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“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

CAPA

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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

FICHA TÉCNICA
Título: “INSÓLITO” uma história para chorar
Autor: Paposseco Kirranza
Género literário: Narrativo
Subgénero: Conto
Capa: Bonifácio da Cruz
Revisão Linguística: Bonifácio da Cruz e Faustina Luis
Revisão Literária: O autor
Fotografia: Francisco Rio
Rostos: Luis Monteiro e Eidimiro Grizzly
Diagramação: O autor
Prefácio: António Tavares
Editora: Independente
Ano: 2023
Facebook: Paposseco Kirranza
WhatsApp: 946293711
E-mail: monteiropaposseco8@gmail.com
ISBN: 978-989-35073-0-8
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“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

Não conseguia controlar a minha vontade, daí que tirei a


calcinha dela e coloquei de lado; Tirei o sutiã dela e afastei
mais para lá.
Só assim consegui um espaço no fio para eu estender a minha
roupa que usei para o lançamento desta obra.

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“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

Dedico este livro


A mim, como escritor. Tanto que tenho me admirado.

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“Em tudo dai graças a Deus”, aprendi com Paulo de


Tarso na sua 1ª carta aos Tessalonicenses, no
versículo 18 do Capítulo 5

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“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

PREFÁCIO
A caneta de Monteiro Paposseco “Kirranza” em INSÓLITO,
UMA HSTÓRIA PARA CHORAR, remete-nos à algumas
situações que compõem o tecido social angolano. Estas
situações são, muitas vezes, deixadas ao vento e, portanto, o
vento leva-as ao esquecimento literário.
Paposseco traz, neste livro, diferentes acontecimentos trágicos
vividos por senhora Carolina desde o dia que traz uma vida ao
mundo. Senhora Carolina é obrigada a viver com as dores
psicológicas como se fossem feridas crónicas. Elementos
como a não superação da perda de parentes e a perda de sentido
da vida, fazem com que a dor física seja esquecida por senhora
Carolina até quando seu corpo é usado por estranhos.
A obra torna-se rica e propensa para estudos literários, pois
dela podem ser encontradas inúmeras dimensões literárias tais
como a social, política, história, etc.
Finalmente, o escritor dá-nos a oportunidade de viajar guiados
pela imaginação a fim de se criar nossa própria compreensão
da razão que levou senhora Carolina a ter uma posição que,
para alguns, vem a ser espantosa.
É importante reconhecer e parabenizar o escritor pela
excelente narrativa e pela grande capacidade literária que teve

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para nos brindar com uma linda obra que nos recorda a
necessidade de sentido patriótico no seio da juventude.
Todo o leitor e amigo dos textos narrativos deve sentir-se
convidado a degustar de mais um grande trabalho de
Paposseco Kirranza por ser um presente merecedor de
apreciação.
António Tavares, Escritor e Linguista

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Iº CAPÍTULO
A trágica e imensurável comparticipação diabólica, parecia
que perseguia sempre o ser mais importante do mundo, a
mulher mãe.
As estrelas testemunhavam a sua curiosidade, a lua fazia de
tudo para tentar iluminar o seu coração, mas as trevas
perseguiam-lhe, aquele escuro da noite aterrorizava-lhe, tudo
porque não mais queria abrir a boca e mostrar aquela estrutura
cilíndrica de cor branca, ou seja, não mais queria sorrir, os
choros eram intensos, sobretudo nas noites. Por mais que
tivesse companhia, ela não sentia aquela reunião de pessoas,
não havia sequer um afeto. Aquela condição e estado de quem
está sozinha, não estava só, estava com ela, sentia solidão
mesmo na presença de pessoas.
As pessoas não sabiam, não conheciam aquele ser por dentro,
apenas sabiam que existe uma mulher alegre, sorridente e
comparticipativa socialmente, mas não sabiam que era um ser
carente por dentro, sofredora por dentro, e angustiada por
dentro. Se alguém soubesse o seu pensamento, de certo que
este alguém choraria. Era muita dor, muitíssimo sofrimento.
Durante o dia era alegre, mas durante a noite era o ser mais
triste do mundo, a sua dor não lhe permitia dormir, noites
perdidas, muitas delas, não recuperadas.

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Um dos dias, não conseguindo dormir, foi até à cozinha para


beber um pouco de água, que também já era raro, ela tornou-
se numa mulher desitratada, pegou um copo de água, de
repente, começou a tremer, tremendo como se tivesse medo de
algo, dos pés até a cabeça, o copo cai sem antes ela ter bebido
o líquido incolor que lá estava, cacos pelo chão, ela, na
tendência de ir buscar um outro copo, passa por cima dos
cacos, totalmente descalça, os cacos rasgavam os seus pés, mas
ela passava normalmente porque não sentia dor, aquela suposta
dor que era para ser sentida, parecia ser só mais um estágio,
comparando com a dor que ela sentia todos os dias. Depois de
beber água, olhou para chão e lembrou que lá haviam cacos,
pegou num deles, levou para o seu quarto, sentou e tentou
cortar o seu pulso, mas ouve um tiro vindo de fora, foi um tiro
dado na fechadura da porta da sua casa, ela assustou pelo
barulho, mas quando pecebeu que o tiro foi dado em sua porta,
não ficou com medo, voltou para o quarto e deitou-se na cama,
eram ladrões que foram lá assaltar, levaram todos materiais
domésticos, os gatunos levaram tudo que estava na sala e na
cozinha, um deles, quando foi para o quarto, encontrou a
senhora deitada na cama, ele espantou-se, tudo porque achou
que não havia pessoa em casa. O ladrão correu e comunicou
aos outros, entraram no quarto ameaçando a senhora, mas ela
estava sem medo, ela sentia que a sua vida já não tinha sentido,
as suas dores eram constantes. Os bandidos viram que a
senhora não reagia, fizeram dela um brinquedo sexual, foi

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estuprada estupidamente. eles eram quatro homens, e ela era


uma só mulher.
Os bandidos foram, a senhora dormiu, não se lamentou pelo
sucedido, a sua angústia não lhe permitiu sentir-se mal pelo
que aconteceu. No dia seguinte acordou, tomou banho, foi
fazer as compras de tudo que haviam roubado, passava pela
rua com aquele sorriso falso, aquela alegria inexistente em seu
ser. A falsidade para não demonstrar o que ela sentia era a sua
maior especialidade. Saudou, conversou com os que estavam
na rua e continuou o seu trajecto. Comprou tudo, colocou no
seu carro e foi-se, quando chegou em casa, a angústia voltou,
o sofrimento batia-lhe no coração incansavelmente.

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IIº CAPÍTULO
Senhora Carolina Tchitunda, professora de História da
Universidade Agostinho Neto, viúva desde o dia do
nascimento do seu filho único. No dia do parto, perdeu o
marido, vítima de um acidente rodoviário enquanto acelerava
para conhecer o filho que acabava de nascer em uma
maternidade da cidade de Luanda chamada “maternidade
Lucrécia Paím”.
Uma mulher triste, ganhou um motivo para sorrir, e perdeu
quem deu tanto contributo para que tivesse um motivo para tal.
Apesar da ausência involuntária do marido, ela criou o
Alberto, seu filho amado, juntos formaram uma família, foi
difícil para ela, mas conseguiu. O vazio que o seu marido
deixou era impreenchível, nem mesmo o Alberto poderia curar
tal cicatriz. Quando chegava o dia em que se comemorava o
aniversário do Alberto, dia 25 de Março, ela não sabia se ficava
triste ou se ficava alegre, pois era o dia em que ela ganhou o
Alberto, mas também o dia em que perdeu o marido, este dia,
para ela, era como se fosse um soro, uma mistura de sal e
açucar, mas do ponto de vista emocional, era um sentimento
desagradável; Do ponto de vista maternal, era um desafio
incalculável.

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Certo dia, numa manhã de sexta-feira, o Alberto sentiu uma


enorme quantidade de água em seu corpo.
- Parabéns para você, nesta data feliz, muitas felicidades e
muitos anos de vida, hoje é dia de festa, cantarão nossas almas,
para o menino Alberto, uma salva de palmas – era a senhora
Carolina Tchitunda que entoava com bastante alegria a canção
mais famosa do mundo, compositada pela Patty Hill e sua irmã
Mildred Hill em 1893, funcionárias de uma escola de educação
infantil no EUA.
Era o aniversário do Alberto, estava ele a completar 19 anos
de idade.
- Mãe – gritou ele com bastante sono – te amo, mas não era
necessário me parabenizares desta forma, agora estou todo
molhado.
- No meu aniversário você faz pior, então, fique calmo e se
arrume, eu vou trabalhar, mais tarde venho te pegar para
sairmos e festejarmos, se tiveres uma namorada, convide-a
também para que festejemos os três – disse a senhora Carolina.
O Alberto, num tom de brincadeira, disse:
- Convidarei ela e o pai dela para que a mãe não fique sozinha.
- Não preciso de homem algum, seu bicho, e já és maior de
idade, saia já da minha casa – afirmou a mãe com bastante
alegria.

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Era um momento muito divertido para aquela pequena família,


a senhora carolina já estava arrumada para ir ao trabalho, deu
um beijo forte na testa do Alberto e despediu-se. Ao ir, o
Alberto pegou um balde de água e remou à senhora sua mãe.
- No dia em que me deste a luz, a senhora não estava
trabalhando, hoje o seu lugar é aqui comigo, mãe.
- Mas filho, desse jeito terei faltas no trabalho – disse a mãe
toda irritada.
- Mãe, preferes ter falta no trabalho, ou ter falta no meu
aniversário? Por favor, mãe! Hoje fique o dia todo comigo.
- Seu mimoso, está bem! – Concluiu a mãe.
Foi um dia muito divertido para os dois, arrumaram juntos a
casa, fizeram o pequeno almoço, foram fazer algumas
compras.
O momento mais feliz daquele dia, foi quando o Alberto, no
meio da rua, gritou:
- Senhores e senhoras, hoje é o dia mais feliz da vida da minha
mãe, quero que todos vocês cantem parabéns para ela, ela
merece, é a única mãe que eu tenho.
Todos parabenizavam a senhora, uns davam dinheiro como
forma de felicitação, não era o aniversário da senhora Carolina,
mas sim do Alberto. Depois que o momento passou, enquanto
andavam, a mãe questionou ao filho.
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- Filho, por que você mentiu à população que hoje é o meu


aniversário?
- Não menti, mãe – disse o Alberto.
- Mentiste sim, filho, hoje é teu aniversário, não o meu.
- Mãe, és professora de História, mas não entendes a lógica.
Hoje é o teu décimo nono aniversário como minha mãe – falou
o Alberto rindo.
A mãe deu uma chapadinha na cabeça do filho e os dois
começaram a rir, lembraram-se de alguns momentos
engraçados. Chegaram em casa, os dois dormiram no mesmo
quarto e na mesma cama porque ninguém queria soltar o outro,
era um momento familiar entre mãe e filho.
Pela primeira vez, no dia 25 de Março, ela não lembrou da
morte do marido, superou dezanove anos depois com ajuda do
seu filho Alberto.
Alberto era um jovem carismático, já havia terminado o ensino
médio, frequentava o primeiro ano na mesma instituição onde
a mãe trabalhava, sempre mostrou-se um menino excelente
academicamente, notas incríveis e uma personalidade
impecável, era viciado em leituras, não conseguia ficar horas
sem ler, esse era o seu passatempo favorito. Apesar de sempre
mostrar êxito estudantil, não era o seu sonho estudar naquela
universidade, o seu sonho era ingressar em uma academia
militar, mas oportunidades nunca vinham.
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Na manhã seguinte, ele preparou-se para ir à faculdade, entrou


nas redes sociais e encontrou um anúncio publicado por uma
página da Academia militar do exército, era uma informação
sobre o concurso público de ingresso na referida academia.
Naquele mesmo dia, o Alberto não foi à Universidade, foi
tratar alguns documentos que estavam em falta e que era
exigido para a inscrição, acontece que ele viu muito tarde o
anúncio, aquele era o último dia, mas graças a Deus, ele já
tinha uma parte dos documentos preparados. Foi ao Distrito de
Recrutamento Militar mais próximo de si, fez a sua inscrição
e ficou aguardando pelas listas, todo feliz, chegou em casa e
comunicou à sua mais querida e amada mãe.
- Não me comunicaste antes por quê, Alberto? Você sabe que
eu não aprovo essa tua ideia absurda de ser militar - era a mãe
a ralhar com ele.
- Por isso mesmo é que eu não disse, mãe – justificou o Alberto
– a senhora é contra essa minha escolha, mas não deve
constituir novidade para ti, até porque desde sempre soubeste.
- Tu és muito jovem para se meter nesta vida, além disso, tu és
um cristão, não faz nenhum sentido brincar com armas –
concluiu a mãe.
- Ser militar não é só brincar com armas, aquilo é uma
disciplina para a vida, mãe.

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Por mais que o Alberto justificasse, a mãe não entendia, é tão


difícil um debate onde os dois lados estão determinados a
vencer.
- Ser militar é muito arriscado, não quero perder o meu único
filho, sou feliz contigo aqui, se tu fores militar, um dia serei
abandonada, ainda mais você estando numa academia. Você
não será militar – sentenciou a mãe.
O Alberto sempre amou a pátria angolana, sempre foi contra a
desorganização, desvalorização e desrespeito patriótico, por
isso, sempre quis servir e defender o seu país. Não se deixou
levar pela determinação da mãe.
- Mãe, sabes que sou capaz de tudo para ver um sorriso no teu
rosto, a tua alegria é o meu motivo de vida, mas saiba de uma
coisa, eu serei militar, sei que depois aceitarás.
- Está bem, seja tal como queiras, mas saiba que eu não
concordo – disse a mãe.
O ambiente não estava favorável para os dois, estava meio
desagradável por causa da contradição existente entre o desejo
civíl e militar.
- Alberto, desde manhã ainda não me deste nenhum beijo nem
abraço, meu filho – reclamou a mãe.
- Tu também podes dar, mãe, não sou único aqui que ama –
resmungou o Alberto brincando.

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- Eu já te dei muitos beijos e abraços enquanto eras criança,


filho, mas está bem, então, hoje não há abraços nem beijos, eu
sabia que militares não amam ninguém – Disse a senhora
Carolina depois virar as costas ao filho e caminhando para o
quarto em forma de criança mimada.
Enquanto ela ía para o quarto, o Alberto correu e abraçou ela
de trás.
- Te amo, minha mãe – disse o Alberto bem agarradinho atrás
da sua mãe.
- Eu te amo muito mais, meu filho, e tu sabes muito bem disso
– declarou a mãe.
- Claro, mãe, é o teu dever, tu és minha mãe – disse o Alberto
rindo.
O ambiente ficou melhor, a casa voltou a ter alegria, era uma
família pequena, mas a alegria era enorme, qualquer um
poderia sentir inveja daquele casal de mãe e filho.
O tempo foi passando, depois de um mês, o Alberto foi
selecionado para fazer os exâmes na academia militar, fê-lo
com êxito e foi admitido.
- Meu filho, sabes que eu sou contra a tua vida militar, mas é
o que te faz feliz, e como mãe, não lhe posso deixar ir sem dar
a minha bênção, vá com Deus, nunca se esqueça que ele é a
tua fortaleza, podes até não se lembrar de mim em todos os

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segundos, mas lembre-se dEle como o ar que você respira, te


amo muito, meu filho, terei saudades.
- Onde quer que eu vá, saiba que te amo e que sempre pensarei
em ti, minha mãe, depois de dezanove anos eu estou a deixar-
te, mas volto em todas as férias que me forem dadas, e não se
preocupe, as nossas chamadas serão constantes, nunca
ficaremos um dia sem conversarmos.
A academia ficava numa outra cidade, o Alberto só voltaria
nas férias, enquanto Alberto marcava passos com a sua
mochila nas costas, a mãe sentiu o mais desastroso sofrimento,
em menos de um minuto derramou gotículas de lágrimas, o
Alberto não queria mais olhar atrás porque também chorava, a
senhora Carolina deu um grito chorando “Albeeeeerto” o
Alberto parou, virou, colocou a mochila ao chão e correu para
dar um último abraço à senhora Carolina, sua mãe amada e
querida.
Quando o Alberto foi, a mãe entrou, colocou-se de joelhos e
começou a orar pela proteção e sucesso do filho.
E mais uma vez o tempo foi passando, conforme foi prometido,
o Alberto nunca ficava um dia sem falar com a sua mãe, o amor
era intenso, mantinham conversas constantes sempre que
pudessem, chamadas e mensagens eram as vias mais comuns
entre ambos. Em momento de férias, o Alberto fazia sempre
visitas para passar um tempo com a mãe, até que terminou a
sua formação e foi outorgado como tenente do exército, fez-se
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alguns contactos e foi direcionado para trabalhar novamente


na sua terra natal, Luanda, vivendo com a sua mãe.
Alberto não tinha tempo para novas paixões e emoções, queria
dedicar-se simplesmente à sua mãe e à pátria. Por mais que a
mãe o obrigasse a arranjar uma mulher para casar e terem
filhos para que se dê continuidade à família, ele recusava. Eles
eram únicos. Não eram Angolanos, a senhora Carolina e o seu
esposo eram de origem Zambenze, migraram para Angola
como refugiados. O seu esposo foi o primeiro a obter a
nacionalidade angolana, conquistou quando salvou uma
criança angolana de um afogamento no rio kwanza. Depois de
obter a nacionalidade, casou-se pela legislação angolana com
a senhora Carolina, que por sinal teve a sua nacionalidade
adquirida por casamento. O Alberto já nasceu angolano por
nascer em território Angolano e por ser filho de pais já
angolanos. Em Angola eles eram únicos, não tinham mais
famílias. De princípio, eram dois, quando tentaram ser três, um
morre para voltarem a ser dois novamente.

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IIIº CAPÍTULO
Quando o Alberto tornou-se tenente, era numa época em que
Angola vivia um colapso organizacional, a má governação
fez com que originasse grupos de rebeldes no país, rebeldes
esses que, por forças determinadas, tornaram-se inimigos do
governo, a rebelião era constante, a Polícia Nacional não
conseguia impedir. Foi um ano de rebeldia que vigorizou
Angola, no segundo ano, o governo decidiu agir com forças
maiores, punindo todo cidadão que aderia à prática
revolucionária, mas não se tinha êxito, o movimento
revolucinário rebeldíaco espalhou-se por todo país, tiveram
financiamentos de alguns partidos da oposição, conseguiram
armamentos suficientes para fazer frente à polícia. Tão logo
que o governo apercebeu-se do arsenal que os rebeldes
tinham, viu a necessidade de decretar um estado de
calamidade no país, os militares foram obrigados a defender a
pátria angolana, parecia o princípio de uma guerra civíl
angolana. As nações aliadas ao governo angolano fizeram de
tudo para impedir o desastroso acontecimento, mas sem
êxito, daí que surgiram fogos, disparos entre militares e a
comunidade civíl, todo militar foi obrigado a estar em campo
de acção. Sangue derramado, militares e civís feridos, depois
de algumas semanas, a situação melhorou.

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O governo sentiu-se ainda mais obrigado a cumprir com as


promessas feitas no manifesto eleitoral do ano em que foi
eleito, mas os rebeldes se reconstruiram e surgiu mais uma
invasão civíl, e dessa vez mais forte, a população armada, os
militares armados, Alberto não disparava contra nenhum civíl,
por mais que fosse contra a confusão, ele considerava aquela
revolução como justa, só não deveria ser daquela forma. Ao
tentar apaziguar, foi atingido por um tiro da perna esquerda
prepositadamente por um cidadão civíl. O cidadão queria
matar-lhe, mas quando percebeu que o tiro só atingiu-lhe nas
pernas, alinhou-lhe no corpo, mas o Alberto, por ser militar,
foi mais rápido e neutralizou ele com um tiro do braço, o outro
cidadão vendo o Alberto a atirar no seu colega da revolução,
guerrilhou contra o tenente Alberto, dando-lhe dois tiros, um
do peito e um da cabeça, o Alberto foi considerado, naquele
instante, como um militar morto em combate, afetado por dois
tiros em nome da pátria angolana.
Depois de tudo passar, o estado maior general das Forças
Armadas Angolana, mandou fazer o balanço de quantos
militares foram mortos naquela pequena guerra entre irmãos
da mesma pátria, foi apenas um militar morto. Sobre os civís,
foram trinta e dois feridos e nenhum morto, o governo não
queria matar civís, só queria neutralizar-lhes.
- Senhora Carolina, boa noite! – Saudou o Jaime, colega do
Alberto.

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- Diga-me que não aconteceu o que senti que aconteceu, por


favor! – Lamentou com lágrimas no rosto a senhora Carolina,
mãe do Alberto.
O Jaime não se conteve, não falou mais nada, simplesmente
chorou amargamente, a senhora Carolina Tchitunda percebeu,
no seu interior ela não queria acreditar porque sabia que não
suportaria tal dor, ela não contava que perderia o filho tão
cedo, ou melhor, não contava que o perderia.
Uma mãe derrubada pela dor da perda, o desastroso sentimento
inconfortável ela sentiu naquele momento.
- Onde está o corpo? Quero ver ele – disse a senhora Carolina.
O Jaime só chorava porque não aguentava ver o sofrimento da
senhora Carolina, ele sabia da estreita relação que existia entre
a mãe e o filho, Jaime partilhou o quarto da academia com o
Alberto durante quatro anos, ele via e sentia a forma como o
Alberto e a senhora Carolina eram apegados. Várias vezes, nas
férias, o Alberto visitava a mãe com o Jaime.
O Jaime colocou a senhora Carolina no carro, foram até ao
necrotério militar, ela viu o Alberto, mas não acreditou, viu os
tiros, mas não interiorizou, tocou nele morto, mas não se
conciecializou, ela recusou.
- Esse não é o meu filho, procurem bem, não é ele, meu filho
sabe que não pode morrer e deixar-me aqui sozinha – e de

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repente a senhora Carolina entrou em pânico – quero o meu


filho, busquem ele, eu quero o Alberto.
- Tirem a senhora daqui, ela vai apanhar uma crise psicológica
se continuar aqui – disse um dos médicos do hospital militar.
O Jaime pegou no ombro da senhora Carolina – vamos sair
daqui, senhora Carolina.
- Como você foi deixar o meu filho morrer, Jaime? Você era
um irmão para ele, você não o protegeu – questionava a
senhora Carolina ao Jaime.
- Desculpas! Tudo aconteceu tão rápido – desculpou-se o
Jaime – mas eu vi o cidadão que matou ele, consigo
reconhecer-lhe, prometo fazer vingança.
A senhora Carolina, apesar da dor, não perdeu a sua
integridade, a sua personalidade era baseada em princípios
Cristãos.
- Não vingue, deixe que Deus aja, você matando quem matou
meu filho, a dor não diminuirá – apelou – e não pecisa me levar
para casa, eu vou caminhando, preciso relaxar.
E lá caminhava a senhora Carolina chorando e sofrendo. Uma
mãe sem direcção, sem ninguém, sozinha no mundo, só ela e
as suas recordações. Sentou em uma pedra que havia na rua,
chorou amargamente, lamentou-se, estava entre o acreditar e o
não acreditar. Com passos curtos e encurtados conseguiu
chegar em casa, abriu a porta e gritou “Alberto, Alberto, nunca
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te perdoarei por isso!” mas não via nem ouvia nenhum Alberto,
foi até ao quarto, olhou para a cama desarrumada, ainda assim
não o viu, colocou-se de joelhos abraçando uma camisa do
Alberto e chorando, chorando, chorando e chorando.
A senhora Carolina não tinha com quem partilhar a dor,
tentava ficar firme, mas não conseguia, o pessoal do bairro
deu apoio, pois conheciam a família.
O cortejo fúnebre foi organizado pelas forças militares, o
tenente Alberto foi enterrado como um herói. No momento
fúnebre, a senhora Carolina apanhou um ataque de coração, a
sua tensão subiu, foi levada para o hospital, o ataque foi tão
grave que lhe deixou em coma durante sete dias. Ficou
internada no hospital militar, o ministério da defesa custeou as
despesas, quando ela acordou do coma, o governo deu uma
equipe médica para acompanhar ela durante três meses, teve
também um acompanhamento psicológico que não resultou em
nada, ela considerava o Alberto como seu psicólogo por
excelência.
Durante um mês, ela dispensou os médicos, afirmando que não
os precisava mais, o governo entendeu e aceitou o seu pedido.
Deixou de ser professora, já não se reviu em dar aulas, teve
que abandonar tudo porque sentiu não fazer sentido continuar
trabalhando. Passou a sustentar-se com o subsídio do filho.
- Aló! É do orfanato “Divina Prudência”?

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- Sim! Com quem temos o prazer de falar?


- Sou Carolina Tchitunda, gostaria da manter uma audiência
com a madre superior.
- A audiência fica marcada para amanhã às 10h:45, senhora
Carolina.
- Está bem, muito obrigado – congratulou-se a senhora
Carolina.
Na manhã seguinte, ela saiu muito cedo, foi até ao orfonato,
era um lugar que ela já frequentava, várias vezes fez doações
incríveis lá.
- Irmã Cândida, bom dia! – Saudou.
- Seja bem-vinda, Carolina! Jesus te ama, e se você crê, diga
Amém! – Essa era a forma calorosa que irmã Cândida saudava
todo mundo.
- Amém, irmã! – Reciprocou a senhora Carolina.
- Apercebi-me da sua perda, Carolina, sinto muito. Você tem
um bom coração, sei que Deus há-de confortá-lo.
- Aguardo por esse momento, quero tanto superar, mas não
consigo, irmã – lamentou a senhora Carolina – como a irmã
sabe, sempre fui muito apegada ao meu filho, sei que ele é
insubstituível, mas eu gostaria de saber se há como eu adoptar
um filho já com 26 anos de idade aqui neste orfanato, não
aguento mais ficar sem o Alberto.
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- Carolina, isso é impossível, você sabe que aqui só há


crianças, e as crianças aqui só ficam até aos 18 anos de idade
– admirou-se a irmã Cândida.
- Eu preciso tanto, irmã – Afirmou chorando.
A irmã Cândida levantou e abraçou ela muito forte.
- Seja forte, Carolina, você está assim porque você foi muito
apegada ao Alberto, se quiseres, podes vir cá sempre que
puder, essa casa é toda sua – declarou a irmã Cândida.
- Por vezes penso que estou ficando louca, irmã, tenho visto o
Alberto em todo canto da casa, passo-lhe a palavra, mas ele
não responde, por vezes tento dormir, ele chama, quando vou
para a sala, ele não está – lamentou-se a senhora Carolina.
- Você não está louca, você só não superou ainda.
As duas conversaram, até que ficou tarde e a senhora Carolina
teve que ir para casa. Subiu no seu carro, e começou a dirigir,
a concentração da senhora Carolina era desviada pelos seus
próprios pensamentos, naquele momento ela possuía uma
imaginação dolorosa que feria a sua personalidade psíquica e
que, impossiblitava-lhe de percorrer num veículo cuja direcção
era estabelecida por ela, daí que, já na estrada, ela perde o
carácter regulador da sua estrutura condutora e bate contra um
carro que se encontrava em frente dela, ela bate com a cabeça
no volante do carro, danifica o seu carro por frente, e o outro
carro por trás.
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- Ehhhhh Acidente, acidente – diziam as pessoas que estavam


de passagem enquanto pegavam aquele susto.
De repente, o senhor do outro carro sai com bastante
autoridade, era um senhor alto e grande, a atitude excessiva
dominava-lhe por fora e por dentro, a arrogância e o mau
comportamento encarnavam-se no seu ser.
- Aaaah aqui vai pegar fogo! – Disse o senhor mordendo-se,
quem o visse e ouvisse, perceberia que ele estava ser possuído
por uma raiva tremenda – óh senhora, você vai descer agora
desse carro e vai observar de perto o dano que você causou.
A multidão cercou o cenário para observar o que estava
acontecendo, e de repente, um jovem mostrando-se
atrapalhado e preocupado, entrou no meio daquela multidão
empurrando todos.
- Sai, saia, deixem-me passar, sai porraz – Dizia o jovem todo
atrapalhado.
O jovem aproximou-se do carro da senhora, abriu a porta e
tirou a senhora, colocou ela a sentar no passeio da rua.
- A senhora está bem? Vamos até ao meu carro para irmos a
um hospital – preocupava-se o jovem.
- Não, não se preocupe, eu estou bem – dizia ela.
- Você está sangrando na cabeça, minha senhora, estás com um
ferimento na testa – insistia o jovem limpando o sangue com
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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

um guardanapo que estava em seu bolso – a senhora vinha com


muita velocidade, era impossível não se ferires, o embate foi
muito forte.
- Não sinto nada, apenas uma tontura – dizia ela pegando-se
pela cabeça – será que feri alguém? A pessoa que dirigia o
carro que panquei, está ferida? – Perguntava ela preocupada.
O senhor do carro batido estava à uns metros distante, ele
explicava o ocorrido às pessoas que já estavam no local.
- Não se preocupe com o senhor, ele está bem, é aquele sem
juízo que está aí a fazer barulho.
A senhora Carolina levantou-se, foi ao encontro do senhor, tão
logo que o senhor viu a senhora Carolina, ficou em choque.
- A senhora está bem? Chamem uma ambulância agora – Dizia
ele preocupado que nem o outro jovem.
- Eu estou bem! Peço desculpas pelo constrangimento, meu
senhor, me responsabilizo por todos os danos – declarou a
senhora Carolina.
O senhor entrou no seu carro, tirou um telefone, foi na lista
tefónica e ligou para uma ambulância chegar no local do
acidente. A população ficou admirada com a mudança
comportamental do senhor, a senhora Carolina tinha a
impressão de que já o tinha visto nalgum sítio, só não lembrava
onde. O senhor pegou a senhora Carolina pelos ombros e disse
em vóz alta.
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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

- Essa senhora que estão a ver cá, é a mãe de um herói nacional


– afirmou ele num timbre alto.
- Refere-se a que herói, meu senhor? Deve ser um engano –
disse a senhora Carolina recusando.
- É a senhora Carolina, não? – Perguntou o senhor.
-Sim, sou – respondeu ela.
- Eu sou o João-joão Escovalo Covalo Xikita Manuel Engrácia
Capolongo-Pongo, Tenente General da logística do comando
militar da região norte de Angola, acompanhei o
desenvolvimento do seu filho Tenente Alberto, foi um grande
militar, hoje sinto-me privilegiado por acompanhar a
trajectória dele como servidor da pátria.
A senhora Carolina arreiou a cara, pegou-se nos olhos
limpando algumas gotículas de lágrimas que caíam naquele
momento.
- Desejo-te muito cuidado, meu senhor, não é fácil ser militar
– disse ela toda triste.
A população apreciava o episódio naquele recinto, parecia um
teatro.
- Peço desculpas pelas palavras que proferi, minha senhora –
desculpou-se o senhor Tenente-general.
A ambulância militar chegou no local, levaram a senhora, o
Tenente-general acompanhou ela, alguns militares ficaram no
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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

local esperando uma transportadora para rebocar os dois carros


afetados pelo acidente.
No hospital, ela teve um dos melhores atendimentos da sua
vida, o Ministério da defesa supriu todas despesas, até lhe foi
dado um veículo novo, acompanhado do antigo, mas já
concertado.
A senhora Carolina tornou-se uma das senhoras mais famosa
na cidade de Luanda, conquistou o carisma da população
estudantil enquanto professora de História, participava em
debates televisivos, realizava palestras e excursões de alto
realce na sociedade. Com a forma como perdeu o filho, ela
ficou ainda mais famosa, muita gente conhecia-lhe pois, a
situação foi relatada pela televisão e pelas mídias sociais, teve
apoio indirecto de muita gente, até da população civil que
matou o seu filho, muitas foram as notas de desculpas nas redes
sociais, mas foi desnecessário tal nota porque ela já havia
perdoado mesmo antes de o seu filho ser morto, a sua
identidade Cristã não lhe permitia guardar ódio, o seu coração
era tal como a Bíblia, para os cristãos, Torá, para os judeus, e
Alcorão, para os Muçulmanos, expressava.
Ela aparentava estar bem, o ferimento que teve na testa por
causa do acidente, trouxeu-lhe consequências terríveis, afetou
o seu cêrebro e passou a ter alucinações, ela já tinha tal
transtorno por causa da perda do filho, mas piorou ainda mais
com o acidente, foi necessário um forte acompanhamento

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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

psicológico para poder melhorar, mas só melhorou a parte


causada pelo acidente, a causada pela perda não foi melhorada,
parecia ser impossível.

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“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

IVº CAPÍTULO
No dia 17 de Setembro, em Angola é comemorado o dia do
herói nacional, Dr António Agostinho Neto pelos seus feitos
em prol da pátria angolana, neste dia, é feita várias menções
honrosas ao tal dito herói. O governo angolano realizou uma
conferência para falar sobre os feitos do Dr António Agostinho
Neto, esta conferência foi realizada no centro de conferências
de Belas, para o evento, foram convidadas várias entidades
governamentais, o ambiente estava abarrotado por pessoas de
alto nível social, fazia-se presente o próprio Presidente da
República de Angola e os grandes Generais que conviveram
de perto com o malogrado. O evento estava marcado para
9h:00, as entidades chegavam muito cedo para melhor
organização, o governo decidiu que a organização deveria
partir de cima quando houve a revolução civíl. Quando marcou
9h:00, o momento foi aberto com incríveis discursos dado
pelas entidades escaladas, quem estava escalada para abrir o
primeiro painel da conferência para falar da vida do herói
nacional era a ex professora universitária Senhora Carolina
Tchitunda, ex professora de História da Universidade
Agostinho Neto, ela era a pessoa ideal para falar sobre a vida
do herói nacional pelo facto de ser uma grande historiadora,
fez o seu mestrado em história de Angola. Apesar de não estar
ainda bem psicologicamente, ela sempre esteve preparada
intectualmente para falar sobre esse assunto.
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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

- Ser um herói é mais do que ser um morto pela pátria, é viver


uma vida pelos Angolanos e para os Angolanos, é entregar-se
de corpo e alma pelo país, vivenciar-se como um reflexo e
como um percursor para a ordem e a tranquilidade – dizia a
senhora Carolina.
Foram vários argumentos dados por ela, foi uma apresentação
brilhante, foram dadas algumas contribuições dos
expectadores, foi um belo momento, foi aplaudida e elogiada,
a sua forma de falar era encantadora, ela explicava como uma
heroína, a conferência passava em directo pela Televisão
Pública de Angola e em outros canais televisivos do país.
O segundo painel da conferência, que por sinal era o último,
foi dado pelo primeiro homem do país, camarada Presidente
da República, ele fez-se a convocatória porque conviveu
directamente com o finado Dr António Agostinho Neto, era
um dos momentos mais esperado, a comunidade angolana
queria tanto ver o Presidente da República a expressar o seu
mais alto dinossauro de pensamento. Como sempre, antes de
qualquer apresentação temática, é feita uma saudação.
- Excelentíssimos compatriotas, pois é assim que vos devo
chamar, é com bastante honra que estou aqui, neste dia do
herói nacional, a falar sobre ele na segunda pessoa, queiram,
por favor, fazer a recepção da minha rabosa e voluptuosa
saudação – saudou o camarada Presidente da república.

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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

A plateia ouvia atentamente, não é sempre que um presidente


participa em um tema onde ele mesmo é o preleitor.
Depois de vários discursos lindos, foi dado o momento de
contribuições, a oportunidade foi dada à ex professora
Carolina Tchitunda.
- Presado senhor presidente, gostaria de aproveitar a
oportunidade para fazer a retificação de algo que está mal no
país – disse a senhora Carolina Tchitunda.
A plateia toda ficou intrigada e admirada, os cidadãos que
acompanhavam pela televisão ficaram atónitos com tal atitude
e coragem, ela, mesmo dando conta disso, acrescentou.
- Não me entenda como uma revolucionária, mas sim como
sua compatriota e uma boa analista, até porque um dos meus
certificados de honra como analista social foi dado pela sua
excelência – disse ela.
- Esteja naturalmente para falar, senhora Carolina,
conhecemos o teu potencial, as suas abordagens sempre foram
benéficas para o país, eu em particular, já manifestei o
interesse no meu interior em convidá-la como minha mentora
– declarou o senhor Presidente da República.
O país inteiro ficou espantado com a declaração do Presidente,
viram em suas palavras a humildade, porque quem conhecia a
senhora Carolina Tchitunda, reconhecia o seu potencial.

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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

- Muito obrigado, senhor Presidente, é uma honra receber mais


uma honra de si – disse a senhora Carolina – o que quero
corrigir, é a denominação do dia de hoje e a valorização de
quem merece, o dia de hoje não deveria ser chamado como o
dia do herói nacional, mas sim como o dia de um dos heróis
nacional.
- Por que da tal denominação exigida por ti, senhora Carolina?
Achas que o ex-presidente Agostinho Neto não merece ser
herói? – perguntou o chefe da casa militar do Presidente da
República, todo chateado, a tal chatice surgiu pelo atrevimento
da senhora Carolina, e pela má percepção do chefe da casa
militar.
- Não entenda mal, senhor general, e por favor, mantenha um
pouco a calma porque estamos sendo filmados – apelou a
senhora Carolina – é claro que Dr António Agostinho Neto é
herói nacional, entendam bem, compatriotas, é herói, não “o
herói” nem “um herói”.
- Poderia, por favor, explicar bem isso, senhora professora? –
Questionou o Presidente da República.
Enquanto a conferência se passava, surgiam vários
comentários nas redes sociais sobre o mesmo, um dos cidadãos
da pátria angolana publicou o seguinte: “ Estou a gostar do
camarada Presidente, depois da revolução, o gajo ficou
humilde” outro publicou “ É necessário não dar comida ao
macaco para que ele tente se sustentar”.
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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

- Quando dizemos que o fulano ou sicrano é herói, dá a


entender que é o único herói, do mesmo modo acontece
quando dizemos que o fulano é um herói – disse a senhora
Carolina – o artigo definido e indefinido “o, a, um e uma” têm
muito poder, é necessário que se tenha cuidado, todavia, o dia
de hoje seria declarado como o dia de um dos heróis nacional,
Dr Agostinho Neto não foi o único herói nacional, milhares de
cidadãos deram a vida por Angola e pelos Angolanos, até
muitos de vós que estais cá, sóis heróis porque dão a vida pelos
Angolanos.
- Eu não sou herói, ainda não morri – disse um estudante
universitário sentado nas últimas poltronas do centro de
conferência.
- O nosso mal é pensar que só se é herói quando morre-se –
afirmou a senhora Carolina admirada com a pouca inteligência
do estudante universitário.
- Senhora Carolina, o camarada Dr António Agostinho Neto é
considerado como um herói por excelência – Disse o
Presidente da República.
- E como classificaria o último militar morto em serviço da
pátria? – Perguntou a senhora Carolina.
- Refere-se à quem? – Perguntou o presidente.
Antes mesmo que a senhora Carolina respondesse, o Estado
Maior General da Forças Armadas de Angola sentenciou:
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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

- O tenente Alberto Tchitunda foi o último militar morto em


serviço da pátria, um herói que não deve ser esquecido, muito
deu por esse país em tão pouco tempo de serviço.
Foi então que todos na plateia, até o Presidente, lembraram do
Tenente Alberto e que era filho unigénito da senhora Carolina.
O Presidente convidou todos a manterem-se em pé e pediu um
minuto de silêncio em memória do tenente Alberto Tchitunda,
uma boa parte do país, referindo-se aos que acompanhavam a
conferência, ficaram também em pé e fizeram um minuto de
silêncio.
- Muito bem, senhora professora Carolina, apontaremos isso
como uma recomendação, daremos atenção ao assunto, o
tenente Alberto não só deu a vida por Angola, como também
deu a vida pelo meu mandato – declarou o presidente.
A conferência foi terminada, foi uma das melhores
conferências que o país já teve.
A senhora Carolina, indo àquela conferência, fez bem ao país,
mas não fez bem a ela, quando chegou em casa teve novamente
recordações profundas do filho, era mais um momento de dor
e tristeza no rosto e no coração daquela senhora.
A dor coracionista era tanta que durante a noite teve
convulções, mas foi algo rápido, passou por si, não conseguia
dormir, e mais uma vez ficou acordada pensando no seu filho.

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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

Vº CAPÍTULO
Dois anos se passaram, o sofrimento não foi diminuido, a cada
dia que passava, ela sentia-se sozinha, sentia muita falta do
Alberto. Enquanto sofria, viu que seria bom dar-se mais uma
oportunidade lutando contra si mesma, daí que lembrou do
convite da irmã Cândida para passar a frequentar com
intensidade o orfanato.
- Alô, irmã, bom dia!
- Jesus te ama, Carolina, se você crê, diga Amém.
- Amém, irmã, Deus seja louvado – Declarou a senhora
Carolina.
- Então, qual é motivo da ligação, Carolina?
- Apartir de amanhã, passarei a frequentar o orfanato, decidi
ajudar a cuidar das crianças.
- Que bom, Carolina, o meu coração alegra-se em ouvir isso,
Deus seja louvado pela tua decisão, serás bem-vinda.
A conversa foi concluída, a senhora Carolina, pela primeira
vez, fugiu dos seus pensamentos de sofrimento e preocupou-
se em como seria o seu primeiro dia cuidando das crianças,
imaginava se seria bem recebida e, se seria uma boa cuidadora,
depois disse em seu pensamento “devo cuidar bem daquelas
crianças porque são orfãos” tão lago pensou nisso, lembrou
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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

que ela era órfã de filho, ficou triste, chorou um pouco e disse
“acho que nos daremos bem, somos da mesma tipologia”.
Na manhã seguinte, preparou-se muito cedo, subiu no carro e
dirigiu em direcção ao orfanato, a recepção foi boa, as crianças
simpatizaram-se com a senhora Carolina Tchitunda, a madre
ficou tão feliz por ver o sorriso nos rostos daquelas crianças,
mas ficava triste porque não via um sorriso verdadeiro no rosto
da senhora Carolina, ela ria falsamente só para alegrar as
crianças, ela não queria proporcionar mais tristeza às crianças,
por isso tinha que rir sempre.
A ida lá era constante, virou sua rotina, a ocupação fazia-lhe
bem, o sorriso que era falso, no meio de vinte, existia sempre
dois verdadeiros, e foi somando aos poucos, ela era
considerada como a “mamã historiadora” porque contava
sempre histórias às crianças, em tão pouco tempo tornou-se a
cuidadora mais querida pelas crianças, a sua educação era
respeitando a individulidade e a psicologia do
desenvolvimento infantil.
- Mamã historiadora, queremos ouvir a história da chuva feliz
– disse a Márcia, uma menina de 12 anos de idade, propriedade
do orfanato desde o dia do seu nascimento, perdeu a mãe no
parto, a família toda recusou-se em cuidar dela.
- Está bem, crianças, venham cá que eu contar-vos-ei uma
história.

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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

As crianças todas fizeram uma roda no jardim do orfanato e


prontificaram-se em ouvir.
Havia na aldeia, uma menina, a menina mais triste do mundo,
ela já não tinha pais, morava com os seus tios, mas era
maltratada. Um dia, uma criança da mesma idade que ela,
encontrou-lhe chorando e perguntou o porquê que ela chora
tanto, mas ela não respondeu, simplesmente limpou os olhos e
foi sentar num outro sítio. A criança insistiu, e a menina disse
“tenho chorado muito porque já não tenho pai nem mãe” a
criança olhou para ela e disse “não chore mais, a minha mãe
pode ser tua mãe também”. A menina disse “vamos então falar
com ela” foram até a mãe da criança, a menina questionou “a
senhora pode ser minha mãe?” a senhora olhou para ela e
disse “sim, quero ser tua mãe” as lágrimas cairam do rosto
da menina como se fosse chuva, ela chorou de emoção e de
alegria.
- Mamã historiadora, mas com o Sérgio isso não funciona, ele
só chora, e chora muito, tenho muita pena dele, fico triste
quando o vejo – disse a menina Márcia.
- Quem é o Sérgio? – Perguntou a senhora Carolina.
A senhora Carolina frequentava todos os dias aquele sítio, mas
não conhecia o Sérgio.
- O sérgio está aí sentado, ele não gosta de ninguém – disse
uma das crianças do orfanato.

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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

A senhora Carolina foi no lado das palmeiras ver se tinha


alguém, tão logo chegou, viu uma criança de 12 anos de idade
sentada a chorar.
- Amorzinho, o que fazes aqui sozinho? – Perguntou a senhora
Carolina.
- Estou fazendo o que eu mais faço, sofrer – disse a criança,
amargamente.
Aquilo foi como um choque para a senhora Carolina. Ouvir
uma criança dizendo aquilo feriu-lhe o coração. A senhora
Carolina também funcionava bem como terapêuta.
- Me conte um pouco sobre ti, Amorzinho.
- Só preciso de uma mãe – disse o menino com um rosto muito
triste.
- E onde está a sua mãe? – Perguntou ela.
- Suicidou-se porque o meu pai morreu em um acidente, a
minha tia me odeia porque, segundo ela, sou feiticeiro e que já
tentei matar ela várias vezes no sono.
O rosto da criança ficava molhado enquanto explicava.
- Posso te dar um abraço, senhora? – Solicitou o menino.
- Sim, podes dar, estou aqui para isso – disse a senhora
Carolina muio sentida com a situação.

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“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

O menino levantou, abraçou tão forte a senhora carolina, o


fogo do amor maternal acendeu, foi uma conexão incrível, as
energias palpitaram, ninguém queria soltar ninguém, a criança
agarrou ela fortemente, a senhora Carolina sentiu o aperto, os
dois estavam confortados, era uma grande intimidade, parecia
que se tinha uma afeição e confiança.
A criança agarrou ela mais forte ainda e disse:
- A senhora quer ser minha mãe?
A senhora Carolina olhou para a criança, derramou algumas
lágrimas e disse:
- Não.

FIM

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PAPOSSECO KIRRANZA
“INSÓLITO” UMA HISTÓRIA PARA CHORAR

BIOGRAFIA

Paposseco Kirranza é a encurtação


de Monteiro João Paposseco
Camassa, nascido aos 25 de Março,
natural de Malanje, 5º de 8 filhos de
João Monteiro e de Ana Monteiro,
estudante do Instituto Superior de
Ciências de Educação ISCED-Huambo no curso de linguística-
português. Paposseco fez o seu ensino médio no Instituto de
Ciências Religiosas de Angola em Malanje no curso de Educação
Moral e Cívica e Língua Portuguesa. Kirranza, como é
calorosamente chamado, tem como primeira obra literária, “Passos
Curtos e Encurtados” um livro escrito por ele e pelo escritor
Bonifácio da Cruz.

É autor de várias sagas como “ O gato do telhado, O ciente


consciente, Partida indesejada, Anjos e Demônios, Deus e eu, O
jovem conceito, Advogado fiel, e por último, O senhor estranho.

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PAPOSSECO KIRRANZA

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