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RESUMO
INTRODUÇÃO
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IGUAIS OU NÃO?
Ao que tudo indica, a escola, que poderia e deveria contribuir para modificar
as mentalidades discriminatórias, ou pelo menos inibir as ações
discriminatórias, acaba contribuindo para a perpetuação da discriminação,
seja por atuação direta de seus agentes, seja por sua omissão perante os
conteúdos didáticos que veicula, seja pelo estímulo à segregação.
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nós professores da rede pública estadual não possuímos em nossas escolas
material específico para o estudo da cultura africana e sua influência na formação
cultural brasileira, o que acaba por dificultar a elaboração de propostas
metodológicas com um maior embasamento.
Na atual sociedade brasileira, a escola possui várias funções, que vão desde
desenvolvimento intelectual do aluno até torná-lo cidadão, e recai sobre nós
professores a complexa tarefa de lidar com as mais diversas ideias preconceituosas,
muitas vezes apresentadas de maneira velada, através de atitudes discriminatórias.
Assim sendo, a utilização de uma metodologia que contempla a proposta triangular,
apreciar-refletir-fazer, possibilita a construção de conhecimentos, levando os alunos
a estabelecerem relações com abordagens anteriores e experiências vivenciadas,
onde a retratação da realidade e a criatividade dramática propiciaram o pensamento
criativo e o desenvolvimento social, auxiliando na capacitação de sujeitos críticos e
emancipados.
A educação é um ato político, e como tal o trabalho na sala de aula é ao
mesmo tempo político e também prática, o que propiciou o desenvolvimento de
atividades em que os alunos foram instigados a refletirem sobre a contribuição do
negro na formação do município de Jaguaquara, a “folclorização” da colonização dos
imigrantes, e a construção, reconhecimento e valorização da identidade negra. A
linguagem teatral foi incitada e desenvolvida através da utilização dos jogos teatrais,
sendo utilizada como forma de organizar e compreender a realidade e, com o
aperfeiçoamento promovido pelas interações, conquistas e convívio com o coletivo,
auxiliou os alunos a lutarem contra as desigualdades, transformando-se em
ferramenta de empoderamento.
De acordo com Ingrid Koudela (apud SPOLIN, 2001, p.12), o jogo teatral na
educação é uma importante forma de aprendizagem cognitiva, afetiva e psicomotora
através do processo de transformação do egocentrismo em jogo socializador. A
criatividade dramática auxilia o pensamento criativo e desenvolvimento social, pois
efetiva a passagem do teatro como ilusão, para o teatro como realidade cênica.
Ainda nos anos 1960 e 1970, Viola Spolin realizou pesquisas desenvolvendo
trabalhos com crianças e em comunidades de bairros, em cidades dos Estados
Unidos, constituindo grupos de teatro improvisacional. Sempre comprometida com a
proposta educacional, promove o conceito da probabilidade do teatro acontecer fora
do palco e estabelece uma pedagogia fundamentada no exercício e na
experimentação de jogos teatrais.
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Alguns pontos são destacados por Spolin (apud KOUDELA, 2010, p.24) como
fundamentais para que o jogo teatral produza efeitos positivos: o foco4 para resolver
o problema proposto, a instrução dada pelo orientador, a plateia e a avaliação
coletiva ao final:
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Ponto de concentração, aspecto ao qual o jogador deve estar atento. O foco estabelece um
direcionamento que proporciona liberdade de criação imprescindível ao jogador, uma vez que sua
atenção estará voltada para um aspecto definido antecipadamente.
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a narrativa, que transforma o espectador em observador e desperta sua participação
ativa para modificar a realidade, se distinguindo do teatro dramático convencional,
no qual sobressai a ação, que envolve o espectador e desintegra a sua participação
ativa, sugerindo-lhe a inércia. O drama aristotélico, capaz de promover uma
verdadeira catarse e convencer o espectador de qualquer coisa pela emoção
também é evitado por Brecht, pois sua dramaturgia tem como base a filosofia
marxista, apresentando ao público problemas da modernidade, nos quais as
pessoas podem escolher uma solução individual, nunca se esquecendo de que
estão em um teatro, não havendo heróis no palco e sim personagens nos quais os
espectadores podem se reconhecer. Os textos devem apresentar atitudes humanas
tidas como habituais e o público é deixado à vontade para julgá-las e avaliar novas
possibilidades de agir em situações semelhantes.
Uma nova dramaturgia, um novo exercício de encenação e uma nova
metodologia de atuação são propostas com a criação da peça didática, que tem
como objetivo um processo de aprendizagem direcionado aos participantes, pois é
escrita com o intuito de ser vivenciada pelos atuantes. Ao invés de apenas transmitir
um conhecimento acabado, este precisa ser construído através da atuação e do
debate entre os participantes. Desta forma a peça didática ensina quando a pessoa
atua e não quando é espectador, além de conservar o prazer e diversão ao construir
o conhecimento, já que o objetivo primordial é gerar uma atitude crítica. De acordo
com Brecht (apud KOUDELA, 2010, p. 16), na peça didática, ao atuar é que se
aprende:
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meio de exercícios gestuais e maneiras em que trabalhem as suas vivências sociais,
os não profissionais se integram na prática teatral, sendo introduzidos em um
espaço lúdico que amplia o processo de “desalienação” social, dedicando a atuação
a sua própria aprendizagem.
Durante o estágio supervisionado foi utilizado o texto teatral “Isto é Racismo”
como modelo de ação que serviu como ponto de partida para a exploração das
relações humanas, enfatizando a discriminação racial, sofrendo reflexões feitas pela
turma, que não estava submissa aos ditames da peça. Os alunos puderam fazer
críticas, indagações e alterações, possuindo autonomia para reescreverem cenas,
aceitarem, se moldarem, refletindo sobre as ideias propostas e não apenas sendo
subordinados às mesmas; visto que o objetivo maior era a aprendizagem e não a
apresentação para uma plateia no encerramento do estágio.
A realização de jogos envolvendo improvisações foi fundamental para que os
alunos deixassem fluir suas indignações, medos, traumas, reivindicações; como
quando um grupo encenou um fato ocorrido com uma das alunas, sendo
discriminada na escola que estudou anteriormente, apesar de ter conseguido por
meios judiciais demitir a professora, estudando na nova escola há quatro anos, esta
aluna nunca contou a ninguém, por sentir-se marcada e temerosa de ainda sofrer
racismo. A partir de um direcionamento dado, os alunos improvisaram, criaram,
recriaram e segundo Koudela (2010, p. 17), Brecht propõe exatamente isso, a
interlocução entre sentidos atribuídos a diferentes formas de agir e de pensar:
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Ao rever os fatos de sua história, no ato de análise da obra, o espectador,
além de refletir sobre os acontecimentos da cena, formula pensamentos
críticos acerca de sua própria trajetória, detendo-se de maneira distinta,
renovada ante as suas experiências pessoais, estando em condições de
produzir respostas inesperadas para as mesmas questões, revendo e
recriando possibilidades para sua existência.
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separada em grupos, elaborando situações que queriam demonstrar em forma de
imagem e apresentando para os colegas. Ao analisar as imagens exibidas, os
alunos perceberam que os temas mais recorrentes foram a violência e a
discriminação, seja ela racial, de gênero ou social, muito provavelmente por estarem
vivenciando as mesmas no seu dia a dia, encontrando no teatro uma forma de
denunciar, desabafar, protestar, reivindicar seus direitos.
Boal (2005, p. 34) alerta sobre a necessidade de ampliar o sentido da visão,
enxergando-se além das aparências, dando significado ao que é visto:
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Creio que o teatro deve trazer felicidade, deve ajudar-nos a conhecermos
melhor a nós mesmos e ao nosso tempo. O nosso desejo é o de conhecer
melhor o mundo que habitamos, para que possamos transformá-lo da
melhor maneira. O teatro é uma forma de conhecimento e deve ser também
um meio de transformar a sociedade. Pode nos ajudar a construir o futuro,
em vez de mansamente esperarmos por ele. (BOAL, 2009, p. 5)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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resolução de questões relativas à subjetividade. O que pode, acertadamente, se
configurar como uma prática pedagógica e uma prática subjetiva, constituindo-se
como uma possibilidade de valorização e crescimento da autoestima, assim sendo,
esta foi a principal proposta oferecida durante o estágio, ou seja, fazer teatro por
meio do jogo e exercitar processos criativos por meio de atividades dramáticas. As
práticas teatrais aconteceram em diversos espaços, o palco não foi visto como fator
preponderante para a existência do teatro, pois teatro é jogo, é troca entre pessoas,
entre plateia e atores, entre atores e atores que jogam, que encenam e sentem
alegria em assistir/criar/fazer uma cena. As aulas oportunizaram o encontro entre
professor/aluno/colega como parceiros de jogo, que interagiram, comunicando,
experimentando, respondendo e descobrindo, em variados espaços como o pátio, a
sala de jogos, sala de aula, a cantina, o pomar.
O teatro é uma maneira de apresentar à sociedade os fatos cotidianos a fim
de que o espectador os julgasse, servindo como depoimento e documentação. Na
peça “Isso é Racismo”, apresentada pela turma do 4º Ano Agroindústria ao final do
estágio, os alunos aprenderam enquanto atuaram, além de conservar o prazer e
diversão ao construir conhecimento. As turmas que assistiram ao espetáculo
também demonstraram terem entendido a proposta, inquietando-se com os
questionamentos, angustiando-se com as situações de racismo apresentadas e
concordando ao final que muitas vezes, nas ocasiões mais corriqueiras, eles
próprios discriminavam ou eram discriminados.
Se por um lado houve desafios, por outro ocorreu a oportunidade de enfrentá-
los e vencê-los, chegando ao reconhecimento da importância do ensino do teatro,
que se torna relevante ao proporcionar uma aprendizagem significativa por meio da
vivência e da experimentação individual e coletiva, oportunizadas pela criação
artística. Consequentemente é encantadora a possibilidade que o teatro possui de
intervir positivamente na formação dos alunos, estimulando o processo de
aprendizagem e desenvolvimento dos mesmos, em seus planos cognitivos, afetivos
e psicomotores. Desde a Grécia Antiga, quando os opressores perceberam o poder
da arte, pois a mesma era utilizada para manifestar as insatisfações do povo,
passaram a utilizá-la como forma de manipulação, o que ocorre até os dias atuais.
Assim sendo, por que não utilizar as mesmas armas para combater as situações de
opressão? Uma vez que o ser humano aprende a partir do que percebe, do que
experiência, o teatro deve ser utilizado como canal para a libertação.
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A pretensão não era formar ou despertar atores, mas sim auxiliar no processo
de reconhecimento, aceitação e valorização do ser negro, refletindo como o
preconceito racial e a discriminação apresentam-se na sociedade jaguaquarense e
na própria sala de aula, fortalecendo o empoderamento e armando os alunos para a
luta contra as desigualdades.
Quando a negritude está em jogo, entra em cena o teatro como promotor da
consciência e da valorização, criando a imagem de sujeitos críticos e emancipados
ao tornar os alunos protagonistas de suas próprias histórias.
REFERÊNCIAS
NEVES, Libéria Rodrigues; SANTIAGO, Ana Lydia B. O uso dos jogos teatrais na
educação: possibilidades diante do fracasso escolar. SP: Editora Papirus, 2009.
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SPOLIN, Viola. Jogos teatrais na sala de aula: um manual para o professor.
Tradução Ingrid Dormien Koudela. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.
______, Viola. O jogo teatral no livro do diretor. São Paulo: Perspectiva, 2001.
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