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RESUMO: Esta proposta tem como objetivo apresentar experiências a partir da Residência
Pedagógica ao longo do ano de 2023. A utilização do cinema enquanto ferramenta pedagógica no
ensino das ciências humanas e sociais, oportunizou estabelecer questões acerca da cultura visual e
da educação, especialmente quando se refere à curadoria fílmica e à recepção de conteúdos com
caráter étnico-racial. O Ensino Médio enquanto uma das etapas fundamentais no processo de
formação das experiências de mundo e da construção identitária, encontra na espacialidade da
escola pública questões que transpõem os currículos. Percebe-se que, embora haja esforço e
pesquisa, por parte de educadores, a compreensão das múltiplas identidades negras estiveram
relegadas às estereotipias, estabelecendo distanciamentos, quando nos referimos à recepção dos
discentes. A análise a partir de produções visuais que abordam personalidades negras ou que
quebram estereótipos criados e enraizados na sociedade é fundamental. Dos resultados adquiridos
a partir da imersão das residentes, entende-se que há uma nova e tímida construção social no
audiovisual, capaz de apresentar pessoas negras também como protagonistas de suas próprias
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Doutor em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia (DH/UFU), com pós-doutorado em História do
Brasil pela Universidade Federal do Piauí (PPGHB/UFPI), Professor Adjunto do Departamento de História, na cadeira
de História Afro-brasileira e Indígena da Universidade Regional do Cariri (DH/URCA) e do Mestrado Profissional em
Educação (ProfHistória URCA). Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em História Afrodiaspórica (GEPAFRO). Link
CV: http://lattes.cnpq.br/9301454984951367, e-mail: tulio.henrique@urca.br
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Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri (URCA),
membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em História Afrodiaspórica (GEPAFRO). Bolsista da Residência Pedagógica
(PIBID/URCA/CAPES). Link CV: http://lattes.cnpq.br/1362920213595923, e-mail: claudianne.oli@urca.br
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Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri (URCA),
membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em História Afrodiaspórica (GEPAFRO). Bolsista da Residência Pedagógica
(PIBID/URCA/CAPES). Link CV: http://lattes.cnpq.br/8197001000141213, e-mail: kaysa.ferreira@urca.br
narrativas. Por meio de aulas que abordam problemáticas pré-estabelecidas relacionadas à
representatividade negra, preconceito, discriminação, cultura negra, entre outros temas, foi possível
estabelecer diálogos elaborados com o intuito de envolver ativamente os estudantes, de forma
criativa, ao passo que eles passaram a compartilhar suas experiências, compreensões, dúvidas e os
impactos que a cultura visual relacionada à raça atravessam suas vidas.
Palavras chaves: Cinema e Cultura Visual; Representatividade Negra; Residência Pedagógica.
O autor nos alerta sobre a importância de perceber essas diferentes condições que cruzam
o caminho e a nós mesmos, antes de ensinar. Tencionando uma análise, principalmente, dos
conteúdos a serem trabalhados. Ao pensarmos o audiovisual como recurso didático de ensino, não
podemos esquecer que o que é produzido serve a uma classe, logo, é construído majoritariamente
por pessoas brancas enquanto protagonistas e com uma única narrativa sobre uma história. Isso não
significa dizer que só haja produções com esse viés e esses enredos. Enquanto educadores ou
futuros educadores, é importante estarmos atentos a esse material e buscarmos
afrorreferenciamentos e atualização constante dos saberes teóricos e extensionistas, a fim de
pluralizar as representações visuais e culturais.
Enquanto participantes do programa Residência Pedagógica, projeto de Política Nacional
de Formação de Professores do Ministério da Educação, buscou-se trabalhar e explorar temáticas
relacionadas a uma educação antirracista dentro do Ensino Básico, designadamente das aulas de
sociologia e eletivas dos colégios. Buscou-se utilizar o cinema como instrumento pedagógico
durante o estágio das regências, pois se compreende essa metodologia, como uma abordagem
eficaz para a desconstrução de facetas negativas introjetadas no imaginário da sociedade brasileira.
A regência não se ancorou apenas na exibição de filmes, haja vista que o relato das experiências se
deu como um conteúdo de apoio, capaz de aproximar as alunas regentes aos alunos assistidos,
dentro das escolas Governador Adauto Bezerra, e Prefeito Raimundo Coelho Bezerra de Farias, a
fim de ilustrar discussões e embates sobre a imagem do negro em produções audiovisuais.
Além disso, buscou-se destacar a importância do trabalho de desconstrução de estereótipos
dentro das salas de aula, a promoção de narrativas positivas de heroísmo, e importância da
representação corporal de protagonistas negros, tanto fisicamente quanto intertextualmente, de
modo que suas narrativas, contextos históricos, fossem trazidos de forma mais ampliada,
diferentemente do modo como foram apagadas ou alteradas pela indústria cinematográfica ao longo
dos anos.
Optou-se por utilizar produções fílmicas, tais como O Nascimento de uma Nação (1915),
dirigido por D.W. Griffith, obra cinematográfica extremamente racista que glorifica a Ku Klux
Klan. Nela um movimento extremista de ideologia de supremacia branca se apresenta enquanto
protagonistas, de modo que o filme retrata os negros de forma estereotipada e negativa. E o filme
O Nono Mandamento (1956), a retratar a história bíblica de Moisés e a libertação dos hebreus do
Egito, com uma representação de atores brancos maquiados a representarem os povos egípcios.
Ação entendida como popularmente como “black face” de origem estadunidense, durante as
políticas segregacionistas das leis Jim Crow.
Na tentativa de se discutir a representação do corpo e da corporeidade do negro no cinema
brasileiro, optou-se por trabalhar durante a regência, um curta-metragem que representasse as
pessoas negras, não apenas no corpo de atores, mas na construção criativa, direção, autoria,
fotografia, corpo técnico, temática, argumento e roteiro. Foi escolhido o curta-metragem de
etnoficção Kbela (2015), dirigido pela cineasta, Yasmin Tainá, e a série Heróis de todo o mundo
(2014). O filme e a série foram trabalhados em duas turmas das disciplinas de Educação
Antirracista na Escola de Ensino Médio Governador Adauto Bezerra, em Juazeiro do Norte, e na
escola Prefeito Raimundo Coelho Bezerra de Farias, em Crato, ambas cidades do cariri cearense.
Pensando na influência que os filmes causam nas pessoas, este projeto pedagógico
foi concebido e colocado em prática com o objetivo de apresentar contextos de forma
concisa que promovam discursos inclusivos no sistema educacional e estimulem
discussões em sala de aula. A meta foi viabilizar produções cinematográficas
protagonizadas por pessoas negras, com a finalidade de moldar a mídia e destacar e
perpetuar novas histórias mais igualitárias e justas.
Percebeu-se, no entanto, que, embora haja esforço e pesquisa, por parte de
educadores, a compreensão das múltiplas identidades negras estiveram relegadas às
estereotipias, estabelecendo distanciamentos, quando nos referimos à recepção dos
discentes.
A lei Jim Crow foi construída no seio da cultura sulista escravagista do sul
dos Estados Unidos da América, o conjunto de leis orientou comportamentos forjados
para representar uma ideia de masculinidade preta e malandra em oposição aos
códigos da cultura e da moral religiosa anglicana/protestante. Algumas das
estereotipias criadas pelo cinema estadunidense ainda estão presentes no imaginário
mundial, especialmente no Brasil. E essa construção segue sendo reproduzida por
novos criadores de cinema, telenovelas, teatro, literatura e propaganda publicitária,
quando não, no discurso e no imaginário popular (DIJK, 2008). O próprio palhaço Jim
Crow, a mommy, o negro mágico, white savior, blackface, são personagens criadas para
reproduzirem uma estereotipia negativa dos tipos de negros idealizados pela branquitude
estadunidense, por exemplo.
O cinema é compreendido metodologicamente enquanto fonte do audiovisual ou
fonte fílmica. Esse material nos é tomado enquanto uma fonte complexa porque ele possui
múltiplas linguagens: a estética do visual, a película, a fotografia, o roteiro, a atuação, o
plano de câmeras, o cenário, a cena, o frame, a atuação e sua reprodutibilidade, assim
como o seu caráter discursivo e simbólico a representar, ao mesmo tempo em que orienta
padrões de vida, comportamentos, ideologias, aspectos que transcendem o consumo pelo
puro entretenimento.
O filme é tomado aqui a partir da compreensão do historiador francês Jacques
Aumont, enquanto representação, respeitando o seu carácter ficcional e a sua linguagem
estética. O método utilizado nos permite a concentração na imagem fílmica a partir do
seu conteúdo qualitativo, visual, sonoro e textual, estabelecendo observações, seleção de
frames, cenas e diálogos para que se possa comparar e analisar o seu caráter estético,
visual e suas intenções. Desse modo trata-se de uma metodologia das visualidades, dentro
de uma compreensão qualitativa de carácter exploratório.
Yasmin Tainá, cineasta brasileira, produziu e dirigiu o curta-metragem Kbela a
partir do seu conto literário Mc kbela, entrelaçando com vivências de outras mulheres que
também já tinham sofrido racismo por conta do cabelo, onde mostra esse processo de
embranquecimento, sofrimento, mutilação e superação que esse grupo está sujeito. A
escolha por trabalhar essa questão estética com mulheres, sugere como esse grupo sofre
uma maior repressão social em existir nas subjetividades e expressões identitárias, como
aponta bell hooks, em Alisando o nosso cabelo:
Compreendendo o que a bell hooks nos diz sobre essas cenas cotidianas, optou-se
por utilizar Kbela em sala de aula, numa perspectiva em que se pudesse trabalhar com um
conteúdo a possibilitar à maioria daqueles estudantes identificação com as narrativas
apresentadas, de modo que eles compreendessem os elementos que constroem e
desconstroem suas identidades. A mediação aconteceu em duas turmas da disciplina de
Educação Antirracista na escola Governador Adauto Bezerra, localizada em Juazeiro do
Norte, Ceará. Local onde opera o programa da Residência Pedagógica com subnúcleo de
Sociologia da Universidade Regional do Cariri (URCA).
Os estudantes da disciplina eletiva, já haviam tido contato com a temática do
racismo, momento em que se trabalhou os temas: O que é racismo estrutural?
Discriminação; Preconceito racial, e demais pontos que o autor Silvio Almeida
sistematiza em seu livro Racismo Estrutural (2019).
Durante a exibição do curta-metragem Kbela, a primeira turma teve uma dispersão
maior, com mais estudantes dormindo e apáticos, sendo preciso interromper a cena, para
darmos início à discussão. Posteriormente foi dado continuidade a exibição e, apesar
dessa questão, os estudantes captaram um dos principais pontos abordados no enredo: as
questões em torno do embranquecimento. Eles argumentaram ter sido um processo pelo
qual o Brasil pós-abolicionista passou, embora seja uma realidade persistente, de forma
“mascarada” no contexto social.
A tomada mais forte do filme Kbela, a denunciar o processo de
embranquecimento, é a cena em plano fechado e sequencial, quando a câmera está situada
próxima da personagem, a partir do tronco para cima, dando maior dimensão dramática
à cena. Enquanto isso a câmera é posicionada em ângulo frontal, mirando o nariz e as
expressões faciais, a boca e os olhos da personagem a confrontar o espectador com
dureza. Trata-se de uma mulher preta retinta de colo desnudo, a pintar a pele com tinta
branca. A cena retrocede, de modo a fazer com que o espectador visualize a mulher no
ato de remover a tinta branca da própria pele; logo, a se apresentar integralmente limpa
em seu tom retinto.
Há um jogo técnico de pós-produção no qual a tomada surge após corte seco, em
que a cena avança e retrocede dando dimensões especiais à cena, um efeito visual. O
plano performático se dá com a dramatização intensa das expressões faciais da
personagem. A cena se inicia com corte seco e fundo musical do batuque de um tambor
a conectá-la à cena anterior. O tambor é um elemento de percussão que insere mais
dramaticidade e tensão à cena. Todavia há o silenciamento da trilha sonora, prevalecendo
o som da fricção das mãos da personagem manuseando a tinta branca em sua face, colo e
pelos corporais, o som da sua respiração, e o som ambiente do cantar de pássaros, pessoas
conversando ao fundo e o quase imperceptível barulho do vento a balançar as folhas das
árvores.
A sonoplastia infere caráter dramático à cena. Quando do ato de se limpar da tinta,
ou do retroceder da tomada, se inicia o som seco de uma escaleta, instrumento de sopro
com teclados. A feição da personagem atenua a rigidez do olhar ao fechar os olhos por
segundos. Todavia, ela volta a confrontar a lente da câmara após observar as mãos
entintadas com o branco da tinta. Não há clemência ou resiliência. O corte seco não
permite que haja conclusões bucólicas, embora a dureza da personagem também seja
atravessada pela poesia sonora da escaleta a entoar notas melódicas com bucolismo.
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Entende-se por introjeção do racismo, pessoas racializadas, como negros, indígenas, asiáticos que
desenvolvem ação de assimilação da branquitude enquanto ideal civilizatório e universalizante para si.
Desconhecendo ou invisibilizando suas características étnico-raciais, passando a defender a inexistência
das diferenças e reproduzir discursos com teor racialista, como por exemplo: a ideia da fealdade, odor,
bestialidade, falta de inteligência, sexualidade aflorada e sensualidade inatas à raça negra. Para mais
informações acerca do processo de introjeção do racismo, negação do negro pelo próprio negro, e do
condicionamento psicológico a impedir o reconhecimento do negro da sua própria identidade enquanto
cidadão negro, pesquisar os autores: Roger Bastide (1983); Nilma Lino Gomes (2006); Françoise Dolto
(2012).
Kabengele Munanga ao escrever sobre esse imaginário, oferece repertório capaz
de inquerir a nós, a responsabilidade enquanto educadores, na busca por maneiras capazes
de transformar a percepção de mundo de nossos alunos durante nossas aulas, intervenções
e processos de ensino-aprendizagem, de forma a modificá-la, embora o processo da
educação formal, não seja sozinho, capaz de operar todas as mudanças necessárias em
nossas sociedades, em especial, na percepção de mundo imaginado:
Bell hooks e Kabengele Munanga são pesquisadores que nos faz compreender que
trabalhar apenas a razão ou as compreensões teóricas, não são ações suficientes para a
promoção de uma educação libertadora. Ao se pensar na educação antirracista, estamos a
falar de um gênero específico de saberes, que são gerados por meio da experiência vivida,
das práticas e do pragmatismo na ação dos dias de sujeitos atravessados pela imposição
das inúmeras estereotipias negativas formuladas sobre eles, seus ideais de mundo, corpos,
corporeidade, identidades e fenótipos. Limitações cunhadas a partir da
interseccionalidade entre gênero, raça, classe, etnia e sexualidade.
Considerações finais
Referências bibliográficas
AUMONT, Jacques (et. al). A estética do filme. 9. ed. Campinas: Papirus, 2012.
DIJK, Teun A. O discurso e a negação do racismo. In: _____. Discurso e Poder. São
Paulo: Contexto, 2008.
PEREIRA, Túlio Henrique. Que coisa é essa, Yôyô? Cor e raça na imprensa ilustrada da
Bahia (1897-1904), Tese (Doutorado em História Social), Departamento de História,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, 2016.