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Desinformação:
Evangélicos, Fake News e WhatsApp no Brasil
Relatório de Pesquisa
GEDES
2 Caminhos da Desinformação
C183
CAMINHOS da desinformação[recurso eletrônico]: evangélicos, fake
news e WhatsApp no Brasil: relatório de pesquisa. / Alexandre Brasil
Fonseca; Juliana Dias (Coord.) – Rio de Janeiro: Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Instituto NUTES de Educação em Ciências e Saúde, 2021.
1 recurso eletrônico (93 p.: il. color.): digital.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-89347-02-6
EQUIPE
Coordenação
Alexandre Brasil Fonseca, coordenação geral
Juliana Dias, coordenação executiva
Pesquisadores
Aline Lima
Clinger Bernardes
Diná Freitas
Elliz Cellestrini
Gabriella Mendes
Isabella Bastos
Isis Coutinho-Degani
Jonathan Nunn
Juliana Lima e Silva
Rebecca Nunn
Magali Cunha
Tamiris Rizzo
Valentina Carranza
Wellinton Oliveira
Assistentes de Pesquisa
Estella Klein
Felipe Ribeiro da Silva
Hannah Pedroza
Isabella Correia dos Santos
Myrla Nourino
Sumário
Apresentação, 5
Sumário Executivo, 6
Introdução, 18
5. Características da amostra, 63
Referência Bibliográficas, 82
Apêndice: Questionário, 84
Caminhos da Desinformação
Apresentação
por Alexandre Brasil Fonseca
Sumário
Executivo
N
este relatório, sistematizamos e discutimos os
principais resultados da pesquisa “Valores e
argumentos na assimilação e propagação da
desinformação: uma abordagem dialógica”. As
fakes news circulam pelo WhatsApp - o aplica-
tivo de mensagens instântaneas mais popular no Brasil
– e seu potencial de viralização aumenta nos “grupos de
zap” com áudios, vídeos, memes e texto, muitas vezes, de
origem desconhecida, mas com aparência de informação
confiável e segura, ou merecedora de crédito.
O estudo buscou compreender como ocorrem os pro-
cessos de troca de informações mediados pelo WhatsApp
em coletividades organizadas, que mantêm fortes víncu-
los comunitários e de comunicação, tanto no ambiente
presencial como no online. As interações diárias e as
motivações para encaminhar, ou não, conteúdos sus-
peitos foram questões centrais para a pesquisa.
A partir dessas características, elegeu-se o segmento
religioso, em especial os evangélicos, para entender os
possíveis percursos, padrões recorrentes e motivações
das fakes news, como ficou popularmente conhecido o
fenômeno da desinformação. Segundo o Estudo Eleitoral
Brasileiro (ESEB), realizado em 2018 pelo Centro de
Estudos de Opinião Pública (CESOP), da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), 31% da população
brasileira se declara evangélica.
7 Caminhos da Desinformação
CONFIANÇA
Uma das características importantes para compreender a propagação
da desinformação é o valor dado à relação de confiança entre quem
compartilha a informação e quem a recebe, independente desta ser
verdadeira ou falsa.
Para 33,3% dos entrevistados, os conhecidos são mais consultados
do que a busca de informações nos grandes veículos, ou mesmo uma
simples busca na Internet.
⌦ A confiança no autor, ou fonte da ⌦ Para ¼ dos respondentes a
informação, aparece como um imagem que possui do emissor
dos elementos que mais motiva da informação tem um peso
a compartilhar uma informação importante na motivação para
no WhatsApp para 24% dos compartilhar um conteúdo.
respondentes.
⌦ Para 13,2%
dos evangélicos
entrevistados, os
pastores e irmãos,
representam
a fonte mais
confiável de
notícias.
⌦ Destaca-se o papel da confiança interpessoal, principalmente em relação a posi-
cionamentos públicos sobre assuntos em debate nas mídias sociais e nos meios
de comunicação. Com base nessa relação de confiança, as opiniões e demais
posicionamentos que se mostram contrários aos de quem se confia, ou se tem
por alta estima, tendem a ser desacreditadas ou desconsiderados, estimulando
a polarização ao invés do diálogo.
⌦Há
um intenso uso de grupos de WhatsApp muito disseminado
entre evangélicos, o que talvez represente boa parte da expli-
cação para uma maior percepção da circulação de desinfor-
mação por parte de pessoas desse segmento.
⌦ Em nossa pesquisa,
não há elementos
suficientes para associar a
maior idade com o envio
de desinformação. Há
associação com menor
habilidade no uso de
aplicativos, menos tempo
de uso e uma certa
indiferença, onde os mais
velhos não manifestam
sentimentos negativos ou
positivos. Eles também
não têm o hábito de
checar notícias.
CONFLITOS
Fonte: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2018/04/05/ifcn-factcheckit-memes-fakeounews/
Caminhos da Desinformação
Introdução
A importância e a presença das mídias sociais no cotidiano
das pessoas têm sido cada vez maiores e torna-se mais evi-
dente em meio à crise sanitária provocada pela pandemia de
Covid-19. Devido à urgência de adoção de práticas de isola-
mento social para conter a circulação do vírus, observa-se, do
ponto de vista das relações sociais mediadas pelas Tecnolo-
gias de Informação e Comunicação (TICs), um aumento con-
siderável do uso de equipamentos e dispositivos eletrônicos
com acesso à Internet, e ferramentas e aplicativos digitais para
estudo, trabalho, entretenimento, cuidados com a saúde e
bem-estar, entre outras atividades que foram “transportadas”
para o ambiente digital em um curto espaço de tempo. Com
isso, demandou-se mais tempo de tela para executar tarefas
que antes eram realizadas presencialmente, de forma exclusiva
ou híbrida.
O advento do smartphone popularizou de forma cabal o
acesso à significativa parcela da sociedade ao mundo digital,
tendo o aplicativo de mensagens WhatsApp um papel pre-
ponderante nesse processo. Dentro desse contexto, a pesqui-
sa “Valores e argumentos na assimilação e propagação da
desinformação: uma abordagem dialógica” tem como obje-
tivo compreender três questões: (i) como ocorrem os proces-
sos de recepção e transmissão de informações mediados pelo
WhatsApp?; (ii) como as pessoas interagem com essas infor-
mações e o que as leva a disseminá-las ou não?; e (iii) qual o
papel desempenhado por grupos com maior capilaridade so-
cial na disseminação da desinformação?
falso. Não foi identificado um perfil socioeconômico específico de pessoas que afir-
mam não compartilhar fake news. Com base nos dados, foi estabelecido um perfil
com as seguintes características para verificar sua atuação:
A criticidade para nós implica na apropriação crescente pelo homem de sua posição no
contexto. Implica na sua inserção, na sua integração, na representação objetiva da re-
alidade. Daí a conscientização ser o desenvolvimento da tomada de consciência. Não
será, por isso mesmo, algo apenas resultante das modificações econômicas, por grandes
e importantes que sejam. A criticidade, como a entendemos, há de resultar de trabalho
pedagógico crítico, apoiado em condições históricas propícias. (FREIRE, 2007:60, nota 23)
Assim, para efeitos desta pesquisa sugere-se que é possível associar os perfis
indicados por Freire em relação a forma como as pessoas lidam com a disseminação
24 Caminhos da Desinformação
Não é por acaso que a transdisciplinaridade é uma das marcas dos departamen-
tos e da formação em experiência do usuário (UX Design), área que tem ocupado
cada vez maior centralidade nas empresas de tecnologia e informação. O mesmo
acontece no campo da inteligência artificial e na análise de dados reunidos nos
big datas.
Essas são algumas das primeiras impressões e anotações que exigem maior en-
volvimento e atenção na definição de possiblidades para a reflexão e prática do
campo da educação diante do desafio que a desinformação nos coloca no mundo
contemporâneo.
Fonte: https://br.ifunny.co/user/SK8_OLD
Caminhos da Desinformação
Capitulo 1
A coleta de
dados e o
plano amostral
P
ara a definição da amostra optou-se pela aplicação de
questionário em igrejas evangélicas, realizadas pres-
encialmente aos domingos de manhã. As igrejas que
aceitaram receber a equipe de pesquisadores, desti-
navam um horário em suas celebrações para a apli-
cação dos questionários. O tempo médio de resposta por
questionário foi de 10 minutos, tendo chegado a 20.
A coleta de dados ocorreu entre junho e se-
tembro de 2019. A escolha das igrejas para esta
pesquisa seguiu três etapas: (i) definição das de-
nominações, (ii) sorteio de bairros do Rio de Ja-
neiro e de Recife, e (iii) e sorteio das igrejas a
serem visitadas. O contato foi feito com os pas-
tores das igrejas. Em alguns casos esse processo
foi simples, em outros bastante difícil, particu-
larmente em relação às Igrejas da Assembleia de
Deus na cidade de Recife.
A escolha das denominações Assembleia de Deus e Batista
se baseou na Tabela 137 do Censo 2010 “ População residente,
por religião”. No Censo 2010, 22,2% da população se declarou
evangélica. O IBGE categoriza os participantes desse grupo nos
seguintes três grandes segmentos:
28 Caminhos da Desinformação
Características n % % % ESEB
válido Evang.
Cidade
Rio de Janeiro (RJ) 664 68,5 68,5 -
Recife (PE) 306 31,5 31,5 -
Gênero
Feminino 501 51,6 57,1 56,7
Masculino 376 38,8 42,9 43,3
Sem informação 93 9,6 - -
Idade
29 anos ou menos 266 27,4 30,1 27,5
30 a 59 anos 484 49,9 54,7 56,6
60 anos ou mais 135 13,9 15,3 15,9
Sem informação 85 8,8 - -
Estado Civil
Solteiro/a 306 31,5 34,5 40,2
Casado/a 479 49,4 54,0 47,4
Outros 102 10,5 11,5 12,4
Sem Informação 83 8,6 - -
Religião
Evang. Tradicional 523 53,9 57,3 21,5
Evang. Pentecostal 358 36,9 39,2 78,5
Outra 32 3,3 3,5 -
Sem informação 57 5,9 - -
Escolaridade
Fundamental 245 25,3 28,4 39,1
Média 374 38,6 43,4 42,7
Superior 243 25,1 28,2 18,2
Sem informação 108 11,1 - -
Cor
Parda 365 37,6 41,8 51,8
Branca 337 34,7 38,7 23,1
Preta 148 15,3 16,9 16,6
Outras 23 2,4 2,6 8,5
Sem informação 97 10,0 - -
Classe
Alta 164 16,9 18,3 18,4
Média 440 45,4 49,1 57,7
Baixa 292 30,1 32,6 23,9
Sem informação 74 7,6 - -
N=970; Sem informação inclui a opção “Prefere não informar”
30 Caminhos da Desinformação
em parte, uma das razões para uma maior presença com níveis de escolaridade
mais altos. O fato de que em Igrejas centrais termos um maior contingente de
respondentes ao lado de poucas pessoas nas igrejas de baixa renda seria uma
outra razão.
A segunda refere-se à cor e renda. Há menos pessoas que se declaram pardas
e de renda média. A maior diferença relaciona-se ao corte denominacional. O
número mais elevado de respondentes nas igrejas tradicionais, pode ter asso-
ciação com a maior valorização que a Escola Bíblica Dominical possui entre os
Batistas. Com isso, tem-se classes regulares e adesão maior por parte dos mem-
bros.
Como a pesquisa de campo foi desenvolvida de forma simultânea no Rio e em
Recife não teria sido possível um controle maior do que o que foi realizado no
sentido de estabelecer maior direcionamento na coleta de dados de determina-
das igrejas, por um lado. Por outro lado, foi um processo bem difícil a negociação
com a Assembleia de Deus em Recife. O resultado alcançado foi o melhor pos-
sível de ser conseguido nas condições em que o trabalho de campo nos colocava.
A terceira é em relação ao critério de classe. Utilizamos o Critério Brasil,
desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) . O que
aparece em nossa pesquisa como classe alta é a reunião dos respondentes que
foram classificados como pertencentes aos estratos socioeconômicos A e B na
escala da ABEP e que teriam uma renda familiar média mensal de cerca de R$ 14
mil reais. No Brasil, eles representam 23,5% da população. A classe média reúne
o estrato C e teriam uma renda média de R$ 2,4 mil reais, são estimados como
48,3% da população. Por fim, a classe baixa em nossa amostra reúne os estratos
D e E, com estimativa de renda familiar mensal média de R$ 700 reais e represen-
tam 28,3% da população. Essas características foram bem retratadas em nossa
amostra.
Caminhos da Desinformação
Capítulo 2:
Motivos e usos
do WhatsApp
O
s usos mais recorrentes envolvem o contato com
pessoas, sejam familiares ou amigos (74,6%), pes-
soas que moram distante (47,7%), relacionamentos
afetivos (26,9%) ou, ainda, para organizar encontros
e eventos (35,6%). O uso na profissão, ou para o tra-
balho, é outro elemento que fica entre os destaques, sendo
motivo de uso para um pouco mais da metade dos respon-
dentes (51,5%). Apenas 2,6% dos entrevistados afirmaram não
utilizar o WhatsApp como resposta à pergunta sobre os moti-
vos e usos do aplicativo.
N=960, missing=10
Foi perguntando aos entrevistados como eles avaliam o seu uso do WhatsApp
em relação ao tempo em que acessam o aplicativo. A maioria afirmou possuir um
uso entre moderado e prolongado, ficando na terceira colocação os que reconhe-
cem um muito prolongado. Essas três alternativas envolvendo um pouco mais de
2/3 dos entrevistados. As respostas estão compiladas no Gráfico 2.
N=970
34 Caminhos da Desinformação
Ainda sobre o tempo de uso também foi perguntado qual era o nível de
satisfação sobre a presença do WhatsApp na vida das pessoas. Os resultados
gerais podem ser vistos no Gráfico 3. A maioria afirma estar satisfeita com o
tempo que dedica ao aplicativo em suas vidas, seja de forma prolongada,
como também moderada ou pouca. Pequenas diferenças foram identificadas e
trataremos destas em seguida.
N=954
N=949, p>0,000
modo perfeito com o ritmo do toque, com a energia sutil que é despedida
nesse toque. “Tal interface é tão íntima e natural, tão bioadaptável, que
não é de se estranhar que uma criança de 2 anos já esteja por intuição
habilitada para manusear, brincar com ela e, sem dúvida, compreendê-la”
(2010, p. 197). Podemos estender essa compreensão para os demais modelos
de smartpones que têm se tornado quase uma extensão do corpo humano,
tamanha a interação e dependência desses dispositivos eletrônicos no dia
a dia, para as mais variadas tarefas e serviços oferecidos pelos aplicativos.
N=930
37 Caminhos da Desinformação
N=849
N =908
FONTE: https://br.pinterest.com/pin/738308932646734818/
Caminhos da Desinformação
N=911
N=880
Capítulo 3:
Bíblia,
WhatsApp e
Google: a tríade
digital
O
s aplicativos que utilizamos em nossos
celulares ocupam centralidade na sociedade
contemporânea. São milhares de opções que
ganham espaços nos corações e mentes dos
usuários/as, e nas memórias de bilhões de
aparelhos existentes em todo o mundo. No Brasil, os
dados do IBGE (PNAD Contínua 2018) indicam que 79,3%
da população possui aparelho celular e que nele estão
instalados dezenas de aplicativos.
Foram apresentadas dez opções de aplicativos
para que cada entrevistado indicasse quais uti-
liza e quais não utiliza. Novamente, o WhatsApp
apareceu como a ferramenta que menos pes-
soas indicaram não utilizar, número similar ao
encontrado na pergunta 3, conforme expresso
na pergunta que originou o Gráfico 1.
Apenas 2,2% informaram não utilizar o aplicativo,
isso representa apenas 19 pessoas entre as 883 que
marcaram algum item nessa questão. Google (4,9%) e
YouTube (6,0%) aparecem em seguida como aqueles mais
indicados como nunca sendo utilizados. Aplicativos que
possibilitam a leitura da Bíblia foram indicados como
nunca sendo utilizados pelo celular por 11,3% dos que
responderam à essa questão. No Gráfico 10, na próxima
página, esses dados são apresentados:
45 Caminhos da Desinformação
N=883
N=833
Capítulo 4:
Compartilhamentos
e a disseminação
de Fake News
O
WhatsApp é uma ferramenta que se apresenta
como simples, segura, e que tem como aplicação
o envio de conteúdos produzidos pelo usuário
e por terceiros, sendo particularmente impor-
tante os compartilhamentos. As mudanças que
essa ferramenta têm sofrido visa diminuir exatamente
a capacidade e a velocidade da disseminação de infor-
mações e, assim, diminuir a desinformação por ela pro-
movida. Primeiro se restringiu a quantidade de pessoas
para as quais era possível repassar um conteúdo muito
facilmente com um clique, e depois adicionaram a indi-
cação e uma restrição ainda maior de compartilhamento
de conteúdos que teriam sido encaminhadas com maior
frequência.
Sendo esta uma das funcionalidades das mais aces-
sadas pelos usuários, uma questão que nos pareceu rel-
evante perguntar foi quais eram as motivações que leva-
vam as pessoas a repassar um conteúdo. Oito possíveis
motivações foram sugeridas e cada um dos respondentes
poderia marcar até três dessas opções. No Gráfico 12 são
apresentados os resultados, sendo o total de respostas
maior do que a amostra devido à pergunta permitir múl-
tiplas respostas.
50 Caminhos da Desinformação
N = 960
No Gráfico 12 chama a atenção o lugar intermediário que ocupou a opção
“A alta credibilidade ou confiança que tenho no autor e/ou na fonte da
informação”, com 24% dos respondentes (233 pessoas), indicando essa
resposta como um dos elementos que os motiva a compartilhar uma
informação no WhatsApp. Há um primeiro grupo de motivações relacionadas
ao conteúdo da informação. Num patamar inferior ficaram as motivações
relacionadas à discordância com o conteúdo, seguidas pelas motivações
relacionadas ao alinhamento com o conteúdo. Curioso pensar que para
¼ dos respondentes a imagem do emissor da informação tem um peso
importante na motivação para compartilhar um conteúdo.
Esse tópico ilustra bem as várias discussões que envolvem a
desinformação e que de forma recorrente indicam que mais que algo
relacionado aos conteúdos em si envolve aspectos
relacionados a tomada de posição. Um posicionamento em
relação a valores e aspectos morais que acabam por definir uma adesão e
o pertencimento a um grupo. Nesse sentido, se diminui o valor dado aos
conteúdos e as informações em si, e passa a merecer atenção elementos
como confiança e participação em um grupo de referência, composto por
pessoas que compartilham informações oriundas de mesmas fontes e que
atuam de forma conjunta.
51 Caminhos da Desinformação
Sobre a disseminação de fake news a opção que mereceu maior adesão foi a de
que “No período eleitoral foram muito mais recorrentes”, como consta no Gráfico 13.
Essa foi uma constatação para 36,9% dos respondentes. O grupo, então, se divide
entre 35,9% que afirmam raramente receber, ou não receber, notícias falsas de um
lado, e de outro temos que 37% indicaram receber. E se 31,5% reconhecem já ter
enviado uma informação falsa, outros 24,5% afirmam de forma cabal que nunca en-
viaram”. Enquanto isso, temos que 10,2% assumiram que podem não ter percebido
se já enviou ou se já recebeu. Entre os que reconheceram já ter enviado uma notícia
falsa, a grande maioria, 90%, o fez sem saber que era falsa e, assim, temos que ape-
nas 3,2% reconheceram que já teriam enviado um conteúdo para os seus contatos
sabendo que era falso.
N: 970
53 Caminhos da Desinformação
Gráfico 14 - Pergunta 17: Quais são os temas mais recorrentes das notí-
cias falsas (Fake News) que você tem recebido? (MARQUE ATÉ TRÊS OPÇÕES):
N=970
54 Caminhos da Desinformação
N=970
55 Caminhos da Desinformação
N=970
N=970
57 Caminhos da Desinformação
O argumento dos autores é de que isto não seria exatamente uma reali-
em nossa pesquisa não há elementos sufi-
dade e
cientes para associar a maior idade com o envio
de desinformação. Há associação desses com menor habilidade
no uso de aplicativos, menos tempo de uso e uma certa indiferença, onde es-
tes não manifestam sentimentos negativos ou positivos em relação aos apli-
O que encontramos foi que os mais velhos
cativos.
não têm o hábito de checar notícias.
Eles também salientam outros aspectos relacionados aos de mais idade
que nos parecem bastante relevantes nesse processo. O primeiro é uma maior
confiança nas suas decisões e comportamentos, menos espaço para dúvidas.
É essa postura também que parece estar presente em relação a pessoas com
maior escolaridade, e que estão nos estratos superiores de renda. Talvez por
isso é que mesmo mais cientes das possibilidades, os compartilhamentos de
conteúdos falsos, ou enganosos, acaba ocorrendo por esta maior confiança
em suas capacidades, sem a realização de pensamento reflexixo e crítico.
Outros elementos que os autores apontam que devem ser considerados
para a hipótese de uma maior participação de pessoas de mais idade no
envio de fake news envolvem uma menor preocupação com a precisão ao se
comunicar, e o fato de serem, relativamente, usuários mais novos das mídi-
as sociais do que os jovens. Isso representaria uma menor capacidade para
identificar imagens manipuladas ou conteúdos patrocinados, por exemplo.
59 Caminhos da Desinformação
N=818
N=892
61 Caminhos da Desinformação
Ainda sobre a disseminação de notícias falsas foi feita uma pergunta di-
reta sobre se a pessoa se lembrava de já ter compartilhado uma notícia que
sabia ser falsa ou que estivesse em dúvida. Como resposta temos a divisão
dos entrevistados em três grupos de tamanho similar:
- 29,7% afirmaram já ter compartilhado notícias falsas;
- 34,9% afirmaram não compartilhar notícias quando estão com dúvidas;
- 35,5% compõem um conjunto que, ou não sabe se já compartilhou uma
notícia falsa (12,6%), ou reconheceu que não “leva em consideração” essa
questão (7,1%) ou afirmou não lembrar de uma situação específica (26,7%).
N = 892
N=897
Capítulo 5:
Características
da amostra
N
a introdução, foram apresentados dados sociode-
mográficos da amostra. Algumas questões ofere-
cem mais elementos que auxiliam em um melhor
dimensionamento dos entrevistados. Uma pri-
meira questão foi em relação a adesão e envolvi-
mento religioso, a partir da indicação da frequência da
participação em reuniões presenciais relacionadas à re-
ligião. A grande maioria, quase totalidade (89%), participa
uma ou mais vezes durante a semana. Estamos diante de
uma amostra bem envolvida com sua pertença religiosa.
Os dados relacionados à frequência são apresentados no
Gráfico 21, na próxima página.
Esse envolvimento é confirmado por
meio da pergunta seguinte em que foi
questionada se a pessoa ocupava posição
de liderança em sua Igreja, onde 46,6%
afirmaram ter um cargo, entre estes
destacam-se a presença de 31 pastores, 32
diáconos e 6 presbíteros. Outras funções
com destaque são relacionadas ao ensino,
música e liderança de grupos etários
(crianças, adolescentes e jovens).
64 Caminhos da Desinformação
N=895
N=895
Gráfico 22 - Pergunta 29: Como você sabe, muita gente quando pensa
em política utiliza os termos esquerda e direita. No quadro abaixo
em qual posição política você se colocaria, sendo que a posição "um"
é o máximo à esquerda e a posição "sete" é o máximo à direita? (%)
Capítulo 6:
Conclusão:
Algumas
possibilidades
explicativas
A
qui é mais uma primeira análise em
relação aos dados, tentativa de análise e
interpretação para provocar o diálogo. Um
primeiro exercício passou por começar a
olhar as associações e verificar possibili-
dades. O primeiro tópico é em relação a algumas
associações identificadas a partir de resultados
positivos do teste de Pearson (Qui-quadrado). O
ponto inicial é a indicação de uma conformação
entre tradicionais e pentecostais dentro do espe-
rado, com o perfil de maior renda, escolaridade
e diferenças significativas em relação à cor entre
estes dois grupos. Isso está na Tabela 4 na próxi-
ma página.
68 Caminhos da Desinformação
Rendaa
Alta 33,5 66,5
Média 36,0 64,0
Baixa 52,4 47,6
Escolaridadea
Fundamental 40,7 59,3
Média 47,4 52,6
Superior 29,4 70,6
Corb
Branca 36,5 63,5
Parda 47,2 52,8
Preta 33,3 66,7
Total 40,6 59,4
N=970; ap<0,000, bp<0,018
Em relação à religião um outro teste que também deu associação foi so-
bre a confiança na Internet como fonte de informação, onde havia maior
confiança entre membros de igrejas tradicionais. Há uma correlação entre
elementos que demarcam uma posição social mais privilegiada e a afir-
mação de que “confia na Internet como fonte de notícias”.
Uma primeira característica identificada foi o fato da pessoa se
definir como tradicional (p<0,002), porém não parece ser essa associação
um elemento explicativo, sendo ela uma componente em função das car-
acterísticas deste grupo. Assim, mais do que a questão do perfil religio-
entre aqueles que confiam
so, foi possível identificar que
na Internet há associação com o fato de terem
renda alta (p<0,001), escolaridade de nível su-
perior (p<0,002), reconhecerem ter um uso pro-
longado do WhatsApp (p<0,000), serem usuário
qualificado (p<0,001) e mais jovens (p<0,000).
69 Caminhos da Desinformação
É algo em que também tenho pensado com o conceito de digital bildung e com-
putacionalidade. No entanto, gostaria de sugerir que iteracia pode servir como o
nome para as habilidades específicas usadas para compreender código e cultura
algorítmica - como de fato alfabetização (compreensão de textos) e numerção
(compreensão de números) fazem em um contexto semelhante. Ou seja, iteracia
é especificamente a prática ou a capacidade de ler e escrever código, em vez da
noção mais ampla de digital bildung. (Berry, 2011).
Santaella (2010, p. 301) cita Cary (1999) para explicar que a distração
moderna é uma tentativa de produzir atenção, e resulta da lógica do
bombardeio imposto pelas tecnologias da atenção. Os diferentes aplicativos
que auxiliam em diversas tarefas do cotidiano, interação com pessoas e
o aprendizado, também pode minar o poder de atenção. Jackson (2008),
também citado por Santaella, fala sobre a cultura institucionalizada das
interrupções no dia a dia, que dificulta a concentração e o pensamento
criativo.
Gallagher (2009 apud Santaella 2010) observa que o cérebro não é um
todo unificado, mas uma coleção de sistemas que entra em conflito uns com
os outros. Quando isso ocorre, os sistemas inconscientes, mais primitivos
e movidos por estímulos (os componentes reativos e comportamentais do
cérebro) tomam a dianteira nas decisões em detrimento de uma mente re-
flexiva e autocontrolada.
No entanto, o cérebro é flexível e treinável. A autora conclui que o ambi-
ente conforma o desenvolvimento cerebral e, muito provavelmente, sob o
influxo das novas tecnologias. Mas a inteligência humana encontra-se em
processo de adaptação e acomodação devido à sobrecarga de informação,
fazendo emergir, como estratégia de evolução, mentes fluídas, híbridas,
auto organizativas em ambientes hiperconectados e ubíquos. Porém, exige
treino e equilíbrio (2010, p. 307).
Na Tabela 5 são apresentadas algumas das características relacionadas aos
“usuários habilidosos” e “usuários néscios”, definidos na página 24:
N=401
N=401
N=401
Boa parte desse número mais alto entre evangélicos parece ser expli-
cado pelo outro dado encontrado na pesquisa, particularmente impres-
sionante, de um
intenso uso de grupos de WhatsApp
muito disseminado entre evangélicos, o que
talvez represente boa parte da explicação para
uma maior percepção da circulação de desin-
formação por parte de pessoas desse segmento.
Percepção que provavelmente está associada a uma efetiva e maior pre-
sença da desinformação entre os evangélicos.
O que isso representa em termos do recebimento de um maior volume
de informações falsas? Quais são as estratégias adotadas pelas igrejas e
suas lideranças para enfrentar a disseminação da desinformação em seus
espaços de encontro virtual? As facilidades dos aplicativos para o compar-
tilhamento de notícias e a presença de um volume expressivo de evangéli-
cos na sociedade brasileira que participam de vários grupos ligados a sua
comunidade de fé ajuda-nos a pensar que a participação nesses grupos de
religião é acompanhada de uma participação em grupos de família e, muito
provavelmente, teríamos uma circulação de mensagens entre esses grupos.
Isso representa um acesso significativo às famílias, pois a presença
de evangélicos é uma realidade que atualmente se encontra bastante
disseminada no tecido social e, com isso, se tornam um acesso a uma ampla
rede de contatos.
Pesquisas indicam que o uso de grupos de WhatsApp na religião é
significativamente maior no Brasil do que em outras países (RAFERT; MATE,
2017). Isso parece ser um fator bem importante a se considerar quando se
pensa no aumento e na presença da desinformação na sociedade brasileira,
tanto em relação aos períodos eleitorais, como também no grave caso de
toda a desinfodemia - desinformação específica sobre a Covid-19 (UNESCO,
2020), que se alastrou no Brasil em meio à crise de saúde pública em razão
das milhares de mortes por Covid-19 (FONSECA et al, 2020). Em relação
às temáticas temos que, de forma generalizada, há predominância de
conteúdos falsos relacionados à política, sendo que 89,6% dos respondentes
indicou esse tema como recorrente, e 61,7% afirmaram que no período
eleitoral o recebimento de conteúdos falsos foi maior. A saúde é o segundo
tema mais indicado como recorrente, tendo sido indicada por 34% dos
respondentes, isso antes da pandemia, não havendo associação entre
temas e filiação religiosa.
81 Caminhos da Desinformação
Referências
Bibliográficas
Berry, D. M. (2011) Iteracy: reading, writing and running code. Dis-
ponível em: http://stunlaw.blogspot.com/2011/09/iteracy-read-
ing-writing-and-running.html. Acesso em: 22 mai 2019.
Fonseca, A. B.; DIAS, J.; Lima, A.; Lima e Silva, J. C. (2020). Desocultando
verdades: desinformação e mortes por Covid-19. CTS em Foco, v. 1, p.
77-84, 2020.
83 Caminhos da Desinformação
Apêndice:
Questionário
Questionário | Instituto NUTES de Educação em Ciências e Saúde
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Prezada/o,
Pedimos sua colaboração respondendo as perguntas do
questionário abaixo. Elas fazem parte de uma pesquisa realizada
pela UFRJ sobre o uso do WhastApp.
Agradecemos a sua participação.
01. Como você avalia o tempo que você usou o WhatsApp na última semana?
( ) 1. Muito Pouco
( ) 2. Pouco
( ) 3. Moderado
( ) 4. Prolongado
( ) 5. Muito Prolongado
( ) 6. Não usei/Não sei
02. Ainda em relação ao tempo de uso do WhatsApp, você diria que está:
( ) 1. Satisfeito
( ) 2. Nem satisfeito, nem insatisfeito
( ) 3. Insatisfeito
( ) 4. Não sei
03. Quais são os principais motivos pelos quais você usa o WhatsApp
atualmente? (MÚLTIPLAS RESPOSTAS)
( ) 1. Profissional ou trabalho
( ) 2. Para não ficar desconectado/a
( ) 3. Porque todos usam
( ) 4. Relacionamentos afetivos, íntimos
( ) 5. Contato com pessoas que moram distante
( ) 6. Contato com familiares e amigos
( ) 7. Organizar evento social ou religioso
( ) 8. Para militância política ou social
( ) 9. Buscar promoções e sorteios
( ) 10. Me informar sobre assuntos gerais e notícias
( ) 11. Para passar tempo ocioso, entretenimento
( ) 12. Compartilhar opiniões
( ) 13. Não lembro/Não uso
( ) 14. Outro(s). Qual(is)?______________________________________
04. Em situações em que você enviou uma mensagem e percebeu que ela não foi
visualizada pelo destinatário, como geralmente se sente? (MÚLTIPLA ESCOLHA)
( ) 1. Inquieto/a ( ) 2. Ansioso/a
( ) 3. Tranquilo/a ( ) 4. Frustrado/a
( ) 5. Desprestigiado/a ( ) 6. Indiferente
05. Sobre sua participação em grupos de WhatsApp que reúnem pessoas da sua
religião (ex: grupos da Igreja; grupos de amigos; organizações; coletivos), você
diria que: (MÚLTIPLAS RESPOSTAS)
( ) 1. Não participo de grupos religiosos
( ) 2. É útil para estar informado sobre questões da comunidade religiosa
( ) 3. É útil para me manter informado sobre questões da atualidade
( ) 4. É útil para minha formação e prática religiosa
( ) 5. Não vejo utilidade
( ) 6. Participo e é útil por outro motivo. Qual? _____________________________
( ) 7. Não sabe / Não deseja responder
06. Com que frequência você encaminha informações ou notícias recebidas de
outros contatos ou grupos de WhatsApp?
8. Outro(s) Qual(is)?
________________________
( ) 1. Rádio ( ) 2. TV
( ) 3. Internet via celular ( ) 4. Jornais impressos
( ) 5. Amigos/Família ( ) 6. Pastor/Irmãos/ãs
( ) 7. Nenhuma ( ) 8. Outras. Qual? ______________________________
10. Quais dos seguintes motivos te levaram a excluir contatos, sair de um grupo
ou mesmo bloquear uma pessoa? (MÚLTIPLA RESPOSTA)
11. Por favor, indique a importância de cada aplicativo que você possui em seu celular.
Assinale “1” para aquele(s) que têm “pouca importância” e até “5” para aquele(s) que
têm “muita importância”. Marque “0” para aqueles que não utiliza ou não possui:
2. Compartilhar conteúdos
(foto, áudio, texto, vídeo,
memes)
3. Criar e administrar
grupos ou páginas no
WhatsApp ou no Facebook
4. Postar e replicar
mensagens em diferentes
aplicativos (do Facebook
para o WhatsApp, de
um site para o Twitter e
outras combinações)
5. Produzir conteúdos
para mensagens e posts
(fotos, áudios, vídeos,
texto, memes, lives,
stories, etc)
( ) 1. Angustiado/a ( ) 2. Enganado/a
( ) 3. Envergonhado/a ( ) 4. Frustrado/a
( ) 5. Impotente ( ) 6. Indiferente
( ) 7. Indignado/a ( ) 8. Irado/a
( ) 9. Irônico/a ( ) 10. Provocativo/a
( ) 11. Tolo/a ( ) 12. Vingado/a
( ) 13. Não lembro/Não vivi essa situação
27. Nos últimos seis meses, com que frequência você foi à Igreja ou participou
de reuniões relacionadas à religião?
29. Como você sabe, muita gente quando pensa em política utiliza os termos
esquerda e direita. No quadro abaixo em qual posição política você se colocaria,
sendo que a posição “um” é o máximo à esquerda e a posição “sete” é o máximo
à direita?
esquerda direita
(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7)
30. Com qual das seguintes três afirmações você concorda mais?
( ) 1. A democracia é preferível a qualquer outro tipo de governo.
( ) 2. Em certas situações, um governo autoritário pode ser preferível
a um democrático.
( ) 3. Para pessoas como eu, não importa se temos um governo democrático
ou não democrático.
31. Por favor indique se possui e a quantidade dos itens abaixo. Todos os itens
devem estar funcionando, incluindo os que estão guardados. Caso não estejam
funcionando, considere apenas se tiver intenção de consertar ou repor nos
próximos seis meses.
Quantidade de banheiros
DVD de automóvel
Quantidade de geladeiras
Quantidade de freezers independentes ou
parte da geladeira duplex
Quantidade de microcomputadores,
considerando computadores de mesa,
laptops, notebooks e netbooks e
desconsiderando tablets, palms ou
smartphones
Quantidade de lavadora de louças
Quantidade de motocicletas,
desconsiderando as usadas
exclusivamente para uso profissional
Quantidade de máquinas secadoras de
roupas, considerando lava e seca
32. A água utilizada em seu domicílio é proveniente de?
33. Considerando o trecho da rua do seu domicílio, você diria que a rua é:
( ) 1. Solteiro(a) ( ) 2. Desquitado(a)/Divorciado(a)
( ) 3. Viúvo(a) ( ) 4. Separado(a)
( ) 5. Casado(a)/Companheiro(a) ( ) 6. Prefiro não identificar