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UE 6 - A dialética Hegeliana

Apresentação

Há alguns aspectos específicos sobre a tradição filosófica elaborada e desenvolvida pelo filósofo
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, um dos precursores do idealismo alemão, caracterizado pela
dialética hegeliana. O filósofo elaborou um sistema chamado de dialética, que nada mais é que um
processo contínuo do conhecimento. A dialética parte de uma ideia base (tese), é contrariada por
outra ideia (antítese) e chega a uma conclusão (síntese). A partir disso, essa síntese se torna uma
nova tese; por isso, o conhecimento é contínuo, pois é uma evolução das ideias.

Para Hegel, a realidade é idealizada pela nossa mente, e a consciência não é imutável, ou seja, ela
está sempre se modificando e desenvolvendo novos conceitos. Isso determina como enxergamos
as situações no cotidiano e vivemos no mundo. Assim, o conhecimento sempre terá um contexto.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer os conceitos desenvolvidos por Hegel e
aprender a reconhecer e compreender o pensamento dialético, inerente à filosofia hegeliana. Além
disso, vai conhecer uma das mais importantes contribuições de Hegel para a metodologia científica:
a relação entre sujeito e objeto na construção do conhecimento.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Conhecer os conceitos do filósofo Hegel.


• Reconhecer o pensamento dialético relacionado à filosofia hegeliana.
• Estabelecer a relação entre sujeito e objeto na construção do conhecimento.
Desafio

Para Hegel, o conhecimento alcançado se articula em torno da razão. Ou seja, tudo o que criamos
no mundo advém de ideias, transformadas por meio do processo dialético. O que entendemos
como certeza é resultado de contradições superadas. Considerando a dialeticidade, o pensar e o ser
são a mesma coisa, por representarem a síntese do que somos.

A partir disso, veja quanto o conhecimento filosófico pode ser importante para estabelecer o
fundamento de uma campanha publicitária.
Elabore o argumento central (com no mínimo um parágrafo de extensão) e indique um condão
narrativo de roteiro com base no pedido de Márcio.
Infográfico

Para Hegel, as mudanças e transformações ao longo da história resultam da razão humana, advinda
de um fato: as pessoas se constroem sob a marcha da dialeticidade. Nesse sentido, conceitos
relacionados à razão histórica e à dialética são fundamentais para estudos implementados sob a
ótica hegeliana.

Neste Infográfico, você vai conhecer alguns aspectos e conceitos importantes sobre o tema.
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Conteúdo do Livro

Kant defende que os objetos materiais de senso comum da nossa experiência (como mesas, árvores
e montanhas) realmente não são nada mais que padrões sistemáticos da experiência sensória atual
e possível.

No capítulo A dialética hegeliana, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai entrar em
contato com essa perspectiva idealista, na qual outro filósofo, chamado Berkeley, defende uma
concepção próxima à de Hegel.

Boa leitura.
FILOSOFIA

Renan Costa Valle Scarano


A dialética hegeliana
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar a filosofia de Hegel.


 Reconhecer o pensamento dialético relacionado à filosofia hegeliana.
 Estabelecer a relação entre sujeito e objeto na construção do
conhecimento.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar a dialética desenvolvida pelo filósofo
alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Para tal, é necessário compre-
ender o contexto em que Hegel estava inserido e alguns fatos sobre a
sua biografia.
O termo dialética deriva do grego dialektiké, que originalmente sig-
nificava a arte da conversação. Esse termo foi usado pelo filósofo grego
Platão para designar o método filosófico correto (INWOOD, 1997). Hegel,
por sua vez, transformou a dialética numa razão (KONDER, 1991).
Na filosofia da história, Hegel entende a Modernidade como um
tempo de cisão, em que o espírito percebe que perdeu a imediatez da
sua vida substancial. Nesse sentido, Hegel afirma que a reflexão filosófica
da Modernidade deve definir esse tempo a partir de si mesma. Portanto,
a realidade não é algo estático, mas está em movimento. A dialética é
justamente a maneira de pensar que Hegel reformula para refletir sobre
o presente e que permite a ele dizer que tudo está em relação.

A filosofia de Hegel
O filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart, em 27 de
agosto de 1770, e morreu em Berlim, em 14 de novembro de 1831. Hegel é
um dos pensadores que mais se destacam na Modernidade pelo fôlego do
pensamento encontrado em seu sistema filosófico. Ele viveu no contexto
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cultural e filosófico do Romantismo e do Idealismo. O contexto político, por


sua vez, era marcado pela Revolução Francesa.
De acordo com Marcondes (1997), o Romantismo é mais uma atitude e um
estilo de pensamento do que uma teoria ou doutrina filosófica. Do Romantismo,
fizeram parte pensadores, escritores e poetas como Hölderlin, Novalis, Schiller
e Schlegel. A preocupação desses poetas e escritores se relacionava à expressão
estética das emoções e dos sentimentos. O ponto de partida do Romantismo é a
“[...] experiência individual de uma relação intuitiva com a realidade, sobretudo
com a natureza, que recorre ao mito e à tradição religiosa, inclusive pagã,
para formular suas metáforas e imagens poéticas” (MARCONDES, 1997, p.
272). O movimento romântico surgiu também da insatisfação com os rumos
da filosofia moderna, “[...] com a ideia de crítica e de fundamentação teórica
do conhecimento e da prática, com a ciência natural na concepção mecanicista
como modelo de conhecimento” (MARCONDES, 1997, p. 272).
A principal característica do Idealismo, em contraponto ao Empirismo,
é a ideia de que a realidade não pode ser reduzida a substâncias materiais
concretas. Nesse sentido, cabe a máxima do idealismo hegeliano: O que é real
é racional, o que é racional é o real. O Idealismo surgiu na Grécia Antiga, com
Platão, que sugere uma divisão entre o mundo material, onde as coisas existem
enquanto cópias do real, sombras da realidade, e o mundo das ideias, onde as
coisas existem enquanto essência, enquanto verdade. Na tradição filosófica,
o Idealismo percorre o pensamento de muitos filósofos e é na Modernidade
que é retomado, sobretudo com Descartes, que defende a ideia de que a razão
é o fundamento da verdade. Em síntese:

O idealismo é a doutrina filosófica que na sua aproximação da realidade coloca


em primeiro lugar o conhecimento desta realidade, ou seja, o modo como se
processa esse conhecimento na consciência de quem conhece e somente em
segundo lugar a realidade que é conhecida (BUSSOLA, 2000, p. 35).

De acordo com Dudley (2013), a partir da filosofia transcendental de Kant,


o Idealismo alemão contou com três figuras-chave: Johann Fichte (1762–1814),
Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775–1884) e Hegel. Entre as obras do
Idealismo alemão, Hegel se debruçou sobre as de Immanuel Kant (1724–1804)
e de Johann Fichte. Em Kant recai maior destaque, devido ao fôlego filosófico
com que abordou as questões de metafísica, ética e moral.
Sobre a filosofia de Kant, pode-se destacar o seu pensamento crítico. O
autor sugere que a razão deve responder a três questões: o que posso conhecer?
O que devo fazer? O que posso esperar? (DUDLEY, 2013). A partir dessas
A dialética hegeliana 3

questões, Kant aponta, em sua filosofia, para os limites do conhecimento,


as possibilidades de liberdade, as condições que tornam a experiência do
conhecimento possível. Em sua obra Crítica da razão pura, de 1781, o filósofo
pretende “[...] determinar as condições de possibilidade da experiência, e por
decorrência restaurar e completar a metafísica como uma rigorosa disciplina
filosófica” (DUDLEY, 2013, p. 35). Nessa perspectiva, Kant denomina as
condições que tornam a experiência possível de “condições transcendentais”,
e o exame dessas condições, de “filosofia transcendental”.
O termo “transcendental” deve ser entendido de acordo com Reale e Antiseri
(2005b). Ele se refere às:

[...] estruturas a priori; da sensibilidade e do intelecto humanos, estruturas que


representam as condições sem as quais não é possível nenhuma experiência de
nenhum objeto: o transcendental é portanto a condição da cognoscibilidade
(da intuibilidade e da pensabilidade) dos objetos, e aquilo que o sujeito põe
nas coisas no próprio ato de conhecê-las (REALE; ANTISERI, 2005b, p. 352).

Por meio da filosofia transcendental, Kant tenta “[...] restaurar a pos-


sibilidade da metafísica fazendo uma nova distinção entre aparências, ou
fenômeno, e as coisas-em-si, ou noumena” (DUDLEY, 2013, p. 35). Na obra
Fenomenologia do Espírito, pode-se perceber a influência do Idealismo em
Hegel. Nessa obra, o pensador “[...] descreve determinadas configurações de
consciência, descrevendo como o conhecimento e a experiência conflitam nas
várias tentativas do sujeito conhecer o mundo” (SINERBRINK, 2017, p. 33).
Por outro lado, Marcuse (1978) sugere que a Revolução Francesa teve um
efeito desafiador no pensamento de filósofos como Kant, Fichte, Schelling e
Hegel: “As ideias da Revolução Francesa surgem, pois, no cerne dos sistemas
idealistas, determinando, sob muitos aspectos, sua estrutura conceitual” (MAR-
CUSE, 1978, p. 17). Marcuse (1978) argumenta que a Revolução Francesa,
aos olhos dos idealistas, não só aboliu o sistema absolutista feudal, mas o
substituiu por um sistema econômico e político de classe burguesa, emanci-
pando o indivíduo como senhor autoconfiante de sua vida. Nesse sentido, a
situação do homem no mundo, seu trabalho e seu lazer deveriam depender
de sua própria atividade racional livre, sustentada pelo pensamento liberal
(MARCUSE, 1978).
Hegel matriculou-se na Universidade de Tübingen em 1788. Lá, ele estudou
filosofia e teologia com a ideia de tornar-se pastor luterano. Ele permaneceu
no seminário de Tübingen até 1794 (INWOOD, 1997). De acordo com Rovighi
(2000), em Tübingen, Hegel não apenas assistia às aulas, mas fazia parte
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de um clube político formado por estudantes que admiravam a Revolução


Francesa, lia jornais políticos e discutia o contexto social com seus colegas.
Hegel completou seus estudos em 1793, porém levaria 23 anos para se tornar
um professor assalariado de filosofia (DUDLEY, 2013).
Entre 1801 e 1807, Hegel passa a viver em Jena, onde tenta a vida como
palestrante não assalariado, dependente das taxas que os estudantes pagavam
para frequentar suas palestras. Em 1807, com uma situação financeira precária,
o filósofo abandona as palestras e assume em Bamberg a posição de editor de
um jornal. Nesse mesmo ano, publica Fenomenologia do Espírito, seu primeiro
grande trabalho, no qual se percebe um pensamento maduro e que serve de
introdução à sua filosofia sistemática (DUDLEY, 2013). A partir de 1808, ele se
torna reitor de um ginásio (escola secundária) em Nuremberg, onde permanece
por sete anos. Nesse período, trabalha em sua obra A Ciência da Lógica. Tal
obra constitui a primeira parte do sistema filosófico de Hegel e apareceu em
três volumes publicados nos anos 1812, 1813 e 1816 (DUDLEY, 2013).
Enfim, com 46 anos de idade, Hegel assume uma posição acadêmica
assalariada na cidade de Heidelberg. Logo após a sua chegada à cidade, em
1817, ele publica a Enciclopédia das Ciências Filosóficas. Por meio dessa obra,
pode-se ter uma compreensão geral de todo o sistema hegeliano. De acordo
com Dudley (2013), o sistema filosófico de Hegel está dividido em três partes:
a lógica, a filosofia da natureza e a filosofia do espírito. Em 1818, Hegel passa
a ser docente em Berlim e dois anos mais tarde publica Princípios da Filosofia
do Direito, em que aborda os aspectos sociais e políticos do espírito (DUDLEY,
2013). Inwood (1997) destaca que Hegel foi um dos mais eruditos filósofos,
com imenso conhecimento de arte, literatura, religião, filosofia, vida política
e ciência, tanto de sua própria época como de épocas passadas.
Enquanto todos os sistemas filosóficos anteriores a Hegel, como os de
Descartes e Espinosa ou Hume e Kant, buscavam estabelecer critérios eternos
para aquilo que o homem pode saber sobre o mundo, Hegel busca na história
os elementos determinantes de sua filosofia. Qualquer sistema filosófico
anterior a Hegel buscou investigar o fundamento de todo o conhecimento
humano, mas todos haviam discorrido sobre os pressupostos intemporais para
o conhecimento do mundo (GAARDNER, 1995).
Com o filósofo René Descartes (1596–1650), tem-se uma primeira tentativa
de encontrar um ponto de partida radical para fundamentar a possibilidade
de conhecimento na consciência, no sujeito pensante. Mais tarde, Kant critica
o sujeito cartesiano e os pressupostos metafísicos da consciência entendida
como uma substância pensante — res cogitans (MARCONDES, 1997). Já
Hegel (apud MARCONDES, 1997, p. 247) “[...] critica a concepção kantiana
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de sujeito transcendental como excessivamente formal, a consciência consi-


derada como dada, como originária”. Ele considera que se deve investigar o
processo de formação da subjetividade e que essa formação se dá na história.
Portanto, o fator que marca a diferença entre os filósofos racionalistas e
empiristas da Modernidade e Hegel é o fato de que o último não admite que o
conhecimento seja atemporal. De acordo com Gaardner (1995, p. 239), “[...] as
bases do conhecimento humano mudam de geração para geração. Por isso, também
não há para ele [Hegel] ‘verdades eternas’, assim como não há razão atemporal. O
único ponto fixo em que o filósofo pode basear-se é a própria história”; somente
por meio da história, postula Hegel, “[...] o homem descobre o que é” (INWOOD,
1997, p. 35). Marcuse (1978, p. 38) acrescenta que a filosofia de Hegel “[...] começa
com a negação do dado e conserva por toda a parte tal negatividade”; Hegel chega
“[...] a concluir que a História atingiu a realidade da razão” (MARCUSE, 1978,
p.38). No entanto, vale frisar que, para Hegel (apud ROVIGHI, 2000, p. 747), o
sujeito da história não é o sujeito enquanto indivíduo, mas:

[...] o espírito dos povos, representado pelo Estado; os indivíduos são apenas
meios para o desenvolvimento da vida dos povos: de fato, procurando perseguir
seus interesses, seus fins particulares, eles realizam um fim mais universal,
que escapa à sua consciência.

A filosofia de Hegel é uma das maiores conquistas do Iluminismo alemão (Aufklärung).


Isso significa que a filosofia hegeliana foi inserida no credo iluminista, que diz que
a emancipação humana universal pode ser encontrada no livre exercício da razão.
Contudo, isso não quer dizer que Hegel não criticou o Iluminismo e os limites da
razão (SINNERBRINK, 2017).

Em suma, Hegel “[...] quis mostrar como a razão poderia superar as dicoto-
mias que afligem a vida e o pensamento moderno unificando dialeticamente
sujeito e objeto, particularidade e universalidade, liberdade e natureza” (SIN-
NERBRINK, 2017, p. 18). Corroborando essa ideia, Marcondes (1997) destaca
que a obra de Hegel é sistemática e busca incluir em um sistema integrado
todos os grandes temas e questões da tradição filosófica, da ética à metafísica,
da filosofia da natureza à filosofia do direito e da lógica à estética.
6 A dialética hegeliana

Argumentar que a filosofia hegeliana é sistemática significa dizer que ela é


um todo articulado. De acordo com Inwood (1997, p. 72), a palavra “sistema”
deriva do termo grego systema, que quer dizer “[...] um todo articulado com-
posto de numerosas partes”, que por sua vez provém de synistanai (“reunir”,
“combinar”, de sun, “com”, “juntos”, e histanai, “colocar”, “pôr”). Nesse sentido,
Reale e Antiseri (2005a, p. 104) afirmam que a filosofia hegeliana é organizada
em uma tríplice distinção que a caracteriza como sistema: lógica; filosofia da
natureza; filosofia do espírito; “A primeira estuda a ‘ideia em si’, a segunda o
seu ‘alienar-se’ e a terceira o momento do ‘retorno a si’”. Nesse sentido:

O pensamento livre e verdadeiro é em si concreto, e assim é ideia, e em sua


universalidade total é a ideia ou o absoluto. A ciência [que trata] dele é es-
sencialmente sistema, porque o verdadeiro enquanto concreto só é enquanto
desdobrando-se em si mesmo, e recolhendo-se e mantendo-se junto na unidade
— isto é, como totalidade (HEGEL, 1995, p. 55).

De acordo com Vaz (2008), a Fenomenologia do Espírito é a obra que serve


de pórtico do sistema de Hegel. Enquanto Rovighi (2000) comenta:

A fenomenologia do espírito descreve o caminho do conhecimento natural


que se dirige para o verdadeiro saber, ou o caminho da alma que percorre a
série de suas figuras (Gestalten), quase etapas que sua natureza lhe prescreve
para purificar-se e tornar-se espírito, enquanto, por meio da experiência,
completa de si mesma, chega ao conhecimento do que ela é em si (HEGEL
apud ROVIGHI, 2000, p. 716).

A fenomenologia hegeliana, defende Sinnerbrink (2017), é uma ciência


da experiência da consciência, que também é a reconstrução da experiência
histórico-filosófica dos homens como membros de uma comunidade. Essa
experiência culmina com o que Hegel chama de “saber absoluto”. Nessa pers-
pectiva, Hegel traz um elemento-chave da filosofia moderna, que é a questão
do absoluto: “O absoluto não é nem o sujeito separado do objeto (pensamento),
como entendia Schelling, mas a síntese dialética do sujeito (pensamento) e do
objeto (ser)” (BUSSOLA, 2000, p. 40).
Desde a filosofia antiga, isto é, desde Aristóteles e Platão, a essência é aquilo
que é antes de efetivar-se nos entes. Isso significa que a essência não precisa
acontecer para ser concretizada, ou seja, ela já é. Contudo, “Hegel inverte a
direção do tempo, e não vê o essencial antes de ter sido, mas algo que se tornou
após ter sido” (SANTOS, 2007, p. 25). Assim, o espírito absoluto se concretiza
na história, no acontecimento da história. Nesse sentido, “A palavra que designa
A dialética hegeliana 7

a razão como história é Espírito (Geist): o mundo histórico considerado em


relação ao progresso racional da humanidade” (MARCUSE, 1978, p. 23).
“Espírito” é o termo para a razão autoconsciente, para as relações de
sentido social e culturalmente articuladas, ou formas compartilhadas de
intersubjetividade social e cultural. Ou seja, o espírito refere-se à forma da
mentalidade coletiva, abrangendo não apenas a autoconsciência individual,
mas também formas de conhecimento e sentidos compartilhados numa cultura
(SINNERBRINK, 2017). Para você compreender melhor essas ideias e con-
ceitos formulados por Hegel, precisa se familiarizar com a noção de dialética,
pois ela é a chave do pensamento sistemático da filosofia hegeliana. É o que
você vai ver a seguir.

A dialética na filosofia hegeliana


Para Hegel, a razão é histórica, ou seja, ela é uma verdade construída no
tempo. Nesse sentido, é uma filosofia do devir, do ser como processo, como
movimento, como vir a ser. Para dar conta dessa dinâmica do real que é mo-
vimento, contradição e não estática (como o princípio da identidade), Hegel
desenvolve a dialética (ARANHA; MARTINS, 2013).
A dialética, em seu sentido mais genérico, pode ser entendida como a
oposição de ideias, ou ainda como o conflito originado pela contradição entre
princípios teóricos ou fenômenos empíricos. Porém, a compreensão acerca da
dialética hegeliana não deve se ater meramente a um método; o movimento
dialético revela o caráter dinâmico e contraditório em que os elementos se
opõem e se diferenciam, tendo papel fundamental na realidade humana.
O termo “dialética” deriva do grego dialektiké (techné), que vem de diale-
gesthai (“conversar”). Tal termo designava originalmente a “arte da conver-
sação”, mas foi usado por Platão para designar o método filosófico correto
(INWOOD, 1997). De acordo com Inwood (1997, p. 118), em Hegel, a dialética
assume outro sentido, pois ela não envolve um diálogo entre dois pensadores
ou entre um pensador e o seu objeto de estudo; ela “[...] é concebida como a
autocrítica autônoma e o autodesenvolvimento do objeto de estudo, de, por
exemplo, uma forma de consciência ou um conceito”.
A dialética, em Hegel, assume três etapas:

 a primeira etapa é a do entendimento, em que um ou mais conceitos


ou categorias são considerados fixos, nitidamente definidos e distintos
uns dos outros;
8 A dialética hegeliana

 a segunda etapa é a da razão, dialética ou negativa; quando se reflete sobre


tais categorias, uma ou mais contradições emergem nelas; o resultado
dessa reflexão traz uma nova categoria, que é superior às outras, mas que
engloba as categorias anteriores e resolve as contradições nelas envolvidas;
 a terceira etapa é caracterizada como especulação ou razão positiva
(INWOOD, 1997).

Sob a óptica de Hegel, a realidade é compreendida e analisada por meio do mé-


todo dialético, já que esse é um processo no qual a razão promove o conhecimento
e o estranhamento da realidade, evidenciando ou conciliando essa oposição. No
entendimento de Hegel, a dialética é um movimento constituído por três etapas:
“Tese é afirmação. Nela algo é afirmado. A Antítese é negação do que se afirmara
antes. A tensão entre estes dois termos encontra sua conciliação na Síntese, negação
da negação” (NÓBREGA, 2005, p. 44). Assim, na fase inicial, há a afirmação,
chamada de tese; posteriormente, dá-se a negação da afirmação, conhecida como
antítese; e, finalmente, a síntese ou negação da negação.

Os termos “tese”, “antítese” e “síntese” não foram utilizados por Hegel, e sim pelos seus
estudiosos e comentadores. Como afirmam Silva e Oliveira (2013, documento on-line),
tais termos foram introduzidos “em 1837 por um comentador, Heinrich Chalybaus”.

É nessa tríade de movimento que a razão compreende a realidade, pois esta


é marcada por diversas relações contraditórias e sempre em movimento. Assim,
uma tese, quando é confrontada e superada pela antítese, produz uma síntese.
Esse movimento pode ser percebido na filosofia hegeliana, por exemplo, na
obra Princípios da Filosofia do Direito, em que se tem: família (tese), socie-
dade civil (antítese) e Estado (síntese). Entender a realidade é compreender o
movimento ou processo. Nesse sentido, a dialética hegeliana contribui para o
entendimento fluido e paradoxal de cada contradição existente na realidade.
As categorias ontológicas são determinações objetivas dos elementos, sendo
formas de expressão do ser observadas tanto na realidade quanto no imaginário.
No primeiro movimento para a compreensão da realidade por meio do
método dialético hegeliano, se dá a abstração intelectual das determinações.
A dialética hegeliana 9

Na tese, apenas uma parte da realidade é destacada, pois quando se afirma


alguma coisa sobre ela, simultaneamente a negação acerca dela é excluída.
Já o segundo movimento é a antítese, ou seja, quando se passa da abstração
intelectual para o uso da razão. A compreensão por meio da razão tem como
objetivo superar a percepção unilateral dada pela abstração intelectual, intro-
duzido assim as contradições. Desse modo, tem-se a negação da afirmação.
Conforme Nóbrega (2005), a antítese já está na tese, pois esta já carrega em
si a contradição. Nesse sentido, em um primeiro momento, a contradição está
implícita na tese e é explicitada, no segundo momento, na antítese.
Com as contradições já expostas, elas são unidas ao seu oposto e assim
tem-se o último movimento: o da síntese, que é a negação da negação (NÓ-
BREGA, 2005). Nesse contexto, a síntese é a reformulação ou superação da
tese e da antítese, já que “Ela vai fazer ‘suspender’ ou ‘cessar’ a contradição
entre a Tese e a Antítese” (NÓBREGA, 2005, p. 44). Nesse movimento, há
uma unificação ou conciliação entre as contradições da tese e da antítese,
quando se dá a compreensão da dinâmica da realidade e a observação de que
ela não é estática, pois está constantemente sendo criada e recriada. Destarte,
a dialética hegeliana reflete-se em si, desvendando a realidade humana em
um dado espaço-tempo.
Pode-se utilizar a figura da circularidade para representar o entendimento
dialético da realidade. Nessa perspectiva, Antiseri e Reale (2005a) destacam
que num primeiro momento haveria o ser “em si”; o segundo momento é o que
constitui o “ser outro” ou “fora de si”; o terceiro momento é o do “retorno a
si” ou o “ser em si e para si”. Considere o seguinte para compreender melhor
a realidade em movimento explicada pela dialética hegeliana:

Se [...] o embrião é em si o homem, ele, entretanto, não o é para si; para si


só o é como razão desdobrada [...], e somente essa é sua realidade efetiva. A
semente é em si a planta, mas ela deve morrer como semente e, portanto, sair
fora de si, a fim de poder se tornar, desdobrando-se, a planta para si (ou em
si e para si) (REALE; ANTISERI, 2005a, p. 103).

A dialética é o movimento circular e, enquanto tal, é próprio da natureza do espírito.


Portanto, o cerne do real é a dialética. A dialética explica todo o movimento e toda a
mudança, tanto no mundo quanto no pensamento sobre ele (INWOOD, 1995).
10 A dialética hegeliana

A construção do conhecimento
na filosofia hegeliana
Na primeira parte de seu Discurso do Método, publicado em 1637, o filósofo
René Descartes afirma que a razão é o poder de julgar corretamente o ver-
dadeiro e o falso. A razão, continua Descartes (2004), é o que caracteriza
os homens e os diferencia dos animais. Em sua trajetória interior, o filósofo
francês buscou alcançar a verdade sobre si mesmo e a verdade das coisas do
mundo. Por meio de seu método, Descartes lançou as regras com as quais ele
mesmo progredia para conhecer a verdade:

 nunca aceitar algo como verdadeiro;


 repartir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas forem
necessárias;
 conduzir por ordem os pensamentos, dos mais simples aos mais
complexos;
 efetuar em toda parte relações metódicas completas com a certeza de
nada omitir, ou seja, enumerá-las (DESCARTES, 2004).

Logo, ao pensar que tudo era falso, “[...] fazia-se necessário que eu, que pensava,
fosse alguma coisa. E ao notar essa verdade: eu penso, logo existo” (DESCARTES,
2004, p. 62). Desse modo, Descartes acentuava o dualismo entre o eu, que penso,
e os objetos do mundo, que são conhecidos por essa razão, solipsista.
Assim, o conhecimento é um processo em que está em jogo o modo correto
de usar a razão, ou seja, tem-se um sentido instrumental da razão que retira
a sua verdade da realidade. Nota-se que nesse processo há uma razão que
conhece a realidade; o seu esforço para alcançar a verdade do mundo é ser
bem utilizada por meio do método. Portanto, não há uma subjetividade, um
sujeito que possui uma história, que vive num contexto e que pensa a partir de
suas circunstâncias. É justamente nesse contraponto que Hegel atravessa-se
diante do dualismo inaugurado na Modernidade por Descartes.
Não só Descartes mas outros filósofos pensavam o processo do conheci-
mento por meio da relação sujeito–objeto. Nessa relação, o objeto se mostrava
em sua aparência, ou seja, era aquilo que se poderia captar por meio dos
sentidos. Nesse viés do pensamento empírico, Descartes desenvolve a sua
filosofia do conhecimento. Para os racionalistas, o objeto que se mostrava em
sua aparência tinha uma realidade, uma essência, que não se mostrava, mas que
precisava ser descoberta, por meio da razão, para se captar a verdade do objeto.
A dialética hegeliana 11

Portanto, antes de Kant, no centro do conhecimento, havia o objeto a ser


conhecido, e o sujeito estava em volta do objeto. O giro copernicano de Kant
coloca o sujeito que conhece no centro do processo de conhecimento; em seu
entorno, fica o objeto que vai ser conhecido. Kant não diz que não existe uma
essência das coisas, mas que ela é tarefa da metafísica, e não do conhecimento.
A coisa em si, o noumenom, não pode ser apreendida pelos sentidos. Assim,
não se pode gerar um conhecimento daquilo que a experiência não alcança.
O processo do conhecimento, para Kant, acontece a partir da forma como a
coisa se mostra: isso é o fenômeno. Portanto, no viés de Kant, são as coisas
que se mostram ao ser humano.
Hegel, comenta Dudley (2013), afirma que a hipótese de que conhecer é uma
relação entre sujeito consciente e objeto, que lhe é distinto, é uma proposição
errada. Com a Fenomenologia do Espírito, Hegel (apud MARCONDES, 1997,
p. 250) pretende realizar uma:

[...] teoria universal do conhecimento, uma descrição do fenômeno tal como


aparece à consciência. Trata-se assim da autoapreensão da consciência em
suas transformações a partir da apreensão das transformações do objeto da
mesma consciência. As formas fenomênicas do objeto são ao mesmo tempo
formas fenomênicas do sujeito.

Você pode considerar que “A fenomenologia hegeliana é um método


filosófico que descreve e interpreta padrões interconectados de conhe-
cimento como aparecimento” (SINNERBRINK, 2017, p. 32). O termo
“fenomenologia” provém do grego phainomena, que quer dizer “aquilo
que aparece ou se manifesta”. A fenomenologia mostra como a consciên-
cia resolve o conflito entre conhecimento e experiência, entre a suposta
forma de conhecimento e a experiência, isto é, está em jogo o resultado
da tentativa de conhecer o mundo de uma maneira ou de outra. Portanto,
a consciência, nos termos de Hegel, não é um conceito estático; ela é
afetada pela experiência dialética, representada pelo conflito entre conhe-
cimento e verdade para uma configuração mais complexa da consciência,
que apresenta uma nova relação entre sujeito e objeto (SINNERBRINK,
2017). A partir disso, a filosofia de Hegel pretende mostrar o caminho da
consciência para o verdadeiro conhecimento.
A exposição fenomenológica começa com a consciência natural e descreve
uma espécie de realismo de senso comum, que é o fundo pressuposto da
investigação filosófica:
12 A dialética hegeliana

Na Fenomenologia do Espírito, cada instância de conhecimento envolve uma


relação entre um sujeito e um objeto, na qual a consciência compara suas
alegações de conhecimento com a sua experiência de saber se estas alegações
permanecem coerentes (SINERBRINK, 2017, p. 34).

Contudo, há graus de captação da realidade por parte do sujeito, o que se


dá na experiência. Desse modo:

[...] a experiência que a consciência tem de si mesma corresponde à existência,


na marcha da própria consciência, de uma lei interna do progresso em direção
a um novo conhecimento e ao fato de ela seguir esta lei ao transformar-se a si
mesma para se dirigir ao objeto (MARCONDES, 1997, p. 250).

Na Fenomenologia do Espírito, Hegel procura descrever a elevação da


consciência do conhecimento sensível ao saber absoluto (MARCONDES,
1997). O saber imediato ou certeza sensível corresponde ao primeiro momento
em que a consciência, ao surgir, se dá conta de que algo existe, porém não
tem como chegar a conhecer coisa alguma a respeito do que existe. Ela vive
uma experiência importante (a de seu nascimento) e, no entanto, permanece
prisioneira das limitações dessa experiência. O conhecimento imediato, se-
gundo Hegel, é o mais pobre dos conhecimentos (KONDER, 1991). Nesse
sentido, se pergunta Konder (1991): o que sei a respeito de uma cadeira ou
de uma caneta se me limito a apalpá-la? Se o sujeito deseja saber mais, deve
estudar como são produzidas as coisas, estudar suas formas.
O segundo momento do processo de conhecimento consiste no entendi-
mento. A consciência precisa direcionar-se para um conhecimento ascendente,
não pode permanecer na primeira impressão. Ela deve “[...] crescer com o
objeto, reconstituir o movimento de formação do objeto, acompanhá-lo em
seu uso” (KONDER, 1991, p. 28). A segunda etapa do conhecimento, que se
dá no movimento da consciência, explicita Konder (1991), é a da percepção
ou entendimento:

Nela, o sujeito começa a escapar da tirania do imediato e se dá conta de al-


gumas características determinadas daquele algo difuso que tinha passado a
existir para a consciência na ‘figura’ anterior. O que a consciência percebe é
que o real é constituído por coisas e cada coisa possui múltiplas qualidades
(KONDER, 1991, p. 28).

Na dinâmica dialética, pode-se compreender o processo do conhecimento


hegeliano da seguinte forma: o primeiro passo seria a apreensão imediata do
A dialética hegeliana 13

objeto, representado pela certeza sensível, confrontada pelo movimento da


percepção da consciência, que percebe que o real é constituído de múltiplas
realidades. A primeira síntese desse processo se dá no discernimento. Com
o discernimento:

[...] o sujeito vai além da esfera do meramente sensível e inicia a busca do


conceito, no caminho da razão. O ‘discernimento’ observa, analisa e decompõe
as coisas, separando os elementos uns dos outros para que o sujeito possa
examiná-los melhor e conhecê-los com maior exatidão (KONDER, 1991, p. 29).

Ao retirar o véu que cobre o real, o sujeito encontra apenas a si mesmo;


isso é o que Hegel chama de “consciência de si”. O sujeito descobre na própria
consciência o ser que julgava encontrar fora dela (MARCONDES, 1997).
Portanto, o processo do conhecimento não termina com o discernimento, que
é a terceira etapa. O sujeito que acumula informações acerca da realidade
percebe que ela lhe escapa, não se deixa dominar. Nesse sentido, “O sujeito
se retrai em face da realidade objetiva e se pergunta o que há de errado dentro
dele: forma-se, assim, a ‘figura’ da ‘consciência de si’ ou ‘autoconsciência’”
(KONDER, 1991, p. 30).
O drama da autoconsciência é o interrogar-se acerca de sua natureza, pois
a consciência só pode conhecer-se se tiver um termo de comparação. A auto-
consciência, portanto, precisa de outra “autoconsciência” para afirmar a sua
liberdade em relação a ela. Assim, “A ‘autoconsciência’ é a ‘figura’ do sujeito
dividido: capaz de ser livre e ao mesmo tempo incapaz de uma liberdade real,
isto é, universal. O sujeito é envolvido por uma dialética perversa: a dialética
do senhor e do escravo” (KONDER, 1991, p. 30).
A quarta etapa, que Hegel aborda por meio da dialética do senhor e do
escravo, é aquela em que a consciência se depara com o susto que o sujeito
leva ao constatar que a realidade é algo que lhe escapa (KONDER, 1991).
Com a dialética do senhor e do escravo, Hegel mostra a complexidade das
relações humanas. O senhor é livre, pois impõe a sua vontade, porém perde
a experiência humana do sujeito escravo e a sua condição de materialidade
relativa ao seu trabalho. O senhor é limitado a padecer de abstratividade.
Por sua vez, o escravo, que está condenado a uma condição humana rude, é
privado dos meios que lhe permitiriam viver e pensar a dimensão divina da
liberdade (KONDER, 1991).
No entanto, a autoconsciência que busca a universalidade precisa seguir
agindo no processo ascendente. Assim, ela chega até o trabalho e se dá conta
da importância dele. Portanto, para Hegel, “Apesar da rudeza das formas que
14 A dialética hegeliana

assumiu, o trabalho é a atividade básica pela qual os sujeitos humanos afirmam,


inicialmente, seu poder de intervir na realidade objetiva, dominando-a e pondo-a,
astuciosamente, a seu serviço” (KONDER, 1991, p. 30). Quando a autoconsciência
se dá conta de que é preciso superar as consciências anteriores que refletem
uma postura passiva na realidade, ela afirma-se por meio do trabalho. Nesse
momento, a autoconsciência deixa de ser e se transforma em razão.
A razão é a quinta figura do movimento da consciência. Nessa etapa:

[...] o indivíduo começa a se pensar concretamente como parte de uma realidade


mais universal: suas iniciativas, suas paixões, seus interesses particulares,
seus movimentos se inserem num todo mais amplo, no movimento mais geral
da humanidade, naquilo que Hegel caracteriza como o processo do real (o
processo de realização do espírito) (KONDER, 1991, p. 32).

Essa esfera é aquela em que os indivíduos reconhecem a potencialidade de


suas ações na esfera social. Embora os indivíduos enxerguem a divergência de
suas ações, eles também se deparam com um quadro tumultuado, pois se dão
conta de que estão se movendo numa situação institucionalizada que enseja
múltiplos equívocos (KONDER, 1991). As leis simbolizam esse momento em
que aparentemente há uma ordem pública representada pela razão legisladora.
A lei é válida, mas é limitada, diz Hegel (KONDER 1991).
Portanto, “a ‘figura’ da ‘razão’ precisa se superar a si mesma. Em seu
movimento vivo — e portanto autocrítico — a ‘razão’ se questiona, abrindo
caminho para a sexta ‘figura’ da consciência: o ‘espírito’” (KONDER, 1991,
p. 33). O espírito representa a sexta figura do processo de conhecimento da
consciência. Ao mesmo tempo, ele supera e preserva como momentos signi-
ficativos tudo aquilo que havia de válido em todas as “figuras” precedentes
do movimento da consciência:

Desde a certeza sensível do saber imediato e da percepção, passando pelo


discernimento e pela consciência de si, até a razão. Para que o sujeito possa
dispor de toda a energia vital de que carecia para agir mais eficazmente (uma
energia que a razão não conseguira dinamizar), o espírito se beneficia da
paixão (KONDER, 1991, p. 33).

Assim, chega-se à última figura da fenomenologia, que é o saber absoluto.


O saber absoluto alcança o entendimento e a certeza de toda a realidade.
Ele alcança a unidade entre ser e pensar, harmonizando subjetividade com
objetividade (COTRIM; FERNANDES, 2013).
A dialética hegeliana 15

ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 5. ed. São Paulo:


Moderna, 2013.
BUSSOLA, C. As correntes filosóficas contemporâneas. In: OLIVEIRA, A. S. de; KROHLING,
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COTRIM, G.; FERNANDEZ, M. Fundamentos de filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013.
DESCARTES, R. Discurso do Método. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
DUDLEY, W. Idealismo alemão. Petrópolis: Vozes, 2013.
GAARDNER, J. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia
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HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das ciências filosóficas: em compêndio 1830. São Paulo:
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INWOOD, M. Dicionário Hegel. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
KONDER, L. Hegel: a razão quase enlouquecida. Rio de Janeiro: Campus, 1991.
MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio
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MARCUSE, H. Razão e revolução: Hegel o advento da teoria social. 2. ed. Rio de Janeiro:
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NÓBREGA, F. P. Compreender Hegel. Petrópolis: Vozes, 2005.
REALE, G. ANTISERI, D. História da filosofia 5: do romantismo ao empiriocriticismo. São
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ROVIGHI, S. V. História da filosofia moderna: da revolução científica à Hegel. 2. ed. São
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SILVA, H. C.; OLIVEIRA, J. L. Pitombeira de síntese absoluta. In: SIMPÓSIO DE ESTÉTICA E
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SINNERBRINK, R. Hegelianismo. Petrópolis: Vozes, 2017.
VAZ, H. C. de L. Apresentação. A significação da Fenomenologia do Espírito. In. HEGEL,
G.W.F. Fenomenologia do Espírito. 5.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
Dica do Professor

Hegel foi um importante filósofo alemão do final do século XVIII e começo do século XIX. Foi o
fundador da tradição que considera que a filosofia é responsável por estabelecer um sistema de
saberes que dão conta da realidade em suas inúmeras dimensões, sem, contudo, interferir sobre
ela.

Nesta Dica do Professor, acompanhe mais sobre como o sistema filosófico se baseia em dois
pontos: a fenomenologia do espírito e a ciência da lógica.

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Exercícios

1) A dialética representou um grande avanço científico, porque o processo dialético beneficia


todas as áreas do conhecimento humano.

Considerando os seus conhecimentos prévios e o que você estudou nesta Unidade, assinale
a alternativa correta.

A) O conhecimento é um processo de oposição e renovação, objetivando a verdade.

B) O conhecimento baseia-se nos dados obtidos a partir dos sentidos humanos.

C) O conhecimento baseia-se na racionalização dos sentimentos humanos.

D) O conhecimento é prejudicado pela racionalização da relação sujeito/objeto.

E) O conhecimento baseia-se percepção/compreensão da finitude humana.

2) Ao discorrer sobre o espírito objetivo, Hegel aponta que, nas concretizações operadas pela
sociedade, é possível distinguir três graus dialéticos: o direito, a amoralidade e a eticidade.
Esta representa a concretização da ação moral.

Nesse contexto, qual é a entidade social capaz de regular, legitimamente, a conduta externa
dos homens?

A) A família.

B) A Igreja.

C) O Estado.

D) A escola.

E) O Exército.

3) O idealismo hegeliano pressupõe que os conhecimentos hábeis à explicação do mundo


devem ser verdadeiramente universais, fundamentados em ideias universais.

Dessa forma, Hegel pode ser considerado idealista por qual dos motivos a seguir?
A) Entender pela evidente preponderância da noção empírica da realidade.

B) Entender pela oposição contínua entre ideia e matéria, que resulta em síntese.

C) Entender pela evidente preponderância da noção racionalista da realidade.

D) Entender pela preponderância dos sentimentos humanos racionalizados.

E) Entender pela preponderância das vicissitudes humanas racionalizadas.

4) Hegel entendia que o conhecimento resulta de um processo dialético constante. Essa


concepção possibilitou grandes e significativos avanços à teoria científica.

Nesse contexto, o que é possível afirmar com segurança?

A) Os dados percebidos pelos sentidos humanos são insignificantes.

B) O conhecimento e a razão humana resultam do processo dialético.

C) Prioritariamente, o conhecimento provém da experiência empírica.

D) A razão é incapaz de alcançar a realidade objetiva.

E) Os dados percebidos pelos sentidos humanos são irrelevantes.

5) Para Hegel, o espírito desenvolve-se a partir de momentos dialéticos distintos: o subjetivo, o


objetivo e o absoluto.

Nesse contexto, considerando os seus conhecimentos, pode-se afirmar que o absoluto se


vincula:

A) à sociedade.

B) ao indivíduo.

C) ao Estado.

D) ao Direito.

E) à arte.
Na prática

Em nossas vivências, experimentamos diversas sensações e estamos expostos a muitos conceitos,


opiniões, técnicas e tecnologias. E, a respeito deles, construímos opiniões, que são importantes
para a nossa concepção de mundo e para a forma como lidamos com as pessoas diante das
situações.

Neste Na Prática, confira as conclusões de João, que entendeu algumas nuances subjetivas do
processo dialético.
Saiba mais

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

A dialética hegeliana: uma síntese


O texto a seguir contém uma breve biografia do filósofo. Além disso, você encontrará uma síntese
dos conceitos imprescindíveis à compreensão do processo dialético.

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Hegel: o ser e a corporeidade


A filosofia de Hegel representa avanços importantes para a compreensão das relações entre a
natureza e o dinamismo histórico. Neste artigo, você encontra conceitos importantes sobre a
constituição da identidade humana.

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Estética e ética: interlocuções


Aparentemente, os conceitos de estado estético e vida ética absoluta são contraditórios. Porém,
uma análise aprofundada enseja conclusões muito interessantes.

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