública da
prefeitura do Rio de Janeiro por 32 anos,
foi mãe aos 40 anos. Ela também está
escrevendo suas memórias, mas conta um
pouquinho de sua caminhada.

Acessado em março de 2021


https://gcn.net.br/noticias/417558/franca/2021/03/documentario-narra-a-historia-de-vida-e-
luta-de-mulheres-pretas-de-franca.
87
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

A menina que quando nasceu cabia em uma caixa de


sapato, Eveline é filha do Sebastião e Maria, um elo familiar
por gerações, fotos de nossas famílias no sítio do seus pais, nos
anos 70 e 80.

Eveline comenta:
A Lucy, sua mãe, era exemplo para mim e para minha
mãe por ser independente, altiva, sempre alegre, ela tinha o
dinheiro dela, fazia excursões nos anos 80, viajava Paraguai.
Eu comecei a viajar por causa dela. É uma honra falar dos
ancestrais.
Quando alguém vai me entrevistar, por participar de
diversos grupos de mulheres em Franca, interior de São Paulo,
eu sempre começo minha fala dizendo que, “sou preta, me
reconheço com preta, mas graças a educação que tive dos
meus pais, nunca fui favelada e pobre, não falo com
desmerecimento, é que as pessoas tendem a generalizar”.
A gente sofre preconceito, sim, até hoje, nossos pais
também sofreram. Fico “pê” da vida, desse povo trazer a
escravidão para agora, sofremos é o reflexo, mas os tempos
são outros.
Nossos pais foram uns pretos de destaque, sempre
tiveram carrão, meu pai trocava de carro de dois em dois anos,
o seu também.
Em 1977, eu tive um festão de 15 anos, fomos supridas
nas necessidades básicas e muito mais.
Estudei em colégio de madre, Instituto Jesus
Eucarístico, meu pai comprou um piano, eu tinha 03 anos de
idade, eu comecei a praticar porque tinha aula de piano na
escola, só que a professora batia.

88
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Parei de estudar piano aos 09 anos, só sei até a


primeira audição, mas minha irmã, Elaine, estuda música até
os dias de hoje, estudou no Conservatório de Música Villa
Lobos. E ainda temos nossos pianos.
Eu nem sabia dessa admiração dela pela minha mãe.
Muito bacana!
CARLA AKOTIRENE - Carla Adriana da Silva Santos,
nascida em 1980, filha de Tânia Maria Rodrigues da Silva e
Carlos Antônio Santos, baiana, militante do feminismo negro,
Digital influencer, professora, assistente social formada pela
Universidade da Bahia, doutora em estudo de gênero,
colunista da Vogue.
Akotirene encontrou no movimento negro e no
movimento de mulheres negras, a oportunidade de construir
e externar toda a sua potencialidade. Aos 24 anos teve seu
despertar para sua caminhada de militância, com sua
participação no Projeto Mentes e Portas Abertas no Instituto
Steve Biko.
Carla herdou o nome Akotirene da sacerdotisa que
prestou assistência aos quilombolas no período de luta
abolicionista no Brasil, nome pertencente a quem se
compromete a enfrentar violências a partir da assistência
intelectual e espiritual às mulheres.
Suas obras literárias “Interseccionalidade (Feminismos
Plurais)” e “Ó Pa Í, Prezada!”
Inseri a Carla nessa obra por sua dinâmica na
atualidade, a minha prima, com o mesmo nome e sentimentos
da nossa primeira imperatriz, Teresa Cristina, envia um link da
Akotirene, nunca tinha ouvido falar.
Gente! Que mulher é essa.
A identificação com Carla foi de imediata, por sua
evolução intelectual, por citar sempre a Lélia Gonzalez como
referência, cai na risada com a morena escura. O que temos
incomum? O curso de patologia clínica e a busca pela melhora
de vida, ela faz em coletivo e eu individual.

89
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

A filha da vendedora ambulante, Tânia Maria, já foi


violentada, maltratada, humilhada e suas experiências foram
os pilares para sua militância, exercer sua afetividade, seus
estudos e suas causas: femininas, movimento negro, luta
antirracismo…
Ela é o impacto jovem, é a mulher negra com bunda
bonita e muito mais, exótica, inteligente, mexe sua
comunidade, e fala e fala e sabe falar.
Na área acadêmica quando queremos discutir ou
palestrar sobre um assunto específicos temos as referências
de professores ou especialistas com autoridades na fala por
dedicação aos estudos de determinados assuntos ou
personagens, exemplos:
Marilena Chauí com as obras de Baruch Espinoza,
Débora Garofalo com aulas de Robótica com Sucatam; Scarlett
Marton fala sobre Friedrich Nietzsche, Djamila Ribeiro sobre
racismo. E Carla Akotirene sobre o Empoderamento Feminino
Negro.
Com todos essas uns escutam e aprendem, ou
conhece o tema e debate, a democracia da fala é feita para
todos terem seu lugar de expressão. E quando nos tiram esse
direito, nos resta lutar para reconquistar.
Um samba de Jorge Aragão para relembrar toda nossa
musicalidade e identidade.
Se preto de alma branca pra você
É o exemplo da dignidade
Não nos ajuda, só nos faz sofrer

Nem resgata nossa identidade


Elevador é quase um templo
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai

Quem cede a vez não quer vitória


Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite

90
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Fato real de nossa história…


LÉLIA GONZALEZ - Lélia de Almeida Gonzalez (1935-
1994) a mineira intelectual, onipresente no ativismo da
igualdade racial, foi pioneira nas discussões sobre relação
entre gênero e raça, ao propor uma visão afro-latino-
americana do feminismo. A abrangência de seu pensamento,
que atravessa filosofia, psicanálise e religiosidade africana.
Aos 08 anos, Lélia deixou a capital mineira, partindo
em direção ao Rio de Janeiro com toda a família, onde
permaneceu até o fim de sua vida, em julho de 1994. Conclui
o Ensino Médio no Colégio Pedro II, graduou-se em História e
Geografia, depois concluiu bacharelado em Filosofia pela
Universidade Estadual da Guanabara, atual UERJ.
Em sua homenagem o Centro Cultural José Bonifácio
chama-se Salão Nobre Lélia Gonzalez. Foi diretora do
Departamento de Antropologia da PUC, professora na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
Gama Filho e autora de diversos livros: Retratos do Brasil
Negro, Por um feminismo afro-latino-americano, Lugar de
Negro, publicado em 1982 (em coautoria com Carlos
Hasenbalg) e Festas Populares no Brasil, lançado em 1987 e
muitos outros.
Participou da fundação do MNU contra a
discriminação Racial que em seu manifesto denunciava a
falácia do mito da democracia racial, reivindicava o fim da
violência e da discriminação sofrida pelos negros
cotidianamente, além de exigir políticas públicas em benefício
da comunidade afro-brasileira.
No Movimento Negro, Lélia chamou atenção para o
sexismo, que muitas vezes impunha ao segmento feminino
contínuos processos de silenciamento. Nas palavras de Lélia,
“os companheiros de movimento reproduzem as práticas
sexistas do patriarcado dominante e tratam de excluir-nos dos
espaços de decisão.
Minha reverência, para Lélia. Ela é excepcional.
Néia Daniel me conta um pouco sobre Lélia e escreve
um poema para ela:
91
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Ela era muito amiga do Hilton Cobra. Nós iríamos


apresentar o espetáculo Nossas Yabás – Clementina de Jesus,
no Teatro Carlos Gomes no dia 19 de julho quando no dia 10
ela faleceu. Cobrinha então me pediu para fazer o texto de
abertura do espetáculo, um texto que não fosse pesado. E ficou
assim.
Havia uma aldeia.
Um dia chegou a essa aldeia uma amazona de torço estampado de
esperança, montada num cavalo negro como nossa ancestralidade.
E ela, como um antigo griot, contava e contava histórias
Histórias de mulheres guerreiras, histórias de núbios,
de civilizações egípcias cor da noite que construíram a base da
humanidade.
Contava histórias de Nani, no centro da América defendendo seu povo...
O que ela queria, todo tempo, era passar para o povo da aldeia o
“entendimento daquilo que eles viam ao seu redor. O tempo todo ela
contava a perspicácia dos caminhos que outras tribos percorreram” 40 .
Ela transmitia CONHECIMENTO.
A ideia de liberdade passada por essa amazona, de torço estampado de
esperança, montada em seu cavalo negro como nossa ancestralidade era
tanta, que várias outras aldeias, tribos, estados pararam para ouvi-la.
E absorviam cada ideia contada por ela.
Um dia, quando a aldeia acordou, percebeu que ela havia partido.
Todos ficaram perplexos, confusos... Como? Quem nos contaria outras
histórias?
A aldeia caiu em desânimo, tamanha era a falta que fazia a amazona de
torço estampado de esperança, montada em seu cavalo negro como nossa
ancestralidade.
De repente, as pessoas se entreolharam e compreenderam que ela
precisava continuar o seu caminho e que caberia a cada um transformar
a semente deixada em substância.
Caberia a cada aldeia, cada tribo, cada estado que bebeu de suas ideias,
difundi-las.

40 Baseado no texto As doze tarefas de Martin Schulman

92
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Grande era essa tarefa, pois caberia a todos eles, a todos nós, tornar os
homens e mulheres conscientes de sua negritude.
Valeu Lélia Gonzalez!

MAKOTA VALDINA - Valdina de Oliveira Pinto (1943-


2019), a Makota Zimewaanga, é filha de Paulo de Oliveira
Pinto, Mestre Paulo, e de Eneclides de Oliveira Pinto, D. Neca,
que foi líder comunitária e primeira referência política da filha.
“Não sou descendente de escravos, sou descendente
de pessoas que foram escravizadas”, palavras de Valdina, na
caminhada de luta para autovalorização da cultura afro no
Brasil.
Makota ficou conhecida como ativista brasileira,
professora da rede municipal de Salvador, militante da
liberdade religiosa, porta-voz das religiões de matriz africana,
bem como dos direitos das mulheres e da população negra, fez
parte do Conselho Estadual de Cultura da Bahia, onde sempre
defendeu a preservação das culturas de matriz africana.
Por seu trabalho educacional na comunidade, foi
convidada pelo Corpo da Paz para lecionar Português nas Ilhas
Virgens a um grupo de estrangeiros que viria ao Brasil – e aqui
começou a desenvolver a noção do valor que suas referências
étnico-culturais têm para fora da comunidade em que vivia.
Valdina integrou a primeira turma do Curso de
Iniciação à Língua Kikongo, ministrado pelo congolês Nlaando
Lando Ntotila no CEAO - Centro de Estudos Afro-Oriental,
marcando uma nova etapa no aprofundamento dos seus
estudos sobre as culturas de origem bantu no Brasil –
sobretudo nos aspectos religiosos. A valorização das
especificidades da nação de candomblé angola-congo, de
matriz bantu, conselheira do ACBANTU - Associação de
Preservação e Defesa do Patrimônio Bantu.
O termo africano da língua congo, makota, que
etimologicamente vem do plural de ricota ou cota, que
significa irmão ou irmã mais velha. Com a rebeldia que se
93
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

assemelha de Malcolm X, não quis mais assinar com o título de


professora, e sim se intitulava irmã de todos. Enquanto, o
Zimewaanga é o nome recebido de origem africana por sua
iniciação religiosa.
Valdina abordou ao longo de sua jornada que nós
somos fornecedores do tema sobre a cultura africana, mas
ficamos para trás, sem expressão acadêmica, falam de nós
para nós.
Recebeu diversas homenagens, como o “Prêmio
Clementina de Jesus”, da UNEGRO - União de Negros pela
Igualdade, o “Troféu Ujaama”, do grupo Cultural Olodum, e a
condecoração como “Mestra Popular do Saber”, pela
Fundação Gregório de Mattos, “Medalha Maria Quitéria”,
honraria da Câmara Municipal de Salvador.
Diz Makota:
Nós estamos por nossa própria conta, nossa crença,
nossa fé, muito folclorizada, isso me incomoda.
Eu aprendi, quando criança, que se falava em navio
negreiro, escravos, como se nossa história começasse a partir
dali. Não! Minha história é milenar, minhas tradições são
milenares, minha ancestralidade é milenar. É por isso que eu
digo que não sou descendente de escravos, sou descendente
de pessoas que foram escravizadas.
WANGARI MAATHAI - Wangari Maathai (1940-2011)
foi a primeira mulher a ingressar como professora associada,
presidente do Departamento de Anatomia Veterinária da
Universidade de Nairóbi, fundou o Mazingira - partido político
ambientalista, participou do Parlamento do Quênia em 2002,
foi ministra do meio ambiente, fundou o GBM -Green Belt
Movement.
A queniana fundadora de um programa aclamado
internacionalmente de replantio de áreas inteiras degradadas
no Quênia, no Leste da África - Movimento Cinturão Verde.
Historicamente, os heróis e ídolos são os homens, porém,

94
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

burlando toda a expectativa, Wangari ganha em 2004, o


Prêmio Nobel da Paz.
Ao vasculhar o site dos laureados, escolhi Wangari
pelo seu legado e sua persistência na luta de melhoria pela sua
gente, também por conseguir desvencilhar o olhar
eurocêntrico da África sendo vista somente como palco de
miséria.
Wangari ganhou uma bolsa de estudos para cursar
mestrado em biologia na Universidade de Pittsburgh, nos
Estados Unidos, assim tornou-se a primeira mulher no Leste e
Centro da África a ter o título de PhD - doutorado em anatomia
veterinária.
Como mulher, ser reconhecida pela sua capacidade
sempre vem com diversas turbulências, Wangari enfrentou
problemas financeiros, despejada por não conseguir pagar o
aluguel, dando a tutela dos filhos para o ex-marido por não
conseguir sustentá-los, sabotada em seu ambiente de trabalho
pelos homens, foi fortemente reprimida pelo presidente do
Quênia, Daniel Toroitich arap Moi, também apanhou de
policiais e foi envolvida em armações políticas…
Em 1977, foi uma resposta a um problema ambiental
crescente nas planícies anteriormente férteis: os rios estavam
secando e as mulheres reclamavam da diminuição de comida,
além da dificuldade de conseguir lenha. Wangari percebeu
uma linha lógica na situação: os rios morriam porque as
árvores que seguravam a erosão do solo eram exploradas
maciçamente pela indústria madeireira.
O GBM pagava às mulheres trabalhadoras rurais um
pequeno salário para elas plantarem árvores, esse movimento
contou com quase um milhão de pessoas e mais de cinquenta
milhões de árvores foram plantadas. Essa ação foi essencial
para o cuidado da água da chuva, que teve a preservação do
solo para plantações de alimentos, o chamado Movimento do
Cinturão Verde.
Com o reconhecimento de seu trabalho, expandiu sua
visão além do Quênia, foram criadas representações em 30

95
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

países, tendo o objetivo de unificar a África na conservação de


suas águas e restauração de suas florestas.
É só mais um conto da negra-vida
Teve uma tarde que chorei muito em Portugal, por
sentir um preconceito xenofóbico, o caso nem era
diretamente comigo, mas doeu.
Aluguei um quarto, no meu
apartamento em Porto, para uma
marroquina, muçulmana, 27 anos. Ela
só falava árabe, nossa comunicação
era feita por aplicativo de tradução ou
por seu namorado, marroquino
também, e falava um pouco português.
Ao comentar sobre minha inquilina, tanto em Portugal
como no Brasil, todos mandavam eu ter cuidado.
Os amigos não tinham contato com marroquinos e
menos ainda com muçulmanos (nem leram nada sobre a
religião), informação só pela mídia. Ninguém sabia o nome da
menina, ou sua idade, nem viu uma foto, poucos sabiam
geograficamente onde se localiza Marrocos, mas expressam,
incessantemente, para eu ter cuidado.
Depois foi com um da Caxemira, a mesma fala.
Esse é o poder do preconceito.
Eu imaginei alguém falando, “Cuidado! Brasileiros e
ainda por cima negros chegando aqui em Portugal”.
Quanto sacrifício para estarmos aqui, quantas
batalhas na mudança de um país. Não é fácil deixar tudo para
trás.

ATRAVESSARAM-NOS PELO OCEANO ATLÂNTICO


A escravidão existe em diversas sociedades e em todos
os tempos, sendo as guerras entre os povos as causas mais
comuns, e também escravo econômico, por dívida. Na
chegada dos europeus no continente africano, a constituição
da sociedade era tribal, então os derrotados das brigas entre

96
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

as tribos poderiam ser escravizados. Não esquecendo que o


conceito de raça é eurocêntrico, inexistente entre os africanos.
Vale lembrar que a escravidão no continente africano
já existia há um milênio quando os europeus chegaram lá:
Os números do tráfico de escravos em território
muçulmano na África são impressionantes. Cerca
de 12 milhões de negros africanos foram
capturados e exportados através do Saara, do Mar
Vermelho e do Oceano Índico entre os séculos VII
e XIX. Ou seja, o mesmo número de cativos
embarcados para a América ao longo de 350 anos.
(Laurentino Gomes. Escravidão – Vol. 1.)
Até a metade do século XVIII, não havia abolicionistas
em nenhum lugar do mundo, mas ecoavam algumas vozes na
crítica sobre o tráfico de pessoas, as perversões e as
crueldades nas relações dos senhores com os seus escravos.
Justificativas não faltam para escravidão.
Para Aristóteles, a escravidão estava no mesmo plano
de qualquer outra relação de subordinação de aspecto
doméstico, os estóicos tinham uma visão diferente, a
escravidão era vista como algo contrário à natureza, mas não
contestavam.
Também temos os sermões do Padre Antônio Vieira
dizendo que os pretos que trabalhavam em engenho
ganhariam o reino de Deus. E São Paulo que ao escrever a
Primeira Epístola aos Coríntios afirmou:
[...]permaneça cada um na condição em que se
encontrava quando foi chamado. Eras escravo
quando foste chamado? Não te preocupes com
isto. Ao contrário, ainda que te pudesses tornar
livre, procura antes tirar proveito da tua condição
de escravo. Pois aquele que era escravo quando
chamado pelo Senhor, é um liberto do Senhor.
(Bíblia, I Coríntios 7,20).
Eu, sentada digitando, sinto a perna pesada na minha
cabeça, e o pé próximo ao meu rosto. Quem faz isso sempre?
– O filho da mãe, né.

97
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Não tem como não reclamar. Eu até penso em parar


para dar atenção, mas estou com pensamento na escrita. E
aquela perna pesada fazendo pressão, enquanto não escuta
um grito não é retirada.
Nemo veio com celular e mostrou alguns personagens
da idade moderna com uma tarja escrito “racistas”.
Anacronismo social, em uma época que a lei permitia
escravidão e não se falava em abolição.
Em 2020, a estátua do Padre Antônio Vieira, em
Lisboa, foi vandalizada. Entender história não é uma simples
leitura, tem complexidade e analise de toda contexto social.
Justiça social não se faz apagando pegadas
históricas, e sim, com novos comportamentos, e as
referências do passado é a bússola para trilhar um novo
caminho.
Depois do meu grito, já mudou de assunto.
- Mãe, sabe de onde nossos ancestrais vieram? Acho
que sou descendente de angolano, tenho quase certeza.
- Não. Nunca dei muita atenção para isso, agora sim,
devido às suas perguntas. Lembro que a minha bisavó,
Diamantina, sentava no chão e contava que ela era filha de
escrava, eu tinha uns seis anos.
- Minha prima falou que temos ascendências de
Guiné-Bissau.
- Tô lendo um livro, “Amílcar Cabral”, sobre a
independência de Guiné-Bissau.
- O Império Mali é daí?
Mudei de assunto, pois não sabia a minha origem, e
aquele peso nas minhas costas me deixou mal-humorada.
Seis meses depois dessa conversa, dei de presente para ele o
exame de DNA de ancestralidade e o resultado foi
surpreendente para nós dois: 49,5% Nigeriano - 29,7%
Queniano - 2,9% Centro-africano - 1,8% Serra-leoa e 4,6%
Báltico
Ele saiu da cozinha e voltou, então sei que quer um
bate-papo, então perguntei:

98
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Já ouviu falar que os pretos escravizavam os pretos?


Quando as pessoas comentam isso, geralmente não entendem
o pensamento e costumes da época.
Com a concessão dos reis tribais, os prisioneiros de
guerras das tribos africanas começaram a ser comercializados
(escambo de mercadorias - armas, munições, fumo,
aguardente ...) com os europeus no litoral da África Ocidental.
O lucro e a cobiça dos europeus mudaram com o
passar dos tempos, ao chegarem para receber a mercadoria
humana começaram a levar os vendedores, depois, com
poderio bélico, invadiam tribos e levaram todos.
- Mal comparando, é como uma briga de gangue,
ninguém deixa de matar o outro por causa da cor. – comentou
o Nemo.
- Uma vez, teve um assalto no ônibus, o ladrão não
levou minha bolsa por eu ser negra, mas pegou de todos os
outros passageiros. Devem ter pensado que era meu
conhecido.
-E a senhora conhecia?
- Eu não!
- Como a senhora sabe que não levou por ser negra?
- Ele falou “é da cor, guarda aí”. Éramos
aproximadamente oito passageiros, no máximo.
Durante esse bate papo, Nemo começa se deslocar
pela casa e pega o notebook e me chama: - Mãe, senta aqui,
para eu te mostrar uma reprodução.
O vídeo era sobre o tráfico de escravos para o Rio de
Janeiro. Eu perguntei:
- Sabe quando isso tudo começou?
- O quê? a carne preta distribuída nas Américas e na
Europa?
Esse termo que Nemo usou é pesado, mas é assim que
éramos tratados, mercadoria, ele respondeu:

99
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Foi no período colonial, com a necessidade de mão


de obra para o trabalho, os senhores de engenho começaram
a comprar escravos vindos da África.

IMAGEM 1 de Yan Marcelo - o atual navio negreiro, ônibus no Rio de Janeiro


na pandemia covid-19. A necessidade do trabalhador nos transportes
públicos, com a impossibilidade de cumprir a exigência sanitária do
distanciamento social para evitar contaminação.
IMAGEM 2 - Os primeiros registros de Africanos sendo resgatados de um
navio negreiro pela Marinha Real Britânica. Imagem cortesia dos Arquivos
Nacionais Britânicos, Serviço de Arquivos Públicos, Londres.
Enquanto ele colocava o vídeo, fiquei pensando no
tema, Portugal comercializou os seres humanos em larga
escala, através do transporte marítimo e concentração, como
jamais realizado. Comércio de escravos tutelado pelo Estado e
omissão da santíssima Igreja Católica41.
Nemo fala, “presta atenção, já começou”
Assistimos ao vídeo de seis minutos de duração, uma
animação, que conta a quantidade de navios chegando da
África no porto do Rio de Janeiro, uma viagem durava em

41
Revisão histórica do Professor, Paulo Cruz:
A Igreja nunca tutelou oficialmente a escravidão, e a tese do negro não ter alma
também á absolutamente espúria, pois há santos africanos canonizados ainda no
século XVI, como Santo Elesbão e Santa Ifigênia. Essa tese foi criada com o tempo,
por senhores de escravos, para legitimar a escravidão. Explico, com uma quantidade
razoável de detalhes, a relação entre a Igreja e a Escravidão no artigo abaixo:
https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/paulo-cruz/a-igreja-catolica-e-a-
escravidao-fatos-e-mistificacoes/
100
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

média de cinquenta a sessenta dias, um navio comportava de


trezentos a quinhentos africanos.
Em 259 anos, mais de 136 mil escravos haviam morrido apenas no trajeto da
África para o Rio de Janeiro.
O ano de 1597 marca o primeiro registro de desembarque de escravos nos
portos Rio de Janeiro, 334 escravos foram trazidos da África Centro-
ocidental e Ilha de Santa Helena em um navio negreiro e 47 morreram no
percurso.
Na década seguinte dois navios chegaram com 436 escravos que
embarcaram trazidos da África Centro-ocidental e Ilha de Santa Helena, 88
morreram antes de chegar ao Brasil, a cada 5 escravos 1 morre antes de
chegar ao Brasil.
Entre 1660 a 1669 apenas um novo navio negreiro chegou ao RJ com 382
escravos, trazidos da África Centro-ocidental e ilha de Santa Helena e 51
morreram no caminho. De 1680 a 1689 saindo de Angola, chegaram ao RJ
dois navios negreiros com 504 escravos, 65 não resistiram a travessia.
A partir de 1690 a 1699, o tráfico se intensifica chegam 10 navios negreiros
no porto do Rio com 2133 escravos embarcados na Angola, 208 morreram.
Na década seguinte 15 navios com 3780 pessoas escravizadas de origem
angolana, 473 morreram.
De 1710 a 1719, o número de mortes dá um salto para mais de mil, nessa
década 26 navios com bandeira de Portugal: 8745 ser humanos escravizados
da Costa da Mina e Angola.
De 1720 a 1729, chegaram 111 navios com bandeiras de Portugal e França:
35513 homens escravizados, com 4217 morreram no percurso, origem das
embarcações: Centro-Ocidental, Costa da Mina, Benim, Gana, São Tomé,
Angola e Santa Helena.
De 1730 a 1739 foram 55 navios com bandeiras de Portugal: 21385 escravos
com embarque em Costa da Mina e Angola, 2586 morreram no percurso.
De 1740 a 1749 foram 142 navios com bandeiras de Portugal: 56377
escravos de origem da Cabo Verde e Angola, 6936 mortos.
De 1750 a 1759 foram 51 navios com bandeira de Portugal: 16460 escravos
com embarque em Costa da Mina, Angola e Moçambique, com 1604 mortos
antes de chegar ao porto do Rio.
De 1760 a 1769 foram 117 navios aportaram no Rio de Janeiro com
bandeiras de Portugal e Espanha: 38271 escravos com embarque Costa da
Mina, Moçambique, Angola, Benim e Nigéria, morreram 3379 no percurso.
De 1770 a 1779 foram 67 navios negreiros com bandeiras de Portugal: 18362
escravos embarcados na Costa da Mina, Nigéria e Angola, 1640 mortos.
De 1780 a 1789 foram 92 navios com bandeiras de Portugal: 30830 escravos
embarcados na Angola, 2586 mortos
De 1790 a 1799 marca o início de uma curva ascendente da chegada de
escravos no Brasil foram 227 navios com bandeiras de Portugal e Estados

101
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Unidos: 91144 escravos embarcados na Benin, Moçambique e Angola, 7549


mortos
De 1800 a 1809 foi pior, com 292 navios com bandeiras de Portugal: 142604
escravos embarcados em Costa da Mina, São Tomé, Angola e Moçambique,
com 13846 mortos.
De 1810 a 1819 aumenta
novamente o número de
navios negreiros no porto do O resquício da escravidão
Rio de janeiro foram 554 navios e o molho de tomate:
com bandeiras de Portugal e
Espanha: 246081 escravos O açúcar no condimento
embarcados em Benim, disfarça a acidez, mas não
Camarões, Costa da Mina, o elimina.
Gana, Nigéria, Congo, São
Tomé, Angola, Moçambique e
Madagascar, com 22036 mortos.
De 1820 a 1829 o aumento foi pior com 785 navios negreiros com bandeiras
de Portugal, França e Brasil: 351561 escravos embarcados em Benim,
Camarões, Costa da Mina, Gana, Nigéria, Congo, São Tomé, Serra Leoa,
Angola, Moçambique e Madagascar, com 31648 mortos.
De 1830 a 1839 foram 367 navios com bandeiras de Portugal, Estados
Unidos, Espanha, Uruguai e Brasil: 161312 escravos embarcados em Cabo
Verde, Centro-Ocidental, Congo, Gabão, São Tomé, Angola e Moçambique,
com 16334 mortos.
De 1840 a 1849 foram 328 navios com bandeiras de Portugal, Estados
Unidos, Dinamarca, França, Hanseática e Brasil: 154393 escravos
embarcados em Benim, Centro-Ocidental, Serra Leoa, Gabão, Nigéria,
Congo, Santa Helena, Angola, Moçambique, com 17321 mortos.
De 1850 a 1859 na última década que se registrou o tráfico de escravos para
o Rio de Janeiro registrou a chegada de 34 navios com bandeiras de Portugal,
Estados Unidos, França e Brasil: 19672 escravos embarcados em Nigéria,
Congo, Angola e Moçambique, com 2743 mortos.” (Agência Pública -
jornalismo investigativo, inovador e independente.)
O que achou? perguntou Nemo.
- Chocante. E com lágrimas nos olhos, complemento:
- E passou. Nossa luta agora é outra, é contra o Eco da
escravidão.
Sem palavras, levantei e Nemo ficou me olhando, sem
perguntar mais nada.
ESTADO E “LEIS PARA INGLÊS VER”
A pessoa escravizada, não-humanização, considerada
como propriedade privada, no código comercial colocava-os
102
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

como “semovente”, categoria de coisas que se movem,


classificação contábil até os dias atuais para os cavalos e os
cães da polícia militar.
A partir do século XIX, passaram a usar a teoria do
darwinismo social, os mais fortes sobrevivem (SOMOS NÓS),
acreditavam na premissa da existência de sociedades
superiores às outras. E por essa turma obter as “condições
adequadas” criada e justificada por eles, como questões físicas
e intelectuais, baseadas nas guerras vencidas e nas suas
governanças.
Diário42 de bordo de Charles Darwin (1809-1882)
"Jamais voltaria ao Brasil"
Encantado com a natureza e indignado com a corrupção. Ele
fica particularmente chocado ao ver um capataz ameaçar separar
uma família como forma de punição. Ele escreve que além do uso da
força, é um dos castigos mais cruéis. E diz que jamais voltaria a um
país em que houvesse escravidão.
Não bastassem os maus-tratos aos escravos, Darwin
também se escandalizou com a corrupção. No dia 3 de julho de 1832,
chegou a rotular os brasileiros de "ignorantes", "covardes" e
"indolentes".

Quando entendemos a manipulação, nos libertamos


em pensamento, é desse esclarecimento que Nemo fala. As
ciências Humanas como Sociologia, História, Antropologia,
Filosofia … nos ajudam a livrarmos dos cabrestos, que são
colocados através da educação inadequada até manipulação
das comunicações.
A mudança do sistema e a reestruturação levam
muitos anos, a mutação é permanente tanto no micro como
no macro na vida de uma pessoa. Infelizmente, a ignorância
faz parte da estruturação cultural dos brasileiros. Como mudar
isso? Educação, conscientização e visão crítica.
A prática do tráfico e transporte de seres humanos
para comercializar, escravizar, explorar e privar vidas no
desrespeito aos direitos humanos expandiram no século XXI, a

42
Acessado 09/03/2021 https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50467782
103
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

diferença é que agora não é mais tutelado pelo Estado.


Continua sendo extremamente rentável, uns dos negócios
ilícitos com maior margem de lucro, ficando atrás apenas de
drogas e armas.
Tráfico humano, uns dos crimes que mobiliza a polícia
de todo o mundo, uma estimativa pela ONU de dois milhões
de pessoas. No Brasil o mapa de tráfico envolve os Estados de
Minas Gerais, Pará, Piauí e Bahia. Pessoas atraídas por
promessa do emprego dos sonhos ou relacionamento
amoroso.
No entanto, percebemos que a legislação não coibiu o
homem, até os dias de hoje, no tráfico de pessoas; geralmente,
agentes financeiros dessas operações são bem-sucedidos, não
é mais questões como implemento de legislações ou
educação, e sim, a genética ruim do ser humano em
acumulação de bens e poder sobre o outro.
Meu filho foi barrado no Aeroporto para viagem à
África do Sul por ser rota de tráfico de crianças, não embarcou
por não está de posse de documentação traduzida em inglês e
juramentada.
A abolição aconteceu no Brasil de forma progressiva:
Em 1850, a Lei Eusébio de Queiroz - Que proibia a
entrada de africanos escravizados no Brasil, criminalizando
quem a infringisse. Essa lei surge em resposta à pressão da
Inglaterra43 para acabar com o tráfico de escravos, cessando a
fonte externa de reprodução do sistema escravista.
A Lei Bill Aberdeen de 1845 - promulgada pela Inglaterra
proibindo o tráfico de escravos africanos. A marinha britânica
perseguia, interceptava e aprisionava as embarcações que
transportavam os escravos pelo Atlântico Sul. Os barcos

43Umas das condições da Inglaterra no reconhecimento da independência do Brasil foi


dando um prazo para acabar com a escravidão. Havia importantes interesses
econômicos, a produção de açúcar nas Antilhas com a concorrência da produção no
Brasil, que utilizava mão de obra escrava. E pela Revolução Industrial de ampliar o
mercado.
104
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

capturados retornavam para África e devolviam os escravos na


região de Serra Leoa ou Libéria.
A Lei do Ventre Livre em 1871 - livres os filhos de mães
escravas, a consecução legislativa tem um direcionamento de
ideia que a escravidão acaba quando o último escravo morrer.
Art. 4.º - É permitido ao escravo a formação de um pecúlio com
o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que,
por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e
economias.
Rebouças foi um dos idealizadores da Lei do Ventre Livre e
surge então o abolicionismo. É um movimento como as Diretas
já! Abolição já!
A Lei dos sexagenários, Lei n.º 3.270 de 1885,
garantindo liberdade aos escravos com 60 anos de idade ou
mais, cabendo aos seus proprietários o pagamento de
indenização. Porém a expectativa de vida dos escravos era de
uns quarenta anos.
Mesmo tendo ficado conhecida como Lei dos
Sexagenários, tinha outras finalidades para além da libertação
de escravos idosos. Como diz o professor de Direito, Ibsen
Noronha, em “Escravidão e Leis no Brasil”: “Com efeito, há
dispositivo que alcança o escravo ancião, mas é um erro
analisá-la somente sob esse aspecto […]. Nota-se com clareza
a ratio da lei: favorecer a libertação, manter o trabalho e
inserir o elemento servil na vida social. Vituperem os que
desejam ver má vontade dos legisladores [...]”.
É só mais um conto da negra-vida
Eu trabalhava em São Paulo organizando um arquivo
particular de um funcionário do alto escalão do governo. Ele
morava em uma cobertura no bairro Itaim Bibi em São Paulo,
isso no ano 1998. A primeira vez que cheguei, pedi para
guardar o carro na garagem dele por não ter vaga na rua. Com
autorização do proprietário, entrei no prédio e estacionei e,
quando fui pegar o elevador direto para cobertura, o porteiro
me barrou com o olhar, a intenção era me indicar o elevador
de serviço.

105
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Mas a senhora veio aqui como convidada ou trabalha


aqui?
Realmente, eu estava prestando um serviço, mas para
um arquiteto, um engenheiro, uma decoradora eles não
indicam o elevador de serviço. Dei um sorriso e peguei o
elevador direto para cobertura sem responder. Na segunda
vez, foi muito cortês e sorridente, e viramos amigos.
Fiquei assídua por uns dois meses e certa feita
perguntei:
- Não tem preto morando nesse prédio?
– Não senhora.
- Então vou vir morar aqui.
- Seja bem-vinda.
RESISTÊNCIA NEGRA
Calma! somos os vencedores, sobrevivemos à
diáspora, à escravidão, aos genocídios e não estamos só nessa
jornada. Faz parte da natureza humana aniquilar o outro da
maneira que lhe convém.
Estamos aqui cultuando os orixás; com a capoeira
legalizada; o quilombola com suas terras conquistadas; o
samba - Patrimônio Cultural do Brasil; as agremiações realizam
seus desfiles sendo uns dos maiores espetáculos da terra; os
direitos assegurados na Constituição do país. Somos libertos e
livres para o conhecimento e conquistas.
Com as pesquisas e orientações para compor meus
livros, é um acréscimo, possibilitado pela tecnologia, as
informações são diárias. Não deixarei colocar em prova a meu
discernimento e meus feitos. Pelas falas de uns, parece que
estamos caminhando para segregação. Chega disso!
Convido a todos para expressarem seu conhecimento
de forma sólida, conte sua história de resistência aos diversos
preconceitos impostos.
A escravidão era uma guerra constante, na qual cada
parte teria que vencer uma batalha diária, os senhores
buscavam alternativas para sanar possíveis insatisfações dos

106
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

escravos e evitar rebeliões. As revoltas negras do século XVII


dos Búzios, dos Alfaiates, das Argolinhas …
Muitas revoltas foram organizadas com habilidade e,
mesmo quando derrotadas, tinham alcançado alguns
objetivos, principalmente no que diz respeito ao medo dos
senhores de novas rebeliões; o que gerava um clima
bastante propício para negociações. (Vera, Aline, p.90 –
2015)
Temos relatos dos assassinatos de capitães-do-mato;
fugas constantes – muitos mudavam de cidades; quilombos;
abortos - para impedir que seus filhos fossem escravizados;
suicídios, para não se deixar escravizar; revoltas organizadas;
desobediência - recusaram-se a trabalhar, mesmo sendo
punidos.
Nos navios negreiros, era comum na tripulação ter
intérpretes que falavam os idiomas dos africanos, para auxiliar
os traficantes e alertar de possíveis revoltas dos aprisionados.
Também, muitos escravos cuspiam o alimento ofertado, não é
bem essa palavra, amarrados e empurrados uma papa de
farinha pela goela a baixo para evitar a inanição.
Muitos escravos tiveram sua liberdade conquistada
antes da lei áurea. Em 1840, cresceu o número de escravos que
juntavam dinheiro e compravam a própria alforria
(ressarcimento invertido – o senhor que priva a liberdade
confiscada, se torna o sujeito recompensado
financeiramente); os escravos de ganho, que tinham
autorização para trabalhar com a condição de pagar aos
senhores metade de tudo que obtinham.
Com o crescimento do movimento abolicionista, em
1880, alguns segmentos aderiram à causa, como os
intelectuais e os negros livres, que, nessa época, já eram uma
parcela significante da população. Alguns abolicionistas, de
importante liderança negra, levaram a causa aos tribunais e
aos jornais, como Luís Gama, José do Patrocínio e André
Rebouças e o escritor Machado de Assis, esses são os heróis
relatados na historiografia.

107
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em 1884, o presidente da província, Satiro de Oliveira


Dias, declarou a libertação de todos os escravos do Ceará,
tornando o estado o primeiro a abolir a escravidão no país.
Grupos em outros Estados ajudavam os escravos a fugirem
para o Ceará, onde a maioria dos municípios já não tinha mais
escravos e onde os escravocratas eram minoritários.
Uma pausa para o turismo histórico: Eu que adoro
Fortaleza e já fui três vezes e recomendo a todos o “Dragão do
Mar Centro de Arte e Cultura”, homenagem a Chico da Matilde
ou Dragão do Mar, o revolucionário mulato de Canoa
Quebrada. Em 1874, convivendo com o drama do tráfico
negreiro, se envolve na luta pelo abolicionismo, fechou o Porto
de Fortaleza, em suma, impedindo o embarque de escravos
para outras províncias. Com essa ação influenciou a proibição
de escravos no Estado quatro anos antes da Lei Áurea.
Estado do Amazonas foi o segundo estado a libertar os
escravos.

“Foi pelo mesmo excelentíssimo senhor declarado, em


homenagem à civilização e à Pátria, em nome do povo
amazonense, e pela vontade soberana do mesmo povo e em
virtude de suas leis, não existiam mais escravos no território
desta Província, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, ficando
assim e de hoje para sempre abolida a escravidão e
proclamada a igualdade dos direitos de todos os seus
habitantes!” (Auto de Declaração de Igualdade de Direitos
dos Habitantes da Província do Amazonas, em 1884)

Revolta da Chibata de 1910, tendo como líder o


marinheiro negro João Cândido que consegue revogar a pena
de açoite aos marinheiros (em sua maioria negros) da Marinha
de Guerra do Brasil.
Aqui fica mais fácil para Nemo entender a construção
de um personagem histórico. E o esforço da comunidade negra
em enaltecer suas referências.
Em 1958, com o Jornalista Edmar Morel, resgata “A
Revolta da Chibata” e junto a história de João Cândido,

108
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

marinheiro revolucionista a vendedor de peixe na Praça XVI,


humilhado e exaltado.
João Cândido (1880-1969) reconhecido como herói
pelos amigos, e post mortem imortalizado com estátua em sua
homenagem “Almirante Negro”, seu nome inserido na
toponímia de São João de Meriti – baixada do Rio de Janeiro,
escola, navio petroleiro, e na voz de Elis Regina “Mestre Sala
dos Mares” com os compositores João Bosco e Aldir Blanc, em
1974.
Prima Néia conta seus esforços e trabalho para o
Nemo:
Falar de João Cândido, pra mim é muito, muito forte. Eu
cresci ouvindo a história do Seu João. Um dia perguntei a minha mãe
sobre a história de João Cândido e ela respondeu: - Seu João? Ele foi
ao enterro do seu pai, ele morava na Rua Pernambucana. Fiquei
muda. Conversando também com Dindinha Noêmia ela falou que
João Cândido frequentou a mesma igreja de Vovó Diamantina.
Em 1989 eu fiz uma exposição para João Cândido na Central
do Brasil. Ana, foi a coisa mais louca que eu já vivi.
A exposição começou no dia 6 de dezembro, dia do
aniversário de morte de João Cândido e ficou até o dia mais ou menos
até o dia 22. Aconteceu de tudo.
Uma senhora anotou o local onde ele faleceu para levar
flores; um homem negro alto ao ver a exposição começou a chorar e
explicou que o tema foi o trabalho de conclusão do curso de História
da Gama Filho e ele quase foi reprovado. Um rapaz colou uma carta
nos painéis dizendo que tudo continuava igual. Vários ex-marinheiros
que foram expulsos da Marinha protestavam.
Eu também contava a história da exposição para a
meninada de rua que ficava na Central do Brasil. No dia 25 de
dezembro, eu, Nelci e Nanda estávamos indo a casa de uma grande
amiga. Estávamos na Rua João Vicente esperando o ônibus. De
repente fomos cercadas por um bando de pivetes. Um deles olhou
pra mim e disse que me conhecia da Central. Eu perguntei, tremendo
se ele havia gostado da exposição. Enquanto ele respondia, o ônibus
chegou e fomos salvas por São João Cândido.
Fiz esse vídeo, contando um pouco da história. Talvez, por
uma questão de direito autoral, a trilha sonora não entra. É uma
pena!
109
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Ah! No vídeo aparecem duas fotos de marinheiros. O negrão a direita


e Seu Nelson, meu pai. Essa foto ficava na cristaleira lá de casa, junto
com a foto do Cruzador Bahia.
Acessado em fevereiro 2021:
https://www.youtube.com/watch?v=ZBG60bTq80w
E finaliza:
Em 6 de dezembro de 1969, João Cândido Felisberto
tornava-se ancestral. Sua história já foi contada através de diferentes
autores; já foi descrita em prosa e verso; cantada em nossa música
popular e foi enredo em várias escolas de samba. Confirmando desta
forma o que bem escreveu seu biógrafo Edmar Morel ao afirmar que:
"quando um herói humilde é cantado pela boca do povo seu lugar é
no Altar da Pátria". Portanto, sua imortalidade, o Centro de
Pesquisas Criminológicos do Rio de Janeiro - CEPERJ presta esta
pequena homenagem a João Cândido Felisberto reinterando que sua
memória vai muito além das pedras pisadas do cais.
Elis Canta,
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas

Rubras cascatas
Jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que, a exemplo dos feiticeiros, gritava então
Glória aos piratas
Às mulatas, às sereias…
DO QUILOMBO AOS QUILOMBOLAS
Em São Paulo havia poucos escravos, devido as fugas
e os conflitos e porque os donos de negócios passaram a usar
a mão de obra estrangeira.
Construção dos quilombos, o primeiro registro é de
1575, na Bahia, os mais conhecidos na historiografia:
Quilombo do Jabaquara, Quilombo Buraco do Tatu, Quilombo
do Leblon e Quilombo dos Palmares com mais de 20 mil
110
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

habitantes - o maior quilombo da história da resistência à


escravidão, e retirado o guerreiro mistificado, Zumbi dos
Palmares.
Quilombola é a pessoa que habita o quilombo,
denominação para comunidades constituídas por escravos
que resistiram ao regime escravocrata. A formação dos
quilombos representou o movimento de transição da condição
de escravo para a de camponês livre.
Formando nos dias de hoje comunidades rurais,
suburbanas e urbanas caracterizadas pela agricultura de
subsistência e por manifestações culturais que têm forte
vínculo com o passado africano.
O Estado reconhece oficialmente cerca de 3,2 mil
comunidades quilombolas distribuídas por todas as regiões do
país. A grande maioria foi identificada com o Decreto 4887 do
ano 2003 - Art. 1º Os procedimentos administrativos para a
identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação
e a titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos. Segundo a
Fundação Cultural Palmares, existem 1.209 comunidades
quilombolas registradas e 143 áreas quilombolas com terras
tituladas.
RESISTÊNCIA NEGRA NO PÓS-CONTEMPORÂNEO
Eu represento a resistência, o “não” é um combustível
para prosseguir. Nem discuto só sigo com mérito, capacidade
de lutar pelo que acredito.
Sítio Histórico, Patrimônio Cultural Kalunga44 é o
Quilombo Kalunga, localizado nos municípios de Cavalcante,
Teresina e Monte Alegre. Cavalcante surgiu pelo ouro, na
época chegou a registrar 10 mil escravos. O quilombo se
formou pelos fugidos, abandonados, alforriados a dificuldade
de sobreviver, uma resistência cultural, diferente de pobreza.
Sem olhar para os números estatísticos, percebemos
que a expansão dos negros além do esporte, da música e dos

44
Acessado em março de 2021Documentário SERTÃO VELHO CERRADO português - YouTube
111
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

militares, entramos na arte, na moda, na ciência, na


tecnologia. Somos empreendedores e empresários; criamos
Black Money e projetos sociais independentes do Estado.
Ingressamos em massa nas universidades e saímos do
dito popular, “tem faculdade, já tem direito a cela especial”. E
não ficamos só na graduação, avançamos para os cursos de
mestrados e doutorados.
Pela evolução tecnológica não precisamos mais das telas
da TV, temos os diversos canais a nosso favor para o
conhecimento, mas surgiu de tudo, do banal ao intelectual.
Os gritos nas redes sociais geram ecos, cria autoestima
e reconhecimento…A caneta agora também está em nossas
mãos.
O povo preto apareceu mais uma vez, e está fazendo
barulho através das redes sociais: esclarecendo do massacre
ao racismo, do desamparo às conquistas, do negativo ao
positivo. Porém, às vezes confundem o homem-individual do
homem-social, sua realidade não é o todo.
Alguns pensam que são precursores no lugar de fala45,
mas a comunidade negra, se expressa, entende, altera e
deturpa o “Racismo Estrutural”46, tudo isso já exclamado por
décadas, com os movimentos negros, os clubes afins e suas
agremiações.
O ambiente da internet é uma reprise dos jornais, dos
periódicos, e das inúmeras conferências das diversas
reivindicações sociais. Com uma grande diferença, acesso
alargado, sem distinção de classe. E com produção de suas
narrativas e suas próprias imagens em larga escala - Todos
somos Jean Rouch47.
Há dualidade ideologia na Comunidade Negra, a exemplo
dos personagens estadunidenses: Malcom X e Martin Luther

45 O que é lugar de fala, livro da filósofa, Djamila Ribeiro.


46 Tema e livro do advogado, Sílvio Almeida.
47
Jean Rouch (1917 - 2004), francês, é um dos representantes e teóricos do cinema
direto, explora documentário puro, etnoficção.
112
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

King. Não tem importância, o inimigo do BOM é o MELHOR. Já


sabemos que a liberdade não é conseguida pelo consenso.
Enaltecendo a cultura
brasileira, aponto o poder da
diferença, com os bois Garantido e
Caprichoso a disputa é a união para
realização do espetáculo no Festival
Folclórico de Parintins, interior do
estado do Amazonas, Patrimônio Cultural do Brasil pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
O ESPETÁCULO É A NOSSA RESISTÊNCIA
Não sou adepta ao segregacionismo e revolta, sou
mais do que ex-geração de escravos, pois somos descendentes
dos povos tribais guerreiros. As trajetórias adversas me
trouxeram até aqui.
Sem apologia a qualquer personagem ou ideologia
política, aqui cabe a frase: “A luta continua, companheiro”.
“TERRAS, QUEM NÃO AS QUER48?”
Há muitas terras à venda, porém como os menos
abastados podem adquiri-las?
Vamos lá no passado… no tempo colonial, o Estado,
para incentivos ao particular, sesmarias (terras doadas de
papel passado pelo rei português). No Império, D. Pedro I
proibiu a doação de novas sesmarias, mas não pôs nova regra
para a apropriação da zona rural.
O projeto do deputado José Bonifácio em 1822,
buscava beneficiar com a concessão de terras devolutas, os
europeus pobres, possíveis migrantes, os índios, os mulatos e
os negros forros. Entretanto, um ano depois, fechamento da
Assembleia Constituinte em 1823, seu exílio, afastamento da
vida política, o projeto não saiu do papel.
Também teve o projeto do padre Diogo Feijó em 1829,
buscava estimular a imigração de homens livres para o
trabalho na lavoura e combater a concentração fundiária

48 http://mapa.an.gov.br/index.php/menu-de-categorias-2/279-lei-de-terras
113
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

capitaneada pelos sesmeiros e grandes posseiros, que se


apropriavam de largas extensões de terra, sem, contudo,
cultivá-las.
Em 1842 o governo imperial formula o projeto de lei
de terras, elaborado por Bernardo Pereira de Vasconcelos e
José Cesário de Miranda, uma proposta consensual entre os
grandes proprietários: a substituição da mão-de-obra escrava,
cada vez mais em xeque devido às crescentes pressões
inglesas para a extinção do tráfico, pelo fomento à imigração
estrangeira. Ficou engavetado durante anos.
E somente em 1850, a Lei da Terra (lei n. 601), que
garantiu de modo forjado a posse das “terras devolutas”, que
não tinham dono e não estavam sob os cuidados do Estado,
poderiam ser obtidas somente por meio da compra junto ao
governo. A Lei de Terras transformou a terra em mercadoria
no mesmo tempo em que garantiu a posse aos antigos
latifundiários.
A reforma agrária, que foi uma questão em pauta, era
reivindicação nos anos 1880, não passou de uma ideia de
André Rebouças e Joaquim Nabuco (político abolicionista),
que afirmavam que o Brasil não tinha dinheiro para pagar
pelos crimes cometidos.
Somente em 1964, é editado o Estatuto da Terra (Lei
4.504), que pela primeira vez elencou a função social da terra,
definiu o latifúndio e estabeleceu uma base jurídica para
regular a distribuição e o uso da terra.
Em 1984, após uma série de duras lutas de
camponeses contra a concentração fundiária no Brasil em
plena Ditadura Militar, surgiu um movimento unificado pela
reforma agrária, o MST - Movimento dos Sem Terra.
E não houve avanço expressivo de reforma agrária até
1995, quando o governo federal passou a trabalhar com
metas.
Eu presenciei invasão do MST em órgão público, muito
organizado em 1998 ou 99, na Receita Federal em São Paulo,
eu prestava serviço no prédio. Foi lindo no soar o apito e todos

114
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

só colocaram o boné vermelho na cabeça. Na hora das


refeições surgem panelas, fogões e alimentação para toda
aquela gente.
Meu país é lindo e rico demais, para esse
subdesenvolvimento.

EXISTE UMA DÍVIDA COM OS NEGROS?


Um português me perguntou se eu estava ali cobrando
o ouro do Brasil. Só que ele esqueceu que não foi só o ouro,
teve a cana de açúcar, o café, diamantes… pela situação
econômica de Portugal nem o povo português gozou das
riquezas do colonialismo, nem traduziu para o seu território,
mesmo na época das grandes descobertas. Só assimilou a
mentalidade imperialista europeia.
A única cobrança que perpetua é a taxa do príncipe,
criada em 1847, pagamento por quem vende um imóvel no
centro da cidade de Petrópolis.
A cidade imperial, refúgio dos membros da monarquia
brasileira durante o verão, localizada na região serrana do Rio
de Janeiro. Os herdeiros da antiga família real recebem o
pagamento do chamado laudêmio (2,5% sobre o preço de
mercado do imóvel) tem de ser feito à vista à Companhia
Imobiliária de Petrópolis, entidade administrada pelos
descendentes de Dom Pedro II. Caso contrário, o comprador –
quem, na prática, acaba desembolsando o valor - não recebe
a escritura.
Isso que é cobrar dívida histórica!
O negro não tem caminho de volta à África, fomos
desafricanizados, o negro é um cidadão brasileiro.
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem
sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.
(Karl Marx em O 18 de Brumário, de Luís Bonaparte)
Ora, o artigo 7º da Constituição diz sobre os direitos
dos trabalhadores:

115
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

IV – salário mínimo49, fixado em lei, nacionalmente


unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas
e às de sua família como moradia, alimentação, educação,
saúde, lazer …
Todo cidadão poderá fazer e apresentar reclamações,
queixas ao Presidente da República com esse instrumento…
uns vão dizer que sim e outros que não. E o judiciário não
abriria um precedente desse.
O escrito na legislação não significa cumprido, a
exemplo da libertação dos escravos. Não cabe, nesse contexto,
um sentimento de vingança ou de desejar cobranças por
terem sido escravizados nos séculos XVI a XIX. É compreensivo,
mas desnecessário.
A reivindicação do povo de pele escura vai além da
clausura e da educação, segue para o tratamento violento,
marginalização e organização de estrutura que impede
ascensão social igualitária com os demais.50
Questiono, onde estão essas representações?51. Não
temos intelectualidade para suprir, ou não deram
oportunidade?
A prova está exposta …
Entra em um hotel de luxo, entra em um restaurante
sofisticado, entra em um colégio particular…
O porquê de não ter cliente com pele escura nas
classes mais altas da sociedade, é a resposta da dívida.
…Primeiro ‘cê sequestra eles, rouba eles, mente sobre eles
Nega o deus deles, ofende, separa eles

49
Sobre o salário mínimo, documentário do economista americano Walter Williams,
em que ele demonstra como a lei de salário mínimo gera desemprego entre os mais
pobres.
50
Na revisão histórica, o professor Paulo Cruz cita:
Eu, pessoalmente, discordo da ideia de que a “estrutura” impede que a “cor da pele
escura tenha ascensão social igualitária”. Penso que a estrutura socioeconômica do país
impede que pobres em geral ascendam socialmente. Sendo os negros os mais pobres e
historicamente marginalizados, sofrem mais. O problema, pelo menos na atualidade, é,
em princípio, social e não racial.
51
Paulo Cruz fala sobre Representações https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/paulo-
cruz/falacias-estatisticas-racismo-desigualdade/
116
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Se algum sonho ousa correr, ‘cê para ele


E manda eles debater com a bala que vara eles, mano
Infelizmente onde se sente o sol mais quente
O lacre ainda ‘tá presente só no caixão dos adolescentes
Quis ser estrela e virou medalha num boçal
Que coincidentemente tem a cor que matou seu ancestral…
(Ismália de Emicida - mescla com o poema de Alphonsus de
Guimaraens)
Até agora, fomos um país governado por branco, a
incapacidade não está na cor da pele, e sim, na vontade de
fazer o correto, eliminar privilégios, combater a corrupção,
elevar a educação da sociedade brasileira, para que possamos
sair da utopia do país do futuro. Que surja a decência da plena
cidadania.
Eu, já nas digitações no computador na cozinha, seis
horas da manhã, em plena segunda-feira “codiviral”, Nemo
entra e coloca no prato: feijão, arroz, batata frita, carne e
esquenta no microondas. Olhei espantada e ele olhou mais
espantado para mim:
- Mãe, sabe por que os políticos mentem?
- Porque têm a oratória para enganar o povo.
- Muitos são psicopatas ou sociopatas – Nemo já deu
seu parecer técnico.
Então, eu pulo para o campo da filosofia:
- Por Zeus! Acho que tem razão, mas se você ler “A
República” de Platão, que é dos anos trezentos antes da era
comum, esses dilemas estão todos lá.
- Para de falar “antes da era comum”, por que não fala
“antes de Cristo”.
- Pelo significado religioso.
E, balançando a cabeça por não entender a mãe,
Nemo volta para a psicologia dos políticos:
- São desprovidos de sentimentos. E quando fazem
pelo povo é por que são beneficiados.
- Estamos na imaturidade do político ser o condutor do
sonho do povo. Na democracia é o contrário.
Continuei:
117
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Já eliminei o romantismo da fé no coletivo com


intenção de orientar os políticos brasileiros. Reduzimos o
domínio católico e estamos em direção da bancada evangélica,
tudo muda para ficar na mesma ou nada muda pela vontade
de mudar. Tendo dinheiro, buscam o poder.
- Eu não acredito muito nisso, nem sei se acredito em
Deus.
- Não há problema algum, quando necessitar,
acreditará.
Ele pegou seu prato de comida e saiu. Ele entra, joga a
pergunta e saí, nem sempre está disposto ouvir minhas
respostas prolixas, mas também entendi que é sua maneira de
mostrar que não está só escutando rap.
«A REPÚBLICA»
Faço referência às escritas do século IV a.C., um
diálogo socrático escrito por Platão, filósofo grego. O diálogo
é narrado, em primeira pessoa, por Sócrates aborda
questionamentos sobre justiça e política, com a complexidade
que exige o tema.
«A CIDADE NÃO SERÁ JUSTA, ENQUANTO OS REIS
NÃO FOREM FILÓSOFOS, OU OS FILÓSOFOS NÃO FOREM
REIS»
A insensibilidade, a cultura deturpada de democracia,
o caráter moldado na ganância de quanto mais dinheiro,
melhor, não se configura com sociopatia (transtorno de
personalidade, caracterizado pelo comportamento impulsivo
do indivíduo afetado, desprezo por normas sociais e
indiferença ou desrespeito pelos direitos e pelos sentimentos
dos outros).
«ANEL DE GIGES - A pandemia é o anel»
Em plena pandemia do covid-19, com estatística de mil
mortos por dia no Brasil, a corrupção, as prisões de agentes
públicos; os empresários vendendo nota fiscal superfaturada,
os políticos, se aproveitando do país em estado de
emergência, para simplesmente enriquecerem mais. Para

118
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

mim, isso é bem distante de sociopatia, e sim uma cultura


imoral.
«ARTE DE LUCRAR»
Indiferente de haver pandemia, a saúde pública no
Brasil, há décadas, está sucateada com a corrupção e
segurança da impunidade.
«APOLOGIA A INJUSTIÇA»
A mudança na estrutura social é algo além do
pensamento positivo, “ora que melhora”, “mansidão no
coração”, “Deus tá vendo”… esses ditos são um conforto
pessoal, mas, para nossa realidade, o investimento político na
educação da população é primordial.
«SER INJUSTO, MAS PARECER JUSTO»
As ações, ditas como benevolentes, nas legislações,
para os menos favorecidos: bolsa família, auxílio emergencial,
bolsa de estudos, programa minha casa minha vida são
migalhas, comparado a corrupção e valores de investimentos
com o erário público para os negócios de familiares e
empresários acomunados com os governantes
É só mais um conto da negra-vida
Quando eu trabalhava na avenida Paulista em São
Paulo, nos restaurantes mais sofisticados ao redor, quando eu
entrava com meu filho, geralmente, do gerente ao garçom
perguntavam por curiosidade se éramos estrangeiros.
Por que a pergunta? família negra brasileira não é
comum naqueles restaurantes, isso entre 2008 e 2015. Tenho
consciência da regionalização, estou enfatizando a ausência.
Quando eu era menor, chegava com meu pai na casa
de amigos dele, lembro que as crianças falavam que eu era da
cor da empregada. Elas não tinham contato com meninas
negras.
Matriculei meu filho na escola em 2008, fui na direção
e perguntei por que não havia alunos negros na escola, a
diretora apontou todos os funcionários (nós temos segurança,
professores, pessoal da limpeza…) e falou que a escola é

119
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

aberta a todos, mas a região era de moradores asiáticos, blá-


blá-blá.
Nos Estados Unidos em 2012 e 2013, nas lojas com
funcionários brasileiros, quando eu abria a boca falando
português, os funcionários ficavam espantados, por eu
turistar.
Contando esses meus exemplos, não quero
generalizar o comportamento social, e sim mostrar uma
vivência. Graças às abordagens de meu filho, aflorou em mim
a consciência do negro-tema, e sou a favor da presença nos
mais diversos ambientes, pelo dito popular: “Quem não é
visto, não é lembrado”.
A ausência de um tom de pele escura, sem ser serviçal,
não marginaliza a raça, simplesmente, ela fica inexistente, até
no direito. Consciência, educação e presença são uns dos
passos para libertação do cativeiro social.
EUGENIA RACIAL
A palavra eugenia (do grego “eu”, bem, bom, e
“genéia”, evolução, origem, raça) significa “boa linhagem”, o
bem nascido. A ciência da eugenia, a “ciência da boa geração”,
foi desenvolvida por Francis Galton (1822-1911).
Surgiram teorias na defesa da
eugenia apontando que a quantidade de
negros e indígenas atrasaram o
progresso econômico do Brasil, sendo a
causa da inferioridade da nova nação
republicana. Se propaga a crença que o
ser humano é bom pela hereditariedade
e genes biológicos, e não pela educação.
O médico, psiquiatra e antropólogo, Nina Rodrigues
(1862-1906), introdutor da antropologia criminal no Brasil
publicou teses e artigos que buscavam provar as tendências ao
crime por parte de negros e mestiços, publicou títulos como:
“Mestiçagem, Degenerescência e Crime” e "A tropologia
patológica: os mestiços". Achavam que introduzindo o
imigrante branco, em 50 anos, o Brasil se transformaria em

120
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

uma sociedade mais desenvolvida, umas das teorias de


Oliveira Vianna (1883-1951), ideólogo de eugenia racial no
Brasil. O processo de branqueamento do povo, baseado na
imigração desejável, essa ideia perdurou até nos finais de
1930.
Nos arquivos do Itamaraty (1920 – 1934) a embaixada e
consulados do Brasil nos EUA, negam vistos aos imigrantes negros
dos Estados Unidos. (Arché, nº 8. RJ, 1994, p.85)
A Constituição de 1934: art. 138 - incumbe à União,
aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas.
b) estimular a educação eugênica.
Paulo Cruz reforça que a “educação eugênica” é um
termo equivocado e na Constituição tem mais a ver com
saúde. Não que os eugenistas não tivessem pretensões raciais,
pois tinham, mas isso se confundia com os ideais sanitários, de
saúde da época.
O ideal de educação, para boa parte dos eugenistas,
estava associado à formação da consciência eugênica com o
intuito de que os jovens brancos não contraíssem matrimônio
com pessoas de raças e classes sociais diferentes. Tinha em
vista que os casais pudessem gerar filhos eugenizados em
número maior que os degenerados.
Para tal fim, seria necessário que os jovens contraíssem matrimônio de
forma antecipada, concorrendo para a formação de uma elite nacional. Ou
seja, os jovens considerados eugenicamente sadios, deveriam ter filhos
logo no início do matrimônio, de forma que o número de filhos fosse maior
do que em casais degenerados, contribuindo assim para a formação do país
(Rocha, 2014).
E quantos de nós, povo com forte melanina,
cultivamos a ideia de que preto namora e casa com preto, ou
casar com branco melhora a raça, e que o casamento misto
funcionava como estratégia social para retirar da
descendência cativa. Precisamos gostar, amar, namorar e
casar com quem nos respeita e nos trata bem e com carinho.
Não tem Ubuntu (oo-buun-too) nessa história
Eu sou porque nós somos. Juntos somos mais fortes.
A geração branca não tem culpa do passado, mas esse
pretérito tem herança, história, injustiças sociais, mecanismos

121
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

informais que os discriminam e desqualificam pelo tom de


pele. Beneficiando alguns e excluindo outros, por longos
períodos.
Quando cito geração branca, não falo do meu amigo
que frequenta minha casa, aquele que trabalha comigo ou
mora no meu bairro. Eu falo daqueles que, na República,
continuam usando o pronome de tratamento da nobreza, dos
detentores financeiros, das elites. Do topo privilegiado
sustentado por nós, meros pagadores de impostos.
Na minha releitura sobre o absolutismo europeu, a
semelhança no ideário enraizado nos políticos, empresários,
banqueiros… apoderam em manter seus privilégios: uns têm
direitos e outros não, a competência e esforço pessoal para
ascender na vida tem limite, a posição social pré-determinada.
Alguns ainda acreditam nisso, eu não.
Já trabalhei com dois empresários com um poder
aquisitivo bom, não eram ricos, uma classe social elevada.
1º Caso: Um dos donos da empresa conversando em
inglês com um amigo americano disse: “essa daí quer ir para
os Estados Unidos, pensa que é quem?” Eu parei o que estava
fazendo, levantei o olhar e mostrei meu nome no crachá.
2ª Caso: Conversando com patrão, que era muito
simpático comigo, eu contava meus ideais, ele dizia, “é muito
difícil conseguir, a estrutura não deixa, mas torço por você”.
Quantas pessoas acreditam nas teses dos outros e
desacreditam nas realizações dos seus sonhos: viagens, ter seu
próprio negócio, estudar, ....
Existe sim, uma dificuldade no desenvolvimento de
competências, que exige preparação (cultura e estudo); nisso
os pobres em geral, perdem.
Vou contar um segredo: Estamos aqui para crescer,
para exemplificar…NÃO DESISTA.
LEGISLAÇÃO RACISTA
Eu no cantinho da escrita, chega Nemo com ar de
desafio.
- Posso te mostrar uma coisa aqui no computador?

122
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Pode.
E abriu, na tela a primeira constituição brasileira,
outorgada em 1824, pelo imperador D. Pedro e mostrou os
artigos:
Art. 6. São Cidadãos Brazileiros. I. Os que no Brazil tiverem
nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda que o pai seja
estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua
Nação.
Art. 178. XXXII. A Instrução primária, e gratuita a todos os
Cidadãos.
- A senhora não sabe ensinar, eu pesquisei e os negros
podiam estudar.
Fiquei muda, pedi um tempo para processar. Primeiro
pelo tom de voz dele, ufano, e segundo por não lembrar o que
expliquei, meu “tico e teco” não estavam funcionando naquela
hora da manhã.
- Está muito arrogante, calma aí. Eu quero que você
sempre saiba muito mais do que eu e para isso que invisto em
seus estudos.
- Mas estou falando para senhora melhorar. Essa é
minha fala de debate.
- Então, saiba como falar com as pessoas, com essa
prepotência ninguém vai querer te ouvir, nem eu.
Essa tal postura de debate dele não me agrada. Um
dia, fixei bem firme as minhas mãos nas duas orelhas do nego,
aquela pegada, exigi que olhasse bem nos meus olhos e falei:
não precisei saber qual a bandeira da Angola para te trazer até
aqui. Pronto! Melhorou dali em diante.
A resposta vem do artigo do Dr. Nizan Pereira, 65 anos,
professor da Universidade Federal do Paraná e ex-secretário
de estado, doutor em Educação pela PUCPR:
A Constituição de 1824, ditava que a escola era um direito
de todos os cidadãos, o que não incluía os escravos. A
cidadania se estendia aos portugueses, filhos de
portugueses e libertos. Os direitos dos "livres", contudo,
estavam condicionados a terem rendimentos, posses e uma
soma de oitocentos mil réis.
123
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Entre a Constituição de 1824 e a de 1891, perdurou um


sistema escolar que reservava aulas domiciliares aos ricos;
escolas públicas aos pobres e livres nascidos no Brasil, ou
cursos em seminários católicos, para poucos. Nascidos na
África não tinham direito a frequentar esses espaços.

Como era ser liberto, ou poder usufruir da cidadania


quando livre, durante os períodos do Império?

Os negros não levaram vantagens durante a primeira


constituição, não vieram a aparecer, até mesmo por que
estavam associados ao trabalho manual e não deveriam
dele ser apartados a fim de não prejudicar a produção e não
degradarem o trabalho intelectual. O artigo 94, inciso II,
impediu, formalmente, que todo o segmento populacional
negro tivesse acesso a direitos básicos como, por exemplo,
o de votar e de ser votado, formalizando a exclusão,
limitando o ensino somente aos cidadãos brasileiros sem
que o negro participasse da vida ativa, econômica, social,
política e do sistema oficial de ensino, visto que, a grande
maioria dos escravos era de origem africana. (SIRSE, 2013)52

Algumas legislações locais proibiam a educação aos


negros livres, pois o Ato Adicional de 1834 descentralizou a
responsabilidade pela educação primária.
As legislações de 1835 têm as primeiras menções à
proibição de matrícula a não livres e a de 1887, continha a
última proibição à matrícula de escravos na área da educação,
impedindo os negros de frequentarem a escola, as palavras
usadas eram escravos, não livres, libertos, pretos, filhos de
africanos livres, ingênuos.
Na província de Minas Gerais, a Lei de 28 de março de
1835, determinava: “Somente as pessoas livres podem
frequentar as Escolas Públicas, ficando sujeitas aos seus
Regulamentos”.

52
Há um contraponto veja o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=ZxgRKmw3bzo
124
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em Goiás, a primeira lei sobre instrução, de 23 de


junho de 1835, como em Minas, obrigava os pais a darem
instrução primária aos meninos, e ressaltava: “Somente as
pessoas livres podem frequentar as Escolas Públicas, ficando
sujeitas aos seus Regulamentos”.
No Espírito Santo, havia uma Lei de 1835 que proibia
ensinar a ler, e escrever, ofício, Artes, a escravos (FRANÇA,
2006, p. 37).
As escravas; para o fim tão somente de lhes ensinar as
prendas domésticas.
O Decreto Couto Ferraz de 1854 - Aprova o
Regulamento para a reforma do ensino primário e secundário
do Município da Côrte: art. 69. Não serão admitidos à
matrícula, nem poderão frequentar as escolas: § 3º Os
escravos.
LEGISLAÇÃO ANTI-RACISTA
Lei Afonso Arinos (Lei 1.390), a primeira norma contra
o racismo no Brasil, em 3 de julho de 1951, que tornava
contravenção penal a discriminação por raça ou cor. A
motivação para elaborar a lei veio depois de um caso de
discriminação envolvendo a bailarina afro-americana
Katherine Dunham que foi impedida, em razão da sua cor, de
se hospedar em um hotel em São Paulo. O caso não teve tanta
notoriedade no Brasil, mas repercutiu negativamente no
exterior.
Lei de Segurança Nacional, lei nº 6.620, de 17 de
dezembro de 1978, que, em seu artigo 36, previa a pena de
reclusão de 02 a 12 anos para todo aquele que incitasse “o
ódio ou a discriminação racial”.
Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983. Define os
crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social,
estabelece seu processo e julgamento e dá outras
providências. Art. 22 - Fazer, em público, propaganda: II - De
discriminação racial, de luta pela violência entre as classes
sociais, de perseguição religiosa.

125
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Nenhuma lei é criada com a inexistência do ato, é


aprovada em 05 de janeiro de 1989, a Lei Caó, que penaliza
apenas os crimes decorrentes de raça ou cor. Lei nº 7.437 -
Entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de
preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil, dando
nova redação à Lei Afonso Arinos.
A gíria “deixa de Caô”? Tem o significado de que
alguém está contando mentira. Pode ser aplicada a essa lei,
pois não há prisões por esse motivo, então concluímos que o
problema é inexistente.
Em 1997, o art.1º passou a ter nova redação: art. 1º:
Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional.
Entretanto, o Estatuto da Igualdade Racial - Lei nº
12.288/10, que alterou vários pontos da Lei Caó, garantiu
ainda mais direitos e proteção à população negra e
afrodescendentes, a lei também inclui a intolerância religiosa.
O artigo 1º, o Estatuto da Igualdade Racial tem por
objetivo. Combater a discriminação racial e as desigualdades
raciais que atingem os afro-brasileiros, incluindo a dimensão
racial nas políticas públicas desenvolvidas pelo Estado.
Discriminação racial é definida pelo texto legal como
“toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em
raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que
tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo,
ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos
e liberdades fundamentais” (art. 1º, § 1º). Já desigualdades
raciais, por sua vez, como sendo “situações injustificadas de
diferenciação de acesso e gozo de bens, serviços e
oportunidades, na esfera pública e privada”.
A Lei áurea de 1888, concedeu total liberdade aos
poucos mais de 700 mil escravos. Depois dessa lei, foram
promulgadas e outorgadas sete magnas-cartas em 1891, 1934,
1937, 1946, 1967, 1969 e 1988, só na última, que é a atual

126
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Constituição brasileira, cita pela primeira vez repúdio e crime


nas práticas de racismo.
Lei 7.716 em 5 de janeiro de 1989 a legislação
determina a pena de reclusão a quem tenha cometido atos de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. Com a sanção, a lei regulamentou o
trecho da Constituição Federal que torna inafiançável e
imprescritível o crime de racismo, após dizer que todos são
iguais sem discriminação de qualquer natureza.
Cada um olha na direção que lhe convém, entretanto,
o passado não conta?
Sim. Mensurar a distância educacional entre as raças,
mantida pelo Estado: opressão, omissão, discriminação
cultural instituídas por lei (capoeira, terreiros, religião afro,
entrar em elevador…) negar acesso. Quantos foram internados
em manicômio e presos por vadiagem?
Tudo isso já mudou por lei, alguns permaneceram no
costume. Não precisamos esperar pelo governo.
A educação é uns dos caminhos, utilizar o acesso a
internet para cursos gratuitos com muitos professores, e
especialistas com credibilidade em diversos assuntos, livros
com download de graça…
Não se apaga a História. A função dessa ciência é
nos servir como inspiração, uma bússola; quando ruim, um
alerta em relação ao futuro.
Conto & mais Contos
Um adolescente atira, com estilingue, uma pedra no
olho de um pedreiro que trabalha em sua casa e por
consequência fica cego. Outros, queimam índio na rua. Os pais
alegam uma brincadeira. Deixa de Caô!
Sou apaixonada por essa letra, Cláudio Russo e seus
companheiros foram felizes na composição do Samba-Enredo
G.R.E.S Paraíso do Tuiuti de 2018
Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti, o quilombo da favela
É sentinela na libertação

127
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Irmão de olho claro ou da Guiné


Qual será o seu valor?
Pobre artigo de mercado
Senhor, eu não tenho a sua fé
E nem tenho a sua cor
Tenho sangue avermelhado
O mesmo que escorre da ferida
Mostra que a vida se lamenta por nós dois
Mas falta em seu peito um coração
Ao me dar a escravidão
E um prato de feijão com arroz

Eu fui mandiga, cambinda, haussá


Fui um Rei Egbá preso na corrente
Sofri nos braços de um capataz
Morri nos canaviais onde se plantava gente

Ê, Calunga, ê! Ê, Calunga!
Preto Velho me contou
Preto Velho me contou
Onde mora a Senhora Liberdade
Não tem ferro nem feitor

Amparo do Rosário ao negro Benedito


Um grito feito pele do tambor
Deu no noticiário, com lágrimas escrito
Um rito, uma luta, um homem de cor
E assim, quando a lei foi assinada
Uma Lua atordoada assistiu fogos no céu
Áurea feito o ouro da bandeira
Fui rezar na cachoeira contra a bondade cruel

Meu Deus! Meu Deus!


Se eu chorar, não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social

EDUCAÇÃO PARA TODOS


Uma sociedade com aumento de pobreza,
instabilidade política, desigualdade econômica, o país com
escassez de possibilidade de trabalho … penso na educação
dos jovens.
Interrompendo meus devaneios, entra o furacão.
Dessa vez, Nemo me chamou para um particular no quarto,
tinha visita em casa:
- A senhora não acha que a cota racial é racismo?
128
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Não, é um benefício pelos anos de exclusão.


- Mas já existe cota social, para que colocar cota racial?
É dizer que o negro não tem capacidade de concorrer igual aos
demais.
E Nemo ficou a tarde toda dizendo que as cotas raciais
criam uma distinção que subjuga a capacidade das pessoas
negras.
- Eu nem acho isso. Vejo como um contexto político e
social.
Como estávamos com visita, que trabalhava na UERJ
no setor administrativo de matrícula, também foi incluído na
conversa.
Fui crucificada pelos dois, aí a introdução ao debate
virou crítica e pegou fogo. Nem consegui me defender, eles
ficavam falando, “é um absurdo…” é absurdo pensar dessa
forma. Me senti acuada dentro da minha própria casa.
- Gente! Tenho direito de ser a favor.
Os dois de uma vez:
- NÃO. E continuaram: - É um absurdo dizer que o
negro não tem capacidade.
O debate pelas cotas rendeu por mais de um mês,
Nemo tentando me convencer a ser contra. A fala com fúria e
indignação por minha posição. E com fúria falou:
- Você é uma mulher negra que defende o racismo,
concordância com a cota racial.
Levantou e saiu.
Passou uns dez minutos, sinto um pé gelado nas
minhas costas, e escuto um pedido de desculpa, respondi:
- Desculpado, o conceito de retórica e réplica está
esquecido ou ausente nas nossas conversas.
Minha discordância é a fonte para o mau humor dele.
E muitas das vezes sai emburrado por não gostar das minhas
respostas prolixas.
- A senhora precisa ser mais racional, precisa ver como
é o mundo de hoje.

129
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Em um debate, é um falar e o outro escutar e


trocarem opiniões, não é concordância.
Minha postura é dar uma
risada e ficar observando a
austeridade na fala, a comunicação
radicalizada só tem um lado,
enquanto a diversidade é que constrói
a liberdade.
Percebi que ficou
envergonhado com sua atitude mal-
educada, mas sempre penso “a fruta
não cai longe do pé”. Meu espelho, já fui muito presunçosa,
porém não expressava em palavras, mas por dentro nem
importava com que a pessoa estava falando.
A FAVOR DAS COTAS
Analisei toda a conversa entre eu e Nemo, sobre as
cotas raciais, pois sou lenta nas respostas, estudei casos e
justifiquei a minha posição:
Eu sou negra e faço IRPJ anual. Então, meu filho não
teria direito a cota racial, nem social. A negra-Ana está
diretamente dentro do contexto social do racismo,
independente do rendimento financeiro. Quando sofro um
preconceito, ninguém olha para o meu contra cheque, e sim
para mim.
Contos & mais contos
Eu, dentro de uma concessionária, o mecânico
perguntou para todos sentados na sala de espera de quem era
o carro x, menos para mim, que era a dona do carro.
Abastecendo o carro no posto de gasolina no interior
de São Paulo, dois homens conversando, comentam “não
orna”.
No trabalho, a promoção não chega por ser muito
preta, e precisa manter contato direto com o cliente. É falado
entre os diretores.

130
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Ao entrar no colégio do meu filho, o segurança novato


me aborda dizendo que o estacionamento é para os pais de
aluno.
O que a pobreza tem a ver com isso?
Estereótipo social aceitável, ausência de negro em
diversas camadas da sociedade, não é ter um, nós precisamos
de vários. É para isso que serve a cota racial, mudar a visão
cultural e intelectual da sociedade brasileira perante o negro-
tema.
MERITROCRACIA
Nascemos livres e iguais, conforme John Locke53, mas
a meritocracia ao ingresso na universidade pública precisa
levar em conta a igualdade de princípio, não há mérito na
competição com processo desigual de preparação.
Na revisão histórica do livro, o professor Paulo Cruz,
comenta:
Não existe “igualdade de condições”, pois somos desiguais
por natureza. A questão não é essa, mas fornecer melhor
educação para todos, a fim de possibilitar um maior acesso.
Mas isso não será, jamais, igualar condições. Pense no
esporte, por exemplo. Qual a “igualdade de princípio” no
futebol? O que faz nascer um Neymar ou um Messi? O que
faz os negros serem absoluta maioria na NBA? Todos os
atletas de alto rendimento passam por um “funil” que, caso
não tenham talento natural para a coisa, a melhor
preparação não resolve. Com o estudo é a mesma coisa.
Caso não haja estímulo – principalmente cultural – nada
acontece. E a questão vocacional não deve ser ignorada em

53 John Locke (1632-1704) foi filósofo inglês, um dos mais importantes filósofos do
empirismo. Como representante do individualismo liberal, defendeu a monarquia
constitucional e representativa, que foi a forma de governo estabelecida na Inglaterra,
depois da Revolução de 1688.

131
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

hipótese alguma. Com minhas notas do ensino básico, não


passaria na USP.
Algumas questões precisam ser analisadas:
Qual a classe social do país que tem o poder de
investimento financeiramente na educação do filho?
Qual a qualidade da educação no país em colégio
público?
Qual a política pública
com o aumento da população?
Conforme a população Onde não tem
cresce no país, os empregos comida, não tem
são transformados, o aumento estudo. A sociedade
da classe que recebe até dois precisa de
salários54, agravaram as transporte, saúde,
questões sociais e,
moradia …
infelizmente a economia
paralela da corrupção é
sempre constante no meio político.
População do Brasil:
1920 - 30.635.605
1930 + 35 milhões
1940 - 41.236.315
1970 - 94 milhões, dez anos depois 121 milhões.
Site do IBGE, população brasileira às 22:03 de
6/3/2021, somos 212.785.812. Os principais motivos do
crescimento de habitantes: diminuição de mortalidade
infantil, longevidade, fluxo migratório, cultura familiar na
quantidade de filhos, mão de obra, refugiados, transferências,
amou o país e ficou …. E quais foram as políticas públicas
nesses 40 anos para esses 100 milhões a mais de habitantes,
que equivale a 90% dos moradores da França e Espanha em
2020.
Classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística divide as classes sociais em 6 categorias básicas,

54
Thomas Sowell fala em seus livros sobre a “Discriminação e disparidades” e “Fatos
e falácias da economia”
132
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

segundo a renda familiar mensal: Classe A (acima de 20


salários mínimos), Classe B (de 10 a 20 salários mínimos),
Classe C (de 4 a 10 salários mínimos), Classe D (de 2 a 4 salários
mínimos) e a Classe E (recebe até 2 salários mínimos).
Iracema Viera, Vó Cema (foto),
Assistente Social, 77 anos, fala:
Gosto de dançar, sou brincalhona,
nessa pandemia me sinto presa, mas
recordo dos meus cursos: de cabeleireiro,
agente de turismo, artesanato com pedras
preciosas, pintura…
Sou contra as cotas, o negro precisa sentar e estudar.
Nós negros éramos muito respeitados, tínhamos
oportunidades, ainda mais quem se destacava como
profissional e estudava.
Em 1977, fiz faculdade na
Gama Filho, vinte seis alunas,
somente 4 negras. Na época, a
mulher de 40 anos era velha, eu
estava chegando lá.
Em uns dos trabalhos de grupo da faculdade, uma
menina de uns 18 anos fez questão de nos reunirmos em sua
casa. Uma estratégia, para incentivar a sua mãe retornar aos
estudos. Eu era a coroa que estudava.
Vó Cema exalta SENAC como oportunidade para a
classe baixa, para aprender as profissões em sua época. O
SENAC e SENAI fazem parte do Sistema S, o conjunto de
organizações criadas com o objetivo de promover o
desenvolvimento a nível pessoal e profissional dos
trabalhadores da indústria, do comércio, da agricultura e dos
transportes.
Os empregos ofertados nos anos 60 e 70 eram na
maioria públicos - muitos com ingresso sem concurso;
atualmente, a investidura de cargo para concurso público com
habilidade complexas e avaliações com um nível de estudo
intelectualizado, bem diferente de sessenta anos atrás.

133
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

EQUIDADE
Equidade consiste na adaptação da regra existente à
situação concreta, observando-se os critérios de justiça. Pode-
se dizer, então, que a equidade adapta a regra a um caso
específico, a fim de deixá-la mais justa.
Esse assunto tão polêmico precisa ter uma base
histórica e legislativa para nos posicionarmos melhor e não
analisar só no âmbito de povo preto e povo branco na
atualidade.
Independente da posição a favor ou contra das cotas
sociais e raciais, entender a base da educação no Brasil ajuda
o porquê da implantação política desse resgate social.
A educação no Brasil é uma farsa para manter a
ignorância do povo, estou me referindo à grande massa da
população, porque os colégios públicos ou particulares (com
preço acessível do bairro), do ensino básico ao fundamental
têm as suas infraestruturas e ensinos precários no contexto
competitivo do mercado.
Os indicadores do IDEB - Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica revelam: poucos alunos alcançam o
resultado, nossas crianças precisam de educação de qualidade
desde o básico ao fundamental.
Temos um sistema educativo para formação de
profissionais e demanda de mercado, sim. Porém, precisamos
formar cidadãos plenos, as instituições de ensinos são os locais
primários.
Afinal, o que é ser cidadão?
Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à
propriedade, à igualdade perante a lei: ter direitos civis,
políticos e sociais - aqueles que garantem a participação do
indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho
justo, à saúde, a uma velhice tranquila. É também participar
do destino da sociedade, votar, ser votado (Direitos
Humanos).
Os mais afortunados enviam seus filhos para estudar
e/ou fazer um intercâmbio fora do país, devido a qualidade

134
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

educacional, ou matriculam seus bebês em instituições de


ensino cujas mensalidades têm os preços acima de três
salários mínimos. Esse ensino privilegiado é capaz de alterar a
capacidade critica de um individuo e conquistas dentro da
sociedade.
Mas não é só isso, a formação da nação, entender o
que se passa no país, perceber a gravidade do cabresto.
Gente! Falo de educação, não de felicidade, de
conformismo e de viver bem. Uma população de maioria mal-
educada pelo Estado, os analfabetos funcionais55 (sabem ler,
mas não compreendem o sentido daquilo que leem), não
dizem que não dá para copiar e colar, nossa realidade de
contingente e regional é bem diferente. “Brasil, o país do
futuro”56 permanece na área emocional, a ingênua esperança,
reforçada pela fé.
O percentual de quase 6% do PIB – Produto Interno
Bruto investido na educação é uns dos maiores da história, e
não demonstra resultados à altura. Alguns especialistas falam
que é insuficiente para a necessidade da população.
A FAMOSA LDB
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira - LDB,
legislação que regulamenta o sistema educacional público e
privado da educação básica ao ensino superior.
A Constituição de 1891, primeira do período
republicano, pouco tratou sobre a educação; Constituição de
1934, União a responsabilidade de "traçar as diretrizes da
educação nacional", art. 5º); Constituição de 1937, do Estado
Novo, rejeita um plano nacional de educação; Constituição de
1946, retomou o tema educação.
E, finalmente, sai do papel em 1961, tendo como
patrono Anísio Teixeira, que foi um educador nos anos de

55
https://infograficos.gazetadopovo.com.br/educacao/taxa-de-analfabetismo-no-
brasil
56 Uma visão de austríaco Stefan Zweig, nos anos de 1940, uma coletânea de

louvações ao Brasil. O título do livro “Brasil, o país do Futuro” foi usado na


propaganda do DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda do Governo Federal
por anos, é resgatado de tempos em tempos pela memória do povo.
135
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

1920, para ele a educação é um bem social, considerado o


idealizador da escola pública. LDB 4.024-61, destinada a
regular a ação dos Estados, dos Municípios, da União e da
atividade particular no campo do ensino.
LEI 9.394/96, define que é obrigatório, no ensino
fundamental, o ensino de língua portuguesa, matemática,
conhecimentos do mundo físico e natural, bem como da
realidade social e política, artes, educação física e música. Com
educação básica obrigatória e gratuita dos 04 aos 17 anos de
idade e passa a integrar educação profissional.
Fico empolgada! Temos diversas estrelas na área
educacional, não sou da área pedagógica, nem gostaria de ser,
mas tenho a ousadia de citar “Paulinho e Aurélio”.
Falar da educação no Brasil e não citar Paulo Freire,
brasileiro que mais recebeu títulos honoris causa57 pelo
mundo. O educador foi honrado em pelo menos 35
universidades brasileiras e estrangeiras e mais de 350 escolas
ao redor do mundo levam seu nome. Seu projeto de destaque
foi educar através do cotidiano do aluno, por meio da sua
experiência e do que ele conhecia.
Paulo Freire é “um dos maiores responsáveis pela
subversão imediata dos menos favorecidos”, diz o biógrafo
Sérgio Haddad.
A alfabetização em massa inspirou o Plano Nacional de
Alfabetização em 1964, foi uma tentativa, que não se
concretizou, do Ministério da Educação e Cultura, pretendia
alfabetizar em três meses 1.834.200 adultos, atendendo assim
8,9% da população analfabeta (da faixa de 15 a 45 anos).

57 Honoris causa é uma expressão em latim e usada atualmente como um título


honorífico, que significa literalmente “por causa de honra”. Normalmente, honoris
causa, é utilizada quando uma universidade de prestígio deseja conceder um título de
honra a uma personalidade de grande destaque ou importância por seu trabalho.
Esse título é dado para uma pessoa mesmo que ela não tenha um curso universitário,
e sim, se destacado ou exercido grande influência em determinadas áreas, como nas
artes, na literatura, na política ou promovendo a paz.
136
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

E a outra estrela que faz parte do meu cotidiano é o


autor do “pai dos burros”, Aurélio Buarque de Holanda, não é
pai do cantor Chico Buarque, como eu pensava, e sim primo.
Aurélio foi um lexicógrafo, quem se dedica
profissionalmente a fazer um dicionário. Sua paixão e estudo
durante longos anos pela língua portuguesa e pelas palavras
levou-o a lançar seu próprio dicionário. Em 1975, foi publicado
o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, conhecido como
Dicionário Aurélio. Quem nunca folhou um?
EDUCAÇÃO PARA MÃO DE OBRA
A instrução escolar direcionada para mão de obra é
necessária, sim. Qual o histórico curricular dos cursos? O que
aprendo?
Nos artigos do Dr. Nizan Pereira, que fala sobre a
educação dos negros: “Na Primeira República, a preocupação
passa a ser transformar os ingênuos, como eram chamados os
beneficiados pela Lei do Ventre Livre, em trabalhadores úteis,
evitando que replicassem a indolência dos adultos pobres. A
educação utilitária e a aprendizagem de ofícios se tornam o
destino natural dos negros e desvalidos, formando uma
mentalidade sobre esse grupo”.
Em nosso histórico de política educacional, temos Nilo
Peçanha e a criação das Escolas de Aprendizes Artífices no
Contexto da Primeira República para atender a demandas do
mercado em 1909.
Considerando: que o aumento constante da
população das cidades exige que se facilite às classes
proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre
crescentes da luta pela existência; que para isso se torna
necessário não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da
fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual,
como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os
afastará da ociosidade, escola do vício e do crime; que é dos
primeiros deveres do Governo da República formar
cidadãos úteis à nação, decreta [que] em cada uma das
capitais dos Estados da República o Governo Federal
manterá, por intermédio do Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio uma Escola de Aprendizes Artífices,
137
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

destinada ao ensino profissional primário e gratuito.( texto


que abre o decreto 7.566)
O Ministério da Educação é um órgão do Governo
Federal do Brasil fundado pelo decreto nº 19.402, em 14 de
novembro de 1930, com o nome de Ministério dos Negócios
da Educação e Saúde Pública, pelo então presidente Getúlio
Vargas.
Decreto 4.127, de 25 de fevereiro de 1942,
transformou os Liceus Industriais em Escolas Industriais e
Técnicas, passando a oferecer a formação profissional em nível
equivalente ao do secundário.
E em 1942 é criado o SENAI - Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial, também concebido para atender o
mercado de trabalho, atualmente com uma nova roupagem.
Fornece cursos, forma profissionais para 28 áreas da indústria
brasileira, desde a iniciação profissional até a graduação e pós-
graduação tecnológica.
Em 1971, o ensino passou a ser organizado em primário,
ginásio e colegial e obrigatório até os 14 anos de idade.
UNIVERSIDADES PARA TODOS
Nemo é bem intransigente quanto à minha opinião a
favor das cotas raciais nas universidades públicas: “Mãe, os
negros têm condições sociais diferente, não cabe nos dias de
hoje, as cotas raciais, só a social basta”; “Não vou mais debater
com a senhora sobre as cotas, é muito ignorante”; “A forma
que defende parece racista”.
A visão social de uma sociedade não pode ser
condicionante à realidade do indivíduo, sendo um equívoco
determinarmos a nossa experiência como um todo. A minha
posição a favor das cotas raciais é baseada no recorte histórico
que coletei para justificar a minha aceitação, pela realidade do
meu clã familiar.
Analisando os números, quantas vagas foram
ofertadas pelas universidades públicas antes e depois das
cotas sociais? a Quantidade mais que dobrou, cota racial não
tirou vaga de ninguém.

138
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Não foram todas a universidades públicas que


aderiram ao SISU - Sistema de Seleção Unificada, mas com o
passar dos anos, com a integração, surgiram mais vagas
ofertadas: ano 2012 - vagas 105.000; ano 2015 – vagas
205.514 e ano 2020 - vagas 237.128.
SISU - Sistema de Seleção Unificada é o sistema
informatizado do Ministério da Educação, no qual instituições
públicas de ensino superior oferecem vagas para candidatos
participantes do ENEM – Exame Nacional de Ensino Médio.
As estatísticas do INEP – Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira é uma autarquia
federal vinculada ao MEC. Sua missão é subsidiar a formulação
de políticas educacionais dos diferentes níveis de governo com
intuito de contribuir para o desenvolvimento econômico e
social do país.
O debate sobre as cotas é constante em casa, um
amigo aponta a falta de recursos (alimentação, transporte e
material de estudo) para se manter. Eu não vejo como fator de
empecilho, e sim criar estratégias para alcançar um objetivo.
Eu fiz faculdade pública na UNI-RIO em 1994, e a
dificuldade financeira para me manter, também encontrei, eu
e todos os meus. Quantas
vezes saía do trabalho com
fome? e ia direto para Com a implantação de
faculdade e permanecia cotas sociais na
durante a aula, isso era o universidade públicas,
comum, a raridade era eu
também teve
ter dinheiro para comer.
A maioria dos meus aumento nas ofertas
familiares, da minha faixa de vagas.
etária, fizeram faculdade
particular, e cada um tem
uma história de dificuldade e superação:
Kátia Valéria conta “comia a refeição fria com as
cotias, sentada no Campo de Santana no Centro do Rio”, antes
de entrar na sala de aula. Cris vendia sanduíche natural para

139
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

complementar a renda, assim conseguiu terminar o curso de


direito.
Meu primo, no curso de química da Federal, a família
e amigos ajudavam nos livros, hoje é funcionário da Petrobras.
A minha mãe, no seu curso de enfermagem em 1967, o
uniforme e os cadernos foram doados por uma amiga vizinha,
Creuza58, e os livros pelo compadre Moysés. Essa solidariedade
e dificuldade não têm cor é algo natural no meu clã.
A solidariedade, a ação de ser bom com o próximo, nos
estudos, é comum, conheço muitas pessoas que pagam a
faculdade do outro, por ter mais recursos ou simplesmente
para ajudar, tios ajudam sobrinhos, pais com filhos acima de
vinte cinco anos pagando estudos dos filhos, ONGs,
empresários solidários …
Encontrei um brasileiro em Porto, professor de canto,
chegou a Portugal no outono pandêmico e com recursos
financeiros escassos, para fazer um curso de especialização em
ópera. Desistir dos sonhos ou objetivo por falta de recursos, é
não saber se construir.
O AVESSO DA VIDA: Florescer em um ambiente ao qual muitos
pensam que você não é capaz de sobreviver.
As primeiras faculdades no período imperial foram
instaladas pela transferência da
corte portuguesa para o Brasil59,
antes era proibido universidades
nas colônias, Coimbra tinha o
monopólio da educação.
Escola de Cirurgia da Bahia – 1808. A instituição, com
passar dos anos, teve diferente denominações e hoje
incorporada na UFBA - Universidade Federal da Bahia - 1946.
A escola de ensino superior foi fundada no Brasil com a
chegada da família real portuguesa ao país, mas somente em

58
Creuza Alves Gaspar (1936-2004)
59
(1) Por que o Brasil continuou um só e a América espanhola se dividiu após independência? -
YouTube
140
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

1826, foi autorizada a conceder as cartas de cirurgião e de


cirurgião formado aos que concluíssem seus cursos.
Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de
Janeiro, criada pelo decreto de 2 de abril de 1808, que
estabeleceu uma cadeira de anatomia no Hospital Real Militar
da Corte do Rio de Janeiro, atualmente se fundiu com a UFRJ
-– Universidade Federal do Rio de Janeiro -1920.
Faculdade de Direito de Olinda, criada em 1827 que
virou Faculdade de Direito do Recife, hoje pertencente à UFPE
- Universidade Federal de Pernambuco – 1946.
Faculdade de Direito de São Paulo - 1827, atual
Faculdade de Direito da USP - Universidade de São Paulo,
fundada em 1934, sendo a faculdade com mais prestígio no
Brasil foi criada pela elite política do Estado de São Paulo para
formar professores para escola secundária e pesquisadores
profissionais para curso superior.
Faculdade de Medicina de Ouro Preto, criada em 1839
e a Escola de Minas de Ouro Preto, instituto de Engenharia e
Arquitetura em 1876. Pertence hoje à UFOP - Universidade
Federal de Ouro Preto fundada 1969.
As primeiras universidades públicas com a
Proclamação da República, em 1889:
Faculdade Nacional de Direito nasceu em 1891, hoje
vinculada à UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, a
primeira universidade federal criada no país em 1920.
Faculdade de Direito criada 1892 em Belo Horizonte,
integrada à UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
fundada em 1927.
Faculdade de Direito de Goiás foi instituída em 1898,
hoje pertence à UFG - Universidade Federal de Goiás fundada
em 1960.
CRITÉRIO DE COTAS
O sistema de cotas foi adotado pela primeira vez na
Índia na década de 1950, para promover ações afirmativas que
integrassem a população tradicionalmente pertencente às

141
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

castas excluídas nos sistemas educativos, na administração


pública e nos cargos políticos.
Diversos países adotam diferentes sistemas de cotas
para incluir as populações vulneráveis e excluídas na
educação, no serviço público e em sistemas políticos. África do
Sul; Austrália – cotas para aborígenes; Canadá - cotas para os
inuítes (esquimós); Colômbia – cotas para negros e indígenas
nas universidades e nos Estados Unidos, as Universidades de
Harvard e da Columbia foram as primeiras a adotar sistemas
de cotas para negros em 1969.
No Brasil, a UERJ foi a primeira instituição pública de
ensino a adotar um sistema de ações afirmativas em 2003, em
seguida a UnB em 2004.
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE AS COTAS
Raras as decisões do Supremo Tribunal Federal em ter
votação unânime, uma dessas foi constitucionalidade das
cotas, em 2012.
Terminou com unanimidade e sem discursos extravagantemente
longos a sessão do Supremo Tribunal Federal que considerou
constitucional a reserva de vagas em universidades públicas com
base no sistema de cotas raciais. Todos os ministros seguiram o
voto do relator Ricardo Lewandowski, negando ação movida pelo
DEM. (Por Correio do Povo e AE -2012).

“Não posso deixar de concordar com o relator que a ideia (cota


racial) é adequada, necessária, tem peso suficiente para justificar
as restrições que traz a certos direitos de outras etnias. Mas é um
experimento que o Estado brasileiro está fazendo e que pode ser
controlado e aperfeiçoado”, disse Peluso.

A Lei nº 12.711/2012, sancionada em agosto daquele


ano, garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno
nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de
educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos
integralmente do ensino médio público, incluindo colégios
militares em cursos regulares ou da educação de jovens e
adultos. Os demais 50% das vagas permanecem para ampla
concorrência.

142
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

As vagas reservadas às cotas (50% do total de vagas da


instituição) serão subdivididas — metade para estudantes de
escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a
um salário mínimo e meio per capita, e metade para
estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a
um salário mínimo e meio. Em ambos os casos, também será
levado em conta percentual mínimo correspondente ao da
soma de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo com
o último censo demográfico do IBGE.
O critério da raça será autodeclaratório (não haverá
separação entre pretos, pardos e índios), como ocorre no
censo demográfico e em toda política de afirmação no Brasil.
Já a renda familiar per capita terá de ser comprovada por
documentação, com regras estabelecidas pela instituição e
recomendação de documentos mínimos pelo MEC.
No “Mito da Caverna” de Platão, o prisioneiro liberto
tem duas opções: retornar para a caverna e libertar os seus
companheiros ou viver a sua liberdade. A classe social de base
da pirâmide está tendo a oportunidade de frequentar as
universidades e retornar para estimular os seus. Por certo,
favorece a mobilidade social e intelectual da juventude
brasileira. Viva a democracia!
SER PROFESSOR
Esqueçam as noites e as
madrugadas dos professores a estudar
para defender suas teses de mestrado ou
doutorado. Desconsidere a necessidade
de leitura dos livros de diversos autores
para o preparo de uma única aula, as
pesquisas para os cursos e palestras. Porque, um dia utilizando
os recursos digitais, basta para esses jovens acharem que
sabem muito mais do que qualquer letrado.
A fala de Nemo sobre história e desprezo pelos
clássicos é impressionante, o negacionismo histórico, só que,
ao refutar o outro, no mínimo devemos procurar entender o
outro. Muitas das vezes o negacionismo vem com a tentativa

143
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

de revisar o passado com pensamentos da atualidade e


manipulações de dados.
O historiador e professor de História da UNICAMP,
Leandro Karnal, expõe o porquê de gostar da disciplina de
História:
A história mostra a desnaturalização de todas as coisas que antes
nós considerávamos naturais, a história mostra a liberdade que os
homens têm para construir e destruir todas as instituições. Eu amo
a história porque eu quero ser livre e a história é a base dessa
liberdade.
O resgate histórico é algo natural dentro da disciplina,
tendo afinidade com um personagem ele é estudado e
reestudado e criam uma nova roupagem, que pode ou não ser
aceito pela elite acadêmica, mas a nova releitura permanece.
A exemplo, o professor de Filosofia e História, Rafael Nogueira,
resgatando a imagem de José Bonifácio em livro e filme.
Napoleão Bonaparte é personagem de mais de 600 mil
livros, com um olhar e pesquisa de cada autor, uns mais
corretos e outros parcialmente incorretos sobre o famoso
imperador.
Na linha do negacionismo, escutei uma palestra sobre
Design inteligente - pensamento que busca contestar as ideias
evolucionistas em relação ao surgimento da vida na Terra e à
seleção natural. Fico espantada com a destruição do processo
passado para reconstruí-lo a favor da ideologia cristã, um
retrocesso às lembranças que primam pela ordem, em busca
de um passado mítico.
A ciência humana não é exata, as variadas fontes de
estudos formam outras teorias, o dinamismo do
conhecimento. Sou a favor da revisão e atualização, não
podemos desprezar novas fontes documentais, mas o crivo
acadêmico é relevante, pela estruturação do conhecimento
científico.
Não posso desprezar todo trabalho clássico de um
historiador, por imaturidade no entendimento. Eu primo pela
liberdade, mas também sou conservadora nas ações
regularizadas nas instituições.

144
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Educação institucionalizada precisa vir do Estado e não


através dos entretenimentos. Antes da internet eu sabia quem
era o vilão, agora são milhares, dando informações falsas,
copia e cola, ouvi falar, achismo sem referência do passado
para reconstruir o futuro.
Tudo mudou, ainda bem. Qual direção? estou perdida.
Acabou o bem comum? vamos ver no que vai dar ou salve-se
quem puder. Para qual direção que ruma a nação brasileira?
''Professor não é profissão, é missão… Não se faz um
país sem o saber, conhecimento…comprometimento com um
futuro”. (Alexandre Garcia, jornalista)
Recado para os jovens de idade: O professor ainda é
necessário, é o despertador de paixão ao conhecimento. A
educação tem o poder de te conduzir a um futuro melhor, nós,
pais, somos orientadores temporários. Experimente ter mais
cultura, terão o que tanto desejam, LIBERDADE.
PROJETO UNESCO
No meio acadêmico, o debate sobre o racismo chegou
em 1950, com o Projeto Unesco, que inaugura a etapa do
estudo sistemático da “situação racial” brasileira.
O conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no
Brasil, cujo resultado consiste em um grande inventário sobre
o preconceito e a discriminação racial no Brasil. Contratados a
participar, profissionais multidisciplinares da área de ciência
sociais: Florestan Fernandes, Roger Bastide, Luiz de Aguiar
Costa Pinto, Oracy Nogueira, Thales de Azevedo, Charles
Wagley, René Ribeiro, Marvin Harris e outros.
A origem desse projeto estava associada à agenda
antirracista formulada pela Unesco no final dos anos 1940, sob
o impacto do racismo e da Segunda Guerra Mundial. O Brasil
tinha uma imagem positiva no cenário das relações inter-
raciais se comparado com os Estados Unidos e com a África do
Sul. O objetivo do projeto era determinar os fatores
econômicos, sociais, políticos, culturais e psicológicos
favoráveis ou desfavoráveis à existência de relações
harmoniosas entre raças e grupos étnicos.

145
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Resultado da Pesquisa da Unesco veio com frustração,


pois não só desmente a tese sobre a inexistência de
preconceito e discriminação no país, como também revela e
confirma os costumes segregacionistas, diferente dos EUA e
África cujas segregações tinham amparo na lei.
Após essa pesquisa, tem início uma nova fase do estudo
sobre a sociedade em relação ao racismo e o amadurecimento
das ciências sociais no Brasil, tendo como protagonista o
sociólogo paulista Florestan Fernandes.
É só mais um conto da negra-vida
Aluguei um carro e fomos para praia, na volta, deixei o
pai do Nemo no aeroporto de Congonhas, assim que ele saiu
vi que deixou o celular no banco do carro. Falei para o Nemo ir
entregar o telefone. Nisso, o guarda que viu a cena, e
entendeu o acontecido, pediu para eu colocar o carro mais na
frente, a uns vinte metros.
Estacionei e sai do carro para o Nemo me ver. Ao
retornar, ele saiu do saguão e abriu a porta do primeiro carro
escuro que viu estacionado à sua frente.
Gente, gelei! Gritava o nome dele. Eu estava tão perto,
mas longe pra evitar um incidente. Dois segundos de pânico.
No meu pensamento: Se alguém se assusta e pensa
que é ladrão! A visão da sociedade que não é nada
determinante, e sim condicionante.
Mãe de menino negro tem esse pensamento,
infelizmente.

MOVIMENTOS SOCIAIS
Exatamente assim, inesperadamente, sem rodeios
Nemo me abordou certa noite:
- Você é a favor do movimento negro?
- Sim, algumas radicalizações eu não gosto, não seria
ativista de nada. Tem pessoas que gostam de filmar com a
câmara em tripe, outras colocam-na no ombro e sai filmando.
Eu sou do tripe, gosto de ficar na minha.

146
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Eu participava dos eventos sem atentar para o


significado social. Na adolescência, frequentei o grupo afro
“Agbara Dudu” em Madureira, mas foi pelo interesse nos
shows musicais. Também tenho lembrança agradável da
minha primeira Festa de Gala no Teatro Municipal de São
Paulo, acho que foi promovida pelo Aristocrata Clube, no ano
2000 ou 2001, um evento da sociedade negra na entrega de
prêmios aos destaques do ano.
- Você sabe o que foi a Frente Negra Brasileira?
Nemo vai jogando pergunta em cima de pergunta.
- Acho que foi um partido.
Balançou a cabeça como reprovação.
No Estado Novo surgiu a FNB - Frente Negra
Brasileira (1931- 1937), em São Paulo, e expandiu com
diversas filiais por vários Estados, as principais foram no Rio
de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Rio
Grande do Sul e Bahia. Com objetivo de denunciar o racismo
da sociedade, porém a entidade reestruturou-se e manteve
escola, grupo musical e teatral, time de futebol,
departamento jurídico, além de oferecer serviço médico e
odontológico, cursos de formação política, de artes e
ofícios, e a criação do periódico “A voz da Raça”, meio de
comunicação jornalístico que revolucionou o início do
século XX; uma voz da população negra excluída da
sociedade pós-abolição. Em 1936, a FNB transformou-se em
partido político.
Meu sentimento é de avaliação constante pelo filho,
as vezes me sinto burra, outras vezes esgotada, com tantas
perguntas.
E pergunto também: - Sabia que
o pai do Vô Giba fundou uma
agremiação negra?
Nemo fez um gesto negativo e
sumiu pelo corredor.
FAMÍLIA ABREU
Giba para uns e Gibuna para
outros, JOÃO BATISTA DE ABREU (foto),
ele e toda família envolvidos com
147
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

sindicatos e movimentos negros. A família Abreu de Mogi


Guaçu, interior de São Paulo, quando os conheci eu tinha vinte
oito anos, entrei na família como amiga do noivo da Vânia e da
Bernadete Sabino60, não sai mais, ali quem entra não sai, por
serem muitos acolhedores.
Nemo e todos da família Abreu ao chegarem pedem a
bênção e beijam a mão dos avós e dos tios, até porque os mais
velhos conduzem a mão para os jovens.
O João Batista de Abreu, pai das tradicionais VVVV –
Vânia, Valéria, Viviane e Valeska (na
pandemia, em vídeo chamada com a
Vó Lazinha - foto).
Bisa exibe seu certificado de
vacinação da
primeira dose
no combate ao
Covid-19 (foto),
nasceu trinta
anos depois da
libertação dos escravos no Brasil.
Dona Lazinha, chamo-a de
bisa, bisavó, agora já tem
tetaraneto. Lázara Miguel Gaspar,
nascida em 19 março em 1921, o pai registrou depois,
provavelmente nasceu em 1920, casou-se com Noel Miguel
Gaspar, mãe dos VVVVM - Valderez, Valter, Vera, Valquíria,
Valdete e Meire. São 10 netos, 19 bisnetos, 3 tetranetos.
Valéria Abreu, filha da Valderez e do Giba fala um
pouco sobre sua avó materna:
Vai SABER, mas Vó Lasinha sabe ...
Menina franzina de laços de saca alvejada e passada,
em ferro aquecido no carvão, esperava com seus irmãos na

60 Maria Bernadete Sabino da Silva casada com Francisco de Abreu (1948-2015)

148
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

estação da ferroviária a chegada do trem de carga onde


ajudavam na retirada das sacas de açúcar, para levar até a
venda, e como pagamento ficavam com a saca, tecido de linho
fino. Depois de lavado e alvejado, sua madrasta Amizaia,
minha bisavó materna, onde costurava, fazendo os vestidos
para as meninas Lázara Miguel e Marcela Miguel e calças para
João Miguel, seu irmão do meio. Ainda tenho a agulha de
madeira artesanal ao qual Amizaia fazia croche.
AGENOR DE ABREU – PAI, FILHO E NETOS NO ACAG61
Organizando a biblioteca do condomínio onde eu
morava, vi um livro intitulado “Família Abreu”, enviei para o
Giba, sem saber que seu pai fazia parte do livro, Agenor
Abreu62, que também tem seu nome na toponímia da cidade
de Mogi Guaçu.
No começo do século XX, nasciam os, chamados,
patrícios e dão-se a formação das famílias; Abreu, (Sr. Agenor),
Augusto (Sr. Ari), Andrade, Benedito, (Seu Zé), Gaspar (Sr.
Noel), Macena, Família Manuel, Martins, Nunes (Seu Zé
Guaxupé), Pinheiro (Sítio Velha Luca), Rosa, Santos (Sr.
Carlito), Vitorino, e inúmeras.
Muitas famílias de afrodescendentes migraram para
Mogi Guaçu com a ferrovia mogiana e para trabalhar nas
cerâmicas.
Assim, começam a se formar os pequenos encontros
nas praças, nascendo grandes amizades, dando início ás
organizações e encontro para bailes, apresentação da
congada, folia de reis, escolas de samba, bailes, um deles o da
pérola negra.
O movimento que nasce de um intuito recreativo e
cultural, veio crescendo com a união das escolas de samba,
Unidos da Vila São Carlos, Mocidade Alegre, Vai Quem Quer,
blocos da cidade e convidados, mostrando a cultura de um
povo. Com o passar dos anos, novas escolas surgem como,
Leões da Vila Maria, e Escola de Samba dos Ypês, permitindo

61
Informações retiradas de um ato solene da Câmara Municipal de Mogi Guaçu
62
Agenor Abreu (1904-1978) e Agenor Abreu Filho (1946-2020)
149
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

não apenas o encontro cultural, mas dando espaço para o


questionamento quanto a efetivação dos direitos dos
afrodescendentes na sociedade Brasileira.
Na década de 70, o filho de Agenor de Abreu, com sua
autonomia e homem de identidade, começa a luta para
criação do movimento negro na cidade, tornando este, o
condutor dos ideais nascidos nos encontros dos negros de
Mogi.
Neto de escravos, Agenor vem com seu conhecimento
adquirido, conduzindo um grupo de pessoas na luta pelos
direitos sociais dos afrodescendentes e, pela sua história, é
comparado a grandes nomes nos movimentos negros,
convidados pela ACAG - Associação Afro Guaçuana.
Em 1988, Agenor Filho dá início às burocracias em
oficializar a Associação Afro Brasileira de Mogi Guaçu, com
objetivo de fomento a educação, cultura, moradia, saúde,
bem-estar, zelando pela sociedade negra do município.
BRASIL E AS AÇÕES AFIRMATIVAS
O Brasil, com programas de ações afirmativas, visa
reconhecer e corrigir situações de direitos negados
socialmente ao longo da história. São medidas especiais e
temporárias tomadas pelo Estado e/ou iniciativas privadas,
espontânea ou compulsória, com o objetivo de eliminar a
desigualdade por motivos étnicos, religiosos, gênero, raciais e
outros.
Nemo acha que as ações afirmativas são racistas, vejo
como reparação, uma dessemelhança com privilégio, que é o
filho de funcionário público ter benefícios do plano de saúde
até os 33 anos enquanto os demais encerram, no máximo, com
24 se estiverem cursando a faculdade.
Pensão passada para duas gerações no pós-morte,
trabalhar por oito anos ou dois mandatos e ter direitos a
aposentadoria enquanto a população precisa ter acima de
trinta anos de contribuição. Há uma grande diferença de
privilégio e reparação.

150
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Brasil, país miscigenado, governabilidade estruturada


em privilégios, somos 50% da população precisando ascender
socialmente, não basta entrar na sala de aula com ensino
colonizado. É indubitável a desconstrução e reconstrução dos
valores sociais, historicamente, é chamado de Revolução.
Não basta ter a capacidade intelectual dentro de uma
sociedade que discrimina, precisamos de auxílio e ajuda na
equidade. Uma civilização é alimentada diariamente por
valores, dependendo do que se deixa para trás, acumula e
transborda – a violência social é uns dos resultados.
A luta é antiga com imigração, colonização,
socialização, ensino público de qualidade voltado para
determinadas classes… pela estrutura social fixada no Brasil, a
priori, o fortalecimento ou o empoderamento serão sempre
necessários para formação do pensamento, e sair do
condicionamento escravocrata.
A experiência intelectual vai além do ensino das
instituições educacionais, temos degraus a subir para
obtermos o benefício e clareza do conhecimento amplo da
formação ideológica do Brasil, que é capaz de exaltar os
diversos sociólogos nas universidades públicas e omitir Alberto
Guerreiro Ramos.
Os movimentos dos negros levaram muitos ativistas
para dentro da academia, e demonstrar nossa história. A
intelectualidade fornece o corrimão no auxílio da subida,
talvez essa seja a razão do repúdio.
A negra-Ana vê a utopia necessária para construção de
uma sociedade com menos desigualdade. Acreditar, construir
e seguir em frente. Ficar só com a mazela da escravidão, só
com o negativismo da subjugação é um atraso de vida.
Nossa essência é tribal, lutamos entre nós, mas não
podemos lutar conta nossa preservação cultural, história, e
conquistas dentro dessa sociedade com custumes enraízados
na segregação.

151
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

O negro-vida constrói o negro tema. Estamos por


nossa conta.
Aa ações afirmativas, grupo de pessoas que se
dispuseram à mudança. O movimento negro no Brasil tem suas
raízes na própria resistência à escravidão. Com o crescimento
no século XIX do movimento abolicionista, intelectuais negros
passam a editar jornais e fundar associações culturais com o
objetivo de reivindicar o fim da escravidão.
Eu, novata nesse olhar, vejo tanto o negacionismo do
patrimônio criado pelos movimentos, a desconstrução de
feito, a falta de informação ou só escutar e repassar. O passado
velado, escondido, deturpado, desvendado pela luta de
muitos nas próximas linhas.
No pós-escravidão os periódicos acabaram se
tornando meios de denúncia de atos praticados contra os
negros e desigualdade social entre negros e brancos, as
chamadas “imprensa negra” em diversos Estados: A Pátria -
Órgão dos Homens de Cor, de 1899 a Revista Raça Brasil em
1996 e no final da primeira década do século XXI as Redes
Sociais.
Na Primeira República, o movimento teve caráter
cultural com o fim de manter suas tradições. Criando,
inicialmente, dezenas de grupos de cunho assistencialista,
recreativo e/ou cultural, educacional, desportiva, por meio do
jornalismo, teatro, música, dança e lazer.
Algumas delas tiveram como base de formação classes
de trabalhadores negros, semelhante ao sindicato, temos a
criação de diversos clubes: Club 13 de Maio dos Homens
Pretos em 1902; o Centro Literário dos Homens de Cor, em
1903; a Sociedade Propugnadora 13 de Maio em 1906 e
muitos outros.
Em 1988, o Governo Federal fundou a primeira
instituição pública voltada para promoção e preservação dos
valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes
da influência negra na formação da sociedade brasileira: FCP -
Fundação Cultural Palmares.

152
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

No governo Dilma, o Hilton Cobra assumiu a


presidência da Fundação Cultural Palmares. E Néia Daniel foi
convidada por ele a assumir a Representação dos Palmares no
Rio de Janeiro e Espírito Santo. Uma das funções da FCP é
certificar as comunidades quilombolas e cabe ao INCRA a
titulação das terras.
Néia fala com Nemo sobre o movimento negro:
Movimento Negro, como convivi de perto, sei que, nem
todos têm a postura passada por ele. Mas isso, é um longo
papo. O MN levou um bom número de ativistas a buscar a
academia para rescrever a nossa história. Se hoje existe a Lei
10.639 foi fruto de muita briga do MN. Se um grupo escolheu
o caminho da política partidária foi no intuito de através dos
partidos políticos tentar mudar alguma coisa a nosso favor.
Ao longo de minha caminhada encontrei muitas
pessoas sérias dentro do MN e alguns picaretas também.
Porém, a quantidade de pessoas sérias foi bem maior. Eu me
lembro que na década de 1970, no auge do movimento Black
Rio, o Fantástico produziu uma matéria com vários sambistas
questionando o movimento. Ao mesmo tempo, nas discotecas
o povo curtia Os Embalos de Sábado a Noite com John Travolta
e ninguém questionava. Foi mais fácil jogar a polêmica entre
os iguais: samba x Black Rio.
É preciso alargar a parte de baixo do funil. Na parte de
cima fica a negrada toda brigando e muito poucos conseguem
passar pelo cabinho. As cotas, as ações afirmativas vêm
exatamente para alargar essa passagem.
RENASCENÇA CLUBE
O popular Rena, clube da elite negra do Rio no século
XX, localizado no Bairro do Andaraí. Quando falam que o Rena
tem história, é verdade, pois na época que fiz faculdade em
1996, pesquisei alguns artigos na Biblioteca Nacional sobre a
Imprensa Negra, a funcionária me indicou para procurar nos
arquivos no Renascença Clube, a importância da história negra
está viva e ativa na agremiação.

153
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Até 1963, nenhuma mulher negra havia participado de


um concurso de beleza, pois o padrão de beleza feminina era
europeu, mas surge o fruto do Renascença Clube, Aizita
Nascimento da Costa, não foi classificada, mas o concurso lhe
deu visibilidade, destaque na mídia e na carreira artística.
Em 1964, a primeira Miss Guanabara, Vera Lúcia
Coutinho dos Santos em meio aos aplausos e gritos “Sai daí,
crioula. Teu lugar é na cozinha. Não se manca, não?”
conseguiu o segundo lugar no Miss Brasil, representou o Brasil
no concurso Miss Beleza Internacional na Califórnia,
conseguindo o terceiro lugar. Vera ganhou o mundo, aprendeu
vários idiomas e abriu portas para as mulheres negras
brasileiras.
O Clube Renascença fundado em 17 de fevereiro
de 1951, por um grupo de negros de classe média que,
impedidos de ingressar em clubes tradicionalmente
frequentados por famílias brancas, resolveu criar uma
agremiação onde as famílias negras, (os brancos não eram
proibidos frequentar) pudessem se reunir e se divertir
numa harmoniosa convivência social e cultural, onde não
fossem, portanto, discriminados.
A missão do Renascença Clube é contribuir com o
aumento de atuação dos cidadãos afro-brasileiros, no
processo democrático em nosso país, por meio de
iniciativas socioculturais, visando a qualificar a sua
capacidade de contribuir plenamente para o bem comum.
Devido ao seu comprometimento com a cultura e o samba,
o Renascença é considerado bem tombado da cidade do Rio
de Janeiro, conforme Lei Municipal nº 3033, de 07 de junho
de 2000 que declara o Clube como Área de Proteção do
Ambiente Cultural - APAC. O Clube também tem sido objeto
de teses e pesquisas. E, desde 2011, foi tombado pela
Prefeitura, como patrimônio cultural da cidade do Rio de
Janeiro, o que demonstra a sua importância cultural. O
Clube é polo difusor de cultura, portanto é fundamental
resguardar patrimônios como o Renascença…
(Renascença Clube – resistindo na história)

154
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

A rápida estadia no Rio, antes de mudarmos para


Portugal, eu e meu filho fomos ao baile vespertino de
Carnaval. Ao chegar na porta do Clube, não reconheci,
também frequentei pouco, meus pais foram assíduos na
juventude.
Não há nenhum clube que resistiu como o
Renascença, todos os clubes da minha época ou dos meus pais
são inexistentes de atividade. Andei pelo clube e exaltei para
o Nemo a importância da referência, da tradição.
O clube está em plena atividade. Promove a famosa
roda de samba, oferta cursos de fomento para comunidade e
sócios, providencia eventos culturais e sociais, mantém em sua
quadra fotos gigantescas dos negros em destaque em diversas
áreas fora do esporte e da música.
Em São Paulo, teve o Aristocrata Clube criado em
1961, exclusivamente para negros, como resposta ao racismo,
de forma a mostrar que negros também tinham o direito de
festejar. Nos anos 1990, eu fui a alguns almoços, havia no
clube constantemente a presença de artistas negros.
Fui ao Clube Pinheiros em São Paulo, isso em 2010, ali
se vê a separação das águas. Os clubes para negros nasceram
em oposição aos clubes chiques que os negros não podiam
frequentar.
O que é esse “não poder”? limitar, dificultar, barrar o
ingresso com valor financeiro, tendo valor o financeiro,
precisar ser indicado por um sócio, depois tendo todos os
atributos precisa da aprovação da assembleia.
O desejo de conquistar um espaço ao sol para grande parte
dos brasileiros é uma luta diária.
O grupo UHC - União dos Homens de Cor foi fundada
por João Cabral em Porto Alegre em 1943, cinco anos mais
tarde se ramificou por mais dez Estados através dos periódicos
da imprensa negra, serviços de assistência jurídica e médica,
aulas de alfabetização e outros... A entidade declarava que sua
finalidade central era elevar o nível econômico, e intelectual
das pessoas de cor em todo o território nacional.

155
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

O TEN - Teatro Experimental Negro, fundado por


Abdias Nascimento em 1944, teve como expoente a atriz Ruth
Souza. Com o objetivo de lançar em debate a questão da
emancipação dos negros, fato este que derivou em
publicações diversas sobre o tema e na adesão à causa de
intelectuais não negros. O TEN foi praticamente extinto com a
ditadura em 1968 e seu dirigente autoexilou nos Estados
Unidos por um período.
Abdias organizou o I Congresso do Negro Brasileiro;
promoveu concurso da Rainha da Mulata e da Boneca de Pixe;
e de artes plásticas que teve como tema Cristo Negro, trouxe
o movimento da negritude francesa. Também criado em 1981,
o Ipeafro - Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros. A
missão do Instituto é valorizar e divulgar a história africana e
dos negros nas escolas brasileiras produzindo material e
suportes para professores e alunos.
Na década de 60, a caminhada dos grupos no Brasil
ganha novas influências e referências, como o Movimento dos
Direitos Civis nos EUA e a luta africana contra a segregação
racial e libertação de colônias.
O movimento Black is Beautiful foi responsável por
encorajar os pretos a reconhecerem suas africanidades e
exaltarem suas belezas, valorizarem a estética negra, terem
orgulho de sua cor, de serem e se reconhecerem como uma
pessoa preta. As negras pararam de alisar os cabelos,
passaram a usar seus cabelos naturais, roupas de estilo
africano e turbantes, e reforçar que tudo isso era lindo, realçar
seu fenótipo ao invés de se assemelhar com as mulheres
brancas.
O Grupo Palmares, fundado em 1971, em Porto
Alegre, foi o primeiro a fazer a proposta do Dia da Consciência
Negra, adotando a data presumível do dia da morte de Zumbi
dos Palmares em 1695, o dia 20 de novembro, como
efeméride comemorativa, trazendo o protagonismo do negro
na/para a história do país, em contraposição à data do 13 de
maio, dia da assinatura da Lei Áurea e antiga comemoração

156
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

festiva da abolição da escravatura, transformou-se em Dia


Nacional de Denúncia Contra o Racismo.
O IPCN - Instituto de Pesquisa das Culturas Negras,
fundado em 1975, na cidade do Rio de Janeiro, ainda existente,
atua capacitando militantes em diferentes instâncias, no
campo da arte plástica, nas escolas de samba.
Nos anos de 1970 surge na Universidade Federal
Fluminense um grupo chamado Grupo de Trabalho André
Rebouças, incluindo nomes como Maria Beatriz Nascimento.
Depois, na Cândido Mendes surge o Centro de Estudos Afro-
asiático, na Universidade Cândido Mendes. Em Salvador, surge
o Ilê, agitando a massa. Isso tudo em tempos de ditadura
militar. Nesta década também surge o GRANES Quilombo
fundado por Antônio Candeia Filho, Candeia.
Centro de Estudos Brasil-África - CEBA em São Gonçalo
e em julho de 1978 (Dulce Vasconcellos e Izinho fazem parte
desta fundação)
Em 1978, surge o MNU - Movimento Negro Unificado,
como uma organização de ideias marxistas, de orientação
trotskista, Convergência Socialista. Uma escola de formação
política e ideológica, também teve a proposta de unificar a luta
de todos os grupos e organizações antirracistas em escala
nacional.
A tortura e assassinato do feirante Robson Silveira da
Luz, acusado de roubar frutas em seu local de trabalho. No
mesmo ano, quatro garotos jogadores de vôlei foram
discriminados pelo Clube Regatas do Tietê e o operário Nilton
Lourenço foi morto pela Polícia Militar no bairro da Lapa, em
São Paulo. A reação imediata da juventude negra para os
ataques foi a articulação do MNU, que pedia o fim da violência
policial.
Em 1984, em São Paulo, é criado o CPDCN - Conselho
de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra,
tem como objetivo desenvolver estudos e propor medidas que
visem a defesa dos seus direitos, eliminação das

157
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

discriminações e plena inserção na vida socioeconômica,


política e cultural.
Fundação Cultural Palmares em 1988, o Governo
Federal fundou a primeira instituição pública voltada para
promoção e preservação dos valores culturais, históricos,
sociais e econômicos decorrentes da influência negra na
formação da sociedade brasileira.
A missão institucional de promover e preservar a
cultura afro-brasileira, busca o fortalecimento de políticas
públicas voltadas à cultura negra, de forma a contribuir para a
construção e implementação de medidas efetivas para um país
mais justo e com igualdade de oportunidades para todos. Por
meio de suas ações afirmativas busca retirar da invisibilidade
a cultura negra, formadora da identidade nacional, e eliminar
as desigualdades históricas e as discriminações raciais, étnicas,
culturais e religiosas do povo negro.
Na Conferência Nacional do Negro em Brasília, foi
concretizada a proposta de tornar crime o preconceito racial e
étnico. Igualmente, foi pedida a titulação de terras de
remanescentes de Quilombos.
O presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu o
Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da
População Negra em 20 de novembro de 1995. Esta iniciativa
se deu com base em dados alarmantes do IBGE e IPEA, a
respeito da profunda desigualdade socioeconômica entre
negros e brancos.
O ex-presidente FHC é o sociólogo que não precisava
se pautar nesses estudos por ser um conhecedor profundo
nessa área, participou efetivamente do Projeto da Unesco
sobre a discriminação racial no Brasil nos anos cinquenta. É o
segundo brasileiro com mais prêmios e honrarias, ganhador do
Honoris causa em diversas universidades.
A Marcha Zumbi, realizada em Brasília em 1995,
contou com a presença de 30 mil pessoas, despertando a
necessidade de políticas públicas destinadas aos negros, como

158
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

forma compensatória e de inclusão nos campos


socioeducativos
No ano de 2003 é instituída a SEPIR - Secretaria
Especial de Promoção da Igualdade Racial que tinha como
missão promover mecanismos de inclusão social para a
população negra.
Inaugurado em 2004, o Museu Afro Brasil, no Parque
Ibirapuera em São Paulo, com recursos da Petrobras e do
Ministério da Cultura através da Lei Rouanet. Seu acervo
contém pinturas, esculturas, gravuras, fotografias,
documentos e peças etnológicas, de autores brasileiros e
estrangeiros, produzidos entre o século XVIII e os dias de hoje.
Missão - Promover o reconhecimento, valorização e
preservação do patrimônio cultural brasileiro, africano e afro-
brasileiro e sua presença na cultura nacional.
Movimentos Negros ricos, instigantes e reflexivos.
Muitos dos meus hábitos e posturas foram moldados por essas
ações, eu nem me dava conta.

KARL MARX
Estava pensando nesses chineses turistando mundo e
suas negociações com crescimento alarmante na economia
mundial. Quebrando meus pensamentos político-econômico,
e ao mesmo tempo exaltando outro, Nemo entra como um
foguete pela cozinha a dentro:
- Fala aí, você não acha que o Marx era vagabundo?
Meus olhos esbugalharam de susto e surpresa com a
pergunta:
- Como? Rebati quase instantaneamente: - O fato de
não ter um trabalho braçal não faz dele um vagabundo. Ele
deixou um legado intelectual, inventou o jornalismo político.
Insatisfeito com minha resposta, Nemo replica e
enumera com os dedos o “vagabundismo” de Marx: - Ele não
trabalhou, não sustentou sua família, promoveu passeatas, e
com suas ideias, matou milhares de pessoas.

159
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Reagi, me arrumei na cadeira enquanto ganhava


tempo para organizar as ideias, olhei pro Nemo e falei:
- Pera aí! Vamos entender quem foi Karl Marx, suas
ideias e o contexto social da época.
Nemo já estava com tudo resolvido na cabeça, nem me
deixou prosseguir, ele argumentava:
- O comunismo e a teoria marxista não foram bem-
sucedidos em nenhuma sociedade, fala aí.
- Depende do ponto de vista. O marxismo foi um post
mortem de Marx. A deturpação das ideias dele não é culpa
dele.
Mas o menino estava afiado:
- Ideologia, no contexto marxista, é uma “falsa
consciência”.
- Filho, precisa entender que existe o Karl Marx
filósofo, que explica o mundo e cria suas teorias sobre o
conhecimento e o político63 que deseja mudar o mundo. E
mudou.
- Ele exitou passeatas violentas. Nemo insiste na
hostilização a Marx.
- Verdade. Marx não acreditava em uma revolução
passiva. Por não acreditar que os operários desprovidos de
projeto político consistente, melhorariam suas condições de
trabalho e salários, muito menos através da boa fé dos
capitalistas ou do sindicalismo; acreditavam em uma gradativa
ampliação da sua consciência, na revolução da sociedade.
Para quebrar o clima tenso, solto minhas “pérolas”
irritantes e um sorriso patético:
- Sabia que eu confundia Karl Marx com Max Weber64?
Weber foi pensador fundador da sociologia, e também
se destacou pela análise econômica da sociedade alemã. A

63 Teses sobre Feuerbach


64
Karl Emil Maximilian Weber (1864-1920) foi um sociólogo, jurista e economista
alemão. Nascido em uma família de posses, Weber foi educado com a rigidez da
religião protestante e com o despertar do gosto pelo estudo e pelo trabalho, suas
obras “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” e "Economia e Sociedade”.
160
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

mesma nacionalidade, teorias econômicas, aí está a premissa


da minha confusão, não devo ser a única.
Nemo continuou com aquele olhar desafiador:
- Que novidade!
E quando olhei, o neguinho já tinha ido embora.
Meu sorriso irrita-o, minha postura quebra o clima, ele
quer debater, estilo “roleta russa”.
O meu conhecimento referente ao comunismo é
básico, e como gosto de geopolítica, me interessei pela guerra
fria, e na comemoração dos 100 anos da Revolução Russa, fiz
uma leitura incompleta do “Livro Negro do Comunismo65”,
uma coletânea de textos de professores universitários
europeus.
Assisti ao documentário “O dia que durou 21 anos” -
1964 que durou até 1985, e instaurou a ditadura no Brasil, o
filme conta sobre os bastidores da participação do governo
dos Estados Unidos no golpe militar, arquitetado para
derrubar o governo de João Goulart, o Jango, como prevenção
de não ter mais um país comunista nas Américas, pois já havia
Cuba.
Passado alguns dias, já tinha até esquecido do assunto,
veio Nemo, me pressionando, falando do comunismo na
África, das ideias de Marx:
- Você fez faculdade de história e não sabe nada.
Nem dei bola e ele foi embora.
Assim que ele pôs o pé na cozinha, falei:
- Gostando de suas ideias ou não, seu legado é digno
de apreciação e de extrema importância no estudo
revolucionário da sociedade. Suas teorias, portadoras de uma
nova concepção do mundo, com colaboração de Friedrich
Engels, mudaram o rumo da sociedade até os nossos dias.
Nemo, retorna a afirmar:
- Ele era um vagabundo.

65
The Black Book of Communism - Crimes - Terror - Repression by Stephane Por No
Brand
161
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Você está associando ao trabalho braçal e esquece


do intelectual.
Pronto! Já saiu sem mais delongas.
Marx não era vagabundo. O significado de vagabundo:
desocupado, vadio, ocioso, indolente, preguiçoso, malandro,
molenga, peralta, tunante. Com a vasta obra de Karl Marx é
difícil para mim associar esses adjetivos à sua biografia.
A perseguição ao revolucionário pela europa impediu-
o de conquistar trabalho estável, e sua desorganização em
cumprir prazos, provavelmente atrapalhou a manutenção do
seu financeiro. Engels foi um dos financiadores do amigo Marx
para manter a escrita da sua intelectualidade, entretanto Marx
fez biscates intelectuais, jornalista independente, recebeu
herança com falecimento da mãe e da família da esposa.
Beberrão, parasita de amigos e adúltero são uns dos
atributos mais repetidos por conservadores contra Marx, até
se for verdade, não apaga o legado deixado. Os pensamentos
dos gênios alemães, ironicamente não evitou a direção da
Alemanha para os desastres históricos de guerras e
genocídios. Vai entender a mente humana!
O comunismo é associado às teorias de Marx e Engels
no século XIX, mas alguns concordam que há algo similar no
escrito por Platão, na obra A República (Πολιτεία, ou Politeia,
no original grego). Quando temos a oportunidade de ler uma
obra tão antiga como essa e rever as necessidades da
sociedade que são as mesmas dos dias atuais, é para pensar.
O desenvolvimento das máquinas e das tecnologias são
paradoxais à evolução do ser humano.
Alguns dissidentes da igreja também se manifestaram
em viver sem propriedade privada, e sim em comunidade,
entre os séculos XII e XV, sendo posturas de pensamentos
dessemelhante do comunismo marxista, porém a base da
teoria de Marx vem da relação do trabalhador perante a
Revolução Industrial acontecendo no continente europeu.
No século XX, a ideologia comunista matou em torno
100 milhões de pessoas por todo o mundo por resistir ao fim

162
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

da propriedade privada, perseguição religiosa e governança


patológica. Infelizmente, o genocídio foi a ação que o Estado
encontrou para praticar na sociedade sua filosofia de
igualdade na Romênia, na Letônia, na Ucrânia, na Coreia do
Norte, no Vietnã, na China (matou mais 60 milhões), na Rússia,
nos países africanos, na América Latina…
REVOLUÇÃO RUSSA
O marxismo66 ganhou muita visibilidade com a
Revolução Russa em 1917, que foi financiada pela Alemanha67
e com a instalação da URSS - União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (1922-1991). Na minha mente, fixou mais o terror
do que as ideias e as teorias utópicas de Vladimir Ilyich
Ulianov, mais conhecido Lenin ou Lenine e seu sucessor, Josef
Stalin.
Mas forjou aquela formação de sociedade; se não
fosse a repressão, o totalitarismo, o genocídio, a polícia
secreta, os campos de trabalhos forçados, a censura, os
desvios de erário, o confisco da propriedade. Mas, a história
não permite usar a conjunção “se”.
A Rússia influenciou vários países a seguirem a mesma
doutrina, outras nações aderiram ao comunismo acreditando
ser a melhor forma de vida para a sociedade. O paradoxo da
Revolução Russa é a implantação e prática de uma nova
doutrina comunista, diferente e adaptada da filosofia e
ideologia de Marx.
A primeira vez que o poder do Estado (econômico,
forças armadas, leis...) passa direto para o proletariado (o
trabalhador, o operário). Anteriormente, as mudanças de
poder aconteceram por meio de Revoluções Burguesas
(Puritana, Gloriosa e Francesa), saindo do regime monárquico

66 O marxismo começou a ser difundido por meio das obras de Marx e Engels,
lembrando que não foram os autores que criaram o termo “marxismo”, e ganhou força
no fim do século XIX a partir da formação de grandes sindicatos de operários
67
1917: Lenin retorna à Rússia | Fatos que marcaram o dia | DW | 16.04.2017
163
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

hereditário e vitalício para as mãos da classe burguesa (os


empresários, a elite financeira).
“Revolução Russa 100 anos, Pão, Paz e Terra”, esse foi
um tema de uma palestra e documentário de Martin
Hernandes, exalta o sucesso na implantação do comunismo na
URSS.
O palestrante inicia sua fala com uma pergunta: Como
esses camponeses foram capazes de governar e desenvolver
um país atrasado como a Rússia em tão pouco tempo, tanto
no aspecto econômico como no cultural?
Em um cenário dentro da 1ª grande guerra, fome, frio,
greves e motins, nasce a primeira revolução mundial
trabalhista, Revolução Bolchevique, de Vladimir Lênin em
1916.
A Rússia, com a população de 180 milhões, sendo: 90%
da mão de obra agrária, 78% analfabetos, mais de 146 idiomas
e vários desses sem escritas. Conseguiram acabar com o
analfabetismo: os estudantes eram remunerados para
frequentar as escolas, na época de prova os operários tinham
direito a licença de até um mês para se prepararem para a
avaliação.
Fim do desemprego: no ano 1920 eram 10 usinas
elétricas, 15 anos depois 95. De 1925 a 1935 as indústrias
pesadas multiplicaram-se em 10 vezes e do ano de 1933 a 1936
a de ferro duplicou. Conquistas de igualdade para mulheres
que nenhum país capitalista conseguiu, como liberação das
mulheres em trabalho doméstico, com construção de
refeitórios populares, lavanderias públicas. Na cultura, os
teatros, estilo Municipal, funcionavam nos três períodos para
atender a disponibilidade do trabalhador...
Os meios que levaram a ter “sucesso” o comunismo
soviético: manipulação, ocultação de informações, repressão
metódica, destruição da cultura. E o mais grave, o extermínio
por cotas das classes sociais ‘inimigas” por fome, por
segregação, por exílio...

164
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

“O Livro Negro do Comunismo” exalta o paradoxo


dessa revolução, o terror como forma de governar. Não vamos
contabilizar os mortos, e sim desenvolver o que foi realizado
por Lênin e Stalin para que os ideais do novo comunismo
fossem implantados a partir da Revolução dos operários em
1917. Cota de extermínio, o parlamento autorizava a eliminar
pessoas de acordo as regras impostas naquele período.
Guerra de classes: partidos políticos, igrejas,
intelectuais, categorias profissionais... Eram tratados como
inimigos todos com ideologia diferente, todos exterminados,
homens fuzilados, mulheres, crianças e idosos exilados em
áreas desérticas para morrerem de fome. Deportação e
abandono de diversos povos Kulaks, ucranianos, alemães do
Volvo, Tártaros da Criméia, populações urbanas, todos
transportados em vagões de animais e longas caminhadas.
O poder de intimidação afeta o ramo administrativo
com fechamento de arquivos, ocultar informações, esconder
delitos, destruídas as bibliotecas, culturas e costumes. O
regime totalitário de Stalin contrariava de todas as formas o
que Marx pensava sobre o comunismo.
“Um grande ideal que levou a um grande crime”.
(Martin Malia - historiador americano especializado em
história da Rússia)
MARXISMO NO CONTINENTE AFRICANO
Eu, sentadinha na cozinha, escrevendo no
computador, ganho uma massagem nas costas, nada muito
confortável, por que a força do “nego” é grande.
- Mãe, sabe por que a África é desse jeito?
- Colonialismo europeu… - respondi quase
automaticamente.
- Nada disso. Devido o marxismo.
Esse garoto tem uma implicância com Karl Marx:
- O que o marxismo tem a ver com a pobreza na África?
Com a cara de injuriado com a minha pergunta ele
responde:

165
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

- Não sabe de nada mesmo. A fome não é uma das


armas do comunismo?
- África é palco das tragédias humanitárias, eu disse e
continuei: - Angola, Congo, Etiópia, Moçambique, Zimbábue e
Zâmbia. Morticínio e miséria extrema nesses países.
- Levaram marxismo ao tribalismo - replicou ele
taxativo.
- Não é bem isso. E fui saindo para meu curso.
E no dia seguinte, Nemo me convida para assistir um
filme, não tenho hábito de vê televisão de dia, eu cochilo,
então ele fica bravo.
Ele interromper o filme por diversas vezes, comentar,
perguntar se entendi, e discutir o assunto.Nossa! Até eu
acostumar com esse hábito, foram muitas discussões.
“O poço”, um filme de ficção científica que faz uma
analogia à implantação do comunismo, de origem espanhola,
dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, lançado em 2019.
O cenário se passa em uma prisão de construção de
nível vertical, com mais de 300 andares, cada andar com dois
presos. A única ação dos presos é esperar por uma plataforma
de comida - com banquete de alto nível gastronômico, que se
move para baixo entre os andares todos os dias, do nível zero
até o último andar e para em todos os níveis por apenas dois
minutos antes de descer para o próximo.
Assistir a um filme desse porte é para repensar em que
nível nós estamos: tanto na plataforma da prisão e no
sentimento de egoísmo. Achei o filme muito pesado, terror e
macabro e realista no comportamento do ser humano perante
ao próximo.
Foi com Karl Marx que comecei a pesquisar e escrever
devido as conversas com Nemo. A contínua fala do Nemo
“você fez história e não sabe de nada”, então decidi colocar os
pontos mais relevante da nossa conversa no papel, que
serviria para fixação do conhecimento e releitura. E pensei,
escrevo tudo, encaderno e dou de presente para ele.

166
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Errado de tudo Nemo não está, tem fundamento sua


afirmação quanto à implantação do comunismo na África. A
destruição ou reconstrução da África Negra, não tem só uma
ação responsável, são diversas ao longo de séculos: queda dos
impérios tribais, chegada dos europeus, exploração das
riquezas, diáspora, corrupção ...
Nem sei de onde ele tira essas perguntas, deve assistir
vídeos de alguns malucos e depois vem me provocar. Ele fala
e sai do ambiente, não aceita minhas respostas, na maioria das
vezes nada concorda.
No Continente Africano, o pensamento de Karl Marx
foi usado sobretudo para instrumentalizar a justificação da
revolução, deportação forçada, programas de reassentamento
forçado, violações aos direitos humanos, utilização da fome
como uma arma e guerra civil… nos países: Somália,
Moçambique, Etiópia, Tanzânia, Congo, Angola, Benim.
Tenho lembrança das reportagens sobre a miséria na
Etiópia, na época foi gravada por 45 artistas americanos em
prol do combate à fome na África a música “We are the World”
(Nós somos o mundo), composição de Michael Jackson e
Lionel Richie, em 1985.
Os Estados defendiam a ideologia capitalista,
enquanto a União Soviética, a propagação da ideologia
comunista. Essa ajuda aos países africanos também foi uma
propaganda contra o comunismo, o berço do capitalismo,
salvando as pessoas da miséria causada pelo comunismo.
Gente! Não há almoço grátis.
A canção e a formações de ONGs arrecadaram milhões
de dólares e levaram benefícios reduzidos para África, parte
do dinheiro arrecadado foi desviado, não extinguiu a pobreza,
a miséria e a fome. Acompanhando o dinheiro também
precisava ter políticos não corruptos, comprometimentos com
o desenvolvimento do país e benefícios para sociedade.

167
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

QUEM SÃO?
Algumas pessoas foram citadas no livro, aqui escrevo
um pouco mais sobre elas. Dois ou três parágrafos não são
suficientes para contar a vida de qualquer pessoa comum,
desses daqui então.
Eu, Ana Lucia Nascimento de Oliveira
Ana Oliveira, nascida em
1968, carioca paulistana, vivi a minha
carreira profissional em São Paulo,
por 25 anos, mas o meu coração é do
Rio de Janeiro e agora de Porto. Moro
com meu filho adolescente em
Portugal, a procura da tal qualidade
de vida, e encontrei.
Sou formada em Arquivologia pela Uni-Rio, pós-
graduada em Ciência da Informação, aprendiz de História,
licenciatura incompleta, faço cursos livres de História “do
Porto” e “de Portugal & Geopolítica”. Realizo TODOS os meus
sonhos, mas também sou simples, o pouco me basta.
Construo rede de amigos, às vezes, finjo que não vejo
os preconceitos: gênero, racial, religioso e xenofóbico. O cargo
melhor, um carro melhor (quem é o meu marido?) e sem
maiores detalhes, só informo, não sou casada.
Ah! Tenho tanto para contar. E contei, nos meus livros.
Caminhei escalando barreiras, com uma política de ficar bem
com todo mundo, mas quando o preconceito chegou no meu
filho, tudo mudou, não sabia o que fazer. Agora sei, pesquiso,
escrevo e divulgo.
Venda do meu livro, através do link https://amzn.to/3bshDCV
Abdias Nascimento (1914-2011)
Escritor, artista plástico, teatrólogo, político e poeta.
Abdias foi um dos maiores ativistas pelos direitos humanos e
deixou um legado de lutas pelo povo afrodescendente no
Brasil.
A militância política de Abdias começa na década de
1930, quando integra a Frente Negra Brasileira, em São Paulo.
168
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Participa, anos depois, da organização do 1º Congresso Afro-


Campineiro, com o objetivo de discutir formas de resistência à
discriminação racial. No início da década de 1940, em viagem
ao Peru, assiste ao espetáculo “O Imperador Jones”, de
Eugene O'Neill (1888-1953), no qual o personagem central é
interpretado por um ator branco tingido de negro. Refletindo
sobre essa situação, comum no teatro brasileiro de então,
propõe-se a criar o Teatro Experimental do Negro – TEN, que
valorize os artistas negros.
Abdias foi agraciado com honrarias nacionais e
internacionais. Entre suas obras mais expressivas estão Axés
do Sangue a da Esperança (orikis - poesia, 1983); Sortilégio
(Mistério Negro - peça teatral, 1959, nova versão publicada em
1979); O genocídio do negro brasileiro (1978), Quilombismo
(1980, 1ª edição).
Fonte: Ipeafro e Itaú
Afonso Arinos (1905-1990)
Lei Afonso Arinos (Lei 1390/51 de 3 de julho de 1951)
promulgada por Getúlio Vargas em 3 de julho de 1951 que
proíbe a discriminação racial no Brasil.
Afonso Arinos de Melo Franco, aluno da Faculdade de
Direito do Rio de Janeiro, colaborou em jornais, exerceu a
advocacia, e em 1929-1930 participou da campanha da Aliança
Liberal, assumiu em 1933, a direção dos jornais “O Estado de
Minas” e “Diário da Tarde”, fundou em 1934, junto com o
irmão Virgílio, a Folha de Minas, trabalhou na consultoria
jurídica do Banco do Brasil e em 1936, tornou-se professor de
história do Brasil da Universidade do Distrito Federal. Em 1938,
ministrou cursos de História Econômica do Brasil na
Universidade de Montevidéu. No ano seguinte, ministrou um
curso na Sorbonne, em Paris, sobre cultura brasileira, sob os
auspícios do Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura.
Foi eleito deputado federal por Minas Gerais em três
legislaturas (de 1947 a 1958). Na Câmara dos Deputados, foi
membro da Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão
Mista de Leis Complementares, relator da Comissão Especial

169
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

constituída para emitir parecer acerca da emenda


parlamentarista à Constituição, membro da Comissão de
Reforma Administrativa, líder da União Democrática Nacional
até 1956.
Em 1958, foi eleito senador pelo antigo Distrito
Federal, hoje Estado do Rio de Janeiro. Eleito senador federal
em 1988, participou da Assembleia Nacional Constituinte que
preparou o projeto de Constituição como presidente da
Comissão de Sistematização Constitucional.
Anísio Spínola Teixeira (1900-1971)
O personagem central na história da educação no
Brasil, jurista, intelectual, educador e escritor brasileiro. É
convidado para assumir a pasta da educação em uma época
que não tinha reconhecimento social, no final da década de
20.
Sua vida pública iniciada aos 24 anos de idade, como
secretário de Educação na Bahia, no centro de sua luta, a
defesa da escola pública, universal e democrática. E sua paixão
pela área o levou a viajar pela europa e conhecer um pouco
mais sobre a educação. Elaborou novos programas para as
disciplinas das escolas primárias e fundamentais da Bahia. E,
no Rio de Janeiro, criou o Instituto de Educação, integrando à
antiga Escola Normal, em um único estabelecimento, um
jardim de infância e os cursos primário e secundário.
Participou da discussão da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional; da criação da UnB - Universidade de
Brasília; participou da produção do Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, em 1932.
A Escola Parque, criado por ele na década de 40, em
Salvador, foi fonte de inspiração para os trabalhos de
educação de popular de Paulo Freire, e para os CIEPs de Darcy
Ribeiro nos anos 80.
Padre Antônio Vieira (1608-1697)
Religioso, filósofo, diplomata e escritor, é considerado
um dos maiores oradores portugueses do século XVII. Foi
homem de confiança de D. João IV que o enviou à Europa em

170
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

importantes missões diplomáticas. Atuou como missionário


no Brasil, defensor dos direitos dos judeus e da abolição da
distinção entre cristãos novos e velhos, e lutou contra a
exploração dessas pessoas. Chamavam-no "Paiaçu" (Grande
Padre/Pai, em tupi).
O padre denunciou constantemente a fúria dos
senhores contra os escravos, mas não chegou a propor a
abolição da escravatura, porque no seu tempo, no século XVII,
era um “mal necessário” à produção de riqueza para a Europa
e dos interesses dos colonos e do Rei de Portugal.
A obra e pensamento do Padre António Vieira
constituem um testemunho importante para a compreensão
do tratamento dado por Portugal aos índios e aos escravos
negros do Brasil.
Amílcar Cabral (1924-1973)
O ideólogo das independências da Guiné-Bissau e
Cabo Verde, Amílcar, foi considerado o segundo maior líder
mundial de todos os tempos, numa lista elaborada por
historiadores para a BBC.
Nascido em Bafatá – Guiné Bissau, mudou-se para
Portugal e ingressou na universidade de Agronomia em Lisboa
em 1945. Com um grupo de companheiros e estudante de
colônias africanas, adota o combate ao colonialismo e o
desenvolvimento da cultura africana, com revitalização da
Casa da África e Casa dos Estudantes do Império.
No retorno à sua terra, põe em prática seus estudos
com o solo adaptado à realidade dos guineenses. Em 1956,
funda o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo
verde, dele nasce, na clandestinidade em Portugal, o
Movimento Anticolonialismo.
Amílcar é o primeiro representante do povo negro,
consegue que seus trabalhos cheguem à ONU, UNESCO, em
diversas universidades dos Estados Unidos e Conferência dos
Chefes das Nações Unidas da África.
Fonte: Livro Amílcar Cabral – A arma da teoria.
Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989)

171
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Professor, crítico, ensaísta, tradutor, filólogo, editor e


lexicógrafo, membro da Academia Brasileira de Letras, o
quarto ocupante da cadeira 30, eleito em 4 de maio de 1961.
Publicou artigos, contos e crônicas, destacou-se na
área das Letras. Em 1940, passou a exercer funções de
professor de Português no Colégio Pedro II. No ano seguinte,
iniciou a sua colaboração no Pequeno Dicionário Brasileiro da
Língua Portuguesa. Com esta colaboração destacou-se
definitivamente como lexicógrafo, função em que, ao longo
dos anos, se consagraria como figura de primeiro plano no
Brasil.
Fonte: Infopédia.
Chico da Matilde (1839-1914)
Francisco José do Nascimento, também conhecido
como Dragão do Mar ou, o revolucionário mulato de Canoa
Quebrada, em 1874.
A seca no Ceará que vigorou entre os anos de 1877 e
1879 desorganizou a produção do estado e matou de fome, de
varíola e de cólera mais de um quarto da população. Os donos
de escravos do Estado tiveram que vendê-los a outros
fazendeiros do sul para amenizar seus prejuízos, tendo que
embarcá-los no Porto de Fortaleza.
Sociedades civis abolicionistas nos anos 1880 se
mobilizaram com apoio de João Cordeiro, Chico da Matilde,
liderando os jangadeiros, impediram o embarque de cativos,
bloqueando o Porto. Chico foi ameaçado com perseguições e
com uma ação judicial por crime de sedição. Mas graças à sua
vigilância e ação firme, o porto se manteve inviolável. E os
senhores de escravos acabaram concordando com a liberdade
de seus cativos.
Em 1884, fim da escravidão no estado do Ceará,
quatro anos antes do restante do Brasil.
Mas tarde, João Cordeiro, investido de cargo público
do poder executivo do Estado, em reconhecimento à bravura
do Dragão do Mar patenteou de Major-Ajudante de Ordens do
Secretário-Geral do Comando Superior da Guarda Nacional do

172
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Estado do Ceará. A Guarda Nacional era uma das corporações


mais importantes do estado brasileiro e com grande
visibilidade social.
Fonte: Heróis de todo o mundo.
Darcy Ribeiro (1922-1997)
Em particular, acho que teve uma conspiração entre
ele e Paulo Freire para educar em um plano maior, morreram
no mesmo ano. Tenho Amor à intelectualidade desses
homens.
Foi educador, político, etnólogo, antropólogo e
escritor brasileiro, imortal da Academia Brasileira de Letras.
Participou da elaboração da Lei de Diretrizes e Bases.
Darcy é reconhecido por sua obra e sua atuação
política em defesa da educação e contra a desigualdade social,
sua proposta era aliar os estudos formais com atividades de
cunho cultural, seus estudos foram essenciais para alavancar
uma nova reforma educacional no Brasil, implementou um
programa de educação inédito os CIEPs - Centros Integrados
de Educação Pública.
Eu morava no Rio de Janeiro quando Darcy era vice-
governador do Leonel Brizola, na inauguração do “Brizolão”,
apelido dado aos CIEPs. As mães, felizes pelos filhos estudarem
em período integral, ganharem uniformes, material escolar e
refeições. Uma amiga, professora, contava que as crianças da
comunidade frequentavam o colégio só pelas refeições, isso
em 1992, até os dias atuais temos essa realidade.
Dom Filó
Asfilófio de Oliveira Filho, Filó, ou Dom Filó, o homem
das noites cariocas, dos movimentos de som black. Era
engenheiro por formação, mas jogou tudo para o alto e seguiu
seus desejos musicais: DJ, videomaker e produtor, membro da
direção do Clube Renascença. Em 1972, criou o baile de
sucesso “Noite do Shaft” no Renascença Clube - nome do
evento foi adotado por causa do filme intitulado “Shaft”, nome
do personagem principal, um detetive negro. Fundador do
grupo de samba chamado Embalo Sete. Em 1974, criou a

173
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

equipe de som que ficou conhecida como Soul Grand Prix;


produtor da Banda Black Rio.
Seus registros audiovisuais dos bailes do charme dos
anos 90 e eventos culturais negros do Brasil e de demais países
da diáspora africana assinados por Filó, imagens do Acervo
Digital de Cultura Negra (Cultne) – lançado em 2010.
Ao mesmo tempo, a negrada dos anos de 1970 assistia
Shaft, e Wattstax, um festival com as principais estrelas negras
americanas.
Elijah Muhammad (1897-1975)
Muhammad, nascido como Elijah Poole, líder e
fundador do movimento separatista negro da Nação do Islã
(Nation of Islam), ativista dos Estados Unidos da América.
Orientador no islamismo de Malcolm X, Muhammad Ali-Haj e
milhares de almas negras.
Elijah, lentamente, aumentou o número de membros
dos muçulmanos negros por meio de recrutamento assíduo
nas décadas do pós-guerra. Seu programa pedia o
estabelecimento de uma nação separada para os negros
americanos e a adoção de uma religião baseada na adoração a
Alá e na crença de que os negros são seu povo escolhido.
Muhammad tornou-se conhecido especialmente por
sua retórica extravagante dirigida aos brancos, a quem
chamou de "demônios de olhos azuis". Em seus últimos anos,
porém, moderou seu tom antibranco e enfatizou a autoajuda
entre os negros, em vez do confronto entre as raças. Por uma
série de fatores, seu discípulo mais proeminente, Malcolm X,
rompeu com a NOI, antes de seu assassinato em 1965.
Elijah Muhammad desenvolveu e divulgou a história
de Yakub para Nação do Islã em vários escritos, mais
completamente em um capítulo intitulado "The Making of
Devil" em seu livro Message to the Blackman in América.
História de Yakub
Nasceu em Meca em uma época em que 30% dos
negros originais estavam "insatisfeitos". Ele era um membro
do ramo de Meca da Tribo de Shabazz. Yakub adquiriu o

174
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

apelido de "cabeça grande", por causa de sua cabeça


invulgarmente grande e sua arrogância.
Aos seis anos, ele descobriu a lei da atração e repulsão
brincando com ímãs de aço. Essa percepção levou a um plano
para criar novas pessoas. Ele "viu um ser humano diferente,
feito para atrair outros, que poderiam, com o conhecimento
de truques e mentiras, governar o homem negro original". Aos
18 anos, ele havia exaurido todo o conhecimento nas
universidades de Meca…
Yakub morreu com 152 anos, mas seus seguidores
continuaram seu trabalho. Após 600 anos de eugenia
deliberada, a raça branca foi criada. As condições brutais de
sua criação determinaram a natureza maligna da nova raça:
"ao mentir para a mãe negra do bebê, essa mentira nasceu na
própria natureza do bebê branco; e, o assassinato para os
negros também nasceu neles - ou feito por natureza um
mentiroso e assassino.
Fonte: Britannica e Wikipédia.
Emicida (SP-BR 1985)
Leandro Roque de Oliveira é cantor, compositor,
produtor musical e desenhista. Nascido e criado no Jardim
Fontális, na zona norte de São Paulo. No fim da década de
1980, seus pais atuavam como organizadores de bailes de
bairro. Em 1991, o pai, DJ das festas, morre numa briga de bar,
episódio que marca profundamente a família.
Leandro forma-se em desenho pela Escola Arte São
Paulo. Durante dois anos, atua como desenhista e roteirista de
histórias em quadrinhos. Em paralelo, escreve poesias e letras
de rap e começa a frequentar batalhas de Freestyle
(improvisação) como a da Santa Cruz.
Em 2005, ganha o apelido de Emicida, fusão das
palavras MC e homicida, pois os colegas consideram que
Leandro “assassina” seus concorrentes. O apelido se
transforma em nome artístico que também funciona como
sigla: E.M.I.C.I.D.A (Enquanto Minha Imaginação Compor
Insanidades Domino a Arte).

175
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural.


Edward Wilmot Blyden (1832-1912)
Ao sugerir um papel redentor para os afro-americanos
na África por meio do que ele chamou de etiopianismo, Blyden
comparou seu sofrimento na diáspora ao dos judeus; ele
apoiou o projeto sionista do século 19 de retorno dos judeus à
Palestina.
Blyden nasceu em São Thomas, Ilhas Virgens, de pais
piedosos associados à Igreja Reformada Holandesa integrada.
Em 1850, ele visitou os Estados Unidos com a esposa de Knox
e buscou matrícula no Rutgers Theological College, mas teve
sua admissão negada, só em 1851 conseguiu ingressar na
Alexander High School em Monróvia. Ele foi ordenado ministro
presbiteriano pelo Conselho Presbiteriano de Missões
Estrangeiras em 1858.
Em 1886, tendo se tornado um tanto simpático ao Islã,
achou que tinha mais a ver com os negros, e, angustiado com
a arrogância dos missionários cristãos, ele renunciou a Igreja
Presbiteriana. Durante sua vida, ocupou diversos cargos na
Libéria e em Serra Leoa - Secretário de Estado, embaixador na
corte de São James, enviado extraordinário a Londres e Paris.
Em 1887, sua principal obra, “Cristianismo, Islã e a raça negra”
- foi publicada.
Ele também escreveu muitos outros livros, panfletos e
artigos nos quais procurava defender a raça negra. As raízes da
filosofia da negritude, do pan-africanismo, do nacionalismo
africano e da teologia cristã africana podem ser encontradas
na ideia de personalidade africana de Blyden.
Fonte: Escola da Missiologia.
Eusébio de Queiroz (1812-1868)
Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara,
autor da primeira lei gradual de abolição dos escravos, Lei
Eusébio de Queirós (Lei nº 581), promulgada em 4 de
setembro de 1850, proibia o tráfico de escravos.
Queiroz nasceu em Luanda, Angola. Filho de Eusébio
de Queirós Coutinho da Silva, ouvidor-geral da comarca de

176
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Angola e de Catarina Mattoso de Queirós Câmara. Veio para o


Brasil ainda criança. Viveu em diversos estados brasileiros
Em 1832, formou-se em direito pela Faculdade de
Direito de Olinda. Casou-se com Maria Custódia Ribeiro de
Oliveira, filha do comendador José Ribeiro de Oliveira e de
Engrácia Maria da Costa Ribeiro Pereira, ministro da justiça
durante o segundo reinado.
Florestan Fernandes (1920-1995)
Sociólogo e professor universitário paulistano,
antropólogo, escritor, deputado brasileiro. Florestan, tem seu
nome associado à pesquisa sociológica no Brasil e na América
Latina nos anos 1950. É considerado o pai da Sociologia Crítica,
com mais de cinquenta obras publicadas, ele transformou o
pensamento social do país e estabeleceu um novo estilo de
investigação sociológica, marcado pelo rigor analítico e crítico,
e um novo padrão de atuação intelectual Crítica no Brasil.
Ingressou na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP em 1941
Recebeu o Prêmio Jabuti em 1964, pelo livro “Corpo e
alma do Brasil”, e foi agraciado postumamente, em 1996, com
o Prêmio Anísio Teixeira
Com a ditadura militar, de 1964 e a instalação do AI-5,
Florestan é aposentado compulsoriamente da USP e vai para
o Canadá e os Estados Unidos lecionar em distintas
universidades como Columbia, Yale e Toronto.
Frantz Fanon (1925-1961)
Frantz Omar Fanon, também conhecido como Ibrahim
Frantz Fanon, psiquiatra, filósofo, mas fundamentalmente
revolucionário marxista anticolonialista, Franz Fanon dividiu a
sua curta vida entre a militância independentista, sobretudo
na Argélia, e a teoria crítica comunista e pós-colonial,
desenvolvendo ainda uma tese pioneira que batizou de
psicopatologia da colonização: Peles Negras, Máscaras
Brancas (1952).
Descendente de escravos africanos, Fanon cresce no
seio de uma classe média ascendente, o que lhe permite

177
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

prosseguir os estudos. Após a ocupação nazi da França, em


1940, o racismo na ilha agudiza-se o que vai contribuir
bastante para a politização e dissidência de Fanon. Aos dezoito
anos alista-se nas Forças Livres Francesas, unidades militares
oposicionistas que operavam pelos aliados na vizinha ilha de
Dominica.
Em 1951 exerce em França e dois anos depois num
hospital na Argélia, até 1957. Aí toma contato com a brutal
guerra de independência e adere à Frente de Libertação
Nacional. É nesse período escreve Les Damnés de la Terre onde
defende o uso da violência na luta pela independência.
Durante estes anos viaja abundantemente pelo país
fazendo diversos estudos psico-culturais sobre o povo argelino
e envolvendo-se em várias atividades clandestinas de
resistência. Em 1957 é expulso para a França, daí viaja para a
Tunísia onde mantém um trabalho ativo de solidariedade com
a luta independentista argelina. Morre de pneumonia nos
EUA.
Friedrich Engels (1820-1895)
Engels foi um empresário, escritor, jornalista,
economista, filósofo e teórico político alemão. Teve papel de
destaque no desenvolvimento do marxismo. Nasceu em
Barmen, cidade renana da Prússia, na Alemanha, filho de rico
industrial alemão, teve oito irmãos, cursou a escola
secundária, mas não chegou a concluí-la, sendo levado pelo
pai para trabalhar no escritório de uma empresa de
exportação, em Bremen, onde residiu durante três anos. Logo
se impressionou com a miséria em que viviam os
trabalhadores da fábrica da família.
Engels dominava bem o Alemão, Inglês, Espanhol,
Italiano, Português e o Francês, e se vangloriava de poder
conversar em 25 idiomas diferentes. Escreveu muitos
panfletos em sua juventude sobre questões políticas e
filosóficas polêmicas de sua época, como o dualismo de Hegel
e as teses de Feuerbach.

178
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em 1844, durante uma breve permanência em Paris,


Engels iniciou a amizade e a colaboração com Marx, que
conhecera antes em Colônia, também natural da Prússia
Renana, dois anos mais moço que Marx, Engels era como ele,
“hegeliano de esquerda”. São muitas as afinidades e nasce
entre eles uma sólida amizade que resultará em uma intensa
atividade política, e numerosas obras escritas em comum.
Huey Percy Newton (1942-1989)
Líder dos Panteras Negras. Os marcos dessa atuação
eram inusitadamente legais. Segundo leis estaduais da época,
o porte e o transporte de armas carregadas, em locais públicos
ou veículos, eram permitidos se o armamento estivesse
devidamente exposto, e fora de posição de tiro. Acompanhar
ações policiais também era permitido, desde que mantida
distância.
Huey Newton e Bobby Seale, estudantes de direito, e
membros fundadores do Partido, fizeram essa descoberta
legal, e nela apoiaram a aplicação da autodefesa armada para
além da situação - a invasão de residências sem mandado
judicial - que primeiro havia mobilizado seus esforços.
Com apoio do Partido PN são criadas, em
comunidades de população hispânica, asiática, indígena e de
"brancos pobres", organizações similares às dos Panteras.
Apoiados principalmente nestes novos grupos, e com suporte
de aliados que incluíam igrejas, ativistas gays e feministas e
grupos antirracistas, os Panteras Negras criaram o Comitê
Nacional de Combate ao Fascismo, sem restrições de filiação.
Gilberto Freyre (1900-1987)
O antropólogo e sociólogo brasileiro, historiador e
ensaísta brasileiro, nasceu na cidade de Recife, Pernambuco.
De família tradicional na sociedade recifense; seu pai, Alfredo
Freyre, era professor, advogado e juiz.
O autor de "Casa Grande & Senzala" que é considerada
uma das obras mais representativas sobre a formação da
sociedade brasileira, ele foi de mocinho e bandido - o tempo
faz isso com todos, depende do ponto de vista político. Sua

179
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

obra com base antirracista, contribuiu para as críticas aos


movimentos antirracistas por ter formulado uma espécie de
mito da democracia racial no Brasil colonial e no Brasil
republicano, apontando a miscigenação como fundamento
para essa ideologia.
Sua obra é dedicada à análise das relações sociais no
período colonial brasileiro e como essas relações contribuíram
para a formação do povo brasileiro no século XX. Seu destaque
deu-se por defender uma teoria de que a miscigenação
formaria uma população melhor e mais forte, ao contrário do
que pensavam as teorias etnocêntricas.
Enquanto era comum na época pensar que deveria
haver uma pureza racial, Freyre caminha na contramão disso
dizendo que a miscigenação é positiva.
Gilberto Freyre foi usado e manipulado pela ditadura
salazarista, nas redefinições estatutárias da administração
colonial feitas por Salazar. Foi apropriado como peça
fundamental para que a justificativa ideológico-institucional.
Fonte: Escola Brasil.
Guerreiro Ramos (1915-1982)
O baiano, Alberto Guerreiro Ramos, constitui a
primeira geração de sociólogos profissionais formados no
Brasil, finalizado o curso em 1942. A filosofia política do
personalismo negro, que tem uma visão humanista do negro
com recentes perspectivas multiculturalistas e pós-coloniais,
descreve em diversos escritos e notas da década de 1950 a
teoria social e à práxis dos movimentos negros.
Integrou nos anos 50 do século XX a Assessoria do
Presidente Vargas, o IBESP - Instituto Brasileiro de Economia,
Sociologia e Política e o ISEB - Instituto Superior de Estudos
Brasileiros. Um período de forte inclinação nacional e mesmo
de certa polarização política entre “nacionalistas” e
“entreguistas” - o autor preocupou-se em afirmar o sentido do
nacionalismo e suas tarefas; nesse empreendimento,
enveredou pela definição da “realidade brasileira” e a

180
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

imbricação entre o nacionalismo, a cultura, o povo e a ação do


intelectual.
Em sua análise, o nacionalismo é concomitantemente
e ideológica, forma de mobilização, ciência e perspectiva
social, a partir do qual o entendimento da situação dos países
periféricos poderia ser mais bem construído. (Bariani.E, v.1
n.1, 2011).
Joaquim Nabuco (1849-1910)
Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, nasceu no
Recife, filho de José Tomás Nabuco de Araújo e Ana Benigna
de Sá Barreto. Em 1866, em São Paulo, ingressou na Faculdade
de Direito, e dois anos depois voltou ao Recife, onde se
graduou.
Jornalista, advogado, deputado estadual por
Pernambuco deu início à campanha pelo Abolicionismo.
Derrotado na eleição seguinte, voltou à Europa. Em Londres,
escreveu “O abolicionismo”, publicado em 1883, e colaborou
com artigos em jornais brasileiros. Retornou ao Brasil no ano
seguinte e retomou a campanha abolicionista, com textos
publicados na imprensa, como "O erro do Imperador" e "O
eclipse do abolicionismo". Em 1888, estava ao lado da princesa
Isabel quando da assinatura da Lei Áurea.
Fonte: Cia das Letras.
João Cândido (1880-1969)
João Cândido Felisberto, também chamado de
Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata. Denunciou o uso
sistemático da violência dentro da Marinha do Brasil contra
marinheiros de baixa patente. Entre as reivindicações dos
rebelados estavam o fim dos castigos físicos contra os
marinheiros, melhor alimentação e a adoção da lei de ajustes
de horários, aprovada pelo Congresso.
Em 1910, faltas leves eram punidas pelos oficiais da
Marinha com a prisão em solitária, à pão e água, por um
período de três a seis dias. Já as ofensas mais graves, como
desrespeito à hierarquia, recebiam como castigo 25

181
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

chibatadas, na frente de toda a tripulação e ao som do rufar


de tambores.
O grupo, liderado pelo cabo João Cândido, tomou o
controle do navio, matou o comandante e mais três
resistentes ao movimento, causando pânico geral na cidade do
Rio de Janeiro. Como o levante havia sido planejado, outros
navios aderiram ao movimento: o Bahia, o São Paulo e o
Deodoro.
Os marinheiros viraram os canhões dos navios em
direção ao Rio de Janeiro e forçaram o presidente Hermes da
Fonseca a negociar com os rebeldes. A revolta terminou no dia
26 de novembro com o anúncio de uma trégua: foi prometido
o fim dos castigos físicos e também a anistia dos rebeldes.
Fonte: UOL – History.
Karl Marx (1818 –1883)
Marx foi um importante revolucionário e intelectual
alemão, fundador da doutrina comunista moderna. Além
disso, ele ainda atuou como filósofo, economista, historiador,
jornalista e teórico político.
Segundo Marx, uma sociedade socialista seria
governada por uma ditadura do proletariado, uma classe de
trabalhadores, também conhecida como democracia dos
trabalhadores.
Depois da morte de sua esposa, em dezembro do ano
de 1881, Marx ficou muito deprimido. Além disso, passou a
desenvolver alguns problemas de saúde mais sérios, apesar de
ter convivido com a maioria deles por toda a vida, como a
bronquite.
Karl Heinrich Marx nasceu a 5 de Maio de 1818, na
cidade alemã de Trier e morreu em Londres em 1883.
No cemitério de Highgate, em Londres, a 17 de Março
de 1883, só 11 pessoas se apresentaram no funeral de
Marx. Entre elas, o seu amigo de longa data, Friedrich
Engels, que não hesitou em declarar que “o nome e a
obra de Marx persistirão ao longo dos tempos”. Dadas
as circunstâncias, esta parecia uma previsão votada ao

182
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

fracasso. Todavia, Engels tinha razão. (Francis


Wheen,W.W Norton, 2009, p.424.)
Marx, revolucionário, perseguido pela europaPor suas
críticas ao governo Alemão, foi expulso do país em 1842 e
mudou, com arrecadação de fundos de amigos, para Paris.
Pouco tempo, em menos de dois anos, por continuar suas
críticas ao absolutismo russo no Jornal “Gazeta Renana”, o
governo francês fecha a editora do jornal e expulsa Marx do
país, a pedido do governo alemão, e muda-se para Bélgica em
1845, onde também foi perseguido e mudou-se para Londres.
Em Paris, Marx se torna comunista, antes podemos
chamar de uma afinidade com pensamento democrata radical,
mas na capital francesa entrará em contato com muitos
trabalhadores artesãos e associações secretas. Então,
radicaliza seu pensamento e se aproxima da classe
trabalhadora.
No jornal “A Nova Gazeta Renana” não se limitava a
reivindicar a Alemanha para os alemães, pleiteava igualmente
a Polônia para os polacos, a Boémia para os checos, a Hungria
para os húngaros, a Itália para os italianos.
Kant (1724-1804)
Immanuel Kant é reputado como o maior filósofo após
os antigos gregos. Nasceu em Königsberg, Prússia Oriental,
filho de um artesão humilde; estudou no Colégio
Fridericianum e na Universidade de Königsberg, na qual se
tornou professor catedrático. Não foi casado, não teve filhos e
nunca saiu da sua cidade natal. Levou uma vida extremamente
metódica; conta-se que os habitantes de sua cidade acertavam
os seus relógios quando o viam sair para passear às 3h30 da
tarde. Sua reflexão filosófica foi muito abrangente, pois "todo
interesse de minha razão (tanto o especulativo quanto o
prático) concentra-se nas três seguintes perguntas: 1. Que
posso saber? 2. Que devo fazer? 3. Que me é dado esperar?"
(Kant, 1988, p. 8331. Grifo no original).
Léopold Senghor (1906-2001)

183
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Léopold Sédar Senghor, político e escritor senegalês


de reputação internacional foi presidente do Senegal, país da
África Ocidental, fronteira com Guiné-Bissau e Mauritânia e
Mali. Senghor tomou posse em 1960 e permaneceu no posto
por vinte anos.
Destacou-se por sua intelectualidade, estudou na
Sorbonne e mais tarde na Université de Paris, o primeiro
africano a completar uma licenciatura nesta universidade
parisiense, autor de inúmeras obras de poesia e ensaios,
ganhou inúmeros prêmios e recebeu notavelmente a medalha
de ouro no idioma francês. Médico honorário em trinta e sete
universidades, foi eleito para a Academia Francesa em 1983, o
primeiro escritor africano a ingressar na instituição.
Como escritor, desenvolveu juntamente com Aimé
Césaire, o movimento literário conhecido por Negritude, que
exalta as afirmações das culturas africanas e a reivindicação da
identidade negra e observações sobre o impacto negativo que
a cultura europeia teve junto das tradições africanas.
Luís Gama (1830-1882)
Luiz Gonzaga Pinto da Gama, negro brasileiro, lutou
contra os ideais de branqueamento da sociedade, através de
suas poesias e pelo fim da escravidão. Gama foi Advogado
autodidata, escritor, abolicionista, maçom e funcionário
público.
Nasceu livre em Salvador, filho de Luísa Mahin,
africana livre vinda da Costa da Mina, mas foi vendido como
escravo quando criança, e depois conseguiu sua liberdade em
1848, por provar que era filho de negra livre. E só aos
dezessete anos de idade teve o primeiro contato com as letras.
Nos anos 1960, Gama se esforçava para tratar dos
casos de escravizações ilegais e de abolições individuais e
coletivas do Estado de São Paulo.
Participava de conferências e publicava polêmicos
artigos nos quais explicitava seus ideais abolicionistas, motivos
pelos quais era perseguido e ameaçado de morte.
Fonte: Literafro.

184
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Lima Barreto (1881-1922)


Afonso Henriques de Lima Barreto, escritor,
funcionário público, negro e de família pobre. Sua avó
materna, Geraldina Leocádia da Conceição, foi uma escrava
alforriada. Sua mãe era professora primária e morreu de
tuberculose quando Lima Barreto tinha seis anos. Seu pai era
tipógrafo, porém sofria de doença mental.
Estudou no Colégio Pedro II, ingressou na Escola
Politécnica, mas não concluiu o curso de Engenharia. Lima
Barreto é dono de uma vasta obra. Escreveu romances, contos,
poesias e críticas.
As obras de Barreto apresentam uma linguagem
coloquial e fluida. Uma das características é o teor satírico e
humorístico presente em seus escritos.
Em grande parte, suas obras estão pautadas na
temática social, expressando muitas injustiças como o
preconceito e o racismo.
Além disso, criticou os modelos políticos da República
Velha e do Positivismo. Foi simpatizante do socialismo e do
anarquismo, rompendo com o nacionalista ufanista.
Fonte: Toda matéria.
Machado de Assis (1839-1908)
O escritor brasileiro nasceu no Rio de Janeiro, o
clássico da língua portuguesa. Pobre, descendente de
escravos, gago e epilético, saiu de casa aos 16 anos quando
começou a trabalhar em jornais na capital carioca como
aprendiz de tipógrafo.
Machado de Assis era casado com uma portuense,
Carolina Xavier de Novais, irmã do poeta Faustino Xavier de
Novais, amigo de Camilo Castelo Branco. O ápice literário
Machado e Camilo juntos.
Em 1897, Machado fundou a Academia Brasileira de
Letras, onde ocupou o posto de presidente por 10 anos. Para
além da carreira letrada, Machado de Assis também ocupou
diversos cargos públicos, tornando-se uma proeminente figura
de sua época.

185
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Iniciando a sua atividade literária em pleno


Romantismo, tornou-se o autor mais importante da nova
estética do Realismo e foi ainda contemporâneo do
Parnasianismo e do Simbolismo.
Entre suas obras, estão: Memórias Póstumas de Brás
Cubas (1881. Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899),
Esaú e Jacob (1904) e Memorial de Aires (1908).
A “estratégia de caramujo” – adotada e declarada, aos leitores
atentos, em uma crônica da semana de 13 de maio de 1893
(cinco anos depois da abolição da escravatura) – mostra um
escritor negro que escolhe andar pelas frestas, pelas
ambiguidades das relações sociais da burguesia brasileira; e
não mudou muito o modo como o racismo no Brasil é velado,
mas existente. Machado de Assis escolhe ser “o mais
encolhido dos caramujos”, pois, em sociedades pré-abolição e
pós-abolição vividas pelo “bruxo do Cosme Velho”, a
estratégia de escrever sobre a podridão burguesa por dentro
da própria burguesia é marca de um gênio que criou
representações como Brás Cubas, Bentinho, Capitu, o
agregado José Dias, Rubião, Quincas Borba, Cândido Neves, Tia
Mônica, os Pádua, entre outros tantos personagens de uma
época mergulhada em uma ideologia de consumo burguês,
eurocêntrico e branco.
(Observatório da imprensa).
Malcolm X (1925-1965),
Malcolm Little, nome muçulmano el-Hajj Malik el-
Shabazz, foi um líder americano que lutava pelos direitos dos
negros. Malcolm foi assassinado diante de uma plateia que
incluía sua mulher e três de suas quatro filhas, em um teatro
no Harlem, em Nova York, com 14 tiros em 1965. Três homens
ligados a uma organização religiosa da qual Malcolm foi líder
durante anos, a Nação do Islã, foram presos. Mas nunca ficou
esclarecido quem planejou o crime.
Apesar da religião ter sido a porta de entrada para
Malcolm X perceber todos os problemas sociais enfrentados
pelos negros, pouco a pouco, ele percebeu que a situação do

186
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

negro não era uma questão apenas de carácter teológico, mas


sim, política, econômica e civil.
Foi a partir daí que os meios de comunicação
exploraram suas declarações mais ácidas. Malcolm percebeu
que a violência não era uma forma de atrocidade, mas um
meio legítimo de conquistas, pois todas as mudanças
históricas se deram de maneira agressiva. A violência proposta
era, portanto, uma metodologia de transformação e não uma
barbárie gratuita. O socialismo de Malcolm foi consequência
da evolução de seu pensamento, após ser traído por membros
da Mesquita Templo Número Dois, gradativamente ele
percebeu que a questão do negro passava pela estrutura do
capitalismo.
Malcolm X deixou a NOI por uma série de fatores que
o filme de Spike Lee narra bem, dentre eles: os processos de
reconhecimento de paternidade que as ex-secretárias
entraram contra Elijah Muhammad; o afastamento sumário no
episódio Kennedy – o comentário maledicente de Malcolm à
imprensa; e as tentativas de boicote.
E, como consequência, cria a Organização da Unidade
Afro-Americana, um grupo não religioso e não sectário, focado
nos problemas sociais das minorias no meio capitalista
americano. A sua opção pela violência e pelo socialismo foi de
vital importância para os rumos que os movimentos negros
tomaram ao fim da década de 1960.
Fonte: estudodahora.blogspot.com
Adriana Maximiliano Publicado em 21/02/2019 no site
Aventuras na História.
Martin Luther King Jr. (1929-1968)
Nasceu em Atlanta, Geórgia, Estados Unidos, filho e
neto de pastores da Igreja Batista; resolveu seguir pelo mesmo
caminho. Sociólogo, Teólogo, Ativista político, Martin
reivindicava salários dignos e mais postos de trabalho para a
população negra, defendeu os direitos das mulheres e foi
contra a Guerra do Vietnã.

187
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

A principal reivindicação era o fim da desigualdade


civil entre brancos e negros nos EUA. Sempre um forte
trabalhador pelos direitos civis dos membros dos negros,
membro do comitê executivo da Associação Nacional para o
Progresso das Pessoas de Cor, a principal organização do país.
Na CLCS - Confederação da Liderança cristã do Sul) se destacou
como uma liderança religiosa e pública.
Em 1954, Martin Luther King tornou-se pastor da
Igreja Batista da Dexter Avenue em Montgomery, Alabama.
Sempre um forte trabalhador pelos direitos civis dos membros
de sua raça, King era, a essa altura, membro do comitê
executivo da Associação Nacional para o Progresso das
Pessoas de Cor, a principal organização desse tipo no país.
Ele estava pronto, então, no início de dezembro de
1955, para aceitar a liderança da primeira grande
manifestação não violenta de negros da época
contemporânea nos Estados Unidos, o boicote aos ônibus.
Em 21 de dezembro de 1956, depois que a Suprema
Corte dos Estados Unidos declarou inconstitucionais as leis
que exigiam a segregação nos ônibus, negros e brancos
andavam nos ônibus como iguais. Durante esses dias de
boicote, King foi preso, sua casa foi bombardeada, ele foi
submetido a abusos pessoais, mas ao mesmo tempo ele
emergiu como um líder negro de primeira linha.
Fonte: eBiografia.
Milton Santos (1926-2001)
Milton Almeida dos Santos foi geógrafo, escritor,
cientista, jornalista, advogado e professor universitário
brasileiro. Destacou-se por escrever e abordar sobre inúmeros
temas, como a epistemologia da Geografia, a globalização, o
espaço urbano, entre outros.
Prêmios e carreira internacional
Conquistou, em 1994, o Prêmio Vautrin Lud, o Nobel
de Geografia, sendo o único brasileiro a conquistar esse
prêmio e o primeiro geógrafo fora do mundo Anglo-Saxão a
realizar tal feito. Além dessa premiação, destaca-se também o

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

prêmio Jabuti de 1997 para o melhor livro de ciências


humanas, com “A Natureza do Espaço”. Foi professor da
Universidade de São Paulo, mas lecionou também em
inúmeros países, com destaque para a França.
Posicionamento crítico ao capitalismo em suas obras
A obra de Milton Santos caracterizou-se por
apresentar um posicionamento crítico ao sistema capitalista e
aos pressupostos teóricos predominantes na ciência
geográfica de seu tempo. Em seu livro “Por uma Geografia
Nova”, em linhas gerais, o autor criticou a corrente de
pensamento Nova Geografia, marcada pela predominância do
pensamento neopositivista e da utilização de técnicas
estatísticas.
Diante desse pensamento, propôs – fazendo eco a
outros pensadores de seu tempo – a concretização de uma
“Geografia Nova”, marcada pela crítica ao poder e pela
predominância do pensamento marxista. Nessa obra, defendia
também o caráter social do espaço, que deveria ser o principal
enfoque do geógrafo.
Um dos conceitos mais difundidos e explorados por
esse geógrafo foi a noção de “meio técnico-científico
informacional”, que seria a transformação do espaço natural
realizada pelo homem através do uso das técnicas, que
difundiram graças ao processo de globalização e a propagação
de novas tecnologias.
Fonte: Brasil Escola
Os Panteras Negras (1966-1982)
The Black Panther, partidários da violência enquanto
método e do socialismo enquanto ideologia política, iniciou
como um grupo estudantil, para defender os direitos da
comunidade negra, denunciar o racismo e infração aos direitos
civis. Depois virou partido dos Panteras Negras, inicialmente,
uma milícia armada, formada integralmente por homens, que
atuava na região de Oakland, Califórnia.
O Programa de Dez Pontos dos Panteras Negras
acabou sendo publicamente divulgado em 1967, e nele

189
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

constavam exigências: liberdade, emprego, fim da roubalheira


dos capitalistas brancos contra a comunidade negra, casas
decentes, educação decente, isentos do serviço militar, fim
imediato da brutalidade policial e dos assassinatos de pessoas
negras.
Paulo Cruz (SP-1975)
Paulo Cruz é o revisor histórico desse livro, convidei-o
por afinidade em seus conteúdos didáticos, e como a obra
envolve meu filho, nada mais incentivador de ir atrás de quem
Nemo demonstrou simpatia. Agradecida pela orientação e
desmistificação de muitos temas abordados
equivocadamente.
Cruz é paulistano, professor de Filosofia e Sociologia
na rede pública do Estado de São Paulo, palestrante nas áreas
de filosofia e educação. Formado em Filosofia, pelo Centro
Universitário Assunção, e mestre em Ciências da Religião, pela
Universidade Metodista de São Paulo.
Em 2017, foi um dos agraciados com a Ordem do
Mérito Cultural, honraria concedida pelo Ministério da
Cultura, anualmente, por indicação popular, a nomes que se
destacaram na produção e divulgação cultural do ano
corrente, integrante do Conselho de Avaliação de Leis do
Ranking dos Políticos.
Como Conselheiro de Avaliação de Leis, o professor
Paulo vai contribuir na análise das votações mais importantes
do Congresso. O valor definido pelo Conselho para cada Lei
votada é o que determina a pontuação dos parlamentares no
critério Qualidade Legislativa, que tem o maior peso para a
classificação do Ranking dos Políticos.
É colunista no Jornal Gazeta do Povo. Tornou-se uma
das principais vozes da razão sobre questões raciais,
conclamando o negro brasileiro a “sair da senzala ideológica”.
Paulo Freire (1921-1997)
Paulo Reglus Neves Freire, pernambucano, ficou órfão
de pai militar aos treze anos.

190
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Advogado, educador, escritor, filósofo, início de sua


carreira como professor de Língua Portuguesa no Colégio
Oswaldo Cruz, Serviço Social da Indústria (SESI) como diretor
do setor de educação e cultura, além de ter lecionado Filosofia
da Educação na então Universidade de Recife.
Conseguiu o impossível: alfabetização de jovens e
adultos em cerca de 40 horas e com baixo custo, o método
desenvolvido por Paulo Freire inspirou o Plano Nacional de
Alfabetização, que começou a ser encabeçado pelo Ministério
da Educação e Cultura (MEC) ainda no governo de João
Goulart. A experiência de Angicos causou alvoroço na cidade.
O educador era contra o que chamava de “educação
bancária”, que coloca o professor como detentor do
conhecimento e o aluno recebedor, a missão do professor é
possibilitar a criação ou a produção de conhecimentos.
Foi assim que um grupo de professores, sob sua
liderança, ensinou 300 adultos a ler e a escrever em menos de
40 horas, na cidade de Angicos (RN), em 1963. No ano
seguinte, foi exilado por 15 anos, e seu método arquivado.
A questão em jogo no cenário político: na época,
somente poderia votar quem fosse alfabetizado. O Plano
Nacional de Alfabetização poderia levar o letramento a até seis
milhões de brasileiros, o que significaria seis milhões de novos
eleitores fora das classes dominantes. Esses fatores foram
decisivos para que, ainda em abril de 1964, o Plano Nacional
de Alfabetização fosse cancelado. Esses também foram fatores
decisivos para a prisão de Paulo Freire. Marcos Guerra
(advogado e um dos coordenadores do projeto em Angicos) e
dezenas de outras pessoas, que, como no caso de Freire,
também foram exiladas.
Paulo Freire foi agraciado com cerca de 48 títulos,
entre doutorados honoris causa e outras honrarias de
universidades e organizações brasileiras e do exterior. É
considerado o brasileiro com mais títulos de doutorados
honoris causa e é o escritor da terceira obra mais citada em

191
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

trabalhos de ciências humanas do mundo: “Pedagogia do


oprimido”.
Fonte: Brasil escola.
Pixinguinha (1897-1973)
Alfredo da Rocha Viana Filho, Pixinguinha (menino
bom na mistura do dialeto africano), compositor, flautista,
saxofonista, arranjador, é um dos maiores nomes da música
brasileira de todos os tempos. Herdeiro da melhor tradição do
choro do final do século XX.
Carioca do bairro Piedade, filho do flautista e
funcionário do Departamento Geral dos Telégrafos, Alfredo da
Rocha Viana e de Raimunda Viana. As primeiras lições de flauta
de Pixinguinha foram dadas pelo pai, cresceu com 17 irmãos,
aos 12 anos já dominava alguns conhecimentos musicais, fez
turnê em Paris, fundou o grupo da “Velha Guarda”, gravou 34
discos de chorinhos…
Sartre (1905-1980)
Jean-Paul Charles Aymard Sartre, nasceu em Paris,
França, Filho de Jean Baptiste Marie Eymard Sartre, oficial da
Marinha Francesa e de Anne-Marie Sartre, ficou órfão de pai
aos dois anos de idade. Em 1924, ingressa na Escola Normal
Superior de Paris, conclui em 1929.
Filósofo, escritor e crítico francês, conhecido como
representante do existencialismo - corrente filosófica que
prega a liberdade individual do ser humano. O existencialismo
nasceu com o filósofo dinamarquês Soren Kieekegaard (1831-
1855) que combatia a filosofia especulativa.
Para Sartre, “estamos condenados a ser livres”, essa é
a sua sentença para a humanidade, uma vez que a “existência
precede a essência”, ou seja, não nascemos com uma função
pré-definida. Para ele, a consciência coloca o homem diante
da possibilidade de escolher o que ele será, pois essa é a
condição da liberdade humana. Escolhendo a sua ação, o
homem escolhe a si mesmo, mas não escolhe a sua existência.
Fonte: ebiografia.

192
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

"Não importa o que fizeram de mim, o que importa é


o que eu faço com o que fizeram de mim". Jean-Paul Sartre.
Sartre foi um filosofo engajado nas causas sociais e prefaciou
o livro “Os Condenados da Terra” de Frantz Fanon. autor de
diversos livros decoloniais. Recomendo a leitura
Wilson Simonal (1938-2000)
Wilson Simonal de Castro, carioca, filho de Maria Silva
de Castro, uma cozinheira e empregada doméstica mineira, e
pai Lúcio Pereira de Castro. Em 1960, Simonal deu baixa do
exército como sargento e se juntou ao grupo musical Dry Boys,
depois seguiu carreira solo e fez sucesso, ele foi o maior cantor
de seu tempo. Rivalizava com Roberto Carlos em número de
discos vendidos e de fãs, mas o deixava no chinelo num
aspecto: a voz.
Simonal tinha o timbre mais surpreendente do Brasil e
animava a plateia como nenhum outro. Foi um gigante, como
Elis Regina entre as mulheres. Ao longo de sua carreira,
ganhou grana, ostentou riqueza e se divertiu como poucos.
https://www.youtube.com/watch?v=ItVY5xs3_VM

MÃE DO NEMO
A mãe do Nemo, inquieta, impaciente, autoritária,
uma busca constante pelo novo, viagens e história fazem parte
da sua caminhada. Para o Negro-Nemo, a mãe que estuda
história e não sabe de nada. E quando passa dos limites de
aceitação na conduta, ela lança o olhar fulminante de
reprovação para ele, e não tendo efeito, dá um berro.
A Negra-Ana é uma mulher em construção e suas
pegadas deixa nas escritas, nas amizades e por onde anda.
ESCREVER E REVISAR
Acordei cedo e ele também.
- Bom dia, falei toda animada. - O livro está pronto.
Pode fazer o prefácio?
- Não. Já falei que não quero participar disso.
Nas revisões históricas, o professor Paulo Cruz
convenceu-o a participar com a leitura do livro e revelar seu
193
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

verdadeiro nome, como santo de casa não faz milagre, o de


fora fez.
E surge o meu pão
árabe, Naan. Algumas
religiões acreditam que o
filho escolhe a mãe. Sem
comentário.
Quero esclarecer
aos leitores, que a maioria
das conversas com o meu
Inconsciente despertado: Foto montagem em filho é verídica, porém
2018, nem imaginava escrever um livro com
esses personagens
alguns diálogos foram
forjados por mim, para
abordar o assunto e criar a dissertação.
Laurentino Gomes, jornalista e escritor, diz que
demorou dez anos de pesquisa e leu mais de 150 livros para
publicar um de seus livros.
Conversar é diferente de escrever. Consultei sites
especializados, tirei dúvidas com meu professor de História;
escutei diversos podcasts; assisti palestras do Café Filosófico e
do Programa Roda Viva antigo da TV Cultura; sou apoiadora
membro do canal História Online dos professores Rodolfo
Neves e Daniel Pereira.
Depois de tudo isso, durante quatro meses, em média
doze horas por dia, peço ajuda aos universitários - aos
mestres. Entro em contato com o professor Paulo Cruz e peço
para revisar o livro, respondeu dois meses depois, aceitando o
trabalho. E pelo visto, deu trabalho, e me passou mais uns
cinco livros para leitura e diversos artigos.
O professor Cruz me questionou a quantidade de
páginas dedicadas ao Marx. A vasta biografia facilita e eu tinha
uma página no Facebook “Aprendiz de historiografia” desde
2015, e colocava os meus escritos lá, inclusive sobre a
Revolução Russa, então achei conveniente e oportuno inserir
aqui.

194
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Pronto e finalizado! Alguns exemplares foram


distribuídos gratuitamente para publicidade, aguardando
desconfinamento da segunda onda do Coronavírus, para
impressão.
Pronto nada! Cancelo a produção.
Assisto o vídeo contando a história oral da minha
família, a emoção tomou conta de mim por semanas. Depois
de longos bate-papo com minha prima, produtora do vídeo e
trabalhou na Fundação Palmares, ela entra no livro e interage
comigo e nas curiosidades do Nemo.
Resolvo fazer 2º edição, e acrescento ao título “Os
Vasconcellos” e escrevo mais 120 páginas no capítulo “Nossa
Ancestralidade”.
Brota em mim uma grande esperança, que a geração
do meu filho saiba absorver e transformar nossa energia. E que
um dia, ele escreva sobre a dificuldade de ensinar a mãe a ser
mãe.
Naan já tem um livro publicado. Em 2010, “Bicho da
Floresta”, Projeto do Portal Educacional - Oficina de Texto no
Colégio Renovação em SP.

SER MÃE 24 HORAS


Eu com 36 anos, nasce meu neguinho (meu manancial,
para não perder o rumo). Digo para Naan que ele é fruto do
prazer da educação, na minha juventude seu pai foi meu
explicador de matemática.
Tenho orgulho em conseguir suprir as necessidades,
mas senti falta de mim. Passei a ser conhecida como a mãe do
Naan, a negra-Ana deixou de existir.

195
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Olhando para trás, acho que poderia ter sido mais


carinhosa, porém trabalhar, cuidar de casa, do filho e todas as
rotinas, foi um fardo pesado. Tudo feito por obrigação e
responsabilidade, não por prazer. Ao me aposentar, tudo
mudou, fiquei mais atenciosa, com mais paciência e dedicada
ao lar.
Seu primeiro livro foi “O Pequeno Príncipe” de Antoine
de Saint-Exupéry, ele não tinha um ano, eu lia para ele,
pensado bem eu lia em voz alta para mim:
“Criar laços pode nos causar algum tipo de dor, todavia
é necessário para que não nos sintamos sozinhos na
caminhada da vida. Não há perfeição nos relacionamentos,
mas podemos nos aperfeiçoar em prol dele. Não devemos
perder (ou estar longe) para valorizar, antes, aprendamos a
valorizar para não perder. Nenhuma experiência é perdida,
seja ela agradável ou não. Tudo é aprendizado”.
Não quero que meu relato tenha o pertencimento de
negra-tema, mãe solteira, aprendiz de historiadora… Não
posso me deixar errar e levar todas comigo. A intenção é
mostrar a minha fragilidade em educar meu menino. Um
desafio constante.
NEGRADA CARIOCA
Não tem como falar de povo preto e não citar um
pouquinho do Rio de Janeiro: os morros cariocas, as escolas de
samba, os movimentos negros, os pagodes, as praias e o
futebol.
Quando Nemo se viu nesse ambiente, se identificou
rápido e eu mais ainda. Tínhamos saído do Rio antes dele fazer
um ano, mas era nossa segunda casa.
O livro do escritor Paulo Coelho, o Alquimista, que
narra a história de um pastor que vive na Andaluzia - Espanha,
chamado Santiago, tem o sonho de encontrar um grande
tesouro, escondido sob as pirâmides do Egito. Ele é
incentivado por vários personagens a seguir seu sonho, depois
de percorrer o mundo, e nessa trajetória há diversos

196
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

acontecimentos bons e ruins, conhece o Alquimista que o


direciona para retornar à casa, pois é lá que está o seu tesouro.
Eu me identifico com essa história, no Rio de Janeiro
encontra-se o meu tesouro (família, amigos, casa própria…),
mas uma experiência em morar temporariamente no exterior
não se descarta, e com a esperança de melhorar a segurança
pública no período da nossa ausência.
E com a musicalidade de Arlindo Cruz, consagro meu
amor pelo Rio, pena que não é mais a Cidade Maravilhosa.
O meu lugar é caminho de Ogum e Iansã
Lá tem samba até de manhã
Uma ginga em cada andar
O meu lugar
É cercado de luta e suor
Esperança num mundo melhor
E cerveja pra comemorar
O meu lugar
Tem seus mitos e seres de luz
É bem perto de Osvaldo Cruz
Cascadura, Vaz Lobo e Irajá
O meu lugar
É sorriso é paz e prazer
O seu nome é doce dizer
Madureira, lá laiá
Madureira, lá laiá
No Rio, um amigo da família chegou e segurou minha
mão: “Posso te pedir um favor? Salva seu filho como você se
salvou”.
Entendendo o seu pedido, Nemo não iria se propor
buscar além do básico.
A visão social que temos é um binóculo com diversas
lentes de contato juntas, composta uma em cima da outra,
cada lente tem um grau de influência, e a direção do olhar é
dado pela escolaridade, pela faixa etária, pelo gênero, lugares
que frequenta, e enxergamos a sociedade por essas lentes.
É só mais um conto da negra-vida
Nemo tinha uns onze anos, grandão para a idade,
fomos a um hipermercado em Irajá no RJ e falei para ele
escolher umas guloseimas para levar à casa da tia, pois
197
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ficaríamos uns dias lá. Quando ele se viu naquela vastidão de


opções ficou rodando o mercado sem saber o que comprar.
Um moleque negro, de bermuda, perambulando no
mercado. Eu observava-o de longe e o segurança também.
Que sensação! O medo de alguém ferir meu filho.
- Meu filho, não fica andando desse jeito no mercado,
escolhe e vem para perto de mim.
- Andando como, mãe?
Mãe de menino negro-vida tem medo do olhar e da
ação estereotipada.
CIRCUITO PEQUENA ÁFRICA
Um passeio pela herança africana no Centro do Rio de
Janeiro, Pequena África, composta pelos bairros da Saúde,
Gamboa e Santo Cristo, desde a Praça Mauá até a Cidade
Nova, na região portuária do Rio de Janeiro.
Os diversos guias turísticos, com passeio a pé e pague
no final quanto quiser ou “rolezinho” denominado pelos mais
jovens, esses profissionais nos levam a caminhar exaltando a
história:
Pedra do Sal (foto) –
Os degraus foram talhados
na pedra pelos próprios
negros, local de samba e
eventos culturais.
Praça Onze - Berço
do samba desde o início do século XX, a batucada da negrada,
que se encontrava na casa da famosa baiana Tia Ciata, que
morava na Praça Onze. Hoje temos o Terreirão do Samba e o
Sambódromo.
Morro da Conceição – Integrado ao Centro do Rio,
entre a Praça Mauá e as ruas Acre, com casas coloniais, Jardim
Suspenso do Valongo, praças, capela, ateliês e restaurantes.
Cais do Valongo - Recebeu o título de Patrimônio
Histórico da Humanidade pela UNESCO em 2017 por ser o
único vestígio material do desembarque dos africanos

198
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

escravizados nas Américas. Uma história que os africanos não


tiveram oportunidade de contar, mas deixaram seus vestígios.
E, para os amantes da musicalidade, tem o “Samba do
Trabalhador” todas as segundas-feiras a partir das 17 horas no
Clube Renascença no bairro Andaraí próximo ao Centro.
"Como os músicos sempre dão duro nos finais de
semana, resolvi criar uma roda de samba para que o
trabalhador-músico pudesse aproveitar. Por isso escolhemos a
segunda-feira" (Moacyr Luz).
Esses passeios tiveram uma nova roupagem com a
reforma o projeto “Porto Maravilha”, que foi a revitalização do
Centro do Rio de Janeiro e sua zona portuária, que valoriza a
riqueza patrimonial da antiga capital do país, mesclada com as
arquiteturas modernas do Museu do Amanhã, Museu de Arte
do Rio de Janeiro e o Aquário Marinho - AquaRio. A beleza da
Cidade Maravilhosa ampliada ao turismo além das praias, e
dos pontos turísticos famosos (Cristo Redentor e Corcovado).
E aproveitar para saborear a excelente gastronomia
em diversos bares tradicionais da região como: angu do
Gomes, bolinho de banana, feijoada carioca, e o Beco da
Sardinha na brasa… Eu já provei todos e amei.

CHARME, SAMBA-ROQUE, E SAMBA - PATRIMÔNIO NACIONAL


Minha adolescência no Rio de Janeiro foi com os bailes
de “Charme”, denominação dada pelo DJ Corello – chegou a
“hora do Charminho”, estilo musical originário da cidade de
Filadélfia - EUA. Não era um simples encontro musical, e sim,
um evento, decorrente todos os finais de semanas nos clubes
no subúrbio carioca. A regra era não repetir roupa, o estilo
elegante, eu e as primas frequentamos: Disco Voador de
Marechal Hermes - Templo do Charme; Renascença Clube -
Festas Cor da Pele, Vera Cruz na Abolição e Mackenzie no
Méier.
Tudo registrado nos arquivos cinematográficos de Dom
Filó, Cultne Acervos, lembro dele sempre filmando nos bailes,
seu trabalho visionário mantém a memória do movimento

199
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

dançante, com as vestimentas elegantes inspirados nos afro-


americanos.
O black music, permanece com as resenhas dos amigos,
que é escutar música, comemorar a amizade e a vida. E
anualmente festejar a inserção do estilo musical no Brasil, os
40 anos de Baile Charme com presença de mais de cinco mil
pessoas no Parque de Madureira. E para os mais jovens ainda
têm a opção de curtir o estilo embaixo do Viaduto Negrão de
Lima, na da zona norte do Rio ou aos pés dos Arcos da Lapa.
Em 1997, chego em São Paulo era só samba-roque eu
nunca soube dançar. E na Capital o point foi no bairro Santana
(zona norte): Santana Samba e Casa de Show do Netinho,
cantor do grupo de pagode Negritude Júnior.
BLOCO CARNAVALESCO CARINHOSO DE BENTO RIBEIRO
Refrão: “Em Bento Ribeiro o bloco falado na boca do
povo, é o Carinhoso, é Carinhoso”. Na década de 70,
concentração e ensaio na rua Aracoiaba, ao lado do Colégio
Irineu Marinho.
Os bonecos gigantes eram confeccionados na casa da
esquina na rua Conde Resende e os instrumentos da bateria
guardados na casa do Cici. O Carinhoso com as cores vermelho
e branco, tinha uma rivalidade amistosa com o outro bloco do
bairro, “Vem como pode” - verde e branco.
Meu primeiro desfile foi no Carinhoso. Minha prima,
Célia Regina foi passista, afilhada de meus pais, por décadas
passou as férias escolares do mês de julho em casa. Tenho
uma vaga lembrança da letra do samba.
Venha rapaziada cair no samba
Que esse bloco é uma parada
Vamos todo mundo cantar, Oba
Com muita emoção

A galera cantando e batendo


O samba na palma da mão
Bate cuíca, bate pandeiro
Vermelho e Branco
Sou carinhoso de Bento Ribeiro

200
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Abraão Valério68 foi um dos compositores de diversos


sambas para o Bloco Carinhoso. Em 2007, ele faz um poema
pelos saudosos bons tempos:

Olha lá!!! Quanta beleza!
Reluzindo que nem um luzeiro;
Cantando e sambando com nobreza,
Vem o Carinhoso de Bento Ribeiro!

A Rua Américo da Rocha sorria;


Com alegria durante o ano inteiro!
O bloco mais popular da periferia,
Era o Carinhoso de Bento Ribeiro!

Recordar é reviver com os ensaios dos blocos de rua e
da dança caipira para festa junina até tarde da noite com o
Guto, na rua Nuassu, para apresentação em diversos bairros.
G.R.E.S. CAPRICHOSOS DE PILARES
Em 1986, desfile na escola de samba, com seu enredo
irreverente e satírico, “Brazil Com Z, Não Seremos Jamais, ou
Seremos?”
…Quem comeu, comeu
Quem não comeu, não come mais (bis)
Brasil com "Z" jamais …
Até os dias de hoje, a galera da época do desfile tem
contato – o elo pelo samba. O berço da cultura negra, o cenário
da garra das comunidades cariocas. É lindo, emocionante
trabalhar no barracão de uma escola, a essência do
cooperativismo e união em prol do carnaval. Viver para o
samba e pelo samba.
ESCOLAS DE SAMBA E O RIO
Muitas das escolas de samba do Rio de Janeiro são
originais dos clubes de futebol da época. O desfile competitivo
foi idealizado pelo jornalista pernambucano Mário Filho, em

68
Cantor. Compositor. Instrumentista. Passista. Acessado em abril 2021:
https://www.recantodasletras.com.br/poesias/469874
201
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

1932. O Jornal o Globo foi o patrocinador e criou uma lista de


quesitos para o julgamento.
As Escolas de Samba, em 1934, ganharam importância
dentro do carnaval carioca,
com a política nacionalista
do Presidente Getúlio O presidente Getúlio
Vargas, a luta e persistência Vargas em 1939,
dos negros para o decreta que os sambas
reconhecimento musical, enredos só podem
festivo e comemorativo. explorar temas
brasileiros.
Em 1984,
Inauguração do
Sambódromo da Marquês
de Sapucaí, conjunto arquitetônico destinado aos desfiles das
escolas de samba.
Criada toda estrutura para abrigar um conjunto
eufórico de ritmistas, com batucada composta por
instrumentos oriundos de matrizes africanas e milhares de
pessoas fantasiadas a se remexerem. Movimento turístico de
ouro para a Prefeitura do Rio de Janeiro.
Ah! Quem foi esse Marquês da Sapucahy?
Pelo que li, foi muito, o mineiro, Cândido José de
Araújo Viana (1793-1875), foi deputado, senador,
desembargador, conselheiro do Império, ministro das
Finanças e da Justiça, executivo e ocupante de outros cargos
importante do império, presidente das províncias de Alagoas
e Maranhão …
QUANDO VISTO O BRANCO
É a cor receptiva, todas as cores
são cabíveis dentro do branco, carrega a
simbologia do aprender a cuidar de si e
dos outros. Foto no Templo Oduduwa
em 2018.
Brasil, um país
predominantemente cristão, fundado

202
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

em missão religiosa, expressada na tela de Victor Meirelles em


1860, “Primeira Missa no Brasil”.
As religiões69 africanas têm seu histórico
marginalizado, com seus cultos taxados de crime, falsa
medicina, magia, sortilégios, feitiçarias e perseguições. Um
resquício da Santa Inquisição70 do século XIII ao XIX,
exterminando e torturando em nome de Deus.
A Constituição do Estado Nacional, seja no império ou
na república. Por ordem de comandantes militares, os
candomblezeiros eram espancados, seus instrumentos
musicais destruídos ou confiscados, as comidas derramadas e
a dança interrompida. Tudo isso exposto no Museu da Polícia
Civil71. Uma das faces do racismo, a intolerância ao Panteão
dos Orixás.
A desinformação é muito grande, inclusive entre nós
negros, na minha casa eu tinha duas estátuas de chão de
guerreiros tribais africanos zulu, não era nada religioso. Dei
uma para minha mãe, e fiquei com outra, quando ela ficou
doente, alguns frequentadores de casa chegaram a conclusão
que aquela estátua da sala fazia mal para minha mãe.
O que falar?
A má impressão, fomos doutrinados a olhar para os
artigos africanos como o mal, a macumba (um instrumento,
que virou insulto da religião de matriz africana), o preto
demoníaco. Não fico aborrecida, e sim, indignada.
Por usar dred e cabelo todo para o alto, muitas das vezes
ganho um olhar pejorativo, dentro e fora da comunidade

69 O Código Penal de 1890 incriminava não só o curandeiro, mas também o feiticeiro,


juntamente com outras categorias, como espíritas e cartomantes. (MANDARINO, 2007,
p. 97 e 100).
70
Os poderes conferidos aos inquisidores eram quase ilimitados. Podiam prender, julgar,
castigar e torturar sem que os acusados pudessem escolher a sua defesa. O crime tinha de ser
confessado e, não menos importante, tinha de haver lugar para o arrependimento, as almas que
a Igreja conseguia salvar do inferno. Para isso, os inquisidores dispunham de métodos de
interrogatório tão eficazes que o suspeito ou sucumbia nos instrumentos de suplício ou, como
acontecia quase sempre, dizia-se culpado
71 Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro - Rua da Relação, 40, 2º andar -

Centro - Rio de Janeiro, RJ, Brasil - 20231-110


203
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

negra, se falo que sou espírita tenho uma associação direta


como bruxa e feiticeira. Mas o que as pessoas sabem sobre as
tribos africanas? Nada foi ensinado, nem sabem que fomos
tribais, o som do tambor está associado só a macumba e não
na cultura de um povo.
Sou convencida que as redes sociais conseguirão
desmistificar isso, pois temos espaços de fala.
Já que entrei no papo de religião deixa eu falar da Bruna
Milheiro, professora de História e Religião de escola pública no
Brasil, que conheci na Alemanha em um jantar com amigas
brasileiras, com seus 33 anos terminando o pós-doutorado no
país germânico.
Oito meses depois, recebi sua
visita em minha casa, e tivemos a
oportunidade de sentarmos na Praça
dos Aliados no Centro de Porto (foto),
em uma tarde de verão e debatermos
sobre religião de matriz africana.
Bruna publicou um artigo na revista “Jesus Histórico” em
que relaciona o racismo estrutural presente na sociedade
brasileira ao preconceito direcionado às religiões de matrizes
africanas.
… O que acontece é que nem todos os “negros” são
adeptos das religiões de matrizes africanas nem todos os
“brancos” não creem nas religiões afrodescendentes. Ou seja,
não existe nessa discussão uma divisão matemática perfeita
com resto zero. É justamente essa complexidade do ser social
que torna a vida humana tão rica! Sendo assim, cabe àqueles
que se interessam e estudam essas temáticas sempre
questionar se aquilo que escutam deve ser assimilado, filtrado
ou mesmo rechaçado. Só assim se torna possível construir uma
sociedade com menos estereótipos e juízos de valor.
No meu artigo referido acima, defendo que o preconceito
existente direcionado às religiões de matrizes africanas não
pode ser desassociado do preconceito racial, pois essas
religiões ainda são relacionadas ao negro, que é associado ao

204
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

passado escravista, portanto, ao estigma da pobreza.


Segundo estatísticas do último censo do IBGE que utilizei num
artigo ainda no prelo, as pessoas consideradas negras são as
que possuem menor escolaridade, menor remuneração salarial
e menor renda per capta. Ou seja, ainda existe muita
desigualdade de oportunidade no nosso país.
Mas esse uso das estatísticas foi apenas para justificar
minha fala, pois eu sou contrária ao preconceito, seja ele racial
ou religioso e acho absurdo que ainda hoje nos deparemos com
esses discursos inférteis que permeiam a sociedade. Todos
temos o mesmo valor enquanto seres humanos, assim define a
declaração universal dos direitos humanos de 1948, assim
também sempre definiram as religiões em suas premissas
fundadoras. Quem faz mal uso das religiões somos nós, seres
humanos.
Outro ponto que eu defendo nesse artigo é que, uma forte
razão para a manutenção dessa crença racista está justamente
na maneira como a história dessas populações é ensinada na
escola, que não tende a colocar o negro como protagonista da
sua própria história, mas sim como o escravo. Esse
pensamento está mudando, mas ainda se valoriza muito pouco
a história da África e toda a riqueza que ela traz para a
humanidade. É importante sempre ter em mente que o
conhecimento não é algo estático e ainda bem que é assim, e
que hoje lemos autores pós-colonialistas que nos permitem
reorganizar o nosso olhar sobre a alteridade, especialmente
das populações consideradas tradicionalmente como as
“perdedoras“.
E já que meu tema é a religião, posso acrescentar que,
assim como os seres humanos, as religiões também não são
engessadas, elas são elementos vivos que dialogam com o
tempo, o espaço e as pessoas. Elas devem contribuir para o
viver bem e sem preconceitos, como um elemento que
proporciona um mundo mais igualitário e melhor para todos.
Dessa forma, reforça-se que não existe raça superior, não
existe ser humano superior, assim como não existe crença

205
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

superior. Todas e todos têm seu valor. Isso pode até soar um
pouco clichê, mas muita gente ainda entende essa frase de
maneira superficial ou parcial, por isso ainda vivemos num
mundo tão desigual, com inúmeras situações de dominação e
humilhação de seres humanos por seus pares.
Sendo assim, a concluí-se que ainda temos um
looonnnngggooooo caminho a trilhar e claro, nascemos para
ser eternos buscadores do conhecimento. (MILHEIRO, 2020)
Negra-Ana desabafando:
“Estou cansada dessa associação de preto e pobre,
religião de preto”.
Alegado por indicadores socioeconômicos, pesquisas e
mais pesquisas remetendo ao povo preto na herança
escravista, na exclusão. Está na hora de uma renovação.
Sou neta de mãe de santo, décadas depois de sua
morte, quando as pessoas sabiam que eu era neta da
Damascena, batiam cabeça (reverência) para mim. Imagina o
que é isso?
Sou sobrinha do falecido Joaquim
Claudionor Braga, pai Doda72 (fotos).
Viajava para Europa a pedido dos filhos de
santo que moravam no exterior.
Pai Doda inserido na família Costa
e da Damascena Vasconcellos gostava de
cozinhar e fazia uma comida maravilhosa.
O terreiro
Ilê Axé Ossaim Darê foi do pai Doda de
Ossaim, em Pirituba-SP, ele foi capa da
Revista Veja no final dos anos 90 e
protagonizou a tese de José Reginaldo
Prandi, “Os Candomblés de São Paulo:
a velha magia na metrópole nova”,
USP – 1991.

72
Acessado em março de 2021 Linhagem e Legitimidade NO CANDOMBLÉ PAULISTA
(anpocs.com)
206
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em São Paulo eu era frequentadora do Templo dos


Orixás Oduduwa73, o maior terreiro de Ifá da América Latina,
em Mongaguá, litoral de São Paulo. Muitos dos pais e mães de
santos pós-graduados em metrados e doutorados, a exemplo
do Babá King74, doutor em Sociologia pela USP em 1999, não é
raridade no meio, só não é divulgado pelos mesmo que
difamam.
Negra-vida é diferente de negra-tema, mas estou
dentro de terreiro desde que nasci. E cansada dessas
associações pejorativas e essa patologia neopentecostal.
Éthnos do terreiro: Carnaval com os enredos das
escolas de samba, a maior reverência festiva dos orixás; os
afoxés, o maracatu, o jango, o samba; best-seller de Jorge
Amado que escreve sobre o povo de santo; uma das poucas
religiões que a mulher pode chegar ao comando mais alto,
aceitação da homossexualidade…
A expressão da minha espiritualidade, se firma na voz
do cantor Zeca Pagodinho:
Acessado em junho 2020:
https://www.youtube.com/watch?v=F21td0MgXvA
Eu sou descendente Zulu
Sou um soldado de Ogum
Um devoto dessa imensa legião de Jorge
Eu sincretizado na fé
Sou carregado de axé
E protegido por um cavaleiro nobre

Sim, vou na igreja festejar meu protetor


E agradecer por eu ser mais um vencedor
Nas lutas, nas batalhas
Sim, vou no terreiro pra bater o meu tambor
Bato cabeça e firmo ponto sim senhor
Eu canto pra Ogum Eu canto pra Ogum
(Ogum)
Um guerreiro valente que cuida da gente que sofre demais

73 www.oduduwa.com.br
74
Bàbá King (Professor King)
Doutor em sociologia pela USP e sacerdote iorubá atuando no Brasil há mais de 30 anos.
Dissemina pelo país o culto a Ifá e a outros orixás à frente do Oduduwa e exerce papel
fundamental na pesquisa, registro e transmissão de conhecimentos da tradição oral iorubá
207
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Ele vem de Aruanda ele vence demanda de gente que faz


Cavaleiro do céu escudeiro fiel mensageiro da paz
Ele nunca balança ele pega na lança ele mata o dragão
É quem da confiança pra uma criança virar um leão
É um mar de esperança que traz a bonança pro meu coração…
É só mais um conto da negra-Ana
Quando ainda morávamos no Brasil, certa noite,
cheguei em casa e vi o meu filho arrasado no sofá - um abraço,
conversas e as explicações não adiantaram, a tristeza e o ódio
estava no olhar. No dia seguinte enviei uma carta aberta a
todos os moradores do condomínio (5 torres com 15 andares,
4 apartamentos por andar).
Aqui entra o colorismo, a falta de educação, instrução
dos pais, civilidade, necessidade do branqueamento, quanto
mais claro, mais aceito pela sociedade, uma imaturidade dos
negros. Precisamos entender a necessidade da Educação
Continuada.
A mudança de comportamento não depende do
outro, depois desse livro tenho tantos argumentos para me
impor como cidadão em qualquer lugar que eu pise. Tanto
orgulho da caminhada da minha família, que precisei escrever
sobre nós.
Tantos amigos com mestrados e doutorados, mas só
isso não basta, nem é sinônimo de um bom emprego. Quantos
pelo mundo trabalhando em subemprego, morando em
alojamento no exterior para participar de uma nova cultura.
Conheço gente nessas condições de todos os cantos e
de todas as idades: guianense, cabo-verdiano, timorense de 56
anos fazendo pós-doutorado em engenharia, por meses
afastados da mulher e filhos… e por aí vai
A vida é um desafio.
“Bora, ou vai ficar de maricagem” (2021, J.Bolsonaro).

208
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

209
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

NOSSA ANCESTRALIDADE
Merecemos um seriado, Resistência Xi-Djonga.

A origem dos sobrenomes familiares


Os sobrenomes ou nomes de família também um
patrimônio familiar, surgiram para identificação das pessoas
do povo durante a baixa Idade Média. Anteriormente, só eram
utilizados pelos reis e nobres. Para reproduzir os hábitos de
personagens importantes, ou, simplesmente, para buscar
diferenciação numa época de grande expansão demográfica,
os homens mais comuns passaram a utilizar como sobrenomes
as designações de seus ofícios ou habilidades, de seus lugares,
de suas condições sócio-econômicas.
Néia faz observações, que a definição acima é
ineficiente para os negros da diáspora africana no Brasil, e diz:
A saga de Manuel Congo está registrada em dois
importantes livros: Malvados Mortos, de João Luiz Duboc
Pinaud e Insurreição Negra e Justiça.
Você observou os sobrenomes dos insurretos? Congo,
Angola, Benguela, Moçambique... Os sobrenomes dos
descendentes de africanos no Brasil não significam a sua
origem ancestral. Por exemplo: alguém com o sobrenome
Bragança faz parte de uma família tradicional portuguesa.

210
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

No caso específico do africano, ao desembarcar no


Brasil ele perde seu nome e passa a ter como sobrenome o seu
lugar de origem. Já o escravo brasileiro passa a ser classificado
por sua cor: Maria Parda, Antônio Crioulo.
Mais tarde ele passa a ser identificado com o nome ou
sobrenome do seu senhor: Manuel dos Santos, isto é, ele
pertencia a família dos Santos, Conceição dos Rocha. Outros
sobrenomes foram criados e incorporados.
Segundo depoimento de um dos meus tios, o
sobrenome Vasconcellos, que é de origem espanhola, foi
incorporado ao nome de meu avô materno quando este entrou
na escola; foi a professora que deu esse sobrenome a ele.
É comum também, em várias famílias negras, o
sobrenome ser um prenome. Meu pai, por exemplo, chamava-
se Nelson José Daniel portanto, três nomes próprios. É comum
você encontrar sobrenomes como: da Conceição, Isidoro, José,
Evaristo, Agostinho.
Um outro exemplo também, são as crianças órfãs. Na
FUNABEM, as crianças sem família, quando chegavam ainda
pequenas, recebiam um nome e o sobrenome Silva. Todas
tinham o sobrenome Silva.

TRANSCIRÇÃO DO VÍDEO DA HISTÓRIA DOS VASCONCELLOS

Acessado em janeiro de 2021 https://www.youtube.com/watch?v=kOBWp1qRp-


I&list=LL

História oral contada Antônia e André Pinto de


Vasconcellos e reproduzida por Néia Daniel75, em vídeo: com
fotos, documentos e trilha sonora (Uma gota no mar - do Trio
Esperança; Caminho da Razão - com Evinha e Cordeiro de Nanã
- com Thalma de Freitas).

75
Infelizmente, por machismo de meu pai, nem eu nem Nelci fomos registradas com o
VASCONCELLOS. Durante minha adolescência eu colocava o sobrenome no meu nome.
211
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Ao guerreiro Xi-Djonga, o africano livre, e os meus


ancestrais que souberam honrar com dignidade a busca da
liberdade:
A garra e força e a ternura de Maria Clara e ao griô,
construtor de casas e de sonhos, André Pinto Vasconcellos.
É…, o tempo da minha memória, da memória negra. É
um tempo anárquico, como as colchas de retalho que minha
avó Diamantina pacientemente fazia, pegando pequenos
retalhos e unindo-os pedacinhos por pedacinhos.
Esta talvez seja a razão de escrever na maioria das
vezes no tempo presente, talvez para que essas fotos e pessoas
tão reais, não sejam jamais esquecidas.
Em um dia qualquer no século XIX, um guerreiro xi-
djonga, sua esposa e um de seus filhos … são capturados na
“Mama África” em terras Quelimane em Moçambique. Talvez

O nome em língua xi-rango, pronuncia-se xi-djonga e
significa: oriente, onde nasce o sol.
O guerreiro Xi-Djonga, é levado para o outro lado do
grande lago junto a sua esposa e de seus filhos. Atravessaram
o mar aninhado no colo de Yemanjá, Oxum e Nanã.
Navegaram por várias luas acorrentados no porão fétido de
um negreiro. Protegidos, no entanto, por Ogum, Oxóssi e Obá.
Afinal, era necessário sobreviver.
Nem mesmo, as voltas que foi obrigado a dá na árvore
do esquecimento…foram suficientes para apagar de sua
memória, o cheiro da chuva que a Ewa mandava, e da alegria
de ver o Oxumarê brincando de pintar o céu, depois das
lágrimas de Ewa.
De ouvir o som do trovão e o brilho dos raios quando
Xangô dançava com Yansã, e o gosto da liberdade contada em
seu ouvido por Oxalá.
Chegam, provavelmente no porto de Sant´Ana da Ilha
Grande de Abraão, depois de várias luas navegando em uma
casa-canoa chegam a uma terra estranha, com pessoas

212
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

falando uma língua que ele não entendia. No entanto os três


estavam vivos… JUNTOS.
Mais tarde, soube que a terra estranha se chamava
Angra dos Reis, onde foram vendidos para uma fazenda na Ilha
da Gipóia.
Ao desembarque no novo mundo deram-lhe um novo
nome, e novos nomes para sua mulher e filho. No entanto,
guardou dentro de si, o seu bem maior: sua ANCESTRALIDADE.
E ali no cativeiro nasceu o segundo filho.
Por ter força de um rei e amar acima de tudo sua
liberdade, consegue depois de muitas luas, comprar a tão
sonhada carta de alforria, para ele sua mulher e de seus dois
filhos.
Miguel, filho nascido na África e André Joaquim,
nascido em terras brasileiras. Compra sua própria terra em
Gipóia e uma canoa. Torna-se então, um AFRICANO LIVRE.
André Joaquim, compra terras a ser perder de vista, em
Angra dos Reis tornando-se um homem bem-sucedido. Um dia,
passa uma caravana com um poderoso dono de engenho
acompanhado de uma grande comitiva de escravos. Ao avistar
Alexandrina à janela informou que a voltar, levaria a moça
com ele.
André Joaquim não vê outra saída: foge com Maria
Alexandrina da Conceição. Já em Rio Claro, nascem dois de
seus filhos. Um deles é Antônio Pinto nasce por volta de 1875,
e como o guerreiro de Xi-Djonga recebe o apelido de Chindão.
Exceção à regra vigente, Chindão frequenta a escola e
é lá que recebe da professora o sobrenome Vasconcellos.
Antônio casa-se com a menina Maria Clara, filha de
Belmira e com ela têm sete filhos. Todos os sete, bisneto de Xi-
Djonga – O Africano.
Sete, homens e mulheres herdeiros do africano livre:
O primeiro filho do casal JAIR PINTO DE
VASCONCELLOS, nascido ainda no século XIX. Nasce a primeira
menina. Para ela escolhem um nome forte: BENEDITA VITÓRIA
DE VASCONCELLOS.

213
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em 08 de outubro de 1900, nasce mais um filho que em


homenagem ao avô recebe o nome de ANDRÉ PINTO DE
VASCONCELLOS.
Mais um menino surge para aumentar a família, nasce
ALFREDO PINTO DE VASCONCELLOS, conhecido com Ferrinho,
depois, WALBURG PINTO DE VASCONCELLOS (Loló).
Maria Clara engravida várias vezes sem conseguir
levar a termo. Até que nasce DAMASCENA VASCONCELLOS.
Enfim, surge a caçula dos sete filhos de Maria e Antônio,
ANTÔNIA DE VASCONCELLOS.
Talvez, vítima de anemia falciforme, ou por todos
trazerem nas pernas a marca de Omolu, houve um tempo em
que todos os homens da casa estavam doentes e não podiam
trabalhar.
Maria não perde tempo. Volta ao mar de Yemanjá e
torna-se marisqueira. Do mar de Yemanjá colhia ao fruto que
era vendido pelo pequeno André.
O menino esperto saía pelas ruas da Ribeira vendendo
os mariscos colhidos por Maria. Quando algum menino o
instigava devido a sua origem, era incisivo: - Na família dos
Vasconcellos ninguém nasceu escravo. Sua alma de poeta o
levava a recitar e ensinar a caçula Antônia os versos de
Gonçalves Dias, que havia aprendido em se 4º livro:
Aqui na floresta Quem guia nos ares
Dos ventos batida, A frecha emplumada,
Façanhas de bravos Ferindo uma presa,
Não geram escravos, Com tanta certeza,
Que estimem a vida Na altura arrojada
Sem guerra e lidar. onde eu a mandar?
— Ouvi-me, Guerreiros, — Guerreiros, ouvi-me,
— Ouvi meu cantar. — Ouvi meu cantar.

Valente na guerra, Quem tantos imigos


Quem há, como eu sou? Em guerras preou?
Quem vibra o tacape Quem canta seus feitos
Com mais valentia? Com mais energia?
Quem golpes daria Quem golpes daria
Fatais, como eu dou? Fatais, como eu dou?
— Guerreiros, ouvi-me; — Guerreiros, ouvi-me:
— Quem há, como eu sou? — Quem há, como eu sou?

214
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Na caça ou na lide, E o triste carpido


Quem há que me Duma ave a cantar,
afronte?! São eles — guerreiros,
A onça raivosa Que faço avançar.
Meus passos conhece,
O imigo estremece, E o Piaga se ruge
E a ave medrosa No seu Maracá,
Se esconde no céu. A morte lá paira
— Quem há mais valente, Nos ares frechados,
— Mais destro que eu? Os campos juncados
De mortos são já:
Se as matas estrujo Mil homens viveram,
Co’os sons do Boré, Mil homens são lá.
Mil arcos se encurvam,
Mil setas lá voam, E então se de novo
Mil gritos reboam, Eu toco o Boré;
Mil homens de pé Qual fonte que salta
Eis surgem, respondem De rocha empinada,
Aos sons do Boré! Que vai marulhosa,
— Quem é mais valente, Fremente e queixosa,
— Mais forte quem é? Que a raiva apagada
De todo não é,
Lá vão pelas matas; Tal eles se escoam
Não fazem ruído: Aos sons do Boré.
O vento gemendo — Guerreiros, dizei-me,
E as matas tremendo — Tão forte quem é?

Um dia, Antônio sabe que São Paulo existia mais


oportunidades para os negros nesse início de século XX.
Maria também, tinha lembranças ruins de Rio Claro e
de Angra dos Reis guardadas no peito. Era hora de deixar a
Ribeira, e começar vida nova. Vendem o que podem e seguem
para Rio Claro para embarcarem no trem que os levaria à nova
vida.
Saem a pé, no dia 30 de dezembro. Dez homens
ajudam a carregar a mudança. Pernoitam em Capivari e
partem para Rio Claro.
Despedem-se de Laurindo, o fiel empregado da
fazenda e em Barra Mansa tomam o trem que os levaria à
Aparecida do Norte. Atrás de trabalho digno passam por
Aparecida do Norte onde moram por cerca de três anos.
Trabalham também em Queluz e Campo Belo.

215
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em uma dessas andanças, chegaram a uma fazenda.


O fazendeiro então sugere que Antônio, Maria e os sete filhos
sentem no chão para que seja servida a refeição.
Altivo, Antônio responde que em sua família, todos
estavam acostumados a fazer as refeições à mesa.
Antônio resolve então, voltar para sua terra. Maria é
contra. Em Angra ela não foi feliz. Antônio insiste e … voltam.
Talvez, Maria já pressentisse. Seu coração já estava
fraco. Ela não queria voltar.
E no alto da serra, Maria Clara de Vasconcellos
transforma-se em ancestre. Em meio de tanta dor, descobrem
que pela COR DE SUA PELE, Maria não poderia se sepultada no
cemitério local. É enterrada em Lídice, como uma simples
indigente.
Os dias eram assim!
Antônio volta para Rio Claro com mais uma tristeza:
quem cuidaria dos setes filhos?
É apresentado então, a Diamantina, uma moça de 36
anos, nascida em Minas Gerais.
Casam-se em Angra dos Reis, em 03 junho de 1924. Por
inúmeras dores provocadas pela Igreja Católica, torna-se
evangélica. A família Vasconcellos então ganha novos irmãos.
ITASSEMA GONÇALVES DE VASCONVELLOS, tornou-se
costureira e trabalhou muitos anos para a famosa Casa
Canadá.
NATANAEL GONÇALVES DE VASCONCELLOS seguiu os
trilhos da Estrada de Ferro. E todos descobriram que: apesar
da dor, o amor foi muito além, das fronteiras de seus quintais.
Jair case-se com Martinha, torna-se construtor, e
torna-se kardecista foi pai de seis filhos: Nanci, Naide, Nadir,
Nair, Jair e Nelli. É nomeado o primeiro subdelegado de Angra
dos Reis.
Benedita Vitória de Vasconcellos tornou-se evangélica
e doi mãe de dois filhos: Urbano e Damião. Benedita tornou-se
parteira e trouxe ao mundo muitos dos herdeiros dos Xi-
Djonga.

216
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

André Pinto de Vasconcellos, construtor por profissão


e poeta por amor a arte, Casa-se com Piedade. Dessa união os
netos de Chindão cresceram, nascem: Etelina, Erli, Eni,
Antônio, como o avô, Jorge e a caçula Elenira.
Damascena casa-se com Antônio e abraça o
candomblé. A família cresce com Clara (nome dado em
homenagem a Maria do Chindão), e Claudecy. E Claudecy casa-
se com Lucy.
Antônia, tornou-se costureira e casa-se com Nelson
José Daniel e dessa união nascem Nelci e Néia.
Xi-Djonga, André Joaquim, Maria Alexandrina, Antônio
Chindão, Maria Clara, Antônio e Nelson.

217
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Ilha da Gipóia, Angra dos Reis - RJ


Depois do vídeo, o meu imaginário:
Antônio falou para André: - Filho, para esse Natal de 2020
podemos convocar todo o clã Vasconcellos na espiritualidade,
passaremos igual na terra, todos juntos.
No meio da comemoração olharam aqui para baixo, e viram
a pandemia, ficaram todos tristes, por verem o isolamento e o
distanciamento social dos seus. Só que Damascena e Antônia
perceberam que o afastamento não era uma questão sanitária.
Jair como empreiteiro da família viu que precisava
reconstruir e pediu ajuda para Loló. Antônio, como engenheiro,
conversa com seu irmão André e diz, “sei como fazer uma religação”.
Jair fala para seu filho, Izinho: - Não podemos deixar nosso
legado morrer.
Nelci: - A minha irmã fez um vídeo.
Diamantina: - Tem a filha do Cica, que está gostando de
escrever.
Nadir, irmã de Izinho: Eu desço, e a inspiro, já tenho livro
publicado dedicado a nossa família.
Cica: - Eu vou junto, assim fico próximo ao meu neto.
E desceram cantando, “Sonho meu, sonho meu, vai buscar
quem mora longe, sonho meu...”

218
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

219
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

O CLÃ DE ANTÔNIA DE VASCONCELLOS DANIEL


O vídeo termina com fotos da família da Néia, suas
filhas Fernanda e Flávia e seu genro Alexandre.

Música de Néia Daniel:


Nossa história vem de longe
Na poeira de Armatan
Vibra forte o atabaque
O agogô, canta o tantan
Nossa origem tem segredos
Luminosa tradição
E quero você guerreiro
Professor ou partideiro
Sentado na mesa de decisão.
Depois de umas décadas sem
contatos, trocamos mensagens
diárias, ela revela sua idade 66 anos e
eu a minha 52. E comento as fotos no
vídeo e falo, “fui ao seu casamento”. E
ela, “eu fui ao casamento de seus pais,
minha mãe foi a madrinha”.
A temporalidade do vídeo em
chegar até a mim, se expressa com o
dito popular, “Quando o trabalhador está pronto, o trabalho
aparece”. E no campo da fé, em iorubá - “Exú matou o pássaro
ontem, com a pedra que só jogou hoje”; no cristianismo -
“Tudo no tempo de Cristo”, e no hinduísmo, o tempo é uma

220
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

sucessão de ciclos, nos convida para relativizar a condição


humana e o nosso papel na criação e na sociedade.
Esse livro foi escrito na cozinha, então
metaforicamente, ela é a tampa da minha panela, o
complemento, porque décadas de ausência, descobrimos:
Suas escritas complementam as minhas, eu com o
livro “Por onde andei… o filho ensina a mãe”, comecei a
escrever em maio de 2020. Porém na década de 90 do século
passado, Néia já tinha seu livro pronto “Aos nossos filhos –
Conversando sobre a Cultura Negra”.
Ela me envia uma música na descoberta das
“coincidências”, de Caetano Veloso “Oração ao Tempo”. E, eu
envio-lhe de imediato o parágrafo do meu próximo livro, “Por
onde andei, e quem escutei no Cantinho do Iroko”:
E encontrei a resposta da minha simbiose com as árvores na
música de Caetano Veloso “Oração ao Tempo” aonde coloca o
Iroko como o senhor dos tempos. Sua mãe, Dona Canô, também
ficava em baixo de sombras frondosas a receber pessoas. Era isso
que eu precisava da vida, tempo e desobrigação, logo o que era
amargo, tornou-se saborosa e prazerosa.
E Larissa com sua voz suave começou a cantar.
És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo …
Somos viajantes, visitamos a África do Sul e turistamos
nas mesmas cidades e lugares, no mesmo mês, com diferença
de dois anos. Fotos nos mesmos lugares em Salvador.
Horas conversando sobre uma produção de
documentário ou filme sobre a família Vasconcellos, e no final
Néia diz, “Você tem razão. Alex Haley, aguarde!”
Algumas horas antes, estava reescrevendo o
parágrafo: …O apelido Kunta, na gravidez foi o livro de
cabeceira, “Raízes” de Alex Haley, o personagem principal é
Kunta Kinte.
Ela diz mistério. Eu digo, o espírito que sopra no seu
ouvido, também sopra no meu, em tempos diferentes ou são
os nossos logaritmos em conexões.

221
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Esse é mais um ciclo renovado com a nossa história


familiar e referências para os nossos descendentes.
Psicogenealogia é o estudo do inconsciente
familiar, através da análise da árvore genealógica,
de forma ampla, profunda, séria e comprometida
com as pessoas que a compõem, concebendo-as
como parte do universo em constante vibração,
harmonia e equilíbrio. Este estudo vai muito além
de registros de datas e nomes, pois olha com amor
e respeito os vínculos emocionais e psíquicos,
laços e mandatos inconscientes, programações,
eventos importantes, traumas e segredos que
estão envolvidos na história de cada ser humano.
Todos os dias eu e Néia trocamos mensagens de
projetos e recordações:
Querida, tente manter contato com a Elenira, pois eu
sei que ela também tem muitas histórias
para contar e como ela é uma pintora
com várias exposições pode ter
ilustrações para o seu livro.
Quem eu tive mais contato foi
com a Eni; a Enedina; e com a Elenira,
quando ela subsecretária de cultura em
Belford Roxo e eu trabalhava na
Fundação Cultural Palmares. Eu me
lembro que quando ela chegou, eu
estava na recepção e coloquei ela sentada ao lado do Carlinhos
Brown (foto), afinal, família é família.
Reencontrei Claudelucia quando eu dei aula na Escola
Mário Pena da Rocha, em Honório Gurgel e ela estudava lá.
Lembrança de Tia Damascena foi um bolo em forma de
camisa que ela fez para um aniversário do meu pai.
Uma vez, quando morávamos na Pavuna, o Jorge foi
nos visitar e quando ele bateu no portão eu falei: - mãe, tem
um preto bonito te chamando, rs,rs,rs.
Muitos anos atrás, eu trabalhava na SEDEPROM
(Secretaria criada no governo Brizola) Dulce Vasconcellos

222
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

também trabalhava lá. Foi feito um projeto para homenagear


os nossos “mais velhos” e colocamos o nome do Tio André. A
homenagem aconteceu na UERJ e Cica levou o Tio André.
Imagine a minha emoção quando os dois entraram no
auditório. Como diz Eliza Lucinda: - fiquei toda besta.
Engraçado, parece uma característica familiar. Lá em
casa parecia “a casa da Mãe Joana”. Eu me lembro que certa
vez aconteceu uma enchente e a nossa casa foi a única que não
encheu. Ali perto havia uma vila que ficou alagada e todos os
moradores estavam dentro de um ônibus, pois morávamos
perto da garagem de uma empresa de ônibus. Mamãe fez uma
chaleira de café e foi até lá e na volta pediu para o ônibus parar
na nossa porta e colocou todos lá pra casa. No quarto da
mamãe ficaram as crianças; no meu quarto e da Nelci ficou
para a Tia Amélia e a família, pois ela estava com câncer em
fase terminal. Os homens foram embaixo d’água comprar pães
e as mulheres para a cozinha fazer comida para o povo.
Lembro-me também, que se acontecesse alguma briga
familiar, as mulheres corriam com seus respectivos filhos para
a casa da Dona Antônia.
O IMPACTO DO VÍDEO NA FAMÍLIA
O vídeo chegou até mim, a completar uma década de
produção. De imediato, direcionei a todos os familiares no
meu contato. Quem me passou link do vídeo foi o povo do
“W”.
O CLÃ DO WALBURG PINTO DE VASCONCELLOS (Loló)
casou-se com Angelina Rodrigues Vasconcellos e tiveram as
WWW: Zinha (Widiman Vasconcellos de Oliveira) e Maza
(Wilman Vasconcellos Barbosa) e Nenza (Wina Vasconcellos de
Moraes).

223
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em 2019, almoço na casa da Vó Zinha - Ana Paula, Willian, Zinha, Helena,


Naan e eu tirando a foto. As Xi-Djongas em 2018 Zinha, Ana e Nenza.

Zinha, que também é afilhada do Tio André, casou com


Francisco Jorge de Oliveira, em 1963, e dessa união continuou
com a tradição do W no nome da família, com seus filhos,
Wagner Jorge Vasconcellos de Oliveira e Willian, primo, irmão
e compadre.
O primo Wallace de Moraes, filho da Nenza com José
de Moraes, casados em 1952. Wallace foi criado pela Maza
(Mazinha, irmã da Nenza) e seu marido, Gilson. Na minha
infância nunca entendia o porquê das duas mães.
Troco mensagem com a Nenza todos os dias, está com
seus 86 anos, é como se fosse a minha avó, até pela grande
semelhança.
Loló é o bisavô de Helena Dioniso Silva de Oliveira,
minha afilhada, filha da Ana Paula, com Willian Vasconcellos
de Oliveira, que é o padrinho do Naan. É um troca-troca de
compadre.
Helena ainda é educada em pedir a bênção aos mais
velhos da família, até por vídeo chamada, fala, “A bênção
dinda”. Tão lindinha! E o Willian as vezes cobra do Naan, “cadê
a bênção do padrinho?”
Ana Paula foi a fonoaudióloga do Naan no seu primeiro
ano de vida, e quando retornei para Mogi Mirim - SP, em 2005,
o casal ainda em namoro, me ajudaram na mudança, ficamos
no apartamento por três dias sem móveis, geladeira, fogão,
até a entrega da mudança.

224
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em 2008, entrelaço de Willian e Ana Paula Dionisio


Silva de Oliveira, teve duas
comemorações: O casamento e o
ingresso de Ana como oficial da
Marinha. Quando ela passou no
concurso nos abraçamos radiante e
lembro da felicidade em seu rosto.
Naan foi uns dos pajes (foto -
eu já tinha o meu pantera negra). A
festa do casamento para 200 pessoas
no Salão Nobre Antônio Modesto da Silveira - OAB/RJ, a
negrada estava chic.
O enfeite de biscuit no topo do bolo de casamento
foram dois bonecos caracterizados, a noiva e um camarada
com a camisa do flamengo sentado em cima de uma caixa de
cerveja da skol.
Distribuíram adereços e fantasias para os convidados,
então saíamos do salto e caímos na dança, inclusive os noivos.
Mesmo antes do nascimento do seu afilhado, o primo
compadre estava sempre em São Paulo para me visitar. Nos
primeiros anos do Naan, por diversas vezes fez o translado
entre Rio e Mogi, 620 km, combustível e pedágio não deixava
eu pagar. Teve uma vez que ele me
deixou e retornou no mesmo dia.
Em 2016, aniversário de 02
anos da Helena, com a mesma
quantidade de convidados do
casamento dos pais, as festas sempre
são um evento de reencontro familiar.
Se não fosse a pandemia, o lançamento
do livro teria uma baguncinha. Foto eu
e Helena.
O CLÃ DO ANDRÉ PINTO DE VASCONCELLOS

225
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

O tio querido, já citado com muito carinho no livro da


prima Nadir (foto). Tio
André e tia Piedade
formam padrinhos de
todos, recitou poema e
contou sua história,
andávamos devagar e
braços dados.
A morada dos tios,
em Nova Iguaçu, baixada
fluminense, Rio de Janeiro. Na minha infância era o local de
festas, o quintal com diversas casas, todas de primos e tios.
Eu desde novinha falava para o Willian, povo do W,
que todos os meus filhos teriam ele com padrinho, ainda bem
que só tive um. A família toda pensava o mesmo com Tio
André, não devia sair da igreja aos domingos, são muitos
afilhados, inclusive o meu pai.
Retransmiti o link do vídeo
para o primo Mauro, descendente do
André Filho, umas três horas depois.
Prima: - Confesso que chorei no colo
da minha mulher.
- Mauro, eu lembro do seu
pai, mas quem é sua mãe?
- Ah!!! Minha mãe é Lúcia
Maria.
- Você é daquela casa que tinha um monte de
telefone?
- Não. Eu nasci em Nova Iguaçu, lá naquela casa dos
fundos do quintal, e sou filho único. E completou:
- A de Angra dos Reis é a neta mais velha do Vô André,
que se chama Maria Lúcia Vilella, que é filha da Tia Etelina
(Etelina Vasconcellos Vilella), filha mais velha do vô. Casou-se
com o Tio Mato Grosso Vilella, o que tinha uma coleção de
telefones na parede, e os dois tiveram 4 filhos: Maria Lúcia,
Max, Márcio e a Andréa.

226
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

No dia seguinte, Mauro envia uma mensagem:


Aninha, bom dia prima!!! Nossa história e muito linda
e emocionante!!! Ficaria feliz de que eu e meus filhos
constássemos no seu livro, que tenho certeza que será um
sucesso!!!
Uma história de família como a nossa é repleta de
detalhes, que podem passar despercebidos. Essa liberdade de
comunicação entre nós é importante para sanar dúvidas que
tive durante toda a minha vida. Como aquela de Wallace e suas
duas Mães!!!
Então, lá vai!!!
ANDRÉ PINTO DE VASCONCELLOS e Maria da Piedade
tiveram 7 filhos: Etelina, Erli, Enedina, André (meu Pai),
Antônio, Jorge e Elenira.
Meu Pai chamava-se André Pinto
de Vasconcellos Filho(foto) casou-se com
Lúcia Maria Cardoso de Vasconcellos e
tiveram um único filho, que sou eu
(Mauro Cardoso Pinto de Vasconcellos),
afilhado dos meus avós André e Piedade.
Do meu primeiro casamento com
Lydia Cristina tivemos três filhos: Mauro
Bandeira de Vasconcellos (primogênito),
Paulo Victor Bandeira de Vasconcellos e
João Marcelo Bandeira de Vasconcellos.
Do meu casamento com a Janaína Mendonça de Vasconcellos,
tivemos duas Filhas: Maria Eduarda Mendonça de
Vasconcellos e Maria Vitória Mendonça de Vasconcellos. Da
união entre Mauro Bandeira de Vasconcellos, meu
primogênito, e Bárbara Sobral, nasceu a minha Netinha, que
se chama Zoé Sobral de Vasconcellos.
Havia um papo de mesa, na cozinha da minha Avó
Piedade, sobre dois filhos gêmeos que ela teve, mas que não
vingaram. Acho que seriam mais velhos que o Tio Jorge.
Tia Enir deve ter os detalhes!!!

227
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Ah!!! Estou me preparando emocionalmente pra


assistir ao vídeo com a minha Mãe!!! A história é forte!!!
Beijos e fiquem todos na Paz!!!
E nas conversas com Mauro …
Aninha, prima querida, outro dia estava conversando
com minha mãe e lembramos de seu Pai, o qual eu chamava
de Tio Cica. Ele estava sempre em Nova Iguaçu pra visitar o tio
dele querido, o Vô André, e todos nós aproveitávamos pra
"tirar uma casquinha", pois ele era muito carinhoso!!! Minha
Mãe disse também que nossos pais (Deca e Cica) eram muito
amigos e, quando eram solteiros, eram muito próximos, e meu
pai não saia da casa da Vó Damascena. Ah!!! Uma vez meu pai
disse que o Tio Cica era "Boxer". Então, resumindo, Tio Cica era
Bombeiro, Boxer, Primo, Amigo... Ele era o Cara e você escreve
a História!!! Beijos e fiquem na Paz do Cristo!!!
Depois ….
Ligo para
Pastora Dete, neta do
Tio André, já tinha
recebido vídeo. Um
mês antes da minha
saída do Brasil, teve a
sua festa temática de
60 anos, A Bela e a
Fera (foto). A oportunidade de apresentar o neto do Cica, para
as tias e primas que ainda não o conheciam.
O ambiente do reencontro festas e enterros (após o
sepultamento vira uma festa). Como diz Néia, “Enterro de
preto sem gurufim76, não é enterro”.
Dete é prima próxima, trocamos figurinhas sobre
viagens, como missionária foi à Israel com seus pastores e

76
O costume de cantar e beber em enterros de sambistas está muito vinculado a uma
tradição popular que relaciona a morte. No Brasil, isso é muito comum tanto na
religiosidade dos negros bantos quanto dos negros iorubás. Nos candomblés, por
exemplo, o axe, que é a cerimônia fúnebre, é uma espécie de festa para a morte”,
explica o historiador e escritor Luiz Antônio Simas
228
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

amigos da igreja, um lugar que ainda desejo conhecer. Ainda


não visitei nada no Oriente Médio, mas está nos meus planos.
Conversando com a Dete, surgem muitas perguntas,
quem é quem, sobre os
personagens do vídeo. E ela
escreve um pouquinho:
Minha mãe chama-se
Enedina Vasconcellos Paulino.
Casou-se com Fernando Paulino
(foto) e tiveram 3 filhas: eu,
Marinete de Vasconcellos Paulino
Figueiredo (afilhada dos meus
avós André e Piedade), Márcia Enir Vasconcellos Paulino Rosa
e Maria das Graças Paulino Bernardo.
Maria das Graças casou-se com Neovaldino Bernardo
teve um único filho, Cássio Ricardo Paulino Bernardo, que é pai
de Ana Beatriz, Pedro Gabriel e Miguel.
Márcia Enir casou-se com Luiz Fernando da Silva Rosa
e tiveram uma filha, Bruna Fernanda Vasconcellos Rosa.
Eu, Marinete casei-me com José Carlos Francisco
Figueiredo. Adotei meu sobrinho Cássio, porque minha irmã
Maria das Graças partiu quando ele
tinha apenas 7 anos de idade.
Essa é mais uma pequena parte
da longa história de nossa família.
Aguenta coração!!!
Toda vez que encontro com Ana
Beatriz, comento indignada” fui dama
de honra no casamento de sua avó (foto
– Lucy, Cica, Ana Oliveira, Cristiane)”.
Essa roupa amarela da minha
mãe era de crochê, com o tempo virou
uma toalha de mesa.
FESTAS FAMILIARES COM OS VASCONCELLOS

229
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Os festejos eram realizados no quintal do Tio André e


da tia Piedade, as vezes a caravana seguia para o casarão de
seu filho engenheiro, Antônio Vasconcellos, casado com
Jandira.

Meu pai contava que a iluminação da avenida Brasil, a


partir de Campo Grande – zona oeste do Rio de Janeiro foi
projeto do primo Antônio.
Tio André e meu pai aniversariavam no mesmo dia, 08
de outubro, foram muitas comemorações tanto em Nova
Iguaçu, como Marechal Hermes. Em uma dessas
comemorações chegaram umas trinta pessoas de uma só vez,
carregando diversos engradados de cerveja, carnes, gelo,
carvão… A criançada mal cumprimentava, tiravam a roupa e
pulavam na piscina. Eu já estava dentro.
Seus sete filhos todos do bem, sua caçulinha, Elenira,
se tornou artista plástica, expositora, escritora, viajante,
ganhou o mundo, conhecimento e a sensibilidade de uma
pintora.
Eu tenho o espírito de uma artista, o amor a arte tem
sabor de liberdade, nos dá leveza no pensamento, na
produção e nas atitudes. E o poema é recitado: “Não sou
obrigada a nada, não sou obrigada a nada. Depois que descobri
que não sou obrigada a nada, eu não sou obrigado a nada.”
NA CASA DA BISA
DIAMANTINA GONÇALVES, segundo casamento do
meu bisavô Antônio, ajudou criar
seus sete filhos e tiveram mais
três filhos, Itassema, e Natanel,
um morreu com uns dois anos,
apelido de Fifi.
Na década de 70, as visitas à casa da tia Noêmia,

230
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Lembrança da Néia:
Todos os domingos, depois de assistir o Teatrinho Trol
na TV, pegávamos o trem na estação da
Pavuna e íamos para a casa do vovó
Diamantina – Dantina como mamãe
chamava – mamãe passava na padaria
em Coelho da Rocha e comprava pães-
doces. Vovó Dantina ficava contando as
histórias e mostrando as diversas mudas
de plantas que ela plantava em latinhas.
Antes de Coelho da Rocha, ela e
Dindinha Noêmia moraram na Rua
Mercúrio, na Pavuna ao lado de um
Centro Espírita e eu de fininho saía da
casa da Vovó para ficar olhando as
pessoas recebendo os pretos velhos e os
caboclos. Quando eu comecei a cantar
os pontos, deu ruim! Rs, rs, rs. Ah! Eu
gostava também, quando ele fazia
“mulato velho”. A Dindinha Noêmia fez
os nossos vestidos de primeira comunhão e meu vestido de
casamento. A mamãe contava que o vestido da filha do
presidente Juscelino foi feito na casa dela.
ITASSEMA GONÇALVES DE VASCONCELLOS, sempre
íamos com meu pai ver a bisavó, em
Coelho da Rocha - RJ Diamantina,
que se sentava no chão e contava
histórias, e dizia que não foi
escrava, mas foi filha de escrava, ela
pegou a lei do ventre-livre. O chão
avermelhado, café em caneca de ágata, água em filtro de barro
faz parte do meu imaginário.

231
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

O CLÃ DO JAIR PINTO DE VASCONCELLOS, o povo do “N”,


Vô Jair, assim que todos o chamavam, mesmo quem não era
neto. Casado com Marta Maria
Vasconcellos são os pais das
NNNNNNN – sete meninas com as
mesmas iniciais + Jair Filho, político
da família, só andava com aquela
pasta pesada e cheia de papéis
bagunçados.
A filha Nadir escreveu e
publicou sobre os Vasconcellos no
livro “Rumo as 7 Vidas”. Na capa:
Nadir, a neta Celi, Nelinha, Nancy e
o pai Jair. Na juventude muitos de
seus escritos forma para o lixo e
rasgados por seu pai, mulher
escritora, não era bem vista na
sociedade.
JAIR PINTO DE VASCONCELLOS, O FILHO.
Em 1963, a lua de mel dos meus pais, Cica e Lucy, foi
na casa do Jair Filho, que era primo grudado. Marilza, amiga
da minha mãe e no futuro minha madrinha, apareceu por lá no
dia seguinte e ficou. Uma lua de mel em família.
Em 1973, eu e Cristiane fomos as daminhas da
Gracinha, irmã da Dete. Os
nossos cabelos esticados e
com cheiro de laquê (fixador
de cachos) colocado em
abundância por Nancy, a
prima de São Paulo, filha do
Vô Jair.
Em 2020, comemorados os 80 anos de Dulce, esposa
de Jair Filho, a festa em Campo Grande, zona oeste do RJ. Com
a ornamentação temática “Uma tarde na Bahia”, em
homenagem a sua cidade natal, e no meio da festa a entrada
surpreendente de uma bateria de Escola de Samba.

232
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

NADIR DE VASCONCELLOS BAPTISTA


Pseudônimo Marjaína,
escritora, compositora, expositora,
estilista, professora de artes e moda.
Moradora da Grande São Paulo
(Santo André e São Bernardo do
Campo). Participou dos desfiles das
escolas de samba Sônia Maria e Vai-
Vai, como destaque e ingressou na ala dos compositores.
Formada em Artes e Modas, pela
Escola de Corte e Costura São Paulo, em
1950.
Em 2013, no seu aniversário a
festa foi um desfile de moda, e na
passarela, familiares e amigos desfilaram
com as roupas da estilista Nadir.

Netinha, filha Nadir, fala:


O primeiro livro da mamãe quem revisou foi ela
mesmo saiu perfeito. No
segundo, a digitação que
comeram letra e infelizmente.
Ela fez a faculdade
comigo, pois me ajudava nos
trabalhos. Quando fui receber o

233
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

diploma, o diretor disse para minha mãe, “Dona Nadir a


metade desse diploma é seu”.
Regina, filha de Santa Nilda, neta da Nadir, faz uma
declaração de amor para a sua avó, e diz:
Eu convivi com a
mulher maravilha, a minha avó
Nadir, dona Marjaína,
guerreira, cuidou de mim e dos
meus irmãos, e depois dos
meus filhos. Demos trabalho,
mas ela nunca desistiu de ninguém.
NILZA DE VASCONCELLOS
Filha de Jair e Marta,
carinhosamente chamada de Nini
pelos familiares, formou-se em
Contabilidade, mas sua vocação
profissional foi na área de
enfermagem, mas pelo visto, essa é
uma vocação da família. Como diz
Martinha:
Aqui somos todas da
enfermagem, eu, tia Filinha, e os
primos: Cida, Lígia, Cecília e
Serginho... Só a Catarina é professora de Química, herança da
mãe e tia.
Nini trabalhou dez anos no Hospital das Clínicas, e teve
a oportunidade de participar como auxiliar de enfermagem da
equipe do Dr. Zerbini77, cirurgião do HC-USP.

77
Euryclides de Jesus Zerbini (1912-1993)
234
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Na madrugada
de 26 de maio de 1968,
Dr. Zerbini, revolucionou
a medicina ao liderar a
equipe que realizou o
primeiro transplante de
coração
O receptor do
1968 Museu FMUSP/Arquivo
coração foi o lavrador
mato-grossense João Ferreira da Cunha, João Boiadeiro, de 23
anos, diagnosticado com doença do miocárdio e insuficiência
cardíaca.
O CLÃ DO ALFREDO PINTO DE VASCONCELLOS (Ferrinho),
morreu novo em um acidente de carro.
Paulo Vasconcellos, filho do Ferrinho, casou com
Magda, e dessa união nasceu sua filha única, Sandra, que tem
um casal de filhos, a menina se chama Gleicy.
Por anos, minhas
férias foram em Barra Mansa,
interior do Rio de Janeiro, na
casa do Tio caminhoneiro e
contador de história. No final
dos anos 70 ou início dos 80,
lembro que assistíamos televisão no terraço, e eu ficava
olhando para cara daqueles dois negrões (meu pai e o tio)
caindo na risada com as histórias um do outro, e vendo as
gargalhadas deles, eu me perguntava, por que eles tinham
dentes de ouro78iguais.
A poesia do negro expresso na musicalidade de Adilson
Barbado, Jair Carvalho, Jorge Portela e Mário Lago na voz de
Ivone Lara e Fundo de quintal:
Um sorriso negro
Um abraço negro

78
Anos atrás, era comum o uso das famosas “falhas de ouro” nos dentes. Sendo sinal de beleza
e empoderamento. A ideia de enfeitar o sorriso com coroas de ouro nos dentes.

235
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Traz felicidade
Negro sem emprego
Fica sem sossego
Negro é a raiz de liberdade

Negro é uma cor de respeito


Negro é inspiração
Negro é silêncio é luto
Negro é a solidão
Negro que já foi escravo
Negro é a voz da verdade
Negro é destino é amor
Negro também é saudade…
O aparelho de TV que ainda era com transmissão de
imagem em preto e branco, Tio Paulo (Paulinho para os
demais) grudava na tela um papel transparente azulado ou
rosado, e explicava para mim: “dessa forma, o tio tem TV
colorida”. E o jantar, sempre ao som da “A voz do Brasil79”.
Eu e tio na vendinha, comprou bala e
me deu, joguei o papel no chão e ele logo me
chamou de sugismunda.
Pela primeira vez eu vi o galo em
cima da galinha e perguntava para tia Magda,
“por que dele ficar em cima dela”. Acho que
fica esquentando os ovos dentro da barriga
dela, essa foi a resposta.
Teve uma vez que meu pai levou
o Tio André, em Barra Mansa, para
passar um final de semana com o
sobrinho. Nossa! Foi uma festa de
recordações, eu devia ter no máximo
uns 18 anos. Quando Naan tinha uns 02
anos passamos por lá, para Sandra
conhecê-lo.

79
Noticiário radiofônico estatal, produzido pela Empresa Brasil de Comunicação, de
difusão obrigatória, de segunda a sexta-feira em todas as emissoras radiofônicas
brasileiras, tendo duração uma hora de duração.
236
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Tio Paulo, Tio André, Vó Damascena, Tia Antônia, eles


sempre com a canela enfaixada com atadura. Muitos dos
Vasconcellos, tinham inflamações80 na perna que atinge a
derme.
O CLÃ DA DAMASCENA VASCONCELLOS DE OLIVEIRA
O passa e repassa continua… envio para minha prima
e comadre, Dulce (filha de Elith de Oliveira e Sylvio de Oliveira)
e conta um pouco do nosso vínculo familiar, que se inicia em
Rio Claro - SP, Deolinda Soares de Oliveira.
A tia Tuta81, filha de Deolinda, torna-se a prima
inseparável de Damascena Vasconcellos de Oliveira.
Já idosas, no conceito da época, depois de muitas
décadas morando no Rio de Janeiro, as duas organizam uma
excursão para Rio Claro, para rever os amigos e parentes.
Georgina casa-se com Francisco de Oliveira, de Barra
Mansa, sua filha Elith torna-se filha de santo da Damascena.
Tia tuta também era mãe de santo, da linha umbanda,
minha avó materna, Zulmira era
frequentadora de seu terreiro,
sempre ia lá com a Claudelucia
de dia, que ficava bicuda a
esperar. E nas giras frequentava
só.
Dulce, Dulcinea de
Oliveira, casou com Roberto
Gomes da Silva, e eu sou a
madrinha de seu filho, Vinicius
Gomes da Silva. Que já me deu
dois netos: Lucas de Oliveira
Gomes da Silva e Letícia Oliveira
Gomes da Silva (fotos)
A vida é dual: branco e preto, quente e frio, sol e
chuva, seguindo essa dualidade, acredito que todas as famílias

80
Néia comenta: Pesquisando também, descobrimos que possivelmente era anemia
falciforme. Confirmado por um médico do HEMORIO.
81
Georgina Soares de Oliveira em 1978.
237
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

têm o seu Malcolm X e o seu Martin Luther King. Na minha, a


convivência com visões diferentes, pelos mesmos objetivos é
a construção da nossa história.
Esse fuzuê do vídeo durou uns três dias, eu de Portugal
perturbando o povo do Rio de Janeiro para saber mais
detalhes.
Passo o vídeo para minha irmã, e sua filha, Aline (foto),
bisneta da DAMASCENA VASCONCELLOS DE OLIVEIRA. No
final do dia, minha sobrinha passa
uma mensagem: “Minha mãe
também está chorando”.
Claudelucia, nome composto
com os dos nossos pais, afilhada da
Damascena, mãe de Aline, madrinha
do Naan, e chamada de Lua, seu
apelido de infância, até os dias de
hoje na voz da Cristiane(foto).
Peço
para Lua fotos para complementar o
vídeo. E com isso, suas lembranças são
ativadas, e escreve:
Damascena lutou contra o
câncer e em meio aos preparativos
para os 15 anos de sua primeira neta. A
festa seria em setembro, mais ela nos deixou em fevereiro.
Lembro da varanda dos fundos, onde a prima Nenza fazia suas
costuras e os dois vestidos para a festa, um amarelo e um
branco, presente da avó.
Todos os anos o presente dela era a roupa.
As festas de Cosme e Damião eram uma farra, com
bolo enorme e muitos doces. A casa de Damascena parecia
hotel, sempre tinha gente pra dormir. Eu lembro de algumas
filhas de santo dela, Rolinha, Dinora…
Dizem que não se volta no tempo, mas com essas
lembranças retornei, me senti tocando na minha avó.

238
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Eu continuei repassando o vídeo com muita


ansiedade. Liguei para Cristiane, filha da irmã do meu pai,
ressalto a importância do nome de sua neta, Maria Clara,
semelhante da nossa bisavó. E Cris com uma visão
romantizada diz, “nossa história é muito linda, graças a Deus,
não tivemos muitas coisas ruins”.
Cristiane, pantera cor de rosa(foto), apelido
dado pelo meu pai, por ter pernas cumpridas e finas.
Tia Clarinha, Clara de Oliveira Martins casa-
se com Wilson Dias Martins, em 1965, dessa união
nasce Cristiane Maria de Oliveira Martins.
Cris uniu-se ao Heron Carlos Lima de Queiroz e têm
dois filhos: Iaggo Wilson Martins de Queiroz e Rayanne
Oliveira Martins de Queiroz.
Rayanne tem um casal de filhos: Maria Clara Martins
de Queiroz, e Nicolllas de Queiroz Cardoso - os tetranetos
DAMASCENA VASCONCELLOS DE OLIVEIRA e ANTÔNIO JOSÉ
DE OLIVEIRA e os tataranetos de ANTÔNIO PINTO E MARIA
CLARA.

Repasso o vídeo para


Iaggo, bisneto de Damascena e
neto de Clara, filho da Cris, e meu
filho também. E ele retorna a
meia noite querendo que eu
conte detalhes da história, e diz
“Tia, chorei muito”. Iaggo casou
com Carlos Eduardo (foto).

239
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em 1982, Aniversário de 15 anos da Cristiane com seus pais Clara e Wilson

Tia Clarinha era minha segunda mãe82, até pelo


carinho, ensinava rezar antes de dormir e fazia todas as
vontades da sua dendequinha. Ela contava histórias e
estripulias da sobrinha, 4 anos mais velha do que Cris e eu.
Cristiane chegou da maternidade e tudo que
Claudelucia comia queria dar para ela comer. Um dia quando
tia Clarinha chegou no quarto a boca da recém-nascida estava
cheia de queijo.
E quando eu cheguei da maternidade, Claudelucia
disse para minha mãe, “devolve ela, muito feia, toda peluda,
parece uma macaquinha”.
A Tia Clarinha (foto) era bem comedida
e caseira, enquanto Tio Wilson e mamãe eram
parceiros e festeiros, muita amizade e cerveja. E
meu pai que não bebia, nem fumava, falava,
“vou passar a beber, porque eu pago a conta, e
não bebo”.
Tio Wilson foi o primeiro a saber que passei na
faculdade. Seu hobby: cuidar dos seus passarinhos, tinha um
mico também, na época não era proibido animal silvestre em
cativeiro doméstico. Era funcionário público, em seus dias de
folga, fica sempre escutando música ao lado da vitrola portátil
verde, tinha todos os long play do cantor, Nelson Gonçalves.
No calor sempre com uma toalha de rosto no ombro, eu e

82
O Wallace, povo do W, tinha duas mães e eu também queria.

240
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Cristiane pegavam-nas, e colocávamos na cabeça, eram os


nossos cabelos longos.
Quando Tio Wilson faleceu morei temporariamente
com tia Clarinha, para ela não ficar só, porque Cristiane
morava em Tenerife - Espanha.
VENERÁVEL DAMASCENA VASCONCELLOS DE
OLIVEIRA, só uma década de convivência, e um amor eterno.
A matriarca da família com seu nome
citado por gerações.
Se a sua espada é de ouro,
Sua coroa é de Rei...
Ogum é Tata de Umbanda
Seu Cangira, Mungongo, Ogunhê…
Trinta anos depois da
libertação dos escravos no Brasil,
nasce minha vozinha (foto), casada
com Antônio José de Oliveira, dessa
união nasceram Claudecy e Clara.
Uma xi-Djonga, mulher forte, acolhedora, dentro de uma
família protestante, torna-se umbandista, mãe de santo com a
cabeça feita no candomblé, pelo pai Arnaldo.
As memórias da casa da vó nos anos 70:
Localizada na rua Abaçaí em Osvaldo Cruz, subúrbio do
Rio de Janeiro, um quintal grande, com árvores de mangueiras
e bananeiras, e na frente um pequeno jardim. Uma casa de
três quartos e sala de jantar. No meio do quintal o terreiro de
umbanda - salão e espaço para os espectadores com banco de
madeira pintado de azul.
E nos fundos uma pequena casinha (meia água) onde
tia Clarinha morou no início do casamento. A construção do
banheiro de dentro da casa, e do quarto da frente, da minha
avó ainda tenho uma vaga lembrança.
A rua com esgoto aberto, muitas das vezes ao tentar
pular a valeta, caía dentro. Depois, a ladeira foi calçada com
paralelepípedos, os meus joelhos sempre ralados em tropeçar
naquelas pedras ásperas.

241
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Quando chegou o asfalto de pinche, a brincadeira


diária era “amarelhinha” (pulando entre os quadrados
numerados até o céu), marcados com casca de banana ou
chinelo havaiana.
No banheiro de madeira, fora da casa, os banhos eram
de balde ou borracha, não havia chuveiro. E para limpar o cú
(estou em Portugal, aqui não é palavrão) não era com papel
higiênico. Talvez, o preço não era acessível e também eram
tantos cús.
Usávamos folha de papel de pão, cortada em
quadrado; depois jornal, no mesmo estilo, colocados no prego
na parede ao lado do vaso sanitário. Não consigo lembrar da
eficácia da limpeza.
Com o tempo, surgiu o rolo de papel higiênico
acinzentado – sem picote, as folhas bem fininhas, então o
dedo ajudava na limpeza. Acredito que devido as reclamações,
surge o rosado com as folhas mais grossa e ásperas, todos
vendidos em unidade.
Nos dias de gira (danças em louvor aos orixás) o chão
do terreiro era coberto de folhas de mangueira. E nos dias de
consultas (jogo de búzios ou falar com o caboclo), indicava
para alguns clientes, o banho de abô – ervas para limpeza
espiritual. Era só pegar o caldo pronto, com um cheiro forte e
desagradável, no banheiro ao lado terreiro.
A comida saborosa faz parte das boas lembranças.
Humm! macarronada acompanhado com galinha frita
crocante. A grande mesa com bancos e cadeiras, na hora do
almoço sempre composta com os parentes, os amigos e os
vizinhos e quem mais chegasse. No domingo quando tinha
muitas pessoas para almoçar, a mesa era posta dentro do
terreiro.
Eu sentada no chão vermelho na cozinha, devia ter uns
05 anos, comendo pão com leite condensado, e ela no fogão
fazendo comida. Sou gordinha por causa dela.
Teve um dia, que estava na cozinha e meu pai chegou
e os dois trocaram palavras, de repente, o pano de prato, que

242
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

só vivia em seu ombro, saltou para o rosto dele, com palavras


bem altiva. Acho que foi algo como, “não tem idade, nunca vai
falar mais alto do que eu”.
Todas as amigas da minha mãe frequentavam a casa
da Damascena, se sentiam da família, e algumas deixavam os
filhos lá, para trabalharem ou saírem. Na hora de dormir,
quando tinham muitas crianças, todos se esticavam no chão
da sala, às vezes, os miúdos da vizinhança brincavam e pediam
para pousar.
Eu e Cristiane brincávamos o dia todo de boneca nas
casas das vizinhas que tinham meninas da nossa idade,
amizades que perduram até os dias de hoje. Só entravámos em
casa na hora do almoço, ou para pegar moedas, para comprar
doces no armazém do português com o baleiro de vidro que
rodopiava.
Em 1973, CETEL - Companhia de Telefones do Rio de
Janeiro, instalou nossas linhas telefônicas, o número da minha
avó foi decorado rápido, 3593737. E nas noites escuras…“vó
acho que tem gente no quintal, tô com medo”.
Minha mãe estudava à noite, e meu pai de plantão, eu
e minha irmã ficávamos sozinhas em casa, com diversas
guloseimas e um pote grande de sorvete napolitano da Kibom,
eu só comia a parte de morango. A recomendação era para
ficarmos quietinhas e não abrir a porta para ninguém.
Damascena sai de Osvaldo Cruz a pé até Marechal –
três quilômetros.
Quando minha mãe chegava do curso, o diálogo das
duas:
- Damascena, o que você está fazendo aqui?
- Não gosto que deixem as minhas netas sozinhas.
- Elas estão de graça, deixei tudo aí para elas ficarem
quietas por umas horinhas.
- Ah! Vou dormir aqui hoje. As vezes voltava para casa.
DAMASCENA TORNOU-SE ANCESTRE
Presente até os dias de hoje, a explicação é o benefício
amoroso e o curto tempo. Eu recordo da minha mãe falando

243
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

para o meu pai, “deixa as meninas se fantasiarem um pouco”.


Ainda lembro do seu rosto triste, contando para alguém
“Damascena faleceu”.
Eu e Claudelucia bordamos nossa fantasias de águia há
meses, máscara branca e capa branca de cetim com uma águia
bordada em verde e o rosto dourado em paetês e missangas.
Eu lembro da missa de 7º dia, das obrigações para
despachar os santos do terreiro. Minha tia Clarinha não quis
ficar morando na casa e foi vendida. Eu entendo, tive o mesmo
sentimento quando a mamãe morreu.
As lembranças da Néia no sepultamento da minha
vovó:
Tia Damascena faleceu em uma sexta-feira antes do
carnaval. Lembro-me que estávamos nos preparando para ir
ao ensaio geral da Portela quando chegou a notícia. E todo
mundo murchou.
Já havíamos comprado os ingressos para ver o desfile
das escolas de samba no domingo e mamãe falou para que
fôssemos, que não seria desrespeito.
O enterro foi no cemitério de Irajá e no campo de
futebol em frente ao cemitério tinha um grupo tocando surdo.
Bem ao estilo da alegria de Tia Damascena. Não podia ser um
enterro tradicional! Uma filha de santo da Tia acompanhou
todo o cortejo incorporada com Iansã. Lindo e triste.
Lembro-me também, de Tio André e mamãe de braços
dados e mamãe falando para Tio André que a nossa família
estava acabando e ele respondendo que não, que continuaria
através de seus filhos e netos.

244
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Nenza, sobrinha da minha avó, envia esse bilhete


na preparação do livro
FAMÍLIA COSTA
O tempo passou… O legado da minha avó permanece
pelo amparo, carinho e cuidado ao longo de sua vida com os
demais.
Em busca de melhor oportunidade profissional, decido
mudar de Campinas para Capital paulistana, duas décadas
depois da morte da Damascena. E fui amparada pela matriarca
da família Costa, Tia Ruth.

Os Costa – Tio Arlindo, Neide e Fausto, Tia Ruth

Ruth Francisca da Costa casada com ARLINDO


MINEIRO DA COSTA, amigos da família Vasconcellos antes dos
nascimentos dos filhos, quando Damascena ainda morava no

245
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

interior de São Paulo e frequentadores de seu terreiro no


subúrbio do Rio de Janeiro.
No seio das amizades dos Costa, eu ainda era
apresentada como a neta da Damascena. Uma senhora, diz:
“Meu Deus! Eu sentada no carro da neta da Damascena”.
Alguns batiam cabeça para
mim (uma referência nos
devotos dos orixás).
Tia Ruth e Tio Arlindo são
pais das NNN – Neyde,
Nercy e Neila. E a amizade
Eu e Sophia, bisneta do Arlindo e com os filhos das filhas
Ruth, neta de Neyde e Fausto, filha permanecem. A bisneta dos
da Mônica e Geraldo.
Costa, Sophia, agarra nas
minhas bochechas e fala “tia você é lindinha”. O carinho me
faz repensar na distância, o medo dessa criança, tornar-se
adulta e não lembrar mais de mim e do meu filho.

Nos meus 50 anos com a presença dos Costa: Eu de


turbante, Ruth Maria - filha da Nercy, Neyde, Neila no
canto da parede, Mônica - filha da Neyde. A criança é
Helena com a mãe Ana Paula, povo do W.

Tio Arlindo83 foi venerado por anos, no seu aniversário


de morte era rezado uma missa, a pedido da tia Ruth84. Ao
sairmos da igreja se dava o famoso gurufim, nos reuníamos

83
Arlindo Mineiro da Costa (1915-1990)
84
Ruth Francisca da Costa (1918-2017)
246
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

para um jantar em uma churrascaria – celebrar a oportunidade


de ter convivido com ele.
O tio com sua voz rouca, quando alguém pedia
dinheiro emprestado, ele respondia, “é tão pouco, mas você
não tem”. Nas refeições, me catucava e dizia, “tira a asa da
mesa” – não colocar todo o braço sobre a mesa.
A família com diversas
celebridades, o mais famoso era o tio
Caco, Mussum85, casado com a filha dos
Costa, Neila.
Ele era simples e familiar, sempre
foi na casa de todos os parentes, nem
avisava só chegava. Lá em casa as crianças
se aglomeravam no portão nas suas visitas. Para mim ele era o
primo rico, puro engano, muito trabalho.
Humorista, ator e sambista. Integrou o quarteto Os
Trapalhões e o grupo musical Originais do Samba. Em 1965
iniciou a carreira de humorista no programa Bairro Feliz, da TV
Globo. Conta-se que nessa época, teria recebido do ator
Grande Otelo o apelido de Mussum, uma referência a um
peixe escorregadio e liso.
Nos anos 70, Mussum (foto) ingressou no grupo “Os
Originais do Samba” que fez sucesso com diversas músicas,
entre elas: O Assassinato do Camarão (1970), A Dona do
Primeiro Andar (1970), O Lado Direito da Rua Direita (1972),
Esperança Perdida (1972), Saudosa Maloca (1973) e Falador
Passa Mal (1973).
Dentro da família Costa ganhei
mais uma irmã e sobrinha, Gilda
Domingos e Camila Vitória (foto). Assisti
o nascimento de Camila em 2010, na sala
de parto Gilda me pergunta, “minha filha
é perfeita?”
Respondi com uma pergunta, o que é perfeição?

85
Antônio Carlos Bernardes Gomes (1941-1994)
247
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Naan pequenino perguntava, “mãe ela é um robô?


Por pedi e Camila executar de
imediato, a pequenina com 02 anos se
sentava e amarrava os laços de seu
sapato. Desconheço uma criança com
comportamento semelhante, educada,
prestativa e carinhosa. É uma estrela,
por onde passa ninguém a esquece.
CONSTELAÇÃO FAMILIAR
CLAUDECY VASCONCELLOS DE OLIVEIRA, o filho da
Damascena, casado com Lucy, pai de Claudelucia, Ana Oliveira,
Hélio Cruz (foto) e ….., avô de Aline e Naan……., era conhecido
por Cica ou Vasconcellos,
ninguém o chamava pelo seu
primeiro nome.
Seu pai, Antônio José de
Oliveira, morreu com uns 45
anos, militar servidor da Capital
do Brasil, Rio de Janeiro na
época. Também era músico de
profissão, tocou na banda do
quartel e no Bloco Cordão do
Bola Preta. Um negrão sério de
poucas palavras, mas com um
sorriso lindo, diz sua sobrinha
Nenza.
Naan e Hélio Cruz, neto e filho do Cica Cica seguiu a mesma
profissão de seu pai, e na mesma corporação, como
funcionário do Estado no CBERJ. Acompanhei-o no seu
primeiro sufrágio universal, os militares86 não votavam.
FAMÍLIA SOUZA

86
A atual constituição (1988) foi a primeira em toda a história do Brasil a permitir que os
praças pudessem votar. Por quase toda a história brasileira os militares - às vezes todos, às
vezes apenas os dos postos hierárquicos inferiores - foram excluídos do processo eleitoral.
248
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

No quartel papai foi adotado


carinhosamente por seu superior,
CAPITÃO SOUZA e sua esposa Dona
Maria87 (foto), os pais dos EEG -
Eveline, Elaine e Genison.
Nas
conversas de Sousa com meu pai,
falavam sobre o mau atendimento em
algumas lojas, por ser negro.
Eveline comenta, “uma vez
meu pai chamou a polícia e fechou a
padaria”.
Eu tenho saudade da Dona
Maria e seus doces, uma doceira de
mão cheia. Eles tinham um sítio em Xerém, reduto do Zeca
Pagodinho, aos pouquinhos Souza e Maria foram construindo
um recanto que abrigavam amigos nas noites de São João a
Roda de Samba.
No início dos anos 80, o comercial de TV da Brastel,
loja de eletrodoméstico, com o jingle musical, “Mole Mole,
Fácil Fácil na Brastel é …” foi protagonizado pelo Genison.
Também fez comercial para Loja Par, Rei da Voz... E o guri foi
à Itália, filmagem de um longa no qual participaram José
Wilker, Walter D'Ávila, Maria Rosa e Iara Jatti. Em seu retorno
todos fomos buscá-lo no aeroporto.

Esse elo do capitão e papai


permanece com os seus descendentes. Eu e Elaine, minha

87
Maria Justino de Souza (1933-2003) e Sebastião Souza (1930-1996)
249
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

amiga que adora tocar piano, nos tornamos irmãs, tudo que
eu faço, peço sua opinião, tipo uma bênção. Fui madrinha de
seu casamento com Jorge, os pais dos MAA – Maria, Ana e
Alexandre. Eles agregam o
Naan em viagens, passeios
(foto).
Quando minha
mãe ficou adoentada,
Jorge foi o único médico
em que ela aceitou ser
assistida. Nosso
agradecimento eterno.
CICA & SEUS DESEJOS
Era constante em sua fala, “nascer pobre não foi
minha opção, morrer sim”.
A casa grande88 e
movimentada, meu pai era excêntrico
no designer, do imóvel aos móveis,
nada quadrado ou redondo, tudo muito
open - amplo, a varanda interna com o
pé direito alto, abertura oval,
representando uma onda, semelhante
na piscina (foto 1978).Realizou seu
sonho de ter uma casa com piscina, na
lateral tinha uma pequena cascata, retirada com os anos.

88
O que eu não gostava agora era meu. Pensei herdei um elefante branco: o chão em
mármore (tipo romano), uma divisão na sala com uns blocos de cerâmicas, piso de
propileno com mais de 40 anos de uso…Falei para minha irmã, queria derrubar tudo
isso.
Só que demolição, transporte de entulho e reconstrução é necessário dinheiro, então,
quando se muda de lado, o ângulo da visão muda. E na reforma da casa, o que não
gostava foi conservado pela admiração e qualidade.
250
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Lá em casa havia regras para as filhas, o quintal


gramado e com jardim de rosas, uma tinha que regar de
manhã e a outra a tarde.
Tomar banho de psicina
precisávamos aspirar e
limpar, então era raro os
banhos sem ter visitas, mas
papai era dedicado, depois
de seu falecimento, a
manutenção ficou a cargo do meu cunhado Ulisses89.
Em 2017, contrariando os pedidos familiares,
quarenta anos depois de sua construção, aterrei a piscina,
necessitava de reforma e elimnar o gasto com manutenção.
Meu lado Malcom, né.
CICA EMPREENDEDOR NOS ANOS 80 – SÉCULO XX
Teve sociedade em academia de luta com o seu
compadre Banzo - o negrão do Largo do Sapê que tinha carro
vermelho conversível.
O homem do Festival de Chopp, promovia com grupo
de amigos, o ingresso era aquisição da caneca personalizada
do evento, as pessoas podiam beber à vontade desde que
utilizassem a caneca no abastecimento da bebida. Os eventos
reuniam centenas de pessoas, realizados na quadra de escolas
de samba e nos clubes de associação e agremiações em
Madureira e arredores.
Na saleta anexa ao seu quarto, tinha a coleção exposta
em estantes, mais de 100 canecas só desse estilo de evento.
Lembro que ele trocou de carro antes de uns dos
festivais, e comentou com minha mãe, e eu de butuca do lado,
“tenho que trocar de carro agora, depois do festival acontece
alguma coisa, vão dizer que eu troquei com o dinheiro do
evento”.
Lá em casa não era conversado sobre preconceito
racial, acho que meu pai pensava como Morgan Freeman, o
racismo deixa de existir se não falar sobre o assunto. O seu

89
Ulisses Gonçalves Pinto de Oliveira (1965-2011)
251
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

modo de resistência: andar sempre elegante com roupas feita


em alfaiate, e um bom carro.
Papai foi apaixonado por
carro, teve dois tipos de Opala, até os
dias de hoje muitos jovens gostam
desse carro, ele na foto em 1978, com
o seu Corcel II.
Néia conta: “Eu adorava
quando o seu pai chegava lá em casa
de lambreta e nos levava para passear. Eu ia na frente e Nelci
na garupa”. Isso lá pelos anos 60.
Promoveu Festival do Sorvete e Refrigerante para
criançada no Clube do Bombeiro, em
1984. Atuou em ponta (trabalho de
figurante) em alguns filmes, Inclusive
dos Os trapalhões – programa de
sucesso da Rede Globo. Minha irmã
lembra das cenas com o Costinha90,
eu não lembro.
Sociedade com seu
compadre Marcone, meu padrinho,
em alguns comércios (bares e botequim) em Rocha Miranda91
e Vaz Lobo92. Funcionário do DETRAN/RJ, conhecido como o
homem das carteiras (é melhor deixar quieto essa parte). E no
vigor da lei de não acumulação em dois cargos públicos, ficou
só como militar.
CICA CONTROLADOR

90
Lírio Mário da Costa (1923-1995), conhecido como Costinha, foi um humorista e ator brasileiro
91
Em 1916, a família Rocha Miranda adquiriu a Fazenda do Sapê, localizada na Zona Norte da capital federal
e cujo proprietário, no século XIX, fora o barão de Mesquita. A partir de então, os Rocha Miranda
promoveram o loteamento da região, com a abertura de várias ruas com nomes de pedras preciosas, já que
a área era conhecida como o Bairro das Pedras Preciosas, devido às atividades garimpeiras realizadas no rio
que cruza a região. A estação de trem da linha auxiliar, que fora inaugurada em 17 de março de 1905 com o
nome de Sapê, recebeu, posteriormente o nome de Rocha Miranda, com o qual também foi batizado o
bairro, em homenagem à família que promoveu o loteamento da região no início do século XX.
(http://cpdoc.fgv.br/)
92
Cantado na música de Arlindo Cruz “O meu lugar”, o nome do bairro se deu pelo loteamento da Chácara
do Capitão-Tenente José Maria Vaz Lobo. Onde localizava o luxuoso Cine Vaz Lobo (1941-1986).
252
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Cica foi um bom filho, sempre muito atencioso com


minha avó, e reclamava do nosso comportamento, das filhas,
perante ao dele com seus pais.
Meu pai era o tipo Elijah Muhammad, puxava minhas
orelhas, fisicamente… e com palavras. Lá em casa,
escutávamos e não era permitido rebater, porém meu lado
Malcom X ficava atuando em pensamentos: vou trabalhar e
não irei precisar de nada deles, vou embora e nunca mais
volto, não vou precisar disso aqui93.
As manhãs para nos acordar era com cantoria, abria a
porta do quarto, fazia uma batucadinha, e cantava a mesma
música por anos “Menino de Braçanã”.
Na retrospetiva é uma forma de carinho, mas no
cotidiano era uma tortura, não mandava levantar, não falava
nada, mas também não chegava a repetir a canção pela
terceira vez. O canto era como uma trombeta no quartel.
Acessado em abril de 2021 (3) Luiz Vieira - Menino de Braçanã - YouTube
É tarde, eu já vou indo,
Preciso ir embora, até amanhã...
Mamãe quando eu saí disse:
"Meu filho não demore em Braçanã..."
Se eu demoro mamãezinha tá a me esperar
Prá me castigar...
Tá doido moço, não faço isso não
Vou-me embora, vou sem medo dessa escuridão...
Quem anda com Deus não tem medo de assombração
E eu ando com Jesus Cristo no meu coração...
É tarde
Qualquer menção a eles eram como papai e mamãe,
até os dias de hoje. As filhas tinham que cumprimentar com o
pedido de bênção e beijar a mão, não era com bom dia ou boa
tarde. Com os anos mudou um pouco, não precisava mais
beijar a mão. Na adolescência minha irmã iniciou o protesto

93
SEM COMENTÁRIO, até cai lágrimas dos meus olhos quando penso nisso, de vergonha e
de imaginar ele com a mão no queixo e balançando a cabeça para mim – tipo, está aí o
resultado, o meu legado te beneficiando. Eu sempre peço desculpas, mas tenho consciência
que não faria nada tão diferente, sou tão malcriada.
253
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

dando bom dia e com o tempo fui atrás, porém jamais acordar
ou sair sem uma saudação e satisfação.
Eu ainda peço a bênção a minha madrinha, os filhos da
Cristiane também pedem a bênção para mim. Ensinei o Naan
pedir a bênção, mas não fez parte do costume. Não permito
que acorde e não dê uma saudação, e ao sair de casa também.
Quando ele está emburrado, faz seu protesto, saí sem falar. Eu
já saio atrás dele e pergunto, “não esqueceu de nada?”
Sabe como é? Do oprimido ao opressor.
Nas madrugadas na saída dos bailes, estava ele à
espera. Os rapazes quando avistavam meu pai, saíam de perto,
mas sempre tinha um mais atrevido que ia ao encontro para
cumprimentá-lo, desafiando os fujões.
À noite, éramos em dez papeando e sentados na
calçada, no portão de casa, quando apontava o carro do meu
pai na esquina, todos os rapazes saíam correndo. Tinha uma
lenda em torno dele.
Talvez a lenda surgiu devido o episódio do maluco no
pedaço: Um ex-namorado da minha mãe, com problema
mental, as vezes ficava parado em frente o portão de casa.
Meu pai se cansou da palhaçada, e perguntou o que ele queria
e deu dois tiros para o alto. Nem pela calçada o homem passou
mais.
Os dias incertos na hora da saída na escola era
constante, e nas noites do cursinho de pré-vestibular, o
porteiro já o conhecia: “seu pai passou, o carro dele está no
estacionamento”.
Algumas paródias dos professores de pré-vestibular
ele até cantava, “Globulina onde está você, eu vim do fígado
só para te vê…”. Um recadinho, tipo passei por lá. A noite da
virada, aulas de madrugada, ele chegou na hora que a bateria
da Escola de Samba da Portela estava na sala de aula. Pediu
para subir, para entender que tipo de aula era aquela.
Ele era cheio de invenções, atendia as chamadas de
ligação telefônica na caixa de som do rádio, para ficar falando
de viva voz.

254
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Ele adorava comprar e se endividar com produtos dos


anúncios na TV, tipo, ligue agora e ganhe um desconto. Ainda
bem que não tinha esse e-commerce online na época.
Em 1989, meu estágio no laboratório de patologia
clínica, do ensino técnico foi no Hospital do Corpo de
Bombeiro em Rio Cumprido. Eu era filha do sargento Cica,
como arrumar um namorado ali, com esse codinome. Nesse
ano ele sofreu um acidente de carro e precisou operar o braço,
por eu prestar serviços no HCB assisti a cirurgia.
Não queria completar a faculdade de arquivologia,
tinha uns 22 anos. Ele foi tácito, “Não. Termina essa, depois faz
outra ou que você quiser, enquanto estiver dentro da minha
casa, quem manda sou eu”.
Eu era concurseira, viajava pelo Brasil fazendo provas
de concurso público. Em 1994, arrumei emprego em
Campinas, interior de São Paulo. Chegou a minha sonhada
liberdade!
Quando estava fazendo as malas, chega ele no quarto,
colocou sua mão pesada no meu ombro, e bem pertinho do pé
do ouvido fala, “Liberdade vem acompanhada de
responsabilidade” e me deu seu cartão de crédito. Ufa! não
tinha dinheiro para me manter até o primeiro salário.
Viver sem a infraestrutura da ancestralidade, foi um
desafio, a caminhada sem o auxílio deles foi dolorosa e com
privações. Quando mudamos de cidade ou país com pouca
grana, sempre passamos privações.
Depois que mudei para outro Estado, o nosso
relacionamento melhorou, eu estava sempre no Rio, na hora
de retornar, por anos foi com muita choradeira.
Lucy e Cica eram viajantes, então estavam sempre em
SP me visitando, as vezes ele chegava sem a minha mãe, e
ficava por uma semana. Também eu era o tipo da filha
perturbadora.
Pai, estou no hospital. Era pai … pai… pai..

255
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Pai, quero comprar um apartamento94., vai comigo?


Pai, quero reformar o apartamento, fica em casa com
o pedreiro?
No dia seguinte ele estava lá, ou falava “quando sair
meu pagamento eu vou”. Dividíamos marmita e a cama de
solteiro, e eu ainda reclamava do seu ronco. Acho que hoje
ronco mais do que ele.
Pai, comprei um carro, pega na concessionária para
mim, não sei dirigir sozinha. E suas dicas de direção, sempre
focada no financeiro, “tira o pé da embreagem com o carro em
movimento, vai ficar sem comer para consertar o carro.”
Eu desci do carro para vê se os faróis estavam acesos,
ele ficou olhando para minha cara indignado, “minha filha, é
só piscar os faróis e eles irão refletir em algo”.
E brigávamos também e muito, “você é muito
autoritária” e minha resposta, “adivinha quem eu puxei”.
Em Mogi Mirim conversávamos bastante, ele pediu
desculpas pelas ignorâncias e violências cometidas. E contou,
que seu pai era muito rígido, um dia pegou ele fumando
sentado no muro, e fez ele comer o cigarro.
SOMOS FESTEIROS E VIAJANTES
Nossos aniversários comemorados com festa, no meu
sempre tinha palhaço, mágico, carrinho de
pipoca, algodão doce e casa cheia. Papai
sempre me levava para tomar sorvete,
banana split na Praça Seca era chic demais.
Teve um aniversário da Claudelucia
que ela ganhou uma mobilete, depois de
alguns tombos e joelhos ralados, aprendeu
a andar. Eu era a pentelha só podia ir na
garupa dela ou do papai.

94
Em 1995, popularizou a construção de apartamentos e financiamento pela CEF 100
% e prestação pequena. A entrada para construtora era pequena, uns três salários
mínimos. Fui para Mogi direto para comprar o imóvel nem conhecia a cidade, mas era
onde podia pagar.
256
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Festa de Natal no Quartel


Central do Corpo de Bombeiro com
brinquedos e lanches para os filhos
dos militares, sempre levava eu,
Claudelucia e Cristiane. Depois
corríamos atrás das cotias no Campo
de Santana.
As festas na Igreja da
Penha (foto) era um marco de
encontro familiar, a macarronada
com frango da vovó era servida
para todos, até para as pessoas da
mesa ao lado.
Eu com 18 anos, saindo para
trabalhar, lembro dos meus pais já
aposentados. Cica cessou sua carreira de
militar como sargento instrutor do CEFAP
- Centro de Formação e Aperfeiçoamento
de Praças do Corpo de Bombeiros Militar
e mamãe como auxiliar de enfermagem
no Ministério da Saúde. E eu 32 anos
depois pelo SENAI-SP - Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial.
Para comemorar a aposentadoria, eles foram para
Caldas Novas e pediram para eu reservar em uma
hospedagem, na época a fonte de informações era as páginas
amarelas, catálogo com propagandas comerciais. Reservei
com translado. Quando motorista chegou perguntou pelos
cães. Não reparei que era um hotel para cachorro.
No início dos anos 90, Cica andava com bip95 na
cintura. Eu, “pai quem precisa ligar urgente para o senhor”.

95
Ou pager, aparelhinho especialmente útil para médicos e outros profissionais que
precisavam de uma forma de comunicação rápida e portátil. Tinha esse nome pois era
essa sua única funcionalidade: emitir um alerta ao usuário, que por sua vez deveria ligar
para uma central de telemensagem para checar seus recados.
257
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Quando ele viu a inovação do aparelho de fax96, queria porque


queria um. Eu, “pai, quem vai passar fax para o senhor.”
Cica devia pensar, “Que inferno de filha!”
Eles colocaram o pé na estrada, só viviam viajando,
conheceram todo o Brasil. Não pensem que era de avião e
pacote em agência de turismo. Sempre de ônibus, excursão
com os amigos da Portela e outros, terminavam de pagar um
passeio, e já se comprometiam com outro, pois a
popularização das linhas aéreas no Brasil só surgiu em 2001,
com a Gol Linhas Aéreas Inteligentes.
O estilo de vida deles, nunca foi sinônimo de financeiro
abastado, foram privações para construir seus desejos.
Semelhante, eu com minhas viagens97.
Saíam do Rio, para viajarem com a família Costa.
Minha mãe dizia que os melhores restaurantes de São Paulo
conheceu através do convite e gentileza do Fausto, marido de
uma das filhas dos Costa.
FAMÍLIA MEIRA98
“Desde muito pequena aprendi a copiar seus gestos,
seu jeito de andar. Pequeno detalhes de seu
comportamento…”(Mônica, filha do Fausto)

96
Fax revolucionou os métodos de comunicação e foi muito útil no dia a dia de muitos
escritórios. O aparelho possuía três funções: telefone, secretária eletrônica e fax. Esta
última função utilizava a linha telefônica para a transmissão de documentos entre
pessoas de localidades distintas.
97
A quantidade de país que já visitei, alguns pensam que tenho dinheiro, mas é uma vida
de 100 (sem). A fórmula está no meu livro “Por onde andei…a arte de viajar com pouca
grana”.
98
Falecimento dos Meira: Fausto de Souza Meira com 55 anos. No século XXI suas irmães: Juracy
de Souza Meira com 68 anos e Regina de Souza Meira com 70, e seu filho Faustinho com 57 anos,
em 2021 na pandemia do Covid-19.
258
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

FAUSTO DE SOUZA MEIRA (foto) casado com Neyde


da Costa Meira, os pais de Mônica e
Fausto. Foi publicitário da Gazeta de
Santo Amaro, os filhos seguiram seus
passos criaram uma agência de
publicidade no interior de São Paulo.
Em 1961, o pedido de
casamento de Fausto foi com a
confissão de intenção comprar um
terreno na Chacará Monte Alegre,
então o presente inesperado foi a ajuda financeira por parte
do Tio Arlindo para aquisição.
Pérola do Tio Arlindo para o Fausto, “Quando suas
irmãs chegam aqui acabam com meu estoque de
cervejas”.Nos fundos da casa tinha a segunda cozinha repleto
de bebidas e cervejas variadas.
As irmãs do Fausto eram divertidas, risonhas e
festeiras, as duas solteiras, moraram sempre juntas, Juracy do
ramo da alta costura, vestido de noiva era uns dos nichos de
negócios. As roupas da festa dos 64 anos da minha mãe foram
feitas por ela. A Regina trabalhava na ABI – Assessoria
Brasileira de Imprensa.
OS MORTOS FALAM PELAS LEMBRANÇAS
Minha irmã lendo a resenha do livro diz que eu falei de
tudo, só faltou os cachorros. Verdade.
Meu pai adorava cachorro de porte grande, tivemos a
Rucka (dobermann), o Sansão (pastor alemão), Naiagara
(schipperke), Veludo (vira-lata). Não tinham tratamento em
veterinários, vacina só em campanha de vacinação antirrábica,
comiam angu, o pote de água e da comida eram as carlotas de
aço do Opala, depois de muitos anos que foi inserido a ração
na dieta canina. Os banhos eram quinzenais com desinfetante
criolina, estávamos no século XX, quando cachorro era cão, e
não filho ou membro da família.

259
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Já no século XXI, eu tive um neto


caçapo, todas as manhãs ele aguardava abrir
a porta para entrar em casa, subia as escadas
direto para o quarto. O coelho folgado
gostava de vê televisão e ficar de frente para
o ventilador. Eu, “Naan é demais, desce esse
bicho da cama”.
Ao rascunhar o livro, no meu mental
conversando com Damascena, “Queria escrever sobre a
senhora e acabei escrevendo mais sobre o papai”, e ela
responde, “É o meu filho”.
Canonizar Cica de maneira nenhuma, os feitos não
permitem, mas consigo honrá-lo post morten.
Uns dos motivos da escrita foi um comentário do meu
filho sobre o avô, que não gostei, nenhuma inverdade, mas na
minha opinião não se educa através dos exemplos negativos.
Em alguns esportes a força contra com técnica pode
transformar em resultado favorável - esse livro.
Enquanto morei com meus pais nunca precisei
contribuir com pagamentos dos meus estudos e contas de
casa, não tive chance de agradecer em vida, mas fiz
constelação familiar, precisava pedir perdão e expressar
gratidão. Não se volta no tempo.
Cica como “Moleque Atrevido” que foi, sussurra para
os seus descendentes uma versão adaptada do samba de Jorge
Aragão. Acessado em fevereiro de 2021 (10) Moleque atrevido - Jorge
Aragão - Ao vivo convida - YouTube

Quem foi que falou que eu não sou um moleque atrevido


Ganhei minha fama de bamba em diversas rodas
Fico feliz em saber o que fiz por vocês, faça o favor
Respeite quem pode chegar onde a gente chegou

Também fui da linha de frente da nossa história


Nós somos do tempo do samba sem grana sem glória
Não se discuto meu talento, mas meu argumento, me faça o favor
Respeite quem pode chegar onde o vovô chegou

E a gente chegou muito bem


260
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Sem desmerecer a ninguém


Enfrentando no peito um certo preconceito e muito desdém

Hoje em dia é fácil dizer


Que o legado é nossa raiz
Tá chovendo de gente que fala muito
E não sabe o que diz

Por isso, vê lá onde pisa


Respeite a camisa que a gente suou
Respeite quem pode chegar onde a gente chegou

E quando pisar no meu terreiro


Procure primeiro saber quem eu sou
Respeite quem pode chegar onde o vovô chegou
Respeite quem pode chegar onde o vovô chegou

A infraestrutura dada pelos meus ancestrais, até em


obter o básico água e energia (com commodity na bolsa de
valores de Wall Street), e os privilégios conquistados: acesso
ao lazer, estudo, moradia …essa herança repassada para o
Naan, junto com os princípios que que têm importância para
mim.

OS NASCIMENTO – MEU LADO MATERNO

LUCY NASCIMENTO DE OLIVEIRA, aquariana, sem


religião, filha de Francisco e Zulmira, esposa do Cica, mãe de
Ana e Claudelucia, madrinha da Cristiane, avó de: Aline, Naan,
Iaggo e Rayane. A enfermagem foi sua área de profissão,
mulher de muitos amigos, viajante, farrista e soube aproveitar
a vida.

261
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Avós maternos da Lucy: JOÃO BENVINO DE MOURA E


PAULINA DA CONCEIÇÃO MOURA, tiveram sua única filha, mãe
da Lucy, Zulmira Moura Nascimento.
Avós paternos da Lucy: FRANCISCO NASCIMENTO E
MARIA DA CONCEIÇÃO NASCIMENTO e nasceram dessa união,
Francisco do Nascimento e Dorvalina do Nascimento
Patrocínio.
FRANCISCO NASCIMENTO, avô da Lucy, teve duas
filhas com Maria da Glória e nasceram as tias: Georgina
Nascimento Aresteique e Eliza Nascimento.
Lucy casou com Claudecy Vasconcellos de Oliveira, em
26 de maio de 1963, na Paróquia de São Sebastião no Rio de
Janeiro. E tiveram duas formosuras: Claudelucia Nascimento
de Oliveira e Ana Lucia Nascimento de Oliveira.
Os bisnetos de FRANCISCO NASCIMENTO E ZULMIRA
MOURA NASCIMENTO, Aline Nascimento de Oliveira (filha de
Claudelucia com Ulisses) e Naan de Oliveira Pereira (filho de
Ana com Evandro).
O sobrenome Nascimento da
família do Francisco finda com a sua
bisneta Aline (foto), como o Moura da
Zulmira, também cessou com a Lucy,
quando alterou o nome no casamento,
mas é só um nome doado, por alguém na
diáspora africana. A essência permanece
registrado na história e nos nossos DNA.
FAMÍLIA MONTEIRO
262
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Claudelucia viuvou cedo, e fez uma nova união, com


Rodney Silva Monteiro, filho de RODINE RAMOS MONTEIRO e
Zélia da Silva Monteiro.
O empresário Rodine Monteiro99
(foto 1980) sempre contava com orgulho
para seus filhos, clientes, amigos e para
quem quisesse escutar, sua origem e
trajetória de sucesso por abrir nove lojas
de materias de construção e hidráulica
no Estado do Rio.
Sr. Rodine conta:
Morei na favela da Chácara do Céu em Vidigal - RJ, com
08 anos eu já trabalhava na oficina de bicicleta do meu pai, na
rua João Lira no Lebron, aprendi com ele o ofício de bombeiro
hidráulico, carregava a mala pesada de ferramenta.
Em 1979, uma cliente do bairro de Ipanema, cedeu
uma pequena loja para eu e meu irmão guardarmos as
ferramentas, ali começamos a vender materiais elétricos,
hidráulicos, posso dizer que foi a primeira loja.
Rodine, filho de Heleno Ramos Monteiro100 e Yolanda
Rocha Monteiro, se tornou uns dos melhores bombeiros
hidráulicos da Zona Sul do Rio de Janeiro, o telefone 2949556
já estava na memória da vizinhança, não parava de tocar.
A solução foi terceirizar a sua mão de obra, e começou
a ensinar serviços aos amigos e contratá-los, inseriu
profissionais para ir no seu lugar, o negócio deslanchou. Abriu
outras filiais com venda de materiais de construção e
prestação de serviços, a maioria na Zona Sul do Rio, onde era
seu reduto, mas a expansão chegou em Pedra de Guaratiba e
Méier. A concretização do sucesso foi a instalação do armazém
na rua Garcia D`Avila em Ipanema, sua maior loja.
Com a situação financeira diferente do moleque que
carregava caixa de ferramenta ladeira acima e ladeira abaixo,
Sr. Rodine ajudou seu pai na compra de um apartamento na

99
Rodine Ramos Monteiro (1948-2019)
100
Heleno Ramos Monteiro (1921- 1984)
263
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Rua Lopes Quinta - Jardim Botânico, zona nobre na cidade do


Rio de Janeiro e presentearam Dona Yolanda. Adquiriu imóveis
na Cidade de Deus, Minhocão…Ficar longe da mamãe Yolanda,
nem pensar! Comprou um apartamento em frente, do outro
lado da calçada.
A ancestralidade sempre nos inspira com seu
empreendedorismo, então Rodney
seguindo os passos do seu avô,
transforma bike chopper em
minimoto (foto). E recorda com
lágrimas nos olhos os passeios na
garupa da mobilete de Seu Heleno,
e diz, “quando eu tinha 08 anos ele
se foi, sinto sua falta, e da Dona Zélia101, minha mãe”.
FAZ PARTE DO MEU IMAGINÁRIO
Eu tenho lembranças dos meus avós maternos, pelos
contos da minha mãe. Cada neta ficava com uma avó, para os
meus pais trabalharem.
Eu lembro da Vó Zulmira (foto)
com seu vestido preto e branco
quadriculado. Nas horas da refeição ela
deixa eu mexer na comida, rolar por
cima da comida, espalhar toda a comida
e depois de tudo isso e mais um pouco,
comer a comida. E chegava Odário,
amigo da família, para tomar conta de
mim, para ela terminar os afazeres da
casa.
Já fiz Constelação Familiar –
uma terapia, com essa ancestralidade
toda. Com o Francisco agradeci pelo
terreno herdado. A casa de pau a

101
Zélia da Silva Monteiro (1949-1999)
264
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

pique102 construída no terreno(foto) faz parte do acervo da


família.
Tenho vontade de fazer um quadro de mosaico no
quintal de casa – com um homem e seu carrinho de mão,
vendendo banana. Uma honraria a toda energia deixada
naquele quintal. O que fiz para honrá-lo foi plantar bananeiras
no quintal, ficaram lindas e o quintal verdejante.
Chico das bananas não sabia ler, mas contava dinheiro
que era uma beleza! Quando começou a ficar desmemoriado,
sumiu por três dias. Minha mãe foi achá-lo junto aos
mendigos, ela sempre contava isso com lágrimas nos olhos.
Da família da minha avó materna só lembro da prima
Nilza que morava no Morro da Formiga, no Rio de Janeiro.
Sempre sorridente.
Lucy contava que quando criança trabalhou em casa
de família e chorava com saudade da mãe, e na juventude
adorava dançar as sextas, sabádos e domingos eram nos
bailes, já tinha os cavalheiros certos.Namorou meu pai por um
anos e casou com 27 anos, já estava ficando para titia.
Meus pais no começo do casamento moravam em
Osvaldo Cruz, na casa da avó Damascena. Passado um tempo,
construíram uma casa no terreno do Francisco.
Minha mãe contava que meu pai andava com o
calçado furado, jornal e papelão no fundo do sapato, e nos dias
de chuva, ficava com os pés molhados, porque não tinha
dinheiro devido a obra da casa.
Ficaram um mês com a casa sem telhado, até poder
colocar o teto, e não choveu. Quando foi para colocar a laje,
convoca os primos e amigos do quartel para um almoço, mas
antes tem o “virar-laje”, depois do esforço a cervejada e
comida com sustância, geralmente feijoada.
Dois dias depois caiu uma chuva danada, o céu
batizando a casa.

102
Também conhecido como taipa de mão, uma técnica de madeiras fixadas no solo,
com vigas horizontais em bambu, os vãos preenchidos com barro.

265
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

LUCY FESTEIRA
Lá em casa, o acervo dos discos de vinil, LP – Long Play
da mamãe integravam os cantores Candeia, Martinho da Vila,
Emílio Santiago, Benito di Paula, Alcione, Elza Soares, Clara
Nunes e das Escolas de Samba do Rio do Grupo 1. E sempre
que ela pegava um microfone, cantava “Carinhoso” de
Pixinguinha.
Meu coração
Não sei por que
Bate feliz
Quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas
Vão te seguindo
Mas mesmo assim
Foges de mim
Conto um pouquinho das lembranças entre os anos 70
até no meado dos anos 80.
A turma fixa de acompanhar a minha mãe nos eventos
era grande, os constantes: Aurora com seu filho Jaguaçú,
Iracema e Tio Wilson e tia Dorvalina, mas sempre havia mais.
Aos domingos, não era um ou outro, todos, íamos ao
almoço dançante no Clube Marabú, em Piedade ou Quintino
ou Clube dos Bombeiros em Madureira, onde também foi a
comemoração do aniversário de 15 anos, meu e da minha
irmã. Os bolos sempre foram presente da prima Ivonete. Uma
delícia! O recheio do meu foi com amendocrem.
Por muitos anos, a passagem do Ano Novo foi no
Restaurante Tem Tudo, em Madureira, com música ao vivo e
ceia farta. Para mim a melhor parte, era jogar os confetes e
serpentinas a meia noite, já saia de casa abastecida com os
artefatos.

266
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Ano Novo em Pedra de Guaratiba


(foto), na casa de Ivete, amiga de trabalho da
minha mãe do Hospital da Lagoa, uma
carreata, Tio Silvio, Tia Zilá, Moysés, Iracema
…uns cinco carros. Como dormir esse povo
todo na casa de uma pessoa. Dormíamos.
Infelizmente, em uma dessas Eu e Iracema
revellion, minha prima Simone morreu atropelada, filha da tia
Zilá e do tio Silvio, tinha a minha idade 06 anos.
FAMÍLIA ROCHA
Os almoços com roda de samba no
sítio103 do Tio Paleta (foto) e da Tia Tiolá, na
Chacrinha - Praça Seca. Eu subia todos
aqueles morros arredores para brincar e vê
as pastagens, hoje em dia, ocupados com
casas.
Na chácara da Tia Tiolá com riacho - eu fica agachada
por horas catando girinos com as latinhas, as árvores frutíferas
davam sombras, eu adorava levar jaca para casa, só a metade,
não conseguia carregar uma inteira.
Tiolá, mãe das MMG - Marli, Marilsa e Geralda (Gege),
amigas da mamãe de adolescência. Eu sou
madrinha do bisneto da Tiolá, Thiago Rocha
(foto), neto de Marli e filho de Cátia. Thiago
já me deu uma netinha, Giulia, ele também
é padrinho de
consagração do Naan, é
o toma lá, da cá.
Em 1975, tia
Marli a primeira mulher do nosso clã
familiar a dirigir e ter seu carro, o Chevette
amarelo com lista preta.

103
Paulo da Rocha (1915-1985) e Nair Figueira (1918-1995)
267
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Comadre Cátia envia fotos e vídeos de Giulia com 02


anos, dançando e uniformizada no seu primeiro dia de aula, na
escola de propriedade da avó.
O prato saboroso feito pelas tias era o tradicional angu
à baiana (caldo grosso de fubá com diversos tipos de carnes
picadas e suculentas). Eu adorava caçar um pedaço do rabo do
boi dentro da panela.
O samba comia solto de baixo da amendoeira e tia
Marilsa que gostava de versar, eternizou de sua composição
na roda de samba da família:
Foi embora o amor que foi meu
Hoje ela chora
A malvada se arrempedeu
Foi feliz e bem feliz
Quando nosso amor morreu
E meu prazer é te vê sonhar
E hoje quem não te quer sou eu…
Na hora de ir embora, quando meu pai não estava, era
sempre o mesmo lenga-lenga, eles ficam bebendo e perdiam
o último ônibus das sete da noite, o retono para casa era a pé,
uns 5 km.
E quando o Romeu de Paula104, marido da Aurora, pai
do Jaguaçu, estava junto a caminhada era com cantoria de
seus sambas:
Banana verde que não se dá
Joga na estufa para madurar, oí
Que banana e essa Iaiá, Iaiá
Vai para lá com essa Iaiá, Iaiá
Fotos: Jaguaçu sozinho, em
2020, foi o funcionário propaganda da Petrobrás. Calma! ele
não é do alto escalão; a 2º no meus 15 anos, com o povo do W
(Willian e Wagner) e Jaguaçu;.e a 3º Jaguaçu, sua mãe, Aurora,
e eu.

104
Romeu de Paula (1937–1982) e Aurora Brittes da Silva (1935-2009)

268
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

No meu aniversário de
50 anos , quando Jaguaçu
entrou foi uma surpresa, e
emocionante. Na infância
éramos muito grudados. Ele
não lembrava de muitos que
estavam ali, mas as pessoas se
aproximavam, e o abraçavam
com carinho, e alguns contavam suas
peripércias quando criança.
Jaguaçu fala, “Uma boa parte me lembrava, apesar de
muito tempo eu não vê Kátia, filha da Glória e Cristiane, filha
do Wilson. A Iracema se emocionou e eu também”
A partir daqui as memórias se iniciam nos anos 90.
Na adolescência tudo era chato, mas minha mãe nem
me dava confiança, tipo “Fui”.
Lucy moderna, nas tardes dançantes para terceira
idade, ela com as amigas socializavam um cavalheiro para
dançar, significa que alugavam um rapaz. O que conheci, era
pedreiro, trocou de profissão para dançarino de aluguel. Eu
fiquei inconformada e mamãe, “eu não vou para o baile para
ficar sentada”.
A comemoração dos 64 anos de Lucy, em 1998, foi um
jantar dançante no Salão de Festa em Vila Valqueire - RJ.
Jaguaçu fez o cerimonial ecumênico, por ser ministro da Igreja
Messiânica Mundial.
Preparação para uma festa surpresa, eu não consegui
guardar segredo até o final, faltando um mês para o evento,
eu contei, minha língua estava coçando, ela estava em casa,
em SP, e ao revelar sobre a futura comemoração, sua reação
foi de debutante.
Ela ficou tão feliz, colocou CD do Emílio Santiago e
começou a dançar na sala, comentar sobre os vestidos que
iria usar durante a festa, fazer a lista dos convidados. Limitei
logo, 100 convidados, e falei,“se passar a senhora paga”.

269
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Só que eu contei esperando que ela me ajudasse a


pagar a festa, por nunca ter organizado nada parecido, achava
que era alugar um espaço e contratar um buffet, dito popular
“Pensando morreu um burro”.
Como morava em São Paulo, pedia ajuda para minha
irmã, e toda semana ela vinha com detalhes: a decoração do
salão, roupas, bolo, lembrancinhas, fotógrafo, DJ, escolher
cardápio – carne vermelha é mais cara… meu orçamento já
tinha esgotado.
Minha mãe foi incisiva, “Não vou ajudar, presente é
presente”. Eu queria contratar a cantora Watusi (Maria Alice –
ex-moradora de Rocha Miranda).
Na voz de Watusi, Outra Por Causa de você, música de
Tom Jobim,
Ah, você está vendo só do jeito que eu fiquei
E que tudo ficou
Uma tristeza tão grande nas coisas mais simples
Que você tocou
A nossa casa querido já estava acostumada
Aguardando você
As flores na janela sorriam, cantavam
Por causa de você
Olhe, meu bem, nunca mais nos deixe por favor
Somos a vida e o sonho, nós somos o amor
Entre meu bem, por favor
Não deixe o mundo mau te levar outra vez
Como não tinha mais dinheiro, deixei a artista de lado
e contratrei a banda do Edi. Depois de tanto eu insistir por uma
colaboração financeira, ela pagou somente os três dançarinos,
para dança de salão com suas amigas.

270
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Expressando o carinho e gratidão pela Lucy, eu e


minha irmã (foto na festa),
presenteamos com uma festa em
um ambiente diferente, mas foi a
primeira e a última vez. Sou
acostumada com casa cheia, todo
mundo à vontade, gritaria no
quintal, risada alta, chega um chega
outro e aquele abraço. Mando o
povo embora e ninguém vai,
enquanto não terminar a cerveja.
O meu pai tinha falecido a menos de um ano, e logo
em seguida fui para os Estados Unidos, sem fazer o luto105 com
minha mãe. Para mim a festa foi uma tentativa fracassada de
amenizar o sentimento da perda.
Festividades constantes na rua Américo da Rocha106
Minha madrinha,
Marilza, presenteou mamãe com
o banner (foto) colocamos na
entrada do Salão de Festa. No dia
seguinte, a festa continuou lá no
quintal. E a faixa foi junto.
Eventos no quintal eram
constantes, depois da morte do meu pai foram reduzidos.
Teve Baile do Charme organizado por Teresa Cristina
no final dos anos 80; já no século XXI teve o Pancadão (fank)
nos aniversários da Aline, com DJ Cardosão, com sua voz
semelhante do Mr. Catra; Celebração de meio século de vida
da mãe, pai e filha:
Em 1986, Lucy fez sua festa temática “Uma tarde no
Hawaí” com seus amigos.
Em 1988, Cica fez churrasco com os Vasconcellos.

105
Essa experiência, de ausência do luto, não adiantou, quando minha mãe desencarnou fui
para Índia, e não fiz o luto com minha irmã. É o meu lado Malcolm.
106
Não consegui saber quem foi esse Américo da Rocha na toponímia do RJ
271
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em 2018, eu fiz uma


feijoada, não havia meus
amigos, até porque eram de
São Paulo, a comemoração
com os filhos dos amigos de
Cica e Lucy e os Vasconcellos.
No dia seguinte do meu aniversário retornei para São
Paulo. Estava arrumando as malas, colocando tudo no carro e
o povo do enterro dos ossos (as sobras) nem levantavam, por
fim, disse:“quem sair por último, deixa a chave com minha
irmã”. Lucy fazia o mesmo.
Nas férias a casa era cheia dos afilhados e primas.
A família Caldas107, Wanda e Feliciano (Fifi) chegavam
para o Natal e só saíam depois da virada do ano. Eu dou o
troco, faço o mesmo com o Naan, nas casas de suas
filhas,Teresa Cristina e Ana Lúcia.
Almoço com as amigas era rotineiro lá em casa.
Glória108, que tinha restaurante, sempre inventava uma
comida. A novidade em uma dessas reuniões foi o salpicão
(frango desfiado, cenouro ralada, batata frita e seus temperos
magníficos, tudo misturado na maionese), na época não tinha
batata palha pronta, ou não era fácil comprar. Um grupo ralava
quilos de batatas, depois fritavam. Tudo feito na hora para
umas dezenas pessoas, essa comida dava um trabalhão.

107
Feliciano Manoel Caldas (1934 -2006) e Wanda Andre de Sant Anna (1934-2014)
108
Glória Firminia de Moraes Peixoto (1928-2018), empresária e mãe de santo.
272
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

O quintal continua com grande movimento, agora é o


Espaço Fonte Dourada. Kátia Valéria, filha da Glória e Teresa
Cristina, filha da Vanda e Feliciano, abriram o espaço de beleza
e bronzeamento
artificial. Quando
resolvi morar em
Portugal, aluguei
a casa herdada
para Kátia diz
emocionada,
“prima jamais
pensei em morar aqui, na casa do Tio Cica e
da Tia Lucy”.
Todas essas amizades da
Damascena, do Cica, da Lucy permanecem
com laços fortes na 3ª geração, quando morava em São Paulo
sempre estava no Rio, para prestigiar nas festividades,
socializando o Naan com 4º geração.
Minha mãe não era mulher da cozinha, mas sabia
cozinhar; vassoura na mão, só depois de idosa, varendo o
quintal; passar roupa nunca a vi. As roupas separadas por
cores no guarda-roupa e cada peça dentro das gavetas
colocadas em saco plástico transparente. E queria fazer o
mesmo no meu, sem chance.
Os plantões de enfermagens aos finais de semana,
eram pagos ou trocava com uma amiga. Ela e Aurora
trabalhavam juntas no mesmo posto de saúde, a chefe de
enfermagem falava, “difícil fazer escala para vocês duas”,
então foram separadas, uma na farmácia e a outra na
medicação.
Minha mãe nunca usou cartão de crédito ou cheque
especial, não comprava nada parcelado, não fazia dívidas. Aqui
entra o ditado “não é o quanto se ganha, e sim, quanto e como
se gasta”.
Enquanto a filha…Eu sempre pedia socorro financeiro.
Ela falava, “Você é descontrolada, e quer me descontrolar”.

273
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Acho que ela negava, para não me dá corda, mas cedia


alguns. Com a sua ausência entrei no prumo rapidinho, e segui
seus passos no controle financeiro.
LUCY CAMINHOU PARA ANCESTRALIDADE
Dois anos antes da sua morte, me fez prometer
algumas coisas, “Vou te ajudar nisso, nisso e nisso, para
quando eu morrer você fazer isso, e nunca fazer isso”. A mãe
conhece a filha.
E quando rateio para cumprir a promessa, de imediato
do Além, ela ativa os logaritmos e as conexões. Parece magia,
mas só é a natureza fazendo seu papel, amor de mãe pelos
filhos é transcendental.
E a musicalidade de Cartola109 faz parte desse
momento.
Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida


Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor


Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó

Em maio de 2016, no final de semana no dia das mães,


eu e Naan chegamos de São Paulo, minha mãe não me
reconheceu. Gente! Como uma mãe não reconhece sua filha.
Foi muito dolorido para mim, não consegui encarar essa.
Quarenta dias depois, na véspera do meu aniversário, Lucy se
torna ancestre.

109
Cartola (1908-1980) foi cantor e compositor brasileiro. "As Rosas Não Falam",
música e letra de sua autoria, um clássico do samba, foi escrita quando cartola tinha 67
anos.
274
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

A morte é uma simples transformação, mas a ausência


física para a cultura ocidental, geralmente, muda a vida dos
mais próximos, suas mentes, seus sentimentos e até sua
direção na caminhada da vida.
Somos todos Abiku, em iorubá, nascemos para morrer.
Mesmo sendo espírita e adulta, depois que fiquei órfão, me
desequilibrei. Autodiagnóstico, síndrome da princesa tribal xi-
Djonga, meus pais estavam aqui para me servir, tinha a quem
recorrer.
No mesmo ano do
falecimento da mamãe fui à
Índia, fiz uma homenagem
para ela no Rio Ganges
(considerado um rio sagrado
pela população hindu), aluguei um barco e longe da margem
coloquei na água sua foto plastificada, velas flutuantes e
flores. Um ritual de veneração aos antepassados.
FAMÍLIA PEREIRA
O lado paterno do Naan, a história oral tem
importância, são as lembranças da
sociedade.
A filha de Jovelino Cordeiro e
Sebastiana de Oliveira Cordeiro,
ELIZIONOR CORDEIRO PEREIRA, avó
do Naan (foto), nascida em 1930,
tomou gosto pelas letras desde de
menina e gostava de ensinar as
coleguinhas, então se formou em professora.
Pioneira como mulher negra, em construir uma escola
no bairro Honório Gurgel110, na rua Igaratá. Iniciou em 1951,
com poucos alunos na vizinhança. Em 1956, iniciou o processo
de regularização com a Escola São Jorge, mas já existia um
registro, então o nome foi alterado para Escola Silva Jardim.

110
Honório Gurgel, além de ser cantado na música “Tem Boi na Linha” por Djavan. Gurgel
(1860-1920) político, prefeito do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, em 1899 e 1900
275
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Gerações alfabetizadas pela Dona Elizionor, minha mãe e


minha irmã são suas ex-alunas.

Meus pais dançaram por anos ao som da Orquestra


Baclan, regida pelo maestro Pedrinho, Pedro Pereira, tio avô
do Naan, irmão do seu avô, Ascendino Pereira111 casado com
Elizionor, os pais dos EEE- Edna, Eliete e Evandro.
Que toda família possa contar sua história!

30/08/1992

Jornal do Brasil em 26/08/1988

Ancestralidade do Naan pela parte materna:

111
Ascendino Pereira (1925-1976)
276
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Os avós: Claudecy (1938-


1997) e Lucy (1936-2016)
A bisavó, Damascena (1906-
1979)
O bisavô, Francisco (1914-
1969)
A bisavó, Zulmira (1912-
1972)
A mãe Ana (1968) e Naan
(2004)
O bisavô, Antônio José
(1904-1950) com seus
filhos, Clara (1935-1995) e
Claudecy.

FAMÍLIA PATROCÍNIO
Minha mãe sempre falou que sua família era pequena,
entretanto, esqueceu que temos os Souza, os Caldas, os
Patrocínio e os Costa - família além do sangue.
Essa simbiose entre os Nascimento e os Patrocínio se
inicia com a mulher dos Franciscos,
DORVALINA NASCIMENTO PATROCÍNIO
(foto), filha do meu bisavô Francisco, irmã do
meu avô Franciscos, e casa-se com Francisco do
Patrocínio. E tiveram a única filha, Marinete,
criaram Paulo César, mas na juventude
desapareceu.
As filhas do meu bisavô Francisco: Georgina casa- se
com José Maria Aresteique112, não tiveram filhos, e Eliza casa-
se e tem filhos e muitos netos, moradores de Coelho da Rocha
– RJ.
Dorvalina113 que fica lá em casa quando meus pais
viajavam, foi a tia presente na vida da Lucy, supriu um pouco
o lugar da Zulmira. Lucy e Marinete, filha da Dorvalina, são as

112
Georgina (1915-1992) e José Maria Aresteique (1918-1993),
113
Dorvalina Nascimento Patrocínio (1916-2005)
277
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

primas inseparáveis, então o convívio é maior com seus


descendentes.
Era Marinete Patrocínio de Souza casa-se com João de
Souza114, nasceram dessa união oito filhos: Sandra Lúcia, João
Marcos, Luzinete (Nena), Wanderlei (Leleu), Vanderleia
(Leléia), Wagner (Vaguinho), Adriana, Alexandre.
Para lembrar o nome de todos os filhos dos primos ligo
para todos. Sandra conta episódios das nossas mães, alguns
enviam documentos, agora acho que tenho certidão de óbito
de todos.
Filhas da Sandra com Jorge: Gisele, Gracielle, Daniele
e Michele
Fillho do Marcos com Josi: Matheus Medeiros de
Souza.
Filhos da Luzinete com Sérgio: Leilane Ferreira de
Souza, Sérgio Luiz, Wanderson Ferreira de Souza
Filhos do Wanderlei: Brenda, Graziele, Iago, Hanon
Milena, e Lorena.
Filhos do Waguinho: Wagner Patrocinio de Souza
Junior, Marcos Vinicius Alves, Raissa Alves de Souza, Vitor
Hugo da Silva Alves de Souza
Ana Carolina Alves de Souza, Nagila Alves de Souza e Carmen
Lucia Alves de Souza.
Filhos da Adriana: Larissa Patrocínio de Souza, Clarissa
Patrocínio de Souza, Felipe Patrocínio de Souza, Cleberson de
Souza Conceição e Renata de Souza Cunha.
Filhos da Vanderleia: Monique, Thiago e Vanessa
LAÇOS COM O BATISMO
Os padrinhos são pais, mudou um pouco esse
entendimento no pós-contemporâneo, pela pluralidade de
religiões no Brasil.
Poucos na minha família são católicos, mas batizei
meu filho, pela tradição e pela certidão de batismo, um
documento de guarda legal. O padre comentou:

114
Marinete Patrocínio de Souza (1943-1983) e João de Souza (1942-1975)
278
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

“Mãe espírita e não casada, padrinho judeu, madrinha


protestante. O que vocês estão fazendo aqui? Eu não batizo,
coitada dessa criança”.
Fomos para outra igreja, nos obrigaram a fazer um
curso de cinco horas.
A madrinha da minha mãe, Maria Lourdes dos Santos
Patrocínio, casa-se com o irmão do
marido da Tia Dorvalina (irmã do
pai da minha mãe).
Tia Lourdes e Sebastião
Patrocínio tiveram quatro filhos:
Nanci Patrocínio, Maria Lucia
Patrocínio da Silva, Lázaro
Patrocínio e Jorge Patrocínio casa-se Lucia, Luzinete e Ana
com Auriema, dessa união nasceram Jorge Luiz, Marlucia e
Luciana.
Fiquei chocada! Em saber que eles não são
consanguíneos, prima Lucia, é tão parecida com minha mãe.
Memórias…
Lucia, filha da Tia Lourdes, sempre presente, primeira
vez no cinema, passeios nos parques da
igreja da Penha, acolhida na minha
gravidez, tem uma dor de barriga liga
para ela. Quando estamos no meio de
uma ventania, as raízes nos seguram.
Os bolinhos de chuva da Tia
Lourdes - massa cremosa e frita, lambuzada em canela e
açúcar. Sempre que chegava em casa, a primeira coisa que
pedíamos era para ela fazer o quitute.
O velório da Tia Lurdes115
Os familiares reunidos na capela do cemitério de Irajá,
umas seis pessoas, entra um homem com roupa de taxista
(uma blusa amarela de cooperativa), dá os sentimentos e
senta.

115
Maria Lourdes dos Santos Patrocínio (1921-2009)
279
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Passado uns minutos, o marido da minha prima


pergunta para o suposto taxista, “Amigo, de onde você
conhece a falecida?”
O homem fala o nome errado da defunta, então, se
levanta, chega a beira do caixão, e não a reconhece; pediu
desculpas, e perguntou se podia permanecer conosco, já que
estava ali.
Todos já com o sorriso preso, e achando a situação
estranha.
E meu primo, sussurrava no ouvido da órfã, sua
esposa, “Neném, tô desconfiado, esse cara aí é seu amante?”
Foi um velório com muitos risos e piadas. As caras e
bocas do meu primo, amenizou a dor do luto.
Fui embora antes do sepultamento, mas o suposto
taxista acompanhou tudo bem de perto e quieto, até o final
segurando na alça do caixão. Vai saber a função dele naquele
momento! Uma alma penada de cemitério ou espírito de luz
condutor.
FAMÍLIA FRANCISCO
Viver pelo Samba e com o
Samba faz parte da história da
família do CORONEL MOYSÉS,
padrinho da minha irmã,
Claudelucia.

Toda família Francisco


inserida nas Escolas de Samba no
Rio de Janeiro. Moysés, ganhador
do “Estandarte de Ouro 2007” na
categoria de passista masculino - Murilo mestre sala no
Império da Tijuca
prêmio extraoficial do carnaval do
Rio de Janeiro, sendo conhecido como "Oscar do Carnaval”. Os
primos Augusto, Celsinho e Murilo revessam entre passista e
mestre-sala, e as matriarcas costureiras do barracão da Beija-
Flor de Nilópolis.

280
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em um domingo qualquer, fomos almoçar na


residência do Coronel116, em Copacabana, Naan tinha uns 08
anos, ficou encantado com a decoração do apartamento e
perguntou, “tio, o senhor é rico?”
A sala ornamentada com os
adereços carnavalescos e bandeira da
Escola Samba da Mangueira em
destaque na parede, para o guri aquilo
tudo era um luxo só.
Moysés nasceu em Nilópolis,
Moysés, Gilson e
Gargalhada – os passistas militar dentista do Exército, fez
da Mangueira, em 1986 sucesso com o grupo “Os 12 de Ouro”,
que nos anos 70, fazia apresentações
de samba no Brasil e no exterior, atuou como compositor e
ritmista.
Através de seus passos, ganhou bastante notoriedade
no Carnaval e chegou a ser homenageado com uma citação no
livro "Dança do Samba, exercício do prazer", escrito em 1996
pelo jornalista José Carlos Rego.
No quintal das matriarcas Djanira e Jandira, irmãs do
Moysés, nos reuníamos para diversos eventos, um deles era a
excursão rumo à Valença - RJ.
A prima Djanira devota da Nossa Senhora da Glória,
todos os anos organizava excursão para a festa da padroeira,
então unimos o útil ao agradável de estarmos sempre juntos.
O embarque da excursão, no mínimo dois ônibus, saía
de Nilópolis, baixada do Rio de Janeiro, a denominação do
município é uma homenagem ao Presidente Nilo Peçanha
(1867-1924), o primeiro presidente negro do Brasil, que era
vice de Afonso Pena que faleceu em junho de 1909. Nilo
governou o país por mais de um ano.

116
Moysés Francisco (1940-2013)
Acessado em março de 2021 - https://portelamor.blogspot.com/2013/04/morre-moyses-
francisco-famoso-ex.html?fbclid=IwAR20QuxRPpfYNeHi7NRYgUAWeUSFHx-
1pHtrU_9ttHex2ef1AZv8HM84WnM
281
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

A trajetória era com cantoria, mas na hora do “Sublime


Pergaminho” 117 era o auge da emoção, exceto pelos sambas
enredos da Beija-Flor, nome da escola é inspirado no Rancho
Beija-flor que existia na cidade Valença, o destino
excursionista.

Quando o navio Uma lei surgiu


negreiro E os filhos dos
Transportava negros escravos
africanos Não seriam mais
Para o rincão brasileiro escravos
Iludidos No Brasil
Com quinquilharias
Os negros não sabiam Mais tarde raiou a
Que era apenas liberdade
sedução Pra aqueles que
Pra serem completassem
armazenados Sessenta anos de
idade
E vendidos como Ó sublime pergaminho
escravos Libertação geral
Na mais cruel traição A princesa chorou ao
Formavam irmandades receber
A rosa de ouro papal
Em grande união Uma chuva de flores
Daí nasceram festejos cobriu o salão
Que alimentavam o E o negro jornalista
desejo De joelhos beijou a sua
De libertação mão
Era grande o suplício Uma voz na varanda
Pagavam com do paço ecoou:
sacrifício "Meu Deus, meu Deus
A insubordinação Está extinta a
escravidão"
E de repente
Nossos olhos enchiam de lágrimas com essa música. A
escravidão negra, holocausto, genocídio armênio e muitos

117 Compositores Carlinhos Madrugada, Nilton Russo e Zeca Melodia, samba de 1968 da G.R.E.S.
Unidos de Lucas, cuja letra pormenoriza a venda, o transporte e a libertação dos negros africanos.
Também interpretada pelo Martinho da Vila.

282
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

outros movimentos involuntários não se apagam, não cai em


esquecimento por gerações.
O tempo passa e o samba-enredo permanece na
memória coletiva, o estilo se renova, mas a essência do contar
a história, ainda é a mesma. As escolas de samba têm papel
essencial na cultura do Brasil, na divulgação em massa,
didático oral, na exaltação da cultura negra.
A abolição acabou com a organização social e legal que
permitia uma pessoa ter como propriedade outra pessoa e
seus descendentes, de maneira integral e permanente. É tanta
incoerência na divulgação do ensino nas instituições
brasileiras, que nós, negros, em sala de aula ficávamos
constrangidos com os ensinamentos. Na época em que
estudei, a história era contada como se não houvesse luta por
parte dos escravos, a submissão da negrada conformada com
as privações.
De acordo com a história do samba, no final do século
XIX, imigrantes da Bahia trouxeram seus divertimentos: a
capoeira e a dança no ritmo de atabaque, também permitido
nos terreiros de culto religioso na favela do Centro do Rio,
conhecido como "Pequena África".
História da minha família não é só festas, viagens,
samba e carnaval. Tem choro, discórdia, fofoca, intriga,
infidelidade, ciúme, rebeldia, violência doméstica, ilícito,
abortos, mágoas.
A morte santifica, lá em casa, ninguém, mas os
exemplos positivos, superaram os negativos, e a distância e o
tempo têm a função de alterar os sentimentos. A benevolência
do legado desfrutado por gerações são os pilares sólidos para
construção de um bom futuro.
São só as boas recordações que reforçam
os laços, então, “Joga as armas pra lá… e faz a
festa”

283
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ANEXO I - ÁLBUM DE FAMÍLIA


DESCENDENTES DO JAIR PINTO DE VASCONCELLOS

A sua neta, Marta Baptista envia


diversas fotos, e conta sobre sua mãe, e eu
caio no choro, em conhecer a minha musa
inspiradora, Nadir de Vasconcellos.

284
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Em 2013, desfile de moda produzido


por Nadir de
Vasconcellos Baptista.

285
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Nayde de Vasconcellos
Fotos Nayde, com Regina, e Kely e esposo Luiz. Maria
Aparecida, filha de Nayde e filho Lucas

Ligia, filha da Nayde, com seu marido Valdir, com o


filhão Sérgio e sua esposa Claúdia e seus bombons: Ingryd e
Milena.

286
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ANEXO I - ÁLBUM DE FAMÍLIA


DESCENDENTES DOS FRANCISCO

O primo Murilo se exibe ao lado da celebridade, Neguinho da


Beija-Flor, tocando cuíca, com seus irmãos Celsinho e Augusto e como
mestre-sala na Beija Flor.

287
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ANEXO I - ÁLBUM DE FAMÍLIA SOUZA


Três gerações unidas na amizade
e carinho

288
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ANEXO I - ÁLBUM DE FAMÍLIA NAAN


Na alta hospitalar, após dois meses de internação pela
prematuridade, a recomendação médica foi estimulá-lo na
escola, na cultura e no desporto. Há estudos sobre os
prematuros que indicam comprometimento na interpretação
de textos, então colégio e professores particulares fizeram
parte do orçamento familiar.
Dentro da medida do
possível, sempre tivemos lazer e
viagens, conhecemos os grandes
parques de diversões do Brasil, com
a estabilidade financeira e a
economia do país favorável, fomos
aos Parques em Orlando – EUA e o
Museu Madame Tussauds. Essas
viagens transformaram meu olhar
perante a política do meu país e a
sociedade.

289
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

290
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

291
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

VENERÁVEIS TIOS DO NAAN, OS FILHOS DE JORGE118


O amor dado ao meu filho é eternizado em nossos corações.

Não brinca com filho de Jorge, não


Não brinca com filho de ogun
Porque Jorge é da capadocia
E ogun não é qualquer um

Não brinca com filho de Jorge, não


Não brinca com filho de ogun
Não brinca com filho de Jorge, não
Não brinca com filho de ogun

Porque Jorge é da capadocia


E ogun não é
qualquer um
Jorge Costa Francisco † 2018 Porque Jorge é
da capadocia
E ogun não é qualquer um

Um dos nobres amigos do rei


Ele é um grande orixá
Que faz valer a sua lei
Na igreja ou no gongá
O salve Jorge que nunca foge
Que não nos deixa a pé
Carlos das Dores † 2009
Salve ogun que nos socorre
Protegendo seus filhos de fé

O salve Jorge que nunca foge


Que não nos deixa a pé
Salve ogun que nos socorre
Protegendo seus filhos de fé

Não brinca com filho de Jorge, não

Ulisses Oliveira †2011

118
Musica de Juninho Thybau
292
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ANEXO I – ÁLBUM DE FAMÍLIA DE SANGUE & ALMA

Sou uma mulher de muitos


amigos, muitas festas, casa de um,
casa de outro.

293
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

294
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Semelhança entre Cica


e Iaggo

295
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

296
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Viajei, amei, mas do que odiei, escrevi e


criei meu filho. A vida me dando o que
busco. E vocês fazem parte de tudo isso.

Gratidão.

297
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ENCONTREI OS PELO MUNDO, E NÃO OS LARGUEI MAIS.

298
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ANEXO II – PARA AS TELAS


Sugestão de nomes: Resistência

Série em canais streaming, patrocínio para produção de episódios, a


histórias baseadas nos livros produzidos pelos familiares: Ana Oliveira,
Néia Daniel, Teresa Cristina, Nadir de Vasconcellos, Eveline Souza.

✓ Uma série com as famílias negras fora miséria, sem ser


protagonista da violência urbana, com educação
institucionalizada, resistência e luta para erradicação do
preconceito social. Os negros sem o estereótipo de
miséria e favela, um minissérie sobre a resistência pela
ancestralidade.
✓ Cultuar a pobreza com a cor da pele, ignorar os negros que
não fazem parte da pobreza, por não representar a
maioria é um erro. Somos parte de um todo, e o conjunto
de pluralidade que constrói a história.
✓ O livro por onde ande…o filho ensina a mãe e Os
Vasconcellos tem relatos de cotidianos das questões
raciais e questionamentos históricos do meu filho
adolescente e as famílias negras com conquistas dentro de
uma sociedade cheia de preconceitos velados. Eu Ana
Oliveira, junto com meus familiares fazemos parte da
história do Brasil.
✓ Abordar a luta diária do negro sem a exaltação da pobreza
extrema contemporânea e cenários das favelas
✓ Exaltar a educação dada pela ancestralidade, abordar nas
cenas sempre a educação institucional, empregos e os
empresários das famílias.
✓ Utilizar a propaganda do Genison, As festas e os velórios
familiares, falar da consciência negra, através dos eventos
realizados pela Néia (Zumbi e José Cândido, Poema da
Lélia)
✓ Cenários: Casa de várias famílias citado no livro: Nova
Iguaçu, Marechal Hermes, Sítio da Tia Tiola, Sítio do
299
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Capitão Souza, Terreiro Damascena, Sala de aula, Ana e


Naan na Cozinha. No cenário ter a composição dos
quadros de Elenira, Nadir e outras artes dos nossos
familiares, A sala da casa do Moisés em Copacabana com
a decoração de escola de samba.
✓ O filme na atualidade e o passado como lembrança ou um
mais velho contando para os mais novos.
✓ Personagens: Eu, Ana, quero ser a viajante
✓ Abertura da série: Xilografia e música de Altay Veloso ou
várias modalidades de festejos da raça negra.
✓ Temas para serem abordados dentro de uma cena: Escola
particular com a minoria negra; compra de imóveis por
negro, tolerância religiosa; viagens, Casamento:
Homossexual e entre raças; Violência urbana e doméstica;
O negro mesmo com dinheiro sendo mal atendido nas
lojas mais sofisticas, ou indicar o produto mais barato.

1ª Episódio: Eu e Naan na Cozinha, O impacto do vídeo “A viagem de


volta”, em cada família

2ª Episódio: Uma cena que na mesma família uma filha pede a


bênção e saí para igreja e a outra para o candomblé.

Uma cena com o aniversário de Nadir, e de presente os familiares e


amigos desfilando na passarela com as roupas desenhada.

300
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

ANEXO III - ÁRVORE GENEALÓGICA


DOS VASCONCELLOS, A COMPLETAR.

Nascidos no século XIX, André Joaquim e Maria


Alexandrina da Conceição, nascem Miguel e Antônio.
Antônio Pinto de Vasconcellos casa-se com Maria
Clara e tem sete filhos.
Antônio Pinto (1875-1956119), viuvou e case-se pela
segunda vez com Diamantina Gonçalves (1888-1975), tem dois
filhos
Os pais da Diamantina: Cesario Gonçalves e Maria
Augusta da Conceição
1. JAIR PINTO DE VASCONCELLOS

Case- se com Marta Maria Vasconcellos

1.2. Nilda de Vasconcellos

1.3. Nair de Vasconcellos

1.4. Nadir de Vasconcellos Baptista

N- 04 junho de 1925 F- 07 novembro de 2014

1.4.1. Marta Vasconcellos Baptista

1.4.2. Alecredino

1.4.3. Santa Nilda

1.4.3.1. Regina Batista Bispo

1.4.3.2. Almir

1.4.4. Jair

1.5. Nanci

119
Os anos de nascimento dos meus bisavós são baseadas na certidão de casamento deles. E do falecimento
são pelos nascimentos dos netos, filhas da Tia Antônia, e do Walace, filho da Zinha, a qual deu a informação.
301
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

1.6. Nilza de Vasconcellos

1.7. Nayde (Filinha)

Casou-se com Geraldo

1.7.1. Lígia (nenê).

1.7.1.1. Sérgio

Casou com Claudia

1.7.1.1.1. Ingryd

1.7.1.1.2. Milena

1.7.2. Maria Aparecida (Cida/ Cidinha).

1.7.2.1. Lucas

1.7.3. Catarina

1.7.3.1. Luciana

1.7.3.1.1. Maria Eduarda

1.7.4 Cecília

Casou com Valdemar

1.7.4.1. Fabiana

Casada com Claudio

1.7.4.1.1. Kauane

1.7.4.1.2. Kauan Asafe

1.8 Jair (Izinho)

casado com Dulce Vasconcellos

1.8.1. Denise
302
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

1.8.1.1. Dayane

1.8.1.2. Luiza

1.8.1.3. Sérgio júnior

1.8.2. Carlos

1.8.3. Sílvia

1.8.3.1. Gabriel

1.8.3.1.1. João Gabriel

1.8.3.1.2. Diego Gabriel

1.8.3.1.3. Kauany Gabriely

1.8.3.1.4. padastro de Rodrigo e a Rakely

1.8.3.2. Matheus

1.8.3.3. Jonny Daniel

1.9. Neli

2. BENEDITA VITÓRIA DE VASCONCELLOS

2.1. Urbano - casado com Maria

2.1.1. Paulo César

2.1.2. Levy

2.1.3. Sheila

2.1.4. Sandra

2.2. Damião

2.2.1. Margarida
303
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

3. ANDRÉ PINTO DE VASCONCELLOS

Casou- com Maria Piedade

3.1. Etelina Vasconcellos Vilella.

Casada com Mato Grosso Vilella

3.1. Maria Lucia Vilela

3.2. Max - filho de Etelina Vasconcellos Vilella

3.3. Márcio - filho de Etelina Vasconcellos Vilella

3.4. Andréa - filha de Etelina Vasconcellos Vilella

3.2 André Pinto de Vasconcellos Filho

N- 01 de agosto de 1940 - F 1994

Casou-se com Lúcia Maria Cardoso de Vasconcellos

3.2.1. Mauro Cardoso Pinto de Vasconcellos (Filho do André Filho)

3.2.1.1. Mauo Bandeira de Vasconcellos – (Filho de Mauro)

3.2.1.2. Paulo Victor Bandeira de Vasconcellos – (Filho de Mauro)

3.2.1.3. João Marcelo Bandeira de Vasconcellos – (Filho de Mauro)

3.2.1.4. Maria Eduarda Mendonça de Vasconcellos – (Filha de Mauro)

3.2.1.5. Maria Vitória Mendonça de Vasconcellos – (Filha de Mauro)

3.3. Antônio Vasconcellos

3.4 Eni

3.5. Erli
304
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

3.6. Enedina Vasconcellos Paulino

casou-se com Fernando Paulino

3.6.1. Marinete de Vasconcellos Paulino Figueiredo

casou-se com José Carlos Francisco Figueiredo

3.6.2. Márcia Enir Vasconcellos Paulino Rosa

casou-se com Luiz Fernando da Silva Rosa

3.6.2.1. Bruna Fernanda Vasconcellos Rosa (Filha de Márcia)

3.6.3. Maria das Graças Paulino Bernardo

casou-se com Neovaldino Bernardo

3.6.3.1. Cássio Ricardo Paulino Bernardo

3.6.3.1.1. Ana Beatriz,

3.6.3.2.2. Pedro Gabriel

3.6.3.2.3. Miguel.

3.7. Jorge

3.8. Elenira Vasconcellos da Silva

4. ALFREDO PINTO DE VASCONCELLOS - Ferrinho

4.1. Paulo (casou com Magda)

4.1.1. Sandra (Filha de Paulo e Magda)

5. WALFURGER PINTO DE VASCONCELLOS (LOLÓ)

N - 09 de maio de 1909F - 04 de outubro de 1980


305
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Casado com Walfurger Angelina Rodrigues Vasconcellos

N – 21 de março de 1909 F - 20 de janeiro de 1955

5.1. Masa (Wilma Vasconcellos Barbosa)

N – 28 de fevereiro de 1933 F – 02 de junho de 2015

5.2. Nenza (Vasconcellos de Moraes)

5.2.1. Wallace de Moraes – Filho da Nenza

5.3. Zinha (Widiman Vasconcellos de Oliveira)

Casada com Francisco Jorge de Oliveira

N – 17 de fevereiro 1939 F – 25 de setembro 2000

5.3.1. Willian Vasconcellos de Oliveira (Filho da Zinha)

Casada com Ana Paula Dionisio Silva de Oliveira

5.3.1.1. Helena Dioniso Silva de Oliveira (filho do Willian)

5.3.2. Wagner Jorge Vasconcellos de Oliveira

N- 1964- F-1999

5.3.2.1. Nayla de Souza Oliveira

6. DAMASCENA VASCONCELLOS DE OLIVEIRA

N– 1915 F – 23 de fevereiro de 1979

Casada com Antônio José de Oliveira (1904-1950)

6.1. Clara de Oliveira Martins

N – 18 de dezembro 1935 F – 02 de fevereiro de 1999

Clara casa-se com Wilson Dias Martins


306
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

N – 28 de dezembro 1932 F – 11 de dezembro 1991

6.1.1. Cristiane Maria de Oliveira Martins

6.1.1.1. Iago de Oliveira Martins Queiroz (Filho de Cristiane)

Casou com Carlos Eduardo Ferreira Firmiano

6.1.1.2. Rayanne Oliveira Martins de Queiroz (Filha de Cristiane)

6.1.1.2.1. Nicolllas de Queiroz Cardoso

6.1.1.2.2. Maria Clara Martins de Queiroz,

6.2. Claudecy Vasconcellos Oliveira

N – 08 de outubro de 1938 F – 02 de julho de 1998

Casada com-Lucy Nascimento de Oliveira

N – 13 de fevereiro de 1936F – 26 de junho de 2016

6.2.1. Claudelucia Nascimento de Oliveira

6.2.1.1. Aline Nascimento de Oliveira (Filha da Claudelucia)

Casada com Jonathan Jorge Mendes Pereira

6.2.2. Ana Lúcia Nascimento de Oliveira

6.2.2.1. Naan de Oliveira Pereira (Filho de Ana Lucia)

7. ANTÔNIA DE VASCONCELLOS DANIEL

N- 04 março de 1918 F - 22 de abril de 1994

7.1. Nelci Daniel

N – 18 de janeiro de 1952 F -07 de janeiro de 1993

7.2. Néia Daniel de Alcantara


307
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

N– 14 de julho de 1954

7.2.1. Flavia Daniel de Alcantara (Filha de Néia)

Casa-se com Alexandre Calixto

7.2.2. Fernanda Daniel de Oliveira (Filha de Néia)

8. ITASSEMA GONÇALVES DE VASCONCELLOS (Noêmia)

Casou com Jonas e adotou Jonemi.

8.1. Jonemi

9. NATANAEL GONÇALVES DEVASCONCELLOS

9.1. Lídia

9.2. Natanael

9.3. Nelson

308
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

REFERÊNCIAS
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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

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310
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

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TRÁFICO de Escravos No Brasil - Resistência Negra a Escravidão. Biblioteca Nacional Digital.


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TREIGHER, T. História dos Irmãos Rebouças. INBEC. c2020. Disponível em:


https://inbec.com.br/blog/conheca-historia-irmaos-reboucas-primeiros-engenheiros-negros-
brasil. Acesso em 20 de maio 202

LEITURAS INIDCADAS POR PAULO CRUZ

SILVA, Alberto. A enxada e a Lança – África antes dos Portugueses. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 2011.

MIGUEL, L. Violência e política: Disponível em:


https://cienciapolitica.org.br/system/files/documentos/eventos/2017/04/violencia-e-politica-
763.pdf. Acesso em 12 out. 2020

SOWELL, T. Discriminação e disparidades” e “Fatos e falácias da economia”

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Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Conheça outras obras de Ana Oliveira:

Programa "Porto de Encontro" Rádio Matosinhos Online

“O encontro com Ana Oliveira, a autora do livro "Por onde andei: A arte de viajar com
pouca grana", foi muito feliz e de forma descontraída ficámos a conhecer esta Mulher
de coragem, que corre atrás de seus ideais e na sua caminhada tem descoberto novos
países, novas gentes e tradições. Para além das viagens, ela é apaixonada por História,
falou-nos do professor César Santos Silva e da sua importância no seu enriquecimento
curricular. Fizemos uma visita ao seu passado e à sua evolução e formação, e ao papel
fundamental de seus pais no seu crescimento como pessoa. A insatisfação de Ana
Oliveira permite construir o novo na sua vida, que passou muito pelas suas viagens,
onde absorveu novas realidades, mas, o universo chamava-a para a cidade do Porto
onde vive há um ano e meio e cá realizou os seus desejos e sente-se feliz. Ao longo da
nossa conversa, foi partilhando dicas sobre como viajar com pouco dinheiro. Contudo,
se quiserem fazer melhores cálculos, comprem o seu livro e fiquem por dentro das
suas aventuras e gestão do dinheiro em viagem.” (2020 - Mónica Pinto, locutora)

Caro leitor, obrigada por sua aquisição. Caso deseje, entre em contato para
conversar, criticar e elogiar, fornecer artigo para próximos livros, através do
anaacervos@hotmail.com

Ana Oliveira

315
Série: Por onde andei – Ana Oliveira

Exú guardião dos


caminhos que
levam e trazem e
fazem as pessoas
se encontrarem
ASÉ … ASÉ … ASÉ…

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