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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

ALLEXANDRA SILVA DE MIRANDA

A NECESSIDADE DE AFRICANIZAÇÃO DA LIBERDADE DE RELIGIÃO

CURITIBA
2021
ALLEXANDRA SILVA DE MIRANDA

A NECESSIDADE DE AFRICANIZAÇÃO DA LIBERDADE DE RELIGIÃO

Monografia apresentada como requisito parcial à


obtenção do grau de Bacharela em Direito, do Centro
Universitário Curitiba.

Orientador: Prof. Ms. Luiz Gustavo de Andrade

CURITIBA
2021
ALLEXANDRA SILVA DE MIRANDA

A NECESSIDADE DE AFRICANIZAÇÃO DA LIBERDADE DE RELIGIÃO

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharela em


Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos
professores:

Orientador: _________________________________
Prof. Ms. Luiz Gustavo de Andrade

________________________________
Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2021.
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os negros que aqui fizeram sua morada e deram
seu sangue para hoje poderem ser vangloriados como reis e rainhas, assim como
sempre foram.
Dedico a todos os meus ancestrais, tanto afro descentes quanto indígenas que
sem os quais não poderia expressar o que penso nem o que sou.
Dedico a minha mãe de cabeça Yemanjá que sempre me deu coragem,
esperanças e forças para a luta do cotidiano.
Dedico a todos os Orixás: Oxalá, Nanã, Xangô, Ogum, Oxum, Iansã, Oxóssi,
Ibeji, Omolú e Exu que de alguma maneira abençoaram e iluminaram meus caminhos,
para que tudo fosse possível.
Dedico a todos aqueles que não possuem vergonha em dizer que são de Axé.
Dedico a minha mãe Sandra Maria da Silva, mulher negra e guerreira que
sempre tive como inspiração e que amo imensamente.
Dedico ao meu pai Almir Cordeiro de Miranda, que nunca me deixou faltar estudo
de qualidade, o que me motivou sempre a querer saber mais sobre minhas origens.
Dedico as minhas melhores amigas Bárbara Louise Moreira e Kamila de Oliveira
por sempre estarem ao meu lado, em todos os momentos com palavras de conforto e
motivação.
Dedico ao meu namorado João Paulo Kaucz Ferreira e a toda sua família que
me acolheu da melhor maneira me dando todo afeto sendo compreensiva.
Dedico a todos meus familiares e amigos que de alguma forma contribuíram para
que este trabalho acontecesse.
Dedico ao meu professor-orientador Luiz Gustavo Andrade, que foi excelente,
atencioso e cuidadoso com tudo que se relacionava o projeto.
“Quando uma mulher, de certa tribo da África, sabe que está grávida, ela segue para a
selva com outras mulheres e juntas rezam e meditam até que surge a ‘canção da
criança’.
Quando nasce a criança, a comunidade se junta e cantam a sua canção.
Logo, quando a criança começa sua educação, o povo se junta e canta sua canção.
Quando se torna adulto, a gente se junta novamente e canta.
Quando chega o momento do seu casamento, a pessoa escuta a sua canção.
Finalmente, quando sua alma está para ir-se deste mundo, a família e amigos
aproximam-se e, como em seu nascimento, cantam a sua canção para acompanhá-lo
na viagem.
Nesta tribo da África há outra ocasião na qual os homens cantam a canção. Se em
algum momento da vida, a pessoa comete um crime ou um ato social aberrante, levam-
no até o centro do povoado e a gente da comunidade forma um círculo ao seu redor.
Então todos cantam a sua canção.
A tribo reconhece que a correção para as condutas antissociais não é o castigo; é o
amor e a lembrança de sua verdadeira identidade.
Quando reconhecemos nossa própria canção, já não temos desejos nem necessidade
de prejudicar ninguém.
Os amigos conhecem a tua canção e a cantam quando a esqueces.
Aqueles que te amam não podem ser enganados pelos erros que cometes ou as
escuras imagens que mostras ais demais.
Eles recordam tua beleza quando te sentes feio; tua tonalidade quando estás quebrado;
tua inocência quando te sentes culpado e teu propósito quando estás confuso.”
(TOLBA PHANEM)

“Ser negro é ser violentado de forma constante, contínua e cruel, sem pausa nem
repouso, por uma dupla injunção: a de encarnar o corpo e as ideias de Ego do sujeito
branco e a de recusar, negar e anular a presença do corpo negro.”
(SOUZA,1983)
RESUMO

Este trabalho tem por objetivo demonstrar a importância da necessidade de


africanização da liberdade religiosa. Denota também as liberdades enquanto direitos
fundamentais, tanto como liberdade de culto como de manifestação religiosa. Aponta de
forma direta, o posicionamento do STF para com a religião e como o Estado protege
essas liberdades, mesmo sendo laico. Transmite também como as religiões de matrizes
africanas se formaram aqui no Brasil e todas as suas características junto à bagagem
cultural que as mesmas trouxeram, sendo inclusas até como patrimônios negros em
alguns locais. Ressalta-se que as religiões afro sempre foram alvos de intolerância e
descriminação religiosa, que podem causar tanto danos psicológicos como sociais para
aqueles que são afetados, distorcendo toda identidade construída dos grupos
praticantes. Para além desses danos, os desrespeitos e ataques os impulsionam para
uma luta social e de reconhecimento, pois ali são gerados sentimentos que dão
fundamentos para que as lutas sociais aconteçam. Os movimentos que se referem a
reafricanização como esforços tentados, por seguidores que se auto afirmam
afrodescendentes, de um resgate de cada valor africano enraizado que se perdera no
tempo, para a construção de tradições que possa expressar com exatidão a identidade
do negro que precisa disso para se auto afirmar enquanto sociedade e ser. Propõe-se
aqui uma investigação desses acontecimentos, como uma estratégia de luta e impacto
social positivo.

Palavras-chave: Africanização. Liberdade religiosa. Religiões de matrizes africanas.


Identidade do negro. Lutas sociais.
ABSTRACT

This work aims to demonstrate the importance of the need for Africanization of religious
freedom. It also denotes freedoms as fundamental rights, both as freedom of worship
and of religious expression. It directly points out the STF's position on religion and how
the state protects these freedoms, even though it is secular. It also conveys how the
african-based religions were formed here in Brazil and all their characteristics along with
the cultural baggage they brought, even being included as black heritage in some
places. It is noteworthy that afro religions have always been targets of intolerance and
religious discrimination, which can cause both psychological and social damage to those
who are affected, distorting the entire constructed identity of practicing groups. In
addition to these damages, disrespect and attacks propel them into a social and
recognition struggle, as there are generated feelings that provide the basis for social
struggles to happen. The movements that refer to the re-africanization as efforts
attempted by followers who claim to be afro-descendants, of a rescue of each rooted
african value that was lost in time, for the construction of traditions that can accurately
express the identity of the black who needs it to affirm itself as a society and being. An
investigation of these events is proposed here, as a strategy of struggle and positive
social impact.

Keywords: Africanization. Religious freedom. African-based religions. Black identity.


Social struggles.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Santería, Cuba................................................................................40


Ilustração 2 - Palo Monte/ Palo Mayombe – Cuba................................................41
Ilustração 3 - Vodu. Haiti, New Orleans................................................................43
Ilustração 4 - Obeah, Trindad e Tobago...............................................................44
Ilustração 5 - Kumina, Jamaica.............................................................................45
Ilustração 6 - Winti, Suriname...............................................................................46
Ilustração 7 - Quimbois, Martinica.........................................................................47
Ilustração 8 - Babaçuê/Batuque de Santa Barbara. Amazonas, Pará..................48
Ilustração 9 - Batuque, Rio Grande do Sul............................................................49
Ilustração 10 - Cabula, Espiro Santo. Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa
Catarina........................................................................................................................... 51
Ilustração 11 - Candomblé em todas as regiões do Brasil......................................53
Ilustração 12 - Umbanda em todas as regiões do Brasil.........................................55
Ilustração 13 - Quimbanda em todas as regiões do Brasil......................................56
Ilustração 14 - Culto aos Egungun. Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.................57
Ilustração 15 - Culto de Ifá. Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.............................59
Ilustração 16 - Encantaria. Maranhão, Piauí, Pará, Amazonas..............................60
Ilustração 17 - Omoloko. Rio de Janeiro Minas Gerais e São Paulo......................62
Ilustração 18 - Pajelança. Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas..............................65
Ilustração 19 - Tambor-de-Minas, Maranhão..........................................................67
Ilustração 20 - Terecô, Maranhão...........................................................................68
Ilustração 21 - Xambá, Alagoas e Pernambuco......................................................71
Ilustração 22 - Xangô do Nordeste, Pernambuco...................................................73
LISTA DE SIGLAS

ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas


ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio
HC - Habeas corpus
INCR - Inventário Nacional de Referencias Culturais
INDL - Inventário Nacional da Diversidade Linguística
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IURD - Igreja Universal do Reino de Deus
MOPAR - Movimento Popular Anti Racista
ONG’s - Organizações não governamentais
PNPI - Programa Nacional do Patrimônio Imaterial
PSOL - Partido Socialismo e Liberdade
RE - Recurso Especial
RO - Recurso Ordinário
STF - Superior Tribunal Federal
TEDH - Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e a
Cultura
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................10
2 LIBERDADE DE RELIGIÃO ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL...............12
2.1 LIBERDADE DE RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: LIBERDADE DE
CULTO E DE MANIFESTAÇÃO RELIGIOSA.................................................................12
2.2 RELIGIÃO SEGUNDO O STF..............................................................................19
2.3 PROTEÇÃO A LIBERDADE DE RELIGIÃO E ESTADO LAICO..........................29
3 AS RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS.....................................................39
3.1 ELEMENTOS CARACTERIZADORES.................................................................39
3.2 FORMAÇÃO DAS RELIGIÕES AFRICANAS NO BRASIL...................................73
3.3 RELIGIÕES AFRICANAS E O PATRIMONIO CULTURAL NEGRO NO
BRASIL............................................................................................................................77
4 MATRIZES AFRICANAS E INTOLERÂNCIA RELIGIOSA.................................92
4.1 INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E OPRESSÃO HISTÓRIA: EXPRESSÃO
RELIGIOSA DE GRUPOS DOMINADOS.......................................................................92
4.2 O SACRIFÍCIO DE ANIMAIS NA EXPRESSÃO RELIGIOSA AFRICANA:
ANALISE DO RE 494601/STF......................................................................................105
4.3 AFRICANIZAÇÃO DA LIBERDADE DE RELIGIÃO NO BRASIL.......................113
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................120
REFERÊNCIAS.............................................................................................................123
10

1. INTRODUÇÃO

Atualmente o cenário não mudou muito, apesar de 56,10% da população


nacional se declarar como parda ou negra, segundo censo do IBGE, a grande maioria
desconhece suas próprias raízes, identidades ou origens1.
Isso causa uma crise existencial dentro de cada um, em que muitos só percebem
pelo preconceito que é gerado, pelo tom retinto da pele, pelo cabelo crespo ou algo que
não se encontra nos padrões europeus embranquecidos. Cada um possui a sua
maneira de se descobrir em meio à sociedade e com isso tentando encontrar
referências e fontes positivas para se apoiar diante de todo preconceito do decorrer dos
anos.
Mesmo sendo maioria, se os negros não possuem oportunidades nem
mecanismos para se autoconhecerem é como se aceitassem aquilo que lhes foram
imposto como verdade. É que nem diz um provérbio africano “até que os leões tenham
seus próprios historiadores, a história da caça sempre glorificará o caçador”.
E o cenário brasileiro não está longe disso, por falta de estrutura, conhecimento,
oportunidades, negros são minorias em posições de liderança em vários setores, tanto
no mercado de trabalho, quanto na representação política, na magistratura brasileira e
etc.
Tudo por conta de vários estereótipos criados em cima da pele mais escuras
ligadas a lógica racista de marginalização, um exemplo é a taxa de desemprego que
está ocupada pela maior parte por negros, vítimas de homicídio que também são a
grande maioria afrodescendente ou até quando o assunto é a população carcerária do
país em que 60% dela são compostas por negros ou pardos, com o detalhe tem-se
comprovado a taxa de 83% de erro no reconhecimento fotográfico brasileiro, para
condenações de pessoas negras23.

1 AFONSO, Nathália. Dia da Consciência Negra: números expõem desigualdade racial no Brasil. FOLHA
DE SÃO PAULO, Rio de Janeiro, 20 nov. 2019. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/11/20/consciencia-negra-numeros-brasil/>. Acesso em:
25/03/2021.
2 PORTAL GELEDÉS. 83% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico no Brasil são
negros. Disponível em: <www.geledes.org.br/83-dos-presos-injustamente-por-reconhecimento-
fotografico-no-brasil-sao-negros/>. Acesso em: 25/03/2021.
11

A sociedade massacra e exclui corpos negros, que estrategicamente não foram


se quer desejados para assumir ou ocupar qualquer lugar que pertencesse os corpos
brancos que o fazem com a maior naturalidade desde o descobrimento do país. Esse
lugar deveria ser de direitos e igualdades comum a todos, mas ainda não acontece.
Nos capítulos a seguir abordaremos o começo da história, quando o Brasil
estava sendo descoberto, o período da escravidão e após. Quais as consequências
disso mesmo apagando cada resquício de cultura do africano, que precisou se
reinventar para permanecer aqui.
Junto deles vieram à influência na música em especial no samba, na língua
falada e escrita, na dança, na culinária, valores sociais, representações míticas, nas
concepções religiosas, nas artes e por todo canto se tem um toque afro devido a
tamanha miscigenação.
Haverá a apresentação das características das religiões de matrizes africanas, o
modo como se formaram, onde se localizam e como se tornaram até patrimônio cultural
negro no país.
Também será abordado os caminhos que a Constituição Federal brasileira traçou
para proteger as liberdades de culto e de religião, que são direitos fundamentais
mesmo com o Estado sendo laico e com muitas polêmicas acerca das religiões de
matrizes africanas.
As intolerâncias por trás de tudo que envolve o afro, principalmente daqueles que
não fazem questão de ir atrás de conhecimento e julgam sem pelo menos conhecer. E
por fim as formas de africanização da religião afro-brasileira.

3 MIGALHAS. Negros são vítimas de condenações que tem foto como prova, afirma juiz: Projeto
"Justiça para os inocentes" da OAB/RJ mostra que 70% dos acusados injustamente por falhas no
reconhecimento fotográfico são negros. Disponível em: <www.migalhas.com.br/quentes/336217/negrps-
sao-vitimas-de-condenacoes-que-tem-foto-como-prova--afirma-juiz>. Acesso em: 25/03/2021.
12

2. LIBERDADE DE RELIGIÃO ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL

2.1 LIBERDADE DE RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: LIBERDADE DE


CULTO E DE MANIFESTAÇÃO RELIGIOSA

O episódio religioso, na antiguidade, era imposto socialmente de maneira


positiva e na época, era dividido em duas vertentes, a teocracia que o elemento
religioso sobressaia sobre o político e o cesarismo que era o oposto do significado da
teocracia, em que o elemento político predominava sobre o religioso. Essas
características identificavam o que era fundamental no mundo anterior a predominância
cristã4.
O poder nessas esferas era o que ditava e afirmava os direitos que
predominariam em certos momentos. Primeiramente há o momento hierocrático, que a
Igreja esteve frente ao Estado. Nesse período a Igreja tinha o único objetivo de atingir a
verdade objetiva, pelo meio teológico, submetendo o direito a concepções específicas
desse ramo. Os doutrinários como Santo Agostinho e Tomás de Aquino, afirmavam e
centralizavam suas concepções na salvação do poder espiritual. Quem se opusesse a
Igreja seria punido opressivamente pelo poder estatal, uma vez que todos deviam
obediência, aquele que era representante de Deus na terra, neste caso o Papa 5.
Posteriormente com a reforma protestante, tem-se o momento regalista, em que
a Igreja católica perde seu posto único, sobressaindo assim as vontades estatais frente
a religião. A partir dai dá-se o fim da idade média, desencadeando guerras religiosas e
também o questionamento acerca da tolerância religiosa e a liberdade individual de
escolha de religião, que foram conquistadas aos poucos. Logo a maneira de solucionar
essa batalha religiosa, sobre qual seria a religião que deveria prevalecer, se a católica
ou a protestante, foi solucionada de acordo com as disposições do direito privado. Cada
reino era guiado pelos interesses próprios e particulares de cada rei, que

4 WEINGARTNER, Jayme. Liberdade Religiosa na Constituição. São Paulo: Livraria do Advogado,


2007. p. 27.
5 Ibid., p. 28-29.
13

consequentemente escolhiam a religião que se identificavam, sendo assim, seus


seguidores se submeteriam6.
Com o passar do tempo e de forma lenta, o respeito pelo ser humano foi
contemplado, mais especificamente em relação à liberdade de religião com a
separação do Estado/Igreja. Este momento ficou conhecido como constitucional, onde
em 1791 em solo americano, com a Constituição Americana Bill of Rights,
reconheceram e introduziram nas primeiras de suas dez emendas, a tão esperada
alteração estrutural referente a liberdade de religião, convivência religiosa e exercício
da religião, pautadas em elementos liberais7.
Num mundo atual, diversificado e enigmático, houve a dificuldade da existência
de valores comuns que mantivessem a sociedade unida. A unicidade religiosa já não se
encaixava mais para assegurar essa tão desejada união social, mesmo com a
contradição de que o principal e o mais importante coeficiente cultural era a própria
religião.
Muitos sociólogos acreditavam que as religiões desempenhariam um papel
insignificante e não conseguiriam sobreviver ao século XX, mas não contavam com as
ressurreições sociais em massa das mesmas, que prevaleceram como identidade
cultural, reformulando pensamentos, comportamentos e o cotidiano das pessoas,
reacomodando a razão e a fé. É importante destacar que este novo cenário, precisa
muito da atuação pública, para resguardar, reconhecer e operar seus preceitos
democráticos quando houver o litígio ou desafios que possam testar seus extremos 8.
No Brasil, a liberdade religiosa que possui um significado jurídico complexo, se
deu com a Constituição Federal de 1988. Em seu Título II, no seu artigo 5º, incisos VI,
VII e VIII elenca os direitos e garantias fundamentais, entre elas a liberdade de
consciência e a de crença, livre exercício de culto com a proteção adequada para os
quais e a não privação de direitos por motivo de crenças religiosas. Ademais em seu
título III enumera que a organização dos Estados, vedando a relação direta dos
mesmos no funcionamento de cultos, igrejas ou até mesmo aliança com eles. No seu

6 WEINGARTNER, 2007. p. 31-32.


7 Ibid., p. 31-33.
8 Ibid., p. 36-41.
14

Título V, relaciona o serviço alternativo às forças armadas, decorrente de crença


religiosa. Já no sistema tributário, em seu Título VI é especificado as limitações do
poder de tributar templos de qualquer culto, ou seja, esses locais não contribuem para
com os impostos estatais. Referente a ordem social, no Título VIII, cataloga a previsão
de ensino religioso de matrícula facultativa nas escolas. Vejamos:

Dessa forma, a escola não poderá reprovar aluno pelo fato de não frequentar a
aula de ensino religioso, já que este será de matrícula facultativa e, a nosso ver,
mui-to embora o texto fale apenas em “escola pública”, em razão da natureza
do ensino, entendemos que essa interpretação também poderá ser aplicada às
particulares.9

A liberdade religiosa propriamente dita possui duas dimensões, o direito subjetivo


que engloba direitos individuais de brasileiros e estrangeiros (sendo menores ou
incapazes inclusos) associado ao direito das pessoas jurídicas, titulado pelas igrejas.
Esse primeiro direito possui a função individual de ligar-se ao seu reconhecimento
social, se vinculando também aos valores fundamentais desta. Além disso, também
cataloga o vetor objetivo que se divide em princípios, deveres de proteção e garantias
institucionais10.
Já o segundo direito, possui ao encargo de legitimar as delimitações aos direitos
subjetivos, com base no interesse comunitário, contribuindo assim também para a
limitação do conteúdo e do alcance dos direitos fundamentais. Vale ressaltar que a
liberdade dita acima, não se confunde com a liberdade de consciência que é a
autonomia de escolher ter ou não religião, é uma das faces da liberdade de
pensamento, implicando escolhas individuais de acordo com seus valores e condutas
morais e muito menos com a liberdade de expressão que abrange tudo que transparece
na vida própria da pessoa, incluindo ideias, crenças, convicções, opiniões, sentimentos,
atos de vontade, englobando todas as liberdades comunicativas em sentido amplo 11.
É essencial que a liberdade religiosa em seus dois vetores, seja protegida pelo
Estado de acordo com a interpretação e aplicação constitucional. Uma vez que a
eficácia estatal é efetivada, esse direito religioso tem o zelo de possíveis agressões de

9 WEINGARTNER, 2007. p. 60-62.


10 Ibid., p. 63-69.
11 Ibid., 81-86.
15

particulares e também contra o poder publico. O foco é sempre entorno da Constituição


Federal que protege instituições essenciais para a vida em comunidade12.
Quando há referências à liberdade religiosa, adentra-se no assunto religião, que
é uma veneração de uma divindade sobrenatural, onde há uma dependência emocional
grande em relação aos seus poderes que podem trazer a esperada felicidade ou motivo
para continuar em alguma situação difícil. Dentro desse âmbito, não há a necessidade
de determinar características específicas ou necessárias, para que se tenha a definição
correta da religiosidade do que se crê 13.
Ainda quando elencamos a liberdade religiosa, temos na sua vertente subjetiva o
direito individual de liberdade de crença ou não (ateísmo, que começa quando se
esgota a religião), em algo superior, como culto e também privacidade religiosa. Todos
esses direitos individuais ditos, possuem proteção constitucional, inclusive o ateísmo,
uma vez que acentua essa escolha de crença religiosa (artigo 5º, inciso VI – liberdade
de consciência)14.
Partindo dessa interpretação, de acordo com José Afonso da Silva:

na liberdade de crença entra a liberdade de escolha da religião, a liberdade de


aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião,
mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim
como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o
agnosticismo.15

A palavra crença tem um significado grandioso, pois é tratada como um direito


absoluto o que difere de uma simples conduta. Essa liberdade é íntima, precisando ser
respeitada e zelada pelo Estado, que não pode se posicionar sobre.
Outro direito visto como fundamental é a liberdade de divulgação das crenças, de
poder demonstrar e disseminar a fé, o que se crê. Para muitas religiões, as atitudes de
um proselitista, seja para converter novos adeptos, propagar a própria religião ou até
enaltecê-la é deveras importante ou até mesmo encarado como uma necessidade
indispensável. É fundamental, que o proselitismo ocorra de uma forma que o próximo

12 WEINGARTNER, 2007. p. 69-70


13 Ibid., p. 96-106
14 Ibid., p. 113-115
15 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição, 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.
94 apud LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 1219.
16

unido a seus direitos expressos na Constituição Federativa, não sejam prejudicados ou


reprimidos de maneira alguma e caso sejam, teriam a tutela em âmbito penal
criminalizando o ato e os protegendo 16.
Assinala-se uma problemática acerca do proselitismo no Brasil, pois a maioria
dos brasileiros é praticante do catolicismo, religião oficial na época do Império, que vai
sendo lentamente danificada por outras denominações cristãs. É um conflito da religião
dominante, no caso as que estão se sobressaindo que são os protestantes clássicos e
neopentecostais, com os setores que não possuem religião ou até mesmo com as
religiões afro-brasileiras diretamente17.
A liberdade religiosa em sentido amplo sendo um direito fundamental insere e
compreende também a liberdade de culto como um direito essencial e inevitável para a
religião, explícito no artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso VI. Outrossim, por
ser direito básico dos cidadãos, possui a proteção no que se refere ao exercício dos
atos de cultuar, assim também funciona da mesma maneira com os locais que ocorrem
suas liturgias, desde que se enquadrem em comportamentos razoáveis qualificados
constitucionalmente. Exemplos de maneiras aceitáveis são: orações, meditações, jejum,
assistências religiosas comunitárias (artigo 41, inciso VII da lei nº 7210/84) feitas em
estabelecimentos penais, casas de internação de menores (artigo 144 inciso IV da lei nº
8069/1990), abrigos e outros18.
Essas assistências religiosas possuem uma importância relevante para que
aqueles que se encontram tanto no sistema de saúde (lei nº 9982/2000 com base no
artigo 5º, VII da Constituição Federal de 1988) como no sistema carcerário. A presença
dessas traz a leveza e a esperança para que as pessoas encararem a situação que
permanecem de uma forma melhor, logo é extremamente respeitado, com local
apropriado e também visto como o direito daquele, que possui a vontade própria de
filiar-se ou se apegar a determinada religião19.
As procissões, reuniões e manifestações fazem parte do direito a liberdade de
reunião e associação que constam no artigo 5º, incisos XVI, XVII da Constituição. Elas

16 WEINGARTNER, 2007. p. 116-117.


17 Ibid., p. 117-122.
18 Ibid., p. 126-128.
19 Ibid., p. 147-150.
17

podem ocorrer desde que cumpram com as regras do programa normativo geral,
ocorrendo pacificamente, sem armas, em lugares abertos com autorização ou não,
desde que seja com fins lícitos. A privacidade em matéria religiosa também é
constitucionalmente protegida no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal 20.
Vale a pena destacar que o Estado por ser laico, ou seja, não adotar nenhuma
posição sobre religiões, sendo também indiferente com relação às confissões religiosas
deve ser manter neutro, aplicando o princípio da impessoalidade da administração
pública. Apesar de não se posicionar com as religiões, está atento aos limites tolerados
dessas organizações religiosas. Discorrer e escolher determinadas posições religiosas,
diz respeito apenas aos cidadãos que devem ser amparados com proteções contra
abusos e garantias institucionais que são tarefas estatais 21.
A título de exemplo, elenca-se a deliberação do Supremo Tribunal Federal, que
por maioria acolheu a procedência ao pedido de inconstitucionalidade, referente ao
artigo 91, parágrafo 12, da Constituição do Rio de Janeiro, que designava um Pastor
Evangélico para atuar nas Corporações Militares daquele estado 22. O caso em tese
ofende diretamente a liberdade religiosa, daqueles que não cultuam a religião exigida,
por isso é primordial que tá liberdade seja zelada, vejamos:

DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


ART. 91, §12, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
DESIGNAÇÃO DE PASTOR EVANGÉLICO PARA ATUAR NAS
CORPORAÇÕES MILITARES DAQUELE ESTADO. OFENSA À LIBERDADE
DE RELIGIOSA. REGRA DA NEUTRALIDADE. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A
regra de neutralidade do Estado não se confunde com a imposição de uma
visão secular, mas consubstancia o respeito e a igual consideração que o
Estado deve assegurar a todos dentro de uma realidade multicultural.
Precedentes. 2. O direito à liberdade de religião, como expectativa normativa de
um princípio da laicidade, obsta que razões religiosas sejam utilizadas como
fonte de justificação de práticas institucionais e exige de todos os cidadãos, os
que professam crenças teístas, os não teístas e os ateístas, processos
complementares de aprendizado a partir da diferença. 3. O direito dos militares
à assistência religiosa exige que o Estado se abstenha de qualquer predileção,
sob pena de ofensa ao art. 19, I, da CRFB. Norma estadual que demonstra
predileção por determinada orientação religiosa em detrimento daquelas
inerentes aos demais grupos é incompatível com a regra constitucional de

20 WEINGARTNER, 2007. p. 148-150.


21 Ibid., p. 205-208.
22 Ibid., p. 210-211.
18

neutralidade e com o direito à liberdade de religião. 4. Ação Direta de


Inconstitucionalidade julgada procedente.23

Quando discernido nessa direção não-confessional, é delineado o princípio da


separação do Estado que é imparcial em função do fenômeno religioso. A intenção
estatal sendo laico é edificar um espaço genuíno e evidente para o campo da religião,
onde ela possa livremente se organizar e planejar seus cultos, na mesma medida em
também que possa ser livre e distante de qualquer discriminação 24.
Apesar de possuírem garantias dadas pela constituição, a liberdade religiosa não
é um direito absoluto, são limitadas por extensões da mesma ordem pública, por meio
de leis e regulamentos policiais, que tanto em âmbito de leis penais e de liberdades
taxadas como direitos fundamentais do próximo ou liberdades públicas não podem ser
infringidas. Logo não pode haver nenhuma intervenção ou qualquer perturbação ilegal
em atos destinados a execução de cultos de caráter religioso, por não trazerem ameaça
grave a ordem pública, caso contrário, os entes poderão tomar as medidas necessárias.
Um dos exemplos que pode ser mencionado é a existência do conflito entre
liberdade religiosa e direito ambiental. A ocorrência pode se dar pelo sacrifício de
animais ou pela propagação excessiva sonora de cultos modernos, que ultrapassam
40/50 decibéis impostos pela ABNT, prejudicando o equilíbrio do meio ambiente,
comprimindo assim o direito a liberdade de culto.
As medidas que vêm sendo tomadas com iniciativa da Promotoria de Justiça,
parte do princípio de iniciativas por meio de projetos, para que haja a contenção
acústica junto à regulação dos horários para que as práticas religiosas ocorram, desde
que fixados diante dos limites da legislação ambiental, evitando assim a poluição
sonora. Em casos mais extremos, o uso do poder de polícia é valido, acompanhado da
possibilidade de ajuizamento de uma ação civil pública.

23 BRASIL16. Supremo Tribunal Federal. DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 91, §12, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
DESIGNAÇÃO DE PASTOR EVANGÉLICO PARA ATUAR NAS CORPORAÇÕES MILITARES
DAQUELE ESTADO. OFENSA À LIBERDADE DE RELIGIOSA. REGRA DA NEUTRALIDADE.
PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. ADI n° 3478 – Ação Direita de Inconstitucionalidade. Relator: Ministro Edson
Fachin. Brasília. 20 de dezembro de 2019. Disponível em:
<http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000281924&amp;base=baseAcordaos>.
Acesso em: 19/04/2020.
24 WEINGARTNER, 2007. p. 220-221.
19

Além disso, o que também pode ser mencionado é o problema religioso


testamentário, que se apresenta no direito sucessório. De acordo com o Capítulo VI do
Código Civil, no seu artigo 1897 e seguintes, contém as disposições testamentárias
onde é detalhado para quem irá certo patrimônio de alguém, após a sua morte 25.
Essas hipóteses cabem ao herdeiro, legatário ou para certo fim, motivo ou modo,
em virtude de lei ou testamento. Nota-se que impor condição ou imposição específica
dentro de um testamento, para que o usufruto do mesmo se concretize não é cabível,
hipótese esta que pode ser contestada por invalidez. As condições possíveis são
encontradas nos artigos 122 e 123 do Código Civil, isso desde que sejam a favor da lei,
também da ordem pública e dos bons costumes. Caso não sejam obedecidas, as
especificações necessárias, a consequência imediata é a nulidade 26.

2.2 RELIGIÃO SEGUNDO O STF

Levando em consideração que o Brasil é um país laico desde 1890 através do


Decreto 119-A, ou seja, neutro referente à religião e posicionamentos sobre a mesma, é
de grande validade o reconhecimento positivo de inúmeros dispositivos que ampararam
a liberdade religiosa. Apesar disso, quando espreitado os limites e as controversas em
torno do assunto, são encontrados alguns pontos enigmáticos 27.
Um desses tópicos é referente ao ensino religioso nas escolas públicas de
ensino fundamental. Acerca do assunto é necessário o enfoque inicial no artigo 210,
parágrafo 1º da Constituição Federal28, que alude a matrícula facultativa para ensino
religioso, dentro dos horários normais, nessas instituições. A lei nº 9.394/96 regula a
matéria dispondo no seu artigo 3329, podendo o ensino acerca da religião, ser parte
integrante da formação básica escolar, desde que respeitando a diversidade cultural
brasileira, vedando qualquer proselitismo.

25 BRASIL13. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:


<www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 25/03/2021.
26 Ibid. Acesso em: 25/03/2021.
27 WEINGARTNER, 2007. p. 252.
28 BRASIL2. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 19/04/2020.
29 Ibid. Acesso em: 19/04/2020.
20

Por conseguinte é destinada aos educandos a partir de duas modalidades:


confessional conduzida a própria opção religiosa do aluno, a cargo do envio de um
professor credenciado diretamente da entidade da sua confissão ou interconfessional a
partir de acordo entre diversas entidades religiosas, ou seja, as aulas ministradas
seriam referentes a valores e características de algumas religiões 30.
Neste sentido, versa a decisão jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal
sobre o ensino religioso, esta que foi apertada de seis votos a cinco votos, em que
houve a rejeição do pedido que apresentaria um apanhado geral sobre todas as
religiões, além de não possuir um professor ou doutrinador representante de nenhum
credo. Logo a deliberação foi clara, no sentido que aqueles que fossem passar o
conhecimento nas escolas, no ensino fundamental, poderiam promover suas próprias
crenças, se não vejamos a ementa abaixo:

ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS. CONTEÚDO


CONFESSIONAL E MATRÍCULA FACULTATIVA. RESPEITO AO BINÔMIO
LAICIDADE DO ESTADO/LIBERDADE RELIGIOSA. IGUALDADE DE ACESSO
E TRATAMENTO A TODAS AS CONFISSÕES RELIGIOSAS. CONFORMIDADE
COM ART. 210, §1°, DO TEXTO CONSTITUCIONAL.
CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 33, CAPUT E §§ 1º E 2º, DA LEI DE
DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL E DO ESTATUTO
JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL PROMULGADO PELO
DECRETO 7.107/2010. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. 1. A
relação entre o Estado e as religiões, histórica, jurídica e culturalmente, é um
dos mais importantes temas estruturais do Estado. A interpretação da Carta
Magna brasileira, que, mantendo a nossa tradição republicana de ampla
liberdade religiosa, consagrou a inviolabilidade de crença e cultos religiosos,
deve ser realizada em sua dupla acepção: (a) proteger o indivíduo e as diversas
confissões religiosas de quaisquer intervenções ou mandamentos estatais; (b)
assegurar a laicidade do Estado, prevendo total liberdade de atuação estatal
em relação aos dogmas e princípios religiosos. 2. A interdependência e
complementariedade das noções de Estado Laico e Liberdade de Crença e de
Culto são premissas básicas para a interpretação do ensino religioso de
matrícula facultativa previsto na Constituição Federal, pois a matéria alcança a
própria liberdade de expressão de pensamento sob a luz da tolerância e
diversidade de opiniões. 3. A liberdade de expressão constitui um dos
fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não
somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou
favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência,
inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração
do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da
tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo. 4. A singularidade da
previsão constitucional de ensino religioso, de matrícula facultativa, observado o
binômio Laicidade do Estado (CF, art. 19, I)/Consagração da Liberdade religiosa

30 WEINGARTNER, 2007. p. 242-266.


21

(CF, art. 5º, VI), implica regulamentação integral do cumprimento do preceito


constitucional previsto no artigo 210, §1º, autorizando à rede pública o
oferecimento, em igualdade de condições (CF, art. 5º, caput), de ensino
confessional das diversas crenças. 5. A Constituição Federal garante aos
alunos, que expressa e voluntariamente se matriculem, o pleno exercício de seu
direito subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental, ministrada de acordo com os
princípios de sua confissão religiosa e baseada nos dogmas da fé,
inconfundível com outros ramos do conhecimento científico, como história,
filosofia ou ciência das religiões. 6. O binômio Laicidade do
Estado/Consagração da Liberdade religiosa está presente na medida em que o
texto constitucional (a) expressamente garante a voluntariedade da matrícula
para o ensino religioso, consagrando, inclusive o dever do Estado de absoluto
respeito aos agnósticos e ateus; (b) implicitamente impede que o Poder Público
crie de modo artificial seu próprio ensino religioso, com um determinado
conteúdo estatal para a disciplina; bem como proíbe o favorecimento ou
hierarquização de interpretações bíblicas e religiosas de um ou mais grupos em
detrimento dos demais. 7. Ação direta julgada improcedente, declarando-se a
constitucionalidade dos artigos 33, caput e §§ 1º e 2º, da Lei 9.394/1996, e do
art. 11, § 1º, do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a
Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, e afirmando-
se a constitucionalidade do ensino religioso confessional como disciplina
facultativa dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. 31

Nessa mesma direção, ainda versando sobre ensino, o Centro de Educação


Religiosa Judaica com mais alguns alunos, ajuizaram uma ação ordinária, com o intuito
de haver a possibilidade de reagendar outra data para a realização do exame ENEM. O
pedido se originou, porque coincide com o Shabat, o dia de descanso do judaísmo,
sendo o sétimo dia da semana, considerado como sagrado. O recurso foi negado por
não poder favorecer certo grupo religioso em face dos demais. Ainda foi salientado por
Gilmar Mendes, que a prova possui a opção de “atendimento a necessidades
especiais”, que inclui, por exemplo, a realização da prova para os adventistas após o
pôr do sol, o que poderia incluir os judeus e apaziguar os conflitos de interesses, ou em
casos mais específicos como reclusões em hospitais ou presídios. Por fim o presidente

31 BRASIL18. Supremo Tribunal Federal. ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS.


CONTEÚDO CONFESSIONAL E MATRÍCULA FACULTATIVA. RESPEITO AO BINÔMIO LAICIDADE
DO ESTADO/LIBERDADE RELIGIOSA. IGUALDADE DE ACESSO E TRATAMENTO A TODAS AS
CONFISSÕES RELIGIOSAS. CONFORMIDADE COM ART. 210, §1°, DO TEXTO CONSTITUCIONAL.
CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 33, CAPUT E §§ 1º E 2º, DA LEI DE DIRETRIZES E BASES
DA EDUCAÇÃO NACIONAL E DO ESTATUTO JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL
PROMULGADO PELO DECRETO 7.107/2010. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. ADI n°
4439 – Ação Direita de Insconstitucionalidade. Relator: Ministro Roberto Barroso. Brasília, 27 de
setembro de 2017. Disponível em:
<http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000278398&amp;base=baseAcordaos>.
Acesso em: 19 abr. 2020.
22

do Supremo Tribunal Federal salientou em sua decisão que se houvesse a tal fixação a
neutralidade estatal ficaria em jogo por não favorecer a todos. Baseado nos fatos
acima, temos a decisão:

Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. 2. Pedido de


restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a
participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) em data alternativa ao Shabat. 3. Alegação de inobservância ao direito
fundamental de liberdade religiosa e ao direito à educação. 4. Medida
acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídico-administrativa. 5. Em
mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data alternativa
para a realização dos exames não se revela em sintonia com o princípio da
isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso 6.
Decisão da Presidência, proferida em sede de contra cautela, sob a ótica dos
riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à ordem pública 7.
Pendência de julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 391 e
nº 3.714, nas quais este Corte poderá analisar o tema com maior profundidade.
8. Agravo Regimental conhecido e não provido. 32

Outro ponto embasado é sobre o ritual que envolve o sacrifício de animais em


religiões de matrizes africanas. Com base no discurso histórico, a prática referida é
afirmada a partir de sacrifícios de animais a entidades, substituídos hoje por oferendas,
foi prática comum utilizada pelas civilizações pré-colombianas (incas e astecas).
Partindo dessa iniciativa, nota-se que há a existência de um conflito entre liberdade
religiosa que não é vista como algo cruel do ponto de vista cultural e popular, outro
exemplo seriam os rodeios ou a antiga farra boi e direito ambiental que é intrínseco,
agindo em defesa daqueles que não respondem por si mesmo 33.
À vista disso, há uma posição jurisprudencial impetrada no Rio Grande do Sul,
determinada pelo STF, que conclui por unanimidade a constitucionalidade da lei de

32 BRASIL14. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. 2.


Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a
participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em data
alternativa ao Shabat. 3. Alegação de inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e
ao direito à educação. 4. Medida acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídico-
administrativa. 5. Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data
alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o princípio da isonomia,
convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso 6. Decisão da Presidência,
proferida em sede de contra cautela, sob a ótica dos riscos que a tutela antecipada é capaz de
acarretar à ordem pública 7. Pendência de julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade
nº 391 e nº 3.714, nas quais este Corte poderá analisar o tema com maior profundidade. 8. Agravo
Regimental conhecido e não provido. STA 389 MG, Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, 03 de
dezembro de 2009.
33 WEINGARTNER, 2007. p. 279-281.
23

proteção animal, que resguarda a liberdade de religião, permitindo o sacrifício no ritual


de animais em cultos de religiões de matriz africana.
O ministro Luís Roberto Barroso argumentou que as religiões de matrizes
africanas acreditam que apenas sem o sofrimento no momento da morte, é possível a
comunicação entre os mundos ou seja, não praticam tortura nem maus-tratos. Além
disso não há desperdiço do alimento ofertado, que é oferecido a famílias menos
abastadas em torno dos terreiros, sem contar que o fim é direcionada a liberdade
religiosa e não a algum entretenimento. A ministra Rosa Weber, também nesse sentido,
assinala que as religiões de matrizes africanas, estão diretamente relacionadas a
intolerância, ao preconceito como um todo e por serem estigmatizadas em seus rituais

DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM


REPERCUSSÃO GERAL. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. LIBERDADE
RELIGIOSA. LEI 11.915/2003 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
NORMA QUE DISPÕE SOBRE O SACRIFÍCIO RITUAL EM CULTOS E
LITURGIAS DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA. COMPETÊNCIA
CONCORRENTE DOS ESTADOS PARA LEGISLAR SOBRE FLORESTAS,
CAÇA, PESCA, FAUNA, CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, DEFESA DO SOLO
E DOS RECURSOS NATURAIS, PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E
CONTROLE DA POLUIÇÃO. SACRIFÍCIO DE ANIMAIS DE ACORDO COM
PRECEITOS RELIGIOSOS. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Norma estadual que
institui Código de Proteção aos Animais sem dispor sobre hipóteses de
exclusão de crime amoldam-se à competência concorrente dos Estados para
legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa
do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da
poluição (art. 24, VI, da CRFB). 2. A prática e os rituais relacionados ao
sacrifício animal são patrimônio cultural imaterial e constituem os modos de
criar, fazer e viver de diversas comunidades religiosas, particularmente das que
vivenciam a liberdade religiosa a partir de práticas não institucionais. 3. A
dimensão comunitária da liberdade religiosa é digna de proteção constitucional
e não atenta contra o princípio da laicidade. 4. O sentido de laicidade
empregado no texto constitucional destina-se a afastar a invocação de motivos
religiosos no espaço público como justificativa para a imposição de obrigações.
A validade de justificações públicas não é compatível com dogmas religiosos. 5.
A proteção específica dos cultos de religiões de matriz africana é compatível
com o princípio da igualdade, uma vez que sua estigmatização, fruto de um
preconceito estrutural, está a merecer especial atenção do Estado. 6. Tese
fixada: “É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a
liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões
de matriz africana”. 7. Recurso extraordinário a que se nega provimento.34

34 BRASIL17. Supremo Tribunal Federal. DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO


COM REPERCUSSÃO GERAL. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. LIBERDADE RELIGIOSA. LEI
11.915/2003 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. NORMA QUE DISPÕE SOBRE O SACRIFÍCIO
RITUAL EM CULTOS E LITURGIAS DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA. COMPETÊNCIA
CONCORRENTE DOS ESTADOS PARA LEGISLAR SOBRE FLORESTAS, CAÇA, PESCA, FAUNA,
24

Além dos recursos acima, também possui a discussão em torno dos símbolos
religiosos utilizados nas salas de aulas, como exemplo o crucifixo, ou até mesmo o
estresse gerado no mesmo ambiente escolar pelo uso do véu. Referente ao primeiro
atributo, o crucifico podemos atribuí-lo a uma religião em específico, a cristã 35.
Esse objeto do cristianismo é adorado e possui um sentimentalismo religioso
imenso em torno dele, sendo uma expressão essencial de sua convicção pela
libertação do homem do pecado, com a vitória de Cristo sobre o diabo e a morte. Uma
fez fixada a cruz em alguma sala de aula, em qualquer edifício ou local, remeteria ao
reconhecimento sentimental de um símbolo da religião cristã, para os adeptos da
religião.
Porém, é um assunto delicado quando explorado no ambiente estudantil por ser
apelativo, uma vez que os estudantes que ali frequentam, ainda estão em formação e
desenvolvendo, podendo deixar levar e ser influenciados de certa maneira, com relação
as suas capacidades cognitivas, afetivas e emocionais 36.
Ressalta-se, pendurar um crucifixo numa parede, prédio ou exibir a imagem do
mesmo em locais públicos, de modo algum reprime, coage ou limita a liberdade que as
pessoas possuem de se manifestar e de se expressar.
Segue abaixo a conclusão do Conselho Nacional de Justiça sobre o julgamento
dos quatro pedidos de providência (1344, 1345, 1346 e 1362), que questionavam a
presença de crucifixos em dependências de órgãos do Judiciário. Foi indeferido o
pedido, por entenderem que os objetos seriam símbolos da cultura brasileira e que de
maneira alguma iriam interferir na imparcialidade e universalidade do Poder Judiciário.

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – ATOS NOS 3/2013 E


4/2013 DA 1º VICE-PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL – SUSPENSÃO DA DISTRIBUIÇÃO DE
RECURSOS EM AÇÕES INDIVIDUAIS ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DE

CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, DEFESA DO SOLO E DOS RECURSOS NATURAIS, PROTEÇÃO


DO MEIO AMBIENTE E CONTROLE DA POLUIÇÃO. SACRIFÍCIO DE ANIMAIS DE ACORDO COM
PRECEITOS RELIGIOSOS. CONSTITUCIONALIDADE. RE n° 494601. Relator: Ministro Marco Aurélio.
Brasília, 28 de março de 2019. Disponível em:
<http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 19/04/2020.
35 WEINGARTNER, 2007. p. 272-275.
36 Ibid., p. 275-279.
25

AÇÃO COLETIVA COM O MESMO OBJETO – AUSÊNCIA DE PREVISÃO


LEGAL – REVOGAÇÃO – ATO Nº 1/2014 DA PRESIDÊNCIA DO TJRS –
ORIENTAÇÃO DE SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DE PROCESSOS –
CUMPRIMENTO A DECISÃO JUDICIAL DO STJ – RESP Nº1.419.697/RS –
PROCESSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA MULTITUDINÁRIA –
ART. 543-C DO CPC – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE SOBRESTAMENTO
DE TODAS AS AÇÕES EM TRÂMITE, DESDE A ORIGEM – INCOMPETÊNCIA
DO CNJ – ATO DE NATUREZA JURISDICIONAL. 1. O pedido de revogação
dos Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP, da 1ª Vice-Presidência do TJRS perdeu o
objeto, ante a revogação pelo Ato nº 1/2014-1ª.VP, do mesmo órgão. 2. O Ato nº
1/2014-P, da Presidência daquela Corte, tem caráter eminentemente
informativo, orienta os membros do Tribunal a suspenderem o julgamento dos
processos que menciona, em cumprimento à decisão judicial do Eg. STJ no
Recurso Especial nº 1.419.697/RS. 3. Refoge à competência do CNJ o controle
de ato de natureza jurisdicional. 4. Procedimento de Controle Administrativo que
se julga prejudicado, por perda de objeto. 5. Recomendações, de ofício, ao
Tribunal Requerido, quanto ao cumprimento dos novos atos.37

Relacionado a um ponto mais íntimo, catalogam-se os seguidores da religião


Testemunha de Jeová, que possuem características bem marcantes e distintas. Uma
delas é de não se submeterem a transfusões de sangue, por motivos particulares
referente a própria religião, o que vai contra o artigo 146, parágrafo 3º, inciso I do
Código Penal e dispositivos da Resolução nº 1.021/1980 do Conselho Federal de
Medicina. Em seu site oficial explicam:

[...] isso é mais uma questão religiosa do que médica. tanto o Velho como o
Novo testamento claramente nos ordenam a nos abster de sangue (Gênesis
9:4; Levítico 17:10; Deuteronômio 12:23; Atos 15:28, 29). Além disso, para
Deus, o sangue representa a vida. (Levítico 17:14). Então, nós evitamos tomar
sangue por qualquer via não só em obediência a Deus, mas também por
38
respeito a ele como Dador da vida.

37 BRASIL1. Conselho Nacional de Justiça. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO –


ATOS NOS 3/2013 E 4/2013 DA 1º VICE-PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL – SUSPENSÃO DA DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS EM AÇÕES INDIVIDUAIS
ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DE AÇÃO COLETIVA COM O MESMO OBJETO – AUSÊNCIA DE
PREVISÃO LEGAL – REVOGAÇÃO – ATO Nº 1/2014 DA PRESIDÊNCIA DO TJRS – ORIENTAÇÃO
DE SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DE PROCESSOS – CUMPRIMENTO A DECISÃO JUDICIAL DO
STJ – RESP Nº1.419.697/RS –PROCESSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA
MULTITUDINÁRIA – ART. 543-C DO CPC – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE SOBRESTAMENTO DE
TODAS AS AÇÕES EM TRÂMITE, DESDE A ORIGEM – INCOMPETÊNCIA DO CNJ – ATO DE
NATUREZA JURISDICIONAL. PCA n° 0006594-06.2013.2.00.0000. Relatora: Maria Cristina Irigoyen
Peduzzi. Brasília, 08 de abril de 2014. Disponível em:
<www.cnj.jus.br/InfojurisI2/Jurisprudencia.seam?jurisprudenciaIdJuris=47276&amp;indiceListaJurispruden
cia=0&amp;tipoPesquisa=LUCENE&amp;firstResult=0>. Acesso em: 19/04/2020.
38 LENZA, 2010. p. 1222.
26

Foi ajuizado então a ADPF n° 618, pela Procuradoria-Geral da República, com o


objetivo de descumprimento desse preceito fundamental, àqueles capazes e maiores
de idade, com a finalidade de resguardá-los, pois aceitar esse tipo de tratamento os
deixariam impuros e indignos para o ser superior que acreditam. O fato de não aceitar
esse método não implica o desdém pela vida, uma vez que aceitam outros métodos
alternativos, porém caso não seja viável optam pela possibilidade da morte a ir contra
os preceitos religiosos. Diante da importância significativa do caso e da contribuição
social, há várias instituições nas condições de amicus curiae (amigo da corte) a fim de
fornecer mais subsídios as decisões referente a esse caso. O processo continua em
trâmite no Superior Tribunal Federal, sendo que a última movimentação foi na data de
13/03/2020 e está concluso para o relator.
É perceptível também a repercussão em escala internacional relacionada aos
símbolos de religiões, uma vez que afetam a sua dimensão externa. Temos como
exemplar o vestuário da religião islâmica, em específico o véu usado em ambiente
escolar ou instituições superiores de ensino. O desenvolto em torno do assunto é
demonstrado nas jurisprudências do TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos) 39.
Tanto no caso Dahab v. Switzerland (2001) quando no Leyla Sahin v. Turkey
(2004) obtiveram resultados semelhantes. No primeiro ficou entendido pelo tribunal que
o símbolo poderia causar um efeito de proselitismo, por ser um símbolo teológico-
político do Islã e que seu porte teria dificuldades para se reconciliar com a igualdade de
gênero.

Uma professora de escola primária havia sido proibida de usar um lenço


islâmico em sua escola. Retida: A denúncia era inadmissível. O tribunal
reconheceu a margem de apreciação oferecida às autoridades nacionais ao
determinar se essa medida era 'necessária em uma sociedade democrática' e
explicou seu papel: 'A tarefa do Tribunal é determinar se as medidas adotadas
em nível nacional foram justificadas em princípio - isto é, se as razões
apresentadas para justificá-las parecem "relevantes e suficientes" e são
proporcionais ao objetivo legítimo prosseguido. Para se pronunciar sobre este
último ponto, o Tribunal deve ponderar os requisitos de proteção dos direitos e
liberdades de terceiros contra a conduta de que o demandante foi acusado. Ao
exercer a jurisdição de supervisão, o tribunal deve considerar as decisões
judiciais impugnadas no contexto do caso como um todo.
[...]

39 WEINGARTNER, 2007. p. 264-265.


27

liberdade de pensamento, consciência e religião, consagrada no artigo 9 da


Convenção, representa um dos fundamentos de uma' sociedade democrática
na acessão da Convenção. Na sua dimensão religiosa, é um dos elementos
mais vitais que compõem a identidade dos crentes e sua concepção de vida,
mas também é um ativo precioso para ateus, agnósticos, céticos e
despreocupados. Depende disso o pluralismo indissociável de uma sociedade
democrática, conquistada ao longo dos séculos. Embora a liberdade religiosa
seja principalmente uma questão de consciência individual, ela também implica
liberdade para manifestar a própria religião. Dar testemunho em palavras e
ações está relacionado à existência de convicções religiosas.40

Já na segunda hipótese que teve mais repercussão, o resultado foi a favor da


Turquia, concluindo que as ações da Universidade de proibir o uso do estavam de
acordo com a lei turca, além de confrontar a falta de proteção dos direitos femininos
com o uso do mesmo:

O requerente teve acesso negado a exames escritos e a uma palestra na


Universidade de Istambul porque ela estava usando um lenço islâmico. Isso foi
proibido não apenas pelas regras da universidade, mas também pela
Constituição da Turquia. Detido: O Artigo 9 não protege todos os atos
motivados ou inspirados por uma religião ou crença, e "em todos os casos" não
garante o direito de se comportar em público de uma maneira "ditada por uma
crença".O tribunal interpretou 'prescrito por lei' para os fins do artigo 9 (2): '74. O
Tribunal reitera sua jurisprudência estabelecida, segundo a qual as palavras
"prescritas por lei" não apenas exigem que a medida impugnada tenha alguma
base no direito interno, mas também se referem à qualidade da lei em questão,
exigindo que estar acessível à pessoa em causa e previsível quanto aos seus
efeitos (ver, entre muitas outras autoridades, Rotaru / Romênia [GC], nº
28341/95, ss52, ECHR 2000-V)… Além disso, no que diz respeito às palavras
“em conformidade com a lei” e “prescritas por lei” que figuram nos artigos 8 a 11
da Convenção, o Tribunal observa que sempre entendeu o termo "lei" em seu
sentido "substantivo", não em seu sentido "formal"; incluiu tanto 'lei escrita',
abrangendo decretos de classificação inferior aos estatutos (De Wilde, Ooms e
Versyp vs. Bélgica, sentença de 18 de junho de 1971, Série A nº 12, p. 45,
ss93) e medidas regulamentares adotadas por profissionais órgãos sob poderes
independentes de regulamentação delegados a eles pelo parlamento (Barthold
v. Alemanha, sentença de 25 de março de 1985, série A nº 90, p.21, ss46) e lei
não escrita. A lei de juiz é considerada uma fonte válida de direito sob a lei
turca.41

Na França também há indícios de implicações a respeito dos hijâb (véus). No


ano de 1989, foi publicado um Aviso de Conselho de Estado que permitia o uso de
símbolos religiosos nas escolas uma vez que entendia que a utilização deles era uma
forma livre se de manifestarem/expressarem. Alguns anos mais tarde, no ano de 2004,

40 WEINGARTNER, 2007. p. 264-265


41 Ibid., p. 265.
28

a lei nº 228 foi editada proibindo o porte de qualquer coisa que apresentasse uma
adesão a qualquer religião, a fim de que atingisse seu objetivo de ser menos
discriminatória. O véu neste caso, assim como o kippa ou até mesmo o crucifixo,
entraria como um fundamentalismo radical de determinada religião, e pela busca da
neutralidade frente à religião a opção imposta o seria o mais viável 42.
De outro modo, elencando a imunidade tributária, que se encontra no artigo 150
da Constituição Federal, versando sobre a impossibilidade da cobrança de impostos
sobre tempos de qualquer culto, em seu inciso VI, temos a decisão do Supremo
Tribunal Federal classificando a maçonaria, como um ente não religioso. Apesar de a
maçonaria ser religiosa, pois reconhece a existência de um ser supremo que criou o
universo, ela é apenas considerada como uma “ideologia de vida”, não uma religião em
si, como afirmou Ricardo Lewandowski quando rejeitou o pedido de imunidade
tributária. Segue abaixo o recurso:

CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE


TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, C, DA CARTA FEDERAL. NECESSIDADE DE
REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DO STF.
ART. 150, VI, B, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ABRANGÊNCIA DO
TERMO “TEMPLOS DE QUALQUER CULTO”. MAÇONARIA. NÃO
CONFIGURAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE
E, NO QUE CONHECIDO, DESPROVIDO. I – O reconhecimento da imunidade
tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal exige o
cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei. II – Assim, para se chegar-se
à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à
imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto
fático-probatório constante dos autos. Incide, na espécie, o teor da Súmula 279
do STF. Precedentes. III – A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é
restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria,
em cujas lojas não se professa qualquer religião. IV - Recurso extraordinário
parcialmente conhecido, e desprovido na parte conhecida.43

Na mesma direção, existe a decisão do recurso extraordinário que foi acatado


pelo STF (Supremo Tribunal Federal), reconhecendo por maioria de votos a imunidade

42 WEINGARTNER, 2007. p. 265-272.


43 BRASIL15. Supremo Tribunal Federal. CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, C, DA CARTA FEDERAL. NECESSIDADE DE REEXAME DO
CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DO STF. ART. 150, VI, B, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. ABRANGÊNCIA DO TERMO “TEMPLOS DE QUALQUER CULTO”. MAÇONARIA. NÃO
CONFIGURAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE E, NO QUE
CONHECIDO, DESPROVIDO. RE 562351 RS. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília, 04 de
setembro de 2012.
29

tributária, que esta descrita no artigo 150, VI, alíneas “b e c” da Constituição Federal. O
caso em tela buscava o reconhecimento da isenção do pagamento de IPTU, jus pela
imunidade tributária, de vários imóveis que tinham como a atividade fim diretamente
relacionada ao cunho religioso. Destaca-se que os bens que possuem relações diretas
com as instituições religiosas atingem suas finalidades, logo prédios, terrenos e
pertences das instituições alem de servirem como abrigo àqueles que cultuam a
religião, tornam viáveis as suas atividades:

TRIBUTÁRIO - EXECUTIVO FISCAL - EMBARGOS DO DEVEDOR - IPTU -


TEMPLOS RELIGIOSOS - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - CF, ART. 150, VI, B E §
4º - EXTENSÃO AOS BENS QUE SERVEM ÀS FINALIDADES ESSENCIAS
DAS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS - LEI MUNICIPAL - ISENÇÃO
CONDICIONAL - ADCT, ART. 41, § 1º - INAPLICABILIDADE. 1. A imunidade
prevista no art. 150, inc. VI, alínea b, por força do disposto em seu § 4º, alcança
não só os templos religiosos de qualquer culto, como outros bens, rendas e
serviços relacionados com as suas finalidades essenciais. Os bens que
representam o patrimônio ou que dão suporte econômico à atividade religiosa
estão compreendidos na imunidade constitucional. (STF, RE n. 325.822 - Min.
Gilmar Mendes). 2. Lei municipal que concede isenção condicional ou onerosa
não se insere na disposição do § 1º do art. 41 do ADCT da Constituição Federal
vigente (§ 2º do mesmo dispositivo) e a benesse não pode ser livremente
suprimida.44

2.3 PROTEÇÃO A LIBERDADE DE RELIGIÃO E ESTADO LAICO

A relação entre Estado e Religião se molda na laicidade, ou seja, o sistema


estatal não pode intervir nos meios religiosos e também não adota nenhuma religião
como oficial do país. Desta maneira, permite o estabelecimento da ampla liberdade de
crença ou descrença das inúmeras religiões perante a lei, com seus ditames,
fundamentações e direitos45.
No processo em que a religião perdeu a influência primordial e significativa que
tinha sobre várias esferas sociais, conhecida como secularismo, na qual houve a

17
44 BRASIL . Tribunal de Justiça de Santa Catarina. TRIBUTÁRIO - EXECUTIVO FISCAL - EMBARGOS
DO DEVEDOR - IPTU - TEMPLOS RELIGIOSOS - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - CF, ART. 150, VI, B E §
4º - EXTENSÃO AOS BENS QUE SERVEM ÀS FINALIDADES ESSENCIAS DAS INSTITUIÇÕES
RELIGIOSAS - LEI MUNICIPAL - ISENÇÃO CONDICIONAL - ADCT, ART. 41, § 1º -
INAPLICABILIDADE. TJ-SC - AC: 17160 SC 2003.001716-0. Relator: Luiz Cézar Medeiros.
Florianópolis, 19 de maio de 2003.
45 GABRIEL, José Luciano. Liberdade Religiosa e Estado Laico Brasileiro. Rio de Janeiro: Gramma,
2018. p. 11-12.
30

tentativa de extinguir a religião da sociedade, com a finalidade de resolver todos os


problemas que a envolviam. Isso surgiu pelo fato do Estado estabelecer uma divisão
clara e precisa entre Estado e religião, assumindo o posicionamento laico,
compreendendo a religião e suas características como unicamente pessoais,
pertencendo apenas ao campo de cada indivíduo em particular4647.
Porém os objetivos principais da secularização não se concretizaram, a religião
não desapareceu da esfera social. Ela apenas se reconstruiu de uma maneira diferente,
para sobreviver diante do novo cenário, engajando novas formas e jeitos, ou seja, se
redescobrindo48.
Com esse fato, o Estado ficou numa posição intrigante de achar o espaço que a
religião ocuparia, associado as suas condições que autenticariam sua existência. Nesse
momento que surge a posição laica estatal, a fim de assegurar a igualdade jurídica a
todos, sem se posicionar, impor, promover qualquer aspecto religioso, se abstendo do
posicionamento do assunto49.
A laicidade nesse cenário seria o resultado do procedimento de estabelecer um
Estado democrático de direito, dando total autonomia a essas esferas (estatal e
religiosa). Apesar da independência de cada um, ainda se relacionam pela grande
importância que a religião exerce sobre os seres humanos 50.
No Brasil, só após a proclamação da república, no ano de 1889, sucedeu a
divisão de Estado e Igreja. Antes com o Império estabelecido, o país tinha uma religião
oficial, a católica romana, que havia sido imposta desde o seu descobrimento. A partir
da proclamação, a política e a religião não andavam mais juntas, nem possuíam
intimidade demasiada a ponto de se confundirem. O país teria se tornado laico,
permanecendo neutro para com a religião 51.
As rotulações de relacionamento estatal e religioso se encaixam em três
categorias. Na primeira ocasião elas se confundem sendo Estados completamente

46 GABRIEL, 2018. p. 12-13.


47 DICIONÁRIO INFORMAL. Significado de Securalização. Disponível em:
<www.dicionarioinformal.com.br/seculariza%C3%A7%C3%A3o/>. Acesso em: 29/04/2020.
48 GABRIEL, op. cit, p. 13.
49 Ibid., p. 13-14.
50 Ibid., p. 14.
51 Ibid., p. 14-15.
31

teocráticos. Na segunda podemos citar como exemplo o Brasil na época do Império,


onde havia uma união sólida entre os órgãos e submissão significativa da igreja na
organização e funcionamento da sociedade. Por último temos a cisão que é o caso
atual do Brasil, em que o estado possui uma posição neutra referente a temas
religiosos, mas não significa que ele seja ateu, sem crença alguma divindade, nem que
ele não professe nenhuma região52.

A Conclusão a que se chega, pois, é a de que as normas que consubstanciam


em dado ordenamento constitucional, o regime de separação, possuem
finalidade especifica, consistente em assegurar que o principio da liberdade
religiosa não seja ofendido em razão da interferência do Estado em matéria de
fé (e nem em decorrência da ilegítima intromissão dos movimentos religiosos
em assuntos tipicamente estatais), pois se não há plena liberdade religiosa
quando o Estado se imiscui na seara espiritual, então é preciso estabelecer
uma clausula constitucional de garantia que, ao vedar esse comportamento
estatal, confira um manto de proteção àquela liberdade fundamental.53

A consolidação brasileira referente à separação foi pelo decreto 119-A,


promulgado em 1890. Nesse decreto há a proibição do Estado em matéria religiosa,
estabelecendo a plena liberdade de culto, adquirindo o status de fundamento a ser
seguido por todos (Estado, sociedade, religiões, indivíduos)5455.
Segue em anexo o decreto mencionado:

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da


Republica dos Estados Unidos do Brasil, constituido pelo Exercito e Armada,
em nome da Nação, DECRETA:
Art. 1º E' prohibido á autoridade federal, assim como á dos Estados federados,
expedir leis, regulamentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma
religião, ou vedando-a, e crear differenças entre os habitantes do paiz, ou nos
serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões
philosophicas ou religiosas.

52 GABRIEL, 2018. p. 16-17.


53 PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. O respeito, pelo poder publico, aos dias de guarda religiosa: a
realização de exames de vestibular, concursos públicos e provas escolares em dias sagrados de
descanso e orações. in MAZZUOLI, Valério de Oliveira; SORIANO, Aldir Guedes (coords). Direito a
liberdade religiosa: desafios e perspectivas para o século XXI. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 276. apud
GABRIEL, 2018. p. 16-17.
54 Ibid., p. 17-18.
55 BRASIL3. Decreto Nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890. Prohibe a intervenção da autoridade federal e
dos Estados federados em materia religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e
estabelece outras providencias. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D119-
A.htm>. Acesso em: 29/04/2020.
32

Art. 2º a todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de


exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas
nos actos particulares ou publicos, que interessem o exercicio deste decreto.
Art. 3º A liberdade aqui instituida abrange não só os individuos nos actos
individuaes, sinão tabem as igrejas, associações e institutos em que se
acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituirem e
viverem collectivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem
intervenção do poder publico.
Art. 4º Fica extincto o padroado com todas as suas instituições, recursos e
prerogativas.
Art. 5º A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade
juridica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas
leis concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o
dominio de seus haveres actuaes, bem como dos seus edificios de culto.
Art. 6º O Governo Federal continúa a prover á congrua, sustentação dos
actuaes serventuarios do culto catholico e subvencionará por anno as cadeiras
dos seminarios; ficando livre a cada Estado o arbitrio de manter os futuros
ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos
antecedentes.
Art. 7º Revogam-se as disposições em contrario.56

O desfecho segue na direção de que o nascimento da republica federativa


brasileira foi desencadeada pela identidade laica prezando a isonomia e a liberdade
para religião. Cabe salientar que a Constituição atual, promulgada em 1988, manteve
os princípios que garantem a laicidade estatal conforme estabelece o artigo 19, inciso I:

Art. 19 É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:


I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público.57

E também continuou assegurando as liberdades religiosas, segundo o artigo 5º,


incisos VI, VII e VII da mesma Constituição:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[…]
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias;

56 BRASIL3. Acesso em: 29/04/2020.


57 BRASIL2. Acesso em: 29/04/2020.
33

VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas


entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação
legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em
58
lei.

Uma distinção importante a se fazer é acerca de laicidade que é “uma


característica de quem é laico”, ou seja, normalmente um país/Federação que é neutro
em matéria religiosa, garantindo o livre exercício de diversas religiões, as assegurando
por meio de garantias constitucionais, para obter uma sociedade equitativa e
harmônica, não implicando essa qualidade as pessoas. E o laicismo, que seria uma
posição contraria a liberdade religiosa, sendo assim intolerante a religião, tendo uma
visão negativa, se aproximando do ateísmo e agnosticismo 596061
Ainda, versando sobre liberdade religiosa, como preceito fundamental, afirma-se
a importância acerca de um dos conceitos que andam em harmonia com ela,
complementando-a. Este conceito é o princípio da dignidade humana, sendo um dos
fundamentos constitucionais, e a partir dele vincula todo o ordenamento jurídico. Ele
esta elencado no artigo 1º da Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana.62

Logo, quando lesionam o principio da liberdade religiosa, atingem diretamente o


principio da dignidade humana, visto que a religião faz parte da intimidade da vida dos
seres humanos, sendo uma forma de expressarem o âmago. Por ser absoluta como
direito/garantia constitucional a liberdade religiosa não deve ser interpretada
isoladamente, pois exercer essa garantia não significa refletir que os seus valores se
sobressaiam sobre outros que possam ser confrontados. Quando esse confronto direto
ocorre, são utilizadas metodologias com base no principio da proporcionalidade e a

58 BRASIL2. Acesso em: 29/04/2020.


59 GABRIEL, 2018. p. 20.
60 Ibid., p. 12-13.
61 DICIONÁRIO INFORMAL. Acesso em: 29/04/2020.
62 BRASIL2, op. cit. Acesso em: 29/04/2020.
34

ponderação, capazes de auxiliar chegando a soluções justas. Aqui o foco e


salvaguardar o máximo a essência de cada principio em choque 63.

Não haverá exercício adequado do direito se houver ferimento ao principio


fundamental, especialmente porque sabe que há muito tempo já não goza de
prestígio no seio da ciência do direito a ideia segundo a qual podem ser
encontrados direitos de cunho absoluto; pelo contrario, existem, sempre, limites
imanentes que podem ser fixados na própria Constituição, na legislação
infraconstitucional o mesmo pelo julgador ao solucionar hipótese na qual se
presencia colisão entre direitos fundamentais.64

Por computar a capacidade de pensar, querer, colocar em prática e considerar


as realidades dos seres, a liberdade religiosa se estende contextualizando as
liberdades de pensamento e de consciência. Isso significa que o ser humano, redige
preceitos sobre si e também sobre o que lhe rodeia, consubstanciando suas escolhas,
nesse momento entram as liberdades de ação/agir, sem que o Estado interfira de
alguma maneira, mas o proteja por exercer seu direito 65.
Uma vez garantida constitucionalmente a liberdade religiosa no seu sentido
amplo obtemos a clara concretização de um Estado democrático de direito, que
respeita a individualidade das pessoas. No momento que foi elencada a liberdade de
religião na Constituição, ela abrangeu outras três dimensões segundo Antônio Carlos
Wolkmer, em sua obra Ideologia, Estado e Direito, catalogado na obra de José Luciano
Gabriel: a liberdade de crença que é o ponto de partida para a escolha do que crer ou
não crer a liberdade de culto vinculando todos os aspectos da sua crença por liturgias,
ritos e outros e a liberdade de organização para aplicar na prática as teses que compõe
esse universo religioso particular66.
Dito isso, o Estado não pode interferir em nenhum ponto citado, desde a escolha
da crença até a forma de organização da mesma 67.
Na esfera pública, o seu conceito surgiu a partir de aprimoramentos de obras de
Jurgen Habermas, segundo o próprio autor José Luciano Gabriel. Porém, junto a sua

63 GABRIEL, 2018. p. 21-28.


64 SILVA NETO, 2013 apud GABRIEL, 2018. p. 34.
65 GABRIEL, op. cit., p. 34-39.
66 Ibid., p. 42-47.
67 Ibid., p. 49.
35

notabilidade também surdiram divergências, a cerca de duas questões, as quais foram


levantadas inerente a ideologia de esfera pública, pois era mascarado a realidade onde
apenas as classes dominantes, burguesia na época atingiam seus interesses a serviço
do capitalismo e também a aplicabilidade da sua contextualização, pois foi criada numa
circunstância diferente da brasileira, a europeia. Sem demora, o seu propósito seria
apenas como uma referência, para facilitar e favorecer a compreensão dos textos
sociais brasileiros, com a perspicácia de onde se enquadrariam as religiões brasileiras,
a partir do cenário da laicidade do Estado68.
Em sua obra, José Luciano Gabriel salienta que, Habermas na sua obra,
Mudança Estrutural da Esfera Pública, repercute sobre as transformações ocorridas
com o declínio do sistema feudal, abrindo a possibilidade de uma nova maneira de
produção e sustentação de riquezas. O requerimento dessas demandas privadas
precisava ser legitimado, com isso houve a separação do publico e do privado, surgindo
o debate capaz de pôr a frente os interesses dos particulares na própria esfera
pública69.
Esses espaços de fala e imposição de opiniões foram conquistados de maneira
organizada, com o intermédio de leituras literárias inicialmente e posteriormente jornais
com conteúdo político, em cafés pelos burgueses, que debatiam criticamente, além de
criarem e recriarem determinadas noções, que aludiam valores bases para a sociedade.
O capitalismo foi a principal peça para que as velhas organizações fossem superadas e
a moderna se estabelecesse. Esse momento foi marcado pelo fato do próprio publico
ter a consciência de que suas necessidades não estavam sendo atendidas muito
menos de acordo com as que os liderem impunham, logo as argumentavam
intelectualmente, também expressam em jornais, com muito conhecimento e
racionalidade, para conseguirem atingir seus objetivos70.
Era nítida a tamanha imensidão de conhecimento relacionado a vivência que as
pessoas iam adquirindo conforme praticavam e questionavam a cerca de suas vidas. É
nesse momento que a sociedade intelectual da época passa a contribuir para as

68 GABRIEL, 2018. p. 51-52.


69 Ibid., p. 53.
70 Ibid., p. 54-57.
36

noções de publico e privado, além de doarem espaços de suas próprias casas, para
que pudessem continuar desenvolvendo as opiniões públicas em união, mesmo que de
maneira restrita71.
Dessa maneira, reexaminando a análise de José Luciano Gabriel da perspectiva
das consagrações habermesianas, é possível notar a consumação de suas teorias em
face do entendimento da democracia brasileira, adequando apenas aos seus elementos
típicos, por possuir um contexto diferente da original europeia, como, por exemplo,
ampliação dos atores que a compõe considerando sua tamanha diversidade, a fim de
obterem maiores possibilidades nas questões sociais 72.
Na Europa era comum as pessoas cederem espaços de suas casas para que os
debates ocorressem, aqui no cenário brasileiro, eles acontecem de forma distinta põe
associação de moradores, participação de pais em conselhos escolares, organizações
sem partido, manifestações contra ou a favor do governo e outra. Os espaços públicos
eram aqueles de viabilizavam de modo igualitário a participação das pessoas que os
compunham73.
Outra vertente importante que é elencado pelo autor José Luciano Gabriel sobre
Habermas é que ele traz a discussão, para que as relações estatais, laicidade e
reliberdades sejam compreendidas, conceituando assim a ação comunicativa e
consenso. O modo referente a interligação delas, permite a compreensão da maneira
correta que devem se estipular as relações das pessoas nos espaços públicos. Porém
há uma preocupação em como estabelecer os critérios para a garantia da verdade e
validade dos entendimentos relacionados ao mundo físico e social. Muitos filósofos ao
longo do tempo desenvolveram técnicas, princípios, regras para que a verdade absoluta
fosse alcançada74.
Com o discernimento sobre a teoria da ação comunicativa, de que a
racionalidade entre as comunicações coletivas assegura a validade dos estudos

71 GABRIEL, 2018. p. 58-61.


72 Ibid., p. 63-64.
73 Ibid., p. 65-67.
74 Ibid., p. 67-69.
37

conhecidos, a verdade segundo Habermas poderia ser obtida. Os fins discutidos


consensualmente definiriam a colocação das ações pessoais 75.

Esse conceito de racionalidade comunicativa traz consigo conotações que, no


fundo, retrocedem à experiência central da força espontaneamente punitiva e
geradora de consenso própria a fala argumentativa, em diversos participantes
superam suas concepções inicialmente subjetivas para então, graças a
concordância de convicções racionalmente motivadas, assegurar-se ao mesmo
tempo da unidade do mundo objetivo e da intersubjetividade do seu contesto
vital.76

A partir dessa premissa o consenso assume uma posição essencial frente a


racionalidade comunicativa para a construção da verdade, com o intuito de que sejam
completamente respeitadas as normas impostas, que os enunciados contidos nela
tenham uma veracidade limpa e que seja acessível àquele que lê 77.
O filósofo elenca os desdobramentos necessários para que as pretensões da
validade sejam aplicadas fielmente cumprindo seus intuitos.

[...] com ações de falar constativas, o falante refere-se a algo no mundo


objetivo, e de tal maneira que apenas pretende dar a conhecer um estado de
coisas. […] com ações de fala reguladas, o falante refere-se a algo no mundo
social em comum, e de tal maneira que pretende estabelecer uma relação
interpessoal reconhecida de maneira legitima. […] com ações de fala
expressivas, o falante refere-se a algo em seu mundo subjetivo, e de tal
maneira pretende desvelar para certo público uma vivência à qual tem acesso
privilegiado.78

Uma vez cumpridas as regras, todos terão a mesma possibilidade de fala para
que os demais se posicionem frente a opinião declarada, constituindo assim uma
verdade baseada nos conceitos de todos, respeitando os princípios da igualdade e
liberdade, sem hierarquia entre os membros
Todo esse conceito em torno da esfera pública, ação comunicativa e consenso
se formaram a partir da análise da relação estatal e a religiosidade. Segundo o que
constata as indicações do filósofo alemão, é necessário o respeito e considerações a
cerca das religiões quando debatidas nos temas de interesse social. Outrossim,

75 GABRIEL, 2018. p. 69-73.


76 HABERMAS, Jurgen. Mudança Estrutural da Esfera Publica. São Paulo: Unesp, 2014. p.101.
77 HERLE, Denilson Luiz. Apresentação à Edição Brasileira. in HABERMAS, op. cit., p.17.
78 HABERMAS, 2012 apud GABRIEL, op. cit., p. 79-80.
38

também alega sobre a necessidade do Estado se posicionar de tal maneira que supere
as rivalidades existentes somadas aos possíveis conflitos de opiniões divergentes a
respeito da religião e também sobre a divergência entre o saber e a fé 79.

No conflito entre as pretensões do saber e as pretensões da fé, o Estado,


sendo neutro no que diz respeito às visões do mundo, não tem qualquer
predisposição a tomar decisões políticas em favor desta ou aquela parte. A
razão pluralizada do publico constituído pelos cidadãos do Estado só segue
uma dinâmica de secularização na medida que força, no resultado, a um
distanciamento igual em relação as tradições fortes e aos conteúdos
impregnados a sua autonomia, ela permanece contudo aberta, como que
osmóticamente, para a possibilidade de aprender com ambas as partes do
conflito.80

O texto citado deixa claro o posicionamento a respeito da neutralidade do estatal


e das tradições religiosas. Na aparição de divergências, apoiarem-se na resolução
democrática é o mais condizente, desde que não comprometa as estruturas e as bases
que nela se afirmam. Ademais importe o destaque no exercício que as religiões
precisariam adotar, para sair das premissas individuais e únicas que retrocedem seu
desenvolvimento frente a sociedade e partir para aceitação de que existem outras
veracidades a respeito das divindades 81.
Desde que abertas para novos posicionamentos, são possíveis a ocorrência de
debates a respeito das religiões como um todo, para retirar o proveito das bases e
princípios de cada uma em particular, enriquecendo a doutrina de alguma forma.
Importante salientar que a discussão seria munida pelos enunciados constitucionais,
consequentemente remediada pela posição laica do Estado e revestida de princípios
que protegem as diferentes colocações opinativas, preservando a dignidade do ser
humano e a equidade perante a lei. A partir da abertura coerente desse novo espaço,
todas as exigências e regras impostas seriam validas tanto para os religiosos como
para aqueles que não possuem ou não creem em uma religião propriamente dita 82.

79 GABRIEL, 2018. p. 80-83.


80 GABRIEL, op. cit., p. 85-88.
81 HABERMAS, 2012 apud GABRIEL, op. cit., p. 88.
82 GABRIEL, loc. cit., p. 88-123.
39

3. AS RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS

3.1 ELEMENTOS CARACTERIZADORES

As religiões afro vieram das variadas regiões África, espalhando-se nas


Américas e no Caribe, devido ao imenso tráfico escravista, principalmente de dois
grupos os sudaneses que englobavam os iorubás ou nagôs, os jejés e os fanti-
achantise os bantos que englobavam os angolas, os caçanjes e bengalas. Junto aos
escravos traziam, toda sua bagagem referente a cultura religiosa 83.
Essas religiões podem se dividir em afro-caribenhas, sendo conhecidas como
Santería84. O nome “Santeria” é destinado ao conjunto de sistema religioso, que inclui
crenças católicas, forma que os escravos encontraram para contornar a proibição desse
culto, junto a religião tradicional iorubá, originalmente praticada na Nigéria. Seu nome
veio da sua literalidade que significa “caminho dos santos”. Esse termo foi utilizado de
forma afrontosa pelos espanhóis colonizadores, no período de 1780 a 1840, destinado
aos escravos iorubás, levados as ilhas caribenhas que realizavam a devoção excessiva
aos seus santos85.
Seu ritual é caseiro, secreto, feito oralmente, contendo danças extáticas,
cantorias com a utilização de tambores e atabaques para que os espíritos possam ser
invocados. Além disso, possuem o hábito de sacrificar animais, para oferecer aos seus
orixás, que são Babalú, Ayé, Changó, Ellegguá, Obbatalá, Ochún, Oggún, Orula, Oyá,
Yemayá, esses que assumiram nomes e feições dos santos católicos para serem
aceitos. Apesar de cultuarem as divindades mascaradas pelo catolicismo fervoroso,
seus rituais, costumes, crenças e devoções eram baseados estruturalmente na mesma
técnica praticada na África.

83 SILVA, Vagner Gonçalves da. Camdomblé e Umbanda: Caminhos da Devoção Brasileira. 5. ed. São
Paulo: Selo Negro, 2005. p. 26-28.
84 SUPER ABRIL. 12 religiões afro que se espalharam pelas Américas. Disponível em:
<https://super.abril.com.br/historia/12-religioes-afro-que-se-espalharam-pelas-americas/>. Acesso em:
22/05/2020.
85 WIKIPÉDIA. Santería. Disponível em: <https://pt.scribd.com/doc/214078792/Santeria>. Acesso em:
22/05/2020.
40

Os praticantes, designados como santeros, possuem o costume de montar


altares com oferendas, velas para agradar e agradecer as suas divindades. Ademais
vivem o presente cultuando as forças que a natureza os oferece e buscando em seus
sacerdotes auxílios para problemas e lutas diárias 86.

Ilustração 1 – Santería, Cuba.

Fonte: Cultura Mix; Família Espírita 8788

O Palo Monte é um grupo religioso, relacionado diretamente com as origens


bantu, de escravos do Centro africano. O significado da palavra “Palo” tem origem ao
uso de varas de madeiras, que eram empilhadas com o objetivo de esculpir altares ou
no sentido mais profundo de “pau/palo” com a de “árvore”, onde residem os espíritos na
África. Baseiam-se na natureza, com misto da religião Xamânica africana, além dos
elementos do espiritismo, uma vez que descendem da crença antiga africana, em que o
mundo era povoado por espíritos, da magia e também do catolicismo 89.
O fato das cerimônias dos paleros serem iniciadas nas residências, com a
mesma estrutura de uma organização familiar, quando os negros africanos eram
separados de suas famílias sanguíneas devido à escravidão, essa religião se fortaleceu
de uma forma estrondosa, cumprindo o papel e a base para àqueles que sentiam a falta
de um ambiente mais íntimo. Apesar de a religião ter sido trazida e cultuada em um

86 FAMÍLIA ESPÍRITA. Religião Santería. Disponível em:


<https://familiaespirita.no.comunidades.net/santeria-religiao>. Acesso em: 22/05/2020.
87 CULTURA MIX. Religiões. Disponível em: <https://religiao.culturamix.com/religioes/santeria/>. Acesso
em: 22/05/2020.
88 Ibid. Acesso em: 22/05/2020.
89 CENTRO ANASTÁSIA. Palo Monte. Disponível em:
<www.centroanastacia.com/index.php/santaria/palo-monte>. Acesso em: 22/05/2020.
41

primeiro momento por negros africanos, a população branca - mais familiarizada com os
colonizadores da região e as tradições cristãs - são os maiores praticantes90.
Para a iniciação do ritual, é necessário ser cultuado em casa, não podendo ser
homossexual e passar por uma cerimônia, para ver se os espíritos aceitam ou não a
participação. Em seus rituais, praticam sacrifícios de animais como oferendas, em torno
de seus propósitos. O mecanismo central é em volta de um caldeirão, repleto de
elementos como ossos, ervas, árvores, terras e entre outros, que facilitam a
comunicação espiritual, este é denominado “Prenda, que contém o guia de quem inicia
o ritual. Além disso, possui uma hierarquia espiritual em que Nsambi é a divindade
suprema, Nkitas são espíritos elementares das árvores, Mfumbe os mortos
antepassados, Eggun ancestrais com grandes influências e os Mpungos/Nkisi
equivalentes aos orixás da Santéria91.

Ilustração 2 - Palo Monte/ Palo Mayombe – Cuba.

Fonte: Palo Mayombe92

O Vodun, termo utilizado e iniciado com a letra maiúscula para se referir a


religião como um todo, já com a letra minúscula é designado aos espíritos centrais
cultuados como Agboê, Abesan, Adaen, Afhekete, Agoye, Agu-e, Akholongbe,

90 WIKIPÉDIA. Santería. Acesso em: 22/05/2020.


91 CAMARGO, Andrea. O livro dos Deuses. Disponível em:
<https://m.megacurioso.com.br/religiao/98387-17-curiosidades-fascinantes-sobre-o-vodu.htm>. Acesso
em: 22/05/2020.
92 PALO MAYOMBE. The tales of the Palo Mayombe and the Santeria. Disponível em:
<www.palomayombe.org/the-tales-of-the-palo-mayombe-and-the-santeria/>. Acesso em: 22/05/2020.
42

Alogbwe, Ayizan, Dan Ayido Hwedo, Ezi-Akur, Gbade, Ge, Gu, Heviossô, Kundê,
Legba, Loko, Mami Wata, Minoma, Naité, Nana Bulunki, Skpata, Zaka e outros. Essa
religiosidade era dotada como um jeito de resistência frente aos colonizadores
franceses na época da escravidão, pois muitos escravos fugitivos se reuniam frente a
ideais e energias comuns para inspirar rebeliões. O culto religioso é a mescla entre a
religião católica com o espiritismo das regiões centrais e ocidentais africanas. Ressalta-
se que mesmo junto a tantos preconceitos contra os métodos nada convencionais
dessa religião, pode-se afirmar que a atuação dela é voltada para a saúde, priorizando
que o corpo físico depende da alma, eixo central para que ele funcione93.
A religião possui muitos adeptos na África, em sua crença a deusa suprema
Mawu, possui destaque, pois acreditam que ela criou a Terra e tudo há nela. Quando
concebidos em terra, os espíritos voduns são concebidos como forças vindas da
natureza, podendo vir no sexo feminino ou masculino. Dentro da tradição, as famílias
são pilares que definem por agrupamento os voduns que pertencem ao grupo céu,
terra, mar, rios e montes e assim por diante 94.
Em seus cultos, realizam oferendas, o sacrifício de animais, porém em situações
mais específicas, ademais empregam orações, cantigas por meio das percussões,
possuem roupas próprias de cada entidade, além das danças que fazem parte do ritual.
Destaca-se que a religião é comandada por mulheres, que fica a frente desses rituais,
liderando-os. Os visitantes espirituais - tido como entidades - chegam à terra por
incorporações de médiuns, que podem dar orientações àqueles que necessitam 95.
Curiosidades a respeito do vodu: 1) voltado para a cura da comunitária; 2) é uma
forma de expressão espiritual, com traços africanos, espíritas, animismo, magia e
xamanismo; 3) palavra Vodu se originou do Fon Gbé e significa entidade espiritual; 4)
religião monoteísta com o Deus central de nome “Bon Dieu”; 5) os sacrifícios são
realizados com o intuito de liberar a energia vital dos animais, que são transferidas a
entidades menores, os Iwa que possuem relação com as forças da natureza, dão

93 PEIXOTO, Gualter. O Grimório Voodoo: Daomé (Benin), Haiti e New Orleans. 1. ed. 2016. p. 18-19;
52-53; 74-85. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/386139077/O-Grimorio-Voodoo-pdf>.
Acesso em: 22/05/2020.
94 Ibid. Acesso em: 22/05/2020.
95 Ibid. Acesso em: 22/05/2020.
43

conselhos e ensinam aprendizados; 6) os seguidores do vodu acreditam em dois


mundos, o que é visível que vivenciamos no presente e o invisível onde se encontram
as almas de nossos antepassados, o que separam os mundos é a morte; 7) não
possuem escrituras nem líderes 96.

Ilustração 3 – Vodu. Haiti, New Orleans.

Fonte: Enigmas Espirituais; Mundo Gump 9798

A religião Obeah é uma das mais desconhecidas e complexas contidas nas


tradições africanas. Em sua essência o significado da palavra “Obeah” é poder oculto,
sendo utilizado para fortalecer as feitiçarias, magias praticas formas essas de
comunicação com os deuses. Na sua tradição demonstram aspectos de religiões afro-
caribenhas, venerandos antepassados, pelo espiritismo envolvido em seus cultos, além
dos sacrifícios de animais e adivinhações, mas sem uma organização em seus atos e
cultos. Acreditam que os dons são passados de uma geração a outra ou por meio de
uma convenção com intervenção de um milagre. A pessoa que recebe os dons é tida

96 AUMAGIC. Curiosidades Fascinantes Sobre o Vodu. Disponível em:


<http://aumagic.blogspot.com/2018/06/17-curiosidades-fascinantes-sobre-o-vodu.html>. Acesso em:
22/05/2020.
97 ENIGMAS ESPIRITUAIS. Vodu. Disponível em: <https://m.megacurioso.com.br/religiao/98387-17-
curiosidades-fascinantes-sobre-o-vodu.htm>. Acesso em: 22/05/2020.
98 MUNDO GUMP. Impressionantes Imagens do Vodu no Haiti e Venezuela. Disponível em:
<https://m.megacurioso.com.br/religiao/98387-17-curiosidades-fascinantes-sobre-o-vodu.htm>. Acesso
em: 22/05/2020.
44

como alguém importante capaz de modificar e melhorar a vida de quem o procura, por
ser um ouvinte digno e por trazer a prosperidade 99.
A sociedade enxerga aquele que possui o dom de ser um Obeah, como um
curador, com habilidades únicas, fitoterápicas, sensitivos, capazes de darem a proteção
necessária, seja com suas aptidões ou por meio de objetos especiais, contra algo
maligno ou que faz o mal na vida das pessoas 100.
A conexão com a vida após a morte era muito intensa, uma vez que os escravos
antigamente viam-se diante de situações que poderiam levar a essas situações. A
religião em si confortava seus adeptos, sendo libertador essa conexão espiritual, uma
vez que da perspectiva africana os processos de vida são envolvidos perpetuamente
com os processos de morte101.

Ilustração 4 – Obeah, Trindad e Tobago.

Fonte: Amino102

A Kumina é uma expressão religiosa tipicamente jamaicana, que serviu como


meio de inspiração pra um estilo de música e dança muito comum no país, pois de fato
em seus cultos cultivam muito esses elementos essenciais, por envolverem a
comunicação com os espíritos. Algumas das tradições são originais dos povos bantos,

99 AMINO. Candomblé. Disponível em: <https://aminoapps.com/c/creepypastabr_pt/page/blog/obeah-


uma-das-mais-antigas-religioes-africanas/lXga_vpduQuQYmaPWeGp3YDdJKJ4WEGL1Z>. Acesso em:
22/05/2020.
100 AMINO. Candomblé. Acesso em: 22/05/2020.
101 Ibid. Acesso em: 22/05/2020.
102 Ibid. Acesso em: 22/05/2020.
45

zelam principalmente nas comunidades nação Kongo, pela preservação da herança


africana, que pode ser nesses locais bem mais detalhadas e melhor compreendidas.
Nessas comunidades, as línguas são nos idiomas quimbundo e quicongo,
parecidos com as utilizadas nos rituais brasileiros de candomblé congo-angola. O culto
é em volta das divindades nkisis, em que o canto de purificações para ancestrais que
trazem presentes e as danças são centrais para o seu desenvolvimento.
Importante ressaltar que esses rituais foram de extrema importância para o
desenvolvimento musical popular no Brasil e na Jamaica.

Ilustração 5 – Kumina, Jamaica.

Fonte: REGGAESPOTLIGHTS103

A religião preserva muito a natureza e os benefícios que a mesma traz. Em seus


rituais acessam muitas plantas medicinais, que são utilizadas em banhos ou feitiços de
proteção. São também comercializadas e possuem importâncias particulares além de
serem originárias do Suriname.
Na tradição Winti, a maneira de tratar a natureza é diferente, pois se crê que os
espíritos locais protegem as florestas, se a prejudicarem eles ficam irritados. Muitos
curandeiros possuem o hábito de conversarem sobre quais são seus motivos de
estarem invadindo o território sagrado, antes de adentrarem em qualquer local com

103 REGGAESPOTLIGHTS. História Do Reggae. Disponível em:


<http://reggaespotlights.blogspot.com/2012/01/kumina.html>. Acesso em: 14/06/2020.
46

características naturais, para que não sejam pegos de surpresas, caso tenham que
sofrer alguma punição por algum inconveniente.
Os deuses cultuados são divididos pelos elementos naturais (ar, fogo, terra-
Gron e água - Watra, céu – Tapu, florestas - Busi Gado’s) que representam uma
posição central personificada, tendo a necessidade de corresponderem a um deus
supremo de nome Keyaman Kedyanpon. Quando esses deuses se conectam com o ser
humano, sua consciência é desatrelada do seu ser.

Ilustração 6 – Winti, Suriname.

Fonte: CNNBA104

A religião dos Quimbóis lembra a quimbanda uma linha da umbanda, cultuada no


Brasil, que são apenas giras com entidades de esquerda, que trabalham absorvendo os
desequilíbrios, os vícios, os desvirtuamentos e tudo que há de negativo.
Os praticantes costumam sacrificar animais e os oferecerem em encruzilhadas.
Nos seus cultos os visitantes recebem banhos para a limpeza, bebidas com toque
afrodisíaco e amuletos para uma eficaz proteção. Quando os participantes necessitam
fazer pedido como emprego, amores ou até mesmo para uma melhora mental ou de
saúde, os praticantes dos cultos elaboram bonecas, assim como no vodu, pregando
adereços, para que os pedidos atinjam suas finalidades. Além dessa, também se
dividem em religiões afro-brasileiras, tais como Taieiras, Babaçuê e outras que
passamos a apresentar.

104 CNNBA. As Nações Maroons Do Suriname. Disponível em:


<http://cnncba.blogspot.com/2009/07/as-nacoes-maroons-do-suriname.html>. Acesso em: 14/06/2020.
47

Ilustração 7 – Quimbois, Martinica.

Fonte: La1ere105

Em Sergipe, há um grupo folclórico que se destaca entre os demais, formado por


mulheres, de maioria afrodescendente conhecido como as Taieiras. Esse grupo
mantém os costumes de suas apresentações nas roupas, datas, músicas além de
estarem ligados com o terreiro Santa Barbara, onde se manifestam religiosamente.
O terreiro citado possui a características da religião nagô puro, crença africana
voltada a devoção dos orixás, em especial Xangô e Iansã ao som de atabaques 106:

Quando você mistura as suas raízes a algo que não é sua herança, você perde
o vínculo com a religião porque você está que- brando com a tradição e
desrespeitando aqueles que lutaram e lutam para preservar as nossas raízes
africanas. É por isso que na nossa casa não é permitido entrar elementos que
não sejam os que vieram com os nossos ancestrais africanos, e em outras
casas, isso é permitido, por isso que o nosso nagô é puro, porque preservamos
as nossas raízes, aquilo que os nossos ancestrais nos deixaram para que a
gente desse continuidade do mesmo jeito que eles deram. 107

As taieiras se incorporaram ao terreiro quando houve a liderança da primeira e


mais nova mulher comandando o grupo e também o próprio local onde manifestavam
suas crenças. Suas características foram incorporadas com o tempo, pela necessidade
de inclusão ao modo de vida do brasileiro, uma delas são as cores que as dançarinas

105 LA1ERE. Scènes de quimbois à Duco. Disponível em:


<https://la1ere.francetvinfo.fr/martinique/2014/02/18/scenes-de-quimbois-ducos-123511.html>. Acesso
em: 14/06/ 2020.
106 TORRES, Dijina Andrade. Mulher Nagô: Liderança E Parentesco No Universo Afro-Brasileiro.
Curitiba: Livraria Appris, 2015. p. 47-52.
107 SANTOS, 2009 apud Ibid., p. 50.
48

usam, com referência direta a cor do orixá cultuado conhecido como Iansã ou da
própria religião de Santa Barbara (vermelho e branco)108.
Importante destacar que o quesito para as mulheres integrarem a esse grupo é
serem virgens (não é destinado a todos, as rainha Taieiras não precisam seguir esse
quesito), não optando mais seguir esse fato, deixam de participar do grupo. A maioria
pertencente à religião é de descendência negra, assim como na época da escravidão,
situação que trouxe vários africanos para a região.

Ilustração 8 – Babaçuê/Batuque de Santa Barbara. Amazonas, Pará.

Fonte: TORRES, Dijina Andrade109

A prática religiosa conhecida como batuque, ocorreu no Rio Grande do Sul na


cidade de Pelotas por volta de 1830, com a chegada de escravos, se espalhando pelas
regiões posteriormente. A vertente se divide em nações Oyó, Jejé, Ijexá, Cabinda e
Nagô. A origem de seu nome é um termo pejorativo, usado por brancos
colonizadores110:

No Rio Grande do Sul, conforme Dante de Laytano (1984, p. 198) batuque não
é apenas uma dança nem deve ser reduzido a uma festa ou “simplesmente
uma cerimonia coreográfica”, mas pode ser usado como sinônimo de “religião

108 TORRES, 2015. p. 68-71.


109 Ibid., p. 65.
110 SPERONI, Aline. As Religiões Afro-Gaúchas. Ebook. FoxDesign. p. 25-27. Disponível em:
<https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/produto-as-religioes-afro-gauchas.pdf>. Acesso em: 14/06/2020.
49

de negro”. Batuque é uma religião caracteristicamente jejê- nagô (Correa, 1994,


p. 12) e, segundo o antropólogo Ari Pedro Oro (1994, p. 47-48)111.

O culto dessa crença é desenvolvido em templos, conhecidos como casa de


batuque onde cada uma possui seu sacerdote próprio. Quando há a frequência nesses
locais, consequentemente também há uma aproximação dos dois orixás responsáveis
pelo corpo e outro pela mente, que regem a sua vida. O batuqueiro possui a obrigação
de realizar oferendas sendo elas com alimentos ou sangue animal e homenagens aos
orixás que o zelam. O objetivo é alimentar os orixás para que possuam força, sendo
assim capacitados para a função de proteção dos filhos humanos 112.
O batuque gaúcho incorpora influencias locais na hora das incorporações dos
orixás, churrasco, polenta e mieró que são pratos típicos da região, participam do ritual.
Além disso, os batuqueiros homens usam a bombacha como uniforme.
As suas características são africanas, indígenas e brasileiras pendendo mais
para o lado da umbanda. Há uma grande mescla de ritos de origem Banto e Sudanesa,
mas os que mais se destacam são os da origem Iorubás 113.

Ilustração 9 – Batuque, Rio Grande do Sul.

Fonte: PORTACURTAS114

111 COSTA apud GOMES, Flavio. Religiões Negras No Brasil: da escravidão à pós emancipação. São
Paulo: Selo Negro, 2016. p. 296.
112 BRASIL ESCOLA. Batuque Gaúcho. Disponível em:
<https://brasilescola.uol.com.br/religiao/batuque-gaucho.htm>. Acesso em: 14/06/2020.
113 SPERONI. Acesso em: 14/06/2020.
114 PORTACURTAS. Batuque Gaúcho. Disponível em:
<http://portacurtas.org.br/filme/?name=batuque_gaucho>. Acesso em: 14/06/2020.
50

O rito da Cabula, que esta praticamente extinta, originou-se no final da


escravidão da fusão dos ritos bantôs com o catolicismo e espiritismo. Podemos também
designar os rituais negros mais antigos como cabula, cultuado nas áreas rurais do Rio
de Janeiro, Bahia e Santa Catarina. Nos cultos havia a mescla de imagens católicas
com os Orixás, herança do tempo reprimido nas senzalas, em que o culto com sua
essência original não era permitido, apenas se atrelado a religião oficial na época que
era a católica115.
Essa religião contribuiu para outras religiões que surgiram ao longo dos tempos
como Omolokô e Umbanda. No Jornal Aldeia de Caboclos, na sua edição n°66, é
relatado um trecho da obra Kitábu: o livro do saber e do espírito negro-africanos de Nei
Lopes sobre algumas características do Omolokô e da Cabula, vejamos:

A Mesa e o Santé – a Cabula é uma confraria de irmãos devotados à invocação


das almas, de cada um dos kimbula, os espíritos congos que metem medo.
Também se dedica à comunicação com eles por meio do kambula, o
desfalecimento, a síncope, o transe enfim. Toda confraria de cabulistas constitui
uma mesa. O chefe de cada mesa é o embanda, a quem todos devem
obedecer. Cada embanda é secundado por um cambone. A cabula é dirigida
por um espírito, Tata, que encarna nos camanás, iniciados. Sua finalidade é o
contato direto com o Santé, o conjunto de espíritos da natureza que moram nas
matas. Por isso, todos os camanás devem trabalhar e se esforçar para receber
esse Santé, preparando-se mediante abstinência e penitências. Cada um dos
espíritos que formam o Santé é um Tata. Todo camaná tem e recebe seu Tata
protetor, seja ele o Tata Guerreiro, o Tata Flor de Carunga, o Tata Rompe Serra,
o Tata Rompe Ponte. Na mata moram os Bacuros, anciãos, antepassados, que
nunca encarnam. A reunião dos camanás forma a engira […]
Omolocô – O omolocô é um ramo da cabula, da mesma forma que a cabula é
um ramo do omolocô, ciência dos antigos nganga-ia-muloko, que controlavam a
maldição dos raios. O omolocô tem Zambi como Entidade Suprema. E cultua
entidades como Canjira, o senhor dos caminhos e da guerra; Quimboto, o dono
da varíola e das doenças; Caiala, senhora do mar; Pomboê, dona dos raios;
Zambanguri ou Sambariri, senhor do trovão;Quiximbi ou Mamãe Cinda, dona
das águas doces. No Omolocô todo pai é um Tata; seus auxiliares são os
cambones; todo filho é um caçueto; e toda médium, intermediária entre o Santé
e o mundo dos vivos, é uma cota. E todos são malungos, amigos,
companheiros. A bandeira do Omolocô é verde, atravessada em diagonal por
uma linha branca e com uma pena branca no centro […] O camutuê, cabeça, do
116
futuro caçueto não será raspado, recebendo apenas uma pequena tonsura.

115 RAFAEL SOL. Cabula, uma palavra morta por representar a religião africana. Disponível em:
<https://rafaelsol.wordpress.com/2014/05/14/cabula-uma-palavra-morta-por-representar-o-religiao-
africana/>. Acesso em: 14/06/2020.
116 ISSU. Edição 66 do jornal Aldeia de Caboclos. Disponível em:
<https://issuu.com/jornalaldeiadecaboclos/docs/janeiro_2018_28_pags-issuu>. Acesso em: 14/06/2020.
51

A religião já foi utilizada como um meio de revolucionar confrontando os


senhores de engenho, na época da escravidão. Ela era direcionada para assolar com
magia e feitiços como lideres do movimento escravatura, especialmente aqueles que
perseguiam negros fugitivos. Foi uma religião muito perseguida e considerada
criminosa pelo governo, mas este fato não impediu que a cabula continuasse
clandestinamente117.

Ilustração 10 – Cabula, Espiro Santo. Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina.

Fonte: AMINOAPS118

O Candomblé, uma das religiões mais antigas, tem seu nome originário de um
termo muito falado em uma nação, a Bantu, tem como significado a palavra batuque, ou
também como o clima de festividades seja de cunho religioso ou não, realizado nas
senzalas, em momentos de folga como descontração.
É uma herança cultural africana, trazida pelos escravos que aqui se
estabeleceram na época da escravidão. Aqui no Brasil a religião que cultua as
divindades (inquices, orixás e vuduns) precisou ser readequada para ser aceita e
mesmo com as mudanças não perdeu seus conceitos, fundamentos tradições e
liturgias.

117 RAFAEL SOL. Acesso em: 14/06/2020.


118 AMINOAPS. Cabula. Disponível em: <https://aminoapps.com/c/candomble-ensino-e-
pesquisa/page/item/cabula/z6Bw_kNMSwID57bxjlXd8gLplX86dkXk5db>. Acesso em: 14/06/2020.
52

Possuem o costume de agradecer a natureza pela grandeza que a mesma os


proporcionam em todos os aspectos, através de cantos, danças e oferendas sacrificiais.
Além disso, é a ela que recorrem em momentos de necessidades.

Base primordial do candomblé, a mãe natureza carrega no seu cerne o mistério


da vida e da reprodução. Sabia e paciente, ela age com sutileza, não medindo,
como o homem, a sua existência cronologicamente. Generosa e poderosa,
permite uma interação perfeita e equilibrada entre seus elementos e o ser
humano. Se o homem a protege e respeita, ela lhe dá tudo o que produz, sendo
abundante, em sua diversidade! Com suprema sabedoria, acolhe e fecunda
sementes, gerando assim novas vidas e novas gerações. Matas, florestas e
montanhas são criadas e renovadas. E, mesmo quando estas faltam e se criam
desertos áridos e inóspitos, estas áreas ainda assim possuem vida em
abundância, graças à diversidade e à generosidade deste grande mãe! Porém
se o homem a ofende ou maltrata, ela lhe responde à altura! É quando a
natureza não suportando mais as adversidades que o homem lhe impõe,
materializa situações extremas em resposta ao desequilíbrio por ele provocado.
E ele não tem subsídios ou qualificações para se igualar a ela, só lhe restando
a condição de aceitar ou consertar seus erros para continuar a receber suas
benesses!
O meio ambiente só exige ser olhado pelos homens com mais respeito e
carinho e ter regras bem claras para que seus recursos não se tornem escassos
ou extintos! Assim é esta grande mãe: receptiva e adaptável.119

O candomblé abrange os elementos africanos, que predominam, mas também os


indígenas, os do catolicismo e da umbanda. Em sua doutrina Olorum é um ser
supremo, inalcançável, também conhecido pelo bantos como Zambi ou Zambiapongo.
Abaixo de Olorum, temos Oxalá, identificado como Jesus Cristo, sendo pai e
chefe de todos os orixás, ainda abaixo dele temos outras divindades conhecidas os
orixás, voduns, inkices, encantados ou santos. Essas últimas entidades são
mensageiros de Deus, guardiões dos homens que vivem na terra. Aquele que crê
necessariamente precisa seguir e agradar sempre com homenagens seu próprio orixá,
nunca deixando de lado suas obrigações com o mesmo.
Na África, ficou estimado que existissem 401 orixás, para todas as condições de
vida, os principais são: Xangô, Oxósse, Ogum, Omulu, Orôko, Oxumaré, Ibêji, Nanã,
Iemanjá, Oxum, Iansã, Ossaê, obá e Exu.

119 MAURICIO, George. O Candomblé bem Explicado: Nações Bantu, Iorubá e Fon. Rio de Janeiro:
Pallas, 2011.
53

Ilustração 11 – Candomblé em todas as regiões do Brasil.

Fonte: AMINOAPS120

A umbanda esta ligada a religião espírita, baseada em práticas antigas, da


mistura tradições brancas católicas, negras africanas, ameríndios, espírita kardecistas,
superstições universais, ressaltando as forças da natureza, a mediunidade de
incorporação e o xamanismo. Essa religião foi anunciada por uma entidade, chamada
Caboclo de Sete Encruzilhadas, o qual relatou que o motivo da sua manifestação seria
para alertar que o fundamento primordial da umbanda seria voltado para a caridade.
Outro fundamento importante é sobre a manifestação das energias que
compõem a realidade que nos cercam, não tendo assim um ser supremo, mas se
manifestando dessa maneira, nas coisas e naquilo que nos rodeia. Além desse, há
também a existência de outros planos, além desse nosso que seria o físico e eles se
encontram por meio de vibrações. Existe também o intercâmbio de realidades
espirituais, que é conhecida popularmente como a mediunidade, elemento este
essencial.
Seu surgimento também está atrelado com o desenvolvimento de cidades
consequentemente com a industrialização, quando o negro acaba se tornando sub-
proletariado. É um experimento de reorganização por parte do branco, dos cultos
africanos já alterados, que eram vistos de forma negativa ou como macumba, termo
que se referiam.

120 AMINOAPS. Candomblé e Umbanda. Disponível em: <https://aminoapps.com/c/candomble-ensino-


e-pesquisa/page/item/candomble-e-umbanda/QKZn_qPXSYI3beeJp6v0QMePZWK2E0pQzbk>. Acesso
em: 14/06/2020.
54

No Brasil, o espiritismo ficou popular entre os negros e pobres por pregar a


fraternidade diretamente relacionada com a felicidade e com o alto astral. Assim surgiu
a interação entre o espiritismo e os cultos afro-brasileiros.
Para os crentes dessa religião Deus é onipotente, sendo o todo quando falamos
em partes. Segundo o autor Wilges, em seu livro “Cultura Religiosa: As religiões no
mundo” escreve que “Deus dorme no mineral, sonha no vegetal, desperta no animal e é
consciente no homem”121.
Na umbanda, abaixo de Deus está Oxalá (Jesus Cristo) o maior dos orixás.
Lembrando que todo Orixá é considerado santo, porém nem todo santo é orixá. Abaixo
de Deus temos os orixás, que possuem saudações próprias e são transformados em
forças da natureza para o plano físico.
Entre eles existem as linhas: Xangô é conhecido por ser justiceiro, logo é
procurado quando querem alcançar o equilíbrio e a justiça propriamente dita; Iemanjá é
a mãe de todos os orixás, é procurada em qualquer situação justamente por ser
“mãezona”, além de protetora, pode ajudar a encontrar novos amores; Iansã é
procurada para trazer bons ventos, é uma orixá guerreira, logo quando precisam correr
atrás de algo é a primeira a ser procurada; Oxum é procurada quando as pessoas
querem precisam de ajuda para terem um amor na vida, ter filhos (engravidar), mais
amor próprio, riqueza, doçura; Oxossi é mais procurado quando o assunto é
relacionado a fartura, por ele ser um caçador nato; Ogum é procurado para abrir
caminhos, quebrar feitiçaria, abrir demandas assim como Exu. Nanã Buruquê é a orixá
mais velha, é procurada quando alguém passa dessa vida para a outra encarnação;
Obaluaê é procurado quando precisam de saúde; Oxalá é procurado para a pessoa ter
paz, ter bênçãos na vida; Erês/Ibeji são procurados pela doçura, alegria, felicidade;
Cada um dos orixás é atrelado a algo da natureza, por exemplo: Iemanjá ao mar,
Xangô as pedreiras e raios, Iansã aos ventos e raios, Oxossi as matas, Oxum as
cachoeiras, Exu estradas e encruzilhadas, Ogum estradas, Omulu/Obaluaê cemitério,
Nanã Buruquê lama e terra.
Ademais, dos ditos acima ainda existem os espíritos, sendo eles em evolução,
mensageiros ou guias. Os orixás e os espíritos são incorporados. Também temos a

121 WILGES. Irineu. Cultura Religiosa: As religiões no mundo. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. p.129.
55

existência dos fluidos conhecidos como vibrações, que influenciam os seres vivos
sendo eles bons, ruins, negativos e positivos.
A religião acontece por meio de um ritual de feitios, que estão presentes os
sacrifícios, oferendas e obrigações aos orixás, espíritos e exus, tanto para pedir quanto
para agradecer.

Ilustração 12 – Umbanda em todas as regiões do Brasil.

Fonte: MATRIZ AFRICANA122

A quimbanda é uma religião afro-brasileira que teve seu surgimento na década


de 1960, no Rio Grande do Sul. Antes de sua criação, outras religiões e tradições
possuíam o culto direcionado a Exu e o Povo de Rua, porém a quimbanda firma como
religião independente o culto direto a eles, com rituais e muita influencia dos ritos
africanos do Batuque afro-gaúcho.
Exu não é o único cultuado, temos também a Pomba Gira, os Malandros, O Povo
Cigano, Caboclos e Pretos Velhos Quimbandeiros, ou seja, todo “povo de rua”. O que
diferencia a quimbanda das demais religiões afro-brasileiras é o fato de que nessa
religião é cultuado diretamente as almas e espíritos de pessoas falecidas e entes
queridos.
O culto acontece em torno de espíritos que já tiveram ligação com a quimbanda,
em algum momento. Esses ancestrais são chamados de Exus, mesmo que de forma
errônea, pois exu é uma divindade nagô, por terem relações sanguíneas diretas com as

122 MATRIZ AFRICANA. Lançamento da primeira Associação de Umbanda da Bahia acontece nesta
semana em Salvador. Disponível em: <https://matrizafricana.com.br/index.php/2019/09/04/lancamento-
da-primeira-associacao-de-umbanda-da-bahia-acontece-nesta-semana-em-salvador/>. Acesso em:
14/06/2020.
56

culturas nativas, como os brancos europeus que se relacionavam com as índias ou


negras. Eles possuíam a característica de serem debochados e superiores, desafiando
as ordem da época cristã.
A verdadeira denominação deveria ser “Kimbanda”, uma vez que assim eram
conhecidos os chefes da feitiçaria das tribos, tanto na África Bantu, quando exerciam
suas atividades no Brasil escravocrata que foram notados pela cura através de
elementos naturais, trabalhos de magias e outros.
As bases da quimbanda são diferentes da umbanda ou do espiritismo kardecista,
na religião não existe evolução de espíritos e os Exus são ancestrais próximos. A
hierarquia se divide em sete reinos e cada um desses reinos se subdivide em nove
povos de Exus, sendo que cada um possui seu chefe/rei.

Ilustração 13 – Quimbanda em todas as regiões do Brasil.

Fonte: PINTEREST123

O termo Egun/Egum veio da língua iorubá, bastante usada no candomblé, que


possui o significado: alma ou espírito de qualquer pessoa falecida iniciada ou não. Ou
seja, egum é aquele que faz a passagem desse meio físico a outro, pertencendo ou não
a uma religião em específico. Diferente da palavra EgunEgun que é direcionada a
pessoas que já passaram pela inicialização das religiões africanas e que no Candomblé
são cultuados após a morte, cujo nome é Baba(direcionado a pai) e Egum (espírito).

123 PINTEREST. Salve bem povo de Quimbanda. Disponível em:


<https://br.pinterest.com/pin/473581717035618957/>. Acesso em: 14/06/2020.
57

Não só aqueles que iniciam no Candomblé, recebem esse status, mas sim
aquele que através de moral, evoluções e conhecimentos adquiriu a chave da porta
eterna.
Os seus ritos são direcionados aos homens que foram figuras importantes,
quando vivos, para a sociedade que cultua a religião e continua sendo para aqueles
presentes. A morte é a forma de manter sua individualidade e sua importância perante
a sociedade. Ressalta-se que apenas a figura masculina faz aparições, pois apenas os
homens possuem o privilégio da individualidade, para as mulheres é negado tanto o
atributo quanto o fato de participar diretamente do culto.
Os Eguns são cultuados socialmente, por meio de rituais em locais apropriados,
como templos, conduzido por um sacerdote conhecido como Ojé, que porta um cajado
(ixã), que quando tocado algumas vezes na terra, combinado a palavras, cantigas e
gestos, é invocado da morte para a vida, diferente do que ocorre com os orixás. Além
disso, ressalta-se que existem várias qualificações de um Egum.
A sua figura aparecem em torno de um mistério, assim como mostram as
imagens acima, sempre cobertos de panos que formam a roupa conhecida como eku,
com tiras coloridas, búzios, espelhos, bordados, de modo que a pessoa que está em
baixo dos panos fique irreconhecível, causando um impacto visual grande.

Ilustração 14 – Culto aos Egungun. Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.

Fonte: ILÉ ÀṢE ÒṢÒLÚFÓN-ÍWÌN124

124 ILÉ ÀṢE ÒṢÒLÚFÓN-ÍWÌN. O Culto a Egungun. Disponível em:


<https://ileaxeoxolufaniwin.wordpress.com/2016/06/21/o-culto-a-egungun-parte-2/>. Acesso em:
14/06/2020.
58

O culto de Ifá é originário das religiões africanas, mais específico a iorubá. Com
o tráfico negreiro, consequentemente essas culturas foram transportadas para o Brasil e
Caribe e junto com elas, sacerdotes conhecidos como babalaô e bokono, ligados ao
Candomblé e Santeria.
Quando cultuado há um rígido e complexo sistema, que se relaciona com a
conduta moral de quem pratica, onde surgem os dezesseis mandamentos de ifá. Esses
mandamentos se relacionam em como os sacerdotes precisam se portar baseado na
ética e boa-fé.
Possuindo três sistemáticas diferentes (Opelê, Ikins e Merindilogun), é destinada
para decisões de cunho religioso ou social. O nome Ifá é referente a um oráculo
africano, sendo um sistema de adivinhações originário da áfrica, comum entre os
iorubaś.
O jogo de Ikin é utilizado de forma obrigatória, variando de cada babalawo,
compondo 16 nozes de dendezeiro ikin, manipuladas com a finalidade de s configurara
o signo do Odú a ser interpretado e transmitido a diante. A determinação é dada pelo
número de ikin que sobra na mão esquerda, em que será transcrito a Opon Ifá sobre o
pó Iyerossún, determinando o signo de Odu da pessoa.
O Opele-Ifá é um colar feito de palha-da-costa ou fio de algodão, contendo oito
metades de fava de opele, sendo um instrumento divino dos sacerdotes tradicionais de
Ifá. Já o jogo de Opele-Ifá é o mais realizado por ser o mais ágil e simples, para que
num único lançamento do rosário, apareçam as figuras necessárias para que o Odú
seja formado.
O Meridilogun é conhecido como um método diferente de jogo de búzios,
ocorrendo a interpretação das caídas dos búzios por Odú de acordo com a mitologia
dos iorubás. Antes do arremesso o Ifá é intermediário, a partir do momento que eles
caem o Exu Elegbá, que o acompanha sempre, assume o papel. As caídas são lidas e
respondidas e transmitidas a partir dos búzios abertos e fechados resultantes dos
arremessos.
59

Existem no total duzentos e cinquenta e seis Odu, quando combinados no jogo


dos dezesseis, para todas as situações e circunstancias da vida. Eles são à base do
conhecimento tradicional do iorubá espiritual e também dos sistemas de adivinhações.
Odu da língua iorubá significa destino ou linguagem dos orixás, que possui
particularidades e unicidades variando de pessoa para pessoa. Isso significa que desde
o momento em que a pessoa nasce ela sozinha traça seu destino de uma forma única.
Ou seja, quando o Odu é tirado tu consegue saber o signo do seu orixá,
correspondendo a sua vida na terra e também ao seu percurso espiritual, para
conseguir trilhar com sabedoria e segurança o caminho da vida obtendo realizações.

Ilustração 15 – Culto de Ifá. Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.

Fonte: AMINOAPS125

A encantaria está presente no nordeste brasileiro, e em grande parte dos cultos


afro-brasileiros como Pajelança, Tambor de mina, Candomblé de Caboclo, Omolokô e
outras. Encantados são entidades que possuem forças naturais, ou seja, que provém
da natureza podendo utilizá-las para diversos fins e que segundo os costumes não
morreram. Antes de passarem para outra encarnação, se transformaram em algo
material ou espiritual.

125 AMINOAPS. Hierarquia do culto à Ifá. Disponível em: <https://aminoapps.com/c/candomble-ensino-


e-pesquisa/page/blog/hierarquia-do-culto-a-ifa/z6Bw_kNMSxuB7P0YbJMqa6aY1dVr01ZaYJG>. Acesso
em: 14/06/2020.
60

As entidades caboclas mais antigas foram as inimigas na época em que não ser
cristão era ser herege e que apenas o catolicismo era tido como religião oficial.
É comum ter na encantaria personagens, principalmente dos folclores das mais
diversas regiões, sendo brasileiros como boto, curupira, saci ou não. Também há
relatos de experiências sobre encantamentos, de pessoas que experimentaram a
morte, para conseguirem em vida se encantarem na flor da jurema. Ou ainda que da
mesma maneira que os encantados podem fazer o bem, podem fazer o mal na mesma
proporção.
O culto é baseado em divindades que encarnam em terra, do mesmo modo dos
deuses africanos, para quem pratica e cultua a religião o encantado não é um Egum,
por exemplo, humano que faleceu e perdeu seu corpo físico, mas sim aquele presente
entre nós de outra forma ou maneira, sendo por meio de um animal, pela fauna ou flora
e entre outros meios imperceptíveis.
Para os indígenas, os encantados possuem o papel de cura, não acreditam que
seja alguém morto, mas sim que se transformou para um bem maior e social. Um
encantando conhecido entre os indígenas é o Avati, herói Guarani, que se transformou
em milho salvando sua nação da fome.

Ilustração 16 – Encantaria. Maranhão, Piauí, Pará, Amazonas.

Fonte: G1126

126 G1. Cultos à encantaria são celebrados com festas para as caboclas Herondina e Mariana.
Disponível em: <https://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2018/10/01/cultos-a-encantaria-sao-
61

Omoloko, palavra de origem iorubá, que possui o significado Omo igual a filho
Oko referente a fazenda/zona rural (de culto) ou a outro fato interessante que seria ao
Orixá Okô, muito cultivada antigamente, deusa da agricultura. A religião afro-ameríndia
brasileira surgiu como uma ritual no Brasil na época da escravidão. Assim como outros
rituais religiosos do mesmo tempo, por conta da sincretização ocorrida, apresenta
características que unem aspectos indígenas e africanos aos santos católicos, pois a
religião católica naquele tempo era obrigatória a todos 127.
Relata-se que os ritos eram realizados nas matas ou em locais mais complexos,
justamente para que os donos das fazendas não os encontrassem ou que houvesse
alguma repressão policial pela prática, que sob os olhos da sociedade era ilegal 128.
Destaca-se que o uso do nome dos Orixás é em iorubá, inclusive tudo que se
relaciona a ele. Tudo isso é feito através do jogo de búzios ou ifá. Suas cerimônias
eram feitas normalmente em noites de lua cheia em baixo de uma árvore frutífera bem
farta129.
Segundo o próprio organizador do culto Tancredo Da Silva Pinto, a religião
chegou ao Brasil do sul da Angola, onde era praticado por um grupo conhecido como
Lunda-Quiôco que ficava as margens de um rio que lhes provia alimentos nos período
das cheias130.
Tancredo, também conhecido como Tata Ti Inkice ou como seu nome religioso
Folkétu Olórofe foi um dos defensores do direito de reunião, daqueles que são
pertencentes a religiões afro-brasileiras. Além de criar várias festas destinadas aos
orixás em locais diferentes, em suas viagens pela Federação dos umbandistas, também
criou a primeira sociedade que defenderia os direitos de culto dos afro-brasileiros131.

celebrados-com-festas-para-as-caboclas-herondina-e-mariana-em-santarem.ghtml>. Acesso em:


14/06/2020.
127 A NAÇÃO OMOLOKO. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/306396593/97035298-A-
NACAO-OMOLOKO-doc>. Acesso em: 25/03/2021.
128 Ibid. Acesso em: 25/03/2021.
129 Ibid. Acesso em: 25/03/2021.
130 Ibid. Acesso em: 25/03/2021.
131 TANCREDO DA SILVA. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/469172361/Tancredo-da-
Silva>. Acesso em: 25/03/2021.
62

Dessa maneira Tata ganhou muita popularidade principalmente entre as classes


mais baixas de onde vivia, não só por ser polêmico em tudo que fazia, mas por ter feito
tanto principalmente para o povo periférico, afirmando sua identidade africana, não
deixando com que a parte branca da umbanda apagasse ou se envolvesse em seus
negócios132.
Por fim ressalta-se que Tancredo sempre contou com apoio policial, político,
religioso, eclesiástico, militar o que facilitava seus empreendimentos e conquistas.
Atingiu uma série de conquistas como organizar debates umbandistas, publicações de
obras literárias de próprio punho (sobre umbanda e omolokô) mesmo sendo analfabeta,
mantiveram colunas em jornais e revistas orientando e esclarecendo adeptos da
religião afro, ganhou título de cidadão carioca em Sessão da Câmara Estadual e entre
outras conquistas já citadas 133.

Ilustração 17 – Omoloko. Rio de Janeiro Minas Gerais e São Paulo.

Fonte: G1134

Pajelança ou cura como pode ser chamada, possui expressiva influência


indígena e principalmente da cultura negra. Já se sabe que antes da abolição da
escravatura, os escravos se agrupavam para cultuar seus deuses quando eram

132 TANCREDO DA SILVA. Acesso em: 25/03/2021.


133 Ibid. Acesso em: 25/03/2021.
134 G1. Cultos à encantaria são celebrados com festas para as caboclas Herondina e Mariana.
Disponível em: <https://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2018/10/01/cultos-a-encantaria-sao-
celebrados-com-festas-para-as-caboclas-herondina-e-mariana-em-santarem.ghtml>. Acesso em:
14/06/2020.
63

liberados para atividades de seus interesses, na maior parte das vezes


135
clandestinamente, porque na época a religião católica era única e obrigatória .
No entanto, também na região possui a religião pajé que é mais ligada ao
catolicismo, não confundível com tambor de mina ou Pajelança, que são religiões
procuradas pelas classes mais baixas, normalmente pessoas negras, na época dão
Brasil Colonial eram escravos ou escravos libertos que queriam procedimentos de cura
com ervas medicinais136.
O culto do Pajelança marca muito a vida dos ribeirinhos maranhenses, incluindo
tanto o culto aos santos da igreja católica quanto aos do xamanismo nas sessões de
cura. Porém enquanto o primeiro é praticado de uma forma natural e popular tendo um
reconhecimento simbólico, o segundo possui certo preconceito por trás, como se fosse
proibido ou uma mera crendice137.
Mesmo com perseguições tanto por parte da igreja quando por porte dos civis a
religião conseguiu resistir as grandes pressões dando continuidade. A base da religião
dos xamanicos é a vivencia da comunidade com a natureza, qualquer impedimento ou
desordem no meio do caminho pode ser resolvido com o processo da cura feita pelos
encantados, que são entidades espirituais do fundo do rio incorporados no pajé 138.
O curador possui um papel importantíssimo dentro da própria comunidade, pois
além de garantir a segurança da mesma ainda promove melhores condições de vida
quando exerce seu papel, pois todos reconhecem sua função que é essencial no
ritual139.
Para os pertencentes a essa religião qualquer tipo de enfermo é considerado um
desvio da alma, que pode ser recuperada por um xamã, o qual da se conecta com o
outro mundo, dando o diagnostico da doença e o devido tratamento. É muito comum o
uso do fumo, cantos e massagens em determinadas partes do corpo que são afetadas

135 FERRETTI1, Mundicarmo. Cura e Pejelança em terreiros do Maranhão (Brasil). Disponível em:
<https://pt.scribd.com/doc/32949928/Cura-e-Pajelanca>. Acesso em: 25/03/2021.
136 Ibid. Acesso em: 25/03/2021.
137 ARENZ, Karl Heinz. São e salvo: a pejelança da população ribeirinha do Baixo Amazonas como
desafio para a evangelização. Quito: ABYA YALA, 2003. p. 49-52. Disponível em:
<https://pt.scribd.com/document/477018828/Heinz-Sao-e-salvo-Pajelanca-em-Amazonas>. Acesso em:
25/03/2021.
138 ARENZ, loc. cit. Acesso em: 25/03/2021.
139 ARENZ, loc. cit. Acesso em: 25/03/2021.
64

pela doença, tudo feito a partir de um ritual sagrado, por meio de um processo
terapêutico conjuntamente com uma experiência mística 140.
Os encantados possuem várias categorias e vivem nas florestas e rios. Os mais
conhecidos são o curupira, anhagá e o boto. Um tipo de doença que é muito temido
entre eles é a panema, que gera uma incapacidade temporária em grávidas ou
mulheres menstruadas141.
Todas as entidades são respeitadas e cultivadas para que não interfiram de
forma negativa, na vida daqueles que praticam a religião, pois os espíritos agem de
acordo com as intenções que são depositadas neles 142.
O pajé visto como especialista religioso, quando lida com os encantados, conta
com a ajuda de alguns companheiros chamados de cavalheiros ou caruans para
controlar a desordem e toda doença143.
Destaca-se que Pajelança é herança negra e precisa ser estudada e analisada a
partir desse ponto em diante. Outro fato interessante é que a intensa repressão levou
os curandeiros a se afastarem das cidades grandes, se atrelando ao tambor de mina ou
umbanda, escondendo suas próprias identidades. O movimento negro que
supervalorizou tanto a cultura quanto a religião, meio em que os pajés e curadores
estão sendo reconhecidos, mais valorizados e bem vistos. Procedimentos como a
sabedoria popular, por exemplo, que são muito utilizados nesses rituais pelos negros,
que também não eram bem vistos, quando compatíveis com a ciência também
obtiveram louvor144.

140 ARENZ, 2003. p. 49-52. Acesso em: 25/03/2021.


141 ARENZ, loc. cit. Acesso em: 25/03/2021.
142 ARENZ, loc. cit. Acesso em: 25/03/2021.
143 ARENZ, loc. cit. Acesso em: 25/03/2021.
144 FERRETTI1. Acesso em: 25/03/2021.
65

Ilustração 18 – Pajelança. Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas.

Fonte: TEU JURACIARA145

A religião tambor de mina possui esse nome devido à tremenda importância do


instrumento para a realização do ritual, já a palavra mina é referente aos negros
escravizados, trazidos de Togo Benin e Nigéria, popularmente conhecidos como negros
mina-jejes e mina nagôs146.
Nos anos de 1750 a mão de obra africana foi importante para as grandes
fazendas de cana-de-açúcar e de algodão, trabalho este que se perpetuou até meados
de 1850. Também contribuíram com construções coloniais belas e harmônicas para
tornar cidades como São Luís e Alcântara conhecidas; além das coreografias das
músicas vindo dos mesmos147.
A religião tambor de minas pode ser designada como uma maçonaria de negros
por apresentar propriedades de sociedades secretas. Poucos são aqueles que
possuem um grau mais elevado ou completo de iniciação 148.
Nos locais mais ocultos apenas os mais graduados podem frequentar.
Normalmente o ritual é discreto e pouco perceptível, até nos detalhes contidos nas
vestimentas intencionalmente para não chamar atenção 149.

145 TEU JUACIARA. Omoloko. Disponível em: <http://www.teujuraciara.xpg.com.br/omoloko.htm>.


Acesso em: 14/06/2020.
146 TAMBOR DE MINA. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/427116842/Tambor-de-Mina>.
Acesso em: 14/06/2020.
147 Ibid. Acesso em: 14/06/2020.
148 Ibid. Acesso em: 14/06/2020.
149 Ibid. Acesso em: 14/06/2020.
66

Nesse ritual o que mais se destaca é a composição de 95% (noventa e cinco por
cento) ser composto pelo sexo feminino. Os 5% (cinco por cento) do sexo masculino
são destinados aos tambores, abatazeiros, atividades do próprio culto como sacrifício
de animais de quatro patas ou transporte de obrigações. É raro, mas algumas casas
podem ser dirigidas por alguém do sexo masculino com a presença de homens nas
rodas dançantes150.
A Casa das Minas é única, seguem cânticos da própria língua jeje e só recebem
divindades voduns. Já os terreiros de tambor de mina possuem realizações de festas
da cultura popular, que muitas vezes são requisitadas pelas entidades que gostam de
celebrar Bumba-meu-boi, Divino Santo Espírito, Tambor de Crioula e outras. Além
disso, são comuns outros grupos se juntarem as tais atividades para homenagear os
voduns, para pedir proteção e participar das danças 151.
Os toques são feitos com cabaças e três tambores de madeira, com couro e
batidos com aguidavis. O culto é organizado e dirigido por mulheres, cada vudunis só
recebe uma entidade e todos dançam com roupas parecidas 152.
Em São Luís, os terreiros construídos na época da escravidão a Casa das Mina
Jeje que consagram o vodum Zomadonu e a Casa de Nagô que consagram o orixá
(além de outros orixas, voduns, gentis, fidalgos, caboclos, tobossis, meninas
personagens do folclore maranhense) Xangô uma e outra continuam em atuação 153.
A Casa Nagô possui pequenas diferenças da casa das Minas, o culto é
organizado e dirigido também por basicamente por mulheres, porém cada uma recebe
duas ou mais entidades, suas vestimentas são parecidas com as da Casa das Minas.
Cantam em jeje, nagô e em português acompanhados de dois atabás tocados sobre
cavaletes e também por cabaças, em algumas casas pode haver um tabor longo de
madeira com couro em um dos lados apenas (comum nos terreiros do Maranhão) 154.

150 TAMBOR DE MINA. Acesso em: 14/06/2020.


151 Ibid. Acesso em: 14/06/2020.
152 COSTA, Valéria; GOMES, Flávio (Orgs.). Religiões negras no Brasil: da escravidão à pós-
emancipação. São Paulo: Selo Negro, 2016. p. 154.
153 FERRETTI2, Mundicarmo. Tambor de mina, cura e baião na Casa Fanti-Ashanti/MA. Disponível em:
<www.gpmina.ufma.br/wp-content/uploads/2017/04/LP-CFA.pdf>. Acesso em: 14/06/2020.
154 COSTA, GOMES (Orgs.), op. cit., p. 155.
67

Esse modelo de Casa Nagô foi se difundindo nos terreiros de São Luís, surgindo
outros semelhantes e derivados dele. Ressalta-se que em ambas as casas há uma
presença forte do catolicismo, e as entidades são organizadas em famílias 155.

Ilustração 19 – Tambor-de-Minas, Maranhão.

Fonte: AMINOAPS156

O Terecô, Linha de Codó, Encantaria de Barba Soêra, Tambor da Mata ou Mata


como é conhecido pelos seus derivados nomes, é uma religião afro-brasileira tradicional
do Maranhão que pode ser mesclada com Tambor-de-Mina ou Umbanda.
Sabe-se que sua prática originou-se de escravos das fazendas de algodão de
Codó e de outros das redondezas, mas sua matriz é brevemente conhecida. Mesmo
exibindo elementos jejes e nagôs suas características culturais são mais ligadas aos
povos da Angola e Cambinda, o povo da nação bantô, tendo sua língua ritualística o
português.
Nessa religião as entidades são subdivididas em famílias sendo a de maior
importância e tamanho a Légua Boji Boá da Trindade, em Codó como príncipe
guerreiro, filho de Xangô na mata e também como preto velho angolano. Além desses
nomes Boji é conhecido como vodum cambinda ou vodum jeje Poliboji.

155 COSTA, GOMES (Orgs.), 2016. p. 155.


156 AMINOAPS. Tambor de Mina. Disponível em: <https://aminoapps.com/c/candomble-ensino-e-
pesquisa/page/item/tambor-de-mina/L2XQ_7ZRSBIY381KYkpVEB7jDbQ3R18W6oj>. Acesso em:
16/06/2020.
68

Como mostra acima, as entidades cultuadas são as voduns jeje-nagô, caboclos e


a linha da mata de Codó. As entidades da mata são conduzidas e chefiadas por Maria
Barbara Soeira, entidade associada à Santa Barbara ou Barbara Soeira a primeira
curandeira
Estudos indicam que o Terecô antes era conhecido por Pajé, Budum, Nagô ou
Brinquedo de Santa Barbara o que com base nessas descriminações indica possui
traços afro-católico-ameríndio.
Perante muito tempo fora acreditado que a palavra Terecô teria nascido da
imitação dos sons dos tambores da Mata, porém tempos depois de muito estudo fora
constatado que poderia estar ligado diretamente a palavra candomblé.
Seus rituais ocorriam nas matas de coco (babaçu), longe das vistas dos
senhores isso antes da abolição da escravatura. Após esse acontecimento os rituais
eram feitos as margens de uma lagoa conhecida como Lagoa do Pajeleiro, escondidas
de qualquer um que os repreendessem.
Antigamente havia a separação do culto do Terecô que possuia entidades
próprias e da feitiçaria. Hoje em dia o culto é mais direcionado a elementos da
Umbanda, Quimbanda e do Candomblé, cultuando Exus e Pombas-giras.

Ilustração 20 – Terecô, Maranhão.

Fonte: SOU DO TERECO157

157 SOU DO TERECO. Codó terra do Terecô. Disponível em: <https://soudotereco.blogspot.com/>.


Acesso em: 16/04/2020.
69

A nação Xambá residia na região norte dos Ashanti e também nos limites da
Nigéria com Camarões, até serem trazidos como escravos para o Brasil. Em meados de
1920 o chefe espiritual Arthur Rosendo Pereira por perseguição policial precisou sair da
cidade onde vivia, passando a morar em Recife onde reiniciou suas atividades como
zelador de orixás158.
Com as atividades em dia passou a iniciar vários filhos de santo, os quais
inclusive estavam aptos até para abrir terreiros. No meio deles estava Maria das Dores
da Silva que fez sua iniciação em 1927 com Arthur e acabou assumindo o terreiro
ficando conhecida como Maria Oyá159.
Por conta de uma severa repressão policial em 1938 a casa de Xambá precisou
fechar e no ano seguinte Maria Oyá faleceu devido a uma depressão muito forte, porém
o terreiro continuou suas atividades até meados de 1950 160.
Apenas um ano depois dos acontecimentos, na estrada do Cumbe, a Mãe Biu
abre um terreiro, no Portão do Gelo em Olinda o qual permaneceu dirigido pela mesma
por 54 anos até seu falecimento em 1993. Após sua morte o terreiro foi sucedido por
Donatila Paraíso do Nascimento, conhecida por mãe Tila até 2003, que também faleceu
e por último pelo Pai Ivo (filho de Mãe Biu), que permanece na direção da casa até
hoje161.
Segundo o Portal da Cultura Pernambucana houve a criação de um memorial a
Mãe Biu, após sua morte devida sua importância para religião e também para o
conhecimento populacional, com acervo histórico e documental da casa. O próprio Pai
Ivo relata, quando entrevistado após ter ganhado o título de Patrimônio Vivo de
Pernambuco:

Nós fizemos aqui uma revolução. Quando assumimos, com o falecimento da


minha Mãe (Biu), o Xambá praticamente não existia mais. Alguns historiadores
chegaram a dizer que ele estava extinto. Então, o primeiro trabalho que nós
fizemos foi optar pelo caminho da comunicação. Começamos a abrir as portas
para as universidades, escolas, professores, alunos, e daí fomos atraindo todo
tipo de sociólogo e historiador pra cá. Com isso, fizemos o Memorial (Severina

158 TERREIRO XAMBÁ. História do terreiro Xambá. Disponível em: <www.xamba.com.br/his.html>.


Acesso em: 26/03/2021.
159 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
160 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
161 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
70

Paraíso da Silva – Mãe Biu). A ideia foi minha, mas Antônio Albino, Hildo Leal e
João Monteiro (seus filhos de santo) foram quem organizaram tudo.162

No memorial estão reunidas mais de 800 fotos com todas as festividades dos
anos 20/30 aos anos 90 do terreiro e também da vida particular da Mãe Biu, além dos
documentos como atas, registros de filiados, obrigações religiosas, nomes de Orixás,
artigos de jornais, revistas e outros que complementam a coleção dedicada
carinhosamente a ela163.
O herdeiro do terreiro de Xambá ainda reflete sobre o quão importante foi a
caminhada da sua mãe em ter cultivado a cultura do Xambá:

Eu não me formei na Universidade, mas ela, na minha visão, é coletora de


conhecimento. O conhecimento está na periferia, no povo, e minha mãe foi uma
autodidata. Maria Oyá teve pouco tempo de sobrevivência, porque o terreiro
começou em 1932 e em 38 veio o fechamento deles com a Ditadura Vargas,
através dos mandos de Dom Sebastião Lemos. Em 1939, Maria Oyá morreu de
desgosto e minha mãe, junto às minhas tias, fez a grande resistência, tudo às
escondidas, porque ainda era algo proibido. Quando veio a década de 50, ela
abriu as portas.
Ela quem guardou toda essa documentação. Esse memorial só existe por
causa disso. Se não, a gente não teria como contar nossa história. E um povo
sem história é um povo sem memória.
Através do Memorial, atraímos os estudiosos e deixamos de inventar a roda.
Em qualquer terreiro que você chegue é natural que você veja os cantos para
os orixás, e você tem que respeitar a religião, não necessariamente acreditar. A
partir do momento que nós fizemos um Memorial contando a vida de mulheres,
como minha mãe, negra, divorciada (separou-se do meu pai quando nasci),
com pouca condição cultural, e daí trazer uma tradição até nossos dias, para
nossos filhos e netos, isso começou a atrair uma curiosidade maior nas
pessoas.164

Os Orixás cultuados são praticamente os mesmos do candomblé como Exu,


Ogum, Odé, Bêji, Nanã, Obaluaê, Ewá, Xangô, Oyá, Obá, Afrekete, Oxum, Yemanjá e
Orixalá, porém cultuados de formas diferentes em datas diferentes também 165.

162 CULTURA.PE. Território da ancestralidade africana, Nação Xambá é patrimônio vivo de


Pernambuco: Conheça mais sobre o único terreiro de nação Xambá na América Latina, e o primeiro
quilombo urbano do Brasil, localizado em Olinda. Disponível em:
<www.cultura.pe.gov.br/canal/patrimonio/territorio-da-ancestralidade-africana-nacao-xamba-e-patrimonio-
vivo-de-pernambuco/>. Acesso em: 26/03/2021.
163 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
164 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
165 XAMBÁ. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/289943546/Xamba>. Acesso em:
26/03/2021.
71

Em tradição os toques sempre soam às quatro horas da tarde e em todos eles é


servido aos filhos de santo da casa e aos convidados um café acompanhado com
manguzá (doce feito de grãos) como tradição. Para os visitantes tem regras como não
ser permitido nunca o uso de roupas pretas, apenas claras, homens necessitam usar
calças e mulheres saia ou vestido abaixo do joelho 166.

Ilustração 21 – Xambá, Alagoas e Pernambuco.

Fonte: XAMBA167

O Xangô do Nordeste também conhecido como Xangô de Pernambuco, Xangô


do Recife ou Nagô Egbá veio de tradições africanas que aqui foram instaladas com o
periodo da escravidão168.
O surgimento do Xangô do nordeste veio em 1875 com a chegada de Ines
Joaquina da Costa (Ifá Tinuké), filha da rainha do mar Yemanjá, conhecida como Tia
Inês trouxe consigo os utensílios mais representativos dos Orixás e também as
sementes que utilizava para seus cultos. Um exemplo é a clássica gameleira, utilizada
até hoje para venerar o Orixá Iroko169.
Suas raízes e trabalhos foram fincadas e iniciadas na cidade de Recife em um
sítio que ficou conhecido como Sitio da Tia Inês (terreiro de Obá Ogunte) e com o

166 XAMBÁ. Acesso em: 26/03/2021.


167 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
168 NAGÔ EGBA. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/154520726/Nago-Egba>. Acesso em:
26/03/2021.
169 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
72

passar do tempo foi se espalhando pela região e os demais estados como o reflexo da
cultura afro nordestina. Após seu falecimento a casa passou por seus vários filhos que
mantiveram as tradições170.
Essa religião é considerada uma nação por uma característica simbólica em seus
cultos aos Orixás, onde ocorre a sucessão de regência das casas, nos rituais de Bori e
Yaô em que os filhos novatos precisam passar e também pela presença de cargos que
ajudam as atividades da casa171.
Os terreiros em sua maioria são regidos por zeladores, mas se salienta que as
casas mais tradicionais são fundadas por mulheres. Os papeis de ambos os sexos
masculinos e femininos são bem definidos no culto, porém os primeiros possuem mais
espaço e as segundas vem logo atrás acompanhando 172.
Percebe-se muita semelhança do Xangô de Recife com o Ketu, onde a nação
mantém as mesmas formas de cultos ensinados por antepassados permanecendo a
tradição. Os instrumentos mais utilizados são os ilús e a diferença entre seus rituais são
como os orixás se manifestam e dançam durante a roda do xirê 173.
Além dos orixás tradicionais como Exu, Ogum, Odé, Obaluayê, Oxumaaré, Nanã,
Ewá, Obá, Oxum, Yemanjá, Xangô Oyá, Oxalá ainda se cultua Iroko e Logum Edé174.

170 NAGÔ EGBA. Acesso em: 26/03/2021.


171 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
172 EDUARDO T´ÒGÚN. A História do Nagô Egbá: minha origem nunca é esquecida. Disponível em:
<https://medium.com/candomble-para-todos/a-hist%C3%B3ria-do-nag%C3%B4-egb%C3%A1-
3720144ee5f2>. Acesso em: 26/03/2021.
173 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
174 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
73

Ilustração 22 – Xangô do Nordeste, Pernambuco.

Fonte: AMINOAPS175

3.2 FORMAÇÃO DAS RELIGIÕES AFRICANAS NO BRASIL

Com a colonização de terras descobertas por Portugal, no início do século XVI,


quando se instalavam em um local traziam consigo sempre representantes do
catolicismo para que sua colônia fosse reeducada, no Brasil não fora diferente 176.
Nesse período, havia uma forte crítica na Igreja católica por conta de
desvirtuamentos e desvios praticados por ela mesma na comunidade, o que fazia com
que perdesse vários seguidores fiéis para religiões que protestavam e se aliavam na
Europa. O fato de converter os habitantes das terras novas deram esperanças de uma
nova forma da Igreja conseguir se autoafirmar e assegurar sua autoridade
novamente177.
Para a Coroa Portuguesa também pareceu interessante a catequização dos
índios, pois se eles se tornassem cristãos automaticamente seriam subservientes aos

175 AMINOAPS. Xangô do Nordeste. Disponível em: <https://aminoapps.com/c/candomble-ensino-e-


pesquisa/page/item/xango-do-nordeste/o3xP_RnEioIBYnBK2nWLEB38nBBXPdrGJlX>. Acesso em:
14/06/2020.
176 SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda: Caminhos da Devoção Brasileira. 5. ed. São
Paulo: Selos Negro, 2005. p. 17-20.
177 SILVA, loc. cit.
74

serviços do Rei, que pensava mais em patrimônios do que garantir paz àqueles que
encontrassem a graça nos céus com Deus 178.
Na época, a atividade principal em destaque, foi o cultivo da cana-de-açúcar que
logo se expandiu e necessitou de um controle mais intenso. Na experiência de uma
administração mais efetiva dos impostos houve a criação do Governo-geral com sede
na capital da Bahia, fundando-se Salvador179.
Nesse período também chegaram as primeiras missões jesuíticas que
contribuíram para o surgimento do primeiro bispado no Brasil, ou seja, fora instituído
com efetividade e em definitivo o catolicismo no Brasil colônia180.
A produtividade de açúcar ficou tão intensa que a mão de obra deixou a desejar,
insuficiente. Houve a necessidade de escravizar os índios, tarefa essa difícil, mas
necessária também para servirem as grandes fazendas. Com o passar do tempo, mas
especificamente no início do século XVI, essa escravização indígena foi substituída
pela do negro africano, uma vez que Portugal já era especializado no tráfico negreiro
mesmo antes de colonizar o Brasil181.
Dessa maneira, até o final do século XIX em que o Brasil se tornou República e
houve a abolição da escravatura, os portugueses se beneficiaram da mão de obra
escrava negra com fins econômicos 182.
Para elencar a origem das religiões afro-brasileiras, é necessário apresentar o
encontro de três tipos de religiões que entraram em contato nesse tempo de
descobrimento descrito acima. Primeiramente a religião católica do colonizador, a
crença dos que aqui já habitavam que eram os indígenas e também a bagagem cultural
e religiosa trazida com aqueles que foram obrigados a se instalarem no país como
escravos vindo de todos os cantos da África183.
Ressalta-se que os colonizadores portugueses foram considerados os maiores
dos impérios negreiros, durante o tempo que perdurou o escravismo na America.
Estima-se que no mínimo quatro milhões de africanos foram traficados para o Brasil,

178 SILVA, 2005. p. 17-20.


179 SILVA, loc. cit.
180 SILVA, loc. cit.
181 SILVA, loc. cit.
182 SILVA, loc. cit.
183 SILVA, loc. cit.
75

mas que esse número era muito maior quase cinco vezes mais, tendo em vista que
eram trazidos escondidos para não pagarem impostos, sem contar do número de
crianças nascidas em cativeiro184.
Era extremamente comum estupro cometido contra escravas, pelos senhores de
engenho e por escravos reprodutores quando obrigados pelos mesmos. As crianças
que nasciam, geravam em torno de quarenta a cinquenta escravos a mais, que
basicamente já estavam condenados desde o ventre de suas genitoras 185.
A violência extrema imperava para que esses escravos trazidos de longe
virassem católicos ou protestantes. Precisaram se adequar ao meio fazendo com que
suas divindades africanas se enquadrassem também, mesmo que escondidas nos
santos do catolicismo, assim como suas festas africanas que foram aparentemente
confundidas com as do calendário cristão. O negro criou suas formas de resistência e
identidade no Brasil camuflado no cristianismo, que era a religião obrigatória da
época186.
Os africanos arrastados obrigatoriamente para a portuguesa eram de nações e
civilizações diferentes, com culturas, tradições, línguas, hábitos, religiões totalmente
diferentes, a única coisa em comum que possuíam era a dor da submissão aos seus
senhores, expatriamento, erradicação de seus países e consequentemente a
escravidão sofrida187.
A nação banto que vieram de Congo, Mina, Cabinda e Angola trouxeram consigo
o culto aos seus ancestrais, dos espíritos da natureza que são conhecidos como nkices
e também dos espíritos dos mortos. Essa nação era muito perspicaz, habilidosa e com
grande inclinação artística, foram criadores da capoeira e do famoso samba 188.
Já os sudaneses possuíam influencia do grupo iorubá, jeje e fon e junto deles
trouxeram o culto da ancestralidade a Egungun e Gelede. A parte do grupo jeje possui
como tradição do culto aos voduns e a do grupo iorubá as divindades da natureza,

184 DOMEZI, Maria Cecilia. Religiões na História do Brasil. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 73-76.
Disponível em: <https://pt.scribd.com/read/405701160/Religioes-na-Historia-do-Brasil>. Acesso em:
26/03/2021.
185 DOMEZI, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
186 DOMEZI, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
187 DOMEZI, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
188 DOMEZI, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
76

denominadas orixás. O culto iorubá foi o que acabou tendo mais adesão entre todas as
etnias189.
Destaca-se que era praticamente inconcebível os negros criarem laços entre si,
pois a distribuição dos mesmos foi pensada para que a comunicação falhasse. Porém
em alguns lugares houve contatos mais fortes, que escapavam da vigilância dos
senhores. Que foi o caso da Bahia, onde havia um maior número de negros bantos,
mas com o tempo o cenário mudou e foram aglomerando jejes e iorubás, mas a religião
local acabou sendo respeitada e seguida por aqueles que iam se instalando. Esses
grupos se uniram por laços religiosos, formando o que podemos chamar hoje de
candomblé190.
Em tempos de colônia holandesa na cidade de Pernambuco, escravos quando
possuíam folgas praticavam suas danças que eram consideradas sagradas ao seu
povo, ao toque de atabaques, chocalhos, cabaças, reco-reco era a religião conhecida
como Xangô. A dança acompanhada de música era uma forma de exercitar seus ritmos
e também de cultuar a própria religião 191.
Outra cerimônia praticada pelos negros escravizados ao escurecer, era o
calundu. Os escritores, curiosos, poetas chamavam de baile de bárbaros. Evidencia-se
que os batuques eram encontros de negros com cantos, danças e tambores que ficam
o mais distante possível da esfera pública por conta da repressão Estatal e da Igreja,
mas sabe-se que sempre encapou a observação dos brancos. Mesmo assim, não
demorou muito para as perseguições contra os praticantes se disseminarem por medo
de união e revolução contra os senhores e alta classe social 192.
Era por meio dessas reuniões que os negros recriavam, mesmo que no contexto
brasileiro que precisavam se adequar, suas tradições e as praticas do vasto e intenso
universo cultural e religioso africano. Junto deles participava também a parte branca
paupérrima da sociedade193.

189 DOMEZI, 2005. p. 73-76. Acesso em: 26/03/2021.


190 DOMEZI, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
191 DOMEZI, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
192 DOMEZI, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
193 DOMEZI, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
77

Por volta de 1768 a situação ficou mais tensa, os batuques e tudo de cunho
religioso fora proibido, a mando de um governador pernambucano e seguido pelo
ministro, o qual considerava desonesto àquele que tocasse o instrumento ou praticasse
qualquer dança que ele mesmo declarava como supersticiosa194.
Os negros para não terem uma identidade esquecida, agarraram-se na ideia de
aproveitarem os dias e festas dos santos católicos, para cultuarem seus deuses. Após
muita insistência da Igreja para que todos fossem liberados aos domingos e em dias de
santos, que eram pequenos lapsos no calendário, conseguiram com que nascessem os
reisados, mais conhecidos como reinados do Congo (conhecidos também como
congadas, afoxé, taieira, reinado, maracatu, cucumbi, cabinda, moçambique e
outros)195.

3.3 RELIGIÕES AFRICANAS E O PATRIMONIO CULTURAL NEGRO NO BRASIL

Aparentemente a identidade da população negra vem atrelada de uma enorme


força e identidade de resistência, porém não podemos esquecer que na mesma linha
temos cautelas de políticas públicas, que visam garantir a igualdade, os direitos
humanos e principalmente o combate a discriminação racial que ainda é comum no
país196197.
Assim como qualquer identidade coletiva, a identidade da população negra
necessita da validação por meio do patrimônio, comum ao grupo, para ser reconhecida.
Porém, seu patrimônio cultural sempre foi diminuído, depreciado, subestimado tanto no
período Brasil colônia com a escravidão em alta quanto após a abolição da
mesma198199.
Da mesma forma que há um reconhecimento da contribuição cultural negra, o
Brasil ainda passa por uma realidade cruel de desigualdade entre negros e brancos.

194 DOMEZI, 2005. p. 73-76. Acesso em: 26/03/2021.


195 DOMEZI, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
196 ABADIA, Lília. A identidade e o patrimônio negro no Brasil. 113 f. Dissertação (Mestrado em
Ciências da Cultura) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2010, p. 45. Disponível em:
<https://core.ac.uk/download/pdf/12422548.pdf>. Acesso em: 26/03/2021.
197 COSTA, Haroldo. Arte e cultura Afro-brasileiras. 1. ed. São Paulo: Novas Direções, 2015.
198 ABADIA, op. cit. p. 45. Acesso em: 26/03/2021.
199 COSTA, op. cit.
78

Normalmente a renda dos brancos é o dobro da dos negros. A taxa de analfabetismo se


acentua duas vezes mais na população negra, sendo que os brancos têm, pelo menos,
dois anos a mais de estudos que esses. E a expressão mais intensa é sobre a pobreza
dos afrodescendentes, que segundo o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada
(Ipea), apenas 20% dos brancos são considerados pobres enquanto o percentual
calculado para a população negra gira em torno de 47% 200.
Conscientizados sobre a situação atual acima, as instituições que se
responsabilizam pela política patrimonial brasileira vêm dando mais atenção aos grupos
minoritários tentando aliar seus interesses, em parceria com os dos órgãos
internacionais, com auxílio da UNESCO201202.
Patrimônio vem da palavra pater, que em tradução do latim significa pai, ou seja,
seria a herança familiar que um pai deixa ao seu filho. Dessa maneira a palavra
patrimônio começou a ser utilizada a tudo que é criado por alguém, valorizado pelo
mesmo e desejado que seja preservado. Como exemplo se pode elencar obras,
monumentos, festas, arte, músicas danças, comidas, saberes, falares, afazeres e
outros203.
O Iphan, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, é uma autarquia
governamental federal, criada em 1937, responsável pela preservação de divulgação do
patrimônio material e imaterial do país. Segundo o próprio instituto o que constitui o
patrimônio cultural de um povo é “o conjunto de saberes, fazeres, expressões, práticas
e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse povo” 204.
O patrimônio cultural social pode ser também escolhido por representantes
estatais, por meio de leis, instituições e políticas direcionadas. A escolha é feita a partir

200 MENEZES, Suelen. A força da cultura negra: Iphan reconhece manifestações como patrimônio
imaterial. Disponível em:
<www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1232:reportagens-
materias&Itemid=39>. Acesso em: 26/03/2021.
201 ABADIA, 2010. p. 45. Acesso em: 26/03/2021.
202 COSTA, 2015.
203 CULTURA. Patrimônio cultural: o que é? Disponível em: <www.cultura.al.gov.br/politicas-e-
acoes/patrimonio-cultural/principal/textos/patrimonio-cultural-o-que-e>. Acesso em: 26/03/2021.
204 Id. Acesso em: 26/03/2021.
79

da opinião pública, uma vez que é voltando a coletividade, a respeito do que é


considerado mais importante para a população, á partir de seus valores 205.
Segundo o artigo 216 da Constituição Federal Brasileira:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material


e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento
e preservação.
§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da
documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a
quantos dela necessitem.
§ 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e
valores culturais.
§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quilombos.
§ 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de
fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida,
para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação
desses recursos no pagamento de:
I - despesas com pessoal e encargos sociais;
II - serviço da dívida;
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos
investimentos ou ações apoiados.206

O patrimônio pode ser classificado de duas maneiras: material e imaterial. O


material é o conjunto de bens culturais, de acordo com sua natureza e os quatro livros
do tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes
aplicadas. A Constituição Federal, em seus artigos 215 e 216 ampliou a noção de
patrimônio cultural, incluindo outras formas de preservação como a do Registro e
Inventário pelo Decreto-Lei 25 de 1937, se adequando ao anteparo de edificações,

205 CULTURA. Acesso em: 26/03/2021.


206 BRASIL2. Acesso em: 25/03/2021.
80

paisagens e conjuntos históricos urbanos. Os bens de tombamento podem ser imóveis,


móveis ou bens individuais207208.
O patrimônio imaterial é definido pela Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e a Cultura, denominada como UNESCO. As práticas direcionadas
aos domínios da vida em sociedade, ofícios, modos de fazer, celebrações, formas
cênicas, plásticas, por meio musical ou lúdicas em locais que abrangem uma
quantidade significativa de pessoas (mercados, santuários, feiras). A Constituição
Federal Ampliou nos seus artigos 215 e 216 as noções de patrimônio cultural
reconhecendo de inclusão a ser preservado tanto pelo Estado quando pela sociedade,
uma vez que os bens imateriais são transferidos de geração para geração, recriados
socialmente de acordo com seu ambiente, história contribuindo assim para a
diversidade cultural.
A UNESCO define como patrimônio imaterial

[...] as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com


os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados
– que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos,
reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.

Segundo o Decreto nº 3551/2000 criado pela IPHAN, é possível atender todas as


determinações e urgências legais, alem de criar instrumentos para a preservação
desses bens imateriais, uma vez que foi instituído o Registro de Bens Culturais de
Natureza Imaterial, criado o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) e
consolidado o Inventário Nacional de Referencias Culturais (INCR). Instituído pelo
Decreto nº 7387/2010 uma política rígida e consistente foi implementada com a criação
do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL) valorizando as línguas de
referência à identidade, ação e memória dos diversos grupos formadores da sociedade
brasileira209210.

207 IPHAN. Patrimônio Material. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/276>.


Acesso em: 26/03/2021.
208 CULTURA. Acesso em: 26/03/2021.
209 IPHAN, op. cit. Acesso em: 26/03/2021.
210 CULTURA, op. cit. Acesso em: 26/03/2021.
81

Segundo a Revista do Patrimônio Negro Brasileiro, n° 25, edição de 1997, até


Gilberto Freire já escrevera em algum canto que o brasileiro é negro quando se
expressa com sinceridade. Só bastaria eliminar o que pode ser cópia de algo que não
nos pertence de origem211.
Negro, palavra que desde os primórdios é interpretada como sinônimo de algo
negativo, pejorativo, feio, ruim, também pode ser substância considerada elemento x
que acelera ou retarda reações que se produzem. Um exemplo claro é de que o afro-
brasileiro não nos deu a língua, nem a base inicial da fala, mas foi ele quem ensinou a
falar o português, tanto o povo das minas, da selva, do litoral, do sertão e inclusive
àqueles que eram zelados por amas negras 212.
Nossa língua tem um sabor acentuado africano em várias palavras do nosso
vocabulário como neném, mimi, cacá, auau e outras, abrandamento agradável aos
ouvidos, que se deu pelas amas negras junto as crianças do senhor branco. Os nomes
próprios são exemplos claros dos que mais se amaciaram, Franciscos ficaram Chico,
Chiquinho, Chicó, Albertos também como Bebetos, Betinhos, Beto e a linguagem em
geral foi perdendo a seriedade, desde o contato do senhor com o escravo 213.
Nota-se que no plano linguístico é complicado isolar o patrimônio afro-brasileiro,
até porque mesmo com quatrocentos anos sendo escravizados, judiados e com tudo
que lhes foram tirados, permaneceram sendo africano, reinventando a língua que
falamos hoje e ainda ensinando aos brasileiros 214.
Outro local em que há invisibilidade no patrimônio do negro brasileiro é no
esporte nacional conhecido mundialmente como futebol, trazido por ingleses. Em 1920
o esporte tinha se popularizado entre os negrinhos que jogavam mesmo sem grama,
com bolas aos pedaços, porém era esporte para brancos 215.
Só admitiam jogadores de gorra e maquiados, Carlos Alberto conhecido como
“pó de arroz” teve esse apelido na época devido às exigências a serem cumpridas para

211 SANTOS, Joel Rufino dos (Org.) Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Nº 25,
1997. p. 6-10. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/RevPat25_m.pdf>. Acesso
em: 26/03/2021.
212 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
213 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
214 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
215 SANTOS, loc. cit.. Acesso em: 26/03/2021.
82

poder jogar. Só em 1930 houve a profissionalização do futebol, os negros viraram a


maioria inventando o jeitinho brasileiro, inclusive conhecido até hoje, de se jogar bola. O
Brasil passa a ser conhecido como “O País do Futebol” e o melhor, com a figura do
negro estampado de exemplo de jogador 216.
Outro caso de representação fora do bumba-meu-boi em que seu enredo original
narra a história de uma negra com desejos gravídicos de comer língua de boi, o que
leva seu marido, que também era escravo, a matar o animal mais lindo do pasto, que
também era o favorito do seu senhor. Após a separação de todas as partes do animal, o
negro foge, porém é descoberto, capturado e punido. Com a ajuda de um pajé, o
fazendeiro solicita que ressuscitem o animal e assim fora feito. Todos os anos são
encenados a morte e a ressurreição de Ápis 217.
A difusão da mitologia foi realizada pelo negro, ou seja, onde houve escravidão
consequentemente houve boi. E o fato de subtrair o contexto da cultura europeia
acrescentando apenas a lembrança africana, fez-o patrimônio218.
O fato é que o processo civilizatório dos negros perambula num ambiente
pesado, meio que não evolui no pensamento dos brasileiros, isso desde quando tentou
designar a nação para um local onde a maioria negra e mestiça era excluída
socialmente. Nos anos de 1970 mesmo com os movimentos negros, a luta só foi
direcionada para evidenciar mais o racismo de uma maneira explicita, não conseguindo
combater a desigualdade social entre brancos e negros, se perpetuando até hoje 219.
Aproximadamente em 1950, um sociólogo brasileiro chamado Guerreiro Ramos,
chegou a conclusão de que o real problema do negro seria o fato de ser mero sintoma
da patologia do branco, não aceitando cedê-las ao domínio da antropologia, classe
estudada e desenvolvida nos estados de maior presença negra 220.
A sua crítica era baseada nos precursores negros como Nina Rodrigues, Arthur
Ramos e Oscar Freire que equiparavam em nulidade científica a Debret Kidder e

216 SANTOS, 1997. p. 6-10. Acesso em: 26/03/2021.


217 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
218 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
219 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
220 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
83

outros. Ou se considerava negro sendo protagonista social e político sem distinção do


branco, ou nada221.
O sociólogo não era preto de pele bem escura e retinta, pertencia a parte
miscigenada, mas continuou escolhendo ser negro e dessa opção tirou suas próprias
conclusões e consequências:
Então em primeiro lugar, percebe-se suficiência postiça do sócio-antropológico
brasileiro quando trata do problema do negro do Brasil. Há de ultrajante na atitude de
quem trata o negro como um ser que vale enquanto ‘aculturado’, identificando o
equívoco do etnocentrismo do ‘branco’ brasileiro ao sublinhar a presença do negro
mesmo quando perfeitamente identificado com ele pela cultura. Descortinando a
precariedade da brancura como valor, converte-se o ‘branco’ brasileiro, sôfrego de
identificação com o padrão estético europeu, em um caso de patologia social. Passa-se
a considerar o preto brasileiro, ávido de embranquecer se embaraçando com a sua
própria pele, também como ser psicologicamente dividido. Descobre-se legitimidade de
elaborar uma estética social de que seja um ingrediente positivo a cor negra, afigurando
possível uma sociologia científica das relações étnicas, compreendo que a solução do
que, na sociologia brasileira se chama o ‘problema negro’, seria uma sociedade em que
todos fossem brancos222.
Diante da reflexão acima o negro não é mais uma raça, passando a ser algo
lógico pela cultura popular, cor, estética negroide, consciência da sua própria negritude
e como se autovaloriza223.
Apesar de ser obrigado a condição de escravo, o negro não deixou de interagir
na vida nacional, tanto reagindo quanto participando de atos que formassem a nação
brasileira mesmo dentro das condições impostas do sincretismo, que caracterizou os
brasileiros224.
Além do povoamento negro espalhado pelo território brasileiro, ocuparam terras
e fizeram delas cultivos, com seus próprios trabalhos estabelecendo enfim o espírito de

221 SANTOS, 1997. p. 16-17. Acesso em: 26/03/2021.


222 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
223 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
224 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
84

liberdade através da formação de quilombos, que eram locais afastados como serras ou
em florestas, onde se reuniam negros fugitivos de localidades próximas 225.
Esses quilombos existem em várias localidades do Brasil, abrigando
afrodescendentes que passavam a ter a vida organizada a sua maneira. Um dos mais
conhecidos foi o Quilombo dos Palmares, mesmo sem muitas informações de sua
organização interna, localizado em Pernambuco, ocupando uma área grande226.
O quilombo dos Palmares é o que se tem mais informações cujo era mais
desenvolvido também, conta-se que por mando do Governador da época, fizeram uma
busca contra os negros da Guiné que se escondiam nesse quilombo, pois cometiam
assaltos e correrias na região. Houve grandes invasões contra o quilombo, a última em
1694 derrotou os quilombolas e destruiu o quilombo dos Palmares 227.
Esse não foi o único quilombo no território alagoano, mas sim o mais importante.
Também há relatos de inúmeros quilombos na Bahia, talvez pela enorme quantidade de
entrada de escravos pelo local. Em Minas Gerais, Mato Grosso, também se
expandiu228.
As condições de escravo não permitiam o negro ascender, uma vez porque não
possuíam meio nem acesso para melhorarem suas situações ou as de seus
consanguíneos. A ascensão poderia ocorrer se o senhor apoiasse ou emancipasse o
escravo, que era raríssimo, mas foi o caso de André Rebouças e de Juliano Moreira, na
época do Brasil República229.
O primeiro se tornou engenheiro, tendo suas obras nos salões sociais acolhidos
da melhor maneira, apesar da sua pele escura. O segundo virou cientista, médico, um
dos primeiros a dar assistência aos doentes mentais, com significativo reconhecimento
nos nomes mais relevantes da medicina brasileira230.

225 SANTOS, 1997. p. 16-17. Acesso em: 26/03/2021.


226 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
227 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
228 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
229 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
230 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
85

Outra mestiça notável por seus estudos sobre os negros no Brasil, fora Nina
Rodrigues, pois a partir de seus estudos na área da medicina legal, passou a se
desenvolver pesquisas sobre inúmeras contribuições de afro-brasileiros231.
Mesmo que sua obra seja marcada por alguns preconceitos que eram comuns
na sua época, seus estudos eram extremamente relevantes e ainda são para a cultura
negra. Ainda no campo científico temos Tobias Barreto que tentou projetar a influência
germânica no pensamento brasileiro232.
Já nas letras, ainda contemplado até a atualidade, temos Machado de Assis,
mesmo que em toda a sua obra tenha projetado esquecer suas origens, pelo meio
cultural em que vivera233.
Neste mesmo campo, fora mais frequente o número de negros presentes como
Luís Gama e Cruz e Souza filho de escravos, reconhecido como um dos maiores
poetas do seu tempo, que homenageou sua genitora em uma de suas poesias de nome
“a mais linda pretinha”. Relata-se que nem todos os poetas descreviam seu cotidiano
ou dedicavam seus versos a suas origens, muito deles faziam relatos de gente branca e
de mulheres desejadas de pele bem clara, como Caldas Barbosa, Silva Alvarenga e
Teixeira e Souza234.
Essa situação explica o processo de tentativa de inserção do negro africano e de
seus herdeiros na sociedade brasileira. Esse tipo de situação é comum até hoje em que
o negro se relaciona com pessoas brancas para enfim se sentir inserido socialmente.
Ademias, por mais astuto que o negro seja o branco sempre exercerá um ar ou senso
de inferioridade sobre ele, essa maneira foi articulada melindrosamente, mexendo
profundamente com o psicológico dos mesmos, para que o eles permanecesse ainda
dentro da ordem colonial do branco235.
Poetas ou escritores de cor foram José Patrocínio com destaque na campanha
abolicionista, Gonçalves Crespo, Lima Barreto, Laurindo Rabelo, Gonçalves Dias,
Manuel Querino, B Lopes e outros. Os poetas brancos que em grande maioria se

231 SANTOS, 1997. p. 16-17. Acesso em: 26/03/2021.


232 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
233 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
234 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
235 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
86

voltam ao negro e ao seu sofrimento, com exceção de Jorge Lima o que mais retratou o
elemento negro no meio social brasileiro236.
Destaca-se Carolina Maria de Jesus, romantista, ex-catadora, que descreve sua
vivência na favela, que na data de 25/02/2021 aclamada por unanimidade, no conselho
universitário da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) ganhou o título póstumo
de doutora honoris, pela obra Quarto de Despejo. A honraria Honoris Causa é o mesmo
que “por causa de honra” é dada àquela(e) independente da sua formação educacional,
devido ao destaque por suas virtudes, méritos ou atitudes 237.
A época do barroco em Minas Gerais, Pernambuco, Maranhão, Bahia e em
outros locais mesmo que de forma menor, foi onde o negro encontrou a oportunidade
de revelação do seu espírito criativo. A figura do Aleijadinho, chamado Antônio
Francisco Lisboa, Valentim da Fonseca e Silva, Miguel da Cunha 238.
Na contemporaneidade esse caminho se estreita apenas alguns nomes
aparecem como Heitor dos Prazeres pintor e músico, Ana ceramista, José Maria de
Souza pintor e gravador, Deoscorides Maximiliano de Sousa escritor e escultor, Agnaldo
Manoel dos Santos escultor, Hélio de Oliveira xilogravor, o que não exclui vários outros
representantes. Nem sempre os artistas apresentam sua obra ou trabalho direcionado
ao negro em si, mas sempre contribuem expressando elementos negros 239.
No campo musical pode-se elencar que desde o tempo colonial, haviam
escravos que compunham o grupo de bandas musicais, é o que se conhece sobre
Felisberto Caldeira Brant, Thomas Lindley que possuíam bandas compostas por
negros. Outro exemplo é a composição da banda de negros e índios localizada no Rio
de Janeiro, avistada pelo viajante Martius em 1817. Essas pessoas eram treinadas por
pessoas que já tinham conhecimento na área há muito tempo 240.

236 SANTOS, 1997. p. 16-17. Acesso em: 26/03/2021.


237 CORREIO BRAZILIENSE. Ex-catadora, Carolina Maria de Jesus é doutora honoris causa pela
UFRJ: Autora de Quarto de despejo, escrito em papéis e cadernos recolhidos do lixo, ela foi aclamada
por unanimidade no conselho universitário da federal do Rio de Janeiro. Disponível em:
<www.correiobraziliense.com.br/euestudante/ensino-superior/2021/02/4908793-ex-catadora-carolina-
maria-de-jesus-e-doutora-honoris-causa-pela-ufrj.html>. Acesso em: 26/03/2021.
238 SANTOS, op. cit.,p. 16-17. Acesso em: 26/03/2021.
239 Ibid., p. 17-19. Acesso em: 26/03/2021.
240 Ibid., p. 19-21. Acesso em: 26/03/2021.
87

Há notícias que na época tinha uma orquestra de 80 pessoas e um coro de 70


pessoas, todos compostos por negros, pertencentes a D. Mariana Barbosa, Baronesa e
Condessa do Rio Novo. Escravos com esses dons musicais sejam sozinhos ou
formando orquestras, eram sempre comentados por viajantes ou cronistas241.
Também tinha bandas de barbeiros que tocavam dobrados, quadrilhas e
fandangos. Tornaram-se populares e se espalharam por toda parte, Bahia,
Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A música por natureza sempre fez parte
da vida do negro, em todas as oportunidades cantavam, dançavam, festavam e
consequentemente influenciou nas formações das escolas de samba, onde o papel do
negro é importante242.
Na música erudita, o padre José Maurício Nunes Garcia alcançou posição alta e
requisitada, na corte de Pedro I, mesmo com sua cor escura. Seu nome é o mais
representativo nesse ramo243.
Compositores mineiros do período colonial, como José Joaquim Emérico, Lobo
de Mesquita, Marcos Coelho e Francisco Gomes da Rocha, compunham a Escola
Mineira, influenciados pela música negra e composições africanas que fora sucedido a
compositores brasileiros atuais244.
Villa Lobos pode ser um exemplo com seus Choros, Danças Africanas, Xangô,
músicas não só com a temática africana, mas também com sua expressão rítmica
nítida. Alexandre Levy com samba, Alberto Nepomuceno com o batuque, Lorenzo
Fernandez com dois batuques um da ópera outro do pastoreiro, Francisco Mignone
autor de congada, maracatu do chico rei, batucada e babalorixá 245.
Ainda nomes de compositores que utilizaram da temática negra como Itiberê da
Cunha, Francisco Braga, Brasílio Itiberê, Luciano Gallet, Jaime Ovale, Camargo
Guarnieri, Hekel Tavares, José Siqueira, Ernesto Nazaré e outros 246.
Se avançarmos para a música popular o negro se expressa ainda de forma mais
gritante, como Ataulfo Alves que além de compositor ainda fora interprete,

241 SANTOS, 1997. p. 19-21. Acesso em: 26/03/2021.


242 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
243 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
244 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
245 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
246 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
88

permanecendo nas composições mais significativas do cenário popular musical


brasileiro. Ainda nos compositores que o elemento negro se destaca, podemos lembrar
de Pixinguinha conhecido pelos choros, Zé Kéti compositor de músicas carnavalescas,
Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Dorival Caymi, Clementina de Jesus,
Cartola247.
A participação do negro na área teatral vem de festejos e representações como
Congo, Bumba-meu-boi, Congada que eram folguedos, comemoradas em momentos
determinados e datados do folclore brasileiro. Um nome que ouviu se falar por
cronistas, pela representação de enorme êxito, fora de um ex-escravo, conhecido como
Vitoriano, que interpretou O Tamerlão Pérsia em Cuiabá-MT248.
A partir da segunda metade do século 19 que surgem peças com figuras de
representatividade negra, antes disso eram apenas brancos que faziam black face (se
pintavam de preto para o papel). Exemplos de peças são: “O Cego” – 1849; “O Escravo
Fiel” - 1858; “Cancros Sociais” - 1865; “O Escravo” – 1866; “O Negro” – 1879; “O
Escravocrata” – 1882 e outros249.
Na atualidade muito tem se escrito, em que o negro ganha o papel principal.
Temos “Orfeu da Conceição” de Vinicius de Morais; “Um caso de Kelé” de Fernando
Campos; “O cavalo do Santo” de Augusto Boal; “Yansã Mulher de Xangô” de Zora
Seljan; “Os irmãos Negros” de Klayner Veloso; “O processo do Cristo Negro” de Ariano
Suassuna, “Caim e Abel” de Evan Ban e outras peças 250.
No teatro de Martins Pena sempre há o personagem de um menino e em torno
dele se desenrolam as principais cenas e acontecimentos o que ocorre também com
José de Alencar em especial, na peça “O demônio familiar”251.
Outra iniciativa que pode ser elencada é de Abdias Nascimento, fundador do
Teatro Experimental do Negro em 1944, onde fora criado atividades direcionado a

247 SANTOS, 1997. p. 19-21. Acesso em: 26/03/2021.


248 Ibid., p. 22-23. Acesso em: 26/03/2021.
249 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
250 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
251 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
89

alfabetização e iniciação cultural para negros, seminário com grupo terapia, curso de
artes plásticas e outras252.
O teatro folclórico brasileiro fundado por Solano Trindade e Haroldo Costa
originou o grupo Brasiliana, composto por negros e mulatos, convertido depois em
ballet, que entrou em tournée pela América do Sul, África do Norte e Europa. Já o
Teatro Popular Brasileiro levou seu grupo com seus espetáculos fenomenais à Polônia
e a Tcheco Eslováquia no Festival de Varsóvia253.
Santos de Morais ainda realçou o negro como tema principal na sua peça “Rei
Zumbi”, que traz a narração do quilombo dos Palmares e sua destruição, além da
trágica morte do chefe Zumbi. Por fim temos Tereza Santos e Eduardo de Oliveira que
apresentam no Teatro do Museu de Arte de São Paulo, “E agora Falamos de Nós”,
contando a história da vida do negro brasileiro, desde a vinda da África até os dias
atuais254.
O negro teve sua glória no cinema após 1960, mas infelizmente não houve uma
saga de filmes ou um cinema direcionado a ele. A sua participação teve três fases,
primeiro acompanhando os padrões americanos, em que o negro ficava em segundo
plano, quase sempre ausente. A segunda fase o negro até surge como um sujeito, mas
do ponto de vista do branco, sendo aquele de pele escura, mas de alma branca, esse
período é marcado por “Grande Otelo” com suas comédias na música. E por último,
mas não menos importante, filmes direcionados a adversidades relacionadas aos
negros com a intenção de vasculhar a essência desses problemas 255.
No cinema brasileiro apenas o que se conhece são atores, mas nenhum técnico
especialista em si capaz de realizar grandes filmes. É curta a relação de filmes de
negros ou sobre negros, temos “Moleque Tião” de 1943, “A escrava Isaura” de 1949
(primeira versão de 1929), “Também Somos Irmãos” de 1949, “Rio 40 Graus” e “Rio
Zona Norte” de 1955 e 1957, “Sinhá Moça” de 1953, “Orfeu de Carnaval” de 1959,
“Aruanda” de 1960, “Barravento” de 1962, “Ganga Zumba” de 1963, “Bahia de Todos os

252 SANTOS, 1997. p. 22-23. Acesso em: 26/03/2021.


253 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
254 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
255 Ibid., p. 24-27. Acesso em: 26/03/2021.
90

Santos”, “Assalto ao Trem Pagador”, “Macunaíma”, “Quando o Carnaval”, “Xica da


Silva” e outros256.
Cabe acrescentar que Zezé Mota, artista que se destacou em “Xica da Silva”,
uma das maiores presenças do cinema brasileiro. Muitos dos atores vieram do teatro,
indo para cinemas, novelas ou programas de televisão 257.
Os séculos 20 e 21 são os que tiveram e incluíram os afrodescendentes com
uma participação elevada em teatros e cinemas. Mesmo que isso ocorra ainda temos
discussões em volta de preconceitos por trás das câmeras e enredos. Um exemplo
atual é do filme “Soul” lançado pela Disney em 2021, em que o protagonista é negro,
porém o mesmo passa a maior parte do filme sendo uma alma de cor branca e azul. As
críticas giram em torno do racismo, pois toda vez que há o negro como ator principal ele
vira ser inanimado ou se ele pertence ao filme possui algum papel estereotipado 258.
A Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9394/96) que estabelece os feitos da
educação nacional, em seu artigo 26-A implementou no ano de 2008, pela redação da
Lei nº 11.645, o estudo obrigatório da cultura afro-brasileira e indígena nos ensinos
fundamentais e médios259. Porém, essa realização não teve suas expectativas
atendidas, uma vez que, muito dos profissionais que se submetem a ensinar, possuem
uma ideia equivocada referente a igualdade de raças, não achando necessário o ensino
das culturas acima citadas. À vista disso, apenas a comemoração do Dia do Índio no
dia 19 de Abril e da Consciência Negra em 20 de novembro são considerados
suficientes para abranger os conteúdos necessários dessas áreas 260.
A princípio o assunto girava em torno daqueles que aceitavam as
condições impostas e faziam de tudo, inclusive até pesquisas próprias por falta de
materiais didáticos suficientes para passar aos estudantes e também daqueles que se

256 SANTOS, 1997. p. 24-27. Acesso em: 26/03/2021.


257 SANTOS, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
258 UOL. 'Soul' é um filme racista? Pixar faz história com seu 1º protagonista negro. Disponível em:
<www.uol.com.br/splash/noticias/2020/12/27/soul-e-um-filme-racista-pixar-faz-historia-com-seu-1-
protagonista-negro.htm>. Acesso em: 26/03/2021.
259 BRASIL6. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em:
27/04/2021.
260 RODRIGUES, Luiz Otávio Pereira; OLIVEIRA, Ingrid Santana; REIS, Maria Clareth Gonçalves.
Desafios na implementação do art. 26-a da LDB 9.394/96 na educação infantil. Disponível em:
<http://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/42422>. Acesso em: 27/04/2021.
91

juntavam para resistir em cumprir com as condições impostas por intolerância religiosa.
Muitos associavam o ensino da cultura indígena e afro-brasileira a pratica do culto de
tais religiões, por isso também não se sentiam confortáveis em passar os conteúdos
impostos, criando assim um embate entre gestores e professores 261.
Destaca-se que o conhecimento dessas culturas e o incentivo das
mesmas abririam caminhos vastos para muitos autoconhecimentos, pois várias pessoas
ainda possuem dificuldades de se encontrarem socialmente, de autodeclararem sua
própria cor, origem e outras questões mais profundas 262.

261 RODRIGUES; OLIVEIRA; REIS. Acesso em: 27/04/2021.


262 Ibid. Acesso em: 27/04/2021.
92

4. MATRIZES AFRICANAS E INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

4.1 INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E OPRESSÃO HISTÓRIA: EXPRESSÃO


RELIGIOSA DE GRUPOS DOMINADOS

A liberdade de crença é assegurada pela Constituição Federal, que junto dela


necessita da validez prática, para que toda religião possa ser exercida sem nenhuma
contrariedade ou incompreensão. Por outro lado, há a intolerância e o preconceito em
torno das religiões de matrizes africanas, representando um dos lados mais desumanos
do racismo brasileiro. Religiões consideradas minoritárias como espiritismo, budismo,
judaísmo e outras também são devastadas e discriminadas, assim como as de matrizes
africanas263.
Negar a história e a herança negra, não considerando aqueles que tiveram
papéis importantes nela além de inferiorizá-la, também despreza a grandeza e a
riqueza cultural vinda dos africanos que aqui se instalaram. Até pouco tempo atrás
antes da abolição da escravatura, a própria lei em parceria com a ajuda policial, punia
todos àqueles que não seguiam de acordo com as regras, às vezes até com castigo
severos levando até a morte, por não cultuarem a religião imposta que era o
catolicismo264.
Atualmente a lei consequentemente determina a igualdade perante todo tipo de
culto e religião, mas no campo da prática há muita rebeldia, desobediência e
principalmente desrespeito para com o direito de cada ser. São diárias as ofensas
agressivas, violentas e criminosas direcionadas a terreiros, templos, espaços sagrados,
nas mídias como a televisão ou diretamente voltadas a pessoas que cultuam essas
religiões. Destaca-se que a lei vale para todos e só com o trabalho em comunidade
podemos ver mais legitimidade265.

263 Campanha em Defesa da Liberdade de Crença e Contra a Intolerância Religiosa. Disponível em:
<https://pt.scribd.com/document/27671573/cartilha-contra-intolerancia>. Acesso em: 26/03/2021.
264 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
265 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
93

Na época da escravidão em que o Brasil ainda era uma colônia de Portugal, as


leis eram extremamente rígidas, com penas corporais para pecados considerados
heresias, negação ou blasfêmia de Deus, fora do campo do catolicismo 266.
O Código de 1830 que elucidava os crimes considerava: culto de religião que
não fosse a oficial, manifestação de ideias contrárias ou chacotas contra o catolicismo,
como atos criminosos. O decreto de 1832 forçava os escravos a se converterem a
religião oficial do Império. Aquele que praticasse feitiçaria teria como castigo a pena de
morte267.
Mesmo com a abolição dos escravos e a proclamação da República, abolindo a
regra da religião oficial, a situação para com algumas religiões permaneceu igual,
espiritismo e curanderismo ainda eram considerados crime 268.
Ressalta-se que até meados de 1976 no estado da Bahia, havia uma lei que
obrigava terreiros de religiões de matrizes africanas a se cadastrarem na Delegacia de
Polícia mais próxima. Na Paraíba, outra lei aprovada em 1966 obrigava sacerdotes e
sacerdotisas do local a se subordinarem a exames de sanidade mental, por laudos de
psiquiatras269.
Era corriqueiro o importunamento de policiais, tanto em perseguições quanto em
prisões ou invasões de terreiros. Nos tempos atuais ainda acontece, mas com bem
menos frequência270.
A forma de melhora é só uma, com muita conscientização, organização de cada
ato praticado, união e principalmente, conhecimento dos direitos 271.
O estado desde a constituição de 1891 se declara laico, isso significa que não
possui religião, nem dá apoio a qualquer outra. Por lei, ele não pode eleger nenhuma
religião como verdadeira, falsa superior ou inferior, ele é neutro para com todas,
respeitando-as272.

266 Campanha em Defesa da Liberdade de Crença e Contra a Intolerância Religiosa. Acesso em:
26/03/2021.
267 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
268 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
269 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
270 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
271 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
272 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
94

A própria Constituição protege a liberdade de crença, culto além de proteger


esses direitos contra as descriminações, que são invioláveis. Segundo a mesma,
podemos afirmar que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação
legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em
lei.273

Nesse mesmo sentido, no julgamento do Recurso Ordinário 146303, a 2ª Turma


do Supremo Tribunal Nacional, rejeita recurso de pastor que fora condenado por
postagens na internet que ofendiam seguidores de outras religiões, pregando inclusive
até o fim de alguma delas. Segue abaixo o processo relatado:

Recurso ordinário em habeas corpus. Denúncia. Princípio da correlação.


Observância. Trancamento da ação penal. Descabimento. Liberdade de
manifestação religiosa. Limites excedidos. Recurso ordinário não provido. 1.
Inexiste violação do princípio da correlação quando há relação entre os fatos
imputados na denúncia e os motivos que levaram ao provimento do pedido da
condenação. 2. O direito à liberdade religiosa é, em grande medida, o direito à
existência de uma multiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que se
vinculam e se harmonizam – para a sobrevivência de toda a multiplicidade de
fés protegida constitucionalmente – na chamada tolerância religiosa. 3. Há que
se distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria crença e nas
razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente quando se
faça com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus seguidores).
Um é tipicamente a representação do direito à liberdade de crença religiosa;
outro, em sentido diametralmente oposto, é o ataque ao mesmo direito. 4.
Como apontado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgado recorrido, a
conduta do paciente não consiste apenas na “defesa da própria religião, culto,
crença ou ideologia, mas, sim, de um ataque ao culto alheio, que põe em risco
a liberdade religiosa daqueles que professam fé diferente [d]a do paciente”. 5.
Recurso ordinário não provido.274

273 BRASIL2. Acesso em: 26/03/2021.


274 BRASIL16. Supremo Tribunal Federal. Recurso ordinário em habeas corpus. Denúncia. Princípio
da correlação. Observância. Trancamento da ação penal. Descabimento. Liberdade de
95

Outrossim, no julgamento do caso do escritor Sérgio Ellwanger, Habeas Corpus


82424, a Turma do Supremo Tribunal, negou provimento da ação por crime de racismo
contra judeus, que é inafiançável. Ou seja, nesse caso, Sérgio não poderia pagar fiança
para responder em liberdade, ainda podendo ser punido em qualquer tempo. A pena
prevista para crime de discriminação religiosa pode chegar a cinco anos de reclusão.
Aquele que se sentir atingido pode procurar a Delegacia mais próxima e fazer o
boletim da ocorrência, o Delegado em seguida instaurará o inquérito, colherá as provas
necessárias e enviará ao Judiciário o relatório feito para que assim seja dado início ao
processo penal275.
O caso citado, que teve grande repercussão foi o do Habeas Corpus
82424/RS276, conhecido como Caso Ellwanger, envolvendo conceitos de raça, racismo,
etnia e antissemitismo. Ressaltou como a sociedade lidou juridicamente com esses
processos de construção cultural.
A proposição feita por Siegfried Ellwanger Castan (1928-2010), industrial e editor
gaúcho era em torno da negação do holocausto judeu ocorrido na Segunda Guerra
Mundial. Por meio da sua editora e livraria, cujo nome era Revisão Editora LTDA,
publicava obras de sua autoria, ora negando as atrocidades ocorridas no período ora
disseminando seus livros, sempre a favor da luta nazista de Adolf Hitler impondo sua
discriminação racial contra judeus. Para dar maior ênfase em seu material, organizou
ainda um Centro Nacional de Pesquisas Históricas 277278279.

manifestação religiosa. Limites excedidos. Recurso ordinário não provido. RHC 146303 - Recurso
Ordinário em Habeas Corpus. Relator: Edson Fachin. Brasília, 06 de março de 2018. Disponível em:
<https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur388361/false>. Acesso em: 26/03/2021.
275 Campanha em Defesa da Liberdade de Crença e Contra a Intolerância Religiosa. Acesso em:
26/03/2021.
276 BRASIL15. Supremo Tribunal Federal. HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-
SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA
CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. HC 82424 –
Habeas Corpus. Relator: Moreira Alves. Brasília, 17 de setembro de 2003. Disponível em:
<https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=tru
e&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&page=1&pageSize=10&queryString=hc%2082424&sort=
_score&sortBy=desc>. Disponível em: 26/03/2021.
277 Ibid. Disponível em: 26/03/2021.
278 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL1. HABEAS CORPUS 82.424-2 RIO GRANDE SO SUL. Disponível
em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79052>. Acesso em:
27/04/2021.
96

Em uma de suas obras de nome “Holocausto Judeu ou Alemão: nos bastidores


da mentira do século” (1987), alegou a inexistência de câmaras de gás nos campos de
concentração, ainda afirmando que os locais eram apenas campos de trabalho forçado,
não de locais para extermínio populacional. Em sua ideologia, o holocausto judeu seria
uma farsa contada. Baseado nisso o Ministério Público de Porto Alegre, a desfavor das
obras publicadas por Ellwanger, denunciou-o contra racismo. A denúncia foi acatada em
1990 e as obras foram apreendidas após um ano de processo. No ano de 1995
Ellwanger fora absolvido em primeira instância por crime de racismo e houve recurso
em que a 3ª Câmara do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul vedou a distribuição de
seus livros280281282.
O Movimento Popular Anti Racista (MOPAR), que abrangia representantes do
Movimento Judeu, Movimento Negro e Movimento de Justiça e Direitos Humanos,
somou uma nova denúncia no ano de 1996 contra Ellwanger, pelo fato do mesmo estar
vendendo seus livros na Feira do Livro em Porto Alegre. O resultado foi a condenação
de quase dois anos de reclusão pela indução e incitação ao preconceito e
discriminação presente no artigo 20 da Lei nº 7.716/1989, mais serviços
comunitários283284285.
Mesmo não gerando reclusão, esse caso chegou ao Supremo Tribunal Federal
pelo pedido de Habeas Corpus nº 82.424 favorecendo Ellwanger, com a argumentação
de que seus livros não tipificavam racismo, pois judeus são considerados um povo, não
uma raça286287288.
Na Constituição Federal Brasileira em seu artigo 5º XLII estabelece os preceitos
sobre o racismo:

279 ENSAIO E NOTAS. Resumo: o caso Ellwanger. Disponível em:


<https://ensaiosenotas.com/2018/05/23/resumo-o-caso-ellwanger/>. Acesso em: 27/04/2021.
280 BRASIL15. Disponível em: 26/03/2021.
1
281 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . Acesso em: 27/04/2021.
282 ENSAIO E NOTAS. Acesso em: 27/04/2021.
283 BRASIL15, op. cit. Disponível em: 26/03/2021.
284 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL1, op. cit. Acesso em: 27/04/2021.
285 ENSAIO E NOTAS, op. cit. Acesso em: 27/04/2021.
286 BRASIL15, op. cit. Disponível em: 26/03/2021.
287 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL1, op. cit. Acesso em: 27/04/2021.
288 ENSAIO E NOTAS, op. cit. Acesso em: 27/04/2021.
97

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à
pena de reclusão, nos termos da lei;289

Os votos dos Ministros que foram contra o HC caracterizaram o antissemitismo


uma forma de racismo explicita, discriminando diretamente o povo judeu, ofendendo a
dignidade humana. Ressalta-se que a Constituição Federal é totalmente contra toda
forma de preconceito e discriminação ou atentado a dignidade do ser humano. Os votos
que foram a favor adotaram a liberdade de expressão como argumento, além da
atipicidade do crime, pois a lei que a tipificou foi promulgada depois do delito e por fim,
não consideraram judeus como uma raça, logo não se enquadraria em crime de
discriminação racial ou racismo, excluindo a punibilidade 290291292.
O plenário do Tribunal chegou a conclusão de que o racismo se evidencia contra
princípios em que se instituem a sociedade, com base no respeito, dignidade do ser
humano e seu convívio no meio social. Logo a publicação de obras anti-semitas que
pretendem dar crédito à concepção racial que era definida pelo regime nazista,
negando fatos históricos de judeus, equivale a discriminação com conteúdo racista
pelos fatos graves em que se concederam293294295.
Os Ministros presentes reconheceram não de forma unânime que, a conduta de
Ellwanger explicitamente manifestou dolo, pois fora fundamentado de maneira errônea,
em que judeus não são só uma raça, mas um segmento racial atávicos. Visto isso, a
discriminação feita seria direcionada especificamente aos judeus, caracterizando ato
ilícito de prática racista de consequências graves. Ainda ressaltaram as premissas

289 BRASIL2. Acesso em: 19/04/2020.


290 BRASIL15. Disponível em: 26/03/2021.
291 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL1. Acesso em: 27/04/2021.
292 ENSAIO E NOTAS. Acesso em: 27/04/2021.
293 BRASIL15, op. cit. Disponível em: 26/03/2021.
294 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL1, op. cit. Acesso em: 27/04/2021.
295 ENSAIO E NOTAS, op. cit. Acesso em: 27/04/2021.
98

constitucionais para os que praticam esses delitos, que é total repulsividade tanto social
quanto nacional296297298.
No Brasil, nos últimos vinte anos aproximadamente, manifesta-se uma irritação
por parte das igrejas neopentecostais contra religiões afro-brasileiras. Processo esse,
que tem se intensificado para países latino-americanos, como Uruguai e Argentina para
onde o candomblé e a umbanda têm se expandido 299.
Esses ataques ocorrem por inúmeros motivos, disputas de adeptos, o tipo de
cruzada que as igrejas adotam com investimentos em alta nos meios de comunicações
e também pelo fato de não aceitarem o jeito que os rituais se desenvolvem votados
para entidades300.
Antes esses casos de intolerância eram sem repercussões, hoje com o grande
volume ganham visibilidade área pública conforme vão se espalhando pelas mídias. A
reação dos mesmos também era tímida e resguardada, atualmente se fazem processos
criminais que vão adiante tanto por pessoas físicas como instituições públicas 301.
Para um aprofundamento com relação a esses ataques, foram recolhidos
informações dos últimos anos, com base em informações coletadas na empresa e
também na literatura acadêmica302.
Os ataques realizados no local das praticas de rituais das igrejas
neopentecostais e de seus meios de divulgação e de proselitismo possui a iniciativa de
que o gerador de todos os males presentes no nosso mundo pode ser devido à
presença do demônio que é associado aos deuses de outras religiões 303.
Segundo os próprios fiéis, caberia somente a eles, dar prosseguimento a obra
que fora iniciada por Jesus Cristo, de combater esses demônios. O alvo principal

296 BRASIL15. Disponível em: 26/03/2021.


1
297 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . Acesso em: 27/04/2021.
298 ENSAIO E NOTAS. Acesso em: 27/04/2021.
299 SILVA, Vagner Gonçalves da. Intolerância Religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo
religioso afro-brasileiro. São Paulo: Edusp, 2007. p. 09-23.
300 SILVA, loc. cit.
301 SILVA, loc. cit.
302 SILVA, loc. cit.
303 SILVA, loc. cit.
99

desses ataques é o panteão afro-brasileiro, em sua linha de Exu que por ignorância é
atrelada ao demônio304.
Dentro das igrejas neopentecostais, é comum a prática de exorcismo ou como
também pode ser chamada de descarrego pela Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD). Entidades são chamadas para que haja uma incorporação, em seguida são
enxotadas como maneira de liberação do próprio fiel 305.
Esses ataques não ficam apenas nos locais de culto, também se entendem para
programas religiosos televisivos como Show da Fé, Fala Que Te Escuto e outros. É
comum em vários desses programas, dramatizações com usos de símbolos e
elementos de religiões afro-brasileiras, que são utilizados de forma errônea, retratando
que esses meios espirituais possuem fins maléficos para amarrações, destruição de
lares e relações amorosas, proliferação de doenças e outros 306.
O que são bastante comum também nesses programas, testemunho de pessoas
que eram de religiões afro, confirmando a maldade em volta dos cultos praticados e
hoje se convertendo para Iurd. A rede de comunicação não para só no meio televisivo,
incluem ainda programas de rádio, sites na internet e materiais com divulgação voltada
para a religião307.
Envolvidos por essa crença, os neopentecostais invadem terreiros com a
finalidade de quebrar altares e imagens, exorcizar os praticantes que ali se encontram o
que quase sempre termina em agressão física. Umbandistas frequentadores do Centro
Espírita Irmãos Frei da Luz, localizado no Rio de Janeiro foram alvos de apedrejamento
por participantes de uma Iurd situada ao lado. Uma aderente da Tenda Espírita de
Antônio de Angola, no bairro Irajá no Rio, foi mantida em cárcere privado por dois dias,
numa igreja evangélica com o objetivo de que a mesma renunciasse sua religião e se
convertesse obrigatoriamente ao evangelismo308.
A capital da macumba, como é conhecida Salvador ou Sodoma e Gamorra da
Magia Negra, pelo neopentecostais uma mãe de santo teve sua casa invadida, por

304 SILVA, 2007. p. 09-23.


305 SILVA, loc. cit.
306 SILVA, loc. cit.
307 SILVA, loc. cit.
308 SILVA, loc. cit.
100

adeptos da Igreja Internacional da Graça de Deus que jogaram sal grosso e enxofre
tanto no local, quanto nas pessoas e em seus automóveis que ali se encontravam
durante a cerimônia309.
Na capital maranhense, São Luís tivera notícia que fiéis da Assembleia de Deus
que residiam no mesmo bairro que o terreiro Justino, acusaram os integrantes de
sequestro, de um filho de um casal que frequentava a igreja. Acreditavam que o bebê
teria sido pego para oferenda ou sacrifícios de rituais do terreiro. A polícia foi chamada
e mesmo sem mandado judicial vasculhou cada centímetro do templo, incluindo as
instalações dos iniciados, geladeira e carros estacionados no quintal. A investigação só
não foi adiante, pois os sequestradores da criança foram encontrados 310.
Muitos pastores possuem ainda a estratégia de se instalarem em bairros que os
terreiros são em quantidades significativas para estabelecerem prazos do fechamento
desses. No bairro Engenho Velho situado em Salvador, possui cerca de dezenove
terreiros de candomblé que são famosos por suas tradições, porém o confronto com os
evangélicos vem sendo ardente. As igrejas evangélicas organizam passeatas para
intimidar os seguidores que consideram ser do satã, em resposta o povo de santo sai
as ruas vestindo branco que é a cor de Oxalá (Jesus Cristo) e da paz311.
Outro meio que vem sendo frequente são ataques que dificultem as atividades
dos terreiros. Na Cidade de Tiradentes-SP, uma mãe de santo reclamou de um carro de
som, contratado por uma igreja neopentecostal que rondava suas imediações
exatamente na hora de seus cultos. O carro parava na frente ou circulava
insistentemente no local para anunciar as sessões de descarrego realizadas em sua
própria igreja312.
Quando as festas de orixás, oferendas, procissões são realizadas em locais
públicos, os seguidores dessas ficam ainda mais expostos a ataques que vão de
entrega de panfletos aos presentes com propagandas contra esses cultos até a
tentativa forçada de interromper o que estão fazendo. No meio de uma devoção a
Yemanjá no Rio de Janeiro, neopentecostais pregaram contra a homenagem a rainha

309 SILVA, 2007. p. 09-23.


310 SILVA, loc. cit.
311 SILVA, loc. cit.
312 SILVA, loc. cit.
101

dos mares, por meio de alto-falantes e destruíram todas as oferendas a ela. O mesmo
aconteceu na Quintana da Boa Vista, quando neopentecostais quebraram imagens
além de terem queimado roupas de santo 313.
Os símbolos das religiões afro colocados em locais públicos podem ser
atacados. A revitalização do Dique de Tororó rendeu várias criticas de igrejas
evangélicas, pois incluiu instalação de esculturas de orixás, que condenaram tal ação
ao culto de uma religião entrelaçada ao mal, diabólica. Fora argumentado que as
imagens de orixás pertencem a cultura baiana, antes de serem associadas às religiões
afro, assim como possuem outras figuras espalhadas por edifícios, ruas e praças,
sendo seus nomes utilizados para identificar estabelecimentos culturais e comerciais 314.
A oposição é tão intensa, que a diretora de uma escola no bairro Stella Maris,
precisou mandar pintar a figura artística que representava um orixá que tinha naquele
edifício por pressão dos pais, que pertenciam a religião evangélica cujos filhos
frequentavam a escolinha. Em São Paulo, na Praia Grande a escultura de Yemanjá
recebeu várias tentativas de depredação, quando fora agredida e se tem registro 315.
Todo e qualquer símbolo do patrimônio africano brasileiro, mesmo que não
tenham vínculo com a religiosidade, mas que de alguma maneira aludam as religiões
afro-brasileiras são condenados e dizimados. No Rio de Janeiro, houve um
esvaziamento da bateria mirim da Toca o Bonde, por influência direta das igrejas
neopentecostais. As crianças foram retiradas da ONG, pois seus pais alegaram que o
samba estaria vinculado ao culto do satanás e a escola de samba pertenceria ao
capeta316.
Outro lado, que desqualifica esses símbolos são as incorporações que as
praticas evangélicas exercem, apartando-os de suas relações com as religiões afro-
brasileiras. Dessa forma surge a capoeira de Cristo, gospel ou evangélica, com o tema
direcionado para Deus, possuem até encontros nacionais de capoeiristas evangélicos.
Nota-se que há conexão direta entre Deus como ancestral que está ligado ao
candomblé. Mais um exemplo é o acarajé do Senhor feito por mulheres evangélicas,

313 SILVA, 2007. p. 09-23.


314 SILVA, loc. cit.
315 SILVA, loc. cit.
316 SILVA, loc. cit.
102

que tentam dissociar o alimento das imagens das baianas em Salvador, conhecidas
nacionalmente pelo comércio do acarajé como tradição, com suas vestimentas brancas
e seus colares de conta317.
A mais recente decisão do Ministério da Educação aderiu a inclusão da História e
Cultura Afro-Brasileira nas escolas de ensino, como meio de inclusão social, cultural e
histórica. Porém quando colocado livro de religiões africanas ao lado de livros de
religiões hegemônicas tem gerado protestos, não só por aqueles que possuem
preconceitos em dar a aula, por pertencer a religião evangélica, mas também chegou a
Câmara da cidade de Pato Branco-PR, em que um vereador, e pastor evangélico
denominou a obra como livro de lúcifer. Ressalta-se que o livro fora avaliado pelo Guia
do Plano Nacional do Livro Didático318.
Há uma crescente de candidatos evangélicos ou de aliados a mesmas igrejas,
igual no exemplo acima, que se aproveitam do poder e influência que possuem para
articularem ações contra o campo religioso afro. No estado do Rio Grande do Sul, por
intensa pressão desses políticos junto à sociedade protetora dos animais, com o código
de proteção desses, tentam coibir os sacrifícios ritualísticos do candomblé. Frente a
esses ataques, as reações de religiosos afro-brasileiros e seus seguidores eram
praticamente insignificantes, apesar de hoje em dia os movimentos contra terem
crescido, ainda estão longe de baterem de frente com algo articulado e preciso frente à
organização dos evangélicos, que se empenham cada vez mais de ocuparem lugares
estratégicos nos meios de comunicação e poderes legislativo e executivo 319.
O ponto inicial da reação começou com protestos realizado por Átila Nunes,
deputado estadual e umbandista que solicitou providências ao ministro da justiça em
1981. Edir Macedo fora processado por vilipêndio, calunia e difamação, ocasionando
um breve alívio e contentamento nos anos de 1990 320.
Mas não durou muito, a Iurd ao vivo num programa televisivo em meados dos
anos 90, agrediu a imagem de Nossa Senhora Aparecida, colocando a igreja

317 SILVA, 2007. p. 09-23.


318 SILVA, loc. cit.
319 SILVA, loc. cit.
320 SILVA, loc. cit.
103

neopentecostal em uma posição horrível, tal episódio ficara conhecido como “chute na
santa”321.
Esse ataque serviu para demonstrar que quando é direcionada ao catolicismo a
sua eficácia é reduzida, fato que não ocorre com ataques as religiões afro-brasileiras
que necessitam ir a justiça para tentar conseguir o mínimo de respeito 322.
Na Bahia é onde se concentram o maior número de registro de reações, nos
últimos anos foram cerca de duzentas reclamações e processos por atacarem terreiros,
seus membros, por afirmarem em rede serem religiões atreladas ao mal, distribuírem
folhetos sobre e outros fatores. O Ministério Público tem uma atuação importante,
mesmo com a lentidão dos processos brasileiros e mesmo com tais dificuldades os
resultados têm sido favoráveis aos adeptos das religiões afro-brasileiras. Outra
estratégia de resistência dos afro-brasileiros tem sido buscar amparo no movimento
ecumênico, colocando em pauta que os ataques neopentecostais são dirigidos a outras
religiões também, sobretudo a católica323.
Ainda que recente a união de religiosos afro-brasileiros, movimento negro,
ONG’s, acadêmicos, pesquisadores, políticos, advogados, promotores e outros, aposta
mais uma vez na garra e capacidade de resistência e reação desses assédios
criminosos com muito mais eficácia324.
O foco seria o planejamento de luta contra esses ataques com o próprio modelo
adotado, usando seu armamento de acordo com seus princípios e principalmente com a
maior visibilidade possível principalmente na mídia, dentro da política melhorando tanto
sua imagem quanto sua legitimidade socialmente 325.
Expondo a palavra tolerância nota-se a ligação intensa e profunda que a mesma
tem com a liberdade religiosa, uma vez que uma de suas direções tem a analise da
liberdade religiosa em grande amplitude, dizendo respeito a outrem. A Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, conhecida também como

321 SILVA, 2007. p. 09-23.


322 SILVA, loc. cit.
323 SILVA, loc. cit.
324 SILVA, loc. cit.
325 Ibid., p. 67.
104

UNESCO, em sua Declaração de Princípios sobre a Tolerância, em seu artigo 1.1


delibera:

Artigo 1º - Significado da tolerância


1.1 A tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da
diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de expressão e de
nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres humanos. É fomentada
pelo conhecimento, a abertura de espírito, a comunicação e a liberdade de
pensamento, de consciência e de crença. A tolerância é a harmonia na
diferença. Não só é um dever de ordem ética; é igualmente uma necessidade
326
política e jurídica.

Quando há tolerância, há o dever de respeitar toda e qualquer crença juntamente


com os indivíduos que as praticam. Porém para que isso ocorra de uma forma
saudável, é necessário instrumentos jurídicos legais que auxiliem e impulsionem esse
fato327.
Além da previsão constitucional do artigo 5º, inciso VIII já citada acima, também
há proteção na legislação penal, a qual tipifica condutas que podem coibir atos de
intolerância religiosa. No Código Penal, no artigo 208328 há a descrição do crime de
ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relacionado, que pode ter a
pena de detenção variando de 1 (um) mês a 1 (um) ano, podendo ser aumentada em
um terço caso haja violência.
Grande visibilidade precisa ser dada à lei nº 9.459/97329 que alterou boa parte da
legislação referente a práticas discriminatórias. Uma das mais significativas alterações
foi a inclusão da religião no rol de elementos que podem ser penalizados da Lei de
Racismo (Lei nº 7.716/89). A partir da decisão, todo aquele que induz, pratica ou incita

326 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Declaração de Princípios sobre a Tolerância – 1995.


Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/UNESCO-Organiza%C3%A7%C3%A3o-
das-Na%C3%A7%C3%B5es-Unidas-para-a-Educa%C3%A7%C3%A3o-Ci%C3%AAncia-e-
Cultura/declaracao-de-principios-sobre-a-tolerancia.html>. Acesso em: 27/04/2021.
327 FERREIRA, Tiago Toledo Gomes Mariano. Liberdade religiosa e o combate à intolerância.
Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50226/liberdade-religiosa-e-o-
combate-a-intolerancia>. Acesso em: 27/04/2021.
328 BRASIL4. Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 27/04/2021.
329 BRASIL7. Lei Nº 9.459, de 13 de maio de 1997. Altera os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de
janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e acrescenta
parágrafo ao art. 140 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9459.htm>. Acesso em: 27/04/2021.
105

qualquer ato que seja discriminatório com intenções religiosas, terá como consequência
a reclusão de um a três anos e multa 330.
Outro fator significativo foi a inclusão do parágrafo terceiro ao crime relacionado
a injúria, acrescentando uma figura discriminatória ou preconceituosa que possui o
objetivo de ofender a honra daquele que possui uma religião específica, por meio de
elementos utilizados em seus cultos 331.
Não obstante, a intolerância pode chegar a níveis de extremas evidências, como
por exemplo, o genocídio, com dolo de dizimar determinado grupo religioso, se não
todo, mas em parte, sendo enquadrado na lei nº 2.889/56332.
A liberdade religiosa teve uma grande conquista, evoluindo conforme a
sociedade, mesmo com as imposições governamentais de diferentes ideologias. Em
seu conceito mais simplório traz consigo toda sua luta contra toda intolerância,
clamando respeito para seus próprios direitos e para os alheios, independente de qual
religião seja, pois o respeito deve permanecer mutuo entre todas as religiões. A maior
busca é da harmonia, reprimindo todo preconceito pelo caminho, para que os
extremismos não se sobreponha aos direitos constitucionalmente garantidos 333.

4.2 O SACRIFÍCIO DE ANIMAIS NA EXPRESSÃO RELIGIOSA AFRICANA:


ANALISE DO RE 494601/STF

Sacrifício é o costume de oferecer alimento ou a vida de animais ou até mesmo


pessoas, a entidades divinas, como forma de culto. Segundo o artigo escrito para a
revista Pensata Animal, nº 4 de agosto de 2007, do biólogo Sergio Greif, palavra
sacrifício deriva de dois termos, sacro e ofício, significando ofício sagrado. As causas
das práticas dos sacrifícios variam conforme cada ritual religioso.
Em algumas crenças a palavra pode estar associada à aproximação de suas
divindades. Alguns povos antepassados acreditavam que uma fração do poder dos

330 BRASIL5. Lei Nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de
raça ou de cor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm>. Acesso em:
27/04/2021.
331 FERREIRA. Acesso em: 27/04/2021.
332 BRASIL4. Acesso em: 27/04/2021.
333 FERREIRA, op. cit.. Acesso em: 27/04/2021.
106

seus deuses só poderia ser conservada se os sacrifícios fossem feitos constantemente.


Outros já acreditavam que a ação feita os colocariam em posição de negociação de
algum favor com os deuses.
Possuía também sacrifícios para acalmar a ira dos deuses, animais ou seres
humanos poderiam ser ofertados como forma de devoto social. Alem de
desempenharem a função social dentro dos sistemas, pois serviam de alimento para os
sacerdotes de alguma instituição religiosa e famílias menos abastadas ainda
agradavam os deuses.
Os sacrifícios eram parte do cotidiano das mais avançadas sociedades
americanas pré-colombianas, sendo que algumas ofereciam até seres humanos. A
sociedade hebreia, os pagãos e animistas de todos os cantos, os romanos, gregos,
muçulmanos e todas as religiões derivadas dos cultos africanos recorreram ou ainda
permanecem recorrendo ao sacrifício de animais,
De um modo geral, o sacrifício de animais é malvisto perante a sociedade não só
pela crueldade, mas pelo fato de associarem essas praticas a feitiçaria e coisas
malignas. Ao mesmo tempo em que muitas pessoas julgam e demonizam as religiões
onde os animais são sacrificados, ignoram a similaridade no abate dos mesmos para
consumo, independente do método.
Assim vai a direção do voto do Ministro Marco Aurélio, relator do RE 494.601:

É irracional proibir o sacrifício de animais quando diariamente a população


consome carnes de animais. Além disso, é inadequado limitar a possibilidade
de sacrifício de animais às religiões de matriz africana. A proteção ao exercício
da liberdade religiosa deve ser linear.334

E ainda argumenta:

É necessário harmonizar a proteção da fauna com o fato de o homem ser


carnívoro, ou ao menos a maioria. Revela-se desproporcional impedir todo e
qualquer sacrifício religioso de animais aniquilando o exercício do direito de
liberdade de crença de determinados grupos quando diariamente a população
consome carnes de várias espécies. Existem situações nas quais o abate surge
constitucionalmente admissível, como no estado de necessidade, para
autodefesa ou para fins de alimentação. O sacrifício de animais é aceitável se,

334 BRASIL13. Acesso em: 26/03/2021.


107

afastados os maus-tratos no abate, a carne for direcionada para consumo


humano.335

Em outubro de 2016 o STF julgou procedente a ADI (ação direta de


inconstitucionalidade), ajuizada pelo procurador geral da República contra a Lei nº
15.299/13 do Estado do Ceará, que regimentava a vaquejada como prática desportiva e
cultural do estado. Destaca-se a preocupação do Supremo com a crueldade aplicada
aos animais, em especial aqui na vaquejada, uma vez que foi a maioria dos Ministros
que acompanharam o voto do relator 336337.
Em seu voto o relator Marco Aurélio argumentou que a crueldade aplicada
diretamente aos bois, se enquadra ao artigo 1º artigo 225 da Constituição Federal,
alcançando a tortura e os maus-tratos durante a vaquejada, pratica essa intolerável a
conduta humana. Em outra ocasião, nos laudos técnicos do processo, fora constatado
também as graves consequências a saúde dos animais como fraturas nas patas e rabo,
ruptura de ligamentos e vasos sanguíneos, arrancamento de rabo e comprometimento
de medula óssea e outros. A decisão tomada preservou de forma racional a fauna e a
flora, para que não ocorresse mais maus-tratos aos animais, de maneira sustentável
visto que poderia haver um desequilíbrio na cadeia ecológica natural, que faz bem tanto
para o ser humano quanto para a própria natureza 338339.
Da mesma maneira que exigem restrições com relação aos maus-tratos e
abusos para com as práticas religiosas em seus rituais de sacrificamento, para que não
se configure crime, também deveria ser aplicado nas práticas de abate, em que as
carnes são consumidas pela comunidade340341.

335 BRASIL13. Acesso em: 26/03/2021.


336 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL3. STF julga inconstitucional lei cearense que regulamenta
vaquejada. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326838>. Acesso em: 27/04/2021.
337 LEMOS, Walter Gustavo. Uma análise da decisão da ADI 4983/CE sob a perspectiva do Bem
Viver. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/59552/uma-analise-da-decisao-da-adi-4983-ce-sob-a-
perspectiva-do-bem-viver>. Acesso em: 27/04/2021.
338 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL3, op. cit. Acesso em: 27/04/2021.
339 LEMOS, op. cit. Acesso em: 27/04/2021.
340 GREIFF, Sergio. Sacrifício de animais. Disponível em:
<https://pt.scribd.com/document/306280203/Sacrificio-de-Animais>. Acesso em: 26/03/2021.
341 PEZZOT, Adalberto Messias. Sacrifício de animais em rituais religiosos: a tutela legal da fauna
ante a liberdade religiosa e o sacrifício ritual de animais. São Paulo: Clube de Autores, 2011. p. 118-123.
108

A ligação do demônio por pessoas com essas religiões, além de ser uma
oposição ao sacrifício também é um preconceito com determinado sistema de crenças.
Manifesta acima de tudo falta de estudos e conhecimentos, pois todas as religiões
antigas possuem esse enraizamento, que fora praticado em algum momento da
história. Independente da religião, todas devem ser respeitadas e a partir desse
conceito, devem buscar soluções plausíveis para que o sacrifício seja aceito ou
regulamentado, de acordo com as leis em harmonia com as religiões 342343.
O sacrifício normalmente é praticado por quase todas as religiões de matrizes
africanas, exceto pela Umbanda em que essa prática é raramente encontrada. Há uma
troca intensa de energias do praticante da religião com o animal, que funciona como um
descarrego quando o bicho vem a óbito. Existe outro tipo de sacrifício quando o animal
é sacrificado como oferenda para o Orixá. Cada orixá possui seu animal, o pato, por
exemplo, pode ser ofertada a Yemanjá, galinha para Exu (após o ritual o animal pode
ser consumido pelos devotos e seu couro utilizado para confecção de instrumentos
musicais)344.
Esse tipo de oferenda é realizada apenas em regra uma vez ao ano na festa do
próprio Orixá, repleta de flores, frutas, frutos e outros meio para que se possa
descarregar uma pessoa. No candomblé, por exemplo, o sangue não significa apenas
vida, mas uma energia elementar, no caso dos animais sacrificados, o sangue e as
vísceras possuem o papel de produzirem axé, energia vital 345.
O animal pode ser sacrificado apenas por aquele que possui a permissão do seu
próprio Orixá para tal, normalmente é o sacerdote, porém o mesmo pode buscar auxílio.
Quando um sacerdote sacrifica um animal, ele está em transe, o que facilita para que o
mesmo não agonize gritando, como se ele soubesse e aceitasse seu destino. Os
animais mais utilizados são os de cativeiro346.

342 GREIFF. Acesso em: 26/03/2021.


343 PEZZOT, 2011. p. 118-123.
344 ROBERT, Yannick Yves Andrade. SACRIFICIO DE ANIMAIS EM RITUAIS DE RELIGIÕES DE
MATRIZ AFRICANAS. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/72140262/sacrificio-de-animais-
em-rituais-de-religioes-de-matriz-africanas>. Acesso em: 26/03/2021.
345 ROBERT, loc. cit. Acesso em: 26/03/2021.
346 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
109

O misticismo em torno do sacrifício de animais vem de pessoas que não


possuem conhecimento e tem prejulgamentos com essas condutas. No Brasil é nítido o
sofrimento e preconceito em torno das religiões de matrizes africanas, em que muitos
tentam impedir ou dificultar seus rituais, alegando maus-tratos contra animais.
Sustentam seus discursos com auxílio fundamentado em cima dos direitos dos animais,
para impossibilitar as praticas.
Nessa direção, o assunto foi discutido pelo Supremo Tribunal Federal, por meio
do julgamento do Recurso Ordinário (RE) 494.601, que teve sua origem na Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) 70010129690, em que houve uma grande repercussão
por se relacionar a assunto constitucional. O RE fora apresentado pelo Ministério
Público do Rio Grande do Sul contra decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça do
estado mencionado, que questionou a validação da Lei 12.131, de 22 de julho de 2004,
acrescentando o parágrafo único no artigo 2º da Lei 11.915, de 21 de maio de 2003,
indicando o Código de Proteção aos Animais, no campo de ação do Estado do Rio
Grande do Sul, que aceita o sacrifício de animais em rituais de matrizes africanas.
O Código que protege os animais foi diligenciado pelo deputado Pastor Manuel
Maria Dos Santos. Porém, a redação do código promovia alguns riscos para algumas
práticas ritualísticas, especialmente para as religiões afro-brasileiras. Por essa razão, o
estado do Rio Grande do Sul necessitou eleger um mecanismo que fosse útil para
debater a liberdade de culto. Então, o Procurador-Geral da Justiça, por meio de uma
Ação de Inconstitucionalidade requereu a inconstitucionalidade do artigo 2º da lei nº
11.915/2003. Abaixo há exemplo do artigo em conjunto com a ADI:

Art. 2º - É vedado:
I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de
experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem
condições inaceitáveis de existência;
II - manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes
impeçam a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade;
III - obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força;
IV - não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja
necessário para consumo;
V - exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados
por responsável legal; VI - enclausurar animais com outros que os molestem ou
aterrorizem;
110

VII - sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela
Organização Mundial da Saúde - OMS -, nos programas de profilaxia da
raiva.347

Não houve nenhuma tolerância ou flexibilidade com relação a prática de


imolação, pois não há exceção alguma que possibilite o sacrifício de animais por
motivos religiosos. Por conta disso, em 2004 o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
entrou com outra ADI 70010129690, com a finalidade de enfrentar a matéria por direitos
igualitários, para que religiões que praticam rituais sacramentais não saiam
prejudicadas.
Durante o período da propositura da ADI em 2004 e seu julgamento no ano
seguinte, o estado gaúcho editou a Lei nº 12.131/2004, acrescentando o parágrafo
único no artigo 2º da Lei nº 11.915/2003 com o seguinte termo “Não se enquadra nessa
vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matrizes africanas”.
Ademais fora criado o Decreto nº 43.252/2004 que conjecturou: “Para o exercício de
cultos religiosos, cuja liturgia provém de religiões de matriz africana, somente poderão
ser utilizados animais destinados à alimentação humana, sem utilização de recursos de
crueldade para a sua morte” 348.
Os argumentos manifestados pelo Procurador-Geral da Justiça referente a Lei
Estadual nº 12.131/04, seriam referentes a inconstitucionalidade material e formal da
mesma. Com relação ao plano formal seria porque a lei confrontaria a lei federal n°
9.605/98, que possui a redação:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em
animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem
recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. 349

347 RIO GRANDE DO SUL. Lei Estadual Nº 11.915 de 21 de maio de 2003. Institui o Código Estadual
de Proteção aos Animais, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em:
<www.ufrgs.br/bioetica/11915an.htm>. Acesso em: 26/03/2021.
348 RIO GRANDE DO SUL. Decreto nº 43.252 de 22/07/2004. Regulamenta o art. 2º da Lei nº 11.915,
de 21 de maio de 2003, que institui o Código Estadual de Proteção aos Animais. Disponível em:
<www.legisweb.com.br/legislacao/?id=154525>. Acesso em: 26/03/2021.
349 BRASIL8. Lei Nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
111

Ressalta-se que a lei Estadual nº 12.131/04, pertence à matéria de direito penal,


de competência legislativa privativa da União. E mesmo tratando-se de matéria penal,
protegendo fauna e flora não caberia ao Estado desrespeitar normas editadas
diretamente pela União. Em seu plano material seria considerado ofensa ao princípio da
isonomia ao excepcionar só os cultos afros.
O Tribunal do Rio Grande do Sul não deu procedência a Ação Direta de
Inconstitucionalidade, uma vez que fora entendido pelos desembargadores que não
havia compatibilidade entre tutela dos direitos dos animais e a liberdade religiosa,
desde que o abate fosse realizado sem crueldade, porque dessa maneira não infringiria
as normas penais nem as ambientais excedendo maus-tratos.
Nessa oportunidade vale expor o voto do Desembargador José Antônio Hirt
Preiss:

O sacrifício de animais faz parte da ritualística dos cultos afro-brasileiros, com


raízes sociológicas e religiosas. [...] Já assisti cerimônias religiosas de cultos
afro-brasileiros, com matança de 52 animais de dois e quatro pés, aves e
bodes, que são degolados, mas nunca presenciei qualquer crueldade, o que já
não acontece em matadouros e frigoríficos, onde os bichos são sacrificados
muitas vezes de forma desumana, sem falar nos abatedouros clandestinos. [...]
Não vejo como proibir a prática de uma religião em sua plenitude de culto,
apenas porque adota em seus rituais a matança de animais, que nem sempre
se faz presente, apenas em determinadas ocasiões. [...] Assim sendo,
encaminho o voto no sentido de que não se pode afastar dos cultos afro-
brasileiros o sacrifício de animais, pois faz parte do culto e não são mortos com
requintes de crueldade.350

Depois dessa decisão, fora interposto pelo Ministério Publico do Rio Grande do
Sul o RE 494.601, distribuído a instância do Supremo Tribunal Federal. O julgamento
fora iniciado em 09 de agosto de 2018, até que foi suspenso pelo pedido de vista do
Ministro Alexandre de Moraes. O relator deu seu voto parcial pelo provimento do

Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm#:~:text=ano%2C%20e%20multa.-


,Art.,a%20um%20ano%2C%20e%20multa.>. Acesso em: 26/03/2021.
350 BRASIL18. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INSCONTITUCIONALIDADE. SACRIFÍCIO RITUAL DE
ANIMAIS. MATÉRIA A SER SUBMETIDA À CORTE SUPREMA PELA ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO
ART. 22, I, DA CF. DEMAIS QUESTÕES DEVOLVIDAS AO EXAME DO STF (SÚMULAS 528 E 292).
Recurso admitido. ADI 70010129690 - Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator: Desembargador
Araken de Assis. Porto Alegre, 18 de abril de 2005.
112

recurso extraordinário, continuando interpretação conforme Lei 12.131/04, incluindo a


exceção do artigo 2º da Lei 11.915/03 para que outras religiões possam se utilizar de
sacrifícios de animais em seus rituais.
Já o Ministro Faccin adiantou seu voto negando provimento ao recurso, em que
manteve o texto original da lei argumentando que

[...] se é certo que a interpretação constitucional aqui fixada se estende às


demais religiões que também adotem práticas sacrificiais, não ofende a
igualdade, ao contrário, vai a seu encontro, a designação de especial proteção
351
a religiões de culturas que, historicamente, foram estigmatizadas.

Em 28 de março de 2019, com unanimidade de votos, o Supremo Tribunal de


Justiça compreendeu que são permissivos constitucionalmente quanto ao sacrifício de
animais em ritos religiosos 352.

O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos


do voto do Ministro Edson Fachin, Redator 53 para o acórdão, vencidos, em
parte, os Ministros Marco Aurélio (Relator), Alexandre de Moraes e Gilmar
Mendes, que também admitiam a constitucionalidade da lei, dando-lhe
interpretação conforme. Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese: “É
constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade
religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz
africana”, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não participaram da fixação da tese
os Ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente,
o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário,
28.03.2019.353

Pelo fato de ter sido um Recurso Extraordinário, com repercussão em âmbito


nacional, que abordara direito assegurado pela Constituição Federal, a decisão deve
ser executada em todos os tribunais do país sendo aceita por todos os juízes também,
caso venha aparecer situações semelhantes. Isso de acordo com o artigo 102 elencado
em seu parágrafo segundo, presente na Constituição Federal, e do parágrafo único do
artigo 28 da Lei Federal nº 9.868, que prevê que decisões possuem eficácia contra

351 BRASIL13. Acesso em: 26/03/2021.


352 DIREITO DO ESTADO. STF declara constitucionalidade de lei gaúcha que permite sacrifício de
animais em rituais religiosos. Acesso em: <www.direitodoestado.com.br/noticias/stf-declara-
constitucionalidade-de-lei-gaucha-que-permite-sacrificio-de-animais-em-rituais-religiosos>. Acesso em:
26/03/2021.
353 BRASIL13, op. cit. Acesso em: 26/03/2021.
113

todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração


Pública Federal, Estadual e Municipal além de tratar sobre o processo e seu julgamento
de ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade
perante o STF354355.

4.3 AFRICANIZAÇÃO DA LIBERDADE DE RELIGIÃO NO BRASIL

Após o período triste e turbulento da escravidão que se perpetuou no Brasil por


trezentos e cinquenta e três anos, quando libertos os negros tinham maior possibilidade
de interações, pois já não estavam mais atrelados a um senhor.
Podiam se reunir, se organizar, viver com seus iguais, praticar suas tradições e
antigas línguas, criando um Brasil com uma cultura mais vasta e bem-acabada,
podendo ser preservada até os dias atuais, principalmente com relação a religião afro-
brasileira.
Em diferentes cidades apareciam grupos que recriavam cultos religiosos
reproduzindo suas religiões praticadas na África com todos os aspectos da cultura
africana, incluindo a língua de cada local. Os criadores ficaram conhecidos como
negros das nações nagô, iorubá, jejé e mahis, se espalhando por todo país.
Como exemplo o candomblé ketu, que serviu para o modelo das demais religiões
afro-brasileiras. Ela se refez na comunidade africana perdida na Diáspora, nascendo
através de grupos que possuíam relações de hierarquia, subordinação e lealdade,
baseando-se em padrões familiares e de parentesco existente na África, fazendo a
comunidade de culto uma família simbólica igual às famílias iorubás.
Os iorubás possuem famílias extensas, sendo poligínicos, habitam em locais
coletivos, com quartos ou apartamentos contíguos, para que seus deuses, orixás, que

354 LIMA, Mathias Cavalari de. A legalidade do sacrifício de animais em cultos religiosos. 64 f.
Monografia (Graduação) – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais, Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, 2019. Disponível em:
<https://bibliodigital.unijui.edu.br:8443/xmlui/bitstream/handle/123456789/6519/Mathias%20Cavalari%20d
e%20Lima.pdf?sequence=1&isAllowed=y#:~:text=Finaliza%20analisando%20o%20Recurso%20Extraordi
n%C3%A1rio,permite%20o%20sacrif%C3%ADcio%20ritual%20de>. Acesso em: 26/03/2021.
355 SACRIFICIO DE ANIMAIS EM RITUAIS RELIGIOSOS: Comentários a Jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/393310306/Sacrificio-de-Animais-em-
Rituais-Religiosos>. Acesso em: 26/03/2021.
114

são particulares para cada família, cidade e região, possam ser cultuados. O chefe
mora com sua mulher principal e os filhos da mesma nos aposentos principais e as
demais esposas moram com seus filhos. As áreas comuns são a cozinha, para lazer,
trabalho artesanal e armazenamento. A família cultua o orixá do chefe masculino,
divindade que ele herda e que é o orixá principal de todos os filhos. Cada esposa cultua
o orixá da família do seu pai que é o segundo orixá de seus filhos. Cada reunião é
diferente, pois os orixás podem não ser os mesmos, devido à herança materna. A
família possui culto comum a Exu, que estabelece comunicação entre os planos deste
mundo e dos deuses. Cultuam orixás que protegem a cidade, que são os da família do
rei, os orixás do mercado, centro econômico e de sociabilidade da cidade.
O chefe da família é o chefe do culto, iniciando entre os membros da família que
devem receber a divindade em transe. O mesmo acontece com os orixás secundários.
O candomblé brasileiro possui a mesma estrutura que a família iorubá, o culto é
dirigido por um chefe, masculino ou feminino, que possui a máxima autoridade e o orixá
dele é o comum da comunidade que frequenta. São construídos templos ou quartos
destinados para cada um dos orixás ou famílias de orixás e a hierarquia é copiada da
família iorubá em que s mais jovens devem respeito aos mais velhos.
Práticas como raspagem da cabeça para o ingresso da passagem iniciática na
religião, ou ingresso de meninas na puberdade, o uso de escarificações de origem tribal
e familiar, são costumes do cotidiano africano, que foram incorporados no Brasil. São
considerados como fundamentos sagrados que não devem ser esquecidos nem
mudados, assim como dormir em esteiras, comer com as mãos, dançar descalço,
prostra-se para cumprimentar mais velhos e outros.
Quando reconstruído, o candomblé fez com que não houvesse separação de
aspectos familiares, sociais, simbólicos que antes eram totalmente ausentes por
imposição do branco. Esta herança baseada em família passou a ser a crença de cada
um sendo descendente de um orixá de herança paterna, que era adivinhado pelos
chefes do terreiro, acompanhado da ideia de um o segundo orixá que era a
representação da herança materna.
Toda essa representação criada foi aproximadamente durante um século e hoje é
tomada como a referência mais completa para o negro brasileiro.
115

Nesse sentido o cantor, compositor brasileiro e rapper, Leandro Roque de


Oliveira, conhecido como Emicida em entrevista com Lázaro Ramos para o Canal
Brasil, em uma de suas falas relata:

[…] tem uma coisa de história pra gente principalmente, a gente não está no
livro de história oficial e o candomblé e uma maneira incrível da gente se
conhecer. Então eu não acho que todos os pretos do mundo precisam ser
adeptos do candomblé, mas ele tem que ter um respeito muito grande pela
religião, principalmente como uma das únicas narrativas que não foram
destruídas pela escravidão. Que foram interrompidas, mas que foram
reconstruídas devido a força ancestral que elas tem. Então eu olho muito para o
candomblé também como um livro de história aberto, aonde você tem todos os
Orixás e aquilo fala muito de pluralidade pra mim. Aquilo fala muito o porque o
candomblé na África é outra coisa, na Nigéria é outra coisa, em Cuba é outra
coisa, nos Estado Unidos praticamente não existe, porque o tambor também foi
crime lá durante muito tempo.356

Na medida em que o tráfico negreiro se encerrou começou um lento e duro


processo de inclusão social do negro nas sociedades de classes que estavam se
formando.
O candomblé, após a primeira metade do século XX, deixou de ser escolha
apenas do negro, tempo em que abriram as portas para todos os brasileiros, sem
exceções. A sociedade branca da época criou uma versão embranquecida do
candomblé, conhecida como umbanda que era frequentada pela alta sociedade, que
tinham migrado do Kardecismo, capturando mais uma vez um movimento de inclusão
que tinha sido apenas de negros durante um século.
Nos anos 60 e 70, por meio de movimentos realizados junto à classe média,
começa a alavancar a recuperação das nossas raízes. Esse movimento se iniciou nos
Estados Unidos e na Europa e, por fim, chegou as terras brasileiras.
Aqui se verificou um imenso retorno a Bahia, redescobrindo ritmos, culinárias e a
cultura do candomblé. As artes brasileiras em geral (música, cinema, teatro, dança,
literatura, artes plásticas) ganharam novas influências, o turismo das classes médias do
Sudeste elegeu novo fluxo em direção a Salvador e demais pontos no Nordeste.

356 CANAL BRASIL. Disponível em:


<www.facebook.com/203064416403027/posts/3560269354015833/?vh=e&d=n>. Acesso em: 26/03/2021.
116

O candomblé se alastrou num fluxo grande e rápido por todo o país, deixando de
ser exclusivo dos negros, a música baiana se consumiu nacionalmente, a comida
baiana ou feita nos terreiros foi para todos os lugares e mesas e assim
sucessivamente357.
A Bahia felizmente não bastou para os curiosos, que tiveram a ideia de voltarem
a África em busca de novas fontes, mais originais que as já vistas e preservadas por
aqui por aqueles que descenderam de negros escravos. Se antes símbolos e
características que faziam a cultura brasileira ser o que ela é, eram tachados de
exóticos, primitivos, pejorativos neste momento passou a ser incorporado como
habitual, próximo e cotidiano358.
Inclusive a música popular brasileira que era branqueada, passou a incorporar as
batidas que se aproximavam da percussão dos terreiros de candomblé. As escolas de
samba desfilavam inúmeras vezes os orixás nas avenidas, a televisão tanto na notícia
quanto na ficção direcionava suas notícias aos deuses vistos em giras, aos jogos de
búzios e tudo que e relacionava a cultura que passou de minoria para consumo
social359.
Essa valorização cultural negra veio junto com a formação de movimentos
negros, avivando a questão da origem e identidade negra, que se questionam e são
questionados sobre sua condição africana e afrodescendente, mesmo depois de
séculos de miscigenação e branqueamento tanto físico quanto cultural. Os artistas
possuem um pouco mais de facilidade para incorporar em seus trabalhos a África
brasileira, mas a grande maioria se interessa em delinear a sua própria origem negra 360.
A problematização é que o negro no começo focou em sobreviver e precisou
aceitar as condições do colonizador branco europeu, isso consequentemente fez com
que esquecesse suas origens. Só depois da abolição da escravatura que teve um

357 PRANDI, Reginaldo. De africano a afro-brasileiro: etnia, identidade, religião. REVISTA USP, São
Paulo, n.46, junho/agosto, 2000. p. 8-14, Disponível em:
<https://pt.scribd.com/document/241187611/identidade-afro-brasileira-pdf>. Acesso em: 26/03/2021.
358 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
359 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
360 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
117

movimento efetivo, mesmo que os negros cultivassem seus deuses a traves das
imagens dos santos católicos, muito se foi perdido 361.
O poeta estadunidense Steven White, nos últimos anos estudou a poesia
brasileira produzida por negros como Oliveira Silveira, Edimilson de Almeida Pereira,
Ricardo Aleixo, Lepe Correia e outros e relatou a imensa procura dos mesmos pela
identidade negra, africana, que acaba por necessidade tendo que ser reinventada
através da própria religião, sendo fonte brasileira por memórias das origens africanas. O
que orienta a construção dessa identidade para o autor seria a própria cultura brasileira
reinventada e não a que se perdera devido a circunstancias.
Ressalta-se que é comum em países com histórias marcadas por genocídio e
extrema violência ter a conservação da narrativa das vítimas acompanhado da
existência de museus para que a história não se repita. Aqui a sociedade brasileira age
de forma totalmente diferente, museus pegam fogo assim como ocorreu em 2018
quando o Museu Nacional fora tomado por um incêndio e tudo se transformou em
cinzas.
Ruas, Avenidas e escolas homenageando escravistas, torturadores da ditadura
militar. O Brasil é um país que esquece, de maneira rápida e profundas histórias
importantes como as das etnias africanas e indígenas que carregaram o nosso país nas
costas, e sempre nos é oferecido migalhas em troca.
O fato narrado diz respeito à cultura do esquecimento, que contribui para que a
sociedade não construa senso crítico, se mantendo do jeito que sempre foi achando
que tudo está bem. Percebemos no próprio dia a dia quando tudo que aprendemos
sobre a África remete a escravidão e que os que aqui permaneceram aceitavam as
condições que viviam.
Foi decretado, após muitos anos de discussões e reivindicações de movimentos
negros brasileiros, a lei 10.639/03 que está em vigor há 18 anos, obrigando o ensino
público e privado, incluírem no seu currículo oficial, “a história da cultura afro-brasileira
e africana” nas escolas362.

361 PRANDI, 2000. p. 8-14. Acesso em: 26/03/2021.


362 FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES2. 16 anos da Lei 10639/2003. Disponível em:
<www.palmares.gov.br/?p=52947>. Acesso em: 26/03/2021.
118

O objetivo principal era diminuir todo preconceito e discriminação em torno de


tudo que fora falado ou argumentado inferiorizam o os negros e sua cultura 363.
A doutora Ciências Humanas e indicada pelo movimento negro para a Câmara
de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, Petronilha Beatriz
Gonçalves e Silva, em entrevista para a Fundação Cultural Palmares (FCP) relata o
seguinte:

O racismo, ao longo dos séculos, têm criado estratégias para manter os negros
brasileiros à margem dos direitos devidos a todos os cidadãos, sobretudo os
negros que se reconhecem descendentes de africanos, que se negam deixar
assimilar por ideias e conhecimentos depreciativos de tudo que vem da
sabedoria construída a partir de suas raízes. Infelizmente, pessoas e
instituições ignorantes das civilizações e culturas africanas continuam
fomentando e renovando atitudes, posturas racistas e desigualdades entre
negros e não-negros. Por isso, foi necessário que se estabelecesse uma
política pública com o intuito de corrigir disparidades, começando por garantir a
todos os brasileiros, igual direito a sua história e a cultura.
Não se trata apenas de oferecer conteúdos “referentes à participação do negro
para o desenvolvimento da sociedade brasileira”. O Parecer CNE/CP3/2004
esclarece com precisão que a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura
Afro-brasileira e Africana não visa tornar os brasileiros mais eruditos, mas
reeducar as relações étnico-raciais a fim de que todos – descendentes de
europeus, asiáticos, africanos e povos indígenas – valorizem a identidade, a
cultura e a história dos negros que constituem o segmento mais desrespeitado
da nossa sociedade.364

O jeito que a miscigenação fora imposta de um jeito romantizado, quando na


verdade a vinda dos europeus veio com o objetivo principal de branqueamento social
com suas ideias eugenistas e fortalecimento da Igreja que não estava mais em alta na
Europa365.
Uma referência importante, que não poderia ficar de fora, é o dia da intolerância
religiosa, que possui extremo crédito pela luta contra o preconceito. O dia fora instituído
pelo Governo Federal, através da lei nº 11.635/07, pelo marco do falecimento da Mãe
Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum, praticante da religião candomblé, que fora
vítima de agressões verbais, físicas provocadas pelo preconceito contra a sua religião.
A saúde de mãe Gilda ficou tão frágil em decorrência dessas agressões que acabou

363 FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES2. Acesso em: 26/03/2021.


364 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
365 Ibid. Acesso em: 26/03/2021.
119

não aguentando. Sua filha após os acontecimentos, moveu uma ação contra a Igreja
Universal do Reino de Deus(Iurd), por danos morais, e uso indevido de imagem,
ganhando a causa366367.
Em homenagem, foi instituído o Dia Nacional de Combate A Intolerância
Religiosa se comemora na data do seu falecimento, 21 de janeiro, dando visibilidade a
luta pelo respeito a todas as religiões 368369.
Destaca-se que fora colocado tais palavras chaves como “intolerância religiosa”
e “africanização” nas buscas dos tribunais nacionais, encontrando apenas 6 resultados
no STF, de modo a demonstrar que o direito não é mecanismo de aparato para
africanizar a liberdade religiosa brasileira.

366 CIDADANIA E JUSTIÇA. Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa: a importância da


informação na luta pelo fim do preconceito. Disponível em:
<https://cidadaniaejustica.to.gov.br/noticia/2020/1/21/dia-nacional-de-combate-a-intolerancia-religiosa-a-
importancia-da-informacao-na-luta-pelo-fim-do-preconceito-/>. Acesso em: 26/03/2021.
367 FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES1. Personalidades Negras: Mãe Gilda. Disponível em:
<www.palmares.gov.br/?p=34790>. Acesso em: 26/03/2021.
368 CIDADANIA E JUSTIÇA, op. cit. Acesso em: 26/03/2021.
369 FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES1, op. cit. Acesso em: 26/03/2021.
120

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente trabalho almejou identificar e dar conhecimento


ao que tiverem acesso, da história dos negros no Brasil em companhia da importância
que a religião tem nesse contexto. Buscou-se o entendimento a respeito dos motivos
que desencadearam o período perdurou a escravidão.
Procurou-se retratar o período da escravidão e abolição da mesma e como os
negros continuaram suas vidas. Relatou-se a importância da religião mesmo que na
época da colonização tanto para quem colonizava, quanto para quem era colonizado,
que dava seus pulos para manter vivas suas raízes africanas apesar dos
acontecimentos.
Além disso, mostrou também a influência negra em cada aspecto cultural
brasileiro, que é riquíssimo, sendo musical, artístico, culinário, nas falas, na língua e em
tudo um pouco. Principalmente o quanto a religião foi essencial para a reconstrução
desse povo que aqui se instalou e perdeu sua identidade, sua fala, sua origem, pois foi
o ponto de partida para uma construção de um Brasil novo.
Por fim, apesar da insistência em se refazer, em ter seu lugar, o negro obteve
dificuldades, pois a visão eurocêntrica e desrespeitosa sobre aqueles que possuem a
pele mais escura continuam até hoje. Muitos movimentos foram gerados, méritos e
reconhecimentos como o da lei 10639/03, por exemplo, tiveram relevâncias assim como
o dia nacional da intolerância religiosa, porém, evidências ainda comprovam que o povo
preto é o maior alvo de desigualdades.
Ressalta-se que desde que foi reconhecido o posicionamento jurisprudencial do
Supremo Tribunal Federal a respeito da autorização do sacrifício de animais em rituais
religiosos, visto que sem crueldade ou maus-tratos, com a finalidade de resguardar a
liberdade religiosa de religiões que se utilizam desse habito, tal decisão deve ser
acatada por todos os tribunais brasileiros.
Foi o que sucedeu no Tribunal de Justiça de São Paulo no ano de 2017 quando
enfrentou o tema relacionado proibição de sacrifício de animais em cultos religiosos.
Descontentes com a situação o diretório do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)
121

ajuizou uma ADI (Nº22324701320168260000 SP 2232470-13.2016.8.26.0000 no TJ/SP


contra o prefeito municipal e o presidente da Câmara de Vereadores de Cotia/SP.
O resultado foi favorável ao partido, pois os desembargadores foram a favor do
partido reconhecendo a inconstitucionalidade da Lei nº 1.960 de 2016 em que se
pautavam, pois ofendiam o artigo 144 da Constituição Estadual em reflexo com o artigo
5º, VI da Constituição Federal. Seguiram os mesmos critérios que levaram o tribunal
gaúcho decidirem o RE 494.601, preservando o meio ambiente sem risco de
desequilíbrios e também resguardando a liberdade religiosa que é direito constitucional
de cada cidadão brasileiro.
Nesse mesmo sentido Sérgio Tibiriçá Amaral e Thiago Oliveira Catana ponderam
que um exemplo de conflito de interesses é o direito dos animais e a liberdade religiosa:
embora os animais tenham seus direitos, existem religiões onde o sacrifício é um
sacramento essencial e não pode ser substituído ou mesmo extinto pelo Estado 370.
Alem disso, de acordo com os autores, vários animais morrem para o consumo diário e
esses animais sacrificados são mortos com a preocupação de que eles não sofram,
como ocorre na maioria das religiões que adotam essa prática. Portanto, para esses
autores, prevalece o direito de livre culto371.
Pelo mesmo norte já que se está tratando de sacrifício de animais em liturgias de
matriz africana, bom trazer à baila a lição do professor Yannick Yves Andrade Robert
sobre quais religiões estão nessa linha: "por religiões de matriz africana devemos
compreender o Candomblé, o Batuque, o Omolokô, a Santeria e a Umbanda. A prática
de sacrifício de animais é encontrada em todas essas religiões com exceção da
Umbanda, na qual raramente se pratica". Aproveitando a lição do professor e agora
ingressando na dialética doutrinária especificamente sobre a tensão de direitos aqui
estudada, ele leciona que não pode ser típico nem perante a lei de crimes ambientais
nem perante a lei de contravenções penais o sacrifício ritual de animais nas religiões de
matriz africana, pois ao realizá-lo o sacerdote não tem o dolo especifico dos tipos
penais: submeter os animais a maus tratos ou matá-los. A lei visa a proteger o animal

370 CATANA, Thiago Oliveira; AMARAL, Sergio Tibiriçá. Liberdade religiosa e seus conflitos. Acesso
em: <https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-humanos/1550/liberdade-religiosa-seus-
conflitos>. Acesso em: 27/04/2021.
371 Ibid. Acesso em: 27/04/2021.
122

da morte cruel, a morte que decorre de práticas levianas. Como não há nenhuma lei
que proíba o sacrifício de animais para alimentação humana ou o simples sacrifício de
animais domésticos (sem meios cruéis) pode-se, com base no princípio da legalidade
assegurado no art 5º, II, da CF/88, defender o sacrifício ritual de animais domésticos ou
domesticados criados para este fim, finaliza o professor 372373374375.

372 ROBERT. Acesso em: 26/03/2021.


373 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL2. Partes e instituições interessadas fazem sustentações orais
no julgamento sobre sacrifício de animais em rituais religiosos. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=386393>. Acesso em: 27/04/2021.
374 LEITE, Thiago. Não chuta, que é macumba: o que o STF decidiu acerca do sacrifício de animais
em rituais religiosos? Disponível em: <https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/nao-chuta-que-e-
macumba-o-que-o-stf-decidiu-acerca-do-sacrificio-de-animais-em-rituais-religiosos>. Acesso em:
27/04/2021.
375 VICENTE, Luciano Rosa. Direitos constitucionais de proteção aos animais e de liberdade
religiosa: qual deve prevalecer quando se trata do abate de animais nos cultos de matriz africana?
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/66080/direitos-constitucionais-de-protecao-aos-animais-e-de-
liberdade-religiosa-qual-deve-prevalecer-quando-se-trata-do-abate-de-animais-nos-cultos-de-matriz-
africana/2>. Acesso em: 27/04/2021.
123

REFERÊNCIAS

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(Mestrado em Ciências da Cultura) - Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa,
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BRASIL1. Conselho Nacional de Justiça. PROCEDIMENTO DE CONTROLE


ADMINISTRATIVO – ATOS NOS 3/2013 E 4/2013 DA 1º VICE-PRESIDÊNCIA DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – SUSPENSÃO DA
DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS EM AÇÕES INDIVIDUAIS ATÉ O TRÂNSITO EM
JULGADO DE AÇÃO COLETIVA COM O MESMO OBJETO – AUSÊNCIA DE
PREVISÃO LEGAL – REVOGAÇÃO – ATO Nº 1/2014 DA PRESIDÊNCIA DO TJRS –
ORIENTAÇÃO DE SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DE PROCESSOS –
CUMPRIMENTO A DECISÃO JUDICIAL DO STJ – RESP Nº1.419.697/RS –
PROCESSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA MULTITUDINÁRIA – ART.
543-C DO CPC – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE SOBRESTAMENTO DE TODAS AS
AÇÕES EM TRÂMITE, DESDE A ORIGEM – INCOMPETÊNCIA DO CNJ – ATO DE
NATUREZA JURISDICIONAL. PCA n° 0006594-06.2013.2.00.0000. Relatora: Maria
Cristina Irigoyen Peduzzi. Brasília, 08 de abril de 2014. Disponível em:
<www.cnj.jus.br/InfojurisI2/Jurisprudencia.seam?jurisprudenciaIdJuris=47276&amp;indic
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autoridade federal e dos Estados federados em materia religiosa, consagra a plena
liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providencias. Disponível
em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D119-A.htm>. Acesso em:
29/04/2020.

BRASIL4. Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso
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preconceito de raça ou de cor. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm>. Acesso em: 27/04/2021.

BRASIL6. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases


da educação nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 27/04/2021.

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de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de
cor, e acrescenta parágrafo ao art. 140 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9459.htm>. Acesso em:
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125

BRASIL8. Lei Nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e


administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá
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<www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm#:~:text=ano%2C%20e%20multa.-
,Art.,a%20um%20ano%2C%20e%20multa.>. Acesso em: 26/03/2021.

BRASIL9. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:


<www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em:
25/03/2021.

BRASIL10. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Suspensão de Tutela


Antecipada. 2. Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a
quo que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM) em data alternativa ao Shabat. 3. Alegação de
inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao direito à
educação. 4. Medida acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídico-
administrativa. 5. Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação
de data alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o
princípio da isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo
religioso 6. Decisão da Presidência, proferida em sede de contra cautela, sob a
ótica dos riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à ordem pública 7.
Pendência de julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 391 e nº
3.714, nas quais este Corte poderá analisar o tema com maior profundidade. 8.
Agravo Regimental conhecido e não provido. STA 389 MG, Relator: Ministro Gilmar
Mendes. Brasília, 03 de dezembro de 2009.

BRASIL11. Supremo Tribunal Federal. CONSTITUCIONAL. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, C, DA CARTA
FEDERAL. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
SÚMULA 279 DO STF. ART. 150, VI, B, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
ABRANGÊNCIA DO TERMO “TEMPLOS DE QUALQUER CULTO”. MAÇONARIA.
NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE E,
NO QUE CONHECIDO, DESPROVIDO. RE 562351 RS. Relator: Ministro Ricardo
Lewandowski. Brasília, 04 de setembro de 2012.

BRASIL12. Supremo Tribunal Federal. DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA


DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 91, §12, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO. DESIGNAÇÃO DE PASTOR EVANGÉLICO PARA ATUAR NAS
CORPORAÇÕES MILITARES DAQUELE ESTADO. OFENSA À LIBERDADE DE
RELIGIOSA. REGRA DA NEUTRALIDADE. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. ADI n° 3478 –
Ação Direita de Inconstitucionalidade. Relator: Ministro Edson Fachin. Brasília. 20 de
dezembro de 2019. Disponível em:
<http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000281924&amp;base=
baseAcordaos>. Acesso em: 19/04/2020.
126

BRASIL13. Supremo Tribunal Federal. DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. PROTEÇÃO AO MEIO
AMBIENTE. LIBERDADE RELIGIOSA. LEI 11.915/2003 DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL. NORMA QUE DISPÕE SOBRE O SACRIFÍCIO RITUAL EM
CULTOS E LITURGIAS DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA. COMPETÊNCIA
CONCORRENTE DOS ESTADOS PARA LEGISLAR SOBRE FLORESTAS, CAÇA,
PESCA, FAUNA, CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, DEFESA DO SOLO E DOS
RECURSOS NATURAIS, PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E CONTROLE DA
POLUIÇÃO. SACRIFÍCIO DE ANIMAIS DE ACORDO COM PRECEITOS
RELIGIOSOS. CONSTITUCIONALIDADE. RE 494601 – Recurso Especial. Relator:
Ministro Marco Aurélio. Brasília, 28 de março de 2019. Disponível em:
<https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22RE%20494
601%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_sc
ore&sortBy=desc&isAdvanced=true>. Acesso em: 26/03/2021.

BRASIL14. Supremo Tribunal Federal. ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS


PÚBLICAS. CONTEÚDO CONFESSIONAL E MATRÍCULA FACULTATIVA.
RESPEITO AO BINÔMIO LAICIDADE DO ESTADO/LIBERDADE RELIGIOSA.
IGUALDADE DE ACESSO E TRATAMENTO A TODAS AS CONFISSÕES
RELIGIOSAS. CONFORMIDADE COM ART. 210, §1°, DO TEXTO
CONSTITUCIONAL. CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 33, CAPUT E §§ 1º E 2º,
DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL E DO ESTATUTO
JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL PROMULGADO PELO DECRETO
7.107/2010. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. ADI n° 4439 – Ação Direita
de Insconstitucionalidade. Relator: Ministro Roberto Barroso. Brasília, 27 de setembro
de 2017. Disponível em:
<http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000278398&amp;base=
baseAcordaos>. Acesso em: 19 abr. 2020.

BRASIL15. Supremo Tribunal Federal. HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS:


ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO.
ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES.
ORDEM DENEGADA. HC 82424 – Habeas Corpus. Relator: Moreira Alves. Brasília, 17
de setembro de 2003. Disponível em:
<https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=f
alse&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&page=1&pageSize=
10&queryString=hc%2082424&sort=_score&sortBy=desc>. Disponível em: 26/03/2021.

BRASIL16. Supremo Tribunal Federal. Recurso ordinário em habeas corpus.


Denúncia. Princípio da correlação. Observância. Trancamento da ação penal.
Descabimento. Liberdade de manifestação religiosa. Limites excedidos. Recurso
ordinário não provido. RHC 146303 - Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Relator:
Edson Fachin. Brasília, 06 de março de 2018. Disponível em:
<https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur388361/false>. Acesso em:
26/03/2021.
127

BRASIL17. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. TRIBUTÁRIO - EXECUTIVO FISCAL


- EMBARGOS DO DEVEDOR - IPTU - TEMPLOS RELIGIOSOS - IMUNIDADE
TRIBUTÁRIA - CF, ART. 150, VI, B E § 4º - EXTENSÃO AOS BENS QUE SERVEM ÀS
FINALIDADES ESSENCIAS DAS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS - LEI MUNICIPAL -
ISENÇÃO CONDICIONAL - ADCT, ART. 41, § 1º - INAPLICABILIDADE. TJ-SC - AC:
17160 SC 2003.001716-0. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Florianópolis, 19 de maio de
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