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A CONSTRUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO NOS DISCURSOS DAS FAKE

NEWS/DESINFORMAÇÃO SOBRE A COVID-19


Cleânia Martins de Oliveira.1

Marcos Paulo da Silva.2

Viviane Martins de Oliveira.3

RESUMO
O presente trabalho pretende abordar uma temática que se faz emergente discutir
na contemporaneidade, por seu poder de persuasão e disseminação em rede: as
fake news/desinformação. Desse modo, serão destacados pressupostos
concernentes à argumentação no discurso (AMOSSY, 2011, 2012, 2020) e à análise
do discurso (ORLANDI,1998), a fim de se compreender o processo pelo qual se dá a
construção da argumentação nos discursos das fake news referentes à covid-19,
bem como seus efeitos no que concerne à proliferação de notícias falsas. Com base
nesta discussão, apontamos para a necessidade de se analisar criticamente esses
discursos, seus modos de convencimento e adesão, na tentativa de sensibilizar
alunos e comunidade escolar sobre a importância de se filtrar as informações,
avaliar sua procedência e veracidade, a fim de que não incorra no erro de
compartilhar conteúdos duvidosos no âmbito digital.

Palavras-chave: fake news. Argumentação. Análise do discurso. Leitor crítico.


1. Introdução
Atualmente, vivemos em uma sociedade conectada em rede, que nos trouxe
um grande desafio: distinguir o que é verdade e o que é mentira, em meio a um
turbilhão de informações instantâneas. Evidencia-se nesse contexto, o poder e a
influência da tecnologia na proliferação dessas notícias, sejam elas verdadeiras ou
não. Desse modo, a partir dessas constatações e inquietações, surgiu a ideia de
desenvolver um estudo descritivo e analítico sobre o fenômeno fake news, que

1
Professora da Educação Básica, formada em Letras/Língua Portuguesa pela Universidade Estadual
do Ceará-UECE. Mestranda da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
Brasileira-UNILAB.
2
Professor da Educação Básica, formado em Letras/Língua Portuguesa pela Universidade Estadual
Vale do Acaraú-UVA. Mestrando da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
Brasileira-UNILAB.
3
Professora da Educação Básica, formada em Letras/Língua Portuguesa pela Universidade Estadual
do Ceará-UECE. Especialista em Ensino de Língua Portuguesa pela Faculdade Futura.
ampliamos para o conceito de Desinformação, pela abrangência dos discursos e
gêneros discursivos em que aparecem, tendo como foco o processo de construção
argumentativa desses discursos, que entendemos que se dão em forma de
narrativas, utilizando-se do interdiscurso, da persuasão e da legitimação para
sustentá-la.
Dessa forma, nosso objetivo com este trabalho pode ser então sumarizado
na busca por responder às seguintes perguntas: Quais estratégias argumentativas
são utilizadas nos discursos das fake news sobre a pandemia da Covid-19? Quais
argumentos são mais recorrentes nos discursos nessas fake news? De que forma
esses discursos influenciam na produção e disseminação de notícias falsas? De que
modo a escola pode contribuir para a formação do leitor crítico nas mídias digitais?
Para isso, a pesquisa contou com as seguintes bases teórico-metodológicas: 1) com
relação ao conceito de fake news e desinformação, utilizamos Derosa (2019), Braga
(2018), Tandoc (2019), Bucci (2018), Delmazo (2018) e Obercom (2018); 2) no que
dizer respeito à noção de argumentação, a partir do ponto de vista da Análise do
Discurso, lançamos mão das contribuições de Orlandi (1998) e Amossy (2010, 2012,
2020).
Ademais, objetivou-se com essa pesquisa fomentar o diálogo acerca das
fake news/da desinformação, no intuito de desenvolver a criticidade dos educandos
enquanto usuários das mídias digitais, evitando assim, a produção e proliferação
dessas notícias.
2. Metodologia
Para isso, realizamos encontros e debates, via google meet, com os alunos
das 3ª séries da EEM Deputado Ubiratan Diniz de Aguiar, nas aulas de Língua
Portuguesa e Redação, iniciando com questionamentos sobre a forma como se
informam atualmente, por quais canais veem notícias e se analisam a veracidade
dessas notícias antes de compartilhá-las. Em seguida, apresentamos algumas
informações relacionadas à covid-19, que foram veiculadas nas mídias digitais e que
tiveram grande repercussão. Realizamos ainda uma análise discursiva dessas
notícias, observando até que ponto poderiam ser consideradas verdadeiras ou não,
o que levaria as pessoas a acreditarem nas informações ali contidas e de que modo
os argumentos eram construídos no decorrer dos discursos. Após essa prévia
análise, partimos para o conceito de fake news e sua inter-relação com as mídias
digitais, especificamente com as redes sociais atualmente. Discutimos, sobretudo
como o fenômeno fake news vai muito além de notícias falsas, implicando numa
“pandemia” de desinformação. Refletimos ainda, o quanto nesse período pandêmico
a proliferação de notícias falsas e desinformação intensificaram-se, causando tantos
danos à sociedade. Realizadas tais discussões, que consideramos pertinentes para
o objetivo do nosso trabalho, partimos para a análise dos argumentos construídos
nos discursos de algumas fake news que selecionamos para esse momento.
Discutimos com os alunos como os discursos desse tipo de gênero são intencionais,
como ideologias, contexto histórico e social perpassam esses discursos, como os
sujeitos são levados a acreditarem e adotarem para si determinados conceitos ao
ponto de compartilhar informações sem uma devida verificação.

E por fim, destacamos a importância de nos tornarmos leitores críticos das


mídias digitais, a fim de que sejamos capazes de averiguar informações, fontes e
formas argumentativas dos discursos das notícias que circulam no meio digital, e
não fiquemos sujeitos à manipulação e armadilhas das fake news/desinformação.

3. Resultados e discussão
Uma sociedade conectada em rede, com informações advindas de todos os
meios e de todas as formas, com notícias apresentadas instantaneamente e fatos
que se transformam a cada instante, implica na necessidade urgente de que
discussões e reflexões sobre discursos vários sejam realizadas a fim de que
despertemos o senso crítico e um olhar mais atento às formas de como esses
discursos são construídos e influenciam no comportamento dos indivíduos. Sobre
isso, quando perguntado quais canais os alunos veem notícias e se analisam a
veracidade dessas notícias antes de compartilhá-las, a resposta se deu da seguinte
maneira:
Quais canais veem notícias e se analisam a veracidade
dessas notícias antes de compartilhá-las?
6%

64%
74%

20%
20% 10%

Redes sociais Jornais on lines


jormais televisivos Buscam a veracidade
Não buscam não veracidade Não veem e não compartilham

Em seguida, foram apresentadas informações sobre a covid-19, que foram


propagadas nas mídias digitais e que tiveram grande repercussão, analisando e
observando até que ponto poderiam ser consideradas verdadeiras ou não, tendo a
seguinte análise:

Análise das notícias de grande repercussão nas


mídias, classificando em verdadeiras e falsas
5%

12%

73%

Verdadeiras Falsas Não tinham certeza

Percebemos nessa análise, que ao serem confrontados se as notícias


apresentadas eram verdadeiras ou falsas, a maioria dos alunos considerava
verdadeiras, sendo que algumas delas eram fakes news. Desse modo, observamos
que, na maioria das vezes, os discentes não analisam se o discurso, a fonte e a
informação são verídicas.
Assim, cabe à escola, portanto, desenvolver nos educandos habilidades de
leitura, de análises discursivas e criticidade diante de discursos que emergem das
mídias digitais, especificamente nos discursos de notícias falsas e desinformação
que permeiam essas esferas. Desse modo, o estudo da argumentação, das
estratégias utilizadas para manipular e convencer os leitores, é de suma importância
para que se formem leitores mais críticos capazes de analisar, averiguar e comparar
o que lê, assiste ou ouve, evitando que se prolifere e dissemine informações
inverídicas na sociedade. Já que segundo Silverman (2018), o ambiente virtual é
capaz de manipular, moldar e distorcer a própria realidade, uma vez que seguidores
passam a ter capacidade de se tornarem disseminadores e replicarem informações
erradas, impactando outras tantas pessoas. Assim, a presente pesquisa buscou
despertar nos educandos a capacidade de interpretar os enunciados de forma crítica
e criteriosa, para não tornarem-se assujeitados a um sistema de manipulação
baseado em ideias falsas e enganosas, veiculadas nos meios digitais. Desse modo,
os estudantes tiveram a oportunidade de conhecer, discutir e analisar estratégias
discursivas de argumentação, bem como descobrir a forma como essas estratégias
influenciam no comportamento dos indivíduos. Um olhar mais crítico e atencioso foi
aguçado a partir dessa pesquisa e discussões realizadas.

4. Considerações finais/Conclusão
Diante desse contexto, percebe-se que o trabalho com a argumentação na
sala de aula se configura como uma atividade de suma importância para o
desenvolvimento de habilidades de leitura crítica e analítica, levando os educandos
a refletirem sobre o que está se lendo, assistindo ou ouvindo, principalmente ao se
referir aos meios digitais, bem como perceber a intencionalidade do interlocutor ao
produzir esses discursos. As discussões e análises realizadas a partir da
argumentação nos discursos das fake news apresentadas no trabalho despertaram
nos educandos um olhar mais crítico e de curadoria diante de um turbilhão de
notícias e informações a que somos submetidos na contemporaneidade. Assim, foi
possível perceber que o trabalho trouxe resultados bem sucedidos, por proporcionar
a abertura de novas concepções, novos diálogos, bem como a construção de novos
saberes, evitando que esses sujeitos sejam manipulados e orientados por discursos
inverídicos e intencionais, em que subjazem ideologias e objetivos diversificados.
REFERÊNCIAS

AMOSSY, Ruth. A argumentação no discurso. Coordenação da tradução: Eduardo


Lopes Piris e Moisés Olímpio-Ferreira; tradução de Angela M.S. Côrrea...[et al.]. – 1.
ed., 1ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2020.

________O ethos na intersecção das disciplinas: retórica, pragmática, Sociologia


dos campos. In: AMOSSY, Ruth (org). Imagens de si no discurso: a construção do
ethos. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2012.

________Contribuição da nova retórica para a AD: o estatuto do lógos nas


ciências da linguagem.Trad. Gláucia Muniz Proença Lara e Renata Aiala de Melo. In:
EMEDIATO, Wander; LARA, Gláucia Muniz Proença (Org.). Análises do discurso
hoje, v.4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.

BRAGA, Renê Morais da Costa. A indústria da fake news e o discurso de ódio. In:
PEREIRA, Rodolfo Viana (Org.). Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de
ódio: volume I. 2018. p. 203-220.

BUCCI, Eugênio. Pós-política e corrosão da verdade. Dossiê pós-verdade e jornalismo,


Revista USP. São Paulo, n. 116, 2018.

DELMAZO, Caroline; VALENTE, Jonas C.L. Fake news nas redes sociais online:
propagação e reações à desinformação em busca de cliques. Media & Jornalismo,
Lisboa, v.18, n.32, p.155-169, abr. 2018. Disponível em:
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2183546220180001000
12&lng=pt&nrm=iso

DEROSA, Cristian. Fake News - Quando os Jornais Fingem Fazer Jornalismo. Ed.
Estudos Nacionais, 2019.

OBERCOM. As Fake Newsnuma sociedade pós-verdade Contextualização, potenciais


soluções e análise. OBERCOM Investigações e Saber em comunicação, 2018. Disponível
em: www.obercom.pt.

ORLANDI, E. A Linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso.Campinas:


Pontes; Unicamp, 1998.

SILVERMAN, C. Eu ajudei a popularizar o termo “fake news”, mas hoje sinto


calafrios ao ouvi-lo. Buzzfeed. 2018. Retirado de:
https://www.buzzfeed.com/craigsilverman/historia-fake-news.

TANDOC, Edson C. Os fatos das notícias falsas: uma revisão de pesquisa. Wiley Online
Library, 2019. Disponível em:
<https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/soc4.12724>.

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